Você está na página 1de 57

2

SATOSHI NAKAMOTO:
A HISTÓRIA MAL CONTADA
Relatório Mensal 10/2022

O GRANDE MARCO DA DESCENTRALIZAÇÃO 03.

O QUE É BITCOIN? 05.

CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA DO BITCOIN 13.

A LINHA DO TEMPO DE SATOSHI NAKAMOTO 25.

QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO? 39.

O SATOSHI HUMANO 51.

RELATÓRIO MENSAL
3
O GRANDE MARCO DA
DESCENTRALIZAÇÃO
“O único caminho para controlar o caos e a complexidade é abrindo-
se mão de parte do controle” - Gyan Nagpal.

No final do mês passado, em 31 de Outubro de 2022, marcamos exatos 14 anos


desde que a publicação icônica de Satoshi Nakamoto lançou as sementes para a
revolução conhecida como Bitcoin, bem como para todos os seus
desdobramentos que culminaram no atual mercado dos criptoativos.

Inicialmente negociado a $0,0008 centavos de dólar em 2009, o Bitcoin chegou a


bater quase $70.000 dólares de cotação em Novembro de 2021, onde cravamos
seu último topo histórico.

Nesta jornada épica de valorização, a criação de Satoshi já foi alvo de


ridicularizações e retratações, fez e desfez milionários, morreu mais de 450 vezes,
gerou diversas dissidências, e ainda inspirou algumas das mentes mais
brilhantes que lideram hoje projetos de blockchains alternativas, como Vitalik
Buterin, Charles Hoskinson e Gavin Wood.

RELATÓRIO MENSAL
4
O GRANDE MARCO DA
DESCENTRALIZAÇÃO
Se eu tivesse que escolher uma única palavra para definir o trabalho de Satoshi,
eu diria que essa palavra seria “descentralização”: a essência da sua raiz, e a sua
grande contribuição para um mundo que carece desesperadamente de mais
confiança, ou mesmo do resgate de uma confiança há tempos perdida…

Neste caso, talvez seja a confiança nos governos, que têm se mostrado
incapazes de endereçar as novas ondas de desigualdade e convulsão social; ou a
confiança nos bancos, que reforçam, ampliam, e exploram esta desigualdade em
intermináveis ciclos de manipulação e extração econômica; ou ainda, quem sabe,
não estejamos falando da própria confiança que nos atrela uns aos outros,
enquanto competimos neste grande tabuleiro de “Banco Imobiliário” que se
tornou a vida humana no planeta Terra.

Nosso desafio neste relatório é buscar de volta a história de Satoshi Nakamoto,


fazendo um panorama desde as suas influências e a pré-história do Bitcoin, até
os seus últimos dias conhecidos e os seus principais
pensamentos.

Uma história que acredito que, até agora,


ainda não foi muito bem contada de forma
gratuita e didaticamente acessível em
português.

Então separe sua(s) xícara(s) de café, prepare-


se para abrir a mente, e boa leitura!

RELATÓRIO MENSAL
5
O QUE É BITCOIN?
“Desculpe o balde de água-fria… Mas escrever uma descrição dessa
‘coisa’ para o público geral é uma tarefa muito difícil” – Satoshi
Nakamoto, sobre o Bitcoin (2010).

Mesmo depois de 13 anos de existência, explicar o que é o Bitcoin ainda parece


ser uma das tarefas mais árduas para os entendidos e entusiastas de cripto; uma
vez que o assunto pode ser abordado por muitos pontos de vista diferentes,
como o tecnológico, o matemático, o econômico, e até mesmo o filosófico.

Isso é compreensível, dado que quando descrevemos o Bitcoin como invenção,


temos que escolher entre esclarecer o propósito que ele foi criado para servir
como meio versus como o modo como ele realmente funciona por baixo dos
panos. E o fato é que ao tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo, acabamos
não fazendo nenhuma delas direito.

E após muito pensar para encontrar um jeito de explicar o Bitcoin sem falar em
meios de pagamento ou em reservas de valor, finalmente cheguei à seguinte
definição:

“Bitcoin é uma ferramenta global de contabilidade, de livre acesso e


operação, confiável e transparente; e que funciona com uma moeda
corrente própria, inconfiscável, anti-inflacionária e escassa,
representada pela sigla BTC”.

Eu sei que foi muita coisa de uma vez só, mas para facilitar vamos dividir essa
definição por partes…

RELATÓRIO MENSAL
6
O QUE É BITCOIN?
UMA FERRAMENTA GLOBAL DE CONTABILIDADE

O Bitcoin pode ser imaginado como uma planilha digital que registra diversas
carteiras, cada uma das quais tendo o seu próprio saldo.

A todo momento, podemos conferir as transferências destes saldos entre as


carteiras, além de todo o histórico de movimentação, como se o Bitcoin fosse um
grande “extrato bancário” de todos os participantes desde o momento em que a
primeira carteira começou a funcionar.

É por isso que muitas vezes vemos o Bitcoin ser explicado como algum tipo de
“ledger”, que se traduz para o português em “livro-razão”, ou um registro de
transações e consolidação de valores. Livros-razão são uma ferramenta
fundamental para a organização humana, e quase tão antigos quanto a arte da
escrita.

Livro razão do Egito antigo relacionando valores sobre colheitas e rebanhos

RELATÓRIO MENSAL
7
O QUE É BITCOIN?
DE LIVRE ACESSO E OPERAÇÃO

O Bitcoin não é um livro-razão escrito, mas sim uma versão digital que funciona
como um sistema computadorizado, disponível para acesso através da internet.

Uma das principais características deste sistema é que ele não filtra ou censura
as atividades dos seus usuários, estando disponível para qualquer um que
queira criar uma carteira e interagir, seja recebendo ou enviando BTCs para outras
carteiras.

Ao mesmo tempo, o Bitcoin também não é mantido por uma entidade central,
como o serviço de e-mails da Google, ou as redes sociais que conhecemos como
Instagram e Facebook, nem por um banco privado como seria o caso dos serviços
de internet banking do Itaú, da Caixa Econômica ou do Branco do Brasil.

Ao invés de depender de uma empresa ou de um servidor central, o Bitcoin


funciona com a colaboração de diversos operadores que se encontram
espalhados ao redor do mundo.

Estes operadores mantém uma série de computadores em execução que


trabalham o tempo todo para atingir um consenso distribuído, ou seja, um jeito
de entrarem em acordo entre si e garantirem que os saldos de cada carteira
estejam sempre corretos, e que todas as transações que ocorram na rede sejam
válidas e autorizadas.

Por funcionar deste jeito, o Bitcoin consegue garantir que qualquer um que deseje
interagir com a rede tenha essa possibilidade, uma vez que não tendo um ponto
central de operação, fica impossível coordenar ações como sanções, censuras ou
falsificações no nível dos operadores.

RELATÓRIO MENSAL
8
O QUE É BITCOIN?
DE LIVRE ACESSO E OPERAÇÃO

O nome deste tipo de sistema na computação é de “peer-2-peer” (P2P). A tradução


em português se dá para “sistema ponto-a-ponto”, onde não existe um operador
central que tenha mais autoridade e que possa fazer prevalecer a sua vontade
frente aos outros operadores.

É por isso que o título do artigo original (white-paper) do Bitcoin é “A Peer-to-Peer


Electronic Cash System”, ou “Um Sistema de Dinheiro Eletrônico Ponto-a-
Ponto”.

Aliás, você sabia que esse não é o primeiro título que o Satoshi pensou para o
artigo do Bitcoin? Vamos abordar essa curiosidade e muitas outras logo mais!

RELATÓRIO MENSAL
9
O QUE É BITCOIN?
CONFIÁVEL E TRANSPARENTE

Uma vez que transferimos a responsabilidade de se operar um sistema de um


ator central, para vários atores distribuídos e igualmente capazes, eliminamos
pontos centrais de falha e criamos um arranjo mais resistente, uma vez que
caso um ou mais desses operadores tenham problemas, os outros ainda podem
manter a rede em operação.

Isto é ótimo! Mas um novo problema que surge é saber se estes operadores
todos irão de fato cooperar entre si, ou se irão tentar sabotar uns aos outros, a
fim de tirarem o melhor proveito para si próprios, mesmo que isso signifique
prejudicar a rede e os seus usuários.

Para contornar este problema, a rede do Bitcoin recompensa os seus vários


operadores através de uma dinâmica competitiva conhecida como “mineração”:
muito famosa pelo seu nome, mas talvez pouco compreendida em seus detalhes
técnicos.

O mais importante sobre essa dinâmica de recompensas é saber que ela cria um
“jogo econômico”, onde o comportamento honesto destes operadores junto à
rede oferece mais incentivos financeiros do que os lucros que poderiam ser
obtidos através de uma fraude.

