Título: Tratamento de Esgotos Sanitários por Processo Anaeróbio e Disposição Controlada no Solo - 1999.
O processo anaeróbio usando reatores de manta de lodo oferece
várias vantagens sobre os métodos aeróbios tradicionais, especialmente em áreas de clima quente, como a maioria das cidades no Brasil. As vantagens associadas ao reator são : ● Sistema compacto, com baixa demanda de área. ● Baixo custo de implantação e de operação. ● Baixa produção de lodo. ● Baixo consumo de energia (apenas para a elevatória de chegada, quando for o caso). ● Satisfatória eficiência de remoção de DBO e de DQO, da ordem de 65% a 75%. ● Possibilidade de rápido reinício, mesmo após longas paralisações. ● Elevada concentração do lodo excedente. ● Boa desidratação do lodo. E alguns desvantagens são : ● Possibilidade de emanação de maus odores. ● Baixa capacidade do sistema em tolerar cargas tóxicas. ● Elevado intervalo de tempo necessário para a partida do sistema. ● Necessidade de uma etapa de pós-tratamento. Ainda relacionada às vantagens dos reatores de manta de lodo no tratamento de esgoto doméstico em climas quentes, enfatiza-se que, quando bem projetados, construídos e operados, esses sistemas podem lidar com compostos de enxofre e materiais tóxicos em níveis baixos sem problemas de mau cheiro ou falhas. A partida do sistema pode ser lenta (4 a 6 meses), mas avanços foram feitos com metodologias adequadas e inóculos, reduzindo o período de partida para algumas semanas (2 ou 3 semanas). Apesar das vantagens, a qualidade do efluente ainda não atende aos padrões ambientais, o que é crucial devido à fiscalização rigorosa dos órgãos ambientais. Destaca-se ainda a simplicidade do projeto dos reatores de manta de lodo, mas ressalta a falta de um roteiro claro e sistematizado para os projetistas, levando a equívocos de projeto em alguns casos. O texto também menciona a necessidade de ordenar os critérios de projeto para evitar esses equívocos. O Brasil está na vanguarda da tecnologia anaeróbia para o tratamento de esgotos domésticos, especialmente com os reatores tipo UASB. Mais de 300 desses reatores estão atualmente em operação no país, principalmente nos estados do Paraná e da Bahia, além de outros estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pará, Paraíba, São Paulo e Distrito Federal. A nomenclatura dos reatores de manta de lodo no Brasil é confusa, mas esses reatores, originados na Holanda na década de 1970, foram chamados de reatores UASB (Reatores Anaeróbios de Fluxo Ascendente e Manta de Lodo). Algumas terminologias usadas no Brasil tem sido divulgadas para identificação desse tipo de reator, são elas : ● DAFA (digestor anaeróbio de fluxo ascendente). ● RAFA (reator anaeróbio de fluxo ascendente). ● RALF (reator anaeróbio de leito fluidizado). ● RAFAMAL (reator anaeróbio de fluxo ascendente e manta de lodo). ● RAFAALL (reator anaeróbio de fluxo ascendente através de leito de lodo). Mas para que haja hamonização e difusão dessa modalidade de tratamento os autores defendem o uso das denominações a seguir : ● Reator UASB. ● Reator de manta de lodo. ● Reator anaeróbio de fluxo ascendente e manta de lodo.
Quanto ao processo de inicialização e operação do reator de manta de
lodo, destaca-se a importância no tratamento de esgoto. Durante a partida, o reator é inoculado com lodo anaeróbio e a taxa de alimentação aumenta gradualmente. Isso leva ao desenvolvimento de um leito de lodo concentrado no fundo do reator, com densidade e características de sedimentação excelentes. Acima desse leito, há uma zona de lodo mais dispersa chamada manta de lodo. O sistema é auto suficiente devido ao movimento ascendente do gás e do esgoto. Um separador trifásico é essencial para reter e retornar o lodo. Os reatores UASB têm alta capacidade de retenção de biomassa e aceitam altas cargas orgânicas, sendo notáveis por sua simplicidade construtiva e baixos custos operacionais. Alguns princípios-chave incluem o máximo contato entre biomassa e substrato, evitar "curto-circuitos", e um dispositivo eficaz de separação de fases, além de um lodo bem adaptado na região da manta. Os princípios mais importantes que governam a operação de um reator de manta de lodo são os seguintes: ● As características do fluxo ascendente devem assegurar o máximo contato entre a biomassa e o substrato. ● Os "curto-circuitos" devem ser evitados, de forma a garantir tempo suficiente para a degradação da matéria orgânica. ● O sistema deve ter um dispositivo de separação de fases bem projetado, capaz de separar de forma adequada o biogás, o líquido e os sólidos, liberando os dois primeiros e permitindo a retenção do último. ● O lodo na região da manta deve ser bem adaptado, com alta atividade metanogênica específica (AME) e excelente sedimentabilidade. Em relação à sedimentabilidade, o lodo granulado apresenta características bem melhores que as do lodo floculento.
