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Em busca do conhecimento

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Universidade Federal da Bahia

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Hélio Silva Campos

Em busca do
conhecimento
Sobre antigas lições, ciência moderna e energia sutil

Edufba
Salvador, 2009

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© 2009 by Hélio Silva Campos

Direitos para esta edição cedidos à Edufba.


Feito o depósito legal.
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, sejam quais forem os meios
empregados, a não ser com a permissão escrita do autor e das editoras, conforme a
Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

Capa
Raul Marcacini

Projeto gráfico e Editoração


Gabriela Nascimento

Revisão E NORMALIZAÇÃO
Adriana Caxiado Cruz
Nídia Lubisco

Sistema de Bibliotecas - UFBA

Campos, Hélio Silva.


Em busca do conhecimento : sobre antigas lições, ciência moderna e energia
sutil / Hélio Silva Campos. - Salvador : EDUFBA, 2009.
118 p.

ISBN 978-85-232-0576-8

1.Filosofia e ciência. 2. Holismo. 3. Corpo e mente. 4. Teoria do conhecimento.


5. Metafísica. 6. Homens - Influência sobre a natureza. 7. Natureza e civilização.
I. Título.

CDD - 128

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Este trabalho é uma homenagem ao saudoso amigo
fraternal Babalu, cuja vivência artística, simbolizada
na capa deste livro, externa a sutil harmonia captada
da onipresente espiritualidade da natureza que tanto
zelava. Enquanto ser humano, Babalu foi mensageiro
e praticante da arte da afetividade, solidariedade e da
amizade, deixando ensinamentos que preservamos
como sábias lições para uma prazerosa convivência.

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Dedico este livro à minha origem familiar, nas
pessoas de minha mãe, Celestina, e de meu pai,
Francisco.

Aos amados filhos Alice, Guilherme e Felipe,


expressões do meu aprendizado de vida.

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Agradeço ao colega e amigo Edvaldo Nogueira
Júnior pela leitura crítica e comentários objetivando
uma melhor compreensão do texto.

Ao dileto amigo Raul Marcacini, por editar


elementos simbólicos do artista Babalu que ilustram
a capa deste livro.

A comunidade do Instituto de Física da UFBA -


professores, funcionários e estudantes -, o ambiente
da minha vida acadêmica e de aprendizado das
relações humanas.

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Sumário

13
Apresentação

15
Palavras Iniciais
DO SABER E DO CONHECER

19
Capítulo 1.
DE ANTIGAS VISÕES DO MUNDO
A Noção Intuitiva da Totalidade 19
Inferências do Reino Invisível 22
O Unus Mundus dos Alquimistas 23
O Fixo e o Volátil 25
A Conjunção Alquímica Mente-Matéria 27
A Projeção Celeste na Terra 29

35
Capítulo 2.
A CIÊNCIA MODERNA: O REINO DA OBJETIVIDADE
A Realidade Objetiva 35
O Materialismo Reducionista 38
A Afirmação da Ciência Moderna 40
O Ser Humano e o Conhecimento Científico 41
A Projeção Iluminista da Ciência 43

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51
Capítulo 3.
LIÇÕES DO MICROMUNDO FÍSICO
As Portas que se Abrem... 51
Um Mundo sem Controle 52
Caos, Fonte de Ordens 53
Acaso e Desordem 55
Irreversibilidade e Entropia 57
A Luz é a Revelação: Matéria é Energia 61
Um Cenário para o Reino Quântico 66
O Observador Participa... 70
Dualidade e Complementaridade 72
A Incerteza como Lógica 73
De Variáveis Ocultas à Inseparabilidade Quântica 75
O Mundo Pleno-potencial 79

85
Capitulo 4.
ENERGIA SUTIL E MATÉRIA
A Relação Mente-Matéria 85
Níveis Sutis da Realidade 88
Bohm e a Energia Sutil 89
Ordem Explícita, Ordem Implicada e Holomovimento 91
Implicações do Mundo Quântico para a Mente 93
Pauli e as Simetrias da Natureza 95
Em Busca do Princípio Psicofísico 97
Jung e a Sincronicidade 101
Integrando a Sincronicidade 105

111
Palavras Finais
SOBRE A CONVIVÊNCIA UNIVERSAL

115
Referências

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Apresentação

No domínio quântico o papel do observador está intimamente


associado aos resultados dos experimentos. A dinâmica de terremotos
e o comportamento do clima são eventos de difícil previsão. No
caso dos sistemas biológicos, interações competitivas de longo
alcance fazem parte da estrutura e funcionamento dos mesmos.
Todos esses fenômenos não podem ser adequadamente explicados
pela ciência atual, pois a mesma segue um receituário que inclui
forte objetividade, crença nas relações de causa e efeito e variáveis
que interagem somente em uma vizinhança limitada do espaço e
do tempo.
Nos últimos anos têm crescido o número de cientistas,
filósofos e pensadores dedicados a buscar alternativas para explicar
a complexidade envolvida nos fenômenos acima citados. Neste
sentido, Em busca do conhecimento - sobre antigas lições, ciência moderna
e energia sutil chega em momento bastante apropriado.
O livro oferece um passeio estimulante, rico e sereno sobre
as diversas questões que afligem o desenvolvimento científico e
filosófico na atualidade. Trabalhando com maestria e sensibilidade
informações oriundas de diferentes culturas, Hélio Campos constrói
um sólido painel que conecta diversas abordagens da ciência, do
homem e da natureza, cujo objetivo é ressaltar a necessidade de

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integrar os aspectos materiais e espirituais como fio condutor da
produção de um conhecimento amplo, dinâmico e solidário, que
possibilite aprofundar a relação do homem com a natureza.
Além disso, sem nenhum ranço dogmático nem academicismo
inerte, o livro aponta caminhos oferecendo alternativas que vão muito
além de releituras de textos anteriores, sem abrir mão da riqueza
e profundidade das ideias científicas e filosóficas que permeiam o
universo de áreas distintas do conhecimento. Desta maneira, Hélio
Campos oferece uma reflexão própria sobre o nosso papel, aqui e
agora, na construção de um mundo onde o coletivo, a superação das
desigualdades, a sustentabilidade e a qualidade de vida sejam regras
da nossa convivência em um mundo em permanente evolução e
transformação.
No mais, Em busca do conhecimento é voltado tanto para leitores
experientes que desejam aprender mais sobre essas questões, sem se
tornar especialistas nesses assuntos, quanto para os não-iniciados no
labor da prática científica e filosófica, mas que pretendem caminhar
nesta direção a partir de uma base confiável de conhecimento.

Edvaldo Nogueira Jr.


Doutor em Física, professor do Instituto de Física da UFBA.

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Palavras Iniciais
DO SABER E DO CONHECER

A cada novo ciclo o mundo renasce trazendo a esperança para


a concretização dos nossos sonhos. Neste início de milênio não é
diferente. Vivemos um período em que afloram, mais intensamente,
o desejo e a necessidade de estabelecer um nível de convivência
pautada por valores e atitudes respeitosas para com todos os seres e
o nosso planeta como um todo. É surpreendente constatar a maneira
como o ser humano vem praticando um individualismo societário,
alimentado por relações estéreis e dogmas corporativamente
impostos que alienam e isolam as pessoas de si mesmas e de seu
meio. Não restam dúvidas que as conseqüências dessa dissociação
projetam um futuro nada animador.
A perspectiva de uma convivência harmoniosa1 exige uma
profunda conscientização acerca do nos anima, enquanto ser
vivo, posto que, em maior ou menor grau, somos influenciados e
influenciamos tudo que nos rodeia. Sendo criaturas da natureza
aquinhoadas de uma inestimável riqueza psíquica, ‘exibimos’ uma
configuração física (o nosso corpo) que depende, entre outros fatores,
dos incessantes processos de troca com o meio que nos envolve.
Aqueles que vivem totalmente absorvidos numa metrópole urbana,

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nunca devem esquecer que as nossas origens distantes encontram-se
nas planícies verdejantes, florestas, desertos, oceanos, montanhas,
rios, ventos, enfim, em toda a complexidade do mundo natural que
sustenta e propicia a nossa existência física. Se, por um momento,
imaginamos o mundo sem a presença humana, é inquestionável
que, de fato, o vivenciamos. É o caso de observar, por exemplo, uma
foto do nosso belo e azulado planeta Terra viajando na escuridão do
universo sem fim, e descobrir, lembrando uma citação do médico
psiquiatra e criador de uma teoria psicológica, Carl Gustav Jung de
que, às vezes, é preciso olhar ‘fora’ para enxergar ‘dentro’ de nós.

A visão de mundo de um povo, externada na riqueza de seus


relatos, costumes, crenças e cerimônias, reúne mitologia, arte, ética,
ciência, metafísica, organização social, enfim, todas as formas de
conhecimento e do saber acumulados ao longo de sua história. Esta
diversidade da expressão humana constitui uma fonte dos paradigmas
balizadores de uma sociedade em suas relações e experiências
cotidianas, a exemplo da singular mistura étnica indígena, africana
e européia que forma a base do povo brasileiro. Imbuídos desse
espírito, podemos almejar uma conjunção de ’saberes e conheceres’,
i.é., o antigo e o moderno, de modo a subsidiar uma descrição da
realidade que contemple o aspecto subjetivo inerente a qualquer
expressão da natureza. Seguramente, uma busca ‘intuitiva-vivencial’
que induz questionamentos acerca da nossa existência, de modo
que, possamos, enquanto seres em transformação, transcender o
‘pessoal’ e tornar-se ‘ser coletivo’.
Desde o século XVII, a geração do conhecimento científico é
balizada por regras causais e determinísticas as quais possibilitam
programar o futuro no presente. Hoje, após um século da revolução
quântica, que afirmou o papel do observador numa descrição da
realidade, a objetividade permanece como a referência dominante

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em qualquer interpretação da fenomenologia da natureza. E não pode
ser diferente. Isto porque uma observação ou medida configura uma
escolha caracterizando, portanto, uma atitude objetiva, condição sine
qua non a qualquer teoria científica.
É fato que nas abordagens existentes não há espaço para a
subjetividade, i.é., não envolvem, explicitamente, o observador
(a sua mente). Todavia, nas últimas décadas, cresce o interesse de
alguns cientistas2 em desenvolver uma ‘nova ciência’ enriquecida
com descrições complementares àquelas de ordens lógica e racional,
aspirando por uma compreensão mais apurada dos mistérios da
natureza. Uma proposição que resgata o sentido de unicidade
presente em antigas concepções de mundo, ou seja, procura
reconciliar o objetivo e o subjetivo numa interpretação da realidade
enfatizando o papel da consciência no processo de evolução da
humanidade.
Neste trabalho, discorremos brevemente sobre os pilares guias
da trajetória do conhecimento científico. Procuramos enfatizar
a subjetividade ‘contida’ em antigas cosmovisões (tradicionais e
alquímicas), nos princípios balizadores da ciência moderna e suas
implicações para o pensamento iluminista e, ainda, reportamos
que às lições do mundo quântico como subsídios para descrever
mais proximamente os fenômenos naturais. Por fim, analisamos
as incursões dos físicos David Bohm e Wolfgang Pauli sobre a
concebida energia sutil permeando a relação mente-matéria. Desta
maneira, além de enfatizar a necessidade de uma interpretação
científica mais abrangente da realidade vivenciada, espera-se que o
ser humano desperte para o significado implícito à sua existência e,
então, conscientize-se da importância vital de preservar um estado
de equilíbrio entre o próprio e o planeta. De fato, uma trajetória
já iluminada: basta assimilar as lições da natureza e comungar
pensamentos e atitudes sintonizadas com o mundo em constante
transformação.

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Notas
1. Essa menção se refere a um ideal de convivência harmoniosa espelhada
na fenomenologia da natureza. Sendo inatingível como um estado, a
sua busca é vivenciada como um processo gerador das lições para o
nosso aprendizado. Especificamente, o termo harmonia é atribuído
ao cenário advindo das incessantes correlações, tendências e tensões
que naturalmente ocorrem e sustentam todas as expressões físicas que
conhecemos. O texto de Monteiro, J. A. M.; Ayres, F. G. S.; Barros,
J. G.; Silva, R M. S. R.; Tonholo, J.; Bastos Filho, J. B., Pleonexia
Enquanto Obstáculo ao Desenvolvimento. In: Vinicius Nobre Lages;
Josealdo Tonholo. (org.). Desafios de Competitividade em Arranjos Produtivos
Locais: Dinâmicas de Inovação e Papel das Incubadoras de empresas e parques
Tecnológicos. : Brasília: Anprotec, 2006, p. 43-72, traz uma análise
bastante crítica sobre o conceito de harmonia.
2. Entre eles, encontram-se os físicos, Brian Josephson, prêmio Nobel de
Física de 1979, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, Henry Stapp
da Universidade da Califórnia-Berkeley, Amit Goswani da Universidade
do Oregon, e Victor Mansfield da Universidade de Colgate, Estados
Unidos.

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Capítulo 1
DE ANTIGAS VISÕES DO MUNDO

A Noção Int uitiva da Totalidade


Nas cosmovisões mais antigas, o mundo é descrito como sendo
um só. Tanto os povos negros africanos, a ‘semente original’ deste
planeta, quanto os indígenas das Américas, por exemplo, nutrem um
saber milenarmente tecido de suas imaginações, vivências e interações
com o ambiente ao redor. Esses povos cultuam elementos simbólicos
que expressam uma relação de intimidade com os fenômenos
naturais, os quais exercem significativa influência no seu cotidiano.
Como exemplo, o ‘pensar’ do indígena, em especial aquele imerso no
coração da floresta amazônica, transcende os limites da objetividade
consciente e revela-se intimamente conectado aos processos e as
transformações que ocorrem no meio em que vive. Sintonizado com
a dinâmica de uma realidade prenhe de ambigüidade e multiplicidade
de expressões, o mundo mental desse indígena constitui a fonte
genuína de suas visões e mitos, corriqueiramente representados nas
celebrações que louvam a fenomenologia da natureza.
Essa aproximação com o intangível reino da subjetividade
revela um modus vivendi característico dos povos aborígines, onde
cada um deles constrói sua própria linguagem a partir de suas

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relações com o ambiente próximo. A abrangência e a riqueza do
conhecimento tradicional, profusamente vivenciado nos rituais
e cerimônias, denotam uma autêntica e sutil integração com as
ocorrências do mundo natural. Uma vez socialmente assimilado na
comunidade, esse conhecimento torna-se o sustentáculo dos vários
pilares sobre os quais um povo ‘mostra-se’ perante o mundo: arte,
idioma, religiosidade, educação, ciência, medicina, culinária, etc.,
caracterizando o que seria uma ‘filosofia da natureza’. Embora tal
consideração não atenda os requisitos do ‘conhecer acadêmico’, a
mesma traduz a antiga noção de que ‘tudo está ligado a tudo, e que
nada pode ser compreendido, separadamente’1.
A noção de realidade infundida nas culturas aborígines
ultrapassa o puramente físico, sensorial, ao tratar o aspecto subjetivo
de uma maneira tão real quanto o objetivo. Ao não imputar qualquer
separação entre as expressões de ordem material daquelas imateriais,
intangíveis, e certamente por conta disso, os antigos atribuíam ao
ser humano uma dimensionalidade cósmica. Esta conjectura pode
ser observada no relato do indígena escritor Kaka Werá Jecupé: de
acordo com a tradição dos Bororo (autodenominados Boe), um povo
indígena que vive no estado do Mato Grosso, ‘somos feitos do pó
das estrelas’, sustentando a crença que “as estrelas são os nossos
avós e irmãos mais velhos”(JECUPÉ, 1998, p. 94).
Surpreendentemente, esta acalentada citação guarde similaridade
com interpretações cosmológicas modernas. Segundo as mesmas, as
misteriosas transmutações dos elementos (processo termonuclear
que altera o número de prótons) ocorridas no coração das estrelas,
como a fusão do hidrogênio e de outros elementos, deram origem
ao mundo físico, em especial, a vida como a conhecemos. Não
por acaso, somam-se evidências desta concepção: ao analisar uma
amostra do meteorito Murchinson (que caiu na Austrália em 1969),
cientistas da Universidade de Bremen, na Alemanha, conseguiram
isolar di-aminoácidos, um componente químico do material genético
APN (ácido peptídico nucléico), considerado o precursor do ADN

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(ácido desoxirribonucléico) (MUÑOZ CARO, et. al., 2002). Em outra
oportunidade, no material coletado na cauda do cometa Wild2, e
analisado no Instituto Max Planck de Aeronomia, na Alemanha, foi
detectada a presença de coenzimas similares às denominadas PQQ
(Pyrroloquinonine Quinone), substâncias encontradas em todos os seres
vivos (KISSEL et. al., 2004). Embora convivamos com o onipresente
e indecifrável mistério envolvendo o processo de criação dos genes,
i.é., a fase anterior ao surgimento das primeiras formas de vida, sabe-
se, hoje, que as coenzimas surgiram pela ação de radiação cósmica
sobre as moléculas existentes na superfície de partículas minerais.
Evidências dessa natureza sustentam, inclusive entre cientistas, a
‘hipótese da panspermia’, segundo a qual, os átomos de nossos
corpos foram criados no processo de síntese nuclear ocorrido no
coração das estrelas.
Acrescente-se a esse cenário de inusitadas ilações, um relato
que transpõe os limites paradigmáticos na busca do conhecimento,
induzindo uma lógica e uma causalidade próprias. Há milênios, a
tradição oral do povo Dugun (ou Habe, como se autodenomina),
atualmente vivendo na República de Mali, na África Ocidental,
acalenta uma concepção do universo substanciada por registros em
pedras e reproduções em máscaras, que remonta um período anterior
a 3.200 a.C.. Entre as várias descrições sobre as características do
universo, é mencionada a existência de uma outra estrela, invisível,
ao lado da já conhecida Sirius (TEMPLE, 1975). O surpreendente é
que essa estrela, posteriormente denominada de Sirius B, somente
foi prevista pelos cientistas em 1844 e observada em 1862, com
o uso de um telescópio. Não obstante, a origem (inexplicável)
desse conhecimento extrapole as categorias conceituais e, enfim,
o universo conceitual da ciência moderna, o que impossibilita de
ser caracterizado como científico, até o momento, o mesmo não se
pode refutado ou classificado como ‘místico’.

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Inferências do Reino Invisível
Para as tradições mais antigas, o mundo dos sentidos é apenas
uma parte diminuta da nossa realidade, muito mais ampla. Como já
referimos, os povos aborígines que vivem isolados da agitação urbana
preservam uma fluida e enriquecedora interação com seu habitat
natural e, por isso, nunca se sentem separados dele. Se, do ponto de
vista materialista, essa relação de intimidade pode parecer estranha,
contudo, reza a milenar tradição indígena brasileira, por exemplo,
que, desde cedo, as crianças ouvem histórias sobre plantas, animais
e pessoas que mudam constantemente suas formas físicas e, deste
modo, elas intuem que deve existir na natureza um ‘ser anímico’ (o
espírito!?), todavia, real. Por conta dessa ‘relação vivencial’ elas são
capazes de reconhecer e interpretar as transformações sutis verificadas
ao seu redor. É natural, pois, encontrar nessas comunidades, pessoas
que fazem pouca ou nenhuma diferença entre o espaço perceptual e o
espaço simbólico da imaginação, ou seja, assimilam, conjuntamente,
o aspecto objetivo e o subjetivo implícito à uma expressão da
natureza. Pessoas dotadas com esse grau de sensibilidade podem,
exercendo o seu livre arbítrio, vivenciar o cotidiano da realidade
harmonizando suas ações às nuanças percebidas ao seu redor.
Uma vez que os supostos paradigmas de antigas cosmovisões
não são baseados em conceitos estáticos, ou mesmo numa verdade
absoluta, e sim, na ideia que tudo que existe é fluxo, logo, parece
natural reconhecer a importância do mundo subjacente (não
material) na vida dos povos aborígines. Isto explica o profundo
significado que os sonhos e visões exercem em suas atitudes e ações,
porquanto representam uma forma de comunicação com reino
imaginal, ou seja, portais para outras realidades, outros mundos.
JECUPÉ (1998, p. 56) lembra que, para os indígenas, o sonho é o
momento sagrado em que o espírito está livre para realizar várias
tarefas, tais como purificar o corpo físico (sua morada) viajar até
a morada ancestral e, algumas vezes, trilhar desde o passado até
margear o futuro. Contudo, é preciso destacar que, para os povos

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tradicionais, de um modo em geral, as vozes e as imagens oníricas não
representam símbolos do inconsciente, como poderíamos atribuir,
e sim, aspectos de uma realidade que é indescritível por meio de
uma linguagem contemporânea.
Através da ‘comunicação’ com o reino invisível dos ‘seres
oníricos’, os antigos obtinham, e ainda obtém, respostas aos seus
questionamentos, sejam de natureza pessoal ou de dimensão
universal. Algo estranho para a concepção filosófica-científica da
realidade cujas menções dessa espécie não constituem fontes de
conhecimento. Mesmo assim, existem relatos curiosos envolvendo
conhecidos cientistas. É o caso da experiência visionária do
matemático, físico e filósofo francês Jules Henri Poincaré, ocorrida
no final do século XIX, quando tentava desenvolver uma formulação
matemática, sem conseguir. Um dia, ao subir em um ônibus em Paris
que o levaria a Calais, Poincaré ‘viu’, no ar, a formulação completa, ou
seja, as equações e as soluções que tanto buscava. Situação parecida
foi vivida pelo químico alemão Friedrich August Kekule. Após meses
tentando configurar a molécula do benzeno, um composto orgânico,
ele sonhou com a imagem de uma cobra mordendo o próprio rabo,
enquanto descrevia um movimento cíclico. A interpretação dessa
imagem o levou a deduzir a estrutura procurada, combinando 6
átomos de carbono com 6 de hidrogênio, na forma de um anel.
Tais vivências, independente de qualquer análise mais aprofundada,
podem ser interpretadas, do ângulo psicológico, como respostas
do inconsciente às inquisições da pessoa, a quem cabe, realmente,
compreender o seu significado.

