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OUTUBRO EDIÇÃO
N°01
Foto de Capa: Iere Ferreira
A ESCREVIVÊNCIA DE
CONCEIÇÃO EVARISTO
POR: IARA BRANDÃO FERREIRA
Escrita da Luz Divina
Ensaio fotografico de Severino Silva
OTHELO O GRANDE
Um documentário de Lucas H Rossi
O NEGRO EM CENA
Editorial
"É unindo nossa gente que vamos pavimentar as estradas por
onde vão passar nossos filhos. Construindo e imprimindo
nossas histórias e preservando memórias ancestrais, deixando o
legado como herança".
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Nossa revista entra no mês da consciência
negra emanando potência para todos os lados,
enchendo de brilho os olhos dos nossos
leitores com o ensaio de um dos fotógrafos
profissionais mais admirados pelos
companheiros de trabalho e pelos
amantes da fotografia. Nosso parceiro
Severino Silva traz o seu olhar poético em
“Fé, Luz e Sombras”. Um mergulho
em nosso rico sincretismo religioso.
Saudamos a escrevivência de Conceição
Evaristo com a prosa da jovem colaboradora
Iara Brandão Ferreira e fotos de minha autoria.
Conversamos com o multiartista e cineasta
Paulinho Sacramento que criou o maior
festival de vídeo mapping da América Latina. “
O Rio Mapping Festival”, que ja iluminou
com multiplas projeções, do Cristo ao
Santo Cristo passando pela Câmara dos
vereadores, Gabinete Real Português,
Edifício A Noite entre outras fachadas
dentro e fora do nosso estado e do nosso país.
E vamos conhecer o jovem cineasta
Lucas H Rossi
que com ousadia e consciência
produziu o documentário (Othelo O Grande),
ganhador do prêmio de melhor
documentário do Festival do Rio
e destaque no Encontro de Cinema Negro
Zózimo Bulbul.
Como eu havia dito é
potência para todos os lados
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O NEGRO EM CENA
Escrita da Luz Divina
Nosso imenso Brasil é um país sempre plural, seja por sua diversidade
étnica, seja por sua multiplicidade cultural, na mostra fotográfica Fé, Luz e
Sombra, o fotografo Severino Silva nos convida a uma peregrinação por
muitas facetas da religiosidade que se mantêm pelo país afora.
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O NEGRO EM CENA
Registrar e expressar
fotograficamente esse
sentimento arraigado no
fundo da alma de cada
brasileiro - a Fé - tem
sido um dos desafios
mais fascinantes para
todos os fotógrafos
nacionais e estrangeiros
num país onde as mais
inusitadas e
espontâneas forma de
religiosidade se cruzam
e se desdobram numa
mesma necessidade de
esperança.
Severino Silva não se
restringe a exaltar a
espetacular beleza
plástica que reveste a fé
dos brasileiros por meio
de luzes, sombras,
cores e volumes. Sua
câmera também nos
passa a perplexidade
de um olhar em busca
Por: Flavio Di Cola
da origem dessa força
Fotos: Severino Silva
que nos ampara nas
ásperas jornadas da
vida. 04
O NEGRO EM CENA
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O NEGRO EM CENA
Na sequência, formei um grupo de pagode com meus amigos de bairro, na época eu morava em
Higienópolis e o grupo se chamava Raridade. Na década de 90, ser músico, preto e transitar em
todas as comunidades do entorno, dando calote em ônibus com pandeiro debaixo do braço, só
acreditando muito em si, que essa façanha era possível.
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O NEGRO EM CENA
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FOTO: Fábio Calvi
O NEGRO EM CENA
FOTOS: IERÊ FERREIRA
Eu não estava mais curtindo fazer filmes pra sala de cinema, ali não me contemplava mais. Eu queria ir
pra rua, mas exibir filmes na praça no mesmo formato de tela, também não era o que eu queria.
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O NEGRO EM CENA
FOTO: TOTA PAIVA
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O NEGRO EM CENA
Durante todas as edições trabalhamos com
Prefeitura, Governo do Estado, Oi, Rede Globo,
IRB Brasil que foram patrocinadoras pelas leis do
ICMS, ISS e Rouanet e tivemos apoio financeiro
dos governos Francês, Holandês e Espanhol, o que
nos deu a possibilidade de fazer conexões
internacionais. Em 2014 fui convidado pelo governo
francês para representar o Brasil e estar presente
na Fête de Lumieres em Lyon, o que me deu um
bom suporte de estudo de grandes festivais
tecnológicos, o que alavancou parcerias com FOTO: IERÊ FERREIRA
diversos artistas, empresas e parceiros por várias Como artista visual você se sente realizado?
parte do planeta.