Os reatores anaeróbios de manta de lodo, inicialmente criados para
efluentes industriais, foram adaptados para tratamento de esgotos domésticos, resultando em diferentes configurações. No tratamento de esgotos, o dimensionamento é feito pela carga hidráulica, sendo crucial controlar as velocidades ascendentes nos compartimentos de digestão e decantação para manter a estabilidade do processo. Em sistemas de esgotos domésticos, o dispositivo de distribuição do afluente está na parte superior, levando a uma possível redução da área superficial do compartimento de decantação. Para lidar com variações extremas de vazão, pode ser necessário aumentar a seção transversal do reator próximo ao compartimento de decantação. Os reatores podem ser circulares ou retangulares; os circulares são mais econômicos para pequenas populações, enquanto os retangulares são preferíveis para modulações e grandes populações. Existe ainda uma variante chamada reator anaeróbio de leito fluidizado (RALF) desenvolvido pela SANEPAR. Para alcançar melhor desenvolvimento e manutenção de um lodo de alta atividade e boa sedimentação em reatores de manta de lodo anaeróbio, são necessárias medidas específicas durante o projeto e a operação do sistema como a concentração do esgoto, a presença de substâncias tóxicas e a quantidade de sólidos inertes e biodegradáveis. O projeto de reatores com valores superiores de carga hidráulica (ou inferiores de tempo de detenção hidráulica) pode prejudicar o funcionamento do sistema em relação aos seguintes aspectos principais: • Perda excessiva de biomassa do sistema, devido ao arraste do lodo com o efluente. • Redução do tempo de residência celular (idade do lodo) e conseqüente diminuição do grau de estabilização dos sólidos. • Possibilidade de falha do sistema, uma vez que o tempo de permanência da biomassa no sistema pode ser inferior ao seu tempo de crescimento. Em relação à estimativa da concentração de sólidos suspensos no efluente final de reatores UASB. Essa concentração depende de vários fatores, como a sedimentabilidade do lodo no reator, a frequência de descarte de lodo, as velocidades nas aberturas para o decantador, a eficiência dos separadores de fases e as taxas de aplicação e tempos de detenção hidráulica nos compartimentos do reator. A análise de dados feita em quatro reatores, revelou que as concentrações de sólidos no efluente variam significativamente com o tempo de detenção hidráulica, situando-se entre 20 e 100 mg/l. Para evitar a influência desses fatores na eficiência da remoção de matéria orgânica, a DQO do efluente decantado é avaliada em cone Imhoff por 1 hora. Com isso, considera-se uma equação que representa a concentração esperada de sólidos no efluente, embora com limitações devido ao número reduzido de dados e a variáveis não consideradas na equação. Para obter eficiência nos reatores de manta de lodo, é crucial distribuir uniformemente o substrato afluente na parte inferior, assegurando contato adequado entre a biomassa e o substrato. Evitar caminhos preferenciais (curto-circuitos) no leito de lodo é essencial, especialmente ao tratar esgotos de baixa concentração ou baixas temperaturas, onde a produção de biogás pode ser insuficiente para uma mistura adequada. Outros riscos potenciais para a ocorrência de curto-circuitos são: ● Pequena altura do leito de lodo. ● Pequeno número de distribuidores do afluente. ● Ocorrência de lodos com velocidades de sedimentação muito elevadas e/ou muito concentrados.
Em relação a partida dos reatores anaeróbios de alta taxa, um estágio
crítico que impacta a eficiência dos sistemas. A eficiência desses sistemas depende das características do esgoto a ser tratado. A partida pode ser realizada usando lodo adaptado ao esgoto (rápido e satisfatório), lodo não adaptado (com período de adaptação) ou sem lodo de inóculo (mais demorado). A sistematização dos procedimentos operacionais é crucial, especialmente para reatores de manta de lodo. Os critérios como a carga biológica inicial aplicada ao sistema, pode variar de acordo com o tipo de inóculo e deve ser aumentada gradualmente para melhorar a eficiência do sistema durante o regime permanente. Durante a partida dos reatores anaeróbios de alta taxa, vários fatores influenciam o processo. A carga hidráulica volumétrica remove a biomassa sedimentável, favorecendo a seleção da biomassa ativa e afetando a mistura no reator. A produção excessiva de biogás pode prejudicar o processo, levando à perda de lodo. A temperatura ideal para operação é de 30°C a 35°C, mas em esgotos domésticos, geralmente varia de 20°C a 26°C. Em temperaturas subótimas, é crucial usar lodo adaptado ao esgoto. Fatores ambientais, especialmente a temperatura, devem estar o mais próximo possível das condições ideais para uma partida eficaz do sistema, mas isso é muitas vezes desafiador no tratamento de esgotos domésticos. O pH deve ser mantido acima de 6,5, preferencialmente entre 6,8 e 7,2. Todos os nutrientes essenciais (nitrogênio, fósforo, enxofre e micronutrientes) devem estar presentes em quantidades adequadas, e compostos tóxicos devem estar ausentes ou em concentrações não inibitórias. Na adaptação e seleção da biomassa em reatores de manta de lodo, é crucial evitar o retorno do lodo disperso perdido com o efluente, promover diluição ou recirculação quando a concentração do efluente for alta, aumentar a carga orgânica gradualmente, manter as concentrações de ácido acético dentro de limites específicos (abaixo de 200 a 300 mg/l para esgotos domésticos) e garantir a alcalinidade adequada para manter o pH próximo a 7.