O Unus Mundus dos Alquimistas


A Alquimia, ou a Arte2, como era conhecida em tempos mais
remotos, foi uma das maneiras adotadas por estudiosos antigos
para ‘alcançar’ a purificação e a transformação espiritual e,

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consequentemente, expandir a consciência com o desenvolvimento
da inspiração e da intuição através de imagens. A característica
principal da Alquimia é a transmutação: consiste em transformar
algo em outra coisa que é de uma natureza superior, seja de ordem
material, psíquico e até mesmo espiritual. Tanto nas tradições
orientais quanto nas ocidentais, a Alquimia era a fonte misteriosa
capaz de prover subsídios para formalizar uma simbologia, onírica e
esotérica, que tivesse um poder de alterar a consciência possibilitando
conectar a alma humana à dimensionalidade cósmica, ao etéreo.
Para os alquimistas, o mundo físico, material, era parte de um
imenso aglomerado de outros mundos interconectados formando
uma conjunção (coniunctio) primordial ou unus mundus, como
denominou o alquimista alemão Gerhard Dorn3 [1530 - 1584]. Este
termo da filosofia medieval para descrever a realidade una, subjacente
a tudo que existe, - o cosmo unificado -, é também assimilado
como uma projeção do “modelo potencial preexistente da criação
na mente de Deus” (FRANZ, 1992, p. 198). Sob uma perspectiva
evolucionária, o que significa postular um mito da criação, o unus
mundus também simboliza ‘o primeiro dia da criação quando não
havia o segundo’. Quer dizer, o universo físico surgiu de uma creatio
continua, o princípio gerador feminino, responsável pela criação
da alma do mundo, a anima mundi dos alquimistas. Tal princípio
expressa a plenitude inobservável, metafísica ou espiritual, da qual
o unus mundus é o seu aspecto energético. Da noção de unus mundus
depreende-se que a multiplicidade do mundo empírico pressupõe
uma unidade original subjacente a tudo e, portanto, não existem,
verdadeiramente, dois ou mais mundos paralelos ou entrelaçados.
A ideia de um mundo potencial, que transcende a dualidade da
mente e da matéria, foi abordada por notáveis estudiosos. É o caso
da noção de nous poiétikos apresentada pelo famoso médico e filósofo
persa ‘Abu ‘Ali al-Hussain ibn ‘Abd Allah ibn al-Hassan ibn ‘Ali ibn
Sina, [980-1037], o conhecido Avicena. Interessado no efeito da
mente (psique)4 sobre o corpo, tendo inclusive escrito um tratado

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sobre psicologia, Avicena acreditava que existia de uma inteligência
criativa (espírito) na realidade cósmica, presente nas coisas em si
mesmas (FRANZ, 1991, p. 163). Durante a Renascença, o humanista
Marsílio Ficino [1433-1499] também contemplou essa misteriosa
qualidade anímica referindo-se ao universo inteiro como um ‘ser
vivo’, onde o cosmo é seu corpo, a morada da alma do mundo, da
nous divina. Duzentos anos depois, o filósofo holandês Benedictus
(Baruch) Spinoza [1632-1677] defendeu a ideia de que existe
uma substância fundamental, a causa sui, da qual derivam todas as
manifestações físicas como diferenciações de uma totalidade.
Cosmovisões desta natureza transcendem os limites intrínsecos
a qualquer concepção dual da realidade e induzem considerações
acerca de uma totalidade cósmica. Isto é percebido na referência
que os alquimistas faziam à oposição entre o Sol e a Lua, quando, na
verdade, eles queriam enfatizar a noção de opostos complementares,
assumindo que não existem antagonismos. Esses persistentes
‘buscadores’ do conhecimento não faziam qualquer distinção entre
as vivências do mundo interno da mente e as ocorrências do mundo
externo, e sim, as assimilavam como manifestações do unus mundus. O
que significa dizer que a aparente incompatibilidade discriminatória
entre esses mundos, não passa de uma ilusão por conta das nossas
limitações sensoriais.

Fixo e o Volátil
Os alquimistas acalentavam a ideia de que o mundo físico
originou-se de um ‘quatérnio primordial’, enquanto símbolo
‘intermediário’ da totalidade amplamente postulada em antigas
sociedades5. Para eles, cada coisa que existe no universo era uma
combinação dos elementos desse ‘quatérnio’ - fogo, ar, água e terra
-, os quais deveriam ser liberados de volta aos seus lugares naturais
e, então, recombinados em novas formas de matéria.

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Como já abordamos, o unus mundus dos alquimistas projetava
uma realidade onde o mundo sensorial era permeado e guiado
por um elemento sutil, intrínseco à natureza, i.é., o ‘espírito da
matéria’. Operacionalmente, essa realidade seria alcançada através de
processos transformadores de materiais, os mais caóticos possíveis,
com o intuito de liberar o misterioso elemento. Os textos alquímicos
mencionem várias etapas desses processos como uma metodologia
(experimental) para alcançar o lapis philosophorum (a pedra filosofal
ou pedra do conhecimento), das quais três são típicas: a nigredo
(negrume), a albedo (‘embranquecimento’) e a rubedo ou citrinitas
(‘avermelhamento’ ou dourado).
Em termos práticos, o objetivo central da obra alquímica
(opus alchymica) consistia em tratar a matéria bruta (prima materia)6
‘contaminada’ e ‘oculta’ no corpo humano ou na matéria ao nosso
redor, purificando-a de modo a liberar o espírito, a qualidade divina.
Assim, poder-se-ia ‘contatar’ com o princípio anímico, o lapis
philosophorum, para os alquimistas “a pedra enviada por Deus .....
tem um espírito (pneuma), que deve ser extraído dela” (von FRANZ,
1992, p. 180). Antes de iniciar a opus, era preciso concentração e
meditação profunda para purificar a alma, o espírito e o corpo e,
assim preparados, podiam realizar a primeira etapa (a nigredo), quando
se deparam com a desfiguração total da prima materia. Isto porque,
o processo de assimilação dos resultados experimentais (o labor) da
opus, exigia do alquimista, de um lado, reconhecer as transformações
ocorridas consigo mesmo, e de outro, uma profunda intuição (oratio)
acerca do significado das experiências, proporcionando uma descrição
mais abrangente da realidade. Uma vez assimilado esse ‘conhecimento
transcendental’, imaginaram eles, poderiam curar todos os males,
unir todos os opostos e todos os abismos e, ainda, delinear aquelas
‘raízes arquetípicas’ que tanto precisamos descobrir em nós mesmos.
Trata-se de um procedimento necessário para compreender a própria
transformação e a do mundo ao redor, embora alguns alquimistas
desejassem vislumbrar o que seria ‘o momento original’ da criação.

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Séculos depois, enquanto desenvolvia sua teoria psicológica, o
medico suíço Carl Gustav Jung [1875-1961] captou esse propósito
alquímico lembrando que “a tarefa da Arte seria a de separar o
Archeus7, o spiritus mundi da matéria, produzindo a quinta-essência,
cuja ação sobre a humanidade poderia ser comparada à de Cristo”
(JUNG, 1991b, § 512). Essa designação transcendente - o spiritus
mundi - é referenciada de maneiras diferentes em cada tradição.
Enquanto na alquímica oriental, e.g., a ioga indiana e o taoísmo
chinês, buscava-se o elemento feminino do espírito, o qual uma
vez ‘absorvido’, induziria a harmonia com a natureza separando
o espírito do corpo, por sua vez, o objetivo da alquimia européia
era o de libertar o ‘homem superior e mais nobre’ da matéria. Em
ambas as orientações, essa dinâmica cosmogônica é representada pela
imagem de um dragão, ou uma serpente, mordendo a própria cauda,
devorando a si mesmo num processo circulatório que simboliza a
imortalidade e a renovação do universo. Tal imagem, que depois ficou
conhecida como Ouroboros8, tornou-se uma evidência inconteste,
para os alquimistas mais astutos, de que a prima materia da ‘arte
alquímica’ era o próprio alquimista (o ser humano). Talvez por isso
esses ‘buscadores’ do conhecimento confiassem plenamente nas suas
visões, sonhos e inspirações para guiar e aperfeiçoar sua ‘Arte’.
Embora os escritos alquímicos tratassem dos mistérios da
natureza sob uma visão metafísica da realidade, os mesmos foram
cruciais para o desenvolvimento de metodologias científicas.
É inegável que a Alquimia e seus princípios que envolviam a
experimentação e a teorização, podem ser considerados como
‘vertentes científicas’ de antigas tradições, porquanto deixaram
marcas indeléveis no processo de geração de conhecimento.

A Conjunção Alquímica Mente-Matéria


O mundo dos alquimistas pode ser tomado como um guia para
analisar o comportamento da mente, embora careça de soluções

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objetivas para os conflitos inerentes à nossa própria existência.
Isolados em suas atividades que envolviam tanto uma exploração
externa quanto interna de sua personalidade, os alquimistas não
diferenciavam o mundo da matéria daquele da mente e, deste modo,
trataram as operações físicas e as mentais sob um mesmo contexto.
Para eles, havia uma relação íntima entre o experimentador e o seu
experimento, por acreditar que o ‘mundo de suas experimentações’
estava conectado ao ‘mundo do cosmos’. Deste modo, em suas
tentativas para desvendar os mistérios do universo, combinavam
o aspecto físico (material) e o psíquico, uma vez que não faziam
qualquer divisão entre os mesmos. Tomados pela noção de unicidade,
os alquimistas procuraram delinear uma conexão entre a sua própria
natureza interna e a natureza interna da matéria, objeto de sua obra.
Mais especificamente, buscavam associar os processos de separação
e de purificação da prima materia a purificação interna de sua alma,
vislumbrando uma transformação espiritual9.
Jung reconheceu a abrangência dessa concepção ao analisar
as operações alquímicas como metáforas àquelas do processo de
individuação10. Em termos psicológicos é possível fazer um paralelo
com as três etapas mencionadas: a nigredo (a etapa inicial da confusão,
do caos total) com o arquétipo da Sombra11, que categoriza os
aspectos rejeitados e não aceitos da personalidade; a albedo, (a etapa
da germinação, do desenvolvimento) correspondendo à integração
dos componentes contrassexuais interiores, o arquétipo da Anima12,
no caso do homem, e do Animus, no caso da mulher; e a rubedo (a
etapa final, quando a pedra filosofal começa a irradiar o efeito de
cura cósmica) com o Si-Mesmo13, o centro, a fonte da integração
interna da personalidade (FRANZ, 1992, p. 181).
O fato é que Jung assimilou o propósito alquímico da
transmutação dos elementos e seu simbolismo, como referência
para conceituar o inconsciente, i.é., procurou reconhecer nos
processos de refinamento da matéria uma maneira de espelhar as
transformações do Si-Mesmo. A partir desta correlação, ele argüiu

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que o terapeuta, além de ‘observar’ a psique do paciente, também
deve considerar sua própria transformação, pois, durante o processo
analítico, ambos estão inextricavelmente conectados.
Se, do ponto ângulo científico essa correlação mente-matéria
pareça estranha, é inegável que a psique é a fonte, objetiva e teleológica,
de todo o conhecimento que formulamos acerca do mundo. Não
podemos esquecer que as teorias científicas não são construções
arbitrárias ou simplesmente surgem da maneira que relacionamos os
fatos. Elas são criações reais da mente humana, ou seja, da psique,
como descreve Jung em sua teoria psicológica. Para este autor, toda
ciência é função da psique na qual todo conhecimento está enraizado
(JUNG, 1991a, § 357). Neste sentido, a psique é o ambiente pleno da
subjetividade que se expressa objetivamente em nossa consciência.

A Projeção Celeste na Terra


Na Alquimia, a exemplo de filosofias de povos tradicionais,
preservava-se uma noção de inteireza e de completitude com o
cosmos projetando uma conexão sutil entre o céu e a Terra. A
máxima da alquimia hermética14, ‘céu em cima, céu embaixo’ da
Tabula Smaradigna15 (a placa esmeraldina), traduz essa união ao induzir
a harmonia essencial em todo o universo, onde o ser humano é um
microcosmo no qual o todo é refletido. Philippus Aureolus Bombast
von Hohenheim, mais conhecido como Theophrastus Paracelsus ou
simplesmente Paracelso16, foi um famoso médico e alquimista suíço
do século XVI que defendeu essa relação. Para ele, o médico, além
de ser um alquimista, também deve ser astrólogo, pois o firmamento
é também fonte de conhecimento. Uma visão similar à cultuada em
tradições como a africana e a indígena, segundo as quais, o céu é a
fonte primordial, ‘onde tem muito mais coisas que na Terra’. O que
significa dizer que a Terra nada mais é do que um reflexo do céu:
tudo que está aqui tem de ter estado lá.

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A relação de intimidade desses povos tradicionais com o mundo
natural, em especial com o cenário cósmico, possibilitou a confecção
de calendários estelares discriminando as estações do ano, períodos
de chuvas, de plantio e de colheita, e outras atividades regulares.
Por outro lado, embora ainda incipiente, observa-se uma atenção
maior de alguns acadêmicos voltados para o conhecimento e o nível
de sabedoria dos indígenas brasileiros sobre o ambiente terrestre
e a dinâmica de corpos celestes (AFONSO, 2008). Diferente das
configurações elaboradas pelos cientistas, em que as constelações
são formadas unindo as estrelas, na etnoastronomia indígena, as
configurações estrelares reproduzem imagens de animais e de outras
formas do mundo natural. É o caso, por exemplo, do aglomerado de
estrelas conhecido como as Plêiades (Eixu para os Guarani do sul do
Brasil e Seichu para os Tupinambá do norte, que quer dizer, ‘ninho de
abelha’ ou ‘favo de mel’). Para ambos os povos (e outros aborígines),
o aparecimento das Plêiades marca os interstícios do ano. Após
um período de invisibilidade (o ocaso helíaco, que corresponde ao
mês de maio) devido a sua conjunção (proximidade) com o Sol, as
Plêiades surgem pela primeira vez a leste, no início do mês de junho,
perto da linha do horizonte antes do nascer do Sol, prenunciando o
inverno para os Guarani e a estação seca para os Tupinambá do norte.
É o nascer helíaco, marcando o início do ano. De um modo similar,
o aparecimento das Plêiades em meados de novembro, a leste, logo
após o por do Sol, indica a chegada do verão no sul e do período de
chuvas no norte. É o nascer cósmico ou anti-helíaco.

Notas
1. Como um princípio, essa assertiva é até mesmo incorporada por
cientistas na busca de uma ‘teoria do tudo’, aquela que explicaria não
só as partículas de matéria mais também suas interações, a partir da
unificação das quatro forças fundamentais conhecidas. Ocorre que esse

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propósito exprime mais um desejo, ou melhor, um estímulo intuitivo
sem qualquer perspectiva realização (ao menos por enquanto).
2. Alquimia é uma palavra européia derivada de Al-Khem, a fonética árabe
para um antigo nome do Egito. Nesta versão, era conhecida como a
‘Arte do Egito’. Vale observar, ainda, que os registros sobre a Alquimia
em outras sociedades antigas, como a chinesa e a indiana, remetem a
textos do cânon taoista e aos escritos védicos, respectivamente.
3. Em sua obra Phyica Trismegist, Gerhard Dorn (ou Gerardus Dorneus,
nome que o próprio adotou em latim) explica que, no princípio, Deus
criou um só mundo e, depois, o dividiu em céu e terra. Contudo, estes
não podiam existir sem o ‘terceiro’, o estágio oculto, que também podia
existir sem os outros dois. Esse ‘terceiro’ estágio é a unidade original
do mundo, do qual emerge o Unus Mundus, o único mundo, o futuro do
mundo eterno.
4. O termo psique é usado aqui intercambiável ao de mente, quando há uma
conotação psicológica. Descrita como um espectro imaginal/somático,
a psique é tratada como um ‘sistema’ autônomo que não pode ser
estudado em partes, tampouco reduzida a sistemas mais simples.
5. Na literatura científica atribui-se ao filósofo grego Empédocles de
Agrigento (483-430) a concepção de uma cosmogonia baseada nos
quatro elementos, cujas relações são regidas pelo amor (união, amizade)
e pelo ódio (separação, discórdia).
6. Prima materia se refere à ‘primeira matéria’, o ‘caos original’ de onde
veio toda a matéria. Jung interpretou a prima materia como um conteúdo
inconsciente pronto para ‘emergir’, mas precisando do ‘calor’ da
consciência ‘desperta’ para transformá-la numa experiência consciente.
7. Na linguagem alquímica, o Archeus é referenciado como o espírito mais
elevado, mais digno e invisível e, ainda, a força secreta da natureza.
8. Ouroboros – antigo símbolo alquímico, supostamente originário do
Egito antigo, passando pelos fenícios até chegar a Grécia, onde recebeu
essa denominação (que significa ‘o comedor de cauda’). O Ouroboros
simboliza o ciclo natural das coisas, o eterno retorno, o renascimento,
e ainda expressa a natureza dual de todas as coisas, onde os opostos
não são conflitantes. Essa referência é também encontrada em várias
tradições, como a Chinesa, Asteca, Hindu, Indígena, na forma de uma
serpente ou de um dragão mordendo a própria cauda.

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9. Vale ressaltar que já no inicio do século XVII, precisamente com a
Philosophia perennis de Jakob Böhme (1575-1624), já se configurava a
divisão da figura do alquimista no que veio a ser o ‘químico moderno’
e o ‘filósofo hermético’. Deste modo, os alquimistas ‘herméticos’
ficaram sem uma base empírica que sustentasse suas interpretações da
fenomenologia da natureza.
10. O processo de individuação é o movimento pelo qual uma pessoa
integra conteúdos do inconsciente, desenvolve sua personalidade,
levando-a a conscientizar-se do arquétipo da totalidade. É uma maneira
para uma pessoa se aproximar do mundo realizando dois princípios:
(a) um processo interno e subjetivo de integração e um processo
igualmente indispensável de relacionamento objetivo. Nenhum pode
existir sem o outro, embora, algumas vezes, possa existir o predomínio
de um sobre o outro.
11. Arquétipo: conceito da psicologia junguiana; conteúdo do inconsciente
coletivo; um padrão inato de imaginação, pensamento ou
comportamento que pode ser encontrado entre seres humanos em
todos os tempos e lugares. Jung distingue Sombra pessoal (aspectos da
personalidade rejeitados e não aceitos que, reprimidos, formam uma
estrutura compensatória para os ideais do Ego e da Persona) e Sombra
coletiva ou arquetípica (fonte de energia indiferenciada do inconsciente
coletivo que pode irromper instintivamente na consciência).
12. Animus – imagem arquetípica do masculino eterno no inconsciente
da mulher formando um elo entre o Ego-consciente e o inconsciente
coletivo e, potencialmente, aquele que abre o caminho para o Si-Mesmo;
Anima – é o correspondente feminino da imagem arquetípica para o
inconsciente do homem.
13. Si-Mesmo (ou Self) - termo usado por Jung (tomado da filosofia indiana)
para representar o arquétipo da totalidade (aquele que contém todos os
arquétipos). É o centro regulador da psique e fonte de todas as imagens
arquetípicas e das tendências psíquicas inatas para a estrutura, ordem
e integração. Como arquétipo do crescimento, organiza e governa o
inconsciente coletivo, sendo dotado ainda do poder transpessoal que
transcende o Ego.
14. Alquimia hermética ou espiritual era um dos campos de atividades no
qual os alquimistas trabalhavam para purificar a si mesmos eliminando

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a base natural do Si-Mesmo com o objetivo de alcançar o ‘ouro’ da
iluminação. O outro campo de atividade, o físico ou mundano, tinha
como propósito descobrir um processo para converter metais básicos
(ex. o chumbo) em ouro.
15. A Tabula Smaradigna é um texto clássico atribuído a Hermes Trismegistus
(Três Vezes Grande) uma versão grega da divindade egípcia Thot,o criador
das artes e das ciências.
16. Paracelso ou Theophrastus Paracelsus foi o nome adotado por Philippus
Aureolus Bombast von Hohenheim, médico, alquimista, astrólogo e
filósofo nascido em 10/11/1493 em Einsiedeln, Suíça. O seu conceito
de lumen natura (a luz da natureza que ilumina a consciência), algo como
um céu interior, teve uma importância histórica para o materialismo que
pavimentou o caminho para a ciência moderna.

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Capitulo 2
A CIÊNCIA MODERNA:
O REINO DA OBJETIVIDADE

A Realidade Objetiva
Os historiadores da ciência ocidental reportam a sua origem
à Grécia antiga, onde sábios como Platão [427-347 a.C.], ousou
perscrutar além das aparências: existe um mundo verdadeiramente
mais profundo, o ‘mundo das ideias’, das ‘formas’ ou dos ‘ideais’
(como foi denominado no século XVIII), do qual, a realidade física
nada mais é do que uma cópia. Provavelmente, reconhecendo a
necessidade de afirmar sua ligação com o ambiente cotidiano,
Platão tenha considerado esse ’mundo das ideias’ tão real quanto o
mundo dos objetos imaginando que, através das ideias, a humanidade
alcançaria a consciência do absoluto. Por sua vez, Aristóteles, [384-
322 a.C.], o discípulo mais famoso de Platão, externou uma noção
sensorial da realidade concebendo a existência de uma força vital
que orienta os organismos e os sistemas naturais, em um processo
de auto-regulação.
Em termos práticos, a lógica de Aristóteles discrimina um
mundo acima da Lua, o suposto ambiente da quinta substância
(ou essência) - que seria o éter - de um mundo abaixo da Lua,

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onde ocorreriam transformações e mudanças envolvendo os
quatro elementos: fogo, ar, água e terra. Na sua obra Physis, base
da conhecida física aristotélica, ele considera que a tendência
desses quatro elementos em procurar seu lugar natural (origem)
é a responsável pelo ‘surgimento’ de forças e dos movimentos das
coisas. Para Aristóteles, sendo a natureza perfeita, nada acontecia por
acaso. Um propósito que associava o caráter teleológico a tudo que
ocorre na natureza. É possível que, ao conceber a existência de uma
uniformidade no mundo natural, Aristóteles desejasse explicar todos
os fenômenos, de modo que, qualquer descontinuidade (aparente)
seria uma ‘conseqüência’ da interferência humana.
A visão aristotélica do mundo chegou a Renascença, período em
que culminou com a revolução na maneira de abordar a natureza: o
nascimento da ciência moderna. Os legados de pensadores ilustres
como Nicolau Copérnico [1473-1543], Giordano Bruno [1548-
1600], Galileo Galilei [1564-1642], Johannes Kepler [1571-1630]
e René Descartes [1569-1656], contribuíram significativamente
para a formalização da ciência moderna por Isaac Newton [1642-
1727]. A noção da causalidade do movimento, de que são dotadas
todas as substâncias, baseada na física aristotélica, foi substituída por
uma descrição objetiva das ocorrências dos fenômenos da natureza
e ‘traduzida’ em termos de caracteres matemáticos. Esta nova
maneira de obter o conhecimento foi afirmada pela capacidade de
prever ocorrências e eventos, a partir de regras lastreadas por uma
concepção epistemológica da realidade.
Ao inaugurar o que se chamou ‘Era da Razão’, Newton
reconheceu: “se pude enxergar mais longe que os outros, foi porque
esteve sobre os ombros de gigantes” (MARCH, 1970, p. 22),
uma menção aos cinco pensadores supracitados. Dos ‘gigantes de
Newton’, Copérnico cometeu a ‘heresia’ de afirmar que a Terra não
era o centro do universo, o que, além de provocar uma mudança
dramática no mapa mental do ser humano acerca do seu lugar no
panorama universal, suplantou o tabu da cosmologia aristotélica de

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que a Terra estava em repouso, em torno da qual giravam planetas
e estrelas; Bruno abraçou a ideia do heliocentrismo postulando,
ainda, a existência de outros sistemas solares em um universo
infinito; Kepler mostrou que a força oriunda do Sol era a responsável
pelas órbitas elípticas dos planetas e não circulares como acreditava
Aristóteles, além de aplicar a matemática na formulação de suas três
leis do movimento planetário; Galileo estruturou a metodologia
científica baseada na obser vação e análise dos fenômenos,
estabeleceu a lei da inércia e a da queda livre, entre outros feitos e,
ao descrever as montanhas e as crateras na face da Lua usando um
telescópio, substituiu o observador passivo pelo observador ativo;
por fim, Descartes, ignorando qualquer matiz de ordem religiosa
ou subjetiva na geração do conhecimento, afirmou o caráter lógico
e objetivo para o novo ‘pensar’ sobre a fenomenologia da natureza.
Desde então, a descrição objetiva de mundo sobrepôs-se àquela
notadamente sensorial e intuitiva.
Seguramente, um dos feitos mais marcantes da ‘nova’ ciência se
refere à formulação elaborada por Newton que suplantou a dualidade
aristotélica, ‘unificando’ o céu e a Terra com uma ‘ação não local à
distância’, i.é., a força da gravidade. Por certo, ele assimilou uma das
principais contribuições de Galileo: a ideia da ‘observação ativa’. Em
conseqüência, os instrumentos científicos passaram a ser tratados
como uma extensão dos sentidos humanos para investigar tanto o
mundo ao redor quanto o ambiente das coisas diminutas.
Diferente da então dominante cosmovisão aristotélica que se
propunha abranger todos os fenômenos, o objetivo de Newton era
o de analisar e prever o comportamento de um subconjunto de
fenômenos, descritíveis através de equações. Com o desenvolvimento
da matemática (no caso, a geometria analítica e o cálculo1) e o
aprimoramento da metodologia experimental, Newton fundamentou
a noção da continuidade para descrever as ocorrências da natureza,
estabelecendo, ainda, as três leis do movimento para um cenário
cosmológico inerte em que o espaço é imóvel e infinito e o tempo flui

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continuamente. Para ele, a magnitude geométrica observada como
a distância entre pontos materiais e seus processos de mudanças no
tempo, não determinaria completamente os movimentos no sentido
físico. Sob o pressuposto de que, além da massa e da distância, a qual
varia com o tempo, existe algo a mais determinando o que acontece,
Newton idealizou o espaço absoluto, como estrato referencial para
‘situar’ uma realidade física, de modo que suas leis do movimento
tenham significado. Desta maneira, a noção de espaço e tempo
absolutos e imutáveis tornou-se uma referência não só para descrever
os movimentos dos corpos celestes como também aqueles observados
na Terra. Séculos depois, o mundo tranquilo de Newton, que dava
forma e estrutura ao universo, deu lugar ao espaço e tempo flexíveis
e dinâmicos da teoria da relatividade geral de Einstein.
Este foi o cenário em que se formalizou a descrição causal da
realidade física baseada, de um lado, na observação e/ou medida
e, de outro, na descoberta de leis matemáticas que possibilitam
determinar qualquer estado de um sistema ou objeto no futuro e
no passado.

