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De Bertolt Brecht
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1 - COMUNIDADE DO POVO
O PRIMEIRO- Agora 'tamos por cima. Imponente, o desfile d'archotes. 'inda ontem falido,
hoje já na Chançalaria do Reich. Ontem abutre falido, hoj' águia do Império.
Vertem águas.
O PRIMEIRO - Mas primeiro tem que se fazer sair o ser alemão do meio dessa chusma de
seres inferiores. Mas afinal que zona é esta? Nã tem bandeiras.
O SEGUNDO- Purdemo-nos.
O PRIMEIRO- Os irmãos 'tão. P'rece-te que foram ver de perto o nascimento do Terceiro
Reich? Vamos, com a retaguarda protegida.
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O PRIMEIRO- Ali à esquina desmantelámos cá um ninho de marxistas! D'ziam qu'era uma
associação de jovens católicos. Tudo mentira! Nenhum deles usava cabeção.
Corre de um lado para o outro como um louco e começa a disparar em todas as direcções.
PRIMEIRO- Socorro!
Por detrás duma janela, em frente à que está aberta e onde o Homem Velho se mantém,
ouve-se o grito medonho de alguém que foi atingido.
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2- A traição
Habitação pequeno-burguesa. Uma Mulher e um Homem estão junto à porta, à escuta. Estão
muito pálidos.
A MULHER- Partiram o corrimão. Ele já estava inconsciente quando o arrastaram para fora
de casa.
O MARIDO - Mas eu só disse que as emissões de rádio da Rússia não vinham daqui.
A MULHER- Não olhes assim para mim. É bem feito o que lhe aconteceu a ele. Quem é que
os manda ser comunistas?
O MARIDO- Mas não era preciso terem-lhe rasgado o casaco. Não vivemos tão à larga como
isso.
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4- Serviço ao povo
O HOMEM DAS SS- Por que é que tu, grande porco, não dizes que não, quando te
perguntam se és comunista? Tu levas porrada e eu não gozo a minha saída, estafado como
estou. Por que é que não mandam o Klapproth fazer isto? Ele até se diverte. Se o filho da puta
volta, põe-se à escuta tu pegas no chicote e dás us chicotadas no chão, entendido?
O HOMEM DAS SS- E isto é só porque eu estou farto de malbar em vocês, seus cabrões,
entendido?
Nos bastidores ouvem-se passos e o Homem das SS aponta para o chicote O Prisioneiro
pega-lhe e bate com ele no chio Como o barulho não é convincente, o Homem das SS aponta,
com indolência, para um cesto ali perto e o Prisioneiro chicoteou o cesto. Os passos nos
bastidores param. O Homem das SS levanta-se depressa e, com nervosismo, arranca o
chicote das mãos do Prisioneiro e bate-lhe.
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O OFICIAL DAS SS- Bate-lhe na barriga.
9- O Bufo
O MARIDO- O que é que queres que tenha acontecido na escola? E faz o favor de não
estares constantemente a dizer que eu estou tão nervoso, isso é que me deixa nervoso.
O MARIDO- Dessa já estava à espera! Dantes! Não queria dantes nem quero hoje que a
imaginação do meu filho seja envenenada.
O MARIDO- Não.
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Chama Klaus-Heinrich! Sai a correr da sala. Ouve-se a chamar. Regressa.
O MARIDO- Por que é que ficas tão nervosa só porque o rapaz saiu?
O MARIDO- Não ando nada descontrolado ultimamente, mas mesmo que andasse, o que é
que isso tem a ver com o facto de o miúdo ter saído?
O MARIDO- E então?
A MULHER- E então. E se ele se põe a contá-las por aí? Sabes bem o que lhes andam agora
sempre a meter na cabeça, lá na Juventude Hitleriana. Exigem-lhes diretamente que relatem
tudo. É tão estranho que se tenha ido embora sem dizer nada.
O MARIDO - Disparate.
