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História do Brasil: século xvii – Formação brasileira

Pedro Calmon
1ª edição — outubro de 2023 — CEDET
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Editor:
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Capa:
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César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)


Calmon, Pedro (1902–1985).
História do Brasil: século xvi – As origens / Pedro Calmon;
apresentação de Thomas Giulliano
Campinas, sp: Kírion, 2023.
isbn 978-65-87404-86-8
1. História do Brasil 2. Período colonial
i. Título ii. Autor
cdd 981 / 981-03

Índices para catálogo sistemático:


1. História do Brasil – 981
2. Período colonial – 981-03
Sumário
APRESENTAÇÃO: PEDRO CALMON NÃO MERECIA, NÃO MERECE E NÃO MERECERÁ NUNCA O DESPREZO

I: ENTRE O CEARÁ E SÃO PAULO

INCORPORAÇÃO DO NORTE
DIOGO BOTELHO
A COSTA LÉS-OESTE
O CEARÁ
ODISSÉIA DE PERO COELHO
DOIS MISSIONÁRIOS
COCO E BALEIAS
HOLANDESES NA BAHIA
JUSTIÇA NOVA
A RELAÇÃO
GOVERNAÇÃO DO SUL
DECEPÇÃO DE D. FRANCISCO
A ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS
II: MARANHÃO E PARÁ

FRANÇA EQUINOCIAL
NOBRES E FRADES
INTENÇÕES DO REI
SÃO LUÍS
A REAÇÃO
MARTIM SOARES MORENO
GASPAR DE SOUSA
A SEGUNDA MISSÃO
GUAXENDUBA
TRÉGUAS
O BANGALA
CAPITULAÇÃO
AFINAL O PARÁ!
PERNAMBUCO EM VEZ DA BAHIA
SANTO OFÍCIO
PRATA QUE NÃO SE ACHOU
III: A PRIMEIRA GUERRA DE HOLANDA

PRELIMINARES
MATIAS DE ALBUQUERQUE
GOVERNADOR E BISPO
COMPANHIA DAS ÍNDIAS
AUMENTOS DO BRASIL
COMÉRCIO E RENDAS
CRISTÃOS-NOVOS
A EXPEDIÇÃO
TOMADA DA BAHIA
REAÇÃO E ASSÉDIO
RECUPERAÇÃO DA CIDADE
RESTAURAÇÃO
CASTIGOS E FESTAS
DEVASTAÇÃO
IV: A SEGUNDA INVASÃO

O GOVERNO DE DIOGO LUÍS


PIETER HEYN
ÍNDIOS REBELDES
A SEGUNDA INVESTIDA FLAMENGA
O ARRAIAL DE BOM JESUS
DEBILIDADE ESPANHOLA
A CONQUISTA ESTENDE-SE
V: O NORTE EM 1630

PARAÍBA
RIO GRANDE
CEARÁ
MARANHÃO
PAR Á
CONQUISTA DO AMAZONAS
VI: O SUL EM 1630

ILHÉUS E PORTO SEGURO


ESPÍRITO SANTO
RIO DE JANEIRO
DESCIDA DO MORRO
SÃO VICENTE
AS TRÊS VILAS
OS PATOS
SANTOS
O GRANDE DESERTO
VII: EXPANSÃO PAULISTA

JESUÍTAS NO PARAGUAI
O PRIMEIRO CHOQUE
SÃO PAULO... MIRIM
PARNAÍBA E TAUBATÉ
PIRES E CAMARGOS
O COLÉGIO
GUERRA DE CORSO
DESTRUIÇÃO
IMPUNIDADE
EXPULSÃO DOS JESUÍTAS DE SÃO PAULO
SEPARAÇÃO DAS CAPITANIAS DO SUL
REAÇÃO DOS PADRES
INQUIETAÇÃO CONSTANTE
VIII: UM IMPÉRIO EFÊMERO

O ÊXITO DOS HOLANDESES


CALABAR
NA PARAÍBA
O ARRAIAL DE PORTO CALVO
O DESASTRE DE D. LUÍS DE ROJAS
UM ADMINISTRADOR: O CONDE DE NASSAU
A CONSOLIDAÇÃO DO DOMÍNIO
IX: REVESES E FORTUNA

AUMENTOS DA CIDADE-CAPITAL
D. PEDRO DA SILVA
SOCORROS DE ESPANHA
ATAQUE DE NASSAU À BAHIA
X: SOB O SIGNO DA RESTAURAÇÃO

A ARMADA DO CONDE DA TORRE


CATÁSTROFE
O VICE-REI MONTALVÃO
TRÉGUAS
D. JOÃO IV E A BAHIA
XI: POLÍTICA E LIBERDADE...

A ACLAMAÇÃO NO RIO
SÃO PAULO E AMADOR BUENO
DESTITUIÇÃO DO VICE-REI
CONSELHO ULTRAMARINO
O JUIZ DO POVO
REPRESENTAÇÃO...
PRIVILÉGIOS BURGUESES
XII: A ÉPOCA DE NASSAU
DESLEALDADE...
A QUEDA DE ANGOLA
PERDA DO MARANHÃO
ESPLENDOR DA NOVA HOLANDA
PROSPERIDADE
OS ESCABINOS
JOÃO FERNANDES VIEIRA
RECONQUISTA DO MARANHÃO
DECLÍNIO
O PROBLEMA DAS DÍVIDAS
XIII: REINTEGRAÇÃO

IDÉIAS DO PADRE VIEIRA


OS JUDEUS
A SURPRESA PERNAMBUCANA
ANDRÉ VIDAL
O MOVIMENTO
PELO SANTO ANTÔNIO
INTRIGAS E PLANOS
OPORTUNIDADE PERDIDA
CONFRATERNIZAÇÃO
XIV: ESTRONDOS DE GUERRA

A REBELIÃO GENERALIZADA
TEMPO E MAR
A ARMADA DE SEGISMUNDO
PENEDO E ITAPARICA
XV: RECUPERAÇÃO DO NORDESTE

O PREÇO DAS ESQUADRAS


TRANSES DIPLOMÁTICOS
O GENERAL
GUARARAPES
CONSEQÜÊNCIAS
NA EUROPA
RETOMADA DE ANGOLA
XVI: A EXPULSÃO

NOVAS ESPERANÇAS
A SEGUNDA BATALHA
A COMPANHIA DE COMÉRCIO
A PRIMEIRA ESQUADRA
A ALIANÇA INGLESA
OPERAÇÕES FINAIS
A CAPITULAÇÃO
ENTRADA NO RECIFE
FEUDALISMO CONDENADO
XVII: O GOVERNO-GERAL E O SERTÃO

O CONDE DE CASTELO MELHOR


RESTABELECIMENTO DA RELAÇÃO
O CONDE DE ATOUGUIA
PAULISTAS NO NORDESTE
SEGREDO DA GUERRA
MELHORIAS
DOTE E PAZ
“OS QUATRO ARTIGOS”
NOVA SEPARAÇÃO DO SUL
PARAÍBA DO SUL
CAMPOS
MOTINS DO RIO DE JANEIRO
MULATOS E MAMELUCOS
REINCORPORAÇÃO DO SUL
VICE-REI
CONSPIRAÇÃO OBSCURA
ALEXANDRE DE SOUSA FREIRE
AFONSO FURTADO
XVIII: CICLO NORDESTINO

CREDULIDADE
MINAS FABULOSAS
A CASA DA TORRE
DESCOBRIMENTO DO PIAUÍ
MISSÕES DO SÃO FRANCISCO
PENETRAÇÃO
D. RODRIGO DE CASTELO BRANCO
XIX: BANDEIRAS DO PLANALTO

OUTROS TEMPOS
COMÉRCIO DE BUENOS AIRES
RAPOSO TAVARES
VACARIA
AGOSTINHO BARBALHO
NORTE E OESTE
XX: DOIS MITOS PROVIDENCIAIS

A ILUSÃO DO GOVERNADOR
A COSTA DO SUL
PARANAGUÁ
LAGUNA E SANTA CATARINA
CURITIBA
SABARABUÇU
CAPITANIA DO ESPÍRITO SANTO
ESMERALDAS DE FERNÃO DIAS
FIM DE D. RODRIGO
XXI: A COLÔNIA DO SACRAMENTO

CONTRA O TRATADO DE TORDESILHAS


O UTI POSSIDETIS
AS DUAS EMPRESAS
A EXPEDIÇÃO
NOVA COLÔNIA
BUENOS AIRES
A QUEDA
RESTITUIÇÃO
GOVERNOS DO RIO DE JANEIRO
XXII: A BAHIA — CAPITAL

TRIUNVIRATO PATRÍCIO
ROQUE DA COSTA
O REGIMENTO
SÉ ARQUIEPISCOPAL
CONVENTOS
OBRAS URBANAS
HIGIENE E DEFESA
XXIII: PROSPERAM AS CAPITANIAS

SERGIPE
AS ALAGOAS
RECIFE E OLINDA
RESTAURAÇÃO DA VILA ANTIGA
LUTA DE JURISDIÇÕES
BRITO FREIRE
O “XUMBERGA”
PARAÍBA
RIO GRANDE
CEARÁ
XXIV: OS JESUÍTAS NO NORTE

A ÁREA AMAZÔNICA
EM FAVOR DO ÍNDIO
VIEIRA NO MARANHÃO
A VOZ DA CATEQUESE
FLORESCEM AS MISSÕES
O CASO DE MARAJÓ
A RETIRADA DOS PADRES
PARTIDOS DA CORTE
ECONOMIA PRIMITIVA
REBELIÃO DOS MARANHENSES
A FRONTEIRA SETENTRIONAL
ANTÔNIO DE ALBUQUERQUE
O CAMINHO DA BAHIA
XXV: NEGROS E TAPUIAS

BRASIL EM ÁFRICA
NEGROS FUGIDOS
A LUTA INFINDÁVEL
DOMINGOS JORGE VELHO
A GUERRA DO AÇU
PAZES INESPERADAS
A DERROTA DOS QUILOMBOLAS
COMO ACABOU O ZUMBI
XXVI: OS “MALES DO BRASIL”

O “BRAÇO DE PRATA”
O CASO DO ALCAIDE
MARQUÊS DAS MINAS
A EPIDEMIA GRANDE
MATIAS DA CUNHA
CÂMARA COUTINHO
ALTERAÇÕES DA MOEDA
MOEDA PROVINCIAL
ALIMENTOS E JUSTIÇA
VIAGEM E MORTE DO ARCEBISPO
D. JOÃO FRANCO
XXVII: O GRANDE GOVERNO DE D. JOÃO DE LENCASTRO

O PREFERIDO DA TERRA
A CASA DA MOEDA
O SALITRE
VILAS E JUÍZES
XXVIII: MAGISTRADOS E GOVERNOS

PREDOMÍNIO DO BACHAREL
MARCHA PARA O ABSOLUTISMO
VEREADORES
CENTRALIZAÇÃO
ORDEM SERTANEJA
OS IRMÃOS VIEIRA
1700
XXIX: INÍCIO DO CICLO DO OURO

MINAS GERAIS
ARTUR DE SÁ
OS ARRAIAIS
O GUARDA-MOR
XXX: FORÇAS ECONÔMICAS

SUFICIÊNCIA
O INTERESSE DE PORTUGAL
PAU-BRASIL
AÇÚCAR
A ESCRAVATURA
TABACO
CRIAÇÃO DE GADO
ESPECIARIAS
DÍZIMOS DO ESTADO
XXXI: A CULTURA NO SÉCULO XVII

INICIAÇÃO LITERÁRIA
A LÍNGUA
O ENSINO
MAZOMBOS
FREI VICENTE
AS TRÊS CARACTERÍSTICAS
AUTORES
ANTÔNIO VIEIRA
GREGÓRIO DE MATOS
POETAS MENORES
ESTUDANTES
FRADES
ESCOLAS E LIVROS
CIÊNCIA
XXXII: ARTE SEISCENTISTA

ORIGINALIDADE IMPOSSÍVEL
O BARROCO
ARQUITETOS
SÍNTESE DO 2º SÉCULO
NOTAS DE RODAPÉ
APRESENTAÇÃO: PEDRO CALMON NÃO MERECIA,
NÃO MERECE E NÃO MERECERÁ NUNCA O DESPREZO

A sociedade brasileira, como uma paisagem, é um sistema cuja estrutura e


evolução são determinadas por múltiplos fatores. Considerá-los na
indissociável coesão que os une é fundamental se quisermos compreender o
funcionamento da história nacional. Historicamente, não somos órfãos de
pais desconhecidos. A continuidade, que não significa indiferença aos dramas
herdados, é uma consciência própria do homem. Diante do passado, temos a
percepção de nossa individualidade e com a história compreendemos o que os
homens foram, fizeram, conseguiram. Se saíssemos da história, tombaríamos
no nada. Pensá-la é vê-la no reino do possível.

Desde a invenção da escrita, o registro de experiências humanas informa que


recebemos do passado um conjunto de valores, necessidades e crises. Da luz
elétrica aos livros de Graciliano Ramos, sem ignorar a falta de saneamento
básico pleno e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o
passado sempre deixa a sua herança. A História sempre lida com eventos que
aconteceram em um tempo. Não é uma manipulação, mas o descobrimento
de realidades próprias do passado, enquanto a historiografia, constituída
como o campo privilegiado de recolha de materiais humanos, é o estudo das
variações dos comportamentos dos homens do passado. Descortinar o
passado é exprimir um diálogo explicativo, por meio das fontes históricas,
acerca de eventos singulares e não mais existentes. O passado, enquanto
conjunto descontínuo de fatos verdadeiros e mutilados, não é um ser, mas um
cruzamento de itinerários. Sem a história, vemo-nos privados de falar das
origens de que brotamos e que nos sustentam.

A pesquisa historiográfica, diametralmente oposta à ficção, transforma o


passado em fenômeno do conhecimento e não se contenta com o interior das
coisas, mas apreende, no seu exterior, o significado dado pelo homem. Dotada
de um caráter temporalmente transcendente, é um lugar ontológico
privilegiado, onde o homem pode viver e contemplar, através de personagens
variadas, a plenitude da sua condição, transportando-se imaginariamente para
outro tempo. O ato de explicar a substancialidade do passado não é somente o
de unificar ou familiarizar a aparência com o aspecto de um grande princípio,
ou a realização da condição autoconsciente e livre dos homens, mas é uma
apreensão das realidades não dadas que se revela por meio do dado.

Toda pesquisa histórica anda sempre às voltas com a linha difusa entre
resgatar a experiência daqueles que viveram os fatos, interpelar seu sentido e
reconhecer nessa experiência seu caráter inconcluso. A historiografia examina
o ponto do contato da palavra com a realidade concreta do objeto examinado.
É um instrumento privilegiado de decifração do mundo. Encontrar o
verdadeiro sentido das palavras contidas em um texto é tarefa que se impõe a
qualquer historiador que deseja transformar em compreensão histórica o seu
estado inicial de incompreensão semântica. Historiar é uma atividade
intelectual, composta por tudo o que um historiador pode aprender: leituras e
convivências, por idas e vindas entre os documentos, alocação de seus
interesses intelectuais, um esforço de imaginação em fazer reviver o tempo
estudado. Qualquer historiador, para produzir bons significados sobre um
tempo irreversível, precisa de uma atenção constantemente voltada para os
múltiplos objetos que exprimem os vestígios esparsos do passado.

O historiador que conhece os eventos apenas em sua ordem cronológica não


descortina os indivíduos em meio aos fatos, mesmo que correspondentes à
dimensão episódica da narrativa. Esse tipo de erro insere o heterogêneo
psíquico em uma homogênea superestrutura psíquica. Enquanto a história é
feita de acontecimentos, a historiografia é a tentativa de composição de certas
totalidades temporais, extraídas do fluir histórico e firmadas num cálculo
cronológico. Não chega a ser historiador aquele que simplesmente trabalha
com afinco nos arquivos. Para o historiador, a determinação da veracidade de
documentos é uma tarefa preliminar. Deve-se devolver o fato à sua totalidade
em busca de uma compreensão da vida humana. A leitura de um documento é
como conversar com um ser de papel. Pacientemente, o historiador faz
perguntas que possibilitam a reflexão sobre as diferenças entre a realidade, o
perceber e o imaginar da essência analisada. Seu pensamento reflexivo
pertence, antes de tudo, às categorias do pensamento comparativo, no qual,
cada fonte histórica, com seus diferentes tipos, representa um universo aberto
onde o seu intérprete pode descobrir infinitas interconexões. No presente e no
passado, ser historiador sempre exigiu erudição e sensibilidade no tratamento
de fontes. A alma dessa compreensão é forjada na luta que o pensamento
conceptual do historiador estabelece contra o drama da palavra. Ao fazer mais
que acatar o critério da evidência aparentemente imediata, o historiador
percebe que em cada documento de uma mesma temporalidade há diferentes
vozes.

Evitar conclusões apressadas ou rígidas é uma condição essencial para não


transformar a especificidade do fato histórico em um acontecimento
indistinto. As motivações morais implicadas nos fatos analisados podem
ajudar a compreender a história, mas não são os objetos da explicação
histórica. Há diferenças entre a história como fato e o registro escrito dos
fatos. Fundada na diversidade dos homens e tempos históricos, a história não
é um conhecimento de intenções, mas dos fatos livres realmente executados.
O bom historiador não é um mero colecionador, mas um operário da verdade
pretérita. Seus pensamentos e aspirações se dirigem à construção humana
sobre a reflexão, sobre o saber. A história se dirige ao conhecimento da ação
humana. A transformação desse depósito de múltiplas matérias-primas
individuais em uma estrutura lógica é um dos ofícios dos historiadores.
Descobrir realidades próprias do passado, constituídas enquanto resultados
das decisões dos homens concretos, requer esforço. Enquanto homens, somos
hóspedes de um momento da história.

A história integra a existência humana através de uma reunião de passados,


individuais ou coletivos. O fato histórico é a ação humana realizada
singularmente no tempo. Por mais ampla que seja a causa histórica, a sua
recepção é sempre individual. Como escreveu Ortega y Gasset: “Eu sou eu e
minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim”.
Originalmente, o sujeito da história é o indivíduo, que, por sua essência
sociālis, engaja-se em totalidades coletivas detentoras de vínculos que
aproximam os homens na realização de projetos de vida. Do trabalho
corporativo à família, exemplos não faltam para enfatizar que o vínculo social
permeia a história. Inescapavelmente, tupinambá ou esquimó, o homem nasce
no seio de uma sociedade e faz sua vida em seu meio. Do mais remoto núcleo
familiar ao mais abrangente tema global, é sempre inimaginável um fato
histórico que não seja também social. Evidenciar a especificidade humana em
nada invalida a certeza de que o indivíduo é meio e instrumento da história.

A verdade existe, inclusive nesses tempos em que o rigor intelectual passa


longe de ser difundido. Afirmar a sua existência é uma condição para o
desenvolvimento de qualquer pesquisa historiográfica. A questão da verdade
na história é capital. Se não há certeza, não há verdade; nem o mínimo de
coesão social. Fora da verdade, nada pode ser verdadeiro. Abandoná-la leva ao
nada. Se cada um tem a sua verdade, por que não posso afirmar que Machado
de Assis foi um hipopótamo membro da Al-Qaeda? O que perguntei é
incognoscível porque desarticula a consciência natural do mundo fenomênico
e a ordem do conhecimento. Na nossa consciência, ordenamos e elaboramos o
material sensível em relação às formas a priori da intuição e do entendimento.
A nossa convicção da realidade de que Machado de Assis não era um
hipopótamo é o resultado da soma de um raciocínio lógico com a vivência
imediata numa experiência da realidade. O conhecimento consiste em forjar
uma imagem do objeto; e a verdade do conhecimento é a concordância desta
imagem com o objeto. Nem tudo é questão de ponto de vista. Na história, há
divisão entre os objetos reais e ideais; é real tudo o que nos é dado pela
experiência histórica. Para o realista, o verdadeiro existe fora e
independentemente da nossa consciência, enquanto para o idealista o
verdadeiro não existe pura e simplesmente, mas necessita ser concebido.

Na generalidade nada mais representativo do que a cegueira. A


impossibilidade de esgotamento da verdade é tomada como prova de sua
inexistência, e a subordinação dela à vontade para tirar a limpo convenções
entendidas como arbitrárias é confundida coma negação da unidade entre o
pensamento subjetivo e o objetivo. Nessa babel, impregnada de idealismo
lingüístico, além dos problemas hermenêuticos, deve-se levar em conta as
conseqüências dessa predisposição para se multiplicar uma importância
pessoal. Esse idealismo reduz o ser das coisas percebidas e distingue o dado da
percepção e a própria percepção. Suprimida a realidade aparente, sustenta a
tese de que não há coisas reais, independentes da consciência.

Sucessão e dimensão episódica indicam a ordem dos acontecimentos;


totalidade temporal e seqüencias de enunciados indicam a ordem do discurso.
O passado possui os seus predicados técnicos de verificação.
Historiograficamente, algo pode ser verdadeiro sem ser bom e o menor fato
histórico tem um sentido. Exemplos do mal na história não faltam e é pela
pesquisa que um historiador distinguirá, dentro do que for possível, a
concordância de um tempo histórico consigo mesmo. O passado é sempre
dotado de uma realidade própria. Apresentá-lo é um dos enfoques do
historiador, que, inevitavelmente, está no presente e no passado ao mesmo
tempo. Ele abarca com suas pesquisas acontecimentos, descreve ambientes,
estabelece relações de causa e efeito, analisa as personagens. Na condição de
artífice, o historiador se interessa pelos acontecimentos com a pretensão de
descobrir a fisionomia pouco conhecida do passado. Por essência, a história é
o estudo por meio de documentos, mas a narrativa histórica se coloca para
além de todos os documentos, visto que nenhum deles pode ser a totalidade
do acontecimento em si. Para um historiador, a noção de fonte é bastante
flexível: é toda fonte informativa da qual sabe extrair algo para melhorar a
compreensão do passado humano. O passado pode ser banal e mortificante,
mas é sempre um ponto onde o historiador se coloca.

Na historiografia, o passado subsiste na voz narrativa amparada na memória,


que, sujeita à linearidade do signo histórico, conta com a força do imaginário.
Através da memória, o homem constitui a sua voz. A memória, que nem
sempre é épica, pálida ou morta, é feita de acontecimentos, constituídos de
múltiplas histórias que se passaram em diferentes unidades espaço-temporais.
Os acontecimentos, mediante pesquisas ou convenções, recebem do
historiador o seu enredo arquitextual, ou a dimensão textualizada dos
acontecimentos de uma totalidade temporal. Dessa maneira, a relação do
historiador com a memória passa a ser classificativa, combinando a análise
temporal com a integração da lógica narrativa, que se configura em seqüências
que se integram à lógica do passado coletivo. O historiador combina a análise
temporal com a integração da lógica narrativa. Essa síntese pode ser mera
ilusão que objetifica o passado, como também pode ser um bom horizonte de
expectativas que enquadra e rege a leitura histórica.

Todo historiador, quando se pretende sério, tem diante de si um desafio: a


manutenção de uma consciência autônoma, livre de paixões políticas e imune
a todo aliciamento ideológico. A maneira como cada pesquisador responde a
esse desafio norteia sua pesquisa e condiciona seus resultados. A verdade é
sempre profunda, e o historiador deve ser prudente para justificar os vestígios
que escolheu. Todo acontecimento histórico tem potência para explodir numa
multidão de objetos de conhecimentos, que, quanto mais conhecemos, mais se
alargam aos nossos olhos.

Da luta entre o caos da existência, os princípios de ordem e um corpo de


múltiplos fatos nasce a história.

Os valores moralmente subjetivos implicados nos fatos podem nos ajudar a


compreender a história, mas não são o objeto primordial da explicação
histórica. Há em nós a tendência de julgar um evento pelos seus agentes
menos dignos e, como vivemos numa época de intenso fanatismo ideológico,
esse anacronismo, tão comum em historiadores brasileiros, domina a maioria
dos espíritos descritivos. O historiador, quando lida com qualquer assunto,
precisa ajustar o espaço que sua base moral terá no conflito com o tema
analisado. O bom pesquisador, por meio do estudo, coloca suas opiniões em
conflitos. Estudar o passado consiste em mais do que reagir aos personagens e
temas analisados. Independentemente do valor de suas suspeitas iniciais, o
pesquisador precisa compreender o motivo de algo ser uma verdade. O fluxo
de consciência que estabelecemos com as nossas opiniões é tão familiar
quanto o ar que respiramos. Quando se obtém a verdade por meio do
conhecimento, você não apenas a possui, mas compreende o motivo de ser
uma verdade. Porém, quando você tem a verdade apenas por ter uma opinião
certa, você não a compreende, nem compreende seus motivos.

A descrição de processos históricos não se desenvolve por mágica, mas


graças à tentativa metodológica de identificar os códigos e os mecanismos
pelos quais o significado é produzido em várias regiões da vida social do
passado analisado. Historiograficamente, desde que bem fundamentadas, as
visões distintas sobre o passado não se excluem, mas integram-se. A dialética
historiográfica, vinculada às variações do ser humano, ilumina o caminho até
o passado, permitindo que apreendamos os fundamentos dos significados e
orientações. O historiador é aquele que, apesar dos próprios conflitos de sua
realidade, investiga os enigmas das conjunções pré-existentes. Cotejada com o
passado, a vida do historiador é menos que um grão de areia na ampulheta.
Nenhum historiador será capaz de esgotar qualquer realidade analisada. Seu
talento é o de dirigir a própria consciência, à maneira de Proust, para um
lugar privilegiado, e isso só será possível com a apreensão dos conceitos
essenciais para a legitimidade da historiografia, tais como memória, passado,
linguagem, verdade, documento. Compreendê-los, parafraseando o poeta
Manoel de Barros, é enrugar o couro intelectual.

A idéia de uma história nacional é um limite inacessível ou antes uma idéia


transcendental. Não se pode escrever esta história, e as historiografias que se
crêem totais são enganosas. O historiador pode escrever dez páginas sobre um
dia ou exprimir dez anos em duas linhas. Do mesmo modo, não está reduzido
a ser um cronista de eventos tidos como consagrados. Uma das razões que
tornam tão fascinante o estudo da história é a ambigüidade essencial de toda
situação histórica; cada livro de história impõe a lógica de sua escrita. Como
vozes direcionadas, os historiadores e suas múltiplas maneiras de pesquisar,
refletir e viver o país textualizam as mesclas híbridas de suas experiências.

Não precisamos saber tudo sobre determinado acontecimento para que


possamos entendê-lo com certa razoabilidade. Inclusive, muitas vezes, uma
montanha de informações pode provocar o efeito contrário, isto é, poderá
servir de obstáculo ao entendimento. O historiador fica mais próximo da
realidade pesquisada por meio de dois predicados importantes para a
composição historiográfica: a imaginação e a multiplicidade das fontes, que
são restos do homem que emanam do fundo dos tempos, como destroços de
um completo naufrágio, objetos cobertos de signos que podemos tocar,
cheirar e observar na lupa. Dessa verdade que anseia por atingir e que lhe
escapa permanentemente, o historiador recompõe os processos, que, em
conjunto, formam uma história de maior ou menor duração. Descrever uma
totalidade é multiplicar os itinerários que a atravessam. Caracterizar a
maneira de pensar ou sentir de certos grupos sociais, mesmo de determinados
indivíduos, não é tarefa fácil. Ao pretender reconstituir a maneira de pensar
ou de sentir de certas épocas ou de certas coletividades, tomei o Brasil em seu
conjunto, mas sem ignorar alguns traços essenciais de suas variantes
regionais.

A memória é essencial a um grupo porque está atrelada à construção de sua


identidade. Composta de ações definidas como dignas de viver na anamnese
dos homens, ao mesmo tempo que visa estabelecer a construção de arquétipos
por meio de símbolos nacionalmente reconhecidos — por exemplo, a
bandeira e o hino nacional —, muitas vezes não passa de ilusão de
simultaneidade. Profundamente relacionada com os quadros sociais do país,
suas funções se constituem em tentativas de unidades narrativas mínimas.

Predominantemente formado por escolas que produzem um número cada


vez maior de indivíduos atingidos por essa espécie de mal-estar histórico
crônico, o “brasileiro médio”, muitas vezes, considera que há poucos fatos na
vida brasileira que despertem uma dedicação generosa. Dotado de orfandade
histórica instituída pela experiência — mais ou menos recalcada — do
fracasso escolar e refém do marginalismo de nossas elites, que Oliveira Viana
causticou como sendo um dos principais dramas brasileiros, sua relação com
a memória nacional é quase sempre antipática. Basta ligeira inspeção para
encontrar no Brasil de hoje esses sinais. Em geral, receberam um tipo
anacrônico de ensino da história brasileira, no qual o presente se projeta no
passado, como se a nação fosse apenas um pretexto para juízos morais. Não se
trata de entronizar ou de destruir ídolos. Trata-se de um tipo de professor de
história que, ao transformar o passado em um espetáculo para um público em
luto, permanece limitado ao papel do colecionador que arranca os fatos do seu
contexto, sem submetê-los a um verdadeiro inquérito. Acostumado a viver
interpretando o passado de uma forma adestrada e maniqueísta, de certo
modo intoxicado pela própria universidade, expõe perante os seus estudantes
ou às vezes perante um público mais extenso um arremedo de desmistificação
do Brasil. Esse tipo de fanático sem escrúpulo, atuando sobre uma multidão
amorfa, deprimida, analfabeta funcional, carcomida por divisões intestinas,
etc., tem grande probabilidade, com os meios da propaganda e de
espetacularização das informações, de exercer um poder magnético. Nas
palavras de Manuel Antônio de Almeida: “À custa de muitos trabalhos, de
muitas fadigas, e sobretudo de muita paciência, conseguiu o compadre que o
menino freqüentasse a escola durante dois anos e que aprendesse a ler muito
mal e escrever ainda pior”.

Sendo o Brasil uma realidade viva e humana, que sofre influências de toda a
sorte, não é anacrônico tentar compreendê-lo em uma perspectiva histórica
que dialogue com os dias que correm. Conhecer seus muitos eventos que
continuam presentes na agenda atual é uma forma de combinar as abordagens
cronológica e analítica. Se muitos são os eventos, contextos políticos e
culturais que assinalam esses mais de cinco séculos de existência nacional,
alguns traços insistem, teimosamente, em comparecer na agenda local. O
caminho da autoafirmação do pensamento brasileiro já está aberto, carecendo
apenas dos que continuem o trabalho dos desbravadores. É o caminho
palmilhado por Pedro Calmon, historiador de apurada pesquisa, dos maiores
e mais primorosos em língua portuguesa.

Devo a Pedro Calmon um dos estímulos mais decisivos para que a minha
formação cultural se processasse iluminada pelas luzes da história brasileira.
Pedro Calmon Moniz de Bittencourt, um típico baiano de exportação,1 não foi
somente um intelectual erudito, mas homem de ação e de muitas sugestões.
Foi Deputado Estadual e Federal, Reitor e Ministro. Como escritor, lega uma
obra notável, estruturada em três grandes áreas: literatura histórica, história e
direito.2 No primeiro grupo, incluem-se os mais divulgados dos seus livros,
por exemplo, O Rei Cavaleiro e a Vida de Castro Alves. Fazem parte da
segunda categoria os cinco volumes da História Geral do Brasil, os três da
História Social do Brasil e a sua grande obra História do Brasil. Na área do
direito, estão reunidos o Curso de Direito Constitucional e Curso de Teoria
Geral do Estado.

Nascido em 1902, a 23 de dezembro, na cidade baiana de Amargosa, Pedro


Calmon, desde o curso secundário,3 revelara excepcional inteligência, a ponto
de seus professores o convidarem para compor algumas bancas examinadoras.
Poderosa inteligência, assíduo leitor, ainda adolescente se tornou íntimo dos
clássicos, armazenando sólida cultura. Espírito disciplinado, tocado pela fé
católica,4 o segundo filho de Pedro Calmon Freire de Bittencourt e de Maria
Romana Moniz de Aragão Bittencourt, tem na sua progênie expressivos
representantes da nobiliarquia brasileira,5 a exemplo do Visconde Nogueira
da Gama, prestigiado político do final do Segundo Império, pelo ramo
materno. Oriundo do tronco paterno, o representante mais destacado é o
Capitão de Mar e Guerra, João Calmon, combatente na luta contra os
holandeses, para cuja missão viera de Portugal acompanhado da família.
Editado por Monteiro Lobato, estreou como escritor aos 18 anos com a
publicação de “Pedra d’Armas”, uma coleção de contos relacionados com a
história da Bahia.6 Também nesse período, inicia a atividade jornalística em O
Imparcial, graças a Homero Pires. Por influência de seu padrinho, Miguel
Calmon7 — que fora em sua vida um segundo pai — escolheu ingressar na
Faculdade de Direito. Estudou na Faculdade de Direito da Bahia por dois
anos, transferindo-se para o Rio de Janeiro, em 1922, para secretariar a
Comissão Promotora dos Congressos do Centenário da Independência.8
Continuou seus estudos na Universidade do Rio de Janeiro, atual Faculdade
Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diplomando-
se em 1924. Aos 23 anos volta à Bahia,9 para exercer a deputação estadual, nos
governos de Góes Calmon e Vital Soares.

Para não poucos historiadores brasileiros, que se definem como atualizados,


a obra historiográfica de Pedro Calmon está defasada. Embasado na minha
convivência íntima e prolongada com seus textos, discordo. Sobre a
discordância, cabe dizer que a historiografia não precisa ser unânime em
absolutamente nada. Heródoto e Tucídides, por exemplo, ambos gregos e
mestres antigos da história, divergiram no modo de escrevê-la, ou seja, a
divergência está na gênese da narrativa história. Só para contextualizar,
Heródoto, ainda sob o ciclo da epopéia, e que tanto se ocupou do
antagonismo entre o espírito helênico e o oriental, entremeava de mitos e
lendas as suas narrações, ao passo que Tucídides, seu discípulo, sem prejuízo
da prosa ática, preferiu o relato seguro e objetivo, sendo um precursor da
informação documental. Um tendeu mais para a arte, o outro, para a técnica
de reconstituir o passado. No meu entendimento, Pedro Calmon realizou a
proeza de unificá-los nos volumes de sua monumental obra História do Brasil.

Na adolescência já ouvia falar dos livros de Pedro Calmon e de sua


personalidade — um tanto medieval em um tipo renascentista. Talvez por isso
mesmo, sem mais informações, concluí que se tratava apenas de um
medalhão. Independentemente desses juízos iniciais, estudá-lo, sendo eu
então um jovem aspirante a historiador, seria um caminho obrigatório, afinal
ele é o autor de dezenas de livros,10 e o intelectual que melhor concebeu e
modelou a universidade entre nós, a partir do reitorado que exerceu com
fulgor, na Universidade do Brasil, bem como no luminoso exercício da
cátedra durante período longo e fecundo. Por isso, desconhecê-lo seria negar a
condição de universitário e confessar obscurantismo e ignorância
imperdoáveis. Não precisei ler um de seus livros para começar a mudança na
minha percepção, bastou que eu começasse a investigar a sua biografia para
que me surpreendesse, afinal esse homem que classifiquei como um medalhão
era admirado por Carlos Heitor Cony, escritor que já reverenciava nessa
época. Descobri essa admiração de Cony quando li sua crônica em
homenagem ao recém-falecido Pedro Calmon. Nesse texto, carregado de
emoção, o romancista registrou que a morte de Calmon mostra um tempo
que acabou, sendo muito provável que as gerações mais novas ignorem o que
Pedro Calmon representou no panorama cultural de um tempo não tão
distante assim. Segundo Cony, Pedro Calmon foi um tipo de homem que não
há mais. Era agradável e sensível sem ser ingênuo, cordato sem bom-
mocismo, educado porque entendia ser obrigação das pessoas civilizadas
tratar bem ao seu semelhante. Tinha a intuição das limitações humanas e
sabia a maneira de estimular as boas qualidades das pessoas, fazendo-as
sentirem-se mais importantes do que são. Era, além disso, um pacificador por
temperamento e formação. Sobre esse seu temperamento conciliador, nesses
meus estudos inspecionais, descobri algumas passagens interessantes, sendo
uma delas a vez que defendeu seus alunos11 universitários na época da
repressão estado-novista. Esse homem conciliador e hábil, que não poucos
alunos disseram que sabia compreender o idealismo dos moços arrastados
pelo espírito não-conformista, soube vencer com habilidade o conflito entre
estudantes e a polícia, quando, certa feita, na solenidade de uma formatura, o
orador oficial excedeu-se, segundo os critérios ditatoriais, nas críticas à
ditadura de Vargas. Como a polícia era mencionada nesse discurso e no
evento havia policiais presentes, o clima ficou tenso e reforços policiais foram
chamados. Calmon, um defensor do sagrado direito de pensar livremente,
conseguiu controlar bem a situação interna, mas vendo que a polícia cercava a
Faculdade de Direito se dirigiu ao encontro do comandante militar. Dizendo
que a situação interna já estava controlada, enfatizou que caso algum policial
quisesse entrar na Faculdade, que antes fizessem o vestibular. O resultado
dessa sua ação? Os policiais não entraram na Faculdade e nenhum estudante12
foi preso ou perseguido nesse dia.
Como historiador lhe ficamos devendo, nós e as gerações do futuro,
preciosas e legítimas contribuições para o conhecimento da nossa história. Em
1931, foi eleito sócio efetivo do Instituto Histórico e, em 1932, criou no Museu
Histórico Nacional, a cátedra de História da Civilização Brasileira, para a qual
escreveu o livro com o mesmo título. Esse seu estudo é pioneiro nessa
temática dentro de nossa historiografia. Como se desenvolvesse um esquema
didático, onde o leitor, na clareza do seu estilo e através da comprovação
documental, encontra respostas, conseguidas depois de exaustivas e pacientes
pesquisas, de raciocínios inteligentes, de lúcidas interpretações. Ao invadir o
espaço da intimidade de personagens relevantes, chegando ao nível de quase
escutar o som de suas vozes, Calmon não foi indiferente à dor ou à alegria do
brasileiro comum. Biógrafo de soberanos, os seus perfilados ressurgem para a
vida na inteireza do porte, na justiça das observações, nos traços
característicos, nas minúcias necessárias, tudo relacionado com a época, as
circunstâncias e os ambientes em que viveram e atuaram, ressaltadas e
interpretadas a participação e contribuição de cada um. Ministro da
Educação, serviu à política brasileira com a visão superior do estadista, atento
aos interesses nacionais, preocupado com o destino da mocidade brasileira.
Jurista, professor catedrático de Direito Público e Teoria Geral do Estado,
diretor, por um decênio, da Faculdade Nacional de Direito, reitor, durante 18
anos consecutivos, da primeira universidade brasileira, a Universidade do
Brasil.

Antes de completar 34 anos, em 1936, passou a ocupar a cadeira de nº 16 na


Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é outro notável baiano, Gregório
de Matos Guerra, sobre cuja vida Calmon escreveria anos mais tarde. Chegou
a ser Presidente da Academia Brasileira de Letras e, nesse posto, chefiou a
delegação do Brasil encarregada de assinar, em Lisboa, o acordo ortográfico
binacional da língua portuguesa. Foi membro e presidente do conselho federal
de cultura, além de também ter sido presidente, nesse caso por 17 anos, do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A sua obra foi de tal porte que lhe
não tardou o reconhecimento internacional merecido.13 Tornou-se professor
honoris causa das Universidades de Coimbra, Nova York, Buenos Aires,
México, Quito e Santiago do Chile, membro da Real Academia Espanhola, da
Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Portuguesa da História.

Tendo sido sensivelmente prejudicado pela Revolução de 1930, que o


afastara da arena política e, ao mesmo tempo, o impedira de fazer concurso
para a Faculdade de Direito, aos 32 anos ingressou na Faculdade de Direito do
Brasil, tornando-se livre-docente de Direito Constitucional. Quatro anos
vencidos, no verdor dos anos, converteu-se Calmon em professor da mesma
disciplina por memorável concurso. Depois, volta ao terreno político, ao
disputar uma cadeira de Deputado Federal, em 1935. Venceu, mas seu
mandato de deputado federal durou efetivamente muito pouco tempo,
porquanto, a 10 de novembro de 1937, o Estado Novo cerrou as portas do
Legislativo Brasileiro. Apesar de político, chegou a concorrer até para o cargo
de governador do Estado da Bahia em 1954, foi um homem que viveu
segundo o juízo de Ortega y Gasset: “A missão do chamado intelectual é, de
certo modo, oposta à do político. A obra do intelectual aspira freqüentemente,
em vão, a aclarar um pouco as coisas, enquanto a do político sói, pelo
contrário, consistir em confundi-las mais que estavam”.

Poucos brasileiros acumularam tantas glórias no decorrer de suas vidas.


Pode-se discordar das idéias de Calmon, nos vários terrenos em que foram
lavradas. Seus princípios conservadores e sua visão dos acontecimentos
podem gerar controvérsias, mas não considero possível não admirar seu
empenho e pertinácia em achar os documentos cartas, jornais, peças jurídicas,
livros antigos, depoimentos orais. Calmon não foi um copista de historiadores
precedentes, não seguiu trilhas; refez por conta própria os caminhos por
outros percorridos, dissentindo, confirmando, inovando. É um historiador só
comparável, nessa paixão, aos grandes de nossas letras. Combinando pesquisa
com acerto, no rumo da lição de civismo, que entendia complementar do
conhecimento. Esse civismo o levou, em 1928, a estabelecer em lei a defesa do
patrimônio tradicional na Bahia. Acho realmente impossível falar de nossa
história sem procurá-lo, sem reverenciá-lo. Concordemos ou não com o
universo de suas conclusões, não podemos estudar a historiografia brasileira
sem passar por seus livros e ensinamentos. O moralismo calmoniano, de
fundo monárquico14 embora nada sebastianista e de forma barroca, nunca o
impediu de reconhecer certos condicionamentos abranges de nosso passado
histórico.

Pedro Calmon convenceu-me de que algo superior e belo existe do lado de


cá, nascido e cultivado pelo Portugal de antanho. O homem, que foi casado
com a Sra. Herminia Caillet Calmon e que teve dois filhos, Maurício Caillet
Calmon e Pedro Calmon Filho, faleceu em 17 de junho de 1985, no Rio de
Janeiro, num triste fim de tarde.15 Mesmo no hospital, convalescendo de três
cirurgias no intestino sofridas em março desse mesmo ano, aproveitava o
tempo para preparar mais três livros: um catálogo genealógico das famílias
tradicionais brasileiras, uma edição revisada e comentada das memórias de
seu bisavô, o Visconde Nogueira da Gama, e suas próprias memórias, que ele
dizia estar escrevendo muito rapidamente.

Em nossos dias, estamos, de fato, diante de uma verdade indesejada: a de


tolerar a omissão de pronunciamentos necessários sobre a historiografia
produzida por essa ilustre personalidade que foi Pedro Calmon. Em contraste
com esse incompreensível silêncio, e atendendo ao clamor de não poucos,
vem ao grande público esta nova edição, em cinco volumes, de História do
Brasil, a obra mais importante de Pedro Calmon. Neste Brasil formado por
milhões de brasileiros que desconhecem a vida e o nome de Pedro Calmon, e
que transforma tenebrosas figuras em personalidades enaltecidas, badaladas,
comentadas, inclusive em meio a ridículas dissertações, é grandioso saber que
há um público interessado em conhecer Pedro Calmon, esse homem de
cultura enciclopédica.

Thomas Giulliano16
Nomenclatura 17
Rios

Nome antigo Nome atual

CuchiguaráPurus
CaiariMadeira
ParanaíbaXingu
ParaupabaTocantins
Vicente PinzónOiapoque
JenipapoParu
GrandeJequitinhonha
IguaíJacuí
PiraíApa

Cidade

Nome antigo Nome atual

N. S.a de BelémBelém
S. Luís do MaranhãoS. Luís
S. Maria Madalena da Alagoa do Sul Marechal Deodoro

Penedo do Rio S. FranciscoPenedo


GuarapariGuarapari
S. João da BarraS. João da Barra
S. Salvador dos Campos dos GoitacasesCampos
Angra dos Reis da Ilha GrandeAngra dos Reis
Exaltação da S. Cruz de UbatubaUbatuba
N. S.a da Ponte de SorocabaSorocaba
S. Francisco das Chagas de Taubaté Taubaté
N. S.a do Desterro do Campo Alegre de
Jundiaí
Jundiaí
S. Antônio de GuaratinguetáGuaratinguetá
N. S.a da Candelária de Itu GuaçuItu
N. S.a das Neves de IguapeIguape
N. S.a da Luz dos Pinhais de CuritibaCuritiba
N. S.a do Rosário de ParanaguáParanaguá
S. Francisco do Sul São Francisco do Sul
Branca, negra, gentia, moça e velha
Toda se espanta, e toda se aparelha.
— Brás Garcia de Mascarenhas 18

In dedicatória da
História da Província Santa Cruz,
de Pero de Magalhães Gandavo (1576).
I: ENTRE O CEARÁ E SÃO PAULO

INCORPORAÇÃO DO NORTE

Sucessor de D. Francisco de Sousa, o “das mantas”, absorvido em São Paulo pela pesquisa
do ouro — o Governador-geral Diogo Botelho fez diferente política. Não se deixou
fascinar pelas minas lendárias. Mais premente problema lhe pareceu a conquista da costa
leste-oeste a partir do Rio Grande, em cujos areais, vigiados pela Fortaleza dos Reis
Magos, parara a expansão portuguesa. Tinha também de defender o litoral freqüentado
pelos contrabandistas ingleses e franceses, aliados furtivos dos tapuias, um pouco por toda
parte. O Sul ficara bem seguro e governado. Faltava à colonização o resto do Norte, até a
bacia amazônica, aquém do meridiano de Tordesilhas (como em Lisboa se afirmava) e
antes que o estrangeiro lá se fixasse. Cumpria incorporá-lo sem demora à Coroa de
Portugal.

DIOGO BOTELHO

Singular é a presença de Diogo Botelho no Brasil: porque, partidário do Prior do Crato,


correra com ele, fiel, os perigos de sua guerra infeliz.19

Mas, extinto no exílio o pretendente, aceitara, com igual correção, o serviço de Filipe ii.

Diz Frei Vicente do Salvador que, mal chegou à Bahia, mandou tirar o pelourinho da
frente do palácio, “lembrando-se que estivera já ao pé de outro para ser degolado por
seguir as partes do senhor D. Antônio, culpa que Sua Majestade lhe perdoou, por casar
com uma irmã de Pedro Álvares Pereira, que era secretário na corte”.20

O indulto aproveitara a um homem de visão larga.

À maneira de D. Francisco de Sousa, trouxe vários sujeitos que muito o auxiliariam. O


principal foi Diogo de Campos Moreno, antigo soldado em Flandres, terceiro sargento-
mor que teve o Brasil, destinado a ilustrar-se na retomada do Maranhão. Um sobrinho e
um genro honram-lhe a memória: Martim Soares Moreno, patriarca da civilização no
Ceará, e Pedro Teixeira, conquistador do Amazonas. Pedro Orecha, biscainho, “veio com
o Governador Diogo Botelho do reino no ano de 1602, trazendo duas naus a seu cargo de
biscainhos”:21 ensinou aos portugueses a pescaria da baleia.

De Pernambuco, mandou o governador criar na Paraíba “três doutrinas de petiguares”,


por franciscanos, a exemplo do que faziam com os tobajaras. E ordenou que Pero Coelho
de Sousa, cunhado de Frutuoso Barbosa, fosse ver a costa até o Maranhão e o Rio das
Amazonas22 — missão da maior transcendência, porque representa o primeiro e formal
reconhecimento do Ceará.

A COSTA LÉS-OESTE

No mapa de 1579, de Jacques de Vauteclaye, há a observação, de que à costa de lés-oeste


se ia por mar; mas se voltava por terra.
A navegação desta costa do Rio Grande para o Maranhão (elucidou o Governador D. Diogo de Meneses, em 1612)
tem grande facilidade em todo o tempo a todas as embarcações, mas a tornada é impossível a navios grandes
redondos, e dificultosa aos latinos grandes, e fácil a embarcações pequenas de remos, pelo que, havendo-se de meter
cabedal, estas são as que servem.23

“Em procurar por terra o que por mar não alcançavam” (escreveu o Padre Vieira, em
1658), habituar-se-iam os missionários a mandar os correios através dos rios, “levando a
mãos, por entre o rolo do mar e a ressaca das ondas, sempre por costa bravíssima”,
pequenas canoas.

O CEARÁ

Com a recomendação de seguir por terra, formou Pero Coelho a sua expedição com
duzentos índios (tobajaras e petiguares)24 e os “línguas” Manuel Miranda, Pero Congatan,
Simão Nunes Correia, João Cid, João Vaz Tataperica, o francês Tuim Mirim, Martim
Soares Moreno, sobrinho do Sargento-mor Diogo de Campos Moreno, a quem este, “de
mui pequeno, havia mandado com Pero Coelho de Sousa para que, servindo naquela
entrada, aprendesse a língua dos índios e seus costumes”.

Tudo correu bem até a raiz da Serra de Ibiapaba e a foz do Camocim. Apareceram aí,
ferozes, os tapuias.25

Travou-se combate em 19 de janeiro de 1604. Tuim Mirim (talvez o “profeta”, que iludia
os índios, mencionado pelo Padre Claude d’Abbeville),26 conseguiu confabular com
alguns franceses, que lhe falaram de “uns mulatos e mamalucos crioulos da Bahia maiores
diabos que o principal com quem andavam”, a exigirem lhes entregassem Miranda e
Congatan, seus inimigos. Renovaram-se as hostilidades, com a derrota e fuga dos tapuias
e seus aliados. Dez prisioneiros franceses foram por Pero Coelho mandados para
Pernambuco. Não conseguiu porém ir adiante do Parnaíba (Punaré), limite da sua
avançada. Fora áspera a marcha, os soldados queriam parar, ameaçavam rebelar-se,
queixavam-se de fomes e fadigas. Cedeu. Se é lícito acreditar na história ouvida por
Claude d’Abbeville, morto Tuim Mirim, essa retirada deu aos índios de Ibiapaba a
impressão de que iam vencidos.27 Mas não era assim. Deixou à margem direita do Ceará
Simão Nunes com 45 homens, num arraial fortificado, e retrocedeu com os restantes para
a Paraíba, mas disposto a voltar com a família e nova tropa, a fim de instalar-se naqueles
montes — donde vigiaria o caminho do Maranhão e os tapuias “do corso”. O seu erro foi
medir mal as forças.

ODISSÉIA DE PERO COELHO

Realmente num caravelão se transportou para o fortim onde se fixara Simão Nunes.
Esperava encontrar um quartel bem provido e achou um grupo de esfarrapados soldados.
Queriam mudar-se para o Vale do Jaguaribe. Atendeu-os; e os transferiu para um sítio
ameno, onde pudessem ter as suas roças... Foi breve a esperança, pois a maioria desertou,
preferindo internar-se na selva a continuar a vida miserável no acampamento. Com uns
poucos estropiados e doentes, a mulher e cinco filhos, não podia o capitão construir nova
aldeia. Decidiu-se a vencer a pé a distância enorme entre aquele rio (que atravessou numa
jangada de raízes de mangue, à moda indiana)28 e o Forte dos Reis Magos. Tem o sabor de
uma página quinhentista, dos sofrimentos padecidos na África por náufragos heróicos —
a odisséia contada por Frei Vicente do Salvador.29 Pelas areias abrasadas de sol, mortos de
sede, encarnando ele a firmeza dos que jamais capitulam, em prantos D. Tomásia,
condenados todos à morte ignorada, entre as dunas altas e o mar, numa jornada sem fim
— aquilo se lhe afiguraria o Saará, sem sombra de palmeira nem pegadas de caravana,
deserto...

A natureza dava o nome à terra.

Uma espécie de Saará (como pronunciavam os portugueses), Siará ou Ceará...30

Atingiram a fortaleza. Salvaram-se; e à colonização iniciada.

DOIS MISSIONÁRIOS

Tanto que chegou à Bahia, pediu Diogo de Meneses ao Provincial Fernão Cardim que
enviasse a Ibiapaba dois padres. Foram Francisco Pinto, bom lingüista, que missionara em
Sergipe e Pernambuco,31 e — moço de 28 anos — Luís Figueira, autor da segunda
gramática da língua brasílica.32

Partiram de Pernambuco em janeiro de 1607. Desembarcaram na boca do Jaguaribe e,


pela costa, procuraram a serra. De escolta, levavam índios mansos. Tudo lhes correu à
medida dos desejos. No sopé da serra, entretanto, os esperavam os indomáveis tocarijus.
Em 11 de janeiro (1608) deram nos tupis, companheiros dos padres, e, com a mesma
fúria, se voltaram contra estes. O excelente Padre Pinto quis persuadi-los. Atalharam-lhe
o gesto pacífico a golpes de tacape. Fugiu o Padre Figueira (advertido por um
catecúmeno) e tornou depois, cautelosamente, para dar sepultura ao mártir, cujos
despojos foram mais tarde transladados para a igreja que em sua honra construíram
portugueses e caboclos.33
O Padre Figueira socorreu-se dos índios de Jaguaribe e dos petiguares, que lhe eram
favoráveis. Junto ao rio do Ceará levantou um cruzeiro, e ajudou-os a fazer uma aldeia, a
que chamou de São Lourenço. E pouco seguro da obediência deles valeu-se do barco que
lhe mandou Jerônimo de Albuquerque — com o Padre Gaspar de São Peres, o “grande
arquiteto e engenheiro”34 — para tornar a Pernambuco.35 Não teria destino diferente do
companheiro que lá ficara, espostejado pelos tapuias: o seu martírio, às mãos dos aruãs do
Pará, assinalou, em 1643, uma fase nova da colonização do Norte.

O duplo fracasso — de Pero Coelho e da catequese de Ibiapaba — era de ordem a


desviar daquele arenoso litoral a atenção do governo.

Recairia no primitivo abandono se o estrangeiro não se incumbisse de revelá-lo a


Portugal.

Foi a ocupação do Maranhão que para lá conduziu — desta vez definitivamente — o


povoamento esquivo e difícil. Porque o ciclo dos corsários, inaugurado pelos pilotos de
Jean Ango, não terminara. A Paraíba e Sergipe tinham sido tomadas aos aborígines graças
a esse “perigo francês”. O Rio de Janeiro e Cabo Frio colonizavam-se por força da mesma
necessidade — de combate ao intruso. Dir-se-ia que era o guia da expansão portuguesa
nestas plagas desertas. Restava o Maranhão. Se os franceses não se insinuassem pelos
recortes do litoral a aliciarem os tapuias,36 como costumavam na Paraíba e no Rio Grande,
também da Bahia e Pernambuco não se apressariam a conquistar a costa brava, que bem
podia chamar-se... Saará. Mas, invadida a terra, cessaram as hesitações. Só houve um
pensamento: retomá-la.

COCO E BALEIAS

Concluída a sua tarefa em Pernambuco, recolhera-se Diogo Botelho à Bahia, que parecia
renovada com a riqueza que trouxera o biscainho arpoador de baleias: a abundância do
azeite.

Revela uma certidão de 1614 que, do Regimento dado a Diogo Botelho, constavam duas
recomendações: empregar marinheiros biscainhos na pesca da baleia e fazer plantar, “por
toda costa”, palmeiras de coco, que também produziriam azeite. Cumpriu a ordem.
Datam do seu governo os coqueiros da Bahia, cuja cultura fracassara ao tempo de Gabriel
Soares (que lamentara a sua extinção);37 e a aventura de Pedro de Orecha. Com os seus
companheiros
começou a pescar, e ensinados os portugueses se tornou com elas (duas naus) carregadas, sem da pescaria pagar
direito algum: mas já hoje (1627) se paga e se arrenda, cada ano por parte de Sua Majestade a uma só pessoa, por
600$000 pouco mais ou menos, para lustro de ministros.38

No dizer de Pyrard de Laval (1610), “a mais rica pesca de baleias que há no mundo”.

Não valia apenas o lucro; importava a melhoria dos costumes. O azeite barato iluminava
a noite colonial. Sobretudo “os engenhos que trabalham toda a noite e, se houveram de
iluminar-se com azeite doce, o que se gasta e os negros lhe são muito afeiçoados, não
bastara todo o azeite do mundo”.39 Já não se comprava o de oliva, “tão caro e tão pouco”,
para o candeeiro do lar, para a lanterna da oficina, para aclarar o caminho na treva das
ruas perigosas: a fartura das baleias permitiu que a convivência noturna se prolongasse,
que o trabalho das moendas não se interrompesse, que as lâmpadas escoltassem, nas
saídas tardias, a gente vilareja. Foi um alívio e um socorro. Alimentou a candeia popular
durante dois séculos.

HOLANDESES NA BAHIA

Falava-se, porém, de corsários holandeses.

É provável que o governador acorresse à Bahia para atender ao aviso del-rei (carta de 12
de dezembro de 1603), de que se aprestava em Holanda uma armada para investi-la.

Realmente, em 20 de julho (1604) apareceram sete naus e um patacho, do comando de


Paulo van Caarden, com disposição de tomar a cidade após um bombardeio intermitente,
de quarenta dias. Baldou-lhe o intento a constância de Diogo Botelho, “em pé, à borda do
mar”, tendo “com ímpeto e cólera” resistido aos conselhos dos moradores, por que subisse
para a parte alta onde se defenderia melhor. Guarneceu a praia com a gente de que pôde
valer-se, e assim obstou ao desembarque do inimigo, que se limitou a saltear um ou outro
engenho do recôncavo. Van Caarden quis impor-lhe uma composição, pela qual lhe
entregasse um resgate. Respondeu enfático, que a praça “era uma das mais ricas do
mundo”, e viesse conquistá-la, se possível... O almirante desistiu então da empresa. Fez-se
ao largo, intimidado. Dir-se-ia satisfeito com reconhecer a importância e as forças da
Bahia, informações que seriam preciosas para uma invasão em larga escala — que
sobreveio vinte anos depois.40

JUSTIÇA NOVA

A longa residência em Pernambuco habilitou o governador a requerer justiça mais direta,


cobrança de impostos mais rigorosa, melhor auxílio ao comércio, e aos moradores que
sofriam os vexames de muitas extorsões, à falta de quem lhos atalhasse.

Destas observações resultaram duas medidas notáveis: a criação de um tribunal de


segunda instância (ou Relação) com sede na Bahia; e o comissionamento de Sebastião de
Carvalho,41 desembargador no Porto, para proceder em Pernambuco à sindicância sobre
os descaminhos fiscais. Por este tempo se instalou em Lisboa — a fim de prover às
necessidades coloniais — um Conselho da Índia (25 de junho de 1604), com presidente,
dois secretários, quatro conselheiros (dois militares e dois togados). É verdade que não
funcionou muito tempo. Desapareceu em 1614, para ser restabelecido em 1642, com o
nome de Conselho Ultramarino.
A Relação, criada para a Bahia, foi regulamentada em 7 de março de 1609. Governava
então D. Diogo de Meneses, empossado em 22 de agosto de 1608.42

Demorou aliás em Pernambuco um ano, como o antecessor. Justificou a demora com o


pedido que lhe tinham feito a Câmara de Olinda e Sebastião de Carvalho, para acomodar
primeiro as cousas dessa terra. E acomodou-as. Em carta de 4 de dezembro de 1608
afirmou — para o reino — ter evitado a morte do desembargador sindicante, “que outros
estiveram por lhe atirar à espingarda”.43 Declararam os moradores, em juntas que fizeram,
não ser serviço del-rei a sindicância... Nem produziria efeitos em colônia de tão escassa
magistratura, para tomar contas aos culpados. Certo é que deixou o governador atrás de si
a quietação necessária e chegou a Bahia (com Sebastião de Carvalho) em 18 de
dezembro.44

A RELAÇÃO

Encontrou na cidade os desembargadores, chegados a 5 de junho de 1609: um grupo de


letrados — a Relação — que traziam o prestígio de suas togas, o testemunho da
importância nova e grande do Brasil, que já podia alimentar um foro de juízes formados,
assim em parte emancipado dos tribunais do reino (“com alçada em bens móveis até 3 mil
cruzados; porque passando da dita conta dão apelação para a Relação da cidade de
Lisboa”).45 O chanceler era Gaspar da Costa Amaral (a quem, em 1611, sucedeu Rui
Mendes de Abreu), colegial de São Paulo na Universidade de Coimbra;46 dois os
desembargadores dos agravos, Antão Mesquita de Oliveira e Francisco da Fonseca;
extravagantes três, Antônio de Póvoas, Pedro de Cascais e Manuel Pinto da Rocha (antes
corregedor em Viana e indicado para ouvidor-geral);47 e Manuel Jácome Bravo, Afonso
Garcia Tinoco e Sebastião Pinto Lobo — que fora juiz de órfãos no Porto.

O lugar de escrivão dos agravos coube a Cristóvão Vieira Ravasco, antigo soldado e
marinheiro, que quatro anos servira na Bahia “de alferes de uma companhia, fazendo
algumas vezes o ofício de capitão”: instalou-se aí em 1614 com a família. A esta
circunstância deve-se ter vindo para o Brasil o menino Antônio Vieira seu filho (nascido
em 1608), destinado a ser a mais influente figura intelectual da colônia no século de que
tratamos.48

GOVERNAÇÃO DO SUL

D. Francisco de Sousa não desistira de suas esperanças mineiras. Bem fez por elas, em
Madri. Obteve — logo depois da nomeação de D. Diogo de Meneses — lhe fosse dada a
governação do Sul, separada do Norte, e abrangendo Espírito Santo, Rio de Janeiro e São
Vicente, de modo que, sem dependência de autoridade estranha, pudesse desenvolver a
pesquisa do ouro em São Paulo.49
A 2 de janeiro e 28 de março de 1608 concedeu-lhe el-rei privilégios análogos aos de
Gabriel Soares, e a isenção, quanto às minas, do outro governo do Brasil — a ponto de
considerar-se potentado sem igual na América Portuguesa se, de fato, achasse o que
procurava.

Não achou: e foi a sua perdição... Demorou-se um ano a preparar a viagem.

Encontrou em Pernambuco D. Diogo de Meneses, que se queixou daquela separação de


capitanias. — “Creia-me V. M. — escrevia em 9 de abril de 1609 — que as verdadeiras
minas do Brasil são açúcar e pau-brasil, de que V. M. tem tanto proveito, sem lhe custar
da sua fazenda um só vintém”.

Trouxe D. Francisco um ouvidor para as partes do Sul, o licenciado Sebastião Paruí de


Brito,50 seus filhos D. Antônio (que já fora capitão da costa) e D. Luís de Sousa,51 que
interrompera estudos em Coimbra, o prior e o provincial do Carmo, que ficaram em
Pernambuco, onde se lhes juntou Bento Maciel Parente, depois famoso na conquista do
extremo Norte...52

DECEPÇÃO DE D. FRANCISCO

A descrença de D. Diogo de Meneses, quanto às riquezas minerais, não devia ser


sistemática. Pouco antes mandara prender o ouvidor e capitão de São Paulo, Gaspar
Conquero, com a recomendação de saber “se tem algum ouro escondido, que não esteja
quintado”, do que se depreende que os rumores de minas continuavam, e a casa de
quintar ouro não deixara de funcionar na vila do planalto, ou em São Vicente.53 Em 7 de
junho aí se achava, nomeando Pedro Taques juiz de órfãos de São Paulo — “Dom
Francisco de Sousa, do conselho de sua majestade e governador-geral (sic) das três
capitanias desta repartição da costa do Brasil, etc.”.

Mas chegara em hora má. Não conseguiu o que pretendia. Falharam-lhe as pesquisas, se
é que as empreendeu. Venceu-o a moléstia. Agravou-lha a decepção: teve morte de
indigente, esse êmulo de Pizarro. O que de mais importante se sabe do seu governo é a
comissão dada ao filho, D. Antônio, para levar a el-rei amostras de metais (uma cruz e
uma espada do ouro das minas, segundo Frei Vicente do Salvador): viagem infeliz, porque
no mar o tomaram corsários, desaparecendo os penhores que transportava. Faleceu D.
Francisco em 11 de junho de 1611. Tão pobre — declarou um padre da Companhia, que o
assistiu — “que nem uma vela tinha para lhe meterem na mão, se a não mandara levar de
seu convento”.54 No dia seguinte D. Luís de Sousa, munido de codicilo, em que era
nomeado sucessor do pai, assumiu o governo.55 Por pouco tempo, aliás; porque o alvará
de 9 de abril do ano seguinte revogou o da separação das três capitanias, vindo, em
substituição de D. Diogo de Meneses, Gaspar de Sousa — em cujas mãos se unificou de
novo a administração colonial.
A ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS

Naturalmente caberia ao capitão-general do Rio de Janeiro o governo das minas de São


Paulo: foi encargo dado ao velho Salvador Correia de Sá (alv. de 4 de novembro de 1613,
com 600$000 por ano), que o delegou ao filho, Martim de Sá (prov. do Rio de Janeiro, 20
de julho de 1615) — investido nele até 1621.56

O lugar de administrador das minas do Sul tornou-se com isto apanágio dos
governadores do Rio de Janeiro e, particularmente, daquela família, que ia dar a Portugal
e domínios um grande general, filho de Martim, Salvador Correia de Sá e Benavides.

De resto, jazidas, quintos, potosis, mergulhavam agora na dúvida obscura dos sertanistas
desiludidos.

Nada comprova mais o desengano do que a liberdade concedida pela Coroa à


exploração das minas.

É o ar de queixa da carta régia de 7 de novembro de 1617:


Tendo consideração a que em decurso de anos e por meio de diligências que D. Francisco de Sousa, que Deus perdoe,
e Salvador Correia de Sá fizeram por ordem minha sobre as minas de ouro desse estado, com regimentos e ordens mui
particulares, se não pôde averiguar a verdade e certeza delas nem tirar-se disso utilidade alguma, houve por bem de
resolver que as minas se largassem a meus vassalos, para as beneficiarem na forma da Ordenação, pagando os quintos
à minha fazenda como se faz nas Índias Ocidentais.57

O regimento passado em Lisboa a 8 de agosto de 1618 deu as condições desse livre


trabalho das minas que se descobrissem, com os competentes registos e garantia de posse.
É o primeiro código mineiro para o Brasil.58 Não excluía os favores oferecidos a quem,
como Belchior Dias Moréia (e logo lhe contaremos a história), prometesse achar
montanhas de prata...

O breve governo de D. Luís de Sousa59 ficou assinalado por outra série de fatos: o
choque de paulistas e jesuítas espanhóis, que começavam a reduzir índios ao longo do
Paranapanema. Quando os sertanistas se atiram a depredar as reduções. Início de luta
indefinível e contínua, cujas despesas pagou a Companhia de Jesus.

Alegou Martim de Sá que o capitão de São Vicente estorvava a sua administração


(“apontando quão mal se lhe cumpriam”) e Salvador Correia, a dizer “que as minas têm
ouro e são muitas, e cada dia se descobrem mais”, lançava a culpa do insucesso aos
ministros del-rei, que não lhes tinham dado a superintendência. No reino esteve o
primeiro, em 1616, a pleitear o governo de São Vicente, em que o proveu o alvará de 2 de
fevereiro de 1618,60 e serviu três anos — sem adiantar os descobrimentos nem confirmar o
otimismo paterno. Foi mais útil na defesa da terra contra os estrangeiros, que a
ameaçavam ao longo do deserto e extenso litoral, entre Cananéia e o Cabo Frio.
II: MARANHÃO E PARÁ

FRANÇA EQUINOCIAL

Não há dúvida que os franceses conheciam o desabrigado litoral do Norte... “depuis la


rivière des Amazones jusques à l’île de la Trinité” (como reza a licença dada, em 1605, por
Henrique iv, a Daniel de la Touche, senhor de La Ravardière, para ocupar cem léguas
abaixo da equatorial, “en terre de l’Amérique”).61 Basta ver o mapa que se guarda nos
arquivos de Paris com as armas de Filipe Strozzi.62 Lá estão marcados os estuários dos rios
entre a boca do Amazonas e o Cabo de São Roque, com os respectivos nomes indígenas
ou supositícios. Num deles — provavelmente à vista da Ilha do Maranhão (ou Grão-
Pará)63 — perdeu Jacques Riffault dois navios em 1594. Entre os que se salvaram estava
um esperto sujeito da Touraine, Charles Des Vaux, que viveu onze anos com os índios e
pôde ser assim língua e guia das futuras expedições. Em 1602 definiu o Rei de França o
seu interesse por essa ignota América, concedendo a um Montbaret o direito de lá se
estabelecer, privilégio que passou a La Ravardière depois da útil viagem64 de Jean Mocquet
ao Oiapoque.65 Sabemos que dela participou esse imaginoso capitão. Foi em 1604. É
possível que tivesse feito antes uma travessia semelhante. O fato é que, ligando-se a
Charles Des Vaux (que então se repatriou) e a sócios poderosos, como François de
Razilly66 e Nicolas Harlay de Sancy, obteve da Rainha Regente Maria de Médici licença
para criar... a França Equinocial!

Os três armaram outros tantos barcos, e, com alguns fidalgos, soldados, homens de
trabalho e quatro capuchinhos — deixaram festivamente o porto de Cancale, na Bretanha,
a 19 de março de 1612.

NOBRES E FRADES

Falamos de frades e nobres.

Realmente a este aspecto a empresa prometia belos resultados. Juntara em alvissareira


solidariedade nomes ilustres e missionários inclinados à santidade, sem prejuízo da
literatura. Devemos-lhes (aos padres Yves d’Évreux e Claude d’Abbeville) a notícia que
destaca e condensa o episódio, de outra forma perdido — como as demais tentativas de
colonização francesa no Brasil depois de Villegaignon — para o juízo dos pósteros.
Chamavam-se Yves d’Évreux, superior da missão,67 Claude d’Abbeville, Ambroise
d’Amiens, Arsène de Paris.68 A própria rainha escrevera ao Provincial da Ordem em Paris
(23 de abril de 1611), pedindo o socorro desses apóstolos, à obra de que se encarregara “o
Sr. De Razilly, locotenente-general das Índias Ocidentais”.69 Dariam à colônia o
indispensável sentido cristão — exatamente como se começava a experimentar na Nova
França, ao norte da América.

Graças ao compromisso subscrito em Cancale, sabemos que vinham De Pezieu (autor da


correspondência sobre as cousas do Maranhão, publicada em 1613),70 Du Plessis, tio do
Cardeal de Richelieu,71 mestre Isaac de Razilly — irmão do locotenente e herói naval, das
campanhas contra La Rochelle e Marrocos,72 outro irmão, Claude de Razilly, notável
marinheiro;73 De Brichanteau, Hardivilliers, De Mondion, De la Barre... Servia de língua,
Des Vaux.

INTENÇÕES DO REI

Malogrado, com o insucesso de Strozzi, o sonho colonial de Catarina de Médici, ressurgiu


com feição diferente no espírito cauteloso de Henrique iv e na exaltação católica da
Rainha Maria, sobrinha da astuta soberana.

A designação de França Equinocial, dada ao Maranhão por De Razilly, La Ravardière e


os capuchinhos,74 é a sua réplica à França Antártica, de Villegagnon. Mas — firmadas as
pazes com a Espanha em 1598 — não podiam arriscá-las noutro ataque aos seus domínios
da América do Sul. Tinham de contentar-se com a terra desocupada ao norte de São
Lourenço (1603), onde Pontgravé e Champlain iniciaram o reconhecimento sistemático
do país frio e imenso, e a misteriosa região amazônica entre o Maranhão e as selvas da
Guiana. Aí, com a ajuda da religião (representada pelos franciscanos) fundariam sem
maiores complicações um estabelecimento proveitoso.

O adversário, porém, era menos o espanhol (e o português aliado aos tupis) do que a
opinião francesa, indisposta então — como depois — contra os projetos miríficos de
expansão ultramarina. “La plus belle mine que je sache, c’est du blé et du vin”, dizia Marc
Lescarbot, partidário das missões religiosas, que convertessem o gentio, não de
empreendimentos comerciais, que os exterminassem.75 O suave protesto de Ronsard (a
Villegagnon), a ironia de Montaigne, iniciando o elogio político da ingenuidade indígena,
com o comentário sobre o feliz selvagem, repontara no ceticismo de Sully, que achava os
seus patrícios sem “perseverança nem previdência” para a conservação de colônias
distantes.76 Tornaram-se impopulares. Só a Igreja (e Isaac de Razilly voltaria, em 1626, a
esta idéia)77 poderia justificá-las, salvando-as de um fatal descalabro. Este pensamento é
suficiente para compreendermos o da França Equinocial — logo abandonada, como
outrora a Antártica, aos próprios recursos — contrastado pela retumbância das proezas
evangélicas, dos capuchinhos, entre os índios dóceis do Maranhão.

SÃO LUÍS

Rumou a frota para a Ilha do Maranhão, entre os rios Itapicuru e Mearim, e aí, no
promontório dominando a baía de São Marcos, fundaram de Razilly e La Ravardière o
Forte de São Luís. O nome era em homenagem ao Rei de França.78 Construíram os
missionários a sua capela, com o auxílio pressuroso do gentio atraído por Charles Des
Vaux — e tudo correria razoavelmente, nessa terra verde e úmida, que era como a porta
do Brasil setentrional, se não aparecessem, vindos de Pernambuco e do Rio Grande, os
portugueses.

O sítio fora bem escolhido, tanto para a defesa como para o desenvolvimento da colônia,
litoral afora, para o Amazonas, através de Tapuitapera, Cumá e Caité. É crer que La
Ravardière explorasse a costa até a foz do grande rio (Pará) e aproveitasse a ocasião para
chamar as tribos por ali esparsas à fala com os franceses, contando-lhes histórias
abomináveis dos outros brancos (os perós) e dos índios vingativos que com eles andavam.
Teve tempo para preparar a resistência ao ataque inevitável.

A REAÇÃO

Acertara D. Diogo de Meneses, ao querer provar quanto antes aquela cobiçada região.79

Precisava-se da sua descrição exata.

Fê-la o Sargento-mor Diogo de Campos Moreno, por ordem do governador. Viu todo o
litoral. Reuniu os seus minuciosos mapas no Livro que dá razão do Estado do Brasil,
concluído em 1612.80

Observara a necessidade de serem criadas três capitanias: a primeira entre o Rio Grande
e o Ceará, a segunda em Camocim, a última no Maranhão. As ordens de 9 de outubro e 8
de novembro de 1612 adotaram o alvitre, mandando estabelecer os três núcleos do
povoamento que seriam as atalaias do Norte.81

MARTIM SOARES MORENO

E acolá deixara o sobrinho, Martim Soares Moreno. Foi isto providencial. Por iniciativa
deste principiaram os combates que poriam fora do país o intruso. Uma carta de 1º de
março de 1612 relata que, em companhia dos índios do chefe Jacaúna, irmão de Camarão
— petiguares do Rio Grande — e nu e tatuado como eles, apresou Martim Soares um
navio no Mucuripe (atual porto do Ceará), provavelmente no mesmo lugar onde Pero
Coelho instalara guarnição. Compreendeu que era indispensável fortificá-lo. O
governador mandou-lhe uma escolta de dez homens e um sacerdote. Fez o reduto e,
junto, a ermida de Nossa Senhora do Amparo. Surgiu assim Fortaleza, princípio desse
Ceará que, muito tempo, se limitou ao quartel de beira-mar, o Forte...82 E, tanto que soube
do desembarque de La Ravardière, correu a revoltar os tremembés (cannibaliers, chama-
lhes o Padre Yves d’Évreux), tapuias do Parnaíba, ou cariris que periodicamente faziam a
“guerra do caju”.83 Não fora esta manobra, e a reconquista seria consideravelmente mais
difícil. Alexandre de Moura reconheceu: foi quem “primeiro descobriu o Maranhão pela
banda de leste”.84

Jerônimo de Albuquerque teve o comando de quatro navios e cem homens (largou do


Recife a 1º de junho de 1613) para começar a guerra, servindo-lhe de guia Martim Soares
Moreno. Fundou em Jericoacara (Buraco das Tartarugas) um fortim. Ficava
estrategicamente entre o Ceará e o Maranhão, como base das futuras operações. Mas
Martim Soares, indo reconhecer a Ilha do Maranhão, para não cair em poder dos
franceses se fez tanto ao mar que, arrastado pelas correntes, deu nas Antilhas.85 O jeito foi
passar à Europa. Não conveio a Albuquerque arriscar-se mais. Deixou naquele reduto (do
Camocim) 40 soldados e retrocedeu, por terra, para o Rio Grande, à cata de reforços. Para
comandar o fortim chegou depois o valoroso Manuel de Sousa d’Eça,86 que logo repeliu o
ataque de uma nau francesa (18 de julho de 1614).87 Neste feito de armas começa a
expulsão do invasor.

GASPAR DE SOUSA

Para governar o Brasil (concluído o triênio de D. Diogo de Meneses), veio um reto e


inteligente sujeito, Gaspar de Sousa,88 sobrinho de Cristóvão de Moura, a quem Diogo
Bernardes dedicara a sua carta trigésima.89 Circunstância notável: mestres-de-campo dos
primeiros terços que houve em Portugal (conforme a organização espanhola do exército),
foram Gaspar de Sousa90 e D. Jorge de Mascarenhas.

Teve ordem para fixar-se em Pernambuco, donde melhor dirigiria a conquista da costa
leste-oeste. Em maio (1614) aí chegaram Diogo de Campos Moreno (cuja habilidade
militar supriria as deficiências de Jerônimo de Albuquerque)91 e o piloto Sebastião
Martins, prático daqueles mares. Trezentos portugueses (sob o comando de Diogo de
Campos) juntaram-se no Rio Grande a Albuquerque, com os seus duzentos índios: e
foram acampar na foz do Preá. Prevaleceu a opinião de que deviam fortificar-se junto a
melhor aguada — e próximo do inimigo. O Alferes Pedro Teixeira e o Soldado Antônio
Teixeira de Melo92 encarregaram-se desse reconhecimento, com o Piloto-mor Sebastião
Martins.93 Em conseqüência, deslocou-se a expedição para a Barra do Munim, e
deslizando ao longo do litoral, fundeou a leste da Ilha de São Luís, no sítio de
Guaxenduba. Aí o engenheiro Francisco de Frias levantou (de faxina e terra) o forte
hexagonal de Santa Maria — a cuja proteção se recolheriam os portugueses enquanto não
viessem acudir-lhes novos socorros de Pernambuco. Puseram-se astutamente na
defensiva.94

A SEGUNDA MISSÃO

Tinham entretanto voltado à França o Sr. De Razilly, os capuchinhos Yves d’Évreux e


Claude d’Abbeville e outros franceses de prol. Talvez se ressentissem dos rigores do clima;
ou, doentes, não pudessem esperar a frutificação de seus rudes trabalhos. Segunda missão
religiosa veio substituí-los: do Padre Arcanjo de Pembroke com outros missionários e 300
colonos. Acolheu-os em São Luís o Padre Arsène de Paris.95 Com estes elementos jovens
podia La Ravardière — agora locotenente do rei como procurador de todos os
concessionários da França Equinocial96 — contra-atacar e vencer os portugueses.

Investiu-os rijamente em Guaxenduba.

GUAXENDUBA

Estabelecidos acolá Albuquerque e Diogo de Campos, logo os índios da redondeza


(maliciosamente enviados pelos franceses) procuraram comércio com eles, e se
aperceberam dos seus escassos recursos. Informado do que ocorria no campo português,
feriu-o La Ravardière com um golpe de surpresa: mandando tomar os barcos surtos em
frente do Forte de Santa Maria. E julgando que se entregariam, se envolvidos por forças
superiores, apoiadas do mar pelos navios de que dispunha, correu a batê-los num
desembarque atrevido. Foi a 19 de novembro. Ia o Sr. De Pezieu à frente, com uns 200
brancos e mil e quinhentos selvagens. Saltaram em terra com feixes de varas, para
imediatamente armarem as suas trincheiras, entre a praia e uma eminência, à vista do
Forte de Santa Maria, onde se concentrariam; e enquanto cuidavam dessa preparação um
mensageiro levou a Diogo de Campos a intimação enfática de La Ravardière. Estranhava
que fizessem guerra nos seus domínios ao mais poderoso príncipe da Cristandade; e dava-
lhes quatro horas para a rendição. Até então tinham divergido nos planos da luta Campos
e Albuquerque. Neste momento, porém, acertaram em brigar até o fim, arrebatando ao
inimigo a iniciativa; e dividindo-se em duas colunas, Albuquerque pela montanha e
Campos pela praia, se arrojaram sobre ele. Foi tão bravia a acometida, que os índios,
tomados de medo, abandonaram os franceses, e estes, a despeito da valentia de De Pezieu
(que morreu combatendo) recuaram para o mar, e acabaram debandando, numa
estrondosa confusão. Deixaram 120 mortos;97 e 46 canoas abandonadas na maré... Em
duas horas (quantas durou a ação), perderam o melhor de sua gente; e a esperança de
continuar no Brasil.98

TRÉGUAS

Descoroçoado pela derrota (e morte do Sr. De Pezieu), resolveu La Ravardière propor


uma acomodação. Ficassem os franceses na ilha e os portugueses na terra firme, sem se
agredirem, até o regresso da Europa de emissários que trariam a palavra dos reis seus
senhores, a quem caberia decidir em definitivo sobre a sorte comum, isto é, se o
Maranhão seria uma capitania do Brasil ou uma possessão de França. Trocadas visitas e
vistos os capítulos de trégua (em que se convencionava essa suspensão de hostilidades),
foram eles assinados no Forte de Santa Maria a 27 de novembro. La Ravardière, o Sr. De
Pratz (capitão da nau francesa que atacara o Forte de Jericoacara), o Padre Arcanjo de
Pembroke, “com mostras de muita alegria, a que da nossa parte se respondeu com a
mesma” (resume Fr. Vicente do Salvador) “apertaram as mãos aos capitães portugueses”;
e logo saíram as embaixadas — Diogo de Campos e o francês Mathieu Mailhard para a
Espanha, de Pratz e Gregório Fragoso (sobrinho do Capitão-mor Jerônimo de
Albuquerque) para Paris.99

O Governador Gaspar de Sousa desaprovou o acordo.

A disputa da terra não podia regular-se ali pela polidez européia. Interrompia-se a
campanha, mas não se desarmavam os pioneiros. Tanto que um dos grupos se sentisse
superior ao outro, sem atenção à política da corte distante — nem à letra do tratado —
retomaria a iniciativa: e aquele país úmido e quente. Foi o que sucedeu — com o auxílio
que Alexandre de Moura levou a Jerônimo de Albuquerque Maranhão (como passou a
chamar-se o capitão após a campanha).

O BANGALA

É possível que o rompimento da trégua resultasse da emoção causada pela presença de


corsários franceses em águas da Bahia e pelo fim imprevisto de Baltasar de Aragão.

Foi em 24 de fevereiro de 1614.

Na ausência do governador, fazia-lhe as vezes Baltasar de Aragão, que de Angola


trouxera a alcunha de o Bangala.100 Genro do opulento Francisco de Araújo, pessoa
principal da cidade, aprontara um navio para voltar a Portugal. À notícia de que o inimigo
rondava a barra, nele se meteu para combatê-lo. Vestiu, porém, a sua armadura. E, assim,
não pôde salvar-se, quando o temporal, tomando de través a embarcação, a virou em mar
alto. Desapareceu com cerca de 200 companheiros de armas, tirados da melhor gente da
terra.101

CAPITULAÇÃO

Assumindo a responsabilidade da luta, o Governador Gaspar de Sousa organizou no


Recife uma frota de nove barcos e 600 homens, que entregou a Alexandre de Moura.
Mandara Francisco Caldeira Castelo Branco com outros navios.102 Fato duplamente
oportuno: habilitava Jerônimo de Albuquerque a concluir a guerra; e determinava o
descobrimento da costa entre o Maranhão e o Amazonas. Comandara Castelo Branco em
1612 a guarnição dos Reis Magos, no Rio Grande — onde sucessivamente se
experimentaram os conquistadores do Norte: Pero Coelho, Albuquerque, Martim Soares,
por último Alexandre de Moura. Foi diligente e bem sucedido. Por parte do governador
diria a La Ravardière que a paz não tivera a sua aprovação... Partiu Moura em 5 de
outubro de 1615 — para expulsá-lo. Comandavam-lhe os navios Hierônimo Fragoso de
Albuquerque, Manuel de Sousa d’Eça (que a Recife fora aguardar o governador), Manuel
Pires, Bento Maciel (destinado a maiores feitos, como se dirá), Ambrósio Soares,103 Miguel
de Carvalho, André Correia. Lugar eminente na expedição tinham o Sargento-mor Diogo
de Campos, e o engenheiro Francisco de Frias, a cujos serviços ficariam as obras da
fortaleza do Maranhão. O piloto Antônio Vicente Cochado logrou levá-los até defronte
do Forte de S. Luís, onde La Ravardière se abrigara, com uns duzentos homens bem
armados, suficientemente temível graças às reservas de munições de que dispunha, porém
em trato franco com o acampamento português.

Ao contrário do que seria de esperar, a inação dos oficiais diante da praça francesa
ativara rixas e dissentimentos, partidários uns de Jerônimo de Albuquerque, outros de
Francisco Caldeira, a quem — em junho — obrigaram a ficar ali, por necessário à
segurança comum, quando, contristado, quisera regressar a Pernambuco. Nessa
oportunidade o próprio La Ravardière fora prevenido, para opor-se à partida de Caldeira,
considerando-se que o Albuquerque, entregue às suas inspirações pessoais, forçaria de
novo a luta... Alexandre de Moura fingiu não se aperceber logo dessa indisciplina, a que
não escapou, no Pará, o destemido Francisco Caldeira. Antes do mais, precisava pôr fora
do Brasil o intruso. Apalavrou-se com ele e intimou-o a render-se, em 2 e 3 de novembro.
No dia 4 o Forte de S. Luís era seu. Sem escaramuças, sem resistência, sem drama.

Capitulação em regra? Menos do que isto: transação pacífica e prosaica. O aventureiro


restituiu calmamente o território ocupado e aceitou compensações em dinheiro.

Aquilo parecia compra e venda.

No seu Relatório diz o capitão-mor que o Governador Gaspar de Sousa o autorizara a


dar ao francês 20 mil cruzados, pelo que havia em S. Luís, “e repartir terras para sua
vivência” — o que se compreende como permissão para que continuasse no país.
Alexandre de Moura achou preferível não pagar o preço, repatriar os demais estrangeiros
e obstar à ida de La Ravardière, para que não inquietasse mais nos mares os súditos de Sua
Majestade Católica. Valeu-se primeiramente dele como informante valioso: em 8 de
dezembro lhe disse que a conquista do Amazonas seria fácil, por não haver fortificação de
invasores nem notícia deles no estuário. Depois o mandou para Pernambuco, donde
passou a Lisboa. Aí, em 13 de maio de 1618, confessou, em requerimento ao governo,
recebera 2 mil cruzados, e pedia para voltar, com dois navios, tripulados por
portugueses.104 Renegara os propósitos de colonização francesa: contentava-se em ser um
explorador mercenário. De resto, nunca mais tornou ao Brasil.

AFINAL O PARÁ!

Alexandre de Moura era executor de um plano amplo de conquista.

Devia organizar três núcleos de povoamento, Ceará, Maranhão e Pará. Assim impediria
a surpresa de outras incursões estrangeiras e se lhes antecipava na foz do Amazonas, “que
esta en la demarcación del Serenísimo Rey de Portugal”, como reconhecera Orellana.105
Havia pressa nesta ocupação. Francisco Caldeira (após decisão tomada em junta que se
reuniu em 15 de dezembro), recebeu para isto regimento, no dia 22, e seguiu viagem pelo
Natal, com 150 homens e três embarcações. O mesmo hábil Antônio Vicente Cochado lhe
servia de piloto. O desígnio fora positivado: “A jornada do Gran-Pará e Rio das Amazonas
[...] e porque claramente se sabe que o Pará é uma das bocas do dito Rio das Amazonas da
banda de leste”.106 Os seus principais companheiros eram André Pereira Temudo (depois
capitão do Rio Grande), Antônio da Fonseca, Antônio Teixeira de Melo107 — cujo
afastamento do Maranhão correspondia a outra exigência: a paz entre portugueses. A
rivalidade que dividira os vencedores terminou com essa expedição, que, após dezoito
dias de viagem, a 10 de janeiro alcançou o sítio onde deu princípio à cidade de Belém.

Era dia de Santa Maria de Belém. Daí o nome de “Presépio”, dado ao fortim de madeira,
centro da cidade que Francisco Caldeira não tardou em fundar.

A expansão portuguesa na América atingira uma de suas balizas.

Quando Pedro Teixeira completasse o reconhecimento do Amazonas,108 iniciado agora


em nome de Portugal, estaria o Brasil delimitado no rumo de leste-oeste.

O governo de Lisboa percebera a importância daquilo.

A carta de 4 de novembro de 1616, recomendando a D. Luís de Sousa (novo


governador-geral) não desamparasse a empresa de Francisco Caldeira, é um documento
de previsão e discernimento, que faz honra à regência:
Recebi carta (de Caldeira) de 12 de abril deste ano em que me dá conta haver chegado a ele (Pará) a salvamento os três
navios com que partiu em 18 dias e com a Armada entrar pelo primeiro braço que aquele rio faz, e navegando por ele
30 léguas, escolheu um sítio forte por natureza (onde edificou uma fortaleza) com enseada de fundo bastante para
navios de grande porte [...]. E que o rio é maior que o do Maranhão, e que todos os mais que há no descoberto, e a
terra fertilíssima de todos os mantimentos que costuma haver no Brasil, infinito gentio mui doméstico e diferente de
todo o daquele estado e muito acomodado de se plantarem canas e se fazerem engenhos, e ainda para se poderem
semear todos os demais frutos da Europa.

Conclui com dizer que em todo o Estado do Brasil não há nada em comparação deste...
E porque a matéria está pedindo que se acuda com toda a brevidade possível com socorro a Francisco Caldeira para se
fortificar e ir continuando o descobrimento das cousas daquele rio e conquista, e se conservar o ganhado, vos mando
[...] envieis ao dito Francisco Caldeira algum socorro de mantimentos, e munições e gente, porquanto deste porto de
Lisboa mando que também se envie um navio com o mesmo.109

“Para que do reino e dos Açores vá gente que povoe aquelas partes”.110

Nos entrementes saiu Martim Soares Moreno (como capitão de Gumá) a pacificar os
índios da costa, espantados e espalhados com a expulsão dos franceses; e Francisco de
Frias consertou o Forte de S. Luís — chamado agora de São Filipe. De Luís xiii a Filipe iii...

Consolidada a conquista, voltou Alexandre de Moura (em janeiro) para Pernambuco.


Continuou Jerônimo de Albuquerque capitão-mor do Maranhão. Dir-se-ia a reparação
dada ao ilustre mameluco. Não durou muito. Morreu no seu posto, em 10 de fevereiro de
1618. E honrosamente pobre. Seu filho Antônio contou que hipotecara o engenho
(Cunhaú) para prosseguir a tomada do Maranhão, e faleceu com dívidas... A ele “na hora
da morte encarregou o governo da dita conquista com aplauso e consentimento de todos
os capitães, oficiais e soldados dela”.111

PERNAMBUCO EM VEZ DA BAHIA

Transportou-se D. Luís de Sousa para o Recife112 ainda uma vez, a fim de melhor prover à
conquista do Norte.

Em carta de Madri, de 11 de abril de 1617, dizia el-rei: “Vos confio que assistireis às
cousas daquela conquista com o cuidado que pede para que vão muito adiante, pois a este
fim se encaminhou o mandar-vos que por ora residísseis em Pernambuco”. 113

A Bahia, apesar de sede da Relação, perdera assim, temporariamente, a qualidade de


cabeça da colônia.

Não admira que os desembargadores pretendessem dar as audiências no palácio


abandonado — como se discutiu em conselho, em Lisboa (consulta de 21 de junho de
1617). Que “as casas de vivenda dos governadores daquele estado se dessem à Relação”,
deixando-se de alugar um prédio para esta... Lembrava-se que D. Diogo de Meneses tivera
ordem de arrendar edifício conveniente, mas, com a ida de Gaspar de Sousa para
Pernambuco “onde residiu todo o mais tempo do seu tempo”, o tribunal passara a
funcionar nas casas de Sua Majestade, que pouco perdia, pois “Francisco de Sousa sendo
governador as não habitou nem Diogo Botelho senão pouco tempo, por se não acharem
nelas com saúde”.114 Um dos conselheiros, que isto votaram, foi o velho Diogo Botelho.

O capitão-mor de Pernambuco (em sucessão de Alexandre de Moura) foi Vasco de


Sousa Pacheco. Diz Frei Vicente do Salvador que tinha irmão franciscano, de quem se
valeu para pedir a el-rei outro emprego, pois o governador o deixara sem jurisdição. Daí
ser mandado para a Bahia na ausência de D. Luís de Sousa.115 Mas, em carta de 18 de julho
de 1617, se advertiu que devia desempenhar-se, não como Álvaro de Carvalho (na
ausência de D. Francisco de Sousa), porém com os mesmos poderes que tivera em
Pernambuco.116 Obstando a que se formasse dualidade de governo, reduzia el-rei a Bahia à
condição de capitania como as demais — enquanto a ela não voltasse o governador-geral
ocupado em socorrer o Maranhão e o Pará.

SANTO OFÍCIO

Foi por este tempo que a Inquisição visitou de novo a colônia.


O deputado do Santo Ofício, D. Marcos Teixeira, ouviu na igreja do colégio da Bahia,
entre 11 de setembro de 1618 e 26 de janeiro de 1619, denúncias e confissões: e tornou ao
reino (donde viria com o báculo episcopal), sem que se soubesse claramente o efeito da
sindicância.117

É crer subsistissem os motivos políticos da Visitação de 1591–4 — atenta a Coroa


sobretudo à inquietação dos cristãos-novos, seus negócios com Holanda, murmurações da
terra e indícios de que o inimigo acharia nela aliados e guias.

Os Inquisidores Apostólicos do Peru em carta de 20 de abril de 1620 informaram —


aludindo a D. Marcos:
El año pasado nos avisó de un Inquisidor o Visitador General de Portugal a las costas del Brasil y Angola, que son de
la corona de Portugal y que va prendiendo muchos portugueses y secuestrandoles gran cantidad de hacienda y que se
benian huyendo muchos asi del Brasil como de Portugal y venian a aquel puerto (Buenos Aires) y entraban en el Peru
sin poderlo remediar el governador.118

Em 1619 D. Luís de Sousa fez diligente administração na Bahia.

PRATA QUE NÃO SE ACHOU

Averiguou então (indo para isto com grande comitiva a São Cristóvão de Sergipe) o que
havia de verdade na promessa de Belchior Dias Moréia, de umas minas de prata que
deixariam longe o Potosi...

O neto de Caramuru, após a sua participação na conquista de Sergipe, onde se


afazendara, percorrera os sertões do São Francisco até o Paramirim, provavelmente
também o Vale do Paraguaçu, e dizia ter achado as riquezas que Gabriel Soares procurara
em vão.119 Foi a Madri (1609) a suplicar favores, em troca do segredo. Não o atenderam
logo. Somente em 1617 escreveu el-rei ao governador-geral: “Foi acertado o que
escrevestes” a Belchior Dias Moréia, “para dar princípio às cousas das minas de prata”.120
Sonhando com os miríficos lucros do negócio, propôs Belchior Dias, em forma de
“apontamentos”, as suas pretensões (a principal, o título de governador e administrador-
geral das minas) — a 18 de maio de 1618.121 O seu cálculo era pasmoso. “Se me Deus dá
vida, buscarei modos com que vá de Espanha, ponha cerco ao turco e aos mais
contrabandos”.122 Com os metais que daria à Coroa, armar-se-iam cruzadas! Fez o
contrato a 6 de abril de 1619.123 Obrigou D. Luís de Sousa a Belchior Dias, que fosse
mostrar a Martim de Sá e a um mineiro que estivera no Peru, Fernão Gil, a tal montanha
de prata. Excursionaram pela Serra de Itabaiana; examinaram os minérios indicados...
“Tinha tanta malacacheta (resumiu Salvador Correia, que também foi) que todos se
persuadiram e o mesmo mineiro a que tinham prata; fizeram-se ensaios por fogo e
azougue, por este nada, e por aquele fumo”.124 Lavrou-se a ata deste insucesso; e — furioso
por ter perdido o seu tempo com essas ilusões — mandou o governador recolher à prisão,
na Bahia, o velho sertanista.
Livrou-se ele, graças à parentela poderosa, mas, desconsolado, se retirou de vez para os
seus campos de Sergipe. Faleceu pouco depois, legando à Casa da Torre — na pessoa de
seu sobrinho Francisco Dias de Ávila125 — o “roteiro das minas” fabulosas. Por este se
guiou o jovem capitão de entradas, em 1627, numa penetração ousada e infrutífera.126

Não apareceu a prata; mas se desencantou o deserto.

O povoamento seguiu o itinerário dos exploradores e o caminho dos gados, de Sergipe


para o médio São Francisco, do Paraguaçu para o sudoeste, do Itapicuru para os extensos
tabuleiros, as caatingas abrasadas, a vastidão triste do nordeste,127 marcou lentamente as
estremas da área conhecida. Desfazia-se numa grande decepção a quimera das serras
rebrilhantes, todas de prata; mas nem por isto se detinha a invasão sistemática da terra.

Findara o triênio de D. Luís de Sousa.

Aproveitou-se disto Duarte de Albuquerque Coelho para obter da corte de Madri, onde
sempre foi bem acolhido,128 que o governador-geral — deixando de incomodá-lo em
Olinda — ficasse definitivamente na Bahia — como aliás suplicavam os moradores desta
cidade.129 Assim não lhe invadiria a jurisdição de Pernambuco! Conta Fr. Vicente do
Salvador que Henrique Correia da Silva, nomeado para substituir D. Luís de Sousa,
desistiu alegando, “não havia de dar homenagem das terras que não podia ver como
estavam fortificadas, o que haviam mister para serem defendidas e governadas como
convém”. Mandou el-rei “Diogo de Mendonça Furtado, que havia vindo da Índia onde
estava casado, e andava requerendo na corte a satisfação de seus serviços”.130

III: A PRIMEIRA GUERRA DE HOLANDA

PRELIMINARES

Passara o perigo francês.

Renovava-se a ameaça holandesa.

À medida que a colonização entrava as novas terras, o problema militar era mais difícil e
premente.

A corte de Madri desconfiava dos cristãos-novos, em contato com os mercados


flamengos. Tomara — em 1617 — uma resolução radical: a expulsão dos estrangeiros do
Brasil. Depois atenuara o rigor, dando a D. Luís cie Sousa arbítrio para reembarcar
“alguns de que tenha suspeita fundada”.131 É que
se escreve de Amsterdã de como lá há mercadores que já estiveram no Brasil132 e aparelhavam duas naus poderosas
bem providas de gente e artilharia para irem à costa do Brasil ou à dos Ilhéus para lá carregarem de pau-brasil que lá
estava já espalhado (carta de 1617).

Cumpria-lhe, pois, vigiar todo o litoral.

Esses rumores significavam o recrudescimento, na Holanda, do interesse pela América,


e os preparativos da agressão, desfechada sete anos depois.

Martim de Sá, no Rio de Janeiro, tomara três batéis a uma esquadra flamenga que se
chegara à terra para refrescar.133 Matou 22, aprisionou 14, entre estes um Francisco
Duchs, bem tratado pelo capitão, que o enviou à Bahia, onde lhe fizeram a melhor
acolhida. Veremos o que disto resultou... Constantino de Menelau, capitão-mor do Rio de
Janeiro, assaltou por esse tempo uma partida de franceses que carregava pau-brasil no
Cabo Frio — e nesse lugar levantou um forte, destinado a evitar de futuro semelhantes
incursões.134

MATIAS DE ALBUQUERQUE

Os precedentes justificavam as cautelas.

Uma das recomendações dadas ao sucessor de D. Luís de Sousa foi exatamente —


fortificar a Bahia. E porque o donatário de Pernambuco fosse cioso de sua jurisdição, veio
Matias de Albuquerque, seu irmão mais moço — fadado a ser um dos grandes vultos do
século: nomeado capitão e governador, em 20 de agosto de 1620, requereu cem cruzados
de ajuda de custo.135 Aqui estava quando — em setembro ou outubro de 1621 — passando
Diogo de Mendonça Furtado à altura de Pernambuco, mandou Gregório da Silva assumir
a capitania do Recife, vaga pela ausência de Vicente Campeio, “posto que Matias de
Albuquerque o admitiu só na capitania da fortaleza de el-rei, separando-lhe a do lugar ou
povoação que ali está, dando-a a um seu criado”.136

Trouxe um engenheiro, Cristóvão Álvares, cujos serviços “feitos em Pernambuco, desde


o ano de 620 até o de 54”, nas “obras das Fortificações antes e depois de os holandeses
ganharem a terra”, não foram esquecidos del-rei.137 A principal seria a que defendesse o
porto, como aconselhara o poeta da Prosopopéia:138
Para entrada da barra, à parte esquerda,
Está uma lajem grande, e espaçosa,
Que de piratas fora total perda,
Se uma torre tivera suntuosa.

GOVERNADOR E BISPO

Chegou à Bahia Diogo de Mendonça Furtado em 12 de outubro de 1621,


e desembarcando foi levado à Sé, com acompanhamento solene e daí à sua casa, donde, antes de subir a escada, foi ver
o almazém das armas e pólvora que estava na sua loja, demonstração de se prezar mais de soldado que de outra cousa.
E na verdade esta era em aquele tempo a mais importante de todas, por se haverem acabado as tréguas entre Espanha
e os holandeses.139

Os acontecimentos seguintes não o surpreenderam.

A gente de toga e o clero não pensavam como o governador. Trouxera sete


desembargadores (a completar a Relação, com os dois sobreviventes da primeira turma,
“que cá estavam casados”).140 No ano imediato (8 de dezembro), chegou o Bispo D.
Marcos Teixeira — muito informado sobre os assuntos da terra graças à missão
inquisitorial de 1618–9.141 A divergência dessas mentalidades logo se manifestou: de um
lado Diogo de Mendonça, a pretender militarizar os colonos; do outro a mitra,
empenhada em dar ordem às paróquias e paz aos espíritos. D. Marcos tinha a energia de
visitador do Santo Ofício e lente da universidade: firmeza, ilustração, autoridade. Litigou
com os desembargadores; opôs-se a várias medidas adotadas para a defesa da cidade,
exigiu se lhe reconhecesse a preeminência nos atos públicos, contrariou os projetos do
governador — que sabia próxima uma investida de holandeses.

Sabia pela carta do rei, de 3 de agosto de 1622, que disto o notificara, avisando-o da
necessidade de fortificar a Bahia e outras praças.142 De fato a fortificou,
cercando-a pela parte da terra de vala de torrões; e porque a casa que servia de almazém, junto à da alfândega, estava
caída, começou a fazer outra no cabo da sua, para que o alto lhe ficasse servindo de galeria e o baixo de almazém [...].
Também começou a fazer a fortaleza do porto em um recife que fica um pouco apartado da praia, havendo provisão
de Sua Majestade para se fazer não só da imposição do vinho, que estava posto nesta Bahia, mas também da de
Pernambuco e Rio de Janeiro e que do dinheiro que recebem os mestres, não dos fretes, senão de outro que eles
introduzem chamado de avarias, que ordinariamente são duas patacas por caixa, desse quatro vinténs cada um para a
obra da fortaleza [...] e de que não pode tirar o louvor também do arquiteto Francisco de Frias que a traçou.143

Invocando os seus privilégios, obtiveram os moradores de Pernambuco que não se


levasse para as obras da Bahia o produto do imposto por eles pago. Já lhes bastava atender
às do Recife...

Começou-se o Forte do Mar, posto no estado em que hoje se acha um século mais tarde.

“Um dos contraditores que houve da fortaleza sobredita foi o Bispo D. Marcos”. Dizia
(negando-se a benzer a primeira pedra), que principiada a obra, pararia a da Sé, apesar de
ter o governador reservado para esta 6 mil cruzados...144

Continuava na verdade “uma cidade aberta, e defendida de 80 soldados pagos, que não
passava deste número o seu presídio”. Tesouro rico porém mal seguro...

Viu-a por esse tempo Brás Garcia de Mascarenhas, o poeta-soldado de Viriato trágico,
então fugitivo, e a comerciar no Brasil:
Apesar de tormentas, calmarias,
Corsários e af lições de sangue e morte,
Entrei pela rainha das baías
Celebrado teatro de Mavorte.
Desta cidade ilustre em bizarrias,
Da nova Lusitânia nova corte,
Julguei que era o Brasil jardim sem muro,
Tesouro rico, porém mal seguro.
A idade de ouro inda então lembrava,
E a da prata, que nele florescia
Já com intercadências vacilava,
Porque perto a de ferro transluzia.
Se a muita gente pobre levantava,
Também a muita gente rica empobrecia,
Que é mal segura em quem compra e vende
Toda a riqueza que do mal depende.
[...]
Estando aqui, como trovão com raio,
Rompe a guerra estragando de repente
A cabeça do estado no mês de maio,
Infeliz ao repouso do Ocidente,
Sobressalto cruel, mortal desmaio,
Vai perturbando a paz de gente em gente
Branca, negra, gentia, moça e velha
Toda se espanta, e toda se aparelha.145

COMPANHIA DAS ÍNDIAS

Na Holanda — a partir de 1595 — lucros das expedições marítimas tinham aconselhado


uma organização mais inteligente de iniciativas e capitais. O Estado era pobre (e
continuava a lutar com os velhos inimigos), mas os particulares podiam dispor de amplos
recursos. Numerosos judeus, emigrados da Península Ibérica, uma burguesia comedida na
opulência, mas empreendedora na prosperidade, avisados financistas ansiavam por
empregar o seu dinheiro na exploração colonial. Willem Usselinx teve o mérito de os
convencer, de que os produtos americanos valiam mais, e podiam ser mais facilmente
obtidos, do que os do longínquo Oriente, bastando para isto o exemplo do Brasil, que para
Portugal compensava todas as perdas asiáticas.146 Não era que preconizasse a conquista;
raciocinando com lucidez e prudência, sugeria que os Estados-Gerais conseguissem de
Espanha permissão para o livre negócio no Novo Mundo, e que nalgum lugar dele ainda
inocupado fundassem a sua feitoria. Florescia então a Companhia das Índias Orientais,
fundada em 1602. Era natural que se criasse a das Índias Ocidentais... Este plano foi
acolhido com entusiasmo pelos mercadores de Amsterdã e Roterdã. Em 3 de junho de
1621 reconheceram os Estados-Gerais a Companhia das Índias Ocidentais, com o capital
de 6 mil ações totalizando 7.108.161 florins. Gozava do privilégio, por 21 anos, do tráfico
da América e da África. Equipou uma boa esquadra... Consistiu o seu grande problema
em saber onde começar. As preferências eram pelas possessões espanholas. Foi quando
Jan Andries Moerbeeck (em 1623) procurou provar a vantagem de tomar essa armada o
Brasil, arrecadando logo, no arremesso da invasão, copioso açúcar...147

Soou favoravelmente, o conselho esperto. Tinha o caráter de gananciosa aventura, com a


promessa de um futuro estupendo: por ali (pagando-se inicialmente das despesas) abriria
a Companhia os rumos do seu império... Observa Netscher que um dos fatores do
malogro holandês foi a razão do seu êxito imediato: a pilhagem. Cessada a guerra de
presa, perderia o objetivo. Queria ganhar muito; mas seria por breve tempo...148 Um
instante oscilou, entre o cálculo hábil de Usselinx e a opinião exaltada de Moerbeeck.
Segundo aquele (e seguindo-o) instalaria com astúcia uma colônia pacífica. Mas o outro
atendia às impaciências dos sócios; e para além dessa expectativa de ricos dividendos,
generalizado e poderoso, ao interesse mal definido, ou apenas esboçado, dos cristãos-
novos deslocados tanto de Portugal e Espanha, como do Ultramar.149

Vejamos as notícias que corriam desta lusa América e as facilidades que achou a Nova
Companhia para dela se apoderar.

AUMENTOS DO BRASIL

Aumentara sem dúvida, de Norte a Sul, esse Brasil de canaviais à beira-mar, de engenhos
grandes como aldeias, de vilas fortificadas em quatorze capitanias, das quais seis
continuavam de senhores particulares e oito pertenciam à Coroa. Falam melhor as cifras.
Os dízimos de três (Bahia, Pernambuco e Itamaracá), arrecadados em 1584 por 30 mil
cruzados, valiam, em 1609, 115.500. 150 Andavam em 81 mil, em 1614.151 Segundo o Livro
que dá razão do Estado do Brasil — de Diogo de Campos Moreno — podia a renda chegar
a um milhão, pois em 1602 “se arrendou todo o Estado junto em 105 mil cruzados e neste
ano de 1612 se arrendou só o governo de D. Diogo de Meneses em 125 mil”. De 44 mil era
o rendimento para el-rei, da Bahia, com as capitanias do Sul.152

O período da transformação situa-se, pois, entre 1580 e 1620. Havia em 1580 uns 117
engenhos. Agora (1618 ou 20) 235, no cálculo de Frei Luís de Sousa; um pouco mais tarde
— conforme o Códice de Castelo Melhor — 363.153
No ano de 623 havia entre o Rio de São Francisco e o Rio Grande, nas capitanias de Pernambuco e Paraíba, cerca de
137 engenhos, dos quais apenas 10 produziam 70 mil arrobas de açúcar, que somavam 3.500 caixas, pois cada caixa
continha 20 arrobas

— publicava-se em Holanda.154 Na Bahia, em 1609, a crer na Relação das praças (papel


do mesmo Diogo de Campos), moíam 46 grandes engenhos.155 Para este acréscimo
concorriam vários fatores. O primeiro, a fixação pacífica após a repressão do gentio bravo.
Em seguida, com a alta do preço, o interesse dos mercadores portugueses, sobretudo, em
relação a Pernambuco, dos armadores de Viana, correspondentes e conterrâneos da
melhor gente de lá. É de Frei Luís de Sousa, o clássico da Vida do arcebispo, a observação
(sobre as riquezas de Viana do Castelo em 1619):
Mas nenhum comércio lhe tem feito tanto como o das terras novas do Brasil, que vai em tamanho crescimento que no
tempo que isto escrevíamos traziam no mar 70 navios de toda sorte, com que a terra está maciça de riqueza, porque se
estendem os proveitos a todos, sucedendo nos mais navios serem armadores e marinhagem tudo da mesma terra.156

Exagerou Pedro Teixeira Albernaz, a quem, em 1622, mandara el-rei descrever a costa
portuguesa: “Ha habido tiempo (em Viana) que echara a la mar doscientos navios que
venían cargados de azúcar y otras mercancías”.157 Entre 70 e 200, fiquemos com o
primeiro número, que se harmoniza com os do Códice de Castelo Melhor, que adiante
reproduzimos.

Contribuíram para o florescimento dos engenhos o invento, que os aperfeiçoou, e a


peste, que deu cabo das canas da Ilha de São Tomé.158 Foi “um clérigo espanhol das partes
do Peru”, que, “governando esta terra D. Diogo de Meneses”, ensinou
outro mais fácil e de menor fábrica e custo, que é o que hoje se usa, com somente três paus postos de por alto muito
justos, dos quais o do meio com uma roda de água ou com uma almanjarra de bois e cavalos se move e faz mover os
outros.159

Substituía-se com isto o antigo sistema da moenda horizontal de dois rolos, menos
produtiva, ao tempo em que se descobria o processo de branquear o açúcar dando-lhe
superior qualidade. O que se fez “por experiência de uma galinha, que acertou de saltar
em uma fôrma com os pés cheios de barro, e ficando todo o mais açúcar pardo, viram só o
lugar da pegada ficar branco”. Continua Frei Vicente:
Por serem estes engenhos de três paus, a que chamam entrosas, de menos fábrica e custo, se desfizeram as outras
máquinas e se fizeram todos desta invenção e outros muitos de novo; pelo que no Rio de Janeiro onde até aquele
tempo se tratava mais de farinha para Angola que de açúcar, agora há já quarenta engenhos, na Bahia 50, em
Pernambuco cento, em Itamaracá 18 ou 20, e na Paraíba outros tantos.160

COMÉRCIO E RENDAS

O valor do comércio era por isso de 2 milhões de escudos na Bahia — na década de 1620.
Pernambuco valia mais: 2.500.000. Seguiam-se Paraíba (600 mil), Itamaracá (300 mil), Rio
de Janeiro (200 mil), Espírito Santo (60 mil). Carregavam anualmente, no Recife, 120
navios de 120 toneladas, na Bahia 80, somando 4.500.000 escudos a exportação dessas
duas capitanias.161

O autor do Livro que dá razão arrolava, a par dos algarismos, as esperanças:


De modo que a conquista do Maranhão que se pratica e a navegação do salitre do Rio de São Francisco, nem a
pescaria da baleia de Todos os Santos e da Angra dos Reis, nem as esmeraldas do Rio Doce nem o ouro de São Vicente
ou a prata que dizem haver no Rio Real, ainda que tudo junto hoje estivera em termos assegurados, tanto quanto
vimos.

Em 1607 dava-se a receita do Brasil como menor que a despesa 351$867.162 Em 1628,
consoante Frei Luís de Sousa, os gastos alcançavam 59:487$164.163 Não informa quanto ao
rendimento.

Mas por Frei Nicolau de Oliveira sabemos que em 1615 fora de 54:400$000.164
Representava mais do que a Índia! Porque somente das três capitanias do Norte iam para
a metrópole
passando de quinhentas mil arrobas de açúcares que pagavam [...] de direito na alfândega de Lisboa, o branco e o
mascavado a 250 réis a arroba, e as panelas a 150 réis [...] de que, feita a soma, vem a importar à fazenda de Sua
Majestade mais de 300 mil cruzados, sem ele gastar nem despender na sustentação do Estado um só real de sua casa,
porquanto o rendimento dos dízimos, que se colhem na própria terra, basta para sua sustentação.165

Ou como diz Frei Nicolau de Oliveira: só para Lisboa iam todos os anos 25 mil caixas de
açúcar, fora encomendas particulares, de três e quatro arrobas;166 e “deste açúcar se paga
el-rei na saída do Brasil a 10% exceto aquele que vem por conta própria dos senhores dos
engenhos. E aqui pagam de direitos 20%”.167 A Coroa começava a reembolsar-se dos
gastos e prejuízos da América.

CRISTÃOS-NOVOS

Em 1623 o Conselho dos Dezenove, diretor da Companhia das Índias Ocidentais,


escolheu a Bahia para a sua pilhagem e conquista. Indicou-a Moerbeeck, no pressuposto
de que, com a união ibérica, os domínios portugueses estivessem menos defendidos do
que os espanhóis.168 Paulo van Caarden conhecera-lhe o porto. E aí contavam os
flamengos169 aliados espontâneos: os perseguidos do Santo Ofício,170 porventura mais
atemorizados agora que era bispo o antigo visitador D. Marcos Teixeira, e, muitos deles,
presos à Holanda por laços de sangue. Lá andavam, expatriados, os marranos fugidos da
península. A partir de 1594, tinham prosperado; giravam com imensos interesses;
participavam das empresas marítimas. “Posto não sejam as pessoas imediatas das Bolsas
(diria Vieira), entram nas mesmas Companhias com grandes somas de dinheiro, que
divertidas de Portugal não só lhes fazem grande falta, mas também grande guerra”.171

É o que lamenta Lope de Vega no Brasil restituído:


[...] sera mejor
Entregarnos a Olandeses
Que sufrir que portugueses
Nos traten con tal rigor.

Percebe-se por que Moerbeeck apresentou aos Estados-Gerais aquele sugestivo plano de
ataque sucessivo à Bahia e Pernambuco.172 Esclarecera-se com aventureiros do porte de
Francisco Duchs — o prisioneiro, que Martim de Sá tratara humanamente — acerca das
condições materiais e religiosas da colônia. Dele nos fala Frei Vicente do Salvador (a
propósito do desafio de Francisco Padilha durante as escaramuças, o cerco). “Desafiava o
capitão Francisco, que era o mais conhecido, por este (como já disse) é o que tomou
Martim de Sá no Rio de Janeiro e o mandou o Capitão-mor Constantino Menelau de lá a
esta cidade, onde esteve preso muito tempo”.173 Foi o guia da expedição de 1624. Na
rapidez com que se rendeu a praça, sem resistência seria, podemos ver o desabalado
derrotismo dos cristãos-novos que neutralizou a valentia do governador e entregou tudo à
discrição do inimigo.174 Assim em Pernambuco, seis anos depois.

Glosou Lope de Vega:


Con razón dijo un poeta
Que eran caballos troyanos...

A EXPEDIÇÃO

A frota — 26 naus grandes, sendo 13 de guerra — saiu de Texel a 21 de dezembro de 1623.


Comandava-a o almirante Jacob Willekens (de Amsterdã); era vice-almirante o famoso
Pieter Heyn; chefiaria o desembarque, como governador da ocupação, João van Dorth,
senhor de Horst e Pesh.175 Compunha-se a tripulação de 1.600 pessoas e a tropa — de
1.700. Pouca gente, para uma campanha em regra; suficiente para a surpresa do assalto.

Diogo de Mendonça Furtado foi advertido a tempo,176 tanto que preveniu Martim de Sá
e chamou às armas os moradores do recôncavo, que se lhe apresentaram com agregados,
negros e índios. A demora da armada, na Ilha de São Vicente, descoroçoou-lhe os planos.
Em maio (quatro meses depois da partida dos navios, segundo as notícias de Holanda), já
não parecia crível que se destinassem à Bahia. Os capitães do recôncavo voltaram para os
seus sítios, encorajados, nesse ceticismo, pelo bispo, tão certo, como eles, de que o rebate
fora falso.

Não faltaria quem o metesse à bulha, entre mercadores intimamente partidários do


inimigo. Foi quando se soube que bordejava à altura do morro de São Paulo uma nau (a
Holanda, em que vinha João van Dorth, e que se antecipara às demais).

O governador dispôs as suas forças. Ficava com a companhia de Antônio de Mendonça


Furtado, seu filho, moço de 17 anos, para movimentá-la como fosse aconselhável;
mandou o Capitão Gonçalo Bezerra com a sua companhia, o escrivão da Câmara Rui
Carvalho com cem arcabuzeiros do povo e Afonso Rodrigues de Cachoeira (o pacificador
dos aimorés) com 60 índios frecheiros para Vila Velha, de observação à barra; e cuidou de
guarnecer como lhe pareceu melhor as outras estâncias. A Lourenço de Brito fez capitão
de aventureiros (para as escaramuças) e confiou a Vasco Carneiro a fortaleza nova, apenas
principiada, porém já com alguma artilharia.177

TOMADA DA BAHIA

Em 9 de maio apareceu a frota flamenga. Os seus movimentos foram exatos e rápidos. Em


batéis, na enseada da barra (antes de Vila Velha, e para tomá-la pela retaguarda),
desembarcaram várias centenas de soldados. À vista desse número os arcabuzeiros —
apesar das admoestações de Francisco de Barros178 e do Padre Jerônimo Peixoto, que
correra, a cavalo, para detê-los — se escaparam pelos matos.

A fortaleza nova sustentou o fogo enquanto lhe foi possível, socorrida de Lourenço de
Brito e Antônio de Mendonça e sua companhia, também muito desfalcada pelas
deserções. Retiraram-se os portugueses, deixando treze mortos e levando ferido o bravo
Lourenço de Brito. Pieter Heyn apoderou-se daquela situação e encravou as peças,
enquanto os navios bombardeavam a cidade, para aumentar-lhe o pavor da investida
desigual e imprevista. Uma bala de canhão matou o rico Pero Garcia na sua janela.179 Pelas
ruas circulou o terror pânico. Os holandeses já estavam no Mosteiro de São Bento,
defronte da porta da praça, mal sustentada por alguns soldados que se aproveitaram da
noite — noite confusa e aflita — para fazerem como os outros, largando os postos.
Fugiram todos. O bispo, que se reconciliou com o governador nessa triste manhã, e lhe
ofereceu uma companhia de clérigos para receber o invasor à mão armada, achou
preferível consumir as sagradas espécies da Sé e, sem tempo de esconder-lhe as alfaias,
refugiar-se no campo, com os cônegos e os servos. A gente boa, homens de haveres, os
escravos seguiram o mesmo caminho, aproveitando-se das portas do Carmo e do vale
abaixo da ermida de São Francisco. Atiraram-se para os lados de Itapoã.

O primeiro sítio de descanso da turba foragida foi a Quinta dos Padres; e porque
imaginassem em sua perseguição os hereges, arrancaram para o Rio Vermelho, cujas
águas rugiam em enchente que não permitia a passagem. Assim mesmo centenas de
pessoas — sempre supondo próximos os inimigos — tentaram vadear o rio, e morreram
muitas, na escuridão da noite, uma das mais terríveis de que houve memória na terra.

Ainda se chama “do Conselho” o monte no Rio Vermelho, junto do mar, onde os da
governação da Bahia se juntaram para combinar as primeiras providências defensivas.

Resolveram retirar-se para a aldeia do Espírito Santo. Apoiar-se-iam aí aos índios


catequizados pelos jesuítas, que dispunham de roças de mantimentos e, mais adiante, de
outro núcleo de resistência, a Torre de Garcia d’Ávila (donde acorreu, com os seus
aliados, Francisco Dias d’Ávila, neto do fundador da Casa);180 — e lograram, com esta
iniciativa, disciplinar os contingentes desbaratados e criar um simulacro de exército.

Na manhã imediata entraram os holandeses, sem disparar um tiro, na cidade silenciosa.

Somente o governador os esperou no palácio, resolvido a morrer, de espada em punho.


Concebera o plano desesperado de lançar fogo a uns barris de pólvora. Impediu-lho o
Ouvidor Pero Casqueiro da Rocha, tomando de suas mãos o morrão — e foi ali mesmo
preso, com o filho, Lourenço de Brito, o Sargento-mor Francisco de Almeida Brito, o
ouvidor. Levaram-nos para a Holanda com os troféus da vitória: 3.900 caixas de açúcar,
muito pau-brasil, quanto de precioso rendera o saque...181 Johann Georg Aldenburg
confessa que foi tal a pilhagem que os soldados “mediam prata e ouro nos chapéus cheios
e mais de um apostava 300 ou 400 florins num lance de dados”.182 Os frades, os párocos,
algumas pessoas abastadas lograram esconder as alfaias, enterrando-as, ou as levaram na
fuga: dos que permaneceram em suas casas, somente os parceiros de Francisco Duchs
escaparam ao roubo.

REAÇÃO E ASSÉDIO
A orgia da soldadesca cessou dois dias depois com a chegada de Van Dorth, que assumiu
o governo da cidade.

Não teve porém tranqüilidade, desde que pôs pé em terra.

Fora providencial para os fugitivos a retirada do bispo com o clero. Tinham chefe
natural: o velho D. Marcos, transfigurado pelo arrependimento. Responsável em parte
pela desgraça, como que se decidira a resgatá-la com a vida, num grande exemplo. Na
aldeia do Espírito Santo os oficiais da câmara (instalados aliás com o ouvidor-geral, na
fazenda dos beneditinos, em Itapoã) abriram as vias de sucessão de Diogo de Mendonça:
recaía em Matias de Albuquerque, governador de Pernambuco. Enquanto saía um
portador, para avisá-lo, “elegeu o povo e aclamou por seu capitão-mor” o bispo,183 que
nomeou coronéis Lourenço Cavalcanti de Albuquerque e Melchior Brandão.

Convocou os habitantes do recôncavo; vestiu uma armadura; e agiu com a energia dum
general experiente.

Ordenou logo um assalto para a madrugada de Santo Antônio, fazendo a vanguarda


Francisco Dias d’Ávila com os seus índios. Estes atacaram aos gritos (tal o uso dos tupis) o
mosteiro do Carmo, fora de portas, e tanto bastou para que os flamengos tomassem
posição e os rechaçassem às bombardadas e mosquetaços. Falhou igualmente a tentativa
de Lourenço de Brito para salvar, com jangadas, Diogo de Mendonça e o filho,
prisioneiros a bordo.

Em 17 de junho, com a morte de Van Dorth, recobraram ânimo os portugueses.

Foi o caso que o governador holandês saíra a ver a Fortaleza de São Filipe (em
Monserrate) e de regresso, afastando-se da escolta, com um trombeta por ordenança,
topou com os chefes de guerrilhas Francisco de Padilha e seu primo Francisco Ribeiro,184
que lhe acertaram com as escopetas. Derrubados Van Dorth e o trombeta, os dois capitães
os mataram à espada, momento em que chegavam os índios de Afonso Rodrigues, de
Cachoeira, que, como feras, se lançaram aos corpos, e lhes deceparam pés, mãos e cabeças.

Para os flamengos, o desastre foi esmagador.

Além do chefe perdido, significava a insegurança comum se ousassem sair do abrigo dos
muros — por toda parte salteados pelas escaramuças, em que se notabilizaram ágeis
cavaleiros com os negros e os tupis. Era — em regra — o assédio! Sucedeu a Van Dorth o
Major Albert Schouten, substituído no posto militar pelo irmão, Willem Schouten.

D. Marcos mudou então de tática. Preferiu fechar o cerco à cidade, fortificando-se — a


uma légua de distância — num monte defendido de trincheiras e guarnecido pela gente de
Melchior Brandão (vindo do Paraguaçu), Pero Coelho e Diogo Moniz Teles.185 Postou
guerrilhas em Itapagipe, defronte do Forte de São Filipe (capitães Vasco Carneiro e
Gabriel da Costa), na praia (Jordão de Salazar),186 noutro caminho perto (Manuel
Gonçalves da Costa, Luís Pereira de Aguiar e Jorge de Aguiar); e, do lado oposto, sobre a
porta de São Bento, Francisco de Crasto187 e Agostinho de Paredes (junto da ermida de
São Pedro), na estrada do Rio Vermelho (Gaspar de Almeida, Francisco de Padilha e Luís
de Sequeira). De Manuel Gonçalves da Costa se sabe que foi “o primeiro inventor dos
assaltos e emboscadas que se fizeram pelos caminhos e estradas aos que saíam dela, e
encarregado de cabo dos mais capitães e companheiros que nisso se ocuparam no distrito
de Itapagipe e da parte do Carmo”.188 Praticamente não ficava saída livre aos invasores,
condenados a aguardar socorros marítimos que os abastecessem ou a aventurar-se nos
arredores com o seu aparato de força.

Debalde Francisco Duchs foi a Boipeba e Camamu arrecadar as farinhas de que


necessitavam.

Percebeu entretanto Matias de Albuquerque (agora governador-geral,189 mas que não


pudera passar à Bahia, ocupado que estava na defesa de Pernambuco) — que o bispo e o
desembargador Antão de Mesquita, a quem mandara tomar conta do governo em seu
nome, não se conciliavam, recusando-se o prelado a ceder o lugar ao juiz. O remédio seria
enviar-lhes, como capitão-mor, autêntico homem de guerra, Francisco Nunes Marinho,
“que o havia já sido na Paraíba e servido a el-rei na Índia e em outras partes com muita
satisfação”.190 Com dois caravelões partiu a tempo de encontrar D. Marcos Teixeira
prostrado da doença de que morreu poucos dias depois, no seu arraial — em 8 de outubro
de 1624.191

Governou Marinho de 24 de setembro a 3 de dezembro, quando entregou o poder a D.


Francisco de Moura (natural de Pernambuco e sobrinho de D. Cristóvão de Moura),
enviado do reino para “capitão-mor da gente de guerra do recôncavo” com “promessas e
esperanças de um socorro considerável”.192

RECUPERAÇÃO DA CIDADE

Chegara a Lisboa a notícia da queda da Bahia em 26 de julho: é avaliar o desconsolo que


causou, e a ansiedade da corte, vendo esboroar-se assim uma das colunas do império
ultramarino. Tratou sem delongas de armar expedição numerosa, da qual D. Francisco de
Moura foi o mensageiro, para alertar os povos acerca do auxílio que lhes destinava
Espanha. Outras providências régias consistiram na confirmação de Matias de
Albuquerque como governador-geral, na ordem dada a Francisco Coelho de Carvalho —
governador do Maranhão193 — para deter-se em Pernambuco, e nas instruções a Martim
de Sá, que, do Rio de Janeiro, socorresse a Bahia. Aí, as guerrilhas continuaram,
incessantes, e mais eficazes com o comando de Manuel de Sousa d’Eça — que, apesar de
nomeado capitão-mor do Pará, fora enviado por Matias de Albuquerque para auxiliar
Nunes Marinho.

Em 22 de março, afinal, a armada luso-espanhola se mostrou no horizonte. A maior que


ainda viera à América: 52 navios de guerra, com 1.185 peças e 12.563 homens.

Andava o contingente português em pouco menos da metade. Figuravam fidalgos das


principais casas, que todos tinham acorrido ao apelo de Filipe iv, dando assim à esquadra
uma ostensiva importância. Dirigia-a como chefe supremo um autêntico herói naval, D.
Fadrique de Toledo Osório, sobrinho do Duque de Alba, Marquês de Vilanova de
Balduesa.194 Comandava os portugueses outro valente soldado, D. Manuel de Meneses; e
ao Terço de Nápoles, o Marquês de Torrecuso (Carlos Andréa Caracciolo). O entusiasmo
contagiara oportunamente a riqueza. Quotizaram-se em Lisboa os comerciantes para
ajudar o armamento, com 220 mil cruzados. Dir-se-ia que a salvação do Brasil a todos
interessava, como se fora a de Portugal. Nesses sentimentos se revelava a certeza que
tinham os negociantes de que a sua prosperidade dependia da colônia transatlântica, e a
sua desilusão acerca da Índia. Não tolerariam, de nenhum modo, a perda da Bahia. E
souberam reavê-la.

Não se esquecesse el-rei! O Brasil (diziam-lhe em 1632), era “o melhor e mais


substancial” de sua monarquia, e “por esta razão mais apetecido dos inimigos dela”.195

RESTAURAÇÃO

Os holandeses esperavam os auxílios anunciados: a sua resistência obedeceu à idéia de


ganhar tempo, de protelar a queda da praça. A estratégia dos luso-espanhóis era para
forçá-los à rendição breve e completa.

Desembarcaram 2 mil castelhanos, 1.500 portugueses e quinhentos napolitanos no porto


da barra, e dividiram-se em dois grupos de combate: D. Fadrique de Toledo ficou no
Convento do Carmo, e no de São Bento os mestres-de-campo D. Pedro Osório, D.
Francisco de Almeida, e o Marquês de Torrecuso com dois mil homens. Sofreram um
revés preliminar. Trezentos mosqueteiros investiram-nos com tão nutrido fogo que
puseram por terra oitenta, entre os quais D. Pedro Osório e outros capitães. No dia
imediato, 3 de abril, revidaram-lhes os ibéricos, concentrando a artilharia contra porta e
muros de São Bento, a que causou grandes estragos — enquanto os flamengos reduziam o
campo de ação, distribuindo as baterias no terreiro de Jesus, junto à Sé, e ao longo do
porto.

Ordenou D. Fadrique que o cerco se fechasse do lado das Palmas (batendo de través
aquelas posições) e do Carmo, adiantando uma trincheira para defronte do colégio dos
padres.

Frei Vicente repete o cálculo de um curioso: para 2.510 balas lançadas pelos canhões
holandeses, 4.168 dos nossos... Aos primeiros, abalava a desorientação de comando.
Morrera, de seus excessos, Alberto Schouten, a quem substituiu o irmão Willem,
descuidado e tonto, incapaz de impor-se aos soldados, que, em 26 de abril, se
amotinaram, para escolher outro chefe. Willem Schouten foi ferido com uma alabarda e
aclamado, em seu lugar, o Capitão Johan Kijf. Debalde multiplicou-se este em
providências enérgicas. A armada de socorro não vinha e o bombardeio acabara por
desenganá-lo. Premido pelos comandados, consentiu em oferecer a capitulação. Tentou-a
mandando um tambor — em 29 de abril — com o pretexto de que ouvira a trombeta
espanhola como a convocar para conferência. D. Fadrique respondeu-lhe, que costumava
chamar pela voz dos canhões... Ato contínuo, os da bateria das Palmas se renderam aos
sitiantes.

Era o fim.

Enviou o General João Vicente de San Felice (que tanto avultou, nas campanhas
posteriores, com o título de Conde de Banholo) e Diogo Ruiz, para, juntamente com o
capitão-mor da esquadra Tristão de Mendonça e Lancerote da Franca,196 ultimarem a
captura dos vencidos. Foi tudo concertado a 30 de abril. Largariam armas, bandeiras,
petrechos e riquezas. Seriam repatriados nos seus navios com a roupa do corpo; não
combateriam contra Espanha até chegarem à Holanda; os oficiais conservariam as
espadas...

CASTIGOS E FESTAS

Enquanto na praia se enfileiravam, para embarcar, os vencidos (eram 1.919), grandes


cerimônias celebraram a restauração.197

Começaram pelo desagravo da Igreja, com solene missa e sermão na Sé meio derruída;
terminaram com o castigo dos traidores. “Os portugueses que na cidade ficaram conosco
e pegaram em armas contra os seus próprios patrícios (diz Aldenburg), foram enforcados
no mercado verde junto do colégio”.198 À Senhora da Vitória Francisco de Barros — que
debalde tentara defender a Vila Velha — dedicou a capela que lá está.199 Muita literatura
se fez a respeito na Europa — em prosa e verso, sagrada e profana, graciosa e panegírica.200
Entre a comédia de Lope de Vega (El Brasil Restituido) e a tela de Frei Juan Bautista
Maino, que figura no Museu do Prado (apoteose de Filipe iv ao pé do triunfante Conde-
duque de Olivares),201 a restauração foi como um acontecimento mirífico, digno de
admiração universal.

Para melhor defender a cidade, deixou-lhe D. Fadrique (que se demorou até 25 de


julho), um Terço, de dez companhias de cem homens, todos portugueses (22 de junho de
1625).

Foi a primeira tropa fixa do Brasil.202

Coube a Pedro Correia da Gama o posto de sargento-mor e “governador da gente de


guerra deste Presídio”.
Chamou-lhe “terço velho” (nome que durou dois séculos) para se distinguir do “novo”,
criado em 1631.

Confirmou além disto no governo D. Francisco de Moura — enquanto não chegava


Diogo Luís de Oliveira, já nomeado (26 de fevereiro de 1625) e remuniciou fartamente a
armada, para regressar, feliz, ao reino.

DEVASTAÇÃO

Os moradores queixaram-se amargamente dos sacrifícios que então sofreram, roubados


dos flamengos e escorchados pelos castelhanos, tão empobrecidos, afinal, que era como se
lhes tivesse passado por cima uma das pragas do Egito. Segundo o cronista holandês,
“foram obrigados a recomprar as suas próprias peças antigas aos espanhóis, que
espoliaram a cidade, e carregaram os navios com pau-brasil, tabaco, açúcar, especiarias e
tudo o mais que podiam carregar de mesas, cadeiras, tapeçarias e utensílios”.203 Não
exagerava.
Que V. M. lhes faça mercê aos moradores daquela cidade e seu distrito (pediram os oficiais da câmara) que não
paguem direitos de seus frutos nestes primeiros dois anos, visto perderem a meia safra dos açúcares do ano de 623 e
toda a de 624 e muita parte da de 625 e visto terem a metade da casaria daquela cidade derribada e as que em pé
ficaram os soldados espanhóis lhe não deixaram porta nem fechadura e houve saque geral dado pelos ditos espanhóis
e ficaram todos os moradores da dita cidade desbaratados de todos os seus bens e havendo mister muita fazenda para
reedificar suas casas e móveis de seu uso.204

Testemunhou (carta de 30 de julho de 1627), o governador do Paraguai, D. Luís de


Céspedes Xeria: “Cheguei a esta Bahia onde achei grande pobreza e muito lastimados
todos dela por sua desgraça com mui grande falta de navios”.205 Nem podia sustentar a
guarnição, protestou a câmara.206 O jeito foi economizar o dinheiro que se gastaria com a
Relação — suprimindo-a — para pagar o Terço (carta régia de 31 de março de 1626).207
Retrocedia-se ao regime da ouvidoria-geral, de 1519, disciplinada pelo competente
Regimento.

Reergueu-se devagar a Bahia. Até 1645 a ameaça da guerra continuou a pesar sobre as
suas fracas defesas: e mal lhe chegava o tempo para recuperar-se da calamidade que a
devastara.

IV: A SEGUNDA INVASÃO

O GOVERNO DE DIOGO LUÍS

Inaugurou-se um período de reerguimento econômico e de metódicos preparativos


militares com o governo de Diogo Luís de Oliveira, em 28 de dezembro de 1626.208

Foi um dos mais profícuos da colônia no século xvii. Organizou, fortificou, preveniu —
por nove anos, que coincidiram com a segunda invasão holandesa, a insegurança das
comunicações marítimas, a conseqüente desordem do comércio, nervosas providências de
defesa.

O governador ficou algum tempo em Pernambuco, onde o acolheram com esplendor.


Por mestre-de-campo da gente de guerra trouxera D. Vasco Mascarenhas, seu
companheiro de lutas em Flandres, e a quem deu posse em Olinda, em 11 de novembro
de 26.209 Seguiu para a Bahia em 20 de dezembro. No mês imediato,210 quando Pieter
Pietersen Heyn aí apareceu, o ofício de coronel foi exercido por Lourenço Cavalcanti de
Albuquerque (“nesta ocasião dos holandeses em que o armei cavaleiro”, diz a provisão
que o nomeou alcaide-mor, em 13 de setembro de 27...)211 Pieter Heyn incumbiu-se de
mostrar-lhe as persistentes intenções de Holanda: surgiu com treze velas em 3 de março
— a tempo de surpreender a frota mercantil em aprestos de partida.

PIETER HEYN

Devemos ao governador do Paraguai, D. Luís de Céspedes, um depoimento sobre o


ataque do terrível corsário.
Saiu o governador, tocaram-se as caixas, alvorotou-se a gente, preveniu-se a artilharia, repartiu-se a pólvora, mandou
duzentos soldados que defendessem os navios que estavam na ribeira, digo trezentas caixas que tinha neles (o
governador), e posta a demais gente em seus postos e ele em sua janela, foi entrando pelo porto o inimigo, tão atrevido
como desavergonhado, chegou em meio de nossos navios e em menos de meia hora levou rendidos 25 entre grandes e
pequenos, matou e cativou alguns soldados [...]. Lancha vi com quatro holandeses levar três navios de reboque.

Num excesso de confiança Pieter Heyn se aproximou da praia. A capitânia embicou


num banco e teve de abandoná-la, após inúteis esforços para a desencalhar. Perdeu outra
nau cujo paiol explodiu.212 Mas durante um mês se conservou no porto, ameaçador e
irresoluto. Contente, com a presa rica, mandou quatro barcos carregados para a Holanda
e saiu a ver a costa até Cabo Frio. Dominava o mar!

Voltou em 10 de junho, com quatro navios de combate. Tomou dois, fundeados em


Itapagipe, e expediu lanchas atrás de três outros, que procuraram ocultar-se no recôncavo.

Na batalha que se travou no Rio Pitanga, no dia 12, entre um daqueles barcos e os
flamengos, morreu — pelejando heroicamente — o Capitão Francisco Padilha.213

Dir-se-ia que Pieter Heyn fora ali vingar Johan van Dorth! Retirou-se definitivamente
em 14 de julho. Os lucros de sua expedição rapace e, sobretudo, a conquista da “frota da
prata”, que o celebrizou em setembro de 1628, rendendo-lhe 9 milhões de ducados,
compensaram os prejuízos de 1625 e habilitaram a Companhia das Índias para empresa
maior: a ocupação do Norte do Brasil.
ÍNDIOS REBELDES

Entregou Diogo Luís o reaparelhamento das obras de defesa ao engenheiro Marcos


Ferreira — que de Pernambuco viera auxiliar o velho Francisco de Frias.214 E logo tratou
de fazer frente a um perigo mais próximo: os levantes de índios do Paraguaçu e Jaguaripe.

Assentou, em junta, que a guerra seria dirigida por Antônio Rodrigues, de Cachoeira,
contra
entradas que faziam os índios levantados chamados da Santidade os quais por vezes deram nas fazendas e currais dos
moradores com mão armada, assim no Paraguaçu, no Aporá, e Maragogipe, como em Jaguaripe, chegando às casas
dos moradores, e mataram homens brancos, e negros, feriram outros, e mataram muito gado vacum, e ora
ultimamente deu em Jaguaripe [...] e destruíram o engenho de Nicolau Soares roubando-o de muita ferramenta.215

Como estivesse na cidade João Barbosa, prático das línguas indígenas da Paraíba e do
Rio Grande, foi incumbido de trazer dez casais de cada aldeia daquelas capitanias, que
repetissem a façanha do Zorobabé.

Afonso Rodrigues bateu os selvagens e recolheu numerosos prisioneiros, legalmente


distribuídos pelo “cabo” e seus soldados (Jorge d’Aguiar, “capitão da dianteira”, Manuel
Fernandes, Manuel Rodrigues, Antônio Saraiva, André Vaz, Francisco Madeira,
Domingos Gonçalves, Antônio Pavão, Álvaro Rodrigues, filho do Capitão Antônio
Rodrigues...). O governador-geral (tradição que vinha de Mem de Sá!), recebeu do quinto,
conforme provisão régia, 24 peças, que deu a Diogo Lopes Ulhoa.216

Mal se aquietaram os caboclos, chegavam novos avisos de armadas holandesas. Mandou


el-rei socorro de trezentos homens, e “que pelos avisos que se houveram de os holandeses
intentarem ir com armada a esse estado” (carta de 19 de novembro de 29)217 — se dessem
40 quintais de pólvora à dita cidade, 60 a Pernambuco, 20 à Paraíba e ao Rio de Janeiro
num navio em que tornava à colônia Matias de Albuquerque.

O capitão de Pernambuco, com efeito, fora ao reino dois anos antes pedir os
convenientes auxílios para segurar a sua terra, agora que a ameaça de inimigos era
veemente. Não obteve grande cousa: além daquela pólvora, doze artilheiros,218 cinqüenta
arcabuzes... Maior era o título (que se lhe conferiu em 24 de maio de 1630):
“Superintendente da guerra de Pernambuco e visitador e fortificador das capitanias do
Norte”.219 Praticamente, era nova divisão do Brasil em dois governos, entregue o
setentrional à influência do seu centro histórico, Olinda.

Sabia Filipe iv que os flamengos prefeririam desta vez o próprio Recife? Previa — isto
sim — uma guerra intermitente: tanto que ordenou só se fizesse daí por diante a
navegação em frotas protegidas por muitos navios de guerra, criando-se na Bahia Casa de
Contratação para taxar o açúcar, sobre o qual recairia o sustento desses comboios (carta
régia de 12 de julho de 1628).220 Ato contínuo, proibiu a vinda de embarcações menores
de 300 toneladas.221
A SEGUNDA INVESTIDA FLAMENGA

A Companhia das Índias Ocidentais preparou, em 1629, uma poderosa expedição para a
conquista do Norte do Brasil.

Já não lhe interessava a pilhagem: tinha vistas mais largas. Pretendia estabelecer-se
numa colônia de rendimento, desalojando os portugueses para o sul do São Francisco.
Não devia cobiçar a Bahia prevenida, fortificada e com permanente guarnição. Atraiu-a
Pernambuco — “mais rica de quantas ultramarinas o reino de Portugal tem”,222
indispensável para o domínio das capitanias adjacentes e a vigilância das comunicações
marítimas e, além disto, desapercebida para uma guerra verdadeira.

Nesse ano de 1629 recrudescera a luta com Espanha nas fronteiras holandesas, o que
retardou a partida da frota — de 35 naus, 15 iates, 13 chalupas e duas embarcações
capturadas, levando 3.780 marinheiros e 3.500 soldados. Morrera Pieter Heyn em
combate nas águas de Dunquerque. Por isto o comando foi dado a Hendrick
Corneliszoon Lonch. Os principais oficiais eram Pieter Adriaanszoon Ita, Joost van
Trappen, Jonkheer Diederik van Waerdenburch (este chefe da força de desembarque).
Largou a armada no verão; concentrou-se em São Vicente em dezembro; e a 13 de
fevereiro de 1630 defrontou Olinda.

Quatro dias antes chegara a Pernambuco um patacho de São Vicente com a notícia, que
mandava o governador da ilha, de que os holandeses não tardariam.223 Matias de
Albuquerque trabalhou febrilmente nos aprestos da defesa, ajudado do Capitão-mor
André Dias da Franca (que o substituíra na ausência), do Sargento-mor Pedro Correia da
Gama, enviado pelo governador-geral, e de outros soldados animosos.224 Fez rodear Recife
de uma linha dupla de paliçadas, obstruiu-lhe o porto afundando oito barcos, e estendeu
os canhões de que dispunha ao longo da praia de Olinda. Foram inteligentes as medidas
tomadas. Realmente o Almirante Lonch não pôde entrar o porto, que achou barrado.
Bombardeou de fora os fortes do Recife, enquanto Waerdenburch metia em terra ao norte
de Olinda (Pau Amarelo) uns 3 mil homens — em 15 de fevereiro — guiado na operação
por um judeu que morara muito tempo em Pernambuco, Antônio Dias Paparobalos.
Vibrou com isto o golpe de morte na resistência portuguesa.

A presença dum cristão-novo na tropa invasora, a exemplo do que acontecera na Bahia,


tem uma explicação acessória, segundo Frei Manuel Calado.

Além de serem numerosos os judaizantes da capitania, temiam a próxima vinda do


Santo Ofício e a este preferiam os flamengos, “como bem mostraram depois que o
holandês entrou na terra”.225 Conta que o Padre-Frei Antônio Rosado, dominicano, viera
por Visitador da Inquisição a Pernambuco; estranhara os vícios e abusos dos colonos, e
profligara: “De Olinda a Holanda não há mais que a mudança de um i em a”.
Amedrontados com a ameaça, seduzidos pelos sócios de Amsterdã, mudariam facilmente
de bandeira.226 Mas outras debilidades prevalecem na perda do Recife. André Dias da
Franca, de quem se fiara a parte do litoral atacada,227 não pôde conter os holandeses em
Pau Amarelo. O próprio Albuquerque, deixando o Recife com Pedro Correia da Gama,
levou 8 companhias de infantaria e quatro de cavalos (850 homens) para quebrar-lhes o
avanço, e ao primeiro choque, na passagem do Rio Doce, teve de retroceder abandonado
da maioria dos seus.228 Marchou o inimigo sobre Olinda do norte para o sul e tomou-a —
através das escarpas do colégio dos jesuítas — pelo lado indefeso. Perdeu ali a guarnição
45 mortos (entre estes o Capitão André Pereira Temudo, companheiro de Castelo Branco
na fundação do Pará) e 56 feridos. Restava o porto. Com vinte soldados somente, Matias
de Albuquerque se precipitou para o Recife. Queria animar a resistência dos dois fortes,
Picão e São Jorge, e lançar fogo aos navios carregados, antes que os apresassem.

Nesta decisão extrema foi surpreendente de energia.


[...] e vendo-me pela manhã sem nenhum soldado destas companhias (sete, que havia no porto) me pareceu que
convinha pegar fogo a 24 navios em que havia mais de 8 mil caixas de açúcar e muito pau de Brasil, algodão e tabaco, e
assim queimei todas as casas em que havia açúcar, em que haveria mais outras 8 mil caixas e muito pau e tabaco, que
tudo valeria bem 1 milhão e 600 mil cruzados, para que o inimigo, perdendo as esperanças de tão grande saco, pois era
tudo o que havia nesta capitania, se desanimassem seus soldados que viessem cometê-lo e eu pudesse melhor acudir
aos fortes.229

Teve grande importância então o sangue-frio do licenciado André da Fonseca de


Almeida, provedor da Fazenda, e do meirinho da correição Lourenço Guterres.230

O primeiro, em meio da confusão geral, tomou a si salvar armas e pólvora dos armazéns
de Olinda, e realmente, com imenso esforço, as conduziu em carros para fora da vila.
Com essas munições — disse Matias de Albuquerque — “me achei de quatro para cinco
meses, sendo contínuos os assaltos [...] e pelos efeitos se tinha por milagrosas tais
munições”. Também ao provedor se deve o voto, em junta de capitães, para a escolha do
sítio em que a defesa continuaria, como certificou o governador.231

O ARRAIAL DE BOM JESUS

Nos entrementes corriam ao socorro da costa o Padre Manuel de Morais com muitos
índios, Antônio Ribeiro de Lacerda, vindo de Ipojuca, Pedro de Albuquerque, de Vila
Formosa, Matias de Albuquerque Maranhão, da Paraíba. Os fortes sustentaram a luta até
2 de março. Capitularam honrosamente, obrigando-se a guarnição a não tomar armas
durante seis meses.232 Retirou o governador para um lugar eqüidistante de Olinda e
Recife, alto e defensável; denominou-o “Arraial de Bom Jesus”. Podia concentrar aí os
reforços do interior, dominar o rio e a várzea, e hostilizar com as guerrilhas, à maneira
dos da Bahia cinco anos antes, as partidas inimigas que se aventurassem pelos
descampados. Deu a Albuquerque Maranhão o comando da estância de Santo Amaro, a
Lourenço Cavalcanti a Goiana, a Luís Barbalho a Boa Vista (casas do rico João Velho
Barreto) e a Antônio Ribeiro de Lacerda a Ipojuca (Afogados).

A notícia da perda do Recife chegou a Portugal em 29 de abril. Não foi maior a emoção
causada pela desgraça de 1624. O governador do reino, D. Diogo de Castro, pediu a Filipe
iv fosse em pessoa assistir aos preparativos da armada restauradora: que se fazia mister a
influência del-rei, enquanto era tempo! Providência preliminar, expediu este a carta régia
de 11 de maio de 1630, a recomendar preces e penitências, pois via na calamidade sinais
de punição divina: e encolerizado contra os judeus, mandava ao Bispo Inquisidor desse
“exemplar castigo contra os hereges infiéis, com o castigo devido à sua perfídia”. Onde se
tem visto o espírito beato de Espanha deve descobrir-se também a represália política: em
Madri se considerava que os cristãos-novos conduziam os invasores pela mão... Feitas as
rezas, cuidou o governo de aprestar a esquadra, entregue a um chefe célebre: D. Antônio
de Oquendo, o “herói cantábrico”. Com ele vieram Duarte de Albuquerque, donatário de
Pernambuco, e o Conde de Banholo.

A esquadra de Oquendo não se parecia, entretanto, com a de D. Fadrique de Toledo.


Compunha-se de 18 navios de guerra e cinco fretados, e transportava mil homens, 200
para a Paraíba e 200 para a Bahia233 — tropa e frota insuficientes para o choque previsto.

Em 13 de julho de 1631 fundeou na Bahia: então as perspectivas da luta eram claras, as


posições definidas.

Os holandeses recebiam regularmente socorros e novos contingentes militares.


Consolidara-se Matias de Albuquerque no Arraial e — em 14 de março — rechaçara um
formal ataque (do Tenente-coronel Van der Elst). Mas não esperou, inativo, o inimigo
cada vez mais forte. Mandou Luís Barbalho e Antônio Ribeiro de Lacerda inquietá-lo nas
suas trincheiras da Ilha de Santo Antônio (ação em que morreu Lacerda e Van der Elst
saiu ferido). Demonstrava o empenho em preservar a várzea e defender-lhe os caminhos e
os engenhos. Trataram os holandeses — ante a impossibilidade de expandir-se pela zona
agrícola — de cingir Recife com um cinto de fortalezas: construíram as do Brum (de
Bruyn, nome de um dos conselheiros da Companhia), Cinco Pontas e Três Pontas, donde
vigiavam os campos adjacentes. Não desdenharam os adversários. “Acho este povo de
soldados vivos e impetuosos”, reconheceu Waerdenburch (que assistira ao combate de 16
de julho). Sentiram que o domínio do país exigia um exército numeroso, e confessaram a
perplexidade em que estavam, junto do mar, rodeados da gente hostil e dispersa, e duma
natureza cheia de mistério. A audácia dos portugueses — se D. Antônio de Oquendo
batesse a armada flamenga — não os deixaria permanecer ali. Perderiam Recife se a sua
frota fosse destruída: a frota salvou-se, e se desvaneceu também a oportunidade da
reconquista. À primeira vista, um revés. A batalha, contudo, correu mais favorável às
armas espanholas do que às holandesas.

