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Ciên cias da Terra (UNL ) Lisboa N:' 14 2000
( 9 Figs.
RESOMO
Palavras-chave: ouro; actividade mineira romana; Pliccénico; bacia do Baixo Tejo; abrasão eólica; toróides.
Recentemente foi desc oberto , na área des tinada à construção do estád io de atletis mo Carla Sacramento na Cruz de Pau (S eixal),
um conjun to de galerias e poços, que se pensa ser fruto de antiga actividade mineira romana, devido às características daqueles
antigos traba lhos (dimcnsão, traçado e secção).
Os antigos trabalhos mineiros encaixam-se em formações do Pliocénico, areníticas com níveis conglomeráticos, tendo-se colhido
preliminarmente quat ro amost ras num nível mais grosse iro com balastros subrolados cen timérricos. Efectuou-se um estudo
mineralométrico de minerais pesados de acordo com os procedimentos normais do Laboratório de Mineralometria do Departamento
de Prospecção de Minérios Metálicos (OPMM) do Instituto Geológ ico e Mineiro (IGM). Trata-se de um nível com percentagens
interessantes de ouro e com a presença de monazite nodular e clássica, xenótimo, cassitcrite, espinelas s.l., ilmenire e rutilo. As
características morfol6gieas dos grãos de ouro e de outros minerais pesados apontam para duas fases principais de mobilização
mineral: uma fluvial a precede r uma outra eólica. A elevada percentagem de grãos toroidaia , com evidências de abrasão eólica,
sugere que este terá sido o principal factor de reconcentraçãn do ouro. A quantidade de partículas de ouro obtida nos concentrados
é relevante, tendo-se calculado para um deles o teor de 3.2 ppm. As amostras foram também analisadas quimicamente para Au + 34
elementos, por activação neutr ónica e ICP-MS, tendo fornecido teores com a mesma ordem dc grandeza.
ABSTRACT
Key words: gold; roman mining wcrks, Pliocene; Lower Tagus basin; wind-ablation ; toroids.
Recently had been discovery, in the area of the construceion ofthe Carla Sacramento Athletics Stadium et Cruz de Pau (Seixal),
a ser of stopes and wells with characteristics of ancient Roman mining activities . The old mining works are incised in plioeene
sandy fonnations with conglorneratic facies, where four preliminary samples wcre collected in a coarser levei with subrounded
pebbles. The heavy minerais of those samples were studied in accordance with the Heavy Mineral Concentrate Laboratory of the
IGM. The prcv iously mentioned fad es has intcresting gold percentages and the presence of grey (nodul ar) and classic monazite,
xcnotirre , cassitcrite , spinels s.I., ilmenite and rutile. The morphology of the gold grains as well as the heavy mineraIs shows two
phases of transport; an initial fluvial phase and a secondary aeolian phase influenced their concentranon. The high percentage of
toroid grains showing cvidence of wind ablation, suggests that this was the main factor for reconcentration ofthc gold. The amount
ofgold particles obtained in the concentrares is considerable and in one samplc, a grade 00 .2 ppm was calculated. Thc samples also
have been analysed for Au + 34 elemcnts by INAA and ICP-MS, thc results of which show similar grades as previously obtained.
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I- Congresso sobre o Cenozóico de Portugal
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Pl istocén ico
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[ : ; . ] Miocénico
Fig. 1 - Localização da zona estudada (extra cto amp liado da Carta Geológica de Portugal na escala 1: SOO 000 ,
Serviços Geológicos de Portugal. 1992).
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Ciências da Terra (UNL). 14
CA RACTERIZAÇÃO DO DEP ÓSITO ESTU DADO dep ósito. a Divisão de Geo física do IG M realizou a
E ENQUADRA M ENT O L1TOSTRATI GRÁFIC O cartogr afia das galerias descobertas, ap licando técnicas
de prospecção geoeléc trice e prospecção sísmica, a pedido
da Câ mara do Seixal. As galerias tem 0.8 a 1.5 m de
O depósito da Cruz de Pau est á enca ixado num diâmet ro, podendo at ingir uma extensão de várias dezenas
co njunto de ní veis co nglomerát icos lentic u lares de metros. Estão local izadas a uma profundidad e que pode
interca lados em arenitos com diversas tonalidades onde va riar en tre 2 e 6 metros (G o nçalves et a /.,2000 ).
