Que tal um exercício de “close reading”

a partir do primeiro capítulo de

Caro Haiti, de Jullie Dutra?
* close reading: leitura atenta, que estimula um
contato mais íntimo com o texto, em busca de
melhor compreender seus meandros
Intertextualidades
Silenciamentos
Naturalização da violência
A expressão “anos de
chumbo” remete ao filme
Die bleierne Zeit, de
Margarethe Von Trotta, mas
também a inúmeros episódios
de violência que marcaram o
mundo a partir da segunda
metade de século XX.
Foram tantos e tão
duradouros certos episódios
que talvez não devêssemos vê-
los como episódicos, mas sim
como sequelas quase
inevitáveis de uma coletânea
de equívocos e descasos. As
circunstâncias do caso
haitiano são investigadas ao
longo do livro.
O índice revela que o livro é
dividido em três partes, assim
como o clássico Os sertões, de
Euclides da Cunha. Outra
coincidência entre a obra que
retrata os eventos associados à
Guerra de Canudos, e esta
investigação sobre os horrores
que assolaram (assolam?) o
Haiti é o fato de a primeira
parte deste livro receber o
mesmo nome que a parte três
daquele.
Se lá temos TERRA, HOMEM
e LUTA. Aqui, após a LUTA,
terremos MORTE e (quem
sabe?) RECONSTRUÇÃO.
A narrativa nem sempre Aqui a linguagem é mais gentil,
linear é coerente com a cuidando para que a voz narrativa não
natureza do testemunho se sobressaia ao objeto de estudo.
traumático, como Jaime Também não encontraremos a
Ginzburg explica em Crítica polissemia especiosa que Clarice
em tempos de violência. Lispector usa em Laços de família, mas
tanto lá quanto aqui vemos os efeitos
Se essa estratégia ajuda o texto de um silenciamento, se lá discreto,
a gerar suspense e expectativa, aqui fortemente opressor.
o faz principalmente se
valendo daquilo que seja sua
maior virtude: estimular
interesse e empatia do leitor
por personagens
supostamente tão diferentes
de nós. Lembra um pouco
aquilo que Graciliano Ramos
faz conosco, usando o discurso
indireto livre em Vidas Secas?
Ao terminar o primeiro Uma distinção etimológica
capítulo, você perceberá que entre estátuas e monumentos
as ideias vagas e abstratas que é que enquanto esta, derivada
estou compartilhando serão de monere (lembrar, em
devidamente substituídas por latim), dialoga efetivamente
imagens concretas, dolorosas, com nossa memória, aquela
cicatrizantes. pode ser compreendida como
algo que não necessariamente
Surgirão nomes: Montilla estimula grandes reflexões,
Pierre, Pierre Andregena. sendo algo parado, estático.

Surgirão lugares: La Saline, Lido o livro. Lido,

Cité Soleil, Titayen. investigado, dialogado,
certamente ele poderá lhe
servir como um monumento,
atiçando memórias que até
E leremos palavras que até então então a gente nem sabia que
talvez nos fossem apenas palavras... poderiam existir.