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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Instituto de Ciências Sociais


Departamento de Relações Internacionais

Emanuelle Ferreira Freitas


Victoria Rodrigues Silva

A MÚLTIPLA VULNERABILIDADE DAS MULHERES REFUGIADAS:


Uma análise acerca do Complexo de Campos de Refugiados de Dadaab

Belo Horizonte
2021
Emanuelle Ferreira Freitas
Victória Rodrigues Silva

A MÚLTIPLA VULNERABILIDADE DAS MULHERES REFUGIADAS:


Uma análise acerca do Complexo de Campos de Refugiados Dadaab

Monografia apresentada ao Curso de Relações


Internacionais da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Relações
Internacionais.

Orientadoras: Geraldine Marcelle Moreira Braga


Rosas Duarte e Letícia Carvalho de Souza Andrade.

Belo Horizonte
2021
Emanuelle Ferreira Freitas
Victória Rodrigues Silva

A MÚLTIPLA VULNERABILIDADE DAS MULHERES REFUGIADAS:


Uma análise acerca do Complexo de Campos de Refugiados de Dadaab

Monografia apresentada ao Curso de Relações


Internacionais da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Relações
Internacionais.

Área de concentração: Instituições e Organizações


Internacionais

___________________________________________________________________________
Prof. Dra. Letícia Carvalho de Souza Andrade

___________________________________________________________________________
Prof.

___________________________________________________________________________
Prof.

Belo Horizonte, 15 de novembro de 2021


Às nossas irmãs, Agatha e Anna Laura, que elas sejam a mudança e que tenham forças para
enfrentar as dificuldades que todas nós mulheres enfrentamos pela nossa simples e árdua
condição de ser mulher.
À todas as mulheres, especialmente as refugiadas, como forma de expressar nosso apoio e
força diante da realidade que elas enfrentam. Por mais que estudamos suas realidades, nunca
saberemos de fato o que elas vivenciam, e as dores que carregam consigo todos os dias.
AGRADECIMENTOS

Nós, como dupla, gostaríamos de agradecer imensamente a professora Geraldine, por


todos os ensinamentos, conselhos e por ter aceitado ser nossa orientadora. A professora
Letícia, por ter abraçado nossa ideia e pela paciência nos momentos difíceis que tivemos
durante a construção dessa pesquisa. Vocês duas foram nossa fonte de inspiração e essenciais
para que a pesquisa tomasse os rumos certos, sem vocês nada disso seria possível. Ao
Guilherme, pela amizade desde o início da graduação e por ter sido nosso suporte nos
momentos mais difíceis. Ao Samuel, pela força e por sempre estar presente nas nossas vidas e
na construção dessa monografia. Às nossas amigas, Amanda, Anna Clara, Ana Luiza, Anna
Júlia, Isadora e Nicole pelos conselhos, pela amizade e principalmente por todo
companheirismo. À Deus, pela vida e pela oportunidade de escrever essa pesquisa que foi tão
importante e impactante para nossas vidas.
Eu, Emanuelle Freitas, agradeço a minha família, especialmente aos meus pais,
Marineide e Eduardo que sempre foram fonte inesgotável de força e amor, e por fazerem o
possível e impossível para que esse momento da minha graduação se tornasse realidade. À
minha dupla Victoria, por seu companheirismo e amizade desde o primeiro dia na
universidade, com quem compartilhei meus incontáveis momentos felizes e tristes. Nada é
capaz de expressar toda a minha gratidão e felicidade por termos construído essa pesquisa
juntas. Às minhas amigas que nunca soltaram a minha mão e que sempre me deram todo
apoio e força, sem o suporte de vocês tudo seria mais difícil.
Eu, Victoria Rodrigues, agradeço imensamente a minha família, por sempre me apoiar
e por serem minha base. Mas principalmente agradeço ao meu pai, Agnaldo e as grandes
mulheres em que tive a oportunidade de ser criada, em especial minha mãe, Silvia, e minha
avó, Joselinda, por serem meus maiores exemplos de força e determinação. Quero agradecer
especialmente, a minha dupla, Emanuelle, obrigada por ser minha família de Belo Horizonte,
por me acolher e por construir junto comigo esse trabalho tão importante, sou extremamente
grata pela oportunidade de ser sua amiga e por tudo em que compartilhamos. Aos meus
amigos e primas, por sempre me incentivarem e apoiarem, vocês são muito especiais para
mim.
“Eu não sou livre enquanto qualquer mulher não for livre, mesmo se as correntes delas forem
muito diferentes das minhas”
(LORDE, 1981, p.132,133).
RESUMO

