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http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.

2020v32i1p52-63
A RTIG OS

Ferramentas e Protocolos Utilizados


na Perícia Criminal Relacionados à Voz:
Revisão de Literatura

Tools and Protocols Used in Criminal Skills


Related to Voice: Literature Review

Herramientas y Protocolos Utilizados en la


Experiencia Criminal Relacionados a la Voz:
Revisión de Literatura

Amanda Noara Wulf*


Pablo Jordão Alcântara Cruz**
Barbara Cristina Silva Rosa**
Telma Dias dos Santos***
Carla Patrícia Hernandez Alves Ribeiro César**

Resumo

A perícia criminal tem como objetivo compor provas para esclarecer crimes, sendo que na Fonoau-
diologia, dentre as possibilidades de ação, a perícia fonética relacionada à voz pode ser uma destas ferra-
mentas. Objetivo: Verificar quais as ferramentas ou protocolos utilizados pelos profissionais brasileiros
para a realização da perícia forense fonética relacionada aos parâmetros vocais. Método: Pesquisa de
revisão bibliográfica integrativa a partir da consulta isolada e combinada dos descritores em ciências
da saúde: medicina legal, voz, perícia criminal, crimes e fonoaudiologia nos bancos de dados Lilacs,
Scielo, Google Scholar, Open Grey e Open Thesis. Resultados: De 457 acervos, oito foram selecionados
para leitura na íntegra. A identificação de um criminoso através da voz tem sido realizada nas perícias
forenses tendo em vista que a voz apresenta características possíveis de comparação, principalmente a

* Fonoaudióloga Clínica, São Paulo, SP, Brasil.


** Universidade Federal de Sergipe, Lagarto, SE, Brasil.
*** Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Contribuição dos autores:


ANW e CPHRC: contribuição substancial para a concepção e o desenho do trabalho científico, o levantamento da literatura,
participação da redação, revisão crítica do trabalho e aprovação final do conteúdo a ser publicado.
PJAC: contribuição substancial para o levantamento da literatura, participação da redação, revisão crítica do trabalho e aprovação
final do conteúdo a ser publicado.
BCSR e TDS: revisão crítica do trabalho e aprovação final do conteúdo a ser publicado.

E-mail para correspondência: Carla Patrícia Hernandez Alves Ribeiro César - carlacesar@globo.com
Recebido: 03/09/2019
Aprovado: 03/02/2020

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frequência fundamental, os formantes das vogais, o voice onset time. Cuidados quanto ao registro devem
ser efetivados para que as provas não sejam excluídas dos processos criminais, sendo analisadas de forma
imparcial. É uma área recente na Fonoaudiologia que carece de publicações na área. Conclusão: Os
recursos utilizados na perícia forense fonética relacionada aos parâmetros vocais vão desde o profissional
capacitado, de diferentes áreas do conhecimento (Linguística, Fonoaudiologia, Engenharia, Direito etc.)
até o uso de softwares que possam comparar a voz de diferentes falantes. Há escassez de literatura e o
exercício de tal prática requer capacitação profissional interdisciplinar.
Palavras-chave: Medicina Legal; Voz; Fonoaudiologia

Abstract

The criminal investigation aims to compose evidence to clarify crimes, and in Speech Therapy,
among the possibilities of action, voice-related phonetic expertise may be one of these tools. Objective:
To verify the tools or protocols used by Brazilian professionals to perform phonetic forensics related to
vocal parameters. Method: Research of integrative bibliographic review from the isolated and combined
consultation of the descriptors in health sciences: legal medicine, voice, criminal expertise, crimes and
speech therapy in the Lilacs, Scielo, Google Scholar, Open Gray and Open Thesis databases. Results: Of
457 collections, eight were selected for reading in their entirety. The identification of a criminal through
the voice has been carried out in forensic examinations since the voice presents possible characteristics of
comparison, mainly the fundamental frequency, the vowels formants, the voice onset time. Registration
care must be carried out so that the evidence is not excluded from criminal prosecution, being analyzed in
an impartial manner. It is a recent area in Speech Therapy that lacks publications in the area. Conclusion:
The resources used in phonetic forensic expertise related to vocal parameters range from the qualified
professional, from different areas of knowledge (Linguistics, Speech Therapy, Engineering, Law, etc.)
to the use of software that can compare the voice of different speakers. There is a shortage of literature
and the practice of such practice requires interdisciplinary professional training.
Keywords: Legal Medicine; Voice; Speech therapy.

Resumen

La pericia criminal tiene como objetivo componer pruebas para aclarar crímenes, siendo que en la
Fonoaudiología, entre las posibilidades de acción, la pericia fonética relacionada a la voz puede ser una
de estas herramientas. Objetivo: Verificar cuáles son las herramientas o protocolos utilizados por los
profesionales brasileños para la realización de la pericia forense fonética relacionada a los parámetros
vocales. En el presente trabajo se analizaron los resultados obtenidos en el estudio de los resultados
obtenidos en el estudio de los resultados obtenidos en el estudio. Resultados: De 457 acervos, ocho
fueron seleccionados para lectura en su totalidad. La identificación de un criminal a través de la voz ha
sido realizada en las pericias forenses teniendo en vista que la voz presenta características posibles de
comparación, principalmente la frecuencia fundamental, los formantes de las vocales, el voice onset
time. Los cuidados en cuanto al registro deben ser efectivos para que las pruebas no sean excluidas de
los procesos criminales, siendo analizadas de forma imparcial. Es un área reciente en la Fonoaudiología
que carece de publicaciones en el área. Conclusión: Los recursos utilizados en la pericia forense fonética
relacionada a los parámetros vocales van desde el profesional capacitado, de diferentes áreas del cono-
cimiento (Lingüística, Fonoaudiología, Ingeniería, Derecho, etc.) hasta el uso de softwares que puedan
comparar la voz de diferentes hablantes. Hay escasez de literatura y el ejercicio de tal práctica requiere
una capacitación profesional interdisciplinaria.
Palabras clave: Medicina Legal; Voz; Fonoaudiología.

