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Entre 715 e até à intervenção de Giraldo Sem Pavor (período correspondente ao domínio
muçulmano da cidade), crê-se que não deverá ter existido grande distinção entre judeus e
mouros, coabitando os dois povos no interior da Cerca Velha, desconhecendo-se se com
separação física. Contudo, após 1165 a situação ter-se-á modificado.
Os estudos consultados parecem reflectir semelhante tratamento, por parte das tropas
cristãs, a mouros e judeus, o que poderá atestar uma considerável redução demográfica da
população judaica, bem como o seu êxodo sucessivo para cidades controladas por
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 2
1 Veja-se, por exemplo: Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, vol. I, Portucalense Editora, Porto, 1967, pp. 205-
211.
2 Idem, ibidem, p. 205.
3 Gabriel Pereira, Documentos Históricos da Cidade de Évora, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1998, p. 33.
4 Idem, ibidem, p. 43.
5 O almotacé era o funcionário da câmara que fiscalizava os pesos e medidas, taxava os preços dos géneros, tratava da
8 A referência detém-se numa carta de aforamento que o rei fez a um Bento, judeu, de umas casas alpendradas existentes na
dita Judiaria, informação que retiramos de Afonso de Carvalho, Da Toponímia de Évora, Lisboa, Edições Colibri, 2004., p. 99
com base em A.N.T.T., Chanc. De D. Dinis, L2, fl. 120v. Por outro lado, e tendo em conta a data de 1214 – data do 4º Concílio
Tridentino –, é provável que a judiaria estivesse já implantada na cidade antes da última década do séc. XIII, sendo também um
claro indício do grau de urbanização que Évora já ostentava. Veja-se: Afonso de Carvalho, Da Toponímia de Évora, Lisboa,
Edições Colibri, 2004, pp. 99/100; José Mattoso, (dir.), História de Portugal, vols. I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1992, p. 216.
9 Maria Ferro Tavares, op. cit., p. 44.
10 Idem, ibidem.
11 Afonso de Carvalho, op. cit., pp. 192/193.
12 Naquele lê-se que D. Dinis doou “o cubelo do muro que parte com as sas casas d Euora que faça hy morada e […] a baruacãa
des cubelo ata a torre do canto que a tape e que faça hy pumar e doulhy o andamho desse muro e do cubelo”. Este trecho
confirma a presença de judeus junto da Cerca Velha, o que não invalida, obviamente, a mesma fora de muros. Ângela Beirante,
op. cit., p. 47.
13 Idem, ibidem, p. 137.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 4
Fig. 1: Sítio da Antiga Porta de Alconchel Fig. 2: Sítio da antiga Porta Nova
base as informações retiradas das Memórias Paroquiais de 1758 diz-nos, sobre a Igreja de S.
Tiago, que: “nas costas da Igreja há as Ruínas de hum edifício que pelos vestígios da porta
paredes e sala seria palácio no tempo da cidade primeira havia nellas aula de sinagoga…”17. Ora
esta consideração é relevante, pois já enunciámos o facto de que cristãos e judeus se
disseminavam livremente na área urbana, não existindo uma separação de ambas as etnias. É
possível que tenha existido um edifício, de culto cristão (relembramos que, segundo Ângela
Beirante, a Igreja de S. Tiago (fig. 3) está referenciada desde 1259, havendo a hipótese de ter
servido os Templários18), onde se leccionasse, numa área paralela, os escritos da Tora.
Em termos arquitectónicos, a análise do edifício revela, de facto, uma secção traseira
pouco ortodoxa, desligada morfologicamente da restante igreja. É possível destrinçar uma
pequena sala, rematada no exterior por merlões, onde o jogo de volumes parece indicar uma
sobreposição de estruturas, ou mesmo o derrube de outras. A reflexão ficaria, assim, orientada
para considerações que reúnem o culto cristão e o estudo hebraico no mesmo espaço,
enaltecida pela proximidade cronológica entre a Igreja de S. Tiago e a formação da Judiaria
intra-muros.
Não podemos é olvidar o facto de o documento em que nos baseamos datar dos meados
do séc. XVIII. Será que as ditas aulas de sinagoga se situariam no arco temporal do séc.
XIII/XIV? Não o sabemos e, provavelmente, nunca o saberemos.
Numa outra óptica de análise, temos que desenvolver o campo que se prende com a
localização do próprio bairro judeu, consignado a um único arruamento19. A questão a impor
será, porventura o porquê daquele se ter situado onde se situou.
A resposta parece ser orientada mediante importantes vectores de sustentação urbana e
corresponde a toda uma lógica de implantação que se verificou, com maior ou menor rigor, na
generalidade do território português. Alguns deles já foram enunciados, parafraseando Maria
Ferro Tavares. Vejamos os outros:
Segundo o que nos foi dado ler, a relação estabelecida entre cristãos e judeus é, ao longo
da curva temporal que preenche a presença do povo de Israel em Portugal, ambígua. É preciso
evidenciar que, e tal como aponta José Mattoso, a sua capacidade no campo financeiro
contribuiu para reactivar toda a política económica, sendo muitas vezes utilizados pelo rei “na
organização do fisco e como arrendatários da cobrança de rendas e de instrumentos de
produção e troca”20.
Vemos que, a partir de 1210 e quando reinava Afonso II, se dá um notório encorajamento
do comércio em Évora, numa clara tentativa de repovoar um território marcado pela guerra
contra o “infiel”, ainda notoriamente activa nos inícios do séc. XIII21. Maria Ferro Tavares
acrescenta ainda, que “riqueza e aumento populacional acompanham a efectiva participação das
comunidades judaicas na vida socio-económica do reino”22.
Mesmo acreditando na morosidade do processo, tendo em conta o contexto militar no qual
enquadramos toda a questão da implantação da judiaria, é plausível acreditar que esta fez parte
de uma estratégia de visões largas. Ou seja, é a partir destas considerações que percebemos os
vários matizes com que se cobriu a história dos judeus no reino português.
A nível estrutural, aqueles surgem como um corpo estranho à sociedade cristã, que
sempre os rejeitou ao nível de um inconsciente colectivo enaltecido através do crime de deicídio
que, catalizado pela plataforma católica, definiu o judeu como a fonte de todo o mal23. Foi,
portanto, estabelecida uma dialéctica entre ambas as comunidades, que assistiu a uma
oscilação constante ao longo de três séculos.
19 Num artigo de Túlio Espanca, vemos enunciadas as medidas da antiga Alcárcova de Cima, e reparamos que era
consideravelmente maior do que o actual arruamento: “e a dita rua da Alcarcova tem de largo […] sete varas”. Túlio Espanca, “O
Aqueduto da Água da Prata” in Boletim A Cidade de Évora, nº 7-8, ano II, Junho – Setembro, 1944, p. 93. Segundo este trecho,
podemos afirmar que a rua da Alcárcova de Cima tinha cerca de 7, 70 metros de largura.
20 José Mattoso, op. cit., p. 216.
21 Idem, ibidem., p. 252.
22 Maria Ferro Tavares, op. cit., p.43
23 Idem, pp. 21-35.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 7
Desde meados do séc. XIII que se conteve a expansão da população judaica, limitada a
espaços pré-concebidos, colocados em sítios estratégicos quando encaramos o crescimento
urbano das várias cidades. Assim, e no caso de Évora, podemos deduzir que o bairro judeu se
implantou próximo do seu centro mercantil e financeiro: sítio “dhu fazem a feyra”24. E é este
pormenor que revela a clara intenção de, ao confinar os judeus a um espaço, não os afastar,
tacitamente, do universo económico da cidade.
Numa perspectiva diacrónica, julgamos que terão ficado situados no corrimento da actual
Rua da Alcárcova de Cima (fig. 4), tendo ficado cingidos, provavelmente e somente, a esse
arruamento. A dedução prende-se com a certeza de que aquele foi um espaço vedado, e onde
passou a funcionar uma mancebia25, numa clara continuidade ao nível da ambiência marginal
que sempre designou aquela rua, durante o período medieval26. Seria, contudo,
consideravelmente mais larga, dadas as referências aos alpendres das casas doadas em
130327.
Contudo, cedo se verificou que era necessário o alargamento do bairro judeu, razão pela
qual começamos a ter referências, a partir de 133128, da Judiaria Nova29. Este pormenor indicia,
antes de mais, um aumento da população judaica
eborense, motivada por uma série de factores que
interessa referenciar, dada a importância e dimensão
que a judiaria de Évora irá granjear, no conjunto do
reino de Portugal.
Apesar da grande maioria dos documentos
referir o processo contínuo de ostracização por que
passam os judeus, é sintomático que “o ódio ao judeu
[se traduza], em Portugal […], aos níveis do poder e da
economia e não dentro do espírito de intolerância e
fanatismo religioso”, que percorre a restante Península,
e que será acentuado a partir de meados do séc.
Fig. 4: Rua da Alcárcova de Cima
XIV.30
em data anterior.
29 Afonso de Carvalho, op. cit., pp. 192-193.
30 Veja-se: Maria Ferro Tavares, op. cit., pp. 417-421.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 8
De facto, e a partir de uma leitura atenta de vários estudos, parece-nos provável que a
implantação da judiaria extra-muros corresponda a um esforço régio (de D. Dinis, que reinou de
1279 a 1325), de índole global, inserido numa tentativa de sedimentar a fisionomia urbana
portuguesa, em especial um Alentejo de feições desérticas31. Neste, seria o rei a exercer
autoridade sobre os mouros forros e judeus, de quem recebe tributos especiais, sendo que esta
é uma prerrogativa especial, pois não é exercida por nenhum outro senhor32.