O Materialismo Reducionista
Inquestionavelmente, a ciência moderna revolucionou a
maneira de descrever o mundo com uma abordagem objetiva dos
fenômenos naturais. O progresso das ciências, fundamentado no
intercâmbio contínuo entre descrições matemáticas e as medidas
experimentais, validam suas teorias. Se, de um lado, a base
matemática adotada por Newton assume que todos os movimentos
são contínuos, embora possam ser analisados separadamente, de
outro lado, criou-se um mundo constituído de muitas partes como
se fosse uma máquina. Nesse ambiente previsível, onde o passado
e o futuro estão matematicamente contidos no presente, qualquer
coisa que pode influenciar, faz parte dessa máquina gigantesca.

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A descrição mecanicista de mundo incorporou a prática grega da
ratio (ou divisão), firmando-se como um dos pilares paradigmáticos
da ciência moderna. Talvez porque a filosofia natural da Grécia antiga
combinasse a razão aristotélica com uma espécie de materialismo.
Um materialismo que reflete a noção de que existe um mundo
externo independente do observador.
A ciência moderna reproduziu essa tendência, com a visão
de mundo baseada no ‘fisicalismo’, quer dizer, estados ou até
mesmo propriedades mentais podem ser explicadas em termos de
estados e propriedades físicas. Trata-se de uma premissa advinda do
formalismo (consistente) desenvolvido por Newton ao privilegiar
uma descrição materialista da natureza sintonizada com o discurso
filosófico de Descartes que distingue a mente da matéria, enquanto
ignora quaisquer injunções de ordem subjetiva.
De um modo em geral, essa indução ao materialismo pressupõe
que todas as coisas podem ser reduzidas a propriedades da matéria,
ou seja, todos os estados energéticos podem ser tratados como
processos materiais, tornando-os passíveis de serem governados
por leis da Física. Em outras palavras, tudo que existe, desde a
criação do mundo até os sonhos, pode ser descrito em termos
dos processos sutis que governam os elementos fundamentais da
matéria. Se compreendermos tudo sobre tais elementos, então
compreenderemos tudo mais que existe no mundo. Embora essa
corrente de pensamento constitua um ‘parâmetro guia’ para uma
teoria ou qualquer formulação científica, não é possível considerar,
por exemplo, que a mente possa ser reduzida ao cérebro. Algo
inconcebível, porquanto implicaria em transformar o abstrato, o
subjetivo (a mente) em algo físico, material (o cérebro). De fato,
apesar de serem reportados a um mesmo ambiente, mente e cérebro
são denominações que expressam mundos diferentes.
Ao adotar a objetividade, separando o que é observado do
observador, a física newtoniana isolou o cientista do seu objeto
de estudo. Um proceder que, embora ressalte a dualidade na

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interpretação de uma ocorrência, polariza o seu aspecto físico.
É natural, então, ponderar que as dificuldades e as limitações
conscientes para representar as influências de ordem subjetiva na
estruturação do conhecimento, reforçaram o desenvolvimento de
uma ciência dominantemente objetiva. Entre outras conseqüências,
a força paradigmática do reducionismo científico passou a sustentar
a ideia que a realidade física podia ser explicada com a noção do
átomo.

A Afirmação da Ciência Moderna


No final do século XVIII, a ciência moderna já proporcionava
uma visão do mundo baseada em leis físicas bem estabelecidas. Uma
vez conhecidas os parâmetros físicos de um sistema, ou objeto em
estudo, seria possível realizar uma previsão de um comportamento
futuro. Essa noção de determinismo ‘perfeito’, defendida pelo
astrônomo e filósofo francês Pierre Simon de Laplace [1749-1827],
pressupunha uma lógica equivalente entre duas proposições da
dinâmica newtoniana com respeito a dois instantes diferentes de
tempo. O que tornou possível considerar o atual estado do universo
como resultante de seus estados prévios e causa daqueles que se
seguirão. Nessa concepção, não havia espaço para o imprevisível, a
subjetividade inerente ao ser humano, a natureza em si.
Foi neste panorama que surgiu a revolução industrial
e, consequentemente, o desenvolvimento de máquinas que
amplificaram as ações humanas provocando, desde então, alterações
significativas no ambiente da convivência humana, bem como
no seu habitat, o nosso planeta. É fato que a projeção da ciência
‘mecanicista’ de que o mundo funciona como se fosse um grande
relógio, marcou o início da produção de bens materiais e outras
conquistas em prol do bem estar humano. Uma delas se refere às
grandes navegações ao ‘novo mundo’, abarrotando a Europa com

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espécimes alimentícias desconhecidas, pedras e metais preciosos,
madeiras e outros especiarias, o que contribuiu significativamente
para viabilizar o progresso europeu na época.
É inegável que todo esse processo filosófico-histórico-
econômico alterou radicalmente a maneira de gerar o conhecimento
pela ciência. Até então, comungava-se o pensamento aristotélico
de que o universo era antropocêntrico. Prevalecia a ideia de que o
mundo surgiu de uma ‘substância primordial’ (uma criação divina),
evoluindo de acordo as leis da natureza. Paralelamente, acalentava-se
a noção de que todas as informações acerca do ser humano, e do
universo, possuíam uma conotação religiosa, originárias, que eram,
de mosteiros e das poucas universidades. Esse panorama mudou com
a vigência do modelo heliocêntrico copernicano, que ‘removeu’ o
ser humano do centro do universo. Um ‘modo de pensar’ que abriu
caminho para a concepção newtoniana-cartesiana, onde o espaço
absoluto e do tempo linear são os elementos ‘estruturadores’ do
mundo mecânico ou, como poder-se-ia dizer, ‘o mundo que Deus
criou e o ser humano tomou para governar’.
Enfim, a fenomenologia do universo passou a ser descrita
através de uma linguagem matemática, e seus princípios, dogmas,
regras e símbolos, viabilizando um cenário onde os parâmetros são
controláveis. Essa mudança, além de provocar a fragmentação no
modo de pensar sobre o mundo externo, físico, tornou-se dominante
no comportamento da sociedade em suas experiências de vida.
Quaisquer alusões de ordem subjetiva, inerentes às ocorrências dos
fenômenos naturais, são sistematicamente desprezadas, o que limita
o espaço para as expressões da criatividade humana.

O Ser Humano e o Conhecimento Científico


A natureza, como único e incontestável ‘objeto’ de estudo, exibe
um estado permanente de fluxos e de transformações constantes.

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Uma noção presente em quase todas as sociedades aborígines,
para as quais tudo está ligado a tudo. No entanto, essa considerada
unicidade primordial não é absorvida pela ciência moderna em sua
representação do mundo externo, baseada em teorias da Matemática.
Não seria exagero afirmar, portanto, que o alarmante quadro de
insensibilidade e de desrespeito para com a natureza, categoriza uma
herança do racionalismo científico que separa o ser humano da sua
fonte primordial e soberana. Uma situação que reflete o ‘pensar’
acadêmico, ao delimitar o papel do cientista como um agente, cuja
função se restringe a analisar e/ou prever e, eventualmente, inferir
alguma correção quando o sistema, ou o objeto de estudo, não flui
como desejado.
Maravilhada com os avanços tecnológicos proporcionados
pela ciência, a sociedade contemporânea mantém uma inexplicável
distância do mundo natural, alimentando uma postura de indiferença
em todas as categorias relacionais, quer individuais ou coletivas.
Mesmo vivenciando a notável e misteriosa dinâmica transformadora
da natureza, o ser humano não a trata de uma maneira empírica e
indutiva como ensinou um dos precursores da ciência moderna,
Francis Bacon [1561-1626]. Revisando o pensamento filosófico de
então, Bacon argüiu que a ciência deve ser pautada pela coerência,
organização e reverência à natureza, diante da necessidade de
preservá-la para as gerações futuras. Entretanto, a maneira com que
foi sintetizada a sua visão de mundo, i.é., ‘conhecimento é poder’,
demonstra uma aplicabilidade individualizada e exclusivamente
racional, marcada por atitudes e ações orientadas para o ‘conquistar’.
É o que se percebe ao inferir qual o elemento motivador dos mundos
econômico, político e social e, suas conseqüências para a formação
educacional que valoriza o individual em detrimento do coletivo. Não
parece que seja esse o caminho a ser trilhado pelo ser humano, pois,
enquanto expressão genuína da raça inteligente aquinhoada pelo
livre arbítrio, deve evoluir em sintonia com sua fonte primordial, a

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natureza. Diante desse quadro de insensibilidade, faz-se premente
uma reformulação de paradigmas de modo a valorizar atitudes
igualitárias, tanto nas relações pessoais quanto nas ambientais.

A Projeção Iluminista da Ciência


O Iluminismo, um movimento que surgiu na Europa em meados
do século XVIII e avançou até o século XIX, procurou firmar-se
como uma corrente filosófica, científica e literária, em oposição
às concepções do mundo fundamentadas numa religiosidade
institucional ou no misticismo. A associação desse movimento ao
racionalismo científico alijou toda e qualquer conjectura de natureza
anímica que poderia existir numa descrição da realidade. Entre as
conseqüências, a ideia alquímica e/ou religiosa de alma passou a
ser identificada com a consciência, o que significa dizer que a alma
‘tornou-se’ o que se sabia dela.
Esta corrente de pensamento encontrou na recém criada ciência
moderna, com suas teorias, modelos matemáticos e metodologias
experimentais, o desejado ambiente fértil no qual o poder da razão
e o progresso crescente acabariam, eventualmente, por eliminar
as desigualdades, a pobreza extrema e as injustiças que avassalam
a humanidade. Era um sonho inspirado em um elenco de certezas
coletivamente estabelecidas com valores que todos aceitariam a
exemplo do bem-estar comum, plena felicidade, razão, livre arbítrio,
boa governabilidade, enfim, da obediência às leis. Pressupunha-se
que a ciência, e sua tecnologia, poderiam resolver os problemas que
a sociedade enfrentava, através da lógica, do conhecimento e da
capacidade de previsão proporcionada pela matemática.
Para ilustrar essa transição, pontuamos, brevemente, algumas
ideias categorizadas como ‘iluministas’ (OMNÈS, 2002). Embora o
cenário idealizado para representar as ocorrências da natureza seja

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o mundo newtoniano do espaço e tempo absolutos e perfeitos, vale
observar as menções de natureza sutil relacionando mente e matéria,
o que serve ao propósito deste trabalho.
As ideias de René Descartes [1596-1650] foram decisivas para
a construção do ‘modo de pensar’ que orientou a ciência moderna.
Ao rejeitar todos os dogmas religiosos e ‘eliminar’ todas as figuras
autoritárias numa concepção de mundo, Descartes resgatou a
noção do dualismo. Mas, em vez de discriminá-lo na forma de
‘ser’ e ‘mudar’ dos gregos antigos, o representou na forma de uma
dialética complementar expressa na sua frase cogito ergo sum (penso,
logo existo), obedecendo ao princípio de que o pensamento precede
a existência. Neste caso, uma reflexão usando esse pensamento e
sobre o pensamento em si conduz ao método que possibilita uma
compreensão completa.
A famosa frase de Descartes também pode ser assim entendida:
a palavra ‘penso’ expressa ‘mudança’ e, ‘existo’, caracteriza ‘ser’.
Imaginar o mundo em termos de matéria e movimento significa que
‘existir’ é a chave para mudar, e ‘mudar’ é uma necessidade para
conscientizar-se. Logo, ‘penso, logo existo’ implica que somente
através da própria consciência, uma pessoa pode ter certeza da sua
existência, o que é corroborado pelo próprio Descartes ao induzir
que ‘o corpo pode existir sem a mente, mas não ao contrário’.
O dualismo cartesiano não reflete uma divisão do mundo
entre a ‘coisa’ física e o aspecto mental, algo como um ‘dualismo
metafísico’. Trata-se de um tipo de ‘dualismo epistemológico’ que
nos permite apreender uma maneira de conhecer as coisas. Vale
lembrar que Descartes considerou a mente2 como uma substância
tão real e concreta quanto à substância que ele chamou ‘corpo’.
Este seria a matéria física ‘estendida’ no espaço (res extensa) e, a
mente, a ‘coisa pensante’ (res cogitans) que não ocupava espaço
e não era feita de qualquer matéria física, e sim, tratava de algo
puramente espiritual. Para este pensador, na mente pode existir
pensamentos distintos que correspondem, em conteúdos, a objetos

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distintos que estão separados, contudo, esses pensamentos não
são de fato localizados em regiões separadas do espaço. Ao inferir
que não existe nada no conceito de corpo que pertença a mente,
e vice-versa, Descartes torna explícito que os mesmos (o corpo e
a mente) possuem naturezas distintas e, por isto, somente Deus,
que os criou, poderia relacioná-los colocando nas mentes dos seres
humanos os pensamentos distintos que são necessários para tratar
a matéria como uma substância estendida. Podemos dizer que com
esta visão, Descartes eximiu-se de conceber qualquer relação comum
entre esses mundos.
Como se percebe, a filosofia cartesiana subsidia a noção de uma
‘realidade mecânica’ onde o mundo físico, e seus fenômenos, são
vistos como uma máquina e suas engrenagens. É uma conseqüência de
assumir a razão humana como a única base segura para compreender
a natureza e a própria humanidade. Tomando a razão, mais do que
a natureza em si, como o ponto de partida para compreender o
mundo, Descartes afirmou um ‘realismo físico’ em que, através da
investigação científica, pode-se obter um conhecimento completo
da realidade, o que configura uma ‘realidade independente’.
O filósofo e cientista alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz
[1646-1716], a exemplo de Newton, também explorou o pensamento
humano em sua descrição do mundo físico. Ele questionou a noção
de espaço no sentido convencional argüindo que se trata apenas de
um termo para verbalizar o relacionamento entre a localização de um
objeto e a de um outro. Significa que o espaço e o tempo são termos
que designam as relações entre a posição onde estão os objetos e
os instantes em que acontecem os eventos. O que caracteriza uma
posição ‘relacionista’, onde apenas o movimento relativo entre
objetos materiais tem significado.
Sem dúvidas, uma correlação mais ampliada entre os
trabalhos desses dois supracitados autores, mostrar-se-ia bastante
enriquecedora em qualquer estudo. No entanto, aqui a abreviamos.
Se, de um lado, Newton formulou o cálculo infinitesimal e as

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conhecidas leis que estabeleceram uma nova maneira de obter
o conhecimento perscrutando a fenomenologia da natureza, de
outro, Leibniz também desenvolveu, independentemente, o cálculo
infinitesimal introduzindo uma novidade: a função matemática,
um conceito que se tornou indispensável para a ciência. O fato é
que o cálculo tornou-se numa ‘ferramenta’ incrivelmente versátil e
fundamental para quase todas as abordagens científicas.
É imprescindível destacar, ainda, uma outra particularidade
que ligava esses dois pensadores. Newton tinha uma tendência ao
oculto, enquanto também um alquimista interessado nos mistérios
da matéria que se dedicou intensamente à busca da pedra filosofal,
tida como um agente da transmutação universal. Leibniz considerou
a existência de uma harmonia preestabelecida3 instituída pela sabedoria
divina, a qual ordena as unidades imateriais, invisíveis, evoluentes
da consciência, que ele denominou de mônadas. Tais mônadas são os
pontos metafísicos mais fundamentais, os elementos primeiros da
realidade que sempre existiram e jamais poderão ser destruídos.
Quer dizer, toda a matéria é algo vivo e totalmente animada por
mônadas, as quais representariam o princípio da continuidade sob
um sincronismo absoluto entre acontecimentos do reino físico e do
reino psicológico. Contextualizando Leibniz introduziu a expressão
Philosophia perennis para caracterizar uma metafísica onde pressupõe
uma ‘realidade divina substancial’ ao mundo das coisas, dos seres
vivos e das mentes. Significa que o mesmo princípio que se expressa
em nossas mentes também é ativo na matéria inanimada, nas plantas
e nos animais. Como se observa, inferências desta natureza denotam
uma transcendência no horizonte da ciência, que ambos (Newton
e Leibniz) ajudaram a construir.
Esta formulação de Leibniz destoa do cenário produzido pela
visão cartesiana onde a matéria é reduzida a ‘extensão’, sem levar em
conta a resistência que a mesma oferece ao movimento. Em outras
palavras, Descartes trata da mudança da posição de um corpo em
relação a um sistema de coordenadas, mas não da reação da matéria,

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que Leibniz chamou de ‘força’. Não uma força física, e sim capacidade
de atuar, de agir. Logo, sendo a matéria essencialmente atividade,
Leibniz idealizou que o universo é composto por unidades de forças,
que são as mônadas, a noção fundamental de sua metafísica.
Para o filósofo e teórico político John Locke [1632-1704], o
mundo que nos cerca proporciona os meios para pensar e para falar.
Assimilando o pensamento científico de Newton, Locke descreveu
a mente humana como uma espécie de recipiente vazio contendo
partículas distintas, separadas, chamadas ideias. Todas essas ideias
surgem direta ou indiretamente das experiências, podendo ser
externas (sensoriais) ou internas (intuitivas) do próprio estado da
mente. Elas são classificadas como ideias simples e ideias complexas:
as simples originam-se das experiências e, as complexas, surgem da
mente operando as ideias simples. A combinação de todas as ideias
inclui, em um primeiro estágio, espaço, expansão, forma, repouso
ou movimento, permitindo que a mente ‘extraia’ similaridades
entre as várias ideias simples através de reflexão e, deste modo, chegar
à abstração. No estágio final, que é a linguagem, as ideias assim
formadas são descritas por palavras, definindo os atributos comuns
das coisas que percebemos.
Esta construção empírica de Locke foi confrontada ao
pensamento de George Berkeley [1685-1753] e seu idealismo
filosófico. Enquanto Locke argüiu que todas as nossas ideias são
direta ou indiretamente derivadas das experiências sensoriais, para
Berkeley, tudo que podemos ‘experienciar’ são as nossas percepções,
pensamentos e sentimentos, de modo que não existe mundo físico,
material, a não ser que pensemos nele. Uma posição que sugere a
consciência como a única realidade. Berkeley acreditava que devia
haver alguma coisa determinando essas qualidades mentais e, então,
considerou a existência de um ‘espírito ativo, indiviso’, o responsável
por produzir esses efeitos em nossas consciências.
Por sua vez, David Hume [1711-1776] defendeu, a princípio,
uma concepção similar a de Berkeley. Ele enfatizou o papel do ser

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humano numa observação, argumentando que todo o poder criativo
da mente não é mais do que a faculdade de compor, transpor,
aumentar ou diminuir o material que os sentidos e as experiências
nos proporcionam. Numa interpretação restrita, significa dizer que
a única função da mente é a de explorar fatos, os quais constituem
a fonte de nossa representação do mundo, de nossa linguagem. E
isto somente é possível porque eles (os fatos) têm uma regularidade
suficiente que possibilita o uso da linguagem e da razão. Ora, mesmo
que essa regularidade seja descrita pelas leis científicas, essas leis
em nada acrescentam a um mero sumário de fatos observados. É
provável que este aspecto tenha levado Hume a admitir, mais tarde,
a existência de conexões sutis entre fatos, inferidas pelas leis da
ciência, todavia, ressalvando a impossibilidade de apreender algo
mais a este respeito.
Immanuel Kant [1724-1804] foi dos filósofos mais importantes
da modernidade, um pensador que tinha uma visão significativamente
própria da realidade. Em Crítica da Razão Pura, a sua famosa obra
publicada em 1781, que inaugurou a moderna filosofia do
conhecimento, ele propõe interpretar as experiências humanas em
termos de conceitos. Na visão kantiana, nada podia ser conhecido
exceto os fenômenos, cuja organização era dominada por um
‘julgamento sintético’ que não se refere ao mundo à nossa volta,
e sim, ao mundo ‘filtrado’ pela mente humana. Quer dizer, nunca
experimentamos os ‘dados’ sensoriais in natura, i.é., ‘a coisa em si’,
pois a nossa mente é estruturada da mesma forma que o mundo e,
ainda, contém as verdadeiras categorias com as quais percebemos
o mundo. Tais categorias (ou estruturas) permeiam todo o mundo
físico externo a nós e o mundo psíquico de nossos pensamentos.
Neste sentido, a realidade que vivenciamos surge da combinação
desses mundos, moldada nas categorias do espaço e do tempo.
Assim, Kant admitiu a existência de um mundo real além do que
conhecemos, mas que só pode ser observado através das lentes

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de nossas percepções mentais. Uma noção que afirma o papel da
psicologia na abordagem dos fenômenos da natureza.
Em suma, durante a Renascença, o ser humano teve a
oportunidade de ‘pensar livremente’, embora não soubesse a
natureza do pensamento em si. Quando Descartes afirmou que ‘ele
existia porque ele pensava’, pode-se imaginar que, na verdade, queria
enfatizar o pensamento de uma época saturada com sua ‘capacidade
de pensar’. Por sua vez, Newton considerou que era mais conveniente
pensar um mundo constituído de partículas, distintas e separadas,
configuradas num espaço e tempo absolutos. Supunha-se que o
pensamento consistia de experiências sensoriais discretas, numa
correspondência unívoca com o mundo físico. Leibniz com sua ideia
de mônadas procurou inferir um sincronismo entre acontecimentos
psíquicos e físicos. Locke estruturou a mente em partes diminutas
que ele chamou de ideias, as quais combinavam similaridade, contraste
e contigüidade. Berkeley e Hume ‘descobriram’ que o materialismo,
levado à sua conclusão lógica, produzia o idealismo. Quer dizer, não
conhecemos o mundo, exceto o mundo de nossos pensamentos e,
portanto, não existe a necessidade lógica em estabelecer quaisquer
asserções sobre o mundo ‘externo’. Kant postulou que a realidade
é experimentada somente através de estruturas internas, as quais
ordenam ‘o mundo de muitas coisas’. Para ele, o fato dos seres
humanos terem a capacidade de estruturar a realidade física,
permitindo assimilar as percepções sensoriais, implica na existência
de estruturas psíquicas inatas, idênticas, em todos nós.