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Amanda Noara Wulf, Pablo Jordão Alcântara Cruz, Barbara Cristina Silva Rosa, Telma Dias dos Santos, Carla Patrícia Hernandez Alves Ribeiro César
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Introdução sinais baixos, sobressaindo outros sons e não a voz


do criminoso8.
A busca pela melhoria da qualidade dos servi- Local inadequado no instante da gravação,
ços públicos é um desafio da atualidade com ênfase como dentro de bolsas, paletós, lugares com mui-
na segurança pública e justiça. Dentro dessa rede de to ruído (pessoas conversando, sons de buzinas,
serviços a Perícia Criminal (PC) ganha destaque, praças, televisores ligados), ambientes revestidos
sendo responsável pela produção de material para com azulejos (como em banheiros, por exemplo),
ser usado como prova, auxiliando de forma deter- ambientes amplos e sem mobílias, que podem
minante na elucidação de crimes e cumprimento causar reverberação. Esses fatores interferem na
dos direitos humanos1. gravação deixando o som abafado, dando ênfase
Existem recursos que auxiliam a PC, como aos ruídos indesejados8.
os dados biométricos. Esses se referem às infor- A utilização de mídias de baixa qualidade
mações das medidas e características fisiológicas (como fita cassete, por exemplo), pois esse material
e morfológicas das pessoas, coletadas por meio possui uma frequência de aproximadamente 4.000
de técnicas manuais ou tecnológicas. Os sistemas Hz, dificultando a inteligibilidade da fala8.
biométricos apresentam dois objetivos: o primei- Gravações contendo mais de um falante ou
ro é o de identificação do indivíduo, pareando as microfones escondidos que podem, por este motivo,
informações coletadas com uma base de dados ter o sinal captado com ruídos que possam interferir
– permitindo assim o reconhecimento do sujeito na qualidade do som9.
por comparação das características coletadas; e o Cabe ainda a consideração que é possível
segundo é a verificação da autenticidade individual, disfarçar a voz. No entanto, mesmo com grandes
confirmando ou refutando sua identidade2.. Dentre disfarces, é possível obter as marcas específicas
essas características, encontram-se a íris, a retina, de cada falante através dos triângulos vocálicos10.
a impressão digital, a voz, o formato do rosto, a Neste sentido, além de ser necessário o co-
geometria da mão, o DNA e os odores do corpo. nhecimento dos fatores que agregam qualidade em
O uso desses traços biológicos para a identificação uma perícia criminal, há a necessidade de qualifi-
pessoal pode ser eficaz, já que estes são únicos e cação por parte dos fonoaudiólogos que atuam ou
particulares de cada pessoa3. desejam atuar na PC, a fim de favorecer a instru-
Em meio às diversas formas de atuação na mentalização necessária para atuação nesta área11.
ciência forense, tem-se a análise da fala por meio A literatura apontou que as análises das provas
da avaliação das características linguísticas, vocais devem ocorrer sem pré-julgamentos do perito, ou
e articulatórias4, isto porque todos têm uma maneira seja, sem interferências pessoais ou de terceiros12.
peculiar de falar e também de escrever5. Atualmente os peritos não realizam a identificação
Outra possibilidade de análise é a aplicação do criminoso pela avaliação vocal, mas verificam se
da acústica forense, cuja finalidade é comparar os a voz questionada condiz ou não com a do suspeito
padrões vocais para comprovar a culpa ou inocên- investigado ou suspeito13.
cia de um indivíduo envolvido em um processo Para entender como isso é feito, inicialmente, é
criminal6, como por exemplo, analisar se a voz de necessário saber se o material adquirido foi obtido
um sequestrador pertence ou não a um determinado de forma legal14. Caso a resposta seja afirmativa, a
suspeito7. amostra de fala (em áudio ou vídeo) é convertida
Para tanto, faz-se necessário que haja boa em “.avi” (para vídeos) e o áudio em “.wav”, para
qualidade do material sonoro coletado para uma depois serem analisados pela análise acústica com
investigação eficiente. A ausência da qualidade softwares como o PRAAT (pitch, loudness e estres-
sonora no momento da gravação está atrelada a se vocal podem ser observados por tal análise) e
diversos fatores, dentre os quais a literatura citou: para a edição da amostra, o Adobe Audition. Para
Baixa qualidade e falta de ajuste do equi- analisar os aspectos suprassegmentais (como a
pamento utilizado, pois ruídos exacerbados na entonação, pausas e prolongamentos), utilizam-se,
gravação podem dificultar a identificação da voz por exemplo, o Gram e o WinPitch15.
desejada8. Pelo exposto, a capacitação dos recursos hu-
Posicionamento incorreto do equipamento manos para atuar em perícia faz-se fundamental.
de gravação, deixando a gravação com níveis de Estudo sinalizou que a PC é pouco abordada nos

