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História do Brasil: século xvii – Formação brasileira

Pedro Calmon
1ª edição — outubro de 2023 — CEDET
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Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
Calmon, Pedro (1902–1985).
História do Brasil: século xvi – As origens / Pedro Calmon;
apresentação de omas Giulliano
Campinas, sp: Kírion, 2023.
isbn 978-65-87404-86-8
1. História do Brasil 2. Período colonial
i. Título ii. Autor
cdd 981 / 981-03

Índices para catálogo sistemático:


1. História do Brasil – 981
2. Período colonial – 981-03
Sumário
APRESENTAÇÃO: P C  ,       


I: E  C  S P

INCORPORAÇÃO DO NORTE
DIOGO BOTELHO
A COSTA LÉS-OESTE
O CEARÁ
ODISSÉIA DE PERO COELHO
DOIS MISSIONÁRIOS
COCO E BALEIAS
HOLANDESES NA BAHIA
JUSTIÇA NOVA
A RELAÇÃO
GOVERNAÇÃO DO SUL
DECEPÇÃO DE D. FRANCISCO
A ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS
II: M  P

FRANÇA EQUINOCIAL
NOBRES E FRADES
INTENÇÕES DO REI
SÃO LUÍS
A REAÇÃO
MARTIM SOARES MORENO
GASPAR DE SOUSA
A SEGUNDA MISSÃO
GUAXENDUBA
TRÉGUAS
O BANGALA
CAPITULAÇÃO
AFINAL O PARÁ!
PERNAMBUCO EM VEZ DA BAHIA
SANTO OFÍCIO
PRATA QUE NÃO SE ACHOU
III: A    H

PRELIMINARES
MATIAS DE ALBUQUERQUE
GOVERNADOR E BISPO
COMPANHIA DAS ÍNDIAS
AUMENTOS DO BRASIL
COMÉRCIO E RENDAS
CRISTÃOS-NOVOS
A EXPEDIÇÃO
TOMADA DA BAHIA
REAÇÃO E ASSÉDIO
RECUPERAÇÃO DA CIDADE
RESTAURAÇÃO
CASTIGOS E FESTAS
DEVASTAÇÃO
IV: A  

O GOVERNO DE DIOGO LUÍS


PIETER HEYN
ÍNDIOS REBELDES
A SEGUNDA INVESTIDA FLAMENGA
O ARRAIAL DE BOM JESUS
DEBILIDADE ESPANHOLA
A CONQUISTA ESTENDE-SE
V: O N  

PARAÍBA
RIO GRANDE
CEARÁ
MARANHÃO
PAR Á
CONQUISTA DO AMAZONAS
VI: O S  

ILHÉUS E PORTO SEGURO


ESPÍRITO SANTO
RIO DE JANEIRO
DESCIDA DO MORRO
SÃO VICENTE
AS TRÊS VILAS
OS PATOS
SANTOS
O GRANDE DESERTO
VII: E 

JESUÍTAS NO PARAGUAI
O PRIMEIRO CHOQUE
SÃO PAULO... MIRIM
PARNAÍBA E TAUBATÉ
PIRES E CAMARGOS
O COLÉGIO
GUERRA DE CORSO
DESTRUIÇÃO
IMPUNIDADE
EXPULSÃO DOS JESUÍTAS DE SÃO PAULO
SEPARAÇÃO DAS CAPITANIAS DO SUL
REAÇÃO DOS PADRES
INQUIETAÇÃO CONSTANTE
VIII: U  

O ÊXITO DOS HOLANDESES


CALABAR
NA PARAÍBA
O ARRAIAL DE PORTO CALVO
O DESASTRE DE D. LUÍS DE ROJAS
UM ADMINISTRADOR: O CONDE DE NASSAU
A CONSOLIDAÇÃO DO DOMÍNIO
IX: R  

AUMENTOS DA CIDADE-CAPITAL
D. PEDRO DA SILVA
SOCORROS DE ESPANHA
ATAQUE DE NASSAU À BAHIA
X: S    R

A ARMADA DO CONDE DA TORRE


CATÁSTROFE
O VICE-REI MONTALVÃO
TRÉGUAS
D. JOÃO IV E A BAHIA
XI: P  ...

A ACLAMAÇÃO NO RIO
SÃO PAULO E AMADOR BUENO
DESTITUIÇÃO DO VICE-REI
CONSELHO ULTRAMARINO
O JUIZ DO POVO
REPRESENTAÇÃO...
PRIVILÉGIOS BURGUESES
XII: A   N

DESLEALDADE...
A QUEDA DE ANGOLA
PERDA DO MARANHÃO
ESPLENDOR DA NOVA HOLANDA
PROSPERIDADE
OS ESCABINOS
JOÃO FERNANDES VIEIRA
RECONQUISTA DO MARANHÃO
DECLÍNIO
O PROBLEMA DAS DÍVIDAS
XIII: R

IDÉIAS DO PADRE VIEIRA


OS JUDEUS
A SURPRESA PERNAMBUCANA
ANDRÉ VIDAL
O MOVIMENTO
PELO SANTO ANTÔNIO
INTRIGAS E PLANOS
OPORTUNIDADE PERDIDA
CONFRATERNIZAÇÃO
XIV: E  

A REBELIÃO GENERALIZADA
TEMPO E MAR
A ARMADA DE SEGISMUNDO
PENEDO E ITAPARICA
XV: R  N

O PREÇO DAS ESQUADRAS


TRANSES DIPLOMÁTICOS
O GENERAL
GUARARAPES
CONSEQÜÊNCIAS
NA EUROPA
RETOMADA DE ANGOLA
XVI: A 

NOVAS ESPERANÇAS
A SEGUNDA BATALHA
A COMPANHIA DE COMÉRCIO
A PRIMEIRA ESQUADRA
A ALIANÇA INGLESA
OPERAÇÕES FINAIS
A CAPITULAÇÃO
ENTRADA NO RECIFE
FEUDALISMO CONDENADO
XVII: O -   

O CONDE DE CASTELO MELHOR


RESTABELECIMENTO DA RELAÇÃO
O CONDE DE ATOUGUIA
PAULISTAS NO NORDESTE
SEGREDO DA GUERRA
MELHORIAS
DOTE E PAZ
“OS QUATRO ARTIGOS”
NOVA SEPARAÇÃO DO SUL
PARAÍBA DO SUL
CAMPOS
MOTINS DO RIO DE JANEIRO
MULATOS E MAMELUCOS
REINCORPORAÇÃO DO SUL
VICE-REI
CONSPIRAÇÃO OBSCURA
ALEXANDRE DE SOUSA FREIRE
AFONSO FURTADO
XVIII: C 

CREDULIDADE
MINAS FABULOSAS
A CASA DA TORRE
DESCOBRIMENTO DO PIAUÍ
MISSÕES DO SÃO FRANCISCO
PENETRAÇÃO
D. RODRIGO DE CASTELO BRANCO
XIX: B  

OUTROS TEMPOS
COMÉRCIO DE BUENOS AIRES
RAPOSO TAVARES
VACARIA
AGOSTINHO BARBALHO
NORTE E OESTE
XX: D  

A ILUSÃO DO GOVERNADOR
A COSTA DO SUL
PARANAGUÁ
LAGUNA E SANTA CATARINA
CURITIBA
SABARABUÇU
CAPITANIA DO ESPÍRITO SANTO
ESMERALDAS DE FERNÃO DIAS
FIM DE D. RODRIGO
XXI: A C  S

CONTRA O TRATADO DE TORDESILHAS


O UTI POSSIDETIS
AS DUAS EMPRESAS
A EXPEDIÇÃO
NOVA COLÔNIA
BUENOS AIRES
A QUEDA
RESTITUIÇÃO
GOVERNOS DO RIO DE JANEIRO
XXII: A B — 

TRIUNVIRATO PATRÍCIO
ROQUE DA COSTA
O REGIMENTO
SÉ ARQUIEPISCOPAL
CONVENTOS
OBRAS URBANAS
HIGIENE E DEFESA
XXIII: P  

SERGIPE
AS ALAGOAS
RECIFE E OLINDA
RESTAURAÇÃO DA VILA ANTIGA
LUTA DE JURISDIÇÕES
BRITO FREIRE
O “XUMBERGA”
PARAÍBA
RIO GRANDE
CEARÁ
XXIV: O   N

A ÁREA AMAZÔNICA
EM FAVOR DO ÍNDIO
VIEIRA NO MARANHÃO
A VOZ DA CATEQUESE
FLORESCEM AS MISSÕES
O CASO DE MARAJÓ
A RETIRADA DOS PADRES
PARTIDOS DA CORTE
ECONOMIA PRIMITIVA
REBELIÃO DOS MARANHENSES
A FRONTEIRA SETENTRIONAL
ANTÔNIO DE ALBUQUERQUE
O CAMINHO DA BAHIA
XXV: N  

BRASIL EM ÁFRICA
NEGROS FUGIDOS
A LUTA INFINDÁVEL
DOMINGOS JORGE VELHO
A GUERRA DO AÇU
PAZES INESPERADAS
A DERROTA DOS QUILOMBOLAS
COMO ACABOU O ZUMBI
XXVI: O “  B”

O “BRAÇO DE PRATA”
O CASO DO ALCAIDE
MARQUÊS DAS MINAS
A EPIDEMIA GRANDE
MATIAS DA CUNHA
CÂMARA COUTINHO
ALTERAÇÕES DA MOEDA
MOEDA PROVINCIAL
ALIMENTOS E JUSTIÇA
VIAGEM E MORTE DO ARCEBISPO
D. JOÃO FRANCO
XXVII: O    D. J  L

O PREFERIDO DA TERRA
A CASA DA MOEDA
O SALITRE
VILAS E JUÍZES
XXVIII: M  

PREDOMÍNIO DO BACHAREL
MARCHA PARA O ABSOLUTISMO
VEREADORES
CENTRALIZAÇÃO
ORDEM SERTANEJA
OS IRMÃOS VIEIRA
1700
XXIX: I    
MINAS GERAIS
ARTUR DE SÁ
OS ARRAIAIS
O GUARDA-MOR
XXX: F 

SUFICIÊNCIA
O INTERESSE DE PORTUGAL
PAU-BRASIL
AÇÚCAR
A ESCRAVATURA
TABACO
CRIAÇÃO DE GADO
ESPECIARIAS
DÍZIMOS DO ESTADO
XXXI: A    XVII

INICIAÇÃO LITERÁRIA
A LÍNGUA
O ENSINO
MAZOMBOS
FREI VICENTE
AS TRÊS CARACTERÍSTICAS
AUTORES
ANTÔNIO VIEIRA
GREGÓRIO DE MATOS
POETAS MENORES
ESTUDANTES
FRADES
ESCOLAS E LIVROS
CIÊNCIA
XXXII: A 

ORIGINALIDADE IMPOSSÍVEL
O BARROCO
ARQUITETOS
SÍNTESE DO 2º SÉCULO
N  R
APRESENTAÇÃO: P C
 ,    
   
A sociedade brasileira, como uma paisagem, é um sistema cuja
estrutura e evolução são determinadas por múltiplos fatores.
Considerá-los na indissociável coesão que os une é
fundamental se quisermos compreender o funcionamento da
história nacional. Historicamente, não somos órfãos de pais
desconhecidos. A continuidade, que não signi ca indiferença
aos dramas herdados, é uma consciência própria do homem.
Diante do passado, temos a percepção de nossa
individualidade e com a história compreendemos o que os
homens foram, zeram, conseguiram. Se saíssemos da história,
tombaríamos no nada. Pensá-la é vê-la no reino do possível.

Desde a invenção da escrita, o registro de experiências


humanas informa que recebemos do passado um conjunto de
valores, necessidades e crises. Da luz elétrica aos livros de
Graciliano Ramos, sem ignorar a falta de saneamento básico
pleno e a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, o passado sempre deixa a sua herança. A História
sempre lida com eventos que aconteceram em um tempo. Não
é uma manipulação, mas o descobrimento de realidades
próprias do passado, enquanto a historiogra a, constituída
como o campo privilegiado de recolha de materiais humanos,
é o estudo das variações dos comportamentos dos homens do
passado. Descortinar o passado é exprimir um diálogo
explicativo, por meio das fontes históricas, acerca de eventos
singulares e não mais existentes. O passado, enquanto
conjunto descontínuo de fatos verdadeiros e mutilados, não é
um ser, mas um cruzamento de itinerários. Sem a história,
vemo-nos privados de falar das origens de que brotamos e que
nos sustentam.

A pesquisa historiográ ca, diametralmente oposta à cção,


transforma o passado em fenômeno do conhecimento e não se
contenta com o interior das coisas, mas apreende, no seu
exterior, o signi cado dado pelo homem. Dotada de um
caráter temporalmente transcendente, é um lugar ontológico
privilegiado, onde o homem pode viver e contemplar, através
de personagens variadas, a plenitude da sua condição,
transportando-se imaginariamente para outro tempo. O ato de
explicar a substancialidade do passado não é somente o de
uni car ou familiarizar a aparência com o aspecto de um
grande princípio, ou a realização da condição autoconsciente e
livre dos homens, mas é uma apreensão das realidades não
dadas que se revela por meio do dado.

Toda pesquisa histórica anda sempre às voltas com a linha


difusa entre resgatar a experiência daqueles que viveram os
fatos, interpelar seu sentido e reconhecer nessa experiência seu
caráter inconcluso. A historiogra a examina o ponto do
contato da palavra com a realidade concreta do objeto
examinado. É um instrumento privilegiado de decifração do
mundo. Encontrar o verdadeiro sentido das palavras contidas
em um texto é tarefa que se impõe a qualquer historiador que
deseja transformar em compreensão histórica o seu estado
inicial de incompreensão semântica. Historiar é uma atividade
intelectual, composta por tudo o que um historiador pode
aprender: leituras e convivências, por idas e vindas entre os
documentos, alocação de seus interesses intelectuais, um
esforço de imaginação em fazer reviver o tempo estudado.
Qualquer historiador, para produzir bons signi cados sobre
um tempo irreversível, precisa de uma atenção constantemente
voltada para os múltiplos objetos que exprimem os vestígios
esparsos do passado.

O historiador que conhece os eventos apenas em sua ordem


cronológica não descortina os indivíduos em meio aos fatos,
mesmo que correspondentes à dimensão episódica da
narrativa. Esse tipo de erro insere o heterogêneo psíquico em
uma homogênea superestrutura psíquica. Enquanto a história
é feita de acontecimentos, a historiogra a é a tentativa de
composição de certas totalidades temporais, extraídas do uir
histórico e rmadas num cálculo cronológico. Não chega a ser
historiador aquele que simplesmente trabalha com a nco nos
arquivos. Para o historiador, a determinação da veracidade de
documentos é uma tarefa preliminar. Deve-se devolver o fato à
sua totalidade em busca de uma compreensão da vida humana.
A leitura de um documento é como conversar com um ser de
papel. Pacientemente, o historiador faz perguntas que
possibilitam a re exão sobre as diferenças entre a realidade, o
perceber e o imaginar da essência analisada. Seu pensamento
re exivo pertence, antes de tudo, às categorias do pensamento
comparativo, no qual, cada fonte histórica, com seus diferentes
tipos, representa um universo aberto onde o seu intérprete
pode descobrir in nitas interconexões. No presente e no
passado, ser historiador sempre exigiu erudição e sensibilidade
no tratamento de fontes. A alma dessa compreensão é forjada
na luta que o pensamento conceptual do historiador estabelece
contra o drama da palavra. Ao fazer mais que acatar o critério
da evidência aparentemente imediata, o historiador percebe
que em cada documento de uma mesma temporalidade há
diferentes vozes.

Evitar conclusões apressadas ou rígidas é uma condição


essencial para não transformar a especi cidade do fato
histórico em um acontecimento indistinto. As motivações
morais implicadas nos fatos analisados podem ajudar a
compreender a história, mas não são os objetos da explicação
histórica. Há diferenças entre a história como fato e o registro
escrito dos fatos. Fundada na diversidade dos homens e
tempos históricos, a história não é um conhecimento de
intenções, mas dos fatos livres realmente executados. O bom
historiador não é um mero colecionador, mas um operário da
verdade pretérita. Seus pensamentos e aspirações se dirigem à
construção humana sobre a re exão, sobre o saber. A história
se dirige ao conhecimento da ação humana. A transformação
desse depósito de múltiplas matérias-primas individuais em
uma estrutura lógica é um dos ofícios dos historiadores.
Descobrir realidades próprias do passado, constituídas
enquanto resultados das decisões dos homens concretos,
requer esforço. Enquanto homens, somos hóspedes de um
momento da história.

A história integra a existência humana através de uma


reunião de passados, individuais ou coletivos. O fato histórico
é a ação humana realizada singularmente no tempo. Por mais
ampla que seja a causa histórica, a sua recepção é sempre
individual. Como escreveu Ortega y Gasset: “Eu sou eu e
minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim”.
Originalmente, o sujeito da história é o indivíduo, que, por sua
essência sociālis, engaja-se em totalidades coletivas detentoras
de vínculos que aproximam os homens na realização de
projetos de vida. Do trabalho corporativo à família, exemplos
não faltam para enfatizar que o vínculo social permeia a
história. Inescapavelmente, tupinambá ou esquimó, o homem
nasce no seio de uma sociedade e faz sua vida em seu meio.
Do mais remoto núcleo familiar ao mais abrangente tema
global, é sempre inimaginável um fato histórico que não seja
também social. Evidenciar a especi cidade humana em nada
invalida a certeza de que o indivíduo é meio e instrumento da
história.

A verdade existe, inclusive nesses tempos em que o rigor


intelectual passa longe de ser difundido. A rmar a sua
existência é uma condição para o desenvolvimento de
qualquer pesquisa historiográ ca. A questão da verdade na
história é capital. Se não há certeza, não há verdade; nem o
mínimo de coesão social. Fora da verdade, nada pode ser
verdadeiro. Abandoná-la leva ao nada. Se cada um tem a sua
verdade, por que não posso a rmar que Machado de Assis foi
um hipopótamo membro da Al-Qaeda? O que perguntei é
incognoscível porque desarticula a consciência natural do
mundo fenomênico e a ordem do conhecimento. Na nossa
consciência, ordenamos e elaboramos o material sensível em
relação às formas a priori da intuição e do entendimento. A
nossa convicção da realidade de que Machado de Assis não era
um hipopótamo é o resultado da soma de um raciocínio lógico
com a vivência imediata numa experiência da realidade. O
conhecimento consiste em forjar uma imagem do objeto; e a
verdade do conhecimento é a concordância desta imagem com
o objeto. Nem tudo é questão de ponto de vista. Na história, há
divisão entre os objetos reais e ideais; é real tudo o que nos é
dado pela experiência histórica. Para o realista, o verdadeiro
existe fora e independentemente da nossa consciência,
enquanto para o idealista o verdadeiro não existe pura e
simplesmente, mas necessita ser concebido.

Na generalidade nada mais representativo do que a cegueira.


A impossibilidade de esgotamento da verdade é tomada como
prova de sua inexistência, e a subordinação dela à vontade para
tirar a limpo convenções entendidas como arbitrárias é
confundida coma negação da unidade entre o pensamento
subjetivo e o objetivo. Nessa babel, impregnada de idealismo
lingüístico, além dos problemas hermenêuticos, deve-se levar
em conta as conseqüências dessa predisposição para se
multiplicar uma importância pessoal. Esse idealismo reduz o
ser das coisas percebidas e distingue o dado da percepção e a
própria percepção. Suprimida a realidade aparente, sustenta a
tese de que não há coisas reais, independentes da consciência.

Sucessão e dimensão episódica indicam a ordem dos


acontecimentos; totalidade temporal e seqüencias de
enunciados indicam a ordem do discurso. O passado possui os
seus predicados técnicos de veri cação. Historiogra camente,
algo pode ser verdadeiro sem ser bom e o menor fato histórico
tem um sentido. Exemplos do mal na história não faltam e é
pela pesquisa que um historiador distinguirá, dentro do que
for possível, a concordância de um tempo histórico consigo
mesmo. O passado é sempre dotado de uma realidade própria.
Apresentá-lo é um dos enfoques do historiador, que,
inevitavelmente, está no presente e no passado ao mesmo
tempo. Ele abarca com suas pesquisas acontecimentos,
descreve ambientes, estabelece relações de causa e efeito,
analisa as personagens. Na condição de artí ce, o historiador
se interessa pelos acontecimentos com a pretensão de
descobrir a sionomia pouco conhecida do passado. Por
essência, a história é o estudo por meio de documentos, mas a
narrativa histórica se coloca para além de todos os
documentos, visto que nenhum deles pode ser a totalidade do
acontecimento em si. Para um historiador, a noção de fonte é
bastante exível: é toda fonte informativa da qual sabe extrair
algo para melhorar a compreensão do passado humano. O
passado pode ser banal e morti cante, mas é sempre um ponto
onde o historiador se coloca.

Na historiogra a, o passado subsiste na voz narrativa


amparada na memória, que, sujeita à linearidade do signo
histórico, conta com a força do imaginário. Através da
memória, o homem constitui a sua voz. A memória, que nem
sempre é épica, pálida ou morta, é feita de acontecimentos,
constituídos de múltiplas histórias que se passaram em
diferentes unidades espaço-temporais. Os acontecimentos,
mediante pesquisas ou convenções, recebem do historiador o
seu enredo arquitextual, ou a dimensão textualizada dos
acontecimentos de uma totalidade temporal. Dessa maneira, a
relação do historiador com a memória passa a ser
classi cativa, combinando a análise temporal com a integração
da lógica narrativa, que se con gura em seqüências que se
integram à lógica do passado coletivo. O historiador combina
a análise temporal com a integração da lógica narrativa. Essa
síntese pode ser mera ilusão que objeti ca o passado, como
também pode ser um bom horizonte de expectativas que
enquadra e rege a leitura histórica.
Todo historiador, quando se pretende sério, tem diante de si
um desa o: a manutenção de uma consciência autônoma, livre
de paixões políticas e imune a todo aliciamento ideológico. A
maneira como cada pesquisador responde a esse desa o
norteia sua pesquisa e condiciona seus resultados. A verdade é
sempre profunda, e o historiador deve ser prudente para
justi car os vestígios que escolheu. Todo acontecimento
histórico tem potência para explodir numa multidão de
objetos de conhecimentos, que, quanto mais conhecemos,
mais se alargam aos nossos olhos.

Da luta entre o caos da existência, os princípios de ordem e


um corpo de múltiplos fatos nasce a história.

Os valores moralmente subjetivos implicados nos fatos


podem nos ajudar a compreender a história, mas não são o
objeto primordial da explicação histórica. Há em nós a
tendência de julgar um evento pelos seus agentes menos
dignos e, como vivemos numa época de intenso fanatismo
ideológico, esse anacronismo, tão comum em historiadores
brasileiros, domina a maioria dos espíritos descritivos. O
historiador, quando lida com qualquer assunto, precisa ajustar
o espaço que sua base moral terá no con ito com o tema
analisado. O bom pesquisador, por meio do estudo, coloca
suas opiniões em con itos. Estudar o passado consiste em
mais do que reagir aos personagens e temas analisados.
Independentemente do valor de suas suspeitas iniciais, o
pesquisador precisa compreender o motivo de algo ser uma
verdade. O uxo de consciência que estabelecemos com as
nossas opiniões é tão familiar quanto o ar que respiramos.
Quando se obtém a verdade por meio do conhecimento, você
não apenas a possui, mas compreende o motivo de ser uma
verdade. Porém, quando você tem a verdade apenas por ter
uma opinião certa, você não a compreende, nem compreende
seus motivos.

A descrição de processos históricos não se desenvolve por


mágica, mas graças à tentativa metodológica de identi car os
códigos e os mecanismos pelos quais o signi cado é produzido
em várias regiões da vida social do passado analisado.
Historiogra camente, desde que bem fundamentadas, as
visões distintas sobre o passado não se excluem, mas
integram-se. A dialética historiográ ca, vinculada às variações
do ser humano, ilumina o caminho até o passado, permitindo
que apreendamos os fundamentos dos signi cados e
orientações. O historiador é aquele que, apesar dos próprios
con itos de sua realidade, investiga os enigmas das conjunções
pré-existentes. Cotejada com o passado, a vida do historiador é
menos que um grão de areia na ampulheta. Nenhum
historiador será capaz de esgotar qualquer realidade analisada.
Seu talento é o de dirigir a própria consciência, à maneira de
Proust, para um lugar privilegiado, e isso só será possível com
a apreensão dos conceitos essenciais para a legitimidade da
historiogra a, tais como memória, passado, linguagem,
verdade, documento. Compreendê-los, parafraseando o poeta
Manoel de Barros, é enrugar o couro intelectual.

A idéia de uma história nacional é um limite inacessível ou


antes uma idéia transcendental. Não se pode escrever esta
história, e as historiogra as que se crêem totais são enganosas.
O historiador pode escrever dez páginas sobre um dia ou
exprimir dez anos em duas linhas. Do mesmo modo, não está
reduzido a ser um cronista de eventos tidos como
consagrados. Uma das razões que tornam tão fascinante o
estudo da história é a ambigüidade essencial de toda situação
histórica; cada livro de história impõe a lógica de sua escrita.
Como vozes direcionadas, os historiadores e suas múltiplas
maneiras de pesquisar, re etir e viver o país textualizam as
mesclas híbridas de suas experiências.

Não precisamos saber tudo sobre determinado


acontecimento para que possamos entendê-lo com certa
razoabilidade. Inclusive, muitas vezes, uma montanha de
informações pode provocar o efeito contrário, isto é, poderá
servir de obstáculo ao entendimento. O historiador ca mais
próximo da realidade pesquisada por meio de dois predicados
importantes para a composição historiográ ca: a imaginação e
a multiplicidade das fontes, que são restos do homem que
emanam do fundo dos tempos, como destroços de um
completo naufrágio, objetos cobertos de signos que podemos
tocar, cheirar e observar na lupa. Dessa verdade que anseia por
atingir e que lhe escapa permanentemente, o historiador
recompõe os processos, que, em conjunto, formam uma
história de maior ou menor duração. Descrever uma totalidade
é multiplicar os itinerários que a atravessam. Caracterizar a
maneira de pensar ou sentir de certos grupos sociais, mesmo
de determinados indivíduos, não é tarefa fácil. Ao pretender
reconstituir a maneira de pensar ou de sentir de certas épocas
ou de certas coletividades, tomei o Brasil em seu conjunto, mas
sem ignorar alguns traços essenciais de suas variantes
regionais.

A memória é essencial a um grupo porque está atrelada à


construção de sua identidade. Composta de ações de nidas
como dignas de viver na anamnese dos homens, ao mesmo
tempo que visa estabelecer a construção de arquétipos por
meio de símbolos nacionalmente reconhecidos — por
exemplo, a bandeira e o hino nacional —, muitas vezes não
passa de ilusão de simultaneidade. Profundamente relacionada
com os quadros sociais do país, suas funções se constituem em
tentativas de unidades narrativas mínimas.

Predominantemente formado por escolas que produzem um


número cada vez maior de indivíduos atingidos por essa
espécie de mal-estar histórico crônico, o “brasileiro médio”,
muitas vezes, considera que há poucos fatos na vida brasileira
que despertem uma dedicação generosa. Dotado de orfandade
histórica instituída pela experiência — mais ou menos
recalcada — do fracasso escolar e refém do marginalismo de
nossas elites, que Oliveira Viana causticou como sendo um dos
principais dramas brasileiros, sua relação com a memória
nacional é quase sempre antipática. Basta ligeira inspeção para
encontrar no Brasil de hoje esses sinais. Em geral, receberam
um tipo anacrônico de ensino da história brasileira, no qual o
presente se projeta no passado, como se a nação fosse apenas
um pretexto para juízos morais. Não se trata de entronizar ou
de destruir ídolos. Trata-se de um tipo de professor de história
que, ao transformar o passado em um espetáculo para um
público em luto, permanece limitado ao papel do colecionador
que arranca os fatos do seu contexto, sem submetê-los a um
verdadeiro inquérito. Acostumado a viver interpretando o
passado de uma forma adestrada e maniqueísta, de certo
modo intoxicado pela própria universidade, expõe perante os
seus estudantes ou às vezes perante um público mais extenso
um arremedo de desmisti cação do Brasil. Esse tipo de
fanático sem escrúpulo, atuando sobre uma multidão amorfa,
deprimida, analfabeta funcional, carcomida por divisões
intestinas, etc., tem grande probabilidade, com os meios da
propaganda e de espetacularização das informações, de exercer
um poder magnético. Nas palavras de Manuel Antônio de
Almeida: “À custa de muitos trabalhos, de muitas fadigas, e
sobretudo de muita paciência, conseguiu o compadre que o
menino freqüentasse a escola durante dois anos e que
aprendesse a ler muito mal e escrever ainda pior”.

Sendo o Brasil uma realidade viva e humana, que sofre


in uências de toda a sorte, não é anacrônico tentar
compreendê-lo em uma perspectiva histórica que dialogue
com os dias que correm. Conhecer seus muitos eventos que
continuam presentes na agenda atual é uma forma de
combinar as abordagens cronológica e analítica. Se muitos são
os eventos, contextos políticos e culturais que assinalam esses
mais de cinco séculos de existência nacional, alguns traços
insistem, teimosamente, em comparecer na agenda local. O
caminho da autoa rmação do pensamento brasileiro já está
aberto, carecendo apenas dos que continuem o trabalho dos
desbravadores. É o caminho palmilhado por Pedro Calmon,
historiador de apurada pesquisa, dos maiores e mais
primorosos em língua portuguesa.

Devo a Pedro Calmon um dos estímulos mais decisivos para


que a minha formação cultural se processasse iluminada pelas
luzes da história brasileira. Pedro Calmon Moniz de
Bittencourt, um típico baiano de exportação,1 não foi somente
um intelectual erudito, mas homem de ação e de muitas
sugestões. Foi Deputado Estadual e Federal, Reitor e Ministro.
Como escritor, lega uma obra notável, estruturada em três
grandes áreas: literatura histórica, história e direito.2 No
primeiro grupo, incluem-se os mais divulgados dos seus livros,
por exemplo, O Rei Cavaleiro e a Vida de Castro Alves. Fazem
parte da segunda categoria os cinco volumes da História Geral
do Brasil, os três da História Social do Brasil e a sua grande
obra História do Brasil. Na área do direito, estão reunidos o
Curso de Direito Constitucional e Curso de Teoria Geral do
Estado.

Nascido em 1902, a 23 de dezembro, na cidade baiana de


Amargosa, Pedro Calmon, desde o curso secundário,3 revelara
excepcional inteligência, a ponto de seus professores o
convidarem para compor algumas bancas examinadoras.
Poderosa inteligência, assíduo leitor, ainda adolescente se
tornou íntimo dos clássicos, armazenando sólida cultura.
Espírito disciplinado, tocado pela fé católica,4 o segundo lho
de Pedro Calmon Freire de Bittencourt e de Maria Romana
Moniz de Aragão Bittencourt, tem na sua progênie expressivos
representantes da nobiliarquia brasileira,5 a exemplo do
Visconde Nogueira da Gama, prestigiado político do nal do
Segundo Império, pelo ramo materno. Oriundo do tronco
paterno, o representante mais destacado é o Capitão de Mar e
Guerra, João Calmon, combatente na luta contra os
holandeses, para cuja missão viera de Portugal acompanhado
da família. Editado por Monteiro Lobato, estreou como
escritor aos 18 anos com a publicação de “Pedra d’Armas”, uma
coleção de contos relacionados com a história da Bahia.6
Também nesse período, inicia a atividade jornalística em O
Imparcial, graças a Homero Pires. Por in uência de seu
padrinho, Miguel Calmon7 — que fora em sua vida um
segundo pai — escolheu ingressar na Faculdade de Direito.
Estudou na Faculdade de Direito da Bahia por dois anos,
transferindo-se para o Rio de Janeiro, em 1922, para
secretariar a Comissão Promotora dos Congressos do
Centenário da Independência.8 Continuou seus estudos na
Universidade do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de
Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
diplomando-se em 1924. Aos 23 anos volta à Bahia,9 para
exercer a deputação estadual, nos governos de Góes Calmon e
Vital Soares.

Para não poucos historiadores brasileiros, que se de nem


como atualizados, a obra historiográ ca de Pedro Calmon está
defasada. Embasado na minha convivência íntima e
prolongada com seus textos, discordo. Sobre a discordância,
cabe dizer que a historiogra a não precisa ser unânime em
absolutamente nada. Heródoto e Tucídides, por exemplo,
ambos gregos e mestres antigos da história, divergiram no
modo de escrevê-la, ou seja, a divergência está na gênese da
narrativa história. Só para contextualizar, Heródoto, ainda sob
o ciclo da epopéia, e que tanto se ocupou do antagonismo
entre o espírito helênico e o oriental, entremeava de mitos e
lendas as suas narrações, ao passo que Tucídides, seu
discípulo, sem prejuízo da prosa ática, preferiu o relato seguro
e objetivo, sendo um precursor da informação documental.
Um tendeu mais para a arte, o outro, para a técnica de
reconstituir o passado. No meu entendimento, Pedro Calmon
realizou a proeza de uni cá-los nos volumes de sua
monumental obra História do Brasil.

Na adolescência já ouvia falar dos livros de Pedro Calmon e


de sua personalidade — um tanto medieval em um tipo
renascentista. Talvez por isso mesmo, sem mais informações,
concluí que se tratava apenas de um medalhão.
Independentemente desses juízos iniciais, estudá-lo, sendo eu
então um jovem aspirante a historiador, seria um caminho
obrigatório, a nal ele é o autor de dezenas de livros,10 e o
intelectual que melhor concebeu e modelou a universidade
entre nós, a partir do reitorado que exerceu com fulgor, na
Universidade do Brasil, bem como no luminoso exercício da
cátedra durante período longo e fecundo. Por isso,
desconhecê-lo seria negar a condição de universitário e
confessar obscurantismo e ignorância imperdoáveis. Não
precisei ler um de seus livros para começar a mudança na
minha percepção, bastou que eu começasse a investigar a sua
biogra a para que me surpreendesse, a nal esse homem que
classi quei como um medalhão era admirado por Carlos
Heitor Cony, escritor que já reverenciava nessa época.
Descobri essa admiração de Cony quando li sua crônica em
homenagem ao recém-falecido Pedro Calmon. Nesse texto,
carregado de emoção, o romancista registrou que a morte de
Calmon mostra um tempo que acabou, sendo muito provável
que as gerações mais novas ignorem o que Pedro Calmon
representou no panorama cultural de um tempo não tão
distante assim. Segundo Cony, Pedro Calmon foi um tipo de
homem que não há mais. Era agradável e sensível sem ser
ingênuo, cordato sem bom-mocismo, educado porque
entendia ser obrigação das pessoas civilizadas tratar bem ao
seu semelhante. Tinha a intuição das limitações humanas e
sabia a maneira de estimular as boas qualidades das pessoas,
fazendo-as sentirem-se mais importantes do que são. Era, além
disso, um paci cador por temperamento e formação. Sobre
esse seu temperamento conciliador, nesses meus estudos
inspecionais, descobri algumas passagens interessantes, sendo
uma delas a vez que defendeu seus alunos11 universitários na
época da repressão estado-novista. Esse homem conciliador e
hábil, que não poucos alunos disseram que sabia compreender
o idealismo dos moços arrastados pelo espírito não-
conformista, soube vencer com habilidade o con ito entre
estudantes e a polícia, quando, certa feita, na solenidade de
uma formatura, o orador o cial excedeu-se, segundo os
critérios ditatoriais, nas críticas à ditadura de Vargas. Como a
polícia era mencionada nesse discurso e no evento havia
policiais presentes, o clima cou tenso e reforços policiais
foram chamados. Calmon, um defensor do sagrado direito de
pensar livremente, conseguiu controlar bem a situação interna,
mas vendo que a polícia cercava a Faculdade de Direito se
dirigiu ao encontro do comandante militar. Dizendo que a
situação interna já estava controlada, enfatizou que caso algum
policial quisesse entrar na Faculdade, que antes zessem o
vestibular. O resultado dessa sua ação? Os policiais não
entraram na Faculdade e nenhum estudante12 foi preso ou
perseguido nesse dia.

Como historiador lhe camos devendo, nós e as gerações do


futuro, preciosas e legítimas contribuições para o
conhecimento da nossa história. Em 1931, foi eleito sócio
efetivo do Instituto Histórico e, em 1932, criou no Museu
Histórico Nacional, a cátedra de História da Civilização
Brasileira, para a qual escreveu o livro com o mesmo título.
Esse seu estudo é pioneiro nessa temática dentro de nossa
historiogra a. Como se desenvolvesse um esquema didático,
onde o leitor, na clareza do seu estilo e através da comprovação
documental, encontra respostas, conseguidas depois de
exaustivas e pacientes pesquisas, de raciocínios inteligentes, de
lúcidas interpretações. Ao invadir o espaço da intimidade de
personagens relevantes, chegando ao nível de quase escutar o
som de suas vozes, Calmon não foi indiferente à dor ou à
alegria do brasileiro comum. Biógrafo de soberanos, os seus
per lados ressurgem para a vida na inteireza do porte, na
justiça das observações, nos traços característicos, nas
minúcias necessárias, tudo relacionado com a época, as
circunstâncias e os ambientes em que viveram e atuaram,
ressaltadas e interpretadas a participação e contribuição de
cada um. Ministro da Educação, serviu à política brasileira
com a visão superior do estadista, atento aos interesses
nacionais, preocupado com o destino da mocidade brasileira.
Jurista, professor catedrático de Direito Público e Teoria Geral
do Estado, diretor, por um decênio, da Faculdade Nacional de
Direito, reitor, durante 18 anos consecutivos, da primeira
universidade brasileira, a Universidade do Brasil.

Antes de completar 34 anos, em 1936, passou a ocupar a


cadeira de nº 16 na Academia Brasileira de Letras, cujo
patrono é outro notável baiano, Gregório de Matos Guerra,
sobre cuja vida Calmon escreveria anos mais tarde. Chegou a
ser Presidente da Academia Brasileira de Letras e, nesse posto,
che ou a delegação do Brasil encarregada de assinar, em
Lisboa, o acordo ortográ co binacional da língua portuguesa.
Foi membro e presidente do conselho federal de cultura, além
de também ter sido presidente, nesse caso por 17 anos, do
Instituto Histórico e Geográ co Brasileiro. A sua obra foi de
tal porte que lhe não tardou o reconhecimento internacional
merecido.13 Tornou-se professor honoris causa das
Universidades de Coimbra, Nova York, Buenos Aires, México,
Quito e Santiago do Chile, membro da Real Academia
Espanhola, da Academia das Ciências de Lisboa e da
Academia Portuguesa da História.

Tendo sido sensivelmente prejudicado pela Revolução de


1930, que o afastara da arena política e, ao mesmo tempo, o
impedira de fazer concurso para a Faculdade de Direito, aos 32
anos ingressou na Faculdade de Direito do Brasil, tornando-se
livre-docente de Direito Constitucional. Quatro anos vencidos,
no verdor dos anos, converteu-se Calmon em professor da
mesma disciplina por memorável concurso. Depois, volta ao
terreno político, ao disputar uma cadeira de Deputado Federal,
em 1935. Venceu, mas seu mandato de deputado federal durou
efetivamente muito pouco tempo, porquanto, a 10 de
novembro de 1937, o Estado Novo cerrou as portas do
Legislativo Brasileiro. Apesar de político, chegou a concorrer
até para o cargo de governador do Estado da Bahia em 1954,
foi um homem que viveu segundo o juízo de Ortega y Gasset:
“A missão do chamado intelectual é, de certo modo, oposta à
do político. A obra do intelectual aspira freqüentemente, em
vão, a aclarar um pouco as coisas, enquanto a do político sói,
pelo contrário, consistir em confundi-las mais que estavam”.

Poucos brasileiros acumularam tantas glórias no decorrer de


suas vidas. Pode-se discordar das idéias de Calmon, nos vários
terrenos em que foram lavradas. Seus princípios conservadores
e sua visão dos acontecimentos podem gerar controvérsias,
mas não considero possível não admirar seu empenho e
pertinácia em achar os documentos cartas, jornais, peças
jurídicas, livros antigos, depoimentos orais. Calmon não foi
um copista de historiadores precedentes, não seguiu trilhas;
refez por conta própria os caminhos por outros percorridos,
dissentindo, con rmando, inovando. É um historiador só
comparável, nessa paixão, aos grandes de nossas letras.
Combinando pesquisa com acerto, no rumo da lição de
civismo, que entendia complementar do conhecimento. Esse
civismo o levou, em 1928, a estabelecer em lei a defesa do
patrimônio tradicional na Bahia. Acho realmente impossível
falar de nossa história sem procurá-lo, sem reverenciá-lo.
Concordemos ou não com o universo de suas conclusões, não
podemos estudar a historiogra a brasileira sem passar por
seus livros e ensinamentos. O moralismo calmoniano, de
fundo monárquico14 embora nada sebastianista e de forma
barroca, nunca o impediu de reconhecer certos
condicionamentos abranges de nosso passado histórico.

Pedro Calmon convenceu-me de que algo superior e belo


existe do lado de cá, nascido e cultivado pelo Portugal de
antanho. O homem, que foi casado com a Sra. Herminia
Caillet Calmon e que teve dois lhos, Maurício Caillet Calmon
e Pedro Calmon Filho, faleceu em 17 de junho de 1985, no Rio
de Janeiro, num triste m de tarde.15 Mesmo no hospital,
convalescendo de três cirurgias no intestino sofridas em março
desse mesmo ano, aproveitava o tempo para preparar mais três
livros: um catálogo genealógico das famílias tradicionais
brasileiras, uma edição revisada e comentada das memórias de
seu bisavô, o Visconde Nogueira da Gama, e suas próprias
memórias, que ele dizia estar escrevendo muito rapidamente.

Em nossos dias, estamos, de fato, diante de uma verdade


indesejada: a de tolerar a omissão de pronunciamentos
necessários sobre a historiogra a produzida por essa ilustre
personalidade que foi Pedro Calmon. Em contraste com esse
incompreensível silêncio, e atendendo ao clamor de não
poucos, vem ao grande público esta nova edição, em cinco
volumes, de História do Brasil, a obra mais importante de
Pedro Calmon. Neste Brasil formado por milhões de
brasileiros que desconhecem a vida e o nome de Pedro
Calmon, e que transforma tenebrosas guras em
personalidades enaltecidas, badaladas, comentadas, inclusive
em meio a ridículas dissertações, é grandioso saber que há um
público interessado em conhecer Pedro Calmon, esse homem
de cultura enciclopédica.

omas Giulliano16
Nomenclatura 17
Rios
Nome antigo Nome atual

Cuchiguará Purus
Caiari Madeira
Paranaíba Xingu
Paraupaba Tocantins
Vicente Pinzón Oiapoque
Jenipapo Paru
Grande Jequitinhonha
Iguaí Jacuí
Piraí Apa

Cidade
Nome antigo Nome atual

N. S.a de Belém Belém


S. Luís do Maranhão S. Luís
S. Maria Madalena da Alagoa do Sul Marechal Deodoro
Penedo do Rio S. Francisco Penedo
Guarapari Guarapari
S. João da Barra S. João da Barra
S. Salvador dos Campos dos Goitacases Campos
Angra dos Reis da Ilha Grande Angra dos Reis
Exaltação da S. Cruz de Ubatuba Ubatuba
N. S.a da Ponte de Sorocaba Sorocaba
S. Francisco das Chagas de Taubaté Taubaté
N. S.a do Desterro do Campo Alegre de Jundiaí Jundiaí
S. Antônio de Guaratinguetá Guaratinguetá
N. S.a da Candelária de Itu Guaçu Itu
N. S.a das Neves de Iguape Iguape
N. S.a da Luz dos Pinhais de Curitiba Curitiba
N. S.a do Rosário de Paranaguá Paranaguá
S. Francisco do Sul São Francisco do Sul
Branca, negra, gentia, moça e velha
Toda se espanta, e toda se aparelha.
— Brás Garcia de Mascarenhas 18

In dedicatória da
História da Província Santa Cruz,
de Pero de Magalhães Gandavo (1576).
I: E  C  S P

INCORPORAÇÃO DO NORTE

Sucessor de D. Francisco de Sousa, o “das mantas”, absorvido em São


Paulo pela pesquisa do ouro — o Governador-geral Diogo Botelho fez
diferente política. Não se deixou fascinar pelas minas lendárias. Mais
premente problema lhe pareceu a conquista da costa leste-oeste a
partir do Rio Grande, em cujos areais, vigiados pela Fortaleza dos Reis
Magos, parara a expansão portuguesa. Tinha também de defender o
litoral freqüentado pelos contrabandistas ingleses e franceses, aliados
furtivos dos tapuias, um pouco por toda parte. O Sul cara bem
seguro e governado. Faltava à colonização o resto do Norte, até a bacia
amazônica, aquém do meridiano de Tordesilhas (como em Lisboa se
a rmava) e antes que o estrangeiro lá se xasse. Cumpria incorporá-lo
sem demora à Coroa de Portugal.

DIOGO BOTELHO

Singular é a presença de Diogo Botelho no Brasil: porque, partidário


do Prior do Crato, correra com ele, el, os perigos de sua guerra
infeliz.19

Mas, extinto no exílio o pretendente, aceitara, com igual correção, o


serviço de Filipe ii.

Diz Frei Vicente do Salvador que, mal chegou à Bahia, mandou tirar
o pelourinho da frente do palácio, “lembrando-se que estivera já ao pé
de outro para ser degolado por seguir as partes do senhor D. Antônio,
culpa que Sua Majestade lhe perdoou, por casar com uma irmã de
Pedro Álvares Pereira, que era secretário na corte”.20
O indulto aproveitara a um homem de visão larga.

À maneira de D. Francisco de Sousa, trouxe vários sujeitos que muito


o auxiliariam. O principal foi Diogo de Campos Moreno, antigo
soldado em Flandres, terceiro sargento-mor que teve o Brasil,
destinado a ilustrar-se na retomada do Maranhão. Um sobrinho e um
genro honram-lhe a memória: Martim Soares Moreno, patriarca da
civilização no Ceará, e Pedro Teixeira, conquistador do Amazonas.
Pedro Orecha, biscainho, “veio com o Governador Diogo Botelho do
reino no ano de 1602, trazendo duas naus a seu cargo de biscainhos”:21
ensinou aos portugueses a pescaria da baleia.

De Pernambuco, mandou o governador criar na Paraíba “três


doutrinas de petiguares”, por franciscanos, a exemplo do que faziam
com os tobajaras. E ordenou que Pero Coelho de Sousa, cunhado de
Frutuoso Barbosa, fosse ver a costa até o Maranhão e o Rio das
Amazonas22 — missão da maior transcendência, porque representa o
primeiro e formal reconhecimento do Ceará.

A COSTA LÉS-OESTE

No mapa de 1579, de Jacques de Vauteclaye, há a observação, de que à


costa de lés-oeste se ia por mar; mas se voltava por terra.
A navegação desta costa do Rio Grande para o Maranhão (elucidou o Governador D. Diogo
de Meneses, em 1612) tem grande facilidade em todo o tempo a todas as embarcações, mas a
tornada é impossível a navios grandes redondos, e di cultosa aos latinos grandes, e fácil a
embarcações pequenas de remos, pelo que, havendo-se de meter cabedal, estas são as que
servem.23

“Em procurar por terra o que por mar não alcançavam” (escreveu o
Padre Vieira, em 1658), habituar-se-iam os missionários a mandar os
correios através dos rios, “levando a mãos, por entre o rolo do mar e a
ressaca das ondas, sempre por costa bravíssima”, pequenas canoas.

O CEARÁ
Com a recomendação de seguir por terra, formou Pero Coelho a sua
expedição com duzentos índios (tobajaras e petiguares)24 e os “línguas”
Manuel Miranda, Pero Congatan, Simão Nunes Correia, João Cid,
João Vaz Tataperica, o francês Tuim Mirim, Martim Soares Moreno,
sobrinho do Sargento-mor Diogo de Campos Moreno, a quem este,
“de mui pequeno, havia mandado com Pero Coelho de Sousa para que,
servindo naquela entrada, aprendesse a língua dos índios e seus
costumes”.

Tudo correu bem até a raiz da Serra de Ibiapaba e a foz do Camocim.


Apareceram aí, ferozes, os tapuias.25

Travou-se combate em 19 de janeiro de 1604. Tuim Mirim (talvez o


“profeta”, que iludia os índios, mencionado pelo Padre Claude
d’Abbeville),26 conseguiu confabular com alguns franceses, que lhe
falaram de “uns mulatos e mamalucos crioulos da Bahia maiores
diabos que o principal com quem andavam”, a exigirem lhes
entregassem Miranda e Congatan, seus inimigos. Renovaram-se as
hostilidades, com a derrota e fuga dos tapuias e seus aliados. Dez
prisioneiros franceses foram por Pero Coelho mandados para
Pernambuco. Não conseguiu porém ir adiante do Parnaíba (Punaré),
limite da sua avançada. Fora áspera a marcha, os soldados queriam
parar, ameaçavam rebelar-se, queixavam-se de fomes e fadigas. Cedeu.
Se é lícito acreditar na história ouvida por Claude d’Abbeville, morto
Tuim Mirim, essa retirada deu aos índios de Ibiapaba a impressão de
que iam vencidos.27 Mas não era assim. Deixou à margem direita do
Ceará Simão Nunes com 45 homens, num arraial forti cado, e
retrocedeu com os restantes para a Paraíba, mas disposto a voltar com
a família e nova tropa, a m de instalar-se naqueles montes — donde
vigiaria o caminho do Maranhão e os tapuias “do corso”. O seu erro foi
medir mal as forças.

ODISSÉIA DE PERO COELHO


Realmente num caravelão se transportou para o fortim onde se xara
Simão Nunes. Esperava encontrar um quartel bem provido e achou
um grupo de esfarrapados soldados. Queriam mudar-se para o Vale do
Jaguaribe. Atendeu-os; e os transferiu para um sítio ameno, onde
pudessem ter as suas roças... Foi breve a esperança, pois a maioria
desertou, preferindo internar-se na selva a continuar a vida miserável
no acampamento. Com uns poucos estropiados e doentes, a mulher e
cinco lhos, não podia o capitão construir nova aldeia. Decidiu-se a
vencer a pé a distância enorme entre aquele rio (que atravessou numa
jangada de raízes de mangue, à moda indiana)28 e o Forte dos Reis
Magos. Tem o sabor de uma página quinhentista, dos sofrimentos
padecidos na África por náufragos heróicos — a odisséia contada por
Frei Vicente do Salvador.29 Pelas areias abrasadas de sol, mortos de
sede, encarnando ele a rmeza dos que jamais capitulam, em prantos
D. Tomásia, condenados todos à morte ignorada, entre as dunas altas e
o mar, numa jornada sem m — aquilo se lhe a guraria o Saará, sem
sombra de palmeira nem pegadas de caravana, deserto...

A natureza dava o nome à terra.

Uma espécie de Saará (como pronunciavam os portugueses), Siará ou


Ceará...30

Atingiram a fortaleza. Salvaram-se; e à colonização iniciada.

DOIS MISSIONÁRIOS

Tanto que chegou à Bahia, pediu Diogo de Meneses ao Provincial


Fernão Cardim que enviasse a Ibiapaba dois padres. Foram Francisco
Pinto, bom lingüista, que missionara em Sergipe e Pernambuco,31 e —
moço de 28 anos — Luís Figueira, autor da segunda gramática da
língua brasílica.32

Partiram de Pernambuco em janeiro de 1607. Desembarcaram na


boca do Jaguaribe e, pela costa, procuraram a serra. De escolta,
levavam índios mansos. Tudo lhes correu à medida dos desejos. No
sopé da serra, entretanto, os esperavam os indomáveis tocarijus. Em 11
de janeiro (1608) deram nos tupis, companheiros dos padres, e, com a
mesma fúria, se voltaram contra estes. O excelente Padre Pinto quis
persuadi-los. Atalharam-lhe o gesto pací co a golpes de tacape. Fugiu
o Padre Figueira (advertido por um catecúmeno) e tornou depois,
cautelosamente, para dar sepultura ao mártir, cujos despojos foram
mais tarde transladados para a igreja que em sua honra construíram
portugueses e caboclos.33

O Padre Figueira socorreu-se dos índios de Jaguaribe e dos


petiguares, que lhe eram favoráveis. Junto ao rio do Ceará levantou um
cruzeiro, e ajudou-os a fazer uma aldeia, a que chamou de São
Lourenço. E pouco seguro da obediência deles valeu-se do barco que
lhe mandou Jerônimo de Albuquerque — com o Padre Gaspar de São
Peres, o “grande arquiteto e engenheiro”34 — para tornar a
Pernambuco.35 Não teria destino diferente do companheiro que lá
cara, espostejado pelos tapuias: o seu martírio, às mãos dos aruãs do
Pará, assinalou, em 1643, uma fase nova da colonização do Norte.

O duplo fracasso — de Pero Coelho e da catequese de Ibiapaba — era


de ordem a desviar daquele arenoso litoral a atenção do governo.

Recairia no primitivo abandono se o estrangeiro não se incumbisse


de revelá-lo a Portugal.

Foi a ocupação do Maranhão que para lá conduziu — desta vez


de nitivamente — o povoamento esquivo e difícil. Porque o ciclo dos
corsários, inaugurado pelos pilotos de Jean Ango, não terminara. A
Paraíba e Sergipe tinham sido tomadas aos aborígines graças a esse
“perigo francês”. O Rio de Janeiro e Cabo Frio colonizavam-se por
força da mesma necessidade — de combate ao intruso. Dir-se-ia que
era o guia da expansão portuguesa nestas plagas desertas. Restava o
Maranhão. Se os franceses não se insinuassem pelos recortes do litoral
a aliciarem os tapuias,36 como costumavam na Paraíba e no Rio
Grande, também da Bahia e Pernambuco não se apressariam a
conquistar a costa brava, que bem podia chamar-se... Saará. Mas,
invadida a terra, cessaram as hesitações. Só houve um pensamento:
retomá-la.

COCO E BALEIAS

Concluída a sua tarefa em Pernambuco, recolhera-se Diogo Botelho à


Bahia, que parecia renovada com a riqueza que trouxera o biscainho
arpoador de baleias: a abundância do azeite.

Revela uma certidão de 1614 que, do Regimento dado a Diogo


Botelho, constavam duas recomendações: empregar marinheiros
biscainhos na pesca da baleia e fazer plantar, “por toda costa”,
palmeiras de coco, que também produziriam azeite. Cumpriu a ordem.
Datam do seu governo os coqueiros da Bahia, cuja cultura fracassara
ao tempo de Gabriel Soares (que lamentara a sua extinção);37 e a
aventura de Pedro de Orecha. Com os seus companheiros
começou a pescar, e ensinados os portugueses se tornou com elas (duas naus) carregadas,
sem da pescaria pagar direito algum: mas já hoje (1627) se paga e se arrenda, cada ano por
parte de Sua Majestade a uma só pessoa, por 600$000 pouco mais ou menos, para lustro de
ministros.38

No dizer de Pyrard de Laval (1610), “a mais rica pesca de baleias que


há no mundo”.

Não valia apenas o lucro; importava a melhoria dos costumes. O


azeite barato iluminava a noite colonial. Sobretudo “os engenhos que
trabalham toda a noite e, se houveram de iluminar-se com azeite doce,
o que se gasta e os negros lhe são muito afeiçoados, não bastara todo o
azeite do mundo”.39 Já não se comprava o de oliva, “tão caro e tão
pouco”, para o candeeiro do lar, para a lanterna da o cina, para aclarar
o caminho na treva das ruas perigosas: a fartura das baleias permitiu
que a convivência noturna se prolongasse, que o trabalho das moendas
não se interrompesse, que as lâmpadas escoltassem, nas saídas tardias,
a gente vilareja. Foi um alívio e um socorro. Alimentou a candeia
popular durante dois séculos.
HOLANDESES NA BAHIA

Falava-se, porém, de corsários holandeses.

É provável que o governador acorresse à Bahia para atender ao aviso


del-rei (carta de 12 de dezembro de 1603), de que se aprestava em
Holanda uma armada para investi-la.

Realmente, em 20 de julho (1604) apareceram sete naus e um


patacho, do comando de Paulo van Caarden, com disposição de tomar
a cidade após um bombardeio intermitente, de quarenta dias. Baldou-
lhe o intento a constância de Diogo Botelho, “em pé, à borda do mar”,
tendo “com ímpeto e cólera” resistido aos conselhos dos moradores,
por que subisse para a parte alta onde se defenderia melhor.
Guarneceu a praia com a gente de que pôde valer-se, e assim obstou ao
desembarque do inimigo, que se limitou a saltear um ou outro
engenho do recôncavo. Van Caarden quis impor-lhe uma composição,
pela qual lhe entregasse um resgate. Respondeu enfático, que a praça
“era uma das mais ricas do mundo”, e viesse conquistá-la, se possível...
O almirante desistiu então da empresa. Fez-se ao largo, intimidado.
Dir-se-ia satisfeito com reconhecer a importância e as forças da Bahia,
informações que seriam preciosas para uma invasão em larga escala —
que sobreveio vinte anos depois.40

JUSTIÇA NOVA

A longa residência em Pernambuco habilitou o governador a requerer


justiça mais direta, cobrança de impostos mais rigorosa, melhor
auxílio ao comércio, e aos moradores que sofriam os vexames de
muitas extorsões, à falta de quem lhos atalhasse.

Destas observações resultaram duas medidas notáveis: a criação de


um tribunal de segunda instância (ou Relação) com sede na Bahia; e o
comissionamento de Sebastião de Carvalho,41 desembargador no
Porto, para proceder em Pernambuco à sindicância sobre os
descaminhos scais. Por este tempo se instalou em Lisboa — a m de
Í
prover às necessidades coloniais — um Conselho da Índia (25 de
junho de 1604), com presidente, dois secretários, quatro conselheiros
(dois militares e dois togados). É verdade que não funcionou muito
tempo. Desapareceu em 1614, para ser restabelecido em 1642, com o
nome de Conselho Ultramarino.

A Relação, criada para a Bahia, foi regulamentada em 7 de março de


1609. Governava então D. Diogo de Meneses, empossado em 22 de
agosto de 1608.42

Demorou aliás em Pernambuco um ano, como o antecessor.


Justi cou a demora com o pedido que lhe tinham feito a Câmara de
Olinda e Sebastião de Carvalho, para acomodar primeiro as cousas
dessa terra. E acomodou-as. Em carta de 4 de dezembro de 1608
a rmou — para o reino — ter evitado a morte do desembargador
sindicante, “que outros estiveram por lhe atirar à espingarda”.43
Declararam os moradores, em juntas que zeram, não ser serviço del-
rei a sindicância... Nem produziria efeitos em colônia de tão escassa
magistratura, para tomar contas aos culpados. Certo é que deixou o
governador atrás de si a quietação necessária e chegou a Bahia (com
Sebastião de Carvalho) em 18 de dezembro.44

A RELAÇÃO

Encontrou na cidade os desembargadores, chegados a 5 de junho de


1609: um grupo de letrados — a Relação — que traziam o prestígio de
suas togas, o testemunho da importância nova e grande do Brasil, que
já podia alimentar um foro de juízes formados, assim em parte
emancipado dos tribunais do reino (“com alçada em bens móveis até 3
mil cruzados; porque passando da dita conta dão apelação para a
Relação da cidade de Lisboa”).45 O chanceler era Gaspar da Costa
Amaral (a quem, em 1611, sucedeu Rui Mendes de Abreu), colegial de
São Paulo na Universidade de Coimbra;46 dois os desembargadores dos
agravos, Antão Mesquita de Oliveira e Francisco da Fonseca;
extravagantes três, Antônio de Póvoas, Pedro de Cascais e Manuel
Pinto da Rocha (antes corregedor em Viana e indicado para ouvidor-
geral);47 e Manuel Jácome Bravo, Afonso Garcia Tinoco e Sebastião
Pinto Lobo — que fora juiz de órfãos no Porto.

O lugar de escrivão dos agravos coube a Cristóvão Vieira Ravasco,


antigo soldado e marinheiro, que quatro anos servira na Bahia “de
alferes de uma companhia, fazendo algumas vezes o ofício de capitão”:
instalou-se aí em 1614 com a família. A esta circunstância deve-se ter
vindo para o Brasil o menino Antônio Vieira seu lho (nascido em
1608), destinado a ser a mais in uente gura intelectual da colônia no
século de que tratamos.48

GOVERNAÇÃO DO SUL

D. Francisco de Sousa não desistira de suas esperanças mineiras. Bem


fez por elas, em Madri. Obteve — logo depois da nomeação de D.
Diogo de Meneses — lhe fosse dada a governação do Sul, separada do
Norte, e abrangendo Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Vicente, de
modo que, sem dependência de autoridade estranha, pudesse
desenvolver a pesquisa do ouro em São Paulo.49

A 2 de janeiro e 28 de março de 1608 concedeu-lhe el-rei privilégios


análogos aos de Gabriel Soares, e a isenção, quanto às minas, do outro
governo do Brasil — a ponto de considerar-se potentado sem igual na
América Portuguesa se, de fato, achasse o que procurava.

Não achou: e foi a sua perdição... Demorou-se um ano a preparar a


viagem.

Encontrou em Pernambuco D. Diogo de Meneses, que se queixou


daquela separação de capitanias. — “Creia-me V. M. — escrevia em 9
de abril de 1609 — que as verdadeiras minas do Brasil são açúcar e
pau-brasil, de que V. M. tem tanto proveito, sem lhe custar da sua
fazenda um só vintém”.
Trouxe D. Francisco um ouvidor para as partes do Sul, o licenciado
Sebastião Paruí de Brito,50 seus lhos D. Antônio (que já fora capitão
da costa) e D. Luís de Sousa,51 que interrompera estudos em Coimbra,
o prior e o provincial do Carmo, que caram em Pernambuco, onde se
lhes juntou Bento Maciel Parente, depois famoso na conquista do
extremo Norte...52

DECEPÇÃO DE D. FRANCISCO

A descrença de D. Diogo de Meneses, quanto às riquezas minerais, não


devia ser sistemática. Pouco antes mandara prender o ouvidor e
capitão de São Paulo, Gaspar Conquero, com a recomendação de saber
“se tem algum ouro escondido, que não esteja quintado”, do que se
depreende que os rumores de minas continuavam, e a casa de quintar
ouro não deixara de funcionar na vila do planalto, ou em São
Vicente.53 Em 7 de junho aí se achava, nomeando Pedro Taques juiz de
órfãos de São Paulo — “Dom Francisco de Sousa, do conselho de sua
majestade e governador-geral (sic) das três capitanias desta repartição
da costa do Brasil, etc.”.

Mas chegara em hora má. Não conseguiu o que pretendia. Falharam-


lhe as pesquisas, se é que as empreendeu. Venceu-o a moléstia.
Agravou-lha a decepção: teve morte de indigente, esse êmulo de
Pizarro. O que de mais importante se sabe do seu governo é a
comissão dada ao lho, D. Antônio, para levar a el-rei amostras de
metais (uma cruz e uma espada do ouro das minas, segundo Frei
Vicente do Salvador): viagem infeliz, porque no mar o tomaram
corsários, desaparecendo os penhores que transportava. Faleceu D.
Francisco em 11 de junho de 1611. Tão pobre — declarou um padre da
Companhia, que o assistiu — “que nem uma vela tinha para lhe
meterem na mão, se a não mandara levar de seu convento”.54 No dia
seguinte D. Luís de Sousa, munido de codicilo, em que era nomeado
sucessor do pai, assumiu o governo.55 Por pouco tempo, aliás; porque o
alvará de 9 de abril do ano seguinte revogou o da separação das três
capitanias, vindo, em substituição de D. Diogo de Meneses, Gaspar de
Sousa — em cujas mãos se uni cou de novo a administração colonial.

A ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS

Naturalmente caberia ao capitão-general do Rio de Janeiro o governo


das minas de São Paulo: foi encargo dado ao velho Salvador Correia de
Sá (alv. de 4 de novembro de 1613, com 600$000 por ano), que o
delegou ao lho, Martim de Sá (prov. do Rio de Janeiro, 20 de julho de
1615) — investido nele até 1621.56

O lugar de administrador das minas do Sul tornou-se com isto


apanágio dos governadores do Rio de Janeiro e, particularmente,
daquela família, que ia dar a Portugal e domínios um grande general,
lho de Martim, Salvador Correia de Sá e Benavides.

De resto, jazidas, quintos, potosis, mergulhavam agora na dúvida


obscura dos sertanistas desiludidos.

Nada comprova mais o desengano do que a liberdade concedida pela


Coroa à exploração das minas.

É o ar de queixa da carta régia de 7 de novembro de 1617:


Tendo consideração a que em decurso de anos e por meio de diligências que D. Francisco de
Sousa, que Deus perdoe, e Salvador Correia de Sá zeram por ordem minha sobre as minas
de ouro desse estado, com regimentos e ordens mui particulares, se não pôde averiguar a
verdade e certeza delas nem tirar-se disso utilidade alguma, houve por bem de resolver que
as minas se largassem a meus vassalos, para as bene ciarem na forma da Ordenação,
pagando os quintos à minha fazenda como se faz nas Índias Ocidentais.57

O regimento passado em Lisboa a 8 de agosto de 1618 deu as


condições desse livre trabalho das minas que se descobrissem, com os
competentes registos e garantia de posse. É o primeiro código mineiro
para o Brasil.58 Não excluía os favores oferecidos a quem, como
Belchior Dias Moréia (e logo lhe contaremos a história), prometesse
achar montanhas de prata...
O breve governo de D. Luís de Sousa59 cou assinalado por outra
série de fatos: o choque de paulistas e jesuítas espanhóis, que
começavam a reduzir índios ao longo do Paranapanema. Quando os
sertanistas se atiram a depredar as reduções. Início de luta inde nível e
contínua, cujas despesas pagou a Companhia de Jesus.

Alegou Martim de Sá que o capitão de São Vicente estorvava a sua


administração (“apontando quão mal se lhe cumpriam”) e Salvador
Correia, a dizer “que as minas têm ouro e são muitas, e cada dia se
descobrem mais”, lançava a culpa do insucesso aos ministros del-rei,
que não lhes tinham dado a superintendência. No reino esteve o
primeiro, em 1616, a pleitear o governo de São Vicente, em que o
proveu o alvará de 2 de fevereiro de 1618,60 e serviu três anos — sem
adiantar os descobrimentos nem con rmar o otimismo paterno. Foi
mais útil na defesa da terra contra os estrangeiros, que a ameaçavam
ao longo do deserto e extenso litoral, entre Cananéia e o Cabo Frio.

II: M  P

FRANÇA EQUINOCIAL

Não há dúvida que os franceses conheciam o desabrigado litoral do


Norte... “depuis la rivière des Amazones jusques à l’île de la Trinité”
(como reza a licença dada, em 1605, por Henrique iv, a Daniel de la
Touche, senhor de La Ravardière, para ocupar cem léguas abaixo da
equatorial, “en terre de l’Amérique”).61 Basta ver o mapa que se guarda
nos arquivos de Paris com as armas de Filipe Strozzi.62 Lá estão
marcados os estuários dos rios entre a boca do Amazonas e o Cabo de
São Roque, com os respectivos nomes indígenas ou supositícios. Num
deles — provavelmente à vista da Ilha do Maranhão (ou Grão-Pará)63
— perdeu Jacques Riffault dois navios em 1594. Entre os que se
salvaram estava um esperto sujeito da Touraine, Charles Des Vaux, que
viveu onze anos com os índios e pôde ser assim língua e guia das
futuras expedições. Em 1602 de niu o Rei de França o seu interesse
por essa ignota América, concedendo a um Montbaret o direito de lá
se estabelecer, privilégio que passou a La Ravardière depois da útil
viagem64 de Jean Mocquet ao Oiapoque.65 Sabemos que dela participou
esse imaginoso capitão. Foi em 1604. É possível que tivesse feito antes
uma travessia semelhante. O fato é que, ligando-se a Charles Des Vaux
(que então se repatriou) e a sócios poderosos, como François de
Razilly66 e Nicolas Harlay de Sancy, obteve da Rainha Regente Maria
de Médici licença para criar... a França Equinocial!

Os três armaram outros tantos barcos, e, com alguns dalgos,


soldados, homens de trabalho e quatro capuchinhos — deixaram
festivamente o porto de Cancale, na Bretanha, a 19 de março de 1612.

NOBRES E FRADES

Falamos de frades e nobres.

Realmente a este aspecto a empresa prometia belos resultados.


Juntara em alvissareira solidariedade nomes ilustres e missionários
inclinados à santidade, sem prejuízo da literatura. Devemos-lhes (aos
padres Yves d’Évreux e Claude d’Abbeville) a notícia que destaca e
condensa o episódio, de outra forma perdido — como as demais
tentativas de colonização francesa no Brasil depois de Villegaignon —
para o juízo dos pósteros. Chamavam-se Yves d’Évreux, superior da
missão,67 Claude d’Abbeville, Ambroise d’Amiens, Arsène de Paris.68 A
própria rainha escrevera ao Provincial da Ordem em Paris (23 de abril
de 1611), pedindo o socorro desses apóstolos, à obra de que se
encarregara “o Sr. De Razilly, locotenente-general das Índias
Ocidentais”.69 Dariam à colônia o indispensável sentido cristão —
exatamente como se começava a experimentar na Nova França, ao
norte da América.

Graças ao compromisso subscrito em Cancale, sabemos que vinham


De Pezieu (autor da correspondência sobre as cousas do Maranhão,
publicada em 1613),70 Du Plessis, tio do Cardeal de Richelieu,71 mestre
Isaac de Razilly — irmão do locotenente e herói naval, das campanhas
contra La Rochelle e Marrocos,72 outro irmão, Claude de Razilly,
notável marinheiro;73 De Brichanteau, Hardivilliers, De Mondion, De
la Barre... Servia de língua, Des Vaux.

INTENÇÕES DO REI

Malogrado, com o insucesso de Strozzi, o sonho colonial de Catarina


de Médici, ressurgiu com feição diferente no espírito cauteloso de
Henrique iv e na exaltação católica da Rainha Maria, sobrinha da
astuta soberana.

A designação de França Equinocial, dada ao Maranhão por De


Razilly, La Ravardière e os capuchinhos,74 é a sua réplica à França
Antártica, de Villegagnon. Mas — rmadas as pazes com a Espanha
em 1598 — não podiam arriscá-las noutro ataque aos seus domínios
da América do Sul. Tinham de contentar-se com a terra desocupada
ao norte de São Lourenço (1603), onde Pontgravé e Champlain
iniciaram o reconhecimento sistemático do país frio e imenso, e a
misteriosa região amazônica entre o Maranhão e as selvas da Guiana.
Aí, com a ajuda da religião (representada pelos franciscanos)
fundariam sem maiores complicações um estabelecimento proveitoso.

O adversário, porém, era menos o espanhol (e o português aliado aos


tupis) do que a opinião francesa, indisposta então — como depois —
contra os projetos mirí cos de expansão ultramarina. “La plus belle
mine que je sache, c’est du blé et du vin”, dizia Marc Lescarbot,
partidário das missões religiosas, que convertessem o gentio, não de
empreendimentos comerciais, que os exterminassem.75 O suave
protesto de Ronsard (a Villegagnon), a ironia de Montaigne, iniciando
o elogio político da ingenuidade indígena, com o comentário sobre o
feliz selvagem, repontara no ceticismo de Sully, que achava os seus
patrícios sem “perseverança nem previdência” para a conservação de
colônias distantes.76 Tornaram-se impopulares. Só a Igreja (e Isaac de
Razilly voltaria, em 1626, a esta idéia)77 poderia justi cá-las, salvando-
as de um fatal descalabro. Este pensamento é su ciente para
compreendermos o da França Equinocial — logo abandonada, como
outrora a Antártica, aos próprios recursos — contrastado pela
retumbância das proezas evangélicas, dos capuchinhos, entre os índios
dóceis do Maranhão.

SÃO LUÍS

Rumou a frota para a Ilha do Maranhão, entre os rios Itapicuru e


Mearim, e aí, no promontório dominando a baía de São Marcos,
fundaram de Razilly e La Ravardière o Forte de São Luís. O nome era
em homenagem ao Rei de França.78 Construíram os missionários a sua
capela, com o auxílio pressuroso do gentio atraído por Charles Des
Vaux — e tudo correria razoavelmente, nessa terra verde e úmida, que
era como a porta do Brasil setentrional, se não aparecessem, vindos de
Pernambuco e do Rio Grande, os portugueses.

O sítio fora bem escolhido, tanto para a defesa como para o


desenvolvimento da colônia, litoral afora, para o Amazonas, através de
Tapuitapera, Cumá e Caité. É crer que La Ravardière explorasse a costa
até a foz do grande rio (Pará) e aproveitasse a ocasião para chamar as
tribos por ali esparsas à fala com os franceses, contando-lhes histórias
abomináveis dos outros brancos (os perós) e dos índios vingativos que
com eles andavam. Teve tempo para preparar a resistência ao ataque
inevitável.

A REAÇÃO

Acertara D. Diogo de Meneses, ao querer provar quanto antes aquela


cobiçada região.79

Precisava-se da sua descrição exata.


Fê-la o Sargento-mor Diogo de Campos Moreno, por ordem do
governador. Viu todo o litoral. Reuniu os seus minuciosos mapas no
Livro que dá razão do Estado do Brasil, concluído em 1612.80

Observara a necessidade de serem criadas três capitanias: a primeira


entre o Rio Grande e o Ceará, a segunda em Camocim, a última no
Maranhão. As ordens de 9 de outubro e 8 de novembro de 1612
adotaram o alvitre, mandando estabelecer os três núcleos do
povoamento que seriam as atalaias do Norte.81

MARTIM SOARES MORENO

E acolá deixara o sobrinho, Martim Soares Moreno. Foi isto


providencial. Por iniciativa deste principiaram os combates que
poriam fora do país o intruso. Uma carta de 1º de março de 1612 relata
que, em companhia dos índios do chefe Jacaúna, irmão de Camarão —
petiguares do Rio Grande — e nu e tatuado como eles, apresou
Martim Soares um navio no Mucuripe (atual porto do Ceará),
provavelmente no mesmo lugar onde Pero Coelho instalara guarnição.
Compreendeu que era indispensável forti cá-lo. O governador
mandou-lhe uma escolta de dez homens e um sacerdote. Fez o reduto
e, junto, a ermida de Nossa Senhora do Amparo. Surgiu assim
Fortaleza, princípio desse Ceará que, muito tempo, se limitou ao
quartel de beira-mar, o Forte...82 E, tanto que soube do desembarque
de La Ravardière, correu a revoltar os tremembés (cannibaliers,
chama-lhes o Padre Yves d’Évreux), tapuias do Parnaíba, ou cariris que
periodicamente faziam a “guerra do caju”.83 Não fora esta manobra, e a
reconquista seria consideravelmente mais difícil. Alexandre de Moura
reconheceu: foi quem “primeiro descobriu o Maranhão pela banda de
leste”.84

Jerônimo de Albuquerque teve o comando de quatro navios e cem


homens (largou do Recife a 1º de junho de 1613) para começar a
guerra, servindo-lhe de guia Martim Soares Moreno. Fundou em
Jericoacara (Buraco das Tartarugas) um fortim. Ficava
estrategicamente entre o Ceará e o Maranhão, como base das futuras
operações. Mas Martim Soares, indo reconhecer a Ilha do Maranhão,
para não cair em poder dos franceses se fez tanto ao mar que,
arrastado pelas correntes, deu nas Antilhas.85 O jeito foi passar à
Europa. Não conveio a Albuquerque arriscar-se mais. Deixou naquele
reduto (do Camocim) 40 soldados e retrocedeu, por terra, para o Rio
Grande, à cata de reforços. Para comandar o fortim chegou depois o
valoroso Manuel de Sousa d’Eça,86 que logo repeliu o ataque de uma
nau francesa (18 de julho de 1614).87 Neste feito de armas começa a
expulsão do invasor.

GASPAR DE SOUSA

Para governar o Brasil (concluído o triênio de D. Diogo de Meneses),


veio um reto e inteligente sujeito, Gaspar de Sousa,88 sobrinho de
Cristóvão de Moura, a quem Diogo Bernardes dedicara a sua carta
trigésima.89 Circunstância notável: mestres-de-campo dos primeiros
terços que houve em Portugal (conforme a organização espanhola do
exército), foram Gaspar de Sousa90 e D. Jorge de Mascarenhas.

Teve ordem para xar-se em Pernambuco, donde melhor dirigiria a


conquista da costa leste-oeste. Em maio (1614) aí chegaram Diogo de
Campos Moreno (cuja habilidade militar supriria as de ciências de
Jerônimo de Albuquerque)91 e o piloto Sebastião Martins, prático
daqueles mares. Trezentos portugueses (sob o comando de Diogo de
Campos) juntaram-se no Rio Grande a Albuquerque, com os seus
duzentos índios: e foram acampar na foz do Preá. Prevaleceu a opinião
de que deviam forti car-se junto a melhor aguada — e próximo do
inimigo. O Alferes Pedro Teixeira e o Soldado Antônio Teixeira de
Melo92 encarregaram-se desse reconhecimento, com o Piloto-mor
Sebastião Martins.93 Em conseqüência, deslocou-se a expedição para a
Barra do Munim, e deslizando ao longo do litoral, fundeou a leste da
Ilha de São Luís, no sítio de Guaxenduba. Aí o engenheiro Francisco
de Frias levantou (de faxina e terra) o forte hexagonal de Santa Maria
— a cuja proteção se recolheriam os portugueses enquanto não
viessem acudir-lhes novos socorros de Pernambuco. Puseram-se
astutamente na defensiva.94

A SEGUNDA MISSÃO

Tinham entretanto voltado à França o Sr. De Razilly, os capuchinhos


Yves d’Évreux e Claude d’Abbeville e outros franceses de prol. Talvez se
ressentissem dos rigores do clima; ou, doentes, não pudessem esperar
a fruti cação de seus rudes trabalhos. Segunda missão religiosa veio
substituí-los: do Padre Arcanjo de Pembroke com outros missionários
e 300 colonos. Acolheu-os em São Luís o Padre Arsène de Paris.95 Com
estes elementos jovens podia La Ravardière — agora locotenente do rei
como procurador de todos os concessionários da França Equinocial96
— contra-atacar e vencer os portugueses.

Investiu-os rijamente em Guaxenduba.

GUAXENDUBA

Estabelecidos acolá Albuquerque e Diogo de Campos, logo os índios


da redondeza (maliciosamente enviados pelos franceses) procuraram
comércio com eles, e se aperceberam dos seus escassos recursos.
Informado do que ocorria no campo português, feriu-o La Ravardière
com um golpe de surpresa: mandando tomar os barcos surtos em
frente do Forte de Santa Maria. E julgando que se entregariam, se
envolvidos por forças superiores, apoiadas do mar pelos navios de que
dispunha, correu a batê-los num desembarque atrevido. Foi a 19 de
novembro. Ia o Sr. De Pezieu à frente, com uns 200 brancos e mil e
quinhentos selvagens. Saltaram em terra com feixes de varas, para
imediatamente armarem as suas trincheiras, entre a praia e uma
eminência, à vista do Forte de Santa Maria, onde se concentrariam; e
enquanto cuidavam dessa preparação um mensageiro levou a Diogo
de Campos a intimação enfática de La Ravardière. Estranhava que
zessem guerra nos seus domínios ao mais poderoso príncipe da
Cristandade; e dava-lhes quatro horas para a rendição. Até então
tinham divergido nos planos da luta Campos e Albuquerque. Neste
momento, porém, acertaram em brigar até o m, arrebatando ao
inimigo a iniciativa; e dividindo-se em duas colunas, Albuquerque pela
montanha e Campos pela praia, se arrojaram sobre ele. Foi tão bravia a
acometida, que os índios, tomados de medo, abandonaram os
franceses, e estes, a despeito da valentia de De Pezieu (que morreu
combatendo) recuaram para o mar, e acabaram debandando, numa
estrondosa confusão. Deixaram 120 mortos;97 e 46 canoas
abandonadas na maré... Em duas horas (quantas durou a ação),
perderam o melhor de sua gente; e a esperança de continuar no
Brasil.98

TRÉGUAS

Descoroçoado pela derrota (e morte do Sr. De Pezieu), resolveu La


Ravardière propor uma acomodação. Ficassem os franceses na ilha e
os portugueses na terra rme, sem se agredirem, até o regresso da
Europa de emissários que trariam a palavra dos reis seus senhores, a
quem caberia decidir em de nitivo sobre a sorte comum, isto é, se o
Maranhão seria uma capitania do Brasil ou uma possessão de França.
Trocadas visitas e vistos os capítulos de trégua (em que se
convencionava essa suspensão de hostilidades), foram eles assinados
no Forte de Santa Maria a 27 de novembro. La Ravardière, o Sr. De
Pratz (capitão da nau francesa que atacara o Forte de Jericoacara), o
Padre Arcanjo de Pembroke, “com mostras de muita alegria, a que da
nossa parte se respondeu com a mesma” (resume Fr. Vicente do
Salvador) “apertaram as mãos aos capitães portugueses”; e logo saíram
as embaixadas — Diogo de Campos e o francês Mathieu Mailhard
para a Espanha, de Pratz e Gregório Fragoso (sobrinho do Capitão-
mor Jerônimo de Albuquerque) para Paris.99

O Governador Gaspar de Sousa desaprovou o acordo.


A disputa da terra não podia regular-se ali pela polidez européia.
Interrompia-se a campanha, mas não se desarmavam os pioneiros.
Tanto que um dos grupos se sentisse superior ao outro, sem atenção à
política da corte distante — nem à letra do tratado — retomaria a
iniciativa: e aquele país úmido e quente. Foi o que sucedeu — com o
auxílio que Alexandre de Moura levou a Jerônimo de Albuquerque
Maranhão (como passou a chamar-se o capitão após a campanha).

O BANGALA

É possível que o rompimento da trégua resultasse da emoção causada


pela presença de corsários franceses em águas da Bahia e pelo m
imprevisto de Baltasar de Aragão.

Foi em 24 de fevereiro de 1614.

Na ausência do governador, fazia-lhe as vezes Baltasar de Aragão, que


de Angola trouxera a alcunha de o Bangala.100 Genro do opulento
Francisco de Araújo, pessoa principal da cidade, aprontara um navio
para voltar a Portugal. À notícia de que o inimigo rondava a barra,
nele se meteu para combatê-lo. Vestiu, porém, a sua armadura. E,
assim, não pôde salvar-se, quando o temporal, tomando de través a
embarcação, a virou em mar alto. Desapareceu com cerca de 200
companheiros de armas, tirados da melhor gente da terra.101

CAPITULAÇÃO

Assumindo a responsabilidade da luta, o Governador Gaspar de Sousa


organizou no Recife uma frota de nove barcos e 600 homens, que
entregou a Alexandre de Moura. Mandara Francisco Caldeira Castelo
Branco com outros navios.102 Fato duplamente oportuno: habilitava
Jerônimo de Albuquerque a concluir a guerra; e determinava o
descobrimento da costa entre o Maranhão e o Amazonas. Comandara
Castelo Branco em 1612 a guarnição dos Reis Magos, no Rio Grande
— onde sucessivamente se experimentaram os conquistadores do
Norte: Pero Coelho, Albuquerque, Martim Soares, por último
Alexandre de Moura. Foi diligente e bem sucedido. Por parte do
governador diria a La Ravardière que a paz não tivera a sua
aprovação... Partiu Moura em 5 de outubro de 1615 — para expulsá-lo.
Comandavam-lhe os navios Hierônimo Fragoso de Albuquerque,
Manuel de Sousa d’Eça (que a Recife fora aguardar o governador),
Manuel Pires, Bento Maciel (destinado a maiores feitos, como se dirá),
Ambrósio Soares,103 Miguel de Carvalho, André Correia. Lugar
eminente na expedição tinham o Sargento-mor Diogo de Campos, e o
engenheiro Francisco de Frias, a cujos serviços cariam as obras da
fortaleza do Maranhão. O piloto Antônio Vicente Cochado logrou
levá-los até defronte do Forte de S. Luís, onde La Ravardière se
abrigara, com uns duzentos homens bem armados, su cientemente
temível graças às reservas de munições de que dispunha, porém em
trato franco com o acampamento português.

Ao contrário do que seria de esperar, a inação dos o ciais diante da


praça francesa ativara rixas e dissentimentos, partidários uns de
Jerônimo de Albuquerque, outros de Francisco Caldeira, a quem —
em junho — obrigaram a car ali, por necessário à segurança comum,
quando, contristado, quisera regressar a Pernambuco. Nessa
oportunidade o próprio La Ravardière fora prevenido, para opor-se à
partida de Caldeira, considerando-se que o Albuquerque, entregue às
suas inspirações pessoais, forçaria de novo a luta... Alexandre de
Moura ngiu não se aperceber logo dessa indisciplina, a que não
escapou, no Pará, o destemido Francisco Caldeira. Antes do mais,
precisava pôr fora do Brasil o intruso. Apalavrou-se com ele e intimou-
o a render-se, em 2 e 3 de novembro. No dia 4 o Forte de S. Luís era
seu. Sem escaramuças, sem resistência, sem drama.

Capitulação em regra? Menos do que isto: transação pací ca e


prosaica. O aventureiro restituiu calmamente o território ocupado e
aceitou compensações em dinheiro.

Aquilo parecia compra e venda.


No seu Relatório diz o capitão-mor que o Governador Gaspar de
Sousa o autorizara a dar ao francês 20 mil cruzados, pelo que havia em
S. Luís, “e repartir terras para sua vivência” — o que se compreende
como permissão para que continuasse no país. Alexandre de Moura
achou preferível não pagar o preço, repatriar os demais estrangeiros e
obstar à ida de La Ravardière, para que não inquietasse mais nos mares
os súditos de Sua Majestade Católica. Valeu-se primeiramente dele
como informante valioso: em 8 de dezembro lhe disse que a conquista
do Amazonas seria fácil, por não haver forti cação de invasores nem
notícia deles no estuário. Depois o mandou para Pernambuco, donde
passou a Lisboa. Aí, em 13 de maio de 1618, confessou, em
requerimento ao governo, recebera 2 mil cruzados, e pedia para voltar,
com dois navios, tripulados por portugueses.104 Renegara os propósitos
de colonização francesa: contentava-se em ser um explorador
mercenário. De resto, nunca mais tornou ao Brasil.

AFINAL O PARÁ!

Alexandre de Moura era executor de um plano amplo de conquista.

Devia organizar três núcleos de povoamento, Ceará, Maranhão e


Pará. Assim impediria a surpresa de outras incursões estrangeiras e se
lhes antecipava na foz do Amazonas, “que esta en la demarcación del
Serenísimo Rey de Portugal”, como reconhecera Orellana.105 Havia
pressa nesta ocupação. Francisco Caldeira (após decisão tomada em
junta que se reuniu em 15 de dezembro), recebeu para isto regimento,
no dia 22, e seguiu viagem pelo Natal, com 150 homens e três
embarcações. O mesmo hábil Antônio Vicente Cochado lhe servia de
piloto. O desígnio fora positivado: “A jornada do Gran-Pará e Rio das
Amazonas [...] e porque claramente se sabe que o Pará é uma das
bocas do dito Rio das Amazonas da banda de leste”.106 Os seus
principais companheiros eram André Pereira Temudo (depois capitão
do Rio Grande), Antônio da Fonseca, Antônio Teixeira de Melo107 —
cujo afastamento do Maranhão correspondia a outra exigência: a paz
entre portugueses. A rivalidade que dividira os vencedores terminou
com essa expedição, que, após dezoito dias de viagem, a 10 de janeiro
alcançou o sítio onde deu princípio à cidade de Belém.

Era dia de Santa Maria de Belém. Daí o nome de “Presépio”, dado ao


fortim de madeira, centro da cidade que Francisco Caldeira não
tardou em fundar.

A expansão portuguesa na América atingira uma de suas balizas.

Quando Pedro Teixeira completasse o reconhecimento do


Amazonas,108 iniciado agora em nome de Portugal, estaria o Brasil
delimitado no rumo de leste-oeste.

O governo de Lisboa percebera a importância daquilo.

A carta de 4 de novembro de 1616, recomendando a D. Luís de Sousa


(novo governador-geral) não desamparasse a empresa de Francisco
Caldeira, é um documento de previsão e discernimento, que faz honra
à regência:
Recebi carta (de Caldeira) de 12 de abril deste ano em que me dá conta haver chegado a ele
(Pará) a salvamento os três navios com que partiu em 18 dias e com a Armada entrar pelo
primeiro braço que aquele rio faz, e navegando por ele 30 léguas, escolheu um sítio forte por
natureza (onde edi cou uma fortaleza) com enseada de fundo bastante para navios de
grande porte [...]. E que o rio é maior que o do Maranhão, e que todos os mais que há no
descoberto, e a terra fertilíssima de todos os mantimentos que costuma haver no Brasil,
in nito gentio mui doméstico e diferente de todo o daquele estado e muito acomodado de se
plantarem canas e se fazerem engenhos, e ainda para se poderem semear todos os demais
frutos da Europa.

Conclui com dizer que em todo o Estado do Brasil não há nada em


comparação deste...
E porque a matéria está pedindo que se acuda com toda a brevidade possível com socorro a
Francisco Caldeira para se forti car e ir continuando o descobrimento das cousas daquele
rio e conquista, e se conservar o ganhado, vos mando [...] envieis ao dito Francisco Caldeira
algum socorro de mantimentos, e munições e gente, porquanto deste porto de Lisboa mando
que também se envie um navio com o mesmo.109

“Para que do reino e dos Açores vá gente que povoe aquelas partes”.110
Nos entrementes saiu Martim Soares Moreno (como capitão de
Gumá) a paci car os índios da costa, espantados e espalhados com a
expulsão dos franceses; e Francisco de Frias consertou o Forte de S.
Luís — chamado agora de São Filipe. De Luís xiii a Filipe iii...

Consolidada a conquista, voltou Alexandre de Moura (em janeiro)


para Pernambuco. Continuou Jerônimo de Albuquerque capitão-mor
do Maranhão. Dir-se-ia a reparação dada ao ilustre mameluco. Não
durou muito. Morreu no seu posto, em 10 de fevereiro de 1618. E
honrosamente pobre. Seu lho Antônio contou que hipotecara o
engenho (Cunhaú) para prosseguir a tomada do Maranhão, e faleceu
com dívidas... A ele “na hora da morte encarregou o governo da dita
conquista com aplauso e consentimento de todos os capitães, o ciais e
soldados dela”.111

PERNAMBUCO EM VEZ DA BAHIA

Transportou-se D. Luís de Sousa para o Recife112 ainda uma vez, a m


de melhor prover à conquista do Norte.

Em carta de Madri, de 11 de abril de 1617, dizia el-rei: “Vos con o


que assistireis às cousas daquela conquista com o cuidado que pede
para que vão muito adiante, pois a este m se encaminhou o mandar-
vos que por ora residísseis em Pernambuco”. 113

A Bahia, apesar de sede da Relação, perdera assim, temporariamente,


a qualidade de cabeça da colônia.

Não admira que os desembargadores pretendessem dar as audiências


no palácio abandonado — como se discutiu em conselho, em Lisboa
(consulta de 21 de junho de 1617). Que “as casas de vivenda dos
governadores daquele estado se dessem à Relação”, deixando-se de
alugar um prédio para esta... Lembrava-se que D. Diogo de Meneses
tivera ordem de arrendar edifício conveniente, mas, com a ida de
Gaspar de Sousa para Pernambuco “onde residiu todo o mais tempo
do seu tempo”, o tribunal passara a funcionar nas casas de Sua
Majestade, que pouco perdia, pois “Francisco de Sousa sendo
governador as não habitou nem Diogo Botelho senão pouco tempo,
por se não acharem nelas com saúde”.114 Um dos conselheiros, que isto
votaram, foi o velho Diogo Botelho.

O capitão-mor de Pernambuco (em sucessão de Alexandre de


Moura) foi Vasco de Sousa Pacheco. Diz Frei Vicente do Salvador que
tinha irmão franciscano, de quem se valeu para pedir a el-rei outro
emprego, pois o governador o deixara sem jurisdição. Daí ser
mandado para a Bahia na ausência de D. Luís de Sousa.115 Mas, em
carta de 18 de julho de 1617, se advertiu que devia desempenhar-se,
não como Álvaro de Carvalho (na ausência de D. Francisco de Sousa),
porém com os mesmos poderes que tivera em Pernambuco.116
Obstando a que se formasse dualidade de governo, reduzia el-rei a
Bahia à condição de capitania como as demais — enquanto a ela não
voltasse o governador-geral ocupado em socorrer o Maranhão e o
Pará.

SANTO OFÍCIO

Foi por este tempo que a Inquisição visitou de novo a colônia.

O deputado do Santo Ofício, D. Marcos Teixeira, ouviu na igreja do


colégio da Bahia, entre 11 de setembro de 1618 e 26 de janeiro de
1619, denúncias e con ssões: e tornou ao reino (donde viria com o
báculo episcopal), sem que se soubesse claramente o efeito da
sindicância.117

É crer subsistissem os motivos políticos da Visitação de 1591–4 —


atenta a Coroa sobretudo à inquietação dos cristãos-novos, seus
negócios com Holanda, murmurações da terra e indícios de que o
inimigo acharia nela aliados e guias.

Os Inquisidores Apostólicos do Peru em carta de 20 de abril de 1620


informaram — aludindo a D. Marcos:
El año pasado nos avisó de un Inquisidor o Visitador General de Portugal a las costas del
Brasil y Angola, que son de la corona de Portugal y que va prendiendo muchos portugueses y
secuestrandoles gran cantidad de hacienda y que se benian huyendo muchos asi del Brasil
como de Portugal y venian a aquel puerto (Buenos Aires) y entraban en el Peru sin poderlo
remediar el governador.118

Em 1619 D. Luís de Sousa fez diligente administração na Bahia.

PRATA QUE NÃO SE ACHOU

Averiguou então (indo para isto com grande comitiva a São Cristóvão
de Sergipe) o que havia de verdade na promessa de Belchior Dias
Moréia, de umas minas de prata que deixariam longe o Potosi...

O neto de Caramuru, após a sua participação na conquista de


Sergipe, onde se afazendara, percorrera os sertões do São Francisco até
o Paramirim, provavelmente também o Vale do Paraguaçu, e dizia ter
achado as riquezas que Gabriel Soares procurara em vão.119 Foi a
Madri (1609) a suplicar favores, em troca do segredo. Não o
atenderam logo. Somente em 1617 escreveu el-rei ao governador-geral:
“Foi acertado o que escrevestes” a Belchior Dias Moréia, “para dar
princípio às cousas das minas de prata”.120 Sonhando com os mirí cos
lucros do negócio, propôs Belchior Dias, em forma de “apontamentos”,
as suas pretensões (a principal, o título de governador e
administrador-geral das minas) — a 18 de maio de 1618.121 O seu
cálculo era pasmoso. “Se me Deus dá vida, buscarei modos com que vá
de Espanha, ponha cerco ao turco e aos mais contrabandos”.122 Com os
metais que daria à Coroa, armar-se-iam cruzadas! Fez o contrato a 6
de abril de 1619.123 Obrigou D. Luís de Sousa a Belchior Dias, que fosse
mostrar a Martim de Sá e a um mineiro que estivera no Peru, Fernão
Gil, a tal montanha de prata. Excursionaram pela Serra de Itabaiana;
examinaram os minérios indicados... “Tinha tanta malacacheta
(resumiu Salvador Correia, que também foi) que todos se persuadiram
e o mesmo mineiro a que tinham prata; zeram-se ensaios por fogo e
azougue, por este nada, e por aquele fumo”.124 Lavrou-se a ata deste
insucesso; e — furioso por ter perdido o seu tempo com essas ilusões
— mandou o governador recolher à prisão, na Bahia, o velho
sertanista.

Livrou-se ele, graças à parentela poderosa, mas, desconsolado, se


retirou de vez para os seus campos de Sergipe. Faleceu pouco depois,
legando à Casa da Torre — na pessoa de seu sobrinho Francisco Dias
de Ávila125 — o “roteiro das minas” fabulosas. Por este se guiou o
jovem capitão de entradas, em 1627, numa penetração ousada e
infrutífera.126

Não apareceu a prata; mas se desencantou o deserto.

O povoamento seguiu o itinerário dos exploradores e o caminho dos


gados, de Sergipe para o médio São Francisco, do Paraguaçu para o
sudoeste, do Itapicuru para os extensos tabuleiros, as caatingas
abrasadas, a vastidão triste do nordeste,127 marcou lentamente as
estremas da área conhecida. Desfazia-se numa grande decepção a
quimera das serras rebrilhantes, todas de prata; mas nem por isto se
detinha a invasão sistemática da terra.

Findara o triênio de D. Luís de Sousa.

Aproveitou-se disto Duarte de Albuquerque Coelho para obter da


corte de Madri, onde sempre foi bem acolhido,128 que o governador-
geral — deixando de incomodá-lo em Olinda — casse
de nitivamente na Bahia — como aliás suplicavam os moradores desta
cidade.129 Assim não lhe invadiria a jurisdição de Pernambuco! Conta
Fr. Vicente do Salvador que Henrique Correia da Silva, nomeado para
substituir D. Luís de Sousa, desistiu alegando, “não havia de dar
homenagem das terras que não podia ver como estavam forti cadas, o
que haviam mister para serem defendidas e governadas como convém”.
Mandou el-rei “Diogo de Mendonça Furtado, que havia vindo da Índia
onde estava casado, e andava requerendo na corte a satisfação de seus
serviços”.130
III: A    H

PRELIMINARES

Passara o perigo francês.

Renovava-se a ameaça holandesa.

À medida que a colonização entrava as novas terras, o problema


militar era mais difícil e premente.

A corte de Madri descon ava dos cristãos-novos, em contato com os


mercados amengos. Tomara — em 1617 — uma resolução radical: a
expulsão dos estrangeiros do Brasil. Depois atenuara o rigor, dando a
D. Luís cie Sousa arbítrio para reembarcar “alguns de que tenha
suspeita fundada”.131 É que

se escreve de Amsterdã de como lá há mercadores que já estiveram no Brasil132 e


aparelhavam duas naus poderosas bem providas de gente e artilharia para irem à costa do
Brasil ou à dos Ilhéus para lá carregarem de pau-brasil que lá estava já espalhado (carta de
1617).

Cumpria-lhe, pois, vigiar todo o litoral.

Esses rumores signi cavam o recrudescimento, na Holanda, do


interesse pela América, e os preparativos da agressão, desfechada sete
anos depois.

Martim de Sá, no Rio de Janeiro, tomara três batéis a uma esquadra


amenga que se chegara à terra para refrescar.133 Matou 22, aprisionou
14, entre estes um Francisco Duchs, bem tratado pelo capitão, que o
enviou à Bahia, onde lhe zeram a melhor acolhida. Veremos o que
disto resultou... Constantino de Menelau, capitão-mor do Rio de
Janeiro, assaltou por esse tempo uma partida de franceses que
carregava pau-brasil no Cabo Frio — e nesse lugar levantou um forte,
destinado a evitar de futuro semelhantes incursões.134
MATIAS DE ALBUQUERQUE

Os precedentes justi cavam as cautelas.

Uma das recomendações dadas ao sucessor de D. Luís de Sousa foi


exatamente — forti car a Bahia. E porque o donatário de Pernambuco
fosse cioso de sua jurisdição, veio Matias de Albuquerque, seu irmão
mais moço — fadado a ser um dos grandes vultos do século: nomeado
capitão e governador, em 20 de agosto de 1620, requereu cem cruzados
de ajuda de custo.135 Aqui estava quando — em setembro ou outubro
de 1621 — passando Diogo de Mendonça Furtado à altura de
Pernambuco, mandou Gregório da Silva assumir a capitania do Recife,
vaga pela ausência de Vicente Campeio, “posto que Matias de
Albuquerque o admitiu só na capitania da fortaleza de el-rei,
separando-lhe a do lugar ou povoação que ali está, dando-a a um seu
criado”.136

Trouxe um engenheiro, Cristóvão Álvares, cujos serviços “feitos em


Pernambuco, desde o ano de 620 até o de 54”, nas “obras das
Forti cações antes e depois de os holandeses ganharem a terra”, não
foram esquecidos del-rei.137 A principal seria a que defendesse o porto,
como aconselhara o poeta da Prosopopéia:138
Para entrada da barra, à parte esquerda,
Está uma lajem grande, e espaçosa,
Que de piratas fora total perda,
Se uma torre tivera suntuosa.

GOVERNADOR E BISPO

Chegou à Bahia Diogo de Mendonça Furtado em 12 de outubro de


1621,
e desembarcando foi levado à Sé, com acompanhamento solene e daí à sua casa, donde, antes
de subir a escada, foi ver o almazém das armas e pólvora que estava na sua loja,
demonstração de se prezar mais de soldado que de outra cousa. E na verdade esta era em
aquele tempo a mais importante de todas, por se haverem acabado as tréguas entre Espanha
e os holandeses.139

Os acontecimentos seguintes não o surpreenderam.

A gente de toga e o clero não pensavam como o governador. Trouxera


sete desembargadores (a completar a Relação, com os dois
sobreviventes da primeira turma, “que cá estavam casados”).140 No ano
imediato (8 de dezembro), chegou o Bispo D. Marcos Teixeira —
muito informado sobre os assuntos da terra graças à missão
inquisitorial de 1618–9.141 A divergência dessas mentalidades logo se
manifestou: de um lado Diogo de Mendonça, a pretender militarizar
os colonos; do outro a mitra, empenhada em dar ordem às paróquias e
paz aos espíritos. D. Marcos tinha a energia de visitador do Santo
Ofício e lente da universidade: rmeza, ilustração, autoridade. Litigou
com os desembargadores; opôs-se a várias medidas adotadas para a
defesa da cidade, exigiu se lhe reconhecesse a preeminência nos atos
públicos, contrariou os projetos do governador — que sabia próxima
uma investida de holandeses.

Sabia pela carta do rei, de 3 de agosto de 1622, que disto o noti cara,
avisando-o da necessidade de forti car a Bahia e outras praças.142 De
fato a forti cou,
cercando-a pela parte da terra de vala de torrões; e porque a casa que servia de almazém,
junto à da alfândega, estava caída, começou a fazer outra no cabo da sua, para que o alto lhe
casse servindo de galeria e o baixo de almazém [...]. Também começou a fazer a fortaleza
do porto em um recife que ca um pouco apartado da praia, havendo provisão de Sua
Majestade para se fazer não só da imposição do vinho, que estava posto nesta Bahia, mas
também da de Pernambuco e Rio de Janeiro e que do dinheiro que recebem os mestres, não
dos fretes, senão de outro que eles introduzem chamado de avarias, que ordinariamente são
duas patacas por caixa, desse quatro vinténs cada um para a obra da fortaleza [...] e de que
não pode tirar o louvor também do arquiteto Francisco de Frias que a traçou.143

Invocando os seus privilégios, obtiveram os moradores de


Pernambuco que não se levasse para as obras da Bahia o produto do
imposto por eles pago. Já lhes bastava atender às do Recife...

Começou-se o Forte do Mar, posto no estado em que hoje se acha um


século mais tarde.
“Um dos contraditores que houve da fortaleza sobredita foi o Bispo
D. Marcos”. Dizia (negando-se a benzer a primeira pedra), que
principiada a obra, pararia a da Sé, apesar de ter o governador
reservado para esta 6 mil cruzados...144

Continuava na verdade “uma cidade aberta, e defendida de 80


soldados pagos, que não passava deste número o seu presídio”. Tesouro
rico porém mal seguro...

Viu-a por esse tempo Brás Garcia de Mascarenhas, o poeta-soldado


de Viriato trágico, então fugitivo, e a comerciar no Brasil:
Apesar de tormentas, calmarias,
Corsários e af lições de sangue e morte,
Entrei pela rainha das baías
Celebrado teatro de Mavorte.
Desta cidade ilustre em bizarrias,
Da nova Lusitânia nova corte,
Julguei que era o Brasil jardim sem muro,
Tesouro rico, porém mal seguro.
A idade de ouro inda então lembrava,
E a da prata, que nele orescia
Já com intercadências vacilava,
Porque perto a de ferro transluzia.
Se a muita gente pobre levantava,
Também a muita gente rica empobrecia,
Que é mal segura em quem compra e vende
Toda a riqueza que do mal depende.
[...]
Estando aqui, como trovão com raio,
Rompe a guerra estragando de repente
A cabeça do estado no mês de maio,
Infeliz ao repouso do Ocidente,
Sobressalto cruel, mortal desmaio,
Vai perturbando a paz de gente em gente
Branca, negra, gentia, moça e velha
Toda se espanta, e toda se aparelha.145

COMPANHIA DAS ÍNDIAS


Na Holanda — a partir de 1595 — lucros das expedições marítimas
tinham aconselhado uma organização mais inteligente de iniciativas e
capitais. O Estado era pobre (e continuava a lutar com os velhos
inimigos), mas os particulares podiam dispor de amplos recursos.
Numerosos judeus, emigrados da Península Ibérica, uma burguesia
comedida na opulência, mas empreendedora na prosperidade,
avisados nancistas ansiavam por empregar o seu dinheiro na
exploração colonial. Willem Usselinx teve o mérito de os convencer, de
que os produtos americanos valiam mais, e podiam ser mais
facilmente obtidos, do que os do longínquo Oriente, bastando para
isto o exemplo do Brasil, que para Portugal compensava todas as
perdas asiáticas.146 Não era que preconizasse a conquista; raciocinando
com lucidez e prudência, sugeria que os Estados-Gerais conseguissem
de Espanha permissão para o livre negócio no Novo Mundo, e que
nalgum lugar dele ainda inocupado fundassem a sua feitoria. Florescia
então a Companhia das Índias Orientais, fundada em 1602. Era
natural que se criasse a das Índias Ocidentais... Este plano foi acolhido
com entusiasmo pelos mercadores de Amsterdã e Roterdã. Em 3 de
junho de 1621 reconheceram os Estados-Gerais a Companhia das
Índias Ocidentais, com o capital de 6 mil ações totalizando 7.108.161
orins. Gozava do privilégio, por 21 anos, do trá co da América e da
África. Equipou uma boa esquadra... Consistiu o seu grande problema
em saber onde começar. As preferências eram pelas possessões
espanholas. Foi quando Jan Andries Moerbeeck (em 1623) procurou
provar a vantagem de tomar essa armada o Brasil, arrecadando logo,
no arremesso da invasão, copioso açúcar...147

Soou favoravelmente, o conselho esperto. Tinha o caráter de


gananciosa aventura, com a promessa de um futuro estupendo: por ali
(pagando-se inicialmente das despesas) abriria a Companhia os rumos
do seu império... Observa Netscher que um dos fatores do malogro
holandês foi a razão do seu êxito imediato: a pilhagem. Cessada a
guerra de presa, perderia o objetivo. Queria ganhar muito; mas seria
por breve tempo...148 Um instante oscilou, entre o cálculo hábil de
Usselinx e a opinião exaltada de Moerbeeck. Segundo aquele (e
seguindo-o) instalaria com astúcia uma colônia pací ca. Mas o outro
atendia às impaciências dos sócios; e para além dessa expectativa de
ricos dividendos, generalizado e poderoso, ao interesse mal de nido,
ou apenas esboçado, dos cristãos-novos deslocados tanto de Portugal e
Espanha, como do Ultramar.149

Vejamos as notícias que corriam desta lusa América e as facilidades


que achou a Nova Companhia para dela se apoderar.

AUMENTOS DO BRASIL

Aumentara sem dúvida, de Norte a Sul, esse Brasil de canaviais à beira-


mar, de engenhos grandes como aldeias, de vilas forti cadas em
quatorze capitanias, das quais seis continuavam de senhores
particulares e oito pertenciam à Coroa. Falam melhor as cifras. Os
dízimos de três (Bahia, Pernambuco e Itamaracá), arrecadados em
1584 por 30 mil cruzados, valiam, em 1609, 115.500. 150 Andavam em
81 mil, em 1614.151 Segundo o Livro que dá razão do Estado do Brasil
— de Diogo de Campos Moreno — podia a renda chegar a um milhão,
pois em 1602 “se arrendou todo o Estado junto em 105 mil cruzados e
neste ano de 1612 se arrendou só o governo de D. Diogo de Meneses
em 125 mil”. De 44 mil era o rendimento para el-rei, da Bahia, com as
capitanias do Sul.152

O período da transformação situa-se, pois, entre 1580 e 1620. Havia


em 1580 uns 117 engenhos. Agora (1618 ou 20) 235, no cálculo de Frei
Luís de Sousa; um pouco mais tarde — conforme o Códice de Castelo
Melhor — 363.153
No ano de 623 havia entre o Rio de São Francisco e o Rio Grande, nas capitanias de
Pernambuco e Paraíba, cerca de 137 engenhos, dos quais apenas 10 produziam 70 mil
arrobas de açúcar, que somavam 3.500 caixas, pois cada caixa continha 20 arrobas

— publicava-se em Holanda.154 Na Bahia, em 1609, a crer na Relação


das praças (papel do mesmo Diogo de Campos), moíam 46 grandes
engenhos.155 Para este acréscimo concorriam vários fatores. O
primeiro, a xação pací ca após a repressão do gentio bravo. Em
seguida, com a alta do preço, o interesse dos mercadores portugueses,
sobretudo, em relação a Pernambuco, dos armadores de Viana,
correspondentes e conterrâneos da melhor gente de lá. É de Frei Luís
de Sousa, o clássico da Vida do arcebispo, a observação (sobre as
riquezas de Viana do Castelo em 1619):
Mas nenhum comércio lhe tem feito tanto como o das terras novas do Brasil, que vai em
tamanho crescimento que no tempo que isto escrevíamos traziam no mar 70 navios de toda
sorte, com que a terra está maciça de riqueza, porque se estendem os proveitos a todos,
sucedendo nos mais navios serem armadores e marinhagem tudo da mesma terra.156

Exagerou Pedro Teixeira Albernaz, a quem, em 1622, mandara el-rei


descrever a costa portuguesa: “Ha habido tiempo (em Viana) que
echara a la mar doscientos navios que venían cargados de azúcar y
otras mercancías”.157 Entre 70 e 200, quemos com o primeiro número,
que se harmoniza com os do Códice de Castelo Melhor, que adiante
reproduzimos.

Contribuíram para o orescimento dos engenhos o invento, que os


aperfeiçoou, e a peste, que deu cabo das canas da Ilha de São Tomé.158
Foi “um clérigo espanhol das partes do Peru”, que, “governando esta
terra D. Diogo de Meneses”, ensinou
outro mais fácil e de menor fábrica e custo, que é o que hoje se usa, com somente três paus
postos de por alto muito justos, dos quais o do meio com uma roda de água ou com uma
almanjarra de bois e cavalos se move e faz mover os outros.159

Substituía-se com isto o antigo sistema da moenda horizontal de dois


rolos, menos produtiva, ao tempo em que se descobria o processo de
branquear o açúcar dando-lhe superior qualidade. O que se fez “por
experiência de uma galinha, que acertou de saltar em uma fôrma com
os pés cheios de barro, e cando todo o mais açúcar pardo, viram só o
lugar da pegada car branco”. Continua Frei Vicente:
Por serem estes engenhos de três paus, a que chamam entrosas, de menos fábrica e custo, se
des zeram as outras máquinas e se zeram todos desta invenção e outros muitos de novo;
pelo que no Rio de Janeiro onde até aquele tempo se tratava mais de farinha para Angola que
de açúcar, agora há já quarenta engenhos, na Bahia 50, em Pernambuco cento, em Itamaracá
18 ou 20, e na Paraíba outros tantos.160

É
COMÉRCIO E RENDAS

O valor do comércio era por isso de 2 milhões de escudos na Bahia —


na década de 1620. Pernambuco valia mais: 2.500.000. Seguiam-se
Paraíba (600 mil), Itamaracá (300 mil), Rio de Janeiro (200 mil),
Espírito Santo (60 mil). Carregavam anualmente, no Recife, 120 navios
de 120 toneladas, na Bahia 80, somando 4.500.000 escudos a
exportação dessas duas capitanias.161

O autor do Livro que dá razão arrolava, a par dos algarismos, as


esperanças:
De modo que a conquista do Maranhão que se pratica e a navegação do salitre do Rio de São
Francisco, nem a pescaria da baleia de Todos os Santos e da Angra dos Reis, nem as
esmeraldas do Rio Doce nem o ouro de São Vicente ou a prata que dizem haver no Rio Real,
ainda que tudo junto hoje estivera em termos assegurados, tanto quanto vimos.

Em 1607 dava-se a receita do Brasil como menor que a despesa


351$867.162 Em 1628, consoante Frei Luís de Sousa, os gastos
alcançavam 59:487$164.163 Não informa quanto ao rendimento.

Mas por Frei Nicolau de Oliveira sabemos que em 1615 fora de


54:400$000.164 Representava mais do que a Índia! Porque somente das
três capitanias do Norte iam para a metrópole
passando de quinhentas mil arrobas de açúcares que pagavam [...] de direito na alfândega de
Lisboa, o branco e o mascavado a 250 réis a arroba, e as panelas a 150 réis [...] de que, feita a
soma, vem a importar à fazenda de Sua Majestade mais de 300 mil cruzados, sem ele gastar
nem despender na sustentação do Estado um só real de sua casa, porquanto o rendimento
dos dízimos, que se colhem na própria terra, basta para sua sustentação.165

Ou como diz Frei Nicolau de Oliveira: só para Lisboa iam todos os


anos 25 mil caixas de açúcar, fora encomendas particulares, de três e
quatro arrobas;166 e “deste açúcar se paga el-rei na saída do Brasil a
10% exceto aquele que vem por conta própria dos senhores dos
engenhos. E aqui pagam de direitos 20%”.167 A Coroa começava a
reembolsar-se dos gastos e prejuízos da América.
CRISTÃOS-NOVOS

Em 1623 o Conselho dos Dezenove, diretor da Companhia das Índias


Ocidentais, escolheu a Bahia para a sua pilhagem e conquista. Indicou-
a Moerbeeck, no pressuposto de que, com a união ibérica, os domínios
portugueses estivessem menos defendidos do que os espanhóis.168
Paulo van Caarden conhecera-lhe o porto. E aí contavam os
amengos169 aliados espontâneos: os perseguidos do Santo Ofício,170
porventura mais atemorizados agora que era bispo o antigo visitador
D. Marcos Teixeira, e, muitos deles, presos à Holanda por laços de
sangue. Lá andavam, expatriados, os marranos fugidos da península. A
partir de 1594, tinham prosperado; giravam com imensos interesses;
participavam das empresas marítimas. “Posto não sejam as pessoas
imediatas das Bolsas (diria Vieira), entram nas mesmas Companhias
com grandes somas de dinheiro, que divertidas de Portugal não só lhes
fazem grande falta, mas também grande guerra”.171

É o que lamenta Lope de Vega no Brasil restituído:


[...] sera mejor
Entregarnos a Olandeses
Que sufrir que portugueses
Nos traten con tal rigor.

Percebe-se por que Moerbeeck apresentou aos Estados-Gerais aquele


sugestivo plano de ataque sucessivo à Bahia e Pernambuco.172
Esclarecera-se com aventureiros do porte de Francisco Duchs — o
prisioneiro, que Martim de Sá tratara humanamente — acerca das
condições materiais e religiosas da colônia. Dele nos fala Frei Vicente
do Salvador (a propósito do desa o de Francisco Padilha durante as
escaramuças, o cerco). “Desa ava o capitão Francisco, que era o mais
conhecido, por este (como já disse) é o que tomou Martim de Sá no
Rio de Janeiro e o mandou o Capitão-mor Constantino Menelau de lá
a esta cidade, onde esteve preso muito tempo”.173 Foi o guia da
expedição de 1624. Na rapidez com que se rendeu a praça, sem
resistência seria, podemos ver o desabalado derrotismo dos cristãos-
novos que neutralizou a valentia do governador e entregou tudo à
discrição do inimigo.174 Assim em Pernambuco, seis anos depois.

Glosou Lope de Vega:


Con razón dijo un poeta
Que eran caballos troyanos...

A EXPEDIÇÃO

A frota — 26 naus grandes, sendo 13 de guerra — saiu de Texel a 21 de


dezembro de 1623. Comandava-a o almirante Jacob Willekens (de
Amsterdã); era vice-almirante o famoso Pieter Heyn; che aria o
desembarque, como governador da ocupação, João van Dorth, senhor
de Horst e Pesh.175 Compunha-se a tripulação de 1.600 pessoas e a
tropa — de 1.700. Pouca gente, para uma campanha em regra;
su ciente para a surpresa do assalto.

Diogo de Mendonça Furtado foi advertido a tempo,176 tanto que


preveniu Martim de Sá e chamou às armas os moradores do
recôncavo, que se lhe apresentaram com agregados, negros e índios. A
demora da armada, na Ilha de São Vicente, descoroçoou-lhe os planos.
Em maio (quatro meses depois da partida dos navios, segundo as
notícias de Holanda), já não parecia crível que se destinassem à Bahia.
Os capitães do recôncavo voltaram para os seus sítios, encorajados,
nesse ceticismo, pelo bispo, tão certo, como eles, de que o rebate fora
falso.

Não faltaria quem o metesse à bulha, entre mercadores intimamente


partidários do inimigo. Foi quando se soube que bordejava à altura do
morro de São Paulo uma nau (a Holanda, em que vinha João van
Dorth, e que se antecipara às demais).

O governador dispôs as suas forças. Ficava com a companhia de


Antônio de Mendonça Furtado, seu lho, moço de 17 anos, para
movimentá-la como fosse aconselhável; mandou o Capitão Gonçalo
Bezerra com a sua companhia, o escrivão da Câmara Rui Carvalho
com cem arcabuzeiros do povo e Afonso Rodrigues de Cachoeira (o
paci cador dos aimorés) com 60 índios frecheiros para Vila Velha, de
observação à barra; e cuidou de guarnecer como lhe pareceu melhor as
outras estâncias. A Lourenço de Brito fez capitão de aventureiros (para
as escaramuças) e con ou a Vasco Carneiro a fortaleza nova, apenas
principiada, porém já com alguma artilharia.177

TOMADA DA BAHIA

Em 9 de maio apareceu a frota amenga. Os seus movimentos foram


exatos e rápidos. Em batéis, na enseada da barra (antes de Vila Velha, e
para tomá-la pela retaguarda), desembarcaram várias centenas de
soldados. À vista desse número os arcabuzeiros — apesar das
admoestações de Francisco de Barros178 e do Padre Jerônimo Peixoto,
que correra, a cavalo, para detê-los — se escaparam pelos matos.

A fortaleza nova sustentou o fogo enquanto lhe foi possível, socorrida


de Lourenço de Brito e Antônio de Mendonça e sua companhia,
também muito desfalcada pelas deserções. Retiraram-se os
portugueses, deixando treze mortos e levando ferido o bravo Lourenço
de Brito. Pieter Heyn apoderou-se daquela situação e encravou as
peças, enquanto os navios bombardeavam a cidade, para aumentar-lhe
o pavor da investida desigual e imprevista. Uma bala de canhão matou
o rico Pero Garcia na sua janela.179 Pelas ruas circulou o terror pânico.
Os holandeses já estavam no Mosteiro de São Bento, defronte da porta
da praça, mal sustentada por alguns soldados que se aproveitaram da
noite — noite confusa e a ita — para fazerem como os outros,
largando os postos. Fugiram todos. O bispo, que se reconciliou com o
governador nessa triste manhã, e lhe ofereceu uma companhia de
clérigos para receber o invasor à mão armada, achou preferível
consumir as sagradas espécies da Sé e, sem tempo de esconder-lhe as
alfaias, refugiar-se no campo, com os cônegos e os servos. A gente boa,
homens de haveres, os escravos seguiram o mesmo caminho,
aproveitando-se das portas do Carmo e do vale abaixo da ermida de
São Francisco. Atiraram-se para os lados de Itapoã.

O primeiro sítio de descanso da turba foragida foi a Quinta dos


Padres; e porque imaginassem em sua perseguição os hereges,
arrancaram para o Rio Vermelho, cujas águas rugiam em enchente que
não permitia a passagem. Assim mesmo centenas de pessoas —
sempre supondo próximos os inimigos — tentaram vadear o rio, e
morreram muitas, na escuridão da noite, uma das mais terríveis de que
houve memória na terra.

Ainda se chama “do Conselho” o monte no Rio Vermelho, junto do


mar, onde os da governação da Bahia se juntaram para combinar as
primeiras providências defensivas.

Resolveram retirar-se para a aldeia do Espírito Santo. Apoiar-se-iam


aí aos índios catequizados pelos jesuítas, que dispunham de roças de
mantimentos e, mais adiante, de outro núcleo de resistência, a Torre de
Garcia d’Ávila (donde acorreu, com os seus aliados, Francisco Dias
d’Ávila, neto do fundador da Casa);180 — e lograram, com esta
iniciativa, disciplinar os contingentes desbaratados e criar um
simulacro de exército.

Na manhã imediata entraram os holandeses, sem disparar um tiro, na


cidade silenciosa.

Somente o governador os esperou no palácio, resolvido a morrer, de


espada em punho. Concebera o plano desesperado de lançar fogo a
uns barris de pólvora. Impediu-lho o Ouvidor Pero Casqueiro da
Rocha, tomando de suas mãos o morrão — e foi ali mesmo preso, com
o lho, Lourenço de Brito, o Sargento-mor Francisco de Almeida
Brito, o ouvidor. Levaram-nos para a Holanda com os troféus da
vitória: 3.900 caixas de açúcar, muito pau-brasil, quanto de precioso
rendera o saque...181 Johann Georg Aldenburg confessa que foi tal a
pilhagem que os soldados “mediam prata e ouro nos chapéus cheios e
mais de um apostava 300 ou 400 orins num lance de dados”.182 Os
frades, os párocos, algumas pessoas abastadas lograram esconder as
alfaias, enterrando-as, ou as levaram na fuga: dos que permaneceram
em suas casas, somente os parceiros de Francisco Duchs escaparam ao
roubo.

REAÇÃO E ASSÉDIO

A orgia da soldadesca cessou dois dias depois com a chegada de Van


Dorth, que assumiu o governo da cidade.

Não teve porém tranqüilidade, desde que pôs pé em terra.

Fora providencial para os fugitivos a retirada do bispo com o clero.


Tinham chefe natural: o velho D. Marcos, trans gurado pelo
arrependimento. Responsável em parte pela desgraça, como que se
decidira a resgatá-la com a vida, num grande exemplo. Na aldeia do
Espírito Santo os o ciais da câmara (instalados aliás com o ouvidor-
geral, na fazenda dos beneditinos, em Itapoã) abriram as vias de
sucessão de Diogo de Mendonça: recaía em Matias de Albuquerque,
governador de Pernambuco. Enquanto saía um portador, para avisá-lo,
“elegeu o povo e aclamou por seu capitão-mor” o bispo,183 que nomeou
coronéis Lourenço Cavalcanti de Albuquerque e Melchior Brandão.

Convocou os habitantes do recôncavo; vestiu uma armadura; e agiu


com a energia dum general experiente.

Ordenou logo um assalto para a madrugada de Santo Antônio,


fazendo a vanguarda Francisco Dias d’Ávila com os seus índios. Estes
atacaram aos gritos (tal o uso dos tupis) o mosteiro do Carmo, fora de
portas, e tanto bastou para que os amengos tomassem posição e os
rechaçassem às bombardadas e mosquetaços. Falhou igualmente a
tentativa de Lourenço de Brito para salvar, com jangadas, Diogo de
Mendonça e o lho, prisioneiros a bordo.

Em 17 de junho, com a morte de Van Dorth, recobraram ânimo os


portugueses.
Foi o caso que o governador holandês saíra a ver a Fortaleza de São
Filipe (em Monserrate) e de regresso, afastando-se da escolta, com um
trombeta por ordenança, topou com os chefes de guerrilhas Francisco
de Padilha e seu primo Francisco Ribeiro,184 que lhe acertaram com as
escopetas. Derrubados Van Dorth e o trombeta, os dois capitães os
mataram à espada, momento em que chegavam os índios de Afonso
Rodrigues, de Cachoeira, que, como feras, se lançaram aos corpos, e
lhes deceparam pés, mãos e cabeças.

Para os amengos, o desastre foi esmagador.

Além do chefe perdido, signi cava a insegurança comum se


ousassem sair do abrigo dos muros — por toda parte salteados pelas
escaramuças, em que se notabilizaram ágeis cavaleiros com os negros e
os tupis. Era — em regra — o assédio! Sucedeu a Van Dorth o Major
Albert Schouten, substituído no posto militar pelo irmão, Willem
Schouten.

D. Marcos mudou então de tática. Preferiu fechar o cerco à cidade,


forti cando-se — a uma légua de distância — num monte defendido
de trincheiras e guarnecido pela gente de Melchior Brandão (vindo do
Paraguaçu), Pero Coelho e Diogo Moniz Teles.185 Postou guerrilhas em
Itapagipe, defronte do Forte de São Filipe (capitães Vasco Carneiro e
Gabriel da Costa), na praia (Jordão de Salazar),186 noutro caminho
perto (Manuel Gonçalves da Costa, Luís Pereira de Aguiar e Jorge de
Aguiar); e, do lado oposto, sobre a porta de São Bento, Francisco de
Crasto187 e Agostinho de Paredes (junto da ermida de São Pedro), na
estrada do Rio Vermelho (Gaspar de Almeida, Francisco de Padilha e
Luís de Sequeira). De Manuel Gonçalves da Costa se sabe que foi “o
primeiro inventor dos assaltos e emboscadas que se zeram pelos
caminhos e estradas aos que saíam dela, e encarregado de cabo dos
mais capitães e companheiros que nisso se ocuparam no distrito de
Itapagipe e da parte do Carmo”.188 Praticamente não cava saída livre
aos invasores, condenados a aguardar socorros marítimos que os
abastecessem ou a aventurar-se nos arredores com o seu aparato de
força.
Debalde Francisco Duchs foi a Boipeba e Camamu arrecadar as
farinhas de que necessitavam.

Percebeu entretanto Matias de Albuquerque (agora governador-


geral,189 mas que não pudera passar à Bahia, ocupado que estava na
defesa de Pernambuco) — que o bispo e o desembargador Antão de
Mesquita, a quem mandara tomar conta do governo em seu nome, não
se conciliavam, recusando-se o prelado a ceder o lugar ao juiz. O
remédio seria enviar-lhes, como capitão-mor, autêntico homem de
guerra, Francisco Nunes Marinho, “que o havia já sido na Paraíba e
servido a el-rei na Índia e em outras partes com muita satisfação”.190
Com dois caravelões partiu a tempo de encontrar D. Marcos Teixeira
prostrado da doença de que morreu poucos dias depois, no seu arraial
— em 8 de outubro de 1624.191

Governou Marinho de 24 de setembro a 3 de dezembro, quando


entregou o poder a D. Francisco de Moura (natural de Pernambuco e
sobrinho de D. Cristóvão de Moura), enviado do reino para “capitão-
mor da gente de guerra do recôncavo” com “promessas e esperanças
de um socorro considerável”.192

RECUPERAÇÃO DA CIDADE

Chegara a Lisboa a notícia da queda da Bahia em 26 de julho: é avaliar


o desconsolo que causou, e a ansiedade da corte, vendo esboroar-se
assim uma das colunas do império ultramarino. Tratou sem delongas
de armar expedição numerosa, da qual D. Francisco de Moura foi o
mensageiro, para alertar os povos acerca do auxílio que lhes destinava
Espanha. Outras providências régias consistiram na con rmação de
Matias de Albuquerque como governador-geral, na ordem dada a
Francisco Coelho de Carvalho — governador do Maranhão193 — para
deter-se em Pernambuco, e nas instruções a Martim de Sá, que, do Rio
de Janeiro, socorresse a Bahia. Aí, as guerrilhas continuaram,
incessantes, e mais e cazes com o comando de Manuel de Sousa d’Eça
— que, apesar de nomeado capitão-mor do Pará, fora enviado por
Matias de Albuquerque para auxiliar Nunes Marinho.

Em 22 de março, a nal, a armada luso-espanhola se mostrou no


horizonte. A maior que ainda viera à América: 52 navios de guerra,
com 1.185 peças e 12.563 homens.

Andava o contingente português em pouco menos da metade.


Figuravam dalgos das principais casas, que todos tinham acorrido ao
apelo de Filipe iv, dando assim à esquadra uma ostensiva importância.
Dirigia-a como chefe supremo um autêntico herói naval, D. Fadrique
de Toledo Osório, sobrinho do Duque de Alba, Marquês de Vilanova
de Balduesa.194 Comandava os portugueses outro valente soldado, D.
Manuel de Meneses; e ao Terço de Nápoles, o Marquês de Torrecuso
(Carlos Andréa Caracciolo). O entusiasmo contagiara oportunamente
a riqueza. Quotizaram-se em Lisboa os comerciantes para ajudar o
armamento, com 220 mil cruzados. Dir-se-ia que a salvação do Brasil a
todos interessava, como se fora a de Portugal. Nesses sentimentos se
revelava a certeza que tinham os negociantes de que a sua
prosperidade dependia da colônia transatlântica, e a sua desilusão
acerca da Índia. Não tolerariam, de nenhum modo, a perda da Bahia.
E souberam reavê-la.

Não se esquecesse el-rei! O Brasil (diziam-lhe em 1632), era “o


melhor e mais substancial” de sua monarquia, e “por esta razão mais
apetecido dos inimigos dela”.195

RESTAURAÇÃO

Os holandeses esperavam os auxílios anunciados: a sua resistência


obedeceu à idéia de ganhar tempo, de protelar a queda da praça. A
estratégia dos luso-espanhóis era para forçá-los à rendição breve e
completa.

Desembarcaram 2 mil castelhanos, 1.500 portugueses e quinhentos


napolitanos no porto da barra, e dividiram-se em dois grupos de
combate: D. Fadrique de Toledo cou no Convento do Carmo, e no de
São Bento os mestres-de-campo D. Pedro Osório, D. Francisco de
Almeida, e o Marquês de Torrecuso com dois mil homens. Sofreram
um revés preliminar. Trezentos mosqueteiros investiram-nos com tão
nutrido fogo que puseram por terra oitenta, entre os quais D. Pedro
Osório e outros capitães. No dia imediato, 3 de abril, revidaram-lhes os
ibéricos, concentrando a artilharia contra porta e muros de São Bento,
a que causou grandes estragos — enquanto os amengos reduziam o
campo de ação, distribuindo as baterias no terreiro de Jesus, junto à Sé,
e ao longo do porto.

Ordenou D. Fadrique que o cerco se fechasse do lado das Palmas


(batendo de través aquelas posições) e do Carmo, adiantando uma
trincheira para defronte do colégio dos padres.

Frei Vicente repete o cálculo de um curioso: para 2.510 balas lançadas


pelos canhões holandeses, 4.168 dos nossos... Aos primeiros, abalava a
desorientação de comando. Morrera, de seus excessos, Alberto
Schouten, a quem substituiu o irmão Willem, descuidado e tonto,
incapaz de impor-se aos soldados, que, em 26 de abril, se amotinaram,
para escolher outro chefe. Willem Schouten foi ferido com uma
alabarda e aclamado, em seu lugar, o Capitão Johan Kijf. Debalde
multiplicou-se este em providências enérgicas. A armada de socorro
não vinha e o bombardeio acabara por desenganá-lo. Premido pelos
comandados, consentiu em oferecer a capitulação. Tentou-a
mandando um tambor — em 29 de abril — com o pretexto de que
ouvira a trombeta espanhola como a convocar para conferência. D.
Fadrique respondeu-lhe, que costumava chamar pela voz dos
canhões... Ato contínuo, os da bateria das Palmas se renderam aos
sitiantes.

Era o m.

Enviou o General João Vicente de San Felice (que tanto avultou, nas
campanhas posteriores, com o título de Conde de Banholo) e Diogo
Ruiz, para, juntamente com o capitão-mor da esquadra Tristão de
Mendonça e Lancerote da Franca,196 ultimarem a captura dos vencidos.
Foi tudo concertado a 30 de abril. Largariam armas, bandeiras,
petrechos e riquezas. Seriam repatriados nos seus navios com a roupa
do corpo; não combateriam contra Espanha até chegarem à Holanda;
os o ciais conservariam as espadas...

CASTIGOS E FESTAS

Enquanto na praia se en leiravam, para embarcar, os vencidos (eram


1.919), grandes cerimônias celebraram a restauração.197

Começaram pelo desagravo da Igreja, com solene missa e sermão na


Sé meio derruída; terminaram com o castigo dos traidores. “Os
portugueses que na cidade caram conosco e pegaram em armas
contra os seus próprios patrícios (diz Aldenburg), foram enforcados
no mercado verde junto do colégio”.198 À Senhora da Vitória Francisco
de Barros — que debalde tentara defender a Vila Velha — dedicou a
capela que lá está.199 Muita literatura se fez a respeito na Europa — em
prosa e verso, sagrada e profana, graciosa e panegírica.200 Entre a
comédia de Lope de Vega (El Brasil Restituido) e a tela de Frei Juan
Bautista Maino, que gura no Museu do Prado (apoteose de Filipe iv
ao pé do triunfante Conde-duque de Olivares),201 a restauração foi
como um acontecimento mirí co, digno de admiração universal.

Para melhor defender a cidade, deixou-lhe D. Fadrique (que se


demorou até 25 de julho), um Terço, de dez companhias de cem
homens, todos portugueses (22 de junho de 1625).

Foi a primeira tropa xa do Brasil.202

Coube a Pedro Correia da Gama o posto de sargento-mor e


“governador da gente de guerra deste Presídio”.

Chamou-lhe “terço velho” (nome que durou dois séculos) para se


distinguir do “novo”, criado em 1631.
Con rmou além disto no governo D. Francisco de Moura —
enquanto não chegava Diogo Luís de Oliveira, já nomeado (26 de
fevereiro de 1625) e remuniciou fartamente a armada, para regressar,
feliz, ao reino.

DEVASTAÇÃO

Os moradores queixaram-se amargamente dos sacrifícios que então


sofreram, roubados dos amengos e escorchados pelos castelhanos,
tão empobrecidos, a nal, que era como se lhes tivesse passado por
cima uma das pragas do Egito. Segundo o cronista holandês, “foram
obrigados a recomprar as suas próprias peças antigas aos espanhóis,
que espoliaram a cidade, e carregaram os navios com pau-brasil,
tabaco, açúcar, especiarias e tudo o mais que podiam carregar de
mesas, cadeiras, tapeçarias e utensílios”.203 Não exagerava.
Que V. M. lhes faça mercê aos moradores daquela cidade e seu distrito (pediram os o ciais
da câmara) que não paguem direitos de seus frutos nestes primeiros dois anos, visto
perderem a meia safra dos açúcares do ano de 623 e toda a de 624 e muita parte da de 625 e
visto terem a metade da casaria daquela cidade derribada e as que em pé caram os soldados
espanhóis lhe não deixaram porta nem fechadura e houve saque geral dado pelos ditos
espanhóis e caram todos os moradores da dita cidade desbaratados de todos os seus bens e
havendo mister muita fazenda para reedi car suas casas e móveis de seu uso.204

Testemunhou (carta de 30 de julho de 1627), o governador do


Paraguai, D. Luís de Céspedes Xeria: “Cheguei a esta Bahia onde achei
grande pobreza e muito lastimados todos dela por sua desgraça com
mui grande falta de navios”.205 Nem podia sustentar a guarnição,
protestou a câmara.206 O jeito foi economizar o dinheiro que se gastaria
com a Relação — suprimindo-a — para pagar o Terço (carta régia de
31 de março de 1626).207 Retrocedia-se ao regime da ouvidoria-geral,
de 1519, disciplinada pelo competente Regimento.

Reergueu-se devagar a Bahia. Até 1645 a ameaça da guerra continuou


a pesar sobre as suas fracas defesas: e mal lhe chegava o tempo para
recuperar-se da calamidade que a devastara.
IV: A  

O GOVERNO DE DIOGO LUÍS

Inaugurou-se um período de reerguimento econômico e de metódicos


preparativos militares com o governo de Diogo Luís de Oliveira, em 28
de dezembro de 1626.208

Foi um dos mais profícuos da colônia no século xvii. Organizou,


forti cou, preveniu — por nove anos, que coincidiram com a segunda
invasão holandesa, a insegurança das comunicações marítimas, a
conseqüente desordem do comércio, nervosas providências de defesa.

O governador cou algum tempo em Pernambuco, onde o acolheram


com esplendor. Por mestre-de-campo da gente de guerra trouxera D.
Vasco Mascarenhas, seu companheiro de lutas em Flandres, e a quem
deu posse em Olinda, em 11 de novembro de 26.209 Seguiu para a
Bahia em 20 de dezembro. No mês imediato,210 quando Pieter
Pietersen Heyn aí apareceu, o ofício de coronel foi exercido por
Lourenço Cavalcanti de Albuquerque (“nesta ocasião dos holandeses
em que o armei cavaleiro”, diz a provisão que o nomeou alcaide-mor,
em 13 de setembro de 27...)211 Pieter Heyn incumbiu-se de mostrar-lhe
as persistentes intenções de Holanda: surgiu com treze velas em 3 de
março — a tempo de surpreender a frota mercantil em aprestos de
partida.

PIETER HEYN

Devemos ao governador do Paraguai, D. Luís de Céspedes, um


depoimento sobre o ataque do terrível corsário.
Saiu o governador, tocaram-se as caixas, alvorotou-se a gente, preveniu-se a artilharia,
repartiu-se a pólvora, mandou duzentos soldados que defendessem os navios que estavam na
ribeira, digo trezentas caixas que tinha neles (o governador), e posta a demais gente em seus
postos e ele em sua janela, foi entrando pelo porto o inimigo, tão atrevido como
desavergonhado, chegou em meio de nossos navios e em menos de meia hora levou rendidos
25 entre grandes e pequenos, matou e cativou alguns soldados [...]. Lancha vi com quatro
holandeses levar três navios de reboque.

Num excesso de con ança Pieter Heyn se aproximou da praia. A


capitânia embicou num banco e teve de abandoná-la, após inúteis
esforços para a desencalhar. Perdeu outra nau cujo paiol explodiu.212
Mas durante um mês se conservou no porto, ameaçador e irresoluto.
Contente, com a presa rica, mandou quatro barcos carregados para a
Holanda e saiu a ver a costa até Cabo Frio. Dominava o mar!

Voltou em 10 de junho, com quatro navios de combate. Tomou dois,


fundeados em Itapagipe, e expediu lanchas atrás de três outros, que
procuraram ocultar-se no recôncavo.

Na batalha que se travou no Rio Pitanga, no dia 12, entre um


daqueles barcos e os amengos, morreu — pelejando heroicamente —
o Capitão Francisco Padilha.213

Dir-se-ia que Pieter Heyn fora ali vingar Johan van Dorth! Retirou-se
de nitivamente em 14 de julho. Os lucros de sua expedição rapace e,
sobretudo, a conquista da “frota da prata”, que o celebrizou em
setembro de 1628, rendendo-lhe 9 milhões de ducados, compensaram
os prejuízos de 1625 e habilitaram a Companhia das Índias para
empresa maior: a ocupação do Norte do Brasil.

ÍNDIOS REBELDES

Entregou Diogo Luís o reaparelhamento das obras de defesa ao


engenheiro Marcos Ferreira — que de Pernambuco viera auxiliar o
velho Francisco de Frias.214 E logo tratou de fazer frente a um perigo
mais próximo: os levantes de índios do Paraguaçu e Jaguaripe.

Assentou, em junta, que a guerra seria dirigida por Antônio


Rodrigues, de Cachoeira, contra
entradas que faziam os índios levantados chamados da Santidade os quais por vezes deram
nas fazendas e currais dos moradores com mão armada, assim no Paraguaçu, no Aporá, e
Maragogipe, como em Jaguaripe, chegando às casas dos moradores, e mataram homens
brancos, e negros, feriram outros, e mataram muito gado vacum, e ora ultimamente deu em
Jaguaripe [...] e destruíram o engenho de Nicolau Soares roubando-o de muita ferramenta.215

Como estivesse na cidade João Barbosa, prático das línguas indígenas


da Paraíba e do Rio Grande, foi incumbido de trazer dez casais de cada
aldeia daquelas capitanias, que repetissem a façanha do Zorobabé.

Afonso Rodrigues bateu os selvagens e recolheu numerosos


prisioneiros, legalmente distribuídos pelo “cabo” e seus soldados (Jorge
d’Aguiar, “capitão da dianteira”, Manuel Fernandes, Manuel Rodrigues,
Antônio Saraiva, André Vaz, Francisco Madeira, Domingos Gonçalves,
Antônio Pavão, Álvaro Rodrigues, lho do Capitão Antônio
Rodrigues...). O governador-geral (tradição que vinha de Mem de Sá!),
recebeu do quinto, conforme provisão régia, 24 peças, que deu a Diogo
Lopes Ulhoa.216

Mal se aquietaram os caboclos, chegavam novos avisos de armadas


holandesas. Mandou el-rei socorro de trezentos homens, e “que pelos
avisos que se houveram de os holandeses intentarem ir com armada a
esse estado” (carta de 19 de novembro de 29)217 — se dessem 40
quintais de pólvora à dita cidade, 60 a Pernambuco, 20 à Paraíba e ao
Rio de Janeiro num navio em que tornava à colônia Matias de
Albuquerque.

O capitão de Pernambuco, com efeito, fora ao reino dois anos antes


pedir os convenientes auxílios para segurar a sua terra, agora que a
ameaça de inimigos era veemente. Não obteve grande cousa: além
daquela pólvora, doze artilheiros,218 cinqüenta arcabuzes... Maior era o
título (que se lhe conferiu em 24 de maio de 1630): “Superintendente
da guerra de Pernambuco e visitador e forti cador das capitanias do
Norte”.219 Praticamente, era nova divisão do Brasil em dois governos,
entregue o setentrional à in uência do seu centro histórico, Olinda.

Sabia Filipe iv que os amengos prefeririam desta vez o próprio


Recife? Previa — isto sim — uma guerra intermitente: tanto que
ordenou só se zesse daí por diante a navegação em frotas protegidas
por muitos navios de guerra, criando-se na Bahia Casa de Contratação
para taxar o açúcar, sobre o qual recairia o sustento desses comboios
(carta régia de 12 de julho de 1628).220 Ato contínuo, proibiu a vinda
de embarcações menores de 300 toneladas.221

A SEGUNDA INVESTIDA FLAMENGA

A Companhia das Índias Ocidentais preparou, em 1629, uma


poderosa expedição para a conquista do Norte do Brasil.

Já não lhe interessava a pilhagem: tinha vistas mais largas. Pretendia


estabelecer-se numa colônia de rendimento, desalojando os
portugueses para o sul do São Francisco. Não devia cobiçar a Bahia
prevenida, forti cada e com permanente guarnição. Atraiu-a
Pernambuco — “mais rica de quantas ultramarinas o reino de Portugal
tem”,222 indispensável para o domínio das capitanias adjacentes e a
vigilância das comunicações marítimas e, além disto, desapercebida
para uma guerra verdadeira.

Nesse ano de 1629 recrudescera a luta com Espanha nas fronteiras


holandesas, o que retardou a partida da frota — de 35 naus, 15 iates, 13
chalupas e duas embarcações capturadas, levando 3.780 marinheiros e
3.500 soldados. Morrera Pieter Heyn em combate nas águas de
Dunquerque. Por isto o comando foi dado a Hendrick Corneliszoon
Lonch. Os principais o ciais eram Pieter Adriaanszoon Ita, Joost van
Trappen, Jonkheer Diederik van Waerdenburch (este chefe da força de
desembarque). Largou a armada no verão; concentrou-se em São
Vicente em dezembro; e a 13 de fevereiro de 1630 defrontou Olinda.

Quatro dias antes chegara a Pernambuco um patacho de São Vicente


com a notícia, que mandava o governador da ilha, de que os
holandeses não tardariam.223 Matias de Albuquerque trabalhou
febrilmente nos aprestos da defesa, ajudado do Capitão-mor André
Dias da Franca (que o substituíra na ausência), do Sargento-mor Pedro
Correia da Gama, enviado pelo governador-geral, e de outros soldados
animosos.224 Fez rodear Recife de uma linha dupla de paliçadas,
obstruiu-lhe o porto afundando oito barcos, e estendeu os canhões de
que dispunha ao longo da praia de Olinda. Foram inteligentes as
medidas tomadas. Realmente o Almirante Lonch não pôde entrar o
porto, que achou barrado. Bombardeou de fora os fortes do Recife,
enquanto Waerdenburch metia em terra ao norte de Olinda (Pau
Amarelo) uns 3 mil homens — em 15 de fevereiro — guiado na
operação por um judeu que morara muito tempo em Pernambuco,
Antônio Dias Paparobalos. Vibrou com isto o golpe de morte na
resistência portuguesa.

A presença dum cristão-novo na tropa invasora, a exemplo do que


acontecera na Bahia, tem uma explicação acessória, segundo Frei
Manuel Calado.

Além de serem numerosos os judaizantes da capitania, temiam a


próxima vinda do Santo Ofício e a este preferiam os amengos, “como
bem mostraram depois que o holandês entrou na terra”.225 Conta que o
Padre-Frei Antônio Rosado, dominicano, viera por Visitador da
Inquisição a Pernambuco; estranhara os vícios e abusos dos colonos, e
pro igara: “De Olinda a Holanda não há mais que a mudança de um i
em a”. Amedrontados com a ameaça, seduzidos pelos sócios de
Amsterdã, mudariam facilmente de bandeira.226 Mas outras
debilidades prevalecem na perda do Recife. André Dias da Franca, de
quem se ara a parte do litoral atacada,227 não pôde conter os
holandeses em Pau Amarelo. O próprio Albuquerque, deixando o
Recife com Pedro Correia da Gama, levou 8 companhias de infantaria
e quatro de cavalos (850 homens) para quebrar-lhes o avanço, e ao
primeiro choque, na passagem do Rio Doce, teve de retroceder
abandonado da maioria dos seus.228 Marchou o inimigo sobre Olinda
do norte para o sul e tomou-a — através das escarpas do colégio dos
jesuítas — pelo lado indefeso. Perdeu ali a guarnição 45 mortos (entre
estes o Capitão André Pereira Temudo, companheiro de Castelo
Branco na fundação do Pará) e 56 feridos. Restava o porto. Com vinte
soldados somente, Matias de Albuquerque se precipitou para o Recife.
Queria animar a resistência dos dois fortes, Picão e São Jorge, e lançar
fogo aos navios carregados, antes que os apresassem.

Nesta decisão extrema foi surpreendente de energia.


[...] e vendo-me pela manhã sem nenhum soldado destas companhias (sete, que havia no
porto) me pareceu que convinha pegar fogo a 24 navios em que havia mais de 8 mil caixas de
açúcar e muito pau de Brasil, algodão e tabaco, e assim queimei todas as casas em que havia
açúcar, em que haveria mais outras 8 mil caixas e muito pau e tabaco, que tudo valeria bem 1
milhão e 600 mil cruzados, para que o inimigo, perdendo as esperanças de tão grande saco,
pois era tudo o que havia nesta capitania, se desanimassem seus soldados que viessem
cometê-lo e eu pudesse melhor acudir aos fortes.229

Teve grande importância então o sangue-frio do licenciado André da


Fonseca de Almeida, provedor da Fazenda, e do meirinho da correição
Lourenço Guterres.230

O primeiro, em meio da confusão geral, tomou a si salvar armas e


pólvora dos armazéns de Olinda, e realmente, com imenso esforço, as
conduziu em carros para fora da vila. Com essas munições — disse
Matias de Albuquerque — “me achei de quatro para cinco meses,
sendo contínuos os assaltos [...] e pelos efeitos se tinha por milagrosas
tais munições”. Também ao provedor se deve o voto, em junta de
capitães, para a escolha do sítio em que a defesa continuaria, como
certi cou o governador.231

O ARRAIAL DE BOM JESUS

Nos entrementes corriam ao socorro da costa o Padre Manuel de


Morais com muitos índios, Antônio Ribeiro de Lacerda, vindo de
Ipojuca, Pedro de Albuquerque, de Vila Formosa, Matias de
Albuquerque Maranhão, da Paraíba. Os fortes sustentaram a luta até 2
de março. Capitularam honrosamente, obrigando-se a guarnição a não
tomar armas durante seis meses.232 Retirou o governador para um
lugar eqüidistante de Olinda e Recife, alto e defensável; denominou-o
“Arraial de Bom Jesus”. Podia concentrar aí os reforços do interior,
dominar o rio e a várzea, e hostilizar com as guerrilhas, à maneira dos
da Bahia cinco anos antes, as partidas inimigas que se aventurassem
pelos descampados. Deu a Albuquerque Maranhão o comando da
estância de Santo Amaro, a Lourenço Cavalcanti a Goiana, a Luís
Barbalho a Boa Vista (casas do rico João Velho Barreto) e a Antônio
Ribeiro de Lacerda a Ipojuca (Afogados).

A notícia da perda do Recife chegou a Portugal em 29 de abril. Não


foi maior a emoção causada pela desgraça de 1624. O governador do
reino, D. Diogo de Castro, pediu a Filipe iv fosse em pessoa assistir aos
preparativos da armada restauradora: que se fazia mister a in uência
del-rei, enquanto era tempo! Providência preliminar, expediu este a
carta régia de 11 de maio de 1630, a recomendar preces e penitências,
pois via na calamidade sinais de punição divina: e encolerizado contra
os judeus, mandava ao Bispo Inquisidor desse “exemplar castigo
contra os hereges in éis, com o castigo devido à sua perfídia”. Onde se
tem visto o espírito beato de Espanha deve descobrir-se também a
represália política: em Madri se considerava que os cristãos-novos
conduziam os invasores pela mão... Feitas as rezas, cuidou o governo
de aprestar a esquadra, entregue a um chefe célebre: D. Antônio de
Oquendo, o “herói cantábrico”. Com ele vieram Duarte de
Albuquerque, donatário de Pernambuco, e o Conde de Banholo.

A esquadra de Oquendo não se parecia, entretanto, com a de D.


Fadrique de Toledo. Compunha-se de 18 navios de guerra e cinco
fretados, e transportava mil homens, 200 para a Paraíba e 200 para a
Bahia233 — tropa e frota insu cientes para o choque previsto.

Em 13 de julho de 1631 fundeou na Bahia: então as perspectivas da


luta eram claras, as posições de nidas.

Os holandeses recebiam regularmente socorros e novos contingentes


militares. Consolidara-se Matias de Albuquerque no Arraial e — em
14 de março — rechaçara um formal ataque (do Tenente-coronel Van
der Elst). Mas não esperou, inativo, o inimigo cada vez mais forte.
Mandou Luís Barbalho e Antônio Ribeiro de Lacerda inquietá-lo nas
suas trincheiras da Ilha de Santo Antônio (ação em que morreu
Lacerda e Van der Elst saiu ferido). Demonstrava o empenho em
preservar a várzea e defender-lhe os caminhos e os engenhos.
Trataram os holandeses — ante a impossibilidade de expandir-se pela
zona agrícola — de cingir Recife com um cinto de fortalezas:
construíram as do Brum (de Bruyn, nome de um dos conselheiros da
Companhia), Cinco Pontas e Três Pontas, donde vigiavam os campos
adjacentes. Não desdenharam os adversários. “Acho este povo de
soldados vivos e impetuosos”, reconheceu Waerdenburch (que assistira
ao combate de 16 de julho). Sentiram que o domínio do país exigia um
exército numeroso, e confessaram a perplexidade em que estavam,
junto do mar, rodeados da gente hostil e dispersa, e duma natureza
cheia de mistério. A audácia dos portugueses — se D. Antônio de
Oquendo batesse a armada amenga — não os deixaria permanecer
ali. Perderiam Recife se a sua frota fosse destruída: a frota salvou-se, e
se desvaneceu também a oportunidade da reconquista. À primeira
vista, um revés. A batalha, contudo, correu mais favorável às armas
espanholas do que às holandesas.