Não, jamais. Acho que nunca vou me sentir.
Como e feita a avaliação financeira desse projeto? Sofro de hiperatividade e só vou me realizar
quando todos os artistas pretos e periféricos se
Primeiro eu escolho as fachadas, depois eu faço o sentirem realizados. Como isso é praticamente
projeto e assim avalio o orçamento. Não é simples, impossível e a gestão cultural no país segue
pois, além da parte técnica que é complicada, tem a ultramente engessada, emperrando a construção
parte burocrática que é ocupar praças e ruas com da maioria dos projetos, vamos seguindo e
projetos de grande porte. Tem projeção que levam realizando da maneira que dá.
3 mil pessoas para uma praça. Muita gente, equipe E para terminar, gostaríamos de saber quando
imensa, tecnologia e gestão envolvida. será o próximo Rio Mapping Festival, onde será e
qual a sua expectativa?
Qual é o impacto social que esse projeto traz e
onde ele acontece? Estamos em busca de patrocínio, apoio e
financiamentos o tempo todo. Já tenho algumas
Sempre priorizamos a parte educacional. Em todos fachadas e prédios históricos que eu gostaria de
os locais por onde passamos, tudo começa pelas projetar, mas ainda não temos data. Não tenho
oficinas. O social não é somente contra partida em muita expectativa, o Rio Mapping Festival é um
nosso projeto. Tem aluno que fez nossa oficina em projeto super avançado em sua existência, para
2014 e hoje está trabalhando com artistas de peso, acontecer depende de inúmeras articulações e
como é o caso do Malaquias, que já passou pela mesmo com um levantamento da Fundação
Furacão 2000 e hoje é VJ do cantor Orochi, um dos Getúlio Vargas que aponta que o projeto gera
grandes artistas da atualidade. Formamos vários emprego, arrecadação de impostos e lucro sobre
profissionais que hoje estão inseridos no mercado. investimento, não é tão fácil captar recursos e os
Só na escola de cinema Darcy Ribeiro e nas Naves editais mesmo com o novo governo, seguem
do Conhecimento, ministramos oficinas gratuitas de burocráticos em alta escala e ainda estão bem
video mapping que potencializaram diversos artistas distantes de ser democráticos. Estamos na luta,
digitais da nossa cidade e fora dela também. vamos ver o que vai rolar. Axé.
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O NEGRO EM CENA
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O NEGRO EM CENA
O Negro Em Cena:
Quanto tempo você levou para
conceber seu primeiro e já premiado
longa-metragem e o que te motivou a
contar essa história?
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O NEGRO EM CENA
O que ainda falta para que documentários como o Eu estou agora produzindo uma série para Warner
seu sejam melhor distribuídos em nosso país? e desenvolvendo um projeto de ficção e uma série
documental. Estou esperançoso em seguir
Eu acredito que agora, depois de uma mudança realizando e pensando cinema como uma
fundamental de governo - vamos seguir ferramenta para contar novas histórias.
reestabelecendo a cultura que foi completamente Eu sou apaixonado pelo que faço e levo muito a
violentada pelos quatro anos que já viraram sério o ofício de fazer cinema nesse país.
passado. Por mais que tenhamos dificuldades, todos os
A caminhada é longa, mas as políticas públicas meus filmes até hoje foram feitos com muita
estão voltando. Uma das coisas mais lindas que dedicação, coragem e amor - torço e cuido para
pude vivenciar nos últimos tempos foi ver a que siga sendo assim.