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cursos de graduação e pós-graduação em Fonoau- da Bahia). Além disso, a diretoria da Acadeffor
diologia, fazendo com que os profissionais não participou da conferência internacional do “Ame-
tenham conhecimento suficiente, acarretando em rican College of Forensic Examiners”, realizada no
restrições para atuação na área7. estado de Nevada, nos Estados Unidos.
Por ser uma área recente na Fonoaudiologia, Em 16 de abril de 2010 ocorreu o I Congresso
faz-se necessário apresentar o histórico da Fonoau- Nacional de Fonoaudiologia Forense, em Vila Ve-
diologia Forense no Brasil, disponibilizado pela lha (Espírito Santo), com a parceria do Ministério
Academia Brasileira de Fonoaudiologia Forense Público do Estado do Espírito Santo. De 15 a 16 de
(Acadeffor), descrito a seguir. setembro de 2011 ocorreu a segunda edição do re-
Em 1994 houve o marco inicial da identificação ferido Congresso, na Universidade do Vale do Itajaí
da voz no Brasil, quando foi apresentada essa pos- (UNIVALI), em Itajaí, Santa Catarina e em 2012,
sibilidade no I Seminário Nacional de Fonética Fo- a terceira edição ocorreu em São Paulo, capital.
rense da Associação Brasileira de Criminalística16. Desta forma, o objetivo do presente trabalho
Em 1998, em 2003 e em 2004 a Fonoaudióloga foi verificar quais são as ferramentas ou protocolos
Maria do Carmo Gargaglione foi contratada pela utilizados pelos profissionais brasileiros para a
justiça para perícia de voz. Pelas suas contribui- realização da perícia forense fonética relacionada
ções na justiça e expertise na área, em 2005 foi aos parâmetros vocais.
inaugurado o Laboratório de Análise Áudio Visual
(LIAAV) na Fundação de Apoio ao Ensino, Pesqui- Métodos
sa e Desenvolvimento da Polícia Civil (FAEPOL),
sendo nomeada como técnica pericial pelo Minis- A metodologia adotada teve como base estraté-
tério Público do Estado do Rio de Janeiro. Neste gica, a busca de artigos com os critérios de elegibi-
mesmo ano começou a ser estruturado o Setor de lidade estabelecidos, entre os quais para inclusão:
Fonoaudiologia Forense do Ministério Público do estudos observacionais (controlados, transversais,
Estado do Rio de Janeiro, que atualmente conta longitudinais prospectivos ou retrospectivos)
com cinco fonoaudiólogas. realizados com perícia fonética relacionada aos
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de parâmetros vocais, e os de exclusão foram: ambi-
Janeiro firmou, em maio de 2006, convênio com guidade ou apresentação insuficiente de resultados;
a FAEPOL, em virtude do crescente uso das duplicidade de estudos a partir da busca em bancos
interceptações telefônicas como meio de prova, de dados; artigos de revisão; comunicações, co-
principalmente no que diz respeito às investigações mentários ou editoriais; relatos de casos, resumos
da Polícia. de eventos científicos e monografias.
Ademais, o Instituto de Criminalística Carlos Para a elaboração da pesquisa foi adotada a
Éboli, que é um órgão de perícia do Estado do Rio estratégia “Paciente, Variável e Outcome/Desfe-
de Janeiro, não estava suficientemente equipado cho - P.V.O.: “Quais as ferramentas ou protocolos
para fazer a identificação de voz. Desta forma, (variável) utilizados pelos profissionais brasileiros
não havia embasamento eficiente para que os (participante/sujeito) para a realização da perícia
juízes pudessem concluir os processos instaura- forense fonética relacionada aos parâmetros vocais
dos, justificando a existência de equipe de apoio (desfecho/outcome)?”. Esta pesquisa foi realizada
Fonoaudiológico. sem a restrição de ano da publicação. No entanto,
Em 25 de maio de 2008 foi fundada a Acade- como o objetivo era verificar como os profissio-
mia Brasileira de Fonoaudiologia Forense (Acadef- nais brasileiros atuam na perícia forense fonética
for), entidade científica, sem fins lucrativos, sendo, relacionada aos parâmetros vocais, o idioma ficou
desde então, referência no País. restrito ao português (Brasil).
A partir de 2009, a Acadeffor iniciou o desen- A pesquisa dividiu-se em três fases. A primeira,
volvimento de atividades científicas em âmbito na- pela leitura do título e dos resumos, sendo reali-
cional, com o oferecimento de cursos promovidos zada por dois revisores de elegibilidade (ANW e
com parcerias de diferentes entidades (Ministério PJA), não cegos para os autores e revistas, sendo
da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Públi- aplicados os critérios de elegibilidade supracitados.
ca, Força Nacional de Segurança Pública e Escolas Os revisores executaram o levantamento de forma
de Magistratura dos Estados do Rio de Janeiro e autônoma e, após emparelhamento de resultados,

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Amanda Noara Wulf, Pablo Jordão Alcântara Cruz, Barbara Cristina Silva Rosa, Telma Dias dos Santos, Carla Patrícia Hernandez Alves Ribeiro César
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examinaram quais estudos foram ou não eleitos. de dados eletrônicas SciELO, LILACS e Google
Em caso de divergência de resultados, um terceiro Acadêmico (até a página 10 de busca) e a fim de
avaliador foi consultado (CPHARC) para resolver evitar risco de viés, a pesquisa foi estendida ao
a dúvida quanto à exclusão ou não do estudo, como Open Grey e OpenThesis.
recomenda a literatura17. A análise dos dados foi feita de forma qualita-
A segunda fase consistiu na leitura da introdu- tiva, uma vez que a metodologia aplicada entre as
ção e da conclusão do estudo e, caso o artigo fosse pesquisas foi heterogênea.
selecionado, procedeu-se com a leitura do texto
científico na íntegra.
Como estratégias de busca foram selecionadas Resultados
palavras-chave pelos Descritores em Ciências da
Saúde da Biblioteca Virtual em Saúde (DeCS) A quantidade de literatura encontrada nos
“Medicina Legal”, “Voz”, “Perícia Criminal”, bancos de dados a partir das palavras-chave sele-
“Crimes” e “Fonoaudiologia” nas seguintes bases cionadas foram expostas no Quadro 1.

