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O Pecado e o Arrependimento de Davi*

A Bíblia faz poucos elogios a seres humanos. Todas as boas qualidades que as pessoas possuem são dons
de Deus. Suas boas ações são realizadas pela graça de Deus, por meio de Cristo; elas são apenas
instrumentos nas mãos do Senhor. Todas as lições da história bíblica ensinam que elogiar os homens é perigoso,
porque se alguém perder de vista sua inteira dependência de Deus, com certeza cairá. A Bíblia nos ensina a
desconfiar do poder humano e nos encoraja a confiar no poder divino.
O espírito de exaltação própria preparou o caminho para a queda de Davi. Elogios, poder e luxo tiveram seu
efeito sobre ele. De acordo com os costumes dos reis orientais, crimes que não eram tolerados quando
cometidos pelos súditos não eram considerados, se cometidos pelo rei. Tudo isso fez com que Davi perdesse o
senso da terrível malignidade do pecado. Ele passou a confiar na própria sabedoria e no próprio poder.
Assim que Satanás conseguir separar uma pessoa de Deus, despertará os desejos impuros da natureza
carnal. A obra do inimigo não começa de repente, com algo súbito e inesperado, mas com pequenas coisas –
negligência em depender inteiramente de Deus, inclinação para seguir as práticas do mundo.
Davi voltou para Jerusalém. Os sírios já haviam se rendido e parecia que a derrota completa dos amonitas
era certa. Davi foi rodeado pela vitória e honra do seu sábio reinado. Naquele momento, o tentador aproveitou a
oportunidade para ocupar sua mente. Em seu conforto e segurança, Davi cedeu a Satanás e trouxe a mancha da
culpa sobre si mesmo. Ele, o líder da nação apontado pelo Céu, escolhido por Deus para honrar Sua lei, tropeçou
nos mandamentos de Deus. Ele que deveria ter desencorajado os praticantes do mal, fortaleceu as mãos deles
por seu ato.
Culpado e sem se arrepender, Davi não pediu a direção do Céu, mas tentou se livrar dos perigos em que seu
pecado o havia colocado. Bate-Seba, cuja beleza fatal se tornou uma cilada para o rei, era a mulher de Urias, o
hitita, um dos oficiais mais corajosos e fiéis de Davi. A lei de Deus sentenciava o culpado adúltero de morte. Esse
soldado ousado, tão vergonhosamente traído, poderia ter se vingado tirando a vida do rei ou levando a nação a
uma revolta.
Nenhum esforço que Davi fez para esconder sua culpa deu certo. Ele se entregou ao poder de Satanás; foi
rodeado de perigo e uma desonra mais amarga que a morte se avolumava diante dele. Parecia existir somente
uma saída – acrescentar o pecado de assassinato ao de adultério. Davi raciocinava que, se Urias fosse morto na
batalha, a culpa da sua morte não poderia recair sobre o rei. Bate-Seba ficaria livre para se tornar esposa de Davi
e ele poderia evitar suspeitas e manter a honra real.
Urias foi o portador de sua própria sentença de morte. Numa carta enviada por meio de sua mão a Joabe, o
rei mandou: “Ponha Urias na linha de frente e deixe-o onde o combate estiver mais violento, para que seja ferido
e morra” (2Sm 11:15). Joabe, que já estava manchado com a culpa de um assassinato, não pensou duas vezes
antes de obedecer à ordem do rei. Urias foi morto pela espada dos amonitas.

Agente de Satanás
Os atos de Davi como governante tinham conquistado a confiança da nação. Ao se afastar de Deus,
temporariamente se tornou agente de Satanás. Contudo, ainda mantinha a autoridade que Deus havia lhe
concedido e, por causa disso, exigiu uma obediência que colocaria em perigo a segurança de seu comandante, se
ele cooperasse. Joabe tinha se tornado mais fiel ao rei do que a Deus e desobedeceu porque o rei mandou.
Quando Davi deu uma ordem que era contrária à lei de Deus, tornou-se pecado a obediência a ela. “As
autoridades que existem foram por Ele estabelecidas” (Rm 13:1), mas não devemos prestar obediência a eles se
forem contrárias à lei de Deus. O apóstolo Paulo mostra o princípio que deve nos guiar: “Tornem-se meus
imitadores, como eu o sou de Cristo” (1Co 11:1).
Joabe mandou notícias a Davi de que sua ordem tinha sido cumprida. Havia sido tão bem elaborada que não
comprometia nem Joabe nem o rei: “Morreu [...] o teu servo Urias, o hitita” (2Sm 11:21).
A resposta do rei foi: Diga “a Joabe: ‘Não fique preocupado com isso, pois a espada não escolhe a quem
devorar’” (2Sm 11:25).
De acordo com o costume, Bate-Seba chorou por seu marido alguns dias. No fim, “Davi mandou que a
trouxessem para o palácio; ela se tornou sua mulher” (2Sm 11:27). Aquele que não estenderia a mão contra o
ungido do Senhor mesmo quando sua vida estava em perigo caiu de tal maneira que traiu e assassinou um de
seus soldados mais fiéis e corajosos e esperou desfrutar a recompensa de seu pecado sem ser incomodado.
Felizes são aqueles que, depois de se desviarem do caminho da justiça, aprendem quão amargos são os
frutos do pecado e voltam atrás. Em sua misericórdia, Deus não abandonou Davi quando foi atraído para a
ruína completa pelas traiçoeiras recompensas do pecado.

