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São Pedro Crisólogo

bispo de Ravena

(cerca de 406 - 450)

Antologia de Textos Homiléticos

Sumário:

Sermão 18: «Jesus aproximou-se dela e tomou-a


pela mão»

Sermão 99: «Até que tudo tenha levedado»

Sermão 30: Pl 52, 285-286: «Ele come com os


publicanos e os pecadores!»

Sermão 147T: «Tal como Herodes, queremos ver a


Jesus»

Sermão 80: «Não temais»

Sermão 168, 4-6: «Deus à procura de uma só ovelha


para salvação de todas»

Sermão 81: «Então hão de jejuar»

Homilia sobre o mistério da encarnação: «Cristo


cura-nos a paralisia dos membros e do coração»

Sermão 30: «O homem levantou-se e seguiu-o»

Sermão 50: «Vendo a fé deles»

Sermão 147: «Muitos profetas e justos desejaram ver


o que vós vedes»

Sermão 99: «O fermento que faz levedar toda a


humanidade»

«O jejum dos amigos do Esposo»

Sermão 30: «Come com os publicanos e com os


pecadores!»

Sermão 81: «Ele próprio surgiu no meio deles e


disse-lhes: 'A paz esteja convosco'.»

Sermão 50: «Imediatamente, a barca atingiu a


margem para onde iam»

Sermão 37: «O Sinal de Jonas»