Notas
1. A paternidade do cálculo infinitesimal foi objeto de disputa entre
dois personagens importantes na criação da ciência moderna: Isaac
Newton e Gottfried Leibniz. Historiadores da ciência consideram que
ambos chegaram aos mesmos resultados, de maneiras independentes.

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Recentemente, em agosto de 2007, George Gheverghese Joseph, da
Universidade Manchester, e Dennis Almeida, da Universidade de
Exeter, ambas na Inglaterra, descobriram que o cálculo infinitesimal
foi criado por matemáticos e astrônomos da Universidade de Kerala,
Índia, no século XIV. Segundo Joseph este conhecimento constará da
terceira edição do seu livro The Crest of the Peacock: the non-european roots
of mathematics, publicado pela Princeton University Press.
2. É importante enfatizar que Descartes atribuía um significado
equivalente entre alma e mente: às vezes identificava a consciência com a
alma e, em outros momentos, com a mente.
3. De acordo como princípio da harmonia preestabelecida Deus criou o
universo de uma maneira tal que os fatos mentais e físicos ocorrem
simultaneamente. Significa que a correspondência das ideias com
as realidades exteriores decorre da harmonia entre as ideias e as
realidades, estabelecida desde a origem.

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Capítulo 3
LIÇÕES DO MICROMUNDO FÍSICO

As Portas que se Abrem...


O raiar do século XX trouxe uma revelação da natureza que
transformou radicalmente o mundo da Física: o micro mundo tem
suas próprias regras. Até então, acreditava-se que a ciência, e suas
leis, tinham a plena capacidade de conhecer, descrever e mesmo de
projetar quaisquer comportamentos e situações com um elevado grau
de previsibilidade. Contudo, alguns acontecimentos ocasionaram
uma mudança profunda neste modo de pensar. Naquela época, o
determinismo, a causalidade e a certeza reinavam soberanamente em
toda descrição cientifica da realidade. O termo determinismo aqui
se refere à dinâmica dos fenômenos naturais, vinculado às maneiras
pelas quais os seres humanos são capazes de observar e descrever
um objeto ou outro sistema1 físico qualquer.
Esta situação começou a mudar com o trabalho de Ludwig
Boltzmann [1844-1906] sobre as configurações exibidas pelas
moléculas de um gás, que questionou as leis determinísticas ao
atestar irreversibilidade nos processos natureza. Diante do conflito
assim gerado, i.é., satisfazer as leis reversíveis da Física, Boltzmann
postulou um cenário de reversibilidade para as ocorrências nesse

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micromundo físico. Tal consideração foi subsidiada por um
formalismo probabilístico que permite acompanhar a evolução de
variáveis macroscópicas, objetivamente vinculadas e determinadas
através de variáveis microscópicas. Evidentemente que essa
‘ligação’ macro-micro não é algo definível, e sim, trata-se de uma
pressuposição matemática atrelada às condições iniciais dos sistemas
dinâmicos (caóticos) em estudo.

Um Mundo sem Controle


A força do paradigma newtoniano ultrapassou os muros da
ciência, orientando cada vez mais o proceder da sociedade como
um todo. Talvez porque seja confortável vivenciar uma realidade
sob parâmetros pré-estabelecidos pelo determinismo, causalidade
e certeza, enquanto almeja o ‘controle total’ de uma situação ou
ocorrência do mundo natural. Um cenário ilusório onde tudo fluiria
ordenadamente sem qualquer sobressalto.
Diante da impossibilidade de conhecer, ou mesmo descobrir
os processos e as transformações que ocorrem na natureza, busca-
se, sempre, estabelecer uma relação linear entre o agente causador
e o efeito consequente, que é fundamental ao senso comum e à
própria ciência. Por exemplo, quando observamos algo, ou temos
a oportunidade de vivenciar uma situação qualquer, invariavelmente
criamos um panorama mental sobre a ocorrência, imaginando a sua
origem, i.é., o fator gerador, em busca de uma conexão tipo ‘causa e
efeito’. O conhecimento desse elo ‘causa-efeito’ permite acompanhar,
com algum controle, a realização de um experimento. Na verdade,
um controle já ‘inserido’ na objetividade científica proporcionada
pela capacidade de previsão das equações matemáticas.
No mundo natural existem alguns processos bastante complexos
que são extremamente sensíveis às pequenas perturbações, embora
possam exibir comportamentos determinísticos. Tal complexidade

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está associada ao grau de liberdade inerente às condições iniciais,
não obstante, passível de ser ‘contextualizada’ ou assimilada através
de um pretenso mecanismo de controle. Entretanto, não há como
garantir que um sistema ou processo da natureza reproduza sempre
um mesmo quadro. Isto seria inimaginável, tratando-se de uma
descrição do mundo físico, pois deve existir uma ordem ou qualidade
sutil na matéria – o elemento caótico ou irracional – que limita
exaurir qualquer projeção sobre uma ocorrência, mesmo com o
uso de supercomputadores.
Em outras palavras, as conjecturas sobre a dinâmica reinante
no micromundo físico, evidenciam a impossibilidade de prever, com
um elevado grau de precisão, o comportamento de um parâmetro ou
qualquer sistema desse ambiente, mesmo perscrutando a sua história.
Isto porque, em seus níveis mais sutis (o mundo microscópico), a
matéria torna-se extremamente sensível a qualquer perturbação,
a mínima que seja, podendo desenvolver um estado de desordem
acentuadamente caótico. Toda aquela expressão ordenada que se
observa, nada mais é do que uma aproximação, uma ‘realidade de
aparências’ gerada do próprio caos. Logo, enquanto não é possível
referenciar cientificamente essa suposta fonte anímica universal, o
alegado controle não passa de uma ilusão.

Caos, Fonte de Ordens


O ano de 1900 deixou marcas profundas em várias áreas
da atividade e do conhecimento humano, e.g., as artes, filosofia,
genética, matemática, psicologia e a poesia. Na ciência, uma das
contribuições mais significativas se refere à noção do caos introduzida
por Jules Henri Poincaré [1854-1912], a partir de seus estudos
sobre a dinâmica de fenômenos e eventos da natureza. Vigorosa, essa
noção desestruturou o esquema universal de Newton dominado pela
linearidade, previsibilidade e uma singularidade ordenada.

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A teoria gravitacional newtoniana descreve perfeitamente a
interação entre dois corpos (por exemplo, Terra-Lua ou Terra-Sol),
no entanto, mostra-se imprecisa para tratar o caso de três corpos.
Analisando esta questão, Poincaré demonstrou que havia um grau
instabilidade e de infinita sensibilidade e, em seguida, classificou várias
soluções possíveis para essa situação2 (STEWART, 1991). Segundo
ele, na maioria das vezes as diminutas perturbações produzidas por
um terceiro corpo distante não afetam significantemente a órbita
final, mas existem situações em que tais perturbações acumulam-se,
levando o corpo a mover-se de uma maneira extremamente errática,
até mesmo exibindo um comportamento caótico.
Ao inferir a existência de um comportamento ‘não linear’ nas
interações entre corpos, Poincaré chamou a atenção para o caos que
‘adormece’ em toda configuração universal. Uma constatação que
expõe o limite de nossa capacidade de prever a evolução de uma
ocorrência do reino natural. Logo, se não é possível realizar previsões
com um elevado grau de certeza, ao menos se tem a possibilidade
de detectar a existência de padrões que se repetem frequentemente,
mesmo em escalas menores. Desta maneira, a noção do caos foi
incorporada como uma teoria do conhecimento.
A teoria do caos veio mudar radicalmente a nossa percepção
da realidade: em vez de um mundo da repetição mecânica das
ocorrências, temos um mundo constituído de padrões que evoluem
numa acentuada complexidade; em vez de focalizar os componentes de
uma ocorrência, a atenção é para os elos e as interações existentes nessa
ocorrência; em vez de imaginar sistemas isolados, eles são abertos e,
por conseguinte, a sua existência deve-se à troca constante de matéria,
energia ou de informação com o seu meio. O que possibilita considerar
as diminutas e repentinas transições (ou flutuações) existentes numa
ocorrência do mundo físico, adotando uma formulação que não
envolva quaisquer abstrações algébricas ou numéricas, mas que busque
delinear uma geometria de padrões ou formas de comportamento.
Este proceder explicaria porque as ocorrências da natureza organizam-

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se espontaneamente, desenvolvendo estruturas internas, revelando
graus de estabilidade, enquanto ajustam-se às incessantes mudanças
e transformações. Se lembrarmos que a aleatoriedade associada ao
caos está relacionada mais à ideia de processos do que a estados, i.é.,
mais do ‘por vir’ em vez de ‘ser’, concluiremos, então, que o próprio
caos é fonte de novas formas de ordens sutis.
Sob uma perspectiva mais abrangente, a noção do caos ressalta a
flexibilidade inerente à nossa existência, uma vez que é impossível viver
uma realidade à parte. Isto porque o caos está relacionado à quebra
da ordem, a transição súbita, ao aparecimento de comportamentos
inusitados na vida das pessoas, enfim, à última investida que rompe
as barreiras da causalidade restrita. Tais características atraem outros
estudiosos, a exemplo dos psicólogos, na busca de uma referência para
analisar os conteúdos de origem irracional da mente, na forma de um
‘diálogo’ entre o estado presente da ordem interna e o imprevisível
cenário da mudança. De fato, a teoria do caos admite que sempre
existe a possibilidade para manter algum tipo de racionalidade,
mesmo com o ‘desmoronamento’ de toda a ordem de um sistema ou
uma situação qualquer. Uma conjectura que lembra um ensinamento
milenar: quando, eventualmente, abandonamos qualquer controle
sobre nossas vidas, teremos a oportunidade de contatar a sabedoria
profunda e os princípios orientadores da nossa existência.

Acaso e Desordem
Quando analisamos a complexa e incomensurável biodiversidade
da natureza, intuímos que a mesma estabeleceu uma espécie de
plano, ou princípio evolucionário, para assegurar a sobrevivência
de todas as formas de vida, apesar das catástrofes e transformações
que ocorrem incessantemente. Nesse plano, o ser humano é o
personagem e o observador capaz de avaliar os eventos extremamente
complexos, gerados pela conjunção de padrões de comportamento

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que parecem seguir uma configuração prévia. Imagina-se que tais
padrões ‘evoluentes’ são induzidos por uma tendência ou força
misteriosa atuando como um ‘atrator estranho’, o que pode ser
inferido da noção do caos de Poincaré.
Uma vez que não é possível delinear, passo a passo, o
comportamento de um sistema físico qualquer, supõe-se que,
somente através de uma análise da configuração geométrica desse
alegado ‘atrator estranho’, poder-se-ia obter informações sobre
o comportamento global do sistema. Por outro lado, para evitar
que a ação sistemática e unilateral desse ‘atrator’ conduza a um
estado crítico generalizado, torna-se imperativo que o sistema se
movimente. Tal movimento seria o ‘fator de defesa’, perante o acaso
que se anuncia. Esse acaso, um movimento imponderável que se
baseia na independência e na liberdade da matéria, é o responsável
pela evolução de um sistema físico, impedindo-o de repetir padrões
de comportamento. Quer dizer, o acaso é uma propriedade sutil e
anímica da natureza, que caracteriza a imprevisibilidade em todas
as ocorrências. Vamos explicar um pouco mais.
O princípio da conservação da energia (universal) se constitui
um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento das teorias do
conhecimento. E isto é válido em qualquer situação. Tomando um
exemplo da Física, suponha que possamos observar as moléculas
multicoloridas de um gás, contido numa ampola transparente. Notaremos
que as moléculas mudam incessantemente sua configuração espacial,
ou seja, nunca repetem suas posições, não obstante, a intensidade da
energia é conservada. É o que ocorre com todas as expressões físicas
da natureza, independente das forças entre as moléculas. O processo
evolucionário gerado pelo movimento caótico impede que um sistema
físico qualquer reproduza uma mesma configuração. Um movimento
que está longe de ser totalmente desordenado, ao contrário, evidencia
uma estrutura aparentemente definida.
Os sistemas da natureza nunca estão isolados. Sempre existe
um processo de troca de energia com o ambiente externo. Quando

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ocorre uma suave perturbação (ou desordem) nesse ambiente,
o sistema absorve energia e a utiliza para sua auto-organização.
Justamente por isso, a perturbação que ocorre na evolução de
um sistema, dá-se de forma ordenada. E isso não resulta de uma
antinomia entre ordem e desordem, mas de uma dialética, pois o
movimento que desordena também ordena. Essa foi a percepção de
Ludwig Boltzmann: em qualquer sistema físico, a tendência natural
é o aumento da desordem, considerando-se que o restabelecimento
da ordem só é possível mediante o dispêndio de energia. Na
verdade, trata-se de uma tentativa para compreender a misteriosa
irreversibilidade da natureza como fonte de desordem, embora os
formalismo matemáticos se refiram a padrões reversíveis, no caso
de um sistema ou um conjunto qualquer dotado de um número
significativamente elevado de elementos constituintes. Este panorama
mostra que é preciso haver desordem para ter ordem, sendo esta,
um estado muito particular e estatisticamente pouco provável.
A palavra desordem aqui usada tem uma conotação diferente da
linguagem comum. Enquanto ‘desordem’ pode representar ‘falta de
ordem’ ou ‘desorganização’, do ponto de vista científico, não quer
dizer algo ruim, e sim, espelha a nossa apreensão sobre a dinâmica
reinante no mundo natural. Em termos físicos, a desordem resulta,
em parte, da mobilidade térmica e, em parte, da mistura, ao acaso,
de diferentes tipos de átomos e moléculas. Isto porque, o movimento
contínuo, e espaço-temporalmente irreversível, dessas partículas
gera uma configuração diferente em cada instante de tempo, o que
sustenta a ideia de desordem.

Irreversibilidade e Entropia
A termodinâmica é o campo da Física que trata dos movimentos
das partículas de um sistema, determinando uma observação como
um estado de equilíbrio térmico. Sendo esse equilíbrio, dinâmico,

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fica evidente o papel da irreversibilidade na evolução (contínua)
desse estado. Quer dizer a irreversibilidade intrínseca aos processos
e as transformações que ocorrem no mundo físico como um todo,
subsidia a ideia da desordem crescente como uma característica da
própria natureza.
A medida dessa ‘tendência à desordem’, ou seja, a qualidade que
avalia o aumento da desordem de um sistema qualquer na natureza
é definida como entropia. O termo entropia deriva do que em grego
antigo significa transformação, e foi introduzido por Rudolf Clausius3
[1822-1888], quando analisava a transferência de energia na forma
de calor. Clausius partiu dos estudos de Sadi Carnot [1796-1832]
sobre a disponibilidade de energia e, concluiu que, no processo de
conversão de calor em trabalho realizado por uma máquina qualquer,
uma parte desse calor sempre é transferida para um ‘reservatório’,
ou seja, torna-se indisponível para realizar trabalho. Como a
temperatura desse ‘reservatório’ é sempre menor que a temperatura
da fonte de calor, então, o calor jamais fluirá, espontaneamente, de
um corpo frio para um corpo quente. Isto significa que todos os
processos físicos envolvidos na conversão mecânica de calor ‘perdem’
alguma parte dessa energia para o ambiente. Segundo Clausius, é
justamente a indisponibilidade dessa energia térmica (calor) que
representa o incremento da entropia. Na prática, implica que o
‘preço’ da conversão de energia é a produção de entropia.
Esta concepção que fundamentou a definição da segunda
lei da termodinâmica4, revela a existência de um vinculo entre a
irreversibilidade das ocorrências do reino natural e a entropia, vez
que o sentido dessas ocorrências caracteriza uma assimetria. Como
as leis fundamentais da Física não fazem qualquer distinção acerca
do sentido de uma ocorrência, pois são reversíveis no tempo, então,
faltava contextualizar essa assimetria.
Boltzmann deu uma explicação molecular para a entropia5.
Ao analisar o comportamento de variáveis macroscópicas (e.g.,
a temperatura e a pressão) no processo interativo entre átomos

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e moléculas de um gás contido em uma caixa, percebeu que o
aumento da desordem está diretamente relacionado ao sentido da
transferência de calor (PRIGOGINE; STENGERS, 1984). Então,
concluiu que a tendência à desordem caracteriza um movimento de
um estado improvável para um estado provável6 e, por conta disso, a
irreversibilidade e o aumento da entropia são conceitos inseparáveis.
Uma vez que o grau de entropia depende do número de possibilidades
disponíveis em um sistema físico, Boltzmann introduziu o conceito
de probabilidade, sob o pressuposto que, no transcorrer do tempo, o
sistema deveria ‘visitar’ todas as configurações possíveis. Esta relação
da entropia com a probabilidade implica que os estados de maior
entropia, sendo os mais prováveis, são, também, de maior desordem.
Em outras palavras, os sistemas evoluem no sentido de uma maior
desordem ao mesmo tempo em que a entropia cresce.
A partir deste cenário, Boltzmann considerou o ‘princípio
do aumento da entropia’ como equivalente a segunda lei da
termodinâmica: a entropia de um sistema termicamente isolado
qualquer permanece constante ou aumenta. Contudo, devemos
lembrar que, ao ‘isolar’ um sistema, Boltzmann ignorou o que
ocorre no ‘resto’ do universo. Na verdade, a entropia desse sistema
nunca pode diminuir: permanece inalterada no caso de processos
reversíveis (que é uma aproximação usual numa abordagem
cientifica) ou aumenta, tratando-se de processos irreversíveis (o que
verdadeiramente ocorre no universo). Isto significa, por exemplo,
que o estado de baixa entropia de um sistema dá-se à custa da
elevação da entropia em algum lugar no universo. Entretanto, por
conta da irreversibilidade que caracteriza todos os processos naturais,
a entropia do universo é sempre crescente. Este é verdadeiro espírito
da segunda lei da termodinâmica.
A irreversibilidade observada nas configurações em um sistema
físico qualquer, além de fundamentar a ideia da entropia crescente,
também subsidia a noção da linearidade do tempo. O inexorável
aumento em entropia define o sentido do tempo, ou seja, aquilo que

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chamamos de futuro. Uma situação observada nos vários processos
que ocorrem em nosso mundo cotidiano, explicitando um sentido
único de suas transformações. Por exemplo, o café quente em uma
xícara sempre esfria e nunca ocorre o contrário, espontaneamente.
Esta dinâmica interna, expressa como movimentos sequenciais
verificados em todas as ocorrências da natureza, se deve à
expansão do universo físico que torna possíveis todas as mudanças,
transformações e processos que geram e sustentam tudo que existe,
inclusive nós. No formalismo científico, a assimetria evidenciada
por essa irreversibilidade é simbolizada por uma flecha do tempo
termodinâmica.
Esta característica assimétrica foi assimilada por Ilya Prigogine
ao estudar a estabilidade de organismos vivos, perscrutando como
esses organismos são capazes de manter seus processos vitais,
i.é., seus padrões de organizações, mesmo fora das condições de
equilíbrio (PRIGOGINE, 1980). Segundo ele, essa tendência à
desordem’ não leva a um estado de equilíbrio estacionário, imutável,
e sim, que todo estado de equilíbrio é essencialmente dinâmico.
Neste espírito reportou a existência de sistemas os quais, através de
um processo de ‘sustentabilidade’ coletiva, mantém-se afastados da
condição de equilíbrio.
Com o objetivo de contextualizar essa situação, Prigogine
procurou conciliar essa ‘tendência a desordem’ com o fato de
que esses organismos são capazes de conservar as suas estruturas
extremamente ordenadas e, ainda, reproduzi-las com grande
precisão. Ele classificou os organismos (sistemas) vivos como
estruturas dissipativas, as quais são alimentadas por fluxo de matéria
e/ou energia oriunda do seu ambiente.
A noção de estrutura dissipativa é baseada na ideia de uma
coexistência paradoxal tipo ’ estrutura e mudança’ que foi categorizada
como sistema ‘estruturalmente aberto e organizacionalmente
fechado’. Tal ideia configura um sistema onde a entropia interna
é reduzida, permitindo estabelecer uma ordem aparente sobre o

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caos. Isto explica porque Prigogine tratou as estruturas dissipativas
como ilhas de ordem num mar de desordem, podendo até mesmo
aumentar sua ordem à custa de uma desordem maior no ambiente
ao redor.
Do ponto de vista macroscópico, o aumento (crescente) da
desordem, pode levar um sistema qualquer a um estado saturado
ou mesmo à sua extinção, um fenômeno usual no universo. Isto
ocorre devido a baixa entropia do espaço imaterial, ou seja, o meio
que permeia os corpos celestes. Vamos dar um exemplo. Para o
cosmos, o nosso planeta Terra, e as constantes transformações
que aqui ocorrem, sejam aquelas naturais ou as provocadas pelas
espécies vivas, principalmente o ser humano, constitui uma fonte
de alta entropia, porém, de baixa energia. Por outro lado, a luz que
chega do Sol ‘traz’ fótons altamente energéticos, mas dotados de baixa
entropia. Graças a isso, todos nós, organismos vivos e, em especial,
as plantas verdes em seu processo de fotossíntese, usufruímos dessa
benesse cósmica e ‘devolvemos’ ao espaço (em expansão) energia
majoritariamente na forma de calor, mas com alta entropia. Isto
explica porque a entropia é usada como medida da desordem no
universo. Se, hipoteticamente, as diferenças em energia entre as
várias partes diminuíssem até se anularem totalmente, não haverá
fluxo de energia e a vida será extinta. Quer dizer, quanto maior a
entropia de um sistema qualquer (por exemplo, um organismo
biológico), menor a sua energia livre disponível à sua existência.