Como Deus Agiu


Foi necessário que Deus interviesse. O pecado de Davi com Bate-Seba se tornou conhecido e muitos
suspeitaram que ele tivesse planejado a morte de Urias. O Senhor foi desonrado. Ele havia exaltado Davi e o
pecado de Davi trouxe desgraça ao Seu nome. Isso tendia a rebaixar o padrão de obediência em Israel e diminuir
a percepção, em muitas mentes, de que o pecado é terrível.
Uma mensagem de repreensão a Davi foi dada ao profeta Natã. Apesar de ela ser terrivelmente severa,
Natã deu a mensagem divina com tanta sabedoria vinda do Céu que conquistou a simpatia do rei, despertou sua
consciência e trouxe de seus próprios lábios a sentença de morte sobre si. O profeta contou uma história de
maldade e injustiça que precisava ser corrigida.
Ele disse: “Dois homens viviam numa cidade, um era rico e o outro, pobre. O rico possuía muitas ovelhas e
bois, mas o pobre nada tinha, senão uma cordeirinha que havia comprado. Ele cuidou dela, que cresceu com ele e
com seus filhos. Comia junto dele, bebia do seu copo e até dormia em seus braços. Era como uma filha para ele.
Certo dia, um viajante chegou à casa do rico, e este não quis pegar uma de suas próprias ovelhas ou de seus bois
para preparar-lhe uma refeição. Em vez disso, preparou para o visitante a cordeira que pertencia ao pobre” (2Sm
12:1-4).
O rei ficou com raiva. “Juro pelo nome do Senhor que o homem que fez isso merece a morte! Deverá pagar
quatro vezes o preço da cordeira, porquanto agiu sem misericórdia” (2Sm 12:5, 6).
Natã fixou seus olhos no rei e disse solenemente: “Você é esse homem! […] Por que você desprezou a
palavra do Senhor, fazendo o que Ele reprova?” (2Sm 12:7-9). O culpado pode tentar, como fez Davi, esconder
seu crime dos outros, enterrar o mau ato da vista humana para sempre, mas “tudo está descoberto e exposto
diante dos olhos dAquele a quem havemos de prestar contas” (Hb 4:13).
Natã disse: “Você matou Urias, o hitita, com a espada dos amonitas e ficou com a mulher dele. Por isso, a
espada nunca se afastará de sua família. […] ‘De sua própria família trarei desgraça sobre você. Tomarei as suas
mulheres diante dos seus próprios olhos e as darei a outro. […] Você fez isso às escondidas, mas Eu o farei diante
de todo o Israel, em plena luz do dia’” (2Sm 12:9-12).
A repreensão do profeta tocou o coração de Davi. A consciência foi despertada e ele viu quão grande era sua
culpa. Com lábios trêmulos, ele disse: “Pequei contra o Senhor!” (2Sm 12:13). Davi havia cometido um pecado
terrível tanto contra Urias como contra Bate-Seba, mas infinitamente maior era seu pecado contra Deus.