Feriu-se o combate perto da baía de Traição em 12 de setembro (1631). Inicialmente os


holandeses (Almirante Adriaen Janszoon Pater e Vice-almirante Marteun Thijssen)
imaginaram vencer pelo número: tinham 17 navios e estimavam em oito galeões a força
espanhola. Com surpresa viram 17, fora 12 caravelas e 24 navios de comércio. Tarde para
retirar, supriram a desigualdade com a iniciativa: a nau capitânia, de Pater, lançou-se
sobre a de Oquendo, enquanto o galeão de Thijssen se atirava à vice-capitania de Castela.
Esta, atingida por uma bordada, afundou, e o São Boaventura, que quis socorrê-la, foi
aprisionado. Ao contrário, o navio de Pater, atracando ao de Oquendo ficou debaixo do
fogo de dois outros. Um deles, Nossa Senhora dos Prazeres Menor, naufragou, caindo em
poder do inimigo Cosme do Couto Barbosa. Mas os primeiros incendiaram a nau
holandesa. Debalde Pater aguardou o auxílio do resto da frota. Quando a sua nave era
uma grande fogueira, dependurou-se dum cabo seguro à proa, e muito tempo assim se
conservou, até lhe faltarem as forças, e desaparecer nas ondas.234 Aproximava-se a noite;
sem quererem insistir na ação, Thijssen e Oquendo trataram de afastar-se, um para o
Recife, o outro para a Bahia e a Paraíba,235 onde desembarcou os soldados que levava.

As perdas tinham sido igualmente pesadas: mas para o Brasil foi como se um irreparável
destroço tivesse mergulhado no oceano as quilhas portuguesas. Porque tomou Oquendo o
rumo das Antilhas, a fim de proteger a “frota da prata”; Thijssen reconduziu a salvamento
os seus barcos; e a próxima esquadra que mandou a corte de Madri chegou em 1635,
quando já nada restava do Arraial de Bom Jesus...

DEBILIDADE ESPANHOLA

De fato, a monarquia dos Filipes entrara numa fase de agitações e reveses que lhe
prenunciava a dissolução. Insurgiram-se os bascos contra as novas imposições. Esgotara-
se o tesouro régio. Praticamente as despesas eram feitas pelos comboios da América, que,
todos os anos, reabasteciam um erário exausto. Não havia dinheiro para manter em tão
apartadas regiões exércitos importantes: Flandres, Itália, Portugal, colônias. Agravavam as
finanças públicas os “juros” vendidos, os empréstimos, a burocracia, as classes
parasitárias, a deficiência agrícola, a falta de indústrias, os costumes suntuários, o
abandono dos campos. Sintomas de revolução alvoroçavam nobreza e povo na Biscaia, na
Catalunha, em Lisboa, Porto e Évora. O descontentamento crescera com os infortúnios
militares. Na hipótese de dominarem os holandeses o Atlântico, interceptando o comércio
marítimo, a ruína se completaria com a explosão dos regionalismos represados, o
desgosto da burguesia empobrecida. O resgate de Pernambuco tornara-se indispensável
para a política de Madri. Ao tempo em que destacara Oquendo para varrer do oceano os
flamengos, apelava para os contribuintes portugueses. Sem muito ouro não os
expulsariam! Houve grande venda de “juros”, autorizada em 20 de fevereiro de 1631.
Avocou a Coroa o monopólio do sal, de que não abriria mão mais tarde, pois se tornou
excelente fonte de renda. É de 6 de março de 32 a provisão mandando fosse o sal vendido
no Brasil sem aumento de preço pelo “estanco”, representado por uma junta em Lisboa e
pelo provedor das fazendas nas diversas capitanias.236 Mas, insucedida a esquadra de
Oquendo, reconhecia “a falta de caravelas e navios geral neste reino por se terem perdido
e tomado muitos”.237 Resignou-se o governo a permitir a vinda de navios estrangeiros, de
nações amigas, ao Brasil: e não soube atinar com os recursos para auxiliar Matias de
Albuquerque na sua estóica defensiva.

A CONQUISTA ESTENDE-SE
Não podendo reduzir o Arraial de Bom Jesus, fizeram os invasores por ampliar no litoral
a zona de ocupação.

Foram sobre a Ilha de Itamaracá, mal defendida do donatário, o Conde de Monsanto,


em cujo nome governava Salvador Pinheiro.238 E construíram uma fortaleza, na restinga
fronteira à barra (o Forte de Orange), onde aquartelou, com mais de quinhentos homens,
o Coronel Crestofle d’Artischau Arciszewsky.239 Uma arremetida sobre o porto de
Afogados frustrara-se em 1º de julho de 1631. Também foi desastroso o desembarque
tentado na Paraíba no ano seguinte, como diremos. Esse revés encorajou as guarnições
portuguesas do Norte.

Correu Matias de Albuquerque Maranhão ao Forte dos Reis Magos, no Rio Grande,
visado por uma expedição de Waerdenburch — logo em seguida — o que bastou para
impedi-la. O novo ataque foi ao Cabo de Santo Agostinho: mas aí estava Bento Maciel
Parente com sessenta soldados; socorrido de Francisco Gomes Pessoa, que comandava o
posto de Afogados, rechaçou o inimigo. Decidiu então Matias de Albuquerque, que não se
harmonizava bem com o Conde de Banholo, chefe dos reforços trazidos por D. Antônio
de Oquendo,240 destacá-lo para o cabo com o seu terço de 300 napolitanos. Banholo
levantou o Forte de Nazaré para resguardo do porto e pôs-se a vigiar essas praias, seguro
de que os holandeses desistiriam cedo daquela guerra morosa.

Outra não era a previsão dos defensores do Arraial. Empresa lucrativa, a do Brasil,
cessaria quando lhe faltassem os rendimentos que se pediam de Holanda. Os negociantes
queriam juros do seu capital, resultados prontos, boa presa. Não perseverariam numa
aventura perigosa que lhes devorasse as reservas e o principal. Em novembro, Olinda fora
incendiada e abandonada. Dir-se-ia que, arrasando a vila de Duarte Coelho, com belas
igrejas e casario antigo, derrubavam os padrões da colonização portuguesa, sepultados nas
próprias cinzas. Outro Brasil, o holandês, floresceria na Ilha de Antônio Vaz e no porto
do Recife! Neste, entretanto, havia apenas 576 pessoas civis e 421 negros...241 Uma
desolação! O método de campanha dos pernambucanos era o mais eficaz para esgotar a
paciência ao estrangeiro: sortidas, a coligação astuta dos moradores com os índios,
assaltos inesperados aos comboios que se arriscavam longe dos baluartes, guerrilhas e
escaramuças, em ferozes episódios de vingança...
E o remédio (escreveu a regência de Lisboa, em 16 de agosto de 1632) é irem as armadas de Vossa Majestade com
poder e força bastante a se defenderem no mar, e a sitiarem e tomarem a terra que ele, Matias de Albuquerque,
enquanto a vida lhe durar, assistirá a tudo o que naquela guerra se oferecer, suposto que com quase a metade dos
soldados enfermos e todos descalços e despidos, sem pagar de socorros, nem com que lhes poder dar de comer, sendo
impossível fazer, e sustentar guerra sem cabedal, e mais quando é tão trabalhosa, pronta e arriscada.242

Ocorreu algo de novo em abril de 1632 que, prodigiosamente, alterou a situação.

Entrou em cena um desertor. Domingos Fernandes Calabar uniu-se ao inimigo.


V: O NORTE EM 1630

PARAÍBA

Com quartel para os socorros da costa e prevenção de estrangeiros, crescera a Paraíba


com os rebates da guerra holandesa.

Diz-nos Frei Luís de Sousa (1628): “Logo a capitania da Parayva (sic) muito importante
pelo porto e cidade Felipéa: tem já muytos engenhos, páo brasil, tintas, tabaco, algodão,
muyto linho e anil”.243 Subira a 600 mil escudos a estimativa do seu comércio anual (lê-se
de um papel do tempo): era a quarta parte da importância atribuída à Bahia...

A Afonso da Franca, seu governador desde 1618, sucedera o primogênito de Jerônimo


de Albuquerque Maranhão — Antônio de Albuquerque (nomeado por três anos em 9 de
agosto de 1622) e ainda no cargo ao romper a luta. Foi dos grandes soldados do Brasil.
Prorrogando-lhe o prazo de servir em 1632, dizia el-rei:
E porque a Paraíba é a praça que mais apetecem, e contra a qual meterão mais cabedal e Antônio de Albuquerque a
defendeu com muito esforço, prudência e boa fortuna e é muito respeitado e conhecido dos índios, parte
essencialíssima para os ter quietos e contentes.244

À notícia do desembarque dos flamengos em Pau Amarelo mandou cem homens, sob o
comando de seu irmão Matias de Albuquerque Maranhão. Da Paraíba saíram as farinhas
que alimentaram o Arraial de Bom Jesus.245 Esperava, porém, um ataque formal.
Melhorou o Forte de Cabedelo ainda de madeira,246 e levantou outros dois na margem
oposta (Santo Antônio) e na Ilha da Restinga. Da frota de D. Antônio de Oquendo
recebeu, numa caravela, “duas companhias do Presídio Novo”,247 cujo capitão era Antônio
de Figueiredo de Vasconcelos. Assim se frustrou o primeiro assalto dos holandeses em 9
de dezembro de 1632. O Tenente-coronel Callenfels logrou apoderar-se das vizinhanças
de Cabedelo onde construiu uma trincheira.

Logo Albuquerque se apoiou a outra trincheira defronte, e repeliu o ataque, perdendo o


inimigo 140 homens.248

Foi grande sucesso. O governo, em Lisboa, proclamou a sua alegria dando graças a Deus:
Por meio de sacrifícios e orações se Lhe peça que por sua misericórdia permita que esses sucessos se continuem e
levem adiante para que com seu favor se acabem de deitar daquelas partes os Hereges Rebeldes seus e meus, para que
as igrejas que têm ocupado tornem aos ministros católicos para se celebrarem nelas os mistérios da sua Santa Fé, e
assim ordenareis logo e do que nisso se fizer me dareis conta.249

Distinguiram-se João de Matos Cardoso, capitão do forte,250 o engenheiro Diogo Pais,


que fora de Pernambuco ajudar a defesa, Belchior Beringel251 e o franciscano Frei Manuel
da Piedade, filho do Capitão João Tavares, morto quando exortava os soldados com um
crucifixo. Da outra margem comandava um reduto Duarte Gomes da Silveira, o velho
auxiliar de Feliciano Coelho nas incursões sertanejas: de tal sorte revelou o seu propósito
de resistir, que preferiram os holandeses bater em retirada, recolhendo-se, desolados, ao
Recife. Salvara a capitania a tenacidade dos seus naturais.

O ataque subseqüente seria ao Rio Grande do Norte.

RIO GRANDE

O Rio Grande era pouco mais do que a Fortaleza dos Reis Magos, ainda incompleta,
donde saíram os pioneiros da conquista lés-oeste. Em 1612 a cidade tinha
pobremente acomodados até 25 moradores brancos, fora da obrigação da fortaleza, e destes tem pelas roças e redes e
fazendas principiadas da capitania até 80 moradores, os quais (continua o Livro que dá razão do Estado) pediram
modo de governança e se lhes concedeu o ano de 611, pelo Governador D. Diogo de Meneses, o qual com parecer da
Relação elegeu o juiz, um vereador e escrivão da câmara, procurador do conselho e procurador dos índios.

Fora-lhes providencial a tempestade que atirara à foz do Potengi Diogo de Meneses, em


1607. Criou, atendendo ao que representaram, “lugares de provedor e tabelião no Rio
Grande”, e parece não esqueceu, no seu próvido governo, a hospitaleira paragem. Mas
prosperou vagarosamente. Frei Luís de Sousa nota apenas: “Segue a capitania do Rio
Grande, em que há fortaleza”.252 Em 1614 carecia de portas a matriz...253 Importante era a
guarnição, de 80 soldados permanentes: a despesa porém (3:523$700) continuava em
1626 igual à de vinte anos antes,254 e corria pelas rendas da Paraíba.255 É verdade que
Jerônimo de Albuquerque fundara o primeiro engenho de açúcar, na várzea do Cunhaú,
depois de 1604.256 Mas — confirmara Diogo de Campos Moreno — “a terra desta
capitania geralmente é terra fraca mais para gados e criações que para canaviais e roças”. E
o autor dos Diálogos das grandezas: “Não há nela engenhos de fazer açúcares mais de um
até este ano de 1618, por a terra ser mais disposta para pastos de gado, dos quais abunda
em muita quantidade, até entrar na capitania da Paraíba que lhe está conjunta”.257
Desdenhava: “Deixemos logo esse Rio Grande por estéril”. Os holandeses, em 1633, viram
isto mesmo: “Natal de aspecto triste e acabrunhador” contrastava com os risonhos
pastos258 “e seus currais de gados de toda sorte que é o meneio desta gente e algumas
religiões e pessoas particulares moradoras na Paraíba”.259

CEARÁ

Na década de 1620–30 a história do Ceará ainda se confunde com a de Martim Soares


Moreno.

O ano de 1617 não fora propício ao patriarca. Aprisionado no mar pelos franceses,260
livrou-o o embaixador espanhol, e estava no reino em 1618. Recebeu mercê da capitania
do Ceará por dez anos (patente de 26 de maio de 1619), com dispensa de ir à Bahia prestar
juramento em mãos do governador.261 Em 4 de janeiro de 1621 o Conselho da Fazenda
julgou o seu pedido de um ordenado, que o ajudasse a viver. Gaspar de Sousa — com a
autoridade de antigo governador — opinou se lhe arbitrassem 300 a 400 cruzados, por ser
a capitania cousa de pouco proveito... Alegava Martim Soares em 22 de agosto: a
“povoação que vai fazer [...] por mandado de V. M. está muito falta de todos os
ornamentos para se poderem celebrar os ofícios divinos”; e pedia os objetos necessários e
a imagem de São Sebastião “que é orago ali”.262

Entrara a capitania do Ceará no estado do Maranhão, separando-se assim do governo do


Brasil. Bem pouco pesava aliás ao erário régio. Com o seu vigário, e vinte soldados de
guarnição, custava por ano 741$000 (em 1626). “Ruim porto e com baixos”, indica o
cronista em 1628: nada mais.263 Adverte: “Aqui se acharam minas de prata”. Foram
atoardas sem confirmação.

Francisco Coelho de Carvalho, governador do Maranhão, lá esteve em julho e agosto de


1626: o forte era “tão fraco e desbaratado que lhe foi necessário fazê-lo de novo e
guarnecê-lo com 4 peças de artilharia por não ter mais que uma”.264 Martim Soares,
depois de ter repelido uma tentativa de desembarque holandês em 1625, não acreditava
em novos assaltos à sua pobre atalaia. Em 1628 pede urgentes socorros para a sua
guarnição isolada. É o Conselho da Fazenda, em Lisboa, quem manda ao governador-
geral que lhe atenda à queixa.265 A capitania, porém, não se sustentaria sozinha. Mal soube
da invasão de Pernambuco, correu a juntar-se a Matias de Albuquerque.266 Diz nas
Memórias diárias Duarte de Albuquerque que o capitão do Ceará tivera ordem para
apresentar-se no Arraial de Bom Jesus com “alguns índios e poucos soldados”: cumpriu-a,
deixando na fortaleza (reedificada em 1626) seu sobrinho, Domingos da Veiga Cabral.267
Foi por morte deste que os índios, infensos aos portugueses (então trinta soldados e
quatro ou cinco moradores), mandaram recados aos de Holanda atraindo-os ao Ceará (20
de dezembro de 1637).268

MARANHÃO

Maranhão prosperara duplamente: como presídio e colônia de povoamento. Defendiam-


no três fortes, com 261 soldados, em 1626. Saía a capitania a el-rei por 9:706$920
anuais.269 “Dois ou três engenhos d’açúcar principiados”, acrescenta Frei Luís de Sousa.
Esse princípio resultara de uma emigração de açorianos em 1619.

Jorge de Lemos Bittencourt tivera licença (carta régia de 12 de abril de 1617), para pôr
ali duzentos casais de ilhéus. Trouxe-os a expedição cuja nau capitânia era de Simão
Estácio (que aportou em São Luís a 11 de abril de 19): homem de belas-letras, imprimiu
em Lisboa, em 1624, a “Relação sumária das cousas do Maranhão, escrita pelo Capitão
Symão Estacio da Sylveira, dirigida aos pobres deste reyno de Portugal” — de elogio ao
novo Estado e às riquezas que prometia.270
Segundo Fr. Antonio Vázquez de Espinosa (Compendio y Descripción de las Indias
Occidentales), ainda se apelidava de Todos os Santos a ilha, o forte tinha agora o
espanholíssimo nome de São Filipe e eram ao todo quinhentos vizinhos, os moradores
brancos que aí havia.271 Não se devia retardar, pois, a fundação do município, com a
eleição da câmara. Foram escolhidos primeiramente cinco eleitores (Rui de Sousa,
Capitão Pedro da Cunha, Álvaro Barbosa Mendonça, Sargento-mor Afonso Gonçalves
Ferreira e o Capitão Bento Maciel Parente). Os quatro primeiros eram da gente de
Bittencourt. Elegeram por sua vez juízes — Simão Estácio e Jorge da Costa Machado;
vereadores, Álvaro Barbosa e Sargento-mor Antônio Vaz Borba; Procurador Antônio
Simões. Instalou-se destarte a municipalidade maranhense.

Preferira el-rei destacar as novas conquistas do resto do Brasil, e criou, com as três
capitanias da costa lés-oeste, o “Estado do Maranhão” (carta régia de 13 de junho de
1621).

Francisco Coelho de Carvalho, mandado para esse governo, em 1623, ficara retido em
Pernambuco, a auxiliar a defesa, com Matias de Albuquerque: só se empossou em 3 de
setembro de 1625.

Tomara o alvitre de enviar do Recife um navio “com alguns velhos e mulheres” e quinze
franciscanos, cujo custódio se chamava Frei Cristóvão de Lisboa. Partiu em 12 de julho de
24. Dois frades detiveram-se no Ceará, a requerimento de Martim Soares. Chegaram os
mais a destino em 6 de agosto, e deram início ao convento que tanto avultaria na história
das missões. O custódio foi incansável. “Queimou muitos livros que achou dos franceses
hereges e muitas cartas de tocar”.272 E escreveu uma História de animais e aves do
Maranhão, estimável por seus numerosos desenhos.273

O governo de Francisco Coelho aplicou-se sobretudo às entradas contra o gentio bravo,


à expulsão de holandeses e ingleses no Amazonas e ao desbravamento das terras, inçadas
de tapuios, entre o Ceará e o Pará. Nelas recortou aliás duas capitanias274 (autorizado em
19 de março de 1624): do Caité, para o filho, Feliciano Coelho — seu braço direito — e de
Tapuitapera (ou Cumã) para o irmão, Desembargador Antônio Coelho de Carvalho.275

Morreu o governador em Cametá, a 15 de setembro de 1636. Apesar da designação que


fizera do cunhado, Antônio Cavalcanti de Albuquerque, para governar em sua ausência,
apoderou-se do cargo Jácome Raimundo de Noronha, fazendo-se eleger pela câmara, com
escândalo e oposição dos parentes de Francisco Coelho. Não lhes perdoou a
animadversão. Deixou que a gente do Pará destituísse o capitão-mor. Luís do Rego
Barros, que não quisera reconhecê-lo, e, sabendo da conspiração que à roda de Antônio
Cavalcanti se tecia em São Luís, prendeu alguns, ameaçou ou desterrou outros, ao tempo
em que os principais se retiravam para os matos. Vingou-os Bento Maciel Parente.

A viagem de Pedro Teixeira ilustra o tumultuário governo de Jácome Raimundo. A


tomada do Ceará pelos holandeses, porém, chamou a atenção da corte para as desordens
do Maranhão. Foi este entregue de novo a experiente e velho soldado: Bento Maciel. Mal
assume o poder, manda processar e prender o antecessor, que tem de ir justificar-se a
Lisboa.276

Governava respeitado, cheio de autoridade, e vigoroso, como nos dias dramáticos da


ocupação da Amazônia — quando o surpreendeu a invasão holandesa.

PAR Á

A história do Pará até 1621, quando Bento Maciel, provido no governo, lhe impôs uma
ordem estável, é caótica e brumosa.

Vimos Francisco Caldeira fundar, em 1616, a cidade de Belém. Desaveio-se com os


companheiros, ao tempo em que os índios, insultados, cercaram o forte do “Presépio”.
Saiu o Capitão Manuel Soares de Almeida a pedir auxílio em Pernambuco. D. Luís de
Sousa mandou quatro navios, às ordens de Jerônimo Fragoso de Albuquerque, novo
capitão-mor, que encontrou deposto e preso Caldeira, e nomeado Baltasar Rodrigues de
Melo por vereadores, soldados e povo.277 Assumiu o poder (28 de abril de 1619), mas
faleceu meses depois. Delegou antes as funções ao primo Matias de Albuquerque
Maranhão (29 de agosto), também destituído vinte dias mais tarde. Uma junta (Custódio
Valente, Pedro Teixeira e Frei Antônio de Merciana), incumbiu-se da administração até
que, por nomeação régia, passou o segundo a governar sozinho (1620–1). Pedro Teixeira
era mais homem de descobrimentos e guerra que de governo: devera alegrar-se com a sua
substituição por Bento Maciel, que levou no cargo cinco anos (18 de julho de 21 – 6 de
outubro de 26).

A expansão para a Amazônia coincidira com o primeiro estabelecimento de Belém.

Pedro Teixeira, após a viagem ao Maranhão, para comunicar ao velho Jerônimo de


Albuquerque a fundação do Pará, fora, com duas canoas de guerra, incendiar uma nau
holandesa na foz do Xingu (9 de agosto de 1616). No ano seguinte a rebelião indígena
rastreou por todo o Norte, sobretudo em Tapuitapera e Cumá (onde Matias de
Albuquerque comandava um posto de 30 soldados). Neste sítio, valendo-se da ausência
do capitão chamado pelo pai a São Luís, os selvagens mataram os portugueses. Terrível foi
a desforra de Matias de Albuquerque, enquanto, em 1619, Bento Maciel, Jerônimo
Fragoso e outros cabos entravam os rios, a castigar e aprisionar tupinambás, numa luta de
extermínio. Oito meses durou a “entrada” de Bento Maciel, em companhia de Antônio
Teixeira de Melo.278 O seu objetivo era dúplice: apresar índios e procurar minas de ouro.
Os detestáveis excessos que praticou lhe fizeram odiosa a extensa peregrinação.

Aliás não pudera afastar o perigo estrangeiro.279 Em 1623 estavam os holandeses de novo
fortificados em Muturu, nas margens do Xingu, e Gurupá. Para expulsá-los veio de
Lisboa, numa caravela, Luís Aranha de Vasconcelos (1623). A sua missão era mais
transcendente:
A descobrir e sondar o dito rio pelo Cabo Norte, por dizerem que por ali podia tirar a sua prata do Potosi com menos
gasto, e para este efeito lhe deu provisões para os capitães de Pernambuco, Rio Grande, Maranhão e Pará lhe darem
tudo o que fosse necessário. Em virtude das quais lhe deu Matias de Albuquerque uma lancha com 17 soldados e o
piloto Antônio Vicente (Cochado), mui experimentado em aquela navegação, lhe carregou na caravela 8 mil cruzados
de diversas sortes de fazendas por conta de Sua Majestade para a fortaleza do Pará que havia dois anos se não provia
com pagas nem algum socorro.280

No Pará, Bento Maciel lhe forneceu melhor lancha e trinta soldados. O comissário
franciscano Frei Antônio de Merciana mandou com eles o irmão, Frei Cristóvão de São
José, “tão respeitado dos índios que em poucos dias de navegação pelo rio acima lhe
ajuntou quarenta canoas com mais de mil frecheiros amigos”. Serviu-lhes de guia o
flamengo Nicolau — “que os índios haviam tomado no Pará, saindo-se de um forte que os
holandeses lá tinham”, e foi tão exato nos informes que se acercaram do reduto (Muturu),
defendido de centenas de índios aruãs (“gentio contrário ao nosso”). No primeiro
combate mais de duzentos foram mortos e o forte se rendeu. Capitulou a outra feitoria
holandesa, a dez léguas da primeira, e voltou Vasconcelos ao Pará, a fim de combinar com
Bento Maciel o ataque a dois fortes ingleses, mais abaixo. O capitão-mor já estava em
campo. Uniram-se os portugueses para a ação comum, destruindo ao mesmo tempo uma
nau e os acampamentos dos invasores.281

Antônio Vicente Cochado completou as suas explorações do Amazonas, sondando-o até


quatrocentas léguas acima. Não se reconhecera o meio de abreviar o trajeto da prata, por
via fluvial, mas, expulso o estrangeiro que ameaçava, com as cabeceiras do Amazonas, as
cordilheiras do Peru, cumpria barrar-lhe o passo, com uma fortaleza na entrada do rio:
construiu-a Bento Maciel no Gurupá (1624), destarte a posição portuguesa mais ocidental
da América.

Em Belém refez o forte “de taipa de pilão” com baluarte e torreão, substituindo a obra de
madeira deixada por Francisco Caldeira de Castelo Branco. E a esperar uma esquadra
inimiga, pedira reforços urgentes para o reino. No Conselho de Estado falou o antigo
Governador Gaspar de Sousa — aliás pessoalmente interessado na conquista:
Que Bento Maciel não tem qualidade para naquele cargo ser respeitado, e assim convinha que a ida de Manuel de
Sousa d’Eça que lhe vai suceder se apressasse, por ser pessoa de qualidades e partes e bem recebido dos naturais,
levando em sua companhia munições, gente paga, e ordem para o capitão do Maranhão lhos tomar, de mais de que se
podia valer dos índios petiguares, que é gente de proveito para a conquista

enquanto Bento Maciel podia continuar a luta com holandeses ou ingleses, onde
estivessem.282

Ganhou, em recompensa, a capitania do Cabo Norte (carta régia de 18 de maio de 1631,


confirmada pela de 9 de junho de 1615), que lhe foi de pouco proveito, como veremos.

Manuel de Sousa d’Eça (que desde 1615 conhecia a região), investiu-se no cargo em 6 de
outubro de 1626.283 Retardou-se a combater os holandeses na Bahia. Revelara-se até aí
honesto e leal cavaleiro.

Voltaram os flamengos ao Amazonas, porém em 1626. Contou Pedro Teixeira, para


rebatê-los, com o auxílio do Maranhão: 100 homens em vinte canoas (com 300 índios de
séquito) ao mando de Feliciano Coelho de Carvalho, filho do Governador Francisco
Coelho (que em 1627 visitara Belém). Em 21 de outubro rendeu-se o reduto inimigo (foz
do Maracapucu) governado por dois estrangeiros, “um por nome Gomez Procel e outro
Mortonimor, de três a quem Manuel de Sousa d’Eça dera licença se fossem do Pará para
suas terras”.284 Os dois chefes calvinistas eram James Purcell e Matias O’Mallon.285
Rechaçado o intruso, Feliciano Coelho se instalou em Belém, onde — inimizado com
Sousa d’Eça — prendeu num cárcere, depois remeteu para o Maranhão o honrado
capitão-mor. Seguiu-se a esta violência um período confuso. Uma feita Frei Cristóvão de
São José, custódio dos capuchos, aludiu no púlpito à rapinagem de que se acusava
Feliciano: “não espanta que uma cobra mate um veado; em Pernambuco ouvi dizer que
um coelho tragou um navio com toda a sua enxárcia...”. O convento nessa noite foi
apedrejado, e morto, por engano, um frade.286

As queixas dos moradores forçaram o Governador Francisco Coelho a chamar ao


Maranhão Luís Aranha de Vasconcelos, capitão-mor do Pará. Substituiu-o o provedor da
Fazenda, Jácome Raimundo de Noronha, também para expulsar de entre o Matapé e o
Anauirapuci uns ingleses que lá se tinham fortificado novamente (na ponta de Macapá):
renderam-se em 1º de maio de 1631, os que se haviam instalado com os tucujus, (margem
esquerda do Amazonas) e por fim, em 9 de junho do ano seguinte, o Forte de Cumaú,
atacado por Feliciano Coelho.287

Não foi mais feliz do que Luís Aranha o Capitão-mor Luís do Rego Barros, primo do
governador: irritou os colonos, afrontou-lhes a rebeldia e teve de fugir para o Maranhão.
Elegeu o povo, em Belém, seu tio Antônio Cavalcanti de Albuquerque (que já governara
na ausência de Jácome Raimundo). Voltou porém Luís do Rego Barros: sublevou-se a
mesma gente, e desta vez o depôs. Passados dez meses — desvanecida a agitação —
recebeu-o pacificamente.288

CONQUISTA DO AMAZONAS

O reduto do Gurupá está para o devassamento do Amazonas como o colégio de São Paulo
para o do Tietê-Paraná.

Lograra assegurar a soberania portuguesa “sobre uma ribanceira ou rochedo, em uma


como ponta ou canto que faz a ilha [...] bem na boca” do Rio Xingu.289

Mas as excursões, rio acima, não foram de ordem a descortinar o alto Amazonas antes
que um acontecimento inesperado alarmasse os portugueses do Pará: a presença de
missionários de Quito, descidos dos Andes, nessa região virgem de contatos europeus.

Os franciscanos de Quito fizeram pazes, em 1634, com os Encabulados, índios instalados


na confluência do Napo, à margem direita do Aguarico, em luta com os Omáguas (de
entre Napo e Juruá), estes ótimos canoeiros, de civilização superior, parentes dos tupis.290
No ano imediato a Real Audiência despachou alguns frades e soldados para que
estabelecessem uma povoação-forte junto dos “cabeleiras”. Desconfiaram eles desses
piedosos intuitos e mataram o capitão da escolta. Temendo a mesma sorte recolheram-se
Frei Pedro Pescador e os companheiros a uma ilha, onde os viu um português do Pará,
Francisco Fernandes,
marinero, que decía haber estado en el Gran Pará, allá por la costa del Brasil, y que nuestro Rio de Napo sin duda iba a
salir à aquella parte; y que, estando allá, habia tenido noticias que en medio de aquellos rios estaba El Dorado y la Casa
del Sol; y que se bajasen por nuestro rio, darían en aquellas grandesas: con lo cual inclinó los ánimos de algunos
codiciosos.

A viagem, pois, foi-lhes inspirada pelo português: e apesar da oposição de Frei Laureano
de la Cruz, se meteram numa canoa cinco soldados castelhanos, Frei Domingo de Brieva e
Frei André de Toledo, com Francisco Fernandes e dois índios, a 17 de outubro de 1636.
Atingiram Guarupá em 5 de fevereiro de 37.

Comandava o forte João Pereira de Cáceres, que dispunha de vinte soldados. Sentiu a
importância daquela aventura, querendo que levassem em procissão a canoa à igreja, em
ação de graças; e remeteu-os, muito festejados, para Belém, donde passaram ao
Maranhão. Também Jácome Raimundo de Noronha — sucessor de Francisco Coelho —
não deixou sem conseqüências o feliz ensejo. Expediu para Madri Frei André de Toledo,
com cartas a el-rei, e designou o Capitão Pedro Teixeira para chefiar uma armada de
canoas que subiria os rios até onde fosse possível, demandando depois, sempre com Frei
Domingo de Brieva, as alturas de Quito, a reconhecer essa comunicação entre o Atlântico
e as minas do Peru. Se demorasse um pouco as providências para a viagem se arriscaria
Pedro Teixeira a não a realizar, pois em Espanha se teve medo à novidade e repugnância
por um itinerário que poderia lançar no Potosi os inimigos de Filipe iv...

O comboio de 47 canoas, de vinte remos cada uma, com 70 portugueses e 1.200


caboclos, largou de Cametá em 26 de outubro de 1637.

Os principais auxiliares do capitão eram Bento Rodrigues de Oliveira, natural do Brasil,


e Pedro da Costa Favela, veterano da fundação do Pará. Pelo Napo, Payamino, Quijos
(hoje província de Oriente, no Equador) e, por terra, para Ávila, se acercou da grande
cidade andina. Pomposamente recebido em Anaquito, teve por toda parte gasalhado
condigno e curioso. O vice-rei, Conde de Chinchon (em cuja honra a quinina se chamou
“chinchonina”), mandou que regressasse com dois jesuítas, padres Cristóvão de Acuña
(autor de Nuevo Descubrimiento del gran Rio de las Amazonas, Madri, 1641, livro que fez
logo famosa a viagem) e André de Artieda. Juntaram-se-lhes quatro religiosos das Mercês,
um dos quais fundou o convento dessa Ordem no Pará (1640), o primeiro da mesma
religião em domínios portugueses.291 Pôs-se a caminho em 10 de fevereiro de 39;
encontrou-se na embocadura do Aguarico com o Capitão Favela, que submetera os
Encabelados; e a 10 de agosto se acharam “defronte das bocainas do Rio do Ouro”, ou
seja, a boca do Fiapo. Decidiu Teixeira tomar posse do sítio, como fronteira entre as
possessões castelhana e portuguesa, para a Coroa de Portugal: e o fez com solenidade, sem
se lembrar do meridiano de Tordesilhas nem de possíveis reivindicações espanholas.
Assinalou esse limite; marcou-o com a posse simbólica; e entrou em Belém em 12 de
dezembro, depois de ter integrado no patrimônio lusitano a maior parte da Amazônia.

De prêmio teve a nomeação de capitão-mor do Pará (28 de fevereiro de 1640 – 26 de


maio de 41), onde faleceu em 4 de junho de 1641, portanto depois da Restauração
portuguesa, que lhe frustrou o ideal da comunicação entre o Peru e Belém. O próprio livro
do Padre Acuña foi condenado ao fogo, como instrumento duma aproximação
inconveniente e temerária,292 entretanto inevitável.

VI: O SUL EM 1630

ILHÉUS E PORTO SEGURO

As capitanias do Sul aperceberam-se para a defesa e aumentaram consideravelmente os


seus rendimentos naqueles tristes anos da guerra de Pernambuco.

A ameaça era comum e o inimigo esperado por toda parte. Renovam-se os velhos
baluartes, os capitães-mores convocam os moradores para a resistência ao corsário ou ao
tapuia seu aliado e as vilas conservam o aspecto fortalezado do tempo de Mem de Sá.

As duas capitanias — Ilhéus e Porto Seguro — outrora ricas de pau-brasil, açúcar e


farinhas, têm o inimigo às portas: os aimorés que lhas rondaram, em alternativas de
ataques e tréguas, durante o século todo.293 A animação mercantil circunscreveu-se-lhes às
vilas, sempre alarmadas pelos brados de armas, duma guarnição vigilante: foi preciso o
duplo concurso, dos sertanistas de São Paulo com o seu método de combater o índio, e
dos jesuítas, com o seu sistema de catequese, para que — de 1674 por diante — as
oprimidas populações pudessem expandir-se pelas terras convizinhas. Veremos — a
propósito dos governos de Alexandre de Sousa Freire, Afonso Furtado e Câmara
Coutinho — como se realizou essa reconquista.

ESPÍRITO SANTO

No Espírito Santo governava — 4º donatário — Francisco de Aguiar Coutinho. Moíam


oito engenhos de açúcar. Os dízimos tinham sido arrendados por 2.500 cruzados e o valor
anual do comércio alcançara 60 mil. A despesa, pelos cofres reais, não passava aí de
694$040. O interior continuava infestado de tapuios. Os cortes de madeiras e a produção
açucareira animavam uma população rala e corajosa que tinha no Convento da Penha a
sua fortaleza inexpugnável: não se aventurava nas serras e selvas que escondiam minas
lendárias, gentio esquivo, um continente de mistério, o “ignoto”. As primeiras
explorações feitas nesse sertão perigoso criaram a certeza de que lá havia esmeraldas,
montanhas ou cascalheiras de pedras finas, a desafiarem a iniciativa de portugueses e
mamelucos. Marcos de Azevedo, “encarregado por D. Francisco de Sousa”, dissera ter
descoberto a “Serra das Esmeraldas”.294 Isto em 1611. Em 1651 esse descobrimento
continuava a cargo dos capitães Domingos e Antônio de Azevedo.295 Transmitira-se como
segredo de família. À maneira da “prata do Muribeca”, foi sonho que encheu o século. De
Marcos de Azevedo a Fernão Dias Pais...

Sabemos que Azevedo subiu o Rio Doce, deixando roteiro que no fim do século xvii
servia ainda aos sertanistas.296

Os holandeses jamais conseguiram apoderar-se de Vitória, Foi Pieter Heyn o primeiro a


investi-la — em 10 de março de 1625, com oito navios. Achava-se ali de passagem para a
Bahia, a reunir-se à expedição restauradora, o jovem Salvador Correia de Sá e Benavides,
com duzentos soldados. Guiava o inimigo um judeu flamengo que morara muitos anos no
Espírito Santo, Rodrigo Pedro.297 Morreu no combate, em que caíram mais de cem
atacantes, retirando-se Heyn consternado pelo duro revés.298

Em 1635, por morte do Capitão-mor Francisco Alemão de Cisneiros, assumiu o governo


da capitania Domingos Barbosa de Araújo,299 logo substituído por Antônio do Canto
d’Almeida.300

Veremos como o Espírito Santo logrou novo donatário: e por pouco dinheiro (cap. xix).

RIO DE JANEIRO

Martim de Sá honrava, no governo do Rio de Janeiro, as tradições de sua Casa.

Grande proprietário, sertanista e homem de guerra, esteve à frente da capitania de 1602


a 1608, de 1620 a 23, e em 1632. Mais importante função lhe cometeu o alvará de 14 de
abril de 1618: continuar a fortificação de Cabo Frio e reger a capitania de São Vicente
(enquanto durasse o litígio entre os Condes de Monsanto e Vimioso), com “a
superintendência do que tocar à guerra naquele distrito, com subordinação à pessoa que
estiver nesse governo”.301 De 20 de março de 1619 é o alvará criando a ouvidoria-geral do
Rio de Janeiro (a que se deu Regimento em 21 de março de 1630, sendo ouvidor o
bacharel Paulo Pereira).302 Sempre em excelentes relações com os jesuítas — coerência de
família que lhe herdou o filho glorioso — podia dispor Martim de Sá do auxílio dos índios
aldeados, para a defesa da terra. Enviou com duzentos homens o primogênito, Salvador
Correia de Sá e Benavides, a ajudar a restauração da Bahia em 1625.

Crescera o Rio de Janeiro. Embora arrendados apenas por 3 mil cruzados os dízimos, em
1609, subira a 200 mil o valor do comércio anual, e (com o novo sistema do fabrico, como
diz Fr. Vicente do Salvador), a 60 o número dos engenhos de açúcar.303
Julgara-se, é certo, que os holandeses prefeririam estabelecer-se na Guanabara. Ao saber
da expedição que armavam — em 1630 — mandara Matias de Albuquerque avisos a
Martim de Sá, que fortificou apressadamente o porto. Melhorou a bateria e os muros de
Santa Cruz e concentrou em São João, fronteira àquela, um sistema de três fortes (Santo
Inácio, São João e São Martinho).304 Podia com isto obstar à entrada da barra. Refazendo
os muros da cidadela (Morro do Castelo) garantia o núcleo principal da população, que,
em caso de perigo, contava com os dois mosteiros altos — São Bento e Santo Antônio —
para neles resistir.

Esses árduos trabalhos ocuparam o governador de 1630 a 32 e serviram de esboço às


obras militares que fizeram do Rio uma praça poderosa.305 Sacrificavam-lhe, porém, o
crescimento.

Constringida no Morro do Colégio, a cidade lá se retardava, separada do porto por


ladeiras íngremes, pobre e diminuta.

DESCIDA DO MORRO

O florescimento mercantil das capitanias do Sul, conseqüente à ocupação de Pernambuco


pelos holandeses, criou nas praias do Rio, ao sopé do Castelo, entre o Carmo e o Valongo,
uma nova cidade.

Um papel de 1669 diz-nos:


Ocupado Pernambuco dos holandeses buscou a necessidade do comércio este porto (Rio) e o trato com as
comodidades tão vantajosas que a experiência lhes mostrou, convidou tanto em breve aos navegantes e moradores que
muito à pressa cresceu em povoação, não obstante o ser a costa ao Cabo Frio para o sul tão tormentosa, e os mares tão
grossos pela maior altura, e temerosos pela vizinhança daquele Cabo. Era esta povoação do Rio de Janeiro poucos anos
atrás nada; hoje a segunda praça, daquele estado, na estimação vulgar; e primeira para os interesses e aumentos desta
monarquia.306

Abriu-se o conflito entre a tradição e a riqueza. O governo queria que se permanecesse


na cidadela, em cima; o negócio exigia o armazém de beira-mar, a loja da “Rua Direita”, o
trapiche, o mercado. A carta régia de 17 de outubro de 1632 previu a crise e mandou que
“a cadeia e a casa da câmara se conservem no sítio alto e se não mudem para outro como
diz Martim de Sá”. Insistia: “Por nenhuma via se faça obra nem casa fora da fortificação e
escrevendo-se à câmara o muito que convém fortificar-se aquela praça”.307 Martim de Sá
representa a resistência à descida do Morro do Castelo para o porto; seu filho, Salvador
Correia, deu ganho de causa à corrente oposta. Eram gerações que se sucediam: o
primeiro pertenceu ao ciclo da defesa: o segundo, ao da expansão. Faleceu Martim em 10
de agosto de 1632.308 Dois anos depois a Misericórdia atendia ao apelo dos mercadores e
mudava o hospital para o pavimento térreo do Convento do Carmo.309 Equivalia à vitória
dos caixeiros sobre os magistrados. Indecisa no governo de Rodrigo de Miranda
Henriques (investido em 13 de junho de 1633), completou-se no de Salvador Correia
(provido por seis anos em 21 de fevereiro de 1637):310 sem mais respeito às proibições,
começou este a instalar os moradores “na cidade embaixo”. A vereação de 18 de julho de
1639 observou: “Esta cadeia e casa da câmara estava em miserável estado”; “e por estar
neste alto tão desviada do concurso da gente e da cidade, o qual alto está quase
despovoado e em estado que breve se acabará de despovoar”. Parecia-lhe o remédio fazer
outra, de pedra, junto do mar.311 Veio em 1643 o engenheiro francês Miguel de Lescolles,
para reformar os fortes e “traçar uma nova cidade com seus muros e baluartes do lado de
terra e suas defensões pela banda do mar”. Auxiliado pelo Capitão-engenheiro Mateus
Valente do Couto e pelo Tenente Gregório de Castro Morais, desenhou o arruamento,
dando ordem e fisionomia a esse núcleo urbano, assim delineado em tabuleiro de xadrez,
tal como existia no começo do século xx.312

A invasão holandesa do Nordeste favorecia agora o desenvolvimento do Sul. O alto


preço do açúcar incitara a fundação de muitos engenhos. Construíram-se novos e grandes
à volta do Rio de Janeiro. Dois, deste período, deram nome a futuros bairros: o velho e o
novo, dos jesuítas. “Mais de 40 navios” trocavam ali as mercadorias da Europa pelo açúcar
fluminense, tomando-o a mil-réis a arroba.313 Subiam a 25 mil cruzados os dízimos
arrecadados em 1639 — contra 18 mil em 1636...314

Justifica-se a tolerância régia: “Que os oficiais que em cada um ano se elegem na cidade
de São Sebastião do Rio de Janeiro para governo da cidade seja uma parte deles dos que
morarem na povoação e cidade que a princípio se edificou em cima”.315

O ouvidor era então — parente de Salvador — Diogo de Sá da Rocha.316 A vontade do


capitão-mor exercia-se, ilimitada. Na guarnição e no clero apoiava-o gente sua, protegida
de sua Casa. Os vereadores sim, eleitos em parte (el-rei fora peremptório), entre os
habitantes do Castelo, desavindo com os da baixada, e os negociantes, que não lhes
perdoavam as tintas e taxas dos “contratos” — não somente se lhes opuseram, desde o
início, como formaram o ambiente para a insurreição final, contra a “oligarquia” dos Sás.
Mas vinte anos se passaram antes disto — em que o valoroso soldado realizou a missão
providencial de sustentáculo da ordem portuguesa no Brasil meridional.

SÃO VICENTE

A divergência de interesses entre a baixada agrícola e o planalto — cenário das


“bandeiras” — acentuou-se no começo do século xvi: São Vicente continua (como quis
Martim Afonso de Sousa), terra de canaviais, balizada por engenhos ricos, em contraste
com o sentido pastoril, o caráter instável do povoamento paulista. O “caminho do mar”,
íngreme e penoso, não separava apenas duas vilas de distinta formação (sertanistas no
altiplano, lavradores à beira-mar) mas duas sociedades que se contradiziam: em cima,
hostis aos missionários, os desbravadores do deserto, que faziam também a caça ao índio,
seminômades, na maioria mamelucos, os homens das viagens intermináveis; embaixo,
afeitos à ordem municipal, lavradores estabilizados nas terras junto do porto, perto da
influência portuguesa, mais acessível ao comércio de fora que à barbárie do interior do
país.

Em 1609 havia na “Ilha de São Vicente” 14 engenhos.317 Defendiam-na as fortalezas de


Monserrate (18 peças) e Santa Cruz (14).

Esse litoral ao sul do Rio de Janeiro era de dois donatários: D. Fernando de Faro e o
Conde de Monsanto. Pertenciam a este São Sebastião, São Vicente, Rio de São Francisco e
“terra alta de Santana” (Santa Catarina); e a D. Fernando: Ilha Grande, Itanhaém e
Cananéia. Vasto território, porém — à parte o núcleo vicentino pobre e de
desenvolvimento retardado, foi exatamente o litígio entre os donatários que lhe deu
notoriedade nos conselhos da Coroa: esperaria, para uma colonização intensa, que a
atenção del-rei se voltasse para a conquista da costa entre Paranaguá e a lagoa dos
Patos.318

AS TRÊS VILAS

As três vilas depois de São Vicente — Itanhaém, Iguape e Cananéia — não prosperaram
na primeira metade do século xvii. A primeira adquire importância em 1624: mas em
conseqüência daquela questão. Debatiam-na os descendentes de Martim e Pero Lopes de
Sousa — o Conde de Monsanto e a Condessa de Vimieiro. Teve ganho de causa
Monsanto; e a Condessa (representando a sucessão de Pero Lopes), passou a sede de sua
capitania (São Francisco do Sul e a Ilha de Santa Catarina) para Conceição de Itanhaém,319
assim com foros de principal, embora ornada de uma única igreja matriz. Os franciscanos
fizeram aí Convento de Santo Antônio. Iguape — que tinha também uma só igreja — se
animou no fim do século, com a jurisdição das minas de lavagem da Ribeira.320 Cananéia
limitava-se igualmente a uma igreja — ao tempo em que Paranaguá, ao sul, e Santos, ao
norte, floresciam em melhor fortuna.

OS PATOS

Abaixo ficava a costa dos carijós — guaranis — ou — entre o território dos arachãs (litoral
do Rio Grande) e Santa Catarina — dos Patos, com Paranaguá e São Francisco do Sul,
baías freqüentadas pelos barcos castelhanos, e Laguna, onde chegavam os traficantes, à
procura do índio Tubarão, péssimo sujeito, como diz, em 1605, o Padre Jerônimo
Rodrigues.321 Tubarão reatou o comércio de escravos do Bacharel de Cananéia,
contemporâneo das primeiras expedições. Parecia-se com o dos negros de Guiné no
regímen de resgates, no engodo ou na violência que sofriam os cativos, e na forma do
transporte marítimo. O jesuíta estranhou “haja religiosos que preguem no púlpito que são
os Patos gordos, e que bem se podem comer, e que haja prelado que mande cá navio a tal
resgate”.322

Em Laguna instalaram a sua missão por dois anos os padres empenhados na catequese
dos carijós e na repressão do tráfico. Mas não puderam com eles; e deixaram para mais
tarde o prosseguimento do seu piedoso trabalho. Em 1631 obteve Martim de Sá que o
Padre Antônio de Matos, provincial no Rio de Janeiro, destacasse os padres João de
Mendonça e Francisco de Morais, “para irem à missão dos Patos e Rio Grande, a descer
índios para as aldeias do Rio de Janeiro”.323

Somente na segunda metade do século xvii os portugueses cuidaram de povoar o litoral,


de Cananéia à Lagoa dos Patos.

SANTOS

Nos primeiros dias do século começara D. Francisco de Sousa a levantar a ermida de


Monserrate no Morro de São Jerônimo, que domina o porto de Santos.324

Fora do alcance dos canhões de tantos corsários que rondavam o oceano, representava,
em 1605 ou 1609, o receio dalguma agressão semelhante à de Cavendish: aliás o
aparecimento de Joris van Spilbergen, em 1615, defronte da vila que o recebeu com
heróicos propósitos de resistência — justificou a cautela.325 Diferente era a situação em
1640, quando — vindo da Bahia — Frei Manuel de Santa Maria lançou os fundamentos
do Convento de Santo Antônio, rente à água. Os beneditinos cuidaram de fazer, nas
proximidades, o seu mosteiro, em 1650.326 Demonstravam confiança; fixavam a povoação;
juntavam-lhe galas espirituais. Esse progresso interrompeu-se em 1665: quando a
epidemia de bexigas (que correu o Brasil litorâneo) matou um terço da gente santista, “a
ponto de ser fechado o caminho do mar e interrompida oficialmente a ligação de Santos
com São Paulo”. Passou a peste. Declinou também a vila — diminuída na lavoura,
empobrecida no comércio — em proveito das forças novas que então remodelaram a
fisionomia da colônia: o deslocamento para as minas de Paranaguá, o incremento das
expedições sertanistas, a mudança de numerosas famílias para as margens do Paraíba, o
ciclo do ouro.

No conflito inicial, de dispersão mameluca e de fixação portuguesa — venceu enfim o


nomadismo paulista.

O GRANDE DESERTO

Há documento, talvez da pena do Padre Vieira, que dá conta do vazio da terra — tão
poucos eram os portugueses no isolamento de suas cidades e de seus arraiais. Vinha na
frente a Bahia com 3 mil moradores brancos e o seu presídio enorme, de 2.500 soldados:
uma praça de armas. Tinha o Rio de Janeiro, para 2 mil moradores, 600 soldados; o
Maranhão reduzia-se a 400 habitantes; no Espírito Santo contavam-se 500; em São Paulo
não passavam de 700; chegavam a 200 em Santos; em São Sebastião, quando muito, 150;
Porto Seguro e Ilhéus davam cinqüenta, cada uma dessas capitanias humildes; podia-se
dizer próspera, Cananéia, com uma centena; mas definhava São Vicente, com vinte...327

VII: EXPANSÃO PAULISTA

JESUÍTAS NO PARAGUAI

Na bacia do Paraná formara-se a este tempo um novo valor social: a obra jesuítica de
organização e doutrina do gentio guarani.

Surgiu sem alarde esse império religioso cujas origens estão na viagem que, à custa do
Bispo de Tucumã, empreenderam os primeiros missionários em busca do sertão
paraguaio.

O prelado não pudera prever o progresso da catequese, tal como a orientaram os padres
Salóni, Ortega e Filds, levando ao Guairá a experiência das “reduções” da Bahia.328 Para
estes devia ser uma surpresa a facilidade com que se lhes submetiam os índios, a riqueza
dos seus campos, a adesão dos principais ao ensino brando e hábil dos sacerdotes
favorecidos das autoridades espanholas: o Adelantado Don Juan Torres de Vera, que os
recebera em 1588, Hernandarias de Saavedra, que os apoiou...

Confirmou o Geral Pe. Cláudio Aquaviva, em 1604, a criação da província do Paraguai;


e o governo de Madri, em 30 de janeiro de 1609, assegurou aos jesuítas o direito de
aldeamento dos aborígines do Guairá, do Paraná e dos Guaicurus — ou seja, na área entre
o Paranapanema e o Uruguai, a leste, e o Paraguai-Paraná a oeste, limitando com os
portugueses de São Paulo e as encomiendas de Assunção... Não tardaram os padres em
tomar posse de sua ampla “concessão”, sem perceber que a vizinhança dos “paulistas” era
incômoda e alarmante.

Duas cidades havia na “região de Guairá”: Ciudad Real (fundada em 1557, por Rui Dias
Melgarejo, na boca do Piquiri) e Vila Rica do Espírito Santo (criada pelo mesmo
povoador em 1570, na terra dos ibirajás, sessenta léguas adiante).329

Segundo o autor de La Argentina cerca de 200 mil índios habitavam vales, montanhas e
campos em torno de Vila Rica. Ambas as localidades arrastaram existência medíocre e em
1601 possuíam entre 50 e 100 moradores brancos. Decerto as alimentava o trânsito de
mercadores que demandavam Santa Catarina, vindos do Peru, fugindo ao itinerário de
Buenos Aires, mais longo, e indesejável dos que tinham por que se ocultar aos agentes do
fisco: os “peruleiros”. Os jesuítas nada quiseram das duas pobres cidades. Em 1603 alguns
soldados de Vila Rica visitaram São Paulo...330

Os padres Cataldino e Maceta, em 1610, foram construir a sua primeira aldeia, com a
invocação da Virgem de Loreto, no Paranapanema, confluência do Pirapó, onde,
virtualmente, terminava, ao sul, a campina paulista. Logo abaixo, a um quarto de légua,
fundaram San Inácio (1610). No ano imediato os padres Antônio Ruiz de Montoya,
natural de Lima, e Martín Javier Urtazu se uniram aos dois outros, e a zona das missões se
alargou pelos vales do Ivaí (Huaybay), Pirapó e Tibagi (Tibaxiba):331 era a ocupação
metódica.

O PRIMEIRO CHOQUE

Sobreveio o conflito, inevitável.

Já o Pe. Angulo — em 1592 — escrevera ao santo Arcebispo Tomás de Morgrovejo,


descrevendo ao vivo as encomiendas: “No hay esclavitud ni cautiverio en Barbería ni en
galeras de Turcos de más sujección”.332

A gente de Vila Rica e Ciudad Real recebera com desconfiança os jesuítas. Os


mamelucos de São Paulo tomaram a palavra, tanto que se dissipou o sonho das minas de
D. Francisco de Sousa. Parece que os conteve esse governo de muita promessa e pouco
fruto: pois não esperaram quem lhe sucedesse.

O Capitão Pedro Vaz de Barros alcançou de D. Luís de Sousa a carta de 5 de agosto de


1611, que o autorizou a arrebanhar os índios no seu, e no distrito vizinho, para o serviço
das minas, a pretexto de que tinham pedido aos parentes de São Paulo que fossem buscá-
los.333 “Eram 32 homens e traziam consigo muitos índios tupis”, contra o capitão espanhol
Antônio de Anasco, que visitava então Vila Rica e, alertado pelos padres, correu, com 25
soldados, ao encalço dos mamelucos que “entravam pelo caminho que entrou Jerônimo
Leitão haverá 30 anos”. Deu com eles em território paulista (Itanguamiri), tirou-lhes
quinhentos cativos, e arrostou a soberba de alguns “caciques” armados de espadas e
arcabuzes, dois dos quais foram mortos sob as vistas dos portugueses — comunicou o
oficial a seu governador, Diogo Marin Negrón, que logo o transmitiu a el-rei.
Para que V. M. se sirva de mandar ao governador da província do Brasil que ponha muito cuidado em estorvar estas
entradas porque nos inquietam a terra e é notável o dano que os portugueses fazem aos pobres índios porque os tiram
de suas terras oprimidos e forçados e para conseguir este intento têm alguns caciques daquela província de Guaíra
ganhados.334

Iniciara-se uma nova época.

Se a colonização espanhola subia em direção aos pinhais de São Paulo, conduzida pelos
missionários, em forma tranqüila, a expansão portuguesa descia até Guairá, impelida pela
cobiça dos apresadores de índios, cujo trabalho fora facilitado pela própria catequese.

Não tinham de escolher tribos numerosas: bastava-lhes pilhar as “reduções” onde,


mansos e laboriosos, se agrupavam os catecúmenos. Dois mil em cada aldeia. E ainda
enriquecidos pela sua lavoura, pela pequena indústria, pelos costumes de poupança e paz
em que os educavam os padres, à medida que as igrejas de pedra e cal substituíam as
toscas capelas da primeira hora. A barbárie rondava as “missões”!

SÃO PAULO... MIRIM

A pobreza estimulava, em São Paulo, esse amor do sertão.

Fora transitória a animação que lá reinou, com as esperanças de D. Francisco de Sousa.

O velho Salvador Correia, “administrador-geral das minas desta repartição da banda do


Sul”, não se demorou no planalto — em 1616 — nas suas pesquisas apressadas. Nomeou
meirinho das minas Pedro de Morais, fornecedor de mantimentos para a expedição Jorge
Neto, e, tendo de recolher-se ao Rio de Janeiro, deixou no lugar o filho Duarte Correia
Vasques.335 Outro filho seu, Martim de Sá, seguiu para Portugal, a reclamar providências:
a principal, a sua investidura no governo de São Vicente.336 Os paulistas descreram do
ouro. E o rei, com eles, pois deu Regimento (1618) que permitia a pesquisa das minas,
numa confissão desanimada do fracasso de D. Francisco de Sousa e de Salvador Correia337
e numa provocação tardia ao espírito aventureiro daquela gente. A caça ao índio pareceu-
lhe melhor negócio. Foi agarrá-lo onde, concentrado ou disperso, longe ou perto, dócil ou
agressivo, podia ser tomado com enganos ou à força das armas — numa obscura sucessão
de expedições arrasadoras.

Bem medíocre era a vila, cujo único edifício importante — claustro e templo —
pertencia aos padres que a fundaram. Crescera, com a chegada de frades do Carmo em
1591 e beneditinos em 1598. Mas a matriz continuava então de varas e palma,338 como um
largo tejupar, em contraste com a decência e largueza da igreja da Companhia.

“Era tão pequena que o edifício da cadeia, ficando junto ao Convento de São Francisco,
já se achava fora das ruas públicas. [...] Ocupava a área contida pelo colégio dos jesuítas,
hoje Palácio do Governo, pelos conventos de São Bento, São Francisco e Carmo”.339 Não
admira que Itu, Parnaíba e Taubaté disputassem por vezes a São Paulo (até 1720), a
primazia, de riqueza e cultura, naqueles tempos de dispersão “bandeirante” e simplicidade
vilareja.

Estimou um espanhol, que por ali passou em 1682, em “duas centenas de fogos” a
população de São Paulo, sendo as “habitações construídas à moda dos índios, e no meio
das quais avultavam as taipas do colégio e as da matriz e do Senado da Câmara, que ainda
estava coberto de palha”.340 E o Padre Vieira, em 1695: “Os ditos moradores” em todo o
distrito de São Paulo “são mais de dois mil”.341

Os sertanistas ricos acomodavam-se nas fazendas; preferiam a independência das casas-


grandes, cercadas de “malocas”, de servos e agregados (ou índios, cuja administração se
lhes confiava); ou fundavam outras tantas povoações, cuja chefia lhes dava, ao fim da vida,
o prêmio dos duros trabalhos.

No planalto, tudo se submetia à lei do sertão: migrações súbitas, desintegração dos


grupos, patriarcalismo pastoril, ausência de espírito urbano, a índole errática... De
contínuo, na vila semideserta, velhos, mulheres, crianças ficavam à espera da gente válida,
que saíra a sertanear. As “entradas” iam desbravando. Adolescentes inscreviam-se nelas,
para as jornadas longas; depois faziam família à parte; e — cabos ou capitães —
comandavam outras tantas expedições, com os filhos, os sócios, os índios mansos.

No ciclo guairenho aparecem os paulistas com a designação imprecisa de mamelucos ou


portugueses de São Paulo: inconfundíveis, raça distinta, bárbara e andeja... Constituía-se o
grosso da bandeira de caboclos (do tupi, caboco, gente da selva) ou mestiços, que falavam
a língua indígena e, à sua maneira, faziam lavoura, acampamento, viagem, guerra.
Adiantavam-se, para se apalavrarem com as tribos, os pombeiros (do angolês, pombe, ou
pombo, espião ou guia), que as enganavam com presentes e promessas. Deles diz a
devassa que em 1623 se fez da morte de um principal por “pombeiros dos brancos,
quando se dirigia àquela vila (São Vicente) com toda a sua gente, para se converter à
religião católica”.342 Não importava a origem dos Cabos: de Portugal, como o velho
Ramalho, Antônio Raposo Tavares; netos de fidalgos vindos com os governadores, como
Fernão Dias Pais; ou campeiros que mal sabiam português, como Domingos Jorge
Velho... Essencial era a disciplina, que dava à expedição unidade e destreza. Se o espírito
de iniciativa era do capitão branco ou mameluco, a agilidade, a resistência, a sobriedade,
as astúcias sertanejas eram do caboclo. E a religião temperava os desatinos da aventura. Só
não impedia o saque das missões, o tráfico e a mortandade dos índios, a luta inclemente, e
por vezes inútil. Inspirava o respeito de muitas normas de conduta (o testamento dos que
morriam, os “votos”, os compromissos jurados, a devoção comum); e podia compensar a
brutalidade das destruições com a piedade de igrejas e capelas feitas no caminho das
bandeiras, como núcleos das novas povoações.

Empenhavam-se em descer o gentio. Também, despovoando, semeavam arraiais e


aldeias. Rasgavam os itinerários. Levavam os limites da conquista até onde esbarrava na
ocupação espanhola.

PARNAÍBA E TAUBATÉ

Essa desintegração paulista (passada a fase quinhentista da concentração defensiva)


começara com os acampamentos mineiros de D. Francisco de Sousa. Sobre o Tietê,
assinalou Santana de Parnaíba, em 1625, uma divergência administrativa (a vila nova
contra a velha) e uma incompatibilidade típica (a independência rural contra os estilos
urbanos). Estranharam os vereadores de São Paulo que “Álvaro Luís do Vale sendo
capitão e ouvidor pelo Conde de Monsanto e donatário”, fundasse “vila em Parnaíba,
contra forma de direito e leis”.343

Baltasar Fernandes com doze filhos representou o papel revolucionário de criador de


cidades ao sabor da ânsia de espaço... Com o primogênito, André, fizera Parnaíba. Seu
filho Domingos fundou Itu (1651). Outro, atraído pelos campos de Sorocaba (desertos
desde as pesquisas de D. Francisco), lançou os alicerces da vila deste nome,344 chamando
após si os beneditinos345 cujos conventos de Parnaíba e Sorocaba rapidamente
floresceram. Os mesmos monges fizeram hospício em Jundiaí (1667).346 Os carmelitas
estavam em Moji das Cruzes (fundada em 1600) em 1629. Os franciscanos, em Santos em
1639, depois de fundarem casa em São Paulo, em 1640, procuraram São Sebastião (1664),
Itu, Itanhaém (1654).347 Em 1674 estabeleceram-se em Taubaté, com o Convento de Santa
Clara.348

Taubaté (taba-etê), no Vale do Paraíba, onde chegara Jaques Félix em 1636–9,


corresponde a uma etapa do deslocamento para a Mantiqueira, terras de puris e
cataguases, talvez as minas de prata e esmeraldas de Marcos Azevedo... Munido de uma
provisão do capitão-mor de Itanhaém (20 de janeiro de 36), o povoador levantou
primeiro uma casa-forte; em 1645 criou a vila.349 Desenvolveu-se depressa: e erigiu-se em
rival de São Paulo. Domingos Leme foi adiante e fundou Guaratinguetá, em 1651.350
Taubateanos e paulistas detestaram-se: assim estes e parnaibanos, e sorocabanos, e
vicentinos ou santistas...

O tipo feudal dessas prevenções, o seu caráter de lutas tribais, comandados os partidos
por bravios patriarcas — documenta-se no caso célebre de Pires e Camargos.

PIRES E CAMARGOS

Em 1692 escreveu o governador-geral: “A Vila de São Paulo há muito que é república de


per si, sem observância a lei alguma, assim divina como humana”.351

Aludia ao latente estado de revolta — que no episódio dos Pires e Camargos pusera de
manifesto o poder das famílias desavindas: divididas por um ódio selvagem, porém
prontas à resistência comum contra os magistrados prepotentes, os jesuítas que falavam
da liberdade do gentio e os capitães-mores que pretendessem obstar-lhes as “bandeiras”
que o “desciam”.

Começara a guerra das duas famílias em 1640. No ano seguinte Pedro Taques (cunhado
de Fernão Dias Pais) foi morto por Fernão de Camargo, o “Tigre”. Os da parcialidade da
vítima se retiraram para Parnaíba em hostilidade aberta, não só à gente inimiga, como à
Vila de São Paulo.352 Reavivou-se a questão em 1653, em situação inversa: os Camargos
tiveram de ir pedir justiça à Bahia, pois os Pires se apoiavam no ouvidor-geral do Rio,
João Velho de Azevedo. Depois de ouvidor da vila, José Ortiz de Camargo obteve do
governo-geral ordem para ser reempossado e surgiu em São Paulo com “muita gente
branca armada além do gentio em armas”. Os jesuítas, com os demais “prelados religiosos
dos mosteiros” — num termo de concerto e composição, em 9 de janeiro de 1654 —
serviram de mediadores, para que retomasse o cargo, mas respeitando os “capítulos de
correição” deixados pelo ouvidor-geral (amigo dos Pires). Quem não concordou foi o
ouvidor-geral. Voltou zangadamente a São Paulo, abriu devassa sobre os tumultos e
crimes da facção dos Camargos, e a remeteria aos juízes da Bahia — o que seria o mesmo
que os indicar à pena de morte — se não interviesse o bom senso do Conde de Atouguia.
Ouviu os procuradores dos partidos (o dos Pires era o letrado Francisco Nunes de
Siqueira, o dos Camargos o próprio José Ortiz) e decretou que as duas famílias rivais
elegessem número igual de eleitores para a câmara (provisão de 24 de novembro de 1655).
Escreveu também (2 de outubro de 56) palavras suasórias aos vereadores de São Vicente e
São Paulo. Clementes, porém firmes. Que se pacificassem! O remédio não podia ser mais
razoável. Pois o motivo de se renovarem sempre as querelas era o governo do município
— que nele servissem “tantos oficiais de um bando como do outro, para que com essa
igualdade cessem as inquietações que de a não haver se acenderam naquele povo”.353

Tornou a rusga a dividi-los em 1658. Os vereadores abandonaram a vila à incontinência


dos mandões embravecidos. Um morador (1659) pediu-lhes que deixassem reparar o
caminho do mar... “que se não sabia por onde ir”.354 A briga paralisara a administração. O
jeito foi interferir o Ouvidor Pedro de Mustre Portugal, ordenando que se fizesse a eleição
pela forma das Ordenações, de maneira a recair em pessoas alheias às famílias
incompatíveis. Não se cansaram os jesuítas no seu trabalho de conciliar os ânimos.
Conseguiram enfim que se firmasse no próprio dia de São Paulo (25 de janeiro) de 1660 o
pacto de paz, com a assistência dos eclesiásticos da terra, o que lhe dá um peculiar
interesse espiritual.355

Aparece então Salvador Correia diferente do que se afigurara até aí aos paulistas ciosos
de sua autonomia e de suas armas: mensageiro duma disciplina oportuna e quase
sentimental. No tratado de conciliação se dizia que à míngua de entendimento entre os
capitães e seus aliados caíra a
vila no mais miserável estado que se podia considerar, porquanto a maior parte dos moradores a tinham desamparado
e se iam metendo no sertão e matos, fazendo novas povoações e domicílios, vivendo sem sossego mui atrasados e
diminutos em seus cabedais e lavouras.

A paz de 1660 foi o ponto de partida para as atividades do “ciclo mineiro”.356

Os mamelucos renunciam tacitamente às desordenadas incursões atrás do gentio dócil.


Ouvem a palavra do governo — da metrópole, da Bahia, do Rio de Janeiro, de São Vicente
— e o seu convite, para as viagens descobridoras de que necessitava o Estado. Primeiro
entre os seus conterrâneos, Fernão Dias Pais se oferece para chefiar o movimento que
principiou com a busca infrutífera das esmeraldas e acabou desvendando as minas gerais.

O COLÉGIO

E os jesuítas do colégio, a cuja sombra surgira São Paulo?


Em 1611, no papel de D. Luís de Sousa, foram dados como favoráveis à entrada de Pero
Vaz.

Mas a Real Cédula desse ano, mandando respeitar a liberdade dos índios, os achou
dispostos a cumprir a todo custo o dever apostólico.

Logo a 10 de junho de 1612 vereadores e povo — representado pelos melhores sujeitos


da vila — declararam não se conformarem com a direção, pelos padres, das aldeias
indígenas, e a intenção de tomar-lhes, para o serviço das minas, os catecúmenos
disponíveis, votando além disto uma recomendação, para que as povoações destes se
distanciassem quatro léguas umas das outras, nem passassem de duzentas almas.357 Um
dos vereadores que assinaram a intimação foi Antônio Raposo.358 Seu homônimo Antônio
Raposo Tavares, quinze anos mais tarde, assolou a “província do Guairá”359 à frente dos
clavineiros mamelucos, terror dos guaranis.

O dissídio de missionários e paulistas se definira. Nem seria local. O mesmo “clima”


econômico do Rio de Janeiro, do Maranhão, do Pará, estenderia às outras capitanias onde
se travava luta semelhante — entre a religião e o trabalho, à roda da liberdade dos índios
— o mal-estar resultante da pertinácia de uns e da ganância dos demais. A história é
longa...

GUERRA DE CORSO

Depois da incursão de Pedro Vaz de Barros, Sebastião Preto — em 1612 — e Lázaro da


Costa — em 1615 — freqüentaram o Vale do Paranapanema aprisionando, às centenas, o
gentio inerme.360 O mesmo Sebastião Preto desceu, com uma companhia de soldados, em
socorro de São Vicente e Santos ameaçados pelos holandeses em 1615.361 O perigo externo
talvez retivesse por esse tempo os sertanistas próximos da Marinha. É quando Martim de
Sá obtém autorização para que os padres transportassem do porto de Patos para o Rio de
Janeiro centenas de índios.362 Em 1619 regista-se a expedição truculenta de Manuel Preto
— que atingiu San Inácio.363 A ser verdade, resultara inútil a devassa aberta em São Paulo
pelo Desembargador Antão de Mesquita, na “residência aos capitães que haviam servido
nos dez anos precedentes, perguntando especialmente sobre matérias do sertão pelo
escândalo e devassidão que delas tinham resultado”.364

Os jesuítas preferiram afastar-se daquela fronteira insegura. Não poderiam manter


muito tempo os estabelecimentos do Paranapanema, apenas a “dez jornadas de São
Paulo”.365 As próprias cidades — Vila Rica e Ciudad Real — desapareceriam cedo ou
tarde: pagaram a cumplicidade com os mamelucos... Em 1622 os padres Montoya,
Cataldino e Salazar fundaram nas nascentes do Tibaji — San Francisco Xavier. Três anos
depois, à margem esquerda do mesmo rio, San José, e, no Vale de Ibitirembetá,
Encarnación. Em 1626, no Ivaí, San Pablo; e em 1627, Arcángeles e Concepción; San
Miguel e San Antonio, ao oriente, no caminho de Santa Catarina... A redução de Jesús y
Maria, na Serra dos Tapes, é a última deste período.

Simultaneamente o Padre Roque González estendia a catequese ao alto Paraná e ao


Uruguai (penetrando o território que seria Rio Grande do Sul).366 Aí se consolidou a
colonização espiritual, alhures destinada a breve fracasso. Foi a linha misionera, que a
investida dos “portugueses de São Paulo” não logrou quebrar.

Recrudesceram entretanto, em 1623, as atividades sertanistas. “Que esta vila (São Paulo)
estava despejada pelos moradores serem idos ao sertão”...367 Já no ano seguinte o retorno
dos holandeses às águas sul-americanas os obrigava a atender à defesa de Santos.
Folgaram com isto os guaranis. Até que lhes apareceu o governador do Paraguai, que fez
por terra comprida viagem, D. Luís de Céspedes Xeria.368 De passagem pelo Rio de Janeiro
se casara com uma sobrinha de Martim de Sá, filha do Capitão Gonçalo Correia de Sá que,
em 1626–32, governara São Vicente.369 Em Santos intimou os paulistas a não invadirem
terras de sua jurisdição. Mas o guia que lhe deram, para conduzir o comboio Tietê abaixo,
foi o famigerado Manuel Preto! Enlaçou-se destarte nos interesses portugueses e não fez
bom semblante aos jesuítas, que disto o acusaram. Empossou-se em Ciudad Real, a 8 de
novembro de 28. Logo, em carta para Madri, denunciou as atrocidades dos paulistas, e
como lhes temia a arremetida desdenhando as ordens do seu governo: “Lo saben y no lo
remedian”. D. Luís protegia-os — redargüiram os padres, lembrando ter ele recebido em
dote um engenho de açúcar, para o qual mandou logo centena de índios... Manuel Preto e
André Fernandes — (fundador de Santana de Parnaíba em 1625)370 que fora levar-lhe a
esposa até Guairá, em 1628, cometeram incríveis atentados contra as “reduções”. A
viagem de D. Vitória de Sá ao Paraguai — disseram os jesuítas — fora pretexto para estes
desaforos. Além de Fernandes, acompanhou-a
um primo da dita sua mulher, cavaleiro do hábito de Santiago, chamado Capitão Salvador de Sá e Benavides, o qual
trouxe mais de 30 soldados portugueses e dois frades com quem passou para a província do Rio da Prata com ciência e
consentimento do Governador D. Luís de Céspedes e o dito Capitão Salvador de Sá e sua prima vieram pelo rio
chamado Anembi sair nas reduções que têm os padres da Companhia de Jesus, donde fizeram a viagem até esta cidade
(Assunção).371

DESTRUIÇÃO

Foi em princípios de agosto de 1628.372

Uns novecentos brancos e 3 mil índios arrojaram-se de São Paulo “com bandeiras, como
se fossem levantados contra a Real Coroa”, dirigidos por Manuel Preto (“autor de todas
essas malocas”, disseram os padres373 e pelo português Antônio Raposo Tavares, cujos
principais ajudantes eram Antônio Pedroso, chefe da vanguarda, e Salvador Pires, da
retaguarda, Pedro Vaz de Barros, já nosso conhecido, Brás Leme e André Fernandes). Os
melhores homens da vila: dois vereadores, o procurador do conselho — a câmara em
peso! — filho e genro do ouvidor de São Paulo e Santana de Parnaíba, o respeitável
Amador Bueno da Ribeira, a quem D. Luís de Céspedes intimara a proibição dessas
incursões “de manera que en San Pablo, fuera de los viejos que por su vejez no podían ir,
apenas quedaran veinte y cinco hombres que pudiesen tomar armas”. Cruzaram o Tibaji
em 8 de setembro e acamparam atrás de paliçadas perto da aldeia de Encarnación.
Detiveram em seguida um grupo de catecúmenos, que colhia as suas folhas num erval, e
não os entregaram ao Padre Antônio Ruiz, que saíra a reclamá-los. Reuniram os padres
2.200 índios e se puseram a parlamentar, arrastando-se as discussões, sem um ato formal
de guerra, até 30 de janeiro seguinte. Agravou a situação o homizio dado pelos religiosos a
um “cacique” fugido do campo paulista. Um troço de mamelucos queimou a missão do
Padre Mola (San Antonio) e levou-lhe uns 2 mil silvícolas. Foi o sinal para piores
desatinos. Em 23 de março tomaram San Miguel, abandonada pelos padres, e logo Jesus
Maria, a ferro e fogo, insultando os sacerdotes, violando as igrejas, roubando tudo.

Adotaram os jesuítas um recurso desesperado: largaram as aldeias de Encarnación, San


Pablo, Arcángeles e Santo Tomás Apóstolo, e dispersando o gentio, incumbiram os padres
Maceta e Mansilla de pleitear em São Paulo e na Bahia a liberdade dos prisioneiros, cujo
número subia — quem sabe? — a 20 mil.

Em São Paulo, evidentemente, nada podiam fazer os dois religiosos, que viram,
consternados, a distribuição dos novos escravos pelas pessoas principais, e o próprio
governador, intimidado entre os sertanistas ufanos.374

Estavam em outubro de 1629 na Bahia.

É do dia 10 o seu memorial narrando a el-rei as crueldades ocorridas.375

IMPUNIDADE

Diogo Luís de Oliveira não mostrou boa vontade aos jesuítas. Confirmou a opinião de D.
Luís de Céspedes, que nenhum auxílio dele recebera para a sua viagem. Dizem que lhes
deu cartas, para que os mamelucos não voltassem a cometer os crimes habituais, porém
como não tivessem efeito, se recusou a ratificá-las, deixando-os impunes.376 Junta a
indiferença da Bahia à cumplicidade do Paraguai (D. Luís de Céspedes não socorreu as
missões nem perseguiu os invasores) — era como se gozassem os paulistas de liberdade
irrestrita.

Na Europa a indignação se manifestou tardia e inutilmente. Só em 1641 o Conselho de


Índias, de Madri, “começou a ter notícias das excursões dos moradores de São Paulo”.377 E
porque os portugueses estavam em armas contra Espanha. Não fora isto — e o conselho
continuaria calado. Os missionários sim, escreveram e falaram com veemência e bravura:
o seu desespero impressionou o mundo católico, as cortes e a Santa Sé. Só não
impressionou a gente do planalto. Realmente, de novo em São Paulo em 1630, o Padre
Mansilla contava as novas proezas dos sertanistas.
Antônio Pires, de Parnaíba fora “aos confins do Paraguai” insultar os padres e aprisionar
o gentio. E então (9 de julho de 30) outra bandeira saía, com “200 índios ou trezentos de
diferentes moradores”, e “duas ou três companhias” destes, para igual depredação.378 Pode
ser a expedição de Antônio Raposo Tavares (1631), que não se limitou a assaltar as aldeias
dispersas. Arrojou-se sobre Vila Rica do Espírito Santo quando a visitava o próprio bispo
da província, Frei Cristóbal de Aresti. Debalde o prelado tentou afastá-lo. Ordenou —
para obviar à mortandade — o abandono do lugar. O mesmo fez o Padre Montoya em
Loreto e San Inácio. Embarcou em canoas o que melhor restava nas aldeias e se recolheu a
Ciudad Real. Inseguro, também ali, deslocou-se para o sul do Iguaçu, enquanto os
espanhóis, moradores de ambas as vilas, iam estabelecer-se em Curuguati. Tiveram paz
nesses campos: mas até 1676.379

Volveu o silêncio aos vales do Tibaji e do Paranapanema, onde a selva escondeu as


ruínas das povoações saqueadas.380

Praticamente houve uma expansão territorial, partida de São Paulo, que empurrou a
gente de fala espanhola para a região dos Tapes (ou Missões, nome que conserva): e a área
de exploração sertanista se ampliou, com os campos outrora compreendidos na
“província de Guairá” e o “sertão de Patos”, seguidamente cruzados — após a destruição
de Ciudad Real e Vila Rica — por Fernão de Camargo e Luís Dias Pais (1635 ),381 ainda
Antônio Raposo (1636), Francisco Bueno (1637), Fernão Dias Pais e Domingos Cordeiro
(1638). Dessas expedições em direção ao Uruguai diremos adiante.

Os governadores-gerais continuaram estranhos aos feitos e aventuras dos paulistas. Não


se lembraram de agravá-los com uma intervenção qualquer; mesmo os esqueceram,
quando foi preciso apelar para a intrepidez dos homens de Piratininga. O Conde da
Torre, para levantar nas capitanias do Sul uma força que o acompanhasse a Pernambuco,
perdoou os crimes de quantos se apresentassem. Tal jubileu precedeu de pouco a expulsão
dos jesuítas.

EXPULSÃO DOS JESUÍTAS DE SÃO PAULO

O conflito entre padres e mamelucos reavivou-se com o êxito da missão de dois — jesuítas
Montoya e Diaz Taño — a Madri e Roma, em 1637–9.

Certo, o governo espanhol não se comoveu somente com as razões apostólicas. Temeu
que os paulistas fossem adiante e pusessem em perigo os caminhos do Peru pelo Paraguai,
como, na década anterior, a presença de holandeses e ingleses no Amazonas ameaçara,
pelo Norte, as comunicações do Potosi. Em 1638, desviando-se dos Tapes, alcançaram a
província do Itatin, a oitenta léguas de Santa Cruz de la Sierra. Ponderou o Conselho de
Índias:
Si los cristianos nuevos de que esta sembrado todo el Perú, se dan la mano con los que ansí entran por el Itatin (judios
portugueses, holandeses y franceses) y estos com los indios chiriguanaes, la provincia del Paraguay está arriesgada,
pues de cuatro ciudades que tenía le faltan las tres y sólo queda la Asunción cuyos moradores apenas pueden
defenderse de los guaycurues, indios de guerra de sus contornos.382

Propôs medidas drásticas, sem esquecer a Inquisição, que devia tomar contas aos
“cristãos-novos”. El-rei contentou-se com muito menos. Aliás a restauração de Portugal,
no ano imediato, inutilizou as providências previstas, ou em começo de execução. O
Padre Ruiz de Montoya conseguiu a Real Cédula de 16 de setembro de 1638, que
autorizava o armamento do gentio aldeado, a fim de resistir — em ordem militar — aos
mamelucos.383 Ao Padre Taño não foi difícil obter de Urbano viii o Breve que revalidou,
no Brasil, a Bula de Paulo iii em favor dos índios peruanos — para que fossem
excomungados os escravizadores...384 Ambos os diplomas eram da maior importância.
Sobretudo o que permitia a arregimentação, em forma de guerra, dos catecúmenos, até aí
surpreendidos no seu ingênuo pacifismo pelos sertanistas.

As “milícias guaranis”, que falaram à imaginação dos filósofos do século xviii, surgiram
assim: lícitas, defensivas, confiadas ao senso organizador dos religiosos, logo temíveis,
pelo número e pelo valor.

É imaginar a emoção causada no Rio de Janeiro pela presença do Padre Taño, munido
do Breve pontifício.

Não precisou ir a São Paulo.

Lá explodiu a desordem, apenas se soube das novas disposições da Companhia de Jesus.

A proximidade das datas do motim — 22 de junho no Rio e 25 de junho de 1610 em São


Vicente — revela a comunhão de interesses entre as duas capitanias.

Salvador Correia obstou a que a populaça atacasse o colégio, e, sob os seus auspícios, se
concertou o modus vivendi, segundo o qual os jesuítas só se imiscuiriam nas aldeias,
fechando os olhos aos índios que os moradores tivessem em casa, e exculpando-lhes as
injúrias.385

O acordo não era possível no planalto.

Os paulistas tomaram ares de povo em revolta e deram solenidade à decisão extrema.

Juntaram-se em São Vicente os procuradores desta, e das vilas de São Paulo, Santos,
Santana de Parnaíba, Santana das Cruzes, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora
das Neves do Iguape e São João de Cananéia — e depois de acerbas queixas dos padres,
sem lhes esquecer o sebastianismo (“com juramentos que temos outro Rei vivo”),
concluíram por votar a expulsão “com protestação de nunca mais os admitir nela” num
prazo de seis dias.386

O golpe foi terrível para os sucessores de Anchieta contra quem se levantavam os filhos
da terra: Amador Bueno, Fernão Dias Pais, Prados, Lemes, Pires e Camargos. Quiseram
iludir a intimação. Houve nova “junta” em 7 de julho, e a 10 e 13, com tal alvoroço que o
Padre Reitor Nicolau Botelho deixou os bens do colégio (“currais, como fazendas,
moinhos, vinha e mais bens”), com um procurador (o vigário Pe. Manuel Nunes) e se
passou com os companheiros para a beira-mar, onde não prevaleciam as mesmas
hostilidades.

Os mamelucos não agiam às tontas. Certos da repressão, que não demoraria, foram
além. Negando qualquer conciliação com os missionários, na vereação de 17 de maio de
41,
requereu o dito Povo que se não mandassem farinhas nem mantimentos alguns ao Rio de Janeiro, e se fechasse o
caminho do mar, e comunicação que havia com a Vila de Santos, e se notificassem os senhores dos moinhos com
graves penas não moessem farinhas.

E comissionaram o mais influente dos moradores, Amador Bueno, para ir justificar em


Lisboa, perante D. João iv, que acabava de ser reconhecido rei, as alterações havidas.387

As providências de guerra em São Paulo dirigiam-se contra Salvador Correia, que em


São Vicente e Santos logrou sossegar os espíritos, sem ousar, porém, chocar-se com a
intransigência dos homens de Piratininga. Sabiam da sua afeição aos jesuítas. Não foram
muitos os amigos da Companhia fiéis e coerentes como aquele neto e filho de protetores
dela.388 Recebe-lo-iam de armas na mão.389 Salvador preferiu negociar. Mandou-lhes
mensagem cordata — de que resultou um convênio singelo. As minas seriam
administradas por um triunvirato, dois paulistas e uma pessoa de Santos nomeada pelo
governador; e não investigaria sobre as culpas e responsabilidades dos agitadores...

El-rei, é verdade, ordenara que se devolvesse aos padres o que era deles.390 E, de resposta
às reclamações dos paulistas, nomeara Salvador Correia governador e administrador-geral
das Minas de São Paulo (24 de setembro de 1643), para aquietá-los.391

SEPARAÇÃO DAS CAPITANIAS DO SUL

Simultaneamente, mandou el-rei que Salvador Correia tivesse “com absoluta


independência” do governador-geral, os poderes deste na “Repartição do Sul”, constituída
das capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo e São Vicente. É o que reza o Regimento que
se lhe passou em 1644,392 confirmado — depois dos sérios acontecimentos que vamos
narrar — em 1658, com a cláusula insistente, de “nenhuma dependência do governador e
capitão-geral do Estado do Brasil”. Este, na verdade, tão ocupado se achava com a guerra
aos holandeses, que a separação era antes alívio do que corte de autoridade. Tinha a
vantagem ocasional de habilitar Salvador Correia a apaziguar os paulistas, a quem desde
logo se consentia ir buscar os índios “ao sertão”, desde “que não entrem em aldeias onde
os religiosos os tenham já submetidos”. Acompanhou-se a concessão (alvará de 7 de
outubro de 1647) do perdão geral, que lhes mandou D. João iv, contanto que recebessem
de novo os jesuítas, encarregados, como até aí, da administração daquelas aldeias. Está-se
a ver, nessa ambigüidade (licença para a descida do gentio e proteção vaga das aldeias dos
padres...) a reconciliação aceita e defendida pelos paulistas mais moderados, ou mais
influentes. Consumou-se por escritura de composição, de 14 de maio de 1653; e o próprio
Fernão Dias Pais “os foi em pessoa buscar ao Rio de Janeiro à sua custa e os tornou a
meter de posse neste colégio onde estão, com sua muita autoridade e foros do seu poder”

REAÇÃO DOS PADRES

Nas reduções do Uruguai, entretanto, os missionários pareciam agora (e justificadamente)


diferentes dos apóstolos do Paranapanema.

Não esperaram a autorização régia para se armarem. O Provincial Pe. Diogo de Boroa
teve a iniciativa da primeira organização defensiva:
Deviam os padres mobilizar os seus neófitos, porquanto, diziam, não somente perigava a liberdade dos índios das
reduções, seus bens e sua vida, senão também a autoridade dos ministros do Evangelho, a qual não podia consentir
semelhantes devastações e pilhagens.

Os irmãos coadjutores, antigos soldados, Antônio Bernal e João de Cárdenas, instruíram


em ardis militares os guaranis (1635). Mas não puderam conter em 1636 Antônio Raposo
Tavares. Entrou este pela região dos Tapes (entre a serra geral ao norte e a Serra dos Tapes
ao sul, tendo por limite a oeste o Jacuí), com 120 paulistas e mil índios, após rude combate
tomou a aldeia de Jesus Maria (à margem esquerda daquele rio), em seguida as reduções
de São Cristóvão e São Joaquim.393 O clamor da invasão voou às mais distantes povoações,
e acorreram os padres Diego Alfaro e Diego de Boroa, com levas de catecúmenos.
Retrocederam os bandeirantes para o seu reduto de Taquari, e, com milhares de cativos,
retomaram o rumo de São Paulo.394 Recomeçou a guerra Francisco Bueno (irmão de
Amador, o “aclamado”), com outra poderosa expedição, apoderou-se da aldeia de Santa
Teresa com 4 mil almas, andou pela zona do Ijuí, chocou-se com a resistência dos
missionários e voltou com muitos prisioneiros.395 Logrou Fernão Dias Pais (em 1638)
resultados equivalentes — acabando com as reduções de Caaró e Caaguá.396 Parece que foi
a última bandeira que abriu à ponta de espada o seu caminho pelas terras dos jesuítas. Os
recentes reveses aconselhavam a união das aldeias, sob o comando de padres e chefes
indígenas, como o valente Nicolau Nenguiru, cujo nome se tornou lendário em toda a
província.397 Já em Candelária (1638) uma partida de caçadores de índios fora dizimada.
Não escaparam ao castigo os mamelucos tresmalhados na vastidão dos campos.
Animados pelas ordens trazidas por Taño e Montoya, os demais missionários podiam
apresentar — em 1641 — um exército respeitável: foi o que aniquilou no Mbororé a
bandeira de Jerônimo Pedroso de Matos e Manuel Pires.

Cresce de importância a batalha, pelo prestígio que deu às “milícias” missioneiras.


Vinham 450 portugueses bem armados com armas de fogo e 2 mil índios tupis seus amigos, gente feroz, todos os quais
foram rebatidos pelos índios das reduções por espaço de 8 dias contínuos com morte de muitos portugueses e tupis,
de sorte que os obrigaram a fugir com grande perda, com que os índios se animaram mais, e os seguiram.398
Manejando os arcabuzes, cerrando fileiras, fiéis aos padres, já não eram os pobres
catecúmenos de ontem. Brigavam com energia viril. Quando se habituaram ao cavalo, e,
de lança em punho, deram de correr pela planície, em guerrilhas velozes e mortíferas,
desapareceu o índio fatalista, oscilante entre a obediência ao pároco e o terror do
bandeirante, para surgir o campeador das coxilhas, ascendente guarani do gaúcho. A
elaboração deste tipo histórico pertence ao século seguinte.

Termina ali o ciclo das devastações erráticas.

Deslocara-se o eixo das incursões do Vale do Paraná para o Paraguai e o Uruguai. Bateu
em retirada Manuel Pires — depois do fracassado ataque a São Francisco Xavier e São
Nicolau — deixando “mortos, feridos e afrontados a flor dos sertanistas de São Paulo e do
Brasil, inimigos declarados desta atormentada Cristandade e de seus doutrinadores”.399

A reação de 1641 resguardou da destruição as missões ao longo do Rio Uruguai.


Retardou de um século a incorporação na Coroa portuguesa do território a leste do Jacuí.

INQUIETAÇÃO CONSTANTE

De fato, reinstalados em São Paulo, continuariam os jesuítas à mercê dos tumultos do


povo, como, àquele tempo, no Maranhão e no Pará.

Em 1677, só porque o Governador Matias da Cunha mandasse pôr em liberdade um


índio que chegara à Ilha Grande, cativo, a nobreza paulista, com os procuradores de
Parnaíba e Moji, se reuniu no próprio colégio e trovejou: “Vinha deliberado a botá-los
fora por suspeitarem que por sua via deles religiosos havia vindo aquela ordem”. Não
dizia que lhes atribuíam também os reveses da região dos Tapes. Os padres negaram; e
prometeram que não seria cumprida em São Paulo...400 Matias da Cunha acalmou-os,
dizendo que se tratava de um “pobre índio”, forro. Pior foi o sucedido em 1682 — com as
novas ordens sobre a administração do gentio e o tributo que o Bispo do Rio de Janeiro
impôs às “peças” descidas do sertão. Começou a agitação em 28 de março; irrompeu, em 8
de julho, em forma de revolta à mão armada — como em 1640.401 Os vereadores tidos por
fracos escaparam de morrer, caçados pelos sediciosos; muita gente fugiu da vila;
Bartolomeu Fernandes de Faria (depois “régulo de Jacareí”) foi compelido a ocupar o
caminho do mar, para que não subissem soldados de Santos. O povo exigiu que ficasse
claro, na ata então lavrada:
Não queriam nem convinha que os tais corregedores viessem à sua pátria interromper as provisões do foral da
capitania que eles com aquelas armas que nas mãos tinham haviam de matar os ditos senadores e todas as mais
pessoas que contra a sua oposição fossem.

Não foram. Mais arrogantes se tornaram os paulistas com o ato do Marquês de Cascais,
donatário da capitania, que lhe transferiu a sede de São Vicente para a vila do planalto —
embora o governo-geral logo anulasse esse galardão.402 Não transigiam quanto ao índio,
braço de sua lavoura, lucro de suas “bandeiras”, pecúlio e ambição — na aventura
sertanista exacerbada pela procura das minas depois de 1674.

Fora dessa razão econômica — gostavam dos padres e não pretendiam largá-los.

Em 1684 a mesma câmara, infensa aos jesuítas, se comovia à idéia de que se preparavam
para sair da vila.
Os oficiais da câmara desta Vila de São Paulo que servimos este presente ano, os abaixo assinados com o bom deste
povo por nos haver vindo a notícia que vossas paternidades determinavam deixar este colégio para sempre, vimos a
esta casa do grande Patriarca Santo Inácio a requerer, como requeremos nós [...] que deponham o intento por serviço
de Deus porquanto se perderão as almas cristãs à falta de doutrina, crescerá a ignorância e a obsessão dos estudos,
ficará o gentio do Brasil sem a luz que a Companhia comunica.

Que “o melhor deste povo e todos uniformemente afetuosos reverenciam a


Companhia”.403

VIII: UM IMPÉRIO EFÊMERO

O ÊXITO DOS HOLANDESES

A fixação do invasor em Pernambuco, a sua intimidade com o clima e os costumes, e os


primeiros sucessos de suas armas, importavam êxito pleno — quando exatamente até aí o
seu grande adversário fora o meio estranho, a que não pudera adaptar-se numa tentativa
precipitada de ocupação das terras tropicais. Dando um sentido de permanência aos
esforços de conquista, aparelhara-se para a expansão que seria irresistível, em
conseqüência do desgaste das forças portuguesas na confusão do êxodo, no deslocamento
das famílias patriarcais e no terror que se estendera às regiões próximas de Olinda.

As colônias americanas, por sinal, tinham a sua defesa no mistério que as envolvia,
dissimulando-lhes a geografia, os recursos naturais, os pontos fortificados e as povoações-
chave. Quem conhecesse (“saber de experiências feito”) esse segredo, cuidadosamente
preservado por espanhóis e portugueses, com facilidade lhes quebraria a resistência em
golpes rápidos. O exército inimigo carecia de “olhos”, para orientar-se no deserto.
Domingos Fernandes Calabar desempenhou o papel — incomparável — de guia e
conselheiro. Permitiu desembarques audazes, a tomada dos portos ao norte e ao sul da
capitania assolada, a desarticulação das guerrilhas, e, por fim, a vitória do estrangeiro.

CALABAR

A deserção de Calabar para as fileiras holandesas coincidiu com um período brilhante da


reação pernambucana.404
As forças volantes ao mando de cabos famosos — Luís Barbalho, Camarão, D. Fernando
de Riba Aguero,405 Henrique Dias com o corpo de “crioulos, negros e mulatos” —
impediam-lhes a expansão pelos engenhos da Várzea. Calabar não se deixou iludir. O erro
fundamental dos flamengos consistia em engajar batalha à roda do Recife. Venceriam de
súbito a resistência se lhes cortassem os abastecimentos, com a entrada, de surpresa, nos
portos indefesos, ou ligeiramente guarnecidos: o ataque a Igaraçu provou o acerto do
conselho e assinalou o começo de infortúnios sucessivos, que forçaram o êxodo dos
portugueses da capitania.

Em 1º de maio de 32 a expedição guiada por Calabar e comandada por Waerdenburch


— depois de cautelosa marcha noturna — apresentou-se diante da vila e a tomou de
assalto, com a retirada garantida pelas barcaças que tinham ido de Itamaracá (em poder
dos holandeses) para secundar a ação. À pilhagem de Igaraçu se seguiu, sem incidentes, a
volta dos atacantes para o Recife. Satisfeitos com o plano que lhes dera o traidor,
ocuparam Rio Formoso (7 de fevereiro de 33), Afogados, o resto de Itamaracá, Goiana...

Retirou-se Waerdenburch para a Holanda e foi substituído no comando pelo Major


Rembach, que a 24 de março (1633) ousou investir o Arraial de Bom Jesus, orientado
sempre por Calabar. Mas encontrou alerta os defensores, e a peleja saiu desfavorável aos
holandeses, que recuaram com pesadas baixas. O próprio Rembach, aí ferido gravemente,
morreu em 1º de maio. Ganhou com isto o bastão de comandante em chefe Segismundo
von Schkoppe, melhor soldado, implacável na represália, inteligente nos movimentos.
Não se mostrou ressentido do revés que Calabar não soubera prevenir. Deu-lhe, ao
contrário, maior atenção. Percebeu que era imprescindível alargar o teatro de operações.
E deixou que estas fossem levadas até onde pudesse ferir e comprometer as reservas
portuguesas.

Mandou devastar o litoral das Alagoas por seiscentos homens, embarcados em alguns
navios ao mando de Lichthardt: queimaram a Vila de Nossa Senhora da Conceição,
intentaram, sem sucesso, incendiar Santa Luzia (defendida pelo Capitão Antônio Lopes
Filgueiras, morto no combate), e regressaram com 250 caixas de açúcar e muitos toros de
pau-brasil.406 Tal êxito justificou mais larga jornada: a acometida do Rio Grande do Norte.

Desta feita o Forte dos Reis não suportou o cerco.

Ferido o comandante, Pedro Mendes Gouveia, capitulou a guarnição, em 12 de


dezembro (1633). Substituiu-a um batalhão de holandeses, com o Capitão Garstman.
Firmavam-se enfim os batavos em posição que tão caro custara a Portugal: podiam
interromper as comunicações entre a Paraíba e o Ceará e entender-se com os tapuias,
privando Matias de Albuquerque dos abundantes recursos — de farinhas e gados — que
até aí encontrara nas capitanias setentrionais. Foi Calabar — nos manejos dessa política
— hábil e terrível. Atraiu à sua causa o Janduí, principal das tribos do Rio Grande,
inimigas dos tupis, e ávido do sangue tobajara, petiguar e português. Renovou, à volta do
Forte dos Reis (agora chamado “de Ceulen”, em homenagem ao comissário holandês
deste apelido), a intriga dos colonos do século anterior, para dividir e exterminar os
indígenas vizinhos: e conseguiu que o Janduí descesse do sertão com os seus guerreiros
para acabar com todos os antigos inimigos. Começou no engenho de Francisco Coelho,
onde os moradores se reuniam (umas 60 pessoas) de medo a holandeses e selvagens.
Investiu-os repentinamente; e quebrou-lhes as cabeças, numa fúria bestial. Ganhou, com
o morticínio, a confiança de Garstman, que o acolheu no forte com muitos agrados. O
intruso associou-se ao Janduí; mas perdeu a aliança dos petiguares, cujo chefe, batizado
com o nome de Simão Soares Jaguarari, tio de D. Antônio Filipe Camarão,407 despeitado
com as festas feitas ao tapuia, se retirou prudentemente para junto dos portugueses.

NA PARAÍBA

Menos feliz foi a segunda tentativa para a conquista da Paraíba. Esbarraram, mil
holandeses, na trincheira que fizera Antônio de Albuquerque, ajudado do Capitão
Lourenço de Brito Correia, apresado e solto tempos antes pelos invasores. Preferiram
tornar ao Cabo de Santo Agostinho. Provavelmente Matias de Albuquerque quis distrai-
los desse objetivo mandando Martim Soares Moreno tirotear com as avançadas do Recife,
para mostrar-lhes que estavam inseguros no próprio quartel-general. Mas não foi de
ordem a obstar a expedição. Desembarcaram em três pontos no cabo, apesar de
hostilizados vivamente de terra, e já por Matias de Albuquerque, que correra em socorro à
guarnição do Forte do Pontal de Nazaré comandada pelo Sargento-mor Pedro Correia da
Gama. Os flamengos não se arrojaram logo sobre esse reduto. Assentaram acampamentos
defronte, e cuidaram de avassalar a várzea de Ipojuca. Chegavam-lhes entretanto reforços
da Europa, com o Coronel Arciszewsky: graças às tropas frescas e bem equipadas podiam
desenvolver as operações em direção ao norte, visando aos pontos fracos da defesa —
experimentados na expedição anterior. Desta vez a Paraíba não se livrou deles.

Lá se apresentaram em 4 de dezembro (1634) com muitos barcos e gente de guerra: e a


despeito da boa prevenção de Antônio de Albuquerque lhe levaram de vencida a
tranqueira da praia, forçando-o a recolher ao Forte de Santo Antônio. Os outros dois
baluartes, Restinga e Cabedelo, agüentariam o fogo. O primeiro caiu na seguinte
madrugada, em poder do Major Hinderson. O destemido João de Matos Cardoso,
comandante do segundo, foi aí ferido. Sucedeu-lhe Francisco Peres do Souto. Com cinco
dias de assédio teve de render-se. Chegava então Banholo à cidade da Paraíba e
combinava a manobra capaz de salvar a derradeira posição da barra: uma sortida de Riba
Aguero com 250 homens, a envolver os sitiantes de Cabedelo. Era tarde. O fortim de
Santo Antônio quatro dias depois se entregou, com as honras militares devidas à galharda
resistência.

Derrocara-se o sistema defensivo em que confiara o capitão-mor, justamente ufano das


vitórias precedentes. Na cidade reinou a confusão agravada pela intolerância do
Albuquerque,408 que já não tinha mão nos companheiros, e via traidores por toda parte.
Porque o venerando Duarte Gomes da Silveira (um dos construtores da Paraíba)
parlamentasse com o inimigo, a pedir clemência para os da terra, mandou prendê-lo, e
faria pior, se uma força holandesa não o libertasse. Os moradores, atemorizados pela
proximidade dos tapuias (o exemplo do Rio Grande os enchia de pavor) e não podendo
fugir aos flamengos — depunham as armas.

O jesuíta Manuel de Morais, paulista, ordenado na Bahia e capitão de uma partida de


índios, aprisionado ali e remetido para o Recife, aderiu com impudor aos vencedores.
Aceitou-lhes o jugo; viajou para a Holanda, onde adotou a religião luterana; e passou a ser
precioso informante dos assuntos do Brasil que conhecia tão bem. Grande “língua” e
político fino, traiu também os holandeses, numa curiosa “Resposta [...] a dizerem os
holandeses que a paz era a todos útil, mas a Portugal necessária”.409 Voltaria, em 1643,
para negociar madeira de tinturaria: e, com a mesma volubilidade, largou o intruso e
serviu à insurreição — sem escapar em Portugal aos rigores do Santo Ofício. Perdeu-se-
lhe a “história do Brasil” que dizia estar escrevendo.

O ARRAIAL DE PORTO CALVO

A ocupação da Paraíba precedeu de pouco a irresistível ofensiva dos holandeses sobre


Porto Calvo (Lichthardt), o Arraial de Bom Jesus (Arciszewsky) e Nazaré, no Cabo de
Santo Agostinho (Von Schkoppe). De Porto Calvo retirou-se Banholo para as Alagoas
(após breve refrega). Caiu o Arraial em seguida a um cerco implacável, em que o encerrou
aquele hábil coronel polaco, conhecedor como ninguém do emprego da artilharia e da
arte de sitiar praças fortes. Conta no seu diário que por último fez queimar enxofre, para
que a fumaça, levada pelo vento, asfixiasse os defensores... Resistiram estes enquanto
tiveram pólvora e bichos que matavam para comer, no desespero da bravura sem
desfalecimentos. As condições da capitulação foram sumamente honrosas: ficavam livres
os trezentos homens que depuseram as armas, depois de as terem usado até o extremo da
sua energia feroz...410 Em Nazaré deu-se aos oficiais o direito de sair com “insígnias,
armas, bagagens, bandeiras tendidas, cordas e caixas temperadas”; e a infantaria e os
religiosos (fugidos dos conventos) foram transportados para as Índias de Castela...

Matias de Alburquerque, não podendo agüentar-se junto do Capibaribe, e sem contar


com as guarnições do Norte, tratou de comunicar-se com as da Bahia.

Converteu-se num êxodo, esse deslocamento necessário, que arrebanhou os moradores,


quantos temiam o estrangeiro e o tapuia, os índios de Camarão, 8 a 10 mil pessoas.
Desfilou melancolicamente pelo caminho que ia ter às Alagoas e ao São Francisco.

Na vizinhança de Porto Calvo foi-lhe ao encontro Sebastião do Souto.

Duas vezes esse valente Souto derrotou com os seus avisos os holandeses: nesta jornada
e, três anos depois, quando Nassau atacou a Bahia. Aí morreu, de espada em punho.

Residindo perto da povoação, assistira à chegada de Calabar com duzentos homens da


frota de Lichthardt. Passou, num bilhete, a notícia a Albuquerque, e enganou o
comandante, Alexandre Picard, para que os portugueses o surpreendessem, sitiando-o.
Ao cabo de seis dias, entregou-se Picard (19 de julho, ou seja, dezessete dias depois da
tomada de Porto Calvo a Banholo), com 25 oficiais e 377 soldados, entre estes Calabar.
Matias de Albuquerque não teve dúvidas. Mandou julgá-lo sumariamente e o fez enforcar
diante da tropa — como ao traidor que tantos infortúnios causara à terra e à gente.

O DESASTRE DE D. LUÍS DE ROJAS

A retirada maciça poderia transmudar-se num movimento estratégico de recuperação do


território, se bem se entendessem Matias de Albuquerque e o general espanhol que lhe
mandavam. Este porém o substituiu. Foi D. Luís de Rojas y Borja (veterano de Flandres,
presidente no Panamá), que trazia um destacamento luso-castelhano e alguns oficiais
distintos (como Miguel Giberton e Heitor de Lacalche). Desembarcou em Jaraguá,
fazendo recolher à Bahia a força portuguesa (700 homens); assumiu o comando em 16 de
dezembro de 1635; e com escassa tropa se deixou atacar na Mata Redonda (17 de janeiro)
pelo Coronel Arciszewsky com 1.300 soldados.

A esse tempo, destituído da chefia e obrigado a responder pelos reveses, que cobriam os
sucessos da sua campanha memorável, ia Albuquerque submeter-se em Lisboa a
demorado processo — do qual sairia desagravado pela parte grande que teve na
Restauração de Portugal.411

Na mesma esquadra em que viera D. Luís de Rojas, chegara sucessor ao governador-


geral: D. Pedro da Silva.

O combate da Mata Redonda constitui um dos episódios mais obscuros da guerra.


Investido num bosque, tombou o general espanhol aos primeiros tiros, havendo suspeita
de que o tivessem alvejado alguns amigos de Albuquerque, numa represália vil. Ainda
tentou remontar no seu cavalo, quando outros tiros o estenderam morto. Seguiu-se,
incontível, a debandada.412

Estava Banholo, pelas vias de sucessão, governador da guerra de Pernambuco.413

Resolveu abandonar a linha da costa, e, pelo sertão, voltou a Porto Calvo (19 de março)
onde se fixou, expedindo as guerrilhas ao mando de Francisco Rebelo, depois de
Henrique Dias, Camarão, João Lopes Barbalho, Sebastião do Souto e André Vidal de
Negreiros, em direção ao Cabo, aos arredores do Recife e à Paraíba, para que o inimigo
não tivesse repouso nos engenhos conquistados.

Inaugurou-se um período de sortidas, queima de plantações, assaltos pelos campos,


golpes de surpresa, que inquietaram os holandeses à espera de quem os viesse dirigir com
mais ordem e espírito do que os comissários da Companhia — gananciosos e desajeitados.

Veio Nassau.
UM ADMINISTRADOR: O CONDE DE NASSAU

A Companhia das Índias Ocidentais não ambicionava apenas um império. Empresa


mercantil, o seu objetivo mais próximo era o lucro dos capitais comprometidos. Entre
1630 e 33, perdera sempre. A defecção de Calabar foi-lhe de súbito proveitosa: começara a
ressarcir os prejuízos. De janeiro de 33 a agosto de 34 subira a 1.655.700 florins o valor do
açúcar mandado do Brasil. Os navios capturados e a madeira de tinturaria estimavam-se
em mais 586 mil florins. Pouca cousa: no verão de 1636, as dívidas da Companhia
chegavam a 18 milhões.414

Melhorara consideravelmente a situação da “Nova Holanda” e podia cuidar do seu


açúcar, na Paraíba, em Itamaracá, em Pernambuco.415 Mas as guerrilhas de Banholo
assustavam os moradores que, timidamente, volviam ao trabalho, e deveras os holandeses
não se animavam a afastar-se do litoral, protegidos pelas “casas-fortes”, onde velavam os
seus capitães. Fora-lhes excelente a política, na Paraíba, de perdoar aos portugueses,
concitando-os a tornar às lavouras, enquanto os padres retomavam as igrejas e
continuavam, tolerados, o seu ministério. Graças a esta benevolência o êxodo se
interrompera e vários senhores de engenho se ligaram ao invasor, numa acomodação
interesseira. O porto do Recife reanimara-se. A Várzea apresentava outro aspecto. Seria a
pacificação — dizia-se daí — se o Conselho dos Dezenove, que presidia à Companhia,
atendesse às sugestões de Waerdenburch (desde 1633), de Arciszewsky, de Von Schkoppe,
enviando administrador capaz de dar unidade ao governo, e inspirar a todos uma
confiança oportuna. Um dirigente sensato, enérgico, autorizado... O Príncipe de Orange e
os Estados-Gerais acharam ótima a indicação do Conde João Maurício de Nassau. Jovem
(nascera em Siegen em 17 de julho de 1604), sobrinho-neto de Guilherme, o Taciturno,
instruído (estudara nas universidades de Basiléia e Genebra), soldado nas lutas contra os
espanhóis em Flandres, realizava o ideal do “bom príncipe”, culto e valente, guerreiro e
artista. A oferta, aliás, deslumbrou-o. Dava-lhe um grande ensejo: ilustrar-se numa
aventura ultramarina que podia ser a fundação de novo e opulento Estado! Em 4 de
agosto de 1636 apresentou-se Nassau à Companhia, aceitando as condições com que viria;
e teve, em 23 de agosto, o regimento do seu governo, em 99 artigos. Convidou para a sua
comitiva alguns homens notáveis: Piet de Groot, filho de Hugo Grotius, que não aceitou;
o pintor Franz Post, de Haarlem, o capelão Francisco Pante, teólogo e poeta, Elias
Herckman, militar e humanista, o médico Willem van Milaem, depois o médico e
naturalista Willem Piso.416

Essa preocupação de sabedoria e estética completava o sentido do consulado de Nassau:


um civilizador, um organizador, um conciliador.

Até aí mandara Holanda os seus corsários e mercadores: agora, vinham os


representantes duma sociedade liberal e delicada, à volta do príncipe ilustrado.
Embarcaram na Inglaterra em 6 de dezembro; em 23 de janeiro de 37 chegavam ao Recife.
A CONSOLIDAÇÃO DO DOMÍNIO

O plano administrativo de Nassau estava em função da guerra.

Primeiro devia livrar-se de Banholo, empurrando-o para longe de Porto Calvo; em


seguida, alargar para o sul o domínio holandês; e assim, limpa uma vasta área de
colonização, prepará-la para os esperados rendimentos.

Não se retardou.

Em 17 de fevereiro lançou sobre Porto Calvo417 3 mil soldados, 800 marinheiros, 600
índios e negros: a verdadeira ofensiva. Desconcertou-se Banholo. Para não se arriscar à
capitulação com toda a sua força, deixou na praça Miguel Giberton com uma guarnição,
expediu os melhores cabos para as margens do Comandatuba, a dificultarem a passagem
ao inimigo, e, sem o aguardar, bateu em retirada para Sergipe. Evidentemente abandonava
o campo e sacrificava Giberton: com treze dias de cerco este se rendeu honrosamente; e a
27 de março as vanguardas flamengas alcançavam o Rio de São Francisco. Entristeceu a
vitória do príncipe a morte, numa sortida, de seu sobrinho Henrique. Atingindo, porém,
o grande rio, dir-se-ia completa a conquista territorial: dera-lhe um limite, que podia ser
definitivo. Em Penedo fez construir o Forte Maurício.

Errou Nassau, tomando então o São Francisco por baliza luso-holandesa.

Não perseguiu até São Cristóvão as tropas de Banholo em desordem, permitindo que se
recompusessem no caminho que de Sergipe ia ter à Casa da Torre; e deixou que a Bahia —
alvo subseqüente do seu ataque — se fortalecesse com este contingente veterano. O seu
revés, em abril de 38, resultou sobretudo desse erro, por onde começou o fracasso lento,
quiçá inevitável, do “Brasil Holandês”.

Arciszewsky desaveio-se com o príncipe, que o mandou para a Holanda. Aí publicou


uma notícia da brilhante marcha sobre o São Francisco. Murmurou-se contra a prudência
do general em não ter transposto o rio. Aparentemente o contratempo se compensava
com a tomada do Ceará — empreendimento fácil, a cargo do Capitão Jorge Garstman,
com duzentos homens do Rio Grande, bem recebidos dos índios, que já não sentiam o
pulso de Soares Moreno; e a quietação em que manteve as capitanias conquistadas.

Segismundo von Schkoppe ficou no Forte Maurício, de observação a Banholo.


Observação incruenta: o italiano não se conservou em Sergipe. Fosse pela pobreza da
terra, de defesa difícil em virtude de suas amplas campinas, ou porque lhe parecesse mais
útil a sua presença na Bahia, não esquentou lugar. Rumou para a Torre de Garcia d’Ávila,
onde se aquartelou, eqüidistante de Sergipe e da capital. E espalhou emboscadas até a
vizinhança do invasor. O mais eficiente destes guerrilheiros era Sebastião do Souto.

Por que não se fixou Banholo em São Cristóvão? Que importância se dava, a esta época,
à capitania real de Sergipe? Desbravada depois de 1590, tinha capitão nomeado pelo
governador-geral, muito gado e algum açúcar, salitre e algodão. Em 1609 o seu comércio
não aparecia na estimativa da costa do Brasil; mas três engenhos eram aí começo duma
colonização estável.418 Os rebanhos, entre o Rio Real e o São Francisco, constituíam-lhe a
riqueza dispersiva. Vaqueiros mamelucos, a serviço dos proprietários que residiam na
Bahia ou afazendavam junto à costa, antecipavam nos descampados — com os seus
“currais” — os núcleos dum povoamento tardo. Como no Rio Grande e na Paraíba,
tangidas as boiadas pelos “curraleiros” voltaria a terra ao abandono dos primeiros tempos
— quando atrás das “entradas” de caça ao gentio ficara a desolação da paisagem, ali e
acolá assinalada por uma “tapera”, de caboclos cujo rastro se perdera no deserto...

Arrebatando consigo os rebanhos para que os holandeses nada achassem em Sergipe —


deveras Banholo destruiu a capitania.

Mas com a vantagem de resguardar a Bahia dum assalto furioso.

IX: REVESES E FORTUNA

AUMENTOS DA CIDADE-CAPITAL

Voltamos à Bahia de Diogo Luís de Oliveira.

Advertido do perigo que corria a cidade, com os holandeses perto, e em sortidas pelo
litoral, mandou construir por Francisco de Frias uma trincheira, junto da ermida de Santo
Antônio, dalém do Carmo,419 um reduto no caminho da Vila Velha (depois “Forte de São
Pedro”), a vigia do Rio Vermelho, um “forte novo da praia”420 e, para a defesa da costa,
entre as vilas do Sul e a barra, o forte do morro de São Paulo.421 Criou o “Terço Novo”, em
1º de agosto de 1631.422

Fracos auxílios expediu para Pernambuco, por não dispor de mais de dois “terços” (este,
e o que deixara D. Fadrique de Toledo), insuficientes para a guarnição da praça.
Beneficiou-se ela — nos anos seguintes à ocupação do Recife — do preço alto do açúcar,
que fez aparecer no recôncavo uma série de novas fábricas. O comércio cresceu-lhe com o
desvio das frotas, do antigo itinerário de Pernambuco para a Bahia e o Rio de Janeiro. As
duas devastações de engenhos e canaviais, de Pieter Heyn, em 1627, e de Lichthardt, em
1610, não lograram abater essa economia florescente. Ressurgiu com rapidez. Estendeu-se
a toda a orla do golfo e penetrou os vales do Paraguaçu e do Jaguaripe. É de 1633, quando
Antônio Vieira dizia: “Uma das maiores escolas de Marte, que hoje tem o mundo, é a
nossa Bahia”423 — o convento franciscano de Sergipe do Conde.424 A fundação do
Convento de São Francisco do Paraguaçu — a duas léguas de São Tiago de Iguape — foi
deliberada em 1619.425 A prosperidade dos engenhos convizinhos e a caridade dos
moradores permitiam trabalhos desse porte, longe do núcleo urbano. Nem era só o açúcar
a fortuna da terra.

Em 1636 proibiu o governador que se fabricasse aguardente “na qual se consumiam


muitas mil arrobas de açúcar”.426 A luta entre a aguardente e o vinho do reino arrasta-se,
aliás, pelo século todo. Do vinho era o principal imposto, com que se pagava a tropa; mas
a aguardente valia por “artigo de troca”, predileto, na costa da África; bebida de negros, o
mata-bicho do pobre...427 De fato, apesar da proibição nunca deixou de ser destilada nos
engenhos: a câmara obteve a liberdade de fabrico, pagando cada alambique 20$000,
quando escassearam os vinhos do monopólio da Companhia Geral do Comércio, em
1656...428 Esse direito arrendava-se por 11 mil cruzados em 1693. A exportação de açúcar,
contudo (em Portugal “tem sempre muita valia e se ganha mais de cento”) era o maior
negócio, quando subia a arroba de 800 para mil e 1.200 réis.429

D. PEDRO DA SILVA

Nomeado governador-geral em 9 de maio de 1635, começou D. Pedro da Silva em 11 de


dezembro a sua porfiosa administração.430

Vieram com ele o provedor-mor da Fazenda Pedro Cadena de Vilhasanti;431 o Ouvidor-


geral João do Couto Barbosa, que fora corregedor em Tomar; e vários militares
experimentados.

O Engenheiro-mor Diogo Pais substituíra Francisco de Frias.432 Foi certamente quem


completou as obras de defesa projetadas e iniciadas por Diogo Luís de Oliveira: o “Forte
de Santa Maria”,433 o de São Bartolomeu em Itapagipe.

Teve D. Pedro da Silva o mérito de continuar os trabalhos urbanos do seu antecessor


sem se descuidar do primeiro dos problemas rurais: a repressão de tapuias e negros
fugidos (tapanhunos, chamavam-lhes os índios) que por vezes obstruíam os caminhos
para o Rio Real ou para o São Francisco.

Numerosos africanos aquilombavam-se no Itapicuru: foi batê-los o Capitão-mor


Belchior Brandão, por ordem do governador e da Câmara da Bahia. Deliberada a
expedição em 24 de maio de 36, em 7 de fevereiro seguinte podia ser feito na cidade o
leilão dos pretos apresados.434 Muito a auxiliou Robério Dias, filho de Belchior, o “homem
da prata”,435 descendo de Sergipe com os seus caboclos. Esse êxito assegurava as
comunicações com o Conde de Banholo, a quem se mandava (assento de 16 de março de
1637) farinha e outros socorros. Pouco lhe valeram, é certo: mas a sua retirada, para o São
Francisco e a Casa da Torre, ficaria assim desembaraçada.

Mas a cidade crescia. Os vereadores fizeram construir, a modo de mercado, cabanas


para a venda de peixe ao povo, no Terreiro (julho de 1637) e punham em arrematação
obras urgentes, quais as do Paço da Câmara, que se estenderam, por sinal, até 1660.
SOCORROS DE ESPANHA

A situação tornara-se mais sombria na península.

D. Fadrique de Toledo, o Marquês de Valleda, o Conde de Linhares, tais exigências


tinham feito, de homens e material, que acabaram desistindo da “empresa e restauração
de Pernambuco”.436 Em 1636–7, mandou Filipe iv bem escasso auxílio ao seu governador:
um pugilo de oficiais e 250 soldados, dos 800 que deviam vir de Lisboa. Os principais
eram Heitor de Lacalche, para comandar o Terço Napolitano,437 e Luís Barbalho Bezerra
com alguns companheiros repatriados depois do desastre de Pernambuco: Guilherme
Barbalho, Pedro Cavalcanti, Antônio Bezerra Monteiro, Gaspar de Sousa de Carvalho,
Tristão da Franca, Antônio Teixeira...438

A presença de Lacalche turvou as águas, pois Banholo — aquartelado na Torre de Garcia


d’Ávila — se considerou diminuído (pedira a mestrança do Terço de Italianos para o filho
Marcos Antônio de San Felice), e recusou-se a empossá-lo, enquanto H. Pedro da Silva
não escondia a sua indignação pelo abandono de Sergipe. Devia fazer face ao inimigo! —
aconselhou-lhe, por intermédio de Pedro de Cadena. Combinaram uma entrevista a
quarto de légua da cidade — em 15 de dezembro — e, transigindo, enviou o general
quatro capitães à exploração. À espera das informações que trariam dos movimentos de
Nassau, Banholo e D. Pedro acertaram singular modus vivendi: ficaria aquele em Vila
Velha e o governador no palácio, encarregando-se cada um da vigilância da costa por
quinze dias. Não cediam atribuições nem humilhavam autoridades: dividiam-nas...
Simplificou-se o acordo no dia em que um daqueles capitães, Sebastião do Souto,
apareceu a Banholo com o bilhete que tomara ao alferes holandês por ele morto numa
escaramuça perto do Forte Maurício. Doze homens ousados tinham andado pela várzea
de Pernambuco, a queimar canaviais.439 Na volta, surpreenderam o oficial com esse papel,
que informava sobre a intenção de Nassau de assaltar a Bahia com forte esquadra e 6 mil
soldados.440

Prontamente se recolheu Banholo à cidade com a sua tropa. E era tempo.

A 16 de abril 14 navios surgiram na altura do Rio Vermelho. Entraram a barra evitando


o fogo das baterias, e, além da ponta de Monserrate, com impressionante conhecimento
do recôncavo, foram deitar ferros diante da deserta praia de Nossa Senhora da Escada.

ATAQUE DE NASSAU À BAHIA

A manobra foi hábil. Desprezou o príncipe o antigo plano de investir a praça pela barra e
portas de São Bento, tropeçando nas obras de defesa: experimentou-lhe a resistência pelas
portas do Carmo, valendo-se do fácil acesso da montanha entre o Forte de São Filipe e
Água de Meninos, para ganhar ao mesmo tempo os altos fronteiros ao Colégio de Jesus e
o vale que deste lado separa das colinas à volta o núcleo urbano.441
Até o dia 20 ignoraram os portugueses o lugar do desembarque. Também se
desentendiam os capitães, reunidos por D. Pedro da Silva: para Banholo seria preferível
deixar que o príncipe tomasse a cidadela, para aí o encurralar, como em 1625; mas os
moradores se opunham, lembrando o prejuízo, das casas varejadas pelo herege, e como
estes se fortificariam, ao abrigo dos muros feitos para os afugentar... O sino da câmara
tocou a rebate. Talvez explodisse um motim. O Bispo D. Pedro da Silva e São Paio,442 o
governador e Duarte de Albuquerque apaziguaram os ânimos, prometendo que a cidade
se sustentaria.443 As tropas distribuíram-se em ordem a defender a trincheira em Santo
Antônio-além-do-Carmo: os veteranos de Pernambuco, o Terço Novo (do Mestre-de-
campo D. Fernando de Lodueña) e a gente de Luís Barbalho. O governador deu o
comando a Banholo. Na noite de 21 — após entrechoques de guardas avançadas — os
holandeses tentaram levar de vencida a trincheira. Advertidos por Barbalho, os nossos os
receberam com tal vigor que se converteu a arremetida num revés: duzentos ficaram no
campo...444 Mas o exército invasor caminhara ao longo da praia, conquistando os fortes de
Itapagipe e Novo (do Rosário), e entre 23 de abril e 2 de maio reconheceu o terreno
circunvizinho, para vibrar com segurança o golpe que podia ser decisivo. Não lograria
melhor êxito. Invencíveis nas guerrilhas, cercavam os seus chefes (o governador,
incansável nas suas providências, Banholo, Duarte de Albuquerque, Lourenço de Brito
Correia, os comandantes dos Terços, Lodueña, João de Araújo e Lacalche) famosos
“campanhistas” como Henrique Dias, Francisco Rabelo, Vidal de Negreiros, Camarão,
Sebastião do Souto, Barbalho. Este se fortificou numa elevação que protegia a estrada de
contorno por onde se vai à Quinta dos Padres (alto “do Barbalho”, desde então) e daí
observou o acampamento de Nassau.

A grande batalha, após muitos dias de bombardeio ineficaz,445 ocorreu ao cair a noite de
18 de maio.

Mandou o príncipe que os navios hostilizassem as encostas de Vitória e Barra — para


onde acorreu Lacalche — a fim de dividir a atenção dos defensores: e atirou o grosso das
forças sobre Santo Antônio.

A trincheira foi atacada pela escarpa de Água de Meninos e pela ladeira de Água Brusca.
Diz-nos o Padre Antônio Vieira:
Armada de infinita munição, de granadas e outros artifícios de fogo, que disparados incessantemente entre a
tempestade das cargas, alumiava a noite, atroavam o ar, e choviam raios sobre os que dentro e no alto da fortificação a
defendiam, presumindo os escaladores que, com estes aparatos de horror, sacudiriam dela os nossos, e franqueariam
os dificultosos passos por onde insistiam em subir, e pretendiam ganhar.446

Interveio Barbalho, colhendo de flanco o inimigo.447 Dos parapeitos da trincheira


alcanzias, pedras, projéteis de toda sorte rechaçaram a escalada, a que assistia o próprio
Maurício de Nassau. Sebastião do Souto foi ferido mortalmente. Os holandeses perderam
o engenheiro Berchen, o Capitão Houwin, oito oficiais da companhia do príncipe; e o
Major Hinderson se salvou com a perna dilacerada. O malogro tornou-se-lhes esmagador.
Relata Pedro de Cadena que no dia seguinte os portugueses
em carros lhe fomos entregando os seus mortos, e lhe contamos, na entrega, 327 dos mais formosos homens que se
viram nunca, que pareciam gigantes. E sem dúvida eram a flor dos holandeses; e eles se enfadaram de ver tantos, e se
foram, ficando mais de 30 por lhes mandar, que ainda tínhamos. E estes, fora muita quantidade, que retiraram de
noite, enquanto se pelejava, com 50 redes. E se afirma que só de mortos, com os da entrega, passam de 500, e mais 700
feridos.

Dos nossos, mataram 60 e feriram 99 — continua o provedor-mor.448 Derrotado assim,


sem a esperança de que a fortuna lhe sorrisse nessa terra indomável, quis o príncipe que
lhe restituíssem 60 prisioneiros, e de repente, interrompendo a negociação, embarcou
com todo o exército no dia 26 e voltou, silenciosamente, para o Recife.

Esse insucesso das armas de Orange pôs um paradeiro aos seus triunfos no Brasil. A
reconquista ia começar. Portugueses e espanhóis exultaram em júbilos patrióticos.
Assomou ao púlpito (13 de junho de 1638), para celebrar a glória dos soldados católicos,
um pregador moço e sábio que iniciara em 1634 no Recôncavo, a sua carreira de orador
sacro e pensador político: Antônio Vieira.449 A sua voz de insuperável eloqüência devia
repercutir na Europa, assegurar-lhe que o Brasil bem ou mal se libertaria sozinho dos
homens de outra fé: e com uma energia nova definia o espírito português — que no
Alentejo aprestava os homens bons para a revolução restauradora, prevista e inevitável.

X: SOB O SIGNO DA RESTAURAÇÃO

A ARMADA DO CONDE DA TORRE

Em Portugal e Espanha a notícia de estar a Bahia cercada (possivelmente perdida)


alvoroçou governantes e mercadores, que se dispuseram a todos os sacrifícios para
socorrê-la — ajudando a resgatar Pernambuco.

Organizou-se depressa uma expedição grossa cujo comando coube (e juntamente o


governo-geral do Brasil) a D. Fernando Mascarenhas, Conde da Torre, “primeiro
português que durante a dominação castelhana teve o cargo de ambas as armadas”.450

Saiu o dinheiro dos equipamentos, de particulares que o adiantaram sobre a receita da


alfândega. Levantou D. Diogo Lobo mil homens nos Açores...451 Foram ao todo 10 mil os
que embarcaram nessa frota formidável, de 33 navios de guerra (25 portugueses e 8
espanhóis) — tendo como capitães-generais da cavalaria D. Francisco de Moura e da
artilharia o Conde de Óbidos, e mestres-de-campo dos quatro terços D. Vicente
Monsiuvi, D. Urbano de Ahumada, D. Fernando da Silveira e Manuel Dias de Andrada.
As instruções para o Conde da Torre foram passadas em Madri, a 19 de julho de 1638, e
completadas — dois dias depois — com uma ordem secreta, pela qual se lhe recomendou
que preferisse para governar a terra o Conde de Óbidos a D. Francisco de Moura.452
Mandavam que fosse à Bahia, suprisse aí a esquadra de todo o necessário, e, assim
abastecido, portanto em condições de medir-se com o inimigo, assegurasse o domínio do
mar, indispensável à reconquista e à conservação do Brasil.453 Essas instruções desmentem
a suposição de que cometeu um grave erro deixando de atacar o Recife (a cuja vista
navegou, rumando para a Bahia) e, equivocadamente, também se deixou retardar neste
porto confortável, em vez de desfechar logo o assalto às forças holandesas.454 Devia —
obediente à superior determinação — cumprir em três tempos a sua tarefa: o reforço à
Bahia (salvando-a do sítio, se ainda o sofresse); o reabastecimento para a campanha naval;
e por fim a batalha. Foi exatamente o que fez.

É certo que, se mudasse de idéia, e deitasse na costa pernambucana a sua tropa, teria
acabado com o estado flamengo do Brasil. Mas ignorava os recursos de Nassau e o seu
roteiro fora traçado com seca exatidão. Surpreendeu-se — isto sim — da situação de
penúria em que achou a Bahia — ao assumir-lhe o governo em 23 de janeiro de 39.
Tomou-o, aliás, para o imenso trabalho de preparar a armada, apercebendo-a de tudo —
para o decisivo encontro. Pasmasse a corte!
Não havia “bastimentos”, nem em depósito nem a comprar, e nada do que a Vossa Majestade se tinha avisado
pertencente a seu real serviço; antes os soldados descontentes e por pagar, a Fazenda Real consumida e endividada em
mais de 15 mil cruzados, sem ter consignação de que me aproveitar, os armazéns sem armas, as fortificações
danificadas e caídas.455

Pediu gente para o Sul. Do Rio de Janeiro e de São Paulo lhe mandaram várias
companhias com alguns dos melhores cabos. Pela primeira vez iam medir-se os
sertanistas do planalto com o inimigo comum. Formavam uma boa tropa. Mas não
bastava.

Faltavam os mantimentos indispensáveis — e o conde os mandou reunir no Rio de


Janeiro, em São Vicente e até em Buenos Aires.456 Em 8 de junho juntou os homens bons
da terra e os concitou a cuidar do provimento da armada sem a espera de socorros da
Europa, que não viriam. Formou-se comissão: Diogo de Aragão Pereira, Diogo Lopes
Ulhoa, Antônio da Silva Pimentel, Capitão Francisco Fernandes, Mateus Lopes Franco.457
Em 12 de julho emprestaram 60 mil cruzados. Ficou o Capitão Francisco Pereira do Lago
com o trabalho de administrar os consertos reclamados por vários navios.458 Retardou-se
assim o conde governador na Bahia, enquanto, por certo, o inimigo se preparava para
recebê-lo.

O fracasso estava, implícito, nesse letargo.

Exprimiu o Padre Vieira o descontentamento e a dúvida causados pela dilação, a que se


aliava a soltura de costumes de soldados e marítimos, na cidade vítima de inimigos e
patrícios... “Que dirão aqui muitos capitães com nome de cristãos, ou sejam dos menores,
ou também (que pode ser) dos maiores? Que dias podem esperar de Deus, se dão as noites
ao diabo?”.459 “A ousadia é a metade da vitória, e quem temeu ao inimigo, já vai vencido”.
— Explicou D. Francisco Manuel que Filipe iv desconfiara do “capitão-general de mar e
terra” — com tanto poder — e o rodeara de conselheiros, para nada resolver de pronto.460
Moleza e solércia de um lado, prudência e ceticismo do outro, prenderam a armada e a
fidalguia que a tripulava até 19 de novembro.461 No dia 8 fizera o conde registar a carta
régia (de 4 de março!) que o avisava da provável vinda de sucessor...462

Não podia retardar-se mais. Saiu tarde e em má hora.

A frota — de 41 unidades — ao mando de Willem Corneliszoon Loos, partiu do Recife a


surpreendê-lo na altura das Alagoas. Compunha-se a de el-rei de 87 velas: “A maior que
nunca passou a Equinocial”, na frase de Vieira.
Cobriu enfim ou assombrou esses mares aquela multidão confusa de torres navais, composta de 87 vasos, muitos de
extraordinária grandeza, armada de 2.400 canhões, e animada de 14 mil europeus, número que o Oceano Austral
jamais tinha contado nem ouvido.463

Sobreveio então o desastre, infligido em parte pelos ventos contrários, em parte pela
audácia e habilidade do adversário.

Levava o Conde da Torre o plano de dar desembarque à tropa em Pau Amarelo — 2 mil
homens — que iriam sobre o Recife, enquanto os barcos lhe fechariam a barra,
estendendo em leque o bloqueio.

Diante daquela praia, com efeito, se chocaram as duas esquadras. Corneliszoon


procurou a nau almirante, mas, investido por vários galeões, não logrou abordá-la. Aos
primeiros tiros morreu o chefe holandês. Sucedeu-lhe Jacob Huygens e, na manhã
seguinte, o combate se renovou à altura de Goiana (2 de janeiro de 1640). A sorte das
armas favoreceu, já então, o inimigo, que manobrava com facilidade navios menores, em
contraste com a semi-imobilidade das pesadas naus da Índia.464 A 14 de janeiro ocorreu a
terceira batalha, ao longo do litoral da Paraíba, num mar insidioso, que atirava os
combatentes para o ocidente, afastando-os dos portos onde poderiam refrescar.
Finalmente, a 17, se feriu o quarto encontro em frente ao Rio Grande, “a frota espanhola
desgarrada e desfalcada”465 e em franca direção do Equador a despeito dos esforços dos
capitães para retê-la. Os holandeses, seguros desse rumo, suspenderam o fogo e voltaram,
com vozes e fanfarras de triunfo, para Pernambuco — imprevidentes nesse regozijo
prematuro, pois com isto não impediram o desembarque, no porto de Touros, de 1.400
homens, dos destinados a Pau Amarelo, cujo mestre-de-campo era o invicto Luís
Barbalho Bezerra.466

CATÁSTROFE

A dispersão e o malogro da armada assombraram Brasil e metrópole. Muitos navios


foram dar ao Maranhão e às Antilhas.467 O Conde da Torre recolheu-se à Bahia num
bergantim, como para comunicar pessoalmente o fracasso — fatal para a cidade, alvo de
represálias que não tardaram, e para Pernambuco, que não seria tão cedo socorrido.
Reassumiu o governo. Em 25 de março (1640) dirigiu-se à câmara, pedindo lhe
consertasse o galeão Borgonha. Apresentou, em 20 de abril, cartas de Luís Barbalho e
André Vidal, boas e más. Tanto falavam da impavidez e êxito da retirada como do grande
reforço recebido pelos holandeses.
Em como vieram de socorro ao inimigo 20 naus e 2 mil homens e se estavam aparelhando muitos navios com desenho
de virem a esta Praça e assim que era necessário meter bastante bastimento e fornecer esta Praça.468

A retirada de Barbalho469 compensou o revés, como um desagravo militar; deu à história


dessas lutas intermitentes um retoque de epopéia; inquietou e flagelou o estrangeiro que
se julgava senhor do país, entre o Rio Grande e Sergipe; mostrou que a guerra continuava.

Caíram os retirantes sobre “800 flamengos e 400 índios, de que se degolaram mais de
quinhentos, na Goiana”, deram “numa casa-forte, a que os mais se retiraram”; no
engenho Salgado bateram 1.400, com furor incomparável; e abrindo caminho para as
Alagoas,470 rechaçaram os destacamentos sucessivos que ousaram tomar-lhes o passo.

Apresentaram-se, ufanos, na Bahia, quando era mais precisa a colaboração de sua


experiência.

Lastimou o Padre Vieira: “Perderam os derrotados e tristes conquistadores o mar,


perderam a terra, perderam a esperança, e nós, que neles a tínhamos fundada, também a
perdemos”. “Os que tão costumados éramos a vencer e triunfar, não por fracos, mas por
castigados, fazeis que voltemos as costas a nossos inimigos. [...] E aquele nome português,
tão celebrado nos anais da fama, já o herege insolente com as vitórias o afronta, e o gentio
de que estamos cercados, e que tanto o venerava e temia, já o despreza”.471

Misturou-se-lhe o queixume às angústias duma população afligida pelo mais impiedoso


dos ataques — quando o Almirante Lichthardt quis desforrar-se dos “campanhistas” e das
guerrilhas, abrasando o Recôncavo, entre 25 de abril e 12 de maio de 1640.

Estava na lógica da guerra.

Lichthardt foi a resposta de Nassau ao desafio do Conde da Torre. Informou o príncipe


para Holanda:
Realizamos um assalto à Bahia, com vinte navios e 2.500 soldados, a fim de tomarmos vingança dos danos que Luís
Barbalho ocasionou nas regiões por nós ocupadas, e incendiamos e destruímos para sempre 27 engenhos, além de
povoações e casas particulares, de sorte que na Bahia só restam oito engenhos.472

O VICE-REI MONTALVÃO

Mas a represália não se limitou ao Recôncavo.

O Coronel Koin entrou o Rio Real, a destruir o que encontrou. Encurtavam-se


distâncias, entre a Nova Holanda e a Bahia. “Em junho (resumiu Vieira) o Rio Real
ocupado pelo inimigo, os campos e os gados quase senhoreados, e as esperanças de os
recuperar não quase, senão de todo perdidas”. Foi quando chegou o substituto do inditoso
Conde da Torre,473 aliás logo em seguida mandado preso para Lisboa, onde expiou, nos
cárceres de São Julião (destituído por el-rei de títulos e honras que possuía), a sua
infelicidade: D. Jorge Mascarenhas, Marquês de Montalvão.474 Trazia título superior: vice-
rei do Brasil. Contrastava com a ruína deste, província que, “pois a vemos levantada a
vice-reino entre as mortalhas, bem se pode dizer por ela também: que depois de morta foi
rainha” — sorriu, no púlpito, o jovem pregador.475 Tivera Filipe iv em vista opor a Nassau,
príncipe de sangue, uma autoridade mais qualificada: acentuava o seu interesse pela
conservação da colônia.476 Empossou-se Montalvão em 26 de maio de 1640.477

Felizes sucessos consolaram os colonos, até aí tão castigados pela sorte adversa. O vice-
rei trouxera a fortuna! — festejou-o o jesuíta.478 Realmente, os “campanhistas” lograram
retomar o Rio Real em setembro. Falhara uma tentativa holandesa de ocupação de
Camamu, também o seu desembarque no Espírito Santo.479 Isto em outubro. Pois em
novembro

o incêndio das canas e assolação dos engenhos de Pernambuco;480 terrível guerra e a que mais desespera ao inimigo.
Em dezembro, embaixadores do mesmo neste porto a pedir tréguas, a oferecer partidos, a reconhecer a superioridade
de nossas armas, de que pouco antes tanto zombavam.

TRÉGUAS

Que tréguas, essas?

Resolvera Nassau mudar de política. Manifestara o desejo, em Pernambuco e na Paraíba,


de manter a liberdade dos cultos, o respeito à propriedade, os costumes portugueses.
Queria, em compensação, que os “campanhistas” cessassem as suas correrias. Dava-se por
pago das perdas passadas com os incêndios do Recôncavo. Não foi difícil entender-se com
o Marquês de Montalvão. Sabendo este, pelos religiosos que conviviam com o inimigo, de
seus propósitos humanitários, se adiantou em escrever-lhe. Deviam renunciar ao sistema
de guerrilhas... Respondeu o príncipe em 20 de outubro e a 5 de novembro pediu a troca
de comissários ou reféns, que assegurassem a suspensão de hostilidades. Mandou o
Tenente-coronel Hinderson e o Major Day. Para Recife seguiu o Mestre-de-campo Pedro
de la Carrera de Arenas (veterano de 1624 e 1631). Tréguas, sem dúvida: mas incompletas,
pois o vice-rei fez jogo dúplice, pegando-se de um lado à palavra de Nassau, do outro
dizendo que Henrique Dias e Paulo da Cunha lhe desobedeciam, devastavam os canaviais
como malfeitores, “e, quando presos, deviam ser enforcados”.481

O principal era a tranqüilidade, que ganhava o governador do Brasil holandês para a sua
obra administrativa, favoniando simultaneamente a diplomacia do seu país, empenhada
em separar Portugal da Espanha.

Essa orientação provinha do Cardeal de Richelieu.482


A liga de Rivoli (1635), que unira, contra a Casa da Áustria, a França e a Holanda,
envolvera os Estados-Gerais no projeto franco-inglês de levantar portugueses contra
espanhóis, a exemplo das “alterações de Évora”. O motim, em que estrugiram as iras do
povo, subitamente revelara à Europa a debilidade do domínio castelhano em Portugal. A
missão diplomática de Saint-Pé aproximou do governo de Paris o Duque de Bragança, D.
João, que, primeiro fidalgo do reino, estava naturalmente indicado para chefiar a
Restauração.

O duque era dissimulado e sagaz. Ocultou pretensões e sentimentos. Mas o Conde-


duque de Olivares velava.

O ministro de Filipe iv pressentira o perigo. Não soube neutralizá-lo. Adotou um


método contraditório: quis enfraquecer Portugal, chamando a Madri a fina flor de sua
gente, recrutando-lhe a mocidade para as guarnições em Espanha, humilhando a
nobreza483 e empobrecendo, com impostos crescentes, comércio e povo. A rebelião da
Catalunha, em junho de 1640, mostrou-lhe a gravidade do problema: pois os franceses
ajudavam Barcelona e, distraídas as forças espanholas, os portugueses não tardariam em
aliviar-se do jugo que os oprimia... Holanda e França trataram de apressar o rompimento.

Suspeitada de todos, somente no Brasil se percebia mal e imperfeitamente a marcha dos


fatos.

À falta de informações, os homens de espírito, como o Padre Vieira, se valiam das


profecias do sapateiro Bandarra. Alguma cousa aconteceria, nesse ano de 40 — dizia a
trova do vidente... Portugal teria rei natural! Outro D. Sebastião, Encoberto. A
Independência...

Nassau podia estar de posse dos segredos de Amsterdã.

Vieira ignorava-os — e, vendo esgotar-se o ano de 40 sem que a promessa se cumprisse,


achou que o rei natural era mesmo Filipe iv, e carecia assim de sentido a bulha
sebastianista.484 Chamou-lhe, no sermão de 6 de janeiro de 41, “Filipe iv, o Grande”.485

Vale a pena comparar com essa exclamação, de 1641, a sátira sebastianista de 1634, um
de seus primeiros sermões.486 “Em nome de Sua Majestade Filipe iv [...]. Viva pois o santo
e piedoso rei (que já é passado o ano de 40), viva e reine eternamente com Deus”.487 Que
na terra ficava “o invictíssimo monarca Filipe iv, o Grande”.488

Dois meses depois reconhecia com entusiasmo D. João iv e se preparava para pôr ao seu
serviço a mais engenhosa eloqüência que ainda floresceu na Igreja portuguesa!

D. JOÃO IV E A BAHIA

Em 1º de dezembro, com efeito, nobreza e povo aclamaram em Lisboa o rei desejado: D.


João, o Duque de Bragança. Foi quase incruenta, essa revolução patriótica. Propagou-se
pelo país e chegou às colônias num festivo tumulto: porque estava nos espíritos,
derramava-se do sentimento popular, tinha a força de seu veemente nacionalismo.

Na Bahia, trouxe-a uma caravela, em 15 de fevereiro seguinte.

Cumpriu o mestre do barco a ordem de não se comunicar com ninguém antes de


entregar ao vice-rei a carta que D. João iv lhe escrevera.489 Devia agir com prudência, para
não provocar os dois terços espanhóis, de mais de 600 homens, aquartelados na cidade,
nem, diante deles, dividir as opiniões. Tranqüilo e sutil, chamou Montalvão a palácio as
principais pessoas, eclesiásticas, militares e civis, e as ouviu, uma a uma. Não houve
divergências. Deu então ordem a Joanne Mendes de Vasconcelos e a D. Fernando de
Mascarenhas, seu filho, mestres-de-campo dos dois terços, para com eles se apresentarem
no Terreiro de Jesus e na Praça do Palácio. Procedeu em seguida a uma rápida votação.
Foi unânime. É certo que os vereadores, em carta a el-rei de 25 de fevereiro, dizem: “O
Marquês de Montalvão, vice-rei deste Estado, nos mostrou a carta de V. M. a que logo
obedecemos, jurando e aclamando a V. M. em toda esta cidade por o verdadeiro Rei e
Senhor nosso”. Mas o assento, em livro de atas, recapitula: “[...] e votando cada um em
particular por todos foi aclamado por Rei D. João iv”.490 Depois saíram — continua o dito
assento — para a Sé, onde o Bispo D. Pedro lhes exibiu o Missal, na cerimônia do
juramento, assim tomado solenemente.

Voltando a palácio, transmitiu D. Jorge aos castelhanos a notícia e os intimou a


permanecerem, desarmados, nos alojamentos, até terem transporte, para a Europa. O seu
mestre-de-campo, o veterano Heitor de Lacalche, não pensou em amotinar-se. Aliás a
camaradagem das armas — desde 1631 — agora servia para abrandar as cóleras
represadas. O sangue derramado em Pernambuco e na Bahia, e nove anos de campanha,
pressupunham tolerância e cavalheirismo: não faltaram ao episódio. Lacalche embarcou
em paz com a sua gente.

Apressou-se a Câmara da Bahia a escrever às do Sul, concitando-as à aclamação; e para


celebrá-la, fez grandes festas de 6 a 10 de abril,491 em que entravam as comédias, cujos
gastos recaíram nos mercadores de lojas,492 num ambiente de alegria que a baixa dos
impostos (primeiro ato do rei!) tornou mais franca.

Necessitava-se mandar um emissário a Lisboa, para apresentar a D. João iv as queixas do


Brasil. O vereador mais velho, Manuel Maciel Aranha, a isto se propôs. O vereador
Gaspar Pacheco de Castro e o procurador do conselho Pedro d’Oliveira (grupo oposto ao
Vice-rei Montalvão) deram porém procuração “ao Padre Antônio Vieira, da Companhia
de Jesus”. Foi assim que — por inspiração de alguns lúcidos sujeitos da Bahia — achou o
pregador genial o caminho da fortuna política. Em 2 de março comunicou finalmente o
vice-rei a Nassau a novidade, como se fosse de ordem a interromper a guerra:493 não se
justificava agora que estava no trono D. João iv.
XI: POLÍTICA E LIBERDADE...

A ACLAMAÇÃO NO RIO

As capitanias, de Norte a Sul, aceitaram jubilosamente o “rei natural”.

A 23 de fevereiro seguiu para o Rio de Janeiro o Padre Manuel Fernandes, provincial


dos jesuítas, com carta de Montalvão a Salvador Correia de Sá, cuja conduta seria de
suspeitar-se, dadas as suas relações de sangue e interesse com os espanhóis. Ao contrário,
o governador procedeu com leal e perfeita solicitude (10 de março de 1641). Adotou, para
o juramento, o mesmo sistema de Montalvão. Comunicou o assunto, no colégio da
Companhia, ao Sargento-mor Antônio Ortiz de Mendonça, que convocou oficiais,
prelados e pessoas notáveis para a sala da livraria dos padres, onde, de per si, foram sendo
informados e deram a sua adesão. Colhidos os votos, conclamou Salvador Correia o
reconhecimento de D. João iv, e, em procissão, se dirigiram à Sé-Matriz, “donde feito um
altar no Cruzeiro dela sobre um Missal fez o governador e a seu exemplo todos os mais
solene juramento, preito e menagem”.494 Houve em seguida muitos vivas, festas alegóricas
e outras demonstrações de alegria, que se prolongaram por vários dias com cavalhadas,
máscaras, sortes de armas, iluminações próprias de rica cidade. A 19 de março recebeu o
governador carta de D. João iv, que renovou o contentamento geral. Nem se limitara a tais
congratulações Salvador Correia. Logo a 11 enviara o Capitão Artur de Sá, que o era da
Ilha das Cobras, às “capitanias de baixo, São Vicente e São Paulo e onze vilas de que
constam”, para comunicar-lhes a Restauração, antes que os avisos de Castela lhes
perturbassem o sentimento português.

SÃO PAULO E AMADOR BUENO

Em São Vicente, mal soube da novidade, o Capitão Luís Dias Leme aclamou D. João iv,
antecipando-se a São Paulo onde preponderavam influências dessemelhantes. Era “golpe
sensibilíssimo aos espanhóis que se achavam estabelecidos e casados na dita Vila de São
Paulo, para onde tinham concorrido não só da Europa, mas também das Índias
Ocidentais”,495 como os Rendons, seus parentes Buenos, outros aristocratas mais ligados a
castelhanos do Prata e do Peru do que a portugueses do litoral e de Lisboa. Sem maior
obstáculo, porém, anuíram os paulistas em 3 de abril.
O vereador mais velho Paulo do Amaral arvorou o dito pendão por três vezes, dizendo em cada uma Real, Real, Real
por el-Rei D. João o quarto de Portugal, respondendo a cada uma destas vozes todos os circunstantes com mil vivas e
júbilos.

O Capitão-mor João Luís Mafra presidiu à cerimônia com o vigário e a nobre gente,
como Antônio Raposo Tavares, o abade de São Bento, o guardião de São Francisco,
Fernão Dias Pais, Lourenço Castanho, João Raposo Bocarro.496
Disse o sermão gratulatório um frade franciscano, que em 1642 escreveu (da Bahia) a D.
João iv:
Achando-me presente à aclamação e juramento que por Vossa Majestade se fez na Vila de São Paulo, capitania de São
Vicente (aonde preguei o sermão daquele ato), tratando-se da instância que o castelhano havia de fazer sobre esse
reino, responderam muitos que, se quiser bulir com el-Rei Dom João nosso senhor, lhe tiraremos o brio com lhe
tomarmos o serro de Potosi. Ajunto a isso que ouvi dizer a um homem daquelas partes, grande sertanejo, que a
repartição que se fez no tempo do Imperador Carlos v à revelia de Portugal não foi direitamente pelo rumo, e ainda
assim fica parte do dito serro na Coroa de Portugal.497

Daquelas tendências de irritada autonomia há entretanto um documento


impressionante, que a tradição dilatou, dando-lhe o simbolismo e a poesia de um formoso
episódio de fidelidade ao soberano legítimo: o caso da “aclamação de Amador Bueno da
Ribeira”.