A presente monografia abordará as múltiplas vulnerabilidades das mulheres refugiadas, tendo


como foco o Complexo de Campos de Refugiados de Dadaab no Quênia. Têm-se como
propósito investigar as particularidades das experiências das mulheres nos campos de
refugiados, entendendo como a condição de dominação e hierarquização instituídas pela
estrutura patriarcal, se reflete dentro dos acampamentos. Tomando como base uma abordagem
feminista das Relações Internacionais, nosso argumento é que questões estruturais ligadas à
condição de ser mulher, juntamente às vivências do contexto de refúgio, resultam em um
cenário de múltipla vulnerabilidade, bem como em diversas formas de opressão vivenciadas
pelas mulheres em campos de refugiados. Em termos metodológicos, a pesquisa se baseia em
revisão bibliográfica e análise documental, além do estudo de caso do Complexo de Campos
de Refugiados de Dadaab.

Palavras-chaves: Mulheres Refugiadas. Campos de refugiados. Feminismo.


ABSTRACT

This monograph will address the multiple vulnerabilities of refugee women, focusing on the
Dadaab Refugee Camp Complex in Kenya. The purpose is to investigate the particularities of
women's experiences in refugee camps. Understanding how a condition of domination and
hierarchization instituted by the patriarchal structure is reflected within the camps. Based on a
feminist approach to International Relations, our argument is that issues related to the
condition of being a woman, together with the experiences of the refugee context, result in a
scenario of multiple vulnerability, as well as in various forms of oppression experienced by
women in rural areas. In methodological terms, the research is based on a literature review
and document analysis, in addition to a case study of the Dadaab Refugee Camp Complex.

Keywords: Refugee Women. Refugee camps. Feminism.


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Quantidade de pessoas forçadas a se deslocarem no período de 1990 a


2020………………………………………………………………………………………….. 40
LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Situações de Refúgio no ano de 2021……………………………………………... 41


Mapa 2 - Visão geral da localização dos campos de refugiados no Complexo de Dadaab…. 55
Mapa 3 - Estrutura do Campo Ifo…………………………………………………………… 58
Mapa 4 - Estrutura do Campo de Dagahaley………………………………………………....61
Mapa 5 - Estrutura do Campo de Hagadera…………………………………………………. 63
LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 - O Distrito de Cox’s Bazar………………………………………………………. 44


Imagem 2 - O campo de refugiados de Kakuma…………………………………………….. 46
Imagem 3 - O campo de Al Zaatari………………………………………………………….. 47
Imagem 4 - O campo de Moria…………………………………………………………….... 48
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas


AIDS - Acquired Immunodeficiency Syndrome
CEDAW - Convention on the Elimination of All forms of Discrimination against Women
CIR - Comitê Intergovernamental para Refugiados
CRQ - Consórcio de Refugiados do Quênia
CSW - Commission on the Status of Women
BBC - British Broadcasting Corporation
DIDH - Direito Internacional dos Direitos Humanos
DUDH - Declaração Universal dos Direitos Humanos
EUA - Estados Unidos da América
HI - Human Immunodeficiency Virus
MSF - Médico Sem Fronteiras
OIR - Organização Internacional para os Refugiados
OI - Organizações Intergovernamentais
OI’S - Organizações Internacionais
ONG’S - Organizações Não Governamentais
ONU - Organização das Nações Unidas
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RI - Relações Internacionais
SGBV - Sexual and Gender Based Violence
SSR - Saúde Sexual e Reprodutiva
UE - União Europeia
UNRRA - United Nation Relief and Rehabilitation Administration
UNRWA -United Nation Relief Works Agency of Palestine Refugee
USC - United Somali Congress
VBG - Violência Baseada em Gênero
WFP - World Food Programme
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....……………………………………………………………………….. 13
2 A CONDIÇÃO DE SER MULHER EM DIFERENTES CONTEXTOS ...…….……. 15
2.1 Discussão de Gênero e Abordagens Feministas ………...……………………………...15
2.2 Mulheres em Conflitos Armados.……………...………………………………………. 24
2.3 Mulheres Refugiadas…………………………………………………………………….28
3 CAMPOS DE REFUGIADOS ...………………………………………………………... 35
3.1 História dos campos de refugiados…….……………………………………………….. 35
3.2 Campos de Refugiados na atualidade………………………………………….……….. 38
3.3 Mulheres em campos de refugiados……………………………………….……………. 48
4 ESTUDO DE CASO: O COMPLEXO DE CAMPOS DE REFUGIADOS DE
DADAAB ………………………………………………………….………………..………. 53
4.1 História do Complexo de Dadaab………………………………………………………. 53
4.2 Mulheres Refugiadas no Complexo de Dadaab………………………………………… 65
5 Considerações Finais ..…………………………………………..………………………...73
REFERÊNCIAS ..……………………………………………………………………….…..76
13

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo abordar as múltiplas vulnerabilidades


enfrentadas pelas mulheres que vivem em campos de refugiados, através do estudo de caso do
Complexo de Campos de Refugiados de Dadaab, no Quênia. Historicamente, as mulheres
ocupam papéis inferiores aos homens e são condicionadas a uma posição de submissão em
função da estrutura patriarcal, o que designa um papel de desigualdade no meio social e as
tornam expostas a certos tipos de violência e discriminação, como a violência baseada em
gênero. Para além disso, questões relacionadas à cultura e religião, agravam esse cenário de
violência e discriminação, resultando em múltiplos contextos de opressão. Ainda, quando
analisados os campos de refugiados, é possível identificar diversos fatores que dificultam a
vida dos refugiados, como a desnutrição, má moradia e principalmente a insegurança devido
ao alto índice de violência registrado nestes locais. Desta forma, entende-se que as refugiadas
sofrem, a priori, pela condição de serem mulheres, juntamente com a condição precária
vivida em campos de refugiados, as colocando em um cenário de múltipla vulnerabilidade.
Em termos metodológicos, a pesquisa se baseou em revisão bibliográfica e análise de
documentos oficiais, pareceres de organizações e banco de dados, além do estudo do caso do
Complexo de Campos de Refugiados de Dadaab, para compreender com maior profundidade
a realidade das mulheres refugiadas neste local. O complexo foi escolhido devido à sua
importância no recebimento de grandes fluxos de refugiados, o que o designou por muitos
anos como o maior campo de refugiados do mundo. Dito isso, a monografia está organizada
em três capítulos, além desta introdução e das considerações finais. No primeiro capítulo,
tomando como base abordagens feministas, será analisada a estrutura de gênero para
compreender a história das mulheres na sociedade, e entendendo a atribuição dos papéis
sociais e as dinâmicas de poder estabelecidas pela estrutura patriarcal. Além disso, serão
analisados como os fatores culturais contribuem para a manutenção da estrutura em diversos
contextos. Ainda, será ponderado a situação das mulheres em diferentes cenários, passando
pelo cenário de conflito armado até ao cenário de refúgio. Por último, será explorada a
situação das refugiadas e as vivências dessas em um cenário de refúgio.
No segundo capítulo, será abordada a história dos campos de refugiados,
compreendendo como são estruturados e fazendo um mapeamento dos principais campos na
atualidade. Para mais, será analisada a situação das mulheres dentro destes locais,
apresentando as vulnerabilidades vividas por elas. Por fim, no terceiro capítulo será realizado
14

um estudo de caso no Complexo de Campos de Refugiados em Dadaab, no Quênia, para


compreender a situação das mulheres refugiadas neste contexto.