Feriu-se o combate perto da baía de Traição em 12 de setembro


(1631). Inicialmente os holandeses (Almirante Adriaen Janszoon Pater
e Vice-almirante Marteun ijssen) imaginaram vencer pelo número:
tinham 17 navios e estimavam em oito galeões a força espanhola. Com
surpresa viram 17, fora 12 caravelas e 24 navios de comércio. Tarde
para retirar, supriram a desigualdade com a iniciativa: a nau capitânia,
de Pater, lançou-se sobre a de Oquendo, enquanto o galeão de ijssen
se atirava à vice-capitania de Castela. Esta, atingida por uma bordada,
afundou, e o São Boaventura, que quis socorrê-la, foi aprisionado. Ao
contrário, o navio de Pater, atracando ao de Oquendo cou debaixo do
fogo de dois outros. Um deles, Nossa Senhora dos Prazeres Menor,
naufragou, caindo em poder do inimigo Cosme do Couto Barbosa.
Mas os primeiros incendiaram a nau holandesa. Debalde Pater
aguardou o auxílio do resto da frota. Quando a sua nave era uma
grande fogueira, dependurou-se dum cabo seguro à proa, e muito
tempo assim se conservou, até lhe faltarem as forças, e desaparecer nas
ondas.234 Aproximava-se a noite; sem quererem insistir na ação,
ijssen e Oquendo trataram de afastar-se, um para o Recife, o outro
para a Bahia e a Paraíba,235 onde desembarcou os soldados que levava.
As perdas tinham sido igualmente pesadas: mas para o Brasil foi
como se um irreparável destroço tivesse mergulhado no oceano as
quilhas portuguesas. Porque tomou Oquendo o rumo das Antilhas, a
m de proteger a “frota da prata”; ijssen reconduziu a salvamento os
seus barcos; e a próxima esquadra que mandou a corte de Madri
chegou em 1635, quando já nada restava do Arraial de Bom Jesus...

DEBILIDADE ESPANHOLA

De fato, a monarquia dos Filipes entrara numa fase de agitações e


reveses que lhe prenunciava a dissolução. Insurgiram-se os bascos
contra as novas imposições. Esgotara-se o tesouro régio. Praticamente
as despesas eram feitas pelos comboios da América, que, todos os
anos, reabasteciam um erário exausto. Não havia dinheiro para manter
em tão apartadas regiões exércitos importantes: Flandres, Itália,
Portugal, colônias. Agravavam as nanças públicas os “juros”
vendidos, os empréstimos, a burocracia, as classes parasitárias, a
de ciência agrícola, a falta de indústrias, os costumes suntuários, o
abandono dos campos. Sintomas de revolução alvoroçavam nobreza e
povo na Biscaia, na Catalunha, em Lisboa, Porto e Évora. O
descontentamento crescera com os infortúnios militares. Na hipótese
de dominarem os holandeses o Atlântico, interceptando o comércio
marítimo, a ruína se completaria com a explosão dos regionalismos
represados, o desgosto da burguesia empobrecida. O resgate de
Pernambuco tornara-se indispensável para a política de Madri. Ao
tempo em que destacara Oquendo para varrer do oceano os
amengos, apelava para os contribuintes portugueses. Sem muito ouro
não os expulsariam! Houve grande venda de “juros”, autorizada em 20
de fevereiro de 1631. Avocou a Coroa o monopólio do sal, de que não
abriria mão mais tarde, pois se tornou excelente fonte de renda. É de 6
de março de 32 a provisão mandando fosse o sal vendido no Brasil
sem aumento de preço pelo “estanco”, representado por uma junta em
Lisboa e pelo provedor das fazendas nas diversas capitanias.236 Mas,
insucedida a esquadra de Oquendo, reconhecia “a falta de caravelas e
navios geral neste reino por se terem perdido e tomado muitos”.237
Resignou-se o governo a permitir a vinda de navios estrangeiros, de
nações amigas, ao Brasil: e não soube atinar com os recursos para
auxiliar Matias de Albuquerque na sua estóica defensiva.

A CONQUISTA ESTENDE-SE

Não podendo reduzir o Arraial de Bom Jesus, zeram os invasores por


ampliar no litoral a zona de ocupação.

Foram sobre a Ilha de Itamaracá, mal defendida do donatário, o


Conde de Monsanto, em cujo nome governava Salvador Pinheiro.238 E
construíram uma fortaleza, na restinga fronteira à barra (o Forte de
Orange), onde aquartelou, com mais de quinhentos homens, o
Coronel Cresto e d’Artischau Arciszewsky.239 Uma arremetida sobre o
porto de Afogados frustrara-se em 1º de julho de 1631. Também foi
desastroso o desembarque tentado na Paraíba no ano seguinte, como
diremos. Esse revés encorajou as guarnições portuguesas do Norte.

Correu Matias de Albuquerque Maranhão ao Forte dos Reis Magos,


no Rio Grande, visado por uma expedição de Waerdenburch — logo
em seguida — o que bastou para impedi-la. O novo ataque foi ao Cabo
de Santo Agostinho: mas aí estava Bento Maciel Parente com sessenta
soldados; socorrido de Francisco Gomes Pessoa, que comandava o
posto de Afogados, rechaçou o inimigo. Decidiu então Matias de
Albuquerque, que não se harmonizava bem com o Conde de Banholo,
chefe dos reforços trazidos por D. Antônio de Oquendo,240 destacá-lo
para o cabo com o seu terço de 300 napolitanos. Banholo levantou o
Forte de Nazaré para resguardo do porto e pôs-se a vigiar essas praias,
seguro de que os holandeses desistiriam cedo daquela guerra morosa.

Outra não era a previsão dos defensores do Arraial. Empresa


lucrativa, a do Brasil, cessaria quando lhe faltassem os rendimentos
que se pediam de Holanda. Os negociantes queriam juros do seu
capital, resultados prontos, boa presa. Não perseverariam numa
aventura perigosa que lhes devorasse as reservas e o principal. Em
novembro, Olinda fora incendiada e abandonada. Dir-se-ia que,
arrasando a vila de Duarte Coelho, com belas igrejas e casario antigo,
derrubavam os padrões da colonização portuguesa, sepultados nas
próprias cinzas. Outro Brasil, o holandês, oresceria na Ilha de
Antônio Vaz e no porto do Recife! Neste, entretanto, havia apenas 576
pessoas civis e 421 negros...241 Uma desolação! O método de campanha
dos pernambucanos era o mais e caz para esgotar a paciência ao
estrangeiro: sortidas, a coligação astuta dos moradores com os índios,
assaltos inesperados aos comboios que se arriscavam longe dos
baluartes, guerrilhas e escaramuças, em ferozes episódios de
vingança...
E o remédio (escreveu a regência de Lisboa, em 16 de agosto de 1632) é irem as armadas de
Vossa Majestade com poder e força bastante a se defenderem no mar, e a sitiarem e tomarem
a terra que ele, Matias de Albuquerque, enquanto a vida lhe durar, assistirá a tudo o que
naquela guerra se oferecer, suposto que com quase a metade dos soldados enfermos e todos
descalços e despidos, sem pagar de socorros, nem com que lhes poder dar de comer, sendo
impossível fazer, e sustentar guerra sem cabedal, e mais quando é tão trabalhosa, pronta e
arriscada.242

Ocorreu algo de novo em abril de 1632 que, prodigiosamente, alterou


a situação.

Entrou em cena um desertor. Domingos Fernandes Calabar uniu-se


ao inimigo.

V: O N  

PARAÍBA

Com quartel para os socorros da costa e prevenção de estrangeiros,


crescera a Paraíba com os rebates da guerra holandesa.

Diz-nos Frei Luís de Sousa (1628): “Logo a capitania da Parayva (sic)


muito importante pelo porto e cidade Felipéa: tem já muytos
engenhos, páo brasil, tintas, tabaco, algodão, muyto linho e anil”.243
Subira a 600 mil escudos a estimativa do seu comércio anual (lê-se de
um papel do tempo): era a quarta parte da importância atribuída à
Bahia...

A Afonso da Franca, seu governador desde 1618, sucedera o


primogênito de Jerônimo de Albuquerque Maranhão — Antônio de
Albuquerque (nomeado por três anos em 9 de agosto de 1622) e ainda
no cargo ao romper a luta. Foi dos grandes soldados do Brasil.
Prorrogando-lhe o prazo de servir em 1632, dizia el-rei:
E porque a Paraíba é a praça que mais apetecem, e contra a qual meterão mais cabedal e
Antônio de Albuquerque a defendeu com muito esforço, prudência e boa fortuna e é muito
respeitado e conhecido dos índios, parte essencialíssima para os ter quietos e contentes.244

À notícia do desembarque dos amengos em Pau Amarelo mandou


cem homens, sob o comando de seu irmão Matias de Albuquerque
Maranhão. Da Paraíba saíram as farinhas que alimentaram o Arraial
de Bom Jesus.245 Esperava, porém, um ataque formal. Melhorou o
Forte de Cabedelo ainda de madeira,246 e levantou outros dois na
margem oposta (Santo Antônio) e na Ilha da Restinga. Da frota de D.
Antônio de Oquendo recebeu, numa caravela, “duas companhias do
Presídio Novo”,247 cujo capitão era Antônio de Figueiredo de
Vasconcelos. Assim se frustrou o primeiro assalto dos holandeses em 9
de dezembro de 1632. O Tenente-coronel Callenfels logrou apoderar-
se das vizinhanças de Cabedelo onde construiu uma trincheira.

Logo Albuquerque se apoiou a outra trincheira defronte, e repeliu o


ataque, perdendo o inimigo 140 homens.248

Foi grande sucesso. O governo, em Lisboa, proclamou a sua alegria


dando graças a Deus:
Por meio de sacrifícios e orações se Lhe peça que por sua misericórdia permita que esses
sucessos se continuem e levem adiante para que com seu favor se acabem de deitar daquelas
partes os Hereges Rebeldes seus e meus, para que as igrejas que têm ocupado tornem aos
ministros católicos para se celebrarem nelas os mistérios da sua Santa Fé, e assim ordenareis
logo e do que nisso se zer me dareis conta.249

Distinguiram-se João de Matos Cardoso, capitão do forte,250 o


engenheiro Diogo Pais, que fora de Pernambuco ajudar a defesa,
Belchior Beringel251 e o franciscano Frei Manuel da Piedade, lho do
Capitão João Tavares, morto quando exortava os soldados com um
cruci xo. Da outra margem comandava um reduto Duarte Gomes da
Silveira, o velho auxiliar de Feliciano Coelho nas incursões sertanejas:
de tal sorte revelou o seu propósito de resistir, que preferiram os
holandeses bater em retirada, recolhendo-se, desolados, ao Recife.
Salvara a capitania a tenacidade dos seus naturais.

O ataque subseqüente seria ao Rio Grande do Norte.

RIO GRANDE

O Rio Grande era pouco mais do que a Fortaleza dos Reis Magos,
ainda incompleta, donde saíram os pioneiros da conquista lés-oeste.
Em 1612 a cidade tinha
pobremente acomodados até 25 moradores brancos, fora da obrigação da fortaleza, e destes
tem pelas roças e redes e fazendas principiadas da capitania até 80 moradores, os quais
(continua o Livro que dá razão do Estado) pediram modo de governança e se lhes concedeu
o ano de 611, pelo Governador D. Diogo de Meneses, o qual com parecer da Relação elegeu
o juiz, um vereador e escrivão da câmara, procurador do conselho e procurador dos índios.

Fora-lhes providencial a tempestade que atirara à foz do Potengi


Diogo de Meneses, em 1607. Criou, atendendo ao que representaram,
“lugares de provedor e tabelião no Rio Grande”, e parece não esqueceu,
no seu próvido governo, a hospitaleira paragem. Mas prosperou
vagarosamente. Frei Luís de Sousa nota apenas: “Segue a capitania do
Rio Grande, em que há fortaleza”.252 Em 1614 carecia de portas a
matriz...253 Importante era a guarnição, de 80 soldados permanentes: a
despesa porém (3:523$700) continuava em 1626 igual à de vinte anos
antes,254 e corria pelas rendas da Paraíba.255 É verdade que Jerônimo de
Albuquerque fundara o primeiro engenho de açúcar, na várzea do
Cunhaú, depois de 1604.256 Mas — con rmara Diogo de Campos
Moreno — “a terra desta capitania geralmente é terra fraca mais para
gados e criações que para canaviais e roças”. E o autor dos Diálogos das
grandezas: “Não há nela engenhos de fazer açúcares mais de um até
este ano de 1618, por a terra ser mais disposta para pastos de gado, dos
quais abunda em muita quantidade, até entrar na capitania da Paraíba
que lhe está conjunta”.257 Desdenhava: “Deixemos logo esse Rio Grande
por estéril”. Os holandeses, em 1633, viram isto mesmo: “Natal de
aspecto triste e acabrunhador” contrastava com os risonhos pastos258 “e
seus currais de gados de toda sorte que é o meneio desta gente e
algumas religiões e pessoas particulares moradoras na Paraíba”.259

CEARÁ

Na década de 1620–30 a história do Ceará ainda se confunde com a de


Martim Soares Moreno.

O ano de 1617 não fora propício ao patriarca. Aprisionado no mar


pelos franceses,260 livrou-o o embaixador espanhol, e estava no reino
em 1618. Recebeu mercê da capitania do Ceará por dez anos (patente
de 26 de maio de 1619), com dispensa de ir à Bahia prestar juramento
em mãos do governador.261 Em 4 de janeiro de 1621 o Conselho da
Fazenda julgou o seu pedido de um ordenado, que o ajudasse a viver.
Gaspar de Sousa — com a autoridade de antigo governador — opinou
se lhe arbitrassem 300 a 400 cruzados, por ser a capitania cousa de
pouco proveito... Alegava Martim Soares em 22 de agosto: a “povoação
que vai fazer [...] por mandado de V. M. está muito falta de todos os
ornamentos para se poderem celebrar os ofícios divinos”; e pedia os
objetos necessários e a imagem de São Sebastião “que é orago ali”.262

Entrara a capitania do Ceará no estado do Maranhão, separando-se


assim do governo do Brasil. Bem pouco pesava aliás ao erário régio.
Com o seu vigário, e vinte soldados de guarnição, custava por ano
741$000 (em 1626). “Ruim porto e com baixos”, indica o cronista em
1628: nada mais.263 Adverte: “Aqui se acharam minas de prata”. Foram
atoardas sem con rmação.

Francisco Coelho de Carvalho, governador do Maranhão, lá esteve


em julho e agosto de 1626: o forte era “tão fraco e desbaratado que lhe
foi necessário fazê-lo de novo e guarnecê-lo com 4 peças de artilharia
por não ter mais que uma”.264 Martim Soares, depois de ter repelido
uma tentativa de desembarque holandês em 1625, não acreditava em
novos assaltos à sua pobre atalaia. Em 1628 pede urgentes socorros
para a sua guarnição isolada. É o Conselho da Fazenda, em Lisboa,
quem manda ao governador-geral que lhe atenda à queixa.265 A
capitania, porém, não se sustentaria sozinha. Mal soube da invasão de
Pernambuco, correu a juntar-se a Matias de Albuquerque.266 Diz nas
Memórias diárias Duarte de Albuquerque que o capitão do Ceará
tivera ordem para apresentar-se no Arraial de Bom Jesus com “alguns
índios e poucos soldados”: cumpriu-a, deixando na fortaleza
(reedi cada em 1626) seu sobrinho, Domingos da Veiga Cabral.267 Foi
por morte deste que os índios, infensos aos portugueses (então trinta
soldados e quatro ou cinco moradores), mandaram recados aos de
Holanda atraindo-os ao Ceará (20 de dezembro de 1637).268

MARANHÃO

Maranhão prosperara duplamente: como presídio e colônia de


povoamento. Defendiam-no três fortes, com 261 soldados, em 1626.
Saía a capitania a el-rei por 9:706$920 anuais.269 “Dois ou três
engenhos d’açúcar principiados”, acrescenta Frei Luís de Sousa. Esse
princípio resultara de uma emigração de açorianos em 1619.

Jorge de Lemos Bittencourt tivera licença (carta régia de 12 de abril


de 1617), para pôr ali duzentos casais de ilhéus. Trouxe-os a expedição
cuja nau capitânia era de Simão Estácio (que aportou em São Luís a 11
de abril de 19): homem de belas-letras, imprimiu em Lisboa, em 1624,
a “Relação sumária das cousas do Maranhão, escrita pelo Capitão
Symão Estacio da Sylveira, dirigida aos pobres deste reyno de
Portugal” — de elogio ao novo Estado e às riquezas que prometia.270

Segundo Fr. Antonio Vázquez de Espinosa (Compendio y


Descripción de las Indias Occidentales), ainda se apelidava de Todos
os Santos a ilha, o forte tinha agora o espanholíssimo nome de São
Filipe e eram ao todo quinhentos vizinhos, os moradores brancos que
aí havia.271 Não se devia retardar, pois, a fundação do município, com a
eleição da câmara. Foram escolhidos primeiramente cinco eleitores
(Rui de Sousa, Capitão Pedro da Cunha, Álvaro Barbosa Mendonça,
Sargento-mor Afonso Gonçalves Ferreira e o Capitão Bento Maciel
Parente). Os quatro primeiros eram da gente de Bittencourt. Elegeram
por sua vez juízes — Simão Estácio e Jorge da Costa Machado;
vereadores, Álvaro Barbosa e Sargento-mor Antônio Vaz Borba;
Procurador Antônio Simões. Instalou-se destarte a municipalidade
maranhense.

Preferira el-rei destacar as novas conquistas do resto do Brasil, e


criou, com as três capitanias da costa lés-oeste, o “Estado do
Maranhão” (carta régia de 13 de junho de 1621).

Francisco Coelho de Carvalho, mandado para esse governo, em 1623,


cara retido em Pernambuco, a auxiliar a defesa, com Matias de
Albuquerque: só se empossou em 3 de setembro de 1625.

Tomara o alvitre de enviar do Recife um navio “com alguns velhos e


mulheres” e quinze franciscanos, cujo custódio se chamava Frei
Cristóvão de Lisboa. Partiu em 12 de julho de 24. Dois frades
detiveram-se no Ceará, a requerimento de Martim Soares. Chegaram
os mais a destino em 6 de agosto, e deram início ao convento que tanto
avultaria na história das missões. O custódio foi incansável. “Queimou
muitos livros que achou dos franceses hereges e muitas cartas de
tocar”.272 E escreveu uma História de animais e aves do Maranhão,
estimável por seus numerosos desenhos.273

O governo de Francisco Coelho aplicou-se sobretudo às entradas


contra o gentio bravo, à expulsão de holandeses e ingleses no
Amazonas e ao desbravamento das terras, inçadas de tapuios, entre o
Ceará e o Pará. Nelas recortou aliás duas capitanias274 (autorizado em
19 de março de 1624): do Caité, para o lho, Feliciano Coelho — seu
braço direito — e de Tapuitapera (ou Cumã) para o irmão,
Desembargador Antônio Coelho de Carvalho.275
Morreu o governador em Cametá, a 15 de setembro de 1636. Apesar
da designação que zera do cunhado, Antônio Cavalcanti de
Albuquerque, para governar em sua ausência, apoderou-se do cargo
Jácome Raimundo de Noronha, fazendo-se eleger pela câmara, com
escândalo e oposição dos parentes de Francisco Coelho. Não lhes
perdoou a animadversão. Deixou que a gente do Pará destituísse o
capitão-mor. Luís do Rego Barros, que não quisera reconhecê-lo, e,
sabendo da conspiração que à roda de Antônio Cavalcanti se tecia em
São Luís, prendeu alguns, ameaçou ou desterrou outros, ao tempo em
que os principais se retiravam para os matos. Vingou-os Bento Maciel
Parente.

A viagem de Pedro Teixeira ilustra o tumultuário governo de Jácome


Raimundo. A tomada do Ceará pelos holandeses, porém, chamou a
atenção da corte para as desordens do Maranhão. Foi este entregue de
novo a experiente e velho soldado: Bento Maciel. Mal assume o poder,
manda processar e prender o antecessor, que tem de ir justi car-se a
Lisboa.276

Governava respeitado, cheio de autoridade, e vigoroso, como nos dias


dramáticos da ocupação da Amazônia — quando o surpreendeu a
invasão holandesa.

PAR Á

A história do Pará até 1621, quando Bento Maciel, provido no


governo, lhe impôs uma ordem estável, é caótica e brumosa.

Vimos Francisco Caldeira fundar, em 1616, a cidade de Belém.


Desaveio-se com os companheiros, ao tempo em que os índios,
insultados, cercaram o forte do “Presépio”. Saiu o Capitão Manuel
Soares de Almeida a pedir auxílio em Pernambuco. D. Luís de Sousa
mandou quatro navios, às ordens de Jerônimo Fragoso de
Albuquerque, novo capitão-mor, que encontrou deposto e preso
Caldeira, e nomeado Baltasar Rodrigues de Melo por vereadores,
soldados e povo.277 Assumiu o poder (28 de abril de 1619), mas faleceu
meses depois. Delegou antes as funções ao primo Matias de
Albuquerque Maranhão (29 de agosto), também destituído vinte dias
mais tarde. Uma junta (Custódio Valente, Pedro Teixeira e Frei
Antônio de Merciana), incumbiu-se da administração até que, por
nomeação régia, passou o segundo a governar sozinho (1620–1).
Pedro Teixeira era mais homem de descobrimentos e guerra que de
governo: devera alegrar-se com a sua substituição por Bento Maciel,
que levou no cargo cinco anos (18 de julho de 21 – 6 de outubro de
26).

A expansão para a Amazônia coincidira com o primeiro


estabelecimento de Belém.

Pedro Teixeira, após a viagem ao Maranhão, para comunicar ao velho


Jerônimo de Albuquerque a fundação do Pará, fora, com duas canoas
de guerra, incendiar uma nau holandesa na foz do Xingu (9 de agosto
de 1616). No ano seguinte a rebelião indígena rastreou por todo o
Norte, sobretudo em Tapuitapera e Cumá (onde Matias de
Albuquerque comandava um posto de 30 soldados). Neste sítio,
valendo-se da ausência do capitão chamado pelo pai a São Luís, os
selvagens mataram os portugueses. Terrível foi a desforra de Matias de
Albuquerque, enquanto, em 1619, Bento Maciel, Jerônimo Fragoso e
outros cabos entravam os rios, a castigar e aprisionar tupinambás,
numa luta de extermínio. Oito meses durou a “entrada” de Bento
Maciel, em companhia de Antônio Teixeira de Melo.278 O seu objetivo
era dúplice: apresar índios e procurar minas de ouro. Os detestáveis
excessos que praticou lhe zeram odiosa a extensa peregrinação.

Aliás não pudera afastar o perigo estrangeiro.279 Em 1623 estavam os


holandeses de novo forti cados em Muturu, nas margens do Xingu, e
Gurupá. Para expulsá-los veio de Lisboa, numa caravela, Luís Aranha
de Vasconcelos (1623). A sua missão era mais transcendente:
A descobrir e sondar o dito rio pelo Cabo Norte, por dizerem que por ali podia tirar a sua
prata do Potosi com menos gasto, e para este efeito lhe deu provisões para os capitães de
Pernambuco, Rio Grande, Maranhão e Pará lhe darem tudo o que fosse necessário. Em
virtude das quais lhe deu Matias de Albuquerque uma lancha com 17 soldados e o piloto
Antônio Vicente (Cochado), mui experimentado em aquela navegação, lhe carregou na
caravela 8 mil cruzados de diversas sortes de fazendas por conta de Sua Majestade para a
fortaleza do Pará que havia dois anos se não provia com pagas nem algum socorro.280

No Pará, Bento Maciel lhe forneceu melhor lancha e trinta soldados.


O comissário franciscano Frei Antônio de Merciana mandou com eles
o irmão, Frei Cristóvão de São José, “tão respeitado dos índios que em
poucos dias de navegação pelo rio acima lhe ajuntou quarenta canoas
com mais de mil frecheiros amigos”. Serviu-lhes de guia o amengo
Nicolau — “que os índios haviam tomado no Pará, saindo-se de um
forte que os holandeses lá tinham”, e foi tão exato nos informes que se
acercaram do reduto (Muturu), defendido de centenas de índios aruãs
(“gentio contrário ao nosso”). No primeiro combate mais de duzentos
foram mortos e o forte se rendeu. Capitulou a outra feitoria holandesa,
a dez léguas da primeira, e voltou Vasconcelos ao Pará, a m de
combinar com Bento Maciel o ataque a dois fortes ingleses, mais
abaixo. O capitão-mor já estava em campo. Uniram-se os portugueses
para a ação comum, destruindo ao mesmo tempo uma nau e os
acampamentos dos invasores.281

Antônio Vicente Cochado completou as suas explorações do


Amazonas, sondando-o até quatrocentas léguas acima. Não se
reconhecera o meio de abreviar o trajeto da prata, por via uvial, mas,
expulso o estrangeiro que ameaçava, com as cabeceiras do Amazonas,
as cordilheiras do Peru, cumpria barrar-lhe o passo, com uma fortaleza
na entrada do rio: construiu-a Bento Maciel no Gurupá (1624),
destarte a posição portuguesa mais ocidental da América.

Em Belém refez o forte “de taipa de pilão” com baluarte e torreão,


substituindo a obra de madeira deixada por Francisco Caldeira de
Castelo Branco. E a esperar uma esquadra inimiga, pedira reforços
urgentes para o reino. No Conselho de Estado falou o antigo
Governador Gaspar de Sousa — aliás pessoalmente interessado na
conquista:
Que Bento Maciel não tem qualidade para naquele cargo ser respeitado, e assim convinha
que a ida de Manuel de Sousa d’Eça que lhe vai suceder se apressasse, por ser pessoa de
qualidades e partes e bem recebido dos naturais, levando em sua companhia munições, gente
paga, e ordem para o capitão do Maranhão lhos tomar, de mais de que se podia valer dos
índios petiguares, que é gente de proveito para a conquista
enquanto Bento Maciel podia continuar a luta com holandeses ou
ingleses, onde estivessem.282

Ganhou, em recompensa, a capitania do Cabo Norte (carta régia de


18 de maio de 1631, con rmada pela de 9 de junho de 1615), que lhe
foi de pouco proveito, como veremos.

Manuel de Sousa d’Eça (que desde 1615 conhecia a região), investiu-


se no cargo em 6 de outubro de 1626.283 Retardou-se a combater os
holandeses na Bahia. Revelara-se até aí honesto e leal cavaleiro.

Voltaram os amengos ao Amazonas, porém em 1626. Contou Pedro


Teixeira, para rebatê-los, com o auxílio do Maranhão: 100 homens em
vinte canoas (com 300 índios de séquito) ao mando de Feliciano
Coelho de Carvalho, lho do Governador Francisco Coelho (que em
1627 visitara Belém). Em 21 de outubro rendeu-se o reduto inimigo
(foz do Maracapucu) governado por dois estrangeiros, “um por nome
Gomez Procel e outro Mortonimor, de três a quem Manuel de Sousa
d’Eça dera licença se fossem do Pará para suas terras”.284 Os dois chefes
calvinistas eram James Purcell e Matias O’Mallon.285 Rechaçado o
intruso, Feliciano Coelho se instalou em Belém, onde — inimizado
com Sousa d’Eça — prendeu num cárcere, depois remeteu para o
Maranhão o honrado capitão-mor. Seguiu-se a esta violência um
período confuso. Uma feita Frei Cristóvão de São José, custódio dos
capuchos, aludiu no púlpito à rapinagem de que se acusava Feliciano:
“não espanta que uma cobra mate um veado; em Pernambuco ouvi
dizer que um coelho tragou um navio com toda a sua enxárcia...”. O
convento nessa noite foi apedrejado, e morto, por engano, um frade.286

As queixas dos moradores forçaram o Governador Francisco Coelho


a chamar ao Maranhão Luís Aranha de Vasconcelos, capitão-mor do
Pará. Substituiu-o o provedor da Fazenda, Jácome Raimundo de
Noronha, também para expulsar de entre o Matapé e o Anauirapuci
uns ingleses que lá se tinham forti cado novamente (na ponta de
Macapá): renderam-se em 1º de maio de 1631, os que se haviam
instalado com os tucujus, (margem esquerda do Amazonas) e por m,
em 9 de junho do ano seguinte, o Forte de Cumaú, atacado por
Feliciano Coelho.287

Não foi mais feliz do que Luís Aranha o Capitão-mor Luís do Rego
Barros, primo do governador: irritou os colonos, afrontou-lhes a
rebeldia e teve de fugir para o Maranhão. Elegeu o povo, em Belém,
seu tio Antônio Cavalcanti de Albuquerque (que já governara na
ausência de Jácome Raimundo). Voltou porém Luís do Rego Barros:
sublevou-se a mesma gente, e desta vez o depôs. Passados dez meses —
desvanecida a agitação — recebeu-o paci camente.288

CONQUISTA DO AMAZONAS

O reduto do Gurupá está para o devassamento do Amazonas como o


colégio de São Paulo para o do Tietê-Paraná.

Lograra assegurar a soberania portuguesa “sobre uma ribanceira ou


rochedo, em uma como ponta ou canto que faz a ilha [...] bem na
boca” do Rio Xingu.289

Mas as excursões, rio acima, não foram de ordem a descortinar o alto


Amazonas antes que um acontecimento inesperado alarmasse os
portugueses do Pará: a presença de missionários de Quito, descidos
dos Andes, nessa região virgem de contatos europeus.

Os franciscanos de Quito zeram pazes, em 1634, com os


Encabulados, índios instalados na con uência do Napo, à margem
direita do Aguarico, em luta com os Omáguas (de entre Napo e Juruá),
estes ótimos canoeiros, de civilização superior, parentes dos tupis.290
No ano imediato a Real Audiência despachou alguns frades e soldados
para que estabelecessem uma povoação-forte junto dos “cabeleiras”.
Descon aram eles desses piedosos intuitos e mataram o capitão da
escolta. Temendo a mesma sorte recolheram-se Frei Pedro Pescador e
os companheiros a uma ilha, onde os viu um português do Pará,
Francisco Fernandes,
marinero, que decía haber estado en el Gran Pará, allá por la costa del Brasil, y que nuestro
Rio de Napo sin duda iba a salir à aquella parte; y que, estando allá, habia tenido noticias que
en medio de aquellos rios estaba El Dorado y la Casa del Sol; y que se bajasen por nuestro
rio, darían en aquellas grandesas: con lo cual inclinó los ánimos de algunos codiciosos.

A viagem, pois, foi-lhes inspirada pelo português: e apesar da


oposição de Frei Laureano de la Cruz, se meteram numa canoa cinco
soldados castelhanos, Frei Domingo de Brieva e Frei André de Toledo,
com Francisco Fernandes e dois índios, a 17 de outubro de 1636.
Atingiram Guarupá em 5 de fevereiro de 37.

Comandava o forte João Pereira de Cáceres, que dispunha de vinte


soldados. Sentiu a importância daquela aventura, querendo que
levassem em procissão a canoa à igreja, em ação de graças; e remeteu-
os, muito festejados, para Belém, donde passaram ao Maranhão.
Também Jácome Raimundo de Noronha — sucessor de Francisco
Coelho — não deixou sem conseqüências o feliz ensejo. Expediu para
Madri Frei André de Toledo, com cartas a el-rei, e designou o Capitão
Pedro Teixeira para che ar uma armada de canoas que subiria os rios
até onde fosse possível, demandando depois, sempre com Frei
Domingo de Brieva, as alturas de Quito, a reconhecer essa
comunicação entre o Atlântico e as minas do Peru. Se demorasse um
pouco as providências para a viagem se arriscaria Pedro Teixeira a não
a realizar, pois em Espanha se teve medo à novidade e repugnância por
um itinerário que poderia lançar no Potosi os inimigos de Filipe iv...

O comboio de 47 canoas, de vinte remos cada uma, com 70


portugueses e 1.200 caboclos, largou de Cametá em 26 de outubro de
1637.

Os principais auxiliares do capitão eram Bento Rodrigues de Oliveira,


natural do Brasil, e Pedro da Costa Favela, veterano da fundação do
Pará. Pelo Napo, Payamino, Quijos (hoje província de Oriente, no
Equador) e, por terra, para Ávila, se acercou da grande cidade andina.
Pomposamente recebido em Anaquito, teve por toda parte gasalhado
condigno e curioso. O vice-rei, Conde de Chinchon (em cuja honra a
quinina se chamou “chinchonina”), mandou que regressasse com dois
jesuítas, padres Cristóvão de Acuña (autor de Nuevo Descubrimiento
del gran Rio de las Amazonas, Madri, 1641, livro que fez logo famosa a
viagem) e André de Artieda. Juntaram-se-lhes quatro religiosos das
Mercês, um dos quais fundou o convento dessa Ordem no Pará (1640),
o primeiro da mesma religião em domínios portugueses.291 Pôs-se a
caminho em 10 de fevereiro de 39; encontrou-se na embocadura do
Aguarico com o Capitão Favela, que submetera os Encabelados; e a 10
de agosto se acharam “defronte das bocainas do Rio do Ouro”, ou seja,
a boca do Fiapo. Decidiu Teixeira tomar posse do sítio, como fronteira
entre as possessões castelhana e portuguesa, para a Coroa de Portugal:
e o fez com solenidade, sem se lembrar do meridiano de Tordesilhas
nem de possíveis reivindicações espanholas. Assinalou esse limite;
marcou-o com a posse simbólica; e entrou em Belém em 12 de
dezembro, depois de ter integrado no patrimônio lusitano a maior
parte da Amazônia.

De prêmio teve a nomeação de capitão-mor do Pará (28 de fevereiro


de 1640 – 26 de maio de 41), onde faleceu em 4 de junho de 1641,
portanto depois da Restauração portuguesa, que lhe frustrou o ideal da
comunicação entre o Peru e Belém. O próprio livro do Padre Acuña foi
condenado ao fogo, como instrumento duma aproximação
inconveniente e temerária,292 entretanto inevitável.

VI: O S  

ILHÉUS E PORTO SEGURO

As capitanias do Sul aperceberam-se para a defesa e aumentaram


consideravelmente os seus rendimentos naqueles tristes anos da guerra
de Pernambuco.

A ameaça era comum e o inimigo esperado por toda parte. Renovam-


se os velhos baluartes, os capitães-mores convocam os moradores para
a resistência ao corsário ou ao tapuia seu aliado e as vilas conservam o
aspecto fortalezado do tempo de Mem de Sá.
As duas capitanias — Ilhéus e Porto Seguro — outrora ricas de pau-
brasil, açúcar e farinhas, têm o inimigo às portas: os aimorés que lhas
rondaram, em alternativas de ataques e tréguas, durante o século
todo.293 A animação mercantil circunscreveu-se-lhes às vilas, sempre
alarmadas pelos brados de armas, duma guarnição vigilante: foi
preciso o duplo concurso, dos sertanistas de São Paulo com o seu
método de combater o índio, e dos jesuítas, com o seu sistema de
catequese, para que — de 1674 por diante — as oprimidas populações
pudessem expandir-se pelas terras convizinhas. Veremos — a
propósito dos governos de Alexandre de Sousa Freire, Afonso Furtado
e Câmara Coutinho — como se realizou essa reconquista.

ESPÍRITO SANTO

No Espírito Santo governava — 4º donatário — Francisco de Aguiar


Coutinho. Moíam oito engenhos de açúcar. Os dízimos tinham sido
arrendados por 2.500 cruzados e o valor anual do comércio alcançara
60 mil. A despesa, pelos cofres reais, não passava aí de 694$040. O
interior continuava infestado de tapuios. Os cortes de madeiras e a
produção açucareira animavam uma população rala e corajosa que
tinha no Convento da Penha a sua fortaleza inexpugnável: não se
aventurava nas serras e selvas que escondiam minas lendárias, gentio
esquivo, um continente de mistério, o “ignoto”. As primeiras
explorações feitas nesse sertão perigoso criaram a certeza de que lá
havia esmeraldas, montanhas ou cascalheiras de pedras nas, a
desa arem a iniciativa de portugueses e mamelucos. Marcos de
Azevedo, “encarregado por D. Francisco de Sousa”, dissera ter
descoberto a “Serra das Esmeraldas”.294 Isto em 1611. Em 1651 esse
descobrimento continuava a cargo dos capitães Domingos e Antônio
de Azevedo.295 Transmitira-se como segredo de família. À maneira da
“prata do Muribeca”, foi sonho que encheu o século. De Marcos de
Azevedo a Fernão Dias Pais...

Sabemos que Azevedo subiu o Rio Doce, deixando roteiro que no m


do século xvii servia ainda aos sertanistas.296
Os holandeses jamais conseguiram apoderar-se de Vitória, Foi Pieter
Heyn o primeiro a investi-la — em 10 de março de 1625, com oito
navios. Achava-se ali de passagem para a Bahia, a reunir-se à
expedição restauradora, o jovem Salvador Correia de Sá e Benavides,
com duzentos soldados. Guiava o inimigo um judeu amengo que
morara muitos anos no Espírito Santo, Rodrigo Pedro.297 Morreu no
combate, em que caíram mais de cem atacantes, retirando-se Heyn
consternado pelo duro revés.298

Em 1635, por morte do Capitão-mor Francisco Alemão de Cisneiros,


assumiu o governo da capitania Domingos Barbosa de Araújo,299 logo
substituído por Antônio do Canto d’Almeida.300

Veremos como o Espírito Santo logrou novo donatário: e por pouco


dinheiro (cap. xix).

RIO DE JANEIRO

Martim de Sá honrava, no governo do Rio de Janeiro, as tradições de


sua Casa.

Grande proprietário, sertanista e homem de guerra, esteve à frente da


capitania de 1602 a 1608, de 1620 a 23, e em 1632. Mais importante
função lhe cometeu o alvará de 14 de abril de 1618: continuar a
forti cação de Cabo Frio e reger a capitania de São Vicente (enquanto
durasse o litígio entre os Condes de Monsanto e Vimioso), com “a
superintendência do que tocar à guerra naquele distrito, com
subordinação à pessoa que estiver nesse governo”.301 De 20 de março de
1619 é o alvará criando a ouvidoria-geral do Rio de Janeiro (a que se
deu Regimento em 21 de março de 1630, sendo ouvidor o bacharel
Paulo Pereira).302 Sempre em excelentes relações com os jesuítas —
coerência de família que lhe herdou o lho glorioso — podia dispor
Martim de Sá do auxílio dos índios aldeados, para a defesa da terra.
Enviou com duzentos homens o primogênito, Salvador Correia de Sá e
Benavides, a ajudar a restauração da Bahia em 1625.
Crescera o Rio de Janeiro. Embora arrendados apenas por 3 mil
cruzados os dízimos, em 1609, subira a 200 mil o valor do comércio
anual, e (com o novo sistema do fabrico, como diz Fr. Vicente do
Salvador), a 60 o número dos engenhos de açúcar.303

Julgara-se, é certo, que os holandeses prefeririam estabelecer-se na


Guanabara. Ao saber da expedição que armavam — em 1630 —
mandara Matias de Albuquerque avisos a Martim de Sá, que forti cou
apressadamente o porto. Melhorou a bateria e os muros de Santa Cruz
e concentrou em São João, fronteira àquela, um sistema de três fortes
(Santo Inácio, São João e São Martinho).304 Podia com isto obstar à
entrada da barra. Refazendo os muros da cidadela (Morro do Castelo)
garantia o núcleo principal da população, que, em caso de perigo,
contava com os dois mosteiros altos — São Bento e Santo Antônio —
para neles resistir.

Esses árduos trabalhos ocuparam o governador de 1630 a 32 e


serviram de esboço às obras militares que zeram do Rio uma praça
poderosa.305 Sacri cavam-lhe, porém, o crescimento.

Constringida no Morro do Colégio, a cidade lá se retardava, separada


do porto por ladeiras íngremes, pobre e diminuta.

DESCIDA DO MORRO

O orescimento mercantil das capitanias do Sul, conseqüente à


ocupação de Pernambuco pelos holandeses, criou nas praias do Rio, ao
sopé do Castelo, entre o Carmo e o Valongo, uma nova cidade.

Um papel de 1669 diz-nos:


Ocupado Pernambuco dos holandeses buscou a necessidade do comércio este porto (Rio) e o
trato com as comodidades tão vantajosas que a experiência lhes mostrou, convidou tanto em
breve aos navegantes e moradores que muito à pressa cresceu em povoação, não obstante o
ser a costa ao Cabo Frio para o sul tão tormentosa, e os mares tão grossos pela maior altura,
e temerosos pela vizinhança daquele Cabo. Era esta povoação do Rio de Janeiro poucos anos
atrás nada; hoje a segunda praça, daquele estado, na estimação vulgar; e primeira para os
interesses e aumentos desta monarquia.306

Abriu-se o con ito entre a tradição e a riqueza. O governo queria que


se permanecesse na cidadela, em cima; o negócio exigia o armazém de
beira-mar, a loja da “Rua Direita”, o trapiche, o mercado. A carta régia
de 17 de outubro de 1632 previu a crise e mandou que “a cadeia e a
casa da câmara se conservem no sítio alto e se não mudem para outro
como diz Martim de Sá”. Insistia: “Por nenhuma via se faça obra nem
casa fora da forti cação e escrevendo-se à câmara o muito que convém
forti car-se aquela praça”.307 Martim de Sá representa a resistência à
descida do Morro do Castelo para o porto; seu lho, Salvador Correia,
deu ganho de causa à corrente oposta. Eram gerações que se sucediam:
o primeiro pertenceu ao ciclo da defesa: o segundo, ao da expansão.
Faleceu Martim em 10 de agosto de 1632.308 Dois anos depois a
Misericórdia atendia ao apelo dos mercadores e mudava o hospital
para o pavimento térreo do Convento do Carmo.309 Equivalia à vitória
dos caixeiros sobre os magistrados. Indecisa no governo de Rodrigo de
Miranda Henriques (investido em 13 de junho de 1633), completou-se
no de Salvador Correia (provido por seis anos em 21 de fevereiro de
1637):310 sem mais respeito às proibições, começou este a instalar os
moradores “na cidade embaixo”. A vereação de 18 de julho de 1639
observou: “Esta cadeia e casa da câmara estava em miserável estado”;
“e por estar neste alto tão desviada do concurso da gente e da cidade, o
qual alto está quase despovoado e em estado que breve se acabará de
despovoar”. Parecia-lhe o remédio fazer outra, de pedra, junto do
mar.311 Veio em 1643 o engenheiro francês Miguel de Lescolles, para
reformar os fortes e “traçar uma nova cidade com seus muros e
baluartes do lado de terra e suas defensões pela banda do mar”.
Auxiliado pelo Capitão-engenheiro Mateus Valente do Couto e pelo
Tenente Gregório de Castro Morais, desenhou o arruamento, dando
ordem e sionomia a esse núcleo urbano, assim delineado em
tabuleiro de xadrez, tal como existia no começo do século xx.312

A invasão holandesa do Nordeste favorecia agora o desenvolvimento


do Sul. O alto preço do açúcar incitara a fundação de muitos
engenhos. Construíram-se novos e grandes à volta do Rio de Janeiro.
Dois, deste período, deram nome a futuros bairros: o velho e o novo,
dos jesuítas. “Mais de 40 navios” trocavam ali as mercadorias da
Europa pelo açúcar uminense, tomando-o a mil-réis a arroba.313
Subiam a 25 mil cruzados os dízimos arrecadados em 1639 — contra
18 mil em 1636...314

Justi ca-se a tolerância régia: “Que os o ciais que em cada um ano se


elegem na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro para governo da
cidade seja uma parte deles dos que morarem na povoação e cidade
que a princípio se edi cou em cima”.315

O ouvidor era então — parente de Salvador — Diogo de Sá da


Rocha.316 A vontade do capitão-mor exercia-se, ilimitada. Na
guarnição e no clero apoiava-o gente sua, protegida de sua Casa. Os
vereadores sim, eleitos em parte (el-rei fora peremptório), entre os
habitantes do Castelo, desavindo com os da baixada, e os negociantes,
que não lhes perdoavam as tintas e taxas dos “contratos” — não
somente se lhes opuseram, desde o início, como formaram o ambiente
para a insurreição nal, contra a “oligarquia” dos Sás. Mas vinte anos
se passaram antes disto — em que o valoroso soldado realizou a
missão providencial de sustentáculo da ordem portuguesa no Brasil
meridional.

SÃO VICENTE

A divergência de interesses entre a baixada agrícola e o planalto —


cenário das “bandeiras” — acentuou-se no começo do século xvi: São
Vicente continua (como quis Martim Afonso de Sousa), terra de
canaviais, balizada por engenhos ricos, em contraste com o sentido
pastoril, o caráter instável do povoamento paulista. O “caminho do
mar”, íngreme e penoso, não separava apenas duas vilas de distinta
formação (sertanistas no altiplano, lavradores à beira-mar) mas duas
sociedades que se contradiziam: em cima, hostis aos missionários, os
desbravadores do deserto, que faziam também a caça ao índio,
seminômades, na maioria mamelucos, os homens das viagens
intermináveis; embaixo, afeitos à ordem municipal, lavradores
estabilizados nas terras junto do porto, perto da in uência portuguesa,
mais acessível ao comércio de fora que à barbárie do interior do país.

Em 1609 havia na “Ilha de São Vicente” 14 engenhos.317 Defendiam-


na as fortalezas de Monserrate (18 peças) e Santa Cruz (14).

Esse litoral ao sul do Rio de Janeiro era de dois donatários: D.


Fernando de Faro e o Conde de Monsanto. Pertenciam a este São
Sebastião, São Vicente, Rio de São Francisco e “terra alta de Santana”
(Santa Catarina); e a D. Fernando: Ilha Grande, Itanhaém e Cananéia.
Vasto território, porém — à parte o núcleo vicentino pobre e de
desenvolvimento retardado, foi exatamente o litígio entre os
donatários que lhe deu notoriedade nos conselhos da Coroa: esperaria,
para uma colonização intensa, que a atenção del-rei se voltasse para a
conquista da costa entre Paranaguá e a lagoa dos Patos.318

AS TRÊS VILAS

As três vilas depois de São Vicente — Itanhaém, Iguape e Cananéia —


não prosperaram na primeira metade do século xvii. A primeira
adquire importância em 1624: mas em conseqüência daquela questão.
Debatiam-na os descendentes de Martim e Pero Lopes de Sousa — o
Conde de Monsanto e a Condessa de Vimieiro. Teve ganho de causa
Monsanto; e a Condessa (representando a sucessão de Pero Lopes),
passou a sede de sua capitania (São Francisco do Sul e a Ilha de Santa
Catarina) para Conceição de Itanhaém,319 assim com foros de
principal, embora ornada de uma única igreja matriz. Os franciscanos
zeram aí Convento de Santo Antônio. Iguape — que tinha também
uma só igreja — se animou no m do século, com a jurisdição das
minas de lavagem da Ribeira.320 Cananéia limitava-se igualmente a
uma igreja — ao tempo em que Paranaguá, ao sul, e Santos, ao norte,
oresciam em melhor fortuna.
OS PATOS

Abaixo cava a costa dos carijós — guaranis — ou — entre o território


dos arachãs (litoral do Rio Grande) e Santa Catarina — dos Patos, com
Paranaguá e São Francisco do Sul, baías freqüentadas pelos barcos
castelhanos, e Laguna, onde chegavam os tra cantes, à procura do
índio Tubarão, péssimo sujeito, como diz, em 1605, o Padre Jerônimo
Rodrigues.321 Tubarão reatou o comércio de escravos do Bacharel de
Cananéia, contemporâneo das primeiras expedições. Parecia-se com o
dos negros de Guiné no regímen de resgates, no engodo ou na
violência que sofriam os cativos, e na forma do transporte marítimo. O
jesuíta estranhou “haja religiosos que preguem no púlpito que são os
Patos gordos, e que bem se podem comer, e que haja prelado que
mande cá navio a tal resgate”.322

Em Laguna instalaram a sua missão por dois anos os padres


empenhados na catequese dos carijós e na repressão do trá co. Mas
não puderam com eles; e deixaram para mais tarde o prosseguimento
do seu piedoso trabalho. Em 1631 obteve Martim de Sá que o Padre
Antônio de Matos, provincial no Rio de Janeiro, destacasse os padres
João de Mendonça e Francisco de Morais, “para irem à missão dos
Patos e Rio Grande, a descer índios para as aldeias do Rio de
Janeiro”.323

Somente na segunda metade do século xvii os portugueses cuidaram


de povoar o litoral, de Cananéia à Lagoa dos Patos.

SANTOS

Nos primeiros dias do século começara D. Francisco de Sousa a


levantar a ermida de Monserrate no Morro de São Jerônimo, que
domina o porto de Santos.324

Fora do alcance dos canhões de tantos corsários que rondavam o


oceano, representava, em 1605 ou 1609, o receio dalguma agressão
semelhante à de Cavendish: aliás o aparecimento de Joris van
Spilbergen, em 1615, defronte da vila que o recebeu com heróicos
propósitos de resistência — justi cou a cautela.325 Diferente era a
situação em 1640, quando — vindo da Bahia — Frei Manuel de Santa
Maria lançou os fundamentos do Convento de Santo Antônio, rente à
água. Os beneditinos cuidaram de fazer, nas proximidades, o seu
mosteiro, em 1650.326 Demonstravam con ança; xavam a povoação;
juntavam-lhe galas espirituais. Esse progresso interrompeu-se em
1665: quando a epidemia de bexigas (que correu o Brasil litorâneo)
matou um terço da gente santista, “a ponto de ser fechado o caminho
do mar e interrompida o cialmente a ligação de Santos com São
Paulo”. Passou a peste. Declinou também a vila — diminuída na
lavoura, empobrecida no comércio — em proveito das forças novas
que então remodelaram a sionomia da colônia: o deslocamento para
as minas de Paranaguá, o incremento das expedições sertanistas, a
mudança de numerosas famílias para as margens do Paraíba, o ciclo
do ouro.

No con ito inicial, de dispersão mameluca e de xação portuguesa —


venceu en m o nomadismo paulista.

O GRANDE DESERTO

Há documento, talvez da pena do Padre Vieira, que dá conta do vazio


da terra — tão poucos eram os portugueses no isolamento de suas
cidades e de seus arraiais. Vinha na frente a Bahia com 3 mil
moradores brancos e o seu presídio enorme, de 2.500 soldados: uma
praça de armas. Tinha o Rio de Janeiro, para 2 mil moradores, 600
soldados; o Maranhão reduzia-se a 400 habitantes; no Espírito Santo
contavam-se 500; em São Paulo não passavam de 700; chegavam a 200
em Santos; em São Sebastião, quando muito, 150; Porto Seguro e
Ilhéus davam cinqüenta, cada uma dessas capitanias humildes; podia-
se dizer próspera, Cananéia, com uma centena; mas de nhava São
Vicente, com vinte...327
VII: E 

JESUÍTAS NO PARAGUAI

Na bacia do Paraná formara-se a este tempo um novo valor social: a


obra jesuítica de organização e doutrina do gentio guarani.

Surgiu sem alarde esse império religioso cujas origens estão na


viagem que, à custa do Bispo de Tucumã, empreenderam os primeiros
missionários em busca do sertão paraguaio.

O prelado não pudera prever o progresso da catequese, tal como a


orientaram os padres Salóni, Ortega e Filds, levando ao Guairá a
experiência das “reduções” da Bahia.328 Para estes devia ser uma
surpresa a facilidade com que se lhes submetiam os índios, a riqueza
dos seus campos, a adesão dos principais ao ensino brando e hábil dos
sacerdotes favorecidos das autoridades espanholas: o Adelantado Don
Juan Torres de Vera, que os recebera em 1588, Hernandarias de
Saavedra, que os apoiou...

Con rmou o Geral Pe. Cláudio Aquaviva, em 1604, a criação da


província do Paraguai; e o governo de Madri, em 30 de janeiro de
1609, assegurou aos jesuítas o direito de aldeamento dos aborígines do
Guairá, do Paraná e dos Guaicurus — ou seja, na área entre o
Paranapanema e o Uruguai, a leste, e o Paraguai-Paraná a oeste,
limitando com os portugueses de São Paulo e as encomiendas de
Assunção... Não tardaram os padres em tomar posse de sua ampla
“concessão”, sem perceber que a vizinhança dos “paulistas” era
incômoda e alarmante.

Duas cidades havia na “região de Guairá”: Ciudad Real (fundada em


1557, por Rui Dias Melgarejo, na boca do Piquiri) e Vila Rica do
Espírito Santo (criada pelo mesmo povoador em 1570, na terra dos
ibirajás, sessenta léguas adiante).329
Segundo o autor de La Argentina cerca de 200 mil índios habitavam
vales, montanhas e campos em torno de Vila Rica. Ambas as
localidades arrastaram existência medíocre e em 1601 possuíam entre
50 e 100 moradores brancos. Decerto as alimentava o trânsito de
mercadores que demandavam Santa Catarina, vindos do Peru, fugindo
ao itinerário de Buenos Aires, mais longo, e indesejável dos que
tinham por que se ocultar aos agentes do sco: os “peruleiros”. Os
jesuítas nada quiseram das duas pobres cidades. Em 1603 alguns
soldados de Vila Rica visitaram São Paulo...330

Os padres Cataldino e Maceta, em 1610, foram construir a sua


primeira aldeia, com a invocação da Virgem de Loreto, no
Paranapanema, con uência do Pirapó, onde, virtualmente, terminava,
ao sul, a campina paulista. Logo abaixo, a um quarto de légua,
fundaram San Inácio (1610). No ano imediato os padres Antônio Ruiz
de Montoya, natural de Lima, e Martín Javier Urtazu se uniram aos
dois outros, e a zona das missões se alargou pelos vales do Ivaí
(Huaybay), Pirapó e Tibagi (Tibaxiba):331 era a ocupação metódica.

O PRIMEIRO CHOQUE

Sobreveio o con ito, inevitável.

Já o Pe. Angulo — em 1592 — escrevera ao santo Arcebispo Tomás


de Morgrovejo, descrevendo ao vivo as encomiendas: “No hay
esclavitud ni cautiverio en Barbería ni en galeras de Turcos de más
sujección”.332

A gente de Vila Rica e Ciudad Real recebera com descon ança os


jesuítas. Os mamelucos de São Paulo tomaram a palavra, tanto que se
dissipou o sonho das minas de D. Francisco de Sousa. Parece que os
conteve esse governo de muita promessa e pouco fruto: pois não
esperaram quem lhe sucedesse.

O Capitão Pedro Vaz de Barros alcançou de D. Luís de Sousa a carta


de 5 de agosto de 1611, que o autorizou a arrebanhar os índios no seu,
e no distrito vizinho, para o serviço das minas, a pretexto de que
tinham pedido aos parentes de São Paulo que fossem buscá-los.333
“Eram 32 homens e traziam consigo muitos índios tupis”, contra o
capitão espanhol Antônio de Anasco, que visitava então Vila Rica e,
alertado pelos padres, correu, com 25 soldados, ao encalço dos
mamelucos que “entravam pelo caminho que entrou Jerônimo Leitão
haverá 30 anos”. Deu com eles em território paulista (Itanguamiri),
tirou-lhes quinhentos cativos, e arrostou a soberba de alguns
“caciques” armados de espadas e arcabuzes, dois dos quais foram
mortos sob as vistas dos portugueses — comunicou o o cial a seu
governador, Diogo Marin Negrón, que logo o transmitiu a el-rei.
Para que V. M. se sirva de mandar ao governador da província do Brasil que ponha muito
cuidado em estorvar estas entradas porque nos inquietam a terra e é notável o dano que os
portugueses fazem aos pobres índios porque os tiram de suas terras oprimidos e forçados e
para conseguir este intento têm alguns caciques daquela província de Guaíra ganhados.334

Iniciara-se uma nova época.

Se a colonização espanhola subia em direção aos pinhais de São


Paulo, conduzida pelos missionários, em forma tranqüila, a expansão
portuguesa descia até Guairá, impelida pela cobiça dos apresadores de
índios, cujo trabalho fora facilitado pela própria catequese.

Não tinham de escolher tribos numerosas: bastava-lhes pilhar as


“reduções” onde, mansos e laboriosos, se agrupavam os catecúmenos.
Dois mil em cada aldeia. E ainda enriquecidos pela sua lavoura, pela
pequena indústria, pelos costumes de poupança e paz em que os
educavam os padres, à medida que as igrejas de pedra e cal
substituíam as toscas capelas da primeira hora. A barbárie rondava as
“missões”!

SÃO PAULO... MIRIM

A pobreza estimulava, em São Paulo, esse amor do sertão.


Fora transitória a animação que lá reinou, com as esperanças de D.
Francisco de Sousa.

O velho Salvador Correia, “administrador-geral das minas desta


repartição da banda do Sul”, não se demorou no planalto — em 1616
— nas suas pesquisas apressadas. Nomeou meirinho das minas Pedro
de Morais, fornecedor de mantimentos para a expedição Jorge Neto, e,
tendo de recolher-se ao Rio de Janeiro, deixou no lugar o lho Duarte
Correia Vasques.335 Outro lho seu, Martim de Sá, seguiu para
Portugal, a reclamar providências: a principal, a sua investidura no
governo de São Vicente.336 Os paulistas descreram do ouro. E o rei,
com eles, pois deu Regimento (1618) que permitia a pesquisa das
minas, numa con ssão desanimada do fracasso de D. Francisco de
Sousa e de Salvador Correia337 e numa provocação tardia ao espírito
aventureiro daquela gente. A caça ao índio pareceu-lhe melhor
negócio. Foi agarrá-lo onde, concentrado ou disperso, longe ou perto,
dócil ou agressivo, podia ser tomado com enganos ou à força das
armas — numa obscura sucessão de expedições arrasadoras.

Bem medíocre era a vila, cujo único edifício importante — claustro e


templo — pertencia aos padres que a fundaram. Crescera, com a
chegada de frades do Carmo em 1591 e beneditinos em 1598. Mas a
matriz continuava então de varas e palma,338 como um largo tejupar,
em contraste com a decência e largueza da igreja da Companhia.

“Era tão pequena que o edifício da cadeia, cando junto ao Convento


de São Francisco, já se achava fora das ruas públicas. [...] Ocupava a
área contida pelo colégio dos jesuítas, hoje Palácio do Governo, pelos
conventos de São Bento, São Francisco e Carmo”.339 Não admira que
Itu, Parnaíba e Taubaté disputassem por vezes a São Paulo (até 1720), a
primazia, de riqueza e cultura, naqueles tempos de dispersão
“bandeirante” e simplicidade vilareja.

Estimou um espanhol, que por ali passou em 1682, em “duas


centenas de fogos” a população de São Paulo, sendo as “habitações
construídas à moda dos índios, e no meio das quais avultavam as
taipas do colégio e as da matriz e do Senado da Câmara, que ainda
estava coberto de palha”.340 E o Padre Vieira, em 1695: “Os ditos
moradores” em todo o distrito de São Paulo “são mais de dois mil”.341

Os sertanistas ricos acomodavam-se nas fazendas; preferiam a


independência das casas-grandes, cercadas de “malocas”, de servos e
agregados (ou índios, cuja administração se lhes con ava); ou
fundavam outras tantas povoações, cuja che a lhes dava, ao m da
vida, o prêmio dos duros trabalhos.

No planalto, tudo se submetia à lei do sertão: migrações súbitas,


desintegração dos grupos, patriarcalismo pastoril, ausência de espírito
urbano, a índole errática... De contínuo, na vila semideserta, velhos,
mulheres, crianças cavam à espera da gente válida, que saíra a
sertanear. As “entradas” iam desbravando. Adolescentes inscreviam-se
nelas, para as jornadas longas; depois faziam família à parte; e — cabos
ou capitães — comandavam outras tantas expedições, com os lhos, os
sócios, os índios mansos.

No ciclo guairenho aparecem os paulistas com a designação


imprecisa de mamelucos ou portugueses de São Paulo: inconfundíveis,
raça distinta, bárbara e andeja... Constituía-se o grosso da bandeira de
caboclos (do tupi, caboco, gente da selva) ou mestiços, que falavam a
língua indígena e, à sua maneira, faziam lavoura, acampamento,
viagem, guerra. Adiantavam-se, para se apalavrarem com as tribos, os
pombeiros (do angolês, pombe, ou pombo, espião ou guia), que as
enganavam com presentes e promessas. Deles diz a devassa que em
1623 se fez da morte de um principal por “pombeiros dos brancos,
quando se dirigia àquela vila (São Vicente) com toda a sua gente, para
se converter à religião católica”.342 Não importava a origem dos Cabos:
de Portugal, como o velho Ramalho, Antônio Raposo Tavares; netos de
dalgos vindos com os governadores, como Fernão Dias Pais; ou
campeiros que mal sabiam português, como Domingos Jorge Velho...
Essencial era a disciplina, que dava à expedição unidade e destreza. Se
o espírito de iniciativa era do capitão branco ou mameluco, a
agilidade, a resistência, a sobriedade, as astúcias sertanejas eram do
caboclo. E a religião temperava os desatinos da aventura. Só não
impedia o saque das missões, o trá co e a mortandade dos índios, a
luta inclemente, e por vezes inútil. Inspirava o respeito de muitas
normas de conduta (o testamento dos que morriam, os “votos”, os
compromissos jurados, a devoção comum); e podia compensar a
brutalidade das destruições com a piedade de igrejas e capelas feitas no
caminho das bandeiras, como núcleos das novas povoações.

Empenhavam-se em descer o gentio. Também, despovoando,


semeavam arraiais e aldeias. Rasgavam os itinerários. Levavam os
limites da conquista até onde esbarrava na ocupação espanhola.

PARNAÍBA E TAUBATÉ

Essa desintegração paulista (passada a fase quinhentista da


concentração defensiva) começara com os acampamentos mineiros de
D. Francisco de Sousa. Sobre o Tietê, assinalou Santana de Parnaíba,
em 1625, uma divergência administrativa (a vila nova contra a velha) e
uma incompatibilidade típica (a independência rural contra os estilos
urbanos). Estranharam os vereadores de São Paulo que “Álvaro Luís do
Vale sendo capitão e ouvidor pelo Conde de Monsanto e donatário”,
fundasse “vila em Parnaíba, contra forma de direito e leis”.343

Baltasar Fernandes com doze lhos representou o papel


revolucionário de criador de cidades ao sabor da ânsia de espaço...
Com o primogênito, André, zera Parnaíba. Seu lho Domingos
fundou Itu (1651). Outro, atraído pelos campos de Sorocaba (desertos
desde as pesquisas de D. Francisco), lançou os alicerces da vila deste
nome,344 chamando após si os beneditinos345 cujos conventos de
Parnaíba e Sorocaba rapidamente oresceram. Os mesmos monges
zeram hospício em Jundiaí (1667).346 Os carmelitas estavam em Moji
das Cruzes (fundada em 1600) em 1629. Os franciscanos, em Santos
em 1639, depois de fundarem casa em São Paulo, em 1640,
procuraram São Sebastião (1664), Itu, Itanhaém (1654).347 Em 1674
estabeleceram-se em Taubaté, com o Convento de Santa Clara.348
Taubaté (taba-etê), no Vale do Paraíba, onde chegara Jaques Félix em
1636–9, corresponde a uma etapa do deslocamento para a
Mantiqueira, terras de puris e cataguases, talvez as minas de prata e
esmeraldas de Marcos Azevedo... Munido de uma provisão do capitão-
mor de Itanhaém (20 de janeiro de 36), o povoador levantou primeiro
uma casa-forte; em 1645 criou a vila.349 Desenvolveu-se depressa: e
erigiu-se em rival de São Paulo. Domingos Leme foi adiante e fundou
Guaratinguetá, em 1651.350 Taubateanos e paulistas detestaram-se:
assim estes e parnaibanos, e sorocabanos, e vicentinos ou santistas...

O tipo feudal dessas prevenções, o seu caráter de lutas tribais,


comandados os partidos por bravios patriarcas — documenta-se no
caso célebre de Pires e Camargos.

PIRES E CAMARGOS

Em 1692 escreveu o governador-geral: “A Vila de São Paulo há muito


que é república de per si, sem observância a lei alguma, assim divina
como humana”.351

Aludia ao latente estado de revolta — que no episódio dos Pires e


Camargos pusera de manifesto o poder das famílias desavindas:
divididas por um ódio selvagem, porém prontas à resistência comum
contra os magistrados prepotentes, os jesuítas que falavam da
liberdade do gentio e os capitães-mores que pretendessem obstar-lhes
as “bandeiras” que o “desciam”.

Começara a guerra das duas famílias em 1640. No ano seguinte Pedro


Taques (cunhado de Fernão Dias Pais) foi morto por Fernão de
Camargo, o “Tigre”. Os da parcialidade da vítima se retiraram para
Parnaíba em hostilidade aberta, não só à gente inimiga, como à Vila de
São Paulo.352 Reavivou-se a questão em 1653, em situação inversa: os
Camargos tiveram de ir pedir justiça à Bahia, pois os Pires se apoiavam
no ouvidor-geral do Rio, João Velho de Azevedo. Depois de ouvidor da
vila, José Ortiz de Camargo obteve do governo-geral ordem para ser
reempossado e surgiu em São Paulo com “muita gente branca armada
além do gentio em armas”. Os jesuítas, com os demais “prelados
religiosos dos mosteiros” — num termo de concerto e composição, em
9 de janeiro de 1654 — serviram de mediadores, para que retomasse o
cargo, mas respeitando os “capítulos de correição” deixados pelo
ouvidor-geral (amigo dos Pires). Quem não concordou foi o ouvidor-
geral. Voltou zangadamente a São Paulo, abriu devassa sobre os
tumultos e crimes da facção dos Camargos, e a remeteria aos juízes da
Bahia — o que seria o mesmo que os indicar à pena de morte — se
não interviesse o bom senso do Conde de Atouguia. Ouviu os
procuradores dos partidos (o dos Pires era o letrado Francisco Nunes
de Siqueira, o dos Camargos o próprio José Ortiz) e decretou que as
duas famílias rivais elegessem número igual de eleitores para a câmara
(provisão de 24 de novembro de 1655). Escreveu também (2 de
outubro de 56) palavras suasórias aos vereadores de São Vicente e São
Paulo. Clementes, porém rmes. Que se paci cassem! O remédio não
podia ser mais razoável. Pois o motivo de se renovarem sempre as
querelas era o governo do município — que nele servissem “tantos
o ciais de um bando como do outro, para que com essa igualdade
cessem as inquietações que de a não haver se acenderam naquele
povo”.353

Tornou a rusga a dividi-los em 1658. Os vereadores abandonaram a


vila à incontinência dos mandões embravecidos. Um morador (1659)
pediu-lhes que deixassem reparar o caminho do mar... “que se não
sabia por onde ir”.354 A briga paralisara a administração. O jeito foi
interferir o Ouvidor Pedro de Mustre Portugal, ordenando que se
zesse a eleição pela forma das Ordenações, de maneira a recair em
pessoas alheias às famílias incompatíveis. Não se cansaram os jesuítas
no seu trabalho de conciliar os ânimos. Conseguiram en m que se
rmasse no próprio dia de São Paulo (25 de janeiro) de 1660 o pacto
de paz, com a assistência dos eclesiásticos da terra, o que lhe dá um
peculiar interesse espiritual.355

Aparece então Salvador Correia diferente do que se a gurara até aí


aos paulistas ciosos de sua autonomia e de suas armas: mensageiro
duma disciplina oportuna e quase sentimental. No tratado de
conciliação se dizia que à míngua de entendimento entre os capitães e
seus aliados caíra a
vila no mais miserável estado que se podia considerar, porquanto a maior parte dos
moradores a tinham desamparado e se iam metendo no sertão e matos, fazendo novas
povoações e domicílios, vivendo sem sossego mui atrasados e diminutos em seus cabedais e
lavouras.

A paz de 1660 foi o ponto de partida para as atividades do “ciclo


mineiro”.356

Os mamelucos renunciam tacitamente às desordenadas incursões


atrás do gentio dócil. Ouvem a palavra do governo — da metrópole, da
Bahia, do Rio de Janeiro, de São Vicente — e o seu convite, para as
viagens descobridoras de que necessitava o Estado. Primeiro entre os
seus conterrâneos, Fernão Dias Pais se oferece para che ar o
movimento que principiou com a busca infrutífera das esmeraldas e
acabou desvendando as minas gerais.

O COLÉGIO

E os jesuítas do colégio, a cuja sombra surgira São Paulo?

Em 1611, no papel de D. Luís de Sousa, foram dados como favoráveis


à entrada de Pero Vaz.

Mas a Real Cédula desse ano, mandando respeitar a liberdade dos


índios, os achou dispostos a cumprir a todo custo o dever apostólico.

Logo a 10 de junho de 1612 vereadores e povo — representado pelos


melhores sujeitos da vila — declararam não se conformarem com a
direção, pelos padres, das aldeias indígenas, e a intenção de tomar-
lhes, para o serviço das minas, os catecúmenos disponíveis, votando
além disto uma recomendação, para que as povoações destes se
distanciassem quatro léguas umas das outras, nem passassem de
duzentas almas.357 Um dos vereadores que assinaram a intimação foi
Antônio Raposo.358 Seu homônimo Antônio Raposo Tavares, quinze
anos mais tarde, assolou a “província do Guairá”359 à frente dos
clavineiros mamelucos, terror dos guaranis.

O dissídio de missionários e paulistas se de nira. Nem seria local. O


mesmo “clima” econômico do Rio de Janeiro, do Maranhão, do Pará,
estenderia às outras capitanias onde se travava luta semelhante —
entre a religião e o trabalho, à roda da liberdade dos índios — o mal-
estar resultante da pertinácia de uns e da ganância dos demais. A
história é longa...

GUERRA DE CORSO

Depois da incursão de Pedro Vaz de Barros, Sebastião Preto — em


1612 — e Lázaro da Costa — em 1615 — freqüentaram o Vale do
Paranapanema aprisionando, às centenas, o gentio inerme.360 O
mesmo Sebastião Preto desceu, com uma companhia de soldados, em
socorro de São Vicente e Santos ameaçados pelos holandeses em
1615.361 O perigo externo talvez retivesse por esse tempo os sertanistas
próximos da Marinha. É quando Martim de Sá obtém autorização para
que os padres transportassem do porto de Patos para o Rio de Janeiro
centenas de índios.362 Em 1619 regista-se a expedição truculenta de
Manuel Preto — que atingiu San Inácio.363 A ser verdade, resultara
inútil a devassa aberta em São Paulo pelo Desembargador Antão de
Mesquita, na “residência aos capitães que haviam servido nos dez anos
precedentes, perguntando especialmente sobre matérias do sertão pelo
escândalo e devassidão que delas tinham resultado”.364

Os jesuítas preferiram afastar-se daquela fronteira insegura. Não


poderiam manter muito tempo os estabelecimentos do Paranapanema,
apenas a “dez jornadas de São Paulo”.365 As próprias cidades — Vila
Rica e Ciudad Real — desapareceriam cedo ou tarde: pagaram a
cumplicidade com os mamelucos... Em 1622 os padres Montoya,
Cataldino e Salazar fundaram nas nascentes do Tibaji — San Francisco
Xavier. Três anos depois, à margem esquerda do mesmo rio, San José,
e, no Vale de Ibitirembetá, Encarnación. Em 1626, no Ivaí, San Pablo; e
em 1627, Arcángeles e Concepción; San Miguel e San Antonio, ao
oriente, no caminho de Santa Catarina... A redução de Jesús y Maria,
na Serra dos Tapes, é a última deste período.

Simultaneamente o Padre Roque González estendia a catequese ao


alto Paraná e ao Uruguai (penetrando o território que seria Rio
Grande do Sul).366 Aí se consolidou a colonização espiritual, alhures
destinada a breve fracasso. Foi a linha misionera, que a investida dos
“portugueses de São Paulo” não logrou quebrar.

Recrudesceram entretanto, em 1623, as atividades sertanistas. “Que


esta vila (São Paulo) estava despejada pelos moradores serem idos ao
sertão”...367 Já no ano seguinte o retorno dos holandeses às águas sul-
americanas os obrigava a atender à defesa de Santos. Folgaram com
isto os guaranis. Até que lhes apareceu o governador do Paraguai, que
fez por terra comprida viagem, D. Luís de Céspedes Xeria.368 De
passagem pelo Rio de Janeiro se casara com uma sobrinha de Martim
de Sá, lha do Capitão Gonçalo Correia de Sá que, em 1626–32,
governara São Vicente.369 Em Santos intimou os paulistas a não
invadirem terras de sua jurisdição. Mas o guia que lhe deram, para
conduzir o comboio Tietê abaixo, foi o famigerado Manuel Preto!
Enlaçou-se destarte nos interesses portugueses e não fez bom
semblante aos jesuítas, que disto o acusaram. Empossou-se em Ciudad
Real, a 8 de novembro de 28. Logo, em carta para Madri, denunciou as
atrocidades dos paulistas, e como lhes temia a arremetida
desdenhando as ordens do seu governo: “Lo saben y no lo remedian”.
D. Luís protegia-os — redargüiram os padres, lembrando ter ele
recebido em dote um engenho de açúcar, para o qual mandou logo
centena de índios... Manuel Preto e André Fernandes — (fundador de
Santana de Parnaíba em 1625)370 que fora levar-lhe a esposa até Guairá,
em 1628, cometeram incríveis atentados contra as “reduções”. A
viagem de D. Vitória de Sá ao Paraguai — disseram os jesuítas — fora
pretexto para estes desaforos. Além de Fernandes, acompanhou-a
um primo da dita sua mulher, cavaleiro do hábito de Santiago, chamado Capitão Salvador de
Sá e Benavides, o qual trouxe mais de 30 soldados portugueses e dois frades com quem
passou para a província do Rio da Prata com ciência e consentimento do Governador D. Luís
de Céspedes e o dito Capitão Salvador de Sá e sua prima vieram pelo rio chamado Anembi
sair nas reduções que têm os padres da Companhia de Jesus, donde zeram a viagem até esta
cidade (Assunção).371

DESTRUIÇÃO

Foi em princípios de agosto de 1628.372

Uns novecentos brancos e 3 mil índios arrojaram-se de São Paulo


“com bandeiras, como se fossem levantados contra a Real Coroa”,
dirigidos por Manuel Preto (“autor de todas essas malocas”, disseram
os padres373 e pelo português Antônio Raposo Tavares, cujos principais
ajudantes eram Antônio Pedroso, chefe da vanguarda, e Salvador Pires,
da retaguarda, Pedro Vaz de Barros, já nosso conhecido, Brás Leme e
André Fernandes). Os melhores homens da vila: dois vereadores, o
procurador do conselho — a câmara em peso! — lho e genro do
ouvidor de São Paulo e Santana de Parnaíba, o respeitável Amador
Bueno da Ribeira, a quem D. Luís de Céspedes intimara a proibição
dessas incursões “de manera que en San Pablo, fuera de los viejos que
por su vejez no podían ir, apenas quedaran veinte y cinco hombres que
pudiesen tomar armas”. Cruzaram o Tibaji em 8 de setembro e
acamparam atrás de paliçadas perto da aldeia de Encarnación.
Detiveram em seguida um grupo de catecúmenos, que colhia as suas
folhas num erval, e não os entregaram ao Padre Antônio Ruiz, que
saíra a reclamá-los. Reuniram os padres 2.200 índios e se puseram a
parlamentar, arrastando-se as discussões, sem um ato formal de
guerra, até 30 de janeiro seguinte. Agravou a situação o homizio dado
pelos religiosos a um “cacique” fugido do campo paulista. Um troço de
mamelucos queimou a missão do Padre Mola (San Antonio) e levou-
lhe uns 2 mil silvícolas. Foi o sinal para piores desatinos. Em 23 de
março tomaram San Miguel, abandonada pelos padres, e logo Jesus
Maria, a ferro e fogo, insultando os sacerdotes, violando as igrejas,
roubando tudo.

Adotaram os jesuítas um recurso desesperado: largaram as aldeias de


Encarnación, San Pablo, Arcángeles e Santo Tomás Apóstolo, e
dispersando o gentio, incumbiram os padres Maceta e Mansilla de
pleitear em São Paulo e na Bahia a liberdade dos prisioneiros, cujo
número subia — quem sabe? — a 20 mil.

Em São Paulo, evidentemente, nada podiam fazer os dois religiosos,


que viram, consternados, a distribuição dos novos escravos pelas
pessoas principais, e o próprio governador, intimidado entre os
sertanistas ufanos.374

Estavam em outubro de 1629 na Bahia.

É do dia 10 o seu memorial narrando a el-rei as crueldades


ocorridas.375

IMPUNIDADE

Diogo Luís de Oliveira não mostrou boa vontade aos jesuítas.


Con rmou a opinião de D. Luís de Céspedes, que nenhum auxílio dele
recebera para a sua viagem. Dizem que lhes deu cartas, para que os
mamelucos não voltassem a cometer os crimes habituais, porém como
não tivessem efeito, se recusou a rati cá-las, deixando-os impunes.376
Junta a indiferença da Bahia à cumplicidade do Paraguai (D. Luís de
Céspedes não socorreu as missões nem perseguiu os invasores) — era
como se gozassem os paulistas de liberdade irrestrita.

Na Europa a indignação se manifestou tardia e inutilmente. Só em


1641 o Conselho de Índias, de Madri, “começou a ter notícias das
excursões dos moradores de São Paulo”.377 E porque os portugueses
estavam em armas contra Espanha. Não fora isto — e o conselho
continuaria calado. Os missionários sim, escreveram e falaram com
veemência e bravura: o seu desespero impressionou o mundo católico,
as cortes e a Santa Sé. Só não impressionou a gente do planalto.
Realmente, de novo em São Paulo em 1630, o Padre Mansilla contava
as novas proezas dos sertanistas.
Antônio Pires, de Parnaíba fora “aos con ns do Paraguai” insultar os
padres e aprisionar o gentio. E então (9 de julho de 30) outra bandeira
saía, com “200 índios ou trezentos de diferentes moradores”, e “duas ou
três companhias” destes, para igual depredação.378 Pode ser a
expedição de Antônio Raposo Tavares (1631), que não se limitou a
assaltar as aldeias dispersas. Arrojou-se sobre Vila Rica do Espírito
Santo quando a visitava o próprio bispo da província, Frei Cristóbal de
Aresti. Debalde o prelado tentou afastá-lo. Ordenou — para obviar à
mortandade — o abandono do lugar. O mesmo fez o Padre Montoya
em Loreto e San Inácio. Embarcou em canoas o que melhor restava nas
aldeias e se recolheu a Ciudad Real. Inseguro, também ali, deslocou-se
para o sul do Iguaçu, enquanto os espanhóis, moradores de ambas as
vilas, iam estabelecer-se em Curuguati. Tiveram paz nesses campos:
mas até 1676.379

Volveu o silêncio aos vales do Tibaji e do Paranapanema, onde a selva


escondeu as ruínas das povoações saqueadas.380

Praticamente houve uma expansão territorial, partida de São Paulo,


que empurrou a gente de fala espanhola para a região dos Tapes (ou
Missões, nome que conserva): e a área de exploração sertanista se
ampliou, com os campos outrora compreendidos na “província de
Guairá” e o “sertão de Patos”, seguidamente cruzados — após a
destruição de Ciudad Real e Vila Rica — por Fernão de Camargo e
Luís Dias Pais (1635 ),381 ainda Antônio Raposo (1636), Francisco
Bueno (1637), Fernão Dias Pais e Domingos Cordeiro (1638). Dessas
expedições em direção ao Uruguai diremos adiante.

Os governadores-gerais continuaram estranhos aos feitos e aventuras


dos paulistas. Não se lembraram de agravá-los com uma intervenção
qualquer; mesmo os esqueceram, quando foi preciso apelar para a
intrepidez dos homens de Piratininga. O Conde da Torre, para
levantar nas capitanias do Sul uma força que o acompanhasse a
Pernambuco, perdoou os crimes de quantos se apresentassem. Tal
jubileu precedeu de pouco a expulsão dos jesuítas.

Í
EXPULSÃO DOS JESUÍTAS DE SÃO PAULO

O con ito entre padres e mamelucos reavivou-se com o êxito da


missão de dois — jesuítas Montoya e Diaz Taño — a Madri e Roma,
em 1637–9.

Certo, o governo espanhol não se comoveu somente com as razões


apostólicas. Temeu que os paulistas fossem adiante e pusessem em
perigo os caminhos do Peru pelo Paraguai, como, na década anterior, a
presença de holandeses e ingleses no Amazonas ameaçara, pelo Norte,
as comunicações do Potosi. Em 1638, desviando-se dos Tapes,
alcançaram a província do Itatin, a oitenta léguas de Santa Cruz de la
Sierra. Ponderou o Conselho de Índias:
Si los cristianos nuevos de que esta sembrado todo el Perú, se dan la mano con los que ansí
entran por el Itatin (judios portugueses, holandeses y franceses) y estos com los indios
chiriguanaes, la provincia del Paraguay está arriesgada, pues de cuatro ciudades que tenía le
faltan las tres y sólo queda la Asunción cuyos moradores apenas pueden defenderse de los
guaycurues, indios de guerra de sus contornos.382

Propôs medidas drásticas, sem esquecer a Inquisição, que devia


tomar contas aos “cristãos-novos”. El-rei contentou-se com muito
menos. Aliás a restauração de Portugal, no ano imediato, inutilizou as
providências previstas, ou em começo de execução. O Padre Ruiz de
Montoya conseguiu a Real Cédula de 16 de setembro de 1638, que
autorizava o armamento do gentio aldeado, a m de resistir — em
ordem militar — aos mamelucos.383 Ao Padre Taño não foi difícil obter
de Urbano viii o Breve que revalidou, no Brasil, a Bula de Paulo iii em
favor dos índios peruanos — para que fossem excomungados os
escravizadores...384 Ambos os diplomas eram da maior importância.
Sobretudo o que permitia a arregimentação, em forma de guerra, dos
catecúmenos, até aí surpreendidos no seu ingênuo paci smo pelos
sertanistas.

As “milícias guaranis”, que falaram à imaginação dos lósofos do


século xviii, surgiram assim: lícitas, defensivas, con adas ao senso
organizador dos religiosos, logo temíveis, pelo número e pelo valor.

É
É imaginar a emoção causada no Rio de Janeiro pela presença do
Padre Taño, munido do Breve pontifício.

Não precisou ir a São Paulo.

Lá explodiu a desordem, apenas se soube das novas disposições da


Companhia de Jesus.

A proximidade das datas do motim — 22 de junho no Rio e 25 de


junho de 1610 em São Vicente — revela a comunhão de interesses
entre as duas capitanias.

Salvador Correia obstou a que a populaça atacasse o colégio, e, sob os


seus auspícios, se concertou o modus vivendi, segundo o qual os
jesuítas só se imiscuiriam nas aldeias, fechando os olhos aos índios que
os moradores tivessem em casa, e exculpando-lhes as injúrias.385

O acordo não era possível no planalto.

Os paulistas tomaram ares de povo em revolta e deram solenidade à


decisão extrema.

Juntaram-se em São Vicente os procuradores desta, e das vilas de São


Paulo, Santos, Santana de Parnaíba, Santana das Cruzes, Nossa
Senhora da Conceição, Nossa Senhora das Neves do Iguape e São João
de Cananéia — e depois de acerbas queixas dos padres, sem lhes
esquecer o sebastianismo (“com juramentos que temos outro Rei
vivo”), concluíram por votar a expulsão “com protestação de nunca
mais os admitir nela” num prazo de seis dias.386

O golpe foi terrível para os sucessores de Anchieta contra quem se


levantavam os lhos da terra: Amador Bueno, Fernão Dias Pais,
Prados, Lemes, Pires e Camargos. Quiseram iludir a intimação. Houve
nova “junta” em 7 de julho, e a 10 e 13, com tal alvoroço que o Padre
Reitor Nicolau Botelho deixou os bens do colégio (“currais, como
fazendas, moinhos, vinha e mais bens”), com um procurador (o
vigário Pe. Manuel Nunes) e se passou com os companheiros para a
beira-mar, onde não prevaleciam as mesmas hostilidades.
Os mamelucos não agiam às tontas. Certos da repressão, que não
demoraria, foram além. Negando qualquer conciliação com os
missionários, na vereação de 17 de maio de 41,
requereu o dito Povo que se não mandassem farinhas nem mantimentos alguns ao Rio de
Janeiro, e se fechasse o caminho do mar, e comunicação que havia com a Vila de Santos, e se
noti cassem os senhores dos moinhos com graves penas não moessem farinhas.

E comissionaram o mais in uente dos moradores, Amador Bueno,


para ir justi car em Lisboa, perante D. João iv, que acabava de ser
reconhecido rei, as alterações havidas.387

As providências de guerra em São Paulo dirigiam-se contra Salvador


Correia, que em São Vicente e Santos logrou sossegar os espíritos, sem
ousar, porém, chocar-se com a intransigência dos homens de
Piratininga. Sabiam da sua afeição aos jesuítas. Não foram muitos os
amigos da Companhia éis e coerentes como aquele neto e lho de
protetores dela.388 Recebe-lo-iam de armas na mão.389 Salvador preferiu
negociar. Mandou-lhes mensagem cordata — de que resultou um
convênio singelo. As minas seriam administradas por um triunvirato,
dois paulistas e uma pessoa de Santos nomeada pelo governador; e não
investigaria sobre as culpas e responsabilidades dos agitadores...

El-rei, é verdade, ordenara que se devolvesse aos padres o que era


deles.390 E, de resposta às reclamações dos paulistas, nomeara Salvador
Correia governador e administrador-geral das Minas de São Paulo (24
de setembro de 1643), para aquietá-los.391

SEPARAÇÃO DAS CAPITANIAS DO SUL

Simultaneamente, mandou el-rei que Salvador Correia tivesse “com


absoluta independência” do governador-geral, os poderes deste na
“Repartição do Sul”, constituída das capitanias do Rio de Janeiro, São
Paulo e São Vicente. É o que reza o Regimento que se lhe passou em
1644,392 con rmado — depois dos sérios acontecimentos que vamos
narrar — em 1658, com a cláusula insistente, de “nenhuma
dependência do governador e capitão-geral do Estado do Brasil”. Este,
na verdade, tão ocupado se achava com a guerra aos holandeses, que a
separação era antes alívio do que corte de autoridade. Tinha a
vantagem ocasional de habilitar Salvador Correia a apaziguar os
paulistas, a quem desde logo se consentia ir buscar os índios “ao
sertão”, desde “que não entrem em aldeias onde os religiosos os
tenham já submetidos”. Acompanhou-se a concessão (alvará de 7 de
outubro de 1647) do perdão geral, que lhes mandou D. João iv,
contanto que recebessem de novo os jesuítas, encarregados, como até
aí, da administração daquelas aldeias. Está-se a ver, nessa ambigüidade
(licença para a descida do gentio e proteção vaga das aldeias dos
padres...) a reconciliação aceita e defendida pelos paulistas mais
moderados, ou mais in uentes. Consumou-se por escritura de
composição, de 14 de maio de 1653; e o próprio Fernão Dias Pais “os
foi em pessoa buscar ao Rio de Janeiro à sua custa e os tornou a meter
de posse neste colégio onde estão, com sua muita autoridade e foros do
seu poder”

REAÇÃO DOS PADRES

Nas reduções do Uruguai, entretanto, os missionários pareciam agora


(e justi cadamente) diferentes dos apóstolos do Paranapanema.

Não esperaram a autorização régia para se armarem. O Provincial Pe.


Diogo de Boroa teve a iniciativa da primeira organização defensiva:
Deviam os padres mobilizar os seus neó tos, porquanto, diziam, não somente perigava a
liberdade dos índios das reduções, seus bens e sua vida, senão também a autoridade dos
ministros do Evangelho, a qual não podia consentir semelhantes devastações e pilhagens.

Os irmãos coadjutores, antigos soldados, Antônio Bernal e João de


Cárdenas, instruíram em ardis militares os guaranis (1635). Mas não
puderam conter em 1636 Antônio Raposo Tavares. Entrou este pela
região dos Tapes (entre a serra geral ao norte e a Serra dos Tapes ao
sul, tendo por limite a oeste o Jacuí), com 120 paulistas e mil índios,
após rude combate tomou a aldeia de Jesus Maria (à margem esquerda
daquele rio), em seguida as reduções de São Cristóvão e São
Joaquim.393 O clamor da invasão voou às mais distantes povoações, e
acorreram os padres Diego Alfaro e Diego de Boroa, com levas de
catecúmenos. Retrocederam os bandeirantes para o seu reduto de
Taquari, e, com milhares de cativos, retomaram o rumo de São
Paulo.394 Recomeçou a guerra Francisco Bueno (irmão de Amador, o
“aclamado”), com outra poderosa expedição, apoderou-se da aldeia de
Santa Teresa com 4 mil almas, andou pela zona do Ijuí, chocou-se com
a resistência dos missionários e voltou com muitos prisioneiros.395
Logrou Fernão Dias Pais (em 1638) resultados equivalentes —
acabando com as reduções de Caaró e Caaguá.396 Parece que foi a
última bandeira que abriu à ponta de espada o seu caminho pelas
terras dos jesuítas. Os recentes reveses aconselhavam a união das
aldeias, sob o comando de padres e chefes indígenas, como o valente
Nicolau Nenguiru, cujo nome se tornou lendário em toda a
província.397 Já em Candelária (1638) uma partida de caçadores de
índios fora dizimada. Não escaparam ao castigo os mamelucos
tresmalhados na vastidão dos campos. Animados pelas ordens trazidas
por Taño e Montoya, os demais missionários podiam apresentar — em
1641 — um exército respeitável: foi o que aniquilou no Mbororé a
bandeira de Jerônimo Pedroso de Matos e Manuel Pires.

Cresce de importância a batalha, pelo prestígio que deu às “milícias”


missioneiras.
Vinham 450 portugueses bem armados com armas de fogo e 2 mil índios tupis seus amigos,
gente feroz, todos os quais foram rebatidos pelos índios das reduções por espaço de 8 dias
contínuos com morte de muitos portugueses e tupis, de sorte que os obrigaram a fugir com
grande perda, com que os índios se animaram mais, e os seguiram.398

Manejando os arcabuzes, cerrando leiras, éis aos padres, já não


eram os pobres catecúmenos de ontem. Brigavam com energia viril.
Quando se habituaram ao cavalo, e, de lança em punho, deram de
correr pela planície, em guerrilhas velozes e mortíferas, desapareceu o
índio fatalista, oscilante entre a obediência ao pároco e o terror do
bandeirante, para surgir o campeador das coxilhas, ascendente guarani
do gaúcho. A elaboração deste tipo histórico pertence ao século
seguinte.
Termina ali o ciclo das devastações erráticas.

Deslocara-se o eixo das incursões do Vale do Paraná para o Paraguai


e o Uruguai. Bateu em retirada Manuel Pires — depois do fracassado
ataque a São Francisco Xavier e São Nicolau — deixando “mortos,
feridos e afrontados a or dos sertanistas de São Paulo e do Brasil,
inimigos declarados desta atormentada Cristandade e de seus
doutrinadores”.399

A reação de 1641 resguardou da destruição as missões ao longo do


Rio Uruguai. Retardou de um século a incorporação na Coroa
portuguesa do território a leste do Jacuí.

INQUIETAÇÃO CONSTANTE

De fato, reinstalados em São Paulo, continuariam os jesuítas à mercê


dos tumultos do povo, como, àquele tempo, no Maranhão e no Pará.

Em 1677, só porque o Governador Matias da Cunha mandasse pôr


em liberdade um índio que chegara à Ilha Grande, cativo, a nobreza
paulista, com os procuradores de Parnaíba e Moji, se reuniu no
próprio colégio e trovejou: “Vinha deliberado a botá-los fora por
suspeitarem que por sua via deles religiosos havia vindo aquela
ordem”. Não dizia que lhes atribuíam também os reveses da região dos
Tapes. Os padres negaram; e prometeram que não seria cumprida em
São Paulo...400 Matias da Cunha acalmou-os, dizendo que se tratava de
um “pobre índio”, forro. Pior foi o sucedido em 1682 — com as novas
ordens sobre a administração do gentio e o tributo que o Bispo do Rio
de Janeiro impôs às “peças” descidas do sertão. Começou a agitação
em 28 de março; irrompeu, em 8 de julho, em forma de revolta à mão
armada — como em 1640.401 Os vereadores tidos por fracos escaparam
de morrer, caçados pelos sediciosos; muita gente fugiu da vila;
Bartolomeu Fernandes de Faria (depois “régulo de Jacareí”) foi
compelido a ocupar o caminho do mar, para que não subissem
soldados de Santos. O povo exigiu que casse claro, na ata então
lavrada:
Não queriam nem convinha que os tais corregedores viessem à sua pátria interromper as
provisões do foral da capitania que eles com aquelas armas que nas mãos tinham haviam de
matar os ditos senadores e todas as mais pessoas que contra a sua oposição fossem.

Não foram. Mais arrogantes se tornaram os paulistas com o ato do


Marquês de Cascais, donatário da capitania, que lhe transferiu a sede
de São Vicente para a vila do planalto — embora o governo-geral logo
anulasse esse galardão.402 Não transigiam quanto ao índio, braço de sua
lavoura, lucro de suas “bandeiras”, pecúlio e ambição — na aventura
sertanista exacerbada pela procura das minas depois de 1674.

Fora dessa razão econômica — gostavam dos padres e não


pretendiam largá-los.

Em 1684 a mesma câmara, infensa aos jesuítas, se comovia à idéia de


que se preparavam para sair da vila.
Os o ciais da câmara desta Vila de São Paulo que servimos este presente ano, os abaixo
assinados com o bom deste povo por nos haver vindo a notícia que vossas paternidades
determinavam deixar este colégio para sempre, vimos a esta casa do grande Patriarca Santo
Inácio a requerer, como requeremos nós [...] que deponham o intento por serviço de Deus
porquanto se perderão as almas cristãs à falta de doutrina, crescerá a ignorância e a obsessão
dos estudos, cará o gentio do Brasil sem a luz que a Companhia comunica.

Que “o melhor deste povo e todos uniformemente afetuosos


reverenciam a Companhia”.403

VIII: U  

O ÊXITO DOS HOLANDESES

A xação do invasor em Pernambuco, a sua intimidade com o clima e


os costumes, e os primeiros sucessos de suas armas, importavam êxito
pleno — quando exatamente até aí o seu grande adversário fora o meio
estranho, a que não pudera adaptar-se numa tentativa precipitada de
ocupação das terras tropicais. Dando um sentido de permanência aos
esforços de conquista, aparelhara-se para a expansão que seria
irresistível, em conseqüência do desgaste das forças portuguesas na
confusão do êxodo, no deslocamento das famílias patriarcais e no
terror que se estendera às regiões próximas de Olinda.

As colônias americanas, por sinal, tinham a sua defesa no mistério


que as envolvia, dissimulando-lhes a geogra a, os recursos naturais, os
pontos forti cados e as povoações-chave. Quem conhecesse (“saber de
experiências feito”) esse segredo, cuidadosamente preservado por
espanhóis e portugueses, com facilidade lhes quebraria a resistência
em golpes rápidos. O exército inimigo carecia de “olhos”, para orientar-
se no deserto. Domingos Fernandes Calabar desempenhou o papel —
incomparável — de guia e conselheiro. Permitiu desembarques
audazes, a tomada dos portos ao norte e ao sul da capitania assolada, a
desarticulação das guerrilhas, e, por m, a vitória do estrangeiro.

CALABAR

A deserção de Calabar para as leiras holandesas coincidiu com um


período brilhante da reação pernambucana.404

As forças volantes ao mando de cabos famosos — Luís Barbalho,


Camarão, D. Fernando de Riba Aguero,405 Henrique Dias com o corpo
de “crioulos, negros e mulatos” — impediam-lhes a expansão pelos
engenhos da Várzea. Calabar não se deixou iludir. O erro fundamental
dos amengos consistia em engajar batalha à roda do Recife.
Venceriam de súbito a resistência se lhes cortassem os abastecimentos,
com a entrada, de surpresa, nos portos indefesos, ou ligeiramente
guarnecidos: o ataque a Igaraçu provou o acerto do conselho e
assinalou o começo de infortúnios sucessivos, que forçaram o êxodo
dos portugueses da capitania.

Em 1º de maio de 32 a expedição guiada por Calabar e comandada


por Waerdenburch — depois de cautelosa marcha noturna —
apresentou-se diante da vila e a tomou de assalto, com a retirada
garantida pelas barcaças que tinham ido de Itamaracá (em poder dos
holandeses) para secundar a ação. À pilhagem de Igaraçu se seguiu,
sem incidentes, a volta dos atacantes para o Recife. Satisfeitos com o
plano que lhes dera o traidor, ocuparam Rio Formoso (7 de fevereiro
de 33), Afogados, o resto de Itamaracá, Goiana...

Retirou-se Waerdenburch para a Holanda e foi substituído no


comando pelo Major Rembach, que a 24 de março (1633) ousou
investir o Arraial de Bom Jesus, orientado sempre por Calabar. Mas
encontrou alerta os defensores, e a peleja saiu desfavorável aos
holandeses, que recuaram com pesadas baixas. O próprio Rembach, aí
ferido gravemente, morreu em 1º de maio. Ganhou com isto o bastão
de comandante em chefe Segismundo von Schkoppe, melhor soldado,
implacável na represália, inteligente nos movimentos. Não se mostrou
ressentido do revés que Calabar não soubera prevenir. Deu-lhe, ao
contrário, maior atenção. Percebeu que era imprescindível alargar o
teatro de operações. E deixou que estas fossem levadas até onde
pudesse ferir e comprometer as reservas portuguesas.

Mandou devastar o litoral das Alagoas por seiscentos homens,


embarcados em alguns navios ao mando de Lichthardt: queimaram a
Vila de Nossa Senhora da Conceição, intentaram, sem sucesso,
incendiar Santa Luzia (defendida pelo Capitão Antônio Lopes
Filgueiras, morto no combate), e regressaram com 250 caixas de
açúcar e muitos toros de pau-brasil.406 Tal êxito justi cou mais larga
jornada: a acometida do Rio Grande do Norte.

Desta feita o Forte dos Reis não suportou o cerco.

Ferido o comandante, Pedro Mendes Gouveia, capitulou a guarnição,


em 12 de dezembro (1633). Substituiu-a um batalhão de holandeses,
com o Capitão Garstman. Firmavam-se en m os batavos em posição
que tão caro custara a Portugal: podiam interromper as comunicações
entre a Paraíba e o Ceará e entender-se com os tapuias, privando
Matias de Albuquerque dos abundantes recursos — de farinhas e
gados — que até aí encontrara nas capitanias setentrionais. Foi Calabar
— nos manejos dessa política — hábil e terrível. Atraiu à sua causa o
Janduí, principal das tribos do Rio Grande, inimigas dos tupis, e ávido
do sangue tobajara, petiguar e português. Renovou, à volta do Forte
dos Reis (agora chamado “de Ceulen”, em homenagem ao comissário
holandês deste apelido), a intriga dos colonos do século anterior, para
dividir e exterminar os indígenas vizinhos: e conseguiu que o Janduí
descesse do sertão com os seus guerreiros para acabar com todos os
antigos inimigos. Começou no engenho de Francisco Coelho, onde os
moradores se reuniam (umas 60 pessoas) de medo a holandeses e
selvagens. Investiu-os repentinamente; e quebrou-lhes as cabeças,
numa fúria bestial. Ganhou, com o morticínio, a con ança de
Garstman, que o acolheu no forte com muitos agrados. O intruso
associou-se ao Janduí; mas perdeu a aliança dos petiguares, cujo chefe,
batizado com o nome de Simão Soares Jaguarari, tio de D. Antônio
Filipe Camarão,407 despeitado com as festas feitas ao tapuia, se retirou
prudentemente para junto dos portugueses.

NA PARAÍBA

Menos feliz foi a segunda tentativa para a conquista da Paraíba.


Esbarraram, mil holandeses, na trincheira que zera Antônio de
Albuquerque, ajudado do Capitão Lourenço de Brito Correia,
apresado e solto tempos antes pelos invasores. Preferiram tornar ao
Cabo de Santo Agostinho. Provavelmente Matias de Albuquerque quis
distrai-los desse objetivo mandando Martim Soares Moreno tirotear
com as avançadas do Recife, para mostrar-lhes que estavam inseguros
no próprio quartel-general. Mas não foi de ordem a obstar a
expedição. Desembarcaram em três pontos no cabo, apesar de
hostilizados vivamente de terra, e já por Matias de Albuquerque, que
correra em socorro à guarnição do Forte do Pontal de Nazaré
comandada pelo Sargento-mor Pedro Correia da Gama. Os amengos
não se arrojaram logo sobre esse reduto. Assentaram acampamentos
defronte, e cuidaram de avassalar a várzea de Ipojuca. Chegavam-lhes
entretanto reforços da Europa, com o Coronel Arciszewsky: graças às
tropas frescas e bem equipadas podiam desenvolver as operações em
direção ao norte, visando aos pontos fracos da defesa —
experimentados na expedição anterior. Desta vez a Paraíba não se
livrou deles.
Lá se apresentaram em 4 de dezembro (1634) com muitos barcos e
gente de guerra: e a despeito da boa prevenção de Antônio de
Albuquerque lhe levaram de vencida a tranqueira da praia, forçando-o
a recolher ao Forte de Santo Antônio. Os outros dois baluartes,
Restinga e Cabedelo, agüentariam o fogo. O primeiro caiu na seguinte
madrugada, em poder do Major Hinderson. O destemido João de
Matos Cardoso, comandante do segundo, foi aí ferido. Sucedeu-lhe
Francisco Peres do Souto. Com cinco dias de assédio teve de render-se.
Chegava então Banholo à cidade da Paraíba e combinava a manobra
capaz de salvar a derradeira posição da barra: uma sortida de Riba
Aguero com 250 homens, a envolver os sitiantes de Cabedelo. Era
tarde. O fortim de Santo Antônio quatro dias depois se entregou, com
as honras militares devidas à galharda resistência.

Derrocara-se o sistema defensivo em que con ara o capitão-mor,


justamente ufano das vitórias precedentes. Na cidade reinou a
confusão agravada pela intolerância do Albuquerque,408 que já não
tinha mão nos companheiros, e via traidores por toda parte. Porque o
venerando Duarte Gomes da Silveira (um dos construtores da Paraíba)
parlamentasse com o inimigo, a pedir clemência para os da terra,
mandou prendê-lo, e faria pior, se uma força holandesa não o
libertasse. Os moradores, atemorizados pela proximidade dos tapuias
(o exemplo do Rio Grande os enchia de pavor) e não podendo fugir
aos amengos — depunham as armas.

O jesuíta Manuel de Morais, paulista, ordenado na Bahia e capitão de


uma partida de índios, aprisionado ali e remetido para o Recife, aderiu
com impudor aos vencedores. Aceitou-lhes o jugo; viajou para a
Holanda, onde adotou a religião luterana; e passou a ser precioso
informante dos assuntos do Brasil que conhecia tão bem. Grande
“língua” e político no, traiu também os holandeses, numa curiosa
“Resposta [...] a dizerem os holandeses que a paz era a todos útil, mas a
Portugal necessária”.409 Voltaria, em 1643, para negociar madeira de
tinturaria: e, com a mesma volubilidade, largou o intruso e serviu à
insurreição — sem escapar em Portugal aos rigores do Santo Ofício.
Perdeu-se-lhe a “história do Brasil” que dizia estar escrevendo.
O ARRAIAL DE PORTO CALVO

A ocupação da Paraíba precedeu de pouco a irresistível ofensiva dos


holandeses sobre Porto Calvo (Lichthardt), o Arraial de Bom Jesus
(Arciszewsky) e Nazaré, no Cabo de Santo Agostinho (Von Schkoppe).
De Porto Calvo retirou-se Banholo para as Alagoas (após breve
refrega). Caiu o Arraial em seguida a um cerco implacável, em que o
encerrou aquele hábil coronel polaco, conhecedor como ninguém do
emprego da artilharia e da arte de sitiar praças fortes. Conta no seu
diário que por último fez queimar enxofre, para que a fumaça, levada
pelo vento, as xiasse os defensores... Resistiram estes enquanto
tiveram pólvora e bichos que matavam para comer, no desespero da
bravura sem desfalecimentos. As condições da capitulação foram
sumamente honrosas: cavam livres os trezentos homens que
depuseram as armas, depois de as terem usado até o extremo da sua
energia feroz...410 Em Nazaré deu-se aos o ciais o direito de sair com
“insígnias, armas, bagagens, bandeiras tendidas, cordas e caixas
temperadas”; e a infantaria e os religiosos (fugidos dos conventos)
foram transportados para as Índias de Castela...

Matias de Alburquerque, não podendo agüentar-se junto do


Capibaribe, e sem contar com as guarnições do Norte, tratou de
comunicar-se com as da Bahia.

Converteu-se num êxodo, esse deslocamento necessário, que


arrebanhou os moradores, quantos temiam o estrangeiro e o tapuia, os
índios de Camarão, 8 a 10 mil pessoas. Des lou melancolicamente
pelo caminho que ia ter às Alagoas e ao São Francisco.

Na vizinhança de Porto Calvo foi-lhe ao encontro Sebastião do Souto.

Duas vezes esse valente Souto derrotou com os seus avisos os


holandeses: nesta jornada e, três anos depois, quando Nassau atacou a
Bahia. Aí morreu, de espada em punho.

Residindo perto da povoação, assistira à chegada de Calabar com


duzentos homens da frota de Lichthardt. Passou, num bilhete, a notícia
a Albuquerque, e enganou o comandante, Alexandre Picard, para que
os portugueses o surpreendessem, sitiando-o. Ao cabo de seis dias,
entregou-se Picard (19 de julho, ou seja, dezessete dias depois da
tomada de Porto Calvo a Banholo), com 25 o ciais e 377 soldados,
entre estes Calabar. Matias de Albuquerque não teve dúvidas. Mandou
julgá-lo sumariamente e o fez enforcar diante da tropa — como ao
traidor que tantos infortúnios causara à terra e à gente.

O DESASTRE DE D. LUÍS DE ROJAS

A retirada maciça poderia transmudar-se num movimento estratégico


de recuperação do território, se bem se entendessem Matias de
Albuquerque e o general espanhol que lhe mandavam. Este porém o
substituiu. Foi D. Luís de Rojas y Borja (veterano de Flandres,
presidente no Panamá), que trazia um destacamento luso-castelhano e
alguns o ciais distintos (como Miguel Giberton e Heitor de Lacalche).
Desembarcou em Jaraguá, fazendo recolher à Bahia a força portuguesa
(700 homens); assumiu o comando em 16 de dezembro de 1635; e com
escassa tropa se deixou atacar na Mata Redonda (17 de janeiro) pelo
Coronel Arciszewsky com 1.300 soldados.

A esse tempo, destituído da che a e obrigado a responder pelos


reveses, que cobriam os sucessos da sua campanha memorável, ia
Albuquerque submeter-se em Lisboa a demorado processo — do qual
sairia desagravado pela parte grande que teve na Restauração de
Portugal.411

Na mesma esquadra em que viera D. Luís de Rojas, chegara sucessor


ao governador-geral: D. Pedro da Silva.

O combate da Mata Redonda constitui um dos episódios mais


obscuros da guerra. Investido num bosque, tombou o general
espanhol aos primeiros tiros, havendo suspeita de que o tivessem
alvejado alguns amigos de Albuquerque, numa represália vil. Ainda
tentou remontar no seu cavalo, quando outros tiros o estenderam
morto. Seguiu-se, incontível, a debandada.412
Estava Banholo, pelas vias de sucessão, governador da guerra de
Pernambuco.413

Resolveu abandonar a linha da costa, e, pelo sertão, voltou a Porto


Calvo (19 de março) onde se xou, expedindo as guerrilhas ao mando
de Francisco Rebelo, depois de Henrique Dias, Camarão, João Lopes
Barbalho, Sebastião do Souto e André Vidal de Negreiros, em direção
ao Cabo, aos arredores do Recife e à Paraíba, para que o inimigo não
tivesse repouso nos engenhos conquistados.

Inaugurou-se um período de sortidas, queima de plantações, assaltos


pelos campos, golpes de surpresa, que inquietaram os holandeses à
espera de quem os viesse dirigir com mais ordem e espírito do que os
comissários da Companhia — gananciosos e desajeitados.

Veio Nassau.

UM ADMINISTRADOR: O CONDE DE NASSAU

A Companhia das Índias Ocidentais não ambicionava apenas um


império. Empresa mercantil, o seu objetivo mais próximo era o lucro
dos capitais comprometidos. Entre 1630 e 33, perdera sempre. A
defecção de Calabar foi-lhe de súbito proveitosa: começara a ressarcir
os prejuízos. De janeiro de 33 a agosto de 34 subira a 1.655.700 orins
o valor do açúcar mandado do Brasil. Os navios capturados e a
madeira de tinturaria estimavam-se em mais 586 mil orins. Pouca
cousa: no verão de 1636, as dívidas da Companhia chegavam a 18
milhões.414

Melhorara consideravelmente a situação da “Nova Holanda” e podia


cuidar do seu açúcar, na Paraíba, em Itamaracá, em Pernambuco.415
Mas as guerrilhas de Banholo assustavam os moradores que,
timidamente, volviam ao trabalho, e deveras os holandeses não se
animavam a afastar-se do litoral, protegidos pelas “casas-fortes”, onde
velavam os seus capitães. Fora-lhes excelente a política, na Paraíba, de
perdoar aos portugueses, concitando-os a tornar às lavouras, enquanto
os padres retomavam as igrejas e continuavam, tolerados, o seu
ministério. Graças a esta benevolência o êxodo se interrompera e
vários senhores de engenho se ligaram ao invasor, numa acomodação
interesseira. O porto do Recife reanimara-se. A Várzea apresentava
outro aspecto. Seria a paci cação — dizia-se daí — se o Conselho dos
Dezenove, que presidia à Companhia, atendesse às sugestões de
Waerdenburch (desde 1633), de Arciszewsky, de Von Schkoppe,
enviando administrador capaz de dar unidade ao governo, e inspirar a
todos uma con ança oportuna. Um dirigente sensato, enérgico,
autorizado... O Príncipe de Orange e os Estados-Gerais acharam ótima
a indicação do Conde João Maurício de Nassau. Jovem (nascera em
Siegen em 17 de julho de 1604), sobrinho-neto de Guilherme, o
Taciturno, instruído (estudara nas universidades de Basiléia e
Genebra), soldado nas lutas contra os espanhóis em Flandres, realizava
o ideal do “bom príncipe”, culto e valente, guerreiro e artista. A oferta,
aliás, deslumbrou-o. Dava-lhe um grande ensejo: ilustrar-se numa
aventura ultramarina que podia ser a fundação de novo e opulento
Estado! Em 4 de agosto de 1636 apresentou-se Nassau à Companhia,
aceitando as condições com que viria; e teve, em 23 de agosto, o
regimento do seu governo, em 99 artigos. Convidou para a sua
comitiva alguns homens notáveis: Piet de Groot, lho de Hugo
Grotius, que não aceitou; o pintor Franz Post, de Haarlem, o capelão
Francisco Pante, teólogo e poeta, Elias Herckman, militar e humanista,
o médico Willem van Milaem, depois o médico e naturalista Willem
Piso.416

Essa preocupação de sabedoria e estética completava o sentido do


consulado de Nassau: um civilizador, um organizador, um conciliador.

Até aí mandara Holanda os seus corsários e mercadores: agora,


vinham os representantes duma sociedade liberal e delicada, à volta do
príncipe ilustrado. Embarcaram na Inglaterra em 6 de dezembro; em
23 de janeiro de 37 chegavam ao Recife.

A CONSOLIDAÇÃO DO DOMÍNIO
O plano administrativo de Nassau estava em função da guerra.

Primeiro devia livrar-se de Banholo, empurrando-o para longe de


Porto Calvo; em seguida, alargar para o sul o domínio holandês; e
assim, limpa uma vasta área de colonização, prepará-la para os
esperados rendimentos.

Não se retardou.

Em 17 de fevereiro lançou sobre Porto Calvo417 3 mil soldados, 800


marinheiros, 600 índios e negros: a verdadeira ofensiva.
Desconcertou-se Banholo. Para não se arriscar à capitulação com toda
a sua força, deixou na praça Miguel Giberton com uma guarnição,
expediu os melhores cabos para as margens do Comandatuba, a
di cultarem a passagem ao inimigo, e, sem o aguardar, bateu em
retirada para Sergipe. Evidentemente abandonava o campo e
sacri cava Giberton: com treze dias de cerco este se rendeu
honrosamente; e a 27 de março as vanguardas amengas alcançavam o
Rio de São Francisco. Entristeceu a vitória do príncipe a morte, numa
sortida, de seu sobrinho Henrique. Atingindo, porém, o grande rio,
dir-se-ia completa a conquista territorial: dera-lhe um limite, que
podia ser de nitivo. Em Penedo fez construir o Forte Maurício.

Errou Nassau, tomando então o São Francisco por baliza luso-


holandesa.

Não perseguiu até São Cristóvão as tropas de Banholo em desordem,


permitindo que se recompusessem no caminho que de Sergipe ia ter à
Casa da Torre; e deixou que a Bahia — alvo subseqüente do seu ataque
— se fortalecesse com este contingente veterano. O seu revés, em abril
de 38, resultou sobretudo desse erro, por onde começou o fracasso
lento, quiçá inevitável, do “Brasil Holandês”.

Arciszewsky desaveio-se com o príncipe, que o mandou para a


Holanda. Aí publicou uma notícia da brilhante marcha sobre o São
Francisco. Murmurou-se contra a prudência do general em não ter
transposto o rio. Aparentemente o contratempo se compensava com a
tomada do Ceará — empreendimento fácil, a cargo do Capitão Jorge
Garstman, com duzentos homens do Rio Grande, bem recebidos dos
índios, que já não sentiam o pulso de Soares Moreno; e a quietação em
que manteve as capitanias conquistadas.

Segismundo von Schkoppe cou no Forte Maurício, de observação a


Banholo. Observação incruenta: o italiano não se conservou em
Sergipe. Fosse pela pobreza da terra, de defesa difícil em virtude de
suas amplas campinas, ou porque lhe parecesse mais útil a sua
presença na Bahia, não esquentou lugar. Rumou para a Torre de Garcia
d’Ávila, onde se aquartelou, eqüidistante de Sergipe e da capital. E
espalhou emboscadas até a vizinhança do invasor. O mais e ciente
destes guerrilheiros era Sebastião do Souto.

Por que não se xou Banholo em São Cristóvão? Que importância se


dava, a esta época, à capitania real de Sergipe? Desbravada depois de
1590, tinha capitão nomeado pelo governador-geral, muito gado e
algum açúcar, salitre e algodão. Em 1609 o seu comércio não aparecia
na estimativa da costa do Brasil; mas três engenhos eram aí começo
duma colonização estável.418 Os rebanhos, entre o Rio Real e o São
Francisco, constituíam-lhe a riqueza dispersiva. Vaqueiros mamelucos,
a serviço dos proprietários que residiam na Bahia ou afazendavam
junto à costa, antecipavam nos descampados — com os seus “currais”
— os núcleos dum povoamento tardo. Como no Rio Grande e na
Paraíba, tangidas as boiadas pelos “curraleiros” voltaria a terra ao
abandono dos primeiros tempos — quando atrás das “entradas” de
caça ao gentio cara a desolação da paisagem, ali e acolá assinalada
por uma “tapera”, de caboclos cujo rastro se perdera no deserto...

Arrebatando consigo os rebanhos para que os holandeses nada


achassem em Sergipe — deveras Banholo destruiu a capitania.

Mas com a vantagem de resguardar a Bahia dum assalto furioso.

IX: R  


AUMENTOS DA CIDADE-CAPITAL

Voltamos à Bahia de Diogo Luís de Oliveira.

Advertido do perigo que corria a cidade, com os holandeses perto, e


em sortidas pelo litoral, mandou construir por Francisco de Frias uma
trincheira, junto da ermida de Santo Antônio, dalém do Carmo,419 um
reduto no caminho da Vila Velha (depois “Forte de São Pedro”), a vigia
do Rio Vermelho, um “forte novo da praia”420 e, para a defesa da costa,
entre as vilas do Sul e a barra, o forte do morro de São Paulo.421 Criou
o “Terço Novo”, em 1º de agosto de 1631.422

Fracos auxílios expediu para Pernambuco, por não dispor de mais de


dois “terços” (este, e o que deixara D. Fadrique de Toledo),
insu cientes para a guarnição da praça. Bene ciou-se ela — nos anos
seguintes à ocupação do Recife — do preço alto do açúcar, que fez
aparecer no recôncavo uma série de novas fábricas. O comércio
cresceu-lhe com o desvio das frotas, do antigo itinerário de
Pernambuco para a Bahia e o Rio de Janeiro. As duas devastações de
engenhos e canaviais, de Pieter Heyn, em 1627, e de Lichthardt, em
1610, não lograram abater essa economia orescente. Ressurgiu com
rapidez. Estendeu-se a toda a orla do golfo e penetrou os vales do
Paraguaçu e do Jaguaripe. É de 1633, quando Antônio Vieira dizia:
“Uma das maiores escolas de Marte, que hoje tem o mundo, é a nossa
Bahia”423 — o convento franciscano de Sergipe do Conde.424 A
fundação do Convento de São Francisco do Paraguaçu — a duas
léguas de São Tiago de Iguape — foi deliberada em 1619.425 A
prosperidade dos engenhos convizinhos e a caridade dos moradores
permitiam trabalhos desse porte, longe do núcleo urbano. Nem era só
o açúcar a fortuna da terra.

Em 1636 proibiu o governador que se fabricasse aguardente “na qual


se consumiam muitas mil arrobas de açúcar”.426 A luta entre a
aguardente e o vinho do reino arrasta-se, aliás, pelo século todo. Do
vinho era o principal imposto, com que se pagava a tropa; mas a
aguardente valia por “artigo de troca”, predileto, na costa da África;
bebida de negros, o mata-bicho do pobre...427 De fato, apesar da
proibição nunca deixou de ser destilada nos engenhos: a câmara
obteve a liberdade de fabrico, pagando cada alambique 20$000,
quando escassearam os vinhos do monopólio da Companhia Geral do
Comércio, em 1656...428 Esse direito arrendava-se por 11 mil cruzados
em 1693. A exportação de açúcar, contudo (em Portugal “tem sempre
muita valia e se ganha mais de cento”) era o maior negócio, quando
subia a arroba de 800 para mil e 1.200 réis.429

D. PEDRO DA SILVA

Nomeado governador-geral em 9 de maio de 1635, começou D. Pedro


da Silva em 11 de dezembro a sua por osa administração.430

Vieram com ele o provedor-mor da Fazenda Pedro Cadena de


Vilhasanti;431 o Ouvidor-geral João do Couto Barbosa, que fora
corregedor em Tomar; e vários militares experimentados.

O Engenheiro-mor Diogo Pais substituíra Francisco de Frias.432 Foi


certamente quem completou as obras de defesa projetadas e iniciadas
por Diogo Luís de Oliveira: o “Forte de Santa Maria”,433 o de São
Bartolomeu em Itapagipe.

Teve D. Pedro da Silva o mérito de continuar os trabalhos urbanos do


seu antecessor sem se descuidar do primeiro dos problemas rurais: a
repressão de tapuias e negros fugidos (tapanhunos, chamavam-lhes os
índios) que por vezes obstruíam os caminhos para o Rio Real ou para
o São Francisco.

Numerosos africanos aquilombavam-se no Itapicuru: foi batê-los o


Capitão-mor Belchior Brandão, por ordem do governador e da
Câmara da Bahia. Deliberada a expedição em 24 de maio de 36, em 7
de fevereiro seguinte podia ser feito na cidade o leilão dos pretos
apresados.434 Muito a auxiliou Robério Dias, lho de Belchior, o
“homem da prata”,435 descendo de Sergipe com os seus caboclos. Esse
êxito assegurava as comunicações com o Conde de Banholo, a quem se
mandava (assento de 16 de março de 1637) farinha e outros socorros.
Pouco lhe valeram, é certo: mas a sua retirada, para o São Francisco e a
Casa da Torre, caria assim desembaraçada.

Mas a cidade crescia. Os vereadores zeram construir, a modo de


mercado, cabanas para a venda de peixe ao povo, no Terreiro (julho de
1637) e punham em arrematação obras urgentes, quais as do Paço da
Câmara, que se estenderam, por sinal, até 1660.

SOCORROS DE ESPANHA

A situação tornara-se mais sombria na península.

D. Fadrique de Toledo, o Marquês de Valleda, o Conde de Linhares,


tais exigências tinham feito, de homens e material, que acabaram
desistindo da “empresa e restauração de Pernambuco”.436 Em 1636–7,
mandou Filipe iv bem escasso auxílio ao seu governador: um pugilo de
o ciais e 250 soldados, dos 800 que deviam vir de Lisboa. Os
principais eram Heitor de Lacalche, para comandar o Terço
Napolitano,437 e Luís Barbalho Bezerra com alguns companheiros
repatriados depois do desastre de Pernambuco: Guilherme Barbalho,
Pedro Cavalcanti, Antônio Bezerra Monteiro, Gaspar de Sousa de
Carvalho, Tristão da Franca, Antônio Teixeira...438

A presença de Lacalche turvou as águas, pois Banholo — aquartelado


na Torre de Garcia d’Ávila — se considerou diminuído (pedira a
mestrança do Terço de Italianos para o lho Marcos Antônio de San
Felice), e recusou-se a empossá-lo, enquanto H. Pedro da Silva não
escondia a sua indignação pelo abandono de Sergipe. Devia fazer face
ao inimigo! — aconselhou-lhe, por intermédio de Pedro de Cadena.
Combinaram uma entrevista a quarto de légua da cidade — em 15 de
dezembro — e, transigindo, enviou o general quatro capitães à
exploração. À espera das informações que trariam dos movimentos de
Nassau, Banholo e D. Pedro acertaram singular modus vivendi: caria
aquele em Vila Velha e o governador no palácio, encarregando-se cada
um da vigilância da costa por quinze dias. Não cediam atribuições
nem humilhavam autoridades: dividiam-nas... Simpli cou-se o acordo
no dia em que um daqueles capitães, Sebastião do Souto, apareceu a
Banholo com o bilhete que tomara ao alferes holandês por ele morto
numa escaramuça perto do Forte Maurício. Doze homens ousados
tinham andado pela várzea de Pernambuco, a queimar canaviais.439 Na
volta, surpreenderam o o cial com esse papel, que informava sobre a
intenção de Nassau de assaltar a Bahia com forte esquadra e 6 mil
soldados.440

Prontamente se recolheu Banholo à cidade com a sua tropa. E era


tempo.

A 16 de abril 14 navios surgiram na altura do Rio Vermelho.


Entraram a barra evitando o fogo das baterias, e, além da ponta de
Monserrate, com impressionante conhecimento do recôncavo, foram
deitar ferros diante da deserta praia de Nossa Senhora da Escada.

ATAQUE DE NASSAU À BAHIA

A manobra foi hábil. Desprezou o príncipe o antigo plano de investir a


praça pela barra e portas de São Bento, tropeçando nas obras de
defesa: experimentou-lhe a resistência pelas portas do Carmo,
valendo-se do fácil acesso da montanha entre o Forte de São Filipe e
Água de Meninos, para ganhar ao mesmo tempo os altos fronteiros ao
Colégio de Jesus e o vale que deste lado separa das colinas à volta o
núcleo urbano.441

Até o dia 20 ignoraram os portugueses o lugar do desembarque.


Também se desentendiam os capitães, reunidos por D. Pedro da Silva:
para Banholo seria preferível deixar que o príncipe tomasse a cidadela,
para aí o encurralar, como em 1625; mas os moradores se opunham,
lembrando o prejuízo, das casas varejadas pelo herege, e como estes se
forti cariam, ao abrigo dos muros feitos para os afugentar... O sino da
câmara tocou a rebate. Talvez explodisse um motim. O Bispo D. Pedro
da Silva e São Paio,442 o governador e Duarte de Albuquerque
apaziguaram os ânimos, prometendo que a cidade se sustentaria.443 As
tropas distribuíram-se em ordem a defender a trincheira em Santo
Antônio-além-do-Carmo: os veteranos de Pernambuco, o Terço Novo
(do Mestre-de-campo D. Fernando de Lodueña) e a gente de Luís
Barbalho. O governador deu o comando a Banholo. Na noite de 21 —
após entrechoques de guardas avançadas — os holandeses tentaram
levar de vencida a trincheira. Advertidos por Barbalho, os nossos os
receberam com tal vigor que se converteu a arremetida num revés:
duzentos caram no campo...444 Mas o exército invasor caminhara ao
longo da praia, conquistando os fortes de Itapagipe e Novo (do
Rosário), e entre 23 de abril e 2 de maio reconheceu o terreno
circunvizinho, para vibrar com segurança o golpe que podia ser
decisivo. Não lograria melhor êxito. Invencíveis nas guerrilhas,
cercavam os seus chefes (o governador, incansável nas suas
providências, Banholo, Duarte de Albuquerque, Lourenço de Brito
Correia, os comandantes dos Terços, Lodueña, João de Araújo e
Lacalche) famosos “campanhistas” como Henrique Dias, Francisco
Rabelo, Vidal de Negreiros, Camarão, Sebastião do Souto, Barbalho.
Este se forti cou numa elevação que protegia a estrada de contorno
por onde se vai à Quinta dos Padres (alto “do Barbalho”, desde então) e
daí observou o acampamento de Nassau.

A grande batalha, após muitos dias de bombardeio ine caz,445


ocorreu ao cair a noite de 18 de maio.

Mandou o príncipe que os navios hostilizassem as encostas de Vitória


e Barra — para onde acorreu Lacalche — a m de dividir a atenção
dos defensores: e atirou o grosso das forças sobre Santo Antônio.

A trincheira foi atacada pela escarpa de Água de Meninos e pela


ladeira de Água Brusca. Diz-nos o Padre Antônio Vieira:
Armada de in nita munição, de granadas e outros artifícios de fogo, que disparados
incessantemente entre a tempestade das cargas, alumiava a noite, atroavam o ar, e choviam
raios sobre os que dentro e no alto da forti cação a defendiam, presumindo os escaladores
que, com estes aparatos de horror, sacudiriam dela os nossos, e franqueariam os di cultosos
passos por onde insistiam em subir, e pretendiam ganhar.446
Interveio Barbalho, colhendo de anco o inimigo.447 Dos parapeitos
da trincheira alcanzias, pedras, projéteis de toda sorte rechaçaram a
escalada, a que assistia o próprio Maurício de Nassau. Sebastião do
Souto foi ferido mortalmente. Os holandeses perderam o engenheiro
Berchen, o Capitão Houwin, oito o ciais da companhia do príncipe; e
o Major Hinderson se salvou com a perna dilacerada. O malogro
tornou-se-lhes esmagador. Relata Pedro de Cadena que no dia
seguinte os portugueses
em carros lhe fomos entregando os seus mortos, e lhe contamos, na entrega, 327 dos mais
formosos homens que se viram nunca, que pareciam gigantes. E sem dúvida eram a or dos
holandeses; e eles se enfadaram de ver tantos, e se foram, cando mais de 30 por lhes
mandar, que ainda tínhamos. E estes, fora muita quantidade, que retiraram de noite,
enquanto se pelejava, com 50 redes. E se a rma que só de mortos, com os da entrega, passam
de 500, e mais 700 feridos.

Dos nossos, mataram 60 e feriram 99 — continua o provedor-mor.448


Derrotado assim, sem a esperança de que a fortuna lhe sorrisse nessa
terra indomável, quis o príncipe que lhe restituíssem 60 prisioneiros, e
de repente, interrompendo a negociação, embarcou com todo o
exército no dia 26 e voltou, silenciosamente, para o Recife.

Esse insucesso das armas de Orange pôs um paradeiro aos seus


triunfos no Brasil. A reconquista ia começar. Portugueses e espanhóis
exultaram em júbilos patrióticos. Assomou ao púlpito (13 de junho de
1638), para celebrar a glória dos soldados católicos, um pregador
moço e sábio que iniciara em 1634 no Recôncavo, a sua carreira de
orador sacro e pensador político: Antônio Vieira.449 A sua voz de
insuperável eloqüência devia repercutir na Europa, assegurar-lhe que o
Brasil bem ou mal se libertaria sozinho dos homens de outra fé: e com
uma energia nova de nia o espírito português — que no Alentejo
aprestava os homens bons para a revolução restauradora, prevista e
inevitável.

X: S    R


A ARMADA DO CONDE DA TORRE

Em Portugal e Espanha a notícia de estar a Bahia cercada


(possivelmente perdida) alvoroçou governantes e mercadores, que se
dispuseram a todos os sacrifícios para socorrê-la — ajudando a
resgatar Pernambuco.

Organizou-se depressa uma expedição grossa cujo comando coube (e


juntamente o governo-geral do Brasil) a D. Fernando Mascarenhas,
Conde da Torre, “primeiro português que durante a dominação
castelhana teve o cargo de ambas as armadas”.450

Saiu o dinheiro dos equipamentos, de particulares que o adiantaram


sobre a receita da alfândega. Levantou D. Diogo Lobo mil homens nos
Açores...451 Foram ao todo 10 mil os que embarcaram nessa frota
formidável, de 33 navios de guerra (25 portugueses e 8 espanhóis) —
tendo como capitães-generais da cavalaria D. Francisco de Moura e da
artilharia o Conde de Óbidos, e mestres-de-campo dos quatro terços
D. Vicente Monsiuvi, D. Urbano de Ahumada, D. Fernando da Silveira
e Manuel Dias de Andrada. As instruções para o Conde da Torre
foram passadas em Madri, a 19 de julho de 1638, e completadas —
dois dias depois — com uma ordem secreta, pela qual se lhe
recomendou que preferisse para governar a terra o Conde de Óbidos a
D. Francisco de Moura.452 Mandavam que fosse à Bahia, suprisse aí a
esquadra de todo o necessário, e, assim abastecido, portanto em
condições de medir-se com o inimigo, assegurasse o domínio do mar,
indispensável à reconquista e à conservação do Brasil.453 Essas
instruções desmentem a suposição de que cometeu um grave erro
deixando de atacar o Recife (a cuja vista navegou, rumando para a
Bahia) e, equivocadamente, também se deixou retardar neste porto
confortável, em vez de desfechar logo o assalto às forças holandesas.454
Devia — obediente à superior determinação — cumprir em três
tempos a sua tarefa: o reforço à Bahia (salvando-a do sítio, se ainda o
sofresse); o reabastecimento para a campanha naval; e por m a
batalha. Foi exatamente o que fez.

É
É certo que, se mudasse de idéia, e deitasse na costa pernambucana a
sua tropa, teria acabado com o estado amengo do Brasil. Mas
ignorava os recursos de Nassau e o seu roteiro fora traçado com seca
exatidão. Surpreendeu-se — isto sim — da situação de penúria em que
achou a Bahia — ao assumir-lhe o governo em 23 de janeiro de 39.
Tomou-o, aliás, para o imenso trabalho de preparar a armada,
apercebendo-a de tudo — para o decisivo encontro. Pasmasse a corte!
Não havia “bastimentos”, nem em depósito nem a comprar, e nada do que a Vossa Majestade
se tinha avisado pertencente a seu real serviço; antes os soldados descontentes e por pagar, a
Fazenda Real consumida e endividada em mais de 15 mil cruzados, sem ter consignação de
que me aproveitar, os armazéns sem armas, as forti cações dani cadas e caídas.455

Pediu gente para o Sul. Do Rio de Janeiro e de São Paulo lhe


mandaram várias companhias com alguns dos melhores cabos. Pela
primeira vez iam medir-se os sertanistas do planalto com o inimigo
comum. Formavam uma boa tropa. Mas não bastava.

Faltavam os mantimentos indispensáveis — e o conde os mandou


reunir no Rio de Janeiro, em São Vicente e até em Buenos Aires.456 Em
8 de junho juntou os homens bons da terra e os concitou a cuidar do
provimento da armada sem a espera de socorros da Europa, que não
viriam. Formou-se comissão: Diogo de Aragão Pereira, Diogo Lopes
Ulhoa, Antônio da Silva Pimentel, Capitão Francisco Fernandes,
Mateus Lopes Franco.457 Em 12 de julho emprestaram 60 mil cruzados.
Ficou o Capitão Francisco Pereira do Lago com o trabalho de
administrar os consertos reclamados por vários navios.458 Retardou-se
assim o conde governador na Bahia, enquanto, por certo, o inimigo se
preparava para recebê-lo.

O fracasso estava, implícito, nesse letargo.

Exprimiu o Padre Vieira o descontentamento e a dúvida causados


pela dilação, a que se aliava a soltura de costumes de soldados e
marítimos, na cidade vítima de inimigos e patrícios... “Que dirão aqui
muitos capitães com nome de cristãos, ou sejam dos menores, ou
também (que pode ser) dos maiores? Que dias podem esperar de
Deus, se dão as noites ao diabo?”.459 “A ousadia é a metade da vitória, e
quem temeu ao inimigo, já vai vencido”. — Explicou D. Francisco
Manuel que Filipe iv descon ara do “capitão-general de mar e terra” —
com tanto poder — e o rodeara de conselheiros, para nada resolver de
pronto.460 Moleza e solércia de um lado, prudência e ceticismo do
outro, prenderam a armada e a dalguia que a tripulava até 19 de
novembro.461 No dia 8 zera o conde registar a carta régia (de 4 de
março!) que o avisava da provável vinda de sucessor...462

Não podia retardar-se mais. Saiu tarde e em má hora.

A frota — de 41 unidades — ao mando de Willem Corneliszoon


Loos, partiu do Recife a surpreendê-lo na altura das Alagoas.
Compunha-se a de el-rei de 87 velas: “A maior que nunca passou a
Equinocial”, na frase de Vieira.
Cobriu en m ou assombrou esses mares aquela multidão confusa de torres navais, composta
de 87 vasos, muitos de extraordinária grandeza, armada de 2.400 canhões, e animada de 14
mil europeus, número que o Oceano Austral jamais tinha contado nem ouvido.463

Sobreveio então o desastre, in igido em parte pelos ventos


contrários, em parte pela audácia e habilidade do adversário.

Levava o Conde da Torre o plano de dar desembarque à tropa em Pau


Amarelo — 2 mil homens — que iriam sobre o Recife, enquanto os
barcos lhe fechariam a barra, estendendo em leque o bloqueio.

Diante daquela praia, com efeito, se chocaram as duas esquadras.


Corneliszoon procurou a nau almirante, mas, investido por vários
galeões, não logrou abordá-la. Aos primeiros tiros morreu o chefe
holandês. Sucedeu-lhe Jacob Huygens e, na manhã seguinte, o combate
se renovou à altura de Goiana (2 de janeiro de 1640). A sorte das
armas favoreceu, já então, o inimigo, que manobrava com facilidade
navios menores, em contraste com a semi-imobilidade das pesadas
naus da Índia.464 A 14 de janeiro ocorreu a terceira batalha, ao longo
do litoral da Paraíba, num mar insidioso, que atirava os combatentes
para o ocidente, afastando-os dos portos onde poderiam refrescar.
Finalmente, a 17, se feriu o quarto encontro em frente ao Rio Grande,
“a frota espanhola desgarrada e desfalcada”465 e em franca direção do
Equador a despeito dos esforços dos capitães para retê-la. Os
holandeses, seguros desse rumo, suspenderam o fogo e voltaram, com
vozes e fanfarras de triunfo, para Pernambuco — imprevidentes nesse
regozijo prematuro, pois com isto não impediram o desembarque, no
porto de Touros, de 1.400 homens, dos destinados a Pau Amarelo, cujo
mestre-de-campo era o invicto Luís Barbalho Bezerra.466

CATÁSTROFE

A dispersão e o malogro da armada assombraram Brasil e metrópole.


Muitos navios foram dar ao Maranhão e às Antilhas.467 O Conde da
Torre recolheu-se à Bahia num bergantim, como para comunicar
pessoalmente o fracasso — fatal para a cidade, alvo de represálias que
não tardaram, e para Pernambuco, que não seria tão cedo socorrido.
Reassumiu o governo. Em 25 de março (1640) dirigiu-se à câmara,
pedindo lhe consertasse o galeão Borgonha. Apresentou, em 20 de
abril, cartas de Luís Barbalho e André Vidal, boas e más. Tanto
falavam da impavidez e êxito da retirada como do grande reforço
recebido pelos holandeses.
Em como vieram de socorro ao inimigo 20 naus e 2 mil homens e se estavam aparelhando
muitos navios com desenho de virem a esta Praça e assim que era necessário meter bastante
bastimento e fornecer esta Praça.468

A retirada de Barbalho469 compensou o revés, como um desagravo


militar; deu à história dessas lutas intermitentes um retoque de
epopéia; inquietou e agelou o estrangeiro que se julgava senhor do
país, entre o Rio Grande e Sergipe; mostrou que a guerra continuava.

Caíram os retirantes sobre “800 amengos e 400 índios, de que se


degolaram mais de quinhentos, na Goiana”, deram “numa casa-forte, a
que os mais se retiraram”; no engenho Salgado bateram 1.400, com
furor incomparável; e abrindo caminho para as Alagoas,470 rechaçaram
os destacamentos sucessivos que ousaram tomar-lhes o passo.
Apresentaram-se, ufanos, na Bahia, quando era mais precisa a
colaboração de sua experiência.

Lastimou o Padre Vieira: “Perderam os derrotados e tristes


conquistadores o mar, perderam a terra, perderam a esperança, e nós,
que neles a tínhamos fundada, também a perdemos”. “Os que tão
costumados éramos a vencer e triunfar, não por fracos, mas por
castigados, fazeis que voltemos as costas a nossos inimigos. [...] E
aquele nome português, tão celebrado nos anais da fama, já o herege
insolente com as vitórias o afronta, e o gentio de que estamos cercados,
e que tanto o venerava e temia, já o despreza”.471

Misturou-se-lhe o queixume às angústias duma população a igida


pelo mais impiedoso dos ataques — quando o Almirante Lichthardt
quis desforrar-se dos “campanhistas” e das guerrilhas, abrasando o
Recôncavo, entre 25 de abril e 12 de maio de 1640.

Estava na lógica da guerra.

Lichthardt foi a resposta de Nassau ao desa o do Conde da Torre.


Informou o príncipe para Holanda:
Realizamos um assalto à Bahia, com vinte navios e 2.500 soldados, a m de tomarmos
vingança dos danos que Luís Barbalho ocasionou nas regiões por nós ocupadas, e
incendiamos e destruímos para sempre 27 engenhos, além de povoações e casas particulares,
de sorte que na Bahia só restam oito engenhos.472

O VICE-REI MONTALVÃO

Mas a represália não se limitou ao Recôncavo.

O Coronel Koin entrou o Rio Real, a destruir o que encontrou.


Encurtavam-se distâncias, entre a Nova Holanda e a Bahia. “Em junho
(resumiu Vieira) o Rio Real ocupado pelo inimigo, os campos e os
gados quase senhoreados, e as esperanças de os recuperar não quase,
senão de todo perdidas”. Foi quando chegou o substituto do inditoso
Conde da Torre,473 aliás logo em seguida mandado preso para Lisboa,
onde expiou, nos cárceres de São Julião (destituído por el-rei de títulos
e honras que possuía), a sua infelicidade: D. Jorge Mascarenhas,
Marquês de Montalvão.474 Trazia título superior: vice-rei do Brasil.
Contrastava com a ruína deste, província que, “pois a vemos levantada
a vice-reino entre as mortalhas, bem se pode dizer por ela também:
que depois de morta foi rainha” — sorriu, no púlpito, o jovem
pregador.475 Tivera Filipe iv em vista opor a Nassau, príncipe de
sangue, uma autoridade mais quali cada: acentuava o seu interesse
pela conservação da colônia.476 Empossou-se Montalvão em 26 de
maio de 1640.477

Felizes sucessos consolaram os colonos, até aí tão castigados pela


sorte adversa. O vice-rei trouxera a fortuna! — festejou-o o jesuíta.478
Realmente, os “campanhistas” lograram retomar o Rio Real em
setembro. Falhara uma tentativa holandesa de ocupação de Camamu,
também o seu desembarque no Espírito Santo.479 Isto em outubro. Pois
em novembro

o incêndio das canas e assolação dos engenhos de Pernambuco;480 terrível guerra e a que mais
desespera ao inimigo. Em dezembro, embaixadores do mesmo neste porto a pedir tréguas, a
oferecer partidos, a reconhecer a superioridade de nossas armas, de que pouco antes tanto
zombavam.

TRÉGUAS

Que tréguas, essas?

Resolvera Nassau mudar de política. Manifestara o desejo, em


Pernambuco e na Paraíba, de manter a liberdade dos cultos, o respeito
à propriedade, os costumes portugueses. Queria, em compensação,
que os “campanhistas” cessassem as suas correrias. Dava-se por pago
das perdas passadas com os incêndios do Recôncavo. Não foi difícil
entender-se com o Marquês de Montalvão. Sabendo este, pelos
religiosos que conviviam com o inimigo, de seus propósitos
humanitários, se adiantou em escrever-lhe. Deviam renunciar ao
sistema de guerrilhas... Respondeu o príncipe em 20 de outubro e a 5
de novembro pediu a troca de comissários ou reféns, que assegurassem
a suspensão de hostilidades. Mandou o Tenente-coronel Hinderson e o
Major Day. Para Recife seguiu o Mestre-de-campo Pedro de la Carrera
de Arenas (veterano de 1624 e 1631). Tréguas, sem dúvida: mas
incompletas, pois o vice-rei fez jogo dúplice, pegando-se de um lado à
palavra de Nassau, do outro dizendo que Henrique Dias e Paulo da
Cunha lhe desobedeciam, devastavam os canaviais como malfeitores,
“e, quando presos, deviam ser enforcados”.481

O principal era a tranqüilidade, que ganhava o governador do Brasil


holandês para a sua obra administrativa, favoniando simultaneamente
a diplomacia do seu país, empenhada em separar Portugal da Espanha.

Essa orientação provinha do Cardeal de Richelieu.482

A liga de Rivoli (1635), que unira, contra a Casa da Áustria, a França


e a Holanda, envolvera os Estados-Gerais no projeto franco-inglês de
levantar portugueses contra espanhóis, a exemplo das “alterações de
Évora”. O motim, em que estrugiram as iras do povo, subitamente
revelara à Europa a debilidade do domínio castelhano em Portugal. A
missão diplomática de Saint-Pé aproximou do governo de Paris o
Duque de Bragança, D. João, que, primeiro dalgo do reino, estava
naturalmente indicado para che ar a Restauração.

O duque era dissimulado e sagaz. Ocultou pretensões e sentimentos.


Mas o Conde-duque de Olivares velava.

O ministro de Filipe iv pressentira o perigo. Não soube neutralizá-lo.


Adotou um método contraditório: quis enfraquecer Portugal,
chamando a Madri a na or de sua gente, recrutando-lhe a mocidade
para as guarnições em Espanha, humilhando a nobreza483 e
empobrecendo, com impostos crescentes, comércio e povo. A rebelião
da Catalunha, em junho de 1640, mostrou-lhe a gravidade do
problema: pois os franceses ajudavam Barcelona e, distraídas as forças
espanholas, os portugueses não tardariam em aliviar-se do jugo que os
oprimia... Holanda e França trataram de apressar o rompimento.
Suspeitada de todos, somente no Brasil se percebia mal e
imperfeitamente a marcha dos fatos.

À falta de informações, os homens de espírito, como o Padre Vieira,


se valiam das profecias do sapateiro Bandarra. Alguma cousa
aconteceria, nesse ano de 40 — dizia a trova do vidente... Portugal teria
rei natural! Outro D. Sebastião, Encoberto. A Independência...

Nassau podia estar de posse dos segredos de Amsterdã.

Vieira ignorava-os — e, vendo esgotar-se o ano de 40 sem que a


promessa se cumprisse, achou que o rei natural era mesmo Filipe iv, e
carecia assim de sentido a bulha sebastianista.484 Chamou-lhe, no
sermão de 6 de janeiro de 41, “Filipe iv, o Grande”.485

Vale a pena comparar com essa exclamação, de 1641, a sátira


sebastianista de 1634, um de seus primeiros sermões.486 “Em nome de
Sua Majestade Filipe iv [...]. Viva pois o santo e piedoso rei (que já é
passado o ano de 40), viva e reine eternamente com Deus”.487 Que na
terra cava “o invictíssimo monarca Filipe iv, o Grande”.488

Dois meses depois reconhecia com entusiasmo D. João iv e se


preparava para pôr ao seu serviço a mais engenhosa eloqüência que
ainda oresceu na Igreja portuguesa!

D. JOÃO IV E A BAHIA

Em 1º de dezembro, com efeito, nobreza e povo aclamaram em Lisboa


o rei desejado: D. João, o Duque de Bragança. Foi quase incruenta, essa
revolução patriótica. Propagou-se pelo país e chegou às colônias num
festivo tumulto: porque estava nos espíritos, derramava-se do
sentimento popular, tinha a força de seu veemente nacionalismo.

Na Bahia, trouxe-a uma caravela, em 15 de fevereiro seguinte.


Cumpriu o mestre do barco a ordem de não se comunicar com
ninguém antes de entregar ao vice-rei a carta que D. João iv lhe
escrevera.489 Devia agir com prudência, para não provocar os dois
terços espanhóis, de mais de 600 homens, aquartelados na cidade,
nem, diante deles, dividir as opiniões. Tranqüilo e sutil, chamou
Montalvão a palácio as principais pessoas, eclesiásticas, militares e
civis, e as ouviu, uma a uma. Não houve divergências. Deu então
ordem a Joanne Mendes de Vasconcelos e a D. Fernando de
Mascarenhas, seu lho, mestres-de-campo dos dois terços, para com
eles se apresentarem no Terreiro de Jesus e na Praça do Palácio.
Procedeu em seguida a uma rápida votação. Foi unânime. É certo que
os vereadores, em carta a el-rei de 25 de fevereiro, dizem: “O Marquês
de Montalvão, vice-rei deste Estado, nos mostrou a carta de V. M. a
que logo obedecemos, jurando e aclamando a V. M. em toda esta
cidade por o verdadeiro Rei e Senhor nosso”. Mas o assento, em livro
de atas, recapitula: “[...] e votando cada um em particular por todos foi
aclamado por Rei D. João iv”.490 Depois saíram — continua o dito
assento — para a Sé, onde o Bispo D. Pedro lhes exibiu o Missal, na
cerimônia do juramento, assim tomado solenemente.

Voltando a palácio, transmitiu D. Jorge aos castelhanos a notícia e os


intimou a permanecerem, desarmados, nos alojamentos, até terem
transporte, para a Europa. O seu mestre-de-campo, o veterano Heitor
de Lacalche, não pensou em amotinar-se. Aliás a camaradagem das
armas — desde 1631 — agora servia para abrandar as cóleras
represadas. O sangue derramado em Pernambuco e na Bahia, e nove
anos de campanha, pressupunham tolerância e cavalheirismo: não
faltaram ao episódio. Lacalche embarcou em paz com a sua gente.

Apressou-se a Câmara da Bahia a escrever às do Sul, concitando-as à


aclamação; e para celebrá-la, fez grandes festas de 6 a 10 de abril,491 em
que entravam as comédias, cujos gastos recaíram nos mercadores de
lojas,492 num ambiente de alegria que a baixa dos impostos (primeiro
ato do rei!) tornou mais franca.

Necessitava-se mandar um emissário a Lisboa, para apresentar a D.


João iv as queixas do Brasil. O vereador mais velho, Manuel Maciel
Aranha, a isto se propôs. O vereador Gaspar Pacheco de Castro e o
procurador do conselho Pedro d’Oliveira (grupo oposto ao Vice-rei
Montalvão) deram porém procuração “ao Padre Antônio Vieira, da
Companhia de Jesus”. Foi assim que — por inspiração de alguns
lúcidos sujeitos da Bahia — achou o pregador genial o caminho da
fortuna política. Em 2 de março comunicou nalmente o vice-rei a
Nassau a novidade, como se fosse de ordem a interromper a guerra:493
não se justi cava agora que estava no trono D. João iv.

XI: P  ...

A ACLAMAÇÃO NO RIO

As capitanias, de Norte a Sul, aceitaram jubilosamente o “rei natural”.

A 23 de fevereiro seguiu para o Rio de Janeiro o Padre Manuel


Fernandes, provincial dos jesuítas, com carta de Montalvão a Salvador
Correia de Sá, cuja conduta seria de suspeitar-se, dadas as suas
relações de sangue e interesse com os espanhóis. Ao contrário, o
governador procedeu com leal e perfeita solicitude (10 de março de
1641). Adotou, para o juramento, o mesmo sistema de Montalvão.
Comunicou o assunto, no colégio da Companhia, ao Sargento-mor
Antônio Ortiz de Mendonça, que convocou o ciais, prelados e pessoas
notáveis para a sala da livraria dos padres, onde, de per si, foram sendo
informados e deram a sua adesão. Colhidos os votos, conclamou
Salvador Correia o reconhecimento de D. João iv, e, em procissão, se
dirigiram à Sé-Matriz, “donde feito um altar no Cruzeiro dela sobre
um Missal fez o governador e a seu exemplo todos os mais solene
juramento, preito e menagem”.494 Houve em seguida muitos vivas,
festas alegóricas e outras demonstrações de alegria, que se
prolongaram por vários dias com cavalhadas, máscaras, sortes de
armas, iluminações próprias de rica cidade. A 19 de março recebeu o
governador carta de D. João iv, que renovou o contentamento geral.
Nem se limitara a tais congratulações Salvador Correia. Logo a 11
enviara o Capitão Artur de Sá, que o era da Ilha das Cobras, às
“capitanias de baixo, São Vicente e São Paulo e onze vilas de que
constam”, para comunicar-lhes a Restauração, antes que os avisos de
Castela lhes perturbassem o sentimento português.

SÃO PAULO E AMADOR BUENO

Em São Vicente, mal soube da novidade, o Capitão Luís Dias Leme


aclamou D. João iv, antecipando-se a São Paulo onde preponderavam
in uências dessemelhantes. Era “golpe sensibilíssimo aos espanhóis
que se achavam estabelecidos e casados na dita Vila de São Paulo, para
onde tinham concorrido não só da Europa, mas também das Índias
Ocidentais”,495 como os Rendons, seus parentes Buenos, outros
aristocratas mais ligados a castelhanos do Prata e do Peru do que a
portugueses do litoral e de Lisboa. Sem maior obstáculo, porém,
anuíram os paulistas em 3 de abril.
O vereador mais velho Paulo do Amaral arvorou o dito pendão por três vezes, dizendo em
cada uma Real, Real, Real por el-Rei D. João o quarto de Portugal, respondendo a cada uma
destas vozes todos os circunstantes com mil vivas e júbilos.

O Capitão-mor João Luís Mafra presidiu à cerimônia com o vigário e


a nobre gente, como Antônio Raposo Tavares, o abade de São Bento, o
guardião de São Francisco, Fernão Dias Pais, Lourenço Castanho, João
Raposo Bocarro.496

Disse o sermão gratulatório um frade franciscano, que em 1642


escreveu (da Bahia) a D. João iv:
Achando-me presente à aclamação e juramento que por Vossa Majestade se fez na Vila de
São Paulo, capitania de São Vicente (aonde preguei o sermão daquele ato), tratando-se da
instância que o castelhano havia de fazer sobre esse reino, responderam muitos que, se quiser
bulir com el-Rei Dom João nosso senhor, lhe tiraremos o brio com lhe tomarmos o serro de
Potosi. Ajunto a isso que ouvi dizer a um homem daquelas partes, grande sertanejo, que a
repartição que se fez no tempo do Imperador Carlos v à revelia de Portugal não foi
direitamente pelo rumo, e ainda assim ca parte do dito serro na Coroa de Portugal.497
Daquelas tendências de irritada autonomia há entretanto um
documento impressionante, que a tradição dilatou, dando-lhe o
simbolismo e a poesia de um formoso episódio de delidade ao
soberano legítimo: o caso da “aclamação de Amador Bueno da
Ribeira”.

Silenciam os papéis da época,498 mas reconhece a tradição a patente


que, em 1700, o capitão-general da Repartição do Sul, Artur de Sá e
Meneses, passou a Manuel Bueno da Fonseca:
E quando não bastaram estes serviços, era merecedor de grandes cargos por ser neto de
Amador Bueno, que sendo chamado pelo povo para o aclamarem rei, obrando como leal e
verdadeiro vassalo, com evidente perigo de sua vida clamou, dizendo que vivesse el-Rei D.
João iv seu Rei e Senhor, e que pela delidade que devia de vassalo, digno de grande
remuneração.499

Não sabemos se Frei Gaspar da Madre de Deus, que no-la referiu


primeiro, narrou o incidente segundo a notícia dessa patente, ou a
tomou em abono do seu escrito. É possível — em todo caso — que a
“aclamação” de Bueno se tivesse dado não em abril, ao tratar-se da
aceitação de D. João iv, porém meses depois, durante o dissídio entre
paulistas e defensores dos jesuítas, que deixamos relatado. Foi uma
revolução. Os moradores do planalto interceptaram-lhe as
comunicações com São Vicente e o Rio e prometeram receber na
ponta das armas Salvador Correia de Sá. Fizeram uma junta
governativa, que lhes dirigisse a defensiva, e é compreensível que,
nesta extremidade, propusessem uma solução radical: dariam a coroa
ao mais venerável dos seus cabos, o honrado Amador Bueno. Este —
diz Frei Gaspar — vendo que se faltava à palavra leal e arriscava-se a
tranqüilidade comum, recusou com energia, e ante a coação, até
ameaças e tumultos, se refugiou no Mosteiro de São Bento, enquanto
nas ruas lhe gritavam: “Viva Amador Bueno nosso rei”.