Quadro 1. Resultados obtidos a partir dos descritores [medicina legal or fonoaudiologia] and [voz]
and [perícia criminal] nos bancos de dados

Número
Banco de Dados/Descritores Excluídos (motivos) Incluídos
obtido
Banco de Dados: Google Scholar
(5.350, porém, até a página 10 de busca: 100) 92 (fora do escopo) 06
100
Descritores: [Medicina Legal OR Fonoaudiologia] 02 (revisão bibliográfica)
AND [Voz] AND [Perícia Criminal]
Banco de Dados: Google Scholar 93 (fora do escopo)
01
(224.000, porém, até a página 10 de busca: 100) 100 4 (repetidos)
Descritores: [Identificação] AND [Voz] 2 (resumos de Congresso)
Banco de Dados: Google Scholar
98 (fora do escopo)
(43.600, porém até a página 10 de busca: 100) 100 01
01 (resumo de Congresso)
Descritores: [Crimes] AND [Voz]
Banco de Dados: Lilacs
Descritores: [Medicina Legal OR Fonoaudiologia] zero - -
AND [Voz] AND [Perícia Criminal]
Banco de Dados: Lilacs
82 82 (fora do escopo) -
Descritores: [Identificação] AND [Voz]
Banco de Dados: Lilacs
zero - -
Descritores: [Crimes] AND [Voz]
Banco de Dados: Scielo
Descritores: [Medicina Legal OR Fonoaudiologia] zero - -
AND [Voz] AND [Perícia Criminal]
Banco de Dados: Scielo
60 60 (fora do escopo) -
Descritores: [Identificação] AND [Voz]
Banco de Dados: Scielo
02 02 (fora do escopo) -
Descritores: [Crimes] AND [Voz]
Banco de Dados: Open Grey
Descritores: [Medicina Legal OR Fonoaudiologia] 13 13 (fora do escopo) 0
AND [Voz] AND [Perícia Criminal]
Banco de Dados: Open Thesis
Descritores: [Medicina Legal OR Fonoaudiologia] 0 0 0
AND [Voz] AND [Perícia Criminal]
Total 457 445 08

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A primeira pesquisa identificada sobre o assun- dois (25%) realizaram análise documental e de
to foi de 199423, sendo que a partir de 2007 houve infraestrutura25,34 e dois (25%) mencionaram o de-
maior incremento das investigações na área. senvolvimento ou de um protocolo21 ou de recursos
As características dos estudos encontram-se
sintetizadas no Quadro 2, sendo possível constatar tecnológicos35. Somente um estudo (12,5%) fez a
que seis (75%) estudos fizeram uso de algum re- proposição de análise subjetiva dos parâmetros
curso tecnológico para a avaliação vocal23,25,31-33,35, vocais21.

Quadro 2. Síntese dos estudos obtidos de acordo com os autores e ano de publicação, objetivo(s) do
estudo, características da amostra, método adotado, resultados obtidos e conclusão

Autor
Objetivo(s) Características Resultados
(ano) Método adotado Conclusão
do estudo da amostra obtidos
número
Figueiredo Examinar Gravações Gravação da leitura oral Há distintos formantes A análise dos formantes
(1994)23 diferentes das vozes de um texto científico para as vogais e a para a identificação de
parâmetros de 8 sujeitos com uso de microfone velocidade pareceu não falantes exige critérios
acústicos do gênero em duas velocidades: influenciar diretamente seguros para sua avaliação
vocais na masculino (23 e normal e rápida. Análise os formantes. Quando e parece haver uma
identificação 45 anos) acústica realizada com analisada a interação falante dependência entre o
de falantes um sonógrafo digital e versus velocidade, houve falante e os formantes
o computerized speech modificação nos formantes, produzidos, porém sem
lab, sendo analisados porém isso não ocorreu de poder ser afirmado que
os formantes das vogais forma homogênea no grupo é uma característica que
tônicas estudado. As diferenças identifique o sujeito. Já a
também foram constatadas F0 parece fornecer maiores
em gêmeos monozigóticos. subsídios de identificação,
revelando maiores
diferenças em relação ao
estado afetivoemocional.
Os aspectos acústicos
que mais identificaram os
falantes foram o espectro
de longo termo (ELT), o
voice onset time (VOT),
seguidos dos formantes
F3 e F4.
Porto e Questionar a Elaboração de Protocolo contendo O protocolo elaborado Protocolo elaborado
Gonçalves pertinência um protocolo 22 itens para a APAF: permitiu a real análise mostrou-se efetivo e
(2007)21 e conjugar piloto para características vocais dos casos do IGP-RS com pertinente para a prática
em um posterior em relação ao gênero, confronto dos áudios forense.
instrumento, análise de faixa etária, presença ou questionados e o padrão,
os casos Seção não de patologia vocal devendo o perito ser
parâmetros de Fonética (GRBASI, tipo e registro especialista na área para
utilizados Forense do vocais), ressonância, uma correta análise.
na Avaliação Departamento ataque vocal, pitch,
Perceptivo- de gama tonal, loudness,
Auditiva de Criminalística qualidade e hábitos vocais,
voz e fala do Instituto articulação, alterações
no âmbito Geral de fonético-fonológicas,
forense Perícias do Rio velocidade e ritmo de fala,
(APAF). Grande do Sul fluência, coordenação
(IGP – RS). pneumofonoarticulatória,
elementos dialetais e
outros.
Mattos Comparar os Gravações Retirada manual de 10 Algumas características O uso do sinal glotal de
(2008)31 sinais eletro- das vozes de vogais de fala concatenada vocais podem facilitar a filtragem inversa consegue
glotográfico 11 locutores e de 05 vogais sustentadas identificação do locutor se equiparar ao EGG
(EGG) e o em cabine de cada locutor, captados como o pitch e os picos pela análise das vogais,
glotal (OFG) acústica, sendo com uso de microfone e duplos pelo DEGG. apesar do pequeno erro
obtidos pela 6 do gênero eletrodo na região externa Foi possível verificar, de sincronismo do OFG
filtragem masculino (20 a da laringe e com posterior visualmente, a diferença (de 1 ms). O DEGG, pela
inversa do 38 anos) e 5 do análise do EGG. Para a da emissão da vogal presença de picos duplos,
sinal de voz feminino (18 a análise do sinal glotal de concatenada /a/ em 6 permite a identificação
28 anos). filtragem inversa (OFG) participantes, embora haja semi-automática dos
foi necessário apenas a necessidade de amostra locutores e análise
gravação do sinal de voz maior de sujeitos. do pitch, embora o
dos participantes. Os equipamento seja de alto
dados foram submetidos custo e a coleta necessite
ao software Audacity, de autorização do locutor.
totalizando 380 arquivos A análise dos parâmetros
(extensão “. wav”). vocais podem servir de
instrumento para a perícia
criminal na identificação de
locutores.

