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Rev. IG.

São Paulo, Volume Especial 1995

UNIDADES GEOTÉCNICAS DE SOLOS DE PORTO ALEGRE

Cezar Augusto Burkert BASTOS


Regina Davison DIAS

RESUMO

O artigo trata da caracterização dos solos do município de Porto Alegre para fins de
engenharia, através da identificação e mapeamento de unidades geotécnicas, definidas com o
aUXIlio de geologia e pedologia. São apresentados a metodologia dos trabalhos e os resulta-
dos obtidos, por meio de uma representação em pequena escala da Carta de Unidades
Geotécnicas e de uma síntese das características físicas, morfológicas e mineralógicas verifi-
cadas para os materiais de cada uma das unidades de solos subtropicais com substrato de
granitos e gnaisses.

ABSTRACT

The paper deals with the characterization of soils in Porto Alegre, for engineering pur-
poses, by means of the identification and mapping of geotechnical units defined with the
help of geology and pedology. The methodology and results of the work are presented by
means of a reduced-scale map of geotechnical units and of a description of the physical,
morphological and mineralogical characteristics of materiais found in each of the units of
subtropical soils, originated from granite and gneiss.

1 INTRODUÇÃO com o relevo se constituindo em forte de mor-


ros e coxilhas, em contraste com a Planície
O consistente conhecimento do meio físico Costeira Interna, composta pelas terras baixas
com o qual interagimos é o caminho pelo qual o (planícies aluviais, terraços fluviais e lacustres
homem avançará ao progresso sem que se come- e banhados).
tam agressões ao ambiente e à própria técnica. Destacam-se no município duas feições
Porto Alegre, não diferente de outros gran- geológicas bastante distintas: o Embasamento
des centros urbanos, tem a maioria dos insuces- Cristalino e sedimentos quaternários do Grupo
sos geotécnicos e do mau uso e ocupação dos Patos (segundo SHNEIDER et al., 1974). O pri-
solos, decorrentes do desconhecimento a res- meiro é formado por um conjunto de corpos gra-
peito do solo, sua origem, gênese, ocorrência e níticos com denominações locais em meio a um
propriedades. intrincado complexo granítico-gnáissico. Os
Neste sentido, visando fornecer um instru- sedimentos quaternários envolvem formações
mento básico ao planejamento de uso e ocupa- pleistocênicas (paleodunas, depósitos fluviais,
ção do solo e anteprojetos em engenharia, foi de fluxo de detritos e paleossolos coluviais) e
elaborada uma Carta de Unidades Geotécnicas, holocênicas (sedimentos aluvionares recentes).
estabelecendo uma compartimentação geológi- Segundo PROJETO RADAMBRASIL
co-pedológica voltada a futuros trabalhos sobre (1986), as classes pedológicas de solos encon-
temas geotécnicos específicos. tradas em Porto Alegre são: Podzólicos
Vermelho-Amarelados, Litólicos e
2 MATERIAL E MÉTODOS Cambissolos, com substrato de granitos e
gnaisses, e Planossolos, Gleis e Solos Aluviais,
2.1 Área de estudo
desde sedimentos quaternários.
O município de Porto Alegre situa-se na
2.2 Método de investigação das unidades geo-
porção leste do Estado de Rio Grande do Sul,
técnicas
às margens do lago denominado Rio Guaíba.
Em 65 % dos 500 km 2 da cidade, o Escudo O método de trabalho segue as diretrizes
Cristalino Sul Rio-grandense se faz presente, apresentadas em DIAS (1989), sofrendo adequa-
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çõe~ , em face de peculiaridades da região e mate- - Litólicos do complexo granítico-gnáis-


