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MEDIEVAL
Gentes, Espaços e Poderes
Coleção ESTUDOS 15
LISBOA MEDIEVAL:
GENTES, ESPAÇOS E PODERES
Lisboa 2016
Textos seleccionados do III Colóquio Internacional “A Nova Lisboa Medieval” (Lisboa, Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 20 a 22 de Novembro de 2013).
Arbitragem Científica:
Amélia Aguiar Andrade, Ana Maria Rodrigues, Arnaldo Melo, Denis Menjot, Dolores Villalba
Sola, Fernando Correia Branco, Hermínia Vilar, Isabel Dias, Jean-Pierre Molénat, João Pedro
Bernardes, José Antonio Jara Fuente, Laurinda Abreu, Luís Urbano Afonso, Manuel Luís Real,
Maria Adelaide Miranda, Maria Alessandra Bilotta, Maria Filomena Barros, Maria Helena da Cruz
Coelho, Maria João Branco, Maria José Ferro Tavares, Maria Manuela Martins, Miguel Metelo de
Seixas, Saul António Gomes, Stéphane Boissellier, Susana Gómez Martínez, Walter Rossa.
Publicação financiada por Fundos Nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia,
no âmbito do Projecto UID/HIS/00749/2013.
Capa Ricardo Naito com base na gravura de Lisboa, editada por: Georg Braun, Frans Hogenberg
– Civitates Orbis Terrarum. Antverpiae: apud Philipum Gallaeum / apud Auctores 1572, Vol. I
Colecção Estudos 15
ISBN 978-989-99567-4-2
Paginação e execução Ricardo Naito / IEM – Instituto de Estudos Medievais, com base no design de Ana Pacheco
Impressão Finepaper
Índice
Apresentação...................................................................................................................... 9
João Luís Inglês Fontes, Luís Filipe Oliveira
PARTE I
Conferência de abertura.................................................................................... 13
London and the Kingdom:
Commerce, Politics and Power in the Late Middle Age........................................ 15
Matthew Paul Davies
PARTE II
Gentes, espaços e poderes – textos seleccionados............................... 35
Enterramentos infantis em contextos não funerários na Alta Idade Média......... 37
Sílvia Casimiro, Sara Prata, Rodrigo Banha da Silva
Lisboa e o comércio marítimo com a Europa nos séculos XIV e XV...................... 241
Flávio Miranda, Diogo Faria
Enquadramento Histórico
1
Licenciado e Mestre em Estudos Clássicos na Universidade de Lisboa. Realiza atualmente uma
dissertação em História Medieval, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sobre a evolução
da morfologia urbana de Lisboa em época medieval, balizada entre o século XI e o reinado de D. Dinis.
Desde 2009, é funcionário do quadro da Câmara Municipal de Lisboa, inserido no Gabinete de Estudos
Olisiponenses, onde se foca na história desta cidade, sobretudo sobre o período medieval.
2
Licenciou-se em História/variante de Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa em 1998. A sua actividade profissional tem-se centrado em intervenções no terreno, tendo participado
e dirigido em dezenas de escavações arqueológicas um pouco por todo o território nacional. Desde 2010 que
concentra a sua atenção em Lisboa, trabalhando como arqueólogo e consultor no centro histórico da cidade
em locais como a Mouraria, Alfama ou a Baixa Pombalina onde tem desenvolvido projectos como o do
Edifício Sede do Banco de Portugal.
3
CHAZAN, Robert – The Jews of Medieval Western Christendom. Cambridge: Cambridge University
Press, 2006, pp. 90-93.
4
Ver SCHWARTZ, Samuel – “Elegia de Rabi Abraham Ibn Ezra (1092-1167) sobre a tomada de Lisboa”.
in Revista Municipal, Lisboa. nº 55 (1952), pp. 35-44.
5
Sobre Abraham Ibn Ezra ver: LANGERMANN, Tzvi – “Abraham Ibn Ezra”. in ZALTA, Edward N. (ed.) –
The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2014 Edition). URL = http://plato.stanford.edu/archives/spr2014/
entries/ibn-ezra.
224 LISBOA MEDIEVAL: GENTES, ESPAÇOS E PODER ES
A Judiaria Pequena
6
Sobre a Judiaria Velha/Grande, ver SILVA, Augusto Vieira da – “A Judiaria Velha”. in As Muralhas
da Ribeira de Lisboa. vol. I, 3ª ed. Lisboa: Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1987,
pp. 203-239.