Cármen Balesteros diz-nos que “as comunidades judaicas organizam-se em função de
uma estrutura administrativa própria respondendo directamente ante o rei, que os considera
como «judeus meus»33. Os mouros de Évora recebem o seu foral em 1273, ainda assinado por
Afonso III. Desconhece-se a altura em que o rei terá legislado no sentido de legitimar a situação
dos judeus. D. Pedro I (1320-1367) confirma os privilégios da comuna, em documento referido
por Ângela Beirante, não adiantando qualquer consideração acerca dos seus direitos ou
localização34. A sua concreta separação da comunidade cristã mantém-se, no seguimento, como
um mistério. Acrescentamos, no entanto, a consideração de Oliveira Marques, que nos parece
pertinente como pequena reflexão acerca desta consideração.
O dito historiador refere que “o engrandecimento das Cidades do Sul foi […] um fenómeno
da segunda metade do século XIV e do século XV, consequência possível das migrações
posteriores à Peste Negra.”35 A partir dos inícios do século XV outros factores, de abrangência
ibérica, têm que ser enquadrados nesta discussão.
Temos, assim, três momentos distintos na existência do bairro judeu no contexto medieval
eborense: finais do séc. XIII (1296), terceira década do séc. XIV (1331) e inícios do séc. XV
(1408). Somente os dois últimos correspondem a uma localização afastada da Cerca Velha36.
2. A Judiaria Nova
Até ao primeiro quartel do séc. XIV não temos razões para considerar um espaço extra-
muros que delimitava claramente a zona consignada aos judeus. De acordo com os documentos,
parece-nos mais plausível acreditar numa coabitação com a população cristã onde se assistiria,
31 Veja-se: Mário Domingues, D. Dinis e Santa Isabel, Lisboa, Romano Torres, 1967, p. 150.
32 José Mattoso, “A Consolidação da Monarquia e a Unidade Política” in José Mattoso, (dir.), História de Portugal, vols. I, Lisboa,
Círculo de Leitores, 1992, p. 271.
33 Cármen Balesteros, “A Sinagoga Medieval de Évora (elementos para o seu estudo) ” in A Cidade de Évora – Boletim de
metade do séc. XIV era protegido pelas Portas da Cerca Nova, mais concretamente a do Raimundo e a de Alconchel. Até então
beneficiava da protecção das muralhas antigas e da primitiva porta de Alconchel.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 9
claramente individualizado no conjunto da malha urbana que perfazia o bairro judeu41. A dúvida
persiste, assim, quanto à dimensão desta judiaria e, no seguimento, quanto às ruas que a
compunham.
Considerando as inevitáveis alterações que a zona terá sofrido ao longo dos séculos, é
ainda possível descortinar dois tipos de ordenamento entre a Travessa Torta/Travessa do Sol e
a actual Travessa do Barão (limite sul da primeira Judiaria?). É neste binómio que temos que nos
centrar, pois uma observação mais atenta revela, ainda, que a antiga Rua da Sinagoga
(Travessa do Barão), que se prolonga para a presente Travessa do Capitão, reflecte um
particular eixo de charneira. De facto, parece haver um planeamento diferenciado entre estas
duas zonas, onde uma concepção do espaço de herança islâmica cede terreno às prerrogativas
urbanas do séc. XIV e XV, com os quarteirões alongados, dispostos com bases em eixos
ortogonais42. Este último acrescento centra-se já nos inícios de Quatrocentos.
Podemos, posto isto, falar em dois momentos distintos na evolução urbana do bairro judeu
de Évora, sendo que o último, já em 1408, se apresenta como um “discurso” de clara
estruturação do território. No entanto, e apesar deste acrescento documentado, temos
necessariamente de encarar que, até aquela data, outros se terão sucedido.
Já levantámos a hipótese da sua sedimentação ter acontecido antes da data de 1331, e é
nossa convicção que até 1408 outros quarteirões se terão construído para albergar a população
judaica. As razões que apontamos são, antes de mais, derivadas da própria conjuntura socio-
política e militar do reino de Portugal em meados do séc. XIV. Relembramos que é a partir do
reinado de D. Afonso III (1248-1279) que os judeus começam, paulatinamente, a ser arredados
para bairros diferenciados43. A conquista do Algarve – com as implicações fronteiriças e a
acalmia militar que daí derivam – e a crescente tolerância face à população judaica permitem,
por outro lado, a pacífica sedimentação de judeus em cidades cristãs.
Com D. Dinis (1279-1325) o reino começou, então, a expandir-se em termos económicos e
a situação dos judeus fica legitimada, do ponto de vista legislativo44.
reestruturação, adequando-se aos moldes urbanos que irão pautar a centúria quinhentista. Em devido tempo iremos desenvolver
esta consideração.
43 Fortunato de Almeida, op. cit., pp. 209/210. Contudo, uma nota tem que ser, aqui, referenciada. Em 1215, o 4º concílio de
Latrão prescreveu a separação física entre judeus e cristãos mas, tal como aponta Maria Ferro Tavares, somente um século
depois as ordenações régias prescreveram as disposições conciliares (Maria Ferro Tavares, op. cit., p. 398). Este pormenor leva-
nos a encarar (como iremos desenvolver mais adiante) que somente a partir da segunda década da centúria trecentista se
assistirá ao sucessivo consolidar da Judiaria Nova. Por outro lado, será que o registo daquela, de 1331, corresponde, de facto, a
um bairro construído de raiz para albergar a comunidade judaica, ou à expansão de um espaço pré-existente, como afirma
Afonso de Carvalho? Fica a reflexão.
44 Veja-se José Mattoso, op. cit., p. 158.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 11
de Alconchel, sítio onde se realizava a feira da cidade. Há documentação que comprova a intensa implantação de tendas de
judeus à Porta de Alconchel nos finais do séc. XIII, na saída da actual Rua 5 de Outubro, sendo que esta predilecção face ao
comércio praticado por judeus foi uma das razões que motivaram a sua deslocação para a periferia da cidade, para uma zona em
franco crescimento urbano. Neste ponto, o considerável espaço agrícola denominado por «Palmeira» (ao fundo das actuais ruas
de Serpa Pinto e do Raimundo) foi, também, decisivo. Veja-se Afonso de Carvalho, op. cit., pp. 74/75 e 102.
48 Veja-se: Miguel Pedroso de Lima, Muralhas e Fortificações de Évora, Lisboa, Argumentum, 2004, p. 52.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 12
A resposta prende-se com o próprio evoluir natural da cidade, onde as modificações dos
espaços vieram a condensar um bairro que, julgamos, era bem maior do que o pressuposto nos
finais do séc. XV, e onde temos sempre que encarar apropriações, perda de espaços e
consequente ocupação de outros.
Assim, os judeus de Évora, num primeiro momento (ou seja, o pós Reconquista), e mesmo
acreditando num êxodo judaico para cidades controladas por muçulmanos, ter-se-ão localizado,
de forma indiferenciada, dentro da cerca velha, não se fazendo distinção entre judeus e cristãos.
Indicar uma data na qual se movimentaram para o exterior da cidade amuralhada será sempre
no âmbito de uma proposta, nunca como um dado vinculativo.
Numa outra óptica, não terá sido indiferente a localização da Judiaria aos principais
conventos extra-muros. Tal como nos diz Chueca Goitia, o carácter agrário da cidade medieval
estabelece um continuum entre o mundo urbano, humanizado pela paisagem agrícola, e o
mundo rural, grande pólo de sedimentação demográfica. E serão os mosteiros a conceder
“plasticidade e flexibilidade a esse contínuo”, na medida em que estabelecem o eixo de
comunicação entre as duas esferas49. O carácter periférico das zonas de implantação dos
complexos monásticos, em conjunção com a grande área rural da Palmeira, que parece sugerir
uma concepção urbana islâmica50, terá sido, também, factor preponderante na implantação do
bairro judeu.
Certo é que, em 1296, a Judiaria era uma realidade. Não conseguimos acreditar numa
grande presença demográfica daquela comunidade em Évora até meados do séc. XIV, daí que
julguemos que, no caso eborense, teríamos uma consonância com várias cidades que assistiram
à sua implantação: o confinamento a uma rua pré-definida. Se, por um lado, não conseguimos
acreditar num rápido desenvolvimento urbano naquela zona, temos que encarar o facto de que,
até à terceira (?) década do séc. XIV, existiria uma comunidade judaica a habitar dentro da
Cerca Velha.
Em 1303, D. Dinis doa a Bento, seu judeu de Évora, “o cubelo do muro que parte com as
sas casas de Euora que faça hy morada e […] a baruacãa dês esse cubelo ata a torre do canto
que a tape e que faça hy pumar e doulhy o andamho desse muro e do cubelo”51.
49 Fernando Chueca Goitia, Breve História do Urbanismo, 5ª edição, Lisboa, Editorial Presença, 2003, pp. 77-79.
50 Chueca Goitia diz-nos que uma das grandes características do mundo islâmico é a sua notória feição urbana. “A população
acumulou-se nas cidades, e a exploração agrária reduzia-se muitas vezes a culturas intensivas em torno dos centros urbanos.
Pode dizer-se que, no Islão, se passa da vida nómada para a vida urbana sem haver uma fixação de camponeses, sem
transição.” (Fernando Chueca Goitia, op. cit., p. 78). Dado o teor da zona da Palmeira, que se conservou como uma enorme área
desurbanizada, de feição rural, até finais do séc. XIX, surge-nos como que automática a sua inserção numa particular
característica urbana, remetendo-nos para o mundo muçulmano.