Ou de acordo com as palavras do próprio Satoshi em um de seus primeiros e-


mails explicativos sobre o Bitcoin:

“O valor que pode ser roubado deverá ser sempre menor do que o
esforço requerido para roubá-lo”.

Isso cria uma situação única, onde a confiança que normalmente deveria ser
atribuída a boa-vontade e ao caráter dos operadores do sistema se torna
desnecessária. Mesmo os operadores que poderiam se tornar corruptos não irão
atuar contra a rede, já que isso significaria prejuízo certo para os seus bolsos.

RELATÓRIO MENSAL
10
O QUE É BITCOIN?
CONFIÁVEL E TRANSPARENTE

Ainda, todas as operações conduzidas neste sistema contábil, bem como todos os
saldos de todas as carteiras, são publicamente expostos e auditáveis. O código-
fonte do sistema também é aberto e pode ser conferido por qualquer um.

É por isso que muitos se referem ao Bitcoin como um sistema “trustless”, um


sistema que “dispensa confiança” — ou melhor dizendo — um sistema que
dispensa a confiança humana em autoridades centrais como os Bancos ou
Governos.

RELATÓRIO MENSAL
11
O QUE É BITCOIN?
INCONFISCÁVEL, ANTI-INFLACIONÁRIA E ESCASSA

Como sistema de contabilidade, o Bitcoin não mantém registros de saldos em


dólares, reais, ou qualquer outra moeda, mas sim de uma moeda própria da
rede, chamada bitcoin, que pode ser representada pela sua icônica sigla BTC.

Os saldos dos usuários de uma carteira de BTC são completamente


inconfiscáveis. Isso é possível através de um mecanismo matemático e
criptográfico que torna impossível para qualquer um além do próprio dono da
carteira, movimentar os seus fundos. Nem mesmo os operadores (mineradores)
da rede são capazes de fazê-lo.

Para garantir essa proteção, claro, os usuários devem criar suas próprias
carteiras e protegerem suas “chaves privadas”, que são conjuntos de caracteres
similares a uma senha. Uma chave privada confere ao usuário o poder de assinar
as suas transações na rede, dando a legitimidade necessária para transferência
dos seus fundos, e sem a qual o dinheiro não pode ser movimentado de forma
alguma.

Esta proteção se perde quando o usuário utiliza corretoras, ou quando delega a


custódia das suas moedas para um banco ou instituição financeira. Neste caso,
ele volta a ter que confiar no ator central para o qual delegou a responsabilidade.

Como moeda, o BTC é anti-inflacionário e escasso; por uma regra fixa que limita
a emissão máxima em 21 milhões de BTC. Algo bem diferente do
comportamento de uma moeda fiduciária, como dólar ou real, cuja emissão é
ilimitada enquanto os bancos centrais dos respectivos países desejarem
“imprimir” mais dinheiro.

No geral, estas características conferem ao Bitcoin propriedades


similares ao ouro, que também é escasso, que também é divisível,
que não pode ser falsificado, e que também exige um esforço para
ser “extraído” como recurso.

RELATÓRIO MENSAL
12
O QUE É BITCOIN?
INCONFISCÁVEL, ANTI-INFLACIONÁRIA E ESCASSA

Uma vez que se entendam essas características essenciais do Bitcoin, creio que
temos melhores condições de mergulhar na história de Satoshi, levantando
algumas questões muito importantes:

• Que acontecimentos levaram o Satoshi a inventar o Bitcoin?

• Para que Satoshi acredita que o Bitcoin deveria ou poderia vir a servir?

• O que Satoshi esperava do futuro para o Bitcoin?

Alguns podem argumentar que antes seria melhor aprofundar mais a explicação
técnica do Bitcoin, esmiuçando-se todos os detalhes da rede, como o algoritmo
criptográfico SHA-256, os pormenores do mecanismo Proof-of-Work, ou quem
sabe até mesmo a clássica explicação teórica do Problema dos Generais
Bizantinos e a definição dos (não tão) complicados Ataques Sybil.

Eu entendo esse argumento, mas sinto que já estamos fazendo isso há tempo
demais…

Quem sabe, talvez, mergulhar na história de Satoshi e tentar conhecê-lo melhor


não possa trazer, para os tempos de hoje, insights mais importantes do que
apenas o estudo técnico da sua criação?

RELATÓRIO MENSAL
13
CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA
DO BITCOIN
“Sobre a criptografia, deve-se reconhecer que nenhuma quantidade
de violência será algum dia capaz de resolver um problema
matemático” - Jacob Appelbaum, Cypherpunks: Freedom and the
Future of the Internet (2016).

Entre os anos 30 e 40 foram escritos dois incríveis livros de ficção, frutos da


mente de dois visionários que definitivamente se preocupavam com o futuro e
com os rumos que a humanidade estava tomando.

O primeiro deles foi o livro “Admirável Mundo Novo”, escrito por Aldous Huxley e
publicado em 1932, e o segundo foi “1984”, escrito por George Orwell e publicado
em 1949.

Ambos autores desenharam em suas obras futuros claramente distópicos, onde


uma pequena quantidade de pessoas com muito poder exerceria um grande
controle e definiria suas próprias agendas sobre uma massa de pessoas
ignorantes e subservientes.

Em outras palavras, ambos enxergavam um futuro onde o poder é extremamente


centralizado, e onde a força dominante, seja qual forma que tome, é um agente
totalitário, um “establishment”. Já a principal diferença entre as distopias
enxergadas por Huxley e Orwell se deu no meio pelo qual o establishment
exerceria esse controle.

Enquanto na obra de Huxley as pessoas seriam controladas através de uma


sociedade recheada de distrações e prazeres fáceis que as impediriam de ter
senso crítico, para Orwell o futuro seria regido por governos tirânicos que usariam
da violência e da censura para forçar a obediência pelo medo.

RELATÓRIO MENSAL
14
CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA
DO BITCOIN
Abaixo, uma tabela de comparação entre Orwell e Huxley:

George Orwell Aldous Huxley

Orwell temia que um ente Huxley temia que ninguém se


autoritário banisse livros interessasse por livros

Orwell temia que a verdade fosse Huxley temia que a verdade fosse
ocultada da população esvaída pelo ralo da irrelevância

No livro “1984”, as pessoas eram No livro “Admirável Mundo Novo”as


controladas pela dor pessoas eram controladas pelo prazer

Orwell temia que o medo nos Huxley temia que o desejo nos
arruinasse arruinasse

Ainda assim, para que o futuro de ambos pudesse se concretizar, ainda havia uma
peça tecnológica que estava faltando: uma infraestrutura de comunicação capaz
de atuar em massa, conectando em tempo real todas as pessoas e aparelhos,
em todos os lugares.

Sem espanto, e na visão de muitos pensadores, essa invenção surgiu na forma


da Internet, cujo marco oficial é considerado o dia 1º de Janeiro de 1983, cerca de
35 e 50 anos depois das respectivas obras de Orwell e Huxley.

RELATÓRIO MENSAL
15
CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA
DO BITCOIN
Inicialmente desacreditada por críticos da época, e inclusive comparada a uma
máquina de fax, a Internet ainda levou mais uns 20 anos para que fosse
realmente levada a sério pelo grande público, subitamente catapultando a
humanidade rumo à era da informação.

Matriz de capacidade tecnológica de armazenamento de informação no mundo


100%

80%

60%

40% Analógico Digital

20%

0%
1986 1990 1994 1998 2002 2006 2010 2014

Ainda assim, desde o final dos anos 80, e bem antes do grande público ser
tomado de surpresa pela explosão da internet, já havia um seleto grupo de
pensadores (incluindo matemáticos, economistas, hobbistas da computação,
hackers e engenheiros eletrônicos) que se preocupava gravemente com os
rumos que esta nova invenção poderia tomar.

Juntos, eles chegaram à conclusão de que a Internet tinha como se tornar a


ferramenta ideal para a concretização de distopias como as de Huxley e Orwell
(especialmente a de Orwell).

Mas… ao mesmo tempo, eles também enxergaram nessa rede global de


computadores uma grande oportunidade para que a humanidade se libertasse
de uma vez por todas das sombras da tirania.

RELATÓRIO MENSAL
16
CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA
DO BITCOIN
Um destes pensadores foi Phil Salin, um economista e hobbista de computação
que se dedicou a estudar as possibilidades de como evoluir as ciências
econômicas através do uso dos computadores.

As afinidades de Salin para com o liberalismo econômico da Escola Austríaca e o


trabalho do famoso economista Friedrich Hayek, acabou rendendo a Salin e seus
amigos o apelido de “High-Tech Hayekians”, ou “os “Hayekianos da Alta
Tecnologia”.