Joelma Gonzaga assumir a SAV (Secretaria do
Audiovisual) - isso nos enche de alegria e
esperança. Desde já agradecemos e desejamos sucesso e
Naturalmente, gosto de imaginar e contar com a AXÉ GRANDÃO e que OTHELO O GRANDE
certeza de que teremos mais chances de produzir venha pousar nas principais telas do mundo.
e lançar nossos filmes daqui pra frente. Axé
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Foto: Marcos Bonisson
O NEGRO EM CENA
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O NEGRO EM CENA
Conceição Evaristo
Se eu perguntar para um grupo de pessoas
pretas quem são os maiores intelectuais negros
da atualidade, com certeza Conceição Evaristo
vai ser um dos nomes mais falados. Mineira de
Fotos: Ierê Ferreira
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O NEGRO EM CENA
No ano de 1958, quando terminou o antigo ciclo Dentro da universidade, teve contato com o
“primário” na escola, ganhou o seu primeiro grupo Quilombhoje, que a incentivou a iniciar sua
concurso literário, que foi um concurso de redação. escrita, teve seu primeiro texto publicado na série
Esse foi o primeiro prêmio da autora, que hoje tem Cadernos Negros (publicação literária periódica),
muitos outros. Saiu do primário para fazer um onde passou a publicar vários contos e poemas.
ginásio dentro do curso normal no Instituto de Em 1996, concluiu o mestrado em Literatura
Educação de Minas Gerais. Nessa época, Brasileira pela PUC do Rio de Janeiro, com a
conciliava o curso com o trabalho de empregada dissertação Literatura Negra: uma poética de
doméstica. E conforme ela ia passando por todas nossa afro-brasilidade. No ano de 2003, foi
essas fases da vida, a leitura e a escrita sempre a publicado o seu primeiro romance Ponciá
acompanhavam. Esses recursos eram, inclusive, Vicêncio, pela Editora Mazza. Com uma narrativa
um suporte para ela encarar a realidade que vivia, sobre a trajetória de uma mulher preta, da infância
enquanto adolescente/jovem, preta, pobre, à idade adulta, onde passado e presente dialogam
empregada doméstica que estudava em escolas através da memória da personagem principal, o
nas quais a maioria das alunas, alunos e livro fez bastante sucesso e foi objeto de pesquisa
professores eram branca/os, onde certamente o de muitos trabalhos acadêmicos. Três anos
racismo se fazia presente. Durante o seu curso depois, Conceição Evaristo nos presenteia com
ginasial, a cidade de Belo Horizonte passava por seu segundo romance, intitulado Becos da
um plano de desfavelamento, que enviava os memória, em que trata do drama de uma favela
moradores das favelas próximas ao centro para as em processo de remoção. As obras da autora
periferias da cidade, o que deixou a família da colocam em evidência as experiências de
escritora mais longe das localidades que estudava. mulheres negras, que são as protagonistas de
Conceição se inseriu no movimento da Juventude seus escritos literários, misturando realidade e
Operária Católica ainda naquela época, que ficção, que trazem reflexões e denúncias sobre as
promovia encontros de reflexões que visavam desigualdades sociais e as opressões conferidas
comprometer a Igreja com realidade brasileira. Em aos negros através racismo.
1973, ao terminar o curso normal, como não Seus textos foram conquistando cada vez mais
conseguiu emprego na capital mineira, se mudou leitores no Brasil e no mundo, dentro e fora das
para o Rio de Janeiro, onde passou em um instituições acadêmicas. Conceição participou de
concurso público para o magistério e trabalhou publicações em países como Alemanha e
como professora da rede pública de ensino. Se Inglaterra. Em 2007, Ponciá Vicêncio é traduzido
formou em Letras pela Universidade Federal do para o inglês, nos Estados Unidos pela Host
Rio de Janeiro (UFRJ) na década de 1980. Publications. Com isso, a escritora participou de
vários eventos de lançamento e de palestras em
universidades estadunidenses.
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Fez doutorado em Literatura Comparada pela Quem acabou sendo eleito para ocupar o lugar foi
Universidade Federal Fluminense, com a tese o cineasta Cacá Diegues. Isso causou uma
Poemas malungos, cânticos irmãos (2011). Na enorme indignação na comunidade negra, porque
sua tese de doutorado, estudou as obras poéticas ela seria a primeira mulher negra a ocupar um
dos intelectuais Nei Lopes e Edimilson de Almeida lugar na Academia Brasileira de Letras, que até
Pereira em contraste com a do angolano hoje, 2023, não tem nenhuma. Isso nos mostra
Agostinho Neto. No mesmo ano, ela lança o livro que, apesar da vasta produção literária de
de contos Insubmissas lágrimas de mulheres, mulheres negras e sobre mulheres negras,
obra que também possui um contexto marcado circulando dentro e fora das universidades e
pelo racismo e pelas relações de gênero. outras instituições de educação, elas ainda são
Em 2014, a escritora publica Olhos D’água, que dominadas pela branquitude racista e machista,
foi um dos livros finalistas do Prêmio Jabuti, que continuam a invisibilizar nossas experiências
concorrendo na categoria “Contos e Crônicas”. e histórias. Apesar dessa questão, Conceição
Nos últimos anos, alguns de seus livros, que Evaristo foi premiada com o Troféu do Prêmio
continuam recebendo novas edições no Brasil e Juca Pato como Intelectual do Ano de 2023. A
foram traduzidos para o francês e publicados em escritora ganhou o prêmio não apensa pela sua
Paris pela editora Anacaona. Em 2018, a escritora contribuição à literatura brasileira, mas pelo
recebeu o Prêmio de Literatura do Governo de lançamento de Canção para Ninar Menino
Minas Gerais pelo conjunto de sua obra, no qual Grande, obra literária lançada no ano passado.