Silenciam os papéis da época,498 mas reconhece a tradição a patente que, em 1700, o


capitão-general da Repartição do Sul, Artur de Sá e Meneses, passou a Manuel Bueno da
Fonseca:
E quando não bastaram estes serviços, era merecedor de grandes cargos por ser neto de Amador Bueno, que sendo
chamado pelo povo para o aclamarem rei, obrando como leal e verdadeiro vassalo, com evidente perigo de sua vida
clamou, dizendo que vivesse el-Rei D. João iv seu Rei e Senhor, e que pela fidelidade que devia de vassalo, digno de
grande remuneração.499

Não sabemos se Frei Gaspar da Madre de Deus, que no-la referiu primeiro, narrou o
incidente segundo a notícia dessa patente, ou a tomou em abono do seu escrito. É possível
— em todo caso — que a “aclamação” de Bueno se tivesse dado não em abril, ao tratar-se
da aceitação de D. João iv, porém meses depois, durante o dissídio entre paulistas e
defensores dos jesuítas, que deixamos relatado. Foi uma revolução. Os moradores do
planalto interceptaram-lhe as comunicações com São Vicente e o Rio e prometeram
receber na ponta das armas Salvador Correia de Sá. Fizeram uma junta governativa, que
lhes dirigisse a defensiva, e é compreensível que, nesta extremidade, propusessem uma
solução radical: dariam a coroa ao mais venerável dos seus cabos, o honrado Amador
Bueno. Este — diz Frei Gaspar — vendo que se faltava à palavra leal e arriscava-se a
tranqüilidade comum, recusou com energia, e ante a coação, até ameaças e tumultos, se
refugiou no Mosteiro de São Bento, enquanto nas ruas lhe gritavam: “Viva Amador
Bueno nosso rei”.

O problema não era a rebeldia nativista, para separar São Paulo da América Portuguesa:
sim, a exclusão dos padres e a interferência do governador forasteiro, que os apoiava com
alardes temerosos. A pacificação — desistindo ele de repor com violência os missionários
— dissipou igualmente a agitação. E não se falou mais do estóico Bueno da Ribeira.

DESTITUIÇÃO DO VICE-REI

Sucedeu na Bahia uma alteração política semelhante às quedas de situação que se seguem,
nas cortes, à morte dos reis.
O Padre Francisco de Vilhena trouxera instruções confidenciais, em segunda caravela
que chegou à Bahia, para o caso de resistir Montalvão às ordens precedentes. De fato, dois
filhos deste tinham preferido ficar em Madri, fiéis a Filipe iv, e se temia que, a instâncias
deles e da Marquesa de Montalvão, o vice-rei, apoiado à guarnição espanhola, se
revoltasse contra a Restauração.500 Aclamado porém D. João iv, devera o jesuíta aguardar
novos recados de Lisboa. Fez o oposto. Emparceirou-se com os descontentes, ouviu-lhes
as vozes, correu à câmara, a apresentar os papéis que autorizavam a destituição do
marquês, e de tal arte que logo os vereadores concordaram em reconhecer o governo de
um triunvirato, em que entravam o Bispo D. Pedro, Luís Barbalho e o Provedor-mor
Lourenço de Brito Correia (16 de abril de 41).501

Montalvão não hesitou em transferir-lhes o poder; compareceu à Sé, para a cerimônia


da posse solene; e se retirou para o colégio dos padres, amargando sem queixumes a
injustiça que lhe faziam.

Mas a junta não se convenceu desse desinteresse. Declarou-o prisioneiro, juntamente


com o Mestre-de-campo Joanne Mendes de Vasconcelos e o Sargento-mor Diogo Gomes
de Figueiredo. Deu liberdade a Luís da Silva Teles e D. Sancho Manuel,502 encarcerados
“por matarem de dia um ajudante na Praça do Paço”. E, num navio comandado pelo
primeiro, remeteu Montalvão à presença del-rei.

Em Portugal, todas as reparações lhe foram oferecidas, porque já D. Fernando e Vieira


haviam afiançado a sua lealdade. D. João iv, recebendo-o, não se conteve, que lhe não
beijasse a mão trêmula.503 Elevou D. Fernando ao posto de coronel. Censurou
asperamente o triunvirato da Bahia. Mandou governar o Brasil Antônio Teles da Silva —
exatamente para dar o lugar de mestre-de-campo-general do Alentejo a Joanne Mendes,
amigo e protegido do marquês.504 E a este quis ouvir sobre os principais negócios da
monarquia.

CONSELHO ULTRAMARINO

A Restauração iniciou-se com os melhores propósitos de política colonial — tão


agradecido estava el-rei à fidelidade dos domínios.505

O Conselho Ultramarino foi criado em 1642 (Regimento de 14 de julho) à maneira do


extinto Conselho da Índia, para informar os assuntos do Brasil e demais possessões
portuguesas, vigiados mais lucidamente por homens que os conheciam. Tornou-se
verdadeiro ministério, de que se valeu a Coroa, socorrida aliás de quatro outros conselhos,
que supriam a inexperiência do soberano: o da Consciência (para as cousas eclesiásticas),
da Fazenda (para as contas), de Guerra (criado logo em 11 de dezembro de 1640) e de
Estado (31 de março de 1645, para os negócios gerais do reino). Tal limitação do arbítrio
régio506 se harmonizava com o sentido liberal da Restauração (a vontade da nobreza, clero
e povo, em favor dum rei nacional) e o trabalho das cortes, convocadas para votar os
recursos indispensáveis à sua subsistência.

A revolução patriótica fora precipitada pelo mal-estar causado por uma agravação
contínua de impostos. Espanha começara a perder Portugal fintando-o, sem respeito à
pobreza do contribuinte e à crise do comércio. O 1º de dezembro de 1640 marcara por
isto dois acontecimentos: o advento do “rei natural” e a abolição dos tributos
impopulares. Foi um jubileu fiscal. No dia seguinte, porém, se sentiu que as guerras não se
fazem sem dinheiro e o reino devia sustentá-las com o vigor de que fosse capaz.

A junta da Bahia percebeu o problema com demasiada simplicidade. Apoderando-se do


governo em 16 de abril, em 22 publicou um bando jubiloso: abolia os impostos; e — visto
não cobrar mais a meia pataca pela canada de vinho — lhe abateu o preço, de 720 para
560 réis... Parecia um sonho; e não durou. Os próprios triúnviros, premidos pelas
exigências da tropa, que não podia ser paga pelos rendimentos normais do Estado,
tiveram de pedir o restabelecimento das taxas antipáticas.507 Fez-se mais: para o sustento
da tropa, exigiu-se a vintena, em 1642, sobre os bens do comércio, que rendeu 30 contos
cada ano.508 E foi pior, tomando a câmara o encargo de pagar a guarnição, pesado dever
de que só se livrou sessenta anos depois.509 Gradualmente voltou o sistema anterior, da
tributação sobre as utilidades importadas — para que os soldados tivessem o seu
estipêndio, e a Praça se conservasse.

É verdade que se justificava o otimismo, com a suspensão da luta em Pernambuco e a


atitude paciente do inimigo, convencido de que sobreviria um bom acordo, contente com
a separação de portugueses e espanhóis, disposto a comemorá-la como uma vitória, e,
decididamente, cansado de brigar.

O JUIZ DO POVO

Está então na plenitude a instituição municipal, completada, na Bahia, pela representação


dos ofícios mecânicos. A 21 de março de 1641 (certo o povo de que aderira livremente ao
“rei natural”) assentou-se em câmara que houvesse... “misteres como era costume nas
cidades e vilas notáveis de Portugal”,510 que “o número de misteres fossem doze”511 e que
“os doze elegessem um juiz do povo e um escrivão para que, todos juntos, fizessem como
nas mais cidades”.512 Nada disto constituía novidade no reino; e era pensamento maduro
na colônia.513 Mas aquele “defensor civitatis”, que nos cabildos espanhóis se chamava
Procurador,514 podia ser uma personalidade loquaz e ativa, suscetível de levar à pachorra
do governo local a bravia reclamação da plebe. Nela se esboça a oposição... E ecoa a
opinião espontânea das ruas. O juiz do povo devia tudo ver, falar de tudo, a principiar
pela dissolução dos costumes, o trajo rico das escravas515 — farfalhante de licenciosidade e
petulância — o peso dos impostos, a sua iniqüidade... O fato é que, instado pelo
Procurador do Povo da Cidade do Salvador, Baía de Todos os Santos (já o Padre Vieira
em Portugal) — decidiu o rei “confirmar” “a eleição na dita Cidade da Bahia se fez de
misteres e Juiz do Povo, e que daqui por diante os haja na forma em que os há nas mais
cidades deste reino”.516 Essa provisão foi mandada cumprir em câmara, a 20 de dezembro
de 1644. Até 1650, sentava-se o juiz no degrau do estrado em que despachavam os
vereadores; e tornou-se conveniente — que não lhes ouvisse a conversa — afastá-lo para
bancada distante... Com altos e baixos, conflitos e desinteligências, continuou o vigilante
“tribuno da plebe” a acompanhar os trabalhos do conselho. Em 1674, por exemplo, tinha
de exumar dos arquivos a provisão régia, para prova dos seus direitos. Lutava com a má-
vontade da câmara; lutou em segredo ou a descoberto, até 1711, quando, no torvelinho da
revolta, se extinguiu essa relíquia das reivindicações democráticas de outrora.

Existiu enquanto não se encorpou e definiu o absolutismo setecentista.

REPRESENTAÇÃO...

Em 25 de agosto de 1653 importante consulta do Conselho Ultramarino foi enviada ao


rei. Provocara-a o Padre-Frei Mateus de São Francisco, que, “em nome do Estado do
Brasil”, pedia, “se nomeiem as pessoas dele — moradoras no reino — que parecerem boas
para seus procuradores nas cortes, visto o amor daqueles moradores à sua terra e
principalmente as finezas que têm obrado os de Pernambuco”. À margem desse papel está
o despacho de D. João iv:
A cidade da Bahia, metrópole do Estado do Brasil, pode mandar procuradores às cortes, se os há, de que o conselho
tomará toda a notícia, oferecerão procuração e serão logo admitidos e não os havendo, busque o conselho duas
pessoas que façam este ofício dando caução de rata.

Lisboa, 4 de setembro de 1653.517

Reconheceu o rei, pois, o direito à representação, nas cortes do reino, dos povos de
Ultramar, e fixou em dois os delegados da primeira cidade elevada a essa honra, de dar
procuradores àquele parlamento, a cidade da Bahia. Equiparava-a, com isto, às da
metrópole.

Em duas reuniões de cortes, pelo menos, esteve presente: em 1641 (“era procurador
desta cidade Jerônimo Serrão, procurou este lugar no primeiro banco e se lhe concedeu”)
e em 1668 (“e se deu assento [...] no segundo banco”).518

PRIVILÉGIOS BURGUESES

Em conseqüência do que representou a Câmara do Rio de Janeiro, concedeu D. João iv


aos moradores desta cidade (alvará de 10 de fevereiro de 1642) privilégios, isenções e
liberdades que desde 1490 gozavam os do Porto. Foi o Rio de Janeiro a primeira cidade do
Brasil beneficiada com essa regalia, que logo a Câmara da Bahia pediu com igual
empenho, e obteve por alvará de 22 de março de 1644.519 O melhor disto era livrar-se do
jugo militar das autoridades que requisitavam arbitrariamente as casas para a hospedagem
de tripulantes e soldados das frotas. Assegurava a propriedade, garantia o comércio,
estendia às pessoas e ao patrimônio a proteção da justiça, terminava nominalmente com o
despotismo dos capitães!

Mas o Senado da Câmara (título que então se lhe deu) quis mais: o direito de ter lugar
permanente nas cortes, e “no primeiro banco”, a par das cidades antigas... Era então
procurador da Bahia (e por sinal que tão desleixado que não durou no cargo) o bacharel
Gregório de Matos. Naturalmente por ser o letrado brasileiro mais em evidência em
Lisboa, o poeta fora incumbido de advogar-lhe os interesses. Devia afirmar (recomendou
a Vereação em carta de 9 de março de 1673) que
este estado do Brasil é de grandeza e importância ao serviço de Vossa Alteza, e esta cidade cabeça dele, e lealmente tão
nascida do seu amor, como se viu na prontidão e alegria com que aceitou e celebrava a feliz aclamação do Rei D. João
iv.520

Requeria e reivindicava a ostentosa vantagem política — de pertencer à grande


assembléia do reino.

Deixando de lado a humildade colonial, erguia-se à altura do trono.

XII: A ÉPOCA DE NASSAU

DESLEALDADE...

Da parte da junta da Bahia foram corretamente interpretadas as instruções do reino.

Enviou ao Recife Pedro Correia da Gama e o jovem licenciado Simão Álvares de


Lapenha (de quem adiante falaremos), acompanhando mais de trinta prisioneiros
libertados, e expediu ordens aos “campanhistas” para que recolhessem à cidade.

O próprio Tenente Paulo da Cunha Souto Maior, cuja cabeça fora posta a prêmio por
Nassau, teve salvo-conduto para se apresentar aos holandeses, que o receberam como
amigo. Em nome destes parlamentaram os conselheiros Van der Burgh e Nunin Olfers. E
enquanto conversavam, o comandante do Forte Maurício (no São Francisco) recebia
recados para sair para o Rio Real, onde se entrincheiraria. Esta, a fronteira da paz...

Grande, porém, foi a decepção dos portugueses, ao saberem que deixara o Recife a frota
de Cornelis Jol, para atacar São Tomé e Angola. Estranharam a partida dos navios.
Tranqüilizou-os o conde, dizendo que iam combater espanhóis (30 de maio).
Destinavam-se a arrebatar os mercados de negros do Sul da África — cortando aos portos
do Brasil o fornecimento de escravos. Angola primeiro; depois o Maranhão...

Pelas cartas cheias de indignação que o Governador-geral Antônio Teles da Silva


escreveu a D. João iv, sobre esse procedimento inesperado, vemos que acabou aí a
esperança da quietação — esboçada naquelas aberturas; e voltou, sem mais nada, o clima
de ódio e vingança. “Mais fácil é romperem umas pazes que perderem uma ocasião de ser
piratas”.521

A QUEDA DE ANGOLA

Resistiu mal a guarnição de São Paulo de Luanda, que Pedro César de Meneses governava
sem as devidas cautelas: entregou-se à expedição de Cornelis Jol, em 25 de agosto de
1641.522

Desamparado dos pretos e para não cair em poder do invasor, retirou Pedro César para
os matos. Não sabia explicar a razão do assalto.

Até porque (alegou, protestando, por intermédio dos emissários que mandou ao
almirante holandês) estavam em bons termos os respectivos governos... Esperava ainda
que tudo se limitasse à pilhagem. Mas Cornelis Jol declarou a sua intenção de ocupar o
território. E sem preocupação quanto à resposta que lhe desse o tímido governador, dali
foi conquistar a Ilha de São Tomé, que tomou, após breve, mas renhido combate, em 11
de outubro. O que as balas portuguesas não fizeram, fez a peste, que logo dizimou os
flamengos, matando naquela região tórrida centenas de soldados e marinheiros, e o
próprio almirante — que lá ficou, sepultado na igreja matriz de São Tomé, vítima de uma
das mais cruéis rajadas epidêmicas de que há memória. Pinta-a Barleo com a vivacidade
dramática do seu estilo, chamando a atenção para os horrores da ilha insalubre; e a
inadaptação de seus patrícios a esses ares letais.523

Mas se deram razoavelmente em Luanda. E em 17 de maio de 1643, traiçoeiramente,


investiram o arraial de Pedro César junto ao Bengo, mataram 30, feriram 25 que
resistiram como puderam, aprisionaram o governador e puseram fogo às casas —
“indecentemente”.524

“Angola, senhor (esbravejou Antônio Teles), está de todo perdida, e sem ela não tem V.
M. o Brasil”.525

PERDA DO MARANHÃO

Entendia Nassau que para segurar Pernambuco — com os engenhos — era preciso ter a
África — com os negros. Garantiria o fornecimento de braços e poderia, agora protegido
pela comunhão luso-holandesa, desfrutar a prosperidade de uma indústria sem igual em
domínios ultramarinos.

Quanto ao Maranhão, parecia-lhe complemento da aquisição do Ceará; e um método,


para a aproximação do Amazonas, limite provável da colonização flamenga, caso
capitulassem os pobres núcleos portugueses da costa lés-oeste.526

Governava aquela capitania o velho Bento Maciel Parente. Não contava com nenhuma
sortida dos “aliados” e vizinhos. Foi com assombro que viu entrar a barra — em 25 de
novembro de 41 — uma esquadra de treze navios de guerra, três bergantins e três
embarcações de comércio. Debalde os fortes se lhe opuseram com a sua artilharia.
Comandava a armada o terrível Lichthardt e o chefe da força expedicionária — uns mil
homens — era o Coronel Koin. Ninguém se atreveu a perturbar o desembarque. A dois
mensageiros do governador (o Provedor-mor Inácio do Rego Barreto e o Padre Lopo do
Couto) respondeu Koin, que gostaria de ver o tratado de paz a que se referiam. Bento
Maciel saiu da fortaleza para mostrar-lhes o papel, e da discussão resultou — ingênuo
ajuste! — que os holandeses se aboletariam na praça e não haveria luta, até chegarem
ordens claras das respectivas metrópoles. Assim se fez, porém de modo que as bandeiras
portuguesas foram substituídas pelas de Orange, e antes que os soldados, ludibriados,
pensassem num revide, se descartou deles o esperto inimigo mandando-os embora nuns
navios velhos. Parte da guarnição (que era de 130 homens), foi dar em São Cristóvão das
Antilhas, e o resto no Pará, enquanto Bento Maciel acabava tristemente a sua vida heróica.
Preso no dia imediato à burla, que lhe custara o Maranhão, foi enviado para o Rio
Grande, e daí, por terra, enfermo e humilhado, para o Recife. Morreu em meio da
jornada, aos 75 anos, “pobre e miserável”, diz Frei Manuel Calado...527

Esta última violência repercutiu em França e Holanda, tal a energia com que a censurou
o representante de D. João iv na Haia, Francisco de Andrade Leitão. Informou-o, aliás
pessoalmente, Inácio do Rego Barreto, mandado preso para esse país. As tréguas tinham
sido violadas. Os Estados-Gerais responderam que as conquistas eram legítimas; e
contentaram-se em prevenir Nassau sobre a vigência do tratado com Portugal. A ida do
plenipotenciário para o Congresso de Münster interrompeu-lhe neste ponto a negociação,
retomada em outras circunstâncias pelo sagaz Francisco de Sousa Coutinho.528

A tomada do Maranhão derrocou os sonhos pacifistas que se fizeram à roda da


munificência e do esplendor de Nova Holanda.

Os portugueses viram exatamente o seu problema do Brasil.

A acomodação européia cá não lhes aproveitaria. O potentado do Recife não se satisfaria


sequer com o usurpado. Estenderia o domínio ambicioso, ao norte e ao sul. Ontem São
Luís e Angola; amanhã a Bahia. O jeito seria pagar-lhe na mesma moeda, e fingindo pazes,
retomarem os colonos a terra: pelo “sistema do Maranhão”.

D. João iv isto mesmo aconselhou, por intermédio do Governador-geral Antônio Teles


da Silva,529 enviado para suceder à junta da Bahia.

A sua patente é de 16 de maio de 1642. Partiu de Lisboa em 3 de julho e empossou-se em


30 de agosto. Veio, pois, depois das instruções dadas ao embaixador na Haia e do estudo
feito em Lisboa da situação do Brasil após as três conquistas de Nassau.
Não trazia mensagens especiais nem reforços do rei novo: trazia-lhe a confidência.

A guerra deveria continuar soturna e hábil, para que os acontecimentos americanos não
comprometessem a sorte da metrópole, a braços com a campanha da Restauração.

Era tempo de libertar-se o Brasil sem auxílios de fora e até parecendo que desobedecia a
D. João iv: para que Portugal, ajudado de Holanda, França, Inglaterra, fizesse frente às
forças de Madri e completasse, com as armas, a “prodigiosa” independência.

Vejamos o que acontecia no Brasil holandês.

ESPLENDOR DA NOVA HOLANDA

Distinguiu-se Nassau dos comissários da Companhia das Índias pelo caráter construtivo
do seu governo. Talvez tivesse o propósito de ficar em Pernambuco ou sonhasse com a
criação de um reino, cuja coroa faltava ao seu orgulho. Foi em tudo príncipe: ao contrário
da sordidez mercantil dos comissários, que especulavam em açúcar e arrecadavam
impostos, desdenhando a colonização e espezinhando os colonos. Em 1641 podia
contemplar afinal a sua obra, incipiente mas pretensiosa, naquele Recife que se
transformava.

Na Ilha de Antônio Vaz, onde se juntam o Beberibe e o Capibaribe, levantou o seu


palácio — do qual Gaspar van Baerle dá uma soberba gravura. Chamou-se de Vrijburg
(Retiro ou casa-forte). Em português (à moda da terra): casa-forte. Como as da várzea;
mas com a imponência de duas torres (e ficou-lhe o apelido, de “Palácio das Torres”), a
nobreza da escadaria central, casario em alas e ao fundo o horto, onde Nassau, que amava
a botânica, aclimatou 700 coqueiros de bom tamanho e as árvores frutíferas mais
estimadas. Construiu-o a sua custa por 600 mil florins.530 Nem ficou nesse palácio de
exótica fachada, torreado como uma catedral, amplo como uma hospitaleira casa-grande.
Defronte do Recife (sobre o Capibaribe e junto à ponte) mandou fazer a da Boa Vista
(quatro águas, baixos torreões nos ângulos e mirante de dois andares, em que se
conjugam o traço rústico dos nossos sobrados e os campanários pontiagudos de
Flandres), destinada, tanto à administração como à defesa.531 Seguindo-lhe o exemplo, os
homens ricos trataram de instalar na ilha (lisonjeiramente chamada Mauritzstadt, ou
Maurícia) as suas moradas. Tornou-se o subúrbio aristocrático do Recife, então com umas
2 mil casas, de negociantes ávidos e ativos. O rio separou os dois aspectos da ocupação: o
personagem de sangue real, que lançava os fundamentos de um Estado com arte e
generosidade; e a burguesia um pouco sem pátria nem escrúpulos (gente de todas as
procedências, desembarcadas das urcas naquela “feira nova”) que acolá montara tendas e
balanças. Aliás o grande problema era a ligação de um bairro a outro por pontes que
lembrassem as de Holanda. Foi a obra mestra de Nassau, em que gastou 100 mil florins, só
com os primeiros pilares — e ficou lendária pela inauguração suntuosa. Sem dinheiro
para completá-la em pedra, concluiu-a em madeira, e a entregou ao tráfego com uma festa
retumbante. Outra, sobre o Capibaribe, uniu ao continente a ilha. Esses trabalhos deram a
medida do espírito criador do príncipe, rodeado em Vrijburg de sua laboriosa corte de
pintores, naturalistas e médicos. Vista à distância, parece uma academia, a organizar um
museu tropical.

Trouxera os seus artistas.

Os mais ilustres, os pintores Franz Post e Albert Eckout,532 a quem juntamos o soldado,
que se mostrou bom desenhista, Zacarias Wagener.533 Cuidaram de documentar-se,
reproduzindo o que havia de característico no país: povo e costumes, paisagens com a
fauna e a botânica, colonos e índios, sem esquecer tapuias antropófagos e negros de
Guiné, os panoramas do São Francisco, Goiana, Olinda em ruínas e várzeas onde as casas-
grandes, de alta varanda, e os engenhos moentes continuavam a evocar o antigo
patriarcado. Centenas de desenhos, telas, estudos e esboços, gravados por excelentes
artistas holandeses, iriam revelar à Europa o Brasil, surpreendido nas cores cruas pelos
pincéis flamengos...

Que fale Nassau, ao oferecer a Luís xiv as pinturas brasileiras: “As ditas raridades
representam todo o Brasil em imagem, a saber, a nação e os habitantes do país,
quadrúpedes, pássaros, peixes, frutos e ervas, [...] também a situação do mesmo país,
cidades e fortalezas”.534

Sobre várias daquelas telas desenhou Desportes os seus cartões para as tapeçarias
francesas (Gobelins, 1689–90).

Foi essa iconografia que pôs em circulação (a começar pelo livro profusamente ilustrado
de Gaspar van Baerle) o retrato simbólico da América, com os tipos inéditos de
mestiçagem, a doçura dos campos bordados de canaviais, a surpresa dos seus aspectos de
convívio, guerra e paz, com certos pormenores de agreste beleza em que as pastorais do
século anterior se materializam em subúrbios amenos, vales risonhos e praias
desafogadas.

Esse retrato supria a história; pelo menos — antecipava-a.

O médico Piso, o jovem naturalista Georg Marcgrave (que chegaram em princípios de


1638) coligiram as primeiras observações da flora e da fauna, e, com elas, a notícia das
doenças mais encontradiças nos trópicos. Cabe a Marcgrave e Piso a honra de serem os
sistematizadores, na considerável História Naturalis Brasiliae (Amsterdã e Leide, 1648)
dos estudos fundamentais de plantas e bichos, astronomia e clima do país,535 em cuja
natureza encontraram um inesgotável tesouro de curiosidades. Nele se esboça o mesmo
entusiasmo das cousas americanas que no começo do século xix empolgaria os
naturalistas-viajantes austríacos, bávaros e ingleses. “Por sinal que me pesou (comentaria
o Padre Vieira) ver tão público um segredo, que podia acrescentar a cobiça daquelas
terras, que nós tão pouco sabemos estimar”.536 Com ele se inicia o inventário sábio da
botânica no continente. Já na obra de Piso (De Medicina Brasiliensi) a ciência descobre
informações básicas a respeito de enfermidades e higiene no Brasil seiscentista.537 De
ordinário dela se faz datar a vulgarização das moléstias peculiares ao trato negreiro, à vida
rural nas zonas quentes, aos costumes ásperos e primitivos na costa e no sertão.

Há um grande poeta na “corte” de Nassau: Elias Herckmans.538 Depois de governar a


Paraíba, comandou a frustrada expedição ao Chile e morreu no Recife, em 1643. O seu
poema em louvor dos feitos marítimos de seus patrícios (Amsterdã, 1634) se inclui entre
os livros clássicos da literatura holandesa. Descreveu ele com riqueza de pormenor aquela
capitania e os tapuias seus aliados, que causavam pavor e admiração, ingênuos, cruéis,
atléticos.539

A animação espiritual, certo, não lograra desenvolver no grau desejado a civilização


material: faltavam operários, a boa vontade da Companhia, contrária a despesas adiáveis,
melhor gente, para elevar o nível à sociedade que se reconstituía, depois dos estragos
terríveis da luta. Não é preciso um esforço de imaginação para a situar na época e no
meio, entre os estabelecimentos mercantis e as povoações tomadas pelo despudor e pela
ganância dos traficantes, sem coesão, sem estilo fixo de convivência, sem outras linhas de
nobreza além da tolerante dignidade do governo, ainda assim diluída nos aspectos
subalternos ou desprezíveis da vasta feira, que o insulava.540 A despeito das obras feitas, a
cidade continuava mesquinha e, no porto, insuficiente para abrigar os forasteiros. Os
relatórios conhecidos sobre o que aí ocorria expõem queixas intermináveis, mostrando a
amargura dos soldados, a insatisfação dos mercadores, a tristeza dos imigrantes, o mal-
estar generalizado. Parecia aquilo um acampamento rico, onde alternavam a opulência
dos açambarcadores e a miséria dos demais, fustigada por atrozes doenças, em quarteirões
de casas coletivas alugadas por preços exorbitantes, num desconforto lastimável,541 com
lotes de africanos à venda no meio da rua, torpemente... Essa aparência de ocupação
provisória, de instalação precipitada, à beira-mar, sem comunicação real com o interior
nem a estabilidade fecunda, das colônias que crescem conscientemente na paz e no
trabalho, se refletia antes de tudo nas construções militares, em geral de terra, apressadas,
mais trincheiras do que fortalezas. As principais do Recife — verificou-se em 1654, por
ocasião da rendição da praça — longe de serem de pedra e cal, como baluartes inabaláveis,
eram de torrão,542 como o casario pobre dos engenhos...

PROSPERIDADE

Retomaram o trabalho 120, dos 166 engenhos da capitania. Produziram, no período de


1637–1644, 218.220 caixas de açúcar, no valor de 22 milhões de florins.543

Cuidou Nassau das lavouras auxiliares, da criação de gado, da adaptação de culturas


rendosas que pudessem alimentar o comércio e responder às exigências da metrópole,
preocupada em recuperar depressa os seus sacrifícios financeiros. Temos dados de 1639,
que possibilitam deduzir a média dos proventos: dízimos do açúcar e direitos sobre
víveres, 350 mil florins; direitos de importação, 400 mil; sobre o açúcar entrado na
Holanda, 300 mil; renda de engenhos, capitais e escravos, 2.400.000, no total de 3.450.000
florins...

Os portugueses, em 1641, pareciam acomodados ao jugo. A sua fé era respeitada. Os


próprios judeus proibiam entre si controvérsias religiosas. Os párocos tinham reaberto
várias igrejas. A instituição municipal (câmaras de escabinos, à moda flamenga)
melhorara a vida civil, pois aí se dera representação equivalente a moradores e
estrangeiros, e tinham elas competência para lhes julgar as contendas. O presidente dessas
câmaras, sempre holandês, chamava-se o esculteto. A diferença de língua, por certo,
dificultava-lhes o trabalho. Que não impressionaram a imaginação pernambucana,
sabemos, porque, expulsos os holandeses, não se falou mais de escultetos e escabinos: foi
uma severa tentativa de conciliação dissipada, como as demais, pelos acontecimentos.
Serviu para aquietar — até a grande rebelião — os proprietários rurais, a quem o príncipe,
suspicaz e hábil, não perdia de vista.

OS ESCABINOS

Entre 27 de agosto e 4 de setembro de 1640, reuniu-se no Recife (fato memorável) a


assembléia de escabinos sob a presidência de Nassau. A convocação obedecia à ordem da
Companhia, para que anualmente os moradores de mais consideração fossem consultados
sobre as cousas da terra, num congresso de bons propósitos. Não faltaram àquela
assembléia prematura.544

É significativo o silêncio de Barleo a respeito dessa reunião. Entreteve, sem convencer.


Mas, embora queixosos, e bradando que a religião católica não tinha as garantias do
calvinismo, os escabinos confiavam em Nassau. Ganhavam tempo...

Destacara-se entre os senhores de engenho, por suas ligações com os flamengos, os seus
prósperos negócios, o seu temperamento de chefe, João Fernandes Vieira.

Estava naturalmente indicado para encabeçar o levante geral.

JOÃO FERNANDES VIEIRA

O mistério começa pelo nome.

Informa o Nobiliário da Ilha da Madeira, onde nasceu: “Francisco de Ornelas, segundo


filho de Francisco de Ornelas, sendo rapaz fugiu para o Brasil, onde mudou o nome em
João Fernandes Vieira”.545 Fontes contemporâneas, porém, o indicam como filho natural e
insistem em que era mulato,546 de humilde condição, criado ou auxiliar de um marchante
no começo da vida trabalhosa, a fazer, “com as mãos’ (segundo as suas próprias palavras),
a fortuna que de repente, graças à amizade dos holandeses, se lhe multiplicou, pingue e
obscura.
Tomou armas — moço valente que era — às ordens de Matias de Albuquerque. Parece
que serviu como soldado e como negociante, pois após a rendição do Forte de São Jorge
(em 1630) documentos há que o apontam a distribuir, por quatro anos, “mantimentos da
gente de guerra, suprindo com sua própria fazenda por várias vezes em muitas ocasiões,
em que houve falta”.547 E caiu prisioneiro (em 1635) com os demais do Arraial Velho.
Logo em seguida se uniu ao rico judeu, conselheiro da Companhia, Jacob Stachouver,548 e
bem aceito dos que, com ele, governavam o Recife, acumulou avultados cabedais.
Disseram estes — quando os abandonou — que devia na praça, insolvente, muito
dinheiro... Devia sem dúvida, como os outros proprietários, ou mais do que todos. Porém
é temerário deduzir disto que a insurreição fosse um ardil, dos donos de engenho em
bancarrota, para escaparem aos credores. Desde 1611, portanto em época de florentes
lucros, tinha Fernandes Vieira secretos entendimentos para desfechar, a qualquer
momento, a revolução nativista.
Quem me trouxe vocalmente os avisos de S. M. (D. João iv) — confirmou, historiando — foi um frade de São Bento,
por nome Fr. Inácio, eleito Bispo de Angola por este serviço; foi o Mestre-de-campo Martim Ferreira e Simão Álvares
de Lapenha que naquele tempo estavam na Bahia e vieram disfarçados em embaixadores ao Recife, onde me
falaram.549

Mais dia, menos dia, rebentaria ali a revolta.

Mas sem aquele madeirense ambicioso e fino, casado numa das grandes famílias da
região (1613),550 senhor de cinco engenhos, um destes, o de São João, chave da várzea,
dominando o curso do Capibaribe — não se atearia em 1615 o esperado incêndio.

Sobravam motivos.

RECONQUISTA DO MARANHÃO

O primeiro sinal para a reação, depois das tréguas de 1641, partiu do Maranhão.

Os “senhores de engenho” esbulhados não se conformaram com a invasão e tiveram o


apoio dos colonos do Pará. É certo, não lhes faltou a palavra de ordem da corte, para que
retomassem à viva força o que tinham perdido à falsa fé.

O portador dos recados pode ter sido André Vidal de Negreiros. Recolhera-se a Lisboa,
após o fracasso da expedição do Conde da Torre, que valentemente secundara na Paraíba,
e voltara com o Governador Antônio Teles, apresentando-se em seguida no Recife, a
título de confabular com Maurício de Nassau sobre a conquista de Angola.

No Maranhão, o jesuíta Lopo do Couto (que dirigia a Residência fundada pelo Padre
Luís Figueira) concitou os moradores à revolta. Tomou-lhes o comando seu sobrinho,
Antônio Moniz Barreiros, senhor de engenho e antigo capitão-mor da terra.551 Foi na
noite de 30 de setembro. Caíram sobre as guarnições espalhadas pelos engenhos, e as
prenderam. Dizimada uma força enviada ao seu encontro, correram a sitiar a cidade, onde
o resto dos inimigos se entrincheirou. Os socorros do Pará (113 soldados, 700 índios em
54 canoas) chegaram em 3 de janeiro.552 Mas os sitiados receberam gente e armas em sete
navios (15 de janeiro), ao mando do Tenente-coronel Hinderson (acabava de chegar da
tomada de Luanda), que investiu os quartéis dos rebeldes e os levou de vencida. Aí
morreu o Capitão-mor Moniz Barreiros,553 substituído no posto por Antônio Teixeira de
Melo, veterano das lutas de 1614–21. Não quis prolongar um combate desfavorável.
Repetiu a estratégia de 1624 e de 1631, na Bahia e em Pernambuco. Retirou para as
cercanias, onde as guerrilhas impediam o passo aos estrangeiros necessitados de víveres, e
esperou munições e homens do Pará.

Hinderson apelou para o Recife. Sem um exército considerável não poderia desmanchar
a armadilha em que se metera. Nassau não o ouviu. Pensava em deixar o governo e não
contava com os diretores da Companhia, mais mesquinhos, para novas remessas de tropa
e material. Porventura percebeu que o erro da ocupação temerária do Maranhão
importava outra aventura, de maior alcance, qual a conquista do Amazonas, que não
devia intentar sem forças superiores e em troco de um proveito remoto. E deixou que o
tenente-coronel, enfadado, destruísse a artilharia do forte e, em 28 de fevereiro de 1644,
embarcasse, com todo o seu séquito, para o Ceará, donde se passou ao Rio Grande.

No Ceará ficara Gedeon Morris com poucos soldados. Não demorou no posto. Os
índios, que tinham atraído os holandeses sete anos antes, não os toleraram mais. Talvez
fossem induzidos à rebelião pelos parentes da capitania vizinha. Assaltaram-nos à sua
maneira, e os exterminaram — como verificou um iate que, despercebido, ali aportou em
novembro de 1643.554

DECLÍNIO

A decadência do domínio holandês declarou-se com a retirada de Nassau. Fora-lhe


impossível a permanência no Brasil, dada a divergência de opiniões e intuitos com os
negociantes de Amsterdã. Estes — em suma — não estavam dispostos a sustentar um
Estado para a ambição política do príncipe perdulário e artista; e ao príncipe não sorria a
missão de administrador comercial duma colônia tormentada pelo sistema da
Companhia. Tinham razão, ela e ele, nas suas recriminações. Acusava-o a Companhia do
fracasso de 1638, do revés do Rio Real, do Maranhão; e revidava-lhe, atribuindo-lhe
reservas odiosas.

Os moradores tudo fizeram para que ficasse em Pernambuco. Mas lhe chegara a
demissão pedida, e entre comoventes mostras de apreço embarcou na Paraíba a 22 de
maio de 1644. Repatriou-se completando o octênio de governo criador e inconfundível.
Aos três conselheiros secretos que lhe sucederam (Henrique Hamel, Van Billestrate, Baes)
ofereceu uma espécie de “testamento político”, com sisudos conselhos sobre o melhor
meio de dirigir aqueles povos. Apresentou em Holanda dois relatórios sobre as
necessidades do Brasil. E — de remate à aventura tropical — encomendou a Gaspar van
Baerle o livro, que lha perpetuasse.

Talvez tivesse já então a consciência de que o livro — e os quadros de Eckout e Post,


seriam os vestígios permanentes da passagem de flamengos pela América austral. O resto
desapareceria fatalmente. O levante maranhense começara a série...

Realmente a situação internacional era favorável à Holanda; mas os seus negócios no


Brasil estavam em mãos ineptas.

Portugal cedia — absorvido na guerra de fronteira; porém os pernambucanos não


tolerariam mais tempo a ocupação estrangeira ávida e destemperada.555 A saída de Nassau
foi como um esteio derrubado: caiu de repente a construção frágil. E caiu com grande
espanto dos portugueses.

O PROBLEMA DAS DÍVIDAS

Há uma frase do Padre Vieira, no “papel forte” (1647) possivelmente injusta, mas
informativa: “[...] e os principais (motivos) que a moveram (a rebelião pernambucana) foi
porque tinham tomado muito dinheiro aos holandeses e não puderam ou não lho
quiseram pagar: o que é muito diferente da razão que se alega”.556

Em 1644 atingiu o ponto culminante essa crise (de que Nieuhof dá o transunto,
publicando o contrato-tipo, de confissão e consolidação dos débitos, dos senhores de
engenho e lavradores da várzea), facilmente explicável.557 Ao começar 1645, subiam a
2.125.807 florins. À conta dos açúcares, adiantavam-lhes os mercadores (e por vezes os
funcionários da Companhia) os fornecimentos de que se sustentavam, sendo corrente o
juro de 2,5 até 3% ao mês (revela Nieuhof), que havia de comer — na liquidação — toda a
safra, pouco ficando (se alguma cousa ficasse) para o devedor.

“A situação portanto se encaminhava para uma insurreição geral”. Que os portugueses


“depois de aí contraírem dívidas consideráveis, tanto com a Companhia, como com
particulares, se retiravam para a Bahia”.558 A denúncia dada ao Alto Conselho sobre as
maquinações de João Fernandes Vieira e seus vizinhos apontava a escapatória: “[...]
assegurando-lhe que não serão molestados por suas dívidas”.559

Mas só se sublevariam se os ajudasse Deus com um milagre (pensava-se no reino); e


confirmou Antônio Vieira: “Aqui se viu o milagre da Providência”.560

Prodígio de forças espontâneas e irredutíveis — não há dúvida.

Explodiu pelo Santo Antônio de 1645.


XIII: REINTEGRAÇÃO

IDÉIAS DO PADRE VIEIRA

Para compreender as relações de D. João iv com Holanda é preciso ter em vista a


influência do Padre Antônio Vieira.

Mal chegado ao reino, ganhou a confiança do soberano e entrou-lhe a intimidade como


conselheiro engenhoso, conhecedor das cousas de Ultramar e pregador sem igual.
Identificou-se com a causa da pátria. O problema parecia-lhe somente a guerra de
Espanha. Tudo o que a favorecesse devia ser feito. Tomou por isto uma posição decidida
ao lado dos judeus561 e da aliança com os Estados-Gerais, a fim de tirar a Castela esse
possível apoio na luta contra Portugal, restituindo a este a energia econômica que tanto
lhe faltava. Fechou os olhos ao preço da composição: Pernambuco.

A manobra era audaz. Num papel de 1643, que confirmou, em linhas gerais, no sermão
de 21 de agosto de 44, propôs a el-rei aceitasse os cristãos-novos e, com isto, deles privasse
a Holanda. O seu argumento foi oportunista: a tolerância, recomendada como ardil de
guerra, reforçaria a defesa do reino e lhe permitiria ter duas Companhias de comércio,
uma ocidental, outra oriental, com que protegesse as frotas do Brasil e da Índia. Pretendia,
pois, combater o inimigo católico com as armas do herege: as Companhias. Adaptando-
as, porém, à debilidade nacional, e aproveitando a lição da América. Chamasse D. João iv
os hebreus de Flandres que, naquele exílio, se vingavam do Santo Ofício, alimentando
com os seus capitais a conquista do Brasil: renasceria assim a armada dos bons tempos, a
fortuna dos bons reis! Infringia Vieira com o extraordinário alvitre os preconceitos,
sobretudo a mentalidade da nobreza e do clero, que se formara, de um século a esta parte,
agravada pelas represálias judaicas à perseguição na península. A própria Companhia de
Jesus alarmou-se com a vivacidade de suas opiniões. Nem esquecia a nobreza que uma das
justificativas da Restauração fora a benignidade de Filipe iv com os cristãos-novos, que,
afinal, sempre tinham achado ocasião de transigir com o monarca espanhol. Mas D. João
iv — calculista e silencioso — não lhe reprovou a sugestão.

Ao contrário: em carta de 6 de setembro de 1644 preveniu ao provincial, que não devia


vexá-lo pela publicação do papel sobre os judeus. “Encarreguei-lhe fizesse uma Política
para o príncipe”, dizia el-rei.562 Nomeara-o preceptor de D. Teodósio (feito, no ano
seguinte, e talvez ainda por lembrança de Vieira, “príncipe do Brasil”); e a tal Política se
reduzia, finalmente, a doutrina. Teoricamente falando — podia especular à vontade!

OS JUDEUS

Levara Vieira da Bahia, não tenhamos dúvida, a sua idéia conciliatória acerca dos
israelitas.
Vimos como foi designado para representá-la. Elegera-o a classe mercantil (que se
opunha ao Marquês de Montalvão, suspeitado de espanholismo) como ao intérprete
desabusado dos interesses da terra, na linha portuguesa das velhas liberdades. Não o
quisessem favorável à Inquisição (da qual se conservava acolá recordação amarga) ou à
exclusão dos judeus, ele que se criara na cidade dominada por seu messianismo, seus
ressentimentos e suas mágoas. Das duas visitações do Santo Ofício (1591 e 1618) ficara-
lhe um rasto de queixas que se somavam às imediatas conseqüências de intolerância,
invasão holandesa, traição dos cristãos-novos, financiamento das guerras de Pernambuco
e Angola, calamidades que continuavam. Servia ao grosso comércio defendendo, em
Lisboa, os hebraizantes. Na Inglaterra pensava-se assim. E na França, onde um calvinista
escrevera o Rappel des Juifs... Concordara Cromwell com essa aliança, louvada dos
puritanos. Mas logicamente, estava o Padre Vieira inibido de advogar a restauração do
Brasil. Imaginou que para desarmar Holanda precisava fazer-lhe o jogo em Pernambuco,
aquietando-a com o reconhecimento da ocupação, tanto para que não passasse dali
(salvando-se o resto) como para que ajudasse Portugal, contra Espanha. Só não dizia que,
com esta manobra, atendia à Companhia das Índias Ocidentais em irremediável
decadência, e acudia ao dinheiro nela empatado.

O rico judeu português Gaspar Dias Ferreira desanimadamente propusera — pois lhe
iam mal os negócios, que vendesse por 3 milhões de cruzados a conquista. Sabemos que
no Recife prosperava a comunidade israelita (de cuja organização, Zur Israel, temos o
livro de atas).563 É fácil ligar a intensidade dessa influência à posição dirigente dos grupos
da mesma fé em Amsterdã e na Haia, para quem a liquidação pecuniária parecia mais
razoável do que a arriscada briga. Vieira foi mais longe. No “papel forte” — como diremos
— aconselhou em 1647 a restituição aos holandeses dos territórios retomados depois de
1645, antes que se unissem Holanda e Espanha, e a precária independência portuguesa se
perdesse numa guerra desproporcionada. Numa palavra: sobrepunha a consolidação da
Coroa às considerações ultramarinas; e entre dois perigos, o inimigo na América e o
inimigo no Alentejo, preferiu batê-lo aqui a incomodá-lo acolá. O pensamento era
perfeito. Dava hierarquia às angústias nacionais. Melhor fora libertar o reino, para
socorrer depois as possessões, do que a elas sacrificar a metrópole, sem as salvar... Perfeito
e abstrato. Irrespondível como silogismo, falhava como representação da realidade.
Esquecia duas ordens de acontecimentos, que puderam mais do que a inteligência e a
habilidade dos diplomatas: a autonomia dos destinos do Brasil, que, de qualquer modo, se
livraria da ocupação estrangeira; e a desvalia, já agora, da aliança holandesa, em face do
panorama internacional. Sem ela agüentar-se-ia Portugal; contra ela, Pernambuco.

A SURPRESA PERNAMBUCANA

O estupor causado pela rebelião está nesta passagem da carta de Vieira ao Marquês de
Niza:
Eu estava em uma cama sangrado dezesseis vezes, quando do Brasil me vieram as primeiras notícias do que se queria
intentar; e porque o impedimento me não permitia falar com S. M. e dizer-lhe pessoalmente o que entendia naquela
matéria, como quem tantos anos havia estado no Brasil, e sabia o que lá se pode, pedi a um prelado muito confidente
de S. M. lhe quisesse representar de minha parte o perigo e dificuldade desta empresa, e que o segurasse que era
impossível render-se a principal força, por mais que os de lá, enganados do desejo da liberdade, o prometessem; e
acrescentava que, ainda quando o Brasil se nos desse de graça, era matéria digna de muita ponderação ver se nos
convinha aceitá-lo com os encargos da guerra com Holanda, em tempo que tão embaraçados nos tem a de Castela;
porque são homens os holandeses com quem não só vizinhamos no Brasil, senão na Índia, na China, no Japão, em
Angola, e em todas as partes da terra e do mar, onde o seu poder é o maior do mundo. Estas e outras razões propus
àquele prelado, que não sei se as representou a S. M.; só sei que por nosso mal fui profeta, e queira Deus que aqui
parem os meus temores.564

Esquecia-se que a revolução já não dependia da vontade do rei.

Dizia agora respeito aos habitantes do Brasil, oprimidos, enfurecidos, mais fortes depois
de conhecerem o inimigo do que antes, quando lhe ignoravam os recursos.

ANDRÉ VIDAL

Na carta do Governador Antônio Teles da Silva para Lisboa, de 30 de novembro de 1644,


está porventura o fio da meada.

Dizia que, recebendo de um morador de Pernambuco a notícia de que em Holanda se


aprestava uma esquadra, com 7 mil homens de desembarque, incumbira André Vidal de
Negreiros de articular, com as necessárias cautelas, a grande insurreição.565 Oculta o nome
do denunciante. Aparece porém na patente que, depois da restauração pernambucana,
teve o Capitão Antônio de Barros Rego. Sabemos por ela quem foi o mensageiro, o ardil
que usou para dissimular o recado e o chefe da conspiração. “Passando o ano de 1644”,
fora “daquela capitania a esta praça (Bahia) com um aviso de João Fernandes Vieira, de
grande importância, ao governador e capitão-general que foi deste estado, Antônio Teles
da Silva; escapou o dito aviso na sola de um sapato”.566 Como o aviso tinha a data de 7 de
agosto (de 44) e é de 14 do mesmo mês o salvo-conduto dado a André Vidal para ir a
Pernambuco e à Paraíba — com o pretexto de visitar o pai enfermo — não sofre dúvida
que se tratava do que trouxe Barros Rego. Até porque André Vidal, munido das
instruções confidenciais de Antônio Teles, se dirigiu logo para o engenho de Fernandes
Vieira. Não o faria sem a certeza de sua posição nos acontecimentos previstos.

O plano traçado foi simples e engenhoso. Com 40 homens, o Capitão Antônio Dias
Cardoso (experimentado cabo de guerra) se uniria na várzea à gente armada por
Fernandes Vieira, enquanto se diria com fingida indignação — que fugira Henrique Dias
com os seus pretos a atacar por conta própria os holandeses. Para deter esses bandos
irresponsáveis sairia o Camarão, com o terço de índios... Iludir-se-iam os flamengos,
imaginando que da Bahia, em vez de açularem a revolta, tratavam de castigá-la: e um belo
dia, sem darem por isto, de surpresa, estariam cercados no Recife.

O MOVIMENTO
Acompanhado do Alferes Nicolau Aranha Pacheco,567 cumpriu André Vidal, com incrível
felicidade, a sua missão. Não somente visitou os senhores de engenho de Pernambuco e
da Paraíba, apalavrados com Fernandes Vieira para o levante, como lhes deu as
esperanças de pronta vitória. Deixou-o ajustado nas suas linhas gerais. Não faltou também
o governador com as providências prometidas. Com os seus 40 soldados foi Antônio Dias
Cardoso esconder-se “nos matos do engenho de Fernandes Vieira”. Em 31 de março —
tornando pública a sua preocupação — reuniu Antônio Teles as pessoas principais da
Bahia, para dizer que desertara Henrique Dias... Temia que molestasse os holandeses, com
quem desejava manter boas relações; e para que não o tomassem como desleal, a eles
escreveria comunicando a fuga e a rebeldia do negro!568

A este tempo começavam eles a desconfiar, tanto de Vieira como do fino governador
que pretendia adormecê-los com os seus juramentos de paz. Abriram os olhos com a carta
anônima que, em 30 de maio, lhes revelou toda a conjura. Prenderiam Vieira e alguns
outros potentados da várzea, ou seriam levados a fio de espada, numa espécie de “vésperas
sicilianas”.569

Já era tarde.

Quinze dias antes (15 de maio) se tinham juntado os conspiradores sob a chefia de João
Fernandes Vieira, e 23 deles assinaram uma ata, comprometendo-se, “em nome da
liberdade divina”, a verter o sangue pela reconquista. Marcaram o rompimento para o
próximo São João. Podiam contar com 300 armas de fogo, paus tostados, bordões de
quatro palmos... E a proteção de Deus.570

PELO SANTO ANTÔNIO

Definiram-se aí os sentimentos, exacerbados pela ameaça.

De um lado, visivelmente se aliavam — contra o estrangeiro — os senhores rurais,


acaudilhados pelos mais ricos, no caso os mais interessados na ruptura; do outro, os
mercadores, sobretudo os judeus, se agarravam aos dirigentes do Recife, para que
precipitassem a repressão, vendo que dela dependia tudo o mais, a começar pelo seu
dinheiro. Acusavam os rebeldes de devedores relapsos, que, para não pagarem as contas
(pelas quais respondiam os engenhos), recorriam àquele desespero. O maior era João
Fernandes Vieira. Este tinha uma linguagem mística e patriótica no seu incitamento
secreto. Falava da liberdade, do rei, da vingança, dos males que padeceriam às mãos dos
hereges e de seus ferozes aliados, os tapuias; e propunha o dilema, triunfo ou morte.

Convencidos de que, com efeito, era o promotor do movimento, quiseram os holandeses


atraí-lo ao Recife. Recusou o convite. Saiu uma patrulha para prendê-lo. Não o achou.

Estas diligências precipitaram a insurreição, que, marcada para o São João, teve de ser
antecipada para o Santo Antônio de 1645. Neste dia saíram armados do engenho de Luís
Brás Bezerra 150 moradores com Vieira à frente; uniram-se aos soldados de Antônio Dias,
que esperavam por este sinal; e instalaram-se na mata. Fugindo aos caminhos percorridos
pela tropa inimiga, afluíram — chamando mais gente — para as escarpas das Tabocas,
donde poderiam defender-se; e, dispostos a tudo, aguardaram nas alturas o ataque, que se
deu a 3 de agosto.

Forte de 1.100 homens, a coluna holandesa gastou nas escaramuças de aproximação o


vigor da acometida; e ao escalar o monte, já fatigada, lhe desceu em cima com toda a sua
gente João Fernandes Vieira. Levou-a de roldão para o descampado. Interrompeu-se com
a noite a refrega. Ao amanhecer, deixando quase trezentos mortos,571 abalou, desfeito, o
pequeno exército, para o Recife. Perdera a grande oportunidade de desmoralizar, com a
evidente superioridade de armamento e perícia militar, a rebelião que começava. Batido
— encorajava-a. Em pouco tempo estendia-se a toda a capitania.

INTRIGAS E PLANOS

Os conselheiros do Recife pensaram em persuadir o governador a não auxiliar os


insurretos: e caíram no erro de mandar-lhe dois mensageiros, Van-der-Voorde e Teodoro
Hoogstraten. Veriam em breve a natureza desse erro: o convite dos portugueses da Bahia
para entrarem no conflito, dissimulados em mediadores... Não podia ser melhor a
acolhida feita aos dois intermediários. Prometeu-lhes Antônio Teles, citando deveres da
amizade (contra os espanhóis!), colaborar na pacificação de Pernambuco. E agentes seus
procuraram conquistar as simpatias de Hoogstraten, com as vantagens que teria se
aderisse aos rebeldes. A famosa traição do comandante do Pontal de Nazaré delineou-se
nessas conversas,572 que deram ao governador a esperança, de que precisava, de um apoio
na própria tropa flamenga, caso a sua manhosa intervenção deslizasse para a guerra.

Mal se retirou a embaixada, concertou ele o plano, que redundaria na rápida restauração
do domínio português no Nordeste.

Reuniu os navios disponíveis (eram oito) sob o comando de Jerônimo Serrão de Paiva,
confiado cada um à experiência de um bom capitão;573 meteu a bordo os dois terços (1.800
homens) dos mestres-de-campo Martim Soares Moreno e André Vidal de Negreiros; e os
instruiu, para desembarcarem, como força que iria chamar à ordem e desarmar, se
necessário, os pernambucanos — ao sul do Cabo de Santo Agostinho, na enseada de
Tamandaré... A frota de Salvador Correia de Sá, de 37 velas, que acabava de fundear na
Bahia, em trânsito do Rio de Janeiro para Lisboa, daria à manobra uma providencial
cobertura.574

Neste ponto os projetos do governador raiavam em delírio. Executasse-os Salvador, e


num golpe de magia, prodigiosamente, desabaria como um castelo de cartas a ocupação
holandesa!
OPORTUNIDADE PERDIDA

Quis que Salvador Correia comboiasse a frota de Serrão de Paiva, e garantindo o


desembarque dos terços, fosse bloquear o Recife, então desguarnecido de barcos que o
enfrentassem. Combinados os movimentos de terra e mar, entrando os rebeldes de um
lado e os da armada de outro, com a intimidação de tanta artilharia e o porto fechado,
capitularia a cidade... Como em 1625 a Bahia! Sabemos da extensão deste plano pelos
papéis tomados a Jerônimo Serrão, com a sua esquadra, em Tamandaré, a 9 de setembro.
Entre estes figurou a carta régia de 9 de maio de 45, determinando a Salvador que se
pusesse às ordens de Antônio Teles, e que nunca chegou ao destinatário; e a queixa do
governador, de ter ele resistido, negando-se a participar do que considerava uma
temeridade... Até porque (alegava Salvador) levava mulher e filhos, além da mercadoria
consignada ao reino; e o fim da viagem era de paz e não de guerra. Censurou Antônio
Teles (na carta a Jerônimo Serrão que os holandeses apreenderam):
Tão excessivos foram os meios com que esse homem procurou escusar-se dessa viagem, fazendo-a impossível, por
mais que eu a facilitasse com a importância do serviço a Sua Majestade e tal era a resolução com que ele embarcou,
levando mulher e filhos, que, conquanto eu não creia que ele deixe de obedecer às minhas instruções, bem como à
carta de Sua Majestade que agora lhe envio — todavia se pode tirar daí uma forte presunção para duvidar.575

Dito e feito.

Fundeou a grande expedição de Salvador de Sá à vista do Recife, onde causou alarmada


surpresa; e contentou-se em trocar amistosos recados com a praça, zarpando para a
Europa logo que a demora se lhe tornou incômoda. Já se preparava o Almirante
Lichthardt, com os poucos barcos que havia acolá, para resistir-lhe. Não foi preciso.
Jamais pretendera o futuro herói de Angola revestir-se da glória de libertador de
Pernambuco.576 Abandonou à própria sorte Jerônimo Serrão e a sua infantaria.

Anulado em parte o objetivo de Antônio Teles (o ataque ao Recife), podiam os mestres-


de-campo proceder habilmente, como seus delegados no apaziguamento desejado pelos
flamengos. Esta a razão da remessa de tropa — escreveu ao rei o Dr. Antônio da Silva e
Sousa, procurador da Fazenda Real em Pernambuco e na Bahia;577 e (hipocritamente)
asseverou o governador — em 12 de junho de 46 — que o fizera “a pedimento do governo
de Pernambuco”.578 Como os fatos falaram mais alto do que a sua astúcia, podemos
continuar acreditando que foi para ajudar a rebelião, não a deixando extinguir-se nos
arremessos iniciais. E só não redundou em vitória porque lhe faltou o domínio do mar.
Perdeu-o com a relutância prudente de Salvador de Sá; e a iniciativa de Lichthardt, que
aniquilou em Tamandaré a frota de Jerônimo Serrão, destruindo de repente todo o poder
naval da América Portuguesa.

CONFRATERNIZAÇÃO

Desembarcando nas proximidades de Serinhaém (28 de julho), dirigiram-se os mestres-


de-campo com os terços para esta localidade, cujo forte, comandado por Samuel Lambert,
constituía o primeiro obstáculo à marcha sobre Ipojuca e o Cabo, rumo do Recife.
Mandaram dizer ao chefe holandês que as suas intenções eram pacíficas; e, em nome do
governo da Bahia, vinham sossegar os moradores... Ao mesmo tempo cercaram a posição,
tomando-lhe as saídas. Capitulou, com a garantia de poderem transportar-se com
famílias, armas e bagagens. Prosseguiram os terços para Ipojuca.

O encontro com as avançadas de João Fernandes Vieira foi emocionante: e terminou em


confraternização efusiva.

Rodearam-nos velhos, mulheres, crianças, aos brados, contra o inimigo da fé e do rei;


contaram-lhes horríveis histórias, de crueldades que lembravam os mouros contra os
cristãos; e de tal forma os convenceram de que era irrevogável a decisão de lutar até
vencer, que ali mesmo, impetuosamente, se declararam dispostos a todos os sacrifícios —
pela pátria.579

Se não tinham vindo com esta idéia, a partir de então não tiveram outra.

Para os rebeldes (a quem João Fernandes Vieira passava a comandar, conforme patentes
que lhe enviou Antônio Teles)580 — o auxílio era inestimável. Antônio Dias Cardoso dera-
lhes a forma militar. Fora o indispensável para a ação do monte das Tabocas. Vidal e
Moreno, com a infantaria da Bahia, davam-lhes o núcleo de forças regulares a que se
somariam, por elas enquadradas, as legiões bisonhas de Vieira (os habitantes em armas) e
as hordas de Camarão e Henrique Dias, sobretudo eficazes nas guerrilhas à maneira
indígena. O que começara como um levante, de senhores de engenho com parentes e
escravos, num desafio frenético, acabava em estilo de guerra civilizada, com a sua
disciplina, o seu plano de operações, a sua política, principalmente a sua unidade. O
resto... dependia da bravura daquela gente! A rendição incruenta de Serinhaém desarmou
a resistência de Santo Antônio do Cabo (Comandante Gaspar Van-der-Ley) e Pontal de
Nazaré (Hoogstraten). Pesaram no espírito destes oficiais os afetos domésticos. Observou-
se daí por diante a regra, de que aderiam sem constrangimento aos portugueses os
casados na terra (como Van-der-Ley, marido de D. Maria de Melo)581 ou os isolados dos
patrícios protestantes ou judeus, por serem católicos (como Hoogstraten).582 “Têm para
nós grande merecimento (escreveram a propósito deles os mestres-de-campo) da mesma
forma que todos os outros casados com portuguesas”.583 Passou Van-der-Ley de Santo
Antônio para o Pontal. Intimou-lhes Paulo da Cunha (vanguardeiro dos baianos, que
tratara antes com Hoogstraten) a negociação, reafirmando as promessas tentadoras que
lhe tinham sido feitas. Falou-se em preço: 18 mil florins...584 Era escusado o dinheiro (se
realmente entrou nas condições da rendição), porque por bem ou por mal entregariam a
praça, que estava na mesma situação de Serinhaém. Hoogstraten e Van-der-Ley
combinaram entregá-la com a cláusula, inesperada, de entrarem também para o serviço
de Portugal, com os que quisessem acompanhá-los! O estrondo dessa defecção (em que
visivelmente se dissolvia o exército flamengo) foi seguido do espanto que causou a derrota
de Henrique Haus na casa-forte do engenho de Isabel Gonçalves.
Este é o mesmo capitão que se incumbira de prender nas suas terras Fernandes Vieira.
Andava em buscas pela várzea com 600 soldados e duzentos índios. Era a tropa volante de
que se dispunha no Recife para a contra-ofensiva. Oficial destemido, dera-se à caçada dos
insurretos, com muitas ameaças de castigos e represálias; mas, insensatamente, sem
notícia do que ocorria no Cabo de Santo Agostinho e em Ipojuca — ignorando portanto
que contra ele marchavam milhares de homens — aquartelara na casa-forte, para
repousar... Na calada da noite investiu Vieira, atirou para dentro do sobrado os que
fugiam às suas armas, e mandou atear-lhe fogo. Foi a esta voz (já acumulada nos baixos da
casa a lenha para o incêndio) que capitulou Henrique Haus com 204 holandeses.
Mataram-lhe quatrocentos, e todos os seus índios...585

O insucesso foi mais grave do que parecia.

Não se limitava a um revés. Importava o colapso da resistência do Sul e do Norte (até a


Paraíba, onde não tardaria a rebentar a revolta); deixava ao desamparo os fortes abaixo de
Nazaré, que eram os de Porto Calvo e do São Francisco; abria à insurreição Igaraçu e
Olinda; e se ganhasse Itamaracá, cerrando a oeste o assédio, estrangularia o Recife nas
tenazes da fome. Fracassou o assalto à Ilha de Itamaracá, levado valentemente às últimas
trincheiras, por faltar aos rebeldes a segurança da retirada, através do canal. Temeram que
a cortasse Lichthardt com os navios de que ainda dispunha.586 Mas no dia imediato
sitiavam a cidade. Foi quando sobreveio o aniquilamento, em Tamandaré, da frota de
Jerônimo Serrão. Sem ela, defrontou-se a revolta com a realidade, de uma luta
interminável com o tempo e o mar.

XIV: ESTRONDOS DE GUERRA

A REBELIÃO GENERALIZADA

Na Paraíba estourou a rebelião a 2 de setembro. Escabeçaram-na os senhores de engenho


parentes e amigos de André Vidal. O seu problema consistia em capturar no Forte de
Cabedelo, que domina o estuário e protege a cidade, Paulo de Linge, que ali concentrara a
guarnição holandesa, deixando em campo, para inquietar os sublevados, Pero Poti e os
seus temíveis petiguares.587 Se conseguissem neutralizá-lo, isolariam no Rio Grande o
Capitão Garstman, que comandava o Forte de Natal (apoiado no sertão pelos janduís,
obedientes ao flamengo Jacó Rabi, espécie de feiticeiro branco que sobre eles exercia
ilimitada influência): e não lhes seria difícil dominá-lo, Prevenido, porém, dessas
intenções, o Capitão Linge quis mostrar-se o oposto de Hoogstraten. Mandou enforcar o
intermediário do suborno (disse-se que lhe oferecia 19 mil florins...) — chamado Fernão
Rodrigues de Bulhões —; e fez serenamente face aos rebeldes, impotentes para conquistar
aquela praça forte.
No Rio Grande, Jacó Rabi provou toda a sua maldade na chacina do engenho Cunhaú
(16 de julho), sem precedentes nos anais das guerras holandesas. Era domingo. Convocou
para depois da missa, rezada pelo velho Padre André do Soveral na capela do engenho,
todos os moradores, a fim de fazer-lhes uma comunicação; e quando todos lá se achavam,
desarmados e tranqüilos, atirou-lhes em cima a sua tribo de tapuias. Não escapou
ninguém. O próprio vigário foi morto a pauladas. Jamais se cometera crime tão atroz;
nem tão injustificado. Destinava-se a amedrontar, no raio de cem léguas, os habitantes,
contendo-os pelo pavor, já que não se demoviam pela persuasão. Dava também a medida
dos futuros excessos: a luta passava a ser de morte!588

Não se satisfez Jacó Rabi com a matança do Cunhaú. Cercou e prendeu no seu arraial os
moradores do Rio Grande, com a promessa de poupar-lhes a vida, e os entregou aos
índios de Antônio Paraupaba, êmulo de Poti,589 que os trucidaram com análoga
ferocidade.

Pouco depois, assustado com as brutalidades de Jacó, dele se livrou Garstman,


mandando matá-lo numa emboscada (5 de abril de 46). Foi o que abalou a confiança dos
quiriris, começando a desligá-los dos flamengos. Sentiram-se traídos. Adversários
inconciliáveis dos tupis, de Camarão, portanto dos portugueses, não pensaram em aderir
ao inimigo, mas esfriaram a sua dedicação, retraíram-se, não tiveram mais o ardor
guerreiro de outrora...

TEMPO E MAR

Falamos da luta com o tempo e o mar.

Realmente, com o tempo, fechadas as linhas do assédio, render-se-iam os holandeses. A


última esperança era o mar. Fora à Holanda pedir urgentes socorros aquele Van-der-
Voorde, que acompanhara Hoogstraten à Bahia: pintou com cores alarmantes a penúria
da praça, à beira da fome, e convenceu, tanto a Companhia como o governo, de que, sem
uma poderosa armada, com tudo o que necessitava, ela — no seu esgotamento —
capitularia sem remédio.

O Almirante Lichthardt viu bem o problema.

Para a subsistência do Recife — a fim de que continuasse aberto o oceano — precisava


antes do mais destruir a frota de Jerônimo Serrão fundeada em Tamandaré. Eliminado
esse contato dos insurretos com o mar, impossibilitaria por este lado o reabastecimento
(separando-os da Bahia); e ficariam livres os acessos de Pernambuco. Vibrou, decisivo, o
golpe, em 9 de setembro.

Debalde os mestres-de-campo Vidal e Moreno tinham escrito a Serrão de Paiva, que se


acolhesse a Nazaré, sob a proteção dos canhões do Pontal, porto conquistado da rebelião.
Retardou-se, imprevidente, naquela enseada. Reuniu Lichthardt nove naus grossas, e de
surpresa, num ataque furioso, o engarrafou na pequena baía, queimou-lhe dois barcos,
tomou os outros, passou a fio de espada os que resistiam, e prendeu quantos não
conseguiram salvar-se a nado. Entre os prisioneiros estava, malferido, o próprio Serrão de
Paiva, que se defendera bravamente. Caíram ao mesmo tempo em poder dos vencedores
muitos papéis importantes, que revelavam, enfim, a cumplicidade do Rei de Portugal e de
Antônio Teles nos acontecimentos passados. Entre estes, a carta régia de 6 de maio, que
mandava Salvador de Sá permanecer com os seus navios no Brasil; e a queixa que dele
fazia Antônio Teles, desgostoso da sua precipitada partida para o reino.590 Publicados na
Holanda, desmascararam a famosa dubiedade portuguesa...

Ganhou Lichthardt, com a proeza de Tamandaré, o mar; não a terra.

E tornou-se cada vez mais grave o estado de cerco a que os rebeldes reduziam o Recife.

É verdade que os holandeses dispunham de Itamaracá, e, vez por outra, de alguma


embarcação da Paraíba ou do Rio Grande; e da pesca, que incrementaram como lhes foi
possível. Mas, habituado ao pão e à carne, não se conformavam os soldados com a
diminuição das rações. Ocorreu ao conselho um expediente para os contentar: com o
ouro em barra que havia, bateram moedas obsidionais, de 3, 6 e 12 florins, a serem
distribuídas em lugar dos alimentos que faltavam. Com o dinheiro, comprariam onde
quisessem...591 Deste tempo foi a demolição das casas da Boa Vista, de medo a que os
pernambucanos — passando à Cidade Maurícia — nelas se fortificassem. Arrasou-se o
que o príncipe traçara e construíra com inteligente esforço.592 O essencial era descobrir as
perspectivas dos fortes Ernesto e das Cinco Pontas, aliviando o Recife da ameaça de
posições tomadas em Antônio Vaz. Essa destruição apagava os mais nobres vestígios da
ocupação holandesa, exatamente o que até aí lhe testemunhara a largueza de projetos, a
intuição urbanística, o propósito de transportar para o Brasil uma cultura honesta.
Desafogava os quarteirões dos mercadores, extinguindo os jardins de Nassau. Virava a
página dos bons tempos para concentrar no desespero da luta as forças disponíveis. Pelo
tempo em que pudessem sobreviver...

A ARMADA DE SEGISMUNDO

Demorou um ano a frota salvadora, que Van-der-Voorde fora pedir à Companhia.

A demora na organização (com o recrutamento de 2 mil homens às ordens de


Segismundo von Schkoppe e do Coronel Hinderson) prova a decadência da empresa; e a
sua perplexidade. Lutou com os mais desfavoráveis fatores para armar uma expedição
respeitável, sem a qual capitularia o resto do Brasil holandês: e nela embarcou as melhores
esperanças. Para substituir o conselho deixado por Nassau, nomeou Walter van
Schoonenborch, presidente, e outros funcionários de boa fama.593 Deu aos comandantes
instruções enérgicas. Meteu a bordo todas as mercadorias reclamadas. E foi essa esquadra
que reanimou, galvanizando, a resistência do Recife. A 23 de junho anunciaram-na dois
barcos, que tinham ido à dianteira. A 1º de agosto surgiram as naus, com o comboio.
Recomeçava aí a guerra com as suas determinantes lógicas: graças ao domínio do mar, o
ataque levado aos pontos vitais do litoral; abastecida e duplicada a guarnição, retomaria a
iniciativa; agüentar-se-iam os núcleos flamengos ainda incólumes (Itamaracá, a Paraíba, o
Rio Grande); e os de Alagoas, de Sergipe, até as vizinhanças da Bahia, ficariam à mercê da
pilhagem.

Estabeleceram Segismundo, Hinderson e Lichthardt o plano de operações. Ao tempo em


que repeliriam dos arredores as patrulhas pernambucanas, rumaria a armada para o sul,
reconquistaria o São Francisco (Forte Maurício) e, para impedir a continuação da remessa
de suprimentos da Bahia para os rebeldes, bloqueando-lhe igualmente o comércio, se
estabeleceriam defronte dela, na Ilha de Itaparica. Ao cerco do Recife pelos
pernambucanos responderia o da Bahia pelos holandeses. Não, em verdade, um assédio
em regra: porém, com a posse da barra, o asfixiamento pelo mar, suprimindo-lhe a
navegação, o que dava no mesmo. Era um plano audaz: foi inflexivelmente cumprido.

PENEDO E ITAPARICA

Em onze navios Lichthardt e Hinderson retomaram o Forte Maurício, em Penedo —


assenhoreando-se mais uma vez do baixo São Francisco. A guarnição saiu a tempo para os
matos, com os índios amigos: voltaria na primeira oportunidade. Foi quando morreu (30
de novembro), vitimado por breve enfermidade, o bravo Lichthardt.594 Com ele perderam
os holandeses o homem capaz de abrasar novamente o recôncavo mantendo aterrorizada
a Bahia — que Segismundo von Schkoppe queria constranger pelo bloqueio e pelo medo.

Celebrara-se ali, a 22 de novembro, um ato público de regozijo pelos êxitos


pernambucanos em que naturalmente entrava a indignação pela derrota infligida a
Jerônimo Serrão de Paiva, com tantas pessoas notáveis da cidade.595 Para compensar este
prejuízo fizera Antônio Teles construir 26 barcas de remo, que defenderiam o porto.596 E
receando desembarque semelhante ao de 1624, mandou barrar com o Forte de São Pedro
o caminho de Vila Velha.597 Não se deixaria surpreender pelo inimigo. Batê-lo-ia nas
ladeiras da cidade, como em 1638 batido fora o Conde de Nassau... Só não contou com a
hábil manobra do ataque à Ilha de Itaparica, defronte da praça e a salvo de seus canhões,
onde o inimigo podia estabelecer-se, dominando o mar, o que equivalia a condená-la no
seu comércio interrompido (e à insurreição pernambucana, carente de abastecimentos e
socorros).

A mesma frota que reconquistara Penedo, com 2.500 homens, a 9 de fevereiro de 47


fundeou na ponta da Baleia.598 Espalhando-se pela ilha, os flamengos devastaram os
engenhos, passaram os moradores a fio de espada, e se protegeram com trincheiras à beira
da água, sob a proteção da artilharia da esquadra.599 Davam ao seu governo um novo
elemento às negociações diplomáticas: a angústia em que gemia a capital da América
Portuguesa, com a barra fechada pelo invasor.
Porque isto se pode tão mal encobrir ou negar (escreveu o Padre Vieira), quando os principais soldados que hoje
defendem Pernambuco são todos vassalos de el-rei, mandados da Bahia, de onde também vieram os quatro
governadores, de cinco que governam aquela guerra.600

Tudo fez Antônio Teles para tirar Segismundo de Itaparica. Por último, arriscou a força
que havia à mão, 1.200 homens, sob o comando do Mestre-de-campo Francisco Rabelo (o
Rabelinho)601 com João de Araújo e Teodoro Hoogstraten. Chegaram às trincheiras da
ponta das Baleias; mas foram recebidos com tão nutrido fogo, que tiveram de recuar,
dizimados, deixando em campo mais de cem mortos. Estava entre eles o Rabelinho, cujo
corpo Frei Domingos, que os acompanhava, levou às costas... “Sobre este sucesso deve de
cair o enfadamento que Lanier escreve tem S. M. com Antônio Teles: se o houvera tirado,
escusaram-se estes e outros inconvenientes” — informou ainda o Padre Vieira,602
acentuando a imprudência do governador. Acabava culpado da provocação e do revés...

A batalha de 10 de agosto de 47, em que morreu o valente Rabelinho, não encheu de


mágoa apenas a cidade, cujos serros se vêem da ponta da ilha onde continuavam a flutuar
as cores de Holanda: abalou em Lisboa o governo, aterrorizado com os perigos a que a
política de Antônio Teles o arrastara. Se perdesse a Bahia, lá se ia o Brasil...603

Vejamos qual o estado de espírito, por esse tempo, de D. João iv, ou antes, do seu
conselheiro íntimo, o Padre Antônio Vieira.

XV: RECUPERAÇÃO DO NORDESTE

O PREÇO DAS ESQUADRAS

Estava o Padre Vieira a convalescer em Carcavelos, quando el-rei o chamou, para dar a
notícia de “ficar Segismundo fortificado em Taparica”.

É ele quem relata: “O remédio, Senhor, é fácil. Não disseram os ministros a V.

M. que aquele negócio estava mui cru? Pois os que então o acharam cru, cozam-no
agora”.

Demoveu-o a ansiedade do soberano. Saiu à procura do mercador Duarte da Silva,


cristão-novo que conhecera na Bahia, e este, associado a Antônio Rodrigues Marques,
ofereceu 300 mil cruzados (garantidos pelo tributo de um tostão em arroba de açúcar)
para armar com urgência uma frota.604 Sempre se conseguiram treze barcos... “E ficou o
porto de Lisboa (diria Vieira) sem um patacho, os armazéns sem uma âncora nem uma
peça de artilharia”.605 Foram postos sob o comando de Antônio Teles de Meneses, Conde
de Vila Pouca de Aguiar (veterano de navegações e batalhas do Oriente),606 também
nomeado governador da Bahia em substituição do atribulado Antônio Teles da Silva.

Embarcou o conde em Setúbal com alguma tropa tirada ao exército de Alentejo.


Francisco de Figueiroa foi levantar nas ilhas quatro companhias de reforço. Bem
petrechada e com tais disposições de luta, podia a esquadra (que só se destinava a rebater
na Bahia os ataques de Segismundo) aproejar sobre o Recife — aproveitando a dispersão
das forças holandesas. O Alto Conselho, alarmado com esta possibilidade, instou para que
Von Schkoppe, largando Itaparica (já sem interesse) fosse acudir-lhe com os seus navios.
Decidiu-se, queimando os acampamentos na ilha, uma quinzena antes da chegada do
Conde de Vila Pouca. Largou a Baía de Todos os Santos a 15 de dezembro e a 22 lá entrou
— sem ter encontrado o inimigo ao longo do mar — a armada salvadora.

Recaía a guerra na anterior indecisão. Precisava de novo elemento de desempate: foi a


frota do Almirante De With (nove navios grossos, quatro patachos e 28 transportes, com
uns 6 mil soldados) — cuja partida o embaixador português procurou desesperadamente
impedir.

TRANSES DIPLOMÁTICOS

O essencial era obstar a remessa de material e gente de Holanda, o que (pensava D. João
iv) o seu embaixador, Francisco de Sousa Coutinho, conseguiria dos Estados-Gerais,
protestando o seu desejo de jugular a rebelião, ao tempo em que os indenizaria de todos
os danos sofridos. Para auxiliar o diplomata na negociação, despachou quem lhe
penetrara o pensamento, e se habituara a justificá-lo com hábeis razões: o Padre Antônio
Vieira. Tinha além disto a vantagem de ser bem recebido dos judeus (pois os defendera na
corte com a sinceridade com que os cultivara na Bahia); e a condição implícita de
intermediário — entre eles, grandes capitalistas receosos de maiores prejuízos, e Portugal,
que deles necessitava. Embarcou para a França (1º de fevereiro de 46) e daí, com cartas
valiosas, para Haia, onde gastou três meses em conversações sutis.

É quando entra em cena o astuto Gaspar Dias Ferreira, cristão-novo que enriquecera no
Recife durante o domínio de Nassau e, seu amigo, o acompanhara à Holanda.

Deve-se ao seu entusiasmo pelo príncipe a obra de Barleo, Rerum per Octennium...
Naturalizado holandês, a 4 de fevereiro de 45, em 20 de julho do mesmo ano — inquieto e
sagaz — encaminhou a D. João iv, como se fora um milagroso remédio, a sua fórmula
comercial de matar a questão do Brasil: comprando-o. Raciocinava em termos contábeis.
Em perigo de perder tudo, a Companhia acabaria cedendo, por dinheiro... O problema
consistiria no preço. Coube ao Padre Vieira opinar a respeito. Que sim; que se dessem 3
milhões de cruzados em prestações de 500 e 600 mil, a troco de tudo aquilo...607 Nem se
dissesse que faltava moeda. Bastava perdoar aos judeus... O suborno de Holanda
começaria com a aliança da sinagoga. “Naquela república tudo é venal”.608

Os sucessos de 1647, entretanto, animaram os flamengos para maiores exigências; e em


vez de se deixarem enganar com essa tentação, trataram de socorrer Segismundo com
outra esquadra (que fizesse frente à do Conde de Vila Pouca). Para governar Pernambuco,
mandariam de novo Nassau.

Entrou aí o ardil de Gaspar Dias. Por seu intermédio logrou o embaixador falar ao
conde. E tais promessas fez, que este exagerou as condições que impunha à Companhia, a
ponto de não poder ela retomá-lo a seu serviço. Satisfez-se, com a nomeação de Von
Schkoppe para o supremo comando — e aquela esquadra, que lhe custou enormes
sacrifícios. Conta-nos Vieira:
Ajuntaram-se a isto as despesas de muitos socorros particulares e de duas grandes armadas, a de Segismundo que
custou melhor de 33 tonéis de ouro, e a de Wit Wites609 que custou 47, que fazem da nossa moeda a soma de 4 milhões
de cruzados.610

D. João iv, por sua vez (não podendo expedir mais navios, além dos que levara o Conde
de Vila Pouca) mandou um general: Francisco Barreto.

O GENERAL

Empossou-se Vila Pouca no governo da Bahia em 26 de dezembro.

Antônio Teles voltou a Portugal no galeão Santa Margarida — que se perdeu (e com ele
o grande político dos acontecimentos que vimos descrevendo) na costa de Boarcos, num
naufrágio memorável.611

Fizera o rei constar que o castigaria. Talvez o próprio Teles viajasse com o peso desse
desgosto (apregoado pelos conselheiros que, como o Padre Vieira, lhe atribuíam as
calamidades, esquecendo os sucessos). Mas que se tratava de uma comédia — cujo
segredo possuíam os embaixadores na Haia e em Paris — não deixa dúvida a
correspondência de Sousa Coutinho.612 Seria condenado, para que corressem melhor as
negociações: e de fato premiado, tanto que se restaurasse Pernambuco... Sepultou-se no
oceano o seu mistério.

Várias queixas recebera, entretanto, o Conselho Ultramarino, de desacertos e


parcialidades de Fernandes Vieira.

Temeu-se que se dividissem os rebeldes em grupos inconciliáveis. O jeito era enviar para
“aquela campanha mestre-de-campo-general e um auditor que governassem a guerra e
justiça”. Despachou o rei: “Parta Francisco Barreto”. Nomeado em 12 de fevereiro de 47,
partiu com o Dr. Simão Álvares de Lapenha, pernambucano e cunhado do Padre Vieira.613
Conhecia o país, soldado que fora da armada do Conde da Torre, alistado na retirada de
Luís Barbalho; e portara-se brilhantemente no Alentejo, “ilustre em sangue e espírito”
(elogiou-o D. Francisco Manuel)614 — com a vantagem de saber a sua arte. Era, no rigor
da palavra, um general.
Representaria enfim o rei na guerra de que sistematicamente se omitira.615

A viagem foi que não lhes correu feliz.

Tomado pelos holandeses o patacho em que vinham, conduziram-nos ao Recife, onde


ficaram presos. O auditor pôde ser resgatado. Nove meses esperou Barreto por sua
oportunidade. Um belo dia fugiu com o filho do carcereiro, Francisco de Brá616 e o francês
Jean Voltrin. Apresentou-se com eles na várzea em 23 de janeiro de 48. Por ordem
expressa do Conde de Vila Pouca assumiu o comando geral da guerra dois dias antes da
batalha dos Guararapes.

GUARARAPES

É o próprio Barreto a contar:

Chegou a armada do inimigo a 14 de março617 e preveniu toda a sua infantaria até 18 de abril, dia em que saiu à
campanha com seu exército, o qual constava de 5.200 infantes, 500 homens do mar, e 300 índios e tapuias; traziam em
todos seus batalhões 60 bandeiras, demais de um estandarte grande com armas das Províncias Unidas e Estados-
Gerais, cinco peças de artilharia, muitos víveres, munições e dinheiro. Governava este exército Segismundo Schkoppe
com seis coronéis, a saber, Haus, Van Elst, Hautyn, Pedro Keerweer, Van den Brande e Brinck.618

Costeou, passando o Afogados, pela Barreta, onde cercou e aniquilou um posto de cem
portugueses; e de rumo feito para Muribeca — levando nos embornais oito dias de
mantimentos, o que indicava a intenção de varrer a capitania até o Cabo de Santo
Agostinho — se atirou para o caminho coleante ao sopé dos montes Guararapes.

Tomara Barreto, como dissemos, a 16 de abril, a chefia dos rebeldes (2.200 homens); e
ao saber da saída de Schkoppe, convocou a conselho os mestres-de-campo, para deliberar
se o interceptariam, a despeito do seu poder. Decidiram que o esperassem naqueles
montes, junto aos quais teria de passar, pelo único caminho existente, apertado entre os
barrancos e o alagadiço. Deslocou Barreto a sua força (menos 300 homens que
continuaram nas estâncias do cerco) para o último dos outeiros, em direção do sul, e
arranchou na baixada, de modo a ficar escondida, só aparecendo ao inimigo quando já
estivesse, desabrigado, na lingüeta entre o pântano e as escarpas: e teve no dia seguinte (19
de abril) a iniciativa.

Marchavam os flamengos em vistosas colunas de pendões arvorados (61 bandeiras!),


canhões rodando, tambores à dianteira, armas ao sol, confiantes numa fácil vitória —
sobre as desordenadas tropas insurretas. Mal enfiou, porém, a vanguarda, pela estrada que
contorna os montes, chapinhando na terra molhada — tomou-lhe a frente Vidal de
Negreiros, enquanto Camarão e Henrique Dias “de uma parte e da outra” procuravam
cortá-la. Conseguiu Vieira, à espada, rechaçar os que se tinham adiantado e ainda
atropelar e romper as fileiras que os seguiam. Recuaram os flamengos sobre a artilharia e
as bagagens, sem espaço para distenderem as linhas, nem conhecimento do número dos
atacantes, correram para os altos,619 e — numa furiosa acometida — repeliram os pretos
de Henrique Dias. Acudiu Barreto com a reserva (quinhentos homens), mas quis abreviar
caminho tomando por um atalho, e nesta demora os holandeses recuperaram o material
que iam perdendo. Pôs-se o general “em um regato que havia na campanha”, e de espada
em punho mandou novamente à luta os soldados que começavam a debandar. Refizeram-
se; e às ordens de André Vidal voltaram à refrega, com tal ardor que “o inimigo se retirou
a ocupar umas eminências” retirando “para elas os feridos que mais perto lhe ficavam”.
Exaustos os portugueses, que há “mais de 24 horas não comiam” (enganando o estômago,
diz Diogo Lopes de Santiago, com farinha de pau, água açucarada e pedaços de rapadura),
espalhou-os Barreto pela colina fronteira. De monte a monte podiam parlamentar — ou
se cobrirem de balas. Quatro horas, entretanto, durara a batalha, e ao tombar a noite o
silêncio desceu sobre os dois exércitos. Quando raiou a aurora de 20 de abril, “de Nossa
Senhora dos Prazeres”, já não havia a quem combater.

Levantara Schkoppe o acampamento retornando calada e tristemente para o Recife...620

Deixou mais de mil mortos e feridos, 33 bandeiras, o estandarte dos estados, um


canhão...621

Leu o Padre Vieira na Haia a carta de um burguês de Amsterdã, em que o fracasso de


Segismundo era sobriamente narrado:
Ontem vos escrevi que os nossos se bateram em Pernambuco com os portugueses e que da nossa parte ficaram mortos
300 e da sua 900, mas informando-me melhor, e vendo as cartas do Recife, consta que os nossos mortos foram mais de
600, e mais de 400 os malferidos. Dos portugueses que morreram não se sabe o número certo, só se diz que os levaram
em 14 carros.

Continua o padre:
Entre os feridos foi um o General Segismundo. Entre os mortos o Coronel Hus, que era o mais antigo, e o Coronel
Vandennoven, e muitos capitães e oficiais até número de 50 [...]. Escrevem os do Recife que os portugueses estão
fortes como um muro (que é frase sua).

Exultava. “De maneira, senhor, que temos Pernambuco vitorioso, o Rio de Janeiro
socorrido, a Bahia com armada, Angola com a esquadra de Salvador Correia”.622

CONSEQÜÊNCIAS

Segismundo não perdera somente a batalha, perdera a guerra.

Jamais teria aqueles meios de romper o adversário (com armada no porto e 6 mil
homens decididos, contra um exército desunido e atarantado); nem os experimentados
oficiais que lá ficaram, estendidos no campo, como o Coronel Haus (o mesmo da casa-
forte), o Major Claer, o Coronel Van Elst... Podia acusar-se de imprevidência não tendo
reconhecido o terreno em que ia lutar — e temeridade — nele entrando no escuro, com
todos os seus elementos. Sacrificara o melhor da sua gente numa ação intempestiva —
sem lograr movimentá-la conforme os rudimentos da estratégia — e dera com isto aos
rebeldes glória, ufania e vigor. Sobretudo entusiasmo.623 “A verdade é que só a Deus e à
Virgem Santíssima devemos esta vitória”, clamava Vidal de Negreiros.

Vissem aquela prodigiosa resistência, 24 horas quase sem comida, face voltada para o
inimigo reluzente de tanta armaria, flâmulas e insígnias! E os seus andrajos em contraste
com aquele esplendor de morriões, couraças, gibões coloridos e chapéus emplumados!
Saídos das brenhas por onde rastejavam índios e negros, de alcatéia ao europeu — vestiam
os farrapos das velhas roupas, enrolavam no pescoço grandes rosários, dispensavam
bandeiras, preferiam aos mosquetes e às pistolas a espada, e com ela ao sol vendiam caro a
vida... A vida e a terra.

Esta, não lhes tomariam!

NA EUROPA

Mas a situação piorara na Europa. Na verdade, acertava D. João iv: “Brevemente parece
que se gastará o socorro que foi de Holanda àquele estado, tempo era já de entenderem os
de Holanda que lhe não está bem a guerra”.624 Pactuara-se entretanto em Münster a paz
de Holanda e Espanha, de cujos artigos insidiosamente constava a restituição aos
flamengos das praças que possuíam no Brasil... Receoso de um ataque conjunto, chegara o
rei a premeditar (se acontecesse) o seu transporte para a Ilha Terceira, ficando ainda com
o Grão-Pará e o Maranhão...625 A idéia da transmigração (acariciada pelos príncipes da
casa de Bragança, sempre que a crise internacional os ameaçou) encorpara-se no espírito
fértil do Padre Vieira; e provavelmente se estampa naquele outro trecho de confidência:
“O roteiro que el-rei, que Deus tem, tinha prevenido, como tão prudente, para o caso de
semelhante tempestade e se achou depois de sua morte em uma gaveta secreta, rubricado
de sua real mão com três cruzes”.626 O jeito era antecipar a coação pela transação,
voltando-se às conversas da compra. Foi-se o Padre Vieira para Haia, a ver se incluía
Portugal no acordo, a troco do dinheiro que lhe exigissem. Já os holandeses não queriam
ouvir falar disto. Então — que se desse Pernambuco...627

Entre duas famosas “memórias” do padre, a de 1647, mostrando as conveniências da


compra, e a de 1648, chamada de “papel forte”, em que, rendido aos novos temores,
advogava a entrega do Brasil, do Rio Real para o norte,628 se situou essa perplexidade
diplomática. Ia mais longe o eloqüente jesuíta: para contrapor a castelhanos e flamengos
poder maior, tentaria em Paris ajustar o casamento do Príncipe D. Teodósio com a filha
do Duque de Orléans, a Grande Mademoiselle, com o que se combinaria nada menos do
que a divisão da monarquia portuguesa. O pai da noiva regeria o reino de Portugal na
menoridade do genro e D. João iv viria reinar no Brasil...629 É duvidoso que tivesse em
França discutido seriamente este conluio, que transtornaria a política mundial —
instalando na América o império prematuro.630 O que se sabe é que na Holanda não
conseguiu mais do que alcançava Francisco de Sousa Coutinho (e era comprar a paz pelo
abandono do Brasil, do Rio Real ao Ceará); e para convencer em Lisboa — para onde
desanimadamente regressou — os conselheiros resistentes, escreveu aquele sofístico
“papel forte”. Expunha com engenhosa dialética as vantagens da cessão — que salvaria
Portugal, nem que mais tarde, passada a calamidade presente, fosse reaver o perdido...
Enganava-se. Entre a frustrada negociação da compra e esta tentativa de capitulação
mediara a batalha dos Guararapes; nem teria o rei possibilidade de cumprir a promessa, se
prometesse restituir o reconquistado. Que forças seriam para isto precisas? E com que
argumentos — para aqueles ásperos guerrilheiros de rosário pendurado aos peitos, que
acabavam de correr a espada os loiros soldados de Flandres? Ressurgiu a malícia
inteligente de D. João iv. Estava com o Padre Vieira enquanto lhe fora útil apaziguar;
agora, que sentia inviável o negócio, bandeava-se com os seus opositores (o principal
deles, o conselheiro Pedro Monteiro). Estes desaprovaram o “papel forte”.

Sousa Coutinho foi chamado a Lisboa.631 Não tardou a sobrevir, em 1650 — aliviando a
crise portuguesa — a discórdia anglo-flamenga. Quando os navios da Holanda tivessem
de deter-se no mar do Norte em luta com os de Inglaterra — estaria salvo Pernambuco.

RETOMADA DE ANGOLA

Enquanto iam e vinham os recados de Holanda sobre as pazes que não se faziam, e os
insurretos dominavam os campos de Pernambuco — entendera-se em Lisboa que se devia
recuperar Angola. A importância disto definiu-a o Padre Vieira em carta desse tempo:
“Sem negros não há Pernambuco, e sem Angola não há negros”.632 Também na Espanha,
tanto que ali se pensou em trocar o Infante D. Duarte, irmão de D. João iv, prisioneiro em
Milão, pela posse de Angola...
Mas como esta notícia chegasse aos ouvidos do real prisioneiro, teve ele indústria para minar os muros do castelo e,
por debaixo da terra, escreveu uma carta, que de Veneza veio a Haia, corte de Holanda (onde eu a li) e da Haia passou
a Lisboa. E que continha aquela carta? Dizer e protestar a S. M. o generoso infante, que nem um torrão de terra
conquistada com o sangue dos portugueses se desse pela sua liberdade, nem pela sua vida.633

Salvador Correia de Sá foi incumbido de restaurar as praças africanas com a frota do Rio
de Janeiro.

Estava ali — de volta do reino — em 16 de janeiro de 48. Trazia nomeação (20 de


setembro de 47) para capitão-general de Angola. Tinha instruções para empreender sem
demora a expedição. Reuniu no porto quinze navios, sendo seis fretados no Rio, quatro
por ele comprados e cinco que o governador-geral mandara da Bahia — e engajou
novecentos homens de desembarque. Contribuiu a cidade com o empréstimo que lhe
pediu634 e ainda o suplemento de 5.500 cruzados.635 Hesitou um momento em fazer-se em
mar, tal a opinião de muitos, de que, fortalecidos no Recife os holandeses com a frota de
De With, a saída da armada deixaria desamparada a costa e a própria cidade do Rio de
Janeiro.636 Contribuiu para que se decidisse o conselho do Padre João d’Almeida (jesuíta a
quem particularmente ouvia), e que chegou a indicar a data, profetizando ser propícia.637
Na realidade, impeliu-o a não se retardar o Conde de Vila Pouca (conforme ordens que
recebera): “A Salvador Correia mando apertadíssimas ordens para que faça a jornada tudo
quanto antes puder ser e a consiga sem perder monção”. Ou “tudo correrá por sua conta,
e que ele a daria a V. M. do que sucedesse”.638

Largou a esquadra a 12 de maio (de 1648). Atingiu na costa da África Quicombo, em 12


de julho639 — perdendo logo num temporal a capitania com 300 homens e o almirante,
Baltasar da Costa de Abreu. Convocou Salvador conselho de oficiais; e deliberou tomar
São Paulo de Luanda. Foi o que fez a 12 de agosto. Intimado a entregar-se, o governador
holandês pediu oito dias. Deu-lhe dois, findos os quais pôs em terra a sua gente e, no
impulso do ataque, se apoderou da cidade, com exceção do Forte de São Miguel (ou do
Morro) onde se refugiara a guarnição. Experimentou-o sem resultado no dia 15.
Recuaram os portugueses com 163 mortos e 160 feridos.

Mas na manhã seguinte, receando pior investida, hastearam os flamengos bandeira


branca e assinaram, resignados, a ata da rendição640 em que se lhes permitiu voltar à pátria
com armas e bagagens. Eram 800. Em número superior aos vencedores!641

Reconquistada Angola, volveu Benguela ao domínio português. E Bartolomeu de


Vasconcelos da Cunha, que no sertão sustentara até aí a luta, correu a castigar os sobas,
que tinham ajudado os flamengos. Dobrou-lhes a resistência. O mais prestigioso era D.
Ana, ou a Rainha Ginga, alma da insubmissão, e tão sagaz e teimosa que o seu nome ficou
como um símbolo de império mágico e energia invencível... A grande Rainha Ginga!642

XVI: A EXPULSÃO

NOVAS ESPERANÇAS

Devia D. João falar aos mercadores da Haia outra linguagem. O eclipse da Companhia já
era o efeito de forças pujantes e novas — que retemperavam Portugal... e o Brasil.

Nem podiam os holandeses contrabalançar a perda da África com o ataque a Francisco


Barreto no arraial — onde se reforçara com o terço das ilhas (do Mestre-de-campo
Francisco de Figueiroa). Tinham de esperar o auxílio de uma armada que preenchesse o
vazio aberto pelos anteriores insucessos nas fileiras de Segismundo von Schkoppe.

Foi a do Coronel Van den Brande com 2.500 soldados. Prevalecendo-se da ausência das
naus portuguesas, entrou na Baía de Todos os Santos essa esquadra, aparelhada para
grandes façanhas, bordejou, lançando em terra várias patrulhas, que queimaram 23
engenhos, e consumada a represália — que espalhou o terror pela redondeza,643 saiu
impunemente, para o Recife.

Não ousou apossar-se de nenhuma posição em frente à Bahia.

Insistiram os flamengos, isto sim, em destruir na várzea pernambucana o exército que os


assediava.

Com 3.500 homens deixou o Coronel Brinck o Recife, a 17 de fevereiro (de 1649), e
dirigiu-se ainda uma vez para o sul, resolvido a vingar nos mesmos montes Guararapes a
derrota do seu general.

A SEGUNDA BATALHA

Corrigindo o erro de Segismundo, não arriscou por aquele perigoso caminho a sua tropa
em coluna de marcha, mas ganhou as alturas formando-a em linha de batalha ao abrigo
dos matos, a fim de que os contrários ficassem ao sol, indecisos quanto ao início da ação, e
descobrindo-se, se a ela se lançassem. Queria arrancá-los às dobras do terreno para os
envolver e destroçar em pleno campo. Os portugueses não lhe fizeram o jogo. Esperaram
que atacasse. Ordenou então o coronel a retirada — sem dar combate — e mal a sua gente
descia dos outeiros, para se recolher a quartéis, arrojou Barreto sobre ela cavalaria e
mosqueteiros. Surpreendidos, tentaram os flamengos recompor as fileiras: mas era tal o
ímpeto da acometida, que, levados de vencida, em confusão, se puseram em fuga. Morreu
ali o Coronel Brinck, com 173 oficiais e suboficiais. Contaram-se 855 mortos e 90
prisioneiros holandeses. A segunda batalha dos Guararapes foi mais cruel para eles do que
a primeira. Destruiu inapelavelmente a veleidade de reação do Alto Conselho do Recife; e
expôs o soldado luso-brasileiro à admiração da Europa.

Em carta para Haia, fez o Conselheiro Michel van Goch estas graves considerações:
A respeito do combate acima relatado, notei sobretudo duas particularidades que (em meu parecer) merecem muita
atenção: em primeiro lugar, as tropas do inimigo, saindo dos matos e de detrás dos pântanos e outros lugares, onde
têm a vantagem da posição, atacam sem ordem e em completa dispersão e se aplicam em romper diferentes quartéis.
Em segundo lugar, as tropas inimigas são ligeiras e ágeis para correrem adiante ou se afastarem; por causa de sua
crueldade inata são temíveis também; eles se compõem de brasilianos, tapuias, negros, mulatos, mamelucos, etc., todas
as nações do país; aliás, portugueses e italianos, que têm muita analogia com os naturais da terra quanto à sua
constituição, de maneira que atravessam e cruzam os matos e os pântanos, sobem aos montes, tão numerosos aqui, e
descem, e tudo isso com uma velocidade e agilidade, que são verdadeiramente notáveis; nós, ao contrário,
combatemos formados e colocados da maneira que se usa na mãe-pátria, e nossos homens são indolentes e fracos, de
modo algum afeitos à constituição do país, do que resulta que essas espécies de ataques com arma de fogo, como o de
que aqui trato, devem ter bom êxito inevitavelmente, e que, rechaçando os nossos batalhões e pondo-nos em fuga eles
nos matam maior número de soldados na perseguição do que no próprio combate; esta ocasião, aí de nós!, não fez
mais do que fornecer prova disso; aliás as peças de artilharia de campanha, não podendo ser disparadas sobre bandos
dispersos, tornaram-se inteiramente inúteis, ou, para melhor dizer, verdadeiras charruas para o nosso exército.644

Mesmo D. João iv entendeu que fora prodigioso: em carta a seu embaixador Nuno da
Cunha — de 8 de junho de 49.
Parece certo que quer Deus favorecer aqueles homens, porque assim o mostra sucesso tão prodigioso como este foi, e
o têm mostrado os passados, a Relação é a mesma que os holandeses imprimiram em Holanda porque do Brasil não
veio com tanta clareza que se vos possa remeter.645

A sua própria superioridade naval anulou-se pela escassez de provisões para os navios
do Almirante De With, assaz velhos e gastos para operações incessantes. De novo a
ameaça da fome perturbou a guarnição do Recife. Malquistado com o comando de terra,
retirou-se De With em novembro, abandonando a guerra, que dava por perdida.646 Todas
as censuras recaíam sobre a Companhia, que não mandava barcos, víveres, elementos
eficazes para a reconquista. Cometera o erro de restringir os auxílios, quando um esforço
mais enérgico lhe reforçaria os argumentos, nas discussões da Haia... Em Lisboa, sentiu-se
que o domínio do mar resolveria o problema.

O Príncipe de Nassau achara que se retomaria Pernambuco fundindo as Companhias


das Índias Orientais e Ocidentais, em ordem a criar uma empresa homogênea e mais
poderosa. Os mercadores de Lisboa aplaudiram um plano simétrico: a organização de
uma companhia de comércio para desalojar daquele porto o inimigo.

A COMPANHIA DE COMÉRCIO

A iniciativa era ainda do Padre Antônio Vieira.


O primeiro negócio que propus a S. M., pouco depois da sua feliz aclamação e restauração, foi: que em Portugal, à
imitação de Holanda, se levantassem duas companhias mercantis, uma oriental, outra ocidental, para que (sem
empenho algum da Real Fazenda) por meio da primeira se conservasse o comércio da Índia, e por meio da segunda o
do Brasil [...]. Somente tardou em se aceitar, até que a experiência desenganou aos ministros, que ao princípio
porventura o não capacitaram. E quanta fosse a utilidade e eficácia dele, bem o mostrou a companhia ocidental, a qual
foi sempre trazendo do Brasil o que bastou para sustentar a guerra de Castela, conservar o reino, restaurar
Pernambuco, e ainda hoje acudir com prontos e grandes cabedais às ocorrências de maior importância.647

Chamou-se Companhia Geral de Comércio. Inverteram nela os cristãos-novos seus


capitais (segundo o alvitre de Vieira), mediante a isenção de confisco aos penitenciados
pelo Santo Ofício — por alvará de 6 de fevereiro de 1649.648

O negócio era atraente. Governava-se a Companhia por uma Junta de nove


deputados.649 Dera-se-lhe o monopólio de venda de “quatro gêneros”: bacalhau, farinha
de trigo, azeite e vinho — por preços que arbitrara. Ganhava as taxas e prêmios de seguro
impostos aos navios comboiados por suas frotas. O seu maior lucro estava naquele
monopólio, aceito com resignação na Bahia, mas recebido hostilmente no Rio de Janeiro,
razão por que — em 24 de agosto de 1649 — o governador-geral dirigiu curiosa intimação
a Salvador de Brito Pereira, que lá administrava:
Com esta consideração se estabeleceu nesta cidade o negócio, e admitiram os preços destes gêneros por aceitação
uniforme de todo o povo, que não necessitou de coação alguma para abraçar seu próprio benefício. Pelo que tanto que
estes papéis se presentarem a V. M.ce e aos oficiais da câmara (a quem escrevo) o faça V. M.ce que se houver quem o
impugne, mo remeta V. M.ce preso a bom recado. E só lhe lembro que convém muito que se antecipe V. M.ce com
tanta brevidade na introdução deste negócio.650

Por bem ou por mal, deviam os colonos sujeitar-se ao conchavo dos capitalistas de
Lisboa.
A PRIMEIRA ESQUADRA

A primeira esquadra da Companhia largou do Tejo a 4 de novembro do mesmo ano, sob a


chefia do Almirante Pedro Jaques de Magalhães:651 trazia por general João Rodrigues de
Vasconcelos, Conde de Castelo Melhor, nomeado sucessor do Conde de Vila Pouca de
Aguiar.652 De passagem por Pernambuco desembarcou os mantimentos reclamados por
Francisco Barreto653 e aportou incólume à Bahia.

Tendo chegado a 7 de março, empossou-se Castelo Melhor em 10 desse mês.654


Demonstrou as qualidades que o recomendavam: tino, senso de organização, atividade
extrema. Veremos em seguida os atos principais do seu triênio. A guerra, esta entrava no
capítulo final.

Malogrou-se em Holanda a embaixada de Antônio de Sousa de Macedo, que fora


oferecer dinheiro (3 milhões de cruzados) e concessões mercantis pela entrega de
Pernambuco. Irritados com a Companhia Geral de Comércio e descrentes da sinceridade
de D. João iv, os Estados-Gerais não lhe deram ouvidos. Mas a situação deles se agravara
com as perdas marítimas infligidas pelos ingleses, e com guerra à porta, evidentemente
mal poderiam socorrer na sua penúria os sitiados do Recife. Ou antes: arriscavam-se a
abandoná-los.655

A ALIANÇA INGLESA

Duas palavras sobre o funcionamento por esse tempo da velha e elástica aliança inglesa.
Cromwell malquistara-se com o Rei de Portugal pelo auxílio que este dava aos seus
adversários internos, os realistas. Dele não podia D. João iv esperar uma ajuda concreta.
Sobrevinda porém, com a rivalidade colonial, a luta com a Holanda, quando ainda
Portugal se defendia no Alentejo dos espanhóis, já a Inglaterra (e com ela a França)
impediria uma demonstração naval holandesa sobre Lisboa. Seria considerada como uma
ação de guerra favorável à Espanha; permitiria talvez que esta aniquilasse a monarquia
portuguesa; e o desequilíbrio de forças na Europa, causado por essa eventualidade, não
convinha aos governos de Londres e Paris. Obstados pois os flamengos de usar as suas
esquadras para intimidar Portugal, os negociantes de Lisboa se sentiram à vontade para
reforçar a Companhia, que os hostilizava, enquanto rolava na Haia, sonolenta, a
interminável conversação sobre a paz do Brasil.

Em 1652 sugeriam, otimistas, os mercadores lisboetas, que a sua frota fosse direito ao
Recife, e o tomasse de surpresa...

OPERAÇÕES FINAIS

Os holandeses continuavam a resistir ali às guerrilhas que se amiudavam. Com meio


milhar de homens Antônio Dias Cardoso os bateu em Barreta e Afogados (junho de 52).
André Vidal queimou-lhes o pau-brasil que tinham para embarque.

O cerco fechara-se; e os três emissários que foram do Recife para expor na Holanda a
situação da praça, falavam com esperança de um acordo hábil, que pelo menos
resguardasse as propriedades ganhas na ocupação... Inevitável o naufrágio, tratavam dos
salvados. Demitiram-se os conselheiros Van Goch, Schoonenborch e Haecx. Desertavam
soldados, oficiais abandonavam os comandos, ruía o edifício montado em vinte anos de
administração incessante...656

A CAPITULAÇÃO

Decidiu-se enfim em Lisboa expedir diretamente, para render o Recife, terceira esquadra
da Companhia ainda sob a chefia de Pedro Jaques de Magalhães, como general: desta feita
64 navios mercantes e treze de guerra. Surgiu em 20 de dezembro de 1653 em frente ao
Recife. Mandou-lhe avisos Francisco Barreto, para que o general da armada fosse ter com
ele em Olinda, a fim de combinarem as operações.

Ali desembarcou Pedro Jaques com Francisco de Brito Freire, seu almirante657 —
recebido pelo “governador da guerra” e os três mestres-de-campo João Fernandes Vieira,
André Vidal de Negreiros e Francisco de Figueiroa.658

Barreto falou-lhe com firmeza: o momento era único para investirem as fortificações,
enquanto a Marinha obstruía o porto. Aceito o plano, Pedro Jaques tomou, com os seus
barcos, as águas do Recife e o exército, à ordem dos cabos veteranos, marchou sobre as
posições holandesas. Capitulou o Forte do Rego (15 de janeiro de 54). À margem
esquerda do Capibaribe rendeu-se, quatro dias depois, o de “Altenar” (com o Major
Berghen e 180 homens). O terço de André Vidal prosseguiu em direção ao Forte de Cinco
Pontas, cuja queda seria fatal à defesa do porto. Comandava-o Waulter van Loo, que, na
tarde de 23, saiu com uma carta para Francisco Barreto. Era o pedido de armistício. A
campina diante do forte, onde o general ouviu Van Loo, chamava-se “do Taborda” (nome
dum pescador que ali morara). Discutiram o ajuste, do lado dos portugueses o Auditor-
geral Francisco Álvares Moreira, Capitão-Secretário Manuel Gonçalves Correia e o
Capitão reformado Afonso de Albuquerque; pelos contrários, o Conselheiro Gilbert de
With, o presidente dos escabinos (vereadores) Huybrecht Brest e Van Loo. Uma
capitulação que honra o cavalheirismo dos vencedores e dos vencidos pôde ser assinada
na noite de 26 de janeiro de 1654; encerrando civilizadamente esse prolixo episódio,
reintegrou Pernambuco na comunidade luso-brasileira.

Estendia-se em 27 artigos. Em primeiro lugar estipulava-se uma como anistia, para


todas as queixas e nações. Os holandeses, a quem se reconhecia a propriedade, ficavam
com três meses para vender os imóveis e retirar-se. Durante quatro meses os navios de
Holanda não seriam hostilizados. Teriam alimento e condução, indispensáveis ao
repatriamento.659 Entregaram os fortes, as praças, a artilharia, as munições.

Comentou o Padre Vieira — essa maravilha:


Apareceu a frota mercantil do Brasil defronte do Recife, a que por sua fortaleza poderemos justamente chamar a
Rochela da América, e à ostentação somente do número de seus vasos, sem morte de um homem, se renderam
dezessete fortes reais, guarnecidos de sobeja infantaria, abastecidos de munições de boca para dois anos, e de guerra
para muitos, e em espaço de três dias se recuperou o que se não podia caminhar pacificamente em muitos meses, e se
tinha ganhado a palmos em 24 anos.660

ENTRADA NO RECIFE

Assim se cumpriu.

A 28 de janeiro apresentou-se a cavalo Francisco Barreto para receber as chaves da


cidade: rodeavam-no os oficiais formando um luzido Estado-maior, em vistosa cavalgata
que contrastou com a modéstia de Segismundo von Schkoppe e dos seus ajudantes que, a
pé, foram encontrá-lo.

Então o general se apeou e recebeu as chaves, ao som de salvas e clarins; a que se seguiu
a entrada na povoação. Para acentuar as suas disposições corteses Barreto visitou na sua
casa Segismundo e foi alojar-se nas do conselho, preparadas para hospedá-lo. Levou a sua
cordura ao requinte de conceder a Von Schkoppe e à esposa que carregassem o pau-brasil
correspondente aos bens que deixavam em terra — o que aumentou a suspeita de
venalidade que, na Holanda, atormentou o guerreiro infeliz. Determinou que os
flamengos ficassem em Olinda, dando-se-lhes 480 réis a cada um. Incorporou às suas
próprias fileiras os negros e índios, que até aí os acompanhavam. A tomadia cifrava-se em
quase 500 casas, logo concedidas ou alugadas a quem as requereu — 300 canhões,661 38
mil balas, 5 mil mosquetes, 2 mil arrobas de pólvora...

A restauração dos demais distritos foi imediata.

Filipe Bandeira de Melo662 teve o governo dos fortes do Sul. Francisco de Figueiroa
despachado para a Paraíba, já a encontrou em poder dos portugueses, pois o Tenente-
coronel Claes, fugindo do Recife, persuadira o Coronel Houthain a abandoná-la, largando
tudo. Os índios, avaliados em 4 mil, acreditaram nas notícias terríficas que corriam sobre
a vingança dos católicos,663 e correram a refugiar-se nas serras do Ceará. Itamaracá foi
ocupada pelo Capitão Manuel de Azevedo, e Álvaro de Azevedo Barreto, por mar,
reconheceu o abandono do Rio Grande pelo inimigo e ocupou o Ceará — que o Major
Garstman não teve dúvida em entregar-lhe.

Melhor comissão ganhou André Vidal: a de levar ao reino as alvíssaras do triunfo.


Chegou a 19 de março; e logo na manhã seguinte fez D. João iv cantar na capela real
solene Te Deum. Não lhe ficou nisto o júbilo: no outro dia foi dar público testemunho do
seu agradecimento a Deus na Sé, a que se juntou a corte, em procissão grande. Não
regateou os prêmios merecidos aos heróis, sobretudo Barreto, Vidal, Vieira, que tiveram
os governos de Pernambuco, Maranhão e Angola. Oficiais e soldados lucraram mercês
pecuniárias e sesmarias.

Consumara-se o “milagre”. Expulso o estrangeiro, a economia colonial normalizada,


restabelecida a unidade da América Portuguesa, depressa esqueceria esta o quarto de
século consumido naquela guerra feroz. Cicatrizaram-lhe as feridas recuperando a
prosperidade que se lhe interrompera: em 1655 afiançava com o seu comércio a
restauração da metrópole.

Mas já não era igual ao Brasil de há trinta anos.

Uma profunda modificação moral fora o vestígio deixado pela campanha, na marca dos
seus ásperos trabalhos, o seu legado: no ir e vir das marchas, ao calor das refregas, na
paixão dos levantes, na dor dos êxodos, na continuidade dos sacrifícios e na exaltação das
vitórias se compusera — em linhas inconfundíveis — um espírito nativista capaz de
independência, de reivindicações inesperadas, de afirmações definitivas. Pondo-se fora o
holandês metera-se no Brasil o brasileiro: é a sutil resultante de uma campanha
aparentemente concluída. “Porque estando estas capitanias bem fortificadas e povoadas,
tem V. A. nelas um grande império”, dizia em 1675 João Fernandes Vieira.664

FEUDALISMO CONDENADO

Mas a vitória não deixara de ser das armas reais, sem o auxílio, ou a ativa participação dos
donatários incapazes de defenderem contra uma potência estrangeira as pobres
capitanias. Era natural que D. João iv as quisesse para a Coroa, acabando, nesta
oportunidade, com o sistema obsoleto da administração particular, agravado pela incúria,
pela decadência, senão pelo abandono dos que deviam mantê-las.
Pelo mal que os donatários acodem a socorrer as capitanias que têm no Brasil, desejo dando-lhes equivalente
satisfação no reino incorporar as capitanias na Coroa; o conselho trate com eles esta matéria, entendendo a satisfação
que querem, tomando por notícia o que a capitania de cada um valerá no reino, abatidos os custos iníquos, com
advertência que não aceitando o que for justo (averiguando-se que são obrigados a provê-las e socorrê-las nas
ocasiões) se tomará para isso de suas fazendas o que for necessário

— ordenou el-rei em despacho de Alcântara, 9 de junho de 1649.665 Motivou esta


declaração o socorro pedido à Coroa para a defesa do Espírito Santo, dois anos antes.
Aliás eram então arroladas como capitanias de donatário apenas essa (já em nome do
filho de Ambrósio de Aguiar Coutinho, Antônio Luís Coutinho da Câmara), Porto Seguro
(do Marquês de Porto Seguro), Ilhéus (de D. Jerônimo de Ataíde), São Paulo e São
Vicente (do Marquês de Cascais), além das quatro do Maranhão (sic): Ilha do Sol (Álvaro
de Sousa), Cumã (Antônio Coelho de Carvalho); Cabo do Norte (Bento Maciel Parente);
Cumutá (Francisco Coelho de Carvalho).

A guerra, pois, produzira o efeito de eliminar a propriedade dos grão-senhores que não
tinham podido proteger as suas terras e — pagando o que custava ao reino — anexá-las
aos reais domínios. Deveras, extremando o escrúpulo em negociações prolixas, não
formalizaria el-rei a anexação sem um arremedo de compra, cujo processo terminou um
século mais tarde. Em 1649, porém, dissera a grande palavra de centralização. Terminava
aí o tipo quinhentista da exploração privada da colônia. Acabava o regime dos capitães
independentes. Começava o sistema da direta administração.

XVII: O GOVERNO-GERAL E O SERTÃO

O CONDE DE CASTELO MELHOR

As principais providências que notabilizaram o governo do Conde de Castelo Melhor


foram de ordem militar.

Obediente ao que determinara a carta régia de 10 de maio de 1651, procedeu à reforma


dos três Terços da Bahia (mestres-de-campo João de Araújo, Nicolau Aranha Pacheco e
Teodoro Hoogstraten), suprimindo o último em proveito dos primeiros e reduzindo a
duas companhias a artilharia, no reajuste próprio da paz, que se esperava. A guarnição do
“presídio” limitou-se a 2.131 praças, cujo sustento cabia à câmara.666 Reforçou a defesa da
capitania, provendo os cargos militares referentes às vilas e distritos e, em resguardo do
Recôncavo, investido havia pouco por quatro naus holandesas, mandou estabelecer
plataformas ou trinheiras nas bocas dos rios.667 Não faltou com os socorros de gados e
farinhas ao exército de Pernambuco (incumbindo disto o capitão-mor do Rio de São
Francisco, Belchior Alves Camelo).668 Na cidade criou uma companhia “de todos os
Estudantes desta Universidade (sic) da Bahia”, sob o comando de Francisco Barbosa,
segundo o estilo do reino.669 E expediu tropa, confiada a Gaspar Rodrigues Adorno, para
bater os índios que, no Aporá, ameaçavam as povoações até o porto de Cachoeira
(provisão de 16 de setembro de 51).670

O Sargento-mor Diogo de Oliveira Serpa (cabo de uma “entrada” em maio de 51)671 teve
o cargo de capitão-mor das Entradas dos Mocambos (14 de maio de 53): correspondia à
necessidade de dissolver os agrupamentos de negros fugidos, cada vez mais freqüentes.
Destarte fazia-se policiamento rural e normalizavam-se as comunicações, de começo
indispensáveis para o abastecimento da guerra de Pernambuco, depois para a expansão
povoadora em que a Casa da Torre se substituiria aos Adornos do Paraguaçu. A
“bandeira” destes, de 1651, não foi decisiva: tanto que, em 1654, o Conde de Atouguia os
mandou de novo, com dobradas forças, limpar o Vale do Jequiriçá e afastar do litoral o
perigo dos selvagens.

RESTABELECIMENTO DA RELAÇÃO
O restabelecimento da Relação do Brasil, por esse tempo, restituiu à Bahia a dignidade de
capital judiciária da América Portuguesa.

O Regimento da Relação foi aprovado em 30 de março de 1651, quase um ano depois de


consultado a respeito o Conselho Ultramarino, e assinado em 12 de setembro de 52, — o
que evidencia o propósito de procrastiná-lo, até a expulsão dos holandeses.672 Em 3 de
março de 1653 empossaram-se o chanceler Francisco de Figueiredo e os desembargadores
Luís Salema Carvalho, já no Brasil em sindicâncias,673 Simão Álvares de Lapenha,
Francisco Barradas de Mendonça e Simão da Maia Furtado.

No ano imediato, em 22 de janeiro, teve assento nesse tribunal o primeiro


desembargador natural do Brasil, não havia muito formado em Coimbra: Cristóvão de
Burgos Contreiras.674

Entrou no lugar de Simão Álvares de Lapenha, apesar da “prudência, zelo e talento”


deste, no elogio do Conde de Atouguia, que o recomendou para ouvidor-geral.675

Não deixou Castelo Melhor o governo sem dar início a duas tarefas consideráveis: a
reforma da Ribeira, para que se construísse, talvez anualmente, um galeão de 700 a 800
toneladas (conforme ordem régia de 2 de dezembro de 50)676 e o prosseguimento das
obras do Forte do Mar, paralisadas desde 1625 (carta régia de 4 de outubro de 50)677 e que
eram pagas pela renda do Contrato das Baleias.

A Ribeira da Bahia tornou-se em breve uma das melhores oficinas náuticas da América.

O CONDE DE ATOUGUIA

O 22º governador-geral foi D. Jerônimo de Ataíde, Conde de Atouguia, que governara já


os Trás-os-Montes, se batera no Alentejo e era general da armada.678 Empossou-se em 14
de dezembro de 1654: presidiu, pois, às festas que na Bahia comemoraram a capitulação
da “campina do Taborda”.

Se podemos caracterizar a administração anterior como altamente militar, esta será


sertanista. O grande problema que quis resolver foi o da pacificação dos índios em ordem
a apontar os rumos do povoamento para o Nordeste.

Realmente, a expansão colonial, facilitada pelas comunicações terrestres com as


capitanias vizinhas durante as lutas holandesas, a partir de 1630 tivera um objetivo
constante: o Rio de São Francisco. Os Ávilas, da Casa da Torre, entre 1632 e 51
arredondaram aí um domínio de muitas dezenas de léguas, ora obtidas na capital, ora em
Sergipe, a cujo capitão-mor, num requerimento de 1646, dizia o Padre Antônio Pereira,
tio de Francisco Dias de Ávila:
Que eles têm descoberto o Rio de São Francisco lá em cima no sertão onde chamam as aldeias de Rodelas a qual terra
eles suplicantes descobriram com muitos trabalhos que passaram de fomes e sedes, por ser todo aquele sertão falto de
águas e mantimentos, abrindo novos caminhos por paragens onde nunca houve.

Aliás a sesmaria que tiveram em 13 de abril de 51 indica a visita desses pioneiros ao


Geremoabo em 1636.679 A conquista do Piauí foi uma resultante de tais avanços. Mas não
se podia pensar em descobrir o alto São Francisco, além de Rodelas, antes da quietação
dos cariris que ameaçavam Jaguaripe, quase às portas da cidade. Gaspar Rodrigues
Adorno voltou a acossá-los (Regimento de 14 de dezembro de 54) levando os melhores
cabos, como o Sargento-mor Pedro Gomes,680 Elias Adorno, Luís da Silva (prático dos
sertões do Itapicuru), mestiços e caboclos da Casa da Torre,681 num total de 600 índios, 50
infantes e 230 soldados do Recôncavo.682
Entrou pelo Jequiriçá acima (dirá mais tarde o Governador Alexandre de Sousa Freire fazendo-lhe a história),
descobriu as primeiras duas aldeias inimigas, pelejou aquele dia com os bárbaros, lhe não matou mais que quatro; e
pondo eles mesmo fogo às suas aldeias se meteram pelo mato e o capitão-mor se retirou.683

Em nova investida os paiaiases (eram os ditos tapuias) o receberam em som de guerra,


mas, em lugar de combates, houve combinação de pazes, com o que voltou Gaspar
Rodrigues sem os destruir.

Em substituição deste mandou Atouguia um sertanista veterano, Tomé Dias Lassos


(Regimento de 9 de outubro de 56) — que não foi mais violento, limitando-se a confirmar
as pazes afiançadas por uma rapariga, filha de principal, tomada como refém.684

O governador que sucedeu a D. Jerônimo de Ataíde, o General Francisco Barreto, que


acabava de restabelecer em Pernambuco a normalidade econômica, após a expulsão do
estrangeiro — cogitou de remédio decisivo: apelou para os paulistas. Eram os
rastreadores, os dominadores do deserto por excelência: e parecia-lhe melhor serviço
destiná-los a prender tapuias, contra quem se aprovara guerra justa (junho de 1655), do
que lhes permitir a ronda pelas “missões” dos jesuítas.

PAULISTAS NO NORDESTE

Transportara-se Barreto por terra de Pernambuco à Bahia, onde entrou no exercício de


seu cargo em 20 de junho de 1657.

Escreveu em 20 de setembro à Câmara de São Paulo, que lhe deferiu o pedido em sessão
de 8 de maio de 58.685 Mandou uns quinhentos homens, dos quais uma centena de índios
auxiliares, sob o comando de Domingos Rodrigues Calheiros.686

O fracasso da “entrada” deve-se em parte às prevenções que encontrou. Os da terra


receberam de má sombra os paulistas. Destacou-se um crioulo da Casa da Torre,
“guiando-os ao redor por terras inúteis e montanhosas” (por mais de sessenta dias...), sem
poderem alcançar os paiaiases. Dois anos foram desperdiçados em jornadas estéreis.
Certo, “queimaram uma aldeia e degolaram muita gente”:687 porém as tribos rebeldes
continuavam intactas. Lamentou Barreto (em carta ao governador do Maranhão, 3 de
novembro de 62): que
com a sua vinda se desvaneceu o conceito que se tinha deles, porque deixando à sua disposição o maior acerto (por
serem práticos no modo de fazerem guerra ao gentio) vieram a mostrar suas ações que por falta dela perderam o
melhor sucesso que se podia esperar da fortuna que lhe pôs nas mãos a ocasião que podiam desejar, e por sua culpa a
deixaram perder, deixando suas vidas entregues ao desprezo dos índios.688

O desengano não durou muito. Com o recrudescimento das hostilidades não houve
senão chamá-los de novo, para empregarem nos campos do Aporá e em Cairu a sua
peculiar arte da guerra ao tapuia.

SEGREDO DA GUERRA

O segredo no-lo revela o Regimento, que em 1727 se deu a Pedro Leolino Mariz, por que
observasse as “regras paulistas” na campanha contra os índios do Jequitinhonha. Em
primeiro lugar, consistia na distinção entre “gentio de boa língua”, que costumava admitir
pombeiros, ou “intérpretes” que os “desciam” em paz, e de “línguas travadas”, ou tapuias,
sumariamente considerados inimigos. A aproximação dava-se com cautelas indígenas: “E
pela frase dos paulistas é dar albarrada”, acercando-se de rastos, “sem tosse nem espirros”,
até junto do inimigo, quando de repente, com um grito medonho, para apavorá-los, o
assaltavam.689 Reduzia-se a luta a uma caçada hábil, cujo momento decisivo resultava da
surpresa, a mostrar o agressor qualidades “mateiras” superiores ao adversário. Os
europeus jamais lograriam fazer cousa parecida. Usavam de tantos rumores, como se
marchassem ao encontro dum inimigo disposto a enfrentá-los — que os caboclos690 lhes
fugiam, com a presteza de bichos assustados... Zombavam deles. Sentenciou o Padre
Antônio Vieira: “[...] e esta guerra só a sabem fazer os moradores que conquistaram isto, e
não os que vêm de Portugal”.691

MELHORIAS

Atouguia e Barreto dedicaram toda a sua atenção aos melhoramentos da Bahia.


Estranhara o primeiro a deficiência de suas fortificações. Dir-se-ia que até aí fora tudo
provisório, feito ao sabor de ameaças que não deixavam tempo para mais. Em 1655
confessou que era a praça incapaz de manter bandeira real, como em cidades dignas do
nome: devendo ser abaluartado o porto, mal defendido e inseguro...692 Mandou por isto
continuar o Forte do Mar693 (“o Forte de São Marcelo fiz eu no meio da baía”, escreveria
Barreto)694 e acabar o de São Pedro, que lhe protegia um dos acessos. Fez reconstruir com
grandeza o Paço dos Governadores.695 Com igual decência ampliou o da câmara, que ficou
sendo o mais importante do país.696 Reedificou o Forte de Santo Antônio, no lugar da
trincheira inexpugnável de 1638.697
Esses trabalhos devem ser em parte atribuídos ao engenheiro francês, Capitão Pedro
Gracin, que viera na armada restauradora do Recife, e introduziu em Pernambuco e na
Bahia os sistemas de construção militar que então se generalizavam na Europa. O seu
primeiro ofício era de prático de minas, incumbido de descobrir as de esmeraldas “que se
dizia haver em São Paulo”.698 Aplicou-se com êxito àquele tipo de engenharia. Tornara-se
urgente aparelhar a praça para receber o agressor, se reaparecesse, agora que Portugal
temia perder o apoio de França (conciliada com a Espanha) sem ter ainda o de Inglaterra.
E continuava a defender no Alentejo a independência — com o vigor tenaz das forças que
lhe restavam.

DOTE E PAZ

O “Tratado dos Pireneus” (7 de novembro de 1659) uniu de novo França e Espanha —


com o abandono de Portugal à sua sorte.

Diz Monsieur d’Ablancourt, nas Memórias, que debalde Luís xiv quisera convencer
Filipe iv da conveniência de reconhecer a independência portuguesa. Dada a obstinação
de Madri, e para não perder aquelas pazes, sacrificou o aliado. Aliás, isto mesmo resume o
artigo lx do “Tratado dos Pireneus”.699 O Marquês de Turenne tomou então a si proteger
Portugal, não, é claro, pelo interesse direto, da libertação deste, porém para não permitir
que a Espanha, esmagando-o, renovasse, com a união ibérica, o poderio que, sem demora,
dirigiria contra a França. Luís xiv não podia receber mais o embaixador de D. João iv,
Conde de Soure (D. João da Costa): pois Turenne o recolheu à casa; escolheu, para chefiar
um socorro, de seiscentos oficiais e soldados, o Conde-duque de Schomberg, um dos
melhores generais do tempo;700 e, com a indulgência do rei, que lhe aprovava a intenção,
não regateou ao emissário e ao governo de Lisboa todos os auxílios.701

A crise dissipou-se no ano seguinte.

Luís xiv facilitou a aproximação anglo-portuguesa e o acordo com Holanda. Consumou-


se a renovação da aliança tradicional com o casamento da irmã de D. Afonso vi, Infanta
D. Catarina de Bragança, com o Rei Carlos ii, reposto no trono de Inglaterra. Em 23 de
junho de 1661 assinou-se em Whitehall a escritura nupcial, em que a infanta levava de
dote, com 2 milhões de cruzados, as praças de Tânger e Bombaim. Correspondia a entrega
de Bombaim de presente aos ingleses à cessão da Índia, pela qual entrariam de rompida.
Mas tirava à Holanda a ilusão de poder obter maiores compensações de Portugal. Selara-
se definitivamente a solidariedade luso-britânica, a que o laço dinástico dava uma
realidade estridente.702 Em 6 de agosto pactuou-se enfim a paz de Holanda à custa de 4
milhões pagos folgadamente, em dezesseis anos.

Bom negócio, sem dúvida. Serenando a América, fazia esquecer o prejuízo do Oriente.
Mas dando-lhe em cheio o peso do resgate. Ficou-lhe o encargo de entrar todos os anos
com 120 mil cruzados para a paz e 20 mil para o dote, durante dezesseis anos. A Bahia
respondia por 80 mil, Pernambuco por 25, a Paraíba por 3, Itamaracá por 2, Espírito
Santo por mil, o Rio de Janeiro por 26, São Vicente por quatro, “reservando-se as
capitanias do Espírito Santo, Porto Seguro e Ilhéus por muito tênues” a completar “as
faltas da contribuição desta cidade”.703

Saiu o tributo de 2% sobre a importação (excetuados vinhos e azeites) e um cruzado por


escravo da África. E perpetuou-se! Continuou indefinidamente a ser cobrado. Até o
século xix...

“OS QUATRO ARTIGOS”

Era vexatório o monopólio dos “quatro artigos” dado à Companhia do Comércio.


Queixaram-se amargamente os povos dos rigores do contrato, bem leves, por sinal, se por
ele se livrara Pernambuco. Exprobrou Atouguia, por exemplo, as omissões da
Companhia, que, em 1655, obrigada a mandar 3 mil pipas de vinho, das quais saía o
imposto que sustentava a infantaria do presídio, se limitara a fornecer 182.704 Revogado o
monopólio, em seu lugar foram aumentadas as taxas de comboio e de seguro dos
açúcares.

Definhou a Companhia por outras causas: a principal, a mudança política que se seguiu
ao advento del-Rei D. Afonso vi — em 23 de junho de 1662.

Atingira o primogênito de D. João iv dezenove anos e a rainha-mãe não pensava em


entregar-lhe o governo. Protelava a maioridade do filho desconfiada de sua incapacidade,
atenta à importância de sua missão, de defender o reino no Alentejo, e talvez inclinada a
uma solução futura, que o afastasse do trono, para o qual lhe faltavam pendor e forças. A
solução só podia ser em favor do Infante D. Pedro, filho mais novo, ao contrário do rei
vigoroso como um hércules, ambicioso e inteligente. Dois acontecimentos precipitaram o
incidente: a deportação para o Brasil dos validos de Afonso vi, os irmãos Conti705 e a
nomeação de grandes fidalgos para a casa do infante, cujo professor passava a ser o Padre
Antônio Vieira. Ligaram-se em defesa do rei o jovem Conde de Castelo Melhor, que já se
revelava político de alto espírito, o de Atouguia, desgostoso pelo comando das armas que
se lhe tirara, e o Bispo D. Sebastião César de Meneses, autor da Suma política, há oito anos
preso por implicado em conversações com a Espanha. Conseguiram que saísse Afonso vi
da capital, e em Alcântara, juntando-se-lhes a nobreza, o reconheceram como investido
no governo. O resto, correu tranqüilamente. A rainha e o infante não se opuseram ao
“golpe”. Os adeptos da situação caída foram afastados de Lisboa, entre estes o Padre
Vieira e o secretário Pedro Vieira. A Inquisição “logo que el-rei morreu, [...] condenava o
alvará passado à Companhia do Brasil em favor dos cristãos-novos”: quis o novo ministro,
Castelo Melhor, revogar tal disposição, reintegrando dois magistrados demitidos em
virtude daquela condenação;706 mas o auto-de-fé que houve em 17 de julho, de 40 homens
e 25 mulheres, assistido pelo rei, que “os foi ver queimar rebuçado”, indicava bem diversa
orientação. A Companhia não lhe escapou. Foi reorganizada em 29 de novembro, desse
ano de 1662.
Formou-se ela da corrução e extinção da outra antiga deste título que havia formado el-Rei D. João o 4º de homens de
negócio os quais tinham seu Tribunal nas casas que o Marquês de Castelo Rodrigo fizera no sítio a que chamam Corte
Real para onde depois se mudou o Infante D. Pedro por el-rei seu pai lhas haver dado. Houve queixas da ruim
administração da Fazenda com que os deputados se governavam esperdiçando (segundo diziam) grandes somas em
ordenados e propinas desnecessárias, de modo que deixaram de pagar os réditos e avanços de dinheiro que naquela
bolsa comum tinham metido os interessados, uns por sua vontade e obrigados por força todos os homens da nação
hebréia do reino. Com esta causa se formam várias vezes diferentes juntas para examinarem os livros da razão da
Companhia e a última se fez depois de el-rei tomar o governo presidindo nela o Visconde de Vila Nova, D. Diogo de
Lima. Contudo antes se abrigavam o que neste particular se poderia descobrir, se mandou à Junta parar com seu
exercício e na alfândega depositar os direitos do comboi que se lhe pagavam. Assim se executou em breves dias
esquecendo os serviços que a Junta havia feito de ser a principal causa da restauração de Pernambuco e capitanias do
Brasil, de vários empréstimos consideráveis com que havia acudido aos apertos do reino com 120 mil cruzados que
deu para dote da Rainha de Inglaterra e outros, se extinguiu a Junta e em seu lugar se criou outra, derrogando o
contrato.707

Mas a Companhia continuou: “Que havendo mais de quarenta anos cessou a causa por
que foi instituída, é tão útil, importante e necessária, que ainda se conserva, e conservará
por muitos anos”.708 Conservou-se até 1720.

NOVA SEPARAÇÃO DO SUL

Os descobertos de Paranaguá, a pacificação do Norte e a conciliação com os jesuítas de


São Paulo, obstáculo à renovação das “bandeiras” apresadoras do gentio manso,
propiciaram um ciclo novo de expedições, trabalhos e governo: o ciclo mineiro.

A expulsão dos holandeses impelira o povoamento para os sertões inçados de tapuias,


aliados do inimigo, nos itinerários mais conhecidos através de vinte anos de guerra.
Movimento semelhante começa a deslocar os ralos núcleos sociais do Sul.

Até 1658 as viagens dos paulistas tinham sido episódicas, desconexas, na maioria
clandestinas, e por terras dos tupis aldeados. Queria-se agora reproduzir a política de D.
Francisco de Sousa e explorar os veios de ouro cujas notícias continuamente chegavam a
Portugal. A separação enfim das três capitanias — São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito
Santo — para que Salvador Correia as governasse com poderes idênticos aos que tivera “o
das Manhas” (17 de setembro de 1658),709 importava a declaração de ser este o período das
minas.

Os céticos desenganavam-se, como o Padre Antônio Vieira, que, a falar dos índios,
aduzia: “São as minas certas deste estado, que a fama das de ouro e prata sempre foi
pretexto com que daqui se iam buscar as outras minas, que se acham nas veias dos índios
e nunca as houve nas da terra”.710 Salvador Correia, porém, não perdeu tempo. De
passagem, do reino para a sede de sua larga autoridade, nela se empossou na Bahia, a 2 de
setembro de 1659.711 Parou no Espírito Santo, para mandar o filho, João Correia de Sá
(com o título de governador para a descoberta das minas), à busca das esmeraldas de que
tanto ali se murmurava712 — e pôde subir a São Paulo,713 onde fora temido e odiado.
Venceu a sua constância: uma disciplina, algo incoerente, desarmou por enquanto os
moradores que acolhiam, esperançados, o governante respeitável que até aí lhes parecera
nefasto.

O caso dos Campos dos Goitacases e a revolta do Rio de Janeiro desenvolveram-se quase
simultaneamente.

PARAÍBA DO SUL

Entre o Espírito Santo e o Rio de Janeiro houve espaço para duas capitanias, Paraíba do
Sul, que no século anterior se malograra com o donatário Pero de Góis, e Cabo Frio, que
consistia em dois fortes construídos por Constantino de Menelau em 1615. Esta segunda
não cresceu.714 A outra exerceu larga influência sobre a vida econômica dos moradores do
Rio de Janeiro, graças aos campos e pastagens onde podiam ter gados inumeráveis — à
semelhança dos de Sergipe e do São Francisco.

Os herdeiros de Pero de Góis renunciaram à Paraíba do Sul, que reverteu à Coroa.

Em 1627 alguns colonos, (“sete capitães”) alegando serviços na defesa do litoral,


pediram sesmarias entre o Rio Macaé e o Cabo de São Tomé, que lhes concedeu Martim
de Sá.715 Entraram essas terras, partindo de Cabo Frio, em 1632–3; deram nome às lagoas
e rios; tomaram posse; e lançaram no “Campo Limpo” o primeiro gado que aí medrou,
três vitelas, uma vaca e um touro, sob a guarda de um índio de São Vicente (Valério
Corsunga). Logo outro curral foi estabelecido na ponta de São Tomé, aos cuidados do
índio Miguel, também de São Vicente. Começou destarte o povoamento dos Campos dos
Goitacases, com a riqueza pecuária que primeiro os notabilizou, seguida, após a expulsão
dos tapuias vizinhos, da próspera lavoura de canas até hoje característica desta fecunda
planície.

A notícia dessa fertilidade impressionou os habitantes do Rio de Janeiro e, mais


precisamente, Salvador Correia de Sá e Benavides.

Em 1614 um dos sete capitães povoadores fez doação de sua parte ao Convento do
Carmo. Em 1648 curiosa “escritura de composição” foi lavrada, com a divisão dos
“campos” em doze quinhões, ficando quatro e meio para os pioneiros e seus sucessores,
três para Salvador Correia, três para os jesuítas (tão estimados dele), um para seu parente
Pedro de Sousa Pereira e meio para os monges de São Bento, também protegidos do
general.716 Tal revisão dos títulos dados importava a reivindicação, pelos Sás, do território
descoberto, e provocou um choque inicial, com a gente que já apascentava acolá os seus
rebanhos e não se dispunha a reconhecer o usurpador.

Esta, para eximir-se à dependência, criou uma vila — em 1650 — com o beneplácito do
Ouvidor Dr. João Velho de Azevedo, que, premido pelos Sás, voltou atrás, e o negou.
O mais animoso dos “setenta moradores dos Campos” era o Capitão André Martins da
Palma, veterano da “recuperação de Angola”. Foi assassinado por quatro curraleiros, da
parcialidade oposta à fundação da vila. Correu o sogro da vítima à Bahia — chamava-se
Gaspar da Vide de Alvarenga — e obteve fosse o ajudante João Gomes Barroso com 25
soldados prender os criminosos — como determinou o Governador-geral Francisco
Barreto.717

Fez-se justiça, mas não inteiramente. Achava-se na Bahia que o direito estava com os
“campistas”:
Eles descobriram ali os campos que ocupava a nação dos goitacases, que eram os mais bárbaros e formidáveis do
Brasil: domesticaram muitos, facilitaram aquele trânsito por terra, enriqueceram a cidade do Rio de Janeiro com os
gados que entre eles se apascentam hoje e fizeram engrossar a fazenda de Vossa Majestade naquela praça.718

Francisco Barreto explicou, em 1658:


As do Cabo Frio (donde também houve uma cidade, que ou pelo clima, ou por outros acidentes, se não conservou)
são hoje da Coroa. E destas dos goitacases foram dando várias sesmarias Martim de Sá, governador do Rio de Janeiro,
e Diogo Luís de Oliveira, sendo-o deste estado. Naqueles campos há vários currais dos religiosos da Companhia e
outros moradores do Rio de Janeiro: mas a maior parte de Salvador Correia de Sá, e frades Bentos. A povoação é capaz
de ser Vila: e o porto só de patachos, e esses tão pequenos, que hão mister águas vivas para entrar. Ali foi ouvidor-
geral daquela repartição João Velho de Azevedo, e pelos respeitos que lhe pareceu fez eleição de oficiais da câmara,
levantou pelourinho e nomeou a Povoação Vila. Pouco depois mandou que se não chamasse mais Vila, nem houvesse
oficiais da câmara.719

CAMPOS

Os filhos de Salvador, Martim e João, o primeiro Visconde de Asseca, alcançaram, em 15


de setembro de 1674, vinte léguas e dez léguas respectivamente, a título de capitania da
Paraíba do Sul, com a obrigação de formar duas vilas com as suas instalações condignas.720
Em 29 de maio de 1677 foi realmente fundada a Vila de São Salvador e, a 18 de junho, a de
São João da Praia.

É de pouco interesse a história da capitania até 1710.721 Subia a 14 mil o número de


reses, já alguns engenhos moíam, e escravos da África, importados pelos Sás, davam um
alento forte à agricultura das margens do rio. A vila — que seria cidade de Campos —
arrastou-se por um século com “três casas de telha e cinco de palha, sendo a cadeia um
tronco com um telheiro por cima e a igreja uma capela feita pelos Irmãos do
Santíssimo”.722 Mas floresceram fazendas opulentas — como a do colégio, que os jesuítas
construíram no estilo das “missões” do Sul, o convento em quadrilátero com a capela, de
São Pedro, num dos ângulos, a modo dos “quadrados”, em que se defendiam, nos seus
acampamentos do sertão, os paulistas desconfiados do gentio.

MOTINS DO RIO DE JANEIRO


O eixo da desordem deslocara-se para o Rio de Janeiro — onde a prosperidade se
acentuou, com 150 engenhos de açúcar.723

As alterações que aí sucederam só podiam surpreender os desatentos ao que se passava


nesses domínios de Salvador Correia desde 1640.724 Formara-se, crescente, a oposição aos
Sás. Na ausência daquele governava o primo Tomé Correia de Alvarenga, cujo cunhado,
Pedro de Sousa Pereira,725 era provedor da Fazenda Real, e o irmão, Martim Correia
Vasques, sargento-mor da praça.726 Praticamente a dinastia do 1º Salvador de Sá
monopolizava o governo: impopular e poderosa. Defendera os padres; cobrava os tributos
de que se queixavam os colonos; fazia ouvidos de mercador às reclamações destes, cujo
representante mais considerado era Francisco da Costa Barros, escrivão em 1633,
procurador da cidade junto de D. João iv em 1644, agora disposto a derrubar a
“oligarquia”, como se depreende da carta que mandou a Francisco Barreto (17 de outubro
de 1657) pedindo desembargador que devassasse as acusações feitas. O governador
respondeu estranhando o tom sibilino (se tinha medo de escrever claro, que o fizesse em
cifra) — em 26 de fevereiro seguinte.727 Parece que foi a sua condenação à morte. Um belo
dia, ao entrar em casa, dispararam-lhe um tiro de espingarda, de que morreu.728 Em 9 de
abril de 59 recomendou Francisco Barreto ao ouvidor da Repartição do Sul: “Sobre a
morte do clérigo natural de Santos, e Francisco da Costa Barros deve V. M.ce devassar (se
o não tiver feito) as justiças para que conste o nome dos culpados, e se possa proceder
contra eles”.729 Não apareceram. Salvador Correia, de passagem para São Paulo, agravou a
situação com um aumento de taxas, que acabou por desesperar o comércio. Mas não foi
somente o comércio que se rebelou; também a nobreza dos arredores, indisposta com
Tomé Correia, que continuava a governar. Valeu-se de estar longe o herói de Angola:
dezoito dias depois de sua partida explodiu a revolta, em São Gonçalo, do outro lado da
baía.

Em 8 de novembro (1660) senhores de engenho, soldados e povo investiram as ruas, a


aclamar por governador Agostinho Barbalho Bezerra,730 jurando morte aos Correias.
Esconderam-se estes no Mosteiro de São Bento. Barbalho quis recusar; coagido, teve de
aceitar o governo; moderou os ânimos, protegeu os primos de Salvador de Sá, alojando-os
nas fortalezas da barra, e, por fim, tanto para atender aos sublevados como para
resguardá-los, os embarcou num patacho destinado à Madeira.731

Francisco Barreto, em carta a esse “governador eleito pelo povo do Rio de Janeiro” (25
de janeiro de 1661), concitou-o a “sacrificar-nos antes do que faltar à observância” das
ordens del-rei.732

Na verdade, aqueles tumultos degeneravam inequivocamente em revolução.

MULATOS E MAMELUCOS
Como se perdeu a memória dos fatos que fizeram Salvador Correia (no bando que fez
apregoar em São Paulo, ao som de caixas, em 1º de janeiro de 61) usar pela primeira vez o
grave nome de “inconfidentes”, para os rebeldes à sua autoridade, é indispensável
pormenorizar-lhes o caráter popular, a arrogância nativista, o espírito agressivo, o alcance
político. Não se pense que foi uma agitação superficial que se extinguia com a deposição
dos Sás. Tomou logo o aspecto de um rompimento com as leis do reino, pois, não
contentes de eleger governador (Agostinho Barbalho) os insurretos constituíram “forma
de Parlamento” (disse no bando, indignadamente, Salvador Correia) com quatro pessoas
da nobreza, à frente destas Jerônimo Barbalho Bezerra, e quatro oficiais,733 assumindo essa
junta deliberativa a direção da revolta, enquanto (contaram os oficiais da câmara, em
abril) o “vulgacho”, sem perdoar “igrejas nem ministros eclesiásticos, [...] descompondo o
Prelado e a religião de São Bento e a Companhia”, sobretudo... “mulatos e mamaluquos”
— se descomedia em atrozes excessos.734 Isso de mamelucos e mulatos, em conjunção com
a nobreza (Governo Aristocrático, indica Salvador no Bando de 1º de janeiro) atesta a
generalização da desordem, que começava pelo desrespeito às casas religiosas mais ligadas
à “oligarquia” (beneditinos e jesuítas). Ia porém mais longe. Lourenço de Brito Correia
escreveu da Bahia (27 de abril de 61) que... “sendo-lhes necessário para sua conservação
fazerem-se mouros o hão de fazer”; e que se falava de comunicação deles com Buenos
Aires, num possível movimento que importaria a perda do Rio de Janeiro, entregue a
castelhanos!735 Ignora-se onde a realidade dos sentimentos e a intriga se cruzavam nessa
revelação assustada; mas é visível, da alarmada epístola ao rei, a dimensão perigosa que
aparentava o motim, transbordando (como em 1645 o levante pernambucano) de um
pronunciamento ocasional, para tomar a feição de... inconfidência. Inconfidentes ao
Serviço real — denunciou Salvador Correia.

Também não passou às crônicas (e os documentos informam) o modo inesperado da


sua debelação.

Chegara a armada de Portugal, sob o comando de Manuel Freire de Andrada. Velejou


para o Rio, a proteger a praça. Foi quando Salvador (conciliados os paulistas), dela se
aproximou, desembarcando na Ilha Grande736 com o reforço de criados e índios das
aldeias.737 Os amotinados opuseram-se à intervenção de Freire de Andrada, pedindo que
deixasse a bordo os homens de armas. Valeu-se porém Salvador da situação, e de súbito,
ao amanhecer com a sua gente tomou sem alarido os fortes do Castelo e de Santiago, a
casa da câmara, onde se reuniam os sublevados, e os quartéis; e acabou de dominar a
cidade com a infantaria da frota. Sem demora cumpriu a ameaça, que fizera em 1º de
janeiro, de castigar de morte os cabeças e deportar os outros, mandando prender os
principais. Não perdoou a Jerônimo Barbalho. Condenou-o; e ordenou que o degolassem
no cadafalso.738 Com o exemplo dessa cabeça caída (regozijou-se Francisco Barreto)739 — e
a remessa para a Bahia de vários réus — voltou o Rio, oprimido pela reação implacável, à
anterior quietude.

Era tarde, para o poderio irritado de Salvador Correia.


Exterminara a desordem, não as queixas. Além disto, desgostara o rei essa insurreição
que lembrava a Catalunha (na frase de Lourenço de Brito) e se envenenara de desaforos
inesperados. Deu ouvidos à prudência, enviando governador que o substituísse — Pedro
de Melo — com a recomendação de compor as cousas.740 E retirou o seu favor a Correia
de Sá. Não volveriam ao velho prestígio,741 à iracunda e larga autoridade neste Rio que
fora como seu feudo e província! Salvador recolheu-se ao reino na frota de 1663 — para
não mais tornar ao Brasil. Chegou a Lisboa em 24 de junho. Comandava a frota — de 85
navios — Francisco Freire de Andrade.
Achou ordem para o levarem preso para a Torre de São Gião, e a mesma esperava também a Salvador Correia de Sá e
Benavides conselheiro dos Conselhos de Guerra e Ultramarino, para ser levado para a Torre Velha, como ambos o
foram, por culpas dizem de se deter no Brasil a frota que houvera de vir o ano antecedente, e esta carregava mais ao
general e a Salvador Correia, outra que se lhe impunha de permitir subornado a quatro navios holandeses que fossem
ao Rio de Janeiro onde era governador, carregassem ali de açúcares, vendidas as mercadorias que traziam, e com o
retorno se voltassem a Holanda, perdendo el-rei todos os direitos, e os portugueses os seus interesses: e que por esta
causa não tivera a frota bastante carga para vir para o reino, por não achar saída no Brasil as fazendas que levara por
estar aquele estado provido das que trouxeram os holandeses.742

REINCORPORAÇÃO DO SUL

Salvador Correia não foi mais feliz do que o pai e o avô no empreendimento das minas
que viera administrar. A este respeito resultou-lhe infrutífera a subida ao planalto.
Demitido do governo do Rio de Janeiro, ressonância, como se disse, das alterações que
não soubera evitar, ao mesmo tempo acabava a separação das três capitanias. Não houve
ato régio que as mandasse reincorporar. O governador-geral tomou a destituição de
Salvador Correia como fim disto. Já em 15 de julho de 1661 lamentara:
Desta última carta de V. S. fico com o último desengano de não haver mais minas que as de que V. S. me dá notícia:
porque se as houvera se não esconderiam à diligência, ao zelo e à despesa com que V. S. se empenhou em seu
descobrimento.743

Em 3 de junho de 1662 foi peremptório:


Por haverem expirado, com o governo do Sr. Salvador Correia de Sá e Benavides, todos os provimentos que fez
enquanto durou a separação das capitanias do Sul que teve fim com não surtir efeito o descobrimento das minas, em
que ela se fundou: me pareceu prover o cargo de capitão-mor dessa do Espírito Santo na pessoa de Joseph Rebelo
Leite.744

Avisou também a Pedro de Melo que devia propor-lhe as nomeações militares, que
assinaria... Exatamente como fizera com André Vidal — numa definição de sua
autoridade superior.745

VICE-REI

Para substituir a Francisco Barreto746 — ansioso por voltar à pátria, que deixara em 1648
— foi nomeado o Conde de Óbidos.747 Trazia título novo: vice-rei do Brasil (a modo do
Marquês de Montalvão em 1640), igual ao que tivera na Índia.

