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MANEJO ALIMENTAR E NUTRICIONAL DE UM GAMBÁ-DE-ORELHA-BRANCA (Didelphis

albiventris, LUND, 1840) COM PARALISIA DOS MEMBROS ESQUERDOS EM


REABILITAÇÃO – Relato de Caso

Fernanda Cupertino dos Santos Lima1, Bruna Biava de Menezes2


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Graduanda em Zootecnia, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Email:
fernanda_cupertino@hotmail.com
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Doutoranda em Ciência Animal, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Email: bruna_biava@hotmail.com

Resumo: Espécies com ampla distribuição geográfica como gambá-de-orelha-branca podem apresentar
variações na dieta entre diferentes biomas ou habitats. Por isso, uma das maiores dificuldades a
reabilitação de Didelphis albiventris em cativeiro é a alimentação e nutrição adequada. Deste modo, vem
à importância do conhecimento que o técnico deve possuir sobre os hábitos alimentares e as estratégias de
sobrevivência em vida selvagem, principalmente, as interações entre o animal e ambiente. No presente
relato de caso um gambá, macho que possuía o lado esquerdo do corpo paralisado e com sangramento na
orelha esquerda, e ausência de consumo alimentar. A princípio o animal foi tratado com medicamento e
ofertado uma dieta balanceada, o mesmo apresentou dificuldade em se alimentar, com isso elaborou-se
uma papa que foi administrada até que o animal conseguiu se alimentar de compostos sólidos. Conforme
o tempo e a vivacidade por busca por alimento o animal foi estimulado com enriquecimento ambiental
alimentar, isso promoveu ao animal o deslocamento pelo cativeiro, o fortalecimento dos membros e a
presença de comportamento natural do gambá. Após seis semanas o animal foi reavaliado e constado com
apto ao regresso a natureza.
Palavras-chave: Cativeiro, enriquecimento ambiental, marsupial, nutrição de animais selvagens

FOOD AND NUTRITIONAL MANAGEMENT OF GAMBÁ-DE-ORELHA-BRANCA Didelphis


albiventris, LUND, 1840) WITH PARALYSIS OF LEFT MEMBERS IN REHABILITATION –
Case Report
Abstract: Species with a large geographical distribution such as gambá-de-orelha-branca can present
variations in diet between different biomes or habitats. One of the greatest difficulties the rehabilitation of
Didelphisalbiventris in captivity is appropriate food and nutrition. The importance of the technician know
ledge that must havea bout the eating habits and strategies of survival in wildlife, mainly, the interactions
between the animal and environment. In the present case report, a possum, male with left side of the body
paralyzed and with bleeding in the left ear, and absence of food consumption. At first the animal was
treated with medicine and offered a balanced diet, it presented difficulty in feeding, with that a pope was
elaborated that was administered untilthe animal was able to feed of solid compounds. According to the
time and the vivacity by search for food the animal was stimulated with environmental enrichment, this
promoted to the animal the displacement by the captivity, the strengthening of the members and the
presence of the natural behavior. After six weeks the animal was reevaluated and recorded with the
possibility of returning to nature.
Keywords: captivity, environmental enrichment, marsupial, wildlife nutrition

Introdução
O gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris, LUND, 1840) é o maior dos marsupiais
brasileiros, de porte médio, pesando de 2,0 a 5,5kg, com coloração cinza, pela combinação de pelos
compridos pretos e curtos brancos, marcantes orelhas claras e uma faixa preta na face, que inclui os olhos.
A maioria destes animais é de hábitos noturnos, desta forma de difícil observação na natureza, sendo os
vestígios deixados (pegadas, fezes e outros), os meios mais eficazes para detectar sua presença (Fonseca,
2003).
Devido à devastação da fauna e da flora, causadas pelas atividades humanas, muitos desses
animais migram para as zonas urbanas e rurais, pois, são nestas regiões que encontram alimentos em
abundância. E a partir do momento que estes animais aprendem a viver em um ambiente artificial criado
pelo homem, tornam-se pragas, pela falta de estudos de alguns seres humanos. Segundo Fonseca (2003),
nestes combates, geralmente o homem envenena e mata também animais que não o prejudicam da mesma