7
Cf. TAVARES, Maria José Ferro – Os Judeus em Portugal no séc. XIV. Lisboa: Instituto de Alta
Cultura – Centro de Estudos Históricos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1970, p. 60.
8
O contrato entre o Rei D. Dinis e o concelho de Lisboa data de 4 de Junho de 1294 (ANTT, Chancelaria de
D. Dinis, liv. II, fl. 81 v.; Arquivo Municipal de Lisboa (doravante AML), Livro dos Pregos, doc. 20; publicado
em SILVA, Augusto Vieira da – As Muralhas da Ribeira de Lisboa, vol I, pp. 27-29).
9
Augusto Viera da Silva sugere: “A parte da muralha que ficou a cargo do Concelho desde a Torre da
Escrevaninha até às Casas dos Pesos ou de Ver-o-Peso, ou não foi construída, ou só numa pequena extensão nas
proximidades destas casas, que não podemos determinar...” (cf.: SILVA, Augusto Vieira da – ob. cit., vol. I, p. 29).
A GÉNESE DA JUDIARIA PEQUENA DE LISBOA NO SÉCULO XIV 225
Contudo, esta questão não se fica por aqui. Para compreendermos melhor
todos os motivos que levaram a este contrato entre o rei e o concelho, as duas
principais forças modeladoras da forma urbana da cidade, devemos voltar um
pouco atrás, nomeadamente até aos anos iniciais do reinado d’O Lavrador.
Em Setembro de 1281, o rei D. Dinis, então com dezanove anos, ordena ao
seu almoxarife e aos seus escrivães que comprem ou negociem os direitos sobre
casas e tendas ou frações destas, em Lisboa10. Nesta carta é notório o interesse
régio na aquisição de propriedade urbana, aliás, uma política que já o seu pai
tinha seguido, sobretudo nos últimos anos do seu reinado11. Com efeito, as rendas
urbanas eram uma relevante fonte de receita que não passava despercebida aos
monarcas portugueses. Entre 1281 e 1294, o ano do contrato sobre a muralha da
Ribeira, a Coroa adquire várias propriedades no arrabalde ocidental da cidade,
nomeadamente nas freguesias da Madalena, S. Nicolau e S. Julião, ou seja, na área
onde se localizava o centro económico e artesanal da cidade12. Era neste arrabalde
que se localizava a grande maioria das tendas dos mesteirais de Lisboa, ou seja,
era neste espaço que trabalhavam e vendiam os seus produtos. Além disso, era
sobretudo nesta parte da cidade, junto ao rio, que estavam instalados vários
equipamentos relevantes para a urbe, tais como o mercado do peixe, as ferrarias
régias, o paço dos tabeliões, a alfândega ou a casa dos pesos.
Tal como é referido no contrato de 1294, no extremo ocidental deste grande
núcleo de oficinas, tendas, casas e edifícios públicos estava a “casa das Galés” do
Rei, ou seja, o espaço da construção naval pertencente à Coroa. Será também aí,
junto às tercenas, que irá surgir, nada fortuitamente, a judiaria pequena.
No referido contrato entre o rei e o concelho para a construção da muralha,
D. Dinis estabelece contrapartidas muito claras:
“…e estas casas todas que eu fezer devem seer minhas livremente e de meus
suscessores.”13
10
ANTT, Leitura Nova, Extremadura, livro 12, fl. 132.
11
Sobre a política de aquisição de propriedade urbana em Lisboa de Afonso III e D. Dinis ver:
RAVARA, António Pinto – A Propriedade urbana Régia: D. Afonso III e D. Dinis. Dissertação de Licenciatura
em História apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa: [s.n.], 1967, pp. 180-181.
12
Cf. ibidem, pp. 38-48.
13
AML, Livro dos Pregos, doc. 20.
226 LISBOA MEDIEVAL: GENTES, ESPAÇOS E PODER ES
“…davam a ElRey pera todo o sempre e a todos seus sucessores: e fyca pera
fazer ElRey hy hu essas ferrarias sijam outras casas quaes el por bem tever…”14
Mais uma vez, é notório também nesta doação, que o rei pretende obter
terreno livre onde poderá construir casas que ficarão na sua posse e que terão
a finalidade que ele bem entender. Deste modo, podemos afirmar que D. Dinis
teve um papel ativo no desenvolvimento urbano desta parte da cidade, fazendo o
possível por ficar na posse de terrenos que posteriormente serão rentabilizados em
prédios arrendados.
