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O Saber e o Enigma - Introducao Ao Estudo Dos Esoterismos - Olavo de Carvalho
O Saber e o Enigma - Introducao Ao Estudo Dos Esoterismos - Olavo de Carvalho
O saber e o enigma
Introdução ao estudo dos esoterismos
VIDE EDITORIAI
OLAVO DE CARVALHO
O saber e o enigma
OLAVO DE CARVALHO
O saber e o enigma
Introdução ao estudo dos esoterismos
VIDE EDITORIAL
O saber e o enigma: introdução ao estudo dos esoterismos
Olavo de Carvalho
1ª edição - fevereiro de 2022 - CEDET.
Copyright © by Olavo de Carvalho
Editor:
Silvio Grimaldo de Camargo
Gestão editorial:
Thomaz Perroni
Assistência editorial:
Daniel Araújo
Organizand Roseparação:
Mariana Reis
Preparação de texto:
Gabriel Buonpater
Diagramação:
Mauricio Amaral
Capa:
Guilherme Conejo Lopes
Conselho editorial:
Adelice Godoy
César Kyn d'Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo
FICHA CATALOGRÁFICA
Carvalho, Olavo de.
O saber e o enigma: introdução ao estudo dos esoterismos / Olavo de Carvalho- Campinas,
SP: Vide Editorial, 2021.
ISBN: 978-65-87138-73-2
1. Religião.
1. Autor II. Titulo
CDD - 200
Nota do organizador * 9
Advertência ortográfica * 11
PARTE I
Notas sobre simbolismo e realidade
2. A perspectiva rotatória * 19
PARTE I
Simbolismo e ordem cósmica
Apresentação * 31
PARTE III
O esoterismo na história e hoje em dia
Apresentação * 109
PARTE IV
As garras da Esfinge:
René Guénon e a islamização do Ocidente
1 * 191
II * 199
III * 205
IV * 209
V X: 215
VI $ 219
VII * 223
APÊNDICES
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Advertência ortográfica
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A perspectiva rotatória
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Dado, sentido e unidade (1)
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Dado, sentido e unidade (1)
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Unidade e unidades
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PARTE II
1 Texto redigido pelo próprio autor quando da divulgação do curso em 2018 - NO.
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CAPÍTULO I
Círculo de latência
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A perspectiva rotatória
Chamei de perspectiva rotatória esta possibilidade de girar e ir
captando as várias intenções, sem nunca as esgotar.
Suponhamos que eu veja um quadro que retrate um cavalo.
Usa-se para o cavalo pintado a mesma palavra que para o
cavalo real, mas neste momento estou me referindo ao cavalo
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esta aula agora. Você sabe que estou dando esta aula, não em
razão de alguma prova, e sim pelo seu testemunho. Sócrates
nunca se empenha, nos diálogos platônicos, em provar o que
diz; o que ele faz é invocar o testemunho dos seus interlocuto-
res, é convidá-los a que dêem atenção à sua experiência real e
a testemunhem sinceramente. Ao fazerem, perceberão possíveis
incoerências em seu discurso ou no discurso do interlocutor, e
assim se encaminharão à expressão da verdade dada em suas
experiências.
Não apenas tudo o que conhecemos se compõe de fragmen-
tos, por trás dos quais há um universo inteiro adivinhado por
nós, mas também o nosso conhecimento inteiro se baseia nessa
troca de adivinhações. Pior: isso funciona. Não apenas tudo é
assim, mas toda a noção que temos de honestidade, sinceridade
e amor ao próximo também se baseia nisso. O compromisso
de não exigir que o outro prove aquilo que você também não
pode provar é a condição número um da convivência humana.
A nossa comunicação se baseia na confiança. Evidentemente,
ela pode falhar, na medida em que o outro minta ou tente me
enganar - os referentes da mentira não são atualizáveis: a
mentira não aponta para nada -, ou testemunhe erroneamente
a sua experiência.
Aristóteles dizia que não se deve argumentar com quem
não reconhece ou não percebe os princípios da prova. O que
está muito bem, caso se reconheça que os princípios da prova
dependem da confiabilidade dos interlocutores. Não há meio
de eliminar a honestidade humana como elemento fundamental
do conhecimento e da comunicação. Nada pode nos defender
desse fato. E querer se defender dele, querer um conhecimento
absolutamente apodítico que não dependa do testemunho de
ninguém, prova apenas que você é um covarde, que você não
está habilitado a viver a vida humana; você quer viver num
mundo totalmente protegido, numa espécie de mundo geométrico.
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O dado e o construído
Às vezes, os filósofos propõem que existem dados que são
anteriores ao pensamento categorial. Haveria os elementos pré-
-categoriais, em si mesmos caóticos e fragmentários, que você
arranjaria segundo as categorias do seu pensamento e, assim,
criaria uma imagem do mundo. Mas, como acabamos de ver,
esses elementos pré-categorias, ou fragmentos ou partes que
percebemos, só são fragmentos ou partes porque guardam em
si uma latência. Só percebemos uma coisa separada, distinta
da outra, porque a articulamos com as outras. Sou capaz de
distinguir entre um urso e uma pata de urso. Não posso ver um
urso se ele não tiver uma pata (podem lhe ter cortado as patas,
mas algum dia ele teve). E também não posso conceber uma
pata de urso sem o urso do qual ela é parte.
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Finalidade da filosofia
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CAPÍTULO II
Tudo que existe, a menos que seja uma mera idéia, detém circulo
de latência. O conceito de leão não tem círculo de latência,
pois é apenas um esquema lógico que o sujeito percebe ser
aplicável a todos os leões. No entanto, o leão de verdade,
que existe concretamente, possui círculo de latência. Há uma
gama de possibilidades que ele poderá atualizar ou não, e
uma gama de impossibilidades que o definem. Se é assim, isto
é, se tudo que existe na realidade possui circulo de latência,
então a distinção entre substância, propriedade e acidente se
torna complexa.