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forma pela falta de estudos e um controle adequado.
A partir disso, esses marsupiais se fazem cada vez mais presentes em Centros de Reabilitação de
Animais Silvestres (CRAS) e Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), vitimas de violência
humana, atropelamentos, desalojamentos, com traumas, dentre outros (Felippe et al., 2014). Faz-se assim
desses locais, uma maneira de reabilitá-los enquanto necessitam de cuidados especiais, colaborando
diretamente na conservação da espécie.
Estudos sobre a dieta desses mamíferos em Cetas são de fundamental importância não só para a
compreensão de sua biologia, mas, também apresentam importantes implicações no processo de reabilitar
cada individuo. D. albiventris, se alimentam desde invertebrados (insetos), frutos com casca, ovos, até
pequenos vertebrados (roedores, lagartos), de hábito alimentar classificado como frugívoro-onívoro
(Fonseca, 2003; Silva et al., 2014).
Desta forma, está vinculada a necessidade de profissionais voltados para a área da nutrição de
animais selvagens, além dos cuidados clínicos, fundamentais cujos qual o animal necessita, pois o
objetivo final é resgatar, recuperar e quando estiver totalmente reabilitado que seja reinserido na natureza.
Além do estudo dos hábitos alimentares, conhecer as estratégias de sobrevivência dos animais em vida
selvagem, principalmente, as interações entre o animal e o ambiente no qual está inserido.
Por fim, o papel de um zootecnista em um Cetas, é de suma importância para a alimentação e a
nutrição, visto que, são ferramentas importantes que irão, juntamente com um manejo adequado e
cuidados dos médicos veterinários, proporcionar uma redução no tempo que os indivíduos permanecerão
em cativeiro. O presente trabalho tem por objetivo relatar um caso de reabilitação de um indivíduo de
Didelphis albiventris, apresentando paralisia dos membros esquerdos e falta de apetite em um Cetas.

Relato de caso
Foi atendido no CRAS/IMASUL – MS, um indivíduo de Didelphis albiventris, macho, adulto,
sem histórico de acontecimento, cujo apresentava paralisia dos membros esquerdos, presença de sangue
no canal auditivo esquerdo e ausência no consumo de alimento. O mesmo, não aparentava
comportamento agressivo, não se locomovia e permanecia imóvel em todos os períodos, mesmo no
período noturno.
Após a uma avaliação do médico veterinário responsável, deduziu-se ser um trauma cranial que
causou o estado clínico do presente animal. Logo, aplicou 0,5ml de dexa-citoneurin, injetável e
intramuscular. A partir dos cuidados veterinários, pode-se agir no manejo alimentar do indivíduo. No
período matutino foi ofertado um triturado composto por abóbora-paulista, beterraba, cenoura, grão de
milho duro e ração para cachorros, e no período vespertino, a dieta baseou em pedaços de frutos com
casca (banana, maça e mamão), porém o animal não apresentou avidez em consumir a dieta, no dia
seguinte o indivíduo não havia ingerido nada do que foi ofertado, a comida estava intacta.
No segundo dia de internação, no período matutino e vespertino, optou-se em modificar a dieta
desta vez por uma de forma líquida descrita como “papa A” que continha 25 ml de leite baixa lactose,
uma gema de ovo e uma colher de chá de mel. Esta fonte de alimento foi ofertada ao indivíduo com o
auxílio de uma seringa. Mesmo em seu estado clínico com dificuldades locomotoras, o indivíduo aceitou
a alimentação. Desta forma o marsupial conseguiu ingerir 50 ml da papa ao longo do dia. No final do dia
foi ofertada a mesma quantidade de frutos com casca e o triturado do dia anterior. No recinto foi
adicionado galhos com folhas, uma toquinha forrada de soft para diminuir o estresse ao qual ele
enfrentara.
No terceiro dia, observou que o animal tentou se locomover, provavelmente o enriquecimento
pode ter corroborado com a locomoção dentro do recinto. Porém, os frutos com casca e o triturado
permaneceram intactos. Logo, optou-se por mudar sua dieta para a “papa B”, composta por 25ml de água,
um ovo, 1/3 de Aminomix pet - Vetnil® comprimido, ½ banana, ½ maça, um pedaço pequeno de
mamão. A papa B foi ofertada das 8h às 11h e das 14h às 17h, em uma pequena vasilha ao invés da
seringa, para estimular o animal a ter autonomia para se alimentar. Então com o auxílio de luvas de couro,
foi possível manipular o animal até a vasilha, desta forma o animal conseguiu se alimentar sozinho. No
final do dia novamente foi fornecido a mesma quantidade de fruta com cascas e o triturado.
No quarto dia, notou-se a mesma observação de locomoção, porém desta vez o animal tentou se
alimentar dos frutos com casca e do triturado, pois o alimento se encontrava revirado e em menor
quantidade ao que foi fornecido. Devido a este fator, além de manter a papa B no mesmo horário do

