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Bonino - Rosto Do Protestantismo Latino Americano
Bonino - Rosto Do Protestantismo Latino Americano
. Protestantismo
.~o Latino-Americano
~cr JosÉ MiGUEL BONiN
.-
~
~
Escola .
, Superior de
Teologia
José Míguez Bonino
Rostos do protestantismo
latino-americano
~'
• ~E5cola
.,/1 Superior de
. ~... Teologia
2003
Traduzído do original Rastros deI protestantismo lattnoemertceno.
publicado pela editora Nueva Creación, Buenos Aires. fílíal de William
B. Eerdmans Publishing Company, Grand Rapids, Míchígan, EUA. ©
1995 ISEDET.
CDU -284
CDD-284
Prefácio................................................................................ 5
Capítulo 1
O rosto liberal do protestantismo latino-americano............ 9
1. Existe essa relação e que importância tem? 10
2. Que projeto liberal? 13
3. Renunciar à herança liberal? 22
Capítulo 2
O rosto evangélico do protestantismo latino-americano..... 31
1. Um protestantismo evangélico 31
2. Crescimento e diversificação 41
3. Sombras e luzes do "evangélico" 46
Capítulo 3
O rosto pentecostal do protestantismo latíno-amerícano ... 53
1. O que representa o pentecostalismo dentro do
protestantismo latino-americano?.............................. 55
2. A teologia do pentecostalismo 59
3. Uma teologia pentecostallatino-americana?.............. 62
Capítulo 4
Um "rosto étnico" do protestantismo latino-americano? 75
1. Como aproximar-nos do tema? 76
2. Protestantismo de missão e protestantismo étnico..... 79
3. Nação, etnia e missão 91
Capítulo 5
Em busca de coeréncia teológica: a trindade como critério
hermenêutico de uma teologia prostestante latino-americana 97
1. O futuro do protestantismo....... 97
2. O que significa a trindade como critério hermenêutico? 101
3. Rumo a uma crístología trinitária.............................. 106
Capítulo 6
Em busca da unidade: a missão como princípio material
de uma teologia protestante latino-americana.................. 115
1. A ambigüidade da defíníção missionária. 117
2. Por que uma míssíología trinitária? 122
3. Missão e evangelização............................................... 126
Notas 135
Prefácio
pessoas que crêem que o estado normal dos seres humanos seja
o da luta para vencer as dificuldades: que os empurrões. cotove-
ladas e pisadelas no próximo sejam o destino mais desejável
para a humanidade ou que não sejam senão meros sintomas
desagradáveis de uma das fases do progresso índustríal.ê"
Por conseguinte. uma nova geração de intelectuais - John
Stuart Mill, John Dewey, McIver - propõe uma concepção
diferente. O humano é um ser que procura melhorar como ser
moral e que não quer apenas acumular, mas desenvolver-se. A
sociedade. por sua vez, é um processo em busca de maior
liberdade e igualdade. Por conseguinte. a meta é "o avanço da
comunidade no tocante ao intelecto, à virtude, atividade práti-
ca e eficácia" (Stuart Mill). A partir dessa posição, critica o
modelo de seu pai (James Mill), mas não rejeita o capitalismo.
Como avançar, então. rumo a uma sociedade diferente? A per-
gunta toma-se-lhe difícil: propõe qualificações do voto que as-
segurem uma melhor distribuição dos recursos, a criação de
cooperativas, os partidos políticos representativos. John De-
wey dá uma contribuição decisiva: o caminho é a educação. O
objetivo é "desenvolver uma geração melhor". Esta é a linha
que predomina no Panamá em 1916.
1. Um protestantismo evangélico
1. Os iniciadores do protestantismo "crioulo". Eles são
missionários - em sua maioria norte-americanos ou brítâní-
cos (entre estes vários escoceses) - que chegam à América
Latina a partir da década de 1840. É notável perceber que, não
obstante sua diversidade confessional - metodistas, presbite-
rianos e batistas em sua maioria - e de origem - americana
e britãnica -, todos compartilham um mesmo horizonte teoló-
gico, que se pode caracterizar com o termo evangélico - utili-
zado aqui em sua acepção anglo-saxã! -, que Marsden define
muito bem dizendo que os evangélicos são "pessoas que pro-
fessam uma total confiança na Bíblia e se preocupam com a
mensagem da salvação que Deus oferece aos pecadores por
meio da morte de Jesus Cristo", e acrescentando: "Os evangé-
licos estavam convictos de que a aceitação sincera dessa men-
sagem do 'evangelho' era a chave para a virtude durante a vida
presente e para a vida eterna no céu e que sua rejeição signi-
ficava seguir o caminho largo que termina nas torturas do
inferno.'?