riaiS estudados. Em linhas gerais, pode ser divi- sico - Rg,gn;
dido em três etapas: estudo de escritório, investi- - Podzólicos vermelho-amarelados cl
gação de campo e avaliação das características e substrato granito - PV g;
propriedades geotécnicas dos materiais. - Podzólicos vermelho-amarelados cl
N a primeira etapa é realizada a coleta de substrato complexo granítico-gnáissico -
dados, interpretação das informações e esboço PVg,gn ;
cartográfico das unidades geotécnicas. O esbo- - Podzólicos vermelho-amarelados for-
ço das unidades geotécnicas foi executado com mados dos paleossolos ferralitizados do
o cruzamento das informações de interesse geo- alterito Serra de Tapes - PVpf(AST).
técnico sobre a geologia e a pedologia. O obje- As unidades geotécnicas de solos litólicos
tivo é estimar zonas de ocorrência de solos com (Rg e Rg,gn) compõem-se de perfis pedologi-
perfis de origem, características físicas e mor- camente classificados como litólicos, cambisso-
fológicas e comportamento geotécnico seme- los e também podzólicos vermelho-amarelados
lhantes, que constituem as chamadas unidades muito pouco evoluídos onde o horizonte B
geotécnicas . A geologia permite inferir as muito raso tem pouca importância em termos
características do horizonte saprolítico (hor. C) geotécnicos. As unidades de solos podzólicos
e a pedologia, aquelas dos horizontes superfi- vermelho-amarelados (PV g, PV g,gn e PV pf)
ciais (hor. A e B). A topografia auxilia na defi- agrupam os perfis pedológicos de mesmo
nição dos limites entre unidades. nome.
A nomenclatura adotada para as unidades Os solos hidromórficos (planossolos, gleis
geotécnicas foi inspirada nas indicações geoló- e solos aluviais) , originados das formações
gicas e pedológicas, dando idéia do perfil típi- sedimentares do Quaternário e aluviões recen-
co. É formada pela sigla do perfil pedológico tes, constituem a unidade de nome Solos
predominante acompanhada por um índice que hidromórficos - HID.
indica o substrato geológico. A figura 1 ilustra uma reduzida representa-
Foram investigados, em taludes naturais ou ção da Carta de Unidades Geotécnicas de Porto
escavações, perfis típicos das unidades geotécni- Alegre, publicada em BASTOS (1991) na sua
cas estimadas em escritório. Foram descritos: escala original (1:25.000).
seqüência, espessura e forma de transição dos Nos itens que seguem, as unidades são bre-
horizontes, textura, consistência, minerais princi- vemente descritas quanto às principais caracte-
pais, resquícios estruturais da rocha de origem, rísticas físicas , morfológicas e mineralógicas
macroestrutura e condição de drenagem dos dos perfis. As propriedades de engenharia dos
materiais. Quando possível, afloramentos rocho- materiais necessitam abrangente abordagem e
sos e matacões expostos foram investigados para serão discutidas em outros trabalhos.
melhor identificação do material de origem. 3.1 Unidades PVg e Rg (g.PG) - substrato
Desde amostras coletadas, realizaram-se Granito Ponta Grossa
ensaios para caracterização geotécnica clássica
e estudo das propriedades de engenharia dos Estas unidades apresentam perfis pouco
solos que compõem os perfis típicos. desenvolvidos , com predominância dos hori-
A partir daí, completam-se os subsídios zontes saprolíticos.
para a definição das unidades geotécnicas. O perfil típico de PV g apresenta um hori-
zonte B de pequena espessura « 2m), com ves-
3 RESULTADOS - UNIDADES tígios de transporte, cor avermelhada e textura
GEOTÉCNICAS DE areno-argilosa, acusando a presença de grãos
SOLOS PARA PORTO ALEGRE grosseiros (até 40% de areia grossa). O hori-
zonte C saprolítico, comum às duas unidades,
Com a aplicação do método de investiga- apresenta-se homogêneo, com tons amarelados
ção exposto, foram mapeadas e caracterizadas e textura arenosa (até 75 % de fração areia). A
as unidades geotécnicas de solos para o municí- presença de matações é comum, sendo aflora-
pio de Porto Alegre. Foram detalhadas aquelas mentos de blocos observados no alto dos mor-
unidades de solos subtropicais originários dos ros desta litologia. Tal horizonte já foi bastante
granitos e gnaisses. São elas: explorado como material para aterros e pavi-
-Litólicos de Granito - Rg mentação.
Rg(g.PG) - substrato Granito Ponta Grossa A mineralogia básica da litologia típica do
Rg(g.S) - substrato Granito Santana Granito Ponta Grossa é: feldspato alcalino ,
Rg(g.I) - substrato Granito Independência quartzo, plagioclásio e biotita. O solo saprolíti-
Rg(g.Cg) - substrato Granito Cantagalo; co apresenta fração grosseira composta por

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grãos de quartzo e fe ld spatos alcalinos em Estas unidades, de ocorrência menos signi-


decomposição. A cau linita é o argi lomineral ficativa, não foram objeto de amostragem e
predominante nos horizontes B e C. estudo de propriedades em laboratório. Com a
finalidade de reconhecer os materiais , foram
3.2 Unidades PVg e Rg(g.Cg) - substrato investigados perfis localizados no Morro da
Granito Cantagalo Extrema (extremo sudeste da cidade).