Em 1984, mesmo antes dos navegadores e dos provedores de internet existirem,


Salin criou uma plataforma que poderia ser acessada por computadores através
do uso de linhas telefônicas, chamada American Information corretora (AMIX).

O objetivo desta plataforma era intermediar, de forma online, a livre compra e


venda de informações. Do modo como fora programada, não havia possibilidade
de censura ou de manipulação nos dados pelo servidor central na AMIX. Essa era,
com certeza, uma ideia extremamente radical para os anos 80, e muito à frente
do seu tempo.

RELATÓRIO MENSAL
17
CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA
DO BITCOIN
Outra curiosidade é que foi na AMIX onde se criaram os primeiros rudimentos do
que conhecemos hoje como sistemas de avaliação e reputação que são utilizados
em plataformas como Uber e iFood.

Três anos depois, o trabalho de Phil chamou a atenção de uma outra


personalidade muito importante, um ex-cientista sênior da Intel chamado
Timothy C. May.

May também era um libertário por natureza, mas sendo mais radical ele
enxergou na AMIX uma séria limitação, uma vez que as negociações ali eram
muito transparentes e abertas, e dependendo do que viesse a ser negociado a
privacidade poderia ser um fator desejável, ou até mesmo necessário.

Na visão de Tim May, a AMIX deveria evoluir a fim de se tornar “um meio
tecnológico para minar o poder de todos governos”.

Para tanto, ele considerou o uso de técnicas de criptografia como uma forma de
garantir que as transações da plataforma passassem a ser privadas, anônimas e
imunes a possíveis esforços de espionagem e intervenção do governo; ele
chamou esta nova versão de “BlackNet”.

Mais tarde, Tim May veio a escrever o famoso “Manifesto Cripto Anarquista” e a
fundar o grupo de e-mails dos “Cypherpunks”, tornando-se assim o pai do
movimento Cypherpunk, no início nos anos 90.

E muito embora os “Cypherpunks” tenham sido bastante influenciados pelos


“High-Tech Hayekians”, os dois grupos não tinham as mesmas opiniões sobre
tudo, e divergiam entre si sobre qual seria a melhor maneira de se atuar para
melhorar a sociedade.

RELATÓRIO MENSAL
18
CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA
DO BITCOIN
Abaixo, uma tabela de comparação entre os “High-Tech Hayekians” e os
“Cypherpunks”:

High-Tech Hayekians Cypherpunks

Advogam o uso da tecnologia para Advogam o uso de ferramentas de


promover liberdade econômica e privacidade, como criptografia, para
ajudar a sociedade a evoluir na forma promover liberdade individual e
de livre-mercados facilitar a desobediência civil

A tecnologia pode ser utilizada para A tecnologia pode ser utilizada como
implementar mercados mais arma de resistência que garanta a
eficientes, mesmo que ainda sujeitos liberdade dos indivíduos e evada
à algum tipo de regulação regulações

Foco em comunicação e troca de Foco em software e ferramentas


ideias, com mudanças práticas de resistência, com
socioeconômicas graduais e mudanças socioeconômicas
compatíveis com o sistema disruptivas e antissistema

É importante compreender que os Cypherpunks não existiriam sem os avanços


matemáticos na ciência da Criptografia, ela é a peça chave fundamental que
faltava para que as pessoas mantenham a sua privacidade e a sua capacidade de
resistir a opressão, mesmo em um mundo dominado pela internet e pelos meios
de comunicação instantânea.

RELATÓRIO MENSAL
19
CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA
DO BITCOIN
Só não estamos falando de qualquer tipo de criptografia, mas sim de um tipo
particular chamado de “encriptação assimétrica”, que foi inventada em 1976 e
evoluída até se tornar um padrão inquebrável e indecifrável por qualquer
computador que a humanidade possua ou possa construir (pelo menos até a
chegada dos computadores quânticos).

É utilizando estratégias de criptografia similares a essa que o Bitcoin e outras


blockchains são capazes de garantir que ninguém seja capaz de descobrir uma
chave privada a partir de uma chave pública, assim assegurando que as moedas
de uma carteira não possam ser movimentadas por ninguém além do seu
próprio dono.

Sem surpresa, esse tipo de criptografia é algo assustador para os governos.

Basta lembrar que a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial foi
assegurada em boa parte pelos esforços de Alan Turing — o “Pai da Computação”
— que quebrou a criptografia comum utilizada nas comunicações da Alemanha
Nazista, no ano de 1943.

Enigma, a máquina criada por Alan Turing para quebrar a criptografia Nazista

RELATÓRIO MENSAL
20
CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA
DO BITCOIN
Temendo as implicações de um sistema de criptografia inquebrável nas mãos de
pessoas comuns, o governo americano conduz desde 1977 o que se chama de
“As Guerras Cripto”, que são diversas investidas contra pesquisadores e
empresas que têm contribuído neste ramo de tecnologia.

Alguns exemplos são o cientista Mark S. Miller, que distribuiu várias cópias de um
artigo descrevendo o funcionamento da criptografia assimétrica sob o risco de
ir preso, ou o desenvolvedor Phil Zimmermann, que foi investigado pelo governo
após criar o software de criptografia PGP, que hoje é utilizado para proteger
bancos e instituições financeiras ao redor do mundo inteiro.

Mesmo tendo perdido a maior parte das batalhas, até hoje o governo americano
ainda luta para exercer mais poder sobre a criptografia. Em Outubro de 2022,
por exemplo, o Departamento de Justiça dos EUA emitiu um comunicado
apelando para que empresas de tecnologia não utilizem criptografia ponta-a-
ponta em seus produtos, a fim de que as forças da lei possam solicitar
informações pessoais em casos de investigação.

RELATÓRIO MENSAL
21
CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA
DO BITCOIN
Tim May e os Cypherpunks já estavam muito cientes destas implicações quando
decidiram escolher a criptografia assimétrica e as ciências socioeconômicas como
algumas das suas principais ferramentas de ativismo.

Uma das premissas do movimento, por sua vez, era a criação de algum tipo de
ferramenta que desse mais poder e liberdade para as relações humanas
individuais, ou “ponto-a-ponto”. E do mesmo jeito que a internet havia criado o
livre fluxo de informações, eles chegaram a conclusão que um dinheiro digital,
criptográfico e anônimo seria necessário para criar o livre fluxo de riquezas.

Desta premissa é que emergiram alguns dos grandes nomes que marcaram o
mundo cripto. Ativistas contemporâneos de Satoshi e que contribuíram de forma
significativa para a criação do Bitcoin, figurando como seus predecessores e/ou
colaboradores.

Abaixo, alguns dos principais Cypherpunks e seus respectivos projetos:

RELATÓRIO MENSAL
22
CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA
DO BITCOIN
David Chaum (DigiCash) - 1989
David foi um dos pioneiros em utilizar encriptação assimétrica para criar uma
moeda digital com transações privadas e anônimas, chamada DigiCash e depois
eCash. Sediada em Amsterdam, a empresa teve problemas com o governo dos
EUA e o banco central da Holanda, sendo impedida de atuar com o varejo e
eventualmente falindo em 1998.

Curiosidade: Em algum momento da história a Microsoft ofereceu US$ 180


milhões para licenciar o DigiCash em todas as cópias do Windows 95, mas Chaum
achou que o valor não era o suficiente e o acordo não foi adiante.

Adam Back (HashCash) – 1997


Apesar do nome, HashCash não era exatamente uma moeda, mas um
mecanismo de prevenção de lixo de e-mail. Neste protocolo Back propôs a
primeira versão do que hoje conhecemos como Prova-de-Trabalho (Proof-of-
Work), onde para enviar um e-mail o emissor deveria antes realizar algum tipo de
esforço computacional para que o envio do e-mail fosse aceito.

Caso esse emissor fosse um “spammer”, a quantidade de esforço necessário para


enviar e-mails de propaganda em massa seria tão grande que não valeria a pena.

Curiosidade: Adam Back hoje é CEO da Blockstream, uma empresa que presta
serviços e desenvolve produtos relacionados à rede do Bitcoin, como uma
implementação da Lightning Network.

RELATÓRIO MENSAL
23
CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA
DO BITCOIN
Wei Dai (B-Money) - 1998
B-Money foi uma proposta teórica realizada pelo estudante de graduação da Wei
Dai, da Universidade de Washington.

Muito embora nunca tenha sido implementado, o projeto do B-Money introduziu


conceitos de descentralização operacional que não existiam no DigiCash e que
depois viriam a ser incorporadas no Bitcoin, como: um livro-razão distribuído, a
verificação coletiva das transações, o uso de assinaturas criptográficas para
autorizar transações, e a necessidade de um mecanismo de recompensa que
fosse capaz de dar incentivo econômico para os operadores da rede.