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período matutino, foi adicionado no período vespertino uma fonte de alimento sólida (20g de peito de
frango triturado e sem ossos). Mantendo a mesma quantidade de frutos com casca e triturado ofertado ao
animal no fim do dia.
No quinto dia, o gambá conseguiu se alimentar da banana e maçã que havia sido colocado no dia
anterior, com sobras apenas de alguns pedaços de mamão e do triturado. Desta forma a papa B foi
ofertada apenas na parte da manhã, e manteve a quantidade de peito de frango no período vespertino.
No sétimo dia iniciou-se o processo de estimulação para que o animal recuperasse os movimentos
normais do corpo, começando pelo rabo do animal. A papa B foi eliminada da dieta do animal quando
notou que o indivíduo passou a comer os frutos com casca e triturado no período noturno. Desde então a
cada dia, às 13h, era ofertado como fonte de proteína um ovo ou peito de frango de maneira intercalada,
mais os frutos com casca e triturado no fim do período vespertino. E assim, manteve-se até o final de sua
reabilitação.
Após quatro semanas de tratamento alimentar, com a estimulação para o animal se locomover
sozinho, e como enriquecimento ambiental, o indivíduo passou a andar sozinho por pequenas distancias.
A partir deste fato, o animal foi estimulado a procurar pelo alimento e evitando assim, a facilidade de
oferta alimentar ao induzir o animal a locomover pelo recinto. Desta forma, o alimento foi colocado no
recinto como um enriquecimento ambiental alimentar, com auxilio de caixas de papelão e redes feitas de
galhos com folhas, o que proporcionou ao gambá um estímulo no processo de captura do alimento.
Por fim, após seis semanas o indivíduo se locomovia de sem grandes dificuldades, embora ainda
possuísse reflexos da sua paralisia por breves momentos. E então foi feito um exame no marsupial e
através da avaliação dos técnicos responsáveis, o animal estava apto a ser reintroduzido ao seu ambiente
natural.

Discussão
O presente estudo avaliou o repertório alimentar e clínico de um Didelphis albiventris debilitado
em um Cetas, onde foi possível observar o desenvolvimento deste indivíduo no seu estado clínico, com o
suporte nutricional, alimentar e com medidas através do enriquecimento ambiental, que lhe oferecesse
bem-estar animal, estimulando assim, um comportamento mais próximo ao natural.
O quadro clínico inicial era grave, pois além da paralisia, o animal não ingeria o alimento sozinho.
Com isso, fez-se necessário a utilização de uma fonte de alimento líquida, a fim de oferecer alimentos
ricos em nutrientes, com o auxílio de uma seringa. A medicação e a alimentação foram dois aliados de
extrema importância para a recuperação da sanidade do animal.
Cada componente das duas papas foram selecionadas de acordo com a disponibilidade do
CRAS/IMASUL-MS e seus valores e biodisponibilidade nutricional, a fim de melhorar o quadro do
respectivo animal. E basicamente, os animais necessitam de uma dieta composta por três itens principais:
água, energia e nutrientes como vitaminas, minerais, aminoácidos e ácidos graxos, para a sua mantença.
Observou-se que no terceiro dia o marsupial havia realizado sua primeira tentativa de locomoção,
pois, no período vespertino do dia anterior, inseriu um enriquecimento ambiental composto por os galhos
e folhas por fora de sua toquinha e em torno do recinto. Esses galhos e folhasse encontravam caídos e
revirados. Optou-se por mudar sua dieta para a “papa B”, fazendo uso do Aminomix pet - Vetnil®, pois, é
uma fonte palatável que fornece as doses diárias de vitaminas, minerais e aminoácidos, e como foi
observado que o indivíduo ainda não havia ingerido o alimento sólido, a escolha por trocar a papa foi para
garantir o consumo de nutrientes fundamentais para a mantença do animal.
Na segunda semana de reabilitação, iniciou-se um processo para estimular a locomoção do
marsupial. Com o dedo indicador, alisava o rabo do indivíduo para que ele realizasse o movimento
natural no seu membro, enrolar o rabo no dedo. Constatou que no início o animal apresentava grande
dificuldade de exercer tal movimento natural, porém, à medida que o animal se alimentava,
gradativamente o gambá conseguia executar o movimento com mais força, tanto o rabo quanto as patas.
Na mesma semana, a papa B foi eliminada da dieta do indivíduo, devido ao seu grau evolutivo na
reabilitação ingerindo alimentos sólidos. O uso de enriquecimento ambiental alimentar distribuído no
recinto foi utilizado quando foi observado que o mamífero conseguia locomover sozinho explorando o
cativeiro. O animal conseguiu resolver todos os enigmas do enriquecimento alimentar.
No processo de reabilitação, a maneira com a qual a dieta é ofertada para animais selvagens em
cativeiro, é um dos fatores de maior relevância na elaboração de dietas. Faz com que a alimentação atenda