51°05'

N
30°00'

-$
ESCALA GRÁFICA
o 1 2 3 4 km
I b;;;J lii;;w;;4

VIAMÃO
LOCALIZAÇÃO

S""'~4

RIO GUAíBA

LEGENDA
r:0J Rg- Solos litóllcos cl subst.
l::;;i;j gronlticos .
1",'01 Rg,gn-Sc;>I!>s litóllc,os .c/subst.compl.
~ gronltlco· gI'10ISSICQ .
!777l PV- Solos podzólicos verm. - omor. cl
lliLl subst. pf- poleossolos ferrolitizo-
dos, ~-.gronitosl g,,9n- complexo
gronotoco - gno ssoco .
30°15'
~ Assoc. Rg,gn/PVg,gn
~ Assoe. Rg I PV 9
D Hid- Solos hldromórficos el subst .
sedimentos quoternórios.

FIGURA 1 - Carta de Unidades Geotécnicas de Porto Alegre.

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Os perfis apresentam características físico- gnaisses de acentuada xistosidade. Amostras


morfológicas bastante semelhantes àquelas coletadas de rocha granítica cinza revelaram
relacionadas ao Granito Ponto Grossa. Os solos como mineralogia básica: plagioclásio, quartzo,
geralmente diferem na textura, pouco mais feldspato alcalino e mica biotita. Os solos
grosseira no horizonte C. Verificou-se o empre- saprolíticos apresentam significativo teor de
go do solo saprolítico em obras de pavimenta- silte e fração areia composta de feldspatos em
ção nas estradas interiores próximas. decomposição e pouco quartzo. Entretanto, o
que mais chama a atenção é a presença impor-
3.3 Unidades PVg e Rg(g.S) - substrato
tante de mica nos solos do horizonte C. A aná-
Granito Santana
lise mineralógica das argilas revelou o predo-
O corpo granítico intrusivo que corta a mínio da caulinita, acompanhada da ilita para
cidade, denominado Granito Santana, determi- solos micáceos; logo, esta última associada ao
na um relevo muito movimentado. Daí, verifi- intemperismo das micas.
ca-se a incidência predominante de solos litóli- 3.5 Unidades PVg, gn eRg, gn - subst. com-
cos e afloramentos de rocha, resultando na sig-
plexo granítico-gnáissico
nificativa ocorrência da unidade Rg(g .S) . A
presença de matações é comum, até mesmo Originárias de rochas sujeitas a metamor-
aflorando no topo e encosta dos morros. Junto fismo intenso e diferenciado, apresentam
às zonas de falhas observam-se maior intempe- solos saprolíticos muito heterogêneos quanto
rismo e uma profundidade maior em solos à composição e estrutura. A idade geológica
saprolíticos. destas rochas indica que foram sujeitas a lon-
A análise mineralógica da rocha típica gos processos intempéricos e erosivos, confi-
indicou: feldspato alcalino, quartzo, plagioclá- gurando um relevo mais suave de coxilhas.
sio e biotita. O solo saprolítico é composto por Os perfis de solos típicos são mais profundos,
grãos de quartzo e feldspato alcalino em altera- evoluídos e bem drenados. A rocha sã rara-
ção na fração grosseira. O argilomineral predo- mente aflora.
minante é a caulinita. O horizonte B avermelhado apresenta tex-
tura argilo-arenosa. Uma estrutura bastante
3.4 Unidades PVg e Rg(g.I) - substrato Granito
friável, resultante de lixiviação, foi verificada.
Independência
Já os solos do horizonte C mostraram-se muito
De ocorrência destacada no centro e bair- heterogêneos, com textura e coloração variadas.
ros mais tradicionais e urbanizados da cidade A análise dos componentes mineralógicos
(Petrópolis, Moinhos de Vento e Bela Vista). do material de origem e solos saprolíticos
Os perfis de solos também não mostram toma-se tão complexa quanto a própria litolo-
grande evolução pedológica, os horizontes gia. A importante presença de solos saprolíticos
superficiais (A e B) são rasos a medianamente micáceos foi verificada. Amostras da fração
profundos « 4m). Entretanto, verifica-se inten- fina do horizonte B revelaram caulinita como
so intemperismo do material rochoso, com argilomineral e também quartzo. Já amostras do
grandes profundidades em solos saprolíticos horizonte C indicaram a presença de quartzo,
(sondagens SPT revelaram espessuras de até 20 caulinita e ilita.
metros). Este aspecto parece estar relacionado à
3.6 Unidade PVpf(AST) - Alterito Serra de
composição mineralógica bem menos estável
Tapes
dos granitos e gnaisses feldspáticos e micáceos
que compõem o substrato das unidades. Os depósitos coluvionares antigos (paleos-
O horizonte B (unidade PVg) apresenta-se solos), denominados localmente de Alterito
como um solo argilo-arenoso vermelho (em Serra de Tapes, ocorrem nas áreas de menor
tomo de 40% de areia). Em geral, as condições declividade da parte inferior das encostas dos
de drenagem são boas; no entanto, em certas morros. É observado um contato lateral interdi-
depressões, tomam-se prejudicadas e os mate- gitado entre os solos podzólicos desta unidade e
riais assumem consistência mole e cores mais os solos hidromórficos. Em alguns casos, os
acinzentadas, próprias da redução dos óxidos de paleossolos coluvionares recobrem formações
ferro. Já os solos saprolíticos apresentam textura sedimentares nas transições para o relevo
areno-siltosa e cores amareladas a rosadas para plano.
os perfis bem drenados. É freqüente a ocorrência Sobre esses paleossolos ferralitizados são
de matacões na massa de solo saprolítico. formados os mais bem desenvolvidos perfis
A unidade geológica Granito Indepen- podzól icos vermelho-amarelados da região .
dência é composta desde granitos cinzas a Apresentam um horizonte B laterizado relativa-