Curiosidade: O nome da menor unidade de um Ether chama-se “Wei” em


homenagem ao trabalho de Wei Dai.

Nick Szabo (BitGold) - 1998


Szabo foi o criador do BitGold, o que é provavelmente o primeiro protocolo de
dinheiro digital que utiliza uma moeda própria, ao invés de recorrer ao dólar
como referência de valor.

Outra proposta interessante no BitGold, é que a rede seria mantida por um grupo
de operadores obrigado a solucionar equações matemáticas como prova de
trabalho para poderem atualizar uma lista encadeada de transações, chamada
“registry”, mas que se comporta de forma muito similar a uma “blockchain”. Do
mesmo jeito que o B-Money, o BitGold nunca chegou a ser implementado.

Curiosidade: Nick Szabo é ex-funcionário da DigiCash e se inspirou no trabalho de


David Chaum para projetar o BitGold.

RELATÓRIO MENSAL
24
CYPHERPUNKS: A PRÉ-HISTÓRIA
DO BITCOIN
Hal Finney (RPOW) - 2004
Inspirado pelos trabalhos de Adam Back, Wei Dai e Nick Szabo, Finney foi o
primeiro cypherpunk a juntar várias destas ideias diferentes e de fato
implementar um protótipo funcional, chamado RPOW ou “Reusable Proof-of-
Work”.

O RPOW ainda tinha suas próprias limitações, sendo a primeira que ele não tinha
um limite máximo de tokens, estando sujeito a inflação, e segunda que sua
operação ainda dependia, até certo ponto, de um servidor centralizado.

Curiosidade: Hal Finney foi um dos primeiros a responder a publicação original


de Satoshi sobre o Bitcoin, e acabou se tornando um dos seus colaboradores
mais ativos.

No final de 2009, Finney foi diagnosticado com uma doença degenerativa, e


faleceu em 2014. Mesmo no final de sua vida, já paralisado, Finney utilizava um
software de rastreamento ocular para continuar colaborando na programação do
Bitcoin.

RELATÓRIO MENSAL
25
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
“Nos últimos 20 anos, as técnicas básicas para se realizar toda
sorte de coisas que pareciam impossíveis acabaram de surgir.
Coloque-as em prática!” – Matt Blaze, membro da comunidade
Cypherpunk

O ano era 2008. O mundo estava alarmado enquanto absorvia as notícias e os


desdobramentos relacionados ao estouro da bolha imobiliária no mercado dos
Estados Unidos e o seu impacto na economia global.

A crise foi o resultado de uma combinação de fatores de relaxamento fiscal


visando grandes lucros com a emissão de empréstimos para compras de casas
pela população americana. O esquema acabou resultando em um conluio de
irresponsabilidades nunca antes visto nos EUA, envolvendo bancos,
seguradoras, auditores e empresas de crédito locais.

A fim de não quebrar a economia do país, os EUA implementaram medidas de


resgate aos bancos para evitar falências generalizadas, resultando em prejuízos
de até $500 bilhões de dólares, ou 3.5% do PIB de 2009.

Foi justamente em Outubro deste ano que Satoshi Nakamoto, uma figura até
então desconhecida, decidiu anunciar pela primeira vez a sua proposta para uma
moeda global e descentralizada, em um e-mail publicado para um grupo de
criptógrafos com o título “Bitcoin P2P e-cash paper”, no dia 31 de Outubro de
2008.

Nossa linha do tempo, porém, começa um pouco antes do primeiro comunicado


público enviado por Satoshi, em um episódio que poucos estudiosos de Cripto
conhecem…

RELATÓRIO MENSAL
26
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
22/08/2008 – SATOSHI MANDA E-MAIL PRIVADO PARA WEI DAI

Muito embora alguns achem que o Bitcoin surgiu como uma resposta à crise de
2008, o fato é que Satoshi já vinha trabalhando nele desde 2007, de forma
completamente anônima e desconhecida do mundo.

É apenas no dia 22 de Agosto de 2008, dois meses e nove dias antes do


lançamento público do Bitcoin, que temos o primeiro registro histórico de uma
comunicação de Satoshi.

Trata-se de um e-mail particular enviado de Satoshi para Wei Dai, idealizador do


projeto B-Money, elogiando o trabalho de Wei e pedindo mais informações para
poder citar o seu trabalho no white-paper do Bitcoin.

É curioso notar que a indicação para o contato de Wei Dai veio por Adam Back,
idealizador do HashCash. Tudo indica que Satoshi desconhecia o protocolo B-
Money, muito embora estivesse claramente inspirado por outros protocolos que
vieram depois dele e que já haviam incorporado suas ideias. Ainda assim, Satoshi
fez questão de pegar as informações com Wei Dai para citar o seu trabalho.

RELATÓRIO MENSAL
27
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
22/08/2008 – SATOSHI MANDA E-MAIL PRIVADO PARA WEI DAI

Outra curiosidade é que Satoshi revela para Wei o título provisório do white-
paper do Bitcoin, que até o momento era “Electronic Cash Without a Trusted Third
Party”, e não “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”.

Possivelmente Satoshi ainda não havia bolado o nome Bitcoin até aquele
momento, ou não queria revelá-lo antes da hora. Para quem se interessar, aqui é
possível revisar todas as diferenças entre a versão que Satoshi enviou para Wei
Dai sem menção ao Bitcoin e a versão final que foi publicada depois.

31/10/2008 – SATOSHI ENVIA 1º E-MAIL PÚBLICO


O primeiro e-mail público de Satoshi foi enviado para a lista “Cryptography”, uma
lista “devotada à tecnologia criptográfica e ao seu impacto político”. Claro que
essa era uma lista de e-mails comumente acessada pelos Cypherpunks da
época.

Dentro do e-mail de Satoshi estava o famoso link apontando para o white-paper


do Bitcoin, que continua funcionando até os dias de hoje, mais de 14 anos depois.
Junto ao link era possível encontrar um ainda resumo do artigo, além de uma
breve descrição das principais propriedades do novo protocolo:

• O “gasto-duplo” é prevenido por uma rede ponto-a-ponto;

• Sem impressão inicial ou entidades autorizadas;

• Participantes podem ser anônimos;

• Novas moedas são feitas ao estilo de prova-de-trabalho do HashCash; e

• Provas-de-Trabalho também colaboram na prevenção do gasto-duplo.

RELATÓRIO MENSAL
28
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
31/10/2008 – SATOSHI ENVIA 1º E-MAIL PÚBLICO

Naquele momento, a comunidade de criptografia estava cética em relação a


moedas criptográficas, considerando que os trabalhos anteriores dos
cypherpunks, embora interessantes, não haviam de fato funcionado ainda. Assim,
mesmo com o impacto da crise de 2008, poucas pessoas deram atenção à
publicação inicial de Satoshi.

Uma delas foi Hal Finney, o criador do protocolo RPOW e ativista cypherpunk.
Finney fez uma longa lista de perguntas a Satoshi, eventualmente passando a se
tornar um dos colaboradores mais próximos de Satoshi no início do Bitcoin.

03/01/2009 – SATOSHI LANÇA A 1ª VERSÃO DO BITCOIN

No bloco gênesis, o primeiro bloco da rede Bitcoin, Satoshi deixou estampada a


notícia que estava na capa do jornal The Times naquele dia.

A notícia era um reflexo do contexto socioeconômico mundial após a crise de


2007 que se aprofundou em 2008. Para evitar uma quebra generalizada dos
bancos, o governo americano ligou a máquina de dinheiro e começou a salvar os
“too big to fail” (ou seja, os bancos “grandes demais para falir”). Essa prática ficou
conhecida como “bailout”, ou “resgate”.

RELATÓRIO MENSAL
29
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
03/01/2009 – SATOSHI LANÇA A 1ª VERSÃO DO BITCOIN

A capa do jornal daquele dia indicava que um segundo resgate aos bancos
poderia ser feito.

08/01/2009 – SATOSHI ANUNCIA O LANÇAMENTO DO BITCOIN

Nesta data Satoshi disponibilizou para o mundo a primeira versão do Bitcoin,


uma que poderia ser baixada e executada por qualquer interessado.

Neste e-mail Satoshi explica que só haverá 21 milhões de moedas, e que muito
embora a mineração seria iniciada de forma muito fácil, ela ficaria cada vez mais
difícil no futuro.

RELATÓRIO MENSAL
30
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
11/01/2009 – HAL FINNEY COLOCA EM EXECUÇÃO UM NÓ

Três dias depois do lançamento da versão 0.1, Hal Finney já havia colocado em
execução um dos primeiros nós de mineração — senão o primeiro — de toda a
história da rede do Bitcoin, além daquele que o próprio Satoshi executava:

Hal Finney anunciando que estava executando um nó da rede Bitcoin

12/01/2009 – HAL FINNEY RECEBE 1ª TRANSFERÊNCIA DE BTC

No dia seguinte, em 12 de Janeiro, Satoshi transferiu 10 Bitcoins para Hal


Finney, que hoje seria o equivalente a nada mais nada menos que 1 milhão de
reais!