O problema não era a rebeldia nativista, para separar São Paulo da


América Portuguesa: sim, a exclusão dos padres e a interferência do
governador forasteiro, que os apoiava com alardes temerosos. A
paci cação — desistindo ele de repor com violência os missionários —
dissipou igualmente a agitação. E não se falou mais do estóico Bueno
da Ribeira.
DESTITUIÇÃO DO VICE-REI

Sucedeu na Bahia uma alteração política semelhante às quedas de


situação que se seguem, nas cortes, à morte dos reis.

O Padre Francisco de Vilhena trouxera instruções con denciais, em


segunda caravela que chegou à Bahia, para o caso de resistir
Montalvão às ordens precedentes. De fato, dois lhos deste tinham
preferido car em Madri, éis a Filipe iv, e se temia que, a instâncias
deles e da Marquesa de Montalvão, o vice-rei, apoiado à guarnição
espanhola, se revoltasse contra a Restauração.500 Aclamado porém D.
João iv, devera o jesuíta aguardar novos recados de Lisboa. Fez o
oposto. Emparceirou-se com os descontentes, ouviu-lhes as vozes,
correu à câmara, a apresentar os papéis que autorizavam a destituição
do marquês, e de tal arte que logo os vereadores concordaram em
reconhecer o governo de um triunvirato, em que entravam o Bispo D.
Pedro, Luís Barbalho e o Provedor-mor Lourenço de Brito Correia (16
de abril de 41).501

Montalvão não hesitou em transferir-lhes o poder; compareceu à Sé,


para a cerimônia da posse solene; e se retirou para o colégio dos
padres, amargando sem queixumes a injustiça que lhe faziam.

Mas a junta não se convenceu desse desinteresse. Declarou-o


prisioneiro, juntamente com o Mestre-de-campo Joanne Mendes de
Vasconcelos e o Sargento-mor Diogo Gomes de Figueiredo. Deu
liberdade a Luís da Silva Teles e D. Sancho Manuel,502 encarcerados
“por matarem de dia um ajudante na Praça do Paço”. E, num navio
comandado pelo primeiro, remeteu Montalvão à presença del-rei.

Em Portugal, todas as reparações lhe foram oferecidas, porque já D.


Fernando e Vieira haviam a ançado a sua lealdade. D. João iv,
recebendo-o, não se conteve, que lhe não beijasse a mão trêmula.503
Elevou D. Fernando ao posto de coronel. Censurou asperamente o
triunvirato da Bahia. Mandou governar o Brasil Antônio Teles da Silva
— exatamente para dar o lugar de mestre-de-campo-general do
Alentejo a Joanne Mendes, amigo e protegido do marquês.504 E a este
quis ouvir sobre os principais negócios da monarquia.

CONSELHO ULTRAMARINO

A Restauração iniciou-se com os melhores propósitos de política


colonial — tão agradecido estava el-rei à delidade dos domínios.505

O Conselho Ultramarino foi criado em 1642 (Regimento de 14 de


julho) à maneira do extinto Conselho da Índia, para informar os
assuntos do Brasil e demais possessões portuguesas, vigiados mais
lucidamente por homens que os conheciam. Tornou-se verdadeiro
ministério, de que se valeu a Coroa, socorrida aliás de quatro outros
conselhos, que supriam a inexperiência do soberano: o da Consciência
(para as cousas eclesiásticas), da Fazenda (para as contas), de Guerra
(criado logo em 11 de dezembro de 1640) e de Estado (31 de março de
1645, para os negócios gerais do reino). Tal limitação do arbítrio
régio506 se harmonizava com o sentido liberal da Restauração (a
vontade da nobreza, clero e povo, em favor dum rei nacional) e o
trabalho das cortes, convocadas para votar os recursos indispensáveis
à sua subsistência.

A revolução patriótica fora precipitada pelo mal-estar causado por


uma agravação contínua de impostos. Espanha começara a perder
Portugal ntando-o, sem respeito à pobreza do contribuinte e à crise
do comércio. O 1º de dezembro de 1640 marcara por isto dois
acontecimentos: o advento do “rei natural” e a abolição dos tributos
impopulares. Foi um jubileu scal. No dia seguinte, porém, se sentiu
que as guerras não se fazem sem dinheiro e o reino devia sustentá-las
com o vigor de que fosse capaz.

A junta da Bahia percebeu o problema com demasiada simplicidade.


Apoderando-se do governo em 16 de abril, em 22 publicou um bando
jubiloso: abolia os impostos; e — visto não cobrar mais a meia pataca
pela canada de vinho — lhe abateu o preço, de 720 para 560 réis...
Parecia um sonho; e não durou. Os próprios triúnviros, premidos
pelas exigências da tropa, que não podia ser paga pelos rendimentos
normais do Estado, tiveram de pedir o restabelecimento das taxas
antipáticas.507 Fez-se mais: para o sustento da tropa, exigiu-se a
vintena, em 1642, sobre os bens do comércio, que rendeu 30 contos
cada ano.508 E foi pior, tomando a câmara o encargo de pagar a
guarnição, pesado dever de que só se livrou sessenta anos depois.509
Gradualmente voltou o sistema anterior, da tributação sobre as
utilidades importadas — para que os soldados tivessem o seu
estipêndio, e a Praça se conservasse.

É verdade que se justi cava o otimismo, com a suspensão da luta em


Pernambuco e a atitude paciente do inimigo, convencido de que
sobreviria um bom acordo, contente com a separação de portugueses e
espanhóis, disposto a comemorá-la como uma vitória, e,
decididamente, cansado de brigar.

O JUIZ DO POVO

Está então na plenitude a instituição municipal, completada, na Bahia,


pela representação dos ofícios mecânicos. A 21 de março de 1641
(certo o povo de que aderira livremente ao “rei natural”) assentou-se
em câmara que houvesse... “misteres como era costume nas cidades e
vilas notáveis de Portugal”,510 que “o número de misteres fossem
doze”511 e que “os doze elegessem um juiz do povo e um escrivão para
que, todos juntos, zessem como nas mais cidades”.512 Nada disto
constituía novidade no reino; e era pensamento maduro na colônia.513
Mas aquele “defensor civitatis”, que nos cabildos espanhóis se chamava
Procurador,514 podia ser uma personalidade loquaz e ativa, suscetível
de levar à pachorra do governo local a bravia reclamação da plebe.
Nela se esboça a oposição... E ecoa a opinião espontânea das ruas. O
juiz do povo devia tudo ver, falar de tudo, a principiar pela dissolução
dos costumes, o trajo rico das escravas515 — farfalhante de
licenciosidade e petulância — o peso dos impostos, a sua iniqüidade...
O fato é que, instado pelo Procurador do Povo da Cidade do Salvador,
Baía de Todos os Santos (já o Padre Vieira em Portugal) — decidiu o
rei “con rmar” “a eleição na dita Cidade da Bahia se fez de misteres e
Juiz do Povo, e que daqui por diante os haja na forma em que os há nas
mais cidades deste reino”.516 Essa provisão foi mandada cumprir em
câmara, a 20 de dezembro de 1644. Até 1650, sentava-se o juiz no
degrau do estrado em que despachavam os vereadores; e tornou-se
conveniente — que não lhes ouvisse a conversa — afastá-lo para
bancada distante... Com altos e baixos, con itos e desinteligências,
continuou o vigilante “tribuno da plebe” a acompanhar os trabalhos do
conselho. Em 1674, por exemplo, tinha de exumar dos arquivos a
provisão régia, para prova dos seus direitos. Lutava com a má-vontade
da câmara; lutou em segredo ou a descoberto, até 1711, quando, no
torvelinho da revolta, se extinguiu essa relíquia das reivindicações
democráticas de outrora.

Existiu enquanto não se encorpou e de niu o absolutismo


setecentista.

REPRESENTAÇÃO...

Em 25 de agosto de 1653 importante consulta do Conselho


Ultramarino foi enviada ao rei. Provocara-a o Padre-Frei Mateus de
São Francisco, que, “em nome do Estado do Brasil”, pedia, “se
nomeiem as pessoas dele — moradoras no reino — que parecerem
boas para seus procuradores nas cortes, visto o amor daqueles
moradores à sua terra e principalmente as nezas que têm obrado os
de Pernambuco”. À margem desse papel está o despacho de D. João iv:
A cidade da Bahia, metrópole do Estado do Brasil, pode mandar procuradores às cortes, se
os há, de que o conselho tomará toda a notícia, oferecerão procuração e serão logo admitidos
e não os havendo, busque o conselho duas pessoas que façam este ofício dando caução de
rata.

Lisboa, 4 de setembro de 1653.517

Reconheceu o rei, pois, o direito à representação, nas cortes do reino,


dos povos de Ultramar, e xou em dois os delegados da primeira
cidade elevada a essa honra, de dar procuradores àquele parlamento, a
cidade da Bahia. Equiparava-a, com isto, às da metrópole.

Em duas reuniões de cortes, pelo menos, esteve presente: em 1641


(“era procurador desta cidade Jerônimo Serrão, procurou este lugar no
primeiro banco e se lhe concedeu”) e em 1668 (“e se deu assento [...]
no segundo banco”).518

PRIVILÉGIOS BURGUESES

Em conseqüência do que representou a Câmara do Rio de Janeiro,


concedeu D. João iv aos moradores desta cidade (alvará de 10 de
fevereiro de 1642) privilégios, isenções e liberdades que desde 1490
gozavam os do Porto. Foi o Rio de Janeiro a primeira cidade do Brasil
bene ciada com essa regalia, que logo a Câmara da Bahia pediu com
igual empenho, e obteve por alvará de 22 de março de 1644.519 O
melhor disto era livrar-se do jugo militar das autoridades que
requisitavam arbitrariamente as casas para a hospedagem de
tripulantes e soldados das frotas. Assegurava a propriedade, garantia o
comércio, estendia às pessoas e ao patrimônio a proteção da justiça,
terminava nominalmente com o despotismo dos capitães!

Mas o Senado da Câmara (título que então se lhe deu) quis mais: o
direito de ter lugar permanente nas cortes, e “no primeiro banco”, a par
das cidades antigas... Era então procurador da Bahia (e por sinal que
tão desleixado que não durou no cargo) o bacharel Gregório de Matos.
Naturalmente por ser o letrado brasileiro mais em evidência em
Lisboa, o poeta fora incumbido de advogar-lhe os interesses. Devia
a rmar (recomendou a Vereação em carta de 9 de março de 1673) que
este estado do Brasil é de grandeza e importância ao serviço de Vossa Alteza, e esta cidade
cabeça dele, e lealmente tão nascida do seu amor, como se viu na prontidão e alegria com
que aceitou e celebrava a feliz aclamação do Rei D. João iv.520

Requeria e reivindicava a ostentosa vantagem política — de pertencer


à grande assembléia do reino.
Deixando de lado a humildade colonial, erguia-se à altura do trono.

XII: A   N

DESLEALDADE...

Da parte da junta da Bahia foram corretamente interpretadas as


instruções do reino.

Enviou ao Recife Pedro Correia da Gama e o jovem licenciado Simão


Álvares de Lapenha (de quem adiante falaremos), acompanhando mais
de trinta prisioneiros libertados, e expediu ordens aos “campanhistas”
para que recolhessem à cidade.

O próprio Tenente Paulo da Cunha Souto Maior, cuja cabeça fora


posta a prêmio por Nassau, teve salvo-conduto para se apresentar aos
holandeses, que o receberam como amigo. Em nome destes
parlamentaram os conselheiros Van der Burgh e Nunin Olfers. E
enquanto conversavam, o comandante do Forte Maurício (no São
Francisco) recebia recados para sair para o Rio Real, onde se
entrincheiraria. Esta, a fronteira da paz...

Grande, porém, foi a decepção dos portugueses, ao saberem que


deixara o Recife a frota de Cornelis Jol, para atacar São Tomé e Angola.
Estranharam a partida dos navios. Tranqüilizou-os o conde, dizendo
que iam combater espanhóis (30 de maio). Destinavam-se a arrebatar
os mercados de negros do Sul da África — cortando aos portos do
Brasil o fornecimento de escravos. Angola primeiro; depois o
Maranhão...

Pelas cartas cheias de indignação que o Governador-geral Antônio


Teles da Silva escreveu a D. João iv, sobre esse procedimento
inesperado, vemos que acabou aí a esperança da quietação — esboçada
naquelas aberturas; e voltou, sem mais nada, o clima de ódio e
vingança. “Mais fácil é romperem umas pazes que perderem uma
ocasião de ser piratas”.521

A QUEDA DE ANGOLA

Resistiu mal a guarnição de São Paulo de Luanda, que Pedro César de


Meneses governava sem as devidas cautelas: entregou-se à expedição
de Cornelis Jol, em 25 de agosto de 1641.522

Desamparado dos pretos e para não cair em poder do invasor, retirou


Pedro César para os matos. Não sabia explicar a razão do assalto.

Até porque (alegou, protestando, por intermédio dos emissários que


mandou ao almirante holandês) estavam em bons termos os
respectivos governos... Esperava ainda que tudo se limitasse à
pilhagem. Mas Cornelis Jol declarou a sua intenção de ocupar o
território. E sem preocupação quanto à resposta que lhe desse o tímido
governador, dali foi conquistar a Ilha de São Tomé, que tomou, após
breve, mas renhido combate, em 11 de outubro. O que as balas
portuguesas não zeram, fez a peste, que logo dizimou os amengos,
matando naquela região tórrida centenas de soldados e marinheiros, e
o próprio almirante — que lá cou, sepultado na igreja matriz de São
Tomé, vítima de uma das mais cruéis rajadas epidêmicas de que há
memória. Pinta-a Barleo com a vivacidade dramática do seu estilo,
chamando a atenção para os horrores da ilha insalubre; e a
inadaptação de seus patrícios a esses ares letais.523

Mas se deram razoavelmente em Luanda. E em 17 de maio de 1643,


traiçoeiramente, investiram o arraial de Pedro César junto ao Bengo,
mataram 30, feriram 25 que resistiram como puderam, aprisionaram o
governador e puseram fogo às casas — “indecentemente”.524

“Angola, senhor (esbravejou Antônio Teles), está de todo perdida, e


sem ela não tem V. M. o Brasil”.525
PERDA DO MARANHÃO

Entendia Nassau que para segurar Pernambuco — com os engenhos —


era preciso ter a África — com os negros. Garantiria o fornecimento
de braços e poderia, agora protegido pela comunhão luso-holandesa,
desfrutar a prosperidade de uma indústria sem igual em domínios
ultramarinos.

Quanto ao Maranhão, parecia-lhe complemento da aquisição do


Ceará; e um método, para a aproximação do Amazonas, limite
provável da colonização amenga, caso capitulassem os pobres núcleos
portugueses da costa lés-oeste.526

Governava aquela capitania o velho Bento Maciel Parente. Não


contava com nenhuma sortida dos “aliados” e vizinhos. Foi com
assombro que viu entrar a barra — em 25 de novembro de 41 — uma
esquadra de treze navios de guerra, três bergantins e três embarcações
de comércio. Debalde os fortes se lhe opuseram com a sua artilharia.
Comandava a armada o terrível Lichthardt e o chefe da força
expedicionária — uns mil homens — era o Coronel Koin. Ninguém se
atreveu a perturbar o desembarque. A dois mensageiros do governador
(o Provedor-mor Inácio do Rego Barreto e o Padre Lopo do Couto)
respondeu Koin, que gostaria de ver o tratado de paz a que se referiam.
Bento Maciel saiu da fortaleza para mostrar-lhes o papel, e da
discussão resultou — ingênuo ajuste! — que os holandeses se
aboletariam na praça e não haveria luta, até chegarem ordens claras
das respectivas metrópoles. Assim se fez, porém de modo que as
bandeiras portuguesas foram substituídas pelas de Orange, e antes que
os soldados, ludibriados, pensassem num revide, se descartou deles o
esperto inimigo mandando-os embora nuns navios velhos. Parte da
guarnição (que era de 130 homens), foi dar em São Cristóvão das
Antilhas, e o resto no Pará, enquanto Bento Maciel acabava
tristemente a sua vida heróica. Preso no dia imediato à burla, que lhe
custara o Maranhão, foi enviado para o Rio Grande, e daí, por terra,
enfermo e humilhado, para o Recife. Morreu em meio da jornada, aos
75 anos, “pobre e miserável”, diz Frei Manuel Calado...527
Esta última violência repercutiu em França e Holanda, tal a energia
com que a censurou o representante de D. João iv na Haia, Francisco
de Andrade Leitão. Informou-o, aliás pessoalmente, Inácio do Rego
Barreto, mandado preso para esse país. As tréguas tinham sido
violadas. Os Estados-Gerais responderam que as conquistas eram
legítimas; e contentaram-se em prevenir Nassau sobre a vigência do
tratado com Portugal. A ida do plenipotenciário para o Congresso de
Münster interrompeu-lhe neste ponto a negociação, retomada em
outras circunstâncias pelo sagaz Francisco de Sousa Coutinho.528

A tomada do Maranhão derrocou os sonhos paci stas que se zeram


à roda da muni cência e do esplendor de Nova Holanda.

Os portugueses viram exatamente o seu problema do Brasil.

A acomodação européia cá não lhes aproveitaria. O potentado do


Recife não se satisfaria sequer com o usurpado. Estenderia o domínio
ambicioso, ao norte e ao sul. Ontem São Luís e Angola; amanhã a
Bahia. O jeito seria pagar-lhe na mesma moeda, e ngindo pazes,
retomarem os colonos a terra: pelo “sistema do Maranhão”.

D. João iv isto mesmo aconselhou, por intermédio do Governador-


geral Antônio Teles da Silva,529 enviado para suceder à junta da Bahia.

A sua patente é de 16 de maio de 1642. Partiu de Lisboa em 3 de julho


e empossou-se em 30 de agosto. Veio, pois, depois das instruções
dadas ao embaixador na Haia e do estudo feito em Lisboa da situação
do Brasil após as três conquistas de Nassau.

Não trazia mensagens especiais nem reforços do rei novo: trazia-lhe a


con dência.

A guerra deveria continuar soturna e hábil, para que os


acontecimentos americanos não comprometessem a sorte da
metrópole, a braços com a campanha da Restauração.

Era tempo de libertar-se o Brasil sem auxílios de fora e até parecendo


que desobedecia a D. João iv: para que Portugal, ajudado de Holanda,
França, Inglaterra, zesse frente às forças de Madri e completasse, com
as armas, a “prodigiosa” independência.

Vejamos o que acontecia no Brasil holandês.

ESPLENDOR DA NOVA HOLANDA

Distinguiu-se Nassau dos comissários da Companhia das Índias pelo


caráter construtivo do seu governo. Talvez tivesse o propósito de car
em Pernambuco ou sonhasse com a criação de um reino, cuja coroa
faltava ao seu orgulho. Foi em tudo príncipe: ao contrário da sordidez
mercantil dos comissários, que especulavam em açúcar e arrecadavam
impostos, desdenhando a colonização e espezinhando os colonos. Em
1641 podia contemplar a nal a sua obra, incipiente mas pretensiosa,
naquele Recife que se transformava.

Na Ilha de Antônio Vaz, onde se juntam o Beberibe e o Capibaribe,


levantou o seu palácio — do qual Gaspar van Baerle dá uma soberba
gravura. Chamou-se de Vrijburg (Retiro ou casa-forte). Em português
(à moda da terra): casa-forte. Como as da várzea; mas com a
imponência de duas torres (e cou-lhe o apelido, de “Palácio das
Torres”), a nobreza da escadaria central, casario em alas e ao fundo o
horto, onde Nassau, que amava a botânica, aclimatou 700 coqueiros de
bom tamanho e as árvores frutíferas mais estimadas. Construiu-o a
sua custa por 600 mil orins.530 Nem cou nesse palácio de exótica
fachada, torreado como uma catedral, amplo como uma hospitaleira
casa-grande. Defronte do Recife (sobre o Capibaribe e junto à ponte)
mandou fazer a da Boa Vista (quatro águas, baixos torreões nos
ângulos e mirante de dois andares, em que se conjugam o traço rústico
dos nossos sobrados e os campanários pontiagudos de Flandres),
destinada, tanto à administração como à defesa.531 Seguindo-lhe o
exemplo, os homens ricos trataram de instalar na ilha (lisonjeiramente
chamada Mauritzstadt, ou Maurícia) as suas moradas. Tornou-se o
subúrbio aristocrático do Recife, então com umas 2 mil casas, de
negociantes ávidos e ativos. O rio separou os dois aspectos da
ocupação: o personagem de sangue real, que lançava os fundamentos
de um Estado com arte e generosidade; e a burguesia um pouco sem
pátria nem escrúpulos (gente de todas as procedências, desembarcadas
das urcas naquela “feira nova”) que acolá montara tendas e balanças.
Aliás o grande problema era a ligação de um bairro a outro por pontes
que lembrassem as de Holanda. Foi a obra mestra de Nassau, em que
gastou 100 mil orins, só com os primeiros pilares — e cou lendária
pela inauguração suntuosa. Sem dinheiro para completá-la em pedra,
concluiu-a em madeira, e a entregou ao tráfego com uma festa
retumbante. Outra, sobre o Capibaribe, uniu ao continente a ilha.
Esses trabalhos deram a medida do espírito criador do príncipe,
rodeado em Vrijburg de sua laboriosa corte de pintores, naturalistas e
médicos. Vista à distância, parece uma academia, a organizar um
museu tropical.

Trouxera os seus artistas.

Os mais ilustres, os pintores Franz Post e Albert Eckout,532 a quem


juntamos o soldado, que se mostrou bom desenhista, Zacarias
Wagener.533 Cuidaram de documentar-se, reproduzindo o que havia de
característico no país: povo e costumes, paisagens com a fauna e a
botânica, colonos e índios, sem esquecer tapuias antropófagos e negros
de Guiné, os panoramas do São Francisco, Goiana, Olinda em ruínas e
várzeas onde as casas-grandes, de alta varanda, e os engenhos moentes
continuavam a evocar o antigo patriarcado. Centenas de desenhos,
telas, estudos e esboços, gravados por excelentes artistas holandeses,
iriam revelar à Europa o Brasil, surpreendido nas cores cruas pelos
pincéis amengos...

Que fale Nassau, ao oferecer a Luís xiv as pinturas brasileiras: “As


ditas raridades representam todo o Brasil em imagem, a saber, a nação
e os habitantes do país, quadrúpedes, pássaros, peixes, frutos e ervas,
[...] também a situação do mesmo país, cidades e fortalezas”.534

Sobre várias daquelas telas desenhou Desportes os seus cartões para


as tapeçarias francesas (Gobelins, 1689–90).
Foi essa iconogra a que pôs em circulação (a começar pelo livro
profusamente ilustrado de Gaspar van Baerle) o retrato simbólico da
América, com os tipos inéditos de mestiçagem, a doçura dos campos
bordados de canaviais, a surpresa dos seus aspectos de convívio,
guerra e paz, com certos pormenores de agreste beleza em que as
pastorais do século anterior se materializam em subúrbios amenos,
vales risonhos e praias desafogadas.

Esse retrato supria a história; pelo menos — antecipava-a.

O médico Piso, o jovem naturalista Georg Marcgrave (que chegaram


em princípios de 1638) coligiram as primeiras observações da ora e
da fauna, e, com elas, a notícia das doenças mais encontradiças nos
trópicos. Cabe a Marcgrave e Piso a honra de serem os
sistematizadores, na considerável História Naturalis Brasiliae
(Amsterdã e Leide, 1648) dos estudos fundamentais de plantas e
bichos, astronomia e clima do país,535 em cuja natureza encontraram
um inesgotável tesouro de curiosidades. Nele se esboça o mesmo
entusiasmo das cousas americanas que no começo do século xix
empolgaria os naturalistas-viajantes austríacos, bávaros e ingleses. “Por
sinal que me pesou (comentaria o Padre Vieira) ver tão público um
segredo, que podia acrescentar a cobiça daquelas terras, que nós tão
pouco sabemos estimar”.536 Com ele se inicia o inventário sábio da
botânica no continente. Já na obra de Piso (De Medicina Brasiliensi) a
ciência descobre informações básicas a respeito de enfermidades e
higiene no Brasil seiscentista.537 De ordinário dela se faz datar a
vulgarização das moléstias peculiares ao trato negreiro, à vida rural
nas zonas quentes, aos costumes ásperos e primitivos na costa e no
sertão.

Há um grande poeta na “corte” de Nassau: Elias Herckmans.538


Depois de governar a Paraíba, comandou a frustrada expedição ao
Chile e morreu no Recife, em 1643. O seu poema em louvor dos feitos
marítimos de seus patrícios (Amsterdã, 1634) se inclui entre os livros
clássicos da literatura holandesa. Descreveu ele com riqueza de
pormenor aquela capitania e os tapuias seus aliados, que causavam
pavor e admiração, ingênuos, cruéis, atléticos.539

A animação espiritual, certo, não lograra desenvolver no grau


desejado a civilização material: faltavam operários, a boa vontade da
Companhia, contrária a despesas adiáveis, melhor gente, para elevar o
nível à sociedade que se reconstituía, depois dos estragos terríveis da
luta. Não é preciso um esforço de imaginação para a situar na época e
no meio, entre os estabelecimentos mercantis e as povoações tomadas
pelo despudor e pela ganância dos tra cantes, sem coesão, sem estilo
xo de convivência, sem outras linhas de nobreza além da tolerante
dignidade do governo, ainda assim diluída nos aspectos subalternos ou
desprezíveis da vasta feira, que o insulava.540 A despeito das obras
feitas, a cidade continuava mesquinha e, no porto, insu ciente para
abrigar os forasteiros. Os relatórios conhecidos sobre o que aí ocorria
expõem queixas intermináveis, mostrando a amargura dos soldados, a
insatisfação dos mercadores, a tristeza dos imigrantes, o mal-estar
generalizado. Parecia aquilo um acampamento rico, onde alternavam a
opulência dos açambarcadores e a miséria dos demais, fustigada por
atrozes doenças, em quarteirões de casas coletivas alugadas por preços
exorbitantes, num desconforto lastimável,541 com lotes de africanos à
venda no meio da rua, torpemente... Essa aparência de ocupação
provisória, de instalação precipitada, à beira-mar, sem comunicação
real com o interior nem a estabilidade fecunda, das colônias que
crescem conscientemente na paz e no trabalho, se re etia antes de
tudo nas construções militares, em geral de terra, apressadas, mais
trincheiras do que fortalezas. As principais do Recife — veri cou-se
em 1654, por ocasião da rendição da praça — longe de serem de pedra
e cal, como baluartes inabaláveis, eram de torrão,542 como o casario
pobre dos engenhos...

PROSPERIDADE

Retomaram o trabalho 120, dos 166 engenhos da capitania.


Produziram, no período de 1637–1644, 218.220 caixas de açúcar, no
valor de 22 milhões de orins.543

Cuidou Nassau das lavouras auxiliares, da criação de gado, da


adaptação de culturas rendosas que pudessem alimentar o comércio e
responder às exigências da metrópole, preocupada em recuperar
depressa os seus sacrifícios nanceiros. Temos dados de 1639, que
possibilitam deduzir a média dos proventos: dízimos do açúcar e
direitos sobre víveres, 350 mil orins; direitos de importação, 400 mil;
sobre o açúcar entrado na Holanda, 300 mil; renda de engenhos,
capitais e escravos, 2.400.000, no total de 3.450.000 orins...

Os portugueses, em 1641, pareciam acomodados ao jugo. A sua fé era


respeitada. Os próprios judeus proibiam entre si controvérsias
religiosas. Os párocos tinham reaberto várias igrejas. A instituição
municipal (câmaras de escabinos, à moda amenga) melhorara a vida
civil, pois aí se dera representação equivalente a moradores e
estrangeiros, e tinham elas competência para lhes julgar as contendas.
O presidente dessas câmaras, sempre holandês, chamava-se o
esculteto. A diferença de língua, por certo, di cultava-lhes o trabalho.
Que não impressionaram a imaginação pernambucana, sabemos,
porque, expulsos os holandeses, não se falou mais de escultetos e
escabinos: foi uma severa tentativa de conciliação dissipada, como as
demais, pelos acontecimentos. Serviu para aquietar — até a grande
rebelião — os proprietários rurais, a quem o príncipe, suspicaz e hábil,
não perdia de vista.

OS ESCABINOS

Entre 27 de agosto e 4 de setembro de 1640, reuniu-se no Recife (fato


memorável) a assembléia de escabinos sob a presidência de Nassau. A
convocação obedecia à ordem da Companhia, para que anualmente os
moradores de mais consideração fossem consultados sobre as cousas
da terra, num congresso de bons propósitos. Não faltaram àquela
assembléia prematura.544

É
É signi cativo o silêncio de Barleo a respeito dessa reunião.
Entreteve, sem convencer. Mas, embora queixosos, e bradando que a
religião católica não tinha as garantias do calvinismo, os escabinos
con avam em Nassau. Ganhavam tempo...

Destacara-se entre os senhores de engenho, por suas ligações com os


amengos, os seus prósperos negócios, o seu temperamento de chefe,
João Fernandes Vieira.

Estava naturalmente indicado para encabeçar o levante geral.

JOÃO FERNANDES VIEIRA

O mistério começa pelo nome.

Informa o Nobiliário da Ilha da Madeira, onde nasceu: “Francisco de


Ornelas, segundo lho de Francisco de Ornelas, sendo rapaz fugiu
para o Brasil, onde mudou o nome em João Fernandes Vieira”.545
Fontes contemporâneas, porém, o indicam como lho natural e
insistem em que era mulato,546 de humilde condição, criado ou auxiliar
de um marchante no começo da vida trabalhosa, a fazer, “com as mãos’
(segundo as suas próprias palavras), a fortuna que de repente, graças à
amizade dos holandeses, se lhe multiplicou, pingue e obscura.

Tomou armas — moço valente que era — às ordens de Matias de


Albuquerque. Parece que serviu como soldado e como negociante,
pois após a rendição do Forte de São Jorge (em 1630) documentos há
que o apontam a distribuir, por quatro anos, “mantimentos da gente de
guerra, suprindo com sua própria fazenda por várias vezes em muitas
ocasiões, em que houve falta”.547 E caiu prisioneiro (em 1635) com os
demais do Arraial Velho. Logo em seguida se uniu ao rico judeu,
conselheiro da Companhia, Jacob Stachouver,548 e bem aceito dos que,
com ele, governavam o Recife, acumulou avultados cabedais. Disseram
estes — quando os abandonou — que devia na praça, insolvente,
muito dinheiro... Devia sem dúvida, como os outros proprietários, ou
mais do que todos. Porém é temerário deduzir disto que a insurreição
fosse um ardil, dos donos de engenho em bancarrota, para escaparem
aos credores. Desde 1611, portanto em época de orentes lucros, tinha
Fernandes Vieira secretos entendimentos para desfechar, a qualquer
momento, a revolução nativista.
Quem me trouxe vocalmente os avisos de S. M. (D. João iv) — con rmou, historiando — foi
um frade de São Bento, por nome Fr. Inácio, eleito Bispo de Angola por este serviço; foi o
Mestre-de-campo Martim Ferreira e Simão Álvares de Lapenha que naquele tempo estavam
na Bahia e vieram disfarçados em embaixadores ao Recife, onde me falaram.549

Mais dia, menos dia, rebentaria ali a revolta.

Mas sem aquele madeirense ambicioso e no, casado numa das


grandes famílias da região (1613),550 senhor de cinco engenhos, um
destes, o de São João, chave da várzea, dominando o curso do
Capibaribe — não se atearia em 1615 o esperado incêndio.

Sobravam motivos.

RECONQUISTA DO MARANHÃO

O primeiro sinal para a reação, depois das tréguas de 1641, partiu do


Maranhão.

Os “senhores de engenho” esbulhados não se conformaram com a


invasão e tiveram o apoio dos colonos do Pará. É certo, não lhes faltou
a palavra de ordem da corte, para que retomassem à viva força o que
tinham perdido à falsa fé.

O portador dos recados pode ter sido André Vidal de Negreiros.


Recolhera-se a Lisboa, após o fracasso da expedição do Conde da
Torre, que valentemente secundara na Paraíba, e voltara com o
Governador Antônio Teles, apresentando-se em seguida no Recife, a
título de confabular com Maurício de Nassau sobre a conquista de
Angola.

No Maranhão, o jesuíta Lopo do Couto (que dirigia a Residência


fundada pelo Padre Luís Figueira) concitou os moradores à revolta.
Tomou-lhes o comando seu sobrinho, Antônio Moniz Barreiros,
senhor de engenho e antigo capitão-mor da terra.551 Foi na noite de 30
de setembro. Caíram sobre as guarnições espalhadas pelos engenhos, e
as prenderam. Dizimada uma força enviada ao seu encontro, correram
a sitiar a cidade, onde o resto dos inimigos se entrincheirou. Os
socorros do Pará (113 soldados, 700 índios em 54 canoas) chegaram
em 3 de janeiro.552 Mas os sitiados receberam gente e armas em sete
navios (15 de janeiro), ao mando do Tenente-coronel Hinderson
(acabava de chegar da tomada de Luanda), que investiu os quartéis dos
rebeldes e os levou de vencida. Aí morreu o Capitão-mor Moniz
Barreiros,553 substituído no posto por Antônio Teixeira de Melo,
veterano das lutas de 1614–21. Não quis prolongar um combate
desfavorável. Repetiu a estratégia de 1624 e de 1631, na Bahia e em
Pernambuco. Retirou para as cercanias, onde as guerrilhas impediam o
passo aos estrangeiros necessitados de víveres, e esperou munições e
homens do Pará.

Hinderson apelou para o Recife. Sem um exército considerável não


poderia desmanchar a armadilha em que se metera. Nassau não o
ouviu. Pensava em deixar o governo e não contava com os diretores da
Companhia, mais mesquinhos, para novas remessas de tropa e
material. Porventura percebeu que o erro da ocupação temerária do
Maranhão importava outra aventura, de maior alcance, qual a
conquista do Amazonas, que não devia intentar sem forças superiores
e em troco de um proveito remoto. E deixou que o tenente-coronel,
enfadado, destruísse a artilharia do forte e, em 28 de fevereiro de 1644,
embarcasse, com todo o seu séquito, para o Ceará, donde se passou ao
Rio Grande.

No Ceará cara Gedeon Morris com poucos soldados. Não demorou


no posto. Os índios, que tinham atraído os holandeses sete anos antes,
não os toleraram mais. Talvez fossem induzidos à rebelião pelos
parentes da capitania vizinha. Assaltaram-nos à sua maneira, e os
exterminaram — como veri cou um iate que, despercebido, ali
aportou em novembro de 1643.554

Í
DECLÍNIO

A decadência do domínio holandês declarou-se com a retirada de


Nassau. Fora-lhe impossível a permanência no Brasil, dada a
divergência de opiniões e intuitos com os negociantes de Amsterdã.
Estes — em suma — não estavam dispostos a sustentar um Estado
para a ambição política do príncipe perdulário e artista; e ao príncipe
não sorria a missão de administrador comercial duma colônia
tormentada pelo sistema da Companhia. Tinham razão, ela e ele, nas
suas recriminações. Acusava-o a Companhia do fracasso de 1638, do
revés do Rio Real, do Maranhão; e revidava-lhe, atribuindo-lhe
reservas odiosas.

Os moradores tudo zeram para que casse em Pernambuco. Mas lhe


chegara a demissão pedida, e entre comoventes mostras de apreço
embarcou na Paraíba a 22 de maio de 1644. Repatriou-se completando
o octênio de governo criador e inconfundível. Aos três conselheiros
secretos que lhe sucederam (Henrique Hamel, Van Billestrate, Baes)
ofereceu uma espécie de “testamento político”, com sisudos conselhos
sobre o melhor meio de dirigir aqueles povos. Apresentou em Holanda
dois relatórios sobre as necessidades do Brasil. E — de remate à
aventura tropical — encomendou a Gaspar van Baerle o livro, que lha
perpetuasse.

Talvez tivesse já então a consciência de que o livro — e os quadros de


Eckout e Post, seriam os vestígios permanentes da passagem de
amengos pela América austral. O resto desapareceria fatalmente. O
levante maranhense começara a série...

Realmente a situação internacional era favorável à Holanda; mas os


seus negócios no Brasil estavam em mãos ineptas.

Portugal cedia — absorvido na guerra de fronteira; porém os


pernambucanos não tolerariam mais tempo a ocupação estrangeira
ávida e destemperada.555 A saída de Nassau foi como um esteio
derrubado: caiu de repente a construção frágil. E caiu com grande
espanto dos portugueses.

Í
O PROBLEMA DAS DÍVIDAS

Há uma frase do Padre Vieira, no “papel forte” (1647) possivelmente


injusta, mas informativa: “[...] e os principais (motivos) que a
moveram (a rebelião pernambucana) foi porque tinham tomado muito
dinheiro aos holandeses e não puderam ou não lho quiseram pagar: o
que é muito diferente da razão que se alega”.556

Em 1644 atingiu o ponto culminante essa crise (de que Nieuhof dá o


transunto, publicando o contrato-tipo, de con ssão e consolidação dos
débitos, dos senhores de engenho e lavradores da várzea), facilmente
explicável.557 Ao começar 1645, subiam a 2.125.807 orins. À conta dos
açúcares, adiantavam-lhes os mercadores (e por vezes os funcionários
da Companhia) os fornecimentos de que se sustentavam, sendo
corrente o juro de 2,5 até 3% ao mês (revela Nieuhof), que havia de
comer — na liquidação — toda a safra, pouco cando (se alguma
cousa casse) para o devedor.

“A situação portanto se encaminhava para uma insurreição geral”.


Que os portugueses “depois de aí contraírem dívidas consideráveis,
tanto com a Companhia, como com particulares, se retiravam para a
Bahia”.558 A denúncia dada ao Alto Conselho sobre as maquinações de
João Fernandes Vieira e seus vizinhos apontava a escapatória: “[...]
assegurando-lhe que não serão molestados por suas dívidas”.559

Mas só se sublevariam se os ajudasse Deus com um milagre


(pensava-se no reino); e con rmou Antônio Vieira: “Aqui se viu o
milagre da Providência”.560

Prodígio de forças espontâneas e irredutíveis — não há dúvida.

Explodiu pelo Santo Antônio de 1645.


XIII: R

IDÉIAS DO PADRE VIEIRA

Para compreender as relações de D. João iv com Holanda é preciso ter


em vista a in uência do Padre Antônio Vieira.

Mal chegado ao reino, ganhou a con ança do soberano e entrou-lhe a


intimidade como conselheiro engenhoso, conhecedor das cousas de
Ultramar e pregador sem igual. Identi cou-se com a causa da pátria. O
problema parecia-lhe somente a guerra de Espanha. Tudo o que a
favorecesse devia ser feito. Tomou por isto uma posição decidida ao
lado dos judeus561 e da aliança com os Estados-Gerais, a m de tirar a
Castela esse possível apoio na luta contra Portugal, restituindo a este a
energia econômica que tanto lhe faltava. Fechou os olhos ao preço da
composição: Pernambuco.

A manobra era audaz. Num papel de 1643, que con rmou, em linhas
gerais, no sermão de 21 de agosto de 44, propôs a el-rei aceitasse os
cristãos-novos e, com isto, deles privasse a Holanda. O seu argumento
foi oportunista: a tolerância, recomendada como ardil de guerra,
reforçaria a defesa do reino e lhe permitiria ter duas Companhias de
comércio, uma ocidental, outra oriental, com que protegesse as frotas
do Brasil e da Índia. Pretendia, pois, combater o inimigo católico com
as armas do herege: as Companhias. Adaptando-as, porém, à
debilidade nacional, e aproveitando a lição da América. Chamasse D.
João iv os hebreus de Flandres que, naquele exílio, se vingavam do
Santo Ofício, alimentando com os seus capitais a conquista do Brasil:
renasceria assim a armada dos bons tempos, a fortuna dos bons reis!
Infringia Vieira com o extraordinário alvitre os preconceitos,
sobretudo a mentalidade da nobreza e do clero, que se formara, de um
século a esta parte, agravada pelas represálias judaicas à perseguição
na península. A própria Companhia de Jesus alarmou-se com a
vivacidade de suas opiniões. Nem esquecia a nobreza que uma das
justi cativas da Restauração fora a benignidade de Filipe iv com os
cristãos-novos, que, a nal, sempre tinham achado ocasião de transigir
com o monarca espanhol. Mas D. João iv — calculista e silencioso —
não lhe reprovou a sugestão.

Ao contrário: em carta de 6 de setembro de 1644 preveniu ao


provincial, que não devia vexá-lo pela publicação do papel sobre os
judeus. “Encarreguei-lhe zesse uma Política para o príncipe”, dizia el-
rei.562 Nomeara-o preceptor de D. Teodósio (feito, no ano seguinte, e
talvez ainda por lembrança de Vieira, “príncipe do Brasil”); e a tal
Política se reduzia, nalmente, a doutrina. Teoricamente falando —
podia especular à vontade!

OS JUDEUS

Levara Vieira da Bahia, não tenhamos dúvida, a sua idéia conciliatória


acerca dos israelitas.

Vimos como foi designado para representá-la. Elegera-o a classe


mercantil (que se opunha ao Marquês de Montalvão, suspeitado de
espanholismo) como ao intérprete desabusado dos interesses da terra,
na linha portuguesa das velhas liberdades. Não o quisessem favorável à
Inquisição (da qual se conservava acolá recordação amarga) ou à
exclusão dos judeus, ele que se criara na cidade dominada por seu
messianismo, seus ressentimentos e suas mágoas. Das duas visitações
do Santo Ofício (1591 e 1618) cara-lhe um rasto de queixas que se
somavam às imediatas conseqüências de intolerância, invasão
holandesa, traição dos cristãos-novos, nanciamento das guerras de
Pernambuco e Angola, calamidades que continuavam. Servia ao
grosso comércio defendendo, em Lisboa, os hebraizantes. Na
Inglaterra pensava-se assim. E na França, onde um calvinista escrevera
o Rappel des Juifs... Concordara Cromwell com essa aliança, louvada
dos puritanos. Mas logicamente, estava o Padre Vieira inibido de
advogar a restauração do Brasil. Imaginou que para desarmar Holanda
precisava fazer-lhe o jogo em Pernambuco, aquietando-a com o
reconhecimento da ocupação, tanto para que não passasse dali
(salvando-se o resto) como para que ajudasse Portugal, contra
Espanha. Só não dizia que, com esta manobra, atendia à Companhia
das Índias Ocidentais em irremediável decadência, e acudia ao
dinheiro nela empatado.

O rico judeu português Gaspar Dias Ferreira desanimadamente


propusera — pois lhe iam mal os negócios, que vendesse por 3 milhões
de cruzados a conquista. Sabemos que no Recife prosperava a
comunidade israelita (de cuja organização, Zur Israel, temos o livro de
atas).563 É fácil ligar a intensidade dessa in uência à posição dirigente
dos grupos da mesma fé em Amsterdã e na Haia, para quem a
liquidação pecuniária parecia mais razoável do que a arriscada briga.
Vieira foi mais longe. No “papel forte” — como diremos — aconselhou
em 1647 a restituição aos holandeses dos territórios retomados depois
de 1645, antes que se unissem Holanda e Espanha, e a precária
independência portuguesa se perdesse numa guerra
desproporcionada. Numa palavra: sobrepunha a consolidação da
Coroa às considerações ultramarinas; e entre dois perigos, o inimigo
na América e o inimigo no Alentejo, preferiu batê-lo aqui a incomodá-
lo acolá. O pensamento era perfeito. Dava hierarquia às angústias
nacionais. Melhor fora libertar o reino, para socorrer depois as
possessões, do que a elas sacri car a metrópole, sem as salvar...
Perfeito e abstrato. Irrespondível como silogismo, falhava como
representação da realidade. Esquecia duas ordens de acontecimentos,
que puderam mais do que a inteligência e a habilidade dos diplomatas:
a autonomia dos destinos do Brasil, que, de qualquer modo, se livraria
da ocupação estrangeira; e a desvalia, já agora, da aliança holandesa,
em face do panorama internacional. Sem ela agüentar-se-ia Portugal;
contra ela, Pernambuco.

A SURPRESA PERNAMBUCANA

O estupor causado pela rebelião está nesta passagem da carta de Vieira


ao Marquês de Niza:
Eu estava em uma cama sangrado dezesseis vezes, quando do Brasil me vieram as primeiras
notícias do que se queria intentar; e porque o impedimento me não permitia falar com S. M.
e dizer-lhe pessoalmente o que entendia naquela matéria, como quem tantos anos havia
estado no Brasil, e sabia o que lá se pode, pedi a um prelado muito con dente de S. M. lhe
quisesse representar de minha parte o perigo e di culdade desta empresa, e que o segurasse
que era impossível render-se a principal força, por mais que os de lá, enganados do desejo da
liberdade, o prometessem; e acrescentava que, ainda quando o Brasil se nos desse de graça,
era matéria digna de muita ponderação ver se nos convinha aceitá-lo com os encargos da
guerra com Holanda, em tempo que tão embaraçados nos tem a de Castela; porque são
homens os holandeses com quem não só vizinhamos no Brasil, senão na Índia, na China, no
Japão, em Angola, e em todas as partes da terra e do mar, onde o seu poder é o maior do
mundo. Estas e outras razões propus àquele prelado, que não sei se as representou a S. M.; só
sei que por nosso mal fui profeta, e queira Deus que aqui parem os meus temores.564

Esquecia-se que a revolução já não dependia da vontade do rei.

Dizia agora respeito aos habitantes do Brasil, oprimidos, enfurecidos,


mais fortes depois de conhecerem o inimigo do que antes, quando lhe
ignoravam os recursos.

ANDRÉ VIDAL

Na carta do Governador Antônio Teles da Silva para Lisboa, de 30 de


novembro de 1644, está porventura o o da meada.

Dizia que, recebendo de um morador de Pernambuco a notícia de


que em Holanda se aprestava uma esquadra, com 7 mil homens de
desembarque, incumbira André Vidal de Negreiros de articular, com
as necessárias cautelas, a grande insurreição.565 Oculta o nome do
denunciante. Aparece porém na patente que, depois da restauração
pernambucana, teve o Capitão Antônio de Barros Rego. Sabemos por
ela quem foi o mensageiro, o ardil que usou para dissimular o recado e
o chefe da conspiração. “Passando o ano de 1644”, fora “daquela
capitania a esta praça (Bahia) com um aviso de João Fernandes Vieira,
de grande importância, ao governador e capitão-general que foi deste
estado, Antônio Teles da Silva; escapou o dito aviso na sola de um
sapato”.566 Como o aviso tinha a data de 7 de agosto (de 44) e é de 14
do mesmo mês o salvo-conduto dado a André Vidal para ir a
Pernambuco e à Paraíba — com o pretexto de visitar o pai enfermo —
não sofre dúvida que se tratava do que trouxe Barros Rego. Até porque
André Vidal, munido das instruções con denciais de Antônio Teles, se
dirigiu logo para o engenho de Fernandes Vieira. Não o faria sem a
certeza de sua posição nos acontecimentos previstos.

O plano traçado foi simples e engenhoso. Com 40 homens, o Capitão


Antônio Dias Cardoso (experimentado cabo de guerra) se uniria na
várzea à gente armada por Fernandes Vieira, enquanto se diria com
ngida indignação — que fugira Henrique Dias com os seus pretos a
atacar por conta própria os holandeses. Para deter esses bandos
irresponsáveis sairia o Camarão, com o terço de índios... Iludir-se-iam
os amengos, imaginando que da Bahia, em vez de açularem a revolta,
tratavam de castigá-la: e um belo dia, sem darem por isto, de surpresa,
estariam cercados no Recife.

O MOVIMENTO

Acompanhado do Alferes Nicolau Aranha Pacheco,567 cumpriu André


Vidal, com incrível felicidade, a sua missão. Não somente visitou os
senhores de engenho de Pernambuco e da Paraíba, apalavrados com
Fernandes Vieira para o levante, como lhes deu as esperanças de
pronta vitória. Deixou-o ajustado nas suas linhas gerais. Não faltou
também o governador com as providências prometidas. Com os seus
40 soldados foi Antônio Dias Cardoso esconder-se “nos matos do
engenho de Fernandes Vieira”. Em 31 de março — tornando pública a
sua preocupação — reuniu Antônio Teles as pessoas principais da
Bahia, para dizer que desertara Henrique Dias... Temia que molestasse
os holandeses, com quem desejava manter boas relações; e para que
não o tomassem como desleal, a eles escreveria comunicando a fuga e
a rebeldia do negro!568

A este tempo começavam eles a descon ar, tanto de Vieira como do


no governador que pretendia adormecê-los com os seus juramentos
de paz. Abriram os olhos com a carta anônima que, em 30 de maio,
lhes revelou toda a conjura. Prenderiam Vieira e alguns outros
potentados da várzea, ou seriam levados a o de espada, numa espécie
de “vésperas sicilianas”.569
Já era tarde.

Quinze dias antes (15 de maio) se tinham juntado os conspiradores


sob a che a de João Fernandes Vieira, e 23 deles assinaram uma ata,
comprometendo-se, “em nome da liberdade divina”, a verter o sangue
pela reconquista. Marcaram o rompimento para o próximo São João.
Podiam contar com 300 armas de fogo, paus tostados, bordões de
quatro palmos... E a proteção de Deus.570

PELO SANTO ANTÔNIO

De niram-se aí os sentimentos, exacerbados pela ameaça.

De um lado, visivelmente se aliavam — contra o estrangeiro — os


senhores rurais, acaudilhados pelos mais ricos, no caso os mais
interessados na ruptura; do outro, os mercadores, sobretudo os judeus,
se agarravam aos dirigentes do Recife, para que precipitassem a
repressão, vendo que dela dependia tudo o mais, a começar pelo seu
dinheiro. Acusavam os rebeldes de devedores relapsos, que, para não
pagarem as contas (pelas quais respondiam os engenhos), recorriam
àquele desespero. O maior era João Fernandes Vieira. Este tinha uma
linguagem mística e patriótica no seu incitamento secreto. Falava da
liberdade, do rei, da vingança, dos males que padeceriam às mãos dos
hereges e de seus ferozes aliados, os tapuias; e propunha o dilema,
triunfo ou morte.

Convencidos de que, com efeito, era o promotor do movimento,


quiseram os holandeses atraí-lo ao Recife. Recusou o convite. Saiu
uma patrulha para prendê-lo. Não o achou.

Estas diligências precipitaram a insurreição, que, marcada para o São


João, teve de ser antecipada para o Santo Antônio de 1645. Neste dia
saíram armados do engenho de Luís Brás Bezerra 150 moradores com
Vieira à frente; uniram-se aos soldados de Antônio Dias, que
esperavam por este sinal; e instalaram-se na mata. Fugindo aos
caminhos percorridos pela tropa inimiga, a uíram — chamando mais
gente — para as escarpas das Tabocas, donde poderiam defender-se; e,
dispostos a tudo, aguardaram nas alturas o ataque, que se deu a 3 de
agosto.

Forte de 1.100 homens, a coluna holandesa gastou nas escaramuças


de aproximação o vigor da acometida; e ao escalar o monte, já fatigada,
lhe desceu em cima com toda a sua gente João Fernandes Vieira.
Levou-a de roldão para o descampado. Interrompeu-se com a noite a
refrega. Ao amanhecer, deixando quase trezentos mortos,571 abalou,
desfeito, o pequeno exército, para o Recife. Perdera a grande
oportunidade de desmoralizar, com a evidente superioridade de
armamento e perícia militar, a rebelião que começava. Batido —
encorajava-a. Em pouco tempo estendia-se a toda a capitania.

INTRIGAS E PLANOS

Os conselheiros do Recife pensaram em persuadir o governador a não


auxiliar os insurretos: e caíram no erro de mandar-lhe dois
mensageiros, Van-der-Voorde e Teodoro Hoogstraten. Veriam em
breve a natureza desse erro: o convite dos portugueses da Bahia para
entrarem no con ito, dissimulados em mediadores... Não podia ser
melhor a acolhida feita aos dois intermediários. Prometeu-lhes
Antônio Teles, citando deveres da amizade (contra os espanhóis!),
colaborar na paci cação de Pernambuco. E agentes seus procuraram
conquistar as simpatias de Hoogstraten, com as vantagens que teria se
aderisse aos rebeldes. A famosa traição do comandante do Pontal de
Nazaré delineou-se nessas conversas,572 que deram ao governador a
esperança, de que precisava, de um apoio na própria tropa amenga,
caso a sua manhosa intervenção deslizasse para a guerra.

Mal se retirou a embaixada, concertou ele o plano, que redundaria na


rápida restauração do domínio português no Nordeste.

Reuniu os navios disponíveis (eram oito) sob o comando de Jerônimo


Serrão de Paiva, con ado cada um à experiência de um bom capitão;573
meteu a bordo os dois terços (1.800 homens) dos mestres-de-campo
Martim Soares Moreno e André Vidal de Negreiros; e os instruiu, para
desembarcarem, como força que iria chamar à ordem e desarmar, se
necessário, os pernambucanos — ao sul do Cabo de Santo Agostinho,
na enseada de Tamandaré... A frota de Salvador Correia de Sá, de 37
velas, que acabava de fundear na Bahia, em trânsito do Rio de Janeiro
para Lisboa, daria à manobra uma providencial cobertura.574

Neste ponto os projetos do governador raiavam em delírio.


Executasse-os Salvador, e num golpe de magia, prodigiosamente,
desabaria como um castelo de cartas a ocupação holandesa!

OPORTUNIDADE PERDIDA

Quis que Salvador Correia comboiasse a frota de Serrão de Paiva, e


garantindo o desembarque dos terços, fosse bloquear o Recife, então
desguarnecido de barcos que o enfrentassem. Combinados os
movimentos de terra e mar, entrando os rebeldes de um lado e os da
armada de outro, com a intimidação de tanta artilharia e o porto
fechado, capitularia a cidade... Como em 1625 a Bahia! Sabemos da
extensão deste plano pelos papéis tomados a Jerônimo Serrão, com a
sua esquadra, em Tamandaré, a 9 de setembro. Entre estes gurou a
carta régia de 9 de maio de 45, determinando a Salvador que se
pusesse às ordens de Antônio Teles, e que nunca chegou ao
destinatário; e a queixa do governador, de ter ele resistido, negando-se
a participar do que considerava uma temeridade... Até porque (alegava
Salvador) levava mulher e lhos, além da mercadoria consignada ao
reino; e o m da viagem era de paz e não de guerra. Censurou Antônio
Teles (na carta a Jerônimo Serrão que os holandeses apreenderam):
Tão excessivos foram os meios com que esse homem procurou escusar-se dessa viagem,
fazendo-a impossível, por mais que eu a facilitasse com a importância do serviço a Sua
Majestade e tal era a resolução com que ele embarcou, levando mulher e lhos, que,
conquanto eu não creia que ele deixe de obedecer às minhas instruções, bem como à carta de
Sua Majestade que agora lhe envio — todavia se pode tirar daí uma forte presunção para
duvidar.575

Dito e feito.
Fundeou a grande expedição de Salvador de Sá à vista do Recife,
onde causou alarmada surpresa; e contentou-se em trocar amistosos
recados com a praça, zarpando para a Europa logo que a demora se lhe
tornou incômoda. Já se preparava o Almirante Lichthardt, com os
poucos barcos que havia acolá, para resistir-lhe. Não foi preciso.
Jamais pretendera o futuro herói de Angola revestir-se da glória de
libertador de Pernambuco.576 Abandonou à própria sorte Jerônimo
Serrão e a sua infantaria.

Anulado em parte o objetivo de Antônio Teles (o ataque ao Recife),


podiam os mestres-de-campo proceder habilmente, como seus
delegados no apaziguamento desejado pelos amengos. Esta a razão
da remessa de tropa — escreveu ao rei o Dr. Antônio da Silva e Sousa,
procurador da Fazenda Real em Pernambuco e na Bahia;577 e
(hipocritamente) asseverou o governador — em 12 de junho de 46 —
que o zera “a pedimento do governo de Pernambuco”.578 Como os
fatos falaram mais alto do que a sua astúcia, podemos continuar
acreditando que foi para ajudar a rebelião, não a deixando extinguir-se
nos arremessos iniciais. E só não redundou em vitória porque lhe
faltou o domínio do mar. Perdeu-o com a relutância prudente de
Salvador de Sá; e a iniciativa de Lichthardt, que aniquilou em
Tamandaré a frota de Jerônimo Serrão, destruindo de repente todo o
poder naval da América Portuguesa.

CONFRATERNIZAÇÃO

Desembarcando nas proximidades de Serinhaém (28 de julho),


dirigiram-se os mestres-de-campo com os terços para esta localidade,
cujo forte, comandado por Samuel Lambert, constituía o primeiro
obstáculo à marcha sobre Ipojuca e o Cabo, rumo do Recife.
Mandaram dizer ao chefe holandês que as suas intenções eram
pací cas; e, em nome do governo da Bahia, vinham sossegar os
moradores... Ao mesmo tempo cercaram a posição, tomando-lhe as
saídas. Capitulou, com a garantia de poderem transportar-se com
famílias, armas e bagagens. Prosseguiram os terços para Ipojuca.
O encontro com as avançadas de João Fernandes Vieira foi
emocionante: e terminou em confraternização efusiva.

Rodearam-nos velhos, mulheres, crianças, aos brados, contra o


inimigo da fé e do rei; contaram-lhes horríveis histórias, de crueldades
que lembravam os mouros contra os cristãos; e de tal forma os
convenceram de que era irrevogável a decisão de lutar até vencer, que
ali mesmo, impetuosamente, se declararam dispostos a todos os
sacrifícios — pela pátria.579

Se não tinham vindo com esta idéia, a partir de então não tiveram
outra.

Para os rebeldes (a quem João Fernandes Vieira passava a comandar,


conforme patentes que lhe enviou Antônio Teles)580 — o auxílio era
inestimável. Antônio Dias Cardoso dera-lhes a forma militar. Fora o
indispensável para a ação do monte das Tabocas. Vidal e Moreno, com
a infantaria da Bahia, davam-lhes o núcleo de forças regulares a que se
somariam, por elas enquadradas, as legiões bisonhas de Vieira (os
habitantes em armas) e as hordas de Camarão e Henrique Dias,
sobretudo e cazes nas guerrilhas à maneira indígena. O que começara
como um levante, de senhores de engenho com parentes e escravos,
num desa o frenético, acabava em estilo de guerra civilizada, com a
sua disciplina, o seu plano de operações, a sua política, principalmente
a sua unidade. O resto... dependia da bravura daquela gente! A
rendição incruenta de Serinhaém desarmou a resistência de Santo
Antônio do Cabo (Comandante Gaspar Van-der-Ley) e Pontal de
Nazaré (Hoogstraten). Pesaram no espírito destes o ciais os afetos
domésticos. Observou-se daí por diante a regra, de que aderiam sem
constrangimento aos portugueses os casados na terra (como Van-der-
Ley, marido de D. Maria de Melo)581 ou os isolados dos patrícios
protestantes ou judeus, por serem católicos (como Hoogstraten).582
“Têm para nós grande merecimento (escreveram a propósito deles os
mestres-de-campo) da mesma forma que todos os outros casados com
portuguesas”.583 Passou Van-der-Ley de Santo Antônio para o Pontal.
Intimou-lhes Paulo da Cunha (vanguardeiro dos baianos, que tratara
antes com Hoogstraten) a negociação, rea rmando as promessas
tentadoras que lhe tinham sido feitas. Falou-se em preço: 18 mil
orins...584 Era escusado o dinheiro (se realmente entrou nas condições
da rendição), porque por bem ou por mal entregariam a praça, que
estava na mesma situação de Serinhaém. Hoogstraten e Van-der-Ley
combinaram entregá-la com a cláusula, inesperada, de entrarem
também para o serviço de Portugal, com os que quisessem
acompanhá-los! O estrondo dessa defecção (em que visivelmente se
dissolvia o exército amengo) foi seguido do espanto que causou a
derrota de Henrique Haus na casa-forte do engenho de Isabel
Gonçalves.

Este é o mesmo capitão que se incumbira de prender nas suas terras


Fernandes Vieira. Andava em buscas pela várzea com 600 soldados e
duzentos índios. Era a tropa volante de que se dispunha no Recife para
a contra-ofensiva. O cial destemido, dera-se à caçada dos insurretos,
com muitas ameaças de castigos e represálias; mas, insensatamente,
sem notícia do que ocorria no Cabo de Santo Agostinho e em Ipojuca
— ignorando portanto que contra ele marchavam milhares de homens
— aquartelara na casa-forte, para repousar... Na calada da noite
investiu Vieira, atirou para dentro do sobrado os que fugiam às suas
armas, e mandou atear-lhe fogo. Foi a esta voz (já acumulada nos
baixos da casa a lenha para o incêndio) que capitulou Henrique Haus
com 204 holandeses. Mataram-lhe quatrocentos, e todos os seus
índios...585

O insucesso foi mais grave do que parecia.

Não se limitava a um revés. Importava o colapso da resistência do Sul


e do Norte (até a Paraíba, onde não tardaria a rebentar a revolta);
deixava ao desamparo os fortes abaixo de Nazaré, que eram os de
Porto Calvo e do São Francisco; abria à insurreição Igaraçu e Olinda; e
se ganhasse Itamaracá, cerrando a oeste o assédio, estrangularia o
Recife nas tenazes da fome. Fracassou o assalto à Ilha de Itamaracá,
levado valentemente às últimas trincheiras, por faltar aos rebeldes a
segurança da retirada, através do canal. Temeram que a cortasse
Lichthardt com os navios de que ainda dispunha.586 Mas no dia
imediato sitiavam a cidade. Foi quando sobreveio o aniquilamento, em
Tamandaré, da frota de Jerônimo Serrão. Sem ela, defrontou-se a
revolta com a realidade, de uma luta interminável com o tempo e o
mar.

XIV: E  

A REBELIÃO GENERALIZADA

Na Paraíba estourou a rebelião a 2 de setembro. Escabeçaram-na os


senhores de engenho parentes e amigos de André Vidal. O seu
problema consistia em capturar no Forte de Cabedelo, que domina o
estuário e protege a cidade, Paulo de Linge, que ali concentrara a
guarnição holandesa, deixando em campo, para inquietar os
sublevados, Pero Poti e os seus temíveis petiguares.587 Se conseguissem
neutralizá-lo, isolariam no Rio Grande o Capitão Garstman, que
comandava o Forte de Natal (apoiado no sertão pelos janduís,
obedientes ao amengo Jacó Rabi, espécie de feiticeiro branco que
sobre eles exercia ilimitada in uência): e não lhes seria difícil dominá-
lo, Prevenido, porém, dessas intenções, o Capitão Linge quis mostrar-
se o oposto de Hoogstraten. Mandou enforcar o intermediário do
suborno (disse-se que lhe oferecia 19 mil orins...) — chamado Fernão
Rodrigues de Bulhões —; e fez serenamente face aos rebeldes,
impotentes para conquistar aquela praça forte.

No Rio Grande, Jacó Rabi provou toda a sua maldade na chacina do


engenho Cunhaú (16 de julho), sem precedentes nos anais das guerras
holandesas. Era domingo. Convocou para depois da missa, rezada pelo
velho Padre André do Soveral na capela do engenho, todos os
moradores, a m de fazer-lhes uma comunicação; e quando todos lá se
achavam, desarmados e tranqüilos, atirou-lhes em cima a sua tribo de
tapuias. Não escapou ninguém. O próprio vigário foi morto a
pauladas. Jamais se cometera crime tão atroz; nem tão injusti cado.
Destinava-se a amedrontar, no raio de cem léguas, os habitantes,
contendo-os pelo pavor, já que não se demoviam pela persuasão. Dava
também a medida dos futuros excessos: a luta passava a ser de
morte!588

Não se satisfez Jacó Rabi com a matança do Cunhaú. Cercou e


prendeu no seu arraial os moradores do Rio Grande, com a promessa
de poupar-lhes a vida, e os entregou aos índios de Antônio Paraupaba,
êmulo de Poti,589 que os trucidaram com análoga ferocidade.

Pouco depois, assustado com as brutalidades de Jacó, dele se livrou


Garstman, mandando matá-lo numa emboscada (5 de abril de 46). Foi
o que abalou a con ança dos quiriris, começando a desligá-los dos
amengos. Sentiram-se traídos. Adversários inconciliáveis dos tupis,
de Camarão, portanto dos portugueses, não pensaram em aderir ao
inimigo, mas esfriaram a sua dedicação, retraíram-se, não tiveram
mais o ardor guerreiro de outrora...

TEMPO E MAR

Falamos da luta com o tempo e o mar.

Realmente, com o tempo, fechadas as linhas do assédio, render-se-


iam os holandeses. A última esperança era o mar. Fora à Holanda
pedir urgentes socorros aquele Van-der-Voorde, que acompanhara
Hoogstraten à Bahia: pintou com cores alarmantes a penúria da praça,
à beira da fome, e convenceu, tanto a Companhia como o governo, de
que, sem uma poderosa armada, com tudo o que necessitava, ela — no
seu esgotamento — capitularia sem remédio.

O Almirante Lichthardt viu bem o problema.

Para a subsistência do Recife — a m de que continuasse aberto o


oceano — precisava antes do mais destruir a frota de Jerônimo Serrão
fundeada em Tamandaré. Eliminado esse contato dos insurretos com o
mar, impossibilitaria por este lado o reabastecimento (separando-os da
Bahia); e cariam livres os acessos de Pernambuco. Vibrou, decisivo, o
golpe, em 9 de setembro.

Debalde os mestres-de-campo Vidal e Moreno tinham escrito a


Serrão de Paiva, que se acolhesse a Nazaré, sob a proteção dos canhões
do Pontal, porto conquistado da rebelião. Retardou-se, imprevidente,
naquela enseada. Reuniu Lichthardt nove naus grossas, e de surpresa,
num ataque furioso, o engarrafou na pequena baía, queimou-lhe dois
barcos, tomou os outros, passou a o de espada os que resistiam, e
prendeu quantos não conseguiram salvar-se a nado. Entre os
prisioneiros estava, malferido, o próprio Serrão de Paiva, que se
defendera bravamente. Caíram ao mesmo tempo em poder dos
vencedores muitos papéis importantes, que revelavam, en m, a
cumplicidade do Rei de Portugal e de Antônio Teles nos
acontecimentos passados. Entre estes, a carta régia de 6 de maio, que
mandava Salvador de Sá permanecer com os seus navios no Brasil; e a
queixa que dele fazia Antônio Teles, desgostoso da sua precipitada
partida para o reino.590 Publicados na Holanda, desmascararam a
famosa dubiedade portuguesa...

Ganhou Lichthardt, com a proeza de Tamandaré, o mar; não a terra.

E tornou-se cada vez mais grave o estado de cerco a que os rebeldes


reduziam o Recife.

É verdade que os holandeses dispunham de Itamaracá, e, vez por


outra, de alguma embarcação da Paraíba ou do Rio Grande; e da pesca,
que incrementaram como lhes foi possível. Mas, habituado ao pão e à
carne, não se conformavam os soldados com a diminuição das rações.
Ocorreu ao conselho um expediente para os contentar: com o ouro em
barra que havia, bateram moedas obsidionais, de 3, 6 e 12 orins, a
serem distribuídas em lugar dos alimentos que faltavam. Com o
dinheiro, comprariam onde quisessem...591 Deste tempo foi a
demolição das casas da Boa Vista, de medo a que os pernambucanos
— passando à Cidade Maurícia — nelas se forti cassem. Arrasou-se o
que o príncipe traçara e construíra com inteligente esforço.592 O
essencial era descobrir as perspectivas dos fortes Ernesto e das Cinco
Pontas, aliviando o Recife da ameaça de posições tomadas em Antônio
Vaz. Essa destruição apagava os mais nobres vestígios da ocupação
holandesa, exatamente o que até aí lhe testemunhara a largueza de
projetos, a intuição urbanística, o propósito de transportar para o
Brasil uma cultura honesta. Desafogava os quarteirões dos
mercadores, extinguindo os jardins de Nassau. Virava a página dos
bons tempos para concentrar no desespero da luta as forças
disponíveis. Pelo tempo em que pudessem sobreviver...

A ARMADA DE SEGISMUNDO

Demorou um ano a frota salvadora, que Van-der-Voorde fora pedir à


Companhia.

A demora na organização (com o recrutamento de 2 mil homens às


ordens de Segismundo von Schkoppe e do Coronel Hinderson) prova
a decadência da empresa; e a sua perplexidade. Lutou com os mais
desfavoráveis fatores para armar uma expedição respeitável, sem a qual
capitularia o resto do Brasil holandês: e nela embarcou as melhores
esperanças. Para substituir o conselho deixado por Nassau, nomeou
Walter van Schoonenborch, presidente, e outros funcionários de boa
fama.593 Deu aos comandantes instruções enérgicas. Meteu a bordo
todas as mercadorias reclamadas. E foi essa esquadra que reanimou,
galvanizando, a resistência do Recife. A 23 de junho anunciaram-na
dois barcos, que tinham ido à dianteira. A 1º de agosto surgiram as
naus, com o comboio. Recomeçava aí a guerra com as suas
determinantes lógicas: graças ao domínio do mar, o ataque levado aos
pontos vitais do litoral; abastecida e duplicada a guarnição, retomaria a
iniciativa; agüentar-se-iam os núcleos amengos ainda incólumes
(Itamaracá, a Paraíba, o Rio Grande); e os de Alagoas, de Sergipe, até
as vizinhanças da Bahia, cariam à mercê da pilhagem.

Estabeleceram Segismundo, Hinderson e Lichthardt o plano de


operações. Ao tempo em que repeliriam dos arredores as patrulhas
pernambucanas, rumaria a armada para o sul, reconquistaria o São
Francisco (Forte Maurício) e, para impedir a continuação da remessa
de suprimentos da Bahia para os rebeldes, bloqueando-lhe igualmente
o comércio, se estabeleceriam defronte dela, na Ilha de Itaparica. Ao
cerco do Recife pelos pernambucanos responderia o da Bahia pelos
holandeses. Não, em verdade, um assédio em regra: porém, com a
posse da barra, o as xiamento pelo mar, suprimindo-lhe a navegação,
o que dava no mesmo. Era um plano audaz: foi in exivelmente
cumprido.

PENEDO E ITAPARICA

Em onze navios Lichthardt e Hinderson retomaram o Forte Maurício,


em Penedo — assenhoreando-se mais uma vez do baixo São Francisco.
A guarnição saiu a tempo para os matos, com os índios amigos:
voltaria na primeira oportunidade. Foi quando morreu (30 de
novembro), vitimado por breve enfermidade, o bravo Lichthardt.594
Com ele perderam os holandeses o homem capaz de abrasar
novamente o recôncavo mantendo aterrorizada a Bahia — que
Segismundo von Schkoppe queria constranger pelo bloqueio e pelo
medo.

Celebrara-se ali, a 22 de novembro, um ato público de regozijo pelos


êxitos pernambucanos em que naturalmente entrava a indignação pela
derrota in igida a Jerônimo Serrão de Paiva, com tantas pessoas
notáveis da cidade.595 Para compensar este prejuízo zera Antônio
Teles construir 26 barcas de remo, que defenderiam o porto.596 E
receando desembarque semelhante ao de 1624, mandou barrar com o
Forte de São Pedro o caminho de Vila Velha.597 Não se deixaria
surpreender pelo inimigo. Batê-lo-ia nas ladeiras da cidade, como em
1638 batido fora o Conde de Nassau... Só não contou com a hábil
manobra do ataque à Ilha de Itaparica, defronte da praça e a salvo de
seus canhões, onde o inimigo podia estabelecer-se, dominando o mar,
o que equivalia a condená-la no seu comércio interrompido (e à
insurreição pernambucana, carente de abastecimentos e socorros).
A mesma frota que reconquistara Penedo, com 2.500 homens, a 9 de
fevereiro de 47 fundeou na ponta da Baleia.598 Espalhando-se pela ilha,
os amengos devastaram os engenhos, passaram os moradores a o de
espada, e se protegeram com trincheiras à beira da água, sob a
proteção da artilharia da esquadra.599 Davam ao seu governo um novo
elemento às negociações diplomáticas: a angústia em que gemia a
capital da América Portuguesa, com a barra fechada pelo invasor.
Porque isto se pode tão mal encobrir ou negar (escreveu o Padre Vieira), quando os
principais soldados que hoje defendem Pernambuco são todos vassalos de el-rei, mandados
da Bahia, de onde também vieram os quatro governadores, de cinco que governam aquela
guerra.600

Tudo fez Antônio Teles para tirar Segismundo de Itaparica. Por


último, arriscou a força que havia à mão, 1.200 homens, sob o
comando do Mestre-de-campo Francisco Rabelo (o Rabelinho)601 com
João de Araújo e Teodoro Hoogstraten. Chegaram às trincheiras da
ponta das Baleias; mas foram recebidos com tão nutrido fogo, que
tiveram de recuar, dizimados, deixando em campo mais de cem
mortos. Estava entre eles o Rabelinho, cujo corpo Frei Domingos, que
os acompanhava, levou às costas... “Sobre este sucesso deve de cair o
enfadamento que Lanier escreve tem S. M. com Antônio Teles: se o
houvera tirado, escusaram-se estes e outros inconvenientes” —
informou ainda o Padre Vieira,602 acentuando a imprudência do
governador. Acabava culpado da provocação e do revés...

A batalha de 10 de agosto de 47, em que morreu o valente Rabelinho,


não encheu de mágoa apenas a cidade, cujos serros se vêem da ponta
da ilha onde continuavam a utuar as cores de Holanda: abalou em
Lisboa o governo, aterrorizado com os perigos a que a política de
Antônio Teles o arrastara. Se perdesse a Bahia, lá se ia o Brasil...603

Vejamos qual o estado de espírito, por esse tempo, de D. João iv, ou


antes, do seu conselheiro íntimo, o Padre Antônio Vieira.
XV: R  N

O PREÇO DAS ESQUADRAS

Estava o Padre Vieira a convalescer em Carcavelos, quando el-rei o


chamou, para dar a notícia de “ car Segismundo forti cado em
Taparica”.

É ele quem relata: “O remédio, Senhor, é fácil. Não disseram os


ministros a V.

M. que aquele negócio estava mui cru? Pois os que então o acharam
cru, cozam-no agora”.

Demoveu-o a ansiedade do soberano. Saiu à procura do mercador


Duarte da Silva, cristão-novo que conhecera na Bahia, e este,
associado a Antônio Rodrigues Marques, ofereceu 300 mil cruzados
(garantidos pelo tributo de um tostão em arroba de açúcar) para armar
com urgência uma frota.604 Sempre se conseguiram treze barcos... “E
cou o porto de Lisboa (diria Vieira) sem um patacho, os armazéns
sem uma âncora nem uma peça de artilharia”.605 Foram postos sob o
comando de Antônio Teles de Meneses, Conde de Vila Pouca de
Aguiar (veterano de navegações e batalhas do Oriente),606 também
nomeado governador da Bahia em substituição do atribulado Antônio
Teles da Silva.

Embarcou o conde em Setúbal com alguma tropa tirada ao exército


de Alentejo. Francisco de Figueiroa foi levantar nas ilhas quatro
companhias de reforço. Bem petrechada e com tais disposições de luta,
podia a esquadra (que só se destinava a rebater na Bahia os ataques de
Segismundo) aproejar sobre o Recife — aproveitando a dispersão das
forças holandesas. O Alto Conselho, alarmado com esta possibilidade,
instou para que Von Schkoppe, largando Itaparica (já sem interesse)
fosse acudir-lhe com os seus navios. Decidiu-se, queimando os
acampamentos na ilha, uma quinzena antes da chegada do Conde de
Vila Pouca. Largou a Baía de Todos os Santos a 15 de dezembro e a 22
lá entrou — sem ter encontrado o inimigo ao longo do mar — a
armada salvadora.

Recaía a guerra na anterior indecisão. Precisava de novo elemento de


desempate: foi a frota do Almirante De With (nove navios grossos,
quatro patachos e 28 transportes, com uns 6 mil soldados) — cuja
partida o embaixador português procurou desesperadamente impedir.

TRANSES DIPLOMÁTICOS

O essencial era obstar a remessa de material e gente de Holanda, o que


(pensava D. João iv) o seu embaixador, Francisco de Sousa Coutinho,
conseguiria dos Estados-Gerais, protestando o seu desejo de jugular a
rebelião, ao tempo em que os indenizaria de todos os danos sofridos.
Para auxiliar o diplomata na negociação, despachou quem lhe
penetrara o pensamento, e se habituara a justi cá-lo com hábeis
razões: o Padre Antônio Vieira. Tinha além disto a vantagem de ser
bem recebido dos judeus (pois os defendera na corte com a
sinceridade com que os cultivara na Bahia); e a condição implícita de
intermediário — entre eles, grandes capitalistas receosos de maiores
prejuízos, e Portugal, que deles necessitava. Embarcou para a França
(1º de fevereiro de 46) e daí, com cartas valiosas, para Haia, onde
gastou três meses em conversações sutis.

É quando entra em cena o astuto Gaspar Dias Ferreira, cristão-novo


que enriquecera no Recife durante o domínio de Nassau e, seu amigo,
o acompanhara à Holanda.

Deve-se ao seu entusiasmo pelo príncipe a obra de Barleo, Rerum per


Octennium... Naturalizado holandês, a 4 de fevereiro de 45, em 20 de
julho do mesmo ano — inquieto e sagaz — encaminhou a D. João iv,
como se fora um milagroso remédio, a sua fórmula comercial de matar
a questão do Brasil: comprando-o. Raciocinava em termos contábeis.
Em perigo de perder tudo, a Companhia acabaria cedendo, por
dinheiro... O problema consistiria no preço. Coube ao Padre Vieira
opinar a respeito. Que sim; que se dessem 3 milhões de cruzados em
prestações de 500 e 600 mil, a troco de tudo aquilo...607 Nem se dissesse
que faltava moeda. Bastava perdoar aos judeus... O suborno de
Holanda começaria com a aliança da sinagoga. “Naquela república
tudo é venal”.608

Os sucessos de 1647, entretanto, animaram os amengos para


maiores exigências; e em vez de se deixarem enganar com essa
tentação, trataram de socorrer Segismundo com outra esquadra (que
zesse frente à do Conde de Vila Pouca). Para governar Pernambuco,
mandariam de novo Nassau.

Entrou aí o ardil de Gaspar Dias. Por seu intermédio logrou o


embaixador falar ao conde. E tais promessas fez, que este exagerou as
condições que impunha à Companhia, a ponto de não poder ela
retomá-lo a seu serviço. Satisfez-se, com a nomeação de Von Schkoppe
para o supremo comando — e aquela esquadra, que lhe custou
enormes sacrifícios. Conta-nos Vieira:
Ajuntaram-se a isto as despesas de muitos socorros particulares e de duas grandes armadas, a
de Segismundo que custou melhor de 33 tonéis de ouro, e a de Wit Wites609 que custou 47,
que fazem da nossa moeda a soma de 4 milhões de cruzados.610

D. João iv, por sua vez (não podendo expedir mais navios, além dos
que levara o Conde de Vila Pouca) mandou um general: Francisco
Barreto.

O GENERAL

Empossou-se Vila Pouca no governo da Bahia em 26 de dezembro.

Antônio Teles voltou a Portugal no galeão Santa Margarida — que se


perdeu (e com ele o grande político dos acontecimentos que vimos
descrevendo) na costa de Boarcos, num naufrágio memorável.611

Fizera o rei constar que o castigaria. Talvez o próprio Teles viajasse


com o peso desse desgosto (apregoado pelos conselheiros que, como o
Padre Vieira, lhe atribuíam as calamidades, esquecendo os sucessos).
Mas que se tratava de uma comédia — cujo segredo possuíam os
embaixadores na Haia e em Paris — não deixa dúvida a
correspondência de Sousa Coutinho.612 Seria condenado, para que
corressem melhor as negociações: e de fato premiado, tanto que se
restaurasse Pernambuco... Sepultou-se no oceano o seu mistério.

Várias queixas recebera, entretanto, o Conselho Ultramarino, de


desacertos e parcialidades de Fernandes Vieira.

Temeu-se que se dividissem os rebeldes em grupos inconciliáveis. O


jeito era enviar para “aquela campanha mestre-de-campo-general e um
auditor que governassem a guerra e justiça”. Despachou o rei: “Parta
Francisco Barreto”. Nomeado em 12 de fevereiro de 47, partiu com o
Dr. Simão Álvares de Lapenha, pernambucano e cunhado do Padre
Vieira.613 Conhecia o país, soldado que fora da armada do Conde da
Torre, alistado na retirada de Luís Barbalho; e portara-se
brilhantemente no Alentejo, “ilustre em sangue e espírito” (elogiou-o
D. Francisco Manuel)614 — com a vantagem de saber a sua arte. Era, no
rigor da palavra, um general.

Representaria en m o rei na guerra de que sistematicamente se


omitira.615

A viagem foi que não lhes correu feliz.

Tomado pelos holandeses o patacho em que vinham, conduziram-


nos ao Recife, onde caram presos. O auditor pôde ser resgatado. Nove
meses esperou Barreto por sua oportunidade. Um belo dia fugiu com o
lho do carcereiro, Francisco de Brá616 e o francês Jean Voltrin.
Apresentou-se com eles na várzea em 23 de janeiro de 48. Por ordem
expressa do Conde de Vila Pouca assumiu o comando geral da guerra
dois dias antes da batalha dos Guararapes.

GUARARAPES

É
É o próprio Barreto a contar:

Chegou a armada do inimigo a 14 de março617 e preveniu toda a sua infantaria até 18 de abril,
dia em que saiu à campanha com seu exército, o qual constava de 5.200 infantes, 500 homens
do mar, e 300 índios e tapuias; traziam em todos seus batalhões 60 bandeiras, demais de um
estandarte grande com armas das Províncias Unidas e Estados-Gerais, cinco peças de
artilharia, muitos víveres, munições e dinheiro. Governava este exército Segismundo
Schkoppe com seis coronéis, a saber, Haus, Van Elst, Hautyn, Pedro Keerweer, Van den
Brande e Brinck.618

Costeou, passando o Afogados, pela Barreta, onde cercou e aniquilou


um posto de cem portugueses; e de rumo feito para Muribeca —
levando nos embornais oito dias de mantimentos, o que indicava a
intenção de varrer a capitania até o Cabo de Santo Agostinho — se
atirou para o caminho coleante ao sopé dos montes Guararapes.

Tomara Barreto, como dissemos, a 16 de abril, a che a dos rebeldes


(2.200 homens); e ao saber da saída de Schkoppe, convocou a conselho
os mestres-de-campo, para deliberar se o interceptariam, a despeito do
seu poder. Decidiram que o esperassem naqueles montes, junto aos
quais teria de passar, pelo único caminho existente, apertado entre os
barrancos e o alagadiço. Deslocou Barreto a sua força (menos 300
homens que continuaram nas estâncias do cerco) para o último dos
outeiros, em direção do sul, e arranchou na baixada, de modo a car
escondida, só aparecendo ao inimigo quando já estivesse, desabrigado,
na lingüeta entre o pântano e as escarpas: e teve no dia seguinte (19 de
abril) a iniciativa.

Marchavam os amengos em vistosas colunas de pendões arvorados


(61 bandeiras!), canhões rodando, tambores à dianteira, armas ao sol,
con antes numa fácil vitória — sobre as desordenadas tropas
insurretas. Mal en ou, porém, a vanguarda, pela estrada que contorna
os montes, chapinhando na terra molhada — tomou-lhe a frente Vidal
de Negreiros, enquanto Camarão e Henrique Dias “de uma parte e da
outra” procuravam cortá-la. Conseguiu Vieira, à espada, rechaçar os
que se tinham adiantado e ainda atropelar e romper as leiras que os
seguiam. Recuaram os amengos sobre a artilharia e as bagagens, sem
espaço para distenderem as linhas, nem conhecimento do número dos
atacantes, correram para os altos,619 e — numa furiosa acometida —
repeliram os pretos de Henrique Dias. Acudiu Barreto com a reserva
(quinhentos homens), mas quis abreviar caminho tomando por um
atalho, e nesta demora os holandeses recuperaram o material que iam
perdendo. Pôs-se o general “em um regato que havia na campanha”, e
de espada em punho mandou novamente à luta os soldados que
começavam a debandar. Re zeram-se; e às ordens de André Vidal
voltaram à refrega, com tal ardor que “o inimigo se retirou a ocupar
umas eminências” retirando “para elas os feridos que mais perto lhe
cavam”. Exaustos os portugueses, que há “mais de 24 horas não
comiam” (enganando o estômago, diz Diogo Lopes de Santiago, com
farinha de pau, água açucarada e pedaços de rapadura), espalhou-os
Barreto pela colina fronteira. De monte a monte podiam parlamentar
— ou se cobrirem de balas. Quatro horas, entretanto, durara a batalha,
e ao tombar a noite o silêncio desceu sobre os dois exércitos. Quando
raiou a aurora de 20 de abril, “de Nossa Senhora dos Prazeres”, já não
havia a quem combater.

Levantara Schkoppe o acampamento retornando calada e tristemente


para o Recife...620

Deixou mais de mil mortos e feridos, 33 bandeiras, o estandarte dos


estados, um canhão...621

Leu o Padre Vieira na Haia a carta de um burguês de Amsterdã, em


que o fracasso de Segismundo era sobriamente narrado:
Ontem vos escrevi que os nossos se bateram em Pernambuco com os portugueses e que da
nossa parte caram mortos 300 e da sua 900, mas informando-me melhor, e vendo as cartas
do Recife, consta que os nossos mortos foram mais de 600, e mais de 400 os malferidos. Dos
portugueses que morreram não se sabe o número certo, só se diz que os levaram em 14
carros.

Continua o padre:
Entre os feridos foi um o General Segismundo. Entre os mortos o Coronel Hus, que era o
mais antigo, e o Coronel Vandennoven, e muitos capitães e o ciais até número de 50 [...].
Escrevem os do Recife que os portugueses estão fortes como um muro (que é frase sua).

Exultava. “De maneira, senhor, que temos Pernambuco vitorioso, o


Rio de Janeiro socorrido, a Bahia com armada, Angola com a esquadra
de Salvador Correia”.622

CONSEQÜÊNCIAS

Segismundo não perdera somente a batalha, perdera a guerra.

Jamais teria aqueles meios de romper o adversário (com armada no


porto e 6 mil homens decididos, contra um exército desunido e
atarantado); nem os experimentados o ciais que lá caram, estendidos
no campo, como o Coronel Haus (o mesmo da casa-forte), o Major
Claer, o Coronel Van Elst... Podia acusar-se de imprevidência não
tendo reconhecido o terreno em que ia lutar — e temeridade — nele
entrando no escuro, com todos os seus elementos. Sacri cara o melhor
da sua gente numa ação intempestiva — sem lograr movimentá-la
conforme os rudimentos da estratégia — e dera com isto aos rebeldes
glória, ufania e vigor. Sobretudo entusiasmo.623 “A verdade é que só a
Deus e à Virgem Santíssima devemos esta vitória”, clamava Vidal de
Negreiros.

Vissem aquela prodigiosa resistência, 24 horas quase sem comida,


face voltada para o inimigo reluzente de tanta armaria, âmulas e
insígnias! E os seus andrajos em contraste com aquele esplendor de
morriões, couraças, gibões coloridos e chapéus emplumados! Saídos
das brenhas por onde rastejavam índios e negros, de alcatéia ao
europeu — vestiam os farrapos das velhas roupas, enrolavam no
pescoço grandes rosários, dispensavam bandeiras, preferiam aos
mosquetes e às pistolas a espada, e com ela ao sol vendiam caro a
vida... A vida e a terra.

Esta, não lhes tomariam!

NA EUROPA

Mas a situação piorara na Europa. Na verdade, acertava D. João iv:


“Brevemente parece que se gastará o socorro que foi de Holanda
àquele estado, tempo era já de entenderem os de Holanda que lhe não
está bem a guerra”.624 Pactuara-se entretanto em Münster a paz de
Holanda e Espanha, de cujos artigos insidiosamente constava a
restituição aos amengos das praças que possuíam no Brasil... Receoso
de um ataque conjunto, chegara o rei a premeditar (se acontecesse) o
seu transporte para a Ilha Terceira, cando ainda com o Grão-Pará e o
Maranhão...625 A idéia da transmigração (acariciada pelos príncipes da
casa de Bragança, sempre que a crise internacional os ameaçou)
encorpara-se no espírito fértil do Padre Vieira; e provavelmente se
estampa naquele outro trecho de con dência: “O roteiro que el-rei,
que Deus tem, tinha prevenido, como tão prudente, para o caso de
semelhante tempestade e se achou depois de sua morte em uma gaveta
secreta, rubricado de sua real mão com três cruzes”.626 O jeito era
antecipar a coação pela transação, voltando-se às conversas da compra.
Foi-se o Padre Vieira para Haia, a ver se incluía Portugal no acordo, a
troco do dinheiro que lhe exigissem. Já os holandeses não queriam
ouvir falar disto. Então — que se desse Pernambuco...627

Entre duas famosas “memórias” do padre, a de 1647, mostrando as


conveniências da compra, e a de 1648, chamada de “papel forte”, em
que, rendido aos novos temores, advogava a entrega do Brasil, do Rio
Real para o norte,628 se situou essa perplexidade diplomática. Ia mais
longe o eloqüente jesuíta: para contrapor a castelhanos e amengos
poder maior, tentaria em Paris ajustar o casamento do Príncipe D.
Teodósio com a lha do Duque de Orléans, a Grande Mademoiselle,
com o que se combinaria nada menos do que a divisão da monarquia
portuguesa. O pai da noiva regeria o reino de Portugal na menoridade
do genro e D. João iv viria reinar no Brasil...629 É duvidoso que tivesse
em França discutido seriamente este conluio, que transtornaria a
política mundial — instalando na América o império prematuro.630 O
que se sabe é que na Holanda não conseguiu mais do que alcançava
Francisco de Sousa Coutinho (e era comprar a paz pelo abandono do
Brasil, do Rio Real ao Ceará); e para convencer em Lisboa — para
onde desanimadamente regressou — os conselheiros resistentes,
escreveu aquele sofístico “papel forte”. Expunha com engenhosa
dialética as vantagens da cessão — que salvaria Portugal, nem que
mais tarde, passada a calamidade presente, fosse reaver o perdido...
Enganava-se. Entre a frustrada negociação da compra e esta tentativa
de capitulação mediara a batalha dos Guararapes; nem teria o rei
possibilidade de cumprir a promessa, se prometesse restituir o
reconquistado. Que forças seriam para isto precisas? E com que
argumentos — para aqueles ásperos guerrilheiros de rosário
pendurado aos peitos, que acabavam de correr a espada os loiros
soldados de Flandres? Ressurgiu a malícia inteligente de D. João iv.
Estava com o Padre Vieira enquanto lhe fora útil apaziguar; agora, que
sentia inviável o negócio, bandeava-se com os seus opositores (o
principal deles, o conselheiro Pedro Monteiro). Estes desaprovaram o
“papel forte”.

Sousa Coutinho foi chamado a Lisboa.631 Não tardou a sobrevir, em


1650 — aliviando a crise portuguesa — a discórdia anglo- amenga.
Quando os navios da Holanda tivessem de deter-se no mar do Norte
em luta com os de Inglaterra — estaria salvo Pernambuco.

RETOMADA DE ANGOLA

Enquanto iam e vinham os recados de Holanda sobre as pazes que não


se faziam, e os insurretos dominavam os campos de Pernambuco —
entendera-se em Lisboa que se devia recuperar Angola. A importância
disto de niu-a o Padre Vieira em carta desse tempo: “Sem negros não
há Pernambuco, e sem Angola não há negros”.632 Também na Espanha,
tanto que ali se pensou em trocar o Infante D. Duarte, irmão de D.
João iv, prisioneiro em Milão, pela posse de Angola...
Mas como esta notícia chegasse aos ouvidos do real prisioneiro, teve ele indústria para minar
os muros do castelo e, por debaixo da terra, escreveu uma carta, que de Veneza veio a Haia,
corte de Holanda (onde eu a li) e da Haia passou a Lisboa. E que continha aquela carta?
Dizer e protestar a S. M. o generoso infante, que nem um torrão de terra conquistada com o
sangue dos portugueses se desse pela sua liberdade, nem pela sua vida.633

Salvador Correia de Sá foi incumbido de restaurar as praças africanas


com a frota do Rio de Janeiro.
Estava ali — de volta do reino — em 16 de janeiro de 48. Trazia
nomeação (20 de setembro de 47) para capitão-general de Angola.
Tinha instruções para empreender sem demora a expedição. Reuniu
no porto quinze navios, sendo seis fretados no Rio, quatro por ele
comprados e cinco que o governador-geral mandara da Bahia — e
engajou novecentos homens de desembarque. Contribuiu a cidade
com o empréstimo que lhe pediu634 e ainda o suplemento de 5.500
cruzados.635 Hesitou um momento em fazer-se em mar, tal a opinião
de muitos, de que, fortalecidos no Recife os holandeses com a frota de
De With, a saída da armada deixaria desamparada a costa e a própria
cidade do Rio de Janeiro.636 Contribuiu para que se decidisse o
conselho do Padre João d’Almeida (jesuíta a quem particularmente
ouvia), e que chegou a indicar a data, profetizando ser propícia.637 Na
realidade, impeliu-o a não se retardar o Conde de Vila Pouca
(conforme ordens que recebera): “A Salvador Correia mando
apertadíssimas ordens para que faça a jornada tudo quanto antes
puder ser e a consiga sem perder monção”. Ou “tudo correrá por sua
conta, e que ele a daria a V. M. do que sucedesse”.638

Largou a esquadra a 12 de maio (de 1648). Atingiu na costa da África


Quicombo, em 12 de julho639 — perdendo logo num temporal a
capitania com 300 homens e o almirante, Baltasar da Costa de Abreu.
Convocou Salvador conselho de o ciais; e deliberou tomar São Paulo
de Luanda. Foi o que fez a 12 de agosto. Intimado a entregar-se, o
governador holandês pediu oito dias. Deu-lhe dois, ndos os quais pôs
em terra a sua gente e, no impulso do ataque, se apoderou da cidade,
com exceção do Forte de São Miguel (ou do Morro) onde se refugiara
a guarnição. Experimentou-o sem resultado no dia 15. Recuaram os
portugueses com 163 mortos e 160 feridos.

Mas na manhã seguinte, receando pior investida, hastearam os


amengos bandeira branca e assinaram, resignados, a ata da
rendição640 em que se lhes permitiu voltar à pátria com armas e
bagagens. Eram 800. Em número superior aos vencedores!641
Reconquistada Angola, volveu Benguela ao domínio português. E
Bartolomeu de Vasconcelos da Cunha, que no sertão sustentara até aí a
luta, correu a castigar os sobas, que tinham ajudado os amengos.
Dobrou-lhes a resistência. O mais prestigioso era D. Ana, ou a Rainha
Ginga, alma da insubmissão, e tão sagaz e teimosa que o seu nome
cou como um símbolo de império mágico e energia invencível... A
grande Rainha Ginga!642

XVI: A 

NOVAS ESPERANÇAS

Devia D. João falar aos mercadores da Haia outra linguagem. O eclipse


da Companhia já era o efeito de forças pujantes e novas — que
retemperavam Portugal... e o Brasil.

Nem podiam os holandeses contrabalançar a perda da África com o


ataque a Francisco Barreto no arraial — onde se reforçara com o terço
das ilhas (do Mestre-de-campo Francisco de Figueiroa). Tinham de
esperar o auxílio de uma armada que preenchesse o vazio aberto pelos
anteriores insucessos nas leiras de Segismundo von Schkoppe.

Foi a do Coronel Van den Brande com 2.500 soldados. Prevalecendo-


se da ausência das naus portuguesas, entrou na Baía de Todos os
Santos essa esquadra, aparelhada para grandes façanhas, bordejou,
lançando em terra várias patrulhas, que queimaram 23 engenhos, e
consumada a represália — que espalhou o terror pela redondeza,643
saiu impunemente, para o Recife.

Não ousou apossar-se de nenhuma posição em frente à Bahia.

Insistiram os amengos, isto sim, em destruir na várzea


pernambucana o exército que os assediava.
Com 3.500 homens deixou o Coronel Brinck o Recife, a 17 de
fevereiro (de 1649), e dirigiu-se ainda uma vez para o sul, resolvido a
vingar nos mesmos montes Guararapes a derrota do seu general.

A SEGUNDA BATALHA

Corrigindo o erro de Segismundo, não arriscou por aquele perigoso


caminho a sua tropa em coluna de marcha, mas ganhou as alturas
formando-a em linha de batalha ao abrigo dos matos, a m de que os
contrários cassem ao sol, indecisos quanto ao início da ação, e
descobrindo-se, se a ela se lançassem. Queria arrancá-los às dobras do
terreno para os envolver e destroçar em pleno campo. Os portugueses
não lhe zeram o jogo. Esperaram que atacasse. Ordenou então o
coronel a retirada — sem dar combate — e mal a sua gente descia dos
outeiros, para se recolher a quartéis, arrojou Barreto sobre ela cavalaria
e mosqueteiros. Surpreendidos, tentaram os amengos recompor as
leiras: mas era tal o ímpeto da acometida, que, levados de vencida,
em confusão, se puseram em fuga. Morreu ali o Coronel Brinck, com
173 o ciais e subo ciais. Contaram-se 855 mortos e 90 prisioneiros
holandeses. A segunda batalha dos Guararapes foi mais cruel para eles
do que a primeira. Destruiu inapelavelmente a veleidade de reação do
Alto Conselho do Recife; e expôs o soldado luso-brasileiro à
admiração da Europa.

Em carta para Haia, fez o Conselheiro Michel van Goch estas graves
considerações:
A respeito do combate acima relatado, notei sobretudo duas particularidades que (em meu
parecer) merecem muita atenção: em primeiro lugar, as tropas do inimigo, saindo dos matos
e de detrás dos pântanos e outros lugares, onde têm a vantagem da posição, atacam sem
ordem e em completa dispersão e se aplicam em romper diferentes quartéis. Em segundo
lugar, as tropas inimigas são ligeiras e ágeis para correrem adiante ou se afastarem; por causa
de sua crueldade inata são temíveis também; eles se compõem de brasilianos, tapuias,
negros, mulatos, mamelucos, etc., todas as nações do país; aliás, portugueses e italianos, que
têm muita analogia com os naturais da terra quanto à sua constituição, de maneira que
atravessam e cruzam os matos e os pântanos, sobem aos montes, tão numerosos aqui, e
descem, e tudo isso com uma velocidade e agilidade, que são verdadeiramente notáveis; nós,
ao contrário, combatemos formados e colocados da maneira que se usa na mãe-pátria, e
nossos homens são indolentes e fracos, de modo algum afeitos à constituição do país, do que
resulta que essas espécies de ataques com arma de fogo, como o de que aqui trato, devem ter
bom êxito inevitavelmente, e que, rechaçando os nossos batalhões e pondo-nos em fuga eles
nos matam maior número de soldados na perseguição do que no próprio combate; esta
ocasião, aí de nós!, não fez mais do que fornecer prova disso; aliás as peças de artilharia de
campanha, não podendo ser disparadas sobre bandos dispersos, tornaram-se inteiramente
inúteis, ou, para melhor dizer, verdadeiras charruas para o nosso exército.644

Mesmo D. João iv entendeu que fora prodigioso: em carta a seu


embaixador Nuno da Cunha — de 8 de junho de 49.
Parece certo que quer Deus favorecer aqueles homens, porque assim o mostra sucesso tão
prodigioso como este foi, e o têm mostrado os passados, a Relação é a mesma que os
holandeses imprimiram em Holanda porque do Brasil não veio com tanta clareza que se vos
possa remeter.645

A sua própria superioridade naval anulou-se pela escassez de


provisões para os navios do Almirante De With, assaz velhos e gastos
para operações incessantes. De novo a ameaça da fome perturbou a
guarnição do Recife. Malquistado com o comando de terra, retirou-se
De With em novembro, abandonando a guerra, que dava por
perdida.646 Todas as censuras recaíam sobre a Companhia, que não
mandava barcos, víveres, elementos e cazes para a reconquista.
Cometera o erro de restringir os auxílios, quando um esforço mais
enérgico lhe reforçaria os argumentos, nas discussões da Haia... Em
Lisboa, sentiu-se que o domínio do mar resolveria o problema.

O Príncipe de Nassau achara que se retomaria Pernambuco fundindo


as Companhias das Índias Orientais e Ocidentais, em ordem a criar
uma empresa homogênea e mais poderosa. Os mercadores de Lisboa
aplaudiram um plano simétrico: a organização de uma companhia de
comércio para desalojar daquele porto o inimigo.

A COMPANHIA DE COMÉRCIO

A iniciativa era ainda do Padre Antônio Vieira.


O primeiro negócio que propus a S. M., pouco depois da sua feliz aclamação e restauração,
foi: que em Portugal, à imitação de Holanda, se levantassem duas companhias mercantis,
uma oriental, outra ocidental, para que (sem empenho algum da Real Fazenda) por meio da
primeira se conservasse o comércio da Índia, e por meio da segunda o do Brasil [...].
Somente tardou em se aceitar, até que a experiência desenganou aos ministros, que ao
princípio porventura o não capacitaram. E quanta fosse a utilidade e e cácia dele, bem o
mostrou a companhia ocidental, a qual foi sempre trazendo do Brasil o que bastou para
sustentar a guerra de Castela, conservar o reino, restaurar Pernambuco, e ainda hoje acudir
com prontos e grandes cabedais às ocorrências de maior importância.647

Chamou-se Companhia Geral de Comércio. Inverteram nela os


cristãos-novos seus capitais (segundo o alvitre de Vieira), mediante a
isenção de con sco aos penitenciados pelo Santo Ofício — por alvará
de 6 de fevereiro de 1649.648

O negócio era atraente. Governava-se a Companhia por uma Junta de


nove deputados.649 Dera-se-lhe o monopólio de venda de “quatro
gêneros”: bacalhau, farinha de trigo, azeite e vinho — por preços que
arbitrara. Ganhava as taxas e prêmios de seguro impostos aos navios
comboiados por suas frotas. O seu maior lucro estava naquele
monopólio, aceito com resignação na Bahia, mas recebido hostilmente
no Rio de Janeiro, razão por que — em 24 de agosto de 1649 — o
governador-geral dirigiu curiosa intimação a Salvador de Brito Pereira,
que lá administrava:
Com esta consideração se estabeleceu nesta cidade o negócio, e admitiram os preços destes
gêneros por aceitação uniforme de todo o povo, que não necessitou de coação alguma para
abraçar seu próprio benefício. Pelo que tanto que estes papéis se presentarem a V. M.ce e aos
o ciais da câmara (a quem escrevo) o faça V. M.ce que se houver quem o impugne, mo
remeta V. M.ce preso a bom recado. E só lhe lembro que convém muito que se antecipe V.
M.ce com tanta brevidade na introdução deste negócio.650

Por bem ou por mal, deviam os colonos sujeitar-se ao conchavo dos


capitalistas de Lisboa.

A PRIMEIRA ESQUADRA

A primeira esquadra da Companhia largou do Tejo a 4 de novembro


do mesmo ano, sob a che a do Almirante Pedro Jaques de
Magalhães:651 trazia por general João Rodrigues de Vasconcelos,
Conde de Castelo Melhor, nomeado sucessor do Conde de Vila Pouca
de Aguiar.652 De passagem por Pernambuco desembarcou os
mantimentos reclamados por Francisco Barreto653 e aportou incólume
à Bahia.

Tendo chegado a 7 de março, empossou-se Castelo Melhor em 10


desse mês.654 Demonstrou as qualidades que o recomendavam: tino,
senso de organização, atividade extrema. Veremos em seguida os atos
principais do seu triênio. A guerra, esta entrava no capítulo nal.

Malogrou-se em Holanda a embaixada de Antônio de Sousa de


Macedo, que fora oferecer dinheiro (3 milhões de cruzados) e
concessões mercantis pela entrega de Pernambuco. Irritados com a
Companhia Geral de Comércio e descrentes da sinceridade de D. João
iv, os Estados-Gerais não lhe deram ouvidos. Mas a situação deles se
agravara com as perdas marítimas in igidas pelos ingleses, e com
guerra à porta, evidentemente mal poderiam socorrer na sua penúria
os sitiados do Recife. Ou antes: arriscavam-se a abandoná-los.655

A ALIANÇA INGLESA

Duas palavras sobre o funcionamento por esse tempo da velha e


elástica aliança inglesa. Cromwell malquistara-se com o Rei de
Portugal pelo auxílio que este dava aos seus adversários internos, os
realistas. Dele não podia D. João iv esperar uma ajuda concreta.
Sobrevinda porém, com a rivalidade colonial, a luta com a Holanda,
quando ainda Portugal se defendia no Alentejo dos espanhóis, já a
Inglaterra (e com ela a França) impediria uma demonstração naval
holandesa sobre Lisboa. Seria considerada como uma ação de guerra
favorável à Espanha; permitiria talvez que esta aniquilasse a
monarquia portuguesa; e o desequilíbrio de forças na Europa, causado
por essa eventualidade, não convinha aos governos de Londres e Paris.
Obstados pois os amengos de usar as suas esquadras para intimidar
Portugal, os negociantes de Lisboa se sentiram à vontade para reforçar
a Companhia, que os hostilizava, enquanto rolava na Haia, sonolenta,
a interminável conversação sobre a paz do Brasil.
Em 1652 sugeriam, otimistas, os mercadores lisboetas, que a sua frota
fosse direito ao Recife, e o tomasse de surpresa...

OPERAÇÕES FINAIS

Os holandeses continuavam a resistir ali às guerrilhas que se


amiudavam. Com meio milhar de homens Antônio Dias Cardoso os
bateu em Barreta e Afogados (junho de 52). André Vidal queimou-lhes
o pau-brasil que tinham para embarque.

O cerco fechara-se; e os três emissários que foram do Recife para


expor na Holanda a situação da praça, falavam com esperança de um
acordo hábil, que pelo menos resguardasse as propriedades ganhas na
ocupação... Inevitável o naufrágio, tratavam dos salvados. Demitiram-
se os conselheiros Van Goch, Schoonenborch e Haecx. Desertavam
soldados, o ciais abandonavam os comandos, ruía o edifício montado
em vinte anos de administração incessante...656

A CAPITULAÇÃO

Decidiu-se en m em Lisboa expedir diretamente, para render o Recife,


terceira esquadra da Companhia ainda sob a che a de Pedro Jaques de
Magalhães, como general: desta feita 64 navios mercantes e treze de
guerra. Surgiu em 20 de dezembro de 1653 em frente ao Recife.
Mandou-lhe avisos Francisco Barreto, para que o general da armada
fosse ter com ele em Olinda, a m de combinarem as operações.

Ali desembarcou Pedro Jaques com Francisco de Brito Freire, seu


almirante657 — recebido pelo “governador da guerra” e os três mestres-
de-campo João Fernandes Vieira, André Vidal de Negreiros e
Francisco de Figueiroa.658

Barreto falou-lhe com rmeza: o momento era único para investirem


as forti cações, enquanto a Marinha obstruía o porto. Aceito o plano,
Pedro Jaques tomou, com os seus barcos, as águas do Recife e o
exército, à ordem dos cabos veteranos, marchou sobre as posições
holandesas. Capitulou o Forte do Rego (15 de janeiro de 54). À
margem esquerda do Capibaribe rendeu-se, quatro dias depois, o de
“Altenar” (com o Major Berghen e 180 homens). O terço de André
Vidal prosseguiu em direção ao Forte de Cinco Pontas, cuja queda
seria fatal à defesa do porto. Comandava-o Waulter van Loo, que, na
tarde de 23, saiu com uma carta para Francisco Barreto. Era o pedido
de armistício. A campina diante do forte, onde o general ouviu Van
Loo, chamava-se “do Taborda” (nome dum pescador que ali morara).
Discutiram o ajuste, do lado dos portugueses o Auditor-geral
Francisco Álvares Moreira, Capitão-Secretário Manuel Gonçalves
Correia e o Capitão reformado Afonso de Albuquerque; pelos
contrários, o Conselheiro Gilbert de With, o presidente dos escabinos
(vereadores) Huybrecht Brest e Van Loo. Uma capitulação que honra o
cavalheirismo dos vencedores e dos vencidos pôde ser assinada na
noite de 26 de janeiro de 1654; encerrando civilizadamente esse
prolixo episódio, reintegrou Pernambuco na comunidade luso-
brasileira.

Estendia-se em 27 artigos. Em primeiro lugar estipulava-se uma


como anistia, para todas as queixas e nações. Os holandeses, a quem se
reconhecia a propriedade, cavam com três meses para vender os
imóveis e retirar-se. Durante quatro meses os navios de Holanda não
seriam hostilizados. Teriam alimento e condução, indispensáveis ao
repatriamento.659 Entregaram os fortes, as praças, a artilharia, as
munições.

Comentou o Padre Vieira — essa maravilha:


Apareceu a frota mercantil do Brasil defronte do Recife, a que por sua fortaleza poderemos
justamente chamar a Rochela da América, e à ostentação somente do número de seus vasos,
sem morte de um homem, se renderam dezessete fortes reais, guarnecidos de sobeja
infantaria, abastecidos de munições de boca para dois anos, e de guerra para muitos, e em
espaço de três dias se recuperou o que se não podia caminhar paci camente em muitos
meses, e se tinha ganhado a palmos em 24 anos.660

ENTRADA NO RECIFE
Assim se cumpriu.

A 28 de janeiro apresentou-se a cavalo Francisco Barreto para receber


as chaves da cidade: rodeavam-no os o ciais formando um luzido
Estado-maior, em vistosa cavalgata que contrastou com a modéstia de
Segismundo von Schkoppe e dos seus ajudantes que, a pé, foram
encontrá-lo.

Então o general se apeou e recebeu as chaves, ao som de salvas e


clarins; a que se seguiu a entrada na povoação. Para acentuar as suas
disposições corteses Barreto visitou na sua casa Segismundo e foi
alojar-se nas do conselho, preparadas para hospedá-lo. Levou a sua
cordura ao requinte de conceder a Von Schkoppe e à esposa que
carregassem o pau-brasil correspondente aos bens que deixavam em
terra — o que aumentou a suspeita de venalidade que, na Holanda,
atormentou o guerreiro infeliz. Determinou que os amengos cassem
em Olinda, dando-se-lhes 480 réis a cada um. Incorporou às suas
próprias leiras os negros e índios, que até aí os acompanhavam. A
tomadia cifrava-se em quase 500 casas, logo concedidas ou alugadas a
quem as requereu — 300 canhões,661 38 mil balas, 5 mil mosquetes, 2
mil arrobas de pólvora...

A restauração dos demais distritos foi imediata.

Filipe Bandeira de Melo662 teve o governo dos fortes do Sul. Francisco


de Figueiroa despachado para a Paraíba, já a encontrou em poder dos
portugueses, pois o Tenente-coronel Claes, fugindo do Recife,
persuadira o Coronel Houthain a abandoná-la, largando tudo. Os
índios, avaliados em 4 mil, acreditaram nas notícias terrí cas que
corriam sobre a vingança dos católicos,663 e correram a refugiar-se nas
serras do Ceará. Itamaracá foi ocupada pelo Capitão Manuel de
Azevedo, e Álvaro de Azevedo Barreto, por mar, reconheceu o
abandono do Rio Grande pelo inimigo e ocupou o Ceará — que o
Major Garstman não teve dúvida em entregar-lhe.

Melhor comissão ganhou André Vidal: a de levar ao reino as


alvíssaras do triunfo. Chegou a 19 de março; e logo na manhã seguinte
fez D. João iv cantar na capela real solene Te Deum. Não lhe cou nisto
o júbilo: no outro dia foi dar público testemunho do seu
agradecimento a Deus na Sé, a que se juntou a corte, em procissão
grande. Não regateou os prêmios merecidos aos heróis, sobretudo
Barreto, Vidal, Vieira, que tiveram os governos de Pernambuco,
Maranhão e Angola. O ciais e soldados lucraram mercês pecuniárias e
sesmarias.

Consumara-se o “milagre”. Expulso o estrangeiro, a economia


colonial normalizada, restabelecida a unidade da América Portuguesa,
depressa esqueceria esta o quarto de século consumido naquela guerra
feroz. Cicatrizaram-lhe as feridas recuperando a prosperidade que se
lhe interrompera: em 1655 a ançava com o seu comércio a restauração
da metrópole.

Mas já não era igual ao Brasil de há trinta anos.

Uma profunda modi cação moral fora o vestígio deixado pela


campanha, na marca dos seus ásperos trabalhos, o seu legado: no ir e
vir das marchas, ao calor das refregas, na paixão dos levantes, na dor
dos êxodos, na continuidade dos sacrifícios e na exaltação das vitórias
se compusera — em linhas inconfundíveis — um espírito nativista
capaz de independência, de reivindicações inesperadas, de a rmações
de nitivas. Pondo-se fora o holandês metera-se no Brasil o brasileiro: é
a sutil resultante de uma campanha aparentemente concluída. “Porque
estando estas capitanias bem forti cadas e povoadas, tem V. A. nelas
um grande império”, dizia em 1675 João Fernandes Vieira.664

FEUDALISMO CONDENADO

Mas a vitória não deixara de ser das armas reais, sem o auxílio, ou a
ativa participação dos donatários incapazes de defenderem contra uma
potência estrangeira as pobres capitanias. Era natural que D. João iv as
quisesse para a Coroa, acabando, nesta oportunidade, com o sistema
obsoleto da administração particular, agravado pela incúria, pela
decadência, senão pelo abandono dos que deviam mantê-las.
Pelo mal que os donatários acodem a socorrer as capitanias que têm no Brasil, desejo dando-
lhes equivalente satisfação no reino incorporar as capitanias na Coroa; o conselho trate com
eles esta matéria, entendendo a satisfação que querem, tomando por notícia o que a capitania
de cada um valerá no reino, abatidos os custos iníquos, com advertência que não aceitando o
que for justo (averiguando-se que são obrigados a provê-las e socorrê-las nas ocasiões) se
tomará para isso de suas fazendas o que for necessário

— ordenou el-rei em despacho de Alcântara, 9 de junho de 1649.665


Motivou esta declaração o socorro pedido à Coroa para a defesa do
Espírito Santo, dois anos antes. Aliás eram então arroladas como
capitanias de donatário apenas essa (já em nome do lho de Ambrósio
de Aguiar Coutinho, Antônio Luís Coutinho da Câmara), Porto
Seguro (do Marquês de Porto Seguro), Ilhéus (de D. Jerônimo de
Ataíde), São Paulo e São Vicente (do Marquês de Cascais), além das
quatro do Maranhão (sic): Ilha do Sol (Álvaro de Sousa), Cumã
(Antônio Coelho de Carvalho); Cabo do Norte (Bento Maciel
Parente); Cumutá (Francisco Coelho de Carvalho).

A guerra, pois, produzira o efeito de eliminar a propriedade dos grão-


senhores que não tinham podido proteger as suas terras e — pagando
o que custava ao reino — anexá-las aos reais domínios. Deveras,
extremando o escrúpulo em negociações prolixas, não formalizaria el-
rei a anexação sem um arremedo de compra, cujo processo terminou
um século mais tarde. Em 1649, porém, dissera a grande palavra de
centralização. Terminava aí o tipo quinhentista da exploração privada
da colônia. Acabava o regime dos capitães independentes. Começava o
sistema da direta administração.

XVII: O -   

O CONDE DE CASTELO MELHOR

As principais providências que notabilizaram o governo do Conde de


Castelo Melhor foram de ordem militar.
Obediente ao que determinara a carta régia de 10 de maio de 1651,
procedeu à reforma dos três Terços da Bahia (mestres-de-campo João
de Araújo, Nicolau Aranha Pacheco e Teodoro Hoogstraten),
suprimindo o último em proveito dos primeiros e reduzindo a duas
companhias a artilharia, no reajuste próprio da paz, que se esperava. A
guarnição do “presídio” limitou-se a 2.131 praças, cujo sustento cabia à
câmara.666 Reforçou a defesa da capitania, provendo os cargos militares
referentes às vilas e distritos e, em resguardo do Recôncavo, investido
havia pouco por quatro naus holandesas, mandou estabelecer
plataformas ou trinheiras nas bocas dos rios.667 Não faltou com os
socorros de gados e farinhas ao exército de Pernambuco (incumbindo
disto o capitão-mor do Rio de São Francisco, Belchior Alves
Camelo).668 Na cidade criou uma companhia “de todos os Estudantes
desta Universidade (sic) da Bahia”, sob o comando de Francisco
Barbosa, segundo o estilo do reino.669 E expediu tropa, con ada a
Gaspar Rodrigues Adorno, para bater os índios que, no Aporá,
ameaçavam as povoações até o porto de Cachoeira (provisão de 16 de
setembro de 51).670

O Sargento-mor Diogo de Oliveira Serpa (cabo de uma “entrada” em


maio de 51)671 teve o cargo de capitão-mor das Entradas dos
Mocambos (14 de maio de 53): correspondia à necessidade de
dissolver os agrupamentos de negros fugidos, cada vez mais
freqüentes. Destarte fazia-se policiamento rural e normalizavam-se as
comunicações, de começo indispensáveis para o abastecimento da
guerra de Pernambuco, depois para a expansão povoadora em que a
Casa da Torre se substituiria aos Adornos do Paraguaçu. A “bandeira”
destes, de 1651, não foi decisiva: tanto que, em 1654, o Conde de
Atouguia os mandou de novo, com dobradas forças, limpar o Vale do
Jequiriçá e afastar do litoral o perigo dos selvagens.

RESTABELECIMENTO DA RELAÇÃO

O restabelecimento da Relação do Brasil, por esse tempo, restituiu à


Bahia a dignidade de capital judiciária da América Portuguesa.
O Regimento da Relação foi aprovado em 30 de março de 1651, quase
um ano depois de consultado a respeito o Conselho Ultramarino, e
assinado em 12 de setembro de 52, — o que evidencia o propósito de
procrastiná-lo, até a expulsão dos holandeses.672 Em 3 de março de
1653 empossaram-se o chanceler Francisco de Figueiredo e os
desembargadores Luís Salema Carvalho, já no Brasil em
sindicâncias,673 Simão Álvares de Lapenha, Francisco Barradas de
Mendonça e Simão da Maia Furtado.

No ano imediato, em 22 de janeiro, teve assento nesse tribunal o


primeiro desembargador natural do Brasil, não havia muito formado
em Coimbra: Cristóvão de Burgos Contreiras.674

Entrou no lugar de Simão Álvares de Lapenha, apesar da “prudência,


zelo e talento” deste, no elogio do Conde de Atouguia, que o
recomendou para ouvidor-geral.675

Não deixou Castelo Melhor o governo sem dar início a duas tarefas
consideráveis: a reforma da Ribeira, para que se construísse, talvez
anualmente, um galeão de 700 a 800 toneladas (conforme ordem régia
de 2 de dezembro de 50)676 e o prosseguimento das obras do Forte do
Mar, paralisadas desde 1625 (carta régia de 4 de outubro de 50)677 e
que eram pagas pela renda do Contrato das Baleias.

A Ribeira da Bahia tornou-se em breve uma das melhores o cinas


náuticas da América.

O CONDE DE ATOUGUIA

O 22º governador-geral foi D. Jerônimo de Ataíde, Conde de Atouguia,


que governara já os Trás-os-Montes, se batera no Alentejo e era
general da armada.678 Empossou-se em 14 de dezembro de 1654:
presidiu, pois, às festas que na Bahia comemoraram a capitulação da
“campina do Taborda”.
Se podemos caracterizar a administração anterior como altamente
militar, esta será sertanista. O grande problema que quis resolver foi o
da paci cação dos índios em ordem a apontar os rumos do
povoamento para o Nordeste.

Realmente, a expansão colonial, facilitada pelas comunicações


terrestres com as capitanias vizinhas durante as lutas holandesas, a
partir de 1630 tivera um objetivo constante: o Rio de São Francisco. Os
Ávilas, da Casa da Torre, entre 1632 e 51 arredondaram aí um domínio
de muitas dezenas de léguas, ora obtidas na capital, ora em Sergipe, a
cujo capitão-mor, num requerimento de 1646, dizia o Padre Antônio
Pereira, tio de Francisco Dias de Ávila:
Que eles têm descoberto o Rio de São Francisco lá em cima no sertão onde chamam as
aldeias de Rodelas a qual terra eles suplicantes descobriram com muitos trabalhos que
passaram de fomes e sedes, por ser todo aquele sertão falto de águas e mantimentos, abrindo
novos caminhos por paragens onde nunca houve.

Aliás a sesmaria que tiveram em 13 de abril de 51 indica a visita


desses pioneiros ao Geremoabo em 1636.679 A conquista do Piauí foi
uma resultante de tais avanços. Mas não se podia pensar em descobrir
o alto São Francisco, além de Rodelas, antes da quietação dos cariris
que ameaçavam Jaguaripe, quase às portas da cidade. Gaspar
Rodrigues Adorno voltou a acossá-los (Regimento de 14 de dezembro
de 54) levando os melhores cabos, como o Sargento-mor Pedro
Gomes,680 Elias Adorno, Luís da Silva (prático dos sertões do
Itapicuru), mestiços e caboclos da Casa da Torre,681 num total de 600
índios, 50 infantes e 230 soldados do Recôncavo.682
Entrou pelo Jequiriçá acima (dirá mais tarde o Governador Alexandre de Sousa Freire
fazendo-lhe a história), descobriu as primeiras duas aldeias inimigas, pelejou aquele dia com
os bárbaros, lhe não matou mais que quatro; e pondo eles mesmo fogo às suas aldeias se
meteram pelo mato e o capitão-mor se retirou.683

Em nova investida os paiaiases (eram os ditos tapuias) o receberam


em som de guerra, mas, em lugar de combates, houve combinação de
pazes, com o que voltou Gaspar Rodrigues sem os destruir.
Em substituição deste mandou Atouguia um sertanista veterano,
Tomé Dias Lassos (Regimento de 9 de outubro de 56) — que não foi
mais violento, limitando-se a con rmar as pazes a ançadas por uma
rapariga, lha de principal, tomada como refém.684

O governador que sucedeu a D. Jerônimo de Ataíde, o General


Francisco Barreto, que acabava de restabelecer em Pernambuco a
normalidade econômica, após a expulsão do estrangeiro — cogitou de
remédio decisivo: apelou para os paulistas. Eram os rastreadores, os
dominadores do deserto por excelência: e parecia-lhe melhor serviço
destiná-los a prender tapuias, contra quem se aprovara guerra justa
(junho de 1655), do que lhes permitir a ronda pelas “missões” dos
jesuítas.

PAULISTAS NO NORDESTE

Transportara-se Barreto por terra de Pernambuco à Bahia, onde


entrou no exercício de seu cargo em 20 de junho de 1657.

Escreveu em 20 de setembro à Câmara de São Paulo, que lhe deferiu


o pedido em sessão de 8 de maio de 58.685 Mandou uns quinhentos
homens, dos quais uma centena de índios auxiliares, sob o comando
de Domingos Rodrigues Calheiros.686

O fracasso da “entrada” deve-se em parte às prevenções que


encontrou. Os da terra receberam de má sombra os paulistas.
Destacou-se um crioulo da Casa da Torre, “guiando-os ao redor por
terras inúteis e montanhosas” (por mais de sessenta dias...), sem
poderem alcançar os paiaiases. Dois anos foram desperdiçados em
jornadas estéreis. Certo, “queimaram uma aldeia e degolaram muita
gente”:687 porém as tribos rebeldes continuavam intactas. Lamentou
Barreto (em carta ao governador do Maranhão, 3 de novembro de 62):
que
com a sua vinda se desvaneceu o conceito que se tinha deles, porque deixando à sua
disposição o maior acerto (por serem práticos no modo de fazerem guerra ao gentio) vieram
a mostrar suas ações que por falta dela perderam o melhor sucesso que se podia esperar da
fortuna que lhe pôs nas mãos a ocasião que podiam desejar, e por sua culpa a deixaram
perder, deixando suas vidas entregues ao desprezo dos índios.688

O desengano não durou muito. Com o recrudescimento das


hostilidades não houve senão chamá-los de novo, para empregarem
nos campos do Aporá e em Cairu a sua peculiar arte da guerra ao
tapuia.

SEGREDO DA GUERRA

O segredo no-lo revela o Regimento, que em 1727 se deu a Pedro


Leolino Mariz, por que observasse as “regras paulistas” na campanha
contra os índios do Jequitinhonha. Em primeiro lugar, consistia na
distinção entre “gentio de boa língua”, que costumava admitir
pombeiros, ou “intérpretes” que os “desciam” em paz, e de “línguas
travadas”, ou tapuias, sumariamente considerados inimigos. A
aproximação dava-se com cautelas indígenas: “E pela frase dos
paulistas é dar albarrada”, acercando-se de rastos, “sem tosse nem
espirros”, até junto do inimigo, quando de repente, com um grito
medonho, para apavorá-los, o assaltavam.689 Reduzia-se a luta a uma
caçada hábil, cujo momento decisivo resultava da surpresa, a mostrar
o agressor qualidades “mateiras” superiores ao adversário. Os europeus
jamais lograriam fazer cousa parecida. Usavam de tantos rumores,
como se marchassem ao encontro dum inimigo disposto a enfrentá-los
— que os caboclos690 lhes fugiam, com a presteza de bichos
assustados... Zombavam deles. Sentenciou o Padre Antônio Vieira:
“[...] e esta guerra só a sabem fazer os moradores que conquistaram
isto, e não os que vêm de Portugal”.691

MELHORIAS

Atouguia e Barreto dedicaram toda a sua atenção aos melhoramentos


da Bahia. Estranhara o primeiro a de ciência de suas forti cações.
Dir-se-ia que até aí fora tudo provisório, feito ao sabor de ameaças que
não deixavam tempo para mais. Em 1655 confessou que era a praça
incapaz de manter bandeira real, como em cidades dignas do nome:
devendo ser abaluartado o porto, mal defendido e inseguro...692
Mandou por isto continuar o Forte do Mar693 (“o Forte de São Marcelo
z eu no meio da baía”, escreveria Barreto)694 e acabar o de São Pedro,
que lhe protegia um dos acessos. Fez reconstruir com grandeza o Paço
dos Governadores.695 Com igual decência ampliou o da câmara, que
cou sendo o mais importante do país.696 Reedi cou o Forte de Santo
Antônio, no lugar da trincheira inexpugnável de 1638.697

Esses trabalhos devem ser em parte atribuídos ao engenheiro francês,


Capitão Pedro Gracin, que viera na armada restauradora do Recife, e
introduziu em Pernambuco e na Bahia os sistemas de construção
militar que então se generalizavam na Europa. O seu primeiro ofício
era de prático de minas, incumbido de descobrir as de esmeraldas “que
se dizia haver em São Paulo”.698 Aplicou-se com êxito àquele tipo de
engenharia. Tornara-se urgente aparelhar a praça para receber o
agressor, se reaparecesse, agora que Portugal temia perder o apoio de
França (conciliada com a Espanha) sem ter ainda o de Inglaterra. E
continuava a defender no Alentejo a independência — com o vigor
tenaz das forças que lhe restavam.

DOTE E PAZ

O “Tratado dos Pireneus” (7 de novembro de 1659) uniu de novo


França e Espanha — com o abandono de Portugal à sua sorte.

Diz Monsieur d’Ablancourt, nas Memórias, que debalde Luís xiv


quisera convencer Filipe iv da conveniência de reconhecer a
independência portuguesa. Dada a obstinação de Madri, e para não
perder aquelas pazes, sacri cou o aliado. Aliás, isto mesmo resume o
artigo lx do “Tratado dos Pireneus”.699 O Marquês de Turenne tomou
então a si proteger Portugal, não, é claro, pelo interesse direto, da
libertação deste, porém para não permitir que a Espanha, esmagando-
o, renovasse, com a união ibérica, o poderio que, sem demora,
dirigiria contra a França. Luís xiv não podia receber mais o
embaixador de D. João iv, Conde de Soure (D. João da Costa): pois
Turenne o recolheu à casa; escolheu, para che ar um socorro, de
seiscentos o ciais e soldados, o Conde-duque de Schomberg, um dos
melhores generais do tempo;700 e, com a indulgência do rei, que lhe
aprovava a intenção, não regateou ao emissário e ao governo de Lisboa
todos os auxílios.701

A crise dissipou-se no ano seguinte.

Luís xiv facilitou a aproximação anglo-portuguesa e o acordo com


Holanda. Consumou-se a renovação da aliança tradicional com o
casamento da irmã de D. Afonso vi, Infanta D. Catarina de Bragança,
com o Rei Carlos ii, reposto no trono de Inglaterra. Em 23 de junho de
1661 assinou-se em Whitehall a escritura nupcial, em que a infanta
levava de dote, com 2 milhões de cruzados, as praças de Tânger e
Bombaim. Correspondia a entrega de Bombaim de presente aos
ingleses à cessão da Índia, pela qual entrariam de rompida. Mas tirava
à Holanda a ilusão de poder obter maiores compensações de Portugal.
Selara-se de nitivamente a solidariedade luso-britânica, a que o laço
dinástico dava uma realidade estridente.702 Em 6 de agosto pactuou-se
en m a paz de Holanda à custa de 4 milhões pagos folgadamente, em
dezesseis anos.

Bom negócio, sem dúvida. Serenando a América, fazia esquecer o


prejuízo do Oriente. Mas dando-lhe em cheio o peso do resgate. Ficou-
lhe o encargo de entrar todos os anos com 120 mil cruzados para a paz
e 20 mil para o dote, durante dezesseis anos. A Bahia respondia por 80
mil, Pernambuco por 25, a Paraíba por 3, Itamaracá por 2, Espírito
Santo por mil, o Rio de Janeiro por 26, São Vicente por quatro,
“reservando-se as capitanias do Espírito Santo, Porto Seguro e Ilhéus
por muito tênues” a completar “as faltas da contribuição desta
cidade”.703

Saiu o tributo de 2% sobre a importação (excetuados vinhos e azeites)


e um cruzado por escravo da África. E perpetuou-se! Continuou
inde nidamente a ser cobrado. Até o século xix...
“OS QUATRO ARTIGOS”

Era vexatório o monopólio dos “quatro artigos” dado à Companhia do


Comércio. Queixaram-se amargamente os povos dos rigores do
contrato, bem leves, por sinal, se por ele se livrara Pernambuco.
Exprobrou Atouguia, por exemplo, as omissões da Companhia, que,
em 1655, obrigada a mandar 3 mil pipas de vinho, das quais saía o
imposto que sustentava a infantaria do presídio, se limitara a fornecer
182.704 Revogado o monopólio, em seu lugar foram aumentadas as
taxas de comboio e de seguro dos açúcares.

De nhou a Companhia por outras causas: a principal, a mudança


política que se seguiu ao advento del-Rei D. Afonso vi — em 23 de
junho de 1662.

Atingira o primogênito de D. João iv dezenove anos e a rainha-mãe


não pensava em entregar-lhe o governo. Protelava a maioridade do
lho descon ada de sua incapacidade, atenta à importância de sua
missão, de defender o reino no Alentejo, e talvez inclinada a uma
solução futura, que o afastasse do trono, para o qual lhe faltavam
pendor e forças. A solução só podia ser em favor do Infante D. Pedro,
lho mais novo, ao contrário do rei vigoroso como um hércules,
ambicioso e inteligente. Dois acontecimentos precipitaram o incidente:
a deportação para o Brasil dos validos de Afonso vi, os irmãos Conti705
e a nomeação de grandes dalgos para a casa do infante, cujo professor
passava a ser o Padre Antônio Vieira. Ligaram-se em defesa do rei o
jovem Conde de Castelo Melhor, que já se revelava político de alto
espírito, o de Atouguia, desgostoso pelo comando das armas que se lhe
tirara, e o Bispo D. Sebastião César de Meneses, autor da Suma
política, há oito anos preso por implicado em conversações com a
Espanha. Conseguiram que saísse Afonso vi da capital, e em Alcântara,
juntando-se-lhes a nobreza, o reconheceram como investido no
governo. O resto, correu tranqüilamente. A rainha e o infante não se
opuseram ao “golpe”. Os adeptos da situação caída foram afastados de
Lisboa, entre estes o Padre Vieira e o secretário Pedro Vieira. A
Inquisição “logo que el-rei morreu, [...] condenava o alvará passado à
Companhia do Brasil em favor dos cristãos-novos”: quis o novo
ministro, Castelo Melhor, revogar tal disposição, reintegrando dois
magistrados demitidos em virtude daquela condenação;706 mas o auto-
de-fé que houve em 17 de julho, de 40 homens e 25 mulheres, assistido
pelo rei, que “os foi ver queimar rebuçado”, indicava bem diversa
orientação. A Companhia não lhe escapou. Foi reorganizada em 29 de
novembro, desse ano de 1662.
Formou-se ela da corrução e extinção da outra antiga deste título que havia formado el-Rei
D. João o 4º de homens de negócio os quais tinham seu Tribunal nas casas que o Marquês de
Castelo Rodrigo zera no sítio a que chamam Corte Real para onde depois se mudou o
Infante D. Pedro por el-rei seu pai lhas haver dado. Houve queixas da ruim administração da
Fazenda com que os deputados se governavam esperdiçando (segundo diziam) grandes
somas em ordenados e propinas desnecessárias, de modo que deixaram de pagar os réditos e
avanços de dinheiro que naquela bolsa comum tinham metido os interessados, uns por sua
vontade e obrigados por força todos os homens da nação hebréia do reino. Com esta causa se
formam várias vezes diferentes juntas para examinarem os livros da razão da Companhia e a
última se fez depois de el-rei tomar o governo presidindo nela o Visconde de Vila Nova, D.
Diogo de Lima. Contudo antes se abrigavam o que neste particular se poderia descobrir, se
mandou à Junta parar com seu exercício e na alfândega depositar os direitos do comboi que
se lhe pagavam. Assim se executou em breves dias esquecendo os serviços que a Junta havia
feito de ser a principal causa da restauração de Pernambuco e capitanias do Brasil, de vários
empréstimos consideráveis com que havia acudido aos apertos do reino com 120 mil
cruzados que deu para dote da Rainha de Inglaterra e outros, se extinguiu a Junta e em seu
lugar se criou outra, derrogando o contrato.707

Mas a Companhia continuou: “Que havendo mais de quarenta anos


cessou a causa por que foi instituída, é tão útil, importante e
necessária, que ainda se conserva, e conservará por muitos anos”.708
Conservou-se até 1720.

NOVA SEPARAÇÃO DO SUL

Os descobertos de Paranaguá, a paci cação do Norte e a conciliação


com os jesuítas de São Paulo, obstáculo à renovação das “bandeiras”
apresadoras do gentio manso, propiciaram um ciclo novo de
expedições, trabalhos e governo: o ciclo mineiro.

A expulsão dos holandeses impelira o povoamento para os sertões


inçados de tapuias, aliados do inimigo, nos itinerários mais
conhecidos através de vinte anos de guerra. Movimento semelhante
começa a deslocar os ralos núcleos sociais do Sul.

Até 1658 as viagens dos paulistas tinham sido episódicas, desconexas,


na maioria clandestinas, e por terras dos tupis aldeados. Queria-se
agora reproduzir a política de D. Francisco de Sousa e explorar os
veios de ouro cujas notícias continuamente chegavam a Portugal. A
separação en m das três capitanias — São Paulo, Rio de Janeiro e
Espírito Santo — para que Salvador Correia as governasse com
poderes idênticos aos que tivera “o das Manhas” (17 de setembro de
1658),709 importava a declaração de ser este o período das minas.

Os céticos desenganavam-se, como o Padre Antônio Vieira, que, a


falar dos índios, aduzia: “São as minas certas deste estado, que a fama
das de ouro e prata sempre foi pretexto com que daqui se iam buscar
as outras minas, que se acham nas veias dos índios e nunca as houve
nas da terra”.710 Salvador Correia, porém, não perdeu tempo. De
passagem, do reino para a sede de sua larga autoridade, nela se
empossou na Bahia, a 2 de setembro de 1659.711 Parou no Espírito
Santo, para mandar o lho, João Correia de Sá (com o título de
governador para a descoberta das minas), à busca das esmeraldas de
que tanto ali se murmurava712 — e pôde subir a São Paulo,713 onde fora
temido e odiado.

Venceu a sua constância: uma disciplina, algo incoerente, desarmou


por enquanto os moradores que acolhiam, esperançados, o governante
respeitável que até aí lhes parecera nefasto.

O caso dos Campos dos Goitacases e a revolta do Rio de Janeiro


desenvolveram-se quase simultaneamente.

PARAÍBA DO SUL

Entre o Espírito Santo e o Rio de Janeiro houve espaço para duas


capitanias, Paraíba do Sul, que no século anterior se malograra com o
donatário Pero de Góis, e Cabo Frio, que consistia em dois fortes
construídos por Constantino de Menelau em 1615. Esta segunda não
cresceu.714 A outra exerceu larga in uência sobre a vida econômica dos
moradores do Rio de Janeiro, graças aos campos e pastagens onde
podiam ter gados inumeráveis — à semelhança dos de Sergipe e do
São Francisco.

Os herdeiros de Pero de Góis renunciaram à Paraíba do Sul, que


reverteu à Coroa.

Em 1627 alguns colonos, (“sete capitães”) alegando serviços na defesa


do litoral, pediram sesmarias entre o Rio Macaé e o Cabo de São
Tomé, que lhes concedeu Martim de Sá.715 Entraram essas terras,
partindo de Cabo Frio, em 1632–3; deram nome às lagoas e rios;
tomaram posse; e lançaram no “Campo Limpo” o primeiro gado que aí
medrou, três vitelas, uma vaca e um touro, sob a guarda de um índio
de São Vicente (Valério Corsunga). Logo outro curral foi estabelecido
na ponta de São Tomé, aos cuidados do índio Miguel, também de São
Vicente. Começou destarte o povoamento dos Campos dos Goitacases,
com a riqueza pecuária que primeiro os notabilizou, seguida, após a
expulsão dos tapuias vizinhos, da próspera lavoura de canas até hoje
característica desta fecunda planície.

A notícia dessa fertilidade impressionou os habitantes do Rio de


Janeiro e, mais precisamente, Salvador Correia de Sá e Benavides.

Em 1614 um dos sete capitães povoadores fez doação de sua parte ao


Convento do Carmo. Em 1648 curiosa “escritura de composição” foi
lavrada, com a divisão dos “campos” em doze quinhões, cando quatro
e meio para os pioneiros e seus sucessores, três para Salvador Correia,
três para os jesuítas (tão estimados dele), um para seu parente Pedro
de Sousa Pereira e meio para os monges de São Bento, também
protegidos do general.716 Tal revisão dos títulos dados importava a
reivindicação, pelos Sás, do território descoberto, e provocou um
choque inicial, com a gente que já apascentava acolá os seus rebanhos
e não se dispunha a reconhecer o usurpador.
Esta, para eximir-se à dependência, criou uma vila — em 1650 —
com o beneplácito do Ouvidor Dr. João Velho de Azevedo, que,
premido pelos Sás, voltou atrás, e o negou.

O mais animoso dos “setenta moradores dos Campos” era o Capitão


André Martins da Palma, veterano da “recuperação de Angola”. Foi
assassinado por quatro curraleiros, da parcialidade oposta à fundação
da vila. Correu o sogro da vítima à Bahia — chamava-se Gaspar da
Vide de Alvarenga — e obteve fosse o ajudante João Gomes Barroso
com 25 soldados prender os criminosos — como determinou o
Governador-geral Francisco Barreto.717

Fez-se justiça, mas não inteiramente. Achava-se na Bahia que o


direito estava com os “campistas”:
Eles descobriram ali os campos que ocupava a nação dos goitacases, que eram os mais
bárbaros e formidáveis do Brasil: domesticaram muitos, facilitaram aquele trânsito por terra,
enriqueceram a cidade do Rio de Janeiro com os gados que entre eles se apascentam hoje e
zeram engrossar a fazenda de Vossa Majestade naquela praça.718

Francisco Barreto explicou, em 1658:


As do Cabo Frio (donde também houve uma cidade, que ou pelo clima, ou por outros
acidentes, se não conservou) são hoje da Coroa. E destas dos goitacases foram dando várias
sesmarias Martim de Sá, governador do Rio de Janeiro, e Diogo Luís de Oliveira, sendo-o
deste estado. Naqueles campos há vários currais dos religiosos da Companhia e outros
moradores do Rio de Janeiro: mas a maior parte de Salvador Correia de Sá, e frades Bentos.
A povoação é capaz de ser Vila: e o porto só de patachos, e esses tão pequenos, que hão
mister águas vivas para entrar. Ali foi ouvidor-geral daquela repartição João Velho de
Azevedo, e pelos respeitos que lhe pareceu fez eleição de o ciais da câmara, levantou
pelourinho e nomeou a Povoação Vila. Pouco depois mandou que se não chamasse mais
Vila, nem houvesse o ciais da câmara.719

CAMPOS

Os lhos de Salvador, Martim e João, o primeiro Visconde de Asseca,


alcançaram, em 15 de setembro de 1674, vinte léguas e dez léguas
respectivamente, a título de capitania da Paraíba do Sul, com a
obrigação de formar duas vilas com as suas instalações condignas.720
Em 29 de maio de 1677 foi realmente fundada a Vila de São Salvador
e, a 18 de junho, a de São João da Praia.

É de pouco interesse a história da capitania até 1710.721 Subia a 14 mil


o número de reses, já alguns engenhos moíam, e escravos da África,
importados pelos Sás, davam um alento forte à agricultura das
margens do rio. A vila — que seria cidade de Campos — arrastou-se
por um século com “três casas de telha e cinco de palha, sendo a
cadeia um tronco com um telheiro por cima e a igreja uma capela feita
pelos Irmãos do Santíssimo”.722 Mas oresceram fazendas opulentas —
como a do colégio, que os jesuítas construíram no estilo das “missões”
do Sul, o convento em quadrilátero com a capela, de São Pedro, num
dos ângulos, a modo dos “quadrados”, em que se defendiam, nos seus
acampamentos do sertão, os paulistas descon ados do gentio.

MOTINS DO RIO DE JANEIRO

O eixo da desordem deslocara-se para o Rio de Janeiro — onde a


prosperidade se acentuou, com 150 engenhos de açúcar.723

As alterações que aí sucederam só podiam surpreender os desatentos


ao que se passava nesses domínios de Salvador Correia desde 1640.724
Formara-se, crescente, a oposição aos Sás. Na ausência daquele
governava o primo Tomé Correia de Alvarenga, cujo cunhado, Pedro
de Sousa Pereira,725 era provedor da Fazenda Real, e o irmão, Martim
Correia Vasques, sargento-mor da praça.726 Praticamente a dinastia do
1º Salvador de Sá monopolizava o governo: impopular e poderosa.
Defendera os padres; cobrava os tributos de que se queixavam os
colonos; fazia ouvidos de mercador às reclamações destes, cujo
representante mais considerado era Francisco da Costa Barros,
escrivão em 1633, procurador da cidade junto de D. João iv em 1644,
agora disposto a derrubar a “oligarquia”, como se depreende da carta
que mandou a Francisco Barreto (17 de outubro de 1657) pedindo
desembargador que devassasse as acusações feitas. O governador
respondeu estranhando o tom sibilino (se tinha medo de escrever
claro, que o zesse em cifra) — em 26 de fevereiro seguinte.727 Parece
que foi a sua condenação à morte. Um belo dia, ao entrar em casa,
dispararam-lhe um tiro de espingarda, de que morreu.728 Em 9 de abril
de 59 recomendou Francisco Barreto ao ouvidor da Repartição do Sul:
“Sobre a morte do clérigo natural de Santos, e Francisco da Costa
Barros deve V. M.ce devassar (se o não tiver feito) as justiças para que
conste o nome dos culpados, e se possa proceder contra eles”.729 Não
apareceram. Salvador Correia, de passagem para São Paulo, agravou a
situação com um aumento de taxas, que acabou por desesperar o
comércio. Mas não foi somente o comércio que se rebelou; também a
nobreza dos arredores, indisposta com Tomé Correia, que continuava
a governar. Valeu-se de estar longe o herói de Angola: dezoito dias
depois de sua partida explodiu a revolta, em São Gonçalo, do outro
lado da baía.

Em 8 de novembro (1660) senhores de engenho, soldados e povo


investiram as ruas, a aclamar por governador Agostinho Barbalho
Bezerra,730 jurando morte aos Correias. Esconderam-se estes no
Mosteiro de São Bento. Barbalho quis recusar; coagido, teve de aceitar
o governo; moderou os ânimos, protegeu os primos de Salvador de Sá,
alojando-os nas fortalezas da barra, e, por m, tanto para atender aos
sublevados como para resguardá-los, os embarcou num patacho
destinado à Madeira.731

Francisco Barreto, em carta a esse “governador eleito pelo povo do


Rio de Janeiro” (25 de janeiro de 1661), concitou-o a “sacri car-nos
antes do que faltar à observância” das ordens del-rei.732

Na verdade, aqueles tumultos degeneravam inequivocamente em


revolução.

MULATOS E MAMELUCOS

Como se perdeu a memória dos fatos que zeram Salvador Correia


(no bando que fez apregoar em São Paulo, ao som de caixas, em 1º de
janeiro de 61) usar pela primeira vez o grave nome de “incon dentes”,
para os rebeldes à sua autoridade, é indispensável pormenorizar-lhes o
caráter popular, a arrogância nativista, o espírito agressivo, o alcance
político. Não se pense que foi uma agitação super cial que se extinguia
com a deposição dos Sás. Tomou logo o aspecto de um rompimento
com as leis do reino, pois, não contentes de eleger governador
(Agostinho Barbalho) os insurretos constituíram “forma de
Parlamento” (disse no bando, indignadamente, Salvador Correia) com
quatro pessoas da nobreza, à frente destas Jerônimo Barbalho Bezerra,
e quatro o ciais,733 assumindo essa junta deliberativa a direção da
revolta, enquanto (contaram os o ciais da câmara, em abril) o
“vulgacho”, sem perdoar “igrejas nem ministros eclesiásticos, [...]
descompondo o Prelado e a religião de São Bento e a Companhia”,
sobretudo... “mulatos e mamaluquos” — se descomedia em atrozes
excessos.734 Isso de mamelucos e mulatos, em conjunção com a
nobreza (Governo Aristocrático, indica Salvador no Bando de 1º de
janeiro) atesta a generalização da desordem, que começava pelo
desrespeito às casas religiosas mais ligadas à “oligarquia” (beneditinos
e jesuítas). Ia porém mais longe. Lourenço de Brito Correia escreveu
da Bahia (27 de abril de 61) que... “sendo-lhes necessário para sua
conservação fazerem-se mouros o hão de fazer”; e que se falava de
comunicação deles com Buenos Aires, num possível movimento que
importaria a perda do Rio de Janeiro, entregue a castelhanos!735
Ignora-se onde a realidade dos sentimentos e a intriga se cruzavam
nessa revelação assustada; mas é visível, da alarmada epístola ao rei, a
dimensão perigosa que aparentava o motim, transbordando (como em
1645 o levante pernambucano) de um pronunciamento ocasional, para
tomar a feição de... incon dência. Incon dentes ao Serviço real —
denunciou Salvador Correia.

Também não passou às crônicas (e os documentos informam) o


modo inesperado da sua debelação.

Chegara a armada de Portugal, sob o comando de Manuel Freire de


Andrada. Velejou para o Rio, a proteger a praça. Foi quando Salvador
(conciliados os paulistas), dela se aproximou, desembarcando na Ilha
Grande736 com o reforço de criados e índios das aldeias.737 Os
amotinados opuseram-se à intervenção de Freire de Andrada, pedindo
que deixasse a bordo os homens de armas. Valeu-se porém Salvador da
situação, e de súbito, ao amanhecer com a sua gente tomou sem
alarido os fortes do Castelo e de Santiago, a casa da câmara, onde se
reuniam os sublevados, e os quartéis; e acabou de dominar a cidade
com a infantaria da frota. Sem demora cumpriu a ameaça, que zera
em 1º de janeiro, de castigar de morte os cabeças e deportar os outros,
mandando prender os principais. Não perdoou a Jerônimo Barbalho.
Condenou-o; e ordenou que o degolassem no cadafalso.738 Com o
exemplo dessa cabeça caída (regozijou-se Francisco Barreto)739 — e a
remessa para a Bahia de vários réus — voltou o Rio, oprimido pela
reação implacável, à anterior quietude.

Era tarde, para o poderio irritado de Salvador Correia.

Exterminara a desordem, não as queixas. Além disto, desgostara o rei


essa insurreição que lembrava a Catalunha (na frase de Lourenço de
Brito) e se envenenara de desaforos inesperados. Deu ouvidos à
prudência, enviando governador que o substituísse — Pedro de Melo
— com a recomendação de compor as cousas.740 E retirou o seu favor a
Correia de Sá. Não volveriam ao velho prestígio,741 à iracunda e larga
autoridade neste Rio que fora como seu feudo e província! Salvador
recolheu-se ao reino na frota de 1663 — para não mais tornar ao
Brasil. Chegou a Lisboa em 24 de junho. Comandava a frota — de 85
navios — Francisco Freire de Andrade.
Achou ordem para o levarem preso para a Torre de São Gião, e a mesma esperava também a
Salvador Correia de Sá e Benavides conselheiro dos Conselhos de Guerra e Ultramarino,
para ser levado para a Torre Velha, como ambos o foram, por culpas dizem de se deter no
Brasil a frota que houvera de vir o ano antecedente, e esta carregava mais ao general e a
Salvador Correia, outra que se lhe impunha de permitir subornado a quatro navios
holandeses que fossem ao Rio de Janeiro onde era governador, carregassem ali de açúcares,
vendidas as mercadorias que traziam, e com o retorno se voltassem a Holanda, perdendo el-
rei todos os direitos, e os portugueses os seus interesses: e que por esta causa não tivera a
frota bastante carga para vir para o reino, por não achar saída no Brasil as fazendas que
levara por estar aquele estado provido das que trouxeram os holandeses.742
REINCORPORAÇÃO DO SUL

Salvador Correia não foi mais feliz do que o pai e o avô no


empreendimento das minas que viera administrar. A este respeito
resultou-lhe infrutífera a subida ao planalto. Demitido do governo do
Rio de Janeiro, ressonância, como se disse, das alterações que não
soubera evitar, ao mesmo tempo acabava a separação das três
capitanias. Não houve ato régio que as mandasse reincorporar. O
governador-geral tomou a destituição de Salvador Correia como m
disto. Já em 15 de julho de 1661 lamentara:
Desta última carta de V. S. co com o último desengano de não haver mais minas que as de
que V. S. me dá notícia: porque se as houvera se não esconderiam à diligência, ao zelo e à
despesa com que V. S. se empenhou em seu descobrimento.743

Em 3 de junho de 1662 foi peremptório:


Por haverem expirado, com o governo do Sr. Salvador Correia de Sá e Benavides, todos os
provimentos que fez enquanto durou a separação das capitanias do Sul que teve m com não
surtir efeito o descobrimento das minas, em que ela se fundou: me pareceu prover o cargo de
capitão-mor dessa do Espírito Santo na pessoa de Joseph Rebelo Leite.744

Avisou também a Pedro de Melo que devia propor-lhe as nomeações


militares, que assinaria... Exatamente como zera com André Vidal —
numa de nição de sua autoridade superior.745

VICE-REI

Para substituir a Francisco Barreto746 — ansioso por voltar à pátria,


que deixara em 1648 — foi nomeado o Conde de Óbidos.747 Trazia
título novo: vice-rei do Brasil (a modo do Marquês de Montalvão em
1640), igual ao que tivera na Índia.

Nomeação e elevação explicam-se — segundo um cronista — pelos


serviços prestados a D. Afonso vi no ato de tomar o poder à rainha
regente D. Luísa.

Ó
Quarta-feira 28 de junho se declarou a eleição do Conde de Óbidos, D. Vasco Mascarenhas,
nomeado vizo-rei do Estado do Brasil e deu-se-lhe o tal governo com este título
contentando-se ele no tempo que a rainha regia só com o de governador como tiveram todos
os seus antecessores naquela conquista. Parece que lhe satis zeram o ser lançado da Índia
onde estava sendo vizo-rei. Antes de entrar el-rei no governo o favorecia muito (por ser seu
gentil-homem da câmara) na pretensão. Agora lho despachou com maiores vantagens.748

Tinha outro fundamento: a de nitiva uni cação administrativa.