«Jesus aproximou-se dela e tomou-a pela
mão»
Sermão 18
Quem escutou com atençã o o evangelho deste dia sabe por
que razã o o Senhor do cé u entrou numa humilde casa daquela
povoaçã o. Uma vez que, por bondade, veio socorrer todos os
homens, nã o espanta que ele entre em todos os lugares. "Tendo
chegado a casa de Pedro, Jesus viu a sogra dele de cama, com
febre" (Mt 8,14). Eis o motivo que conduziu Jesus a casa de Pedro:
nã o o desejo de se pô r à mesa mas a debilidade daquela doente;
nã o a necessidade de tomar uma refeiçã o mas a ocasiã o de realizar
uma cura. Veio exercer o seu poder divino e nã o tomar parte de um
banquete com homens, porque nã o era vinho mas lá grimas o que
se derramava em casa de Pedro...
Cristo nã o entrou, pois, naquela casa para tomar o seu
alimento, mas para restaurar a vida. Deus anda à procura dos
homens, nã o dos bens humanos. Quer dar bens celestes; nã o
deseja encontrar as coisas terrestres. Assim, Cristo veio cá abaixo
para nos tomar com ele; nã o veio procurar as coisas que nó s
possuimos.
*****
«Até que tudo tenha levedado»
Sermão 99
Busquemos o sentido profundo desta pará bola. A mulher
que tomou o fermento é a Igreja; o fermento que ela tomou é a
revelaçã o da doutrina celeste; as trê s medidas em que misturou o
fermento sã o a Lei, os Profetas e os Evangelhos, onde o sentido
divino mergulha e se esconde sob termos simbó licos, a im de ser
agarrado pelo iel e escapar ao in iel. Quanto à s palavras "até que
tudo tenha levedado", dizem respeito ao que diz o apó stolo Paulo:
"Imperfeita é a nossa ciê ncia, imperfeita també m a nossa profecia.
Quando vier o que é perfeito, desaparecerá o que é imperfeito" (1
Co 13,9). O conhecimento de Deus está agora na massa: espalha-se
nos sentidos, enche os coraçõ es, aumenta as inteligê ncias e, tal
como todo o ensinamento, alarga-os, eleva-os e desenvolve-os até
à s dimensõ es da sabedoria celeste. Tudo será levedado em breve.
Quando? Na segunda vinda de Cristo.
*****
«Ele come com os publicanos e os
pecadores!»
Sermão 30: Pl 52, 285-286
Deus é acusado de se vergar para o homem, de se sentar
perto do pecador, de ter fome da sua conversã o e sede do seu
regresso, de tomar o alimento da misericó rdia e o cá lice da
benevolê ncia. Mas Cristo, meus irmã os, veio a esta refeiçã o; a Vida
veio ao seio dos seus convidados para que, condenados à morte,
vivam com a Vida; a Ressurreiçã o prostrou-se para que aqueles
que jaziam se levantem dos seus tú mulos; a Bondade baixou-se
para elevar os pecadores até ao perdã o; Deus veio ao homem para
que o homem chegue até Deus; o juiz veio à refeiçã o dos culpados
para desviar a humanidade da sentença de condenaçã o; o mé dico
veio junto dos doentes para os restabelecer comendo com eles; o
Bom Pastor inclinou o ombro para trazer a ovelha perdida ao
aprisco da salvaçã o.
«Ele come com os publicanos e os pecadores!» Mas quem é
pecador, senã o aquele que recusa ver-se como tal? Nã o será
afundar-se no seu pecado e, a bem dizer, identi icar-se com ele, o
deixar de se reconhecer pecador? E quem é injusto, senã o aquele
que se acha justo?... Vamos, fariseu, confessa o teu pecado, e
poderá s vir à mesa de Cristo; Cristo, por ti, far-se-á pã o, esse pã o
que será partido para o perdã o dos teus pecados; Cristo tornar-se-
á , por ti, no cá lice, esse cá lice que será derramado para a remissã o
das tuas faltas. Vamos, fariseu, compartilha a refeiçã o dos
pecadores, e Cristo compartilhará a tua refeiçã o; reconhece-te
pecador, e Cristo comerá contigo; entra com os pecadores no
festim do teu Senhor, e poderá s deixar de ser pecador; entra com o
perdã o de Cristo na casa da misericó rdia.
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«Tal como Herodes, queremos ver a Jesus»
Sermão 147T
O amor nã o admite nã o ver aquilo que ama. Nã o
consideraram todos os santos ser pouca coisa aquilo que obtinham
quando nã o viam a Deus? … Por isso Moisé s ousa dizer: “Se
alcancei graça aos teus olhos, revela-me o teu rosto” (Ex 33, 13). E
diz o salmista : “Revela-nos o teu rosto” (Sl 79,4). Nã o era por isso
que os pagã os construı́am ı́dolos? No seio do pró prio erro, eles
viam com os olhos o que adoravam.
Deus sabia, pois, que os mortais se atormentavam no desejo
de o ver. O que ele escolheu para se revelar era grande na terra e
nã o era o mais pequeno nos cé us. Porque o que, na terra, Deus fez
semelhante a si, nã o podia icar sem honra nos cé us : “Façamos o
ser humano à nossa imagem e semelhança, diz» (Gn 1, 26)… Que
ningué m pense, pois, que Deus fez mal em vir aos homens atravé s
de um homem. Ele fez-se carne entre nó s para ser visto por nó s.
*****
«Não temais»
Sermão 80
«Eu sei que procurais Jesus, o cruci icado. Nã o está aqui".
Assim falava o anjo à s mulheres, ele que tinha aberto o tú mulo por
essa razã o. Nã o tinha sido para fazer sair Cristo, que já nã o estava
lá , mas para lhes fazer saber que Cristo já nã o estava lá .
"Ressuscitou, tal como tinha dito... Vinde ver o lugar onde o Senhor
tinha sido depositado" (Mt 28,5-6). Vinde, mulheres, vinde. Vede o
lugar onde tı́nheis depositado Adã o, onde o gé nero humano tinha
sido sepultado. Comprendei que o seu perdã o foi tã o grande quã o
grande tinha sido a injustiça feita ao Senhor... Quando as mulheres
entram no sepulcro, tomam parte no acto de sepultar Jesus,
tornam-se participantes da pró pria Paixã o. Ao sairem do sepulcro,
erguem-se na fé antes de ressuscitarem na cerne. "Deixaram o
tú mulo, tré mulas e cheias de alegria"... A Escritura diz: "Servi o
Senhor com temor e estremecei de jú bilo por ele» (Sl 2,11).
«E Jesus veio ao seu encontro e disse-lhes: 'Salve!'» Cristo
vem ao encontro daquelas que correm com fé , para que
reconheçam com os seus olhos Aquele em quem tinham acreditado
pela fé . Quer confortar com a sua presença aquelas que tinham
icado a tremer pelo que lhes tinha sido dito... Vem ao seu encontro
como um mestre, saú da-as como um familiar, devolve-lhes a vida
por amor, guarda-as pelo temor. Saú da-as para que o sirvam
amorosamente, para que o receio nã o as faça fugir. "Salve!" "Elas
aproximaram-se e agarraram-lhe os pé s"... "Salve!", quer dizer:
Toquem-me. Quis ser agarrado, Ele que suportou que o
amarrassem...