11/02/2009 – SATOSHI ANUNCIA BITCOIN NO FÓRUM P2P

Esta foi a primeira ocasião em que Satoshi decidiu anunciar o Bitcoin fora do
circuito fechado da lista de e-mails “Cryptographers”, fazendo um post no fórum
P2P, um ambiente de discussão dedicado à promoção e ao estudo das
tecnologias ponto-a-ponto.

RELATÓRIO MENSAL
31
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
11/02/2009 – SATOSHI ANUNCIA O BITCOIN NO FÓRUM P2P

Primeiro post de Satoshi sobre Bitcoin no fórum P2P

Nesta publicação Satoshi começa a ir além da linguagem puramente técnica,


explorando aspectos socioeconômicos e criticando o sistema financeiro
tradicional. É deste post que vem alguns de seus pensamentos mais conhecidos:

• “A raiz do problema com as moedas convencionais é toda a confiança que é


exigida para que elas funcionem. O Banco Central deve ser confiado para não
desvalorizar a moeda, mas a história das moedas fiduciárias está repleta de
quebras desta confiança”.

• “Bancos deveriam ser confiados para guardar e transferir nosso dinheiro


eletronicamente, mas eles o emprestam em ondas de bolhas de crédito
mantendo apenas uma fração mínima em reserva”.

• “Com uma moeda eletrônica baseada em provas criptográficas, e sem a


necessidade de se confiar em um intermediário, o dinheiro pode ser assegurado
e as transações serem sem esforço”.

• “Eu desenvolvi um novo sistema de dinheiro eletrônico ponto-a-ponto chamado


Bitcoin. Ele é completamente descentralizado, sem servidor central ou
intermediários, uma vez que tudo é baseado em provas criptográficas ao invés
de confiança”.

RELATÓRIO MENSAL
32
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
15/08/2010 – 1º PROBLEMA GRADE DO BITCOIN

Em agosto de 2010 a rede do Bitcoin produziu 184 bilhões de BTC em um único


bloco, não só violando o limite máximo de 21 milhões de unidades, como também
potencialmente arruinando a economia da rede.

Um alerta foi feito no fórum do Bitcoin pelo desenvolvedor Jeff Garzik, que
colocou a comunidade em um estado frenético, enquanto todos os envolvidos
corriam para entender o que havia acontecido e buscar uma solução antes que
fosse tarde demais.

Nesse caso, foi o próprio Satoshi quem tomou a frente, publicando uma versão
corrigida do software do Bitcoin em menos de 5 horas, e convocando a
comunidade a atualizar os seus nós de mineração.

Esse foi um de dois incidentes em que a rede do Bitcoin fora do ar, uma vez que
todos os nós de mineração tiveram que ser desligados enquanto a atualização
estava em andamento.

Publicação do Satoshi corrigindo o primeiro bug grave do Bitcoin

RELATÓRIO MENSAL
33
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
27/09/2010 – DESENVOLVEDORES QUESTIONAM O SATOSHI

Após o episódio de agosto, alguns desenvolvedores e colaboradores mais


próximos do Bitcoin começaram a questionar o processo de desenvolvimento do
Bitcoin, como Gavin Andresen e o próprio Jeff Garzik que foi o primeiro a relatar o
bug.

Esse é um extrato de uma conversa entre os dois no canal de chat onde


colaboravam:

• Gavin Andresen: Eu só queria ser capaz de convencê-lo [Satoshi] a mudar


para um modelo de desenvolvimento mais colaborativo.

• Tritonio: O que você quer dizer? Como é o modelo atual?

• Jeff Garzik: Fechado, na maior parte. O código é aberto, mas o


desenvolvimento é fechado.

• Gavin Andresen: Satoshi é o guardião da porta, todo o código passa por ele.

Eventualmente, a comunidade do Bitcoin começou a soltar suas próprias versões


do software sem passar pela revisão de Satoshi, com modificações que corrigiam
pequenos bugs, ou até mesmo que tornavam a mineração mais eficiente.

Satoshi aparentemente reconheceu que o Bitcoin e a sua comunidade estavam


crescendo. Para o veterano jornalista de cripto, Pete Rizzo, esse foi um dos
primeiros fatores para que Satoshi começasse a considerar o momento certo de
desaparecer.

Em outubro de 2010, Satoshi deu acesso direto para que Gavin Andresen pudesse
modificar o código do Bitcoin sem que sua permissão fosse mais necessária,
sendo essa uma etapa fundamental a ser cumprida antes que ele pudesse deixar
a liderança do projeto.

RELATÓRIO MENSAL
34
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
10/11/2010 – WIKILEAKS E DOAÇÕES EM BITCOIN

Em Novembro de 2010, um post foi realizado no fórum do Bitcoin sugerindo que


a plataforma Wikileaks passasse a aceitar Bitcoins como forma de receber
doações, uma vez que o projeto estava tendo problemas com congelamento de
contas bancárias e transferências.

Wikileaks é uma plataforma conhecida do movimento Cypherpunk, criada por


Julian Assange, um de seus ativistas. Ela se tornou de conhecimento do grande
público após vazar documentos e conteúdos sigilosos sobre a atuação do
exército americano no Iraque em 2010, provocando fortes respostas do governo
dos EUA.

Como resultado da polêmica, em Dezembro do mesmo ano seu principal meio de


recebimento de doações, PayPal, bloqueou todos os fundos e depósitos
relacionados à WikiLeaks, trazendo ainda mais atenção para o fórum do Bitcoin.

Eventualmente o próprio Satoshi interviu no post, solicitando que a iniciativa não


fosse para frente, uma vez que o Bitcoin ainda era muito novo, e que não estava
preparado o suficiente para lidar com algo deste tamanho.

Resposta de Satoshi à utilização de Bitcoins como doação para Wikileaks

RELATÓRIO MENSAL
35
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
10/11/2010 – WIKILEAKS E DOAÇÕES EM BITCOIN

As crescentes discussões que já vinham esquentando na comunidade ganharam


ainda mais força depois dessa declaração, enquanto alguns membros
argumentavam que o Satoshi estava adotando uma prática de censura, e que
sua liderança não era mais saudável para o Bitcoin.

Ainda assim, já era tarde demais para o apelo de Satoshi, já que um artigo na
revista PC World foi publicado em menos de uma semana, relacionando a
Wikileaks com o Bitcoin.

Era evidente que Satoshi estava preocupado com os impactos da crescente


atenção que o Bitcoin estava tomando, ou como ele mesmo disse em um
comentário sobre o artigo: “Seria muito bom ter ganho tanta atenção em qualquer
outro contexto. A WikiLeaks chutou o ninho de vespas, e o enxame está vindo em
nossa direção”.

Comentário de Satoshi sobre o artigo na revista PC World

RELATÓRIO MENSAL
36
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
12/12/2010 – A ÚLTIMA COMUNICAÇÃO PÚBLICA DE SATOSHI

No dia 12 de dezembro de 2010 Satoshi postou pela última vez no Bitcoin Fórum,
lançando a versão 0.3.19 do Bitcoin, e deixando algumas poucas orientações
técnicas para serem trabalhadas na próxima versão.

Além disso, Satoshi removeu o seu próprio nome da declaração de Copyright do


Bitcoin, e atualizou o domínio Bitcoin.org, adicionando os nomes e e-mails dos
principais colaboradores, como Andresen, Sirius e Laslzo, e removendo o seu
próprio.

19/12/2010 – O LÍDER SE FOI, VIDA LONGA AO LÍDER!

Na semana seguinte, Gavin Andresen fez uma nova postagem, dizendo que
possuía “as bênçãos" de Satoshi para continuar o desenvolvimento do Bitcoin,
assumindo um papel mais ativo no gerenciamento do projeto.

Post de Gavin Andresen assumindo à frente do desenvolvimento do Bitcoin

Ele abriu o desenvolvimento para mais programadores e continuou trabalhando


no Bitcoin por mais alguns anos, até se ver forçado a deixar a sua posição após
uma série de polêmicas e desavenças com o resto da comunidade.

RELATÓRIO MENSAL
37
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
26/04/2011 – A ÚLTIMA COMUNICAÇÃO PRIVADA DE SATOSHI

Após o seu desaparecimento público, Satoshi ainda continuou trabalhando por


baixo dos panos com os desenvolvedores mais próximos.

De acordo com e-mails privados que Gavin Andresen forneceu para uma
reportagem de Pete Rizzo, Satoshi haveria dito em janeiro de 2011 para que
Andresen se tornasse mais ativo na comunicação com o público, uma vez que o
Satoshi “não queria se relacionar com a mídia”, e que Andresen seria a “melhor
pessoa para dar entrevistas”.