Em 21 de julho de 1663 o Conde de Óbidos declarou:


Porquanto com a separação das capitanias do Sul concedida a Salvador Correia de Sá e
Benavides, e intento que alguns governadores de Pernambuco tiveram de subordinar a sua
obediência às do Norte interpretando muito como não deviam as suas patentes, se relaxaram
e perverteram as ordens que os capitães-generais meus antecessores mandaram a umas e
outras capitanias [...] convém que antes de outra disposição me sejam presentes todos os
postos, cargos, ofícios, e mais ocupações políticas e militares que há em todo o Brasil.749

Ato contínuo, expediu o Regimento que deviam seguir os capitães-


mores das diversas capitanias do Brasil (com a rea rmação de que,
independentes umas das outras, “são imediatas e sujeitas a este geral:
por cujo respeito só dele [governo] há de aceitar o capitão-mor as
ordens”).750

Formava o primeiro código, ou esboço de constituição dos poderes


regionais, dando-lhes uniformidade, método e hierarquia. Intervinha
nos assuntos municipais, para corrigir os abusos: e estranhou que a
Câmara de Olinda “dá na sua conta 2 mil cruzados em festas cada ano
(não tendo a desta cidade mais que 80$000 para a da aclamação por
provisão real) e 150$000 cada mês ao Hospital, [...] modo confuso de
se desbaratar a Fazenda Real e do povo”...751

Inspirou-se talvez na opinião do Padre Vieira, sobre a conveniência


de desenvolver no Brasil as culturas que faziam a riqueza das Índias do
Oriente e de Castela: e teve pressa em propagá-las na Bahia. Começou
pelo cacau.

“Dizem-me” — escreveu a D. Fradique da Câmara, governador do


Maranhão, em 22 de abril de 1665 —
que há nesse estado cacau, e que facilmente poderá vir ao Ceará, e do Ceará a Pernambuco,
em forma que se possa plantar ou semear nesta terra, donde parece se dará tão bem como
nessa [...]. Como natural quase que sou do Brasil, lhe desejara deixar em todo caso este
princípio de nova felicidade sua.752

CONSPIRAÇÃO OBSCURA

Os acontecimentos do reino impressionavam a este tempo os mais


prestantes moradores da Bahia. Houve uma tentativa de rebelião
coincidente com as exéquias da Rainha de Portugal, D. Luísa de
Guzmán — em 29 de maio de 1666. A viúva de D. João iv terminara os
seus dias no convento das carmelitas, a que se acolhera quando o lho
Afonso vi — ajudado do mesmo Conde de Óbidos — tomara
violentamente o poder. Metera-se num silêncio compungido e numa
dor sem testemunhas, e morrera, abençoada de longe pelos bons
servidores de Portugal cuja independência tanto lhe devia. No Brasil
eram muitos os veteranos de 1640, indignados com o que sucedera em
Lisboa e porventura esperançosos (como o Padre Antônio Vieira) de
melhores tempos, com a elevação ao trono do Infante D. Pedro, capaz
e forte. Na mesma data das exéquias baixou o vice-rei uma portaria:
Porquanto estando hoje na Santa Sé desta cidade para se celebrarem as exéquias da
Sereníssima Rainha Nossa Senhora (que está no Céu) houve uma revolução; e convém
averiguar-se quem foram os culpados para se proceder contra eles. Ordeno ao Doutor
Afonso Soares da Afonseca, ouvidor-geral do cível deste Estado, que tire logo uma
informação jurídica do caso: e tudo o que obrar me dará conta para o ter entendido.753

Sete culpados pelo menos apareceram: o chanceler da Relação Dr.


Jorge Seco de Macedo, o velho Coronel Lourenço de Brito Correia754 e
seu lho Lourenço de Brito Figueiredo, os capitães Francisco Teles de
Meneses, Antônio de Queirós Cerqueira e Paulo de Azevedo
Coutinho, e o secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco.755

Não se sabe se a agitação foi um protesto — contra o homem que


fazia grande cerimonial em homenagem à rainha que auxiliara a depor
— ou mais extenso movimento.756 O delator, Capitão Damião Lençóis
de Andrade, do terço do Mestre-de-campo Álvaro de Azevedo (que
não seria estranho à intriga), teve de prêmio a patente de sargento-mor
e a transferência para a metrópole.757 Dois anos depois — com a queda
de Afonso vi e a ascensão do Príncipe D. Pedro — ganhou Lourenço
de Brito a provedoria da Fazenda (1º de março de 1668).758

Sobreveio a epidemia das bexigas que de Pernambuco se alastrou


então até o Rio de Janeiro. Faltam cálculos aceitáveis da mortandade
que fez. Foi a primeira moléstia contagiosa que infestou estas terras
onde não se estranhava a longevidade, de indígenas e forasteiros.759
Pretende Rocha Pita que a lavoura quase se aniquilou, com a perda de
tantos braços.

ALEXANDRE DE SOUSA FREIRE

Ao Conde de Óbidos sucedeu Alexandre de Sousa Freire, que se


empossou em 13 de junho de 1667 e completou um quatriênio (até 8
de maio de 71).760 Não fez governo notável; e se nele se retardou a
razão foi deplorável: o naufrágio em que morreu o General Francisco
Correia da Silva que, em princípios de 1669, devera substituí-lo.761

Delicado era o momento internacional. Luís xiv intentava a conquista


de províncias holandesas (reivindicando o que dizia ser a herança de
sua mulher, lha de Filipe iv); a Inglaterra pronti cava-se a unir as
suas forças com as de Holanda, para combater a França, e Portugal
tinha pressa em ultimar as pazes com Espanha, que a nal, por
mediação inglesa, se celebraram honrosamente na própria Lisboa.762
Foi quando se falou de uma esquadra holandesa que viria atacar a
Bahia. Alexandre de Sousa Freire convocou os moradores aptos para o
serviço das armas e criou quatro regimentos de ordenanças, em cujas
coronelias proveu Ascenso Silva (capital e arrabaldes), Baltasar dos
Reis Barrenho (Rio Vermelho até Itapicuru), Lourenço Barbosa da
Franca (Passé, Matuim, até Pirajá), Francisco Gil de Araújo (Saubara,
Patatiba, Sergipe do Conde, Monte, Socorro).763

Os estrangeiros não apareceram. Problema urgente, que desviou deles


a atenção do governador, foi — próximo e grave — o do gentio
rebelde. O descuido dos antecessores, esquecidos de reprimi-los,
redobrara-lhes a insolência. Como que o insucesso dos paulistas ao
tempo de Barreto os incitara para maiores tropelias. Deram
simultaneamente em Ilhéus e Cairu, roubando e trucidando os
moradores que não puderam fugir para as vilas; invadiram o distrito
de Jequiriçá, e os campos de Cachoeira,764 queimaram os currais de
João Peixoto Viegas em Itapororocas, e, numa sortida em Cairu,
“mataram o alferes, cinco soldados e alguns moradores que com eles se
puseram em defensa”.765 Parecia uma insurreição de grandes
proporções — combinada ademais com os surtos de tapuias ferozes no
São Francisco, e nas outras “fronteiras” da colonização.

Convocou o governador junta geral, em 4 de março de 1669, e se


assentou a “guerra justa”, que seria feita sem desfalecimentos àqueles
bárbaros. Começou mal. Disse que mandara oitenta homens para a
região do Sul; todavia o Capitão Manuel Barbosa de Mesquita766 —
teve à sua disposição em Cairu apenas sete soldados na mais furiosa
arremetida que os tapuias lá zeram. Aconteceu no dia da festa anual
— Nossa Senhora do Rosário — quando os habitantes, o capitão e os
soldados estavam na Matriz. Em tropel, a tapuiada invadiu o povoado
e cercou a igreja. Os éis acharam prudente fechar-lhe as portas. Mas o
capitão, impetuosamente, seguido de alguns, se atirou ao inimigo,
disparando as suas pistolas, e de espada e rodela os atacou, até cair
morto, varado pelas echas, com dois soldados. Essa morte heróica
salvou a vila, pois os bárbaros, atemorizados, se retiraram, e os
moradores trataram de prevenir-se contra outras acometidas. O
próprio governador-geral foi a Cairu, a observar essa inquietação.767

O jeito era apelar-se de novo para o concurso paulista.

Em 20 de maio de 1670 perante a Câmara de São Paulo compareceu


Estêvão Ribeiro Baião Parente, antigo vereador e sertanista de nome,768
declarando aceitar a che a da expedição. Esta foi por mar à Bahia,
retardando-se o barco de Estêvão Baião, a ponto de o julgarem
perdido, na cidade, onde se apresentara o seu Sargento-mor Brás
Rodrigues de Arzão (companheiro de Barbosa Calheiros em 1658)
com a maioria dos sertanistas. Havia urgência na campanha e por isso
(em 18 de julho de 1671) foi nomeado capitão-mor — na ausência do
primeiro — para iniciá-la sem demora. Levava Brás Rodrigues
famosos cabos como João Amaro Maciel Parente ( lho de Estêvão),
Manuel Vieira Sarmento, e índios das fazendas de Fernão Dias Pais:769
tiveram por guia experientes soldados da terra como o Capitão
Manuel de Hinojosa.770

A luta divide-se em dois períodos: o primeiro, a punição do gentio


rebelado; o outro, a entrada pelos campos do Aporá até as matas do
Orobó e a região dos maracás.

Estêvão Ribeiro Baião Parente chegou à Bahia quando o seu imediato


já se achava “nos campos do Aporá, [...] com mais de 400 pessoas”,771
“entre brancos e índios, parte dos conquistadores de São Paulo, [...] e
parte que lhes uni da Bahia”. Lá se juntaram e foi terrível a batida:
assim também ao sul. Não cou nos sertões de Ilhéus ou do
Paraguaçu, donde desciam para Cairu, agrupamento indígena hostil
ou suspicaz.772 Recolheram-se os paulistas à cidade com centenas de
prisioneiros aí “vendidos por tão inferior preço que os de melhor
feição não passavam de 20 cruzados”.773 A sua ação acolá era de
represália, portanto mais cruel. Pelo Paraguaçu acima já se tratava de
conquista, com lisonjeiras promessas de terras pastoris, escravaria e
outros benefícios.

AFONSO FURTADO

Governava então o Brasil Afonso Furtado de Castro do Rio de


Mendonça, Visconde de Barbacena, que fora mestre-de-campo-
general da Beira: chegara a 8 de maio de 1671.774 Não se parecia com o
antecessor.775 Era animoso, persistente, autoritário; e lhe sobrava
imaginação. Não deixou que perdessem tempo na cidade os paulistas.
Teve o bom senso de organizar, antes da guerra, o abastecimento que a
mantivesse. Mandou que os moradores de Cachoeira e adjacentes lhes
prestassem auxílio de gente e alimentos e, a trinta léguas daquele
porto, fez levantar uma casa-forte para armazém das farinhas, de que
se valeria a tropa. Aconselhou o mesmo sistema para a conquista dos
Palmares: “Por este meio, ainda que custoso, se perpetuou o concurso
das farinhas, e com elas a guerra, de maneira que os bárbaros caram
destruídos”.776 Gaspar Rodrigues Adorno e João Peixoto Viegas — com
os paiaiases aldeados além do Aporá — receberam ordem para seguir
os paulistas. Em carta de 6 de fevereiro de 72 informava o governador
já estarem todos naqueles campos.777 Era “a segunda tomada a que
agora mandava os paulistas. [...] Destruíram as nações dos tapuias,
bandaios e maracás”.

É provável que Estêvão Parente zesse centro de suas operações a


casa-forte da ponta do Gurguéia (reconstrução talvez do primitivo
acampamento de Gabriel Soares)778 e batesse o gentio em várias
direções, limpando a terra “infestada de maracases” até “a Serra do
Orobó”.779 O governador da Conquista voltou à Bahia triunfante, em
1ºde fevereiro de 1673: trazia 750 prisioneiros. “Haviam sido 1.500; o
resto morrera pelo caminho de uma quase peste”, escrevia a 9 de
fevereiro o visconde ao capitão-mor de Sergipe João de Munhoz.
Extintas cavam as aldeias principais dos bárbaros que tanto haviam
atemorizado os moradores do Recôncavo.780 Outras três aldeias de
maracas tomou o paulista, com 1.100 cativos, no mês de julho —
enquanto Brás Rodrigues de Arzão prosseguia noutros sítios a mesma
guerra.781 Aberta a estrada de carros de Cachoeira ao Aporá, Estêvão
Baião fundou a Vila de Santo Antônio da Conquista782 como seu ponto
extremo e o governador-geral deu a campanha por concluída nessa
fronteira. Iludia-se... Os índios voltaram três anos depois.

Mas a temporada das expedições descobridoras prometia admiráveis


sucessos: a Casa da Torre tomou a si o São Francisco.

XVIII: C 


CREDULIDADE

O Governador Afonso Furtado teve o mérito de sua obsessão, que era


achar as minas que transformariam o Brasil de colônia de povoamento
em novo Potosi.

Não limitou o otimismo a uma certa região. Pagou o seu tributo às


lendas velhas mandando ver a prata do Muribeca, baldadamente
rastreada por três gerações. Mas acreditou nas possibilidades do Norte,
do centro, do Sul do país, do litoral e do sertão, de todos os seus
climas; e deu a tais descobrimentos um entusiasmo às vezes pueril. A
credulidade perdeu-o...

MINAS FABULOSAS

Começou pelo Vale do São Francisco. Diziam-lhe haver ouro na Serra


do Picaraçá, além do salitre que convinha arrecadar à beira do caudal
cujas origens talvez estivessem no Peru...783 Nas incertezas da
geogra a, ou na facilidade com que admitia as histórias do “Dorado”,
corriam outros estímulos para uma ação vasta, em busca das
encantadas paragens. Foram explorar as jazidas do Picaraçá (e as
nitreiras) João de Castro Fragoso e Manuel da Silva Pacheco (carta de
1º de agosto de 1671). Porque se demorassem, José de Barros lhes saiu
ao encontro (carta de 20 de janeiro de 72). Escreveu em seguida o
governador a Antônio Correia de Morais (17 de janeiro de 72) para
que investigasse as minas que um homem da casa do Padre Antônio
Pereira descobrira no Sento-Sé.784

Em 3 de junho do ano anterior contava o governador-geral ao de


Pernambuco, o
excesso que o Padre Antônio Pereira tivera com Bento Surrel tomando-lhe as amostras de
salitre que havia descoberto, desprezando as ordens que levava, havendo passado do reino a
este Estado só àquela diligência por ordem de Sua Alteza.785

A patente dada ao Capitão Bento Surrel (5 de abril de 72) para o


“descobrimento das minas do São Francisco”, voltando com ele Manuel
da Silva Pacheco,786 liga-se tanto ao caso do “homem do Padre Pereira”,
que atualizara a lenda da prata de Belchior Dias, cujo segredo possuía
a Casa da Torre, como à investigação do salitre.

Foram baldadas as pesquisas de prata apesar dos velhos mamelucos e


vaqueiros que guiaram os sertanistas entre Sergipe, Itiúba, Jacobina e o
Rio Salitre.787 Descobriram-se, isto sim, ametistas e muito cristal de
rocha que, embora sem valor comercial, teve grande consumo na
Bahia (segundo Rocha Pita) para pequenos presentes e enfeite das
casas.

A CASA DA TORRE

O fracasso da “prata” pouco valia em face de tais alvíssaras: o interesse


pelas “entradas”, a todo custo, repelindo a indiada e xando, ao longo
de caminhos de nitivos, núcleos estáveis de povoamento.

Francisco Dias de Ávila, sucessor do Padre Antônio Pereira e senhor


da Torre, teve o encargo, em fevereiro de 73, de remover os índios
“reduzidos” para as aldeias que se lhes destinara.

Resolveu, em complemento à ordem, entrar o nordeste, indo


surpreender, entre Sento-Sé e o Rio Verde, a agitação de “gurguéias”,
“guaisquais”, “galaches”, que tomara o aspecto duma revolta geral — de
tapuias.788 Na aparência o objetivo da “bandeira” era o castigo dessas
tribos. Mas o salitre e as minas lendárias continuavam a preocupar o
governador. Devia con rmar ou desmentir o que delas se dizia. Fez
mais: descobriu um amplo sertão entre o baixo São Francisco, o Piauí,
o Maranhão...

DESCOBRIMENTO DO PIAUÍ

Aquelas terras não eram estranhas aos sertanistas baianos.


Por lá andara Francisco Dias d’Ávila com o tio Padre Antônio Pereira.
De 1651 foi a sesmaria que tiveram o padre e Garcia d’Ávila, “desde a
primeira cachoeira que o Rio de São Francisco faz indo por ele acima
até a última aldeia dos cariguaçus”, onde viviam os “rodelas”.789 Em
1659 vários moradores da Bahia obtinham sesmarias no Pajeú.790
Distinguira-se Domingos Rodrigues de Carvalho — antes de 1669 —
pelas relações “com os ‘rodelas’, ‘tamaquins’ e outras tribos do São
Francisco”, como se vê de sua patente de capitão da ordenança do
distrito da Torre.791 Os “caiapós” estavam de pazes com os brancos,
tanto que se passara patente de alferes ao principal deles, Pedro de
Barros.792 E um português de Mafra, Domingos Afonso Sertão, se
estabelecera quarenta léguas acima de Juazeiro, na fazenda do
“Sobrado”. Grande criador, ambicionava para os seus rebanhos novas e
extensas terras.

Francisco Dias d’Ávila combinou com esses pioneiros a entrada que


fosse também guerra de extermínio aos tapuias. Ficaram Domingos
Afonso e Francisco Rodrigues de Carvalho com o comando, cada um,
de metade da força (patentes de 9 de julho e 28 de agosto de 1674),
cuja che a assumiu Ávila, ajudado (no posto de sargento-mor) por
Domingos Rodrigues de Carvalho (patente de 5 de junho de 74).
Compunha-se a expedição de cem brancos, armados à custa do senhor
da Torre, e um corpo de “rodelas” (cariris) com o seu Capitão
Francisco (patente de 24 de agosto). Investiram pela margem direita
do São Francisco. O sargento-mor destroçou logo uma frota de 60
canoas e 400 índios. Deixou para trás o Rio Verde, e, já por terreno
virgem, alcançou, em fatigantes jornadas, os campos do Piauí —
prêmio e objetivo da arrancada.

Os “gurguéias” foram lançados sobre o baixo Piauí. O “gentio de


corso” refugiou-se no litoral. Tiveram os acroás de correr para o Oeste.
Francisco Dias d’Ávila podia gabar-se, um ano depois, de ter paci cado
o médio São Francisco e os sertões que separam do Ceará o Maranhão.
Foi, em conseqüência, nomeado coronel das companhias de
ordenanças (24 de dezembro de 75).793 Tão vasta era a região
conquistada que se achou prudente dividi-la, em Companhia do Rio
de São Francisco (o Canindé por linha divisória),794 e de Jacobina–Rio
Verde,795 dependentes do senhor da Torre; e a “do sertão do São
Francisco nas cabeceiras do Maranhão e Rio de Parnaguá” que se
concedeu ao paulista Francisco Dias de Siqueira, paci cador “das
nações Guacupê e Ananás”.796 A terra entre o Gurguéia e o Vale do
Parnaíba coube à Casa da Torre (sesmaria dada pelo governador de
Pernambuco, em 12 de outubro de 76), a Domingos Afonso Sertão797 e
outros sertanistas. A que seria capitania do Piauí recortava-se agora,
na vastidão da “terra ignota”. Criou Domingos Afonso “a povoação de
Mocha, depois ligada ao núcleo de Cabrobó (antigo Quebrobó), do
qual só em 1696 se desligou para formar freguesia independente”.798
Por aí entrou a colonização, de sul a norte, guiando-se pelos roteiros
do gado — sua riqueza originária, única799 — sem interesse pela orla
marítima, distante e deserta. No mapa do Piauí retrata-se essa
formação (para um litoral de 85 quilômetros, há 900 de Norte a Sul). O
sertanista achou-lhe as vastas pastagens e a sua história, dois séculos,
foi a de um pastoreio solicitado pelos grandes mercados da Bahia, de
Pernambuco e das Minas Gerais.

MISSÕES DO SÃO FRANCISCO

Por esse tempo a colonização ganhou o Vale do São Francisco e


embargou a ferocidade das “bandeiras”.

Os capuchinhos franceses, vindos de Pernambuco, tiveram-lhe a


iniciativa, antecipando-se aos jesuítas.

Os frades Anastácio d’Audierne, Francisco Donfronte e Martim de


Nantes estabeleceram-se ( ns de 1671) nas ilhas de Pambu e Aracapá,
acima das aldeias dos rodelas, e por terras convizinhas dos
“aramurus”.800 Cuidaram de excluir os “aldeados” da sorte dos outros
tapuias e reclamaram repetidamente contra as atrocidades dos
sertanistas.

Deveras a guerra não terminara.


No Pajeú, em fevereiro de 76, Domingos Rodrigues de Carvalho, com
duas companhias e 130 índios, repelira um assalto em regra: tivera o
socorro do próprio Padre Martim de Nantes, com gente e
mantimentos.801 Perseguiram em seguida os rebeldes, para além do
Salitre. Renderam-se seiscentos (a força de Domingos Rodrigues
constava de sessenta escopeteiros). Consta que quatrocentos foram
degolados.802 Mas Francisco Dias de Ávila não contentou com o
território tomado. Procurou desalojar de suas missões os frades, ora
tirando-lhes os catecúmenos, ora soltando em suas roças cavalhada e
gado. Com energia indomável resistiu-lhe o Padre Martim de Nantes,
que a pé fez a viagem até a Bahia e obteve do governador-geral (Roque
da Costa Barreto) as providências apaziguadoras que requereu.

Os capuchinhos não deram tréguas aos grão-senhores. Continuaram


a defender as suas capelas e os índios mansos. Frei Audierne levou em
1680 a sua queixa ao Conselho Ultramarino, que mandou devassar a
respeito.803 Resultado de nitivo da pendência foi a carta régia de 16 de
fevereiro de 1698 — que quis dar ordem e polícia ao extenso sertão
recém-descoberto:
Havendo mandado ver o que se me representou em uma consulta da Junta das Missões sobre
o remédio temporal que se deve dar no sertão dos Rodelas e suas povoações, para se
evitarem repetidos crimes e atrozes casos que ali sucedem, que ordinariamente cam
impunes, assim por se não ter notícia deles pela distância em que são cometidos, como por
não haver modo de justiça naquelas partes me pareceu dizer-vos que sendo estes distritos da
jurisdição desse governo da Bahia, ordeneis que de cinco em cinco léguas haja um juiz
ordinário com a jurisdição de tirar devassas, tomar denunciações e querelas nos delitos que
aí se zerem e remetê-las por treslados ao ouvidor da comarca dessa cidade, para se proceder
nesta matéria como for de justiça. Escrita em Lisboa, a 16 de fevereiro de 1698. Rei.804

PENETRAÇÃO

Os paulistas continuaram à disposição do governo-geral. A um deles,


Domingos de Freitas de Azevedo, que passara de São Paulo ao São
Francisco pelo sertão e lá fora desbaratado, se deu patente “de capitão-
mor do descobrimento do Rio Paraguaçu”, pois a rmara distarem as
nascentes deste rio sessenta léguas de Itaporocas.805 Então de novo se
sublevaram os tapuios (1677). O Capitão-mor Agostinho Pereira
Bacelar, enviado à aldeia de Natuba, dos jesuítas, “a reconduzir os
índios que eram necessários para a jornada do sertão a que enviamos o
governador da Conquista Estêvão Ribeiro Baião Parente” — foi morto
“às frechadas atrozmente”: Domingos Rodrigues de Carvalho teve de
levar pronto e exemplar castigo às aldeias “do Itapicuru-Mirim,
Massacará e Natuba”.806

Estêvão Baião — em 1675 — recebeu comissão mais importante: era


quando grandes esperanças se ligavam à entrada de Fernão Dias Pais
em busca do Sabarabuçu.

João Amaro informa-nos: indo então


por ordem do mesmo governador à Vila de Porto Seguro 50 léguas pelo sertão dentro a
descobrir a serra das esmeraldas e fazendo a dita jornada foi cercado de bárbaros 22 dias de
maneira que não se podendo defender de mais de 1.500 arcos se retirou por correr muito
risco sua vida, padecendo muitas fomes e sedes e trabalhos.807

D. RODRIGO DE CASTELO BRANCO

Em Portugal percebera-se que era chegado o momento das intensivas


explorações das minas que, um pouco por toda parte, se anunciavam
no Brasil.

Não quis o príncipe repetir o erro de separar do Norte as capitanias


do Sul: seguiu o alvitre de Francisco de Brito Freire, mandando um
administrador-geral que visse as minas de Itabaiana. Foi D. Rodrigo de
Castelo Branco, “única pessoa” que se achou no reino em que
concorressem as qualidades necessárias para se ar dela “negócio de
tanta importância”, como se explicara da corte a Afonso Furtado e este
ao capitão-mor de Sergipe (17 de março de 1674).808

“Foi Deus servido trazer a ele D. Rodrigo de Castelo Branco que


havia muitos anos assistia nas minas do Peru e delas tem toda a
inteligência [...] pessoa única que do Peru veio ao reino”.809 Mas “ainda
que tivera engenho nas Índias nem por isso era descobridor de minas,
penetrador de betas, nem temperador de prata”, declarou quem o
conheceu, Antônio Pais de Sande.810 Pedro Taques viu-o “fazer
diferentes ensaios em várias pedras que tirou da Serra de Tabaiana”, e
“dos ditos ensaios tirou prata que mostrava bastante entendimento” —
para con rmar a autoridade que lhe atribuíam.

Eram seus companheiros o Capitão Jorge Soares de Macedo, seu


primo-irmão, que devia fazer a “forti cação no sítio das Minas,
desenhando-a por sua experiência”, portanto com as honras de
engenheiro;811 João Vieira de Morais, provido na capitania de Sergipe,
Bento Surrel, Sebastião Lopes Grandio e Manuel Gomes Cardoso. A
presença de Bento Surrel na comitiva do administrador mostra que a
sua tarefa se ligava às anteriores pesquisas, em que lhe aparece o
nome.812

Dois anos, porém, baldadamente D. Rodrigo bateu os sertões entre os


rios Real e São Francisco, à procura de prata que lá não havia. Gorou-
se-lhe o trabalho, como sucedera aos outros investigadores do roteiro
de Belchior Dias Moréia...

Jorge Soares de Macedo passou-se ao reino em meado de 1676, “para


dar a Sua Alteza a certeza das Minas”. Daí a patente de 29 de novembro
de 1677 para que fosse D. Rodrigo exercer na “Repartição do Sul como
administrador”, em Paranaguá ou Sabarabuçu, as atividades que não
mais deviam repetir-se no Nordeste.813

Informou Pedro Barbosa Leal (em 1725): da Bahia se transferiu para


São Paulo, “ambicioso então das notícias que corriam das esmeraldas,
do ouro e da prata de Sabarabuçu, onde o mataram, deixando na Bahia
o Tenente-coronel Jorge Soares de Macedo, seu cunhado, para ir
examinar as minas de Jacobina”.

As bandeiras do planalto enchiam então com os ruídos de suas armas


as fronteiras remotas — que se deslocavam com elas, sempre para
além...
XIX: B  

OUTROS TEMPOS

As incursões dos paulistas na zona jesuítica do Sul e do Sudoeste


esperaram sete anos — após a derrota de 1641 — para reproduzir as
façanhas que tanto atemorizavam missionários e catecúmenos.
Complicavam-se com uma intenção política que não estivera nos
cálculos dos sertanistas — instintivos e rebeldes — da fase anterior.
Em 1629, em 33 e 38, unidas as coroas, os paulistas que destruíam as
“missões” eram apenas corsários do sertão sem lei e sem fé, como
diziam os padres: fugiam ao castigo, afrontavam-no, faziam a “Rochela
da América”, na frase de Brito Freire. Esse estilo ilícito de conquista
atormentara o governo hispano-luso e zombara, até aí, de ameaças e
proibições. Mas a guerra subseqüente à Restauração mudara a
sionomia das cousas. De Madri veio ordem para interromper-se o
comércio entre o Rio da Prata e o Brasil. Sentiram os mamelucos
chegada a oportunidade de corridas mais extensas: e pensaram no
Paraguai, nos Andes, no Peru, donde recebiam notícias freqüentes dos
cristãos-novos portugueses que, através de Córdoba e de Buenos Aires,
nunca deixaram de negociar com os de São Vicente, do Rio de Janeiro
e da Bahia.

COMÉRCIO DE BUENOS AIRES

É preciso notar a importância daquele comércio suspenso em 1641.

Até essa data tinham sido íntimas e vantajosas as relações entre as


praças brasileiras e Buenos Aires. Corria-lhes o comércio, aliás, por
conta dos portugueses que às centenas se tinham instalado na foz do
Prata.814 Entre estes destaca-se — em 1607–12 — Melchior Maciel, que
fez várias viagens redondas, levando para a Bahia farinhas e couros
(além da prata peruana que naturalmente não aparece nos papéis
aduaneiros) e voltando com açúcares e escravos africanos.815 Mandara
Diogo Botelho, em 1602, “se não tomasse dinheiro a mercador nem a
peruleiro e homens que vinham da Índia e do Peru”816 — sinal de que
eram muitos. “Soma grande de patacas de quatro e oito reales, e assim
prata lavrada” transportavam, de Buenos Aires, muitos peruleiros,
escreveu em 1618 o autor dos Diálogos das grandezas.817 Não admira a
quantidade de prata amoedada que na Bahia achou, em 1610, François
Pyrard.818 A “principal cópia de moeda do Brasil”, informou o
governador-geral em 1652, “é da fábrica antiga do Peru, donde veio
quando os navios desta Coroa tinham o comércio do Rio da Prata”.819

A baixa da moeda (1642) com as di culdades da Restauração deu


novo interesse ao contrabando de Potosi, por intermédio do Prata, até
do Amazonas. Divergiram a esse tempo os dois governos: o de Lisboa
quis que os súditos americanos não acompanhassem as metrópoles, na
sua luta. Guardariam uma paz lucrativa. O de Espanha tratou de
impedir o comércio que lhe afetava os monopólios e abria os rumos da
cordilheira ao adversário esperto.

Com efeito, expediu D. João iv, em 1642, duas ordens a Antônio Teles
da Silva: “Uma para se abster de todo ato de hostilidade contra os
castelhanos do Rio da Prata, e outra para procurar a introdução de seu
comércio”.820 Para cumpri-las saiu da Bahia o navio de Davi Ventura,
para Buenos Aires: “Não logrou a jornada”. Os alvarás de 18 de março
e 14 de abril de 1646 reforçaram a autorização, ampliada aos navios
espanhóis que quisessem ir à África Portuguesa, em busca de escravos.
Valeu-se dela Domingos Vieira Veijão: foi de Angola ao Prata, daí ao
Brasil, em 1656;821 exultou o governador-geral com a esperança “de se
encher por aquela via Brasil e Portugal de prata”. Em 1659 surgiu na
Bahia o castelhano João Tomás Brum, a pedir licença para o mesmo
trá co.822 A Portugal importava o a uxo da moeda de que carecia. O
governo de Madri não voltou atrás: insistiu na sua negativa. Os
colonos, irritados, apelaram para a violência. Já em 1643 (21 de
outubro), lembrava Salvador Correia de Sá a conveniência, para
segurar tal negócio, de “construir um forte próximo a Buenos Aires, na
Chácara da Catalina, a cavaleiro do riachuelo e da cidade”.823 O Padre
Antônio Vieira, mais franco:
Também se pode intentar a conquista do Rio da Prata, de que antigamente recebíamos tão
consideráveis proveitos pelo comércio, e se podem conseguir ainda maiores, se ajudados dos
de São Paulo marcharmos (como é muito fácil) pela terra dentro, e conquistarmos algumas
cidades sem defensa, e as minas de que elas e Espanha se enriquecem, cuja prata por aquele
caminho se pode trazer com muito menores despesas. [...] e para ver se este comércio se
pode renovar, uma das ordens que levou Salvador Correia, foi tomar aquele porto.824

A ocupação far-se-ia, não de Buenos Aires, porém da margem


esquerda do Prata — trinta anos depois.

O ciclo da “Colônia do Sacramento” antecipava-se na trama e na


decepção dos mercadores.

Os jesuítas das “missões” do Paraguai acusaram com energia: os


mamelucos não caçavam somente os índios batizados, contra as
prescrições da Igreja; experimentavam os caminhos do Peru — como
inimigos rapaces.

RAPOSO TAVARES

Reaparece Antônio Raposo Tavares em 1648.825

O cabo da razzia de 1629 não mais procura os campos do Sul — a


terra dos tapes e o Uruguai. Vai direto ao Rio Paraná, visando às
reduções de Mboimboi e Maracaju de modo a sair no Paraguai e talvez
“conquistar estas terras e fazer caminho para o Peru” (avisara o Padre
Barnabé Bonilha ao governador de Assunção). Os seus principais
auxiliares eram André Fernandes,826 Antônio Pereira de Azevedo,
experimentado cabo das lutas contra os holandeses, Gaspar Vaz
Madeira: compunha-se a bandeira de 200 brancos e mamelucos (180
armas de fogo, disse o Padre Mansilla) e mais de mil índios. O ataque
dirigiu-se ao Itatim. Em Mboimboi o Padre Cristóvão de Arenas, que
lhe resistiu, foi aprisionado, em seguida libertado por um troço de
guaranis, ocasião em que morreu o Padre Árias.827 Os paulistas
devastaram as aldeias ao longo do vale, como Teracani, Maracaju,
Bolaños, Xerez: e forçaram missionários e catecúmenos a um “êxodo
igual ao de Guairá e do Tape”. A reação, porém, não demorou. Tendo
contra si forças regulares, Raposo Tavares mudou inesperadamente de
rumo, e empreendeu a viagem mais extensa de que há memória nos
anais desse sertanismo: subiu o Paraguai, alcançou o Guaporé, divagou
pela região ignota de Mato Grosso convizinha dos Andes, e desceu em
canoas (“como dos argonautas contam as fábulas”) o Rio Amazonas,
quando já não havia esperanças do seu regresso.828

Em 1651 quatro colunas de paulistas desenvolveram o ataque ao


Itatim e às reduções do Uruguai, de Itapua, no Paraná, a Santo Tomé:
comandava-as Domingos Barbosa (Calheiros), tendo por tenentes
Brás de Arzão, Francisco Ribeiro... Fracassou a investida. O índio
Inácio Abiaru derrotou o cabo da bandeira em Pinhais de Santa
Teresa, arrebatando-lhe a munição e um estandarte com a efígie de
Santo Antônio.

Um tupi aprisionado confessou, que o intento era Buenos Aires,


tomando o gentio aos padres e cando “señores de la tierra toda”. O
governador do Paraguai expediu em socorro daqueles os soldados que
pôde juntar. Desencorajados pela resistência e prevendo combates
mais duros, os agressores bateram em retirada. Graças a isto a série de
aldeias dos dois vales, do Paraná e do Uruguai, e os agrupamentos da
região do Itatim, volveram à tranqüilidade antiga.

VACARIA

Sucessivas expedições asseguraram o domínio português na região da


Vacaria, e por vezes puseram em perigo a própria cidade de Assunção
do Paraguai.

A designação genérica — Vacaria — ligava-se aos campos do Rio


Grande entre a serra e os Tapes, cujo roteiro não era mais segredo em
São Paulo. Partia-se de Sorocaba. De São Miguel do Paranapanema se
seguia para as ruínas de São Xavier e Santo Inácio, donde se navegava
— em vinte dias de percurso — para o Rio Paraná. Descia-se este até o
Ivinheima. Remontava-se o Ivinheima e, nas vertentes, varadas as
canoas, os sertanistas rompiam por terra, à procura dos gados bravos
ou “cimarrões”, espalhados, aos milhares, pelas planuras: Vacaria. Em
1694 diria D. Francisco Naper de Lencastro que era inesgotável, essa
reserva de gados, e, com apenas dez cavalos, recolhera 700 reses...829
No século imediato o itinerário uvial seria abandonado graças à
abertura do caminho que une o Rio Pelotas aos “campos gerais”
(caminho de tropas, cujos acampamentos se transformaram em
cidades) indo terminar em Sorocaba, principal feira de muares do
Brasil durante duzentos anos... O vazio produzido por essas incursões
devia preencher-se com a colonização efetiva, subseqüente à
reinstalação da Colônia do Sacramento. Os paulistas não pensavam em
povoar: conquistavam. A Vacaria era como um depósito comum, de
rebanhos sem dono, acessível a todos os preadores, portugueses e
castelhanos. Importava-lhes mais o contato com os guaranis, as
“missões” e o contrabando que baixava do Peru. Ao alto dos Andes vão
ter Lourenço Castanho, Pedro Vaz de Barros... Manuel Dias da Silva e
Francisco Pedroso Xavier encurtaram o raio de ação, batendo os
sertões entre a margem direita do Paraná e Vila Rica do Espírito Santo.
Este último — em 1675–6 — renovou os assaltos, não mais às missões
do Uruguai, porém do Rio Paraguai, entrou em Vila Rica e iria mais
longe se não acudissem tropas castelhanas, que o forçaram a retirar,
transpondo a Serra de Maracaju, até as divisas de São Paulo.830

“En el de 1676, salindo en 14 de febrero de la capitania de San Pablo


en tropas, cuyo caudillo se llamava Francisco Pedroso Xavier,
saquearon la Villa Rica del Espíritu Santo, acrecentando a estas
hostilidades los demás excesos” — queixaram-se os castelhanos,
admirados aliás da extensão das tropelias. “Discorriendo con gente
armada hasta Santa Cruz de la Sierra, se han estendido por espacio de
mas de ochocientas leguas hasta el Rio Marañón”.831

AGOSTINHO BARBALHO

Agostinho Barbalho Bezerra administrador das minas de Paranaguá e


São Paulo, ofereceu-se para averiguar as de ouro e esmeraldas de...
Sabarabuçu. Escreveu el-rei a Fernão Dias Pais (27 de setembro de 64)
para que o auxiliasse com a sua experiência e os seus índios.832 No
poema sobre o “governador das esmeraldas”, diz Diogo Grasson
Tinoco que a carta o impressionou:
Lendo-a Fernando, achou que el-rei mandava
Dar-lhe ajuda, e favor para esta empresa,
E em juntar mantimentos se empenhava
Com zelo liberal, rara grandeza:
Mas porque exausta a terra então se achava,
E convinha o socorro ir com presteza,
Mandou-lhe cem negros carregados
À custa de seus bens, e seus cuidados.

Fracassou a bandeira com o falecimento de Agostinho Barbalho. O


próprio Fernão Dias completou-a: mas dez anos depois.

NORTE E OESTE

Não tiveram a mesma notoriedade as bandeiras que se lançaram para


os Goiases, para o norte em direção do Amazonas, ou para o médio
São Francisco através dos serros que Fernão Dias Pais transpôs em
1675–81.

A pasmosa travessia de Raposo Tavares (São Paulo — missões


meridionais — Tocantins — Pará) não é sem exemplo.

A primeira leva que partiu do planalto para o Oeste e o Norte, como


à procura dos contrafortes dos Andes ou das cabeceiras do Araguaia e
do Tocantins, parece ter sido — em 1613 — a de Pero Domingues, de
que há informação escrita pelo Padre Antônio de Araújo.833 Cerca de
trinta paulistas “foram dar às cabeceiras de um rio cheio de raios, a
que chamaram por isso Iabeberi”, alguns dos quais formam o leque do
alto Tocantins (Urubu, Almas, Maranhão); e, descendo por ele até à
con uência do Araguaia, descobriram o baixo Tocantins, “fermoso
braço do grande e afamado Pará”. Então, deixando o Iabeberi ou
Tocantins à mão esquerda, voltaram, subindo o Araguaia, rumo de São
Paulo. Acharam acolá o gentio em tratos com uns franceses (tinham
“grande número de camisas de Ruão”) cuja fortaleza cava a onze
jornadas rio abaixo. Conseguiram arrebanhá-los (umas 3 mil almas);
mas os índios se rebelaram em caminho, mataram dezesseis e fugiram
— tornando de mãos vazias a São Paulo os demais sertanistas... Que
estiveram no Vale Amazônico e reconheceram, no regresso, a Ilha de
Bananal, bem se infere do relato do jesuíta.

Sebastião Pais de Barros, êmulo de Raposo Tavares, realizou viagem


semelhante ganhando, pelo Tocantins, o Amazonas, até alcançar
Belém do Pará com grave desgosto do governador do Maranhão e dos
missionários alarmados. É de 1673 a surpresa do Governador Pedro
César de Meneses, que logo mandou Francisco da Mota Falcão com
uma força a expulsar os intrusos que “reduziam” o gentio guajará em
sacrifício da catequese e da Igreja. Para evitar o choque interveio o
clérigo Antônio Raposo, que trouxera instruções de Lisboa para que se
pesquisassem as minas com o auxílio dos paulistas. Mais tarde alegou:
Passando pelo sítio onde se tinha alojado o cabo da tropa de São Paulo, achou notícia que
por seu descuido ou ambição de cativar o gentio, o tinha este morto e aos demais da tropa e
eram duas nações a dos aruaqueres, de língua geral e melhor gênio, e a dos bilreiros, cruel e
belicosa.

O Padre Antônio de Araújo escreveu uma Relação dada pelo mesmo


(Pero) Domingues sobre a viagem que de São Paulo fez ao Rio de São
Francisco, chamado também Pará — bastante vaga para que se lhe
perceba a insegurança do roteiro, porém su ciente para que se saiba
que por 1630 os mamelucos tinham descoberto o itinerário dos
“amoipiras”, e o São Francisco na sua parte média. “Pelo que se pode
agora ter por alvitre dado do Céu achar-se que da Vila de São Paulo se
pode ir em canoa até aos portos dos amoipiras”.834

“Das vilas de São Paulo para o Rio de São Francisco descobriram os


paulistas antigamente um caminho a que chamavam Caminho Geral
do Sertão”, diz um papel do princípio do século seguinte: “Pelo qual
entravam e cortando os vastos desertos que mediam entre as ditas
Vilas e o dito Rio nele zeram várias conquistas de tapuias, e passaram
a outras, para os sertões, de diversas jurisdições, como foram
Maranhão, Pernambuco e Bahia”. Assim sucedera — em 1677 — a
Domingos de Freitas de Azevedo, “que veio de São Paulo pelo sertão
do Rio de São Francisco donde foi desbaratado pelas nações bárbaras,
com que pelejou”, a contar “que da nascença do Rio Paraguaçu distante
60 léguas das Itapororocas havia algumas aldeias”.835 Uma vez chegados
ao grande vale procuravam algum dos caminhos que abrira a Casa da
Torre. Exatamente para castigar os anaiós do São Francisco escreveu o
triunvirato da Bahia em fevereiro de 1677 a alguns paulistas: “Chegou-
se ao tempo em que é necessário rogar a V. M.ce para o mesmo que em
outro tempo se lhe proibia, que passar ao Rio de São Francisco [...]
havendo eles (anaiós) degolado e desbaratado já tão várias bandeiras
de paulistas”.836 Para acabar com os maus índios tinham plena
liberdade de cruzar aquelas terras. Andava por aí Domingos Jorge
Velho. Igual roteiro serviu a Francisco Dias de Siqueira, para subir ao
Piauí e Maranhão, e a Matias Cardoso, em 1690, para passar-se ao
Apodi e Piranhas.837

Aos Goiases — depois de 1670 — foram Bartolomeu Bueno de


Siqueira, Luís Castanho de Almeida,838 que lá morreu às mãos dos
índios (1671), Antônio Soares Pais, que o vingou, Manuel de Campos
Bicudo e Bartolomeu Bueno da Silva, o maior deles,839 por
antonomásia o Anhangüera (1670–3). Descobriu Bicudo a Serra dos
Martírios e explorou parte do atual Mato Grosso: foi o trajeto que, em
1716, procurou de novo seu lho (e companheiro em 73) Antônio de
Campos Bicudo.840

XX: D  

A ILUSÃO DO GOVERNADOR

Diz Rocha Pita:


Veio à cidade da Bahia um morador do sertão, cujas experiências e procedimentos puderam
abonar as suas atestações. Informou ao Governador Afonso Furtado ter descoberto
grandiosas minas de prata, em parte muito diversa da em que se presumia as achara Robério
Dias, e com a abundância que este as prometera em Castela. Assegurava o descobrimento,
mostrando umas barretas, que dizia fundira das pedras que delas tirara, a rmando ser o
rendimento igual ao das mais ricas minas das Índias de Espanha.

Tomado de entusiasmo, mandou logo o lho, João Furtado de


Mendonça (o que seria governador do Rio de Janeiro, 1685–8) “com
algumas pessoas de distinção que em aplauso da novidade quiseram
naquela ocasião passar à corte a diversos ns”, dar conta a el-rei do
achado e das amostras. Naufragou porém o patacho, na costa de
Peniche; salvou-se João Furtado, sem as cartas e as barretas de prata; e
chegou a Lisboa — pondo em reforço das palavras a emoção da
catástrofe — como portador de uma notícia que ninguém mais
poderia discutir. Apressou-se o governo em remeter para a Bahia as
cousas necessárias para a exploração do tesouro, ao tempo, entretanto,
em que no sertão morreu o sujeito que o revelara, não se sabendo mais
nada de suas primícias...841

Afonso Furtado foi iludido na boa-fé e castigado na precipitação. O


cronista escreveu certo: mas de memória; e não localizou o episódio. O
autor da burla era nada menos do que o provedor de Paranaguá,
Manuel de Lemos Conde. Em 28 de novembro de 1674 respondeu-lhe
o governador: “Recebi a carta que V. M.ce me escreveu em 10 de maio
deste ano com a nova do descobrimento das minas de Pernaguá e as
duas barretas de prata que eram amostra de sua neza”.
Assim que a vi aprestei logo um patacho e mandei a levá-la a S. A. meu lho João Furtado de
Mendonça que daqui partiu em 4 de agosto e daí a 15 dias despachei outro patacho com
segundo aviso. Em ambos representei a S. A. (a quem remeti os papéis e carta original que V.
M.ce me enviou para tudo lhe ser mais particularmente presente e as duas barretas de prata)
o muito que V. M.ce merecia.842

É verdade que mandara pelos ourives da terra examinar as pedras


brutas, que acompanhavam as barretas, e o resultado fora negativo. “E
porque suponho haver sido isto falta de ciência nos ourives”, preferia
car com a alegria da certeza, sem o trabalho de prová-la. Expediu
sem demora o engenheiro Antônio Correia Pinto “a reconhecer toda
essa costa” do Sul — não fossem rondá-la corsários atraídos pelas
minas! — e Brás Rodrigues de Arzão,843 para cuidar do gentio
necessário à eventual defesa...
O engenheiro pesquisou ativamente e só achou ouro de lavagem,
encontradiço um pouco por toda parte, entre o Iguape e Paranaguá.
De volta, sucedeu-lhe no Rio de Janeiro curiosa aventura. O ouvidor,
Pedro de Unhão Castelo Branco, estranhou que o ouro das amostras
não tivesse pago os quintos del-rei, e não somente o prendeu, como
lho con scou, e aos bens que levava — com escândalo do governo da
Bahia que disso se queixou a Matias da Cunha, governador do Rio de
Janeiro.844

Mas não havia prata! Esta procedia do Peru, donde os próprios


paulistas a traziam, nas suas viagens que duravam anos. O engodo —
posto à calva pelo engenheiro845 — e o naufrágio de João Furtado,846
encerraram melancolicamente o período do crédulo governador-geral.

Importa considerar o território incorporado na Coroa portuguesa.

A COSTA DO SUL

A ocupação da costa, ao sul das três vilas, foi vagarosa e desordenada.

Pedro de Cáceres obteve licença do governo geral em 1619 para


povoar o Rio de São Francisco e a Ilha de Santa Catarina, com a
condição de não escravizar o gentio,847 como faziam, por mar, os
tra cantes de São Vicente e do Rio de Janeiro.

Segunda concessão para esse povoamento foi dada pelas autoridades


de São Paulo, em 1642, a Antônio Fernandes;848 mas em vão Salvador
Correia de Sá pleiteou para si uma capitania de cem léguas,
abrangendo a lagoa dos Patos.849 Ganharam-na seus lhos quando se
tratou de preparar a conquista do Rio da Prata.

A inclusão da baía de Paranaguá na jurisdição do Sul data de 1646,


quando Gabriel de Lara, natural de Iguape, manifestou em São Paulo o
descobrimento de ouro de lavagem, assim à beira-mar como no
planalto além da serra, ali tão próxima da praia.

Á
PARANAGUÁ

À mágica palavra, Duarte Correia Vasqueanes, que substituía o irmão


no governo, enviou do Rio de Janeiro Eleodoro Ébano como
comissário das minas, e depois Pedro de Sousa Pereira, provedor da
Fazenda Real, e Mateus de Leão — para lhe dizerem da importância
das jazidas.850 Foi então — 1648 — fundada a Vila de Nossa Senhora
do Rosário de Paranaguá.851

Pediu el-rei amostras do minério (carta de 28 de novembro de 1651).


Foi buscá-las Pedro de Sousa Pereira em março de 53 (descreve a
viagem em carta de 20 de maio): “Por terra de Cananéia àquela vila”,
onde
tomando na povoação ao Capitão Gabriel de Lara, e com o mesmo escrivão da fazenda e 30
trabalhadores fui ao sertão da chamada mina da pedra de ouro, e reconhecendo o sítio vi que
era o lugar a fralda de um serro, cujas pontas estão de leste-oeste, regado com um pequeno
ribeiro que vem do mesmo serro, e neste lugar achei cavado, em partes, espaço de 40 braças
em quadra de onde se haviam tirado as pedras que se manifestaram, e outras muitas,

sendo Lara
o que se intitula descobridor desta chamada mina, e houvera pedra de mais de um quintal,
cujo rendimento foi excessivo.852

Por uma relação de 1711 sabemos que era “uma grandiosa mina de
ouro de beta”; e que não fora mais explorada porque da expedição de
Pedro de Sousa Pereira resultara a morte trágica do mineiro espanhol
que podia averiguá-la. É o episódio misterioso de D. Jaime, ou apenas
Jaime Commere, que (foi voz pública) ali acabou para não revelar o
segredo: lançou-o de um despenhadeiro um criado do provedor... Pelo
menos imputaram-lhe o crime em 1660, por ocasião do motim do Rio
de Janeiro, informando a Câmara de São Paulo:
Enquanto à morte do mineiro Jaime Commere suposto que a princípio a fama, como em
outras cousas, publicou fora violenta, todavia em contrário se praticou [...] indo a mudar,
com o passo mais largo, o dito mineiro, de uma para outra pedra [...] escorregara e, caindo se
despenhara na cata ou alta cova que se fazia.853
Embora infrutífera, a viagem de Pedro de Sousa Pereira forneceu as
amostras pedidas.

Levou-as Francisco de Brito Freire, ao voltar com a frota da


Companhia em 1654:
Mui considerável é já a quantidade que se tira do ouro de lavagem. Deste me mandaram para
a Rainha Nossa Senhora dois quintos que V. M. lhe concedeu mais de nove arráteis. Puderam
passar de arrobas pagando-se os direitos sem os descaminhos que ouvi murmurar. Ouro de
beta não se busca por necessitar de mais indústria e cabedal; mas asseguram haver dele, e de
prata muitas minas: principalmente nos Serros descobertos de novo em Pernaguá dos quais
me mostraram com diferentes veias várias pedras que trago para V. M. mandar ver.854

Mantinha, porém, a descrença antiga:


Porém eu depois de todas aquelas diligências feitas por D. Francisco de Sousa, por el-Rei de
Castela; e das notícias e particularidades que agora soube no Rio de Janeiro das pessoas mais
bem vistas e desinteressadas nesta matéria, não acabo de persuadir-me a que na realidade
haja tais minas.

Concitava o rei a enviar autoridade “sem dependência de outro


ministro” para “atrair com o agrado ou com a força os ânimos daqueles
moradores, sediciosos e turbulentos. Porque é a Rochela do Sul a
capitania de São Paulo”.855

Esta descon ança do almirante (sem acreditar nos “quintos” que


levava) parece justi car a acusação dos revoltosos uminenses em
1660:
Queremos com toda a verdade representar a Sua Majestade entre outras cousas o
procedimento com que o administrador-geral Pedro de Sousa Pereira se tem havido nelas
em razão dos estanques que há mandado fazer de água ardente e vinho e outras fazendas,
para com elas comprar ouro e mandar a Sua Majestade a título de que é rendimento dos
quintos.856

Em 1660 há uma capitania de Paranaguá. Resulta da posse que dá a


câmara a Gabriel de Lara, procurador do Marquês de Cascais —
donatário de São Vicente, em sucessão do Conde de Monsanto, e a
disputar os domínios do título de Vimieiro (em mãos do Conde da
Ilha do Príncipe). Os vereadores desempataram em favor de Lara,
“Povoador da Vila de N. S.a do Rosário da capitania de Paranaguá em
nome de Sua Alteza e com os mesmos poderes lugar-tenente e
procurador do Marquês de Cascais nas Vilas de 40 léguas da parte do
Sul”.857 Vários moradores já tinham algum gado ou exploravam ouro
de lavagem nos “campos de cima”, entre a Serra de Paranaguá e os
pinhais, que em tupi chamavam — Curitiba. Dezesseis (o principal
Mateus Leme, da nobreza paulista) pediram em 1668 a criação ali de
uma vila. Gabriel de Lara não somente a autorizou, como presidiu à
instalação do pelourinho.858 Fosse, porém, porque o número de
habitantes não satis zesse à condição da lei (exigia oitenta, no
mínimo), fosse porque os hábitos rurais não tolerassem ainda tal luxo,
a “Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais” (ou de Curitiba,
equivalente indígena, que prevaleceu) só foi fundada em 1693.

O capitão-mor de São Vicente, Agostinho de Figueiredo,859 passara a


Paranaguá para cuidar das minas — e não mais deixou a região. Foi,
com quarenta anos de residência na praia ou no planalto, um dos
fundadores de Curitiba. Em 1674 era provedor das minas Manuel de
Lemos Conde. Manuel Veloso da Costa acumulava os cargos de
capitão da Ordenança e escrivão860 e o tesoureiro se chamava Roque
Dias Pereira. Com Frei João de Granica861 — que tinha experiência das
minas do Peru — zeram “o particular serviço do descobrimento
delas”, como agradeceu o governador-geral, em 26 de novembro
daquele ano, mandando-lhes 220$000 em dinheiro e 220 fardos em
gêneros, para recompensar as barretas de prata e a certeza de outro
Potosi...862

O logro não podia ter sido maior.

A prata não era de Paranaguá. Como vimos, Afonso Furtado pagou


duramente o seu otimismo; e caberia a D. Rodrigo de Castelo Branco a
punição do principal culpado do engodo.

Mas a intrujice teve o condão de atrair os portugueses para a costa


além das “três vilas” e atualizou o seu antigo propósito de dominá-la
até a embocadura do Prata, antes que os castelhanos voltassem a
algum dos portos intermediários.
O ludíbrio — a prata de Paranaguá — provocou uma larga expansão
territorial — a Colônia do Sacramento.

Em 1691 já era Gaspar Galete de Andrade provedor das minas “de


ouro” “de Pernaguá com jurisdição nas que de novo se descobriram no
Rio de São Francisco, Campos de Guaratuba e todas as mais
circunvizinhas que estão descobertas e se descobrirem”.863

Dez anos antes andara pela praia e pelo planalto o Padre Belchior de
Pontes. Viu os campos de Curitiba, fazendeiros isolados, com os gados,
entre pinhais, e o Capitão Salvador Jorge desenganado de descobrir
ouro e sem poder voltar à sua Vila da Parnaíba pelas dívidas que
deixara.

Profetizou que
naquele Pinhão (assim explicam os naturais o seu outono) se havia de recolher. Acabada a
missão, voltou o padre para a Vila de Pernaguá, e saindo nesse tempo dois criminosos a
refugiar-se nos desertos da Curitiba, entraram pelos matos com tal felicidade, que,
convertendo-se a desgraça em ventura, descobriram ouro. Com esta notícia acudiu o Capitão
Salvador Jorge, e em breve tempo tirou tanto, que, voltando para sua casa no tempo sinalado,
pôde não só satisfazer aos seus acredores, mas ainda ornar a sua casa com várias peças de
ouro.864

LAGUNA E SANTA CATARINA

Abaixo de Paranaguá, São Francisco e a Ilha de Santa Catarina — onde


a ocupação espanhola, do primeiro século, quase não deixara vestígios
— se povoaram igualmente com pessoas de São Vicente e Santos;
porém a largos intervalos.

Em 1658 Manuel Lourenço de Andrade, com procuração do Marquês


de Cascais, que o habilitava a distribuir terras em sesmarias, instalou-
se em São Francisco. Ficava sendo a mais avançada povoação
portuguesa da costa.865 Somente em 1675 surge nesse litoral Francisco
Dias Velho, à frente duma bandeira: fundou adiante o arraial de Nossa
Senhora do Desterro.866 Domingos de Brito Peixoto, com lhos e
genros, foi mais longe, e fundou Laguna.867

CURITIBA

A esse tempo Curitiba — com a fama do ouro de lavagem — ganhava


a condição de vila.868 Em 29 de março de 1693 os moradores — que
somavam noventa — pediram que se lhes con rmasse a criação da
vila, proclamada em 4 de novembro de 1668 por Gabriel de Lara e que
não tivera efeito até aí: atendidos pelo “capitão povoador” (Mateus
Martins Leme), estabelecido em São José dos Pinhais, elegeram logo a
câmara e levantaram pelourinho. Mas não se iludiam sobre a pobreza
da vila: padeceria as di culdades e as angústias de São Paulo, sem
população sedentária, os fazendeiros espalhados pelo planalto,
reduzida a dignidade municipal a pouco mais do que o culto divino,
nas missas paroquiais, que, aos domingos, congregavam os sitiantes, os
carijós mansos e os raros negros ocupados na mineração magra dos
ribeiros.

SABARABUÇU

Os acontecimentos, à roda das minas, entrosavam-se


providencialmente. O logro da prata de Paranaguá atraíra a
colonização para a costa, entre São Vicente e a lagoa dos Patos. Mas
atualizara outro mito das bandeiras: Sabarabuçu.

O governador crédulo que mandara depressa o engenheiro Antônio


Correia à busca da prata no Sul, quis que Fernão Dias Pais a
procurasse nos sertões do Espírito Santo, onde a lenda das esmeraldas
desa ara até aí a iniciativa dos pioneiros.869

Começa outro ciclo de penetração, pesquisas e conquista: o das serras


além do Paraíba, entre as escarpas da Mantiqueira e a região da mata
paralela ao mar, maciço esse onde vinte anos depois foram descobertas
as minas gerais.

O sujeito escolhido para a empresa era dos principais de São Paulo.

Filho de Pedro Dias Leme e Maria Leite, desde 1638 Fernão Dias
devassava o deserto. Naquele ano entrara os campos do Sul até as
“missões”. Com índios arrebanhados adiante do Paranapanema
fundara uma aldeia (eram 4 ou 5 mil) à margem do Tietê (1661).

Essa experiência — afora a sua autoridade entre os paulistas —


explica a recomendação que se lhe fez, em 1661, para auxiliar
Agostinho Barbalho Bezerra, incumbido de achar as minas tão faladas;
e a comissão, para revelar as de Sabarabuçu.870

O topônimo (itaberá-uçu, serra reluzente) não se referia a ponto


certo: era vago e conjetural como a lagoa Manoa, do “Dorado”,
Vapabuçu ou matriz dos rios, a “serra do rei branco”, dos
conquistadores do Rio da Prata, muitos outros nomes da geogra a
fabulosa. Já Gandavo indicara, no sertão de Porto Seguro, “serra [...]
mui formosa e resplandecente”.871 Continuou, cem anos, a preocupar
governos e sertanistas. Confundia-se com a montanha de esmeraldas,
que os Azevedos e os jesuítas tanto procuraram no Espírito Santo.
Escreveu o governador-geral a Fernão Dias (20 de outubro de 1671)
aceitando-lhe os serviços (“a grande estimação que z de ver o que V.
M. escreveu a este governo sobre o descobrimento que [...] sua custa
das minas de Sabarabuçu e esmeraldas”) e o informe: “Que estão da
altura da capitania do Espírito Santo, que serão ambas vizinhas”.872
Completou-o em 19 de fevereiro de 72:
E porque aqui se me disse que do pé das serras do Sabarabuçu há um rio navegável que se vai
meter no de São Francisco e que por ele abaixo se poderá conduzir mais brevemente a prata
até junto a estas serras que cam no distrito da Bahia, chamadas Jacuabinas, e delas descer a
esta praça.873

O tal a uente seria “o das Velhas”; e assim a Sabarabuçu da lenda a


mesma Sabará de trinta anos depois. Em 30 de outubro de 72 expediu
Afonso Furtado a patente de “Governador de toda a gente” que levasse
ao “descobrimento das minas de prata e esmeralda” — para o honrado
paulista874 a quem o príncipe escreveu, encarecendo a expedição.875
Saiu ele da vila a 21 de julho de 1674: tinha então 66 anos de idade876 e
sacri cava na grande aventura os seus bens de fortuna. Gastara nos
preparativos 6 mil cruzados. Levava “40 homens brancos”, um lho,
quatro tropas de “moços” com a carga. Mandara na frente o Capitão-
mor Matias Cardoso, para o esperar “no serro” com as roças
necessárias.877 Tinha a certeza de achar o tesouro, capaz de fazer o Rei
de Portugal o mais rico, senão o mais poderoso do mundo... Deu a
vida por essa idéia.

CAPITANIA DO ESPÍRITO SANTO

Se no Espírito Santo cavam as minas, por que tão pouco valia então
essa capitania, decadente e muito pobre? Coube a um opulento
morador da Bahia878 estimá-la devidamente: o Coronel Francisco Gil
de Araújo (ferido em 1638 na defesa da Bahia, dalgo de fartos haveres
a quem o Padre Simão de Vasconcelos dedicou a Vida do Venerável Pe.
Joseph de Anchieta) — bastante inteligente para lhe prever a
prosperidade e su cientemente rico para comprá-la.879 Em 1674 deu
por ela 40 mil cruzados ao donatário, o Almotacé-mor Antônio Luís
Gonçalves da Câmara Coutinho (depois governador-geral), transação
que foi con rmada pela carta régia de 18 de março de 1675. O objetivo
imediato da compra não podia ser senão a pesquisa dos metais:
Foi S. A. servido encarregar ultimamente ao donatário e governador da capitania do Espírito
Santo, Francisco Gil de Araújo, que mandasse fazer o descobrimento das minas das
esmeraldas, querendo ele aceitar e fazer este serviço com as mesmas cláusulas e mercês que
S. A. havia passado a José Gonçalves de Oliveira.880

Não lhe faltaram índios do Rio de Janeiro, Cabo Frio e Porto Seguro
para a entrada: realmente nela “despendeu muito dinheiro, pois só nas
entradas pelo Rio Doce se gastaram mais de 12 mil cruzados e nas
doze experiências que mandou fazer mais de 2 mil”.881 Andou nisso
preliminarmente o entusiasmo de Afonso Furtado. O Espírito Santo —
graças a Fernão Dias e Francisco Gil — devia ser explorado do sertão
para a costa e do litoral para o interior, de modo a tomarem contato no
alto Rio Doce as duas bandeiras, paulista e baiana. Desta pouco se
sabe. O negócio feito pelo novo donatário não lhe remunerou o capital
empregado: é verdade que mandou fundar engenhos, localizou muitos
casais de colonos, desenvolveu a agricultura na sua capitania.
Falharam os seus planos de “ouro e esmeraldas”. Fernão Dias teve sorte
diferente.

ESMERALDAS DE FERNÃO DIAS

Escreveu o governador-geral a Fernão Dias Pais, ainda em 19 de março


de 75 — impaciente com a notícia do naufrágio do lho e as
esperanças de que a prata que achasse demoveria a incredulidade da
corte.882 A esse tempo (13 de agosto seguinte) investiu o capitão-mor
do Espírito Santo, José Gonçalves de Oliveira, na che a do
descobrimento das esmeraldas...883 Iludia-se: Fernão Dias não poderia
com facilidade mandar amostras do minério colhido. O seu itinerário
varava escabrosas regiões, por montes e vales, em direção ao norte,
depois ao oriente, até o “mesmo morro donde as levou Marcos de
Azevedo”, isto é, na cordilheira espírito-santense.
Não achando quem o quisesse acompanhar foi Matias Cardoso uma das pessoas que mais
prontamente se lhe ofereceram com 120 escravos seus, armas e munições à sua custa indo
adiante a plantar mantimentos naquele sertão onde teve vários encontros com os bárbaros e
uma batalha em que houve muitos feridos

— alegou depois este cabo.884 As roças da primeira espera foram


talvez no Sumidouro do Rio das Velhas; os outros arraiais,
progressivamente fundados, Roça Grande, Tacambira, Itamerendiba,
Esmeraldas, Mato das Pedrarias e Serro Frio — segundo o depoimento
de Pedro Dias Pais Leme, em 1757.885 Durou-lhe a viagem oito anos.
Abrangeu, em arco, largo trecho do atual território das Minas Gerais, o
Vale do Jequitinhonha, contra-escarpas da Serra do Mar,
possivelmente as cabeceiras do Rio Doce. Não deixava balizas, senão
taperas, dos acampamentos abandonados. Dilatava a conquista do solo
sem os resultados apetecidos, da pedraria ou da prata. Arrostou a
perfídia dos índios esparsos (os puris), as canseiras e a monotonia do
sertão, o desgosto e a in delidade de companheiros enfurecidos pelo
insucesso.

Conta Pedro Taques o caso do lho bastardo do “Governador das


esmeraldas”, José Pais, despeitado com a predileção em que este tinha
o legítimo, Garcia Rodrigues Pais: conspirou contra a vida do pai, para
assim dissolver a bandeira. Sabendo disto, pela denúncia de uma índia
goianá, o velho sertanista não hesitou: prendeu os culpados e após
breve inquirição fez enforcar, à vista de todos, o perjuro — a rmando,
com o castigo, a sua autoridade severa e ilimitada...

Esgotados os recursos, Fernão Dias pediu à mulher, em São Paulo


que vendesse tudo, contanto que lhe enviasse o indispensável para a
continuação da jornada — com o lho Garcia Rodrigues e o genro
Manuel Borba Gato.886 Os parentes exprobraram-lhe o devaneio
(“gastando nestos años el caudal con que se hallaba, era uno de los más
ricos daquella villa, sin que nadie le quisiese ayudar a este servicio en
cosa alguna, antes a embaraçarle y decir que estaba loco, pues gastaba
los años y el caudal de sus hijos y mujer en locuras, que no habian
n”).887 Mas a el matrona não lhe faltou. Prosseguiram as diligências
nas montanhas de Marcos de Azevedo (achando “os almocafres e mais
ferramentas de que se servira o dito para extrair as tais pedras que lá
tinha deixado”).888 Munido de “pedras verdes transparentes” voltou ao
Sumidouro do Rio das Velhas: aí, “desamparado e sem con ssão”
(como atestou D. Rodrigo) morreu “de peste, e muita parte dos seus
índios e escravos”, imaginando ter em mãos esmeraldas nas, o
tesouro suspirado, a recompensa da sua terrível obstinação... Também
se ignora a data do falecimento: entre 27 de março e 26 de junho de
1681. Em Paraovuipeba D. Rodrigo de Castelo Branco reconheceu o
mérito de seus serviços, ao mesmo tempo tomando posse das roças do
Sumidouro e de Tacambira e das amostras de pedras verdes, que
honradamente lhe entregou Garcia Rodrigues: em 8 de outubro
seguinte. Insiste na dúvida: “[...] y me trujo a manifestar unas piedras
verdes transparentes, decindo ser esmeraldas y que el dicho su padre
habia falecido longas jornadas deste arraial traziendo en su compañia
las dichas piedras”.889 Seguro é que os restos mortais do “Governador”
foram trasladados piedosamente para São Paulo e, com as devidas
homenagens, sepultados na igreja dos beneditinos, que ajudara a
reconstruir.890

De fato, as pedras verdes não valiam a pena: porém o êxito da


bandeira — exatamente a que mais impressionou a imaginação dos
brasileiros — não estava nesse tesouro enganoso. Consistia na abertura
do caminho geral, para as montanhas das Cataguás, além da
Mantiqueira (“descoberto igualmente por ele todo o país pelo serro de
Sabarabuçu”).891 Descortinara o maciço central. Revelara as cabeceiras
dos caudais que se atiram para a costa, serpeando entre as barreiras e
os espigões; as terras orestais que as altas serras delimitam, os
cabeços ferruginosos, as imprevistas formações geológicas, os cristais
de rocha e as cascalheiras de uma zona rica de todos os minérios... As
Minas Gerais estavam descobertas. O estóico capitão das esmeraldas
revolucionou as abusões e as tradições do sertanismo paulista:
substituiu a “marcha para o Sul”, rumo das missões abundantes de
gentio dócil, pela “marcha para o Norte”, através dos campos de
Taubaté, passando o Paraíba e as gargantas da Mantiqueira. Puxou
aqueles insaciáveis andarilhos para as terras dobradas e ínvias dos
puris, indicou-lhes a Sabarabuçu, que prometia incríveis riquezas, e
autorizou a lenda, de que prata e pedras nas fariam daquilo outro
Peru.

A popularidade da bandeira documenta-se com o primeiro poema


épico que no Brasil se escreveu: o autor, oculto no pseudônimo de
Diogo Grassou Tinoco, dedicou-o a Fernão Dias Pais.
Parte en m para os serros pertendidos,
Deixando a pátria transformada em fontes,
Por termos nunca usados, nem sabidos,
Cortando matos, e arrasando montes;
Os rios vadeando, mais temidos,
Em jangadas, canoas, balsas, pontes,
Sofrendo calmas, padecendo frios
Por montes, campos, serras, vales, rios.
Consta ser de 1689 a poesia, de rima camoniana, que se perdeu,
salvando-se apenas as quatro estâncias reproduzidas no século
seguinte por Cláudio Manuel da Costa, no “Fundamento histórico que
serve de prólogo ao poema da Vila Rica”.892 Fala Pedro Taques de
Domingos Cardoso Coutinho, natural de Lamego (faleceu em São
Paulo em setembro de 1683), “excelente poeta e autor da Relação
panegírica em oitava rima da vida e ações do Governador Fernão Dias
Pais, descobridor das esmeraldas”. Será este o nome — e Diogo
Grasson Tinoco pseudônimo?893 Dois cantores, contemporâneos da
memorável jornada?

FIM DE D. RODRIGO

D. Rodrigo de Castelo Branco não fora mais feliz no Sul — à procura


de minas que não se achavam, e de quem lhas indicasse.

Representava a Coroa, portanto o sco, a lei severa, o interesse do


Estado pelo trabalho dos sertanistas que, por toda parte, o acolheram
suspeitosos e de mau modo. Passou primeiro pelo Rio de Janeiro (abril
de 1678). Despachou aí João de Campos e Matos a descobrimentos no
sertão. Seguiu para Santos e subiu a São Paulo, recebido
respeitosamente pelos “homens bons” e resolvido a proibir novas
expedições a Sabarabuçu enquanto lá não fosse, para ver a maravilha.
Enviou com efeito vários sertanistas para fazerem as roças de que
devia sustentar-se a tropa, no ano seguinte; deu o auxílio necessário a
D. Manuel Lobo, para a fundação da Colônia do Sacramento; e partiu
para as vilas do Sul, ao longo da costa.

Alcançou destarte os campos de Curitiba e desceu para Paranaguá,


termo de sua jornada.894
Por portaria de 28 de agosto de 1679 mandou que o mineiro João Álvares Coutinho, Manuel
de Lemos Conde, Roque Dias Pereira e Manuel Veloso da Costa (estes respectivamente
provedor, tesoureiro e escrivão dos quintos) fossem com o Padre João Granica examinar os
serros onde se dizia haver prata.895
Tais pesquisas provaram exatamente o contrário: e averiguou D.
Rodrigo a intrujice dos pregões anteriores... Encolerizado, demitiu e
prendeu Manuel de Lemos, con scou-lhe os bens (deram 793$860) e o
processou. Não resistiu, o visionário: suicidou-se na prisão (1681).896
Selou com a morte esse desastroso caso da prata que enganara Afonso
Furtado.

Outras pesquisas ordenou o administrador no planalto de Curitiba e


voltou a São Paulo, para a larga caminhada atrás de Fernão Dias.
Matias Cardoso serviu-lhe de guia, com um pequeno exército de
índios; e em maio (1681) se pôs em campo. Encontrou “nos matos de
Paraibipeva e Arraial de São Pedro” Garcia Rodrigues Pais, que voltava
(outubro do mesmo ano). O atestado que em benefício dele passou D.
Rodrigo, a entrega das pedras verdes e das roças do Sumidouro e
Tacambira testemunham a simpatia que logo se estabeleceu entre o
representante régio e o moço paulista. Não eram estes os sentimentos
dos parentes que lhe cavam em São Paulo — e a quem D. Rodrigo
alude com acrimônia queixando-se do abandono em que deixaram o
velho governador. O irmão, Padre João Leite da Silva — em setembro
— denunciava “a Dom Rodrigo Castelo Branco os intentos que consta
tem de mandar apoderar-se das esmeraldas que o dito meu irmão
descobriu”. Porventura mais o irritara a presença de Matias Cardoso na
expedição. Sem ele, aliás, que partira adiante, a plantar as roças para o
abastecimento da tropa, não seria exeqüível...897 Lavrou uma intriga
extensa. Não devia surpreender a vila — em 21 de outubro de 1682 —
a notícia de que “na paragem chamada do Sumidouro, distante desta
vila mês e meio de viagem”, fora assassinado D. Rodrigo.

Aconteceu o crime em 28 de agosto: “Lhe deram três tiros do mato e


logo caíra morto”, segundo a versão que o governador do Rio
comunicou à corte.898

Correu que o criminoso fora o genro de Fernão Dias. Não há dúvida


que — para eximir-se ao processo ou por motivo correlato — se
recolheu Borba Gato à região de Guaratinguetá onde, em homizio que
se lhe não perturbou, viveu silenciosamente quase vinte anos.
Ressurgiu, limpo de culpa, para juntar-se aos descobridores das Minas
Gerais, rico e lisonjeado, como dalgo de grandes préstimos e
experiência. Serviu de liame pessoal entre o sonho das esmeraldas e o
ciclo do ouro. Foi dos primeiros que arrancaram ao sertão das
Cataguás o seu segredo: provou que andava seguro de si, e não errara
— apesar de sua crença nas pedras verdes — o estóico paulista que lá
deixara a vida.

XXI: A C  S

CONTRA O TRATADO DE TORDESILHAS

A paz com Espanha consumou-se pelo tratado de 12 de fevereiro de


1668 — conseqüência feliz de mais de vinte anos de guerra
encarniçada, de ativa diplomacia, de acontecimentos que tinham
destruído, uma após outra, as veleidades castelhanas de uni cação da
península ibérica.

Uma das disposições do tratado (art. 2º) exigia a recíproca restituição


das praças tomadas “durante a guerra”... Aparentemente eqüitativa, a
cláusula bene ciava com largueza Portugal e o Brasil. A expansão
sertanista fora do meridiano de Tordesilhas amparava-se, já aí, a um
diploma internacional. Reconhecia-se (sem se pensar muito nisto de
parte de Castela) a ilegitimidade da ocupação apenas na vigência da
guerra, ou de 1641 por diante. Não se discutiria, portanto, a da
Amazônia (1639), ao longo do Tietê, e para o sul e oeste (1627),
incorporada destarte, tácita e formalmente, no patrimônio
português.899

O princípio supremo da diplomacia de Lisboa quanto à América no


século xviii — do uti possidetis — aparecia com timidez, porém,
inequivocamente, nesse reajustamento das monarquias vizinhas.
Portugal de nia um interesse que não devia mais relegar, por inerente
à sua política de colonização e império: qual o de tirar da posse o
direito (o claro direito de primeiro ocupante) em vez de estribá-lo nos
papéis de chancelaria, serôdios e controvertidos.

O UTI POSSIDETIS

Alexandre de Gusmão daria forma, no Tratado de Madri (1750), a esse


realismo português. Mas o de 1668 o predeterminara. Circunstância
curiosa: paci cadas as metrópoles, após uma guerra que os colonos
quase ignoraram, o dissídio se transportou para aquém-mar através de
uma conquista que surpreendeu os castelhanos do Prata. A da margem
esquerda do rio com a fundação da Colônia do Sacramento — cem
anos pomo de discórdia entre as duas coroas.

A Espanha, é certo, não se apressara em assenhorear-se do território


entre Patos e a boca do Prata.

Em 1675–8 ainda era aquilo domínio dos charruas intratáveis, os


portos vagamente conhecidos, o litoral sem vestígio de gente branca, e
acessível, a região, do São Francisco do Sul até a “banda oriental”, às
incursões e aventuras de quem quisesse tomá-la.

Por que o longo descuido, de ambos os países, em anexar esse trecho


do continente, que correspondia aliás a um sertão percorrido pelas
bandeiras, trilhado pelos missionários, balizado pelas reduções dos
jesuítas e sem mistérios — àquela altura do século — para os homens
de São Paulo e do Paraguai? O Peru — é a explicação — atraíra o
povoamento espanhol; e o caminho de Córdoba, até Buenos Aires,
servia de escoadouro da “prata” dos Andes. Exatamente a procurá-la
(com o ouro de que se falava desde 1598) na costa abaixo de São
Vicente a colonização portuguesa atingira Paranaguá e as escarpas do
planalto. Para prosseguir precisava de um estímulo imediato — de que
careciam os castelhanos de Buenos Aires entretidos com a criação de
gado, o comércio e a recovagem peruana. A “prata” que enganou
Afonso Furtado — sem convencer a corte de Lisboa, incutiu-lhe a
idéia900 de precipitar uma ocupação que tinha lógica e oportunidade. A
oportunidade era a salvaguarda das minas, caso existissem; e a lógica
— a expansão do Brasil até um “limite geográ co”, simétrico do
Amazonas ao norte, a “fronteira natural” do Prata. Ao engenheiro
Antônio Correia em 1675 se cometera a tarefa de “reconhecer aquela
costa, sondar [...] forti cações que seriam necessárias para segurança
das minas”.901 Foi o engenheiro da nova colônia.

O Príncipe Regente D. Pedro estabeleceu sem ênfase a doutrina:


pertencia a Portugal toda a terra até o estuário, defronte de Buenos
Aires.

Faltava um argumento recente a esta reivindicação: deu-lho a Bula de


22 de novembro de 1676, que, criando o bispado do Rio de Janeiro,
declarava estender-se-lhe a jurisdição até a embocadura do Rio da
Prata. A palavra pontifícia — êxito diplomático português — sufragava
o pensamento o cial em Lisboa e no Brasil: em 5 de março do mesmo
ano, atendendo ao pedido do velho Salvador Correia, concedera o
príncipe 30 léguas de terra “sem donatário até a boca do Rio da Prata”
aos irmãos Visconde de Asseca e João Correia de Sá. A rmava assim o
domínio, o que era preliminar; mandou assegurá-lo, em seguida, por
D. Manuel Lobo.902

A nomeação de D. Manuel Lobo para governador do Rio de Janeiro


deu começo à série de providências militares para a criação da colônia.

AS DUAS EMPRESAS

Inicialmente as duas empresas — entabulamento das minas de


Paranaguá (e Sabarabuçu) e forti cação dum lugar na foz do Prata
(Ilha de São Gabriel) — foram con adas às mesmas pessoas.

Jorge Soares de Macedo recebera de certo em Lisboa instruções


especiais para o serviço que se lhe con ara, de fazer um forte na Ilha
de São Gabriel. É de 17 de março de 1678 o registo, na Bahia, de sua
patente de tenente do mestre-de-campo ad honorem:903 aí embarcou,
para o Rio de Janeiro, em 21 de abril seguinte.

D. Rodrigo de Castelo Branco (para “de uma vez” averiguar as minas)


seguiu em 24 de setembro.904 A 5 de agosto escrevia o primeiro,
anunciando partir do Rio de Janeiro para a diligência a que fora. Logo
mandou o príncipe a D. Manuel Lobo, em 12 de novembro (também
de 1678):
Depois de tomar conta do governo do Rio de Janeiro desça ao Rio da Prata e na Ilha de São
Gabriel forme as forti cações necessárias, e uma nova colônia para que meus vassalos
possam residir nela, e nas mais que se zerem nas terras ermas de meu domínio.905

A EXPEDIÇÃO

Desenganados das minas de Paranaguá, D. Rodrigo e Jorge Soares de


Macedo empenhavam-se a esse tempo em preparar a esquadra que
conduziria o governador ao Prata.

Foi Jorge Soares reconhecer a costa até Buenos Aires, mas não pôde
desembarcar nas ilhas de São Gabriel, tal a violência dos ventos; dali
tornou para Santos, e de novo desceu para Santa Catarina, com ordem
de esperar D. Manuel Lobo. A este auxiliou grandemente no Rio de
Janeiro o Desembargador João da Rocha Pita, nomeado “sindicante
das províncias do Sul às maiores diligências que até aquele tempo se
tinham oferecido”, como diz o historiador seu sobrinho.906 “Embargou
14 barcos e sumacas que estavam nos portos de Santos e São
Vicente”,907 e que serviram para as viagens de Jorge Soares e do
governador. Da gente para o reforço da expedição e provisões
necessárias se encarregou, em São Paulo, o ativo D. Rodrigo. O próprio
D. Manuel visitou a Vila de São Paulo com esse desígnio. Compôs-se
a nal o comboio de cinco embarcações, três charruas de fabrico
holandês, uma fragatinha e um patacho. A tropa regular não passava
de duzentos homens;908 porém muitos índios das aldeias paulistas a
acompanhavam, formando tudo uma força apreciável, proporcional à
que poderia atacá-la, saindo de Buenos Aires. Largou de Santos em 8
de dezembro de 1679.

Em 20 de janeiro aportou às ilhas de São Miguel. D. Manuel Lobo


estudou rapidamente as condições do rio e de suas barrancas, e
preferiu instalar o acampamento em terra rme, numa península
pequenina fronteira à cidade de Buenos Aires, onde, em 7 de fevereiro
seguinte, um castelhano avistou uma “tienda blanca de lienzo armada
y dos galpones de paja cubiertos”.909 Surgiu assim, a Colônia do
Sacramento.

NOVA COLÔNIA

A situação do fortim ali feito era aparentemente mais vantajosa que


uma das ilhas do estuário. Porém estava a indicar — ao mais
despercebido da arte da guerra — a precariedade da praça que se
fundava. Facilmente podia ser assediada pelo lado do continente, e
varrida pela artilharia que se postasse na praia à direita e à esquerda,
pois nenhuma elevação a defendia ou isolava. Os portugueses aí se
agüentariam enquanto tivessem a proteção duma esquadra. Entregue
aos seus próprios recursos a guarnição, não demoraria a resistência.
Faltar-lhe-ia sempre o domínio da terra adjacente — plana e ilimitada;
e um anteparo natural a que se apoiasse. Compreensível, o sítio, para
uma feitoria de comércio, só um excesso de con ança explica que o
erigissem em cidadela. D. Manuel Lobo começou mal a sua penosa
tarefa: cometeu o erro (mais estranhável porque os portugueses
aproveitaram admiravelmente a topogra a americana para as suas
povoações e fortalezas) de meter numa ponta de terra chã e escassa a
sorte de sua conquista, bem outra se a localizasse em Maldonado ou
Montevidéu, como aliás presumiam os espanhóis. Esse erro agravou-se
com o tempo.

Erro militar e psicológico: porque à inconveniência topográ ca se


aliava a proximidade de Buenos Aires, donde teriam de partir as
expedições punitivas. Uma das duas povoações havia de desaparecer
— desa ando-se, com a amplidão do Prata de permeio, Buenos Aires
já poderosa, a Colônia do Sacramento como uma experiência que
dependia inteiramente dos socorros marítimos.910

BUENOS AIRES

O governador de Buenos Aires, D. José de Garro, receava a


comunicação dos adventícios com portugueses velhos e novos que lá
havia, e isto prevenira ao vice-rei do Peru: “Esta ciudad, Señor, por la
mayor parte se compone de Portugueses, sus hijos y descendientes”.911
Homem resoluto e inteligente, convocou as forças possíveis, de Santa
Fé, Tucumã, Corrientes, a que uniu os índios das aldeias do Paraná
enviados pelo Padre Altamirano. Formou um exército de trezentos
cavalos e 3 mil índios, que con ou ao Mestre-de-campo Antônio de
Vera Muxica. E intimou por um emissário D. Manuel Lobo a
abandonar aquelas paragens. Desdenhou ele das represálias
prometidas. Discutiu com o parlamentário o problema dos limites,
dizendo que a jurisdição portuguesa ia até ali. Deixou que o
engenheiro Antônio Correia Pinto levantasse as estacadas que faziam
o arcabouço da fortaleza.912 E esperou por Jorge Soares de Macedo, a
quem, não podendo encontrar-se em Santa Catarina, expedira ordem
para, com duas sumacas de farinha, ir abastecer a praça.

A QUEDA

Sucedeu então o primeiro duma série de desastres. O adjunto de D.


Rodrigo numa sumaca rumou para o Prata, mas tão desajeitadamente
que naufragou nas pedras do Cabo de Santa Maria. Salvou-se com
uma trintena de companheiros e pretendeu, por terra, ganhar a
Colônia do Sacramento. Caiu em poder duma tropa de índios, que
dois jesuítas comandavam. Os padres, indignados com os paulistas,
tomaram por cúmplice deles o infortunado capitão e o conduziram
preso à redução de Iapeiu, donde o trasladaram, apesar dos seus
protestos, para Buenos Aires.
A guerra desenvolveu-se morosa e metódica. Os castelhanos
apertaram o cerco entre março e agosto, dispostos a reduzir à fome os
defensores. Mas como tardasse esse efeito e os índios se mostrassem
impacientes, o Mestre-de-campo Muxica dirigiu o assalto nal na
madrugada de 7 de agosto. Adoecera D. Manuel Lobo e, de cama,
passara o comando ao Capitão Manuel Galvão. A batalha feriu-se de
surpresa, encarniçada e decisiva. Atacaram os espanhóis e os índios as
estacadas, levaram de vencida a resistência, e ao amanhecer do dia,
após uma luta heróica, obrigaram os remanescentes da guarnição a
capitular na igreja e no corpo da guarda, seus últimos redutos.
Morreram com a espada na mão os capitães Galvão, Manuel Aquila,
João Lopes da Silveira e Antônio Correia Pinto, o engenheiro em quem
pusera as suas esperanças Afonso Furtado; e 112 subalternos. O
próprio Muxica salvou a vida a D. Manuel Lobo, a quem os índios
queriam trucidar: enviou-o prisioneiro, com D. Francisco Naper de
Lencastro, o capelão, Padre Durão, os dois jesuítas de sua companhia e
o Capitão Simão Farto, para Buenos Aires...

Não convinha a D. José de Garro ter tantos portugueses juntos em


cidade onde seus patrícios eram maioria. Despachou logo para o Chile
Jorge Soares de Macedo e desterrou o infeliz governador para
Córdoba. Os achaques, a melancolia e a idade de D. Manuel Lobo não
toleraram o clima e a penúria do desterro. Voltou para Buenos Aires e
aí faleceu, em 7 de janeiro de 1683.913

RESTITUIÇÃO

Um navio de reforços mandado da Bahia chegou dias depois da queda


da Colônia; e regressou, com as comunicações e notícias do
acontecimento. Foi profunda a impressão que causaram em Portugal.
Irritou-se D. Pedro ii. Correu o rumor de uma guerra, que não
convinha à Espanha, enfraquecida então, e a vésperas da sucessão (do
seu pobre Rei Carlos ii) que con agraria a Europa. O Duque
Giovenazzo foi a Lisboa dar as satisfações pedidas e subscrever um
tratado de provisória acomodação: concluiu-se em 7 de maio de 1681.
Os ministros castelhanos solicitaram — e tiveram a mediação do
representante de Inglaterra, tais as notícias de uma possível surpresa
do exército português...914 Venceu a severa energia de Lisboa. O
tratado cominava a restituição da Colônia, com tudo o que nela se
achava, libertados simultaneamente os prisioneiros, enquanto os
Badajós comissários de ambas as coroas discutiriam, em termos
de nitivos, a questão de direito, em torno da demarcação territorial...

É claro que os eruditos delegados não chegaram, nos seu debates logo
travados, a conclusão alguma. Dir-se-ia que o debate era para isto
mesmo. Em 12 de fevereiro de 1683 — o que mais importava —
recebeu o governador do Rio de Janeiro Duarte Teixeira Chaves a
Colônia, em nome de Portugal915 e a forti cou,916 com quatro baluartes
e baterias, a ponto de, em Buenos Aires, se predizer (em 1699): “Será
em breve como uma das maiores povoações, e de pequena centelha
não apagada nos princípios, passará a raio que incendeie e devore toda
a América”.917

A política européia soprava os panos à ambição portuguesa.


Aproveitando a luta pela sucessão de Carlos ii, obteve D. Pedro ii o
tratado de 18 de junho de 1701, em que o pretendente francês lhe
cedia a Colônia do Sacramento e adjacências... Até 1703 prosperou em
paz, e aumentou a mais meridional das feitorias lusas, a vigiar, com
seus barcos e seus canhões, a navegação do Rio da Prata!

GOVERNOS DO RIO DE JANEIRO

Acrescera-se o governo do Rio de Janeiro com a responsabilidade dos


provimentos da Nova Colônia. Em seguida teve, com Artur de Sá e
Meneses, a das minas realmente descobertas nos Cataguases. A
importância crescente do cargo então se revela pelo renome — e
experiência — dos nomeados. Sucedeu a Duarte Teixeira Chaves
aquele primogênito de Afonso Furtado cujo naufrágio — com as
amostras da prata de Paranaguá — tanto a igira os últimos dias do
governador: João Furtado de Mendonça.918 Esteve no posto de 19 de
abril de 1686 até ndar o triênio. Substituiu-o D. Francisco Naper de
Lencastro, veterano da Colônia do Sacramento e prático das cousas da
terra. Luís César de Meneses empossou-se em 17 de abril de 1690 e
governou até 25 de março de 93: “Um dos melhores governadores que
passaram àquela praça e se fez merecedor de todas as honras e
mercês”.919 Em 25 de março de 93 investiu-se no cargo Antônio Pais de
Sande, que fora secretário do Estado da Índia em 1666, Conselheiro
Ultramarino em 1682 e in uente personagem da corte, com quem se
carteava o Padre Vieira.920 Doente e velho, teve de passar o governo ao
Mestre-de-campo André Cusaco (7 de outubro de 94). Não pôde
cumprir a ordem del-rei de averiguar as minas de São Paulo.921 Faleceu
em 22 de fevereiro de 95. Em 19 de abril desse ano tomou posse do
governo interino Sebastiao de Castro e Caldas (até 1697), antecessor
de Artur de Sá, que foi mais feliz do que os outros porque no seu
período os paulistas desvendaram as “minas gerais”. Para as conhecer
visitou duas vezes a capitania de São Paulo (1697 e 1699).

Por essa ocasião (novembro–dezembro de 1695) escalou no Rio de


Janeiro a frota de De Gennes. Escreveu Froger a relação da viagem sem
esquecer essa “grande cidade bem construída e de excelente aspecto,
estendendo-se pela praia desde o magní co Mosteiro de São Bento até
ao não menos monumental colégio dos jesuítas”,922 tão diversa da
povoação mesquinha e diminuta do tempo de Martim de Sá.923 1694...
É a data da retorcida talha dourada da igreja dos beneditinos.
Documenta a opulência da terra e, com a pompa do culto, a perícia
dos seus artí ces. Cento e vinte engenhos de açúcar enriqueciam-lhe o
recôncavo. Um comércio denso ocupava a Rua Direita e ruas
transversais, até a Vala (núcleo urbano traçado pelo Sr. De Lescolles).
As ermidas do Livramento (1670), no Valongo, e da Glória (1671), na
antiga praia do Leripe, sobre o escarpado monte, espécie de atalaia na
cenogra a deslumbrante do Rio de Janeiro, eram os extremos da zona
habitada.

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Í
TRIUNVIRATO PATRÍCIO

Faleceu Afonso Furtado na Bahia — de enfermidade que se lhe


agravou com a dor moral, de seus insucessos — em 26 de novembro de
1675.924 Determinou, in articulo mortis, lhe sucedessem em triunvirato
o chanceler da Relação (Desembargador Agostinho de Azevedo
Monteiro) o mestre-de-campo mais antigo (Álvaro de Azevedo) e o
juiz mais velho do Senado da Câmara (Antônio Guedes de Brito). Pela
primeira vez em junta de governo predominaram os naturais do
Brasil,925 que foram todos três — quando, meses depois, morreu o
chanceler Monteiro, substituído pelo Desembargador Cristóvão de
Burgos, a quem já aludimos. Estiveram no poder até 15 de março de
78. Entregaram-no ao Governador-geral Roque da Costa Barreto
(Regimento de 23 de janeiro de 77; posse naquele dia; e governou até
23 de maio de 1682).

De uma carta do Padre Vieira percebemos a novidade da situação e,


com a a uência de candidatos, a demora do despacho.
Morreu o governador do Brasil, e achou-se aquele Estado sem vias nem forma de sucessão
em semelhante caso. Deviam de se julgar por imortais os governadores do Brasil, porque este
foi o primeiro que lá morreu, não sendo a vida de quase todos mais necessária que para a
ruína. Há mais de quinze pretensores ao posto e entende-se que o levará quem menos é para
ele.926

Nisto se iludiu. Foi nomeado Roque da Costa.

ROQUE DA COSTA

Sargento-mor de Batalha da Estremadura, mestre-de-campo-general,


comandara Roque da Costa um dos terços de Lisboa no reinado de D.
Afonso vi, de quem foi valido, a ponto de pôr o tio na reitoria de
Coimbra.

O depoimento é de um grande da época:


Segunda-feira 21 do próprio mês de abril (1664), que foi dia de N. S.a dos Prazeres, saiu de
Lisboa para Coimbra Manuel Corte Real nomeado reitor daquela universidade. Alcançou-
lhe esta dignidade o valimento com el-rei, de seu sobrinho Roque da Costa Barreto que se
empenhou grandemente para o conseguir.927

Era da súcia real:


Ia (el-rei) a Alcântara aos sábados à noite: no domingo, depois de jantar retirado só com
Henrique Henriques, Roque da Costa e alguns criados seus chamados pelo vulgo Valentes de
el-rei se partia para Odivelas e assistia à freira até a noite.928

A idade fez dele um militar de verdade e um administrador excelente.


O elogio de Rocha Pita (“Governo tão admirável”) reproduz conceito
comum de contemporâneos e pósteros, avivado pelos contrastes, entre
esse quatriênio e o infausto período que se lhe seguiu. Sentenciou
Vieira: “Inteireza, desinteresse e exemplo de vida e constância de
Roque Barreto, deixará canonizada para sempre sua memória”.929

O REGIMENTO

Começava pela importância do Regimento dos governadores-gerais


que trouxe (datado de 20 de março de 1677) e vigorou por mais de um
século.930 Assegurava a unidade de governo quanto à subordinação
hierárquica dos capitães-generais ao da Bahia; estipulava as faculdades
que a este cabiam; marcava-lhe a jurisdição e indicava as soluções para
os problemas administrativos que tinham até então suscitado dúvidas
e con itos. Saberia como proceder nos casos previstos e nas relações
com os provedores, a magistratura, as câmaras, os escrivães, a religião,
os estrangeiros adventícios, os índios aldeados, donatários,
contratantes, senhores de engenho... Quisera o Conde de Óbidos
organizar os serviços do governo-geral: o Regimento de Roque da
Costa deu-lhes forma. Ganhava a colônia uma pequena “constituição”
— restrita, é certo, ao mecanismo da administração, porém capaz de
limitar o arbítrio dos funcionários, que estariam contra a lei se
infringissem o Estatuto, explícito e sensato. Tirara-se-lhes também a
permissão para negociar, abuso que vinha dos primeiros tempos (com
Mem de Sá) e enriquecera vários antecessores de Roque da Costa. O
governador devia governar... Este o fez, e perfeitamente.

É
SÉ ARQUIEPISCOPAL

Esse período do triunvirato e do novo governador assinalou-se por


felizes acontecimentos.

Em atenção ao crescimento da colônia o príncipe regente em 1676


elevou a Sé da Bahia a categoria metropolitana, e a catedrais as igrejas
de Pernambuco, Maranhão e Rio de Janeiro. A paz de Espanha e a
conciliação com a Santa Sé permitiam que melhorasse a organização
eclesiástica. Con rmado pela Bula de 11 de maio de 70 — primeiro
bispo depois do dissídio provocado pela Restauração —, D. Estêvão
dos Santos chegara à Bahia em 15 de abril. Morreu em 6 de julho de
1672, com tempo apenas de impressionar os colonos com as suas
heróicas virtudes.931 Prosseguiu vaga a prelazia até o provimento —
que a Bula de 16 de novembro de 76 con rmou — de D. Gaspar Barata
de Mendonça: este não veio ao Brasil. Tomou posse por procuração (3
de julho de 77) e faleceu nove anos mais tarde, no reino,932 depois de
ter renunciado à mitra, que foi dada a um bom franciscano, D. Fr. João
da Madre de Deus (1683).

O Bispo de Pernambuco foi D. Estêvão Brioso de Figueiredo; do Rio


de Janeiro, D. Fr. Manuel Pereira; do Maranhão, o capucho D. Fr.
Antônio de Santa Maria.

Em função da dignidade primaz, teve a Bahia Relação Eclesiástica


(provisão de 30 de março de 78).933

Ganhou ainda o seu primeiro convento de freiras.


Havia muitos anos, que os senadores, nobreza e povo dela o pretendiam, assim por
acomodar as mulheres principais, que não tinham dotes equivalentes para casarem conforme
o seu nascimento, como por satisfazer aos suspiros de outras, que pretendendo conservarem
o estado virginal, e orescerem em santas virtudes, desejavam servir a Deus nos votos e
claustros da religião.

É verdade que a concessão restringia a cinqüenta o número das


religiosas professas, tanto se temia que acabassem os casamentos nas
classes ricas, correndo as raparigas para a paz do mosteiro cobiçada
pela devoção, pela prudência e pelo interesse.

CONVENTOS

Os carmelitas descalços acabavam de fundar o seu convento grande de


Santa Teresa, à Gameleira.934 Com franciscanos, jesuítas, beneditinos,
formavam uma clerezia opulenta. Era justo amparar também as
vocações femininas, em proveito da terra, que, de outro modo, as
famílias abastadas continuariam a mandar as lhas a professarem em
Portugal. Quatro clarissas de Évora (a abadessa Soror Margarida da
Coluna, e as madres Maria de São Raimundo, Jerônima do Presépio e
Luísa de São José com duas servas) chegaram à Bahia pela frota de
1677. Esperadas com ansiedade, acharam principiados os trabalhos de
sua vasta casa do Desterro, onde existia uma igrejinha em sítio
tranqüilo, entre roças de denso arvoredo, desde muito consagrado
àquela fundação.935 Agasalharam ali a sua fé; receberam logo — em
janeiro de 78 — muitas noviças recrutadas na aristocracia da cidade e
seu Recôncavo; e construíram igreja e convento, que nada caram a
dever aos melhores do reino.

Dois anos depois os capuchinhos italianos (Fr. João Romano e Fr.


Tomás de Sora) fundaram o Hospício de Nossa Senhora da Piedade,
transferido em seguida para os capuchinhos franceses, já conhecidos
na capitania.936

É uma fase de obras vultosas.

Resultara do incremento mercantil, da paci cação, da regularidade


das frotas, também da carta régia para que escalassem na Bahia as
naus da Índia937 (1672) — motivo duma animação urbana que se
combinou com a riqueza e a iniciativa de moradores faustosos.

OBRAS URBANAS
As gravuras holandesas da Bahia em 1624 já assinalam, em paralelas,
unindo as cidades alta e baixa, os guindastes que a serviam. Conhece-
se o aforamento de um deles, em 1627, a Diogo Lopes de Évora. Em
1643 o antigo mestre-de-obras Pedro Gonçalves de Matos teve licença
para concluir o que construíra com dois pilares mais para a praça (sic),
e que, pelo visto, seria grande máquina.938 O dos jesuítas deu nome à
rua: do Guindaste dos padres. Começam por esses aparelhos de alçar
mercadorias, numa brava tentativa de reduzir as di culdades
topográ cas da praça, a sua transformação no século xvii. Estendeu-se
aos paredões de arrimo e às ladeiras empedradas.

As chuvas de 1671 tinham causado vários desabamentos nas Ladeiras


da Conceição e Misericórdia. Apelou a câmara para a Coroa, pedindo-
lhe concedesse fazer os muros necessários. Começaram assim esses
trabalhos de sustentação, que só se concluiriam século e meio mais
tarde.

Em 1637 tinha sido arrematada a construção das calçadas.939 Então —


para obviar à alta do peixe — se decidira fosse vendido em tujupares
(palhoças), a preço xo, no Terreiro de Jesus.940 É imaginar a
humildade da Praça por esse tempo. Quarenta anos depois já se
espalhava pelas colinas adjacentes, sem respeito às “portas” (São Bento
e Carmo) do limite antigo. Chamou-se da Pólvora o campo junto do
Desterro, porque aí mandou Roque da Costa edi car, com quartel
anexo, a Casa da Pólvora. Povoou-se com isto o caminho da igreja
nova de São Pedro ao arrabalde de Nazaré. Aí a Rua da Poeira,
mencionada num soneto de Gregório de Matos. Abre-se a “de baixo de
São Bento” como de nitiva saída da cidade dos seus muros
quinhentistas.941

A Francisco de Brito Freire, escreveu Vieira em 1691, que, se como


“noutro tempo, governando alguma armada, entrara no seu formoso
porto, não a conhecera. Eu a desconheci, quando depois de 40 anos de
ausência a tornei a ver muito acrescentada e enobrecida de casas”.942 E
Gregório de Matos:
Haverá duzentos anos,
Nem tantos podem contar-se,
Que éreis uma pobre aldeia,
Hoje sois rica cidade.
Então vos pisavam índios,
E vos habitavam cafres,
Hoje chispais dalguias,
E arrojais personagens.943

Solares, que gurariam bem em Lisboa, ostentam altas portadas,944


linhas clássicas, como o de João de Matos à Ladeira da Praça (data:
1674)...945 O Arcebispo D. Frei João da Madre de Deus mudou-se “para
o novo palácio que comprara”,946 substituído, no começo do século
seguinte, pela mansão construída por D. Sebastião Monteiro da Vide.

Faz-se, por esse tempo, em pedra portuguesa (segundo o desenho de


São Vicente de Fora em Lisboa e da igreja dos jesuítas de Santarém), a
igreja da Companhia.947 Ao majestoso templo corresponde uma
sacristia em estilo e beleza comparável às melhores do século,
adornada de retábulos “qu’ils m’ont dit être des meilleurs Maîtres
d’Italie” (segundo um viajante de 1702).948 Reedi cam-se o Carmo e
São Bento,949 a Misericórdia (concluída no princípio do século
seguinte), a Sé950 — da qual disse o mesmo estrangeiro: “Je n’en sache
en France qui puisse lui être comparée”.951 Referia-se certamente ao
tamanho e à imponência barroca dos seus altos balcões, dos seus
vastos altares. A capela de São Pedro Velho transforma-se em suntuosa
matriz.952 As do Rosário (dos soldados)953 e da Palma (cedida em 1693
aos agostinianos)954 têm arte e nobreza. No Campo do Desterro, Roque
da Costa Barreto manda construir a Casa da Pólvora — que deu o
nome a esse arejado lugar.

Até aí o luxo se limitara a roupagem, sedas e enfeites com que se


a dalgavam os colonos — como lhes exprobrou, no Maranhão, o
pregador:
Todos a trabalhar toda vida, ou na roça, ou na cana, ou no engenho, ou no tabacal: e este
trabalho de toda a vida, quem o leva? Não o levam os coches, nem as liteiras, nem os cavalos,
nem os escudeiros, nem os pajens, nem os lacaios, nem as tapeçarias, nem as pinturas, nem
as baixelas, nem as jóias; pois em que se vai e despende toda a vida? No triste farrapo com
que saem à rua, e para isso se matam todo o ano.955

A vida correra sóbria, desataviada, rústica: e pelas ruas estreitas em


vez de carruagens (que não havia na Bahia em pleno século xviii)
des lavam as “serpentinas”, ou redes suspensas de uma vara em
ombros de negros, ao gosto indiano...956 As mulheres saíam a furto, às
madrugadas, para ouvir missa; e os sujeitos de prol só eram vistos
naquelas “tipóias”, seguidos de escravos. À noite os encapuçados, de
espada sob o braço e guitarra, pervagavam, perigosos, com os guarda-
costas.957 Mas os tempos mudavam.

Em 1685 espanta-se François Coréal:


O fausto religioso se mostra em toda a sua exterioridade. Não vi lugar onde o Cristianismo
se apresentasse mais pomposo do que nesta cidade, seja quanto à riqueza e multidão das
igrejas, dos conventos e religiosos, ou quanto à feição devota dos dalgos.958

Outro francês, Froger, que passou pela Bahia em 1696, gabou-lhe a


opulência dos edifícios, sobretudo a igreja do colégio, mosteiros,
sobrados e capelas.959
Casas de dois e três andares, paredes grossas, fachadas de cantaria, quase sempre enfeitadas
por largas sacadas; telhas por toda parte; não se viam tetos de materiais pobres. Largas as
principais ruas, bem calçadas de pedras pequenas

— admirou, em 1699, William Dampier.960 “Grande entreposto


comercial”, notou ainda o viajante inglês:
Fazendas nas e grosseiras em abundância; roupas feitas, farinhas, óleo, vinhos, queijos e
manteiga, ferro, objetos manufaturados, sobretudo em estanho. As carnes salgadas tinham
grande procura.

Um engenheiro hábil, João Coutinho, vindo de Pernambuco em


outubro de 1684,961 planejou a melhoria ou reconstrução das
fortalezas, que completasse o sistema defensivo da Bahia, o mais
importante destas Américas. As suas plantas — aprovadas pelo
Conselho Ultramarino — serviram de base para as obras realizadas no
decênio seguinte, pelo Governador D. João de Lencastro.
A civilização, porém, segue de perto a conquista do solo. Não
bastaram os conventos de Sergipe do Conde, São Francisco do
Paraguaçu e Cairu.

O Padre Alexandre de Gusmão ousou levantar, perto de Cachoeira,


um seminário e a sua igreja (de Belém) com o aparato e o primor das
melhores da capital (1686).962 Logo depois os carmelitas, chamados ao
porto de Cachoeira pelo Coronel João Rodrigues Adorno, lançaram os
fundamentos ao seu amplo hospício (1688).963

HIGIENE E DEFESA

A epidemia de 1686 obrigou governo e vereadores a cuidarem da


limpeza e higiene urbana. “Dizem-me que são poucos os (lugares) que
nesta cidade há donde não haja monturos, sendo o Terreiro o maior
deles”, declarou à câmara D. Fr. Manuel da Ressurreição, em 30 de
outubro de 1688. “A corrupção de todos infecciona os ares, e sendo
antes benignos são hoje os que pervertem a saúde, e ajudam mais
e cazmente a malignidade que quase faz contagiosas as doenças”.964

Contribuía para a insalubridade a grossa importação de negros da


África com todas as mazelas e febres que os consumiam nos seus
climas doentios. Eram tantos que os jesuítas se aplicavam a estudar-
lhes a língua: “A etiópica, com que só nesta cidade se doutrinam e
catequizam 25 mil negros, não falando no in nito número dos de
fora”.965

XXIII: P  

SERGIPE
As guerras holandesas destruíram o melhor do esforço português entre
o Rio Real e o Cabo de São Roque. Mais sofreram Sergipe e Rio
Grande do Norte, cuja riqueza pecuária foi dissipada ou removida,
com a depredação dos ralos núcleos de povoamento duplamente
agelados, pelos invasores e pelos defensores da terra. A zona de
criação aquém do São Francisco tivera a maior importância até o
período agudo daquelas lutas. Currais numerosos, “de que se sustenta
a mesma Bahia e Pernambuco”,966 ocupavam a região em pouco tempo
devastada, e praticamente sem povoação alguma de pé, em 1650,
quando o governo-geral se decidiu a auxiliar a reconstrução da
“cidade” de São Cristóvão. Escreveu o Conde de Castelo Melhor ao
Capitão-mor Baltasar de Queirós: “Desejando eu que essa cidade se
reedi que e a capitania se aumente de maneira que brevemente se
restitua a seu antecedente ser, e felicidade”,967 o limite desta devia ser ao
sul o Rio Japaratuba, e ao norte a capitania do Rio de São Francisco.968
Os moradores de Sergipe queriam cobrar as ntas de passagem do São
Francisco, o que se lhes impediu, por caberem já à Vila de Penedo.
Deu-se-lhes em compensação as do Rio Real, cujo produto tinham de
aplicar às obras da cidade.969 Andavam então exaltados os munícipes
de São Cristóvão. Expulsaram o vigário, amotinaram-se, prometeram
outras violências acaudilhados pelo Capitão Manuel Pestana de Brito.
Foi aquietá-los um sindicante enérgico, o Desembargador Bento
Rebelo (1656). Estranhava o governador-geral que tanta fosse ali a
“ambição de tabaco que se esquecessem as roças”,970 “pois o lucro das
malhadas de fumo”, para atenuar a perda dos gados, causara, com a
falta de farinhas, a escassez de alimentos... Acomodados em 1657, os
sergipanos voltaram a rebelar-se em 1671, pondo fora da vila o
Capitão José Rebelo Leite, que foi substituído por João Munhoz, o
primeiro a levar da Bahia instruções pelas quais devia reger a
capitania.971 Viu-a Gregório de Matos (1690?) e descreveu a “cidade de
Sergipe del-Rei”.
Três dúzias de casebres remendados,
Seis becos de mentrastos entupidos,
Quinze soldados rotos e despidos,
Doze porcos na praça bem criados.
Dous conventos, seis frades, três letrados,
Um juiz com bigodes sem ouvidos,
Três presos de piolhos carcomidos,
Por comer dous meirinhos esfaimados.
[...]
Farinha de pipoca, pão que greta,
De Sergipe del-Rei esta é a cidade.972

AS ALAGOAS

A capitania de São Francisco, as Alagoas e o Rio de São Miguel


formavam três distritos unidos na jurisdição de um coronel das
Ordenanças, Luís do Rego Barros, em 1674.973 A primeira abrangia
Penedo e o sertão da margem esquerda, que voltara a encher-se de
currais, a ponto de serem inumeráveis os gados — de ordinário
transportados para a Bahia — ao começar o século xviii. Pelo São
Francisco acima, “até as povoações dos Rodelas, e pelo Rio Panema
acima, Comunati, Campos do Buíque, Campos de Garanhuns”,974 se
distanciavam os vaqueiros dos núcleos agrícolas de Porto Calvo e
Serinhaém, incluídos no ambiente social da “várzea”. Os engenhos de
açúcar sofreram o agelo da “guerra dos Palmares”: só se libertaram da
vizinhança e in uência dos Mocambos de 1694. A criação da comarca
das Alagoas — separada de Olinda — justi cou-se em seguida pelo
povoamento do território entre as Alagoas do Norte e Porto Calvo e o
porto de Penedo.975 Perto, no São Francisco, dando nome à cachoeira,
havia em 1704 a “Tapera de Paulo Afonso”; e uma barca, no Juazeiro,
servia aos viajantes...

RECIFE E OLINDA

Pernambuco refez-se depressa dos estragos e da miséria que atrás de si


deixaram os holandeses.976

Teria Olinda de renascer — de suas ruínas tostadas de vários


incêndios. Reduzira-se o Recife a alguns bairros de mercadores
terrivelmente depredados, que não dariam idéia da prosperidade de
outrora. Da Mauricéia, pouco ou nada restava. “Arrasaram eles (os
holandeses) aquela parte da mesma cidade que edi caram, que podia
ser útil às armas de Vossa Majestade, só por conservarem o Recife”.977
De pé, cavam as igrejas profanadas. O primeiro trabalho consistiu em
reaparelhá-las, fazendo-se simultaneamente outras para as exigências
do culto, agora que o exacerbava o triunfo sobre o “herege”. Instalou-se
na do Corpo de Deus, transformada pelos invasores em templo
protestante, a matriz do Recife. Nela fora sepultado em 1639 o
sobrinho de Nassau, João Ernesto. Seu primeiro vigário chamou-se
Manuel Dias de Carvalho. Ganharam os jesuítas (ordem régia de 26 de
abril de 55) bom sítio para o novo colégio: onde houvera a igreja de
calvinistas franceses. Voltaram os franciscanos ao Convento de Santo
Antônio, fundado na sua ilha em 1606.978 Os capuchinhos franceses,
tolerados pelos amengos, começaram a estabelecer-se (1656) no
terreno doado pelo Capitão Belchior Alves Camelo. É possível que este
benfeitor, capitão-mor do São Francisco, os atraísse às missões no
grande rio. Tais obras,979 por outro lado, asseguravam ao Recife a
continuidade. Em detrimento de Olinda, protestaram os senhores de
engenho, a quem repugnava a povoação do porto, com a ganância dos
mercadores e a sua tradição amenga, em contraste com a largueza (e
o ar nobre) da sua vida rural. Não tardou o con ito — à roda desse
problema — entre o Governador-geral Francisco Barreto, partidário
da conservação do Recife, e André Vidal de Negreiros, homem de sua
classe, que preferia a restauração de Olinda.980

RESTAURAÇÃO DA VILA ANTIGA

Aprovou el-rei a mudança “do dito governador (Vidal) para a Vila de


Olinda, sem embargo de se fazer sem aprovação minha e encomendar-
vos muito, como ora faço, que com todo cuidado mandeis tratar da
conservação do Recife”, onde cava a alfândega, com a infantaria.981

Pode ler-se o seu nome no fragmento da pedra comemorativa da


construção da casa do governo em Olinda (que se guarda no Instituto
Arqueológico Pernambucano). Como outra lápide provinda do
mesmo edifício tem a data de 1666, entre ambas, 1657 e 1666, se situa
o reerguimento da velha capital de Duarte Coelho, da Nova Lusitânia
de Bento Teixeira. Ali e não no Recife enfrentou André Vidal a cólera
do seu general das passadas batalhas — e o povo descontente depôs
Jerônimo de Mendonça Furtado, como se dirá.

LUTA DE JURISDIÇÕES

Desavindos a propósito da transferência da sede do governo, entraram


Barreto e Vidal em luta aberta quanto às nomeações para os lugares da
tropa. Competiam ao governador-geral na Bahia, sustentava o
primeiro; e queria, obstinado, o segundo que continuasse isso na sua
jurisdição. Como não se entendessem, decidiu abruptamente Barreto
suspender das suas funções André Vidal; e remeteu para substituí-lo
(com ordem de recorrer às armas se necessário) o Mestre-de-campo
Nicolau Aranha Pacheco (o mesmo que lhe servira de alferes no
começo da guerra patriótica). O Desembargador Cristóvão de Burgos
foi encarregado de instaurar o respectivo processo. Prudente, o
paraibano reconheceu a autoridade do governador-geral, antes que a
desinteligência descambasse para a rebelião; e por sua vez a corte
reprovou duramente a energia descompassada de Francisco Barreto.
Serviu o episódio para rea rmar a hierarquia administrativa, que
sobrepunha aos capitães-generais das capitanias o governador-geral do
Brasil.982

BRITO FREIRE

A André Vidal, nomeado governador de Angola, sucedeu no governo


de Pernambuco (26 de janeiro de 1661) o ilustre Francisco de Brito
Freire. Na qualidade de segundo e primeiro comandante da frota de
1653 e de 1655 estivera no Brasil. Tinha missão complementar e
secreta, como lhe recordaria o Padre Antônio Vieira.
Lembro-me agora de quando a rainha-mãe, por conselho dos Condes de Cantanhede e
Soure, enviou a V. S., não só a governar Pernambuco, mas para prevenir a seus lhos uma
retirada segura, no caso em que algum sucesso adverso, que então muito se temia,
necessitasse deste último remédio. E também V. S. estará lembrado de que S. M. me mandou
passar do Maranhão, onde então estava, para assistir a V. S. e se seguir o roteiro que el-rei,
que Deus tem, tinha prevenido, como tão prudente, para o caso de semelhante tempestade, e
se achou depois de sua morte em uma gaveta secreta rubricado de sua real mão com três
cruzes. [...] V. S. me guardará segredo.983

Nesta precaução se ocultava uma idéia, espécie de talismã da dinastia


de Bragança: o Brasil, se faltasse Portugal. Acariciou-a D. João iv, como
nos revela o seu confessor; alimentou-a D. José i; realizou-a D. João vi.
Estava na “gaveta secreta” da família... Que de admirar, pois, se na sua
administração pernambucana Francisco de Brito exorbitou,
subordinando a ela as capitanias vizinhas, como lhe estranharam os
governadores-gerais, empenhados depois em que estas se
conservassem desligadas do Recife e submetidas à sede do estado, que
era a Bahia? O vice-rei Conde de Óbidos nisto se mostrou
intransigente. Em carta ao governador de Pernambuco (26 de abril de
1664) — Francisco de Brito deixou o poder em 5 de março —
acentuou que na jurisdição dele cabiam apenas “as capitanias anexas”,
“Porto Calvo, Serinhaém, Lagoas e Rio de São Francisco, porém,
teriam capitães-mores”. Itamaracá, cujo donatário era o Marquês de
Cascais, passara à Coroa após a Restauração de Pernambuco: portanto
fugia àquele domínio.
A jurisdição que Francisco de Brito Freire (a quem Vossa Mercê sucedeu) quis ter na Paraíba,
e Rio Grande, fundado também nessa palavra comum, das mais capitanias anexas, ocasionou
mandar el-Rei meu Senhor escrever a Francisco Barreto a carta, cuja cópia enviou com esta a
V. Mercê, estranhando-lhe deixar perder a sua jurisdição, e consentir que um súdito seu
pretendesse entrar nela.984

Bem governara, porém, o honrado dalgo.

O “XUMBERGA”

Não foi assim Jerônimo de Mendonça Furtado.985 Impopularizou-se,


malquisto dos personagens da terra; ofendeu os melindres da Câmara
de Olinda; alienou a simpatia dos militares veteranos, como os chefes
dos dois terços, Antônio Dias Cardoso e D. João de Sousa.

É
É compreensível a conspiração que o pôs fora do governo: traduzia o
sentimento nativista, no orgulho da gente pernambucana ainda
próxima dos gloriosos acontecimentos de 1645. As cóleras que
explodiram em 1710, na “guerra dos mascates”, esboçam-se, prévias,
na agitação de 1666. André Vidal, imbuído do espírito dos senhores de
engenho da região, recuara com prudência na sua política de
“autonomia”: e cedera. Os olindenses foram mais longe: prenderam o
mau governador, que lhes zera o serviço de instalar novamente na
sua vila, coberta de destroços, a sede da capitania.986

O pretexto foi a permanência no porto de uma frota francesa de doze


navios, procedente da Ilha de São Lourenço, do mando do Marquês de
Montevergue. Jerônimo de Mendonça tratou bem os viajantes, com
muitas festas, ao gosto do tempo e do lugar, isto é, banquetes,
cavalhadas e serenins. Vereadores e militares tomaram a cordialidade
por traição, vendo o propósito — ao que se espalhou — de meter
estrangeiros na terra, e se conluiaram, para depor o “Xumberga”, o juiz
ordinário André de Barros Rego, Lourenço Cavalcanti e João Ribeiro,
membros da Câmara de Olinda, Domingos Dias Soeiro, procurador
desta, o secretário do governo Manuel Gonçalves Correia, João Batista
Accioli e João Gomes de Melo.

O golpe foi engenhoso.

Costumava o governador acompanhar o Viático, que,


processionalmente, ia à casa dos enfermos cuja agonia se anunciava.
Saiu na tarde de 31 de agosto (1666) o Santíssimo Sacramento às mãos
do vigário para um doente simulado; e à volta, ao deixar a igreja
Jerônimo Furtado, lhe deram voz de prisão os conspiradores, e o
transferiram para o Forte do Brum, donde foi remetido, na frota
seguinte, para o reino.987 Depredaram além disso várias casas, e
detiveram os amigos do governador, a modo de expurgo, cuja
responsabilidade tomaram os dois mestres-de-campo de Pernambuco.

O vice-rei não mandou castigar o delito. Tendo a Câmara de Olinda


tomado o governo, à espera de quem fosse provido nele, nomeou
André Vidal de Negreiros (empossou-se em 24 de janeiro de 1667)988
— como lho do país, que se faria obedecer dos revoltosos.
Aquietaram-se estes. Seis meses durou a administração apaziguadora
do herói paraibano substituído por Bernardo de Miranda Henriques
(que governou até 28 de outubro de 1670).

A época do “Xumberga” assinalou-se por outros males: a epidemia de


bexigas (chamou-lhes o vulgo “xumbergas”), “e foi tão grande a
mortandade que o pároco só não bastava para administrar os
Sacramentos, sendo necessário que os religiosos o coadjuvassem nesta
piedosa obrigação”.989 O contágio andou por todo o Norte e fez na
Bahia grande estrago.990 É compreensível isto — até pela ausência de
medicina... Ainda em 1670 o governador-geral escreveu ao do Rio de
Janeiro: “Vejo o que V.

S. diz sobre o médico, quatro há nesta cidade, são poucos para tão
grande povo. Em Pernambuco havia um, e por lhe não pagarem se
veio também para a Bahia onde morreu”.991

PARAÍBA

Mais depressa se reergueu a Paraíba, porque não a agelaram, na zona


litorânea, tapuias e escravos fugidos, como no Rio Grande, no Ceará,
nas Alagoas. Participava além disto da dupla vantagem de ter
engenhos de açúcar que voltaram a moer (dezessete antes da guerra e
em 1666 “dezessete, se não forem mais”)992 e campos excelentes para os
gados que os supriram — e a Pernambuco.

Um morador da Bahia, João Peixoto Viegas, logo em seguida à


restauração obtivera seis léguas em sesmaria e introduziu “grande
quantidade de gado que mandou levar desta capitania da Bahia” (por
não haver naquela) “pela distância de 180 léguas, [...] no que fez
notável serviço e aumento às rendas de S. M. porque logo lhe cou
possível pelos bois dele suplicante a lavoura e fábrica dos engenhos
d’açúcar que se foram fazendo”.993 Aos paraibanos não faltava orgulho
nativista, com o sentimento da vitória recente. Para premiá-los
mandara Francisco Barreto a André Vidal, governador de
Pernambuco, que enviasse por guarnição à Paraíba duzentos soldados,
mas naturais dela994 — numa homenagem feita às suas tradições e aos
seus sacrifícios. Governou-a em 1655 João Fernandes Vieira. Para
suceder-lhe foi um lho da terra, o velho Matias de Albuquerque
Maranhão995 — (1657–63). Substituiu-o outro capitão-mor brasileiro,
João do Rego Barros (1663–70). Prosperou assim a capitania. Os
beneditinos tornaram para o seu convento com Frei Paulo do Espírito
Santo, em 9 de junho de 1655.996 Os jesuítas fundaram a missão do
Pilar, de índios cariris, em 1670. Dez anos depois criou a Coroa a
ouvidoria da Paraíba, com jurisdição sobre o Rio Grande e
Itamaracá.997

RIO GRANDE

Ao largarem os holandeses o Rio Grande, pouco mais do que a


Fortaleza dos Reis Magos (“a melhor que tem o estado”)998 aí cou de
pé. Devastados ou desertos os currais, os tapuias de novo na costa, as
aldeias abandonadas, convidavam a um largo esforço de
repovoamento antes que os corsários estrangeiros se misturassem uma
vez mais com os janduís, seus aliados históricos.

“Para povoar essa capitania com mais brevidade”, mandou Francisco


Barreto que permanecessem junto à fortaleza oitenta casais de índios
descidos do Ceará.999 Em 1655 ainda não se lhes dera sacerdote.1000 Os
jesuítas voltaram.1001 Saíram do Vale do São Francisco alguns
pioneiros, Antônio d’Oliveira Ledo, irmãos e sócios1002 — seduzidos
pelos campos do Rio Grande onde os gados tinham mercado próximo
(Paraíba e Pernambuco) e pastagens incomparáveis. Descobriram o
sertão. Fizeram os seus arraiais. Também o Capitão Bento da Costa “se
transportou para esta capitania do Rio Grande com grande cópia do
gado o qual tem sitiado em um sítio que está devoluto nos ribeiros de
uma lagoa chamada Papissara do sertão”.1003 Ao ndar o século o
governador-geral lembrou ao de Pernambuco:
Sei eu (e vós me haveis de confessar) que dos gados do Rio Grande1004 se sustentam os povos
dessa capitania e das outras duas (Itamaracá e Paraíba); que da sua carne resulta o imposto
que se paga para a infantaria; e de seu serviço a permanência de todos os engenhos e
canaviais de Pernambuco; e que dos açúcares que nela se lavram depende a carga de frotas e
o comércio mercantil; sem o que não se pode conservar essa praça: logo por precisa
conclusão vem essa capitania a ser a mais empenhada, ainda que as duas vizinhas se não
percam, em se defender e conservar a do Rio Grande, de que tão essencial dependência têm
essas do Norte.1005

Razão havia para esse zelo. A guerra do Açu, ou revolta geral dos
janduís (de que damos notícia em capítulo à parte) fez supor a
cumplicidade de piratas franceses, coincidente aliás com o surto da
colonização européia nas Guianas ameaçando as balizas portuguesas
da Amazônia. Exigiu uma concentração de reforços a lembrar a guerra
aos petiguares do Ouvidor Fernão da Silva e de Frutuoso Barbosa.
Valeu por uma reconquista — 1687–94 — que abreviou as distâncias
entre Pernambuco, ainda o centro da irradiação militar e espiritual do
Nordeste, e o Ceará e o Maranhão, até aí desligados do resto do Brasil.

Achou-se (1693) que os tapuias não serenariam sem a distribuição de


arraiais de índios de várias tribos — vindos do Ceará Grande — pelas
margens do Jaguaribe e do Açu. Custódio de Oliveira Ledo fundou o
primeiro, Mamanguape, com cariris e piancós.1006 Seu irmão, Teodósio
de Oliveira Ledo, incumbiu-se de outra “aldeia das Piranhas”.1007
Informou então o mestre-de-campo dos paulistas, Morais Navarro:
“Esta capitania é tão miserável que de Pernambuco lhe vai todos os
anos farinha para o presídio que nela tem”.1008 O Governador-geral D.
João de Lencastro mandou-lhe da Bahia o Padre João Guinzel, da
Companhia, para aldear os tapuias do Açu1009 protegendo-os dos
paulistas em franco dissídio com o Capitão-mor Bernardo Vieira de
Melo. Essa rusga, junta às privações que arrostou o terço de Matias
Cardoso e Morais Navarro, epilogou a ação valorosa dos mamelucos
de São Paulo naquela fronteira do Rio Grande.1010 Revelou também a
personalidade do “potentado” pernambucano, cujo nome de guerra,
adquirido na destruição dos Palmares, havia de ligar-se à primeira
explosão nativista do século seguinte: o con ito “dos mascates” (1710).

Á
CEARÁ

Expulsos os amengos — do Ceará de Martim Soares — (depois disto


submetido à jurisdição de Pernambuco), restava somente o forte
arruinado. Aí novamente se alojou uma guarnição. À sombra desse
baluarte vegetou — durante o século xvii — uma escassa população de
brancos e índios sem forma de cidade (a Vila de Fortaleza é de 1725) e
sem igreja além da capela do presídio onde o ciava o capelão da tropa.
Em 1696 escreveu el-rei: “Viu-se a vossa carta (do ouvidor da Paraíba)
de 20 de abril deste ano em que representais ser conveniente o criar-se
na capitania do Ceará Grande, câmara com juízes, vereadores e
escrivão pela falta que faz”.1011 E em 1697:
O capitão da capitania do Ceará Pedro Lelou me deu conta em carta de 30 de agosto do ano
passado em como aquela capitania em seu princípio não carecia de quem lhes administrasse
justiça por não haver nela mais que gentios domésticos e soldados de guarnição de fortaleza
e como hoje estava povoada com mais de 200 moradores e esses não tinham ministro nem
o ciais que lhes dissessem as dúvidas e sentenciassem as causas.1012

O campo à volta pertencia à catequese prudente e tenaz dos jesuítas, a


partir de 1656. “Os padres da Companhia haviam reduzido uma
grande quantidade de índios que habitavam as terras da costa do
Ceará, sobre o Rio Grande e mais de 200 léguas de distância”.1013 O
paulista Morais Navarro contou-lhes as aldeias, em 1694 — “Ceará
Grande tem Cabucaíva (Caucaia), Parangava, Paupina,1014 Peramirim,
duas aldeias de Jaguaribaras todas estas bem cheias de índios”. Três
anos antes morrera o Padre Pedro Pedrosa, após ter acomodado os
tabajaras da serra do Ceará:1015 desses estabelecimentos irradiaria a
colonização metódica e pací ca.

Em 1698 queixou-se o Bispo de Pernambuco do virtual abandono das


aldeias pelos jesuítas, nelas substituídos pelos padres da Congregação
de São Filipe Néri, tendo à frente “o Padre João Álvares servo de Deus”,
e ainda ao presente continua, tendo duas a seu cargo, correndo as outras por conta de dois
clérigos, que mandei para elas logo que tive notícia do desamparo em que estavam.
Cresceram os moradores e aumentou-se a povoação (informa o prelado) de sorte que se
instituiu paróquia dando-se-lhe por matriz a mesma capela da fortaleza, em que se conserva
até o presente; cando o mesmo capelão sendo vice-vigário nomeado pelo bispo.1016
Não era bem assim.

Os jesuítas, atormentados nas aldeias da costa pelos soldados e


capitães que lhes tiravam os catecúmenos, expostos, além disto, à luta
com os tapuias que lhas rondavam, em intermitentes investidas (a
“guerra do caju”) — preferiram limitar a área de seus trabalhos à
populosa Ibiapaba.1017 Aí construíram o primeiro hospício que se lhes
concedeu no Ceará (mandando el-rei, em 1721, dar-lhes para isto 6
mil cruzados). O segundo foi Aquiraz — no século imediato, quando a
capitania se bene ciou de um progresso geral.

A guerra dos janduís aproveitou ao Vale do Jaguaribe: porque foi


invadido pelos gados do Rio Grande tangidos pelos vaqueiros que
fugiam à ferocidade do tapuia e à brutalidade dos outros “senhores do
sertão”.1018

Vale dizer que as fazendas de criação — depois que se aquietaram os


índios — tiveram acolá uma dupla origem: resultaram do êxodo dos
moradores do Apodi, Piranhas, Cunhaú; e, em progressão do Sul para
o Norte, da expansão sertanista que, pelo rumo de Pajeú e serra entre
Pernambuco e Paraíba, partira do Rio de São Francisco com a Casa da
Torre.1019

Os missionários catequizaram jaguaribaras e cariris. Os catecúmenos


zeram-se pastores. Duas gerações mais — e os sertões quentes, onde
a água rareia, ao longe bordados de colinas verdejantes, começaram a
ser cortados pelos rebanhos.

XXIV: O   N

A ÁREA AMAZÔNICA

Em 1652 começa uma grande época da colonização religiosa.


Os missionários realizam entre o Maranhão e o Amazonas tarefa
equivalente à dos sertanistas entre o Tietê e o Paraguai, quanto à
dilatação das fronteiras e à expansão portuguesa: porém única, no seu
propósito de aliar à civilização o índio e catequizá-lo, salvando-o.

Em 1652 os pólos da geogra a política do Brasil são o Pará e São


Paulo.

Os pioneiros no planalto meridional destroem as massas indígenas,


abrindo espaço ao domínio do mamaluco e do branco; mas os padres
na Amazônia defendem o selvagem, restringindo as atividades dos
colonos, ávidos de braços escravos.

Ao Norte forma-se com isto uma sociedade que, em alguns aspectos,


lembra o Paraguai jesuítico, e em que prepondera a in uência tapuia,
do gentio domesticado; enquanto no Sul este vai desaparecendo, na
eliminação gradual das “nações” dissolvidas.

Certo, a região amazônica, densamente ocupada por inúmeras tribos


dóceis,1020 de ágeis canoeiros protegidos pela vastidão do rio
correntoso e ignoto, jamais poderia ser investida por homens de
guerra, encarniçados contra o nativo. A posse do vale exigia,
preliminar, o seu apoio, Não se concluiria sem a sua amizade.
Requeria-lhe o préstimo de guia, de conhecedor da natureza que
assombrava o forasteiro, de dono dos seus segredos — no labirinto dos
igarapés serpeando pela selva inextricável. Bento Maciel e os
companheiros, na hora primeira da história do Pará, trucidaram, um
pouco por toda parte, tapuias espantadiços. O resultado foi limitar-se
então a penetração portuguesa ao curso do rio, onde as caravelas com
facilidade destroçavam almadias indígenas: para desembarcar e
in ltrar-se pelas margens, tateando terra rme, necessitou da ajuda do
padre e de sua persuasão sobre os naturais, logo dispostos à conversão
e serviço dos adventícios. A um aceno do franciscano que
acompanhava Luís Aranha de Vasconcelos,1021 centenas deles se
apresentaram — e, combatendo os aruãs, expulsaram de seus fortes e
tabacais holandeses e ingleses. Os europeus são sempre em número
diminuto. A desproporção dos povoadores para a largueza da
Í
conquista lembra os portugueses na Índia, em tempo de Albuquerque:
um troço de bravos em face de populações compactas e espantadas. A
pretensiosa cidade do Maranhão, sede do estado, em 1636 (segundo
Bento Maciel Parente) tinha 250 moradores e 60 soldados. Em 1660
não contava mais de 600 habitantes. E Belém, com 80 moradores e 50
soldados em 1636, trinta anos depois era cidade de apenas 400
almas.1022

“Tudo quanto há na capitania do Pará — testemunhou Vieira —


tirando as terras, não vale 10 mil cruzados, como é notório”.1023

Os nomes são grandíloquos: Maranhão, Pará...; porém a realidade


mesquinha (povoações de palhoças, rala guarnição, meia dúzia de
sacerdotes e alguns funcionários) diante de um mundo estranho e sem
medida.1024 De jesuítas são os olhos que o vêem e avaliam.

Exploram-lhe a imensidade, estudam-no (com o senso das ciências


naturais de Nóbrega, Anchieta, Cardim) e o descrevem nos seus mapas
— os que se conhecem da Amazônia até a excursão de La Condamine,
no meado do século seguinte.1025 Melhor: aprendem o falar dos índios,
e os doutrinam.
Na antiga Babel houve 72 línguas; na Babel do Rio das Amazonas já se conhecem mais de
150, tão diversas entre si como a nossa e a grega: e assim quando lá chegamos, todos nós
somos mudos, e todos eles surdos. Vede agora quanto estudo e quanto trabalho será
necessário, para que estes mudos falem, estes surdos ouçam.1026

Quatro anos depois exultava o Padre Vieira: “O estado da missão, em


suma, é ser ela a maior em número de almas, e a mais disposta a
receber os meios da salvação, de quantas hoje tem a Igreja”.1027 “A
maior empresa que tem a Companhia e porventura a mesma Igreja,
onde só o número das nações bastaram para assombrar o mundo”.1028

EM FAVOR DO ÍNDIO
A corte de Lisboa decidiu-se a dar impulso novo às missões do “Estado
do Maranhão”, graças a dois incidentes: a rivalidade entre os religiosos
seculares, que já lá estavam, e os jesuítas (tão protegidos de D. João iv);
e as queixas de Inácio do Rego Barreto, capitão-mor do Pará suspenso
pelo Governador Luís de Magalhães. Fora também demitido o
Vigário-geral Mateus de Sousa Coelho. Pediram justiça — e os jesuítas
com eles — tanto por que se obviasse de futuro à arbitrariedade da
administração, como para que de vez se organizasse a catequese.

O Padre Antônio Vieira empregou o seu valimento para que assim se


zesse. Foi o Pará separado do Maranhão (provisão de 25 de fevereiro
de 1652). Voltou Inácio do Rego para Belém. Para substituir
Magalhães veio Baltasar de Sousa Pereira. Traziam instruções para
obstarem aos resgates, impedindo a opressão dos índios pací cos.

Nessa política — de suprimir a escravidão do gentio — de niam os


jesuítas uma atitude franca, corajosa em face da impiedade reinante no
Brasil, previamente heróica. Teriam de lutar; e lutaram.1029 De resto,
amparados pela Coroa, continuavam a tarefa encetada pelo Padre Luís
Figueira. Di-lo Vieira: “Seguindo os desígnios do Padre Luís Figueira e
as ordens de S. M., em que manda que edi quemos casas e igrejas nas
três capitanias do Maranhão, Pará e Gurupá”.1030

O destemido missionário que vimos, em 1607, dar sepultura em


Ibiapaba ao primeiro mártir do Norte, seu companheiro Antônio
Pinto, prosseguira o apostolado no Maranhão e no Pará, até 1637.
Recolhera-se então à metrópole, para angariar subsídios, sacerdotes e
ordens régias, indispensáveis à ampliação das missões.1031 Voltou em
1643 com quatorze padres. Naufragou o barco, nos baixios à entrada
de Belém. Parte da tripulação (e o Governador Pedro de Albuquerque)
salvou-se em botes. Figueira e onze religiosos valeram-se de uma
jangada feita com os destroços da embarcação. Mas a correnteza os
lançou à Ilha de Joanes (Marajó) onde os ferozes aruãs os mataram a
todos. Com essa chacina se interrompeu um largo projeto de
colonização espiritual: retomou-o nove anos depois Antônio Vieira.
VIEIRA NO MARANHÃO

Não seguiu em 22 de setembro (1652) com a primeira turma de


religiosos, solicitado pelos interesses que ainda o prendiam a Lisboa,
mas em 25 de novembro, contra a vontade, premido pela ordem dos
superiores e deixado ir por el-rei...1032 “Deus quis que com vontade ou
sem ela eu viesse. [...] Venceu Deus! Eu agora começo a ser religioso!”.
Chegou Vieira a São Luís em 26 de janeiro de 53. Ato contínuo zeram
os padres o seu colégio, com a invocação de N. S.a da Luz, perto da
fortaleza — dominando escrúpulos e hostilidades dos moradores, que
os receberam em tom de revolta. Iniciou-se a luta — com os
escravizadores de índios — no instante em que lá puseram o pé: “No
mesmo dia em que cheguei a ela, ouvindo os Roncadores, e vendo o
seu tamanho, me moveram a riso, como a ira”.1033 Vieira não receou ou
evitou o con ito. Logo a 22 de maio assomou ao púlpito para de nir a
doutrina: perdiam as almas os detentores de índios que os exploravam
na roça ou portas adentro. “Não há maior maldição numa casa, numa
família, que servir-se com suor e com sangue injusto. Tudo vai para
trás: nenhuma cousa se logra, tudo leva o diabo”. Nem valeria
permissão régia em contrário: “El-rei poderá mandar que os cativos
sejam livres; mas que os livres sejam cativos, não chega lá sua
jurisdição. Se tal proposta fosse ao reino, as pedras da rua se haviam de
levantar contra os homens do Maranhão”. Exprobrou-lhes: “Ah,
fazendas do Maranhão, que se esses mantos e essas capas se torceram,
haviam de lançar sangue!”. E pediu que os colonos se acomodassem à
regra de fazerem aprovar por uma junta as entradas que fossem ao
sertão buscar índios “em corda” ou “tomados em guerra justa”, os quais
seriam distribuídos (“de sorte que nesta forma todos os índios deste
estado servirão aos portugueses”) mediante bem humilde salário:
“Duas varas deste pano” de algodão, “que valem dois tostões!”.1034

D. João iv entretanto, às primeiras reclamações dos maranhenses,


expediu a provisão de 17 de outubro de 53, por que se considerassem
cativos os índios apanhados em guerra justi cada ou resgates;1035 e
mesmo o Padre João de Sotto Maior, reitor do novo colégio, teve de
assinar nos livros da câmara um termo, de como os missionários não
se envolveriam na questão de escravos e libertos.1036 Em Belém, onde
chegou em 5 de outubro, assumiu Vieira compromisso idêntico. Era
compreensível: “[...] fundados todos em serem os índios o único
remédio e sustento dos moradores, que sem eles pereceriam”. Mas
fremia em irritação incontida: “O remédio que isto tem (e não há
outro) é mandar V. M. que nenhum governador ou capitão-mor possa
lavrar tabaco nem outro algum gênero, nem por si nem por interposta
pessoa, nem ocupem nem repartam os índios”.1037 Não transigia além
do razoável: cativeiro justi cado pela guerra, ou fosse de tribos
adversas... E enveredou rio acima com a bandeira che ada pelo
ferreiro Gaspar Cardoso — seu primeiro contato com a selva e o
selvagem.
Partimos para o Rio dos Tocantins, eu e outros três religiosos, todos sacerdotes teólogos e
práticos na língua da terra, e dois deles insignes nela. Navegamos pelo rio acima 250 léguas;
chegamos ao lugar onde estavam os índios que íamos buscar; e Gaspar Cardoso foi o que
conforme o seu regimento governou sempre tudo.1038

Desceram uns mil caboclos, em parte divididos pelos soldados,


reunidos os restantes na aldeia de Morajuba, certamente — insinua
Vieira — para trabalhar nas roças do capitão-mor. Indispensável era
proibir aos não-religiosos a entrada aos sertões, reservado o trato do
gentio aos padres, que cuidariam de juntá-los sem os maltratar ou
corromper, e de modo que fossem entregues aos lavradores apenas “os
de corda”, ou condenados à morte salvos pela intercessão dos
missionários.1039

Os da terra não pensavam assim. Em 13 de junho de 54 fustigou-os o


pregador — no Maranhão — com o sutil “Sermão de Santo Antônio”,
em que gurou o padroeiro a falar aos peixes, se não o ouviam os
homens, imagem que lhe facultava dizer verdades duras.
Cuidais que só os tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito
mais se comem os brancos. [...] Importa que, daqui por diante, sejais mais repúblicos e
zelosos do bem comum, e que este prevaleça contra o apetite particular de cada um. [...]
Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça, ou na cana, ou no engenho, ou no tabacal: e este
trabalho de toda a vida, quem o leva? [...]. No triste farrapo com que saem à rua e para isso
se matam todo o ano.
Chasqueou dos recalcitrantes, invectivou os pecados e concluiu,
como quem fulmina o anátema: “Como não sois capazes de Glória,
nem Graça não acaba o vosso sermão em Graça e Glória”.1040

A VOZ DA CATEQUESE

Três dias depois embarcou ocultamente (diz na epígrafe do sermão) a


advogar no reino as medidas sem as quais fracassaria a missão, ou,
mais claramente: “Fui a Portugal a buscar a dita administração dos
índios”.1041
E apertou tanto este ponto o Pe. Manuel Nunes, que estando eu duvidoso da jornada, me foi
intimar ao cubículo que tinha obrigação de o fazer sub peccato gravi. Assim o tinha também
entendido o Pe. Luís Figueira, que foi buscar, e trazia a dita administração. E assim o
entenderam no Brasil tantos superiores, tantos homens santos, e o tem con rmado, desde S.
Inácio, todos os padres-gerais.1042

Não errou com a viagem. Deu-lhe o prestígio de outro sermão, na


Capela Real, “vindo da Missão do Maranhão onde achou as
di culdades que nele se apontam”: o da Sexagésima. “Não me queixo,
nem o digo, Senhor, pelos semeadores: só pela seara o digo, só pela
seara o sinto”. E comparou-se ao que, “mal logrados seus primeiros
trabalhos, [...] fosse muito depressa à casa a buscar alguns
instrumentos, com que alimpar a terra das pedras e dos espinhos”.1043

Ouviu-lho el-rei com reverência e emoção. Começara, aliás, a atendê-


lo ao decretar a união, novamente, de Maranhão e Pará (provisão de 25
de agosto de 1654), con ados a um só governo, e de brasileiro (Vieira
pedira: “Para o político basta a câmara e para a guerra um sargento-
maior, e esse dos da terra e não de Elvas nem de Flandres [...]”),1044 o
Mestre-de-campo André Vidal de Negreiros, amigo dos jesuítas e
então em Lisboa.

Reuniram-se “em conferência o mesmo Vieira, André Vidal de


Negreiros e os dois procuradores que se achavam ainda em Lisboa”,
Martim Moreira (do Maranhão) e Manuel Guedes Aranha (do Pará),
empenhados estes em esclarecer os votos dos moradores.
Aí se concertaram várias disposições relativas à maneira de proceder com os índios, assim
livres como cativos, cujas cláusulas se inscreveram no Regimento do governador. Ao mesmo
tempo se organizou o Tribunal ou Junta de Missões e Propagação da Fé que, funcionando a
princípio na casa professa de São Roque, pertencente aos jesuítas, foi em todo o tempo na
mão destes um valioso elemento de força.1045

FLORESCEM AS MISSÕES

Embarcaram em navios diferentes Vieira e o novo capitão-general.


Chegaram em junho de 1655 a São Luís, entre demonstrações de
apreço que signi cavam temor — do padre — e obediência — ao
glorioso soldado da Restauração pernambucana. Enquanto este
governou, de fato não houve embaraços à ação, à disciplina e à
in uência dos missionários.

Tomaram à sua conta os jesuítas onze aldeias de catecúmenos no


Maranhão e Gurupá; seis perto de Belém, sete no Tocantins, vinte e
oito no Amazonas.

De resto, tinham agora o virtual monopólio das missões, cujo cérebro


era Vieira, apaixonado pelo seu ideal e disposto a realizá-lo sem
demora. Apenas em Gurupá soldados se amotinaram e expulsaram
dois padres: André Vidal desterrou os culpados e libertou numerosos
índios.

Um dos castigados — Capitão Antônio Lameira da Franca — havia


de desforrar-se no reino, denunciando à Inquisição (quando se voltou
ela contra o grande pregador) o Padre Antônio Vieira... Este louvava o
governador:
Tem V. M. mui poucos no seu reino que sejam como André Vidal [...] muito cristão, muito
executivo, muito amigo da justiça e da razão, muito zeloso do serviço de V. M. e observador
das suas reais ordens, e sobretudo muito desinteressado, e que entende mui bem todas as
matérias, posto que não fale em verso, que é a falta que lhe achava certo ministro grande da
corte de V. M.1046

E não limitava à Amazônia as suas vistas largas: “Da volta que faço
para o Maranhão, determino de enviar missão aos índios do Camuci e
do Ceará, que estão para a parte do sul, e é tanto o número deles como
a necessidade que têm de doutrina”.1047

Em 1657 resumiu os sucessos maiores: os moradores, não podendo


exercer as suas opressões sobre os índios mansos, quiseram valer-se da
licença que tinham para resgatar os de “guerra justa”. Daí a entrada
a dar guerra à nação dos aruãs e nheengaíbas, de que se deu conta a V. M., querendo antes
escravos tomados que comprados; mas saiu-lhes tanto pelo contrário, que indo a esta
empresa 110 portugueses, e todos os índios do Maranhão e Pará, voltaram de lá com perda
de gente e reputação, e sem escravos.

Não se fez a entrada no Amazonas aconselhada pelo padre, “porque o


governador e os do governo do Maranhão e Pará quiseram que as
entradas se zessem a outras partes, donde esperavam maiores
interesses”. Aos pacajás foi o Padre João de Sotto Maior, com quarenta
brancos e duzentos caboclos, gastando dez meses na viagem.
Destes morreram a maior parte pela fome e excessivo trabalho; e também morreu o Padre
João de Sotto Maior, tendo já reduzido à fé em obediência de V. M. quinhentos índios, que
eram os que naquela paragem havia da nação pacajá, e muitos outros da nação dos pirapés,
que também estavam abalados para se descerem com ele.

Não importava o martírio — se a messe era abundante: “São mui


poucos já os que não tenham notícia dos principais mistérios da nossa
santa fé”.1048

Do Padre Pedro Barbosa sabemos foi


o primeiro português que penetrou o sertão dos índios tacanhapes, navegando o formidável
Rio dos Juruunas na capitania do Pará em que gastou dois meses, sem dispêndio algum da
Fazenda Real, entrando as aldeias mais remotas daquela nação, que praticou e induziu a se
passarem para o Pará sendo causa das pazes que celebraram com os tapuias juruunas, as
quais se conservaram até o presente, deixando na viagem descobertas grandes quantidades
de cravos de que resultou conveniência para a Fazenda Real.

Outra primazia:
[...] sendo o primeiro que abriu caminho por terra para a comunicação do Estado do
Maranhão com o Ceará a cujo exemplo o fez também o Governador André Vidal de
Negreiros descendo o dito padre a socorrê-lo e acompanhá-lo com os seus índios e
mantimentos até a mesma capitania, instruindo e batizando os índios tabajaras e por sua
direção juraram vassalagem a V. M. no ano de 660 nas mãos do Padre Antônio Vieira.1049

O progresso era consolador e evidente. Em 1659 regozijava-se Vieira:


Trabalharam este ano nas missões desta conquista 24 religiosos da Companhia de Jesus, os
quinze deles sacerdotes, divididos em quatro colônias principais do Ceará, do Maranhão, do
Pará e do Rio das Amazonas. Nestas quatro colônias, que se estendem por mais de
quatrocentas léguas de costa, tem a Companhia dez residências, que são como cabeças de
diferentes cristandades a elas anexas, a que acodem os missionários de cada uma em
contínua roda, segundo a necessidade e disposição que se lhes têm dado. O trabalho, sem
encarecimento, é maior que as forças humanas, e, se não fora ajudado de particular
assistência divina, já a missão estivera sepultada com os que nela por esta mercê do Céu
conservam e continuam as vidas.

O fruto corresponde abundantemente ao trabalho, porque é grande o número de almas de


inocentes e adultos, que dentre as mãos dos missionários, por meio do batismo, estão
quotidianamente voando ao Céu. [...]

O Padre Francisco Gonçalves, provincial que acabou de ser da província do Brasil, foi em
missão ao Rio das Amazonas e Rio Negro, que de ida e volta é viagem de mais de mil léguas,
toda por baixo da linha Equinocial, no mais ardente da Zona Tórrida. [...] [...] E já o ano
passado se fez outra missão deste gênero aos mesmos rios, pelo Padre Francisco Veloso, em
que se resgataram e desceram outras tantas peças, em grande benefício e aumento do estado.

O maior benefício — acentua — era só poderem ir a resgates os


portugueses com os missionários, o que evitara de vez os assaltos
criminosos, dando-se honestidade à venda dos cativos resgatados:
“Depois de examinados e julgados por legitimamente cativos, os
recebem e pagam os compradores, conseguindo os povos por esta via
o que se tinha por impossível neste estado, que era haver nele serviços
de consciência”.1050

Um império em formação!
E assim como nas nossas primeiras conquistas se levantaram padrões das armas de Portugal
em toda parte onde chegavam os nossos descobridores; assim aqui se vão levantando os
padrões da sagrada cruz, com que se vai tomando posse destas terras por Cristo e para
Cristo.

Enumera a seguir a missão a que foi o Padre Manuel Nunes, teólogo


notável, “mui prático e eloqüente na língua geral da terra”, com 45
soldados e 450 índios “de arco e remo”, para castigar os ferozes
“inheiguaras”: trouxe prisioneiros 240... E as que se zeram às regiões
dos poquiguaras, dos tupinambás, reduzidos todos, com proveito da
gente do Pará, pois foram aldeados perto da cidade, culminadas pela
paci cação do terrível gentio da Ilha de Marajó.

O CASO DE MARAJÓ

Os nheengaíbas de Marajó zombavam há vinte anos dos portugueses,


espalhados na ilha, trucidando quantos ousavam explorá-la e talvez
ligados a franceses e holandeses, cujos navios rondavam o Cabo
Norte.1051 Bem quisera André Vidal exterminá-los. Debalde os padres
tentaram convertê-los. Por último (1655) o Padre Sotto Maior deixara
com o principal deles um cruci xo, e disse seria Jesus “o missionário e
apóstolo dele e que os havia de converter à sua fé”.