No caso da Judiaria Pequena de Lisboa, estamos em presença de mais uma
dessas ações em que o rei constrói, perto da nova muralha ribeirinha, mais
precisamente entre as tercenas, a sul, e a Rua do Morraz, a norte, um conjunto de
edifícios que arrendará a um núcleo populacional judaico15.
Entre 1299 e 1300, D. Dinis ordenou a realização de um levantamento completo
da propriedade régia em Lisboa que, a ser tomado em conjunto com as informações
que até aqui temos referido, demonstra claramente, mais uma vez, que o interesse
do monarca consiste em rentabilizar ao máximo a sua propriedade urbana16. O
repertório da propriedade régia está ordenado segundo uma organização geográfica
em que nos interessa sobretudo a parte dedicada às “casas de Moraz e defronte da
rua Nova e Taraçenas e as casas da Ferraria na freguesia de S. Julião”.
“Também possui o senhor Rei, junto das preditas casas, dez sótãos e dez
chãos ligados em conjunto ao redor com as galés, todos para si.
Também possui o senhor Rei nos chãos sobre as galés defronte do mosteiro
de S. Francisco oito sobrados e oito sótãos livres para si”.17
14
ANTT, Leitura Nova, Direitos Reais, livro 2, fls. 131v. e 132.
15
Sobre a evolução das tercenas de Lisboa ver os artigos de MENEZES, José de Vasconcellos e – “Tercenas
de Lisboa – I”. in Revista Municipal. Lisboa. nº 16 (1986), pp. 3-17; “Tercenas de Lisboa – II”. in Revista Municipal.
Lisboa, nº 17 (1986), pp. 3-14; “Tercenas de Lisboa – III”. in Revista Municipal. Lisboa, nº 19 (1987), pp. 3-14.
16
O documento está datado de 1299, o ano em que o inventário terá começado a ser feito, mas terá
apenas terminado em Setembro de 1300, ou até em Agosto de 1303, segundo a criteriosa análise de COSTA,
Mário Alberto Nunes – Reflexão Acerca dos Locais Ducentistas Atribuídos ao Estudo Geral. Coimbra:
Coimbra Editora, 1991, pp. 48-50.
17
ANTT, Núcleo Antigo, códice 314 (ant. 90), fl. 18v.
A GÉNESE DA JUDIARIA PEQUENA DE LISBOA NO SÉCULO XIV 227
18
SILVA, Augusto Vieira da – As Muralhas da Ribeira de Lisboa, vol II, p. 12.
19
TAVARES, Maria José Ferro – Os Judeus em Portugal no séc. XIV, cit., p. 155.
20
ANTT, Chancelaria de D. Dinis, livro 1, fl. 141 e seguintes. Publicado em Descobrimentos portugueses.
Ed. João Martins da Silva MARQUES, vol. I. Lisboa: Instituto para a Alta Cultura, 1944, pp. 46-48.
228 LISBOA MEDIEVAL: GENTES, ESPAÇOS E PODER ES
Arqueologia
conhecidos pelo trabalho de Vieira da Silva e pela extensa massa documental por
ele recolhida. Acrescente-se que estamos perante um conjunto muito significativo
de dados arqueológicos, cujo efetivo processamento, ainda incompleto, poderá
demorar ainda alguns anos, mormente no que respeita aos artefactos e à sua devida
contextualização crono-cultural, pelo que algumas das conclusões que agora se
expõem poderão ser afinadas no futuro.
No leque de questões que arqueologicamente ainda se encontram em aberto,
destacam-se duas: em primeiro, a planimetria global das edificações; em segundo,
a contextualização cronológica de alguns momentos construtivos. As questões
relativas à planimetria encontram-se bastante condicionadas pela própria área de
incidência dos trabalhos arqueológicos, pois, embora a intervenção arqueológica
tenha abrangido todo o quarteirão delimitado pelas Ruas de São Julião, do Comércio,
do Ouro e pelo Largo de São Julião, a profundidade da escavação foi muito desigual
em virtude das necessidades do projecto. Os vestígios da judiaria pequena foram
apenas detectados na área central do quarteirão onde a escavação atingiu maior
profundidade – cerca de 6 metros abaixo do actual nível de circulação –, facto que
nos permite conjecturar que as realidades agora descobertas se possam prolongar
parcialmente sob outras áreas do restante quarteirão, nas quais a cota atingida pela
escavação foi menor. Exceptuam-se neste cenário a área onde se instalou uma caixa
forte subterrânea. Infelizmente, a anterior escavação do subsolo para a implantação
desta estrutura não foi acompanhada arqueologicamente, existindo apenas um
documento que nos remete para a sua execução, o qual refere, sem pormenor,
algumas estruturas arquitectónicas então desmontadas. Segundo o relatório dos
trabalhos de construção,
24
MATOS, José Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira – Um sítio na Baixa. A Sede do Banco de Portugal.