E de fato, já em 21 de Março de 2011, Andresen deu uma entrevista completa


para a Techworld Australia, onde disse que estava atuando como “líder técnico”
para o Bitcoin, mas sem fazer qualquer tipo de menção a Satoshi.

Porém, em uma outra entrevista, dada em 04 de Abril de 2011 para a EconTalk,


Gavin se refere a Satoshi, dizendo que “ele [Satoshi] trabalhou incrivelmente e
teve a brilhante ideia de como resolver a última peça do quebra-cabeça que
permitiu a coisa toda funcionar” — uma referência a como Satoshi foi capaz de
juntar todo o trabalho prévio dos Cypherpunks e encaixar a peça final que foi o
“Consenso de Nakamoto”.

Alguns dias depois, em 20 de Abril de 2011, saiu uma reportagem na Forbes, na


qual Andersen fora entrevistado. A reportagem descreveu Satoshi como “uma
figura misteriosa, obcecada com privacidade” e que havia se recusado a ser
entrevistado.

RELATÓRIO MENSAL
38
A LINHA DO TEMPO DE
SATOSHI NAKAMOTO
26/04/2011 – A ÚLTIMA COMUNICAÇÃO PRIVADA DE SATOSHI

Em 26 de Abril de 2011, Satoshi escreve para Andresen, no que seria sua última
comunicação privada e confirmada, dizendo:

“Eu gostaria que você não continuasse se referindo a mim como uma
figura misteriosa, a imprensa apenas distorce isso pelo ângulo de uma
moeda pirata. Talvez seja melhor falar sobre o projeto código-aberto e
dar mais crédito para os seus desenvolvedores que estão contribuindo;
isso ajuda a motivá-los”.

Andresen respondeu para Satoshi, mas não sabemos o teor da sua resposta, além
do fato de que Andresen avisou a Satoshi que havia sido convidado para falar
sobre o Bitcoin em um evento organizado pela CIA.

Depois disso, Satoshi desapareceu completamente e nunca mais respondeu.

Último registro histórico confirmado de Satoshi, de acordo com o Nakamoto Studies Institute

RELATÓRIO MENSAL
39
QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO?
“A raiz do problema com as moedas convencionais é toda confiança
que é exigida para que elas funcionem” - Satoshi Nakamoto.
Esta talvez seja uma das perguntas mais controversas envolvendo o Bitcoin, e
que com certeza gera muitas teorias, algumas mais sensatas, e outras bem mais
conspiratórias!

Não sei como legendar isso sem parecer maluco…

Nem isso também…

RELATÓRIO MENSAL
40
QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO?
Descartando-se a possibilidade de que Satoshi Nakamoto seja um alienígena,
um viajante do tempo, ou mesmo a segunda vinda de Jesus, os candidatos mais
prováveis seriam alguns dos cypherpunks envolvidos na história do Bitcoin.

Alguns especularam ainda que Satoshi poderia ser Elon Musk, mas Elon, por sua
vez, acredita que Satoshi seja na verdade o cypherpunk Nick Szabo. Já Vitalik
Buterin, criador da Ethereum, acredita que a real identidade do criador do Bitcoin
seja o seu primeiro aliado público, Hal Finney.

Outros acreditam que Satoshi possa ter sido um grupo de pessoas que criou o
pseudônimo para se proteger de possíveis retaliações contra a sua criação,
possivelmente um ou mais dos cypherpunks notórios fazendo parte deste
coletivo.

Em 2014, uma reportagem encontrou Dorian Satoshi Nakamoto, um descendente


de japoneses naturalizado americano. Dorian na época possuía 65 anos e morava
a apenas 2,5 quilômetros de distância de Hal Finney, o primeiro colaborador de
Satoshi.

Até hoje, não sabemos se isto foi uma pegadinha dos Cypherpunks ou do próprio
Hal Finney, que realmente seria
Satoshi, ou uma grande piada
cósmica, uma vez que Dorian
não tinha quaisquer condições
de realmente ser o Satoshi
Nakamoto, criador do Bitcoin.

RELATÓRIO MENSAL
41
QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO?
Dois anos depois, em 2016, Craig Wright, um cientista da computação que
trabalhou em projetos cripto, alegou ser Satoshi Nakamoto. Porém, a
comunidade como um todo, e em especial diversos representantes do movimento
Cypherpunk, rejeitaram suas alegações.

Ao ser desafiado a
movimentar algum dos BTCs
originais minerados por
Satoshi, Craig se mostrou incapaz de
fazê-lo, alegando que havia esmagado os
discos rígidos que mantinham as chaves
privadas das antigas carteiras.

Para aqueles que gostam de mergulhar


fundo em teorias da conspiração, não faltam documentários dispostos a levar o
seu público junto, mas eu pessoalmente acho que buscar a identidade de Satoshi
não é a melhor maneira de responder a pergunta “quem foi Satoshi?”.

Ao meu ver, a melhor maneira de responder a essa pergunta é voltar aos escritos
de Satoshi, e procurar entender como ele pensava e o que ele teve para dizer
enquanto atuou com o seu pseudônimo.

A fim de buscar melhor estes insights, separei alguns momentos ilustres onde
Satoshi se manifestou, compartilhando suas opiniões e pensamentos.

RELATÓRIO MENSAL
42
QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO?
SATOSHI EXPLICANDO BITCOIN PARA OS 1º INTERESSADOS

Mike Hearn foi um dos primeiros curiosos a indagar Satoshi sobre o Bitcoin, e
acabou eventualmente colaborando como um dos primeiros programadores do
projeto.

A série de e-mails trocada entre os dois, durante poucos meses após o


lançamento da primeira versão do Bitcoin, em abril de 2009, oferece vários
insights sobre como Satoshi enxergava o Bitcoin, com destaque para alguns
escritos muito pouco conhecidos de Satoshi:

“Eventualmente, a maioria dos nós de mineração será executado por


especialistas com múltiplas placas de vídeo. Por enquanto, é bom que
qualquer um com um PC possa brincar com a rede sem se preocupar, e espero
que isso continue assim por um tempo”.

Ou seja, Satoshi já previa que em algum momento a mineração de Bitcoin se


tornaria uma atividade profissional, e muito embora ele fosse incapaz de prever
o surgimento das ASIC’s, ele já imaginava este futuro de forma similar ao que se
tornou a mineração da Ethereum em seu auge, fazendas de hardware com
milhares de placas de vídeos minerando a moeda simultaneamente.

“Minha escolha para o número de moedas e o período de distribuição foi um


palpite informado (educated guess)… Se o Bitcoin permanecer um nicho
pequeno, ele será menos valioso por unidade do que as moedas já existentes.
Mas se você imagina que o BItcoin possa ser usado para uma fração do
comércio mundial, então só existirão 21 milhões de moedas para o mundo
todo, então o seu valor unitário poderia ser muito maior”.

Aqui Satoshi deixa claro que apesar de ter criado Bitcoin com o propósito de ser
um meio de pagamento não centralizado, ele considerava que o futuro do projeto
estava em aberto, inclusive um futuro onde cada Bitcoin valeria muito mais que
um dólar.

RELATÓRIO MENSAL
43
QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO?
SATOSHI EXPLICANDO BITCOIN PARA OS 1º INTERESSADOS

Sua escolha de 21 milhões de moedas e um plano de distribuição por mineração


que se encerrará no ano de 2140 foi fruto de um palpite bem intencionado, mas
ele não deixa claro qual seria a “informação” do palpite.

Alguns acreditam que Satoshi estivesse se referindo ao suprimento de todo


dinheiro FIAT (M1) existente no mundo à época, de aproximadamente 21
trilhões de dólares. Nesse caso, imaginando-se um mundo onde o Bitcoin
substituísse todo o dinheiro FIAT dividindo-se todos os 21 trilhões de dólares da
época pelos 21 milhões de Bitcoin, teríamos o valor nominal de 1 milhão de
dólares por Bitcoin.

“O Bitcoin foi desenhado para realizar transações irreversíveis, e certamente


existem aplicações que requerem isso. Se alguém quer a possibilidade de um
estorno, eles podem fazer uma transação com garantia, algo que não está
implementado mas que será uma das próximas coisas.”

Já esta outra frase revela um lado mais desconhecido de Satoshi… Ele


considerava nos primeiros dias do Bitcoin a possibilidade de se oferecer algum
tipo de transação que pudesse ser reversível, onde uma terceira parte poderia
assegurar os fundos, até que ambas as pontas concordassem que a negociação
deveria ir para a frente.