2 A CONDIÇÃO DE SER MULHER EM DIFERENTES CONTEXTOS

Este capítulo contempla a construção histórica da mulher na sociedade, passando pelos


fatores biológicos e culturais. Em seguida, será abordado a estrutura patriarcal e o contrato
sexual, visando compreender a origem da desigualdade e subordinação das mulheres em
relação aos homens, e como através dessa estrutura foram construídos os papéis sociais. Além
disso, será abordado como a desigualdade de gênero é um fator que corrobora para que haja
um cenário de violência de gênero, e como os fatores interseccionais e marcadores de
diferenciação intensificam a opressão vividas pelas mulheres. Para mais, será pontuado o
cenário de conflitos armados, estabelecendo sua definição, suas possíveis causas e seus
impactos, além disso será discutido a situação das mulheres juntamente com as violências que
elas sofrem inseridas neste contexto. Por fim, será analisada a questão dos refugiados,
pontuando seus direitos e mais especificamente a situação das mulheres refugiadas e suas
vivências dentro deste contexto. Portanto, toda essa discussão será feita para que seja possível
compreender, à luz das abordagens feministas, a condição das mulheres estabelecida pela
estrutura patriarcal, de forma a discutir sua maior vulnerabilidade no Complexo de Campos de
Refugiados de Dadaab.

2.1 Discussão de gênero e abordagens feministas

Inicialmente, se faz necessário compreender a inserção da abordagem feminista no


campo das Relações Internacionais (RI). De acordo com Sandra Whitworth (2008) “o
Feminismo e as Relações Internacionais operam em mundos muito diferentes” (p. 393,
tradução nossa)1, visto que o feminismo se enquadra como uma filosofia política e movimento
social, que busca a emancipação feminina e critica as bases das relações sociais. Entretanto, o
feminismo possui algumas vertentes, que se diferenciam com base nos objetivos pelos quais
reivindicam (GARCIA, 2011). Logo, por muito tempo, as RI foram resistentes a debates
pautados nas relações sociais, uma vez que seu escopo era direcionado aos interesses dos
Estados soberanos. Entretanto, as reivindicações das mulheres para participarem da Política
Internacional ganhou força através dos movimentos que reivindicavam a participação delas
1
The fact is, in many ways, feminism and international relations do operate in very different worlds.
15