Do ponto de vista aristotélico, substância é aquilo que a coisa
é (leão, montanha, ser humano etc.); propriedade é aquilo que
não faz parte da definição da coisa, mas que decorre logicamen-
te dessa definição (lembrem-se das propriedades do quadrado
decorrentes da definição de uma figura plana de quatro lados
com ângulos retos); e acidente, por fim, é aquilo que não está
dado na definição nem na propriedade, mas que pode acontecer
ao objeto. Da definição de gato e de suas propriedades não se
segue que ele poderá cair dentro de uma panela de água fervente,
mas isso pode lhe acontecer por acidente. Contudo, decorar as
odes de Pindaro é um acidente que não pode acontecer a um
gato de forma alguma.
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a dizer que simbolo não é mais que outro nome para circulo
de latência. Logo, não existe diferença entre o conhecimento
em geral e o conhecimento simbólico - todo conhecimento
será simbólico, tudo com que lidamos são símbolos. Podemos
definir simbolo, em consequência, como uma parte que anuncia
totalidades latentes.
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O simbolismo espacial
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CAPÍTULO III
O simbolismo natural
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Abstração da experiência
O que distinguirá o ser humano como ser excepcionalmente
racional é sua capacidade de abstração. Abstração consiste em
você separar uma parte de um todo e dar atenção somente a
ela. Quando pensamos numa pessoa, podemos tomá-la apenas
como se encontra no presente momento, sem consideração do
fato de que a conhecemos em momentos pretéritos com outra
aparência. De certo modo, a pessoa concreta é inacessível,
porém não incognoscivel; nós a conhecemos por antecipação,
essa espécie de tensão entre o que ela foi, é e poderá ser. Mas,
quando estamos pensando nela, ou seja, quando estamos mais
pensando sobre o percebido do que o percebendo, nós separa-
mos ou abstraímos partes do todo para nos concentrar nelas,
fazendo de conta que os outros elementos não existem.
E assim, dizia Aristóteles, que obtemos, por exemplo, o con-
ceito geral de uma espécie: estou olhando um gato mas não estou
interessado no gato completo, no gato inteiro; estou interessado só
naquilo que ele tem em comum com todos os outros gatos. O gato
a minha frente é malhado ou rajado, mas não estou interessado
nisso; interessa-me apenas a forma que esse gato tem em comum
com os outros gatos. Meu professor Stanislavs Ladusāns sempre
dava este exemplo: uma ovelha, sem jamais ter visto um lobo, ao
avistar o primeiro sabe logo que não é boa coisa. Em um único
lobo ela vê a forma que de ne o lobo, ainda que seja incapaz de
realizar claramente o processo abstrativo. Mas nós somos capazes,
e isso nos singulariza. Sem abstração, seria muito difícil pensar;
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Simbolo e cultura
A partir do momento em que a geração de Descartes, Galileu e
Bacon admitiu a distinção entre qualidades primárias e qualidades
secundárias dos objetos, criou-se um problema muito sério. Porque,
se as qualidades primárias são aquelas que estão nos próprios
objetos, que marcam a sua presença objetiva - o tamanho, o peso
e todos os aspectos mensuráveis -, então o resto, como a cor, o
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O saber e o enigma
A tripla intuição
Ou encontramos sinais do sentido do nosso pensamento no uni-
verso exterior, sinais fisicamente presentes, ou então estaremos
presos para sempre dentro dessa jaula dualista. Os sinais mais
evidentes, a esse respeito, são dados pela estrutura fundamental
do nosso pensamento: as direções do espaço, a cruz de seis
pontas, esse que é o simbolo dos simbolos. E, a iluminar essa
cruz, a luz.
Em todas as culturas, a luz - e mais especificamente a luz
do Sol - é um simbolo da consciência ou da inteligência. O
homem primitivo enxergava quando havia Sol; sem a luz deste,
nada via e sequer sabia onde estava. A presença da luz funda,
para ele, a possibilidade de exercício da sua consciência e da
sua inteligência; uma coisa determina a outra. O simbolismo
da luz não foi uma invenção humana; foi um fato vivenciado
concretamente pelos seres humanos, e não apenas nutrido em
suas imaginações.
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não existe mais como antes. Mas como você entenderá o que
não existe mais? Tudo aquilo que você transforma, transforma-se
numa outra coisa. Você pode entender essa outra coisa, mas não
a primeira. É claro que os mais interessados em transformar o
mundo são os que menos o compreendem.
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CAPÍTULO IV
O simbolismo astrológico
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O dilema astrológico
Na verdade, o sistema astrológico é tão abrangente que, se
houvesse coincidência entre o sistema como tal e a influência
dos astros, de tal modo que esta pudesse ser identificada por
técnicas astrológicas, o astrólogo seria praticamente onisciente.
Uma funcionalidade total do sistema astrológico em termos
de diagnóstico e previsão de acontecimentos terrestres é por
definição impossível (não sei se algum astrólogo já considerou
seriamente esse fato). Existe um deslocamento entre a astrologia
como sistema simbólico e a astrologia como atividade diagnóstica
e preditiva; a posse da chave de todos os símbolos e das relações
entre eles não basta para que se descubra uma correspondência
factual completa entre o céu e a Terra.
Por outro lado, pergunto, seria possível que não houvesse
nenhuma correspondência entre um plano e outro? Ou seja,
seria possível que o sistema simbólico total — uma espécie de
alfabeto organizado de todos os simbolos - não guardasse
nenhuma correspondência com os fatos concretos do acontecer
terrestre? Isso me parece impossível; alguma correspondência se
manifestará em ocasiões.
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O saber e o enigma
A estrutura total
O problema mais complexo da astrologia está, em suma, em
estabelecer a diferença entre as estruturas gerais do universo,
as estruturas da cognição e os fatos da vida humana. Tanto
mais porque tendemos, tão logo descobrimos uma estrutura, a
aplicá-la inescrupulosamente a tudo com que nos deparamos.