Algo assim nunca chegou a ser implementado, mas quando vemos hoje a
polêmica em torno da Ethereum considerando transações reversíveis e todas as
críticas feitas por Bitcoin Maximalistas, é como se ninguém soubesse que o
próprio Satoshi considerava isto algo razoável a ser oferecido nos primeiros dias
do Bitcoin.

RELATÓRIO MENSAL
44
QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO?
A 1ª DISCUSSÃO SOBRE O MODELO ECONÔMICO DO BITCOIN

Em fevereiro de 2010 um usuário publicou um post no Bitcoin Forum alegando


que o modelo econômico do Bitcoin era insustentável. Essa foi uma das maiores
threads da época, com dezenas de comentários e contribuições, no decorrer de
várias semanas.

Eventualmente, o próprio Satoshi entrou na discussão, se limitando a dar sua


opinião sobre o assunto em um único comentário, do qual destaco:

“Na ausência de um mercado para estabelecer um preço… o preço de qualquer


commodity deve gravitar em torno do custo de produção. Se o preço [de
venda] está abaixo do custo [de produção], então a produção desacelera. Se o
preço [de venda] está acima do custo [de produção], então o lucro pode ser
feito produzindo-se mais e vendendo-se mais.”

Nesta época ainda não haviam corretoras globais com livros de ofertas para
negociar Bitcoin, então Satoshi discutia com a comunidade que o preço do Bitcoin
deveria estar de algum modo atrelado ao custo dos mineradores.

Do mesmo jeito que uma commodity como soja ou milho exige um esforço para
ser produzida, e só será produzida se der lucro, Satoshi acreditava que a atividade
de mineração de Bitcoin precisava dar lucro para os mineradores, caso contrário
a mineração diminuiria e a rede se tornaria menos segura.

Esta é uma discussão relevante até os dias de hoje, enquanto alcançamos uma
máxima história de mineração em BTC, ao mesmo tempo em que os mineradores
estão obtendo cada vez menos lucros com a atividade.

Satoshi ainda vai além, e complementa o raciocínio com a seguinte frase:

“No futuro, quando a geração de novas moedas for apenas uma pequena
fração de todas as moedas já mineradas, o preço do mercado é que vai ditar o
custo da produção, e não o contrário.”

RELATÓRIO MENSAL
45
QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO?
A 1ª DISCUSSÃO SOBRE CORRETORAS

Em março de 2010 um usuário chamado “NewLibertyStandard” provocou a


primeira grande discussão sobre aspectos regulatórios de transacionar Bitcoin. O
usuário estava especialmente preocupado com o mercado norte-americano e
com o fato de Bitcoin não obedecer a nenhuma regulação existente.

Do mesmo jeito que de costume, Satoshi esperou que o post ganhasse atenção
suficiente, e depois fez um único comentário com a sua opinião:

“Quando houver escala o suficiente, talvez haja uma corretora que case ordens
de compra e venda diretamente dos usuários, de modo similar a como o E-Bay
funciona.”

Basicamente Satoshi estava descrevendo uma corretora baseada em livros de


ordens, como a Binance a Kraken ou a FTX funcionam hoje, mas sob os moldes do
que ele via como possibilidade no E-Bay da época.

Pouco tempo depois, o usuário do post veio a criar a primeira corretora de


Bitcoin da história, a New Liberty Standards, que fez a primeira venda de Bitcoins
em modelo de corretagem, ao preço de 1300 Bitcoin por 1 dólar.

OPINIÃO DE SATOSHI SOBRE POOLS DE MINERAÇÃO

Em novembro de 2010 o primeiro pool de mineração do mundo fez um post de


propaganda no Bitcoin Forum, convidando seus assinantes a emprestarem seu
poder computacional para eles ao invés de minerarem por conta própria.

A visão de Satoshi sobre os pools é bem amigável:

“Novos usuários nem precisariam de fato do software do Bitcoin. Eles


poderiam baixar o [software] minerador, criar uma conta na corretora,
informarem seus endereços de depósito no minerador, e apontá-los para o
servidor da pool de mineração.”

RELATÓRIO MENSAL
46
QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO?
OPINIÃO DO SATOSHI SOBRE BITCOINS PERDIDOS

Em junho de 2021 o usuário “virtualcoin” fez um post argumentando que como os


Bitcoin que se perdem nunca podem ser recuperados, que a rede do Bitcoin
tende a encolher cada vez mais com o tempo, uma vez que sempre haverá
alguém perdendo suas chaves privadas.

Esse post contou com comentários de alguns colaboradores importantes de


Satoshi, como Laszlo Hanyecz, que confirmou que as moedas realmente perdem
para sempre, e Gavin Andresen, que apontou que os Bitcoins restantes podem
ser divididos em quantas frações se desejarem, o que contorna o problema.

Satoshi, por sua vez, complementou a questão de forma simples:

“Moedas perdidas só fazem com que as moedas de todos os outros valham um


pouco a mais. Pense nelas como uma doação universal.”

A 1ª DISCUSSÃO SOBRE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA

Em agosto de 2010 o usuário “gridecon” provocou a primeira discussão sobre


eficiência energética no fórum do Bitcoin. Ele argumentou que o processo de
mineração era “fundamentalmente perverso por gastar grandes quantidades de
energia e de computação”.

A discussão em si não chamou muito a atenção da comunidade, mas Satoshi


decidiu comentar dando a sua opinião sobre o assunto:

“É a mesma situação com o ouro e a sua atividade de mineração. Mineração


de ouro é custosa, mas esse custo é muito menor do que a utilidade de se ter
o ouro disponível como um meio de troca.”

“Eu penso que é o mesmo caso para o Bitcoin. A utilidade dos intercâmbios
que são permitidos pelo Bitcoin irão exceder em muito o custo elétrico que ele
requer. Assim, a não existência do Bitcoin é que seria o grande prejuízo.”

RELATÓRIO MENSAL
47
QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO?
A 1ª DISCUSSÃO SOBRE TRANSAÇÕES PRIVADAS

Em agosto de 2010 o usuário “red” fez um post argumentando que seria bom que
o Bitcoin oferecesse transações privadas, uma vez que na rede tudo ainda era
público e aberto.

Essa discussão realmente deixou Satoshi interessado, tanto que ele chegou a
comentar três vezes nas discussões que se desdobraram, algo bem incomum
para o seu padrão de participação anterior.

Normalmente, a privacidade no Bitcoin seria obtida naquela época do mesmo


jeito que ainda poderia ser obtida hoje, com o usuário tendo que criar uma nova
carteira para cada transação que faz na rede, o que para efeitos práticos é um
trabalho absurdo, e algo que praticamente ninguém está disposto a fazer.

Ao pensar sobre um jeito de fazer transações privadas de forma nativa no Bitcoin,


Satoshi comentou:

“Esse é um tópico muito interessante. Se uma solução fosse encontrada, um


jeito muito melhor, muito mais fácil, e muito mais conveniente de se
implementar o Bitcoin seria possível… [Mas] é difícil pensar em como aplicar
provas de conhecimento zero (ZK) nesse caso.”

Enquanto os outros comentários de Satoshi foram mais técnicos, esse primeiro é


o que chama muito a atenção. Ele parece indicar que Satoshi não fazia questão
de que as transações fossem abertas e transparentes, ele apenas as deixou
assim porque esse era o jeito mais fácil de implementar o Bitcoin naquela época.

Isso está de acordo com as declarações de Zooko, CEO da ZCash, em uma


entrevista dada para o canal Defiant.

RELATÓRIO MENSAL
48
QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO?
A 1ª DISCUSSÃO SOBRE TRANSAÇÕES PRIVADAS

Zooko era um ativista cypherpunk contemporâneo de Satoshi e colaborador


desde os primeiros dias, onde ele disse que discutia com Satoshi e com Hal
Finney sobre a implementação de transações privadas no Bitcoin. De acordo com
Zooko, a única coisa que impediu que o Bitcoin operasse com transações privadas
era o fato da tecnologia de provas de conhecimento zero não estar pronta para
isso.

Posteriormente, após Satoshi já ter desaparecido, um grupo de cientistas


apresentou um jeito de se acoplar provas de ZK no Bitcoin, mas os core-devs da
época não se interessaram no possível upgrade, o que levou Zooko a criar o
ZCash.

OPINIÃO DE SATOSHI NA COMPARAÇÃO DE BITCOIN COM AÇÕES

Em agosto de 2010 o usuário “epaulson” levantou no fórum a discussão de que


os Bitcoin poderiam ser comparados com ações, mas Satoshi foi bem categórico
na sua resposta:

“Bitcoin não tem dividendos nem potencial para futuros dividendos, então
não são como ações. São mais como um colecionável ou uma commodity.”

E de fato, hoje o Bitcoin é o único criptoativos que pode ser classificado como uma
commodity, segundo o presidente da SEC.