51 Chanc. D. Dinis, II, fls. 87-87v e 120v, citado por Ângela Beirante, op. cit., p. 47. Na obra de Gabriel Pereira encontramos
referência às casas da Porta Nova dos Judeus, “Item disse que elrey avya as rendas das casas da barvacãa=item que avya el
rey as rendas das casas da Porta Nova dos judeus, e das casas da torre do paaço” Gabriel Pereira, op. cit., p. 41.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 13
“os judeos […] dessa villa nom queriam com elles usar nem responder no feito
dalmotaçaria presente os juízes dessa almotaçaria, e que vendem seu pam e seu
vinho e põem suas almotaçarias quaaes tem por bem e suas medidas sem
mandado dos almotacees, e a mim semelha muy sem razam delles nom quererem
fazer visinhança com esse concelho em feito de sua almotaçaria, e como quer que
alguus judeos dos meus regnos ajam cartas de mym que todo feito crime ou doutra
cousa que seja antre judeu e judeu que respondam perante seu arraby […] tenho
por bem e mando que esses judeos […] respondam e sejam constrangidos nas
cousas dalmotaçaria pellos juízes della.”52
É óbvio que este trecho não nos fornece indicações acerca da localização do bairro judeu,
mas possibilita que a reflexão se encaminhe para a certeza de que a comunidade judaica já
constituía um corpo social diferenciado.
Com a referência ao «arraby» poderemos, por outro lado, pressupor a existência de uma
sinagoga, ou um local estipulado para as funções daquela, em Évora, ainda na primeira década
da centúria trecentista. Se esta se situaria dentro ou fora de muros, não sabemos, apesar de
podermos viabilizar com maior facilidade uma localização no interior das muralhas,
provavelmente nas proximidades da actual Igreja de S. Tiago, tendo em conta as referências já
expostas relativamente a este edifício.
Ora em finais do séc. XIII, inícios do XIV, os únicos arruamentos de que há registo na zona
a Ocidente da actual Praça do Giraldo são a antiga Rua de Alconchel (1296)53, a Travessa Torta
(1311)54 e a Rua do Raimundo (1311)55. A Palmeira (1296), no seguimento é, também, uma
referência dos finais da centúria ducentista56. Mas é o registo das actuais Travessa
Torta/Travessa do Sol (fig. 6) que estabelece o mote para que se defina um limite norte da
«Judiaria Nova»57. A hipótese do bairro judeu se ter estabelecido com base no binómio destas
Raimundo, consideração que não podemos considerar como correcta. Por outro lado, assume, em pleno, a hipótese de que a
Judiaria fora de muralhas é um fenómeno do séc. XIV, enquadrando-se com o que temos vindo a desenvolver. Para mais
informações veja-se: Túlio Espanca, Inventário Artístico de Portugal – Concelho de Évora, vol. I, Lisboa, Academia Nacional de
Belas Artes, 1966, p. 258. Afonso de Carvalho diz-nos que a referência à Judiaria Nova designa um acrescento de uma primeira
judiaria (a de 1296) que estaria situada fora de muros (Afonso de Carvalho, op. cit., pp. 192/193). Cremos que tal não está
correcto. Na cidade de Lisboa, existiu, também, uma «judiaria nova», que se pautava por uma menor ocupação do solo que a
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 14
Travessas com a actual Travessa das Damas foi uma hipótese já considerada por Maria Ferro
Tavares, apesar de, no decurso do seu texto, a invalidar ao nível de representação gráfica58.
A Rua dos Banhos Velhos, de 131159 (Ângela Beirante diz corresponder à Travessa
Torta/Travessa do Sol, enquanto que Afonso de Carvalho a enquadra com parte da Rua dos
Mercadores60), assinala, pelo que nos foi dado ler, um outro ponto delimitador do bairro judeu,
pois o complexo ficaria na “Rua que uay pera Judaria”61 e não na Judiaria.
Posto isto, e sabendo que a nossa opinião só tenuemente poderá ser encarada como
isenta de críticas, não hesitamos em considerar, como primeira zona de implantação judaica,
fora de muros, os quarteirões que se desenham em torno do Largo dos Mercadores (fig. 7), com
a Travessa das Damas a desembocar na actual Travessa do Barão62.
Assim, teríamos de facto um arruamento principal, delimitado por dois eixos fundamentais
de comunicação com o terreiro mercantil que já se encontrava desenhado desde os inícios do
séc. XIII63. Ou seja, a zona, em si, parece assinalar um capricho histórico e urbano, pois desliga-
se e interliga-se, simultaneamente, com o “universo” que se começava a desenhar fora de
muralhas.
A concepção do espaço, e sua consequente ocupação, parece no seguimento englobar-se
no hermetismo muçulmano, onde a cidade, orgânica, se
fecha em si, através da privatização da rua e
consequente desenvolvimento do carácter secreto da
velha. Também Guarda, Porto e Coimbra assistiram a semelhante situação. Veja-se: Maria Ferro Tavares, op. cit., pp. 51/54, 69-
71.
58 Maria Ferro Tavares, op. cit., p. 60.
59 Afonso de Carvalho, op. cit., p. 137.
60 Julgamos que, estranhamente, ambos os autores têm razão, pois o complexo balnear estaria situado no cruzamento dos
referidos arruamentos, podendo ligar-se tanto à Travessa Torta/Travessa do Sol como à Rua dos Mercadores.
61 Arquivo da Sé, Pergaminhos dos Bacharéis, Pasta 1, perg. 100, transcrito por Afonso de Carvalho, op. cit., p. 137. O
habitação64. O próprio Largo dos Mercadores (topónimo de 154865) – em que a sugestão de ter
funcionado como terreiro mercantil e zona de confluência da comunidade judaica é evidente –,
parece querer condensar, de forma central, toda a organização da suposta primeira Judiaria66.
Os quarteirões situados a Este da actual Rua dos Mercadores, que vão da Travessa Torta
à Travessa da Tâmara, tendo em conta o seu alinhamento com a zona que considerámos, são
passíveis de serem considerados, também, parte integrante daquele primeiro bairro judaico.
Se encararmos a desaparecida «Rua dos Banhos» que nos refere Claudino de Almeida,
surge relevado um particular compromisso entre as prerrogativas de cidade islâmica e as
orientações urbanas que viriam a ditar a ocupação do solo num contexto baixo medieval.
Ainda são visíveis as reminiscências de um sistema de pátios no quarteirão entre a
Travessa de Ana da Silva e a Travessa da Tâmara, cujas passagens reflectem, ainda que
tenuemente, o sistema de adarves muçulmanos e um desenho orgânico da cidade67. A
tortuosidade da Travessa que, como o próprio nome indica, é “torta”, é um outro elemento que se
enquadra nesta discussão, assumindo-se, de forma plena, um discurso dialéctico entre dois
particulares momentos da história do urbanismo.
Por outro lado, a existência de um edifício sito no cruzamento da Rua da Moeda com a
Rua de Alcoutim é sinal indicativo de uma maior
dimensão da Judiaria. São visíveis, no exterior do
dito imóvel, dois arcos ogivais (um deles obstruído)
que permitem colocar a sua datação entre os finais
do séc. XIV / séc. XV, dada a sua rude morfologia.
Ora, este edifício está localizado fora dos limites da
Judiaria, tendo em conta o exposto por Maria Ferro
Tavares e Afonso de Carvalho. Encontrando-se
muito alterado no interior, onde é visível uma lógica
de intenso reaproveitamento do espaço, não
podemos afiançar uma certeza no que toca à sua
Fig. 8: Imóvel sito na
inserção na Judiaria. Pormenor de relevo será, Rua de Alcoutim,
número 2
porventura, um dos arcos ogivais ainda apresentar a
64 “A cidade islâmica é uma cidade secreta, uma cidade que não se vê, que não exibe, que não tem rosto, como se sobre ela
tivesse caído o véu protector que oculta as feições da escrava do harém.” Fernando Chueca Goitia, op. cit., p. 67.
65 Claudino de Almeida, op. cit., p. 52.
66 O actual Largo poderá mesmo ter funcionado como sinagoga, pois é de notar que o conceito não envolve, necessariamente, a
fé monoteísta. Colocar-se-ia, nesse pequeno sulco, um pequeno estojo onde se guardava um pergaminho ou papel no qual eram
inscritas as palavras da sua oração fundamental: o Shemá. Carmen Balesteros, op. cit., p. 186.
69 Afonso de Carvalho, op. cit., pp. 192/193.
70 Ângela Beirante, op. cit., p. 76.
71 Afonso de Carvalho, op. cit., p. 266.
72 Idem, ibidem, pp. 160-162.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 17
Não podemos, desta forma, avançar com as nossas considerações para além do que
temos vindo a expor, no que toca à primeira Judiaria fora de muralhas. No entanto, o crescendo
urbano em torno da dita rua do Raimundo leva-nos a crer que, a partir da data de 1331, a
Judiaria também terá crescido na sua direcção, podendo mesmo ser um sintoma anterior àquela
data, com o crescente retirar dos judeus do interior de muralhas. Relembramos que foi a partir da
segunda década do séc. XIV que o reino português prescreveu as orientações do 4º Concílio de
Latrão73.