Claude Lévi-Strauss ficou tão fascinado com sua descoberta das
estruturas do parentesco, que começou a deduzir fatos a partir
delas. O marxismo inventa uma estrutura da sociedade humana
e do acontecer histórico baseada na luta de classes; bom, algo
dessa estrutura de fato existe na realidade, mas não podemos
a partir dela deduzir fato algum. Entre as estruturas gerais e os
fatos particulares há sempre uma tensão.
Essa tensão é coisa altamente inspiradora porque nunca nos
dá uma resposta de nitiva ao que quer que seja, mas tampouco
nos sonega totalmente uma resposta. O destino humano parece
estar em viver nessa tensão permanentemente, e acostumar-se a
ela é de fato a raiz de toda vida intelectual pro ciente. A busca
de uma resposta de nitiva, nal, provada, na maior parte dos
casos é estéril, mesmo porque na maior parte das situações hu-
manas não precisamos de uma resposta final, mas apenas de uma
resposta adequada à situação. O próprio sistema astrológico nos
mostra que suas correspondências nunca se apresentam todas ao
mesmo tempo. As direções do espaço, os doze signos, as doze
casas e os sete planetas estão em contínuo movimento; isso quer
dizer que a cada minuto há uma configuração diferente, não só,
aliás, porque os planetas se movem, mas também porque a Terra
gira. Isso nos obriga a ter perante o sistema astrológico uma
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CAPÍTULO V
Um retrospecto
Em um mapa astrológico, a cruz de seis pontas demarca um
ponto no espaço (o ponto da Terra onde você está), em volta
do qual há dois quadrantes móveis: o sistema das casas, que é
a divisão do espaço em torno daquele ponto, e os doze signos
do zodíaco, que são a eclíptica ou a órbita aparente do Sol com
inclinação de 23 graus em relação ao equador celeste. Em volta
há os sete planetas visíveis (recordem-se de que o Sol e a Lua
também eram chamados de planetas), e para além deles há as
estrelas fixas. Acima destas se situa a esfera dos anjos, que é
sucedida, por fim, pelo trono do Altissimo.
Nessa imagem estavam contidos todos os setores possíveis
da vida humana. Por exemplo, as dozes casas se referem a
doze áreas de atuação do ser humano: a sua presença física e.
portanto, a sua aparência; os seus bens ou recursos; a força de
que dispõe; os seus meios de comunicação e o ambiente social
imediato; a sua origem familiar e os seus antecedentes; a sua
esfera lúdica e criativa e o seu trabalho, e assim por diante.
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Deve ter sido uma experiência de tirar o fôlego estar entre aqueles
primeiros revolucionários científicos da Era Moderna, Copérnico
e seus sucessores imediatos - Rheticus, Giese, Digges, Bruno,
Maestlin, Kepler, Galileu -, no instante em que começaram a
apreender a estupenda verdade da teoria heliocêntrica. A sensa-
ção de rebelião cósmica e maravilhamento deve ter sido quase
inexprimivel. Uma visão da Terra e do seu lugar no universo que
havia governado virtualmente a mente humana sem ser questiona-
da por milhares de anos era agora, repentinamente, reconhecida
como uma vasta ilusão. Nós, no século XXI, estamos longamente
acostumados a conviver com esse novo universo que aqueles vi-
sionários da Renascença primeiro revelaram, e precisamos forçar
um bocado a nossa imaginação intelectual para entrar de novo
naquele momento dramático da transição entre dois mundos. De
repente, estar diante do momento da revelação de que a pró-
pria Terra, a entidade mais obviamente estacionária e imóvel do
cosmos, na qual se havia vivido numa solidez imutável durante
toda a vida, na verdade estava se movendo no espaço através
dos céus, rodando e circulando em torno do Sol num universo
enormemente expandido, já não como centro fixo e absoluto do
universo, como se tinha suposto desde o começo da consciência
humana, mas antes como um planeta errante no céu. No entanto,
não é somente a magnitude da revelação copernicana que nos
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1 Texto escrito pelo próprio autor quando da divulgação do curso em 2018 - NO.
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CAPÍTULO I
O que é esoterismo
"Exoterismo" e "esoterismo"
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ritos não são obrigatórios, não foi Deus que os impôs, portanto
aqueles companheiros os praticam porque querem, ou seja, por
devoção pessoal voluntária. Assim se consagra no meio islâmico
a distinção entre esses dois tipos de ritos.
Os pequenos grupos dedicados às preces voluntárias, que
remontam a fundação do Islam e transmitiram geração a ge-
ração os seus ritos e doutrinas, recebiam o nome de tasawwuf
- palavra cujo sentido se relaciona com a lã empregada no
manto que usavam (o que não sei se é verdade ou lenda) e da
qual deriva o termo mais ocidental "su smo". Essa designação
não é muito exata; abrange correntes muito diversas entre si,
especialmente no que diz respeito ao Islam iraniano, e se torna
ainda mais complexa na medida em que a pertinência a esses
grupos implicava certos ritos ditos "iniciáticos". É muito im-
portante esclarecer desde logo, portanto, os conceitos de rito
e de iniciação para que se entenda o sentido da distinção entre
exoterismo e esoterismo.
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o que irá inibir aos poucos a sua micro-circulação, por fim oca-
sionando a falência de vários órgãos. Isso, contudo, é apenas
uma hipótese. O fato reconhecido é que a morte por feitiçaria
é uma realidade. Se essa explicação é verdadeira ou se existe
outra, eu não sei, mas em todo caso esse também é um exemplo
de manipulação de forças sutis da natureza.