A Luz é a Revelação: Matéria é Energia


Os primeiros anos do século passado foram determinantes
para compreender a natureza da luz. Desde a formulação da ciência
moderna, persistiam dúvidas sobre a sua constituição. Se a luz era
constituída de partículas diminutas (ou corpúsculos) capazes de
se moverem no espaço vazio, como sugeriu Newton em 1690, ou

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tinha uma natureza ondulatória, de acordo com Christiaan Huygens
em 1691 e Thomas Young em 1820. A própria luz conduziu às
respostas.
Em suas memórias (EINSTEIN, 1982), Einstein comenta o que
seria a primeira revolução crucial na ciência moderna: a ação não
local à distância’ (o campo gravitacional e seu alcance universal) da
física newtoniana foi substituída pela ‘ação local do campo clássico’
(o campo eletromagnético), introduzida por James Clerk Maxwell
em 1864. Ao demonstrar que o espaço vazio é preenchido por um
campo eletromagnético vibrante, Maxwell teorizou que a luz era
uma onda eletromagnética, o que implica na ausência do éter, o
suposto ‘transportador’ da luz. A segunda revolução, iniciada por
Max Planck em 1900, se refere à nova maneira de tratar objetos ‘não
materiais’ (quânticos), ou seja, objetos que não podem ser descritos
em termos clássicos de posição, velocidade, temperatura e energia.
Uma lembrança que reporta a outra.
Nesse mesmo ano, William Thomson, o lorde Kelvin, então
presidente da British Royal Society, destacando os avanços da Física,
afirmou que as teorias mecânicas de Newton podiam explicar até
mesmo o comportamento da luz e do calor. Segundo ele, apenas
‘duas nuvens’, relacionadas à teoria do calor e a propagação da
luz, ainda empanavam a beleza e o brilho das teorias newtonianas.
Logo depois se verificou que tais ‘nuvens’ eram prenúncios das
tempestades que revolucionaram a ciência: a teoria da relatividade
e a teoria quântica.
A primeira nuvem reportava à maneira que a luz viaja no espaço.
Já se sabia que a luz é uma vibração e, como tal, deveria ser tratada
com as leis clássicas do movimento. Entretanto, uma vibração tem
que ‘vibrar’ em algo, segundo o dito na época.
De acordo com a concepção vigente na seara científica até
meados do século XIX, para a luz do Sol chegar até a Terra, o espaço
cósmico deveria estar preenchido por alguma matéria sutil, inelástico,
o ‘éter luminífero’. Esta consideração atendia o pressuposto de que

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o espaço não era um vazio material. Em 1887, Albert Michelson e
Edward Morley, ao constatarem que a velocidade da luz era a mesma,
independente do referencial, inerte ou não, comprovaram que o
éter não existia. Era o que faltava. Maxwell já tinha demonstrado
que o espaço era preenchido pelo campo eletromagnético vibrante
e, portanto, a luz não precisa de um meio material para se propagar.
Nesse mesmo ano, Heinrich Hertz confirmou experimentalmente a
existência de ondas eletromagnéticas, o que significa dizer que a luz
é uma vibração espaço-temporal em um campo unificado, resultante
da combinação (perfeita) de oscilações elétricas e magnéticas
propagando-se por todo o universo.
A outra nuvem de Kelvin se referia ao compartilhamento da
energia entre as moléculas vibrantes em um meio aquecido. Uma
situação envolvendo luz e calor. Naquela época, os físicos tentavam
descrever o comportamento da radiação emitida por um corpo
negro. Um corpo negro pode ser considerado como um forno
comum, cujas paredes internas encontram-se tão aquecidas que os
átomos dessas paredes vibram, liberando radiação para o interior da
cavidade. Essa radiação sendo reabsorvida pelas paredes, gera um
quadro de emissão e absorção contínuas, atingindo um estado final
do equilíbrio entre o ambiente da cavidade e as paredes internas desse
corpo. Contudo, as experiências não corroboraram essa previsão.
Verificou-se que a radiação não depende do material ou da forma
da cavidade, mas somente da temperatura. Para cada temperatura
havia uma radiação dominante. Vamos analisar uma situação.
A luz do Sol produz um espectro harmonioso de cores, a
partir de sua coloração branca. Por outro lado, todos os corpos,
independente da sua composição ou natureza química emitem uma
mesma cor quando aquecidos a uma mesma temperatura. Quer dizer,
quando se aquece um corpo a altas temperaturas, ele absorve energia
térmica e emite energia luminosa, cuja cor (freqüência) depende da
temperatura do corpo. Ocorre que a intensidade da radiação emitida
pelo corpo depende da sua quantidade de energia, após o equilíbrio

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térmico com o ambiente. Portanto, há uma relação entre a luz e o
calor: corpos quentes brilham quando são aquecidos. É o caso de um
atiçador de brasas que, sendo continuamente aquecido, exibe uma
coloração avermelhada, depois brilha laranja-amarelada e, finalmente,
as uma temperatura elevada, mostra-se azulado. Algo similar pode ser
também observado nas diferentes cores de uma chama, que, embora
percebamos mais a cor amarelada, a parte mais quente corresponde à
cor azul, de freqüência maior. Quanto mais quente se torna um corpo,
maior a tendência de ficar embranquecido, por conta do crescente
movimento dos seus átomos (ditos ‘osciladores’) constituintes. Como
a freqüência da luz observada tende a ser a mesma freqüência de
vibração dos osciladores, ficou evidente que havia uma relação entre
a cor e a freqüência vibracional dos osciladores.
Naquela época, os formalismos (clássicos) não proporcionavam
uma interpretação consistente com os fatos observados. De acordo
com o modelo de Rayleigh-Jeans, um corpo aquecido tende a emitir
energia luminosa com uma freqüência mais elevada do que aquela
dos seus ‘osciladores’. Isto significa que um atiçador aquecido até
a região do vermelho não exibiria uma cor vermelha, e sim azul,
que tem freqüência maior! Algo inconcebível diante dos resultados
experimentais. Como a faixa visível ao ser humano se estende do
vermelho ao violeta, então, diante dessa alegação, um corpo que
fosse aquecido até uma temperatura correspondente ao violeta,
deveria emitir uma luz ultravioleta! Uma luz invisível para nós, seres
humanos. Esse quadro, que ficou conhecido como a ‘catástrofe do
ultravioleta’, atestou a incapacidade das teorias clássicas para explicar
a radiação luminosa emitida por corpos aquecidos.
Com o objetivo de encontrar respostas para esta situação crítica,
Max Planck propôs um modelo que abriu uma nova perspectiva
para aprofundar o conhecimento da natureza (JAMMER, 1966). Na
reunião da Sociedade Alemã de Física, realizada em 19 de outubro
de 1900, ele plantou a semente que iria se constituir na física
quântica, a qual rege os fenômenos naturais na escala dos átomos e

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das moléculas. Segundo Planck, nem sempre a energia térmica se
convertia em ondas luminosas na região do de ultravioleta (invisível).
Ele argüiu que a troca de energia (luz) entre os átomos e a radiação
não é um processo contínuo, e sim, discreto7. Quer dizer, a absorção
e a emissão de luz ocorrem ‘descontinuadamente’, na forma de
diminutos e imprevisíveis pacotes de energia (quanta), a depender da
freqüência da luz. Uma concepção estranha ao formalismo clássico,
de acordo com o qual a energia cinética dos elétrons é avaliada por
meio da intensidade da radiação, ou seja, a energia emitida depende
de sua amplitude.
A ideia de Planck, em termos práticos, significa que um
elétron de um átomo qualquer, ‘salta’ de um estado de energia
para outro, sem passar por quaisquer estados intermediários e,
ao fazer isso, emite um quantum indivisível de energia luminosa.
Essa energia (E) é calculada como E = h.f, onde h é a constante de
proporcionalidade, que depois ficou conhecida como constante (ou
fator) de Planck e f, a freqüência de emissão. O inusitado é que esse
movimento súbito (o ‘salto quântico’), não tem relação alguma com
as propriedades ondulatórias da radiação, e sim, com a natureza
interna da matéria.
A proposição de que a matéria absorve energia térmica e emite
energia luminosa descontinuamente, contrariou os paradigmas do
pensamento científico de então, que projetava uma relação contínua
de causa e efeito nas ocorrências da natureza. O que explica a reação
da comunidade científica em aceitar, a priori, a sugestão de Planck
de que a energia pode ser emitida ou absorvida discretamente.
Entretanto, cinco anos depois, a resistência a essa descontinuidade
começou a ser superada com a interpretação de Albert Einstein
para um fenômeno muito estranho: o aparecimento de elétrons fora
da superfície de um metal, sempre que se fazia incidir luz sobre o
mesmo. E, mais ainda, isso ocorre sem que o metal se aqueça!
Partindo da sugestão de Planck, Einstein demonstrou que a
causa da descontinuidade na absorção e emissão de luz e calor se

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deve a uma propriedade intrínseca da própria energia, luminosa e
térmica. Segundo ele, a luz não era fundamentalmente constituída
de onda, e sim, tinha uma natureza corpuscular! Ela aparece como
onda somente quando observada por um longo intervalo de tempo.
Se pudéssemos congelar a luz por um instante, perceberíamos que
as ondas são feitas de diminutos grãos de luz. São esses grãos que,
de fato, interagem com os diminutos elementos oscilantes de um
corpo aquecido, ocasionando a descontinuidade. Quer dizer, os
‘osciladores’ da matéria não criam as ondas, e sim, ‘emitem’ grãos
de luz, que são elementos diminutos de energia (quanta), calculada
pela mesma equação (E = h.f). Mais tarde, os quanta de Einstein
foram denominados de fótons, e emissão fria dos elétrons passou a
ser conhecida como Efeito Fotoelétrico.
Essa interconversão energia luminosa/matéria comum implica
na existência de um elo indissociável entre essas duas formas nômicas
(matéria e energia) da luz, ou seja, entre o aspecto físico, concreto
e o sutil da sua natureza. Portanto, mesmo atestando a misteriosa
descontinuidade existente no micro mundo, fica claro que um ente
material, por exemplo, um elétron, ainda permanece associado a
uma freqüência, que é uma propriedade ondulatória.

Um Cenário para o Reino Quântico


Até então, os cientistas formulavam suas ideias sob regras
da ciência moderna, que incorporou a noção aristotélica do
continuísmo: o todo é a soma das partes. De acordo com esta
noção, qualquer descontinuidade aparente seria explicada como
uma associação de movimentos contínuos, algo como uma suave
‘transição’ matemática de um ponto ao seguinte. Esta concepção de
um universo ‘continuísta’, causal e determinista, perdurou até ser
questionada com as revelações do mundo quântico.

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O novo cenário a ser projetado desafiou os estudiosos em
suas tentativas para compatibilizar as revelações sutis da natureza
com as interpretações da física clássica. A partir das revolucionárias
inferências sobre o comportamento interno da matéria apresentadas
por Planck, Niels Bohr concebeu, em 1911, um modelo orbital
(modelo esse que ficou conhecido como ‘o átomo de Bohr’) para o
átomo do hidrogênio, que é o elemento mais simples do universo,
formado por um núcleo e um único elétron. O objetivo era o de
explicar porque esse átomo permanecia estável, mesmo emitindo
energia. Planck (e depois Einstein) tinha demonstrado que a
matéria exibe um comportamento descontínuo, quando emite luz
ou absorve energia térmica. Bohr, então, postulou que um átomo
somente tem o ‘privilégio’ de emitir luz, quando um elétron ‘pula’
descontinuadamente de uma órbita para outra. De outra maneira,
era proibido. E que isso acontece sempre que o elétron tiver uma
quantidade mínima de energia, representado pelo fator de Planck,
h, o quantum elementar de ação. Mas, a questão estava longe de ser
resolvida. Por alguma razão, os elétrons não irradiam quando estão
confinados em seus movimentos periódicos, i.é., em suas órbitas
‘quantizadas’ em torno do núcleo.
A situação começou a ser esclarecida, em 1922, quando Louis
de Broglie estudava o comportamento da luz, supondo que existe
uma transferência instantânea de energia da luz para a matéria, e
vice-versa. Desejando encontrar uma explicação mecânica para
a dualidade onda/partícula da luz, de Broglie ponderou sobre as
razões pelas quais os fótons numa onda possuem uma energia que é
determinada pela freqüência dessa onda, e concluiu que a matéria
também possuía uma natureza ondulatória. Para representar esse
imaginado comportamento, ele lembrou da harmonia exibida por
uma onda estacionária8 gerada pelas vibrações de uma corda de
violino. Ora, o som da corda é ‘produzido’ pelos padrões de ondas
estacionárias formadas pela superposição de harmônicos múltiplos
inteiros. Deste modo, Broglie intuiu uma relação entre o número de

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nodos9 e os padrões dessas ondas: para qualquer padrão de uma onda
estacionária o número de nodos é inteiro, portanto, a freqüência mais
baixa tem dois nodos, que são os extremos da corda; a freqüência
seguinte tem três nodos, a próxima tem quatro, e assim em diante.
Fazendo uma analogia com o comportamento da luz, de Broglie
deduziu que os padrões ondulatórios assim criados - ‘ondas materiais’
-, ajustavam-se perfeitamente às órbitas (circulares) quantizadas do
átomo de Bohr. Ao calcular o comprimento de onda dessas órbitas,
ele observou uma conexão matemática entre os aspectos onda e
partícula da luz. Para cada órbita do átomo de Bohr, o momentum10(p)
do elétron é igualado à constante h dividida pelo comprimento da
onda, λ, ou seja, p = h/λ, uma fórmula tão importante quanto
aquela encontrada por Planck. De Broglie identificou as órbitas de
Bohr como padrões de ‘ondas materiais’ estacionárias, onde cada
órbita tem sua onda estacionária padrão. Portanto, assim como a
luz, a matéria tem uma natureza dual!
Uma vez postulado, e depois comprovado, que a matéria pode
se comportar como uma onda (‘onda material’) faltava explicar como
o movimento no interior de um átomo permite que um elétron
mude de órbita e irradie seu excesso de energia como luz.
A solução foi obtida quatro anos depois com a famosa equação
de Erwin Schrödinger, a qual possibilita descrever, matematicamente,
padrões (variáveis) de ondas no interior de um átomo. Schrödinger
partiu da ideia de Louis de Broglie que envolvia padrões ondulatórios
numa corda de violino. Ele considerou que o movimento do elétron
de uma órbita para outra de energia mais baixa era como uma simples
mudança de notas. Quando isso ocorre, existe um momento em
que ambos os harmônicos11 (notas) podem ser ouvidos como um só,
gerando o chamado fenômeno do batimento12. Quer dizer, assim
como existem os batimentos entre duas notas (freqüências) formando
um terceiro som harmonioso que ouvimos, de modo análogo,
quando um elétron muda de uma órbita para outra emite ondas
luminosas (fótons) com uma determinada freqüência. Essa luz emitida

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corresponde justamente ao batimento criado pela superposição dos
harmônicos, superior e inferior, das (agora) ondas de de Broglie-
Schrödinger, cuja freqüência resultante é dada pela diferença entre
as freqüências desses harmônicos.
De certo modo, a equação ondulatória de Schrödinger reconcilia
os fenômenos da onda e os da partícula e, ainda, descreve como as
‘ondas materiais’ se propagam no espaço-tempo. Tal consideração,
que reforçou a posição ‘continuísta’, sugere que a radiação emanada
de um átomo não é provocada pelo salto de um elétron de uma órbita
para outra, mas resulta de um processo contínuo de batimentos
harmoniosos. Contudo, havia uma incongruência neste quadro
imaginado por Schrödinger: a intensidade da onda material de
freqüência mais alta era gradualmente atenuada, tal que, ao final
do processo, restava apenas o harmônico mais baixo. Como não
havia mais o harmônico superior para formar o batimento, o átomo
deixava de irradiar e fica simplesmente vibrando sua onda de elétron
na freqüência mais baixa. E agora?
A explicação foi dada por Max Born: não existem ‘ondas
materiais’, e sim ‘ondas de probabilidades’13. Born argumentou
que a onda não é a partícula real, mas, de algum modo, essa onda
está conectada às possíveis configurações imaginadas para localizar
um elétron. E que tais localizações14 estão ‘contidas’ numa região
de descontinuidade, e podem ser calculadas através de uma
função (distribuição) de probabilidade. O que significa dizer que
o estado quântico de um elétron, uma parte diminuta da matéria
supostamente ocupando um lugar no espaço subatômico, também
pode ser descrito como uma ‘onda de probabilidade’.
O ‘mundo clássico’ das certezas deu lugar a um ambiente onde os
acontecimentos são descritos por uma função de onda (a terminologia
padrão para a onda de probabilidade), uma entidade matemática
complexa, i.é., tem uma parte real e outra imaginária. Ocupando
todo o espaço abstrato (o espaço de Hilbert, um concebido meio
diferente do nosso espaço tridimensional), a função de onda quântica

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não descreve uma observação real, e sim, dá a probabilidade de
ocorrer uma observação ou medida. Operacionalmente, o cálculo15
dessa probabilidade é feito multiplicando a função Ψ, indicando a
onda que ‘viaja para frente’ no tempo, com sua função recíproca,
Ψ*, da onda que ‘viaja para trás’ no tempo, ou seja, Ψ.Ψ* = |Ψ|2.
Este resultado matemático (o quadrado da amplitude de uma onda
material) representa a probabilidade de encontrar um elétron numa
determinada região em torno do núcleo em um determinado tempo.
Portanto, a função de onda expressa a incerteza para definir, com
precisão, duas variáveis conjugadas (por exemplo, a localização e o
momentum) de qualquer ente quântico16.
Definitivamente, a visão de mundo baseada no continuísmo
foi suplantada por uma outra que, embora reflita uma relação
causa e efeito, incorpora a descontinuidade presente no processo
interativo radiação-matéria. Uma descontinuidade que não é
gerada pelas oscilações da matéria, mas surge do próprio estado de
energia (luminosa e térmica), sem qualquer explicação lógica ou
matemática. Lembrando um provérbio alquímico, ‘natura non facit
saltus’ (‘a natureza não dá saltos’), fica evidente a nossa incapacidade
de perceber, mais intimamente, a dinâmica do reino natural,
pois tudo que existe é vibração. O que significa dizer que não há
abismos, divisões, buracos, intervalos no universo! Essa ‘fratura’
no continuísmo, que é imprescindível à assimilação (consciente)
da realidade como uma seqüência de fatos, na verdade, induz a
existência de uma intangível fonte primordial. Uma concepção
acalentada em antigas sabedorias e, até mesmo, por alguns físicos
contemporâneos17.

O Observador Participa...
Em nossas atividades cotidianas, a escolha é um ato natural
diante de qualquer situação vivenciada. Algo próprio à visão de

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mundo regida pelo dualismo que descreve a realidade de forma
discriminada, fragmentada, e outras classificações de ordens
peremptoriamente excludentes. Somos impulsionados a escolher
uma entre duas (ou mais) opções aparentemente antagônicas sem,
contudo, atentar para suas origens, ou mesmo a possibilidade de
serem complementares. Se, de um lado, esse proceder facilita a vida
de uma pessoa, de outro, despreza a possibilidade de certos valores
ou características circunstancialmente danosas se transformarem.
É justamente essa noção ‘estática’ da realidade que orienta o
pensamento dominante da sociedade contemporânea que, assim
polarizada, não assimila as sutilezas ubíquas às ocorrências do
cotidiano. Uma atitude estranha para as sociedades tradicionais,
em que uma escolha não é sistematizada pela necessidade maior de
excluir a outra porque uma escolha é ‘boa’ e, deste modo, a outra
é ‘ruim’. Nessas sociedades, comunga-se a ideia de que a realidade
‘emerge’ de fluxos e processos da natureza, o que significa dizer que
nada existe permanentemente. Logo, uma escolha se constitui uma
expressão do momento, pois, o que é ‘bom’ agora, depois poderá
não ser, e vice-versa.
As considerações acerca do mundo quântico podem servir
de referências para intuir além das ordens duais vivenciadas por
nossa consciência. Enquanto, no mundo de nossas percepções
a dualidade tem uma função crucial, pois o ato de fazer uma
escolha significa ignorar ou eliminar uma outra opção, por outro
lado, na fenomenologia quântica, uma opção representa uma
escolha do que deseja avaliar naquele momento. As outras opções
continuam existindo como possibilidades reais ou potencialidades.
A inacessibilidade (consciente) a esse ambiente significa que o ato
de medir ou detectar uma propriedade exige uma decisão prévia
do observador (o experimentador), quer dizer, de antemão ele
influencia na ‘construção’ da realidade. Desta maneira, as revelações
do mundo quântico dissolveram os paradigmas que fundamentam
uma existência independente numa interpretação científica, ao

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envolver, no contexto operacional, o formalismo e o aparato
utilizado, além, claro, da participação do observador, quem escolhe
o que pretende avaliar.

Dualidade e Complementaridade
Aprendemos da teoria quântica que os sistemas físicos ‘possuem’,
entre suas propriedades, a dualidade onda/partícula, característica da luz.
De fato, a luz é uma entidade física não dual: ‘contém’ ambos os aspectos,
embora não se pode observá-los ou registrá-los simultaneamente. Em
termos da física clássica, essa dualidade revela um paradoxo tipo ou/ou, o
que reflete a nossa limitação, seja de ordem psíquica-fisiológica ou pela
inexistência de dispositivos tecnológicos, para formular uma descrição
plena dessa fonte de energia infinita. Se pensarmos ‘quanticamente’,
aceitaremos esse paradoxo como intrínseco às maneiras que as coisas
são. Isto porque, não há, de fato, dualismo onda/partícula numa
realidade quântica, pois, tanto o ‘aspecto onda’ quanto o ‘aspecto
partícula’, pode se transmutar um no outro. Mesmo quando nos
referimos à luz como partícula, intimamente também envolvemos
sua natureza ondulatória e vice-versa. Portanto, a dualidade surge da
influência humana: é a interferência externa que discrimina a natureza
da luz. Isto mostra porque se associa o ‘aspecto onda’ à probabilidade
de encontrar a partícula em uma determinada posição.
Este foi o panorama analisado por Niels Bohr. Para ele, todo
o processo de observação é um único fenômeno, embora não
completamente analisável. Imbuído do propósito de contextualizar
o caráter não dual da luz, Bohr considerou que os aspectos, onda
e partícula, formam um par de opostos complementares. Uma
maneira sutil para superar os limites da convivência conflituosa que a
dualidade provoca numa descrição polarizada da realidade. De fato,
mesmo que só se possa viver uma face da realidade em cada vez, não
se deve esquecer que tudo tem seu lado complementar.

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Aqui temos mais uma lição do reino quântico. Uma observação
minuciosa sobre a dinâmica da realidade ao nosso redor, evidenciará
quão paradoxal é o universo físico. O universo parece ser composto de
fatos que exprimem determinadas qualidades e, concomitantemente,
de seus opostos, mas só podemos ‘observar’ cada fato (ou o seu
oposto), separadamente, nunca ambos ao mesmo tempo. Podemos
ter uma ideia desse paradoxo, imaginando um cubo transparente
onde aparecem apenas suas arestas. Enquanto é possível discriminar
as duas faces, numa perspectiva paralela no plano do papel, por
exemplo, somente temos consciência da imagem do cubo se fixamos
o olhar na face mais próxima, ou então, na face posterior. Cada
escolha proporciona uma imagem diferente do cubo, ou seja, têm-se
duas realidades diferentes. Esta analogia torna evidente que é o ato de
escolha por parte do observador que constrói a realidade observada.
Este é o cerne do princípio da complementaridade de Bohr.
O princípio da complementaridade é um dos pilares ‘guias’
encontrados em antigos ensinamentos, a exemplo do budismo,
que enfatiza a não exclusão, a não separação, como uma maneira
de conviver com a ambigüidade projetada no mundo físico. Algo
como assimilar o mundo e suas ‘contradições, sem fazer juízos de
valor de uma forma precipitada e unilateral, inferindo que aspectos
aparentemente incompatíveis coexistem em um mesmo ser, objeto
ou situação. Um reflexo da própria natureza, como se observa na
infinidade de pares de opostos complementares inerentes à expressão
humana: feminino e masculino, subjetividade e objetividade,
pensamento e ação, sentimento e raciocínio, etc.