Diz-lhes: "Nã o temais". O que o anjo tinha dito, o Senhor di-lo


també m. O anjo tinha-as con irmado, Cristo vai torná -las mais
fortes ainda. "Nã o temais. Ide anunciar aos meus irmã os que
devem ir para a Galileia. Lá me verã o". Erguendo-se de entre os
mortos, Cristo tomou consigo o homem, nã o o abandonou. Chama-
lhes, por isso, seus irmã os, à queles que pelo corpo tinha tornado
seus irmã os de sangue; chama-lhes irmã os, à queles que adoptou
como ilhos de Seu Pai. Chama-lhes irmã os, à queles que, como
herdeiro pleno de bondade, quis tornar seus co-herdeiros.
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«Deus à procura de uma só ovelha para
salvação de todas»
Sermão 168, 4-6
O facto de encontrarmos um objecto que tı́nhamos perdido
enche-nos de uma alegria nova cada vez que ocorre. E esta alegria
é maior do que a que experimentá vamos, antes de o perder,
quando aquele objecto estava bem guardado. Mas a pará bola da
ovelha perdida fala mais da ternura de Deus do que da maneira
como os homens habitualmente se comportam. E ela exprime uma
verdade profunda. Abandonar o que tem importâ ncia por amor do
que há de mais humilde é pró prio do poder divino, nã o da cobiça
humana. Porque Deus faz mesmo existir o que nã o é ; parte à
procura do que está perdido, guardando o que deixou icar para
trá s, e encontra o que se tinha transviado sem perder o que está à
sua guarda.
E por isso que este pastor nã o é da terra mas do cé u. A
pará bola nã o é de forma alguma a representaçã o de obras
humanas, mas esconde misté rios divinos, como é demonstrado
cabalmente pelos nú meros que menciona: "Se um de vó s, diz o
Senhor, tiver cem ovelhas e perder uma..." Como vedes, a perda de
uma só ovelha magoou o pastor, tanto como se o rebanho inteiro,
privado da sua protecçã o, se tivesse metido por um caminho
errado. E por isso que, deixando as outras noventa e nove, ele parte
à procura de uma só , nã o se ocupa senã o de uma só , a im de as
encontrar e, nela, as salvar a todas.
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«Então hão-de jejuar»
Sermão 81
Há trê s actos, meus irmã os, em que a fé se sustenta, a
piedade consiste e a virtude se manté m: a oraçã o, o jejum e a
misericó rdia. A oraçã o bate à porta, o jejum obté m, a misericó rdia
recebe. Oraçã o, misericó rdia e jejum sã o uma só coisa, dando-se
mutuamente a vida. Com efeito, o jejum é a alma da oraçã o e a
misericó rdia é a vida do jejum. Que ningué m os divida, pois nã o
podem ser separados. Quem pratica apenas um ou dois deles, esse
nada tem. Assim, pois, aquele que reza tem de jejuar, e aquele que
jejua tem de ter piedade. Ele que escute, o homem que pede e que,
ao pedir, deseja ser escutado; aquele que nã o se recusa a ouvir os
outros quando lhe pedem alguma coisa, esse faz-se ouvir por Deus.
Aquele que pratica o jejum tem de compreender o jejum;
isto é , tem de ter compaixã o do homem que tem fome, se quer que
Deus tenha compaixã o da sua pró pria fome. Aquele que espera
obter misericó rdia tem de ter misericó rdia; aquele que quer
bene iciar da bondade tem de praticá -la; aquele que quer que lhe
dê em tem de dar. […] Sê pois a norma da misericó rdia a teu
respeito: se queres que tenham misericó rdia de ti de certa
maneira, em certa medida, com tal prontidã o, sê tu misericordioso
com os outros com a mesma prontidã o, a mesma medida e da
mesma maneira.
A oraçã o, a misericó rdia e o jejum devem, pois, constituir
uma unidade, para nos recomendarem diante de Deus, devem ser a
nossa defesa, sã o uma oraçã o a nosso favor com este triplo
formato.
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«Cristo cura-nos a paralisia dos membros e
do coração»
Homilia sobre o mistério da encarnação