O MARIDO - Ele sabe muito bem o que é que acontece quando se denuncia uma pessoa.
A MULHER - E aquele miúdo, aquele de que os Schmulkes nos contaram? Parece que o pai
ainda está no campo de concentração. Se ao menos soubéssemos quanto tempo é que ele
ainda ficou aqui na sala.
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A MULHER- Eu não consigo perceber como é que ele saiu sem dizer sequer uma palavra.
Nem parece dele.
A MULHER- Nesse caso, só pode estar em casa dos Mummermanns. Vou telefonar-lhes.
Telefona.
A MULHER ao telefone - Fala a mulher do professor efectivo Furcke. Bom dia, minha
Senhora. O Klaus-Heinrich por acaso está aí? – Não? Não faço ideia onde esteja o miúdo.
Diga-me uma coisa, minha Senhora, a sede da Juventude Hitleriana está aberta ao domingo à
tarde? – Sim? – Muito obrigada, vou perguntar para lá.
A MULHER- Falaste no jornal. Não devias ter dito aquilo sobre a Casa Castanha. Ele tem
uma sensibilidade tão nacionalista.
A MULHER - Com certeza que te lembras! Que lá também nem tudo é muito limpo.
O MARIDO- Isso não pode ser entendido como um ataque, tudo é muito limpo ou, como eu
disse, moderadamente, nem tudo é tão limpo quanto isso, até é bastante diferente, e isto é
mais um comentário divertido de tipo popularucho, por assim dizer, em linguagem comum,
com isto eu não quis dizer mais do que que li como isso, o que é diferente, na ver na Casa
provavelmente algumas coisas nem sempre, e nem em todas as circunstâncias, correm como
o Führer quer. Aliás exprime deste modo intencionalmente uma probabilidade, pois
lembro-me muito bem de ter dito "diz-se" que coisas lá nem todas são absolutamente num
sentido moderado limpas, diz-se que são!!! Não posso afirmar que haja lá uma coisa que não
seja limpa, não tenho provas disso. Onde há pessoas há imperfeições. Não quis dizer mais do
que isto e, mesmo assim, duma forma moderada. E além do mais, o Führer em pessoa, em
dada ocasião, também formulou críticas nesse sentido, e aliás de uma maneira muitíssimo
mais dura.
O MARIDO- Quem me dera não precisar! Não sei lá muito bem os disparates que tu própria
podes dizer por aí, sobre aquilo que talvez se possa ter dito aqui em casa, no calor da
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discussão. É óbvio que estou bem longe de te estar a acusar de qualquer afirmação frívola,
lançada contra o teu marido, tal como não me passa pela cabeça, nem por um instante, que o
miúdo faça qualquer coisa contra o seu próprio pai. Mas há uma enorme diferença entre fazer
mal e saber que se está a fazer mal.
A MULHER- Agora cala-te com isso! Toma antes cuidado com a língua! Tenho estado a dar
voltas à cabeça este tempo todo para me lembrar se disseste aquilo de não se poder viver na
Alemanha de Hitler antes ou depois do que disseste sobre a Casa Castanha.
A MULHER- Já te estás a portar como se eu fosse da polícia! O que me está a dar cabo da
cabeça é aquilo que o miúdo pode ter ouvido.
O MARIDO- A expressão "a Alemanha de Hitler" não faz, de todo, parte do meu
vocabulário.
O MARIDO - Sabe-se lá, há sempre qualquer coisa! Talvez por eu lhe ter tirado o sapo.
O MARIDO- Porque ele não apanhava moscas para lhe dar. Estava a deixá-lo morrer à fome.
A MULHER- Mas ele nunca mais falou do assunto e ainda há bocado lhe dei dez pfennig.
Tem tudo o que quer.
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O HOMEM - Pois, é suborno.
O MARIDO- Eles vão logo dizer que nós tentamos suborná-lo para ele não abrir a boca.