Outros exemplos são os processos alquímicos, nos quais,
mediante a manipulação de certos elementos através dos elos
de simpatia, analogia, contigüidade etc., você produz efeitos
de longuíssimo alcance. Armand Barbault, conforme nos conta
em L'Or du Millième Matin, decidiu refazer o caminho inteiro
de um procedimento alquímico, com a nalidade de produzir
ouro a partir de metais mais grosseiros, como o chumbo. Ele
não chegou à produção de ouro propriamente dito, mas chegou
a uma certa etapa muito avançada do processo: obteve "ouro
potável", um líquido dourado em cuja produção não entrou ne-
nhum elemento dourado, antes se fez apenas de plantas. Todas
as etapas do processo tiveram de ser realizadas em momentos
propícios, conforme a configuração astrológica, e também com
a ajuda de algum sensitivo que identificasse certos lugares, a
presença de certas energias etc. Barbault verificou que o tal
ouro potável curava lepra, tuberculose, esclerose, o raio que o
parta. Infelizmente, a quantidade de ouro potável que produziu
era pequena, cerca de dois litros. De qualquer modo, seu livro
é um testemunho de que as chamadas forças sutis da natureza
existem, embora sejam muito mal conhecidas.
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Os ritos iniciáticos
Por fim, existem os ritos iniciáticos. Um rito iniciático é uma
série de gestos imitativos de um ato primordial que dá ao indi-
víduo acesso a outra esfera de ação espiritual, de que antes não
dispunha. Há uma mutação espiritual nitida. E como se você
adquirisse uma supra-identidade, ou seja, um andar superior ao
da sua pessoa
Segundo René Guénon, esses ritos iniciáticos são próprios de
sociedades esotéricas. Sociedades esotéricas são organizações
como as dos companheiros de Mohammed que mencionei antes.
Eles formam, por si, uma sociedade, uma escola iniciática que
transmitirá os seus ritos através dos herdeiros dessa tradição, os
chamados sheikhs. Em árabe, sheikh quer dizer apenas "velho",
mas é um termo honorífico que designa qualquer pessoa que
tenha certo destaque na vida religiosa, especialmente os chefes
dessas organizações esotéricas - as tariqas. (O plural correto
de tariqa é turuk, mas em português é corrente a forma "tariqas",
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de " oso a" era exatamente o que tinha algo a ver com
as iniciações, como, aliás, ocorreria na própria Europa moderna.
Lá se constituíram loso as de caráter, nitidamente iniciático,
como a Escola de Sabedoria (Schule der Weisheit) do Conde
Hermann Alexander von Keyserling. Até hoje existe essa linhagem
iniciática. Tive a oportunidade de assistir a aulas do lho dele,
o Conde Arnold Alexander von Keyserling, as quais eram puro
esoterismo — astrologia, magia e alquimia. Para eles, tudo isso
leva o nome de "'filosofia". Do mesmo modo, no Irã o que se
chamava de filosofia englobava o esoterismo, ao passo que nos
países islâmicos de origem especificamente árabe (Egito, Iraque
etc.) desde cedo houve uma linha demarcatória entre o esoteris-
mo e o sufismo (embora eu preferisse dizer "entre o esoterismo
e a filosofia", por considerar a palavra "sufismo" vaga demais).
A relação entre exoterismo e esoterismo no Islam é cheia de
ambigüidades. Existem algumas situações nas quais o sheikh de
uma tariqa é também uma autoridade exotérica, ao passo que
há outros casos em que tariqas são malvistas, marginalizadas e
perseguidas. Al-Ghazalli, por exemplo, foi um famoso teólogo
islâmico, portanto uma autoridade exotérica da lei islâmica (ou
da shariah, como chamam), mas ao mesmo tempo foi um sheikh
sufi. Escreveu um livro chamado Destruição dos filósofos, no
qual afirma que a filosofia é uma herança de linhagem grega
destinada à especulação puramente racional e, portanto, não
poderia alcançar os supremos mistérios da revelação corânica.
Conseqüentemente, outro filósofo, Averróis, lhe respondeu com
um livro intitulado A destruição da destruição... Essa disputa
entre a filosofia e o esoterismo é muito clara e intensa no Islam.
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Fé e religião no Islam
Como a revelação do Corão a Mohammed pelo Arcanjo Gabriel
levou vinte e oito anos para ser completada, acredita-se que o
aprendizado do Islam também deva levar vinte e oito anos, até
que se aprenda os últimos mandamentos consagrados no Corão
e no hadith. Mas no Corão você tem o resumo dos cinco pila-
res, as cinco obrigações regulamentares: (1) fé (shahadah); (2)
prece diária (salat); (3) jejum (ramadan); (4) caridade (zakat) e
(5) peregrinação à Meca (hajj). Logo, se o sujeito cumpre esses
cinco pilares, ele está dentro do Islam, no qual há um notório rito
de agregação, a chamada "declaração de fe". O sujeito se reúne
com os membros de uma mesquita e perante eles diz ritualmente
as palavras: La illa Allah, Muhammad rasul Allah, "Só Deus
é Deus, e Mohammed é seu profeta". Se o declarante acredita
mesmo no que diz ou não, pouco importa, pois, como diz um
hadith, "os hipócritas são nossos amigos". O sujeito se torna
imediatamente membro da comunidade e detentor de direitos,
ainda que todos os demais saibam que é descrente.
Assim, o rito não implica nenhuma transformação interior,
mas apenas um desejo de engajamento em certo meio. Todas as
obrigações religiosas no Islam são também regulamentares, e nada
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Esoterismo e Ocidente
Esse é o quadro de referências, estritamente muçulmano, do qual
René Guénon parte para estabelecer a distinção entre exoterismo
e esoterismo. Se essa clivagem ocorre no Islam - no qual se
fala que a religião exotérica é a "casca" e a religião "esotérica",
o miolo -, seria de se imaginar que ocorreria coisa similar no
Ocidente, com a concomitante existência de uma religião popular
e, dentro dela, o ensinamento de determinadas organizações
esotéricas fiéis, de algum modo, à religião pública, porém com
seus ritos próprios, sua iniciação e sua linhagem própria ao
longo dos séculos.