'Iodos podemos reconhecer nesse resumo a teologia do
pietismo e do Grande Despertar (ou avivamento) do séc. 18 que
associamos aos nomes de Wesley e Whitefield na Grã-Bretanha
e de Jonathan Edwards nos Estados Unidos e que permeia a
maior parte do protestantismo anglo-saxão e seguramente a
totalidade de seu etos missionário. Este é o pano de fundo
teológico da missão à América Latina em suas origens na se-
gunda metade do séc. 19. Porém essa teologia havia sofrido,
desde meados do século, influências significativas que vale a
pena salientar. Se fixamos - mais ou menos arbitrariamente
- o ano de 1870 para fazer um balanço, teriamos de anotar ao
menos os seguintes dados:
O segundo despertar, na década de 1850 (que podemos
associar com nomes como os de Iyman Beecher, TImothy Dwight
32 Rostos do protestantismo latino-americano
Que minha vida inteira esteja consagrada a ti, Senhor, que mi-
nhas mãos sejam guiadas pelo impulso de teu amor;
que meus lábios possam dar testemunho de teu amor e eu
ofereça meus bens somente a ti, Senhor;
que meu tempo todo esteja dedicado a teu louvor e minha mente
e seu poder sejam consagrados a tua honra;
toma, ó Deus, minha vontade e faze-a tua, nada mais;
toma, sim, meu coração e nele terás teu trono.
No mundo da tradição wesleyana, a insistência na expe-
riência da "segunda bênção" - a plenitude da santificação -
originou divisões frente ao que alguns consideravam um aban-
dono da busca de santidade por parte das igrejas metodistas:
nascem assim, além do Exército da Salvação (Inglaterra, 1880),
a Igreja de Deus (Anderson, ID, 1880), a Aliança Cristã e Mis-
sionária (1887), a Igreja do Nazareno (1908) e a Igreja dos Pe-
regrinos (Pilgrim Holiness Church, 1897). A importãncia desse
desenvolvimento para nosso tema pode ser percebido na data
da entrada (de 1897 a 1914) de todas essas igrejas na América
Latina. No mundo evangélico de tradição reformada, o movi-
mento de santidade tem o mesmo vigor e ênfase. Derivou,
entretanto, numa maior preocupação doutrinal, como indica
sua participação na formação do grupo das "Conferências de
Keswick" e das Prophecy Conferences, antecedentes imediatos
do fundamentalismo.
b) David Moberg falou da "grande inversão" que acontece
no evangelicalismo norte-americano nas primeiras décadas do
século 20 no tocante à preocupação social". Com efeito, da
fórmula revivel and reiorm se passa à alternativa "evangeliza-
ção ou reforma social". A inversão parece ocorrer em duas
etapas: a primeira (de 1870 a 1900) significa uma retração da
esfera política como meio de reforma social, concentrando-se a
ação no âmbito privado da caridade; na segunda, como diz
Marsden, "toda preocupação social progressista, política ou
privada, toma-se suspeita para os revivalistas evangélicos e é
relegada a um lugar mínímo'". Os historiadores costumam
sugerir três causas: 1) O triunfo do modelo metodista de san-
tidade relega a tradição reformada muito ligada nos Estados
Unidos, desde o início, à "construção do reino de Deus" na
América. Por conseguinte, a santidade fica desconectada da
história para transformar-se numa experiência subjetiva, indi-
vidual- ou, quando muito, da pequena "comunidade" -, que
reduz o serviço a uma ação caritativa; 2) a experiência caris-
mática de viver numa espécie de "nova díspensação", numa
36 Rostos do protestantismo latino-americano
2. Crescimento e diversificação
1) "Atomização dos protestantismos". Jean-Pierre Bastian
chama de "atomízação dos protestantismos" o período que ele
situa entre 1949 e 1959. Essa caracterização parece-me inade-
quada, porque pressupõe uma identidade protestante prévia
definida pela "opção liberal". O erro provém, creio eu, do fato
de julgar a "identidade" com base nas opções dos lideres mis-
sionários e locais representados nas conferências, e de não
prestar suficiente atenção ao desenvolvimento da piedade evan-
gélica como substrato real do protestantismo missionário lati-
no-americano. làmbêm não melhor a interpretação de Hans-
é
2. A teologia do pentecostalismo
1. Existe uma teologia "pentecostel"? Embora quase todos
os autores advirtam que é necessário levar em conta as varia-
ções teológicas existentes dentro do pentecostalismo, a maioria
coincide em propor um esquema teológico vertebrado em tomo
de quatro temas:
60 Rostos do protestantismo latino-americano
2. Protestantismo de missão
e protestantismo étnico
A distãncia e a falta de comunicação entre igrejas de mis-
são e igrejas étnicas, pelo menos há até quase 50 anos, são um
fato inegável. Podemos, mais ainda, falar de desconfiança e
"deslegítímação" mútua. Nenhuma Igreja de imigração - na-
quela época elas já estavam presentes por cerca de meio século
na Argentina, no Uruguai e no Brasil (para referir-nos só a esta
parte do Cone Sul) - participou do Congresso do Panamá
realizado em 1916. Em Montevidéu (1925) já houve um repre-
sentante da Igreja Valdense, um do Comité Protestant Français
e um da Igreja Presbiteriana da Escócia - todos de origem
reformada -, além de um da Igreja Luterana Unida, que a essa
altura já havia assumido uma linha de missão. Por outro lado,
porém, não houve nenhuma representação de igrejas de imi-
gração no Congresso Evangélico realizado em Havana em 1929.