O MARIDO- Ora, tudo! Não há limites! Meu Deus do Céu! E ser -se professor. Educador da
juventude! Medo deles, é o que eu tenho!
O MARIDO- Há sempre qualquer coisa contra seja quem for. Todos são suspeitos. Basta que
exista a suspeita, que uma pessoa seja suspeita.
A MULHER- Mas uma criança não é uma testemunha fiável. Uma criança não sabe, de
facto, o que diz.
O MARIDO - Isso dizes tu. Mas desde quando é que eles precisam de uma testemunha seja
para o que for?
A MULHER- Não podemos pôr-nos a imaginar aquilo que tu poderias ter querido dizer com
aqueles comentários? Quero dizer, ele interpretou-te mal.
O MARIDO- Mas o que é que eu posso ter dito? Já nem me lembro. A culpa disto tudo é da
maldita chuva! Uma pessoa fica de mau humor. Ao fim e ao cabo, eu sou a última pessoa a
ter alguma coisa a dizer contra o desenvolvimento espiritual que o povo alemão está a viver
hoje em dia. Eu já previa isto tudo nos finais de 1932.
A MULHER- Karl, não temos tempo para estarmos agora a falar sobre isso. Temos de afinar
muito bem todos os pormenores e já. Não podemos perder um minuto.
A MULHER - Disseste que o jornal estava cheio de javardices e que querias cancelar a
assinatura.
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A MULHER -Não podias ter dito que desaprovavas essas javardices lá nas sacristias? E que
achavas ser bem possível que essas pessoas que hoje estão em tribunal tivessem sido as
mesmas que, em tempos, inventaram aquelas histórias horríveis sobre a Casa Castanha e
sobre o facto de as coisas lá não serem todas lá muito limpas? E que elas, já naquela altura,
deviam mas era varrer à frente da sua própria porta? E, sobretudo, tu disseste ao miúdo, larga
o rádio e pega antes no jornal, porque és da opinião que a Juventude do Terceiro Reich deve
ver com clareza o que se passa à sua volta?
A MULHER- Karl, tu agora não podes baixar a cabeça! Tens de ser forte, como o Führer
está sempre a...
O MARIDO- Não é possível eu sentar-me no banco dos réus do tribunal e, no banco das
testemunhas, está alguém da minha própria carne a testemunhar contra mim.
A MULHER Se toda a gente, sobre quem já alguma vez houve ameaça de uma inspeção,
ficasse desesperada!
O MARIDO- Achas que o vigilante do quarteirão tem alguma coisa contra nós?
O MARIDO- Quando fez anos, nós demos-lhe uma caixa de charutos dinheiro do Ano Novo
também foi bastante. Os Gauffs, aqui do lado, deram-lhe quinze marcos!
O telefone toca.
O MARIDO- O telefone!
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O HOMEM- Não sei.
A MULHER- Karl!!
O MARIDO- Um Judas, é isso o que é o filho que tu me deste! Está sentado à mesa a ouvir,
enquanto come a sopa que lhe pomos à frente, e regista tudo o que os progenitores dizem, o
bufo!
Pausa.
O MARIDO - Como é que eu hei-de saber? Estou disposto a ensinar tudo o que eles quiserem
que se ensine, mas o que é que eles querem que se ensine? Se ao menos eu soubesse! Sei lá
como é que eles querem que Bismarck tenha sido! Se levam tanto tempo a publicar os novos
manuais! Não podes dar mais dez marcos à criada? Essa também está sempre à escuta.
A MULHER diz que sim com a cabeça - E a fotografia do Hitler, secalhar devíamos
pendurá-la por cima da tua secretária? Fica melhor.
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A Mulher vai pendurar a fotografia.
O MARIDO - Mas se depois o miúdo disser que nós a mudámos de sítio, isso é capaz de
revelar o nosso sentimento de culpa.
A MULHER - Karl!
Ela abraça-o.