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aos anseios nutricionais, morfofisiológicos e psicológicos de cada animal. Os fatores psicológicos estão
relacionados com o bem-estar do animal (Faria, 2011), com isso, o alimento se torna um atrativo, um
momento de ocupação e diversão de animais mantidos em recintos.
Portanto, através desse enriquecimento ambiental alimentar e a forma de apresentação do
alimento, observou-se que o indivíduo apresentou gradualmente seus comportamentos naturais, como a
alimentação somente no período noturno, quando acuado propositalmente abria a boca e vocalizava com
um comportamento mais agressivo de quando ele chegou, formas de enfrentar e quebrar enigmas para se
alimentar e força para se locomover e escalar o recinto no período noturno.
Por fim, após seis semanas o indivíduo se locomovia de forma saudável, embora ainda possuísse
reflexos da sua paralisia por breves momentos. E então foi feito um exame no marsupial e através da
avaliação dos técnicos responsáveis, o animal estava apto a ser reintroduzido ao seu ambiente natural. O
biólogo responsável avaliou um local adequado e seguro, longe das zonas urbanas e rurais. Após seis
semanas e um dia, o animal estava reabilitado e reintroduzido na natureza.
A reabilitação de D. albiventris, faz-se de suma importância, pois, são animais de extrema
importância para a fauna e flora, visto que são capazes de colaborar na à regeneração da vegetação pela
dispersão de sementes e, portanto, têm um papel importante nas áreas de degradação onde os frugívoros
especializados estão ausentes.

Conclusão
O gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris) foi reabilitado com cuidados clínicos, e
pricipalmente devido aos estímulos alimentar e motor, que foram capazesde reverter o quadro inicial de
paralisia na qual o animal se encontrava. Os ajustes na dieta e a forma de oferta do alimento, bem como o
enriquecimento, foram fundamentais para incitar o animal a explorar o recinto e fortalecer os membros,
até que o mesmo foi considerado apito a retornar a natureza.

Literatura citada
FARIA, A, R, G. Manejo Alimentar e Nutricional de Animais Selvagens para Centros de Triagem. 2011.
FELIPPE.P.A.N.; ADANIA.C.H.Tratado de Animais Selvagens: Medicina Veterinária. 2.ed.v.1.p.Cap 1.
p. 2- 9. 2014
FONSECA, L. E. A.D. Adaptações de Didelphis albiventris, Lund. para o ambiente urbano. 2003.
SILVA, A.R.D.; FORNECK, E. D.; BORDGNON, S.A.D.L.; CADEMARTORI, C.V. Diet of Didelphis
albiventris, Lund, 1840 (Didelphimorphia, Didelphidae) in two periurbanareas in southern Brazil. 2014.

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