Só a Primeira Conferência Evangélica Latino-Americana (Bue-
nos Aires, 1949) registrou unia presença da Igreja Valdense, da
Igreja Protestante de Fala Francesa, das Igrejas Menonitas do
Paraguai e (como observador) do Sinodo Evangélico Alemão do
Rio da Prata. A Confederação de Igrejas Evangélicas do Rio da
Prata, criada em 1939, já contava com quatro igrejas "étnicas"
e outras três se uniram a ela no período de 1940-19499 .
1. O futuro do protestantismo
1. A exploração dessas visões com respeito ao futuro do
protestantismo latino-amertcano se desdobra em várias per-
guntas: será que o novo interesse pela religião que se percebe
em nossas terras - e não só nelas - é uma fase passageira
num processo histórtco que se encaminha inexoravelmente, a
médio e longo prazo, para "um mundo sem religião"? Em todo
caso, o protestantismo continuará crescendo ou tem ele um
teto ou limite que, mais cedo ou mais tarde. deterá seu avan-
ço? As formas mais dinâmicas do protestantismo - funda-
mentalmente o pentecostalismo - estão fatalmente condena-
das aos mecanismos de rotínização e burocratização descrttos
por Max Weber, que o levam a imitar as "igrejas tradicionais"?
Qual é. em todo caso, o futuro dessas "igrejas tradicionais"?
98 Rostos do protestantismo latino-americano
3. Missão e evangelização
Simplificando, poderíamos, talvez, dizer que o protestan-
tismo latino-americano teve a tendência de confundir evange-
lização e missão; ou seja, de reduzir a totalidade da missão de
Deus à "tarefa evangelizadora" concebida de modo estreito co-
mo o anúncio do chamado "plano de salvação" e o convite à
conversão. Embora possamos dizer, com gratidão, que essa
Em busca da unidade 127
Capítulo 1:
o rosto hõeral do protestantismo latino-americano
1 Regís PlANCHET, La intervención protestante en México y Sudamérica,
Revista Católica, El Paso, 1928, p. 180; v. também, do mesmo autor, La
propaganda del Protestantismo en México, Revista Católica, El Paso, 1922;
cf. Camilo CRlVELLI, Los protestantes y la América Latina, Isola de Liri:
Macioce y Písaní, 1931, p. 104-107.
2 Waldo CESAR et al., Protestantismo e imperialismo na América Latina,
Petrópolis: Vozes, 1968, p. 12.
3 Erasmo BRAGA, Panamericanismo: aspecto religioso, Nueva York: Socie-
dad para la Educación Misionera en los Estados Unidos y el Canadá,
1917, p. 199s.
4 Jean-Pierre BASTIAN, Historia del protestantismo en América Latina, Mé-
xico: Casa Unida de Publicaciones, 1990, p. 178ss. As diversas vertentes
de argumentação se repetem cada vez que há circunstáncias que "amea-
çam" modificar o campo religioso. A este respeito é interessante uma
pesquisa de Alejandro FRIGERIO intitulada La ínvasíón de las sedas: el
debate sobre nuevos movímíentos religiosos en los medios de comunica-
ción en Argentina, Sociedad y Rehgton, n. lO/lI, p. 24-51, 1993.