foi reconhecida como uma das escritoras Nesta obra, a escritora apresenta as contradições
brasileiras mais importantes. Mas é uma pena que e vivências da masculinidade de homens negros
nem todas as pessoas e instituições conseguem e as suas relações com mulheres negras.
reconhecer a grandiosidade e a importância da Outro feito importante da escritora esse ano foi a
obra de Conceição Evaristo, já que ela não foi abertura da Casa da Escrevivência, onde
eleita para ocupar a cadeira de número 7 Conceição dispõe parte do seu acervo
(originalmente ocupada por Castro Alves) na bibliográfico para o público.
Academia Brasileira de Letras. Ela lançou a sua
candidatura em junho de 2018 e a eleição ocorreu
em agosto, quando recebeu apenas um voto. 23
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Ou seja, o espaço contém uma biblioteca que Ela traz a vivência de mulheres negras, das suas
reúne todas as obras da intelectual e de outros relações político-sociais, da sua ancestralidade e
pensadores e escritores para que as pessoas das consequências e experiências oriundas dos
possam acessar, ler e pesquisar. Esse espaço processos diaspóricos negros. A escrevivência
cultural fica localizado na subida do Morro da não fala apenas da esfera individual, mas sobre
Conceição (próximo ao Largo da Prainha), no vivência de uma coletividade. Atualmente, o termo
centro do Rio de Janeiro, na região da Pequena é utilizado nas universidades como aparato
África. A escolha dessa localidade não foi à toa. Ali teórico e metodológico de pesquisa, sobretudo
existem vários pontos simbólicos e importantes feitas por estudantes e pesquisadores negras e
para a história da população negra brasileira, como negros, em diversas áreas além da literatura. É
o Cais do Valongo, principal ponto de desembarque uma episteme nascida de experiência negra e
de escravizados no Brasil durante o processo de sobre experiências negras.
colonização. Assim, ter contato com a obra de Conceição
O termo “Escrevivência” foi cunhado pela autora Evaristo nos permite entender a vida de uma
ao longo de sua pesquisa de mestrado. É um jogo mulher que usou a literatura como uma
entre as expressões “escrever”, “viver” e “se ver”, ferramenta de denúncia das opressões vividas
que se culminam na “escrevivência”. Para ela, a pela população negra brasileira, sobretudo pelas
escrevivência está fundada em um passado mulheres negras. Para além de seu rico e
histórico, que remonta a fala de mulheres negras grandioso legado, Conceição nos faz entender
escravizadas, a partir da imagem da Mãe Preta - que as nossas histórias precisam sim ser
aquela que vivia a sua condição de escravizada contadas por nós, mesmo que a branquitude não
dentro da casa-grande. A Mãe Preta tinha como queira escutar ou ler e mesmo que o sistema
tarefa a função forçada de cuidar dos filhos dos tente nos silenciar das mais variadas formas, pois
senhores brancos. Eram elas que os alimentava, segundo ela “a nossa escravivência não é para
ensinava a falar e contava histórias para adormecer os da casa-grande, e, sim, para
“adormecer a casa-grande”, como diz a própria acordá-los de seus sonos injustos”.
Conceição Evaristo. Nesse contexto, corpo e voz
de mulheres negras eram controlados por pessoas
brancas.
A escrevivência então, inicialmente, se estrutura
como o ato de escrita e autoria de mulheres
negras, que faz o caminho inverso ao da figura da
Mãe Preta, fazendo ecoar (através da escrita) as
vozes de mulheres negras que narram suas
próprias experiências e não mais histórias para
ninar a casa-grande.
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O NEGRO EM CENA
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O NEGRO EM CENA
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