A Incerteza como Lógica


Após seu primeiro encontro com Bohr, de quem ouviu que
os átomos não são ‘coisas’, Werner Heisenberg conjeturou sobre o
que seria o átomo. Não fazia sentido aplicar as ideias clássicas para

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o mundo quântico, pois os conceitos são validados somente quando
eles descrevem uma observação real, e não as nossas ideias sobre o
que pensamos que está ocorrendo. De todo modo, mesmo que os
átomos não sejam observados, percebe-se a luz emitida por ele.
A dualidade onda/partícula da natureza da luz foi o ponto de
partida para Heisenberg formular o seu princípio da incerteza (ou
da indeterminação). De acordo com este princípio, uma realidade
quântica só pode ser avaliada quando se faz uma escolha. Até lá, tudo
é indeterminado. No ambiente quântico, é impossível definir um
fóton como uma onda ou uma partícula, até que se faça uma medição.
Embora seja possível detectar o ‘aspecto partícula’ ou registrar
seu ‘aspecto onda’, sabe-se que nenhum dos dois é primordial ou
permanente. Se detectarmos o ‘aspecto onda’, significa que o seu
‘aspecto partícula’ estará oculto, existindo como uma qualidade
potencial à revelação, ou seja, como possibilidades. Logo, a certeza
sobre um desses aspectos implica, inexoravelmente, na incerteza
acerca do outro.
Este cenário de incerteza se constituiu numa ‘lógica’ do mundo
quântico, atrelada às possibilidades de ocorrer um evento. De fato,
o ato de perscrutar um evento quântico exige transpor as barreiras
do discreto, da certeza e do determinismo e imergir no reino das
probabilidades, de onde se configurará as várias realidades possíveis.
É o que se verifica, por exemplo, com uma partícula, enquanto um
estado material fisicamente mensurável. Explicitando: não existe o que
chamamos de matéria, e sim, configurações ou padrões de energia
formados pela superposição de ondas de probabilidades.
Para o cientista, essa ‘lógica’ da incerteza expressa o campo
de probabilidade intrínseco ao exercício do seu livre arbítrio, uma
qualidade sutil que o ser humano nem sempre a usa de forma evolutiva
e respeitosa. Não há duvida que só podemos viver uma realidade a
cada momento, pois a incerteza impera sobre as demais. É o que se
constata em nossas experiências de vida: quando nos restringimos
aos fatos de uma situação qualquer, alijamos a perspectiva de ter

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uma visão contextual; se optarmos por uma visão ampliada dos
acontecimentos, não perceberemos os detalhes da situação.
Desta maneira, o micromundo da Física revelou um aspecto
crucial para descrever a realidade: o imprevisto, a mesma qualidade
que alimenta o processo evolucionário de nossas relações, pessoais ou
coletivas. Essa imprevisibilidade explica porque as nossas construções
mentais são geridas por um indeterminismo sutil que nos impede
de viver, exclusivamente, sob leis causais. O fato é que o princípio
da incerteza evidencia a impossibilidade de exaurir, com precisão,
uma descrição espaço-tempo de qualquer ocorrência na natureza.
Graças a essa ‘incerteza’ sobre o futuro, somos impulsionados a uma
trajetória na busca de desvendar os mistérios do universo.

De Variáveis Ocultas à Inseparabilidade Quântica


O ano de 1927 chegou ao seu final com a teoria quântica
proporcionando uma interpretação consistente do micromundo
da Física, lastreada pelo formalismo ondulatório de Schrödinger,
o princípio da incerteza de Heisenberg, o princípio da
complementaridade de Bohr, o principio da exclusão de Pauli, entre
outras contribuições fundamentais. Conhecida como a ‘interpretação
ortodoxa da mecânica quântica’ (ou ‘Escola de Copenhague’), a
mesma envolve duas dinâmicas qualitativamente diferentes: uma
evolução temporal determinística do padrão de ondas (quântico) de
um sistema isolado, e a ideia de que um ‘colapso’ (indeterminístico)
do padrão torna-se algo detectável.
O instrumento básico do formalismo acima referido é uma
equação de ondas (a equação de Schrödinger), que não descreve as
posições de um elétron, por exemplo, e sim, dá a probabilidade de
observá-lo. Neste caso, o conjunto de todas as localizações possíveis
do elétron em órbita em torno do núcleo é representado pela onda
(pulso) de Schrödinger ‘espalhada’ por todo o meio. Significa que

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a localização do elétron é definida no ato de observação, quando
todas as probabilidades dadas por essa onda (função de onda) são
reduzidas a uma única observação (ou medida). Um evento que
ficou conhecido como o ‘colapso da função de onda’. Embora esse
‘colapso’ não seja ‘contemplado’ no formalismo matemático da
teoria quântica, muitos físicos tentam explicá-lo. Mas, não era o
caso de Einstein, notório crítico da noção de descontinuidade, que
considerava o ‘colapso’ como algo perturbador. Einstein costumava
dizer que a teoria quântica de Bohr e Heisenberg era uma ‘teoria
estatística’, portanto incompleta. Segundo ele, faltava ‘algo’.
(‘Variáveis ocultas’?)18.
Este panorama, que gerou o famoso debate Bohr-Einstein19,
traduzia a preocupação deste último em conhecer, detalhadamente,
a evolução dos processos espaço-temporais que ocorrem no nível
quântico. Enquanto Bohr dizia que isto não era possível, Einstein
insistia que devia existir uma maneira. Assim, sustentando uma noção
de realidade local, externa, Einstein argüiu que a função de onda
da interpretação de Copenhague descreve a nossa ignorância das
coisas, nada mais e, ainda, que a matéria exibe um comportamento
materialmente causal, enquanto se move no espaço e no tempo.
De seu lado, Bohr enfatizou que não é preciso explicar o ‘colapso’
da função de onda, pois o mesmo não é a derradeira realidade.
Isto porque, não há onda para ‘colapsar’, a menos que a onda
seja observada. Bohr costumava lembrar que toda análise é uma
observação, e uma observação é fundamentalmente um evento
descontínuo, o qual não está necessariamente conectado a qualquer
ocorrência do passado. Com esta visão de mundo, Bohr colocou
o observador (a mente humana) no palco central do mundo da
Física.
O debate seguiu até que, em 1935, Einstein, juntamente com
Boris Podolski e Nathan Rosen, publicou um artigo que causou
muita polêmica. Tratava-se de um ‘experimento pensado’ para testar
a interpretação da mecânica quântica (de ‘Copenhague’) defendida

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por Bohr e outros pioneiros, segundo o qual, o caráter probabilístico
da mecânica quântica não pode ser explicado em termos de uma
teoria determinística, pois não se trata de uma limitação do nosso
conhecimento.
Numa versão moderna desse experimento, também conhecido
como Paradoxo EPR, tem-se um sistema formado por dois fótons que,
após interagirem, deslocam-se em sentidos opostos. O objetivo
é o de medir uma determinada propriedade em um dos dois e,
simultaneamente, ter o conhecimento da mesma propriedade no
outro fóton. Ora, de acordo com a teoria quântica, não é possível
aferir um atributo físico de um objeto sem perturbá-lo. Uma vez
escolhida a propriedade a ser prevista, é impossível obter seu valor
exato nos dois fótons ao mesmo tempo, o que violaria o princípio
da incerteza de Heisenberg.
Este paradoxo tem uma explicação: ao fazer a sua previsão,
o observador não perturba o objeto em si, mas perturba o outro
objeto que teve contato prévio com o primeiro. Em outras palavras,
o observador conhece um atributo físico do primeiro objeto ao
observar o segundo objeto, porque existe algo que os físicos chamam
de correlação entre os dois objetos que interagiram antes. Essa
correlação quântica decorre do fato de que os objetos são conectados
por uma única função de onda, contendo todas as informações sobre
eles. A partir dessa característica, comum aos dois objetos, infere-
se que é possível determinar, com relativa precisão, uma mesma
propriedade, não importa quão distante estejam.
A existência ou não dessa correlação foi um tema comodamente
relegada na Física. Até que David Bohm apresentou uma teoria na
qual a noção da complementaridade de Bohr é associada a uma
ontologia ‘realista’, com o propósito de superar o abismo entre o
mundo dos objetos e o mundo imaginado pelo observador sobre
os mesmos (BOHM, 1952). Ao introduzir parâmetros extras no
formalismo, Bohm deu abrigo à ideia das supostas ‘variáveis ocultas’
numa descrição da realidade. Por isto, faz-se necessário, numa

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previsão quântica, que os valores das grandezas físicas reflitam tanto
as propriedades dos objetos quanto o seu ‘contexto’. O que significa
dizer que os valores atribuídos às grandezas podem ser alterados
instantaneamente por ações remotas. (É provável que Bohm tenha
assimilado esse ‘contextualismo’ implicado, ao considerar a ideia da
totalidade em seus escritos posteriores).
Mais tarde, John Stewart Bell resgatou esta proposição de
Bohm sobre a realidade não local (teoria da ‘variáveis ocultas’) e
propôs, na forma de um teorema, uma maneira de avaliar um
efeito instantâneo entre duas localizações quaisquer entes físicos
no universo (BELL, 1966). Bell não concordava com a descrição
da realidade proporcionada pela teoria quântica e, então, lançou
um desafio: provar que nenhuma descrição ‘realista local’, ou seja,
com posição e momentum previamente definidos, contempla todas as
possibilidades da mecânica quântica. Se existem as supostas ‘variáveis
ocultas’ afetando o ambiente imediato, i.é., se forem locais, então
elas produzirão resultados observáveis, contraditórios às previsões da
mecânica quântica.
Os primeiros resultados experimentais significativos, obtidos
pelo grupo liderado por John Clauser em 1978, e quatro anos mais
tarde por Alan Aspect e colaboradores, mostraram que eventos
atômicos individuais violam a causalidade clássica. Embora, a
princípio, essa medida pareça contrariar os requisitos de uma
realidade objetiva localmente causal, o que implicaria numa troca de
informações com uma velocidade superior a da luz entre dois fótons
movendo-se em sentidos opostos, na verdade, atesta a postulada
correlação quântica (interna) entre propriedades dos fótons20. Uma
constatação surpreendente, porquanto revela que os dois fótons
estão emaranhados como um só, tal que, a sua dinâmica é uma
manifestação direta da forma global da função de onda que abrange
o sistema inteiro. Esse feito, que tem sido amplamente corroborado
por vários pesquisadores através de experimentos cada vez mais
sofisticados, levou à noção da não localidade ou inseparabilidade quântica,

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pressupondo que existe algo como um campo unificado operando
além dos limites estabelecidos pelas atuais teorias científicas.
A não existência de uma realidade verdadeiramente indepen-
dente, i.é., ‘realidade local’, tem fomentado conjecturas sobre
a natureza essencial do mundo físico. Uma delas, proposta pelo
físico Nick Herbert em seu livro Quantum Reality, contém oito
interpretações (HERBERT, 1985): (1) não existe realidade
subjacente; (2) a realidade é criada pela observação; (3) a realidade
é uma totalidade indivisa; (4) existem muitos mundos; (5) o mundo
obedece a uma espécie de ‘raciocínio’ não humano; (6) o mundo é
pleno de objetos ordinários; (7) a consciência cria a realidade; e (8)
a realidade quântica não mensurada existe apenas como potencial.
Diante desta abrangência, é natural imaginar que cada uma dessas
sugestões ‘possui’ seu respectivo paradoxo. Não obstante, qualquer
consideração a ser feita sobre a realidade deve envolver a interação
com o reino não local.

O Mundo Pleno-potencial
A ideia do holismo quântico, que costuma povoar nossas
mentes, denota um panorama onde todas as potencialidades
encontram-se emaranhadas, i.é., intrinsecamente conectadas. Como
abordado na seção anterior, trata-se de um emaranhamento em que
os entes quânticos são indistinguíveis configurando, portanto, um
reino da inseparabilidade (ou da não localidade). Ora, se tudo que
existe é fruto das inter-relações desse ‘mundo de potencialidades’,
então, é natural considerar uma abordagem unificada envolvendo
esse mundo imperceptível.
Os fundadores da ciência moderna já buscavam uma formulação
única para os fenômenos observados. Johannes Kepler unificou
as órbitas celestes, Isaac Newton combinou a gravidade com os
movimentos orbitais e, depois, James Maxwell, com a teoria do

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eletromagnetismo, reuniu a eletricidade e o magnetismo, até chegar,
no século XX, com a interconversão energia/matéria demonstrada
por Albert Einstein.
Em 1928, Paul Dirac apresentou uma teoria quântica
relativística do elétron, que combinava a teoria quântica e a teoria
de relatividade especial21. A teoria de Dirac continha uma equação
de ondas (a ‘equação da beleza’), que descrevia o comportamento
de um elétron livre, admitindo duas soluções matemáticas. Uma
delas proporcionou os resultados esperados para o comportamento
de um elétron. A outra solução sugeria a existência de partículas
dotadas de uma propriedade muito esquisita: estados de energia
negativa, algo jamais observado. Dirac explicou que o universo é um
meio completamente cheio de elétrons ocupando todos os estados
disponíveis com energia negativa. Um mundo estranho, até mesmo
para os físicos daquela época. Nesta concepção, o considerado
‘espaço vazio’ do universo não passa de uma plenitude de elétrons
de energia negativa dotados de cargas positivas, ao contrário
daqueles elétrons (de carga negativa) da realidade física conhecida.
Inquestionavelmente, um meio que transcende qualquer aferição
ou observação direta.
Quatro anos depois, esta inusitada concepção de Dirac foi
experimentalmente comprovada por Carl Anderson, introduzindo,
assim, o mundo da antimatéria na ciência. Além dos elétrons reais
‘observáveis’ de energia positiva, no mundo físico existem elétrons
(virtuais) de energia negativa, os denominados de antielétrons (ou
pósitrons), que são inobserváveis e não exercem qualquer influência
direta sobre o mundo dos objetos. O intrigante é que o mundo
real, inclusive nós, existimos justamente nesse ‘mar’ de partículas
inobserváveis (o mundo da antimatéria), sem jamais sentir qualquer
um de seus efeitos, assim como não sentimos a tremenda pressão que
a atmosfera exerce sobre os nossos corpos. Vale ressaltar, contudo,
que existe uma interação entre esses mundos: quando um elétron
é forçado a entrar no mundo da antimatéria, ocorre o fenômeno

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chamado ‘aniquilação mútua’ de pares elétron-pósitron, ou seja, dá-
se a superposição ‘matéria e antimatéria’ liberando uma enorme
quantidade de energia. Trata-se, pois, de uma conversão completa
de matéria em energia. Este fenômeno é a base para um dos mais
sofisticados e poderosos recursos tecnológicos já desenvolvidos
para a medicina: o PET (Positron Emission Tomography), com o qual
é possível mapear o cérebro e, ainda, avaliar, comparativamente, o
grau de excitação de cada região do mesmo.
A teoria de Dirac possibilita conjeturar sobre a natureza
essencial do universo. De acordo com a sua versão atual, a teoria
quântica de campo, todas as coisas existentes no universo são
expressões ou padrões dinâmicos originários do estado fundamental,
também chamado de estado puro, vazio absoluto, ou vácuo quântico,
o suposto nível abstraído de toda matéria e energia (energia zero!).
Ora, uma vez que a incerteza é uma premissa básica do mundo
quântico, não se pode assumir que a energia desse estado tenha um
valor exatamente zero! Isto porque, a esse nível, não há certeza de
nada. Entretanto, sob a ideia de que o estado fundamental (o vácuo
quântico) é o reino de flutuações constantes, é possível admitir que,
no efêmero instante de uma diminuta fração de segundo, o valor
médio de sua energia seja zero.
O panorama assim delineado alterou profundamente a
maneira de abordar o mundo físico. Em vez de uma realidade
material constituída de moléculas, átomos e partículas elementares
conectadas a algum estado fundamental, ‘insubstancial’, o universo
que conhecemos surge exatamente desse estado, porquanto é o reino
pleno-potencial, a totalidade da energia criativa de tudo que existe.

Notas
1. O termo sistema, aqui usado, designa um conjunto físico em estudo que
pode ser um ser biológico ou um corpo material qualquer.

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2. Com uma visão mais abrangente da Matemática, Poincaré concebeu
uma nova geometria envolvendo padrões e relações que ficou conhecida
como Topologia, que trata do estudo geral da continuidade. Nessa
geometria todos os comprimentos, ângulos e áreas podem ser torcidos
de modo que uma figura geométrica se transforma em outra.
3. A partir do conceito de entropia, Clausius (e também William Thomson)
postulou que o universo acabaria por esfriar ou ‘morrer’. Quer dizer,
se as diferenças em energia entre as várias partes diminuem até zero,
não haverá fluxo de energia e, portanto, todas as formas de vida serão
extintas. Uma suposição que sofreu críticas severas de outros cientistas,
e também de filósofos, argumentando a ideia do ‘universo cíclico’.
4. As outras leis da termodinâmica são: a Lei Zero que expressa o
equilíbrio entre corpos; a Primeira Lei, a conservação da energia; e a
Terceira Lei infere que a entropia de qualquer sistema deve desaparecer
quando a temperatura absoluta (graus Kelvin) tende a zero.
5. Boltzmann considerou uma caixa dotada de uma parede móvel,
dividindo-a exatamente ao meio. Inicialmente, o gás está contido em
uma das metades, estando a outra metade está totalmente vazia. Ao
remover a divisória, o gás rapidamente difunde por toa a caixa gerando,
assim, um ambiente com mais desordem e maior entropia.
6. Embora não exista impedimento, do âmbito das leis físicas, para o
movimento oposto, i.é, da desordem para a ordem, a aleatoriedade
intrínseca aos movimentos das moléculas de um gás, torna esse sentido
bastante improvável.
7. Em sua hipótese do quantum, Planck assimilou o postulado de
Boltzmann de que os estados de energia de um sistema físico poderiam
ser discretos, ou seja, a absorção e a emissão ocorrem em quantidades
(discretas) de energia.
8. Espécie de onda gerada quando uma corda tensionada (ou em um
tubo sonoro) é deslocada lateralmente e solta. As vibrações criadas
propagam-se em sentido opostos, cuja superposição forma padrões de
interferências caracterizados por posições fixas de deslocamento zero
(os nodos) e por deslocamento máximo (os antinodos).
9. Nodos: um ponto ou uma região onde uma propriedade qualquer de
uma onda estacionária tem energia mínima (ou zero).

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10. Momentum: inércia em movimento. É calculado multiplicando a
velocidade e a massa da partícula.
11. Harmônicos: qualquer componente cuja freqüência seja um múltiplo
(inteiro) de freqüência fundamental (a mais baixa) é chamada de
harmônicos. O primeiro harmônico se refere à freqüência fundamental.
12. Batimentos: seqüência de reforço e enfraquecimento de duas ondas
superpostas, com freqüências ligeiramente diferentes, podendo ser
vistos (ou ouvidos) de forma pulsante.
13. ‘Onda de probabilidade’: na teoria quântica se refere a onda que codifica
a probabilidade de encontrar uma partícula em uma determinada
posição.
14. Deve-se ressaltar que os parâmetros clássicos da posição e da velocidade
são aplicados ao reino quântico como a único objetivo de ter uma
compreensão desse reino.
15. É o que proporciona a solução da equação de Schrödinger, operando a
função de densidade de probabilidade na forma, Ψ.Ψ*.
16. Na linguagem da teoria quântica, as propriedades mensuráveis são
também chamadas de observáveis: energia, posição, momentum,
momentum angular. Embora a abordagem quântica não atribua valores
definitivos aos observáveis, e sim faz previsões sobre a probabilidade
de obter cada um dos possíveis resultados na medição de um observável,
existem certos estados quânticos que são associados a um valor definido
de um determinado observável. Esses estados são conhecidos como
auto-estado do observável. Usualmente, um sistema não está vinculado
a um auto-estado, para qualquer observável escolhido, no entanto, ao
medir o observável, instantaneamente a função de onda estará em um
auto-estado daquele observável. Esse processo -o conhecido colapso
da função de onda- implica na expansão do sistema para incluir o
aparato de medida, o que gera imprecisão nos cálculos de natureza
quântica. A ideia básica é que quando um sistema quântico interage
com um aparato de medidas, suas respectivas funções de onda tornam-
se emaranhadas tal que o sistema original deixe de existir como uma
entidade independente.
17. Seria, por exemplo, o que o físico Amit Goswami denomina de
Consciência Cósmica.

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18. Referência feita a partir das considerações de Einstein sobre a mecânica
quântica, a qual, para ser completa, deveria haver algo como ‘variáveis
ocultas’. Essas são concebidas como entidades quânticas subjacentes
a realidade física, todavia não detectáveis pelas técnicas de medidas
conhecidas.
19. Os debates começaram publicamente em 1927, no âmbito quinta
Conferencia Solvay, realizada em Bruxelas e patrocinada pelo industrial
belga Ernest Solvay.
20. Não há violação do princípio da relatividade especial, considerando-
se que não ocorre transferência de uma propriedade física (no caso,
informação), entre eles.
21. Teoria de Einstein, segundo a qual o espaço e o tempo não são
absolutos individualmente, pois dependem do movimento relativo entre
diferentes observadores. A outra teoria de Einstein, da relatividade
geral, invoca a curvatura do espaço e do tempo.

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Capítulo 4
ENERGIA SUTIL E MATÉRIA

A Relação Mente-Matéria
Sabemos que as descrições científicas do mundo não fazem
qualquer referência à participação direta do observador (a sua
mente), cabendo, portanto, considerações filosóficas, religiosas ou
outras de natureza metafísica, na busca de respostas às inquirições
concernentes à existência humana. As primeiras tentativas para
encontrar uma fundamentação científica envolvendo a subjetividade
resultaram nas abordagens categorizadas como ‘fisiologia psicológica’
e ‘psicologia filosófica’. Especificamente, a partir dos estudos do
médico e físico, Gustav Theodore Fechner (1801-1887) ao realizar,
com rigor científico, os primeiros experimentos que viabilizaram o
desenvolvimento da ‘nova’ psicologia1.
Em sua obra Elemente der Psychophysik, publicada em 1860,
Fechner propõe, após cuidadosa avaliação de experiências sensoriais,
uma abordagem que envolvia fenômenos físicos e mentais. Ele
considerou a existência de um vínculo entre a mente (psique) e o
corpo e, então, relacionou, empiricamente, o aumento da energia
corpórea ao correspondente aumento da intensidade mental. Nessa
experiência, uma pessoa segura uma massa aferida e, depois, uma outra

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de massa um pouco maior, tal que permita avaliar, sensorialmente,
a menor diferença perceptível entre elas. Para quantificar essas
relações Fechner analisou uma série de experiências efetuadas
por Ernst Heinrich Weber (seu antigo professor de anatomia) na
tentativa de ‘descobrir’ o limiar da consciência sensorial. Weber já
tinha concluído que o mundo sensorial é ‘experienciado’ através
de relações e não de uma diferença absoluta, ou seja, tudo o que a
mente humana percebe são relações, as quais parecem ser inatas.
O desenvolvimento de Fechner, que o próprio denominou de
Psicofísica, diferencia uma abordagem ‘psicofísica interna’ (a relação
entre sensação e excitação dos nervos) de outra ‘psicofísica externa’
(a relação entre sensação e simulação física), argüindo uma verdade
(básica) filosófica: a mente e a matéria são apenas diferentes maneiras
de conceber uma única e mesma realidade. Ao demonstrar que
eventos mentais podem ser avaliados em termos de suas relações com
eventos físicos, Fechner evidenciou o potencial para a exploração
quantitativa (experimental) da fenomenologia das experiências
sensoriais, sugerindo a psicofísica como um dos métodos principais
para a ‘emergente’ psicologia científica.
Com uma visão similar, o também médico Hermann Ludwig
Ferdinand von Helmholtz [1821-1894] procurou explicar as
bases fisiológicas associadas a energia térmica de um animal, um
fenômeno que às vezes era usado para justificar a ideia do vitalismo2.
Após realizar várias medidas da velocidade de impulsos nervosos,
Helmholtz concluiu que havia uma compensação energética de
natureza psíquica, o que serviu de base para o seu famoso trabalho
sobre a conservação da energia, publicado em 1847. Tal feito rompeu
com o pensamento usual na época de que a energia estava associada
a algo material, passando, então, a ser tratada como ‘possibilidade
de transformação’. De fato, o termo energia conceitua um estado
intermediário (não definido) entre dois estados definidos. Sendo
uma qualidade, ou seja, imaterial, este termo (energia) pode também
designar a energia psíquica.