predominam as manchas vermelhas e alaranja das. A descoberta d e out ras gale rias semelh an tes ,
Os níveis co nglomeráticos, com espessura vertica l nomeadamente na zona de Coina, os relatos históricos
cen timétrica variáve l, incluem essencial mente c1astos de re lativos a antigas exploraç ões de o uro na região
quartzito e de quartzo com cor variada (creme, amarelos- (Minas de Almada , Mina da Ad iça-Fonte da Te lha ),
ala ranjados, brancos e ci nzentos) . Aparentemente, os repercute-se no potencial aurífero de toda a bacia aluvial
bet ast ros não revelam im bri cação pre ferencial nem do Baixo Tejo.
granul otr iagem óbvia. Estão envolv idos por uma matriz
arení tica grossei ra e o cimento é ferrug inoso-argiloso. Em
a lguns observa-se deposição de óx idos de ferro em
pequenas depressões ou ao longo de descontinu idades. A EST UDO DE MI NERAI S P ESADOS À LU PA
dimensão des ta fracção grossei ra é bastante variável, Bl I'"OC ULAR
se ndo possível, no entanto, se parar um conj unto onde
p redo mina casca lho de I a 3 cm, sub-ang ulos o a Em te rmo s ge ra is, o s mi nera is p esados, qu e
sub-ro lado, d e um o utr o com sei xos de 4 a 5 cm, representam em média 1% da amostra total col hida,
sub-ro lad os. Esp orad icame nt e, observam-se alguns encon tram-se rolados a bem ro lados; predominam as
seixos que pode m atingir dimensões super iores a 10 cm. fo rmas elípticas (ba ixa es fer icidade). Rarame nte se
O corte x d e d esminera liz açã o dos se ixos é fin o a o bservam as for ma s cristalinas . Às veze s o bri lho
inexistente. ca rac terístico de alguns grã os não é passíve l de ser
Os conglom erados es tão interca lados em arenitos avaliado por as sup erficies se apresentarem com um
constituídos, em regra , por areias quártzicas de grão médio aspecto baço e picotado. O valor percentual de grãos
a grosseiro, consolidadas por cimento ferruginoso-argiloso ob ser vados para as diferentes espéci es mine rais nas 4
que confere ao conjunto o característico tom vermelho- am ostras, bem co mo a re sp ecti va d istri bu ição das
alaranjado. Nestes arenito s, a estratificação não é muito percentagens médias, estão ilustradas na Fig. 3.
eviden te. . A fracção magnética, que perfaz cerca de 92% dos
Esta unidade, limitada a topo por uma superfície de m ine rai s pe sad o s d a s a mos t ras, é co m posta,
aplanação bastante regular. é coberta por areias brancas essencialmente. por ilmenite, estaurclite e turmali na,
acinzentadas, mal consolidadas, e de gran ularidade mais aparecendo co mo mi nera is ac essórios a monazi te
fina (Fig.2). nodu lar e clássica, o xen ótirno, a gra nada, a leucoxena
As características da Formação hospedeira do ouro (prese nte na fracção magnética-MGN), a an fibo la c
aponta m a possibilidade de poder trata r-se efectivamente uma espinela que. por análise química e de difrac ção de
de depósitos de enx urrada de idade pliocénica. Raio s-X , foi ide nti fica da co mo sen do p icrocromite
As galerias de exp loração do ouro seguem clara mente (MgCrp.) .
os níveis conglomeráticos e embora não tenha sido possível Na fracção não magnética , qu e co rresp onde aos
reconhecer co m exac tidão a possança e extensão do restantes 8% dos minerais pesados, os mais representativos
Fig. 2 - (A) Depósito plioc énico da Cruz de Pau, com galerias romanas que seguemo nível conglomerático.
(8) Pormenor do nívelconglomerático.
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1° Congresso so bre o Ce nozóieo de Portugal
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Fig.J _ (A) Valores percentuais de grãos para as dife rente s espéc ies de minerais pes ados existentes nas quatr o amos tras do
dep ósito plioc énice da Cru z de Pau c (B) distribuição dos seus valores percentuais médi os.