Nomeação e elevação explicam-se — segundo um cronista — pelos serviços prestados a


D. Afonso vi no ato de tomar o poder à rainha regente D. Luísa.
Quarta-feira 28 de junho se declarou a eleição do Conde de Óbidos, D. Vasco Mascarenhas, nomeado vizo-rei do
Estado do Brasil e deu-se-lhe o tal governo com este título contentando-se ele no tempo que a rainha regia só com o
de governador como tiveram todos os seus antecessores naquela conquista. Parece que lhe satisfizeram o ser lançado
da Índia onde estava sendo vizo-rei. Antes de entrar el-rei no governo o favorecia muito (por ser seu gentil-homem da
câmara) na pretensão. Agora lho despachou com maiores vantagens.748

Tinha outro fundamento: a definitiva unificação administrativa.

Em 21 de julho de 1663 o Conde de Óbidos declarou:


Porquanto com a separação das capitanias do Sul concedida a Salvador Correia de Sá e Benavides, e intento que alguns
governadores de Pernambuco tiveram de subordinar a sua obediência às do Norte interpretando muito como não
deviam as suas patentes, se relaxaram e perverteram as ordens que os capitães-generais meus antecessores mandaram
a umas e outras capitanias [...] convém que antes de outra disposição me sejam presentes todos os postos, cargos,
ofícios, e mais ocupações políticas e militares que há em todo o Brasil.749

Ato contínuo, expediu o Regimento que deviam seguir os capitães-mores das diversas
capitanias do Brasil (com a reafirmação de que, independentes umas das outras, “são
imediatas e sujeitas a este geral: por cujo respeito só dele [governo] há de aceitar o
capitão-mor as ordens”).750

Formava o primeiro código, ou esboço de constituição dos poderes regionais, dando-


lhes uniformidade, método e hierarquia. Intervinha nos assuntos municipais, para
corrigir os abusos: e estranhou que a Câmara de Olinda “dá na sua conta 2 mil cruzados
em festas cada ano (não tendo a desta cidade mais que 80$000 para a da aclamação por
provisão real) e 150$000 cada mês ao Hospital, [...] modo confuso de se desbaratar a
Fazenda Real e do povo”...751

Inspirou-se talvez na opinião do Padre Vieira, sobre a conveniência de desenvolver no


Brasil as culturas que faziam a riqueza das Índias do Oriente e de Castela: e teve pressa em
propagá-las na Bahia. Começou pelo cacau.

“Dizem-me” — escreveu a D. Fradique da Câmara, governador do Maranhão, em 22 de


abril de 1665 —
que há nesse estado cacau, e que facilmente poderá vir ao Ceará, e do Ceará a Pernambuco, em forma que se possa
plantar ou semear nesta terra, donde parece se dará tão bem como nessa [...]. Como natural quase que sou do Brasil,
lhe desejara deixar em todo caso este princípio de nova felicidade sua.752

CONSPIRAÇÃO OBSCURA

Os acontecimentos do reino impressionavam a este tempo os mais prestantes moradores


da Bahia. Houve uma tentativa de rebelião coincidente com as exéquias da Rainha de
Portugal, D. Luísa de Guzmán — em 29 de maio de 1666. A viúva de D. João iv terminara
os seus dias no convento das carmelitas, a que se acolhera quando o filho Afonso vi —
ajudado do mesmo Conde de Óbidos — tomara violentamente o poder. Metera-se num
silêncio compungido e numa dor sem testemunhas, e morrera, abençoada de longe pelos
bons servidores de Portugal cuja independência tanto lhe devia. No Brasil eram muitos os
veteranos de 1640, indignados com o que sucedera em Lisboa e porventura esperançosos
(como o Padre Antônio Vieira) de melhores tempos, com a elevação ao trono do Infante
D. Pedro, capaz e forte. Na mesma data das exéquias baixou o vice-rei uma portaria:
Porquanto estando hoje na Santa Sé desta cidade para se celebrarem as exéquias da Sereníssima Rainha Nossa Senhora
(que está no Céu) houve uma revolução; e convém averiguar-se quem foram os culpados para se proceder contra eles.
Ordeno ao Doutor Afonso Soares da Afonseca, ouvidor-geral do cível deste Estado, que tire logo uma informação
jurídica do caso: e tudo o que obrar me dará conta para o ter entendido.753

Sete culpados pelo menos apareceram: o chanceler da Relação Dr. Jorge Seco de
Macedo, o velho Coronel Lourenço de Brito Correia754 e seu filho Lourenço de Brito
Figueiredo, os capitães Francisco Teles de Meneses, Antônio de Queirós Cerqueira e
Paulo de Azevedo Coutinho, e o secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco.755

Não se sabe se a agitação foi um protesto — contra o homem que fazia grande
cerimonial em homenagem à rainha que auxiliara a depor — ou mais extenso
movimento.756 O delator, Capitão Damião Lençóis de Andrade, do terço do Mestre-de-
campo Álvaro de Azevedo (que não seria estranho à intriga), teve de prêmio a patente de
sargento-mor e a transferência para a metrópole.757 Dois anos depois — com a queda de
Afonso vi e a ascensão do Príncipe D. Pedro — ganhou Lourenço de Brito a provedoria da
Fazenda (1º de março de 1668).758

Sobreveio a epidemia das bexigas que de Pernambuco se alastrou então até o Rio de
Janeiro. Faltam cálculos aceitáveis da mortandade que fez. Foi a primeira moléstia
contagiosa que infestou estas terras onde não se estranhava a longevidade, de indígenas e
forasteiros.759 Pretende Rocha Pita que a lavoura quase se aniquilou, com a perda de
tantos braços.

ALEXANDRE DE SOUSA FREIRE

Ao Conde de Óbidos sucedeu Alexandre de Sousa Freire, que se empossou em 13 de


junho de 1667 e completou um quatriênio (até 8 de maio de 71).760 Não fez governo
notável; e se nele se retardou a razão foi deplorável: o naufrágio em que morreu o General
Francisco Correia da Silva que, em princípios de 1669, devera substituí-lo.761

Delicado era o momento internacional. Luís xiv intentava a conquista de províncias


holandesas (reivindicando o que dizia ser a herança de sua mulher, filha de Filipe iv); a
Inglaterra prontificava-se a unir as suas forças com as de Holanda, para combater a
França, e Portugal tinha pressa em ultimar as pazes com Espanha, que afinal, por
mediação inglesa, se celebraram honrosamente na própria Lisboa.762 Foi quando se falou
de uma esquadra holandesa que viria atacar a Bahia. Alexandre de Sousa Freire convocou
os moradores aptos para o serviço das armas e criou quatro regimentos de ordenanças,
em cujas coronelias proveu Ascenso Silva (capital e arrabaldes), Baltasar dos Reis
Barrenho (Rio Vermelho até Itapicuru), Lourenço Barbosa da Franca (Passé, Matuim, até
Pirajá), Francisco Gil de Araújo (Saubara, Patatiba, Sergipe do Conde, Monte, Socorro).763

Os estrangeiros não apareceram. Problema urgente, que desviou deles a atenção do


governador, foi — próximo e grave — o do gentio rebelde. O descuido dos antecessores,
esquecidos de reprimi-los, redobrara-lhes a insolência. Como que o insucesso dos
paulistas ao tempo de Barreto os incitara para maiores tropelias. Deram simultaneamente
em Ilhéus e Cairu, roubando e trucidando os moradores que não puderam fugir para as
vilas; invadiram o distrito de Jequiriçá, e os campos de Cachoeira,764 queimaram os currais
de João Peixoto Viegas em Itapororocas, e, numa sortida em Cairu, “mataram o alferes,
cinco soldados e alguns moradores que com eles se puseram em defensa”.765 Parecia uma
insurreição de grandes proporções — combinada ademais com os surtos de tapuias
ferozes no São Francisco, e nas outras “fronteiras” da colonização.

Convocou o governador junta geral, em 4 de março de 1669, e se assentou a “guerra


justa”, que seria feita sem desfalecimentos àqueles bárbaros. Começou mal. Disse que
mandara oitenta homens para a região do Sul; todavia o Capitão Manuel Barbosa de
Mesquita766 — teve à sua disposição em Cairu apenas sete soldados na mais furiosa
arremetida que os tapuias lá fizeram. Aconteceu no dia da festa anual — Nossa Senhora
do Rosário — quando os habitantes, o capitão e os soldados estavam na Matriz. Em
tropel, a tapuiada invadiu o povoado e cercou a igreja. Os fiéis acharam prudente fechar-
lhe as portas. Mas o capitão, impetuosamente, seguido de alguns, se atirou ao inimigo,
disparando as suas pistolas, e de espada e rodela os atacou, até cair morto, varado pelas
flechas, com dois soldados. Essa morte heróica salvou a vila, pois os bárbaros,
atemorizados, se retiraram, e os moradores trataram de prevenir-se contra outras
acometidas. O próprio governador-geral foi a Cairu, a observar essa inquietação.767

O jeito era apelar-se de novo para o concurso paulista.

Em 20 de maio de 1670 perante a Câmara de São Paulo compareceu Estêvão Ribeiro


Baião Parente, antigo vereador e sertanista de nome,768 declarando aceitar a chefia da
expedição. Esta foi por mar à Bahia, retardando-se o barco de Estêvão Baião, a ponto de o
julgarem perdido, na cidade, onde se apresentara o seu Sargento-mor Brás Rodrigues de
Arzão (companheiro de Barbosa Calheiros em 1658) com a maioria dos sertanistas. Havia
urgência na campanha e por isso (em 18 de julho de 1671) foi nomeado capitão-mor —
na ausência do primeiro — para iniciá-la sem demora. Levava Brás Rodrigues famosos
cabos como João Amaro Maciel Parente (filho de Estêvão), Manuel Vieira Sarmento, e
índios das fazendas de Fernão Dias Pais:769 tiveram por guia experientes soldados da terra
como o Capitão Manuel de Hinojosa.770
A luta divide-se em dois períodos: o primeiro, a punição do gentio rebelado; o outro, a
entrada pelos campos do Aporá até as matas do Orobó e a região dos maracás.

Estêvão Ribeiro Baião Parente chegou à Bahia quando o seu imediato já se achava “nos
campos do Aporá, [...] com mais de 400 pessoas”,771 “entre brancos e índios, parte dos
conquistadores de São Paulo, [...] e parte que lhes uni da Bahia”. Lá se juntaram e foi
terrível a batida: assim também ao sul. Não ficou nos sertões de Ilhéus ou do Paraguaçu,
donde desciam para Cairu, agrupamento indígena hostil ou suspicaz.772 Recolheram-se os
paulistas à cidade com centenas de prisioneiros aí “vendidos por tão inferior preço que os
de melhor feição não passavam de 20 cruzados”.773 A sua ação acolá era de represália,
portanto mais cruel. Pelo Paraguaçu acima já se tratava de conquista, com lisonjeiras
promessas de terras pastoris, escravaria e outros benefícios.

AFONSO FURTADO

Governava então o Brasil Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça, Visconde de


Barbacena, que fora mestre-de-campo-general da Beira: chegara a 8 de maio de 1671.774
Não se parecia com o antecessor.775 Era animoso, persistente, autoritário; e lhe sobrava
imaginação. Não deixou que perdessem tempo na cidade os paulistas. Teve o bom senso
de organizar, antes da guerra, o abastecimento que a mantivesse. Mandou que os
moradores de Cachoeira e adjacentes lhes prestassem auxílio de gente e alimentos e, a
trinta léguas daquele porto, fez levantar uma casa-forte para armazém das farinhas, de que
se valeria a tropa. Aconselhou o mesmo sistema para a conquista dos Palmares: “Por este
meio, ainda que custoso, se perpetuou o concurso das farinhas, e com elas a guerra, de
maneira que os bárbaros ficaram destruídos”.776 Gaspar Rodrigues Adorno e João Peixoto
Viegas — com os paiaiases aldeados além do Aporá — receberam ordem para seguir os
paulistas. Em carta de 6 de fevereiro de 72 informava o governador já estarem todos
naqueles campos.777 Era “a segunda tomada a que agora mandava os paulistas. [...]
Destruíram as nações dos tapuias, bandaios e maracás”.

É provável que Estêvão Parente fizesse centro de suas operações a casa-forte da ponta do
Gurguéia (reconstrução talvez do primitivo acampamento de Gabriel Soares)778 e batesse
o gentio em várias direções, limpando a terra “infestada de maracases” até “a Serra do
Orobó”.779 O governador da Conquista voltou à Bahia triunfante, em 1ºde fevereiro de
1673: trazia 750 prisioneiros. “Haviam sido 1.500; o resto morrera pelo caminho de uma
quase peste”, escrevia a 9 de fevereiro o visconde ao capitão-mor de Sergipe João de
Munhoz. Extintas ficavam as aldeias principais dos bárbaros que tanto haviam
atemorizado os moradores do Recôncavo.780 Outras três aldeias de maracas tomou o
paulista, com 1.100 cativos, no mês de julho — enquanto Brás Rodrigues de Arzão
prosseguia noutros sítios a mesma guerra.781 Aberta a estrada de carros de Cachoeira ao
Aporá, Estêvão Baião fundou a Vila de Santo Antônio da Conquista782 como seu ponto
extremo e o governador-geral deu a campanha por concluída nessa fronteira. Iludia-se...
Os índios voltaram três anos depois.

Mas a temporada das expedições descobridoras prometia admiráveis sucessos: a Casa da


Torre tomou a si o São Francisco.

XVIII: CICLO NORDESTINO

CREDULIDADE

O Governador Afonso Furtado teve o mérito de sua obsessão, que era achar as minas que
transformariam o Brasil de colônia de povoamento em novo Potosi.

Não limitou o otimismo a uma certa região. Pagou o seu tributo às lendas velhas
mandando ver a prata do Muribeca, baldadamente rastreada por três gerações. Mas
acreditou nas possibilidades do Norte, do centro, do Sul do país, do litoral e do sertão, de
todos os seus climas; e deu a tais descobrimentos um entusiasmo às vezes pueril. A
credulidade perdeu-o...

MINAS FABULOSAS

Começou pelo Vale do São Francisco. Diziam-lhe haver ouro na Serra do Picaraçá, além
do salitre que convinha arrecadar à beira do caudal cujas origens talvez estivessem no
Peru...783 Nas incertezas da geografia, ou na facilidade com que admitia as histórias do
“Dorado”, corriam outros estímulos para uma ação vasta, em busca das encantadas
paragens. Foram explorar as jazidas do Picaraçá (e as nitreiras) João de Castro Fragoso e
Manuel da Silva Pacheco (carta de 1º de agosto de 1671). Porque se demorassem, José de
Barros lhes saiu ao encontro (carta de 20 de janeiro de 72). Escreveu em seguida o
governador a Antônio Correia de Morais (17 de janeiro de 72) para que investigasse as
minas que um homem da casa do Padre Antônio Pereira descobrira no Sento-Sé.784

Em 3 de junho do ano anterior contava o governador-geral ao de Pernambuco, o


excesso que o Padre Antônio Pereira tivera com Bento Surrel tomando-lhe as amostras de salitre que havia
descoberto, desprezando as ordens que levava, havendo passado do reino a este Estado só àquela diligência por ordem
de Sua Alteza.785

A patente dada ao Capitão Bento Surrel (5 de abril de 72) para o “descobrimento das
minas do São Francisco”, voltando com ele Manuel da Silva Pacheco,786 liga-se tanto ao
caso do “homem do Padre Pereira”, que atualizara a lenda da prata de Belchior Dias, cujo
segredo possuía a Casa da Torre, como à investigação do salitre.
Foram baldadas as pesquisas de prata apesar dos velhos mamelucos e vaqueiros que
guiaram os sertanistas entre Sergipe, Itiúba, Jacobina e o Rio Salitre.787 Descobriram-se,
isto sim, ametistas e muito cristal de rocha que, embora sem valor comercial, teve grande
consumo na Bahia (segundo Rocha Pita) para pequenos presentes e enfeite das casas.

A CASA DA TORRE

O fracasso da “prata” pouco valia em face de tais alvíssaras: o interesse pelas “entradas”, a
todo custo, repelindo a indiada e fixando, ao longo de caminhos definitivos, núcleos
estáveis de povoamento.

Francisco Dias de Ávila, sucessor do Padre Antônio Pereira e senhor da Torre, teve o
encargo, em fevereiro de 73, de remover os índios “reduzidos” para as aldeias que se lhes
destinara.

Resolveu, em complemento à ordem, entrar o nordeste, indo surpreender, entre Sento-


Sé e o Rio Verde, a agitação de “gurguéias”, “guaisquais”, “galaches”, que tomara o aspecto
duma revolta geral — de tapuias.788 Na aparência o objetivo da “bandeira” era o castigo
dessas tribos. Mas o salitre e as minas lendárias continuavam a preocupar o governador.
Devia confirmar ou desmentir o que delas se dizia. Fez mais: descobriu um amplo sertão
entre o baixo São Francisco, o Piauí, o Maranhão...

DESCOBRIMENTO DO PIAUÍ

Aquelas terras não eram estranhas aos sertanistas baianos.

Por lá andara Francisco Dias d’Ávila com o tio Padre Antônio Pereira. De 1651 foi a
sesmaria que tiveram o padre e Garcia d’Ávila, “desde a primeira cachoeira que o Rio de
São Francisco faz indo por ele acima até a última aldeia dos cariguaçus”, onde viviam os
“rodelas”.789 Em 1659 vários moradores da Bahia obtinham sesmarias no Pajeú.790
Distinguira-se Domingos Rodrigues de Carvalho — antes de 1669 — pelas relações “com
os ‘rodelas’, ‘tamaquins’ e outras tribos do São Francisco”, como se vê de sua patente de
capitão da ordenança do distrito da Torre.791 Os “caiapós” estavam de pazes com os
brancos, tanto que se passara patente de alferes ao principal deles, Pedro de Barros.792 E
um português de Mafra, Domingos Afonso Sertão, se estabelecera quarenta léguas acima
de Juazeiro, na fazenda do “Sobrado”. Grande criador, ambicionava para os seus rebanhos
novas e extensas terras.

Francisco Dias d’Ávila combinou com esses pioneiros a entrada que fosse também
guerra de extermínio aos tapuias. Ficaram Domingos Afonso e Francisco Rodrigues de
Carvalho com o comando, cada um, de metade da força (patentes de 9 de julho e 28 de
agosto de 1674), cuja chefia assumiu Ávila, ajudado (no posto de sargento-mor) por
Domingos Rodrigues de Carvalho (patente de 5 de junho de 74). Compunha-se a
expedição de cem brancos, armados à custa do senhor da Torre, e um corpo de “rodelas”
(cariris) com o seu Capitão Francisco (patente de 24 de agosto). Investiram pela margem
direita do São Francisco. O sargento-mor destroçou logo uma frota de 60 canoas e 400
índios. Deixou para trás o Rio Verde, e, já por terreno virgem, alcançou, em fatigantes
jornadas, os campos do Piauí — prêmio e objetivo da arrancada.

Os “gurguéias” foram lançados sobre o baixo Piauí. O “gentio de corso” refugiou-se no


litoral. Tiveram os acroás de correr para o Oeste. Francisco Dias d’Ávila podia gabar-se,
um ano depois, de ter pacificado o médio São Francisco e os sertões que separam do
Ceará o Maranhão. Foi, em conseqüência, nomeado coronel das companhias de
ordenanças (24 de dezembro de 75).793 Tão vasta era a região conquistada que se achou
prudente dividi-la, em Companhia do Rio de São Francisco (o Canindé por linha
divisória),794 e de Jacobina–Rio Verde,795 dependentes do senhor da Torre; e a “do sertão
do São Francisco nas cabeceiras do Maranhão e Rio de Parnaguá” que se concedeu ao
paulista Francisco Dias de Siqueira, pacificador “das nações Guacupê e Ananás”.796 A terra
entre o Gurguéia e o Vale do Parnaíba coube à Casa da Torre (sesmaria dada pelo
governador de Pernambuco, em 12 de outubro de 76), a Domingos Afonso Sertão797 e
outros sertanistas. A que seria capitania do Piauí recortava-se agora, na vastidão da “terra
ignota”. Criou Domingos Afonso “a povoação de Mocha, depois ligada ao núcleo de
Cabrobó (antigo Quebrobó), do qual só em 1696 se desligou para formar freguesia
independente”.798 Por aí entrou a colonização, de sul a norte, guiando-se pelos roteiros do
gado — sua riqueza originária, única799 — sem interesse pela orla marítima, distante e
deserta. No mapa do Piauí retrata-se essa formação (para um litoral de 85 quilômetros, há
900 de Norte a Sul). O sertanista achou-lhe as vastas pastagens e a sua história, dois
séculos, foi a de um pastoreio solicitado pelos grandes mercados da Bahia, de
Pernambuco e das Minas Gerais.

MISSÕES DO SÃO FRANCISCO

Por esse tempo a colonização ganhou o Vale do São Francisco e embargou a ferocidade
das “bandeiras”.

Os capuchinhos franceses, vindos de Pernambuco, tiveram-lhe a iniciativa, antecipando-


se aos jesuítas.

Os frades Anastácio d’Audierne, Francisco Donfronte e Martim de Nantes


estabeleceram-se (fins de 1671) nas ilhas de Pambu e Aracapá, acima das aldeias dos
rodelas, e por terras convizinhas dos “aramurus”.800 Cuidaram de excluir os “aldeados” da
sorte dos outros tapuias e reclamaram repetidamente contra as atrocidades dos
sertanistas.

Deveras a guerra não terminara.


No Pajeú, em fevereiro de 76, Domingos Rodrigues de Carvalho, com duas companhias
e 130 índios, repelira um assalto em regra: tivera o socorro do próprio Padre Martim de
Nantes, com gente e mantimentos.801 Perseguiram em seguida os rebeldes, para além do
Salitre. Renderam-se seiscentos (a força de Domingos Rodrigues constava de sessenta
escopeteiros). Consta que quatrocentos foram degolados.802 Mas Francisco Dias de Ávila
não contentou com o território tomado. Procurou desalojar de suas missões os frades, ora
tirando-lhes os catecúmenos, ora soltando em suas roças cavalhada e gado. Com energia
indomável resistiu-lhe o Padre Martim de Nantes, que a pé fez a viagem até a Bahia e
obteve do governador-geral (Roque da Costa Barreto) as providências apaziguadoras que
requereu.

Os capuchinhos não deram tréguas aos grão-senhores. Continuaram a defender as suas


capelas e os índios mansos. Frei Audierne levou em 1680 a sua queixa ao Conselho
Ultramarino, que mandou devassar a respeito.803 Resultado definitivo da pendência foi a
carta régia de 16 de fevereiro de 1698 — que quis dar ordem e polícia ao extenso sertão
recém-descoberto:
Havendo mandado ver o que se me representou em uma consulta da Junta das Missões sobre o remédio temporal que
se deve dar no sertão dos Rodelas e suas povoações, para se evitarem repetidos crimes e atrozes casos que ali sucedem,
que ordinariamente ficam impunes, assim por se não ter notícia deles pela distância em que são cometidos, como por
não haver modo de justiça naquelas partes me pareceu dizer-vos que sendo estes distritos da jurisdição desse governo
da Bahia, ordeneis que de cinco em cinco léguas haja um juiz ordinário com a jurisdição de tirar devassas, tomar
denunciações e querelas nos delitos que aí se fizerem e remetê-las por treslados ao ouvidor da comarca dessa cidade,
para se proceder nesta matéria como for de justiça. Escrita em Lisboa, a 16 de fevereiro de 1698. Rei.804

PENETRAÇÃO

Os paulistas continuaram à disposição do governo-geral. A um deles, Domingos de


Freitas de Azevedo, que passara de São Paulo ao São Francisco pelo sertão e lá fora
desbaratado, se deu patente “de capitão-mor do descobrimento do Rio Paraguaçu”, pois
afirmara distarem as nascentes deste rio sessenta léguas de Itaporocas.805 Então de novo se
sublevaram os tapuios (1677). O Capitão-mor Agostinho Pereira Bacelar, enviado à aldeia
de Natuba, dos jesuítas, “a reconduzir os índios que eram necessários para a jornada do
sertão a que enviamos o governador da Conquista Estêvão Ribeiro Baião Parente” — foi
morto “às frechadas atrozmente”: Domingos Rodrigues de Carvalho teve de levar pronto
e exemplar castigo às aldeias “do Itapicuru-Mirim, Massacará e Natuba”.806

Estêvão Baião — em 1675 — recebeu comissão mais importante: era quando grandes
esperanças se ligavam à entrada de Fernão Dias Pais em busca do Sabarabuçu.

João Amaro informa-nos: indo então


por ordem do mesmo governador à Vila de Porto Seguro 50 léguas pelo sertão dentro a descobrir a serra das
esmeraldas e fazendo a dita jornada foi cercado de bárbaros 22 dias de maneira que não se podendo defender de mais
de 1.500 arcos se retirou por correr muito risco sua vida, padecendo muitas fomes e sedes e trabalhos.807
D. RODRIGO DE CASTELO BRANCO

Em Portugal percebera-se que era chegado o momento das intensivas explorações das
minas que, um pouco por toda parte, se anunciavam no Brasil.

Não quis o príncipe repetir o erro de separar do Norte as capitanias do Sul: seguiu o
alvitre de Francisco de Brito Freire, mandando um administrador-geral que visse as minas
de Itabaiana. Foi D. Rodrigo de Castelo Branco, “única pessoa” que se achou no reino em
que concorressem as qualidades necessárias para se fiar dela “negócio de tanta
importância”, como se explicara da corte a Afonso Furtado e este ao capitão-mor de
Sergipe (17 de março de 1674).808

“Foi Deus servido trazer a ele D. Rodrigo de Castelo Branco que havia muitos anos
assistia nas minas do Peru e delas tem toda a inteligência [...] pessoa única que do Peru
veio ao reino”.809 Mas “ainda que tivera engenho nas Índias nem por isso era descobridor
de minas, penetrador de betas, nem temperador de prata”, declarou quem o conheceu,
Antônio Pais de Sande.810 Pedro Taques viu-o “fazer diferentes ensaios em várias pedras
que tirou da Serra de Tabaiana”, e “dos ditos ensaios tirou prata que mostrava bastante
entendimento” — para confirmar a autoridade que lhe atribuíam.

Eram seus companheiros o Capitão Jorge Soares de Macedo, seu primo-irmão, que
devia fazer a “fortificação no sítio das Minas, desenhando-a por sua experiência”,
portanto com as honras de engenheiro;811 João Vieira de Morais, provido na capitania de
Sergipe, Bento Surrel, Sebastião Lopes Grandio e Manuel Gomes Cardoso. A presença de
Bento Surrel na comitiva do administrador mostra que a sua tarefa se ligava às anteriores
pesquisas, em que lhe aparece o nome.812

Dois anos, porém, baldadamente D. Rodrigo bateu os sertões entre os rios Real e São
Francisco, à procura de prata que lá não havia. Gorou-se-lhe o trabalho, como sucedera
aos outros investigadores do roteiro de Belchior Dias Moréia...

Jorge Soares de Macedo passou-se ao reino em meado de 1676, “para dar a Sua Alteza a
certeza das Minas”. Daí a patente de 29 de novembro de 1677 para que fosse D. Rodrigo
exercer na “Repartição do Sul como administrador”, em Paranaguá ou Sabarabuçu, as
atividades que não mais deviam repetir-se no Nordeste.813

Informou Pedro Barbosa Leal (em 1725): da Bahia se transferiu para São Paulo,
“ambicioso então das notícias que corriam das esmeraldas, do ouro e da prata de
Sabarabuçu, onde o mataram, deixando na Bahia o Tenente-coronel Jorge Soares de
Macedo, seu cunhado, para ir examinar as minas de Jacobina”.

As bandeiras do planalto enchiam então com os ruídos de suas armas as fronteiras


remotas — que se deslocavam com elas, sempre para além...
XIX: BANDEIRAS DO PLANALTO

OUTROS TEMPOS

As incursões dos paulistas na zona jesuítica do Sul e do Sudoeste esperaram sete anos —
após a derrota de 1641 — para reproduzir as façanhas que tanto atemorizavam
missionários e catecúmenos. Complicavam-se com uma intenção política que não estivera
nos cálculos dos sertanistas — instintivos e rebeldes — da fase anterior. Em 1629, em 33 e
38, unidas as coroas, os paulistas que destruíam as “missões” eram apenas corsários do
sertão sem lei e sem fé, como diziam os padres: fugiam ao castigo, afrontavam-no, faziam
a “Rochela da América”, na frase de Brito Freire. Esse estilo ilícito de conquista
atormentara o governo hispano-luso e zombara, até aí, de ameaças e proibições. Mas a
guerra subseqüente à Restauração mudara a fisionomia das cousas. De Madri veio ordem
para interromper-se o comércio entre o Rio da Prata e o Brasil. Sentiram os mamelucos
chegada a oportunidade de corridas mais extensas: e pensaram no Paraguai, nos Andes,
no Peru, donde recebiam notícias freqüentes dos cristãos-novos portugueses que, através
de Córdoba e de Buenos Aires, nunca deixaram de negociar com os de São Vicente, do
Rio de Janeiro e da Bahia.

COMÉRCIO DE BUENOS AIRES

É preciso notar a importância daquele comércio suspenso em 1641.

Até essa data tinham sido íntimas e vantajosas as relações entre as praças brasileiras e
Buenos Aires. Corria-lhes o comércio, aliás, por conta dos portugueses que às centenas se
tinham instalado na foz do Prata.814 Entre estes destaca-se — em 1607–12 — Melchior
Maciel, que fez várias viagens redondas, levando para a Bahia farinhas e couros (além da
prata peruana que naturalmente não aparece nos papéis aduaneiros) e voltando com
açúcares e escravos africanos.815 Mandara Diogo Botelho, em 1602, “se não tomasse
dinheiro a mercador nem a peruleiro e homens que vinham da Índia e do Peru”816 — sinal
de que eram muitos. “Soma grande de patacas de quatro e oito reales, e assim prata
lavrada” transportavam, de Buenos Aires, muitos peruleiros, escreveu em 1618 o autor
dos Diálogos das grandezas.817 Não admira a quantidade de prata amoedada que na Bahia
achou, em 1610, François Pyrard.818 A “principal cópia de moeda do Brasil”, informou o
governador-geral em 1652, “é da fábrica antiga do Peru, donde veio quando os navios
desta Coroa tinham o comércio do Rio da Prata”.819

A baixa da moeda (1642) com as dificuldades da Restauração deu novo interesse ao


contrabando de Potosi, por intermédio do Prata, até do Amazonas. Divergiram a esse
tempo os dois governos: o de Lisboa quis que os súditos americanos não acompanhassem
as metrópoles, na sua luta. Guardariam uma paz lucrativa. O de Espanha tratou de
impedir o comércio que lhe afetava os monopólios e abria os rumos da cordilheira ao
adversário esperto.

Com efeito, expediu D. João iv, em 1642, duas ordens a Antônio Teles da Silva: “Uma
para se abster de todo ato de hostilidade contra os castelhanos do Rio da Prata, e outra
para procurar a introdução de seu comércio”.820 Para cumpri-las saiu da Bahia o navio de
Davi Ventura, para Buenos Aires: “Não logrou a jornada”. Os alvarás de 18 de março e 14
de abril de 1646 reforçaram a autorização, ampliada aos navios espanhóis que quisessem
ir à África Portuguesa, em busca de escravos. Valeu-se dela Domingos Vieira Veijão: foi
de Angola ao Prata, daí ao Brasil, em 1656;821 exultou o governador-geral com a esperança
“de se encher por aquela via Brasil e Portugal de prata”. Em 1659 surgiu na Bahia o
castelhano João Tomás Brum, a pedir licença para o mesmo tráfico.822 A Portugal
importava o afluxo da moeda de que carecia. O governo de Madri não voltou atrás:
insistiu na sua negativa. Os colonos, irritados, apelaram para a violência. Já em 1643 (21
de outubro), lembrava Salvador Correia de Sá a conveniência, para segurar tal negócio, de
“construir um forte próximo a Buenos Aires, na Chácara da Catalina, a cavaleiro do
riachuelo e da cidade”.823 O Padre Antônio Vieira, mais franco:
Também se pode intentar a conquista do Rio da Prata, de que antigamente recebíamos tão consideráveis proveitos
pelo comércio, e se podem conseguir ainda maiores, se ajudados dos de São Paulo marcharmos (como é muito fácil)
pela terra dentro, e conquistarmos algumas cidades sem defensa, e as minas de que elas e Espanha se enriquecem, cuja
prata por aquele caminho se pode trazer com muito menores despesas. [...] e para ver se este comércio se pode
renovar, uma das ordens que levou Salvador Correia, foi tomar aquele porto.824

A ocupação far-se-ia, não de Buenos Aires, porém da margem esquerda do Prata —


trinta anos depois.

O ciclo da “Colônia do Sacramento” antecipava-se na trama e na decepção dos


mercadores.

Os jesuítas das “missões” do Paraguai acusaram com energia: os mamelucos não


caçavam somente os índios batizados, contra as prescrições da Igreja; experimentavam os
caminhos do Peru — como inimigos rapaces.

RAPOSO TAVARES

Reaparece Antônio Raposo Tavares em 1648.825

O cabo da razzia de 1629 não mais procura os campos do Sul — a terra dos tapes e o
Uruguai. Vai direto ao Rio Paraná, visando às reduções de Mboimboi e Maracaju de
modo a sair no Paraguai e talvez “conquistar estas terras e fazer caminho para o Peru”
(avisara o Padre Barnabé Bonilha ao governador de Assunção). Os seus principais
auxiliares eram André Fernandes,826 Antônio Pereira de Azevedo, experimentado cabo
das lutas contra os holandeses, Gaspar Vaz Madeira: compunha-se a bandeira de 200
brancos e mamelucos (180 armas de fogo, disse o Padre Mansilla) e mais de mil índios. O
ataque dirigiu-se ao Itatim. Em Mboimboi o Padre Cristóvão de Arenas, que lhe resistiu,
foi aprisionado, em seguida libertado por um troço de guaranis, ocasião em que morreu o
Padre Árias.827 Os paulistas devastaram as aldeias ao longo do vale, como Teracani,
Maracaju, Bolaños, Xerez: e forçaram missionários e catecúmenos a um “êxodo igual ao
de Guairá e do Tape”. A reação, porém, não demorou. Tendo contra si forças regulares,
Raposo Tavares mudou inesperadamente de rumo, e empreendeu a viagem mais extensa
de que há memória nos anais desse sertanismo: subiu o Paraguai, alcançou o Guaporé,
divagou pela região ignota de Mato Grosso convizinha dos Andes, e desceu em canoas
(“como dos argonautas contam as fábulas”) o Rio Amazonas, quando já não havia
esperanças do seu regresso.828

Em 1651 quatro colunas de paulistas desenvolveram o ataque ao Itatim e às reduções do


Uruguai, de Itapua, no Paraná, a Santo Tomé: comandava-as Domingos Barbosa
(Calheiros), tendo por tenentes Brás de Arzão, Francisco Ribeiro... Fracassou a investida.
O índio Inácio Abiaru derrotou o cabo da bandeira em Pinhais de Santa Teresa,
arrebatando-lhe a munição e um estandarte com a efígie de Santo Antônio.

Um tupi aprisionado confessou, que o intento era Buenos Aires, tomando o gentio aos
padres e ficando “señores de la tierra toda”. O governador do Paraguai expediu em
socorro daqueles os soldados que pôde juntar. Desencorajados pela resistência e prevendo
combates mais duros, os agressores bateram em retirada. Graças a isto a série de aldeias
dos dois vales, do Paraná e do Uruguai, e os agrupamentos da região do Itatim, volveram
à tranqüilidade antiga.

VACARIA

Sucessivas expedições asseguraram o domínio português na região da Vacaria, e por vezes


puseram em perigo a própria cidade de Assunção do Paraguai.

A designação genérica — Vacaria — ligava-se aos campos do Rio Grande entre a serra e
os Tapes, cujo roteiro não era mais segredo em São Paulo. Partia-se de Sorocaba. De São
Miguel do Paranapanema se seguia para as ruínas de São Xavier e Santo Inácio, donde se
navegava — em vinte dias de percurso — para o Rio Paraná. Descia-se este até o
Ivinheima. Remontava-se o Ivinheima e, nas vertentes, varadas as canoas, os sertanistas
rompiam por terra, à procura dos gados bravos ou “cimarrões”, espalhados, aos milhares,
pelas planuras: Vacaria. Em 1694 diria D. Francisco Naper de Lencastro que era
inesgotável, essa reserva de gados, e, com apenas dez cavalos, recolhera 700 reses...829 No
século imediato o itinerário fluvial seria abandonado graças à abertura do caminho que
une o Rio Pelotas aos “campos gerais” (caminho de tropas, cujos acampamentos se
transformaram em cidades) indo terminar em Sorocaba, principal feira de muares do
Brasil durante duzentos anos... O vazio produzido por essas incursões devia preencher-se
com a colonização efetiva, subseqüente à reinstalação da Colônia do Sacramento. Os
paulistas não pensavam em povoar: conquistavam. A Vacaria era como um depósito
comum, de rebanhos sem dono, acessível a todos os preadores, portugueses e castelhanos.
Importava-lhes mais o contato com os guaranis, as “missões” e o contrabando que baixava
do Peru. Ao alto dos Andes vão ter Lourenço Castanho, Pedro Vaz de Barros... Manuel
Dias da Silva e Francisco Pedroso Xavier encurtaram o raio de ação, batendo os sertões
entre a margem direita do Paraná e Vila Rica do Espírito Santo. Este último — em 1675–6
— renovou os assaltos, não mais às missões do Uruguai, porém do Rio Paraguai, entrou
em Vila Rica e iria mais longe se não acudissem tropas castelhanas, que o forçaram a
retirar, transpondo a Serra de Maracaju, até as divisas de São Paulo.830

“En el de 1676, salindo en 14 de febrero de la capitania de San Pablo en tropas, cuyo


caudillo se llamava Francisco Pedroso Xavier, saquearon la Villa Rica del Espíritu Santo,
acrecentando a estas hostilidades los demás excesos” — queixaram-se os castelhanos,
admirados aliás da extensão das tropelias. “Discorriendo con gente armada hasta Santa
Cruz de la Sierra, se han estendido por espacio de mas de ochocientas leguas hasta el Rio
Marañón”.831

AGOSTINHO BARBALHO

Agostinho Barbalho Bezerra administrador das minas de Paranaguá e São Paulo,


ofereceu-se para averiguar as de ouro e esmeraldas de... Sabarabuçu. Escreveu el-rei a
Fernão Dias Pais (27 de setembro de 64) para que o auxiliasse com a sua experiência e os
seus índios.832 No poema sobre o “governador das esmeraldas”, diz Diogo Grasson Tinoco
que a carta o impressionou:
Lendo-a Fernando, achou que el-rei mandava
Dar-lhe ajuda, e favor para esta empresa,
E em juntar mantimentos se empenhava
Com zelo liberal, rara grandeza:
Mas porque exausta a terra então se achava,
E convinha o socorro ir com presteza,
Mandou-lhe cem negros carregados
À custa de seus bens, e seus cuidados.

Fracassou a bandeira com o falecimento de Agostinho Barbalho. O próprio Fernão Dias


completou-a: mas dez anos depois.

NORTE E OESTE

Não tiveram a mesma notoriedade as bandeiras que se lançaram para os Goiases, para o
norte em direção do Amazonas, ou para o médio São Francisco através dos serros que
Fernão Dias Pais transpôs em 1675–81.

A pasmosa travessia de Raposo Tavares (São Paulo — missões meridionais — Tocantins


— Pará) não é sem exemplo.
A primeira leva que partiu do planalto para o Oeste e o Norte, como à procura dos
contrafortes dos Andes ou das cabeceiras do Araguaia e do Tocantins, parece ter sido —
em 1613 — a de Pero Domingues, de que há informação escrita pelo Padre Antônio de
Araújo.833 Cerca de trinta paulistas “foram dar às cabeceiras de um rio cheio de raios, a
que chamaram por isso Iabeberi”, alguns dos quais formam o leque do alto Tocantins
(Urubu, Almas, Maranhão); e, descendo por ele até à confluência do Araguaia,
descobriram o baixo Tocantins, “fermoso braço do grande e afamado Pará”. Então,
deixando o Iabeberi ou Tocantins à mão esquerda, voltaram, subindo o Araguaia, rumo
de São Paulo. Acharam acolá o gentio em tratos com uns franceses (tinham “grande
número de camisas de Ruão”) cuja fortaleza ficava a onze jornadas rio abaixo.
Conseguiram arrebanhá-los (umas 3 mil almas); mas os índios se rebelaram em caminho,
mataram dezesseis e fugiram — tornando de mãos vazias a São Paulo os demais
sertanistas... Que estiveram no Vale Amazônico e reconheceram, no regresso, a Ilha de
Bananal, bem se infere do relato do jesuíta.

Sebastião Pais de Barros, êmulo de Raposo Tavares, realizou viagem semelhante


ganhando, pelo Tocantins, o Amazonas, até alcançar Belém do Pará com grave desgosto
do governador do Maranhão e dos missionários alarmados. É de 1673 a surpresa do
Governador Pedro César de Meneses, que logo mandou Francisco da Mota Falcão com
uma força a expulsar os intrusos que “reduziam” o gentio guajará em sacrifício da
catequese e da Igreja. Para evitar o choque interveio o clérigo Antônio Raposo, que
trouxera instruções de Lisboa para que se pesquisassem as minas com o auxílio dos
paulistas. Mais tarde alegou:
Passando pelo sítio onde se tinha alojado o cabo da tropa de São Paulo, achou notícia que por seu descuido ou
ambição de cativar o gentio, o tinha este morto e aos demais da tropa e eram duas nações a dos aruaqueres, de língua
geral e melhor gênio, e a dos bilreiros, cruel e belicosa.

O Padre Antônio de Araújo escreveu uma Relação dada pelo mesmo (Pero) Domingues
sobre a viagem que de São Paulo fez ao Rio de São Francisco, chamado também Pará —
bastante vaga para que se lhe perceba a insegurança do roteiro, porém suficiente para que
se saiba que por 1630 os mamelucos tinham descoberto o itinerário dos “amoipiras”, e o
São Francisco na sua parte média. “Pelo que se pode agora ter por alvitre dado do Céu
achar-se que da Vila de São Paulo se pode ir em canoa até aos portos dos amoipiras”.834

“Das vilas de São Paulo para o Rio de São Francisco descobriram os paulistas
antigamente um caminho a que chamavam Caminho Geral do Sertão”, diz um papel do
princípio do século seguinte: “Pelo qual entravam e cortando os vastos desertos que
mediam entre as ditas Vilas e o dito Rio nele fizeram várias conquistas de tapuias, e
passaram a outras, para os sertões, de diversas jurisdições, como foram Maranhão,
Pernambuco e Bahia”. Assim sucedera — em 1677 — a Domingos de Freitas de Azevedo,
“que veio de São Paulo pelo sertão do Rio de São Francisco donde foi desbaratado pelas
nações bárbaras, com que pelejou”, a contar “que da nascença do Rio Paraguaçu distante
60 léguas das Itapororocas havia algumas aldeias”.835 Uma vez chegados ao grande vale
procuravam algum dos caminhos que abrira a Casa da Torre. Exatamente para castigar os
anaiós do São Francisco escreveu o triunvirato da Bahia em fevereiro de 1677 a alguns
paulistas: “Chegou-se ao tempo em que é necessário rogar a V. M.ce para o mesmo que
em outro tempo se lhe proibia, que passar ao Rio de São Francisco [...] havendo eles
(anaiós) degolado e desbaratado já tão várias bandeiras de paulistas”.836 Para acabar com
os maus índios tinham plena liberdade de cruzar aquelas terras. Andava por aí Domingos
Jorge Velho. Igual roteiro serviu a Francisco Dias de Siqueira, para subir ao Piauí e
Maranhão, e a Matias Cardoso, em 1690, para passar-se ao Apodi e Piranhas.837

Aos Goiases — depois de 1670 — foram Bartolomeu Bueno de Siqueira, Luís Castanho
de Almeida,838 que lá morreu às mãos dos índios (1671), Antônio Soares Pais, que o
vingou, Manuel de Campos Bicudo e Bartolomeu Bueno da Silva, o maior deles,839 por
antonomásia o Anhangüera (1670–3). Descobriu Bicudo a Serra dos Martírios e explorou
parte do atual Mato Grosso: foi o trajeto que, em 1716, procurou de novo seu filho (e
companheiro em 73) Antônio de Campos Bicudo.840

XX: DOIS MITOS PROVIDENCIAIS

A ILUSÃO DO GOVERNADOR

Diz Rocha Pita:


Veio à cidade da Bahia um morador do sertão, cujas experiências e procedimentos puderam abonar as suas atestações.
Informou ao Governador Afonso Furtado ter descoberto grandiosas minas de prata, em parte muito diversa da em
que se presumia as achara Robério Dias, e com a abundância que este as prometera em Castela. Assegurava o
descobrimento, mostrando umas barretas, que dizia fundira das pedras que delas tirara, afirmando ser o rendimento
igual ao das mais ricas minas das Índias de Espanha.

Tomado de entusiasmo, mandou logo o filho, João Furtado de Mendonça (o que seria
governador do Rio de Janeiro, 1685–8) “com algumas pessoas de distinção que em
aplauso da novidade quiseram naquela ocasião passar à corte a diversos fins”, dar conta a
el-rei do achado e das amostras. Naufragou porém o patacho, na costa de Peniche; salvou-
se João Furtado, sem as cartas e as barretas de prata; e chegou a Lisboa — pondo em
reforço das palavras a emoção da catástrofe — como portador de uma notícia que
ninguém mais poderia discutir. Apressou-se o governo em remeter para a Bahia as cousas
necessárias para a exploração do tesouro, ao tempo, entretanto, em que no sertão morreu
o sujeito que o revelara, não se sabendo mais nada de suas primícias...841

Afonso Furtado foi iludido na boa-fé e castigado na precipitação. O cronista escreveu


certo: mas de memória; e não localizou o episódio. O autor da burla era nada menos do
que o provedor de Paranaguá, Manuel de Lemos Conde. Em 28 de novembro de 1674
respondeu-lhe o governador: “Recebi a carta que V. M.ce me escreveu em 10 de maio
deste ano com a nova do descobrimento das minas de Pernaguá e as duas barretas de
prata que eram amostra de sua fineza”.
Assim que a vi aprestei logo um patacho e mandei a levá-la a S. A. meu filho João Furtado de Mendonça que daqui
partiu em 4 de agosto e daí a 15 dias despachei outro patacho com segundo aviso. Em ambos representei a S. A. (a
quem remeti os papéis e carta original que V. M.ce me enviou para tudo lhe ser mais particularmente presente e as
duas barretas de prata) o muito que V. M.ce merecia.842

É verdade que mandara pelos ourives da terra examinar as pedras brutas, que
acompanhavam as barretas, e o resultado fora negativo. “E porque suponho haver sido
isto falta de ciência nos ourives”, preferia ficar com a alegria da certeza, sem o trabalho de
prová-la. Expediu sem demora o engenheiro Antônio Correia Pinto “a reconhecer toda
essa costa” do Sul — não fossem rondá-la corsários atraídos pelas minas! — e Brás
Rodrigues de Arzão,843 para cuidar do gentio necessário à eventual defesa...

O engenheiro pesquisou ativamente e só achou ouro de lavagem, encontradiço um


pouco por toda parte, entre o Iguape e Paranaguá. De volta, sucedeu-lhe no Rio de Janeiro
curiosa aventura. O ouvidor, Pedro de Unhão Castelo Branco, estranhou que o ouro das
amostras não tivesse pago os quintos del-rei, e não somente o prendeu, como lho
confiscou, e aos bens que levava — com escândalo do governo da Bahia que disso se
queixou a Matias da Cunha, governador do Rio de Janeiro.844

Mas não havia prata! Esta procedia do Peru, donde os próprios paulistas a traziam, nas
suas viagens que duravam anos. O engodo — posto à calva pelo engenheiro845 — e o
naufrágio de João Furtado,846 encerraram melancolicamente o período do crédulo
governador-geral.

Importa considerar o território incorporado na Coroa portuguesa.

A COSTA DO SUL

A ocupação da costa, ao sul das três vilas, foi vagarosa e desordenada.

Pedro de Cáceres obteve licença do governo geral em 1619 para povoar o Rio de São
Francisco e a Ilha de Santa Catarina, com a condição de não escravizar o gentio,847 como
faziam, por mar, os traficantes de São Vicente e do Rio de Janeiro.

Segunda concessão para esse povoamento foi dada pelas autoridades de São Paulo, em
1642, a Antônio Fernandes;848 mas em vão Salvador Correia de Sá pleiteou para si uma
capitania de cem léguas, abrangendo a lagoa dos Patos.849 Ganharam-na seus filhos
quando se tratou de preparar a conquista do Rio da Prata.

A inclusão da baía de Paranaguá na jurisdição do Sul data de 1646, quando Gabriel de


Lara, natural de Iguape, manifestou em São Paulo o descobrimento de ouro de lavagem,
assim à beira-mar como no planalto além da serra, ali tão próxima da praia.
PARANAGUÁ

À mágica palavra, Duarte Correia Vasqueanes, que substituía o irmão no governo, enviou
do Rio de Janeiro Eleodoro Ébano como comissário das minas, e depois Pedro de Sousa
Pereira, provedor da Fazenda Real, e Mateus de Leão — para lhe dizerem da importância
das jazidas.850 Foi então — 1648 — fundada a Vila de Nossa Senhora do Rosário de
Paranaguá.851

Pediu el-rei amostras do minério (carta de 28 de novembro de 1651). Foi buscá-las


Pedro de Sousa Pereira em março de 53 (descreve a viagem em carta de 20 de maio): “Por
terra de Cananéia àquela vila”, onde
tomando na povoação ao Capitão Gabriel de Lara, e com o mesmo escrivão da fazenda e 30 trabalhadores fui ao sertão
da chamada mina da pedra de ouro, e reconhecendo o sítio vi que era o lugar a fralda de um serro, cujas pontas estão
de leste-oeste, regado com um pequeno ribeiro que vem do mesmo serro, e neste lugar achei cavado, em partes, espaço
de 40 braças em quadra de onde se haviam tirado as pedras que se manifestaram, e outras muitas,

sendo Lara
o que se intitula descobridor desta chamada mina, e houvera pedra de mais de um quintal, cujo rendimento foi
excessivo.852

Por uma relação de 1711 sabemos que era “uma grandiosa mina de ouro de beta”; e que
não fora mais explorada porque da expedição de Pedro de Sousa Pereira resultara a morte
trágica do mineiro espanhol que podia averiguá-la. É o episódio misterioso de D. Jaime,
ou apenas Jaime Commere, que (foi voz pública) ali acabou para não revelar o segredo:
lançou-o de um despenhadeiro um criado do provedor... Pelo menos imputaram-lhe o
crime em 1660, por ocasião do motim do Rio de Janeiro, informando a Câmara de São
Paulo:
Enquanto à morte do mineiro Jaime Commere suposto que a princípio a fama, como em outras cousas, publicou fora
violenta, todavia em contrário se praticou [...] indo a mudar, com o passo mais largo, o dito mineiro, de uma para
outra pedra [...] escorregara e, caindo se despenhara na cata ou alta cova que se fazia.853

Embora infrutífera, a viagem de Pedro de Sousa Pereira forneceu as amostras pedidas.

Levou-as Francisco de Brito Freire, ao voltar com a frota da Companhia em 1654:


Mui considerável é já a quantidade que se tira do ouro de lavagem. Deste me mandaram para a Rainha Nossa Senhora
dois quintos que V. M. lhe concedeu mais de nove arráteis. Puderam passar de arrobas pagando-se os direitos sem os
descaminhos que ouvi murmurar. Ouro de beta não se busca por necessitar de mais indústria e cabedal; mas
asseguram haver dele, e de prata muitas minas: principalmente nos Serros descobertos de novo em Pernaguá dos quais
me mostraram com diferentes veias várias pedras que trago para V. M. mandar ver.854

Mantinha, porém, a descrença antiga:


Porém eu depois de todas aquelas diligências feitas por D. Francisco de Sousa, por el-Rei de Castela; e das notícias e
particularidades que agora soube no Rio de Janeiro das pessoas mais bem vistas e desinteressadas nesta matéria, não
acabo de persuadir-me a que na realidade haja tais minas.

Concitava o rei a enviar autoridade “sem dependência de outro ministro” para “atrair
com o agrado ou com a força os ânimos daqueles moradores, sediciosos e turbulentos.
Porque é a Rochela do Sul a capitania de São Paulo”.855

Esta desconfiança do almirante (sem acreditar nos “quintos” que levava) parece
justificar a acusação dos revoltosos fluminenses em 1660:
Queremos com toda a verdade representar a Sua Majestade entre outras cousas o procedimento com que o
administrador-geral Pedro de Sousa Pereira se tem havido nelas em razão dos estanques que há mandado fazer de
água ardente e vinho e outras fazendas, para com elas comprar ouro e mandar a Sua Majestade a título de que é
rendimento dos quintos.856

Em 1660 há uma capitania de Paranaguá. Resulta da posse que dá a câmara a Gabriel de


Lara, procurador do Marquês de Cascais — donatário de São Vicente, em sucessão do
Conde de Monsanto, e a disputar os domínios do título de Vimieiro (em mãos do Conde
da Ilha do Príncipe). Os vereadores desempataram em favor de Lara, “Povoador da Vila
de N. S.a do Rosário da capitania de Paranaguá em nome de Sua Alteza e com os mesmos
poderes lugar-tenente e procurador do Marquês de Cascais nas Vilas de 40 léguas da parte
do Sul”.857 Vários moradores já tinham algum gado ou exploravam ouro de lavagem nos
“campos de cima”, entre a Serra de Paranaguá e os pinhais, que em tupi chamavam —
Curitiba. Dezesseis (o principal Mateus Leme, da nobreza paulista) pediram em 1668 a
criação ali de uma vila. Gabriel de Lara não somente a autorizou, como presidiu à
instalação do pelourinho.858 Fosse, porém, porque o número de habitantes não satisfizesse
à condição da lei (exigia oitenta, no mínimo), fosse porque os hábitos rurais não
tolerassem ainda tal luxo, a “Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais” (ou de Curitiba,
equivalente indígena, que prevaleceu) só foi fundada em 1693.

O capitão-mor de São Vicente, Agostinho de Figueiredo,859 passara a Paranaguá para


cuidar das minas — e não mais deixou a região. Foi, com quarenta anos de residência na
praia ou no planalto, um dos fundadores de Curitiba. Em 1674 era provedor das minas
Manuel de Lemos Conde. Manuel Veloso da Costa acumulava os cargos de capitão da
Ordenança e escrivão860 e o tesoureiro se chamava Roque Dias Pereira. Com Frei João de
Granica861 — que tinha experiência das minas do Peru — fizeram “o particular serviço do
descobrimento delas”, como agradeceu o governador-geral, em 26 de novembro daquele
ano, mandando-lhes 220$000 em dinheiro e 220 fardos em gêneros, para recompensar as
barretas de prata e a certeza de outro Potosi...862

O logro não podia ter sido maior.

A prata não era de Paranaguá. Como vimos, Afonso Furtado pagou duramente o seu
otimismo; e caberia a D. Rodrigo de Castelo Branco a punição do principal culpado do
engodo.

Mas a intrujice teve o condão de atrair os portugueses para a costa além das “três vilas” e
atualizou o seu antigo propósito de dominá-la até a embocadura do Prata, antes que os
castelhanos voltassem a algum dos portos intermediários.
O ludíbrio — a prata de Paranaguá — provocou uma larga expansão territorial — a
Colônia do Sacramento.

Em 1691 já era Gaspar Galete de Andrade provedor das minas “de ouro” “de Pernaguá
com jurisdição nas que de novo se descobriram no Rio de São Francisco, Campos de
Guaratuba e todas as mais circunvizinhas que estão descobertas e se descobrirem”.863

Dez anos antes andara pela praia e pelo planalto o Padre Belchior de Pontes. Viu os
campos de Curitiba, fazendeiros isolados, com os gados, entre pinhais, e o Capitão
Salvador Jorge desenganado de descobrir ouro e sem poder voltar à sua Vila da Parnaíba
pelas dívidas que deixara.

Profetizou que
naquele Pinhão (assim explicam os naturais o seu outono) se havia de recolher. Acabada a missão, voltou o padre para
a Vila de Pernaguá, e saindo nesse tempo dois criminosos a refugiar-se nos desertos da Curitiba, entraram pelos matos
com tal felicidade, que, convertendo-se a desgraça em ventura, descobriram ouro. Com esta notícia acudiu o Capitão
Salvador Jorge, e em breve tempo tirou tanto, que, voltando para sua casa no tempo sinalado, pôde não só satisfazer
aos seus acredores, mas ainda ornar a sua casa com várias peças de ouro.864

LAGUNA E SANTA CATARINA

Abaixo de Paranaguá, São Francisco e a Ilha de Santa Catarina — onde a ocupação


espanhola, do primeiro século, quase não deixara vestígios — se povoaram igualmente
com pessoas de São Vicente e Santos; porém a largos intervalos.

Em 1658 Manuel Lourenço de Andrade, com procuração do Marquês de Cascais, que o


habilitava a distribuir terras em sesmarias, instalou-se em São Francisco. Ficava sendo a
mais avançada povoação portuguesa da costa.865 Somente em 1675 surge nesse litoral
Francisco Dias Velho, à frente duma bandeira: fundou adiante o arraial de Nossa Senhora
do Desterro.866 Domingos de Brito Peixoto, com filhos e genros, foi mais longe, e fundou
Laguna.867

CURITIBA

A esse tempo Curitiba — com a fama do ouro de lavagem — ganhava a condição de


vila.868 Em 29 de março de 1693 os moradores — que somavam noventa — pediram que
se lhes confirmasse a criação da vila, proclamada em 4 de novembro de 1668 por Gabriel
de Lara e que não tivera efeito até aí: atendidos pelo “capitão povoador” (Mateus Martins
Leme), estabelecido em São José dos Pinhais, elegeram logo a câmara e levantaram
pelourinho. Mas não se iludiam sobre a pobreza da vila: padeceria as dificuldades e as
angústias de São Paulo, sem população sedentária, os fazendeiros espalhados pelo
planalto, reduzida a dignidade municipal a pouco mais do que o culto divino, nas missas
paroquiais, que, aos domingos, congregavam os sitiantes, os carijós mansos e os raros
negros ocupados na mineração magra dos ribeiros.

SABARABUÇU

Os acontecimentos, à roda das minas, entrosavam-se providencialmente. O logro da prata


de Paranaguá atraíra a colonização para a costa, entre São Vicente e a lagoa dos Patos.
Mas atualizara outro mito das bandeiras: Sabarabuçu.

O governador crédulo que mandara depressa o engenheiro Antônio Correia à busca da


prata no Sul, quis que Fernão Dias Pais a procurasse nos sertões do Espírito Santo, onde a
lenda das esmeraldas desafiara até aí a iniciativa dos pioneiros.869

Começa outro ciclo de penetração, pesquisas e conquista: o das serras além do Paraíba,
entre as escarpas da Mantiqueira e a região da mata paralela ao mar, maciço esse onde
vinte anos depois foram descobertas as minas gerais.

O sujeito escolhido para a empresa era dos principais de São Paulo.

Filho de Pedro Dias Leme e Maria Leite, desde 1638 Fernão Dias devassava o deserto.
Naquele ano entrara os campos do Sul até as “missões”. Com índios arrebanhados adiante
do Paranapanema fundara uma aldeia (eram 4 ou 5 mil) à margem do Tietê (1661).

Essa experiência — afora a sua autoridade entre os paulistas — explica a recomendação


que se lhe fez, em 1661, para auxiliar Agostinho Barbalho Bezerra, incumbido de achar as
minas tão faladas; e a comissão, para revelar as de Sabarabuçu.870

O topônimo (itaberá-uçu, serra reluzente) não se referia a ponto certo: era vago e
conjetural como a lagoa Manoa, do “Dorado”, Vapabuçu ou matriz dos rios, a “serra do
rei branco”, dos conquistadores do Rio da Prata, muitos outros nomes da geografia
fabulosa. Já Gandavo indicara, no sertão de Porto Seguro, “serra [...] mui formosa e
resplandecente”.871 Continuou, cem anos, a preocupar governos e sertanistas. Confundia-
se com a montanha de esmeraldas, que os Azevedos e os jesuítas tanto procuraram no
Espírito Santo. Escreveu o governador-geral a Fernão Dias (20 de outubro de 1671)
aceitando-lhe os serviços (“a grande estimação que fiz de ver o que V. M. escreveu a este
governo sobre o descobrimento que [...] sua custa das minas de Sabarabuçu e
esmeraldas”) e o informe: “Que estão da altura da capitania do Espírito Santo, que serão
ambas vizinhas”.872 Completou-o em 19 de fevereiro de 72:
E porque aqui se me disse que do pé das serras do Sabarabuçu há um rio navegável que se vai meter no de São
Francisco e que por ele abaixo se poderá conduzir mais brevemente a prata até junto a estas serras que ficam no
distrito da Bahia, chamadas Jacuabinas, e delas descer a esta praça.873

O tal afluente seria “o das Velhas”; e assim a Sabarabuçu da lenda a mesma Sabará de
trinta anos depois. Em 30 de outubro de 72 expediu Afonso Furtado a patente de
“Governador de toda a gente” que levasse ao “descobrimento das minas de prata e
esmeralda” — para o honrado paulista874 a quem o príncipe escreveu, encarecendo a
expedição.875 Saiu ele da vila a 21 de julho de 1674: tinha então 66 anos de idade876 e
sacrificava na grande aventura os seus bens de fortuna. Gastara nos preparativos 6 mil
cruzados. Levava “40 homens brancos”, um filho, quatro tropas de “moços” com a carga.
Mandara na frente o Capitão-mor Matias Cardoso, para o esperar “no serro” com as roças
necessárias.877 Tinha a certeza de achar o tesouro, capaz de fazer o Rei de Portugal o mais
rico, senão o mais poderoso do mundo... Deu a vida por essa idéia.

CAPITANIA DO ESPÍRITO SANTO

Se no Espírito Santo ficavam as minas, por que tão pouco valia então essa capitania,
decadente e muito pobre? Coube a um opulento morador da Bahia878 estimá-la
devidamente: o Coronel Francisco Gil de Araújo (ferido em 1638 na defesa da Bahia,
fidalgo de fartos haveres a quem o Padre Simão de Vasconcelos dedicou a Vida do
Venerável Pe. Joseph de Anchieta) — bastante inteligente para lhe prever a prosperidade e
suficientemente rico para comprá-la.879 Em 1674 deu por ela 40 mil cruzados ao
donatário, o Almotacé-mor Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho (depois
governador-geral), transação que foi confirmada pela carta régia de 18 de março de 1675.
O objetivo imediato da compra não podia ser senão a pesquisa dos metais:
Foi S. A. servido encarregar ultimamente ao donatário e governador da capitania do Espírito Santo, Francisco Gil de
Araújo, que mandasse fazer o descobrimento das minas das esmeraldas, querendo ele aceitar e fazer este serviço com
as mesmas cláusulas e mercês que S. A. havia passado a José Gonçalves de Oliveira.880

Não lhe faltaram índios do Rio de Janeiro, Cabo Frio e Porto Seguro para a entrada:
realmente nela “despendeu muito dinheiro, pois só nas entradas pelo Rio Doce se
gastaram mais de 12 mil cruzados e nas doze experiências que mandou fazer mais de 2
mil”.881 Andou nisso preliminarmente o entusiasmo de Afonso Furtado. O Espírito Santo
— graças a Fernão Dias e Francisco Gil — devia ser explorado do sertão para a costa e do
litoral para o interior, de modo a tomarem contato no alto Rio Doce as duas bandeiras,
paulista e baiana. Desta pouco se sabe. O negócio feito pelo novo donatário não lhe
remunerou o capital empregado: é verdade que mandou fundar engenhos, localizou
muitos casais de colonos, desenvolveu a agricultura na sua capitania. Falharam os seus
planos de “ouro e esmeraldas”. Fernão Dias teve sorte diferente.

ESMERALDAS DE FERNÃO DIAS

Escreveu o governador-geral a Fernão Dias Pais, ainda em 19 de março de 75 —


impaciente com a notícia do naufrágio do filho e as esperanças de que a prata que achasse
demoveria a incredulidade da corte.882 A esse tempo (13 de agosto seguinte) investiu o
capitão-mor do Espírito Santo, José Gonçalves de Oliveira, na chefia do descobrimento
das esmeraldas...883 Iludia-se: Fernão Dias não poderia com facilidade mandar amostras
do minério colhido. O seu itinerário varava escabrosas regiões, por montes e vales, em
direção ao norte, depois ao oriente, até o “mesmo morro donde as levou Marcos de
Azevedo”, isto é, na cordilheira espírito-santense.
Não achando quem o quisesse acompanhar foi Matias Cardoso uma das pessoas que mais prontamente se lhe
ofereceram com 120 escravos seus, armas e munições à sua custa indo adiante a plantar mantimentos naquele sertão
onde teve vários encontros com os bárbaros e uma batalha em que houve muitos feridos

— alegou depois este cabo.884 As roças da primeira espera foram talvez no Sumidouro do
Rio das Velhas; os outros arraiais, progressivamente fundados, Roça Grande, Tacambira,
Itamerendiba, Esmeraldas, Mato das Pedrarias e Serro Frio — segundo o depoimento de
Pedro Dias Pais Leme, em 1757.885 Durou-lhe a viagem oito anos. Abrangeu, em arco,
largo trecho do atual território das Minas Gerais, o Vale do Jequitinhonha, contra-
escarpas da Serra do Mar, possivelmente as cabeceiras do Rio Doce. Não deixava balizas,
senão taperas, dos acampamentos abandonados. Dilatava a conquista do solo sem os
resultados apetecidos, da pedraria ou da prata. Arrostou a perfídia dos índios esparsos (os
puris), as canseiras e a monotonia do sertão, o desgosto e a infidelidade de companheiros
enfurecidos pelo insucesso.

Conta Pedro Taques o caso do filho bastardo do “Governador das esmeraldas”, José
Pais, despeitado com a predileção em que este tinha o legítimo, Garcia Rodrigues Pais:
conspirou contra a vida do pai, para assim dissolver a bandeira. Sabendo disto, pela
denúncia de uma índia goianá, o velho sertanista não hesitou: prendeu os culpados e após
breve inquirição fez enforcar, à vista de todos, o perjuro — afirmando, com o castigo, a
sua autoridade severa e ilimitada...

Esgotados os recursos, Fernão Dias pediu à mulher, em São Paulo que vendesse tudo,
contanto que lhe enviasse o indispensável para a continuação da jornada — com o filho
Garcia Rodrigues e o genro Manuel Borba Gato.886 Os parentes exprobraram-lhe o
devaneio (“gastando nestos años el caudal con que se hallaba, era uno de los más ricos
daquella villa, sin que nadie le quisiese ayudar a este servicio en cosa alguna, antes a
embaraçarle y decir que estaba loco, pues gastaba los años y el caudal de sus hijos y mujer
en locuras, que no habian fin”).887 Mas a fiel matrona não lhe faltou. Prosseguiram as
diligências nas montanhas de Marcos de Azevedo (achando “os almocafres e mais
ferramentas de que se servira o dito para extrair as tais pedras que lá tinha deixado”).888
Munido de “pedras verdes transparentes” voltou ao Sumidouro do Rio das Velhas: aí,
“desamparado e sem confissão” (como atestou D. Rodrigo) morreu “de peste, e muita
parte dos seus índios e escravos”, imaginando ter em mãos esmeraldas finas, o tesouro
suspirado, a recompensa da sua terrível obstinação... Também se ignora a data do
falecimento: entre 27 de março e 26 de junho de 1681. Em Paraovuipeba D. Rodrigo de
Castelo Branco reconheceu o mérito de seus serviços, ao mesmo tempo tomando posse
das roças do Sumidouro e de Tacambira e das amostras de pedras verdes, que
honradamente lhe entregou Garcia Rodrigues: em 8 de outubro seguinte. Insiste na
dúvida: “[...] y me trujo a manifestar unas piedras verdes transparentes, decindo ser
esmeraldas y que el dicho su padre habia falecido longas jornadas deste arraial traziendo
en su compañia las dichas piedras”.889 Seguro é que os restos mortais do “Governador”
foram trasladados piedosamente para São Paulo e, com as devidas homenagens,
sepultados na igreja dos beneditinos, que ajudara a reconstruir.890

De fato, as pedras verdes não valiam a pena: porém o êxito da bandeira — exatamente a
que mais impressionou a imaginação dos brasileiros — não estava nesse tesouro
enganoso. Consistia na abertura do caminho geral, para as montanhas das Cataguás, além
da Mantiqueira (“descoberto igualmente por ele todo o país pelo serro de Sabarabuçu”).891
Descortinara o maciço central. Revelara as cabeceiras dos caudais que se atiram para a
costa, serpeando entre as barreiras e os espigões; as terras florestais que as altas serras
delimitam, os cabeços ferruginosos, as imprevistas formações geológicas, os cristais de
rocha e as cascalheiras de uma zona rica de todos os minérios... As Minas Gerais estavam
descobertas. O estóico capitão das esmeraldas revolucionou as abusões e as tradições do
sertanismo paulista: substituiu a “marcha para o Sul”, rumo das missões abundantes de
gentio dócil, pela “marcha para o Norte”, através dos campos de Taubaté, passando o
Paraíba e as gargantas da Mantiqueira. Puxou aqueles insaciáveis andarilhos para as terras
dobradas e ínvias dos puris, indicou-lhes a Sabarabuçu, que prometia incríveis riquezas, e
autorizou a lenda, de que prata e pedras finas fariam daquilo outro Peru.

A popularidade da bandeira documenta-se com o primeiro poema épico que no Brasil se


escreveu: o autor, oculto no pseudônimo de Diogo Grassou Tinoco, dedicou-o a Fernão
Dias Pais.
Parte enfim para os serros pertendidos,
Deixando a pátria transformada em fontes,
Por termos nunca usados, nem sabidos,
Cortando matos, e arrasando montes;
Os rios vadeando, mais temidos,
Em jangadas, canoas, balsas, pontes,
Sofrendo calmas, padecendo frios
Por montes, campos, serras, vales, rios.

Consta ser de 1689 a poesia, de rima camoniana, que se perdeu, salvando-se apenas as
quatro estâncias reproduzidas no século seguinte por Cláudio Manuel da Costa, no
“Fundamento histórico que serve de prólogo ao poema da Vila Rica”.892 Fala Pedro
Taques de Domingos Cardoso Coutinho, natural de Lamego (faleceu em São Paulo em
setembro de 1683), “excelente poeta e autor da Relação panegírica em oitava rima da vida
e ações do Governador Fernão Dias Pais, descobridor das esmeraldas”. Será este o nome
— e Diogo Grasson Tinoco pseudônimo?893 Dois cantores, contemporâneos da
memorável jornada?

FIM DE D. RODRIGO

D. Rodrigo de Castelo Branco não fora mais feliz no Sul — à procura de minas que não se
achavam, e de quem lhas indicasse.
Representava a Coroa, portanto o fisco, a lei severa, o interesse do Estado pelo trabalho
dos sertanistas que, por toda parte, o acolheram suspeitosos e de mau modo. Passou
primeiro pelo Rio de Janeiro (abril de 1678). Despachou aí João de Campos e Matos a
descobrimentos no sertão. Seguiu para Santos e subiu a São Paulo, recebido
respeitosamente pelos “homens bons” e resolvido a proibir novas expedições a
Sabarabuçu enquanto lá não fosse, para ver a maravilha. Enviou com efeito vários
sertanistas para fazerem as roças de que devia sustentar-se a tropa, no ano seguinte; deu o
auxílio necessário a D. Manuel Lobo, para a fundação da Colônia do Sacramento; e partiu
para as vilas do Sul, ao longo da costa.

Alcançou destarte os campos de Curitiba e desceu para Paranaguá, termo de sua


jornada.894
Por portaria de 28 de agosto de 1679 mandou que o mineiro João Álvares Coutinho, Manuel de Lemos Conde, Roque
Dias Pereira e Manuel Veloso da Costa (estes respectivamente provedor, tesoureiro e escrivão dos quintos) fossem
com o Padre João Granica examinar os serros onde se dizia haver prata.895

Tais pesquisas provaram exatamente o contrário: e averiguou D. Rodrigo a intrujice dos


pregões anteriores... Encolerizado, demitiu e prendeu Manuel de Lemos, confiscou-lhe os
bens (deram 793$860) e o processou. Não resistiu, o visionário: suicidou-se na prisão
(1681).896 Selou com a morte esse desastroso caso da prata que enganara Afonso Furtado.

Outras pesquisas ordenou o administrador no planalto de Curitiba e voltou a São Paulo,


para a larga caminhada atrás de Fernão Dias. Matias Cardoso serviu-lhe de guia, com um
pequeno exército de índios; e em maio (1681) se pôs em campo. Encontrou “nos matos de
Paraibipeva e Arraial de São Pedro” Garcia Rodrigues Pais, que voltava (outubro do
mesmo ano). O atestado que em benefício dele passou D. Rodrigo, a entrega das pedras
verdes e das roças do Sumidouro e Tacambira testemunham a simpatia que logo se
estabeleceu entre o representante régio e o moço paulista. Não eram estes os sentimentos
dos parentes que lhe ficavam em São Paulo — e a quem D. Rodrigo alude com acrimônia
queixando-se do abandono em que deixaram o velho governador. O irmão, Padre João
Leite da Silva — em setembro — denunciava “a Dom Rodrigo Castelo Branco os intentos
que consta tem de mandar apoderar-se das esmeraldas que o dito meu irmão descobriu”.
Porventura mais o irritara a presença de Matias Cardoso na expedição. Sem ele, aliás, que
partira adiante, a plantar as roças para o abastecimento da tropa, não seria exeqüível...897
Lavrou uma intriga extensa. Não devia surpreender a vila — em 21 de outubro de 1682 —
a notícia de que “na paragem chamada do Sumidouro, distante desta vila mês e meio de
viagem”, fora assassinado D. Rodrigo.

Aconteceu o crime em 28 de agosto: “Lhe deram três tiros do mato e logo caíra morto”,
segundo a versão que o governador do Rio comunicou à corte.898

Correu que o criminoso fora o genro de Fernão Dias. Não há dúvida que — para eximir-
se ao processo ou por motivo correlato — se recolheu Borba Gato à região de
Guaratinguetá onde, em homizio que se lhe não perturbou, viveu silenciosamente quase
vinte anos. Ressurgiu, limpo de culpa, para juntar-se aos descobridores das Minas Gerais,
rico e lisonjeado, como fidalgo de grandes préstimos e experiência. Serviu de liame
pessoal entre o sonho das esmeraldas e o ciclo do ouro. Foi dos primeiros que arrancaram
ao sertão das Cataguás o seu segredo: provou que andava seguro de si, e não errara —
apesar de sua crença nas pedras verdes — o estóico paulista que lá deixara a vida.

XXI: A COLÔNIA DO SACRAMENTO

CONTRA O TRATADO DE TORDESILHAS

A paz com Espanha consumou-se pelo tratado de 12 de fevereiro de 1668 — conseqüência


feliz de mais de vinte anos de guerra encarniçada, de ativa diplomacia, de acontecimentos
que tinham destruído, uma após outra, as veleidades castelhanas de unificação da
península ibérica.

Uma das disposições do tratado (art. 2º) exigia a recíproca restituição das praças
tomadas “durante a guerra”... Aparentemente eqüitativa, a cláusula beneficiava com
largueza Portugal e o Brasil. A expansão sertanista fora do meridiano de Tordesilhas
amparava-se, já aí, a um diploma internacional. Reconhecia-se (sem se pensar muito nisto
de parte de Castela) a ilegitimidade da ocupação apenas na vigência da guerra, ou de 1641
por diante. Não se discutiria, portanto, a da Amazônia (1639), ao longo do Tietê, e para o
sul e oeste (1627), incorporada destarte, tácita e formalmente, no patrimônio português.899

O princípio supremo da diplomacia de Lisboa quanto à América no século xviii — do


uti possidetis — aparecia com timidez, porém, inequivocamente, nesse reajustamento das
monarquias vizinhas.

Portugal definia um interesse que não devia mais relegar, por inerente à sua política de
colonização e império: qual o de tirar da posse o direito (o claro direito de primeiro
ocupante) em vez de estribá-lo nos papéis de chancelaria, serôdios e controvertidos.

O UTI POSSIDETIS

Alexandre de Gusmão daria forma, no Tratado de Madri (1750), a esse realismo


português. Mas o de 1668 o predeterminara. Circunstância curiosa: pacificadas as
metrópoles, após uma guerra que os colonos quase ignoraram, o dissídio se transportou
para aquém-mar através de uma conquista que surpreendeu os castelhanos do Prata. A da
margem esquerda do rio com a fundação da Colônia do Sacramento — cem anos pomo
de discórdia entre as duas coroas.
A Espanha, é certo, não se apressara em assenhorear-se do território entre Patos e a boca
do Prata.

Em 1675–8 ainda era aquilo domínio dos charruas intratáveis, os portos vagamente
conhecidos, o litoral sem vestígio de gente branca, e acessível, a região, do São Francisco
do Sul até a “banda oriental”, às incursões e aventuras de quem quisesse tomá-la.

Por que o longo descuido, de ambos os países, em anexar esse trecho do continente, que
correspondia aliás a um sertão percorrido pelas bandeiras, trilhado pelos missionários,
balizado pelas reduções dos jesuítas e sem mistérios — àquela altura do século — para os
homens de São Paulo e do Paraguai? O Peru — é a explicação — atraíra o povoamento
espanhol; e o caminho de Córdoba, até Buenos Aires, servia de escoadouro da “prata” dos
Andes. Exatamente a procurá-la (com o ouro de que se falava desde 1598) na costa abaixo
de São Vicente a colonização portuguesa atingira Paranaguá e as escarpas do planalto.
Para prosseguir precisava de um estímulo imediato — de que careciam os castelhanos de
Buenos Aires entretidos com a criação de gado, o comércio e a recovagem peruana. A
“prata” que enganou Afonso Furtado — sem convencer a corte de Lisboa, incutiu-lhe a
idéia900 de precipitar uma ocupação que tinha lógica e oportunidade. A oportunidade era a
salvaguarda das minas, caso existissem; e a lógica — a expansão do Brasil até um “limite
geográfico”, simétrico do Amazonas ao norte, a “fronteira natural” do Prata. Ao
engenheiro Antônio Correia em 1675 se cometera a tarefa de “reconhecer aquela costa,
sondar [...] fortificações que seriam necessárias para segurança das minas”.901 Foi o
engenheiro da nova colônia.

O Príncipe Regente D. Pedro estabeleceu sem ênfase a doutrina: pertencia a Portugal


toda a terra até o estuário, defronte de Buenos Aires.

Faltava um argumento recente a esta reivindicação: deu-lho a Bula de 22 de novembro


de 1676, que, criando o bispado do Rio de Janeiro, declarava estender-se-lhe a jurisdição
até a embocadura do Rio da Prata. A palavra pontifícia — êxito diplomático português —
sufragava o pensamento oficial em Lisboa e no Brasil: em 5 de março do mesmo ano,
atendendo ao pedido do velho Salvador Correia, concedera o príncipe 30 léguas de terra
“sem donatário até a boca do Rio da Prata” aos irmãos Visconde de Asseca e João Correia
de Sá. Afirmava assim o domínio, o que era preliminar; mandou assegurá-lo, em seguida,
por D. Manuel Lobo.902

A nomeação de D. Manuel Lobo para governador do Rio de Janeiro deu começo à série
de providências militares para a criação da colônia.

AS DUAS EMPRESAS

Inicialmente as duas empresas — entabulamento das minas de Paranaguá (e Sabarabuçu)


e fortificação dum lugar na foz do Prata (Ilha de São Gabriel) — foram confiadas às
mesmas pessoas.
Jorge Soares de Macedo recebera de certo em Lisboa instruções especiais para o serviço
que se lhe confiara, de fazer um forte na Ilha de São Gabriel. É de 17 de março de 1678 o
registo, na Bahia, de sua patente de tenente do mestre-de-campo ad honorem:903 aí
embarcou, para o Rio de Janeiro, em 21 de abril seguinte.

D. Rodrigo de Castelo Branco (para “de uma vez” averiguar as minas) seguiu em 24 de
setembro.904 A 5 de agosto escrevia o primeiro, anunciando partir do Rio de Janeiro para a
diligência a que fora. Logo mandou o príncipe a D. Manuel Lobo, em 12 de novembro
(também de 1678):
Depois de tomar conta do governo do Rio de Janeiro desça ao Rio da Prata e na Ilha de São Gabriel forme as
fortificações necessárias, e uma nova colônia para que meus vassalos possam residir nela, e nas mais que se fizerem nas
terras ermas de meu domínio.905

A EXPEDIÇÃO

Desenganados das minas de Paranaguá, D. Rodrigo e Jorge Soares de Macedo


empenhavam-se a esse tempo em preparar a esquadra que conduziria o governador ao
Prata.

Foi Jorge Soares reconhecer a costa até Buenos Aires, mas não pôde desembarcar nas
ilhas de São Gabriel, tal a violência dos ventos; dali tornou para Santos, e de novo desceu
para Santa Catarina, com ordem de esperar D. Manuel Lobo. A este auxiliou grandemente
no Rio de Janeiro o Desembargador João da Rocha Pita, nomeado “sindicante das
províncias do Sul às maiores diligências que até aquele tempo se tinham oferecido”, como
diz o historiador seu sobrinho.906 “Embargou 14 barcos e sumacas que estavam nos portos
de Santos e São Vicente”,907 e que serviram para as viagens de Jorge Soares e do
governador. Da gente para o reforço da expedição e provisões necessárias se encarregou,
em São Paulo, o ativo D. Rodrigo. O próprio D. Manuel visitou a Vila de São Paulo com
esse desígnio. Compôs-se afinal o comboio de cinco embarcações, três charruas de fabrico
holandês, uma fragatinha e um patacho. A tropa regular não passava de duzentos
homens;908 porém muitos índios das aldeias paulistas a acompanhavam, formando tudo
uma força apreciável, proporcional à que poderia atacá-la, saindo de Buenos Aires.
Largou de Santos em 8 de dezembro de 1679.

Em 20 de janeiro aportou às ilhas de São Miguel. D. Manuel Lobo estudou rapidamente


as condições do rio e de suas barrancas, e preferiu instalar o acampamento em terra firme,
numa península pequenina fronteira à cidade de Buenos Aires, onde, em 7 de fevereiro
seguinte, um castelhano avistou uma “tienda blanca de lienzo armada y dos galpones de
paja cubiertos”.909 Surgiu assim, a Colônia do Sacramento.

NOVA COLÔNIA
A situação do fortim ali feito era aparentemente mais vantajosa que uma das ilhas do
estuário. Porém estava a indicar — ao mais despercebido da arte da guerra — a
precariedade da praça que se fundava. Facilmente podia ser assediada pelo lado do
continente, e varrida pela artilharia que se postasse na praia à direita e à esquerda, pois
nenhuma elevação a defendia ou isolava. Os portugueses aí se agüentariam enquanto
tivessem a proteção duma esquadra. Entregue aos seus próprios recursos a guarnição, não
demoraria a resistência. Faltar-lhe-ia sempre o domínio da terra adjacente — plana e
ilimitada; e um anteparo natural a que se apoiasse. Compreensível, o sítio, para uma
feitoria de comércio, só um excesso de confiança explica que o erigissem em cidadela. D.
Manuel Lobo começou mal a sua penosa tarefa: cometeu o erro (mais estranhável porque
os portugueses aproveitaram admiravelmente a topografia americana para as suas
povoações e fortalezas) de meter numa ponta de terra chã e escassa a sorte de sua
conquista, bem outra se a localizasse em Maldonado ou Montevidéu, como aliás
presumiam os espanhóis. Esse erro agravou-se com o tempo.

Erro militar e psicológico: porque à inconveniência topográfica se aliava a proximidade


de Buenos Aires, donde teriam de partir as expedições punitivas. Uma das duas povoações
havia de desaparecer — desafiando-se, com a amplidão do Prata de permeio, Buenos
Aires já poderosa, a Colônia do Sacramento como uma experiência que dependia
inteiramente dos socorros marítimos.910

BUENOS AIRES

O governador de Buenos Aires, D. José de Garro, receava a comunicação dos adventícios


com portugueses velhos e novos que lá havia, e isto prevenira ao vice-rei do Peru: “Esta
ciudad, Señor, por la mayor parte se compone de Portugueses, sus hijos y
descendientes”.911 Homem resoluto e inteligente, convocou as forças possíveis, de Santa
Fé, Tucumã, Corrientes, a que uniu os índios das aldeias do Paraná enviados pelo Padre
Altamirano. Formou um exército de trezentos cavalos e 3 mil índios, que confiou ao
Mestre-de-campo Antônio de Vera Muxica. E intimou por um emissário D. Manuel Lobo
a abandonar aquelas paragens. Desdenhou ele das represálias prometidas. Discutiu com o
parlamentário o problema dos limites, dizendo que a jurisdição portuguesa ia até ali.
Deixou que o engenheiro Antônio Correia Pinto levantasse as estacadas que faziam o
arcabouço da fortaleza.912 E esperou por Jorge Soares de Macedo, a quem, não podendo
encontrar-se em Santa Catarina, expedira ordem para, com duas sumacas de farinha, ir
abastecer a praça.

A QUEDA

Sucedeu então o primeiro duma série de desastres. O adjunto de D. Rodrigo numa


sumaca rumou para o Prata, mas tão desajeitadamente que naufragou nas pedras do Cabo
de Santa Maria. Salvou-se com uma trintena de companheiros e pretendeu, por terra,
ganhar a Colônia do Sacramento. Caiu em poder duma tropa de índios, que dois jesuítas
comandavam. Os padres, indignados com os paulistas, tomaram por cúmplice deles o
infortunado capitão e o conduziram preso à redução de Iapeiu, donde o trasladaram,
apesar dos seus protestos, para Buenos Aires.

A guerra desenvolveu-se morosa e metódica. Os castelhanos apertaram o cerco entre


março e agosto, dispostos a reduzir à fome os defensores. Mas como tardasse esse efeito e
os índios se mostrassem impacientes, o Mestre-de-campo Muxica dirigiu o assalto final na
madrugada de 7 de agosto. Adoecera D. Manuel Lobo e, de cama, passara o comando ao
Capitão Manuel Galvão. A batalha feriu-se de surpresa, encarniçada e decisiva. Atacaram
os espanhóis e os índios as estacadas, levaram de vencida a resistência, e ao amanhecer do
dia, após uma luta heróica, obrigaram os remanescentes da guarnição a capitular na igreja
e no corpo da guarda, seus últimos redutos. Morreram com a espada na mão os capitães
Galvão, Manuel Aquila, João Lopes da Silveira e Antônio Correia Pinto, o engenheiro em
quem pusera as suas esperanças Afonso Furtado; e 112 subalternos. O próprio Muxica
salvou a vida a D. Manuel Lobo, a quem os índios queriam trucidar: enviou-o prisioneiro,
com D. Francisco Naper de Lencastro, o capelão, Padre Durão, os dois jesuítas de sua
companhia e o Capitão Simão Farto, para Buenos Aires...

Não convinha a D. José de Garro ter tantos portugueses juntos em cidade onde seus
patrícios eram maioria. Despachou logo para o Chile Jorge Soares de Macedo e desterrou
o infeliz governador para Córdoba. Os achaques, a melancolia e a idade de D. Manuel
Lobo não toleraram o clima e a penúria do desterro. Voltou para Buenos Aires e aí
faleceu, em 7 de janeiro de 1683.913

RESTITUIÇÃO

Um navio de reforços mandado da Bahia chegou dias depois da queda da Colônia; e


regressou, com as comunicações e notícias do acontecimento. Foi profunda a impressão
que causaram em Portugal. Irritou-se D. Pedro ii. Correu o rumor de uma guerra, que não
convinha à Espanha, enfraquecida então, e a vésperas da sucessão (do seu pobre Rei
Carlos ii) que conflagraria a Europa. O Duque Giovenazzo foi a Lisboa dar as satisfações
pedidas e subscrever um tratado de provisória acomodação: concluiu-se em 7 de maio de
1681. Os ministros castelhanos solicitaram — e tiveram a mediação do representante de
Inglaterra, tais as notícias de uma possível surpresa do exército português...914 Venceu a
severa energia de Lisboa. O tratado cominava a restituição da Colônia, com tudo o que
nela se achava, libertados simultaneamente os prisioneiros, enquanto os Badajós
comissários de ambas as coroas discutiriam, em termos definitivos, a questão de direito,
em torno da demarcação territorial...

É claro que os eruditos delegados não chegaram, nos seu debates logo travados, a
conclusão alguma. Dir-se-ia que o debate era para isto mesmo. Em 12 de fevereiro de
1683 — o que mais importava — recebeu o governador do Rio de Janeiro Duarte Teixeira
Chaves a Colônia, em nome de Portugal915 e a fortificou,916 com quatro baluartes e
baterias, a ponto de, em Buenos Aires, se predizer (em 1699): “Será em breve como uma
das maiores povoações, e de pequena centelha não apagada nos princípios, passará a raio
que incendeie e devore toda a América”.917

A política européia soprava os panos à ambição portuguesa. Aproveitando a luta pela


sucessão de Carlos ii, obteve D. Pedro ii o tratado de 18 de junho de 1701, em que o
pretendente francês lhe cedia a Colônia do Sacramento e adjacências... Até 1703
prosperou em paz, e aumentou a mais meridional das feitorias lusas, a vigiar, com seus
barcos e seus canhões, a navegação do Rio da Prata!

GOVERNOS DO RIO DE JANEIRO

Acrescera-se o governo do Rio de Janeiro com a responsabilidade dos provimentos da


Nova Colônia. Em seguida teve, com Artur de Sá e Meneses, a das minas realmente
descobertas nos Cataguases. A importância crescente do cargo então se revela pelo
renome — e experiência — dos nomeados. Sucedeu a Duarte Teixeira Chaves aquele
primogênito de Afonso Furtado cujo naufrágio — com as amostras da prata de Paranaguá
— tanto afligira os últimos dias do governador: João Furtado de Mendonça.918 Esteve no
posto de 19 de abril de 1686 até findar o triênio. Substituiu-o D. Francisco Naper de
Lencastro, veterano da Colônia do Sacramento e prático das cousas da terra. Luís César de
Meneses empossou-se em 17 de abril de 1690 e governou até 25 de março de 93: “Um dos
melhores governadores que passaram àquela praça e se fez merecedor de todas as honras e
mercês”.919 Em 25 de março de 93 investiu-se no cargo Antônio Pais de Sande, que fora
secretário do Estado da Índia em 1666, Conselheiro Ultramarino em 1682 e influente
personagem da corte, com quem se carteava o Padre Vieira.920 Doente e velho, teve de
passar o governo ao Mestre-de-campo André Cusaco (7 de outubro de 94). Não pôde
cumprir a ordem del-rei de averiguar as minas de São Paulo.921 Faleceu em 22 de fevereiro
de 95. Em 19 de abril desse ano tomou posse do governo interino Sebastiao de Castro e
Caldas (até 1697), antecessor de Artur de Sá, que foi mais feliz do que os outros porque no
seu período os paulistas desvendaram as “minas gerais”. Para as conhecer visitou duas
vezes a capitania de São Paulo (1697 e 1699).

Por essa ocasião (novembro–dezembro de 1695) escalou no Rio de Janeiro a frota de De


Gennes. Escreveu Froger a relação da viagem sem esquecer essa “grande cidade bem
construída e de excelente aspecto, estendendo-se pela praia desde o magnífico Mosteiro
de São Bento até ao não menos monumental colégio dos jesuítas”,922 tão diversa da
povoação mesquinha e diminuta do tempo de Martim de Sá.923 1694... É a data da
retorcida talha dourada da igreja dos beneditinos. Documenta a opulência da terra e, com
a pompa do culto, a perícia dos seus artífices. Cento e vinte engenhos de açúcar
enriqueciam-lhe o recôncavo. Um comércio denso ocupava a Rua Direita e ruas
transversais, até a Vala (núcleo urbano traçado pelo Sr. De Lescolles). As ermidas do
Livramento (1670), no Valongo, e da Glória (1671), na antiga praia do Leripe, sobre o
escarpado monte, espécie de atalaia na cenografia deslumbrante do Rio de Janeiro, eram
os extremos da zona habitada.

XXII: A BAHIA — CAPITAL

TRIUNVIRATO PATRÍCIO

Faleceu Afonso Furtado na Bahia — de enfermidade que se lhe agravou com a dor moral,
de seus insucessos — em 26 de novembro de 1675.924 Determinou, in articulo mortis, lhe
sucedessem em triunvirato o chanceler da Relação (Desembargador Agostinho de
Azevedo Monteiro) o mestre-de-campo mais antigo (Álvaro de Azevedo) e o juiz mais
velho do Senado da Câmara (Antônio Guedes de Brito). Pela primeira vez em junta de
governo predominaram os naturais do Brasil,925 que foram todos três — quando, meses
depois, morreu o chanceler Monteiro, substituído pelo Desembargador Cristóvão de
Burgos, a quem já aludimos. Estiveram no poder até 15 de março de 78. Entregaram-no
ao Governador-geral Roque da Costa Barreto (Regimento de 23 de janeiro de 77; posse
naquele dia; e governou até 23 de maio de 1682).

De uma carta do Padre Vieira percebemos a novidade da situação e, com a afluência de


candidatos, a demora do despacho.
Morreu o governador do Brasil, e achou-se aquele Estado sem vias nem forma de sucessão em semelhante caso.
Deviam de se julgar por imortais os governadores do Brasil, porque este foi o primeiro que lá morreu, não sendo a
vida de quase todos mais necessária que para a ruína. Há mais de quinze pretensores ao posto e entende-se que o
levará quem menos é para ele.926

Nisto se iludiu. Foi nomeado Roque da Costa.

ROQUE DA COSTA

Sargento-mor de Batalha da Estremadura, mestre-de-campo-general, comandara Roque


da Costa um dos terços de Lisboa no reinado de D. Afonso vi, de quem foi valido, a ponto
de pôr o tio na reitoria de Coimbra.

O depoimento é de um grande da época:


Segunda-feira 21 do próprio mês de abril (1664), que foi dia de N. S.a dos Prazeres, saiu de Lisboa para Coimbra
Manuel Corte Real nomeado reitor daquela universidade. Alcançou-lhe esta dignidade o valimento com el-rei, de seu
sobrinho Roque da Costa Barreto que se empenhou grandemente para o conseguir.927

Era da súcia real:


Ia (el-rei) a Alcântara aos sábados à noite: no domingo, depois de jantar retirado só com Henrique Henriques, Roque
da Costa e alguns criados seus chamados pelo vulgo Valentes de el-rei se partia para Odivelas e assistia à freira até a
noite.928

A idade fez dele um militar de verdade e um administrador excelente. O elogio de Rocha


Pita (“Governo tão admirável”) reproduz conceito comum de contemporâneos e pósteros,
avivado pelos contrastes, entre esse quatriênio e o infausto período que se lhe seguiu.
Sentenciou Vieira: “Inteireza, desinteresse e exemplo de vida e constância de Roque
Barreto, deixará canonizada para sempre sua memória”.929

O REGIMENTO

Começava pela importância do Regimento dos governadores-gerais que trouxe (datado de


20 de março de 1677) e vigorou por mais de um século.930 Assegurava a unidade de
governo quanto à subordinação hierárquica dos capitães-generais ao da Bahia; estipulava
as faculdades que a este cabiam; marcava-lhe a jurisdição e indicava as soluções para os
problemas administrativos que tinham até então suscitado dúvidas e conflitos. Saberia
como proceder nos casos previstos e nas relações com os provedores, a magistratura, as
câmaras, os escrivães, a religião, os estrangeiros adventícios, os índios aldeados,
donatários, contratantes, senhores de engenho... Quisera o Conde de Óbidos organizar os
serviços do governo-geral: o Regimento de Roque da Costa deu-lhes forma. Ganhava a
colônia uma pequena “constituição” — restrita, é certo, ao mecanismo da administração,
porém capaz de limitar o arbítrio dos funcionários, que estariam contra a lei se
infringissem o Estatuto, explícito e sensato. Tirara-se-lhes também a permissão para
negociar, abuso que vinha dos primeiros tempos (com Mem de Sá) e enriquecera vários
antecessores de Roque da Costa. O governador devia governar... Este o fez, e
perfeitamente.

SÉ ARQUIEPISCOPAL

Esse período do triunvirato e do novo governador assinalou-se por felizes


acontecimentos.

Em atenção ao crescimento da colônia o príncipe regente em 1676 elevou a Sé da Bahia a


categoria metropolitana, e a catedrais as igrejas de Pernambuco, Maranhão e Rio de
Janeiro. A paz de Espanha e a conciliação com a Santa Sé permitiam que melhorasse a
organização eclesiástica. Confirmado pela Bula de 11 de maio de 70 — primeiro bispo
depois do dissídio provocado pela Restauração —, D. Estêvão dos Santos chegara à Bahia
em 15 de abril. Morreu em 6 de julho de 1672, com tempo apenas de impressionar os
colonos com as suas heróicas virtudes.931 Prosseguiu vaga a prelazia até o provimento —
que a Bula de 16 de novembro de 76 confirmou — de D. Gaspar Barata de Mendonça: este
não veio ao Brasil. Tomou posse por procuração (3 de julho de 77) e faleceu nove anos
mais tarde, no reino,932 depois de ter renunciado à mitra, que foi dada a um bom
franciscano, D. Fr. João da Madre de Deus (1683).

O Bispo de Pernambuco foi D. Estêvão Brioso de Figueiredo; do Rio de Janeiro, D. Fr.


Manuel Pereira; do Maranhão, o capucho D. Fr. Antônio de Santa Maria.

Em função da dignidade primaz, teve a Bahia Relação Eclesiástica (provisão de 30 de


março de 78).933

Ganhou ainda o seu primeiro convento de freiras.


Havia muitos anos, que os senadores, nobreza e povo dela o pretendiam, assim por acomodar as mulheres principais,
que não tinham dotes equivalentes para casarem conforme o seu nascimento, como por satisfazer aos suspiros de
outras, que pretendendo conservarem o estado virginal, e florescerem em santas virtudes, desejavam servir a Deus nos
votos e claustros da religião.

É verdade que a concessão restringia a cinqüenta o número das religiosas professas,


tanto se temia que acabassem os casamentos nas classes ricas, correndo as raparigas para a
paz do mosteiro cobiçada pela devoção, pela prudência e pelo interesse.

CONVENTOS

Os carmelitas descalços acabavam de fundar o seu convento grande de Santa Teresa, à


Gameleira.934 Com franciscanos, jesuítas, beneditinos, formavam uma clerezia opulenta.
Era justo amparar também as vocações femininas, em proveito da terra, que, de outro
modo, as famílias abastadas continuariam a mandar as filhas a professarem em Portugal.
Quatro clarissas de Évora (a abadessa Soror Margarida da Coluna, e as madres Maria de
São Raimundo, Jerônima do Presépio e Luísa de São José com duas servas) chegaram à
Bahia pela frota de 1677. Esperadas com ansiedade, acharam principiados os trabalhos de
sua vasta casa do Desterro, onde existia uma igrejinha em sítio tranqüilo, entre roças de
denso arvoredo, desde muito consagrado àquela fundação.935 Agasalharam ali a sua fé;
receberam logo — em janeiro de 78 — muitas noviças recrutadas na aristocracia da cidade
e seu Recôncavo; e construíram igreja e convento, que nada ficaram a dever aos melhores
do reino.

Dois anos depois os capuchinhos italianos (Fr. João Romano e Fr. Tomás de Sora)
fundaram o Hospício de Nossa Senhora da Piedade, transferido em seguida para os
capuchinhos franceses, já conhecidos na capitania.936

É uma fase de obras vultosas.

Resultara do incremento mercantil, da pacificação, da regularidade das frotas, também


da carta régia para que escalassem na Bahia as naus da Índia937 (1672) — motivo duma
animação urbana que se combinou com a riqueza e a iniciativa de moradores faustosos.
OBRAS URBANAS

As gravuras holandesas da Bahia em 1624 já assinalam, em paralelas, unindo as cidades


alta e baixa, os guindastes que a serviam. Conhece-se o aforamento de um deles, em 1627,
a Diogo Lopes de Évora. Em 1643 o antigo mestre-de-obras Pedro Gonçalves de Matos
teve licença para concluir o que construíra com dois pilares mais para a praça (sic), e que,
pelo visto, seria grande máquina.938 O dos jesuítas deu nome à rua: do Guindaste dos
padres. Começam por esses aparelhos de alçar mercadorias, numa brava tentativa de
reduzir as dificuldades topográficas da praça, a sua transformação no século xvii.
Estendeu-se aos paredões de arrimo e às ladeiras empedradas.

As chuvas de 1671 tinham causado vários desabamentos nas Ladeiras da Conceição e


Misericórdia. Apelou a câmara para a Coroa, pedindo-lhe concedesse fazer os muros
necessários. Começaram assim esses trabalhos de sustentação, que só se concluiriam
século e meio mais tarde.

Em 1637 tinha sido arrematada a construção das calçadas.939 Então — para obviar à alta
do peixe — se decidira fosse vendido em tujupares (palhoças), a preço fixo, no Terreiro de
Jesus.940 É imaginar a humildade da Praça por esse tempo. Quarenta anos depois já se
espalhava pelas colinas adjacentes, sem respeito às “portas” (São Bento e Carmo) do limite
antigo. Chamou-se da Pólvora o campo junto do Desterro, porque aí mandou Roque da
Costa edificar, com quartel anexo, a Casa da Pólvora. Povoou-se com isto o caminho da
igreja nova de São Pedro ao arrabalde de Nazaré. Aí a Rua da Poeira, mencionada num
soneto de Gregório de Matos. Abre-se a “de baixo de São Bento” como definitiva saída da
cidade dos seus muros quinhentistas.941

A Francisco de Brito Freire, escreveu Vieira em 1691, que, se como “noutro tempo,
governando alguma armada, entrara no seu formoso porto, não a conhecera. Eu a
desconheci, quando depois de 40 anos de ausência a tornei a ver muito acrescentada e
enobrecida de casas”.942 E Gregório de Matos:
Haverá duzentos anos,
Nem tantos podem contar-se,
Que éreis uma pobre aldeia,
Hoje sois rica cidade.
Então vos pisavam índios,
E vos habitavam cafres,
Hoje chispais fidalguias,
E arrojais personagens.943

Solares, que figurariam bem em Lisboa, ostentam altas portadas,944 linhas clássicas,
como o de João de Matos à Ladeira da Praça (data: 1674)...945 O Arcebispo D. Frei João da
Madre de Deus mudou-se “para o novo palácio que comprara”,946 substituído, no começo
do século seguinte, pela mansão construída por D. Sebastião Monteiro da Vide.

Faz-se, por esse tempo, em pedra portuguesa (segundo o desenho de São Vicente de
Fora em Lisboa e da igreja dos jesuítas de Santarém), a igreja da Companhia.947 Ao
majestoso templo corresponde uma sacristia em estilo e beleza comparável às melhores do
século, adornada de retábulos “qu’ils m’ont dit être des meilleurs Maîtres d’Italie”
(segundo um viajante de 1702).948 Reedificam-se o Carmo e São Bento,949 a Misericórdia
(concluída no princípio do século seguinte), a Sé950 — da qual disse o mesmo estrangeiro:
“Je n’en sache en France qui puisse lui être comparée”.951 Referia-se certamente ao
tamanho e à imponência barroca dos seus altos balcões, dos seus vastos altares. A capela
de São Pedro Velho transforma-se em suntuosa matriz.952 As do Rosário (dos soldados)953
e da Palma (cedida em 1693 aos agostinianos)954 têm arte e nobreza. No Campo do
Desterro, Roque da Costa Barreto manda construir a Casa da Pólvora — que deu o nome
a esse arejado lugar.

Até aí o luxo se limitara a roupagem, sedas e enfeites com que se afidalgavam os colonos
— como lhes exprobrou, no Maranhão, o pregador:
Todos a trabalhar toda vida, ou na roça, ou na cana, ou no engenho, ou no tabacal: e este trabalho de toda a vida,
quem o leva? Não o levam os coches, nem as liteiras, nem os cavalos, nem os escudeiros, nem os pajens, nem os
lacaios, nem as tapeçarias, nem as pinturas, nem as baixelas, nem as jóias; pois em que se vai e despende toda a vida?
No triste farrapo com que saem à rua, e para isso se matam todo o ano.955

A vida correra sóbria, desataviada, rústica: e pelas ruas estreitas em vez de carruagens
(que não havia na Bahia em pleno século xviii) desfilavam as “serpentinas”, ou redes
suspensas de uma vara em ombros de negros, ao gosto indiano...956 As mulheres saíam a
furto, às madrugadas, para ouvir missa; e os sujeitos de prol só eram vistos naquelas
“tipóias”, seguidos de escravos. À noite os encapuçados, de espada sob o braço e guitarra,
pervagavam, perigosos, com os guarda-costas.957 Mas os tempos mudavam.

Em 1685 espanta-se François Coréal:


O fausto religioso se mostra em toda a sua exterioridade. Não vi lugar onde o Cristianismo se apresentasse mais
pomposo do que nesta cidade, seja quanto à riqueza e multidão das igrejas, dos conventos e religiosos, ou quanto à
feição devota dos fidalgos.958

Outro francês, Froger, que passou pela Bahia em 1696, gabou-lhe a opulência dos
edifícios, sobretudo a igreja do colégio, mosteiros, sobrados e capelas.959
Casas de dois e três andares, paredes grossas, fachadas de cantaria, quase sempre enfeitadas por largas sacadas; telhas
por toda parte; não se viam tetos de materiais pobres. Largas as principais ruas, bem calçadas de pedras pequenas

— admirou, em 1699, William Dampier.960 “Grande entreposto comercial”, notou ainda


o viajante inglês:
Fazendas finas e grosseiras em abundância; roupas feitas, farinhas, óleo, vinhos, queijos e manteiga, ferro, objetos
manufaturados, sobretudo em estanho. As carnes salgadas tinham grande procura.

Um engenheiro hábil, João Coutinho, vindo de Pernambuco em outubro de 1684,961


planejou a melhoria ou reconstrução das fortalezas, que completasse o sistema defensivo
da Bahia, o mais importante destas Américas. As suas plantas — aprovadas pelo Conselho
Ultramarino — serviram de base para as obras realizadas no decênio seguinte, pelo
Governador D. João de Lencastro.

A civilização, porém, segue de perto a conquista do solo. Não bastaram os conventos de


Sergipe do Conde, São Francisco do Paraguaçu e Cairu.

O Padre Alexandre de Gusmão ousou levantar, perto de Cachoeira, um seminário e a


sua igreja (de Belém) com o aparato e o primor das melhores da capital (1686).962 Logo
depois os carmelitas, chamados ao porto de Cachoeira pelo Coronel João Rodrigues
Adorno, lançaram os fundamentos ao seu amplo hospício (1688).963

HIGIENE E DEFESA

A epidemia de 1686 obrigou governo e vereadores a cuidarem da limpeza e higiene


urbana. “Dizem-me que são poucos os (lugares) que nesta cidade há donde não haja
monturos, sendo o Terreiro o maior deles”, declarou à câmara D. Fr. Manuel da
Ressurreição, em 30 de outubro de 1688. “A corrupção de todos infecciona os ares, e
sendo antes benignos são hoje os que pervertem a saúde, e ajudam mais eficazmente a
malignidade que quase faz contagiosas as doenças”.964

Contribuía para a insalubridade a grossa importação de negros da África com todas as


mazelas e febres que os consumiam nos seus climas doentios. Eram tantos que os jesuítas
se aplicavam a estudar-lhes a língua: “A etiópica, com que só nesta cidade se doutrinam e
catequizam 25 mil negros, não falando no infinito número dos de fora”.965

XXIII: PROSPERAM AS CAPITANIAS

SERGIPE

As guerras holandesas destruíram o melhor do esforço português entre o Rio Real e o


Cabo de São Roque. Mais sofreram Sergipe e Rio Grande do Norte, cuja riqueza pecuária
foi dissipada ou removida, com a depredação dos ralos núcleos de povoamento
duplamente flagelados, pelos invasores e pelos defensores da terra. A zona de criação
aquém do São Francisco tivera a maior importância até o período agudo daquelas lutas.
Currais numerosos, “de que se sustenta a mesma Bahia e Pernambuco”,966 ocupavam a
região em pouco tempo devastada, e praticamente sem povoação alguma de pé, em 1650,
quando o governo-geral se decidiu a auxiliar a reconstrução da “cidade” de São Cristóvão.
Escreveu o Conde de Castelo Melhor ao Capitão-mor Baltasar de Queirós: “Desejando eu
que essa cidade se reedifique e a capitania se aumente de maneira que brevemente se
restitua a seu antecedente ser, e felicidade”,967 o limite desta devia ser ao sul o Rio
Japaratuba, e ao norte a capitania do Rio de São Francisco.968 Os moradores de Sergipe
queriam cobrar as fintas de passagem do São Francisco, o que se lhes impediu, por
caberem já à Vila de Penedo. Deu-se-lhes em compensação as do Rio Real, cujo produto
tinham de aplicar às obras da cidade.969 Andavam então exaltados os munícipes de São
Cristóvão. Expulsaram o vigário, amotinaram-se, prometeram outras violências
acaudilhados pelo Capitão Manuel Pestana de Brito. Foi aquietá-los um sindicante
enérgico, o Desembargador Bento Rebelo (1656). Estranhava o governador-geral que
tanta fosse ali a “ambição de tabaco que se esquecessem as roças”,970 “pois o lucro das
malhadas de fumo”, para atenuar a perda dos gados, causara, com a falta de farinhas, a
escassez de alimentos... Acomodados em 1657, os sergipanos voltaram a rebelar-se em
1671, pondo fora da vila o Capitão José Rebelo Leite, que foi substituído por João
Munhoz, o primeiro a levar da Bahia instruções pelas quais devia reger a capitania.971 Viu-
a Gregório de Matos (1690?) e descreveu a “cidade de Sergipe del-Rei”.
Três dúzias de casebres remendados,
Seis becos de mentrastos entupidos,
Quinze soldados rotos e despidos,
Doze porcos na praça bem criados.
Dous conventos, seis frades, três letrados,
Um juiz com bigodes sem ouvidos,
Três presos de piolhos carcomidos,
Por comer dous meirinhos esfaimados.
[...]
Farinha de pipoca, pão que greta,
De Sergipe del-Rei esta é a cidade.972

AS ALAGOAS

A capitania de São Francisco, as Alagoas e o Rio de São Miguel formavam três distritos
unidos na jurisdição de um coronel das Ordenanças, Luís do Rego Barros, em 1674.973 A
primeira abrangia Penedo e o sertão da margem esquerda, que voltara a encher-se de
currais, a ponto de serem inumeráveis os gados — de ordinário transportados para a
Bahia — ao começar o século xviii. Pelo São Francisco acima, “até as povoações dos
Rodelas, e pelo Rio Panema acima, Comunati, Campos do Buíque, Campos de
Garanhuns”,974 se distanciavam os vaqueiros dos núcleos agrícolas de Porto Calvo e
Serinhaém, incluídos no ambiente social da “várzea”. Os engenhos de açúcar sofreram o
flagelo da “guerra dos Palmares”: só se libertaram da vizinhança e influência dos
Mocambos de 1694. A criação da comarca das Alagoas — separada de Olinda —
justificou-se em seguida pelo povoamento do território entre as Alagoas do Norte e Porto
Calvo e o porto de Penedo.975 Perto, no São Francisco, dando nome à cachoeira, havia em
1704 a “Tapera de Paulo Afonso”; e uma barca, no Juazeiro, servia aos viajantes...
RECIFE E OLINDA

Pernambuco refez-se depressa dos estragos e da miséria que atrás de si deixaram os


holandeses.976

Teria Olinda de renascer — de suas ruínas tostadas de vários incêndios. Reduzira-se o


Recife a alguns bairros de mercadores terrivelmente depredados, que não dariam idéia da
prosperidade de outrora. Da Mauricéia, pouco ou nada restava. “Arrasaram eles (os
holandeses) aquela parte da mesma cidade que edificaram, que podia ser útil às armas de
Vossa Majestade, só por conservarem o Recife”.977 De pé, ficavam as igrejas profanadas. O
primeiro trabalho consistiu em reaparelhá-las, fazendo-se simultaneamente outras para as
exigências do culto, agora que o exacerbava o triunfo sobre o “herege”. Instalou-se na do
Corpo de Deus, transformada pelos invasores em templo protestante, a matriz do Recife.
Nela fora sepultado em 1639 o sobrinho de Nassau, João Ernesto. Seu primeiro vigário
chamou-se Manuel Dias de Carvalho. Ganharam os jesuítas (ordem régia de 26 de abril de
55) bom sítio para o novo colégio: onde houvera a igreja de calvinistas franceses.
Voltaram os franciscanos ao Convento de Santo Antônio, fundado na sua ilha em 1606.978
Os capuchinhos franceses, tolerados pelos flamengos, começaram a estabelecer-se (1656)
no terreno doado pelo Capitão Belchior Alves Camelo. É possível que este benfeitor,
capitão-mor do São Francisco, os atraísse às missões no grande rio. Tais obras,979 por
outro lado, asseguravam ao Recife a continuidade. Em detrimento de Olinda, protestaram
os senhores de engenho, a quem repugnava a povoação do porto, com a ganância dos
mercadores e a sua tradição flamenga, em contraste com a largueza (e o ar nobre) da sua
vida rural. Não tardou o conflito — à roda desse problema — entre o Governador-geral
Francisco Barreto, partidário da conservação do Recife, e André Vidal de Negreiros,
homem de sua classe, que preferia a restauração de Olinda.980

RESTAURAÇÃO DA VILA ANTIGA

Aprovou el-rei a mudança “do dito governador (Vidal) para a Vila de Olinda, sem
embargo de se fazer sem aprovação minha e encomendar-vos muito, como ora faço, que
com todo cuidado mandeis tratar da conservação do Recife”, onde ficava a alfândega, com
a infantaria.981

Pode ler-se o seu nome no fragmento da pedra comemorativa da construção da casa do


governo em Olinda (que se guarda no Instituto Arqueológico Pernambucano). Como
outra lápide provinda do mesmo edifício tem a data de 1666, entre ambas, 1657 e 1666, se
situa o reerguimento da velha capital de Duarte Coelho, da Nova Lusitânia de Bento
Teixeira. Ali e não no Recife enfrentou André Vidal a cólera do seu general das passadas
batalhas — e o povo descontente depôs Jerônimo de Mendonça Furtado, como se dirá.

LUTA DE JURISDIÇÕES
Desavindos a propósito da transferência da sede do governo, entraram Barreto e Vidal em
luta aberta quanto às nomeações para os lugares da tropa. Competiam ao governador-
geral na Bahia, sustentava o primeiro; e queria, obstinado, o segundo que continuasse isso
na sua jurisdição. Como não se entendessem, decidiu abruptamente Barreto suspender
das suas funções André Vidal; e remeteu para substituí-lo (com ordem de recorrer às
armas se necessário) o Mestre-de-campo Nicolau Aranha Pacheco (o mesmo que lhe
servira de alferes no começo da guerra patriótica). O Desembargador Cristóvão de Burgos
foi encarregado de instaurar o respectivo processo. Prudente, o paraibano reconheceu a
autoridade do governador-geral, antes que a desinteligência descambasse para a rebelião;
e por sua vez a corte reprovou duramente a energia descompassada de Francisco Barreto.
Serviu o episódio para reafirmar a hierarquia administrativa, que sobrepunha aos
capitães-generais das capitanias o governador-geral do Brasil.982

BRITO FREIRE

A André Vidal, nomeado governador de Angola, sucedeu no governo de Pernambuco (26


de janeiro de 1661) o ilustre Francisco de Brito Freire. Na qualidade de segundo e
primeiro comandante da frota de 1653 e de 1655 estivera no Brasil. Tinha missão
complementar e secreta, como lhe recordaria o Padre Antônio Vieira.
Lembro-me agora de quando a rainha-mãe, por conselho dos Condes de Cantanhede e Soure, enviou a V. S., não só a
governar Pernambuco, mas para prevenir a seus filhos uma retirada segura, no caso em que algum sucesso adverso,
que então muito se temia, necessitasse deste último remédio. E também V. S. estará lembrado de que S. M. me
mandou passar do Maranhão, onde então estava, para assistir a V. S. e se seguir o roteiro que el-rei, que Deus tem,
tinha prevenido, como tão prudente, para o caso de semelhante tempestade, e se achou depois de sua morte em uma
gaveta secreta rubricado de sua real mão com três cruzes. [...] V. S. me guardará segredo.983

Nesta precaução se ocultava uma idéia, espécie de talismã da dinastia de Bragança: o


Brasil, se faltasse Portugal. Acariciou-a D. João iv, como nos revela o seu confessor;
alimentou-a D. José i; realizou-a D. João vi. Estava na “gaveta secreta” da família... Que de
admirar, pois, se na sua administração pernambucana Francisco de Brito exorbitou,
subordinando a ela as capitanias vizinhas, como lhe estranharam os governadores-gerais,
empenhados depois em que estas se conservassem desligadas do Recife e submetidas à
sede do estado, que era a Bahia? O vice-rei Conde de Óbidos nisto se mostrou
intransigente. Em carta ao governador de Pernambuco (26 de abril de 1664) — Francisco
de Brito deixou o poder em 5 de março — acentuou que na jurisdição dele cabiam apenas
“as capitanias anexas”, “Porto Calvo, Serinhaém, Lagoas e Rio de São Francisco, porém,
teriam capitães-mores”. Itamaracá, cujo donatário era o Marquês de Cascais, passara à
Coroa após a Restauração de Pernambuco: portanto fugia àquele domínio.
A jurisdição que Francisco de Brito Freire (a quem Vossa Mercê sucedeu) quis ter na Paraíba, e Rio Grande, fundado
também nessa palavra comum, das mais capitanias anexas, ocasionou mandar el-Rei meu Senhor escrever a Francisco
Barreto a carta, cuja cópia enviou com esta a V. Mercê, estranhando-lhe deixar perder a sua jurisdição, e consentir que
um súdito seu pretendesse entrar nela.984

Bem governara, porém, o honrado fidalgo.


O “XUMBERGA”

Não foi assim Jerônimo de Mendonça Furtado.985 Impopularizou-se, malquisto dos


personagens da terra; ofendeu os melindres da Câmara de Olinda; alienou a simpatia dos
militares veteranos, como os chefes dos dois terços, Antônio Dias Cardoso e D. João de
Sousa.

É compreensível a conspiração que o pôs fora do governo: traduzia o sentimento


nativista, no orgulho da gente pernambucana ainda próxima dos gloriosos
acontecimentos de 1645. As cóleras que explodiram em 1710, na “guerra dos mascates”,
esboçam-se, prévias, na agitação de 1666. André Vidal, imbuído do espírito dos senhores
de engenho da região, recuara com prudência na sua política de “autonomia”: e cedera. Os
olindenses foram mais longe: prenderam o mau governador, que lhes fizera o serviço de
instalar novamente na sua vila, coberta de destroços, a sede da capitania.986

O pretexto foi a permanência no porto de uma frota francesa de doze navios, procedente
da Ilha de São Lourenço, do mando do Marquês de Montevergue. Jerônimo de Mendonça
tratou bem os viajantes, com muitas festas, ao gosto do tempo e do lugar, isto é,
banquetes, cavalhadas e serenins. Vereadores e militares tomaram a cordialidade por
traição, vendo o propósito — ao que se espalhou — de meter estrangeiros na terra, e se
conluiaram, para depor o “Xumberga”, o juiz ordinário André de Barros Rego, Lourenço
Cavalcanti e João Ribeiro, membros da Câmara de Olinda, Domingos Dias Soeiro,
procurador desta, o secretário do governo Manuel Gonçalves Correia, João Batista Accioli
e João Gomes de Melo.

O golpe foi engenhoso.

Costumava o governador acompanhar o Viático, que, processionalmente, ia à casa dos


enfermos cuja agonia se anunciava. Saiu na tarde de 31 de agosto (1666) o Santíssimo
Sacramento às mãos do vigário para um doente simulado; e à volta, ao deixar a igreja
Jerônimo Furtado, lhe deram voz de prisão os conspiradores, e o transferiram para o
Forte do Brum, donde foi remetido, na frota seguinte, para o reino.987 Depredaram além
disso várias casas, e detiveram os amigos do governador, a modo de expurgo, cuja
responsabilidade tomaram os dois mestres-de-campo de Pernambuco.

O vice-rei não mandou castigar o delito. Tendo a Câmara de Olinda tomado o governo,
à espera de quem fosse provido nele, nomeou André Vidal de Negreiros (empossou-se em
24 de janeiro de 1667)988 — como filho do país, que se faria obedecer dos revoltosos.
Aquietaram-se estes. Seis meses durou a administração apaziguadora do herói paraibano
substituído por Bernardo de Miranda Henriques (que governou até 28 de outubro de
1670).

A época do “Xumberga” assinalou-se por outros males: a epidemia de bexigas (chamou-


lhes o vulgo “xumbergas”), “e foi tão grande a mortandade que o pároco só não bastava
para administrar os Sacramentos, sendo necessário que os religiosos o coadjuvassem nesta
piedosa obrigação”.989 O contágio andou por todo o Norte e fez na Bahia grande
estrago.990 É compreensível isto — até pela ausência de medicina... Ainda em 1670 o
governador-geral escreveu ao do Rio de Janeiro: “Vejo o que V.

S. diz sobre o médico, quatro há nesta cidade, são poucos para tão grande povo. Em
Pernambuco havia um, e por lhe não pagarem se veio também para a Bahia onde
morreu”.991

PARAÍBA

Mais depressa se reergueu a Paraíba, porque não a flagelaram, na zona litorânea, tapuias e
escravos fugidos, como no Rio Grande, no Ceará, nas Alagoas. Participava além disto da
dupla vantagem de ter engenhos de açúcar que voltaram a moer (dezessete antes da
guerra e em 1666 “dezessete, se não forem mais”)992 e campos excelentes para os gados
que os supriram — e a Pernambuco.

Um morador da Bahia, João Peixoto Viegas, logo em seguida à restauração obtivera seis
léguas em sesmaria e introduziu “grande quantidade de gado que mandou levar desta
capitania da Bahia” (por não haver naquela) “pela distância de 180 léguas, [...] no que fez
notável serviço e aumento às rendas de S. M. porque logo lhe ficou possível pelos bois dele
suplicante a lavoura e fábrica dos engenhos d’açúcar que se foram fazendo”.993 Aos
paraibanos não faltava orgulho nativista, com o sentimento da vitória recente. Para
premiá-los mandara Francisco Barreto a André Vidal, governador de Pernambuco, que
enviasse por guarnição à Paraíba duzentos soldados, mas naturais dela994 — numa
homenagem feita às suas tradições e aos seus sacrifícios. Governou-a em 1655 João
Fernandes Vieira. Para suceder-lhe foi um filho da terra, o velho Matias de Albuquerque
Maranhão995 — (1657–63). Substituiu-o outro capitão-mor brasileiro, João do Rego
Barros (1663–70). Prosperou assim a capitania. Os beneditinos tornaram para o seu
convento com Frei Paulo do Espírito Santo, em 9 de junho de 1655.996 Os jesuítas
fundaram a missão do Pilar, de índios cariris, em 1670. Dez anos depois criou a Coroa a
ouvidoria da Paraíba, com jurisdição sobre o Rio Grande e Itamaracá.997

RIO GRANDE

Ao largarem os holandeses o Rio Grande, pouco mais do que a Fortaleza dos Reis Magos
(“a melhor que tem o estado”)998 aí ficou de pé. Devastados ou desertos os currais, os
tapuias de novo na costa, as aldeias abandonadas, convidavam a um largo esforço de
repovoamento antes que os corsários estrangeiros se misturassem uma vez mais com os
janduís, seus aliados históricos.

“Para povoar essa capitania com mais brevidade”, mandou Francisco Barreto que
permanecessem junto à fortaleza oitenta casais de índios descidos do Ceará.999 Em 1655
ainda não se lhes dera sacerdote.1000 Os jesuítas voltaram.1001 Saíram do Vale do São
Francisco alguns pioneiros, Antônio d’Oliveira Ledo, irmãos e sócios1002 — seduzidos
pelos campos do Rio Grande onde os gados tinham mercado próximo (Paraíba e
Pernambuco) e pastagens incomparáveis. Descobriram o sertão. Fizeram os seus arraiais.
Também o Capitão Bento da Costa “se transportou para esta capitania do Rio Grande
com grande cópia do gado o qual tem sitiado em um sítio que está devoluto nos ribeiros
de uma lagoa chamada Papissara do sertão”.1003 Ao findar o século o governador-geral
lembrou ao de Pernambuco:

Sei eu (e vós me haveis de confessar) que dos gados do Rio Grande1004 se sustentam os povos dessa capitania e das
outras duas (Itamaracá e Paraíba); que da sua carne resulta o imposto que se paga para a infantaria; e de seu serviço a
permanência de todos os engenhos e canaviais de Pernambuco; e que dos açúcares que nela se lavram depende a carga
de frotas e o comércio mercantil; sem o que não se pode conservar essa praça: logo por precisa conclusão vem essa
capitania a ser a mais empenhada, ainda que as duas vizinhas se não percam, em se defender e conservar a do Rio
Grande, de que tão essencial dependência têm essas do Norte.1005

Razão havia para esse zelo. A guerra do Açu, ou revolta geral dos janduís (de que damos
notícia em capítulo à parte) fez supor a cumplicidade de piratas franceses, coincidente
aliás com o surto da colonização européia nas Guianas ameaçando as balizas portuguesas
da Amazônia. Exigiu uma concentração de reforços a lembrar a guerra aos petiguares do
Ouvidor Fernão da Silva e de Frutuoso Barbosa. Valeu por uma reconquista — 1687–94
— que abreviou as distâncias entre Pernambuco, ainda o centro da irradiação militar e
espiritual do Nordeste, e o Ceará e o Maranhão, até aí desligados do resto do Brasil.

Achou-se (1693) que os tapuias não serenariam sem a distribuição de arraiais de índios
de várias tribos — vindos do Ceará Grande — pelas margens do Jaguaribe e do Açu.
Custódio de Oliveira Ledo fundou o primeiro, Mamanguape, com cariris e piancós.1006
Seu irmão, Teodósio de Oliveira Ledo, incumbiu-se de outra “aldeia das Piranhas”.1007
Informou então o mestre-de-campo dos paulistas, Morais Navarro: “Esta capitania é tão
miserável que de Pernambuco lhe vai todos os anos farinha para o presídio que nela
tem”.1008 O Governador-geral D. João de Lencastro mandou-lhe da Bahia o Padre João
Guinzel, da Companhia, para aldear os tapuias do Açu1009 protegendo-os dos paulistas em
franco dissídio com o Capitão-mor Bernardo Vieira de Melo. Essa rusga, junta às
privações que arrostou o terço de Matias Cardoso e Morais Navarro, epilogou a ação
valorosa dos mamelucos de São Paulo naquela fronteira do Rio Grande.1010 Revelou
também a personalidade do “potentado” pernambucano, cujo nome de guerra, adquirido
na destruição dos Palmares, havia de ligar-se à primeira explosão nativista do século
seguinte: o conflito “dos mascates” (1710).

CEARÁ

Expulsos os flamengos — do Ceará de Martim Soares — (depois disto submetido à


jurisdição de Pernambuco), restava somente o forte arruinado. Aí novamente se alojou
uma guarnição. À sombra desse baluarte vegetou — durante o século xvii — uma escassa
população de brancos e índios sem forma de cidade (a Vila de Fortaleza é de 1725) e sem
igreja além da capela do presídio onde oficiava o capelão da tropa. Em 1696 escreveu el-
rei: “Viu-se a vossa carta (do ouvidor da Paraíba) de 20 de abril deste ano em que
representais ser conveniente o criar-se na capitania do Ceará Grande, câmara com juízes,
vereadores e escrivão pela falta que faz”.1011 E em 1697:
O capitão da capitania do Ceará Pedro Lelou me deu conta em carta de 30 de agosto do ano passado em como aquela
capitania em seu princípio não carecia de quem lhes administrasse justiça por não haver nela mais que gentios
domésticos e soldados de guarnição de fortaleza e como hoje estava povoada com mais de 200 moradores e esses não
tinham ministro nem oficiais que lhes dissessem as dúvidas e sentenciassem as causas.1012

O campo à volta pertencia à catequese prudente e tenaz dos jesuítas, a partir de 1656.
“Os padres da Companhia haviam reduzido uma grande quantidade de índios que
habitavam as terras da costa do Ceará, sobre o Rio Grande e mais de 200 léguas de
distância”.1013 O paulista Morais Navarro contou-lhes as aldeias, em 1694 — “Ceará
Grande tem Cabucaíva (Caucaia), Parangava, Paupina,1014 Peramirim, duas aldeias de
Jaguaribaras todas estas bem cheias de índios”. Três anos antes morrera o Padre Pedro
Pedrosa, após ter acomodado os tabajaras da serra do Ceará:1015 desses estabelecimentos
irradiaria a colonização metódica e pacífica.

Em 1698 queixou-se o Bispo de Pernambuco do virtual abandono das aldeias pelos


jesuítas, nelas substituídos pelos padres da Congregação de São Filipe Néri, tendo à frente
“o Padre João Álvares servo de Deus”,
e ainda ao presente continua, tendo duas a seu cargo, correndo as outras por conta de dois clérigos, que mandei para
elas logo que tive notícia do desamparo em que estavam. Cresceram os moradores e aumentou-se a povoação
(informa o prelado) de sorte que se instituiu paróquia dando-se-lhe por matriz a mesma capela da fortaleza, em que se
conserva até o presente; ficando o mesmo capelão sendo vice-vigário nomeado pelo bispo.1016

Não era bem assim.

Os jesuítas, atormentados nas aldeias da costa pelos soldados e capitães que lhes tiravam
os catecúmenos, expostos, além disto, à luta com os tapuias que lhas rondavam, em
intermitentes investidas (a “guerra do caju”) — preferiram limitar a área de seus trabalhos
à populosa Ibiapaba.1017 Aí construíram o primeiro hospício que se lhes concedeu no
Ceará (mandando el-rei, em 1721, dar-lhes para isto 6 mil cruzados). O segundo foi
Aquiraz — no século imediato, quando a capitania se beneficiou de um progresso geral.

A guerra dos janduís aproveitou ao Vale do Jaguaribe: porque foi invadido pelos gados
do Rio Grande tangidos pelos vaqueiros que fugiam à ferocidade do tapuia e à brutalidade
dos outros “senhores do sertão”.1018

Vale dizer que as fazendas de criação — depois que se aquietaram os índios — tiveram
acolá uma dupla origem: resultaram do êxodo dos moradores do Apodi, Piranhas,
Cunhaú; e, em progressão do Sul para o Norte, da expansão sertanista que, pelo rumo de
Pajeú e serra entre Pernambuco e Paraíba, partira do Rio de São Francisco com a Casa da
Torre.1019

Os missionários catequizaram jaguaribaras e cariris. Os catecúmenos fizeram-se


pastores. Duas gerações mais — e os sertões quentes, onde a água rareia, ao longe
bordados de colinas verdejantes, começaram a ser cortados pelos rebanhos.

XXIV: OS JESUÍTAS NO NORTE

A ÁREA AMAZÔNICA

Em 1652 começa uma grande época da colonização religiosa.

Os missionários realizam entre o Maranhão e o Amazonas tarefa equivalente à dos


sertanistas entre o Tietê e o Paraguai, quanto à dilatação das fronteiras e à expansão
portuguesa: porém única, no seu propósito de aliar à civilização o índio e catequizá-lo,
salvando-o.

Em 1652 os pólos da geografia política do Brasil são o Pará e São Paulo.

Os pioneiros no planalto meridional destroem as massas indígenas, abrindo espaço ao


domínio do mamaluco e do branco; mas os padres na Amazônia defendem o selvagem,
restringindo as atividades dos colonos, ávidos de braços escravos.

Ao Norte forma-se com isto uma sociedade que, em alguns aspectos, lembra o Paraguai
jesuítico, e em que prepondera a influência tapuia, do gentio domesticado; enquanto no
Sul este vai desaparecendo, na eliminação gradual das “nações” dissolvidas.

Certo, a região amazônica, densamente ocupada por inúmeras tribos dóceis,1020 de ágeis
canoeiros protegidos pela vastidão do rio correntoso e ignoto, jamais poderia ser investida
por homens de guerra, encarniçados contra o nativo. A posse do vale exigia, preliminar, o
seu apoio, Não se concluiria sem a sua amizade. Requeria-lhe o préstimo de guia, de
conhecedor da natureza que assombrava o forasteiro, de dono dos seus segredos — no
labirinto dos igarapés serpeando pela selva inextricável. Bento Maciel e os companheiros,
na hora primeira da história do Pará, trucidaram, um pouco por toda parte, tapuias
espantadiços. O resultado foi limitar-se então a penetração portuguesa ao curso do rio,
onde as caravelas com facilidade destroçavam almadias indígenas: para desembarcar e
infiltrar-se pelas margens, tateando terra firme, necessitou da ajuda do padre e de sua
persuasão sobre os naturais, logo dispostos à conversão e serviço dos adventícios. A um
aceno do franciscano que acompanhava Luís Aranha de Vasconcelos,1021 centenas deles se
apresentaram — e, combatendo os aruãs, expulsaram de seus fortes e tabacais holandeses
e ingleses. Os europeus são sempre em número diminuto. A desproporção dos
povoadores para a largueza da conquista lembra os portugueses na Índia, em tempo de
Albuquerque: um troço de bravos em face de populações compactas e espantadas. A
pretensiosa cidade do Maranhão, sede do estado, em 1636 (segundo Bento Maciel
Parente) tinha 250 moradores e 60 soldados. Em 1660 não contava mais de 600
habitantes. E Belém, com 80 moradores e 50 soldados em 1636, trinta anos depois era
cidade de apenas 400 almas.1022

“Tudo quanto há na capitania do Pará — testemunhou Vieira — tirando as terras, não


vale 10 mil cruzados, como é notório”.1023

Os nomes são grandíloquos: Maranhão, Pará...; porém a realidade mesquinha


(povoações de palhoças, rala guarnição, meia dúzia de sacerdotes e alguns funcionários)
diante de um mundo estranho e sem medida.1024 De jesuítas são os olhos que o vêem e
avaliam.

Exploram-lhe a imensidade, estudam-no (com o senso das ciências naturais de Nóbrega,


Anchieta, Cardim) e o descrevem nos seus mapas — os que se conhecem da Amazônia até
a excursão de La Condamine, no meado do século seguinte.1025 Melhor: aprendem o falar
dos índios, e os doutrinam.
Na antiga Babel houve 72 línguas; na Babel do Rio das Amazonas já se conhecem mais de 150, tão diversas entre si
como a nossa e a grega: e assim quando lá chegamos, todos nós somos mudos, e todos eles surdos. Vede agora quanto
estudo e quanto trabalho será necessário, para que estes mudos falem, estes surdos ouçam.1026

Quatro anos depois exultava o Padre Vieira: “O estado da missão, em suma, é ser ela a
maior em número de almas, e a mais disposta a receber os meios da salvação, de quantas
hoje tem a Igreja”.1027 “A maior empresa que tem a Companhia e porventura a mesma
Igreja, onde só o número das nações bastaram para assombrar o mundo”.1028

EM FAVOR DO ÍNDIO

A corte de Lisboa decidiu-se a dar impulso novo às missões do “Estado do Maranhão”,


graças a dois incidentes: a rivalidade entre os religiosos seculares, que já lá estavam, e os
jesuítas (tão protegidos de D. João iv); e as queixas de Inácio do Rego Barreto, capitão-
mor do Pará suspenso pelo Governador Luís de Magalhães. Fora também demitido o
Vigário-geral Mateus de Sousa Coelho. Pediram justiça — e os jesuítas com eles — tanto
por que se obviasse de futuro à arbitrariedade da administração, como para que de vez se
organizasse a catequese.

O Padre Antônio Vieira empregou o seu valimento para que assim se fizesse. Foi o Pará
separado do Maranhão (provisão de 25 de fevereiro de 1652). Voltou Inácio do Rego para
Belém. Para substituir Magalhães veio Baltasar de Sousa Pereira. Traziam instruções para
obstarem aos resgates, impedindo a opressão dos índios pacíficos.
Nessa política — de suprimir a escravidão do gentio — definiam os jesuítas uma atitude
franca, corajosa em face da impiedade reinante no Brasil, previamente heróica. Teriam de
lutar; e lutaram.1029 De resto, amparados pela Coroa, continuavam a tarefa encetada pelo
Padre Luís Figueira. Di-lo Vieira: “Seguindo os desígnios do Padre Luís Figueira e as
ordens de S. M., em que manda que edifiquemos casas e igrejas nas três capitanias do
Maranhão, Pará e Gurupá”.1030

O destemido missionário que vimos, em 1607, dar sepultura em Ibiapaba ao primeiro


mártir do Norte, seu companheiro Antônio Pinto, prosseguira o apostolado no Maranhão
e no Pará, até 1637. Recolhera-se então à metrópole, para angariar subsídios, sacerdotes e
ordens régias, indispensáveis à ampliação das missões.1031 Voltou em 1643 com quatorze
padres. Naufragou o barco, nos baixios à entrada de Belém. Parte da tripulação (e o
Governador Pedro de Albuquerque) salvou-se em botes. Figueira e onze religiosos
valeram-se de uma jangada feita com os destroços da embarcação. Mas a correnteza os
lançou à Ilha de Joanes (Marajó) onde os ferozes aruãs os mataram a todos. Com essa
chacina se interrompeu um largo projeto de colonização espiritual: retomou-o nove anos
depois Antônio Vieira.

VIEIRA NO MARANHÃO

Não seguiu em 22 de setembro (1652) com a primeira turma de religiosos, solicitado pelos
interesses que ainda o prendiam a Lisboa, mas em 25 de novembro, contra a vontade,
premido pela ordem dos superiores e deixado ir por el-rei...1032 “Deus quis que com
vontade ou sem ela eu viesse. [...] Venceu Deus! Eu agora começo a ser religioso!”.
Chegou Vieira a São Luís em 26 de janeiro de 53. Ato contínuo fizeram os padres o seu
colégio, com a invocação de N. S.a da Luz, perto da fortaleza — dominando escrúpulos e
hostilidades dos moradores, que os receberam em tom de revolta. Iniciou-se a luta — com
os escravizadores de índios — no instante em que lá puseram o pé: “No mesmo dia em
que cheguei a ela, ouvindo os Roncadores, e vendo o seu tamanho, me moveram a riso,
como a ira”.1033 Vieira não receou ou evitou o conflito. Logo a 22 de maio assomou ao
púlpito para definir a doutrina: perdiam as almas os detentores de índios que os
exploravam na roça ou portas adentro. “Não há maior maldição numa casa, numa família,
que servir-se com suor e com sangue injusto. Tudo vai para trás: nenhuma cousa se logra,
tudo leva o diabo”. Nem valeria permissão régia em contrário: “El-rei poderá mandar que
os cativos sejam livres; mas que os livres sejam cativos, não chega lá sua jurisdição. Se tal
proposta fosse ao reino, as pedras da rua se haviam de levantar contra os homens do
Maranhão”. Exprobrou-lhes: “Ah, fazendas do Maranhão, que se esses mantos e essas
capas se torceram, haviam de lançar sangue!”. E pediu que os colonos se acomodassem à
regra de fazerem aprovar por uma junta as entradas que fossem ao sertão buscar índios
“em corda” ou “tomados em guerra justa”, os quais seriam distribuídos (“de sorte que
nesta forma todos os índios deste estado servirão aos portugueses”) mediante bem
humilde salário: “Duas varas deste pano” de algodão, “que valem dois tostões!”.1034
D. João iv entretanto, às primeiras reclamações dos maranhenses, expediu a provisão de
17 de outubro de 53, por que se considerassem cativos os índios apanhados em guerra
justificada ou resgates;1035 e mesmo o Padre João de Sotto Maior, reitor do novo colégio,
teve de assinar nos livros da câmara um termo, de como os missionários não se
envolveriam na questão de escravos e libertos.1036 Em Belém, onde chegou em 5 de
outubro, assumiu Vieira compromisso idêntico. Era compreensível: “[...] fundados todos
em serem os índios o único remédio e sustento dos moradores, que sem eles pereceriam”.
Mas fremia em irritação incontida: “O remédio que isto tem (e não há outro) é mandar V.
M. que nenhum governador ou capitão-mor possa lavrar tabaco nem outro algum gênero,
nem por si nem por interposta pessoa, nem ocupem nem repartam os índios”.1037 Não
transigia além do razoável: cativeiro justificado pela guerra, ou fosse de tribos adversas... E
enveredou rio acima com a bandeira chefiada pelo ferreiro Gaspar Cardoso — seu
primeiro contato com a selva e o selvagem.
Partimos para o Rio dos Tocantins, eu e outros três religiosos, todos sacerdotes teólogos e práticos na língua da terra, e
dois deles insignes nela. Navegamos pelo rio acima 250 léguas; chegamos ao lugar onde estavam os índios que íamos
buscar; e Gaspar Cardoso foi o que conforme o seu regimento governou sempre tudo.1038

Desceram uns mil caboclos, em parte divididos pelos soldados, reunidos os restantes na
aldeia de Morajuba, certamente — insinua Vieira — para trabalhar nas roças do capitão-
mor. Indispensável era proibir aos não-religiosos a entrada aos sertões, reservado o trato
do gentio aos padres, que cuidariam de juntá-los sem os maltratar ou corromper, e de
modo que fossem entregues aos lavradores apenas “os de corda”, ou condenados à morte
salvos pela intercessão dos missionários.1039

Os da terra não pensavam assim. Em 13 de junho de 54 fustigou-os o pregador — no


Maranhão — com o sutil “Sermão de Santo Antônio”, em que figurou o padroeiro a falar
aos peixes, se não o ouviam os homens, imagem que lhe facultava dizer verdades duras.
Cuidais que só os tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos.
[...] Importa que, daqui por diante, sejais mais repúblicos e zelosos do bem comum, e que este prevaleça contra o
apetite particular de cada um. [...] Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça, ou na cana, ou no engenho, ou no tabacal:
e este trabalho de toda a vida, quem o leva? [...]. No triste farrapo com que saem à rua e para isso se matam todo o ano.

Chasqueou dos recalcitrantes, invectivou os pecados e concluiu, como quem fulmina o


anátema: “Como não sois capazes de Glória, nem Graça não acaba o vosso sermão em
Graça e Glória”.1040

A VOZ DA CATEQUESE

Três dias depois embarcou ocultamente (diz na epígrafe do sermão) a advogar no reino as
medidas sem as quais fracassaria a missão, ou, mais claramente: “Fui a Portugal a buscar a
dita administração dos índios”.1041
E apertou tanto este ponto o Pe. Manuel Nunes, que estando eu duvidoso da jornada, me foi intimar ao cubículo que
tinha obrigação de o fazer sub peccato gravi. Assim o tinha também entendido o Pe. Luís Figueira, que foi buscar, e
trazia a dita administração. E assim o entenderam no Brasil tantos superiores, tantos homens santos, e o tem
confirmado, desde S. Inácio, todos os padres-gerais.1042

Não errou com a viagem. Deu-lhe o prestígio de outro sermão, na Capela Real, “vindo
da Missão do Maranhão onde achou as dificuldades que nele se apontam”: o da
Sexagésima. “Não me queixo, nem o digo, Senhor, pelos semeadores: só pela seara o digo,
só pela seara o sinto”. E comparou-se ao que, “mal logrados seus primeiros trabalhos, [...]
fosse muito depressa à casa a buscar alguns instrumentos, com que alimpar a terra das
pedras e dos espinhos”.1043

Ouviu-lho el-rei com reverência e emoção. Começara, aliás, a atendê-lo ao decretar a


união, novamente, de Maranhão e Pará (provisão de 25 de agosto de 1654), confiados a
um só governo, e de brasileiro (Vieira pedira: “Para o político basta a câmara e para a
guerra um sargento-maior, e esse dos da terra e não de Elvas nem de Flandres [...]”),1044 o
Mestre-de-campo André Vidal de Negreiros, amigo dos jesuítas e então em Lisboa.

Reuniram-se “em conferência o mesmo Vieira, André Vidal de Negreiros e os dois


procuradores que se achavam ainda em Lisboa”, Martim Moreira (do Maranhão) e
Manuel Guedes Aranha (do Pará), empenhados estes em esclarecer os votos dos
moradores.
Aí se concertaram várias disposições relativas à maneira de proceder com os índios, assim livres como cativos, cujas
cláusulas se inscreveram no Regimento do governador. Ao mesmo tempo se organizou o Tribunal ou Junta de
Missões e Propagação da Fé que, funcionando a princípio na casa professa de São Roque, pertencente aos jesuítas, foi
em todo o tempo na mão destes um valioso elemento de força.1045

FLORESCEM AS MISSÕES

Embarcaram em navios diferentes Vieira e o novo capitão-general. Chegaram em junho


de 1655 a São Luís, entre demonstrações de apreço que significavam temor — do padre —
e obediência — ao glorioso soldado da Restauração pernambucana. Enquanto este
governou, de fato não houve embaraços à ação, à disciplina e à influência dos
missionários.

Tomaram à sua conta os jesuítas onze aldeias de catecúmenos no Maranhão e Gurupá;


seis perto de Belém, sete no Tocantins, vinte e oito no Amazonas.

De resto, tinham agora o virtual monopólio das missões, cujo cérebro era Vieira,
apaixonado pelo seu ideal e disposto a realizá-lo sem demora. Apenas em Gurupá
soldados se amotinaram e expulsaram dois padres: André Vidal desterrou os culpados e
libertou numerosos índios.

Um dos castigados — Capitão Antônio Lameira da Franca — havia de desforrar-se no


reino, denunciando à Inquisição (quando se voltou ela contra o grande pregador) o Padre
Antônio Vieira... Este louvava o governador:
Tem V. M. mui poucos no seu reino que sejam como André Vidal [...] muito cristão, muito executivo, muito amigo da
justiça e da razão, muito zeloso do serviço de V. M. e observador das suas reais ordens, e sobretudo muito
desinteressado, e que entende mui bem todas as matérias, posto que não fale em verso, que é a falta que lhe achava
certo ministro grande da corte de V. M.1046

E não limitava à Amazônia as suas vistas largas: “Da volta que faço para o Maranhão,
determino de enviar missão aos índios do Camuci e do Ceará, que estão para a parte do
sul, e é tanto o número deles como a necessidade que têm de doutrina”.1047

Em 1657 resumiu os sucessos maiores: os moradores, não podendo exercer as suas


opressões sobre os índios mansos, quiseram valer-se da licença que tinham para resgatar
os de “guerra justa”. Daí a entrada
a dar guerra à nação dos aruãs e nheengaíbas, de que se deu conta a V. M., querendo antes escravos tomados que
comprados; mas saiu-lhes tanto pelo contrário, que indo a esta empresa 110 portugueses, e todos os índios do
Maranhão e Pará, voltaram de lá com perda de gente e reputação, e sem escravos.

Não se fez a entrada no Amazonas aconselhada pelo padre, “porque o governador e os


do governo do Maranhão e Pará quiseram que as entradas se fizessem a outras partes,
donde esperavam maiores interesses”. Aos pacajás foi o Padre João de Sotto Maior, com
quarenta brancos e duzentos caboclos, gastando dez meses na viagem.
Destes morreram a maior parte pela fome e excessivo trabalho; e também morreu o Padre João de Sotto Maior, tendo
já reduzido à fé em obediência de V. M. quinhentos índios, que eram os que naquela paragem havia da nação pacajá, e
muitos outros da nação dos pirapés, que também estavam abalados para se descerem com ele.

Não importava o martírio — se a messe era abundante: “São mui poucos já os que não
tenham notícia dos principais mistérios da nossa santa fé”.1048

Do Padre Pedro Barbosa sabemos foi


o primeiro português que penetrou o sertão dos índios tacanhapes, navegando o formidável Rio dos Juruunas na
capitania do Pará em que gastou dois meses, sem dispêndio algum da Fazenda Real, entrando as aldeias mais remotas
daquela nação, que praticou e induziu a se passarem para o Pará sendo causa das pazes que celebraram com os tapuias
juruunas, as quais se conservaram até o presente, deixando na viagem descobertas grandes quantidades de cravos de
que resultou conveniência para a Fazenda Real.

Outra primazia:
[...] sendo o primeiro que abriu caminho por terra para a comunicação do Estado do Maranhão com o Ceará a cujo
exemplo o fez também o Governador André Vidal de Negreiros descendo o dito padre a socorrê-lo e acompanhá-lo
com os seus índios e mantimentos até a mesma capitania, instruindo e batizando os índios tabajaras e por sua direção
juraram vassalagem a V. M. no ano de 660 nas mãos do Padre Antônio Vieira.1049

O progresso era consolador e evidente. Em 1659 regozijava-se Vieira:


Trabalharam este ano nas missões desta conquista 24 religiosos da Companhia de Jesus, os quinze deles sacerdotes,
divididos em quatro colônias principais do Ceará, do Maranhão, do Pará e do Rio das Amazonas. Nestas quatro
colônias, que se estendem por mais de quatrocentas léguas de costa, tem a Companhia dez residências, que são como
cabeças de diferentes cristandades a elas anexas, a que acodem os missionários de cada uma em contínua roda,
segundo a necessidade e disposição que se lhes têm dado. O trabalho, sem encarecimento, é maior que as forças
humanas, e, se não fora ajudado de particular assistência divina, já a missão estivera sepultada com os que nela por
esta mercê do Céu conservam e continuam as vidas.
O fruto corresponde abundantemente ao trabalho, porque é grande o número de almas de inocentes e adultos, que
dentre as mãos dos missionários, por meio do batismo, estão quotidianamente voando ao Céu. [...]

O Padre Francisco Gonçalves, provincial que acabou de ser da província do Brasil, foi em missão ao Rio das
Amazonas e Rio Negro, que de ida e volta é viagem de mais de mil léguas, toda por baixo da linha Equinocial, no mais
ardente da Zona Tórrida. [...] [...] E já o ano passado se fez outra missão deste gênero aos mesmos rios, pelo Padre
Francisco Veloso, em que se resgataram e desceram outras tantas peças, em grande benefício e aumento do estado.

O maior benefício — acentua — era só poderem ir a resgates os portugueses com os


missionários, o que evitara de vez os assaltos criminosos, dando-se honestidade à venda
dos cativos resgatados: “Depois de examinados e julgados por legitimamente cativos, os
recebem e pagam os compradores, conseguindo os povos por esta via o que se tinha por
impossível neste estado, que era haver nele serviços de consciência”.1050

Um império em formação!
E assim como nas nossas primeiras conquistas se levantaram padrões das armas de Portugal em toda parte onde
chegavam os nossos descobridores; assim aqui se vão levantando os padrões da sagrada cruz, com que se vai tomando
posse destas terras por Cristo e para Cristo.

Enumera a seguir a missão a que foi o Padre Manuel Nunes, teólogo notável, “mui
prático e eloqüente na língua geral da terra”, com 45 soldados e 450 índios “de arco e
remo”, para castigar os ferozes “inheiguaras”: trouxe prisioneiros 240... E as que se
fizeram às regiões dos poquiguaras, dos tupinambás, reduzidos todos, com proveito da
gente do Pará, pois foram aldeados perto da cidade, culminadas pela pacificação do
terrível gentio da Ilha de Marajó.