Assim, colocamos a hipótese, com reservas, de que, se a partir 1331 se “inaugurou” a
Judiaria Nova, outros quarteirões foram sendo posteriormente acrescentados ao primitivo núcleo
do bairro judeu. Referimo-nos, nomeadamente, aos que se situam entre a linha da Travessa
Torta que, para sul, se detém na Travessa da Tâmara.
Já antes fizemos referência à hipótese de aqueles se terem constituído como Judiaria,
mas não tentámos datá-los, ainda que de forma hipotética. As razões que apontamos para este
pressuposto são, acima de tudo, de índole ideológica e, claro está, urbanas. Referimos
ideológica, mas não podemos dissociar este ponto das urbanas, pois se podemos falar em
«Judiaria» no período antecedente aos finais do séc. XIII, só poderemos começar a falar em
«comuna judaica» a partir da centúria seguinte74.
Tal como nos diz Maria Ferro Tavares, uma comuna, como espaço físico, identifica-se
“com uma ou mais ruas do concelho cristão onde habitam os judeus. Mas é, também, o conjunto
de todos os órgãos religiosos, administrativos e legais que permitem, por mercê régia, ao povo
judaico ter uma identidade própria dentro da sociedade cristã, embora sujeitos à lei geral do
reino.”75 Entre aqueles órgãos contam-se, obviamente, a sinagoga, pedra angular na vivência
quotidiana judaica. Outros seriam a carniçaria, o hospital, a gafaria, a cadeia, os banhos, as
estalagens e o cemitério. Contudo, somente as de grande dimensão possuiriam todos estes
edifícios e, de acordo com o que nos foi permitido apurar, a comuna eborense, no séc. XV, era a
segunda maior do país76. Possuía, certamente, grande parte destes complexos, senão mesmo
todos.
De particular importância no conjunto deste debate é o ponto em que, como já se disse, se
degladia com a verdadeira dimensão do bairro judaico. Ora, a nossa opinião é que, até à
segunda metade do séc. XV, não a podemos enunciar. É certo que estão documentados três
momentos distintos na história da sua existência, mas foi o tempo intermédio que, no fundo, veio
a pautar a fisionomia que a comuna detinha nos finais da referida centúria.
Segundo Afonso de Carvalho, em meados do séc. XIV, conheciam-se três ruas na Judiaria
Nova: Eram elas parte da Rua do Tinhoso (fig. 9), a Rua de D. Dinis e a Rua da Milheira77. Na
sua análise da judiaria no séc. XV, Maria Ferro Tavares faz alusão à Rua do Tinhoso (clara
alusão toponímica a zona judaica) e à Rua da Milheira. No entanto, faz corresponder a antiga
Rua da Milheira à actual Travessa do Contreiras, numa discrepância posicional de relevo78.
Ângela Beirante faz semelhante associação, colocando o primeiro registo desta rua em
139179. A nossa reflexão encaminha-se no sentido de, nos finais do séc. XIV, esta zona estar
ocupada pela cristandade, sendo uma das zonas que foi outorgada aos judeus em 1408. A
denominação de rua que lhe é aplicada pressupõe a existência de casario ao longo do seu
corrimento, casario esse que viria a ser abarcado pela cerca da Judiaria, já a partir da data
referida.
NA continuidade do exposto, é no séc. XV que temos que ir procurar os registos que nos
permitem o desenho total da Judiaria. Contudo, não em jeito de conclusão, mas sim no sentido
de “encerrar” um determinado ponto, temos que deixar vincada a nossa própria visão do bairro
judaico, bem como a zona envolvente, até 1408.
Temos, obrigatoriamente, de referenciar e enaltecer os factores que obrigam a que o
estudo desta particular zona da cidade seja pautado
por uma notória complexidade ao nível do seu
levantamento. Maria Tavares enuncia este mesmo
pormenor80, derivado das enormes alterações que o
mesmo espaço sofreu a partir do séc. XVI. Toda uma
lógica de ordenamento e organização urbana parece
ter-se dissipado, deixando ao investigador actual a
complicada tarefa de o reconstituir, sempre oscilando
entre a análise documental e as suposições
confrontadas com o presente tecido urbano.
Assim, enveredando por uma lógica de
exposição pragmática, e no seguimento das (longas) Fig. 9: Antiga Rua do
Tinhoso. Actual Rua
considerações que temos vindo a desenvolver, da Moeda
podemos afirmar que a Judiaria Nova, referenciada pela primeira vez em 1331, era de facto um
bairro que se terá constituído como comuna judaica, implantado num espaço de reduzida
dimensão: em torno do Largo dos Mercadores.
Seria desenhado, em termos de tessitura urbana, por 3 a 5 ruas, que corresponderão,
actualmente, às Ruas da Moeda, Rua dos Mercadores, Travessa das Damas, Travessa do Sol e
Travessa Torta. Pela análise dos quarteirões que hoje subsistem, conseguimos considerar uma
maior dimensão do referido Largo, proposta que aguarda confirmação arqueológica.
Sabe-se, entretanto, que a Judiaria iria até à Rua do Raimundo, como alude uma lápide
ainda existente na actual Travessa da Tâmara (fig. 10). Segundo os documentos, o acrescento
de 1408 alude aos quarteirões que, da Travessa do Barão, iriam até à Palmeira. Esta “horta da
cidade” foi um espaço que, paulatinamente, foi cedendo perante os avanços construtivos do séc.
XIV, encontrando-se perante dois limites concretos: o bairro judeu e a Cerca Nova, que já
englobava a parte da judiaria nos alvores do séc. XV, claro sintoma do seu crescimento. A sua
localização junto de duas das principais portas de acesso à cidade assinala, para além da lógica
de implantação que correspondeu à grande maioria das comunas portuguesas, a sua
importância e dimensão no conjunto urbano de Évora.
Contudo, e não podendo comprovar esta hipótese em termos de fontes, julgamos que
outras zonas foram sendo acrescentadas entre 1331 e 1408. Referimo-nos, designadamente,
aos quarteirões entre a Travessa Torta e a Travessa do Capitão. A nossa análise, debruçada
somente sobre a lógica de organização daqueles, pressupõe a sua inserção na judiaria.
Quando falamos de arrabaldes, e tendo em conta os inúmeros vectores que sustentaram o
crescimento extra-muros de Évora, o novo bairro judeu, na sua génese, parece ter-se situado em
torno do actual Largo dos Mercadores,
no corrimento da rua que com aquele
partilha a nomenclatura. Maria Ferro
Tavares já tinha levantado esta
hipótese, ao referir que “a judiaria
deveria partir da primeira travessa que
ligava a rua dos Mercadores com a do
Tinhoso, embora [ignore] a que
arruamento se aplicaria […] se às
Fig. 10
actuais travessa do Sol se à rua do
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 20
Ora o primeiro registo da dita via aparece-nos, segundo Afonso de Carvalho, em 131185, e
é o mesmo autor que nos diz que esta foi “em parte cristandade, em parte judiaria”,
correspondendo, actualmente, à Rua dos Mercadores86.
Os banhos, à semelhança das termas num contexto de urbe romana, eram
estabelecimentos de profundo significado na lógica de cidade medieval, perfazendo um local de
significativa sociabilidade ligado ao uso comunitário da água.
De acordo com Ângela Beirante, contam-se três na cidade de Évora, todos no arrabalde
de Alconchel, sendo que dois se situariam à Rua dos Banhos Velhos, no cruzamento daquela
com a Travessa do Sol e a Travessa Torta87. Ou seja, na saída directa daquele que
consignámos como o limite norte da Judiaria. A mesma autora é peremptória ao afirmar que os
banhos aos quais se refere a rua ficavam fora do bairro judeu, mas que constituem, dada a
denominação de «velhos» aplicada à sua nomenclatura, bem como a data do registo toponímico
do arruamento (1311), um dos vectores pelos quais se começou a fixar “o núcleo do arrabalde
[…] por atracção da Praça.”88
Parece, assim, haver uma proximidade entre o complexo balnear e a Judiaria mas, tendo
em conta que o dito era público89, é preciso relevar uma outra questão: até que ponto é que
podemos encarar a partilha do espaço do dito estabelecimento entre cristãos e judeus?
Sabe-se que a população de ambas as comunidades convivia lado a lado nos concelhos,
desenvolvendo, por vezes, relações de amizade e convívio. Contudo, os documentos
transmitem, igualmente, a perenidade e inconstância da dialéctica estabelecida90. Queremos,
assim, relevar a hipótese de que, apesar de existir a possibilidade de ambas as comunidades
terem usufruto daquele espaço, julgamos que deveria existir, dentro da judiaria, um outro
complexo somente destinado aos judeus. Esta foi uma hipótese levantada, ainda que de forma
inconsciente, por Claudino de Almeida, mas temos de referenciar que todo o debate em torno da
localização exacta da Rua dos Banhos Velhos se pauta por uma enorme diferença de visões.
Tal consideração é reforçada pela certeza de que, a par daquela existiram outras ruas em
Évora com a denominação de «Rua dos Banhos». Todos os autores que se debruçaram sobre
adega, quintal com poço e árvores e com uma azinhaga”. Idem, ibidem.
90 Veja-se: Maria Ferro Tavares, op. cit., pp. 21-35. Veja-se, também e a título de curiosidade: Fortunato de Almeida, op. cit., pp.
205-211.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 22
esta temática, e que temos vindo a citar, concordam em relação ao número91, apesar de Ângela
Beirante e Afonso de Carvalho evidenciarem a forte possibilidade de terem existido, certamente,
outros banhos públicos na cidade92.