A encarnaçã o de Cristo nã o é normal, é milagrosa; nã o é
conforme à razã o, mas ao poder divino; prové m do Criador, e nã o
da natureza; nã o é corrente, é singular; é divina, e nã o humana.
Nã o se deu por necessidade, mas por poder. […] Foi misté rio de fé ,
renovaçã o de salvaçã o para o homem. Aquele que, sem ter nascido,
formou o homem com barro intacto (Gen 2, 7), ao nascer, fez um
homem a partir de um corpo intacto; a mã o que Se dignou tomar a
argila para nos criar dignou-Se també m tomar a nossa carne para
nos recriar. […]
Homem, por que te desprezas assim, tu que é s tã o precioso
aos olhos de Deus? Por que te desonras a tal ponto, quando Deus te
honra desta maneira? Por que procuras saber como foste feito, e
nã o queres saber em vista de que foste feito? Nã o compreendes
que todo este mundo que conheces foi feito para ti? […]
Cristo encarna para devolver à natureza corrompida a sua
integridade; assume a condiçã o de criança, aceita ser alimentado,
percorre todas as idades, a im de restaurar a idade ú nica, perfeita
e duradoura que Ele pró prio tinha criado. Ele carrega o homem,
para que o homem nã o possa voltar a cair. Torna celestial aquele
que tinha criado terreno; dá um espı́rito divino à quele que tinha
criado humano. E, deste modo, eleva-o por inteiro a Deus, a im de
nada deixar nele que pertença ao pecado, à morte, ao labor, à dor, à
terra. Eis o que nos trouxe Nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo
Deus, vive e reina com o Pai, na unidade do Espı́rito Santo, agora e
para sempre, e pelos sé culos dos sé culos.
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«O homem levantou-se e seguiu-o»
Sermão 30
Sentado no seu posto de cobrança, este infeliz publicano
estava numa situaçã o pior do que o paralı́tico de que vos falei no
outro dia, que jazia no seu leito (Mc 2,1s). Um estava atingido de
paralisia no seu corpo, o outro na sua alma. No caso do primeiro,
todos os membros estavam disformes; no caso do segundo, era o
juı́zo no seu todo que estava confundido. O primeiro jazia,
prisioneiro da sua carne; o outro estava sentado, cativo de alma e
de corpo. Era contra a sua vontade que o paralı́tico sucumbia aos
sofrimentos; o publicano, ele, estava voluntariamente escravo do
mal do pecado. Este ú ltimo, inocente a seus pró prios olhos, era
acusado de cupidez pelos outros; o primeiro, no meio das suas
feridas, sabia-se pecador. Um acumulava lucro sobre lucro, e todos
eram pecados; o outro apagava os seus pecados gemendo nas suas
dores. Por isso sã o justas estas palavras dirigidas ao paralı́tico:
“Meu ilho, os teus pecados estã o perdoados”, porque pelos seus
sofrimentos ele compensava as suas faltas. Quanto ao publicano,
ele escutou estas palavras: “Vem, segue-me”, quer dizer: “Tu
reparará s, seguindo-me, tu que te perdeste seguindo o dinheiro”.
Algué m dirá : porque é que o publicano, aparentemente
mais culpado, recebe um dom maior? Ele torna-se imediatamente
apó stolo… Ele pró prio recebeu o perdã o, e concede a outros a
remissã o dos seus pecados; ele ilumina toda a terra com a luz da
pregaçã o do Evangelho. Quanto ao paralı́tico, é julgado digno de
receber apenas o perdã o. Queres saber porque é que o publicano
recebeu mais graças? E que, segundo uma palavra do apó stolo
Paulo: “Onde abundou o pecado superabundou a graça” (Rom
5,20).
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«Vendo a fé deles»
Sermão 50
“Ele foi para a sua cidade; apresentaram-lhe um paralı́tico,
deitado num catre” (Mt 9,1). Jesus, diz o Evangelho, ao ver a fé
daquela gente, disse ao paralı́tico: “Filho, tem con iança, os teus
pecados estã o perdoados”. O paralı́tico ouve este perdã o e
permanece mudo. Nem sequer agradece. Desejava a cura do seu
corpo mais do que a da sua alma. Lamentava os males do seu corpo