O CASO DE MARAJÓ

Os nheengaíbas de Marajó zombavam há vinte anos dos portugueses, espalhados na ilha,


trucidando quantos ousavam explorá-la e talvez ligados a franceses e holandeses, cujos
navios rondavam o Cabo Norte.1051 Bem quisera André Vidal exterminá-los. Debalde os
padres tentaram convertê-los. Por último (1655) o Padre Sotto Maior deixara com o
principal deles um crucifixo, e disse seria Jesus “o missionário e apóstolo dele e que os
havia de converter à sua fé”.

Em 1658 o Governador Pedro de Melo (que sucedera a André Vidal despachado para
governar Pernambuco) entendeu que, na iminência de guerra com Holanda, de que se
falava no reino, constituíam os nheengaíbas um sério perigo. Cumpria matá-los todos.
Interveio Vieira, a pedir que se tentasse uma vez mais a catequese. Mandou com efeito,
naquele Natal, dois índios, com a notícia de que as leis vigentes proibiam o cativeiro e já
não havia razão para os ódios antigos. Voltaram com sete nheengaíbas, prontos para fazer
as pazes, em atenção ao “papel do padre grande”, de que lhes tinha antes chegado a fama.
Trocadas palavras de amizade, tornaram os embaixadores, dizendo que chamariam os
padres quando tivessem concluído uma povoação decente, com a sua igreja; e não
faltaram à promessa. Em agosto, dezenas de canoas levaram Vieira e outros portugueses a
Marajó e ali viram o crucifixo do Padre Sotto Maior, a par da alegria do gentio, que em
festas (“tocando buzinas e levantando pocemas, que são vozes de alegria”) mostraram a
“igreja que tinham feito de palma”.

Concebeu Vieira um modo impressionante de lhes fixar a lealdade: foi alinhar todos os
índios depois da missa, e fazê-los repetir, em coro, o juramento de fidelidade ao Rei de
Portugal.

Em 1665 a Ilha de Joanes (esta Marajó) era elevada a capitania e dada a Antônio de
Sousa de Macedo, tão conhecido por sua inteligente diplomacia como por seus agudos
pensamentos.1052

A RETIRADA DOS PADRES

Não se lograra ainda um êxito assim.

Coisa parecida aconteceu na Serra do Ibiapaba, onde se agasalhavam “por espaço de 24


anos em que esteve tomado Pernambuco” os tobajaras, “não só aliados mas vassalos dos
holandeses e ainda cúmplices de suas heresias”.1053

Os caboclos ali eram “tão calvinistas como se nascessem em Inglaterra e Alemanha”.1054


Do trato dos flamengos conservavam singular prevenção contra os católicos, e ódio a
Portugal. Mantinham na serra o último reduto de aliados dos flamengos no Brasil.
Poderiam atirar-se — como outrora o cruel Janduí — sobre as povoações convizinhas; ou
comunicar-se com os navios estrangeiros que, por vezes, se abeiravam da costa cearense.
Cumpria doutriná-los. Vieira não deixou a outrem os riscos dessa jornada. Os selvagens
provocaram-na mandando ao Maranhão mensageiros à procura do “padre grande”.
Mostravam-se inclinados à paz, porém queriam o “padre grande”. Em 3 de março de 1660
saiu este, com dois jesuítas (Pedrosa e Antônio Ribeiro), o índio de Ibiapaba, a quem se
dera o nome de D. Jorge da Silva, e mais cinqüenta de escolta, cujo cabo era Brás do
Couto de Aguiar.1055 Fez viagem fatigante — por areias, vales e montes — e feliz, tal a
acolhida que lhe dispensaram os bárbaros. Chegou ao alto da serra, onde moravam os
principais, em quarta-feira de trevas: logo encenou os atos da Paixão, e, com música e
cânticos, exerceu sobre eles a influência irresistível que havia nessas cerimônias. Os
antigos discípulos dos padres lembravam-se, comovidos, do ensino que se lhes dera. Os
outros, subjugados pela magia do espetáculo, também pelo sentimento dos primeiros, se
rendiam à fé e à obediência. E todos juraram fidelidade aos jesuítas e ao rei, como os
índios de Marajó. Vieira passou um mês entre eles. Mandou os índios provenientes de
Pernambuco (exatamente os amigos dos holandeses) para o Maranhão, onde se aldearam
à parte; e deu aos da serra, confiantes agora, e pacíficos, missionários que os fixassem nos
seus povoados.1056

Não seria possível — a série de triunfos tranqüilos do “grande padre” — sem a ajuda
incondicional de governos enérgicos.1057 D. Pedro de Melo mereceu-lhe os mesmos
elogios feitos a André Vidal. Temia que outro de diverso estofo desse ouvidos aos
descontentes, impedisse a liberdade de ação à Companhia e de novo — o que seria pior!
— lançasse a dúvida em meio aos índios dóceis. Enganou-se. D. Pedro não teve pulso para
conter a revolta, latente todo esse tempo, e que afinal explodiu com uma fúria explicável.

Alçaram-se os moradores de São Luís contra o ditador religioso. Queriam mais do que a
retirada, das mãos dos jesuítas, do domínio temporal dos índios: a expulsão deles, à
maneira do que fizeram os paulistas. Estava Antônio Vieira no Pará. Acendera a cólera
dos maranhenses a divulgação de uma carta que escreveu ao bispo confessor da rainha, a
preveni-lo contra as queixas dos colonos. Caíra a carta em poder de um frade do Carmo
— pois naufragara o navio em que ia — e o resultado não se fez esperar. Tentou o
governador apenas com quatro criados — pois os soldados desapareceram — obstar à
invasão do colégio. Não o respeitaram, ou acabou concordando (pensou Vieira).1058 O
colégio foi varejado, e os padres arrastados à prisão (17 de maio de 1661).1059 Em Belém,
ao saber disto entabulou Vieira negociações com os vereadores, para os apartar da
rebelião. Era tarde. Em 17 de julho (1661) os paraenses elegeram um juiz do povo, à
semelhança do que se praticara no Maranhão, investiram o colégio, tomaram os padres e,
entre vexames e injúrias, os embarcaram, para que fossem contar em Lisboa as
indignações da colônia...1060

Com o coração magoado, ansioso por dizer como costumava, e em assomos de


eloqüência que ninguém esquecia, os agravos sofridos, foi que o Padre Vieira entrou o
Tejo com os companheiros desterrados.1061 O “Sermão da Epifania” — perante a rainha
regente que o estimava, lembrada da confiança em que o tivera o marido — deu-lhe a
oportunidade do desabafo. E de novo tornaria, onipotente, às missões do Brasil, se a
política do reino não mudasse, com o advento inesperado do rei-menor, D. Afonso vi.
Levantou o demônio este fumo ou assoprou este incêndio entre as palhas de quatro choupanas, que com nome da
cidade de Belém puderam ser pátria do Anticristo. [...] Quem havia de crer que houvessem de arrancar violentamente
de seus claustros aos religiosos, e levá-los presos entre beleguins e espadas nuas pelas ruas públicas, e tê-los
aferrolhados, e com guardas, até os desterrarem? [...] Não se envergonhe já a Barra de Argel de que entrem por elas
sacerdotes de Cristo cativos e presos, pois o mesmo se viu em nossos dias na Barra de Lisboa. [...] Quanto aos
interesses, não tenho eu que dizer: porque todos os nossos haveres eles os têm em seu poder. Assim como nos
prenderam e desterraram, assim se apoderaram também das nossas choupanas e de quanto nelas havia. Digam, agora,
o que acharam.

Objetos sacros, “alguns livros, catecismos, disciplinas, cilícios e uma tábua ou rede em
lugar de cama, porque as que levamos de cá se dedicaram a um hospital”.

PARTIDOS DA CORTE

Mas o momento não era propício às reivindicações dos missionários.

Não escapou Vieira aos convites da intriga que dividia a corte, entre os partidários do
rei-menor e os que lhe combatiam as más companhias, a sua súcia de “valentes” e as
ambições que a manejavam.
Nomeou-se “o Padre Antônio Vieira da Companhia de Jesus insigníssimo pregador e
que o era de el-rei vindo havia poucos tempos expulso do Maranhão” para confessor do
Príncipe D. Pedro (em quem muitos viam o rei futuro, melhor que o irmão débil). “E
chegou a tanto a imaginação que el-rei se opôs com toda a força a que o Padre Antônio
Vieira fosse confessor, pois receava da viveza de seu engenho e traças maquinaria maiores
pensamentos”. Impediu a nomeação, mas ficou o padre entre os adversários da “súcia”, e
foi, com Cadaval, o Marquês de Gouveia, o Conde de Soure, dos que “assentaram
convinha a expulsão de Antônio de Conti e de outros sujeitos que el-rei favorecia”.1062 Em
conseqüência, ao ser proclamada a maioridade de Afonso vi, el-rei “mandou também
expedir decreto para que o Padre Antônio Vieira fosse desterrado cinqüenta léguas fora
da corte” (junho de 62).

Deram-lhe residência forçada no Porto, e ironicamente escreveu daí ao Marquês de


Gouveia também exilado:
Veio-me ao pensamento se seria isto força do tabaco do Maranhão, que me dizem está muito valioso, por não dizer
valido; mas o partido dos nossos inimigos está tão amparado, que não necessita a sua vitória destas diligências.1063

Não durou, o governo frouxo de Afonso VI . Foi obrigado a mandar embora o ministro e
valido Conde de Castelo Melhor (9 de setembro de 1667). Casou, para agradar a corte de
França (que aliás propiciara o casamento de sua irmã com o rei de Inglaterra) — com a
caprichosa Mademoiselle d’Aumale, filha mais velha do Duque de Némours, Carlos
Amadeu de Sabóia. Esta união impossível (como provou o ruidoso “processo de nulidade
do casamento”, proposta pela rainha) precipitou a queda do trono, desacreditado pelas
desordens e intemperanças do pobre monarca, tachado de “tolo”, “mais incapaz”, “doente
e cheio de enfermidades”, portanto sem poder continuar soberano e... casado. Na verdade
a rainha se ligou ao príncipe D. Pedro, irmão do rei, para o destituir; e vendo ele que já
não contava com os principais da nobreza e, sobretudo, com o povo das ruas, em ameaças
de revolta, renunciou à coroa em 23 de novembro de 1667. Renunciou depois que a
rainha, com estrondo, fugiu da corte para se recolher ao convento da Esperança, de onde
iniciaria aquele terrível processo de anulação... Toda a conjura — acrescenta Racine,
talvez de ouvir dizer aos íntimos da rainha D. Maria Francisca, foi por ela empreendida
(com os conselhos do Conde de Schomberg) e “conduite par le P. Lami, jésuite, son
confesseur”.

Só voltou para morrer — no seu saudoso colégio da Bahia — em 1681. Não mais o
veriam no Maranhão, onde prevaleceu o interesse, com pouca religião, dos tabacais e
canaviais, lavrados pelos tapuias do resgate.

Rui Vaz de Sequeira (que em São Luís se empossou governador, a 26 de março de 62)
certificou como não tinha ordem contrária à expulsão dos jesuítas; e não tardou que o
Conde de Castelo Melhor, poderoso ministro de Afonso vi, desse ganho de causa aos
moradores, com a provisão de 12 de setembro do ano seguinte. Esta acabou com o
regímen instituído em 1652, quanto à administração e “descida” dos índios. Podiam as
câmaras — portanto os escravizadores — nomear os cabos das bandeiras, autorizar e
distribuir os resgates, pertencendo o espiritual, nessas entradas, a qualquer das ordens
religiosas existentes nas capitanias, como tanto pediam os franciscanos, excluídas elas, os
capitães-mores e os cabos, da partilha dos cativos.1064

Foi quando a revolta de Bequimão reforçou o poder real no Maranhão, que voltaram os
jesuítas. Mas somente em 1687.

ECONOMIA PRIMITIVA

Até 1680 se ressentiu o Norte do Brasil da rivalidade das câmaras do Maranhão e do Pará,
das dúvidas acerca da repartição dos índios resgatados, das divergências quanto à
autoridade eclesiástica que interviria nesse “tráfico”. A mesma lei era suspensa em São
Luís e aceita em Belém. Discordavam os principais, de uma e outra capitania, e não havia
ninguém contente, pois as ordens religiosas se queixavam igualmente de sua desvalia no
concerto dos assuntos espirituais, dezessete anos relegados a plano secundário.

Crescera em lavouras e comércio a terra, mas se conservava bem pobre a vida nas duas
cidades, principalmente no Maranhão, onde, em vez de dinheiro, corriam novelos de
algodão. “Novelas e novelos, são as duas moedas correntes nesta terra”.1065 Duas varas de
pano por mês eram a paga de um índio (em 1662); e tivera o Conselho Ultramarino de
ordenar que se firmasse o valor dos novelos, “enquanto se não procura outro meio de se
meter dinheiro nesse estado”.1066 Gregório de Matos achou-lhe graça:
Porque como em Maranhão
Mandam novelos à praça,
Assim vós por esta traça
Mandareis o algodão:
Haverá permutação,
Como ao princípio das gentes, [...]1067

Essa aflição inspirou — em 1680 — uma “grande junta sobre o remédio espiritual e
temporal do Maranhão, [...] clamando todos que o dito estado se vai perdendo e acabará
de todo se não lhe acudirem”. Foi preponderante aí a voz de Antônio Vieira:
Desejando e concordando todos em que os moradores deviam ser aliviados e ajudados com a maior despesa da
Fazenda Real que fosse possível, e a este fim tiraram os estanques e direitos, e se fez o contrato dos negros, que será o
maior e mais fundamental remédio, como tantas vezes proposto de lá e tão desejado, principalmente sendo os preços
moderados e os prazos muito largos.1068

A importação de africanos, que substituíssem os índios nas roças,1069 seria a


tranqüilidade destes, e dos padres, com o proveito geral, da terra, à semelhança do que
acontecera na Bahia e em Pernambuco cem anos antes. Ao mesmo tempo os jesuítas eram
desagravados,1070 com a ordem para que volvessem à liberdade os índios escravizados (1º
de abril de 80), e logo a 7 de março de 81 se criou a “Junta de Missões”, com o fim de
fiscalizar os negócios entre os colonos e o gentio.
REBELIÃO DOS MARANHENSES

Os moradores — vendo renovar-se a reivindicação dos jesuítas, e ainda sem o tráfico


negreiro, que a mitigasse — mandaram à corte Inácio Coelho da Silveira e Francisco da
Mota Falcão. Sobreveio disposição mais antipática: a Companhia de Comércio (alvará de
12 de fevereiro de 82), que teve vinte anos de exclusividade do mercado do Maranhão,
com o estanco das mercadorias principais, cujo preço arbitraria, obrigando-se a
introduzir quinhentos negros por ano.1071 Se, por um lado, servia à lavoura, com os novos
escravos,1072 por outro faltava à promessa da Junta de 1680, restringindo o comércio com
o sistema do estanco, agravado, na prática, pela irregularidade dos fornecimentos, carestia
e escassez de gêneros, como acontecera à Companhia Geral em 1655. Há trinta anos o
desgosto raiara em revolta no Rio de Janeiro. Pior tinha de ser em São Luís, onde
lavravam, impunes desde o começo, intrigas e insolências de homens de negócio,
senhores territoriais e apresadores de caboclos.

Tomaram a frente à agitação um senhor de engenho, Manuel Bequimão, e um advogado


provisionado, seu irmão Tomás Bequimão.

Em 24 de fevereiro de 1684 levantaram o povo, prenderam o capitão-mor, na ausência


do Governador Francisco de Sá de Meneses, então em Belém, interditaram o colégio dos
jesuítas — onde havia 27 padres, que foram expulsos dias depois1073 — e declararam
extinta a Companhia. Deram ao seu excesso formalidades de reação legítima. Houve Te
Deum, em confirmação dos intuitos cristãos do motim; saiu um portador com cartas para
a Câmara do Pará e para o Bispo D. Gregório dos Anjos, que também lá se achava em
visita apostólica; reuniu-se Junta Geral para aprovar os atos praticados. Mas a
circunstância de estarem livres de coação o bispo e o governador foi fatal à revolução.
Sugestionada por eles a Câmara de Belém invectivou-a rudemente. Lembrou-se Manuel
Bequimão de mandar o irmão a Lisboa, para justificar a violência havida. Foi este preso e
devolvido ao Maranhão na frota em que veio novo governador, Gomes Freire de
Andrada, bem instruído acerca dos meios extremos com que debelaria a insurreição.
Acompanharam-no Francisco da Mota Falcão e o morador de São Luís Jacinto de Morais
Rego, que, intermediários hábeis, obtiveram ao desembarcar que câmara e povo
recebessem respeitosamente o representante régio.

Gomes Freire saltou em terra entre demonstrações de obediência, certificou-se da


disciplina da tropa, e, com exemplar energia, restaurou as autoridades depostas e declarou
restabelecida a Companhia de Comércio. Fugiu Manuel Bequimão. Concebeu, com os
remanescentes do seu partido, um plano para livrar o irmão encarcerado. Mas um seu
afilhado, Lázaro de Melo, o atraiçoou, denunciando-lhe o refúgio; foi capturado, com
Jorge de Sampaio, o mesmo que em 1662 estivera na corte, como procurador do povo; e
morreram ambos no patíbulo, em 2 de novembro desse ano de 84.1074

Não havia ódio na rigorosa justiça de Gomes Freire. Cumpriu a lei; e não o desestimou a
gente da terra, tanto que as câmaras de São Luís e Belém encomendaram para Lisboa,
após a necessária licença, um seu retrato a óleo, primeira homenagem dessa espécie que lá
se fez. Percebeu que no fundo da inquietação reinante palpitavam interesses respeitáveis.
Não tripudiou sobre a vitória. Escreveu limpamente para a corte, que o estanco das
mercadorias era danoso ao país, e alguma concessão devera fazer-se no caso dos índios
para a agricultura. Colocou-se, eqüidistante, entre maranhenses e jesuítas — mandados de
volta aos seus colégios.1075 Devia acudir ao Pará, a braços com a invasão francesa, como
expusera Sá de Meneses a el-rei:
Acerca da entrada que faziam os franceses que assistiam na fortaleza de Caiena da parte do Norte nas terras do aruãs, e
passaram até às aldeias dos tucujus, pouco distante da fortaleza de Gurupá, a fazer escravos, até do gentio que com as
pazes estava domesticado.1076

A FRONTEIRA SETENTRIONAL

Os franceses tomaram Caiena aos holandeses em 1676. O senhor de Ferrolles, informado


pela descrição que do Amazonas fizera o Padre Acuña (em 1682 traduzida por
Gomberville), não se deu por satisfeito com o seu governo da Guiana. Procurou alcançar
o grande vale e, quanto possível, ampliar, terra adentro, a sua jurisdição, em nome de Luís
xiv. À notícia das primeiras expedições os colonos do Pará e do Maranhão se aprestaram
para as repelir. Francisco da Mota Falcão, que, em 1669, havia fundado o fortim de São
José do Rio Negro, ofereceu-se (em 1684) para construir, em quatro anos, quatro redutos,
que balizassem o território português. Aceita a proposta, em 1685 mandou fazer os do
Paru, Toeré, Santo Antônio de Macapá (antigo Cumaú) e Araguari.1077

Tão rápidas providências surpreenderam os vizinhos, que esperavam encontrar, nos rios
e nas selvas amazônicas, apenas o gentio e algum esquivo canoeiro mamaluco. Em 30 de
junho (de 85) De Ferrolles teve de deter-se diante do fortim de Araguari. Tentou intimar-
lhe a rendição, mas à resposta do comandante, que o território era do Rei de Portugal, se
limitou a deixar a carta do governador de Caiena, La Barre,1078 que proclamava os direitos
de França, e se recolheu à sua feitoria.

Insignificante, na aparência, o choque de franceses e portugueses, em 1685, assinalou


uma fase ativa de reconhecimento e medidas preventivas que aos afluentes do Amazonas,
até o Cabo Norte, estenderam os governadores do Maranhão e seus capitães, a vigiar a
imensa região cobiçada.

ANTÔNIO DE ALBUQUERQUE

Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho,1079 sucessor de Gomes Freire, foi ao


Araguari e viu os lagos do Cabo Norte (1687).

Cinco anos depois discriminaram-se as zonas de atividade das diferentes ordens


religiosas — para que, sem atritos, reencetassem a catequese e a conquista pacífica.
Ficaram os jesuítas, “os mais antigos do Estado”, com o distrito do sul do Amazonas, e
todo o sertão correspondente. Na margem esquerda, “até perto do Rio Urubu”, os
franciscanos tiveram por vizinhos mercedários e carmelitas (“que, também por acordo
com a Companhia, tomaram a si a região do Madeira”).1080 Dir-se-ia adivinhara Antônio
de Albuquerque a investida de surpresa que De Ferrolles (de volta a Caiena em 1691)
empreendeu do Oiapoque até o Rio Paru, em maio de 1697, arrasando os fortins
construídos por Mota Falcão.1081 Êxito efêmero, o do pioneiro francês: enviados a toda
pressa os capitães Francisco de Sousa Fundão e João Moniz de Mendonça, recapturaram
Macapá e expulsaram os intrusos. Logo Manuel da Mota de Sequeira se ofereceu para
fazer outros quatro fortes, no Paru, Rio Negro, Pauxis e Tapajós, recebendo como
recompensa o governo deste último. Foi ao tempo em que o embaixador de Luis xiv em
Lisboa, Rouillé, tratava de defender a “conquista” francesa (1698). Não concluiu senão um
tratado provisional, em 4 de março de 1700: adiava por um ano o litígio sobre as “terras
situadas entre Caiena e a margem do Amazonas”. Vinte e um dias depois Portugal e
França firmavam o seu entendimento quanto à questão do momento: a sucessão
espanhola.1082 Embora precária, essa aliança, cedo desvanecida, impediu que se
reacendesse a luta, nos igarapés do Amazonas. Os portugueses, em compensação,
alargavam — insaciáveis — o seu domínio.

A questão com o Padre Samuel Fritz, que descera de Quito para catequizar os omáguas,
em 1689, ilustra essa política. O padre, a serviço de Castela, argumentava com a linha de
Tordesilhas e assegurava pertencer à Espanha a zona dos omáguas. Contestaram-lhe que
era de Portugal. Passou ao Pará, a entender-se com as autoridades: é a viagem descrita no
Diário da descida do Padre Samuel Fritz, missionário da Coroa de Castela no Rio Marañón, desde São Joaquim dos
Omáguas até a cidade do Grão-Pará, no ano de 1689; e volta do mesmo padre desde a dita cidade até a aldeia de
Laguna, cabeça das missões de Maynas no ano de 1681.1083

A contenda arrastou-se até 1709, quando se chocaram armas castelhanas e portuguesas


entre o Javari e o Napo.

O CAMINHO DA BAHIA

Não foi menor serviço de Antônio de Albuquerque a abertura do caminho sertanejo do


Maranhão até a Bahia, como queria el-rei desde 1688. A entrada, que estabeleceu essa
comunicação, teve por chefe o Sargento-mor Francisco dos Santos. A chegada dos
emissários do governador do Maranhão à capital da colônia — através de tantos rios,
desertos e ásperos campos — encheu de regozijo as populações. Verificava-se a
possibilidade de um itinerário que fazia esquecer as navegações difíceis; percebia-se que
os selvagens já não interceptavam, nas suas terras remotas, a passagem dos viajantes; e se
reconhecia que não era mais temeridade de pioneiros a penetração, rumo franco do norte,
além dos últimos currais do São Francisco.1084
XXV: NEGROS E TAPUIAS

BRASIL EM ÁFRICA

Reconquistada Angola, por todo aquele litoral se estendeu, voraz, o comércio de escravos.

Durante três anos e quatro meses — quantos governou — Salvador Correia aquietou a
terra com a sua administração enérgica. Fraca foi a resistência dos sobas a Bartolomeu de
Vasconcelos da Cunha e aos capitães que, depois dele, e com a mesma severidade, os
sujeitaram. Ficou lendária a Rainha Ginga,1085 com a sua glória de mulher ambiciosa e
valente, em cuja rebeldia se concentrou a oposição dos chefes negros a Portugal. O que as
armas não conseguiram, pôde a ganância, com a maliciosa invasão dos traficantes. Em
breve, era Angola uma dependência econômica do Brasil, obrigado a socorrê-la no perigo,
como a alimentava na paz: graças àquele próspero negócio.

A primeira expedição formal que da Bahia saiu em auxílio de Luanda foi dos capitães
Baltasar da Costa e Pedro do Couto Coelho,1086 em 1664. Temia-se um ataque de
espanhóis. Para a de 1671, que levou João de Velasco, foram recrutados, principalmente
em Cachoeira, até em Pernambuco, os vadios.1087 “Desterrando dessa capitania os
delinqüentes, enche aquele reino de soldados”. Faltavam cavalos; e a provisão real de 30
de junho de 1675 ordenou que os transportassem os negreiros.1088 Com essa carga
obrigatória, ajudavam a montar a tropa que lhes protegeria a pilhagem. Não admira que,
nesse andar, lá se estampasse, assim nas relações humanas como no feitio das povoações,
na doçura ou no pitoresco dos costumes, nas formas de trabalho, sobretudo no espírito
mestiço dos núcleos afro-lusitanos, a imagem sensual da civilização que do lado de cá se
formava. Com uma arrumação semelhante de categorias, a mesma religião mesclada,
como o resto, de cambiantes bárbaros, a agricultura de manutenção, com as roças de
mandioca e inhame, arraiais, casas, igrejas traçadas pelos mesmos modelos, toscos e
confortáveis.

Sente-se que os laços tênues que uniam os mercados angoleses a Lisboa se reforçam no
ir e vir dos barcos do Brasil, que os ligam — ligando a matéria-prima a seus centros de
consumo — os engenhos do Recôncavo, as praças ávidas de escravatura, as firmas
comerciais que a compravam a troco das utilidades caras aos príncipes pretos, o tabaco
em rolos, a cachaça, os búzios minúsculos, ferramentas e bugigangas... Nessa segunda
metade do século xvii, projeta-se na costa da África o tráfico desalmado, metódico,
tentacular, que consolidou a ocupação tranqüila abaixo do Níger, e, no século seguinte, se
instalou regaladamente no Golfo de Benim.

Mas não eram somente os compradores do “ébano”.

Iam com eles religiosos, magistrados, pessoas de qualidade deportadas por suas
culpas,1089 oficiais façanhosos e levas de soldados, facilmente convertidas em “descedores”
de nativos — como os paulistas no interior do Brasil. Começaram a criar no continente
fronteiro — com as humildes possibilidades de que dispuseram — a mais nova província
de Ultramar, já agora moldada pela experiência luso-americana, com o vigor e a
rusticidade das suas soluções desordenadas.

NEGROS FUGIDOS

Com as invasões holandesas, muitos pretos dos engenhos, fugindo a antigos e novos
senhores, se tinham internado por matos e serras, sem que se lhes soubesse a quantidade,
nem o lugar dos mocambos ou quilombos,1090 onde reverteram aos costumes de África.
Ajudava esse retorno à vida primitiva a semelhança da terra, nas selvas e montes do
Nordeste; e como os grupos se reconheciam pela língua (congos, angolas, benguelas,
cabindas), não lhes foi difícil formar — apartados por esse sentimento de origem —
outros tantos reinos negros, com os respectivos sobas, a um tempo feiticeiros, generais e
feitores, segundo o modelo das banzas africanas. À margem, pois, do conflito luso-
flamengo, entre Pernambuco e a Bahia, cresceu, no mistério dos sertões, uma forma
inesperada de colonização: a independência dos palmares.1091 Tendia a um
desenvolvimento ilimitado. Aqueles escravos evadidos tinham de olho os companheiros
das senzalas próximas: e por todos os meios lhes faziam chegar o convite. Desciam por
vezes, em estrondos de guerra, até as fazendas ao alcance do ataque: e nelas cevavam o
ódio. Escondiam-se em sítios inacessíveis; ou neles se fortificavam, zombando das
patrulhas que os caçavam pelo deserto. Ameaçavam as comunicações. Punham em perigo
as vilas. Lembravam — em 1671 — os tapuias, de um século atrás, quando deles se
defendiam os pioneiros da várzea.

Na verdade se espalhavam em arraiais de palhoças e paliçadas ao longo da Serra da


Barriga, nas Alagoas, com tal poder que eram indicados nos documentos oficiais como
um povo, instalado no seu país. Em 1657 pediu Lourenço de Brito terras “vizinhas dos
negros rebeldes dos mocambos e palmares”.1092 Duas expedições holandesas pelo menos
procuraram desalojá-los: de Baro (1643–4) e de Blaer e Reijmbuch (1645).
Há alguns anos — rememorou em 1671 o Governador Fernão de Sousa Coutinho —, que dos negros de Angola
fugidos ao rigor do cativeiro e fábricas dos engenhos desta capitania se formaram povoações numerosas pela terra
adentro, entre os palmares e matos, cujas asperezas e faltas de caminhos os têm mais fortificados por natureza do que
pudera ser por arte, e crescendo cada dia em número se adiantam tanto no atrevimento, com que contínuos roubos e
assaltos fazem despejar muita parte dos moradores dessa capitania mais vizinhos aos seus mocambos, cujo exemplo e
conservação vai convidando cada dia aos mais que fogem por se livrar do rigoroso cativeiro que padece.1093

Queria passar a Porto Calvo, para “fazer esta guerra”. Mas quem a fez foi, três anos
depois, o Governador D. Pedro de Almeida, pedindo a todas as câmaras socorros de
homens e munições: comandou a entrada Manuel Lopes (novembro de 1675).1094 Esta
logrou apreciáveis vantagens. Após 25 dias de marcha deu num arraial, desbaratado ao
termo de duas horas de combate; e aí acampou Manuel Lopes por cinco meses, sem se
animar todavia a bater os negros nos outros quilombos dissimulados na mata. Apresou
uma centena deles. D. Pedro de Almeida renovou a guerra em 1677, confiando-a a Fernão
Carrilho, experimentado pioneiro de Sergipe e do Vale do São Francisco. A ordem foi
para fundar arraial nos Palmares, a fim de irradiar daí as várias expedições punitivas,
como praticara Estêvão Baião no Paraguaçu.1095 Tal método “paulista” produziu
excelentes efeitos. Levou aliás Carrilho valentes cabos como Manuel Rodrigues Vieira,
veterano da guerra holandesa no São Francisco.1096 Dirigiu
um assalto com pouca gente, aprisionou 60 e matou muitos, em que entrou um potentado, e achando a gente de
guerra dos Palmares junta na de Zumbi fortificada e guarnecida com armas a investiu e escalou sem perda dos nossos
soldados, ficando aqueles bárbaros tão tímidos que, voltando com 180 homens brancos e índios sobre o seu poder, fez
arraial dentro da dita cerca aonde estavam os reis e os afugentou, deixando os mantimentos, e por espaço de 4 meses
que ali assistiu lhes fez grande dano aprisionando 17 negros, a rainha e 2 filhos do rei, matando-lhe 4 e quantidade de
soldados com o seu mestre-de-campo-general e alguns potentados e oficiais maiores pondo os mais em estado de
fome e apertos que os obrigou à minha obediência, obrando tudo à sua custa e gastando todo o seu cabedal com os
soldados, largando-lhes as presas para os animar, adquirindo com estes sucessos grandes aumentos à Fazenda Real,
dando-lhe de quintos 541$000 e granjeando o nome de restaurador daquelas capitanias por ficarem os moradores
delas quietos e livres (comemorou a carta régia de 30 de agosto de 1680).1097

A LUTA INFINDÁVEL

O triunfo era provisório. Realmente os negros enviaram ao Recife uma embaixada, de dez
principais, recebida com muitas demonstrações de alegria, como a firmar as pazes, e
foram premiados com sesmarias vastas os melhores sertanistas, a começar por Fernão
Carrilho, que teve vinte léguas, Manuel Lopes oito... Em 1679 havia urgência de outra
arremetida, comandada também por Fernão Carrilho, cujas instruções não admitiam
mais “condescender nas pazes”: devia levar os negros a ferro e fogo. Já em caminho achou
que tamanha severidade não se justificava, e tanto quis que se desse aos inimigos uma
oportunidade de pedir tréguas, como, antes de atacar, os intimou a largar os arraiais. Vale
dizer que procedeu como entre beligerantes, não como capitão do mato à caça de escravos
fugidos; e de tal sorte se indignou o governador que mandou destituí-lo e prendê-lo.

Fracassou — suspeitado de ter interesse em não acabar a campanha1098 — o melhor dos


cabos do Nordeste. Mas D. João de Sousa e João da Cunha Sotto Maior, governadores de
Pernambuco, mostraram-se dispostos a respeitar aquelas pazes, por falta de meios para
uma guerra definitiva. Foi o Conselho Ultramarino que se opôs (7 de fevereiro de 1686):
“Não convém que se admita a paz com estes negros, pois experiência tem mostrado que
esta prática é sempre um meio de engano”.1099 E Carrilho, ainda “preso pela culpa de não
castigar estes levantados negros”, aceitou o comando da entrada, que os investiu em
janeiro de 86.1100 O Governador Sotto Maior seguiu-o com alguma tropa, decerto por não
confiar nele, e em pessoa assaltou a “praça de armas” dos quilombolas, levando-os de
vencida.

Como das outras vezes, o sucesso não foi completo. Evadiam-se, metendo-se nos matos;
mudavam-se para outras aldeias; voltavam; sem valor para uma resistência formal, tinham
a tenacidade e a astúcia dos tapuias... Lembrou-se Sotto Maior dos paulistas.
DOMINGOS JORGE VELHO

Na realidade, desde 1671 se discutira a conveniência de chamar os paulistas para a luta


dos Palmares.1101 Achou o Governador Afonso Furtado que, bons para os tapuias,
serviriam menos para os “negros com que nunca pelejaram, e esses fortificados”.1102 Com
o insucesso, porém, de todos aqueles esforços, agarrou-se o governador de Pernambuco a
esta esperança: viessem os paulistas que, com Domingos Jorge Velho, divagavam pelos
campos do Piauí! Escrevendo em 7 de novembro de 1688, contou: “Os roguei para esta
conquista dos Palmares, mandando-lhes patentes de conquistadores deles, e
conservadores do gentio daquele distrito adonde vivem, concedendo-lhes a mesma
concessão das presas livres”.

Encontrava-se então o sertanista entre o Poti e o Parnaíba, às voltas com o gentio que
ajudara a repelir para as bandas do Maranhão “em companhia da Casa da Torre”.1103 Não
se sabe quando começara essa obscura campanha, nem se a fez por conta própria, ou a
soldo dos senhores da Torre, interessados no extermínio dos índios “de corso”. Em 1704 a
viúva de Domingos Jorge alegou uma residência de 24 ou 25 anos em tais sertões. “E
assim tinham seus domicílios 24 ou 25 anos topando bandeiras”.1104 Se os contamos da
data do requerimento, temos um limite aceitável: 1679. Se o calculássemos de 1694 (ida
dos paulistas aos Palmares) acharíamos 1669, o que parece desmentido por documentos
como a carta de 1675, escrita aos “homens de São Paulo” pela junta de governo da Bahia:
“Chegou-se o tempo em que é necessário rogar a Vossa Mercê para o mesmo que em
outro tempo se lhe proibia, que é passar ao Rio de São Francisco com os mais sujeitos que
a este governo escreve”.1105 Aliás (corroborando a primeira convicção) era Domingos
Jorge quem, em 1694, falava de seus “dezesseis anos” de Piauí. A partir, pois, de 1678 ou
79.1106 Quatro anos antes, Francisco Dias d’Ávila e Domingos Afonso Sertão tinham
entrado o Piauí e o Canindé. É provável que os seguisse, indo instalar-se além — nas
terras sem dono do médio e baixo Parnaíba, que pediu em sesmaria no ajuste1107 feito com
o governador de Pernambuco, em 3 de março de 1687: “E as sesmarias que pretendem no
Rio dos Camarões e Parnaíba”.1108

Convidado para conquistar os Palmares, estipulou Domingos Jorge as suas condições:


ficaria com um quinto da presa, seria indenizado dos gastos, teria patentes e privilégios,
para ele e sua gente, fora as sesmarias... O acordo foi aprovado em 1692. No ano seguinte
desceu ele com 150 brancos e 800 e tantos índios croazes e capiocrans,1109 a cumprir o
prometido. Varou seiscentas léguas de sertão adusto.

Alguns de seus comandados foram de São Vicente e São Paulo.1110 Outros com ele
andavam. “Desci do Piagüí aonde eu estava aposentado”, alegou depois da vitória.1111

Levava-a assegurada na selvagem bravura.


A GUERRA DO AÇU

Alastrou-se, entretanto, no Rio Grande do Norte, a insurreição dos janduís, a mais furiosa
de quantas houve no Brasil seiscentista — prevista aliás desde a felonia desses tapuias na
descida para a Fortaleza dos Reis Magos, como aliados dos holandeses, sedentos de
sangue e afamados em tropelias inauditas.

Reacendeu-se a rebelião em 1687. Mas vinha de longe.

João Fernandes Vieira, quando governador da Paraíba (1655–7), vingativo, pensando


nos crimes cometidos pelos tapuias à sombra do flamengo, pusera a ferros dois filhos do
principal deles. Foi princípio de hostilidades intermitentes.1112 Matias de Albuquerque
Maranhão avisou à corte (1661–63) “como os índios bárbaros janduís residentes no
distrito e sertão da capitania estavam rebelados e declarados inimigos”, tanto “que os
brancos tratam de fazer suas casas-fortes em que se possam defender dos repentinos
assaltos”.1113 Fracas foram as providências tomadas. Em fevereiro de 16871114 passaram a
devastar a região do Açu (Piranhas) e do Apodi. Em dezembro os vereadores do Rio
Grande observavam: “Tinham assaltado agora os colonos da ribeira do Ceará-Mirim, a
cinco léguas da capital, os quais mal podiam defender-se dentro das casas-fortes”.1115 O
Governador-geral Matias da Cunha não ouviu duas vezes o lancinante apelo. Deu ordem
ao governador de Pernambuco para que mandasse em auxílio dos moradores toda a força
disponível.

O primeiro cabo dessa guerra punitiva foi o Coronel Antônio de Albuquerque da


Câmara:1116 atacou com trezentos homens os tapuias do Açu (“mais de 3 mil arcos”),
bateu-se com eles um dia inteiro, e teve de recolher-se a uma casa-forte “só com sua
pessoa, o capelão e um trombeta”.1117 O Capitão-mor Manuel de Abreu Soares,
octogenário, e ainda vigoroso sertanista, correu de Pernambuco, a socorrê-lo1118 com
oitenta soldados, derrotou o gentio à altura do Rio Salgado, mas aí acampou à espera de
reforços. Seriam esmagados pelo inimigo numeroso, cada vez mais temível, se os paulistas
não se apressassem em entrar em cena, encorajados pela promessa que se lhes fez das
presas (pois era “guerra justa”, decidida em junta de teólogos)1119 e de várias patentes ou
privilégios militares. Alcançaram o Piranhas em julho de 88, e logo em contato com os
índios, lhes infligiram, numa batalha que durou quatro dias, pesado castigo.1120 Esse êxito
fez que o governador-geral transformasse em “terço de infantaria” a bandeira de
Domingos Jorge, elevado com isto à dignidade de mestre-de-campo (carta de 13 de
outubro de 88).

PAZES INESPERADAS

Achou-se porém indispensável mais gente paulista, para a “guerra dos bárbaros do Rio
Grande cuja extinção total é a única defesa que segura de suas hostilidades aquela
capitania e todas as mais do Norte”, na severa linguagem do Arcebispo D. Fr. Manuel da
Ressurreição.

Veio Matias Cardoso de Almeida “pelo sertão chamado por ordem deste governo da
capitania de São Vicente ao Rio de São Francisco trazendo mais de cem homens brancos
com seus oficiais”,1121 entre estes Manuel Álvares de Morais Navarro, sargento-mor, e
João Amaro (veterano da entrada de 1674) no posto de capitão-mor. Com isto Domingos
Jorge ficou de mãos livres para atacar os Palmares. Revezaram-se no Nordeste esses
guerrilheiros famosos. “Governador absoluto” da guerra ao tapuia, Matias Cardoso foi
estabelecer-se (março de 1690) na Barra do Jaguaribe; Domingos Jorge, mestre-de-campo
do seu regimento, marchou para as Alagoas. Mas pouco fez o primeiro, sem forças para
uma guerra conclusiva.1122 O governador do Rio Grande (janeiro de 91) inquietou-se, saiu
a encontrar Matias Cardoso, e a luta se reacenderia se não sobreviesse a mais imprevista
das conciliações. Um português, João Pais Florião, tivera amores com a filha do maioral
Nhouguge, cunhado de Canindé, “rei” daqueles tapuias. Aproximou-se de novo dos
janduís e com palavras amigas alcançou que aceitassem a paz, mandando embaixada à
Bahia, dirigida pelo próprio Florião.1123 Recebeu-a o governador com festas e mimos (abril
de 92) e — tal como entre potências — pactuou com os “embaixadores” paz perpétua, em
solene papel, e cerimônias próprias.1124

O Canindé honrou a palavra dada. Mas morreu pouco depois, de maleitas, na aldeia,
perto da costa, para onde se mudara, no Rio Grande. Os índios, suspeitosos de capitães
mal-intencionados ou esquecidos da promessa, retomaram as armas, embora sem o
número ou o ímpeto do outro tempo. Em 1694 escreveu D. João de Lencastro a Agostinho
César de Andrade, segunda vez capitão-mor do Rio Grande: “A nação (janduí) depois de
estar amiga se rebelou, pela diferença que experimentou fora da liberdade com que V.
M.ce os tratava, e eles estimavam”.1125 O remédio seria aldeá-los, com o auxílio dos
jesuítas. Enquanto isto, Matias Cardoso os apertou, porém, sem fortuna: “Vendo nós a
falta de munições e mantimentos que nem lugar nos davam de buscar, nos foi necessário
retirarmo-nos para a capitania do Ceará Grande”, disse Morais Navarro.1126 Fernão
Carrilho fora governar o Ceará. Carta sua, de 26 de julho de 94, conta que, “retirando do
Rio Grande o mestre-de-campo e governador dos paulistas Matias Cardoso de Almeida,
no dito Jaguaribe, jurisdição desta capitania, feriram os ditos índios (paiacus, janduís, icós
e outros bárbaros de corso) ao mestre-de-campo, que vinha acompanhado com 180
homens, e lhe mataram um filho seu e três ou quatro mais da Companhia”. Para contê-los
nomeou capitão da infantaria Francisco Dias de Oliveira.1127 Apelou de novo o
governador-geral para as vilas de São Paulo, mandando que o Mestre-de-campo Morais
Navarro levantasse outro “terço de infantaria paga” (conforme as reais ordens).1128 A esse
tempo (1697) a rebelião dos selvagens se propagava pela costa. Em socorro dos
maranhenses, igualmente ameaçados, quis el-rei que fossem os capitães do Rio de São
Francisco com os seus índios.1129 Em 1699 campeava, ainda uma vez na fronteira do Rio
Grande, Morais Navarro: mas sem auxílio eficiente dos capitães da Paraíba, do Rio
Grande e do Ceará,1130 e a lutar, além disto, com as prevenções dos moradores, os
escrúpulos dos religiosos. Em 1701 o Terço dos Paulistas foi removido do Açu para o
“sertão que fica entre o Ceará e o Rio Parnaíba, [...] para fazer guerra aos rebeldes
tremembeses”.1131

A DERROTA DOS QUILOMBOLAS

Largando a guerra ao tapuia em mãos de Matias Cardoso, cuidou Domingos Jorge de


cumprir o estipulado quanto aos Palmares. Queixou-se de não lhes ter sido “muito fácil
nesse princípio pela pouca experiência que [...] tinham das traças, astúcias e estratagemas
desse inimigo e nenhum conhecimento das disposições destes países, mui fragosos e mal
penetráveis”. Não lhe aproveitou um reforço de sessenta moradores das Alagoas. Debalde
quis romper as cercas do primeiro arraial de negros que encontrou. A resistência destes e
o desânimo dos seus levaram-no a protelar o ataque dez meses, na “praia deserta do
Riacho Paratagi”.

Forte de munições e abastecimento, com 45 brancos e 600 índios, lançou-se de novo ao


arraial, já agora defendido por
uma triplicada cerca no cume da serra, [...] com torneiras a dois fogos a cada braça, com flancos, redutos, redentes,
faces e guaritas, cousas antes não usadas deles; e os exteriores tão cheios de estrepes ocultos, e de fojos cheios deles, de
todas as medidas [...] que era absolutamente impossível chegar alguém à dita cerca toda ao redor.

Quem fizera tal obra? Superior à rusticidade dos quilombolas, trai a intervenção de
desertores, gente interessada na conservação deles ou antigos soldados pretos,1132 capazes
de assim afrontar um pequeno exército. Evidentemente com o seu punhado de
escopeteiros não poderia o paulista vencê-los. Chegaram-lhe, sucessivos, grupos de
moradores, mesmo algumas pessoas influentes de Olinda e Recife, e senhores de engenho
decididos a cooperar no último castigo dos bárbaros, comandados pelo Capitão-mor
Bernardo Vieira de Melo. Outros, chefiados pelo Sargento-mor Sebastião Dias, se
apresentaram; e destarte uma força numerosa começou, em 12 de janeiro de 1694, o cerco
dos Palmares. Consumiu 22 dias.

A tática de Domingos Jorge foi engenhosa. Construiu uma cerca oblíqua, que partia do
seu acampamento até alcançar a dos negros, fazendo-a de noite, e de modo a ir cobrindo o
avanço, sem que lho pudessem conter. Já quase completamente fechado por estoutra
linha, e à iminência de entregar-se por falta de mantimentos, o Zumbi tentou uma saída
desesperada, às duas da manhã de 5 de fevereiro. Com o seu povo se arremessou para
destroçar a cerca que o envolvia e ganhar o mato. Não logrou o intento tal a rapidez da
oposição que lhe apresentaram paulistas e pernambucanos, e impelidos para a borda do
abismo, junto ao qual estava a aldeia, lutaram na treva, precipitaram-se muitos daquelas
alturas e os demais, subjugados, caíram cativos, em poder de Bernardo Vieira de Melo e
Domingos Jorge. Levou o Zumbi duas balas, porém conseguiu fugir: só o mataram um
ano depois.
COMO ACABOU O ZUMBI

Suicidaram-se em massa os negros que rolaram da alta rocha?

Que de epopéia há nesse epílogo de guerra que os documentos coevos não embelezam
— neles narrada como a punição de escravos indignos de piedade, sequer do tratamento
dispensado aos janduís “comedores de carne humana”? Em carta de 18 de fevereiro o
governador de Pernambuco explicou: “Aprisionaram muitos e outros se tornaram a
recolher, mas errando o caminho se despenhou grande parte deles de uma rocha tão alta
que se fizeram pedaços”. Era noite. Não podiam os brancos ver o sacrifício, ou avaliar-lhe
a grandeza. Apertados de encontro ao precipício, tiveram de escolher entre a escravidão e
a morte. Numerosos se arrojaram no espaço. A lenda errou quanto ao Zumbi. Não caiu,
como águia ferida, do topo do penhasco, desdenhando os perseguidores e dando aos de
sua raça um exemplo de altivez majestosa. A lenda (e Rocha Pita) fantasiou-lhe um fim
teatral. De fato, com duas balas no corpo e alguns sequazes se embrenhou no sertão. Foi
denunciado por “um mulato seu valido”,1133 que o vendeu a André Furtado de Mendonça,
cabo de um troço de paulistas.

O governador de Pernambuco completa essa história: o mulato


desempenhou a palavra guiando a tropa ao Mocambo do negro, que tinha já lançado fora a pouca família que o
acompanhava, ficando somente com vinte negros, dos quais mandou quatorze para os postos das emboscadas que esta
gente usa no seu modo de guerra, e indo com os seis que lhe restaram a se ocultar no sumidouro que artificiosamente
havia fabricado, achou tomada a passagem; pelejou valorosa ou desesperadamente matando um homem, ferindo
alguns e, não querendo render-se nem os companheiros, foi preciso matá-los e só a um se apanhou vivo; enviou-se-me
a cabeça do Zumbi que determinei se pusesse em um pau, no lugar mais público desta praça, a satisfazer os ofendidos
e justamente queixosos, e atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam este imortal;1134 pelo que se entende
que nesta empresa se acabou de todo com os Palmares.1135

XXVI: OS “MALES DO BRASIL”

O “BRAÇO DE PRATA”

Ao contrário do governo profícuo de Roque da Costa (que “se embarcou na mesma hora
em que entregou o bastão”, “mais pobre de fazenda e mais rico de opinião que muitos dos
seus antecessores”)1136 — foi desastrado o de Antônio de Sousa de Meneses, velho militar,
que perdera o braço direito num dos combates da armada do Conde da Torre à altura da
Paraíba, e o substituíra por um “de prata”, donde a alcunha, que lhe ficou. “Nos postos e
governos que exercera tinha mostrado mais valor que disposição”, sentenciou o Padre
Antônio Vieira, que, também velho, resolvido a isolar-se do convívio dos homens na
Quinta do Tanque, da Bahia, a esta cidade se passara, na frota de 1681.1137 Durante os seus
dois anos de governo infausto o “Braço de Prata” foi impopular, combatido pela melhor
gente e censurado por suas violências, a que não faltou o remate de um crime famoso.

Começou por querer evitar um abuso de que se queixava a justiça: o imemorial costume
de saírem à noite, embuçados nas suas capas, os moradores, de modo a serem contínuos
os delitos, impunes graças ao disfarce. Proibiu os “embuçados” e irritou a mocidade,
avisou Vieira, em carta de 23 de julho do mesmo ano: “E sobre se tirarem as capas aos
homens têm dito lindezas os poetas, sendo maior a novidade deste ano, nestes engenhos,
do que foi nos de açúcar”. A “terra é má de contentar”, confessava o padre. Açulou-lhe a
maledicência a galhofa de Gregório de Matos:
Quando desembarcaste da fragata
Meu dom Braço de Prata,
Cuidei que a esta cidade tonta e fátua
Mandava a Inquisição alguma estátua, [...]

O CASO DO ALCAIDE

Complicou-se a situação com a amizade que uniu ao governador o Alcaide-mor Francisco


Teles de Meneses e o Desembargador João de Góis de Araújo. Ambos eram adversários
do secretário de Estado, Bernardo Vieira Ravasco, irmão do Padre Vieira, e dos Britos de
Castro, cuja parcialidade abrangia nomes ilustres da milícia, do clero, da nobreza. De João
de Góis diz o padre: “Inimigo capital da Companhia e do meu irmão”, era “a mão com
que escrevia o governador”. Quanto ao alcaide, o ódio aos Castros pressupunha luta de
morte, pois um sobrinho dele armara uma emboscada ao Tenente Antônio e seu irmão, o
provedor da alfândega André de Brito de Castro,1138 de que escaparam, malferido o
primeiro, com a espada na mão o outro... Sem atenção a esse conflito, deu o governador
ouvidos ao desembargador para diminuir o ordenado do secretário, e suspendê-lo afinal
do emprego. A esse tempo escravos do provedor da alfândega tinham assassinado dois
negros do alcaide. Atribuía-se o crime à vingança. Entre os mandantes figurava Gonçalo
Ravasco, filho de Bernardo Vieira. Para não serem presos recolheram-se ao colégio da
Companhia os dois Vieiras, e alguns fidalgos. Lembrou-se o padre de uma acomodação: e,
antevéspera do Natal, procurou em palácio Antônio de Sousa de Meneses. Foi pior.
Desentenderam-se, através de um diálogo que o próprio Vieira resumiu, em carta a Roque
da Costa. “Que ele ainda que não era padre da Companhia tinha melhor consciência que
eu, e conhecia melhor a Deus que eu”. Advertiu-lhe, que “quando eu podia alguma cousa,
tinha servido a Sua Senhoria”. Gritou: “Nunca lhe pedi nada, nunca lhe pedi nada!”. E o
jesuíta: “Sim pediu, sim pediu: nem tem que se desconfiar disso; porque naquele tempo se
podiam valer de mim, e eu fazer serviços a outros maiores, tirando o príncipe”. Furioso, o
governador o expulsou: “Vá-se daqui, e não me entre mais em palácio”. E o padre: “Por
certo que será matéria de grande sentimento não entrar neste palácio quem com tão
diferente respeito tem entrado no de todos os reis e príncipes da Europa”.

Seis meses transcorreram, pontilhados de incidentes e desordens. Em 4 de julho (1683),


às dez horas da manhã, na rua detrás da Sé, a “serpentina” em que ia o alcaide foi atacada
por um bando de embuçados. Dois escravos, que carregavam o palanquim, caíram logo,
aos golpes dos criminosos, que em seguida se atiraram a Francisco Teles de Meneses e lhe
embeberam no corpo as espadas. “Matá-lo-ei de frente e com o meu pulso, como
cavaleiro”, rugiu um deles, decerto Antônio de Brito de Castro; e vibrou-lhe a estocada
mortal.

Cometido o crime correram os assassinos para o colégio. Puderam ser presos João de
Couros Carneiro, Francisco Dias do Amaral, Manuel de Barros da Franca, Antônio de
Moura Bolim, os capitães Diogo de Sousa da Câmara e José Sanches del Poço, seus
amigos. Mas foram justificar-se em Lisboa Gonçalo Ravasco e Manuel de Barros. Quanto
a Antônio de Brito, foragido em Lisboa, deram-lhe gasalhado os jesuítas junto à Igreja de
São Roque.1139 À instância de Vieira, foi perdoado pelo irmão da vítima, e anistiado por el-
rei (1694) mediante intercessão do Papa,1140 como diz Fr. Jaboatão no seu Catálogo
genealógico.

Tais acontecimentos emocionaram a corte. Ouviu el-rei as queixas da América. Em 9 de


março de 1684 escreveu — não sem benevolência — ao “Braço de Prata”:
Atendendo aos vossos anos, e aos muitos que tendes de serviços desta Coroa, parecendo-me que desejais ver-vos fora
do Brasil, para vir descansar no reino, fui servido nomear ao Marquês das Minas que vos houvesse de ir suceder.1141

MARQUÊS DAS MINAS

A nomeação do marquês levou a data de 4 de março; empossou-se na Sé arquiepiscopal


da Bahia em 4 de junho seguinte. “No mesmo dia em que chegou, foi hospedar-se com os
jesuítas no seu colégio, a testemunhar-lhes o apreço recusado pelo antecessor”1142 — e não
lhe faltou a lisonja de quantos, até aí perseguidos ou oprimidos, viam raiar uma era de
justiça...
Teremos grande fartura,
Não há de haver fome mais:
Mostras temos, e sinais,
De um tempo mais abastado.1143

O Marquês das Minas tinha motivos ilustres para amar o Brasil. O título lembrava-lhe o
bisavô, D. Francisco de Sousa, a quem fora prometido. Os ossos desse governador tinham
ficado em São Paulo. De D. Antônio de Sousa, seu filho, enviado com amostras de ouro
para o reino, proviera o 3º Conde do Prado e 1º Marquês das Minas, D. Francisco de
Sousa, notável na guerra e na política, mestre-de-campo nas lutas da Restauração e
embaixador em Roma. Casara-se a primeira vez com uma Montalvão e a segunda com a
filha do Conde da Torre. Destas núpcias nascera D. Antônio Luís de Sousa, 4º conde e 2º
marquês (1644–1721), educado na escola das armas consoante as tradições da família,
soldado valente na guerra da independência (de 1658 a 65), destinado a maior fortuna
após o governo do Brasil.1144 Exerceu-o com argúcia e brandura, apaziguando e provendo
com proverbial acerto.
Coincidiu, porém, com esse período a epidemia da “bicha”, que flagelou Pernambuco e
Bahia no verão de 1686 — a mais terrível que ainda se vira.

A EPIDEMIA GRANDE

A “bicha” era a febre amarela. Trouxera-a da Ilha de São Tomé para o Recife um brigue
negreiro. Abertas duas barricas com carnes salgadas logo morreram, como se vitimados
pelo ar empestado, dois marítimos; e o mal se espalhou pelo porto, pela Vila de Olinda e
seus arredores, sem haver medicina que o atalhasse. Verificou-se na Bahia o primeiro caso
da doença em abril. A sordície dos sobrados cujos porões andavam cheios de escravos da
África, o calor, as ruas sujas, a falta de higiene, agravada pelo número crescente de negros
mercadejados nos bairros da praia, favoreceram a expansão da epidemia, “novo gênero de
peste, nunca visto nem entendido dos médicos, de que já morreram dois”, como
participou Vieira ao Conde de Castanheira em 1º de julho de 86. Feria de preferência os
brancos, os menos adaptados ao clima. Dias houve em que morreram na cidade duzentas
pessoas. Seis desembargadores (entre estes João de Góis e Palma, os amigos do “Braço de
Prata”), a elite da milícia, doze jesuítas, tombaram quase simultaneamente, e “chegaram as
ruas da cidade a estar despovoadas, não só morrendo de vinte até trinta todos os dias, mas
não havendo casa em que não houvesse muitos enfermos, e em algumas todos”. “Não tem
sido menor a caridade e liberalidade, principalmente do Sr. Marquês das Minas, a quem
Deus tem pago de contado, preservando do mal assim a sua pessoa como a do conde seu
filho”.1145 Dera a um boticário autorização para fornecer à pobreza os remédios que
tivesse. Uma rica senhora, D. Francisca de Sande (viúva do Mestre-de-campo Nicolau
Aranha Pacheco),1146 transformara a sua casa em hospital, porque o da Misericórdia não
podia atender a todos os indigentes. Em 13 de junho faleceu o Arcebispo D. Fr. João da
Madre de Deus, de boa memória... Valeram-se os moradores, apavorados, duma imagem
de São Francisco Xavier que se venerava na igreja do colégio, e após procissão solene
quiseram que a câmara o tomasse por seu padroeiro: isto fez em 20 de julho, com a
aprovação del-rei (3 de março de 1687).1147

MATIAS DA CUNHA

Sucedeu ao Marquês das Minas no governo outro general das lutas do reino Matias da
Cunha, que já governava três anos o Rio de Janeiro, e se empossou na Bahia em 4 de
junho de 1687.1148 Logo embarcou o marquês de volta à corte. A bordo perdeu o filho, o
Conde do Prado, provavelmente da mesma peste, que enfrentava tantas vezes em terra, a
socorrer os doentes e a pobreza...1149 Sofreu o novo administrador piores injúrias dos
homens e da moléstia. De mais notável o que fez foi o socorro ao Rio Grande, reclamado
pelos moradores investidos dos tapuias — e de que na Bahia se ocupou solene junta de
teólogos, missionários e militares.1150 Recrudesceu, em 1688, a epidemia da “bicha”. A
frota nesse ano chegada perdeu muita gente. Faleceram dois desembargadores, outras
pessoas de prol, e por fim — depois de longa agonia — o governador, mas não antes de se
inteirar de um motim de soldados que quase abrasou a cidade.

O excessivo atraso dos soldos, o terror causado pela peste, a notícia de estar a morrer
Matias da Cunha, com a conseqüente ausência de autoridade, propiciaram a revolta da
tropa, “menos os cabos e oficiais maiores”. Cercaram a Casa da Pólvora, em 21 de
outubro, e intimaram a câmara a satisfazer-lhes as dívidas, sem o que se cobrariam pelas
próprias mãos.1151 Chegaram a interceptar os caminhos, roubar os transeuntes e
aterrorizar o povo. Angariou a câmara o numerário reclamado1152 e conseguiu o
Arcebispo D. Fr. Manuel da Ressurreição (chegara a 13 de maio de 88), com outros
homens influentes aquietá-los, evitando as prometidas depredações. Exigiram mais os
amotinados: que Matias da Cunha, agonizante, e o arcebispo assinassem o seu prévio
perdão. O governador teve ainda forças para assinar; e expirou.

Era no dia 24 de outubro. Convocara os vereadores, a nobreza, a oficialidade, para em


palácio decidirem sobre a sucessão do governo. Entre os rumores do levante e a tristeza
deste luto, concordaram em designar o prelado,1153 que ouviria nos negócios da justiça o
Desembargador Manuel Carneiro de Sá, chanceler da Relação. Anunciada a morte do
governador, a paz voltou à cidade. Os rebeldes da véspera compareceram às exéquias em
boa forma. A impunidade parecia então providencial: mas se desenganaram cedo, tanto
do fácil indulto como da indisciplina a que se iam acostumando.1154

CÂMARA COUTINHO

O Arcebispo D. Fr. Manuel da Ressurreição livrou-se do governo a 8 de outubro de 1690


— quando o entregou a Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, nomeado por um
triênio.1155 Descendia este do primeiro donatário do Espírito Santo, e foi quem vendeu a
capitania (1674) a Francisco Gil de Araújo. Acabava de governar Pernambuco.
Pretenderam os maldizentes na Bahia fosse mestiço, a esconder a avó tapuia, como outros
fidalgos enraizados na colônia. Satirizou-o Gregório de Matos:
Filho do Espírito Santo,
E bisneto de um caboclo.1156

Seria título, ao contrário, para bem-querer a terra: serviu-a com rude justiça, muita
lucidez e atividade grande. Os tempos, sim, corriam desastrosos; e exigiam remédios
heróicos. “À fome que houve na Bahia no ano de 1691” dedicou o poeta amargos versos:
Toda a cidade derrota
Esta fome universal,
Uns dão a culpa total
À câmara, outros à frota [...]1157

A crise persistia por um decênio. A epidemia de 1686 agravara-a com a mortandade da


escravatura, o retraimento e a desordem dos negócios. “Este ano deixaram de moer
muitos engenhos”, lamentou Vieira, em carta de julho de 1689. “Aconselharam os mais
prudentes que se vista algodão, que se coma mandioca”.1158 Achava o padre que mais três
anos assim acabariam com os engenhos. E que providências vinham do reino? Que “se
não rematassem por dívidas os gêneros da terra antes do tempo da frota”, a exemplo do
que se fizera em 1665, por ocasião da peste das bexigas...1159 Não bastava. O mal devera
remediar-se com a moeda. E nada tinha de complexo. Crescente a importação de
utilidades, urgia exportação equivalente, para compensá-la. Desorganizada a exportação,
por escassa, desvalorizada ou difícil de transportar, o que os mercadores reclamavam era a
paga, em dinheiro, de seus panos, de seus utensílios, de seu vinho. Realizavam lucros
fáceis, ficavam sem a dependência da mercadoria do Brasil a vender na Europa, e com a
vantagem da moeda sonante carregavam a maior ganância do tráfico — empobrecendo as
praças cujo numerário fugia todo para além-mar.

Não havia, é certo, melhor negócio que o das cousas que os embarcadiços, nas frotas
anuais, vinham especular e vender ao Brasil. Na Arte de furtar se conta que 50$000 de
pano eram na Ilha da Madeira dados pelo dobro a essa gente, que também pelo dobro,
200$000, revendia e ganhava...1160 O pior, em tal giro, era a troca, da mercância de
Portugal por açúcar ou tabaco, de cotação variável em Lisboa. Sobrevindo o distúrbio da
produção, em 1682 ou 83, deram de preferir os patacos circulantes. A crise tornou-se —
de dinheiro. Obstada à evasão, volveriam a reputar-se os gêneros do Brasil, e a
prosperidade se seguiria à normalidade do trabalho. Não havia senão diferençar da moeda
da metrópole a da colônia. Fixar a segunda, abaixando-lhe o teor metálico, em relação à
primeira. Regenerar, por essa operação na aparência temerária, a finança do Brasil até aí
incerta e desnorteada.

Porque foi a moeda então o assunto predileto das queixas, dos estudos, da angústia dos
homens empenhados em melhorar a tribulada vida brasileira de 1691, vejamos as
alterações que sofrerá ela após a Restauração portuguesa.

ALTERAÇÕES DA MOEDA

A revolução de 1640 pesara sobre o meio circulante. Ouro e prata encareceram. Tornou-
se indispensável o reajuste, com o aumento de 20%, no mínimo, do numerário corrente.
Este, no Brasil, consistia principalmente em prata espanhola. Decidiu-se, em 1643, fosse
remarcada em oficinas monetárias, para isto estabelecidas no Rio de Janeiro, na Bahia e
no Maranhão (as patacas e meias patacas seriam carimbadas com uma coroa real e os
valores, 480 e 240 réis), tendo os moradores quatro meses de prazo para as apresentarem
às tais oficinas (alvará de 26 de fevereiro de 1643). À Fazenda Régia cabia, nessa operação,
o lucro de 25% (apostila de 10 de março). Logo a 3 de agosto vigorou para o Brasil o
aumento de 25 e 50% nas moedas de ouro e prata. Proíbe-se, em 1647, a circulação das
patacas da nova fábrica do Peru. O que então se teme é a entrada da moeda falsa. Para
obviá-la, e fixar o estalão legal, recebe o vice-rei, Conde de Óbidos, em 1662, ordem para
recunhar toda a moeda existente na colônia. No ano seguinte a pataca espanhola passa de
480 a 600 réis. Trabalham as casas de resselagem da Bahia, Pernambuco, Rio e São
Vicente. Um mês, como determinava o Regimento, para que se contramarcasse a moeda
exibida, é insuficiente para isto: o vice-rei dobra o prazo. Põe ordem na circulação
metálica, manda para Lisboa a grossa percentagem que tem o tesouro régio dessa elevação
de valores, uniformiza o dinheiro em curso. Mas fora deficiente a majoração. Renovou-se
para o ouro em 1668 (a peça de 4 cruzados passou então de 4$000, para 4$400), para a
prata em 1673 e 79 (25%). As providências subseqüentes referem-se ao cerceamento das
peças de ouro (1686), abuso que suscitou, em 1688, a ordem de marcação geral do
numerário.1161 Mas foi desastrosa a lei de 4 de agosto desse mesmo ano, que mandou
levantar de 20% ouro e prata no reino e conquistas. Contra esse acréscimo em aquém e
além-mar representaram D. Fr. Manuel da Ressurreição, as câmaras da Bahia, de
Pernambuco, do Rio de Janeiro, por fim o Governador Câmara Coutinho. Respondeu-
lhes el-rei (19 de março de 1690) reiterando os termos da dita lei. Generalizou-se, em
conseqüência, uma repulsa que poderia degenerar em revolta.

Descreve o Padre Vieira:


No Rio de Janeiro se abaixou a moeda com tal diminuição, que em um dia, computado o que se possuía com o que se
perdeu, quem tinha nove se achou somente com cinco; e o pior é que esse pouco que ficou ainda assim se embarca
para Portugal, porque dizem tem lá mais conta. Para se fazer a mesma baixa nesta Bahia se espera pela partida da frota
[...]. Dizem os mais práticos da praça, que perderá esta na dita baixa mais de 500 mil cruzados.1162

Seguramente colaborou na sensata representação que o governador-geral enviou a el-rei


em 4 de julho de 1691. Nesta se repetem vários conceitos da correspondência do grande
jesuíta por essa época. Em 1º de julho escrevera a Roque da Costa Barreto: “Para último e
por único remédio representa e pede este estado a S. M. a moeda provincial com tal
maioria no valor extrínseco que, passada a outras partes, seja perda e não interesse”.1163 E
o governador, três dias depois:
O remédio seria mandar lavrar 2 milhões de moeda provincial, assim de prata como de ouro, para todo o Estado do
Brasil [...] a qual moeda tenha tanto mais valor extrínseco quanto baste para obrigar a que se não leve do Estado: com
proibição e pena grave.1164

MOEDA PROVINCIAL

El-rei não remeteu os 2 milhões pedidos. Adotou solução mais prática e igualmente
benéfica. Criou a moeda provincial lavrada mesmo no Brasil. Por lei de 8 de março de
1694 levantou de 10% o valor do ouro e da prata que deviam correr na colônia, somados
aos 20% do aumento de 1688.1165 Tal diferença, entre a moeda no Brasil e na metrópole,
desencorajaria os traficantes, que vinham arrecadá-la nos nossos portos: logo a lei de 19
de dezembro de 95 proibiu que circulasse aqui o dinheiro feito para o reino. A Casa da
Moeda da Bahia — instalada nesse ano,1166 na Praça do Palácio, junto à Casa da Relação —
passou a amoedar a prata e o ouro que havia em giro (de ouro, 4$000, 2$000 e 1$000,
inscrição acrescida: Petrus ii D. G. Fort. Rex et Bras. D.; e de prata: 640, 320, 160, 80, 40 e
20 réis).1167
Coube a D. João de Lencastro, sucessor de Câmara Coutinho, presidir à abertura da
grande oficina de moedagem. Viu-lhe a importância quem tanto se batera pela
“nacionalização” da moeda. “A casa dela fica já em boa altura, com que o trato civil desta
República, que até agora parecia de bárbaros, começará a ser político”.1168

ALIMENTOS E JUSTIÇA

Não se limitou Câmara Coutinho a defender os colonos contra a incompreensão do


Conselho Ultramarino. Que reparasse a carestia de alimentos, aplicou, com o rigor que
sabia ter, a lei de 1688, que obrigava os moradores do Recôncavo, dez léguas em redor da
Bahia, a plantar cada ano quinhentas covas de mandioca. Mas as desordens dos negros
fugidos em Camamu e de quarenta paulistas na Vila de Porto Seguro — donde vinham as
farinhas para a cidade — exigiam pronta repressão. Confiou-a ao Desembargador
Dionísio d’Ávila Vareiro, que se meteu, com um punhado de soldados, pela capitania de
Porto Seguro, e prendeu os malfeitores, com os seus sequazes. Na Bahia sofreram vários
deles a pena última.1169

Regozijou-se o governador: “Tenho evitado brigas, mortes e feridas, com toda a


severidade, e administração da justiça, executando a lei na forma dela incontinenti, por
bando, e está de maneira a Bahia que depois que eu governo está tudo quieto”.1170

VIAGEM E MORTE DO ARCEBISPO

Saiu entretanto D. Fr. Manuel da Ressurreição a visitar — pela primeira vez — as vilas e
aldeias da sua arquidiocese, numa inspeção sublinhada de caridade.
Com efeito — lembrou um contemporâneo — partiu por mar, e chegou à Vila de Ilhéus. E depois de a ter visitado
com aquele fervoroso espírito, se pôs a caminho: e chegando ao Rio das Contas, que são mais de vinte léguas, por
longas praias e altas serranias, fez também sua costumada doutrina ao povo, e fruto a Deus. E daí se partiu para a Vila
de Camamu, que lhe ficava mais de quatorze léguas distante, por ásperos campos e rios caudalosos: aonde esteve mais
dias, pelo maior concurso de gente, e ter mais que fazer na sua visita, e Missão; porque nunca perdeu tempo, em que
se não visse visitar, crismar, pregar e ainda confessar: sendo em tudo incansável na Vinha do Senhor [...]. Dali passou
à Vila de Boipeba, que dista doze léguas, embarcando parte da jornada por mar em canoas, e parte por terra: fazendo o
mesmo fruto naquela vila. Dela se embarcou para a do Cairu por um dilatado rio, que tem mais de quatro léguas; na
qual foi recebido com mui aprazível gosto. Despediu-se dela para a Força do Morro; e daí se passou, por uma grande
praia, que tem mais de nove léguas, à Vila de Jaguaripe. E correndo muita parte das freguesias e igrejas deste
Recôncavo, caminhou tão apressado, como desejoso de chegar a este seminário; porque parece que corria, para chegar
ao fim, que tanto apetecia. Isto posso eu certificar, por lhe ter ouvido dizer, que ia descansar a Belém.1171

Chegou ao Seminário de Belém (na Cachoeira) “já mortalmente enfermo”1172 e faleceu


nos braços do Padre Alexandre de Gusmão, em 16 de janeiro de 1691.

Poucos prelados foram aplaudidos e amados como esse, que deu o resto da vida a um
apostolado exaustivo e a concluiu na recente igreja rural onde floresciam as virtudes dum
exímio educador.
D. JOÃO FRANCO

Sucedeu-lhe na Sé arquiepiscopal D. João Franco de Oliveira — menos feliz na prelatura,


e na obediência dos homens. Confirmado pela Bula de 9 de janeiro, chegou à Bahia em 5
de dezembro de 1692, recebido sem simpatia porque trouxe no mastro do navio, não o
estandarte real, mas a sua flâmula particular. O governador mandou prender o mestre da
embarcação...1173

Acabava de deixar, aliás, a diocese de Angola “porque a pesca, que fez já no Oriente, o
destinou para a do Meio-Dia”1174 — o que explica menos essa novidade. No desagrado do
governador encontrou o indício de que a terra lhe seria desfavorável. Há uma poesia de
Gregório de Matos com a epígrafe: “Retira-se o Arcebispo da Bahia para fora da cidade, a
divertir o sentimento pela desastrada morte de seu sobrinho, cuja pena o acompanhou até
que se retirou para Lisboa”. À semelhança do antecessor, procurou o retiro de Belém. Não
quis continuar no Brasil. Interrompeu o seu governo em 28 de agosto de 1700 —
recolhendo-se a Portugal.1175 Assinalou-o, porém, com a criação de numerosas paróquias:
Madre Deus, São Gonçalo da Vila de São Francisco, Cachoeira, São Gonçalo dos Campos,
Saubara, Itapororocas, Itapicuru de Cima, Santa Luzia do Piagüí, São Gonçalo de Sergipe
del-Rei, Santo Antônio e Almas de Itabaiana.

XXVII: O GRANDE GOVERNO DE D. JOÃO DE LENCASTRO

O PREFERIDO DA TERRA

De regresso do seu governo de Angola estivera D. João de Lencastro na Bahia em 1692.


Escreveu Vieira em julho desse ano:
[...] vai embarcado na presente frota, com tantas saudades da Bahia como as que deixou no governo de Angola; e aqui
se deteve os dias e meses bastantes para conhecer interior e exteriormente as enfermidades do Brasil e os remédios
políticos e militares.1176

A câmara da cidade (em 14 de julho de 92) pediu a el-rei concedesse mais um triênio de
governo-geral a Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, porém, não sendo isto
possível, que lhe desse então por “sucessor a D. João de Lencastro, de cujos altos
procedimentos” tinham todos lisonjeira notícia.1177 Embora excepcional, a súplica (os
moradores a indicarem o representante de Sua Majestade) fundava-se em opinião severa e
ouvida. Veio, pois, o fidalgo, com muitas esperanças, grandes projetos e a solução dos
problemas mais penosos do tempo. Dir-se-ia milagre:
Chegou o Sr. D. João de Lencastro, e entrou nesta Bahia com todo o troço da frota com que saiu de Lisboa. No mesmo
dia com sua vinda se trocou a fome em fartura, a desconsolação em alegria, e até a morte, ordinária nestes meses, em
saúde, pagando Deus aos lavradores a esterilidade do ano em tão melhorada moeda. A casa dela fica já em boa
altura.1178

Oito anos administrou, com intensa e feliz atividade.

Nenhum outro governador construiu tanto. Tocou-lhe por sorte, é certo, o mais belo
decênio da evolução do Brasil colonial: quando os sonhos das minas, a miragem de todos
os seus antecessores, as promessas antigas se concretizaram — em descobrimentos
espantosos. Época de pacificação a ferro e fogo de tapuias e mocambos do Nordeste. Da
comunicação, pelos sertões, do Maranhão com a Bahia. Da fundação das vilas, da
reorganização da justiça, da moeda provincial, das frotas abundantes, dos intensos
aprestos da defesa dos portos — agora que as questões européias (a confusa sucessão
espanhola) ameaçavam estender à América as guerras do Velho Mundo.

Mandou pôr os fortes de Santo Antônio da Barra,1179 de Santa Maria e de São Diogo na última perfeição e melhor
forma, além de mandar fazer o Forte de Santo Antônio-além-do-Carmo, levantar o Ornaveque e reduto a cavaleiro
que defende as duas portas da cidade1180 e fabricar a nova Casa da Relação,1181 da Moeda e da Alfândega,1182 e reedificar
com mais largueza a casa da câmara e cadeia, como tudo se deixa ver nas suas inscrições, esculpidas; concorrendo
também com incessante desvelo e solícita aplicação para se acabar o formoso templo da Matriz (Sé).1183

Tantas construções justificaram a abertura de uma escola de traço, geometria e cálculo: a


“aula de fortificações” que mandou el-rei fundar em 15 de janeiro de 1699 — e teve longa
vida.
Por ser conveniente ao meu serviço hei por bem que nessa praça em que há engenheiro haja aula em que ele possa
ensinar a fortificação havendo nela três discípulos de partido, os quais serão pessoas que tenham capacidade
necessária para poderem aprender.1184

A CASA DA MOEDA

A oficina de moedagem não devia atender apenas ao numerário da Bahia, senão —


sucessivamente — ao de todas as capitanias, até a substituição total do meio circulante.

Houve entretanto uma dificuldade insuperável: o transporte do dinheiro para a


recunhagem.1185 As ordens del-rei e do governador-geral não lograram vencê-la: o jeito foi
deslocar-se a Casa da Moeda, primeiramente para o Rio de Janeiro, depois para
Pernambuco. Ali começaram os trabalhos a 14 de março de 1699; e terminaram em 13 de
outubro do ano seguinte.1186 Funcionou em Pernambuco durante todo o ano de 1701, até
1702 (foi mandada fechar por carta régia de 31 de janeiro desse ano). Voltou então ao Rio
de Janeiro, não mais para fabricar a “provincial”, porém para fundir, com o ouro das
“minas gerais”, a moeda forte ou do reino, a este destinada.1187

Lograra-se dar à colônia dinheiro estável e suficiente: cumpria agora amoedar o da


metrópole, fornecido com abundância pelas “minas gerais”. Em 1694 a casa de cunhos
satisfazia à pobreza do Estado; em 1703 — à sua opulência. Em menos de um decênio o
panorama econômico se alterara completamente. Acabava o século xvii, em que tanto se
falara de prata ilusória. Principiava o xviii: do ouro, que parecia inextinguível.
O SALITRE

Mas era indispensável fabricar pólvora na Bahia; e exportar salitre, se possível. Câmara
Coutinho tratara, em 1693, com o Coronel Francisco Dias d’Ávila — a cuja Casa pertencia
a região das minas — “a condução deste salitre pelos seus colonos e com seus bois e
cavalos, que são infinitos”, do São Francisco à cidade.1188 Para ver as nitreiras D. João de
Lencastro foi àquele sertão — entre 8 de setembro e 19 de novembro de 1695.1189
Acompanhou-o o Desembargador Belchior da Cunha Brochado.

Depois de D. Luís de Sousa, atrás das minas de pirata, nenhum outro governador cortara
ainda tabuleiros, caatingas1190 e serras do Nordeste, onde, recentes, os currais da Casa da
Torre atestavam a vitória do vaqueiro sobre o tapuia.

Contratou o transporte a viúva de Dias d’Ávila: 20 mil quintais de salitre postos em


Cachoeira, contra um foro de fidalgo cavaleiro, dois hábitos com 150$000 de tença e a
donataria de uma vila que fundasse. D. Leonor Pereira Marinho — a rica senhora — não
pôde desobrigar-se do compromisso e, em 1699, requereu a sua substituição por 60 mil
cruzados, que pagaria em doze anos.1191

VILAS E JUÍZES

Conheceu o governador as condições da vida sertaneja e as necessidades das povoações


novas.1192 Criou as três vilas do Recôncavo, Jaguaripe, Cachoeira e São Francisco de
Sergipe do Conde. A primeira foi instalada em dezembro de 97,1193 a segunda em 29 de
janeiro de 98, no porto da Cachoeira, ponto de partida para as viagens ao Rio de São
Francisco (e logo, das Minas Gerais);1194 a terceira em 16 de fevereiro, ao pé do convento
dos franciscanos, em terras que tinham sido de Mem de Sá e do Conde de Linhares.1195
Erigiu em Sergipe del-Rei cinco vilas: Santo Amaro das Brotas, Itabaiana, Lagarto, Santa
Luzia e Vila Nova. No sertão do São Francisco, para deter os índios de corso e assegurar o
trânsito aos boiadeiros, mandou fundar as povoações do Rio Preto, Parnaguá e Barra do
Rio Grande (autorizado pelas cartas régias de 10 de novembro e 2 de dezembro de 1698).

Dava com isto aos moradores um modo de tranqüilidade municipal capaz de juntá-los,
em lugares de bom comércio e convivência próspera, em vez das fazendas em que se
isolavam; e à aglomeração do Recôncavo, nos engenhos atulhados de escravatura,
respondia com um novo tipo de adaptação do homem à terra. A vila do alto sertão, tendo
por núcleo a igreja matriz e a feira de gado.

XXVIII: MAGISTRADOS E GOVERNOS


PREDOMÍNIO DO BACHAREL

Repete-se na América a evolução administrativa e política da metrópole. À fase marcial


dos capitães-generais, dos capitães-mores arbitrários, sucede, civil e letrada, a do juiz de
fora e do corregedor (1696).1196 É o bacharel que vem (ou volta) de Coimbra1197 com a
preeminência que tinha no reino, a jurisdição transpondo os limites do foro para abranger
a ordem do governo municipal e a paz dos negócios,1198 encarnação da lei comum, que
traz consigo, nos cartapácios temíveis das Ordenações. Dissolve os privilégios residuais da
nobreza (isto é, dos potentados locais), como outrora em Portugal, os corregedores de D.
João ii tinham dominado as resistências dos grandes titulares: com o exercício inflexível
da sua magistratura. De “fora” se chamava o juiz, exatamente porque a sua missão era
intervir — estranho à terra — nos assuntos que escapavam à alçada do juiz ordinário.1199
Com o caráter de ouvidor-geral, superintendia o corregedor a justiça e a polícia dos juízes
não-togados (câmaras municipais), exercia a provedoria da Real Fazenda, tomava contas
de testamentos, ausentes, capelas (ou morgadios), resíduos e órfãos,1200 e só respondia
perante o Tribunal da Relação, que lhe conhecia apelações e agravos. Com ele, pois, passa
à América o aparelho judiciário ilustrado pelo bacharel em começo de carreira forense,
representando as boas normas que fazem na Europa a honra das cidades; e o direito lido
nas escolas. É um conciliador autoritário e providencial, anteposto naturalmente aos
caprichos do poder militar — o governador — e aos desmandos do poder eletivo — o
conselho. Representa a régia Eqüidade; é enfim o legista — para proteger eficazmente as
relações urbanas no país até aí tão carente de segurança e equilíbrio. Não é apenas (note-
se bem) um agente daquele direito dogmático: é principalmente um funcionário da
unificação do Estado.

MARCHA PARA O ABSOLUTISMO

A tendência centralizadora e paternalista da monarquia começa pela intervenção nas


câmaras, cuja fogosa autonomia vimos, exuberante, em 1641. Tinham atingido o apogeu
do vigor nativista e combativo, e para lembrá-lo, ficara na Bahia — espécie de tribuno da
plebe eqüidistante dos abusos da classe mercantil e do descontentamento popular — o
juiz do povo. Atenuara-se pelo tempo adiante essa honesta agressividade. Mas as eleições
anuais para o conselho corriam por vezes agitadas ou controvertidas; e não raro os
vereadores e o governador se chocavam, em lamentáveis desavenças. Pendia do espírito
do século a condenação dessas liberdades indiscretas. Em 1692, teve ordem o governador
de fiscalizar as despesas da câmara da cidade.1201 Quatro anos depois (sem comoção, quase
sem surpresa...) acabaram as eleições por pelouros (em que votavam os homens bons).
Desde este tempo (explica Rocha Pita) deixaram de fazer-se por pelouros as eleições dos oficiais do Senado da Câmara
da Bahia, remetendo-se as pautas dos eleitores ao Desembargo do Paço, que se faz na Relação dela, e em cada um ano
as alimpa e escolhe os vereadores e procurador, que hão de servir nele, que vão nomeando em provisão passada em
nome del-rei.1202

Assumiu-lhe a presidência o juiz de fora.1203 Foi a 27 de abril de 1697 que, reunidos os


vereadores que iam ser substituídos, presente o magistrado, se leu o alvará da véspera, que
em nome del-rei expediu D. João de Lencastro, designando os seus sucessores.1204 Em
Olinda e no Rio de Janeiro “foi concedida provisão de Sua Majestade para os
governadores delas em cada uma com o ouvidor e o juiz de fora limparem as pautas cada
ano e escolherem os oficiais”. Era simples; e estrangulava no berço as reivindicações
subversivas. Exterminava o espírito de independência — submetendo ao governo forte os
conselhos emudecidos. Antecipava-se o absolutismo do século de D. João v.

VEREADORES

O novo sistema aproveitou aos filhos do reino, favorecidos do juiz de fora e do


governador. Nem havia mais bela situação na cidade do que a de vereador, quando
Gregório de Matos, caricaturando a sociedade, assim biografava o adventício:
Sai um pobrete de Cristo
De Portugal ou do Algarve,
Cheio de drogas alheias
Para daí tirar gages.
[...]
Vendendo gato por lebre,
Antes que quatro anos passem,
Já tem tantos mil cruzados
Segundo afirmam pasguates.
[...]
Começam a olhar para ele
Os pais, que já querem dar-lhe
Filha e dote, porque querem
Homem que coma e não gaste.
[...]
Casa-se o meu matachim,
Põe duas negras e um pajem,
Uma rede com dois minas,
Chapéu-de-sol, casas grandes.

Entra logo nos pelouros,


E sai do primeiro lance
Vereador da Bahia
Que é notável dignidade.1205

CENTRALIZAÇÃO

Dissemos o que significou para a centralização do Estado a guerra holandesa.

Tendem a desaparecer os privilégios dos capitães nas suas capitanias invadidas pela
jurisdição dos governadores. Em 1664 é o próprio vice-rei, Conde de Óbidos, que expede
o regimento “das capitanias deste Estado”, com a declaração enfática de que nenhuma
obedeceria à outra, sua vizinha, mas, rigorosamente, a “este geral”, que lhes daria as
ordens.1206 Serve de exemplo a esse tipo de subordinação o conflito, que por pouco não se
converteu em luta armada, de Francisco Barreto e André Vidal de Negreiros, aquele
montado na autoridade de governador-geral, este escorado à tradição do governador de
Pernambuco, com poder largo e autônomo. Em 1677 Afonso Furtado (escrevendo à
Câmara de São Vicente), preveniu que não aceitasse provisão ou nomeação, ainda que de
Sua Alteza, “sem levar o cumpra-se deste governo”.1207 Narraremos as etapas dessa política
de unificação do país no século seguinte — até esbarrar no interesse metropolitano de
quebrantá-la em proveito da comunicação direta com a corte.

ORDEM SERTANEJA

A ordem rural foi atendida pela carta régia de 20 de janeiro de 1699, que mandou,
para se evitarem os exorbitantes excessos que nos sertões desta capitania se cometem, por falta de quem neles
administre justiça, criasse (o governador) em cada freguesia um capitão-mor e mais cabos de milícia, que
pontualmente executem as diligências da justiça.1208

No Vale do São Francisco é que se concentram então as vistas do governador-geral,


tanto porque o gentio continuava a inquietar os curraleiros, entre os rios Salitre e Verde,
como pela importância da região fronteiriça das minas de ouro, trajeto dos aventureiros e
escoadouro do metal sonegado à cobrança dos quintos.

Mas ali um ermitão na sua gruta chegou antes do capitão-mor com as suas ordenanças.
Chamou-se Francisco de Mendonça Mar, e Bom Jesus da Lapa o santuário que fundou.
Era um pintor português, ainda em 1688 empregado nas obras do palácio na Bahia, que
em 1691, incompatível com a vida da cidade, entrou penitentemente os sertões, indo
instalar-se, na volta do rio, na Lapa, onde um estranho monte devia sugerir-lhe a forma
estupenda de uma catedral. Realmente, com o calcário decomposto, lavrado em
profundos sulcos, cortado pelo desgaste em torreões e agulhas, como se a natureza
copiasse as rendilhadas verticais de uma igreja gótica, esconde aquele maciço um
admirável grotão, que parecia talhado e retalhado para os fervores do culto.1209 Lá se
enfurnou o beato, com a sua caridade e o seu apetite de isolamento e de oração, como a
adivinhar o drama das minas, o tumulto e a guerra que não tardariam, a furiosa contenda
de paulistas e emboabas. Do alto da sua rocha, via passar as canoas...

OS IRMÃOS VIEIRA

Apagou-se por aquele tempo (1697) a luz mais intensa das letras luso-americanas. Aos 89
anos, morreu na Bahia o Padre Antônio Vieira, com a circunstância de lhe sobreviver
apenas dois dias o irmão, secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco, cuja
personalidade irrequieta se associa em tantos episódios. Entre 1681, quando voltou ao
Brasil, e seus últimos dias, o incomparável pregador prestou serviços valiosos à colônia.
Após o governo tempestuoso do “Braço de Prata”, ressurgiu a sua influência, decisiva ao
tempo de Câmara Coutinho.
E enquanto ao Regimento para o governo dos índios, e com os moradores, me louvava Vossa Majestade que o fizesse
com a aprovação e conselho do Padre Antônio Vieira pela sua experiência e zelo que tem no serviço de Deus.1210

Assim fez. Colaborou na criação da Casa da Moeda, na reorganização das missões, nos
problemas do Estado, sem deixar de cumprir a ordem do Geral da Companhia para
reduzir a volume os sermões. Só não pôde concluir a Clavis Prophetarum, livro da velhice
— quando o vezo de descobrir o futuro e o gosto de vaticiná-lo o consolavam das ilusões
perdidas...1211

No Maranhão, em 1656, a reconfortar os sertanistas desenganados das minas, meditou


Vieira:
E para que comecemos pelos perigos que podem vir de fora, e de mais longe; se este estado sem ter minas foi já
requestado e perseguido de armas e invasões estrangeiras; que seria se tivesse esses tesouros? [...]. Mas, dado que as
minas tão esperadas e apetecidas não tivessem, por conseqüência de sua fama, estes perigos de fora, bastava a
consideração dos trabalhos e misérias domésticas, que com elas se vos haviam de levantar de debaixo dos pés, para que
o vosso juízo, se o tivésseis, tratasse antes de sepultar as mesmas minas depois de achadas, que procurar de as
desenterrar e descobrir, ainda que foram muito certas.1212

Fechou os olhos quando a previsão ia realizar-se.

1700

Os últimos atos de D. João de Lencastro foram a expedição dos socorros da Índia, que
aprestou em 1700, a exploração de um caminho mais breve para as “minas gerais”, que
logo el-rei mandou fechar, e a criação da Vila de Caravelas (1701), cujos sertões
começavam a ser devassados pelos pesquisadores de ouro.1213

O auxílio à Índia (para restaurar a praça de Mombaça na Etiópia recentemente perdida)


constava da nau Sereia vinda do reino e da Nossa Senhora de Betancourt, construída nos
estaleiros da Bahia. Comandava a expedição Antônio de Saldanha. Ajuntou-lhe o
governador a melhor gente da terra, tendo à frente seu filho D. Rodrigo de Lencastro. A
câmara tomou a si a despesa de duas companhias.1214 Mas a fatalidade parecia perseguir
esse entusiasmo. Incendiou-se a Sereia ainda no porto. O patacho Santa Escolástica,
armado para substituí-la, também se perdeu à saída da barra, morrendo muita gente. E
afinal a Nossa Senhora de Betancourt, glória da carpintaria brasileira,1215 após boa viagem
até Goa, lá afundou, por terem deixado as escotilhas abertas em hora de temporal...

Era tempo de voltar à pátria o diligente Lencastro. Esperou o sucessor, D. Rodrigo da


Costa:
E me consta (atestou o novo governador) que vai empenhado, e que não teve negócio algum nesta praça nem fora
dela, publicando sempre que a sua maior riqueza consistia no desinteresse e zelo com que servia a Vossa Majestade.1216

Em linguagem oficial não havia melhor elogio.


XXIX: INÍCIO DO CICLO DO OURO

MINAS GERAIS

Fernão Dias Pais não explorou em vão as montanhas centrais.

O ciclo das esmeraldas encerrara-se com a desastrosa morte de D. Rodrigo. O da prata


desvanecera-se ao mesmo tempo.1217 Essas lendas custavam caro. Mas a obsessão do ouro
não largara o espírito crédulo dos paulistas. Não o de lavagem que, com desigual fortuna,
iam “bateando” pelos riachos do Iguape, de Curitiba, de Paranaguá — muito escasso para
contentar e fixar esses homens andejos. Porém o de beta, mesmo o dos ribeiros, à mão de
semear, abundante — que constava haver ao Norte, ao Oeste, no Sul... Para achá-lo
continuaram a penetrar — saindo de Taubaté — a Mantiqueira; avivaram o itinerário do
“Governador das Esmeraldas”; vagueavam pelos montes verdes ou rochosos, varando as
torrentes, escalando tombadouros, ganhando divisores de águas donde vastos panoramas
começavam a recompensar — risonhos — tanta ambição. São, depois de 1681, viagens
obscuras. A região chama-se “dos cataguases” pelos índios que a habitavam adiante de
Taubaté — núcleo de convergência e irradiação dessas entradas. Ninguém pensa em pedir
sesmarias e demorar na terra nova: era sertão bravo, atrás do qual resplandecia o
“Sabarabuçu”... José Gomes de Oliveira e seu ajudante Vicente Lopes foram das margens
do Paraíba às nascentes do Rio Doce. Antônio Rodrigues de Arzão por 1692 (neto de Brás
Rodrigues de Arzão) andara, com cinqüenta companheiros, pelos mesmos rumos.
Encontrou deveras, no Rio da Casca, areias auríferas; encheu alforjes; e descendo pelo Rio
Doce chegou ao Espírito Santo, a cujo capitão-mor comunicou o descobrimento. O
roteiro, deu-o ao concunhado, Bartolomeu Bueno de Siqueira, também paulista, que se
pôs em campo — em 1694 — através das regiões de Congonhas e Suaçuí.1218 Do Rio de
Janeiro, em 29 de junho desse ano, foi carta para D. João de Lencastro, a “dar parte das
novas minas de ouro”, com o
roteiro das minas de ouro que descobriu o Padre-Vigário João de Faria e seus parentes, e do mais que tem em si os
Campos (defronte da Vila de Taubaté) três ou quatro dias de viagem: se achou o Rio de Sapucaí, e descendo de
Taubaté para a Vila de Guaratinguetá tomando a estrada real do sertão 10 dias de jornadas com cargas para a parte do
Norte sobre a Amantiqueira (sic) [...]. Achou o Padre-Vigário João de Faria, seu cunhado o Capitão Antônio
Gonçalves Viana, o Capitão Manuel de Borba1219 e Pero de Aros em três ribeiros pinta muito boa, e geral de ouro de
lavagem, de que trouxe a amostra dele a esta cidade.1220

Logo preveniu o governador-geral ao de Santos, que defendesse o porto, “agora que é


tão grande a fama do muito ouro que de novo se tem descoberto”, podendo “excitar o
desejo de alguma nação inimiga”.1221

Deve ter acontecido pouco depois (se não há erro na história) o episódio do “mulato”,
prático em tais pesquisas, pois havia “estado nas minas de Paranaguá e Curitiba”, que —
diz Antonil —
indo ao sertão com alguns paulistas buscar índios e chegando ao serro do Tripuí desceu abaixo, para tomar água no
ribeiro a que chamam agora de Ouro Preto: e metendo a gamela na ribanceira para tirar a água e roçando-a pela
margem do rio, viu que nela depois ficaram uns granitos da cor do aço, sem saber o que eram, e nem os
companheiros.

Levaram, contudo, punhados de grãos a Taubaté e os venderam a um Miguel de Sousa,


que mandou porção deles ao governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá e Meneses
(portanto em 1697).1222 Este os fez examinar e verificou ser “ouro finíssimo”.

Porventura já então o Tripuí era destino comum das bandeiras, que passaram a
orientar-se pela montanha, inconfundível, que o assinala: o Itacolomi (pedra da criança,
por ter, na cumeada, um penhasco). O Itacolomi foi como a porta encantada, o farol das
jazidas sem conta... Por 1695 o taubateano Salvador Fernandes Furtado atingiu o Ribeirão
do Carmo. Com Carlos Pedroso da Silveira (paulista) e Bartolomeu Bueno iniciou a
ocupação do território rico.

Foi Carlos Pedroso quem alcançou licença do governo do Rio de Janeiro para
estabelecer uma Casa de Fundição em Taubaté (janeiro de 1695), por el-rei confirmada
em 97. Tal oficina rústica, que exigia alguns funcionários e poucos ferros, para descontar
do ouro bruto os reais quintos (20%) e “cunhar” o restante, a fim de que pudesse circular,
com a marca que provava o pagamento do tributo — não correspondia a uma simples
esperança. Indicava duplamente a extração, que já se fazia, e o desejo do pioneiro, de não
se embaraçar no seu trabalho pela necessidade de levar o ouro ao Rio ou a São Paulo.
Pode representar também uma represália, do governador do Rio e da gente de Taubaté,
em divergência com os paulistas, amotinados contra a redução da moeda (1691 e 97).1223

ARTUR DE SÁ

Quando o governador se transferiu para São Paulo, a indagar dos descobertos, como el-rei
lhe encomendara1224 — podemos considerar inaugurado o “ciclo do ouro”.

Entre outubro de 1697 e maio de 98, Artur de Sá permaneceu no planalto.1225 O ano de


1699 empregou-o numa larga inspeção às minas.1226 Substituiu-o Francisco de Castro
Morais (15 de março de 1700). Artur de Sá tinha o direito de vangloriar-se da primeira
organização das explorações auríferas e da disciplina que lhes dera: mas estava milionário.
Foi o primeiro funcionário régio a locupletar-se com o ouro do Brasil: reapareceu em
Lisboa como um dos sujeitos mais opulentos da monarquia.1227

OS ARRAIAIS

De fato, enquanto Salvador Fernandes1228 se estabelecia no Ribeirão do Carmo, outro


taubateano, Antônio Dias, e o Padre João de Faria, de São Sebastião (o descobridor, de
1694), criavam o primeiro povoado de Ouro Preto,1229 e, com os paulistas Tomás Lopes de
Camargo e Francisco Bueno da Silva (1698) descobriram numerosas jazidas. Os arraiais
de Pouso Alto e Baependi são de 1692; mas de 1698–9 os que ficam nas redondezas do
Itacolomi; Campanha, Sabará e Pitangui, de 1700...1230

A melhor gente paulista irrompe pela Mantiqueira, transpõe os serros, já sem vestígios
de índios, ganha os acampamentos, esfervilhantes de mamalucos, e reconhece o prodígio.
A nobreza...
Vês os Pires, Camargos e Pedrosos,
Alvarengas, Godóis, Cabrais, Cardosos,
Lemes, Toledos, Pais, Guerras, Furtados,
E outros que primeiro assinalados
Se fizeram no arrojo da conquista.1231

À região chamou Artur de Sá — “Minas Gerais dos Cataguases”.1232 Ficou-lhe o nome.


Minas Gerais, isto é, por toda parte, pelos córregos, pelos grotões, ao sopé dos montes,
minas de ouro... Rocha Pita acertou, enumerando-as, como foram conhecidas ao começar
o século xviii:1233 ao sul de Ouro Preto (centro virtual da zona aurífera) as do Rio das
Mortes, e “entre estas e as minas gerais jazem algumas de menos importância, como são
as de Itatiaia, Itaberaba e outros ribeiros”. Para o norte: Rio das Velhas, Sabarabuçu,
Caeté, Santa Bárbara e Catas Altas. Mais ao norte destas foram seguidamente descobertas
as do Serro do Frio e, acima, “outras minas de pouco porte, chamadas Tocambira”. “Para
o ocidente, Pitangui, que deram muito ouro e ainda o estão lançando”. As primeiras
nomeações feitas por Artur de Sá (provavelmente durante a viagem de 1699) abrangiam o
território assim delimitado. Constituiu logo um guarda-mor: o Mestre-de-campo
Domingos da Silva Bueno.1234

O GUARDA-MOR

Essa nomeação preteria o filho de Fernão Dias. Escreveu em 1746 Pedro Dias Pais Leme:
Criou com o título de guarda-mor das Minas a um paulista por nome de Domingos da Silva Bueno. E era este o único
ministro que havia naqueles desertos, a quem incumbia as datas e repartições dos ribeiros e terras minerais, compor e
decidir as dúvidas que sobre elas se moviam na forma do dito Regimento (que levara D. Rodrigo de Castelo Branco).

Aprovou el-rei a invenção do cargo, mas nele proveu Garcia Rodrigues Pais, “guarda-
mor geral das Minas” in solidum, “primeiro por três anos e depois em propriedade e
sucessão para si e seu filho mais velho, a primeira por resolução de 15 de abril de 1702”, a
segunda por alvará de 27 de setembro de 1725...1235

Os vários distritos tiveram sargento-mor, guarda-mor privativo, escrivão dos quintos


del-rei, procurador da Fazenda, tesoureiro.1236 Tais empregos estruturaram a nascente
administração, a ordem — precária — naquelas terras invadidas sem demora por gente de
todas as proveniências, ávida de fortuna, aventureira, hostil à autoridade e afeita às armas.

É o período caótico da história das Minas, análogo ao das regiões de ouro e diamantes
em todos os climas do mundo, antes da disciplina severa e da fiscalização do Estado.
Prólogo indispensável de uma fase imprevista e espantosa da evolução do Brasil — em
1702 foi o deslumbramento. Em 1707 — o choque de paulistas e forasteiros.1237 Em 1711
— o começo de uma organização previdente e forte, destinada a impor a lei, a ressalvar os
rendimentos da Coroa e a substituir o tumulto sertanista pela estabilidade municipal.

XXX: FORÇAS ECONÔMICAS

SUFICIÊNCIA

Patenteiam-se no século xvii as possibilidades do país.

Da misteriosa terra do pau de tingir (1500), das magras capitanias (1532) e das primícias
do açúcar (1545), passa à categoria de zona produtora das especiarias disputadas pelas
grandes potências — e entra com isto no sistema de equilíbrio mundial.

Vimos que os Estados-Gerais da Holanda (através da Companhia das Índias Ocidentais)


decidiram aniquilar Portugal na América, atacando ao mesmo tempo o império espanhol
em ambas as margens do Atlântico, Pernambuco e Angola. Com todos os recursos de que
dispôs no seu esforço de sobreviver, mal recuperou Portugal a independência, em 1640,
definiu o seu destino: sacrificar embora o Oriente, mas manter o Brasil e (complemento
dele) os portos negreiros da África. Intitula-se príncipe do Brasil o herdeiro da coroa
(1645), discípulo do Padre Antônio Vieira, em boa parte responsável pelo realce que
adquire então a colônia nos negócios da corte. Iminente, a devastadora ofensiva
castelhana, pensou D. João iv em retirar para as ilhas e segurar, resto da monarquia em
exílio, Maranhão e Pará. Na língua irreverente dos rebeldes pernambucanos soa com um
eco rancoroso a ameaça de escolher outro rei, se o legítimo os abandonasse. Estala no
dilema o nativismo, embasado na prosopopéia, na fartura agrícola, na própria barbárie
sertaneja de armas na mão, pela “liberdade”. Esta “liberdade” de religião, de propriedade,
de dignidade humana, contra a usurpação, da qual João Fernandes Vieira se nomeou
“governador”, não cederia a nenhuma força estrangeira. Bateu nas guerrilhas e em campo
aberto as belas tropas flamengas. Firmou um orgulhoso princípio de autonomia a que a
metrópole deu o auxílio poderoso das suas esquadras e dos seus capitães. Ajudou a
expulsar o intruso; e quando ele partiu — derrotado e rendido — estava a braços com a
organização de um Estado, carente de ordem administrativa, de justiça, expansão e
assistência. Até 1654, a sua ação é defensiva. Os holandeses tinham feito o possível para
conquistar; ela, o impossível para retomar o Brasil. Restabelecida a paz com a integridade
territorial, o seu trabalho foi de estruturação do império nascente. “A todos é bem notória
a importância de se acudir àquele reino — escreveu em 1671 o Governador-geral
Alexandre de Sousa Freire — pois sem Angola se não pode conservar o Brasil, e sem o
Brasil, Portugal”.1238
O INTERESSE DE PORTUGAL

Percebe-se a razão.

Discutia-se antes (1618) o diferente valor para Portugal da Índia e do Brasil. Em 1607
rendera o pau-brasil apenas 10% da pimenta (60 para 600 mil cruzados). Já o homem dos
Diálogos das grandezas ressalva as esperanças americanas: “É mais rico e dá mais proveito
à fazenda de Sua Majestade do que toda a Índia”.1239 Os números convenciam.

Para ter a pimenta adiantava a Coroa 200 mil cruzados; e pouco ou nada lucrava do frete
das armadas, se, custando cada navio 40 mil cruzados, só produzia 3 contos.1240 Do açúcar,
porém, navegado em dois e não em seis meses de travessia, a alfândega de Lisboa (a 250
réis a arroba) recebia — das capitanias do Norte — 300 mil cruzados. Sobre 15 mil caixas,
estimou o Padre Vieira esses direitos em 114 mil cruzados, para 1647.1241 Gastavam-se no
reino, pois a colônia se contentava com a receita dos dízimos (cobrados em espécie ou na
fonte) e dois ou três contratos, como o das baleias.

Pobres “fumos da Índia”, de que falara Diogo do Couto! Evolaram-se ao sobrevir a


Restauração. Dissiparam-se com a universal realeza dos Filipes. Holandeses, ingleses,
franceses tomaram acolá o lugar aos portugueses que tinham rasgado aqueles mares,
entrado aqueles países, descoberto aqueles mercados revelando a Ásia à Europa. Entre
1622 e 1661, perderam Ormuz, Malaca, Columbo, Cananor, Cochim... A entrega de
Bombaim à Inglaterra em 1661, de dote à infanta que ia casar com Carlos ii, não foi
desprendimento leviano: foi cessão antecipada.1242 Entre Holanda e Inglaterra, que lhe
disputavam os portos das especiarias, sem contar os hindus, que começavam a combatê-
los, preferiu, inteligente, a Casa de Bragança o “aliado histórico”, metendo-o na Índia para
o afastar (e aos outros) da sua rota atlântica. Abandonava o Oriente nababesco; mas ficava
com o Brasil.

Em 1683 os maratas lhe batiam às portas de Goa...1243 Do imenso espólio de


“Albuquerque terríbil e Castro forte”, era o que lhe restava, com a ilha chinesa de Macau e
duas ou três praças, fragmentos da aventura transoceânica mais extensa e vigorosa de que
se tinha notícia. O Brasil, entretanto, prometia-lhe uma prosperidade renovadora e
crescente; o Brasil e a costa africana. “Porque sem negros não há Pernambuco (resumira
Vieira), e sem Angola não há negros”.1244

Da cachaça (ou jeribita) se dizia, em 1693, “é só gênero que há nela (Bahia) para se levar
a Angola para resgate dos negros”.1245 E do açúcar, por 1663:
[...] invernou e retardou (a frota) quatro meses em chegar ao reino. Foi tal o aperto para acudir ao exército do Alentejo
que se remediou a falta de sua importância acrescentando a moeda a valia extrínseca de 100 por 100 em que hoje
está.1246

Sede e fome, do mel dos engenhos. Na verdade: a integração deles no ritmo vital da
metrópole.
Foi o que popularizou Daniel Defoe, a imaginar Robinson na sua roça no recôncavo e
depois, insatisfeito, indo pedir ao tráfico negreiro a fortuna desalmada...

Habituou-se, já então, o estrangeiro a considerar o Brasil o país ideal dos mais estimados
produtos, das raças misturadas, da madeira preciosa e das minas lendárias, a que não
faltava — componente da “utopia” — a perspectiva de paz filosófica, das missões
internadas no continente.

São as forças que o caracterizam no século de formação e configuração, em que se lhe


definem as condições materiais do desenvolvimento e, em traços fragmentários, bruscos e
inopinados, o espírito nativo.

PAU-BRASIL

O pau-brasil não conserva o antigo valor (“co pau vermelho nota [...]”). Na balança
mercantil continuou a ser, seria até depois da independência, monopólio de resultados
medíocres, concedido ainda em arrendamento, à maneira primitiva (por dez anos a João
Nunes Correia e Luís Godim, a começar no São João de 1602, por 21.900 cruzados ao ano,
aliás por 63.900 em conjunto, segundo composição feita no ano seguinte)1247 — ou
explorado diretamente pela Coroa (assim após o insucesso do contrato, em 606, até
1617).1248 É no preço da arrematação que encontramos o demonstrativo da estabilidade (e
decadência) do negócio. Em 1647 calculou Vieira em 10 mil quintais a extração, o quintal
a cinco cruzados. Nesta base partia-se a meias o lucro, entre o Estado e o contratante.1249
Não pôde este suportar o encargo em 1606. Explica-se-lhe o desânimo pela dificuldade do
tráfico fora de alguns portos do Nordeste. Embaraçado pelos tapuias, bloqueado pelos
corsários, obstruído por infortúnios de toda sorte, nunca deu mais de 10 mil quintais. O
severo Regimento de 12 de dezembro de 16051250 garantiu essa produção com um duro
privilégio. Destacada a árvore da propriedade do solo (para constituir direito de
superfície)1251 — não podia ser abatida, desdobrada, transportada, vendida sem
autorização da Coroa, como “domínio do Estado” que era. As exceções proviriam da
mesma autoridade.

Houve interesse, por exemplo, em permitir aos moradores (assim no Espírito Santo)1252
a extração e a venda aos agentes do estanco, para que as frotas não voltassem sem carga,
senão lastro, indispensável à viagem.

Circunstância curiosa: com o mesmo intuito (de completar o carregamento com o


lastro) vinham elas com muita pedra de lioz, ou macio mármore português, destinado às
construções da Bahia, do Recife, do Maranhão. Trocavam-se pedras por paus. Mas a
necessidade não afrouxou o rigor da lei. Em 1648 passou o “brasil” à administração da
Companhia Geral de Comércio. Do período que a precedeu conhecemos vários
arrematantes: em 1628, e por seis anos, Fernão Lopes;1253 em 1633, Álvaro de Azevedo e
Luís Vaz de Resende...1254 Com estes, e a Real Fazenda, continuou incluído nas rendas da
Coroa, como uma parcela constante e humilde.1255 O século já não era dos corantes, que
purpurejavam os tecidos nobres nas fiações de Flandres: para o Brasil — era do açúcar.

AÇÚCAR

Tão valiosa foi, em 1636, a produção, que podia proclamar-se, eram “os dízimos do açúcar
dos ditos engenhos o maior nervo da guerra e da Fazenda [...] neste Estado”.1256 Entrara a
lei a protegê-los. Provisão de 1612 mandara que, em caso de serem executados, por
dívidas, os senhores de engenho, o fossem apenas até a metade das novidades, e os
lavradores de canas em dois terços.1257 O amparo às fábricas não esmoreceu ao findar o
século. Decidiu-se (em 1693),
os açúcares em nenhum caso se rematassem por seus credores, antes que estes por dois árbitros juramentados os
avaliassem, e conforme seu arbitramento avaliados 15 dias antes da partida da frota os recebessem seus credores.1258

Tendo Francisco de Brito Freire confessado insolvência, estipulou-se que seria o seu
engenho arrendado para se pagarem dos frutos os credores, em lugar da penhora e
extinção...1259 Compreendera a Coroa que a organização da indústria (nos múltiplos laços
de solidariedade entre a fábrica e a lavoura, o senhor e a clientela, a produção e o
comércio) lhe dava uma situação privilegiada — com que, distorcido o direito comum,
inaugurou o intervencionismo do Estado nessa região econômica. Não podendo
monopolizá-la (como o pau-brasil), defendeu-a, submetendo à ordem pública a ordem
privada, em nome do bem geral.

Concedera-se inicialmente liberdade de exportação por dez anos. Depois, limitou-se a


engenhos novos. Agora, que as devastações holandesas tinham passado, não havia razão
para as restrições (alvará de 18 de fevereiro de 1645), sequer para que se impedisse a
destilação de aguardente (condenada, sem resultado, em 1656). O preço no exterior
justificou a “corrida” aos canaviais. Não havia nos trópicos melhor negócio. E tantos os
engenhos feitos por esse tempo, perto uns dos outros, vexando-se mutuamente,1260 que se
tornou necessário exigir que respeitassem a distância de meia légua.1261 Eram 60 — dos
maiores — na Bahia, em 1660. Naturalmente faltavam-lhes canas; e, com a queima das
matas, lenha para as fornalhas.1262 Muitos lavradores, que enriqueciam com o
fornecimento, subiam de posição, erguendo engenhos próprios. O apogeu desta classe
estende-se pelo decênio, de 1646 a 56 — quando voltaram os tempos difíceis, amargados
pela concorrência inglesa.

Os preços dão a medida às alegrias e aos dissabores do trabalho colonial.

Interessado em fixá-los, de modo a evitar a flutuação, nefasta (conforme o arbítrio


usurário dos mercadores), em 1627 mandara o governo que corresse a arroba do açúcar
branco a 700 réis. Valia 3$000 a 3$300 em 1545–55.1263 Exatamente em 1655 entrou no
mercado o de Barbados. Uma carta da Câmara da Bahia (1687) atribui sagazmente a
novidade à valorização exagerada. “Que os ingleses e os mais do forte sentidos dos
grandes preços [...] se resolveram a ir lavrar estes gêneros às Barbadas e terra firme das
Índias”.1264 Não sabia o outro motivo da competição: o transporte, de Pernambuco para as
Antilhas, da técnica, do sistema de trabalho, de capitais e famílias que ali tinham
aprendido a fabricar açúcar. Já aludimos a essa emigração vingativa.1265 Em breve a
Inglaterra, que “importava antes quase todo o açúcar de Portugal”,1266 passou a receber 40
navios com 150 toneladas cada um (seja, 4 milhões de arrobas), portanto oito vezes mais
do que em 1618 produziam as capitanias do Norte do Brasil.

A crer nos Diálogos das grandezas,1267 exportavam aquelas capitanias (fora as do Sul)
500 mil arrobas. Não é demasiado o cálculo, se concorria a Bahia com 10 mil caixas e todo
o Brasil, em 1647 (como está no “Papel forte”, do Padre Vieira), com 22 a 25 mil. Nos
melhores anos do domínio holandês as remessas subiram a 2 milhões de arrobas. Mas ao
terminar o século, estimavam-se em 1.295 mil...

Tem-se a idéia de uma rotina debilitada, ora pela saturação, ora pela contingência
externa, que todavia estabilizou, ao longo do século, a vida dos engenhos, conservando-os
com a sua invariável capacidade de produção. Bastavam os escravos indispensáveis (desde
que alcançavam tão alto preço os novos, adquiridos com visível sacrifício, para
preencherem os desfalques da invalidez e da morte); contada em “tarefas”, palavra que
significa jornada de trabalho de um deles, era a terra escassa, apertada entre propriedades
que disputavam os veios de água e os restos de mata, sem espaço para o desdobramento
dos canaviais; e carecia o senhor de crédito para romper essas limitações, alargando a
indústria patriarcal e morosa. Dinheiro, adiantava-lho o comissário, com as mercadorias
do consumo, mas para a cobrança, com o gravame da usura, na primeira safra, o que
reduzia o negócio à permuta da despesa pela colheita. O próprio regime legal, que o
isentava da execução por dívidas, garantindo a integridade do engenho, afugentava o
dinheiro: e na sordidez dos empréstimos de prazo curto, os negociantes mereciam, não
raro, o epíteto que lhes deu Vieira: antes mercadores, agora inimigos e piratas.1268 Sorria
aos senhores o ganho substancial, quando (a despeito da quantidade, que pouco variava, e
da qualidade, que se repetia) as cotações, surpreendendo a praça, remuneravam
consoladoramente tribulações e esperanças. Foi o que sucedeu (e continuaria pelo tempo
adiante) por ocasião das guerras demoradas, que dobravam e triplicavam em Londres o
custo das especiarias. O preço enorme de 1645 a 55 corresponde à dificuldade da
navegação no Atlântico e ao conflito anglo-holandês. Em 1670 (dominando os ingleses o
oceano) caiu a níveis ínfimos. Arrastou-se, em muitos anos de depressão, até que o
reergueu a guerra da sucessão de Espanha, quando subiu de 800 para 1$600 e 1$800. A
Paz de Utrecht voltou a depreciar o açúcar luso-brasileiro, que atravessou de novo um
período melancólico de desinteresse, até a guerra dos sete anos, e, logo, a da
independência dos Estados Unidos.

É certo que nesses períodos1269 de abundância abusavam aqueles potentados de uma


suntuosidade extravagante, cujos excessos, antes da invasão holandesa, lembram as
pompas e os desperdícios de Goa, da época de Camões e de Diogo do Couto. Da fase
subseqüente são muitas das casas-grandes com a capela ao pé, sobranceira ao telheiro e à
senzala, que testemunham a solidez das fortunas ali engendradas: o dinheiro e a prosápia.
As gerações sucessivas souberam mantê-las no resguardo da tranqüilidade agrícola, à
sombra das instituições que garantiam a permanência do engenho e a sua continuidade
viva, num isolamento defensivo em que se foi elaborando, discreta e dignamente, o
sentimento de classe, nacionalidade e autonomia dos senhores. Não espanta a eclosão,
nesse meio rural suficiente e dispersivo, da mística da liberdade, marcada
aristocraticamente pela reivindicação senhorial dos donos da terra, na luta contra os
mascates, no século seguinte: e o conteúdo político de que se armou, cem anos mais tarde,
para a conquista da independência.

A ESCRAVATURA

O comércio negreiro tem, no século xvii, o caráter comutativo de economias que se


completam. Como se os continentes fossem feitos um para o outro. Estabelece-se,
fechada, a área da solidariedade afro-americana, quando tudo se reduz à troca de tabaco
ou cachaça por pretos robustos; e à medida que estes lavram o massapê dos canaviais,
aumenta-se-lhes o valor, com a procura e a moeda.

Os portugueses são mais hábeis nesse negócio do que os concorrentes.

Em 1643 pediam os mercadores holandeses à Companhia das Índias Ocidentais que os


imitassem, nas tretas e manhas do tráfico:1270 porque, além de tudo, sabiam amansar e
contentar; e enquanto os outros carregavam em grandes navios 300, eles, nas caravelas,
em viagens felizes, acomodavam 500... Começava-lhes o jeito de tratar bem os negros,
habituando-os previamente às condições do Brasil.

Propagaram o cultivo da mandioca e, em breve, dela faziam o alimento básico de


Angola.1271

Com o costume da farinha, familiarizavam o escravo com a matalotagem de bordo e a


pátria futura. Iniciados no trabalho do campo, adestravam-se para a vida servil. E tinham
as noções essenciais do infortúnio mitigado pelo interesse do dono, de que sobrevivesse à
prova. A ignóbil operação negreira compassava-se em quatro fases. A selvagem, dos
pombeiros ou tangomaus,1272 que iam caçá-los ao sertão, quando não os vendiam nas
feitorias, os sobas bêbados. A experimental, dos depósitos, sob as vistas do negociante,
que preparava a mercadoria para a viagem. A pior, da navegação, trinta ou quarenta dias
no mar, com escassos mantimentos e água corrupta, empilhados torpemente nos porões
sem ar, acorrentados, doentes, desesperados ou sucumbidos na prostração, vizinha da
morte. E do mercado, já curada a carga, oferecida por preços surpreendentes (no mínimo,
o tresdobro) à avidez da lavoura ou à ganância dos comissários.

Segundo o “Papel forte”, de Vieira (1647), vinham 8 mil por ano.1273 Durante um
decênio do domínio holandês (1636–45), há notícia no Recife de 23.163 vendidos em
leilão.1274 Nos anos prósperos que se seguiram à expulsão do invasor, deve ter oscilado a
importação entre 10 e 20 mil. Não é excessivo calculá-la, para todo o século, em 200
mil,1275 terça parte do número que achamos para o século xviii.

A cobrança dos tributos e o licenciamento dos negócios faziam-se por meio de


contratadores (ou “assentistas”), de que há rol em 1587, quando Pedro de Sevilha e
Antônio Mendes de Lamego obtiveram o monopólio do resgate em Angola e
dependências (Congo, Benguela). Pela relação desses contratos sabemos que valiam, em
média, 25 contos, em Angola; 14 a 15, nas ilhas do Cabo Verde...1276

Mercadorias de troco, os portos da Mina preferiam o tabaco; Angola, a aguardente.

Ficou um conto luso-bântu, que pinta a contradição daquela riqueza em face desta
iniqüidade.

Com o doce das moendas se deliciara o mundo; mas o embrutecimento da cachaça


quebrantara o Preto... Que Nosso Senhor (eis a lenda), fugindo aos judeus, se escondeu
numa várzea de canas; e abençoando-as pelo abrigo que lhe deram, as transformou no
néctar; enquanto o espírito das trevas, saindo em chamas das crateras infernais, ali se
magoou e feriu nos estrepes e nas lâminas do canavial enfezado. Furioso, prometeu que
dele o homem tiraria a bebida que queimasse como fogo... Daí a virtude e a maldição dos
tachos dos engenhos, fartura da Europa e castigo da África...1277

Nesse conto das senzalas está dolorosamente resumido o ciclo do açúcar e do tráfico.

Quis o Conselho Ultramarino que normas humanitárias (provisões de 1664, de 1684...)


o moderassem; e determinou que não velejasse navio sem mantimentos suficientes, botica
e capelão. Deviam transportar a carga prevista na arqueação. Obedecidas estas regras,
tinham liberdade de navegar (provisão de 1673), os particulares, e as companhias que
organizassem. Logo surgiram a de Cachéu (1675), que fracassou, e do Estanco do
Maranhão (1679), que não foi mais feliz.1278 A “corrida” aos portos africanos é impelida
pelo preço alto do açúcar (1685), pelo bom negócio das Antilhas, enfim, a partir de 1695,
pela exigência das minas. Então (ao começar o século xviii) vinte ou trinta embarcações
fazem o tráfico, e este, deslocando-se para o norte, estabelece na feitoria de Ajudá (1722) o
núcleo principal da influência baiana, sem prejuízo da sua expansão ao Sul, cuja capital
administrativa continuava a ser São Paulo de Luanda.

Não há, não podia haver unidade racial, na atabalhoada importação negreira extraída
dos leilões de beira-mar e das guerras predatórias. Os mais numerosos lotes eram
exatamente dos inimigos escravizados na luta ou dos povos submetidos aos sobas
sangüinários, donde a remessa, às vezes na mesma corrente ou libambo, de indivíduos de
religião e língua diferentes, odiando-se no cativeiro como se odiavam na floresta, sem
outras afinidades além do suplício e da cor. Os portugueses exploraram estas divergências,
misturando-os nas vendas feitas no Brasil,1279 para que — desencontrados — não
conspirassem contra os senhores.

O caso dos Palmares serve de exemplo às possibilidades da coesão bântu, no dia em que,
evadidos aos grupos, aqueles ágeis angoleses encontraram nas serras das Alagoas, com a
paisagem da terra natal, os estímulos da resistência coletiva. Não se entendiam com os
minas, detestavam os fulas islamizados do Golfo de Guiné, jamais se ligaram aos que,
arrojando-se do sertão para o litoral, tinham substituído as antigas populações ribeirinhas
e adoravam entidades desconhecidas. Conviviam com os parentes, desprezando os
estranhos.

Enquanto os bântus aquilombavam nos Palmares, guinés ou fulas (chamados em parte,


no século seguinte, nagôs), se davam às lides do mar. Seriam desta raça os jangadeiros...
Parece que descreve os de Pernambuco a crônica seiscentista da Guiné (a propósito dos
jalofos):
Os negros da beira-mar são todos pescadores e têm muitas canoas não grandes, mas trazem-nas com duas velas de
galope ambas em um mastro, e são grandes marinheiros: saem pela manhã com o terral para o mar, os quais vão tão
fora que perdem a terra de vista, e à tarde se recolhem com a viração do mar, a vela, que quem as vê do mar em fora, e
não tem conhecimento disto, parecem-lhe navios.1280

Detestavam-se aquelas tribos rivais.

A malícia dos compradores utilizou-lhes as desconfianças, diluindo as aglomerações na


promiscuidade, neutralizando-as na dispersão.

Denunciavam-se — ressurgindo do extermínio — nos ritos de sua religião orgíaca,


bailes que horrorizaram, na Bahia, a D. Francisco Manuel,1281 e Gregório de Matos chama
com o primitivo nome de quilombos,1282 correspondente a terreiro, candomblé,
calundu,1283 quijila1284 ou macumba,1285 que tudo é invocação (samba) do culto nativo.

Através deste, e das palavras angolanas que passaram à língua falada, verificamos a
predominância do bântu.

Nenhum outro idioma das senzalas contribuiu mais para a originalidade do vocabulário
colonial, ajustando-se à intimidade de casa adentro, aos sabores da cozinha, aos
pormenores do trabalho, às cousas rudes do campo, à ternura e à brutalidade da existência
vigiada pela tirania dos feitores, adoçada pela tolerância dos senhores, disciplinada e
civilizada pelos costumes.1286

TABACO

A surpresa econômica do século é o tabaco. “Se o açúcar do Brasil o tem dado a conhecer
a todos os reinos e províncias da Europa (escreve Antonil), o tabaco o tem feito muito
mais afamado em todas as quatro partes do mundo”.1287 De começo, era a “erva santa”,
espécie de panacéia no conceito ingênuo de Fr. Amador Arrais,1288 boa para várias
doenças (como em 1618 lembrava o autor dos Diálogos das grandezas),1289 de duvidosa
aceitação nos mercados. Verdade, “lavravam tabaco” os holandeses no Amazonas;1290 e em
1626 reclamava a Câmara da Bahia contra a imposição de um cruzado sobre rolo de
tabaco1291 — provavelmente de 8 arrobas. Mas a plantação intensiva é contemporânea da
segunda guerra holandesa. Diz Antonil que mandou um lavrador para Lisboa as suas
amostras, e encorajado pelas encomendas, não somente ele, como os vizinhos, e logo
grandes e pequenos, se puseram a semear, limpar, capar, desolhar, colher, secar, torcer e
enrolar a rica folha, em pouco tempo transformada, de fumo bebido pelos índios, em
vício, deleite e galanteria das cortes européias... Tratou-se de arrendar a exploração,
primeiro por 40$000, em seguida, a Inácio de Azevedo, por 60$000, em 1640 já por 10 mil
cruzados.1292 Valia o estanco em 1642 nada menos de 32 mil. Cessou o monopólio — ao
tempo em que, indignadamente, os governadores da Bahia censuravam os lavradores,
desinteressados da mandioca, alimento da tropa, para cuidarem do fumo, mania dos
colonos do Maranhão, segundo Vieira, em 16521293 e flagelo do Recôncavo, na opinião do
Conde de Atouguia, em 1656.1294 Não é de estranhar que saísse Baltasar dos Reis Barrenho
a arrancar a “erva santa” espalhada pelas redondezas de Ilhéus.1295 Queria-se farinha para
a subsistência — não o engodo da fumaça... O Conde da Torre chegou a ameaçar com
dois anos de degredo e cem cruzados de multa, além da perda do seu tabaco, os que
deixassem de plantar mandioca...1296 As exigências do comércio puderam mais do que as
iras do Estado. Este agarrou-se aos lucros do estanco, renovado, em 1659, por 64.700
cruzados,1297 fixado em 60 mil em 1670; e “de 1674 por diante foi rendendo 500 mil
cruzados até um milhão” (regista o Ano noticioso e histórico). Em 1670 (lê-se em
Monstruosidades do tempo e da fortuna), “levantou a malícia o mais desatinado
testemunho que se pode imaginar ao Contrato do Tabaco: queriam os particulares vender
sem dependência e com avanço, e divulgou-se que o tabaco dos estancos tinha
veneno”.1298 Brigavam a ganância e a opressão; ganhou a Fazenda. Subiu-lhe a receita,
meio século depois, a 2 milhões e duzentos mil.1299 Assombrava.

Expungidos do gentio os campos do Aporá, tornou-se o porto da Cachoeira o


escoadouro do fumo que se espalhou pela região, com fama de ser o melhor do mundo.
Era lavoura livre em 1691.1300 A ela se lançou toda gente (notou dez anos mais tarde
Antonil), que achava nesse modo de vida simples e farto o que nunca o açúcar lhe daria: a
ocupação rendosa da pobreza. Para montar um engenho, requeria-se cabedal. Era
empresa dos abastados. Para cultivar o canavial precisava-se de terra, além da escravatura
que a tratasse, mais cara do que ela. O tabaco, porém, era planta de quintal, à mão da
família, cousa de todos, com a vantagem de entreter velhos, mulheres e crianças, sem
reclamar despesas nem presumir riscos, barata, caseira, humilde... Sustentava, desbravava,
povoava: e abria ao sertanejo — na era dos gados, que o empurraram para as planícies —
as perspectivas do interior. Esboçava os caminhos da penetração. Desprendia-a do
massapê, arrebatava-a à atração do engenho e à monocultura cansada, desviava-a da costa
onde mariscava a colonização (naquela frase de Fr. Vicente do Salvador, comparando-a a
caranguejos na praia...) para rasgar outros rumos.
Acrescentava à área econômica a zona fértil que mediava entre o Recôncavo e o sertão; e
à formação social um elemento tardio: o pequeno lavrador.

CRIAÇÃO DE GADO

A criação modelou outro tipo: o vaqueiro.

Com as primeiras reses, e o seu deslocamento para as fazendas de Garcia d’Ávila (na
Bahia), esboça-se a invasão do Nordeste por um pastoreio desleixado e nômade, cujo
itinerário estava traçado em 1591. Alargou-se pelos campos de Sergipe (tomados aos
tapuias) e subiu o São Francisco (com a colaboração do gentio manso). Desdobrou-se —
forma natural de subsistência dos grupos esparsos — ao longo dos caminhos que iam às
Alagoas e a Pernambuco; e quando a Casa da Torre descobriu os do Piauí, em 1674, já
tinha perdido o caráter primitivo, de complemento da vida agrícola (indispensável o boi à
pequena economia) ou de atividade desordenada (dos pioneiros), para se converter numa
exploração senhorial. É o período dos grandes dominadores (Francisco Dias d’Ávila,
Antônio Guedes de Brito), em cujas terras imensas os vaqueiros, seus procuradores ou
clientes, trabalhando por conta deles ou a preço de arrendamento, retalharam as fazendas,
estabeleceram os currais, sistematizaram a criação e, nos prazos convenientes, reuniam as
boiadas, para a “descida”. Na estimativa de Antonil, havia, ao começar o século xviii, 500
mil cabeças de gado na Bahia, 800 mil em Pernambuco (seja, do São Francisco para o
norte) e 60 mil no Rio de Janeiro. Mais do que a carne dos açougues, as utilidades
próprias disso que se chamou a “civilização do couro”, a riqueza que refluía das feiras à
cidade, com o negócio dos rebanhos, importava a abertura das comunicações, com a
fixação de povoamento e a irrupção de forças intempestivas, somadas ao temperamento
aventureiro do imigrante. Plasmava-se na mestiçagem sertaneja, especificamente
mameluca, a figura agreste do fazendeiro — que diferia fundamentalmente do senhor de
engenho e do mercador ribeirinho; e ao seu lado se compôs, com equivalente
originalidade, o quadro rude da vida pastoril nas caatingas secas, investidas e
conquistadas pela sua tenacidade e pelo seu vigor.

ESPECIARIAS

A lembrança das drogas da Índia não saía, entretanto, da fantasia portuguesa. Pois não era
mais possível trazê-las de lá nas frotas de outrora, que pelo menos as experimentassem no
Brasil... A idéia da transplantação, apresentada em tom profético pelo Padre Vieira a D.
João iv,1301 luzia nos Diálogos das grandezas, de 1618. Com as analogias de solo e clima,
parecia simples: estendessem-se pelos serros da Bahia as árvores de canela e pimenta;
atirasse-se pelos vales úmidos desse Recôncavo a semente do benjoim e do cravo; em
concorrência ao açúcar, as especiarias mais raras!

Isto, de transportarem os portugueses de um continente a outro árvores de fruto (e ali


estava, farfalhante, o coqueiro vindo ao tempo de Diogo Botelho...), os legumes da mesa
tradicional, quantos vegetais puderam adaptar à terra nova — longe de constituir
novidade, era apenas costume... “As frutas quase todas nomeadas/ São no Brasil da
Europa trasladadas”, cantou o lírico de A Ilha de Maré.1302 Por ocasião do entusiasmo de
Vieira pela pimenta e pela canela da Quinta dos Padres, na Bahia, vieram as mangueiras,
árvores sagradas da Índia, e em 1688 as jaqueiras. Passara o cacau do Pará e do Maranhão
(onde em 1674 o plantara o Padre Bettendorf)1303 à Bahia. No primeiro quartel do século
seguinte fugiu da Guiana para o Pará (com Francisco de Melo Palheta) o café... Mudaram-
se, como em 1532 se tinha mudado a cana-de-açúcar, como em 1549 se tinha mudado o
gado de Cabo Verde, como em 1604 se tinham mudado os coqueiros... da Bahia: graças ao
sentido de permanência da colonização portuguesa, que transferia gulosamente, dos
países que devia abandonar, para este, em que ficou, a flora e a fauna da prosperidade.
Agora, porém, um fator diferente estimulava a transplantação: a política, de substituir a
Ásia pela América, em compensação das usurpações holandesas e inglesas; e para que a
América vencesse a Ásia (como Portugal vencera Veneza) na competição dos produtos
tropicais.1304

Foi um sonho. Dele temos o vestígio opulento nos pomares e nas hortas que deixou,
adoçando, ornando e civilizando a paisagem indígena.

DÍZIMOS DO ESTADO

Do dinheiro dos dízimos, isto é, da décima parte das colheitas, disse Fr. Vicente do
Salvador, “é só o que cá se gasta a el-rei”.1305 Confirmam os Diálogos das grandezas: “O
rendimento dos dízimos que se colhem na própria terra bastam para sua sustentação”.1306
Medem-se altos e baixos da economia colonial por essa receita instável. Já lhe vimos os
números no primeiro período do século xvii. A partir de 1628 (alvará de 30 de agosto)
arrematavam-se em cada uma das capitanias, não mais em conjunto na Bahia. “Quando
havia muitos engenhos em Pernambuco, andavam os dízimos em 65 mil, os da Bahia em
40 mil [...] e hoje andam em 20”, informa um papel de 1662.1307 A fonte mais abundante
era o açúcar. Exatamente por ser fácil de cobrar. Armazenavam-se 25 mil caixas para
embarque. Duas mil e quinhentas cabiam ao contratante dos dízimos. Tendo arrendado
por 20 mil cruzados a arrecadação anual do imposto, e vendendo em tresdobro aquele
quinhão, o lucro era exagerado. Pelo menos disto se queixavam os mercadores. Em 1648,
valiam os dízimos na Bahia 70 mil cruzados. Em 1651 (o preço do açúcar acima das
previsões) 150 mil.1308 Oito anos manteve-se esta cifra.1309 Declinou (com a desvalorização
do açúcar) para 110 mil em 1671. Em 1690 (pelo mesmo efeito) não ia além de 86 mil.1310
Confessavam então a insolvência, uns após outros, três arrendatários. No tranqüilo
governo de D. João de Lencastro reanimou-se o mercado: e os dízimos (em 1696) subiam
a 150 mil cruzados.1311

À falta de índices de produção e circulação dos bens da terra, não há melhor, para lhe
marcar o progresso, oscilando entre as espoliações da depressão e o tempo bom, das
grandes safras e do dinheiro farto, numa linha de evolução em que não se percebe ainda o
ímpeto das iniciativas, sequer a coordenação das energias criadoras — que rebentaram no
princípio do século imediato, com o ciclo das minas.

XXXI: A CULTURA NO SÉCULO XVII

INICIAÇÃO LITERÁRIA

Formou-se no século xvii uma cultura no Brasil que reflete — modestamente embora —
as ambições precoces da sociedade colonial.

O espírito brasileiro teria de definir-se lentamente, não pela originalidade de um ou


outro homem de gênio, porém pelas influências de clima e povo (alma cálida e mestiça)
no assunto literário, na emoção nativista — antieuropéia — e no amor da terra —
ditirâmbico... A “independência mental” custou mais.

Não se podia aspirar à liberdade sentimental na arte e no livro, que ao português


antepusesse o luso-americano — antes do rompimento político, que sobreveio no século
xix.

A instrução jesuítica, o monopólio jesuítico do ensino com a curiosidade das letras


circunscrita ao clero e a pouca gente mais, não deixaram que se manifestasse logo o
sentido revolucionário daquela cultura tímida, ainda imitativa e enleada na rudeza
tropical. O colégio da Companhia tinha deveres claros e práticos: a difusão da língua
portuguesa, onde índios e negros, mamelucos e mulatos tinham idioma ou dialeto
bárbaro; a catequese, a escola, humanidades e — mais restritamente — teologia. Os
estudos superiores demandavam melhores tempos, academias, livraria, prosperidade e
outras condições favoráveis ao espírito. De começo, o problema fora singelo: a fixação do
“falar português”!

A LÍNGUA

Disse Antônio Vieira, no penúltimo decênio do século:


O mesmo uso de que nos lembramos os velhos, em que a nativa língua portuguesa não era mais geral entre nós que a
brasílica. Isto é o que alcancei, mas não é isto o que vejo hoje, não sei se com maior sentimento, ou maior
admiração.1312

Até meado do século seguinte, o tupi ou língua geral persistia nos meios populares do
Maranhão:1313 assim em São Paulo, em Pernambuco, no Rio de Janeiro. Por esse motivo
topônimos de proveniência paulista (das bandeiras de mamelucos e portugueses) que
resultam dos descobrimentos no Brasil central são indígenas, como os primitivos,
arrolados por Gabriel Soares...

Mas prepondera e vence a língua da metrópole.


E que direi eu ao colégio da Bahia (continuava o padre) ou que me dirá ele a mim, quando nesta grande comunidade é
já tão pouco geral a língua chamada geral do Brasil, que são mui contados aqueles em que se acha?1314

O ENSINO

A cellula mater da incipiente cultura é o pátio dos jesuítas, onde as vocações se


experimentam e fulguram as latinidades.

A colônia não teve universidades — como na América Espanhola.1315 Contentou-se com


o ciclo escolar dos padres com as humanidades (diríamos liceal) e, além delas, a filosofia e
teologia, que tiveram honras de ensino superior e adquiriram, no século seguinte,
apreciável desenvolvimento. Constava o trivial de “escrever, ler, latim e solfa” (assim no
Seminário de Belém, em 1686).1316 Abrangia os três primeiros anos do aprendizado; e
quatro, sucessivos, eram dedicados à teologia. Esta segunda parte tinha o nome de Curso
de Artes e equivalia ao bacharelado em letras, com alguma filosofia, um tanto de grego,
latinidades, da Eneida às cartas de Cícero, e tinturas de ciência, particularmente as
matemáticas.1317 Fazia-se cabedal de gramática, língua pátria para começar, e em seguida,
maciçamente, gramática latina, com a sua base de retórica (em que eram comentados
Virgílio, Horácio, Cícero, Lucano).

“Hoje os colégios do Brasil são como os da Europa”, testemunhou Vieira.1318 Neles


não floresceram pouco os filhos do Brasil, cujos gênios e habilidades se perderiam se não tivessem a educação e
exercício destas escolas, as quais podia afirmar a Vossa Majestade eram o seminário de que saíam os melhores sujeitos,
que povoam e autorizam os conventos das mais religiões que havia no Estado, com grande glória da Companhia e
consolação de seus povos.

Que os graus de mestres em artes, que publicamente dão e os privilégios de que gozam os graduados não são mais que
uma imitação dos das universidades, mas suficientes a se contentarem de os haver merecido, e parecer que os tinham
legítimos.1319

As aulas “eram públicas e eles (os padres) obrigados a ensinar nelas”, sem poderem “por
sua autoridade excluir a ninguém, fossem pardos ou mulatos”.1320 Esta última observação
decorreu de uma dúvida, que teve em 1688 o provincial. Alarmado com o número
crescente de pardos que se matriculavam, quis dificultar-lhes a entrada. Consultado o
Conselho Ultramarino, lembrou que nas universidades portuguesas não havia essa
discriminação de cores e raças: e mandou que continuasse a aceitar quantos estivessem
em condições de fazer os estudos. Arejavam-se1321 com conhecimentos úteis.1322

Sem as especializações, limitando-se ao ciclo humanista — e à preparação de sacerdotes


versados em toda a filosofia, decerto nos pátios propagavam os padres muito latim, com o
abuso dos textos arcaicos.

Habituaram as jovens inteligências às formas límpidas daqueles escritores inevitáveis; e


aos respectivos modelos poéticos, encharcados de mitologia discursiva. A reação da
simplicidade é também revolta contra esse estilo brumoso, complicado, na fraseologia
barroca (que preferimos chamar gongórica), com a imitação dos espanhóis, o gosto da
hipérbole, o jogo vocabular, as sutilezas do trocadilho, do equívoco, a afetação que fazia
de um trecho de prosa (ou de um mofino soneto) uma espécie de coluna salomônica, de
tremó entalhado, de engenhosa escultura de altar de igreja — da época de Antônio Vieira
e Fr. Antônio das Chagas. Mas tinha de vir do reino, como a lição da elegância e do
equilíbrio aos entusiasmos nefelibatas da colônia.

A um deles (pois seria o mesmo em Alcalá de Henares, Salamanca ou Coimbra) retratou


Cervantes:
Todo el dia se le pasa en averiguar si dijo bien o mal Homero en tal verso de la Iliada; si Marcial anduvo deshonesto o
no en tal epigrama; si se han de entender de una manera o otra tales y tales versos de Virgílio. En fin, todas sus
conversaciones son con los libros de los referidos poetas, y con los de Horacio, Persio, Juvenal y Tibulo, que de los
modernos romancistas no hace mucha cuenta.1323

Essa retórica, por exemplo, no colégio do Rio de Janeiro por 1667 (quando aí estudou o
Padre Estanislau de Campos), “então se ensinava aos seculares promiscuamente com os
nossos mancebos em aulas públicas, e não em escolas particulares, como agora sucede”.1324
Destas foi exemplo (1686) o Seminário de Belém da Cachoeira, fundado pelo Padre
Alexandre de Gusmão — moralista apreciável — para educar meninos de fora da cidade e
instruí-los nas matérias básicas, com exclusão da filosofia.

MAZOMBOS

Frei Vicente do Salvador, Gregório de Matos, Manuel Botelho de Oliveira, nascidos na


colônia, representam, na sucessão das gerações letradas, os mazombos.1325 É o
brasileirismo que no século xvii designa os brancos da terra, que se não confundiam com
os forasteiros, nem com os mestiços: a aristocracia local.

O mulato destacava-se do preto, e o pardo equiparava-se ao branco, na classificação


espontânea dos tipos, de que o Padre Vieira deu nos sermões do Rosário uma explicação
amável. Fiéis deste culto eram os escravos, por ele chamados piedosamente “irmãos
pretos”; já os mestiços — para não se confundirem — tomavam como padroeira a Virgem
de Guadalupe1326 (tão indígena, na sua doce origem mexicana). Como se dissessem:
aparentavam-se com os caboclos, livres, não com os africanos, cativos...

Claro é (orava o pregador) que


a Virgem, como mãe comum, abraça com seu amor igualmente a brancos, pardos e pretos; e comparada no livro dos
Cantares à aurora, à lua, ao sol, alumia como sol aos brancos, que são o dia, como lua aos pretos, que são a noite, como
aurora aos pardos, que são os crepúsculos.1327
A festa da Senhora do Desterro reunia — conciliatória — em Coimbra os estudantes
brasileiros, que, em 1718, a fizeram com sermão do patrício, Padre Bartolomeu
Lourenço...

FREI VICENTE

Nascido na Bahia, filho de lavrador de canas, franciscano culto (a citar Camões, Barros,
Couto, os latinos) — conseguiu Frei Vicente do Salvador terminar, em 1627, a História do
Brasil, primeira digna do nome. Estimulou-o Manuel Severim de Faria, com a promessa
de lha imprimir.1328 Como então (após a recuperação de 1625) esfervilhavam escritos
sobre o “Brasil restaurado”, esperava que fosse acolhida com benevolência. Malogrou-se-
lhe o desejo, pois jazeu inédita (até 1886!) em meio à papelada da Torre do Tombo... E foi
pena. Se a tivessem conhecido Simão de Vasconcelos, Rocha Pita, Southey, não
transmitiriam à literatura histórica (e aos compêndios) lendas e deturpações que esse
texto repele. Como Gandavo e Soares, dedicou Fr. Vicente parte da obra à natureza,
prefácio obrigatório de um livro americano: as curiosidades da terra supriam com
vantagem as suas deficiências. Delineada a moldura agreste, encaixou-lhe com arte a
crônica dos governos, seguida dos episódios que testemunhou. Neste passo é, lealmente,
depoimento. De começo enerva-a o tom encomiástico da Prosopopéia (1601),
altiloqüente tanto nos Diálogos das grandezas (1618) como nas Notícias curiosas, do
jesuíta Vasconcelos (1662), gongórico na poesia de Botelho de Oliveira e na novela de
Runo Marques Pereira, delirante na prosa de Rocha Pita e de Loreto Couto. Mas em Fr.
Vicente não supera o razoável. Permite, isto sim, que através dessa insistência (em que os
escritores dos séculos i e ii se encontram) fixemos três aspectos da literatura colonial: o
naturalismo, a autonomia, o ditirambo.

AS TRÊS CARACTERÍSTICAS

Quanto ao primeiro, reproduz-se, mais ou menos abundantemente, em todas as histórias


do país (de Fr. Vicente a Southey e Varnhagen). O melhor delas era a descrição da terra e
do que aí há de espantoso, no exuberante quadro tropical. Exacerba-se o sentimento de
suficiência com esse resumo admirativo das riquezas. Rebenta em vanglória, nas
comparações fáceis. “É o Brasil mais abastado de mantimentos que quantas terras há no
mundo, porque nele se dão os mantimentos de todas as outras”, louvou Fr. Vicente (cap.
viii). E o autor dos Diálogos1329 — Ambrósio Fernandes Brandão ou Rimo Álvares,
escrivães do contratante dos dízimos Bento Dias de Santiago: “A terra é disposta para se
haver de fazer nela todas as agriculturas do mundo pela sua muita fertilização, excelente
clima, bons céus” (Diálogo, i).

Apenas se insurge o franciscano contra a preguiça dos patrícios (cap. ii); e ao extasiar-se
ante os panoramas edênicos não esquece — áspero censor — os defeitos da gente.

Ninguém os verberou como o Padre Antônio Vieira.


AUTORES

São da época seguinte o Padre Simão de Vasconcelos (1597–671), historiador da


Companhia de Jesus no Brasil, biógrafo prolixo dos padres João de Almeida1330 e Anchieta
(1672), propagandista do país naquelas Notícias curiosas e necessárias do Brasil; o
“cronista” da América, Diogo Gomes Carneiro,1331 autor da Oração apodíxica aos
cismáticos da pátria (1641); os irmãos Gregório e Eusébio de Matos; os pregadores Padre
Antônio de Sá,1332 Fr. José da Natividade, Fr. Manuel do Desterro, Padre Ângelo dos
Reis...1333

O livro de Vasconcelos sobre o Padre Almeida foi a “primeira obra que destas partes a
Companhia mandou à estampa” — em 1658.

Dir-se-ia que atendera ao reparo de Vieira, “espantando-se de ouvirem tantas relações


do Japão, da Índia, da China, do Paraguai, do Chile e das outras províncias da América, e
só do Brasil não se escrever nada”.1334

Não se achou o que o “Doutor Diogo Gomes Carneiro, natural do Rio de Janeiro”, teria
escrito de história, consoante a nomeação de cronista com 200$000 de ordenado, pedida à
Coroa (1661) pelos “procuradores das capitanias do Estado do Brasil” — que queriam ver
em livro as cousas luso-americanas.

Proliferam, isto sim, os sermões, editados no reino pelas ordens ricas, pelas Irmandades,
pelos benfeitores destas — tão diferentes entretanto,1335 na pomposa retórica, da
eloqüência coruscante do Padre Vieira.

Serve de modelo à espécie — a do Padre Antônio de Sá na Bahia, sobre a Justiça, perante


os desembargadores, na festa do Espírito Santo — que se divide em doutrinação política
(normas aos dirigentes) e discurso evangélico.1336 A outro “sermão da justiça” que recitou
no Carmo, em 1686, o Arcebispo D. Fr. João da Madre de Deus, “Alto Sermão egrégio e
soberano” — se referiu Gregório de Matos: “Que sendo o pregador um carmelita, julguei
eu que pregava um Ulpiano”.1337
Ó Príncipes, Pontífices, Monarcas
Se o Mestre excede a Bártolos e Abades
Vesti-lhe togas, despojai-lhe alparcas.

Não se estranhasse espetáculo como o de 1683, ao entrar o prelado


neste colégio, a que fez a segunda visita, depois de ir a São Francisco, [...] recebido com orações e poemas em todas as
línguas, e esteve o assunto tão elegante como próprio, por não ser mais nem melhor lisonjeado um papa.1338

O Padre Alexandre de Gusmão atribuiu aos temas de consciência (morais e teológicos) a


responsabilidade da nova educação.

Deve situar-se entre os pedagogos do século, na linha dos teoristas mais lúcidos do
ensino religioso, com livros graves como a Escola de Belém (Évora, 1678), História do
predestinado peregrino (Évora, 1685), Arte de bem criar os filhos (Lisboa, 1685)... Fundou
o Seminário de Belém da Cachoeira, para experiência dos seus métodos1339

— e foi nesse colégio rural que fizeram os primeiros estudos dois rapazinhos, um deles
seu afilhado e homônimo. Seriam o secretário de D. João v e o inventor do aeróstato.

ANTÔNIO VIEIRA

De Vieira dissemos o indispensável. Adquiriu na Bahia os seus famosos


conhecimentos.1340 Já foi para o reino (1611) orador, teólogo, com a inclinação
sebastianista do sermão do Acupe (1631), mestre de filosofia e forte político, dotes e
forças que emprestou à Coroa no seu serviço ostensivo. Chegou a ser um dos célebres
personagens da monarquia; e sem dúvida o primeiro conselheiro íntimo do rei originário
(na formação e no espírito) da sua América. Tal circunstância, de valor enorme para os
novos rumos da metrópole (superestimação da colônia, diplomacia européia tendo-a por
eixo, mercantilismo na base da tolerância religiosa) dá ao pregador um realce imprevisto
nos acontecimentos de que participou — em cinqüenta anos de ação histórica. Nela
dispersaria os talentos (diluídos, na eloqüência, que passa, e na correspondência, que
morre) se a admiração dos superiores, na própria Companhia, não o obrigasse a reduzi-
los a escrito.

Começou a cumprir esta ordem em 1658, estando no Maranhão.1341 O primeiro tomo de


seus Sermões é de 1679. Compõem a mais considerável série oratória da língua, com a
particularidade de a elevarem, pelo esplendor verbal distorcido em todas as audácias do
discurso imaginoso e cálido — a níveis ainda não atingidos pela prosa vernácula.

Retratou-se ele num trecho melancólico de carta: “Não há maior comédia que a minha
vida; e quando quero ou chorar ou rir, admirar-me ou dar graças a Deus ou zombar do
mundo, não tenho mais que olhar para mim”.

Esta síntese joco-séria da existência — a que não faltou, num fracassado senso de
profecia, sua fraqueza, a impenitente vocação do serviço público, é facilmente
demonstrável pelos aspectos que lhe resumimos. Pertence à Europa e ao Brasil. Mais a
este — pela preferência que lhe deu, de vir terminá-la aqui, como se o ostracismo, na terra
da infância e da mocidade, fosse a restituição aos pátrios climas, consoladoramente.1342

Falamos da sua sabedoria.

No sermonário essa erudição recente e densa (atualizada com o conhecimento de


Descartes,1343 incomparável quanto às Sagradas Escrituras) lhe vem continuamente à tona,
informando-nos do que se estudava, discutia e discreteava nos pátios seiscentistas.

Um humanista podia ainda dominar letras e ciências, das latinidades às matemáticas,


com o ágil talento; e de tudo falando, ensinar tudo.

GREGÓRIO DE MATOS

Enxameiam poetas nessa literatura em formação.

Dois, pelo menos, poliram em Coimbra a inspiração e ocupam o seu lugar na língua
portuguesa: o repentista Gregório de Matos e seu conterrâneo (ambos da Bahia) Manuel
Botelho de Oliveira.