Ouve-se a porta de entrada a abrir. O Marido e a Mulher ficam lado a lado, imóveis, a um
canto da sala. A porta abre-se e entra o rapaz, com um saco na mão. – Pausa.
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12 - A Hora do Trabalhador
O LOCUTOR - Senhor Sedelmaier. Ora, Senhor Sedelmaier, por que razão é que vemos aqui
tantos rostos tão simpáticos e infatigáveis?
O TRABALHADOR VELHO depois de refletir um pouco - É que eles estão sempre a dizer
piadas.
O LOCUTOR - Ah. E assim, com piadas divertidas, o trabalho torna-se mais leve, é? O
Nacional-Socialismo não conhece qualquer espécie de pessimismo hostil à vida, quer você
dizer. Dantes as coisas eram diferentes, não eram?
O LOCUTOR - No tempo da República de Weimar, o trabalhador não tinha motivos para rir,
quer você dizer. Dantes, o lema era: trabalhar para quê!
O LOCUTOR - Como diz? Ah, sim, está a referir-se aos refilões, que há sempre aqui e ali,
mas que são cada vez menos porque compreendem que isso não ajuda nada, pelo contrário,
no Terceiro Reich tudo progride desde que voltou a haver uma mão firme. É o que também
você para a Trabalhadora queria dizer, Menina…
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A TRABALHADORA - Schmidt.
O LOCUTOR - Menina Schmidt. Em qual destas nossas máquinas gigantescas de aço é que
você trabalha?
O LOCUTOR - Quer dizer então que decorar o local de trabalho com flores, essas adoráveis
filhas dos campos? E de resto, houve muitas coisas que mudaram na fábrica, desde que o
destino da Alemanha mudou de rumo?
O LOCUTOR - Pois, todos querem ser os primeiros, é? Há sempre uma alegre confusão?
A OPERÁRIA - Só há seis torneiras para 552. Há sempre briga. E muitos não têm vergonha
nenhuma.
O LOCUTOR - Mas tudo se passa na maior das harmonias. E agora aqui o Senhor – como é o
seu nome? – quer dizer-nos qualquer coisa.
O TRABALHADOR - Mahn.
O LOCUTOR - Portanto, Mahn. Senhor Mahn. Então diga lá, como é que as muitas
inovações introduzidas na Fábrica, Senhor Mahn, se repercutiram no espírito dos colegas de
trabalho?
O LOCUTOR - Pois, se vocês estão contentes por todas as engrenagens estarem de novo em
movimento e todas as mãos terem trabalho?
O LOCUTOR - E o facto de cada um poder levar para casa o envelope com o salário é uma
coisa que também não convém esquecer.
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O TRABALHADOR - Pois não.
O LOCUTOR - Nem sempre foi assim. No tempo do reviralho, muitos camaradas tinham de
percorrer o amargo caminho até à Assistência Social. E contentarem-se com uma esmola.
O LOCUTOR ri de forma forçada- Hahaha! Essa é muito boa! Não havia muito para
descontar.
O Senhor do Escritório avança, nervoso, assim como o Homem Robusto com o uniforme das
SA.
O LOCUTOR - Pois, e assim todos têm acesso ao pão e ao trabalho no Terceiro Reich, tem
toda a razão, Senhor – como era o seu nome? Não há engrenagens paradas, não há braços a
enferrujar na Alemanha de Adolfo Hitler. Afasta o Trabalhador, com brutalidade, do
microfone. Em alegre cooperação, os trabalhadores intelectuais e os trabalhadores braçais
avançam para a reconstrução da nossa querida Pátria Alemã. Heil Hitler!
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13 - O CAIXÃO
Habitação operária. Uma Mulher com duas Crianças. Um Trabalhador Jovem e a sua
Mulher, que estão de visita. A Mulher chora. Ouvem-se passos nas escada. A porta está
aberta.
A MULHER - Ele só disse que pagavam salários de fome. E é verdade. A mais velha está
doente dos pulmões e não temos dinheiro para comprar leite. Não lhe podem ter feito mal.