Dizia assim Guénon que, de tudo que pode ter havido de
esoterismo cristão em outras épocas, só sobraram duas orga-
nizações, a Maçonaria e a Companheiragem (uma iniciação de
ofício que, à época que Guénon escrevia, contava com pouquís-
simos membros, restritos à França). Mesmo elas estariam numa
decadência extrema e precisariam ter seus rumos endireitados,
seus ritos e simbolismos reconstituídos.
Toda a Modernidade, ainda segundo Guénon, seria o resultado
da perda da perspectiva esotérica. Teria havido um esvaziamento
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Islamizar o Ocidente
Nos anos 1930, quando se muda para o Egito, Guénon se casa
com a filha daquele que talvez fosse o principal sheikh suf islâmi-
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CAPÍTULO II
Iniciação e esoterismo
Ritos, como expliquei anteriormente, são repetições formalizadas
de gestos, de atos primordiais criadores. Mediante o rito, as
possibilidades abertas pelo ato criador são renovadas e alcan-
çam uma presença constante no mundo. Por exemplo, no rito
do Batismo se faz uma imersão na água; a água, evidentemente,
representa a fonte de toda a vida, o princípio da vida (diferente,
assim, da simbologia da água como fim, representada pelo mar,
pelas águas de um rio que vão desembocar no mar). O rito do
Batismo atualiza no fiel as possibilidades do gesto primordial
de nascer, de renascer para uma nova vida.
Em específico, ritos de iniciação são aqueles que se destinam
a abrir para o postulante certas possibilidades espirituais que
ele antes não possuía. A quase totalidade dos ritos de iniciação,
no entanto, permanece virtual: o indivíduo não se apropria
imediatamente das possibilidades conquistadas, para tanto é
preciso esforço, é preciso até a assistência divina.
Rito e simbolo são os conceitos centrais de todo esoterismo,
e grande parte dos ritos iniciáticos consiste apenas na exibi-
ção de um símbolo que você desconhecia antes. Este símbolo
contém uma forma que irá estruturar a sua vida espiritual ao
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Iniciação católica
O fato de que tamanho conhecimento simbólico se apresente
a olho nu nas catedrais sugere o questionamento da armação
teórica que René Guénon oferece ao problema do esoterismo
no Ocidente.
Ora, a totalidade dos símbolos que aparecem nos ritos das
várias organizações esotéricas está presente nas catedrais. Mais
ainda, é o caso de dizer que as catedrais exibem até maior
conhecimento. Comparada à arquitetura ocidental medieval, a
arquitetura islâmica é até pobre, porque ela não podia apresentar
decoração gurativa, mas somente letras, frases do Corão. Ao
contemplar o templo islâmico, você contemplava apenas o que
já havia sido escrito. Você estava lendo o Corão.
Podemos nos perguntar sobre o sentido iniciático dos sacra-
mentos cristãos, e se é preciso ou possível acrescentar algum
conhecimento esotérico que já não esteja dado neles. Quando
Jesus morre na cruz, diz a Biblia que se rasga o véu do templo
(Mt 27, 51). O véu do templo é o segredo esotérico: aquilo que
só era acessível a uma certa elite de repente está exposto aos
olhos de todos, acessível a quem quiser buscá-lo. A crucificação
de Cristo é o rito iniciático por excelência, mas não esotérico.
Ou melhor: é esotérico no sentido interior, porém não no sentido
formal. O próprio Cristo o enfatizou claramente: "Nada ensinei
em segredo" (Jo 18, 20).
O fato de Ele não ter ensinado em segredo não significa que
todo mundo o tenha compreendido imediatamente (até mesmo os
apóstolos tinham certa dificuldade em compreendê-lo). Quando
Cristo diz: "Deixai vir a mim as criancinhas" (Mt 19, 14), quer
se referir com "criancinhas" àqueles que estão participando do
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rito, mas sem ter clara consciência do que está se passando. São
aqueles que têm uma vida espiritual inconsciente, estão prenhes
da presença do Espírito Santo, mas inconscientes disso. Podemos
nos valer também de outro simbolismo neste ponto, o do cérebro
e coração. O cérebro é, de algum modo, a sede do pensamento
diferenciado, do raciocínio. Mas o raciocínio nada poderia se
você não tivesse a percepção imediata de certas presenças e de
certas verdades que são impensáveis - por exemplo, você pode
compreender o conceito de infinito, mas não pode pensá-lo. Você
pode conhecer uma pessoa com a maior intimidade possível,
mas não é capaz de pensá-la levando em conta simultanea-
mente todos os dados que a caracterizam. Você a conhece e
reconhece, sem a menor dificuldade, mas não consegue reduzi-la
inteiramente a um conteúdo da sua consciência. Pense no rosto
de uma pessoa. Mas estará pensando o rosto dessa pessoa
quando ela tinha que idade? Seu rosto se transformou ao longo
dos anos, você a conheceu com diferentes qualidades (feição
mais fina ou mais arredondada, com barba ou sem barba etc.);
mas, quando pensa nela, você tende a tomá-la a partir de um
único momento, de um único rosto fixado. Você a conhece com
mais detalhes do que aqueles que invoca ao reproduzi-la em seu
pensamento, o seu coração tem mais conhecimento dela do que
o seu cérebro - segundo o simbolismo que mencionei acima -,
do mesmo modo como as "criancinhas" de Jesus participam do
rito, são iniciadas, mas não o sabem muito bem. O fiel católico
que recebe os sacramentos, que comunga, se confessa, está com
isso recebendo o Espírito Santo, mas não sabe o que o Espirito
Santo está lhe dizendo. Ele, essa "criancinha", tende a traduzir
a mensagem do Espírito Santo limitadamente, à sua maneira.