Em 1658 o Governador Pedro de Melo (que sucedera a André Vidal


despachado para governar Pernambuco) entendeu que, na iminência
de guerra com Holanda, de que se falava no reino, constituíam os
nheengaíbas um sério perigo. Cumpria matá-los todos. Interveio
Vieira, a pedir que se tentasse uma vez mais a catequese. Mandou com
efeito, naquele Natal, dois índios, com a notícia de que as leis vigentes
proibiam o cativeiro e já não havia razão para os ódios antigos.
Voltaram com sete nheengaíbas, prontos para fazer as pazes, em
atenção ao “papel do padre grande”, de que lhes tinha antes chegado a
fama. Trocadas palavras de amizade, tornaram os embaixadores,
dizendo que chamariam os padres quando tivessem concluído uma
povoação decente, com a sua igreja; e não faltaram à promessa. Em
agosto, dezenas de canoas levaram Vieira e outros portugueses a
Marajó e ali viram o cruci xo do Padre Sotto Maior, a par da alegria
do gentio, que em festas (“tocando buzinas e levantando pocemas, que
são vozes de alegria”) mostraram a “igreja que tinham feito de palma”.

Concebeu Vieira um modo impressionante de lhes xar a lealdade:


foi alinhar todos os índios depois da missa, e fazê-los repetir, em coro,
o juramento de delidade ao Rei de Portugal.
Em 1665 a Ilha de Joanes (esta Marajó) era elevada a capitania e dada
a Antônio de Sousa de Macedo, tão conhecido por sua inteligente
diplomacia como por seus agudos pensamentos.1052

A RETIRADA DOS PADRES

Não se lograra ainda um êxito assim.

Coisa parecida aconteceu na Serra do Ibiapaba, onde se agasalhavam


“por espaço de 24 anos em que esteve tomado Pernambuco” os
tobajaras, “não só aliados mas vassalos dos holandeses e ainda
cúmplices de suas heresias”.1053

Os caboclos ali eram “tão calvinistas como se nascessem em


Inglaterra e Alemanha”.1054 Do trato dos amengos conservavam
singular prevenção contra os católicos, e ódio a Portugal. Mantinham
na serra o último reduto de aliados dos amengos no Brasil. Poderiam
atirar-se — como outrora o cruel Janduí — sobre as povoações
convizinhas; ou comunicar-se com os navios estrangeiros que, por
vezes, se abeiravam da costa cearense. Cumpria doutriná-los. Vieira
não deixou a outrem os riscos dessa jornada. Os selvagens
provocaram-na mandando ao Maranhão mensageiros à procura do
“padre grande”. Mostravam-se inclinados à paz, porém queriam o
“padre grande”. Em 3 de março de 1660 saiu este, com dois jesuítas
(Pedrosa e Antônio Ribeiro), o índio de Ibiapaba, a quem se dera o
nome de D. Jorge da Silva, e mais cinqüenta de escolta, cujo cabo era
Brás do Couto de Aguiar.1055 Fez viagem fatigante — por areias, vales e
montes — e feliz, tal a acolhida que lhe dispensaram os bárbaros.
Chegou ao alto da serra, onde moravam os principais, em quarta-feira
de trevas: logo encenou os atos da Paixão, e, com música e cânticos,
exerceu sobre eles a in uência irresistível que havia nessas cerimônias.
Os antigos discípulos dos padres lembravam-se, comovidos, do ensino
que se lhes dera. Os outros, subjugados pela magia do espetáculo,
também pelo sentimento dos primeiros, se rendiam à fé e à
obediência. E todos juraram delidade aos jesuítas e ao rei, como os
índios de Marajó. Vieira passou um mês entre eles. Mandou os índios
provenientes de Pernambuco (exatamente os amigos dos holandeses)
para o Maranhão, onde se aldearam à parte; e deu aos da serra,
con antes agora, e pací cos, missionários que os xassem nos seus
povoados.1056

Não seria possível — a série de triunfos tranqüilos do “grande padre”


— sem a ajuda incondicional de governos enérgicos.1057 D. Pedro de
Melo mereceu-lhe os mesmos elogios feitos a André Vidal. Temia que
outro de diverso estofo desse ouvidos aos descontentes, impedisse a
liberdade de ação à Companhia e de novo — o que seria pior! —
lançasse a dúvida em meio aos índios dóceis. Enganou-se. D. Pedro
não teve pulso para conter a revolta, latente todo esse tempo, e que
a nal explodiu com uma fúria explicável.

Alçaram-se os moradores de São Luís contra o ditador religioso.


Queriam mais do que a retirada, das mãos dos jesuítas, do domínio
temporal dos índios: a expulsão deles, à maneira do que zeram os
paulistas. Estava Antônio Vieira no Pará. Acendera a cólera dos
maranhenses a divulgação de uma carta que escreveu ao bispo
confessor da rainha, a preveni-lo contra as queixas dos colonos. Caíra
a carta em poder de um frade do Carmo — pois naufragara o navio
em que ia — e o resultado não se fez esperar. Tentou o governador
apenas com quatro criados — pois os soldados desapareceram —
obstar à invasão do colégio. Não o respeitaram, ou acabou
concordando (pensou Vieira).1058 O colégio foi varejado, e os padres
arrastados à prisão (17 de maio de 1661).1059 Em Belém, ao saber disto
entabulou Vieira negociações com os vereadores, para os apartar da
rebelião. Era tarde. Em 17 de julho (1661) os paraenses elegeram um
juiz do povo, à semelhança do que se praticara no Maranhão,
investiram o colégio, tomaram os padres e, entre vexames e injúrias, os
embarcaram, para que fossem contar em Lisboa as indignações da
colônia...1060

Com o coração magoado, ansioso por dizer como costumava, e em


assomos de eloqüência que ninguém esquecia, os agravos sofridos, foi
que o Padre Vieira entrou o Tejo com os companheiros desterrados.1061
O “Sermão da Epifania” — perante a rainha regente que o estimava,
lembrada da con ança em que o tivera o marido — deu-lhe a
oportunidade do desabafo. E de novo tornaria, onipotente, às missões
do Brasil, se a política do reino não mudasse, com o advento
inesperado do rei-menor, D. Afonso vi.
Levantou o demônio este fumo ou assoprou este incêndio entre as palhas de quatro
choupanas, que com nome da cidade de Belém puderam ser pátria do Anticristo. [...] Quem
havia de crer que houvessem de arrancar violentamente de seus claustros aos religiosos, e
levá-los presos entre beleguins e espadas nuas pelas ruas públicas, e tê-los aferrolhados, e
com guardas, até os desterrarem? [...] Não se envergonhe já a Barra de Argel de que entrem
por elas sacerdotes de Cristo cativos e presos, pois o mesmo se viu em nossos dias na Barra
de Lisboa. [...] Quanto aos interesses, não tenho eu que dizer: porque todos os nossos
haveres eles os têm em seu poder. Assim como nos prenderam e desterraram, assim se
apoderaram também das nossas choupanas e de quanto nelas havia. Digam, agora, o que
acharam.

Objetos sacros, “alguns livros, catecismos, disciplinas, cilícios e uma


tábua ou rede em lugar de cama, porque as que levamos de cá se
dedicaram a um hospital”.

PARTIDOS DA CORTE

Mas o momento não era propício às reivindicações dos missionários.

Não escapou Vieira aos convites da intriga que dividia a corte, entre
os partidários do rei-menor e os que lhe combatiam as más
companhias, a sua súcia de “valentes” e as ambições que a manejavam.

Nomeou-se “o Padre Antônio Vieira da Companhia de Jesus


insigníssimo pregador e que o era de el-rei vindo havia poucos tempos
expulso do Maranhão” para confessor do Príncipe D. Pedro (em quem
muitos viam o rei futuro, melhor que o irmão débil). “E chegou a tanto
a imaginação que el-rei se opôs com toda a força a que o Padre
Antônio Vieira fosse confessor, pois receava da viveza de seu engenho
e traças maquinaria maiores pensamentos”. Impediu a nomeação, mas
cou o padre entre os adversários da “súcia”, e foi, com Cadaval, o
Marquês de Gouveia, o Conde de Soure, dos que “assentaram
convinha a expulsão de Antônio de Conti e de outros sujeitos que el-
rei favorecia”.1062 Em conseqüência, ao ser proclamada a maioridade de
Afonso vi, el-rei “mandou também expedir decreto para que o Padre
Antônio Vieira fosse desterrado cinqüenta léguas fora da corte” (junho
de 62).

Deram-lhe residência forçada no Porto, e ironicamente escreveu daí


ao Marquês de Gouveia também exilado:
Veio-me ao pensamento se seria isto força do tabaco do Maranhão, que me dizem está muito
valioso, por não dizer valido; mas o partido dos nossos inimigos está tão amparado, que não
necessita a sua vitória destas diligências.1063

Não durou, o governo frouxo de Afonso  . Foi obrigado a mandar


embora o ministro e valido Conde de Castelo Melhor (9 de setembro
de 1667). Casou, para agradar a corte de França (que aliás propiciara o
casamento de sua irmã com o rei de Inglaterra) — com a caprichosa
Mademoiselle d’Aumale, lha mais velha do Duque de Némours,
Carlos Amadeu de Sabóia. Esta união impossível (como provou o
ruidoso “processo de nulidade do casamento”, proposta pela rainha)
precipitou a queda do trono, desacreditado pelas desordens e
intemperanças do pobre monarca, tachado de “tolo”, “mais incapaz”,
“doente e cheio de enfermidades”, portanto sem poder continuar
soberano e... casado. Na verdade a rainha se ligou ao príncipe D.
Pedro, irmão do rei, para o destituir; e vendo ele que já não contava
com os principais da nobreza e, sobretudo, com o povo das ruas, em
ameaças de revolta, renunciou à coroa em 23 de novembro de 1667.
Renunciou depois que a rainha, com estrondo, fugiu da corte para se
recolher ao convento da Esperança, de onde iniciaria aquele terrível
processo de anulação... Toda a conjura — acrescenta Racine, talvez de
ouvir dizer aos íntimos da rainha D. Maria Francisca, foi por ela
empreendida (com os conselhos do Conde de Schomberg) e “conduite
par le P. Lami, jésuite, son confesseur”.

Só voltou para morrer — no seu saudoso colégio da Bahia — em


1681. Não mais o veriam no Maranhão, onde prevaleceu o interesse,
com pouca religião, dos tabacais e canaviais, lavrados pelos tapuias do
resgate.
Rui Vaz de Sequeira (que em São Luís se empossou governador, a 26
de março de 62) certi cou como não tinha ordem contrária à expulsão
dos jesuítas; e não tardou que o Conde de Castelo Melhor, poderoso
ministro de Afonso vi, desse ganho de causa aos moradores, com a
provisão de 12 de setembro do ano seguinte. Esta acabou com o
regímen instituído em 1652, quanto à administração e “descida” dos
índios. Podiam as câmaras — portanto os escravizadores — nomear os
cabos das bandeiras, autorizar e distribuir os resgates, pertencendo o
espiritual, nessas entradas, a qualquer das ordens religiosas existentes
nas capitanias, como tanto pediam os franciscanos, excluídas elas, os
capitães-mores e os cabos, da partilha dos cativos.1064

Foi quando a revolta de Bequimão reforçou o poder real no


Maranhão, que voltaram os jesuítas. Mas somente em 1687.

ECONOMIA PRIMITIVA

Até 1680 se ressentiu o Norte do Brasil da rivalidade das câmaras do


Maranhão e do Pará, das dúvidas acerca da repartição dos índios
resgatados, das divergências quanto à autoridade eclesiástica que
interviria nesse “trá co”. A mesma lei era suspensa em São Luís e
aceita em Belém. Discordavam os principais, de uma e outra capitania,
e não havia ninguém contente, pois as ordens religiosas se queixavam
igualmente de sua desvalia no concerto dos assuntos espirituais,
dezessete anos relegados a plano secundário.

Crescera em lavouras e comércio a terra, mas se conservava bem


pobre a vida nas duas cidades, principalmente no Maranhão, onde, em
vez de dinheiro, corriam novelos de algodão. “Novelas e novelos, são
as duas moedas correntes nesta terra”.1065 Duas varas de pano por mês
eram a paga de um índio (em 1662); e tivera o Conselho Ultramarino
de ordenar que se rmasse o valor dos novelos, “enquanto se não
procura outro meio de se meter dinheiro nesse estado”.1066 Gregório de
Matos achou-lhe graça:
Porque como em Maranhão
Mandam novelos à praça,
Assim vós por esta traça
Mandareis o algodão:
Haverá permutação,
Como ao princípio das gentes, [...]1067

Essa a ição inspirou — em 1680 — uma “grande junta sobre o


remédio espiritual e temporal do Maranhão, [...] clamando todos que o
dito estado se vai perdendo e acabará de todo se não lhe acudirem”. Foi
preponderante aí a voz de Antônio Vieira:
Desejando e concordando todos em que os moradores deviam ser aliviados e ajudados com a
maior despesa da Fazenda Real que fosse possível, e a este m tiraram os estanques e
direitos, e se fez o contrato dos negros, que será o maior e mais fundamental remédio, como
tantas vezes proposto de lá e tão desejado, principalmente sendo os preços moderados e os
prazos muito largos.1068

A importação de africanos, que substituíssem os índios nas roças,1069


seria a tranqüilidade destes, e dos padres, com o proveito geral, da
terra, à semelhança do que acontecera na Bahia e em Pernambuco cem
anos antes. Ao mesmo tempo os jesuítas eram desagravados,1070 com a
ordem para que volvessem à liberdade os índios escravizados (1º de
abril de 80), e logo a 7 de março de 81 se criou a “Junta de Missões”,
com o m de scalizar os negócios entre os colonos e o gentio.

REBELIÃO DOS MARANHENSES

Os moradores — vendo renovar-se a reivindicação dos jesuítas, e


ainda sem o trá co negreiro, que a mitigasse — mandaram à corte
Inácio Coelho da Silveira e Francisco da Mota Falcão. Sobreveio
disposição mais antipática: a Companhia de Comércio (alvará de 12 de
fevereiro de 82), que teve vinte anos de exclusividade do mercado do
Maranhão, com o estanco das mercadorias principais, cujo preço
arbitraria, obrigando-se a introduzir quinhentos negros por ano.1071 Se,
por um lado, servia à lavoura, com os novos escravos,1072 por outro
faltava à promessa da Junta de 1680, restringindo o comércio com o
sistema do estanco, agravado, na prática, pela irregularidade dos
fornecimentos, carestia e escassez de gêneros, como acontecera à
Companhia Geral em 1655. Há trinta anos o desgosto raiara em
revolta no Rio de Janeiro. Pior tinha de ser em São Luís, onde
lavravam, impunes desde o começo, intrigas e insolências de homens
de negócio, senhores territoriais e apresadores de caboclos.

Tomaram a frente à agitação um senhor de engenho, Manuel


Bequimão, e um advogado provisionado, seu irmão Tomás Bequimão.

Em 24 de fevereiro de 1684 levantaram o povo, prenderam o capitão-


mor, na ausência do Governador Francisco de Sá de Meneses, então
em Belém, interditaram o colégio dos jesuítas — onde havia 27 padres,
que foram expulsos dias depois1073 — e declararam extinta a
Companhia. Deram ao seu excesso formalidades de reação legítima.
Houve Te Deum, em con rmação dos intuitos cristãos do motim; saiu
um portador com cartas para a Câmara do Pará e para o Bispo D.
Gregório dos Anjos, que também lá se achava em visita apostólica;
reuniu-se Junta Geral para aprovar os atos praticados. Mas a
circunstância de estarem livres de coação o bispo e o governador foi
fatal à revolução. Sugestionada por eles a Câmara de Belém invectivou-
a rudemente. Lembrou-se Manuel Bequimão de mandar o irmão a
Lisboa, para justi car a violência havida. Foi este preso e devolvido ao
Maranhão na frota em que veio novo governador, Gomes Freire de
Andrada, bem instruído acerca dos meios extremos com que debelaria
a insurreição. Acompanharam-no Francisco da Mota Falcão e o
morador de São Luís Jacinto de Morais Rego, que, intermediários
hábeis, obtiveram ao desembarcar que câmara e povo recebessem
respeitosamente o representante régio.

Gomes Freire saltou em terra entre demonstrações de obediência,


certi cou-se da disciplina da tropa, e, com exemplar energia, restaurou
as autoridades depostas e declarou restabelecida a Companhia de
Comércio. Fugiu Manuel Bequimão. Concebeu, com os remanescentes
do seu partido, um plano para livrar o irmão encarcerado. Mas um seu
a lhado, Lázaro de Melo, o atraiçoou, denunciando-lhe o refúgio; foi
capturado, com Jorge de Sampaio, o mesmo que em 1662 estivera na
corte, como procurador do povo; e morreram ambos no patíbulo, em 2
de novembro desse ano de 84.1074

Não havia ódio na rigorosa justiça de Gomes Freire. Cumpriu a lei; e


não o desestimou a gente da terra, tanto que as câmaras de São Luís e
Belém encomendaram para Lisboa, após a necessária licença, um seu
retrato a óleo, primeira homenagem dessa espécie que lá se fez.
Percebeu que no fundo da inquietação reinante palpitavam interesses
respeitáveis. Não tripudiou sobre a vitória. Escreveu limpamente para
a corte, que o estanco das mercadorias era danoso ao país, e alguma
concessão devera fazer-se no caso dos índios para a agricultura.
Colocou-se, eqüidistante, entre maranhenses e jesuítas — mandados
de volta aos seus colégios.1075 Devia acudir ao Pará, a braços com a
invasão francesa, como expusera Sá de Meneses a el-rei:
Acerca da entrada que faziam os franceses que assistiam na fortaleza de Caiena da parte do
Norte nas terras do aruãs, e passaram até às aldeias dos tucujus, pouco distante da fortaleza
de Gurupá, a fazer escravos, até do gentio que com as pazes estava domesticado.1076

A FRONTEIRA SETENTRIONAL

Os franceses tomaram Caiena aos holandeses em 1676. O senhor de


Ferrolles, informado pela descrição que do Amazonas zera o Padre
Acuña (em 1682 traduzida por Gomberville), não se deu por satisfeito
com o seu governo da Guiana. Procurou alcançar o grande vale e,
quanto possível, ampliar, terra adentro, a sua jurisdição, em nome de
Luís xiv. À notícia das primeiras expedições os colonos do Pará e do
Maranhão se aprestaram para as repelir. Francisco da Mota Falcão,
que, em 1669, havia fundado o fortim de São José do Rio Negro,
ofereceu-se (em 1684) para construir, em quatro anos, quatro redutos,
que balizassem o território português. Aceita a proposta, em 1685
mandou fazer os do Paru, Toeré, Santo Antônio de Macapá (antigo
Cumaú) e Araguari.1077

Tão rápidas providências surpreenderam os vizinhos, que esperavam


encontrar, nos rios e nas selvas amazônicas, apenas o gentio e algum
esquivo canoeiro mamaluco. Em 30 de junho (de 85) De Ferrolles teve
de deter-se diante do fortim de Araguari. Tentou intimar-lhe a
rendição, mas à resposta do comandante, que o território era do Rei de
Portugal, se limitou a deixar a carta do governador de Caiena, La
Barre,1078 que proclamava os direitos de França, e se recolheu à sua
feitoria.

Insigni cante, na aparência, o choque de franceses e portugueses, em


1685, assinalou uma fase ativa de reconhecimento e medidas
preventivas que aos a uentes do Amazonas, até o Cabo Norte,
estenderam os governadores do Maranhão e seus capitães, a vigiar a
imensa região cobiçada.

ANTÔNIO DE ALBUQUERQUE

Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho,1079 sucessor de Gomes


Freire, foi ao Araguari e viu os lagos do Cabo Norte (1687).

Cinco anos depois discriminaram-se as zonas de atividade das


diferentes ordens religiosas — para que, sem atritos, reencetassem a
catequese e a conquista pací ca. Ficaram os jesuítas, “os mais antigos
do Estado”, com o distrito do sul do Amazonas, e todo o sertão
correspondente. Na margem esquerda, “até perto do Rio Urubu”, os
franciscanos tiveram por vizinhos mercedários e carmelitas (“que,
também por acordo com a Companhia, tomaram a si a região do
Madeira”).1080 Dir-se-ia adivinhara Antônio de Albuquerque a
investida de surpresa que De Ferrolles (de volta a Caiena em 1691)
empreendeu do Oiapoque até o Rio Paru, em maio de 1697, arrasando
os fortins construídos por Mota Falcão.1081 Êxito efêmero, o do
pioneiro francês: enviados a toda pressa os capitães Francisco de Sousa
Fundão e João Moniz de Mendonça, recapturaram Macapá e
expulsaram os intrusos. Logo Manuel da Mota de Sequeira se ofereceu
para fazer outros quatro fortes, no Paru, Rio Negro, Pauxis e Tapajós,
recebendo como recompensa o governo deste último. Foi ao tempo em
que o embaixador de Luis xiv em Lisboa, Rouillé, tratava de defender a
“conquista” francesa (1698). Não concluiu senão um tratado
provisional, em 4 de março de 1700: adiava por um ano o litígio sobre
as “terras situadas entre Caiena e a margem do Amazonas”. Vinte e um
dias depois Portugal e França rmavam o seu entendimento quanto à
questão do momento: a sucessão espanhola.1082 Embora precária, essa
aliança, cedo desvanecida, impediu que se reacendesse a luta, nos
igarapés do Amazonas. Os portugueses, em compensação, alargavam
— insaciáveis — o seu domínio.

A questão com o Padre Samuel Fritz, que descera de Quito para


catequizar os omáguas, em 1689, ilustra essa política. O padre, a
serviço de Castela, argumentava com a linha de Tordesilhas e
assegurava pertencer à Espanha a zona dos omáguas. Contestaram-lhe
que era de Portugal. Passou ao Pará, a entender-se com as autoridades:
é a viagem descrita no
Diário da descida do Padre Samuel Fritz, missionário da Coroa de Castela no Rio Marañón,
desde São Joaquim dos Omáguas até a cidade do Grão-Pará, no ano de 1689; e volta do
mesmo padre desde a dita cidade até a aldeia de Laguna, cabeça das missões de Maynas no
ano de 1681.1083

A contenda arrastou-se até 1709, quando se chocaram armas


castelhanas e portuguesas entre o Javari e o Napo.

O CAMINHO DA BAHIA

Não foi menor serviço de Antônio de Albuquerque a abertura do


caminho sertanejo do Maranhão até a Bahia, como queria el-rei desde
1688. A entrada, que estabeleceu essa comunicação, teve por chefe o
Sargento-mor Francisco dos Santos. A chegada dos emissários do
governador do Maranhão à capital da colônia — através de tantos rios,
desertos e ásperos campos — encheu de regozijo as populações.
Veri cava-se a possibilidade de um itinerário que fazia esquecer as
navegações difíceis; percebia-se que os selvagens já não interceptavam,
nas suas terras remotas, a passagem dos viajantes; e se reconhecia que
não era mais temeridade de pioneiros a penetração, rumo franco do
norte, além dos últimos currais do São Francisco.1084
XXV: N  

BRASIL EM ÁFRICA

Reconquistada Angola, por todo aquele litoral se estendeu, voraz, o


comércio de escravos.

Durante três anos e quatro meses — quantos governou — Salvador


Correia aquietou a terra com a sua administração enérgica. Fraca foi a
resistência dos sobas a Bartolomeu de Vasconcelos da Cunha e aos
capitães que, depois dele, e com a mesma severidade, os sujeitaram.
Ficou lendária a Rainha Ginga,1085 com a sua glória de mulher
ambiciosa e valente, em cuja rebeldia se concentrou a oposição dos
chefes negros a Portugal. O que as armas não conseguiram, pôde a
ganância, com a maliciosa invasão dos tra cantes. Em breve, era
Angola uma dependência econômica do Brasil, obrigado a socorrê-la
no perigo, como a alimentava na paz: graças àquele próspero negócio.

A primeira expedição formal que da Bahia saiu em auxílio de Luanda


foi dos capitães Baltasar da Costa e Pedro do Couto Coelho,1086 em
1664. Temia-se um ataque de espanhóis. Para a de 1671, que levou
João de Velasco, foram recrutados, principalmente em Cachoeira, até
em Pernambuco, os vadios.1087 “Desterrando dessa capitania os
delinqüentes, enche aquele reino de soldados”. Faltavam cavalos; e a
provisão real de 30 de junho de 1675 ordenou que os transportassem
os negreiros.1088 Com essa carga obrigatória, ajudavam a montar a
tropa que lhes protegeria a pilhagem. Não admira que, nesse andar, lá
se estampasse, assim nas relações humanas como no feitio das
povoações, na doçura ou no pitoresco dos costumes, nas formas de
trabalho, sobretudo no espírito mestiço dos núcleos afro-lusitanos, a
imagem sensual da civilização que do lado de cá se formava. Com uma
arrumação semelhante de categorias, a mesma religião mesclada,
como o resto, de cambiantes bárbaros, a agricultura de manutenção,
com as roças de mandioca e inhame, arraiais, casas, igrejas traçadas
pelos mesmos modelos, toscos e confortáveis.

Sente-se que os laços tênues que uniam os mercados angoleses a


Lisboa se reforçam no ir e vir dos barcos do Brasil, que os ligam —
ligando a matéria-prima a seus centros de consumo — os engenhos do
Recôncavo, as praças ávidas de escravatura, as rmas comerciais que a
compravam a troco das utilidades caras aos príncipes pretos, o tabaco
em rolos, a cachaça, os búzios minúsculos, ferramentas e bugigangas...
Nessa segunda metade do século xvii, projeta-se na costa da África o
trá co desalmado, metódico, tentacular, que consolidou a ocupação
tranqüila abaixo do Níger, e, no século seguinte, se instalou
regaladamente no Golfo de Benim.

Mas não eram somente os compradores do “ébano”.

Iam com eles religiosos, magistrados, pessoas de qualidade


deportadas por suas culpas,1089 o ciais façanhosos e levas de soldados,
facilmente convertidas em “descedores” de nativos — como os
paulistas no interior do Brasil. Começaram a criar no continente
fronteiro — com as humildes possibilidades de que dispuseram — a
mais nova província de Ultramar, já agora moldada pela experiência
luso-americana, com o vigor e a rusticidade das suas soluções
desordenadas.

NEGROS FUGIDOS

Com as invasões holandesas, muitos pretos dos engenhos, fugindo a


antigos e novos senhores, se tinham internado por matos e serras, sem
que se lhes soubesse a quantidade, nem o lugar dos mocambos ou
quilombos,1090 onde reverteram aos costumes de África. Ajudava esse
retorno à vida primitiva a semelhança da terra, nas selvas e montes do
Nordeste; e como os grupos se reconheciam pela língua (congos,
angolas, benguelas, cabindas), não lhes foi difícil formar — apartados
por esse sentimento de origem — outros tantos reinos negros, com os
respectivos sobas, a um tempo feiticeiros, generais e feitores, segundo
o modelo das banzas africanas. À margem, pois, do con ito luso-
amengo, entre Pernambuco e a Bahia, cresceu, no mistério dos
sertões, uma forma inesperada de colonização: a independência dos
palmares.1091 Tendia a um desenvolvimento ilimitado. Aqueles escravos
evadidos tinham de olho os companheiros das senzalas próximas: e
por todos os meios lhes faziam chegar o convite. Desciam por vezes,
em estrondos de guerra, até as fazendas ao alcance do ataque: e nelas
cevavam o ódio. Escondiam-se em sítios inacessíveis; ou neles se
forti cavam, zombando das patrulhas que os caçavam pelo deserto.
Ameaçavam as comunicações. Punham em perigo as vilas.
Lembravam — em 1671 — os tapuias, de um século atrás, quando
deles se defendiam os pioneiros da várzea.

Na verdade se espalhavam em arraiais de palhoças e paliçadas ao


longo da Serra da Barriga, nas Alagoas, com tal poder que eram
indicados nos documentos o ciais como um povo, instalado no seu
país. Em 1657 pediu Lourenço de Brito terras “vizinhas dos negros
rebeldes dos mocambos e palmares”.1092 Duas expedições holandesas
pelo menos procuraram desalojá-los: de Baro (1643–4) e de Blaer e
Reijmbuch (1645).
Há alguns anos — rememorou em 1671 o Governador Fernão de Sousa Coutinho —, que
dos negros de Angola fugidos ao rigor do cativeiro e fábricas dos engenhos desta capitania se
formaram povoações numerosas pela terra adentro, entre os palmares e matos, cujas
asperezas e faltas de caminhos os têm mais forti cados por natureza do que pudera ser por
arte, e crescendo cada dia em número se adiantam tanto no atrevimento, com que contínuos
roubos e assaltos fazem despejar muita parte dos moradores dessa capitania mais vizinhos
aos seus mocambos, cujo exemplo e conservação vai convidando cada dia aos mais que
fogem por se livrar do rigoroso cativeiro que padece.1093

Queria passar a Porto Calvo, para “fazer esta guerra”. Mas quem a fez
foi, três anos depois, o Governador D. Pedro de Almeida, pedindo a
todas as câmaras socorros de homens e munições: comandou a
entrada Manuel Lopes (novembro de 1675).1094 Esta logrou apreciáveis
vantagens. Após 25 dias de marcha deu num arraial, desbaratado ao
termo de duas horas de combate; e aí acampou Manuel Lopes por
cinco meses, sem se animar todavia a bater os negros nos outros
quilombos dissimulados na mata. Apresou uma centena deles. D.
Pedro de Almeida renovou a guerra em 1677, con ando-a a Fernão
Carrilho, experimentado pioneiro de Sergipe e do Vale do São
Francisco. A ordem foi para fundar arraial nos Palmares, a m de
irradiar daí as várias expedições punitivas, como praticara Estêvão
Baião no Paraguaçu.1095 Tal método “paulista” produziu excelentes
efeitos. Levou aliás Carrilho valentes cabos como Manuel Rodrigues
Vieira, veterano da guerra holandesa no São Francisco.1096 Dirigiu
um assalto com pouca gente, aprisionou 60 e matou muitos, em que entrou um potentado, e
achando a gente de guerra dos Palmares junta na de Zumbi forti cada e guarnecida com
armas a investiu e escalou sem perda dos nossos soldados, cando aqueles bárbaros tão
tímidos que, voltando com 180 homens brancos e índios sobre o seu poder, fez arraial dentro
da dita cerca aonde estavam os reis e os afugentou, deixando os mantimentos, e por espaço
de 4 meses que ali assistiu lhes fez grande dano aprisionando 17 negros, a rainha e 2 lhos do
rei, matando-lhe 4 e quantidade de soldados com o seu mestre-de-campo-general e alguns
potentados e o ciais maiores pondo os mais em estado de fome e apertos que os obrigou à
minha obediência, obrando tudo à sua custa e gastando todo o seu cabedal com os soldados,
largando-lhes as presas para os animar, adquirindo com estes sucessos grandes aumentos à
Fazenda Real, dando-lhe de quintos 541$000 e granjeando o nome de restaurador daquelas
capitanias por carem os moradores delas quietos e livres (comemorou a carta régia de 30 de
agosto de 1680).1097

A LUTA INFINDÁVEL

O triunfo era provisório. Realmente os negros enviaram ao Recife uma


embaixada, de dez principais, recebida com muitas demonstrações de
alegria, como a rmar as pazes, e foram premiados com sesmarias
vastas os melhores sertanistas, a começar por Fernão Carrilho, que
teve vinte léguas, Manuel Lopes oito... Em 1679 havia urgência de
outra arremetida, comandada também por Fernão Carrilho, cujas
instruções não admitiam mais “condescender nas pazes”: devia levar
os negros a ferro e fogo. Já em caminho achou que tamanha severidade
não se justi cava, e tanto quis que se desse aos inimigos uma
oportunidade de pedir tréguas, como, antes de atacar, os intimou a
largar os arraiais. Vale dizer que procedeu como entre beligerantes,
não como capitão do mato à caça de escravos fugidos; e de tal sorte se
indignou o governador que mandou destituí-lo e prendê-lo.
Fracassou — suspeitado de ter interesse em não acabar a
campanha1098 — o melhor dos cabos do Nordeste. Mas D. João de
Sousa e João da Cunha Sotto Maior, governadores de Pernambuco,
mostraram-se dispostos a respeitar aquelas pazes, por falta de meios
para uma guerra de nitiva. Foi o Conselho Ultramarino que se opôs
(7 de fevereiro de 1686): “Não convém que se admita a paz com estes
negros, pois experiência tem mostrado que esta prática é sempre um
meio de engano”.1099 E Carrilho, ainda “preso pela culpa de não castigar
estes levantados negros”, aceitou o comando da entrada, que os
investiu em janeiro de 86.1100 O Governador Sotto Maior seguiu-o com
alguma tropa, decerto por não con ar nele, e em pessoa assaltou a
“praça de armas” dos quilombolas, levando-os de vencida.

Como das outras vezes, o sucesso não foi completo. Evadiam-se,


metendo-se nos matos; mudavam-se para outras aldeias; voltavam;
sem valor para uma resistência formal, tinham a tenacidade e a astúcia
dos tapuias... Lembrou-se Sotto Maior dos paulistas.

DOMINGOS JORGE VELHO

Na realidade, desde 1671 se discutira a conveniência de chamar os


paulistas para a luta dos Palmares.1101 Achou o Governador Afonso
Furtado que, bons para os tapuias, serviriam menos para os “negros
com que nunca pelejaram, e esses forti cados”.1102 Com o insucesso,
porém, de todos aqueles esforços, agarrou-se o governador de
Pernambuco a esta esperança: viessem os paulistas que, com
Domingos Jorge Velho, divagavam pelos campos do Piauí! Escrevendo
em 7 de novembro de 1688, contou: “Os roguei para esta conquista dos
Palmares, mandando-lhes patentes de conquistadores deles, e
conservadores do gentio daquele distrito adonde vivem, concedendo-
lhes a mesma concessão das presas livres”.

Encontrava-se então o sertanista entre o Poti e o Parnaíba, às voltas


com o gentio que ajudara a repelir para as bandas do Maranhão “em
companhia da Casa da Torre”.1103 Não se sabe quando começara essa
obscura campanha, nem se a fez por conta própria, ou a soldo dos
senhores da Torre, interessados no extermínio dos índios “de corso”.
Em 1704 a viúva de Domingos Jorge alegou uma residência de 24 ou
25 anos em tais sertões. “E assim tinham seus domicílios 24 ou 25 anos
topando bandeiras”.1104 Se os contamos da data do requerimento,
temos um limite aceitável: 1679. Se o calculássemos de 1694 (ida dos
paulistas aos Palmares) acharíamos 1669, o que parece desmentido por
documentos como a carta de 1675, escrita aos “homens de São Paulo”
pela junta de governo da Bahia: “Chegou-se o tempo em que é
necessário rogar a Vossa Mercê para o mesmo que em outro tempo se
lhe proibia, que é passar ao Rio de São Francisco com os mais sujeitos
que a este governo escreve”.1105 Aliás (corroborando a primeira
convicção) era Domingos Jorge quem, em 1694, falava de seus
“dezesseis anos” de Piauí. A partir, pois, de 1678 ou 79.1106 Quatro anos
antes, Francisco Dias d’Ávila e Domingos Afonso Sertão tinham
entrado o Piauí e o Canindé. É provável que os seguisse, indo instalar-
se além — nas terras sem dono do médio e baixo Parnaíba, que pediu
em sesmaria no ajuste1107 feito com o governador de Pernambuco, em 3
de março de 1687: “E as sesmarias que pretendem no Rio dos
Camarões e Parnaíba”.1108

Convidado para conquistar os Palmares, estipulou Domingos Jorge as


suas condições: caria com um quinto da presa, seria indenizado dos
gastos, teria patentes e privilégios, para ele e sua gente, fora as
sesmarias... O acordo foi aprovado em 1692. No ano seguinte desceu
ele com 150 brancos e 800 e tantos índios croazes e capiocrans,1109 a
cumprir o prometido. Varou seiscentas léguas de sertão adusto.

Alguns de seus comandados foram de São Vicente e São Paulo.1110


Outros com ele andavam. “Desci do Piagüí aonde eu estava
aposentado”, alegou depois da vitória.1111

Levava-a assegurada na selvagem bravura.

A GUERRA DO AÇU
Alastrou-se, entretanto, no Rio Grande do Norte, a insurreição dos
janduís, a mais furiosa de quantas houve no Brasil seiscentista —
prevista aliás desde a felonia desses tapuias na descida para a Fortaleza
dos Reis Magos, como aliados dos holandeses, sedentos de sangue e
afamados em tropelias inauditas.

Reacendeu-se a rebelião em 1687. Mas vinha de longe.

João Fernandes Vieira, quando governador da Paraíba (1655–7),


vingativo, pensando nos crimes cometidos pelos tapuias à sombra do
amengo, pusera a ferros dois lhos do principal deles. Foi princípio
de hostilidades intermitentes.1112 Matias de Albuquerque Maranhão
avisou à corte (1661–63) “como os índios bárbaros janduís residentes
no distrito e sertão da capitania estavam rebelados e declarados
inimigos”, tanto “que os brancos tratam de fazer suas casas-fortes em
que se possam defender dos repentinos assaltos”.1113 Fracas foram as
providências tomadas. Em fevereiro de 16871114 passaram a devastar a
região do Açu (Piranhas) e do Apodi. Em dezembro os vereadores do
Rio Grande observavam: “Tinham assaltado agora os colonos da
ribeira do Ceará-Mirim, a cinco léguas da capital, os quais mal podiam
defender-se dentro das casas-fortes”.1115 O Governador-geral Matias da
Cunha não ouviu duas vezes o lancinante apelo. Deu ordem ao
governador de Pernambuco para que mandasse em auxílio dos
moradores toda a força disponível.

O primeiro cabo dessa guerra punitiva foi o Coronel Antônio de


Albuquerque da Câmara:1116 atacou com trezentos homens os tapuias
do Açu (“mais de 3 mil arcos”), bateu-se com eles um dia inteiro, e teve
de recolher-se a uma casa-forte “só com sua pessoa, o capelão e um
trombeta”.1117 O Capitão-mor Manuel de Abreu Soares, octogenário, e
ainda vigoroso sertanista, correu de Pernambuco, a socorrê-lo1118 com
oitenta soldados, derrotou o gentio à altura do Rio Salgado, mas aí
acampou à espera de reforços. Seriam esmagados pelo inimigo
numeroso, cada vez mais temível, se os paulistas não se apressassem
em entrar em cena, encorajados pela promessa que se lhes fez das
presas (pois era “guerra justa”, decidida em junta de teólogos)1119 e de
várias patentes ou privilégios militares. Alcançaram o Piranhas em
julho de 88, e logo em contato com os índios, lhes in igiram, numa
batalha que durou quatro dias, pesado castigo.1120 Esse êxito fez que o
governador-geral transformasse em “terço de infantaria” a bandeira de
Domingos Jorge, elevado com isto à dignidade de mestre-de-campo
(carta de 13 de outubro de 88).

PAZES INESPERADAS

Achou-se porém indispensável mais gente paulista, para a “guerra dos


bárbaros do Rio Grande cuja extinção total é a única defesa que segura
de suas hostilidades aquela capitania e todas as mais do Norte”, na
severa linguagem do Arcebispo D. Fr. Manuel da Ressurreição.

Veio Matias Cardoso de Almeida “pelo sertão chamado por ordem


deste governo da capitania de São Vicente ao Rio de São Francisco
trazendo mais de cem homens brancos com seus o ciais”,1121 entre
estes Manuel Álvares de Morais Navarro, sargento-mor, e João Amaro
(veterano da entrada de 1674) no posto de capitão-mor. Com isto
Domingos Jorge cou de mãos livres para atacar os Palmares.
Revezaram-se no Nordeste esses guerrilheiros famosos. “Governador
absoluto” da guerra ao tapuia, Matias Cardoso foi estabelecer-se
(março de 1690) na Barra do Jaguaribe; Domingos Jorge, mestre-de-
campo do seu regimento, marchou para as Alagoas. Mas pouco fez o
primeiro, sem forças para uma guerra conclusiva.1122 O governador do
Rio Grande (janeiro de 91) inquietou-se, saiu a encontrar Matias
Cardoso, e a luta se reacenderia se não sobreviesse a mais imprevista
das conciliações. Um português, João Pais Florião, tivera amores com a
lha do maioral Nhouguge, cunhado de Canindé, “rei” daqueles
tapuias. Aproximou-se de novo dos janduís e com palavras amigas
alcançou que aceitassem a paz, mandando embaixada à Bahia, dirigida
pelo próprio Florião.1123 Recebeu-a o governador com festas e mimos
(abril de 92) e — tal como entre potências — pactuou com os
“embaixadores” paz perpétua, em solene papel, e cerimônias
próprias.1124
O Canindé honrou a palavra dada. Mas morreu pouco depois, de
maleitas, na aldeia, perto da costa, para onde se mudara, no Rio
Grande. Os índios, suspeitosos de capitães mal-intencionados ou
esquecidos da promessa, retomaram as armas, embora sem o número
ou o ímpeto do outro tempo. Em 1694 escreveu D. João de Lencastro a
Agostinho César de Andrade, segunda vez capitão-mor do Rio
Grande: “A nação (janduí) depois de estar amiga se rebelou, pela
diferença que experimentou fora da liberdade com que V. M.ce os
tratava, e eles estimavam”.1125 O remédio seria aldeá-los, com o auxílio
dos jesuítas. Enquanto isto, Matias Cardoso os apertou, porém, sem
fortuna: “Vendo nós a falta de munições e mantimentos que nem lugar
nos davam de buscar, nos foi necessário retirarmo-nos para a capitania
do Ceará Grande”, disse Morais Navarro.1126 Fernão Carrilho fora
governar o Ceará. Carta sua, de 26 de julho de 94, conta que,
“retirando do Rio Grande o mestre-de-campo e governador dos
paulistas Matias Cardoso de Almeida, no dito Jaguaribe, jurisdição
desta capitania, feriram os ditos índios (paiacus, janduís, icós e outros
bárbaros de corso) ao mestre-de-campo, que vinha acompanhado com
180 homens, e lhe mataram um lho seu e três ou quatro mais da
Companhia”. Para contê-los nomeou capitão da infantaria Francisco
Dias de Oliveira.1127 Apelou de novo o governador-geral para as vilas
de São Paulo, mandando que o Mestre-de-campo Morais Navarro
levantasse outro “terço de infantaria paga” (conforme as reais
ordens).1128 A esse tempo (1697) a rebelião dos selvagens se propagava
pela costa. Em socorro dos maranhenses, igualmente ameaçados, quis
el-rei que fossem os capitães do Rio de São Francisco com os seus
índios.1129 Em 1699 campeava, ainda uma vez na fronteira do Rio
Grande, Morais Navarro: mas sem auxílio e ciente dos capitães da
Paraíba, do Rio Grande e do Ceará,1130 e a lutar, além disto, com as
prevenções dos moradores, os escrúpulos dos religiosos. Em 1701 o
Terço dos Paulistas foi removido do Açu para o “sertão que ca entre o
Ceará e o Rio Parnaíba, [...] para fazer guerra aos rebeldes
tremembeses”.1131
A DERROTA DOS QUILOMBOLAS

Largando a guerra ao tapuia em mãos de Matias Cardoso, cuidou


Domingos Jorge de cumprir o estipulado quanto aos Palmares.
Queixou-se de não lhes ter sido “muito fácil nesse princípio pela pouca
experiência que [...] tinham das traças, astúcias e estratagemas desse
inimigo e nenhum conhecimento das disposições destes países, mui
fragosos e mal penetráveis”. Não lhe aproveitou um reforço de sessenta
moradores das Alagoas. Debalde quis romper as cercas do primeiro
arraial de negros que encontrou. A resistência destes e o desânimo dos
seus levaram-no a protelar o ataque dez meses, na “praia deserta do
Riacho Paratagi”.

Forte de munições e abastecimento, com 45 brancos e 600 índios,


lançou-se de novo ao arraial, já agora defendido por
uma triplicada cerca no cume da serra, [...] com torneiras a dois fogos a cada braça, com
ancos, redutos, redentes, faces e guaritas, cousas antes não usadas deles; e os exteriores tão
cheios de estrepes ocultos, e de fojos cheios deles, de todas as medidas [...] que era
absolutamente impossível chegar alguém à dita cerca toda ao redor.

Quem zera tal obra? Superior à rusticidade dos quilombolas, trai a


intervenção de desertores, gente interessada na conservação deles ou
antigos soldados pretos,1132 capazes de assim afrontar um pequeno
exército. Evidentemente com o seu punhado de escopeteiros não
poderia o paulista vencê-los. Chegaram-lhe, sucessivos, grupos de
moradores, mesmo algumas pessoas in uentes de Olinda e Recife, e
senhores de engenho decididos a cooperar no último castigo dos
bárbaros, comandados pelo Capitão-mor Bernardo Vieira de Melo.
Outros, che ados pelo Sargento-mor Sebastião Dias, se apresentaram;
e destarte uma força numerosa começou, em 12 de janeiro de 1694, o
cerco dos Palmares. Consumiu 22 dias.

A tática de Domingos Jorge foi engenhosa. Construiu uma cerca


oblíqua, que partia do seu acampamento até alcançar a dos negros,
fazendo-a de noite, e de modo a ir cobrindo o avanço, sem que lho
pudessem conter. Já quase completamente fechado por estoutra linha,
e à iminência de entregar-se por falta de mantimentos, o Zumbi tentou
uma saída desesperada, às duas da manhã de 5 de fevereiro. Com o seu
povo se arremessou para destroçar a cerca que o envolvia e ganhar o
mato. Não logrou o intento tal a rapidez da oposição que lhe
apresentaram paulistas e pernambucanos, e impelidos para a borda do
abismo, junto ao qual estava a aldeia, lutaram na treva, precipitaram-se
muitos daquelas alturas e os demais, subjugados, caíram cativos, em
poder de Bernardo Vieira de Melo e Domingos Jorge. Levou o Zumbi
duas balas, porém conseguiu fugir: só o mataram um ano depois.

COMO ACABOU O ZUMBI

Suicidaram-se em massa os negros que rolaram da alta rocha?

Que de epopéia há nesse epílogo de guerra que os documentos


coevos não embelezam — neles narrada como a punição de escravos
indignos de piedade, sequer do tratamento dispensado aos janduís
“comedores de carne humana”? Em carta de 18 de fevereiro o
governador de Pernambuco explicou: “Aprisionaram muitos e outros
se tornaram a recolher, mas errando o caminho se despenhou grande
parte deles de uma rocha tão alta que se zeram pedaços”. Era noite.
Não podiam os brancos ver o sacrifício, ou avaliar-lhe a grandeza.
Apertados de encontro ao precipício, tiveram de escolher entre a
escravidão e a morte. Numerosos se arrojaram no espaço. A lenda
errou quanto ao Zumbi. Não caiu, como águia ferida, do topo do
penhasco, desdenhando os perseguidores e dando aos de sua raça um
exemplo de altivez majestosa. A lenda (e Rocha Pita) fantasiou-lhe um
m teatral. De fato, com duas balas no corpo e alguns sequazes se
embrenhou no sertão. Foi denunciado por “um mulato seu valido”,1133
que o vendeu a André Furtado de Mendonça, cabo de um troço de
paulistas.

O governador de Pernambuco completa essa história: o mulato


desempenhou a palavra guiando a tropa ao Mocambo do negro, que tinha já lançado fora a
pouca família que o acompanhava, cando somente com vinte negros, dos quais mandou
quatorze para os postos das emboscadas que esta gente usa no seu modo de guerra, e indo
com os seis que lhe restaram a se ocultar no sumidouro que arti ciosamente havia fabricado,
achou tomada a passagem; pelejou valorosa ou desesperadamente matando um homem,
ferindo alguns e, não querendo render-se nem os companheiros, foi preciso matá-los e só a
um se apanhou vivo; enviou-se-me a cabeça do Zumbi que determinei se pusesse em um
pau, no lugar mais público desta praça, a satisfazer os ofendidos e justamente queixosos, e
atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam este imortal;1134 pelo que se entende
que nesta empresa se acabou de todo com os Palmares.1135

XXVI: O “  B”

O “BRAÇO DE PRATA”

Ao contrário do governo profícuo de Roque da Costa (que “se


embarcou na mesma hora em que entregou o bastão”, “mais pobre de
fazenda e mais rico de opinião que muitos dos seus antecessores”)1136
— foi desastrado o de Antônio de Sousa de Meneses, velho militar, que
perdera o braço direito num dos combates da armada do Conde da
Torre à altura da Paraíba, e o substituíra por um “de prata”, donde a
alcunha, que lhe cou. “Nos postos e governos que exercera tinha
mostrado mais valor que disposição”, sentenciou o Padre Antônio
Vieira, que, também velho, resolvido a isolar-se do convívio dos
homens na Quinta do Tanque, da Bahia, a esta cidade se passara, na
frota de 1681.1137 Durante os seus dois anos de governo infausto o
“Braço de Prata” foi impopular, combatido pela melhor gente e
censurado por suas violências, a que não faltou o remate de um crime
famoso.

Começou por querer evitar um abuso de que se queixava a justiça: o


imemorial costume de saírem à noite, embuçados nas suas capas, os
moradores, de modo a serem contínuos os delitos, impunes graças ao
disfarce. Proibiu os “embuçados” e irritou a mocidade, avisou Vieira,
em carta de 23 de julho do mesmo ano: “E sobre se tirarem as capas
aos homens têm dito lindezas os poetas, sendo maior a novidade deste
ano, nestes engenhos, do que foi nos de açúcar”. A “terra é má de
contentar”, confessava o padre. Açulou-lhe a maledicência a galhofa de
Gregório de Matos:
Quando desembarcaste da fragata
Meu dom Braço de Prata,
Cuidei que a esta cidade tonta e fátua
Mandava a Inquisição alguma estátua, [...]

O CASO DO ALCAIDE

Complicou-se a situação com a amizade que uniu ao governador o


Alcaide-mor Francisco Teles de Meneses e o Desembargador João de
Góis de Araújo. Ambos eram adversários do secretário de Estado,
Bernardo Vieira Ravasco, irmão do Padre Vieira, e dos Britos de
Castro, cuja parcialidade abrangia nomes ilustres da milícia, do clero,
da nobreza. De João de Góis diz o padre: “Inimigo capital da
Companhia e do meu irmão”, era “a mão com que escrevia o
governador”. Quanto ao alcaide, o ódio aos Castros pressupunha luta
de morte, pois um sobrinho dele armara uma emboscada ao Tenente
Antônio e seu irmão, o provedor da alfândega André de Brito de
Castro,1138 de que escaparam, malferido o primeiro, com a espada na
mão o outro... Sem atenção a esse con ito, deu o governador ouvidos
ao desembargador para diminuir o ordenado do secretário, e
suspendê-lo a nal do emprego. A esse tempo escravos do provedor da
alfândega tinham assassinado dois negros do alcaide. Atribuía-se o
crime à vingança. Entre os mandantes gurava Gonçalo Ravasco, lho
de Bernardo Vieira. Para não serem presos recolheram-se ao colégio
da Companhia os dois Vieiras, e alguns dalgos. Lembrou-se o padre
de uma acomodação: e, antevéspera do Natal, procurou em palácio
Antônio de Sousa de Meneses. Foi pior. Desentenderam-se, através de
um diálogo que o próprio Vieira resumiu, em carta a Roque da Costa.
“Que ele ainda que não era padre da Companhia tinha melhor
consciência que eu, e conhecia melhor a Deus que eu”. Advertiu-lhe,
que “quando eu podia alguma cousa, tinha servido a Sua Senhoria”.
Gritou: “Nunca lhe pedi nada, nunca lhe pedi nada!”. E o jesuíta: “Sim
pediu, sim pediu: nem tem que se descon ar disso; porque naquele
tempo se podiam valer de mim, e eu fazer serviços a outros maiores,
tirando o príncipe”. Furioso, o governador o expulsou: “Vá-se daqui, e
não me entre mais em palácio”. E o padre: “Por certo que será matéria
de grande sentimento não entrar neste palácio quem com tão diferente
respeito tem entrado no de todos os reis e príncipes da Europa”.

Seis meses transcorreram, pontilhados de incidentes e desordens. Em


4 de julho (1683), às dez horas da manhã, na rua detrás da Sé, a
“serpentina” em que ia o alcaide foi atacada por um bando de
embuçados. Dois escravos, que carregavam o palanquim, caíram logo,
aos golpes dos criminosos, que em seguida se atiraram a Francisco
Teles de Meneses e lhe embeberam no corpo as espadas. “Matá-lo-ei
de frente e com o meu pulso, como cavaleiro”, rugiu um deles, decerto
Antônio de Brito de Castro; e vibrou-lhe a estocada mortal.

Cometido o crime correram os assassinos para o colégio. Puderam


ser presos João de Couros Carneiro, Francisco Dias do Amaral,
Manuel de Barros da Franca, Antônio de Moura Bolim, os capitães
Diogo de Sousa da Câmara e José Sanches del Poço, seus amigos. Mas
foram justi car-se em Lisboa Gonçalo Ravasco e Manuel de Barros.
Quanto a Antônio de Brito, foragido em Lisboa, deram-lhe gasalhado
os jesuítas junto à Igreja de São Roque.1139 À instância de Vieira, foi
perdoado pelo irmão da vítima, e anistiado por el-rei (1694) mediante
intercessão do Papa,1140 como diz Fr. Jaboatão no seu Catálogo
genealógico.

Tais acontecimentos emocionaram a corte. Ouviu el-rei as queixas da


América. Em 9 de março de 1684 escreveu — não sem benevolência —
ao “Braço de Prata”:
Atendendo aos vossos anos, e aos muitos que tendes de serviços desta Coroa, parecendo-me
que desejais ver-vos fora do Brasil, para vir descansar no reino, fui servido nomear ao
Marquês das Minas que vos houvesse de ir suceder.1141

MARQUÊS DAS MINAS

A nomeação do marquês levou a data de 4 de março; empossou-se na


Sé arquiepiscopal da Bahia em 4 de junho seguinte. “No mesmo dia
em que chegou, foi hospedar-se com os jesuítas no seu colégio, a
testemunhar-lhes o apreço recusado pelo antecessor”1142 — e não lhe
faltou a lisonja de quantos, até aí perseguidos ou oprimidos, viam raiar
uma era de justiça...
Teremos grande fartura,
Não há de haver fome mais:
Mostras temos, e sinais,
De um tempo mais abastado.1143

O Marquês das Minas tinha motivos ilustres para amar o Brasil. O


título lembrava-lhe o bisavô, D. Francisco de Sousa, a quem fora
prometido. Os ossos desse governador tinham cado em São Paulo.
De D. Antônio de Sousa, seu lho, enviado com amostras de ouro para
o reino, proviera o 3º Conde do Prado e 1º Marquês das Minas, D.
Francisco de Sousa, notável na guerra e na política, mestre-de-campo
nas lutas da Restauração e embaixador em Roma. Casara-se a primeira
vez com uma Montalvão e a segunda com a lha do Conde da Torre.
Destas núpcias nascera D. Antônio Luís de Sousa, 4º conde e 2º
marquês (1644–1721), educado na escola das armas consoante as
tradições da família, soldado valente na guerra da independência (de
1658 a 65), destinado a maior fortuna após o governo do Brasil.1144
Exerceu-o com argúcia e brandura, apaziguando e provendo com
proverbial acerto.

Coincidiu, porém, com esse período a epidemia da “bicha”, que


agelou Pernambuco e Bahia no verão de 1686 — a mais terrível que
ainda se vira.

A EPIDEMIA GRANDE

A “bicha” era a febre amarela. Trouxera-a da Ilha de São Tomé para o


Recife um brigue negreiro. Abertas duas barricas com carnes salgadas
logo morreram, como se vitimados pelo ar empestado, dois marítimos;
e o mal se espalhou pelo porto, pela Vila de Olinda e seus arredores,
sem haver medicina que o atalhasse. Veri cou-se na Bahia o primeiro
caso da doença em abril. A sordície dos sobrados cujos porões
andavam cheios de escravos da África, o calor, as ruas sujas, a falta de
higiene, agravada pelo número crescente de negros mercadejados nos
bairros da praia, favoreceram a expansão da epidemia, “novo gênero
de peste, nunca visto nem entendido dos médicos, de que já morreram
dois”, como participou Vieira ao Conde de Castanheira em 1º de julho
de 86. Feria de preferência os brancos, os menos adaptados ao clima.
Dias houve em que morreram na cidade duzentas pessoas. Seis
desembargadores (entre estes João de Góis e Palma, os amigos do
“Braço de Prata”), a elite da milícia, doze jesuítas, tombaram quase
simultaneamente, e “chegaram as ruas da cidade a estar despovoadas,
não só morrendo de vinte até trinta todos os dias, mas não havendo
casa em que não houvesse muitos enfermos, e em algumas todos”.
“Não tem sido menor a caridade e liberalidade, principalmente do Sr.
Marquês das Minas, a quem Deus tem pago de contado, preservando
do mal assim a sua pessoa como a do conde seu lho”.1145 Dera a um
boticário autorização para fornecer à pobreza os remédios que tivesse.
Uma rica senhora, D. Francisca de Sande (viúva do Mestre-de-campo
Nicolau Aranha Pacheco),1146 transformara a sua casa em hospital,
porque o da Misericórdia não podia atender a todos os indigentes. Em
13 de junho faleceu o Arcebispo D. Fr. João da Madre de Deus, de boa
memória... Valeram-se os moradores, apavorados, duma imagem de
São Francisco Xavier que se venerava na igreja do colégio, e após
procissão solene quiseram que a câmara o tomasse por seu padroeiro:
isto fez em 20 de julho, com a aprovação del-rei (3 de março de
1687).1147

MATIAS DA CUNHA

Sucedeu ao Marquês das Minas no governo outro general das lutas do


reino Matias da Cunha, que já governava três anos o Rio de Janeiro, e
se empossou na Bahia em 4 de junho de 1687.1148 Logo embarcou o
marquês de volta à corte. A bordo perdeu o lho, o Conde do Prado,
provavelmente da mesma peste, que enfrentava tantas vezes em terra, a
socorrer os doentes e a pobreza...1149 Sofreu o novo administrador
piores injúrias dos homens e da moléstia. De mais notável o que fez foi
o socorro ao Rio Grande, reclamado pelos moradores investidos dos
tapuias — e de que na Bahia se ocupou solene junta de teólogos,
missionários e militares.1150 Recrudesceu, em 1688, a epidemia da
“bicha”. A frota nesse ano chegada perdeu muita gente. Faleceram dois
desembargadores, outras pessoas de prol, e por m — depois de longa
agonia — o governador, mas não antes de se inteirar de um motim de
soldados que quase abrasou a cidade.

O excessivo atraso dos soldos, o terror causado pela peste, a notícia


de estar a morrer Matias da Cunha, com a conseqüente ausência de
autoridade, propiciaram a revolta da tropa, “menos os cabos e o ciais
maiores”. Cercaram a Casa da Pólvora, em 21 de outubro, e intimaram
a câmara a satisfazer-lhes as dívidas, sem o que se cobrariam pelas
próprias mãos.1151 Chegaram a interceptar os caminhos, roubar os
transeuntes e aterrorizar o povo. Angariou a câmara o numerário
reclamado1152 e conseguiu o Arcebispo D. Fr. Manuel da Ressurreição
(chegara a 13 de maio de 88), com outros homens in uentes aquietá-
los, evitando as prometidas depredações. Exigiram mais os
amotinados: que Matias da Cunha, agonizante, e o arcebispo
assinassem o seu prévio perdão. O governador teve ainda forças para
assinar; e expirou.

Era no dia 24 de outubro. Convocara os vereadores, a nobreza, a


o cialidade, para em palácio decidirem sobre a sucessão do governo.
Entre os rumores do levante e a tristeza deste luto, concordaram em
designar o prelado,1153 que ouviria nos negócios da justiça o
Desembargador Manuel Carneiro de Sá, chanceler da Relação.
Anunciada a morte do governador, a paz voltou à cidade. Os rebeldes
da véspera compareceram às exéquias em boa forma. A impunidade
parecia então providencial: mas se desenganaram cedo, tanto do fácil
indulto como da indisciplina a que se iam acostumando.1154

CÂMARA COUTINHO
O Arcebispo D. Fr. Manuel da Ressurreição livrou-se do governo a 8
de outubro de 1690 — quando o entregou a Antônio Luís Gonçalves
da Câmara Coutinho, nomeado por um triênio.1155 Descendia este do
primeiro donatário do Espírito Santo, e foi quem vendeu a capitania
(1674) a Francisco Gil de Araújo. Acabava de governar Pernambuco.
Pretenderam os maldizentes na Bahia fosse mestiço, a esconder a avó
tapuia, como outros dalgos enraizados na colônia. Satirizou-o
Gregório de Matos:
Filho do Espírito Santo,
E bisneto de um caboclo.1156

Seria título, ao contrário, para bem-querer a terra: serviu-a com rude


justiça, muita lucidez e atividade grande. Os tempos, sim, corriam
desastrosos; e exigiam remédios heróicos. “À fome que houve na Bahia
no ano de 1691” dedicou o poeta amargos versos:
Toda a cidade derrota
Esta fome universal,
Uns dão a culpa total
À câmara, outros à frota [...]1157

A crise persistia por um decênio. A epidemia de 1686 agravara-a com


a mortandade da escravatura, o retraimento e a desordem dos
negócios. “Este ano deixaram de moer muitos engenhos”, lamentou
Vieira, em carta de julho de 1689. “Aconselharam os mais prudentes
que se vista algodão, que se coma mandioca”.1158 Achava o padre que
mais três anos assim acabariam com os engenhos. E que providências
vinham do reino? Que “se não rematassem por dívidas os gêneros da
terra antes do tempo da frota”, a exemplo do que se zera em 1665, por
ocasião da peste das bexigas...1159 Não bastava. O mal devera remediar-
se com a moeda. E nada tinha de complexo. Crescente a importação de
utilidades, urgia exportação equivalente, para compensá-la.
Desorganizada a exportação, por escassa, desvalorizada ou difícil de
transportar, o que os mercadores reclamavam era a paga, em dinheiro,
de seus panos, de seus utensílios, de seu vinho. Realizavam lucros
fáceis, cavam sem a dependência da mercadoria do Brasil a vender na
Europa, e com a vantagem da moeda sonante carregavam a maior
ganância do trá co — empobrecendo as praças cujo numerário fugia
todo para além-mar.

Não havia, é certo, melhor negócio que o das cousas que os


embarcadiços, nas frotas anuais, vinham especular e vender ao Brasil.
Na Arte de furtar se conta que 50$000 de pano eram na Ilha da
Madeira dados pelo dobro a essa gente, que também pelo dobro,
200$000, revendia e ganhava...1160 O pior, em tal giro, era a troca, da
mercância de Portugal por açúcar ou tabaco, de cotação variável em
Lisboa. Sobrevindo o distúrbio da produção, em 1682 ou 83, deram de
preferir os patacos circulantes. A crise tornou-se — de dinheiro.
Obstada à evasão, volveriam a reputar-se os gêneros do Brasil, e a
prosperidade se seguiria à normalidade do trabalho. Não havia senão
diferençar da moeda da metrópole a da colônia. Fixar a segunda,
abaixando-lhe o teor metálico, em relação à primeira. Regenerar, por
essa operação na aparência temerária, a nança do Brasil até aí incerta
e desnorteada.

Porque foi a moeda então o assunto predileto das queixas, dos


estudos, da angústia dos homens empenhados em melhorar a
tribulada vida brasileira de 1691, vejamos as alterações que sofrerá ela
após a Restauração portuguesa.

ALTERAÇÕES DA MOEDA

A revolução de 1640 pesara sobre o meio circulante. Ouro e prata


encareceram. Tornou-se indispensável o reajuste, com o aumento de
20%, no mínimo, do numerário corrente. Este, no Brasil, consistia
principalmente em prata espanhola. Decidiu-se, em 1643, fosse
remarcada em o cinas monetárias, para isto estabelecidas no Rio de
Janeiro, na Bahia e no Maranhão (as patacas e meias patacas seriam
carimbadas com uma coroa real e os valores, 480 e 240 réis), tendo os
moradores quatro meses de prazo para as apresentarem às tais o cinas
(alvará de 26 de fevereiro de 1643). À Fazenda Régia cabia, nessa
operação, o lucro de 25% (apostila de 10 de março). Logo a 3 de agosto
vigorou para o Brasil o aumento de 25 e 50% nas moedas de ouro e
prata. Proíbe-se, em 1647, a circulação das patacas da nova fábrica do
Peru. O que então se teme é a entrada da moeda falsa. Para obviá-la, e
xar o estalão legal, recebe o vice-rei, Conde de Óbidos, em 1662,
ordem para recunhar toda a moeda existente na colônia. No ano
seguinte a pataca espanhola passa de 480 a 600 réis. Trabalham as
casas de resselagem da Bahia, Pernambuco, Rio e São Vicente. Um
mês, como determinava o Regimento, para que se contramarcasse a
moeda exibida, é insu ciente para isto: o vice-rei dobra o prazo. Põe
ordem na circulação metálica, manda para Lisboa a grossa
percentagem que tem o tesouro régio dessa elevação de valores,
uniformiza o dinheiro em curso. Mas fora de ciente a majoração.
Renovou-se para o ouro em 1668 (a peça de 4 cruzados passou então
de 4$000, para 4$400), para a prata em 1673 e 79 (25%). As
providências subseqüentes referem-se ao cerceamento das peças de
ouro (1686), abuso que suscitou, em 1688, a ordem de marcação geral
do numerário.1161 Mas foi desastrosa a lei de 4 de agosto desse mesmo
ano, que mandou levantar de 20% ouro e prata no reino e conquistas.
Contra esse acréscimo em aquém e além-mar representaram D. Fr.
Manuel da Ressurreição, as câmaras da Bahia, de Pernambuco, do Rio
de Janeiro, por m o Governador Câmara Coutinho. Respondeu-lhes
el-rei (19 de março de 1690) reiterando os termos da dita lei.
Generalizou-se, em conseqüência, uma repulsa que poderia degenerar
em revolta.

Descreve o Padre Vieira:


No Rio de Janeiro se abaixou a moeda com tal diminuição, que em um dia, computado o que
se possuía com o que se perdeu, quem tinha nove se achou somente com cinco; e o pior é
que esse pouco que cou ainda assim se embarca para Portugal, porque dizem tem lá mais
conta. Para se fazer a mesma baixa nesta Bahia se espera pela partida da frota [...]. Dizem os
mais práticos da praça, que perderá esta na dita baixa mais de 500 mil cruzados.1162

Seguramente colaborou na sensata representação que o governador-


geral enviou a el-rei em 4 de julho de 1691. Nesta se repetem vários
conceitos da correspondência do grande jesuíta por essa época. Em 1º
de julho escrevera a Roque da Costa Barreto: “Para último e por único
remédio representa e pede este estado a S. M. a moeda provincial com
tal maioria no valor extrínseco que, passada a outras partes, seja perda
e não interesse”.1163 E o governador, três dias depois:
O remédio seria mandar lavrar 2 milhões de moeda provincial, assim de prata como de ouro,
para todo o Estado do Brasil [...] a qual moeda tenha tanto mais valor extrínseco quanto
baste para obrigar a que se não leve do Estado: com proibição e pena grave.1164

MOEDA PROVINCIAL

El-rei não remeteu os 2 milhões pedidos. Adotou solução mais prática


e igualmente bené ca. Criou a moeda provincial lavrada mesmo no
Brasil. Por lei de 8 de março de 1694 levantou de 10% o valor do ouro
e da prata que deviam correr na colônia, somados aos 20% do
aumento de 1688.1165 Tal diferença, entre a moeda no Brasil e na
metrópole, desencorajaria os tra cantes, que vinham arrecadá-la nos
nossos portos: logo a lei de 19 de dezembro de 95 proibiu que
circulasse aqui o dinheiro feito para o reino. A Casa da Moeda da
Bahia — instalada nesse ano,1166 na Praça do Palácio, junto à Casa da
Relação — passou a amoedar a prata e o ouro que havia em giro (de
ouro, 4$000, 2$000 e 1$000, inscrição acrescida: Petrus ii D. G. Fort.
Rex et Bras. D.; e de prata: 640, 320, 160, 80, 40 e 20 réis).1167

Coube a D. João de Lencastro, sucessor de Câmara Coutinho, presidir


à abertura da grande o cina de moedagem. Viu-lhe a importância
quem tanto se batera pela “nacionalização” da moeda. “A casa dela ca
já em boa altura, com que o trato civil desta República, que até agora
parecia de bárbaros, começará a ser político”.1168

ALIMENTOS E JUSTIÇA

Não se limitou Câmara Coutinho a defender os colonos contra a


incompreensão do Conselho Ultramarino. Que reparasse a carestia de
alimentos, aplicou, com o rigor que sabia ter, a lei de 1688, que
obrigava os moradores do Recôncavo, dez léguas em redor da Bahia, a
plantar cada ano quinhentas covas de mandioca. Mas as desordens dos
negros fugidos em Camamu e de quarenta paulistas na Vila de Porto
Seguro — donde vinham as farinhas para a cidade — exigiam pronta
repressão. Con ou-a ao Desembargador Dionísio d’Ávila Vareiro, que
se meteu, com um punhado de soldados, pela capitania de Porto
Seguro, e prendeu os malfeitores, com os seus sequazes. Na Bahia
sofreram vários deles a pena última.1169

Regozijou-se o governador: “Tenho evitado brigas, mortes e feridas,


com toda a severidade, e administração da justiça, executando a lei na
forma dela incontinenti, por bando, e está de maneira a Bahia que
depois que eu governo está tudo quieto”.1170

VIAGEM E MORTE DO ARCEBISPO

Saiu entretanto D. Fr. Manuel da Ressurreição a visitar — pela


primeira vez — as vilas e aldeias da sua arquidiocese, numa inspeção
sublinhada de caridade.
Com efeito — lembrou um contemporâneo — partiu por mar, e chegou à Vila de Ilhéus. E
depois de a ter visitado com aquele fervoroso espírito, se pôs a caminho: e chegando ao Rio
das Contas, que são mais de vinte léguas, por longas praias e altas serranias, fez também sua
costumada doutrina ao povo, e fruto a Deus. E daí se partiu para a Vila de Camamu, que lhe
cava mais de quatorze léguas distante, por ásperos campos e rios caudalosos: aonde esteve
mais dias, pelo maior concurso de gente, e ter mais que fazer na sua visita, e Missão; porque
nunca perdeu tempo, em que se não visse visitar, crismar, pregar e ainda confessar: sendo em
tudo incansável na Vinha do Senhor [...]. Dali passou à Vila de Boipeba, que dista doze
léguas, embarcando parte da jornada por mar em canoas, e parte por terra: fazendo o mesmo
fruto naquela vila. Dela se embarcou para a do Cairu por um dilatado rio, que tem mais de
quatro léguas; na qual foi recebido com mui aprazível gosto. Despediu-se dela para a Força
do Morro; e daí se passou, por uma grande praia, que tem mais de nove léguas, à Vila de
Jaguaripe. E correndo muita parte das freguesias e igrejas deste Recôncavo, caminhou tão
apressado, como desejoso de chegar a este seminário; porque parece que corria, para chegar
ao m, que tanto apetecia. Isto posso eu certi car, por lhe ter ouvido dizer, que ia descansar a
Belém.1171

Chegou ao Seminário de Belém (na Cachoeira) “já mortalmente


enfermo”1172 e faleceu nos braços do Padre Alexandre de Gusmão, em
16 de janeiro de 1691.
Poucos prelados foram aplaudidos e amados como esse, que deu o
resto da vida a um apostolado exaustivo e a concluiu na recente igreja
rural onde oresciam as virtudes dum exímio educador.

D. JOÃO FRANCO

Sucedeu-lhe na Sé arquiepiscopal D. João Franco de Oliveira — menos


feliz na prelatura, e na obediência dos homens. Con rmado pela Bula
de 9 de janeiro, chegou à Bahia em 5 de dezembro de 1692, recebido
sem simpatia porque trouxe no mastro do navio, não o estandarte real,
mas a sua âmula particular. O governador mandou prender o mestre
da embarcação...1173

Acabava de deixar, aliás, a diocese de Angola “porque a pesca, que fez


já no Oriente, o destinou para a do Meio-Dia”1174 — o que explica
menos essa novidade. No desagrado do governador encontrou o
indício de que a terra lhe seria desfavorável. Há uma poesia de
Gregório de Matos com a epígrafe: “Retira-se o Arcebispo da Bahia
para fora da cidade, a divertir o sentimento pela desastrada morte de
seu sobrinho, cuja pena o acompanhou até que se retirou para Lisboa”.
À semelhança do antecessor, procurou o retiro de Belém. Não quis
continuar no Brasil. Interrompeu o seu governo em 28 de agosto de
1700 — recolhendo-se a Portugal.1175 Assinalou-o, porém, com a
criação de numerosas paróquias: Madre Deus, São Gonçalo da Vila de
São Francisco, Cachoeira, São Gonçalo dos Campos, Saubara,
Itapororocas, Itapicuru de Cima, Santa Luzia do Piagüí, São Gonçalo
de Sergipe del-Rei, Santo Antônio e Almas de Itabaiana.

XXVII: O    D. J


 L
O PREFERIDO DA TERRA

De regresso do seu governo de Angola estivera D. João de Lencastro


na Bahia em 1692. Escreveu Vieira em julho desse ano:
[...] vai embarcado na presente frota, com tantas saudades da Bahia como as que deixou no
governo de Angola; e aqui se deteve os dias e meses bastantes para conhecer interior e
exteriormente as enfermidades do Brasil e os remédios políticos e militares.1176

A câmara da cidade (em 14 de julho de 92) pediu a el-rei concedesse


mais um triênio de governo-geral a Antônio Luís Gonçalves da
Câmara Coutinho, porém, não sendo isto possível, que lhe desse então
por “sucessor a D. João de Lencastro, de cujos altos procedimentos”
tinham todos lisonjeira notícia.1177 Embora excepcional, a súplica (os
moradores a indicarem o representante de Sua Majestade) fundava-se
em opinião severa e ouvida. Veio, pois, o dalgo, com muitas
esperanças, grandes projetos e a solução dos problemas mais penosos
do tempo. Dir-se-ia milagre:
Chegou o Sr. D. João de Lencastro, e entrou nesta Bahia com todo o troço da frota com que
saiu de Lisboa. No mesmo dia com sua vinda se trocou a fome em fartura, a desconsolação
em alegria, e até a morte, ordinária nestes meses, em saúde, pagando Deus aos lavradores a
esterilidade do ano em tão melhorada moeda. A casa dela ca já em boa altura.1178

Oito anos administrou, com intensa e feliz atividade.

Nenhum outro governador construiu tanto. Tocou-lhe por sorte, é


certo, o mais belo decênio da evolução do Brasil colonial: quando os
sonhos das minas, a miragem de todos os seus antecessores, as
promessas antigas se concretizaram — em descobrimentos espantosos.
Época de paci cação a ferro e fogo de tapuias e mocambos do
Nordeste. Da comunicação, pelos sertões, do Maranhão com a Bahia.
Da fundação das vilas, da reorganização da justiça, da moeda
provincial, das frotas abundantes, dos intensos aprestos da defesa dos
portos — agora que as questões européias (a confusa sucessão
espanhola) ameaçavam estender à América as guerras do Velho
Mundo.
Mandou pôr os fortes de Santo Antônio da Barra,1179 de Santa Maria e de São Diogo na
última perfeição e melhor forma, além de mandar fazer o Forte de Santo Antônio-além-do-
Carmo, levantar o Ornaveque e reduto a cavaleiro que defende as duas portas da cidade1180 e
fabricar a nova Casa da Relação,1181 da Moeda e da Alfândega,1182 e reedi car com mais
largueza a casa da câmara e cadeia, como tudo se deixa ver nas suas inscrições, esculpidas;
concorrendo também com incessante desvelo e solícita aplicação para se acabar o formoso
templo da Matriz (Sé).1183

Tantas construções justi caram a abertura de uma escola de traço,


geometria e cálculo: a “aula de forti cações” que mandou el-rei fundar
em 15 de janeiro de 1699 — e teve longa vida.
Por ser conveniente ao meu serviço hei por bem que nessa praça em que há engenheiro haja
aula em que ele possa ensinar a forti cação havendo nela três discípulos de partido, os quais
serão pessoas que tenham capacidade necessária para poderem aprender.1184

A CASA DA MOEDA

A o cina de moedagem não devia atender apenas ao numerário da


Bahia, senão — sucessivamente — ao de todas as capitanias, até a
substituição total do meio circulante.

Houve entretanto uma di culdade insuperável: o transporte do


dinheiro para a recunhagem.1185 As ordens del-rei e do governador-
geral não lograram vencê-la: o jeito foi deslocar-se a Casa da Moeda,
primeiramente para o Rio de Janeiro, depois para Pernambuco. Ali
começaram os trabalhos a 14 de março de 1699; e terminaram em 13
de outubro do ano seguinte.1186 Funcionou em Pernambuco durante
todo o ano de 1701, até 1702 (foi mandada fechar por carta régia de 31
de janeiro desse ano). Voltou então ao Rio de Janeiro, não mais para
fabricar a “provincial”, porém para fundir, com o ouro das “minas
gerais”, a moeda forte ou do reino, a este destinada.1187

Lograra-se dar à colônia dinheiro estável e su ciente: cumpria agora


amoedar o da metrópole, fornecido com abundância pelas “minas
gerais”. Em 1694 a casa de cunhos satisfazia à pobreza do Estado; em
1703 — à sua opulência. Em menos de um decênio o panorama
econômico se alterara completamente. Acabava o século xvii, em que
tanto se falara de prata ilusória. Principiava o xviii: do ouro, que
parecia inextinguível.

O SALITRE

Mas era indispensável fabricar pólvora na Bahia; e exportar salitre, se


possível. Câmara Coutinho tratara, em 1693, com o Coronel Francisco
Dias d’Ávila — a cuja Casa pertencia a região das minas — “a
condução deste salitre pelos seus colonos e com seus bois e cavalos,
que são in nitos”, do São Francisco à cidade.1188 Para ver as nitreiras D.
João de Lencastro foi àquele sertão — entre 8 de setembro e 19 de
novembro de 1695.1189 Acompanhou-o o Desembargador Belchior da
Cunha Brochado.

Depois de D. Luís de Sousa, atrás das minas de pirata, nenhum outro


governador cortara ainda tabuleiros, caatingas1190 e serras do Nordeste,
onde, recentes, os currais da Casa da Torre atestavam a vitória do
vaqueiro sobre o tapuia.

Contratou o transporte a viúva de Dias d’Ávila: 20 mil quintais de


salitre postos em Cachoeira, contra um foro de dalgo cavaleiro, dois
hábitos com 150$000 de tença e a donataria de uma vila que fundasse.
D. Leonor Pereira Marinho — a rica senhora — não pôde desobrigar-
se do compromisso e, em 1699, requereu a sua substituição por 60 mil
cruzados, que pagaria em doze anos.1191

VILAS E JUÍZES

Conheceu o governador as condições da vida sertaneja e as


necessidades das povoações novas.1192 Criou as três vilas do
Recôncavo, Jaguaripe, Cachoeira e São Francisco de Sergipe do Conde.
A primeira foi instalada em dezembro de 97,1193 a segunda em 29 de
janeiro de 98, no porto da Cachoeira, ponto de partida para as viagens
ao Rio de São Francisco (e logo, das Minas Gerais);1194 a terceira em 16
de fevereiro, ao pé do convento dos franciscanos, em terras que
tinham sido de Mem de Sá e do Conde de Linhares.1195 Erigiu em
Sergipe del-Rei cinco vilas: Santo Amaro das Brotas, Itabaiana,
Lagarto, Santa Luzia e Vila Nova. No sertão do São Francisco, para
deter os índios de corso e assegurar o trânsito aos boiadeiros, mandou
fundar as povoações do Rio Preto, Parnaguá e Barra do Rio Grande
(autorizado pelas cartas régias de 10 de novembro e 2 de dezembro de
1698).

Dava com isto aos moradores um modo de tranqüilidade municipal


capaz de juntá-los, em lugares de bom comércio e convivência
próspera, em vez das fazendas em que se isolavam; e à aglomeração do
Recôncavo, nos engenhos atulhados de escravatura, respondia com um
novo tipo de adaptação do homem à terra. A vila do alto sertão, tendo
por núcleo a igreja matriz e a feira de gado.

XXVIII: M  

PREDOMÍNIO DO BACHAREL

Repete-se na América a evolução administrativa e política da


metrópole. À fase marcial dos capitães-generais, dos capitães-mores
arbitrários, sucede, civil e letrada, a do juiz de fora e do corregedor
(1696).1196 É o bacharel que vem (ou volta) de Coimbra1197 com a
preeminência que tinha no reino, a jurisdição transpondo os limites do
foro para abranger a ordem do governo municipal e a paz dos
negócios,1198 encarnação da lei comum, que traz consigo, nos
cartapácios temíveis das Ordenações. Dissolve os privilégios residuais
da nobreza (isto é, dos potentados locais), como outrora em Portugal,
os corregedores de D. João ii tinham dominado as resistências dos
grandes titulares: com o exercício in exível da sua magistratura. De
“fora” se chamava o juiz, exatamente porque a sua missão era intervir
— estranho à terra — nos assuntos que escapavam à alçada do juiz
ordinário.1199 Com o caráter de ouvidor-geral, superintendia o
corregedor a justiça e a polícia dos juízes não-togados (câmaras
municipais), exercia a provedoria da Real Fazenda, tomava contas de
testamentos, ausentes, capelas (ou morgadios), resíduos e órfãos,1200 e
só respondia perante o Tribunal da Relação, que lhe conhecia
apelações e agravos. Com ele, pois, passa à América o aparelho
judiciário ilustrado pelo bacharel em começo de carreira forense,
representando as boas normas que fazem na Europa a honra das
cidades; e o direito lido nas escolas. É um conciliador autoritário e
providencial, anteposto naturalmente aos caprichos do poder militar
— o governador — e aos desmandos do poder eletivo — o conselho.
Representa a régia Eqüidade; é en m o legista — para proteger
e cazmente as relações urbanas no país até aí tão carente de segurança
e equilíbrio. Não é apenas (note-se bem) um agente daquele direito
dogmático: é principalmente um funcionário da uni cação do Estado.

MARCHA PARA O ABSOLUTISMO

A tendência centralizadora e paternalista da monarquia começa pela


intervenção nas câmaras, cuja fogosa autonomia vimos, exuberante,
em 1641. Tinham atingido o apogeu do vigor nativista e combativo, e
para lembrá-lo, cara na Bahia — espécie de tribuno da plebe
eqüidistante dos abusos da classe mercantil e do descontentamento
popular — o juiz do povo. Atenuara-se pelo tempo adiante essa
honesta agressividade. Mas as eleições anuais para o conselho corriam
por vezes agitadas ou controvertidas; e não raro os vereadores e o
governador se chocavam, em lamentáveis desavenças. Pendia do
espírito do século a condenação dessas liberdades indiscretas. Em
1692, teve ordem o governador de scalizar as despesas da câmara da
cidade.1201 Quatro anos depois (sem comoção, quase sem surpresa...)
acabaram as eleições por pelouros (em que votavam os homens bons).
Desde este tempo (explica Rocha Pita) deixaram de fazer-se por pelouros as eleições dos
o ciais do Senado da Câmara da Bahia, remetendo-se as pautas dos eleitores ao Desembargo
do Paço, que se faz na Relação dela, e em cada um ano as alimpa e escolhe os vereadores e
procurador, que hão de servir nele, que vão nomeando em provisão passada em nome del-
rei.1202

Assumiu-lhe a presidência o juiz de fora.1203 Foi a 27 de abril de 1697


que, reunidos os vereadores que iam ser substituídos, presente o
magistrado, se leu o alvará da véspera, que em nome del-rei expediu D.
João de Lencastro, designando os seus sucessores.1204 Em Olinda e no
Rio de Janeiro “foi concedida provisão de Sua Majestade para os
governadores delas em cada uma com o ouvidor e o juiz de fora
limparem as pautas cada ano e escolherem os o ciais”. Era simples; e
estrangulava no berço as reivindicações subversivas. Exterminava o
espírito de independência — submetendo ao governo forte os
conselhos emudecidos. Antecipava-se o absolutismo do século de D.
João v.

VEREADORES

O novo sistema aproveitou aos lhos do reino, favorecidos do juiz de


fora e do governador. Nem havia mais bela situação na cidade do que a
de vereador, quando Gregório de Matos, caricaturando a sociedade,
assim biografava o adventício:
Sai um pobrete de Cristo
De Portugal ou do Algarve,
Cheio de drogas alheias
Para daí tirar gages.
[...]
Vendendo gato por lebre,
Antes que quatro anos passem,
Já tem tantos mil cruzados
Segundo a rmam pasguates.
[...]
Começam a olhar para ele
Os pais, que já querem dar-lhe
Filha e dote, porque querem
Homem que coma e não gaste.
[...]
Casa-se o meu matachim,
Põe duas negras e um pajem,
Uma rede com dois minas,
Chapéu-de-sol, casas grandes.

Entra logo nos pelouros,


E sai do primeiro lance
Vereador da Bahia
Que é notável dignidade.1205

CENTRALIZAÇÃO

Dissemos o que signi cou para a centralização do Estado a guerra


holandesa.

Tendem a desaparecer os privilégios dos capitães nas suas capitanias


invadidas pela jurisdição dos governadores. Em 1664 é o próprio vice-
rei, Conde de Óbidos, que expede o regimento “das capitanias deste
Estado”, com a declaração enfática de que nenhuma obedeceria à
outra, sua vizinha, mas, rigorosamente, a “este geral”, que lhes daria as
ordens.1206 Serve de exemplo a esse tipo de subordinação o con ito,
que por pouco não se converteu em luta armada, de Francisco Barreto
e André Vidal de Negreiros, aquele montado na autoridade de
governador-geral, este escorado à tradição do governador de
Pernambuco, com poder largo e autônomo. Em 1677 Afonso Furtado
(escrevendo à Câmara de São Vicente), preveniu que não aceitasse
provisão ou nomeação, ainda que de Sua Alteza, “sem levar o cumpra-
se deste governo”.1207 Narraremos as etapas dessa política de uni cação
do país no século seguinte — até esbarrar no interesse metropolitano
de quebrantá-la em proveito da comunicação direta com a corte.

ORDEM SERTANEJA

A ordem rural foi atendida pela carta régia de 20 de janeiro de 1699,


que mandou,
para se evitarem os exorbitantes excessos que nos sertões desta capitania se cometem, por
falta de quem neles administre justiça, criasse (o governador) em cada freguesia um capitão-
mor e mais cabos de milícia, que pontualmente executem as diligências da justiça.1208
No Vale do São Francisco é que se concentram então as vistas do
governador-geral, tanto porque o gentio continuava a inquietar os
curraleiros, entre os rios Salitre e Verde, como pela importância da
região fronteiriça das minas de ouro, trajeto dos aventureiros e
escoadouro do metal sonegado à cobrança dos quintos.

Mas ali um ermitão na sua gruta chegou antes do capitão-mor com as


suas ordenanças. Chamou-se Francisco de Mendonça Mar, e Bom
Jesus da Lapa o santuário que fundou. Era um pintor português, ainda
em 1688 empregado nas obras do palácio na Bahia, que em 1691,
incompatível com a vida da cidade, entrou penitentemente os sertões,
indo instalar-se, na volta do rio, na Lapa, onde um estranho monte
devia sugerir-lhe a forma estupenda de uma catedral. Realmente, com
o calcário decomposto, lavrado em profundos sulcos, cortado pelo
desgaste em torreões e agulhas, como se a natureza copiasse as
rendilhadas verticais de uma igreja gótica, esconde aquele maciço um
admirável grotão, que parecia talhado e retalhado para os fervores do
culto.1209 Lá se enfurnou o beato, com a sua caridade e o seu apetite de
isolamento e de oração, como a adivinhar o drama das minas, o
tumulto e a guerra que não tardariam, a furiosa contenda de paulistas
e emboabas. Do alto da sua rocha, via passar as canoas...

OS IRMÃOS VIEIRA

Apagou-se por aquele tempo (1697) a luz mais intensa das letras luso-
americanas. Aos 89 anos, morreu na Bahia o Padre Antônio Vieira,
com a circunstância de lhe sobreviver apenas dois dias o irmão,
secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco, cuja personalidade
irrequieta se associa em tantos episódios. Entre 1681, quando voltou
ao Brasil, e seus últimos dias, o incomparável pregador prestou
serviços valiosos à colônia. Após o governo tempestuoso do “Braço de
Prata”, ressurgiu a sua in uência, decisiva ao tempo de Câmara
Coutinho.
E enquanto ao Regimento para o governo dos índios, e com os moradores, me louvava Vossa
Majestade que o zesse com a aprovação e conselho do Padre Antônio Vieira pela sua
experiência e zelo que tem no serviço de Deus.1210
Assim fez. Colaborou na criação da Casa da Moeda, na reorganização
das missões, nos problemas do Estado, sem deixar de cumprir a ordem
do Geral da Companhia para reduzir a volume os sermões. Só não
pôde concluir a Clavis Prophetarum, livro da velhice — quando o vezo
de descobrir o futuro e o gosto de vaticiná-lo o consolavam das ilusões
perdidas...1211

No Maranhão, em 1656, a reconfortar os sertanistas desenganados


das minas, meditou Vieira:
E para que comecemos pelos perigos que podem vir de fora, e de mais longe; se este estado
sem ter minas foi já requestado e perseguido de armas e invasões estrangeiras; que seria se
tivesse esses tesouros? [...]. Mas, dado que as minas tão esperadas e apetecidas não tivessem,
por conseqüência de sua fama, estes perigos de fora, bastava a consideração dos trabalhos e
misérias domésticas, que com elas se vos haviam de levantar de debaixo dos pés, para que o
vosso juízo, se o tivésseis, tratasse antes de sepultar as mesmas minas depois de achadas, que
procurar de as desenterrar e descobrir, ainda que foram muito certas.1212

Fechou os olhos quando a previsão ia realizar-se.

1700

Os últimos atos de D. João de Lencastro foram a expedição dos


socorros da Índia, que aprestou em 1700, a exploração de um caminho
mais breve para as “minas gerais”, que logo el-rei mandou fechar, e a
criação da Vila de Caravelas (1701), cujos sertões começavam a ser
devassados pelos pesquisadores de ouro.1213

O auxílio à Índia (para restaurar a praça de Mombaça na Etiópia


recentemente perdida) constava da nau Sereia vinda do reino e da
Nossa Senhora de Betancourt, construída nos estaleiros da Bahia.
Comandava a expedição Antônio de Saldanha. Ajuntou-lhe o
governador a melhor gente da terra, tendo à frente seu lho D.
Rodrigo de Lencastro. A câmara tomou a si a despesa de duas
companhias.1214 Mas a fatalidade parecia perseguir esse entusiasmo.
Incendiou-se a Sereia ainda no porto. O patacho Santa Escolástica,
armado para substituí-la, também se perdeu à saída da barra,
morrendo muita gente. E a nal a Nossa Senhora de Betancourt, glória
da carpintaria brasileira,1215 após boa viagem até Goa, lá afundou, por
terem deixado as escotilhas abertas em hora de temporal...

Era tempo de voltar à pátria o diligente Lencastro. Esperou o


sucessor, D. Rodrigo da Costa:
E me consta (atestou o novo governador) que vai empenhado, e que não teve negócio algum
nesta praça nem fora dela, publicando sempre que a sua maior riqueza consistia no
desinteresse e zelo com que servia a Vossa Majestade.1216

Em linguagem o cial não havia melhor elogio.

XXIX: I    

MINAS GERAIS

Fernão Dias Pais não explorou em vão as montanhas centrais.

O ciclo das esmeraldas encerrara-se com a desastrosa morte de D.


Rodrigo. O da prata desvanecera-se ao mesmo tempo.1217 Essas lendas
custavam caro. Mas a obsessão do ouro não largara o espírito crédulo
dos paulistas. Não o de lavagem que, com desigual fortuna, iam
“bateando” pelos riachos do Iguape, de Curitiba, de Paranaguá —
muito escasso para contentar e xar esses homens andejos. Porém o de
beta, mesmo o dos ribeiros, à mão de semear, abundante — que
constava haver ao Norte, ao Oeste, no Sul... Para achá-lo continuaram
a penetrar — saindo de Taubaté — a Mantiqueira; avivaram o
itinerário do “Governador das Esmeraldas”; vagueavam pelos montes
verdes ou rochosos, varando as torrentes, escalando tombadouros,
ganhando divisores de águas donde vastos panoramas começavam a
recompensar — risonhos — tanta ambição. São, depois de 1681,
viagens obscuras. A região chama-se “dos cataguases” pelos índios que
a habitavam adiante de Taubaté — núcleo de convergência e irradiação
dessas entradas. Ninguém pensa em pedir sesmarias e demorar na
terra nova: era sertão bravo, atrás do qual resplandecia o
“Sabarabuçu”... José Gomes de Oliveira e seu ajudante Vicente Lopes
foram das margens do Paraíba às nascentes do Rio Doce. Antônio
Rodrigues de Arzão por 1692 (neto de Brás Rodrigues de Arzão)
andara, com cinqüenta companheiros, pelos mesmos rumos.
Encontrou deveras, no Rio da Casca, areias auríferas; encheu alforjes; e
descendo pelo Rio Doce chegou ao Espírito Santo, a cujo capitão-mor
comunicou o descobrimento. O roteiro, deu-o ao concunhado,
Bartolomeu Bueno de Siqueira, também paulista, que se pôs em
campo — em 1694 — através das regiões de Congonhas e Suaçuí.1218
Do Rio de Janeiro, em 29 de junho desse ano, foi carta para D. João de
Lencastro, a “dar parte das novas minas de ouro”, com o
roteiro das minas de ouro que descobriu o Padre-Vigário João de Faria e seus parentes, e do
mais que tem em si os Campos (defronte da Vila de Taubaté) três ou quatro dias de viagem:
se achou o Rio de Sapucaí, e descendo de Taubaté para a Vila de Guaratinguetá tomando a
estrada real do sertão 10 dias de jornadas com cargas para a parte do Norte sobre a
Amantiqueira (sic) [...]. Achou o Padre-Vigário João de Faria, seu cunhado o Capitão
Antônio Gonçalves Viana, o Capitão Manuel de Borba1219 e Pero de Aros em três ribeiros
pinta muito boa, e geral de ouro de lavagem, de que trouxe a amostra dele a esta cidade.1220

Logo preveniu o governador-geral ao de Santos, que defendesse o


porto, “agora que é tão grande a fama do muito ouro que de novo se
tem descoberto”, podendo “excitar o desejo de alguma nação
inimiga”.1221

Deve ter acontecido pouco depois (se não há erro na história) o


episódio do “mulato”, prático em tais pesquisas, pois havia “estado nas
minas de Paranaguá e Curitiba”, que — diz Antonil —
indo ao sertão com alguns paulistas buscar índios e chegando ao serro do Tripuí desceu
abaixo, para tomar água no ribeiro a que chamam agora de Ouro Preto: e metendo a gamela
na ribanceira para tirar a água e roçando-a pela margem do rio, viu que nela depois caram
uns granitos da cor do aço, sem saber o que eram, e nem os companheiros.

Levaram, contudo, punhados de grãos a Taubaté e os venderam a um


Miguel de Sousa, que mandou porção deles ao governador do Rio de
Janeiro, Artur de Sá e Meneses (portanto em 1697).1222 Este os fez
examinar e veri cou ser “ouro níssimo”.
Porventura já então o Tripuí era destino comum das bandeiras, que
passaram a orientar-se pela montanha, inconfundível, que o assinala: o
Itacolomi (pedra da criança, por ter, na cumeada, um penhasco). O
Itacolomi foi como a porta encantada, o farol das jazidas sem conta...
Por 1695 o taubateano Salvador Fernandes Furtado atingiu o Ribeirão
do Carmo. Com Carlos Pedroso da Silveira (paulista) e Bartolomeu
Bueno iniciou a ocupação do território rico.

Foi Carlos Pedroso quem alcançou licença do governo do Rio de


Janeiro para estabelecer uma Casa de Fundição em Taubaté (janeiro de
1695), por el-rei con rmada em 97. Tal o cina rústica, que exigia
alguns funcionários e poucos ferros, para descontar do ouro bruto os
reais quintos (20%) e “cunhar” o restante, a m de que pudesse
circular, com a marca que provava o pagamento do tributo — não
correspondia a uma simples esperança. Indicava duplamente a
extração, que já se fazia, e o desejo do pioneiro, de não se embaraçar
no seu trabalho pela necessidade de levar o ouro ao Rio ou a São
Paulo. Pode representar também uma represália, do governador do
Rio e da gente de Taubaté, em divergência com os paulistas,
amotinados contra a redução da moeda (1691 e 97).1223

ARTUR DE SÁ

Quando o governador se transferiu para São Paulo, a indagar dos


descobertos, como el-rei lhe encomendara1224 — podemos considerar
inaugurado o “ciclo do ouro”.

Entre outubro de 1697 e maio de 98, Artur de Sá permaneceu no


planalto.1225 O ano de 1699 empregou-o numa larga inspeção às
minas.1226 Substituiu-o Francisco de Castro Morais (15 de março de
1700). Artur de Sá tinha o direito de vangloriar-se da primeira
organização das explorações auríferas e da disciplina que lhes dera:
mas estava milionário. Foi o primeiro funcionário régio a locupletar-se
com o ouro do Brasil: reapareceu em Lisboa como um dos sujeitos
mais opulentos da monarquia.1227
OS ARRAIAIS

De fato, enquanto Salvador Fernandes1228 se estabelecia no Ribeirão do


Carmo, outro taubateano, Antônio Dias, e o Padre João de Faria, de
São Sebastião (o descobridor, de 1694), criavam o primeiro povoado
de Ouro Preto,1229 e, com os paulistas Tomás Lopes de Camargo e
Francisco Bueno da Silva (1698) descobriram numerosas jazidas. Os
arraiais de Pouso Alto e Baependi são de 1692; mas de 1698–9 os que
cam nas redondezas do Itacolomi; Campanha, Sabará e Pitangui, de
1700...1230

A melhor gente paulista irrompe pela Mantiqueira, transpõe os


serros, já sem vestígios de índios, ganha os acampamentos,
esfervilhantes de mamalucos, e reconhece o prodígio. A nobreza...
Vês os Pires, Camargos e Pedrosos,
Alvarengas, Godóis, Cabrais, Cardosos,
Lemes, Toledos, Pais, Guerras, Furtados,
E outros que primeiro assinalados
Se zeram no arrojo da conquista.1231

À região chamou Artur de Sá — “Minas Gerais dos Cataguases”.1232


Ficou-lhe o nome. Minas Gerais, isto é, por toda parte, pelos córregos,
pelos grotões, ao sopé dos montes, minas de ouro... Rocha Pita
acertou, enumerando-as, como foram conhecidas ao começar o século
xviii:1233 ao sul de Ouro Preto (centro virtual da zona aurífera) as do
Rio das Mortes, e “entre estas e as minas gerais jazem algumas de
menos importância, como são as de Itatiaia, Itaberaba e outros
ribeiros”. Para o norte: Rio das Velhas, Sabarabuçu, Caeté, Santa
Bárbara e Catas Altas. Mais ao norte destas foram seguidamente
descobertas as do Serro do Frio e, acima, “outras minas de pouco
porte, chamadas Tocambira”. “Para o ocidente, Pitangui, que deram
muito ouro e ainda o estão lançando”. As primeiras nomeações feitas
por Artur de Sá (provavelmente durante a viagem de 1699) abrangiam
o território assim delimitado. Constituiu logo um guarda-mor: o
Mestre-de-campo Domingos da Silva Bueno.1234
O GUARDA-MOR

Essa nomeação preteria o lho de Fernão Dias. Escreveu em 1746


Pedro Dias Pais Leme:
Criou com o título de guarda-mor das Minas a um paulista por nome de Domingos da Silva
Bueno. E era este o único ministro que havia naqueles desertos, a quem incumbia as datas e
repartições dos ribeiros e terras minerais, compor e decidir as dúvidas que sobre elas se
moviam na forma do dito Regimento (que levara D. Rodrigo de Castelo Branco).

Aprovou el-rei a invenção do cargo, mas nele proveu Garcia


Rodrigues Pais, “guarda-mor geral das Minas” in solidum, “primeiro
por três anos e depois em propriedade e sucessão para si e seu lho
mais velho, a primeira por resolução de 15 de abril de 1702”, a segunda
por alvará de 27 de setembro de 1725...1235

Os vários distritos tiveram sargento-mor, guarda-mor privativo,


escrivão dos quintos del-rei, procurador da Fazenda, tesoureiro.1236
Tais empregos estruturaram a nascente administração, a ordem —
precária — naquelas terras invadidas sem demora por gente de todas
as proveniências, ávida de fortuna, aventureira, hostil à autoridade e
afeita às armas.

É o período caótico da história das Minas, análogo ao das regiões de


ouro e diamantes em todos os climas do mundo, antes da disciplina
severa e da scalização do Estado. Prólogo indispensável de uma fase
imprevista e espantosa da evolução do Brasil — em 1702 foi o
deslumbramento. Em 1707 — o choque de paulistas e forasteiros.1237
Em 1711 — o começo de uma organização previdente e forte,
destinada a impor a lei, a ressalvar os rendimentos da Coroa e a
substituir o tumulto sertanista pela estabilidade municipal.

XXX: F 

Ê
SUFICIÊNCIA

Patenteiam-se no século xvii as possibilidades do país.

Da misteriosa terra do pau de tingir (1500), das magras capitanias


(1532) e das primícias do açúcar (1545), passa à categoria de zona
produtora das especiarias disputadas pelas grandes potências — e
entra com isto no sistema de equilíbrio mundial.

Vimos que os Estados-Gerais da Holanda (através da Companhia das


Índias Ocidentais) decidiram aniquilar Portugal na América, atacando
ao mesmo tempo o império espanhol em ambas as margens do
Atlântico, Pernambuco e Angola. Com todos os recursos de que dispôs
no seu esforço de sobreviver, mal recuperou Portugal a independência,
em 1640, de niu o seu destino: sacri car embora o Oriente, mas
manter o Brasil e (complemento dele) os portos negreiros da África.
Intitula-se príncipe do Brasil o herdeiro da coroa (1645), discípulo do
Padre Antônio Vieira, em boa parte responsável pelo realce que
adquire então a colônia nos negócios da corte. Iminente, a devastadora
ofensiva castelhana, pensou D. João iv em retirar para as ilhas e
segurar, resto da monarquia em exílio, Maranhão e Pará. Na língua
irreverente dos rebeldes pernambucanos soa com um eco rancoroso a
ameaça de escolher outro rei, se o legítimo os abandonasse. Estala no
dilema o nativismo, embasado na prosopopéia, na fartura agrícola, na
própria barbárie sertaneja de armas na mão, pela “liberdade”. Esta
“liberdade” de religião, de propriedade, de dignidade humana, contra a
usurpação, da qual João Fernandes Vieira se nomeou “governador”,
não cederia a nenhuma força estrangeira. Bateu nas guerrilhas e em
campo aberto as belas tropas amengas. Firmou um orgulhoso
princípio de autonomia a que a metrópole deu o auxílio poderoso das
suas esquadras e dos seus capitães. Ajudou a expulsar o intruso; e
quando ele partiu — derrotado e rendido — estava a braços com a
organização de um Estado, carente de ordem administrativa, de
justiça, expansão e assistência. Até 1654, a sua ação é defensiva. Os
holandeses tinham feito o possível para conquistar; ela, o impossível
para retomar o Brasil. Restabelecida a paz com a integridade
territorial, o seu trabalho foi de estruturação do império nascente. “A
todos é bem notória a importância de se acudir àquele reino —
escreveu em 1671 o Governador-geral Alexandre de Sousa Freire —
pois sem Angola se não pode conservar o Brasil, e sem o Brasil,
Portugal”.1238

O INTERESSE DE PORTUGAL

Percebe-se a razão.

Discutia-se antes (1618) o diferente valor para Portugal da Índia e do


Brasil. Em 1607 rendera o pau-brasil apenas 10% da pimenta (60 para
600 mil cruzados). Já o homem dos Diálogos das grandezas ressalva as
esperanças americanas: “É mais rico e dá mais proveito à fazenda de
Sua Majestade do que toda a Índia”.1239 Os números convenciam.

Para ter a pimenta adiantava a Coroa 200 mil cruzados; e pouco ou


nada lucrava do frete das armadas, se, custando cada navio 40 mil
cruzados, só produzia 3 contos.1240 Do açúcar, porém, navegado em
dois e não em seis meses de travessia, a alfândega de Lisboa (a 250 réis
a arroba) recebia — das capitanias do Norte — 300 mil cruzados.
Sobre 15 mil caixas, estimou o Padre Vieira esses direitos em 114 mil
cruzados, para 1647.1241 Gastavam-se no reino, pois a colônia se
contentava com a receita dos dízimos (cobrados em espécie ou na
fonte) e dois ou três contratos, como o das baleias.

Pobres “fumos da Índia”, de que falara Diogo do Couto! Evolaram-se


ao sobrevir a Restauração. Dissiparam-se com a universal realeza dos
Filipes. Holandeses, ingleses, franceses tomaram acolá o lugar aos
portugueses que tinham rasgado aqueles mares, entrado aqueles
países, descoberto aqueles mercados revelando a Ásia à Europa. Entre
1622 e 1661, perderam Ormuz, Malaca, Columbo, Cananor, Cochim...
A entrega de Bombaim à Inglaterra em 1661, de dote à infanta que ia
casar com Carlos ii, não foi desprendimento leviano: foi cessão
antecipada.1242 Entre Holanda e Inglaterra, que lhe disputavam os
portos das especiarias, sem contar os hindus, que começavam a
combatê-los, preferiu, inteligente, a Casa de Bragança o “aliado
histórico”, metendo-o na Índia para o afastar (e aos outros) da sua rota
atlântica. Abandonava o Oriente nababesco; mas cava com o Brasil.

Em 1683 os maratas lhe batiam às portas de Goa...1243 Do imenso


espólio de “Albuquerque terríbil e Castro forte”, era o que lhe restava,
com a ilha chinesa de Macau e duas ou três praças, fragmentos da
aventura transoceânica mais extensa e vigorosa de que se tinha notícia.
O Brasil, entretanto, prometia-lhe uma prosperidade renovadora e
crescente; o Brasil e a costa africana. “Porque sem negros não há
Pernambuco (resumira Vieira), e sem Angola não há negros”.1244

Da cachaça (ou jeribita) se dizia, em 1693, “é só gênero que há nela


(Bahia) para se levar a Angola para resgate dos negros”.1245 E do açúcar,
por 1663:
[...] invernou e retardou (a frota) quatro meses em chegar ao reino. Foi tal o aperto para
acudir ao exército do Alentejo que se remediou a falta de sua importância acrescentando a
moeda a valia extrínseca de 100 por 100 em que hoje está.1246

Sede e fome, do mel dos engenhos. Na verdade: a integração deles no


ritmo vital da metrópole.

Foi o que popularizou Daniel Defoe, a imaginar Robinson na sua


roça no recôncavo e depois, insatisfeito, indo pedir ao trá co negreiro
a fortuna desalmada...

Habituou-se, já então, o estrangeiro a considerar o Brasil o país ideal


dos mais estimados produtos, das raças misturadas, da madeira
preciosa e das minas lendárias, a que não faltava — componente da
“utopia” — a perspectiva de paz losó ca, das missões internadas no
continente.

São as forças que o caracterizam no século de formação e


con guração, em que se lhe de nem as condições materiais do
desenvolvimento e, em traços fragmentários, bruscos e inopinados, o
espírito nativo.
PAU-BRASIL

O pau-brasil não conserva o antigo valor (“co pau vermelho nota


[...]”). Na balança mercantil continuou a ser, seria até depois da
independência, monopólio de resultados medíocres, concedido ainda
em arrendamento, à maneira primitiva (por dez anos a João Nunes
Correia e Luís Godim, a começar no São João de 1602, por 21.900
cruzados ao ano, aliás por 63.900 em conjunto, segundo composição
feita no ano seguinte)1247 — ou explorado diretamente pela Coroa
(assim após o insucesso do contrato, em 606, até 1617).1248 É no preço
da arrematação que encontramos o demonstrativo da estabilidade (e
decadência) do negócio. Em 1647 calculou Vieira em 10 mil quintais a
extração, o quintal a cinco cruzados. Nesta base partia-se a meias o
lucro, entre o Estado e o contratante.1249 Não pôde este suportar o
encargo em 1606. Explica-se-lhe o desânimo pela di culdade do
trá co fora de alguns portos do Nordeste. Embaraçado pelos tapuias,
bloqueado pelos corsários, obstruído por infortúnios de toda sorte,
nunca deu mais de 10 mil quintais. O severo Regimento de 12 de
dezembro de 16051250 garantiu essa produção com um duro privilégio.
Destacada a árvore da propriedade do solo (para constituir direito de
superfície)1251 — não podia ser abatida, desdobrada, transportada,
vendida sem autorização da Coroa, como “domínio do Estado” que
era. As exceções proviriam da mesma autoridade.

Houve interesse, por exemplo, em permitir aos moradores (assim no


Espírito Santo)1252 a extração e a venda aos agentes do estanco, para
que as frotas não voltassem sem carga, senão lastro, indispensável à
viagem.

Circunstância curiosa: com o mesmo intuito (de completar o


carregamento com o lastro) vinham elas com muita pedra de lioz, ou
macio mármore português, destinado às construções da Bahia, do
Recife, do Maranhão. Trocavam-se pedras por paus. Mas a necessidade
não afrouxou o rigor da lei. Em 1648 passou o “brasil” à administração
da Companhia Geral de Comércio. Do período que a precedeu
conhecemos vários arrematantes: em 1628, e por seis anos, Fernão
Lopes;1253 em 1633, Álvaro de Azevedo e Luís Vaz de Resende...1254
Com estes, e a Real Fazenda, continuou incluído nas rendas da Coroa,
como uma parcela constante e humilde.1255 O século já não era dos
corantes, que purpurejavam os tecidos nobres nas ações de Flandres:
para o Brasil — era do açúcar.

AÇÚCAR

Tão valiosa foi, em 1636, a produção, que podia proclamar-se, eram


“os dízimos do açúcar dos ditos engenhos o maior nervo da guerra e
da Fazenda [...] neste Estado”.1256 Entrara a lei a protegê-los. Provisão
de 1612 mandara que, em caso de serem executados, por dívidas, os
senhores de engenho, o fossem apenas até a metade das novidades, e
os lavradores de canas em dois terços.1257 O amparo às fábricas não
esmoreceu ao ndar o século. Decidiu-se (em 1693),
os açúcares em nenhum caso se rematassem por seus credores, antes que estes por dois
árbitros juramentados os avaliassem, e conforme seu arbitramento avaliados 15 dias antes da
partida da frota os recebessem seus credores.1258

Tendo Francisco de Brito Freire confessado insolvência, estipulou-se


que seria o seu engenho arrendado para se pagarem dos frutos os
credores, em lugar da penhora e extinção...1259 Compreendera a Coroa
que a organização da indústria (nos múltiplos laços de solidariedade
entre a fábrica e a lavoura, o senhor e a clientela, a produção e o
comércio) lhe dava uma situação privilegiada — com que, distorcido o
direito comum, inaugurou o intervencionismo do Estado nessa região
econômica. Não podendo monopolizá-la (como o pau-brasil),
defendeu-a, submetendo à ordem pública a ordem privada, em nome
do bem geral.

Concedera-se inicialmente liberdade de exportação por dez anos.


Depois, limitou-se a engenhos novos. Agora, que as devastações
holandesas tinham passado, não havia razão para as restrições (alvará
de 18 de fevereiro de 1645), sequer para que se impedisse a destilação
de aguardente (condenada, sem resultado, em 1656). O preço no
exterior justi cou a “corrida” aos canaviais. Não havia nos trópicos
melhor negócio. E tantos os engenhos feitos por esse tempo, perto uns
dos outros, vexando-se mutuamente,1260 que se tornou necessário
exigir que respeitassem a distância de meia légua.1261 Eram 60 — dos
maiores — na Bahia, em 1660. Naturalmente faltavam-lhes canas; e,
com a queima das matas, lenha para as fornalhas.1262 Muitos
lavradores, que enriqueciam com o fornecimento, subiam de posição,
erguendo engenhos próprios. O apogeu desta classe estende-se pelo
decênio, de 1646 a 56 — quando voltaram os tempos difíceis,
amargados pela concorrência inglesa.

Os preços dão a medida às alegrias e aos dissabores do trabalho


colonial.

Interessado em xá-los, de modo a evitar a utuação, nefasta


(conforme o arbítrio usurário dos mercadores), em 1627 mandara o
governo que corresse a arroba do açúcar branco a 700 réis. Valia 3$000
a 3$300 em 1545–55.1263 Exatamente em 1655 entrou no mercado o de
Barbados. Uma carta da Câmara da Bahia (1687) atribui sagazmente a
novidade à valorização exagerada. “Que os ingleses e os mais do forte
sentidos dos grandes preços [...] se resolveram a ir lavrar estes gêneros
às Barbadas e terra rme das Índias”.1264 Não sabia o outro motivo da
competição: o transporte, de Pernambuco para as Antilhas, da técnica,
do sistema de trabalho, de capitais e famílias que ali tinham aprendido
a fabricar açúcar. Já aludimos a essa emigração vingativa.1265 Em breve
a Inglaterra, que “importava antes quase todo o açúcar de Portugal”,1266
passou a receber 40 navios com 150 toneladas cada um (seja, 4
milhões de arrobas), portanto oito vezes mais do que em 1618
produziam as capitanias do Norte do Brasil.

A crer nos Diálogos das grandezas,1267 exportavam aquelas capitanias


(fora as do Sul) 500 mil arrobas. Não é demasiado o cálculo, se
concorria a Bahia com 10 mil caixas e todo o Brasil, em 1647 (como
está no “Papel forte”, do Padre Vieira), com 22 a 25 mil. Nos melhores
anos do domínio holandês as remessas subiram a 2 milhões de
arrobas. Mas ao terminar o século, estimavam-se em 1.295 mil...
Tem-se a idéia de uma rotina debilitada, ora pela saturação, ora pela
contingência externa, que todavia estabilizou, ao longo do século, a
vida dos engenhos, conservando-os com a sua invariável capacidade
de produção. Bastavam os escravos indispensáveis (desde que
alcançavam tão alto preço os novos, adquiridos com visível sacrifício,
para preencherem os desfalques da invalidez e da morte); contada em
“tarefas”, palavra que signi ca jornada de trabalho de um deles, era a
terra escassa, apertada entre propriedades que disputavam os veios de
água e os restos de mata, sem espaço para o desdobramento dos
canaviais; e carecia o senhor de crédito para romper essas limitações,
alargando a indústria patriarcal e morosa. Dinheiro, adiantava-lho o
comissário, com as mercadorias do consumo, mas para a cobrança,
com o gravame da usura, na primeira safra, o que reduzia o negócio à
permuta da despesa pela colheita. O próprio regime legal, que o
isentava da execução por dívidas, garantindo a integridade do
engenho, afugentava o dinheiro: e na sordidez dos empréstimos de
prazo curto, os negociantes mereciam, não raro, o epíteto que lhes deu
Vieira: antes mercadores, agora inimigos e piratas.1268 Sorria aos
senhores o ganho substancial, quando (a despeito da quantidade, que
pouco variava, e da qualidade, que se repetia) as cotações,
surpreendendo a praça, remuneravam consoladoramente tribulações e
esperanças. Foi o que sucedeu (e continuaria pelo tempo adiante) por
ocasião das guerras demoradas, que dobravam e triplicavam em
Londres o custo das especiarias. O preço enorme de 1645 a 55
corresponde à di culdade da navegação no Atlântico e ao con ito
anglo-holandês. Em 1670 (dominando os ingleses o oceano) caiu a
níveis ín mos. Arrastou-se, em muitos anos de depressão, até que o
reergueu a guerra da sucessão de Espanha, quando subiu de 800 para
1$600 e 1$800. A Paz de Utrecht voltou a depreciar o açúcar luso-
brasileiro, que atravessou de novo um período melancólico de
desinteresse, até a guerra dos sete anos, e, logo, a da independência dos
Estados Unidos.

É certo que nesses períodos1269 de abundância abusavam aqueles


potentados de uma suntuosidade extravagante, cujos excessos, antes da
invasão holandesa, lembram as pompas e os desperdícios de Goa, da
época de Camões e de Diogo do Couto. Da fase subseqüente são
muitas das casas-grandes com a capela ao pé, sobranceira ao telheiro e
à senzala, que testemunham a solidez das fortunas ali engendradas: o
dinheiro e a prosápia. As gerações sucessivas souberam mantê-las no
resguardo da tranqüilidade agrícola, à sombra das instituições que
garantiam a permanência do engenho e a sua continuidade viva, num
isolamento defensivo em que se foi elaborando, discreta e dignamente,
o sentimento de classe, nacionalidade e autonomia dos senhores. Não
espanta a eclosão, nesse meio rural su ciente e dispersivo, da mística
da liberdade, marcada aristocraticamente pela reivindicação senhorial
dos donos da terra, na luta contra os mascates, no século seguinte: e o
conteúdo político de que se armou, cem anos mais tarde, para a
conquista da independência.

A ESCRAVATURA

O comércio negreiro tem, no século xvii, o caráter comutativo de


economias que se completam. Como se os continentes fossem feitos
um para o outro. Estabelece-se, fechada, a área da solidariedade afro-
americana, quando tudo se reduz à troca de tabaco ou cachaça por
pretos robustos; e à medida que estes lavram o massapê dos canaviais,
aumenta-se-lhes o valor, com a procura e a moeda.

Os portugueses são mais hábeis nesse negócio do que os


concorrentes.

Em 1643 pediam os mercadores holandeses à Companhia das Índias


Ocidentais que os imitassem, nas tretas e manhas do trá co:1270
porque, além de tudo, sabiam amansar e contentar; e enquanto os
outros carregavam em grandes navios 300, eles, nas caravelas, em
viagens felizes, acomodavam 500... Começava-lhes o jeito de tratar
bem os negros, habituando-os previamente às condições do Brasil.

Propagaram o cultivo da mandioca e, em breve, dela faziam o


alimento básico de Angola.1271
Com o costume da farinha, familiarizavam o escravo com a
matalotagem de bordo e a pátria futura. Iniciados no trabalho do
campo, adestravam-se para a vida servil. E tinham as noções essenciais
do infortúnio mitigado pelo interesse do dono, de que sobrevivesse à
prova. A ignóbil operação negreira compassava-se em quatro fases. A
selvagem, dos pombeiros ou tangomaus,1272 que iam caçá-los ao sertão,
quando não os vendiam nas feitorias, os sobas bêbados. A
experimental, dos depósitos, sob as vistas do negociante, que
preparava a mercadoria para a viagem. A pior, da navegação, trinta ou
quarenta dias no mar, com escassos mantimentos e água corrupta,
empilhados torpemente nos porões sem ar, acorrentados, doentes,
desesperados ou sucumbidos na prostração, vizinha da morte. E do
mercado, já curada a carga, oferecida por preços surpreendentes (no
mínimo, o tresdobro) à avidez da lavoura ou à ganância dos
comissários.

Segundo o “Papel forte”, de Vieira (1647), vinham 8 mil por ano.1273


Durante um decênio do domínio holandês (1636–45), há notícia no
Recife de 23.163 vendidos em leilão.1274 Nos anos prósperos que se
seguiram à expulsão do invasor, deve ter oscilado a importação entre
10 e 20 mil. Não é excessivo calculá-la, para todo o século, em 200
mil,1275 terça parte do número que achamos para o século xviii.

A cobrança dos tributos e o licenciamento dos negócios faziam-se


por meio de contratadores (ou “assentistas”), de que há rol em 1587,
quando Pedro de Sevilha e Antônio Mendes de Lamego obtiveram o
monopólio do resgate em Angola e dependências (Congo, Benguela).
Pela relação desses contratos sabemos que valiam, em média, 25
contos, em Angola; 14 a 15, nas ilhas do Cabo Verde...1276

Mercadorias de troco, os portos da Mina preferiam o tabaco; Angola,


a aguardente.

Ficou um conto luso-bântu, que pinta a contradição daquela riqueza


em face desta iniqüidade.
Com o doce das moendas se deliciara o mundo; mas o
embrutecimento da cachaça quebrantara o Preto... Que Nosso Senhor
(eis a lenda), fugindo aos judeus, se escondeu numa várzea de canas; e
abençoando-as pelo abrigo que lhe deram, as transformou no néctar;
enquanto o espírito das trevas, saindo em chamas das crateras
infernais, ali se magoou e feriu nos estrepes e nas lâminas do canavial
enfezado. Furioso, prometeu que dele o homem tiraria a bebida que
queimasse como fogo... Daí a virtude e a maldição dos tachos dos
engenhos, fartura da Europa e castigo da África...1277

Nesse conto das senzalas está dolorosamente resumido o ciclo do


açúcar e do trá co.

Quis o Conselho Ultramarino que normas humanitárias (provisões


de 1664, de 1684...) o moderassem; e determinou que não velejasse
navio sem mantimentos su cientes, botica e capelão. Deviam
transportar a carga prevista na arqueação. Obedecidas estas regras,
tinham liberdade de navegar (provisão de 1673), os particulares, e as
companhias que organizassem. Logo surgiram a de Cachéu (1675),
que fracassou, e do Estanco do Maranhão (1679), que não foi mais
feliz.1278 A “corrida” aos portos africanos é impelida pelo preço alto do
açúcar (1685), pelo bom negócio das Antilhas, en m, a partir de 1695,
pela exigência das minas. Então (ao começar o século xviii) vinte ou
trinta embarcações fazem o trá co, e este, deslocando-se para o norte,
estabelece na feitoria de Ajudá (1722) o núcleo principal da in uência
baiana, sem prejuízo da sua expansão ao Sul, cuja capital
administrativa continuava a ser São Paulo de Luanda.

Não há, não podia haver unidade racial, na atabalhoada importação


negreira extraída dos leilões de beira-mar e das guerras predatórias. Os
mais numerosos lotes eram exatamente dos inimigos escravizados na
luta ou dos povos submetidos aos sobas sangüinários, donde a
remessa, às vezes na mesma corrente ou libambo, de indivíduos de
religião e língua diferentes, odiando-se no cativeiro como se odiavam
na oresta, sem outras a nidades além do suplício e da cor. Os
portugueses exploraram estas divergências, misturando-os nas vendas
feitas no Brasil,1279 para que — desencontrados — não conspirassem
contra os senhores.

O caso dos Palmares serve de exemplo às possibilidades da coesão


bântu, no dia em que, evadidos aos grupos, aqueles ágeis angoleses
encontraram nas serras das Alagoas, com a paisagem da terra natal, os
estímulos da resistência coletiva. Não se entendiam com os minas,
detestavam os fulas islamizados do Golfo de Guiné, jamais se ligaram
aos que, arrojando-se do sertão para o litoral, tinham substituído as
antigas populações ribeirinhas e adoravam entidades desconhecidas.
Conviviam com os parentes, desprezando os estranhos.

Enquanto os bântus aquilombavam nos Palmares, guinés ou fulas


(chamados em parte, no século seguinte, nagôs), se davam às lides do
mar. Seriam desta raça os jangadeiros... Parece que descreve os de
Pernambuco a crônica seiscentista da Guiné (a propósito dos jalofos):
Os negros da beira-mar são todos pescadores e têm muitas canoas não grandes, mas trazem-
nas com duas velas de galope ambas em um mastro, e são grandes marinheiros: saem pela
manhã com o terral para o mar, os quais vão tão fora que perdem a terra de vista, e à tarde se
recolhem com a viração do mar, a vela, que quem as vê do mar em fora, e não tem
conhecimento disto, parecem-lhe navios.1280

Detestavam-se aquelas tribos rivais.

A malícia dos compradores utilizou-lhes as descon anças, diluindo


as aglomerações na promiscuidade, neutralizando-as na dispersão.

Denunciavam-se — ressurgindo do extermínio — nos ritos de sua


religião orgíaca, bailes que horrorizaram, na Bahia, a D. Francisco
Manuel,1281 e Gregório de Matos chama com o primitivo nome de
quilombos,1282 correspondente a terreiro, candomblé, calundu,1283
quijila1284 ou macumba,1285 que tudo é invocação (samba) do culto
nativo.

Através deste, e das palavras angolanas que passaram à língua falada,


veri camos a predominância do bântu.
Nenhum outro idioma das senzalas contribuiu mais para a
originalidade do vocabulário colonial, ajustando-se à intimidade de
casa adentro, aos sabores da cozinha, aos pormenores do trabalho, às
cousas rudes do campo, à ternura e à brutalidade da existência vigiada
pela tirania dos feitores, adoçada pela tolerância dos senhores,
disciplinada e civilizada pelos costumes.1286

TABACO

A surpresa econômica do século é o tabaco. “Se o açúcar do Brasil o


tem dado a conhecer a todos os reinos e províncias da Europa (escreve
Antonil), o tabaco o tem feito muito mais afamado em todas as quatro
partes do mundo”.1287 De começo, era a “erva santa”, espécie de
panacéia no conceito ingênuo de Fr. Amador Arrais,1288 boa para várias
doenças (como em 1618 lembrava o autor dos Diálogos das
grandezas),1289 de duvidosa aceitação nos mercados. Verdade,
“lavravam tabaco” os holandeses no Amazonas;1290 e em 1626
reclamava a Câmara da Bahia contra a imposição de um cruzado sobre
rolo de tabaco1291 — provavelmente de 8 arrobas. Mas a plantação
intensiva é contemporânea da segunda guerra holandesa. Diz Antonil
que mandou um lavrador para Lisboa as suas amostras, e encorajado
pelas encomendas, não somente ele, como os vizinhos, e logo grandes
e pequenos, se puseram a semear, limpar, capar, desolhar, colher, secar,
torcer e enrolar a rica folha, em pouco tempo transformada, de fumo
bebido pelos índios, em vício, deleite e galanteria das cortes
européias... Tratou-se de arrendar a exploração, primeiro por 40$000,
em seguida, a Inácio de Azevedo, por 60$000, em 1640 já por 10 mil
cruzados.1292 Valia o estanco em 1642 nada menos de 32 mil. Cessou o
monopólio — ao tempo em que, indignadamente, os governadores da
Bahia censuravam os lavradores, desinteressados da mandioca,
alimento da tropa, para cuidarem do fumo, mania dos colonos do
Maranhão, segundo Vieira, em 16521293 e agelo do Recôncavo, na
opinião do Conde de Atouguia, em 1656.1294 Não é de estranhar que
saísse Baltasar dos Reis Barrenho a arrancar a “erva santa” espalhada
pelas redondezas de Ilhéus.1295 Queria-se farinha para a subsistência —
não o engodo da fumaça... O Conde da Torre chegou a ameaçar com
dois anos de degredo e cem cruzados de multa, além da perda do seu
tabaco, os que deixassem de plantar mandioca...1296 As exigências do
comércio puderam mais do que as iras do Estado. Este agarrou-se aos
lucros do estanco, renovado, em 1659, por 64.700 cruzados,1297 xado
em 60 mil em 1670; e “de 1674 por diante foi rendendo 500 mil
cruzados até um milhão” (regista o Ano noticioso e histórico). Em
1670 (lê-se em Monstruosidades do tempo e da fortuna), “levantou a
malícia o mais desatinado testemunho que se pode imaginar ao
Contrato do Tabaco: queriam os particulares vender sem dependência
e com avanço, e divulgou-se que o tabaco dos estancos tinha
veneno”.1298 Brigavam a ganância e a opressão; ganhou a Fazenda.
Subiu-lhe a receita, meio século depois, a 2 milhões e duzentos mil.1299
Assombrava.

Expungidos do gentio os campos do Aporá, tornou-se o porto da


Cachoeira o escoadouro do fumo que se espalhou pela região, com
fama de ser o melhor do mundo. Era lavoura livre em 1691.1300 A ela se
lançou toda gente (notou dez anos mais tarde Antonil), que achava
nesse modo de vida simples e farto o que nunca o açúcar lhe daria: a
ocupação rendosa da pobreza. Para montar um engenho, requeria-se
cabedal. Era empresa dos abastados. Para cultivar o canavial precisava-
se de terra, além da escravatura que a tratasse, mais cara do que ela. O
tabaco, porém, era planta de quintal, à mão da família, cousa de todos,
com a vantagem de entreter velhos, mulheres e crianças, sem reclamar
despesas nem presumir riscos, barata, caseira, humilde... Sustentava,
desbravava, povoava: e abria ao sertanejo — na era dos gados, que o
empurraram para as planícies — as perspectivas do interior. Esboçava
os caminhos da penetração. Desprendia-a do massapê, arrebatava-a à
atração do engenho e à monocultura cansada, desviava-a da costa
onde mariscava a colonização (naquela frase de Fr. Vicente do
Salvador, comparando-a a caranguejos na praia...) para rasgar outros
rumos.
Acrescentava à área econômica a zona fértil que mediava entre o
Recôncavo e o sertão; e à formação social um elemento tardio: o
pequeno lavrador.

CRIAÇÃO DE GADO

A criação modelou outro tipo: o vaqueiro.

Com as primeiras reses, e o seu deslocamento para as fazendas de


Garcia d’Ávila (na Bahia), esboça-se a invasão do Nordeste por um
pastoreio desleixado e nômade, cujo itinerário estava traçado em 1591.
Alargou-se pelos campos de Sergipe (tomados aos tapuias) e subiu o
São Francisco (com a colaboração do gentio manso). Desdobrou-se —
forma natural de subsistência dos grupos esparsos — ao longo dos
caminhos que iam às Alagoas e a Pernambuco; e quando a Casa da
Torre descobriu os do Piauí, em 1674, já tinha perdido o caráter
primitivo, de complemento da vida agrícola (indispensável o boi à
pequena economia) ou de atividade desordenada (dos pioneiros), para
se converter numa exploração senhorial. É o período dos grandes
dominadores (Francisco Dias d’Ávila, Antônio Guedes de Brito), em
cujas terras imensas os vaqueiros, seus procuradores ou clientes,
trabalhando por conta deles ou a preço de arrendamento, retalharam
as fazendas, estabeleceram os currais, sistematizaram a criação e, nos
prazos convenientes, reuniam as boiadas, para a “descida”. Na
estimativa de Antonil, havia, ao começar o século xviii, 500 mil
cabeças de gado na Bahia, 800 mil em Pernambuco (seja, do São
Francisco para o norte) e 60 mil no Rio de Janeiro. Mais do que a
carne dos açougues, as utilidades próprias disso que se chamou a
“civilização do couro”, a riqueza que re uía das feiras à cidade, com o
negócio dos rebanhos, importava a abertura das comunicações, com a
xação de povoamento e a irrupção de forças intempestivas, somadas
ao temperamento aventureiro do imigrante. Plasmava-se na
mestiçagem sertaneja, especi camente mameluca, a gura agreste do
fazendeiro — que diferia fundamentalmente do senhor de engenho e
do mercador ribeirinho; e ao seu lado se compôs, com equivalente
originalidade, o quadro rude da vida pastoril nas caatingas secas,
investidas e conquistadas pela sua tenacidade e pelo seu vigor.

ESPECIARIAS

A lembrança das drogas da Índia não saía, entretanto, da fantasia


portuguesa. Pois não era mais possível trazê-las de lá nas frotas de
outrora, que pelo menos as experimentassem no Brasil... A idéia da
transplantação, apresentada em tom profético pelo Padre Vieira a D.
João iv,1301 luzia nos Diálogos das grandezas, de 1618. Com as
analogias de solo e clima, parecia simples: estendessem-se pelos serros
da Bahia as árvores de canela e pimenta; atirasse-se pelos vales úmidos
desse Recôncavo a semente do benjoim e do cravo; em concorrência
ao açúcar, as especiarias mais raras!

Isto, de transportarem os portugueses de um continente a outro


árvores de fruto (e ali estava, farfalhante, o coqueiro vindo ao tempo
de Diogo Botelho...), os legumes da mesa tradicional, quantos vegetais
puderam adaptar à terra nova — longe de constituir novidade, era
apenas costume... “As frutas quase todas nomeadas/ São no Brasil da
Europa trasladadas”, cantou o lírico de A Ilha de Maré.1302 Por ocasião
do entusiasmo de Vieira pela pimenta e pela canela da Quinta dos
Padres, na Bahia, vieram as mangueiras, árvores sagradas da Índia, e
em 1688 as jaqueiras. Passara o cacau do Pará e do Maranhão (onde
em 1674 o plantara o Padre Bettendorf)1303 à Bahia. No primeiro
quartel do século seguinte fugiu da Guiana para o Pará (com Francisco
de Melo Palheta) o café... Mudaram-se, como em 1532 se tinha
mudado a cana-de-açúcar, como em 1549 se tinha mudado o gado de
Cabo Verde, como em 1604 se tinham mudado os coqueiros... da
Bahia: graças ao sentido de permanência da colonização portuguesa,
que transferia gulosamente, dos países que devia abandonar, para este,
em que cou, a ora e a fauna da prosperidade. Agora, porém, um
fator diferente estimulava a transplantação: a política, de substituir a
Ásia pela América, em compensação das usurpações holandesas e
inglesas; e para que a América vencesse a Ásia (como Portugal vencera
Veneza) na competição dos produtos tropicais.1304

Foi um sonho. Dele temos o vestígio opulento nos pomares e nas


hortas que deixou, adoçando, ornando e civilizando a paisagem
indígena.

DÍZIMOS DO ESTADO

Do dinheiro dos dízimos, isto é, da décima parte das colheitas, disse


Fr. Vicente do Salvador, “é só o que cá se gasta a el-rei”.1305 Con rmam
os Diálogos das grandezas: “O rendimento dos dízimos que se colhem
na própria terra bastam para sua sustentação”.1306 Medem-se altos e
baixos da economia colonial por essa receita instável. Já lhe vimos os
números no primeiro período do século xvii. A partir de 1628 (alvará
de 30 de agosto) arrematavam-se em cada uma das capitanias, não
mais em conjunto na Bahia. “Quando havia muitos engenhos em
Pernambuco, andavam os dízimos em 65 mil, os da Bahia em 40 mil
[...] e hoje andam em 20”, informa um papel de 1662.1307 A fonte mais
abundante era o açúcar. Exatamente por ser fácil de cobrar.
Armazenavam-se 25 mil caixas para embarque. Duas mil e quinhentas
cabiam ao contratante dos dízimos. Tendo arrendado por 20 mil
cruzados a arrecadação anual do imposto, e vendendo em tresdobro
aquele quinhão, o lucro era exagerado. Pelo menos disto se queixavam
os mercadores. Em 1648, valiam os dízimos na Bahia 70 mil cruzados.
Em 1651 (o preço do açúcar acima das previsões) 150 mil.1308 Oito
anos manteve-se esta cifra.1309 Declinou (com a desvalorização do
açúcar) para 110 mil em 1671. Em 1690 (pelo mesmo efeito) não ia
além de 86 mil.1310 Confessavam então a insolvência, uns após outros,
três arrendatários. No tranqüilo governo de D. João de Lencastro
reanimou-se o mercado: e os dízimos (em 1696) subiam a 150 mil
cruzados.1311

À falta de índices de produção e circulação dos bens da terra, não há


melhor, para lhe marcar o progresso, oscilando entre as espoliações da
depressão e o tempo bom, das grandes safras e do dinheiro farto,
numa linha de evolução em que não se percebe ainda o ímpeto das
iniciativas, sequer a coordenação das energias criadoras — que
rebentaram no princípio do século imediato, com o ciclo das minas.

XXXI: A    XVII

INICIAÇÃO LITERÁRIA

Formou-se no século xvii uma cultura no Brasil que re ete —


modestamente embora — as ambições precoces da sociedade colonial.

O espírito brasileiro teria de de nir-se lentamente, não pela


originalidade de um ou outro homem de gênio, porém pelas
in uências de clima e povo (alma cálida e mestiça) no assunto
literário, na emoção nativista — antieuropéia — e no amor da terra —
ditirâmbico... A “independência mental” custou mais.

Não se podia aspirar à liberdade sentimental na arte e no livro, que ao


português antepusesse o luso-americano — antes do rompimento
político, que sobreveio no século xix.

A instrução jesuítica, o monopólio jesuítico do ensino com a


curiosidade das letras circunscrita ao clero e a pouca gente mais, não
deixaram que se manifestasse logo o sentido revolucionário daquela
cultura tímida, ainda imitativa e enleada na rudeza tropical. O colégio
da Companhia tinha deveres claros e práticos: a difusão da língua
portuguesa, onde índios e negros, mamelucos e mulatos tinham
idioma ou dialeto bárbaro; a catequese, a escola, humanidades e —
mais restritamente — teologia. Os estudos superiores demandavam
melhores tempos, academias, livraria, prosperidade e outras condições
favoráveis ao espírito. De começo, o problema fora singelo: a xação
do “falar português”!

Í
A LÍNGUA

Disse Antônio Vieira, no penúltimo decênio do século:


O mesmo uso de que nos lembramos os velhos, em que a nativa língua portuguesa não era
mais geral entre nós que a brasílica. Isto é o que alcancei, mas não é isto o que vejo hoje, não
sei se com maior sentimento, ou maior admiração.1312

Até meado do século seguinte, o tupi ou língua geral persistia nos


meios populares do Maranhão:1313 assim em São Paulo, em
Pernambuco, no Rio de Janeiro. Por esse motivo topônimos de
proveniência paulista (das bandeiras de mamelucos e portugueses) que
resultam dos descobrimentos no Brasil central são indígenas, como os
primitivos, arrolados por Gabriel Soares...

Mas prepondera e vence a língua da metrópole.


E que direi eu ao colégio da Bahia (continuava o padre) ou que me dirá ele a mim, quando
nesta grande comunidade é já tão pouco geral a língua chamada geral do Brasil, que são mui
contados aqueles em que se acha?1314

O ENSINO

A cellula mater da incipiente cultura é o pátio dos jesuítas, onde as


vocações se experimentam e fulguram as latinidades.

A colônia não teve universidades — como na América Espanhola.1315


Contentou-se com o ciclo escolar dos padres com as humanidades
(diríamos liceal) e, além delas, a loso a e teologia, que tiveram
honras de ensino superior e adquiriram, no século seguinte, apreciável
desenvolvimento. Constava o trivial de “escrever, ler, latim e solfa”
(assim no Seminário de Belém, em 1686).1316 Abrangia os três
primeiros anos do aprendizado; e quatro, sucessivos, eram dedicados à
teologia. Esta segunda parte tinha o nome de Curso de Artes e
equivalia ao bacharelado em letras, com alguma loso a, um tanto de
grego, latinidades, da Eneida às cartas de Cícero, e tinturas de ciência,
particularmente as matemáticas.1317 Fazia-se cabedal de gramática,
língua pátria para começar, e em seguida, maciçamente, gramática
latina, com a sua base de retórica (em que eram comentados Virgílio,
Horácio, Cícero, Lucano).

“Hoje os colégios do Brasil são como os da Europa”, testemunhou


Vieira.1318 Neles
não oresceram pouco os lhos do Brasil, cujos gênios e habilidades se perderiam se não
tivessem a educação e exercício destas escolas, as quais podia a rmar a Vossa Majestade
eram o seminário de que saíam os melhores sujeitos, que povoam e autorizam os conventos
das mais religiões que havia no Estado, com grande glória da Companhia e consolação de
seus povos.

Que os graus de mestres em artes, que publicamente dão e os privilégios de que gozam os
graduados não são mais que uma imitação dos das universidades, mas su cientes a se
contentarem de os haver merecido, e parecer que os tinham legítimos.1319

As aulas “eram públicas e eles (os padres) obrigados a ensinar nelas”,


sem poderem “por sua autoridade excluir a ninguém, fossem pardos
ou mulatos”.1320 Esta última observação decorreu de uma dúvida, que
teve em 1688 o provincial. Alarmado com o número crescente de
pardos que se matriculavam, quis di cultar-lhes a entrada. Consultado
o Conselho Ultramarino, lembrou que nas universidades portuguesas
não havia essa discriminação de cores e raças: e mandou que
continuasse a aceitar quantos estivessem em condições de fazer os
estudos. Arejavam-se1321 com conhecimentos úteis.1322

Sem as especializações, limitando-se ao ciclo humanista — e à


preparação de sacerdotes versados em toda a loso a, decerto nos
pátios propagavam os padres muito latim, com o abuso dos textos
arcaicos.

Habituaram as jovens inteligências às formas límpidas daqueles


escritores inevitáveis; e aos respectivos modelos poéticos, encharcados
de mitologia discursiva. A reação da simplicidade é também revolta
contra esse estilo brumoso, complicado, na fraseologia barroca (que
preferimos chamar gongórica), com a imitação dos espanhóis, o gosto
da hipérbole, o jogo vocabular, as sutilezas do trocadilho, do equívoco,
a afetação que fazia de um trecho de prosa (ou de um mo no soneto)
uma espécie de coluna salomônica, de tremó entalhado, de engenhosa
escultura de altar de igreja — da época de Antônio Vieira e Fr.
Antônio das Chagas. Mas tinha de vir do reino, como a lição da
elegância e do equilíbrio aos entusiasmos nefelibatas da colônia.

A um deles (pois seria o mesmo em Alcalá de Henares, Salamanca ou


Coimbra) retratou Cervantes:
Todo el dia se le pasa en averiguar si dijo bien o mal Homero en tal verso de la Iliada; si
Marcial anduvo deshonesto o no en tal epigrama; si se han de entender de una manera o otra
tales y tales versos de Virgílio. En n, todas sus conversaciones son con los libros de los
referidos poetas, y con los de Horacio, Persio, Juvenal y Tibulo, que de los modernos
romancistas no hace mucha cuenta.1323

Essa retórica, por exemplo, no colégio do Rio de Janeiro por 1667


(quando aí estudou o Padre Estanislau de Campos), “então se ensinava
aos seculares promiscuamente com os nossos mancebos em aulas
públicas, e não em escolas particulares, como agora sucede”.1324 Destas
foi exemplo (1686) o Seminário de Belém da Cachoeira, fundado pelo
Padre Alexandre de Gusmão — moralista apreciável — para educar
meninos de fora da cidade e instruí-los nas matérias básicas, com
exclusão da loso a.

MAZOMBOS

Frei Vicente do Salvador, Gregório de Matos, Manuel Botelho de


Oliveira, nascidos na colônia, representam, na sucessão das gerações
letradas, os mazombos.1325 É o brasileirismo que no século xvii designa
os brancos da terra, que se não confundiam com os forasteiros, nem
com os mestiços: a aristocracia local.

O mulato destacava-se do preto, e o pardo equiparava-se ao branco,


na classi cação espontânea dos tipos, de que o Padre Vieira deu nos
sermões do Rosário uma explicação amável. Fiéis deste culto eram os
escravos, por ele chamados piedosamente “irmãos pretos”; já os
mestiços — para não se confundirem — tomavam como padroeira a
Virgem de Guadalupe1326 (tão indígena, na sua doce origem mexicana).
Como se dissessem: aparentavam-se com os caboclos, livres, não com
os africanos, cativos...

Claro é (orava o pregador) que


a Virgem, como mãe comum, abraça com seu amor igualmente a brancos, pardos e pretos; e
comparada no livro dos Cantares à aurora, à lua, ao sol, alumia como sol aos brancos, que
são o dia, como lua aos pretos, que são a noite, como aurora aos pardos, que são os
crepúsculos.1327

A festa da Senhora do Desterro reunia — conciliatória — em


Coimbra os estudantes brasileiros, que, em 1718, a zeram com
sermão do patrício, Padre Bartolomeu Lourenço...

FREI VICENTE

Nascido na Bahia, lho de lavrador de canas, franciscano culto (a citar


Camões, Barros, Couto, os latinos) — conseguiu Frei Vicente do
Salvador terminar, em 1627, a História do Brasil, primeira digna do
nome. Estimulou-o Manuel Severim de Faria, com a promessa de lha
imprimir.1328 Como então (após a recuperação de 1625) esfervilhavam
escritos sobre o “Brasil restaurado”, esperava que fosse acolhida com
benevolência. Malogrou-se-lhe o desejo, pois jazeu inédita (até 1886!)
em meio à papelada da Torre do Tombo... E foi pena. Se a tivessem
conhecido Simão de Vasconcelos, Rocha Pita, Southey, não
transmitiriam à literatura histórica (e aos compêndios) lendas e
deturpações que esse texto repele. Como Gandavo e Soares, dedicou
Fr. Vicente parte da obra à natureza, prefácio obrigatório de um livro
americano: as curiosidades da terra supriam com vantagem as suas
de ciências. Delineada a moldura agreste, encaixou-lhe com arte a
crônica dos governos, seguida dos episódios que testemunhou. Neste
passo é, lealmente, depoimento. De começo enerva-a o tom
encomiástico da Prosopopéia (1601), altiloqüente tanto nos Diálogos
das grandezas (1618) como nas Notícias curiosas, do jesuíta
Vasconcelos (1662), gongórico na poesia de Botelho de Oliveira e na
novela de Runo Marques Pereira, delirante na prosa de Rocha Pita e de
Loreto Couto. Mas em Fr. Vicente não supera o razoável. Permite, isto
sim, que através dessa insistência (em que os escritores dos séculos i e
ii se encontram) xemos três aspectos da literatura colonial: o
naturalismo, a autonomia, o ditirambo.

AS TRÊS CARACTERÍSTICAS

Quanto ao primeiro, reproduz-se, mais ou menos abundantemente,


em todas as histórias do país (de Fr. Vicente a Southey e Varnhagen).
O melhor delas era a descrição da terra e do que aí há de espantoso, no
exuberante quadro tropical. Exacerba-se o sentimento de su ciência
com esse resumo admirativo das riquezas. Rebenta em vanglória, nas
comparações fáceis. “É o Brasil mais abastado de mantimentos que
quantas terras há no mundo, porque nele se dão os mantimentos de
todas as outras”, louvou Fr. Vicente (cap. viii). E o autor dos
Diálogos1329 — Ambrósio Fernandes Brandão ou Rimo Álvares,
escrivães do contratante dos dízimos Bento Dias de Santiago: “A terra é
disposta para se haver de fazer nela todas as agriculturas do mundo
pela sua muita fertilização, excelente clima, bons céus” (Diálogo, i).

Apenas se insurge o franciscano contra a preguiça dos patrícios (cap.


ii); e ao extasiar-se ante os panoramas edênicos não esquece — áspero
censor — os defeitos da gente.

Ninguém os verberou como o Padre Antônio Vieira.

AUTORES

São da época seguinte o Padre Simão de Vasconcelos (1597–671),


historiador da Companhia de Jesus no Brasil, biógrafo prolixo dos
padres João de Almeida1330 e Anchieta (1672), propagandista do país
naquelas Notícias curiosas e necessárias do Brasil; o “cronista” da
América, Diogo Gomes Carneiro,1331 autor da Oração apodíxica aos
cismáticos da pátria (1641); os irmãos Gregório e Eusébio de Matos; os
pregadores Padre Antônio de Sá,1332 Fr. José da Natividade, Fr. Manuel
do Desterro, Padre Ângelo dos Reis...1333

O livro de Vasconcelos sobre o Padre Almeida foi a “primeira obra


que destas partes a Companhia mandou à estampa” — em 1658.

Dir-se-ia que atendera ao reparo de Vieira, “espantando-se de


ouvirem tantas relações do Japão, da Índia, da China, do Paraguai, do
Chile e das outras províncias da América, e só do Brasil não se
escrever nada”.1334

Não se achou o que o “Doutor Diogo Gomes Carneiro, natural do Rio


de Janeiro”, teria escrito de história, consoante a nomeação de cronista
com 200$000 de ordenado, pedida à Coroa (1661) pelos “procuradores
das capitanias do Estado do Brasil” — que queriam ver em livro as
cousas luso-americanas.

Proliferam, isto sim, os sermões, editados no reino pelas ordens ricas,


pelas Irmandades, pelos benfeitores destas — tão diferentes
entretanto,1335 na pomposa retórica, da eloqüência coruscante do Padre
Vieira.

Serve de modelo à espécie — a do Padre Antônio de Sá na Bahia,


sobre a Justiça, perante os desembargadores, na festa do Espírito Santo
— que se divide em doutrinação política (normas aos dirigentes) e
discurso evangélico.1336 A outro “sermão da justiça” que recitou no
Carmo, em 1686, o Arcebispo D. Fr. João da Madre de Deus, “Alto
Sermão egrégio e soberano” — se referiu Gregório de Matos: “Que
sendo o pregador um carmelita, julguei eu que pregava um
Ulpiano”.1337
Ó Príncipes, Pontí ces, Monarcas
Se o Mestre excede a Bártolos e Abades
Vesti-lhe togas, despojai-lhe alparcas.

Não se estranhasse espetáculo como o de 1683, ao entrar o prelado


neste colégio, a que fez a segunda visita, depois de ir a São Francisco, [...] recebido com
orações e poemas em todas as línguas, e esteve o assunto tão elegante como próprio, por não
ser mais nem melhor lisonjeado um papa.1338

O Padre Alexandre de Gusmão atribuiu aos temas de consciência


(morais e teológicos) a responsabilidade da nova educação.

Deve situar-se entre os pedagogos do século, na linha dos teoristas


mais lúcidos do ensino religioso, com livros graves como a Escola de
Belém (Évora, 1678), História do predestinado peregrino (Évora,
1685), Arte de bem criar os lhos (Lisboa, 1685)... Fundou o
Seminário de Belém da Cachoeira, para experiência dos seus
métodos1339

— e foi nesse colégio rural que zeram os primeiros estudos dois


rapazinhos, um deles seu a lhado e homônimo. Seriam o secretário de
D. João v e o inventor do aeróstato.

ANTÔNIO VIEIRA

De Vieira dissemos o indispensável. Adquiriu na Bahia os seus


famosos conhecimentos.1340 Já foi para o reino (1611) orador, teólogo,
com a inclinação sebastianista do sermão do Acupe (1631), mestre de
loso a e forte político, dotes e forças que emprestou à Coroa no seu
serviço ostensivo. Chegou a ser um dos célebres personagens da
monarquia; e sem dúvida o primeiro conselheiro íntimo do rei
originário (na formação e no espírito) da sua América. Tal
circunstância, de valor enorme para os novos rumos da metrópole
(superestimação da colônia, diplomacia européia tendo-a por eixo,
mercantilismo na base da tolerância religiosa) dá ao pregador um
realce imprevisto nos acontecimentos de que participou — em
cinqüenta anos de ação histórica. Nela dispersaria os talentos
(diluídos, na eloqüência, que passa, e na correspondência, que morre)
se a admiração dos superiores, na própria Companhia, não o obrigasse
a reduzi-los a escrito.
Começou a cumprir esta ordem em 1658, estando no Maranhão.1341 O
primeiro tomo de seus Sermões é de 1679. Compõem a mais
considerável série oratória da língua, com a particularidade de a
elevarem, pelo esplendor verbal distorcido em todas as audácias do
discurso imaginoso e cálido — a níveis ainda não atingidos pela prosa
vernácula.

Retratou-se ele num trecho melancólico de carta: “Não há maior


comédia que a minha vida; e quando quero ou chorar ou rir, admirar-
me ou dar graças a Deus ou zombar do mundo, não tenho mais que
olhar para mim”.

Esta síntese joco-séria da existência — a que não faltou, num


fracassado senso de profecia, sua fraqueza, a impenitente vocação do
serviço público, é facilmente demonstrável pelos aspectos que lhe
resumimos. Pertence à Europa e ao Brasil. Mais a este — pela
preferência que lhe deu, de vir terminá-la aqui, como se o ostracismo,
na terra da infância e da mocidade, fosse a restituição aos pátrios
climas, consoladoramente.1342

Falamos da sua sabedoria.

No sermonário essa erudição recente e densa (atualizada com o


conhecimento de Descartes,1343 incomparável quanto às Sagradas
Escrituras) lhe vem continuamente à tona, informando-nos do que se
estudava, discutia e discreteava nos pátios seiscentistas.

Um humanista podia ainda dominar letras e ciências, das latinidades


às matemáticas, com o ágil talento; e de tudo falando, ensinar tudo.

GREGÓRIO DE MATOS

Enxameiam poetas nessa literatura em formação.

Dois, pelo menos, poliram em Coimbra a inspiração e ocupam o seu


lugar na língua portuguesa: o repentista Gregório de Matos e seu
conterrâneo (ambos da Bahia) Manuel Botelho de Oliveira.