doente, mas os males eternos da sua alma, ainda mais doente, nã o
os carpia. E que para ele a vida presente era mais preciosa do que a
vida futura.
Cristo tinha razã o ao ter em conta a fé dos que lhe
apresentaram o doente e nã o ter em nenhuma conta a patetice
deste. Devido à fé doutrem, a alma do paralı́tico ia ser curada antes
do seu corpo. “Vendo a fé deles”, diz o Evangelho. Notai aqui,
irmã os, que Deus nã o se incomoda com o que querem os homens
insensatos, nã o espera encontrar a fé nos ignorantes, nã o analisa
os desejos tolos de um invá lido. Em contrapartida, nã o recusa vir
em auxı́lio da fé de outrem. Esta fé é um presente da graça e ela
concilia-se com a vontade de Deus.
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«Muitos profetas e justos desejaram ver o que
vós vedes»
Sermão 147
Quando viu o mundo transtornado pelo medo, Deus pô s em
acçã o o seu amor para o chamar a Si, a sua graça para o convidar, o
seu afecto para o abraçar. Aquando do dilú vio, […] chama Moisé s a
gerar um mundo novo, encoraja-o por meio de doces palavras, dá -
lhe uma con iança de predilecto, instrui-o com bondade sobre o
presente e consola-o com a sua graça relativamente ao futuro. […]
Participa no seu labor e encerra na arca o germe do mundo inteiro,
a im de que o amor pela sua aliança banisse o medo. […]
Em seguida, Deus chama Abraã o do meio das naçõ es, eleva
o seu nome e faz dele pai dos crentes. Acompanha-o pelo caminho,
protege-o no estrangeiro, cumula-o de riquezas, honra-o com
vitó rias, con irma-o com as suas promessas, arranca-o à s
injustiças, consola-o na sua hospitalidade e maravilha-o com um
nascimento inesperado, a im de que, atraı́do pela doçura do amor
divino, ele aprenda a […] adorar a Deus amando-O e já nã o
temendo-O.
Mais tarde, Deus consola Jacob em f uga por meio de
sonhos. No regresso, provoca-o para um combate e, durante a luta,
estreita-o nos braços, a im de que ele ame o pai dos combates e
deixe de O temer. Depois, chama Moisé s e fala-lhe com o amor de
um pai, para o convidar a libertar o seu povo.
Em todos estes acontecimentos, a chama da caridade divina
abrasou o coraçã o dos homens […] e estes, de alma ferida,
começaram a desejar ver a Deus com os olhos da carne. […] O amor
nã o admite nã o ver aquilo que ama. Nã o é verdade que todos os
santos consideraram pouca coisa tudo quanto obtinham quando
nã o viam a Deus? […] Que ningué m pense, pois, que Deus fez mal
em vir ter com os homens por meio de um homem. Ele tomou
carne entre nó s para ser visto por nó s.
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«O fermento que faz levedar toda a
humanidade»
Sermão 99
Cristo comparava há pouco o Seu reino a um grã o de
mostarda; agora, identi ica-o com fermento. Ele contava que um
homem semeara uma sementinha e nascera uma grande á rvore;
agora a mulher incorpora uma pitada de fermento para fazer
crescer a sua massa. Na verdade, como diz o apó stolo Paulo:
«Diante do Senhor, a mulher é insepará vel do homem, e o homem
da mulher» (1Cor 11,11)... Nestas pará bolas, Adã o, o primeiro
homem, e Eva, a primeira mulher, sã o conduzidos da á rvore do
conhecimento do bem e do mal ao sabor ardente dessa á rvore da
mostarda do evangelho...
Eva recebera do demó nio o fermento da má fé ; e essa
mulher recebe de Deus o fermento da fé ... Eva, pelo fermento da
morte, corrompera, na pessoa de Adã o toda a massa do gé nero
humano; uma outra mulher renovará na pessoa de Cristo, pelo
fermento da ressurreiçã o, toda a massa humana. Depois de Eva,
que amassou o pã o dos gemidos e do suor (Gn, 3,19), esta cozerá o
pã o da vida e da salvaçã o. Depois daquela que foi, em Adã o, a mã e
de todos os mortos, esta será em Cristo a «verdadeira mã e de todos