Toda iniciação se baseia no fato de que o cognoscível é maior
do que o pensável. Podemos conhecer profundamente coisas que,
na mente mais superficial, não conseguimos pensar; coisas que,
quando as tentamos traduzir para um plano de expressividade
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mais clara, nos escapam. São avessas àquilo que denomino ex-
trusão, o ato de puxar uma estrutura profunda dada em nosso
conhecimento e externalizá-la sob a forma de pensamento ou
palavra. Nem os maiores escritores da humanidade têm habilidade
para tanto. Todo o esoterismo de Shakespeare, expresso com
maior ou menor clareza, não é nada comparado ao esoterismo
presente numa única catedral medieval.
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1 Cf. a parte IV deste livro: "As garras da Esfinge - René Guénon e a islamização
do Ocidente"
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2 Angel Millar. The Crescent and the Compass: Islam, Freemasonry, Esotericism
and Revolution in the Modern Age. Torazzi Press, 2017.
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CAPÍTULO II
A Maçonaria
O poder maçônico
Gostaria agora de me concentrar no caso da Maçonaria.
Em primeiro lugar, temos de afastar a idéia de que a Maçonaria
seja uma espécie de governo mundial secreto, que dirige o fluxo
dos acontecimentos, de maneira que, ao ascender nas escalas
do poder, você sempre vai encontrar a Maçonaria no topo. Isso
é impossível pelo simples fato de que a Maçonaria não tem um
comando central, com suas lojas - pelo menos as suas repre-
sentações estaduais - sendo totalmente independentes, sem
conexão de umas com as outras. Existem dentro da Maçonaria
divisões tão drásticas, que praticamente em todos os conflitos
políticos você encontra maçons dos dois lados. É natural que
muitas pessoas vejam por trás dessa presença avassaladora uma
ação premeditada de um grupo planejador, mas essa impres-
são infringe a regra número 1 da Teoria do Estado de Georg
Jellinek em matéria de ciência política, que é distinguir entre a
ação premeditada e continuada e a confluência impremeditada
de uma somatória de fatores.
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Terrestrialização do pensamento
Até o advento da Modernidade, a religião não era coisa restrita
a um espaço específico da vida, sem maior influência sobre tudo
mais. Ao contrário - e vocês podem, lendo O outono da Idade
Média, de Johan Huizinga, apreciar como mesmo as coisas mais
simples, como uma colheita, a partida para uma viagem, uma
caçada, a chegada de um visitante, tudo necessitava de um
suporte ritual bastante complexo -, a religião penetrava toda
a existência do ser humano e constituía sua essência. A rigor,
nada podia ser profano naquele contexto, tudo era visto a partir
da perspectiva religiosa.
O mundo moderno, muito diferentemente, é um espaço es-
sencialmente profano no qual se reserva um pequeno espaço
para a religião, a qual passa a ser definida como matéria de
foro íntimo, exatamente como dentro da Maçonaria. Nesse
âmbito religioso indeterminado é que entram as iniciações
de ofícios. Nada mais natural, diz Guénon, que aquilo que
seja a base da presença do homem no mundo, justamente o
seu trabalho, o seu ofício como uma extensão da sua própria
natureza, sirva de excipiente simbólico para uma iniciação.
Todo simbolismo da iniciação está de certo modo contido nos
vários atos, gestos e matérias do seu ofício, seja a pedra, seja
os metais, seja o que for.
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morais que todo mundo aceita, porque são vazios. Ela pode
defender a justiça social, mas justiça social é algo que cada um
pode compreender como bem quiser. É o tipo do preceito vazio
que corresponde à ética formal kantiana.
Esse tipo de valor, exterior e formal, não corresponde à dou-
trina cristã, sobretudo ao cristianismo pelo qual zelou a Igreja
Católica ao longo dos séculos. No cristianismo, absolutamente
tudo é ascetismo, tudo é feito com vistas à verdadeira realização
espiritual, à divinização. Quando não se tem isso em mente, o
casamento monogâmico indissolúvel, por exemplo, passa a não
fazer o menor sentido socialmente, pois, do ponto de vista pu-
ramente prático da decência exterior, da manutenção da ordem
social, a poligamia funciona tão bem quanto a monogamia. De
igual modo, comungar, confessar-se e fazer jejum se tornam
apenas incomodidades, estranhos preceitos que não traduzem
nenhum imperativo civil meramente formal. Frente a tudo isso,
o destino eterno é coisa absolutamente desproporcional. O
julgamento moral segundo a escala da sociabilidade terrestre
nada pode dizer sobre o centro da doutrina cristã, que são os
milagres, as ações reais de Deus no mundo.
Se os milagres não recebem atenção, Deus se torna uma
entidade abstrata, não uma presença real. Ora, mas será o
fundamento do cristianismo a afirmação da presença real de
Nosso Senhor Jesus Cristo no Céu? Não, trata-se de afirmar
sua presença real na Terra, trata-se de sua Encarnação, não de
sua desencarnação.
Contra-iniciação
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3 Uma pequena brochura editada por Olavo de Carvalho registra esse curso:
Michel Veber, Comentários à "Metafísica oriental" de René Guénon. São
Paulo, Speculum, 1984 — NO.
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CAPÍTULO IV
Em busca da "espiritualidade"
Gostaria de lhes fazer um relato de teor mais pessoal. Os ele-
mentos autobiográficos que aqui reúno podem, acredito, lançar
alguma luz sobre os assuntos que vinha discutindo.