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Para os grãos de ouro observados nas amostras da Cruz semelhantes fora m obtidas por estes au tor es quando
de Pau, foram defenidos do is grupos principais: submeteram peq uenas lamelas de ouro e are ia à acção do
vento num túne l de ensaio. Os grãos de ouro resu ltantes
G r upo I mostram um anel no bordo; as secções long itudinais
revelam que este es pessamento co rresponde a duas
Este grupo representa cerca de 90% das partículas de "bainhas", ou rebordos finos e simétricos, de ouro na
ouro observadas e é constituído por grãos achatados, com margem do grão. Esta característica morfológica é
forma circular a elí ptica, côncava nas duas faces . Em adquirida não só pela deformação por compacç ão da
termos morfológ icos, formam um conjunto muito margem mas é, segundo es tes au tores , sobretudo
homogéneo sendo a c ara c te rí sti ca ma is peculiar consequência da acção mecânica dos grãos de areia em
destes grãos o espessamento simétrico da periferia saltação na superfici e das lamelas de ouro. Os grãos
(F;g. 5). tendem a adq uirir de pressões csferoidais com o aumento
Foi efectuada análise di mens ional, à lupa binocular, de horas de exposição no túnel de vento. Minter ( 1999),
de 150 grãos aleatoriamente escolhidos numa das quatro comparou as partículas do placer de B aaga com as
amostras. Verificou -se que a distrib uição da frequência observadas em amos tras de Basa l Reef (Witwatersrand,
das dimensões desta s partícu las de ou ro tem distrib uição Africa do Sul) pa ra p rova r que processos eólicos
normal, ligeiramente assimétrica, revelando predomi- intervieram na acumulação daquele depósito aurífero .
nância da s partícu las mais finas . A c lass e modal que Como se pode comprovar pela Fig. 4 e 5, no depósito
caracteriza a di mensão das partículas apresenta eixo maior da Cruz de Pau a grande maio ria dos grãos de ouro
Fig. 5 ~ Fotografias cm microscópio electrónico de varrimento. Partículas de ouro com a forma de toróide
do depósit o pliocénico da Cruz de Pau. (A) Face. (8) Perfil.
de 167 um, eixo intermédio de 100 um e eixo menor de apresentam c arac terí st ic a s mo rfológicas muito
33 um. Para esta população , a méd ía do comprimento do semelhantes às descritas por Filippov & Nikiforova (1986)
eixo maior é de 200 um . e por Minter (1999), sendo possível observar que alguns
Considerando apenas o diâmetro do eixo maior, grãos parecem preservar um rebordo virado para o interior.
conclui-se que 70% das partículas tem uma dimensão entre Tais semelhanças permitem atri buir-lhes transpo rte eólico .
133 e 233 um. As partículas com eixo maior infer ior a A presença de formas que variam de elípticas a discoidais,
233 um per fazem 80% do tota l da amostra, o que pode parece indicar diferentes estádios evo lutivos das partíc ulas
sugerir alguma selecção no transporte. Cerca de 8% das de ouro sob a acção do vento .
partículas ap resenta forma discoidal perfeita e existem
ainda, distribuídas nas quatro amostras, alguns casos de G rupo 2
partículas esféricas. É constituído por finas pal hetas de ouro, de contorno
Segundo a classificação de Zingg, que relaciona o irr egu lar, com dimensões que não se afastam das
diâme tro correspondente aos eixos longo, médio e curto verificadas para as partículas do gr upo I . A observação
dos grãos, a forma da maioria das partículas cai no campo através do ME V pcnnitiu a identificação de possíveis faces
do laminado a oblato. primárias (Fig. 7) em algumas das partículas, integrando-
Filippov & Nikiforova (1986) descobriram que 80% -as, assim, na classe das formas pr ístine, atribuída por
dos grãos do placer de Baaga (Yakutia, Rússia), associado Dil.abio (1990). Estas formas sugerem um intervalo de
à drenagem de uma paleosuperficie eólica do Miocénico tempo mais curt o entre a or igem e a deposição e/o u uma
coberta por siltes, tinham a forma toroidal (Fig. 6). Formas menor distância percorrida.
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Fig. 8 - Valores analíticos encontrados para as quatro amostras do depósito pliocénico da Cnaz de Pau (valo res em ppm. com
excepção do Ca, Pe, Na, Sn e Sr - % - eAu e Ir - ppb).
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