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Autor
Objetivo(s) Características Resultados
(ano) Método adotado Conclusão
do estudo da amostra obtidos
número
D’Almeida Propor, Desenvolvimen- Aplicação de diferentes O MCP possibilitou a redução Os sistemas criados,
(2009)35 implemen- to tecnológico métodos (condição em mais de 70% dos custos testados, validados
tar, avaliar de quatro téc- persistente – MCP e sem afetar o correto RAL. e utilizados de forma
e validar nicas. gaussianas dominantes O MMA proporcionou conjunta (MR-GMM/MMA/
quatro novas - MGD) e modelos redução em até 75% do MGD)
técnicas que (multicondicionais custo e aumentou o RAL em têm custo computacional
buscam re- adaptativos - MMA e situações de ruído. inferior ao de um único
duzir o custo mistura de gaussianas O MGD reduziu em modelo multicondicional
computacio- multirresolução – MR- aproximadamente 80% o de mistura de gaussiana
nal para a GMM) no reconhecimento esforço computacional das (GMM), tornando-se viável
identificação automático do locutor identificações sem afetar mesmo em aplicações
automática (RAL). a taxa média de RAL e, que requerem baixos
de locutores associado ao MMA, reduziu tempos de resposta para
em até 90% o referido pesquisas em bancos de
esforço computacional e dados com elevado número
aumentou superior a 2% de locutores, reduzindo
o RAL. em até 90% no custo
O MR-GMM possibilitou computacional, sem afetar
reduções de 50% no o RAL.
esforço computacional, sem
prejudicar RAL.
A combinação de MR-G
MM/MMA/MGD, possibilitou
a redução de até 95% no
custo computacional, com
1% de aumento da RAL.
Rodrigues, Analisar Documental e Análise documental e Em relação ao escopo Em julgamentos criminais,
Silva e o valor infra-estrutura dos recursos da perícia da pesquisa: existência os juízes entrevistados
Truzzi da perícia criminal de Minas Gerais de softwares para a destacam a objetividade
(2010)25 criminal de comparação de vozes (sem e a imparcialidade da
Minas Gerais, especificar quais). prova pericial associadas
Brasil à Ciência. Os principais
recursos do serviço são
as competências dos
profissionais de diferentes
campos do conhecimento
e o aparato tecnológico
disponível.
Moraes Verificar os Documental, Análise documental, A perícia em registros de Descompasso negativo na
(2013)34 aspectos ge- infra-estrutura dos recursos da perícia áudio na Bahia, com suas relação entre demanda de
rais, estrutu- e entrevista criminal e de entrevistas tipificações periciais e das solicitações de exames e
rais e meto- com 7 do ICAP, Bahia. perícias de verificação de atendimentos concluídos
dológicos do magistrados, locutor, apresentava, na nas perícias em aúdio;
ambiente da 3 delegados ocasião da coleta, quadro necessidade de aquisição,
coordenação da polícia civil insuficiente de peritos manutenção e renovação
de perícias e 10 peritos criminais, ausência de dos recursos materiais,
áudiovisuais criminais programas de renovação e tecnológicos e humanos,
(CPA) do capacitação dos recursos bem como capacitação
Instituto de humanos e tecnológicos, profissional.
Criminalística ausência de modelos de
Afrânio Pei- gestão pela qualidade,
xoto (ICAP) solicitações de exames
da Polícia periciais volumosas, ou
Técnica da seja, a PC em áudio,
Bahia. não conseguiu atender à
demanda da justiça criminal.
Em relação às ferramentas
computacionais, o instituto
possui: 1 equipamento para
captura e análise de voz
(Computerized Speech Lab);
uma licença de operação
do Edit Track (versão 5.0),
usado em exames de
verificação de edição de
áudio ou autenticidade;
uma licença de operação
do Sound Cleanner (versão
2), para o tratamento de
sinal de áudio; 2 placas de
captura de áudio (marca
Edirol, versão 15.1); uma
licença do Multi-Speech
(software para análise
acústica de sinal de fala);
Pacote Adobe Audition
(análise de áudio, versões
2.0 e 3.0) e o software
PRAAT (gratuito).