Quando criança, recebi excelente formação católica numa
escola dirigida por padres italianos da Ordem Carlista, sacerdo-
tes dedicados especificamente à educação. A minha experiência
com eles foi excelente, não vivi nenhum dos acontecimentos
traumáticos que algumas pessoas relatam terem em escolas
católicas. Não me lembro de ter levado uma única bronca dos
padres durante o tempo em que estive lá. E foi na rotina dessa
escola que tive a experiência mais primordial da minha infân-
cia, que foi a Eucaristia. A escola ficava junto à Igreja Nossa
Senhora da Paz, uma obra-prima de arquitetura moderna, sim,
mas de acordo com os cânones da arquitetura românica, tudo
em mármore branco, com painéis de autoria do grande pintor
brasileiro Fulvio Pennacchi. Havia painéis com Santa Clara a
curar os doentes, com São Francisco a falar com os peixes e o
lobo. E havia ainda painéis, na entrada da Igreja, que mostravam
o Céu e o Inferno, os eleitos e os condenados. Ali eu percebia que
tudo, na vida, se resumia àquilo; e eu sabia para onde queria ir.
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Milagres
Ser expulso da tariqa de Schuon foi a melhor coisa que me
aconteceu na vida. A partir desse dia, percebi que não preci-
sava mais de sheikh nem guru algum. Tinha de buscar o que
precisasse contando somente com meus próprios meios. Ao
pôr o campo esotérico de lado, percebi que aquilo que estava
buscando há tempos era simplesmente o que se chama de Deus,
de eternidade, de vida além da morte. Eu havia estudado Kant,
com quem tinha aprendido que tudo quanto se refere a Deus e à
eternidade está além das possibilidades da nossa experiência. De
fato, só podemos saber aquilo que o próprio Deus nos mostra.
Mas ora: como é que Ele nos mostra? Encontrei a resposta nos
versículos do Evangelho de Mateus em que João Batista, preso
na cadeia, manda seus discípulos perguntarem a Jesus: "Sois vós
aquele que deve vir, ou devemos esperar por outro?", ao que
Jesus responde: "Ide e contai a João o que ouvistes e vistes: Os
cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os surdos
ouvem, os mortos ressuscitam, o Evangelho é anunciado aos
pobres"' (Mt 11, 2-5).
Foi como se caíssem escamas dos meus olhos. Encontrara
nesses versículos um critério real para discernir onde se encon-
tra Deus. Onde, pois, pode estar a presença de Deus senão
no mundo físico em que habitamos? Que outros sinais temos
de Deus - conforme as indicações que dá Jesus Cristo nessa
passagem - senão aqueles que recebemos por meios materiais
neste mundo? Uma profecia, para ser profecia, depende do meio
material: de um homem concreto que anuncia coisas especificas
que irão transcorrer neste mundo. Um milagre, se milagre mes-
mo, é uma ação direta de Deus no mundo físico, de tal modo
que ela se torna visível para os seres humanos. Não fosse isso,
e nada saberíamos de Deus. É certo que, filosoficamente, pelo
raciocínio de analogia, como explica Santo Tomás de Aquino,
podemos conhecer algo de Deus. Mas isso é algo que convence
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A Eucaristia
Os milagres que fundam o cristianismo culminam na Santa Ceia,
quando Jesus diz aos apóstolos: "Isto é o meu corpo, que é dado
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por vós; fazei isto em memória de mim" (Le 22, 19). A Igreja
Católica sempre insistiu que o rito da Eucaristia é a repetição
do sacrifício, ao passo que a interpretação protestante a toma
como não mais que uma cerimônia de rememoração. Ora, quem
estudou um pouco de esoterismo e sabe o que é um rito (e sabe
que, relembro, símbolo e rito são os conceitos centrais de todo
esoterismo) está ciente de que ele é a repetição formalizada de um
ato primordial - por exemplo, a criação do mundo, o Batismo de
Nosso Senhor Jesus Cristo, o sacrifício do Calvário. Se você diz
que a Eucaristia é apenas um memorial, então está afirmando que
ela não tem sentido ritual, mas só comemorativo, rememorativo.
O texto grego, contudo, é inequívoco. Quando Cristo diz
"Em memória de mim", emprega a palavra anámnesis. Ora,
essa palavra tem uma estrutura muito peculiar por ser uma
dupla negação. Verifica-se nela nemata, o que chamariamos de
memória; a negação da memória, amnésia; e, por fim, a nega-
ção da amnésia, anámnesis (no texto evangélico com a forma
anámnesin). Evidentemente, a recordação ou memorização
de que o Cristo fala não é apenas uma coisa que lhe ocorre,
que apareceu na sua memória: é uma destruição da amnésia;
portanto, uma atividade que você faz. Cristo designa essa ati-
vidade empregando a palavra poiéin (no Evangelho empregada
na segunda pessoa do plural, poiétes), da qual seria derivada
a nossa palavra "poesia". Falar em poiéin é falar em criar algo,
fazer algo no sentido prático, no sentido em que se constrói
uma mesa. Mais ainda: a frase grega para "Isto é o meu corpo",
touto estin to soma mou, emprega o verbo ser (estin) que, em
geral, tem sentido atemporal ou supratemporal, pois só adquire o
sentido temporal quando acompanhado de alguma palavra que
o modifique. Isso quer dizer que, se Cristo empregou a palavra
touto, "isto", "esta coisa", ele quis dizer: "Isto é o meu corpo
eternamente". Ele não disse que simbolizava ou representava o
seu corpo, mas que efetiva e eternamente era o seu corpo. De
igual modo, quando instrui os apóstolos quanto ao que fazer,
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O eu santificado
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PARTE IV
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1 V. http://www.sophiaperennis.com/discussion-forums/sophia-perennis-book-
-reviews/false-dawn-the-united-religions-initiative-globalism-and-the-quest-
-for-a-one-world-religion/
2 http://www.uri.org.
3 V. http://remnantnewspaper.com/web/index.php/articles/item/511-pope-francis-
-and-the-united-religions-initiative.
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Desde logo, essa concepção exige, ao lado da diferenciação
"horizontal" entre as várias tradições no tempo e no espaço, uma
distinção "vertical", ou hierárquica, entre as partes "inferiores"
e "superiores" de cada uma. As "inferiores", ou exotéricas, são
historicamente condicionadas e por elas as tradições se afastam
umas das outras até o ponto da hostilidade mútua e da total
incompatibilidade. As partes "superiores", esotéricas, refletem
a eternidade imutável da Verdade, onde todas as tradições
convergem e se encontram.