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O propósito de categorizar a energia psíquica envolveu ainda
outros estudiosos, entre eles Wilhelm Wundt [1832-1920], que foi
assistente de Helmholtz, e Theodor Lipps [1851-1914]. O primeiro
resgatou a noção de ‘psicologia fisiológica’ imaginando desenvolver
uma teoria psicológica da ‘percepção do espaço’. Rejeitando uma
base metafísica para a consciência, Wundt argüiu que era possível
transcender os limites de uma abordagem direta da consciência
estudando a sua natureza genética, comparativa, estatística e
histórica, além, claro, de adotar uma metodologia experimental. Para
ele, somente desta maneira poder-se-ia reconhecer a necessidade de
assimilar os fenômenos da consciência como ‘produtos complexos’
da mente inconsciente. Por sua vez, Lipps distinguindo o conceito
de energia psíquica daquele de força psíquica, afirmou que “a
força psíquica é a possibilidade de que na alma surjam processos
que alcancem um determinado grau de eficiência” enquanto que a
energia psíquica “é a possibilidade, inclusa nos próprios processos,
de que esta força passe a atuar” (JUNG, 1991a, § 26). Deste modo,
ele chama a atenção para a qualidade energia, que se expressa tanto
como psíquica quanto física.
Como enfatizado por Jung, na experiência, a energia (física) é
manifestada como movimentos e forças, enquanto que, em ato, a
energia (psíquica) se manifesta nos fenômenos dinâmicos da alma,
tais como afetos, ações, tendências, etc., que são forças psíquicas.
Mesmo que não seja possível provar a equivalência entre energia
psíquica e energia física, pode-se considerar o ponto de vista
energético para descrever fenômenos psíquicos.
No ocaso do século XIX, o campo experimental da psicologia
estava dividido entre fisiologistas clínicos e fisiologistas experimentais.
Os primeiros desenvolviam uma abordagem médica com interesse
restrito nos resultados, enquanto o modelo elaborado pelo segundo
grupo enfatizava o aspecto da mente que poderia ser examinado por
técnicas experimentais. Este impasse começou a ser mudado com
um trabalho de Sigmund Freud envolvendo ambos os aspectos: o

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fisiológico clínico e o fisiológico experimental. Com o propósito de
fundamentar cientificamente a sua abordagem, Freud inspirou-se
em padrões e conceitos da Física e, deste modo, ignorou qualquer
referência de natureza mística, metafísica. Então, a sua teoria
psicológica firmou-se como uma ciência estruturada em modelos
e métodos empíricos que possibilitam analisar o reino da psique
humana. Nascia a psicologia clínica.
Anos depois, Carl Gustav Jung deu uma nova perspectiva para
a relação mente-matéria com a ideia da sincronicidade, na forma de
um princípio que correlaciona eventos acausais (físicos e psíquicos)
sob um mesmo significado. Encorajado pelas inúmeras conversas
com pioneiros da física quântica, entre eles, Albert Einstein, Erwin
Schrödinger, Pascual Jordan e Wolfgang Pauli, Jung observou que
a descrição proporcionada pela física quântica para as ocorrências
acausais poderia subsidiar uma desejada interpretação dos inusitados
conteúdos relatados por seus pacientes. Ele defendeu uma nova
concepção da realidade projetando uma correlação psicofísica
inferida a partir da dinâmica do mundo quântico, a qual deve
enfatizar a participação do observador (o subjetivo) em todo e
qualquer evento investigado.

Níveis Sutis da Realidade


O objetivo de perscrutar a subjetividade intrínseca às complexas
manifestações da natureza próxima, e mais amplamente do universo,
é um fator motivador para a evolução da ciência e, claro, de todas
as formas do conhecer. Em várias áreas do conhecimento, já se
percebe o interesse de cientistas numa descrição da realidade
incluindo, explicitamente, o observador. Cada vez mais são realizadas
experiências atestando a mente humana3 como a fonte geradora de
um conhecimento que se estende além do puramente pessoal, ou
seja, não está relacionado às experiências individuais.

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A busca por uma abordagem científica envolvendo a mente
enfrenta dificuldades de ordem fenomenológica, considerando-
se que a realidade descrita se refere a objetos isolados, onde as
interações entre eles só acontecem devido à ação de uma força ou pela
transferência de energia. Para uma visão mecanicista de mundo, em
que tudo é fixo e eterno, e as ações devem ser explícitas e objetivas,
não há espaço para as ordens criativas da natureza. Entretanto,
a partir de teorias da física moderna, e suas inferências sobre a
subjetividade da natureza, i.é., aquelas oriundas do micromundo
(quântico) e do macromundo (relatividade), é possível encontrar
uma maneira de externar o papel do ser humano no contexto de
uma interpretação científica. É o caso de considerar, por exemplo,
a existência de formas ou padrões dinâmicos subjacentes a todas
as manifestações da natureza, seja material ou mental, que se
correlacionam entre si.
Nessa incursão para relacionar o mundo material e o mundo
mental, surgem ideias geralmente classificadas como metafísicas,
místicas ou mesmo intempestivas. Entre elas, destacamos a elegante
abordagem de David Bohm sobre energia sutil, introduzindo a
noção de informação ativa como o elemento transcendente numa
composição matéria-energia-informação, e o desígnio de Wolfgang
Pauli para descrever a realidade sob uma ótica psicofísica, uma
consideração intimamente relacionada à ideia de sincronicidade
desenvolvida por Carl Gustav Jung.

Bohm e a Energia Sutil


David Bohm foi um físico que buscou uma nova concepção da
realidade, questionando a interpretação ortodoxa (de Copenhague)
da mecânica quântica. Estimulado por Einstein, ele desenvolveu
uma abordagem para a ‘realidade quântica’ (BOHM, 1951),
cuja linguagem envolve características físicas como ordens sutis

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de processos, fluxos, movimentos, transformações, simetrias e
relações.
Na sua interpretação (causal), Bohm considera o elétron
como uma partícula seguindo uma trajetória bem definida, sempre
acompanhada por novo tipo de campo quântico Aqui, lembramos que
a noção de campo pode ser matematicamente representada por
expressões chamadas de potenciais, tal que, um potencial descreve
um campo em termos de uma potencialidade existente em cada
ponto do espaço, agindo sobre uma partícula que está nesse ponto.
Diferente da noção clássica, em que os potenciais (magnético e
elétrico), dependem da intensidade de seus respectivos campos, o
potencial quântico (que representa o campo quântico) depende apenas
de sua forma (BOHM, 1952). Significa que um ente físico qualquer
sofre a mesma influência do potencial quântico, independente de
onde for localizado.
Ao inferir as propriedades do campo quântico, Bohm considerou
que, assim como ocorre com a matéria, a energia também está sujeita
às transformações e, ainda, forma padrões. Quer dizer, da mesma
maneira que a energia atua sobre a matéria, ‘alguma coisa’ também o
faz com a energia. Esse algo misterioso, que Bohm chamou de energia
sutil ou ‘campo de informações’, não é simplesmente um registro
dos fatos, mas se trata de uma atividade física da natureza.
Neste contexto, ele introduz a noção de informação ativa como
resultante da ação potencial quântico através desse campo de
informações, a qual tem o papel de orientar todos os processos físicos
da natureza, formando suas estruturas e configurações. Bohm tomou
o significado literal da palavra, i.é., ‘in-formar’, a qual é ativa para
formar alguma coisa ou permear alguma coisa com forma. Significa
que, a informaçao ativa é potencialmente ativa em toda parte, mas
realmente ativa quando um ente constituinte é localizado. Ele explica:
“a ideia básica da informação ativa é que uma forma tendo pouca
energia adentra e direciona uma energia muito maior” (BOHM;
HILEY, 1999, p. 35).

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Em outras palavras, a informação ativa é uma espécie de forma
que ‘conhece’ a distribuição interna da matéria, dá forma a energia
e, reciprocamente, essa energia ‘formada’ atua sobre a matéria
promovendo as transformações, as quais, por sua vez, realimentam
a informação ativa. Para se ter uma ideia da ação dessa informação
ativa, basta considerar, por exemplo, o sinal eletromagnético emitido
por uma estação de TV que chega até um televisor alimentado pela
energia elétrica, ainda ‘sem forma’. É justamente o conjunto de
informações contido no sinal, que dá ‘forma’ a essa energia, gerando
imagens e sons no televisor.
Com a noção de informaçao ativa, Bohm suplanta a dualidade
matéria-energia concebendo uma interconexão triangular
envolvendo matéria, energia e informação, algo como um novo
princípio universal.

Ordem Explícita, Ordem Implicada e Holomovimento


David Bohm observou que a completitude inferida no reino
quântico poderia fundamentar uma possível relação mente-matéria,
viabilizando uma descrição mais abrangente da realidade física. Ele
assumiu que o universo inteiro está, de algum modo, ‘contido’ em todas
as coisas e que cada coisa está ‘contida’ nessa totalidade, configurando
um vínculo relacional que é ativo e essencial para cada coisa existir.
Inferindo que a natureza das coisas não pode ser reduzida a fragmentos
ou partículas, Bohm sugeriu que o universo se revela através de um
movimento ininterrupto de ‘dobramento’ e ‘desdobramento’, inter-
relacionando tudo que existe (BOHM, 1992).
O termo ‘desdobramento’ caracteriza as relações externas
reveladas como uma ordem explícita, na qual, cada coisa é \percebida
relativamente separada. Esta ordem se refere ao mundo mecânico,
o mundo das coisas que se atraem e se repelem. Embora a ordem
explícita seja dominante nas experiências comuns (aquelas

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descritas pela física clássica), a mesma não pode ser propriamente
compreendida sem levar em conta a sua origem, i.é., a ordem implicada
- o ‘dobramento’-, que se situa além das categorias de espaço e de
tempo. É a realidade subjacente, oculta, logo, empiricamente não
verificável. Juntas, as duas ordens constituem uma totalidade, fluida e
indivisa, expressando a unicidade de todas as coisas. Desta maneira,
não é possível analisar, separadamente, qualquer uma de suas partes,
pois todas elas estão indissociavelmente ligadas.
A noção de ordem implicada pressupõe a existência de
uma fonte inacessível cuja dinâmica revela-se como um processo
constante de ‘mudança’ e desenvolvimento’ que Bohm chamou de
holomovimento, invocando uma analogia com o holograma4. Significa
que todas as expressões físicas da natureza (a ordem explícita) surgem
desse holomovimento, o qual as contém como potencialidades e,
ao final, retornam a ele. É justamente esse processo constante de
‘dobramento’ e ‘desdobramento’ que garante a existência das coisas
em suas formas relativamente estáveis e independentes como uma
ordem explícita.
Em vez de tratar com objetos, na maneira usual do mundo
macroscópico, agora se lida com processos para investigar como uma
determinada ordem explícita pode ser revelada de outra ordem, a
dinâmica ordem implicada. Por exemplo, não se pode dizer que um
elétron existe de fato, e sim, trata de ‘algo’ que surge e desaparece
repetidamente. Uma vez que tais ‘aparições’ são infinitamente
próximas, o que possibilita registrar a sua trajetória, então, o elétron
é o resultado de um processo intermitente de ‘colapsos e aparições’
que ocorre nos níveis mais profundos da realidade. Quer dizer,
o universo físico não é verdadeiramente constituído de formas
materiais, posto que, tudo que é percebido e/ou registrado, não
passa de manifestações físicas nesse holomovimento, espelhando
uma totalidade inatingível.
O micromundo imaginado por David Bohm é um lugar estranho,
místico, onde coexistem o passado, presente e o futuro. Um reino

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em que os objetos, e até mesmo as partículas elementares, têm uma
importância secundária. Esta conjetura que denota uma expansão
da Física pressupõe um ambiente preenchido pelos incessantes e
fundamentais movimentos de ‘dobramento’ e ‘desdobramento’ dos
quais emergem os objetos materiais, como abstrações. Enquanto
dissolve a certeza absoluta postulada na visão newtoniana, o
universo de Bohm oferece um cenário de potencialidades, aquele de
incontáveis realidades, onde uma realidade física qualquer pode ser
apreendida como um reflexo dos constantes processos de mudanças
e de transformações da natureza.

Implicações do Mundo Quântico para a Mente


A ideia de perscrutar uma conexão que está além da realidade
causal, despertou em Bohm o ímpeto para estabelecer um elo entre
processos físicos e mentais. Admitindo que padrões quânticos de
informação ativa seriam equivalentes a padrões de pensamento, ele
postulou que, no reino das partículas elementares, i.é., em seus
níveis mais sutis da ordem implicada, existe uma qualidade ‘tipo-
mental’, de natureza rudimentar. Uma qualidade que se revela, de
certo modo, na maneira que a informaçao contida na função de onda
atua sobre as partículas, onde os movimentos destas não podem ser
totalmente determinados. Algo deveras inusitado e desafiador para
uma formulação científica, porquanto exige uma correlação ou
uma analogia mais profunda, e certamente mais complexa, entre
os processos quânticos e os processos mentais.
Em sua interpretação ontológica da teoria quântica, Bohm
sugere que tais processos são essencialmente os mesmos, pois
tudo que ‘vivenciamos’ como mente, em seus inumeráveis níveis
de sutilezas, internamente ‘leva’ o corpo ao patamar da influência
do potencial quântico. Este potencial se revela como a conexão
não-local responsável por padrões das partículas elementares que se

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movimentam organizadas e ordenadamente como se fossem uma
coreografia (uma ‘dança de partículas’) guiada por uma informação
comum (por exemplo, uma música). Em uma analogia simplória, a
função de onda global desse sistema de partículas corresponderia à
mente e o conjunto de partículas, e seu comportamento microscópico
(a ‘dança’) no espaço físico, seria correspondente a matéria. Uma
concepção que possibilitaria correlacionar esses mundos (o físico
e o mental), visto que o potencial quântico é a fonte geradora da
informação ativa que orienta a ‘dança’ das partículas. Não obstante,
Bohm enfatiza: “a realidade profunda é algo além da mente ou
da matéria, da qual ambas são apenas aspectos que servem como
expressões para análises.” (BOHM; HILEY, 1999, p. 387).
Aqui temos um cenário que pode ser usado para expressar uma
analogia complementar entre mundos aparentemente tão díspares.
Da mesma forma que o movimento de uma partícula contém o
‘significado’ de uma informação, intrínseco ao campo quântico,
o movimento do corpo humano revela, por exemplo, o que está
implícito em níveis mais sutis do pensamento. Uma vez que a
consciência se manifesta em ambos os lados, então, a informação
ativa, embora ainda precise ser descrita ontologicamente, pode ser
tratada como uma ponte entre o físico e o mental. No entanto, os dois
lados são inseparáveis, considerando-se que a informação ‘contida’
no pensamento que ‘sentimos’ como o ‘lado mental’ é, ao mesmo
tempo, uma atividade relacionada aos aspectos neuropsicológico,
químico e físico, ou seja, o ‘lado material’ do pensamento. Bohm
exemplifica: uma pessoa lendo uma página impressa não absorve a
substância do papel, e sim reconhece as formas das letras, das quais
surge a informação na mente para, então, se manifestar nas atividades
da mesma. Trata-se de uma experiência subjetiva em que a atividade
é a parte mais importante do pensamento.
Este panorama induz a ‘presença’ de uma totalidade, na qual
os lados mental e físico participam interativamente um do outro,
pois não existe divisão real entre a mente e a matéria. Significa que

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o envolvimento da mente, e seu fluxo constante de pensamentos,
sentimentos, desejos e impulsos, numa relação mente-matéria,
não pode prescindir de uma ordem subjacente que promova uma
descrição consistente da realidade. Vivemos expectativa de que, ao
perscrutar os níveis mais profundos da realidade, reconheceremos
a premência de incluir o aspecto transcendental numa interpretação
do mundo físico.

Pauli e as Simetrias da Natureza


Wolfgang Pauli é lembrado como um dos mais criativos entre
os pioneiros da física moderna. Ele ganhou notável reputação no
meio acadêmico ao propor soluções inspiradoras que, a princípio,
pareciam estapafúrdias, no entanto, revelaram-se brilhantes depois.
Entre suas contribuições mais significativas, estão o princípio da
exclusão, que lhe deu o premio Nobel em Física no ano de 1945,
onde explica a incomensurável quantidade de formas materiais
diferentes do universo e, a previsão do neutrino, uma ‘partícula’
eletricamente neutra de massa zero e velocidade igual a da luz. Ambas
as contribuições atestam a sua excepcional intuição e crença nos
princípios da simetria e na conservação da energia na natureza5.
Inquestionavelmente, as simetrias, e as leis da conservação
associadas, sempre direcionaram a vida intelectual de Pauli. Este
ignorou a busca do derradeiro nível da natureza em termos de
partículas elementares, acreditando que o estado material, na forma
que conhecemos, é uma manifestação de algo mais profundo: o reino
da simetria. Uma vez que os sistemas quânticos são descritos por
uma função de onda (matematicamente ‘existindo’ em um espaço
abstrato), Pauli argüiu que a ‘forma’ dessa função é governada por
uma espécie de simetria. Segundo ele, todos os entes quânticos devem
ter uma das duas formas possíveis, que são excludentes, definidas
como o princípio da simetria e o princípio da anti-simetria.

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O princípio da simetria governa os entes quânticos agregados
em um único estado coerente de energia, ou seja, quando todos
estão em fase, gerando um efeito cooperativo entre pares de spins6
opostos, que são os bósons (mésons, fótons). Estes quantas de luz são os
elementos constituintes de três das quatro forças fundamentais do
universo7: a força eletromagnética e as forças nucleares, fraca e forte.
Já o princípio da anti-simetria revela uma função discriminatória,
a depender das estruturas materiais, pois governa os entes físicos
que não exibem os mesmos níveis de energia ou estados quânticos.
São os chamados férmions (elétrons, prótons e nêutrons), partículas
constituintes de toda matéria sólida que conhecemos. Essa anti-
simetria ‘impede’, por exemplo, que todos os elétrons se agrupem
com mesmos estados quânticos e, deste modo, exibem os padrões de
energia característicos ao átomo que pertencem. Em outras palavras,
o princípio da anti-simetria é o responsável pelo ‘empilhamento’ dos
elétrons em um átomo formando uma série de níveis de energia, tal
que, cada átomo é quimicamente distinguível de outro.
Este desenvolvimento, conhecido princípio da exclusão8 de
Pauli, de importância crucial para a ciência, resulta da concepção
(abstrata) de que partículas subatômicas possuem uma habilidade
para ‘excluírem-se’ uma da outras, onde duas delas (ou mais)
não podem ocupar o mesmo estado quântico. O que não ocorre
tratando-se dos fótons (‘simétricos’). Pauli usou o fato de que
sistemas elementares (no caso, férmions, bósons) de mesma espécie
são indistinguíveis e, então, considerou que cada estado quântico
de um sistema transforma-se de acordo com uma representação
(irredutível) do grupo de permutação que pertence. Significa
dizer que existe um fato empírico nessa permutação, tal que os
estados de um sistema de férmions idênticos transformam-se anti-
simetricamente enquanto os estados dos bósons transformam-se
simetricamente. Com o propósito de assimilar esta dinâmica, Pauli
analisou os resultados experimentais e, então, intuiu uma maneira
como as coisas são conectadas, ao mesmo tempo em que tentava

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racionalizar suas intuições desenvolvendo um rigoroso esquema
matemático que comprovasse suas ideias.
O fato mais intrigante nessa dinâmica do micromundo físico
é que a mútua exclusão das partículas não resulta de alguma força
operando entre elas ou mesmo de uma reação causa-efeito, e sim, é
uma conseqüência do próprio movimento (abstrato) anti-simétrico
global que afeta o comportamento de cada partícula. Deste modo,
ao postular a existência de uma mútua exclusa entre partículas
subatômicas, Pauli descobriu que os padrões fundamentais da
‘matéria quântica’ são governados por um princípio de conexões
acausais. Graças a esse princípio, podemos compreender as
configurações físicas existentes, sejam moléculas, células, seres,
plantas, rochas, planetas, estrelas e tudo mais, pois, de outro modo,
o cosmo não exibiria toda a sua incomensurável riqueza.