O HOMEM DAS SA - Agora não se ponha para aí com tragédias. Uma inflamação pulmonar
qualquer um pode apanhar. Tem aí os papéis. Tudo em ordem. E veja se não faz nenhum
disparate.
O TRABALHADOR enraivecido - Claro que podemos. Onde é que tens a caixa das
ferramentas?
O TRABALHADOR - Quero ver o que lhe fizeram. Eles têm medo que se veja. Senão não o
traziam num caixão de zinco. Deixa-me!
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A MULHER dá as mãos aos Filhos e aproxima-se do caixão de zinco - Ainda tenho um
irmão que eles podem vir buscar. O caixão pode ficar fechado. Não precisamos de o ver. Não
o vamos esquecer.
18 - SOCORRO DE INVERNO
À casa de uma Mulher Idosa, que está sentada à mesa com a Filha, dois Homens das SA
trazem um pacote do Socorro de Inverno.
O PRIMEIRO HOMEM DAS SA - Aqui tem. avózinha, que lhe manda o Führer.
O SEGUNDO HOMEM DAS SA - Para que não diga que ele não se preocupa consigo.
A MULHER IDOSA - Muito obrigada, muito obrigada. Batatas, Erna. E uma camisola de lã.
E maçãs.
O PRIMEIRO HOMEM DAS SA - E uma carta do Führer, com uma coisa lá dentro. Abra lá!
A MULHER IDOSA abre a carta - Cinco marcos! E agora, o que é que tens a dizer, Erna?
A MULHER IDOSA - Tem de aceitar uma maçãzinha, Jovem, e você também. Por terem
trazido isto e por terem subido as escadas. Não tenho mais nada. E eu também vou comer já
uma.
Dá uma dentada numa maçã. Todos comem maçãs, excepto a Mulher Nova.
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A MULHER IDOSA - Come uma também, Erna, não fiques com essa cara! Já estás a ver que
as coisas não são como o teu marido diz.
A MULHER IDOSA - Não, são só coisas que ele diz à toa, nada de mal, sabe, o mesmo que
toda a gente diz por aí. Que os preços subiram um bocadinho nos últimos tempos. Aponta
com a maçã para a Filha. E ela realmente fez as contas no livro das despesas da casa e
concluiu que, este ano, gastou mais 123 marcos em comida do que no ano passado. Não foi,
Erna? Ela vê que os Homens das SA parecem ter levado isto a mal. Mas isto também só
acontece porque se está a arranjar cada vez mais armamento, não é? O que é que foi? Eu
disse alguma coisa?
O PRIMEIRO HOMEM DAS SA - Onde é que a jovem senhora guarda, então, o livro das
despesas da casa?
O SEGUNDO HOMEM DAS SA - E a quem é que mostra o livro das despesas da casa?
A MULHER IDOSA - Mas o Senhor não pode levar a mal que ela tenha um livro das
despesas da casa, não é verdade?
O PRIMEIRO HOMEM DAS SA - E que ela ande por aí a espalhar barbaridades, também
não podemos levar mal, é?
O SEGUNDO HOMEM DAS SA - E eu também não a ouvi, quando nós entrámos, a dizer
Heil Hitler bem alto e a bom som, tu ouviste?
A MULHER IDOSA - Mas ela gritou Heil Hitler e eu também grito. Heil Hitler!
O SEGUNDO HOMEM DAS SA - Isto é mas é um belo ninho de marxistas, onde viemos
parar, Albert. Temos de ver mais de perto esse livro das despesas da casa, venha já daí
connosco e leve-nos ao sítio onde mora. Agarra a Mulher Nova pelo braço.
A MULHER IDOSA - Mas ela está de três meses! Não podem… Não se faz! Se até
trouxeram o saco e aceitaram maçãs, Erna! Ela disse mesmo Heil Hitler, o que é que eu faço
agora, Heil Hitler! Heil Hitler!
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