Gregório é um dos mais discutidos sujeitos do tempo. Como não imprimiu livro (razão
por que, em 1705, Botelho de Oliveira se proclamou, com verdade, “o primeiro filho do
Brasil” que fazia “pública a suavidade do metro”)1344 — beneficia-se-lhe a fama de tudo o
que o povo lhe atribuiu. Desabusado satírico, de rima fácil, cantando-a à guitarra,
estourado, ferino, dissoluto, “boca do inferno”, saiu da universidade para Lisboa com este
renome. Figura entre os assuntos da Nova floresta, do Padre Manuel Bernardes, o que não
é honra pequena.1345 Também não se incomodou com as grandes; nem as alheias.
Mandaram-no para o Brasil, quase ironicamente, como desembargador da Relação
Eclesiástica, dignidade conegal incompatível (é claro) com os seus debochados costumes.
Perdeu-a; nem poupou, com a chocarrice atroz, governadores (o Braço de Prata, Antônio
Luís), a Sé e suas hierarquias, frades, conventos, nobreza, que tudo meteu à bulha nos
pasquins temíveis. Não foi porém um demolidor tonto. O ódio aos potentados
dissimulava-lhe a arte, as possibilidades líricas em que amor, misticismo e paisagem se
combinam a um elemento original da poesia: o brasileirismo. Entrincheira-se nele, no
americanismo ora jovial e erótico, ora crítico e agressivo. É o primeiro a empregar o
gentílico: Brasileiro! Tira ao linguajar das ruas, africano e tupi, o vocabulário de estalo:
Um calção de pindoba, a meia zorra,
Camisa de urucu, mantéu de arara,
Em lugar do cotó, arco e taquara,
Penacho de guarás, em vez de gorra.1346

Mistura ao vernáculo coimbrão a mestiça fala ultramarina; passa à estrofe a rudeza, a


cor, o barulho, a graça do ambiente fusco em que vegeta, trovador amargo da cidade que
defendeu sem ternura; e com isto se torna o expoente dos sentimentos regionais — na
queixa política e erudita.

É contra; contra o forasteiro que veio enriquecer, o fidalgo pretensioso, o mercador, o


meio-sábio, o puritano, o moralista, a autoridade... Contra todos (aquém e além-mar);
mas sem que a beligerância o impedisse de gabar os panoramas, a cortesia dos amigos, a
beleza, a mulher, numa emoção próxima dos árcades setecentistas. É a este respeito que o
colocamos na história literária, como patriarca da modinha, a zangarrear a viola, numa
fusão de música e verso em que já irrompe a especialidade local, da serenata, das trovas
solfejadas ao luar, disto que seria o lundu, sensual precursor do fado...1347
POETAS MENORES

Poetas menores, citam-se, na Bahia de Vieira e Gregório, o irmão daquele, Bernardo


Vieira Ravasco, o “sol dos Estudantes” Gonçalo Soares da Franca, João de Brito Lima...
Deles o mais apreciado é Gonçalo Soares da Franca, repentista, imitando Camões no
panegírico do Rei D. Pedro ii,1348 copioso e correto. Membro da Academia Brasílica dos
Esquecidos (1724), filia-se à fase gongórica em que confraternizam Botelho de Oliveira,
Ravasco (sobrinho do Padre Vieira), Runo Marques Pereira, o peregrino da América, o
inefável Sebastião da Rocha Pita.

Na Música do Parnaso (e A Ilha de Maré), integra-se Manuel Botelho de Oliveira — o


outro nome da poesia luso-americana do período — no classicismo que extremou a ufania
da flora tropical. O estilo adaptava-se à exaltação nativista (Pe. Prudêncio do Amaral, De
Saccharis Opificio Carmen; Pe. José Rodrigues Ramos, De Rusticis Brasilicis Rebus; Fr.
Manuel de Santa Maria Itaparica, Descrição da Ilha de Itaparica...). O que há de retorcido
em Rocha Pita respira lirismo no hino de Botelho de Oliveira à sua verde Ilha de Maré.
Com uma ponta de exclusivismo... patriótico: “Tenho explicado as frutas, e legumes, que
dão a Portugal muitos ciúmes”. Em 1671, ao decantar a viagem do Governador Afonso
Furtado, falara em “império novo”...

Recai a poesia (com melhores direitos do que a prosa) no ditirambo, em que se


enovelam Gabriel Soares, Fr. Vicente, Vasconcelos,1349 o próprio Vieira,1350 e outros
precursores do novo império...1351 no paraíso verdadeiro.1352

Não tivessem dúvida, esse Éden era o Brasil — rematou o autor da História da América
Portuguesa (1730), numa sentença ressumante de sensualidade tropical.1353 Olhassem o
azul do céu, tanta flor e tanto fruto, cores e cousas da terra farta, com os enfeites e as jóias
da sua divina riqueza...1354 Não era apenas pródiga. Era única. “Em nenhuma outra região
se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais bela a aurora; o sol em nenhum outro
hemisfério tem os raios tão dourados”.1355 “É enfim o Brasil terreal paraíso descoberto,
onde tem nascimento e curso os maiores rios; domina salutífero clima; influem benignos
astros, e respiram auras suavíssimas”.1356

“Se houvesse paraíso na terra, eu diria que agora o havia no Brasil” (escrevera em 1560 o
jesuíta Rui Pereira).1357

A velha tendência de encarecer o estrangeiro em prejuízo do que é nosso, verberada por


Rodrigues Lobo nos conhecidos versos “Falem-vos num natural,/ Dizeis faltas que não
tem” — retrocedera à mais inocente qualidade de entusiasmo: o elogio da terra. “Sem
socorro de outras” prevenira Fr. Vicente do Salvador, sustentar-se-ia comodamente.
“Senão pergunto eu: de Portugal vem a farinha de trigo? A da terra basta”.1358 “E os
portugueses seremos brasis”,1359 concluiu Vieira, com ironia. Na Pátria, “onde profeta
ninguém é” (gemera Camões), importava menos o humano, o histórico, o social: que a
natureza tudo desculpava e cobria, com a estonteante fortuna...

A propósito das esmeraldas de Fernão Dias procurara Diogo Grasson Tinoco


(pseudônimo de poeta oculto) criar a epopéia. Talvez não passasse de algumas oitavas,
cuja ênfase camoniana reencontramos em poemeto de Gonçalo Soares da Franca. Essa
forma clássica de valorização do histórico sem diminuição do paisagístico, do lírico, do
artificial, ressurgirá com Durão e Gama (Caramuru e Uraguai), mas no descambar do
século xviii. Concilia no xvii bucolismo e historicismo (sem perder o ditirambo o viço
gongórico) nas narrações da guerra holandesa.

Meditemos sobre o anti-historicismo da geração precedente e as imagens festivas da


Reconquista (de Memórias diárias, de Duarte de Albuquerque, ao Valeroso Lucideno, de
Fr. Manuel Calado, ao Castrioto lusitano, de Fr. Rafael de Jesus, à História da guerra de
Pernambuco, de Diogo Lopes de Santiago, à Epanáfora, de D. Francisco Manuel), a que se
somaram as brasílicas, do século seguinte (Rocha Pita, Loreto Couto, Pedro Taques,
Jaboatão...). Para o Padre Vieira — antes dessa literatura entusiástica — nada mais fácil do
que trocar de terra. Como quem troca de casa. “Transplantaremos Pernambuco a outra
parte, pois o que nos falta não são terras, senão habitadores”.1360 Era como se dissesse: país
sem povo, panorama sem alma... Alma e povo aderem-lhe no calor daqueles formidáveis
episódios: e começa a história... oficial.

ESTUDANTES

Especificara-se, na sociedade seiscentista, a classe dos estudantes, que, já em 1585, recebia


no fim do curso láureas doutorais parecidas com as da Europa. À medida que prosperou o
colégio dos padres, cresceu ela de importância. Projeta-se na metrópole, com a
transferência para a universidade — a completar estudos — dos moços da colônia que
daqui levavam as humanidades mais cultivadas.1361 Obteve o colégio da Bahia que se lhes
reconhecesse (para o efeito da matrícula nas universidades de Coimbra e Évora) um ano
de artes, como se concedia aos de Lisboa e Braga.1362 Este privilégio foi estendido aos de
Olinda em 1681.

Gonçalo Soares da França é chamado por Gregório de Matos — “sol dos


estudantes”...1363 Em 1651 formaram uma companhia, com seus capitães. Foi refeita em
1668, na iminência de nova agressão holandesa.1364 No Rio de Janeiro essa milícia se bateu
em 1710. Puderam sustentar por mais de um século a festa das Onze Mil Virgens. Na
Bahia e em São Paulo.
Como padroeiras as Onze Mil Virgens, sendo os estudantes dessa capitania os que se empenham mais nos seus
aplausos e festejos, [...] usavam das máscaras para melhor disfarçarem as galanterias dos bandos, danças, entremezes, e
alardes, em que por muitos dias antecedentes ao da festa das santas virgens costumam andar pelas ruas, e para o
poderem fazer pedem licença aos governadores nas cidades em que os há, e nas mais vilas aos capitães-mores delas

— escreveu el-rei, em 1728, ao governador de São Paulo.1365 Na Bahia, após os anos


difíceis, em 1685 tiveram esplendor diferente as cavalhadas do Terreiro em honra das
Virgens, festa predileta desde 1576.1366 Congregam nobreza, burguesia, plebe: mas
continuam apanágio dos jesuítas e de seus “pátios”, apostados os rapazes em dar
vivacidade e animação à sociedade tímida. O sorriso das mascaradas e a sua alegria
profana vêm da escola claustral; assinalam o predomínio de estudos e estudantes...
Repercutem no reino.

Tão numerosos eram já os brasileiros em Coimbra (foram por vezes trezentos num
ano), que tinham padroeira e lhe prestavam homenagens: em 1718 o Padre Bartolomeu
Lourenço pregou na última tarde do tríduo encomendado pelos “acadêmicos
ultramarinos da universidade, em honra a Nossa Senhora do Desterro”...1367

FRADES

Sendo de frades a classe letrada compreende-se que acalentassem as idéias cultas e os


sentimentos políticos — que tinham, para manifestar-se, o duplo estímulo, do púlpito e
da imunidade eclesiástica.

Se a insurreição pernambucana, em 1645, foi a declaração da autonomia brasileira, de


uma aristocracia pouco disposta a mudar de fé e soberano, a rebelião dos frades, em 1671,
pode estimar-se como uma reação nativista, contra a disciplina dalém-mar: tem pela
primeira vez o sentido dum protesto intelectual. Pouco antes, em 1668, o procurador da
Bahia às cortes que então se realizavam, requerera que nos postos de milícia, nos lugares
de letras, nos ofícios de justiça, nas dignidades do clero, fossem aproveitados os naturais
do Brasil. “Que não parece justo”, despachou el-rei,1368 franciscanos,1369 principalmente
beneditinos, resolveram, na Bahia, em Pernambuco, depois no Rio de Janeiro, isentar-se
da submissão aos prelados vindos de Portugal. Em 1671, de fato um Breve pontifício
permitiu aos monges da Bahia regerem-se independentemente da Província portuguesa.
“Este ano começou o movimento da província”.1370 Fr. Leão de São Bento, a cujos esforços
se devia a separação, fora preso e mandado com dez companheiros para a Europa, por
ordem régia que visava à tranqüilidade dos espíritos. Sucedeu o contrário. “Alguns
religiosos moços” (pois a insurreição era de noviços e filhos da terra) passaram a obedecer
a Fr. João Poeira, antigo capelão do exército pernambucano e exaltado chefe desse
“separatismo”: e teve o Governador Afonso Furtado de ir ao mosteiro com soldados, antes
que recorressem às “armas nas suas celas”...1371 Prevaleceu o partido americano: até 1688
foram nomeados na Bahia os superiores dos demais mosteiros do Brasil. Em Olinda, o
abade D. Fr. José da Trindade “foi o primeiro (depois da agitação) que tomou posse sem
companhia e assistência de soldados, porém como foi o último dos feitos nesta Província
do Brasil” (1688) assinala a conciliação, após vinte anos de atitudes bravias.1372

Congraçaram-se os franciscanos recorrendo à alternativa, de guardiães brasileiros e


portugueses. Foi respeitada, de 1666 a 1719.
Neste fermento xenófobo se criou o espírito de autonomia do clero nacional, rebelde e
pioneiro nos começos do século xix.

ESCOLAS E LIVROS

Com o monopólio do ensino, levaram-no os jesuítas às altas conseqüências da formação


humanista nos colégios que bacharelavam em artes, com o ritual (e até as exterioridades
brilhantes) dos atos universitários. Iniciou-se este costume com o Curso de Filosofia
aberto em 1572. Desde 1639 mestres e examinadores de Teologia especulativa e moral
usavam (como os doutores em Coimbra) a borla branca.1373 Exigia esse curso máximo
latim e algum grego, consulta aos autores sagrados, controvérsia sobre as obscuridades, e
o gosto das questões que dividiam então os teólogos e seus partidários. Para informá-las
havia nos colégios rica livraria, sendo notável a da Bahia, construída, aliás, com requintes
artísticos (tetos pintados com a alegoria de Sedes sapientiae, azulejos murais em
comemoração das ciências...), cuja fartura se reflete na erudição dos sábios da casa.

Fora das bibliotecas conventuais pouca leitura podia haver — e piedosa — a não ser de
livros de cavalaria — ou então Os lusíadas.

A um militar que lá morreu em 1678, acharam peças de roupa, armas, um bofete (arcaz)
e “um livro de Luís de Camões”.1374

O Padre Antônio da Fonseca, presidente do coro da Santa Casa, ali falecido em 1680,
deixou cousa de vinte volumes... Seria uma boa coleção.1375 Os “inventários” seiscentistas
de São Paulo só mencionam alguns devocionários...1376 As Obras espirituais de Fr. Luís de
Granada corriam em mãos devotas. Leu-as na Bahia o Capitão Antônio da Fonseca
Soares, e com emoção tal que se converteu em servo de Deus — para ressurgir,
franciscano, Fr. Antônio das Chagas...1377 Era ao tempo (1655–7) em que “em Monserrate
antártico”, subúrbio da mesma cidade, escrevia D. Francisco Manuel, desterrado e triste, o
segundo dos Apólogos dialogais, a segunda Epanáfora, o Hospital das letras, custando
“acreditar que um estudo crítico que necessitava da leitura prévia de tantos livros fosse
redigido lá, a não ser que o autor, que era amicíssimo dos jesuítas, se utilizasse da livraria
do colégio”.1378 Esta era opulenta mesmo no recente colégio do Maranhão: “Livraria temos
muito boa, e com poucos livros que venham do reino haverá todos os que se hão
mister”.1379

CIÊNCIA

As ciências misturam-se — às letras jesuíticas. Envolvem-se — ciências naturais,


medicina,1380 observações de clima e geografia, conhecimento do índio e seus costumes —
da paixão missionária, que suscita, desde logo, um paralelo. Entre a prudência teológica (e
as restrições do ensino científico) na Europa, e a liberdade com que na América se apoiava
a experiência, pesquisa e crítica.1381 Já indicamos a insistência dos cronistas, de lastrearem
as suas narrações prolixas com a visão deslumbrada dos prodígios da natureza. Sucedem-
se nessa descrição de curiosidades Gabriel Soares, Fr. Vicente, Fernão Cardim, o Padre
Cristóvão de Lisboa (irmão de Severim de Faria), o próprio Vieira,1382 Simão de
Vasconcelos, nas Notícias, Andreoni (Cultura e opulência do Brasil ),1383 João Filipe
Bettendorf (cartógrafo, naturalista, historiador das missões do Maranhão e do
Amazonas). Da indagação da flora (e estudo da dos índios) resulta a farmacopéia, de que
os jesuítas justamente se orgulharam. É certo que o empirismo, calcado nas idéias
correntes sobre a origem e o curso das moléstias, não podia produzir (depois dos
holandeses Piso e Marcgrave) ensaios mais úteis do que o Tratado da constituição
pestilencial de Pernambuco, de João Ferreira da Rosa (1694).

Ninguém como esse médico do Recife vira tão lucidamente os problemas de higiene,
melhoria das condições urbanas e prevenção das epidemias. Para ele, provinha tudo dos
bairros sujos, dos contágios fáceis de evitar, da imundície alastrada pelas cidades...1384
Começa com isto a fixar-se um conceito de doenças tropicais — de que trataram (“o mal
de Luanda em Angola e na Bahia”) Aleixo de Abreu, em 1623, Zacuto Lusitano (1575–
642), Simão Pinheiro Morão (“bexigas e sarampos”), Luís Gomes Ferreira, Manuel Dias
Pimenta... Mandou el-rei em 1692 (apreciável progresso) que se tentasse anatomia na
Bahia, para “conferir a experiência que fizera um estrangeiro”.1385 Pelas medidas tomadas
em Pernambuco por sugestão dos doutores Ferreira da Rosa e Domingos Pereira, a mais
corajosa, o enterramento fora das igrejas,1386 sabemos que desafiaram os preconceitos
populares. Das suas próprias palavras repontam aliás essas superstições (“o ar pode viciar
pelos astros”),1387 com o prognóstico, “de muitas doenças malignas”, que vaticinava o
Padre Valentim Estancel,1388 apreensivo com a conjunção dos planetas.

Motejava, cético, Gregório de Matos:


Se é estéril, e fomes dá o cometa,
Não fica no Brasil viva criatura.

XXXII: ARTE SEISCENTISTA

ORIGINALIDADE IMPOSSÍVEL

Não podemos falar de arte brasileira no 2º século. Antes do ciclo do ouro (com as
necessidades do povo que instalava depressa os prósperos arraiais) e da condensação de
uma cultura própria nas cidades do litoral — artes e artistas vêm da metrópole, mostram-
se insensíveis ao ambiente, procuram reproduzir — a igreja, a casa, o convento, a fortaleza
que lá havia; transplantam, adaptam, copiam — sem originalidade nem audácia. Tem-se a
impressão do transporte, em que a viagem não tirasse a essa arquitetura, a esses elementos
decorativos, a esse tímido apetite de harmonia e beleza, nenhum de seus aspectos, frios e
exóticos. Parece que emigrava com o propósito patriótico de estampar no mundo novo a
imagem verídica de Portugal — com o mesmo traço, a mesma intenção moral, o senso
utilitário (isto é, prático e oportuno, sem o interesse da pompa nem a suntuosidade
ofuscante) peculiar à humildade rural, à pobreza urbana. Passou a linha equinocial o
povoador com a instituição civil (o município, as Ordenações do reino, a hierarquia, a
família) e a civilização material (fixada nos estilos singelos e arcaicos). A sua operação de
montagem das vilas consistiu em arrumar, segundo a ordem tradicional, as pedras que
trouxera, numeradas — protegendo-as com idêntica organização social. A Igreja
colaborou desde logo (e irresistivelmente) para que as formas não se deturpassem com a
mudança, e florescesse na América a expressão artística que acabava de dar ao santuário,
às efusões do culto, ao mosteiro.

A trasladação desses estilos não se embaraçou — é preciso acrescentar — com a


preexistência da arte nativa (como aconteceu no México e no Peru) nem a resistência da
sensibilidade estrangeira (que no Brasil holandês, durante vinte anos, poderia ter criado
outros padrões). Índios e negros da África careciam até aí de manifestações de cultura que
se impusessem ao engenheiro português. E os flamengos (pelo que mostram Franz Post,
Zacarias Wagener, Eckout) não tiveram tempo de substituir a casa-grande da várzea, os
quarteirões mercantis, a residência portuguesa quadrada e desataviada — que lá acharam
— por suas moradias características. A de Nassau (ou das “torres”), isolada na Cidade
Maurícia, foi modelo que cedo se perdeu. Aliás no nome, Vrijburg, ou Casa-Forte,
pretendia assemelhar-se às do país. O seu segundo palácio, da Boa Vista, este, a despeito
das torres em campanário, não passava de um robusto sobrado... português. Dir-se-á que
nas estreitas casas de duas águas, do Recife, perdura — atávico — o jeito primitivo dos
bairros flamengos. Mas é sabido que soluções análogas (finos sobrados de vaga fisionomia
nórdica) são comuns no Porto e em Lisboa, e tanto na Bahia como no Rio de Janeiro.

Quiseram os jesuítas — e esta a primeira providência para a uniformidade das


construções no Brasil — que à experiência colonial correspondessem determinados
cânones artísticos.

O BARROCO

Não é possível delimitar épocas ao jesuítico (de que falamos) desataviado e geométrico
(Irmão Francisco Dias), ao barroco (fachada de empena em lugar do frontão retilíneo,
sem refolhos de arte, em contraste com o ornato interno) e ao apogeu desse estilo
curvilíneo e fragmentário, cuja evolução descritiva se embaraça nas retorcidas audácias do
rococó. Verifica-se, isto sim, que à medida que a sociedade prospera o amor do belo,
transitando da escultura mural (talha dourada comum ao barroco desde 1650) à
arquitetura, impõe os predicados gerais do gosto berniniano, borromínico,
churrigueresco. É na escultura dos retábulos, em seguida de tremós, molduras, portadas,
até (como em São Bento do Rio, que leva a data de 1694, antes de São Francisco da Bahia,
1720) de toda a nave, que o estilo se enraíza, desdobra o vigor pictórico, incendeia a
vocação dos artífices regionais, aceita-lhes a colaboração sentimental com a planta
científica dos engenheiros. Dá-lhes oportunidade. Os motivos se repetem — com a coluna
salomônica (do baldaquino de Bernini em São Pedro), folhas de parra, cachos de uvas,
pelicanos e querubins, na festiva multiplicação dos símbolos canônicos. Mas é na
arrumação, na licença do debuxo, na personalidade da execução, na cenografia que a
torêutica (de que se tornou expressão máxima Fr. Domingos da Conceição, beneditino,
natural de Matosinhos, no Porto) — resplandece e domina. O ofício permite, além disto, a
formação de escolas, em que se sucedem as gerações;1389 e daí irradiam para a pequena
indústria (marceneiros baianos, pernambucanos, maranhenses, fluminenses) famosos
fabricantes de mobílias, ourives da prata, entalhadores e santeiros inconfundíveis.1390

ARQUITETOS

As decisões do Concílio de Trento sobre a regeneração do culto (na plenitude da Contra-


Reforma) inspiraram a Igreja do Gesù, em Roma — nave única, capelas laterais, tribunas
sobre o recinto, transepto sem profundidade, e através desse modelo, São Roque, de
Lisboa, casa-mãe dos jesuítas portugueses. Daí passou à América o estilo impropriamente
chamado jesuítico1391 — cuja versão italiana (gulosamente aceita na península) é a igreja
monumental de São Vicente de Fora, obra-prima de Filipe Terzi.1392 Antes de distribuir
este as suas regras de sobriedade — em que predomina a valorização do espaço, no sábio
jogo de volumes e massas — já o Irmão Francisco Dias tracejava no Brasil os colégios de
Olinda e do Rio de Janeiro. Estávamos na fase pré-barroca da arquitetura,1393 quando o
Visitador Padre Cristóvão de Gouveia recomendava que se respeitasse, na Companhia, o
que se fizera “com muito cuidado e acordo do Irmão Francisco Dias, arquiteto”1394 — a
fim de que os edifícios apresentassem uma fisionomia uniforme.

Exemplo de igreja de então é a Graça de Olinda: fachada nua, a empena do telhado de


duas águas servindo de frontão, como em São Roque, pilares laterais em forma de colunas
embutidas (o que dava ao conjunto uma reminiscência romana), o campanário à parte,
aberto o interior na amplitude da nave única, separada do altar-mor pelo arco do
transepto...

Inicia-se com Francisco de Frias (em 1603) a série dos engenheiros que tanto edificaram
fortalezas como conventos e casas-grandes, que lhes levaram o selo da austeridade, da
solidez e da geometria, ou apenas do mau gosto — sem nada que lembrasse a liberdade,
ou a graça e a leveza do risco.1395 Era capaz de construir imponentes praças de armas como
dos Reis Magos, do Rio Grande ou, no penhasco diante da Bahia, a do Mar. Não lhe faltou
ciência para planejar a abadia beneditina do Rio de Janeiro — que o coloca entre os
mestres — notável pela conciliação do traço humilde do Irmão Francisco Dias (templo de
empena, emoldurado de cunhais de granito, rude na sua singeleza) com as Torres de
Terzi, independentes, mas articuladas com a harmonia do casarão mosteiral de beirais
solarengos, janelas quadradas, alpendre acolhedor e esse ar manso dos conventinhos
seiscentistas. Acoruchados em pirâmide, esquinados em pedra, rasgados em seteiras
(sineira e menagem) os campanários constituem um acessório enfático a conjugar-se com
o equilíbrio barroco do frontispício, naquelas igrejas hesitantes entre a severidade jesuítica
e a fantasia italiana desses arremates.

Sucede ao engenheiro Frias o monge Fr. Bernardo de São Bento (João Correia de Sousa),
no Rio de Janeiro, autor da ampliação do mosteiro e o mais erudito dos construtores de
então.1396 Familiarizara-se com as doutrinas de Sérlio e do “famoso Luís Serão” (sic), ou
seja, Luís Serrão Pimentel; e as Observações que deixou, inéditas, sobre as Obras
beneditinas, valem como um compêndio de Arquitetura, o primeiro que se conhece no
Brasil (diz-nos D. Clemente da Silva Nigra). Na Bahia, outro monge, Fr. Macário de São
João (espanhol, que trabalhou de 1650 a 1676) deu ao seu mosteiro e à respectiva igreja de
planta romana as atuais dimensões. Atribuem-se-lhe as da Santa Casa e do Convento de
Santa Teresa (cuja fachada romana, ao gosto de Vignola, só se vulgarizaria no século
seguinte).

O dissídio da tradição portuguesa, de Afonso e Baltasar Álvares, e da escola italiana, não


prejudica, em verdade, as soluções locais, de que foi arauto Fr. Gregório de Magalhães. Aí
estão para prová-lo as residências religiosas de Santos e da Bahia (ermida e claustro
quadrangular, compondo o convento rural, da espécie do colégio de Campos, das casas
jesuíticas de Reritiba e Mbói); e o mesmo senso de ambiente transmite às capelas
alpendradas um recato rústico e original. No desenvolvimento dessas adaptações chega-se
— ao raiar o século xviii — à liberdade de estrutura e à opulência decorativa do barroco
luso-americano.

Aos portos, todavia, vêm de Portugal as pedras lavradas, a forma artística, igrejas
inteiras, em pedaços de mármores alentejano ou lioz de Alcântara devidamente
numerados. Refere-se Gregório de Matos na Satírica1397 à frota que, em 1691,
[...] entrando co’a vela cheia,
O lastro que traz de areia,
Por lastro de açúcar troca.

Não trazia areia, mas pedra, corrige Vieira em carta do mesmo tempo: “Aqui chegou, e
dizem que carregada de pedraria, porque não trouxe mais que pedra”.1398 Isto é: pedra de
cantaria, e outra tanta aparelhada, para as construções da Cidade.

A pintura vem depois. Com o caráter de escola (fluminense, baiana, mineira...) é


setecentista, com os mestres de tetos (José Joaquim da Rocha), retábulos e composições
místicas que se seguiram ao monge alemão do Mosteiro de São Bento, Fr. Ricardo do Pilar
— primeiro grande pintor a fazer discípulos no país, em 1690.

SÍNTESE DO 2º SÉCULO
Em 1700 a definição geográfica e econômica do Brasil se completara. Ganhara a sua
configuração no continente; e desenvolvera dispersiva e amplamente as forças sociais e
produtivas que no século precedente hesitavam no litoral, débeis e isoladas, entre a
barreira da serra marítima e a ameaça dos índios ferozes. Em 1600 a colonização parava
na Fortaleza dos Reis Magos, no Rio Grande, e ao Sul em Cananéia, aventurando-se
quando muito os traficantes de escravos carijós, nos barcos costeiros, a ir tomá-los entre
Laguna e os Patos. Mesmo no trecho de beira-mar, onde arranhavam os povoadores como
caranguejos — na ironia de Frei Vicente do Salvador — as tribos tapuias devastavam por
vezes os arraiais, até as vilas com as paliçadas e as igrejas, impedindo a penetração dos
sertões misteriosos, o acréscimo dos gados “curraleiros” e a ocupação das “sesmarias”
inutilmente concedidas. Assim no Recôncavo da Bahia à volta de Cachoeira até Cairu e
Porto Seguro, no estuário do Paraíba e Campos dos Goitacases... A irradiação sertanista,
partindo de São Paulo, dominara o Vale do Tietê, a região balizada pelo Paranapanema ao
sul e pela Mantiqueira ao norte: faltava-lhe, porém, a distribuição de núcleos urbanos, que
fixassem os mamelucos seminômades, e servissem de base e coordenação à conquista do
Oeste. Não tardou, ao raiar o século xvii, a expansão portuguesa até o Ceará, Maranhão,
Pará, e o Amazonas. Concluída na zona tórrida a grande empresa, perfez-se em sentido
austral, com a incorporação do território entre Itanhaém, Paranaguá, São Francisco e
Santa Catarina, acompanhada da instalação, na foz do Prata, da tribulada Colônia do
Sacramento. A área geográfica integralizara-se na direção do meridiano (que não era
mais, evidentemente, de Tordesilhas...); restava a delimitação das fronteiras que dependia
do conflito entre as entradas paulistas e os vizinhos castelhanos. Perde-se a noção da lei
antiga que vedava esse desbordamento. Os homens no Brasil têm a liberdade de
movimento de uma raça jovem e forte que se adestra na luta com o estrangeiro para em
seguida vencer a terra. É também o século das repulsas à mão armada: de franceses no
Maranhão, dos holandeses na Bahia e no Nordeste, vinte anos... As armas ratificam o
direito, onde ele preexistia: e o Brasil não se desagregou. Mas criam outros direitos: onde
o uti possidetis anulava a linha convencional, divisória, que nunca valeu no terreno, senão
nos mapas e nos debates jurídicos... Prosperam e crescem as cidades recentes. O comércio
anima-se e floresce. À saturação do açúcar se segue o surto de novas lavouras; mas a
pesquisa das minas — sonho persistente, por isso fecundo — não deixa em paz governos,
pioneiros, gerações. A terra ganha e aumenta: pois atrás de sua miragem os cabos das
bandeiras descobridoras, mesmo descobrindo apenas sertão, vislumbram paisagens
magníficas, regiões ricas, os caminhos do povoamento. O Vale do São Francisco polariza
no Nordeste essas incursões ambiciosas; o planalto paulista é a sua zona de dispersão; pela
própria costa, à notícia de ouro em Paranaguá, avançam rapidamente. Afinal as profecias
se confirmaram: e de Taubaté e Guaratinguetá os primeiros “mineiros” se lançaram para
as montanhas centrais.

Formara-se o Brasil na sua vasta estrutura inteiriça, como um organismo-gigante. A


flama da consciência, com a definição de uma inteligência autônoma, de uma alma
própria, de uma força nacional — seriam a surpresa e a revelação do século xviii.
NOTAS DE RODAPÉ
1 É a forma como Afrânio Peixoto chamava os filhos da Bahia que cedo se transferiram para o Rio de Janeiro.

2 A história foi a sua vocação, e o direito, sua realização profissional. Se a maioria dos seus livros é constituída de
obras de história, ou de literatura histórica, também, entre a extensa bibliografia, encontram-se numerosos e alentados
trabalhos sobre Direito, tais como Direito de propriedade, Reforma Constitucional da Bahia, A Federação e o Brasil,
Intervenção Federal, O desquite, Estado e o direito n’Os Lusíadas, Curso de Direito Constitucional Brasileiro, Curso de
Direito Público, Curso de Teoria Geral do Estado, História das idéias políticas.

3 Fez sua formação escolar no Colégio Antônio Vieira e depois no Ginásio Baiano, ambos em Salvador-ba.

4 No Conselho Federal de Cultura, quando Gilberto Freyre afirmava não ser católico, cortou Calmon: “Mas tem todas
as virtudes para sê-lo”.

5 Descendente de Francisco Calmon du Pin e Almeida, seu tetravô, ascendente de Miguel Calmon du Pin e Almeida,
Marquês de Abrantes, as raízes paternas de Pedro Calmon Moniz de Bittencourt remontam à província de Cahors, na
França, donde partiu para Portugal Bertrand Calmon, o primeiro deste sobrenome, cujo filho, já lusitano, João Calmon,
chegou à Bahia em 1655. O seu ramo materno, pelo casamento de seu pai, Pedro Calmon Freire de Bittencourt com
Maria Romana Moniz de Aragão Calmon de Bittencourt, sua prima, se prende a Egas Moniz.

6 Considero importante dar o destaque ao fato de que seus dois outros livros de ficção, O Thezouro de Belchior e
Malês: a insurreição das senzalas também se enraízam em sua terra natal. Em sua predominante produção de historiador,
do primeiro livro até a publicação póstuma Introdução e notas ao catálogo genealógico das principais famílias, de Frei
Antônio de Santa Maria Jaboatão, vários de seus outros livros também estão ligados à história de sua província: A
conquista: História das bandeiras baianas, O crime de Antônio Vieira, O Marquês de Abrantes, História da Casa da
Torre, A bala de ouro, História da Literatura Baiana, Castro Alves: O homem e a obra.

7 Sobrinho homônimo do Marquês de Abrantes, foi engenheiro e político brasileiro, correligionário de Rui Barbosa,
Ministro da Viação e Obras Públicas (1906–1909) e, posteriormente, Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio
(1922–1926).

8 Ao mesmo tempo, para completar seu salário e colaborar com a família em Salvador, trabalhava à noite, na redação
da Gazeta de Notícias.

9 Essa Bahia onde, no espaço de 35 anos, fundaram-se duas academias, a dos Esquecidos (1725) e a dos Renascidos
(1759), nas quais figuram, na primeira, poetas menores e maiores, como Gonçalo Soares da França, satírico e repentista,
na linha de Gregório de Matos, João de Brito e Lima, sisudo e seco, com seus Poema Festivo e Poema Panegírico,
memorialistas como Inácio Barbosa Machado, autor dos Fatos Políticos e Militares, e historiadores como Sebastião da
Rocha Pita, autor da História da América Portuguesa; na segunda, figuram o poeta Ferrão Castello Branco, Pedro
Facques, com sua Nobiliarquia Paulistana, Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, com o Novo Orbe Seráfico, D. José de
Milares, com a História Militar do Brasil, José Antônio Caldas, com a Notícia Geral da Capitania da Bahia.

10 Estão entre eles: A bala de ouro, Brasil e América, Brasília, Catedral do Brasil, Castro Alves: O homem e a obra,
Compêndio de História da Literatura Brasileira, A conquista, O crime de Antônio Vieira, Espírito da Sociedade Colonial,
O Estado e o Direito n’Os Lusíadas, Estados Unidos de Leste a Oeste, Figuras de Azulejo, Franklin Dória, Barão de
Loreto, Gomes Carneiro, o General da República, História da Bahia, História da Casa da Torre, História da Civilização,
História da Civilização Brasileira, História da Faculdade Nacional de Direito, História da Fundação da Bahia, História da
Independência do Brasil, História da Literatura Baiana, História das idéias políticas, História de Pedro ii (5 volumes),
História Diplomática do Brasil, História do Brasil (7 volumes), História do Brasil na Poesia do Povo, História do
Ministério da Justiça, História Social do Brasil (3 volumes), José de Anchieta, o santo do Brasil, Malês, a insurreição das
senzalas, Espírito da Sociedade Imperial.

11 De acordo com Pedro Calmon Filho, também professor da Faculdade de Direito da ufrj, seu pai sempre quis ser
enterrado como professor, que foi o título que ele mais prezou em vida.
12 Segundo consta no livro Pedro Calmon: Vida e glória, organizado por Edivaldo Boaventura, não há conta do
número de estudantes baianos que Pedro Calmon acolheu no Rio de Janeiro e aos quais forneceu fosse uma palavra de
orientação, fosse uma providência junto a órgãos públicos, fosse, ainda, apoio material.

13 Entre dezenas de condecorações, tinha a Grã-Cruz das Ordens da Santa Sé, de Santiago, de Cristo, Educação
Pública e Infante D. Henrique, de Portugal; de San Martin, da Argentina; de Boyacá da Colômbia; de Rubén Dario, da
Nicarágua; da Espanha, da China Nacionalista, do México e do Paraguai; Grande Oficial do Chile, do Peru, da Alemanha,
da Suécia, da Grécia, da Itália e do Irã; Ordem do Mérito e ordens do Exército, Marinha e Aeronáutica do Brasil; e
comendador da Legião de Honra, da França.

14 Pedro Calmon dizia que era monarquista por teimosia.

15 O sepultamento ocorreu no Cemitério de São João Batista.

16 Thomas Giulliano é pós-graduado em Literatura Brasileira pela pucrs, pós-graduado em História e Cultura Afro-
brasileira e Indígena pela uninter, graduado em História (licenciatura) pela pucrs, coordenador do livro Desconstruindo
Paulo Freire, autor dos livros Desconstruindo (ainda mais) Paulo Freire, O sofisma do Império e Machado de Assis:
escravidão e política, editor e consultor historiográfico do Clube Rebouças. Historiador agraciado com a Medalha da
Ordem do Mérito do Livro, fornecida pela Biblioteca Nacional — ne.

17 In Viriato, p. 171.

18 Não repetimos os nomes das vilas e cidades do século anterior. Os nomes que não foram citados, nos rios,
correspondem aos que mantêm a designação atual.

19 V. Rodolfo Garcia, nota a Varnhagen, História geral do Brasil, ii, p. 109, ed. integral. Neto de Diogo Botelho, o
velho, Júlio de Castilho, Lisboa antiga, ix, p. 254, Lisboa, 1937, que fora ferido e preso em Alcácer-Quebir; resgatado aos
mouros; em 1579 nomeado embaixador para outros resgates, Queirós Veloso, D. Sebastião, p. 417 Lisboa, 1935, seguiu a
parcialidade do Prior do Crato, D. Antônio, mas não é exato que estivesse entre os prisioneiros do combate da ponte de
Alcântara. Na tarde de 24 de agosto de 1580 — dia desse encontro — passou por Vila Franca com D. Antônio e centena
de cavaleiros, Damião Peres, O governo do Prior do Crato. Barcelos: 1929, p. 107. Quando chegou às margens do Lima,
diz Camilo: “D. Antônio tinha à volta de si como relíquias [...] Diogo Botelho”; Camilo Castelo Branco, Sentimentalismo
e história. Porto: 1897, p. 224. Homiziou-se em França. Figurou como testamenteiro do Prior do Crato, Camilo, D. Luís
de Portugal. Lisboa: 1896, p. 139. Faleceu o velho Diogo Botelho em Paris, a 23 de março de 1607, Miguel d’Antas, Les
Faux Don Sebastien, cit. por Júlio de Castilho, op. cit., ix, p. 141. Reabilitou-se o neto perante Filipe ii pelo casamento com
D. Mana Pereira, irmã do secretário da corte, Pedro Álvares Pereira, da casa dos Condes de Benavente. Foi mandado ao
Brasil a 20 de fevereiro de 1601. Das Confissões ao Santo Ofício, de 1618, ms. na Torre do Tombo, inéd., constam
acusações graves a seus costumes. Era filho de Francisco Botelho, capitão de Tânger e embaixador em Roma, e de D.
Brites de Castanheda, filha de castelhano. Deixou filho, Nuno Álvares Botelho, morto às mãos dos holandeses sendo
governador na Índia: este foi pai do 1° Conde de São Miguel, Pe. Antônio Carvalho da Costa, Corografia portuguesa.
Braga: 1862, 2ª ed., i, p. 397.

20 Hist. do Bras., p. 395.

21 Fr. Vicente do Salvador, op. cit., p. 397.

22 A ordem para a jornada de Pero Coelho foi dada pelo governador Diogo Botelho em reunião com os capitães-
mores de Pernambuco e da Paraíba, e o Sargento-mor Diogo de Campos Moreno, em Olinda, a 21 de janeiro de 1603,
Barão de Studart, in Revista do Instituto do Ceará, xxxvii, p. 166, onde o governador-geral continuava residindo em abril
de 1603, cf. Livro velho do Tombo de São Bento, Bahia, p. 360. O Regimento passado a Pero Coelho tem a mesma data da
reunião, Capistrano de Abreu, “Prolegômenos” à História do Brasil, de Fr. Vicente do Salvador, p. 255 (3ª ed.). O auto
sobre a expedição, com os objetivos — expulsão de franceses, investigação de minas, descobrimento da costa, in Rev. do
Inst. do Ceará. Fortaleza: 1912, xxvii, pp. 17 e ss.

23 Barão de Studart, Documentos para a história do Brasil e especialmente a do Ceará. Fortaleza: 1909, ii, p. 68.

24 Fr. Vicente do Salvador, História do Brasil, p. 386.

25 V. Capistrano de Abreu, in Rev. do Inst. do Ceará, xviii, p. 67. Sobre as tribos da região, Pe. Théberge, Esboço
histórico sobre a Província do Ceará. Fortaleza: 1869, p. 4.

26 História da missão, p. 65. Na descrição do capuchinho se misturam a narrativa da expedição de Pero Coelho (“há
sete anos [...]”) e o martírio do Padre Pinto na deformada notícia dos tupinambás, a quem tanto impressionara o
“profeta”.

27 Pe. Claude d’Abbeville, op. cit., p. 70.

28 A jangada é, com o nome, da Índia, mons. Rodolfo Dalgado, Influência do vocabulário português em línguas
asiáticas. Coimbra: 1913, p. 91, citando Castanheda, Fernão Pinto, Diogo Do Couto.

29 Hist. do Bras., p. 411.

30 Queremos insistir na etimologia lendo Gomes Eanes de Zurara, Crônica da Guiné, i, p. 95, Porto, 1937, “de Zaara”,
com o acento que põe João de Barros, Décadas, i, p. 12, ed. A. Baião, Lisboa, 1932: “Desertos da África a que eles chamam
saará”. “Boa de extremar da outra”, diz Zurara, “por razão das muitas areias que aí há” (ibid., ii, p. 94). Ceará vem de
Saará — concluímos.

31 Pe. Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, i, p. 142.

32 Pe. Serafim Leite, ibid., ii, p. 552. A sua Arte da gramática foi publicada em 1687.

33 Fr. Vicente, ibid., p. 414. Sobre o sacrifício do Padre Pinto, Paulino Nogueira, Rev. do Inst. do Ceará, xvii, pp. 12 e
ss. Profetizara-o Anchieta em 1582. O pau de jucá com que o trucidaram foi levado para o colégio da Bahia e desapareceu
com a invasão holandesa, Studart, Revista, cit., xxxii, p. 171.

34 Construtor do Forte dos Reis Magos, como ficou dito.

35 Studart, in Rev. do Inst. do Ceará, vol. cit., p. 177. Veja-se a carta do Pe. Figueira ao geral da Companhia, 1608,
Rev. do Inst. do Ceará, xvii, pp. 97–138. Em carta ao geral, de 26 de agosto de 1609, declarou “impossível efetuar-se por
ora” a missão do Maranhão, alegando distância, seca, rios, dificuldades da navegação pelo regímen dos ventos... Revista,
cit., p. 139. Figura nesse primeiro período da exploração da costa o florentino Baccio de Filicaia, que, após ter servido com
D. Francisco de Sousa, se empregou seis anos (1602–8) a “Scropriri e conquistari le provinzie de’ fiume Maragnone e
Amazone”, tendo em 1607 seu navio se desgarrado para a Antilha, donde passou a Portugal. Parece que voltou com D.
Francisco de Sousa, em 1609. V. docs. in A. Piccarolo, Um engenheiro italiano na descoberta das minas brasileiras. São
Paulo: 1931, p. 16.

36 O Pe. Figueira escreveu ao geral, da Bahia, 26 de agosto de 1609: “No Maranhão há muitos franceses que estão de
morada como estavam no Rio Grande [...]. E o menos mal que podem fazer aos nossos, é levarem-nos à França que cada
dia lhe vêm naus carregar de madeiras, pimenta, algodão, etc.”, Rev. do Inst. do Ceará, xvii, p. 140.

37 Descobrimos a referência (inédita) ao capítulo do regimento sobre os biscainhos e os coqueiros, num papel de 15
de dezembro de 1614, certidão ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, Papéis avulsos. Permite que datemos do governo de Diogo
Botelho (1602) o coqueiral típico da paisagem ribeirinha do Nordeste. Gabriel Soares dava como fracassado este plantio,
em virtude da doença que atacara o palmar incipiente, Trat. descr., p. 157, ed. Varnhagen, Rio, 1851, secando-o.

38 Fr. Vicente, op. cit., p. 397. Era sócio do contrato das baleias o francês, de Nantes, Julião Miguel, que passava por
espanhol, cf. Pyrard de Laval, Voyage, ii, p. 325 da edição portuguesa.

39 Fr. Vicente, ibid., p. 396. O contrato das baleias no Rio de Janeiro (ficou o nome: ponta da Armação) é de 1639 ou
1644, Vieira Fazenda, Rev. do Inst. Hist., cxlii, p. 394.

40 Documentação in nota xvi da secção xxiv da Hist. geral do Brasil, de Varnhagen, anotada por R. Garcia. Diogo
Moniz Teles, por exemplo, declarou que em 1604 “grossa armada de Holanda batera a cidade quarenta dias”, e “assistiu
sempre na sua estância com seus criados à sua custa acudindo ao Arraial do Rio Vermelho”, Livro de mercês gerais, n. 1,
1644, e códice 79, f. 173, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. V. também Revista do Inst. Hist. Bras., lxxiii, parte i, p. 215; e Rev.
do Inst. Hist. da Bahia, n. 35, p. 61.

41 Sebastião de Carvalho, desembargador da Relação do Porto em 1607, depois em Lisboa, por fim, em 1634, do
Desembargo do Paço, v. Pe. Antônio Carvalho Costa, Corografia portuguesa, ii, p. 52, 2ª ed., faleceu em Lisboa em 1639.
Casou pela 3ª vez, em 1606, com D. Francisca Monteiro e ficou-lhe no Brasil descendência, de sobrenome Cavalcanti de
Lacerda, cf. Frei Jaboatão, Catálogo genealógico, tít. “Famílias de Pernambuco”. Foi bisavô do Marquês de Pombal.

42 Em carta de 1612, queixando-se do bispo, alude D. Diogo de Meneses à saída de Botelho malquistado com os
moradores: “Vindo aqui D. Francisco de Sousa das capitanias de baixo a se embarcar o persuadiu a que dessem calor a
embarcarem Diogo Botelho”, Anais da Bibl. Nac., lvii, p. 73. Sobre a descendência de D. Diogo de Meneses, v. Ementas de
habilitações de ordens militares no sec. xvii. Lisboa: 1931, p. 76.

43 Rodolfo Garcia, nota aos Diálogos das grandezas do Brasil, ed. da Acad. p. 168.

44 R. Garcia, nota a Varnhagen, ibid., ii, p. 124.

45 Diálogos das grandezas do Brasil, ed. R. Garcia, p. 55.

46 Francisco Leitão Ferreira, Alfabeto dos lentes. Coimbra: 1937, p. 282; e Pe. Antônio de Carvalho, Corografia
portuguesa. Braga: 1868, ii, p. 226.

47 Varnhagen, op. cit., ii, p. 127.

48 Códice 1.192, f. 162, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inédito. Informação desconhecida dos biógrafos de Vieira.
Cristóvão Ravasco voltou à Bahia em 1609 e, para não mais a deixar, em 1614. Em 1618 eram advogados na Bahia os
licenciados Francisco Lopes Brandão, Filipe Tomás e Manuel Ferreira de Figueiredo (cristãos-novos) e Manuel Pacheco
de Sousa, Denunciações de 1618, publ. por Rodolfo Garcia, passim. Era engenheiro e arquiteto das obras del-rei,
Domingos da Rocha, Livro velho do Tombo de São Bento. Bahia: 1945, p. 43.

49 Docs. in nota a Varnhagen, Hist. ger., ii, pp. 158–60.

50 Foi provedor da alfândega da Bahia e chefe de grande família, cf. Frei Jaboatão, Cat. gen., p. 274; Documentos
históricos, xvii, pp. 250–1... Seu genro e sucessor na provedoria, Antônio de Brito de Castro (2 de abril de 1638): “Pai dos
Castros” de quem falaremos a propósito do governo do “Braço de prata”, em 1684.

51 Ementas de habilitações de ordens militares nos princípios do séc. xvii, p. 57. A carta supra, de D. Diogo de
Meneses, in Anais da Bibl. Nac., lvii, p. 54.

52 Foi para o Maranhão em 1615, com Alexandre de Moura, em 1622 passou a capitão no Rio das Amazonas, Fr.
Vicente do Salvador, op. cit., pp. 489 e 498.

53 Registo geral da câmara municipal de São Paulo. São Paulo: 1917, i, p. 170, ata de 7 de março de 1609.

54 Frei Vicente, Hist. do Bras., p. 419.

55 Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 163. Ficou D. Luís no Brasil. Em Pernambuco, casou com uma filha do rico João
Pais, do Cabo: e lá morreu, op. cit., ii, p. 164. Foram estes os pais do Mestre-de-campo D. João de Sousa, fundador da
igreja e hospício do Paraíso, Rocha Pita, Hist. da Amér. Port., p. 52, ed. de 1880. O capitão espanhol Antônio Anasco
ouviu aos portugueses nesse ano dizer: “Que murió de un enojo (porque le troxeran nueva que su hijo que se llamava Don
Antonio le cojieron los ingleses enbiandole a la corte con cierto presente de oro a Su Majestad) e asi por la muerte de su
padre está governando el dicho don Luís”, Anais do Museu Paulista, i, p. 154. No museu do Instituto Arqueológico de
Pernambuco guarda-se a pedra de armas da sepultura de D. João de Sousa, que estava na igreja do engenho do Paraíso.

56 Pedro Taques, Informação sobre as minas de São Paulo, ed. A. Taunay, p. 82. Governou Martim de Sá a capitania
do Rio de Janeiro, de junho de 1602 a junho de 1608. Salvador Correia esteve em São Paulo em 1616, Registo geral da
câmara municipal de São Paulo, i, p. 220; deixou no seu lugar outro filho, Duarte Correia Vasqueanes, provedor das
minas... que não se achavam. Em 1639 requereu Salvador Correia de Sá e Benavides — e obteve — o cargo de
administrador das minas, Luís Norton, A dinastia dos Sás no Brasil. Lisboa: 1943, p. 38. O apelido Benavides era materno,
de D. Maria, filha de D. Manuel de Benavides, castelhano e corregedor de Cádis, casado com a inglesa D. Cecília de
Bruman e Mendoza, Ementas de habilitações de ordens militares nos princípios do séc. xvii, p. 78; também Clado Ribeiro
Lessa, Salvador Correia de Sá e Benavides. Lisboa: 1940, p. 12.

57 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 49.

58 Ms., Livro 3º das leis, f. 97, Arq. Nac. da Torre do Tombo, Lisboa, inéd. Corresponde à consulta ao Conselho da
Fazenda sobre os insucessos de D. Francisco de Sousa e Salvador Correia, e os oferecimentos de Belchior Dias Moréia, P.
Calmon, O segredo das minas de prata. Rio: 1950, p. 33. No mesmo sentido, Regimento de 1644, a Salvador Correia, in
Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 13 (1956).

59 V. Borges da Fonseca, Nobiliarquia pernambucana, ii, pp. 33–4.

60 Rodolfo Garcia, pref. ao vol. lix, Anais da Bibl. Nac., p. 15.


61 Ferdinand Dénis, prefácio a Yves d’Évreux, Voyage dans le nord du Brésil. Leipzig: 1864, p. ix.

62 Publicado por Charles de la Roncière, Histoire de la Marine Française. Paris: 1934, p. 54.

63 O problema da etimologia de Maranhão foi resumido por Benedito de Barros Vasconcelos, in Anais do iv
Congresso de História Nacional. Rio: 1950, ii, pp. 478–9. Tudo leva a crer que vem do espanhol maraña (emaranhado),
Marañón, que realmente desde o começo do século xvi este é o nome dado ao Amazonas no seu curso superior,
compreendendo-se que — rio de misteriosas riquezas — com ele confundissem os portugueses os que deságuam na baía
do Maranhão e ainda a foz do Amazonas “ou Grão-Pará”. Parece ter sido Luís de Melo da Silva quem denominou
Maranhão à barra onde naufragou, naquela costa incluída mais tarde na capitania de João de Barros. Poucas dúvidas
restam sobre a origem castelhana do topônimo, a que o Padre Antônio Vieira volveu, na ironia do trocadilho: “Este
maranhão é maranha”, carta ao Conde de Ericeira, 1689, Cartas, iii, p. 570 da ed. J. Lúcio. A verdade é que aos ouvidos
rudes soava como grande mar (hibridismo adotado pelos conquistadores, Grão-Pará, em vez de Paraguaçu, como nos
outros lugares do litoral), o que poderá explicar a sua aplicação àquela terra, tão distante do autêntico Marañón.

64 Manuscrits de la Bibliothèque de Ministère de la Marine. Paris: 1907, p. 139.

65 Jean Mocquet, Voyages en Afrique, Asie et Indes Occidentales. Paris: 1617, p. 69. Em 1612 o locotenente de Razilly
(que do Brasil regressara com alguns índios) era o Sr. De La Ravardière, ibid., p. 98.

66 O contrato de Daniel de la Touche, Sr. De La Ravardière e François de Razilly (irmão do famoso almirante Isaac de
Razilly, que aliás veremos metido na mesma aventura do Maranhão), é de 4 de outubro de 1610. Foi este o primeiro chefe
da expedição criadora da França Equinocial, cf. Ratification par Louis xiii du pouvoir donné à François de Razilly pour le
voyage des Indes, 5 septembre, 1611, ms. in Exposição de 1955, France et Brésil, p. 43.

67 D’Évreux e não d’Abbeville foi o superior, cf. F. Dénis, op. cit., p. xii, retificando Berredo, Anais Hist. do Estado do
Maranhão, liv. ii, n. 123.

68 Celebrizou-se o Padre Yves d’Évreux com a clássica Voyage dans le nord du Brésil fait durant les années 1613 et
1614, nova ed., de F. Dénis, 1864; e Claude d’Abbeville, Histoire de la Mission des Pères Capucins. Paris: 1614, ed. fac-
sim. de 1922, prefácio de Capistrano e notas de R. Garcia, trad. port. de Sérgio Milliet e notas de Garcia, São Paulo, 1945.
Sobre Yves d’Évreux (1577–643?), no século Simon Michelet, v. Dr. Semelaigne, Le P. Yves d’Évreux ou Essai de
Colonisation au Brésil, Paris, 1883; Pe. Edmond d’Alençon, Le Couvent des Capucins d’Évreux, Évreux, 1894; Gabriel
Marcel, “Le Père Yves d’Évreux”, in Journ. de la Soc. des Américanistes de Paris, t. iv, n. ii (1907), nota comentada de
Rodolfo Garcia.

69 Claude d’Abbeville, História da missão, p. 25

70 Brief recueil des particularitez contenues aux lettres envoyées par Monsieur de Pezieu, Lyon, 1613 (copiamos o
exemplar existente em John Carter Brown University, Providence, U. S.). Figura este raro livro na Exposição de 1955,
France et Brésil, p. 45 (n. 62).

71 Ch. de la Roncière, Hist. de la Marine Française, p. 59.

72 De la Roncière, ibid., p. 67.

73 De la Roncière, ibid., p. 60.

74 O Brief recueil, de Pezieu, impresso em Lyon, tem o caráter de apologética, para atrair a simpatia dos franceses que
quisessem associar-se à empresa.

75 Ernest Lavisse, Histoire de France. Paris: vi, 2ª, p. 84.

76 Georges Goyau, Les Origines Religieuses du Canada. Paris: 1924, p. xxvi.

77 G. Goyau, op. cit., p. 54.

78 Pe. Claude d’Abbeville, História da missão, p. 73.

79 V. carta de 1º de março de 1612, Anais da Bibl. Nac., lvii, p. 75.

80 Conhecemos dois exemplares, mss., no Instituto Histórico (Rio), completo, adquirido pelo Barão do Rio Branco, e
na Biblioteca Pública do Porto, de equivalente importância. Na Torre do Tombo achamos (1945) uma espécie de
rascunho da obra, com mapas em tinta negra, ou no esboço original. Sobre a autoria, Varnhagen, Hist. ger., ii, p. 140.
Parece que faleceu Diogo de Campos Moreno em 1619, quando aparecem diversos candidatos à sargentaria-mor, Arq.
Hist. Col., Lisboa, códice 32, p. 183, inéd. Seu sobrinho era o tenente do Forte do Rio Grande, Martim Soares Moreno,
primeira figura da conquista do Norte do Brasil. O Livro que dá razão, introd. e notas de Hélio Viana, foi publicado no
Recife, 1958.

81 Martim Soares, patriarca da civilização no Ceará, invocado por José de Alencar em Iracema, como o belo europeu
de quem se apaixonara a índia sublime — depois de três anos com os índios, em seguida à viagem de Pero Coelho servira
como tenente na guarnição do Rio Grande. Daí a amizade dos petiguares de Jacaúna (1609). Era pela quinta vez que
voltava ao Ceará, em 1611, Capistrano, Rev. do Inst. do Ceará, xviii, p. 59. Gabou-se de ter na luta com franceses e
holandeses degolado mais de duzentos... Aqueles não poderiam conhecê-lo: pintado e nu, qual um índio... Chegou em 20
de janeiro de 1612 ao Ceará, com seis soldados e um clérigo, donde a invocação de São Sebastião, para a igreja anexa ao
fortim. Era filho de Martim de Loures e de Paula Pereira (avós paternos, Francisco Annes e Brites Dias; maternos, João
Pereira e Inês Dias, todos naturais de Santiago de Cacém, “limpos e honrados, alguns lavradores”), cf. Ementas de
habilitações de ordens militares nos princípios do séc. xvii. Lisboa: Bibl. Nac., 1931, p. 65.

82 “O intento principal com que o dito presídio do Ceará se levantou foi para defender as aguadas e o comércio que
os franceses etc.”, carta de D. Luís de Sousa, 9 de setembro de 1617, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 44.

83 V. Pe. Théberge, Esboço histórico sobre a Província do Ceará. Fortaleza: 1869, p. 4.

84 Relatório de Alexandre de Moura, 1616, Anais da Bibl. Nac., xxvi, docs. comentados pelo Barão do Rio Branco;
também Pe. Yves d’Évreux, Voyage, etc., p. 34.

85 Docs. in Anais da Bibl. Nac., xxvi, p. 151; Fr. Francisco de N. S.a dos Prazeres, “Poranduba Maranhense”, Rev. do
Inst. Hist., xliv, parte i, p. 28, 1891.

86 Genealogia in Fr. Jaboatão, Cat. gen., p. 321; neto de Violante d’Eça, uma das órfãs mandadas à Bahia no governo
de D. Duarte da Costa, filho de Luís Alves de Espinha, de Ilhéus e Inês d’Eça... Confirma esta ascendência o requerimento
do próprio, Lisboa, 23 de dezembro de 1619, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inéd. Eça e não de Sá, como inadvertidamente
está em Fr. Vicente.

87 Ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, Maranhão, caixa n. 1; e Fr. Vicente, ibid., p. 419. V. ainda resumo biográfico (de
Sousa d’Eça), Garcia, nota a Varnhagen, Hist. ger., ii, pp. 208–9. Acrescentamos: de 1619 a 24 esteve detido em Lisboa,
muito pobre, e desse castigo passou a “capitão da conquista do Grão-Pará”, Arq. Hist. Col., ms. códice 35, f. 79 e passim.
Era aliás por pai e avô provedor da Fazenda na Paraíba, ms. no mesmo Arq. Hist., ms. 610 (requerimento).

88 V. códice ms. Correspondência de Gaspar de Sousa, um volume, ms., inéd., no Ministério das Relações Exteriores,
Rio. Aí a documentação essencial à sua biografia. Elogiou-o o Marquês de Castelo Rodrigo: “Sendo muitas pessoas
propostas para o cargo de mestre-de-campo do terço que foi a Flandres, se escusaram umas por outras e só o Sr. Gaspar
de Sousa aceitou o dito trabalho”. Foi (depois do governo no Brasil, tão louvado de Fr. Vicente do Salvador) do Conselho
de Estado do Reino. Pediu-o em 16 de julho de 1622: “Sobre um memorial de Gaspar de Sousa pedindo um título no
Maranhão, um lugar no Conselho de Estado e outras mercês”, Oliveira Lima, Relação dos manuscritos... no Museu
Britânico, p. 21, Rio, 1903. Em art. no Jornal do Comércio, Rio, 27 de setembro de 1930, outras referências biográficas.

89 Diogo Bernardes, O Lima, ii, p. 179, ed. de 1923.

90 D. Francisco Manuel de Melo, Epanáforas de vária história. Lisboa: 1676, p. 178. Terço — terça parte de um
regimento alemão (de Carlos v), unidade de infantaria em regra com dez companhias de cem homens.

91 Fr. Vicente, ibid., p. 467. De Diogo de Campos Moreno diz muito mal Gaspar de Sousa, carta de 15 de junho de
1615.

92 Livro de mercês gerais n. 2, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inéd. O futuro capitão-mor na revolução contra os
holandeses acompanhou Albuquerque a Guaxenduba e Maciel Parente ao descobrimento da serra de Teicoara e Cabema
do Rio Truí (Amazonas)...

93 Fr. Vicente, ibid., p. 470.

94 Francisco de Frias fora despachado em 23 de janeiro de 1603 “a cousas de meu serviço sobre as fortificações das
fortalezas”, com 400 cruzados a correrem pelo almoxarife de Pernambuco, Docs. hist. Rio: 1930, xv, p. 155. Em 1606
mandou el-rei fortificar a Bahia, e fez ele plantas emendadas pelo engenheiro-mor de Espanha Tiburtio Espanochi,
Relação das praças... 1609, f. 26, ms. inéd. na Torre do Tombo. O autor desta Relação é Diogo de Campos Moreno (o
homem do Livro que dá razão do Estado do Brasil, 1612). Há notícia de ordenados que lhe foram pagos no Brasil até
1635. Até 1627 foi o engenheiro da colônia. Mandando-se vir de Pernambuco Marcos Ferreira, também muito capaz, o
motivo era estar “o engenheiro Francisco de Frias muito ocupado em outras fortificações e não poder assistir no mesmo
tempo a todas”. Deu a planta original do Mosteiro de São Bento do Rio, e dos fortes do mar (Bahia), Cabedelo, dos Reis
Magos (não sendo de desprezar a hipótese de ter, quanto a este, aproveitado o traço do Padre Sampères, seu arquiteto
primitivo). V. D. Clemente Maria da Silva Nigra, “Francisco de Frias”, in Revista do serviço do patrimônio histórico e
artístico nacional. Rio: 1945, n. 9, pp. 9 e ss.

95 Ferdinand Dénis, introd. a Yves d’Évreux, ibid., p. xvii. Devemos-lhe a notícia da missão do Padre Arcanjo.

96 Títulos que se atribuiu La Ravardière no acordo com Jerônimo de Albuquerque depois do combate de
Guaxenduba, Fr. Vicente, ibid., p. 474.

97 Diogo de Campos Moreno, carta a Gaspar de Sousa, in Correspondência deste, ms. no arq. do Min. das Rel. Ext.,
Rio.

98 A batalha foi descrita pelo próprio Jerônimo de Albuquerque, cf. certidão passada a favor de Antônio Teixeira de
Melo, doc. ms. no Arq. Hist. Col., inéd. Acometeram os franceses “com sete naus e 46 canoas lançando em terra 200
franceses mosqueteiros com passante de 2 mil índios tendo impedidas as barras para que não entrasse socorro, e
acometendo-os se lhes ganharam as trincheiras com morte de 120 franceses e de mil índios pondo-os em fugida
tomando-se-lhes as 46 canoas”. Foi Manuel de Sousa d’Eça quem levou a notícia ao governador-geral em Pernambuco,
ms. no Arq. Hist. Col., Requerimentos, n. 610–4, cópia da Sra. Luísa Fonseca. V. também Fr. Vicente, Hist. do Bras., p.
471.

99 Fr. Vicente, ibid., pp. 476–7. Gregório Fragoso morreu em França. Desaprovação do governador: Livro 1º do
governo do Brasil, p. 118.

100 Em Angola havia perigosa passagem que se chamava Bangala Ambota, apelido de um conquistador, “o qual,
conforme notícias, há seus descendentes em a cidade da Bahia, [...] ou este conquistador tomou desta paragem”, Antônio
de Oliveira de Codornega, História das guerras angolanas. Lisboa: 1943, iii, p. 143. Manuel de Araújo de Aragão, no
século seguinte, ainda tinha “por antonomásia o Bangala”, carta de 1721, Inácio Accioli, Mem. hist., vi, p. 22. Perpetua-lhe
a alcunha a rua, na Bahia, junto à Igreja da Palma, possivelmente de sua moradia. Traduzimos: bangala (bordão), ambote
(melhor), ou seja, o homem da boa bordoada, fama que deixara em África (e não mangue-la-bote, como indevidamente
escreveu Pyrard de Laval, Voyage, p. 563, Paris, 1615). V. sobre o étimo, Fr. Cannecattim, Observações gramaticais sobre
a língua bunda. Lisboa: 1859, p. 143, 2ª ed. E Fr. Vicente, Hist. do Bras., p. 482, com a anotação de Capistrano. Foi este
cronista que por primeiro descreveu o episódio. Confirma-o a carta da Câmara da Bahia que achamos no Arq. Hist. Col.
Lisboa; e devassa, Liv. 1º do Gov., p. 129.

101 Cartas da Câmara da Bahia, 13 de março de 1614, ms. no referido Arquivo. Também (além dos autores
mencionados na nota anterior), Pe. Simão de Vasconcelos, Vida do Ven. Pe. Joseph de Anchieta, dedicatória a Francisco
Gil de Araújo, descendente do herói. Não confundir com Baltasar Rebelo de Aragão, que cometeu grandes proezas em
Angola, no final do século xvi, cf. Elias Alexandre, História de Angola. Lisboa: 1937, i, p. 116.

102 Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 210, resume a intrincada bibliografia da expedição; e Fr. Vicente, ibid., p. 478.
Sobre as ordens de Madri diz o autor da História do Brasil: “Recebera (o governador) recado del-rei que lhe veio acerca
do Maranhão” e se passou a Pernambuco, viagem em que o acompanhou o próprio Fr. Vicente do Salvador.

103 Ambrósio Soares de Argôlo — lê-se no Livro de mercês gerais, in Arq. Hist. Col., Lisboa, cód. 32, f. 183, inéd.,
depois de ter servido em Moçambique e na Índia acompanhou ao Maranhão Alexandre de Moura e foi capitão do Forte
do Ceará, e em seguida de São Filipe em São Luís. Alegou que Hierônimo de Albuquerque lhe tivera ódio e o prendera a
ferros. Pediu promoção a sargento-mor. Gabou-se de ter feito cal de ostras. Alexandre de Moura, na “Relação”, Anais da
Bibl. Nac., xxvi, refere-se realmente à cal fabricada no Maranhão a esse tempo. Ficamos agora sabendo quem a fez.
Quanto ao roteiro de Manuel Gonçalves, da viagem de Moura, está mencionado nas Memórias de literatura portuguesa,
iii, 1798, Acad. das Ciências de Lisboa.

104 Dois docs. de La Ravardière, in Arq. Hist. Col., Lisboa, ms. inéd. Confirmam o que informa Berredo, Anais do
Maranhão, §410, e Serafim de Faria, cit. por Rodolfo Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 212. Em resumo: La Ravardière traiu
os companheiros de aventura. Mas, em seguida, voltou a servir à França, bom soldado e marinheiro, Ferdinand Dénis,
pref. a Yves d’Évreux, ibid., p. xlv. V. também Jean Mocquet, Relación de sus Seis Viajes (El Segundo al Marañón con el
Capitán Ravardière), 1617, na Bibliothèque Nationale de Paris, ou Voyages en Afrique, Asie, Indes Orieniales et
Occidentales; e docs. in Livro 1º do governo, pp. 117 e ss.

105 José Rumazo, La Región Amazónica del Ecuador en el Siglo xvi. Sevilha: 1946, cap. iv.

106 Manuel Barata, “A jornada de Francisco Caldeira Castelo Branco”, in Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, ix, p. 433.

107 Mercês gerais, in Arq. Hist. Col., Lisboa. Disse ter servido oito meses na conquista do Pará. Aliás Alexandre de
Moura foi consultado no reino sobre as mercês pedidas por seus antigos soldados, Rev. do Inst. do Ceará, xxii, p. 320.
Destes releva citar Nuno da Cunha Botelho, quatro anos no Rio Grande, em 1624–5 soldado na guerra da Bahia, em
1627–34 sargento-mor no Rio Grande, Docs. hist., xv, p. 237. Do piloto diz Fr. Luís de Sousa: “É o maior rio que hoje se
sabe no mundo; foi o último descobrimento dele pelo piloto Vicente Cochado; e subiu até quatrocentas léguas”, Anais de
D. João iii. Lisboa: 1844, p. 452. Graças a ele se soube que o Grão-Pará e o rio por onde descera Orellana eram um só, J.
Lúcio d’Azevedo, Os jesuítas no Grão-Pará. Coimbra: 1900, p. 29. V. sua biografia, Frazão de Vasconcelos, Pilotos das
navegações portuguesas dos séculos xvi e xvii. Lisboa: 1942, pp. 16–7. Leia-se o relato dos primeiros trabalhos dos jesuítas
no Maranhão, Pe. Manuel Gomes, carta de 1621, Documentos dos arquivos portugueses que importam ao Brasil, n. 3.

108 Note-se que provinha o nome de lenda análoga à que, sobre a África, colhera João de Barros, Décadas, iii, p. 24,
Lisboa, 1777: “Grande rio do país das mulheres guerreiras”. Do Nuevo Descubrimiento del Rio Amazonas, do Padre
Cristobal de Acuña, Madri, 1641, n. lxxii, repetiu Rocha Pita, Hist. da Amér. Port., p. 42, a interpretação etimológica. Um
dos companheiros de Caldeira, o Capitão André Pereira, disse que os índios tinham cabelo comprido, como mulheres,
“de que pode ser nasceria o engano que dizem das Amazonas”, Varnhagen, Hist. ger., ii, p. 180. Esta a explicação
plausível: índios que ao longe deram a Orellana a impressão de serem as amazonas fabulosas.

109 Doc. in Anais do Museu Paulista. São Paulo: 1927, iii, parte ii, p. 41. No mesmo sentido, carta de 31 de outubro de
1616, ibid., p. 34.

110 Carta de 18 de julho de 1617, Anais, cit., p. 42.

111 O governador-geral nomeou adjunto do mesmo governo Diogo da Costa Machado, capitão do Forte de São
Filipe. Magoado, Antônio de Albuquerque (que governou de 10 de fevereiro de 18 a 8 de abril de 19), se passou ao reino.
Requereu — em 2 de maio de 1620 — soldo de 200$000 por ano, Livro de mercês gerais, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa.
As suas palavras desmentem a versão de que o pai mandara que o ajudassem no governo a modo de triunvirato, como
ordenou D. Luís de Sousa em 22 de março de 1619, Anais do Museu Paulista, iii, parte iii, p. 92. Regressou do reino
nomeado para capitão-mor da Paraíba. Outro filho de Jerônimo, Matias de Albuquerque Maranhão, v. Borges da
Fonseca, Nobiliarquia pernambucana, Anais da Bibl. Nac., xlvii, p. 11, por esse tempo apaziguava o gentio no litoral entre
o Maranhão e o Pará. — Em 1620 foi designado para governar o Maranhão D. Diogo de Cárcome, espanhol casado em
Lisboa: desistiu da viagem, e assim Diogo da Costa administrou por três anos. O códice 32 do liv. de Consultas da
Fazenda, f. 4, 1620, ms. no Arq. Hist. Col., contém a nomeação do castelhano.

112 O sucessor de Gaspar de Sousa empossou-se em 1º de janeiro de 1617, Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 304. Foi o
primeiro governador-geral a embrenhar-se pelo interior. Esteve em São Cristóvão de Sergipe (com Martim de Sá e seu
filho Salvador Correia, Constantino de Menelau, o jovem Francisco Dias de Ávila), em 1619, a verificar pessoalmente a
verdade das minas de prata de Belchior Dias Moréia, cf. documentos que revelamos em: O segredo das minas de prata,
Rio, 1950.

113 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 37. Fora residir em Pernambuco, “como se lhe tinha ordenado a respeito
da proximidade das conquistas”.

114 Livro de consultas, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inéd. Essas casas de pedra e cal ameaçavam cair ao tempo de
Diogo de Mendonça Furtado, Fr. Vicente do Salvador, História do Brasil, p. 507. Em 1623 estavam consertadas, assim “as
casas da Relação, contos e armazéns”, Docs. hist., xx, p. 48.

115 Frei Vicente, Hist. do Bras., p. 490.

116 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 42. Em 16 de fevereiro de 1619 estranhava el-rei que D. Luís de Sousa não
estivesse de volta à Bahia, Anais do Museu Paulista, cit., p. 89.

117 V. Livro de denunciações que se fizeram na visitação do Santo Ofício à cidade do Salvador, 1618, publ. por
Rodolfo Garcia, Anais da Biblioteca Nacional. Rio: 1936, xlix, p. 27. Na Torre do Tombo achamos o Livro das confissões
de 1618, considerado perdido. Vasco de Sousa Paredes, por data de 16 de março de 1619, foi mandado ir ao reino
comandando a armada. Tratou-se então da “criação no Brasil de um Tribunal do Santo Ofício”, Oliveira Lima,
Manuscritos... no Museu Britânico, p. 21, o que não teve seguimento. A nomeação de D. Marcos Teixeira para o bispado
foi para compensar essa tolerância. De fato, a Inquisição não levantou fogueira no Brasil, onde não chegou a fazer
executar as suas sentenças. Em 1610, diz-nos Pyrard de Laval, temia-se na Bahia a sua volta... Voltou em 1618. O Brasil,
como terra de degredo para penitenciados, aparece depois de 1632, ms. na Torre do Tombo, Santo Ofício.

118 Doc. in Anais do Museu Paulista, ii, parte ii, p. 12.

119 P. Calmon, História da Casa da Torre. Rio: 1939, p. 48; e A conquista: história das bandeiras baianas. Rio: 1929, p.
61.

120 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 42. Repetimos: onde se lê Moréia, leia-se Caramuru. Graças ao códice do
governo de D. Luís de Sousa, n. 1, a que aliás ligeiramente se reportou Robert Southey, ora na biblioteca do Itamarati
(Rio), podemos restaurar a verdade em torno das lendárias minas. Lá estão os originais do punho de Belchior Dias. Deste
Livro i do dito D. Luís, fez bela edição (1958) o Ministério do Exterior.

121 P. Calmon, O segredo das minas de prata, p. 36.

122 P. Calmon, ibid., p. 43.

123 É o doc. inédito que transcrevemos no citado livro.

124 Albino Forjaz de Sampaio, Salvador Correia de Sá e Benavides. Lisboa: 1936, p. 7. A ata, que regista o insucesso
da pesquisa, traduzimo-la do manuscrito quase ilegível que se conserva naquele códice do Itamarati.

125 Belchior Dias Moréia, batizado em 1557, teria então 62 anos, Jaboatão, Cat. gen., tít. Caramuru, e Roque Luís,
Nobiliarquia, códice ms. na Bibl. Nac. Os códices que historiam o episódio (além do Livro 1º do governo de D. Luís de
Sousa, por nós referido), são do Coronel Pedro Barbosa Leal, ms. no Inst. Hist. e Geogr. Bras., 1725; e a carta de 1752 do
Coronel Pedro Leolino Mariz, Anais da Bibl. Nac., xxxi. Filho de Moréia (ou Caramuru) e uma índia, Robério Dias —
devido ao equívoco de Rocha Pita, que o apresenta como herói desta história — gozou muito tempo da desmedida fama
de ser o descobridor das minas de prata. A posteridade tomara o filho pelo pai. Pensamos ter elucidado satisfatoriamente
este enigma histórico na monografia, O segredo das minas de prata, Rio, 1950, tese de concurso à cadeira de história no
Colégio D. Pedro ii.

126 Ofício de Von Walbeck, de 1633, in nota de Garcia a Varnhagen, ii, p. 222.

127 João de Carvalho Maranhão, por exemplo, autor da História do naufrágio da Nau Conceição, em 1621, disse: “No
Brasil, indo por terra do Rio Grande até a Paraíba e Pernambuco, e daí à Bahia, estando em todos os lugares”, Viagens e
naufrágios célebres, publ. por Damião Peres. Porto: 1934, i, p. 84.

128 Em sucessão do pai, Jorge de Albuquerque foi confirmado na donataria em 2 de julho de 1603. Elevado a Conde
de Pernambuco por Filipe iii, em 1632, e Conde de Basto por seu casamento, Duarte de Albuquerque ficou com a
Espanha, em 1640, separando-se da pátria — e do irmão, Matias de Albuquerque, v. Sanches de Baena, Famílias titulares e
grandes de Portugal, i, p. 257. De um papel de Manuel Severim de Faria, de 1649: “Permitiu Deus que o Conde de
Vimioso, D. Francisco, perdesse a vida e a casa defendendo a liberdade de Portugal, e que o Conde de Basto e o Marquês
de Castelo Rodrigo ganhassem estes títulos entregando o mesmo reino [...] e a de Vimioso se restaurasse pela mesma valia
do Conde de Basto, que casou sua filha com D. Luís”, 7º conde, Camilo Castelo Branco, Noites de insônia. Porto: 1874, n.
7, p. 63.

129 Carta da câmara a el-rei, 13 de março de 1614, em que noticiou a desventura de Baltasar de Aragão, ms. no Arq.
Hist. Col., Papéis avulsos, Lisboa.

130 Fr. Vicente, ibid., pp. 494–5. O governador-geral queixou-se de desobediências de Matias de Albuquerque, cf.
carta régia de 10 de fevereiro de 1621, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 115.

131 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 47.

132 É pormenor desse interesse o número de refinarias de açúcar que havia na Holanda. Moerbeeck a elas se refere,
no opúsculo de 1623, que adiante citamos. Três em 1605, subiam a 40 em 1650, v. José Honório Rodrigues, nota à p. 36 da
dita memória. Também Von Lippmann, História do açúcar. Rio: 1942, ii, pp. 239 e ss., trad. Rodolfo Coutinho.

133 Era a esquadra de Joris van Spilbergen, que, em 1615, ia ao Pacífico, Varnhagen, ii, p. 226 e Frei Vicente, Hist. do
Bras., p. 491.

134 Ingleses e holandeses foram batidos em Cabo Frio por Constantino de Menelau, cf. carta deste de 1613, nota de
Garcia a Varnhagen, ii, p. 224. A franceses refere-se Frei Vicente, op. cit., p. 491; também Sousa Viterbo, Trabalhos
náuticos portugueses nos séculos xvi e xvii. Lisboa: 1898, p. 233. À rendição de uma nau-almirante holandesa em Cabo
Frio, entre 1618 e 22, alude a patente de João Garcia de Magalhães, Docs. hist., xxii, p. 71. Um desembarque de
holandeses, de três naus, no mesmo sítio, foi frustrado em 1630: morreram 130, patente de Luís Álvares Monterroyo,
Docs. hist., xviii, p. 402. Menelau pedira para servir no Rio de Janeiro em tempo de D. Francisco de Sousa, ms. no Jornal
do Comércio, 5 de outubro de 1930, comentado por Félix Pacheco. Tomé Pinheiro da Veiga em Fastigímia, Porto, 1911,
p. 195, no-lo apresenta em Madri, por 1606: “Meu compadre Constantino de Menelau [...]”, espirituoso e nobre. Jaboatão,
Catálogo genealógico, p. 204, diz que “Constantino de Menelau” foi o 4º marido de D. Felícia Lobo, na Bahia. O fato é que
por D. Diogo de Meneses fora nomeado capitão do Espírito Santo, 8 de fevereiro de 1609, v. Garcia, nota a Varnhagen,
op. cit., ii, p. 224 e Fr. Vicente, ibid., pp. 490 e 550.

135 Livro de mercês gerais n. 1, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inéd. Vê-se que não há razão para dizer que Matias era
capitão instituído pelo irmão Duarte, o donatário. A nomeação foi do rei. Chamava-se Paulo. Tomou o nome de Matias
de Albuquerque por ter sido beneficiado pelo parente, que fora vice-rei da Índia e assim se chamava, administrador do
morgado, cf. Braamcamp Freire, cit. na Hist. da col. port., iii, p. 197. Sobre o bravo capitão, v. mais, Hélio Viana, Matias
de Albuquerque. Rio: 1944, pp. 14 e ss.

136 Frei Vicente, Hist. do Bras., p. 495.

137 Provedor em favor de D. Maria Figueira, 1659, Docs. hist., xxi, p. 226.

138 Prosopopéia, ed. da Academia Brasileira, p. 39. Conserva-se no Instituto Arqueológico Pernambucano o original
da “planta do forte real que Matias de Albuquerque mandou pôr no porto de Pernambuco em dezembro de 1629, pelo
arquiteto Cristóvão Álvares”.

139 Fr. Vicente, ibid., p. 496.

140 Fr. Vicente, ibid., p. 495. Os dois “sobreviventes” seriam Antão de Mesquita e Rui Mendes de Abreu.

141 Licenciado em cânones, fora D. Marcos um dos inquisidores em Évora, em 1607, docs. mss. m Arq. Hist. Col.,
Lisboa; lente de Coimbra (1608–11), de Clementinas, depois cônego doutoral de Évora, 14 de março de 1611, Francisco
Leitão Ferreira, Alfabeto dos lentes da Insigne Universidade de Coimbra. Coimbra: 1937, p. 306. Em 1620 o vice-rei
remeteu ao Conselho da Fazenda a petição do Dr. Marcos Teixeira (sic) sobre as bulas em Roma da Igreja do Brasil e o
custo pela Real Fazenda pois S. M. recebe os dízimos dela, despacho de 11 de abril de 1620, Livro de mercês gerais, f. 48,
ms. no mesmo Arq. Hist. Col., também inéd. Partiu para assumir o bispado (vindo portanto pela segunda vez ao Brasil),
em novembro de 1622, Garcia, nota a Varnhagen, ibid., ii, p. 22.

142 Ms. no Arq. Hist. Col., Papéis avulsos, inéd. A carta refere-se aos estudos do engenheiro-mor Francisco de Frias.
Acompanha-a um parecer sobre a fortificação e a dificuldade de se encarregar Pero Garcia das obras.

143 Fr. Vicente, op. cit., p. 506. Sobre o imposto, representação dos procuradores de Pernambuco, 1623, ms. no Arq.
Hist. Col., Papéis avulsos. O pedreiro ou arquiteto dos paços do governo e da Relação era, em 1623, Antônio Jorge
Carrasco, Docs. hist., xx, p. 48.

144 Fr. Vicente, op. cit., loc. cit. Os fortes que tinham guarnição paga a este tempo eram: de Itapagipe (Capitão
Antônio de Crasto), este provido por D. Luís de Sousa, Docs. hist., xv, p. 11, e Santo Antônio. O primeiro é o mesmo São
Filipe, o outro, também chamado da Barra. Havia ainda o de Santo Alberto, Docs. hist., xv, p. 144, plataforma no colégio
com duas peças, cubelo às portas do Carmo, na praia de Baltasar Ferraz duas peças, Relação das praças, 1609, ms. na
Torre do Tombo. Em 1606, como dissemos, fora o engenheiro Frias incumbido de planejar a fortificação, custeada pela
renda do imposto dos vinhos. O engenheiro Tibúrcio Espanochi, que traçara fortaleza ao tempo de Diogo Botelho, cf.
Livro 1° do Governo do Brasil. Rio: 1958, p. 51.

145 Viriato trágico. Lisboa: 1846, canto ii, est. 165–71; a 1ª ed. é de 1699. Brás Garcia de Mascarenhas levou nove anos
ausente, como diz no poema, e regressou a Portugal com 33 anos (nasceu em 1596 e faleceu em 1656): chegara portanto
aos 24, ou fosse em 1620. Estava em Pernambuco ao rebentar a guerra e nela serviu. Tornou ao reino em 1629. Veremos
adiante a sua opinião sobre Olinda. A respeito de suas atividades no Brasil, onde enriqueceu comerciando, A. de
Vasconcelos, in Revista da Universidade de Coimbra. Coimbra: 1912, i, pp. 316 e ss. Perdeu-se o livro de versos que aqui
compôs, Ausências brasílicas.

146 V. Octave Noel, Histoire du Commerce du Monde. Paris: 1894, ii, p. 154; e por último, C. R. Boxer, The Dutch in
Brazil. Oxford: 1957, pp. 4 e ss.
147 Folheto de Amsterdã, 1623, Jan Andries Moerbeeck, Motivos por que a Companhia das Índias Ocidentais deve
tentar tirar ao Rei de Espanha a terra do Brasil, v. Catálogo Nassoviano, Anais da Bibl. Nac., li, p. 19. Publicou-o Brasil
açucareiro. Rio: março de 1942, p. 39. Aí se contém a crua explicação das conveniências da conquista, cujo principal lucro
seria o açúcar.

148 Vale a pena comparar o pensamento econômico de Usselinx com o do padre Vieira — de que falaremos — a
convencer o Rei de Portugal de que a sua América valeria o Oriente, bastando para tanto plantar no Brasil as drogas
asiáticas.

149 Depois de se exagerar a participação dos judeus na conquista holandesa (segundo a opinião contemporânea
refletida nos versos de Lope de Vega, adiante citados), agora se diz que foi bem menor, até mínima, conforme as pesquisas
arquivísticas (Wätjen, van Dillen) — v. C. R. Boxer, op. cit., pp. 10–1. Usselinx, por exemplo, era um emigrante calvinista
de Flandres... Mas não se pode achar esse traço, na sua extensa verdade, entre as provas documentais ou a contribuição
pública, dos israelitas sócios da Companhia. A influência consistia na dupla pressão, dos meios financeiros onde era
grande a sua autoridade, e dos deslocados, que davam toda sorte de informações sobre o Brasil. Dessa colaboração saiu
porventura o panfleto decisivo de Moerbeeck.

150 Códice de Castelo Melhor (ou Pernambuco), ms. na Biblioteca Nacional, Rio.

151 Dízimos da província do Brasil, ms. na Torre do Tombo, códice, fls. 26–7.

152 Livro que dá razão do Estado do Brasil, códice ms. no Inst. Hist. e Geogr. Bras. — Dividia-se a renda em 1601:
Pernambuco, 12.528; Itamaracá, 398; Paraíba, 255; Rio Grande, 225; Bahia, 19.732; Espírito Santo, 253; Ilhéus, 40; Porto
Seguro, 1.467. Sobre os dízimos em 1614, Carta da Bahia, de 22 de fevereiro de 1617, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inéd.;
e Livro 1º do governo do Brasil, p. 330.

153 Códice cit., segundo o qual os engenhos se distribuíam: Pernambuco, 150; Bahia, 80; Rio de Janeiro, 60; Paraíba,
24; Itamaracá, 18; São Vicente, 14; Ilhéus, 4; Rio Grande e Sergipe, 2.

154 “Lista de tudo que o Brasil produziu anualmente”, 1624, trad. do Pe. Agostinho Keijzers e José Honório
Rodrigues, Rio, 1942. É outro folheto de Jan Andries Moerbeeck, Brasil açucareiro, Rio, março de 1942.

155 Ms. no Arq. Hist. Col.

156 Vida de Fr. Bartolomeu dos Mártires, liv. i, cap. 26.

157 Ms. no Escurial, citado por Jaime Cortesão, A geografia e a economia da Restauração. Lisboa: 1940, p. 73.

158 São Tomé chegou a produzir 400 mil arrobas, que davam carga a 20 navios, quando o gusano lhe devastou a
plantação, doc. de 1621, Luciano Cordeiro, Questões histórico-coloniais. Lisboa: 1935, i, p. 211. Quanto à Ilha da
Madeira, sofrerá a escassez de lenha (de que já falava João de Barros) e a peste do canavial (1502).

159 Fr. Vicente do Salvador, op. cit., p. 421.

160 Hist. do Bras., pp. 421–2.

161 Códice de Castelo Melhor, ms. cit. Livro 1º do gov. do Brasil, p. 34.

162 J. Lúcio d’Azevedo, Épocas de Portugal econômico, p. 265.

163 Anais de D. João iii, p. 453.

164 Livro das grandezas de Lisboa. Lisboa: 1620, p. 173.

165 Diálogos das grandezas do Brasil, ed. R. Garcia, p. 130. Roberto Simonsen explica: “Esses 300 mil cruzados
correspondem a 28 mil contos, em poder aquisitivo de hoje”, História econômica do Brasil, i, p. 154. O Padre Antônio
Vieira, em 1655, confirmou o cômputo: “Assim se tiram da Índia 500 mil cruzados, de Angola duzentos, do Brasil
trezentos, e até do pobre Maranhão mais do que vale todo ele”, Sermão do bom ladrão, v, p. 84, ed. de 1909.

166 Tais encomendas significam pagamentos feitos em mercadoria. É dos Diálogos das grandezas do Brasil o
informe: “De mais não há nenhum morador em todo este Estado tão desamparado que não tenha no reino algum parente
ou amigo, a quem possa mandar seus papéis dirigidos por apelação, e mandando juntamente com eles um caixão de
açúcar, basta para a sua despesa”, ed. Garcia, p. 57.
167 Livro das grandezas de Lisboa, p. 173. Só para Lisboa... Diz que em 1617 foram 26.413 caixas de 35 arrobas, ibid.,
p. 12.

168 Hermann Wätjen, O domínio colonial holandês no Brasil. São Paulo: 1938, p. 86, trad. de Uchoa Cavalcanti.

169 “Framengo: como em Portugal viciosamente são chamados, sem distinção, todos os estrangeiros”, D. Francisco
Manuel de Melo, Epanáforas, p. 267.

170 Denunciações, de 1618: “[...] de nação que é passado a Flandres”, p. 112. Diogo Gonçalves Lasso indo a Amsterdã
(1612), encontrara o licenciado Antônio de Velasco e Domingos Prestes, cristãos-velhos, e Manuel Homem, que lá se
fizera judeu e era casado na Bahia, ibid., p. 89. “Eram saídos de Flandres 4 ou 5 mil volumes de Bíblias em linguagem
castelha”, p. 43. Francisco Ribeiro, casado na Paraíba, “tem parentes judeus em Holanda”, carta régia de 1618, Anais do
Museu Paulista, iii, parte iii, p. 77.

171 J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira. Lisboa: 1918, i, p. 80.

172 Jan Andries Moerbeeck, Motivos por que a Companhia das Índias Ocidentais deve tentar tirar ao Rei de Espanha
a terra do Brasil, trad. do Pe. Agostinho Keijzers e José Honório Rodrigues, p. 19.

173 Hist. do Bras., p. 551.

174 É aliás a tese da comédia de Lope de Vega, El Brasil Restituido, a que não faltou a idéia do “cavalo de Tróia”, v.
Comédias americanas, de Lope, p. 188, ed. de Buenos Aires, 1943, com prefácio de Menéndez y Pelayo. — Diz Netscher:
“Antes de sair ao mar os almirantes holandeses obtiveram sobre a situação política do Brasil informações as mais úteis
por intermédio dos judeus lá estabelecidos, e, que quase todos, desejavam ardentemente passar para a sujeição das
Províncias Unidas em virtude de sua tolerância em matéria religiosa”, op. cit., p. 14. No Museu Britânico: “Consultas del
aviso que envió Enrique Sinel de haber tenido parte los cristianos nuevos de la perdida de Bahia”, setembro de 1624,
Oliveira Lima, op. cit., p. 34. Quanto a Francisco Duchs, nascera na Inglaterra, diz Aldenburg, trad. de D. Clemente da
Silva Nigra, Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxvi, p. 121.

175 Ao heróico Pieter Heyn chama Frei Vicente, Pero Peres, ibid., p. 511. O almirante “Jacon Vilguis (sic) era muito
velho” (Frei Vicente, ibid., p. 514), e “homem pacífico”.

176 Vieira, “Sermão de Reis”, 1641: “Antes de se tomar a Bahia duas barcas de pescar com cartas del-rei, que pela
novidade da embarcação fizeram o caso mais misterioso, e o aviso mais notório: um mês antes a mesma capitania da
armada holandesa sobre o morro [...] e nós com a praça aberta, sem fortificação”, Sermões, ed. de 1907, ii, p. 67.

177 Frei Vicente, op. cit., p. 510. Duas palavras sobre esses capitães. Gonçalo Bezerra de Mesquita, nomeado capitão
em 27 de novembro de 1609, já então tinha 17 anos de serviços de guerra no Brasil, Docs. hist., xiv, p. 490. Fora restituído
a uma das capitanias do presídio da Bahia em 1620, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 111. Rui Carvalho (Pinheiro),
v. Jaboatão, op. cit., p. 284. Seu filho e homônimo figurou na campanha de 1638. Lourenço de Brito (Correia). V.
Jaboatão, Catálogo, cit. Figurou dignamente na segunda guerra holandesa. Foi provedor-mor da Fazenda e fez parte do
governo em 1641: um dos principais sujeitos da colônia. Distinguiu-se Vasco Carneiro na campanha subseqüente.

178 Este Francisco de Barros, provedor-mor da Fazenda, faleceu em novembro de 1625, sendo substituído no cargo
por Ventura de Frias Salazar, Docs. hist., xiv, p. 478. O Forte de Santo Antônio era comandado pelo tenente Salvador
Vieira, que fugiu para o sertão, donde não voltou, Livro velho do Tombo de São Bento, p. 243.

179 Casara-se Pedro Garcia com a viúva de Baltasar de Aragão, o Bangala. Era um dos mais ricos habitantes do país,
v. Denunciações da Bahia, ed. R. Garcia; e Jaboatão, Catálogo genealógico, citado.

180 Sobre o neto de Garcia d’Ávila, nossa História da Casa da Torre. Rio: Livraria José Olympio Editora, 1958, 2ª ed.
No Rio Vermelho houve arraial, como se vê de certidão de Antônio Teixeira, Docs. hist., xv, p. 78. A descrição da retirada,
na Ânua da Companhia, 1626, que é do Pe. Antônio Vieira. Ali os jesuítas tinham ermida desde 1556, cf. Nóbrega, Cartas
avulsas, p. 158, ed. da Acad. Bras. “A Torre de Garcia d’Ávila tem este nome por ter uma casa mais alta”, Vieira, “Papel
forte” (1647), in Obras escolhidas, Clássicos Sá da Costa, iii, p. 87.

181 Frei Vicente, ibid., p. 513; Wätjen, op. cit., p. 89. Mandados para Holanda foram estes e mais o Provincial dos
jesuítas, Domingos Coelho, e os padres João d’Oliva, Manuel Tendrero, Antônio de Matos e Gaspar Ferreira, o
negociante Pedro da Cunha, irmãos Manuel Martins, Antônio Rodrigues. Agostinho Coelho e Agostinho Luís, cf. gravura
holandesa, Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 260.
182 História Antipodum, 1631, trad. por D. Clemente da Silva Nigra, Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxvi, p. 111.

183 V. Jaboatão, Cat. gen., p. 419. Em São Francisco de Itapoã (terra dada aos beneditinos por Garcia d’Ávila, o velho)
foi que o Ouvidor-geral Antão de Mesquita e os vereadores Brás da Costa e Diogo da Silva empossaram, a 24 de setembro
de 1624, o Capitão-general Francisco Nunes Marinho, Rev. do Arq. do Mun. da Bahia, n. 7, p. 170.

184 André Padilha e o filho Francisco pelejaram bravamente. Tivera o primeiro sesmaria de duas léguas junto da
cidade, em 1612, publ. do Arq. Nac., xxvii, p. 37. Sobre a genealogia, Jaboatão, ibid., pp. 175–6, aliás, omisso. Pensamos
que era Francisco Ribeiro, filho de Antônio Ribeiro e Maria de Argôlo.

185 V. Denunciações de 1618, ed. Garcia; Jaboatão, op. cit., p. 159. O seu engenho serviu de fortificações a Nassau em
1638. Era ainda vereador em 1641, Atas, mss. no Arq. Municipal da Bahia.

186 V. Jaboatão, Cat. gen., p. 325.

187 Francisco de Crasto, v. Jaboatão, ibid.; tinha sido escrivão da Misericórdia antes da invasão, Livro do Tombo, ms.
no arq. desta; vereador em 1629–30, Borges de Barbos, O Senado da Câmara da Bahia no século xvii, pp. 5 e 11, e vivia em
lodo, quando informou sobre os negócios antigos da Santa Casa, A. J. Damazio, Tombamento etc. Bahia: 1861, p. 68.

188 Docs. hist., xvii, p. 36.

189 Como governador-geral do Brasil se assina Matias de Albuquerque, em 14 de novembro de 1625, ms. in Livro i
do Tombo de São Bento da Bahia. Invocando o mesmo título, passou a provisão de capitão-general a Francisco Nunes
Marinho d’Eça. Esta é de Olinda, 26 de julho de 1624 e vem na Revista do Arquivo do Município da Bahia, n. 7, fls. 169–
70, julho de 1901.

190 “Ainda que o Capitão-mor Francisco Nunes Marinho era velho”, Fr. Vicente, ibid., p. 542. Fora nomeado
provedor-mor da Fazenda do Estado do Brasil, por três anos e já aqui estava em 2 de maio de 1620, ms. no Arq. Hist. Col.,
Lisboa.

191 Foi sepultado na capela da Conceição do Engenho da cidade, Itapagipe de Cima, Garcia, nota a Varnhagen, ii, p.
235. Perdeu-se a memória desse túmulo.

192 Filho de Filipe de Moura, portanto neto de Filipe Cavalcanti e por sua mãe, de Jerônimo de Albuquerque,
Varnhagen, ibid., i, p. 489. Em 1639 cuidou D. Francisco de Moura da defesa de Angola. Foi despachado por alvará de 10
de setembro de 1624, com ordenado, “como teve Manuel Mascarenhas Homem e Alexandre de Moura”, Docs. hist., xv, p.
73. Deve ter falecido em 1641, ano em que o governador Conde de Óbidos, seu testamenteiro, reclamou o pagamento de
1:870$880, que lhe deviam de soldos do Brasil, Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 253. A D. Francisco de Moura dedicou Diogo
Bernardes a carta vi, O Lima. Lisboa: 1623, ii, p. 32. Passara com ele à Bahia Filipe de Moura e Albuquerque, que foi
alcaide-mor em 1664, Docs. hist., xxi, p. 392.

193 Filho de Feliciano Coelho de Carvalho, era casado com D. Brites de Albuquerque, filha de Antônio Cavalcanti de
Albuquerque e Isabel de Góis, naturais de Pernambuco, Ementas de habilitações, Bibl. Nac., Lisboa, p. 33. Foi pai de
Antônio de Albuquerque Coelho, que também governou o Maranhão.

194 Conta o autor da Arte de furtar, ed. da Comp. Melhoramentos de São Paulo, p. 106, que “na restauração da Bahia
entregou o monarca 2 ou 3 milhões a D. Fadrique de Toledo para as despesas da guerra”. Sobre este, Duque de Alba,
Contribuición de España a la defensa de la civilización en America durante las guerras holandesas (conferência no Rio),
Madri, 1950 — com esclarecimento biográfico-genealógico.

195 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 225.

196 Lancerote da Franca é tronco de grande família, pai dos capitães Afonso (que veio com Diogo Botelho, Docs.
hist., xv, p. 142) e André Dias da Franca, Jaboatão, ibid., p. 243. Estava na Bahia em 1617, Anais do Museu Paulista, iii, p.
68. Deu em Pernambuco notícia da armada restauradora, Fr. Vicente, op. cit., p. 569.

197 Sermam que pregou o Pe. Fr. Gaspar d’Assunção, da Ordem dos pregadores, na Sé da Bahia, na primeira missa
que se disse quando se deram as primeiras graças públicas, entrada a cidade, pela vitória alcançada aos holandeses a 1° de
maio de 1625, Lisboa, 1625, ex. da biblioteca do Sr. Antônio Alberto Marinho Duarte, de Lisboa, hoje do Estado.

198 Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxvii, p. 139. Entre os prisioneiros católicos resgatados estava D. Francisco
Sarmiento, que fora governador de Potosi, tomado pelos holandeses com o navio e os bens, O Lima, Manuscritos, etc., p.
48.

199 Não há tradição de ser da Vitória (sobre os holandeses em 1625) a igreja desta invocação entre o Forte de São
Pedro e a Graça. Mas é positivo que a erigiu (ou à capela) o velho Francisco de Barros, pois isto se lê na lápide existente:
“Sepultura do Capitão Francisco de Barros, fundador desta capela e igreja, e de seus herdeiros, faleceu a 17 de novembro
de 1625”. Indevidamente interpretou-se o milésimo, como “1621”. Mas em 1624 Francisco de Barros não somente vivia,
como exortava a sua gente a lutar (Fr. Vicente do Salvador) e, em seguida à expulsão do inimigo, foi premiado com o
cargo de provedor-mor da Fazenda. Coincide com a data da pedra tumular a provisão, de 24 de novembro de 1625, que
nomeou, na vaga deixada pelo referido Capitão Francisco de Barros, de provedor-mor, Ventura de Frias Salazar, Docs.
hist., xiv, pp. 478–9. Gravura holandesa de 1624, que representa em perfil a cidade e arredores, indica a ermida de Santo
Antônio (além da Barra) sem aludir à Igreja da Vitória, de que aliás não fazem menção Gabriel Soares e os autores do
século anterior, reconhece Teodoro Sampaio, História da fundação da cidade do Salvador. Bahia: 1949, p. 278. O Padre
Vieira no “Sermão de Santo Antônio”, de 1638, portanto com o valor do testemunho, diz, “o primeiro templo que
levantou Portugal na Bahia, foi com o nome de Vitória” A versão corrente (a que nos referimos na Hist. da fundação da
Bahia, p. 101), dava-o como comemorativo da vitória sobre os índios, em 1555.

200 V. Tomás Tamayo de Vargas, Restauración de la Ciudad del Salvador, Madri, 1628 (fonte essencial para a
narração); D. Manuel de Meneses, “Recuperação da cidade da Bahia”, Rev. do Inst. Hist., xxii, pp. 357–527; Pe.
Bartolomeu Guerreiro, S. J., Jornada dos Vassalos... (com mapa da praça), Lisboa, 1625; Juan Antonio Correa, Perdida y
Restauración de la Bahia..., comédia em versos, 1625, Bibl. Nac. de Madri; Relação verdadeira de todo o procedido...,
Lisboa, 1625; Juan de Valencia y Guzmán, Compendio Historial de la Jornada del Brasil, Col. de Docs. Inéditos para a
Hist. de España, 1870; Bartolomé Rodríguez de Burgos, Relación de la Jornada..., Cádis, 1625; Avendano y Vilela,
Relaçam do dia em que as armadas, etc., Lisboa, 1625 (os últimos apontados por Maggs Bros., Biblioteca Americana, parte
iv, Londres, 1925). Em New York Library vimos La défaite navale de trois mil tant espagnols que portugais, mis et taillez
en pièces à la Baya..., Paris, 1625; na Biblioteca Nacional de Paris, D. Lorenzo Vander Hamen e León, Historia de la
Restauración de la Bahia, in História Tópica, ms. Até no México: Refriega que el Marqués de Vila Real, etc., México, 1626,
n. 117 do Catalogue 52, de H. P. Kraus, Nova York, 1949.

201 A comédia de Lope de Vega, in Obras completas, organizadas por Menéndez y Pelayo, tem a originalidade de
representar o Brasil, pela primeira vez, crê João Ribeiro, como um índio, v. Ivan Lins, Lope de Vega. Rio: 1935, p. 170.
Sobre as fontes da peça, Fidelino de Figueiredo, Rev. do Arq. Mun. de São Paulo, l, p. 26. A tela de Maino, a única sobre o
Brasil no Prado, alegórica, constitui respeitável documento sentimental.

202 Miralles, História militar do Brasil, p. 23. Mais três companhias havia em 1628, quando o governador reformou
quatro, Docs. hist., xv, p. 209. A patente do sargento-mor, Docs. hist., xiv, p. 474. Alguns dos capitães do Terço deixado
por D. Fadrique aparecem distintamente na guerra holandesa de Pernambuco. Em geral, foram aproveitados os que se
tinham destacado na retomada da praça, como Francisco Padilha, Manuel Gonçalves...

203 Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxvii, p. 140.

204 Anais do Arq. Públ. da Bahia, xiv, p. 7 (cit. de F. Borges de Barros). A receita dos dízimos indica o decréscimo: em
1626 (metade do rendimento antigo) 38.500 cruzados; 1628, 30.500; em 1633 (melhoria local, após a perda de
Pernambuco e do seu açúcar), 44 mil...

205 Anais do Museu Paulista, i, parte ii, p. 168.

206 Atas da Câmara da Bahia. Bahia: 1945, i, p. 25. Ainda em 1629 o bispo pedia alfaias para a Sé, que fora saqueada,
Anais da Bibl. Nac., lvii, p. 89.

207 Docs. hist., xv, pp. 66–7. O Desembargador Antão de Mesquita ficou por ouvidor-geral. O autor dos Diálogos das
grandezas mostrara, em 1618, a inutilidade do tribunal. Há curiosa coincidência de razões entre este e Diogo do Couto, O
soldado prático, p. 157, ed. R. Lapa, censurando a Relação de Goa. Na terra, nada ficou da passagem dos invasores, a não
ser a abertura dos fossos, numa tentativa de cercar de água a colina da cidade, aliás infrutífera. O que deles se conserva é o
sino da câmara municipal (recolhido hoje ao museu do Estado), que tem o seguinte dístico: “Hendrick Wegewart de Inge
made-mi in Deventer anno 1615”. Foi certamente o sino por eles colocado na torre do paço municipal, que ali continuou,
conservado como um troféu — a convocar a população para os atos públicos.

208 É a data em que cessam os ordenados de D. Francisco de Moura, Docs. hist., xv, p. 76. Miralles diz: 27 de
dezembro, op. cit., p. 138. Diogo Luís fora mestre-de-campo em Flandres, Frei Vicente, op. cit., p. 614 e Garcia, nota a
Varnhagen, ii, pp. 244–5. Acrescenta D. Francisco Manuel: foi seis anos mestre-de-campo em Flandres e depois do
governo do Brasil mestre-de-campo-general na guerra de Espanha, contra a França, em 1637, “o primeiro que em Castela
com tal título capitaneou exércitos”, Epanáforas, p. 179. Na Bahia deu sepultura no Carmo a seu irmão, o morgado de
Oliveira, morto em 1625, Fr. Vicente do Salvador, op. cit., p. 615. Há na Biblioteca da Ajuda (Lisboa) queixa de Lourenço
de Brito Correia, “de vexações, opressões públicas, injustiças e roubos que Diogo Luís de Oliveira, governador do Brasil,
cometeu naquele estado”, in Brasília. Coimbra: 1942, i, p. 273.

209 Docs. hist., xv, p. 86. Foi Diogo Luís que pediu a vinda de D. Vasco, futuro Conde de Óbidos, Manuscritos... do
Museu Britânico, p. 23.

210 Fr. Vicente do Salvador, ibid., p. 615.

211 Docs. hist., xv, p. 151.

212 Anais do Museu Paulista, ii, parte ii, pp. 18–9. Do famoso corsário (1589–660) há no Museu de Amsterdã o
retrato de Jan Dermon Cool.

213 “E sendo mandado pelo Governador-geral Diogo Luís de Oliveira com a sua companhia a socorrer uns navios
que do porto se retiraram, indo a ele segunda vez uma esquadra holandesa, o ano de 1627 ser morto em um dos ditos
navios em defensão dele fazendo seu dever, e ficar sua mulher Joana Teles pobre com um filho e uma filha”, diz a prov. de
8 de janeiro de 1630. Concedeu à viúva de Francisco Padilha a tença de 40$000 cada ano, Docs. hist., xvi, p. 194, que
perdeu em 1634 por casar com João Borges de Escobar, escrivão do tesouro e depois da ouvidoria, Jaboatão, Cat. gen., p.
176.

214 Docs. hist., xv, p. 154. Superintendente das obras foi Francisco Pereira, Docs. hist., xv, p. 178, entre 1628 e 31.
Encarregado da pólvora, Francisco Alves, ibid., xv, p. 181.

215 Docs. hist., xv, p. 175.

216 22 de março de 1629, Docs. hist., xv, pp. 251–6.

217 Docs. hist., xv, p. 333.

218 Provisão de 24 de julho de 1629, Docs. hist., xv, p. 359.

219 Docs. hist., xv, p. 355.

220 Carta régia de 3 de junho de 1627 tratara do oferecimento de Tristão de Mendonça para armar 18 navios de
guarda às frotas, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 122.

221 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, pp. 123–4.

222 Frei Manuel Calado, O valeroso Lucideno, parte i, p. 8, Lisboa, oficina de Domingos Carneiro. E sobre este
cronista, José Antônio Gonsalves de Melo, Frei Manuel Calado do Salvador, Recife, 1954.

223 V. carta de Matias de Albuquerque, 18 de fevereiro de 1630, Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 337.

224 No Viriato trágico descreveu o poeta, que conheceu Pernambuco ao tempo da invasão: “Navegando sua costa
desejoso/ De saber estranhezas não sabidas,/ Naufrágio padeci tão lastimoso,/ Que entre muitos salvamos poucas vidas,/
Escarmentado mais que curioso,/ Tendo as colônias já reconhecidas,/ Na de Olinda parei, tendo a de Olinda/ Por maior,
por melhor e por mais linda” (op. cit., canto xv, est. 50). Camilo, Luta de gigantes, 5ª ed., p. 27, diz: “Brás Garcia, no posto
de alferes, militou nove anos, praticando singulares feitos de intrepidez”.

225 O valeroso Lucideno e triunfo da liberdade, parte i, p. 9.

226 Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 278.

227 Era filho de Lancerote da Franca (como dissemos), de boa gente de Ceuta, Ementas de habilitações de ordens
militares. Lisboa: Bibl. Nac., p. 40.

228 Segundo Matias de Albuquerque, carta citada, os seus homens eram até mil a pé e 200 de cavalo, estimando em 4
a 5 mil os inimigos. Diz que ao ordenar o ataque à vanguarda que atravessava o rio lhe fugiram, ficando “alguma pouca
gente”. Esse derrotismo indica a desigualdade de sentimentos ao primeiro choque — como sucedera na Bahia. A
resistência apurou a fidelidade à terra, à religião e a Portugal dos verdadeiros “portugueses” — em ambas as capitanias.
229 Carta cit., Varnhagen, ii, p. 339.

230 Frei Manuel Calado, Valeroso Lucideno, p. 26.

231 Certidões in Magalhães Basto, Poeira dos arquivos. Porto: 1935, pp. 152–3.

232 O Capitão Antônio de Lima, comandante do Forte de São Jorge, foi preso, depois de entregue pelo inimigo, e
mandado processar na Bahia, cf. carta régia de 25 de outubro de 1630, Docs. hist., xv, p. 414. Há uma Relaçam verdadeira
e breve da tomada da Vila de Olinda e lugar do Recife na costa do Brasil pelos rebeldes de Holanda, tirada de uma carta
que escreveu um religioso de muita autoridade — consultamos o ex. de New York Library. Do mesmo ano é
Beschreibung — welcher gestalt die haupstatt dess Konigreichs Brasilien — Pernambuco — in America... von dem Herrn
Heinrich Cornelio Lonch, general zu Wasser und Land... 1630, ex. no Inst. Hist. e Arqueológico de Pernambuco
(primeiro histórico da capitulação).

233 600 portugueses e 200 castelhanos, sob o comando do Mestre-de-campo D. Cristóvão Mexia Bocanegra,
formaram o Terço Novo da Bahia, cf. prov. de 9 de set. de 1631, Docs. hist., xv, p. 458. Aí os nomes dos oficiais, alguns
notáveis depois, como o Sargento-mor D. Fernando de Luduenha, e Antônio de Brito de Castro. O Terço ia ser
embarcado para Flandres, D. Francisco Manuel, Epanáforas, p. 180. No Museu Britânico há um papel de 1630,
Inconbenientes que se ofrezen en la jornada y socorro de Pernambuco, O. Lima, op. cit., p. 69.

234 Nada mais falso do que a frase atribuída a Adrião Pater: “O oceano é o túmulo digno de um almirante batavo”. É
apenas literatura. Frei Rafael de Jesus: “[...] amortalhado na honra se sepultou vivo nas ondas”, Castrioto lusitano, p. 66,
Lisboa, 1679. “Envolto no estandarte [...]”, Frei Manuel Calado, O valeroso Lucideno, p. 13, teria dito: “Muy gran soldado
es D. Antônio de Oquendo”. Rocha Pita, op. cit., p. 181, repete os dois autores, e acrescenta: “[...] querendo poupar os
mausoléus, escondesse no profundo do oceano o seu cadáver”. Mas Frei Giuseppe di Santa Teresa inventou: “[...] si gettò
barbaramente nell’onde, dicendo che solo tutto l’Oceano era degno tumulo del suo invitto cuore”, Istoria delle Guerre del
Regno del Brasile, p. 115, Roma, 1698. Alphonse de Beauchamp coucluiu a frase completando o mito: “L’océan est le seul
tombeau digne d’un Amiral Batave!”, Hist. du Brésil, 1815, cit. por R. Gabola, nota a Varnhagen, ii, p. 342. Os autores
holandeses não contribuíram para a lenda...

235 Houve conselho no dia 13, decidindo-se mandar o galeão dos Prazeres Major, que fazia água, consertar na Bahia,
Docs. hist., xvi, p. 5. Este era fretado por 114$000 por mês, ibid., p. 6. Diz o licenciado Manuel de Morais, “Resposta que
deu, etc.”, Anais do Museu Paulista, i, parte ii, p. 17, que os galeões espanhóis não combateram devidamente por irem
muito carregados de caixas de açúcar.

236 Docs. hist., xvi, pp. 39–41. O preço fixo foi de $320 pela medida corrente, que era de dois alqueires, op. cit., p. 43.

237 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 214. Proibiu-se depois que navegassem caravelas, por serem navios de
pouco armamento, devendo ir em seu lugar naus e galeões. O Padre Vieira vangloriou-se: “Fui eu a causa, de que, as
nossas caravelas se convertessem em tão poderosas e bem armadas naus, aconselhando D. João iv a queimar 39 que
estavam no Tejo”, Sermões, xiii, p. 350.

238 Itamaracá prosperara. Sabemos pelo Códice de Castelo Melhor, ms. cit., que em 1609 lá carregavam quatro
navios e o dízimo fora arrendado por 7 mil escudos, subindo a 300 mil cruzados o valor do seu comércio vinte anos
depois. Teria 18 engenhos. Custava à Coroa cada ano 605$840.

239 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 136.

240 Varnhagen, op. cit., ii, p. 290. Banholo era homem de confiança del-rei e seu “observador” nessa guerra, tanto
que, constando a desavença, mandou (carta de 17 de março de 1632) “saiba Matias de Albuquerque por caminho
confidente e em direito que convém a meu serviço a conformidade”, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 151. Noutra
ordem: “[...] e comunicando tudo com o Conde de Banholo”.

241 H. Wätjen, op. cit., p. 114. É pelos quadros de Franz Post que podemos ver o estado em que ficou Olinda, com as
igrejas destroçadas. Algumas conservam em parte a fachada primitiva. Assim a dos jesuítas (hoje seminário, restaurada
em 1661), a do Carmo...

242 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 224. A bibliografia vulgarizada das lutas holandesas consiste nos livros de
Fr. Manuel Calado, O valeroso Lucideno, Lisboa, 1648 e 1668; Duarte de Albuquerque, Memórias diárias da guerra do
Brasil (que serviu a Francisco de Brito Freire para a História da guerra brasílica, 1675); D. Francisco Manuel, Epanáfora
quinta, 1660; Fr. Rafael de Jesus, Castrioto lusitano, 1679; Diogo Lopes de Santiago, História da guerra de Pernambuco,
Rev. do Inst. Hist., vol. 38 e Recife, 1943; Fr. Giuseppe di Santa Teresa, Istoria delle guerre..., 1699, sem originalidade; os
flamengos Gaspar van Baerle (Barlaeus), João Nieuhof, João de Laet, o borgonhês Pierre Moreau, Netscher (1853), o
nosso Varnhagen (1867), os modernos, entre estes Hermann Wätjen, citados em notas de pé de página, fora o
documentário de referência obrigatória, e as monografias que o valorizam, num acervo enorme.

243 Anais de D. João iii, cit. V. o resumo das condições do Brasil (1647), no “Papel forte”, do Padre Antônio Vieira,
Obras escolhidas, Clássicos Sá da Costa, iii, pp. 84–7.

244 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 193.

245 Manuel Álvares Deus-Dará, filho de Antônio Álvares de La Penha, natural de Braga, empregara mais de 10 mil
cruzados em levar farinhas da Paraíba para o Arraial, por entre barcos inimigos, em 1630, Livro de mercês gerais, f. 350,
ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. Foi título que alegou para ter o filho, Simão Álvares, o lugar de provedor da Fazenda, como
diremos.

246 V. Anais da Bibl. Nac., li, p. 101. O forte é de 1616, Liv. 1º do Gov., citado. O atual de Santa Catarina tem sobre o
portal a pedra quebrada, em que ainda se lê a data da reconstrução, 1712. Infelizmente o mar destruiu parte dessa grande
obra, cujas ruínas suscitam admiração (como a vimos em julho de 1949).

247 Docs. hist., xvi, p. 87 (prov. de 1632).

248 João de Lira Tavares, Pontos de história pátria: Paraíba. Paraíba: 1912, p. 60.

249 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 154. Há o opúsculo de Frei Paulo do Rosário, Lisboa, 1632: Relaçam breve
e verdadeira da memorável vitória que houve o capitão-mor de capitania de Paraíba, Antônio de Albuquerque dos
rebeldes de Holanda, que são vinte naus de guerra e vinte e sete lanchas: pretenderam ocupar esta praça de Sua Majestade,
trazendo nela para o efeito dois mil homens de guerra escolhidos afora gente do mar.

250 O Forte de Cabedelo, reconstruído em 1630, por Antônio de Albuquerque, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii,
p. 139, tinha guarnição ordinária de 20 soldados, cf. a folha do Estado, de 1626, Docs. hist., xv, p. 52. A despesa da Paraíba
era então de 2:069$381 (vigário, capitão-mor, capitão do forte, provedor da Fazenda, etc.). Rendia 100 mil escudos. Os
dízimos tinham sido aí arrendados em 1609 por 80 mil cruzados, cf. Códice pernambucano, ms. na Bibl. Nac. (de 1627?).
Tinha no porto em média cinco navios carregando. E 24 engenhos de açúcar (o Pe. Cardim indicara apenas um).

251 V. carta do capitão-mor da Paraíba, 3 de janeiro de 1634, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 125. O forte
defronte de Cabedelo foi feito a expensas de Domingos de Almeida, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 207.

252 Anais, cit., p. 452.

253 A. Tavares de Lira, Notas históricas sobre o Rio Grande do Norte. Rio: 1918, p. 108.

254 Docs. hist., xv, pp. 65–7.

255 Em 1609 os dízimos do Rio Grande tinham sido arrendados por 500 cruzados: rendia a capitania 700 escudos,
Códice Pernambuco, ms. cit. — “Sem fazer menção da consignação que nas mesmas rendas da capitania da Paraíba tem a
do Rio Grande pelas folhas ordinárias”, prov. do governador-geral, 1633, Docs. hist., xvi, p. 88. — Sete ou oito aldeias e
uns 6 mil índios, havia no Rio Grande em 1607, visitados por dois jesuítas, cf. documento in Pe. Serafim Leite, Hist. da
Comp. de Jesus, i, p. 558.

256 Tavares de Lira, op. cit., p. 112. Leia-se, de João d’Albuquerque Maranhão, História da casa de Cunhaú, Recife,
1956; e de Luís da Câmara Cascudo, História do Rio Grande do Norte, Rio, 1955.

257 Diálogos das grandezas do Brasil, ed. R. Garcia, p. 43.

258 Gaspar Barleo, Hist. do Bras., sob o governo de Maurício de Nassau, p. 138; J. F. de Almeida Prado, Pernambuco
e as capitanias do Brasil. São Paulo: 1941, ii, p. 262.

259 Doc. de 1630, in Tavares de Lira, op. cit., p. 140. Sobre o capítulo, Luís da Câmara Cascudo, História do Rio
Grande do Norte, p. 59.

260 V. Eugène Guérin, Ango et ses Pilotes, p. 24 (cit. por Afrânio Peixoto, Martim Soares Moreno, p. 28).

261 Capistrano de Abreu, Rev. do Inst. do Ceará, xviii, p. 62. Domingos Lopes Lobo tinha sido nomeado capitão do
presídio do Ceará, 9 de setembro de 1617, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 44. Diz João Carvalho Mascarenhas,
autor da relação do naufrágio da nau Conceição, 1627: “No Brasil, indo por terra do Rio Grande até a Paraíba e
Pernambuco, e daí à Bahia”, Viagens e naufrágios célebres. Porto: 1937, i, p. 84, ed. Damião Peres.

262 Livro de mercês gerais, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. Só em 1654 “foi começada a construção da ermida da
fortaleza de N. S.a da Assunção”, Studart, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 187.

263 Fr. Luís de Sousa, op. cit., p. 452. Afrânio Peixoto, op. cit., p. 50, transcreve o parecer do Conselho da Fazenda,
1629, contrário ao pedido do capitão-mor para que o Ceará fosse desligado do Maranhão e unido ao Brasil.

264 Carta de 6 de fevereiro de 1627, Anais da Bibl. Nac., xxvi, p. 34.

265 Pedira que o Ceará fosse tirado do Estado do Maranhão passando para o do Brasil, o que se lhe indeferiu, em 20
de março de 1626, Códice 38, fls. 118–23, ms. no Arq. Hist. Col., cópia da Sra. Luísa Fonseca.

266 Capistrano, Rev. do Inst. do Ceará, xviii, p. 6.

267 Memórias diárias da guerra do Brasil, p. 49.

268 Em 1632 Domingos da Veiga isto previra, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 204. E sobre o período,
Guilherme Studart, Datas e fatos para a história do Ceará, Fortaleza, 1896.

269 Docs. hist., xv, p. 58. O valor do comércio das três capitanias, Maranhão, Ceará e Pará, subia a 40 mil cruzados,
Códice Pernambuco, ms. cit.

270 Garcia, nota a Varnhagen, ii, pp. 217–8.

271 Compendio y Descripción de las Indias Occidentales. Washington: Smithsonian Miscellaneous Collections, 1948,
p. 74.

272 Fr. Vicente do Salvador, ibid., pp. 536–8.

273 Catálogo da exposição histórica da ocupação. Lisboa: 1937, i, p. 82. Fr. Vicente chama-lhe Pe. Cristóvão Serafim.
Era irmão de Manuel Serafim de Faria, v. J. Lúcio d’Azevedo, Os jesuítas no Grão-Pará, p. 45. Chegou a Bispo de Angola
(não assumindo porém as funções) e faleceu em Lisboa em 1652, Barbosa Machado, Bibl. lus., i, ed. de 1930. Do códice dá
notícia Luís de Pina, Brasília, i, p. 312 (reproduzindo-lhe várias estampas).

274 Eram quatro as capitanias do Maranhão em 1649: Ilha do Sol (Álvaro de Sousa), Cumã ou Tapuitapera (Antônio
Coelho de Carvalho), Cabo do Norte (Bento Maciel), Camutá (Francisco Coelho de Carvalho). Ms. no Arq. Hist. Col.,
Papéis avulsos, Lisboa.

275 A capitania do Caité (no Gurupi) já pertencia a Álvaro de Sousa, filho de Gaspar de Sousa, que a reivindicou,
razão por que, em 1633, o governador deu outra capitania nos confins do Pará (da primeira cachoeira do Tocantins às
terras dos Tapuiuçus) a Feliciano Coelho. A doação definitiva a Álvaro de Sousa foi de 3 de fevereiro de 1631. Em 1649
chamava-se da Ilha do Sol. Quanto a Tapuitapera (ou Cumã) foi confirmada por el-rei a 15 de março de 1639: o seu
titular, Antônio Coelho de Carvalho, se distinguiu como embaixador de D. João iv à corte de França, v. nossa nota a
Tácito português, de D. Fran cisco Manuel de Melo, ed. da Acad. Bras., p. 199. Prevaleceu o nome de Cumã; por fim,
Alcântara (1754). A vila 6 de 1648, Jerônimo de Viveiros, Alcântara. São Luís: 1950, p. 14. Gaspar de Sousa obtivera para o
filho aquela capitania como prêmio dos seus serviços na conquista do Norte — em 25 de maio de 1622. A do Cabo do
Norte, de Bento Maciel, foi-lhe concedida em 14 de junho de 1637. Propusera ele a criação antes de 1638, Varnhagen,
ibid., ii, p. 258, de outras capitanias. O ilustre Antônio de Sousa de Macedo ganhou a de Marajó (1655); Gaspar de Sousa
Freitas, do Xingu (1681).

276 Berredo, Anais históricos. Florença: 1905, 3ª ed., p. 254. Para incentivar a colonização mandou el-rei em 1636 que
os degredados, destinados à Ilha do Príncipe, fossem para o Maranhão, Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 206. Desse ano é o
“Memorial que na corte de Madri fez Bento Maciel, governador do Maranhão, acerca da fortificação, socorro e mais
cousas importantes daquela conquista”, ibid., p. 209.

277 Manuel Barata, Efemérides paraenses, p. 144; e Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 343. Cartas régias de 1619,
ordenando o socorro ao Pará, Anais do Museu Paulista, iii, parte iii, pp. 88–90.

278 De certidão de Bento Maciel Parente consta que o acompanhou “no descobrimento da serra Teicora, e [...] em
demanda das minas de ouro”, in Livro de mercês gerais, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. A fé de ofício de Bento Maciel,
que se comparou a Fernão Cortez Garcia, nota a Varnhagen, ii, pp. 267–71.
279 Carta régia de 10 de janeiro de 1620 fala em navios ingleses e flamengos “com intento de cometerem a nova mina
desse estado”, Anais do Museu Paulista, iii, parte iii, p. 108. Referia-se ao Pará.

280 Frei Vicente, História do Brasil, p. 499.

281 Frei Vicente, op. cit., p. 503. Luís Aranha de regresso a Portugal foi capturado pelos holandeses junto às
Bermudas e conseguiu fugir num pequeno bote. Voltou ao Pará como capitão-mor. Há uma consulta do Conselho da
Fazenda, 1624, “sobre o que Luís Aranha de Vasconcelos pede para ir acabar a conquista das Amazonas e fazer no grão-
rio delas uma fortaleza da parte do Norte”, Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 60. Quanto ao piloto Antônio Vicente Cochado,
fez uma “descrição dos rios do Pará, Corimá e Amazonas, descoberto e sondado de mandado de S. M. por Antônio
Vicente, piloto de Pernambuco”. Merece as honras de verdadeiro descobridor, Frazão de Vasconcelos, Pilotos, etc., p. 17.

282 Doc. in Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 219. Alegou Bento Maciel, em 1630, ter conquistado doze províncias de
índios (Guajaijaras, Tupinambás, Tocantins, Nhuanas, Amaus, Mapuazes, Pacajares, Curupas, Maraiguis, Quanis,
Tapuiuçus, Tacares, Uguapes, Andurás e Pirapes) desde o Maranhão ao Amazonas... Antes de deixar o Pará deu a sua
casa aos carmelitas (1627) no mesmo ano em que os franciscanos começaram o seu Convento de Santo Antônio, Rev. do
Inst. Hist., lxxviii, p. 117. Em 1635 ousou pedir mil casais de índios em “administração e encomenda”, Anais da Bibl.
Nac., lviii, p. 181.

283 Estivera nomeado em 1620 mas não teve efeito, ms. no Arq. Hist. Col., já citado. Levara ao Pará o socorro de
1617. Diz-nos em doc. de 1618 que só havia ali quatro capuchos e nenhum clérigo de missa... Decidiu o Conselho da
Fazenda, 7 de junho de 1621, apelar para as várias ordens religiosas. Já Vázquez de Espinosa, ibid., p. 74, nos fala de dois
conventos, uma igreja, três ermidas, 60 vizinhos e 200 praças de guarnição do forte construído por Bento Maciel.

284 Informação de D. Diogo de Castro, 1632, Rev. do Inst. do Ceará, xxvi, p. 30.

285 V. Garcia, nota a Varnhagen, ii, pp. 271–2; Capistrano, “Prolegômenos” a Fr. Vicente, p. 461.

286 Capistrano, ibid., p. 462.

287 Varnhagen, op. cit., iii, p. 183; Artur C. F. Reis, A política de Portugal no Vale Amazônico. Belém: 1940, p. 41.

288 João Francisco Lisboa, Obras. Lisboa: 1901, ii, p. 19.

289 Pe. João Daniel, “Tesouro Descoberto”, Rev. do Inst. Hist., xii, p. 382. “Derradeira terra para a largada em busca
do desconhecido”, Raimundo Morais, À margem do livro de Agassiz. São Paulo: 1939, p. 35. Para os antecedentes, José
Rumazo, La Región Amazónica del Ecuador en el Siglo xvi. Sevilha: 1946, cap. xiv.

290 Frei Laureano de la Cruz, Nuevo Descubrimiento del Rio de Marañón, p. 37, 1878; Jimenez de la Espada, Viaje
del Capitán Pedro Texeira: Agua Arriba del Rio de las Amazonas, Madri, 1889; Pedro Calmon, Rev. do Inst. Hist.,
“Assembléia Pan-Americana de História”, ii, p. 101 (aí sintetizamos este episódio decisivo para a expansão portuguesa na
América). As fontes principais: Pe. José Maldonado, Relación del Descubrimiento, que serviu para o relato de Dr.
Domingo de Córdoba; Pe. Barnuevo, Relación Apologética; Fr. Laureano de la Cruz, Nuevo Descubrimiento, 1653;
Alonso de Rojas e Cristobal de Acuña, Descobrimentos do Rio Amazonas, trad. de C. de Melo Leitão, São Paulo, 1941.

291 O Pe. Vieira, “Sermão de São Pedro Nolasco”, Sermões, vi, p. 349, comemorou essa prioridade: “Só o estado do
Maranhão pode dar nova religião a Portugal, porque lhe deu a das Mercês”. V. também Garcia, nota a Varnhagen, iii, p.
194.

292 V. José Antônio de Plaza, Mem. para la Hist. de la Nueva Granada, p. 332; Antônio José Uribe, Colombia y el
Perú, Bogotá, 1931.

293 V. pp. 434 a 438 deste vol. Aí a referência aos donatários, Castanheiras em Ilhéus, Aveiros em Porto Seguro. Em
agosto de 1652 o Conde de Castelo Melhor, defendendo os direitos da Condessa de Castanheira (D. Helena de Sousa),
reclamou contra uma invasão de jurisdição da vizinha capitania, Docs. hist., iii, p. 182. A pobreza da primeira daquelas
capitanias exprime-se nesta frase do Arcebispo da Bahia, em 1689: “Toda a capitania dos Ilhéus não vale vendida, o que
Vossa Mercê quer (5 mil cruzados) que se lhe dê para livrá-la dos tapuias”, Docs. hist., xi, p. 152. Em 1695 informava o
chanceler da Relação da Bahia que só tinha dois engenhos, um dos jesuítas do Colégio de Santo Antão (Lisboa) e outro de
Manuel de Cerqueira; a Vila de Boipeba era pobríssima; a de Cairu “pouco mais avantajada”; Camamu, “a melhor de
todas”, porém o útil da vila, com 10 ou 12 léguas de costa, era dos jesuítas. Os dízimos em 1694 renderam “em dinheiro
20$000”, Arq. Hist. Col., cód. 252, inéd.
294 Carta de 22 de fevereiro de 1613, para o Governador Gaspar de Sousa, Paulo Prado, Paulística, p. 125. Foi em
1611, cf. provisão de 28 de junho de 1633, Docs. hist., xvi, p. 386. Em 1633 os jesuítas foram encarregados desse
descobrimento.

295 Carta do Conde de Castelo Melhor, 1651, Docs. hist., iii, p. 7.

296 Informações das minas, Anais da Bibl. Nac., lvii, p. 167: “Por benefício de amizade que teve um índio natural
destas serras Marcos de Azeredo alcançou notícia destas esmeraldas, e guiado dele seguro na amizade, escoteiro se dispôs
a fazê-la, e desembaraçado das demoras, que hoje fazem as embarcações com que se intenta, efetivamente guiado em
breves dias a conseguiu, confessando porém que na imensidade das últimas serras esteve o guia perplexo na certeza e
demoroso na segurança”.

297 Fora condenado à morte em 1618 e fugira, Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 240. Mandou el-rei um
desembargador devassar na capitania a propósito dos negócios desse flamengo, Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p.
75. Parece que foi absolvido em 1620, Anais, cit., ibid., p. 112.

298 Frei Vicente do Salvador, op. cit., p. 566; e Vieira, Carta Ânua, de 1626.

299 Patente rég. em 19 de fevereiro de 1635, Docs. hist., xvi, p. 217.

300 Docs. hist., xvi, p. 319.

301 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 63. O alv. de 2 de fev. de 1618 deu-lhe o governo de São Vicente, por três
anos, Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 353.

302 Livro de leis, f. 173, na Torre do Tombo, ms. Abrangia o Espírito Santo e São Vicente.

303 Códice Castelo Melhor, ms. na Bibl. Nac., citado. A despesa do Rio em 1616 foi de 1:806$520, Docs. hist., xv, p.
41. Não tem razão Pizarro ao dizer que o contrato dos dízimos para o Rio data de 1628, à vista do alv. de 30 de agosto, que
mandava arrematá-los em cada uma das capitanias pelos provedores, Vieira Fazenda, Rev. do Inst. Hist., n. 143, p. 423.

304 V. Anais da Bibl. Nac., lix, “Processo das despesas feitas por Martim de Sá” 1628–33, publ. por Rodolfo Garcia. O
Padre Antônio Vieira, em 1648, Cartas, i, p. 40, aconselhou ao Marquês de Niza dissesse em Paris que “o Rio de Janeiro é
a praça do Brasil que pode melhor que todas ser socorrida por terra, porque tem muitas aldeias vizinhas de índios vassalos
de S. M., e a cidade de Cabo Frio, que é de portugueses, e as vilas”.

305 O engenheiro Miguel de Lescolles em 1650 tratou de aperfeiçoar o sistema de fortificações e foi pelo Conde de
Castelo Melhor incumbido de fazer “a planta da praça com a perfeição possível, Docs. hist., xxxiii, p. 252. Este francês
viera para Portugal em 1643, para servir na província de Trás-os-Montes, Bol. do Arq. Hist. Militar, viii, p. 181, devendo
aditar-se aos apontamentos biográficos que dele há, a viagem ao Brasil. Deixou, manuscrito, Tratado de artilharia.
Repetimos: deve-se-lhe o traçado geométrico da cidade no núcleo primitivo (da baixa).

306 “Códice da Ajuda”, 1669, in Anais da Bibl. Nac., lvii, pp. 162–3.

307 Anais do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 209. A Fortaleza de Santa Cruz tinha capitão Antônio de Faria, em 1633, e
São João, Pedro Martins Negrão. Docs. hist., xvi, pp. 153 e 342.

308 O autoritarismo de Martim (peculiar aos Sás), revelou-se no caso célebre do Ouvidor Paulo Pereira do Lago, que
ocupava o cargo desde 1630. O Governador-geral Diogo Luís, para quem apelou, a fim de declarar suspenso de funções o
magistrado, mandou que se passasse este à Bahia, entregando a ouvidoria ao Provedor Dr. Miguel de Cirne (que foi
substituí-lo). A câmara tomou o partido de Paulo Pereira; o capitão-mor empossou o substituto; e aquele, depois “de
andar pelos matos mais de dois anos, fez grandes despesas em ir ao reino”. Memorável foi a sentença do Desembargo do
Paço, 1644, condenando D. Leonor de Távora, viúva de Martim, a indenizá-lo, cf. Pegas, cit. por Varnhagen, op. cit., ii, p.
252. O seguinte ouvidor chamou-se Manuel da Costa Barros, Acórdãos e vereanças. Rio: 1935, p. 3.

309 Félix Ferreira, A Santa Casa da Misericórdia Fluminense. Rio: 1898, p. 130.

310 Salvador Correia de Sá e Benavides acabava de prestar grandes serviços, combatendo na província de Tucumã, no
Rio da Prata, a revolta dos calcaquies (1634–5). Empossou-se como alcaide do Rio de Janeiro em 3 de setembro de 1635,
Acórdãos e vereanças, p. 21. Em 18 de dez. deste mesmo ano a câmara fez com ele contrato para guarda e peso das caixas
de açúcar de modo a não sair nenhuma sem verificação, que rendia ao alcaide de 8 a 12 vinténs cada caixa, op. cit., p. 8.
Tomou posse do governo em 19 de setembro: “E logo pelo dito Rodrigo de Miranda Anriques foi feito desistência do dito
cargo nas mãos e poder de Salvador Correia de Sá”.

311 Acórdãos e vereanças, p. 35.

312 V. Augusto de Lima Júnior, Notícias históricas. Rio: 1935, p. 118 (cf. docs. no Arq. Hist. Col., Lisboa).

313 Ms., in Jornal do Comércio, 5 de outubro de 1930.

314 Docs. hist., xvii, p. 212.

315 Acórdãos e vereanças, p. 41.

316 Era ouvidor por quatro anos, quando — em 10 de abril de 39 — se apresentou, provido nesse lugar, o licenciado
Simão Álvares de La Penha, a quem a câmara deu posse, apesar do protesto do primeiro, Acórdãos e vereanças, p. 31. Das
habilitações para o clero de Braga, Padres do arcebispado de Braga, p. 36, Lisboa, 1939, consta Simão Álvares, filho de
Manuel Álvares (de Palmeira, Braga, e morador no Brasil) e Aldonça Álvares de La Peña (de Viana), neto paterno de
Simão Álvares e Maria Dias, materno de Pedro Álvares de La Peña, vedor del-rei, natural do Porto, e Filipa Correia, de
Granada, Espanha. O processo é de 1623 e completa os informes de Frei Jaboatão, Cat. gen., tít. “De La Penha Deus
Dará”. Foi um dos grandes magistrados do Brasil seiscentista, como diremos, e cunhado do Padre Antônio Vieira.

317 Os dízimos da parte do Sul (Sergipe, Ilhéus, Porto Seguro, Rio de Janeiro, São Vicente e Cananéia), tinham sido
arrendados em 1609 por 36.200 cruzados: metade do valor do Norte. A despesa da capitania em 1616: 328$480! A
tendência para o êxodo, entretanto, fazia o Corregedor Amâncio Rebelo Coelho (9 de setembro de 1620), proibir saíssem
da vila os moradores para povoarem outras terras, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, v, p. 186.

318 É interessante notar que o donatário (assim o Marquês de Cascais para São Vicente, em 1648, v. Docs. hist.,
xxxiii, p. 249), nomeava o capitão-mor, porém dependendo de confirmação do governador-geral, sendo que “os
ouvidores da Repartição do Sul haviam usurpado quase a jurisdição toda ao mesmo donatário”. Este tinha senhoriagem
nominal, não mais o poder arbitrário dos primeiros capitães-mores das várias capitanias. Percebiam a redízima, gozavam
do privilégio de indicar o seu representante, e pouco mais.

319 Pedro Taques, História da capitania de São Vicente, p. 140 (e aí o histórico do litígio entre os donatários, que
terminou no final do século).

320 Pedro Taques, op. cit., p. 140. O Capitão Bernardo Rodrigues Bueno em 1660 fez a câmara declarar que fora seu
sogro, Francisco Álvares Marinho, quem edificou a vila em sítio definitivo, mais decente, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo,
ix, p. 110. As povoações da costa, a partir do Rio de Janeiro: Angra dos Reis (“Vila de Ilha Grande”), Vila de Parati
(fundada em 1667 por Martim Correia Vasqueanes), Vila de Ubatuba, criada em 1637 e fundada pelo Capitão Jordão
Homem da Costa, adquiriram notoriedade e vulto com o descobrimento das Minas Gerais e o seu comércio (1700).

321 Pe. Serafim Leite, Novas cartas jesuíticas, p. 221. O nome — Tubarão — perdura numa localidade de Santa
Catarina, entre Laguna e Jaguaruna. Lembra outro índio, do mesmo nome, da Bahia primitiva, cf. Nóbrega, Cartas
avulsas, p. 161, ed. da Acad.

322 Pe. Serafim Leite, op. cit., p. 235. A alusão é ao prelado do Rio de Janeiro. Anais da Bibl. Nac., lix, p. 19. O Padre
Roque González encontrou em 1628 vestígios do comércio português com os índios do Rio Uruguai: “Me disseram os
índios, entravam portugueses, em navios pequenos, deixando os grandes em alto mar, para comerciar com eles”. Pe. L. G.
Jaeger, Os heróis de Caaró e Pirapó. Porto Alegre: 1940, p. 195.

323 Alv. de 27 de abril de 1618, Livro 1º de leis, f. 94, na Torre do Tombo, concede a Gonçalo da Costa de Almeida e
João Peres pescaria de pérolas entre a Ilha Grande, Paranaguá e Ilha de Santa Catarina, tudo “nas partes do Brasil”.

324 Francisco Martins dos Santos, História de santos. Santos: 1937, i, p. 265.

325 Joris van Spilbergen, um dos primeiros marinheiros de Holanda que estiveram nos mares orientais, comandava
uma esquadra de seis navios. Zarpou de Amsterdã em 8 de agosto de 1614. Do ataque a Santos nos dá completa notícia A.
Taunay, Na era das bandeiras. São Paulo: 1922, pp. 66–81. Da passagem pelo Cabo Frio dissemos no capítulo sobre o Rio
de Janeiro. Recebida hostilmente em Santos, a frota não pôde aí refrescar com a comodidade que esperava. Deu
desembarque no engenho do São Jorge dos Erasmos (o melhor da terra), realizou algumas presas, mas, ante a repulsa dos
moradores, bem armados, seguiu viagem para latitudes mais hospitaleiras. A abundância de frutas, notada em São
Vicente, confirma a animação agrícola que beneficiava então o litoral: duma vez os flamengos carregaram 8 mil laranjas e
limões.
326 F. Martins dos Santos, op. cit., i, pp. 267–8.

327 Ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, sobre recursos para a guerra à Holanda. Figura o Amazonas com 70 soldados, o
Pará com outros tantos, o Maranhão com 80, e tinha “Sergipe 50 palhoças”. Vizinhos, tinha a Ilha Grande 150, Cabo Frio,
12, a Vila de Santa Catarina (sic), 10 ou 20... Lembrava o autor dessa curiosa estatística que os paulistas tomassem o Rio
da Prata. É pois de 1645 a 50. Constitui um depoimento surpreendente, para dar a medida a este Brasil em formação.

328 Os padres idos da Bahia já encontraram em Córdoba do Tucumã dois jesuítas descidos do Peru, Francisco
Angulo e Alonso Barzana, em 1585, início portanto das atividades da Companhia no Paraguai, Pe. Serafim Leite, História
da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: 1938, i, p. 348. O padre-geral, carta de 24 de janeiro de 1587, ordenou que a
nova missão pertencesse ao Peru, e como para acentuar mais a separação dos jesuítas do Brasil, autorizou em 1591 o
Provincial Pe. Beliarte a retirar de lá os seus padres. Três não quiseram voltar, Pe. Serafim Leite, op. cit., i, p. 349. O Pe.
Salóni faleceu em 1599. O Pe. Filds pediu, em 1601, ficasse a missão subordinada ao Brasil, dadas as difíceis comunicações
do Peru. O Pe. Tolosa, vice-provincial, apoiou essa súplica em 1604. O padre-geral resolveu o caso fundando a província
independente.

329 Ramón I. Cardozo, El Guairá: Historia de la Antigua Provincia. Buenos Aires: 1938, p. 154.

330 Rev. do Inst. Hist. e Geogr. de São Paulo, ix, p. 527.

331 O Pe. Diego de Torres obteve do Visitador do Paraguai, em 11 de outubro de 1611, que os índios guaicurus de
Tibaxiba fossem isentos de serviço (encomenda), Anais do Museu Paulista, i, p. 446. O mesmo padre enviara em 1609 um
mapa da região, cf. G. Furlong, Cartografia jesuítica. Buenos Aires: 1938, i, p. 21. Em 1612 comegou o apostolado do Pe.
Roque González de Santa Cruz, em San Inácio, cuja igreja construiu: é reputado o “primeiro apóstolo do Rio Grande do
Sul”, Pe. Carlos Teschauer, Vida e obras de Roque González, para cujo território passou em 1626: fundou então a aldeia
de São Nicolau. Foi morto pelos índios no Caaró, em 1628.

332 Pe. Guillermo Furlong, Los Jesuítas y la Cultura Rioplatense. Montevidéu: 1933, p. 19.

333 Doc. in Anais do Museu Paulista, i, p. 149. Pedro Vaz de Barros fora capitão-mor de São Vicente em 1603–5, Rev.
do Inst. Hist. de São Paulo, v, p. 164.

334 Carta de 8 de janeiro de 1612, Anais do Museu Paulista, i, p. 157. Deu em resultado a carta régia de 25 de
fevereiro de 1614, que proibiu os agravos feitos às missões, cf. Pablo Pastells, e Afonso Taunay, Na era das bandeiras. São
Paulo: 1922, p. 91. O cabido de Ciudad Real queixou-se em 1612 que os mamelucos já haviam levado mais de 3 mil índios
em prejuízo da cidade. O resultado da representação do governador foi, sem dúvida, a correição que empreendeu, em
1614, o Desembargador Manuel Jácome Bravo, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, v, p. 182. Publicou-se em 1618: Diego de
Velasco, Advertencias... sobre el remedio de los excesos que se cometem por el puerto de Buenos Aires y puerto de San
Pablo y los inconvenientes que se siguen en no tomar remedio eficaz en cerrarlos, como V. M. siempre ha procurado (8
fls.), Sevilha, 1618. V. Magos Bras., Biblioteca Brasiliensis. Londres: 1930, p. 177.

335 Registo geral da câmara municipal de São Paulo, i, pp. 215–20.

336 R. Garcia, Anais da Bibl. Nac., lix, p. 11.

337 Livro 3º de leis, f. 97, na Torre do Tombo, que citamos a propósito da prata de Belchior Dias.

338 Afonso Taunay, São Paulo nos primeiros anos. Tours: 1920, p. 51.

339 Washington Luís, Capitania de São Paulo, 2ª ed., pp. 25–6.

340 B. Calisto, Rev. do Inst. de São Paulo, xxi, p. 197. À humildade dos costumes, de que fala Frei Vicente do
Salvador, correspondia a míngua de utilidades. “Prova não há melhor, da pobreza do mobiliário, do que o famoso
incidente, ocorrido em 1620, de que dão conta as atas da municipalidade vulgarizadas por Taunay. É o caso da cama de
Gonçalo Pires, requisitada pela edilidade paulistana, para uso do ouvidor-geral, Dr. Amâncio Rebelo Coelho, vindo a São
Paulo em correição”, Alcântara Machado, Vida e morte do Bandeirante. São Paulo: 1929, p. 54.

341 Cartas, iii, p. 668, ed. J. Lúcio d’Azevedo.

342 Doc. in Rev. do Inst. Hist. Bras. Rio: 1956, tomo especial, i, p. 6. Sobre os múltiplos aspectos da bandeira, v.
Cassiano Ricardo, Marcha para Oeste: a influência da Bandeira na formação social e política do Brasil, pp. 407 e ss.). Aí a
exaustiva bibliografia da matéria. Quanto àqueles brasileirismos: caboclo é designação vulgar aceita por D. Francisco
Manuel de Melo, Epanáforas, p. 405 (da ed. de 1931). Pombeiro, de pombe ou pombo (A. de Assis Júnior, Dicionário
kimbundo-português, p. 354, Luanda; Elias Alexandre, História de Angola, i, p. 235, pumbeiro) é palavra transportada do
angolês para o guarani: “Pombero [...] es el genio de la noche”, H. Sánchez Quell, Estructura y Función del Paraguay
Colonial. Buenos Aires: 1956, p. 51.

343 Cartas de datas de terra. São Paulo: 1937, ii, p. 175.

344 Cônego Luís Castanho, Rev. do Inst. de São Paulo, xxxv, pp. 45 e 138.

345 Por esse tempo — 1650 — foi que Fernão Dias Pais começou a reconstruir o mosteiro beneditino de São Paulo,
até então uma ermida e quatro celas... V. A. Taunay, Anais do Museu Paulista, iv, p. 66. — Sobre as vilas, Pedro Taques,
Hist. da cap. de São Vicente, pp. 146 e ss.

346 V. carta de sesmaria de 12 léguas que lhes concedeu o governador-geral, 15 de novembro de 1668, Docs. hist.,
xxxi, pp. 254–7. Aí se menciona Camanducaia, com outros limites: Rio Jaguari, Batatais, Mogi Guaçu...

347 Documentos interessantes, xxxi, p. 160.

348 V. Guizard Filho, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, xxviii, p. 279.

349 A 1º de janeiro de 1645 realizou-se a primeira eleição municipal, cf. Pedro Taques, Hist. da cap. de São Vicente, p.
151. O livro de notas do tabelião de Taubaté iniciou-se em 1638, Guizard Filho, Revista do Arquivo Municipal de São
Paulo, i, p. 32. Jacareí é de 1652.

350 Pedro Taques, op. cit., p. 153.

351 Carta de 1692, Docs. hist., xxxiv, p. 47.

352 A. Taunay, Hist. geral das bandeiras paulistas, iii, p. 338; Anais do Museu Paulista, iv, p. 48; e História seiscentista
da Vila de São Paulo, ii (onde pormenoriza a notícia dessa “guerra civil”). Documentação de procedência baiana, Anais
do Museu Paulista, iii, pp. 233–71. A Ânua da Companhia de Jesus de 1637–9 informa que conflito houve, em que se
armaram 5 mil homens, Pe. Serafim Leite, “Os jesuítas do colégio de São Paulo na pacificação dos Pires e Camargos”, in
Rev. do Serv. Social, ano iv, dez. de 1944, p. 12 da separata.

353 A. Taunay, Anais do Museu Paulista, iv, p. 83. O governador (provisão de 24 de nov. de 1655) deu o processo
para a eleição. O ouvidor, com o escrivão da câmara, chamaria os homens bons e o povo, e todos elegeriam seis nomes
para eleitores, três dos Pires e três dos Camargos, contanto que não fossem “os cabeças dos bandos”. Os eleitos se
dividiriam em grupos e elegeriam na mesma proporção os cargos da câmara. Diz Pedro Taques: “Ficou sua provisão
servindo como de nova lei para as futuras eleições dos oficiais da câmara”. Sobre a devassa do Dr. João Velho de Azevedo,
v. Durval Pires de Lima, in Brasília, i, p. 231.

354 Taunay, ibid., iv, p. 95. Sobre o desenvolvimento da vila por todo o período, v. do mesmo autor, Hist. seiscentista
da Vila de São Paulo, citada.

355 Registo geral da Câmara de São Paulo, ii, p. 547; Pe. Serafim Leite, op. cit., p. 15; L. A. da Costa Pinto, Lutas de
família no Brasil. São Paulo: 1949, p. 116.

356 Confirmado pelo Conselho Ultramarino, 22 de maio de 1674, o perdão geral de modo a não poderem os
ouvidores do Rio de Janeiro devassar os crimes de Pires e Camargos.

357 Doc. in A. Toledo Pisa, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo. iii, pp. 60–2. A real cédula de 10 de setembro de 1611, in
Documentos interessantes, iii, pp. 70–9.

358 Antônio Raposo foi pai de outro famoso sertanista, João Raposo Bocarro, v. Ermelino A. de Leão, Vultos do
passado paulista. São Paulo: 1923, p. 65.