Em Busca do Princípio Psicofísico


Em 1931, enfrentando uma crise emocional e psicológica,
Pauli procurou a ajuda de Jung. O resultado deste encontro foi o
início de uma longa e profícua relação de amizade e colaboração
entre eles. De um lado, Jung sentiu-se fortalecido por encontrar
um interlocutor extremamente intuitivo, no caso, um físico notável
que o ajudou a desenvolver o seu conceito de sincronicidade. De
outro, Pauli, um ser humano dotado de uma personalidade bastante
questionadora e incisiva, encontrou nesta relação com o mundo da
psicologia o ambiente adequado para dialogar com os níveis mais
profundos de seu inconsciente, que ele passou a valorizar, analisando,
consistentemente, os conteúdos psíquicos que tanto o atormentavam
para, então, a integrá-los à consciência.
Com o fortalecimento dos interesses comuns, estes dois
pensadores passaram a buscar, conjuntamente, as bases empíricas
dos fenômenos marginais que permeiam a relação entre o mundo

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externo e o mundo interno, i.é., a matéria e psique. Eles se
dedicaram a interpretar, com mais apuro, à noção de realidade, ou
seja, aquilo que, de fato, está ao alcance de nosso conhecimento e
o que não está.
Inicialmente, Pauli reconheceu que a existência de uma divisão
entre o observador ou os meios de observação, de um lado, e o objeto
de estudo, do outro, é uma condição necessária para a cognição
humana. No entanto, sob a ótica da física moderna, essa disposição, até
certo ponto, é arbitraria, e resulta de uma escolha convenientemente
co-determinada e, logo, parcialmente independente. Neste aspecto,
Pauli chamou a atenção para o verdadeiro papel da consciência
humana: “uma vez que o observador físico escolheu seu arranjo
experimental, ele não tem mais influência sobre os resultados da
medida, o registro objetivo do que é universalmente aceito. As
propriedades subjetivas do observador, ou o seu estado psíquico, são
irrelevantes nas leis da mecânica quântica da mesma maneira que são
para as leis da física clássica” (PAULI, 1994, p. 152).
Ao considerar que havia uma analogia entre conceitos quânticos
e psíquicos, Pauli sentiu-se estimulado a delinear um ambiente que
reunisse o conhecimento científico do mundo dos objetos externos
e o conhecimento psicológico da realidade interna. Segundo ele,
independente da dificuldade de relacionar o mundo físico e o mundo
psíquico, a physis e a psique podem ser tratadas como aspectos
complementares. Especificando esta relação, Pauli identificou o
inconsciente coletivo como o elemento objetivo na psique, argüindo
que a Física, por sua vez, deveria considerar o aspecto subjetivo da
matéria, que chamou de ‘irracional’. Com efeito, as implicações
ontológicas da teoria quântica sugerem que a realidade física,
enquanto exibe seu aspecto racional, assimilado segundo as leis
naturais, possui também uma irracionalidade própria da ‘liberdade’,
caracterizada, e.g., pelo comportamento imprevisível de eventos
individuais. Isto porque, é possível formalizar ‘leis’ estatísticas para
os valores médios de quantidades físicas, mas não para seus valores

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em eventos individuais. A menção feita à irracionalidade da realidade
significa que uma formulação científica exclusivamente ‘racional’
não é capaz de descrever tudo que é real. Deste modo, a Física não
proporciona um cenário independente para esse micromundo, e sim,
uma realidade empírica construída a partir da construção racional
que fazemos do mesmo.
Adentrando mais ainda no mundo da psicologia junguiana,
Pauli procurou assimilar a ideia de arquétipo como um elemento
básico de uma descrição psicofísica da realidade, conjeturando
sobre as mudanças significativas que provocaria na ciência e em
suas derivações epistemológicas. Vale lembrar que os arquétipos
representam o conceito central na psicologia junguiana, pois são
conteúdos do inconsciente coletivo. Durante vários anos, Jung
vivenciou um processo de maturação para compreender a natureza
dos arquétipos. Inicialmente, ele os tratou como imagens psíquicas
que aparecem em sonhos, fantasias, lendas, mitos, porquanto são
‘conteúdos universais’ das profundezas da psique humana.
Com o tempo, Jung aprimorou a definição de arquétipo:
“aquilo que entendemos por ‘arquétipos’ é, em si, irrepresentável,
mas produz efeitos que tornaram possíveis certas visualizações, i.é.,
as representações arquetípicas” (JUNG, 1991a, § 417). Enquanto
conteúdo inconsciente, o arquétipo se modifica através de sua
conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de
acordo com a consciência individual na qual se manifesta. Numa visão
mais ampliada, significa que os arquétipos só se manifestam através
de observação e de experiência, ou seja, pela constatação da sua
capacidade de organizar ideias e representações em um processo que
só pode ser detectado posteriormente. Neste sentido, os arquétipos
podem ser considerados como fatores ‘formais’ responsáveis pela
organização dos processos psíquicos inconscientes e, por conseguinte,
caracterizados como padrões de comportamento.
Uma vez que os arquétipos transcendem o reino do pura-
mente mental, ou seja, extra-psíquico, Jung imaginou que os

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mesmos existem em um nível psicóide, compartilhado tanto pela
matéria quanto pela mente (a psique), situado além das distinções
criadas pelo nosso pensamento. Isto implica que os arquétipos são
exclusivamente não-psíquicos, embora eles possam se manifestar no
domínio psíquico. Nada mais natural, considerando-se que tanto
a mente quanto a matéria contém impressões de suas origens,
estruturas internas e relações que poderiam ser chamadas de
simetrias abstratas. Uma inferência implícita pelo fato dos arquétipos
‘serem’ psíquicos e psicológicos: são ‘experienciados’ na psique na
forma de imagens e ideias, mais também revelam uma natureza
que transcende qualquer definição. Assim, inspirado na ideia do
unus mundus, a qual pressupõe um nível ontológico descritivo sem
qualquer cisão entre os domínios mental e material, Jung concluiu
que os arquétipos geram as estruturas subjacentes à psique e à
matéria, constituindo-se a base unitária psicofisicamente neutra
além da dualidade mente-matéria.
De seu lado, Pauli observou que esse (sutil) nível psicóide poderia
configurar tanto a dimensão psíquica quanto o reino quântico
(físico), possibilitando fundamentar uma ‘realidade psicofísica’. Com
este propósito, ele sugeriu que os arquétipos e a função de onda,
irrepresentáveis em si mesmos e diretamente inobserváveis, seriam
os elementos psicofísicos, ‘estruturadores’ dessa nova realidade, pois
são expressões de um ambiente imaginário comum - o nível psicóide -
às ordens da mente e da matéria. De fato, o caráter ambivalente dos
arquétipos, i.é., a sua capacidade de constelar na psique (seu aspecto
subjetivo) e, concomitantemente, pertencer ao reino coletivo que se
situa fora do indivíduo (seu aspecto objetivo), o torna um ‘elemento
estruturador’ dessa nova realidade. A partir de então, poder-se-ia
dizer que o ‘espaço’ entre o fenômeno físico em si e o que é registrado
na mente está simbolicamente ocupado tanto pelos arquétipos,
enquanto formas de apreensão (herdadas) da nossa psique, quanto
pela função de onda, a forma matemática para explicitar a dinâmica
acausal dos entes quânticos (CAMPOS, 2002).

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Como percebemos, a almejada combinação de conteúdos físicos
com inspirações psicológicas conduz a uma realidade que não pode
ser acessível diretamente, mas através de uma nova simbologia a
ser desenvolvida. Nesta perspectiva, Pauli semeou os fundamentos
necessários para um princípio psicofísico dotado de uma ‘linguagem
neutra’ que poderia explicar como um evento em observação está
correlacionado a algo da nossa mente9. Mesmo que nessa desejada
linguagem, seja empiricamente inevitável distinguir o ‘psíquico’
do físico’, a mesma deve envolver, de um modo ontologicamente
equiparado, o aspecto psíquico e o físico, tendo em vista a natureza
abstrata do mundo material inferida pela física quântica. O caminho
está aberto. As dificuldades são muitas. Isto porque, em geral,
qualquer referência em uma abordagem sobre fenômenos psíquicos,
desperta resistências na comunidade científica, principalmente
daqueles estudiosos da mente comprometidos com o princípio da
causalidade.

Jung e a Sincronicidade
A natureza, em sua complexa e incomensurável biodiversidade,
exibe um processo evolutivo global que desafia a compreensão
humana. Basta lembrar os padrões (abstratos) de organização
da natureza, como o sistema imunológico, que reconhece e
acusa a presença de um vírus invasor ou, ainda, o fenômeno da
supercondutividade detectada em certos metais que, levados a uma
temperatura crítica mínima, desaparece a resistência elétrica interna,
passando a exibir um comportamento cooperativo.
As descrições elaboradas com base em teorias físicas induzem a
existência de um princípio ordenador, indefinível, conectando todas
as coisas do universo. No macromundo dos acontecimentos, a ação
desse imaginado princípio dá-se no reino da causalidade, aquele das
interações previsíveis. É o caso da força gravitacional responsável
pela queda de uma maçã ou, referindo-se à seara psicológica,

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poderíamos dizer que a ansiedade foi a causa do esquecimento
de um compromisso. No caso do mundo quântico, onde não há
qualquer relação causal entre duas ocorrências, consecutivas ou
não, as irregularidades observadas em tais ocorrências induzem a
existência de uma interconectabilidade envolvendo todos os eventos
quânticos potenciais. Nesse ambiente inacessível, em que não se
adota conceitos tais como posição e velocidade, toda aferição é
probabilística.
Jung assimilou essa interconectabilidade como uma ‘ordenação
acausal geral’ no mundo psíquico, envolvendo o fator tempo e a
causalidade. Ele tentava compreender as ocorrências imprevisíveis
e aparentemente inexplicáveis de eventos acausais, a exemplo de
conteúdos oníricos, os quais, a princípio desconectados, mostram-se
correlacionáveis a padrões de eventos externos. Após entabular uma
busca referencial em outras fontes de conhecimento, e.g., antigas
escrituras alquímicas, filosofia oriental e na própria física moderna,
Jung descreveu essas ocorrências, de ordem acausal, como expressões
de sincronicidade10. Esclarecendo melhor este conceito para evitar
enganos de ordem terminológica, Jung argumenta:
Emprego [...] o conceito geral de sincronicidade, no sentido
especial de coincidência, no tempo, de dois ou vários eventos,
sem relação causal mas com o mesmo conteúdo significativo,
em contraste com ‘sincronismo’ cujo significado é apenas o
de ocorrência simultânea de dois fenômenos. (JUNG, 1991a,
§ 849).

Como se observa, este conceito se refere a uma correlação


sincronística entre eventos que lembra a noção arquetípica do unus
mundus, cuja natureza holística implica num emaranhamento entre
os estados que descrevem os domínios material e mental.
As sincronicidades não são necessariamente simultâneas.
Frequentemente definidas como coincidências significativas, i.é.,
ocorrências que induzem um significado para quem as vivenciam, sem
uma explicação causal, são dotadas de uma ordem qualitativa que

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ignora qualquer preceito lógico-probabilístico em suas ocorrências.
A própria característica da sincronicidade transgride o domínio
da causalidade e, até mesmo, um esquema epistemologicamente
clássico, demandando assim, uma outra abordagem que contemple
sua natureza acausal numa paridade complementar a causalidade.
Não obstante, Jung ainda diferencia a sincronicidade de outras
experiências de ordem acausal, afirmando que a sincronicidade é
um casus particularis de uma ‘acausalidade geral’ na qual o arquétipo
pode ser reconhecido como o seu fundamento (transcendente).
Explicitamente, é o significado comum que distingue uma ocorrência
sincronística de um fenômeno para-normal (acausal), ou até mesmo
uma mera coincidência.
Esse significado comum, que categoriza as ocorrências
sincronísticas, parece que está associado a uma ativação energética
nas profundezas da psique. Como se a formação de padrões na
mente inconsciente fosse acompanhada de padrões físicos no
mundo externo. Por exemplo, pensar em alguém e naquele exato
momento toca o telefone e descobre que é justamente a pessoa do
pensamento.
A experiência do significado é um daqueles ‘momentos de
iluminação’ em que eventos distintos se fundem num padrão
reconhecível, despertando para a numinosa11 presença universal em
cada um de nós, quando intuímos que o mundo interno e o mundo
externo coincidem. Sentimos dissolver as fronteiras entre a mente
e a matéria e ignoramos as usuais distinções que fazemos entre os
mundos interno e externo, entre o objetivo e o subjetivo, entre a
mente (psique) e a matéria, ou seja, transcendemos as nossas ordens
normais de espaço, tempo e causalidade. Enfim, o significado envolve
tanto a energia psíquica quanto a energia física, pois atua como uma
‘ponte’ entre a consciência (mente) e a matéria, provocando uma
súbita e intensa percepção da natureza.
Em termos vivenciais a sincronicidade ‘opera’ através de
metáforas, imagens e alusões, ocorrendo, por exemplo, quando uma

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pessoa atravessa uma crise ou uma mudança profunda; quando está
apaixonada ou engajada numa atividade profundamente criativa ou,
ainda, quando se encontra à beira de um colapso nervoso.
Jung cita uma experiência sincronística particularmente sutil
envolvendo uma conexão acausal com o ambiente, que lhe foi contada
pelo diplomata e sinólogo alemão Richard Wilhelm (JUNG, 1970,
§ 604n). É a história de um ‘fazedor de chuvas’, a qual revela a essência
de uma cosmovisão chinesa sobre a maneira que o ser humano e a
natureza formam um todo. Após um longo período sem chuvas, os
moradores de um vilarejo no interior da China mandaram buscar
um ancião conhecido como ‘fazedor de chuvas’. Este, ao chegar,
imediatamente retirou-se para uma cabana providenciada para ele,
e lá permaneceu por alguns dias sem realizar qualquer atividade, até
que começou a chover. Quando lhe perguntaram como ele provocou
a chuva, o ancião explicou que esta não era a questão. Contou que,
ao chegar ao vilarejo, percebeu um estado de desarmonia alterando
profundamente os processos normais da natureza no lugar. Ele
próprio sentiu-se afetado e, por isso, recolheu-se na cabana até
recompor-se. Quando a sua harmonia e o seu equilíbrio interno
foram restabelecidos, então a chuva caiu. Tal vivência parece induz
uma numinosa sabedoria que está além do nosso conhecimento
consciente. Uma experiência dessa natureza sugere a existência de
um nível sutil conectando todas as manifestações físicas da natureza,
tal que, a mente e o corpo (a matéria) tornam-se uma só, projetando
uma interconectividade entre tudo que nos envolve.
É inquestionável a força paradigmática da sincronicidade
numa descrição da realidade, ao incluir o observador (a sua mente)
numa interpretação científica. Independente de que a noção da
sincronicidade encontre similaridades em antigas concepções
de mundo, ela se baseia em observações e fatos empíricos, logo,
passíveis de aferição pelas regras da ciência. Mas não é uma tarefa
fácil. O domínio da objetividade científica, associada ao legado
iluminista que não considera quaisquer implicações de natureza

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teleológica nos eventos, representa um dos principais obstáculos
à aceitação da sincronicidade. E isto se verifica até mesmo entre
filósofos e psicólogos. Talvez porque esse reconhecimento exija
a superação de valores culturais, paradigmas e ideias firmemente
enraizadas no princípio da causalidade e na descrição racional de
mundo. Entretanto, sabemos que a evolução do conhecimento não
tem fim. A nossa convicção é que as experiências sincronísticas, e a
consequente assimilação do seu significado, podem contribuir para
superar estas restrições vislumbrando um cenário que, mesmo sendo
irrepresentável, enriquecerá significativamente a nossa percepção
de mundo.

Integrando a Sincronicidade
É próprio observar nesta consideração mente-matéria que,
enquanto uma expressão da ‘ordenação geral acausal’ no mundo
físico, o princípio da exclusão mostra-se similar ao princípio da
sincronicidade de Jung, possibilitando estabelecer uma relação
entre ocorrências acausais, físicas e psíquicas. Algo como o antigo
princípio alquímico da Correspondentia que envolve, simbolicamente,
os elementos físicos e psíquicos. Essa desejada integração serviria
de base para qualquer reformulação paradigmática na ciência
ou em uma outra área de conhecimento. Desta maneira, poder-
se-ia descrever a realidade incluindo (diretamente) a mente do
observador bem como o significado inerente a cada ocorrência ou
experiência de vida. E isto ocorreria por conta da ‘internalização’
(o ato de conscientização) do significado12 que move o ser humano
(o observador) a intuir a razão de sua existência e o seu papel neste
mundo em transformação, enquanto parte dele.
Com o princípio da sincronicidade, Jung resgatou a noção
de simetria e, então, formalizou essa unicidade entre os domínios
físicos e psíquicos, relacionando conceitos da física e sua psicologia

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de profundidade (JUNG, 1991a, § 948-954). Inicialmente, ele
posicionou a Sincronicidade como o quarto elemento da tríade, Espaço,
Tempo e Causalidade, formando dois pares de opostos complementares
(diagrama A). Depois, por sugestão de Pauli, envolveu a Energia
(indestrutível) do universo numa abrangência psicofísica, enfatizando
tanto a diferença quanto a semelhança entre a Sincronicidade e a
Causalidade (diagrama B):

ESPAÇO

CAUSALIDADE SINCRONICIDADE

TEMPO

Diagrama A: Mostra uma relação direta da Sincronicidade aos


outros três princípios, onde a unidimensionalidade do Tempo é
relacionada à tridimensionalidade do Espaço. Trata-se de uma
associação marcada pela independência das dimensões físicas, em que
o panorama da realidade é explicitado como pares complementares:
‘onde’ e ‘quando’, para caracterizar o Espaço e o Tempo e, ‘o que
ocasionou’ e ‘o que implica’, relacionando Causalidade e Sincronicidade.
Enquanto o primeiro par de questões pode ser respondido sob a
égide da Causalidade, o outro par, demanda por reconhecer e assimilar
o significado inerente a toda experiência sincronística.

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ENERGIA
Indestrutível

Conexão constante Conexão Inconstante


através da Contingência, através da Equivalência
Causa e Efeito. ou Significado.
CAUSALIDADE SINCRONICIDADE

ESPAÇO-TEMPO
Continuum

Diagrama B: Este diagrama atende aos postulados da teoria da


relatividade que trata o Tempo como quarta dimensão, formalizando,
assim, o Espaço-Tempo Continuum, irrepresentável. Também satisfaz as
concepções da psicologia junguiana onde a Sincronicidade e o próprio
caráter do Significado induzem uma imagem do mundo, igualmente
irrepresentável. Tal associação reflete um princípio fundamental,
uma realidade psicofísica em que os eventos sincronísticos são
vivenciados nas expressões arquetípicas. Algo como um canal para
estabelecer uma relação cooperativa com o universo, sintonizada
com o ‘pensar’ de Jung: ‘o que está dentro, também está fora’.

Notas
1. Durante suas atividades de pesquisa e docência na Universidade de
Leipzig, Alemanha, Fechner sofreu um profundo colapso nervoso,
acarretando conseqüências graves em seu estado físico, principalmente a
visão. Após um longo período de depressão, e reclusão, Fechner voltou
a ensinar, desta vez como professor de Filosofia, e publicou, em 1848,
um tratado metafísico onde esquematiza um panorama psicológico da
relação mente-matéria.

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2. Vitalismo – doutrina, segunda a qual as atividades orgânicas estão sob a
orientação de um elemento independente da matéria: a energia ou força
vital.
3. Atualmente pode-se dizer que há um consenso sobre a plenitude da
mente, a partir das experiências de estados alterados da consciência
realizadas pelo psicólogo transpessoal Stanislav Grof, comprovando que
a mente é um campo de energia operando além dos limites do tempo e
do espaço.
4. Holograma - padrão de interferência microscópico bidimensional que
mostra imagens óticas tridimensionais.
5. Em todas as suas atividades, principalmente na Física, Pauli sempre
procurou reconhecer a simetria e a harmonia nas leis da natureza. Com
este mesmo propósito, explorou a psique tão profundamente quanto o
mundo físico, levando a investigar o famoso debate do século XVII entre
Johannes Kepler e o médico e alquimista Robert Fludd, que opunha o
pensamento quantitativo-científico-materialista versus o pensamento
qualitativo-mágico-simbólico para descrever a fenomenologia da
natureza.
6. Spin – na mecânica quântica é a propriedade de um ente quântico,
pela qual ele possui um movimento rotacional (a exemplo do pião da
mecânica clássica), podendo girar no sentido horário e anti-horário.
7. A força gravitacional não é aqui considerada por desconhecimento de
sua natureza.
8. Pode-se dizer que a ‘descoberta’ deste princípio é um resultado da
preferência de Pauli pela noção da quaternidade alquímica, levando-o
a considerar que o estado do elétron depende de um quarto número
quântico.
9. Nas ultimas décadas, observa-se um interesse crescente de alguns
físicos e filósofos em retomar a ideia do matemático Alfred Whitehead
[1861-1947]: os elementos básicos da realidade são processos e não
substancia tais como a mente e a matéria. É o caso do físico R. Haag
que discute um modelo ontológico para a física quântica, onde a noção
de eventos é o elemento principal, baseada em duas premissas, advindas
do indeterminismo intrínseco reinante no ambiente quântico: (i) os
objetos quânticos são considerados como vínculos causais entre eventos

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e, (ii) a localização no espaço e no tempo se refere a eventos e não a
objetos.
10. Jung procurou fundamentar epistemologicamente a ideia de
sincronicidade com os escritos de dois ‘pilares’ intelectuais: de Arthur
Schopenhauer assimilou a ideia de que ‘a unidade da prima causa (causa
primária) produz a simultaneidade e interrelaçao de acontecimentos
não ligados causalmente de maneira imediata’; e a ideia da harmonia
preestabelecida de Gottfried von Leibniz, i,é., de que existe um
sincronismo absoluto dos acontecimentos psíquicos e físicos [Jung,
1991b,§927]. Após o seu encontro com Pauli, ele pode assegurar
com argumentos mais apropriadamente científicos o conceito de
sincronicidade.
11. O termo numinoso foi introduzido pelo teólogo e psicólogo Rudolf Otto
para descrever uma ‘experiência divina’. Jung usou para referenciar
a influencia de uma presença invisível que provoca uma alteração
peculiar na consciência. Em grego antigo, um momento numinoso é
chamado de kairos, significando um momento mágico no qual ocorrem
eventos sincronísticos. Também pode ser compreendido como o ardor
emocional ou a fascinação ou ainda o poder de um arquétipo ativado.
12. A ideia do significado aqui não se atém às palavras da pessoa que vivencia
a experiência de sincronicidade, e sim ao contexto, linguagem, atitudes
e as memórias que caracterizam toda uma sociedade.

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Palavras Finais

Sobre a Convivência Universal


A incessante busca do ser humano para adentrar nos mistérios
da natureza aproxima cosmovisões científicas de ensinamentos
tradicionais, sob a ideia de que o universo é uma plenitude vibratória
de energia. Se concebermos que o próprio ser humano é um
mito, logo, indecifrável, nos conscientizaremos de que, apesar da
inevitabilidade desse desejo, reconheceremos a existência de uma
fonte primordial da qual tudo se originou. De antigos saberes às
inferências e comprovações científicas atuais, essa fonte intangível
é referenciada como sendo a luz, a dimensionalidade universal da
energia. Tudo veio da luz! A partir dessa noção, apreendemos que
não há, de fato, qualquer separação entre seres e objetos do universo,
pois, subjacente a todas as formas e expressões que observamos,
reina uma indivisa totalidade de incomensurável grandeza.

A humanidade segue em sua trajetória. E, claro, todos nós


participamos deste movimento. O que diferencia é a qualidade e
o grau de engajamento de cada um, neste propósito. É o caso de

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indagar, por exemplo, sobre o que fazemos para cuidar de nossa
‘morada’, - o planeta Terra-, e deixá-la melhor para as gerações
futuras ou mesmo questionar se, verdadeiramente, as nossas ações
nos qualificam-nos como seres humanos.
Indubitavelmente, o sonho de uma humanidade integrada
demanda uma convivência marcada pela afetividade nas relações
individuais e comunitárias, enquanto elo sutil que une todos os seres,
sem distinção. Acreditamos que a ciência pode ajudar nesta busca.
Enquanto a física clássica proporciona uma descrição objetiva do
ser humano, como aquele que observa e interpreta as ocorrências
ao seu redor, por outro lado, a interpretação ontológica da física
quântica evidencia uma perspectiva mais ampliada e profunda ao
contemplar aspectos sutis (mentais) do observador. Neste sentido,
poderíamos assimilar, metaforicamente, características próprias
do mundo quântico, e.g., a não dualidade, complementaridade e a
inseparabilidade, como lições para as nossas experiências de vida
desejando conectar a mente e o coração com práticas e atitudes
inspiradas na harmonia entre seres. Seria uma maneira de superar
condicionamentos e dogmas que enrijecem a nossa visão de mundo,
porquanto estaríamos sintonizados com o onipresente e misterioso
equilíbrio dinâmico que rege tudo e a todos.
Esta caminhada não é de poucos. Cada vez mais firma-se a
ousadia de físicos, neurocientistas, psicólogos e outros estudiosos
em assumir posições historicamente consideradas como místicas,
as quais sustentam ideias e mesmo crenças que afirmam uma
interconectibilidade entre todos os fenômenos e as expressões físicas
do universo. Uma postura que reforça vínculos e cria interesses
comuns entre diferentes concepções científicas e filosóficas, intuindo
uma sintonia com o verdadeiro significado da existência humana.
Definitivamente, seja através da ciência ou outra fonte
de conhecimento, é preciso ‘viver’ a realidade de que somos
observadores e também participantes do universo, pois, agraciados
com uma existência psicofísica, temos a responsabilidade pelo

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impacto de nossa presença no mundo. Esta sutil característica
pode ser captada na antiga sentença alquímica, ‘dissolve e coagula’,
intuindo um pensar sobre a efemeridade cíclica e continuamente
persistente do universo físico, configurando a miríade de formas
materiais das quais somos um exemplo. Uma vez conscientizado da
realização deste sutil e intrigante processo, o ser humano poderá
evoluir criativo e afetuosamente, incorporando o saber tradicional
ciente de que, ao se transformar, ele transforma o mundo. Espera-
se, contudo, que essa transformação não deve ser através da dor
ou do horror, tão presentes na humanidade, e sim, pelo amor
incondicional do afeto que não julga tampouco exige, como ensina
um antigo provérbio tibetano. É preciso intuir que todo sonho se
realiza enquanto se vive imaginando que não há sonho final.

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Tiragem de 300 exemplares

Salvador, 2009

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