Gregório é um dos mais discutidos sujeitos do tempo. Como não


imprimiu livro (razão por que, em 1705, Botelho de Oliveira se
proclamou, com verdade, “o primeiro lho do Brasil” que fazia
“pública a suavidade do metro”)1344 — bene cia-se-lhe a fama de tudo
o que o povo lhe atribuiu. Desabusado satírico, de rima fácil,
cantando-a à guitarra, estourado, ferino, dissoluto, “boca do inferno”,
saiu da universidade para Lisboa com este renome. Figura entre os
assuntos da Nova oresta, do Padre Manuel Bernardes, o que não é
honra pequena.1345 Também não se incomodou com as grandes; nem
as alheias. Mandaram-no para o Brasil, quase ironicamente, como
desembargador da Relação Eclesiástica, dignidade conegal
incompatível (é claro) com os seus debochados costumes. Perdeu-a;
nem poupou, com a chocarrice atroz, governadores (o Braço de Prata,
Antônio Luís), a Sé e suas hierarquias, frades, conventos, nobreza, que
tudo meteu à bulha nos pasquins temíveis. Não foi porém um
demolidor tonto. O ódio aos potentados dissimulava-lhe a arte, as
possibilidades líricas em que amor, misticismo e paisagem se
combinam a um elemento original da poesia: o brasileirismo.
Entrincheira-se nele, no americanismo ora jovial e erótico, ora crítico
e agressivo. É o primeiro a empregar o gentílico: Brasileiro! Tira ao
linguajar das ruas, africano e tupi, o vocabulário de estalo:
Um calção de pindoba, a meia zorra,
Camisa de urucu, mantéu de arara,
Em lugar do cotó, arco e taquara,
Penacho de guarás, em vez de gorra.1346

Mistura ao vernáculo coimbrão a mestiça fala ultramarina; passa à


estrofe a rudeza, a cor, o barulho, a graça do ambiente fusco em que
vegeta, trovador amargo da cidade que defendeu sem ternura; e com
isto se torna o expoente dos sentimentos regionais — na queixa
política e erudita.

É contra; contra o forasteiro que veio enriquecer, o dalgo


pretensioso, o mercador, o meio-sábio, o puritano, o moralista, a
autoridade... Contra todos (aquém e além-mar); mas sem que a
beligerância o impedisse de gabar os panoramas, a cortesia dos
amigos, a beleza, a mulher, numa emoção próxima dos árcades
setecentistas. É a este respeito que o colocamos na história literária,
como patriarca da modinha, a zangarrear a viola, numa fusão de
música e verso em que já irrompe a especialidade local, da serenata,
das trovas solfejadas ao luar, disto que seria o lundu, sensual precursor
do fado...1347

POETAS MENORES

Poetas menores, citam-se, na Bahia de Vieira e Gregório, o irmão


daquele, Bernardo Vieira Ravasco, o “sol dos Estudantes” Gonçalo
Soares da Franca, João de Brito Lima... Deles o mais apreciado é
Gonçalo Soares da Franca, repentista, imitando Camões no panegírico
do Rei D. Pedro ii,1348 copioso e correto. Membro da Academia
Brasílica dos Esquecidos (1724), lia-se à fase gongórica em que
confraternizam Botelho de Oliveira, Ravasco (sobrinho do Padre
Vieira), Runo Marques Pereira, o peregrino da América, o inefável
Sebastião da Rocha Pita.

Na Música do Parnaso (e A Ilha de Maré), integra-se Manuel Botelho


de Oliveira — o outro nome da poesia luso-americana do período —
no classicismo que extremou a ufania da ora tropical. O estilo
adaptava-se à exaltação nativista (Pe. Prudêncio do Amaral, De
Saccharis Opi cio Carmen; Pe. José Rodrigues Ramos, De Rusticis
Brasilicis Rebus; Fr. Manuel de Santa Maria Itaparica, Descrição da
Ilha de Itaparica...). O que há de retorcido em Rocha Pita respira
lirismo no hino de Botelho de Oliveira à sua verde Ilha de Maré. Com
uma ponta de exclusivismo... patriótico: “Tenho explicado as frutas, e
legumes, que dão a Portugal muitos ciúmes”. Em 1671, ao decantar a
viagem do Governador Afonso Furtado, falara em “império novo”...

Recai a poesia (com melhores direitos do que a prosa) no ditirambo,


em que se enovelam Gabriel Soares, Fr. Vicente, Vasconcelos,1349 o
próprio Vieira,1350 e outros precursores do novo império...1351 no
paraíso verdadeiro.1352

Não tivessem dúvida, esse Éden era o Brasil — rematou o autor da


História da América Portuguesa (1730), numa sentença ressumante de
sensualidade tropical.1353 Olhassem o azul do céu, tanta or e tanto
fruto, cores e cousas da terra farta, com os enfeites e as jóias da sua
divina riqueza...1354 Não era apenas pródiga. Era única. “Em nenhuma
outra região se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais bela a
aurora; o sol em nenhum outro hemisfério tem os raios tão
dourados”.1355 “É en m o Brasil terreal paraíso descoberto, onde tem
nascimento e curso os maiores rios; domina salutífero clima; in uem
benignos astros, e respiram auras suavíssimas”.1356

“Se houvesse paraíso na terra, eu diria que agora o havia no Brasil”


(escrevera em 1560 o jesuíta Rui Pereira).1357

A velha tendência de encarecer o estrangeiro em prejuízo do que é


nosso, verberada por Rodrigues Lobo nos conhecidos versos “Falem-
vos num natural,/ Dizeis faltas que não tem” — retrocedera à mais
inocente qualidade de entusiasmo: o elogio da terra. “Sem socorro de
outras” prevenira Fr. Vicente do Salvador, sustentar-se-ia
comodamente. “Senão pergunto eu: de Portugal vem a farinha de
trigo? A da terra basta”.1358 “E os portugueses seremos brasis”,1359
concluiu Vieira, com ironia. Na Pátria, “onde profeta ninguém é”
(gemera Camões), importava menos o humano, o histórico, o social:
que a natureza tudo desculpava e cobria, com a estonteante fortuna...

A propósito das esmeraldas de Fernão Dias procurara Diogo Grasson


Tinoco (pseudônimo de poeta oculto) criar a epopéia. Talvez não
passasse de algumas oitavas, cuja ênfase camoniana reencontramos em
poemeto de Gonçalo Soares da Franca. Essa forma clássica de
valorização do histórico sem diminuição do paisagístico, do lírico, do
arti cial, ressurgirá com Durão e Gama (Caramuru e Uraguai), mas
no descambar do século xviii. Concilia no xvii bucolismo e
historicismo (sem perder o ditirambo o viço gongórico) nas narrações
da guerra holandesa.

Meditemos sobre o anti-historicismo da geração precedente e as


imagens festivas da Reconquista (de Memórias diárias, de Duarte de
Albuquerque, ao Valeroso Lucideno, de Fr. Manuel Calado, ao
Castrioto lusitano, de Fr. Rafael de Jesus, à História da guerra de
Pernambuco, de Diogo Lopes de Santiago, à Epanáfora, de D.
Francisco Manuel), a que se somaram as brasílicas, do século seguinte
(Rocha Pita, Loreto Couto, Pedro Taques, Jaboatão...). Para o Padre
Vieira — antes dessa literatura entusiástica — nada mais fácil do que
trocar de terra. Como quem troca de casa. “Transplantaremos
Pernambuco a outra parte, pois o que nos falta não são terras, senão
habitadores”.1360 Era como se dissesse: país sem povo, panorama sem
alma... Alma e povo aderem-lhe no calor daqueles formidáveis
episódios: e começa a história... o cial.

ESTUDANTES

Especi cara-se, na sociedade seiscentista, a classe dos estudantes, que,


já em 1585, recebia no m do curso láureas doutorais parecidas com as
da Europa. À medida que prosperou o colégio dos padres, cresceu ela
de importância. Projeta-se na metrópole, com a transferência para a
universidade — a completar estudos — dos moços da colônia que
daqui levavam as humanidades mais cultivadas.1361 Obteve o colégio da
Bahia que se lhes reconhecesse (para o efeito da matrícula nas
universidades de Coimbra e Évora) um ano de artes, como se concedia
aos de Lisboa e Braga.1362 Este privilégio foi estendido aos de Olinda
em 1681.

Gonçalo Soares da França é chamado por Gregório de Matos — “sol


dos estudantes”...1363 Em 1651 formaram uma companhia, com seus
capitães. Foi refeita em 1668, na iminência de nova agressão
holandesa.1364 No Rio de Janeiro essa milícia se bateu em 1710.
Puderam sustentar por mais de um século a festa das Onze Mil
Virgens. Na Bahia e em São Paulo.
Como padroeiras as Onze Mil Virgens, sendo os estudantes dessa capitania os que se
empenham mais nos seus aplausos e festejos, [...] usavam das máscaras para melhor
disfarçarem as galanterias dos bandos, danças, entremezes, e alardes, em que por muitos dias
antecedentes ao da festa das santas virgens costumam andar pelas ruas, e para o poderem
fazer pedem licença aos governadores nas cidades em que os há, e nas mais vilas aos
capitães-mores delas

— escreveu el-rei, em 1728, ao governador de São Paulo.1365 Na Bahia,


após os anos difíceis, em 1685 tiveram esplendor diferente as
cavalhadas do Terreiro em honra das Virgens, festa predileta desde
1576.1366 Congregam nobreza, burguesia, plebe: mas continuam
apanágio dos jesuítas e de seus “pátios”, apostados os rapazes em dar
vivacidade e animação à sociedade tímida. O sorriso das mascaradas e
a sua alegria profana vêm da escola claustral; assinalam o predomínio
de estudos e estudantes... Repercutem no reino.

Tão numerosos eram já os brasileiros em Coimbra (foram por vezes


trezentos num ano), que tinham padroeira e lhe prestavam
homenagens: em 1718 o Padre Bartolomeu Lourenço pregou na última
tarde do tríduo encomendado pelos “acadêmicos ultramarinos da
universidade, em honra a Nossa Senhora do Desterro”...1367

FRADES

Sendo de frades a classe letrada compreende-se que acalentassem as


idéias cultas e os sentimentos políticos — que tinham, para
manifestar-se, o duplo estímulo, do púlpito e da imunidade
eclesiástica.

Se a insurreição pernambucana, em 1645, foi a declaração da


autonomia brasileira, de uma aristocracia pouco disposta a mudar de
fé e soberano, a rebelião dos frades, em 1671, pode estimar-se como
uma reação nativista, contra a disciplina dalém-mar: tem pela
primeira vez o sentido dum protesto intelectual. Pouco antes, em 1668,
o procurador da Bahia às cortes que então se realizavam, requerera
que nos postos de milícia, nos lugares de letras, nos ofícios de justiça,
nas dignidades do clero, fossem aproveitados os naturais do Brasil.
“Que não parece justo”, despachou el-rei,1368 franciscanos,1369
principalmente beneditinos, resolveram, na Bahia, em Pernambuco,
depois no Rio de Janeiro, isentar-se da submissão aos prelados vindos
de Portugal. Em 1671, de fato um Breve pontifício permitiu aos
monges da Bahia regerem-se independentemente da Província
portuguesa. “Este ano começou o movimento da província”.1370 Fr. Leão
de São Bento, a cujos esforços se devia a separação, fora preso e
mandado com dez companheiros para a Europa, por ordem régia que
visava à tranqüilidade dos espíritos. Sucedeu o contrário. “Alguns
religiosos moços” (pois a insurreição era de noviços e lhos da terra)
passaram a obedecer a Fr. João Poeira, antigo capelão do exército
pernambucano e exaltado chefe desse “separatismo”: e teve o
Governador Afonso Furtado de ir ao mosteiro com soldados, antes
que recorressem às “armas nas suas celas”...1371 Prevaleceu o partido
americano: até 1688 foram nomeados na Bahia os superiores dos
demais mosteiros do Brasil. Em Olinda, o abade D. Fr. José da
Trindade “foi o primeiro (depois da agitação) que tomou posse sem
companhia e assistência de soldados, porém como foi o último dos
feitos nesta Província do Brasil” (1688) assinala a conciliação, após
vinte anos de atitudes bravias.1372

Congraçaram-se os franciscanos recorrendo à alternativa, de


guardiães brasileiros e portugueses. Foi respeitada, de 1666 a 1719.

Neste fermento xenófobo se criou o espírito de autonomia do clero


nacional, rebelde e pioneiro nos começos do século xix.

ESCOLAS E LIVROS

Com o monopólio do ensino, levaram-no os jesuítas às altas


conseqüências da formação humanista nos colégios que bacharelavam
em artes, com o ritual (e até as exterioridades brilhantes) dos atos
universitários. Iniciou-se este costume com o Curso de Filoso a aberto
em 1572. Desde 1639 mestres e examinadores de Teologia especulativa
e moral usavam (como os doutores em Coimbra) a borla branca.1373
Exigia esse curso máximo latim e algum grego, consulta aos autores
sagrados, controvérsia sobre as obscuridades, e o gosto das questões
que dividiam então os teólogos e seus partidários. Para informá-las
havia nos colégios rica livraria, sendo notável a da Bahia, construída,
aliás, com requintes artísticos (tetos pintados com a alegoria de Sedes
sapientiae, azulejos murais em comemoração das ciências...), cuja
fartura se re ete na erudição dos sábios da casa.

Fora das bibliotecas conventuais pouca leitura podia haver — e


piedosa — a não ser de livros de cavalaria — ou então Os lusíadas.

A um militar que lá morreu em 1678, acharam peças de roupa,


armas, um bofete (arcaz) e “um livro de Luís de Camões”.1374

O Padre Antônio da Fonseca, presidente do coro da Santa Casa, ali


falecido em 1680, deixou cousa de vinte volumes... Seria uma boa
coleção.1375 Os “inventários” seiscentistas de São Paulo só mencionam
alguns devocionários...1376 As Obras espirituais de Fr. Luís de Granada
corriam em mãos devotas. Leu-as na Bahia o Capitão Antônio da
Fonseca Soares, e com emoção tal que se converteu em servo de Deus
— para ressurgir, franciscano, Fr. Antônio das Chagas...1377 Era ao
tempo (1655–7) em que “em Monserrate antártico”, subúrbio da
mesma cidade, escrevia D. Francisco Manuel, desterrado e triste, o
segundo dos Apólogos dialogais, a segunda Epanáfora, o Hospital das
letras, custando “acreditar que um estudo crítico que necessitava da
leitura prévia de tantos livros fosse redigido lá, a não ser que o autor,
que era amicíssimo dos jesuítas, se utilizasse da livraria do colégio”.1378
Esta era opulenta mesmo no recente colégio do Maranhão: “Livraria
temos muito boa, e com poucos livros que venham do reino haverá
todos os que se hão mister”.1379

CIÊNCIA
As ciências misturam-se — às letras jesuíticas. Envolvem-se —
ciências naturais, medicina,1380 observações de clima e geogra a,
conhecimento do índio e seus costumes — da paixão missionária, que
suscita, desde logo, um paralelo. Entre a prudência teológica (e as
restrições do ensino cientí co) na Europa, e a liberdade com que na
América se apoiava a experiência, pesquisa e crítica.1381 Já indicamos a
insistência dos cronistas, de lastrearem as suas narrações prolixas com
a visão deslumbrada dos prodígios da natureza. Sucedem-se nessa
descrição de curiosidades Gabriel Soares, Fr. Vicente, Fernão Cardim,
o Padre Cristóvão de Lisboa (irmão de Severim de Faria), o próprio
Vieira,1382 Simão de Vasconcelos, nas Notícias, Andreoni (Cultura e
opulência do Brasil ),1383 João Filipe Bettendorf (cartógrafo, naturalista,
historiador das missões do Maranhão e do Amazonas). Da indagação
da ora (e estudo da dos índios) resulta a farmacopéia, de que os
jesuítas justamente se orgulharam. É certo que o empirismo, calcado
nas idéias correntes sobre a origem e o curso das moléstias, não podia
produzir (depois dos holandeses Piso e Marcgrave) ensaios mais úteis
do que o Tratado da constituição pestilencial de Pernambuco, de João
Ferreira da Rosa (1694).

Ninguém como esse médico do Recife vira tão lucidamente os


problemas de higiene, melhoria das condições urbanas e prevenção
das epidemias. Para ele, provinha tudo dos bairros sujos, dos contágios
fáceis de evitar, da imundície alastrada pelas cidades...1384 Começa com
isto a xar-se um conceito de doenças tropicais — de que trataram (“o
mal de Luanda em Angola e na Bahia”) Aleixo de Abreu, em 1623,
Zacuto Lusitano (1575–642), Simão Pinheiro Morão (“bexigas e
sarampos”), Luís Gomes Ferreira, Manuel Dias Pimenta... Mandou el-
rei em 1692 (apreciável progresso) que se tentasse anatomia na Bahia,
para “conferir a experiência que zera um estrangeiro”.1385 Pelas
medidas tomadas em Pernambuco por sugestão dos doutores Ferreira
da Rosa e Domingos Pereira, a mais corajosa, o enterramento fora das
igrejas,1386 sabemos que desa aram os preconceitos populares. Das
suas próprias palavras repontam aliás essas superstições (“o ar pode
viciar pelos astros”),1387 com o prognóstico, “de muitas doenças
malignas”, que vaticinava o Padre Valentim Estancel,1388 apreensivo
com a conjunção dos planetas.

Motejava, cético, Gregório de Matos:


Se é estéril, e fomes dá o cometa,
Não ca no Brasil viva criatura.

XXXII: A 

ORIGINALIDADE IMPOSSÍVEL

Não podemos falar de arte brasileira no 2º século. Antes do ciclo do


ouro (com as necessidades do povo que instalava depressa os
prósperos arraiais) e da condensação de uma cultura própria nas
cidades do litoral — artes e artistas vêm da metrópole, mostram-se
insensíveis ao ambiente, procuram reproduzir — a igreja, a casa, o
convento, a fortaleza que lá havia; transplantam, adaptam, copiam —
sem originalidade nem audácia. Tem-se a impressão do transporte, em
que a viagem não tirasse a essa arquitetura, a esses elementos
decorativos, a esse tímido apetite de harmonia e beleza, nenhum de
seus aspectos, frios e exóticos. Parece que emigrava com o propósito
patriótico de estampar no mundo novo a imagem verídica de Portugal
— com o mesmo traço, a mesma intenção moral, o senso utilitário
(isto é, prático e oportuno, sem o interesse da pompa nem a
suntuosidade ofuscante) peculiar à humildade rural, à pobreza urbana.
Passou a linha equinocial o povoador com a instituição civil (o
município, as Ordenações do reino, a hierarquia, a família) e a
civilização material ( xada nos estilos singelos e arcaicos). A sua
operação de montagem das vilas consistiu em arrumar, segundo a
ordem tradicional, as pedras que trouxera, numeradas — protegendo-
as com idêntica organização social. A Igreja colaborou desde logo (e
irresistivelmente) para que as formas não se deturpassem com a
mudança, e orescesse na América a expressão artística que acabava
de dar ao santuário, às efusões do culto, ao mosteiro.

A trasladação desses estilos não se embaraçou — é preciso


acrescentar — com a preexistência da arte nativa (como aconteceu no
México e no Peru) nem a resistência da sensibilidade estrangeira (que
no Brasil holandês, durante vinte anos, poderia ter criado outros
padrões). Índios e negros da África careciam até aí de manifestações
de cultura que se impusessem ao engenheiro português. E os
amengos (pelo que mostram Franz Post, Zacarias Wagener, Eckout)
não tiveram tempo de substituir a casa-grande da várzea, os
quarteirões mercantis, a residência portuguesa quadrada e desataviada
— que lá acharam — por suas moradias características. A de Nassau
(ou das “torres”), isolada na Cidade Maurícia, foi modelo que cedo se
perdeu. Aliás no nome, Vrijburg, ou Casa-Forte, pretendia assemelhar-
se às do país. O seu segundo palácio, da Boa Vista, este, a despeito das
torres em campanário, não passava de um robusto sobrado...
português. Dir-se-á que nas estreitas casas de duas águas, do Recife,
perdura — atávico — o jeito primitivo dos bairros amengos. Mas é
sabido que soluções análogas ( nos sobrados de vaga sionomia
nórdica) são comuns no Porto e em Lisboa, e tanto na Bahia como no
Rio de Janeiro.

Quiseram os jesuítas — e esta a primeira providência para a


uniformidade das construções no Brasil — que à experiência colonial
correspondessem determinados cânones artísticos.

O BARROCO

Não é possível delimitar épocas ao jesuítico (de que falamos)


desataviado e geométrico (Irmão Francisco Dias), ao barroco (fachada
de empena em lugar do frontão retilíneo, sem refolhos de arte, em
contraste com o ornato interno) e ao apogeu desse estilo curvilíneo e
fragmentário, cuja evolução descritiva se embaraça nas retorcidas
audácias do rococó. Veri ca-se, isto sim, que à medida que a sociedade
prospera o amor do belo, transitando da escultura mural (talha
dourada comum ao barroco desde 1650) à arquitetura, impõe os
predicados gerais do gosto berniniano, borromínico, churrigueresco. É
na escultura dos retábulos, em seguida de tremós, molduras, portadas,
até (como em São Bento do Rio, que leva a data de 1694, antes de São
Francisco da Bahia, 1720) de toda a nave, que o estilo se enraíza,
desdobra o vigor pictórico, incendeia a vocação dos artí ces regionais,
aceita-lhes a colaboração sentimental com a planta cientí ca dos
engenheiros. Dá-lhes oportunidade. Os motivos se repetem — com a
coluna salomônica (do baldaquino de Bernini em São Pedro), folhas
de parra, cachos de uvas, pelicanos e querubins, na festiva
multiplicação dos símbolos canônicos. Mas é na arrumação, na licença
do debuxo, na personalidade da execução, na cenogra a que a
torêutica (de que se tornou expressão máxima Fr. Domingos da
Conceição, beneditino, natural de Matosinhos, no Porto) —
resplandece e domina. O ofício permite, além disto, a formação de
escolas, em que se sucedem as gerações;1389 e daí irradiam para a
pequena indústria (marceneiros baianos, pernambucanos,
maranhenses, uminenses) famosos fabricantes de mobílias, ourives
da prata, entalhadores e santeiros inconfundíveis.1390

ARQUITETOS

As decisões do Concílio de Trento sobre a regeneração do culto (na


plenitude da Contra-Reforma) inspiraram a Igreja do Gesù, em Roma
— nave única, capelas laterais, tribunas sobre o recinto, transepto sem
profundidade, e através desse modelo, São Roque, de Lisboa, casa-mãe
dos jesuítas portugueses. Daí passou à América o estilo
impropriamente chamado jesuítico1391 — cuja versão italiana
(gulosamente aceita na península) é a igreja monumental de São
Vicente de Fora, obra-prima de Filipe Terzi.1392 Antes de distribuir este
as suas regras de sobriedade — em que predomina a valorização do
espaço, no sábio jogo de volumes e massas — já o Irmão Francisco
Dias tracejava no Brasil os colégios de Olinda e do Rio de Janeiro.
Estávamos na fase pré-barroca da arquitetura,1393 quando o Visitador
Padre Cristóvão de Gouveia recomendava que se respeitasse, na
Companhia, o que se zera “com muito cuidado e acordo do Irmão
Francisco Dias, arquiteto”1394 — a m de que os edifícios
apresentassem uma sionomia uniforme.

Exemplo de igreja de então é a Graça de Olinda: fachada nua, a


empena do telhado de duas águas servindo de frontão, como em São
Roque, pilares laterais em forma de colunas embutidas (o que dava ao
conjunto uma reminiscência romana), o campanário à parte, aberto o
interior na amplitude da nave única, separada do altar-mor pelo arco
do transepto...

Inicia-se com Francisco de Frias (em 1603) a série dos engenheiros


que tanto edi caram fortalezas como conventos e casas-grandes, que
lhes levaram o selo da austeridade, da solidez e da geometria, ou
apenas do mau gosto — sem nada que lembrasse a liberdade, ou a
graça e a leveza do risco.1395 Era capaz de construir imponentes praças
de armas como dos Reis Magos, do Rio Grande ou, no penhasco
diante da Bahia, a do Mar. Não lhe faltou ciência para planejar a
abadia beneditina do Rio de Janeiro — que o coloca entre os mestres
— notável pela conciliação do traço humilde do Irmão Francisco Dias
(templo de empena, emoldurado de cunhais de granito, rude na sua
singeleza) com as Torres de Terzi, independentes, mas articuladas com
a harmonia do casarão mosteiral de beirais solarengos, janelas
quadradas, alpendre acolhedor e esse ar manso dos conventinhos
seiscentistas. Acoruchados em pirâmide, esquinados em pedra,
rasgados em seteiras (sineira e menagem) os campanários constituem
um acessório enfático a conjugar-se com o equilíbrio barroco do
frontispício, naquelas igrejas hesitantes entre a severidade jesuítica e a
fantasia italiana desses arremates.

Sucede ao engenheiro Frias o monge Fr. Bernardo de São Bento (João


Correia de Sousa), no Rio de Janeiro, autor da ampliação do mosteiro e
o mais erudito dos construtores de então.1396 Familiarizara-se com as
doutrinas de Sérlio e do “famoso Luís Serão” (sic), ou seja, Luís Serrão
Pimentel; e as Observações que deixou, inéditas, sobre as Obras
beneditinas, valem como um compêndio de Arquitetura, o primeiro
que se conhece no Brasil (diz-nos D. Clemente da Silva Nigra). Na
Bahia, outro monge, Fr. Macário de São João (espanhol, que trabalhou
de 1650 a 1676) deu ao seu mosteiro e à respectiva igreja de planta
romana as atuais dimensões. Atribuem-se-lhe as da Santa Casa e do
Convento de Santa Teresa (cuja fachada romana, ao gosto de Vignola,
só se vulgarizaria no século seguinte).

O dissídio da tradição portuguesa, de Afonso e Baltasar Álvares, e da


escola italiana, não prejudica, em verdade, as soluções locais, de que
foi arauto Fr. Gregório de Magalhães. Aí estão para prová-lo as
residências religiosas de Santos e da Bahia (ermida e claustro
quadrangular, compondo o convento rural, da espécie do colégio de
Campos, das casas jesuíticas de Reritiba e Mbói); e o mesmo senso de
ambiente transmite às capelas alpendradas um recato rústico e
original. No desenvolvimento dessas adaptações chega-se — ao raiar o
século xviii — à liberdade de estrutura e à opulência decorativa do
barroco luso-americano.

Aos portos, todavia, vêm de Portugal as pedras lavradas, a forma


artística, igrejas inteiras, em pedaços de mármores alentejano ou lioz
de Alcântara devidamente numerados. Refere-se Gregório de Matos na
Satírica1397 à frota que, em 1691,
[...] entrando co’a vela cheia,
O lastro que traz de areia,
Por lastro de açúcar troca.

Não trazia areia, mas pedra, corrige Vieira em carta do mesmo


tempo: “Aqui chegou, e dizem que carregada de pedraria, porque não
trouxe mais que pedra”.1398 Isto é: pedra de cantaria, e outra tanta
aparelhada, para as construções da Cidade.

A pintura vem depois. Com o caráter de escola ( uminense, baiana,


mineira...) é setecentista, com os mestres de tetos (José Joaquim da
Rocha), retábulos e composições místicas que se seguiram ao monge
alemão do Mosteiro de São Bento, Fr. Ricardo do Pilar — primeiro
grande pintor a fazer discípulos no país, em 1690.

Í É
SÍNTESE DO 2º SÉCULO

Em 1700 a de nição geográ ca e econômica do Brasil se completara.


Ganhara a sua con guração no continente; e desenvolvera dispersiva e
amplamente as forças sociais e produtivas que no século precedente
hesitavam no litoral, débeis e isoladas, entre a barreira da serra
marítima e a ameaça dos índios ferozes. Em 1600 a colonização parava
na Fortaleza dos Reis Magos, no Rio Grande, e ao Sul em Cananéia,
aventurando-se quando muito os tra cantes de escravos carijós, nos
barcos costeiros, a ir tomá-los entre Laguna e os Patos. Mesmo no
trecho de beira-mar, onde arranhavam os povoadores como
caranguejos — na ironia de Frei Vicente do Salvador — as tribos
tapuias devastavam por vezes os arraiais, até as vilas com as paliçadas e
as igrejas, impedindo a penetração dos sertões misteriosos, o
acréscimo dos gados “curraleiros” e a ocupação das “sesmarias”
inutilmente concedidas. Assim no Recôncavo da Bahia à volta de
Cachoeira até Cairu e Porto Seguro, no estuário do Paraíba e Campos
dos Goitacases... A irradiação sertanista, partindo de São Paulo,
dominara o Vale do Tietê, a região balizada pelo Paranapanema ao sul
e pela Mantiqueira ao norte: faltava-lhe, porém, a distribuição de
núcleos urbanos, que xassem os mamelucos seminômades, e
servissem de base e coordenação à conquista do Oeste. Não tardou, ao
raiar o século xvii, a expansão portuguesa até o Ceará, Maranhão,
Pará, e o Amazonas. Concluída na zona tórrida a grande empresa,
perfez-se em sentido austral, com a incorporação do território entre
Itanhaém, Paranaguá, São Francisco e Santa Catarina, acompanhada
da instalação, na foz do Prata, da tribulada Colônia do Sacramento. A
área geográ ca integralizara-se na direção do meridiano (que não era
mais, evidentemente, de Tordesilhas...); restava a delimitação das
fronteiras que dependia do con ito entre as entradas paulistas e os
vizinhos castelhanos. Perde-se a noção da lei antiga que vedava esse
desbordamento. Os homens no Brasil têm a liberdade de movimento
de uma raça jovem e forte que se adestra na luta com o estrangeiro
para em seguida vencer a terra. É também o século das repulsas à mão
armada: de franceses no Maranhão, dos holandeses na Bahia e no
Nordeste, vinte anos... As armas rati cam o direito, onde ele preexistia:
e o Brasil não se desagregou. Mas criam outros direitos: onde o uti
possidetis anulava a linha convencional, divisória, que nunca valeu no
terreno, senão nos mapas e nos debates jurídicos... Prosperam e
crescem as cidades recentes. O comércio anima-se e oresce. À
saturação do açúcar se segue o surto de novas lavouras; mas a pesquisa
das minas — sonho persistente, por isso fecundo — não deixa em paz
governos, pioneiros, gerações. A terra ganha e aumenta: pois atrás de
sua miragem os cabos das bandeiras descobridoras, mesmo
descobrindo apenas sertão, vislumbram paisagens magní cas, regiões
ricas, os caminhos do povoamento. O Vale do São Francisco polariza
no Nordeste essas incursões ambiciosas; o planalto paulista é a sua
zona de dispersão; pela própria costa, à notícia de ouro em Paranaguá,
avançam rapidamente. A nal as profecias se con rmaram: e de
Taubaté e Guaratinguetá os primeiros “mineiros” se lançaram para as
montanhas centrais.

Formara-se o Brasil na sua vasta estrutura inteiriça, como um


organismo-gigante. A ama da consciência, com a de nição de uma
inteligência autônoma, de uma alma própria, de uma força nacional —
seriam a surpresa e a revelação do século xviii.
N  R
1 É a forma como Afrânio Peixoto chamava os lhos da Bahia que cedo se transferiram para
o Rio de Janeiro.

2 A história foi a sua vocação, e o direito, sua realização pro ssional. Se a maioria dos seus
livros é constituída de obras de história, ou de literatura histórica, também, entre a extensa
bibliogra a, encontram-se numerosos e alentados trabalhos sobre Direito, tais como Direito de
propriedade, Reforma Constitucional da Bahia, A Federação e o Brasil, Intervenção Federal, O
desquite, Estado e o direito n’Os Lusíadas, Curso de Direito Constitucional Brasileiro, Curso de
Direito Público, Curso de Teoria Geral do Estado, História das idéias políticas.

3 Fez sua formação escolar no Colégio Antônio Vieira e depois no Ginásio Baiano, ambos
em Salvador-ba.

4 No Conselho Federal de Cultura, quando Gilberto Freyre a rmava não ser católico, cortou
Calmon: “Mas tem todas as virtudes para sê-lo”.

5 Descendente de Francisco Calmon du Pin e Almeida, seu tetravô, ascendente de Miguel


Calmon du Pin e Almeida, Marquês de Abrantes, as raízes paternas de Pedro Calmon Moniz de
Bittencourt remontam à província de Cahors, na França, donde partiu para Portugal Bertrand
Calmon, o primeiro deste sobrenome, cujo lho, já lusitano, João Calmon, chegou à Bahia em
1655. O seu ramo materno, pelo casamento de seu pai, Pedro Calmon Freire de Bittencourt
com Maria Romana Moniz de Aragão Calmon de Bittencourt, sua prima, se prende a Egas
Moniz.

6 Considero importante dar o destaque ao fato de que seus dois outros livros de cção, O
ezouro de Belchior e Malês: a insurreição das senzalas também se enraízam em sua terra
natal. Em sua predominante produção de historiador, do primeiro livro até a publicação
póstuma Introdução e notas ao catálogo genealógico das principais famílias, de Frei Antônio de
Santa Maria Jaboatão, vários de seus outros livros também estão ligados à história de sua
província: A conquista: História das bandeiras baianas, O crime de Antônio Vieira, O Marquês
de Abrantes, História da Casa da Torre, A bala de ouro, História da Literatura Baiana, Castro
Alves: O homem e a obra.

7 Sobrinho homônimo do Marquês de Abrantes, foi engenheiro e político brasileiro,


correligionário de Rui Barbosa, Ministro da Viação e Obras Públicas (1906–1909) e,
posteriormente, Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio (1922–1926).

8 Ao mesmo tempo, para completar seu salário e colaborar com a família em Salvador,
trabalhava à noite, na redação da Gazeta de Notícias.

9 Essa Bahia onde, no espaço de 35 anos, fundaram-se duas academias, a dos Esquecidos
(1725) e a dos Renascidos (1759), nas quais guram, na primeira, poetas menores e maiores,
como Gonçalo Soares da França, satírico e repentista, na linha de Gregório de Matos, João de
Brito e Lima, sisudo e seco, com seus Poema Festivo e Poema Panegírico, memorialistas como
Inácio Barbosa Machado, autor dos Fatos Políticos e Militares, e historiadores como Sebastião
da Rocha Pita, autor da História da América Portuguesa; na segunda, guram o poeta Ferrão
Castello Branco, Pedro Facques, com sua Nobiliarquia Paulistana, Frei Antônio de Santa Maria
Jaboatão, com o Novo Orbe Será co, D. José de Milares, com a História Militar do Brasil, José
Antônio Caldas, com a Notícia Geral da Capitania da Bahia.

10 Estão entre eles: A bala de ouro, Brasil e América, Brasília, Catedral do Brasil, Castro
Alves: O homem e a obra, Compêndio de História da Literatura Brasileira, A conquista, O
crime de Antônio Vieira, Espírito da Sociedade Colonial, O Estado e o Direito n’Os Lusíadas,
Estados Unidos de Leste a Oeste, Figuras de Azulejo, Franklin Dória, Barão de Loreto, Gomes
Carneiro, o General da República, História da Bahia, História da Casa da Torre, História da
Civilização, História da Civilização Brasileira, História da Faculdade Nacional de Direito,
História da Fundação da Bahia, História da Independência do Brasil, História da Literatura
Baiana, História das idéias políticas, História de Pedro ii (5 volumes), História Diplomática do
Brasil, História do Brasil (7 volumes), História do Brasil na Poesia do Povo, História do
Ministério da Justiça, História Social do Brasil (3 volumes), José de Anchieta, o santo do Brasil,
Malês, a insurreição das senzalas, Espírito da Sociedade Imperial.

11 De acordo com Pedro Calmon Filho, também professor da Faculdade de Direito da ufrj,
seu pai sempre quis ser enterrado como professor, que foi o título que ele mais prezou em vida.

12 Segundo consta no livro Pedro Calmon: Vida e glória, organizado por Edivaldo
Boaventura, não há conta do número de estudantes baianos que Pedro Calmon acolheu no Rio
de Janeiro e aos quais forneceu fosse uma palavra de orientação, fosse uma providência junto a
órgãos públicos, fosse, ainda, apoio material.

13 Entre dezenas de condecorações, tinha a Grã-Cruz das Ordens da Santa Sé, de Santiago,
de Cristo, Educação Pública e Infante D. Henrique, de Portugal; de San Martin, da Argentina;
de Boyacá da Colômbia; de Rubén Dario, da Nicarágua; da Espanha, da China Nacionalista, do
México e do Paraguai; Grande O cial do Chile, do Peru, da Alemanha, da Suécia, da Grécia, da
Itália e do Irã; Ordem do Mérito e ordens do Exército, Marinha e Aeronáutica do Brasil; e
comendador da Legião de Honra, da França.

14 Pedro Calmon dizia que era monarquista por teimosia.

15 O sepultamento ocorreu no Cemitério de São João Batista.

16 omas Giulliano é pós-graduado em Literatura Brasileira pela pucrs, pós-graduado em


História e Cultura Afro-brasileira e Indígena pela uninter, graduado em História (licenciatura)
pela pucrs, coordenador do livro Desconstruindo Paulo Freire, autor dos livros Desconstruindo
(ainda mais) Paulo Freire, O so sma do Império e Machado de Assis: escravidão e política,
editor e consultor historiográ co do Clube Rebouças. Historiador agraciado com a Medalha da
Ordem do Mérito do Livro, fornecida pela Biblioteca Nacional — ne.

17 In Viriato, p. 171.
18 Não repetimos os nomes das vilas e cidades do século anterior. Os nomes que não foram
citados, nos rios, correspondem aos que mantêm a designação atual.

19 V. Rodolfo Garcia, nota a Varnhagen, História geral do Brasil, ii, p. 109, ed. integral. Neto
de Diogo Botelho, o velho, Júlio de Castilho, Lisboa antiga, ix, p. 254, Lisboa, 1937, que fora
ferido e preso em Alcácer-Quebir; resgatado aos mouros; em 1579 nomeado embaixador para
outros resgates, Queirós Veloso, D. Sebastião, p. 417 Lisboa, 1935, seguiu a parcialidade do
Prior do Crato, D. Antônio, mas não é exato que estivesse entre os prisioneiros do combate da
ponte de Alcântara. Na tarde de 24 de agosto de 1580 — dia desse encontro — passou por Vila
Franca com D. Antônio e centena de cavaleiros, Damião Peres, O governo do Prior do Crato.
Barcelos: 1929, p. 107. Quando chegou às margens do Lima, diz Camilo: “D. Antônio tinha à
volta de si como relíquias [...] Diogo Botelho”; Camilo Castelo Branco, Sentimentalismo e
história. Porto: 1897, p. 224. Homiziou-se em França. Figurou como testamenteiro do Prior do
Crato, Camilo, D. Luís de Portugal. Lisboa: 1896, p. 139. Faleceu o velho Diogo Botelho em
Paris, a 23 de março de 1607, Miguel d’Antas, Les Faux Don Sebastien, cit. por Júlio de Castilho,
op. cit., ix, p. 141. Reabilitou-se o neto perante Filipe ii pelo casamento com D. Mana Pereira,
irmã do secretário da corte, Pedro Álvares Pereira, da casa dos Condes de Benavente. Foi
mandado ao Brasil a 20 de fevereiro de 1601. Das Con ssões ao Santo Ofício, de 1618, ms. na
Torre do Tombo, inéd., constam acusações graves a seus costumes. Era lho de Francisco
Botelho, capitão de Tânger e embaixador em Roma, e de D. Brites de Castanheda, lha de
castelhano. Deixou lho, Nuno Álvares Botelho, morto às mãos dos holandeses sendo
governador na Índia: este foi pai do 1° Conde de São Miguel, Pe. Antônio Carvalho da Costa,
Corogra a portuguesa. Braga: 1862, 2ª ed., i, p. 397.

20 Hist. do Bras., p. 395.

21 Fr. Vicente do Salvador, op. cit., p. 397.

22 A ordem para a jornada de Pero Coelho foi dada pelo governador Diogo Botelho em
reunião com os capitães-mores de Pernambuco e da Paraíba, e o Sargento-mor Diogo de
Campos Moreno, em Olinda, a 21 de janeiro de 1603, Barão de Studart, in Revista do Instituto
do Ceará, xxxvii, p. 166, onde o governador-geral continuava residindo em abril de 1603, cf.
Livro velho do Tombo de São Bento, Bahia, p. 360. O Regimento passado a Pero Coelho tem a
mesma data da reunião, Capistrano de Abreu, “Prolegômenos” à História do Brasil, de Fr.
Vicente do Salvador, p. 255 (3ª ed.). O auto sobre a expedição, com os objetivos — expulsão de
franceses, investigação de minas, descobrimento da costa, in Rev. do Inst. do Ceará. Fortaleza:
1912, xxvii, pp. 17 e ss.

23 Barão de Studart, Documentos para a história do Brasil e especialmente a do Ceará.


Fortaleza: 1909, ii, p. 68.

24 Fr. Vicente do Salvador, História do Brasil, p. 386.

25 V. Capistrano de Abreu, in Rev. do Inst. do Ceará, xviii, p. 67. Sobre as tribos da região,
Pe. éberge, Esboço histórico sobre a Província do Ceará. Fortaleza: 1869, p. 4.

26 História da missão, p. 65. Na descrição do capuchinho se misturam a narrativa da


expedição de Pero Coelho (“há sete anos [...]”) e o martírio do Padre Pinto na deformada
notícia dos tupinambás, a quem tanto impressionara o “profeta”.
27 Pe. Claude d’Abbeville, op. cit., p. 70.

28 A jangada é, com o nome, da Índia, mons. Rodolfo Dalgado, In uência do vocabulário


português em línguas asiáticas. Coimbra: 1913, p. 91, citando Castanheda, Fernão Pinto, Diogo
Do Couto.

29 Hist. do Bras., p. 411.

30 Queremos insistir na etimologia lendo Gomes Eanes de Zurara, Crônica da Guiné, i, p.


95, Porto, 1937, “de Zaara”, com o acento que põe João de Barros, Décadas, i, p. 12, ed. A. Baião,
Lisboa, 1932: “Desertos da África a que eles chamam saará”. “Boa de extremar da outra”, diz
Zurara, “por razão das muitas areias que aí há” (ibid., ii, p. 94). Ceará vem de Saará —
concluímos.

31 Pe. Sera m Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, i, p. 142.

32 Pe. Sera m Leite, ibid., ii, p. 552. A sua Arte da gramática foi publicada em 1687.

33 Fr. Vicente, ibid., p. 414. Sobre o sacrifício do Padre Pinto, Paulino Nogueira, Rev. do Inst.
do Ceará, xvii, pp. 12 e ss. Profetizara-o Anchieta em 1582. O pau de jucá com que o
trucidaram foi levado para o colégio da Bahia e desapareceu com a invasão holandesa, Studart,
Revista, cit., xxxii, p. 171.

34 Construtor do Forte dos Reis Magos, como cou dito.

35 Studart, in Rev. do Inst. do Ceará, vol. cit., p. 177. Veja-se a carta do Pe. Figueira ao geral
da Companhia, 1608, Rev. do Inst. do Ceará, xvii, pp. 97–138. Em carta ao geral, de 26 de
agosto de 1609, declarou “impossível efetuar-se por ora” a missão do Maranhão, alegando
distância, seca, rios, di culdades da navegação pelo regímen dos ventos... Revista, cit., p. 139.
Figura nesse primeiro período da exploração da costa o orentino Baccio de Filicaia, que, após
ter servido com D. Francisco de Sousa, se empregou seis anos (1602–8) a “Scropriri e
conquistari le provinzie de’ ume Maragnone e Amazone”, tendo em 1607 seu navio se
desgarrado para a Antilha, donde passou a Portugal. Parece que voltou com D. Francisco de
Sousa, em 1609. V. docs. in A. Piccarolo, Um engenheiro italiano na descoberta das minas
brasileiras. São Paulo: 1931, p. 16.

36 O Pe. Figueira escreveu ao geral, da Bahia, 26 de agosto de 1609: “No Maranhão há


muitos franceses que estão de morada como estavam no Rio Grande [...]. E o menos mal que
podem fazer aos nossos, é levarem-nos à França que cada dia lhe vêm naus carregar de
madeiras, pimenta, algodão, etc.”, Rev. do Inst. do Ceará, xvii, p. 140.

37 Descobrimos a referência (inédita) ao capítulo do regimento sobre os biscainhos e os


coqueiros, num papel de 15 de dezembro de 1614, certidão ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa,
Papéis avulsos. Permite que datemos do governo de Diogo Botelho (1602) o coqueiral típico da
paisagem ribeirinha do Nordeste. Gabriel Soares dava como fracassado este plantio, em virtude
da doença que atacara o palmar incipiente, Trat. descr., p. 157, ed. Varnhagen, Rio, 1851,
secando-o.

38 Fr. Vicente, op. cit., p. 397. Era sócio do contrato das baleias o francês, de Nantes, Julião
Miguel, que passava por espanhol, cf. Pyrard de Laval, Voyage, ii, p. 325 da edição portuguesa.
39 Fr. Vicente, ibid., p. 396. O contrato das baleias no Rio de Janeiro ( cou o nome: ponta da
Armação) é de 1639 ou 1644, Vieira Fazenda, Rev. do Inst. Hist., cxlii, p. 394.

40 Documentação in nota xvi da secção xxiv da Hist. geral do Brasil, de Varnhagen, anotada
por R. Garcia. Diogo Moniz Teles, por exemplo, declarou que em 1604 “grossa armada de
Holanda batera a cidade quarenta dias”, e “assistiu sempre na sua estância com seus criados à
sua custa acudindo ao Arraial do Rio Vermelho”, Livro de mercês gerais, n. 1, 1644, e códice 79,
f. 173, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. V. também Revista do Inst. Hist. Bras., lxxiii, parte i, p.
215; e Rev. do Inst. Hist. da Bahia, n. 35, p. 61.

41 Sebastião de Carvalho, desembargador da Relação do Porto em 1607, depois em Lisboa,


por m, em 1634, do Desembargo do Paço, v. Pe. Antônio Carvalho Costa, Corogra a
portuguesa, ii, p. 52, 2ª ed., faleceu em Lisboa em 1639. Casou pela 3ª vez, em 1606, com D.
Francisca Monteiro e cou-lhe no Brasil descendência, de sobrenome Cavalcanti de Lacerda, cf.
Frei Jaboatão, Catálogo genealógico, tít. “Famílias de Pernambuco”. Foi bisavô do Marquês de
Pombal.

42 Em carta de 1612, queixando-se do bispo, alude D. Diogo de Meneses à saída de Botelho


malquistado com os moradores: “Vindo aqui D. Francisco de Sousa das capitanias de baixo a se
embarcar o persuadiu a que dessem calor a embarcarem Diogo Botelho”, Anais da Bibl. Nac.,
lvii, p. 73. Sobre a descendência de D. Diogo de Meneses, v. Ementas de habilitações de ordens
militares no sec. xvii. Lisboa: 1931, p. 76.

43 Rodolfo Garcia, nota aos Diálogos das grandezas do Brasil, ed. da Acad. p. 168.

44 R. Garcia, nota a Varnhagen, ibid., ii, p. 124.

45 Diálogos das grandezas do Brasil, ed. R. Garcia, p. 55.

46 Francisco Leitão Ferreira, Alfabeto dos lentes. Coimbra: 1937, p. 282; e Pe. Antônio de
Carvalho, Corogra a portuguesa. Braga: 1868, ii, p. 226.

47 Varnhagen, op. cit., ii, p. 127.

48 Códice 1.192, f. 162, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inédito. Informação desconhecida dos
biógrafos de Vieira. Cristóvão Ravasco voltou à Bahia em 1609 e, para não mais a deixar, em
1614. Em 1618 eram advogados na Bahia os licenciados Francisco Lopes Brandão, Filipe Tomás
e Manuel Ferreira de Figueiredo (cristãos-novos) e Manuel Pacheco de Sousa, Denunciações de
1618, publ. por Rodolfo Garcia, passim. Era engenheiro e arquiteto das obras del-rei, Domingos
da Rocha, Livro velho do Tombo de São Bento. Bahia: 1945, p. 43.

49 Docs. in nota a Varnhagen, Hist. ger., ii, pp. 158–60.

50 Foi provedor da alfândega da Bahia e chefe de grande família, cf. Frei Jaboatão, Cat. gen.,
p. 274; Documentos históricos, xvii, pp. 250–1... Seu genro e sucessor na provedoria, Antônio
de Brito de Castro (2 de abril de 1638): “Pai dos Castros” de quem falaremos a propósito do
governo do “Braço de prata”, em 1684.

51 Ementas de habilitações de ordens militares nos princípios do séc. xvii, p. 57. A carta
supra, de D. Diogo de Meneses, in Anais da Bibl. Nac., lvii, p. 54.
52 Foi para o Maranhão em 1615, com Alexandre de Moura, em 1622 passou a capitão no
Rio das Amazonas, Fr. Vicente do Salvador, op. cit., pp. 489 e 498.

53 Registo geral da câmara municipal de São Paulo. São Paulo: 1917, i, p. 170, ata de 7 de
março de 1609.

54 Frei Vicente, Hist. do Bras., p. 419.

55 Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 163. Ficou D. Luís no Brasil. Em Pernambuco, casou com
uma lha do rico João Pais, do Cabo: e lá morreu, op. cit., ii, p. 164. Foram estes os pais do
Mestre-de-campo D. João de Sousa, fundador da igreja e hospício do Paraíso, Rocha Pita, Hist.
da Amér. Port., p. 52, ed. de 1880. O capitão espanhol Antônio Anasco ouviu aos portugueses
nesse ano dizer: “Que murió de un enojo (porque le troxeran nueva que su hijo que se llamava
Don Antonio le cojieron los ingleses enbiandole a la corte con cierto presente de oro a Su
Majestad) e asi por la muerte de su padre está governando el dicho don Luís”, Anais do Museu
Paulista, i, p. 154. No museu do Instituto Arqueológico de Pernambuco guarda-se a pedra de
armas da sepultura de D. João de Sousa, que estava na igreja do engenho do Paraíso.

56 Pedro Taques, Informação sobre as minas de São Paulo, ed. A. Taunay, p. 82. Governou
Martim de Sá a capitania do Rio de Janeiro, de junho de 1602 a junho de 1608. Salvador Correia
esteve em São Paulo em 1616, Registo geral da câmara municipal de São Paulo, i, p. 220; deixou
no seu lugar outro lho, Duarte Correia Vasqueanes, provedor das minas... que não se achavam.
Em 1639 requereu Salvador Correia de Sá e Benavides — e obteve — o cargo de administrador
das minas, Luís Norton, A dinastia dos Sás no Brasil. Lisboa: 1943, p. 38. O apelido Benavides
era materno, de D. Maria, lha de D. Manuel de Benavides, castelhano e corregedor de Cádis,
casado com a inglesa D. Cecília de Bruman e Mendoza, Ementas de habilitações de ordens
militares nos princípios do séc. xvii, p. 78; também Clado Ribeiro Lessa, Salvador Correia de Sá
e Benavides. Lisboa: 1940, p. 12.

57 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 49.

58 Ms., Livro 3º das leis, f. 97, Arq. Nac. da Torre do Tombo, Lisboa, inéd. Corresponde à
consulta ao Conselho da Fazenda sobre os insucessos de D. Francisco de Sousa e Salvador
Correia, e os oferecimentos de Belchior Dias Moréia, P. Calmon, O segredo das minas de prata.
Rio: 1950, p. 33. No mesmo sentido, Regimento de 1644, a Salvador Correia, in Rev. do Inst.
Hist., tomo especial, i, p. 13 (1956).

59 V. Borges da Fonseca, Nobiliarquia pernambucana, ii, pp. 33–4.

60 Rodolfo Garcia, pref. ao vol. lix, Anais da Bibl. Nac., p. 15.

61 Ferdinand Dénis, prefácio a Yves d’Évreux, Voyage dans le nord du Brésil. Leipzig: 1864,
p. ix.

62 Publicado por Charles de la Roncière, Histoire de la Marine Française. Paris: 1934, p. 54.

63 O problema da etimologia de Maranhão foi resumido por Benedito de Barros


Vasconcelos, in Anais do iv Congresso de História Nacional. Rio: 1950, ii, pp. 478–9. Tudo leva
a crer que vem do espanhol maraña (emaranhado), Marañón, que realmente desde o começo
do século xvi este é o nome dado ao Amazonas no seu curso superior, compreendendo-se que
— rio de misteriosas riquezas — com ele confundissem os portugueses os que deságuam na
baía do Maranhão e ainda a foz do Amazonas “ou Grão-Pará”. Parece ter sido Luís de Melo da
Silva quem denominou Maranhão à barra onde naufragou, naquela costa incluída mais tarde na
capitania de João de Barros. Poucas dúvidas restam sobre a origem castelhana do topônimo, a
que o Padre Antônio Vieira volveu, na ironia do trocadilho: “Este maranhão é maranha”, carta
ao Conde de Ericeira, 1689, Cartas, iii, p. 570 da ed. J. Lúcio. A verdade é que aos ouvidos rudes
soava como grande mar (hibridismo adotado pelos conquistadores, Grão-Pará, em vez de
Paraguaçu, como nos outros lugares do litoral), o que poderá explicar a sua aplicação àquela
terra, tão distante do autêntico Marañón.

64 Manuscrits de la Bibliothèque de Ministère de la Marine. Paris: 1907, p. 139.

65 Jean Mocquet, Voyages en Afrique, Asie et Indes Occidentales. Paris: 1617, p. 69. Em
1612 o locotenente de Razilly (que do Brasil regressara com alguns índios) era o Sr. De La
Ravardière, ibid., p. 98.

66 O contrato de Daniel de la Touche, Sr. De La Ravardière e François de Razilly (irmão do


famoso almirante Isaac de Razilly, que aliás veremos metido na mesma aventura do Maranhão),
é de 4 de outubro de 1610. Foi este o primeiro chefe da expedição criadora da França
Equinocial, cf. Rati cation par Louis xiii du pouvoir donné à François de Razilly pour le voyage
des Indes, 5 septembre, 1611, ms. in Exposição de 1955, France et Brésil, p. 43.

67 D’Évreux e não d’Abbeville foi o superior, cf. F. Dénis, op. cit., p. xii, reti cando Berredo,
Anais Hist. do Estado do Maranhão, liv. ii, n. 123.

68 Celebrizou-se o Padre Yves d’Évreux com a clássica Voyage dans le nord du Brésil fait
durant les années 1613 et 1614, nova ed., de F. Dénis, 1864; e Claude d’Abbeville, Histoire de la
Mission des Pères Capucins. Paris: 1614, ed. fac-sim. de 1922, prefácio de Capistrano e notas de
R. Garcia, trad. port. de Sérgio Milliet e notas de Garcia, São Paulo, 1945. Sobre Yves d’Évreux
(1577–643?), no século Simon Michelet, v. Dr. Semelaigne, Le P. Yves d’Évreux ou Essai de
Colonisation au Brésil, Paris, 1883; Pe. Edmond d’Alençon, Le Couvent des Capucins d’Évreux,
Évreux, 1894; Gabriel Marcel, “Le Père Yves d’Évreux”, in Journ. de la Soc. des Américanistes de
Paris, t. iv, n. ii (1907), nota comentada de Rodolfo Garcia.

69 Claude d’Abbeville, História da missão, p. 25

70 Brief recueil des particularitez contenues aux lettres envoyées par Monsieur de Pezieu,
Lyon, 1613 (copiamos o exemplar existente em John Carter Brown University, Providence, U.
S.). Figura este raro livro na Exposição de 1955, France et Brésil, p. 45 (n. 62).

71 Ch. de la Roncière, Hist. de la Marine Française, p. 59.

72 De la Roncière, ibid., p. 67.

73 De la Roncière, ibid., p. 60.

74 O Brief recueil, de Pezieu, impresso em Lyon, tem o caráter de apologética, para atrair a
simpatia dos franceses que quisessem associar-se à empresa.

75 Ernest Lavisse, Histoire de France. Paris: vi, 2ª, p. 84.


76 Georges Goyau, Les Origines Religieuses du Canada. Paris: 1924, p. xxvi.

77 G. Goyau, op. cit., p. 54.

78 Pe. Claude d’Abbeville, História da missão, p. 73.

79 V. carta de 1º de março de 1612, Anais da Bibl. Nac., lvii, p. 75.

80 Conhecemos dois exemplares, mss., no Instituto Histórico (Rio), completo, adquirido


pelo Barão do Rio Branco, e na Biblioteca Pública do Porto, de equivalente importância. Na
Torre do Tombo achamos (1945) uma espécie de rascunho da obra, com mapas em tinta negra,
ou no esboço original. Sobre a autoria, Varnhagen, Hist. ger., ii, p. 140. Parece que faleceu
Diogo de Campos Moreno em 1619, quando aparecem diversos candidatos à sargentaria-mor,
Arq. Hist. Col., Lisboa, códice 32, p. 183, inéd. Seu sobrinho era o tenente do Forte do Rio
Grande, Martim Soares Moreno, primeira gura da conquista do Norte do Brasil. O Livro que
dá razão, introd. e notas de Hélio Viana, foi publicado no Recife, 1958.

81 Martim Soares, patriarca da civilização no Ceará, invocado por José de Alencar em


Iracema, como o belo europeu de quem se apaixonara a índia sublime — depois de três anos
com os índios, em seguida à viagem de Pero Coelho servira como tenente na guarnição do Rio
Grande. Daí a amizade dos petiguares de Jacaúna (1609). Era pela quinta vez que voltava ao
Ceará, em 1611, Capistrano, Rev. do Inst. do Ceará, xviii, p. 59. Gabou-se de ter na luta com
franceses e holandeses degolado mais de duzentos... Aqueles não poderiam conhecê-lo: pintado
e nu, qual um índio... Chegou em 20 de janeiro de 1612 ao Ceará, com seis soldados e um
clérigo, donde a invocação de São Sebastião, para a igreja anexa ao fortim. Era lho de Martim
de Loures e de Paula Pereira (avós paternos, Francisco Annes e Brites Dias; maternos, João
Pereira e Inês Dias, todos naturais de Santiago de Cacém, “limpos e honrados, alguns
lavradores”), cf. Ementas de habilitações de ordens militares nos princípios do séc. xvii. Lisboa:
Bibl. Nac., 1931, p. 65.

82 “O intento principal com que o dito presídio do Ceará se levantou foi para defender as
aguadas e o comércio que os franceses etc.”, carta de D. Luís de Sousa, 9 de setembro de 1617,
Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 44.

83 V. Pe. éberge, Esboço histórico sobre a Província do Ceará. Fortaleza: 1869, p. 4.

84 Relatório de Alexandre de Moura, 1616, Anais da Bibl. Nac., xxvi, docs. comentados pelo
Barão do Rio Branco; também Pe. Yves d’Évreux, Voyage, etc., p. 34.

85 Docs. in Anais da Bibl. Nac., xxvi, p. 151; Fr. Francisco de N. S.a dos Prazeres,
“Poranduba Maranhense”, Rev. do Inst. Hist., xliv, parte i, p. 28, 1891.

86 Genealogia in Fr. Jaboatão, Cat. gen., p. 321; neto de Violante d’Eça, uma das órfãs
mandadas à Bahia no governo de D. Duarte da Costa, lho de Luís Alves de Espinha, de Ilhéus
e Inês d’Eça... Con rma esta ascendência o requerimento do próprio, Lisboa, 23 de dezembro
de 1619, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inéd. Eça e não de Sá, como inadvertidamente está em
Fr. Vicente.

87 Ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, Maranhão, caixa n. 1; e Fr. Vicente, ibid., p. 419. V. ainda
resumo biográ co (de Sousa d’Eça), Garcia, nota a Varnhagen, Hist. ger., ii, pp. 208–9.
Acrescentamos: de 1619 a 24 esteve detido em Lisboa, muito pobre, e desse castigo passou a
“capitão da conquista do Grão-Pará”, Arq. Hist. Col., ms. códice 35, f. 79 e passim. Era aliás por
pai e avô provedor da Fazenda na Paraíba, ms. no mesmo Arq. Hist., ms. 610 (requerimento).

88 V. códice ms. Correspondência de Gaspar de Sousa, um volume, ms., inéd., no Ministério


das Relações Exteriores, Rio. Aí a documentação essencial à sua biogra a. Elogiou-o o Marquês
de Castelo Rodrigo: “Sendo muitas pessoas propostas para o cargo de mestre-de-campo do
terço que foi a Flandres, se escusaram umas por outras e só o Sr. Gaspar de Sousa aceitou o dito
trabalho”. Foi (depois do governo no Brasil, tão louvado de Fr. Vicente do Salvador) do
Conselho de Estado do Reino. Pediu-o em 16 de julho de 1622: “Sobre um memorial de Gaspar
de Sousa pedindo um título no Maranhão, um lugar no Conselho de Estado e outras mercês”,
Oliveira Lima, Relação dos manuscritos... no Museu Britânico, p. 21, Rio, 1903. Em art. no
Jornal do Comércio, Rio, 27 de setembro de 1930, outras referências biográ cas.

89 Diogo Bernardes, O Lima, ii, p. 179, ed. de 1923.

90 D. Francisco Manuel de Melo, Epanáforas de vária história. Lisboa: 1676, p. 178. Terço —
terça parte de um regimento alemão (de Carlos v), unidade de infantaria em regra com dez
companhias de cem homens.

91 Fr. Vicente, ibid., p. 467. De Diogo de Campos Moreno diz muito mal Gaspar de Sousa,
carta de 15 de junho de 1615.

92 Livro de mercês gerais n. 2, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inéd. O futuro capitão-mor na
revolução contra os holandeses acompanhou Albuquerque a Guaxenduba e Maciel Parente ao
descobrimento da serra de Teicoara e Cabema do Rio Truí (Amazonas)...

93 Fr. Vicente, ibid., p. 470.

94 Francisco de Frias fora despachado em 23 de janeiro de 1603 “a cousas de meu serviço


sobre as forti cações das fortalezas”, com 400 cruzados a correrem pelo almoxarife de
Pernambuco, Docs. hist. Rio: 1930, xv, p. 155. Em 1606 mandou el-rei forti car a Bahia, e fez
ele plantas emendadas pelo engenheiro-mor de Espanha Tiburtio Espanochi, Relação das
praças... 1609, f. 26, ms. inéd. na Torre do Tombo. O autor desta Relação é Diogo de Campos
Moreno (o homem do Livro que dá razão do Estado do Brasil, 1612). Há notícia de ordenados
que lhe foram pagos no Brasil até 1635. Até 1627 foi o engenheiro da colônia. Mandando-se vir
de Pernambuco Marcos Ferreira, também muito capaz, o motivo era estar “o engenheiro
Francisco de Frias muito ocupado em outras forti cações e não poder assistir no mesmo tempo
a todas”. Deu a planta original do Mosteiro de São Bento do Rio, e dos fortes do mar (Bahia),
Cabedelo, dos Reis Magos (não sendo de desprezar a hipótese de ter, quanto a este, aproveitado
o traço do Padre Sampères, seu arquiteto primitivo). V. D. Clemente Maria da Silva Nigra,
“Francisco de Frias”, in Revista do serviço do patrimônio histórico e artístico nacional. Rio:
1945, n. 9, pp. 9 e ss.

95 Ferdinand Dénis, introd. a Yves d’Évreux, ibid., p. xvii. Devemos-lhe a notícia da missão
do Padre Arcanjo.

96 Títulos que se atribuiu La Ravardière no acordo com Jerônimo de Albuquerque depois do


combate de Guaxenduba, Fr. Vicente, ibid., p. 474.
97 Diogo de Campos Moreno, carta a Gaspar de Sousa, in Correspondência deste, ms. no
arq. do Min. das Rel. Ext., Rio.

98 A batalha foi descrita pelo próprio Jerônimo de Albuquerque, cf. certidão passada a favor
de Antônio Teixeira de Melo, doc. ms. no Arq. Hist. Col., inéd. Acometeram os franceses “com
sete naus e 46 canoas lançando em terra 200 franceses mosqueteiros com passante de 2 mil
índios tendo impedidas as barras para que não entrasse socorro, e acometendo-os se lhes
ganharam as trincheiras com morte de 120 franceses e de mil índios pondo-os em fugida
tomando-se-lhes as 46 canoas”. Foi Manuel de Sousa d’Eça quem levou a notícia ao governador-
geral em Pernambuco, ms. no Arq. Hist. Col., Requerimentos, n. 610–4, cópia da Sra. Luísa
Fonseca. V. também Fr. Vicente, Hist. do Bras., p. 471.

99 Fr. Vicente, ibid., pp. 476–7. Gregório Fragoso morreu em França. Desaprovação do
governador: Livro 1º do governo do Brasil, p. 118.

100 Em Angola havia perigosa passagem que se chamava Bangala Ambota, apelido de um
conquistador, “o qual, conforme notícias, há seus descendentes em a cidade da Bahia, [...] ou
este conquistador tomou desta paragem”, Antônio de Oliveira de Codornega, História das
guerras angolanas. Lisboa: 1943, iii, p. 143. Manuel de Araújo de Aragão, no século seguinte,
ainda tinha “por antonomásia o Bangala”, carta de 1721, Inácio Accioli, Mem. hist., vi, p. 22.
Perpetua-lhe a alcunha a rua, na Bahia, junto à Igreja da Palma, possivelmente de sua moradia.
Traduzimos: bangala (bordão), ambote (melhor), ou seja, o homem da boa bordoada, fama que
deixara em África (e não mangue-la-bote, como indevidamente escreveu Pyrard de Laval,
Voyage, p. 563, Paris, 1615). V. sobre o étimo, Fr. Cannecattim, Observações gramaticais sobre a
língua bunda. Lisboa: 1859, p. 143, 2ª ed. E Fr. Vicente, Hist. do Bras., p. 482, com a anotação de
Capistrano. Foi este cronista que por primeiro descreveu o episódio. Con rma-o a carta da
Câmara da Bahia que achamos no Arq. Hist. Col. Lisboa; e devassa, Liv. 1º do Gov., p. 129.

101 Cartas da Câmara da Bahia, 13 de março de 1614, ms. no referido Arquivo. Também
(além dos autores mencionados na nota anterior), Pe. Simão de Vasconcelos, Vida do Ven. Pe.
Joseph de Anchieta, dedicatória a Francisco Gil de Araújo, descendente do herói. Não
confundir com Baltasar Rebelo de Aragão, que cometeu grandes proezas em Angola, no nal
do século xvi, cf. Elias Alexandre, História de Angola. Lisboa: 1937, i, p. 116.

102 Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 210, resume a intrincada bibliogra a da expedição; e Fr.
Vicente, ibid., p. 478. Sobre as ordens de Madri diz o autor da História do Brasil: “Recebera (o
governador) recado del-rei que lhe veio acerca do Maranhão” e se passou a Pernambuco,
viagem em que o acompanhou o próprio Fr. Vicente do Salvador.

103 Ambrósio Soares de Argôlo — lê-se no Livro de mercês gerais, in Arq. Hist. Col., Lisboa,
cód. 32, f. 183, inéd., depois de ter servido em Moçambique e na Índia acompanhou ao
Maranhão Alexandre de Moura e foi capitão do Forte do Ceará, e em seguida de São Filipe em
São Luís. Alegou que Hierônimo de Albuquerque lhe tivera ódio e o prendera a ferros. Pediu
promoção a sargento-mor. Gabou-se de ter feito cal de ostras. Alexandre de Moura, na
“Relação”, Anais da Bibl. Nac., xxvi, refere-se realmente à cal fabricada no Maranhão a esse
tempo. Ficamos agora sabendo quem a fez. Quanto ao roteiro de Manuel Gonçalves, da viagem
de Moura, está mencionado nas Memórias de literatura portuguesa, iii, 1798, Acad. das
Ciências de Lisboa.
104 Dois docs. de La Ravardière, in Arq. Hist. Col., Lisboa, ms. inéd. Con rmam o que
informa Berredo, Anais do Maranhão, §410, e Sera m de Faria, cit. por Rodolfo Garcia, nota a
Varnhagen, ii, p. 212. Em resumo: La Ravardière traiu os companheiros de aventura. Mas, em
seguida, voltou a servir à França, bom soldado e marinheiro, Ferdinand Dénis, pref. a Yves
d’Évreux, ibid., p. xlv. V. também Jean Mocquet, Relación de sus Seis Viajes (El Segundo al
Marañón con el Capitán Ravardière), 1617, na Bibliothèque Nationale de Paris, ou Voyages en
Afrique, Asie, Indes Orieniales et Occidentales; e docs. in Livro 1º do governo, pp. 117 e ss.

105 José Rumazo, La Región Amazónica del Ecuador en el Siglo xvi. Sevilha: 1946, cap. iv.

106 Manuel Barata, “A jornada de Francisco Caldeira Castelo Branco”, in Rev. do Inst. Hist.
de São Paulo, ix, p. 433.

107 Mercês gerais, in Arq. Hist. Col., Lisboa. Disse ter servido oito meses na conquista do
Pará. Aliás Alexandre de Moura foi consultado no reino sobre as mercês pedidas por seus
antigos soldados, Rev. do Inst. do Ceará, xxii, p. 320. Destes releva citar Nuno da Cunha
Botelho, quatro anos no Rio Grande, em 1624–5 soldado na guerra da Bahia, em 1627–34
sargento-mor no Rio Grande, Docs. hist., xv, p. 237. Do piloto diz Fr. Luís de Sousa: “É o maior
rio que hoje se sabe no mundo; foi o último descobrimento dele pelo piloto Vicente Cochado; e
subiu até quatrocentas léguas”, Anais de D. João iii. Lisboa: 1844, p. 452. Graças a ele se soube
que o Grão-Pará e o rio por onde descera Orellana eram um só, J. Lúcio d’Azevedo, Os jesuítas
no Grão-Pará. Coimbra: 1900, p. 29. V. sua biogra a, Frazão de Vasconcelos, Pilotos das
navegações portuguesas dos séculos xvi e xvii. Lisboa: 1942, pp. 16–7. Leia-se o relato dos
primeiros trabalhos dos jesuítas no Maranhão, Pe. Manuel Gomes, carta de 1621, Documentos
dos arquivos portugueses que importam ao Brasil, n. 3.

108 Note-se que provinha o nome de lenda análoga à que, sobre a África, colhera João de
Barros, Décadas, iii, p. 24, Lisboa, 1777: “Grande rio do país das mulheres guerreiras”. Do
Nuevo Descubrimiento del Rio Amazonas, do Padre Cristobal de Acuña, Madri, 1641, n. lxxii,
repetiu Rocha Pita, Hist. da Amér. Port., p. 42, a interpretação etimológica. Um dos
companheiros de Caldeira, o Capitão André Pereira, disse que os índios tinham cabelo
comprido, como mulheres, “de que pode ser nasceria o engano que dizem das Amazonas”,
Varnhagen, Hist. ger., ii, p. 180. Esta a explicação plausível: índios que ao longe deram a
Orellana a impressão de serem as amazonas fabulosas.

109 Doc. in Anais do Museu Paulista. São Paulo: 1927, iii, parte ii, p. 41. No mesmo sentido,
carta de 31 de outubro de 1616, ibid., p. 34.

110 Carta de 18 de julho de 1617, Anais, cit., p. 42.

111 O governador-geral nomeou adjunto do mesmo governo Diogo da Costa Machado,


capitão do Forte de São Filipe. Magoado, Antônio de Albuquerque (que governou de 10 de
fevereiro de 18 a 8 de abril de 19), se passou ao reino. Requereu — em 2 de maio de 1620 —
soldo de 200$000 por ano, Livro de mercês gerais, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. As suas
palavras desmentem a versão de que o pai mandara que o ajudassem no governo a modo de
triunvirato, como ordenou D. Luís de Sousa em 22 de março de 1619, Anais do Museu Paulista,
iii, parte iii, p. 92. Regressou do reino nomeado para capitão-mor da Paraíba. Outro lho de
Jerônimo, Matias de Albuquerque Maranhão, v. Borges da Fonseca, Nobiliarquia
pernambucana, Anais da Bibl. Nac., xlvii, p. 11, por esse tempo apaziguava o gentio no litoral
entre o Maranhão e o Pará. — Em 1620 foi designado para governar o Maranhão D. Diogo de
Cárcome, espanhol casado em Lisboa: desistiu da viagem, e assim Diogo da Costa administrou
por três anos. O códice 32 do liv. de Consultas da Fazenda, f. 4, 1620, ms. no Arq. Hist. Col.,
contém a nomeação do castelhano.

112 O sucessor de Gaspar de Sousa empossou-se em 1º de janeiro de 1617, Garcia, nota a


Varnhagen, v, p. 304. Foi o primeiro governador-geral a embrenhar-se pelo interior. Esteve em
São Cristóvão de Sergipe (com Martim de Sá e seu lho Salvador Correia, Constantino de
Menelau, o jovem Francisco Dias de Ávila), em 1619, a veri car pessoalmente a verdade das
minas de prata de Belchior Dias Moréia, cf. documentos que revelamos em: O segredo das
minas de prata, Rio, 1950.

113 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 37. Fora residir em Pernambuco, “como se lhe
tinha ordenado a respeito da proximidade das conquistas”.

114 Livro de consultas, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inéd. Essas casas de pedra e cal
ameaçavam cair ao tempo de Diogo de Mendonça Furtado, Fr. Vicente do Salvador, História do
Brasil, p. 507. Em 1623 estavam consertadas, assim “as casas da Relação, contos e armazéns”,
Docs. hist., xx, p. 48.

115 Frei Vicente, Hist. do Bras., p. 490.

116 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 42. Em 16 de fevereiro de 1619 estranhava el-rei
que D. Luís de Sousa não estivesse de volta à Bahia, Anais do Museu Paulista, cit., p. 89.

117 V. Livro de denunciações que se zeram na visitação do Santo Ofício à cidade do


Salvador, 1618, publ. por Rodolfo Garcia, Anais da Biblioteca Nacional. Rio: 1936, xlix, p. 27.
Na Torre do Tombo achamos o Livro das con ssões de 1618, considerado perdido. Vasco de
Sousa Paredes, por data de 16 de março de 1619, foi mandado ir ao reino comandando a
armada. Tratou-se então da “criação no Brasil de um Tribunal do Santo Ofício”, Oliveira Lima,
Manuscritos... no Museu Britânico, p. 21, o que não teve seguimento. A nomeação de D.
Marcos Teixeira para o bispado foi para compensar essa tolerância. De fato, a Inquisição não
levantou fogueira no Brasil, onde não chegou a fazer executar as suas sentenças. Em 1610, diz-
nos Pyrard de Laval, temia-se na Bahia a sua volta... Voltou em 1618. O Brasil, como terra de
degredo para penitenciados, aparece depois de 1632, ms. na Torre do Tombo, Santo Ofício.

118 Doc. in Anais do Museu Paulista, ii, parte ii, p. 12.

119 P. Calmon, História da Casa da Torre. Rio: 1939, p. 48; e A conquista: história das
bandeiras baianas. Rio: 1929, p. 61.

120 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 42. Repetimos: onde se lê Moréia, leia-se
Caramuru. Graças ao códice do governo de D. Luís de Sousa, n. 1, a que aliás ligeiramente se
reportou Robert Southey, ora na biblioteca do Itamarati (Rio), podemos restaurar a verdade em
torno das lendárias minas. Lá estão os originais do punho de Belchior Dias. Deste Livro i do
dito D. Luís, fez bela edição (1958) o Ministério do Exterior.

121 P. Calmon, O segredo das minas de prata, p. 36.

122 P. Calmon, ibid., p. 43.


É
123 É o doc. inédito que transcrevemos no citado livro.

124 Albino Forjaz de Sampaio, Salvador Correia de Sá e Benavides. Lisboa: 1936, p. 7. A ata,
que regista o insucesso da pesquisa, traduzimo-la do manuscrito quase ilegível que se conserva
naquele códice do Itamarati.

125 Belchior Dias Moréia, batizado em 1557, teria então 62 anos, Jaboatão, Cat. gen., tít.
Caramuru, e Roque Luís, Nobiliarquia, códice ms. na Bibl. Nac. Os códices que historiam o
episódio (além do Livro 1º do governo de D. Luís de Sousa, por nós referido), são do Coronel
Pedro Barbosa Leal, ms. no Inst. Hist. e Geogr. Bras., 1725; e a carta de 1752 do Coronel Pedro
Leolino Mariz, Anais da Bibl. Nac., xxxi. Filho de Moréia (ou Caramuru) e uma índia, Robério
Dias — devido ao equívoco de Rocha Pita, que o apresenta como herói desta história — gozou
muito tempo da desmedida fama de ser o descobridor das minas de prata. A posteridade
tomara o lho pelo pai. Pensamos ter elucidado satisfatoriamente este enigma histórico na
monogra a, O segredo das minas de prata, Rio, 1950, tese de concurso à cadeira de história no
Colégio D. Pedro ii.

126 Ofício de Von Walbeck, de 1633, in nota de Garcia a Varnhagen, ii, p. 222.

127 João de Carvalho Maranhão, por exemplo, autor da História do naufrágio da Nau
Conceição, em 1621, disse: “No Brasil, indo por terra do Rio Grande até a Paraíba e
Pernambuco, e daí à Bahia, estando em todos os lugares”, Viagens e naufrágios célebres, publ.
por Damião Peres. Porto: 1934, i, p. 84.

128 Em sucessão do pai, Jorge de Albuquerque foi con rmado na donataria em 2 de julho de
1603. Elevado a Conde de Pernambuco por Filipe iii, em 1632, e Conde de Basto por seu
casamento, Duarte de Albuquerque cou com a Espanha, em 1640, separando-se da pátria — e
do irmão, Matias de Albuquerque, v. Sanches de Baena, Famílias titulares e grandes de Portugal,
i, p. 257. De um papel de Manuel Severim de Faria, de 1649: “Permitiu Deus que o Conde de
Vimioso, D. Francisco, perdesse a vida e a casa defendendo a liberdade de Portugal, e que o
Conde de Basto e o Marquês de Castelo Rodrigo ganhassem estes títulos entregando o mesmo
reino [...] e a de Vimioso se restaurasse pela mesma valia do Conde de Basto, que casou sua
lha com D. Luís”, 7º conde, Camilo Castelo Branco, Noites de insônia. Porto: 1874, n. 7, p. 63.

129 Carta da câmara a el-rei, 13 de março de 1614, em que noticiou a desventura de Baltasar
de Aragão, ms. no Arq. Hist. Col., Papéis avulsos, Lisboa.

130 Fr. Vicente, ibid., pp. 494–5. O governador-geral queixou-se de desobediências de


Matias de Albuquerque, cf. carta régia de 10 de fevereiro de 1621, Anais do Museu Paulista, iii,
parte ii, p. 115.

131 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 47.

132 É pormenor desse interesse o número de re narias de açúcar que havia na Holanda.
Moerbeeck a elas se refere, no opúsculo de 1623, que adiante citamos. Três em 1605, subiam a
40 em 1650, v. José Honório Rodrigues, nota à p. 36 da dita memória. Também Von Lippmann,
História do açúcar. Rio: 1942, ii, pp. 239 e ss., trad. Rodolfo Coutinho.
133 Era a esquadra de Joris van Spilbergen, que, em 1615, ia ao Pací co, Varnhagen, ii, p. 226
e Frei Vicente, Hist. do Bras., p. 491.

134 Ingleses e holandeses foram batidos em Cabo Frio por Constantino de Menelau, cf. carta
deste de 1613, nota de Garcia a Varnhagen, ii, p. 224. A franceses refere-se Frei Vicente, op. cit.,
p. 491; também Sousa Viterbo, Trabalhos náuticos portugueses nos séculos xvi e xvii. Lisboa:
1898, p. 233. À rendição de uma nau-almirante holandesa em Cabo Frio, entre 1618 e 22, alude
a patente de João Garcia de Magalhães, Docs. hist., xxii, p. 71. Um desembarque de holandeses,
de três naus, no mesmo sítio, foi frustrado em 1630: morreram 130, patente de Luís Álvares
Monterroyo, Docs. hist., xviii, p. 402. Menelau pedira para servir no Rio de Janeiro em tempo
de D. Francisco de Sousa, ms. no Jornal do Comércio, 5 de outubro de 1930, comentado por
Félix Pacheco. Tomé Pinheiro da Veiga em Fastigímia, Porto, 1911, p. 195, no-lo apresenta em
Madri, por 1606: “Meu compadre Constantino de Menelau [...]”, espirituoso e nobre. Jaboatão,
Catálogo genealógico, p. 204, diz que “Constantino de Menelau” foi o 4º marido de D. Felícia
Lobo, na Bahia. O fato é que por D. Diogo de Meneses fora nomeado capitão do Espírito Santo,
8 de fevereiro de 1609, v. Garcia, nota a Varnhagen, op. cit., ii, p. 224 e Fr. Vicente, ibid., pp. 490
e 550.

135 Livro de mercês gerais n. 1, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inéd. Vê-se que não há razão
para dizer que Matias era capitão instituído pelo irmão Duarte, o donatário. A nomeação foi do
rei. Chamava-se Paulo. Tomou o nome de Matias de Albuquerque por ter sido bene ciado pelo
parente, que fora vice-rei da Índia e assim se chamava, administrador do morgado, cf.
Braamcamp Freire, cit. na Hist. da col. port., iii, p. 197. Sobre o bravo capitão, v. mais, Hélio
Viana, Matias de Albuquerque. Rio: 1944, pp. 14 e ss.

136 Frei Vicente, Hist. do Bras., p. 495.

137 Provedor em favor de D. Maria Figueira, 1659, Docs. hist., xxi, p. 226.

138 Prosopopéia, ed. da Academia Brasileira, p. 39. Conserva-se no Instituto Arqueológico


Pernambucano o original da “planta do forte real que Matias de Albuquerque mandou pôr no
porto de Pernambuco em dezembro de 1629, pelo arquiteto Cristóvão Álvares”.

139 Fr. Vicente, ibid., p. 496.

140 Fr. Vicente, ibid., p. 495. Os dois “sobreviventes” seriam Antão de Mesquita e Rui
Mendes de Abreu.

141 Licenciado em cânones, fora D. Marcos um dos inquisidores em Évora, em 1607, docs.
mss. m Arq. Hist. Col., Lisboa; lente de Coimbra (1608–11), de Clementinas, depois cônego
doutoral de Évora, 14 de março de 1611, Francisco Leitão Ferreira, Alfabeto dos lentes da
Insigne Universidade de Coimbra. Coimbra: 1937, p. 306. Em 1620 o vice-rei remeteu ao
Conselho da Fazenda a petição do Dr. Marcos Teixeira (sic) sobre as bulas em Roma da Igreja
do Brasil e o custo pela Real Fazenda pois S. M. recebe os dízimos dela, despacho de 11 de abril
de 1620, Livro de mercês gerais, f. 48, ms. no mesmo Arq. Hist. Col., também inéd. Partiu para
assumir o bispado (vindo portanto pela segunda vez ao Brasil), em novembro de 1622, Garcia,
nota a Varnhagen, ibid., ii, p. 22.
142 Ms. no Arq. Hist. Col., Papéis avulsos, inéd. A carta refere-se aos estudos do
engenheiro-mor Francisco de Frias. Acompanha-a um parecer sobre a forti cação e a
di culdade de se encarregar Pero Garcia das obras.

143 Fr. Vicente, op. cit., p. 506. Sobre o imposto, representação dos procuradores de
Pernambuco, 1623, ms. no Arq. Hist. Col., Papéis avulsos. O pedreiro ou arquiteto dos paços do
governo e da Relação era, em 1623, Antônio Jorge Carrasco, Docs. hist., xx, p. 48.

144 Fr. Vicente, op. cit., loc. cit. Os fortes que tinham guarnição paga a este tempo eram: de
Itapagipe (Capitão Antônio de Crasto), este provido por D. Luís de Sousa, Docs. hist., xv, p. 11,
e Santo Antônio. O primeiro é o mesmo São Filipe, o outro, também chamado da Barra. Havia
ainda o de Santo Alberto, Docs. hist., xv, p. 144, plataforma no colégio com duas peças, cubelo
às portas do Carmo, na praia de Baltasar Ferraz duas peças, Relação das praças, 1609, ms. na
Torre do Tombo. Em 1606, como dissemos, fora o engenheiro Frias incumbido de planejar a
forti cação, custeada pela renda do imposto dos vinhos. O engenheiro Tibúrcio Espanochi, que
traçara fortaleza ao tempo de Diogo Botelho, cf. Livro 1° do Governo do Brasil. Rio: 1958, p. 51.

145 Viriato trágico. Lisboa: 1846, canto ii, est. 165–71; a 1ª ed. é de 1699. Brás Garcia de
Mascarenhas levou nove anos ausente, como diz no poema, e regressou a Portugal com 33 anos
(nasceu em 1596 e faleceu em 1656): chegara portanto aos 24, ou fosse em 1620. Estava em
Pernambuco ao rebentar a guerra e nela serviu. Tornou ao reino em 1629. Veremos adiante a
sua opinião sobre Olinda. A respeito de suas atividades no Brasil, onde enriqueceu
comerciando, A. de Vasconcelos, in Revista da Universidade de Coimbra. Coimbra: 1912, i, pp.
316 e ss. Perdeu-se o livro de versos que aqui compôs, Ausências brasílicas.

146 V. Octave Noel, Histoire du Commerce du Monde. Paris: 1894, ii, p. 154; e por último, C.
R. Boxer, e Dutch in Brazil. Oxford: 1957, pp. 4 e ss.

147 Folheto de Amsterdã, 1623, Jan Andries Moerbeeck, Motivos por que a Companhia das
Índias Ocidentais deve tentar tirar ao Rei de Espanha a terra do Brasil, v. Catálogo Nassoviano,
Anais da Bibl. Nac., li, p. 19. Publicou-o Brasil açucareiro. Rio: março de 1942, p. 39. Aí se
contém a crua explicação das conveniências da conquista, cujo principal lucro seria o açúcar.

148 Vale a pena comparar o pensamento econômico de Usselinx com o do padre Vieira —
de que falaremos — a convencer o Rei de Portugal de que a sua América valeria o Oriente,
bastando para tanto plantar no Brasil as drogas asiáticas.

149 Depois de se exagerar a participação dos judeus na conquista holandesa (segundo a


opinião contemporânea re etida nos versos de Lope de Vega, adiante citados), agora se diz que
foi bem menor, até mínima, conforme as pesquisas arquivísticas (Wätjen, van Dillen) — v. C. R.
Boxer, op. cit., pp. 10–1. Usselinx, por exemplo, era um emigrante calvinista de Flandres... Mas
não se pode achar esse traço, na sua extensa verdade, entre as provas documentais ou a
contribuição pública, dos israelitas sócios da Companhia. A in uência consistia na dupla
pressão, dos meios nanceiros onde era grande a sua autoridade, e dos deslocados, que davam
toda sorte de informações sobre o Brasil. Dessa colaboração saiu porventura o pan eto decisivo
de Moerbeeck.

150 Códice de Castelo Melhor (ou Pernambuco), ms. na Biblioteca Nacional, Rio.
151 Dízimos da província do Brasil, ms. na Torre do Tombo, códice, s. 26–7.

152 Livro que dá razão do Estado do Brasil, códice ms. no Inst. Hist. e Geogr. Bras. —
Dividia-se a renda em 1601: Pernambuco, 12.528; Itamaracá, 398; Paraíba, 255; Rio Grande,
225; Bahia, 19.732; Espírito Santo, 253; Ilhéus, 40; Porto Seguro, 1.467. Sobre os dízimos em
1614, Carta da Bahia, de 22 de fevereiro de 1617, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inéd.; e Livro 1º
do governo do Brasil, p. 330.

153 Códice cit., segundo o qual os engenhos se distribuíam: Pernambuco, 150; Bahia, 80; Rio
de Janeiro, 60; Paraíba, 24; Itamaracá, 18; São Vicente, 14; Ilhéus, 4; Rio Grande e Sergipe, 2.

154 “Lista de tudo que o Brasil produziu anualmente”, 1624, trad. do Pe. Agostinho Keijzers e
José Honório Rodrigues, Rio, 1942. É outro folheto de Jan Andries Moerbeeck, Brasil
açucareiro, Rio, março de 1942.

155 Ms. no Arq. Hist. Col.

156 Vida de Fr. Bartolomeu dos Mártires, liv. i, cap. 26.

157 Ms. no Escurial, citado por Jaime Cortesão, A geogra a e a economia da Restauração.
Lisboa: 1940, p. 73.

158 São Tomé chegou a produzir 400 mil arrobas, que davam carga a 20 navios, quando o
gusano lhe devastou a plantação, doc. de 1621, Luciano Cordeiro, Questões histórico-coloniais.
Lisboa: 1935, i, p. 211. Quanto à Ilha da Madeira, sofrerá a escassez de lenha (de que já falava
João de Barros) e a peste do canavial (1502).

159 Fr. Vicente do Salvador, op. cit., p. 421.

160 Hist. do Bras., pp. 421–2.

161 Códice de Castelo Melhor, ms. cit. Livro 1º do gov. do Brasil, p. 34.

162 J. Lúcio d’Azevedo, Épocas de Portugal econômico, p. 265.

163 Anais de D. João iii, p. 453.

164 Livro das grandezas de Lisboa. Lisboa: 1620, p. 173.

165 Diálogos das grandezas do Brasil, ed. R. Garcia, p. 130. Roberto Simonsen explica:
“Esses 300 mil cruzados correspondem a 28 mil contos, em poder aquisitivo de hoje”, História
econômica do Brasil, i, p. 154. O Padre Antônio Vieira, em 1655, con rmou o cômputo: “Assim
se tiram da Índia 500 mil cruzados, de Angola duzentos, do Brasil trezentos, e até do pobre
Maranhão mais do que vale todo ele”, Sermão do bom ladrão, v, p. 84, ed. de 1909.

166 Tais encomendas signi cam pagamentos feitos em mercadoria. É dos Diálogos das
grandezas do Brasil o informe: “De mais não há nenhum morador em todo este Estado tão
desamparado que não tenha no reino algum parente ou amigo, a quem possa mandar seus
papéis dirigidos por apelação, e mandando juntamente com eles um caixão de açúcar, basta
para a sua despesa”, ed. Garcia, p. 57.
167 Livro das grandezas de Lisboa, p. 173. Só para Lisboa... Diz que em 1617 foram 26.413
caixas de 35 arrobas, ibid., p. 12.

168 Hermann Wätjen, O domínio colonial holandês no Brasil. São Paulo: 1938, p. 86, trad.
de Uchoa Cavalcanti.

169 “Framengo: como em Portugal viciosamente são chamados, sem distinção, todos os
estrangeiros”, D. Francisco Manuel de Melo, Epanáforas, p. 267.

170 Denunciações, de 1618: “[...] de nação que é passado a Flandres”, p. 112. Diogo
Gonçalves Lasso indo a Amsterdã (1612), encontrara o licenciado Antônio de Velasco e
Domingos Prestes, cristãos-velhos, e Manuel Homem, que lá se zera judeu e era casado na
Bahia, ibid., p. 89. “Eram saídos de Flandres 4 ou 5 mil volumes de Bíblias em linguagem
castelha”, p. 43. Francisco Ribeiro, casado na Paraíba, “tem parentes judeus em Holanda”, carta
régia de 1618, Anais do Museu Paulista, iii, parte iii, p. 77.

171 J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira. Lisboa: 1918, i, p. 80.

172 Jan Andries Moerbeeck, Motivos por que a Companhia das Índias Ocidentais deve
tentar tirar ao Rei de Espanha a terra do Brasil, trad. do Pe. Agostinho Keijzers e José Honório
Rodrigues, p. 19.

173 Hist. do Bras., p. 551.

174 É aliás a tese da comédia de Lope de Vega, El Brasil Restituido, a que não faltou a idéia
do “cavalo de Tróia”, v. Comédias americanas, de Lope, p. 188, ed. de Buenos Aires, 1943, com
prefácio de Menéndez y Pelayo. — Diz Netscher: “Antes de sair ao mar os almirantes holandeses
obtiveram sobre a situação política do Brasil informações as mais úteis por intermédio dos
judeus lá estabelecidos, e, que quase todos, desejavam ardentemente passar para a sujeição das
Províncias Unidas em virtude de sua tolerância em matéria religiosa”, op. cit., p. 14. No Museu
Britânico: “Consultas del aviso que envió Enrique Sinel de haber tenido parte los cristianos
nuevos de la perdida de Bahia”, setembro de 1624, Oliveira Lima, op. cit., p. 34. Quanto a
Francisco Duchs, nascera na Inglaterra, diz Aldenburg, trad. de D. Clemente da Silva Nigra,
Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxvi, p. 121.

175 Ao heróico Pieter Heyn chama Frei Vicente, Pero Peres, ibid., p. 511. O almirante “Jacon
Vilguis (sic) era muito velho” (Frei Vicente, ibid., p. 514), e “homem pací co”.

176 Vieira, “Sermão de Reis”, 1641: “Antes de se tomar a Bahia duas barcas de pescar com
cartas del-rei, que pela novidade da embarcação zeram o caso mais misterioso, e o aviso mais
notório: um mês antes a mesma capitania da armada holandesa sobre o morro [...] e nós com a
praça aberta, sem forti cação”, Sermões, ed. de 1907, ii, p. 67.

177 Frei Vicente, op. cit., p. 510. Duas palavras sobre esses capitães. Gonçalo Bezerra de
Mesquita, nomeado capitão em 27 de novembro de 1609, já então tinha 17 anos de serviços de
guerra no Brasil, Docs. hist., xiv, p. 490. Fora restituído a uma das capitanias do presídio da
Bahia em 1620, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 111. Rui Carvalho (Pinheiro), v.
Jaboatão, op. cit., p. 284. Seu lho e homônimo gurou na campanha de 1638. Lourenço de
Brito (Correia). V. Jaboatão, Catálogo, cit. Figurou dignamente na segunda guerra holandesa.
Foi provedor-mor da Fazenda e fez parte do governo em 1641: um dos principais sujeitos da
colônia. Distinguiu-se Vasco Carneiro na campanha subseqüente.

178 Este Francisco de Barros, provedor-mor da Fazenda, faleceu em novembro de 1625,


sendo substituído no cargo por Ventura de Frias Salazar, Docs. hist., xiv, p. 478. O Forte de
Santo Antônio era comandado pelo tenente Salvador Vieira, que fugiu para o sertão, donde não
voltou, Livro velho do Tombo de São Bento, p. 243.

179 Casara-se Pedro Garcia com a viúva de Baltasar de Aragão, o Bangala. Era um dos mais
ricos habitantes do país, v. Denunciações da Bahia, ed. R. Garcia; e Jaboatão, Catálogo
genealógico, citado.

180 Sobre o neto de Garcia d’Ávila, nossa História da Casa da Torre. Rio: Livraria José
Olympio Editora, 1958, 2ª ed. No Rio Vermelho houve arraial, como se vê de certidão de
Antônio Teixeira, Docs. hist., xv, p. 78. A descrição da retirada, na Ânua da Companhia, 1626,
que é do Pe. Antônio Vieira. Ali os jesuítas tinham ermida desde 1556, cf. Nóbrega, Cartas
avulsas, p. 158, ed. da Acad. Bras. “A Torre de Garcia d’Ávila tem este nome por ter uma casa
mais alta”, Vieira, “Papel forte” (1647), in Obras escolhidas, Clássicos Sá da Costa, iii, p. 87.

181 Frei Vicente, ibid., p. 513; Wätjen, op. cit., p. 89. Mandados para Holanda foram estes e
mais o Provincial dos jesuítas, Domingos Coelho, e os padres João d’Oliva, Manuel Tendrero,
Antônio de Matos e Gaspar Ferreira, o negociante Pedro da Cunha, irmãos Manuel Martins,
Antônio Rodrigues. Agostinho Coelho e Agostinho Luís, cf. gravura holandesa, Garcia, nota a
Varnhagen, ii, p. 260.

182 História Antipodum, 1631, trad. por D. Clemente da Silva Nigra, Anais do Arq. Públ. da
Bahia, xxvi, p. 111.

183 V. Jaboatão, Cat. gen., p. 419. Em São Francisco de Itapoã (terra dada aos beneditinos
por Garcia d’Ávila, o velho) foi que o Ouvidor-geral Antão de Mesquita e os vereadores Brás da
Costa e Diogo da Silva empossaram, a 24 de setembro de 1624, o Capitão-general Francisco
Nunes Marinho, Rev. do Arq. do Mun. da Bahia, n. 7, p. 170.

184 André Padilha e o lho Francisco pelejaram bravamente. Tivera o primeiro sesmaria de
duas léguas junto da cidade, em 1612, publ. do Arq. Nac., xxvii, p. 37. Sobre a genealogia,
Jaboatão, ibid., pp. 175–6, aliás, omisso. Pensamos que era Francisco Ribeiro, lho de Antônio
Ribeiro e Maria de Argôlo.

185 V. Denunciações de 1618, ed. Garcia; Jaboatão, op. cit., p. 159. O seu engenho serviu de
forti cações a Nassau em 1638. Era ainda vereador em 1641, Atas, mss. no Arq. Municipal da
Bahia.

186 V. Jaboatão, Cat. gen., p. 325.

187 Francisco de Crasto, v. Jaboatão, ibid.; tinha sido escrivão da Misericórdia antes da
invasão, Livro do Tombo, ms. no arq. desta; vereador em 1629–30, Borges de Barbos, O Senado
da Câmara da Bahia no século xvii, pp. 5 e 11, e vivia em lodo, quando informou sobre os
negócios antigos da Santa Casa, A. J. Damazio, Tombamento etc. Bahia: 1861, p. 68.

188 Docs. hist., xvii, p. 36.


189 Como governador-geral do Brasil se assina Matias de Albuquerque, em 14 de novembro
de 1625, ms. in Livro i do Tombo de São Bento da Bahia. Invocando o mesmo título, passou a
provisão de capitão-general a Francisco Nunes Marinho d’Eça. Esta é de Olinda, 26 de julho de
1624 e vem na Revista do Arquivo do Município da Bahia, n. 7, s. 169–70, julho de 1901.

190 “Ainda que o Capitão-mor Francisco Nunes Marinho era velho”, Fr. Vicente, ibid., p. 542.
Fora nomeado provedor-mor da Fazenda do Estado do Brasil, por três anos e já aqui estava em
2 de maio de 1620, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa.

191 Foi sepultado na capela da Conceição do Engenho da cidade, Itapagipe de Cima, Garcia,
nota a Varnhagen, ii, p. 235. Perdeu-se a memória desse túmulo.

192 Filho de Filipe de Moura, portanto neto de Filipe Cavalcanti e por sua mãe, de Jerônimo
de Albuquerque, Varnhagen, ibid., i, p. 489. Em 1639 cuidou D. Francisco de Moura da defesa
de Angola. Foi despachado por alvará de 10 de setembro de 1624, com ordenado, “como teve
Manuel Mascarenhas Homem e Alexandre de Moura”, Docs. hist., xv, p. 73. Deve ter falecido
em 1641, ano em que o governador Conde de Óbidos, seu testamenteiro, reclamou o
pagamento de 1:870$880, que lhe deviam de soldos do Brasil, Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 253. A
D. Francisco de Moura dedicou Diogo Bernardes a carta vi, O Lima. Lisboa: 1623, ii, p. 32.
Passara com ele à Bahia Filipe de Moura e Albuquerque, que foi alcaide-mor em 1664, Docs.
hist., xxi, p. 392.

193 Filho de Feliciano Coelho de Carvalho, era casado com D. Brites de Albuquerque, lha
de Antônio Cavalcanti de Albuquerque e Isabel de Góis, naturais de Pernambuco, Ementas de
habilitações, Bibl. Nac., Lisboa, p. 33. Foi pai de Antônio de Albuquerque Coelho, que também
governou o Maranhão.

194 Conta o autor da Arte de furtar, ed. da Comp. Melhoramentos de São Paulo, p. 106, que
“na restauração da Bahia entregou o monarca 2 ou 3 milhões a D. Fadrique de Toledo para as
despesas da guerra”. Sobre este, Duque de Alba, Contribuición de España a la defensa de la
civilización en America durante las guerras holandesas (conferência no Rio), Madri, 1950 —
com esclarecimento biográ co-genealógico.

195 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 225.

196 Lancerote da Franca é tronco de grande família, pai dos capitães Afonso (que veio com
Diogo Botelho, Docs. hist., xv, p. 142) e André Dias da Franca, Jaboatão, ibid., p. 243. Estava na
Bahia em 1617, Anais do Museu Paulista, iii, p. 68. Deu em Pernambuco notícia da armada
restauradora, Fr. Vicente, op. cit., p. 569.

197 Sermam que pregou o Pe. Fr. Gaspar d’Assunção, da Ordem dos pregadores, na Sé da
Bahia, na primeira missa que se disse quando se deram as primeiras graças públicas, entrada a
cidade, pela vitória alcançada aos holandeses a 1° de maio de 1625, Lisboa, 1625, ex. da
biblioteca do Sr. Antônio Alberto Marinho Duarte, de Lisboa, hoje do Estado.

198 Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxvii, p. 139. Entre os prisioneiros católicos resgatados
estava D. Francisco Sarmiento, que fora governador de Potosi, tomado pelos holandeses com o
navio e os bens, O Lima, Manuscritos, etc., p. 48.
199 Não há tradição de ser da Vitória (sobre os holandeses em 1625) a igreja desta invocação
entre o Forte de São Pedro e a Graça. Mas é positivo que a erigiu (ou à capela) o velho Francisco
de Barros, pois isto se lê na lápide existente: “Sepultura do Capitão Francisco de Barros,
fundador desta capela e igreja, e de seus herdeiros, faleceu a 17 de novembro de 1625”.
Indevidamente interpretou-se o milésimo, como “1621”. Mas em 1624 Francisco de Barros não
somente vivia, como exortava a sua gente a lutar (Fr. Vicente do Salvador) e, em seguida à
expulsão do inimigo, foi premiado com o cargo de provedor-mor da Fazenda. Coincide com a
data da pedra tumular a provisão, de 24 de novembro de 1625, que nomeou, na vaga deixada
pelo referido Capitão Francisco de Barros, de provedor-mor, Ventura de Frias Salazar, Docs.
hist., xiv, pp. 478–9. Gravura holandesa de 1624, que representa em per l a cidade e arredores,
indica a ermida de Santo Antônio (além da Barra) sem aludir à Igreja da Vitória, de que aliás
não fazem menção Gabriel Soares e os autores do século anterior, reconhece Teodoro Sampaio,
História da fundação da cidade do Salvador. Bahia: 1949, p. 278. O Padre Vieira no “Sermão de
Santo Antônio”, de 1638, portanto com o valor do testemunho, diz, “o primeiro templo que
levantou Portugal na Bahia, foi com o nome de Vitória” A versão corrente (a que nos referimos
na Hist. da fundação da Bahia, p. 101), dava-o como comemorativo da vitória sobre os índios,
em 1555.

200 V. Tomás Tamayo de Vargas, Restauración de la Ciudad del Salvador, Madri, 1628 (fonte
essencial para a narração); D. Manuel de Meneses, “Recuperação da cidade da Bahia”, Rev. do
Inst. Hist., xxii, pp. 357–527; Pe. Bartolomeu Guerreiro, S. J., Jornada dos Vassalos... (com mapa
da praça), Lisboa, 1625; Juan Antonio Correa, Perdida y Restauración de la Bahia..., comédia
em versos, 1625, Bibl. Nac. de Madri; Relação verdadeira de todo o procedido..., Lisboa, 1625;
Juan de Valencia y Guzmán, Compendio Historial de la Jornada del Brasil, Col. de Docs.
Inéditos para a Hist. de España, 1870; Bartolomé Rodríguez de Burgos, Relación de la
Jornada..., Cádis, 1625; Avendano y Vilela, Relaçam do dia em que as armadas, etc., Lisboa,
1625 (os últimos apontados por Maggs Bros., Biblioteca Americana, parte iv, Londres, 1925).
Em New York Library vimos La défaite navale de trois mil tant espagnols que portugais, mis et
taillez en pièces à la Baya..., Paris, 1625; na Biblioteca Nacional de Paris, D. Lorenzo Vander
Hamen e León, Historia de la Restauración de la Bahia, in História Tópica, ms. Até no México:
Refriega que el Marqués de Vila Real, etc., México, 1626, n. 117 do Catalogue 52, de H. P. Kraus,
Nova York, 1949.

201 A comédia de Lope de Vega, in Obras completas, organizadas por Menéndez y Pelayo,
tem a originalidade de representar o Brasil, pela primeira vez, crê João Ribeiro, como um índio,
v. Ivan Lins, Lope de Vega. Rio: 1935, p. 170. Sobre as fontes da peça, Fidelino de Figueiredo,
Rev. do Arq. Mun. de São Paulo, l, p. 26. A tela de Maino, a única sobre o Brasil no Prado,
alegórica, constitui respeitável documento sentimental.

202 Miralles, História militar do Brasil, p. 23. Mais três companhias havia em 1628, quando
o governador reformou quatro, Docs. hist., xv, p. 209. A patente do sargento-mor, Docs. hist.,
xiv, p. 474. Alguns dos capitães do Terço deixado por D. Fadrique aparecem distintamente na
guerra holandesa de Pernambuco. Em geral, foram aproveitados os que se tinham destacado na
retomada da praça, como Francisco Padilha, Manuel Gonçalves...

203 Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxvii, p. 140.


204 Anais do Arq. Públ. da Bahia, xiv, p. 7 (cit. de F. Borges de Barros). A receita dos dízimos
indica o decréscimo: em 1626 (metade do rendimento antigo) 38.500 cruzados; 1628, 30.500;
em 1633 (melhoria local, após a perda de Pernambuco e do seu açúcar), 44 mil...

205 Anais do Museu Paulista, i, parte ii, p. 168.

206 Atas da Câmara da Bahia. Bahia: 1945, i, p. 25. Ainda em 1629 o bispo pedia alfaias para
a Sé, que fora saqueada, Anais da Bibl. Nac., lvii, p. 89.

207 Docs. hist., xv, pp. 66–7. O Desembargador Antão de Mesquita cou por ouvidor-geral.
O autor dos Diálogos das grandezas mostrara, em 1618, a inutilidade do tribunal. Há curiosa
coincidência de razões entre este e Diogo do Couto, O soldado prático, p. 157, ed. R. Lapa,
censurando a Relação de Goa. Na terra, nada cou da passagem dos invasores, a não ser a
abertura dos fossos, numa tentativa de cercar de água a colina da cidade, aliás infrutífera. O que
deles se conserva é o sino da câmara municipal (recolhido hoje ao museu do Estado), que tem o
seguinte dístico: “Hendrick Wegewart de Inge made-mi in Deventer anno 1615”. Foi certamente
o sino por eles colocado na torre do paço municipal, que ali continuou, conservado como um
troféu — a convocar a população para os atos públicos.

208 É a data em que cessam os ordenados de D. Francisco de Moura, Docs. hist., xv, p. 76.
Miralles diz: 27 de dezembro, op. cit., p. 138. Diogo Luís fora mestre-de-campo em Flandres,
Frei Vicente, op. cit., p. 614 e Garcia, nota a Varnhagen, ii, pp. 244–5. Acrescenta D. Francisco
Manuel: foi seis anos mestre-de-campo em Flandres e depois do governo do Brasil mestre-de-
campo-general na guerra de Espanha, contra a França, em 1637, “o primeiro que em Castela
com tal título capitaneou exércitos”, Epanáforas, p. 179. Na Bahia deu sepultura no Carmo a seu
irmão, o morgado de Oliveira, morto em 1625, Fr. Vicente do Salvador, op. cit., p. 615. Há na
Biblioteca da Ajuda (Lisboa) queixa de Lourenço de Brito Correia, “de vexações, opressões
públicas, injustiças e roubos que Diogo Luís de Oliveira, governador do Brasil, cometeu naquele
estado”, in Brasília. Coimbra: 1942, i, p. 273.

209 Docs. hist., xv, p. 86. Foi Diogo Luís que pediu a vinda de D. Vasco, futuro Conde de
Óbidos, Manuscritos... do Museu Britânico, p. 23.

210 Fr. Vicente do Salvador, ibid., p. 615.

211 Docs. hist., xv, p. 151.

212 Anais do Museu Paulista, ii, parte ii, pp. 18–9. Do famoso corsário (1589–660) há no
Museu de Amsterdã o retrato de Jan Dermon Cool.

213 “E sendo mandado pelo Governador-geral Diogo Luís de Oliveira com a sua companhia
a socorrer uns navios que do porto se retiraram, indo a ele segunda vez uma esquadra
holandesa, o ano de 1627 ser morto em um dos ditos navios em defensão dele fazendo seu
dever, e car sua mulher Joana Teles pobre com um lho e uma lha”, diz a prov. de 8 de janeiro
de 1630. Concedeu à viúva de Francisco Padilha a tença de 40$000 cada ano, Docs. hist., xvi, p.
194, que perdeu em 1634 por casar com João Borges de Escobar, escrivão do tesouro e depois
da ouvidoria, Jaboatão, Cat. gen., p. 176.
214 Docs. hist., xv, p. 154. Superintendente das obras foi Francisco Pereira, Docs. hist., xv, p.
178, entre 1628 e 31. Encarregado da pólvora, Francisco Alves, ibid., xv, p. 181.

215 Docs. hist., xv, p. 175.

216 22 de março de 1629, Docs. hist., xv, pp. 251–6.

217 Docs. hist., xv, p. 333.

218 Provisão de 24 de julho de 1629, Docs. hist., xv, p. 359.

219 Docs. hist., xv, p. 355.

220 Carta régia de 3 de junho de 1627 tratara do oferecimento de Tristão de Mendonça para
armar 18 navios de guarda às frotas, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 122.

221 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, pp. 123–4.

222 Frei Manuel Calado, O valeroso Lucideno, parte i, p. 8, Lisboa, o cina de Domingos
Carneiro. E sobre este cronista, José Antônio Gonsalves de Melo, Frei Manuel Calado do
Salvador, Recife, 1954.

223 V. carta de Matias de Albuquerque, 18 de fevereiro de 1630, Garcia, nota a Varnhagen, ii,
p. 337.

224 No Viriato trágico descreveu o poeta, que conheceu Pernambuco ao tempo da invasão:
“Navegando sua costa desejoso/ De saber estranhezas não sabidas,/ Naufrágio padeci tão
lastimoso,/ Que entre muitos salvamos poucas vidas,/ Escarmentado mais que curioso,/ Tendo
as colônias já reconhecidas,/ Na de Olinda parei, tendo a de Olinda/ Por maior, por melhor e
por mais linda” (op. cit., canto xv, est. 50). Camilo, Luta de gigantes, 5ª ed., p. 27, diz: “Brás
Garcia, no posto de alferes, militou nove anos, praticando singulares feitos de intrepidez”.

225 O valeroso Lucideno e triunfo da liberdade, parte i, p. 9.

226 Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 278.

227 Era lho de Lancerote da Franca (como dissemos), de boa gente de Ceuta, Ementas de
habilitações de ordens militares. Lisboa: Bibl. Nac., p. 40.

228 Segundo Matias de Albuquerque, carta citada, os seus homens eram até mil a pé e 200
de cavalo, estimando em 4 a 5 mil os inimigos. Diz que ao ordenar o ataque à vanguarda que
atravessava o rio lhe fugiram, cando “alguma pouca gente”. Esse derrotismo indica a
desigualdade de sentimentos ao primeiro choque — como sucedera na Bahia. A resistência
apurou a delidade à terra, à religião e a Portugal dos verdadeiros “portugueses” — em ambas
as capitanias.

229 Carta cit., Varnhagen, ii, p. 339.

230 Frei Manuel Calado, Valeroso Lucideno, p. 26.

231 Certidões in Magalhães Basto, Poeira dos arquivos. Porto: 1935, pp. 152–3.
232 O Capitão Antônio de Lima, comandante do Forte de São Jorge, foi preso, depois de
entregue pelo inimigo, e mandado processar na Bahia, cf. carta régia de 25 de outubro de 1630,
Docs. hist., xv, p. 414. Há uma Relaçam verdadeira e breve da tomada da Vila de Olinda e lugar
do Recife na costa do Brasil pelos rebeldes de Holanda, tirada de uma carta que escreveu um
religioso de muita autoridade — consultamos o ex. de New York Library. Do mesmo ano é
Beschreibung — welcher gestalt die haupstatt dess Konigreichs Brasilien — Pernambuco — in
America... von dem Herrn Heinrich Cornelio Lonch, general zu Wasser und Land... 1630, ex.
no Inst. Hist. e Arqueológico de Pernambuco (primeiro histórico da capitulação).

233 600 portugueses e 200 castelhanos, sob o comando do Mestre-de-campo D. Cristóvão


Mexia Bocanegra, formaram o Terço Novo da Bahia, cf. prov. de 9 de set. de 1631, Docs. hist.,
xv, p. 458. Aí os nomes dos o ciais, alguns notáveis depois, como o Sargento-mor D. Fernando
de Luduenha, e Antônio de Brito de Castro. O Terço ia ser embarcado para Flandres, D.
Francisco Manuel, Epanáforas, p. 180. No Museu Britânico há um papel de 1630,
Inconbenientes que se ofrezen en la jornada y socorro de Pernambuco, O. Lima, op. cit., p. 69.

234 Nada mais falso do que a frase atribuída a Adrião Pater: “O oceano é o túmulo digno de
um almirante batavo”. É apenas literatura. Frei Rafael de Jesus: “[...] amortalhado na honra se
sepultou vivo nas ondas”, Castrioto lusitano, p. 66, Lisboa, 1679. “Envolto no estandarte [...]”,
Frei Manuel Calado, O valeroso Lucideno, p. 13, teria dito: “Muy gran soldado es D. Antônio de
Oquendo”. Rocha Pita, op. cit., p. 181, repete os dois autores, e acrescenta: “[...] querendo
poupar os mausoléus, escondesse no profundo do oceano o seu cadáver”. Mas Frei Giuseppe di
Santa Teresa inventou: “[...] si gettò barbaramente nell’onde, dicendo che solo tutto l’Oceano era
degno tumulo del suo invitto cuore”, Istoria delle Guerre del Regno del Brasile, p. 115, Roma,
1698. Alphonse de Beauchamp coucluiu a frase completando o mito: “L’océan est le seul
tombeau digne d’un Amiral Batave!”, Hist. du Brésil, 1815, cit. por R. Gabola, nota a Varnhagen,
ii, p. 342. Os autores holandeses não contribuíram para a lenda...

235 Houve conselho no dia 13, decidindo-se mandar o galeão dos Prazeres Major, que fazia
água, consertar na Bahia, Docs. hist., xvi, p. 5. Este era fretado por 114$000 por mês, ibid., p. 6.
Diz o licenciado Manuel de Morais, “Resposta que deu, etc.”, Anais do Museu Paulista, i, parte
ii, p. 17, que os galeões espanhóis não combateram devidamente por irem muito carregados de
caixas de açúcar.

236 Docs. hist., xvi, pp. 39–41. O preço xo foi de $320 pela medida corrente, que era de
dois alqueires, op. cit., p. 43.

237 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 214. Proibiu-se depois que navegassem
caravelas, por serem navios de pouco armamento, devendo ir em seu lugar naus e galeões. O
Padre Vieira vangloriou-se: “Fui eu a causa, de que, as nossas caravelas se convertessem em tão
poderosas e bem armadas naus, aconselhando D. João iv a queimar 39 que estavam no Tejo”,
Sermões, xiii, p. 350.

238 Itamaracá prosperara. Sabemos pelo Códice de Castelo Melhor, ms. cit., que em 1609 lá
carregavam quatro navios e o dízimo fora arrendado por 7 mil escudos, subindo a 300 mil
cruzados o valor do seu comércio vinte anos depois. Teria 18 engenhos. Custava à Coroa cada
ano 605$840.

239 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 136.


240 Varnhagen, op. cit., ii, p. 290. Banholo era homem de con ança del-rei e seu
“observador” nessa guerra, tanto que, constando a desavença, mandou (carta de 17 de março de
1632) “saiba Matias de Albuquerque por caminho con dente e em direito que convém a meu
serviço a conformidade”, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 151. Noutra ordem: “[...] e
comunicando tudo com o Conde de Banholo”.

241 H. Wätjen, op. cit., p. 114. É pelos quadros de Franz Post que podemos ver o estado em
que cou Olinda, com as igrejas destroçadas. Algumas conservam em parte a fachada primitiva.
Assim a dos jesuítas (hoje seminário, restaurada em 1661), a do Carmo...

242 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 224. A bibliogra a vulgarizada das lutas
holandesas consiste nos livros de Fr. Manuel Calado, O valeroso Lucideno, Lisboa, 1648 e 1668;
Duarte de Albuquerque, Memórias diárias da guerra do Brasil (que serviu a Francisco de Brito
Freire para a História da guerra brasílica, 1675); D. Francisco Manuel, Epanáfora quinta, 1660;
Fr. Rafael de Jesus, Castrioto lusitano, 1679; Diogo Lopes de Santiago, História da guerra de
Pernambuco, Rev. do Inst. Hist., vol. 38 e Recife, 1943; Fr. Giuseppe di Santa Teresa, Istoria delle
guerre..., 1699, sem originalidade; os amengos Gaspar van Baerle (Barlaeus), João Nieuhof,
João de Laet, o borgonhês Pierre Moreau, Netscher (1853), o nosso Varnhagen (1867), os
modernos, entre estes Hermann Wätjen, citados em notas de pé de página, fora o documentário
de referência obrigatória, e as monogra as que o valorizam, num acervo enorme.

243 Anais de D. João iii, cit. V. o resumo das condições do Brasil (1647), no “Papel forte”, do
Padre Antônio Vieira, Obras escolhidas, Clássicos Sá da Costa, iii, pp. 84–7.

244 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 193.

245 Manuel Álvares Deus-Dará, lho de Antônio Álvares de La Penha, natural de Braga,
empregara mais de 10 mil cruzados em levar farinhas da Paraíba para o Arraial, por entre
barcos inimigos, em 1630, Livro de mercês gerais, f. 350, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. Foi
título que alegou para ter o lho, Simão Álvares, o lugar de provedor da Fazenda, como
diremos.

246 V. Anais da Bibl. Nac., li, p. 101. O forte é de 1616, Liv. 1º do Gov., citado. O atual de
Santa Catarina tem sobre o portal a pedra quebrada, em que ainda se lê a data da reconstrução,
1712. Infelizmente o mar destruiu parte dessa grande obra, cujas ruínas suscitam admiração
(como a vimos em julho de 1949).

247 Docs. hist., xvi, p. 87 (prov. de 1632).

248 João de Lira Tavares, Pontos de história pátria: Paraíba. Paraíba: 1912, p. 60.

249 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 154. Há o opúsculo de Frei Paulo do Rosário,
Lisboa, 1632: Relaçam breve e verdadeira da memorável vitória que houve o capitão-mor de
capitania de Paraíba, Antônio de Albuquerque dos rebeldes de Holanda, que são vinte naus de
guerra e vinte e sete lanchas: pretenderam ocupar esta praça de Sua Majestade, trazendo nela
para o efeito dois mil homens de guerra escolhidos afora gente do mar.

250 O Forte de Cabedelo, reconstruído em 1630, por Antônio de Albuquerque, Anais do


Museu Paulista, iii, parte ii, p. 139, tinha guarnição ordinária de 20 soldados, cf. a folha do
Estado, de 1626, Docs. hist., xv, p. 52. A despesa da Paraíba era então de 2:069$381 (vigário,
capitão-mor, capitão do forte, provedor da Fazenda, etc.). Rendia 100 mil escudos. Os dízimos
tinham sido aí arrendados em 1609 por 80 mil cruzados, cf. Códice pernambucano, ms. na Bibl.
Nac. (de 1627?). Tinha no porto em média cinco navios carregando. E 24 engenhos de açúcar
(o Pe. Cardim indicara apenas um).

251 V. carta do capitão-mor da Paraíba, 3 de janeiro de 1634, Anais do Museu Paulista, iii,
parte ii, p. 125. O forte defronte de Cabedelo foi feito a expensas de Domingos de Almeida,
Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 207.

252 Anais, cit., p. 452.

253 A. Tavares de Lira, Notas históricas sobre o Rio Grande do Norte. Rio: 1918, p. 108.

254 Docs. hist., xv, pp. 65–7.

255 Em 1609 os dízimos do Rio Grande tinham sido arrendados por 500 cruzados: rendia a
capitania 700 escudos, Códice Pernambuco, ms. cit. — “Sem fazer menção da consignação que
nas mesmas rendas da capitania da Paraíba tem a do Rio Grande pelas folhas ordinárias”, prov.
do governador-geral, 1633, Docs. hist., xvi, p. 88. — Sete ou oito aldeias e uns 6 mil índios,
havia no Rio Grande em 1607, visitados por dois jesuítas, cf. documento in Pe. Sera m Leite,
Hist. da Comp. de Jesus, i, p. 558.

256 Tavares de Lira, op. cit., p. 112. Leia-se, de João d’Albuquerque Maranhão, História da
casa de Cunhaú, Recife, 1956; e de Luís da Câmara Cascudo, História do Rio Grande do Norte,
Rio, 1955.

257 Diálogos das grandezas do Brasil, ed. R. Garcia, p. 43.

258 Gaspar Barleo, Hist. do Bras., sob o governo de Maurício de Nassau, p. 138; J. F. de
Almeida Prado, Pernambuco e as capitanias do Brasil. São Paulo: 1941, ii, p. 262.

259 Doc. de 1630, in Tavares de Lira, op. cit., p. 140. Sobre o capítulo, Luís da Câmara
Cascudo, História do Rio Grande do Norte, p. 59.

260 V. Eugène Guérin, Ango et ses Pilotes, p. 24 (cit. por Afrânio Peixoto, Martim Soares
Moreno, p. 28).

261 Capistrano de Abreu, Rev. do Inst. do Ceará, xviii, p. 62. Domingos Lopes Lobo tinha
sido nomeado capitão do presídio do Ceará, 9 de setembro de 1617, Anais do Museu Paulista,
iii, parte ii, p. 44. Diz João Carvalho Mascarenhas, autor da relação do naufrágio da nau
Conceição, 1627: “No Brasil, indo por terra do Rio Grande até a Paraíba e Pernambuco, e daí à
Bahia”, Viagens e naufrágios célebres. Porto: 1937, i, p. 84, ed. Damião Peres.

262 Livro de mercês gerais, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. Só em 1654 “foi começada a
construção da ermida da fortaleza de N. S.a da Assunção”, Studart, Rev. do Inst. do Ceará,
xxxvii, p. 187.

263 Fr. Luís de Sousa, op. cit., p. 452. Afrânio Peixoto, op. cit., p. 50, transcreve o parecer do
Conselho da Fazenda, 1629, contrário ao pedido do capitão-mor para que o Ceará fosse
desligado do Maranhão e unido ao Brasil.

264 Carta de 6 de fevereiro de 1627, Anais da Bibl. Nac., xxvi, p. 34.

265 Pedira que o Ceará fosse tirado do Estado do Maranhão passando para o do Brasil, o
que se lhe indeferiu, em 20 de março de 1626, Códice 38, s. 118–23, ms. no Arq. Hist. Col.,
cópia da Sra. Luísa Fonseca.

266 Capistrano, Rev. do Inst. do Ceará, xviii, p. 6.

267 Memórias diárias da guerra do Brasil, p. 49.

268 Em 1632 Domingos da Veiga isto previra, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 204. E
sobre o período, Guilherme Studart, Datas e fatos para a história do Ceará, Fortaleza, 1896.

269 Docs. hist., xv, p. 58. O valor do comércio das três capitanias, Maranhão, Ceará e Pará,
subia a 40 mil cruzados, Códice Pernambuco, ms. cit.

270 Garcia, nota a Varnhagen, ii, pp. 217–8.

271 Compendio y Descripción de las Indias Occidentales. Washington: Smithsonian


Miscellaneous Collections, 1948, p. 74.

272 Fr. Vicente do Salvador, ibid., pp. 536–8.

273 Catálogo da exposição histórica da ocupação. Lisboa: 1937, i, p. 82. Fr. Vicente chama-
lhe Pe. Cristóvão Sera m. Era irmão de Manuel Sera m de Faria, v. J. Lúcio d’Azevedo, Os
jesuítas no Grão-Pará, p. 45. Chegou a Bispo de Angola (não assumindo porém as funções) e
faleceu em Lisboa em 1652, Barbosa Machado, Bibl. lus., i, ed. de 1930. Do códice dá notícia
Luís de Pina, Brasília, i, p. 312 (reproduzindo-lhe várias estampas).

274 Eram quatro as capitanias do Maranhão em 1649: Ilha do Sol (Álvaro de Sousa), Cumã
ou Tapuitapera (Antônio Coelho de Carvalho), Cabo do Norte (Bento Maciel), Camutá
(Francisco Coelho de Carvalho). Ms. no Arq. Hist. Col., Papéis avulsos, Lisboa.

275 A capitania do Caité (no Gurupi) já pertencia a Álvaro de Sousa, lho de Gaspar de
Sousa, que a reivindicou, razão por que, em 1633, o governador deu outra capitania nos con ns
do Pará (da primeira cachoeira do Tocantins às terras dos Tapuiuçus) a Feliciano Coelho. A
doação de nitiva a Álvaro de Sousa foi de 3 de fevereiro de 1631. Em 1649 chamava-se da Ilha
do Sol. Quanto a Tapuitapera (ou Cumã) foi con rmada por el-rei a 15 de março de 1639: o seu
titular, Antônio Coelho de Carvalho, se distinguiu como embaixador de D. João iv à corte de
França, v. nossa nota a Tácito português, de D. Fran cisco Manuel de Melo, ed. da Acad. Bras., p.
199. Prevaleceu o nome de Cumã; por m, Alcântara (1754). A vila 6 de 1648, Jerônimo de
Viveiros, Alcântara. São Luís: 1950, p. 14. Gaspar de Sousa obtivera para o lho aquela capitania
como prêmio dos seus serviços na conquista do Norte — em 25 de maio de 1622. A do Cabo do
Norte, de Bento Maciel, foi-lhe concedida em 14 de junho de 1637. Propusera ele a criação
antes de 1638, Varnhagen, ibid., ii, p. 258, de outras capitanias. O ilustre Antônio de Sousa de
Macedo ganhou a de Marajó (1655); Gaspar de Sousa Freitas, do Xingu (1681).
276 Berredo, Anais históricos. Florença: 1905, 3ª ed., p. 254. Para incentivar a colonização
mandou el-rei em 1636 que os degredados, destinados à Ilha do Príncipe, fossem para o
Maranhão, Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 206. Desse ano é o “Memorial que na corte de Madri fez
Bento Maciel, governador do Maranhão, acerca da forti cação, socorro e mais cousas
importantes daquela conquista”, ibid., p. 209.

277 Manuel Barata, Efemérides paraenses, p. 144; e Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 343.
Cartas régias de 1619, ordenando o socorro ao Pará, Anais do Museu Paulista, iii, parte iii, pp.
88–90.

278 De certidão de Bento Maciel Parente consta que o acompanhou “no descobrimento da
serra Teicora, e [...] em demanda das minas de ouro”, in Livro de mercês gerais, ms. no Arq.
Hist. Col., Lisboa. A fé de ofício de Bento Maciel, que se comparou a Fernão Cortez Garcia,
nota a Varnhagen, ii, pp. 267–71.

279 Carta régia de 10 de janeiro de 1620 fala em navios ingleses e amengos “com intento de
cometerem a nova mina desse estado”, Anais do Museu Paulista, iii, parte iii, p. 108. Referia-se
ao Pará.

280 Frei Vicente, História do Brasil, p. 499.

281 Frei Vicente, op. cit., p. 503. Luís Aranha de regresso a Portugal foi capturado pelos
holandeses junto às Bermudas e conseguiu fugir num pequeno bote. Voltou ao Pará como
capitão-mor. Há uma consulta do Conselho da Fazenda, 1624, “sobre o que Luís Aranha de
Vasconcelos pede para ir acabar a conquista das Amazonas e fazer no grão-rio delas uma
fortaleza da parte do Norte”, Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 60. Quanto ao piloto Antônio Vicente
Cochado, fez uma “descrição dos rios do Pará, Corimá e Amazonas, descoberto e sondado de
mandado de S. M. por Antônio Vicente, piloto de Pernambuco”. Merece as honras de
verdadeiro descobridor, Frazão de Vasconcelos, Pilotos, etc., p. 17.

282 Doc. in Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 219. Alegou Bento Maciel, em 1630, ter
conquistado doze províncias de índios (Guajaijaras, Tupinambás, Tocantins, Nhuanas, Amaus,
Mapuazes, Pacajares, Curupas, Maraiguis, Quanis, Tapuiuçus, Tacares, Uguapes, Andurás e
Pirapes) desde o Maranhão ao Amazonas... Antes de deixar o Pará deu a sua casa aos carmelitas
(1627) no mesmo ano em que os franciscanos começaram o seu Convento de Santo Antônio,
Rev. do Inst. Hist., lxxviii, p. 117. Em 1635 ousou pedir mil casais de índios em “administração
e encomenda”, Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 181.

283 Estivera nomeado em 1620 mas não teve efeito, ms. no Arq. Hist. Col., já citado. Levara
ao Pará o socorro de 1617. Diz-nos em doc. de 1618 que só havia ali quatro capuchos e nenhum
clérigo de missa... Decidiu o Conselho da Fazenda, 7 de junho de 1621, apelar para as várias
ordens religiosas. Já Vázquez de Espinosa, ibid., p. 74, nos fala de dois conventos, uma igreja,
três ermidas, 60 vizinhos e 200 praças de guarnição do forte construído por Bento Maciel.

284 Informação de D. Diogo de Castro, 1632, Rev. do Inst. do Ceará, xxvi, p. 30.

285 V. Garcia, nota a Varnhagen, ii, pp. 271–2; Capistrano, “Prolegômenos” a Fr. Vicente, p.
461.
286 Capistrano, ibid., p. 462.

287 Varnhagen, op. cit., iii, p. 183; Artur C. F. Reis, A política de Portugal no Vale
Amazônico. Belém: 1940, p. 41.

288 João Francisco Lisboa, Obras. Lisboa: 1901, ii, p. 19.

289 Pe. João Daniel, “Tesouro Descoberto”, Rev. do Inst. Hist., xii, p. 382. “Derradeira terra
para a largada em busca do desconhecido”, Raimundo Morais, À margem do livro de Agassiz.
São Paulo: 1939, p. 35. Para os antecedentes, José Rumazo, La Región Amazónica del Ecuador
en el Siglo xvi. Sevilha: 1946, cap. xiv.

290 Frei Laureano de la Cruz, Nuevo Descubrimiento del Rio de Marañón, p. 37, 1878;
Jimenez de la Espada, Viaje del Capitán Pedro Texeira: Agua Arriba del Rio de las Amazonas,
Madri, 1889; Pedro Calmon, Rev. do Inst. Hist., “Assembléia Pan-Americana de História”, ii, p.
101 (aí sintetizamos este episódio decisivo para a expansão portuguesa na América). As fontes
principais: Pe. José Maldonado, Relación del Descubrimiento, que serviu para o relato de Dr.
Domingo de Córdoba; Pe. Barnuevo, Relación Apologética; Fr. Laureano de la Cruz, Nuevo
Descubrimiento, 1653; Alonso de Rojas e Cristobal de Acuña, Descobrimentos do Rio
Amazonas, trad. de C. de Melo Leitão, São Paulo, 1941.

291 O Pe. Vieira, “Sermão de São Pedro Nolasco”, Sermões, vi, p. 349, comemorou essa
prioridade: “Só o estado do Maranhão pode dar nova religião a Portugal, porque lhe deu a das
Mercês”. V. também Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 194.

292 V. José Antônio de Plaza, Mem. para la Hist. de la Nueva Granada, p. 332; Antônio José
Uribe, Colombia y el Perú, Bogotá, 1931.

293 V. pp. 434 a 438 deste vol. Aí a referência aos donatários, Castanheiras em Ilhéus,
Aveiros em Porto Seguro. Em agosto de 1652 o Conde de Castelo Melhor, defendendo os
direitos da Condessa de Castanheira (D. Helena de Sousa), reclamou contra uma invasão de
jurisdição da vizinha capitania, Docs. hist., iii, p. 182. A pobreza da primeira daquelas
capitanias exprime-se nesta frase do Arcebispo da Bahia, em 1689: “Toda a capitania dos Ilhéus
não vale vendida, o que Vossa Mercê quer (5 mil cruzados) que se lhe dê para livrá-la dos
tapuias”, Docs. hist., xi, p. 152. Em 1695 informava o chanceler da Relação da Bahia que só
tinha dois engenhos, um dos jesuítas do Colégio de Santo Antão (Lisboa) e outro de Manuel de
Cerqueira; a Vila de Boipeba era pobríssima; a de Cairu “pouco mais avantajada”; Camamu, “a
melhor de todas”, porém o útil da vila, com 10 ou 12 léguas de costa, era dos jesuítas. Os
dízimos em 1694 renderam “em dinheiro 20$000”, Arq. Hist. Col., cód. 252, inéd.

294 Carta de 22 de fevereiro de 1613, para o Governador Gaspar de Sousa, Paulo Prado,
Paulística, p. 125. Foi em 1611, cf. provisão de 28 de junho de 1633, Docs. hist., xvi, p. 386. Em
1633 os jesuítas foram encarregados desse descobrimento.

295 Carta do Conde de Castelo Melhor, 1651, Docs. hist., iii, p. 7.

296 Informações das minas, Anais da Bibl. Nac., lvii, p. 167: “Por benefício de amizade que
teve um índio natural destas serras Marcos de Azeredo alcançou notícia destas esmeraldas, e
guiado dele seguro na amizade, escoteiro se dispôs a fazê-la, e desembaraçado das demoras, que
hoje fazem as embarcações com que se intenta, efetivamente guiado em breves dias a
conseguiu, confessando porém que na imensidade das últimas serras esteve o guia perplexo na
certeza e demoroso na segurança”.

297 Fora condenado à morte em 1618 e fugira, Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 240. Mandou
el-rei um desembargador devassar na capitania a propósito dos negócios desse amengo, Anais
do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 75. Parece que foi absolvido em 1620, Anais, cit., ibid., p. 112.

298 Frei Vicente do Salvador, op. cit., p. 566; e Vieira, Carta Ânua, de 1626.

299 Patente rég. em 19 de fevereiro de 1635, Docs. hist., xvi, p. 217.

300 Docs. hist., xvi, p. 319.

301 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 63. O alv. de 2 de fev. de 1618 deu-lhe o governo
de São Vicente, por três anos, Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 353.

302 Livro de leis, f. 173, na Torre do Tombo, ms. Abrangia o Espírito Santo e São Vicente.

303 Códice Castelo Melhor, ms. na Bibl. Nac., citado. A despesa do Rio em 1616 foi de
1:806$520, Docs. hist., xv, p. 41. Não tem razão Pizarro ao dizer que o contrato dos dízimos
para o Rio data de 1628, à vista do alv. de 30 de agosto, que mandava arrematá-los em cada uma
das capitanias pelos provedores, Vieira Fazenda, Rev. do Inst. Hist., n. 143, p. 423.

304 V. Anais da Bibl. Nac., lix, “Processo das despesas feitas por Martim de Sá” 1628–33,
publ. por Rodolfo Garcia. O Padre Antônio Vieira, em 1648, Cartas, i, p. 40, aconselhou ao
Marquês de Niza dissesse em Paris que “o Rio de Janeiro é a praça do Brasil que pode melhor
que todas ser socorrida por terra, porque tem muitas aldeias vizinhas de índios vassalos de S.
M., e a cidade de Cabo Frio, que é de portugueses, e as vilas”.

305 O engenheiro Miguel de Lescolles em 1650 tratou de aperfeiçoar o sistema de


forti cações e foi pelo Conde de Castelo Melhor incumbido de fazer “a planta da praça com a
perfeição possível, Docs. hist., xxxiii, p. 252. Este francês viera para Portugal em 1643, para
servir na província de Trás-os-Montes, Bol. do Arq. Hist. Militar, viii, p. 181, devendo aditar-se
aos apontamentos biográ cos que dele há, a viagem ao Brasil. Deixou, manuscrito, Tratado de
artilharia. Repetimos: deve-se-lhe o traçado geométrico da cidade no núcleo primitivo (da
baixa).

306 “Códice da Ajuda”, 1669, in Anais da Bibl. Nac., lvii, pp. 162–3.

307 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 209. A Fortaleza de Santa Cruz tinha capitão
Antônio de Faria, em 1633, e São João, Pedro Martins Negrão. Docs. hist., xvi, pp. 153 e 342.

308 O autoritarismo de Martim (peculiar aos Sás), revelou-se no caso célebre do Ouvidor
Paulo Pereira do Lago, que ocupava o cargo desde 1630. O Governador-geral Diogo Luís, para
quem apelou, a m de declarar suspenso de funções o magistrado, mandou que se passasse este
à Bahia, entregando a ouvidoria ao Provedor Dr. Miguel de Cirne (que foi substituí-lo). A
câmara tomou o partido de Paulo Pereira; o capitão-mor empossou o substituto; e aquele,
depois “de andar pelos matos mais de dois anos, fez grandes despesas em ir ao reino”.
Memorável foi a sentença do Desembargo do Paço, 1644, condenando D. Leonor de Távora,
viúva de Martim, a indenizá-lo, cf. Pegas, cit. por Varnhagen, op. cit., ii, p. 252. O seguinte
ouvidor chamou-se Manuel da Costa Barros, Acórdãos e vereanças. Rio: 1935, p. 3.

309 Félix Ferreira, A Santa Casa da Misericórdia Fluminense. Rio: 1898, p. 130.

310 Salvador Correia de Sá e Benavides acabava de prestar grandes serviços, combatendo na


província de Tucumã, no Rio da Prata, a revolta dos calcaquies (1634–5). Empossou-se como
alcaide do Rio de Janeiro em 3 de setembro de 1635, Acórdãos e vereanças, p. 21. Em 18 de dez.
deste mesmo ano a câmara fez com ele contrato para guarda e peso das caixas de açúcar de
modo a não sair nenhuma sem veri cação, que rendia ao alcaide de 8 a 12 vinténs cada caixa,
op. cit., p. 8. Tomou posse do governo em 19 de setembro: “E logo pelo dito Rodrigo de
Miranda Anriques foi feito desistência do dito cargo nas mãos e poder de Salvador Correia de
Sá”.

311 Acórdãos e vereanças, p. 35.

312 V. Augusto de Lima Júnior, Notícias históricas. Rio: 1935, p. 118 (cf. docs. no Arq. Hist.
Col., Lisboa).

313 Ms., in Jornal do Comércio, 5 de outubro de 1930.

314 Docs. hist., xvii, p. 212.

315 Acórdãos e vereanças, p. 41.

316 Era ouvidor por quatro anos, quando — em 10 de abril de 39 — se apresentou, provido
nesse lugar, o licenciado Simão Álvares de La Penha, a quem a câmara deu posse, apesar do
protesto do primeiro, Acórdãos e vereanças, p. 31. Das habilitações para o clero de Braga,
Padres do arcebispado de Braga, p. 36, Lisboa, 1939, consta Simão Álvares, lho de Manuel
Álvares (de Palmeira, Braga, e morador no Brasil) e Aldonça Álvares de La Peña (de Viana),
neto paterno de Simão Álvares e Maria Dias, materno de Pedro Álvares de La Peña, vedor del-
rei, natural do Porto, e Filipa Correia, de Granada, Espanha. O processo é de 1623 e completa
os informes de Frei Jaboatão, Cat. gen., tít. “De La Penha Deus Dará”. Foi um dos grandes
magistrados do Brasil seiscentista, como diremos, e cunhado do Padre Antônio Vieira.

317 Os dízimos da parte do Sul (Sergipe, Ilhéus, Porto Seguro, Rio de Janeiro, São Vicente e
Cananéia), tinham sido arrendados em 1609 por 36.200 cruzados: metade do valor do Norte. A
despesa da capitania em 1616: 328$480! A tendência para o êxodo, entretanto, fazia o
Corregedor Amâncio Rebelo Coelho (9 de setembro de 1620), proibir saíssem da vila os
moradores para povoarem outras terras, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, v, p. 186.

318 É interessante notar que o donatário (assim o Marquês de Cascais para São Vicente, em
1648, v. Docs. hist., xxxiii, p. 249), nomeava o capitão-mor, porém dependendo de con rmação
do governador-geral, sendo que “os ouvidores da Repartição do Sul haviam usurpado quase a
jurisdição toda ao mesmo donatário”. Este tinha senhoriagem nominal, não mais o poder
arbitrário dos primeiros capitães-mores das várias capitanias. Percebiam a redízima, gozavam
do privilégio de indicar o seu representante, e pouco mais.

319 Pedro Taques, História da capitania de São Vicente, p. 140 (e aí o histórico do litígio
entre os donatários, que terminou no nal do século).
320 Pedro Taques, op. cit., p. 140. O Capitão Bernardo Rodrigues Bueno em 1660 fez a
câmara declarar que fora seu sogro, Francisco Álvares Marinho, quem edi cou a vila em sítio
de nitivo, mais decente, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, ix, p. 110. As povoações da costa, a
partir do Rio de Janeiro: Angra dos Reis (“Vila de Ilha Grande”), Vila de Parati (fundada em
1667 por Martim Correia Vasqueanes), Vila de Ubatuba, criada em 1637 e fundada pelo
Capitão Jordão Homem da Costa, adquiriram notoriedade e vulto com o descobrimento das
Minas Gerais e o seu comércio (1700).

321 Pe. Sera m Leite, Novas cartas jesuíticas, p. 221. O nome — Tubarão — perdura numa
localidade de Santa Catarina, entre Laguna e Jaguaruna. Lembra outro índio, do mesmo nome,
da Bahia primitiva, cf. Nóbrega, Cartas avulsas, p. 161, ed. da Acad.

322 Pe. Sera m Leite, op. cit., p. 235. A alusão é ao prelado do Rio de Janeiro. Anais da Bibl.
Nac., lix, p. 19. O Padre Roque González encontrou em 1628 vestígios do comércio português
com os índios do Rio Uruguai: “Me disseram os índios, entravam portugueses, em navios
pequenos, deixando os grandes em alto mar, para comerciar com eles”. Pe. L. G. Jaeger, Os
heróis de Caaró e Pirapó. Porto Alegre: 1940, p. 195.

323 Alv. de 27 de abril de 1618, Livro 1º de leis, f. 94, na Torre do Tombo, concede a Gonçalo
da Costa de Almeida e João Peres pescaria de pérolas entre a Ilha Grande, Paranaguá e Ilha de
Santa Catarina, tudo “nas partes do Brasil”.

324 Francisco Martins dos Santos, História de santos. Santos: 1937, i, p. 265.

325 Joris van Spilbergen, um dos primeiros marinheiros de Holanda que estiveram nos
mares orientais, comandava uma esquadra de seis navios. Zarpou de Amsterdã em 8 de agosto
de 1614. Do ataque a Santos nos dá completa notícia A. Taunay, Na era das bandeiras. São
Paulo: 1922, pp. 66–81. Da passagem pelo Cabo Frio dissemos no capítulo sobre o Rio de
Janeiro. Recebida hostilmente em Santos, a frota não pôde aí refrescar com a comodidade que
esperava. Deu desembarque no engenho do São Jorge dos Erasmos (o melhor da terra), realizou
algumas presas, mas, ante a repulsa dos moradores, bem armados, seguiu viagem para latitudes
mais hospitaleiras. A abundância de frutas, notada em São Vicente, con rma a animação
agrícola que bene ciava então o litoral: duma vez os amengos carregaram 8 mil laranjas e
limões.

326 F. Martins dos Santos, op. cit., i, pp. 267–8.

327 Ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, sobre recursos para a guerra à Holanda. Figura o
Amazonas com 70 soldados, o Pará com outros tantos, o Maranhão com 80, e tinha “Sergipe 50
palhoças”. Vizinhos, tinha a Ilha Grande 150, Cabo Frio, 12, a Vila de Santa Catarina (sic), 10
ou 20... Lembrava o autor dessa curiosa estatística que os paulistas tomassem o Rio da Prata. É
pois de 1645 a 50. Constitui um depoimento surpreendente, para dar a medida a este Brasil em
formação.

328 Os padres idos da Bahia já encontraram em Córdoba do Tucumã dois jesuítas descidos
do Peru, Francisco Angulo e Alonso Barzana, em 1585, início portanto das atividades da
Companhia no Paraguai, Pe. Sera m Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa:
1938, i, p. 348. O padre-geral, carta de 24 de janeiro de 1587, ordenou que a nova missão
pertencesse ao Peru, e como para acentuar mais a separação dos jesuítas do Brasil, autorizou
em 1591 o Provincial Pe. Beliarte a retirar de lá os seus padres. Três não quiseram voltar, Pe.
Sera m Leite, op. cit., i, p. 349. O Pe. Salóni faleceu em 1599. O Pe. Filds pediu, em 1601, casse
a missão subordinada ao Brasil, dadas as difíceis comunicações do Peru. O Pe. Tolosa, vice-
provincial, apoiou essa súplica em 1604. O padre-geral resolveu o caso fundando a província
independente.

329 Ramón I. Cardozo, El Guairá: Historia de la Antigua Provincia. Buenos Aires: 1938, p.
154.

330 Rev. do Inst. Hist. e Geogr. de São Paulo, ix, p. 527.

331 O Pe. Diego de Torres obteve do Visitador do Paraguai, em 11 de outubro de 1611, que
os índios guaicurus de Tibaxiba fossem isentos de serviço (encomenda), Anais do Museu
Paulista, i, p. 446. O mesmo padre enviara em 1609 um mapa da região, cf. G. Furlong,
Cartogra a jesuítica. Buenos Aires: 1938, i, p. 21. Em 1612 comegou o apostolado do Pe. Roque
González de Santa Cruz, em San Inácio, cuja igreja construiu: é reputado o “primeiro apóstolo
do Rio Grande do Sul”, Pe. Carlos Teschauer, Vida e obras de Roque González, para cujo
território passou em 1626: fundou então a aldeia de São Nicolau. Foi morto pelos índios no
Caaró, em 1628.

332 Pe. Guillermo Furlong, Los Jesuítas y la Cultura Rioplatense. Montevidéu: 1933, p. 19.

333 Doc. in Anais do Museu Paulista, i, p. 149. Pedro Vaz de Barros fora capitão-mor de São
Vicente em 1603–5, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, v, p. 164.

334 Carta de 8 de janeiro de 1612, Anais do Museu Paulista, i, p. 157. Deu em resultado a
carta régia de 25 de fevereiro de 1614, que proibiu os agravos feitos às missões, cf. Pablo
Pastells, e Afonso Taunay, Na era das bandeiras. São Paulo: 1922, p. 91. O cabido de Ciudad
Real queixou-se em 1612 que os mamelucos já haviam levado mais de 3 mil índios em prejuízo
da cidade. O resultado da representação do governador foi, sem dúvida, a correição que
empreendeu, em 1614, o Desembargador Manuel Jácome Bravo, Rev. do Inst. Hist. de São
Paulo, v, p. 182. Publicou-se em 1618: Diego de Velasco, Advertencias... sobre el remedio de los
excesos que se cometem por el puerto de Buenos Aires y puerto de San Pablo y los
inconvenientes que se siguen en no tomar remedio e caz en cerrarlos, como V. M. siempre ha
procurado (8 s.), Sevilha, 1618. V. Magos Bras., Biblioteca Brasiliensis. Londres: 1930, p. 177.

335 Registo geral da câmara municipal de São Paulo, i, pp. 215–20.

336 R. Garcia, Anais da Bibl. Nac., lix, p. 11.

337 Livro 3º de leis, f. 97, na Torre do Tombo, que citamos a propósito da prata de Belchior
Dias.

338 Afonso Taunay, São Paulo nos primeiros anos. Tours: 1920, p. 51.

339 Washington Luís, Capitania de São Paulo, 2ª ed., pp. 25–6.

340 B. Calisto, Rev. do Inst. de São Paulo, xxi, p. 197. À humildade dos costumes, de que fala
Frei Vicente do Salvador, correspondia a míngua de utilidades. “Prova não há melhor, da
pobreza do mobiliário, do que o famoso incidente, ocorrido em 1620, de que dão conta as atas
É
da municipalidade vulgarizadas por Taunay. É o caso da cama de Gonçalo Pires, requisitada
pela edilidade paulistana, para uso do ouvidor-geral, Dr. Amâncio Rebelo Coelho, vindo a São
Paulo em correição”, Alcântara Machado, Vida e morte do Bandeirante. São Paulo: 1929, p. 54.

341 Cartas, iii, p. 668, ed. J. Lúcio d’Azevedo.

342 Doc. in Rev. do Inst. Hist. Bras. Rio: 1956, tomo especial, i, p. 6. Sobre os múltiplos
aspectos da bandeira, v. Cassiano Ricardo, Marcha para Oeste: a in uência da Bandeira na
formação social e política do Brasil, pp. 407 e ss.). Aí a exaustiva bibliogra a da matéria.
Quanto àqueles brasileirismos: caboclo é designação vulgar aceita por D. Francisco Manuel de
Melo, Epanáforas, p. 405 (da ed. de 1931). Pombeiro, de pombe ou pombo (A. de Assis Júnior,
Dicionário kimbundo-português, p. 354, Luanda; Elias Alexandre, História de Angola, i, p. 235,
pumbeiro) é palavra transportada do angolês para o guarani: “Pombero [...] es el genio de la
noche”, H. Sánchez Quell, Estructura y Función del Paraguay Colonial. Buenos Aires: 1956, p.
51.

343 Cartas de datas de terra. São Paulo: 1937, ii, p. 175.

344 Cônego Luís Castanho, Rev. do Inst. de São Paulo, xxxv, pp. 45 e 138.

345 Por esse tempo — 1650 — foi que Fernão Dias Pais começou a reconstruir o mosteiro
beneditino de São Paulo, até então uma ermida e quatro celas... V. A. Taunay, Anais do Museu
Paulista, iv, p. 66. — Sobre as vilas, Pedro Taques, Hist. da cap. de São Vicente, pp. 146 e ss.

346 V. carta de sesmaria de 12 léguas que lhes concedeu o governador-geral, 15 de novembro


de 1668, Docs. hist., xxxi, pp. 254–7. Aí se menciona Camanducaia, com outros limites: Rio
Jaguari, Batatais, Mogi Guaçu...

347 Documentos interessantes, xxxi, p. 160.

348 V. Guizard Filho, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, xxviii, p. 279.

349 A 1º de janeiro de 1645 realizou-se a primeira eleição municipal, cf. Pedro Taques, Hist.
da cap. de São Vicente, p. 151. O livro de notas do tabelião de Taubaté iniciou-se em 1638,
Guizard Filho, Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, i, p. 32. Jacareí é de 1652.

350 Pedro Taques, op. cit., p. 153.

351 Carta de 1692, Docs. hist., xxxiv, p. 47.

352 A. Taunay, Hist. geral das bandeiras paulistas, iii, p. 338; Anais do Museu Paulista, iv, p.
48; e História seiscentista da Vila de São Paulo, ii (onde pormenoriza a notícia dessa “guerra
civil”). Documentação de procedência baiana, Anais do Museu Paulista, iii, pp. 233–71. A Ânua
da Companhia de Jesus de 1637–9 informa que con ito houve, em que se armaram 5 mil
homens, Pe. Sera m Leite, “Os jesuítas do colégio de São Paulo na paci cação dos Pires e
Camargos”, in Rev. do Serv. Social, ano iv, dez. de 1944, p. 12 da separata.

353 A. Taunay, Anais do Museu Paulista, iv, p. 83. O governador (provisão de 24 de nov. de
1655) deu o processo para a eleição. O ouvidor, com o escrivão da câmara, chamaria os homens
bons e o povo, e todos elegeriam seis nomes para eleitores, três dos Pires e três dos Camargos,
contanto que não fossem “os cabeças dos bandos”. Os eleitos se dividiriam em grupos e
elegeriam na mesma proporção os cargos da câmara. Diz Pedro Taques: “Ficou sua provisão
servindo como de nova lei para as futuras eleições dos o ciais da câmara”. Sobre a devassa do
Dr. João Velho de Azevedo, v. Durval Pires de Lima, in Brasília, i, p. 231.

354 Taunay, ibid., iv, p. 95. Sobre o desenvolvimento da vila por todo o período, v. do mesmo
autor, Hist. seiscentista da Vila de São Paulo, citada.

355 Registo geral da Câmara de São Paulo, ii, p. 547; Pe. Sera m Leite, op. cit., p. 15; L. A. da
Costa Pinto, Lutas de família no Brasil. São Paulo: 1949, p. 116.

356 Con rmado pelo Conselho Ultramarino, 22 de maio de 1674, o perdão geral de modo a
não poderem os ouvidores do Rio de Janeiro devassar os crimes de Pires e Camargos.

357 Doc. in A. Toledo Pisa, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo. iii, pp. 60–2. A real cédula de 10
de setembro de 1611, in Documentos interessantes, iii, pp. 70–9.