Mas, será inverosímil acreditar num complexo balnear específico para os judeus, dentro da
Judiaria?93
Para a comunidade judaica, o banho faz parte de um ritual, o chamado mikvch, purificação
do corpo e da alma, acto que, no seu sentido religioso, deve ser realizado todos os meses, e
quando em preparação para o Yom Kipur (jejum maior)94. Numa lógica de ordenamento dos
bairros judaicos, os banhos ficariam próximos da Sinagoga, como se verificou na judiaria de
Lisboa95 e, segundo algumas opiniões, a situação parece ter sucedido também em Évora.
Claudino de Almeida diz que existiu uma rua dos Banhos numa “travessa estreita que se
tapou e que corria entre a rua do Raimundo e a dos Mercadores”96. Afonso de Carvalho vem a
corroborar a opinião daquele, a partir da análise de dois aforamentos, um de 1456 e outro de
1494. Diz-nos que o conjunto aforado era constituído por três casas, sendo uma delas com
sobrado e outra servindo de adega, para além de um quintal97. É este o conjunto a que se refere
o escambo realizado em 1424 a favor dos bacharéis
da Sé, e que referimos na nota 88. No entanto, e a
partir do confronto entre documentos e cadastro
actual, conseguimos delinear um provável
alinhamento desta enigmática rua, que situamos a
meio do quarteirão limitado pelas Travessas de Ana
da Silva e da Tâmara.
De acordo com Ângela Beirante, a adega
referida nas cartas de aforamento ficaria nas Fig. 11: Travessa de
Ana da Silva. Exemplo
proximidades dos pátios internos que compõem elucidativo do
cerramento de
aquele quarteirão, onde parece persistir a lógica de azinhagas na zona da
Judiaria
«sobrado» e «azinhaga» referenciada nos
91 Em 1311, surge-nos a referência à Rua dos Banhos Velhos; em 1389 à Rua dos Banhos (hoje Rua de Soeiro Mendes); e, em
1422, uma outra Rua dos Banhos, que Ângela Beirante coloca na Rua dos Mercadores, mas de que tanto Afonso de Carvalho
como Claudino de Almeida não precisam a localização, dizendo, somente, que corria do Raimundo para os Mercadores. Veja-se
Ângela Beirante, op. cit., p. 130; Afonso de Carvalho, op. cit., p. 138.
92 Ângela Beirante, op. cit., p. 399,
93 Maria Ferro Tavares diz-nos, expressamente, que este era um edifício de notória importância pública no seio das comunas
cit., p. 366.
95 Segundo Maria Ferro Tavares, op. cit., p. 366.
96 Claudino de Almeida, op. cit., p. 19.
97 Afonso de Carvalho, op. cit., p. 138.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 23
documentos98 (fig. 11). A própria «rua estreita» enunciada por Claudino de Almeida parece ter
permanecido, de forma parcial99, numa pequena comunicação entre dois dos pátios. Traçar o
alinhamento da rua recai na área da conjectura, tendo que ser enquadradas as informações
topográficas respeitantes ao local. E é neste debate que temos, obrigatoriamente, de enquadrar
o conceito de rua direita.
Numa óptica medieval, corresponde aos principais eixos de ligação entre pólos
fundamentais da vivência socio-urbana. Já referimos a existência da Rua Direita dos Banhos
Velhos, topónimo originário do séc. XIV. Convém, no seguimento, relevar o facto de que, na
centúria seguinte, se contam quatro ruas direitas na Judiaria. Eram elas: a Rua Direita que vay
para a carnaçarya dos Judeus, a Rua Direita da Ferraria, a Rua Direita do Tinhoso e a Rua
principal direita da Judiaria100. As duas primeiras, dadas as referências à «carnaçarya»101 e à
ferraria, correspondem, hoje, à Rua dos Mercadores102, enquanto a rua do Tinhoso corresponde
à actual Rua da Moeda.103 É em relação à dita Rua principal que temos que levantar algumas
questões, dada a hipótese da actual Travessa das Damas se ter (fig. 12), em tempos, ligado à
Rua da Sinagoga (actual Travessa do Barão).
Fazendo alusão ao já referenciado documento de 1408, que iremos retomar a posteriori,
conseguimos verificar que, após a expansão da judiaria naquela data, a sinagoga ficou
localizada no centro
do bairro, funcionando
claramente como eixo
polarizador, como
“centro religioso,
social, administrativo
e educacional da
comuna104.” Assim,
até que ponto não é
legítimo considerar a
Fig. 12: Travessa das Damas Fig. 13: Travessa da Tâmara
rua que iria para o
cit., p. 59. Esta autora diz-nos que a Rua da Baldresaria corresponde ao actual Beco dos Açucares.
102 Segundo Maria Ferro Tavares, a carniçaria dos judeus ficava à esquina da Rua dos Mercadores com o actual Beco dos
Açucares. Maria Ferro Tavares, op. cit., p. 59. De acordo com Ângela Beirante, a principal ferraria da cidade de Évora ficava à
Judiaria, na rua dos Mercadores, apesar de não afiançar a sua localização exacta. Ângela Beirante. op. cit., p. 430.
103 Afonso de Carvalho, op. cit., p. 280.
104 Cármen Balesteros, op. cit., p. 189.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 24
templo como a rua direita principal, funcionando a Rua da Moeda e dos Mercadores como eixos
de comunicação com a Praça?
A encarar esta hipótese, a suposta «Rua dos Banhos» surge-nos como parte integrante de
um primeiro momento da Judiaria, que reflecte, em termos urbanos, uma concepção que
estabelece um compromisso entre o desenho islâmico, e o ortogonal da segunda metade do séc.
XIV.
No seguimento, parece-nos que o quarteirão que se encontra entre a Travessa do Capitão
e a Travessa da Tâmara (fig. 13 e 14)) terá, igualmente, feito parte de um surto de crescimento
intermédio, pois o documento de 1408 não o abarca como fazendo parte do novo espaço
concedido aos judeus, não invalidando obviamente o seu crescimento interligado com uma
ocupação cristã e não tanto ligado ao bairro judaico.
Numa outra análise, a rua direita da Judiaria é referenciada num documento centrado no
arco temporal da primeira metade do séc. XV e transcrito por Gabriel Pereira, que diz o seguinte:
“casas na rua direita da Judaria e junto com porta que say contra a praça […] e com travessa da
adega da figueira”105. Ora, que praça seria aquela? O Terreirinho da Judiaria, que é hoje o actual
Largo dos Mercadores? Ou a Praça do Giraldo, que no séc. XIV era já denominada por “Praça
Grande”?106
Fig. 14:
Representação
esquemática de um
eventual acrescento
ao primitivo espaço
urbano (1331) da
Judiaria
Não o sabemos, apesar do trecho explicitar que junto da porta estaria uma praça, bem
como uma travessa de localização (Rua de Alcoutim?), que também nos é desconhecida.
Évora, como sede episcopal e cidade charneira no contexto das vias medievais, assumir-
se-ia como “cidade dinâmica, aberta para o exterior e em permanente contacto com outros
centros urbanos regionais”112. Tal factor reflectia o seu carácter de vector polarizante na zona do
antigo Al-Andaluz, constituindo-se Évora como um importante nó de trânsito e passagem
obrigatória no caminho entre Lisboa e Badajoz113. Apesar da inevitável carga de fomento
comercial que este pormenor acarreta, queremos, essencialmente, enaltecer o ponto que se
debruça sobre a circulação humana.
Quando a situação judaica na restante Europa se agravava em termos de estabilidade
socio-religiosa, Portugal acolheu sucessivas vagas do povo hebraico. Apesar de não sabermos
ao certo quando a Judiaria de Évora demonstrou a sua incapacidade em albergar a população
que, entretanto, chegava, a documentação legou-nos uma data que é, certamente, reveladora:
1408.
“A quantos esta carta testemunhável virem fasemos saber […] que a judaria era pequena […] que lhe acrecetassem a
dita judaria e o dito corregedor pera ella e como lhe logo divisou a judaria foe per esta guisa que se segue. Primeiramente
mandou tirar a porta da judaira que sta em a rua do Tinhoso e mandou que se çarrase a travessa do canto da rua que vay sair na
rua d´Alconchel em direito da casa de Lourenço Pires da Rosa e deulhe por judaria essa rua a suso ataa outra travessa seguinte
onde sta o forno da ponte e que hi se çarrase contra a rua de Alconchel, e deulhe mais outra travesa que entesta na casa de
Joham afom alvané dito Romaão, e que hi seja carrada. Item deulhe mais outra travessa seguinte onde mora ho horteliam a qual
casa he de Maria Pires molher do Gallego, e que hi seja carrada. Item lhe deu outra travessa onde tem atafona Rodrigo Alvares
marido de Maria d´Eiraboa, e que seja feita hua porta na rua direita e a travessa em diante onde mora Meem Delgado que vay
direita à Palmeira, e que hy se ponha a porta da carniçaria da Judaria em essa rua direita que entesta em hum pardieiro que hi
sta que foe pellomem. E repartidas assy as ditas ruas nós mandamos que sejam assy carradas em Judiaria como per el som
divisadas em que em o fazer das portas como em o tapar das ruas que se faça todo aa custa da comuna […].” 114.
112 Francisco Bilou, O sistema viário antigo na região de Évora, Évora, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional
cristandade.