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Autor
Objetivo(s) Características Resultados
(ano) Método adotado Conclusão
do estudo da amostra obtidos
número
Passetti Avaliar Gravações Gravação realizada De forma geral, observou-se A análise das modificações
(2015)33 os efeitos das vozes de simultaneamente via um abaixamento global do no sinal da fala pelo uso de
causados 10 locutores celular e direta (com o espaço vocálico na gravação celulares tem aplicabilidade
ao sinal da do gênero posicionamento de um telefônica, influenciado pelo direta em práticas forenses
fala pela masculino microfone em frente aos aumento nas frequências reais, dado a crescente
transmissão sujeitos enquanto falavam de F1, visto os filtros do evolução tecnológica e o
telefônica de ao celular). próprio aparelho celular, aumento no número de
linhas móveis As vogais do português distorcendo as vogais [i] crimes utilizando este
e, com isso, brasileiro foram transcritas e [u]. A diminuição dos meio de comunicação,
determinar e segmentadas, valores de F2 para as vogais com variações (em F1 e
o grau de analisando-se as anteriores e o aumento F3 pelos filtros do próprio
modificação frequências: fundamental nos valores deste formante aparelho celular), em F2
fonético- (F0), sua baseline e para vogais posteriores pelas taxas de compressão
acústica duração interpicos; dos comprimiu o espaço vocálico de dados e pelo sistema
intralocutor formantes F1, F2 e F3, da maioria dos sujeitos, GSM e algumas distorções
causado bem como a ênfase provavelmente pela taxa nas vogais [i] e [u]),
pelo filtro espectral. de compressão de dados e evidenciando que a
de banda pela codificação do sistema análise dos formantes,
do canal Global Systems Mobile na prática forense, deve
telefônico à Telecommunications (GSM) ser utilizada com cautela
voz habitual brasileiro. As modificações quando a gravação é
e os efeitos nas disposições das vogais feita por telefone móvel.
que a tiveram implicações Revelou também que as
transmissão perceptuais, podendo soar vogais abertas são mais
telefônica como mais abertas no resistentes ao efeito
exerce sobre telefone celular. telefônico, bem como
as vogais o baseline e a duração
orais do interpicos da F0.
português No entanto, sofreram
brasileiro. interferências do aparelho
telefônico móvel a F0, a
ênfase espectral.
Oliveira Avaliar se Fala Gravação da recontagem Houve diferenciação do perfil A variação da prosódia no
(2017)32 as taxas de semiespontânea de um curta metragem, de locução das prosódias português brasileiro entre
laringalização de 10 sujeitos sendo analisadas unidades do grupo de mulheres os sexos pode caracterizar
consonantal, de Alagoas/ prosódicas pelo software quando comparado o falante por meio das
vocálica Brasil (5 PRAAT, verificando-se a ao grupo masculino, taxas de laringalização
e total mulheres), com F0, o jitter, o shimmer, principalmente nas vogais vocal e total. Tais taxas
permitem a idades entre 20 a proporção harmônico e na laringalização total, influenciaram o jitter, H1-
identificação e 30 anos. ruído e a relação entre os com queda de intensidade H2 e a intensidade. Assim,
do falante, harmônicos: H1 e H2. nos registros modal e a análise da prosódia pode
bem como os laringalizado. ser utilizada nos estudos da
parâmetros fonética na prática forense,
fonético- uma vez que permite
acústicos e distinguir locutores.
prosódicos

Discussão fato, o procedimento, a análise e o resultado das


evidências das provas encontradas na cena do
Perícia criminal é a busca da veracidade das crime, sendo que cabe à justiça tomar ou não a
evidências de um crime. A partir das provas inicia- decisão de acusação19.
das pelo acusado, essas evidências são analisadas No caso da perícia forense fonética a prova não
com conhecimento técnico – científico com o obje- consta na cena do crime na maioria das vezes, mas
tivo de ter uma conclusão até o dia do julgamento, são analisadas as gravações que indicam provas
provas pelas quais são mostradas pelos peritos18. criminais por peritos criminalistas.
As provas do crime são pistas que devem ser O perito criminalístico é um técnico cuja fun-
analisadas minuciosamente e preservadas, pois ção é fornecer informações de dados dos materiais
através dessas pistas se inicia o laudo técnico, que e realizar o corpo delito. A transcrição fonética não
por sua vez tem como função a solução de uma é atribuída somente para o perito criminalístico,
causa jurídica. uma vez que todo e qualquer funcionário de ordem
Para a análise de uma perícia forense faz-se pública tem autorização para fazer a transcrição
necessário que todas as evidências sejam identifi- fonética. Desta forma, cabe ao Juiz ter o livre ar-
cadas, preservadas, analisadas e apresentadas. Cabe bítrio de levar ou não como prova para a acusação
ao perito identificar as evidências e preservá-las, a uma transcrição que não foi feita por um perito20.
fim de que sejam evitadas dúvidas sobre a acusação. Parece-nos que apesar da possibilidade de
No laudo técnico da investigação é apresentado o outro profissional realizar a transcrição fonética, o