Lisboa: Museu do Dinheiro, 2013, p. 17.
230 LISBOA MEDIEVAL: GENTES, ESPAÇOS E PODER ES
areal paralelo à margem norte do Rio Tejo, fechado a oeste pela escarpa da colina
de São Francisco. As evidências da ocupação humana prévias à construção da
muralha de D. Dinis resumem-se, neste espaço, ao espólio cerâmico e faunístico
presente nas sucessivas camadas de aluvião que desde a época romana imperial
aqui se depositaram, não se verificando até ao século XIII a presença de qualquer
edificação perene, tarefa que aliás seria de difícil execução sem uma barreira que
protegesse as edificações das condicionantes levantadas pela proximidade do rio25.
Na parcela escavada e segundo os dados arqueológicos, a construção da
muralha dionisina é, então, a primeira e maior intervenção arquitectónica,
tornando-se, até ao terramoto de 1755, um dos eixos mais importantes na concepção
da restante malha urbanística. Na cidade que cresce ao redor da muralha, podem-
-se individualizar duas fases principais, uma tardo-medieval associável à Judiaria
Pequena e às tercenas, de que trataremos de seguida, e outra moderna, no âmbito
da construção do Paço Real da Ribeira e das suas dependências. Sublinhe-se, desde
logo, que a informação recolhida sobre o urbanismo da fase medieval é muito
desigual, sendo bastante mais completa para a área a norte da muralha onde se
situava a Judiaria Pequena do que para sul, onde se instalaram as tercenas reais.
A norte, é possível observar um primeiro momento, cuja duração não terá
ultrapassado uns poucos anos, balizado entre a construção da muralha dionisina
e os edifícios da judiaria. De facto, a primeira edificação associada à muralha não
corresponde ainda à malha ortogonal da Judiaria Pequena, antes a uma parede,
datável contextualmente do final do século XIII, que lhe subjaz.
Esta parede pouco robusta dispunha-se de forma ligeiramente oblíqua em
relação à estrutura dionisina, ligando-se fisicamente à sua sapata, e tratar-se-ia do
limite de um ou dois grandes compartimentos a norte da fortificação anteriores à
abertura da Rua da Judiaria Pequena. A falta de solidez revelada poderá indicar
ter-se tratado de uma estrutura precária, hipótese reforçada pela rápida alteração
da malha urbana, pois já no início do século XIV se encontra construída a Judiaria
Pequena, cujos alicerces cortam precisamente esta parede pré-existente, tal como
observado na escavação arqueológica.
A remodelação na viragem do século XIII para o XIV implicou, então, a
substituição desta parede por um conjunto urbanístico aparentemente mais
complexo, já integrado na ortogonalidade da muralha e que, em termos genéricos,
se definia por uma banda de prédios contida entre duas ruas paralelas orientadas
este/oeste: a da Judiaria Pequena, a sul, e a do Morraz, depois da Calcetaria, a norte,
25
Extrapolando, com as naturais reservas, os dados do actual lençol freático, a zona de praia pré-
-fortificação deveria conhecer ainda na Idade Média episódios de inundação sazonal, fenómeno que os níveis
de areia da época parecem corroborar.
A GÉNESE DA JUDIARIA PEQUENA DE LISBOA NO SÉCULO XIV 231
Após este momento construtivo tardo medieval e até 1755, não foram
detectadas nas áreas escavadas quaisquer outras rupturas urbanísticas, facto que já
se comprova na cartografia dos séculos XVII e XVIII, mormente na planta de João
Nunes Tinoco, onde a linhas que definem o bairro se encontram de acordo com
aquelas que foi possível observar na escavação arqueológica.
A manutenção, até 1755, dos anteriores limites não implica, obviamente, a
inexistência de actividade construtiva, mormente remodelações e reconstruções,
tanto mais que a precariedade dos aparelhos originais não deverá ter permitido a
sua perfeita conservação até ao terramoto. Estas alterações deverão ter incidido nas
estruturas de cota positiva pois, ao nível dos alicerces, e exceptuando uma situação
de reforço fundacional com estacaria ainda em análise, as estruturas medievais
mantiveram-se inalteradas. Ao contrário do observado a sul da muralha, onde em
certas áreas se identificaram vestígios relacionáveis com o Paço Real da Ribeira,
já balizados nos séculos XVI a XVIII, a inexistência a norte de testemunhos de
remodelações dever-se-á às grandes perturbações pós-deposicionais que aqui os
terão apagado do registo arqueológico.