359 Esse Raposo, natural de Beja, nasceu em 1598 e faleceu por volta de 1658, cf. Washington Luís, Rev. do Inst. Hist.
de São Paulo, ix, p. 502. Foi capitão-mor de São Vicente em 1622; casou-se na terra; em 1633 era juiz ordinário em São
Paulo e logo ouvidor em São Vicente. O governador-geral quis destituí-lo, mas foi mantido no cargo pelo ouvidor das
capitanias do Sul. Dele falaremos mais detidamente.

360 V. A. Ellis Júnior, Meio século de bandeirismo. São Paulo: 1938, p. 112.
361 Taunay, Na era das bandeiras, p. 87.

362 Anais da Bibl. Nac., lix, p. 33. Alvará de 22 de março de 1618. Sobre as expedições que iam ao porto de Patos e
localização deste (Santa Catarina), v. Pe. Luís Gonzaga Jaeger, As invasões bandeirantes no Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: 1940, p. 27. Note-se que o governador do Rio da Prata achava, em 1616, que o remédio seria el-rei despovoar São
Paulo..., Anais do Museu Paulista, ii, parte ii, p. 9.

363 Basílio de Magalhães, Expansão geográfica do Brasil Colonial, p. 116, 2ª ed.

364 Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, v, p. 184.

365 Real Cédula de 12 de setembro de 1628, Correa Luna, Campaña del Brasil. Buenos Aires: 1931, i, p. 8.

366 V. Hernan F. Gomez, Yapeyú. Buenos Aires: 1923, pp. 12–4. Quanto à cronologia das missões do Uruguai a
partir de 1626, Pe. Luís Gonzaga Jaeger, op. cit., p. 10. Deste autor, v. Os heróis do Caaró e Pirapó. Porto Alegre: 1940, p.
199.

367 Atas da Câmara de São Paulo, iii, p. 41; Ellis, op. cit., pp. 114–5.

368 Nomeado em 6 de fevereiro de 1625, saiu de Lisboa em 18 de abril de 26; levou vinte meses na Bahia; no Rio foi
bem recebido de Martim de Sá, Taunay, Na era das bandeiras, p. 104. — A Real Cédula de 12 de setembro de 1628 refere-
se a tropelias de paulistas de 1626–7.

369 Chamava-se D. Vitória de Sá. A sua pedra tumular (1660) é uma das mais notáveis da nave da abadia de São
Bento do Rio de Janeiro, da qual foi benfeitora, como seu primo Salvador Correia de Sá e Benavides. O marido espanhol
levou-a: “Señora tan principal como hermosa y virtuosa”, “Relación de los sucesos”, Anais do Museu Paulista, ii, parte ii,
p. 27.

370 Carvalho Franco, Bandeiras e bandeirantes de São Paulo, p. 85.

371 Doc. in Anais do Museu Paulista, ii, parte ii, p. 266.

372 V. A. Taunay, Índios! Ouro! Pedras!, pp. 6 e ss., São Paulo. Leia-se sobre as bandeiras a partir de 1628, primeiro
grande rush, a documentação espanhola in Anais do Museu Paulista, xiii, pp. 294 e ss.

373 V. Pedro Taques, Nobiliarquia, Rev. do Inst. Hist. Bras., tomo especial, ed. Taunay, p. 14. O Padre Maceta, carta
de 22 de julho de 1630, diz que morrera de flechas que lhe atiraram os índios, esse sertanista, Anais do Museu Paulista, ii,
parte ii, p. 264; A. Taunay, História geral das bandeiras paulistas, ii, p. 112.

374 V. Enrique de Gandía, Las Misiones Jesuiticas y los Bandeirantes Paulistas. Buenos Aires: 1936, p. 44.

375 Correa Luna, Campaña del Brasil, pp. 9–24. Outras cartas dos mesmos padres. Anais do Museu Paulista, ii, parte
ii.

376 Correa Luna, op. cit., p. 28.

377 Enrique de Gandía, op. cit., p. 79.

378 Doc. in Anais do Museu Paulista, ii, parte ii, p. 261.

379 Ramón I. Cardozo, op. cit., pp. 148–9.

380 Em 1771 o Capitão Francisco Lopes da Silva identificou o sítio de Vila Real pelas bananeiras e laranjeiras que
encontrou na mata, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, v, p. 193. A antiga província de Guairá se viesse até o mar
corresponderia ao estado do Paraná, e “abrangia o território banhado pelos rios Ivaí e Tibaji e seus afluentes”, Toledo
Pisa, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, iii, p. 35.

381 V. Luís Gonzaga Jaeger, As invasões bandeirantes no Rio Grande do Sul, p. 27.

382 Enrique de Gandía, Las Misiones Jesuiticas y los Bandeirantes Paulistas, p. 80.

383 Montoya publicou em Madri, durante a sua missão, os primeiros livros elucidativos do idioma guarani: Tesoro de
la Lengua Guaraní (1639), Arte y Vocabulário (1640), Catecismo e Conquista espiritual hecha por los religiosos, etc.,
trasladado este do guarani a português por Batista Caetano, Anais da Bibl. Nac., vi. V. Garcia, nota a Varnhagen, iii, p.
176.

384 Seria impossível resumir em nota a evolução das idéias jurídicas relativas ao índio — na literatura hispânica.
Evidentemente o libelo de Frei Bartolomeu de Las Casas contra os métodos bárbaros da conquista inspirou a outro
dominicano, Frei Francisco de Victoria, as suas teorias do direito natural dos aborígines, nas quais se vê a fundação do
direito internacional (V. Rodrigo Otávio, Les Sauvages Américains Devant le Droit. Paris: 1931, p. 43) em 1532. A Bula de
Paulo iii é de 37. Sobre a jurisprudência castelhana, Roberto Levillier, Don Francisco de Toledo. Madri: 1935, i, pp. 183 e
ss.

385 Varnhagen, op. cit., iii, p. 159.

386 Rev. do Inst. Hist. e Geogr. de São Paulo, iii, p. 67. Em 1633 em vereação o povo de São Paulo fora convocado
para tirar os padres das aldeias, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, ix, p. 514. A carta régia do ano seguinte, que destituiu o
ouvidor e os vereadores de São Paulo, correspondeu a uma reparação feita aos jesuítas, op. cit., ix, p. 518.

387 Em lugar de Amador Bueno foram a Portugal Luís da Costa Cabral e Baltasar de Borba Gato, A. Toledo Pisa, Rev.
do Inst. de São Paulo, cit., iii, p. 87. Veja-se o capitulo relativo à aclamação de D. João iv e Amador Bueno.

388 O Pe. Serafim Leite esclareceu este ponto da biografia de Salvador. Em carta ao Geral da Companhia, do Rio, 2 de
junho de 1643, dizia de sua promessa de fundar um colégio, que não pudera ser nas minas por oposição dos paulistas. Em
10 de maio de dois dias antes de embarcar para Angola, escreveu de novo ao Geral, declarando que fora seu desejo entrar
para a Companhia... (Comunicado em sessão do Inst. Hist. e Geogr. Bras., 6 de setembro de 1939). Em setembro de 1659,
passando pela Bahia, apresentou-se como procurador do Colégio de Santo Antão para dirimir a contenda com a Santa
Casa a respeito do engenho legado pela filha de Mem de Sá, Antônio Joaquim Damazio, Tombamento dos bens imóveis
da Santa Casa. Bahia: 1862, p. 18.

389 D. João iv concedeu a Salvador os poderes que tinham tido D. Francisco de Sousa e Antônio de Salema, e como
almirante da costa do Sul e governador desta cidade se investiu em 9 de agosto de 1641, Acórdãos e vereanças, cit., pp.
46–7. Contudo fez-lhe ver que dependia do governador-geral, op. cit., p. 48.

390 Requerimento de Salvador, ata da Câmara do Rio, 31 de julho de 41.

391 Pedro Taques, Informação, etc., p. 84. Salvador pedira a el-rei licença para visitar “e pôr em sua perfeição as
minas de ouro” da capitania de São Vicente, “Consultas do Serviço Real”, Lisboa, 8 de agosto de 1641, ms. no Arq. Hist.
Col., cód. 30. Montalvão foi quem lembrou que devia ficar por substituto, no Rio, seu tio Duarte Correia Vasqueanes.

392 Minuta in Rev. do Inst. Hist., tomo especial, 1956, p. 14. Regimento de 7 de junho de 1644, Rev. do Inst. Hist., vol.
56, parte i, pp. 110–5. Os autores passam por cima do fato — a separação das capitanias em 1644, que convém elucidado.
A escritura de conciliação dos padres, cf. Carvalho Franco, op. cit., p. 145. V. carta do Conde de Atouguia, 30 de abril de
1655, Docs. hist., iv, p. 243; e consulta do Conselho Ultramarino, 1647, Rev. do Inst. Hist., tomo especial, 1956, p. 15,
contra cujas conclusões reclamou a Câmara de São Paulo a 15 de abril de 48 (Revista, cit., p. 20).

393 Pe. Luís Gonzaga Jaeger, op. cit., p. 36; Carvalho Franco, Bandeiras e bandeirantes de São Paulo, p. 67; Afonso
d’E. Taunay, História das bandeiras paulistas, i, p. 67, São Paulo, 1953.

394 A. Taunay, ibid., i, pp. 65–8.

395 A. Taunay, ibid., i, p. 67.

396 A. Taunay, ibid., i, p. 68.

397 O 2º Nenguiru (suposto Nicolau i, Rei do Paraguai, das publicações antijesuíticas do século xviii) foi o general das
forças guaranis ao tempo em que se feriu o conflito de 1752, Rodolfo Garcia, Anais da Bibl. Nac., lii, p. 401, “Documentos
Sobre o Tratado de 1750”. Era “superior de todos los pueblos de una y otra banda del Uruguay”. “Das brutas
escaramuças/ As artes e as artimanhas/ Foi o grande Languiru/ Que lh’ensinou” dizia o poema de São Sepé, transcrito,
segundo a tradição oral, por J. Simões Lopes Neto, Contos gauchescos e lendas do Sul. Porto Alegre: 1926, p. 307.

398 Doc. in Anais do Museu Paulista, xiii, p. 456 (aí a documentação espanhola do período).

399 “Relación de la guerra y victoria [...]”, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, x, pp. 529–52; e Pe. Luís Jaeger, ibid., p. 57.
Os padres habituavam todos “los pueblos a haceren sentinelas, alardes y ejercicios militares con que nuestros hijos se
animaban y ya no vian la hora de probar las manos”. V. polêmica sobre a inconveniência e a necessidade de armar os
índios, nos docs. de Sevilha, Anais do Museu Paulista, vol. cit., pp. 341 e ss.

400 Reg. da Câmara de São Paulo, iii, p. 159.

401 A. Taunay, Hist. ger. das band. paul., iv, p. 278.

402 Benedito Calisto, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, xxi, p. 191.

403 Reg., cit., iii, p. 421; A. Taunay, op. cit., iv, p. 281. A carta dos vereadores é de 18 de novembro de 1684.

404 O nome africano, Calabar, indica que o desertor era negro ou mulato, embora Frei Rafael de Jesus lhe chame
mameluco, Castrioto lusitano, p. 69. Sertanista experimentado, em 1627 procurara as minas de Belchior Dias com a gente
da Casa da Torre; ajudara Matias de Albuquerque na defesa do Arraial, onde fora ferido; e desertara em conseqüência de
vários crimes praticados... V. resumo biográfico de Varnhagen e R. Garcia, op. cit., ii, p. 343.

405 Vindo com D. Antônio de Oquendo, esse fidalgo espanhol é avoengo da família do seu apelido que existe no
Peru.

406 Regressaram a 9 de novembro de 33. V. Varnhagen, Hist. ger., ii, p. 306 e notas de Rodolfo Garcia.

407 Poti, Antônio Filipe Camarão, homônimo, talvez parente do que acompanhou os padres Pinto e Figueira à Serra
de Ibiapaba, era o principal dos petiguares. Recebeu, carta régia de 14 de maio de 1633, hábito de Cristo e tença de
40$000, com patente de capitão-mor desses índios, Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 309. Na carta citada el-rei reconhecia
que até o Ceará os índios respeitavam Camarão, Docs. hist., xvi, p. 466. Nascera aliás em Pernambuco, em 1601, cf.
Pereira da Costa, A naturalidade de D. Antônio Filipe Camarão, Recife, 1909. — Da aliança dos holandeses com os
tapuias nos diz o licenciado Manuel de Morais: “Domesticaram três nações destes bárbaros Tapuias e os têm servido e
ajudado muito na guerra [...] chamam-se estas nações Taretiius, Inqueriius e Cariris”, Anais do Museu Paulista, i, parte ii,
p. 129. Janduí era principal dos cariris e ligou o nome à mais feroz das tribos do Rio Grande — a da “guerra do Açu”, do
fim do século em apreço. — Morreu depois da primeira batalha dos Guararapes: “O Capitão-mor Camarão morreu um
dia destes e foi grande perda, fizemos-lhe as honras indo com tudo o que a capacidade desta campanha deu lugar e em seu
lugar se elegeu o seu sargento-mor que é sobrinho do morto”, carta de Filipe Bandeira de Melo, 19 de maio de 1648, ms.
no Arq. Hist. Col., Papéis avulsos. Uma dinastia militar: daquele foi filho Dom Sebastião Pinheiro Camarão, que, em
1720, cego e inválido, obteve que o posto de governador dos índios passasse ao filho Dom Antônio Domingos Camarão
Arcoverde, Docs. hist., xcix, pp. 109–10. Sobre a sua vida, v. José Antônio Gonsalves de Melo, D. Antônio Filipe Camarão,
Recife, 1954.

408 As más relações entre o capitão-mor e os moradores foram assunto da carta régia de 17 de março de 1632, Anais
do Museu Paulista, iii, parte ii, p. 152.

409 V. nota de Garcia a Varnhagen, ii, pp. 344–5; Oliveira Lima, Rev. do Inst. Hist. Bras., lxx; A. Taunay, Anais do
Museu Paulista, i, parte ii, p. 121. Aí o interessante trabalho em que o ex-padre defende a causa de Portugal mostrando a
insensatez da paz com a entrega de Pernambuco. — Saiu condenado pela Inquisição em 15 de dezembro de 1647.

410 V. Varnhagen, História das lutas com os holandeses no Brasil, liv. iv, pp. 164–8 (2ª ed., Bahia, 1955). Sobre
Cristóvão Arciszewsky — comandante, depois, da artilharia polonesa e herói das guerras da Europa Oriental — v.
biografia em 2 vols. de A. Kraushar, 1892, art. de José Honório Rodrigues, in Jornal do Comércio, Rio, 19 de maio de
1940, e art. de Tadeu Skowronski, in Correio da Manhã, Rio, 20 de setembro de 1956. Faleceu em 1656. Do Arraial saíram
Henrique Dias, cinco vezes ferido na campanha, João Fernandes Vieira... Guilherme Barbalho Bezerra das Índias passou à
Espanha, Docs. hist., xxvii, p. 3, como Luís Álvares Brandão, Docs. hist., xvii, p. 52, e franciscanos de Olinda e do Recife.

411 Albuquerque, logo em 1641 (11 de dezembro) foi nomeado para o Conselho de Guerra permanente ao lado do
Conde de Óbidos. Comandou primeiramente na fronteira do Alentejo. Herói da batalha de Montijo, de 1644, recebeu o
título de Conde de Alegrete.

412 Os cronistas Fr. Manuel Calado, Valeroso Lucideno, p. 33 e Fr. Rafael de Jesus, Castrioto lusitano, p. 128,
insinuam ter sido o general vítima de traição, alvejado pelas costas. Inverificável a versão, serve para acentuar a surpresa
dos historiadores em face do combate espantoso da Mata Redonda.

413 Nascido em 1575, Banholo tinha então 61 anos. V. Francisco Pettinati, O elemento italiano na formação do
Brasil. São Paulo: 1939, p. 197.

414 Os barcos apresados, entre 1623 e 36, em número de 547, tinham rendido 6.710.000 e os carregamentos pilhados,
30.309.736. Mas as despesas da Companhia com as suas frotas subiram, no mesmo prazo, a 45.183.430, Hermann Wätjen,
op. cit., pp. 138–9.

415 V. Jean Laet, L’Histoire du Nouveau Monde, ou Description des Indes Occidentales, Leide, 1640.

416 Ver P. Calmon, in Anais do arquivo público da Bahia, xxvi, p. 188.

417 Banholo escrevera para a Bahia em 11 de fevereiro: “Esperava que o viessem sitiar com o novo socorro que ora
lhes veio de Holanda em que veio por general Enrique de Nassau (sic), filho bastardo do Príncipe de Orange”, Atas da
Câmara da Bahia, 1637, ms. cit.

418 Códice de Castelo Melhor, ms. na Bibl. Nac.

419 Docs. hist., xv, p. 155; e Pe. Antônio Vieira, Por Brasil e Portugal: sermões. São Paulo: 1938, p. 38, nota,
comentados por Pedro Calmon.

420 Docs. hist., xvi, p. 378.

421 Docs. hist., xv, p. 468. Foi nomeado almoxarife do forte, 11 de setembro de 1631, Francisco do Amaral. Em 1634
havia aí companhia de infantaria, Docs. hist., xvi, p. 206.

422 Miralles, op. cit., p. 39.

423 “Sermão na Conceição da Praia”, 1633, Serm. Porto: 1909, iv, 6; e J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira.
Lisboa: 1931, p. 39.

424 Docs. hist., xvi, pp. 149–52.

425 A primeira pedra do famoso convento foi lançada em 4 de fevereiro de 1654, Pedro Celestino da Silva, Anais do
Arq. Públ. da Bahia, xxvi, p. 427.

426 Docs. hist., xvi, p. 397.

427 A expressão mata bicho ainda é encontrada entre os nativos do Congo Belga, como reminiscência do português
dos traficantes e da fascinação que exercia a aguardente para os negros, Matabich... Baron de Mandat-Grancey, La Révue
Hebdomadaire. Paris: fevereiro, 1900, iii, p. 193.

428 Ata da vereação de 14 de junho de 1656, Códice, ms. no Arq. Mun. da Bahia. Em 1693 o Governador Câmara
Coutinho pediu que se deixasse fabricar aguardente, como até aí, pois “é só o gênero que há nele para se levar à Angola”,
Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 104. Vinho de mel e aguardente, Atas da câmara, 1641, ii, p. 48, a sua proibição alvorotara os
soldados da praça... Mas a câmara teimava em extingui-la (em 1646), Atas, cit., ii, p. 312. Aí já se fala em “cachaça”,
africanismo que preponderou (cachaça e jeribita).

429 “Descrição da fazenda que o Colégio de Santo Antão, etc.”, Anais do Museu Paulista, iv, p. 794.

430 D. Pedro era genro de Fernão da Silva, alcaide de Silves, Sanches de Baena, Famílias titulares e grandes de
Portugal, ii, p. 480. Comandou uma nau da Índia em 1605, Simão Ferreira Pais, As famosas armadas, ed. do Ministério da
Marinha, p. 101. Sobre a sua descendência, Pe. Antônio Carvalho da Costa, Corografia portuguesa, ii, p. 356, 2ª ed. Diogo
Luís não foi devidamente recompensado. Diz-nos D. Francisco Manuel, Eco político, p. 12, Lisboa, 1645, que morreu em
Espanha, prisioneiro de Estado, depois de ter sido mestre-de-campo-general de Cantábria, etc.

431 V. provisão, Docs. hist., xvi, p. 282. Era de Lisboa, neto de venezianos e milaneses, Ementas de habilitações, p. 72,
irmão de Jerônimo, senhor do engenho Tibiri, na Paraíba. Casara em Pernambuco (onde foi provedor-mor) com D.
Beatriz Bandeira de Melo, cf. Borges da Fonseca, Nobil. Pern., ed. da Bibl. Nac., i, p. 184. Em 1632 fora indigitado para
capitão-mor da Paraíba. Além da relação dos combates na Bahia, de 1638 (adiante citada), escreveu Descrição das 1.038
léguas de terra do Estado do Brasil, da conquista do Maranhão e Grão-Pará, de que há versão alemã (na qual é chamado
Pedro Cudena), de Lessing, Brunswick, 1780. V. Varnhagen, ibid., ii, p. 287.

432 Docs. hist., xvii, p. 121.

433 Docs. hist., xviii, p. 460.

434 Livro de atas da Câmara da Bahia, ms. cit.


435 Robério Dias escreveu à Câmara da Bahia, em 6 de fevereiro de 1637, Livro de atas, ms. inéd.: “Fiquei aqui neste
Mocambo pela Carta de V. S. e por ordem do Coronel Belchior Brandão e logo fui com a minha gente, gentio e tapuios
correr os matos e demos com três companhias de Tapanhunos de muita gente de que tivemos uma grande briga da qual
nos quis Deus dar vitória em que tomei 40 peças afora de muitos que foram feridos e mortos e assim lhe tomamos o fato
que tinham tomado aos Tapuios do Inhambupe, e nestes negros que tomei também o seu governador, e ouvidor-geral, e
provedor, e desembargadores e o seu Bispo (sic) e trazendo-os ao seu sítio do Mocambo vendo-me que não tinha prisão
nem por quem os pudesse mandá-los a V. S. [...] grande febre de que fui forçado vir muito à pressa para minha casa
donde estou no fim da vida sangrado com oito sangrias de um grande pleuris”. Queria que não fossem inquietar os negros
pacificados e pedia reforço de índios. Essa carta dá novo realce histórico ao contestado Robério... das Minas de prata de
José de Alencar. — A venda dos escravos do Mocambo rendeu 2:682$000 e as despesas da expedição não passaram de
158$770, Atas, cit. Aí o nome dos expedicionários. Em guarani, Tapanúñemoñangá, raça de negros (Anselmo Javier
Peralta, El Guarani en la Geografia de America. Buenos Aires: 1950, p. 19).

436 D. Francisco Manuel, Epanáforas, p. 103.

437 Patente de 14 de dezembro de 1636, registada na Bahia em 5 de junho de 37, Docs. hist., xvii, p. 54.

438 Patente de Barbalho, 30 de outubro de 36, registada em 31 de janeiro de 37. Chegou à Bahia com os 250 homens
em 16 de agosto de 37, Duarte de Albuquerque, Memórias diárias da guerra do Brasil, p. 146, Rio, 1855, da qual há 2ª ed.,
Recife, 1944. Patentes de seus companheiros, Docs. hist., xvii, pp. 5, 14, 22. Devia vir como comandante de quatro urcas,
cf. decisão do Conselho de Estado, 8 de março de 1636, ms. no Arq. Hist. Col., cód. 504, f. 168 v., mas a vice-rainha
nomeou o Capitão Bento do Rego.

439 Carta de Pedro de Cadena, de 29 de março de 1638, ms. no Arq. Hist. Col., doc. n. 802, inéd.

440 Prov. do governador, de 7 de fevereiro de 1637, fala da “Armada inimiga que se espera vir sitiar a esta Praça”,
Docs. hist., xvi, p. 418.

441 Há um precioso mapa fixando as posições de Nassau e dos defensores da cidade. É do holandês Vingboon,
certamente testemunha do desembarque. Vimo-lo no códice original, das cartas desse desenhista, trazido por José Higino
e ora no Instituto Arqueológico de Pernambuco (julho de 1949).

442 A. D. Marcos Teixeira sucedera o Bispo D. Miguel Pereira, que tomou posse por procuração em 19 de junho de
1626, e faleceu em Lisboa em 16 de agosto de 1630. Tinha parentes na Bahia, Frei Jaboatão, Cat. gen., cit. Cavalcantes, etc.
Seu sucessor, D. Pedro da Silva e São Paio, chegou à Bahia em 19 de maio de 1634 e aqui faleceu em 15 de abril de 1649.

443 Quanto aos moradores, em 23 de abril se quotizaram para oferecer aos soldados 15 mil cruzados a título de
animação, Atas da Câmara da Bahia, ms., Docs hist. do Arq. Mun., i, p. 358, 1945. Alegavam que o inimigo estava na
“roça do Padre Ribeiro e senhor de Itapagipe, e chegando já às nossas trincheiras [...]”

444 V. nosso estudo sobre o ataque à Bahia de 1638, Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxvi, p. 206. Valioso informe é
uma carta de Henrique Moniz Teles, ms. publ. in Brasília, i, p. 554. Relata as depredações feitas no recôncavo, donde
tiraram mais de 2 mil negros.

445 Diz o Pe. Vieira que os holandeses dispararam 1.600 tiros; e Duarte de Albuquerque, Memórias diárias, p. 162 —
1.446 balas...

446 Sermão de Santo Antônio, 1638, pp. 93–128, ed. de 1638, que anotamos (p. 48, Por Brasil e Portugal).

447 V. Docs. hist., xviii, p. 84. O Capitão Paulo Cardoso de Vargas fez em cinco dias uma plataforma artilhada e teve a
idéia de pôr artilharia no adro da Sé, certidão de 1644, Arq. Hist. Col., Lisboa. Nisto seguia o exemplo dos holandeses em
1624.

448 De Pedro Cadena de Vilhasanti é a correspondência sobre a luta na Bahia, existente no Arq. Hist. Col., Lisboa, de
que nos deu as primícias o Pe. Serafim Leite, Páginas de história do Brasil, São Paulo, 1937, e publicou em 1941, sob o
título de Relação diária do cerco da Bahia, Lisboa. No mesmo ano de 38 se editou em Madri, Relación de la victoria que
alcanzaron las armas catolicas en la Bahia..., Catalogue of Spanish Books, Martinus Nijhoff, n. 803, Haia. Outros folhetos
sobre o sucesso, consultamos em New York Library: Relación verdadera de la gran victoria que han alcanzado en el Brasil
la gente de la Bahia, Sevilha, 1638; Relación verdadera y carta nueva por un artillero..., Bernardo Muñoz..., 1638.

449 De 1635 é o compêndio de filosofia de Vieira, que se lia no colégio da Bahia ainda no começo do século xix, cf.
Cônego Antônio Joaquim das Mercês, ms. de 1851, no Inst. Hist. da Bahia, n. 185, m. iii, ignorado de seus biógrafos.
450 José Cassiano Neves, in Ocidente. Lisboa: 1940, n. 30, p. 91; e Jardins e palácio dos Marqueses de Fronteira.
Lisboa: 1954, p. 79.

451 Docs. hist., xviii, p. 52.

452 Instruções, ms. in códice Correspondência do Conde da Torre, inéd., hoje no Ministério das Relações Exteriores,
Rio. Transcreve R. Garcia, nota a Varnhagen, op. cit., ii, p. 412, o Regimento que trouxe o Conde da Torre, mas referente
apenas à administração financeira.

453 Carta de 21 de julho de 1638, Madri, ms. inéd., in Correspondência do Conde da Torre, códice mencionado.

454 É a crítica holandesa, Garcia, nota a Varnhagen, ibid., ii, p. 378, a que adere Varnhagen, porém com injustiça. Das
cartas do conde, na Bahia, se vê que trouxera os navios mal abastecidos, na esperança de encontrar na terra o suficiente, e
nada achando, tivera de demorar-se, até virem do Sul (e de Buenos Aires!) os gêneros encomendados. A culpa não foi
dele, mas da pressa (para socorrer a Bahia sitiada) com que partiu, iludido pela promessa dos recursos que na colônia
havia.

455 Carta in R. Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 422. Nos Livros da Câmara da Bahia (ms. no arq. desta) vemos que em
26 de janeiro (1639) se consignava a abundância de farinha do reino, existente com a chegada da frota... Entretanto em
abril o Conde da Torre, depois de proibir o plantio do tabaco, obrigava os moradores a tratarem de fabricar farinha de
mandioca — o que, vale dizer, deixou que se dispersassem os víveres necessários para a missão, a que vinha. Observe-se
que, “retirando-se o Conde de Banholo a esta praça, se uniu todo o governo militar, quando o Conde da Torre passou a
este estado, por capitão-general de mar e terra. Assim se conservou até o presente”, escreveu o Conde de Atouguia em
1655, Docs. hist., iv, p. 264.

456 Sobre o comércio com Buenos Aires a este tempo, R. de Lafuente Machain, Los Portugueses en Buenos Aires.
Buenos Aires: 1934, p. 108.

457 Eram os homens mais ricos do Brasil. Sobre Diogo de Aragão Pereira, genro de Baltasar de Aragão, P. Calmon,
Hist. da Casa da Torre, p. 121. Francisco Fernandes (da Ilha), sogro de Nicolau Aranha Pacheco, foi senhor da Ilha da
Maré, e benfeitor da Misericórdia da Bahia: aí o seu retrato, o mais antigo desta galeria. Mateus Lopes Franco, contratador
de dízimos, era senhor de engenho, além de mercador. Queimaram-lhe um engenho os holandeses em 1638, Duarte de
Albuquerque, Memórias diárias, ed. de 1638, p. 164. Antônio da Silva Pimentel, alcaide-mor da Bahia dezesseis anos, era
genro de Pero Garcia, morto em 1624, v. Frei Jaboatão, Cat. gen., tít. Silvas Pimentéis.

458 Francisco Pereira do Lago tem a notoriedade do morgado de Santa Bárbara — o principal da cidade baixa, na
Bahia — que fundou em 1641, Melo Morais, Crônica geral e minuciosa do Império do Brasil. Rio: 1879, p. 47. Arrendara
o contrato dos dízimos da Bahia em 1636–7, Docs. hist., xvii, p. 136. Em 1642 foi tenente-general da artilharia, Miralles,
op. cit., p. 45. No Cat. gen., citado, a sua descendência.

459 “Sermão da Santa Cruz”, pregado em 30 de maio de 1639 “estando na Bahia a armada real”, Por Brasil e Portugal,
p. 69. Tais os delitos, que as mulheres não podiam sair à habitual missa da madrugada, diz um relatório holandês, Rev. do
Inst. Arqueol. Pernambucano, v, pp. 21–2.

460 Eco político. Lisboa: 1645, p. 12.

461 Entre os brasões da expedição figuravam D. Sancho Manuel, futuro Conde de Vila-Flor, Docs. hist., xviii, p. 135;
Antônio de Sousa de Meneses, que foi governador-geral, Varnhagen, História das lutas holandesas, p. 330; Francisco
Barreto, o Conde de Castelo Melhor, também futuros governadores-gerais do Brasil.

462 Docs. hist., xviii, pp. 173–4.

463 Sermões, ix, p. 359.

464 Serm., ix, p. 359. O índio Camarão, em companhia do Padre Afonso Ferreira, Docs. hist., xviii, p. 123, seguiram
por terra.

465 Gaspar Barleo, O Brasil holandês sob o Conde João Maurício de Nassau, edição do Ministério da Educação, p.
186.

466 Barleo, op. cit., p. 190.

467 Com o cunhado D. Francisco Rendon fora de São Paulo o Alferes Bartolomeu Bueno, filho de Amador Bueno; e
embarcou no galeão Jesus Maria, de Castela. Deu em São Domingos. Indo para o reino o tomaram os franceses, Livro de
mercês gerais, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. O Capitão Antônio Raposo Tavares juntara-se ao Conde da Torre na Bahia,
com 150 paulistas, Docs. hist., xvii, p. 418, que formaram uma companhia incluída na infantaria espanhola.

468 Livro de atas da Câmara da Bahia. A última em que aparece o nome do Conde da Torre é de 1º de maio de 1640.
Montalvão empossou-se em 26 de maio, Miralles, ibid., p. 143.

469 Merecem ser citados os companheiros de Barbalho: Francisco Barreto, que seria o general da Restauração de
Pernambuco; Capitão Hilário Nunes de Matos, Docs. hist., xviii, p. 246; Amaro Velho de Cerqueira, Docs. hist., xx, p. 78;
Lourenço de Brito Correia, Docs. hist., xix, p. 470; Manuel de Hinojosa, Lourenço Cavalcanti de Albuquerque e Manuel
Camelo, adiante mencionados; Manuel Alves e Manuel de Araújo, Docs. hist., xxiv, pp. 223 e 295; Pedro Gomes, depois
mestre-de-campo, Docs. hist., xxv, p. 39; Manuel Carvalho Fialho, Docs. hist., xxx, p. 376, que perdeu dois irmãos na
retirada; Manuel Lopes, general na guerra dos Palmares, Melo, Biografias, etc., ii, pp. 170–2; Pedro de Oliveira, depois
ajudante no Rio, Docs. hist., xxi, p. 241; Pedro do Canto Coelho, Docs. hist., xxvi, p. 39; Francisco Pereira Guimarães,
Docs. hist., xxvi, p. 183 (foi capitão-mor do Rio Grande); Gregório Peixoto, Docs. hist., xxv, p. 335; Antônio de Andrade,
Anais do Arq. Públ. da Bahia, viii, p. 32; Ascenso da Silva, Docs. hist., xix, p. 352; Pedro de Miranda, Docs. hist., xix, p.
387. Do contingente paulista citam-se Antônio da Cunha Abreu, os irmãos Valentim e Luís Pedroso de Barros, outros a
que se refere J. P. Leite Cordeiro, São Paulo e a invasão holandesa. São Paulo: 1949, pp. 124 e ss.

470 Patente do Capitão Antônio de Andrade, Anais do Arq. Públ. da Bahia, viii, p. 33 (as demais patentes de
veteranos da retirada insistem na enumeração dos mesmos sucessos). Cousa digna de gregos, diz D. Francisco Manuel.
Epanáforas, também Fr. Manuel Calado, O valeroso Lucideno, pp. 73–4, Lisboa, 1668, Fr. Rafael de Jesus, Castrioto
lusitano, p. 165... Hierônimo de Hinojosa declarou que em Goiana degolara mais de 50 inimigos, Livro de mercês gerais,
ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. Lourenço Cavalcanti diz que na retirada lutavam “comendo cavalos e cachorros”, Livro 22
de mercês ger., ms. no mesmo arq., f. 545. E Manuel Camelo, Docs. hist., xxi, p. 296: “[...] no assalto que pelas 2 horas da
noite deu a 800 holandeses no engenho de Goiana de que se degolaram 500 flamengos; na investida que pelo romper
d’alva da mesma noite se fez a uma casa-forte em que se recolheram os que escaparam; no recontro que a 1.500
holandeses se teve no engenho do Salgado”. V. também Docs. hist., xx, p. 78.

471 Sermão pelo bom sucesso, etc., 10 ou 11 de maio de 1640, op. cit., p. 96.

472 R. Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 389.

473 Ficara no governo durante a ausência do conde, a partir de 21 de outubro de 1639, o Mestre-de-campo D. Vasco
Mascarenhas, Conde de Óbidos, por carta de 22 de dezembro de 36.

474 Sobrevindo a Restauração, em 1640, foi o conde que induziu o comandante da Fortaleza de São Julião da Barra,
D. Fernando de la Cueva, a entregá-la, Damião Peres, História de Portugal, vi, p. 9; e Consiglieri Sá Pereira, A restauração
vista de Espanha. Coimbra: 1933, pp. 85 e ss. D. Francisco Manuel escreveu-lhe uma das “cartas familiares”. Faleceu em 9
de agosto de 1651. Sobre a sua descendência, Pe. Antônio Carvalho da Costa, Corografia portuguesa. Braga: 1862, ii, p.
415, 2ª ed. O 2º Conde da Torre, seu filho, herói de Évora, em 1662, fundou a admirável Casa dos Marqueses de Fronteira,
em Lisboa. V. José Cassiano Neves, op. cit., p. 80.

475 Vieira, “Sermão da Visitação”, Serm., ix, p. 306.

476 Ao Conde de Linhares, em 1637, se oferecera já o título de vice-rei do Brasil, cf. Consiglieri Sá Pereira, op. cit., p.
50.

477 Mestre-de-campo, com Gaspar de Sousa, de um dos primeiros Terços que houve no reino, Epanáforas, p. 178.
Entrou em palácio a 23 de junho de 1640, cf. Livro de atas da Câmara da Bahia. Esta a data da posse?

478 O Padre Vieira, na festa da Visitação de Nossa Senhora, 2 de julho de 1640, saudou, do púlpito da Misericórdia, o
Marquês de Montalvão, Por Brasil e Portugal, p. 129. Este sermão por certo lhe deu a amizade do vice-rei, manifestada na
importante comissão com que foi a Portugal no ano seguinte.

479 A esquadra do Coronel Koin atacou Espírito Santo em 28–30 de outubro. Os moradores refugiaram-se no castelo
e mataram 60, ferindo 80 inimigos, Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 390. Verdadeiro milagre, cf. Jaboatão, Novo Orbe
Seráfico, i, p. 92. Vimos em New York Library, Traslado de una carta enbiada del Brasil a un caballero desta corte dandole
cuenta de las grandes victorias que han tenido las armas católicas de S. M. D. Filipe iv, N. S., governadas por D. Jorge
Mascarenhas, Conde de Castillo y Marqués de Montalvan, Madri, 1640.

480 Os capitães escolhidos para essa missão eram Henrique Dias e Paulo da Cunha, Fr. Rafael de Jesus, Castrioto
lusitano, p. 165. Das Atas da Câmara da Bahia consta entretanto que se fez junta em palácio, em novembro, sobre o
mocambo que devia ser atacado por Henrique Dias e a conveniência de levar padre, que soubesse a língua dos pretos
aquilombados. Teria Henrique Dias interpretado à sua maneira as instruções do vice-rei?

481 Frei Manuel Calado, O valeroso Lucideno, p. 76.

482 V. Rodrigues Cavaleiro, 1640, Richelieu e o Duque de Bragança. Lisboa: 1942, pp. 31 e ss.

483 V. Gio. Battista Birago, Delle historie memorabili che contiene delle sollevationi di stato de nostri tempi. Veneza:
1653, p. 107. Sobre a psicologia do ministro, Gregório Marañón, El Conde-duque de Olivares.

484 V. polêmica de Oliveira Martins e Camilo, sobre “Os jesuítas e a Restauração”, in Boêmia de espírito. Porto: 1920,
3ª ed.

485 “Sermão do Dia de Reis” (omitido na edição princeps), pregado a 6 de jan., 1641.

486 J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira. Lisboa: 1931, i, p. 55.

487 Referia-se o pregador ao verso do sapateiro Bandarra, trova lxxxvi, ed. de Barcelona, 1809: “Antes que cerrem
quarenta/ erguer-se-á a grão tormenta”. Ignorava que a 1º de dezembro de 40 se dera em Lisboa a revolução restauradora.

488 “Sermão”, citado; v. nosso Por Brasil e Portugal, p. 204, sermões de Vieira anotados, São Paulo, 1938.

489 Decisão de 3 de janeiro de 1641, “Consultas do Serviço Real”, cód. 30, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inéd.

490 Livro de atas. Bahia: 1949, ii, p. 9. V. Accioli, Mem. hist. e pol., ii, p. 21. No “Sermão das exéquias de D. João iv”,
p. 295, disse Vieira: “Apontou el-rei ao Brasil, e primeiro à cabeça, onde estavam dois terços de infantaria castelhana e um
de napolitanos, com um vice-rei tão beneficiado, de Castela; [...] pôs Deus a mão, veio a cabeça do Brasil, e após ela todos
os membros”.

491 Atas da câmara, 6 de abril de 1641: “Muito trabalho no apresto das festas que se fazem a el-rei”.

492 Atas, cit., ii, p. 20.

493 Atas, ii, p. 43. Manuel Maciel era acusado de ter ido pedir dinheiro para a viagem aos jesuítas, “per ordem do
Marquês de Montalvão”. Enquanto os outros preferiam Vieira, que falaria certamente pelos interesses da gente e do país.
Digladiavam-se surdamente os grupos: aquele, mais próximo dos espanhóis; este, esperançoso de autonomia e poder. Não
esqueçamos que na Europa pleiteou Vieira a liberdade de comércio e sobretudo a causa dos cristãos-novos (de quem se
fez destemido advogado), contra a intolerância.

494 Relaçam da aclamação que se fez na capitania do Rio de Janeiro do Estado do Brasil e nas mais do Sul, ao Senhor
Rey Dom João o iv, em Lisboa, por Jorge Rodrigues, ano de 1641 (nova estampa, por Francisco Morais, conservador da
sala do Brasil da Universidade de Coimbra, nesta cidade, em 1940, fac-similar). Também na Rev. do Inst. Hist., v, pp.
343–52. Esse folheto é de evidente defesa de Salvador Correia cujo espanholismo de mãe, esposa, cunhado, dera que
pensar, na Bahia e na corte. João Antônio Correia foi o emissário da notícia da aclamação a Portugal, e lá pediu o lugar de
juiz das avarias, Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 227.

495 Fr. Gaspar da Madre de Deus, Memórias para a hist. da cap. de São Vicente, p. 240.

496 Registo geral da Câmara de São Paulo, vii, p. 251; e Afonso d’E. Taunay, História geral das bandeiras paulistas, iii,
p. 132.

497 Carta de 15 de janeiro de 1642, ms. in Arq. Hist. Col., Lisboa (que pela primeira vez divulgamos in O segredo das
minas de prata, p. 100).

498 O Conselho Ultramarino deliberou, 7 de maio de 1644, dar o hábito de São Bento com 12$000 de pensão ao
Alferes Amador Bueno, por seus serviços e “visto ser de utilidade seu pai em São Paulo por o descobrimento das minas de
que V. M. aí manda tratar”. É a única referência que desse tempo achamos ao “aclamado”, Livro de mercês gerais, ms., f.
208, Arq. Hist. Col., Lisboa.

499 Afonso Taunay, Hist. ger. das band. paul., iii, p. 109; cf. Frei Gaspar, op. cit., p. 245.

500 A Marquesa D. Francisca de Vilhena realmente concitou o marido a resistir, chamando de traição a revolta de 1º
de dezembro, carta de 6 de fev. de 41, José Caldas, História de um fogo-morto. Porto: 1903, p. 129, nota. No mesmo
sentido D. Pedro Mascarenhas escreveu ao pai, em 12 de fevereiro.

501 Miralles, op. cit., p. 144. Corrige neste passo Rocha Pita, a quem Varnhagen seguiu, Hist. ger., ii, pp. 395–6. D.
João iv nomeou o mesmo triunvirato, cf. carta de 4 de maio de 1641, transcrita por Fr. Jaboatão, Cat. gen., e endereçada a
Manuel Gonçalves de Barros.

502 Miralles, ibid., p. 144. Resume D. Francisco Manuel, Epanáforas, p. 179: “Este é aquele D. Jorge, que foi varão,
entre os nossos, assaz notável (e ainda entre os do mundo) pela desigualdade de fortunas que passou”. Viera D. Sancho
Manuel, depois Conde de Vila-Flor, na armada do Conde da Torre, cf. patente de 31 de outubro de 1639, Docs. hist., xviii,
pp. 135–7. Seria o maior general da última fase da guerra da Restauração. Luís da Silva Teles casou com uma filha de
Salvador Correia de Sá.

503 Conde de Ericeira, Portugal restaurado. Lisboa: 1751, i, p. 147. Confirma D. Francisco Manuel, Tácito português,
apógrafo na Bibl. Nac., ed. da Acad. Bras., 1940, que os triúnviros foram castigados. Lourenço de Brito foi preso para o
reino, Barbalho removido para o Rio de Janeiro. Aliás já estava indicado para governador do Rio, desde 1637, Docs. hist.,
xvii, p. 2. Seus filhos ali ficaram. Jerônimo Barbalho foi mandado degolar por Salvador Correia após um motim e
Agostinho Barbalho, governador, morreu quatro anos depois (1664), procurando as minas do Espírito Santo. A
descendência de Barbalho subsiste por sua filha, casada na Bahia com Antônio Ferreira de Sousa (Monizes).

504 D. Francisco Manuel, Tácito português, cit.

505 É índice dessa gratidão a carta régia de 26 de outubro de 1645 que deu ao herdeiro do trono o título de príncipe
do Brasil. Foi o 1º D. Teodósio, e assim todos os herdeiros da coroa, até D. Pedro, filho de D. João vi (1817–22), príncipe
e, com a independência, Imperador do Brasil.

506 V. Pe. Vieira, “Sermão das exéquias de D. João iv”, Serm., xv, p. 293.

507 Livro de atas da Câmara da Bahia, 1641. Os dízimos da Bahia foram arrematados entre 1º de agosto de 1636 e 11
de junho seguinte por 20 contos. Representara um aumento de 7.500 cruzados sobre a arrematação de 1631, Docs. hist.,
xvii, p. 128. O arrendatário era Francisco Pereira do Lago, Docs. hist., xvii, p. 136, que em 1641 instituiu o morgadio de
Santa Bárbara, na cidade baixa, Melo Morais, Crônica geral. Rio: 1879, p. 47.

508 Os moradores pediram em 1649 a suspensão da vintena, Atas da câmara, iii, p. 89, que foi substituída pelo
imposto de meia pataca sobre canada de vinho e azeite de peixe.

509 Rocha Pita, op. cit., p. 147.

510 Atas da Câmara da Bahia, ii, p. 15.

511 Casa dos Vinte e Quatro chamava-se o Palácio dos Estaus em Lisboa, por ser a sede da representação dos
misteres, cada um destes com dois delegados eletivos. A Casa dos Vinte e Quatro foi criada em 1384 pelo Mestre de Avis
(D. João i), numa época de excitamento das paixões populares que tornara também necessária esta agremiação dos
ofícios. Em 1539 deu-lhes nova ordem. Graças a Virgílio Correia conhecemos os regimentos da Câmara de Lisboa, de
1572, v. J. Lúcio d’Azevedo, in História de Portugal. Barcelos: 1931, iii, pp. 659–61, dirigida por Damião Peres. Deste
regime deslizaram para a linguagem comum várias expressões significativas: mestre-de-obras, obra-prima (a da
aprovação dos oficiais), aprendizes ou obreiros... E — como diremos — a tradição dos santos protetores de cada
corporação, viva ainda hoje nos costumes luso-brasileiros. (De Virgílio Correia, Livro dos regimentos dos oficiais
mecânicos..., Coimbra, 1926.)

512 Eram estes misteres caldeireiro, correeiro, alfaiate, barbeiro, ourives, pedreiro, sapateiro, tanoeiro, marceneiro,
ferreiro, completando o número mais um barbeiro e um alfaiate, Atas, ii, pp. 16–7.

513 No Rio, pedira a câmara, em 1624, licença para eleger dois oficiais de misteres. Tinha quatro em 1661, com a
bandeira do respectivo santo, Vieira Fazenda, in Rev. do Inst. Hist., lxvi, pp. 152–8. Nas festas de 1622 as artes eram em
Lisboa “do lavrador, caçador, soldado, marinheiro, surgião, tecelão e ferreiro”, Sousa Viterbo, Artes e artistas em
Portugal. Lisboa: 1892, p. 261. Diremos como desapareceu esse sistema no Brasil, no século xviii. Nem podia durar, com a
absorção pelos escravos das atividades manuais.

514 Constantino Bayle, Los Cabildos Seculares en la América Española. Madri: 1952, pp. 234–5.

515 Atas da Câmara da Bahia, ii, p. 32.


516 Docs. hist., xxxii, pp. 389–91. A Provisão de 1644 (v. Afonso Rui, História política e administrativa da cidade da
Bahia. Bahia: 1949, p. 193) fora aprovada pelo Desembargo do Paço dois anos antes (12 de março de 1642). Em 1674 os
representantes dos misteres pediam os mesmos direitos da Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, Docs. hist., vol. cit., p. 385.
A incompatibilidade do Juiz do Povo com a vereação ordinária ressalta do pedido para que se afastasse do estrado, cf.
Atas, ii, pp. 111–2.

517 Ms. no Arq. Hist. Col., Bahia, Serviços de partes, n. 1527, inéd.

518 Documentos históricos do Arquivo Municipal, Cartas do Senado, i, pp. 118–9 Bahia, 1951.

519 V. Afonso Rui, op. cit., p. 196; Varnhagen, ibid., iii, p. 167.

520 Arq. Mun. da Bahia, Cartas do Senado, i, p. 118. Houve ainda cortes em Lisboa em 1674, 77, 79 e 97; v. Alfredo
Pimenta, Elementos de história de Portugal. Lisboa: 1936, p. 552. O episódio da procuradoria de Gregório de Matos não
era conhecido de seus biógrafos.

521 Carta ms. citada por Hernâni Cidade, in Anais do iv Congresso de História Nacional. Rio: 1951, xi, p. 39.

522 Falhara a tentativa de ocupação de Angola em 1627, Elias Alexandre da Silva Correia, História de Angola. Lisboa:
1937, i, p. 241. Pedro César em 1641 abandonou inexplicavelmente a cidade, ibid., i, p. 248, cuja tomada descreve Van
Baerle, O Brasil holandês..., p. 227. Esclarece honestamente Barleo que o Conselho Diretor da Companhia mandara
explorasse Nassau a revolução portuguesa, ampliando o domínio holandês, ibid., p. 225.

523 Barleo, op. cit., p. 232.

524 Carta de 6 de agosto de 1643, cf. Hernâni Cidade, Anais, cit., xi, p. 38.

525 Carta de Antônio Teles da Silva, 6 de agosto de 1643. Os holandeses alegavam “que os nossos no Maranhão se
tinham levantado com a sua gente que lá tinha, e degolando-os, o que souberam por via de um navio que havia três ou
quatro dias lhes tinha chegado de Pernambuco”, “Relação de dois jesuítas”, publ. por Eduardo Brasão, in Ocidente, n. 25,
p. 274.

526 Gedeon Morris, prisioneiro no Amazonas em 1628, em 1637 apresentara à Companhia os planos da conquista do
Maranhão e Pará, Capistrano de Abreu, Capítulos de história colonial, p. 161 da 2ª ed.; Garcia, nota a Varnhagen, ii, p.
430.

527 Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 432.

528 Eduardo Brasão, A restauração, p. 352. Sobre este, Hernâni Cidade, in Brasília. Coimbra: 1942, i, pp. 196–7.

529 Filho do “grande ministro” Luís da Silva e de D. Mariana de Alencastre — esclarece D. Francisco Manuel no
Tácito português — exercia o comando das armas no Alentejo, onde foi substituído por Joanne Mendes de Vasconcelos
muito apadrinhado por Montalvão. Antônio Teles recebeu como uma compensação o governo do Brasil. Figurara nos
acontecimentos da Restauração, em 1º de dezembro de 1640, e foi o único ferido nesse dia memorável, durante o assalto à
secretaria de Miguel de Vasconcelos. Trouxe regimento de 60 capítulos, datado de 16 de junho de 1642, códice ms. no
Arq. do Palácio do Conde dos Arcos, Lisboa, inéd.

530 Netscher, op. cit., p. 104. O sítio de Vrijburg é o do Palácio do Governo do Recife, na ponta norte da ilha, onde a
confluência dos rios e a vista de Olinda aumentam o interesse do lugar. O palácio foi poupado nos arrasamentos que se
fizeram em 1645. Parece que só lhe mutilaram as torres, bom alvo para a artilharia. Mas com torres ou sem elas, foi
aproveitado após a capitulação do invasor. “Vi a certidão que V. M.ce me remete do escrivão da Fazenda sobre o Quartel
das Torres em que moravam os governadores dessa capitania”, 1687, Docs. hist., x, p. 252. “Obra flamenga toda feita de
tijolos [...] e assim haver mister de as ditas torres rasar até o meio para ficarem no ponto das suas casas”, 1686, doc. citado
por Pereira da Costa, Anais pernambucanos, iv, p. 185. “Onde existia o palácio que hoje já não existe”, 1724, P. da Costa,
ibid., iv, p. 188. Foi reconstruído em modesta forma para Erário Régio.

531 Crê Pereira da Costa que parte do Palácio da Boa Vista (de que Franz Post dá o desenho divulgado no livro de
Barleo) foi aproveitado pelos carmelitas no convento, que lhe ocupou a antiga área.

532 Natural de Leide (1612–80) foi Franz Post o mais fiel intérprete, nas telas documentais, da natureza (com os
aspectos humanos) do Brasil holandês. De 44 delas nos dá reprodução fotográfica J. de Sousa-Leão, Frans Post, Recife,
1937 (v. também Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 373; Argeu Guimarães, Na Holanda com Franz Post, Rio, 1957). Possui
nove o Museu do Louvre, France et Brésil, pp. 50–1. Quanto ao outro pintor Thomas Thomsen, Albert Eckout: Ein
niederlandischer maler und sein göner Moritz der Brasilianer, Copenhague, 1938. No Museu Nacional de Copenhague,
sala Eckout, se guardam sete quadros grandes e dez pequenos, do artista, que trabalhou principalmente em 1643, sendo de
notar (anotamos na visita feita ao Museu, em 21 de julho de 1952) os retratos da bela africana, da mameluca de colar rico,
do menino e do chefe negro. D. Pedro ii fez copiar vários (para o Instituto Histórico). Lá se conservam alguns dos objetos
indígenas que serviram de modelo a Eckout, assim o nosso primeiro pintor-etnógrafo.

533 De Zacarias Wagener há desenhos em que predomina o pitoresco. Alemão, de Dresden, chegou a governador nas
Índias Holandesas (1614–68), v. O. Quelle, Zacharias Wagener und sein Brasilienwerk, in Ibero Amerikanisches Archiv.
Berlim: 1936, abril, n. 46. Não podemos incluí-lo entre os artistas da missão de Nassau. Foi amador e homem de armas.

534 Nassau retalhou o seu tesouro artístico, vendendo parte, em 1652, por 50 mil táleres, ao eleitor de Brandemburgo,
e dando outra, em 1679, a Luís xiv. V. Thomsen, op. cit., p. 177, e Mauritz der Brazilianer — Teutoonstelling — 7 de abril
– 17 de maio de 1953 — Haarlem (exposição de cujo comitê participou o ministro brasileiro J. de Sousa-Leão).

535 Traduzida por Mons. José Procópio de Magalhães, edição do Museu Paulista, São Paulo, 1942: História natural
do Brasil. A mais importante obra de história natural àquele tempo (Gudger), é título de glória para o primeiro naturalista
que no sentido moderno se ocupou da América, Carlos E. Chardon, Los Naturalistas en América Latina, p. 48, C. Trujillo,
1949. Segunda edição, 1658, enriquecida com as observações médicas de Piso e as astronômicas de Marcgrave, também
matemático e cartógrafo (cf. A. Taunay, pref. à trad. da Hist. nat., p. xxxiv), contém nos livros iii e iv a parte de
Marcgrave.

536 Vieira, Cartas, iii, p. 148, ed. J. Lúcio.

537 Traduzida por Mário Lobo Leal, História natural e médica da Índia Ocidental. Rio: Instituto Nacional do Livro,
1957, 5 livros.

538 Clássico holandês, reputado um dos grandes poetas da língua, dele reproduz Barleo dois discursos, op. cit., pp.
242 e 309.

539 H. Wätjen, ibid., p. 401.

540 V. José Antônio Gonsalves de Melo, Tempo dos flamengos, pp. 35 e ss.; C. R. Boxer, The Dutch in Brazil, cap. iv.

541 V. H. Wätjen, op. cit., pp. 392 e ss.

542 Carta de Alexandre de Sousa Freire, 28 de abril de 1669: “Vi a carta que V. S. me escreveu em 20 de janeiro
acompanhando a relação das fortalezas que há nessas capitanias: e a despesa que V. S. me diz se fez sempre com as ruínas,
que têm por serem as mais delas de torrão areento. E como a principal de todas é do Brum [...] estava o povo resolvido a
fabricá-la de pedra e cal”, Docs. hist., ix, p. 333. E em 19 de julho de 1670: “Recebi a carta de V. M.ce (engenheiro Antônio
Correia Pinto) com as plantas nova e velha da Fortaleza do Brum e estimei que tenha V. M.ce o merecimento de emendar
nela o que obraram os holandeses, etc.”, Docs. hist., ix, p. 372.

543 “Não é exagerado que se compute em mais de £15.000.000 o valor do açúcar distraído para os Países Baixos
durante a ocupação holandesa”. Cousa de £20 milhões, somando os demais efeitos mercantis, Roberto Simonsen, Hist.
econ. do Brasil, i, p. 181. Sobre o movimento em 1644, v. C. R. Boxer, ibid., pp. 277–9.

544 V. Pereira da Costa, Anais pernambucanos, iii, pp. 136–41.

545 Henrique Henriques de Noronha, Nobiliário da Ilha da Madeira. Funchal: 1947, iii, p. 504. Este nobiliário não é
do fim do séc. xviii, mas de 1700, como se lê no frontispício do apógrafo.

546 V. José Antônio Gonsalves de Melo, João Fernandes Vieira. Recife: 1956, i, p. 15. “De uma mulher rameira a que
chamam a Benfeitinha e de um homem que lhe dão por pai, que foi ali degredado em título de ladrão”, doc. cit. pelo
mesmo autor, ibid., p. 15. Os papéis holandeses pormenorizam: “Sua mãe é uma negra e do seu pai não se sabe o
paradeiro”, ibid., p. 18. Já os portugueses, como Fr. Manuel Calado, aludem com respeito, “de nobre, ilustre e grave pai
nascido”, O valeroso Lucideno. Recife: 1942, pp. 122 e ss. O biógrafo duvida, com razão, do Nobiliário, no que se refere ao
nome primitivo, Francisco, trocado em João. Não há nenhuma confissão de Vieira, que aliás tanto escreveu de si, sobre a
razão ingênua ou maliciosa da mudança. A chave do mistério pode estar na circunstância de ser filho natural, egresso da
família, a adotar talvez o sobrenome da mãe pobre. O seu retrato no Castrioto lusitano aparece brasonado com as armas
de Ornelas e Monizes, Lima Breyner; e J. A. Gonsalves de Melo, ibid., p. 13: não é preciso mais, para confirmarmos a
paternidade. Porém sempre João Fernandes Vieira, o que parece implicar a ressalva da ilegitimidade.
547 Doc. in J. A. Gonsalves de Melo, ibid., i, p. 30.

548 Um dos raros vestígios deixados no Recife pelos holandeses (talvez por tolerância do próprio João Fernandes
Vieira, seu antigo sócio) é uma lembrança desse judeu flamengo. Consiste na estátua de um peregrino em pedra e o
dístico, Jacob Bish Ginea me — que estava na casa que fora dele à Rua da Cruz, casa que passou à propriedade de Vieira e
foi demolida quando da remodelação da cidade. Agora no Inst. Arqueológico Pernambucano. A figura (a indicar o sítio
da sinagoga ou a qualidade de rabino) ostenta um livro... Aliás a sinagoga daquela rua dos Judeus (da Cruz, em 1654) foi
dada por Francisco Barreto a Vieira, cf. Inventário das armas etc., p. 188, da 2ª ed.

549 Leia-se Varnhagen, Hist. das lutas, p. 255.

550 Casou-se Vieira com D. Maria César, filha do madeirense Francisco Berenguer de Andrada e D. Joana de
Albuquerque, esta filha de Antônia da Rosa e Simoa, filha natural do velho Jerônimo de Albuquerque e Maria do Espírito
Santo Arcoverde (Borges da Fonseca, Nobiliarquia pernambucana, i, p. 465, ii, p. 227; Gonsalves de Melo, op. cit., i, p.
66). Leia-se também C. R. Boxer, The Dutch in Brazil, p. 105, passim.

551 Fr. Vicente, op. cit., p. 498; Pe. Serafim Leite, Hist. da Comp. de Jesus, iii, p. 112; Varnhagen, ibid., ii, p. 405.

552 Capitães: Pedro da Costa Favela, Bento Rodrigues de Oliveira (também naturais do Brasil) e Aires de Sousa
Chichorro.

553 Morreu de doença, não em combate (é o que se depreende dos docs. publ. pelo Pe. Serafim Leite, ibid., iii, p. 109).

554 Garcia, nota a Varnhagen, ii, p. 433.

555 V. Diogo Lopes de Santiago, História da guerra de Pernambuco e feitos memoráveis do Mestre-de-campo João
Fernandes Vieira. Recife: 1943, caps. xxv e xxvi, 2ª ed.

556 Obras escolhidas. Lisboa: Clássicos Sá da Costa, iii, p. 35, pref. e notas de Antônio Sérgio e Hernâni Cidade.
Também no papel de 1647 sobre a compra de Pernambuco, ibid., iii, p. 25.

557 Nieuhof, Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil, trad. de Moacir N. Vasconcelos, p. 88.

558 Nieuhof, ibid., p. 97.

559 Nieuhof, ibid., p. 109.

560 “Sermão de São Roque”, 1644, anotado na edição definitiva, Serm., viii, p. 79. — Veja-se Brasilische Gelt-Sack.
Waer in dat Klaerlijck vertoont wort waer dat de Participanten Van de West-Indische Comp. haer Geltl ghebleben is.
Gedruckt in Brasilien op’t Reciff in de Bree-Bijl, Anno 1647 (vimos os ex. da Livraria do Congresso, de Washington, e
John Brown Library). Dado como impresso no Recife; mas não consta houvesse tipografia holandesa no Brasil, Wätjen,
op. cit., p. 38; v. Lawrence C. Wroth, A History of the Printed Book. Nova York: 1938, p. 178. Informa-nos sobre os
contratos que a insurreição interrompera, nomeia os contratantes, e acusa João Fernandes Vieira de “grande traidor”.
Pedira em 1641 redução de sua dívida. O total ia a 38 mil florins. Saiu essa obra dos prelos de Holanda, Alfredo de
Carvalho, Anais da imprensa periódica pernambucana. Recife: 1908, p. 27.

561 Outra atitude de Vieira concordante com as doutrinas então correntes foi a sua apologia do 5º Império, que por
esse tempo Menasseh-ben-Israel pregava, como augúrio da pacificação messiânica, v. Julius H. Greenstone, The
Messianic Idea in Jewish History. Filadélfia: 1945, p. 218.

562 J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira, i, p. 91.

563 Mendes dos Remédios, Os judeus portugueses em Amsterdã. Coimbra: 1911, p. 52; Arnold Wiznitzer, in Anais da
Bibl. Nac., lxxiv, p. 216, 1953. Não esqueçamos que Gaspar Dias Ferreira também induziu Van Baerle a escrever o seu
livro. Estivera pela primeira vez no Brasil em 1618. Amigo de Nassau, ajudou a diplomacia portuguesa a demovê- lo de
nova comissão na América. V. também José Antônio Gonsalves de Melo, Tempo dos flamengos, pp. 295 e ss.; Arnold
Wiznitzer, The Minute Book of Congregations Zur Israel of Recife, vol. xlii de American Jewish Historical Society, 1953.

564 Cartas, ed. de 1885, i, p. 13.

565 Ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, Papéis avulsos, inéd. O governador, para antecipar a agressão, dos 7 mil homens
que viriam na próxima frota, talvez sobre a Bahia, mandou desfechar a insurreição, que subterraneamente se preparava
no Nordeste.
566 Da patente do Mestre-de-campo Antônio Dias Cardoso, 4 de maio de 1650: “E na aclamação da liberdade
daquelas capitanias ser o sujeito que mais trabalhou descobrindo segredo às pessoas que lhe pareceu para o ajudarem”,
Docs. hist., xviii, p. 326. V. biografia que lhe dedicou José Antônio Gonsalves de Melo, Recife, 1954,

567 Das Ementas de habilitações, Bibl. Nac. de Lisboa: “Nicolau Aranha Pacheco filho de Pedro João Aranha e Clara
Fernandes de Faria; avós paternos João Fernandes Aranha e Brites d’Eça naturais de Regalados e Arcos de Val-de-Vez,
com fama cristãos-novos por esta parte, não teve efeito a mercê, em 19 de julho de 1644”, p. 90. Distinguira-se na defesa
da cidade contra Nassau, Miralles, ibid., p. 40. Chegou a ser nomeado governador de Pernambuco em 1658. Sua mulher
foi a benemérita D. Francisca de Sande, a quem alude Rocha Pita, Hist. da Amér. Port., p. 310. Sucedeu a Martim Soares
Moreno como mestre-de-campo, patente de 22 de abril de 1648, doc. ms. Arq. Hist. Col., Lisboa.

568 Diogo Lopes de Santiago, op. cit., p. 232.

569 V. Joan Nieuhof, Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil, trad. de Moacir N. Vasconcelos, p. 108.

570 Fernandes Gama, Mem. hist. de Pernambuco. Recife: 1844, ii, p. 144.

571 Carta de João Fernandes Vieira, 30 de dezembro de 1645, Boletim do Arquivo Histórico Militar. Vila Nova de
Famalicão: 1943, xiii, p. 3. Prometera Vieira construir, se ganhasse a batalha, uma capela em honra da Senhora do
Desterro. Ganhou e cumpriu.

572 Joan Nieuhof, op. cit., p. 138. Confirma Diogo Lopes de Santiago, a propósito da rendição de Hoogstraten e
entrada para o serviço de Portugal no Forte de Nazaré.

573 Entre esses capitães: Pedro Duarte, que “acabou a vida de mau trato que padeceu na jornada”, Docs. hist., xxii, p.
41; Francisco Gil de Araújo, futuro donatário do Espírito Santo e poderoso sujeito da Bahia; Estêvão Pereira de Bacelar,
meirinho da Relação, Docs. hist., xxv, p. 99; Gaspar de Sousa de Carvalho, que chegou a sargento-mor, Docs. hist., xxxii,
p. 50; João Alves Soares, indicado na genealogia de Fr. Jaboatão, Rev. do Inst. Hist., li, p. 246, tio do homônimo escritor e
poeta.

574 V. Clado Ribeiro Lessa, Salvador Correia de Sá e Benavides. Rio: 1940, p. 38, passim; Diogo Lopes de Santiago,
História da guerra de Pernambuco, p. 362.

575 Publ. na Rev. do Inst. Arqueol. Pern., v, n. 34, pp. 86–9; e Garcia, nota a Varnhagen, Hist. ger., iii, p. 25.

576 Leia-se C. R. Boxer, Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola. Londres: 1952, pp. 208–9.

577 Anais da Bibl. Nac., lvii, pp. 89–109.

578 Cartas de el-Rei D. João iv ao Conde da Vidigueira. Lisboa: Acad. Port. da Hist., 1942, ii, p. 6. Esta
correspondência, divulgada pelo embaixador português em França, tinha por fim inocentar o rei fazendo recair a culpa de
resistência a suas instruções no governador (que não se fazia ouvir dos rebeldes) e destes (surdos às admoestações da
Coroa), na guerra por conta própria.

579 Diogo Lopes de Santiago, ibid., p. 340. E carta dos mestres-de-campo a Antônio Teles, in Cartas de D. João iv ao
Conde da Vidigueira, ii, p. 9, com tradução italiana, Successo della guerra de’ portoghesi sollevati in Pernambuco..., que
vimos em New York Library, col. Lenox.

580 A patente é de 6 de outubro de 1645, Calado, Valeroso Lucideno, pp. 247–54; Varnhagen, ibid., iii, p. 29.

581 D. Maria de Melo casou-se em segundas núpcias com João Batista Accioli, Borges da Fonseca, Nobil. Pern., in
Rev. do Inst. Arqueol. Pern., n. 65, p. 148. De Van-der-Ley descende a grande família deste apelido. V. Garcia, nota a
Varnhagen, ibid., iii, p. 34.

582 Nieuhof, op. cit., p. 198; Diogo Lopes de Santiago, ibid., p. 372.

583 Cartas de D. João iv ao Conde da Vidigueira, ii, pp. 6–8.

584 P. N. Netscher, Les Hollandais au Brésil, p. 150. Hoogstraten assumiu o comando do batalhão holandês que
aderiu aos portugueses e esteve à frente do frustrado ataque a Itamaracá. Serviu lealmente. Foi confirmado no posto de
mestre-de-campo na Bahia. V. também Nieuhof, ibid., p. 189.

585 Diogo Lopes de Santiago, op. cit., p. 356. Foi considerável o armamento arrecadado. Ocorreu a 17 de agosto.
586 Diogo Lopes de Santiago, ibid., p. 384. Esse Tenente-coronel Haus foi mais tarde assassinado na Bahia. Em carta
ao governador de Pernambuco, 21 de abril de 1674, o da Bahia recomendou a prisão dos criminosos, “que mataram
Henrique Haus”, Docs. hist., x, p. 100. Sobre a rendição do Pontal, carta de Fernandes Vieira, 30 de dezembro de 1645.

587 Pero Poti fora, com Antônio Paraupaba, educado em Holanda, doc. cit. por José Antônio Gonsalves de Medo,
Tempo dos flamengos. Rio: 1947, p. 263. Chefiava os petiguares distribuídos pela Paraíba e Rio Grande, Nieuhof, ibid., p.
311. Tapuias eram os quiriris (ou janduís).

588 Diogo Lopes de Santiago, ibid., pp. 299, 303–4.

589 “Regedor dos brasilianos” na capitania do Rio Grande, acabou na Holanda, calvinista, com o nome ligado à
publicação de 1657, “Duas exposições ou demonstrações entregues aos muito poderosos senhores Estados-gerais por
Antônio Paraupaba”, José Antônio Gonsalves de Melo, op. cit., p. 265. Paraupaba ou antes Paraopeba, quiriri, talvez o
mesmo Waripeba, de Barleo (trad. port., p. 277), que lembra Baepeba, chefe quiriri de Sergipe, vencido por Cristóvão de
Barros.

590 Sobre a destruição da frota, Netscher, ibid., p. 150; Diogo Lopes de Santiago, ibid., p. 365.

591 São as moedas obsidionais (ou de necessidade) que primeiro se cunharam no Brasil. Nieuhof trata desse plano,
mas sem falar da fabricação de dinheiro, ibid., p. 247.

592 Nieuhof, ibid., p. 210; José Antônio Gonsalves de Melo, Tempo dos flamengos, p. 102, Rio, 1947: “A 17 (agosto)
começamos a demolir as casas da nova Maurícia”.

593 Netscher, ibid., p. 147. Chamavam-se os conselheiros (além de Schoonenborch), Michel van Goch, Simon van
Beaumont, Abraam Touwels e Hendrick Haecx, os dois últimos encarregados da tomada das contas da Companhia no
Brasil.

594 Nieuhof, ibid., p. 269. Sucedeu-lhe o Almirante Banckert, ou Joast van Trappen, que se notabilizara na batalha
das Dunas (1639).

595 Atas da Câmara da Bahia, ii, p. 291. Fez a câmara solene promessa de missa anual em honra de Santo Antônio.

596 Ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. Consulta de 17 de agosto de 1646.

597 Atas da câmara, ii, p. 328. Trata-se do forte real (sic) reedificado pelo Conde das Galveias, no século seguinte.

598 Das Baleias se chamou a ponta depois que João Francisco, em 1624, arrematou o respectivo contrato e aí se
instalou, “na mesma língua de terra em que hoje se acha edificada a cidade”, Ubaldo Osório, A Ilha de Itaparica. Bahia:
1928, p. 21. Descreve-a Fr. Vicente do Salvador: “Outros foram em uma nau à ponta da Ilha de Itaparica, chamada a
ponta da Cruz e, depois de carregarem de azeite ou graxa de baleia”, Hist. do Bras., p. 528. O Forte de São Lourenço foi
construído no local das trincheiras de Segismundo, “na ponta de Taparica”, Atas da câmara, ii, p. 382, ano de 1648, “de
torrão, e reedificado no começo do século imediato”, Brás do Amaral, nota a Accioli, Mem. hist., ii, p. 298.

599 A Câmara da Bahia aludiu ao “cerco” em que ficava, Atas da câmara, ii, p. 340, e mandou o vereador mais velho,
Domingos Barbosa de Araújo, representar a el-rei sobre esta situação. Aliás não chegou a viajar. Para auxiliar a armada
que viesse socorrê-la, subscreveram os moradores 50 mil cruzados, Atas, ii, p. 356.

600 Cartas do Padre Antônio Vieira. Coimbra: 1925, i, p. 246, ed. J. Lúcio d’Azevedo.

601 Fora comissário-geral da cavalaria e distinguira-se na defesa da Bahia contra Nassau, Docs. hist., xvii, p. 266.

602 Cartas, ed. citada, i, p. 137.

603 A fome já era sensível na Bahia, Docs. hist., iii, p. 16, abastecida por mar, pois as farinhas eram das vilas do Sul,
razão por que Segismundo insistia em depredar as povoações do recôncavo, a fim de impedir que de lá saíssem os
suprimentos que não podiam atravessar a barra. O auxílio que o governador reclamou de São Paulo devia vir pelo sertão,
cartas de 8 e 21 de novembro de 1646. Levou-o o Capitão Antônio Pereira de Azevedo (200 paulistas e 2 mil índios),
Taques, Nobiliarquia, ed. A. Taunay, p. 259. V. carta do governador a D. João iv, 15 de dezembro de 1647, in Brasília, ii, p.
592. Além da ação de 10 de agosto, feriram-se na ilha várias sortidas, em que se destacou Bernardo Pereira Ravasco, irmão
do Padre Vieira, Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 55, Alberto Lamego, in O Jornal, Rio, 2 de fevereiro de 1930.

604 Carta ao Conde de Ericeira, 23 de maio de 1689, e J. Lúcio, op. cit., i, pp. 113–4. Aliás a capitania da Bahia
prometeu 200 mil cruzados para a armada, carta de Vila Pouca, fevereiro de 1648, Docs. hist., iii, p. 20. Este dinheiro foi
tomado aos moradores de porta em porta, Atas da Câmara da Bahia, iii, p. 10, e o bispo emprestou 58 mil cruzados para
os aprestos do regresso, quantia que se mandou pagar à sua sobrinha D. Micaela da Silva, em 1665, Docs. hist., xxii, p.
321.

605 Carta de 1648, Cartas, i, p. 46.

606 Filho do mordomo-mor de Filipe iii, Luís da Silva Teles e neto materno do Conde de Vimieiro, pertenceu o de
Vila Pouca ao Conselho de Guerra, Pe. Antônio Carvalho da Costa, Corografia portuguesa, ii, p. 212. Passara à Índia duas
vezes. Foi capitão de Diu e general das armadas de alto bordo; e governou a Índia após a morte do Vice-rei Pedro da Silva,
até a chegada do Conde d’Aveiras. Depois do governo do Brasil, D. Antônio Caetano de Sousa, História genealógica da
Casa Real, v, p. 231, Lisboa, 1745, foi alferes-mor na coroação de Afonso vi e vice-rei da Índia em terceira viagem. Faleceu
a bordo, em 1657. O título de conde é de 1647, Sanches de Baena, ibid., ii, p. 757.

607 Garcia, nota a Varnhagen, iii, pp. 84–5, resumindo a Correspondência de Sousa Coutinho, ed. E. Prestage,
Coimbra, 1926. Sobre Gaspar Dias Ferreira, o amigo de Nassau (e de Barleo), curiosa figura de tratante internacional, v.
Pereira da Costa, Anais pernambucanos. Recife: 1952, iv, pp. 388–9. Lisboeta, em Pernambuco em 1618, casou com a filha
da viúva D. Isabel Cardoso, senhora de engenho, e aderindo aos holandeses, se beneficiou com o confisco de várias
propriedades, entre estas a do Mosteiro de São Bento da Paraíba... Condenado na Holanda como traidor, em 1646, fugiu
da prisão e foi acolher-se a Portugal, sob a proteção de D. João iv. Aí se achava em 1652.

608 J. Lúcio d’Azevedo, Hist. de Antônio Vieira, i, p. 107.

609 Witte Corneliszoon de With.

610 Cartas, ed. J. Lúcio, i, p. 245.

611 José de Miralles, op. cit., p. 145; e D. Francisco Manuel, Epanáforas, p. 592.

612 Correspondência, pp. 160–1. Veja-se, aliás, a de Antônio Teles para D. João iv, ainda em dezembro de 47 e
janeiro de 48, em que mostra a sua alegria pelo insucesso de Segismundo, obrigado a largar Itaparica (Cartas de João iv ao
Marquês de Niza, citadas) — e não deixam supor o falado ressentimento do rei, contra o governador.

613 Filho de Manuel Alves, nasceu em Pernambuco, formou-se em 1633, Francisco Morais, Estudantes da
Universidade de Coimbra nascidos no Brasil, p. 15, Coimbra, 1949, casou com a irmã do Padre Vieira, D. Leonarda, e em
sua companhia, de um filho e quatro filhas, desapareceu num cruel naufrágio, Cartas, ed. J. Lúcio, ii, p. 247, em 1663.
Acrescentou ao nome Deus-Dará, Docs. hist., iv, p. 220.

614 Epanáforas, p. 592. Sobre o motim que precipitou a nomeação do general (contra Fernandes Vieira), Diogo Lopes
de Santiago, ibid., p. 542.

615 Nasceu em Callao, Peru, 1616, e faleceu em Lisboa em 1688, Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 108. “Havendo ido
servir àquela conquista (Brasil) como soldado particular e com as poucas assistências de um filho natural de pai não
demasiadamente rico”, diz Pedro Severim de Noronha em D. Afonso vi, ed. E. Brasão, p. 187. Reivindicou porém a quinta
da Quarteira alegando “foi sempre brasão maior de meus pais e avós”, Docs. hist., iv, p. 403. Não assinava Meneses, como
aparece no nome paterno, Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 119. Há retrato seu na Galleria degli Uffizi, Florença, cuja cópia o
Visconde de Paraguaçu ofereceu à Câmara da Bahia. V. também P. Calmon, Francisco Barreto, Lisboa, 1940.

616 Em carta de 19 de maio de 1648 conta Filipe Bandeira de Melo (que viera com o general) a detenção e a fuga,
dizendo que o filho do carcereiro roubou as chaves ao pai, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. Tomou-o Barreto sob a sua
proteção. Subiu Francisco de Brá aos maiores postos da hierarquia militar e casou na aristocracia baiana, Jaboatão, Cat.
gen., tít. de Brá. Era “de Roterdã, filho de Jaques de Brá natural da mesma cidade e D. Ana de Brá, da cidade de Nantes”,
Livro de irmãos da mis. da Bahia, termo de 24 de julho de 1674, ms. inéd. Barreto proclamou-o “instrumento da minha
liberdade”, Docs. hist., xix, p. 176. Foi alferes no Arraial de Bom Jesus, patente de 26 de outubro de 1652, capitão em 53,
Antônio Joaquim de Melo, Biografias de alguns poetas e homens ilustres da província de Pernambuco. Recife: 1856, i, pp.
112–3; sargento-mor, 27 de novembro de 68. Esteve nas duas batalhas dos Guararapes, Docs. hist., xxx. Aliou-se à família
Góis de Araújo, com numerosa descendência.

617 Carta de Francisco Barreto, considerada por Varnhagen, História das lutas com os holandeses no Brasil, p. 347 da
nova edição, Bahia, 1955, documento capital para o episódio, publ. também por Alberto Lamego, in Documentos dos
arquivos portugueses que importam ao Brasil, n. 2, e que preferimos ler na cópia que acompanha as Cartas de D. João iv
ao Conde da Vidigueira, ii, p. 258 (corrigindo vários enganos da transcrição de Varnhagen).
618 V. Varnhagen, Hist. do Bras., iii, p. 60.

619 A colocação paralela dos exércitos nos montes, um em frente ao outro (sendo dos portugueses a elevação onde
está, votiva, a Igreja da Senhora dos Prazeres), foi evidentemente em seguida ao primeiro desbarato da vanguarda
holandesa, quando, surpreendida, desfez a marcha em coluna e procurou espalhar-se, protegendo-se, pelas ladeiras. Não
se repetiu a manobra do monte das Tabocas: ao contrário, os flamengos tiveram momentaneamente a superioridade do
terreno — de que não puderam usar. André Vidal de Negreiros diz ter tido a iniciativa da vanguarda, carta de 12 de maio
de 1648, inédita, revelada por Virgínia Rau, in Brasília. Coimbra: 1955, ix, p. 346.

620 V. Diogo Lopes de Santiago, op. cit., p. 628. Da batalha há quadros sem exatidão histórica que se repetem,
datados de 1709 (da Câmara de Olinda, figurando Tabocas e Guararapes, hoje no Museu do Estado), 1787 (tetos da Igreja
da Conceição do Recife) e 1801 (tábuas do coro da Igreja da Senhora dos Prazeres de Guararapes, atualmente no Instituto
Arqueológico Pernambucano).

621 Mapas in R. Garcia, nota a Varnhagen, iii. pp. 76–8. Em carta a Salvador de Sá descreveu o governador-geral mais
ou menos o que Barreto mandara dizer ao rei, na citada carta. Quanto às perdas portuguesas, de 20 soldados pagos e 40
moradores, Docs. hist., iv, p. 435, segundo uma fonte, de 70 mortos e 300 feridos, conforme Bandeira de Melo, ms. cit.,
cifras que Barreto eleva e diminui para 80 e 400, respectivamente. Das bandeiras tomadas, guardou Barreto a dos estados
e enviou 19 para a Bahia. As outras, índios e pretos, não lhes dando importância, dilaceraram, “para bandas e outras
galas”, carta de Barreto, Cartas de D. João iv, ii, p. 260; e de Vidal de Negreiros in Brasília, ix, p. 347. Este diz que os
holandeses levavam libambos e grilhões, para prenderem os escravos retomados...

622 Vieira, Cartas, i, p. 222. Quanto a Henrique Haus, como dissemos, não morreu. Em 1674 foi assassinado na
Bahia.

623 No mesmo ano em Paris publicou-se, na Gazette, “Défaite des hollandais dans le Brésil”. Leia-se também General
Lobato Filho, As duas batalhas de Guararapes. Recife: 1939, pp. 11 e ss., com croquis.

624 Eduardo Brasão, A restauração, p. 356.

625 Carta de Lanier (representante de França), 6 de agosto de 47, atribuindo (com razão) ao Padre Vieira a sugestão,
J. Lúcio d’Azevedo, O Padre Antônio Vieira julgado em documentos franceses. Coimbra: 1928, pp. 9–10.

626 Cartas, iii, p. 610. V. a contestação a Vieira do licenciado Manuel de Morais, Anais do Museu Paulista, i, pp. 123–
8.

627 V. J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira, i, pp. 117–8.

628 V. Antônio Vieira, Obras escolhidas. Lisboa: Clássicos Sá da Costa iii, pp. 29 e ss., pref. e notas de Antônio Sérgio
e Hernâni Cidade.

629 J. Lúcio d’Azevedo, op. cit., i, p. 120.

630 V. Hernâni Cidade, no prefácio ao 3º vol. das Obras escolhidas do Pe. Vieira, citado, p. xxi.

631 V. Correspondência de Francisco de Sousa Coutinho, ii, p. 192. Correu que o embaixador, depois de prometer
entregar Pernambuco, escrevera ao rei: “V. M., Senhor, salve a sua honra desaprovando o que eu fiz em seu nome:
sacrifique a sua cabeça e não aquela praça”, Afrânio Peixoto, História do Brasil. Porto: 1940, p. 119. A versão está próxima
da verdade. Note-se que fracassadas as negociações de França e Holanda foi Vieira encarregado de agenciar em Roma o
casamento do príncipe herdeiro D. Teodósio com a Infanta Maria Teresa (depois mulher de Luís xiv), filha de Filipe iv de
Espanha — em 1650. Reunir-se-iam os reinos tendo Lisboa como capital... Dessa embaixada nos dá notícia no sermão de
1695 dedicado (na Bahia) ao primeiro filho del-Rei D. Pedro, Sermões, xv, p. 104. Quanto ao “papel forte”, resumiu-o
incompletamente Vieira na citada carta ao Conde de Ericeira, 23 de maio de 1689, dizendo que nunca pensara na entrega
do Brasil, tendo sido o rei que mandou pusesse por escrito o arrazoado..., J. Lúcio, ibid., i, pp. 155–6.

632 Cartas, i, p. 243.

633 “Sermão de Ação de Graças”, 1695, Sermões, xv, p. 112. Esteve Vieira na Haia de 18 de abril a julho de 46, quando
pôde ler a patriótica missiva do infante (que morreu preso em Milão, em 1649).

634 Vereação de 1º de fevereiro de 48, Acórdãos e vereanças, p. 155.

635 Vereação de 2 de abril de 48. Disse Salvador ter despendido de seu 12 mil cruzados. Sobre a expedição, Luís
Norton, A dinastia dos Sás no Brasil, pp. 47 e ss. Gustavo Barroso, “O Brasil e a Restauração de Angola”, Anais da Acad.
Port. da Hist., vii, 1947; Arquivos de Angola, n. 8, pp. 119 e ss., outubro de 1944; e C. R. Boxer, op. cit., pp. 257 e ss.

636 C. R. Boxer, ibid., p. 256. Mas não destaca a parte essencial que teve na resolução de Salvador a ordem do
governador-geral, Docs. hist., iv, pp. 432–8.

637 Silva Rego, A dupla restauração de Angola. Lisboa: 1945, p. 247.

638 Carta de Vila Pouca in Cartas de D. João iv ao Conde da Vidigueira. Bahia: 9 de janeiro de 48, ii, p. 238.

639 Em carta ao Embaixador Luís Pereira de Castro, explicou D. João iv: “Ordenei a Francisco de Souto Maior
quando o enviei a governar aquele reino escolhesse um porto com sítio a propósito para fundar uma cidade em que
estivesse e em que pudesse continuar seu governo como dantes se fazia em Luanda, fez ele diligência na conformidade
desta ordem, e fundou Quicombo”, Eduardo Brasão, A restauração, p. 358. Fica ao norte de Luanda.

640 Os que quiseram servir a Portugal (como em Pernambuco) foram aceitos, ata de 20 de agosto de 48, Arquivos de
Angola, n. 8, p. 31.

641 Elias Alexandre, História de Angola, i, p. 264; Silva Rego, ibid., carta do Pe. Antônio do Couto. Diz Camilo,
Serões de São Miguel de Seide, p. 78; “Na quinta do Ruivão, no teto repartido em muitos painéis, viam-se pintadas as
façanhas de Salvador Correia de Sá em guerra contra os holandeses antes e depois da restauração de 1640. O genealógico
Manuel de Sousa da Silva diz que as pinturas foram mandadas fazer por Manuel Correia de Lacerda que sucedeu na Casa
e Senhoria de Faralaens e aqui morreu em 13 de novembro de 1695”. O título de Visconde de Asseca que teve seu filho
Martim de Sá “levava referência aos serviços de Salvador, a quem as mercês não estiveram na medida dos trabalhos”.
Veremos que voltou a governar as capitanias do Sul (1659–62). Entre as publicações do centenário da restauração de
Angola, v. Discursos e alocuções, Luanda, 1948 e “Salvador Correia”, conf. lida na Sociedade de Geografia de Lisboa pelo
Visconde de Asseca (1907), Luanda, 1948.

642 Há curiosa gravura mostrando a recepção que a Rainha Ginga deu em 1622 em Luanda ao Governador João
Correia de Sousa, cf. Relation Historique de l’Ethiopie Occidentale, do Pe. Labat, Paris, 1732. Os seus estados, segundo
mapa de 1657, reproduzido na História da expansão portuguesa no mundo, iii, Lisboa, 1940, ficavam entre os reinos de
Mucoco e do Dongo, ou seja, no sertão angolês, chamado geralmente de Congo. V. Gastão de Sousa Dias, in Hist. da
expansão port., iii, pp. 206 e ss. Sobre a Rainha Ginga e o folclore, Pedro Calmon, História do Brasil na poesia do povo,
pp. 70–1, Rio (citando Gustavo Barroso, Ao som da viola, Rio, 1921) e Bocage, Poesias, i, p. 350, ed. Rebelo da Silva,
Lisboa, 1853, que lembrava: “Prole se aclama da Rainha Ginga”. Também Aires de Sá, Um dogma antigeográfico. Lisboa:
1928, p. 34. Ainda nas congadas do Ceará e de Minas Gerais se repete: “Veio matar rei meu senhor,/ Que mandou Rainha
Gino!”.

643 V. carta do Conde de Castelo Melhor, Docs. hist., iii, p. 38: “Quando tomei posse do governo e me achei com a
Fazenda Real no mais apertado extremo em que nunca se viu [...] na queima dos engenhos”. Sobre Cornelis van den
Brande — que lutou nas duas batalhas de Guararapes, v. C. R. Boxer, op. cit., pp. 264–5.

644 Rodolfo Garcia, nota a Varnhagen, Hist. ger., iii, p. 131. Sobre o pessimismo que continuava a existir em
Portugal, C. R. Boxer, ibid., p. 228.

645 Cartas de D. João iv, inéd., publ. por Eduardo Brasão, Revista dos Centenários, Lisboa, dezembro de 1939 (arq. da
Casa de Tarouca). A Francisco Barreto não escapara a importância de suas duas vitórias. Na igreja votiva de Guararapes
há a lápide seguinte, datada de 1656: “O mestre-de-campo-general do Estado do Brasil Francisco Barreto mandou em
ação de graças edificar à sua custa esta Capela à Virgem Senhora dos Prazeres com cujo favor alcançou neste lugar as duas
memoráveis vitórias contra o inimigo holandês, a primeira em 18 de abril de 1648 em domingo da Pascoela véspera da
dita Senhora, a segunda em 18 de fevereiro de 1649 em uma sexta-feira e ultimamente em 27 de janeiro de 1654 tomou o
Recife e todas as mais prassas que o inemigo pesuhiu 24 annos”. (Inscrição copiada no local, 2 de fevereiro de 1940). Em 4
de agosto de 1942 foram trasladados para esta igreja os restos de João Fernandes Vieira e de André Vidal de Negreiros,
cujas urnas tinham sido reconhecidas em 1939, v. Culto aos heróis dos Guararapes, Recife, 1942. O Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, atendendo ao apelo do Instituto Arqueológico Pernambucano, mandou tombar a área da
batalha, com isto impedindo a desfiguração do terreno em volta da igreja. Observe-se que depois da segunda batalha
houve um motim contra o general, que mandou justiçar sete soldados, como escreveu ao rei em 1650, A. Lamego,
Mentiras históricas, p. 144.

646 Hermann Wätjen, ibid., p. 271.

647 Cartas, ii, pp. 225–6.


648 Um dos principais judaizantes da Companhia foi Gaspar Dias (de Mesquita) que assinou os papéis de sua
fundação, amigo de Vieira, que a ele várias vezes alude nas cartas.

649 Funcionou a Junta até 1720, quando a extinguiu D. João v, determinando que lhe fizesse as vezes o Conselho da
Fazenda, de modo a correr pelos armazéns da Coroa a armação das frotas, que passaram a constar de duas naus de guerra
para a Bahia, duas para o Rio de Janeiro, uma para Pernambuco, Rocha Pita, op. cit., p. 166.

650 Docs. hist., iv, pp. 445–6.

651 Foi o 1º Visconde de Fonte Arcada: Mestre-de-campo-general, do Conselho de Guerra, General da Armada de
Sabóia, General da Armada do Mar Oceano, agraciado com altas mercês, v. Sanches de Baena, Famílias titulares, i, p. 595;
Pe. Antônio Carvalho de Sousa, Memórias dos grandes de Portugal, pp. 359 e ss.

652 V. D. Antônio Carvalho de Sousa, Memórias dos grandes de Portugal, pp. 359 e ss.

653 Carta de 3 de abril de 1653, Docs. hist., iii, p. 154.

654 Miralles, op. cit., p. 146. Seu filho, o 3º conde, foi o grande ministro de Afonso vi, em cujo serviço entrara como
reposteiro-mor pelo casamento com uma sobrinha do Conde de Odemira, Vida del-Rei D. Afonso vi, Camilo, p. 23. Ao
sobreviver a Restauração estava o 2º conde em Cartagena, na América, para onde o lançara um temporal, vindo para o
Brasil, em 1640.

655 A luta que se feriu entre Holanda e Inglaterra (1650–1) não impediu a navegação flamenga para o Brasil (C. R.
Boxer, The Dutch in Brazil, p. 236), porém a tornou precária. Desde então, entre Portugal e os Estados-Gerais se levantou
a terceira força: a inglesa.

656 A última esperança estava nos corsários, que lograram apresar quatro navios da segunda frota da Companhia
Geral do Comércio, quando os principais esforços de Holanda se concentravam na guerra com os ingleses. Leia-se como
informação do que ocorria no Recife sitiado, Conferência sobre as Índias Ocidentais, de H. Overmeer, notas de Clado
Ribeiro Lessa, Rio; e a síntese de C. R. Boxer, op. cit., pp. 226–7.

657 A relação de Francisco de Brito Freire, divulgada por Virgínia Rau, vem in Brasília. Coimbra: 1955, ix, pp. 193–
205. Entre os capitães dessa frota restauradora estava João Calmão (sic), ibid., ix, p. 196, que em 1655 também figura entre
os passageiros da armada de Brito Freire (Viagem da armada da companhia do comércio e frotas do Estado do Brasil.
Lisboa: 1655, ed. Santos, 1950, por Costa e Silva Sobrinho, p. 19) — a mesma que trouxe, exilado, D. Francisco Manuel de
Melo, e é tronco da família deste apelido no Brasil. — O autor da História da guerra brasílica, Lisboa, 1676, Francisco de
Brito Freire, seria encarregado pelo Príncipe D. Pedro ii de levar preso à Ilha Terceira o rei deposto, D. Afonso vi. V.
biografia por M. Lopes de Almeida, in Brasília, ix, p. 137. Não deve confundir-se esse ilustre cabo-de-guerra com o
homônimo (aliás M. Lopes de Almeida indica essa duplicidade de nomes, in Brasília, ix, p. 133) neto de Estêvão de Brito
Freire, doc. in vol. cit., p. 179. No Catálogo genealógico de Fr. Jaboatão, tít. Britos Freires, desfaz-se a dúvida. É a respeito
da dilapidação dos bens deste, na Bahia, pelo filho Gaspar, que transcreve Pegas, Comment. ad Ord., xiii, lib. 3, pp. 41–2,
a carta régia, que fez jurisprudência, determinando o processo de pagamento aos credores sem prejuízo da movimentação
do engenho de açúcar (Também Anais da Bibl. Nac., Rio, v, p. 227).

658 D. Francisco Manuel, Epanáfora triunfante (ed. de 1676) noticia com primores de estilo as confabulações de
Olinda e os sucessos subseqüentes. Leia-se como documento-base a relação citada, de Francisco de Brito Freire.

659 De Pernambuco passaram-se muitos à Guiana, Antilhas, Nova Amsterdã. Imitaram em Surinam os processos
industriais do Brasil. V. J. Lúcio d’Azevedo, História dos cristãos-novos portugueses. Lisboa: 1922, p. 434.

660 “Sermão de São Roque”, Serm., viii, pp. 79–80.

661 Um desses canhões, com as iniciais da Companhia das Índias Ocidentais, e o dístico de Middleburg, está no
Museu Histórico Nacional (Rio). Conhecem-se mais dois, no Instituto Arqueológico e no Museu do Estado, Recife, v.
Inventário das armas e petrechos bélicos, etc., Recife, 1939 (reimpressão de opúsculo de 1838).

662 Natural de Pernambuco, serviu 15 anos na Armada Real e veio, como dissemos, adido à pessoa de Francisco
Barreto (patente de 20 de dezembro de 1646), Borges da Fonseca, Nobil. Pern., i, p. 185. Com ele foi preso e fugiu, dando-
nos, com sua carta de 19 de maio de 1648, a mais palpitante notícia dessas peripécias, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa,
Papéis avulsos. Sua irmã Maria de Melo foi mulher de Jerônimo Cadena de Vilhasanti, de quem diremos.

663 Cabedelo foi tomado por Ambrósio Luís de Lapenha, Docs. hist., xxi, p. 20.
664 Carta ao rei, 26 de junho de 1675, Bol. do Arq. Hist. Mil., xiii, p. 9.

665 Ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, Papéis avulsos, ms. inéd.

666 Miralles, op. cit., p. 146; e Docs. hist., iii, p. 178.

667 “Plataforma da Camboa, no distrito da Patatiba, uma das de mais importância que mandei fazer na boca dos rios
do Recôncavo”, patente de 20 de março de 1651, Documentos históricos, xxxi, p. 89.

668 Documentos históricos, xxxi, p. 69.

669 Patente de 14 de fevereiro de 1651, Docs. hist., xxxi, p. 85.

670 Gaspar Rodrigues Adorno é filho de Afonso Rodrigues de Cachoeira, o herói das lutas de 1624–5, Jaboatão, Cat.
gen., p. 77. Os índios mataram-lhe um irmão em 1639, Pedro Calmon, História das bandeiras baianas, p. 85. Nasceu
Gaspar em 24 de junho de 1624, Aristides Milton, “Efemérides Cachoeiranas”, Rev. do Inst. Hist. da Bahia, n. 27, p. 73.

671 Docs. hist., iii, p. 108.

672 B. do Amaral, notas a Accioli, ii, p. 111. V. íntegra nos Anais do Arq. Públ. da Bahia, xv, pp. 5–21.

673 Carta de Castelo Melhor, 6 de abril de 52, Docs. hist., iii, pp. 155 e 160.

674 Rocha Pita, Hist. da Amér. Port., 2ª ed., p. 459. Foi homem de grande fortuna, Documentos históricos, xxiii, p.
126.

675 Carta de 24 de jan. de 1656, Códice Atouguia, ms. na Bibl. Nac. Como ouvidor foi Simão Álvares ao Rio de
Janeiro apurar as responsabilidades do levante contra Salvador Correia, Varnhagen, iii, p. 255. Morreu no mar, indo para
o reino com a mulher (irmã de Antônio Vieira) e seus filhos, como escreveu o jesuíta, em 1671: “Outro cunhado e outra
irmã com cinco filhos que ficaram sepultados no mar”, Cartas, i, p. 140. E em 14 de setembro de 1655, defendendo do
confisco, a título de empréstimo, os bens deixados pelo magistrado, Cartas, i, p. 341.

676 Há uma consulta do Conselho da Fazenda, de 1636, que nos revela “fragatas de guerra que estavam fabricando os
senhores de engenhos e lavradores” da Bahia, Anais da Bibl. Nac., lviii, p. 210. Sempre estiveram ativos os estaleiros do
Recôncavo. Mas, em carta de 26 de abril de 51, mandou o governador ao capitão-mor de São Vicente que lá fizesse o
galeão, Docs. hist., iii, p. 104. O primeiro mestre “da Ribeira que ora se forma” foi Pedro Gonçalves, 31 de julho de 1655,
Docs. hist., xviii, p. 405. Ensinou a sua arte aos hábeis operários baianos. Cantou Gregório de Matos “o famoso galeão São
João de Deus” ali construído, Obras, ii, p. 83.

677 No Forte de São Marcelo (do Mar) há a lápide comemorativa do fim das obras, no governo de Vasco Fernandes
César de Meneses, 1728. Conserva a arquitetura primitiva. Chamava-se então Nossa Senhora del Popolo, “que novamente
se fundou no surgidouro dos navios”, como diz o termo do Capitão Francisco Monteiro Bezerra em 1665, Livro de
posses, ms. no Arq. Públ. do estado da Bahia. Em 1664 o rendimento das Baleias já podia ter outra aplicação, B. do
Amaral, nota a Accioli, ii, p. 121. V. p. 1036.

678 8º Conde de Atouguia, v. Pe. Antônio Carvalho da Costa, Corografia portuguesa, iii, p. 105. Foi um dos filhos da
heroína D. Filipa de Vilhena: pela mãe armado para a Restauração, em 1640. Regressando ao reino tomou o partido de D.
Afonso vi, com o Conde de Castelo Melhor (filho) e o Bispo D. Sebastião César: o célebre “triunvirato”, de 1662. Ao favor
em que estava deveu certamente a carta régia de 23 de janeiro de 1665, que lhe mandou pagar 1:200$000 de propinas dos
contratos que deixara de receber como governador-geral”, Docs. hist., xxii, p. 90. O Regimento que trouxe para o governo
era idêntico ao de Antônio Teles da Silva e datado de 30 de outubro de 1653.

679 Ver P. Calmon, Hist. da Casa da Torre, cit.

680 Dirigiu Pedro Gomes, tendo às suas ordens Gaspar Adorno, a abertura de uma estrada para o Orobó em 1657, P.
Calmon, História das bandeiras baianas, p. 86.

681 Documentos históricos, iii, p. 108 e 228.

682 Docs. hist., iii, p. 225.

683 Docs. hist., v, p. 209.


684 Dias Lassos entrou ainda o sertão em 1662, 1668, 1672 e 1676.

685 Registo geral da Câmara de São Paulo, ii, pp. 505–9.

686 Chegou em 14 de outubro de 58. Calheiros era sujeito de sessenta anos, v. Afonso Taunay, História geral das
bandeiras paulistas, iv, p. 325. Seus segundos foram Fernando de Camargo e Bernardo Sanches de Aguiar. Sobre o
Regimento que lhe deu o governador, Anais do Museu Paulista, iii, p. 294; e P. Calmon, Hist. das band., p. 88. Antes de
Barreto, o Conde de Castelo Melhor — carta de 22 de maio de 1651 — quisera os serviços do paulista Francisco
Fernandes Preto “que em São Paulo foi muitas vezes ao sertão e é grande língua” e se achava em Boipeba, Docs. hist., iii,
p. 110.

687 Patente do ajudante Antônio de Matos, Docs. hist., xxi, p. 301.

688 Docs. hist., v, p. 170. Das “proezas” dos paulistas trata o Padre Vieira, Cartas, ii, p. 630. Os jesuítas conseguiram
aldear os paiaiases logo depois, Pe. Serafim Leite, Hist. da Comp. de Jesus, v, p. 279, Rio, 1945: aldeia de Camamu.

689 Cap. 28 do Regimento de 1727, in Códice Galveias, ms. na Bibl. Nac., Rio de Janeiro, inédito.

690 Já nas Epanáforas, p. 612 (edição de 1676) explicou o vocábulo D. Francisco Manuel: “Caboclos”, “assim chamam
uns a outros os índios da terra, e nós usamos o mesmo nome”. Alvará de 4 de abril de 1775 proibiu que se chamasse
caboucolos aos mestiços.

691 Cartas, i, p. 114.

692 “Estes fortes da Bahia (que são umas plataformas mal fechadas e os melhores como são os do Terreiro do Paço de
Lisboa, e os costumam guardar esquadras de seis e quatro soldados) não são capazes de se arvorarem neles semelhantes
estandartes”, Docs. hist., iv, p. 253.

693 Docs. hist., iv, p. 225. V. também Waldemar Matos, A Fortaleza de Nossa Senhora del Popolo, Bahia, 1954.

694 Doc. de 1667, ms. no Arq. Hist. Col., Papéis avulsos, n. 2.215, inéd.

695 O palácio conservou a primitiva arquitetura, que lembra a do palácio dos Condes de Almada, em Lisboa, até
1890. A construção atual seguiu-se ao incêndio de 1912.

696 A nova arquitetura do Paço Municipal data de 1882 e o desfigurou. Na fachada, a lápide: “Reinando el-Rei D.
Afonso vi mandou fazer este edifício à custa da cidade Francisco Barreto do Conselho de Guerra e G. G. do Estado do
Brasil. 1660”. Indício de um período de grandes construções urbanas é outra pedra numa fachada à ladeira do Pau da
Bandeira, ali perto: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento e a Imaculada Conceição da Virgem Senhora Nossa
Concebida sem Pecado Original. Ano 1658”. Provém esta inscrição da carta régia de 30 de junho de 1654, que mandou
pôr em todas as portas e entradas das cidades tal oferenda à Senhora da Conceição, Pe. Moreira das Neves, Revista dos
Centenários, n. 19, julho de 1940, Lisboa — invocação predileta de D. João iv na sua igreja de Vila Viçosa.

697 No local pedra comemorativa: “Reinando el-Rei D. Afonso vi se reformou este forte por mandado do capitão-
general deste estado Francisco Barreto. Ano 1659”. O engenheiro foi provavelmente o francês Pedro Gracin, que o
governador mandara vir do Recife em 1657, Docs. hist., xix, p. 246. Serviu como engenheiro do Estado do Brasil até 1660
(v. nota seguinte).

698 Na relação inédita de Francisco de Brito Freire sobre a restauração de Pernambuco, 1654, se lê: “Vinha Pedro
Gracin, francês de nação, em que concorriam todas aquelas partes, com intento de passar a descobrir as minas de
esmeraldas que se dizia haver no sertão de São Paulo”, Brasília, doc. comentado por Virgínia Rau. Coimbra: 1955, ix, p.
197. “O Capitão Pedro Garcim (sic) que serve de engenheiro [...] porquanto não tem esta Praça engenheiro de profissão
que possa suprir sua falta continuando com a obra do Forte do Mar que está principiada, porque a não ser esta de tanta
importância a este porto tivera concedido licença ao dito engenheiro para se ir para França donde é natural”. 3 de
setembro de 1659, Docs. hist., xx, p. 107. Serviu até 1660, ibid., xx, p. 309. Outro francês, Filipe Gitão (1647–57), vindo
com o Conde de Vila Pouca de Aguiar, foi seu antecessor na função. Pedro de Lescolles fizera em 1650 a planta do Rio de
Janeiro. A presença desses engenheiros inclui-se entre os auxílios dados pela França a D. João iv, na luta com a Espanha.

699 V. Eduardo Brasão, A restauração, p. 143.

700 Sobre Schomberg em Portugal, v. também Henry Bordeaux, Marianna: La Religieuse Portugaise. Paris: 1934, pp.
71 e ss. Veremos, a propósito do governador de Pernambuco alcunhado de “Xumberga”, a notoriedade do general
tedesco.

701 Mémoires de Monsieur d’Ablancourt, envoyé de S. M. très-chrétienne Louis xiv en Portugal. Amsterdã: 1701, p.
6. “A despesa que el-Rei de França fazia com sua gente naquele ano de 664 chegava a 400 mil cruzados”, diz o autor de D.
Afonso vi, p. 218 (ed. E. Brasão), que assim confirma Voltaire, Siècle de Louis xiv. Paris: 1845, p. 87. Este manuscrito (D.
Afonso vi) publicado em 1940 por Eduardo Brasão, como sendo de Antônio de Sousa de Macedo (que com tal atribuição
estava na Biblioteca da Ajuda) é de Pedro Severim de Noronha, cf. Afonso Pena Júnior, Crítica de atribuição de um
manuscrito da Biblioteca da Ajuda. Rio: 1943, p. 71; e no mesmo sentido em Portugal, Gastão de Melo de Matos,
Panfletos do século xvii, pp. 89, 130 e 132.

702 Armando Marques, Aliança inglesa, p. 204; E. Brasão, op. cit., p. 373; Varnhagen, Hist. ger., iii, pp. 261–2; Carlos
Azevedo, in Rev. da Faculdade de Letras, Univ. de Lisboa, t. xxii, 1956, pp. 262 e ss.

703 Prov. de Francisco Barreto às capitanias, 1662, Docs. hist., iv, pp. 97–9. Fato curioso, o imposto não deixou mais
de ser cobrado, e persistia, depois da independência, em... 1830, Varnhagen, op. cit., iii, p. 264. O Senado da Câmara da
Bahia queixou-se em 8 de julho de 1693 de já ter pago a Cidade... 1.280.000 cruzados da Paz de Holanda, Livr. de atas,
ms., no Arq. Municipal da Bahia.

704 Docs. hist., vi, p. 229. Outra representação de Atouguia, ibid., vi, p. 242.

705 Na Bahia foram de início presos os Conti, o clérigo Bernardo Taveira e João de Matos, Docs. hist., vii, p. 92 e lxvi,
196; mas em seguida, beneficiados com 2 mil cruzados e tratamento obsequioso, Docs. hist., xxi, p. 8. Matos morreu aí
assassinado, Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 296. “Foi morto à traição por Jorge Seco de Macedo”, Docs. hist., lxvi, p. 289,
que veremos implicado na conjura de 1666, sobrinho do chanceler da Relação, Docs., cit., lxvi, p. 227.

706 D. Afonso vi, de Pedro Severim de Noronha, p. 53.

707 D. Afonso vi, p. 81. A nova junta foi presidida pelo Conde de Atouguia, Deputado Antônio de Miranda
Henriques e Desembargador João Leite de Aguilar, pela nobreza, e João Guterres, Manuel Martins Medina, Gaspar
Gonçalves de Souto, pelo comércio, além de Manuel Ferreira, pelo povo (dec. de 23 de novembro de 1662).

708 Vieira, “Sermão de São Roque”, Sermões, viii, p. 80. A Companhia foi dissolvida por D. João v, em 1720.

709 Patente in Docs. hist., xx, p. 93 e doc. in L. Norton, A dinastia dos Sás, p. 62.

710 Cartas, i, p. 144.

711 Brás do Amaral, nota a Accioli, ix, p. 120; Docs. hist., xx, p. 98. O mineiro Jaime Commere a esse tempo fez
pesquisas em São Paulo, porém teve morte desastrada, que os rebeldes do Rio, em 1660, imputaram aos Correias...
Quando escrevia as Notícias curiosas e necessárias das cousas do Brasil, diz o Pe. Simão de Vasconcelos, p. 60, Lisboa,
1668, Salvador Correia preparava a expedição do Espírito Santo.

712 Capitão da companhia que formou em Lisboa para acompanhar o pai, 16 de setembro de 1658, foi nomeado
governador para a descoberta das minas do Espírito Santo, 11 de março de 1660, Docs. hist., xxi, p. 41. Também Paulo
Prado, Paulística, p. 127. Esteve mais tarde na Índia, donde voltou preso, e homiziou-se em casa do Núncio, Vieira,
Cartas, iii, p. 319, ed. J. Lúcio.

713 O Conde de Óbidos, prov. de 15 de dezembro de 1663, notou que não se sabia do rendimento dos quintos do
ouro, em São Paulo, nem de sua escrita, Docs. hist., xxi, p. 256. Os rebeldes do Rio, em novembro de 1661, disseram que o
administrador-geral das minas, Pedro de Sousa Pereira, com os estancos de várias mercadorias, comprava ouro, para
mandá-lo a el-rei “com título de que era rendimento dos quintos”, Registo da Câmara de São Paulo, iii, p. 9.

714 Em 24 de setembro de 1658 escreveu o governador-geral: “As do Cabo Frio (donde também houve uma cidade,
que ou pelo clima, ou por outros acidentes, se não conservou) são hoje da Coroa”, Docs. hist., iv, p. 346. E em 1664, o
Conde de Óbidos: “Nela houve uma cidade de que não existem mais que as poucas casas que V. S. diz, tem, ruína a que
chegou pela invasão dos franceses e vizinhança dos bárbaros goitacases [...] e houve omissões em edificar”, Docs. hist., v,
pp. 27–8. Bernardo Vieira Ravasco foi alcaide-mor de Cabo Frio, 1664, Docs. hist., xxi, p. 282. Continuaram a ser
nomeados os capitães de infantaria da ordenança da cidade de Assunção do Cabo Frio, por exemplo, Docs. hist., xii, p.
184.

715 A. Lamego, A terra Goitacá, i, p. 35.


716 A. Lamego, op. cit., i, p. 44. V. Vieira Fazenda, Revista do Inst. Hist. Bras., lxxi, p. 20.

717 Alv. de 23 de maio de 1658, Docs. hist., iv, pp. 84–92. Os matadores eram Manuel Pinheiro Caldeira, Antônio da
Silva, Hierônimo Dias, Antônio Fernandes, Francisco de Arruda, cf. regimento que levou o ajudante. Tais documentos
completam a narrativa de Alberto Lamego. Aliás o Conde de Castelo Melhor, em carta de 25 de novembro de 1650, se
referia à fundação da vila e fazia votos “venha a ser uma muito grande cidade”, Docs. hist., v, p. 26. O Conde de Atouguia
nomeou o Capitão Palma, “capitão dos Campos dos Guytacazes”, 7 de dezembro de 1655, Docs. hist., xxxi, p. 180.
Confirmou-o Francisco Barreto, 18 de setembro de 57, Docs. hist., cit., p. 214.

718 Carta do Conde de Atouguia, 25 de janeiro de 1656, Docs. hist., iv, p. 282.

719 Docs. hist., iv, p. 346. Em carta de 1º de dez. de 1674, Afonso Furtado mandava libertar o ouvidor da Paraíba (sic)
preso no Rio, Docs. hist., x, p. 434. A capitania do Cabo Frio compreendia os Campos de Goitacases, Docs. hist., x, p. 435.
Pertencia-lhe também o distrito de Saquarema que teve capitão de infantaria em 1671, Docs. hist., xii, p. 185.

720 O 1º donatário, Visconde de Asseca, faleceu em 1674, sucedendo-lhe o filho, 2º visconde, Salvador Correia, cujo
tutor foi o general seu avô, A. Lamego, op. cit., i, p. 122. A este se seguiu, em 1692, o 3º visconde, Diogo Correia, que
vendeu a capitania, em 1710, ao Prior Duarte Teixeira Chaves.

721 Lamego, op. cit., i, p. 183.

722 Alberto Lamego Filho, A planície do solar e da senzala. Rio: 1934, p. 34.

723 “[...] Rio de Janeiro, que com a retirada dos moradores de Pernambuco se fizeram à beira-mar e pelos rios e
donde se acharam mais comodidades, engenhos de açúcar com que aquela capitania se fez maior e mais opulenta que
todas as deste Estado, que tem hoje 150 engenhos e se fora melhor governada fora mais grandiosa”, Petição de pessoas da
Bahia, 20 de junho de 1662, ms. in Arq. Hist. Col., Lisboa. Respondendo a este exemplo, retrucou Bernardo Vieira
Ravasco: “Pois basta [...] a experiência dos do Rio de Janeiro, donde enquanto não houve mais de 60 ou 70 engenhos se
embarcavam daquela capitania cada ano para Portugal 14 a 15 mil caixas de açúcar e depois que houve 150 ou 170 pouco
mais ou menos, não chegaram a fazer todos 9 mil”. Porque os canaviais não atendiam ao número de fábricas, ms. no
mesmo arq., Papéis avulsos, inéd.

724 Por morte de Salvador de Brito Pereira (1651), pai do beato João de Brito, hoje santo da Igreja — assumira o
governo Antônio Galvão, Docs. hist., xxxiii, p. 256: cuidou da defesa da praça, pois voltara a falar-se de ataque holandês.
Sucedeu-lhe D. Luís de Almeida (1650) e em 1656 Tome Correia de Alvarenga “na substituição de Lourenço de Brito
Correia que não tomou posse, Docs. hist., cit., p. 275. Assim interino, o primo de Salvador Correia (escreveu-lhe
Francisco Barreto, em 26 de fevereiro de 1658: “Com a falta de provisões de Lourenço de Brito Correia me resulta não
alterar esse governo até nova ordem de S. M”) passou a este o governo, em 1659, Docs. hist., xxxiii p. 285. Em 1656
revoltou-se o povo contra o aumento dos impostos, Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 27 (1956).

725 Pedro de Sousa Pereira foi provedor da Misericórdia em 1675. Teve morte violenta, carta de 1693, Docs. hist.,
xxxiv, p. 188.

726 Sargento-mor por prov. de 7 de fevereiro de 1656, Docs. hist., xxi, p. 67.

727 Docs. hist., v, pp. 92–4.

728 Os amotinados de 1660 atribuíram o crime a Tomé Correia de Alvarenga e seu cunhado, que supliciaram
Jerônimo Camelo, portador das cartas de Costa Barros para um desembargador da Relação da Bahia, Alberto Lamego, A
terra Goitacá. Bruxelas: 1913, i, p. 75. A luta evidentemente travara-se em torno da permanência do governador interino,
que os adversários dos Sás queriam afastar: sabiam que ele guardava o lugar para o primo, ainda mais temido.

729 Docs. hist., v, p. 112.

730 Agostinho Barbalho era o primogênito do Mestre-de-campo Luís Barbalho, Jaboatão, Cat. gen., p. 311. Soldado
desde 1633, acompanhara o pai ao Rio de Janeiro, e nos episódios de 1660–1, se mostrou homem de honra, leal a el-rei,
motivo por que o Conde de Óbidos o recomendou ao governador do Rio de Janeiro, em 4 de abril de 1665, como pessoa
da confiança de S. M., Docs. hist., v, pp. 48–9. Recebeu como prêmio a capitania da Ilha de Santa Catarina (provisão de 4
de fevereiro de 1664), como diremos.

731 Carta de Agostinho Barbalho ao governador-geral, 15 de dezembro de 1660, Docs. hist., v, p. 124.
732 Docs. hist., xxxiii, p. 286; descrição da “bernarda” em Vieira Fazenda, Rev. do Inst. Hist., cxlii, p. 498.

733 Pedro Taques, Informação sobre as minas de São Paulo, p. 92 (ed. A. Taunay); Registo geral da Câmara de São
Paulo, iii, p. 5.

734 Doc. transcrito por Luís Norton, A dinastia dos Sás. Lisboa: 1943, pp. 333–4.

735 Doc. in Luís Norton, op. cit., p. 336.

736 Salvador dera como pretexto ir ver umas madeiras para o galeão que mandara fazer para el-rei na Ilha do
Governador (onde ficou o nome de Ponta do Galeão): o Padre Eterno, no depoimento do inglês Barlow o maior do
mundo, conforme O mercúrio português.

737 Carta dos oficiais da Câmara do Rio, 26 de abril de 1661, citada.

738 V. Alberto Lamego, op. cit. e A. Taunay, História geral das bandeiras paulistas, v, p. 302. Fr. Jaboatão,
confundindo Jerônimo e Agostinho Barbalho, Catálogo genealógico, p. 311, diz que o degolado foi este. Se parentes, era
distante o parentesco, v. Borges da Fonseca, Nobiliarquia pernambucana, i, p. 38; e Varnhagen, Hist. ger., v, p. 319.

739 Carta de 10 de maio de 1661, Docs. hist., v, p. 131. Em 10 de abril (tardiamente) escrevera Salvador ao rei pedindo
que se abrisse devassa, ms. na Bibl. pública do Porto, inéd. Agostinho Barbalho estava na Bahia em 29 de abril, Docs. hist.,
v, p. 129. O govenador-geral temia que a justiça da Bahia fosse parcial, Docs. hist., v, p. 136.

740 Empossou-se Melo em 29 de abril de 62, R. Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 319; Docs. hist., v, p. 170. Em Lisboa,
“Luís da Silva Teles fora desterrado por ter tirado do navio em que viera do Brasil preso a um parente de seu sogro
Salvador Correia de Sá e Benavides”, D. Afonso vi, p. 45, ed. E. Brasão. Era Tomé Correia, cf. doc. in Luís Norton, ibid., p.
331. Este retornou ao Rio e foi em 1671 provedor da Misericórdia, cf. Félix Ferreira, A Santa Casa da Misericórdia
Fluminense. Rio: 1898, p. 112. Sobre os sucessos de 1660, Vieira Fazenda, Rev. do Inst. Hist., cxliii, pp. 20 e ss.

741 Prova o desfavor em que ficou Salvador Correia a dissolução da companhia de infantaria de seu filho João
Correia, Docs. hist., v, p. 170.

742 D. Afonso vi, pp. 147–8. Outro incidente que indica a prevenção del-Rei Afonso vi com os Sás foi o que sucedeu
ao se travarem de razões criados de João Conti e do próprio soberano e os de Martim Correia de Sá, 1º Visconde de
Asseca, filho do velho Salvador Correia, Catástrofe de Portugal na deposição de D. Afonso vi, 1669, v. Alberto Lamego, A
terra Goitacá, i, p. 84. Sobreviveu-lhe o general. Faleceu em 1688. Sepultado na sacristia dos carmelitas de Lisboa, a lápide
do seu túmulo dizia: “Aqui jaz Salvador Correa de Sá e Benavides, senhor do couto de Pena Boa e das vilas de
Tanquinhos, Arripiada e Asseca, restaurador da fé e de xpto nos reinos de Angola Congo Benguela São Tomé vencendo
os holandeses e comprou essa sacristia com missas e sufrágios perpétuos pede a quem ler este letreiro o encomende a
Deus”. Alberto Rangel em 1910 procurou em vão essa pedra, desaparecida com tantas outras relíquias desse tempo. V.
também José Maria Antônio Nogueira, Esparsos. Coimbra: 1934, pp. 518–30.

743 Docs. hist., v, p. 136.

744 Docs. hist., v, p. 160.

745 Carta de 29 de abril de 1662, Docs. hist., v, p. 148.

746 Chegou a Lisboa a 14 de novembro de 1663, com “cinco navios cuja principal carga de açúcar, tabaco e outras
drogas se dizia ser sua contando-se-lhe o cabedal por centos de mil cruzados e havendo ido servir àquela conquista como
soldado particular”, D. Afonso vi, p. 187. Ainda em 1687 era Francisco Barreto presidente da Junta do Comércio Geral, T.
do Tombo, Chanc. de D. Pedro ii, liv. 64, f. 230.

747 O palácio do Conde de Óbidos em Lisboa, sobre a rocha do seu nome, diz bem do fausto de D. Vasco. V. Portas
brasonadas de Lisboa, desenhos de Alberto Sousa, pref. de Júlio Dantas.

748 D. Afonso vi, ed. E. Brasão, pp. 52–3. O Conde de Óbidos empossou-se em 26 de junho de 1663. Vice-rei da
Índia, 1652–3 fora “lançado e embarcado pelos moradores de Goa a título de descontentamentos”, carta do rei, 18 de
agosto de 1654, in Um diplomata português da Restauração, Antônio da Silva e Sousa, p. 25, Bibl. Nac., Lisboa, 1940; e
Teixeira de Aragão, Descr. geral e hist. das moedas, iii, p. 234.

749 Documentos históricos, iv, p. 115. Lembrava a decisão do Marquês de Montalvão e depois de Antônio Teles da
Silva, para que nenhuma patente, provisão ou alvará del-rei ou donatário se executasse antes do “cumpra-se” dado pelo
governo-geral na Bahia. Em carta ao governador do Rio de Janeiro, de 23 de outubro, explicou; “Achei as cousas deste
estado tão demasiadamente confusas e a jurisdição deste governo tão sem limite despedaçada; que para se tornar a unir e
restituir o governo a aquele ser em que se deve conservar e que el-rei meu Senhor quer que o Brasil tenha, etc.”, Docs.
hist., v, p. 465.

750 Regimento de 1º de outubro de 1663, Docs. hist., iv, pp. 118–24; e Registo geral da Câmara de São Paulo, iii, pp.
137–41. Seguiu-se a 24 de outubro o Regimento para a cobrança do donativo do dote da rainha de Inglaterra e paz de
Holanda: consolidação das normas relativas à contabilidade do fisco no Brasil. Veio em seguida o Desembargador João de
Góis de Araújo, aliás natural da Bahia, “encarregado da arrecadação das dívidas da Fazenda Real”, prov. de 5 de abril de
1667, Docs. hist., xxiii, p. 231.

751 Docs. hist., xi, p. 216, carta de 30 de dez. de 64 a D. João de Sousa.

752 Docs. hist., ix, p. 221. No mesmo sentido, carta ao Capitão João Batista Pereira, ibid., p. 226. E para o capitão-mor
do Pará: “Sou afeiçoado do chocolate; e sobre esta razão menos importante assenta a principal de ser útil ao Brasil
transplantar-se a ele a fruta do cacau”, ibid., p. 227, prova de que já então se conhecia no Pará e no Maranhão, e
possivelmente é desse tempo o início da plantação na Bahia, onde se realizou a profecia do vice-rei: “Felicidade sua [...]”.
Histórico da respectiva lavoura, in Leo Zehntner, Le Cacaoyer dans l’État de Bahia. Berlim: 1914, p. 34. O Pe. João Filipe
Bettendorf levou em 1674 sementes do Pará para o Maranhão e tinha três anos depois 2 mil pés de cacau, Pe. Serafim
Leite, op. cit., iv, p. 159.

753 Docs. hist., vii, p. 248. Pregara nas exéquias o prior dos carmelitas, Fr. Joseph do Espírito Santo e dirigira a
música o licenciado Pe. Francisco Luís, Docs. hist., vii, p. 252.

754 Portaria de 8 de julho de 1666: “Foi recluso e preso (o Desembargador Jorge Seco) pela culpa que resultou da
devassa que pelo Juízo Eclesiástico se havia mandado tirar, em que saiu culpado na conjuração que Lourenço de Brito
Correia intentava”, Docs. hist., vii, p. 254. Em carta de 6 de agosto, Arq. Hist. Col., Papéis avulsos, deu o conde notícia a
el-rei do sucedido, enviando seis pessoas presas.

755 Portaria de 1º de janeiro de 1667: “Porquanto o Capitão Bernardo Vieira Ravasco [...] está impedido e preso há
mais de oito meses”, P. Calmon, O crime de Antônio Vieira, p. 111. O desfavor em que caíra o irmão do Padre Vieira é
sensível em vários documentos, Documentos históricos, lxvi, p. 166.

756 Frei Jaboatão, Cat. gen., p. 228, diz que a conjura era para prender o conde, e figuraram nela Francisco Teles de
Meneses, Lourenço de Brito, “o Queirós e Álvaro de Azevedo”. Meneses, mandado preso para o reino, voltou em
companhia do Governador Alexandre de Sousa Freire, em 1668. A provisão com que o rei integrou na patente de capitão,
de 3 de março de 1667, disse: “Desapossado dela sem culpa alguma o Conde de Óbidos pela presunção de um chamado
motim contra sua pessoa que se não provou”, Docs. hist., xxiii, p. 5. O Capitão Antônio de Queirós Cerqueira foi
restituído em 1668, Docs. hist., xxiii, p. 203.

757 Doc. in Brás do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 129. — Haveria qualquer ligação entre o motim da Bahia e as
predições do Padre Vieira, recluso então em Coimbra e a responder perante o Santo Ofício — quanto ao ano de 666? V. J.
Lúcio, Hist. de Antônio Vieira, ii. — Damião de Lençóis teve, por sua mulher, filha do Coronel Francisco Pereira do Lago,
o famoso morgado de Santa Bárbara, na Bahia, Jaboatão, Cat. gen., tít. Pereiras do Lago. Sobre a sua carreira militar,
Docs. hist., iii, p. 196; Anais da Bibl. Nac., iv, p. 55; Miralles, Hist. mil., p. 45; Docs. hist., xxii, pp. 135–6.

758 Anais da Bibl. Nac., iv, p. 405. Bernardo Ravasco alcançou então justiça e favores, um dos quais a promessa de
que lhe sucederia no cargo de secretário seu filho Gonçalo Ravasco. Esse transtorno da fortuna indica a existência da
parcialidade, contrária à situação caída, e particularmente ao valido, Conde de Castelo Melhor. O Padre Vieira, no
panegírico da rainha, em 1668, Sermões, xiv, p. 359, dissera com severidade: “Então governava-nos quem não era rei; e
agora? Quem é mais que rei”.

759 Rocha Pita, op. cit., p. 260.

760 Miralles, op. cit., p. 149; Accioli, op. cit., ii, p. 131. Sousa Freire fora governador da praça de Beja, mestre-de-
campo-general e ultimamente governador de Mazagão, cf. patente que o nomeou governador-geral do Brasil, de 15 de
maio de 1667, Docs. hist., xxiii, p. 7. Lisonjeou-o o poeta da Música do Parnaso, ed. da Academia, p. 165: “Em paga do
valor sempre aplaudido/ América governa venturosa”.

761 Em carta de 25 de maio de 1668, Alexandre de Sousa Freire avisou ao governador de Pernambuco: “[...] com
grande sentimento pela morte do General Francisco Correia da Silva que miseravelmente se perdeu com a sua nau em um
baixo uma légua desta cidade entrando os mais navios diante dele a salvamento e se afirma que se perderam mais de 500
pessoas escapando só 70 homens os mais deles marinheiros e um capitão aqui da terra. Morreu o Capitão Cristóvão da
Costa e os mais capitães e oficiais e pilotos e mestres”, Docs. hist., ix, p. 294. O naufrágio ocorreu nos parcéis do Rio
Vermelho, Docs. hist., vi, p. 92. O corpo do general foi recolhido pelo Mestre-de-campo Antônio Guedes de Brito e
sepultado na Igreja de São Francisco. Rocha Pita, que no-lo informa, engana-se, chamando João Correia da Silva o
governador nomeado, Hist. da Amér. Port., p. 274.

762 V. sermão de Vieira sobre a paz, Sermões, xiv, p. 342.

763 Patentes in Docs. hist., xxxi, p. 400, passim. Cartas do Conde de Óbidos com as mesmas prevenções, Docs. hist.,
vi, passim.

764 Em 25 de outubro de 1668 Francisco Barbosa Leal fora nomeado capitão do “distrito dos Campos do mesmo rio
da Cachoeira”, Docs. hist., xii, p. 5.

765 Assento tomado na reunião de 4 de março de 1669, Accioli, op. cit., ii, p. 32. O alferes chamava-se João de Uzeda
e Góis, P. Calmon, A conquista, p. 96.

766 Rocha Pita, op. cit., p. 276. O Capitão Manuel Barbosa de Mesquita Fidalgo da Casa del-Rei, acabava de servir na
Fortaleza de Nossa Senhora del Popolo (166), Docs. hist., xxii, p. 270. Foram mortas com o capitão 21 pessoas, Docs. hist.,
xxxi, p. 35.

767 Portaria de 21 de julho de 1670, Docs. hist., viii, p. 4.

768 Era do Porto, como sua filha Cecília Ribeiro, cf. Pe. Roque Luís Pais Leme da Câmara, Nobiliarquia, ms. na Bibl.
Nac. O governador-geral mandou dois barcos em que viesse de Santos, carta de 19 de set. de 1670, Docs. hist., vi, p. 1.488.

769 Cf. carta de Lisboa, 1682, sobre os serviços de Fernão Dias, Rev. do Arq. Públ. Mineiro, xix, p. 12. A Câmara da
Bahia, em ofício para el-rei, de 14 de agosto de 1671, comunicou a chegada dos paulistas, com quem despendera
10:724$800 até a partida para Cairu, Accioli, op. cit., ii, p. 132. Aliás cumpria o assentado em junta de 18 de julho de 1670,
Docs. hist., viii, p. 135.

770 B. do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 234.

771 Docs. hist., vi, p. 189. Partiram em 27 de agosto de 71, Docs. hist., ix, p. 434.

772 Em 18 de setembro de 1672 o governador retirou a pequena guarnição de Cairu, Docs. hist., viii, p. 109.

773 Rocha Pita, op. cit., p. 281.

774 À partida e à chegada de Afonso Furtado dedicou sonetos Manuel Botelho de Oliveira, Música do Parnaso, ed. da
Acad. Bras., pp. 121–2. Trouxe Instruções, com 13 capítulos, datadas de 4 de março de 1671, códice ms. no arq. do Conde
dos Arcos, Lisboa, inéd.

775 Sousa Freire ficou mais um ano na Bahia, pois obteve, em 5 de agosto de 72, que se preferisse para carregar uma
sua fragata, Docs. hist., viii, p. 102. Patente do novo governador, Docs. hist., xxiv, p. 155. Tomou posse em 18 de maio, cf.
Livro de posses, ms. no Arq. Públ. da Bahia.

776 Carta de 23 de fev. de 1675, Docs. hist., x, p. 135.

777 Taunay, Hist. geral, v, p. 25.

778 O Sr. Herman Kruse achou em setembro de 1939 a casa-forte da ponta do Guareiru cujas dimensões coincidem
com a de Gabriel Soares, descrita por Frei Vicente do Salvador. Em 6 de novembro de 1671 o governador mandara
Gaspar Dias, do Aporá, fintar os moradores, para que dessem cem alqueires de farinha “à gente da Conquista” na “casa-
forte”, Docs. hist., viii, p. 68. Precedera, pois, à “bandeira” de Estêvão Parente.

779 Cf. doc. cit. por A. Taunay, Hist. ger. das band. paul., v, p. 22.

780 Taunay, op. cit., v, p. 34. A prova da conquista está na sesmaria dada a Manuel de Hinojosa, “no boqueirão de
Guareiru até entestar no Rio de Paraguaçu”, 1673, Docs. hist., viii, p. 164.

781 Docs. hist., viii, p. 167. Arzão voltou a São Vicente “a uma diligência de grande importância”, em fins de 1674,
Docs. hist., viii, p. 205.
782 É a vila de João Amaro, Rocha Pita, op. cit., p. 282. O senhorio dela coube ao filho de Estêvão. “Pouco povoada
pela grande distância em que fica”, vendeu-a aquele ao Coronel Manuel de Araújo de Aragão, que obteve alvará del-rei
para ser capitão-mor a 7 de fevereiro de 1688, Docs. hist., xxix, p. 289.

783 “O São Francisco”, escreveu em pleno século xviii D. Domingos do Loreto Couto, “nasce das vertentes das
grandes serranias do Chile e Peru”, “Desagravos do Brasil”, Anais da Bibl. Nac., xxiv, p. 22. Uma consulta do Cons.
Ultram., 1698, era mais cautelosa: “Vai continuando o mesmo rio pelos sertões acima [...] que ainda hoje se ignora aonde
pára ou aonde principia”, Anais da Bibl. Nac., xxix, p. 24.

784 Anais do Arq. Públ. da Bahia, viii, p. 13.

785 Docs. hist., p. 418. “V. M.ce me escreve que foi o primeiro descobridor das mesmas minas a que vou”, escreveu D.
João de Lencastro a Bento Surrel, 1694, Docs. hist., xxxviii, p. 328.

786 Docs. hist., xii, p. 210. É curioso lembrar que um tio de Afonso Furtado casou com a filha de D. Francisco de
Sousa, o “das manhas”, Pe. Antônio de Carvalho, Corografia portuguesa, ii, p. 369; evidentemente trouxera uma opinião
formada, sobre as minas... Veremos como lhe foi fatal; mas decisiva para os progressos do povoamento. Na Bahia teve a
devoção de N. S.a de Monserrate, como D. Francisco de Sousa: “[...] uma erisipela que me deu estando em Monserrate e
me não deixou acabar uma novena”, Docs. hist., x, p. 167. É o “Monserrate antártico” dos Apólogos, de D. Francisco
Manuel.

787 Dizia o Regimento de Roque da Costa, 1677, cap. 29; “O Governador Alexandre de Sousa Freire [...] me deu conta
terem-se descoberto as Minas de Salitre”, Docs. hist., vi, p. 380.

788 Pedro Calmon, História da Casa da Torre, p. 81. Podemos distinguir dos cariris do litoral ( janduís do Rio Grande
do Norte ou rodelas do baixo São Francisco) os jês do Piauí, a que pertenciam jeicós (vistos por Martius), entre os rios
Gurguéia e Itaim, e guegués (Vale do Alto Parnaíba), que parece serem os mesmos gurguéis ou gurguéias, do ramo Acroá,
v. Robert H. Lowie, in Handbook of South American Indians, i, pp. 477–517 (1946) e mapa, por Curt Nimuendajú. Que
não eram cariris os do Piauí, prova a hostilidade aos do São Francisco, aldeados sob a guarda da Casa da Torre. Na
conquista do novo território, como alhures, prevaleceu — manobrada pelo sertanista — a rivalidade natural das tribos
incompatíveis.

789 Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxi, p. 161.

790 Docs. hist., xx, p. 124.

791 Docs. hist., xii, p. 337.

792 Em 23 de março de 1669, Docs. hist., xii, p. 22: “Os distritos desde o Xangô até o Sento-Sé e Jacobina estão sem
capitão e os moradores sem disciplina alguma”, foi a consideração exarada na patente do Capitão Domingos Rodrigues de
Carvalho, 4 de dez. de 1669, Docs. hist., xii, p. 70. Eram 45 os moradores de Jacobina; e um jesuíta fundou “aldeia de
nação Sapoia”, que em 1674 “com grande temor das tropas dos paulistas”, tendo por isto capitão, Docs. hist., xii, p. 306.
Somente no século seguinte, com os descobrimentos auríferos, Jacobina teria dignidade de vila. Jacobina... “Serra da
Jacuabina”, diz a Patente de Capitão de moradores naquelas “terras fronteiras do gentio bárbaro”, de 5 de abril de 1674,
Docs. hist., xii, p. 306, o que abona a etimologia proposta por Teodoro Sampaio, Rev. do Inst. Hist. da Bahia, vol. 54, p.
389: ya-cuâ-apina, lugar de cascalho limpo...

793 P. Calmon, Hist. da Casa da Torre, p. 86.

794 Patente de 8 de agosto de 1675, Docs. hist., xii, p. 350.

795 Patente de Lourenço de Matos, 16 de dez. de 75, Docs. hist., xii, p. 375: teve também a companhia de Jacobina, 17
de jan. de 1677, ibid., xii, p. 421. O morgado da Torre, em 1679, abrangia a margem do São Francisco entre o Rio Verde e
Penedo, Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxi, p. 158.

796 Pat. de 1º de fevereiro de 1677, Docs. hist., xii, p. 428. Diz o Pe. Roque Luís: “Capitão-mor Francisco Dias de
Siqueira, natural e nº Cid. de S. P., chamado o Surdo, penetrou o sertão até a cidade do Maranhão, abriu a estrada para a
Bahia, e conquistou o Piauí com a Pat. dita. Potentado em arcos, fal. na Bahia com muito cabedal que herdou o juízo dos
ausentes”, Nobiliarquia, ms. na Bibl. Nac.

797 As grandes fazendas de Domingos Afonso passaram aos jesuítas e destes ao patrimônio nacional. O pioneiro
construiu (1704–11) o edifício do Noviciado da Companhia, hoje Colégio de São Joaquim. Sobre a participação de
Domingos Jorge Velho na conquista do Piauí, v. nota 19, (cap. xxv, “Negros e tapuias”, século xvii). Leia-se também
Carlos Eugênio Porto, Roteiro do Piauí. Rio: 1955, pp. 53 e ss.

798 V. descrição das capitanias, etc., Rev. do Inst. Hist., lxii, parte i, p. 83.

799 Rocha Pita, op. cit., p. 279: “Sendo do Piagui a maior parte do gado, que se gasta entre aqueles inumeráveis
habitadores e mineiros”.

800 V. Relation succinte et sincère de la mission du Pe. Martin de Nantes, prédicateur capucine, missionaire
apostolique dans le Brésil parmi les indiens appellés cariris. A Quimper chez Jean Serir, 1707. Aracapá dista 29 léguas de
Juazeiro e é eqüidistante da Cachoeira de Rodelas. Esses aramurus ajudaram os portugueses, contra os holandeses. Um
documento de 1794, relativo ao morgado de Antônio Gomes Ferrão, atesta que o seu bisavô, o Mestre-de-campo Pedro
Gomes, os comandara naquela guerra. — A aldeia dos aramurus foi mandada respeitar, a pedido do Pe. Audierne, em 23
de outubro de 1672, Docs. hist., viii, p. 117.

801 P. Calmon, Hist. da Casa da Torre, p. 86.

802 Patente de Manuel Homem de Almeida, Borges de Barros, Sertanistas e bandeirantes baianos, p. 140.

803 Consultas do Cons. Ultram., Bahia, ms. na Bibl. Nac. Em 1691 queixou-se o governador da decadência dessas
missões, que não aumentavam..., Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 43.

804 Ord. Reg., liv. 6, pp. 1.698–9, no Arq. Públ. da Bahia, ms. No século seguinte as aldeias dividiam-se: com os
franciscanos, Unhambu, Juazeiro, Pontal, Curral de Bois, Coripes, Sorobebé; e com os barbadinhos: Axará, Rodelas,
Pacatuba, Pambu, Varge, Uracapá, São Félix, Iraperá, São Pedro. O mesmo manuscrito, n. 3.757, de Marinha e Ultramar
(no Arquivo Histórico Colonial, Lisboa), descreve as condições da navegação de São Francisco, com a indicação de que se
tomava piloto na Fazenda do Sobrado, que foi de Domingos Afonso.

805 Pat. de 6 de julho de 1677, Docs. hist., xiii, pp. 6–7.

806 Pat. de 20 de outubro de 1677, Docs. hist., xiii, p. 17. A aldeia de Natuba não devia ser perturbada, pat. de 9 de
abril de 1678, Docs. hist., cit., p. 32.

807 Requerimento de João Amaro, 12 de jan. de 1696, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 46 (aí a folha de serviços de
pai e filho).

808 V. A. Taunay, Hist. geral, v, p. 330. A carta do príncipe informando sobre a missão de D. Rodrigo é de 28 de
junho de 1673. Da mesma data o alvará de nomeação. Docs. hist., xxv, p. 258. Pedro Taques dá o início dos trabalhos em
Itabaiana: 11 de julho de 1674, Taunay, ibid. De 28 do mesmo mês foi o Regimento que se lhe deu, códice ms. no arq. do
Conde dos Arcos, Lisboa, inéd. D. Rodrigo, fidalgo da casa real, era português, diz um dos testemunhos arrolados na
documentação publicada por Correa Luna, Campaña del Brasil, i, p. 78. Chamava-se sua mãe D. Catarina Correia
Galveia.

809 Carta do príncipe, 28 de junho de 1673, Docs. hist., lxviii, pp. 222–3.

810 Carta de 1693, Taunay, ibid., v, p. 335.

811 Docs. hist., xxv, p. 264.

812 Venceu Bento Surrel o soldo depois, de 1678 a 1685, Docs. hist., xxv, p. 263. Vivia na Bahia João Alvares
Coutinho, “com exercício de mais de vinte anos no reino do Peru”: mandou o príncipe acompanhasse a D. Rodrigo, carta
ao governador, 7 de dezembro de 1677, Docs. hist., xlvii, p. 247.

813 Apostila in Docs. hist., xxv, p. 266. Registada na Bahia em 17 de março de 1678. Jorge Soares levou como
ajudante-de-ordens João Carvalho Freire, patente de 22 de abril de 78, Docs. hist., xxvi, p. 388; e seguiu por terra, desde a
Bahia, Docs. hist., ibid., p. 291, em abril, enquanto D. Rodrigo só saiu em 24 de setembro do mesmo ano. É do Padre
Antônio Vieira o comentário: “Para as de Paranaguá se tem mandado novos ministros, que nada entendem daquele
mister, mas para si têm já descoberto e embolsado muita prata, pelos grandes salários que levam, com poderes sobre tudo
quanto há naquele estado”, Cartas, iii, p. 324, ed. J. Lúcio.

814 Em 1622, para 1.200 habitantes, Buenos Aires tinha 370 portugueses, R. de Lafuente Machain, Los Portugueses en
Buenos Aires. Buenos Aires: 1934, p. 86.
815 Os navios San Antonio, San Mateo, San Juan, Nuestra Señora de Nazareth ocupavam-se então desse tráfico, v.
Luis Enrique Azarola Gil, Los Maciel en la Historia del Plata. Buenos Aires: 1940, p. 28.

816 Revista do Inst. Hist., lxxiii, parte i, p. 47.

817 Edição de R. Garcia, p. 144.

818 Voyage, etc., p. 545, Paris, 1615: “Je n’ai jamais vu pays ou l’argent soit si commun qu’il est en cet endroit du
Brésil, et y vient de la rivière de la Plata”.

819 Docs. hist., iii, p. 11. Toda essa moeda espanhola foi mandada contramarcar pelo alvará de 26 de fev. de 1643.
Nova contramarca se pôs à moeda do Peru, em 1652. A lei de 6 de junho de 1651 proibiu a circulação de patacos
peruanos, então muito falsificados.

820 Prov. de 1656 e 59. Salvador Correia propôs no Conselho de Guerra, em 17 de outubro de 1643, a abertura do
comércio com Buenos Aires, Luís Norton, in Brasília, ii, pp. 605 e ss.

821 Docs. hist., iv, p. 286.

822 Docs. hist., iv, p. 362.

823 Jônatas do Rego Monteiro, A Colônia do Sacramento. Rio: 1937, i, p. 34.

824 Cartas, 20 de jan. de 1648, i, p. 39, ed. de 1886.

825 A primeira notícia da invasão, que foi a 2 de novembro de 48, é do Pe. Mansilla, Taunay, Hist. geral, iii, p. 175.
Docs. in Anais do Museu Paulista, v, pp. 6 e ss., referem-se às invasões de 1647 e 48. “No ano de 649 partiram os
moradores de São Paulo”, disse Vieira, Cartas, i, pp. 408–9, ed. J. Lúcio d’Azevedo, que se referiu à bandeira de Antônio
Raposo Tavares. Dela fez completo estudo Jaime Cortesão, Raposo Tavares e a formação territorial do Brasil, Rio, 1958,
atribuindo-lhe planos transcendentes, conforme acreditava o Pe. Cristobal de Arenas, ibid., p. 285, e insinuara Vieira.

826 Acha Carvalho Franco que não é André Fernandes fundador da Paraíba, que fez testamento em 1641, op. cit., p.
86.

827 Carta do Pe. Mansilla, Anais do Museu Paulista, v, p. 7.

828 A. Taunay, Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo: 1926, p. 12. Em carta de 1675, confirmou João Fernandes Vieira:
“Um capitão maior fulano Raposo, que entrou em São Paulo e saiu no Grão-Pará”, Bol. do Arq. Hist. mil., xiii, p. 9.

829 Anais da Bibl. Nac., doc. do Arq. Ultram., n. 1.888. Vacaria aparece nas “notícias utilíssimas à Coroa de Portugal
e suas possessões”, f. 695, Anais, cit., doc. 1.981.

830 A expedição de Pedroso Xavier constitui a mais avançada tentativa de aproximação portuguesa dos núcleos
castelhanos do Paraguai, e encareceu-a o capitão-general de São Paulo, em 1771, escrevendo ao governador do Paraguai
D. Carlos Morphy, Pereira Pinto, Apont. para o direito internacional, iii, p. 472; e Hildebrando Accioli, Limites do Brasil:
a fronteira com o Paraguai. São Paulo: 1938, p. 14.

831 Queixa anexa à carta do príncipe para D. Manuel Lobo, 23 de março de 1679, Documentos interessantes, Arq. do
Estado de São Paulo, xlvii, p. 25. Dessa incursão em Santa Cruz não nos fala Enrique de Gandía na sua História de Santa
Cruz de la Sierra, Buenos Aires, 1935. Mas o vice-rei do Peru confirmou: “[...] y con este ejercito llegando hasta la
población de Santa Cruz de la Sierra”, Docs. interessantes, cit., p. 27. Segundo o linhagista Pe. Roque Luís, Xavier “trouxe
cinco sinos da cidade da Concam, do Paraguai para S. P. e fal. a 19 de janeiro de 1680”.

832 Foi despachado em 21 de maio de 1664, Pedro Taques, Informações sobre as minas de São Paulo, p. 97. O Conde
de Óbidos, em carta ao governador do Rio, 4 de abril de 65, recomendou a empresa do “descobrimento das minas das
capitanias do Sul”, que se cometera a Barbalho, Docs. hist., vi, p. 48. Noutra (18 de dez. de 65, ao provedor da Fazenda no
Rio): “Ele (Barbalho) me escreve que de longe se haviam descoberto já pelos seus exploradores as serras das esmeraldas,
mas eu creio mais os desenganos que V. M. me dá de não haver no Brasil mais minas que o açúcar com as esperanças com
que eu fico de as descobrir”, ibid., p. 63. “Porque tudo isto de Agostinho Barbalho é um embeleco”, carta de 23 de
fevereiro de 64, ibid., p. 65. Por Pedro Taques sabemos que morreu no sertão do Espírito Santo, op. cit., p. 99. — V.
também Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 30, 1956.

833 Pe. Serafim Leite, Jornal do Comércio, 5 de maio de 1935, “Uma grande bandeira paulista ignorada”.
834 Carvalho Franco, op. cit., p. 103.

835 Docs. hist., xiii, p. 7.

836 Docs. hist., xi, p. 71.

837 Sobre Dias de Siqueira, A. Taunay, no Jornal do Comércio, 11 de maio de 1936. V. carta do governador-geral,
1693, Docs. hist., xxxiv, p. 86.

838 Pedro Taques, Nobiliarquia, ed. Taunay, pp. 297 e 317.

839 V. Basílio de Magalhães, Expansão geográfica do Brasil Colonial, 2ª ed., pp. 128–9. O Anhangüera mereceu o
apelido (diabo velho) pelo ardil de que se valeu com os goiases. Para amedrontá-los derramou aguardente no rio e ateou-
lhe fogo... Mas a primazia do embuste, segundo Pedro Taques, cabe a Francisco Pires Ribeiro.

840 Washington Luís, in Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, viii, p. 98.

841 Rocha Pita, op. cit., pp. 282–4. O doc. seguinte mostra o equívoco de Calógeras, As minas do Brasil, p. 449 (v.
Taunay, Hist. ger., v, p. 327), que atribui a Melchior da Fonseca Saraiva o caso do capitão-mor de Paranaguá.

842 Docs. hist., vi, p. 282. Reforçava a crença... “por me haver escrito isto também Fernão Dias Pais que de uma libra
de pedra de Pernaguá que lhe fora à mão tirara trinta réis de prata do valor antigo. Mas ainda que não duvido da certeza
[...]”. É possível que a pressa em mandar o filho fosse o seu propósito de mostrar à corte que sem D. Rodrigo de Castelo
Branco as minas iam sendo descobertas. Quando partiu João Furtado, o administrador-geral minerava em Sergipe! Outra
carta, dizendo que Paranaguá seria o novo Potosi, foi do capitão de Santos, Sebastião Velho de Lima, de 30 de maio de
1674, Paulo Prado, Paulística, p. 123.

843 Docs. hist., x, p. 449.

844 Docs. hist., xi, p. 65.

845 Antônio Correia Pinto, que morreu heroicamente na Colônia do Sacramento — servira primeiro, como
engenheiro, no Alentejo, e em 1670 em Pernambuco, tendo a patente de capitão ad honorem em 16 de outubro de 1674,
Docs. hist., xxvi, p. 265. A exaltação do governador documenta-se com este trecho de carta, para Frei João de Granica: “E
será justo que assim como muitos portugueses deram muitos milhões nas minas do Potosi, aos príncipes de Castela, dê
também um castelhano, muitos nas de Pernaguá ao de Portugal”, Docs. hist., x, p. 454.

846 De Roma, 14 de novembro de 1674, escreveu Vieira: “Obrigado dos corsários de Argel dera à costa um patacho
da Bahia, em que vinha o filho do Governador Afonso Furtado, o qual, com alguns outros, escapara do naufrágio,
havendo-se perdido as cartas, e tudo o mais que traziam, que eram principalmente as amostras de três minas novamente
descobertas naquele estado, uma de ouro, outra de prata, e a terceira de esmeraldas. [...] Parece que se pode assim coligir
de o governador, que é homem sisudo, mandar seu filho com este alvitre”, Cartas, iii, p. 120, ed. J. Lúcio d’Azevedo. V. a
carta do governador a Agostinho de Figueiredo, Docs. hist., x, pp. 446–7. “Fizeram dar à costa na altura da Ericeira e
milagrosamente saiu à praia (João Furtado de Mendonça) com vida para dar notícia a S. A. que seu pai por ele mandava
de se descobrirem... minas de prata e de esmeraldas”, Monstruosidades..., iv, p. 26.

847 Rev. do Inst. de São Paulo, v, p. 184. Em 30 de março de 1622 protestou a Câmara de São Vicente contra a ordem
de Martim de Sá, para descer “certa cópia de gente da Laguna e Vila de Santa Catarina”, “limites desta capitania”, Revista,
cit., v, p. 186.

848 V. Basílio de Magalhães, op. cit., p. 132.

849 V. Osvaldo R. Cabral, Laguna e outros ensaios. Florianópolis: 1939, p. 16; Alberto Lamego, A terra Goitacá, i, p.
62.

850 Romário Martins, História do Paraná, p. 258. Eleodoro morava no Rio de Janeiro, “cidadão desta cidade”, aí juiz
ordinário em 1637, Acórdãos e vereanças, cit., pp. 13–4. Segundo a Genealogia do Pe. Roque Pais Leme da Câmara, ms.
na Bibl. Nac., era genro do famoso Capitão-mor João Pereira de Sousa Botafogo, e natural de Viana, no reino. A viúva e
filhos de Duarte Correia Vasqueanes obtiveram sesmaria de dez léguas da Barra de Paranaguá para o sul, em 3 de outubro
de 1658, Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, v, p. 191, e 30 léguas abaixo das capitanias do Conde de Monsanto e Condessa
de Vimieiro, em 30 de outubro do mesmo ano.

851 Pedro Taques, Hist. da capitania de São Vicente, ed. Taunay, p. 141; Afonso d’E. Taunay, História geral das
bandeiras paulistas. São Paulo: 1946, viii, pp. 325 e ss. V. “Informação de Ébano”, 1650, Rev. do Inst. Hist., tomo especial,
i, p. 20. A sua nomeação foi de 10 de setembro de 1648.