5 Jean-Pierre BASTIAN, op. cit., p. 187.
6 Id., ibid., p. 22.
7 Ibíd., p. 160.
8 A cifra indicada para 1903 é de Joseph I. PARKER (Ed.), Interpretative
Statistical Survey ofthe World Mission ot the Cbrtstien Church, New York
/London: Intemational Míssíonary Council, 1938, deduzindo a cifra cor-
respondente ao Caribe não-hispânico.
9 John IYNCH, The Catholic Church, in: Leslie BETHELL (Ed.), Latin Ame-
rica: Economy and Society, Cambridge: Cambridge Uníverstty, 1989, p.
331-336, especialmente o resumo à p. 332 citado no texto.
10 O tema do "destino manifesto" tem uma longa história na cultura e na
política dos Estados Unidos, não alheia a concepções messiânicas e a
influências teológicas. Duas obras que resumem bem e interpretam essa
história são: Albert K. WEINBERG, Manifest Destiny: A Study ofNationa-
list Expansionism in Amerícan Hístory, Baltimore: John Hopkíns, 1935, e
Frederíck MERK, Manifest Destiny and Mission in American History: A
Reinterpretation, New York, 1963.
11 Voltaremos ao tema da busca, por parte dos dirigentes latino-americanos
liberais, de uma imigração que contribuísse para o novo modelo, no capí-
tulo 4: Um rosto étnico do protestantismo latino-americano?
12 Cito ap. Cordon CONNELL-SMm-I, Los Estados Unidos y la América Lati-
na, México: Fondo de Cultura Económíca, 1974, p. 84-85.
136 Rostos do protestantismo latino-americano
Capítulo 2:
Capítulo 3:
o rosto pentecostal do protestantismo latino-americano
Capítulo 4:
Um "rosto étnico" do protestantismo latino-americano?
1 Emíle-G. LÉONARD, O protestantismo brasileiro: estudo de eclesíología e
de história social, São Paulo: ASTE, 1964. p. 17 (grifos meus).
2 Não cremos que seja necessárto tentar resumir os dados históricos da
entrada das igrejas de imigração na América Latina. As obras de Príen,
Bastían, Deiros e outros às quais nos referimos dão os dados básicos e
incluem as referências bibliográficas necessártas para empreender um
estudo mais detalhado dos aspectos históricos.
3 Waldo L. VILLALPANDO (Ed.), Las igJesias del trasplante: protestantismo
de ínmígracíón en la Argentina, Buenos Aires: CEC, 1970.
4 Robert RICARD, La. conquête spirituelle du Mexique, Paris. 1933; cito ap.
J. MÍGUEZ, Las perspectivas deI cristianismo en América Latina, Cuader-
nos de Embelse, FUMEC, 1964. p. 1-13.
5 R NARROLL, Ethnic Unit Classífícatíon, Current Anthropology, V. 5, n. 4,
resumido por Fredrík BARTI-I en Los grupos étnicos y sus fronteras, Mé-
xico: Fondo de Cultura Econórníca, 1976, p. l l ,
6 Encontramos apresentações que resumem de forma clara e simples essa
discussão no livro editado por Fredrík Barth indicado na nota anterior (p.
9-49) e na compilação editada por Roberto RINGUELET, Procesos de con-
tacto interétnico, Buenos Aires: Búsqueda, 1987, p. 13-48. Ambos in-
cluem uma bibliografia abundante.
7 Waldo VILLALPANDO, op. cít., p. 9, cita expressões de Roger Bastide (Bré-
silo terre de contrastes. Paris: Hachette, 1957, p. 241) sobre a importância
da religião na preservação cultural: "De um modo geral, a religião é o
centro mais importante da resistência. Podem-se mudar a língua, o modo
de viver e as concepções sobre o amor. A religião integra a última trinchei-
ra ao redor da qual se cristalizam os valores que não querem morrer. O
sagrado é, nas batalhas das civilizações, o último baluarte que recusa
render-se." Em alguns dos "despertares étnicos" que - para surpresa de
146 Rostos do protestantismo latino-americano
Capítulo 5:
Capítulo 6:
Em busca da unidade: a missão como princípio material
de uma teologia protestante latino-americana
1 Quanto à história dessa formulação, veja o detalhado trabalho histórico-
critico de A. RITSCHL, Über die beiden Principien des Protestantismus, in:
id., Gesammelte Aufsãtze, Freíburg: J. C. B Mohr, 1893, v. I, p. 234-257.
2 Paul TILLICH, Tbe Protestant Era, Chicago: Uníversíty of Chicago, 1957,
p. 163 e passím.
154 Rostos do protestantismo latino-americano