Há, em suma, uma religião popular, feita de ritos e normas
de conduta, igual para todos os membros da comunidade, e uma
religião de elite, apenas para as pessoas "qualificadas", que por
trás dos simbolos e das leis podem apreender o "sentido" último
da revelação. Pela prática dos ritos de agregação que os integram
na tradição religiosa e pela obediência às normas, os homens
do povo obtêm a "salvação" post mortem das suas almas. Por
meio de ritos de iniciação, os membros da elite obtêm já em vida,
e muito acima da mera "salvação", a realização espiritual que
os arrebata do simples "estado individual" de existência para
transfigurá-los na própria Realidade Ultima, ou Deus.
É bom não falar muito dessas coisas perante o público em geral,
que pode escandalizar-se ante a decifração de um mistério que
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Que as tradições materialmente diferentes convergem na direção
de um mesmo conjunto de princípios metafísicos é algo que não
se pode mais colocar seriamente em dúvida. A tese da Unidade
transcendente das religiões é vitoriosa sob todos os aspectos.
Só há um detalhe: que é propriamente uma metafísica? Não
uso o termo como denominação de uma disciplina acadêmica
mas no sentido muito especial e preciso que tem nas obras de
Guénon e Schuon. Que é uma metafísica? É a estrutura da rea-
lidade universal, que desce desde o Primeiro Princípio infinito e
eterno até os seus inumeráveis reflexos no mundo manifestado,
através de uma série de níveis ou planos de existência.
O fato de que ela seja essencialmente a mesma em todas as
tradições indica que existe uma percepção normal da estrutura
básica da realidade, comum a todos os homens de qualquer
época ou cultura.
Essa percepção exige uma consciência clara ou ao menos
um pressentimento da escalaridade do real, isto é, das distin-
ções entre diferentes planos ou níveis de realidade, desde os
objetos sensíveis da percepção imediata até a Realidade última,
o Princípio absoluto, eterno, imutável e infinito, passando por
uma série de graus intermediários: histórico, terrestre, cósmico,
angélico etc.
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1 Findings, p. 284.
2 Eles usam o termo numa acepção diferente da que tem para os católicos.
3 Id., p. 294.
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6 Entre duas mudanças de casa, minha biblioteca está toda guardada num
depósito, de modo que farei algumas citações de memória. Agradeço eventuais
correções.
7 V. Ion Mihai Pacepa, Disinformation: Former Spy Chief Reveals Secret
Strategies for Undermining Freedom, Attacking Religion, and Promoting
Terrorism, WND books, 2013 (há edição brasileira: Desinformação: ex-chefe
de espionagem revela estratégias secretas para solapar a liberdade, atacar a
religião e promover o terrorismo. Trad. Ronald Robson. Campinas, SP: Vide
Editorial, 2015).
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Após descrever com as cores sombrias de um genuíno Apocalipse
a degradação espiritual da civilização no Ocidente, atribuindo-a
à perda da "verdadeira metafísica" e das ligações entre a Igreja
Católica e a Tradição Primordial (ligações que só poderiam
ter sido mantidas por intermédio das organizações iniciáticas),'
René Guénon prevê três desenvolvimentos possíveis do estado
de coisas no Ocidente:?
1. A queda definitiva na barbárie.
2. A restauração da tradição católica, sob a orientação
discreta de mestres espirituais islâmicos.
3. A islamização total, seja por meio da infiltração e da
propaganda, seja por meio da ocupação militar.
Essas três opções reduziam-se, no fundo, a duas: ou o
mergulho na barbárie ou a sujeição ao Islam, seja discreta, seja
ostensiva.
A eclosão da II Guerra Mundial pareceu mostrar que o
Ocidente preferira a primeira opção, sendo um detalhe irônico o
fato de que importantes autoridades religiosas islâmicas deram
1 Das igrejas protestantes Guénon nem fala, pois tinha todas na conta de desvios
antitradicionais. Schuon, mais tarde, atenuaria esse diagnóstico sem impugná-
-lo formalmente.
2 V. Orient et Occident, Paris, Véga, 1924.
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3 V. Barry Rubin, Nazis, Islamists, and the Making of the Modern Middle East.
Yale University Press, 2014, e David Motadel, Islam and Nazi Germany's War.
Belknap Press, 2014.
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1 Michel Valsân.
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Apêndices
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Influências discretas'
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A Igreja humilhada'
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Il
Condenar a cosmologia medieval porque em alguns pontos ela
não coincide com os "fatos observáveis do mundo físico" é tão
estúpido quanto condenar um desenho por não haver corres-
pondência biunivoca entre os traços a lápis e as moléculas que
compõem o objeto retratado.
Estruturas representativas abrangentes só podem ser com-
preendidas e julgadas como totalidades. O fisicalismo ingênuo,
apegando-se aos detalhes mais visiveis, deixa sempre escapar
o essencial. A Física de Aristóteles foi rejeitada no início da
Modernidade porque dizia que as órbitas dos planetas eram
circulares e porque sua explicação da queda dos corpos não
coincidia com a de Galileu.
Só no século XX o mundo acadêmico entendeu que, retiradas
essas miudezas, o valor da obra persistia intacto justamente por-
que não era uma "física" no sentido moderno do termo e sim uma
metodologia geral das ciências. Quatro séculos de orgulhosas
cretinices cientificas haviam tornado incompreensível um texto
com o qual ainda se pode aprender muita coisa.*
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Arte sacra e estupidez profana'
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2 V., por exemplo, Robert Irwin, "Is this the man who inspired Bin Laden".
Disponivel em: http://www.guardian.co.uk/world/2001/nov/01/afghanistan.
terrorism3.
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~BIBLIOTECA~
OLAVO DE CARVALHO
— Olavo de Carvalho