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ideal seria que um linguista ou um fonoaudiólogo Figueiredo23, critérios seguros para a avaliação.
o fizessem, evitando erros e analisando demais as- A avaliação objetiva com o auxílio da tecnologia
pectos que outro profissional teria mais dificuldades atribui valor aos serviços de PC25.
em executar. Um exemplo do exposto diz respeito Neste sentido, há de se salientar e ratificar a
à análise perceptivo-auditiva (APA) da voz, que importância de equipes interdisciplinares para o
é uma avaliação subjetiva e que, segundo Porto e reconhecimento da voz e comparação do locutor,
Gonçalves21 , pode ser utilizada no âmbito forense, como por exemplo, as Engenharias, Ciências da
desde que haja competência profissional para tanto. Computação, a Fonoaudiologia, o Direito e a Psi-
Isto porque a voz se modifica frente a diferentes cologia. Além disso, vários campos da o linguística
variáveis como sexo, idade, condições anatômicas, aplicada26 são usados no conhecimento da ciência
de saúde, aspectos raciais22, tensão, estado emocio- forense, com objetivo de identificar a autoria da
nal23 dentre outros fatores. Desta forma, o melhor fala pelo método de comparação. Tamanha é tal
profissional para atuar na perícia forense fonética importância que os estudos obtidos nesta revisão
seria o fonoaudiólogo. Segundo Buriti e Batsita12, de literatura21,23,25,31-35 reforçam esse conceito.
a fonoaudiologia forense é utilizada mundialmente, A identificação de um criminoso através da voz
sendo o fonoaudiólogo o profissional responsável tem por objetivo determinar o principal acusado,
por diagnosticar prováveis alterações de fala de tendo em vista que a voz é uma característica única.
um sujeito, independente de sua origem. Acres- Desta forma, é uma prova essencial para a perícia
centam que este profissional utiliza provas físicas forense, pois para atribuir o sujeito a uma cena de
para relacioná-las às estruturas anatomofuncionais crime é necessária uma prova concreta, sendo que a
(pronúncia, articulação, sotaque, dialeto e recurso ausência dessa prova faz com que o principal autor
figurativo da linguagem), bem como analisa as não seja incriminado20.
características da personalidade, do comportamento A literatura tem apontado que a utilização
e origem do sujeito. Foi neste sentido que a literatu- da biometria para a identificação de indivíduos é
ra21 evidenciou a necessidade da elaboração de um uma técnica eficaz, uma vez que as características
protocolo que avaliasse além dos registros vocais físicas são particulares e únicas de cada pessoa e o
em softwares, mas também compreendendo os pa- constante avanço da tecnologia favorece e amplia
râmetros vocais (tipo de voz, ataque vocal, foco de sua utilização3,27.
ressonância, pitch, loudness, qualidade da emissão Outro item importante para a identificação de
entre outros parâmetros) pela APA; e, para a prática um falante é a qualidade do material de gravação,
forense, Porto e Gonçalves21 sugeriram a inclusão pois segundo a literatura8, para a conclusão de
dos aspectos linguísticos da fala e do discurso, com um laudo correto, os peritos precisam identificar
a análise das características fonéticas, fonológicas, a coexistência ou não de características gerais e
às relacionadas à velocidade e ao ritmo da fala, peculiares entre os diversos sinais sonoros da fala
à articulação, à fluência e se há ou não presença e distorções podem prejudicar a análise pericial.
de dialetos. Para tanto, a realização dessa análise Este aspecto foi reforçado pelos estudos obtidos
requer conhecimento técnico e experiência profis- nesta revisão de literatura25,34. Além disso, para
sional clínica, principalmente em voz e linguagem, melhor desempenho na investigação deve haver
ratificando a importância da necessidade de um cumplicidade entre os promotores e os juízes, pois
fonoaudiólogo na equipe de perícia. o trabalho começa com os peritos por meio da
Pode-se dizer que o trabalho com PC em fo- investigação do local ou cena do crime.
nética forense no Brasil existe há duas décadas24, Em seguida, a conclusão dos laudos chega até
sendo que Figueiredo23, em 1994, fez extensa ava- os promotores e juízes, sendo importante ressaltar
liação dos parâmetros acústicos da fala, verificando que caso não haja um bom perito, o laudo pode ser
que há indicadores que auxiliam na identificação inconclusivo e este fato pode prejudicar o julga-
sem, no entanto, poderem ser considerados como mento, quer seja por falta de provas ou por provas
uma “impressão digital vocal”, além de sugerir que mal concluídas25. Nesta revisão, dois estudos25,34
a análise seja realizada por equipe composta de ratificaram o exposto, evidenciando escassez de
diferentes especialistas. Desde a década de 1990, recursos de diversas ordens (tecnológicas, humanas
com o incremento tecnológico, há a possibilidade e materiais) para análises forenses eficazes e que
de análises mais objetivas, devendo haver, segundo atendam às demandas.

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Ferramentas e Protocolos Utilizados na Perícia Criminal Relacionados à Voz: Revisão de Literatura