Esta grande afectação das estruturas remanescentes da Judiaria Pequena,
situação aliás habitual em áreas urbanas de grande dinâmica construtiva, impediu
também a definição mais objectiva de algumas das características funcionais
dos edifícios observáveis só em cota positiva, caso das zonas de entrada ou das
suas superfícies de circulação interna, sendo notória a escassez de pavimentos
estruturados – a estratigrafia horizontal era composta sobretudo por estratos
arenosos e algumas lentes de argamassa. No interior dos edifícios, esta ausência
poderá ser explicada, não só pelas perturbações pós-deposicionais, mas também
pela utilização de madeira como matéria-prima, tendo os respectivos soalhos
desaparecido em função quer do apodrecimento expectável quer por eventuais
remoções ou reaproveitamentos intencionais. Em função destes dados, a evidência
mais concreta de uma área pavimentada resume-se a uma placa de argamassa
esbranquiçada na área da Rua da Judiaria Pequena, cuja cota de topo, cerca de 2,8
metros abaixo do pavimento actual, estabelece o nível de circulação tardo-medieval.
Um dos factos de maior relevo na análise arqueológica reside na grande
homogeneidade de aparelho e técnica construtiva de todas as estruturas verticais
aqui identificadas, quer se tratem do corpo da muralha, quer dos prédios da
Judiaria Pequena, fenómeno que indica não só a proximidade cronológica entre
as construções, também elas datadas documentalmente, como a expectável
continuidade no aproveitamento de recursos locais. De facto, e pese embora o estudo
petrográfico não se encontre realizado, a partir da observação genérica efectuada
na escavação, pode-se afirmar que todas as estruturas apresentam matérias-primas
A GÉNESE DA JUDIARIA PEQUENA DE LISBOA NO SÉCULO XIV 233
27
ALMEIDA, Sara Oliveira; TEMUDO, Susana Raquel – Conjunto cerâmico do século XIII no contexto
do Bairro Judaico de Coimbra (Portugal). Poster apresentado no X Congresso internacional Cerâmica
Medieval no Mediterrâneo, Silves, 2012.
28
A este respeito, cite-se a recolha de SILVA, Augusto Vieira da – “A Judiaria Velha de Lisboa. Estudo
topographico sobre a antiga Lisboa”. in O Archeólogo Português. Iª serie, vol V, nº 11-12 (1899-1900), pp. 305-327.
29
ALMEIDA, Sara Oliveira; TEMUDO, Susana Raquel – “A Sinagoga Medieval de Coimbra à luz de
novos achados na Rua do Corpo de Deus. Notícia preliminar”. in Al-madan. II serie, nº 17, tomo 2 (2013),
pp. 29-35.
30
SANTOS, Carla; FIGUEIRA, Nádia – Rua dos Açouges, nº 6 [Sinagoga de Elvas]. Sondagens
arqueológicas de diagnóstico. Relatório policopiado entregue à DRC Alentejo. Viseu: Arqueohoje, 2015.
31
ALMEIDA, Sara Oliveira; TEMUDO, Susana Raquel – “A Sinagoga Medieval de Coimbra…”, p. 34.
32
Ibidem, p.34
A GÉNESE DA JUDIARIA PEQUENA DE LISBOA NO SÉCULO XIV 235
Conclusão
33
Gallardo Carrillo, Juan; González Ballesteros, José Ángel – “El urbanismo de la Judería Medieval de
Loca a la luz de las últimas escavaciones (2004-2006)”. in AlbercA. Lorca, nº 4 (2006), pp. 129-152.
236 LISBOA MEDIEVAL: GENTES, ESPAÇOS E PODER ES
34
FIALHO, Manuel – “A população judaica da Lisboa de D. Dinis”. in Actas do I Congresso Histórico
Internacional. As cidades na História: População. Guimarães, Câmara Municipal de Guimarães, 2013,
pp. 181-193.
A GÉNESE DA JUDIARIA PEQUENA DE LISBOA NO SÉCULO XIV 237
Fig. 3 – Comparação entre os dados arqueológicos e a proposta de Vieira da Silva (Artur Rocha).
240 LISBOA MEDIEVAL: GENTES, ESPAÇOS E PODER ES
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