358 Antônio Raposo foi pai de outro famoso sertanista, João Raposo Bocarro, v. Ermelino A.
de Leão, Vultos do passado paulista. São Paulo: 1923, p. 65.

359 Esse Raposo, natural de Beja, nasceu em 1598 e faleceu por volta de 1658, cf.
Washington Luís, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, ix, p. 502. Foi capitão-mor de São Vicente em
1622; casou-se na terra; em 1633 era juiz ordinário em São Paulo e logo ouvidor em São
Vicente. O governador-geral quis destituí-lo, mas foi mantido no cargo pelo ouvidor das
capitanias do Sul. Dele falaremos mais detidamente.

360 V. A. Ellis Júnior, Meio século de bandeirismo. São Paulo: 1938, p. 112.

361 Taunay, Na era das bandeiras, p. 87.

362 Anais da Bibl. Nac., lix, p. 33. Alvará de 22 de março de 1618. Sobre as expedições que
iam ao porto de Patos e localização deste (Santa Catarina), v. Pe. Luís Gonzaga Jaeger, As
invasões bandeirantes no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 1940, p. 27. Note-se que o
governador do Rio da Prata achava, em 1616, que o remédio seria el-rei despovoar São Paulo...,
Anais do Museu Paulista, ii, parte ii, p. 9.

363 Basílio de Magalhães, Expansão geográ ca do Brasil Colonial, p. 116, 2ª ed.

364 Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, v, p. 184.

365 Real Cédula de 12 de setembro de 1628, Correa Luna, Campaña del Brasil. Buenos
Aires: 1931, i, p. 8.

366 V. Hernan F. Gomez, Yapeyú. Buenos Aires: 1923, pp. 12–4. Quanto à cronologia das
missões do Uruguai a partir de 1626, Pe. Luís Gonzaga Jaeger, op. cit., p. 10. Deste autor, v. Os
heróis do Caaró e Pirapó. Porto Alegre: 1940, p. 199.

367 Atas da Câmara de São Paulo, iii, p. 41; Ellis, op. cit., pp. 114–5.
368 Nomeado em 6 de fevereiro de 1625, saiu de Lisboa em 18 de abril de 26; levou vinte
meses na Bahia; no Rio foi bem recebido de Martim de Sá, Taunay, Na era das bandeiras, p. 104.
— A Real Cédula de 12 de setembro de 1628 refere-se a tropelias de paulistas de 1626–7.

369 Chamava-se D. Vitória de Sá. A sua pedra tumular (1660) é uma das mais notáveis da
nave da abadia de São Bento do Rio de Janeiro, da qual foi benfeitora, como seu primo Salvador
Correia de Sá e Benavides. O marido espanhol levou-a: “Señora tan principal como hermosa y
virtuosa”, “Relación de los sucesos”, Anais do Museu Paulista, ii, parte ii, p. 27.

370 Carvalho Franco, Bandeiras e bandeirantes de São Paulo, p. 85.

371 Doc. in Anais do Museu Paulista, ii, parte ii, p. 266.

372 V. A. Taunay, Índios! Ouro! Pedras!, pp. 6 e ss., São Paulo. Leia-se sobre as bandeiras a
partir de 1628, primeiro grande rush, a documentação espanhola in Anais do Museu Paulista,
xiii, pp. 294 e ss.

373 V. Pedro Taques, Nobiliarquia, Rev. do Inst. Hist. Bras., tomo especial, ed. Taunay, p. 14.
O Padre Maceta, carta de 22 de julho de 1630, diz que morrera de echas que lhe atiraram os
índios, esse sertanista, Anais do Museu Paulista, ii, parte ii, p. 264; A. Taunay, História geral das
bandeiras paulistas, ii, p. 112.

374 V. Enrique de Gandía, Las Misiones Jesuiticas y los Bandeirantes Paulistas. Buenos Aires:
1936, p. 44.

375 Correa Luna, Campaña del Brasil, pp. 9–24. Outras cartas dos mesmos padres. Anais do
Museu Paulista, ii, parte ii.

376 Correa Luna, op. cit., p. 28.

377 Enrique de Gandía, op. cit., p. 79.

378 Doc. in Anais do Museu Paulista, ii, parte ii, p. 261.

379 Ramón I. Cardozo, op. cit., pp. 148–9.

380 Em 1771 o Capitão Francisco Lopes da Silva identi cou o sítio de Vila Real pelas
bananeiras e laranjeiras que encontrou na mata, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, v, p. 193. A
antiga província de Guairá se viesse até o mar corresponderia ao estado do Paraná, e “abrangia
o território banhado pelos rios Ivaí e Tibaji e seus a uentes”, Toledo Pisa, Rev. do Inst. Hist. de
São Paulo, iii, p. 35.

381 V. Luís Gonzaga Jaeger, As invasões bandeirantes no Rio Grande do Sul, p. 27.

382 Enrique de Gandía, Las Misiones Jesuiticas y los Bandeirantes Paulistas, p. 80.

383 Montoya publicou em Madri, durante a sua missão, os primeiros livros elucidativos do
idioma guarani: Tesoro de la Lengua Guaraní (1639), Arte y Vocabulário (1640), Catecismo e
Conquista espiritual hecha por los religiosos, etc., trasladado este do guarani a português por
Batista Caetano, Anais da Bibl. Nac., vi. V. Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 176.
384 Seria impossível resumir em nota a evolução das idéias jurídicas relativas ao índio — na
literatura hispânica. Evidentemente o libelo de Frei Bartolomeu de Las Casas contra os métodos
bárbaros da conquista inspirou a outro dominicano, Frei Francisco de Victoria, as suas teorias
do direito natural dos aborígines, nas quais se vê a fundação do direito internacional (V.
Rodrigo Otávio, Les Sauvages Américains Devant le Droit. Paris: 1931, p. 43) em 1532. A Bula
de Paulo iii é de 37. Sobre a jurisprudência castelhana, Roberto Levillier, Don Francisco de
Toledo. Madri: 1935, i, pp. 183 e ss.

385 Varnhagen, op. cit., iii, p. 159.

386 Rev. do Inst. Hist. e Geogr. de São Paulo, iii, p. 67. Em 1633 em vereação o povo de São
Paulo fora convocado para tirar os padres das aldeias, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, ix, p. 514.
A carta régia do ano seguinte, que destituiu o ouvidor e os vereadores de São Paulo,
correspondeu a uma reparação feita aos jesuítas, op. cit., ix, p. 518.

387 Em lugar de Amador Bueno foram a Portugal Luís da Costa Cabral e Baltasar de Borba
Gato, A. Toledo Pisa, Rev. do Inst. de São Paulo, cit., iii, p. 87. Veja-se o capitulo relativo à
aclamação de D. João iv e Amador Bueno.

388 O Pe. Sera m Leite esclareceu este ponto da biogra a de Salvador. Em carta ao Geral da
Companhia, do Rio, 2 de junho de 1643, dizia de sua promessa de fundar um colégio, que não
pudera ser nas minas por oposição dos paulistas. Em 10 de maio de dois dias antes de embarcar
para Angola, escreveu de novo ao Geral, declarando que fora seu desejo entrar para a
Companhia... (Comunicado em sessão do Inst. Hist. e Geogr. Bras., 6 de setembro de 1939). Em
setembro de 1659, passando pela Bahia, apresentou-se como procurador do Colégio de Santo
Antão para dirimir a contenda com a Santa Casa a respeito do engenho legado pela lha de
Mem de Sá, Antônio Joaquim Damazio, Tombamento dos bens imóveis da Santa Casa. Bahia:
1862, p. 18.

389 D. João iv concedeu a Salvador os poderes que tinham tido D. Francisco de Sousa e
Antônio de Salema, e como almirante da costa do Sul e governador desta cidade se investiu em
9 de agosto de 1641, Acórdãos e vereanças, cit., pp. 46–7. Contudo fez-lhe ver que dependia do
governador-geral, op. cit., p. 48.

390 Requerimento de Salvador, ata da Câmara do Rio, 31 de julho de 41.

391 Pedro Taques, Informação, etc., p. 84. Salvador pedira a el-rei licença para visitar “e pôr
em sua perfeição as minas de ouro” da capitania de São Vicente, “Consultas do Serviço Real”,
Lisboa, 8 de agosto de 1641, ms. no Arq. Hist. Col., cód. 30. Montalvão foi quem lembrou que
devia car por substituto, no Rio, seu tio Duarte Correia Vasqueanes.

392 Minuta in Rev. do Inst. Hist., tomo especial, 1956, p. 14. Regimento de 7 de junho de
1644, Rev. do Inst. Hist., vol. 56, parte i, pp. 110–5. Os autores passam por cima do fato — a
separação das capitanias em 1644, que convém elucidado. A escritura de conciliação dos
padres, cf. Carvalho Franco, op. cit., p. 145. V. carta do Conde de Atouguia, 30 de abril de 1655,
Docs. hist., iv, p. 243; e consulta do Conselho Ultramarino, 1647, Rev. do Inst. Hist., tomo
especial, 1956, p. 15, contra cujas conclusões reclamou a Câmara de São Paulo a 15 de abril de
48 (Revista, cit., p. 20).
393 Pe. Luís Gonzaga Jaeger, op. cit., p. 36; Carvalho Franco, Bandeiras e bandeirantes de
São Paulo, p. 67; Afonso d’E. Taunay, História das bandeiras paulistas, i, p. 67, São Paulo, 1953.

394 A. Taunay, ibid., i, pp. 65–8.

395 A. Taunay, ibid., i, p. 67.

396 A. Taunay, ibid., i, p. 68.

397 O 2º Nenguiru (suposto Nicolau i, Rei do Paraguai, das publicações antijesuíticas do


século xviii) foi o general das forças guaranis ao tempo em que se feriu o con ito de 1752,
Rodolfo Garcia, Anais da Bibl. Nac., lii, p. 401, “Documentos Sobre o Tratado de 1750”. Era
“superior de todos los pueblos de una y otra banda del Uruguay”. “Das brutas escaramuças/ As
artes e as artimanhas/ Foi o grande Languiru/ Que lh’ensinou” dizia o poema de São Sepé,
transcrito, segundo a tradição oral, por J. Simões Lopes Neto, Contos gauchescos e lendas do
Sul. Porto Alegre: 1926, p. 307.

398 Doc. in Anais do Museu Paulista, xiii, p. 456 (aí a documentação espanhola do período).

399 “Relación de la guerra y victoria [...]”, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, x, pp. 529–52; e
Pe. Luís Jaeger, ibid., p. 57. Os padres habituavam todos “los pueblos a haceren sentinelas,
alardes y ejercicios militares con que nuestros hijos se animaban y ya no vian la hora de probar
las manos”. V. polêmica sobre a inconveniência e a necessidade de armar os índios, nos docs. de
Sevilha, Anais do Museu Paulista, vol. cit., pp. 341 e ss.

400 Reg. da Câmara de São Paulo, iii, p. 159.

401 A. Taunay, Hist. ger. das band. paul., iv, p. 278.

402 Benedito Calisto, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, xxi, p. 191.

403 Reg., cit., iii, p. 421; A. Taunay, op. cit., iv, p. 281. A carta dos vereadores é de 18 de
novembro de 1684.

404 O nome africano, Calabar, indica que o desertor era negro ou mulato, embora Frei
Rafael de Jesus lhe chame mameluco, Castrioto lusitano, p. 69. Sertanista experimentado, em
1627 procurara as minas de Belchior Dias com a gente da Casa da Torre; ajudara Matias de
Albuquerque na defesa do Arraial, onde fora ferido; e desertara em conseqüência de vários
crimes praticados... V. resumo biográ co de Varnhagen e R. Garcia, op. cit., ii, p. 343.

405 Vindo com D. Antônio de Oquendo, esse dalgo espanhol é avoengo da família do seu
apelido que existe no Peru.

406 Regressaram a 9 de novembro de 33. V. Varnhagen, Hist. ger., ii, p. 306 e notas de
Rodolfo Garcia.

407 Poti, Antônio Filipe Camarão, homônimo, talvez parente do que acompanhou os padres
Pinto e Figueira à Serra de Ibiapaba, era o principal dos petiguares. Recebeu, carta régia de 14
de maio de 1633, hábito de Cristo e tença de 40$000, com patente de capitão-mor desses índios,
Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 309. Na carta citada el-rei reconhecia que até o Ceará os índios
respeitavam Camarão, Docs. hist., xvi, p. 466. Nascera aliás em Pernambuco, em 1601, cf.
Pereira da Costa, A naturalidade de D. Antônio Filipe Camarão, Recife, 1909. — Da aliança dos
holandeses com os tapuias nos diz o licenciado Manuel de Morais: “Domesticaram três nações
destes bárbaros Tapuias e os têm servido e ajudado muito na guerra [...] chamam-se estas
nações Taretiius, Inqueriius e Cariris”, Anais do Museu Paulista, i, parte ii, p. 129. Janduí era
principal dos cariris e ligou o nome à mais feroz das tribos do Rio Grande — a da “guerra do
Açu”, do m do século em apreço. — Morreu depois da primeira batalha dos Guararapes: “O
Capitão-mor Camarão morreu um dia destes e foi grande perda, zemos-lhe as honras indo
com tudo o que a capacidade desta campanha deu lugar e em seu lugar se elegeu o seu
sargento-mor que é sobrinho do morto”, carta de Filipe Bandeira de Melo, 19 de maio de 1648,
ms. no Arq. Hist. Col., Papéis avulsos. Uma dinastia militar: daquele foi lho Dom Sebastião
Pinheiro Camarão, que, em 1720, cego e inválido, obteve que o posto de governador dos índios
passasse ao lho Dom Antônio Domingos Camarão Arcoverde, Docs. hist., xcix, pp. 109–10.
Sobre a sua vida, v. José Antônio Gonsalves de Melo, D. Antônio Filipe Camarão, Recife, 1954.

408 As más relações entre o capitão-mor e os moradores foram assunto da carta régia de 17
de março de 1632, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 152.

409 V. nota de Garcia a Varnhagen, ii, pp. 344–5; Oliveira Lima, Rev. do Inst. Hist. Bras., lxx;
A. Taunay, Anais do Museu Paulista, i, parte ii, p. 121. Aí o interessante trabalho em que o ex-
padre defende a causa de Portugal mostrando a insensatez da paz com a entrega de
Pernambuco. — Saiu condenado pela Inquisição em 15 de dezembro de 1647.

410 V. Varnhagen, História das lutas com os holandeses no Brasil, liv. iv, pp. 164–8 (2ª ed.,
Bahia, 1955). Sobre Cristóvão Arciszewsky — comandante, depois, da artilharia polonesa e
herói das guerras da Europa Oriental — v. biogra a em 2 vols. de A. Kraushar, 1892, art. de José
Honório Rodrigues, in Jornal do Comércio, Rio, 19 de maio de 1940, e art. de Tadeu
Skowronski, in Correio da Manhã, Rio, 20 de setembro de 1956. Faleceu em 1656. Do Arraial
saíram Henrique Dias, cinco vezes ferido na campanha, João Fernandes Vieira... Guilherme
Barbalho Bezerra das Índias passou à Espanha, Docs. hist., xxvii, p. 3, como Luís Álvares
Brandão, Docs. hist., xvii, p. 52, e franciscanos de Olinda e do Recife.

411 Albuquerque, logo em 1641 (11 de dezembro) foi nomeado para o Conselho de Guerra
permanente ao lado do Conde de Óbidos. Comandou primeiramente na fronteira do Alentejo.
Herói da batalha de Montijo, de 1644, recebeu o título de Conde de Alegrete.

412 Os cronistas Fr. Manuel Calado, Valeroso Lucideno, p. 33 e Fr. Rafael de Jesus, Castrioto
lusitano, p. 128, insinuam ter sido o general vítima de traição, alvejado pelas costas.
Inveri cável a versão, serve para acentuar a surpresa dos historiadores em face do combate
espantoso da Mata Redonda.

413 Nascido em 1575, Banholo tinha então 61 anos. V. Francisco Pettinati, O elemento
italiano na formação do Brasil. São Paulo: 1939, p. 197.

414 Os barcos apresados, entre 1623 e 36, em número de 547, tinham rendido 6.710.000 e os
carregamentos pilhados, 30.309.736. Mas as despesas da Companhia com as suas frotas
subiram, no mesmo prazo, a 45.183.430, Hermann Wätjen, op. cit., pp. 138–9.
415 V. Jean Laet, L’Histoire du Nouveau Monde, ou Description des Indes Occidentales,
Leide, 1640.

416 Ver P. Calmon, in Anais do arquivo público da Bahia, xxvi, p. 188.

417 Banholo escrevera para a Bahia em 11 de fevereiro: “Esperava que o viessem sitiar com o
novo socorro que ora lhes veio de Holanda em que veio por general Enrique de Nassau (sic),
lho bastardo do Príncipe de Orange”, Atas da Câmara da Bahia, 1637, ms. cit.

418 Códice de Castelo Melhor, ms. na Bibl. Nac.

419 Docs. hist., xv, p. 155; e Pe. Antônio Vieira, Por Brasil e Portugal: sermões. São Paulo:
1938, p. 38, nota, comentados por Pedro Calmon.

420 Docs. hist., xvi, p. 378.

421 Docs. hist., xv, p. 468. Foi nomeado almoxarife do forte, 11 de setembro de 1631,
Francisco do Amaral. Em 1634 havia aí companhia de infantaria, Docs. hist., xvi, p. 206.

422 Miralles, op. cit., p. 39.

423 “Sermão na Conceição da Praia”, 1633, Serm. Porto: 1909, iv, 6; e J. Lúcio d’Azevedo,
História de Antônio Vieira. Lisboa: 1931, p. 39.

424 Docs. hist., xvi, pp. 149–52.

425 A primeira pedra do famoso convento foi lançada em 4 de fevereiro de 1654, Pedro
Celestino da Silva, Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxvi, p. 427.

426 Docs. hist., xvi, p. 397.

427 A expressão mata bicho ainda é encontrada entre os nativos do Congo Belga, como
reminiscência do português dos tra cantes e da fascinação que exercia a aguardente para os
negros, Matabich... Baron de Mandat-Grancey, La Révue Hebdomadaire. Paris: fevereiro, 1900,
iii, p. 193.

428 Ata da vereação de 14 de junho de 1656, Códice, ms. no Arq. Mun. da Bahia. Em 1693 o
Governador Câmara Coutinho pediu que se deixasse fabricar aguardente, como até aí, pois “é
só o gênero que há nele para se levar à Angola”, Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 104. Vinho de mel e
aguardente, Atas da câmara, 1641, ii, p. 48, a sua proibição alvorotara os soldados da praça...
Mas a câmara teimava em extingui-la (em 1646), Atas, cit., ii, p. 312. Aí já se fala em “cachaça”,
africanismo que preponderou (cachaça e jeribita).

429 “Descrição da fazenda que o Colégio de Santo Antão, etc.”, Anais do Museu Paulista, iv,
p. 794.

430 D. Pedro era genro de Fernão da Silva, alcaide de Silves, Sanches de Baena, Famílias
titulares e grandes de Portugal, ii, p. 480. Comandou uma nau da Índia em 1605, Simão Ferreira
Pais, As famosas armadas, ed. do Ministério da Marinha, p. 101. Sobre a sua descendência, Pe.
Antônio Carvalho da Costa, Corogra a portuguesa, ii, p. 356, 2ª ed. Diogo Luís não foi
devidamente recompensado. Diz-nos D. Francisco Manuel, Eco político, p. 12, Lisboa, 1645,
que morreu em Espanha, prisioneiro de Estado, depois de ter sido mestre-de-campo-general de
Cantábria, etc.

431 V. provisão, Docs. hist., xvi, p. 282. Era de Lisboa, neto de venezianos e milaneses,
Ementas de habilitações, p. 72, irmão de Jerônimo, senhor do engenho Tibiri, na Paraíba.
Casara em Pernambuco (onde foi provedor-mor) com D. Beatriz Bandeira de Melo, cf. Borges
da Fonseca, Nobil. Pern., ed. da Bibl. Nac., i, p. 184. Em 1632 fora indigitado para capitão-mor
da Paraíba. Além da relação dos combates na Bahia, de 1638 (adiante citada), escreveu
Descrição das 1.038 léguas de terra do Estado do Brasil, da conquista do Maranhão e Grão-
Pará, de que há versão alemã (na qual é chamado Pedro Cudena), de Lessing, Brunswick, 1780.
V. Varnhagen, ibid., ii, p. 287.

432 Docs. hist., xvii, p. 121.

433 Docs. hist., xviii, p. 460.

434 Livro de atas da Câmara da Bahia, ms. cit.

435 Robério Dias escreveu à Câmara da Bahia, em 6 de fevereiro de 1637, Livro de atas, ms.
inéd.: “Fiquei aqui neste Mocambo pela Carta de V. S. e por ordem do Coronel Belchior
Brandão e logo fui com a minha gente, gentio e tapuios correr os matos e demos com três
companhias de Tapanhunos de muita gente de que tivemos uma grande briga da qual nos quis
Deus dar vitória em que tomei 40 peças afora de muitos que foram feridos e mortos e assim lhe
tomamos o fato que tinham tomado aos Tapuios do Inhambupe, e nestes negros que tomei
também o seu governador, e ouvidor-geral, e provedor, e desembargadores e o seu Bispo (sic) e
trazendo-os ao seu sítio do Mocambo vendo-me que não tinha prisão nem por quem os
pudesse mandá-los a V. S. [...] grande febre de que fui forçado vir muito à pressa para minha
casa donde estou no m da vida sangrado com oito sangrias de um grande pleuris”. Queria que
não fossem inquietar os negros paci cados e pedia reforço de índios. Essa carta dá novo realce
histórico ao contestado Robério... das Minas de prata de José de Alencar. — A venda dos
escravos do Mocambo rendeu 2:682$000 e as despesas da expedição não passaram de 158$770,
Atas, cit. Aí o nome dos expedicionários. Em guarani, Tapanúñemoñangá, raça de negros
(Anselmo Javier Peralta, El Guarani en la Geogra a de America. Buenos Aires: 1950, p. 19).

436 D. Francisco Manuel, Epanáforas, p. 103.

437 Patente de 14 de dezembro de 1636, registada na Bahia em 5 de junho de 37, Docs. hist.,
xvii, p. 54.

438 Patente de Barbalho, 30 de outubro de 36, registada em 31 de janeiro de 37. Chegou à


Bahia com os 250 homens em 16 de agosto de 37, Duarte de Albuquerque, Memórias diárias da
guerra do Brasil, p. 146, Rio, 1855, da qual há 2ª ed., Recife, 1944. Patentes de seus
companheiros, Docs. hist., xvii, pp. 5, 14, 22. Devia vir como comandante de quatro urcas, cf.
decisão do Conselho de Estado, 8 de março de 1636, ms. no Arq. Hist. Col., cód. 504, f. 168 v.,
mas a vice-rainha nomeou o Capitão Bento do Rego.

439 Carta de Pedro de Cadena, de 29 de março de 1638, ms. no Arq. Hist. Col., doc. n. 802,
inéd.
440 Prov. do governador, de 7 de fevereiro de 1637, fala da “Armada inimiga que se espera
vir sitiar a esta Praça”, Docs. hist., xvi, p. 418.

441 Há um precioso mapa xando as posições de Nassau e dos defensores da cidade. É do


holandês Vingboon, certamente testemunha do desembarque. Vimo-lo no códice original, das
cartas desse desenhista, trazido por José Higino e ora no Instituto Arqueológico de
Pernambuco (julho de 1949).

442 A. D. Marcos Teixeira sucedera o Bispo D. Miguel Pereira, que tomou posse por
procuração em 19 de junho de 1626, e faleceu em Lisboa em 16 de agosto de 1630. Tinha
parentes na Bahia, Frei Jaboatão, Cat. gen., cit. Cavalcantes, etc. Seu sucessor, D. Pedro da Silva
e São Paio, chegou à Bahia em 19 de maio de 1634 e aqui faleceu em 15 de abril de 1649.

443 Quanto aos moradores, em 23 de abril se quotizaram para oferecer aos soldados 15 mil
cruzados a título de animação, Atas da Câmara da Bahia, ms., Docs hist. do Arq. Mun., i, p. 358,
1945. Alegavam que o inimigo estava na “roça do Padre Ribeiro e senhor de Itapagipe, e
chegando já às nossas trincheiras [...]”

444 V. nosso estudo sobre o ataque à Bahia de 1638, Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxvi, p.
206. Valioso informe é uma carta de Henrique Moniz Teles, ms. publ. in Brasília, i, p. 554.
Relata as depredações feitas no recôncavo, donde tiraram mais de 2 mil negros.

445 Diz o Pe. Vieira que os holandeses dispararam 1.600 tiros; e Duarte de Albuquerque,
Memórias diárias, p. 162 — 1.446 balas...

446 Sermão de Santo Antônio, 1638, pp. 93–128, ed. de 1638, que anotamos (p. 48, Por Brasil
e Portugal).

447 V. Docs. hist., xviii, p. 84. O Capitão Paulo Cardoso de Vargas fez em cinco dias uma
plataforma artilhada e teve a idéia de pôr artilharia no adro da Sé, certidão de 1644, Arq. Hist.
Col., Lisboa. Nisto seguia o exemplo dos holandeses em 1624.

448 De Pedro Cadena de Vilhasanti é a correspondência sobre a luta na Bahia, existente no


Arq. Hist. Col., Lisboa, de que nos deu as primícias o Pe. Sera m Leite, Páginas de história do
Brasil, São Paulo, 1937, e publicou em 1941, sob o título de Relação diária do cerco da Bahia,
Lisboa. No mesmo ano de 38 se editou em Madri, Relación de la victoria que alcanzaron las
armas catolicas en la Bahia..., Catalogue of Spanish Books, Martinus Nijhoff, n. 803, Haia.
Outros folhetos sobre o sucesso, consultamos em New York Library: Relación verdadera de la
gran victoria que han alcanzado en el Brasil la gente de la Bahia, Sevilha, 1638; Relación
verdadera y carta nueva por un artillero..., Bernardo Muñoz..., 1638.

449 De 1635 é o compêndio de loso a de Vieira, que se lia no colégio da Bahia ainda no
começo do século xix, cf. Cônego Antônio Joaquim das Mercês, ms. de 1851, no Inst. Hist. da
Bahia, n. 185, m. iii, ignorado de seus biógrafos.

450 José Cassiano Neves, in Ocidente. Lisboa: 1940, n. 30, p. 91; e Jardins e palácio dos
Marqueses de Fronteira. Lisboa: 1954, p. 79.

451 Docs. hist., xviii, p. 52.


452 Instruções, ms. in códice Correspondência do Conde da Torre, inéd., hoje no Ministério
das Relações Exteriores, Rio. Transcreve R. Garcia, nota a Varnhagen, op. cit., ii, p. 412, o
Regimento que trouxe o Conde da Torre, mas referente apenas à administração nanceira.

453 Carta de 21 de julho de 1638, Madri, ms. inéd., in Correspondência do Conde da Torre,
códice mencionado.

454 É a crítica holandesa, Garcia, nota a Varnhagen, ibid., ii, p. 378, a que adere Varnhagen,
porém com injustiça. Das cartas do conde, na Bahia, se vê que trouxera os navios mal
abastecidos, na esperança de encontrar na terra o su ciente, e nada achando, tivera de demorar-
se, até virem do Sul (e de Buenos Aires!) os gêneros encomendados. A culpa não foi dele, mas
da pressa (para socorrer a Bahia sitiada) com que partiu, iludido pela promessa dos recursos
que na colônia havia.

455 Carta in R. Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 422. Nos Livros da Câmara da Bahia (ms. no
arq. desta) vemos que em 26 de janeiro (1639) se consignava a abundância de farinha do reino,
existente com a chegada da frota... Entretanto em abril o Conde da Torre, depois de proibir o
plantio do tabaco, obrigava os moradores a tratarem de fabricar farinha de mandioca — o que,
vale dizer, deixou que se dispersassem os víveres necessários para a missão, a que vinha.
Observe-se que, “retirando-se o Conde de Banholo a esta praça, se uniu todo o governo militar,
quando o Conde da Torre passou a este estado, por capitão-general de mar e terra. Assim se
conservou até o presente”, escreveu o Conde de Atouguia em 1655, Docs. hist., iv, p. 264.

456 Sobre o comércio com Buenos Aires a este tempo, R. de Lafuente Machain, Los
Portugueses en Buenos Aires. Buenos Aires: 1934, p. 108.

457 Eram os homens mais ricos do Brasil. Sobre Diogo de Aragão Pereira, genro de Baltasar
de Aragão, P. Calmon, Hist. da Casa da Torre, p. 121. Francisco Fernandes (da Ilha), sogro de
Nicolau Aranha Pacheco, foi senhor da Ilha da Maré, e benfeitor da Misericórdia da Bahia: aí o
seu retrato, o mais antigo desta galeria. Mateus Lopes Franco, contratador de dízimos, era
senhor de engenho, além de mercador. Queimaram-lhe um engenho os holandeses em 1638,
Duarte de Albuquerque, Memórias diárias, ed. de 1638, p. 164. Antônio da Silva Pimentel,
alcaide-mor da Bahia dezesseis anos, era genro de Pero Garcia, morto em 1624, v. Frei Jaboatão,
Cat. gen., tít. Silvas Pimentéis.

458 Francisco Pereira do Lago tem a notoriedade do morgado de Santa Bárbara — o


principal da cidade baixa, na Bahia — que fundou em 1641, Melo Morais, Crônica geral e
minuciosa do Império do Brasil. Rio: 1879, p. 47. Arrendara o contrato dos dízimos da Bahia
em 1636–7, Docs. hist., xvii, p. 136. Em 1642 foi tenente-general da artilharia, Miralles, op. cit.,
p. 45. No Cat. gen., citado, a sua descendência.

459 “Sermão da Santa Cruz”, pregado em 30 de maio de 1639 “estando na Bahia a armada
real”, Por Brasil e Portugal, p. 69. Tais os delitos, que as mulheres não podiam sair à habitual
missa da madrugada, diz um relatório holandês, Rev. do Inst. Arqueol. Pernambucano, v, pp.
21–2.

460 Eco político. Lisboa: 1645, p. 12.


461 Entre os brasões da expedição guravam D. Sancho Manuel, futuro Conde de Vila-Flor,
Docs. hist., xviii, p. 135; Antônio de Sousa de Meneses, que foi governador-geral, Varnhagen,
História das lutas holandesas, p. 330; Francisco Barreto, o Conde de Castelo Melhor, também
futuros governadores-gerais do Brasil.

462 Docs. hist., xviii, pp. 173–4.

463 Sermões, ix, p. 359.

464 Serm., ix, p. 359. O índio Camarão, em companhia do Padre Afonso Ferreira, Docs.
hist., xviii, p. 123, seguiram por terra.

465 Gaspar Barleo, O Brasil holandês sob o Conde João Maurício de Nassau, edição do
Ministério da Educação, p. 186.

466 Barleo, op. cit., p. 190.

467 Com o cunhado D. Francisco Rendon fora de São Paulo o Alferes Bartolomeu Bueno,
lho de Amador Bueno; e embarcou no galeão Jesus Maria, de Castela. Deu em São Domingos.
Indo para o reino o tomaram os franceses, Livro de mercês gerais, ms. no Arq. Hist. Col.,
Lisboa. O Capitão Antônio Raposo Tavares juntara-se ao Conde da Torre na Bahia, com 150
paulistas, Docs. hist., xvii, p. 418, que formaram uma companhia incluída na infantaria
espanhola.

468 Livro de atas da Câmara da Bahia. A última em que aparece o nome do Conde da Torre
é de 1º de maio de 1640. Montalvão empossou-se em 26 de maio, Miralles, ibid., p. 143.

469 Merecem ser citados os companheiros de Barbalho: Francisco Barreto, que seria o
general da Restauração de Pernambuco; Capitão Hilário Nunes de Matos, Docs. hist., xviii, p.
246; Amaro Velho de Cerqueira, Docs. hist., xx, p. 78; Lourenço de Brito Correia, Docs. hist.,
xix, p. 470; Manuel de Hinojosa, Lourenço Cavalcanti de Albuquerque e Manuel Camelo,
adiante mencionados; Manuel Alves e Manuel de Araújo, Docs. hist., xxiv, pp. 223 e 295; Pedro
Gomes, depois mestre-de-campo, Docs. hist., xxv, p. 39; Manuel Carvalho Fialho, Docs. hist.,
xxx, p. 376, que perdeu dois irmãos na retirada; Manuel Lopes, general na guerra dos Palmares,
Melo, Biogra as, etc., ii, pp. 170–2; Pedro de Oliveira, depois ajudante no Rio, Docs. hist., xxi, p.
241; Pedro do Canto Coelho, Docs. hist., xxvi, p. 39; Francisco Pereira Guimarães, Docs. hist.,
xxvi, p. 183 (foi capitão-mor do Rio Grande); Gregório Peixoto, Docs. hist., xxv, p. 335; Antônio
de Andrade, Anais do Arq. Públ. da Bahia, viii, p. 32; Ascenso da Silva, Docs. hist., xix, p. 352;
Pedro de Miranda, Docs. hist., xix, p. 387. Do contingente paulista citam-se Antônio da Cunha
Abreu, os irmãos Valentim e Luís Pedroso de Barros, outros a que se refere J. P. Leite Cordeiro,
São Paulo e a invasão holandesa. São Paulo: 1949, pp. 124 e ss.

470 Patente do Capitão Antônio de Andrade, Anais do Arq. Públ. da Bahia, viii, p. 33 (as
demais patentes de veteranos da retirada insistem na enumeração dos mesmos sucessos). Cousa
digna de gregos, diz D. Francisco Manuel. Epanáforas, também Fr. Manuel Calado, O valeroso
Lucideno, pp. 73–4, Lisboa, 1668, Fr. Rafael de Jesus, Castrioto lusitano, p. 165... Hierônimo de
Hinojosa declarou que em Goiana degolara mais de 50 inimigos, Livro de mercês gerais, ms. no
Arq. Hist. Col., Lisboa. Lourenço Cavalcanti diz que na retirada lutavam “comendo cavalos e
cachorros”, Livro 22 de mercês ger., ms. no mesmo arq., f. 545. E Manuel Camelo, Docs. hist.,
xxi, p. 296: “[...] no assalto que pelas 2 horas da noite deu a 800 holandeses no engenho de
Goiana de que se degolaram 500 amengos; na investida que pelo romper d’alva da mesma
noite se fez a uma casa-forte em que se recolheram os que escaparam; no recontro que a 1.500
holandeses se teve no engenho do Salgado”. V. também Docs. hist., xx, p. 78.

471 Sermão pelo bom sucesso, etc., 10 ou 11 de maio de 1640, op. cit., p. 96.

472 R. Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 389.

473 Ficara no governo durante a ausência do conde, a partir de 21 de outubro de 1639, o


Mestre-de-campo D. Vasco Mascarenhas, Conde de Óbidos, por carta de 22 de dezembro de 36.

474 Sobrevindo a Restauração, em 1640, foi o conde que induziu o comandante da Fortaleza
de São Julião da Barra, D. Fernando de la Cueva, a entregá-la, Damião Peres, História de
Portugal, vi, p. 9; e Consiglieri Sá Pereira, A restauração vista de Espanha. Coimbra: 1933, pp.
85 e ss. D. Francisco Manuel escreveu-lhe uma das “cartas familiares”. Faleceu em 9 de agosto de
1651. Sobre a sua descendência, Pe. Antônio Carvalho da Costa, Corogra a portuguesa. Braga:
1862, ii, p. 415, 2ª ed. O 2º Conde da Torre, seu lho, herói de Évora, em 1662, fundou a
admirável Casa dos Marqueses de Fronteira, em Lisboa. V. José Cassiano Neves, op. cit., p. 80.

475 Vieira, “Sermão da Visitação”, Serm., ix, p. 306.

476 Ao Conde de Linhares, em 1637, se oferecera já o título de vice-rei do Brasil, cf.


Consiglieri Sá Pereira, op. cit., p. 50.

477 Mestre-de-campo, com Gaspar de Sousa, de um dos primeiros Terços que houve no
reino, Epanáforas, p. 178. Entrou em palácio a 23 de junho de 1640, cf. Livro de atas da Câmara
da Bahia. Esta a data da posse?

478 O Padre Vieira, na festa da Visitação de Nossa Senhora, 2 de julho de 1640, saudou, do
púlpito da Misericórdia, o Marquês de Montalvão, Por Brasil e Portugal, p. 129. Este sermão por
certo lhe deu a amizade do vice-rei, manifestada na importante comissão com que foi a
Portugal no ano seguinte.

479 A esquadra do Coronel Koin atacou Espírito Santo em 28–30 de outubro. Os moradores
refugiaram-se no castelo e mataram 60, ferindo 80 inimigos, Garcia, nota a Varnhagen, ii, p.
390. Verdadeiro milagre, cf. Jaboatão, Novo Orbe Será co, i, p. 92. Vimos em New York Library,
Traslado de una carta enbiada del Brasil a un caballero desta corte dandole cuenta de las
grandes victorias que han tenido las armas católicas de S. M. D. Filipe iv, N. S., governadas por
D. Jorge Mascarenhas, Conde de Castillo y Marqués de Montalvan, Madri, 1640.

480 Os capitães escolhidos para essa missão eram Henrique Dias e Paulo da Cunha, Fr.
Rafael de Jesus, Castrioto lusitano, p. 165. Das Atas da Câmara da Bahia consta entretanto que
se fez junta em palácio, em novembro, sobre o mocambo que devia ser atacado por Henrique
Dias e a conveniência de levar padre, que soubesse a língua dos pretos aquilombados. Teria
Henrique Dias interpretado à sua maneira as instruções do vice-rei?

481 Frei Manuel Calado, O valeroso Lucideno, p. 76.


482 V. Rodrigues Cavaleiro, 1640, Richelieu e o Duque de Bragança. Lisboa: 1942, pp. 31 e
ss.

483 V. Gio. Battista Birago, Delle historie memorabili che contiene delle sollevationi di stato
de nostri tempi. Veneza: 1653, p. 107. Sobre a psicologia do ministro, Gregório Marañón, El
Conde-duque de Olivares.

484 V. polêmica de Oliveira Martins e Camilo, sobre “Os jesuítas e a Restauração”, in Boêmia
de espírito. Porto: 1920, 3ª ed.

485 “Sermão do Dia de Reis” (omitido na edição princeps), pregado a 6 de jan., 1641.

486 J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira. Lisboa: 1931, i, p. 55.

487 Referia-se o pregador ao verso do sapateiro Bandarra, trova lxxxvi, ed. de Barcelona,
1809: “Antes que cerrem quarenta/ erguer-se-á a grão tormenta”. Ignorava que a 1º de dezembro
de 40 se dera em Lisboa a revolução restauradora.

488 “Sermão”, citado; v. nosso Por Brasil e Portugal, p. 204, sermões de Vieira anotados, São
Paulo, 1938.

489 Decisão de 3 de janeiro de 1641, “Consultas do Serviço Real”, cód. 30, ms. no Arq. Hist.
Col., Lisboa, inéd.

490 Livro de atas. Bahia: 1949, ii, p. 9. V. Accioli, Mem. hist. e pol., ii, p. 21. No “Sermão das
exéquias de D. João iv”, p. 295, disse Vieira: “Apontou el-rei ao Brasil, e primeiro à cabeça, onde
estavam dois terços de infantaria castelhana e um de napolitanos, com um vice-rei tão
bene ciado, de Castela; [...] pôs Deus a mão, veio a cabeça do Brasil, e após ela todos os
membros”.

491 Atas da câmara, 6 de abril de 1641: “Muito trabalho no apresto das festas que se fazem a
el-rei”.

492 Atas, cit., ii, p. 20.

493 Atas, ii, p. 43. Manuel Maciel era acusado de ter ido pedir dinheiro para a viagem aos
jesuítas, “per ordem do Marquês de Montalvão”. Enquanto os outros preferiam Vieira, que
falaria certamente pelos interesses da gente e do país. Digladiavam-se surdamente os grupos:
aquele, mais próximo dos espanhóis; este, esperançoso de autonomia e poder. Não esqueçamos
que na Europa pleiteou Vieira a liberdade de comércio e sobretudo a causa dos cristãos-novos
(de quem se fez destemido advogado), contra a intolerância.

494 Relaçam da aclamação que se fez na capitania do Rio de Janeiro do Estado do Brasil e
nas mais do Sul, ao Senhor Rey Dom João o iv, em Lisboa, por Jorge Rodrigues, ano de 1641
(nova estampa, por Francisco Morais, conservador da sala do Brasil da Universidade de
Coimbra, nesta cidade, em 1940, fac-similar). Também na Rev. do Inst. Hist., v, pp. 343–52.
Esse folheto é de evidente defesa de Salvador Correia cujo espanholismo de mãe, esposa,
cunhado, dera que pensar, na Bahia e na corte. João Antônio Correia foi o emissário da notícia
da aclamação a Portugal, e lá pediu o lugar de juiz das avarias, Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 227.
495 Fr. Gaspar da Madre de Deus, Memórias para a hist. da cap. de São Vicente, p. 240.

496 Registo geral da Câmara de São Paulo, vii, p. 251; e Afonso d’E. Taunay, História geral
das bandeiras paulistas, iii, p. 132.

497 Carta de 15 de janeiro de 1642, ms. in Arq. Hist. Col., Lisboa (que pela primeira vez
divulgamos in O segredo das minas de prata, p. 100).

498 O Conselho Ultramarino deliberou, 7 de maio de 1644, dar o hábito de São Bento com
12$000 de pensão ao Alferes Amador Bueno, por seus serviços e “visto ser de utilidade seu pai
em São Paulo por o descobrimento das minas de que V. M. aí manda tratar”. É a única
referência que desse tempo achamos ao “aclamado”, Livro de mercês gerais, ms., f. 208, Arq.
Hist. Col., Lisboa.

499 Afonso Taunay, Hist. ger. das band. paul., iii, p. 109; cf. Frei Gaspar, op. cit., p. 245.

500 A Marquesa D. Francisca de Vilhena realmente concitou o marido a resistir, chamando


de traição a revolta de 1º de dezembro, carta de 6 de fev. de 41, José Caldas, História de um
fogo-morto. Porto: 1903, p. 129, nota. No mesmo sentido D. Pedro Mascarenhas escreveu ao
pai, em 12 de fevereiro.

501 Miralles, op. cit., p. 144. Corrige neste passo Rocha Pita, a quem Varnhagen seguiu, Hist.
ger., ii, pp. 395–6. D. João iv nomeou o mesmo triunvirato, cf. carta de 4 de maio de 1641,
transcrita por Fr. Jaboatão, Cat. gen., e endereçada a Manuel Gonçalves de Barros.

502 Miralles, ibid., p. 144. Resume D. Francisco Manuel, Epanáforas, p. 179: “Este é aquele D.
Jorge, que foi varão, entre os nossos, assaz notável (e ainda entre os do mundo) pela
desigualdade de fortunas que passou”. Viera D. Sancho Manuel, depois Conde de Vila-Flor, na
armada do Conde da Torre, cf. patente de 31 de outubro de 1639, Docs. hist., xviii, pp. 135–7.
Seria o maior general da última fase da guerra da Restauração. Luís da Silva Teles casou com
uma lha de Salvador Correia de Sá.

503 Conde de Ericeira, Portugal restaurado. Lisboa: 1751, i, p. 147. Con rma D. Francisco
Manuel, Tácito português, apógrafo na Bibl. Nac., ed. da Acad. Bras., 1940, que os triúnviros
foram castigados. Lourenço de Brito foi preso para o reino, Barbalho removido para o Rio de
Janeiro. Aliás já estava indicado para governador do Rio, desde 1637, Docs. hist., xvii, p. 2. Seus
lhos ali caram. Jerônimo Barbalho foi mandado degolar por Salvador Correia após um
motim e Agostinho Barbalho, governador, morreu quatro anos depois (1664), procurando as
minas do Espírito Santo. A descendência de Barbalho subsiste por sua lha, casada na Bahia
com Antônio Ferreira de Sousa (Monizes).

504 D. Francisco Manuel, Tácito português, cit.

505 É índice dessa gratidão a carta régia de 26 de outubro de 1645 que deu ao herdeiro do
trono o título de príncipe do Brasil. Foi o 1º D. Teodósio, e assim todos os herdeiros da coroa,
até D. Pedro, lho de D. João vi (1817–22), príncipe e, com a independência, Imperador do
Brasil.

506 V. Pe. Vieira, “Sermão das exéquias de D. João iv”, Serm., xv, p. 293.
507 Livro de atas da Câmara da Bahia, 1641. Os dízimos da Bahia foram arrematados entre
1º de agosto de 1636 e 11 de junho seguinte por 20 contos. Representara um aumento de 7.500
cruzados sobre a arrematação de 1631, Docs. hist., xvii, p. 128. O arrendatário era Francisco
Pereira do Lago, Docs. hist., xvii, p. 136, que em 1641 instituiu o morgadio de Santa Bárbara, na
cidade baixa, Melo Morais, Crônica geral. Rio: 1879, p. 47.

508 Os moradores pediram em 1649 a suspensão da vintena, Atas da câmara, iii, p. 89, que
foi substituída pelo imposto de meia pataca sobre canada de vinho e azeite de peixe.

509 Rocha Pita, op. cit., p. 147.

510 Atas da Câmara da Bahia, ii, p. 15.

511 Casa dos Vinte e Quatro chamava-se o Palácio dos Estaus em Lisboa, por ser a sede da
representação dos misteres, cada um destes com dois delegados eletivos. A Casa dos Vinte e
Quatro foi criada em 1384 pelo Mestre de Avis (D. João i), numa época de excitamento das
paixões populares que tornara também necessária esta agremiação dos ofícios. Em 1539 deu-
lhes nova ordem. Graças a Virgílio Correia conhecemos os regimentos da Câmara de Lisboa, de
1572, v. J. Lúcio d’Azevedo, in História de Portugal. Barcelos: 1931, iii, pp. 659–61, dirigida por
Damião Peres. Deste regime deslizaram para a linguagem comum várias expressões
signi cativas: mestre-de-obras, obra-prima (a da aprovação dos o ciais), aprendizes ou
obreiros... E — como diremos — a tradição dos santos protetores de cada corporação, viva
ainda hoje nos costumes luso-brasileiros. (De Virgílio Correia, Livro dos regimentos dos
o ciais mecânicos..., Coimbra, 1926.)

512 Eram estes misteres caldeireiro, correeiro, alfaiate, barbeiro, ourives, pedreiro, sapateiro,
tanoeiro, marceneiro, ferreiro, completando o número mais um barbeiro e um alfaiate, Atas, ii,
pp. 16–7.

513 No Rio, pedira a câmara, em 1624, licença para eleger dois o ciais de misteres. Tinha
quatro em 1661, com a bandeira do respectivo santo, Vieira Fazenda, in Rev. do Inst. Hist., lxvi,
pp. 152–8. Nas festas de 1622 as artes eram em Lisboa “do lavrador, caçador, soldado,
marinheiro, surgião, tecelão e ferreiro”, Sousa Viterbo, Artes e artistas em Portugal. Lisboa:
1892, p. 261. Diremos como desapareceu esse sistema no Brasil, no século xviii. Nem podia
durar, com a absorção pelos escravos das atividades manuais.

514 Constantino Bayle, Los Cabildos Seculares en la América Española. Madri: 1952, pp.
234–5.

515 Atas da Câmara da Bahia, ii, p. 32.

516 Docs. hist., xxxii, pp. 389–91. A Provisão de 1644 (v. Afonso Rui, História política e
administrativa da cidade da Bahia. Bahia: 1949, p. 193) fora aprovada pelo Desembargo do
Paço dois anos antes (12 de março de 1642). Em 1674 os representantes dos misteres pediam os
mesmos direitos da Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, Docs. hist., vol. cit., p. 385. A
incompatibilidade do Juiz do Povo com a vereação ordinária ressalta do pedido para que se
afastasse do estrado, cf. Atas, ii, pp. 111–2.

517 Ms. no Arq. Hist. Col., Bahia, Serviços de partes, n. 1527, inéd.
518 Documentos históricos do Arquivo Municipal, Cartas do Senado, i, pp. 118–9 Bahia,
1951.

519 V. Afonso Rui, op. cit., p. 196; Varnhagen, ibid., iii, p. 167.

520 Arq. Mun. da Bahia, Cartas do Senado, i, p. 118. Houve ainda cortes em Lisboa em 1674,
77, 79 e 97; v. Alfredo Pimenta, Elementos de história de Portugal. Lisboa: 1936, p. 552. O
episódio da procuradoria de Gregório de Matos não era conhecido de seus biógrafos.

521 Carta ms. citada por Hernâni Cidade, in Anais do iv Congresso de História Nacional.
Rio: 1951, xi, p. 39.

522 Falhara a tentativa de ocupação de Angola em 1627, Elias Alexandre da Silva Correia,
História de Angola. Lisboa: 1937, i, p. 241. Pedro César em 1641 abandonou inexplicavelmente
a cidade, ibid., i, p. 248, cuja tomada descreve Van Baerle, O Brasil holandês..., p. 227. Esclarece
honestamente Barleo que o Conselho Diretor da Companhia mandara explorasse Nassau a
revolução portuguesa, ampliando o domínio holandês, ibid., p. 225.

523 Barleo, op. cit., p. 232.

524 Carta de 6 de agosto de 1643, cf. Hernâni Cidade, Anais, cit., xi, p. 38.

525 Carta de Antônio Teles da Silva, 6 de agosto de 1643. Os holandeses alegavam “que os
nossos no Maranhão se tinham levantado com a sua gente que lá tinha, e degolando-os, o que
souberam por via de um navio que havia três ou quatro dias lhes tinha chegado de
Pernambuco”, “Relação de dois jesuítas”, publ. por Eduardo Brasão, in Ocidente, n. 25, p. 274.

526 Gedeon Morris, prisioneiro no Amazonas em 1628, em 1637 apresentara à Companhia


os planos da conquista do Maranhão e Pará, Capistrano de Abreu, Capítulos de história
colonial, p. 161 da 2ª ed.; Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 430.

527 Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 432.

528 Eduardo Brasão, A restauração, p. 352. Sobre este, Hernâni Cidade, in Brasília. Coimbra:
1942, i, pp. 196–7.

529 Filho do “grande ministro” Luís da Silva e de D. Mariana de Alencastre — esclarece D.


Francisco Manuel no Tácito português — exercia o comando das armas no Alentejo, onde foi
substituído por Joanne Mendes de Vasconcelos muito apadrinhado por Montalvão. Antônio
Teles recebeu como uma compensação o governo do Brasil. Figurara nos acontecimentos da
Restauração, em 1º de dezembro de 1640, e foi o único ferido nesse dia memorável, durante o
assalto à secretaria de Miguel de Vasconcelos. Trouxe regimento de 60 capítulos, datado de 16
de junho de 1642, códice ms. no Arq. do Palácio do Conde dos Arcos, Lisboa, inéd.

530 Netscher, op. cit., p. 104. O sítio de Vrijburg é o do Palácio do Governo do Recife, na
ponta norte da ilha, onde a con uência dos rios e a vista de Olinda aumentam o interesse do
lugar. O palácio foi poupado nos arrasamentos que se zeram em 1645. Parece que só lhe
mutilaram as torres, bom alvo para a artilharia. Mas com torres ou sem elas, foi aproveitado
após a capitulação do invasor. “Vi a certidão que V. M.ce me remete do escrivão da Fazenda
sobre o Quartel das Torres em que moravam os governadores dessa capitania”, 1687, Docs. hist.,
x, p. 252. “Obra amenga toda feita de tijolos [...] e assim haver mister de as ditas torres rasar
até o meio para carem no ponto das suas casas”, 1686, doc. citado por Pereira da Costa, Anais
pernambucanos, iv, p. 185. “Onde existia o palácio que hoje já não existe”, 1724, P. da Costa,
ibid., iv, p. 188. Foi reconstruído em modesta forma para Erário Régio.

531 Crê Pereira da Costa que parte do Palácio da Boa Vista (de que Franz Post dá o desenho
divulgado no livro de Barleo) foi aproveitado pelos carmelitas no convento, que lhe ocupou a
antiga área.

532 Natural de Leide (1612–80) foi Franz Post o mais el intérprete, nas telas documentais,
da natureza (com os aspectos humanos) do Brasil holandês. De 44 delas nos dá reprodução
fotográ ca J. de Sousa-Leão, Frans Post, Recife, 1937 (v. também Garcia, nota a Varnhagen, ii, p.
373; Argeu Guimarães, Na Holanda com Franz Post, Rio, 1957). Possui nove o Museu do
Louvre, France et Brésil, pp. 50–1. Quanto ao outro pintor omas omsen, Albert Eckout:
Ein niederlandischer maler und sein göner Moritz der Brasilianer, Copenhague, 1938. No
Museu Nacional de Copenhague, sala Eckout, se guardam sete quadros grandes e dez
pequenos, do artista, que trabalhou principalmente em 1643, sendo de notar (anotamos na
visita feita ao Museu, em 21 de julho de 1952) os retratos da bela africana, da mameluca de
colar rico, do menino e do chefe negro. D. Pedro ii fez copiar vários (para o Instituto Histórico).
Lá se conservam alguns dos objetos indígenas que serviram de modelo a Eckout, assim o nosso
primeiro pintor-etnógrafo.

533 De Zacarias Wagener há desenhos em que predomina o pitoresco. Alemão, de Dresden,


chegou a governador nas Índias Holandesas (1614–68), v. O. Quelle, Zacharias Wagener und
sein Brasilienwerk, in Ibero Amerikanisches Archiv. Berlim: 1936, abril, n. 46. Não podemos
incluí-lo entre os artistas da missão de Nassau. Foi amador e homem de armas.

534 Nassau retalhou o seu tesouro artístico, vendendo parte, em 1652, por 50 mil táleres, ao
eleitor de Brandemburgo, e dando outra, em 1679, a Luís xiv. V. omsen, op. cit., p. 177, e
Mauritz der Brazilianer — Teutoonstelling — 7 de abril – 17 de maio de 1953 — Haarlem
(exposição de cujo comitê participou o ministro brasileiro J. de Sousa-Leão).

535 Traduzida por Mons. José Procópio de Magalhães, edição do Museu Paulista, São Paulo,
1942: História natural do Brasil. A mais importante obra de história natural àquele tempo
(Gudger), é título de glória para o primeiro naturalista que no sentido moderno se ocupou da
América, Carlos E. Chardon, Los Naturalistas en América Latina, p. 48, C. Trujillo, 1949.
Segunda edição, 1658, enriquecida com as observações médicas de Piso e as astronômicas de
Marcgrave, também matemático e cartógrafo (cf. A. Taunay, pref. à trad. da Hist. nat., p. xxxiv),
contém nos livros iii e iv a parte de Marcgrave.

536 Vieira, Cartas, iii, p. 148, ed. J. Lúcio.

537 Traduzida por Mário Lobo Leal, História natural e médica da Índia Ocidental. Rio:
Instituto Nacional do Livro, 1957, 5 livros.

538 Clássico holandês, reputado um dos grandes poetas da língua, dele reproduz Barleo dois
discursos, op. cit., pp. 242 e 309.

539 H. Wätjen, ibid., p. 401.


540 V. José Antônio Gonsalves de Melo, Tempo dos amengos, pp. 35 e ss.; C. R. Boxer, e
Dutch in Brazil, cap. iv.

541 V. H. Wätjen, op. cit., pp. 392 e ss.

542 Carta de Alexandre de Sousa Freire, 28 de abril de 1669: “Vi a carta que V. S. me
escreveu em 20 de janeiro acompanhando a relação das fortalezas que há nessas capitanias: e a
despesa que V. S. me diz se fez sempre com as ruínas, que têm por serem as mais delas de torrão
areento. E como a principal de todas é do Brum [...] estava o povo resolvido a fabricá-la de
pedra e cal”, Docs. hist., ix, p. 333. E em 19 de julho de 1670: “Recebi a carta de V. M.ce
(engenheiro Antônio Correia Pinto) com as plantas nova e velha da Fortaleza do Brum e
estimei que tenha V. M.ce o merecimento de emendar nela o que obraram os holandeses, etc.”,
Docs. hist., ix, p. 372.

543 “Não é exagerado que se compute em mais de £15.000.000 o valor do açúcar distraído
para os Países Baixos durante a ocupação holandesa”. Cousa de £20 milhões, somando os
demais efeitos mercantis, Roberto Simonsen, Hist. econ. do Brasil, i, p. 181. Sobre o movimento
em 1644, v. C. R. Boxer, ibid., pp. 277–9.

544 V. Pereira da Costa, Anais pernambucanos, iii, pp. 136–41.

545 Henrique Henriques de Noronha, Nobiliário da Ilha da Madeira. Funchal: 1947, iii, p.
504. Este nobiliário não é do m do séc. xviii, mas de 1700, como se lê no frontispício do
apógrafo.

546 V. José Antônio Gonsalves de Melo, João Fernandes Vieira. Recife: 1956, i, p. 15. “De
uma mulher rameira a que chamam a Benfeitinha e de um homem que lhe dão por pai, que foi
ali degredado em título de ladrão”, doc. cit. pelo mesmo autor, ibid., p. 15. Os papéis holandeses
pormenorizam: “Sua mãe é uma negra e do seu pai não se sabe o paradeiro”, ibid., p. 18. Já os
portugueses, como Fr. Manuel Calado, aludem com respeito, “de nobre, ilustre e grave pai
nascido”, O valeroso Lucideno. Recife: 1942, pp. 122 e ss. O biógrafo duvida, com razão, do
Nobiliário, no que se refere ao nome primitivo, Francisco, trocado em João. Não há nenhuma
con ssão de Vieira, que aliás tanto escreveu de si, sobre a razão ingênua ou maliciosa da
mudança. A chave do mistério pode estar na circunstância de ser lho natural, egresso da
família, a adotar talvez o sobrenome da mãe pobre. O seu retrato no Castrioto lusitano aparece
brasonado com as armas de Ornelas e Monizes, Lima Breyner; e J. A. Gonsalves de Melo, ibid.,
p. 13: não é preciso mais, para con rmarmos a paternidade. Porém sempre João Fernandes
Vieira, o que parece implicar a ressalva da ilegitimidade.

547 Doc. in J. A. Gonsalves de Melo, ibid., i, p. 30.

548 Um dos raros vestígios deixados no Recife pelos holandeses (talvez por tolerância do
próprio João Fernandes Vieira, seu antigo sócio) é uma lembrança desse judeu amengo.
Consiste na estátua de um peregrino em pedra e o dístico, Jacob Bish Ginea me — que estava
na casa que fora dele à Rua da Cruz, casa que passou à propriedade de Vieira e foi demolida
quando da remodelação da cidade. Agora no Inst. Arqueológico Pernambucano. A gura (a
indicar o sítio da sinagoga ou a qualidade de rabino) ostenta um livro... Aliás a sinagoga
daquela rua dos Judeus (da Cruz, em 1654) foi dada por Francisco Barreto a Vieira, cf.
Inventário das armas etc., p. 188, da 2ª ed.
549 Leia-se Varnhagen, Hist. das lutas, p. 255.

550 Casou-se Vieira com D. Maria César, lha do madeirense Francisco Berenguer de
Andrada e D. Joana de Albuquerque, esta lha de Antônia da Rosa e Simoa, lha natural do
velho Jerônimo de Albuquerque e Maria do Espírito Santo Arcoverde (Borges da Fonseca,
Nobiliarquia pernambucana, i, p. 465, ii, p. 227; Gonsalves de Melo, op. cit., i, p. 66). Leia-se
também C. R. Boxer, e Dutch in Brazil, p. 105, passim.

551 Fr. Vicente, op. cit., p. 498; Pe. Sera m Leite, Hist. da Comp. de Jesus, iii, p. 112;
Varnhagen, ibid., ii, p. 405.

552 Capitães: Pedro da Costa Favela, Bento Rodrigues de Oliveira (também naturais do
Brasil) e Aires de Sousa Chichorro.

553 Morreu de doença, não em combate (é o que se depreende dos docs. publ. pelo Pe.
Sera m Leite, ibid., iii, p. 109).

554 Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 433.

555 V. Diogo Lopes de Santiago, História da guerra de Pernambuco e feitos memoráveis do


Mestre-de-campo João Fernandes Vieira. Recife: 1943, caps. xxv e xxvi, 2ª ed.

556 Obras escolhidas. Lisboa: Clássicos Sá da Costa, iii, p. 35, pref. e notas de Antônio Sérgio
e Hernâni Cidade. Também no papel de 1647 sobre a compra de Pernambuco, ibid., iii, p. 25.

557 Nieuhof, Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil, trad. de Moacir N.


Vasconcelos, p. 88.

558 Nieuhof, ibid., p. 97.

559 Nieuhof, ibid., p. 109.

560 “Sermão de São Roque”, 1644, anotado na edição de nitiva, Serm., viii, p. 79. — Veja-se
Brasilische Gelt-Sack. Waer in dat Klaerlijck vertoont wort waer dat de Participanten Van de
West-Indische Comp. haer Geltl ghebleben is. Gedruckt in Brasilien op’t Reciff in de Bree-Bijl,
Anno 1647 (vimos os ex. da Livraria do Congresso, de Washington, e John Brown Library).
Dado como impresso no Recife; mas não consta houvesse tipogra a holandesa no Brasil,
Wätjen, op. cit., p. 38; v. Lawrence C. Wroth, A History of the Printed Book. Nova York: 1938, p.
178. Informa-nos sobre os contratos que a insurreição interrompera, nomeia os contratantes, e
acusa João Fernandes Vieira de “grande traidor”. Pedira em 1641 redução de sua dívida. O total
ia a 38 mil orins. Saiu essa obra dos prelos de Holanda, Alfredo de Carvalho, Anais da
imprensa periódica pernambucana. Recife: 1908, p. 27.

561 Outra atitude de Vieira concordante com as doutrinas então correntes foi a sua apologia
do 5º Império, que por esse tempo Menasseh-ben-Israel pregava, como augúrio da paci cação
messiânica, v. Julius H. Greenstone, e Messianic Idea in Jewish History. Filadél a: 1945, p.
218.

562 J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira, i, p. 91.


563 Mendes dos Remédios, Os judeus portugueses em Amsterdã. Coimbra: 1911, p. 52;
Arnold Wiznitzer, in Anais da Bibl. Nac., lxxiv, p. 216, 1953. Não esqueçamos que Gaspar Dias
Ferreira também induziu Van Baerle a escrever o seu livro. Estivera pela primeira vez no Brasil
em 1618. Amigo de Nassau, ajudou a diplomacia portuguesa a demovê- lo de nova comissão na
América. V. também José Antônio Gonsalves de Melo, Tempo dos amengos, pp. 295 e ss.;
Arnold Wiznitzer, e Minute Book of Congregations Zur Israel of Recife, vol. xlii de American
Jewish Historical Society, 1953.

564 Cartas, ed. de 1885, i, p. 13.

565 Ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, Papéis avulsos, inéd. O governador, para antecipar a
agressão, dos 7 mil homens que viriam na próxima frota, talvez sobre a Bahia, mandou
desfechar a insurreição, que subterraneamente se preparava no Nordeste.

566 Da patente do Mestre-de-campo Antônio Dias Cardoso, 4 de maio de 1650: “E na


aclamação da liberdade daquelas capitanias ser o sujeito que mais trabalhou descobrindo
segredo às pessoas que lhe pareceu para o ajudarem”, Docs. hist., xviii, p. 326. V. biogra a que
lhe dedicou José Antônio Gonsalves de Melo, Recife, 1954,

567 Das Ementas de habilitações, Bibl. Nac. de Lisboa: “Nicolau Aranha Pacheco lho de
Pedro João Aranha e Clara Fernandes de Faria; avós paternos João Fernandes Aranha e Brites
d’Eça naturais de Regalados e Arcos de Val-de-Vez, com fama cristãos-novos por esta parte,
não teve efeito a mercê, em 19 de julho de 1644”, p. 90. Distinguira-se na defesa da cidade
contra Nassau, Miralles, ibid., p. 40. Chegou a ser nomeado governador de Pernambuco em
1658. Sua mulher foi a benemérita D. Francisca de Sande, a quem alude Rocha Pita, Hist. da
Amér. Port., p. 310. Sucedeu a Martim Soares Moreno como mestre-de-campo, patente de 22 de
abril de 1648, doc. ms. Arq. Hist. Col., Lisboa.

568 Diogo Lopes de Santiago, op. cit., p. 232.

569 V. Joan Nieuhof, Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil, trad. de Moacir N.
Vasconcelos, p. 108.

570 Fernandes Gama, Mem. hist. de Pernambuco. Recife: 1844, ii, p. 144.

571 Carta de João Fernandes Vieira, 30 de dezembro de 1645, Boletim do Arquivo Histórico
Militar. Vila Nova de Famalicão: 1943, xiii, p. 3. Prometera Vieira construir, se ganhasse a
batalha, uma capela em honra da Senhora do Desterro. Ganhou e cumpriu.

572 Joan Nieuhof, op. cit., p. 138. Con rma Diogo Lopes de Santiago, a propósito da
rendição de Hoogstraten e entrada para o serviço de Portugal no Forte de Nazaré.

573 Entre esses capitães: Pedro Duarte, que “acabou a vida de mau trato que padeceu na
jornada”, Docs. hist., xxii, p. 41; Francisco Gil de Araújo, futuro donatário do Espírito Santo e
poderoso sujeito da Bahia; Estêvão Pereira de Bacelar, meirinho da Relação, Docs. hist., xxv, p.
99; Gaspar de Sousa de Carvalho, que chegou a sargento-mor, Docs. hist., xxxii, p. 50; João
Alves Soares, indicado na genealogia de Fr. Jaboatão, Rev. do Inst. Hist., li, p. 246, tio do
homônimo escritor e poeta.
574 V. Clado Ribeiro Lessa, Salvador Correia de Sá e Benavides. Rio: 1940, p. 38, passim;
Diogo Lopes de Santiago, História da guerra de Pernambuco, p. 362.

575 Publ. na Rev. do Inst. Arqueol. Pern., v, n. 34, pp. 86–9; e Garcia, nota a Varnhagen, Hist.
ger., iii, p. 25.

576 Leia-se C. R. Boxer, Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola. Londres:
1952, pp. 208–9.

577 Anais da Bibl. Nac., lvii, pp. 89–109.

578 Cartas de el-Rei D. João iv ao Conde da Vidigueira. Lisboa: Acad. Port. da Hist., 1942, ii,
p. 6. Esta correspondência, divulgada pelo embaixador português em França, tinha por m
inocentar o rei fazendo recair a culpa de resistência a suas instruções no governador (que não
se fazia ouvir dos rebeldes) e destes (surdos às admoestações da Coroa), na guerra por conta
própria.

579 Diogo Lopes de Santiago, ibid., p. 340. E carta dos mestres-de-campo a Antônio Teles, in
Cartas de D. João iv ao Conde da Vidigueira, ii, p. 9, com tradução italiana, Successo della
guerra de’ portoghesi sollevati in Pernambuco..., que vimos em New York Library, col. Lenox.

580 A patente é de 6 de outubro de 1645, Calado, Valeroso Lucideno, pp. 247–54;


Varnhagen, ibid., iii, p. 29.

581 D. Maria de Melo casou-se em segundas núpcias com João Batista Accioli, Borges da
Fonseca, Nobil. Pern., in Rev. do Inst. Arqueol. Pern., n. 65, p. 148. De Van-der-Ley descende a
grande família deste apelido. V. Garcia, nota a Varnhagen, ibid., iii, p. 34.

582 Nieuhof, op. cit., p. 198; Diogo Lopes de Santiago, ibid., p. 372.

583 Cartas de D. João iv ao Conde da Vidigueira, ii, pp. 6–8.

584 P. N. Netscher, Les Hollandais au Brésil, p. 150. Hoogstraten assumiu o comando do


batalhão holandês que aderiu aos portugueses e esteve à frente do frustrado ataque a Itamaracá.
Serviu lealmente. Foi con rmado no posto de mestre-de-campo na Bahia. V. também Nieuhof,
ibid., p. 189.

585 Diogo Lopes de Santiago, op. cit., p. 356. Foi considerável o armamento arrecadado.
Ocorreu a 17 de agosto.

586 Diogo Lopes de Santiago, ibid., p. 384. Esse Tenente-coronel Haus foi mais tarde
assassinado na Bahia. Em carta ao governador de Pernambuco, 21 de abril de 1674, o da Bahia
recomendou a prisão dos criminosos, “que mataram Henrique Haus”, Docs. hist., x, p. 100.
Sobre a rendição do Pontal, carta de Fernandes Vieira, 30 de dezembro de 1645.

587 Pero Poti fora, com Antônio Paraupaba, educado em Holanda, doc. cit. por José Antônio
Gonsalves de Medo, Tempo dos amengos. Rio: 1947, p. 263. Che ava os petiguares
distribuídos pela Paraíba e Rio Grande, Nieuhof, ibid., p. 311. Tapuias eram os quiriris (ou
janduís).
588 Diogo Lopes de Santiago, ibid., pp. 299, 303–4.

589 “Regedor dos brasilianos” na capitania do Rio Grande, acabou na Holanda, calvinista,
com o nome ligado à publicação de 1657, “Duas exposições ou demonstrações entregues aos
muito poderosos senhores Estados-gerais por Antônio Paraupaba”, José Antônio Gonsalves de
Melo, op. cit., p. 265. Paraupaba ou antes Paraopeba, quiriri, talvez o mesmo Waripeba, de
Barleo (trad. port., p. 277), que lembra Baepeba, chefe quiriri de Sergipe, vencido por Cristóvão
de Barros.

590 Sobre a destruição da frota, Netscher, ibid., p. 150; Diogo Lopes de Santiago, ibid., p.
365.

591 São as moedas obsidionais (ou de necessidade) que primeiro se cunharam no Brasil.
Nieuhof trata desse plano, mas sem falar da fabricação de dinheiro, ibid., p. 247.

592 Nieuhof, ibid., p. 210; José Antônio Gonsalves de Melo, Tempo dos amengos, p. 102,
Rio, 1947: “A 17 (agosto) começamos a demolir as casas da nova Maurícia”.

593 Netscher, ibid., p. 147. Chamavam-se os conselheiros (além de Schoonenborch), Michel


van Goch, Simon van Beaumont, Abraam Touwels e Hendrick Haecx, os dois últimos
encarregados da tomada das contas da Companhia no Brasil.

594 Nieuhof, ibid., p. 269. Sucedeu-lhe o Almirante Banckert, ou Joast van Trappen, que se
notabilizara na batalha das Dunas (1639).

595 Atas da Câmara da Bahia, ii, p. 291. Fez a câmara solene promessa de missa anual em
honra de Santo Antônio.

596 Ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. Consulta de 17 de agosto de 1646.

597 Atas da câmara, ii, p. 328. Trata-se do forte real (sic) reedi cado pelo Conde das
Galveias, no século seguinte.

598 Das Baleias se chamou a ponta depois que João Francisco, em 1624, arrematou o
respectivo contrato e aí se instalou, “na mesma língua de terra em que hoje se acha edi cada a
cidade”, Ubaldo Osório, A Ilha de Itaparica. Bahia: 1928, p. 21. Descreve-a Fr. Vicente do
Salvador: “Outros foram em uma nau à ponta da Ilha de Itaparica, chamada a ponta da Cruz e,
depois de carregarem de azeite ou graxa de baleia”, Hist. do Bras., p. 528. O Forte de São
Lourenço foi construído no local das trincheiras de Segismundo, “na ponta de Taparica”, Atas
da câmara, ii, p. 382, ano de 1648, “de torrão, e reedi cado no começo do século imediato”, Brás
do Amaral, nota a Accioli, Mem. hist., ii, p. 298.

599 A Câmara da Bahia aludiu ao “cerco” em que cava, Atas da câmara, ii, p. 340, e mandou
o vereador mais velho, Domingos Barbosa de Araújo, representar a el-rei sobre esta situação.
Aliás não chegou a viajar. Para auxiliar a armada que viesse socorrê-la, subscreveram os
moradores 50 mil cruzados, Atas, ii, p. 356.

600 Cartas do Padre Antônio Vieira. Coimbra: 1925, i, p. 246, ed. J. Lúcio d’Azevedo.
601 Fora comissário-geral da cavalaria e distinguira-se na defesa da Bahia contra Nassau,
Docs. hist., xvii, p. 266.

602 Cartas, ed. citada, i, p. 137.

603 A fome já era sensível na Bahia, Docs. hist., iii, p. 16, abastecida por mar, pois as farinhas
eram das vilas do Sul, razão por que Segismundo insistia em depredar as povoações do
recôncavo, a m de impedir que de lá saíssem os suprimentos que não podiam atravessar a
barra. O auxílio que o governador reclamou de São Paulo devia vir pelo sertão, cartas de 8 e 21
de novembro de 1646. Levou-o o Capitão Antônio Pereira de Azevedo (200 paulistas e 2 mil
índios), Taques, Nobiliarquia, ed. A. Taunay, p. 259. V. carta do governador a D. João iv, 15 de
dezembro de 1647, in Brasília, ii, p. 592. Além da ação de 10 de agosto, feriram-se na ilha várias
sortidas, em que se destacou Bernardo Pereira Ravasco, irmão do Padre Vieira, Garcia, nota a
Varnhagen, iii, p. 55, Alberto Lamego, in O Jornal, Rio, 2 de fevereiro de 1930.

604 Carta ao Conde de Ericeira, 23 de maio de 1689, e J. Lúcio, op. cit., i, pp. 113–4. Aliás a
capitania da Bahia prometeu 200 mil cruzados para a armada, carta de Vila Pouca, fevereiro de
1648, Docs. hist., iii, p. 20. Este dinheiro foi tomado aos moradores de porta em porta, Atas da
Câmara da Bahia, iii, p. 10, e o bispo emprestou 58 mil cruzados para os aprestos do regresso,
quantia que se mandou pagar à sua sobrinha D. Micaela da Silva, em 1665, Docs. hist., xxii, p.
321.

605 Carta de 1648, Cartas, i, p. 46.

606 Filho do mordomo-mor de Filipe iii, Luís da Silva Teles e neto materno do Conde de
Vimieiro, pertenceu o de Vila Pouca ao Conselho de Guerra, Pe. Antônio Carvalho da Costa,
Corogra a portuguesa, ii, p. 212. Passara à Índia duas vezes. Foi capitão de Diu e general das
armadas de alto bordo; e governou a Índia após a morte do Vice-rei Pedro da Silva, até a
chegada do Conde d’Aveiras. Depois do governo do Brasil, D. Antônio Caetano de Sousa,
História genealógica da Casa Real, v, p. 231, Lisboa, 1745, foi alferes-mor na coroação de
Afonso vi e vice-rei da Índia em terceira viagem. Faleceu a bordo, em 1657. O título de conde é
de 1647, Sanches de Baena, ibid., ii, p. 757.

607 Garcia, nota a Varnhagen, iii, pp. 84–5, resumindo a Correspondência de Sousa
Coutinho, ed. E. Prestage, Coimbra, 1926. Sobre Gaspar Dias Ferreira, o amigo de Nassau (e de
Barleo), curiosa gura de tratante internacional, v. Pereira da Costa, Anais pernambucanos.
Recife: 1952, iv, pp. 388–9. Lisboeta, em Pernambuco em 1618, casou com a lha da viúva D.
Isabel Cardoso, senhora de engenho, e aderindo aos holandeses, se bene ciou com o con sco
de várias propriedades, entre estas a do Mosteiro de São Bento da Paraíba... Condenado na
Holanda como traidor, em 1646, fugiu da prisão e foi acolher-se a Portugal, sob a proteção de
D. João iv. Aí se achava em 1652.

608 J. Lúcio d’Azevedo, Hist. de Antônio Vieira, i, p. 107.

609 Witte Corneliszoon de With.

610 Cartas, ed. J. Lúcio, i, p. 245.

611 José de Miralles, op. cit., p. 145; e D. Francisco Manuel, Epanáforas, p. 592.
612 Correspondência, pp. 160–1. Veja-se, aliás, a de Antônio Teles para D. João iv, ainda em
dezembro de 47 e janeiro de 48, em que mostra a sua alegria pelo insucesso de Segismundo,
obrigado a largar Itaparica (Cartas de João iv ao Marquês de Niza, citadas) — e não deixam
supor o falado ressentimento do rei, contra o governador.

613 Filho de Manuel Alves, nasceu em Pernambuco, formou-se em 1633, Francisco Morais,
Estudantes da Universidade de Coimbra nascidos no Brasil, p. 15, Coimbra, 1949, casou com a
irmã do Padre Vieira, D. Leonarda, e em sua companhia, de um lho e quatro lhas,
desapareceu num cruel naufrágio, Cartas, ed. J. Lúcio, ii, p. 247, em 1663. Acrescentou ao nome
Deus-Dará, Docs. hist., iv, p. 220.

614 Epanáforas, p. 592. Sobre o motim que precipitou a nomeação do general (contra
Fernandes Vieira), Diogo Lopes de Santiago, ibid., p. 542.

615 Nasceu em Callao, Peru, 1616, e faleceu em Lisboa em 1688, Garcia, nota a Varnhagen,
iii, p. 108. “Havendo ido servir àquela conquista (Brasil) como soldado particular e com as
poucas assistências de um lho natural de pai não demasiadamente rico”, diz Pedro Severim de
Noronha em D. Afonso vi, ed. E. Brasão, p. 187. Reivindicou porém a quinta da Quarteira
alegando “foi sempre brasão maior de meus pais e avós”, Docs. hist., iv, p. 403. Não assinava
Meneses, como aparece no nome paterno, Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 119. Há retrato seu na
Galleria degli Uffizi, Florença, cuja cópia o Visconde de Paraguaçu ofereceu à Câmara da Bahia.
V. também P. Calmon, Francisco Barreto, Lisboa, 1940.

616 Em carta de 19 de maio de 1648 conta Filipe Bandeira de Melo (que viera com o
general) a detenção e a fuga, dizendo que o lho do carcereiro roubou as chaves ao pai, ms. no
Arq. Hist. Col., Lisboa. Tomou-o Barreto sob a sua proteção. Subiu Francisco de Brá aos
maiores postos da hierarquia militar e casou na aristocracia baiana, Jaboatão, Cat. gen., tít. de
Brá. Era “de Roterdã, lho de Jaques de Brá natural da mesma cidade e D. Ana de Brá, da cidade
de Nantes”, Livro de irmãos da mis. da Bahia, termo de 24 de julho de 1674, ms. inéd. Barreto
proclamou-o “instrumento da minha liberdade”, Docs. hist., xix, p. 176. Foi alferes no Arraial
de Bom Jesus, patente de 26 de outubro de 1652, capitão em 53, Antônio Joaquim de Melo,
Biogra as de alguns poetas e homens ilustres da província de Pernambuco. Recife: 1856, i, pp.
112–3; sargento-mor, 27 de novembro de 68. Esteve nas duas batalhas dos Guararapes, Docs.
hist., xxx. Aliou-se à família Góis de Araújo, com numerosa descendência.

617 Carta de Francisco Barreto, considerada por Varnhagen, História das lutas com os
holandeses no Brasil, p. 347 da nova edição, Bahia, 1955, documento capital para o episódio,
publ. também por Alberto Lamego, in Documentos dos arquivos portugueses que importam ao
Brasil, n. 2, e que preferimos ler na cópia que acompanha as Cartas de D. João iv ao Conde da
Vidigueira, ii, p. 258 (corrigindo vários enganos da transcrição de Varnhagen).

618 V. Varnhagen, Hist. do Bras., iii, p. 60.

619 A colocação paralela dos exércitos nos montes, um em frente ao outro (sendo dos
portugueses a elevação onde está, votiva, a Igreja da Senhora dos Prazeres), foi evidentemente
em seguida ao primeiro desbarato da vanguarda holandesa, quando, surpreendida, desfez a
marcha em coluna e procurou espalhar-se, protegendo-se, pelas ladeiras. Não se repetiu a
manobra do monte das Tabocas: ao contrário, os amengos tiveram momentaneamente a
superioridade do terreno — de que não puderam usar. André Vidal de Negreiros diz ter tido a
iniciativa da vanguarda, carta de 12 de maio de 1648, inédita, revelada por Virgínia Rau, in
Brasília. Coimbra: 1955, ix, p. 346.

620 V. Diogo Lopes de Santiago, op. cit., p. 628. Da batalha há quadros sem exatidão
histórica que se repetem, datados de 1709 (da Câmara de Olinda, gurando Tabocas e
Guararapes, hoje no Museu do Estado), 1787 (tetos da Igreja da Conceição do Recife) e 1801
(tábuas do coro da Igreja da Senhora dos Prazeres de Guararapes, atualmente no Instituto
Arqueológico Pernambucano).

621 Mapas in R. Garcia, nota a Varnhagen, iii. pp. 76–8. Em carta a Salvador de Sá descreveu
o governador-geral mais ou menos o que Barreto mandara dizer ao rei, na citada carta. Quanto
às perdas portuguesas, de 20 soldados pagos e 40 moradores, Docs. hist., iv, p. 435, segundo
uma fonte, de 70 mortos e 300 feridos, conforme Bandeira de Melo, ms. cit., cifras que Barreto
eleva e diminui para 80 e 400, respectivamente. Das bandeiras tomadas, guardou Barreto a dos
estados e enviou 19 para a Bahia. As outras, índios e pretos, não lhes dando importância,
dilaceraram, “para bandas e outras galas”, carta de Barreto, Cartas de D. João iv, ii, p. 260; e de
Vidal de Negreiros in Brasília, ix, p. 347. Este diz que os holandeses levavam libambos e
grilhões, para prenderem os escravos retomados...

622 Vieira, Cartas, i, p. 222. Quanto a Henrique Haus, como dissemos, não morreu. Em 1674
foi assassinado na Bahia.

623 No mesmo ano em Paris publicou-se, na Gazette, “Défaite des hollandais dans le Brésil”.
Leia-se também General Lobato Filho, As duas batalhas de Guararapes. Recife: 1939, pp. 11 e
ss., com croquis.

624 Eduardo Brasão, A restauração, p. 356.

625 Carta de Lanier (representante de França), 6 de agosto de 47, atribuindo (com razão) ao
Padre Vieira a sugestão, J. Lúcio d’Azevedo, O Padre Antônio Vieira julgado em documentos
franceses. Coimbra: 1928, pp. 9–10.

626 Cartas, iii, p. 610. V. a contestação a Vieira do licenciado Manuel de Morais, Anais do
Museu Paulista, i, pp. 123–8.

627 V. J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira, i, pp. 117–8.

628 V. Antônio Vieira, Obras escolhidas. Lisboa: Clássicos Sá da Costa iii, pp. 29 e ss., pref. e
notas de Antônio Sérgio e Hernâni Cidade.

629 J. Lúcio d’Azevedo, op. cit., i, p. 120.

630 V. Hernâni Cidade, no prefácio ao 3º vol. das Obras escolhidas do Pe. Vieira, citado, p.
xxi.

631 V. Correspondência de Francisco de Sousa Coutinho, ii, p. 192. Correu que o


embaixador, depois de prometer entregar Pernambuco, escrevera ao rei: “V. M., Senhor, salve a
sua honra desaprovando o que eu z em seu nome: sacri que a sua cabeça e não aquela praça”,
Afrânio Peixoto, História do Brasil. Porto: 1940, p. 119. A versão está próxima da verdade.
Note-se que fracassadas as negociações de França e Holanda foi Vieira encarregado de agenciar
em Roma o casamento do príncipe herdeiro D. Teodósio com a Infanta Maria Teresa (depois
mulher de Luís xiv), lha de Filipe iv de Espanha — em 1650. Reunir-se-iam os reinos tendo
Lisboa como capital... Dessa embaixada nos dá notícia no sermão de 1695 dedicado (na Bahia)
ao primeiro lho del-Rei D. Pedro, Sermões, xv, p. 104. Quanto ao “papel forte”, resumiu-o
incompletamente Vieira na citada carta ao Conde de Ericeira, 23 de maio de 1689, dizendo que
nunca pensara na entrega do Brasil, tendo sido o rei que mandou pusesse por escrito o
arrazoado..., J. Lúcio, ibid., i, pp. 155–6.

632 Cartas, i, p. 243.

633 “Sermão de Ação de Graças”, 1695, Sermões, xv, p. 112. Esteve Vieira na Haia de 18 de
abril a julho de 46, quando pôde ler a patriótica missiva do infante (que morreu preso em
Milão, em 1649).

634 Vereação de 1º de fevereiro de 48, Acórdãos e vereanças, p. 155.

635 Vereação de 2 de abril de 48. Disse Salvador ter despendido de seu 12 mil cruzados.
Sobre a expedição, Luís Norton, A dinastia dos Sás no Brasil, pp. 47 e ss. Gustavo Barroso, “O
Brasil e a Restauração de Angola”, Anais da Acad. Port. da Hist., vii, 1947; Arquivos de Angola,
n. 8, pp. 119 e ss., outubro de 1944; e C. R. Boxer, op. cit., pp. 257 e ss.

636 C. R. Boxer, ibid., p. 256. Mas não destaca a parte essencial que teve na resolução de
Salvador a ordem do governador-geral, Docs. hist., iv, pp. 432–8.

637 Silva Rego, A dupla restauração de Angola. Lisboa: 1945, p. 247.

638 Carta de Vila Pouca in Cartas de D. João iv ao Conde da Vidigueira. Bahia: 9 de janeiro
de 48, ii, p. 238.

639 Em carta ao Embaixador Luís Pereira de Castro, explicou D. João iv: “Ordenei a
Francisco de Souto Maior quando o enviei a governar aquele reino escolhesse um porto com
sítio a propósito para fundar uma cidade em que estivesse e em que pudesse continuar seu
governo como dantes se fazia em Luanda, fez ele diligência na conformidade desta ordem, e
fundou Quicombo”, Eduardo Brasão, A restauração, p. 358. Fica ao norte de Luanda.

640 Os que quiseram servir a Portugal (como em Pernambuco) foram aceitos, ata de 20 de
agosto de 48, Arquivos de Angola, n. 8, p. 31.

641 Elias Alexandre, História de Angola, i, p. 264; Silva Rego, ibid., carta do Pe. Antônio do
Couto. Diz Camilo, Serões de São Miguel de Seide, p. 78; “Na quinta do Ruivão, no teto
repartido em muitos painéis, viam-se pintadas as façanhas de Salvador Correia de Sá em guerra
contra os holandeses antes e depois da restauração de 1640. O genealógico Manuel de Sousa da
Silva diz que as pinturas foram mandadas fazer por Manuel Correia de Lacerda que sucedeu na
Casa e Senhoria de Faralaens e aqui morreu em 13 de novembro de 1695”. O título de Visconde
de Asseca que teve seu lho Martim de Sá “levava referência aos serviços de Salvador, a quem
as mercês não estiveram na medida dos trabalhos”. Veremos que voltou a governar as capitanias
do Sul (1659–62). Entre as publicações do centenário da restauração de Angola, v. Discursos e
alocuções, Luanda, 1948 e “Salvador Correia”, conf. lida na Sociedade de Geogra a de Lisboa
pelo Visconde de Asseca (1907), Luanda, 1948.
642 Há curiosa gravura mostrando a recepção que a Rainha Ginga deu em 1622 em Luanda
ao Governador João Correia de Sousa, cf. Relation Historique de l’Ethiopie Occidentale, do Pe.
Labat, Paris, 1732. Os seus estados, segundo mapa de 1657, reproduzido na História da
expansão portuguesa no mundo, iii, Lisboa, 1940, cavam entre os reinos de Mucoco e do
Dongo, ou seja, no sertão angolês, chamado geralmente de Congo. V. Gastão de Sousa Dias, in
Hist. da expansão port., iii, pp. 206 e ss. Sobre a Rainha Ginga e o folclore, Pedro Calmon,
História do Brasil na poesia do povo, pp. 70–1, Rio (citando Gustavo Barroso, Ao som da viola,
Rio, 1921) e Bocage, Poesias, i, p. 350, ed. Rebelo da Silva, Lisboa, 1853, que lembrava: “Prole se
aclama da Rainha Ginga”. Também Aires de Sá, Um dogma antigeográ co. Lisboa: 1928, p. 34.
Ainda nas congadas do Ceará e de Minas Gerais se repete: “Veio matar rei meu senhor,/ Que
mandou Rainha Gino!”.

643 V. carta do Conde de Castelo Melhor, Docs. hist., iii, p. 38: “Quando tomei posse do
governo e me achei com a Fazenda Real no mais apertado extremo em que nunca se viu [...] na
queima dos engenhos”. Sobre Cornelis van den Brande — que lutou nas duas batalhas de
Guararapes, v. C. R. Boxer, op. cit., pp. 264–5.

644 Rodolfo Garcia, nota a Varnhagen, Hist. ger., iii, p. 131. Sobre o pessimismo que
continuava a existir em Portugal, C. R. Boxer, ibid., p. 228.

645 Cartas de D. João iv, inéd., publ. por Eduardo Brasão, Revista dos Centenários, Lisboa,
dezembro de 1939 (arq. da Casa de Tarouca). A Francisco Barreto não escapara a importância
de suas duas vitórias. Na igreja votiva de Guararapes há a lápide seguinte, datada de 1656: “O
mestre-de-campo-general do Estado do Brasil Francisco Barreto mandou em ação de graças
edi car à sua custa esta Capela à Virgem Senhora dos Prazeres com cujo favor alcançou neste
lugar as duas memoráveis vitórias contra o inimigo holandês, a primeira em 18 de abril de 1648
em domingo da Pascoela véspera da dita Senhora, a segunda em 18 de fevereiro de 1649 em
uma sexta-feira e ultimamente em 27 de janeiro de 1654 tomou o Recife e todas as mais prassas
que o inemigo pesuhiu 24 annos”. (Inscrição copiada no local, 2 de fevereiro de 1940). Em 4 de
agosto de 1942 foram trasladados para esta igreja os restos de João Fernandes Vieira e de André
Vidal de Negreiros, cujas urnas tinham sido reconhecidas em 1939, v. Culto aos heróis dos
Guararapes, Recife, 1942. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atendendo
ao apelo do Instituto Arqueológico Pernambucano, mandou tombar a área da batalha, com isto
impedindo a des guração do terreno em volta da igreja. Observe-se que depois da segunda
batalha houve um motim contra o general, que mandou justiçar sete soldados, como escreveu
ao rei em 1650, A. Lamego, Mentiras históricas, p. 144.

646 Hermann Wätjen, ibid., p. 271.

647 Cartas, ii, pp. 225–6.

648 Um dos principais judaizantes da Companhia foi Gaspar Dias (de Mesquita) que assinou
os papéis de sua fundação, amigo de Vieira, que a ele várias vezes alude nas cartas.

649 Funcionou a Junta até 1720, quando a extinguiu D. João v, determinando que lhe zesse
as vezes o Conselho da Fazenda, de modo a correr pelos armazéns da Coroa a armação das
frotas, que passaram a constar de duas naus de guerra para a Bahia, duas para o Rio de Janeiro,
uma para Pernambuco, Rocha Pita, op. cit., p. 166.
650 Docs. hist., iv, pp. 445–6.

651 Foi o 1º Visconde de Fonte Arcada: Mestre-de-campo-general, do Conselho de Guerra,


General da Armada de Sabóia, General da Armada do Mar Oceano, agraciado com altas
mercês, v. Sanches de Baena, Famílias titulares, i, p. 595; Pe. Antônio Carvalho de Sousa,
Memórias dos grandes de Portugal, pp. 359 e ss.

652 V. D. Antônio Carvalho de Sousa, Memórias dos grandes de Portugal, pp. 359 e ss.

653 Carta de 3 de abril de 1653, Docs. hist., iii, p. 154.

654 Miralles, op. cit., p. 146. Seu lho, o 3º conde, foi o grande ministro de Afonso vi, em
cujo serviço entrara como reposteiro-mor pelo casamento com uma sobrinha do Conde de
Odemira, Vida del-Rei D. Afonso vi, Camilo, p. 23. Ao sobreviver a Restauração estava o 2º
conde em Cartagena, na América, para onde o lançara um temporal, vindo para o Brasil, em
1640.

655 A luta que se feriu entre Holanda e Inglaterra (1650–1) não impediu a navegação
amenga para o Brasil (C. R. Boxer, e Dutch in Brazil, p. 236), porém a tornou precária.
Desde então, entre Portugal e os Estados-Gerais se levantou a terceira força: a inglesa.

656 A última esperança estava nos corsários, que lograram apresar quatro navios da segunda
frota da Companhia Geral do Comércio, quando os principais esforços de Holanda se
concentravam na guerra com os ingleses. Leia-se como informação do que ocorria no Recife
sitiado, Conferência sobre as Índias Ocidentais, de H. Overmeer, notas de Clado Ribeiro Lessa,
Rio; e a síntese de C. R. Boxer, op. cit., pp. 226–7.

657 A relação de Francisco de Brito Freire, divulgada por Virgínia Rau, vem in Brasília.
Coimbra: 1955, ix, pp. 193–205. Entre os capitães dessa frota restauradora estava João Calmão
(sic), ibid., ix, p. 196, que em 1655 também gura entre os passageiros da armada de Brito
Freire (Viagem da armada da companhia do comércio e frotas do Estado do Brasil. Lisboa:
1655, ed. Santos, 1950, por Costa e Silva Sobrinho, p. 19) — a mesma que trouxe, exilado, D.
Francisco Manuel de Melo, e é tronco da família deste apelido no Brasil. — O autor da História
da guerra brasílica, Lisboa, 1676, Francisco de Brito Freire, seria encarregado pelo Príncipe D.
Pedro ii de levar preso à Ilha Terceira o rei deposto, D. Afonso vi. V. biogra a por M. Lopes de
Almeida, in Brasília, ix, p. 137. Não deve confundir-se esse ilustre cabo-de-guerra com o
homônimo (aliás M. Lopes de Almeida indica essa duplicidade de nomes, in Brasília, ix, p. 133)
neto de Estêvão de Brito Freire, doc. in vol. cit., p. 179. No Catálogo genealógico de Fr.
Jaboatão, tít. Britos Freires, desfaz-se a dúvida. É a respeito da dilapidação dos bens deste, na
Bahia, pelo lho Gaspar, que transcreve Pegas, Comment. ad Ord., xiii, lib. 3, pp. 41–2, a carta
régia, que fez jurisprudência, determinando o processo de pagamento aos credores sem
prejuízo da movimentação do engenho de açúcar (Também Anais da Bibl. Nac., Rio, v, p. 227).

658 D. Francisco Manuel, Epanáfora triunfante (ed. de 1676) noticia com primores de estilo
as confabulações de Olinda e os sucessos subseqüentes. Leia-se como documento-base a relação
citada, de Francisco de Brito Freire.

659 De Pernambuco passaram-se muitos à Guiana, Antilhas, Nova Amsterdã. Imitaram em


Surinam os processos industriais do Brasil. V. J. Lúcio d’Azevedo, História dos cristãos-novos
portugueses. Lisboa: 1922, p. 434.

660 “Sermão de São Roque”, Serm., viii, pp. 79–80.

661 Um desses canhões, com as iniciais da Companhia das Índias Ocidentais, e o dístico de
Middleburg, está no Museu Histórico Nacional (Rio). Conhecem-se mais dois, no Instituto
Arqueológico e no Museu do Estado, Recife, v. Inventário das armas e petrechos bélicos, etc.,
Recife, 1939 (reimpressão de opúsculo de 1838).

662 Natural de Pernambuco, serviu 15 anos na Armada Real e veio, como dissemos, adido à
pessoa de Francisco Barreto (patente de 20 de dezembro de 1646), Borges da Fonseca, Nobil.
Pern., i, p. 185. Com ele foi preso e fugiu, dando-nos, com sua carta de 19 de maio de 1648, a
mais palpitante notícia dessas peripécias, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, Papéis avulsos. Sua
irmã Maria de Melo foi mulher de Jerônimo Cadena de Vilhasanti, de quem diremos.

663 Cabedelo foi tomado por Ambrósio Luís de Lapenha, Docs. hist., xxi, p. 20.

664 Carta ao rei, 26 de junho de 1675, Bol. do Arq. Hist. Mil., xiii, p. 9.

665 Ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, Papéis avulsos, ms. inéd.

666 Miralles, op. cit., p. 146; e Docs. hist., iii, p. 178.

667 “Plataforma da Camboa, no distrito da Patatiba, uma das de mais importância que
mandei fazer na boca dos rios do Recôncavo”, patente de 20 de março de 1651, Documentos
históricos, xxxi, p. 89.

668 Documentos históricos, xxxi, p. 69.

669 Patente de 14 de fevereiro de 1651, Docs. hist., xxxi, p. 85.

670 Gaspar Rodrigues Adorno é lho de Afonso Rodrigues de Cachoeira, o herói das lutas
de 1624–5, Jaboatão, Cat. gen., p. 77. Os índios mataram-lhe um irmão em 1639, Pedro
Calmon, História das bandeiras baianas, p. 85. Nasceu Gaspar em 24 de junho de 1624,
Aristides Milton, “Efemérides Cachoeiranas”, Rev. do Inst. Hist. da Bahia, n. 27, p. 73.

671 Docs. hist., iii, p. 108.

672 B. do Amaral, notas a Accioli, ii, p. 111. V. íntegra nos Anais do Arq. Públ. da Bahia, xv,
pp. 5–21.

673 Carta de Castelo Melhor, 6 de abril de 52, Docs. hist., iii, pp. 155 e 160.

674 Rocha Pita, Hist. da Amér. Port., 2ª ed., p. 459. Foi homem de grande fortuna,
Documentos históricos, xxiii, p. 126.

675 Carta de 24 de jan. de 1656, Códice Atouguia, ms. na Bibl. Nac. Como ouvidor foi Simão
Álvares ao Rio de Janeiro apurar as responsabilidades do levante contra Salvador Correia,
Varnhagen, iii, p. 255. Morreu no mar, indo para o reino com a mulher (irmã de Antônio
Vieira) e seus lhos, como escreveu o jesuíta, em 1671: “Outro cunhado e outra irmã com cinco
lhos que caram sepultados no mar”, Cartas, i, p. 140. E em 14 de setembro de 1655,
defendendo do con sco, a título de empréstimo, os bens deixados pelo magistrado, Cartas, i, p.
341.

676 Há uma consulta do Conselho da Fazenda, de 1636, que nos revela “fragatas de guerra
que estavam fabricando os senhores de engenhos e lavradores” da Bahia, Anais da Bibl. Nac.,
lviii, p. 210. Sempre estiveram ativos os estaleiros do Recôncavo. Mas, em carta de 26 de abril de
51, mandou o governador ao capitão-mor de São Vicente que lá zesse o galeão, Docs. hist., iii,
p. 104. O primeiro mestre “da Ribeira que ora se forma” foi Pedro Gonçalves, 31 de julho de
1655, Docs. hist., xviii, p. 405. Ensinou a sua arte aos hábeis operários baianos. Cantou
Gregório de Matos “o famoso galeão São João de Deus” ali construído, Obras, ii, p. 83.

677 No Forte de São Marcelo (do Mar) há a lápide comemorativa do m das obras, no
governo de Vasco Fernandes César de Meneses, 1728. Conserva a arquitetura primitiva.
Chamava-se então Nossa Senhora del Popolo, “que novamente se fundou no surgidouro dos
navios”, como diz o termo do Capitão Francisco Monteiro Bezerra em 1665, Livro de posses,
ms. no Arq. Públ. do estado da Bahia. Em 1664 o rendimento das Baleias já podia ter outra
aplicação, B. do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 121. V. p. 1036.

678 8º Conde de Atouguia, v. Pe. Antônio Carvalho da Costa, Corogra a portuguesa, iii, p.
105. Foi um dos lhos da heroína D. Filipa de Vilhena: pela mãe armado para a Restauração,
em 1640. Regressando ao reino tomou o partido de D. Afonso vi, com o Conde de Castelo
Melhor ( lho) e o Bispo D. Sebastião César: o célebre “triunvirato”, de 1662. Ao favor em que
estava deveu certamente a carta régia de 23 de janeiro de 1665, que lhe mandou pagar
1:200$000 de propinas dos contratos que deixara de receber como governador-geral”, Docs.
hist., xxii, p. 90. O Regimento que trouxe para o governo era idêntico ao de Antônio Teles da
Silva e datado de 30 de outubro de 1653.

679 Ver P. Calmon, Hist. da Casa da Torre, cit.

680 Dirigiu Pedro Gomes, tendo às suas ordens Gaspar Adorno, a abertura de uma estrada
para o Orobó em 1657, P. Calmon, História das bandeiras baianas, p. 86.

681 Documentos históricos, iii, p. 108 e 228.

682 Docs. hist., iii, p. 225.

683 Docs. hist., v, p. 209.

684 Dias Lassos entrou ainda o sertão em 1662, 1668, 1672 e 1676.

685 Registo geral da Câmara de São Paulo, ii, pp. 505–9.

686 Chegou em 14 de outubro de 58. Calheiros era sujeito de sessenta anos, v. Afonso
Taunay, História geral das bandeiras paulistas, iv, p. 325. Seus segundos foram Fernando de
Camargo e Bernardo Sanches de Aguiar. Sobre o Regimento que lhe deu o governador, Anais
do Museu Paulista, iii, p. 294; e P. Calmon, Hist. das band., p. 88. Antes de Barreto, o Conde de
Castelo Melhor — carta de 22 de maio de 1651 — quisera os serviços do paulista Francisco
Fernandes Preto “que em São Paulo foi muitas vezes ao sertão e é grande língua” e se achava em
Boipeba, Docs. hist., iii, p. 110.
687 Patente do ajudante Antônio de Matos, Docs. hist., xxi, p. 301.

688 Docs. hist., v, p. 170. Das “proezas” dos paulistas trata o Padre Vieira, Cartas, ii, p. 630.
Os jesuítas conseguiram aldear os paiaiases logo depois, Pe. Sera m Leite, Hist. da Comp. de
Jesus, v, p. 279, Rio, 1945: aldeia de Camamu.

689 Cap. 28 do Regimento de 1727, in Códice Galveias, ms. na Bibl. Nac., Rio de Janeiro,
inédito.

690 Já nas Epanáforas, p. 612 (edição de 1676) explicou o vocábulo D. Francisco Manuel:
“Caboclos”, “assim chamam uns a outros os índios da terra, e nós usamos o mesmo nome”.
Alvará de 4 de abril de 1775 proibiu que se chamasse caboucolos aos mestiços.

691 Cartas, i, p. 114.

692 “Estes fortes da Bahia (que são umas plataformas mal fechadas e os melhores como são
os do Terreiro do Paço de Lisboa, e os costumam guardar esquadras de seis e quatro soldados)
não são capazes de se arvorarem neles semelhantes estandartes”, Docs. hist., iv, p. 253.

693 Docs. hist., iv, p. 225. V. também Waldemar Matos, A Fortaleza de Nossa Senhora del
Popolo, Bahia, 1954.

694 Doc. de 1667, ms. no Arq. Hist. Col., Papéis avulsos, n. 2.215, inéd.

695 O palácio conservou a primitiva arquitetura, que lembra a do palácio dos Condes de
Almada, em Lisboa, até 1890. A construção atual seguiu-se ao incêndio de 1912.

696 A nova arquitetura do Paço Municipal data de 1882 e o des gurou. Na fachada, a lápide:
“Reinando el-Rei D. Afonso vi mandou fazer este edifício à custa da cidade Francisco Barreto
do Conselho de Guerra e G. G. do Estado do Brasil. 1660”. Indício de um período de grandes
construções urbanas é outra pedra numa fachada à ladeira do Pau da Bandeira, ali perto:
“Louvado seja o Santíssimo Sacramento e a Imaculada Conceição da Virgem Senhora Nossa
Concebida sem Pecado Original. Ano 1658”. Provém esta inscrição da carta régia de 30 de
junho de 1654, que mandou pôr em todas as portas e entradas das cidades tal oferenda à
Senhora da Conceição, Pe. Moreira das Neves, Revista dos Centenários, n. 19, julho de 1940,
Lisboa — invocação predileta de D. João iv na sua igreja de Vila Viçosa.

697 No local pedra comemorativa: “Reinando el-Rei D. Afonso vi se reformou este forte por
mandado do capitão-general deste estado Francisco Barreto. Ano 1659”. O engenheiro foi
provavelmente o francês Pedro Gracin, que o governador mandara vir do Recife em 1657, Docs.
hist., xix, p. 246. Serviu como engenheiro do Estado do Brasil até 1660 (v. nota seguinte).

698 Na relação inédita de Francisco de Brito Freire sobre a restauração de Pernambuco,


1654, se lê: “Vinha Pedro Gracin, francês de nação, em que concorriam todas aquelas partes,
com intento de passar a descobrir as minas de esmeraldas que se dizia haver no sertão de São
Paulo”, Brasília, doc. comentado por Virgínia Rau. Coimbra: 1955, ix, p. 197. “O Capitão Pedro
Garcim (sic) que serve de engenheiro [...] porquanto não tem esta Praça engenheiro de
pro ssão que possa suprir sua falta continuando com a obra do Forte do Mar que está
principiada, porque a não ser esta de tanta importância a este porto tivera concedido licença ao
dito engenheiro para se ir para França donde é natural”. 3 de setembro de 1659, Docs. hist., xx,
p. 107. Serviu até 1660, ibid., xx, p. 309. Outro francês, Filipe Gitão (1647–57), vindo com o
Conde de Vila Pouca de Aguiar, foi seu antecessor na função. Pedro de Lescolles zera em 1650
a planta do Rio de Janeiro. A presença desses engenheiros inclui-se entre os auxílios dados pela
França a D. João iv, na luta com a Espanha.

699 V. Eduardo Brasão, A restauração, p. 143.

700 Sobre Schomberg em Portugal, v. também Henry Bordeaux, Marianna: La Religieuse


Portugaise. Paris: 1934, pp. 71 e ss. Veremos, a propósito do governador de Pernambuco
alcunhado de “Xumberga”, a notoriedade do general tedesco.

701 Mémoires de Monsieur d’Ablancourt, envoyé de S. M. très-chrétienne Louis xiv en


Portugal. Amsterdã: 1701, p. 6. “A despesa que el-Rei de França fazia com sua gente naquele ano
de 664 chegava a 400 mil cruzados”, diz o autor de D. Afonso vi, p. 218 (ed. E. Brasão), que
assim con rma Voltaire, Siècle de Louis xiv. Paris: 1845, p. 87. Este manuscrito (D. Afonso vi)
publicado em 1940 por Eduardo Brasão, como sendo de Antônio de Sousa de Macedo (que
com tal atribuição estava na Biblioteca da Ajuda) é de Pedro Severim de Noronha, cf. Afonso
Pena Júnior, Crítica de atribuição de um manuscrito da Biblioteca da Ajuda. Rio: 1943, p. 71; e
no mesmo sentido em Portugal, Gastão de Melo de Matos, Pan etos do século xvii, pp. 89, 130
e 132.

702 Armando Marques, Aliança inglesa, p. 204; E. Brasão, op. cit., p. 373; Varnhagen, Hist.
ger., iii, pp. 261–2; Carlos Azevedo, in Rev. da Faculdade de Letras, Univ. de Lisboa, t. xxii,
1956, pp. 262 e ss.

703 Prov. de Francisco Barreto às capitanias, 1662, Docs. hist., iv, pp. 97–9. Fato curioso, o
imposto não deixou mais de ser cobrado, e persistia, depois da independência, em... 1830,
Varnhagen, op. cit., iii, p. 264. O Senado da Câmara da Bahia queixou-se em 8 de julho de 1693
de já ter pago a Cidade... 1.280.000 cruzados da Paz de Holanda, Livr. de atas, ms., no Arq.
Municipal da Bahia.

704 Docs. hist., vi, p. 229. Outra representação de Atouguia, ibid., vi, p. 242.

705 Na Bahia foram de início presos os Conti, o clérigo Bernardo Taveira e João de Matos,
Docs. hist., vii, p. 92 e lxvi, 196; mas em seguida, bene ciados com 2 mil cruzados e tratamento
obsequioso, Docs. hist., xxi, p. 8. Matos morreu aí assassinado, Garcia, nota a Varnhagen, iii, p.
296. “Foi morto à traição por Jorge Seco de Macedo”, Docs. hist., lxvi, p. 289, que veremos
implicado na conjura de 1666, sobrinho do chanceler da Relação, Docs., cit., lxvi, p. 227.

706 D. Afonso vi, de Pedro Severim de Noronha, p. 53.

707 D. Afonso vi, p. 81. A nova junta foi presidida pelo Conde de Atouguia, Deputado
Antônio de Miranda Henriques e Desembargador João Leite de Aguilar, pela nobreza, e João
Guterres, Manuel Martins Medina, Gaspar Gonçalves de Souto, pelo comércio, além de Manuel
Ferreira, pelo povo (dec. de 23 de novembro de 1662).

708 Vieira, “Sermão de São Roque”, Sermões, viii, p. 80. A Companhia foi dissolvida por D.
João v, em 1720.

709 Patente in Docs. hist., xx, p. 93 e doc. in L. Norton, A dinastia dos Sás, p. 62.
710 Cartas, i, p. 144.

711 Brás do Amaral, nota a Accioli, ix, p. 120; Docs. hist., xx, p. 98. O mineiro Jaime
Commere a esse tempo fez pesquisas em São Paulo, porém teve morte desastrada, que os
rebeldes do Rio, em 1660, imputaram aos Correias... Quando escrevia as Notícias curiosas e
necessárias das cousas do Brasil, diz o Pe. Simão de Vasconcelos, p. 60, Lisboa, 1668, Salvador
Correia preparava a expedição do Espírito Santo.

712 Capitão da companhia que formou em Lisboa para acompanhar o pai, 16 de setembro
de 1658, foi nomeado governador para a descoberta das minas do Espírito Santo, 11 de março
de 1660, Docs. hist., xxi, p. 41. Também Paulo Prado, Paulística, p. 127. Esteve mais tarde na
Índia, donde voltou preso, e homiziou-se em casa do Núncio, Vieira, Cartas, iii, p. 319, ed. J.
Lúcio.

713 O Conde de Óbidos, prov. de 15 de dezembro de 1663, notou que não se sabia do
rendimento dos quintos do ouro, em São Paulo, nem de sua escrita, Docs. hist., xxi, p. 256. Os
rebeldes do Rio, em novembro de 1661, disseram que o administrador-geral das minas, Pedro
de Sousa Pereira, com os estancos de várias mercadorias, comprava ouro, para mandá-lo a el-rei
“com título de que era rendimento dos quintos”, Registo da Câmara de São Paulo, iii, p. 9.

714 Em 24 de setembro de 1658 escreveu o governador-geral: “As do Cabo Frio (donde


também houve uma cidade, que ou pelo clima, ou por outros acidentes, se não conservou) são
hoje da Coroa”, Docs. hist., iv, p. 346. E em 1664, o Conde de Óbidos: “Nela houve uma cidade
de que não existem mais que as poucas casas que V. S. diz, tem, ruína a que chegou pela invasão
dos franceses e vizinhança dos bárbaros goitacases [...] e houve omissões em edi car”, Docs.
hist., v, pp. 27–8. Bernardo Vieira Ravasco foi alcaide-mor de Cabo Frio, 1664, Docs. hist., xxi,
p. 282. Continuaram a ser nomeados os capitães de infantaria da ordenança da cidade de
Assunção do Cabo Frio, por exemplo, Docs. hist., xii, p. 184.

715 A. Lamego, A terra Goitacá, i, p. 35.

716 A. Lamego, op. cit., i, p. 44. V. Vieira Fazenda, Revista do Inst. Hist. Bras., lxxi, p. 20.

717 Alv. de 23 de maio de 1658, Docs. hist., iv, pp. 84–92. Os matadores eram Manuel
Pinheiro Caldeira, Antônio da Silva, Hierônimo Dias, Antônio Fernandes, Francisco de
Arruda, cf. regimento que levou o ajudante. Tais documentos completam a narrativa de Alberto
Lamego. Aliás o Conde de Castelo Melhor, em carta de 25 de novembro de 1650, se referia à
fundação da vila e fazia votos “venha a ser uma muito grande cidade”, Docs. hist., v, p. 26. O
Conde de Atouguia nomeou o Capitão Palma, “capitão dos Campos dos Guytacazes”, 7 de
dezembro de 1655, Docs. hist., xxxi, p. 180. Con rmou-o Francisco Barreto, 18 de setembro de
57, Docs. hist., cit., p. 214.

718 Carta do Conde de Atouguia, 25 de janeiro de 1656, Docs. hist., iv, p. 282.

719 Docs. hist., iv, p. 346. Em carta de 1º de dez. de 1674, Afonso Furtado mandava libertar
o ouvidor da Paraíba (sic) preso no Rio, Docs. hist., x, p. 434. A capitania do Cabo Frio
compreendia os Campos de Goitacases, Docs. hist., x, p. 435. Pertencia-lhe também o distrito
de Saquarema que teve capitão de infantaria em 1671, Docs. hist., xii, p. 185.
720 O 1º donatário, Visconde de Asseca, faleceu em 1674, sucedendo-lhe o lho, 2º
visconde, Salvador Correia, cujo tutor foi o general seu avô, A. Lamego, op. cit., i, p. 122. A este
se seguiu, em 1692, o 3º visconde, Diogo Correia, que vendeu a capitania, em 1710, ao Prior
Duarte Teixeira Chaves.

721 Lamego, op. cit., i, p. 183.

722 Alberto Lamego Filho, A planície do solar e da senzala. Rio: 1934, p. 34.

723 “[...] Rio de Janeiro, que com a retirada dos moradores de Pernambuco se zeram à
beira-mar e pelos rios e donde se acharam mais comodidades, engenhos de açúcar com que
aquela capitania se fez maior e mais opulenta que todas as deste Estado, que tem hoje 150
engenhos e se fora melhor governada fora mais grandiosa”, Petição de pessoas da Bahia, 20 de
junho de 1662, ms. in Arq. Hist. Col., Lisboa. Respondendo a este exemplo, retrucou Bernardo
Vieira Ravasco: “Pois basta [...] a experiência dos do Rio de Janeiro, donde enquanto não houve
mais de 60 ou 70 engenhos se embarcavam daquela capitania cada ano para Portugal 14 a 15
mil caixas de açúcar e depois que houve 150 ou 170 pouco mais ou menos, não chegaram a
fazer todos 9 mil”. Porque os canaviais não atendiam ao número de fábricas, ms. no mesmo
arq., Papéis avulsos, inéd.

724 Por morte de Salvador de Brito Pereira (1651), pai do beato João de Brito, hoje santo da
Igreja — assumira o governo Antônio Galvão, Docs. hist., xxxiii, p. 256: cuidou da defesa da
praça, pois voltara a falar-se de ataque holandês. Sucedeu-lhe D. Luís de Almeida (1650) e em
1656 Tome Correia de Alvarenga “na substituição de Lourenço de Brito Correia que não tomou
posse, Docs. hist., cit., p. 275. Assim interino, o primo de Salvador Correia (escreveu-lhe
Francisco Barreto, em 26 de fevereiro de 1658: “Com a falta de provisões de Lourenço de Brito
Correia me resulta não alterar esse governo até nova ordem de S. M”) passou a este o governo,
em 1659, Docs. hist., xxxiii p. 285. Em 1656 revoltou-se o povo contra o aumento dos impostos,
Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 27 (1956).

725 Pedro de Sousa Pereira foi provedor da Misericórdia em 1675. Teve morte violenta, carta
de 1693, Docs. hist., xxxiv, p. 188.

726 Sargento-mor por prov. de 7 de fevereiro de 1656, Docs. hist., xxi, p. 67.

727 Docs. hist., v, pp. 92–4.

728 Os amotinados de 1660 atribuíram o crime a Tomé Correia de Alvarenga e seu cunhado,
que supliciaram Jerônimo Camelo, portador das cartas de Costa Barros para um
desembargador da Relação da Bahia, Alberto Lamego, A terra Goitacá. Bruxelas: 1913, i, p. 75.
A luta evidentemente travara-se em torno da permanência do governador interino, que os
adversários dos Sás queriam afastar: sabiam que ele guardava o lugar para o primo, ainda mais
temido.

729 Docs. hist., v, p. 112.

730 Agostinho Barbalho era o primogênito do Mestre-de-campo Luís Barbalho, Jaboatão,


Cat. gen., p. 311. Soldado desde 1633, acompanhara o pai ao Rio de Janeiro, e nos episódios de
1660–1, se mostrou homem de honra, leal a el-rei, motivo por que o Conde de Óbidos o
recomendou ao governador do Rio de Janeiro, em 4 de abril de 1665, como pessoa da con ança
de S. M., Docs. hist., v, pp. 48–9. Recebeu como prêmio a capitania da Ilha de Santa Catarina
(provisão de 4 de fevereiro de 1664), como diremos.

731 Carta de Agostinho Barbalho ao governador-geral, 15 de dezembro de 1660, Docs. hist.,


v, p. 124.

732 Docs. hist., xxxiii, p. 286; descrição da “bernarda” em Vieira Fazenda, Rev. do Inst. Hist.,
cxlii, p. 498.

733 Pedro Taques, Informação sobre as minas de São Paulo, p. 92 (ed. A. Taunay); Registo
geral da Câmara de São Paulo, iii, p. 5.

734 Doc. transcrito por Luís Norton, A dinastia dos Sás. Lisboa: 1943, pp. 333–4.

735 Doc. in Luís Norton, op. cit., p. 336.

736 Salvador dera como pretexto ir ver umas madeiras para o galeão que mandara fazer para
el-rei na Ilha do Governador (onde cou o nome de Ponta do Galeão): o Padre Eterno, no
depoimento do inglês Barlow o maior do mundo, conforme O mercúrio português.

737 Carta dos o ciais da Câmara do Rio, 26 de abril de 1661, citada.

738 V. Alberto Lamego, op. cit. e A. Taunay, História geral das bandeiras paulistas, v, p. 302.
Fr. Jaboatão, confundindo Jerônimo e Agostinho Barbalho, Catálogo genealógico, p. 311, diz
que o degolado foi este. Se parentes, era distante o parentesco, v. Borges da Fonseca,
Nobiliarquia pernambucana, i, p. 38; e Varnhagen, Hist. ger., v, p. 319.

739 Carta de 10 de maio de 1661, Docs. hist., v, p. 131. Em 10 de abril (tardiamente)


escrevera Salvador ao rei pedindo que se abrisse devassa, ms. na Bibl. pública do Porto, inéd.
Agostinho Barbalho estava na Bahia em 29 de abril, Docs. hist., v, p. 129. O govenador-geral
temia que a justiça da Bahia fosse parcial, Docs. hist., v, p. 136.

740 Empossou-se Melo em 29 de abril de 62, R. Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 319; Docs.
hist., v, p. 170. Em Lisboa, “Luís da Silva Teles fora desterrado por ter tirado do navio em que
viera do Brasil preso a um parente de seu sogro Salvador Correia de Sá e Benavides”, D. Afonso
vi, p. 45, ed. E. Brasão. Era Tomé Correia, cf. doc. in Luís Norton, ibid., p. 331. Este retornou ao
Rio e foi em 1671 provedor da Misericórdia, cf. Félix Ferreira, A Santa Casa da Misericórdia
Fluminense. Rio: 1898, p. 112. Sobre os sucessos de 1660, Vieira Fazenda, Rev. do Inst. Hist.,
cxliii, pp. 20 e ss.

741 Prova o desfavor em que cou Salvador Correia a dissolução da companhia de infantaria
de seu lho João Correia, Docs. hist., v, p. 170.

742 D. Afonso vi, pp. 147–8. Outro incidente que indica a prevenção del-Rei Afonso vi com
os Sás foi o que sucedeu ao se travarem de razões criados de João Conti e do próprio soberano e
os de Martim Correia de Sá, 1º Visconde de Asseca, lho do velho Salvador Correia, Catástrofe
de Portugal na deposição de D. Afonso vi, 1669, v. Alberto Lamego, A terra Goitacá, i, p. 84.
Sobreviveu-lhe o general. Faleceu em 1688. Sepultado na sacristia dos carmelitas de Lisboa, a
lápide do seu túmulo dizia: “Aqui jaz Salvador Correa de Sá e Benavides, senhor do couto de
Pena Boa e das vilas de Tanquinhos, Arripiada e Asseca, restaurador da fé e de xpto nos reinos
de Angola Congo Benguela São Tomé vencendo os holandeses e comprou essa sacristia com
missas e sufrágios perpétuos pede a quem ler este letreiro o encomende a Deus”. Alberto Rangel
em 1910 procurou em vão essa pedra, desaparecida com tantas outras relíquias desse tempo. V.
também José Maria Antônio Nogueira, Esparsos. Coimbra: 1934, pp. 518–30.

743 Docs. hist., v, p. 136.

744 Docs. hist., v, p. 160.

745 Carta de 29 de abril de 1662, Docs. hist., v, p. 148.

746 Chegou a Lisboa a 14 de novembro de 1663, com “cinco navios cuja principal carga de
açúcar, tabaco e outras drogas se dizia ser sua contando-se-lhe o cabedal por centos de mil
cruzados e havendo ido servir àquela conquista como soldado particular”, D. Afonso vi, p. 187.
Ainda em 1687 era Francisco Barreto presidente da Junta do Comércio Geral, T. do Tombo,
Chanc. de D. Pedro ii, liv. 64, f. 230.

747 O palácio do Conde de Óbidos em Lisboa, sobre a rocha do seu nome, diz bem do
fausto de D. Vasco. V. Portas brasonadas de Lisboa, desenhos de Alberto Sousa, pref. de Júlio
Dantas.

748 D. Afonso vi, ed. E. Brasão, pp. 52–3. O Conde de Óbidos empossou-se em 26 de junho
de 1663. Vice-rei da Índia, 1652–3 fora “lançado e embarcado pelos moradores de Goa a título
de descontentamentos”, carta do rei, 18 de agosto de 1654, in Um diplomata português da
Restauração, Antônio da Silva e Sousa, p. 25, Bibl. Nac., Lisboa, 1940; e Teixeira de Aragão,
Descr. geral e hist. das moedas, iii, p. 234.

749 Documentos históricos, iv, p. 115. Lembrava a decisão do Marquês de Montalvão e


depois de Antônio Teles da Silva, para que nenhuma patente, provisão ou alvará del-rei ou
donatário se executasse antes do “cumpra-se” dado pelo governo-geral na Bahia. Em carta ao
governador do Rio de Janeiro, de 23 de outubro, explicou; “Achei as cousas deste estado tão
demasiadamente confusas e a jurisdição deste governo tão sem limite despedaçada; que para se
tornar a unir e restituir o governo a aquele ser em que se deve conservar e que el-rei meu
Senhor quer que o Brasil tenha, etc.”, Docs. hist., v, p. 465.

750 Regimento de 1º de outubro de 1663, Docs. hist., iv, pp. 118–24; e Registo geral da
Câmara de São Paulo, iii, pp. 137–41. Seguiu-se a 24 de outubro o Regimento para a cobrança
do donativo do dote da rainha de Inglaterra e paz de Holanda: consolidação das normas
relativas à contabilidade do sco no Brasil. Veio em seguida o Desembargador João de Góis de
Araújo, aliás natural da Bahia, “encarregado da arrecadação das dívidas da Fazenda Real”, prov.
de 5 de abril de 1667, Docs. hist., xxiii, p. 231.

751 Docs. hist., xi, p. 216, carta de 30 de dez. de 64 a D. João de Sousa.

752 Docs. hist., ix, p. 221. No mesmo sentido, carta ao Capitão João Batista Pereira, ibid., p.
226. E para o capitão-mor do Pará: “Sou afeiçoado do chocolate; e sobre esta razão menos
importante assenta a principal de ser útil ao Brasil transplantar-se a ele a fruta do cacau”, ibid.,
p. 227, prova de que já então se conhecia no Pará e no Maranhão, e possivelmente é desse
tempo o início da plantação na Bahia, onde se realizou a profecia do vice-rei: “Felicidade sua
[...]”. Histórico da respectiva lavoura, in Leo Zehntner, Le Cacaoyer dans l’État de Bahia.
Berlim: 1914, p. 34. O Pe. João Filipe Bettendorf levou em 1674 sementes do Pará para o
Maranhão e tinha três anos depois 2 mil pés de cacau, Pe. Sera m Leite, op. cit., iv, p. 159.

753 Docs. hist., vii, p. 248. Pregara nas exéquias o prior dos carmelitas, Fr. Joseph do Espírito
Santo e dirigira a música o licenciado Pe. Francisco Luís, Docs. hist., vii, p. 252.

754 Portaria de 8 de julho de 1666: “Foi recluso e preso (o Desembargador Jorge Seco) pela
culpa que resultou da devassa que pelo Juízo Eclesiástico se havia mandado tirar, em que saiu
culpado na conjuração que Lourenço de Brito Correia intentava”, Docs. hist., vii, p. 254. Em
carta de 6 de agosto, Arq. Hist. Col., Papéis avulsos, deu o conde notícia a el-rei do sucedido,
enviando seis pessoas presas.

755 Portaria de 1º de janeiro de 1667: “Porquanto o Capitão Bernardo Vieira Ravasco [...]
está impedido e preso há mais de oito meses”, P. Calmon, O crime de Antônio Vieira, p. 111. O
desfavor em que caíra o irmão do Padre Vieira é sensível em vários documentos, Documentos
históricos, lxvi, p. 166.

756 Frei Jaboatão, Cat. gen., p. 228, diz que a conjura era para prender o conde, e guraram
nela Francisco Teles de Meneses, Lourenço de Brito, “o Queirós e Álvaro de Azevedo”. Meneses,
mandado preso para o reino, voltou em companhia do Governador Alexandre de Sousa Freire,
em 1668. A provisão com que o rei integrou na patente de capitão, de 3 de março de 1667, disse:
“Desapossado dela sem culpa alguma o Conde de Óbidos pela presunção de um chamado
motim contra sua pessoa que se não provou”, Docs. hist., xxiii, p. 5. O Capitão Antônio de
Queirós Cerqueira foi restituído em 1668, Docs. hist., xxiii, p. 203.

757 Doc. in Brás do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 129. — Haveria qualquer ligação entre o
motim da Bahia e as predições do Padre Vieira, recluso então em Coimbra e a responder
perante o Santo Ofício — quanto ao ano de 666? V. J. Lúcio, Hist. de Antônio Vieira, ii. —
Damião de Lençóis teve, por sua mulher, lha do Coronel Francisco Pereira do Lago, o famoso
morgado de Santa Bárbara, na Bahia, Jaboatão, Cat. gen., tít. Pereiras do Lago. Sobre a sua
carreira militar, Docs. hist., iii, p. 196; Anais da Bibl. Nac., iv, p. 55; Miralles, Hist. mil., p. 45;
Docs. hist., xxii, pp. 135–6.

758 Anais da Bibl. Nac., iv, p. 405. Bernardo Ravasco alcançou então justiça e favores, um
dos quais a promessa de que lhe sucederia no cargo de secretário seu lho Gonçalo Ravasco.
Esse transtorno da fortuna indica a existência da parcialidade, contrária à situação caída, e
particularmente ao valido, Conde de Castelo Melhor. O Padre Vieira, no panegírico da rainha,
em 1668, Sermões, xiv, p. 359, dissera com severidade: “Então governava-nos quem não era rei;
e agora? Quem é mais que rei”.

759 Rocha Pita, op. cit., p. 260.

760 Miralles, op. cit., p. 149; Accioli, op. cit., ii, p. 131. Sousa Freire fora governador da praça
de Beja, mestre-de-campo-general e ultimamente governador de Mazagão, cf. patente que o
nomeou governador-geral do Brasil, de 15 de maio de 1667, Docs. hist., xxiii, p. 7. Lisonjeou-o
o poeta da Música do Parnaso, ed. da Academia, p. 165: “Em paga do valor sempre aplaudido/
América governa venturosa”.
761 Em carta de 25 de maio de 1668, Alexandre de Sousa Freire avisou ao governador de
Pernambuco: “[...] com grande sentimento pela morte do General Francisco Correia da Silva
que miseravelmente se perdeu com a sua nau em um baixo uma légua desta cidade entrando os
mais navios diante dele a salvamento e se a rma que se perderam mais de 500 pessoas
escapando só 70 homens os mais deles marinheiros e um capitão aqui da terra. Morreu o
Capitão Cristóvão da Costa e os mais capitães e o ciais e pilotos e mestres”, Docs. hist., ix, p.
294. O naufrágio ocorreu nos parcéis do Rio Vermelho, Docs. hist., vi, p. 92. O corpo do
general foi recolhido pelo Mestre-de-campo Antônio Guedes de Brito e sepultado na Igreja de
São Francisco. Rocha Pita, que no-lo informa, engana-se, chamando João Correia da Silva o
governador nomeado, Hist. da Amér. Port., p. 274.

762 V. sermão de Vieira sobre a paz, Sermões, xiv, p. 342.

763 Patentes in Docs. hist., xxxi, p. 400, passim. Cartas do Conde de Óbidos com as mesmas
prevenções, Docs. hist., vi, passim.

764 Em 25 de outubro de 1668 Francisco Barbosa Leal fora nomeado capitão do “distrito dos
Campos do mesmo rio da Cachoeira”, Docs. hist., xii, p. 5.

765 Assento tomado na reunião de 4 de março de 1669, Accioli, op. cit., ii, p. 32. O alferes
chamava-se João de Uzeda e Góis, P. Calmon, A conquista, p. 96.

766 Rocha Pita, op. cit., p. 276. O Capitão Manuel Barbosa de Mesquita Fidalgo da Casa del-
Rei, acabava de servir na Fortaleza de Nossa Senhora del Popolo (166), Docs. hist., xxii, p. 270.
Foram mortas com o capitão 21 pessoas, Docs. hist., xxxi, p. 35.

767 Portaria de 21 de julho de 1670, Docs. hist., viii, p. 4.

768 Era do Porto, como sua lha Cecília Ribeiro, cf. Pe. Roque Luís Pais Leme da Câmara,
Nobiliarquia, ms. na Bibl. Nac. O governador-geral mandou dois barcos em que viesse de
Santos, carta de 19 de set. de 1670, Docs. hist., vi, p. 1.488.

769 Cf. carta de Lisboa, 1682, sobre os serviços de Fernão Dias, Rev. do Arq. Públ. Mineiro,
xix, p. 12. A Câmara da Bahia, em ofício para el-rei, de 14 de agosto de 1671, comunicou a
chegada dos paulistas, com quem despendera 10:724$800 até a partida para Cairu, Accioli, op.
cit., ii, p. 132. Aliás cumpria o assentado em junta de 18 de julho de 1670, Docs. hist., viii, p.
135.

770 B. do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 234.

771 Docs. hist., vi, p. 189. Partiram em 27 de agosto de 71, Docs. hist., ix, p. 434.

772 Em 18 de setembro de 1672 o governador retirou a pequena guarnição de Cairu, Docs.


hist., viii, p. 109.

773 Rocha Pita, op. cit., p. 281.

774 À partida e à chegada de Afonso Furtado dedicou sonetos Manuel Botelho de Oliveira,
Música do Parnaso, ed. da Acad. Bras., pp. 121–2. Trouxe Instruções, com 13 capítulos, datadas
de 4 de março de 1671, códice ms. no arq. do Conde dos Arcos, Lisboa, inéd.
775 Sousa Freire cou mais um ano na Bahia, pois obteve, em 5 de agosto de 72, que se
preferisse para carregar uma sua fragata, Docs. hist., viii, p. 102. Patente do novo governador,
Docs. hist., xxiv, p. 155. Tomou posse em 18 de maio, cf. Livro de posses, ms. no Arq. Públ. da
Bahia.

776 Carta de 23 de fev. de 1675, Docs. hist., x, p. 135.

777 Taunay, Hist. geral, v, p. 25.

778 O Sr. Herman Kruse achou em setembro de 1939 a casa-forte da ponta do Guareiru
cujas dimensões coincidem com a de Gabriel Soares, descrita por Frei Vicente do Salvador. Em
6 de novembro de 1671 o governador mandara Gaspar Dias, do Aporá, ntar os moradores,
para que dessem cem alqueires de farinha “à gente da Conquista” na “casa-forte”, Docs. hist.,
viii, p. 68. Precedera, pois, à “bandeira” de Estêvão Parente.

779 Cf. doc. cit. por A. Taunay, Hist. ger. das band. paul., v, p. 22.

780 Taunay, op. cit., v, p. 34. A prova da conquista está na sesmaria dada a Manuel de
Hinojosa, “no boqueirão de Guareiru até entestar no Rio de Paraguaçu”, 1673, Docs. hist., viii,
p. 164.

781 Docs. hist., viii, p. 167. Arzão voltou a São Vicente “a uma diligência de grande
importância”, em ns de 1674, Docs. hist., viii, p. 205.

782 É a vila de João Amaro, Rocha Pita, op. cit., p. 282. O senhorio dela coube ao lho de
Estêvão. “Pouco povoada pela grande distância em que ca”, vendeu-a aquele ao Coronel
Manuel de Araújo de Aragão, que obteve alvará del-rei para ser capitão-mor a 7 de fevereiro de
1688, Docs. hist., xxix, p. 289.

783 “O São Francisco”, escreveu em pleno século xviii D. Domingos do Loreto Couto, “nasce
das vertentes das grandes serranias do Chile e Peru”, “Desagravos do Brasil”, Anais da Bibl.
Nac., xxiv, p. 22. Uma consulta do Cons. Ultram., 1698, era mais cautelosa: “Vai continuando o
mesmo rio pelos sertões acima [...] que ainda hoje se ignora aonde pára ou aonde principia”,
Anais da Bibl. Nac., xxix, p. 24.

784 Anais do Arq. Públ. da Bahia, viii, p. 13.

785 Docs. hist., p. 418. “V. M.ce me escreve que foi o primeiro descobridor das mesmas
minas a que vou”, escreveu D. João de Lencastro a Bento Surrel, 1694, Docs. hist., xxxviii, p.
328.

786 Docs. hist., xii, p. 210. É curioso lembrar que um tio de Afonso Furtado casou com a
lha de D. Francisco de Sousa, o “das manhas”, Pe. Antônio de Carvalho, Corogra a
portuguesa, ii, p. 369; evidentemente trouxera uma opinião formada, sobre as minas... Veremos
como lhe foi fatal; mas decisiva para os progressos do povoamento. Na Bahia teve a devoção de
N. S.a de Monserrate, como D. Francisco de Sousa: “[...] uma erisipela que me deu estando em
Monserrate e me não deixou acabar uma novena”, Docs. hist., x, p. 167. É o “Monserrate
antártico” dos Apólogos, de D. Francisco Manuel.
787 Dizia o Regimento de Roque da Costa, 1677, cap. 29; “O Governador Alexandre de
Sousa Freire [...] me deu conta terem-se descoberto as Minas de Salitre”, Docs. hist., vi, p. 380.

788 Pedro Calmon, História da Casa da Torre, p. 81. Podemos distinguir dos cariris do
litoral ( janduís do Rio Grande do Norte ou rodelas do baixo São Francisco) os jês do Piauí, a
que pertenciam jeicós (vistos por Martius), entre os rios Gurguéia e Itaim, e guegués (Vale do
Alto Parnaíba), que parece serem os mesmos gurguéis ou gurguéias, do ramo Acroá, v. Robert
H. Lowie, in Handbook of South American Indians, i, pp. 477–517 (1946) e mapa, por Curt
Nimuendajú. Que não eram cariris os do Piauí, prova a hostilidade aos do São Francisco,
aldeados sob a guarda da Casa da Torre. Na conquista do novo território, como alhures,
prevaleceu — manobrada pelo sertanista — a rivalidade natural das tribos incompatíveis.

789 Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxi, p. 161.

790 Docs. hist., xx, p. 124.

791 Docs. hist., xii, p. 337.

792 Em 23 de março de 1669, Docs. hist., xii, p. 22: “Os distritos desde o Xangô até o Sento-
Sé e Jacobina estão sem capitão e os moradores sem disciplina alguma”, foi a consideração
exarada na patente do Capitão Domingos Rodrigues de Carvalho, 4 de dez. de 1669, Docs. hist.,
xii, p. 70. Eram 45 os moradores de Jacobina; e um jesuíta fundou “aldeia de nação Sapoia”, que
em 1674 “com grande temor das tropas dos paulistas”, tendo por isto capitão, Docs. hist., xii, p.
306. Somente no século seguinte, com os descobrimentos auríferos, Jacobina teria dignidade de
vila. Jacobina... “Serra da Jacuabina”, diz a Patente de Capitão de moradores naquelas “terras
fronteiras do gentio bárbaro”, de 5 de abril de 1674, Docs. hist., xii, p. 306, o que abona a
etimologia proposta por Teodoro Sampaio, Rev. do Inst. Hist. da Bahia, vol. 54, p. 389: ya-cuâ-
apina, lugar de cascalho limpo...

793 P. Calmon, Hist. da Casa da Torre, p. 86.

794 Patente de 8 de agosto de 1675, Docs. hist., xii, p. 350.

795 Patente de Lourenço de Matos, 16 de dez. de 75, Docs. hist., xii, p. 375: teve também a
companhia de Jacobina, 17 de jan. de 1677, ibid., xii, p. 421. O morgado da Torre, em 1679,
abrangia a margem do São Francisco entre o Rio Verde e Penedo, Anais do Arq. Públ. da Bahia,
xxi, p. 158.

796 Pat. de 1º de fevereiro de 1677, Docs. hist., xii, p. 428. Diz o Pe. Roque Luís: “Capitão-
mor Francisco Dias de Siqueira, natural e nº Cid. de S. P., chamado o Surdo, penetrou o sertão
até a cidade do Maranhão, abriu a estrada para a Bahia, e conquistou o Piauí com a Pat. dita.
Potentado em arcos, fal. na Bahia com muito cabedal que herdou o juízo dos ausentes”,
Nobiliarquia, ms. na Bibl. Nac.

797 As grandes fazendas de Domingos Afonso passaram aos jesuítas e destes ao patrimônio
nacional. O pioneiro construiu (1704–11) o edifício do Noviciado da Companhia, hoje Colégio
de São Joaquim. Sobre a participação de Domingos Jorge Velho na conquista do Piauí, v. nota
19, (cap. xxv, “Negros e tapuias”, século xvii). Leia-se também Carlos Eugênio Porto, Roteiro do
Piauí. Rio: 1955, pp. 53 e ss.
798 V. descrição das capitanias, etc., Rev. do Inst. Hist., lxii, parte i, p. 83.

799 Rocha Pita, op. cit., p. 279: “Sendo do Piagui a maior parte do gado, que se gasta entre
aqueles inumeráveis habitadores e mineiros”.

800 V. Relation succinte et sincère de la mission du Pe. Martin de Nantes, prédicateur


capucine, missionaire apostolique dans le Brésil parmi les indiens appellés cariris. A Quimper
chez Jean Serir, 1707. Aracapá dista 29 léguas de Juazeiro e é eqüidistante da Cachoeira de
Rodelas. Esses aramurus ajudaram os portugueses, contra os holandeses. Um documento de
1794, relativo ao morgado de Antônio Gomes Ferrão, atesta que o seu bisavô, o Mestre-de-
campo Pedro Gomes, os comandara naquela guerra. — A aldeia dos aramurus foi mandada
respeitar, a pedido do Pe. Audierne, em 23 de outubro de 1672, Docs. hist., viii, p. 117.

801 P. Calmon, Hist. da Casa da Torre, p. 86.

802 Patente de Manuel Homem de Almeida, Borges de Barros, Sertanistas e bandeirantes


baianos, p. 140.

803 Consultas do Cons. Ultram., Bahia, ms. na Bibl. Nac. Em 1691 queixou-se o governador
da decadência dessas missões, que não aumentavam..., Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 43.

804 Ord. Reg., liv. 6, pp. 1.698–9, no Arq. Públ. da Bahia, ms. No século seguinte as aldeias
dividiam-se: com os franciscanos, Unhambu, Juazeiro, Pontal, Curral de Bois, Coripes,
Sorobebé; e com os barbadinhos: Axará, Rodelas, Pacatuba, Pambu, Varge, Uracapá, São Félix,
Iraperá, São Pedro. O mesmo manuscrito, n. 3.757, de Marinha e Ultramar (no Arquivo
Histórico Colonial, Lisboa), descreve as condições da navegação de São Francisco, com a
indicação de que se tomava piloto na Fazenda do Sobrado, que foi de Domingos Afonso.

805 Pat. de 6 de julho de 1677, Docs. hist., xiii, pp. 6–7.

806 Pat. de 20 de outubro de 1677, Docs. hist., xiii, p. 17. A aldeia de Natuba não devia ser
perturbada, pat. de 9 de abril de 1678, Docs. hist., cit., p. 32.

807 Requerimento de João Amaro, 12 de jan. de 1696, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 46 (aí
a folha de serviços de pai e lho).

808 V. A. Taunay, Hist. geral, v, p. 330. A carta do príncipe informando sobre a missão de D.
Rodrigo é de 28 de junho de 1673. Da mesma data o alvará de nomeação. Docs. hist., xxv, p.
258. Pedro Taques dá o início dos trabalhos em Itabaiana: 11 de julho de 1674, Taunay, ibid. De
28 do mesmo mês foi o Regimento que se lhe deu, códice ms. no arq. do Conde dos Arcos,
Lisboa, inéd. D. Rodrigo, dalgo da casa real, era português, diz um dos testemunhos arrolados
na documentação publicada por Correa Luna, Campaña del Brasil, i, p. 78. Chamava-se sua
mãe D. Catarina Correia Galveia.

809 Carta do príncipe, 28 de junho de 1673, Docs. hist., lxviii, pp. 222–3.

810 Carta de 1693, Taunay, ibid., v, p. 335.

811 Docs. hist., xxv, p. 264.


812 Venceu Bento Surrel o soldo depois, de 1678 a 1685, Docs. hist., xxv, p. 263. Vivia na
Bahia João Alvares Coutinho, “com exercício de mais de vinte anos no reino do Peru”: mandou
o príncipe acompanhasse a D. Rodrigo, carta ao governador, 7 de dezembro de 1677, Docs.
hist., xlvii, p. 247.

813 Apostila in Docs. hist., xxv, p. 266. Registada na Bahia em 17 de março de 1678. Jorge
Soares levou como ajudante-de-ordens João Carvalho Freire, patente de 22 de abril de 78, Docs.
hist., xxvi, p. 388; e seguiu por terra, desde a Bahia, Docs. hist., ibid., p. 291, em abril, enquanto
D. Rodrigo só saiu em 24 de setembro do mesmo ano. É do Padre Antônio Vieira o comentário:
“Para as de Paranaguá se tem mandado novos ministros, que nada entendem daquele mister,
mas para si têm já descoberto e embolsado muita prata, pelos grandes salários que levam, com
poderes sobre tudo quanto há naquele estado”, Cartas, iii, p. 324, ed. J. Lúcio.

814 Em 1622, para 1.200 habitantes, Buenos Aires tinha 370 portugueses, R. de Lafuente
Machain, Los Portugueses en Buenos Aires. Buenos Aires: 1934, p. 86.

815 Os navios San Antonio, San Mateo, San Juan, Nuestra Señora de Nazareth ocupavam-se
então desse trá co, v. Luis Enrique Azarola Gil, Los Maciel en la Historia del Plata. Buenos
Aires: 1940, p. 28.

816 Revista do Inst. Hist., lxxiii, parte i, p. 47.

817 Edição de R. Garcia, p. 144.

818 Voyage, etc., p. 545, Paris, 1615: “Je n’ai jamais vu pays ou l’argent soit si commun qu’il
est en cet endroit du Brésil, et y vient de la rivière de la Plata”.

819 Docs. hist., iii, p. 11. Toda essa moeda espanhola foi mandada contramarcar pelo alvará
de 26 de fev. de 1643. Nova contramarca se pôs à moeda do Peru, em 1652. A lei de 6 de junho
de 1651 proibiu a circulação de patacos peruanos, então muito falsi cados.

820 Prov. de 1656 e 59. Salvador Correia propôs no Conselho de Guerra, em 17 de outubro
de 1643, a abertura do comércio com Buenos Aires, Luís Norton, in Brasília, ii, pp. 605 e ss.

821 Docs. hist., iv, p. 286.

822 Docs. hist., iv, p. 362.

823 Jônatas do Rego Monteiro, A Colônia do Sacramento. Rio: 1937, i, p. 34.

824 Cartas, 20 de jan. de 1648, i, p. 39, ed. de 1886.

825 A primeira notícia da invasão, que foi a 2 de novembro de 48, é do Pe. Mansilla, Taunay,
Hist. geral, iii, p. 175. Docs. in Anais do Museu Paulista, v, pp. 6 e ss., referem-se às invasões de
1647 e 48. “No ano de 649 partiram os moradores de São Paulo”, disse Vieira, Cartas, i, pp. 408–
9, ed. J. Lúcio d’Azevedo, que se referiu à bandeira de Antônio Raposo Tavares. Dela fez
completo estudo Jaime Cortesão, Raposo Tavares e a formação territorial do Brasil, Rio, 1958,
atribuindo-lhe planos transcendentes, conforme acreditava o Pe. Cristobal de Arenas, ibid., p.
285, e insinuara Vieira.
826 Acha Carvalho Franco que não é André Fernandes fundador da Paraíba, que fez
testamento em 1641, op. cit., p. 86.

827 Carta do Pe. Mansilla, Anais do Museu Paulista, v, p. 7.

828 A. Taunay, Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo: 1926, p. 12. Em carta de 1675, con rmou
João Fernandes Vieira: “Um capitão maior fulano Raposo, que entrou em São Paulo e saiu no
Grão-Pará”, Bol. do Arq. Hist. mil., xiii, p. 9.

829 Anais da Bibl. Nac., doc. do Arq. Ultram., n. 1.888. Vacaria aparece nas “notícias
utilíssimas à Coroa de Portugal e suas possessões”, f. 695, Anais, cit., doc. 1.981.

830 A expedição de Pedroso Xavier constitui a mais avançada tentativa de aproximação


portuguesa dos núcleos castelhanos do Paraguai, e encareceu-a o capitão-general de São Paulo,
em 1771, escrevendo ao governador do Paraguai D. Carlos Morphy, Pereira Pinto, Apont. para
o direito internacional, iii, p. 472; e Hildebrando Accioli, Limites do Brasil: a fronteira com o
Paraguai. São Paulo: 1938, p. 14.

831 Queixa anexa à carta do príncipe para D. Manuel Lobo, 23 de março de 1679,
Documentos interessantes, Arq. do Estado de São Paulo, xlvii, p. 25. Dessa incursão em Santa
Cruz não nos fala Enrique de Gandía na sua História de Santa Cruz de la Sierra, Buenos Aires,
1935. Mas o vice-rei do Peru con rmou: “[...] y con este ejercito llegando hasta la población de
Santa Cruz de la Sierra”, Docs. interessantes, cit., p. 27. Segundo o linhagista Pe. Roque Luís,
Xavier “trouxe cinco sinos da cidade da Concam, do Paraguai para S. P. e fal. a 19 de janeiro de
1680”.

832 Foi despachado em 21 de maio de 1664, Pedro Taques, Informações sobre as minas de
São Paulo, p. 97. O Conde de Óbidos, em carta ao governador do Rio, 4 de abril de 65,
recomendou a empresa do “descobrimento das minas das capitanias do Sul”, que se cometera a
Barbalho, Docs. hist., vi, p. 48. Noutra (18 de dez. de 65, ao provedor da Fazenda no Rio): “Ele
(Barbalho) me escreve que de longe se haviam descoberto já pelos seus exploradores as serras
das esmeraldas, mas eu creio mais os desenganos que V. M. me dá de não haver no Brasil mais
minas que o açúcar com as esperanças com que eu co de as descobrir”, ibid., p. 63. “Porque
tudo isto de Agostinho Barbalho é um embeleco”, carta de 23 de fevereiro de 64, ibid., p. 65. Por
Pedro Taques sabemos que morreu no sertão do Espírito Santo, op. cit., p. 99. — V. também
Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 30, 1956.

833 Pe. Sera m Leite, Jornal do Comércio, 5 de maio de 1935, “Uma grande bandeira
paulista ignorada”.

834 Carvalho Franco, op. cit., p. 103.

835 Docs. hist., xiii, p. 7.

836 Docs. hist., xi, p. 71.

837 Sobre Dias de Siqueira, A. Taunay, no Jornal do Comércio, 11 de maio de 1936. V. carta
do governador-geral, 1693, Docs. hist., xxxiv, p. 86.

838 Pedro Taques, Nobiliarquia, ed. Taunay, pp. 297 e 317.


839 V. Basílio de Magalhães, Expansão geográ ca do Brasil Colonial, 2ª ed., pp. 128–9. O
Anhangüera mereceu o apelido (diabo velho) pelo ardil de que se valeu com os goiases. Para
amedrontá-los derramou aguardente no rio e ateou-lhe fogo... Mas a primazia do embuste,
segundo Pedro Taques, cabe a Francisco Pires Ribeiro.

840 Washington Luís, in Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, viii, p. 98.

841 Rocha Pita, op. cit., pp. 282–4. O doc. seguinte mostra o equívoco de Calógeras, As
minas do Brasil, p. 449 (v. Taunay, Hist. ger., v, p. 327), que atribui a Melchior da Fonseca
Saraiva o caso do capitão-mor de Paranaguá.

842 Docs. hist., vi, p. 282. Reforçava a crença... “por me haver escrito isto também Fernão
Dias Pais que de uma libra de pedra de Pernaguá que lhe fora à mão tirara trinta réis de prata
do valor antigo. Mas ainda que não duvido da certeza [...]”. É possível que a pressa em mandar o
lho fosse o seu propósito de mostrar à corte que sem D. Rodrigo de Castelo Branco as minas
iam sendo descobertas. Quando partiu João Furtado, o administrador-geral minerava em
Sergipe! Outra carta, dizendo que Paranaguá seria o novo Potosi, foi do capitão de Santos,
Sebastião Velho de Lima, de 30 de maio de 1674, Paulo Prado, Paulística, p. 123.

843 Docs. hist., x, p. 449.

844 Docs. hist., xi, p. 65.

845 Antônio Correia Pinto, que morreu heroicamente na Colônia do Sacramento — servira
primeiro, como engenheiro, no Alentejo, e em 1670 em Pernambuco, tendo a patente de capitão
ad honorem em 16 de outubro de 1674, Docs. hist., xxvi, p. 265. A exaltação do governador
documenta-se com este trecho de carta, para Frei João de Granica: “E será justo que assim
como muitos portugueses deram muitos milhões nas minas do Potosi, aos príncipes de Castela,
dê também um castelhano, muitos nas de Pernaguá ao de Portugal”, Docs. hist., x, p. 454.

846 De Roma, 14 de novembro de 1674, escreveu Vieira: “Obrigado dos corsários de Argel
dera à costa um patacho da Bahia, em que vinha o lho do Governador Afonso Furtado, o qual,
com alguns outros, escapara do naufrágio, havendo-se perdido as cartas, e tudo o mais que
traziam, que eram principalmente as amostras de três minas novamente descobertas naquele
estado, uma de ouro, outra de prata, e a terceira de esmeraldas. [...] Parece que se pode assim
coligir de o governador, que é homem sisudo, mandar seu lho com este alvitre”, Cartas, iii, p.
120, ed. J. Lúcio d’Azevedo. V. a carta do governador a Agostinho de Figueiredo, Docs. hist., x,
pp. 446–7. “Fizeram dar à costa na altura da Ericeira e milagrosamente saiu à praia (João
Furtado de Mendonça) com vida para dar notícia a S. A. que seu pai por ele mandava de se
descobrirem... minas de prata e de esmeraldas”, Monstruosidades..., iv, p. 26.

847 Rev. do Inst. de São Paulo, v, p. 184. Em 30 de março de 1622 protestou a Câmara de São
Vicente contra a ordem de Martim de Sá, para descer “certa cópia de gente da Laguna e Vila de
Santa Catarina”, “limites desta capitania”, Revista, cit., v, p. 186.

848 V. Basílio de Magalhães, op. cit., p. 132.

849 V. Osvaldo R. Cabral, Laguna e outros ensaios. Florianópolis: 1939, p. 16; Alberto
Lamego, A terra Goitacá, i, p. 62.
850 Romário Martins, História do Paraná, p. 258. Eleodoro morava no Rio de Janeiro,
“cidadão desta cidade”, aí juiz ordinário em 1637, Acórdãos e vereanças, cit., pp. 13–4. Segundo
a Genealogia do Pe. Roque Pais Leme da Câmara, ms. na Bibl. Nac., era genro do famoso
Capitão-mor João Pereira de Sousa Botafogo, e natural de Viana, no reino. A viúva e lhos de
Duarte Correia Vasqueanes obtiveram sesmaria de dez léguas da Barra de Paranaguá para o sul,
em 3 de outubro de 1658, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, v, p. 191, e 30 léguas abaixo das
capitanias do Conde de Monsanto e Condessa de Vimieiro, em 30 de outubro do mesmo ano.