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Apesar do exposto, a perícia forense fonéti- na análise foram: as vogais abertas são mais resis-
ca tem crescido na última década, havendo, no tentes ao efeito telefônico, bem como o baseline e a
entanto, poucos estudos na área28, como também duração interpicos da frequência fundamental (F0),
pudemos comprovar nesta revisão integrativa. sofrendo influência do aparelho telefônico móvel
Esta limitação dificulta a capacitação de pro- a F0 e a ênfase espectral, segundo a literatura33.
fissionais e a apresentação de evidências científicas Os recursos tecnológicos utilizados nas pes-
mais robustas na área, uma vez que estudos bio- quisas levantadas nesta revisão de literatura e que
métricos precisam apresentar valores de referência podem ser utilizados na PC fonética para a análise
para que sirvam de parâmetros comparativos para das vozes foram o computerized speech lab23,34, o
futuras análises periciais, segundo a literatura22. sinal glotal de filtragem inversa31; os softwares:
Assim, como a Fonoaudiologia estuda a comu- Audacity (para análise acústica dos sinais da fala31);
nicação e dentre os aspectos que a caracterizam, Edit Track (para edição de áudio ou autenticidade);
a voz, naturalmente espera-se que tal área seja Sound Cleanner (para o tratamento de sinal de
incluída nas PCs, ressaltando-se a importância áudio); placas de captura de áudio; Multi-Speech
de que seja praticada por Fonoaudiólogos peritos (software para análise acústica de sinal de fala) e
especialistas da voz29 que dominem também a o Pacote Adobe Audition (análise de áudio)34. O
tecnologia. uso do software PRAAT, disponível na internet de
O incremento das tecnologias no mundo con- forma gratuita, foi citado por Moraes e Oliveira32.
temporâneo também abriu campo para o perito O uso combinado do método gaussiano dominante
computacional que, de acordo com a literatura30, com os modelos multicondicionais adaptativos e as
tem como objetivo analisar crimes efetuados com misturas de gaussianas multirresolução parecem
a ajuda da internet, celulares dentre outras tec-
oferecer menor custo e aumento na identificação
nologias. Como pudemos verificar nesta revisão
do locutor pela voz35. Além disso, pesquisadores25
de literatura, embora a tendência de crescimento
citaram o uso de softwares para a comparação de
citada, poucos estudos tenham sido executados na
vozes, sem citar quais.
perícia forense fonética pela análise dos parâmetros
Frente ao exposto, julga-se que para trabalhar
vocais28, sendo necessário que os fonoaudiólogos
nessa área o perito precisa ser qualificado e ter
estudem e publiquem mais na área, de forma a fazer
requisitos como conhecimento em tecnologia, ter
jus pela conquista neste segmento de mercado de
especialização em voz e linguagem, apresentar
trabalho. Como verificado nesta pesquisa de revisão
integrativa, apenas um estudo foi realizado por fo- conhecimentos de leis, experiência profissional
noaudiólogos21, sendo os demais estudos realizados dentre outros.
por linguistas e engenheiros. O desenvolvimento de recursos humanos em
Isto é possível, pois a PC fonética, que engloba ciência forense no Brasil está centrado na formação
a análise da voz, não é feita de forma isolada, sendo dos peritos oficiais e é adquirida pela trajetória
considerada uma área interdisciplinar14,29. Faz-se profissional, por cursos de capacitação (atualização,
necessário o compartilhamento de conhecimento aprimoramento, bem como no lato e stricto sensus)
com demais áreas como a linguística, a engenharia, e por processos seletivos36.
a medicina (otorrinolaringologista, médico legal Cabe ressaltar que a literatura, escassa, ainda
etc.), a psicologia, o direito, a polícia civil e militar, não descreve como a Fonoaudiologia tem atuado
a computação, entre outros. de forma integrada com os demais especialistas da
Dentre as características que possibilitam o área forense, como os peritos fonoaudiólogos têm
reconhecimento do falante por meio de gravações, conseguido a capacitação necessária para atuação
estão: o espectro de longo termo (ELT), o voice on- na área, quais os protocolos que utilizam na prática
set time (VOT), a análise dos formantes F3 e F423, profissional, quais as dificuldades no âmbito da
o pitch e, pelo sinal eletroglotográfico, os picos atuação profissional na PC fonética e o quanto da
duplos31, o jitter, H1-H2 e a intensidade quando a experiência profissional e clínica facilitam tal atua-
prosódia é analisada32. Quando as gravações são ção, por exemplo. Desta forma, muito ainda há que
advindas de telefones móveis, em virtude dos seus se construir na área para uma prática baseada em
filtros, sistema operacional e compressão de dados, evidências, embora as pesquisas tenham demons-
os parâmetros que parecem não sofrer influências trado a possibilidade da análise da PC pela voz.

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Considerações Finais 8. Tonaco NLA. Cuidados com as gravações de material sonoro.


Rev Perícia Federal. 2003; 16: 24.
9. Silveira MA. Identificação forense de múltiplos locutores
A perícia criminal em voz é uma área com baseada em ICA convolutiva usando coeficientes cepstrais de
poucos estudos, não sendo possível, no presen- frequência Mel e modelo de mistura gaussiana. [Monografia].
te momento, descrever como o fonoaudiólogo Brasília: Universidade de Brasília; 2013.
brasileiro tem atuado na perícia forense fonética 10. Gillier R. O disfarce da voz em fonética forense.
relacionada aos parâmetros vocais. No entanto, a [Dissertação]. Lisboa, Portugal: Universidade de Lisboa; 2011.
literatura consultada permitiu evidenciar que os 11. Abbud GAC. Perícia em fonoaudiologia. Revista Fono
Atual. 2005; 8(31): 80-1.
recursos utilizados na perícia criminal vocal vão
12. Buriti LKA, Batsita RSF. A fonoaudiologia forense e o
desde o profissional capacitado, de diferentes áreas biodireito: limites entre a lei da interceptação telefônica versus
do conhecimento (Linguística, Fonoaudiologia, crime organizado. Anais do II encontro nacional de bioética e
Engenharia, Direito, Medicina entre outras) até biodireito 2009: Encontro de Comitês de Ética em Pesquisa da
o uso de softwares que possam comparar a voz Paraíba; 2009 Out 08-10; João Pessoa, Paraíba. 2009. p. 14.
de diferentes falantes, presencialmente ou por 13. French P, Harrison P. Position statement concerning use of
impressionistic likelihood terms in forensic speaker comparison
telefonia móvel. cases, with a foreword by Peter French and Philip Harrison. Int.
Apesar do exposto, há a necessidade de que os J. Speech Lang. Law. 2007; 14(1): 137-44.
profissionais, ao optarem por esta área de trabalho, 14. Gomes MLC, Richert LC, Malakoski J. Identificação
sejam extremamente qualificados para a demanda de locutor na área forense: a importância da pesquisa
de crimes no País, para que, cada vez mais, tenha- interdisciplinar. Anais do X Encontro do Círculo de Estudos
Linguísticos do Sul da Universidade Estadual do Oeste do
mos expertises na área. Há de se considerar que Paraná; 2012 Out 24-26; Cascavel, Paraná. 2012. p.1-13.
este profissional domine a tecnologia, a legislação,
15. Azzariti M, Joaquim RM. Nonverbal communication
seja especialista em voz e linguagem e tenha expe- and global discourse analysis: report of the application and
riência clínica suficiente para participar de análises its results in the context of criminal investigation. Brazilian
periciais em voz. Journal of Forensic Sciences, Medical Law and Bioethics.
2015; 4(4): 458-71.
Sendo assim, a área forense abre espaço para
16. Associação Brasileira de Criminalística. História da
novas profissões, incluindo a Fonoaudiologia,
Associação Brasileira de Criminalística [acesso em 23 out.
sendo considerada pelo Conselho Federal de Fo- 2018]. Disponível em: http://www.rbc.org.br/index.php/sobre-
noaudiologia37, uma área em expansão. a-abc/historia.
17. McDonald S, Crumley E, Eisinga A, Villanueva E.
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