Adaptação e Seleção da Biomassa
A primeira partida de um reator anaeróbio é um processo relativamente delicado. No caso dos reatores de manta de lodo, a remoção suficiente e contínua da fração mais leve do lodo é essencial, de forma a propiciar a seleção do lodo mais pesado para crescimento e agregação. As principais diretrizes para a adaptação e seleção da biomassa em reatores de manta de lodo são as seguintes (Lettinga et al., 1984): ● Não retornar ao reator o lodo disperso perdido juntamente com o efluente. ● Promover a diluição do afluente ou a recirculação do efluente, quando a concentração da água residuária for superior a 5.000 mgDQ0/. ● Aumentar a carga orgânica progressivamente, sempre que a remoção de DBO/ DQO atingir pelo menos 60%. ● Manter as concentrações de ácido acético abaixo de 1.000 mg/l. No caso do tratamento de esgotos domésticos, as concentrações de ácido acético no reator são bem inferiores, devendo ser mantidas abaixo de 200 a 300 mg/1. ● Prover a alcalinidade necessária ao sistema, de forma a manter o pH próximo a 7.
Procedimentos Que Antecedem a Partida de um Reator
Caracterização do Esgoto Bruto A fim de estabelecer a rotina de partida do reator anaeróbio, deve-se proceder também uma campanha de caracterização qualitativa e quantitativa do esgoto bruto afluente ao sistema de tratamento. Caracterização do Lodo de Inóculo Definida a utilização de lodo de inóculo para a partida do reator, devem ser realizadas análises para a sua caracterização qualitativa e quantitativa, incluindo os seguintes parâmetros: pH, alcalinidade bicarbonato, ácidos graxos voláteis, sólidos totais (ST), sólidos voláteis totais (SVT) e atividade metanogênica específica (AME). Além dos parâmetros referidos acima, deve-se proceder com uma caracterização visual e olfativa do lodo. Procedimentos Durante a Partida de um Reator Anaeróbio Os procedimentos durante a partida de um reator referem-se principalmente: i) à inoculação; ii) à alimentação com esgotos; e iii) ao monitoramento do processo. Apresentam-se nos itens seguintes alguns dos procedimentos adotados durante a partida de um reator de manta de lodo na cidade de Itabira, MG (Chernicharo et al., 1996). Inoculação do Reator A inoculação pode-se dar tanto com o reator cheio quanto vazio, embora seja preferível a inoculação com o reator vazio, a fim de diminuir as perdas de lodo durante o processo de sua transferência. Para essa segunda situação, os procedimentos adotados foram os seguintes: ● Transferir o lodo de inóculo para o reator, cuidando para que o mesmo seja descarregado no fundo do reator. Evitar turbulências e contato excessivo com о аг. ● Deixar o lodo em repouso por um período aproximado de 12 a 24 horas, possibilitando a sua adaptação gradual à temperatura ambiente. Alimentação do Reator com Esgotos ● Após o término do período de repouso, iniciar a alimentação do reator com esgotos, até que o mesmo atinja aproximadamente a metade de seu volume útil. ● Deixar o reator sem alimentação por período de 24 horas. Ao término deste período, e antes de iniciar uma próxima alimentação, coletar amostras do sobrenadante do reator e efetuar análises dos seguintes parâmetros: temperatura, pH, alcalinidade, ácidos voláteis e DQO. Caso estes parâmetros estejam dentro das faixas de valores aceitáveis, prosseguir o processo de alimentação. Valores aceitáveis: pH entre 6,8 e 7,4 e ácidos voláteis abaixo de 200 mg/1 (como ácido acético). ● Continuar o processo de enchimento do reator, até que o mesmo atinja o seu volume total (nível dos vertedores do decantador). ● Deixar o reator novamente sem alimentação por outro período de 24 horas. Ao término deste período, retirar novas amostras para serem analisadas e proceder como anteriormente. ● Caso os parâmetros analisados estejam dentro das faixas estabelecidas, propiciar a alimentação contínua do reator, de acordo com a quantidade de inóculo utilizada e com a percentagem de vazão a ser aplicada. ● Implantar e proceder monitoramento de rotina do processo de tratamento. ● Proceder aumento gradual da vazão afluente, inicialmente a cada 15 dias, de acordo com a resposta do sistema. Este intervalo poderá ser ampliado ou reduzido, dependendo dos resultados obtidos.