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A Crônica no Brasil

A crônica foi inicialmente desenvolvida com caráter histórico (as crônicas históricas).
Elas relatavam desde o século XV fatos históricos (reais ou fictícios) ou acontecimentos
cotidianos (sucessão cronológica), algumas com toque de humor.

Mais tarde, esse gênero textual despretensioso foi se aproximando do público e


conquistando os leitores mundo afora. Hoje, esse fato é confirmado pela enorme difusão
das crônicas, sobretudo nos meios de comunicação.

No Brasil, a crônica tornou-se um estilo textual bem difundido, desde a publicação dos
"Folhetins" em meados do século XIX. Alguns escritores brasileiros que se destacaram
como cronistas foram:

 Machado de Assis
 Carlos Drummond de Andrade
 Rubem Braga
 Luís Fernando Veríssimo
 Fernando Sabino
 Carlos Heitor Cony
 Caio Fernando Abreu

Segundo o professor e crítico literário Antônio Cândido, em seu artigo “A vida ao rés-
do-chão” (1980):

“A crônica não é um “gênero maior”. Não se imagina uma literatura feita de grandes
cronistas, que lhe dessem o brilho universal dos grandes romancistas, dramaturgos e
poetas. Nem se pensaria em atribuir o Prêmio Nobel a um cronista, por melhor que
fosse. Portanto, parece mesmo que a crônica é um gênero menor. “Graças a Deus”,
seria o caso de dizer, porque sendo assim ela fica mais perto de nós. E para muitos
pode servir de caminho não apenas para a vida, que ela serve de perto, mas para a
literatura (...).

(...) Ora, a crônica está sempre ajudando a estabelecer ou restabelecer a dimensão das
coisas e das pessoas. Em lugar de oferecer um cenário excelso, numa revoada de
adjetivos e períodos candentes, pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma beleza
ou uma singularidade insuspeitadas. Ela é amiga da verdade e da poesia nas suas
formas mais diretas e também nas suas formas mais fantásticas, sobretudo porque
quase sempre utiliza o humor. Isto acontece porque não tem pretensões a durar, uma
vez que é filha do jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa. Ela não
foi feita originalmente para o livro, mas para essa publicação efêmera que se compra
num dia e no dia seguinte é usada para embrulhar um par de sapatos ou forrar o chão
da cozinha.”

Nesse trecho, tão esclarecedor, podemos destacar as características fundamentais da


crônica, como, por exemplo, a aproximação com o público, na medida em que contém
uma linguagem mais direta e despretensiosa.

Além disso, o autor destaca um de seus principais aspectos, ou seja, a curta duração que
possui esse produção textual.
As características das crônicas

 narrativa curta;
 uso de uma linguagem simples e coloquial;
 presença de poucos personagens, se houver;
 espaço reduzido;
 temas relacionados a acontecimentos cotidianos.

O amor e a morte (Carlos Heitor Cony)


Foi em dezembro, dez anos atrás. Mila teve nove filhotes, impossível ficar com a
ninhada inteira, fiquei com aquela que me parecia a mais próxima da mãe.

Nasceu em minha casa, foi gerada em minha casa, nela viveu esses dez anos,
participando de tudo, recebendo meus amigos na sala, cheirando-os e ficando ao lado
deles - sabendo que, de alguma forma, devia homenageá-los por mim e por ela.

Ao contrário da mãe, que tinha alguma autonomia existencial, aquilo que eu chamava
de “fumos fidalgos”, como o Dom Casmurro, Títi era um prolongamento, o dia e a
noite, o sol e todas as estrelas, o universo dela centrava-se em acompanhar, resumia-se
em estar perto.

Quando Mila foi embora, há dois anos, ela compreendeu que ficara mais importante -e,
se isso fosse possível, mais amada. Escoou com sabedoria a dor e o pranto, a ausência e
a tristeza, e se já era atenta aos movimentos mais insignificantes da casa, com o tempo
tornou-se um pedaço significante da vida em geral e do meu mundo particular.

Vida e mundo que deverão, agora, continuar sem ela -se é que posso chamar de
continuação o que tenho pela frente. Perdi alguns amigos, recentemente, mas foram
perdas coletivas que doeram, mas, de certa forma, são compensadas pela repartição do
prejuízo.

Perder Títi é um “resto de terra arrancado” de mim mesmo -e estou citando pela
segunda vez Machado de Assis, que criou um cão com o nome do dono (Quincas
Borba) e sabia como ninguém que dono e cão são uma coisa só.

Essa “coisa só” fica mais só, nem por isso fica mais forte, como queria Ibsen. Fica
apenas mais sozinho mesmo, sem ter aquele olhar que vai fundo da gente e adivinha até
a alegria e a tristeza que sentimos sem compreender. Sem Títi, é mais fácil aceitar que a
morte seja tão poderosa, desde que seja bem menos poderosa do que o amor.

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