851 Pedro Taques, Hist. da capitania de São Vicente, ed. Taunay, p. 141; Afonso d’E. Taunay,
História geral das bandeiras paulistas. São Paulo: 1946, viii, pp. 325 e ss. V. “Informação de
Ébano”, 1650, Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 20. A sua nomeação foi de 10 de setembro
de 1648.

852 Doc. do Arq. Ultram., cit. por Dídio Costa, Subsídios para a história marítima do Brasil,
ii, p. 258. É a esse ouro que alude Vieira, na carta (lxvi, da edição de J. Lúcio, i), datada do
Maranhão: “O ouro que se tira das minas de São Paulo se põe todo em barretas em que se vai a
cunhar, e dizem eles que, em fazendo barretadas a estes mesmos ministros com estas barretas
[...]”

853 V. A. Lamego, A terra Goitacá, ii, p. 473; A. Taunay, Hist. geral, v, p. 221.

854 O exame das pedras levadas por Brito Freire foi negativo (o que menos justi ca o logro
em que caiu depois o Governador Afonso Furtado). Parece que se refere ao mesmo assunto a
comunicação do marquês almirante para que não se mandasse mais amostra, 1656, Docs. hist.,
xxi, p. 285. Um marinheiro português ouvido em Assunção, em 1657, disse que a 7 léguas de
São Paulo, em Ibiturum, e no porto de Paranaguá, “se labra y saca oro por todos los que quieren
ir a sacarlo porque son minas comunes para todos”, Taunay, Hist. geral, iii, p. 213.

855 Ms. “Sobre o bom governo e guerra do Brasil”, de Francisco de Brito Freire, na Bibl. da
Ajuda, publ. por Eduardo Brasão, Ocidente, ix, p. 259, maio de 1940. — Em 1663 foi nomeado
administrador das minas de Parnaguá o provedor da Fazenda do Rio de Janeiro, Diogo
Carneiro, Docs. hist., xxi, p. 345.

856 A. Taunay, op. cit., v, p. 220, e A. Lamego, ibid.

857 Antônio Vieira dos Santos, Memórias hist., cron., etc., de Paranaguá. Curitiba: 1922, p.
15; R. Martins, História do Paraná, p. 243.

858 Romário Martins, Curitiba de outrora e de hoje. São Paulo: 1923, p. 95; A. Taunay,
História geral das bandeiras paulistas, viii, p. 333.

859 V. patente, Docs. hist., xxv, p. 142. Era soldado desde 1641. Entrou no governo de São
Vicente em 1666, Docs. hist., vi, p. 68; e Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 37, 1956.

860 Docs. hist., xii, p. 287; e lxvii, p. 95.

861 V. Docs. hist., x, p. 442.

862 Na mesma data mandou o governador entregar a Agostinho de Figueiredo “para


benefício das minas de Pernaguá uma arroba de azougue, dois quintais de ferro, dez libras de
aço, dúzia e meia de picaretas, uma dúzia de pás, etc.”, Docs. hist., viii, pp. 202–3. Era este um
antigo soldado da Restauração, no reino, e recebera a patente de capitão-mor de São Vicente,
São Paulo e Sant’Ana (sic) em 17 de agosto de 1671, Docs. hist., xxv, p. 144. “Em seu testamento,
aberto a 22 de junho de 1711, declarou ser morador em Curitiba há 40 anos, fato con rmado
pelo Ouvidor Pardinho”, Francisco Negrão, Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba.
Curitiba: 1924, vii, p. 29. Quanto ao ludíbrio da prata, zera os primeiros ensaios dela Fr. João
de Granica, Docs. hist., xi, p. 20 e no reino D. Rodrigo de Castelo Branco, examinando as
amostras, achou prata. Roque Dias Pereira era dado como descobridor, Docs. hist., xi, p. 24. O
provedor do Rio em 1675 quis suspender dos cargos os nomeados pelo governador-geral: a
carta regia de 19 de março de 1676 mandou reintegrá-los, Docs. hist., xxx, p. 242.

863 Docs. hist., xxx, p. 243.

864 Pe. Manuel da Fonseca, Vida do Padre Belchior de Pontes, ed. Weisz og Irmãos, p. 100
(a 1ª ed. é de 1752); aí a primeira descrição do planalto paranaense. Salvador Jorge (Velho)
minerou em 1678–80, Romário Martins, História do Paraná, p. 298. Diz o linhagista Pe. Roque
Luís: “Salvador Jorge Velho, natural de São Paulo, em 1642, fal. na Parnaíba em 1705.
Descobridor das minas da Curitiba”.

865 A. Taunay, Anais do Museu Paulista, vii, p. 586. Em 1665 Agostinho Barbalho Bezerra
mandara o licenciado Clemente Martins de Matos tomar posse de Santa Catarina, Rev. do Inst.
Hist., tomo especial, i, p. 35, 1956.

866 Osvaldo R. Cabral, Laguna, pp. 18–9, 1939. Dias Velho foi morto num desembarque de
corsários holandeses em 1692, diz Pedro Taques; e Taunay, Hist. ger. das band. paul., viii, p. 374,
corrigindo a data: 1689. Defendeu de espada e broquel no templo (matriz do Desterro) as
sagradas imagens, é o que comemora o genealogista, cf. docs. do Cart. de Órfãos de São Paulo.
A versão de Pedro Taques é convincente: que antes (1687) rendera Dias Velho um navio
corsário que arribara a Santa Catarina, tomando-lhe os valores, e matando alguma gente. Neste
caso, o segundo vingou o primeiro, desembarcando na praia de fora os ladrões do mar.

867 Carta régia para o gov. do Rio, 15 de março de 1689, mandou informar a respeito da
expedição que Domingos de Brito ia novamente empreender. Fracassara a primeira, quatorze
anos antes. Dizia: “[...] a conquista da Laguna, terra muito fértil e abundante de pescados e
carnes e para a mais lavoura, com a vizinhança de Buenos Aires aonde entendia haveria muitos
descobrimentos”, Documentos interessantes, xlvii, p. 33. A povoação foi posta sob a proteção de
Santo Antônio, e a igreja começada em 1696, Osvaldo R. Cabral, ibid., p. 37. A primeira
referência à pescaria na Laguna é de 1675, Docs. hist., x, p. 446.

868 Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba, vii, p. 35, 1924; e Consulta do Conselho
Ultramarino, 24 de dezembro de 1694 (Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, pp. 53 e 272, 1956).

869 Pretendemos provar, O segredo das minas de prata, Rio, 1950, que o ciclo das
esmeraldas (Minas Gerais) se liga ao do nordeste (Belchior Dias), quando o Governador
Afonso Furtado encarregou Fernão Dias Pais de pesquisar a prata que houvesse ao sul da
Jacobina, na direção de São Paulo, ou em Sabarabuçu. Em 1664 Sabarabuçu cava nos sertões
de Paranaguá... (Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 30, 1956).

870 Carvalho Franco, Bandeiras e bandeirantes de São Paulo, pp. 140–1.


871 Tratado da terra do Brasil, ed. da Acad. Bras., p. 59.

872 Docs. hist., vi, p. 201; Taunay, Hist. ger. das band. paul., vi, p. 59.

873 Docs. hist., vi, p. 222.

874 Docs. hist., xii, p. 250.

875 Docs. hist., lxvii, p. 88.

876 Taunay, op. cit., vi, p. 85.

877 Diz Taunay: “Nos 40 homens brancos, afora eu e meu lho” que partiram com Fernão
Dias não há referências a seu genro Manuel de Borba Gato e aos sertanistas conhecidos que o
acompanharam como Antônio Gonçalves Filgueira e Antônio do Prado Cunha, Francisco Pires
Ribeiro. Talvez tivessem seguido antes, com o Capitão Matias Cardoso, Hist. ger. das band.
paul., vi, p. 87. Sobre este e a bandeira, Pedro Taques, Nobil. paul., ed. Taunay, i, p. 396.

878 Rocha Pita, op. cit., p. 59.

879 Docs. hist., xvii, p. 333; Brito Freire, Hist. da guerra brasílica, p. 545; Garcia, nota a
Varnhagen, iii, p. 299. Era lho de Pedro Garcia, rico mercador, fornecedor do engenho do
conde, a quem uma bala holandesa matara em 1624, e de sua mulher D. Maria de Araújo, viúva
de Baltasar de Aragão, o Bangala. Herdou de duas opulentas famílias, cujas terras abrangiam
boa parte do Recôncavo. Soldado desde 1635, faleceu em 1685. Na Catedral, a pedra tumular:
“Hic jacet Franciscus Gil de Araújo Praefecturae spes sancte Domine gubernator”. Grande
protetor dessa igreja, dedicou-lhe Simão de Vasconcelos a Vida de Anchieta (1674).

880 Carta do triunvirato da Bahia, 12 de junho de 1676, Docs. hist., xi, pp. 61–2.

881 A. Lamego, op. cit., i, pp. 148–51; Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 300.

882 Docs. hist., xi, p. 6.

883 Docs. hist., xii, p. 352.

884 Docs. hist., xxx, p. 8.

885 Carvalho Franco, op. cit., p. 143.

886 Regressaram Matias Cardoso e outros cabos, deixando o “governador” com os parentes,
Taunay, op. cit., vi, p. 107. Matias declarou, em 1688: “Depois de assistir 6 anos com o dito
‘governador’ se retirou com licença sua a livrar a vida do período em que se achava gravemente
enfermo, etc.”, Docs. hist., xxx, p. 9.

887 Atestado de D. Rodrigo, cf. Alberto Lamego, Mentiras hist., p. 89.

888 Doc. in A. Lamego, ibid., p. 84.

889 A. Lamego, op. cit., pp. 88–9.


890 Em 1910, ao demolir-se, para a grande reconstrução, a Igreja de São Bento, foram
exumados os restos de Fernão Dias Pais, achando-se com eles uma funda de ferro, para hérnia,
apoiada a uma cinta também de ferro, Taunay, op. cit., vi, p. 120. Observe-se que o processo
usado para o transporte do corpo (reduzido a ossos pelo fogo aplicado sobre a sepultura) foi o
dos lhos de Luís Castanho de Almeida, cf. Pedro Taques, Nobiliarquia, ed. Taunay, p. 297.

891 Informação de Pedro Dias, 1756, cf. A. Lamego, op. cit., p. 84. Pedro Taques identi ca:
Sabarabuçu, “hoje se chama Sabará, que é Minas Gerais”, Nobiliarquia, cit., p. 396. Garcia
Rodrigues Pais teve a patente de capitão da entrada das esmeraldas em 23 de dezembro de 1683,
Registo geral da Capitania de São Paulo, iii, p. 430, e Silva Leme, Genealogia paulista. São Paulo:
1904, ii, p. 455.

892 Taunay, op. cit., vi, p. 122. Afrânio Peixoto reivindicou para Diogo Grasson o título de
“primeiro épico” do Brasil, Ensaios camonianos, p. 391, Coimbra, 1932, pois Bento Teixeira
nasceu em Portugal. Também na Revista da Academia Brasileira, n. 105, set. de 1930. Aliás,
Luís dos Santos Vilhena cita uma estrofe do mesmo poema, Cartas Soteropolitanas, ii, p. 677,
ed. B. do Amaral. O caçador de esmeraldas, de Olavo Bilac, tem precursor, de 1689!

893 O nome do poeta (Diogo Grasson) não gura na documentação divulgada, da vida
paulista no século xvii. É possível que fosse pseudônimo: como Andreoni se chamou Antonil,
Coutinho quis ser Tinoco... E onde a Relação em oitava rima, de Domingos Cardoso Coutinho?
Desconheceu-a Rocha Pita, que talvez aludisse a Fernão Dias na confusa notícia do descobridor
de minas que morrera no sertão, levando para o túmulo o segredo, Hist. da Amér. Port., p. 283.
Joseph Cardoso Coutinho ( lho de Domingos?) era capitão-mor das entradas no Espírito Santo
em 1701, Docs. hist., xi, p. 287.

894 V. Taunay, op. cit., vi, p. 170. E Pedro Taques, Nobiliarquia, cit., pp. 400–1.

895 Basílio de Magalhães, op. cit.

896 Taunay, ibid., vi, p. 181. Manuel de Lemos fora contratador da renda da aguardente na
Vila de Santos, em 1644, Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxi, p. 196: “[...] e fazendo ausências às
minas de Pernaguá”, se lhe concedera isenção de subsídio devido.

897 Docs. hist., xxx. Outro companheiro de D. Rodrigo foi o Capitão João Carvalho Freire,
Docs. hist., xxx, p. 323.

898 Paulo Prado, Paulística. São Paulo: 1925, p. 117; e Taunay, ibid. É tradição arraigada que
D. Rodrigo morreu em Sabará, no morro, que domina a cidade. Pedro Taques divulgou a versão
duma queda: teria sido empurrado no abismo, após troca de insultos com Borba Gato... Vimos
que D. Jaime, morto em Paranaguá (1653), caiu, ou foi empurrado, de uma cata ou penhasco...
É evidente que esta última história, autêntica, gerou a outra, lendária. D. Rodrigo foi vítima dos
bacamartes de alguns sertanistas: três tiros. A mãe deste, Catarina Correia Galveia (“mãe
herdeira de seu lho D. Rodrigo de Castelo Branco”), requereu em 26 de março de 1688: “Que
lhe mandara ele amostras de ouro”, códice do Cons. Ultram., ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa,
inéd.

899 Carlos Correa Luna, Campaña del Brasil: Antecedentes Coloniales. Buenos Aires: 1931,
i, xxxvii. Leia-se Jaime Cortesão. Alexandre de Gusmão e o tratado de Madri. Rio: 1952, i.
900 O governo espanhol disse em 31 de dezembro de 1679: “Prevenciones que hacia el
Gober. del Rio de Janeiro para fundar una población [...] para la seguridad de bene ciar una
mina de plata”. Correa Luna, op. cit., p. 86.

901 Docs. hist., xi, p. 65. Com o tenente do Mestre-de-campo-general João Tavares Roldão, o
engenheiro foi incorporar-se à entrada de D. Rodrigo, cf. carta de 10 de março de 1679, Docs.
hist., xxxii, p. 122.

902 D. Manuel Lobo foi nomeado em 8 de outubro de 1678, Docs. hist., xxvii, p. 335 (aí a sua
fé de ofício). V. também Pe. Carvalho Costa, Corogra a portuguesa, i, p. 368. O governador de
Buenos Aires em 13 de junho de 1673 comunicara à sua corte ter notícia do projeto de
ocupação de Maldonado pelos portugueses, Correa Luna, op. cit., p. 32. Pe. Simão de
Vasconcelos, Notícias das cousas do Brasil, n. 65, alude aos marcos portugueses que tinham
sido deixados em Maldonado — e à posse até o Prata.

903 A patente foi passada em Lisboa, 30 de outubro de 1677, Docs. hist., xxvi, p. 376. Partia
“para o descobrimento e entabulamento das minas de Pernaguá e Sabarabuçu”, Docs. hist., cit.,
p. 387. As minuciosas instruções dadas a D. Manuel Lobo são de 18 de novembro de 1678,
Correa Luna, op. cit., p. 64.

904 Docs. hist., xxvi, p. 401.

905 Docs. hist., xxvii, p. 340. O engenheiro Antônio Correia Pinto, que havia de construir a
Nova Colônia, foi chamado de Paranaguá, pela carta régia de 4 de agosto de 1676, Livro 2° de
Cartas Régias, ms. no Arq. Públ. da Bahia. Sobre os antecedentes, v. Luis Enrique Azarola Gil,
La Epopeya de Manuel Lobo. Buenos Aires: 1931, pp. 29–30.

906 Rocha Pita, Hist. da Amér. Port., p. 332: “Era este ministro natural de Pernambuco, das
principais famílias daquela província; fora enviado por el-rei, sendo ainda príncipe regente, por
sindicante das províncias do Sul às maiores diligências que até aquele tempo se tinham
oferecido naquela região e com o poder mais amplo, que nela se concedera a ministro algum;
três anos e meio se empregou naquele serviço e el-rei o elegeu por governador do Rio de
Janeiro, cargo que não exerceu por se ter recolhido para a Relação da Bahia”. Também não
aceitou o de conselheiro do Conselho Ultramarino por não lhe permitir a idade passasse ao
reino. Tomara posse na Relação em 17 de maio de 1678: na Bahia faleceu em 1702. O
historiador era lho de uma sua irmã, D. Brites.

907 Carta do governador do Paraguai ao de Buenos Aires, 22 de outubro de 1679, Correa


Luna, op. cit., p. 78. Uma charrua, de mercador francês domiciliado na Bahia, foi tomada por D.
Manuel Lobo no Rio, Docs. hist., xxix, p. 240.

908 J. do Rego Barros, op. cit., pp. 44–5.

909 Doc. in Correa Luna, op. cit., p. 104. V. os nomes dos principais companheiros de D.
Manuel Lobo in J. do Rego Barros, ibid., p. 45.

910 A impossibilidade da defesa da Colônia do Sacramento (hoje cidade uruguaia de


Colônia) é patente à primeira vista, de quem a observe do Real de San Carlos, o lugar aliás onde
acampou Ceballos no último dos cinco assédios que sofreu a praga (como pudemos perceber
visitando-a em 1936). Razão tinha o Ouvidor-geral Tomé de Almeida e Oliveira ao propor a
ocupação de Maldonado; Luis Enrique Azarola Gil, Los orígenes de Montevideo. Buenos Aires:
1933, p. 53. O autor da “Informação do Estado do Brasil” ( ns do séc. xvii): “Para se conservar a
povoação do Sacramento houvera Sua Majestade ter mandado fazer outra no Montevidéu e
outra no cabo Negro”, Rev. do Inst. Hist., xxv, p. 473. E os insucessos explicam o desânimo de
Cunha Brochado, em 1725: “Não temos mais remédio que largar a Colônia que não vale nada e
não tem utilidade e serventia”, Caetano Beirão, Cartas da Rainha D. Mariana Vitória. Lisboa:
1931, i, lxxxviii.

911 V. J. do Rego Monteiro, op. cit., p. 57.

912 V. o plano da “Fortaleza de San Gabriel”, Fernando Capurro, La Colonia del Sacramento,
pl. n. 4.

913 V. J. do Rego Monteiro, op. cit., p. 89. Quanto a Jorge Soares de Macedo, em 26 de
janeiro de 1700 foi nomeado governador da fortaleza de Santos; em 2 de junho de 1701 mestre-
de-campo na mesma vila; e em 1707 ainda os seus serviços eram lembrados para ir às minas
gerais, Carvalho Franco, op. cit., p. 170.

914 Comtesse d’Aulnoy, Mémoires de la Cour d’Espagne. Paris: 1876, p. 376, ed. revue par
Mme C. Carey.

915 A carta régia de 7 de janeiro de 1682 mandou que, no Brasil, Duarte Teixeira Chaves
fosse auxiliado com todo o necessário para ir receber a Colônia do Sacramento, Docs. hist.,
xxix, p. 442. A rigorosa cobrança dos tributos atrasados, no Rio de Janeiro, permitiu o melhor
equipamento da expedição, distinguindo-se o Sargento-mor Luís Carneiro Filho, que, na
Colônia, em três dias construiu os armazéns, ibid., p. 65. Persistiu a proibição de comércio entre
a Colônia e Buenos Aires, como lamentava Vieira em 1692, Cartas, iii, p. 639, mas que não
impediu o contrabando ou o comércio clandestino; v. Luis Enrique Azarola Gil, Historia de la
Colonia del Sacramento. Montevidéu: 1940, p. 65.

916 V. José Torre Revello, in Hist. de la Nación Argentina. Buenos Aires: 1937, iii, p. 548,
dirigida por Ricardo Levene.

917 Fernando Capurro, La Colonia del Sacramento. Montevidéu: 1928, p. 19. Em 1686 o
Vigário Francisco de Almeida Lara propunha-se a mandar povoar o “lugar da Vacaria” por um
mineiro e 60 infantes “para se averiguar a prata”, Docs. hist., xi, p. 126.

918 Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 320. V. Pizarro e Araújo, Memórias históricas do Rio de
Janeiro. Rio: Inst. Nac. do Livro, 1946, iv, pp. 52 e ss.

919 Luís César foi governador da Angola e governador-geral do Brasil, Seu lho foi o 1º
Conde de Sabugosa. Deportou do Rio para Angola o poeta Tomas Pinto Brandão a quem em
seguida protegeu, Pinto renascido, empenado e desempenado, etc. Lisboa: 1732 p. 410.

920 Vieira, Cartas, iii, p. 489, ed. J. Lúcio. Quis o governador ir ver as minas de prata perto
de Santa Cruz de la Sierra, o que desaconselhou o governador-geral, Docs. hist., xi, p. 196.
Ressentiu-se-lhe a saúde depois das duas viagens a São Paulo. Morreu de ataque apoplético,
Docs. hist., xi, p. 203.
921 Docs. hist., vol. cit.

922 A. Taunay, Rev. do Inst. Hist., cxliv, p. 405, resume o livro de Froger. A primeira
descrição estrangeira do Rio? O Prof. Charles Boxer (conf. no Rio, 1949) mostrou a precedência
do jesuíta inglês Richard Flecknor, que chegou a esta terra em 1648: “e pleasantest place in
the world for natural landscape”. Com este começa o elogio universal à paisagem “maravilhosa”.

923 Ainda em 1659 Bento da Rocha Gondim, contratador dos dízimos, por ter feito no Rio
casas nobres, pedia ao governador lhas garantisse, contra ocupação dos governadores da
capitania... Docs. hist., xix, p. 468.

924 Foi sepultado no convento dos franciscanos, Rocha Pita, op. cit., p. 284. Seu lho Jorge
Furtado casou na família de Hohenlohe “que em título de conde tem soberania em Alemanha”.
Gregório de Matos, Satírica, ii–11, 15, ed. da Academia, comemorou em sonetos laudatórios o
governador falecido.

925 Miralles, op. cit., p. 151. A Vereação obteve que se não zesse a eleição anual, a m de
que Antônio Guedes de Brito continuasse, até a nomeação do governador-geral, Rocha Pita,
ibid. Sobre Álvaro de Azevedo, baiano, que combateu em Flandres e Portugal, P. Calmon,
História da Casa da Torre, p. 93. Antônio Guedes acumulou imenso patrimônio, depois da Casa
da Ponte, rival da Casa da Torre na expansão nordestina. A Câmara da Bahia representou em
14 de agosto de 1671, Accioli, Mem., ii, p. 134, contra a proibição, que constara ter sido
decretada, de serem desembargadores no Brasil os lhos da terra. A conservação da junta
“baiana” prova que o príncipe a ouviu! “O Governador Afonso Furtado deixou nomeados os
governadores que S. M. aprovou”, carta de Matias da Cunha, Docs. hist., x, p. 304. Esta
informação deve combinar-se com a de Bernardo Vieira Ravasco: que o Provedor Antônio
Lopes Ulhoa quisera ser o sucessor, com a intervenção do confessor do enfermo, porém o
secretário, unido ao sobrinho do governador, Capitão Antônio de Sousa Meneses (não
confundir com o futuro governador-geral) obteve que se zesse junta, de que resultou o
triunvirato, A. Lamego, Mentiras históricas, p. 65.

926 Cartas, 1º de junho de 1676, iii, p. 221, ed. J. Lúcio.

927 D. Afonso vi, publ. por E. Brasão, p. 216.

928 D. Afonso vi, pp. 250–1. Roque da Costa era de Serpa, Pe. Antônio de Carvalho,
Corogra a portuguesa, ii, p. 316. A patente de nomeação de mestre-de-campo-general do Brasil
com a mesma autoridade de governador — lhe enumera os serviços de guerra, 22 de junho, de
1677, B. do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 236. A viúva de Roque da Costa, lha do Almirante D.
Pedro de Almeida, casou com o secretário da guerra João Pereira da Cunha Ferraz, Gustavo de
Mato Sequeira, O Carmo e o Trindade. Lisboa: 1939, ii, p. 17.

929 Cartas, iii, p. 454.

930 O Governador D. Fernando José de Portugal anotou esse Regimento reparando nas
alterações sobrevindas a várias disposições, em 1804–5, Docs. hist., vi, pp. 312–466. Em 1655
tivera Regimento mais simples André Vidal, nomeado para o Maranhão.
931 A lápide na capela-mor da Sé comemorava: “Sepultura de D. Estêvão dos Santos, do
Conselho de Sua Majestade e bispo deste Estado do Brasil falecido em 6 de julho de 672 em
circunstâncias tão miraculosas em sua morte que quali caram a grande opinião das muitas
virtudes que teve em sua vida”. — Em 11 de maio daquele ano pagara-se-lhe a ajuda de custo de
um conto de réis, Docs. hist., xxv, p. 59. V. Monstruosidades do tempo e da fortuna, iii, p. 43.

932 Prior da Igreja de Santa Engrácia e desembargador da Relação Eclesiástica, como um


dos juízes nomeados pelo cabido, em 1668, para anular o casamento de D. Afonso vi e D. Maria
Francisca, gurou assim nos fatos que culminaram no destronamento do rei, v. Camilo, Vida
del-Rei D. Afonso vi, p. 103, 1ª ed.

933 Varnhagen, Hist., iii, p. 281. Um dos desembargadores nomeados foi o poeta Gregório
de Matos, que pouco tempo exerceu o cargo, Pedro Calmon, prefácio às Obras completas, de
Gregório de Matos, vi, p. 37, ed. da Acad. Bras.

934 Docs. hist., viii, p. 158.

935 Rocha Pita, op. cit., p. 290. Os carmelitas em 1655 haviam “desistido do sítio e ermida de
N. S.a do Desterro”, Docs. hist., vii, p. 273. Sobre esta, v. Fr. Agostinho de Santa Maria,
Santuário mariano, ix, p. 74. Aí fez Vieira o seu primeiro sermão em 1633. E em 1639, o de
Nossa Senhora da Conceição, para “os que vêm de tão longe a este deserto trazidos pela
devoção da Senhora do Desterro [...]”, Sermões, x, p. 218. Diz-nos Rocha Pita que havia
começos de convento e, ao saber-se na cidade da chegada das freiras, todos os pedreiros foram
convocados, e em três dias puseram em ordem a clausura, a que se recolheram. As primeiras
baianas que entraram no Desterro foram Soror Marta de Cristo e sua irmã Soror Leonor de
Jesus. A primeira substituiu no abadessado Soror Margarida da Coluna que, com suas
companheiras, voltou para Portugal em 1686, deixando próspero o convento. Eram lhas de
Salvador Correia Vasqueanes e Margarida da Franca, Fr. Jaboatão, Catálogo genealógico, p. 246.
Morreu Soror Marta aos 88 anos, em 1738, “com fama de virtude”, Frei Jaboatão, Novo Orbe
Será co, iii, p. 657. Dedicou-lhe Gregório de Matos um romance, Obras, Graciosa, iii, p. 60.

936 Rocha Pita, op. cit., p. 294. Em 1705 foi mandado entregar o hospício aos capuchinhos
italianos, titulares da missão permanente instituída pela Sagrada Congregação da Propaganda
Fidei, em 1709.

937 Docs. hist., viii, p. 93. A ordem foi revogada em 1691, Docs. hist., xxxii, p. 338.

938 Do aforamento a Diogo Lopes de Évora não tratam as Atas da câmara. Consta do Index
das notas de vários tabeliães de Lisboa, t. iii, p. 207, Lisboa, 1944 (Bibl. Nac.), revelando a data,
1627, o nome dos vereadores, Marcos da Costa, Jerônimo de Burgos, etc. A licença do mestre
Pedro Gonçalves de Matos (cf. Atas da câmara, i, p. 79) vem no Livr. de atas, ii, p. 201, referente
ao ano de 1643. Deste foi sobrinho e herdeiro o famoso João de Matos Aguiar, cuja fortuna
passou a constituir, em 1700, por verba testamentária, o patrimônio das recolhidas da Santa
Casa, A. J. Damazio, Tombamento dos bens imóveis da Santa Casa da Bahia. Bahia: 1862, p. 30.

939 Accioli, op. cit., ii, p. 131. — Calçadas ou ladeiras. Em Portugal cou a primeira
designação: calçadas. Lembra o tempo em que só se pavimentavam as rampas, Atas da Câmara
da Bahia, 1637, ms. no Arq. Municipal.
940 Ata de 15 de julho de 1637, códice, cit.

941 V. Rocha Pita, op. cit., p. 453.

942 Cartas, ii, p. 323.

943 Obras, iv, p. 119.

944 “Fiz eu algumas doutrinas domésticas em casas de portadas bem altas”, Vieira, Sermões,
xiii, p. 174.

945 Edifício notável, porque aí funcionou a Assembléia Provincial, tinha soberba porta (e
portais de granito com a data, 1674) que hoje se vê no palácio da Saúde Pública, à Vitória
(Bahia).

946 Gregório de Matos, Obras, ii, p. 73, soneto em homenagem a essa mudança. Provirá daí
o nome de “Rua do Bispo”, à que ca perpendicular à Rua do Colégio? Longos anos residiriam
os bispos em Santo Antônio da Barra, cenóbio com bela igreja, que pertencia à Mitra (como
aliás se vê em mapa de Barleo: domus episcopalis). O palácio de nitivo foi feito ao começar o
século seguinte, quando os Guedes de Brito construíram o “Paço do Saldanha” e o Chantre João
Calmon o solar a que alude Rocha Pita: “Aposentou-se (o Patriarca, em 1722) na casa do
Reverendo Chantre João Calmon, uma das mais suntuosas e bem paramentadas da cidade”, op.
cit., p. 459.

947 As pedras de Alcântara vinham como lastro dos navios e várias foram as igrejas lavradas
em Lisboa e apenas armadas na Bahia: Colégio (hoje catedral), Ordem 3º de São Francisco
(1704), Conceição da Praia (1724)... Na portaria velha do Mosteiro de São Bento da Bahia é
visível a numeração das pedras, que vinham aparelhadas.

948 Journal d’un voyage sur les costes d’Afrique, etc. Amsterdã: 1730, p. 240.

949 Foi arquiteto de São Bento, da Misericórdia, e talvez de Santa Teresa, o beneditino Frei
Macário de São João, que na Bahia faleceu em 3 de abril de 1676, cf. Dietário, ms. comentado
por D. Clemente Maria da Silva Nigra.

950 V. Frei Agostinho de Santa Maria, op. cit., ix, p. 23: Docs. hist., viii, p. 141. Foi D. João de
Lencastro quem “acabou o Templo da Matriz”, Rocha Pita, ibid., p. 330.

951 Em 1691 a “Igreja de São Pedro Velho sita no arrabalde desta cidade” estava por
concluir, visto “serem muito pobres os fregueses dela”: deu el-rei o auxílio preciso para a
terminação da obra, Docs. hist., xxxiii, p. 410.

952 Journal d’un voyage, cit., p. 241.

953 É de 1621, cf. Frei Agostinho de Santa Maria, op. cit., André Cusaco, mestre-de-campo,
irlandês de origem, reconstruiu-a (1691) como capela predileta dos soldados.

954 Iniciada em 1630 pelo Alferes Francisco da Cruz Arrais, transformada em igreja por
seus lhos (1670), cf. Frei Agostinho de Santa Maria, op. cit. Sobre a instalação dos
agostinianos, Anais do Arq. Públ. da Bahia, xiii, p. 176.
955 “Sermão de Santo Antônio”, no Maranhão, 1654.

956 “Os da Europa andam em liteiras e carroças; os da Ásia em palanquins; os da América


em serpentinas. [...] Os da Ásia e da América deitados e jazendo; os da Europa tirados por
animais; os da Ásia e da América levados em ombros de homens”. Vieira, “Sermão da 2ª
Dominga da Quaresma”, 1652, Sermões, iii, p. 103, ed. de 1907.

957 “É notável o desaforo que hoje aqui há em matar com bacamartes e só com a
demonstração exemplar do suplício que se der aos culpados se poderá reprimir”, 1674, carta de
Afonso Furtado, Docs. hist., x, p. 134.

958 Afonso d’E. Taunay, Rev. do Inst. Hist., cxliv, p. 272. Observa Taunay, que esse francês
pode ter sido um recopilador de notícias, ou pseudônimo... O livro é de 1722.

959 Taunay, Rev. cit., p. 291. A frota de De Gennes ancorou no porto da Bahia em 20 de
junho de 1696.

960 Taunay, Rev. cit., p. 301.

961 Docs. hist., xxxii, p. 229. Câmara Coutinho, em 1691, queixou-se da falta de engenheiro
e quis provar que a praça não era suscetível de assédio, devendo con ar nos peitos dos
soldados, não em fortalezas, inúteis, Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 42. Previu que, cortado o
abastecimento do mar e do sertão, não poderia manter-se.

962 V. Nuno Masques Pereira, O peregrino da América, ed. da Academia Brasileira, i, p. 62.

963 V. Fr. Tomás Margallo, Rev. do Inst. Hist. da Bahia, n. 54, p. 28.

964 Anais do Arq. Públ. da Bahia, viii, p. 11. Foi a epidemia da “bicha” que induziu à criação
da vigilância sanitária dos portos (inspeção dos navios no Brasil e em Portugal) e outros
trabalhos que preconizam a higiene nestes climas.

965 Vieira, Sermões, v, p. 349.

966 Patente do Capitão Francisco de Góis, Docs. hist., xx, p. 119.

967 Docs. hist., iii, p. 61.

968 Carta de 26 de maio de 1651, Docs. hist., iii, p. 111.

969 Carta de 1º de julho de 1651, Docs. hist., iii, p. 124. A esse tempo cabia a Sergipe a
obrigação de socorrer a guarnição da Bahia com trezentas reses, Docs. hist., iii, p. 139.

970 Docs. hist., iii, p. 380. No mesmo volume estão as peças documentais relativas às
alterações de 1656.

971 Docs. hist., iv, p. 158. As instruções são de 18 de julho de 1671.

972 Obras, ed. da Acad. Bras., iv, p. 70. É comparar com o soneto sobre o Rio Grande do Sul
no século xviii: “Tetos de erva, paredes de pântano”. No códice de Évora, o soneto sobre Sergipe
é atribuído a Gonçalo Soares, Brasília, i, p. 561, e tem versos diferentes, lembrando glosas ao
mesmo tema.

973 Antônio Joaquim de Melo, Biogra a de João do Rego Barros, pp. 32–5. Em 1654 deixou
o cargo de capitão-mor das Alagoas André Gomes, substituído por Luís dos Santos, Docs. hist.,
xviii, p. 255.

974 Craveiro Costa, História das Alagoas, p. 63, São Paulo.

975 Rocha Pita, op. cit., p. 352. Já em 1671 Alagoas podia fornecer 4 mil sírios de farinhas
para a Bahia, Docs. hist., ix, p. 428. O convento franciscano de Penedo, projetado em 1657,
oratório em 1660, começou a ser levantado em 1682 e em 94 já podia abrigar os religiosos;
tornou-se, à imagem do São Francisco, um marco de civilização, v. Frei Jaboatão, Novo Orbe
Será co. Rio: 1861, parte ii, ii, pp. 603–5. Da tapera de Paulo Afonso trata Docs. hist., xl, p. 125.

976 Os holandeses, desistindo do Brasil, agasalharam-se em outros climas. Não pôde


Portugal evitar que lhe tomassem Malabar e Coramendel, na Índia. Muitos judeus holandeses
saíram de Pernambuco com escravos e sócios para se estabelecerem na Guiana e nas Antilhas
— onde criaram uma indústria açucareira semelhante à que tinham abandonado. Com igual
sistema de trabalho, o mesmo tipo de exploração rural, da várzea pernambucana, cf. Lippmann
e Sombart, J. Lúcio d’Azevedo, Épocas de Portugal econômico, p. 273. No Museu Britânico:
memoriais de Manuel Martins Domido (David Abramanel) judeu espanhol, arruinado com a
capitulação do Recife, de 1654, em que pedia a Cromwell acolhesse os judeus na Inglaterra,
Oliveira Lima, op. cit., p. 33.

977 Fernando Pio, O Convento de Santo Antônio do Recife. Recife: 1939, p. 45.

978 V. Pereira da Costa, Anais pernambucanos. Recife: 1952, iii, p. 401. — Seguiram-se:
1672, hospício de São Filipe Néri; 1678, Convento do Carmo; 1689, Igreja do Espírito Santo,
dos jesuítas, junto do colégio; 1708, Conceição dos oratorianos..., Sebastião de Vasconcelos
Galvão, Dic. hist. geogr. e estat. de Pernambuco, 2ª ed., p. 30. A excelente capela dos Terceiros é
de 1696, Fernando Pio, A Ordem 3º de São Francisco do Recife e suas igrejas. Recife: 1938, p.
11. Em Olinda, a restaurada igreja dos jesuítas, hoje do seminário, ostenta a data, sobre o altar-
mor: 1667. O palácio dos governadores, como diremos, foi de 1666.

979 Leia-se Pereira da Costa, op. cit., iii, pp. 352 e ss.

980 Carta de Barreto a Vidal de Negreiros, 15 de julho de 1657, Docs. hist., iv, p. 12. Dizia
que a mudança para Olinda destruiria o Recife, pois só havia gente para uma cidade. Aos
“meios cavilosos” de Vidal aludiu em carta ao Mestre-de-campo D. João de Sousa, Docs. hist.,
iv, p. 17, e submeteu o caso ao rei, Docs. hist., iv, p. 308, que o resolveu conciliatoriamente:
aprovou a mudança, mas sem abandonar o Recife.

981 Docs. hist., lxvi, p. 288. Interpretamos as letras que restam na pedra do palácio de
Olinda conservada no Instituto Arqueológico: “Aedif [...] as Vidal”.

982 Fernandes Gama, Mem. hist., iv, p. 18; Miralles, Hist. mil. do Bras., pp. 147–8; Docs.
hist., iv, p. 369 (ordem para a retirada dos ministros mandadas por Barreto), Anais do arquivo
público da Bahia, xiii, p. 99 (patente de Nicolau Aranha), Docs. hist., lxvi, p. 161 (estranheza da
rainha), narração de Barreto (Boletim do Arquivo Histórico Militar. Vila Nova de Famalicão:
1936 vi, pp. 148–55). O governador-geral manteve a sua competência de prover os postos da
força paga.

983 Carta de 24 de junho de 1691, Cartas, ii, p. 323. Francisco de Brito ilustrou-se com a
História da guerra brasílica (por ele testemunhada no seu último episódio), Lisboa, 1676,
decalcada aliás das Memórias diárias da guerra do Brasil, de Duarte de Albuquerque Coelho.
Recusou-se a obedecer ao Príncipe Regente D. Pedro quando o mandou conduzir o rei deposto,
D. Afonso vi, ao castelo da Ilha Terceira, e desgostoso se recolheu ao colégio dos jesuítas, onde
o prendeu a justiça. Mas por um mês apenas. Viveu em silêncio o resto da honrada existência.
Faleceu em 8 de novembro de 1692, Edgar Prestage, D. Francisco Manuel de Melo, p. 273.

984 Docs. hist., xi, p. 165. Carta da rainha, 26 de janeiro de 1662, declarou que Paraíba e Rio
Grande “não podiam ser nunca da jurisdição de Pernambuco”, Docs. hist., lxvi, p. 179. O Conde
de Óbidos era primo do novo Governador Jerônimo de Mendonça Furtado, e escreveu-lhe
várias cartas, proibindo intervenção sua em Itamaracá. Note-se que ambos exprimiam a política
do reino (D. Afonso vi) e do Conde de Castelo Melhor, contrária à orientação da rainha-mãe e
seus ministros, cujo homem de con ança fora Francisco de Brito Freire. Mas o conde se
queixou das desobediências do parente e pediu o seu castigo, quando ele prendeu, e fez
embarcar, o Ouvidor Manuel Dinis da Silva, cartas de outubro de 1664, Anais do Arq. Públ. da
Bahia, viii, pp. 4–7.

985 Sobre Jerônimo de Mendonça Furtado, apelidado o “Xumberga”, por usar bigodes
tufados à maneira do General Schomberg, comandante das forças francesas que auxiliaram
Portugal em 1660, v. Rodolfo Garcia, art. in Revista do Brasil, julho de 1938. Diz-nos que o
próprio Fernandes Vieira não devia estimar o governador, porque o irmão deste o processava
pelo pagamento de grossa quantia em mercadorias tomadas em Angola; e D. João de Sousa o
aborrecia, por sua interferência para que saldasse um compromisso em dinheiro. — O apelido
“Xumberga” pode referir-se ao seu “francesismo”. O Conde de Óbidos escreveu em 1664: “Me
agradam mais os costumes da têmpera velha que os que o vulgo chama de ‘xumberga’”, Docs.
hist., xi, p. 215. E Monsieur d’Ablancourt, Mémoires, p. 382, Amsterdã, 1701, tanto se imitara o
forasteiro que houve aviso: “Que personne n’eut plus à l’avenir à vêtir ni à parer les Saints ni les
Saintes à la Schombergue”.

986 Os padres da Companhia, carmelitas, beneditinos e franciscanos aprovaram muito a


mudança e trataram de reerguer os seus conventos, cf. R. Garcia, Rev. cit. O “Xumberga” alegou
que, por sua vez, levantara de novo o recolhimento para mulheres, fundado outrora por Maria
Rosa, viúva do Capitão Pedro Leitão. É o repovoamento de Olinda. O Conde de Óbidos, em
carta de 29 de janeiro de 1664, deu à Câmara de Olinda parabéns por ter el-rei aprovado “a
mudança do governo”, de Recife para aquela vila, Documentos históricos, ix, p. 147. Avisou
disto o governador em igual data, ibid., ix p. 156.

987 Rodolfo Garcia reporta-se ao livro de Souchu de Rennefort, Histoire des Indes
Orientales, Leide, 1688, que descreve a passagem de Montevergue pelo Brasil e a deposição do
governador. Este continuou preso em Portugal, donde fugiu para Espanha. Em 1674 entrou na
conjura em favor do deposto Rei Afonso vi, e, condenado à morte, teve comutada a pena em
Desterro na Índia, m obscuro de sua carreira atribulada, Fernandes Gama, Memórias, cit., iv,
p. 20. Seu irmão, Luís de Mendonça Furtado, estivera no Brasil em 1664, Docs. hist., vi, p. 17, e

Í
foi vice-rei da Índia, 1671 a 77. Morreu em trânsito pela Bahia, Vieira, Cartas, iii, p. 407. V.
também Monstruosidades, ii, p. 127 e iv, p. 78. A importância de Fernandes Vieira pode
aquilatar-se da carta que lhe mandou o Conde de Óbidos em 1664, Docs. hist., xi, p. 220. Era
chefe natural da reação: “Da carta de João Fernandes Vieira [...] se deixa bem ver”, Anais do
Arq. Públ. da Bahia, viii, p. 6. Possuía então 16 engenhos de açúcar (1668), Docs. hist., xxii, p.
291.

988 Em 30 de agosto, véspera da deposição do “Xumberga”, escrevera-lhe o Conde de


Óbidos: “Que o que Vossa Mercê me diz de estar com as esporas calçadas esperando por
sucessor, creio que lhe não virá com a brevidade que Vossa Mercê o espera, senão quando for
gosto de Vossa Mercê”, Docs. hist., ix, p. 258. Nomeou André Vidal em 10 de novembro de
1666: “Pois é minha esta escolha e nomeação” — comunicou-lhe. E à Câmara de Olinda: “Terão
Vossas Mercês entendido a eleição, que z em André Vidal de Negreiros, para o governo dessa
capitania e das mais anexas; porque o dele, que em tudo o que tocar ao serviço del-rei, etc.”,
Docs. hist., ix, pp. 264–5; e Pereira da Costa, Anais, iv, p. 9.

989 Fernandes Gama, op. cit., iv, p. 21.

990 Inácio Accioli, Mem. Hist., ii, p. 28. Morreram mais de 3 mil pessoas, Nuno Marques
Pereira, O peregrino da América, ii, p. 112, ed. da Academia Brasileira.

991 Docs. hist., vi, p. 163.

992 Carta do Conde de Óbidos, 10 de outubro de 1666, Docs. hist., ix, p. 261, estranhando
que os dízimos, que tinham caído de 11 a 3 mil cruzados, continuassem assim reduzidos.

993 Docs. hist., xxi, p. 459, prov. de 1664. Descobrimos na Torre do Tombo o seu processo
de habilitação no Santo Ofício, de que foi familiar, a 2 de novembro de 1648, lho con rmado
por S. M. do abade da Meadela, Fernão Peixoto Viegas. Era genro do rico Cosme de Sá Peixoto.

994 Docs. hist., iv, p. 60.

995 Matias de Albuquerque casara no Rio, donde seguiu para a Paraíba, empossando-se a 17
de outubro de 1657, Fr. Jaboatão, Cat. gen., tít. Albuquerques. Depois se retirou o velho soldado
para o seu engenho de Cunhaú, no Rio Grande, onde morreu. Seus lhos Afonso e Lopo de
Albuquerque Maranhão foram sertanistas valorosos e quiseram — sem resultado — descobrir
ainda uma vez a prata de Belchior. V. Jaboatão, op. cit., quanto à prole que lhe cou.

996 Cf. códice ms. no arq. do Mosteiro de São Bento de Olinda, publicado pelo Inst. Hist.
Pern. em 1949. Em 1666 tomou posse da administração do Convento da Paraíba Frei João
Gondim, Luís Pinto, Síntese histórica da Paraíba. Paraíba: 1939, p. 36. V. em R. Garcia, nota a
Varnhagen, v, p. 325, a nominata dos capitães-mores.

997 Docs. hist., xxix, p. 200.

998 Carta do Conde de Óbidos, 10 de maio de 1664, Docs. hist., ix, p. 170.

999 Carta de 5 de abril de 1659, Docs. hist., iv, p. 23. O Capitão Antônio Vaz, cinco anos no
governo da capitania, logrou que voltassem 150 moradores, Docs. hist., xxv, p. 189.
1000 Docs. hist., iii, p. 264. Em 1658 havia navios holandeses a carregar pau-brasil, Docs.
hist., iv, p. 353, motivo de renovada vigilância.

1001 O Marquês das Minas, em 1684, mandou não fossem perturbadas as missões dos
jesuítas, Docs. hist., x, p. 207.

1002 Sesmaria concedida em 1664 ao Alferes Sebastião Barbosa, sua irmã Maria, Antônio
d’Oliveira Ledo, Alferes Baltasar da Mota e Custódio de Oliveira Ledo, Docs. hist., xxi, pp. 429–
33. O Conde de Óbidos mandou ao capitão-mor da Paraíba que os auxiliasse, Docs. hist., ix, p.
242.

1003 Em 1664, Docs. hist., xxi, p. 445.

1004 Escreveu Matias da Cunha à Câmara de São Paulo, em 10 de março de 1688: “Acha-se a
capitania do Rio Grande tão oprimida dos bárbaros, que nela mataram o ano passado mais de
cem pessoas, entre brancos e escravos, destruindo mais de 30 mil cabeças de gado”, Docs. hist.,
xi, p. 139. Os dízimos da capitania, 800$000, em 1682, baixaram a 550$000, Docs. hist., x, p.
197, e em 1684 não passavam de 700$000, Docs. hist., x, p. 200.

1005 Carta de 5 de junho de 1694, Docs. hist., xxxviii.

1006 Carta de D. João de Lencastro, 21 de maio de 1695, Docs. hist., cit., p. 337.

1007 Docs. hist., cit., p. 341. Sucedeu a Constantino de Oliveira, também seu irmão, cf.
patente de 3 de novembro de 1694, Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 164, con rmada em 23 de
agosto de 1698, Torre do Tombo, Chanc. de D. Pedro ii, liv. 52, f. 58.

1008 Anais do Arq. Públ. da Bahia., i, p. 139.

1009 Carta do padre, 29 de out. de 1699, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 133.

1010 O Sargento-mor Pedro Lelou (que acabara de governar o Ceará), disse Bernardo Vieira,
induzira o Janduí a unir-se aos paiacós, para irem à guerra contra os icós, porém o tuxaua
revelou a intriga a Morais Navarro e com este combinou um assalto aos paiacós, destruindo-os
de surpresa..., carta de 17 de dez. de 1699, Rev. do Inst. do Ceará, vol. cit., p. 139. O Bispo de
Pernambuco excomungou o paulista. Defendeu-o José Barbosa Leal, carta de 20 de dez.,
dizendo que os paiacós mortos eram inimigos, e não se confundiam com a tribo do mesmo
nome “do rancho do tapuia Maticas Paca que o Pe. João da Costa está instruindo na fé”, ibid., p.
143. Curioso é que Pedro Lelou faz a apologia do extermínio dos bárbaros citando exemplos do
México e do Peru...

1011 Studart, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 51. Por falta de o ciais de justiça os dízimos
eram arrematados no Rio Grande, Docs. hist., x, p. 211.

1012 Rev. cit., vol. cit., p. 76. O forte foi reconstruído em 1697, cf. Studart, Datas e fatos, p.
111. A fortaleza, cujos restos ainda podem ser vistos, esta é de 1812, v. Afonso do Paço,
Fortaleza de Nossa Senhora d’Assunção da capitania do Ceará Grande. Coimbra: 1950, p. 15.

1013 Carta del-rei, 29 de janeiro de 1691, Rev. do Inst. do Ceará, cit., p. 23. Mandava que se
desse aumento às Missões.
1014 Caucaia, depois de 1759, chamou-se Soure; Parangava, Arronches; Paupina, Mecejana.

1015 Carta de Câmara Coutinho, Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 43.

1016 Rev. do Inst. do Ceará, vol. cit., p. 95.

1017 Câmara Coutinho escreveu a el-rei, em 4 de julho de 1692: “Na Missão da serra do
Ceará está assistindo nela o Padre Manuel Pedroso, há tempos que não tenho notícias suas”,
Docs. hist., xxxiv, p. 63. Por esse tempo o Pe. Estanislau de Campos “chegou à província do
Ceará, criada junto aos limites do Maranhão [...] os companheiros que naquela região tinham
um hospício de estreitas proporções”, Rev. do Inst. Hist., lii, p. 14. O hospício de Ibiapaba é de
1698–1721, e o de Aquiraz, de 1727.

1018 Rev. do Inst. do Ceará, vol. cit., p. 75.

1019 Pe. Heliodoro Pires, in Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 250. A in ltração,
proveniente da Bahia, teria seguido da serra limítrofe (Pernambuco–Paraíba) o Piancó e
alcançado o Piranhas, na década de 1680. A este movimento pertencem os Oliveira Ledo, os
vaqueiros de João Peixoto Viegas, etc. Sabemos agora que o gado do Rio Grande, com a guerra
do Açu, se deslocou para o Ceará. Mas outra penetração se deu pelo sul, com os gados do São
Francisco tangidos para melhores pastagens, como informa Antonil. Se dissermos que do Piauí
os rebanhos também passaram ao Ceará, teremos que por três lados essa capitania se bene ciou
da metódica expansão pastoril, entre 1680 e 1725.

1020 “Não há gentios no mundo que menos repugnem à doutrina da fé, e mais facilmente a
aceitem e recebam que estes Brasis”, Vieira, “Sermão do Espírito Santo” (1657), Sermões, v, p.
330.

1021 V. Ementas de habilitações, Bibl. Nac. de Lisboa, p. 37.

1022 V. Anais da Bibl. Nac., xxvi, p. 349. Maurício de Heriarte, Descrição do Estado do
Maranhão, etc.; Garcia, nota a Varnhagen, iii, pp. 211–7. A igreja dos mercedários, começada
em 1640, inaugurou-se em tempo do Pe. Vieira (havia então em Belém as da Senhora das
Vitórias, do Carmo, do Desterro e da Luz), que aí fez o “Sermão de São Pedro Nolasco”: “Não
sei se notais o maior primor da arquitetura desta igreja [...] é ter por correspondência aquelas
choupanas de palha em que vivem os religiosos”, Sermões, vi, p. 350.

1023 Pe. Antônio Vieira, Cartas, i, p. 112. Em 1657, Sermões, iv, p. 69: “É possível que numa
cidade tão nobre e cabeça de um estado (Maranhão) não haja um hospital e que a Misericórdia
não sirva mais que de enterrar os mortos?”.

1024 “Outros lhe chamem Rio das Almazonas; mas eu lhe chamo Rio das Almazinhas”.
“Sermão da Primeira Oitava da Páscoa”, 1656, Sermões, ed. cit., v, p. 232, àquele “grande mar do
Rio das Amazonas”, Sermões, v, p. 350. “Verdadeiramente é um mar doce, maior que o Mar
Mediterrâneo”, ibid., v, p. 376.

1025 “Desde o mapa que, segundo a informação do cronista Bettendorf, Antônio Vieira
tinha no colégio do Pará, até o de Samuel Fritz, publicado em 1707 em Quito, os jesuítas foram
os únicos cartógrafos do Amazonas”, J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira, i, p. 311. A
carta de nitiva das missões é de 1753.
1026 Vieira, “Sermão da Epifania”, 1662. V. também a “Exortação primeira”, Sermões, v, p.
357, e “Sermão do Espírito Santo”, cit.

1027 Carta de 1º de junho de 1656, Pe. Sera m Leite, Novas cartas jesuíticas, p. 254.

1028 Pe. Sera m Leite, op. cit., p. 260.

1029 V. Varnhagen, Hist. geral, iii, p. 200; J. Lúcio d’Azevedo, op. cit., p. 53.

1030 Cartas, i, p. 83.

1031 Diz Vieira, carta cit., Pe. Sera m Leite, op. cit., p. 257, que a Província do Brasil não
consentiu na separação do Maranhão: “Suspeitando-se que o Padre Luís Figueira a queria
desunir, pelos impedimentos das guerras de Pernambuco, a Província acudiu a isso em Roma e
não o consentiu; e suposto que o Maranhão é tão parte da Província como São Paulo, Espírito
Santo, Ilhéus, Pernambuco e Rio de Janeiro e como a mesma Bahia, por que se não há de acudir
ao provimento destas casas?”. É que não havia na Bahia missionários disponíveis, como a S. M.
respondeu, a 12 de setembro de 1660, Francisco Barreto, Docs. hist., iv, p. 388.

1032 J. Lúcio, Hist. de Antônio Vieira, i, p. 206. A missão “fez-se por ordem do Padre-geral
Francisco Piccolomini”, Pe. Sera m Leite, Novas cartas, p. 304.

1033 Vieira, “Sermão de Santo Antônio”, 1654.

1034 “Sermão da Primeira Dominga da Quaresma”, 1653, Sermões, iii, p. 21, da ed. do Porto,
1901.

1035 Escreveu Vieira em 1657: “No ano de 1654 (aliás 53) por informação dos procuradores
deste estado, se passou uma lei com tantas larguezas, na matéria do cativeiro dos índios, que
sendo Sua Majestade melhor informado se serviu mandá-la revogar”, Cartas, i, p. 149.

1036 Berredo, Anais históricos do Maranhão, §972; Varnhagen, op. cit., iii, p. 200.

1037 Carta de São Luís, 20 de maio de 53, Cartas, i, p. 107.

1038 Cartas, i, p. 121.

1039 Cartas, i, p. 127.

1040 Esta soberba oração incluiu-a Afrânio Peixoto entre Os melhores sermões de Vieira.
Rio: 1933, pp. 131–67. Da quinta dominga da Quaresma desse ano é a em que Vieira acusou:
“De Maranhão, de murmurar, de verberar, de maldizer, de malsinar, de mexericar, e sobretudo
de mentir”, Sermões, iv, p. 146, ed. de 1909.

1041 V. J. Lúcio, Os jesuítas no Grão-Pará, p. 68. No Sermão de Epifania, 1662, esclareceu:


“Consta autenticamente nesta corte que no ano de 1655, vim eu a ela, só a buscar o remédio
desta queixa, e a estabelecer (como levei estabelecido por Provisões Reais) que todos os índios
sem exceção servissem ao mesmo povo e o servissem sempre: e o modo, a repartição e a
igualdade, com o que o haviam de servir”.
1042 Carta de 24 de março de 1661, que agora divulga o Pe. Sera m Leite, op. cit., p. 304.

1043 O da Sexagésima é o primeiro escolhido por Afrânio Peixoto, para a coletânea d’Os
melhores sermões, citada. Referiu-se a ele Vieira, Cartas, iii, p. 135, ed. J. Lúcio, c. de 18 de
dezembro de 1674, para dizer: “[...] como se o servirmos aos índios fora servirmo-nos deles”.

1044 Carta de 4 de abril de 1654, Cartas, i, p. 114.

1045 J. Lúcio d’Azevedo, op. cit., p. 74.

1046 Carta do Pará, 6 de dezembro de 1655, Cartas, i, p. 134.

1047 Do Pará, 8 de dezembro de 1655, Cartas, i, p. 138. E em 14 de dezembro, escrevendo ao


secretário Pedro Vieira: “Foi contudo necessária a autoridade do Governador André Vidal junta
com algum rigor para que seculares e eclesiásticos desistissem de alguns movimentos
populares, com que queriam inquietar a paz e escurecer a verdade”. O sermão da primeira
oitava da Páscoa de 1656, Sermões, v, p. 204, dedicou-o Vieira à decepção dos moradores, com
a volta da expedição que debalde procurara minas de ouro... Proféticas palavras!

1048 Cartas, i, p. 145. Das cartas transcritas por J. Lúcio d’Azevedo, Cartas, iii, p. 730,
passim, se vê que Vieira lutou muitas vezes com a incompreensão de companheiros seus e os
excessos do visitador, Padre Francisco Gonçalves, tais “como de dar bastões e ginetas, e até
hábitos de Cristo, publicamente na igreja em presença de portugueses”. O propósito de Vieira
era obstar a novos con itos com o Estado. — Sobre a ocupação da terra, v. também Pe.
Haemeyer, Revista do Inst. Hist., Congr. Inst. de Hist. da América, v, 56, passim.

1049 Studart, “Documentos”, Revista do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 21. O mesmo Padre
Barbosa foi em 1675 “o que empreendeu navegar em canoa a costa do Maranhão até o Ceará
facilitando-a de sorte que está hoje corrente, indo dali à Bahia donde enviou missionários”, Rev.
cit., p. 22. Dela dissera Vieira em 1660: “Faço esta na Serra de Ibiapaba onde vim acabar de
visitar a missão. Levo comigo ao Padre Antônio Ribeiro e deixo em seu lugar ao Padre Pedro
Pedrosa, que já sabe bem a língua”, Cartas, iii, p. 729, ed. J. Lúcio.

1050 Vieira, Cartas, ed. J. Lúcio, i, pp. 550–2. V. também do Pe. Manuel Rodríguez, El
Marañón y Amazonas: Historia de los Descubrimientos, Madri, 1684.

1051 De 1654 é Relation du voyage des françois fait au cap de Nord en Amérique... sous la
conduite de Monsieur De Royville..., Paris.

1052 Carta de 23 de dez. de 1665. O lho do donatário, Luís Gonçalo Sousa de Macedo, foi
feito barão da dita ilha, título transformado em 1754, quando da incorporação dela à Coroa, em
viscondado de Mesquitela, em favor do bisneto de Sousa de Macedo. Este notável escritor
ganhou ultimamente justa evidência com a tese que sustenta Afonso Pena Júnior, A Autoria da
“Arte de furtar”, 2 vols., de que saiu de sua pena política e sutil o livro erradamente atribuído ao
Padre Vieira no século seguinte. Graças à douta controvérsia a atenção da crítica se voltou ainda
uma vez para um dos espíritos mais claros e audazes de Portugal seiscentista, levemente ligado
ao Brasil por essa doação de Marajó.

1053 Cartas, i, p. 169. No “Sermão da Epifania”, 1662, voltou Vieira a encarecer estes
triunfos: “De maneira que a estrela dos Magos em dois anos trouxe a Cristo três homens, e as
nossas (missões) em meio ano quatro nações”.

1054 Vieira, “Relação da Missão da Serra de Ibiapaba”, Obras várias, ii, p. 84; e J. Lúcio
d’Azevedo, Hist. de Antônio Vieira, i, p. 320.

1055 “[...] capitão de infantaria indo por cabo da Tropa que o governador e capitão-geral
daquele estado (Maranhão) mandou na Missão que o Padre Antônio Vieira religioso da
Companhia de Jesus visitador-geral das Missões daquela Cristandade fez na era de 1660 à Serra
de Ibiapaba, a dar forma à mesma Cristandade e aquietar os ânimos dos principais que
andavam alterados e se temia que com os índios pernambucanos que tinham seguido o serviço
dos holandeses e na Restauração de Pernambuco se haviam acolhido à mesma serra se
separassem da obediência da Igreja e de Sua Majestade [...]”, patente de Brás do Couto de
Aguiar, 1666, Anais do Arq. Públ. da Bahia, viii, p. 34. Não há referência a este soldado nos
livros citados.

1056 J. Lúcio, op. cit., i, p. 325. O Padre Pedro Pedrosa em 1661 aquietou de novo esses
índios, levantados, “conduzindo para o Maranhão o principal, André Coroatai, com 400 almas
de que se formou uma aldeia”, Studart, “Documentos”, Revista do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 21.

1057 El-rei mandara-lhe os decretos pedidos pelos jesuítas, para que os entregasse ao
governador e aos prelados das outras religiões, escreveu Vieira (ao Pe. Geral) em 1658, Pe.
Sera m Leite, Novas cartas, p. 273.

1058 “Comigo tem o governador mais con ança, e tanta, que vindo ao Pará, me deu folhas
de papel assinadas em branco”, carta de Vieira, 1661, Pe. Sera m Leite, op. cit., p. 284. Depois,
em 1662, que “D. Pedro assim na mesma junta como em todo o tempo antecedente fez notáveis
diligências por fazer verdadeiras as suspeitas que os padres tinham de sua boa vontade”. “Um
do povo lhe disse publicamente: se os lançamos fora, foi porque os criados de V. S. nos disseram
que assim o zéssemos”, ibid., p. 315. A representação dos paraenses a Vieira, em 15 de janeiro
de 1661, assinada pelos vereadores, e a sua resposta, publica-as Berredo, Anais históricos do
Estado do Maranhão. Florença: 1905, pp. 110–7.

1059 D. Pedro de Melo tentou, em 16 de maio, obter da Câmara do Pará que se contentasse
com o con namento dos jesuítas, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa.

1060 É desse tempo (abril de 1662) carta de Francisco Barreto ao novo governador do Rio de
Janeiro, Pedro de Melo (não confundir com o do Maranhão), em que “lastima da diferença que
há de vencer castelhanos e lidar com mazombos”, Docs. hist., v, p. 146. Mazombos, brancos
nascidos no Brasil, é palavra corrente neste, e no seguinte século, como se lê em Nuno Marques
Pereira, O peregrino da América, i, p. 59: “O Mazombinho canário [...]” (1727). Mas, no seu
dicionário, Morais a indica como termo injurioso.

1061 Em 25 de dezembro de 1661, teve Antônio Vieira vista dos papéis mandados pelos
moradores do Maranhão, para responder, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa.

1062 D. Afonso vi, ed. E. Brasão, pp. 30–2. O papel da expulsão dos Conti “de que dão por
autor ao Padre Antônio Vieira”, ibid., p. 34.
1063 Cartas, i, p. 175. Sobre as ocorrências do Amazonas — Maranhão, Pe. Bettendorf,
“Crônica”, Rev. do Inst. Hist., vol. 72 (1909).

1064 Varnhagen, ibid., iii, pp. 246–7. Carta régia de 1688 mandou pagar aos jesuítas
côngruas vencidas desde a data da expulsão “sem culpa”, Docs. hist., xxix, p. 256. Venceu a
campanha pertinaz dos padres. A justiça ajudou-os. Resume-lhes as queixas Pedro Fernandes
Monteiro, representação ao rei ouvida pelo Conselho Ultramarino, a 13 de setembro de 1663,
ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. A praxe estabeleceu-se (repetiu Vieira, Cartas, ed. J. Lúcio, iii, p.
669), “se prova é de cabelo corredio”, “em diferença dos etíopes”, o índio não podia continuar
escravizado. Estabeleceu-se na “Relação da Bahia e de todos os ouvidores e justiças do Brasil”.

1065 Vieira, Sermões, iv, p. 146, ed. de 1909.

1066 Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 206.

1067 “Satírica”, Obras, ed. da Academia Brasileira, ii, p. 206. A sátira é à lei de 1686, que
alterou novamente o valor da moeda, no reino.

1068 Carta de 2 de abril de 1680, Cartas, iii, p. 430, ed. J. Lúcio.

1069 Em 1660 pedira Vieira: “Necessitamos muito de tapanhunos (negros) que já temos
pedido à província... Nesta serra me deu o Padre Antônio Ribeiro por alvitre que o provedor da
Fazenda de Pernambuco nos podia comprar lá estas peças, e mandá-las no barco del-rei que
vem todos os anos ao Ceará”, Cartas, iii, p. 733, ed. J. Lúcio.

1070 V., entre outras, carta régia de 27 de agosto de 1680, Docs. hist., xxix, p. 118.

1071 V. Varnhagen, Hist. ger., iii, pp. 307 e ss.; J. F. Lisboa, Obras, iii, pp. 418 e ss.

1072 Até o começo do século seguinte a produção açucareira do Maranhão era pequena e de
inferior qualidade. Carta régia de 6 de maio de 1706, mandando fossem mestres de açúcar da
Bahia, disse “ser conveniente que no Estado do Maranhão se obrem açúcares e estes sejam de
igual bondade dos que se fazem no Brasil”, Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 213.

1073 Carta de Vieira, 22 de julho de 1684: “De novo nos tornaram a lançar do Maranhão
aqueles bons cristãos que, se foram castigados da primeira vez e desterrados os principais
moradores e alguns frades que os fomentam, não se atreveriam a esta reincidência” Cartas, ed. J.
Lúcio, iii, p. 490.

1074 Tomás Bequimão foi deportado para Pernambuco; esteve oito anos cativo dos mouros;
vinte anos mais tarde, perdoado, teve licença para descer cem casais de índios e estabelecer-se
com lavoura do Maranhão. O delator Lázaro de Melo acabou por se matar, num engenho, roído
de remorsos. Em torno desses sucessos há literatura abundante, que Varnhagen resume, op. cit.,
iii, pp. 311–2. Manuel Bequimão “morreu satisfeito”, diz na Relaçam histórica e política dos
tumultos que sucederam na cidade do Maranhão, Francisco Teixeira de Morais, 1692, códice n.
681, ms. da Academia das Ciências de Lisboa, já publicado, Rev. do Inst. Hist., xl.

1075 Carta régia de 22 de março de 1687 ordenou ao governador-geral auxiliasse a


restituição dos jesuítas ao Maranhão, Docs. hist., lxviii, p. 151. Outra de 22 de março de 88
mandou que o governador-geral desse todo apoio a essa volta, Docs. hist., x, p. 293.
1076 Carta régia de 20 de fev. de 1686, Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 313.

1077 A primeira forti cação no Araguari foi feita em 1660, por Pedro da Costa Favela.
Francisco da Mota Falcão em 1673 subiu o Tocantins ao encontro dos paulistas Sebastião Pais
de Barros e Pascoal Pais de Araújo, Artur César Ferreira Reis, A política de Portugal no Vale
Amazônico. Belém: 1940, p. 16. O forte que levantara em 1669 foi o primeiro alicerce da cidade
de Manaus, A. O. Ferreira Reis, História do Amazonas, p. 47. O mesmo autor, Manaus e outras
vilas, pp. 30 e ss., Manaus, 1935, aprecia as divergências quanto à data da fundação do forte.

1078 Le Febvre de la Barre, “La Description de la France Equinociale”, 1666, com belo mapa
de Caiena, Maggs Bros., An Illustrated Catalogue... at the Library of the Congress. Washington:
1929, p. 29.

1079 Neto de Francisco e bisneto de Feliciano Coelho de Carvalho, Fr. Jaboatão, Cat. gen.,
tít. Arnau de Holanda, fez Antônio de Albuquerque as armas na fronteira e foi governador da
Beira Baixa e Olivença. Governou o Maranhão de 1685 a 1701, Garcia, nota a Varnhagen, v, p.
340. Tornou-se maior o seu nome em 1709–11, em São Paulo e Minas Gerais, como veremos.
Deste governo maranhense levou para o Sul a experiência dos assuntos brasileiros e o domínio
da língua tupi, que lhe permitiu saber o que diziam os paulistas, v. A. Taunay, Relatos
sertanistas. São Paulo: 1953, p. 68.

1080 J. Lúcio d’Azevedo, Os jesuítas no Grão-Pará, p. 244.

1081 Varnhagen, op. cit., iii, p. 303.

1082 V. Damião Peres, A diplomacia portuguesa e a sucessão de Espanha (1700–4). Barcelos:


1931, p. 16; Calógeras, A política exterior do império. Rio: 1927, i, p. 157; principalmente a
Exposição apresentada pelo Barão do Rio Branco em defesa dos direitos do Brasil, e a sentença
arbitral do governo suíço, que dirimiu a pendência de limites com a França. Sobre o memorial
do embaixador francês em 1698, fundado nos precedentes, das companhias do tempo de Luís
xiii, e desastrada resposta que se lhe deu em Lisboa, há uma página irônica de José da Cunha
Brochado, Mendes dos Remédios, Memórias de José da Cunha Brochado. Coimbra: 1909, p. 34.

1083 George Edmundsen, Journal of the travels and labours of father Samuel Fritz, London,
1922 (o diário foi achado em Évora em 1902). Publicou-o Rodolfo Garcia in Rev. do Inst. Bras.,
t. 81. Sobre o desenvolvimento da questão com o Pe. Fritz, também Ferreira Reis, Hist. do
Amazonas, pp. 69 e ss. O célebre mapa do Amazonas feito pelo padre (gravado em Quito em
1707 pelo Pe. Juan de Nervaes, impresso pela primeira vez em Londres em 1712) é reputado
cronologicamente o melhor levantamento da bacia amazônica.

1084 Carta de D. João de Lencastro, 23 de junho de 1695, Docs. hist., xxxviii, p. 344. O
emissário chegara a 19 de abril de 95. Chamava-se Antônio da Cunha Sotto Maior. O segundo
mensageiro foi o Sargento-mor Francisco dos Santos. Sotto Maior, depois mestre-de-campo da
conquista do Piauí, foi assassinado pelos tapuios em 1713, fato de largas conseqüências, Frei
Francisco de N. S.a dos Prazeres, “Poranduba Maranhense”, Rev. do Inst. Hist., t. liv, parte i, p.
99. Note-se que Francisco Dias de Ávila “pelo roteiro que tem é conhecedor dos con ns do
Maranhão ”, patente de 2 de abril de 1691, Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 131.

1085 V. nota 39, cap. xv, “Recuperação do Nordeste” (século xvii).


1086 Docs. hist., iv, p. 133; xxi, p. 364.

1087 Docs. hist., iv, p. 155; iv, p. 195; x, p. 416.

1088 Docs. hist. xxvi, p. 158; xxxiii, p. 403. “Valendo un uomo a cavallo per centinaia de
negri”, Duarte Lopes & Filippo Pigafetta, Relação do reino do Congo. Lisboa: 1949, p. 23, ed.
fac-similar.

1089 V. Ch. de Lannoy et Van der Linden, Histoire de l’Expansion Coloniale des Peuples
Européens. Bruxelas: 1907, p. 223 (sobre o intercâmbio afro-brasileiro). A respeito da ocupação
progressiva, síntese de Gastão Sousa Dias, História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa:
1940, iii, pp. 208–12; e sobretudo Cadornega, História das guerras angolanas. Lisboa: Agência
Geral das Colônias, 1685.

1090 De macamba, conguês, camaradas, na acepção de ajuntamento. Grupos de gente


amiga, vocábulo que entra na linguagem em princípios do século.

1091 A palavra é arcaísmo português. Equivalia a bosque e aldeamento indígena: “[...]


palmar com muitos arvoredos”, Roteiros portugueses da viagem de Lisboa à Índia. Lisboa: 1898,
p. 55, publ. por G. Pereira. “Mocambos e palmares [...]”, documento de 1659 (em Pernambuco
cou o primeiro vocábulo, para casebre, cabana de beira de praia).

1092 Docs. hist., xx, p. 177.

1093 Ernesto Ennes, As guerras nos Palmares. São Paulo: 1938, p. 24. O governador-geral,
em carta de 17 de julho de 1673, referiu-se “às três entradas que mandou fazer aos Palmares
pelo Coronel Antônio Jácome Bezerra e as causas por que se não lograram”, Docs. hist., x, p. 79.

1094 Acompanhara-a D. Sebastião Pinheiro Camarão, com os seus índios, “ao dano que se
fez aos negros dos Palmares em um Mocambo de mais de 2 mil cabeças que se pôs fogo dando-
se no m com mais de 6 mil de guerra em uma força destacada que sendo investida depois de
duas horas de peleja foram destruídos com muitos mortos e feridos e pondo-se os mais em
fugida, foram seguidos pelos mais agrestes matos do sertão e pelejando com eles segunda vez
receberam semelhante dano”, Docs. hist., xxix, p. 293. Sobre Manuel Lopes, soldado no Brasil
desde 1635, v. José Augusto, Famílias Seridoenses. Rio: 1940, pp. 62 e ss.

1095 A sugestão foi do governador-geral, Docs. hist., x, p. 108.

1096 V. Docs. hist., xxix, p. 202.

1097 Carta régia dando a recompensa de 80$000 nos dízimos dos Palmares a Feliciano
Prudente, lho de Fernão Carrilho, Docs. hist., xxix, p. 428. Alvará de Sua Alteza, de 10 de
março de 1682, dispôs sobre os negros recapturados, Docs. hist., xxxii, pp. 376–84.

1098 Ernesto Ennes, op. cit., p. 35.

1099 Ennes, op. cit., p. 39.

1100 Comandava o “terço da gente negra de Pernambuco”, contra os Palmares, Domingos


Rodrigues Carneiro, Studart, “Documentos”, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 27.
1101 Docs. hist., x, p. 52.

1102 Docs. hist., x, pp. 136–7.

1103 Documento pela primeira vez publicado por Pereira da Costa, e largamente debatido
por Afonso Taunay, História das bandeiras paulistas. São Paulo: 1928, iv, p. 340; e Barbosa Lima
Sobrinho, Ensaio sobre o devassamento do Piauí. Rio: 1929, p. 64.

1104 V. Pereira da Costa, Anais pernambucanos. Recife: 1953, v, p. 75.

1105 Docs. hist., xi, p. 71. Combina com o que escrevia Afonso Furtado em 25 de fevereiro
de 1675, Docs. hist., x, p. 136, que não havia paulistas para irem aos Palmares, senão “quatro ou
cinco”, “que todos os mais se recolheram acabada a guerra para a sua capitania”.

1106 Doc. cit. por Ernesto Ennes, As guerras nos Palmares, p. 204. “O Domicílio que a poder
de uma por ada e diuturna guerra contra o gentio brabo [...] de mais dezasseis anos nós
tínhamos conquistado, povoado, lavrado e plantado, com nossas criações”, 16 anos em 1694, 24
ou 25 em 1704. Este papel esclarece a ambigüidade do documento revelado por Pereira da
Costa.

1107 Ajuste rmado em Olinda, 3 de março de 1687, in Pereira da Costa, Anais


pernambucanos, iv, p. 298, Recife, 1952, e comunicado ao rei pelo Governador João da Cunha
Sotto Maior, em carta de 11 do mesmo mês, Ernesto Ennes, op. cit., p. 169.

1108 Provavelmente na região onde está a capital piauiense. V. ainda, Documentação


histórica pernambucana: sesmarias. Recife: 1954, i, p. 119.

1109 Ernesto Ennes, ibid., pp. 205–6. V. nota 27.

1110 Documentos citados por Barbosa Lima Sobrinho, ibid., pp. 73–5. Como há um lapso
de tempo, entre 1685 (Domingos Jorge no Piauí) e 1689 (data dos papéis que se referem à vinda
de São Paulo, por “ásperos e dilatados sertões”), a conciliação desta notícia com a que dá o
próprio bandeirante, de que desceu do Piauí (papel de 1694), só pode ser feita considerando-se
que vários dos seus o ciais tinham sido chamados de São Paulo para a empresa, e como a nal
todos eram de lá, parecia desnecessária a menção do tempo que gastaram no Piauí.

1111 Doc. in E. Ennes, op. cit., p. 206. Noutras palavras: os 150 brancos do terço de
Domingos Jorge Velho eram paulistas, mas do Piauí (portanto descidos do Piauí com ele) os
800 e tantos croazes e capiocrans (que erradamente Ernesto Ennes traduz por “cupinharoms”),
jês da zona do Rio Preto (cf. Teodoro Sampaio, que estudou os Kraô, ou croazes), Estêvão Pinto,
Os indígenas do Nordeste. São Paulo: 1935, i, p. 129. O gentílico aplicava-se aos canelas- nas,
índios do campo, confundindo os paulistas, com esses nomes vagos, as tribos, inimigas dos
cariris do São Francisco (aliados da Casa da Torre) e dos tupis (com eles vindos de São Paulo).

1112 Carta da rainha, 9 de janeiro de 1662, Docs. hist., lxvi, p. 177, mandando extinguir os
janduís, para não se tornarem “outros novos araucanos”.

1113 A. Taunay, Hist. ger. das band. paul., vi, p. 349.

1114 Carta de Matias da Cunha, 17 de janeiro de 1687, Docs. hist., x, p. 245.


1115 A. Tavares de Lira, Hist. do Rio Grande do Norte, e Taunay, ibid., vi, p. 315. Os janduís
já usavam espingardas, talvez fornecidas por piratas estrangeiros ou trocadas no Ceará, Docs.
hist., x, p. 324. O Padre Vieira o diz: “Esta costa de dois anos a esta parte anda infestada de
corsários, particularmente franceses, dos quais alguns [...] ensinando os bárbaros a manear as
armas européias”, Cartas, ii, p. 289, de 1º de junho de 1687.

1116 Carta de Matias da Cunha, 17 de set. de 1687, Docs. hist., x, p. 251.

1117 Docs. hist., x, p. 319; e xi, p. 139.

1118 Docs. hist., x, p. 275. Queixou-se o governador de que sendo 900 homens, só
acompanharam os seus cabos duzentos..., Docs. hist., x, p. 306.

1119 Mandou el-rei em 1692 que os tapuias aprisionados e vendidos como escravos fossem
restituídos à liberdade, Docs. hist., xxxiii, p. 344, revogando assim a autorização dada por
Matias da Cunha.

1120 Docs. hist., x, p. 265; P. Calmon, História da Casa da Torre, p. 190. “E por lhe faltar
pólvora e balas se retirara ao seu arraial enquanto lhe chegava o socorro das armas e munições
que lhe faltavam”, Docs. hist., x, p. 306. Morais Navarro conta: “Como lhe foi faltando a pólvora
se veio retirando para o seu arraial, e o vieram seguindo até o meio do caminho”, Anais do Arq.
Públ. da Bahia, i, p. 140.

1121 Patente de 6 de abril de 1690, Docs. hist., xxx, p. 8. Bernardo Vieira Ravasco foi quem
lembrou ao arcebispo o apelo aos paulistas, como declarou o prelado, A. Lamego, Mentiras
históricas, p. 162.

1122 Em 1692 os paulistas começaram a desertar, queixando-se Matias Cardoso da falta de


socorros, Docs. hist., xxxviii, p. 294. Revela Morais Navarro que foi forçado a retirar para o
Ceará, Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 140. O texto de Pedro Taques, Nobiliarquia, ed.
Taunay, p. 415, é a propósito omisso e incorreto. Leia-se também Afonso d’E. Taunay, História
geral das bandeiras paulistas, viii, pp. 287 e ss.

1123 Docs. hist., x, p. 426; Taunay, Hist. ger., vii, p. 354.

1124 O “tratado”, in E. Ennes, op. cit., pp. 67–70, é de 10 de abril de 1692: uma peça típica.
Alude à força dos janduís, de 5 mil arcos. Aprovou-o el-rei; porém observou que daí por diante
as guerras ao gentio deviam ser decididas por carta régia, sempre que houvesse dilação possível,
Docs. hist., xxxiv, p. 96.

1125 Docs. hist., xxxviii, p. 307. V. E. Ennes, op. cit., p. 71.

1126 Docs. hist., xxxix, p. 19. Morais Navarro mostrou os inconvenientes do aldeamento,
Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 139. A sua folha de serviços, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii,
pp. 62–8.

1127 Studart, “Documentos”, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 30. Em 1698 Matias Cardoso
tinha currais no São Francisco, da banda de Pernambuco, Docs. hist., xi, p. 267.
1128 Docs. hist., xi, p. 255. Em 26 de agosto de 1698 agradecia o governador-geral ao do Rio
as providências sobre o transporte dos paulistas, Docs. hist., xi, p. 266.

1129 Rev. do Inst. do Ceará, cit., p. 73.

1130 Docs. hist., xxxix, p. 70.

1131 Carta para o Sargento-mor José de Morais Navarro, 8 de abril de 1701, Docs. hist.,
xxxix, p. 139. Por essa ocasião o mestre-de-campo foi preso para responder às acusações que
lhe faziam de suas prepotências e malefícios.

1132 “Regular forti cação que dizem lhe fez um mouro que para eles fugiu”, carta do gov. de
Pernambuco, Ennes, ibid., p. 101.

1133 Carta, del-rei, 25 de agosto de 1696, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 55. André
Furtado teve prêmio por “haver morto e cortado a cabeça ao negro Zumbi”, ibid., p. 85.

1134 Zumbi — signi ca isto mesmo: principal divindade, espírito, senhor imortal... V. Nina
Rodrigues, Os africanos no Brasil, p. 140, 2ª ed.

1135 Carta de 14 de março de 1696, E. Ennes, op. cit., p. 104. Devemos assim à
documentação do Arq. Hist. Col., Lisboa, nesse livro coligada, a versão real da campanha que
tanto falou à imaginação brasileira. Oliveira Martins e Nina Rodrigues chamaram aos Palmares
— Tróia Negra. Inspiraram-se na romanesca narrativa de Rocha Pita, op. cit., p. 348. Este criou
o símbolo do Zumbi — e dos escravos que se lançavam ao abismo. Não admira que, no século
xix, a literatura “abolicionista” desse ao episódio a importância de epopéia da liberdade, de
sublimação duma raça redimida no sacrifício e na insubmissão. Castro Alves consagrou os seus
últimos dias ao sonho de um poema dedicado aos Palmares... É positiva, porém, a impressão
causada, no reino e no resto do Brasil, pela resistência valorosa dos negros e sua destruição. Já
em 1684, Docs. hist., xxxii, p. 393, mandava el-rei que o governador-geral não permitisse
nenhum excesso no castigo dos escravos, “e que aqueles que o zerem sejam obrigados a vendê-
los a pessoas que lhes dêem bom trato”. Iniciou-se com isto uma série de providências tendentes
a acautelar a paz colonial pela melhoria do tratamento dos negros — obstando a autoridade aos
abusos e aos crimes de senhores cruéis.

1136 Carta do Padre Antônio Vieira, 23 de maio de 1682. Antônio de Sousa de Meneses
empossou-se em 23 de maio desse ano.

1137 V. Pedro Calmon, O crime de Antônio Vieira, p. 5, São Paulo. Nesse livrinho
elucidamos o principal acontecimento que perturbou a vida colonial no governo do “Braço de
Prata”.

1138 Uma lha de André de Brito de Castro, e de D. Maria Francisca Leite, Leonor Maria, foi
mulher de Alexandre de Sousa Freire, mestre-de-campo e doutor em teologia, que governou o
Maranhão (“mui versado na lição da Sagrada Escritura”) e faleceu aos 70 anos, em 1740, Ano
noticioso e histórico, ii, p. 120.

1139 Termo de familiar do Santo Ofício, 1686, ms. na Torre do Tombo, que divulgamos
primeiro na História da Casa da Torre.
1140 A culpa de Antônio de Brito é clara na con ssão do próprio André de Brito de Castro,
que escrevia em 31 de julho de 1684: “Motivos tão particulares, apertados e necessários que
meu irmão teve para este excesso”, carta a André Lopes de Lavra, ms., inéd., comunicado por
Clado Ribeiro Lessa. E Vieira: “Elas (as razões) nas leis da honra e do mundo, e ainda segundo a
natureza da conservação da própria vida, foram as mais justi cadas”, Cartas, clxxv, ed. de 1886.

1141 Livro de Cartas Régias, ms. na Bibl. Nac. Inexplicavelmente, Gustavo de Matos
Sequeira, e Luís Pastor de Macedo, Nossa Lisboa, p. 45, Lisboa, dizem que o mataram os
naturais no Brasil. Voltou para Portugal; e a Câmara da Bahia pediu que visse os interesses dela
na corte, Livro de correspondência, ms., inéd. O seu apelido, “Braço de Prata”, perpetua-se no
lugar do Poço do Bispo, arredores de Lisboa, onde morreu. Lá está a Estação do Braço de Prata,
que ninguém sabia (ao que consta) o que signi ca.

1142 Carta de Vieira ao Marquês de Gouveia, 5 de agosto de 1684; P. Calmon, O crime de


Antônio Vieira, p. 53. A consideração do marquês pelos jesuítas mostra-se na carta de 21 de
dezembro de 1684 que escreveu ao governador do Rio de Janeiro, Docs. hist., xi, p. 108.

1143 Gregório de Matos, Obras, ed. da Academia, ii, p. 99. É glosa à décima composta por
Bernardo Vieira Ravasco. As esperanças não se con rmaram completamente. “Os anos de 86,
87 e 88, em que houve grandes esterilidades de frutos e muitas doenças”, importaram “perda e
lesão enormíssima” para o contratador dos dízimos da Bahia, Docs. hist., xxx, p. 5.

1144 Sanches de Baena, Famílias titulares e grandes de Portugal, ii, p. 349. Dos maiores
generais do seu tempo, comandou a entrada dos portugueses em Madri, em 28 de junho de
1706, para aclamar Carlos iii — na “guerra de sucessão de Espanha”.

1145 Con rma Rocha Pita, op. cit., p. 309.

1146 Filha de Francisco Fernandes da Ilha, portanto irmã de D. Maria de Sande, primeira
mulher de Aires de Ornelas de Vasconcelos, de quem diz o Nobiliário da Ilha da Madeira
(Noronha, ibid., iii, p. 426), era genro desse “Francisco Fernandes natural desta Ilha, cujo
cabedal se reputava em 700 mil cruzados”. Benfeitor da Misericórdia, esta tem o seu retrato, por
sinal o mais antigo da galeria, no salão nobre; v. testamento em Livro do Tombo, ms. da Santa
Casa da Bahia.

1147 Jaboatão, Novo Orbe Será co Brasileiro. Rio: 1858, i, p. 352. Que a “bicha” era a febre
amarela (con rmam os sintomas descritos na correspondência do tempo), já o deixaram dito
Varnhagen, Hist. geral, ii, p. 787 da 2ª ed.; Brás do Amaral, notas a Accioli; Dr. José Pereira
Rego, Memórias históricas das epidemias da febre amarela e cólera-morbo que têm reinado no
Brasil. Rio: 1873, p. 8. Américo Pires de Lima apresenta dúvidas. Crê fosse o tabardilho, in
Brasília. Coimbra: 1950, v, p. 305. O primeiro livro publicado por médico colonial, João Ferreira
da Rosa, Tratado único da constituiçam pestilencial de Pernambuco, Lisboa, 1694, colige dados
importantes para o estudo desse surto inicial do vômito negro. Ficou endêmico. Em 1689 dele
morreu o Governador Matias da Cunha. V. documentação in Brás do Amaral, anotações às
Memórias, de Accioli, ii, p. 245. Proveio de tais indagações a idéia da “visita da saúde nos
navios”, a partir de 1698, ibid., ii, p. 245, precedida da carta que os capitães dos barcos que iam
do Brasil deveriam exibir ao comandante da Torre de Belém na entrada de Lisboa, Rev. do Inst.
Hist.,. lxxi, p. 37.
1148 Patente de nomeação, in Docs. hist., xxix, pp. 72–6.

1149 Rocha Pita, op. cit., p. 312. Vários sonetos dedicou Gregório de Matos ao excelente
dalgo, Obras, ii, pp. 154–7, Do prado mais ameno a or mais pura...

1150 Cf. carta à Câmara de São Paulo, 10 de março de 1688, Docs. hist., xi, p. 140. Os
moradores do Rio Grande tinham enviado à Bahia o Vereador Manuel Duarte de Azevedo,
Docs. hist., x, p. 253.

1151 Rocha Pita, op. cit., p. 317. Certidão passada por Francisco Lamberto diz que o motim
foi a 21 de outubro, durou duas noites e um dia e meio, no Campo da Pólvora, morrendo vinte e
duas pessoas, certidão de 18 de junho de 1692, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa.

1152 Deve-se a Bernardo Vieira Ravasco em boa parte a quietação da praça, cf. doc. in
Alberto Lamego, Mentiras históricas, p. 67. Deram-se 8$000 de farda a cada soldado no Campo
da Pólvora.

1153 “Pelo risco grande em que se viu este povo nas alterações que sucederam na doença e
morte do Sr. Matias da Cunha, me achei necessitado de aceitar este governo posto que com bem
mágoa minha”, carta do arcebispo, 30 de novembro de 1688, Docs. hist., x, p. 347. Veri cou-se
que o honrado governador deixara a uma lha natural, no reino, nada mais além do soldo, prov.
de 18 de maio de 1689, Livro de Prov., f. 172, Arq. Hist. Col., inéd., Lisboa.

1154 Mandou el-rei, carta de 4 de maio de 1690, informasse o governador “com todo o
segredo” dos que “culpavelmente se houveram neste motim, ou por serem agressores e
fomentadores dele, ou pela omissão de o poderem evitar e não fazerem”. Em resposta, Câmara
Coutinho declarou que os amotinados tinham sido 300, e na maioria, de medo ao castigo,
desertaram. “Alguns que me constou prendi e mandei para fora, uns para Angola e outro para
Pernambuco. Só João da Silveira de Magalhães, que foi mouro, e está nesta praça por ordem de
V. M. tenho preso na enxovia desta cidade: porque foi cabeça desta alteração e o que dava as
respostas aos cabos, quando os iam reduzir, andando com uma espada e rodela capitaneando os
levantados”, carta de 16 de junho de 91, Docs. hist., xxxii, pp. 335–7.

1155 Patente do novo governador, Docs. hist., xxx, p. 124. Era lho de Ambrósio de Aguiar
Coutinho ii e neto de Antônio Gonçalves Câmara e D. Maria de Castro, esta lha de Ambrósio
de Aguiar Coutinho, Pe. Carvalho da Costa, Corog. port., iii, cit., 5º donatário do Espírito
Santo. V. nota 16, p. 440 do 2º vol. Foi almotacel-mor do reino e vice-rei da Índia (1692–702).
De regresso do Oriente, faleceu na Bahia e jaz na igreja dos jesuítas, Teixeira de Aragão,
Descrição geral e histórica das moedas. Lisboa: 1880, p. 272. E Noronha, Nobiliário da Ilha da
Madeira, i, p. 123.

1156 Obras, iv, p. 94 e v, p. 174. “Prosápia do governador [...]. No sangue mameluco [...]
mameluco em quarto grau”.

1157 Obras, v, p. 196. A poesia é aí uma adaptação de conhecidas estrofes de Quevedo.

1158 Cartas, iii, p. 451. E Matias da Cunha, 19 de set. de 1687: a frota “quase toda foi a meia,
por ser péssima a safra dos açúcares”, Docs. hist., x, p. 252.
1159 Provisão de 3 de novembro de 1681, Docs. hist., xxx, p. 372. Em carta de 28 de agosto
de 1689 declarou o arcebispo: “Três anos há que têm quebrado os contratadores com dívidas de
mais de 200 mil cruzados”, Docs. hist., x, pp. 374–5.

1160 Arte de furtar, Espelho de Enganos, etc., edição de Weisz og Irmãos, p. 134. O autor é
Antônio de Sousa de Macedo, demonstrou Afonso Pena Júnior, A autoria da Arte de furtar, 2
vols., Rio, 1945; outra opinião surgiu como o nome do jesuíta Pe. Manuel da Costa cf. Francisco
Rodrigues, O autor da Arte de furtar: resolução de um antigo problema, Lisboa, 1940; Mário
Martins, Brotéria. Lisboa: 1940, lxxi, p. 134, ago–set.

1161 Severino Sombra, História monetária do Brasil Colonial, pp. 73–98.

1162 Carta de 29 de junho de 1691, Cartas, ii, p. 324. A Câmara da Bahia declarou: “O
dinheiro, Senhor, que tem esta praga não chega a um milhão”, Docs. hist., xxxiv, p. 73.

1163 Cartas, ii, p. 336.

1164 Representação, cujo original está no British Museum, publicada agora nos Anais da
Biblioteca Nacional, lvii, p. 151. Vieira comentou: “Este remédio que agora se propõe é um dos
grandes acertos do governo do senhor almotacel-mor”, 8 de julho de 1691. Note-se a
coincidência de expressões que tais, nas cartas do padre e no papel do governador. Aquele, 1º de
julho: “E, porque teme o Brasil que haja alguns ministros empenhados nos mesmos interesses,
que não aprovem este meio, de zelo, inteireza e autoridade de V. Ex.a se espera principalmente o
pronto efeito”, etc. E o governador em 4 de julho: “Bem sei que há de V. M. encontrar assim em
muitos ministros seus, como em muitos mais homens de negócio, grandes di culdades a esta
resolução por lhes parecer que com ela se dará algum golpe em seus próprios interesses; mas V.
M. deve considerar com Deus e consigo”, etc., Anais, cit., p. 153. Botelho de Oliveira dedicou
uma poesia gratulatória ao governador por essa carta, Música do Parnaso, p. 107.

1165 V. Garcia, nota a Varnhagen, iii, pp. 352 e ss.

1166 Erigiu-a o Coronel Domingos Pires de Carvalho; ver P. Calmon, História da Casa da
Torre, cit.

1167 “Et Brasiliae Dominus”. Sobre o numerário então lavrado, v. Saturnino de Pádua, Guia
do colecionador de moedas brasileiras. Rio: 1928, pp. 29–30. Foi superintendente da Casa da
Moeda o Desembargador João da Rocha Pita, Rocha Pita, op. cit., p. 332, e juiz da moeda José
Ribeiro Rangel.

1168 Vieira, carta de 24 de julho de 1694, Cartas, ii, p. 354.

1169 Gregório de Matos comemorou, Obras, ii, pp. 109–21, o desembargador “na ocasião
em que foi a Porto Seguro, com 50 soldados, a prender 37 facinorosos, que faziam muitos
desacatos”. Satirizou, de contínuo, a severidade do governador e as execuções que ordenava.
Sobre Dionísio d’Ávila Vareiro, v. carta de nomeação, 1689, Docs. hist., xxx, p. 187. Fora
ouvidor-geral de Pernambuco. O próprio Câmara Coutinho disse: “Admirou a todos os que
conhecem paulistas embrenhados, donde são mais destros que os mesmos bichos [...]
nalmente os trouxe à cadeia desta cidade em duas sumacas”. Passavam de 36. Cinco sofreram
pena de morte e os demais, de degredo para Angola, carta de 15 de julho de 1692, Docs. hist.,
xxxiii, p. 451.

1170 Carta de 25 de junho de 1691, Docs. hist., xxxiii, p. 361.

1171 Nuno Marques Pereira, O peregrino da América, i, p. 68, ed. da Academia Brasileira,
notas de Afrânio Peixoto, Rodolfo Garcia e Pedro Calmon.

1172 Vieira, carta de 29 de junho de 1691. Jaz o arcebispo na igreja de Belém em lápide
anônima no meio da nave, entre as sepulturas do Pe. Alexandre de Gusmão (1724) e do
Coronel Antônio de Aragão de Meneses (1740). Morreu “da enfermidade do contágio”, escreveu
o governador, c. de 19 de junho, Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 40: portanto, da “bicha” reinante.

1173 Doc. ms. no Inst. Hist. Bras., liv. 42, n. 802. “À frota em que veio o pálio” do arcebispo,
dedicou Gregório de Matos um soneto, Obras, ii, p. 76: “Chegou o Pálio en m, que de um
Prelado,/ Que nos veio a medida do desejo/ Tão merecido foi, como esperado”.

1174 Gregório de Matos, Obras, ii, p. 75.

1175 P. Calmon, nota ao Peregrino da América, ed. da Academia, i, p. 81.

1176 Cartas, ii, p. 337.

1177 Docs. hist., xxxiv, p. 78.

1178 Vieira, carta de 24 de julho de 1694, cit. Empossou-se em 22 de maio desse ano,
Miralles, op. cit., pp. 157–8. Era cunhado de Câmara Coutinho; Gregório de Matos dedicou
umas décimas “A D. João de Lencastre, que, vindo do governo de Angola por escala à Bahia, e
estando nela hóspede do Governador Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, seu
cunhado, em cujo desagrado se achava o Poeta, se queixou de que este o não houvesse visitado,
pedindo-lhe que ao menos lhe zesse uma sátira por obséquio”, Obras, v, pp. 98–100. Sobre a
sua genealogia, Pe. Carvalho da Costa, Corogra a portuguesa, i, p. 404. Botelho de Oliveira
memorou em dois sonetos, op. cit., pp. 131–2, o naufrágio que ia sofrendo na barra da Bahia, e
a sua fé, levando aos ombros a imagem de N. S.a da Graça do seu templo ao Mosteiro de São
Bento, em procissão. Pôs em mãos da mesma imagem o seu bastão de governador — informa
Frei Agostinho de Santa Maria. — A carta de nomeação publicou-a Brás do Amaral, nota a
Accioli, ii, p. 259; Docs. hist., lvi, p. 62. — Câmara Coutinho foi ser vice-rei na Índia, e de volta,
em 1701, faleceu na Bahia, Rocha Pita, op. cit., p. 363.

1179 Inscrição nessa fortaleza: “O muito alto e poderoso Rei D. Pedro ii houve por bem
ordenar a D. João de Lencastro, quando governou este Estado do Brasil, que mandasse edi car e
acrescentar de novo esta fortaleza em 1696”.

1180 Em setembro de 1640 tinha sido arrematado o feitio das portas de São Bento, Atas da
Câmara da Bahia, códice, ms. no respectivo arq. A reforma constava do plano geral que
executou o engenheiro José Pais Estêves, que de Pernambuco passara à Bahia, em obediência às
ordens del-rei, de 15 de março de 1692, B. do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 261. “Os engenheiros
dizem que esta forti cação (como parece do papel) se há de continuar pela planta que fez João
Coutinho. Esta se remeteu em tempo do Marquês das Minas para esse reino, donde está e neste
estado não cou nenhuma cópia”, carta de Câmara Coutinho, 28 de junho de 1692, Docs. hist.,
xxxiv, pp. 22–3. Mandara-lhe el-rei zesse “de torrão” a forti cação da cidade. D. João de
Lencastro fez executar os trabalhos.

1181 V. Nuno Marques Pereira, O peregrino da América, ed. da Academia, i, p. 369.

1182 A Casa da Alfândega continuava na Praça do Palácio, onde a situara Tomé de Sousa em
1549. A ordem para a construção do novo armazém na Ribeira é de 15 de dezembro de 1694, B.
do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 271. Estava pronto em 1696. Contribuíram para ela os
mercadores. Reconstruiu-se a alfândega em 1746.

1183 Miralles, Hist. mil., p. 158.

1184 Doc. in B. do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 291. Os estudantes teriam no mínimo 18
anos e continuariam o estudo se, examinados, mostrassem “gênio para eles”. A mesma
providência se tomou para o Maranhão, Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 335. No Arquivo
Histórico Colonial vimos álbuns de desenhos dessa escola de arquitetura, referentes à década de
1770: atestam a e cácia do ensino e a aplicação dos aprendizes. — As aulas de “forti cação e
arquitetura militar” foram criadas em Lisboa em 1647, gênese da Academia Militar.

1185 O alv. de 2 de fev. de 1695 ordenara o transporte das moedas do Rio para a Bahia, onde
seriam transformadas em “provinciais”. Em carta de 14 de maio de 96, disse D. João de
Lencastro (a Artur de Sá e Meneses, governador do Rio): “Mui repetidas são as ordens que
tenho mandado a essa capitania para na forma das de S. M. que Deus guarde vir o dinheiro dela
a esta cidade e converter-se na Casa de Moeda na ‘provincial’; e nenhuma teve efeito até o
presente, pela repugnância que esses moradores tiveram ao risco que podia ter no mar com os
piratas e na terra com as distâncias dos caminhos e passagens de caudalosos rios”, S. Sombra,
op. cit., p. 107. A Pernambuco concedeu el-rei um ano de prazo. Pela carta régia de 12 de
janeiro de 1698 autorizou a transferência da Casa da Moeda para o Rio. E pela carta régia de 27
de novembro do mesmo ano explicou: “O lavor da Casa da Moeda no Rio de Janeiro seja feito
durante um ano, ndo o qual ela seria fechada, passando-se os o ciais para a capitania de
Pernambuco”.

1186 Na Bahia, 1694–7, foram cunhadas “provinciais”: ouro para a Bahia — 102:000$000;
prata — 818:000$000; para Pernambuco, ouro — 8 contos; prata — 428; total: 1.356 contos. Na
Casa do Rio: ouro — 612:644$640; prata — 253:694$940; total: 866:339$580; Azevedo
Coutinho, Apreciação do medalheiro da Casa da Moeda, p. 41.

1187 Foi estabelecida de nitivamente no Rio em janeiro de 1703, S. Sombra, op. cit., p. 116.
Em 1714 a Bahia teve de novo Casa da Moeda, para cunhar as de ouro para o reino. Terceira
Casa abriu-se em Minas Gerais em 1725, com igual m.

1188 Rev. do Inst. Hist. Bras., lxxi, parte i, p. 91.

1189 Miralles, op. cit., p. 52. Descreve a viagem Rocha Pita, op. cit., pp. 337–8. O governador
não dispensou os informes do velho Bento Surrel, a quem escreveu em 5 de nov. de 1694, Docs.
hist., xxxviii, p. 328.

1190 “E se os não topar até o Geremogabo (sic) embique a estrada da catinga do Rio de São
Francisco”, ordem de 20 de janeiro de 1672, Docs. hist., iv, p. 165.
1191 P. Calmon, História da Casa da Torre, p. 106. O Coronel Pedro Barbosa Leal fez
segunda viagem ao São Francisco, e mandou para a Bahia algum salitre em fardos, de couro,
Rocha Pita, op. cit., p. 338. Em carta de 18 de janeiro de 1700, diz D. João de Lencastro,
remetera a S. M. 132 arrobas e 30 libras o ano passado, e esperava mandar nesse 800 arrobas...,
Docs. hist., xxxix, p. 112. A nomeação de Barbosa Leal para administrador da Fábrica de Salitre
é de 17 de setembro de 1697, Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 207. Um lustro depois — em
1703 — já pouco rendia a fábrica, quase inútil..., Anais, cit., p. 209. Novas nitreiras foram
descobertas em Morro do Chapéu, 1699, Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxi, p. 168.

1192 A carta régia de 27 de dez. de 93 mandara formasse “povoações daqueles moradores


que se acham espalhados nos sertões”, B. do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 273.

1193 Jaguaripe era freguesia desde 1613, B. de Barros, Dicionário geogr. da Bahia, p. 254.
Adiante, no rio do mesmo nome, em 1649 se construíra a primeira capela de Nazaré (das
Farinhas). A freguesia de Maragogipe desmembrou-se de Jaguaripe em 1680.

1194 Termo de criação da vila, B. do Amaral, op. cit., ii, p. 266. Foi João Rodrigues Adorno,
capitão da ordenança do distrito de Cachoeira desde 1663, Docs. hist., xxi, p. 298, e principal
proprietário ali, quem doou aos carmelitas o sítio onde fundaram o seu convento (1688), e
acordou com a câmara, em 1699, o preço de 900 réis por braça de terreno para a edi cação
urbana, A. Milton, “Efemérides Cachoeiranas”, in Rev. do Inst. Hist. da Bahia, n. 20, p. 217.

1195 Daí o nome de Sergipe “do Conde”. No engenho do conde esteve a matriz da freguesia
de N. S.a da Puri cação, trasladada em 1704 para o sítio de Santo Amaro, “Relação de 1757”,
Arquivo Público — Terras da Bahia, ii, p. 32, Bahia, 1929.

1196 Luís dos Santos Vilhena, Cartas Soteropolitanas, ii, p. 311. A justiça aos poucos se
completou: juiz de órfãos de vara branca (isto é, togado), na Bahia, em 1729, divisão em varas
do cível e do crime, 1742... Também Rocha Pita, op. cit., p. 311.

1197 São numerosos os bacharéis nascidos no Brasil, que aqui vieram exercer a magistratura.
Leia-se Francisco Morais, Estudantes da Universidade de Coimbra nascidos no Brasil, Lisboa,
1949, enumerando mais de 2 mil moços brasileiros lá formados, dentre os quais muitos se
distinguiram pela carreira forense.

1198 Vilhena, op. cit., ii, p. 308.

1199 Fr. Luís de Sousa, D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, liv. 3, p. 69. O juiz de fora era o de
vila grande, em contraste com o ordinário, ou de vara vermelha eleito pelo povo como membro
do conselho, Antônio Caetano do Amaral, Memórias para a história da legislação e costumes de
Portugal. Porto: 1945, p. 171, ed. M. Lopes de Almeida e César Pegado. Aquele nome, aliás, é o
das Ordenações lipinas, i, 1º: juízes que de fora forem para as vilas...

1200 Vilhena, ibid., loc. cit.

1201 Docs. hist., xxxiv, p. 5.

1202 Rocha Pita, História da América Portuguesa, ed. Jackson, com prefácio e notas de P.
Calmon, pp. 364–5. Aliás, Rocha Pita fora o vereador que assistiu à posse do juiz de fora e,
portanto, ao primeiro ato da supressão formal da autonomia da câmara, Atas da Câmara da
Bahia, vi, p. 303.

1203 Atas da Câmara da Bahia, vi, pp. 322 e ss.

1204 Atas da Câmara da Bahia, vi, p. 337.

1205 Obras, iv, pp. 120–1.

1206 Docs. hist., iv, p. 120.

1207 Docs. hist., xi, p. 85.

1208 Anais do Arq. Públ. da Bahia, xiii, p. 102. A nomeação dos capitães-mores cabia aos
governadores; mas, pelo alvará de 18 de outubro de 1709, passou à competência das câmaras,
que, já no século antecedente, proviam as companhias (com seus capitães) das diferentes
localidades. As ordenanças constituem a milícia municipal, recrutada em ocasiões extremas,
mas sujeita a mostras periódicas, P. Calmon, Hist. da civ. bras., 4ª ed., p. 160.

1209 V. Pe. Turíbio Vilanova Segura, Bom Jesus da Lapa. São Paulo: 1937, p. 120; P. Calmon,
nota ao Peregrino da América, ii, pp. 48–9, ed. da Acad. Bras.

1210 Carta do governador, 4 de julho de 92, Docs. hist., xxxiv, p. 62.

1211 V. cap. xxxi, “A cultura no século xvii”, nota 29.

1212 Sermões, v, pp. 207 e 210.

1213 Docs. hist., xxxiv, p. 202.

1214 Miralles, Hist. mil., p. 159: cita diversos nomes e diz que na Bahia embarcaram
trezentos homens, alguns das melhores famílias.

1215 O progresso das construções náuticas, na Bahia, muito deveu ao Governador Câmara
Coutinho, v. cartas in Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 71, e a Francisco Lamberto, nomeado provedor
da Fazenda em 1682, depois de ter sido superintendente da Fábrica dos Galeões da Ribeira da
cidade do Porto, Docs. hist., xxviii, p. 59. O seu túmulo, na igreja conventual de Santa Teresa,
tem a inscrição seguinte (com a sua pedra de armas): “Jaz aqui o grande pecador Francisco
Lamberto indigno provedor-mor da Fazenda Real deste Estado e das mais ocupações que nela
serviu do ano de 1682 até o de 1704 em que faleceu pede a quem passar que se lembre de sua
alma”.

1216 Carta de D. Rodrigo da Costa, 13 de agosto de 1702, Docs. hist., xxxiv, p. 226. O novo
governador empossou-se em 3 de julho desse ano, Livro de posse dos vice-reis, ms. no Arq.
Públ. da Bahia. Era 2º lho do 3º Conde de Soure, D. João da Costa, um dos maiores
portugueses da geração de 1640. Bateu-se no Alentejo e governou a Madeira, o Brasil e a Índia,
cf. Pe. Antônio de Carvalho, Corogra a portuguesa, iii, p. 85.

1217 Em 1682 Frei Pedro de Sousa fora examinar as pedras de prata da Serra de Biraçoiaba
(Sorocaba), cf. Pedro Taques, Nobiliarquia, ed. A. Taunay, i, p. 69. O governador do Rio,
Antônio Pais de Sande, teve ordem para “a averiguação das minas de ouro e prata de Parnaguá,
Itabaiana e Sabarabuçu com amplíssima jurisdição”, 14 de janeiro de 1693, mas desistiu dela,
Docs. hist., xxxiv, p. 127. Foi substituí-lo no governo o Mestre-de-campo André Cusaco,
patente in Docs. hist., lvi, pp. 157–8. O velho governador morreu pouco depois, Docs. hist., lvi,
p. 170.

1218 “Memória Histórica”, Rev. do Arq. Públ. Mineiro, fase. 3º, 1897, 2ª ed., p. 427, Diogo
Pereira Ribeiro de Vasconcelos; “Breve descrição”, etc., Rev. do mesmo arquivo, ano vi, fase. iii e
iv — relato seguido por Diogo de Vasconcelos, Hist. antiga de Minas Gerais. Belo Horizonte:
1904 p. 94. Talvez se trate de Manuel Rodrigues de Arzão, o velho, capitão de Santo Amaro de
Virapuera em 1677, Docs. hist., xiii, p. 16, pai de Antônio, a quem el-rei escreveu em 1701.
Nesta data encarregou o primeiro (e por seu falecimento o lho) de administrar as datas dos
ribeiros (sic) que pertenciam à Real Fazenda, Documentos interessantes, li, p. 17. Portanto se
enganou Vasconcelos, dizendo que morreu Arzão antes de 1694; também Silva Leme, que diz
ter Antônio falecido em 1696, Genealogia paulista. São Paulo: 1903, i, p. 192. A história mineira
de 1692–8 continua lacunosa e pouco elucidada à falta de documentos coevos. Prevaleceu,
desde Antonil, a tradição oral, errada em muitos casos.

1219 Manuel de Borba Gato, que se homiziara no sertão.

1220 Carta de Bernardo Correia de Sousa Coutinho, Docs. hist., xi, p. 205.

1221 Docs. hist., xi, p. 191. Escrevendo ao Capitão Pedro Taques, em 5 de setembro de 1695,
o governador queria novas notícias das minas, Docs. hist., xi, p. 227. Mandou que fosse vê-las o
ouvidor do Rio de Janeiro, Sebastião Fernandes Correia, ibid., p. 228. E em 14 de maio de 96, a
Artur de Sá e Meneses: “A fortuna reservou para, no tempo de V. S., as oferecer descobertas
com infalível evidência às reais esperanças de Sua Majestade”.

1222 Nomeado em 12 de janeiro de 1697, Artur de Sá tomou posse em 2 de julho de 97, e


seguiu em 15 de outubro para São Paulo, Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 321. Em 18 de
novembro de 1699 escreveu-lhe D. João de Lencastro: “Da abundância de ouro que se tira nas
minas (cuja fama há de ser mais crescida, na Europa) me faz presumir que possa haver alguma
nação pouco afeta à nossa”, Docs. hist., xi, p. 274. Um dos lhos de Carlos Pedroso da Silveira
casou-se com “Helena da Silva Rosa, natural de Taubaté, lha de Miguel de Sousa Silva [...]”,
Silva Leme, op. cit., v, p. 509. Este, o Miguel de Sousa a que se refere o texto?

1223 A Casa de Fundição de Taubaté “foi criada em 1698 e logo no mesmo ano foram presos
dois indivíduos por falsi cadores de trabalhos dela. Reorganizada em 1701 e suspensa em
1704”, Saturnino de Pádua, Guia do colecionador de moedas brasileiras. Rio: 1928, p. 72. De
1701 é a do Rio de Janeiro; de 1703, de Santos e Parati. A de São Paulo foi reaberta em 1701.
Sobre Carlos Pedroso, que faleceu em 1719, v. Silva Leme, op. cit., v, p. 509; e Carlos da Silveira,
Revista do Inst. Hist. de São Paulo, xxxi, p. 92. Félix Guizard Filho achou-lhe o testamento em
Taubaté.

1224 V. Pedro Taques, Nobiliarquia, ed. Taunay, i, p. 77.

1225 Escreveu-lhe o governador-geral: “[...] me diz V. S. se recolhera com pouco fruto da


primeira jornada a São Paulo”, 26 de agosto de 98, Docs. hist., xi, p. 265.

É
1226 É de 30 de novembro de 1699 a carta que escreveu a D. João de Lencastro, do Rio das
Velhas, Docs. hist., xi, p. 283: “Permitira algumas pessoas que vieram para esta praça e a outras
que foram aos currais desta capitania, que quintassem o ouro que traziam, [...] e que por falta
de mantimentos se haviam retirado muitos mineiros [...] para voltar em março, assim pelos
mantimentos, que já deixavam plantados, como pelo gado que haviam mandado buscar aos
currais de Bahia e Pernambuco”. O governador-geral mandou descobrir os homens que levavam
o ouro quintado. Surpreendeu-se com a facilidade!

1227 A riqueza do Marquês de Fontes e Abrantes — protetor, em Lisboa, do Padre


Bartolomeu Lourenço de Gusmão — viera-lhe do tio, “Artur de Sá e Meneses, de nome tão
celebrado nos fastos brasileiros. Governador do Maranhão e do Rio de Janeiro [...] percorrera o
distrito das minas de ouro que acabavam de ser descobertas. E esta viagem lhe valera proventos
fabulosos, tendo recebido dos mineradores pródigos, deslumbrados com o seu Eldorado,
presentes de metal no valor de 40 arrobas de ouro, quase 600 quilos, dizem os cronistas,
163.840 oitavas que corresponderiam a uns 200 contos de réis ou sejam pelos valores de hoje
uns 20 mil contos de réis senão mais”, A. Taunay, Anais do Museu Paulista, ix, p. 26. Rocha Pita
diz: “Se recolheu para o seu governo levando mostras, que o podiam enriquecer”, op. cit., p. 357.

1228 Do testamento de Salvador Fernandes Furtado, de que obtivemos cópia, ms. no Arq.
Arquidiocesano de Mariana, Minas — de 24 de maio de 1725 — sabemos: era “natural da Vila
de São Francisco das Chagas do Vale de Taubaté, bispado do Rio de Janeiro, lho legítimo do
Capitão Manuel Fernandes Pedro e de sua mulher Maria Cubas naturais da cidade de São
Paulo”.

1229 A capela do Padre Faria, presumivelmente de 1700, é a mais velha de Ouro Preto. De
Antônio Dias se chama o bairro baixo da cidade, freguesia à parte, com belo templo. Ouro
Preto propriamente dita é a parte alta da cidade. V. Tomás Brandão, Marília de Dirceu. Belo
Horizonte: 1932, p. 84. A primeira missa dita pelo Padre Faria naquele sitio foi em 24 de junho
de 1698, Augusto de Lima Júnior, Visões do passado. Rio: 1934, p. 97.

1230 V. Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, xxiv, p.14.

1231 Cláudio Manuel da Costa, no poema “Vila Rica”.

1232 É o nome que vem na provisão de 17 de abril de 1701, do Sargento-mor Antônio da


Rocha, Documentos interessantes, li, p. 25; e Docs. hist., xl, p. 354.

1233 Hist. da Amér. Port., p. 354.

1234 O primeiro Regimento que teve esse administrador — e portanto o que organizou o
incipiente governo nas Minas — levou a data de 17 de abril de 1702, Documentos interessantes,
li, pp. 74–88. Foi guarda-mor (o primeiro das Minas) em 1701, Pedro Taques, Nobiliarquia, ed.
Taunay, p. 23. Em 1685 era Domingos da Silva Bueno capitão de cavalos em São Paulo, Registo
geral da câmara, iii, p. 493. Em 1709 foi juiz ordinário em São Paulo, Atas da câmara, viii, p.
182.

1235 Alberto Lamego, Mentiras históricas, pp. 85–6.


1236 Assim do Rio das Velhas: guarda-mor, Borba Gato; procurador, Capitão João Gago de
Oliveira; escrivão, Leonardo Nardes de Arzão; escrivão dos quintos, José de Seixas; tesoureiro,
Tomás Ferreira de Sousa. De Tocambira: guarda-mor, Antônio Soares Ferreira; escrivão,
Antônio Gomes; procurador, Capitão Baltasar de Lemos Morais, Documentos interessantes, li,
p. 20. O livro i da receita da Fazenda Real de Serro do Frio e Tocambira “abriu-se em 15 de
março de 1702”, Rev. do Arq. Públ. Mineiro, ano vii, fase. iii e iv, pp. 939 e ss.

1237 Em 22 de setembro de 1700 escreveu D. João de Lencastro a Artur de Sá, que não
permitisse entrarem os sertões da Bahia (“que o Rio Verde, o Doce, o Pardo, o das Velhas e as
cabeceiras do Espírito Santo, estão no distrito da Bahia”), pois “tenho já mandado a estas partes,
a fazer os tais descobrimentos”, Docs. hist., xi, p. 282.

1238 Docs. hist., lxxxvi, p. 186. É o conceito do Padre Vieira em 1648.

1239 Diálogos das grandezas do Brasil, ed. R. Garcia, p. 128.

1240 Diálogos, citados, p. 128.

1241 “Papel forte”, in Obras escolhidas, iii, ed. Hernâni Cidade.

1242 Sir Alfred C. Lyall, e Rise of the British Dominion in India. London: 1898, p. 21.
Veri que-se que a Companhia Inglesa das Índias, de 1601, passava a encarregar-se da conquista
do Indostão, a exemplo da sua rival holandesa, cujo orescimento pode ser medido pelos
dividendos, em média de 18%, que conservou durante dois séculos, Clive Day, e Policy and
Administration of the Dutch in Java. Nova York: 1904, p. 71.

1243 Sir omas Hungerford Holdich, India, p. 22, Londres.

1244 Cartas (1648), ed. J. Lúcio, i, p. 243.

1245 Carta do governador, 12 de julho de 1693, Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 104. Carta régia de
24 de novembro de 95 mandou (em conseqüência) libertar o comércio e a exportação para
Angola, pagando a de Pernambuco 1$600 por pipa de saída e 3$600 de entrada.

1246 Doc. cit. por Wanderley Pinho, História de um engenho do Recôncavo. Rio: 1947, p.
201.

1247 Livro de toda Fazenda, por Luís de Figueiredo Falcão, ms. na Casa de Cadaval,
Manuscritos..., publ. por Virgínia Rau, i, p. 14 e na Torre do Tombo (onde antes o
consultáramos). O contrato de 1602 foi reformado em 1603 e rescindido em 1606.

1248 V. Bernardino José de Sousa, O pau-brasil na história nacional. São Paulo: 1939, p. 182.

1249 Vieira, Obras escolhidas, iii, p. 16.

1250 V. o Regimento, in Bernardino de Sousa, ibid., pp. 146–50. Foi lei até o século xix.

1251 Teixeira de Freitas, Consolidação das leis civis. Rio: 1861, p. 37. O estanco da venda do
pau-brasil, deixando a madeira de ser considerada do domínio do Estado, só terminou pela Lei
n. 1.040, de 14 de setembro de 1859, art. 12.
1252 Prov. de 1662, Docs. hist., xx, p. 172. A frota de 1664 levou 12 quintais de pau-brasil,
Mercúrio português, novembro de 1664, Lisboa. Sobre as vicissitudes do sistema de
arrendamento, v. citado livro de Bernardino José de Sousa.

1253 Docs. hist., xv, p. 205.

1254 Docs. hist., xii, p. 112, e xvi, p. 112. Luís Vaz de Resende tinha o contrato em 1631,
Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 114.

1255 Ainda em 1823 gurou o pau-brasil no orçamento da nação, com a receita de 120
contos de réis, R. Simonsen, op. cit., i, p. 101. Com as liberdades públicas expostas na
Constituição do império (1824) e o pleno direito de propriedade, o monopólio do Estado,
quanto ao pau-brasil, se limitou naturalmente à venda e exportação, sendo reconhecido aos
donos da terra (Lei n. 243, de 30 de nov. de 1841) o exclusivo direito de extraí-lo. O governo
passava a comprador, por preço considerado justo (8$000 o quintal). O regime de estanco foi
abolido pela Lei n. 1.040, de 14 de setembro de 1859, quando, aliás, a descoberta das anilinas
(industrializadas a partir de 1856) depreciara de nitivamente o corante silvestre. Figurou nos
orçamentos do país (até 1875) em virtude do imposto de exportação, de 15%, a que cava
sujeito. Perde-se de vista o pau-brasil no quadro econômico do império em 1876.

1256 Docs. hist., xvi, p. 399.

1257 Docs. hist., xxiv, p. 13. Con rmava a ordem do governador, de 31 de agosto de 1636, e
provisão de 23 de dezembro de 63, a que se seguiram as de 65 e 81.

1258 Docs. hist., xxxv, pp. 112–4.

1259 Docs. hist., xxiv, p. 194, decisão citada pelos praxistas como tipo de privilégio
justi cado pelo interesse de preservar a unidade da fábrica, para que os credores não a
reduzissem a fogo morto.

1260 Rev. do Inst. Hist., iii, p. 372.

1261 Docs. hist., xxviii, p. 26.

1262 Requerimento de Bernardo Vieira Ravasco, ms. no Arq. Hist. Col., Papéis avulsos,
inéd., 8 de setembro de 1662. Dá a lista dos engenhos apagados (“desfabricados”) e descreve as
vicissitudes da indústria, prejudicada pela abertura de novos engenhos. É a melhor página sobre
a economia do período (1662).

1263 Carta de 1687, cit. por Wanderley Pinho, História de um engenho do Recôncavo, p.
199.

1264 Cit. por Wanderley Pinho, op. cit., loc. cit.

1265 Edmund O. von Lippmann, História do açúcar. Rio: 1942, ii, p. 114, trad. de Rodolfo
Coutinho. Ainda em Barbados se chama tayche, diz Lippmann, o tacho... Outros nomes
portugueses perduram na indústria inglesa de açúcar: grande, molasse (melaço)...

1266 Lippmann, op. cit., ii, p. 115.


1267 Diálogos, ed. R. Garcia, p. 130.

1268 Carta ao Marquês das Minas, Cartas, iii, p. 639. Sobre as vicissitudes da indústria v.
Documentos para a história do açúcar, ii, Engenho de Sergipe do Conde. Embora as contas não
re itam com exatidão o estado geral da lavoura, dada a peculiaridade das despesas gerais, serve
esse registo para a notícia dos preços, do reduzido lucro e da complexidade dos gastos para a
manutenção da fábrica.

1269 Leia-se a descrição que do engenho faz o Padre Vieira no sermão 14 do Rosário,
dirigido aos “irmãos pretos”, J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira, ii, p. 282: “Os
etíopes ou ciclopes banhados em suor, tão negros como robustos”.

1270 Hermann Wätjen, O domínio colonial holandês no Brasil, p. 489.

1271 Elias Alexandre, História de Angola, i, p. 114.

1272 Afonso d’E. Taunay, Subsídios para a história do trá co africano no Brasil. São Paulo:
1941, p. 109. Tanganhão, mercador de escravos; tangomão (Sousa Viterbo) tanglomango,
brasileirismo, certamente da mesma origem, bestruço, avantesma, ou entidade perversa, no
folclore afro-americano. V. Luís da Câmara Cascudo, Dicionário de folclore brasileiro. Rio:
1954, p. 603.

1273 Obras escolhidas, iii, p. 10.

1274 H. Wätjen, op. cit., p. 487.

1275 Luís Viana Filho, O negro na Bahia. Rio: 1946, p. 66.

1276 Frederico Mauro, in Revista da Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, xxii, 2ª


série, n. 2, pp. 20 e ss., 1956.

1277 Alfredo Brandão, in Estudos afro-brasileiros. Rio: 1935, i, p. 88.

1278 Afonso d’E. Taunay, op. cit., p. 101.

1279 Luís dos Santos Vilhena, Cartas Soteropolitanas. Bahia: 1922, i, p. 136.

1280 Francisco de Lemos Coelho, Duas descrições seiscentistas da Guiné. Lisboa: Acad.
Port. da Hist., 1953, pp. 99–100, introd. Damião Peres. Na Bahia con rma-se que os
jangadeiros do Rio Vermelho são nagôs (provavelmente guineenses). De índios em jangada há
referências primitivas, a começar pela carta de Caminha, v. Luís da Câmara Cascudo, Jangada.
Rio: 1957, p. 65; v. g., Fernão Cardim, Trat. da terra e gente do Bras., p. 75, o costume, a gura-
se-nos, mesclado de africano e tupi, com forte contribuição nagô, nos termos da descrição
seiscentista de Lemos Coelho. Em jangada já se pescava em Pernambuco ao tempo dos
holandeses, como prova a evasão de Claes Claeszoon — em jangada — do Recife, na véspera da
capitulação, para informar as praças do Norte, C. R. Boxer, op. cit., p. 242.

1281 Edgar Prestage, D. Francisco Manuel de Melo, Coimbra, 1914, transcrevendo-lhe o


soneto, “varia idéia estando na América e perturbado no estudo por bailes de bárbaros”.
1282 Gregório de Matos, Obras, iv, p. 186, ed. da Acad. Bras.

1283 “Calundus e feitiços”, Gregório de Matos, ibid., vol. cit. e loc. cit. Nuno Marques
Pereira, O peregrino da América, i, p. 130, Rio, 1939, ed. da Acad. Bras., diz “adjuntos e festas
dos Calundus”.

1284 Nuno Marques Pereira, op. cit., i, p. 134, “pacto explícito”, do quimbundo, kigila,
preceito, em português, quizília.

1285 Macumba, cadeados, Fr. Cannecattim, Observações gramaticais..., 2ª ed., p. 102,


extensão à idéia de cadeia religiosa. Termo peculiar ao culto afro-indígena no Rio de Janeiro.
Na Bahia: candomblé, onomatopéia nagô, usual ali e no Prata.

1286 Mas é curioso observar que ainda em 1711 os minas valiam menos do que os angolas,
cf. carta régia de 27 de fevereiro, Pereira da Costa, Anais pernambucanos, v, p. 68.

1287 Cultura e opulência do Brasil, ed. A. Taunay, p. 181.

1288 Diálogos, p. 305, ed. de 1846.

1289 Diálogos das grandezas do Brasil, ed. R. Garcia, p. 103.

1290 Fr. Vicente do Salvador, op. cit., p. 501.

1291 Atas da Câmara da Bahia, i, p. 26.

1292 Ano noticioso e histórico, ii, p. 116; Francisco Antônio Correia, História econômica de
Portugal. Lisboa: 1929, p. 284.

1293 Cartas, i, p. 106.

1294 Docs. hist., iii, p. 327.

1295 Docs. hist., iii, p. 325.

1296 Livro de atas da Câmara da Bahia, 1639–41.

1297 P. Calmon, Hist. da civ. bras., 4ª ed., p. 99.

1298 Monstruosidades do tempo e da fortuna, ed. Damião Peres, ii, p. 126.

1299 J. Lúcio d’Azevedo, Épocas de Portugal econômico, e E. Simonsen, ibid., ii, pp. 202–3.

1300 Docs. hist., xxxiii, p. 404. Mas em 1704 o governador-geral ainda mandava arrancar
todo o tabaco plantado em Maragogipe, Docs. hist., xl, p. 168, passim.

1301 Cartas, ii, p. 227. E Duarte Ribeiro de Macedo, Transplantação das frutas da Índia ao
Brasil, 1675.

1302 Botelho de Oliveira, A Ilha de Maré, p. 183, ed. da Acad. Bras.


1303 Pe. Sera m Leite, op. cit., iv, p. 158.

1304 Diálogos das grandezas, ed. R. Garcia, p. 134.

1305 Hist. do Bras., p. 255.

1306 Diálogos, p. 130.

1307 Ms. no Arq. Hist. Col., inéd., Lisboa.

1308 Docs. hist., xxxiii, p. 255.

1309 Docs. hist., ix, p. 451; ix, p. 364; e lxvii, p. 260. Em Pernambuco os dízimos em 1671
chegavam a 52 mil cruzados (isto é, a produção voltara a níveis equivalentes aos de 1618, antes
da guerra holandesa). Em 1688 (persistindo a crise do açúcar) valiam 40 mil, Docs. hist., x, p.
282. Em 1662, quando os senhores da Bahia falavam pela boca de Bernardo Vieira Ravasco as
suas di culdades, andavam em 20 mil, os da Paraíba em 3 mil (em vez de 93 mil, seu limite
anterior).

1310 Docs. hist., xxxiii, p. 361.

1311 Docs. hist., xxxviii, p. 371. Em 1691, subiam os dízimos da Bahia a 90 mil cruzados,
para caírem em 1693 a 66 mil, Docs. hist., xxxiv, p. 123, reagindo, em curva ascendente, depois
de 1695. Os motivos já foram ditos: a valorização do açúcar em virtude da escassez na
Inglaterra, e, logo, o con ito europeu da sucessão de Espanha.

1312 “Exortação primeira”, Sermões, v, p. 348.

1313 V. Teodoro Sampaio, O tupi na geogra a nacional; e Artur Neiva, Estudos da língua
nacional. São Paulo: 1940, p. 274.

1314 Sermões, v, pp. 348–9.

1315 Os estudantes do colégio da Bahia tiveram o direito de ser considerados aprovados em


um ano de loso a na Universidade de Coimbra (1675) e os de Olinda o mesmo requereram
em 6 de agosto de 1681 (21 de novembro, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa).

1316 Docs. hist., xxxiv, p. 71.

1317 Pe. Sera m Leite, Hist. da Comp. de Jesus, vii, p. 152.

1318 Carta de 1658, Pe. Sera m Leite, Novas cartas jesuíticas, p. 212 Sobre o mesmo ensino
em Portugal, Pe. Francisco Rodrigues, História da Companhia de Jesus na assistência de
Portugal. Porto: 1944, t. 3, i, pp. 69 e ss.

1319 Parecer do Conselho Ultramarino, 30 de janeiro de 1689, in Pe. Sera m Leite, Hist. da
Comp. de Jesus, vii, p. 202–9.

1320 Carta de el-rei a Matias da Cunha, 5 de fev. de 1689, Docs. hist., lxviii, p. 212.
1321 Sirva de demonstração desta verdade a profusão de temas cientí cos e literários dos
azulejos das salas de aula, assim do colégio da Bahia (galeria da antiga biblioteca) como do
colégio de Évora, onde têm realce os painéis do salão de física, com alusão às invenções,
inclusive de uma o cina de tecer, geogra a e loso a, belas-artes... (que ali vimos em 1945).
Não nos admire achar-se o nome de Molière num dos azulejos jesuíticos da Bahia. A idéia dos
compêndios com estampas antecipa-se naquelas guras de Évora, felizmente intactas, que
descrevem a pedagogia dos padres, como se fossem páginas de um livro ilustrado.

1322 Leia-se Domingos Maurício Gomes do Souto, “Balanço cultural dos jesuítas no Brasil”,
in Brasília. Coimbra: 1955, ix, pp. 251–311.

1323 Don Quijote. Barcelona: parte ii, p. 136, ed. F. Seix.

1324 Vida do Pe. Estanislau de Campos (Roma, 1765), Rev. do Inst. Hist., lii, p. 10.

1325 “Como de ver um mazombo [...]”, Gregório de Matos, Sátira, Obras. Rio: Acad. Bras.,
1930, iv, p. 206; “O Mazombinho Canário [...]”, Nuno Marques Pereira, O peregrino da
América. Rio: Acad. Bras., 1939, i, p. 59; Marcgrave, Morais, no Dicionário, Varnhagen, Pereira
da Costa, este in Anais pernambucanos, v, p. 220, fazendo antedatar para 1645, a propósito da
Carreira dos Mazombos, em Pernambuco, o vocábulo de aparente origem angolana, que pode
ser corruptela de mozambique, mozambo.

1326 J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira, ii, p. 283.

1327 Sermões, 15º, p. 139.

1328 Vicente Rodrigues Palha, tomou o hábito em 1599 (Capistrano de Abreu, nota
preliminar à História do Brasil. São Paulo: 1931, p. xii, 3ª ed.), e vivia em 1634, Fr. Jaboatão,
Catálogo genealógico, in Rev. do Inst. Hist., lii, p. 264. A amizade de Severim viera-lhe do
irmão, Fr. Cristóvão de Lisboa, referido na Hist., p. 612, custódio no Maranhão e botânico.
Enganou-se Capistrano, ao imaginar que vários capítulos do códice se extraviaram, razão por
que os supriu com excertos de Severim de Faria e de Fr. Antônio de Santa Maria, op. cit., p. 423.
Estudamos na Torre do Tombo esse códice original, que tem complemento inédito, Adições e
emendas que se hão de pôr na minha história do Brasil, e Lembranças para o Sr. Salvador de Sá.
Consta o texto de dois tomos encadernados, cuja unidade é evidente. Está a merecer edição
crítica aliviada dos acréscimos indébitos e completada com as adições do autor. Tendo
extratado essas notas (1945), projetamos publicá-las um dia.

1329 Grandeza das capitanias do Brasil, é título de Domingos d’Abreu de Brito, 1592, ms. na
Bibl. Nac. de Lisboa, citado pelo Visconde de Paiva Manso, História do Congo, Lisboa, 1877.
Publicou Fr. Nicolau de Oliveira, em 1594, Grandezas de Lisboa. — Ao que Rodolfo Garcia
disse dos Diálogos das grandezas do Brasil (dados à estampa na revista Íris, Rio, 1848, na Rev.
do Inst. Arqueol. Pernambucano, 1883–7, edição de nitiva na Acad. Bras., 1930) acrescentamos
que desde 1572, alvarás de 24 de fev., ms. na Bibl. Nac. do Rio de Janeiro, gura Bento Dias de
Santiago como contratante de dízimos em Pernambuco. Ambrósio Fernandes Brandão,
Brandônio do livro, era tesoureiro em Lisboa em 1604, cf. Coleção Cronológica da Legisl. de
defuntos, ausentes, etc., Rio, 1828. Ambos, Brandão e Álvares, cristãos-novos... como Santiago,
Denunciações da Bahia, pp. 518–20.
1330 Com gravura de Colin, em que Brasília aparece em forma de índia, e data, Bahia, 5 de
dezembro de 1655 (ed. de Lisboa, 1658). Da Vida de Anchieta, dedicada ao baiano Francisco
Gil de Araújo, há edição do Instituto do Livro, Rio, 1943.

1331 D. Francisco Manuel cita Carneiro entre os políticos, Cartas familiares, p. 342, ed.
Rodrigues Lapa. V. também Garcia, nota a Varnhagen, Hist. ger., iii, p. 152.

1332 Laudelino Freire, in Rev. da língua portuguesa, Rio, jan. de 1924 (núm. dedicado ao
Padre Antônio de Sá).

1333 Ramiz Galvão, “O púlpito no Brasil”, in Rev. do Inst. Hist., cxvi, p. 52; nossa História da
literatura baiana, pp. 43–4. E Scriptores Provinciae Brasiliensis, Pe. Sera m Leite, Hist. da
Comp. de Jesus no Brasil, i, p. 533.

1334 Assim, quanto a Fr. Eusébio de Matos, v. Afrânio Peixoto, Panorama da literatura
brasileira. São Paulo: 1940, p. 124; nossa Hist. da lit. baiana, p. 29. Do irmão de Gregório de
Matos, v. Orações fúnebres nas exéquias de... D. Estêvão dos Santos, Lisboa, 1735; Ecce Homo,
1677, Sermões, 1694. Ainda está para ser inventariado o sermonário luso-americano, o que só
será possível nas bibliotecas de Braga e da Universidade de Coimbra. — O reparo de Vieira
citado no texto, in Pe. Sera m Leite, Novas cartas jesuíticas, p. 260.

1335 Não é o lugar para apreciarmos, com a evolução da cultura, os progressos da


eloqüência na colônia. Mas é preciso corrigir neste particular as sínteses da literatura que a têm
relegado a plano secundário, por falta do material a que aludimos na nota anterior. Exprime o
gosto literário do tempo, as possibilidades que lhe dava o púlpito e seus limites eventuais. Está
para ser feito o respectivo inventário, que exige o estudo do imenso acervo das livrarias
eclesiásticas.

1336 Sermão, publicado em Lisboa, 1686.

1337 Gregório de Matos, Obras, ii, p. 79, ed. da Acad. Bras.

1338 Pe. Antônio Vieira, Cartas, ii, p. 247.

1339 Desaveio-se com Vieira. “Que os Alexandristas prevalecessem contra os Vieiristas”,


Cartas do Pe. Antônio Vieira, iii, p. 581. O místico do Seminário de Belém revive na glória do
a lhado que lhe levou o nome, Alexandre de Gusmão. E no gênio de outro discípulo, irmão
deste, Pe. Bartolomeu Lourenço.

1340 Vida e obra, apesar de miudamente estudadas, J. F. Lisboa, Gonzaga Cabral, J. Lúcio
d’Azevedo, padres Francisco Rodrigues e Sera m Leite, Hernâni Cidade, Ivan Lins, para não
citar senão do século passado para cá — provocam ainda pesquisas documentais que lhe
revelam facetas obscuras e fascinantes. Os inéditos, além das Cartas, que completam a edição
em 3 tomos de J. Lúcio (de que preferentemente nos valemos, Coimbra, 1925) — a Claris
Prophetarum, de que há apógrafos (Pe. Sera m Leite, in Verbum, Rio, dez. de 1944, p. 267; e
Hist. da Comp., iv, pp. 192 e ss.), possuindo a Biblioteca Nacional do Rio o códice que foi do Pe.
Canesdi, e do Santo Ofício de Lisboa — merecem edição comentada. Os principais vão sendo
divulgados eruditamente por Hernâni Cidade, Clássicos Sá da Costa, Lisboa. Dos Sermões (ed.
princeps, iniciada em Lisboa, 1679), temos a boa tiragem portuense, de 1911 e a fac-sim., de
São Paulo, 1944. Anotamos os patrióticos (Col. Brasiliana, São Paulo, 1938); e dedicamos ao
episódio menos claro de 1683, na Bahia, um voluminho com algo novo, O crime de Antônio
Vieira, São Paulo, 1930. Ao genial jesuíta prestou a Bahia belas homenagens em 1897, por
ocasião do 3º centenário do falecimento (volume especial do Inst. Hist.); daí a placa de
mármore aposta à fachada da sua igreja-catedral. Mas o Brasil ainda não lhe fez a estátua,
comemorativa do espírito cívico e do fulgor verbal. A sua gura é inseparável da história da
eloqüência brasileira.

1341 Cartas do Pe. Antônio Vieira, ed. J. Lúcio, i, p. 474.

1342 Ver P. Calmon, O crime de Antônio Vieira, cap. i, São Paulo, 1930 — em que lhe
sumariamos a biogra a na última fase brasileira. Crime, no caso, foi o do sobrinho, mas cujas
conseqüências o governador desatinado lhe atirou aos ombros, acusando-o de proteger e
desculpar: crime de ser afeiçoado aos parentes, de quem foi desenganadamente benfeitor.
Profeta precário, entreteve-se Vieira em analisar as trovas de Bandarra, v. Cartas, i, p. 492... Não
acertou nos seus prognósticos de quem seria o verdadeiro D. Sebastião (ora D. João iv, ora
Afonso vi...), o rei do quinto império..., nem sequer quanto a ele próprio, pois em 1653 se dava
como “neste último quartel da vida”, Cartas, i, p. 303 e a viveu mais 45 anos!

1343 Ivan Lins, Aspectos do Padre Antônio Vieira, p. 312. V., deste esplêndido livro, o cap. 6
— sobre o lósofo e o moralista.

1344 Manuel Botelho de Oliveira, Música do Parnaso. Rio: Academia Brasileira, 1929, p. 51
(a original é de Lisboa, 1705).

1345 Pe. Manuel Bernardes, Nova oresta. Lisboa: 1706, iv, p. 47.

1346 Gregório de Matos, Obras, iv, p. 48, ed. da Acad. Bras.

1347 As Obras de Gregório de Matos foram publicadas pela Academia Brasileira, 6 vols.,
coleção Afrânio Peixoto, Rio, 1929–33. Ao último ajuntamos uma notícia biográ ca. Conserva-
se inédito na Bibl. Nac. volume manuscrito, impublicável, das eróticas. Esparsas, distribuem-se-
lhe por vários códices, tanto na Universidade de Coimbra (cod. n. 399), sátiras (Boletim do
Arquivo Histórico Militar, vi, p. 162, 1936), como na de Évora. Temos códice incompleto pelo
qual foi possível corrigir muitas das impressas na imperfeita edição da Academia, carente de
crítica (aí se misturam às de Gregório poesias de contemporâneos, como a Descrição de
Sergipe, de Gonçalo Soares da Franca, cf. Brasília, i, p. 561, Coimbra, numerosas traduções de
Quevedo...). Biografaram-no, além do pernambucano Manuel Pereira Rabelo (que
identi camos como o presbítero Manuel Rebelo Pereira citado por Loreto Couto, Desagravos,
etc., Anais da Bibl. Nac., xxv, p. 22) — Araripe Júnior, Gregório de Matos, Rio, 1910; P. Calmon,
Obras de Gregório de Matos, ed. da Acad. Bras., vol. 6 (1933); Maria Del Cármen Barquiu,
Gregório de Matos, México, 1946. Diz-se com razão que não é dono da maioria dos versos
compilados naquelas Obras. Mas é preciso insistir: foram coligidas livremente, por pessoas que
as sabiam de cor, e misturavam o próprio e o alheio. Ele mesmo, com espírito de sátira,
certamente traduziu e aplicou às situações locais muitas poesias famosas, ou populares, do Siglo
de Oro. Não podemos esquecer, isto sim, que já o Padre Bernardes o considerara um homem
célebre...
1348 V. nossa História da literatura baiana, p. 53; aí, o repertório de autores e obras do
período, conhecido por “escola baiana”.

1349 “[...] clima bom entre todos”, Pe. Simão de Vasconcelos, Notícias curiosas e necessárias
das cousas do Brasil. Lisboa: 1668, p. 267.

1350 Cartas, iii, pp. 442–3.

1351 Império, cf. Gabriel Soares, Trat. descr., proêmio, tem o sentido camoniano, “No
governo do império [...]”, Lus., x, p. 62, que é o de Antônio Ferreira, “O português império que
assim toma [...]”, Poemas lusitanos, ii, p. 78, Col. Clássicos Sá da Costa. Do Brasil sadio, em que
se morria de velhice, falou Fr. Amador Arrais, Diálogos. Lisboa: 1846, pp. 303–5.

1352 Note-se a in uência dessa ênfase em espíritos confusos, como o daquele herético Pedro
de Rates Henequin que esteve vinte anos no Brasil e morreu queimado pela Inquisição em
Lisboa, em 1741, a dizer que o paraíso terreal cava nesta lusa América, Ernesto Ennes, in Rev.
do Arq. Municipal de São Paulo, lxxxv, p. 190 (1942). Compare-se com o que escreveu León
Pinelo sobre o paraíso neste continente, o 5º Império, do Padre Vieira (e de Menasseh-ben-
Israel) e o que adiante citamos, de Rocha Pita.

1353 De Rocha Pita (1660–732) diremos no volume seguinte. Citamos a História da


América Portuguesa, ed. da casa Jackson, Rio, 1951, por nós prefaciada e anotada.

1354 Tornou-se proverbial o exagero nativista deste autor e a ele se referiu oportunamente
Oliveira Lima, nos estudos em Paris, sobre a civilização brasileira (1921). V. nossa História da
lit. baiana, p. 53.

1355 Hist. da Amér. Port., p. 4.

1356 Ibid., loc. cit., cap. i.

1357 Cartas avulsas, ii, p. 263, ed. da Acad. Bras.

1358 Hist. do Bras., cap. xi.

1359 Cartas, iii, p. 581.

1360 Obras escolhidas, Col. Clássicos Sá da Costa, iii, p. 46 (publ. por Hernâni Cidade).
Importa a contribuição sentimental (e cultural) que tais livros, sobre o Brasil, trouxeram à
de nição da sua autonomia.

1361 Cartas do Senado (Documentos históricos do Arquivo Municipal). Bahia: 1952, ii, p.
106, passim. O que a Coroa não dava, era o privilégio da Universidade de Évora (licenciatura
em loso a e doutorado em teologia) ao colégio da Bahia, como pedira a respectiva câmara em
1674 e reiterara em 1681.

1362 Accioli, Mem. hist., i, p. 223. Correspondia a equiparação ao curso médio (bacharelado
em ciências e letras). Com o da Bahia podiam os estudantes galgar um ano na universidade. A
Câmara de Olinda pediu (8 de agosto de 1680) e obteve este favor (27 de novembro de 81).
1363 Obras, ii, p. 82. Vários sonetos de Franca, com os de Gregório de Matos, guardam-se
em códice na biblioteca de Évora, Brasília, i, pp. 561–4, que ali consultamos em 1945. É a maior
porção de sua obra esparsa, quase perdida.

1364 Docs. hist., xxxi, p. 419. Foi mandada formar uma companhia de estudantes, em julho
de 1672, Docs. hist., xii, p. 234.

1365 Documentos interessantes, iii, p. 47.

1366 Gregório de Matos, Obras, iv, p. 316.

1367 A. Taunay, Obras diversas de Bartolomeu Lourenço de Gusmão. São Paulo: 1934, p. 38.

1368 Accioli, Mem. hist., ii, p. 29.

1369 Docs. hist., iv, p. 437 e x, p. 255. Agitações em 1666: Docs. hist., vii, pp. 276–7, e viii.
Doc. de 1781, os franciscanos da Bahia alegaram que de 1656 a 1719 se observara no convento
a alternativa, de guardiães portugueses e brasileiros, sem reeleição, e se queixaram que depois
de 1719 somente quatro naturais do Brasil tinham subido àquele cargo, ms. no Arq. Hist. Col.,
Lisboa. Esta luta interna, de prioridades, sufocada nos assuntos conventuais, de ne a latente
hostilidade de mazombos e reinóis.

1370 V. Docs. hist., ix, p. 415.

1371 Carta de Afonso Furtado, 11 de junho de 1673, Docs. hist., vi, p. 276. Quem fosse Fr.
Poeira, diz a Crônica do Mosteiro de São Bento de Olinda, por Fr. Miguel Arcanjo da
Anunciação, p. 65, Pernambuco, 1940: o capelão do exército Fr. João da Ressurreição, “vulgo
Poeira, porque freqüentemente animava os soldados dizendo, tendo Deus nos corações, e o
mais vá tudo numa poeira”.

1372 Fr. Miguel Arcanjo da Anunciação, Crônica, cit., p. 71. E Docs. hist., x, p. 227.
Americanos contra europeus...

1373 Pe. Sera m Leite, Hist. da Comp. de Jesus, vii, p. 192.

1374 Livro do Tombo da Misericórdia da Bahia, ms., inéd.

1375 P. Calmon, in Rev. do Inst. Hist. da Bahia, n. 53, p. 433.

1376 V. A. Taunay, Anais do Museu Paulista, v, p. 168.

1377 V. Frei Antônio das Chagas, Cartas espirituais, seleção, pref. e notas de M. Rodrigues
Lapa, p. xiii, Lisboa. Para Vieira, no Maranhão, “o tempo que sobeja, [...] levam-no os livros de
Madre Teresa e outros de semelhante leitura”, Cartas, i, p. 111.

1378 Edgar Prestage, D. Francisco Manuel de Melo. Coimbra: 1914, p. 285; “A maior e mais
notável parte dos Apólogos dialogais foi escrita ou acabada no Brasil”.

1379 Vieira, carta de 1662, Pe. Sera m Leite, Novas cartas, p. 295.
1380 Em 1634 chegara à Bahia o Dr. Francisco Vaz Cabral, físico-mor, a atender os reclamos
da colônia: “Os moradores da dita escreveram muitas cartas pedindo médico”, Docs. hist., xxvii,
p. 387.

1381 Hernâni Cidade, Lições de cultura, i, p. 297.

1382 V. Cartas, i, pp. 549 e ss., e em geral as sobre as missões do Maranhão e do Pará.

1383 V. Pe. Sera m Leite, Hist. da Comp., viii e ix (escritores jesuítas).

1384 Luís de Pina, Histoire de la Médicine Portugaise, Porto, 1934; M. Ferreira de Mira,
História da medicina portuguesa, p. 17; Pereira da Costa, Anais pernambucanos, iii, p. 35.
Possui a Biblioteca Nacional, do Rio, um exemplar do livro de Ferreira da Rosa, Lisboa, 1694.

1385 Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 80. Simão Pinheiro Morão clinicou em Pernambuco, de 1664
a 84, cf. Eduardo Coelho, in Brasília, i, p. 362. O seu Tratado único das bexigas e sarampo,
dedicado a D. João de Sousa, 6 de Lisboa, 1683 (reimpresso na Gazeta Médica de Lisboa, 1859),
Pereira da Costa, Anais pernambucanos, iii, p. 33. Por esse tempo (1638), não havia médico em
São Paulo, Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 11, 1956.

1386 Doc. cit. por Ernesto Ennes, As guerras dos Palmares, pp. 408–9. Veremos a agitação
causada no país (1835–50) pela questão dos sepultamentos fora das igrejas.

1387 Tratado da constituição pestilencial, p. 11.

1388 V. Pe. Sera m Leite, ibid., viii, p. 208; as referências aos vaticínios de Estancel nas cartas
de Vieira; doc. cit. por E. Ennes, ibid., p. 459. Os versos satíricos de Gregório de Matos, que
lembramos, in Obras, iv, p. 69.

1389 V. D. Clemente Maria da Silva Nigra, Construtores e artistas do Mosteiro de São Bento
do Rio de Janeiro. Bahia: 1950, ii, pp. 40–1.

1390 Pe. Sera m Leite, ibid., v, p. 124.

1391 V. comentários citados por Paulo P. Santos, O barroco e o jesuítico na arquitetura do


Brasil. Rio: 1951, pp. 52–3.

1392 Germain Bazin, Histoire de l’Art. Paris: 1953, p. 281; J. B. Bury, in Portugal and Brazil.
Oxford: 1953, p. 158, edited by H. V. Livermore; Pál Kelemen, Baroque and Rococo in Latin
America. Nova York: 1951, p. 240; Reinaldo dos Santos, in As artes plásticas no Brasil. Rio:
Instituição Larragoiti, 1952, p. 154.

1393 Pe. Sera m Leite, Hist. da Comp. de Jesus, ii, p. 597, Lisboa, 1938 — sobre o Irmão
Francisco Dias. Como arquitetura pré-barroca consideramos a dos jesuítas antes da in uência
de Filipe Terzi, no meado do século xvii.

1394 Cit. do Pe. Sera m Leite, ibid., ii, p. 597.

1395 Discípulo de Nicolau de Frias e do cosmógrafo-mor João Batista Lavanha (diz Sousa
Viterbo), cresceu a importância do seu nome depois que se soube ser da sua autoria a planta de
São Bento do Rio de Janeiro, D. Clemente Maria da Silva Nigra, in Revista do serviço do
patrimônio histórico e artístico nacional. Rio: 1945, n. 9, p. 9.

1396 V. Dom Clemente da Silva Nigra, Fr. Bernardo de São Bento, o Arquiteto Seiscentista
do Rio de Janeiro. Bahia: 1950 (publicado em 1956), pp. 20–1; e Germain Bazin, L’Architecture
Religieuse Baroque au Brésil. Paris: 1956, i, cap. iv. O Mosteiro de São Bento é virtualmente
obra desse admirável construtor, natural de Vila Real (1624–93). Quanto ao mestre Serão (sic),
trata-se do autor do Método lusitano de desenhar as forti cações, 1680, Luís Serrão Pimentel (v.
Inocêncio, Dic. Biobl., v, pp. 321–2).

1397 Gregório de Matos, Obras, ed. da Acad. Bras., xv, p. 197 (adaptação de Quevedo).

1398 Vieira, Cartas, iii, p. 631 (15 de julho de 1691). Em São Bento da Bahia tivemos ocasião
de assinalar as pedras numeradas. Pertencem a esse tipo, de igrejas que vieram para armar no
Brasil, as da Companhia (Catedral) e da Conceição da Praia. Nessa cidade e em São Luís do
Maranhão a pavimentação urbana foi feita em parte com pedras portuguesas, que lastreavam os
barcos desde o tempo de Vieira e Gregório de Matos.

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