116 Carmen Balesteros, op. cit., pp. 189/190.
117 Maria Ferro Tavares, op. cit., p. 56 e 60.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 27
Após 1497, todo este espaço passou por uma evidente remodelação, adequando-se às
prerrogativas urbanas de Quinhentos. Se tentarmos enquadrar as nossas considerações com
uma base métrica temos, obrigatoriamente, de nos basear nos trabalhos de Manuel Teixeira e
Margarida Valla, que após cuidadosas avaliações de uma série de cidades portuguesas do séc.
XIII, XIV e XV, nos legaram as medidas standard dos quarteirões.
A assunção de um novo desenho da cidade percorreu, grosso modo, a generalidade do
território português, estabelecendo os padrões e a base da nossa análise, pois a métrica, tanto
dos quarteirões como do próprio loteamento, ainda é verificável em alguns centros urbanos.
Segundo os referidos autores, os lotes teriam, de frente, entre 25 a 30 palmos (5,5 a 6,6 metros),
sendo que os quarteirões oscilariam entre os 510 (112 metros) e os 216 (47,52 metros) palmos
para o seu lado maior, e entre os 136 (29,92 metros) e os 81 (17,82 metros) palmos para o seu
lado menor118. Se tomarmos estas medidas como padrão, na nossa avaliação do crescimento
dos arrabaldes de Évora, conseguimos enquadrar os quarteirões que fizeram parte da judiaria.
Évora medieva, as ruas que constituíam a Judiaria interligavam-se com os edifícios públicos que
estariam situados nas suas proximidades, com um determinado ofício que nelas se desenvolvia,
ou com os nomes de importantes residentes. Se nos basearmos nos registos do séc. XIV,
verificamos, antes de mais, a escassez de arruamentos do bairro judeu. Afonso de Carvalho
enuncia 3: a Rua do Tinhoso, a Rua de D. Dinis e Rua da Milheira122. Pela análise urbana,
julgamos que seriam mais.
Se avançarmos um século neste levantamento notamos, a priori, a multiplicação de
registos, reveladora do considerável crescimento, quer urbano quer demográfico, da comuna.
De forma a potenciar esta consideração, e ao invés de nos demorarmos na feitura de um
texto expositivo, relegamos para a tabela 1 tanto a exposição dos topónimos como a sua
correspondência (quando existe) com os arruamentos actuais. Adoptamos, assim, e neste caso
pontual, uma via que tenta enunciar a considerável dimensão da Judiaria, dado o número de
ruas que possuía, disponibilizando informação de forma pragmática.
A partir da feitura desta tabela, algumas considerações têm, obrigatoriamente, de ser
tecidas. Em primeiro lugar, o conjunto das ruas. Reparamos que muitas destas eram
denominadas por um ou mais topónimos. A associação com diversos residentes levou a que
algumas fossem referidas, nos documentos, por mais do que uma denominação, em alguns
casos no mesmo arco temporal, o que dificulta obviamente o seu levantamento preciso.
Fig. 18:
Representação
esquemática da
localização dos
quarteirões referidos
no documento de 1408
Notar-se-á, por outro lado, o elevado número de interrogações que levantámos. Pormenor
de relevo, pois apesar da persistência de um urbanismo medievo no conjunto do Centro
Histórico, é extremamente complexo, quase perigoso, assumir a manutenção e disposição da
linha dos antigos arruamentos.
Veja-se, no seguimento, a quantidade de topónimos registados no séc. XV, o que poderá
indiciar a concreta delimitação do bairro judeu, ou seja, a sua institucionalização e decisiva
individualização no conjunto da cidade medieval. Corresponde, também, a um considerável
período ao nível da evolução urbana daquele, atestado pelo já citado documento de 1408.
Comparemos, posto isto, áreas de algumas das judiarias do país, quando os meados do
séc. XV já anunciavam a conturbação socio-religiosa que viria a pautar o final da centúria:
Lisboa: a Judiaria Grande teria, aproximadamente, 1,68 hectares. Note-se, no entanto, que
a cidade possuiria outros dois bairros de exclusiva ocupação judaica, perfazendo a numerosa
comuna lisbonense, que se dispersava por uma área consideravelmente maior123.
Porto: A Judiaria, conhecida como a «do Olival», albergou a comunidade judaica vindoura
da judiaria velha, denominada por «Judiaria de Monchique». Aquela ocuparia 1,8 hectares da
cidade. A comuna teria, ainda, um outro bairro: o de Gaia124.
Évora: A «Judiaria Nova», que sucedeu a um primeiro assentamento intra cerca velha,
ocuparia, em termos aproximados, 1,24 hectares, caso se considere o seu limite a Rua de
Alcoutim125. A encarar como tal a Rua Torta, bem como os quarteirões entre a mesma e a actual
Travessa da Tâmara, teríamos um bairro que se espraiava por cerca de 2,5 hectares126.
Em termos comparativos podemos, portanto, afiançar uma relativa homogeneidade, em
termos de área ocupada, entre as principais comunas portuguesas. No entanto, repare-se na
clara diferenciação entre as mesmas. Se, em Lisboa e no Porto, a comuna possuiria mais do que
um bairro de implantação, em Évora tal não se verificou. Não invalidamos um momento em que
funcionaram, paralelamente, a Judiaria à Porta Nova dos Judeus (antiga Porta de Alconchel), e a
Judiaria Nova. Contudo, a partir de 1331, temos sempre que considerar o seu crescente
confinamento a um espaço pré-definido, assistindo-se à sua reduzida disseminação pela cidade.
Évora deteria, assim, uma situação contrastante quando confrontada com as mais importantes
comunas portuguesas.
127Na feitura desta tabela utilizámos as seguintes obras: Maria Ferro Tavares, Os Judeus em Portugal no Século XV, Lisboa,
Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1982; Ângela Beirante, Évora na Idade Média,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1998; Claudino de Almeida, Ruas de Évora: Subsídios para a explicação dos seus
nomes, Évora, Gráfica Eborense, 1934; Afonso de Carvalho, Da Toponímia de Évora, Lisboa, Edições Colibri, 2004.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 32
prefigura como um paradigmático modelo na avaliação de outros exemplos130. Não querendo ter
a veleidade de contrariar a referida estudiosa, julgamos que outros pormenores têm que ser
enquadrados no conjunto desta discussão, nomeadamente um documento transcrito por
Claudino de Almeida. Naquele, lê-se o seguinte:
“Casas na Vila Nova que foi Judiaria, na rua da esnoga grande que foi dos judeus, e
partem com casa que serve de cozinha do barão […] casas com sete arcos, sendo seis
pelas paredes, e um arco grande pelo meio, tem um poço e uma chaminé, esta na que se
chamava da esnoga grande que era uma travessa que corria entre as casas do barão e a
rua do tinhoso, que agora está tapada e metida em azinhaga nas ditas casas do barão da
parte do norte; e tinham os bacharéis outras três moradas, sendo uma no beco do barão,
outra na travessa do cachiche e outra na rua direita dos mercadores, que tudo se chamava
vila nova dos judeus ou judiara. [o documento avança para outra referência] No anno de
1442 houveram os bachareis as casas da travessa do barão no canto da rua dos
mercadores e outras na rua da esnoga grande; estas estavam por detrás da rua do
tinhoso, na travessa que depois tapou o barão e meteu nas suas casas, que vinha ter junto
do terreirinho dos mercadores”131
Este trecho, em toda a sua extensão, pressupõe uma série de implicações que nos
interessa desenvolver. A primeira prende-se com a menção à «Rua do Cachiche» como tendo
sido Judiaria. Já antes fizemos referência ao facto da actual Travessa Torta ter sido integrante
daquele bairro. Sendo um topónimo do séc. XVI, a
Travessa do Cachiche corresponde, hoje, à segunda
travessa referida, que, na dita centúria, era ladeada de
propriedades de foro exclusivo da Sé132.
Outra importante interrogação centra-se na rua
da Esnoga Grande, associada a uma travessa que
“vinha ter junto do terreirinho dos mercadores”.
A dúvida prende-se com a localização do
referido terreiro. A associação automática seria com o
actual Largo dos Mercadores, o que invalidaria a
hipótese colocada por Carmen Balesteros, que
Fig. 18: Travessa do Barão
localizou a rua da Sinagoga Grande num eixo que
corria por entre os jardins da Pensão Portalegre, entre a Rua da Moeda e a dos Mercadores133.
Ora, em 1442 os bacharéis da Sé possuíam, de facto, propriedades à actual Travessa do Barão,
na contiguidade de outras que faziam esquina com a Rua dos Mercadores, mas na face Este da
referida Travessa134.
Em 1478 umas casas são aforadas, casas que fazem esquina com a Rua dos Mercadores
e que confinam com o claustro de um templo judaico135. Desta forma, é de nossa opinião que é
provável que a Rua da Sinagoga Grande possa corresponder à actual Travessa do Barão (fig.
18), respeitando a existência do edifício que ali se localizaria.
Por outro lado, a distinção entre uma travessa e a rua da “Esnoga grande” pressupõe a
sua diferenciação em termos de eixos, ou seja, um não corresponde ao outro. Julgamos que a
travessa referida no documento reflecte uma rua que corria entre a Rua de Alcoutim, e a
Travessa do Barão, na continuidade da actual Travessa das Damas, colocando-se as casas
aforadas em 1442 “por detrás da rua do tinhoso”.