852 Doc. do Arq. Ultram., cit. por Dídio Costa, Subsídios para a história marítima do Brasil, ii, p. 258. É a esse ouro
que alude Vieira, na carta (lxvi, da edição de J. Lúcio, i), datada do Maranhão: “O ouro que se tira das minas de São Paulo
se põe todo em barretas em que se vai a cunhar, e dizem eles que, em fazendo barretadas a estes mesmos ministros com
estas barretas [...]”

853 V. A. Lamego, A terra Goitacá, ii, p. 473; A. Taunay, Hist. geral, v, p. 221.

854 O exame das pedras levadas por Brito Freire foi negativo (o que menos justifica o logro em que caiu depois o
Governador Afonso Furtado). Parece que se refere ao mesmo assunto a comunicação do marquês almirante para que não
se mandasse mais amostra, 1656, Docs. hist., xxi, p. 285. Um marinheiro português ouvido em Assunção, em 1657, disse
que a 7 léguas de São Paulo, em Ibiturum, e no porto de Paranaguá, “se labra y saca oro por todos los que quieren ir a
sacarlo porque son minas comunes para todos”, Taunay, Hist. geral, iii, p. 213.

855 Ms. “Sobre o bom governo e guerra do Brasil”, de Francisco de Brito Freire, na Bibl. da Ajuda, publ. por Eduardo
Brasão, Ocidente, ix, p. 259, maio de 1940. — Em 1663 foi nomeado administrador das minas de Parnaguá o provedor da
Fazenda do Rio de Janeiro, Diogo Carneiro, Docs. hist., xxi, p. 345.

856 A. Taunay, op. cit., v, p. 220, e A. Lamego, ibid.

857 Antônio Vieira dos Santos, Memórias hist., cron., etc., de Paranaguá. Curitiba: 1922, p. 15; R. Martins, História
do Paraná, p. 243.

858 Romário Martins, Curitiba de outrora e de hoje. São Paulo: 1923, p. 95; A. Taunay, História geral das bandeiras
paulistas, viii, p. 333.

859 V. patente, Docs. hist., xxv, p. 142. Era soldado desde 1641. Entrou no governo de São Vicente em 1666, Docs.
hist., vi, p. 68; e Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 37, 1956.

860 Docs. hist., xii, p. 287; e lxvii, p. 95.

861 V. Docs. hist., x, p. 442.

862 Na mesma data mandou o governador entregar a Agostinho de Figueiredo “para benefício das minas de
Pernaguá uma arroba de azougue, dois quintais de ferro, dez libras de aço, dúzia e meia de picaretas, uma dúzia de pás,
etc.”, Docs. hist., viii, pp. 202–3. Era este um antigo soldado da Restauração, no reino, e recebera a patente de capitão-mor
de São Vicente, São Paulo e Sant’Ana (sic) em 17 de agosto de 1671, Docs. hist., xxv, p. 144. “Em seu testamento, aberto a
22 de junho de 1711, declarou ser morador em Curitiba há 40 anos, fato confirmado pelo Ouvidor Pardinho”, Francisco
Negrão, Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba. Curitiba: 1924, vii, p. 29. Quanto ao ludíbrio da prata, fizera os
primeiros ensaios dela Fr. João de Granica, Docs. hist., xi, p. 20 e no reino D. Rodrigo de Castelo Branco, examinando as
amostras, achou prata. Roque Dias Pereira era dado como descobridor, Docs. hist., xi, p. 24. O provedor do Rio em 1675
quis suspender dos cargos os nomeados pelo governador-geral: a carta regia de 19 de março de 1676 mandou reintegrá-
los, Docs. hist., xxx, p. 242.

863 Docs. hist., xxx, p. 243.

864 Pe. Manuel da Fonseca, Vida do Padre Belchior de Pontes, ed. Weiszflog Irmãos, p. 100 (a 1ª ed. é de 1752); aí a
primeira descrição do planalto paranaense. Salvador Jorge (Velho) minerou em 1678–80, Romário Martins, História do
Paraná, p. 298. Diz o linhagista Pe. Roque Luís: “Salvador Jorge Velho, natural de São Paulo, em 1642, fal. na Parnaíba em
1705. Descobridor das minas da Curitiba”.

865 A. Taunay, Anais do Museu Paulista, vii, p. 586. Em 1665 Agostinho Barbalho Bezerra mandara o licenciado
Clemente Martins de Matos tomar posse de Santa Catarina, Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 35, 1956.

866 Osvaldo R. Cabral, Laguna, pp. 18–9, 1939. Dias Velho foi morto num desembarque de corsários holandeses em
1692, diz Pedro Taques; e Taunay, Hist. ger. das band. paul., viii, p. 374, corrigindo a data: 1689. Defendeu de espada e
broquel no templo (matriz do Desterro) as sagradas imagens, é o que comemora o genealogista, cf. docs. do Cart. de
Órfãos de São Paulo. A versão de Pedro Taques é convincente: que antes (1687) rendera Dias Velho um navio corsário
que arribara a Santa Catarina, tomando-lhe os valores, e matando alguma gente. Neste caso, o segundo vingou o
primeiro, desembarcando na praia de fora os ladrões do mar.
867 Carta régia para o gov. do Rio, 15 de março de 1689, mandou informar a respeito da expedição que Domingos de
Brito ia novamente empreender. Fracassara a primeira, quatorze anos antes. Dizia: “[...] a conquista da Laguna, terra
muito fértil e abundante de pescados e carnes e para a mais lavoura, com a vizinhança de Buenos Aires aonde entendia
haveria muitos descobrimentos”, Documentos interessantes, xlvii, p. 33. A povoação foi posta sob a proteção de Santo
Antônio, e a igreja começada em 1696, Osvaldo R. Cabral, ibid., p. 37. A primeira referência à pescaria na Laguna é de
1675, Docs. hist., x, p. 446.

868 Boletim do Arquivo Municipal de Curitiba, vii, p. 35, 1924; e Consulta do Conselho Ultramarino, 24 de dezembro
de 1694 (Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, pp. 53 e 272, 1956).

869 Pretendemos provar, O segredo das minas de prata, Rio, 1950, que o ciclo das esmeraldas (Minas Gerais) se liga
ao do nordeste (Belchior Dias), quando o Governador Afonso Furtado encarregou Fernão Dias Pais de pesquisar a prata
que houvesse ao sul da Jacobina, na direção de São Paulo, ou em Sabarabuçu. Em 1664 Sabarabuçu ficava nos sertões de
Paranaguá... (Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 30, 1956).

870 Carvalho Franco, Bandeiras e bandeirantes de São Paulo, pp. 140–1.

871 Tratado da terra do Brasil, ed. da Acad. Bras., p. 59.

872 Docs. hist., vi, p. 201; Taunay, Hist. ger. das band. paul., vi, p. 59.

873 Docs. hist., vi, p. 222.

874 Docs. hist., xii, p. 250.

875 Docs. hist., lxvii, p. 88.

876 Taunay, op. cit., vi, p. 85.

877 Diz Taunay: “Nos 40 homens brancos, afora eu e meu filho” que partiram com Fernão Dias não há referências a
seu genro Manuel de Borba Gato e aos sertanistas conhecidos que o acompanharam como Antônio Gonçalves Filgueira e
Antônio do Prado Cunha, Francisco Pires Ribeiro. Talvez tivessem seguido antes, com o Capitão Matias Cardoso, Hist.
ger. das band. paul., vi, p. 87. Sobre este e a bandeira, Pedro Taques, Nobil. paul., ed. Taunay, i, p. 396.

878 Rocha Pita, op. cit., p. 59.

879 Docs. hist., xvii, p. 333; Brito Freire, Hist. da guerra brasílica, p. 545; Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 299. Era
filho de Pedro Garcia, rico mercador, fornecedor do engenho do conde, a quem uma bala holandesa matara em 1624, e de
sua mulher D. Maria de Araújo, viúva de Baltasar de Aragão, o Bangala. Herdou de duas opulentas famílias, cujas terras
abrangiam boa parte do Recôncavo. Soldado desde 1635, faleceu em 1685. Na Catedral, a pedra tumular: “Hic jacet
Franciscus Gil de Araújo Praefecturae spes sancte Domine gubernator”. Grande protetor dessa igreja, dedicou-lhe Simão
de Vasconcelos a Vida de Anchieta (1674).

880 Carta do triunvirato da Bahia, 12 de junho de 1676, Docs. hist., xi, pp. 61–2.

881 A. Lamego, op. cit., i, pp. 148–51; Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 300.

882 Docs. hist., xi, p. 6.

883 Docs. hist., xii, p. 352.

884 Docs. hist., xxx, p. 8.

885 Carvalho Franco, op. cit., p. 143.

886 Regressaram Matias Cardoso e outros cabos, deixando o “governador” com os parentes, Taunay, op. cit., vi, p.
107. Matias declarou, em 1688: “Depois de assistir 6 anos com o dito ‘governador’ se retirou com licença sua a livrar a
vida do período em que se achava gravemente enfermo, etc.”, Docs. hist., xxx, p. 9.

887 Atestado de D. Rodrigo, cf. Alberto Lamego, Mentiras hist., p. 89.

888 Doc. in A. Lamego, ibid., p. 84.

889 A. Lamego, op. cit., pp. 88–9.


890 Em 1910, ao demolir-se, para a grande reconstrução, a Igreja de São Bento, foram exumados os restos de Fernão
Dias Pais, achando-se com eles uma funda de ferro, para hérnia, apoiada a uma cinta também de ferro, Taunay, op. cit.,
vi, p. 120. Observe-se que o processo usado para o transporte do corpo (reduzido a ossos pelo fogo aplicado sobre a
sepultura) foi o dos filhos de Luís Castanho de Almeida, cf. Pedro Taques, Nobiliarquia, ed. Taunay, p. 297.

891 Informação de Pedro Dias, 1756, cf. A. Lamego, op. cit., p. 84. Pedro Taques identifica: Sabarabuçu, “hoje se
chama Sabará, que é Minas Gerais”, Nobiliarquia, cit., p. 396. Garcia Rodrigues Pais teve a patente de capitão da entrada
das esmeraldas em 23 de dezembro de 1683, Registo geral da Capitania de São Paulo, iii, p. 430, e Silva Leme, Genealogia
paulista. São Paulo: 1904, ii, p. 455.

892 Taunay, op. cit., vi, p. 122. Afrânio Peixoto reivindicou para Diogo Grasson o título de “primeiro épico” do Brasil,
Ensaios camonianos, p. 391, Coimbra, 1932, pois Bento Teixeira nasceu em Portugal. Também na Revista da Academia
Brasileira, n. 105, set. de 1930. Aliás, Luís dos Santos Vilhena cita uma estrofe do mesmo poema, Cartas Soteropolitanas,
ii, p. 677, ed. B. do Amaral. O caçador de esmeraldas, de Olavo Bilac, tem precursor, de 1689!

893 O nome do poeta (Diogo Grasson) não figura na documentação divulgada, da vida paulista no século xvii. É
possível que fosse pseudônimo: como Andreoni se chamou Antonil, Coutinho quis ser Tinoco... E onde a Relação em
oitava rima, de Domingos Cardoso Coutinho? Desconheceu-a Rocha Pita, que talvez aludisse a Fernão Dias na confusa
notícia do descobridor de minas que morrera no sertão, levando para o túmulo o segredo, Hist. da Amér. Port., p. 283.
Joseph Cardoso Coutinho (filho de Domingos?) era capitão-mor das entradas no Espírito Santo em 1701, Docs. hist., xi,
p. 287.

894 V. Taunay, op. cit., vi, p. 170. E Pedro Taques, Nobiliarquia, cit., pp. 400–1.

895 Basílio de Magalhães, op. cit.

896 Taunay, ibid., vi, p. 181. Manuel de Lemos fora contratador da renda da aguardente na Vila de Santos, em 1644,
Anais do Arq. Públ. da Bahia, xxi, p. 196: “[...] e fazendo ausências às minas de Pernaguá”, se lhe concedera isenção de
subsídio devido.

897 Docs. hist., xxx. Outro companheiro de D. Rodrigo foi o Capitão João Carvalho Freire, Docs. hist., xxx, p. 323.

898 Paulo Prado, Paulística. São Paulo: 1925, p. 117; e Taunay, ibid. É tradição arraigada que D. Rodrigo morreu em
Sabará, no morro, que domina a cidade. Pedro Taques divulgou a versão duma queda: teria sido empurrado no abismo,
após troca de insultos com Borba Gato... Vimos que D. Jaime, morto em Paranaguá (1653), caiu, ou foi empurrado, de
uma cata ou penhasco... É evidente que esta última história, autêntica, gerou a outra, lendária. D. Rodrigo foi vítima dos
bacamartes de alguns sertanistas: três tiros. A mãe deste, Catarina Correia Galveia (“mãe herdeira de seu filho D. Rodrigo
de Castelo Branco”), requereu em 26 de março de 1688: “Que lhe mandara ele amostras de ouro”, códice do Cons.
Ultram., ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa, inéd.

899 Carlos Correa Luna, Campaña del Brasil: Antecedentes Coloniales. Buenos Aires: 1931, i, xxxvii. Leia-se Jaime
Cortesão. Alexandre de Gusmão e o tratado de Madri. Rio: 1952, i.

900 O governo espanhol disse em 31 de dezembro de 1679: “Prevenciones que hacia el Gober. del Rio de Janeiro para
fundar una población [...] para la seguridad de beneficiar una mina de plata”. Correa Luna, op. cit., p. 86.

901 Docs. hist., xi, p. 65. Com o tenente do Mestre-de-campo-general João Tavares Roldão, o engenheiro foi
incorporar-se à entrada de D. Rodrigo, cf. carta de 10 de março de 1679, Docs. hist., xxxii, p. 122.

902 D. Manuel Lobo foi nomeado em 8 de outubro de 1678, Docs. hist., xxvii, p. 335 (aí a sua fé de ofício). V. também
Pe. Carvalho Costa, Corografia portuguesa, i, p. 368. O governador de Buenos Aires em 13 de junho de 1673 comunicara
à sua corte ter notícia do projeto de ocupação de Maldonado pelos portugueses, Correa Luna, op. cit., p. 32. Pe. Simão de
Vasconcelos, Notícias das cousas do Brasil, n. 65, alude aos marcos portugueses que tinham sido deixados em Maldonado
— e à posse até o Prata.

903 A patente foi passada em Lisboa, 30 de outubro de 1677, Docs. hist., xxvi, p. 376. Partia “para o descobrimento e
entabulamento das minas de Pernaguá e Sabarabuçu”, Docs. hist., cit., p. 387. As minuciosas instruções dadas a D.
Manuel Lobo são de 18 de novembro de 1678, Correa Luna, op. cit., p. 64.

904 Docs. hist., xxvi, p. 401.

905 Docs. hist., xxvii, p. 340. O engenheiro Antônio Correia Pinto, que havia de construir a Nova Colônia, foi
chamado de Paranaguá, pela carta régia de 4 de agosto de 1676, Livro 2° de Cartas Régias, ms. no Arq. Públ. da Bahia.
Sobre os antecedentes, v. Luis Enrique Azarola Gil, La Epopeya de Manuel Lobo. Buenos Aires: 1931, pp. 29–30.

906 Rocha Pita, Hist. da Amér. Port., p. 332: “Era este ministro natural de Pernambuco, das principais famílias
daquela província; fora enviado por el-rei, sendo ainda príncipe regente, por sindicante das províncias do Sul às maiores
diligências que até aquele tempo se tinham oferecido naquela região e com o poder mais amplo, que nela se concedera a
ministro algum; três anos e meio se empregou naquele serviço e el-rei o elegeu por governador do Rio de Janeiro, cargo
que não exerceu por se ter recolhido para a Relação da Bahia”. Também não aceitou o de conselheiro do Conselho
Ultramarino por não lhe permitir a idade passasse ao reino. Tomara posse na Relação em 17 de maio de 1678: na Bahia
faleceu em 1702. O historiador era filho de uma sua irmã, D. Brites.

907 Carta do governador do Paraguai ao de Buenos Aires, 22 de outubro de 1679, Correa Luna, op. cit., p. 78. Uma
charrua, de mercador francês domiciliado na Bahia, foi tomada por D. Manuel Lobo no Rio, Docs. hist., xxix, p. 240.

908 J. do Rego Barros, op. cit., pp. 44–5.

909 Doc. in Correa Luna, op. cit., p. 104. V. os nomes dos principais companheiros de D. Manuel Lobo in J. do Rego
Barros, ibid., p. 45.

910 A impossibilidade da defesa da Colônia do Sacramento (hoje cidade uruguaia de Colônia) é patente à primeira
vista, de quem a observe do Real de San Carlos, o lugar aliás onde acampou Ceballos no último dos cinco assédios que
sofreu a praga (como pudemos perceber visitando-a em 1936). Razão tinha o Ouvidor-geral Tomé de Almeida e Oliveira
ao propor a ocupação de Maldonado; Luis Enrique Azarola Gil, Los orígenes de Montevideo. Buenos Aires: 1933, p. 53. O
autor da “Informação do Estado do Brasil” (fins do séc. xvii): “Para se conservar a povoação do Sacramento houvera Sua
Majestade ter mandado fazer outra no Montevidéu e outra no cabo Negro”, Rev. do Inst. Hist., xxv, p. 473. E os
insucessos explicam o desânimo de Cunha Brochado, em 1725: “Não temos mais remédio que largar a Colônia que não
vale nada e não tem utilidade e serventia”, Caetano Beirão, Cartas da Rainha D. Mariana Vitória. Lisboa: 1931, i, lxxxviii.

911 V. J. do Rego Monteiro, op. cit., p. 57.

912 V. o plano da “Fortaleza de San Gabriel”, Fernando Capurro, La Colonia del Sacramento, pl. n. 4.

913 V. J. do Rego Monteiro, op. cit., p. 89. Quanto a Jorge Soares de Macedo, em 26 de janeiro de 1700 foi nomeado
governador da fortaleza de Santos; em 2 de junho de 1701 mestre-de-campo na mesma vila; e em 1707 ainda os seus
serviços eram lembrados para ir às minas gerais, Carvalho Franco, op. cit., p. 170.

914 Comtesse d’Aulnoy, Mémoires de la Cour d’Espagne. Paris: 1876, p. 376, ed. revue par Mme C. Carey.

915 A carta régia de 7 de janeiro de 1682 mandou que, no Brasil, Duarte Teixeira Chaves fosse auxiliado com todo o
necessário para ir receber a Colônia do Sacramento, Docs. hist., xxix, p. 442. A rigorosa cobrança dos tributos atrasados,
no Rio de Janeiro, permitiu o melhor equipamento da expedição, distinguindo-se o Sargento-mor Luís Carneiro Filho,
que, na Colônia, em três dias construiu os armazéns, ibid., p. 65. Persistiu a proibição de comércio entre a Colônia e
Buenos Aires, como lamentava Vieira em 1692, Cartas, iii, p. 639, mas que não impediu o contrabando ou o comércio
clandestino; v. Luis Enrique Azarola Gil, Historia de la Colonia del Sacramento. Montevidéu: 1940, p. 65.

916 V. José Torre Revello, in Hist. de la Nación Argentina. Buenos Aires: 1937, iii, p. 548, dirigida por Ricardo
Levene.

917 Fernando Capurro, La Colonia del Sacramento. Montevidéu: 1928, p. 19. Em 1686 o Vigário Francisco de
Almeida Lara propunha-se a mandar povoar o “lugar da Vacaria” por um mineiro e 60 infantes “para se averiguar a
prata”, Docs. hist., xi, p. 126.

918 Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 320. V. Pizarro e Araújo, Memórias históricas do Rio de Janeiro. Rio: Inst. Nac.
do Livro, 1946, iv, pp. 52 e ss.

919 Luís César foi governador da Angola e governador-geral do Brasil, Seu filho foi o 1º Conde de Sabugosa.
Deportou do Rio para Angola o poeta Tomas Pinto Brandão a quem em seguida protegeu, Pinto renascido, empenado e
desempenado, etc. Lisboa: 1732 p. 410.

920 Vieira, Cartas, iii, p. 489, ed. J. Lúcio. Quis o governador ir ver as minas de prata perto de Santa Cruz de la Sierra,
o que desaconselhou o governador-geral, Docs. hist., xi, p. 196. Ressentiu-se-lhe a saúde depois das duas viagens a São
Paulo. Morreu de ataque apoplético, Docs. hist., xi, p. 203.
921 Docs. hist., vol. cit.

922 A. Taunay, Rev. do Inst. Hist., cxliv, p. 405, resume o livro de Froger. A primeira descrição estrangeira do Rio? O
Prof. Charles Boxer (conf. no Rio, 1949) mostrou a precedência do jesuíta inglês Richard Flecknor, que chegou a esta
terra em 1648: “The pleasantest place in the world for natural landscape”. Com este começa o elogio universal à paisagem
“maravilhosa”.

923 Ainda em 1659 Bento da Rocha Gondim, contratador dos dízimos, por ter feito no Rio casas nobres, pedia ao
governador lhas garantisse, contra ocupação dos governadores da capitania... Docs. hist., xix, p. 468.

924 Foi sepultado no convento dos franciscanos, Rocha Pita, op. cit., p. 284. Seu filho Jorge Furtado casou na família
de Hohenlohe “que em título de conde tem soberania em Alemanha”. Gregório de Matos, Satírica, ii–11, 15, ed. da
Academia, comemorou em sonetos laudatórios o governador falecido.

925 Miralles, op. cit., p. 151. A Vereação obteve que se não fizesse a eleição anual, a fim de que Antônio Guedes de
Brito continuasse, até a nomeação do governador-geral, Rocha Pita, ibid. Sobre Álvaro de Azevedo, baiano, que combateu
em Flandres e Portugal, P. Calmon, História da Casa da Torre, p. 93. Antônio Guedes acumulou imenso patrimônio,
depois da Casa da Ponte, rival da Casa da Torre na expansão nordestina. A Câmara da Bahia representou em 14 de agosto
de 1671, Accioli, Mem., ii, p. 134, contra a proibição, que constara ter sido decretada, de serem desembargadores no Brasil
os filhos da terra. A conservação da junta “baiana” prova que o príncipe a ouviu! “O Governador Afonso Furtado deixou
nomeados os governadores que S. M. aprovou”, carta de Matias da Cunha, Docs. hist., x, p. 304. Esta informação deve
combinar-se com a de Bernardo Vieira Ravasco: que o Provedor Antônio Lopes Ulhoa quisera ser o sucessor, com a
intervenção do confessor do enfermo, porém o secretário, unido ao sobrinho do governador, Capitão Antônio de Sousa
Meneses (não confundir com o futuro governador-geral) obteve que se fizesse junta, de que resultou o triunvirato, A.
Lamego, Mentiras históricas, p. 65.

926 Cartas, 1º de junho de 1676, iii, p. 221, ed. J. Lúcio.

927 D. Afonso vi, publ. por E. Brasão, p. 216.

928 D. Afonso vi, pp. 250–1. Roque da Costa era de Serpa, Pe. Antônio de Carvalho, Corografia portuguesa, ii, p. 316.
A patente de nomeação de mestre-de-campo-general do Brasil com a mesma autoridade de governador — lhe enumera os
serviços de guerra, 22 de junho, de 1677, B. do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 236. A viúva de Roque da Costa, filha do
Almirante D. Pedro de Almeida, casou com o secretário da guerra João Pereira da Cunha Ferraz, Gustavo de Mato
Sequeira, O Carmo e o Trindade. Lisboa: 1939, ii, p. 17.

929 Cartas, iii, p. 454.

930 O Governador D. Fernando José de Portugal anotou esse Regimento reparando nas alterações sobrevindas a
várias disposições, em 1804–5, Docs. hist., vi, pp. 312–466. Em 1655 tivera Regimento mais simples André Vidal,
nomeado para o Maranhão.

931 A lápide na capela-mor da Sé comemorava: “Sepultura de D. Estêvão dos Santos, do Conselho de Sua Majestade e
bispo deste Estado do Brasil falecido em 6 de julho de 672 em circunstâncias tão miraculosas em sua morte que
qualificaram a grande opinião das muitas virtudes que teve em sua vida”. — Em 11 de maio daquele ano pagara-se-lhe a
ajuda de custo de um conto de réis, Docs. hist., xxv, p. 59. V. Monstruosidades do tempo e da fortuna, iii, p. 43.

932 Prior da Igreja de Santa Engrácia e desembargador da Relação Eclesiástica, como um dos juízes nomeados pelo
cabido, em 1668, para anular o casamento de D. Afonso vi e D. Maria Francisca, figurou assim nos fatos que culminaram
no destronamento do rei, v. Camilo, Vida del-Rei D. Afonso vi, p. 103, 1ª ed.

933 Varnhagen, Hist., iii, p. 281. Um dos desembargadores nomeados foi o poeta Gregório de Matos, que pouco
tempo exerceu o cargo, Pedro Calmon, prefácio às Obras completas, de Gregório de Matos, vi, p. 37, ed. da Acad. Bras.

934 Docs. hist., viii, p. 158.

935 Rocha Pita, op. cit., p. 290. Os carmelitas em 1655 haviam “desistido do sítio e ermida de N. S.a do Desterro”,
Docs. hist., vii, p. 273. Sobre esta, v. Fr. Agostinho de Santa Maria, Santuário mariano, ix, p. 74. Aí fez Vieira o seu
primeiro sermão em 1633. E em 1639, o de Nossa Senhora da Conceição, para “os que vêm de tão longe a este deserto
trazidos pela devoção da Senhora do Desterro [...]”, Sermões, x, p. 218. Diz-nos Rocha Pita que havia começos de
convento e, ao saber-se na cidade da chegada das freiras, todos os pedreiros foram convocados, e em três dias puseram em
ordem a clausura, a que se recolheram. As primeiras baianas que entraram no Desterro foram Soror Marta de Cristo e sua
irmã Soror Leonor de Jesus. A primeira substituiu no abadessado Soror Margarida da Coluna que, com suas
companheiras, voltou para Portugal em 1686, deixando próspero o convento. Eram filhas de Salvador Correia
Vasqueanes e Margarida da Franca, Fr. Jaboatão, Catálogo genealógico, p. 246. Morreu Soror Marta aos 88 anos, em 1738,
“com fama de virtude”, Frei Jaboatão, Novo Orbe Seráfico, iii, p. 657. Dedicou-lhe Gregório de Matos um romance,
Obras, Graciosa, iii, p. 60.

936 Rocha Pita, op. cit., p. 294. Em 1705 foi mandado entregar o hospício aos capuchinhos italianos, titulares da
missão permanente instituída pela Sagrada Congregação da Propaganda Fidei, em 1709.

937 Docs. hist., viii, p. 93. A ordem foi revogada em 1691, Docs. hist., xxxii, p. 338.

938 Do aforamento a Diogo Lopes de Évora não tratam as Atas da câmara. Consta do Index das notas de vários
tabeliães de Lisboa, t. iii, p. 207, Lisboa, 1944 (Bibl. Nac.), revelando a data, 1627, o nome dos vereadores, Marcos da
Costa, Jerônimo de Burgos, etc. A licença do mestre Pedro Gonçalves de Matos (cf. Atas da câmara, i, p. 79) vem no Livr.
de atas, ii, p. 201, referente ao ano de 1643. Deste foi sobrinho e herdeiro o famoso João de Matos Aguiar, cuja fortuna
passou a constituir, em 1700, por verba testamentária, o patrimônio das recolhidas da Santa Casa, A. J. Damazio,
Tombamento dos bens imóveis da Santa Casa da Bahia. Bahia: 1862, p. 30.

939 Accioli, op. cit., ii, p. 131. — Calçadas ou ladeiras. Em Portugal ficou a primeira designação: calçadas. Lembra o
tempo em que só se pavimentavam as rampas, Atas da Câmara da Bahia, 1637, ms. no Arq. Municipal.

940 Ata de 15 de julho de 1637, códice, cit.

941 V. Rocha Pita, op. cit., p. 453.

942 Cartas, ii, p. 323.

943 Obras, iv, p. 119.

944 “Fiz eu algumas doutrinas domésticas em casas de portadas bem altas”, Vieira, Sermões, xiii, p. 174.

945 Edifício notável, porque aí funcionou a Assembléia Provincial, tinha soberba porta (e portais de granito com a
data, 1674) que hoje se vê no palácio da Saúde Pública, à Vitória (Bahia).

946 Gregório de Matos, Obras, ii, p. 73, soneto em homenagem a essa mudança. Provirá daí o nome de “Rua do
Bispo”, à que fica perpendicular à Rua do Colégio? Longos anos residiriam os bispos em Santo Antônio da Barra, cenóbio
com bela igreja, que pertencia à Mitra (como aliás se vê em mapa de Barleo: domus episcopalis). O palácio definitivo foi
feito ao começar o século seguinte, quando os Guedes de Brito construíram o “Paço do Saldanha” e o Chantre João
Calmon o solar a que alude Rocha Pita: “Aposentou-se (o Patriarca, em 1722) na casa do Reverendo Chantre João
Calmon, uma das mais suntuosas e bem paramentadas da cidade”, op. cit., p. 459.

947 As pedras de Alcântara vinham como lastro dos navios e várias foram as igrejas lavradas em Lisboa e apenas
armadas na Bahia: Colégio (hoje catedral), Ordem 3º de São Francisco (1704), Conceição da Praia (1724)... Na portaria
velha do Mosteiro de São Bento da Bahia é visível a numeração das pedras, que vinham aparelhadas.

948 Journal d’un voyage sur les costes d’Afrique, etc. Amsterdã: 1730, p. 240.

949 Foi arquiteto de São Bento, da Misericórdia, e talvez de Santa Teresa, o beneditino Frei Macário de São João, que
na Bahia faleceu em 3 de abril de 1676, cf. Dietário, ms. comentado por D. Clemente Maria da Silva Nigra.

950 V. Frei Agostinho de Santa Maria, op. cit., ix, p. 23: Docs. hist., viii, p. 141. Foi D. João de Lencastro quem
“acabou o Templo da Matriz”, Rocha Pita, ibid., p. 330.

951 Em 1691 a “Igreja de São Pedro Velho sita no arrabalde desta cidade” estava por concluir, visto “serem muito
pobres os fregueses dela”: deu el-rei o auxílio preciso para a terminação da obra, Docs. hist., xxxiii, p. 410.

952 Journal d’un voyage, cit., p. 241.

953 É de 1621, cf. Frei Agostinho de Santa Maria, op. cit., André Cusaco, mestre-de-campo, irlandês de origem,
reconstruiu-a (1691) como capela predileta dos soldados.

954 Iniciada em 1630 pelo Alferes Francisco da Cruz Arrais, transformada em igreja por seus filhos (1670), cf. Frei
Agostinho de Santa Maria, op. cit. Sobre a instalação dos agostinianos, Anais do Arq. Públ. da Bahia, xiii, p. 176.
955 “Sermão de Santo Antônio”, no Maranhão, 1654.

956 “Os da Europa andam em liteiras e carroças; os da Ásia em palanquins; os da América em serpentinas. [...] Os da
Ásia e da América deitados e jazendo; os da Europa tirados por animais; os da Ásia e da América levados em ombros de
homens”. Vieira, “Sermão da 2ª Dominga da Quaresma”, 1652, Sermões, iii, p. 103, ed. de 1907.

957 “É notável o desaforo que hoje aqui há em matar com bacamartes e só com a demonstração exemplar do suplício
que se der aos culpados se poderá reprimir”, 1674, carta de Afonso Furtado, Docs. hist., x, p. 134.

958 Afonso d’E. Taunay, Rev. do Inst. Hist., cxliv, p. 272. Observa Taunay, que esse francês pode ter sido um
recopilador de notícias, ou pseudônimo... O livro é de 1722.

959 Taunay, Rev. cit., p. 291. A frota de De Gennes ancorou no porto da Bahia em 20 de junho de 1696.

960 Taunay, Rev. cit., p. 301.

961 Docs. hist., xxxii, p. 229. Câmara Coutinho, em 1691, queixou-se da falta de engenheiro e quis provar que a praça
não era suscetível de assédio, devendo confiar nos peitos dos soldados, não em fortalezas, inúteis, Rev. do Inst. Hist., lxxi,
p. 42. Previu que, cortado o abastecimento do mar e do sertão, não poderia manter-se.

962 V. Nuno Masques Pereira, O peregrino da América, ed. da Academia Brasileira, i, p. 62.

963 V. Fr. Tomás Margallo, Rev. do Inst. Hist. da Bahia, n. 54, p. 28.

964 Anais do Arq. Públ. da Bahia, viii, p. 11. Foi a epidemia da “bicha” que induziu à criação da vigilância sanitária
dos portos (inspeção dos navios no Brasil e em Portugal) e outros trabalhos que preconizam a higiene nestes climas.

965 Vieira, Sermões, v, p. 349.

966 Patente do Capitão Francisco de Góis, Docs. hist., xx, p. 119.

967 Docs. hist., iii, p. 61.

968 Carta de 26 de maio de 1651, Docs. hist., iii, p. 111.

969 Carta de 1º de julho de 1651, Docs. hist., iii, p. 124. A esse tempo cabia a Sergipe a obrigação de socorrer a
guarnição da Bahia com trezentas reses, Docs. hist., iii, p. 139.

970 Docs. hist., iii, p. 380. No mesmo volume estão as peças documentais relativas às alterações de 1656.

971 Docs. hist., iv, p. 158. As instruções são de 18 de julho de 1671.

972 Obras, ed. da Acad. Bras., iv, p. 70. É comparar com o soneto sobre o Rio Grande do Sul no século xviii: “Tetos de
erva, paredes de pântano”. No códice de Évora, o soneto sobre Sergipe é atribuído a Gonçalo Soares, Brasília, i, p. 561, e
tem versos diferentes, lembrando glosas ao mesmo tema.

973 Antônio Joaquim de Melo, Biografia de João do Rego Barros, pp. 32–5. Em 1654 deixou o cargo de capitão-mor
das Alagoas André Gomes, substituído por Luís dos Santos, Docs. hist., xviii, p. 255.

974 Craveiro Costa, História das Alagoas, p. 63, São Paulo.

975 Rocha Pita, op. cit., p. 352. Já em 1671 Alagoas podia fornecer 4 mil sírios de farinhas para a Bahia, Docs. hist., ix,
p. 428. O convento franciscano de Penedo, projetado em 1657, oratório em 1660, começou a ser levantado em 1682 e em
94 já podia abrigar os religiosos; tornou-se, à imagem do São Francisco, um marco de civilização, v. Frei Jaboatão, Novo
Orbe Seráfico. Rio: 1861, parte ii, ii, pp. 603–5. Da tapera de Paulo Afonso trata Docs. hist., xl, p. 125.

976 Os holandeses, desistindo do Brasil, agasalharam-se em outros climas. Não pôde Portugal evitar que lhe
tomassem Malabar e Coramendel, na Índia. Muitos judeus holandeses saíram de Pernambuco com escravos e sócios para
se estabelecerem na Guiana e nas Antilhas — onde criaram uma indústria açucareira semelhante à que tinham
abandonado. Com igual sistema de trabalho, o mesmo tipo de exploração rural, da várzea pernambucana, cf. Lippmann e
Sombart, J. Lúcio d’Azevedo, Épocas de Portugal econômico, p. 273. No Museu Britânico: memoriais de Manuel Martins
Domido (David Abramanel) judeu espanhol, arruinado com a capitulação do Recife, de 1654, em que pedia a Cromwell
acolhesse os judeus na Inglaterra, Oliveira Lima, op. cit., p. 33.
977 Fernando Pio, O Convento de Santo Antônio do Recife. Recife: 1939, p. 45.

978 V. Pereira da Costa, Anais pernambucanos. Recife: 1952, iii, p. 401. — Seguiram-se: 1672, hospício de São Filipe
Néri; 1678, Convento do Carmo; 1689, Igreja do Espírito Santo, dos jesuítas, junto do colégio; 1708, Conceição dos
oratorianos..., Sebastião de Vasconcelos Galvão, Dic. hist. geogr. e estat. de Pernambuco, 2ª ed., p. 30. A excelente capela
dos Terceiros é de 1696, Fernando Pio, A Ordem 3º de São Francisco do Recife e suas igrejas. Recife: 1938, p. 11. Em
Olinda, a restaurada igreja dos jesuítas, hoje do seminário, ostenta a data, sobre o altar-mor: 1667. O palácio dos
governadores, como diremos, foi de 1666.

979 Leia-se Pereira da Costa, op. cit., iii, pp. 352 e ss.

980 Carta de Barreto a Vidal de Negreiros, 15 de julho de 1657, Docs. hist., iv, p. 12. Dizia que a mudança para Olinda
destruiria o Recife, pois só havia gente para uma cidade. Aos “meios cavilosos” de Vidal aludiu em carta ao Mestre-de-
campo D. João de Sousa, Docs. hist., iv, p. 17, e submeteu o caso ao rei, Docs. hist., iv, p. 308, que o resolveu
conciliatoriamente: aprovou a mudança, mas sem abandonar o Recife.

981 Docs. hist., lxvi, p. 288. Interpretamos as letras que restam na pedra do palácio de Olinda conservada no Instituto
Arqueológico: “Aedif [...] as Vidal”.

982 Fernandes Gama, Mem. hist., iv, p. 18; Miralles, Hist. mil. do Bras., pp. 147–8; Docs. hist., iv, p. 369 (ordem para a
retirada dos ministros mandadas por Barreto), Anais do arquivo público da Bahia, xiii, p. 99 (patente de Nicolau Aranha),
Docs. hist., lxvi, p. 161 (estranheza da rainha), narração de Barreto (Boletim do Arquivo Histórico Militar. Vila Nova de
Famalicão: 1936 vi, pp. 148–55). O governador-geral manteve a sua competência de prover os postos da força paga.

983 Carta de 24 de junho de 1691, Cartas, ii, p. 323. Francisco de Brito ilustrou-se com a História da guerra brasílica
(por ele testemunhada no seu último episódio), Lisboa, 1676, decalcada aliás das Memórias diárias da guerra do Brasil, de
Duarte de Albuquerque Coelho. Recusou-se a obedecer ao Príncipe Regente D. Pedro quando o mandou conduzir o rei
deposto, D. Afonso vi, ao castelo da Ilha Terceira, e desgostoso se recolheu ao colégio dos jesuítas, onde o prendeu a
justiça. Mas por um mês apenas. Viveu em silêncio o resto da honrada existência. Faleceu em 8 de novembro de 1692,
Edgar Prestage, D. Francisco Manuel de Melo, p. 273.

984 Docs. hist., xi, p. 165. Carta da rainha, 26 de janeiro de 1662, declarou que Paraíba e Rio Grande “não podiam ser
nunca da jurisdição de Pernambuco”, Docs. hist., lxvi, p. 179. O Conde de Óbidos era primo do novo Governador
Jerônimo de Mendonça Furtado, e escreveu-lhe várias cartas, proibindo intervenção sua em Itamaracá. Note-se que
ambos exprimiam a política do reino (D. Afonso vi) e do Conde de Castelo Melhor, contrária à orientação da rainha-mãe
e seus ministros, cujo homem de confiança fora Francisco de Brito Freire. Mas o conde se queixou das desobediências do
parente e pediu o seu castigo, quando ele prendeu, e fez embarcar, o Ouvidor Manuel Dinis da Silva, cartas de outubro de
1664, Anais do Arq. Públ. da Bahia, viii, pp. 4–7.

985 Sobre Jerônimo de Mendonça Furtado, apelidado o “Xumberga”, por usar bigodes tufados à maneira do General
Schomberg, comandante das forças francesas que auxiliaram Portugal em 1660, v. Rodolfo Garcia, art. in Revista do
Brasil, julho de 1938. Diz-nos que o próprio Fernandes Vieira não devia estimar o governador, porque o irmão deste o
processava pelo pagamento de grossa quantia em mercadorias tomadas em Angola; e D. João de Sousa o aborrecia, por
sua interferência para que saldasse um compromisso em dinheiro. — O apelido “Xumberga” pode referir-se ao seu
“francesismo”. O Conde de Óbidos escreveu em 1664: “Me agradam mais os costumes da têmpera velha que os que o
vulgo chama de ‘xumberga’”, Docs. hist., xi, p. 215. E Monsieur d’Ablancourt, Mémoires, p. 382, Amsterdã, 1701, tanto se
imitara o forasteiro que houve aviso: “Que personne n’eut plus à l’avenir à vêtir ni à parer les Saints ni les Saintes à la
Schombergue”.

986 Os padres da Companhia, carmelitas, beneditinos e franciscanos aprovaram muito a mudança e trataram de
reerguer os seus conventos, cf. R. Garcia, Rev. cit. O “Xumberga” alegou que, por sua vez, levantara de novo o
recolhimento para mulheres, fundado outrora por Maria Rosa, viúva do Capitão Pedro Leitão. É o repovoamento de
Olinda. O Conde de Óbidos, em carta de 29 de janeiro de 1664, deu à Câmara de Olinda parabéns por ter el-rei aprovado
“a mudança do governo”, de Recife para aquela vila, Documentos históricos, ix, p. 147. Avisou disto o governador em
igual data, ibid., ix p. 156.

987 Rodolfo Garcia reporta-se ao livro de Souchu de Rennefort, Histoire des Indes Orientales, Leide, 1688, que
descreve a passagem de Montevergue pelo Brasil e a deposição do governador. Este continuou preso em Portugal, donde
fugiu para Espanha. Em 1674 entrou na conjura em favor do deposto Rei Afonso vi, e, condenado à morte, teve comutada
a pena em Desterro na Índia, fim obscuro de sua carreira atribulada, Fernandes Gama, Memórias, cit., iv, p. 20. Seu
irmão, Luís de Mendonça Furtado, estivera no Brasil em 1664, Docs. hist., vi, p. 17, e foi vice-rei da Índia, 1671 a 77.
Morreu em trânsito pela Bahia, Vieira, Cartas, iii, p. 407. V. também Monstruosidades, ii, p. 127 e iv, p. 78. A importância
de Fernandes Vieira pode aquilatar-se da carta que lhe mandou o Conde de Óbidos em 1664, Docs. hist., xi, p. 220. Era
chefe natural da reação: “Da carta de João Fernandes Vieira [...] se deixa bem ver”, Anais do Arq. Públ. da Bahia, viii, p. 6.
Possuía então 16 engenhos de açúcar (1668), Docs. hist., xxii, p. 291.

988 Em 30 de agosto, véspera da deposição do “Xumberga”, escrevera-lhe o Conde de Óbidos: “Que o que Vossa
Mercê me diz de estar com as esporas calçadas esperando por sucessor, creio que lhe não virá com a brevidade que Vossa
Mercê o espera, senão quando for gosto de Vossa Mercê”, Docs. hist., ix, p. 258. Nomeou André Vidal em 10 de
novembro de 1666: “Pois é minha esta escolha e nomeação” — comunicou-lhe. E à Câmara de Olinda: “Terão Vossas
Mercês entendido a eleição, que fiz em André Vidal de Negreiros, para o governo dessa capitania e das mais anexas;
porque fio dele, que em tudo o que tocar ao serviço del-rei, etc.”, Docs. hist., ix, pp. 264–5; e Pereira da Costa, Anais, iv, p.
9.

989 Fernandes Gama, op. cit., iv, p. 21.

990 Inácio Accioli, Mem. Hist., ii, p. 28. Morreram mais de 3 mil pessoas, Nuno Marques Pereira, O peregrino da
América, ii, p. 112, ed. da Academia Brasileira.

991 Docs. hist., vi, p. 163.

992 Carta do Conde de Óbidos, 10 de outubro de 1666, Docs. hist., ix, p. 261, estranhando que os dízimos, que
tinham caído de 11 a 3 mil cruzados, continuassem assim reduzidos.

993 Docs. hist., xxi, p. 459, prov. de 1664. Descobrimos na Torre do Tombo o seu processo de habilitação no Santo
Ofício, de que foi familiar, a 2 de novembro de 1648, filho confirmado por S. M. do abade da Meadela, Fernão Peixoto
Viegas. Era genro do rico Cosme de Sá Peixoto.

994 Docs. hist., iv, p. 60.

995 Matias de Albuquerque casara no Rio, donde seguiu para a Paraíba, empossando-se a 17 de outubro de 1657, Fr.
Jaboatão, Cat. gen., tít. Albuquerques. Depois se retirou o velho soldado para o seu engenho de Cunhaú, no Rio Grande,
onde morreu. Seus filhos Afonso e Lopo de Albuquerque Maranhão foram sertanistas valorosos e quiseram — sem
resultado — descobrir ainda uma vez a prata de Belchior. V. Jaboatão, op. cit., quanto à prole que lhe ficou.

996 Cf. códice ms. no arq. do Mosteiro de São Bento de Olinda, publicado pelo Inst. Hist. Pern. em 1949. Em 1666
tomou posse da administração do Convento da Paraíba Frei João Gondim, Luís Pinto, Síntese histórica da Paraíba.
Paraíba: 1939, p. 36. V. em R. Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 325, a nominata dos capitães-mores.

997 Docs. hist., xxix, p. 200.

998 Carta do Conde de Óbidos, 10 de maio de 1664, Docs. hist., ix, p. 170.

999 Carta de 5 de abril de 1659, Docs. hist., iv, p. 23. O Capitão Antônio Vaz, cinco anos no governo da capitania,
logrou que voltassem 150 moradores, Docs. hist., xxv, p. 189.

1000 Docs. hist., iii, p. 264. Em 1658 havia navios holandeses a carregar pau-brasil, Docs. hist., iv, p. 353, motivo de
renovada vigilância.

1001 O Marquês das Minas, em 1684, mandou não fossem perturbadas as missões dos jesuítas, Docs. hist., x, p. 207.

1002 Sesmaria concedida em 1664 ao Alferes Sebastião Barbosa, sua irmã Maria, Antônio d’Oliveira Ledo, Alferes
Baltasar da Mota e Custódio de Oliveira Ledo, Docs. hist., xxi, pp. 429–33. O Conde de Óbidos mandou ao capitão-mor
da Paraíba que os auxiliasse, Docs. hist., ix, p. 242.

1003 Em 1664, Docs. hist., xxi, p. 445.

1004 Escreveu Matias da Cunha à Câmara de São Paulo, em 10 de março de 1688: “Acha-se a capitania do Rio Grande
tão oprimida dos bárbaros, que nela mataram o ano passado mais de cem pessoas, entre brancos e escravos, destruindo
mais de 30 mil cabeças de gado”, Docs. hist., xi, p. 139. Os dízimos da capitania, 800$000, em 1682, baixaram a 550$000,
Docs. hist., x, p. 197, e em 1684 não passavam de 700$000, Docs. hist., x, p. 200.

1005 Carta de 5 de junho de 1694, Docs. hist., xxxviii.


1006 Carta de D. João de Lencastro, 21 de maio de 1695, Docs. hist., cit., p. 337.

1007 Docs. hist., cit., p. 341. Sucedeu a Constantino de Oliveira, também seu irmão, cf. patente de 3 de novembro de
1694, Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 164, confirmada em 23 de agosto de 1698, Torre do Tombo, Chanc. de D. Pedro
ii, liv. 52, f. 58.

1008 Anais do Arq. Públ. da Bahia., i, p. 139.

1009 Carta do padre, 29 de out. de 1699, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 133.

1010 O Sargento-mor Pedro Lelou (que acabara de governar o Ceará), disse Bernardo Vieira, induzira o Janduí a
unir-se aos paiacós, para irem à guerra contra os icós, porém o tuxaua revelou a intriga a Morais Navarro e com este
combinou um assalto aos paiacós, destruindo-os de surpresa..., carta de 17 de dez. de 1699, Rev. do Inst. do Ceará, vol.
cit., p. 139. O Bispo de Pernambuco excomungou o paulista. Defendeu-o José Barbosa Leal, carta de 20 de dez., dizendo
que os paiacós mortos eram inimigos, e não se confundiam com a tribo do mesmo nome “do rancho do tapuia Maticas
Paca que o Pe. João da Costa está instruindo na fé”, ibid., p. 143. Curioso é que Pedro Lelou faz a apologia do extermínio
dos bárbaros citando exemplos do México e do Peru...

1011 Studart, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 51. Por falta de oficiais de justiça os dízimos eram arrematados no Rio
Grande, Docs. hist., x, p. 211.

1012 Rev. cit., vol. cit., p. 76. O forte foi reconstruído em 1697, cf. Studart, Datas e fatos, p. 111. A fortaleza, cujos
restos ainda podem ser vistos, esta é de 1812, v. Afonso do Paço, Fortaleza de Nossa Senhora d’Assunção da capitania do
Ceará Grande. Coimbra: 1950, p. 15.

1013 Carta del-rei, 29 de janeiro de 1691, Rev. do Inst. do Ceará, cit., p. 23. Mandava que se desse aumento às
Missões.

1014 Caucaia, depois de 1759, chamou-se Soure; Parangava, Arronches; Paupina, Mecejana.

1015 Carta de Câmara Coutinho, Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 43.

1016 Rev. do Inst. do Ceará, vol. cit., p. 95.

1017 Câmara Coutinho escreveu a el-rei, em 4 de julho de 1692: “Na Missão da serra do Ceará está assistindo nela o
Padre Manuel Pedroso, há tempos que não tenho notícias suas”, Docs. hist., xxxiv, p. 63. Por esse tempo o Pe. Estanislau
de Campos “chegou à província do Ceará, criada junto aos limites do Maranhão [...] os companheiros que naquela região
tinham um hospício de estreitas proporções”, Rev. do Inst. Hist., lii, p. 14. O hospício de Ibiapaba é de 1698–1721, e o de
Aquiraz, de 1727.

1018 Rev. do Inst. do Ceará, vol. cit., p. 75.

1019 Pe. Heliodoro Pires, in Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 250. A infiltração, proveniente da Bahia, teria seguido
da serra limítrofe (Pernambuco–Paraíba) o Piancó e alcançado o Piranhas, na década de 1680. A este movimento
pertencem os Oliveira Ledo, os vaqueiros de João Peixoto Viegas, etc. Sabemos agora que o gado do Rio Grande, com a
guerra do Açu, se deslocou para o Ceará. Mas outra penetração se deu pelo sul, com os gados do São Francisco tangidos
para melhores pastagens, como informa Antonil. Se dissermos que do Piauí os rebanhos também passaram ao Ceará,
teremos que por três lados essa capitania se beneficiou da metódica expansão pastoril, entre 1680 e 1725.

1020 “Não há gentios no mundo que menos repugnem à doutrina da fé, e mais facilmente a aceitem e recebam que
estes Brasis”, Vieira, “Sermão do Espírito Santo” (1657), Sermões, v, p. 330.

1021 V. Ementas de habilitações, Bibl. Nac. de Lisboa, p. 37.

1022 V. Anais da Bibl. Nac., xxvi, p. 349. Maurício de Heriarte, Descrição do Estado do Maranhão, etc.; Garcia, nota a
Varnhagen, iii, pp. 211–7. A igreja dos mercedários, começada em 1640, inaugurou-se em tempo do Pe. Vieira (havia
então em Belém as da Senhora das Vitórias, do Carmo, do Desterro e da Luz), que aí fez o “Sermão de São Pedro
Nolasco”: “Não sei se notais o maior primor da arquitetura desta igreja [...] é ter por correspondência aquelas choupanas
de palha em que vivem os religiosos”, Sermões, vi, p. 350.

1023 Pe. Antônio Vieira, Cartas, i, p. 112. Em 1657, Sermões, iv, p. 69: “É possível que numa cidade tão nobre e
cabeça de um estado (Maranhão) não haja um hospital e que a Misericórdia não sirva mais que de enterrar os mortos?”.
1024 “Outros lhe chamem Rio das Almazonas; mas eu lhe chamo Rio das Almazinhas”. “Sermão da Primeira Oitava
da Páscoa”, 1656, Sermões, ed. cit., v, p. 232, àquele “grande mar do Rio das Amazonas”, Sermões, v, p. 350.
“Verdadeiramente é um mar doce, maior que o Mar Mediterrâneo”, ibid., v, p. 376.

1025 “Desde o mapa que, segundo a informação do cronista Bettendorf, Antônio Vieira tinha no colégio do Pará, até
o de Samuel Fritz, publicado em 1707 em Quito, os jesuítas foram os únicos cartógrafos do Amazonas”, J. Lúcio
d’Azevedo, História de Antônio Vieira, i, p. 311. A carta definitiva das missões é de 1753.

1026 Vieira, “Sermão da Epifania”, 1662. V. também a “Exortação primeira”, Sermões, v, p. 357, e “Sermão do
Espírito Santo”, cit.

1027 Carta de 1º de junho de 1656, Pe. Serafim Leite, Novas cartas jesuíticas, p. 254.

1028 Pe. Serafim Leite, op. cit., p. 260.

1029 V. Varnhagen, Hist. geral, iii, p. 200; J. Lúcio d’Azevedo, op. cit., p. 53.

1030 Cartas, i, p. 83.

1031 Diz Vieira, carta cit., Pe. Serafim Leite, op. cit., p. 257, que a Província do Brasil não consentiu na separação do
Maranhão: “Suspeitando-se que o Padre Luís Figueira a queria desunir, pelos impedimentos das guerras de Pernambuco,
a Província acudiu a isso em Roma e não o consentiu; e suposto que o Maranhão é tão parte da Província como São
Paulo, Espírito Santo, Ilhéus, Pernambuco e Rio de Janeiro e como a mesma Bahia, por que se não há de acudir ao
provimento destas casas?”. É que não havia na Bahia missionários disponíveis, como a S. M. respondeu, a 12 de setembro
de 1660, Francisco Barreto, Docs. hist., iv, p. 388.

1032 J. Lúcio, Hist. de Antônio Vieira, i, p. 206. A missão “fez-se por ordem do Padre-geral Francisco Piccolomini”,
Pe. Serafim Leite, Novas cartas, p. 304.

1033 Vieira, “Sermão de Santo Antônio”, 1654.

1034 “Sermão da Primeira Dominga da Quaresma”, 1653, Sermões, iii, p. 21, da ed. do Porto, 1901.

1035 Escreveu Vieira em 1657: “No ano de 1654 (aliás 53) por informação dos procuradores deste estado, se passou
uma lei com tantas larguezas, na matéria do cativeiro dos índios, que sendo Sua Majestade melhor informado se serviu
mandá-la revogar”, Cartas, i, p. 149.

1036 Berredo, Anais históricos do Maranhão, §972; Varnhagen, op. cit., iii, p. 200.

1037 Carta de São Luís, 20 de maio de 53, Cartas, i, p. 107.

1038 Cartas, i, p. 121.

1039 Cartas, i, p. 127.

1040 Esta soberba oração incluiu-a Afrânio Peixoto entre Os melhores sermões de Vieira. Rio: 1933, pp. 131–67. Da
quinta dominga da Quaresma desse ano é a em que Vieira acusou: “De Maranhão, de murmurar, de verberar, de
maldizer, de malsinar, de mexericar, e sobretudo de mentir”, Sermões, iv, p. 146, ed. de 1909.

1041 V. J. Lúcio, Os jesuítas no Grão-Pará, p. 68. No Sermão de Epifania, 1662, esclareceu: “Consta autenticamente
nesta corte que no ano de 1655, vim eu a ela, só a buscar o remédio desta queixa, e a estabelecer (como levei estabelecido
por Provisões Reais) que todos os índios sem exceção servissem ao mesmo povo e o servissem sempre: e o modo, a
repartição e a igualdade, com o que o haviam de servir”.

1042 Carta de 24 de março de 1661, que agora divulga o Pe. Serafim Leite, op. cit., p. 304.

1043 O da Sexagésima é o primeiro escolhido por Afrânio Peixoto, para a coletânea d’Os melhores sermões, citada.
Referiu-se a ele Vieira, Cartas, iii, p. 135, ed. J. Lúcio, c. de 18 de dezembro de 1674, para dizer: “[...] como se o servirmos
aos índios fora servirmo-nos deles”.

1044 Carta de 4 de abril de 1654, Cartas, i, p. 114.

1045 J. Lúcio d’Azevedo, op. cit., p. 74.


1046 Carta do Pará, 6 de dezembro de 1655, Cartas, i, p. 134.

1047 Do Pará, 8 de dezembro de 1655, Cartas, i, p. 138. E em 14 de dezembro, escrevendo ao secretário Pedro Vieira:
“Foi contudo necessária a autoridade do Governador André Vidal junta com algum rigor para que seculares e
eclesiásticos desistissem de alguns movimentos populares, com que queriam inquietar a paz e escurecer a verdade”. O
sermão da primeira oitava da Páscoa de 1656, Sermões, v, p. 204, dedicou-o Vieira à decepção dos moradores, com a volta
da expedição que debalde procurara minas de ouro... Proféticas palavras!

1048 Cartas, i, p. 145. Das cartas transcritas por J. Lúcio d’Azevedo, Cartas, iii, p. 730, passim, se vê que Vieira lutou
muitas vezes com a incompreensão de companheiros seus e os excessos do visitador, Padre Francisco Gonçalves, tais
“como de dar bastões e ginetas, e até hábitos de Cristo, publicamente na igreja em presença de portugueses”. O propósito
de Vieira era obstar a novos conflitos com o Estado. — Sobre a ocupação da terra, v. também Pe. Hafkemeyer, Revista do
Inst. Hist., Congr. Inst. de Hist. da América, v, 56, passim.

1049 Studart, “Documentos”, Revista do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 21. O mesmo Padre Barbosa foi em 1675 “o que
empreendeu navegar em canoa a costa do Maranhão até o Ceará facilitando-a de sorte que está hoje corrente, indo dali à
Bahia donde enviou missionários”, Rev. cit., p. 22. Dela dissera Vieira em 1660: “Faço esta na Serra de Ibiapaba onde vim
acabar de visitar a missão. Levo comigo ao Padre Antônio Ribeiro e deixo em seu lugar ao Padre Pedro Pedrosa, que já
sabe bem a língua”, Cartas, iii, p. 729, ed. J. Lúcio.

1050 Vieira, Cartas, ed. J. Lúcio, i, pp. 550–2. V. também do Pe. Manuel Rodríguez, El Marañón y Amazonas: Historia
de los Descubrimientos, Madri, 1684.

1051 De 1654 é Relation du voyage des françois fait au cap de Nord en Amérique... sous la conduite de Monsieur De
Royville..., Paris.

1052 Carta de 23 de dez. de 1665. O filho do donatário, Luís Gonçalo Sousa de Macedo, foi feito barão da dita ilha,
título transformado em 1754, quando da incorporação dela à Coroa, em viscondado de Mesquitela, em favor do bisneto
de Sousa de Macedo. Este notável escritor ganhou ultimamente justa evidência com a tese que sustenta Afonso Pena
Júnior, A Autoria da “Arte de furtar”, 2 vols., de que saiu de sua pena política e sutil o livro erradamente atribuído ao
Padre Vieira no século seguinte. Graças à douta controvérsia a atenção da crítica se voltou ainda uma vez para um dos
espíritos mais claros e audazes de Portugal seiscentista, levemente ligado ao Brasil por essa doação de Marajó.

1053 Cartas, i, p. 169. No “Sermão da Epifania”, 1662, voltou Vieira a encarecer estes triunfos: “De maneira que a
estrela dos Magos em dois anos trouxe a Cristo três homens, e as nossas (missões) em meio ano quatro nações”.

1054 Vieira, “Relação da Missão da Serra de Ibiapaba”, Obras várias, ii, p. 84; e J. Lúcio d’Azevedo, Hist. de Antônio
Vieira, i, p. 320.

1055 “[...] capitão de infantaria indo por cabo da Tropa que o governador e capitão-geral daquele estado (Maranhão)
mandou na Missão que o Padre Antônio Vieira religioso da Companhia de Jesus visitador-geral das Missões daquela
Cristandade fez na era de 1660 à Serra de Ibiapaba, a dar forma à mesma Cristandade e aquietar os ânimos dos principais
que andavam alterados e se temia que com os índios pernambucanos que tinham seguido o serviço dos holandeses e na
Restauração de Pernambuco se haviam acolhido à mesma serra se separassem da obediência da Igreja e de Sua Majestade
[...]”, patente de Brás do Couto de Aguiar, 1666, Anais do Arq. Públ. da Bahia, viii, p. 34. Não há referência a este soldado
nos livros citados.

1056 J. Lúcio, op. cit., i, p. 325. O Padre Pedro Pedrosa em 1661 aquietou de novo esses índios, levantados,
“conduzindo para o Maranhão o principal, André Coroatai, com 400 almas de que se formou uma aldeia”, Studart,
“Documentos”, Revista do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 21.

1057 El-rei mandara-lhe os decretos pedidos pelos jesuítas, para que os entregasse ao governador e aos prelados das
outras religiões, escreveu Vieira (ao Pe. Geral) em 1658, Pe. Serafim Leite, Novas cartas, p. 273.

1058 “Comigo tem o governador mais confiança, e tanta, que vindo ao Pará, me deu folhas de papel assinadas em
branco”, carta de Vieira, 1661, Pe. Serafim Leite, op. cit., p. 284. Depois, em 1662, que “D. Pedro assim na mesma junta
como em todo o tempo antecedente fez notáveis diligências por fazer verdadeiras as suspeitas que os padres tinham de
sua boa vontade”. “Um do povo lhe disse publicamente: se os lançamos fora, foi porque os criados de V. S. nos disseram
que assim o fizéssemos”, ibid., p. 315. A representação dos paraenses a Vieira, em 15 de janeiro de 1661, assinada pelos
vereadores, e a sua resposta, publica-as Berredo, Anais históricos do Estado do Maranhão. Florença: 1905, pp. 110–7.

1059 D. Pedro de Melo tentou, em 16 de maio, obter da Câmara do Pará que se contentasse com o confinamento dos
jesuítas, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa.

1060 É desse tempo (abril de 1662) carta de Francisco Barreto ao novo governador do Rio de Janeiro, Pedro de Melo
(não confundir com o do Maranhão), em que “lastima da diferença que há de vencer castelhanos e lidar com mazombos”,
Docs. hist., v, p. 146. Mazombos, brancos nascidos no Brasil, é palavra corrente neste, e no seguinte século, como se lê em
Nuno Marques Pereira, O peregrino da América, i, p. 59: “O Mazombinho canário [...]” (1727). Mas, no seu dicionário,
Morais a indica como termo injurioso.

1061 Em 25 de dezembro de 1661, teve Antônio Vieira vista dos papéis mandados pelos moradores do Maranhão,
para responder, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa.

1062 D. Afonso vi, ed. E. Brasão, pp. 30–2. O papel da expulsão dos Conti “de que dão por autor ao Padre Antônio
Vieira”, ibid., p. 34.

1063 Cartas, i, p. 175. Sobre as ocorrências do Amazonas — Maranhão, Pe. Bettendorf, “Crônica”, Rev. do Inst. Hist.,
vol. 72 (1909).

1064 Varnhagen, ibid., iii, pp. 246–7. Carta régia de 1688 mandou pagar aos jesuítas côngruas vencidas desde a data
da expulsão “sem culpa”, Docs. hist., xxix, p. 256. Venceu a campanha pertinaz dos padres. A justiça ajudou-os. Resume-
lhes as queixas Pedro Fernandes Monteiro, representação ao rei ouvida pelo Conselho Ultramarino, a 13 de setembro de
1663, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. A praxe estabeleceu-se (repetiu Vieira, Cartas, ed. J. Lúcio, iii, p. 669), “se prova é de
cabelo corredio”, “em diferença dos etíopes”, o índio não podia continuar escravizado. Estabeleceu-se na “Relação da
Bahia e de todos os ouvidores e justiças do Brasil”.

1065 Vieira, Sermões, iv, p. 146, ed. de 1909.

1066 Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 206.

1067 “Satírica”, Obras, ed. da Academia Brasileira, ii, p. 206. A sátira é à lei de 1686, que alterou novamente o valor da
moeda, no reino.

1068 Carta de 2 de abril de 1680, Cartas, iii, p. 430, ed. J. Lúcio.

1069 Em 1660 pedira Vieira: “Necessitamos muito de tapanhunos (negros) que já temos pedido à província... Nesta
serra me deu o Padre Antônio Ribeiro por alvitre que o provedor da Fazenda de Pernambuco nos podia comprar lá estas
peças, e mandá-las no barco del-rei que vem todos os anos ao Ceará”, Cartas, iii, p. 733, ed. J. Lúcio.

1070 V., entre outras, carta régia de 27 de agosto de 1680, Docs. hist., xxix, p. 118.

1071 V. Varnhagen, Hist. ger., iii, pp. 307 e ss.; J. F. Lisboa, Obras, iii, pp. 418 e ss.

1072 Até o começo do século seguinte a produção açucareira do Maranhão era pequena e de inferior qualidade. Carta
régia de 6 de maio de 1706, mandando fossem mestres de açúcar da Bahia, disse “ser conveniente que no Estado do
Maranhão se obrem açúcares e estes sejam de igual bondade dos que se fazem no Brasil”, Anais do Arq. Públ. da Bahia, i,
p. 213.

1073 Carta de Vieira, 22 de julho de 1684: “De novo nos tornaram a lançar do Maranhão aqueles bons cristãos que, se
foram castigados da primeira vez e desterrados os principais moradores e alguns frades que os fomentam, não se
atreveriam a esta reincidência” Cartas, ed. J. Lúcio, iii, p. 490.

1074 Tomás Bequimão foi deportado para Pernambuco; esteve oito anos cativo dos mouros; vinte anos mais tarde,
perdoado, teve licença para descer cem casais de índios e estabelecer-se com lavoura do Maranhão. O delator Lázaro de
Melo acabou por se matar, num engenho, roído de remorsos. Em torno desses sucessos há literatura abundante, que
Varnhagen resume, op. cit., iii, pp. 311–2. Manuel Bequimão “morreu satisfeito”, diz na Relaçam histórica e política dos
tumultos que sucederam na cidade do Maranhão, Francisco Teixeira de Morais, 1692, códice n. 681, ms. da Academia das
Ciências de Lisboa, já publicado, Rev. do Inst. Hist., xl.

1075 Carta régia de 22 de março de 1687 ordenou ao governador-geral auxiliasse a restituição dos jesuítas ao
Maranhão, Docs. hist., lxviii, p. 151. Outra de 22 de março de 88 mandou que o governador-geral desse todo apoio a essa
volta, Docs. hist., x, p. 293.

1076 Carta régia de 20 de fev. de 1686, Garcia, nota a Varnhagen, iii, p. 313.
1077 A primeira fortificação no Araguari foi feita em 1660, por Pedro da Costa Favela. Francisco da Mota Falcão em
1673 subiu o Tocantins ao encontro dos paulistas Sebastião Pais de Barros e Pascoal Pais de Araújo, Artur César Ferreira
Reis, A política de Portugal no Vale Amazônico. Belém: 1940, p. 16. O forte que levantara em 1669 foi o primeiro alicerce
da cidade de Manaus, A. O. Ferreira Reis, História do Amazonas, p. 47. O mesmo autor, Manaus e outras vilas, pp. 30 e
ss., Manaus, 1935, aprecia as divergências quanto à data da fundação do forte.

1078 Le Febvre de la Barre, “La Description de la France Equinociale”, 1666, com belo mapa de Caiena, Maggs Bros.,
An Illustrated Catalogue... at the Library of the Congress. Washington: 1929, p. 29.

1079 Neto de Francisco e bisneto de Feliciano Coelho de Carvalho, Fr. Jaboatão, Cat. gen., tít. Arnau de Holanda, fez
Antônio de Albuquerque as armas na fronteira e foi governador da Beira Baixa e Olivença. Governou o Maranhão de
1685 a 1701, Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 340. Tornou-se maior o seu nome em 1709–11, em São Paulo e Minas Gerais,
como veremos. Deste governo maranhense levou para o Sul a experiência dos assuntos brasileiros e o domínio da língua
tupi, que lhe permitiu saber o que diziam os paulistas, v. A. Taunay, Relatos sertanistas. São Paulo: 1953, p. 68.

1080 J. Lúcio d’Azevedo, Os jesuítas no Grão-Pará, p. 244.

1081 Varnhagen, op. cit., iii, p. 303.

1082 V. Damião Peres, A diplomacia portuguesa e a sucessão de Espanha (1700–4). Barcelos: 1931, p. 16; Calógeras,
A política exterior do império. Rio: 1927, i, p. 157; principalmente a Exposição apresentada pelo Barão do Rio Branco em
defesa dos direitos do Brasil, e a sentença arbitral do governo suíço, que dirimiu a pendência de limites com a França.
Sobre o memorial do embaixador francês em 1698, fundado nos precedentes, das companhias do tempo de Luís xiii, e
desastrada resposta que se lhe deu em Lisboa, há uma página irônica de José da Cunha Brochado, Mendes dos Remédios,
Memórias de José da Cunha Brochado. Coimbra: 1909, p. 34.

1083 George Edmundsen, Journal of the travels and labours of father Samuel Fritz, London, 1922 (o diário foi achado
em Évora em 1902). Publicou-o Rodolfo Garcia in Rev. do Inst. Bras., t. 81. Sobre o desenvolvimento da questão com o
Pe. Fritz, também Ferreira Reis, Hist. do Amazonas, pp. 69 e ss. O célebre mapa do Amazonas feito pelo padre (gravado
em Quito em 1707 pelo Pe. Juan de Nervaes, impresso pela primeira vez em Londres em 1712) é reputado
cronologicamente o melhor levantamento da bacia amazônica.

1084 Carta de D. João de Lencastro, 23 de junho de 1695, Docs. hist., xxxviii, p. 344. O emissário chegara a 19 de abril
de 95. Chamava-se Antônio da Cunha Sotto Maior. O segundo mensageiro foi o Sargento-mor Francisco dos Santos.
Sotto Maior, depois mestre-de-campo da conquista do Piauí, foi assassinado pelos tapuios em 1713, fato de largas
conseqüências, Frei Francisco de N. S.a dos Prazeres, “Poranduba Maranhense”, Rev. do Inst. Hist., t. liv, parte i, p. 99.
Note-se que Francisco Dias de Ávila “pelo roteiro que tem é conhecedor dos confins do Maranhão ”, patente de 2 de abril
de 1691, Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 131.

1085 V. nota 39, cap. xv, “Recuperação do Nordeste” (século xvii).

1086 Docs. hist., iv, p. 133; xxi, p. 364.

1087 Docs. hist., iv, p. 155; iv, p. 195; x, p. 416.

1088 Docs. hist. xxvi, p. 158; xxxiii, p. 403. “Valendo un uomo a cavallo per centinaia de negri”, Duarte Lopes &
Filippo Pigafetta, Relação do reino do Congo. Lisboa: 1949, p. 23, ed. fac-similar.

1089 V. Ch. de Lannoy et Van der Linden, Histoire de l’Expansion Coloniale des Peuples Européens. Bruxelas: 1907,
p. 223 (sobre o intercâmbio afro-brasileiro). A respeito da ocupação progressiva, síntese de Gastão Sousa Dias, História da
expansão portuguesa no mundo. Lisboa: 1940, iii, pp. 208–12; e sobretudo Cadornega, História das guerras angolanas.
Lisboa: Agência Geral das Colônias, 1685.

1090 De macamba, conguês, camaradas, na acepção de ajuntamento. Grupos de gente amiga, vocábulo que entra na
linguagem em princípios do século.

1091 A palavra é arcaísmo português. Equivalia a bosque e aldeamento indígena: “[...] palmar com muitos arvoredos”,
Roteiros portugueses da viagem de Lisboa à Índia. Lisboa: 1898, p. 55, publ. por G. Pereira. “Mocambos e palmares [...]”,
documento de 1659 (em Pernambuco ficou o primeiro vocábulo, para casebre, cabana de beira de praia).

1092 Docs. hist., xx, p. 177.


1093 Ernesto Ennes, As guerras nos Palmares. São Paulo: 1938, p. 24. O governador-geral, em carta de 17 de julho de
1673, referiu-se “às três entradas que mandou fazer aos Palmares pelo Coronel Antônio Jácome Bezerra e as causas por
que se não lograram”, Docs. hist., x, p. 79.

1094 Acompanhara-a D. Sebastião Pinheiro Camarão, com os seus índios, “ao dano que se fez aos negros dos
Palmares em um Mocambo de mais de 2 mil cabeças que se pôs fogo dando-se no fim com mais de 6 mil de guerra em
uma força destacada que sendo investida depois de duas horas de peleja foram destruídos com muitos mortos e feridos e
pondo-se os mais em fugida, foram seguidos pelos mais agrestes matos do sertão e pelejando com eles segunda vez
receberam semelhante dano”, Docs. hist., xxix, p. 293. Sobre Manuel Lopes, soldado no Brasil desde 1635, v. José
Augusto, Famílias Seridoenses. Rio: 1940, pp. 62 e ss.

1095 A sugestão foi do governador-geral, Docs. hist., x, p. 108.

1096 V. Docs. hist., xxix, p. 202.

1097 Carta régia dando a recompensa de 80$000 nos dízimos dos Palmares a Feliciano Prudente, filho de Fernão
Carrilho, Docs. hist., xxix, p. 428. Alvará de Sua Alteza, de 10 de março de 1682, dispôs sobre os negros recapturados,
Docs. hist., xxxii, pp. 376–84.

1098 Ernesto Ennes, op. cit., p. 35.

1099 Ennes, op. cit., p. 39.

1100 Comandava o “terço da gente negra de Pernambuco”, contra os Palmares, Domingos Rodrigues Carneiro,
Studart, “Documentos”, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 27.

1101 Docs. hist., x, p. 52.

1102 Docs. hist., x, pp. 136–7.

1103 Documento pela primeira vez publicado por Pereira da Costa, e largamente debatido por Afonso Taunay,
História das bandeiras paulistas. São Paulo: 1928, iv, p. 340; e Barbosa Lima Sobrinho, Ensaio sobre o devassamento do
Piauí. Rio: 1929, p. 64.

1104 V. Pereira da Costa, Anais pernambucanos. Recife: 1953, v, p. 75.

1105 Docs. hist., xi, p. 71. Combina com o que escrevia Afonso Furtado em 25 de fevereiro de 1675, Docs. hist., x, p.
136, que não havia paulistas para irem aos Palmares, senão “quatro ou cinco”, “que todos os mais se recolheram acabada a
guerra para a sua capitania”.

1106 Doc. cit. por Ernesto Ennes, As guerras nos Palmares, p. 204. “O Domicílio que a poder de uma porfiada e
diuturna guerra contra o gentio brabo [...] de mais dezasseis anos nós tínhamos conquistado, povoado, lavrado e
plantado, com nossas criações”, 16 anos em 1694, 24 ou 25 em 1704. Este papel esclarece a ambigüidade do documento
revelado por Pereira da Costa.

1107 Ajuste firmado em Olinda, 3 de março de 1687, in Pereira da Costa, Anais pernambucanos, iv, p. 298, Recife,
1952, e comunicado ao rei pelo Governador João da Cunha Sotto Maior, em carta de 11 do mesmo mês, Ernesto Ennes,
op. cit., p. 169.

1108 Provavelmente na região onde está a capital piauiense. V. ainda, Documentação histórica pernambucana:
sesmarias. Recife: 1954, i, p. 119.

1109 Ernesto Ennes, ibid., pp. 205–6. V. nota 27.

1110 Documentos citados por Barbosa Lima Sobrinho, ibid., pp. 73–5. Como há um lapso de tempo, entre 1685
(Domingos Jorge no Piauí) e 1689 (data dos papéis que se referem à vinda de São Paulo, por “ásperos e dilatados
sertões”), a conciliação desta notícia com a que dá o próprio bandeirante, de que desceu do Piauí (papel de 1694), só pode
ser feita considerando-se que vários dos seus oficiais tinham sido chamados de São Paulo para a empresa, e como afinal
todos eram de lá, parecia desnecessária a menção do tempo que gastaram no Piauí.

1111 Doc. in E. Ennes, op. cit., p. 206. Noutras palavras: os 150 brancos do terço de Domingos Jorge Velho eram
paulistas, mas do Piauí (portanto descidos do Piauí com ele) os 800 e tantos croazes e capiocrans (que erradamente
Ernesto Ennes traduz por “cupinharoms”), jês da zona do Rio Preto (cf. Teodoro Sampaio, que estudou os Kraô, ou
croazes), Estêvão Pinto, Os indígenas do Nordeste. São Paulo: 1935, i, p. 129. O gentílico aplicava-se aos canelas-finas,
índios do campo, confundindo os paulistas, com esses nomes vagos, as tribos, inimigas dos cariris do São Francisco
(aliados da Casa da Torre) e dos tupis (com eles vindos de São Paulo).

1112 Carta da rainha, 9 de janeiro de 1662, Docs. hist., lxvi, p. 177, mandando extinguir os janduís, para não se
tornarem “outros novos araucanos”.

1113 A. Taunay, Hist. ger. das band. paul., vi, p. 349.

1114 Carta de Matias da Cunha, 17 de janeiro de 1687, Docs. hist., x, p. 245.

1115 A. Tavares de Lira, Hist. do Rio Grande do Norte, e Taunay, ibid., vi, p. 315. Os janduís já usavam espingardas,
talvez fornecidas por piratas estrangeiros ou trocadas no Ceará, Docs. hist., x, p. 324. O Padre Vieira o diz: “Esta costa de
dois anos a esta parte anda infestada de corsários, particularmente franceses, dos quais alguns [...] ensinando os bárbaros
a manear as armas européias”, Cartas, ii, p. 289, de 1º de junho de 1687.

1116 Carta de Matias da Cunha, 17 de set. de 1687, Docs. hist., x, p. 251.

1117 Docs. hist., x, p. 319; e xi, p. 139.

1118 Docs. hist., x, p. 275. Queixou-se o governador de que sendo 900 homens, só acompanharam os seus cabos
duzentos..., Docs. hist., x, p. 306.

1119 Mandou el-rei em 1692 que os tapuias aprisionados e vendidos como escravos fossem restituídos à liberdade,
Docs. hist., xxxiii, p. 344, revogando assim a autorização dada por Matias da Cunha.

1120 Docs. hist., x, p. 265; P. Calmon, História da Casa da Torre, p. 190. “E por lhe faltar pólvora e balas se retirara ao
seu arraial enquanto lhe chegava o socorro das armas e munições que lhe faltavam”, Docs. hist., x, p. 306. Morais Navarro
conta: “Como lhe foi faltando a pólvora se veio retirando para o seu arraial, e o vieram seguindo até o meio do caminho”,
Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 140.

1121 Patente de 6 de abril de 1690, Docs. hist., xxx, p. 8. Bernardo Vieira Ravasco foi quem lembrou ao arcebispo o
apelo aos paulistas, como declarou o prelado, A. Lamego, Mentiras históricas, p. 162.

1122 Em 1692 os paulistas começaram a desertar, queixando-se Matias Cardoso da falta de socorros, Docs. hist.,
xxxviii, p. 294. Revela Morais Navarro que foi forçado a retirar para o Ceará, Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 140. O
texto de Pedro Taques, Nobiliarquia, ed. Taunay, p. 415, é a propósito omisso e incorreto. Leia-se também Afonso d’E.
Taunay, História geral das bandeiras paulistas, viii, pp. 287 e ss.

1123 Docs. hist., x, p. 426; Taunay, Hist. ger., vii, p. 354.

1124 O “tratado”, in E. Ennes, op. cit., pp. 67–70, é de 10 de abril de 1692: uma peça típica. Alude à força dos janduís,
de 5 mil arcos. Aprovou-o el-rei; porém observou que daí por diante as guerras ao gentio deviam ser decididas por carta
régia, sempre que houvesse dilação possível, Docs. hist., xxxiv, p. 96.

1125 Docs. hist., xxxviii, p. 307. V. E. Ennes, op. cit., p. 71.

1126 Docs. hist., xxxix, p. 19. Morais Navarro mostrou os inconvenientes do aldeamento, Anais do Arq. Públ. da
Bahia, i, p. 139. A sua folha de serviços, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, pp. 62–8.

1127 Studart, “Documentos”, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 30. Em 1698 Matias Cardoso tinha currais no São
Francisco, da banda de Pernambuco, Docs. hist., xi, p. 267.

1128 Docs. hist., xi, p. 255. Em 26 de agosto de 1698 agradecia o governador-geral ao do Rio as providências sobre o
transporte dos paulistas, Docs. hist., xi, p. 266.

1129 Rev. do Inst. do Ceará, cit., p. 73.

1130 Docs. hist., xxxix, p. 70.

1131 Carta para o Sargento-mor José de Morais Navarro, 8 de abril de 1701, Docs. hist., xxxix, p. 139. Por essa ocasião
o mestre-de-campo foi preso para responder às acusações que lhe faziam de suas prepotências e malefícios.
1132 “Regular fortificação que dizem lhe fez um mouro que para eles fugiu”, carta do gov. de Pernambuco, Ennes,
ibid., p. 101.

1133 Carta, del-rei, 25 de agosto de 1696, Rev. do Inst. do Ceará, xxxvii, p. 55. André Furtado teve prêmio por “haver
morto e cortado a cabeça ao negro Zumbi”, ibid., p. 85.

1134 Zumbi — significa isto mesmo: principal divindade, espírito, senhor imortal... V. Nina Rodrigues, Os africanos
no Brasil, p. 140, 2ª ed.

1135 Carta de 14 de março de 1696, E. Ennes, op. cit., p. 104. Devemos assim à documentação do Arq. Hist. Col.,
Lisboa, nesse livro coligada, a versão real da campanha que tanto falou à imaginação brasileira. Oliveira Martins e Nina
Rodrigues chamaram aos Palmares — Tróia Negra. Inspiraram-se na romanesca narrativa de Rocha Pita, op. cit., p. 348.
Este criou o símbolo do Zumbi — e dos escravos que se lançavam ao abismo. Não admira que, no século xix, a literatura
“abolicionista” desse ao episódio a importância de epopéia da liberdade, de sublimação duma raça redimida no sacrifício
e na insubmissão. Castro Alves consagrou os seus últimos dias ao sonho de um poema dedicado aos Palmares... É
positiva, porém, a impressão causada, no reino e no resto do Brasil, pela resistência valorosa dos negros e sua destruição.
Já em 1684, Docs. hist., xxxii, p. 393, mandava el-rei que o governador-geral não permitisse nenhum excesso no castigo
dos escravos, “e que aqueles que o fizerem sejam obrigados a vendê-los a pessoas que lhes dêem bom trato”. Iniciou-se
com isto uma série de providências tendentes a acautelar a paz colonial pela melhoria do tratamento dos negros —
obstando a autoridade aos abusos e aos crimes de senhores cruéis.

1136 Carta do Padre Antônio Vieira, 23 de maio de 1682. Antônio de Sousa de Meneses empossou-se em 23 de maio
desse ano.

1137 V. Pedro Calmon, O crime de Antônio Vieira, p. 5, São Paulo. Nesse livrinho elucidamos o principal
acontecimento que perturbou a vida colonial no governo do “Braço de Prata”.

1138 Uma filha de André de Brito de Castro, e de D. Maria Francisca Leite, Leonor Maria, foi mulher de Alexandre de
Sousa Freire, mestre-de-campo e doutor em teologia, que governou o Maranhão (“mui versado na lição da Sagrada
Escritura”) e faleceu aos 70 anos, em 1740, Ano noticioso e histórico, ii, p. 120.

1139 Termo de familiar do Santo Ofício, 1686, ms. na Torre do Tombo, que divulgamos primeiro na História da Casa
da Torre.

1140 A culpa de Antônio de Brito é clara na confissão do próprio André de Brito de Castro, que escrevia em 31 de
julho de 1684: “Motivos tão particulares, apertados e necessários que meu irmão teve para este excesso”, carta a André
Lopes de Lavra, ms., inéd., comunicado por Clado Ribeiro Lessa. E Vieira: “Elas (as razões) nas leis da honra e do mundo,
e ainda segundo a natureza da conservação da própria vida, foram as mais justificadas”, Cartas, clxxv, ed. de 1886.

1141 Livro de Cartas Régias, ms. na Bibl. Nac. Inexplicavelmente, Gustavo de Matos Sequeira, e Luís Pastor de
Macedo, Nossa Lisboa, p. 45, Lisboa, dizem que o mataram os naturais no Brasil. Voltou para Portugal; e a Câmara da
Bahia pediu que visse os interesses dela na corte, Livro de correspondência, ms., inéd. O seu apelido, “Braço de Prata”,
perpetua-se no lugar do Poço do Bispo, arredores de Lisboa, onde morreu. Lá está a Estação do Braço de Prata, que
ninguém sabia (ao que consta) o que significa.

1142 Carta de Vieira ao Marquês de Gouveia, 5 de agosto de 1684; P. Calmon, O crime de Antônio Vieira, p. 53. A
consideração do marquês pelos jesuítas mostra-se na carta de 21 de dezembro de 1684 que escreveu ao governador do Rio
de Janeiro, Docs. hist., xi, p. 108.

1143 Gregório de Matos, Obras, ed. da Academia, ii, p. 99. É glosa à décima composta por Bernardo Vieira Ravasco.
As esperanças não se confirmaram completamente. “Os anos de 86, 87 e 88, em que houve grandes esterilidades de frutos
e muitas doenças”, importaram “perda e lesão enormíssima” para o contratador dos dízimos da Bahia, Docs. hist., xxx, p.
5.

1144 Sanches de Baena, Famílias titulares e grandes de Portugal, ii, p. 349. Dos maiores generais do seu tempo,
comandou a entrada dos portugueses em Madri, em 28 de junho de 1706, para aclamar Carlos iii — na “guerra de
sucessão de Espanha”.

1145 Confirma Rocha Pita, op. cit., p. 309.

1146 Filha de Francisco Fernandes da Ilha, portanto irmã de D. Maria de Sande, primeira mulher de Aires de Ornelas
de Vasconcelos, de quem diz o Nobiliário da Ilha da Madeira (Noronha, ibid., iii, p. 426), era genro desse “Francisco
Fernandes natural desta Ilha, cujo cabedal se reputava em 700 mil cruzados”. Benfeitor da Misericórdia, esta tem o seu
retrato, por sinal o mais antigo da galeria, no salão nobre; v. testamento em Livro do Tombo, ms. da Santa Casa da Bahia.

1147 Jaboatão, Novo Orbe Seráfico Brasileiro. Rio: 1858, i, p. 352. Que a “bicha” era a febre amarela (confirmam os
sintomas descritos na correspondência do tempo), já o deixaram dito Varnhagen, Hist. geral, ii, p. 787 da 2ª ed.; Brás do
Amaral, notas a Accioli; Dr. José Pereira Rego, Memórias históricas das epidemias da febre amarela e cólera-morbo que
têm reinado no Brasil. Rio: 1873, p. 8. Américo Pires de Lima apresenta dúvidas. Crê fosse o tabardilho, in Brasília.
Coimbra: 1950, v, p. 305. O primeiro livro publicado por médico colonial, João Ferreira da Rosa, Tratado único da
constituiçam pestilencial de Pernambuco, Lisboa, 1694, colige dados importantes para o estudo desse surto inicial do
vômito negro. Ficou endêmico. Em 1689 dele morreu o Governador Matias da Cunha. V. documentação in Brás do
Amaral, anotações às Memórias, de Accioli, ii, p. 245. Proveio de tais indagações a idéia da “visita da saúde nos navios”, a
partir de 1698, ibid., ii, p. 245, precedida da carta que os capitães dos barcos que iam do Brasil deveriam exibir ao
comandante da Torre de Belém na entrada de Lisboa, Rev. do Inst. Hist.,. lxxi, p. 37.

1148 Patente de nomeação, in Docs. hist., xxix, pp. 72–6.

1149 Rocha Pita, op. cit., p. 312. Vários sonetos dedicou Gregório de Matos ao excelente fidalgo, Obras, ii, pp. 154–7,
Do prado mais ameno a flor mais pura...

1150 Cf. carta à Câmara de São Paulo, 10 de março de 1688, Docs. hist., xi, p. 140. Os moradores do Rio Grande
tinham enviado à Bahia o Vereador Manuel Duarte de Azevedo, Docs. hist., x, p. 253.

1151 Rocha Pita, op. cit., p. 317. Certidão passada por Francisco Lamberto diz que o motim foi a 21 de outubro,
durou duas noites e um dia e meio, no Campo da Pólvora, morrendo vinte e duas pessoas, certidão de 18 de junho de
1692, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa.

1152 Deve-se a Bernardo Vieira Ravasco em boa parte a quietação da praça, cf. doc. in Alberto Lamego, Mentiras
históricas, p. 67. Deram-se 8$000 de farda a cada soldado no Campo da Pólvora.

1153 “Pelo risco grande em que se viu este povo nas alterações que sucederam na doença e morte do Sr. Matias da
Cunha, me achei necessitado de aceitar este governo posto que com bem mágoa minha”, carta do arcebispo, 30 de
novembro de 1688, Docs. hist., x, p. 347. Verificou-se que o honrado governador deixara a uma filha natural, no reino,
nada mais além do soldo, prov. de 18 de maio de 1689, Livro de Prov., f. 172, Arq. Hist. Col., inéd., Lisboa.

1154 Mandou el-rei, carta de 4 de maio de 1690, informasse o governador “com todo o segredo” dos que
“culpavelmente se houveram neste motim, ou por serem agressores e fomentadores dele, ou pela omissão de o poderem
evitar e não fazerem”. Em resposta, Câmara Coutinho declarou que os amotinados tinham sido 300, e na maioria, de
medo ao castigo, desertaram. “Alguns que me constou prendi e mandei para fora, uns para Angola e outro para
Pernambuco. Só João da Silveira de Magalhães, que foi mouro, e está nesta praça por ordem de V. M. tenho preso na
enxovia desta cidade: porque foi cabeça desta alteração e o que dava as respostas aos cabos, quando os iam reduzir,
andando com uma espada e rodela capitaneando os levantados”, carta de 16 de junho de 91, Docs. hist., xxxii, pp. 335–7.

1155 Patente do novo governador, Docs. hist., xxx, p. 124. Era filho de Ambrósio de Aguiar Coutinho ii e neto de
Antônio Gonçalves Câmara e D. Maria de Castro, esta filha de Ambrósio de Aguiar Coutinho, Pe. Carvalho da Costa,
Corog. port., iii, cit., 5º donatário do Espírito Santo. V. nota 16, p. 440 do 2º vol. Foi almotacel-mor do reino e vice-rei da
Índia (1692–702). De regresso do Oriente, faleceu na Bahia e jaz na igreja dos jesuítas, Teixeira de Aragão, Descrição geral
e histórica das moedas. Lisboa: 1880, p. 272. E Noronha, Nobiliário da Ilha da Madeira, i, p. 123.

1156 Obras, iv, p. 94 e v, p. 174. “Prosápia do governador [...]. No sangue mameluco [...] mameluco em quarto grau”.

1157 Obras, v, p. 196. A poesia é aí uma adaptação de conhecidas estrofes de Quevedo.

1158 Cartas, iii, p. 451. E Matias da Cunha, 19 de set. de 1687: a frota “quase toda foi a meia, por ser péssima a safra
dos açúcares”, Docs. hist., x, p. 252.

1159 Provisão de 3 de novembro de 1681, Docs. hist., xxx, p. 372. Em carta de 28 de agosto de 1689 declarou o
arcebispo: “Três anos há que têm quebrado os contratadores com dívidas de mais de 200 mil cruzados”, Docs. hist., x, pp.
374–5.

1160 Arte de furtar, Espelho de Enganos, etc., edição de Weiszflog Irmãos, p. 134. O autor é Antônio de Sousa de
Macedo, demonstrou Afonso Pena Júnior, A autoria da Arte de furtar, 2 vols., Rio, 1945; outra opinião surgiu como o
nome do jesuíta Pe. Manuel da Costa cf. Francisco Rodrigues, O autor da Arte de furtar: resolução de um antigo
problema, Lisboa, 1940; Mário Martins, Brotéria. Lisboa: 1940, lxxi, p. 134, ago–set.

1161 Severino Sombra, História monetária do Brasil Colonial, pp. 73–98.

1162 Carta de 29 de junho de 1691, Cartas, ii, p. 324. A Câmara da Bahia declarou: “O dinheiro, Senhor, que tem esta
praga não chega a um milhão”, Docs. hist., xxxiv, p. 73.

1163 Cartas, ii, p. 336.

1164 Representação, cujo original está no British Museum, publicada agora nos Anais da Biblioteca Nacional, lvii, p.
151. Vieira comentou: “Este remédio que agora se propõe é um dos grandes acertos do governo do senhor almotacel-
mor”, 8 de julho de 1691. Note-se a coincidência de expressões que tais, nas cartas do padre e no papel do governador.
Aquele, 1º de julho: “E, porque teme o Brasil que haja alguns ministros empenhados nos mesmos interesses, que não
aprovem este meio, de zelo, inteireza e autoridade de V. Ex.a se espera principalmente o pronto efeito”, etc. E o
governador em 4 de julho: “Bem sei que há de V. M. encontrar assim em muitos ministros seus, como em muitos mais
homens de negócio, grandes dificuldades a esta resolução por lhes parecer que com ela se dará algum golpe em seus
próprios interesses; mas V. M. deve considerar com Deus e consigo”, etc., Anais, cit., p. 153. Botelho de Oliveira dedicou
uma poesia gratulatória ao governador por essa carta, Música do Parnaso, p. 107.

1165 V. Garcia, nota a Varnhagen, iii, pp. 352 e ss.

1166 Erigiu-a o Coronel Domingos Pires de Carvalho; ver P. Calmon, História da Casa da Torre, cit.

1167 “Et Brasiliae Dominus”. Sobre o numerário então lavrado, v. Saturnino de Pádua, Guia do colecionador de
moedas brasileiras. Rio: 1928, pp. 29–30. Foi superintendente da Casa da Moeda o Desembargador João da Rocha Pita,
Rocha Pita, op. cit., p. 332, e juiz da moeda José Ribeiro Rangel.

1168 Vieira, carta de 24 de julho de 1694, Cartas, ii, p. 354.

1169 Gregório de Matos comemorou, Obras, ii, pp. 109–21, o desembargador “na ocasião em que foi a Porto Seguro,
com 50 soldados, a prender 37 facinorosos, que faziam muitos desacatos”. Satirizou, de contínuo, a severidade do
governador e as execuções que ordenava. Sobre Dionísio d’Ávila Vareiro, v. carta de nomeação, 1689, Docs. hist., xxx, p.
187. Fora ouvidor-geral de Pernambuco. O próprio Câmara Coutinho disse: “Admirou a todos os que conhecem paulistas
embrenhados, donde são mais destros que os mesmos bichos [...] finalmente os trouxe à cadeia desta cidade em duas
sumacas”. Passavam de 36. Cinco sofreram pena de morte e os demais, de degredo para Angola, carta de 15 de julho de
1692, Docs. hist., xxxiii, p. 451.

1170 Carta de 25 de junho de 1691, Docs. hist., xxxiii, p. 361.

1171 Nuno Marques Pereira, O peregrino da América, i, p. 68, ed. da Academia Brasileira, notas de Afrânio Peixoto,
Rodolfo Garcia e Pedro Calmon.

1172 Vieira, carta de 29 de junho de 1691. Jaz o arcebispo na igreja de Belém em lápide anônima no meio da nave,
entre as sepulturas do Pe. Alexandre de Gusmão (1724) e do Coronel Antônio de Aragão de Meneses (1740). Morreu “da
enfermidade do contágio”, escreveu o governador, c. de 19 de junho, Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 40: portanto, da “bicha”
reinante.

1173 Doc. ms. no Inst. Hist. Bras., liv. 42, n. 802. “À frota em que veio o pálio” do arcebispo, dedicou Gregório de
Matos um soneto, Obras, ii, p. 76: “Chegou o Pálio enfim, que de um Prelado,/ Que nos veio a medida do desejo/ Tão
merecido foi, como esperado”.

1174 Gregório de Matos, Obras, ii, p. 75.

1175 P. Calmon, nota ao Peregrino da América, ed. da Academia, i, p. 81.

1176 Cartas, ii, p. 337.

1177 Docs. hist., xxxiv, p. 78.

1178 Vieira, carta de 24 de julho de 1694, cit. Empossou-se em 22 de maio desse ano, Miralles, op. cit., pp. 157–8. Era
cunhado de Câmara Coutinho; Gregório de Matos dedicou umas décimas “A D. João de Lencastre, que, vindo do governo
de Angola por escala à Bahia, e estando nela hóspede do Governador Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, seu
cunhado, em cujo desagrado se achava o Poeta, se queixou de que este o não houvesse visitado, pedindo-lhe que ao menos
lhe fizesse uma sátira por obséquio”, Obras, v, pp. 98–100. Sobre a sua genealogia, Pe. Carvalho da Costa, Corografia
portuguesa, i, p. 404. Botelho de Oliveira memorou em dois sonetos, op. cit., pp. 131–2, o naufrágio que ia sofrendo na
barra da Bahia, e a sua fé, levando aos ombros a imagem de N. S.a da Graça do seu templo ao Mosteiro de São Bento, em
procissão. Pôs em mãos da mesma imagem o seu bastão de governador — informa Frei Agostinho de Santa Maria. — A
carta de nomeação publicou-a Brás do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 259; Docs. hist., lvi, p. 62. — Câmara Coutinho foi ser
vice-rei na Índia, e de volta, em 1701, faleceu na Bahia, Rocha Pita, op. cit., p. 363.

1179 Inscrição nessa fortaleza: “O muito alto e poderoso Rei D. Pedro ii houve por bem ordenar a D. João de
Lencastro, quando governou este Estado do Brasil, que mandasse edificar e acrescentar de novo esta fortaleza em 1696”.

1180 Em setembro de 1640 tinha sido arrematado o feitio das portas de São Bento, Atas da Câmara da Bahia, códice,
ms. no respectivo arq. A reforma constava do plano geral que executou o engenheiro José Pais Estêves, que de
Pernambuco passara à Bahia, em obediência às ordens del-rei, de 15 de março de 1692, B. do Amaral, nota a Accioli, ii, p.
261. “Os engenheiros dizem que esta fortificação (como parece do papel) se há de continuar pela planta que fez João
Coutinho. Esta se remeteu em tempo do Marquês das Minas para esse reino, donde está e neste estado não ficou
nenhuma cópia”, carta de Câmara Coutinho, 28 de junho de 1692, Docs. hist., xxxiv, pp. 22–3. Mandara-lhe el-rei fizesse
“de torrão” a fortificação da cidade. D. João de Lencastro fez executar os trabalhos.

1181 V. Nuno Marques Pereira, O peregrino da América, ed. da Academia, i, p. 369.

1182 A Casa da Alfândega continuava na Praça do Palácio, onde a situara Tomé de Sousa em 1549. A ordem para a
construção do novo armazém na Ribeira é de 15 de dezembro de 1694, B. do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 271. Estava
pronto em 1696. Contribuíram para ela os mercadores. Reconstruiu-se a alfândega em 1746.

1183 Miralles, Hist. mil., p. 158.

1184 Doc. in B. do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 291. Os estudantes teriam no mínimo 18 anos e continuariam o
estudo se, examinados, mostrassem “gênio para eles”. A mesma providência se tomou para o Maranhão, Garcia, nota a
Varnhagen, iii, p. 335. No Arquivo Histórico Colonial vimos álbuns de desenhos dessa escola de arquitetura, referentes à
década de 1770: atestam a eficácia do ensino e a aplicação dos aprendizes. — As aulas de “fortificação e arquitetura
militar” foram criadas em Lisboa em 1647, gênese da Academia Militar.

1185 O alv. de 2 de fev. de 1695 ordenara o transporte das moedas do Rio para a Bahia, onde seriam transformadas
em “provinciais”. Em carta de 14 de maio de 96, disse D. João de Lencastro (a Artur de Sá e Meneses, governador do Rio):
“Mui repetidas são as ordens que tenho mandado a essa capitania para na forma das de S. M. que Deus guarde vir o
dinheiro dela a esta cidade e converter-se na Casa de Moeda na ‘provincial’; e nenhuma teve efeito até o presente, pela
repugnância que esses moradores tiveram ao risco que podia ter no mar com os piratas e na terra com as distâncias dos
caminhos e passagens de caudalosos rios”, S. Sombra, op. cit., p. 107. A Pernambuco concedeu el-rei um ano de prazo.
Pela carta régia de 12 de janeiro de 1698 autorizou a transferência da Casa da Moeda para o Rio. E pela carta régia de 27
de novembro do mesmo ano explicou: “O lavor da Casa da Moeda no Rio de Janeiro seja feito durante um ano, findo o
qual ela seria fechada, passando-se os oficiais para a capitania de Pernambuco”.

1186 Na Bahia, 1694–7, foram cunhadas “provinciais”: ouro para a Bahia — 102:000$000; prata — 818:000$000; para
Pernambuco, ouro — 8 contos; prata — 428; total: 1.356 contos. Na Casa do Rio: ouro — 612:644$640; prata —
253:694$940; total: 866:339$580; Azevedo Coutinho, Apreciação do medalheiro da Casa da Moeda, p. 41.

1187 Foi estabelecida definitivamente no Rio em janeiro de 1703, S. Sombra, op. cit., p. 116. Em 1714 a Bahia teve de
novo Casa da Moeda, para cunhar as de ouro para o reino. Terceira Casa abriu-se em Minas Gerais em 1725, com igual
fim.

1188 Rev. do Inst. Hist. Bras., lxxi, parte i, p. 91.

1189 Miralles, op. cit., p. 52. Descreve a viagem Rocha Pita, op. cit., pp. 337–8. O governador não dispensou os
informes do velho Bento Surrel, a quem escreveu em 5 de nov. de 1694, Docs. hist., xxxviii, p. 328.

1190 “E se os não topar até o Geremogabo (sic) embique a estrada da catinga do Rio de São Francisco”, ordem de 20
de janeiro de 1672, Docs. hist., iv, p. 165.

1191 P. Calmon, História da Casa da Torre, p. 106. O Coronel Pedro Barbosa Leal fez segunda viagem ao São
Francisco, e mandou para a Bahia algum salitre em fardos, de couro, Rocha Pita, op. cit., p. 338. Em carta de 18 de janeiro
de 1700, diz D. João de Lencastro, remetera a S. M. 132 arrobas e 30 libras o ano passado, e esperava mandar nesse 800
arrobas..., Docs. hist., xxxix, p. 112. A nomeação de Barbosa Leal para administrador da Fábrica de Salitre é de 17 de
setembro de 1697, Anais do Arq. Públ. da Bahia, i, p. 207. Um lustro depois — em 1703 — já pouco rendia a fábrica,
quase inútil..., Anais, cit., p. 209. Novas nitreiras foram descobertas em Morro do Chapéu, 1699, Anais do Arq. Públ. da
Bahia, xxi, p. 168.

1192 A carta régia de 27 de dez. de 93 mandara formasse “povoações daqueles moradores que se acham espalhados
nos sertões”, B. do Amaral, nota a Accioli, ii, p. 273.

1193 Jaguaripe era freguesia desde 1613, B. de Barros, Dicionário geogr. da Bahia, p. 254. Adiante, no rio do mesmo
nome, em 1649 se construíra a primeira capela de Nazaré (das Farinhas). A freguesia de Maragogipe desmembrou-se de
Jaguaripe em 1680.

1194 Termo de criação da vila, B. do Amaral, op. cit., ii, p. 266. Foi João Rodrigues Adorno, capitão da ordenança do
distrito de Cachoeira desde 1663, Docs. hist., xxi, p. 298, e principal proprietário ali, quem doou aos carmelitas o sítio
onde fundaram o seu convento (1688), e acordou com a câmara, em 1699, o preço de 900 réis por braça de terreno para a
edificação urbana, A. Milton, “Efemérides Cachoeiranas”, in Rev. do Inst. Hist. da Bahia, n. 20, p. 217.

1195 Daí o nome de Sergipe “do Conde”. No engenho do conde esteve a matriz da freguesia de N. S.a da Purificação,
trasladada em 1704 para o sítio de Santo Amaro, “Relação de 1757”, Arquivo Público — Terras da Bahia, ii, p. 32, Bahia,
1929.

1196 Luís dos Santos Vilhena, Cartas Soteropolitanas, ii, p. 311. A justiça aos poucos se completou: juiz de órfãos de
vara branca (isto é, togado), na Bahia, em 1729, divisão em varas do cível e do crime, 1742... Também Rocha Pita, op. cit.,
p. 311.

1197 São numerosos os bacharéis nascidos no Brasil, que aqui vieram exercer a magistratura. Leia-se Francisco
Morais, Estudantes da Universidade de Coimbra nascidos no Brasil, Lisboa, 1949, enumerando mais de 2 mil moços
brasileiros lá formados, dentre os quais muitos se distinguiram pela carreira forense.

1198 Vilhena, op. cit., ii, p. 308.

1199 Fr. Luís de Sousa, D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, liv. 3, p. 69. O juiz de fora era o de vila grande, em contraste
com o ordinário, ou de vara vermelha eleito pelo povo como membro do conselho, Antônio Caetano do Amaral,
Memórias para a história da legislação e costumes de Portugal. Porto: 1945, p. 171, ed. M. Lopes de Almeida e César
Pegado. Aquele nome, aliás, é o das Ordenações filipinas, i, 1º: juízes que de fora forem para as vilas...

1200 Vilhena, ibid., loc. cit.

1201 Docs. hist., xxxiv, p. 5.

1202 Rocha Pita, História da América Portuguesa, ed. Jackson, com prefácio e notas de P. Calmon, pp. 364–5. Aliás,
Rocha Pita fora o vereador que assistiu à posse do juiz de fora e, portanto, ao primeiro ato da supressão formal da
autonomia da câmara, Atas da Câmara da Bahia, vi, p. 303.

1203 Atas da Câmara da Bahia, vi, pp. 322 e ss.

1204 Atas da Câmara da Bahia, vi, p. 337.

1205 Obras, iv, pp. 120–1.

1206 Docs. hist., iv, p. 120.

1207 Docs. hist., xi, p. 85.

1208 Anais do Arq. Públ. da Bahia, xiii, p. 102. A nomeação dos capitães-mores cabia aos governadores; mas, pelo
alvará de 18 de outubro de 1709, passou à competência das câmaras, que, já no século antecedente, proviam as
companhias (com seus capitães) das diferentes localidades. As ordenanças constituem a milícia municipal, recrutada em
ocasiões extremas, mas sujeita a mostras periódicas, P. Calmon, Hist. da civ. bras., 4ª ed., p. 160.

1209 V. Pe. Turíbio Vilanova Segura, Bom Jesus da Lapa. São Paulo: 1937, p. 120; P. Calmon, nota ao Peregrino da
América, ii, pp. 48–9, ed. da Acad. Bras.

1210 Carta do governador, 4 de julho de 92, Docs. hist., xxxiv, p. 62.


1211 V. cap. xxxi, “A cultura no século xvii”, nota 29.

1212 Sermões, v, pp. 207 e 210.

1213 Docs. hist., xxxiv, p. 202.

1214 Miralles, Hist. mil., p. 159: cita diversos nomes e diz que na Bahia embarcaram trezentos homens, alguns das
melhores famílias.

1215 O progresso das construções náuticas, na Bahia, muito deveu ao Governador Câmara Coutinho, v. cartas in Rev.
do Inst. Hist., lxxi, p. 71, e a Francisco Lamberto, nomeado provedor da Fazenda em 1682, depois de ter sido
superintendente da Fábrica dos Galeões da Ribeira da cidade do Porto, Docs. hist., xxviii, p. 59. O seu túmulo, na igreja
conventual de Santa Teresa, tem a inscrição seguinte (com a sua pedra de armas): “Jaz aqui o grande pecador Francisco
Lamberto indigno provedor-mor da Fazenda Real deste Estado e das mais ocupações que nela serviu do ano de 1682 até o
de 1704 em que faleceu pede a quem passar que se lembre de sua alma”.

1216 Carta de D. Rodrigo da Costa, 13 de agosto de 1702, Docs. hist., xxxiv, p. 226. O novo governador empossou-se
em 3 de julho desse ano, Livro de posse dos vice-reis, ms. no Arq. Públ. da Bahia. Era 2º filho do 3º Conde de Soure, D.
João da Costa, um dos maiores portugueses da geração de 1640. Bateu-se no Alentejo e governou a Madeira, o Brasil e a
Índia, cf. Pe. Antônio de Carvalho, Corografia portuguesa, iii, p. 85.

1217 Em 1682 Frei Pedro de Sousa fora examinar as pedras de prata da Serra de Biraçoiaba (Sorocaba), cf. Pedro
Taques, Nobiliarquia, ed. A. Taunay, i, p. 69. O governador do Rio, Antônio Pais de Sande, teve ordem para “a
averiguação das minas de ouro e prata de Parnaguá, Itabaiana e Sabarabuçu com amplíssima jurisdição”, 14 de janeiro de
1693, mas desistiu dela, Docs. hist., xxxiv, p. 127. Foi substituí-lo no governo o Mestre-de-campo André Cusaco, patente
in Docs. hist., lvi, pp. 157–8. O velho governador morreu pouco depois, Docs. hist., lvi, p. 170.

1218 “Memória Histórica”, Rev. do Arq. Públ. Mineiro, fase. 3º, 1897, 2ª ed., p. 427, Diogo Pereira Ribeiro de
Vasconcelos; “Breve descrição”, etc., Rev. do mesmo arquivo, ano vi, fase. iii e iv — relato seguido por Diogo de
Vasconcelos, Hist. antiga de Minas Gerais. Belo Horizonte: 1904 p. 94. Talvez se trate de Manuel Rodrigues de Arzão, o
velho, capitão de Santo Amaro de Virapuera em 1677, Docs. hist., xiii, p. 16, pai de Antônio, a quem el-rei escreveu em
1701. Nesta data encarregou o primeiro (e por seu falecimento o filho) de administrar as datas dos ribeiros (sic) que
pertenciam à Real Fazenda, Documentos interessantes, li, p. 17. Portanto se enganou Vasconcelos, dizendo que morreu
Arzão antes de 1694; também Silva Leme, que diz ter Antônio falecido em 1696, Genealogia paulista. São Paulo: 1903, i, p.
192. A história mineira de 1692–8 continua lacunosa e pouco elucidada à falta de documentos coevos. Prevaleceu, desde
Antonil, a tradição oral, errada em muitos casos.

1219 Manuel de Borba Gato, que se homiziara no sertão.

1220 Carta de Bernardo Correia de Sousa Coutinho, Docs. hist., xi, p. 205.

1221 Docs. hist., xi, p. 191. Escrevendo ao Capitão Pedro Taques, em 5 de setembro de 1695, o governador queria
novas notícias das minas, Docs. hist., xi, p. 227. Mandou que fosse vê-las o ouvidor do Rio de Janeiro, Sebastião
Fernandes Correia, ibid., p. 228. E em 14 de maio de 96, a Artur de Sá e Meneses: “A fortuna reservou para, no tempo de
V. S., as oferecer descobertas com infalível evidência às reais esperanças de Sua Majestade”.

1222 Nomeado em 12 de janeiro de 1697, Artur de Sá tomou posse em 2 de julho de 97, e seguiu em 15 de outubro
para São Paulo, Garcia, nota a Varnhagen, v, p. 321. Em 18 de novembro de 1699 escreveu-lhe D. João de Lencastro: “Da
abundância de ouro que se tira nas minas (cuja fama há de ser mais crescida, na Europa) me faz presumir que possa haver
alguma nação pouco afeta à nossa”, Docs. hist., xi, p. 274. Um dos filhos de Carlos Pedroso da Silveira casou-se com
“Helena da Silva Rosa, natural de Taubaté, filha de Miguel de Sousa Silva [...]”, Silva Leme, op. cit., v, p. 509. Este, o
Miguel de Sousa a que se refere o texto?

1223 A Casa de Fundição de Taubaté “foi criada em 1698 e logo no mesmo ano foram presos dois indivíduos por
falsificadores de trabalhos dela. Reorganizada em 1701 e suspensa em 1704”, Saturnino de Pádua, Guia do colecionador
de moedas brasileiras. Rio: 1928, p. 72. De 1701 é a do Rio de Janeiro; de 1703, de Santos e Parati. A de São Paulo foi
reaberta em 1701. Sobre Carlos Pedroso, que faleceu em 1719, v. Silva Leme, op. cit., v, p. 509; e Carlos da Silveira, Revista
do Inst. Hist. de São Paulo, xxxi, p. 92. Félix Guizard Filho achou-lhe o testamento em Taubaté.

1224 V. Pedro Taques, Nobiliarquia, ed. Taunay, i, p. 77.

1225 Escreveu-lhe o governador-geral: “[...] me diz V. S. se recolhera com pouco fruto da primeira jornada a São
Paulo”, 26 de agosto de 98, Docs. hist., xi, p. 265.

1226 É de 30 de novembro de 1699 a carta que escreveu a D. João de Lencastro, do Rio das Velhas, Docs. hist., xi, p.
283: “Permitira algumas pessoas que vieram para esta praça e a outras que foram aos currais desta capitania, que
quintassem o ouro que traziam, [...] e que por falta de mantimentos se haviam retirado muitos mineiros [...] para voltar
em março, assim pelos mantimentos, que já deixavam plantados, como pelo gado que haviam mandado buscar aos
currais de Bahia e Pernambuco”. O governador-geral mandou descobrir os homens que levavam o ouro quintado.
Surpreendeu-se com a facilidade!

1227 A riqueza do Marquês de Fontes e Abrantes — protetor, em Lisboa, do Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão
— viera-lhe do tio, “Artur de Sá e Meneses, de nome tão celebrado nos fastos brasileiros. Governador do Maranhão e do
Rio de Janeiro [...] percorrera o distrito das minas de ouro que acabavam de ser descobertas. E esta viagem lhe valera
proventos fabulosos, tendo recebido dos mineradores pródigos, deslumbrados com o seu Eldorado, presentes de metal no
valor de 40 arrobas de ouro, quase 600 quilos, dizem os cronistas, 163.840 oitavas que corresponderiam a uns 200 contos
de réis ou sejam pelos valores de hoje uns 20 mil contos de réis senão mais”, A. Taunay, Anais do Museu Paulista, ix, p.
26. Rocha Pita diz: “Se recolheu para o seu governo levando mostras, que o podiam enriquecer”, op. cit., p. 357.

1228 Do testamento de Salvador Fernandes Furtado, de que obtivemos cópia, ms. no Arq. Arquidiocesano de
Mariana, Minas — de 24 de maio de 1725 — sabemos: era “natural da Vila de São Francisco das Chagas do Vale de
Taubaté, bispado do Rio de Janeiro, filho legítimo do Capitão Manuel Fernandes Pedro e de sua mulher Maria Cubas
naturais da cidade de São Paulo”.

1229 A capela do Padre Faria, presumivelmente de 1700, é a mais velha de Ouro Preto. De Antônio Dias se chama o
bairro baixo da cidade, freguesia à parte, com belo templo. Ouro Preto propriamente dita é a parte alta da cidade. V.
Tomás Brandão, Marília de Dirceu. Belo Horizonte: 1932, p. 84. A primeira missa dita pelo Padre Faria naquele sitio foi
em 24 de junho de 1698, Augusto de Lima Júnior, Visões do passado. Rio: 1934, p. 97.

1230 V. Rev. do Inst. Hist. de São Paulo, xxiv, p.14.

1231 Cláudio Manuel da Costa, no poema “Vila Rica”.

1232 É o nome que vem na provisão de 17 de abril de 1701, do Sargento-mor Antônio da Rocha, Documentos
interessantes, li, p. 25; e Docs. hist., xl, p. 354.

1233 Hist. da Amér. Port., p. 354.

1234 O primeiro Regimento que teve esse administrador — e portanto o que organizou o incipiente governo nas
Minas — levou a data de 17 de abril de 1702, Documentos interessantes, li, pp. 74–88. Foi guarda-mor (o primeiro das
Minas) em 1701, Pedro Taques, Nobiliarquia, ed. Taunay, p. 23. Em 1685 era Domingos da Silva Bueno capitão de cavalos
em São Paulo, Registo geral da câmara, iii, p. 493. Em 1709 foi juiz ordinário em São Paulo, Atas da câmara, viii, p. 182.

1235 Alberto Lamego, Mentiras históricas, pp. 85–6.

1236 Assim do Rio das Velhas: guarda-mor, Borba Gato; procurador, Capitão João Gago de Oliveira; escrivão,
Leonardo Nardes de Arzão; escrivão dos quintos, José de Seixas; tesoureiro, Tomás Ferreira de Sousa. De Tocambira:
guarda-mor, Antônio Soares Ferreira; escrivão, Antônio Gomes; procurador, Capitão Baltasar de Lemos Morais,
Documentos interessantes, li, p. 20. O livro i da receita da Fazenda Real de Serro do Frio e Tocambira “abriu-se em 15 de
março de 1702”, Rev. do Arq. Públ. Mineiro, ano vii, fase. iii e iv, pp. 939 e ss.

1237 Em 22 de setembro de 1700 escreveu D. João de Lencastro a Artur de Sá, que não permitisse entrarem os sertões
da Bahia (“que o Rio Verde, o Doce, o Pardo, o das Velhas e as cabeceiras do Espírito Santo, estão no distrito da Bahia”),
pois “tenho já mandado a estas partes, a fazer os tais descobrimentos”, Docs. hist., xi, p. 282.

1238 Docs. hist., lxxxvi, p. 186. É o conceito do Padre Vieira em 1648.

1239 Diálogos das grandezas do Brasil, ed. R. Garcia, p. 128.

1240 Diálogos, citados, p. 128.

1241 “Papel forte”, in Obras escolhidas, iii, ed. Hernâni Cidade.

1242 Sir Alfred C. Lyall, The Rise of the British Dominion in India. London: 1898, p. 21. Verifique-se que a
Companhia Inglesa das Índias, de 1601, passava a encarregar-se da conquista do Indostão, a exemplo da sua rival
holandesa, cujo florescimento pode ser medido pelos dividendos, em média de 18%, que conservou durante dois séculos,
Clive Day, The Policy and Administration of the Dutch in Java. Nova York: 1904, p. 71.

1243 Sir Thomas Hungerford Holdich, India, p. 22, Londres.

1244 Cartas (1648), ed. J. Lúcio, i, p. 243.

1245 Carta do governador, 12 de julho de 1693, Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 104. Carta régia de 24 de novembro de 95
mandou (em conseqüência) libertar o comércio e a exportação para Angola, pagando a de Pernambuco 1$600 por pipa de
saída e 3$600 de entrada.

1246 Doc. cit. por Wanderley Pinho, História de um engenho do Recôncavo. Rio: 1947, p. 201.

1247 Livro de toda Fazenda, por Luís de Figueiredo Falcão, ms. na Casa de Cadaval, Manuscritos..., publ. por Virgínia
Rau, i, p. 14 e na Torre do Tombo (onde antes o consultáramos). O contrato de 1602 foi reformado em 1603 e rescindido
em 1606.

1248 V. Bernardino José de Sousa, O pau-brasil na história nacional. São Paulo: 1939, p. 182.

1249 Vieira, Obras escolhidas, iii, p. 16.

1250 V. o Regimento, in Bernardino de Sousa, ibid., pp. 146–50. Foi lei até o século xix.

1251 Teixeira de Freitas, Consolidação das leis civis. Rio: 1861, p. 37. O estanco da venda do pau-brasil, deixando a
madeira de ser considerada do domínio do Estado, só terminou pela Lei n. 1.040, de 14 de setembro de 1859, art. 12.

1252 Prov. de 1662, Docs. hist., xx, p. 172. A frota de 1664 levou 12 quintais de pau-brasil, Mercúrio português,
novembro de 1664, Lisboa. Sobre as vicissitudes do sistema de arrendamento, v. citado livro de Bernardino José de Sousa.

1253 Docs. hist., xv, p. 205.

1254 Docs. hist., xii, p. 112, e xvi, p. 112. Luís Vaz de Resende tinha o contrato em 1631, Anais da Bibl. Nac., lviii, p.
114.

1255 Ainda em 1823 figurou o pau-brasil no orçamento da nação, com a receita de 120 contos de réis, R. Simonsen,
op. cit., i, p. 101. Com as liberdades públicas expostas na Constituição do império (1824) e o pleno direito de propriedade,
o monopólio do Estado, quanto ao pau-brasil, se limitou naturalmente à venda e exportação, sendo reconhecido aos
donos da terra (Lei n. 243, de 30 de nov. de 1841) o exclusivo direito de extraí-lo. O governo passava a comprador, por
preço considerado justo (8$000 o quintal). O regime de estanco foi abolido pela Lei n. 1.040, de 14 de setembro de 1859,
quando, aliás, a descoberta das anilinas (industrializadas a partir de 1856) depreciara definitivamente o corante silvestre.
Figurou nos orçamentos do país (até 1875) em virtude do imposto de exportação, de 15%, a que ficava sujeito. Perde-se de
vista o pau-brasil no quadro econômico do império em 1876.

1256 Docs. hist., xvi, p. 399.

1257 Docs. hist., xxiv, p. 13. Confirmava a ordem do governador, de 31 de agosto de 1636, e provisão de 23 de
dezembro de 63, a que se seguiram as de 65 e 81.

1258 Docs. hist., xxxv, pp. 112–4.

1259 Docs. hist., xxiv, p. 194, decisão citada pelos praxistas como tipo de privilégio justificado pelo interesse de
preservar a unidade da fábrica, para que os credores não a reduzissem a fogo morto.

1260 Rev. do Inst. Hist., iii, p. 372.

1261 Docs. hist., xxviii, p. 26.

1262 Requerimento de Bernardo Vieira Ravasco, ms. no Arq. Hist. Col., Papéis avulsos, inéd., 8 de setembro de 1662.
Dá a lista dos engenhos apagados (“desfabricados”) e descreve as vicissitudes da indústria, prejudicada pela abertura de
novos engenhos. É a melhor página sobre a economia do período (1662).

1263 Carta de 1687, cit. por Wanderley Pinho, História de um engenho do Recôncavo, p. 199.

1264 Cit. por Wanderley Pinho, op. cit., loc. cit.


1265 Edmund O. von Lippmann, História do açúcar. Rio: 1942, ii, p. 114, trad. de Rodolfo Coutinho. Ainda em
Barbados se chama tayche, diz Lippmann, o tacho... Outros nomes portugueses perduram na indústria inglesa de açúcar:
grande, molasse (melaço)...

1266 Lippmann, op. cit., ii, p. 115.

1267 Diálogos, ed. R. Garcia, p. 130.

1268 Carta ao Marquês das Minas, Cartas, iii, p. 639. Sobre as vicissitudes da indústria v. Documentos para a história
do açúcar, ii, Engenho de Sergipe do Conde. Embora as contas não reflitam com exatidão o estado geral da lavoura, dada
a peculiaridade das despesas gerais, serve esse registo para a notícia dos preços, do reduzido lucro e da complexidade dos
gastos para a manutenção da fábrica.

1269 Leia-se a descrição que do engenho faz o Padre Vieira no sermão 14 do Rosário, dirigido aos “irmãos pretos”, J.
Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira, ii, p. 282: “Os etíopes ou ciclopes banhados em suor, tão negros como
robustos”.

1270 Hermann Wätjen, O domínio colonial holandês no Brasil, p. 489.

1271 Elias Alexandre, História de Angola, i, p. 114.

1272 Afonso d’E. Taunay, Subsídios para a história do tráfico africano no Brasil. São Paulo: 1941, p. 109. Tanganhão,
mercador de escravos; tangomão (Sousa Viterbo) tanglomango, brasileirismo, certamente da mesma origem, bestruço,
avantesma, ou entidade perversa, no folclore afro-americano. V. Luís da Câmara Cascudo, Dicionário de folclore
brasileiro. Rio: 1954, p. 603.

1273 Obras escolhidas, iii, p. 10.

1274 H. Wätjen, op. cit., p. 487.

1275 Luís Viana Filho, O negro na Bahia. Rio: 1946, p. 66.

1276 Frederico Mauro, in Revista da Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, xxii, 2ª série, n. 2, pp. 20 e ss., 1956.

1277 Alfredo Brandão, in Estudos afro-brasileiros. Rio: 1935, i, p. 88.

1278 Afonso d’E. Taunay, op. cit., p. 101.

1279 Luís dos Santos Vilhena, Cartas Soteropolitanas. Bahia: 1922, i, p. 136.

1280 Francisco de Lemos Coelho, Duas descrições seiscentistas da Guiné. Lisboa: Acad. Port. da Hist., 1953, pp. 99–
100, introd. Damião Peres. Na Bahia confirma-se que os jangadeiros do Rio Vermelho são nagôs (provavelmente
guineenses). De índios em jangada há referências primitivas, a começar pela carta de Caminha, v. Luís da Câmara
Cascudo, Jangada. Rio: 1957, p. 65; v. g., Fernão Cardim, Trat. da terra e gente do Bras., p. 75, o costume, afigura-se-nos,
mesclado de africano e tupi, com forte contribuição nagô, nos termos da descrição seiscentista de Lemos Coelho. Em
jangada já se pescava em Pernambuco ao tempo dos holandeses, como prova a evasão de Claes Claeszoon — em jangada
— do Recife, na véspera da capitulação, para informar as praças do Norte, C. R. Boxer, op. cit., p. 242.

1281 Edgar Prestage, D. Francisco Manuel de Melo, Coimbra, 1914, transcrevendo-lhe o soneto, “varia idéia estando
na América e perturbado no estudo por bailes de bárbaros”.

1282 Gregório de Matos, Obras, iv, p. 186, ed. da Acad. Bras.

1283 “Calundus e feitiços”, Gregório de Matos, ibid., vol. cit. e loc. cit. Nuno Marques Pereira, O peregrino da
América, i, p. 130, Rio, 1939, ed. da Acad. Bras., diz “adjuntos e festas dos Calundus”.

1284 Nuno Marques Pereira, op. cit., i, p. 134, “pacto explícito”, do quimbundo, kigila, preceito, em português,
quizília.

1285 Macumba, cadeados, Fr. Cannecattim, Observações gramaticais..., 2ª ed., p. 102, extensão à idéia de cadeia
religiosa. Termo peculiar ao culto afro-indígena no Rio de Janeiro. Na Bahia: candomblé, onomatopéia nagô, usual ali e
no Prata.
1286 Mas é curioso observar que ainda em 1711 os minas valiam menos do que os angolas, cf. carta régia de 27 de
fevereiro, Pereira da Costa, Anais pernambucanos, v, p. 68.

1287 Cultura e opulência do Brasil, ed. A. Taunay, p. 181.

1288 Diálogos, p. 305, ed. de 1846.

1289 Diálogos das grandezas do Brasil, ed. R. Garcia, p. 103.

1290 Fr. Vicente do Salvador, op. cit., p. 501.

1291 Atas da Câmara da Bahia, i, p. 26.

1292 Ano noticioso e histórico, ii, p. 116; Francisco Antônio Correia, História econômica de Portugal. Lisboa: 1929,
p. 284.

1293 Cartas, i, p. 106.

1294 Docs. hist., iii, p. 327.

1295 Docs. hist., iii, p. 325.

1296 Livro de atas da Câmara da Bahia, 1639–41.

1297 P. Calmon, Hist. da civ. bras., 4ª ed., p. 99.

1298 Monstruosidades do tempo e da fortuna, ed. Damião Peres, ii, p. 126.

1299 J. Lúcio d’Azevedo, Épocas de Portugal econômico, e E. Simonsen, ibid., ii, pp. 202–3.

1300 Docs. hist., xxxiii, p. 404. Mas em 1704 o governador-geral ainda mandava arrancar todo o tabaco plantado em
Maragogipe, Docs. hist., xl, p. 168, passim.

1301 Cartas, ii, p. 227. E Duarte Ribeiro de Macedo, Transplantação das frutas da Índia ao Brasil, 1675.

1302 Botelho de Oliveira, A Ilha de Maré, p. 183, ed. da Acad. Bras.

1303 Pe. Serafim Leite, op. cit., iv, p. 158.

1304 Diálogos das grandezas, ed. R. Garcia, p. 134.

1305 Hist. do Bras., p. 255.

1306 Diálogos, p. 130.

1307 Ms. no Arq. Hist. Col., inéd., Lisboa.

1308 Docs. hist., xxxiii, p. 255.

1309 Docs. hist., ix, p. 451; ix, p. 364; e lxvii, p. 260. Em Pernambuco os dízimos em 1671 chegavam a 52 mil cruzados
(isto é, a produção voltara a níveis equivalentes aos de 1618, antes da guerra holandesa). Em 1688 (persistindo a crise do
açúcar) valiam 40 mil, Docs. hist., x, p. 282. Em 1662, quando os senhores da Bahia falavam pela boca de Bernardo Vieira
Ravasco as suas dificuldades, andavam em 20 mil, os da Paraíba em 3 mil (em vez de 93 mil, seu limite anterior).

1310 Docs. hist., xxxiii, p. 361.

1311 Docs. hist., xxxviii, p. 371. Em 1691, subiam os dízimos da Bahia a 90 mil cruzados, para caírem em 1693 a 66
mil, Docs. hist., xxxiv, p. 123, reagindo, em curva ascendente, depois de 1695. Os motivos já foram ditos: a valorização do
açúcar em virtude da escassez na Inglaterra, e, logo, o conflito europeu da sucessão de Espanha.

1312 “Exortação primeira”, Sermões, v, p. 348.

1313 V. Teodoro Sampaio, O tupi na geografia nacional; e Artur Neiva, Estudos da língua nacional. São Paulo: 1940,
p. 274.
1314 Sermões, v, pp. 348–9.

1315 Os estudantes do colégio da Bahia tiveram o direito de ser considerados aprovados em um ano de filosofia na
Universidade de Coimbra (1675) e os de Olinda o mesmo requereram em 6 de agosto de 1681 (21 de novembro, ms. no
Arq. Hist. Col., Lisboa).

1316 Docs. hist., xxxiv, p. 71.

1317 Pe. Serafim Leite, Hist. da Comp. de Jesus, vii, p. 152.

1318 Carta de 1658, Pe. Serafim Leite, Novas cartas jesuíticas, p. 212 Sobre o mesmo ensino em Portugal, Pe.
Francisco Rodrigues, História da Companhia de Jesus na assistência de Portugal. Porto: 1944, t. 3, i, pp. 69 e ss.

1319 Parecer do Conselho Ultramarino, 30 de janeiro de 1689, in Pe. Serafim Leite, Hist. da Comp. de Jesus, vii, p.
202–9.

1320 Carta de el-rei a Matias da Cunha, 5 de fev. de 1689, Docs. hist., lxviii, p. 212.

1321 Sirva de demonstração desta verdade a profusão de temas científicos e literários dos azulejos das salas de aula,
assim do colégio da Bahia (galeria da antiga biblioteca) como do colégio de Évora, onde têm realce os painéis do salão de
física, com alusão às invenções, inclusive de uma oficina de tecer, geografia e filosofia, belas-artes... (que ali vimos em
1945). Não nos admire achar-se o nome de Molière num dos azulejos jesuíticos da Bahia. A idéia dos compêndios com
estampas antecipa-se naquelas figuras de Évora, felizmente intactas, que descrevem a pedagogia dos padres, como se
fossem páginas de um livro ilustrado.

1322 Leia-se Domingos Maurício Gomes do Souto, “Balanço cultural dos jesuítas no Brasil”, in Brasília. Coimbra:
1955, ix, pp. 251–311.

1323 Don Quijote. Barcelona: parte ii, p. 136, ed. F. Seix.

1324 Vida do Pe. Estanislau de Campos (Roma, 1765), Rev. do Inst. Hist., lii, p. 10.

1325 “Como de ver um mazombo [...]”, Gregório de Matos, Sátira, Obras. Rio: Acad. Bras., 1930, iv, p. 206; “O
Mazombinho Canário [...]”, Nuno Marques Pereira, O peregrino da América. Rio: Acad. Bras., 1939, i, p. 59; Marcgrave,
Morais, no Dicionário, Varnhagen, Pereira da Costa, este in Anais pernambucanos, v, p. 220, fazendo antedatar para
1645, a propósito da Carreira dos Mazombos, em Pernambuco, o vocábulo de aparente origem angolana, que pode ser
corruptela de mozambique, mozambo.

1326 J. Lúcio d’Azevedo, História de Antônio Vieira, ii, p. 283.

1327 Sermões, 15º, p. 139.

1328 Vicente Rodrigues Palha, tomou o hábito em 1599 (Capistrano de Abreu, nota preliminar à História do Brasil.
São Paulo: 1931, p. xii, 3ª ed.), e vivia em 1634, Fr. Jaboatão, Catálogo genealógico, in Rev. do Inst. Hist., lii, p. 264. A
amizade de Severim viera-lhe do irmão, Fr. Cristóvão de Lisboa, referido na Hist., p. 612, custódio no Maranhão e
botânico. Enganou-se Capistrano, ao imaginar que vários capítulos do códice se extraviaram, razão por que os supriu com
excertos de Severim de Faria e de Fr. Antônio de Santa Maria, op. cit., p. 423. Estudamos na Torre do Tombo esse códice
original, que tem complemento inédito, Adições e emendas que se hão de pôr na minha história do Brasil, e Lembranças
para o Sr. Salvador de Sá. Consta o texto de dois tomos encadernados, cuja unidade é evidente. Está a merecer edição
crítica aliviada dos acréscimos indébitos e completada com as adições do autor. Tendo extratado essas notas (1945),
projetamos publicá-las um dia.

1329 Grandeza das capitanias do Brasil, é título de Domingos d’Abreu de Brito, 1592, ms. na Bibl. Nac. de Lisboa,
citado pelo Visconde de Paiva Manso, História do Congo, Lisboa, 1877. Publicou Fr. Nicolau de Oliveira, em 1594,
Grandezas de Lisboa. — Ao que Rodolfo Garcia disse dos Diálogos das grandezas do Brasil (dados à estampa na revista
Íris, Rio, 1848, na Rev. do Inst. Arqueol. Pernambucano, 1883–7, edição definitiva na Acad. Bras., 1930) acrescentamos
que desde 1572, alvarás de 24 de fev., ms. na Bibl. Nac. do Rio de Janeiro, figura Bento Dias de Santiago como contratante
de dízimos em Pernambuco. Ambrósio Fernandes Brandão, Brandônio do livro, era tesoureiro em Lisboa em 1604, cf.
Coleção Cronológica da Legisl. de defuntos, ausentes, etc., Rio, 1828. Ambos, Brandão e Álvares, cristãos-novos... como
Santiago, Denunciações da Bahia, pp. 518–20.

1330 Com gravura de Colin, em que Brasília aparece em forma de índia, e data, Bahia, 5 de dezembro de 1655 (ed. de
Lisboa, 1658). Da Vida de Anchieta, dedicada ao baiano Francisco Gil de Araújo, há edição do Instituto do Livro, Rio,
1943.

1331 D. Francisco Manuel cita Carneiro entre os políticos, Cartas familiares, p. 342, ed. Rodrigues Lapa. V. também
Garcia, nota a Varnhagen, Hist. ger., iii, p. 152.

1332 Laudelino Freire, in Rev. da língua portuguesa, Rio, jan. de 1924 (núm. dedicado ao Padre Antônio de Sá).

1333 Ramiz Galvão, “O púlpito no Brasil”, in Rev. do Inst. Hist., cxvi, p. 52; nossa História da literatura baiana, pp.
43–4. E Scriptores Provinciae Brasiliensis, Pe. Serafim Leite, Hist. da Comp. de Jesus no Brasil, i, p. 533.

1334 Assim, quanto a Fr. Eusébio de Matos, v. Afrânio Peixoto, Panorama da literatura brasileira. São Paulo: 1940, p.
124; nossa Hist. da lit. baiana, p. 29. Do irmão de Gregório de Matos, v. Orações fúnebres nas exéquias de... D. Estêvão
dos Santos, Lisboa, 1735; Ecce Homo, 1677, Sermões, 1694. Ainda está para ser inventariado o sermonário luso-
americano, o que só será possível nas bibliotecas de Braga e da Universidade de Coimbra. — O reparo de Vieira citado no
texto, in Pe. Serafim Leite, Novas cartas jesuíticas, p. 260.

1335 Não é o lugar para apreciarmos, com a evolução da cultura, os progressos da eloqüência na colônia. Mas é
preciso corrigir neste particular as sínteses da literatura que a têm relegado a plano secundário, por falta do material a que
aludimos na nota anterior. Exprime o gosto literário do tempo, as possibilidades que lhe dava o púlpito e seus limites
eventuais. Está para ser feito o respectivo inventário, que exige o estudo do imenso acervo das livrarias eclesiásticas.

1336 Sermão, publicado em Lisboa, 1686.

1337 Gregório de Matos, Obras, ii, p. 79, ed. da Acad. Bras.

1338 Pe. Antônio Vieira, Cartas, ii, p. 247.

1339 Desaveio-se com Vieira. “Que os Alexandristas prevalecessem contra os Vieiristas”, Cartas do Pe. Antônio
Vieira, iii, p. 581. O místico do Seminário de Belém revive na glória do afilhado que lhe levou o nome, Alexandre de
Gusmão. E no gênio de outro discípulo, irmão deste, Pe. Bartolomeu Lourenço.

1340 Vida e obra, apesar de miudamente estudadas, J. F. Lisboa, Gonzaga Cabral, J. Lúcio d’Azevedo, padres
Francisco Rodrigues e Serafim Leite, Hernâni Cidade, Ivan Lins, para não citar senão do século passado para cá —
provocam ainda pesquisas documentais que lhe revelam facetas obscuras e fascinantes. Os inéditos, além das Cartas, que
completam a edição em 3 tomos de J. Lúcio (de que preferentemente nos valemos, Coimbra, 1925) — a Claris
Prophetarum, de que há apógrafos (Pe. Serafim Leite, in Verbum, Rio, dez. de 1944, p. 267; e Hist. da Comp., iv, pp. 192 e
ss.), possuindo a Biblioteca Nacional do Rio o códice que foi do Pe. Canesdi, e do Santo Ofício de Lisboa — merecem
edição comentada. Os principais vão sendo divulgados eruditamente por Hernâni Cidade, Clássicos Sá da Costa, Lisboa.
Dos Sermões (ed. princeps, iniciada em Lisboa, 1679), temos a boa tiragem portuense, de 1911 e a fac-sim., de São Paulo,
1944. Anotamos os patrióticos (Col. Brasiliana, São Paulo, 1938); e dedicamos ao episódio menos claro de 1683, na Bahia,
um voluminho com algo novo, O crime de Antônio Vieira, São Paulo, 1930. Ao genial jesuíta prestou a Bahia belas
homenagens em 1897, por ocasião do 3º centenário do falecimento (volume especial do Inst. Hist.); daí a placa de
mármore aposta à fachada da sua igreja-catedral. Mas o Brasil ainda não lhe fez a estátua, comemorativa do espírito cívico
e do fulgor verbal. A sua figura é inseparável da história da eloqüência brasileira.

1341 Cartas do Pe. Antônio Vieira, ed. J. Lúcio, i, p. 474.

1342 Ver P. Calmon, O crime de Antônio Vieira, cap. i, São Paulo, 1930 — em que lhe sumariamos a biografia na
última fase brasileira. Crime, no caso, foi o do sobrinho, mas cujas conseqüências o governador desatinado lhe atirou aos
ombros, acusando-o de proteger e desculpar: crime de ser afeiçoado aos parentes, de quem foi desenganadamente
benfeitor. Profeta precário, entreteve-se Vieira em analisar as trovas de Bandarra, v. Cartas, i, p. 492... Não acertou nos
seus prognósticos de quem seria o verdadeiro D. Sebastião (ora D. João iv, ora Afonso vi...), o rei do quinto império...,
nem sequer quanto a ele próprio, pois em 1653 se dava como “neste último quartel da vida”, Cartas, i, p. 303 e a viveu
mais 45 anos!

1343 Ivan Lins, Aspectos do Padre Antônio Vieira, p. 312. V., deste esplêndido livro, o cap. 6 — sobre o filósofo e o
moralista.

1344 Manuel Botelho de Oliveira, Música do Parnaso. Rio: Academia Brasileira, 1929, p. 51 (a original é de Lisboa,
1705).
1345 Pe. Manuel Bernardes, Nova floresta. Lisboa: 1706, iv, p. 47.

1346 Gregório de Matos, Obras, iv, p. 48, ed. da Acad. Bras.

1347 As Obras de Gregório de Matos foram publicadas pela Academia Brasileira, 6 vols., coleção Afrânio Peixoto,
Rio, 1929–33. Ao último ajuntamos uma notícia biográfica. Conserva-se inédito na Bibl. Nac. volume manuscrito,
impublicável, das eróticas. Esparsas, distribuem-se-lhe por vários códices, tanto na Universidade de Coimbra (cod. n.
399), sátiras (Boletim do Arquivo Histórico Militar, vi, p. 162, 1936), como na de Évora. Temos códice incompleto pelo
qual foi possível corrigir muitas das impressas na imperfeita edição da Academia, carente de crítica (aí se misturam às de
Gregório poesias de contemporâneos, como a Descrição de Sergipe, de Gonçalo Soares da Franca, cf. Brasília, i, p. 561,
Coimbra, numerosas traduções de Quevedo...). Biografaram-no, além do pernambucano Manuel Pereira Rabelo (que
identificamos como o presbítero Manuel Rebelo Pereira citado por Loreto Couto, Desagravos, etc., Anais da Bibl. Nac.,
xxv, p. 22) — Araripe Júnior, Gregório de Matos, Rio, 1910; P. Calmon, Obras de Gregório de Matos, ed. da Acad. Bras.,
vol. 6 (1933); Maria Del Cármen Barquiu, Gregório de Matos, México, 1946. Diz-se com razão que não é dono da maioria
dos versos compilados naquelas Obras. Mas é preciso insistir: foram coligidas livremente, por pessoas que as sabiam de
cor, e misturavam o próprio e o alheio. Ele mesmo, com espírito de sátira, certamente traduziu e aplicou às situações
locais muitas poesias famosas, ou populares, do Siglo de Oro. Não podemos esquecer, isto sim, que já o Padre Bernardes o
considerara um homem célebre...

1348 V. nossa História da literatura baiana, p. 53; aí, o repertório de autores e obras do período, conhecido por
“escola baiana”.

1349 “[...] clima bom entre todos”, Pe. Simão de Vasconcelos, Notícias curiosas e necessárias das cousas do Brasil.
Lisboa: 1668, p. 267.

1350 Cartas, iii, pp. 442–3.

1351 Império, cf. Gabriel Soares, Trat. descr., proêmio, tem o sentido camoniano, “No governo do império [...]”, Lus.,
x, p. 62, que é o de Antônio Ferreira, “O português império que assim toma [...]”, Poemas lusitanos, ii, p. 78, Col.
Clássicos Sá da Costa. Do Brasil sadio, em que se morria de velhice, falou Fr. Amador Arrais, Diálogos. Lisboa: 1846, pp.
303–5.

1352 Note-se a influência dessa ênfase em espíritos confusos, como o daquele herético Pedro de Rates Henequin que
esteve vinte anos no Brasil e morreu queimado pela Inquisição em Lisboa, em 1741, a dizer que o paraíso terreal ficava
nesta lusa América, Ernesto Ennes, in Rev. do Arq. Municipal de São Paulo, lxxxv, p. 190 (1942). Compare-se com o que
escreveu León Pinelo sobre o paraíso neste continente, o 5º Império, do Padre Vieira (e de Menasseh-ben-Israel) e o que
adiante citamos, de Rocha Pita.

1353 De Rocha Pita (1660–732) diremos no volume seguinte. Citamos a História da América Portuguesa, ed. da casa
Jackson, Rio, 1951, por nós prefaciada e anotada.

1354 Tornou-se proverbial o exagero nativista deste autor e a ele se referiu oportunamente Oliveira Lima, nos estudos
em Paris, sobre a civilização brasileira (1921). V. nossa História da lit. baiana, p. 53.

1355 Hist. da Amér. Port., p. 4.

1356 Ibid., loc. cit., cap. i.

1357 Cartas avulsas, ii, p. 263, ed. da Acad. Bras.

1358 Hist. do Bras., cap. xi.

1359 Cartas, iii, p. 581.

1360 Obras escolhidas, Col. Clássicos Sá da Costa, iii, p. 46 (publ. por Hernâni Cidade). Importa a contribuição
sentimental (e cultural) que tais livros, sobre o Brasil, trouxeram à definição da sua autonomia.

1361 Cartas do Senado (Documentos históricos do Arquivo Municipal). Bahia: 1952, ii, p. 106, passim. O que a Coroa
não dava, era o privilégio da Universidade de Évora (licenciatura em filosofia e doutorado em teologia) ao colégio da
Bahia, como pedira a respectiva câmara em 1674 e reiterara em 1681.

1362 Accioli, Mem. hist., i, p. 223. Correspondia a equiparação ao curso médio (bacharelado em ciências e letras).
Com o da Bahia podiam os estudantes galgar um ano na universidade. A Câmara de Olinda pediu (8 de agosto de 1680) e
obteve este favor (27 de novembro de 81).

1363 Obras, ii, p. 82. Vários sonetos de Franca, com os de Gregório de Matos, guardam-se em códice na biblioteca de
Évora, Brasília, i, pp. 561–4, que ali consultamos em 1945. É a maior porção de sua obra esparsa, quase perdida.

1364 Docs. hist., xxxi, p. 419. Foi mandada formar uma companhia de estudantes, em julho de 1672, Docs. hist., xii, p.
234.

1365 Documentos interessantes, iii, p. 47.

1366 Gregório de Matos, Obras, iv, p. 316.

1367 A. Taunay, Obras diversas de Bartolomeu Lourenço de Gusmão. São Paulo: 1934, p. 38.

1368 Accioli, Mem. hist., ii, p. 29.

1369 Docs. hist., iv, p. 437 e x, p. 255. Agitações em 1666: Docs. hist., vii, pp. 276–7, e viii. Doc. de 1781, os
franciscanos da Bahia alegaram que de 1656 a 1719 se observara no convento a alternativa, de guardiães portugueses e
brasileiros, sem reeleição, e se queixaram que depois de 1719 somente quatro naturais do Brasil tinham subido àquele
cargo, ms. no Arq. Hist. Col., Lisboa. Esta luta interna, de prioridades, sufocada nos assuntos conventuais, define a latente
hostilidade de mazombos e reinóis.

1370 V. Docs. hist., ix, p. 415.

1371 Carta de Afonso Furtado, 11 de junho de 1673, Docs. hist., vi, p. 276. Quem fosse Fr. Poeira, diz a Crônica do
Mosteiro de São Bento de Olinda, por Fr. Miguel Arcanjo da Anunciação, p. 65, Pernambuco, 1940: o capelão do exército
Fr. João da Ressurreição, “vulgo Poeira, porque freqüentemente animava os soldados dizendo, tendo Deus nos corações, e
o mais vá tudo numa poeira”.

1372 Fr. Miguel Arcanjo da Anunciação, Crônica, cit., p. 71. E Docs. hist., x, p. 227. Americanos contra europeus...

1373 Pe. Serafim Leite, Hist. da Comp. de Jesus, vii, p. 192.

1374 Livro do Tombo da Misericórdia da Bahia, ms., inéd.

1375 P. Calmon, in Rev. do Inst. Hist. da Bahia, n. 53, p. 433.

1376 V. A. Taunay, Anais do Museu Paulista, v, p. 168.

1377 V. Frei Antônio das Chagas, Cartas espirituais, seleção, pref. e notas de M. Rodrigues Lapa, p. xiii, Lisboa. Para
Vieira, no Maranhão, “o tempo que sobeja, [...] levam-no os livros de Madre Teresa e outros de semelhante leitura”,
Cartas, i, p. 111.

1378 Edgar Prestage, D. Francisco Manuel de Melo. Coimbra: 1914, p. 285; “A maior e mais notável parte dos
Apólogos dialogais foi escrita ou acabada no Brasil”.

1379 Vieira, carta de 1662, Pe. Serafim Leite, Novas cartas, p. 295.

1380 Em 1634 chegara à Bahia o Dr. Francisco Vaz Cabral, físico-mor, a atender os reclamos da colônia: “Os
moradores da dita escreveram muitas cartas pedindo médico”, Docs. hist., xxvii, p. 387.

1381 Hernâni Cidade, Lições de cultura, i, p. 297.

1382 V. Cartas, i, pp. 549 e ss., e em geral as sobre as missões do Maranhão e do Pará.

1383 V. Pe. Serafim Leite, Hist. da Comp., viii e ix (escritores jesuítas).

1384 Luís de Pina, Histoire de la Médicine Portugaise, Porto, 1934; M. Ferreira de Mira, História da medicina
portuguesa, p. 17; Pereira da Costa, Anais pernambucanos, iii, p. 35. Possui a Biblioteca Nacional, do Rio, um exemplar
do livro de Ferreira da Rosa, Lisboa, 1694.

1385 Rev. do Inst. Hist., lxxi, p. 80. Simão Pinheiro Morão clinicou em Pernambuco, de 1664 a 84, cf. Eduardo
Coelho, in Brasília, i, p. 362. O seu Tratado único das bexigas e sarampo, dedicado a D. João de Sousa, 6 de Lisboa, 1683
(reimpresso na Gazeta Médica de Lisboa, 1859), Pereira da Costa, Anais pernambucanos, iii, p. 33. Por esse tempo (1638),
não havia médico em São Paulo, Rev. do Inst. Hist., tomo especial, i, p. 11, 1956.

1386 Doc. cit. por Ernesto Ennes, As guerras dos Palmares, pp. 408–9. Veremos a agitação causada no país (1835–50)
pela questão dos sepultamentos fora das igrejas.

1387 Tratado da constituição pestilencial, p. 11.

1388 V. Pe. Serafim Leite, ibid., viii, p. 208; as referências aos vaticínios de Estancel nas cartas de Vieira; doc. cit. por
E. Ennes, ibid., p. 459. Os versos satíricos de Gregório de Matos, que lembramos, in Obras, iv, p. 69.

1389 V. D. Clemente Maria da Silva Nigra, Construtores e artistas do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Bahia:
1950, ii, pp. 40–1.

1390 Pe. Serafim Leite, ibid., v, p. 124.

1391 V. comentários citados por Paulo P. Santos, O barroco e o jesuítico na arquitetura do Brasil. Rio: 1951, pp. 52–3.

1392 Germain Bazin, Histoire de l’Art. Paris: 1953, p. 281; J. B. Bury, in Portugal and Brazil. Oxford: 1953, p. 158,
edited by H. V. Livermore; Pál Kelemen, Baroque and Rococo in Latin America. Nova York: 1951, p. 240; Reinaldo dos
Santos, in As artes plásticas no Brasil. Rio: Instituição Larragoiti, 1952, p. 154.

1393 Pe. Serafim Leite, Hist. da Comp. de Jesus, ii, p. 597, Lisboa, 1938 — sobre o Irmão Francisco Dias. Como
arquitetura pré-barroca consideramos a dos jesuítas antes da influência de Filipe Terzi, no meado do século xvii.

1394 Cit. do Pe. Serafim Leite, ibid., ii, p. 597.

1395 Discípulo de Nicolau de Frias e do cosmógrafo-mor João Batista Lavanha (diz Sousa Viterbo), cresceu a
importância do seu nome depois que se soube ser da sua autoria a planta de São Bento do Rio de Janeiro, D. Clemente
Maria da Silva Nigra, in Revista do serviço do patrimônio histórico e artístico nacional. Rio: 1945, n. 9, p. 9.

1396 V. Dom Clemente da Silva Nigra, Fr. Bernardo de São Bento, o Arquiteto Seiscentista do Rio de Janeiro. Bahia:
1950 (publicado em 1956), pp. 20–1; e Germain Bazin, L’Architecture Religieuse Baroque au Brésil. Paris: 1956, i, cap. iv.
O Mosteiro de São Bento é virtualmente obra desse admirável construtor, natural de Vila Real (1624–93). Quanto ao
mestre Serão (sic), trata-se do autor do Método lusitano de desenhar as fortificações, 1680, Luís Serrão Pimentel (v.
Inocêncio, Dic. Biobl., v, pp. 321–2).

1397 Gregório de Matos, Obras, ed. da Acad. Bras., xv, p. 197 (adaptação de Quevedo).

1398 Vieira, Cartas, iii, p. 631 (15 de julho de 1691). Em São Bento da Bahia tivemos ocasião de assinalar as pedras
numeradas. Pertencem a esse tipo, de igrejas que vieram para armar no Brasil, as da Companhia (Catedral) e da
Conceição da Praia. Nessa cidade e em São Luís do Maranhão a pavimentação urbana foi feita em parte com pedras
portuguesas, que lastreavam os barcos desde o tempo de Vieira e Gregório de Matos.

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