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mente profundo. O transporte coluvionar é anti- O horizonte C corresponde à litologia reco-


go e evidenciado pela presença de grãos gros- berta por paleossolos.
seiros dispersos, "discordantes" com a textura
mais argilosa do horizonte. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Forte cimentação por sesquióxidos foi
O método de trabalho adotado mostrou-se
observada. Agregações argilo-ferruginosas
eficiente, sendo alcançados como resultados o
formam concreções que tornam estes solos mapeamento e a caracterização das unidades
muito rijos e duros quando pouco úmidos. A geotécnicas de solos originados do intemperis-
drenagem dos. perfis é comprometida em sua mo das rochas do Embasamento Cristalino em
uniformidade pelas concreções. Estas indu- Porto Alegre.
zem a caminhos preferenciais de percolação, Atualmente, o trabalho tem continuidade
onde as reações de redução prevalecem, tor- com a elaboração de cartas de aptidão, a come-
nando comuns perfis com aparência mosquea- çar com a carta de susceptibilidade à erosão
da (manchas cinzentas na matriz de solo aver- laminar, e com o detalhamento dos solos hidro-
melhado). Ensaios difratométricos revelaram mórficos. Parâmetros geotécnicos obtidos e a
caulinita e quartzo. Na fração grosseira pre- análise de cada uma das propriedades de enge-
dominam grãos de quartzo de tamanhos e for- nharia investigadas serão publicados em traba-
mas diversas. lhos específicos.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASTOS, C.A.B. 1991. Mapeamento e carac- Porto Alegre, RS . Curso de Pós-
terização geomecânica das unidades geo- Graduação em Engenharia Civil da
técnicas de solos oriundos dos granitos, Universidade Federal do Rio Grande do
gnaisses e migmatitos de Porto Alegre. Sul, p. 96-120.
Dissertação de Mestrado , Escola de PROJETO RADAMBRASIL. 1986. Folha SH.
Engenharia, Universidade Federal do Rio 22 Porto Alegre e parte das folhas SH. 21
Grande do Sul, 156p. Uruguaiana e SI. 22 Lagoa Mirim. Rio de
DIAS, R.D. 1989. Metodologia de estudo do Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia
comportamento geotécnico dos solos do e Estatística, 796p.
Rio Grande do Sul visando cartografia. SCHNEIDER, A.W.; LOSS, E.L.; Pinto J.F.
ln: COLÓQUIO DE SOLOS TROPI- 1974. Mapa geológico da Folha de Porto
CAIS E SUBTROPICAIS E SUAS Alegre - RS. Porto Alegre, Instituto de
APLICAÇÕES EM ENGENHARIA Geociências - Universidade Federal do
CIVIL, 2, Porto Alegre, RS. Anais . Rio Grande do Sul.

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