A lógica de «azinhaga» parece permanecer, ainda que camuflada, no interior do quarteirão
situado entre as ditas ruas. Por outro lado, a referência ao claustro de uma outra sinagoga
parece encaminhar a reflexão no sentido de colocar, na secção virada para a Rua dos
Mercadores, um segundo templo judaico. Já Túlio Espanca nos tinha legado informações neste
sentido, ao referir-se ao grande solar Manuelino da Rua da Moeda. De acordo com este autor, é
provável que a capela do referido solar tivesse funcionado como sinagoga, consideração à qual
não associa nenhum documento ou base documental plausível136. Assim, consideramos a Rua
da Sinagoga Velha como localizada num arruamento desaparecido, e ligado, de facto, à Rua da
Sinagoga Grande. A dificuldade reside em precisar a localização da Sinagoga Velha.
Assim, como encarar a existência deste topónimo? A perpetuação da memória de uma
primeira sinagoga, que funcionou em paralelo com a descoberta no interior da Pensão
Portalegre? E a acreditar, poderá aquela ter desaparecido, bem como a rua que lhe dava
acesso, após a expulsão dos judeus daquele espaço?
Note-se que, antes deste ter sido posse do Barão de Alvito, foi propriedade do Bispo de
Ceuta, que explica a utilização, ainda que por um curto espaço de tempo, do topónimo de “Rua
das casas dos Bispos de Ceuta”137. O judeu, considerado herege, continuava a deter uma
contundente presença na zona, ou através dos cristãos-novos ou pela imagética urbana e
arquitectónica que a zona certamente teria nos inícios do séc. XVI.
133 Carmen Balesteros, op. cit., p. 191.
134 Ângela Beirante, op. cit., p. 61.
135 Maria Ferro Tavares, op. cit., p. 57.
136 Veja-se: Túlio Espanca, Inventário Artístico de Portugal – Concelho de Évora, vol. I, p. 257.
137 Ver tabela 2.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 35
Assim, e tendo em conta que a mesma passou para a posse de um bispo, não é de todo
inverosímil acreditar num considerável esforço para extinguir as marcas da presença judaica,
nomeadamente os seus templos. Tal situação verifica-se, ainda hoje, quando se entra na actual
Pensão Portalegre, com as marcas cristãs a sobreporem-se a uma estrutura de feição islâmica e
judaica.
Por outro lado, é também Cármen Balesteros que levanta a hipótese de tanto a zona
Oeste como Este da Travessa do Barão terem sido pertença do Barão de Alvito, que aí colocou
as suas casas, ligadas por um arco, elemento registado ao nível da toponímia por «Arco do
Barão»138 Este pormenor facilita a localização da Rua da Sinagoga Grande e releva o facto de
que poderão ter-se situado duas sinagogas nas proximidades da Travessa do Barão,
consideração já levantada por Túlio Espanca no seu Inventário139.
A toponímia volta a auxiliar-nos quando Ângela Beirante nos remete para o Beco do
Barão, como sucessório da Rua da Sinagoga Velha140. Este beco, como o próprio nome indica,
seria nos finais do séc. XVI um estreito arruamento, muito provavelmente, tapado pelo barão de
Alvito de forma a delimitar as suas propriedades.
Na conjunção destes elementos conseguimos, portanto, delimitar de forma veemente, e
esperemos que coerente, dois importantes vectores no entendimento da judiaria de Évora.
Atente-se ao facto de que, com o desenho urbano que enunciámos, conseguimos estabelecer
uma lógica de ligação do primeiro espaço de implantação de judeus, em consonância com o
acrescento de 1408.
A localização privilegiada da sinagoga grande, central face ao restante bairro, estabelece o
eixo sobre o qual tem que ser analisada a judiaria do séc. XV. A comuna que a sustenta, uma
das mais ricas do reino, possuía também um espaço de considerável dimensão ao nível do solo
urbano, com as inevitáveis correspondências em termos de edifícios públicos.
Após o descortinar das sinagogas, passamos a enunciar a provável localização dos
restantes edifícios que já referimos. Contudo, impõe-se uma advertência. Se, no caso dos
templos, possuíamos uma série de documentos que permitiram o seu levantamento, mediante
um olhar crítico, não temos tais instrumentos no que toca aos restantes complexos. Assim,
vemo-nos na situação, dado o contexto deste estudo, de nos basearmos, de forma quase
totalitária, no trabalho de Maria Ferro Tavares, pois é o único que avança com propostas para a
localização de espaços tão emblemáticos como o Midrash, o hospital e a gafaria.
Mais uma vez, foi a toponímia que nos deixou as bases para subentendermos estes locais.
A tabela de arruamentos, que já enunciámos, estabelece o ponto de partida para este
levantamento, que pela importância ao nível de impacto social, iniciamos pelo Midrash.
Ora, este corresponde, em termos aproximados, à madrasah islâmica: um local de
estudos, onde se liam os ensinamentos sagrados da Tora. Desconhecemos as medidas padrão
para esta tipologia de edifícios, daí que nos seja complexo indicar a sua localização exacta. No
entanto, sabemos que estaria situado entre a Travessa da Parreira e a Travessa do Pocinho,
que no séc. XV eram denominadas, respectivamente, de Rua do Midras e Rua do Midras de
Baixo141. Se confrontarmos a actual disposição e volumetria dos edifícios aí situados, surge-nos
a hipótese de tal complexo se ter situado no espaço que, hoje, está compreendido entre o nº 9
da Travessa da Parreira e o nº 14 da Travessa do Pocinho, consideração que, obviamente, fica a
aguardar a sua confirmação arqueológica ou documental.
Junto da sinagoga grande estaria situado o hospital da comuna, já próximo da Rua dos
Mercadores, como comprova um documento existente na Biblioteca Pública, referido por Maria
Ferro Tavares142. O universo habitacional que, entretanto, desconstruiu aquele espaço veio a
modificar, e provavelmente extinguir, quaisquer vestígios que pudessem ter subsistido deste
complexo. Acreditamos, contudo, que se situaria entre os nos 24 e 28 da actual Travessa do
Barão, sendo um espaço do qual não existem registos de pagamentos de foro. Se tal se
verificasse, julgamos que existiriam documentos que precisassem a sua localização. Desta
forma, mantemos as nossas considerações com as necessárias reservas, relegando para a
arqueologia ou a uma descoberta documental a verdadeira conclusão no que respeita a esta
dúvida.
Da carniçaria dos judeus possuímos alguns elementos para a sua localização aproximada,
pois são dois os eixos que temos como pontos de aproximação: A rua direita que vay para a
carniçarya dos judeus143, e a antiga Rua da Baldresaria144. O conceito de «Rua Direita» implica a
sua utilização estratégica, num contexto de cidade medieval, como eixo de ligação entre zonas
essenciais da sua própria vivência urbana145. Posto isto, a rua referida por Afonso de Carvalho
corresponde à actual Rua dos Mercadores, via primordial em termos de comunicação com o
principal terreiro mercantil da Évora medieva.
A Rua da Baldresaria, que já antes colocámos no Beco dos Açucares (fig. 19), tinha, na
esquina com a rua dos Mercadores, as carniçarias, como aponta Maria Tavares.146 No entanto, a
mesma autora aponta o facto de que este espaço foi o segundo a albergar aquele equipamento.
Primitivamente, ficariam situadas junto da sinagoga, pormenor que não deixa de suscitar algum
interesse num contexto de lógica urbana.
Acerca dos banhos da judiaria, que já antes referimos, situámo-los numa pequena
travessa, hoje desaparecida, que iria desembocar na Rua do Raimundo e que ainda
conseguimos traçar, via topografia do terreno. Atendendo à provável origem daquela, ainda no
séc. XIV, como sintoma de um primeiro surto de crescimento do bairro judeu, julgamos já ter
proposto, de forma coerente, uma suposta localização do complexo balnear judaico.
Acrescentamos, somente, uma referência transcrita por Afonso de Carvalho, que corrobora as
considerações de Claudino de Almeida.
Os banhos da judiaria foram alvo de um escambo em 1424147 e, em 1456 e 1494, aforados
aos bacharéis148. E é em 1456 que temos que nos centrar, pois no documento faz-se referência
a uma Casa da fornaça, “a casa em que poem fogo aos banhos […] que é de quatro uaras de
longo e outras tantas de ancho”149, ou seja, uma estrutura quadrangular, com cerca de 4,50 de
lado150. Junto desta, situava-se uma outra com sobrado e um quintal151. Contígua estaria uma
adega dos bacharéis, que Ângela
Beirante coloca, de forma imprecisa,
perto da actual Travessa da Tâmara,
onde hoje se situa o imóvel com o nº
19152, já sem ostentar as medidas
referidas.
Na conjunção destas
referências, conseguimos portanto
apontar uma localização aproximada,
recusando a sua precisão devido à
Fig. 19: Beco dos Açucares
intensa modificação do espaço urbano
XVIII – O estudo de Monsaraz, Lisboa, Caleidoscópio, Colecção Pensar Arquitectura, 2003, p. 186.
151 Afonso de Carvalho, op. cit., p. 138.
152 Ângela Beirante, op. cit., p. 428.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 38
naquela zona, destacando-se o encerramento da rua que lhe daria acesso153. No entanto, na
Travessa da Tâmara subsiste um pequeno beco, hoje contido em casas de particulares (no nº
17), que parece seguir a lógica de azinhaga. Dada a sua comunicação com um sistema de pátios
internos, subsiste neste espaço uma clara ambiência de lógica islâmica, em termos urbanos, o
que não deixa de atestar a sua antiguidade, relativamente ao acrescento de 1408.