os vivos» (Gn, 3,20). Pois se Cristo quis nascer, foi para que nessa
humanidade em que Eva semeou a morte, Maria restaurasse a vida.
Maria oferece-nos a perfeita imagem desse fermento, ela propõ e-
nos a pará bola, quando em seu seio recebe do cé u o fermento do
Verbo e o derrama em seu seio virginal sobre a carne humana, que
digo eu? Sobre uma carne que, no seu seio virginal, é toda celeste e
que ela faz, assim, levedar.
*****
«O jejum dos amigos do Esposo»
“Porque é que nó s e os fariseus jejuamos freqü entemente e
os teus discı́pulos nã o jejuam?” Porquê ? Porque, para vó s, o jejum é
uma questã o de lei e nã o de dom espontâ neo. Em si mesmo, o
jejum nã o tem valor, o que conta é o desejo daquele que jejua. Que
proveito pensais tirar, vó s que jejuais constrangidos e forçados?
O jejum é uma charrua maravilhosa para lavrar o campo da
santidade: revolve os coraçõ es, desenraiza o mal, arranca o pecado,
enterra o vı́cio, semeia a caridade; alimenta a fecundidade e
prepara a colheita da inocê ncia. Quanto aos discı́pulos de Cristo,
eles estã o postos mesmo no coraçã o do campo maduro da
santidade; recolhem os feixes das virtudes; alimentam-se do Pã o
da nova colheita; por isso, nã o podem praticar jejuns que já nã o
tê m valor...
“Porque é que os teus discı́pulos nã o jejuam?” O Senhor
responde-lhes: “Os amigos do Esposo poderã o jejuar, enquanto o
Esposo está com eles?” Aquele que toma esposa deixa de lado o
jejum, abandona a austeridade; entrega-se inteiramente à alegria,
participa nos banquetes; mostra-se afá vel, amá vel e alegre; faz
tudo o que lhe inspira a sua afeiçã o pela noiva. Cristo celebrava
nessa altura as suas bodas com a Igreja: por isso, ele aceitava
tomar parte em refeiçõ es, nã o se recusava aos que o convidavam;
cheio de benevolê ncia e de amor, mostrava-se humano, acessı́vel,
amá vel. E que ele queria unir o homem a Deus e fazer dos seus
companheiros membros da famı́lia divina.
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«Come com os publicanos e com os
pecadores!»
Sermão 30
Deus é acusado de se inclinar sobre o homem, de se sentar
perto do pecador, de ter fome de conversar com ele e sede do seu
regresso, de tomar o alimento da misericó rdia e o cá lice da
benevolê ncia. Mas Cristo, meus irmã os, veio a este banquete; a
Vida veio ao encontro destes convivas para que, condenados à
morte, vivam com a Vida; a Ressurreiçã o reclinou-se para que os
que jaziam se ergam dos seus tú mulos; a Bondade humilhou-se
para elevar os pecadores até ao perdã o; Deus veio até ao homem
para que o homem chegue até Deus; o juiz veio à mesa dos
culpados para poupar a humanidade da sentença de condenaçã o; o
mé dico veio a casa dos doentes para os restabelecer comendo com
eles; o Bom Pastor inclinou o ombro para trazer a ovelha perdida
ao redil da salvaçã o.
"Ele come com os publicanos e com os pecadores!" Mas
quem é pecador senã o o que recusa ver-se como tal? Nã o é
afundar-se no seu pecado e mesmo identi icar-se com ele, o facto
de deixar de se reconhecer pecador? E quem é injusto senã o o que
se considera justo?... Vamos, fariseu, confessa o teu pecado e
poderá s vir à mesa de Cristo; Cristo far-se-á pã o para ti, esse pã o
que será partido para perdã o dos teus pecados; Cristo tornar-se-á
para ti o cá lice, esse cá lice que será derramado para remissã o das
tuas faltas. Vamos, fariseu, partilha a refeiçã o dos pecadores e
Cristo partilhará a tua refeiçã o; reconhece-te pecador e Cristo
comerá contigo; entra com os pecadores no festim do teu Senhor e
poderá s deixar de ser pecador; entra com o perdã o de Cristo na
casa da misericó rdia.
*****
«Ele próprio surgiu no meio deles e disse-
lhes:
'A paz esteja convosco'.»
Sermão 81
A Judeia rebelde tinha expulsado a paz da terra e lançado o