RELATÓRIO MENSAL
49
QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO?
SATOSHI FOLGADO E O COMPRADOR DAS PIZZAS DE BITCOIN

Muitas pessoas conhecem o fato de que alguém comprou duas pizzas em 2010
por 10 mil bitcoins, no dia que ficou eternizado como o “Bitcoin Pizza Day”.

O que menos pessoas sabem é que o comprador destas pizzas foi Laszlo
Hanycez, um dos primeiros colaboradores e programadores do Bitcoin, e que
costumava se comunicar regularmente com Satoshi.

Laslzo também foi o primeiro usuário de Bitcoin a adaptar uma placa de vídeo
para tornar a mineração mais eficiente, e o responsável pela primeira versão de
Bitcoin para Macintosh.

Em uma curiosa reportagem, Laszlo disse que Satoshi solicitava a ele que
resolvesse vários bugs e que programasse no Bitcoin, mesmo sem que ele
houvesse sido oficialmente convidado ou tivesse aceitado entrar no time de
desenvolvimento.

Laszlo compartilha ainda que achava Satoshi provocava nele uma “sensação
estranha”, e que algumas vezes deixava passar os seus pedidos; e quanto a
qualquer pergunta pessoal que Laslzo fizesse, Satoshi simplesmente as ignorava.

RELATÓRIO MENSAL
50
QUEM FOI SATOSHI NAKAMOTO?
O DEPOIMENTO DE HAL FINNEY

Diagnosticado com uma doença terminal desde 2009, Hal Finney deu seu último
depoimento no fórum do Bitcoin em março de 2013, com uma emocionante carta
de despedida intitulada “Bitcoin e Eu (Hal Finney)”.

A carta inteira é bem grande para ser colocada na íntegra em um relatório que já
está extenso, mas separei aqui o que considero uma opinião muito genuína de
Hal sobre quem era Satoshi:

“Hoje a verdadeira identidade de Satoshi se tornou um mistério. Mas, na época,


pensei que estava lidando com um jovem de ascendência japonesa que era
muito inteligente e sincero. Tive a sorte de conhecer muitas pessoas brilhantes
ao longo da minha vida, por isso reconheço os sinais.”

Hal Finney
RELATÓRIO MENSAL
51
O SATOSHI HUMANO
“Visão sem ação é apenas um sonho. Ação sem visão é só passar o
tempo. Visão com ação pode mudar o mundo” - Joel A. Barker

Depois de tanto tempo estudando o passado do Bitcoin e a vida de Satoshi, é


impossível não se sentir inspirado, ou até mesmo transformado pela
experiência.

Satoshi, seja quem tenha sido, com certeza possui um papel fundamental no
desenvolvimento do mundo cripto, mas reduzi-lo a isso seria um demérito às
suas contribuições.

Sua genialidade envolveu o domínio de múltiplas áreas de conhecimento e um


perfeito timing para encontrar as tecnologias corretas que já existiam no berço
cypherpunk, criando assim o Bitcoin, e potencialmente dando início a um novo
arco de transformação do mundo contemporâneo.

Espero que o resgate deste Satoshi humano (ao invés do Satoshi mitológico) sirva
de inspiração para elevar o grau da nossa comunidade cripto; para que
possamos cada vez mais focar em trocas de ideias saudáveis e soluções reais que
transformem o mundo, ao invés de nos perdermos em rixas de moedas e
ideologias mal-informadas.

E o fato é que depois de tudo que aprendi lendo as palavras de Satoshi, não
consigo de jeito algum enxergá-lo como um Bitcoin Maximalista, e creio que
todos aqueles que estão seguindo por esse caminho, talvez não tenham ainda
compreendido como o criador daquilo que escolhem reverenciar realmente
pensava.

RELATÓRIO MENSAL
52
O SATOSHI HUMANO
“Visão sem ação é apenas um sonho. Ação sem visão é só passar o
tempo. Visão com ação pode mudar o mundo” - Joel A. Barker

Satoshi possuía uma postura firme mas humilde, uma disposição sensata e
afiada para novas ideias, além de um inabalável temperamento que não se
deixava levar por acusações e discórdias, mas que se dedicava exclusivamente
ao resultado de sua obra.

Eu, pessoalmente, acho possível que Hal Finney tenha atuado como Satoshi, ou
pelo menos como uma parte de Satoshi. Mas, mais importante do que isso, eu
sinto que Finney foi aquele que melhor compreendeu a alma por trás do
pseudônimo — ou como o próprio Finney destacou: Satoshi mostrou, pelo tempo
que existiu como Satoshi, todos os sinais de um ser inteligente, sincero e muito
brilhante…

A imagem abaixo, também utilizada na capa do relatório, foi


gerada pela inteligência artificial DALL-E 2, e representa
Satoshi Nakamoto montado no Touro de Wall Street,
feito de bronze e localizado nos EUA, que é
sinônimo de otimismo de mercados
de alta (o “bull market”, ou seja,
mercado do touro).

O retrato pode apresentar


diversos significados, como o
Satoshi Nakamoto, com sua
invenção, dominando e mudando os rumos
do mercado tradicional de capitais.

RELATÓRIO MENSAL
53
O SATOSHI HUMANO
BÔNUS PARA ASSINANTES!

NOSSOS ASSINANTES PRO TÊM ACESSO A UM BÔNUS


PREPARAMOS UMA LIVE EXCLUSIVA
SOBRE A HISTÓRIA MAL CONTADA
DE SATOSHI NAKAMOTO!

SOU MERCURIUS PRO NÃO SOU MERCURIUS PRO,


E VOU CONFERIR O BÔNUS! MAS QUERO SER!

RELATÓRIO MENSAL
CONHEÇA O TIME DE RESEARCH
DA MERCURIUS CRYPTO

Orlando Telles
Diretor de Research e co-fundador da Mercurius Crypto. Atua com uma
visão ampla do mercado cripto, abrangendo desde as especificações
técnicas dos protocolos até a interação econômica entre eles, com uma
forte especialidade na arquitetura de protocolos de primeira camada.

Rafael Castaneda
Bacharel em Ciências da Computação e Mestre em Sistemas e
Computação pelo IME/RJ. Atuou profissionalmente em arquiteturas de
software há mais de 20 anos. Se juntou à Mercurius em 2021 como
analista de mercado e especialista em infraestrutura de blockchains.

Nicole Haddad
Bacharel em Ciências Econômicas, durante sua graduação, adquiriu 5
anos de experiência no mercado financeiro. Passou pela Aditus
Consultoria Financeira, Itaú Unibanco, SulAmérica Investimentos e
Pipeline Tech M&A. Entusiasta desde 2015, é analista de criptoativos
desde 2021 na Mercurius Crypto.

Carlos Henrique
Estudante da FEA-USP, Carlos iniciou sua trajetória no mercado
tradicional, com análises de empresas na Prometheus Asset
Management Jr. Se juntou ao time da Mercurius em 2021, atuando como
analista de criptoativos e Head de conteúdo.

Caio Ortega
Estudante do CECS-UFABC, Caio possui uma trajetória profissional
diversa, acumulando experiências no auxílio à tomada de decisão,
confeccionando relatórios, planilhas e mapas, além de aplicativos e
bancos de dados com ferramentas low-code e softwares livres.
LINKS ÚTEIS
• Site da Mercurius (clique aqui)

• YouTube Mercurius Crypto (clique aqui)

• YouTube Cortes da Mercurius (clique aqui)

• Twitter Mercurius (clique aqui)

• Twitter dos analistas (Orlando, Casta, Nicole, Carlos)

• Instagram Mercurius (clique aqui)

• Instagram dos analistas (Orlando, Casta, Nicole, Carlos)


DISCLAIMER
Este relatório foi elaborado por analistas da Mercurius Crypto, e é de uso exclusivo de
seu destinatário, não podendo ser reproduzido ou distribuído a terceiros sem
autorização expressa.

O estudo feito internamente foi baseado em informações disponíveis ao público,


consideradas confiáveis na data de publicação deste relatório. Reiteramos que as
opiniões e estimativas apresentadas aqui são passíveis de mudanças e alterações –
nos reservamos ao direito de estarmos errados.

Este relatório não representa oferta de negociação de valores mobiliários, produtos de


investimento ou gestão, ou ainda outros instrumentos financeiros. Nossas análises,
informações e estratégias de investimento possuem apenas um caráter informativo, a
fim de difundir o conhecimento sobre o mercado dos criptoativos.

Qualquer investimento em renda variável pode causar perda parcial ou total do capital
utilizado. Por isso, o destinatário deste relatório deve sempre desenvolver suas próprias
análises e estratégias de investimento. Além disso, quaisquer decisões de investimento
devem partir do perfil de risco do investidor.

Você também pode gostar