Davi é Castigado por seu Pecado


Davi tremeu, com medo de que fosse rejeitado, considerado culpado e não perdoado, pelo imediato juízo de
Deus. Então uma mensagem foi enviada a ele pelo profeta: “O Senhor perdoou o seu pecado. Você não morrerá”
(2Sm 12:13). Ainda assim, a justiça tinha de ser preservada. A sentença de morte foi passada de Davi para o filho
de seu pecado. Desse modo, o rei teve oportunidade de se arrepender, embora o sofrimento e a morte da
criança, como parte de sua punição, foi muito mais amargo para ele do que sua própria morte teria sido.
Quando seu filho ficou doente, Davi suplicou por sua vida em jejum e profunda humilhação. Noite após
noite, ele se prostrava com a dor de um coração quebrantado, intercedendo pelo inocente que sofria por culpa
dele. Quando ouviu que o filho havia morrido, Davi se submeteu, em silêncio, ao que Deus havia determinado.
Foi dado o primeiro golpe da punição que ele mesmo disse que era justa.
Sobre a história da queda de Davi, muitos perguntam: Por que Deus achou necessário abrir ao mundo esse
capítulo escuro da vida de alguém tão grandemente honrado pelo Céu? Ateus e descrentes apontam para o
caráter de Davi e dizem em tom de zombaria: “Esse é o homem segundo o coração de Deus!” Dessa maneira,
Deus e Sua Palavra têm sido blasfemados e muitos têm se tornado ousados no pecado dizendo ser religiosos.
A história de Davi mostra que não há desculpa para o pecado. Foi quando andava com o Senhor e seguia Seu
conselho que Davi foi chamado o homem segundo o coração de Deus. Quando ele pecou, isso deixou de ser
verdade sobre ele, até que se voltou ao Senhor por meio do arrependimento. “Mas o que Davi fez desagradou ao
Senhor” (2Sm 11:27). Apesar de Davi ter se arrependido de seu pecado, colheu o fruto mortal da semente que
plantara. Os castigos que recebeu de Deus deram testemunho do quanto Ele odeia o pecado.
O próprio Davi ficou quebrantado de espírito pela consciência do seu pecado e de seus resultados de grande
alcance. Ele se sentiu humilhado aos olhos de seus súditos. Sua influência foi enfraquecida. Já que seus súditos
sabiam de seu pecado, seriam levados a pecar com mais liberdade. A autoridade de Davi foi enfraquecida até
mesmo em sua casa. Sua culpa o manteve em silêncio quando deveria ter condenado o pecado. Seu mau
exemplo influenciou seus filhos, e Deus não interferiria para impedir o resultado. Assim, Davi foi punido
severamente. Nenhum arrependimento poderia ajudá-lo a escapar da agonia e vergonha que escureceriam toda
a sua vida terrestre.
As pessoas que apontam para o exemplo de Davi para tentar diminuir a culpa de seus pecados deveriam
aprender com o registro bíblico que o caminho da transgressão é árduo. Os resultados do pecado, mesmo nesta
vida, serão amargos e duros de suportar.
A intenção de Deus era que a história da queda de Davi servisse como um aviso de que nem aqueles que são
muito abençoados devem sentir-se livres do perigo. Essa história tem servido como exemplo para todos aqueles
que buscam com humildade aprender a lição que Deus quis ensinar. A queda de Davi, alguém tão honrado pelo
Senhor, desperta a desconfiança no próprio eu. Sabendo que sua força e segurança podem ser colocadas
somente em Deus, temem dar o primeiro passo em direção ao terreno de Satanás.
Mesmo antes da sentença divina ser pronunciada contra Davi, ele começou a colher o fruto da transgressão.
A agonia de espírito que ele suportou naquele momento é apresentada no Salmo 32:
“Enquanto eu mantinha escondidos os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer.
Pois dia e noite a Tua mão pesava sobre mim; minhas forças foram-se esgotando como em tempo de seca”
(Salmo 32:3, 4).
O Salmo 51 é uma expressão do arrependimento de Davi, quando a mensagem de repreensão vinda de
Deus chegou até ele:
“Cria em mim um coração puro, ó Deus, e renova dentro de mim um espírito estável.
Não me expulses da Tua presença, nem tires de mim o Teu Santo Espírito. [...]
Livra-me da culpa dos crimes de sangue, ó Deus, Deus da minha salvação!
E a minha língua aclamará a Tua justiça” (Salmo 51:10, 11, 14).
Assim, o rei de Israel falou de seu pecado, seu arrependimento e sua esperança de perdão por meio da
misericórdia de Deus. Desejava que outros fossem ensinados pela triste história de sua queda.

Mais do que Perdão


O arrependimento de Davi foi sincero. Não tentou fazer com que seu crime parecesse de menor
importância, nem desejou escapar dos castigos anunciados. Enxergou a impureza de seu coração. Odiou seu
pecado. Não foi somente por perdão que ele orou, mas por pureza de coração. Na promessa de Deus aos
pecadores arrependidos, ele viu a evidência de seu perdão e aceitação: “Os sacrifícios que agradam a Deus são um
espírito quebrantado; um coração quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás” (Sl 51:17).
Ainda que Davi tivesse caído, o Senhor o ergueu. Na alegria de seu livramento, ele cantou: “Então reconheci
diante de Ti o meu pecado e não encobri as minhas culpas. Eu disse: Confessarei as minhas transgressões ao
Senhor, e Tu perdoaste a culpa do meu pecado” (Sl 32:5). Davi se humilhou e confessou seu pecado, enquanto
Saul, ao contrário, desprezou a repreensão e endureceu o coração tentando se justificar.
Esse período da história de Davi é uma das mais fortes ilustrações dadas a nós sobre as lutas e tentações da
humanidade e sobre arrependimento verdadeiro. Ao longo de todas as épocas, milhares dos filhos de Deus que
foram entregues ao pecado se lembraram do arrependimento e confissão sinceros de Davi e se animaram a se
arrepender e tentar novamente andar no caminho dos mandamentos de Deus.
Todos os que se humilharem em confissão e arrependimento, como fez Davi, podem ter certeza de que
existe esperança para eles. O Senhor nunca abandonará alguém que tenha se arrependido de verdade.

* Este capítulo é baseado em 2 Samuel 11 e 12.

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