universo no caos primordial. També m entre os discı́pulos a guerra
causava estragos; a fé e a dú vida atacavam-se furiosamente uma à
outra. Os coraçõ es destes homens, onde a tempestade rugia, nã o
eram capazes de encontrar uma enseada de paz, um porto de
calma.
Perante este espectá culo, Cristo, que sonda os coraçõ es, que
manda nos ventos, que domina as tempestades, que, com um
simples gesto, transforma a borrasca em cé u sereno, irmou-os na
sua paz, dizendo: "A paz esteja convosco! Sou Eu; nã o temais. Sou
Eu, o cruci icado, o morto, o sepultado. Sou Eu, o vosso Deus, feito
homem por vó s. Sou Eu. Nã o sou um espı́rito revestido de corpo,
mas a pró pria verdade feita carne. Sou Eu, vivo entre os mortos,
descido dos cé us ao coraçã o dos infernos. Sou Eu, de quem a morte
fugiu, a quem os infernos temeram. No seu pavor, o inferno
proclamou-Me Deus. Nã o receies, Pedro, tu que me negaste, nem
tu, Joã o, tu que fugiste, nem to dos vó s que Me abandonastes, que
só pensastes em Me trair, que ainda nã o credes em Mim, embora
Me vejais. Nã o receeis, sou Eu mesmo. Chamei-vos pela graça,
escolhi-vos pelo perdã o, sustentei-vos com a Minha compaixã o,
apoiei-vos com o Meu amor, e tomo-vos hoje, pela Minha pura
bondade."
*****
«Imediatamente, a barca atingiu a margem
para onde iam»
Sermão 50
Cristo sobe a uma barca: nã o foi entã o Ele que pô s a
descoberto o leito do mar depois de lhe ter afastado as á guas, para
que o povo de Israel passasse a pé enxuto, como que por um vale?
(Ex 14,29) Nã o foi Ele que tornou irmes as vagas do mar debaixo
dos pé s de Pedro, de forma a que a á gua fosse para os seus passos
um caminho só lido e seguro? (Mt 14,29)
Ele sobe para uma barca. Para atravessar o mar deste
mundo até ao im dos tempos, Cristo sobe para a barca da sua
Igreja, para conduzir os que crê em nele numa travessia tranqü ila
até à pá tria celeste e fazer cidadã os do seu Reino aqueles com
quem comunga na sua humanidade. Na realidade, Cristo nã o
precisa da barca, mas a barca precisa de Cristo. Com efeito, sem
este piloto celeste, a barca da Igreja, agitada pelas ondas, jamais
chegaria ao porto.
*****
«O Sinal de Jonas»
Sermão 37
Toda a histó ria de Jonas no-lo mostra como uma perfeita
igura do Salvador… Jonas desceu a Joppe para tomar um barco
com destino a Tarsis… O Senhor desceu do cé u à terra, a divindade
à humanidade; o poder soberano desceu à nossa misé ria… para
embarcar no navio da sua Igreja…
E o pró prio Jonas quem toma a iniciativa de ser lançado à s ondas:
«Pegai em mim, diz ele, e lançai-me ao mar!» Anuncia assim a
paixã o voluntá ria do Senhor. Quando a salvaçã o de uma multidã o
depende da morte de uma ú nica pessoa, essa morte está nas mã os
dela, que pode livremente adiá -la ou, entã o, adiantá -la a im de
evitar o perigo. Todo o misté rio do Senhor está nisto pre igurado. A
morte nã o é para Ele uma necessidade: procede da sua livre
escolha. Ouçamo-l’O: «Tenho poder de oferecer a vida e poder de a
retomar: ningué m ma tira» (Jo 10, 18) …
Imaginemos o enorme peixe, imagem horrı́vel e cruel do
inferno. Ao devorar o profeta, sente a força do Criador… e com
temor, oferece alojamento nas suas entranhas a esse viajante vindo
do alto… Depois de trê s dias… devolve-o à luz do dia, para dar aos
pagã os aquele que tinha tirado aos judeus. E este o sinal, o ú nico
sinal, que Cristo consentiu dar aos judeus a im de lhes fazer
compreender que a gló ria que eles pró prios esperavam de Cristo
se iria voltar també m para os Gentios… Os ninivitas sã o igura das
naçõ es que acreditaram… Que felicidade a nossa, meus irmã os! O
que foi anunciado e prometido em igura, vemo-lo e possuı́mo-lo
verdadeiramente face a face.

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