A gafaria, numa outra óptica e dado o teor do edifício, estaria sempre situada numa zona
periférica, distante do centro da judiaria e, em princípio, num espaço pouco denso em termos
urbanos. Funcionaria como hospital e asilo de leprosos, o que lhe conferia, a priori, uma
implantação distanciada dos principais vectores da vivência quotidiana do bairro judeu.
De acordo com um documento existente no Arquivo Distrital de Évora, a gafaria dos
judeus estaria entre a Travessa da Tâmara e o Beco dos Açucares, o que não se revela
particularmente útil na sua localização exacta154.
No entender de Maria Ferro Tavares, encontrava-se no final do cruzamento entre a
Travessa do Capitão e o Beco dos Açucares, localização que será, sempre, sujeita a inúmeras
considerações. Nesta fase, não temos base para discordar da referida autora, até porque
julgamos que, de um ponto de vista urbano, nos parece que o referido local se adequa a uma
lógica de implantação do referido edifício155. A proximidade com uma eventual porta da judiaria,
bem como com a Rua do Raimundo, releva esta hipótese156.
Em jeito conclusivo podemos apontar, antes de mais, a incerteza face à verdadeira
dimensão da comuna judaica. Este é um ponto que temos que enaltecer, pois os registos,
nomeadamente económicos e demográficos, atestam a existência de uma comunidade viva,
dinâmica, pautada por um grau de riqueza equiparado a Lisboa, como já fizemos questão de
demonstrar. A presença de uma poderosa oligarquia comunal é, igualmente, um reflexo da
capacidade social, administrativa e financeira da comuna de Évora157. Todos estes pontos
aglomerados numa única óptica de confronto e análise são, no entanto, insuficientes para se
delimitar de forma concreta o espaço da Judiaria.
A incerteza mantém-se quanto ao traçado da cerca que a protegia, estrutura que só
poderemos deduzir tendo em conta a localização referenciada de algumas das suas portas. No
já transcrito documento de 1408, conseguimos deduzir não só a localização de algumas das
153 Na obra de Gabriel Pereira, quando nos debruçamos sobre as possessões das albergarias na zona da Judiaria, verificamos
as inúmeras referências da Rua dos Banhos “ […] na Judaria”. Ou seja, existia um complexo balnear, de uso exclusivo, no
espaço dedicado aos judeus. Veja-se: Gabriel Pereira, op. cit., pp. 122-137.
154 Livro 1º de Pergaminhos, fl. 113, Arquivo Distrital de Évora. Citado por Maria Ferro Tavares, op. cit., p. 94, nota 185.
155 Veja-se Maria Ferro Tavares, op. cit., pp. 60/61.
156 Idem, ibidem, p. 353.
157 Maria Ferro Tavares, op. cit., p. 129.
A(s) Judiaria(s) de Évora: contributos para um outro conhecimento 39
primitivas portas de acesso à comuna, como as “novas”, construídas após aquela data. Temos,
portanto, necessidade de voltar a basear-nos no referido documento. Neste diz-se que:
A única leitura, do ponto de vista crítico, que encontrámos respeitante a este texto é da
autoria de Carmen Balesteros, numa análise que, pela lógica urbana, nos parece correcta.
Temos a confirmação de que, antes de 1408, a Judiaria já se encontrava delimitada por
uma cerca. A primeira porta, à Rua do Tinhoso, estaria no cruzamento da Rua da Moeda com a
actual Travessa do Barão, sendo deslocada para a zona da Travessa da Bota, que parece ter
sido cerrada nos dois extremos do seu corrimento (“e que seja feita hua porta na rua direita [no
cruzamento da Travessa do Contreiras com a Rua dos Mercadores] e a travessa em diante
onde mora Meem Delgado que vay direita à Palmeira [Travessa da Bota]).
A Travessa do Barão, na sua secção já comunicante com a antiga Rua de Alconchel
(actual Serpa Pinto) foi, em tempos, denominada por Travessa do Postigo, o que pressupõe que
aí haveria um pequeno acesso ao bairro judaico, sem a definição tácita de porta159.
Pela lógica, existiriam outras duas portas, no local oposto dos principais eixos
comunicantes com a Praça do Giraldo. Ou seja, tanto a Rua da Moeda como a Rua dos
Mercadores teriam outras portas, que não sabemos se seriam no cruzamento com a Rua de
Alcoutim, se na Travessa do Sol. Se atentarmos ao imóvel na rua de Alcoutim nº 3, que já
referimos como passível de ter funcionado como sinagoga, verificamos que existe um espaço na
sua secção traseira, que julgamos ser pouco ortodoxa. Assinala uma clara separação em
relação ao prédio que lhe está contíguo, cuja fachada está virada para a Rua de Serpa Pinto.
Esse espaçamento entre ambos os imóveis, que hoje deve cumprir a função de saguão, poderá
reflectir o percurso da antiga cerca do bairro judeu. A confirmar-se esta hipótese, teremos que
encarar o prolongamento daquela estrutura até à linha da Travessa do Sol.
Rua do Tinhoso (actual Rua da Moeda) Duas (2) portas, nos dois extremos
da Rua
Numa outra aproximação terá sido também “protagonista” num processo de estruturação
do território, de forma a servir um propósito urbanístico, social, ideológico e comercial.
As estatísticas demográficas e os registos documentais atestam uma comunidade
populosa, dotada de importantes figuras do mercantilismo, dos ofícios artesanais, das ciências
médicas e literárias; uma poderosa oligarquia comunal assentava e desenvolvia, na cidade, os
seus encargos161, pormenores que teriam, certamente, uma correspondência ao nível urbano.
O último quartel do séc. XV, quando Évora já se afirmava como segunda cidade do reino,
assinala, por outro lado, um momento de singular importância da sua comuna. Reflectia, tal
como a urbe, um patamar de existência de índole régia, espaço urbano de predilecção dos
soberanos.
A comuna era uma das mais ricas do reino, como comprova um documento de 1487, onde
é Évora que maior quantia disponibiliza ao rei, sinal claro não só da sua densidade populacional
como da sua importância económica162. Não é, portanto, de estranhar que o édito de expulsão
de 1496, contraditório na sua acepção política e económica e também reflexo de uma estratégia
peninsular e não portuguesa, se prefigure como um duro golpe no panorama social português.
Contudo, precisamos de entende-lo a partir de 1492, quando os judeus castelhanos “invadiram”
o território português.
Não nos compete fazer a história deste período. Interessa-nos, mais uma vez, uma
observação atenta dos números que o perfizeram. Segundo as crónicas, Portugal recebeu cerca
de “23320 judeus […]. Cerca de 20000 [distribuíram-se] por Lisboa e Évora, os concelhos onde
[existiam] as comunas portuguesas mais populosas. É de notar que a cidade alentejana deve ter
recebido um contingente que oscila entre 8256 e 11164 judeus, no seu máximo, além de cerca
de 480 ferreiros e latoeiros.”163 Se tivermos em conta que a população eborense, por volta de
1527 se orçava nos 14000 habitantes164, podemos pressupor uma situação de considerável
perturbação ao nível urbano e social, durante 4 anos.
De acordo com um documento presente no Arquivo Distrital de Évora, inevitavelmente
referido por Maria Ferro Tavares, a Judiaria não possuía capacidade para albergar tamanho
número, e os cristãos foram obrigados a aceitar os judeus entre si165. Tomando como padrão a
estratégia de cálculo da referida historiadora, conseguimos apontar um número, aproximado e
sempre hipotético do cômputo total da comunidade judaica em Évora166, por volta da segunda
metade do séc. XV.
Se descontarmos os privilegiados no seio da comuna, e se tivermos em conta o montante
que os judeus de Évora outorgaram entre 1440 e 1487, podemos considerar uma população
oscilante entre os 2000 e os 5500 habitantes. Os últimos 15 anos da centúria assinalam, assim,
um florescimento da Judiaria a todos os níveis. Correspondendo, grosso modo, a 1/3 da
população eborense, temos que encarar uma significativa importância da comunidade judaica na
vivência quotidiana da cidade, bem como da sua dimensão económica.
Ângela Beirante afirma que a personalidade jurídica da comuna judaica foi uma estrutura
que se viu fortalecida nos últimos tempos da sua existência167, o que atesta a sua capacidade de
resposta face às instituições concelhias e régias. Implica, portanto, também considerar um
momento de quebra após a entrada dos judeus castelhanos.
As implicações que a sua existência, e sucessivo crescimento, acarretam não podem ser
dissociadas do crescendo de importância da cidade na condução do Portugal medieval. Como o
mais significativo pólo urbano a sul do Tejo, foi, como nos diz José Mattoso168, granjeando um
estatuto de cidade aristocrática. Se a época de Quinhentos, a nível urbano, parece corresponder
a um seguimento lógico deste período, podemos afirmar que a particular fisionomia da cidade se
viu quebrada com a expulsão de judeus e mouros.
Não podemos falar em quebra económica devido à constante injecção de capital da
nobreza terra-tenente, bem como da poderosa presença do clero eborense. Poderemos, talvez,
referir um retrocesso em termos mercantis e comerciais, com a inevitável perda de alguma
dinâmica nestas áreas, a posteriori colmatada pela rápida ascensão de uma classe burguesa, de
origens ainda trecentistas.
O século XVI veio a despoletar toda uma série de processos que reflectem uma
adequação de Évora a um discurso de poder, de imagética régia, plasmado em grandes
realizações que funcionariam como vectores de aproximação e de subjugação inconsciente, e
não tanto na óptica da estruturação territorial, tampouco numa lógica de urbanismo. Contudo, é
nos três séculos antecedentes que temos de procurar as bases para compreendermos esta
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