em importantes esferas públicas, nos quais os homens já estavam inseridos, como Instituições
Internacionais, cargos políticos e grandes empresas (WHITWORTH, 2008).
Essa falta da participação feminina em inúmeros contextos, têm origem histórica e
estrutural. Historicamente, foi designada às mulheres um papel de subalternidade. Foram
muitos fatores que corroboraram para que o gênero feminino fosse visto de maneira desigual
em relação ao gênero masculino. Um dos principais fatores diz respeito aos aspectos
biológicos e está ligado à maternidade, principalmente porque em períodos gestacionais as
mulheres tinham sua capacidade produtiva reduzida nas atividades desempenhadas e nos
primeiros meses após o nascimento dos filhos, as mulheres eram aquelas responsáveis pela
criação dos mesmos. Diante disso, elas foram excluídas dos campos de batalha e passaram a
ser dependentes dos caçadores e dos guerreiros, visto que precisavam de proteção dos
mesmos para não serem atacadas por inimigos e necessitavam de alimentos para a
sobrevivência delas e da sua prole (BEAUVOIR, 1989).
Devido a sua força física relativamente maior do que das mulheres, e por sua função
ser considerada mais perigosa, o homem foi visto como líder da família e do clã. Entretanto, é
necessário pontuar que esse cenário não pode ser considerado como universal e primordial em
todas as sociedades, já que grande parte das mulheres, como eram as Amazonas2. Essas, que
viveram em meados do século VI a.C, tinham grande força física e em cenários de guerra, elas
desempenhavam as mesmas funções que os homens e eram consideradas tão corajosas e
cruéis quanto eles (BEAUVOIR, 1989).
Além disso, é necessário pontuar que em grande parte das primeiras sociedades, as
mulheres e crianças eram responsáveis pela coleta e caça de pequenos animais, que eram os
principais alimentos dos grupos, e o homem tinha como atividade caçar animais de grande
porte, sendo uma atividade auxiliar. Assim, a teoria do homem-caçador foi uma construção
sociocultural para manter a hegemonia e supremacia do homem. Como pontuado por parte
das autoras feministas, as características biológicas entre os homens e mulheres apresentam
adversidades, entretanto, tais diferenças foram agravadas através da construção da cultura, de
forma que elas viraram um produto cultural (LERNER, 2019).
Diante disso, o processo da dominação dos homens sobre as mulheres foi se
institucionalizando com o decorrer do tempo, e com isso se designando o patriarcado. De
acordo com o dicionário ideológico feminista de Victoria Sau (1981), define-se patriarcado

2
As Amazonas eram guerreiras temidas e mulheres fortes, possuíam grande habilidade na guerra. Elas
queimavam um dos seios como forma de negação a sua feminilidade, uma vez que os seios estão associados à
amamentação. Além disso, elas viviam em uma sociedade matriarcal, na qual a sociedade é regida pela mulher,
que exerce o papel de liderança, força e poder (MARTINEZ; SOUZA, 2014).
16

como uma forma de organização social, em que os homens assumem a liderança em


diferentes esferas, como a política, econômica e social. Sua origem parte da tomada de poder
histórica dos homens sobre as mulheres, e a autora ainda sinaliza que:

Essa tomada de poder envolve necessariamente a submissão das mulheres à


maternidade, a repressão da sexualidade feminina e a apropriação da força de
trabalho total do grupo dominado, do qual seu primeiro, mas não único produto, são
os filhos (SAU, 1981, p. 238, tradução nossa)3.

Esse, está completamente relacionado ao termo contrato sexual, no qual determina a


subordinação das mulheres em relação aos homens. Porém, é necessário compreender que o
contrato sexual se originou juntamente com o contrato social4, entretanto, ambos possuem
aspectos diferentes. O contrato social designou a liberdade do homem, enquanto o contrato
sexual, a sujeição das mulheres. O contrato sexual estabelece o direito dos homens sobre as
mulheres e o acesso sistemático aos seus corpos. Segundo a autora Carole Pateman (1993),
“[...] as mulheres são o objeto do contrato. O contrato sexual é o meio pelo qual os homens
transformam seu direito natural sobre as mulheres na segurança do direito patriarcal civil.”
(PATEMAN, 1993 p. 21). Ainda, o contrato sexual também garante que os homens tenham
acesso garantido aos corpos das mulheres quando tratamos de prostituição. Essa, é uma das
formas mais nítidas de objetificação da mulher, uma vez que estabelece a venda dos serviços
sexuais femininos para a única e exclusiva satisfação masculina (PATEMAN, 1993).
Assim, pode-se entender que, através desse contrato, o patriarcado se estabeleceu
como uma estrutura social. Logo, a concepção de patriarcado pode ser entendida como a
dominação/exploração do homem com a mulher tanto no âmbito público quanto privado.
Diante disso, Pateman (1993) ainda pontua que a mulher esteve por muito tempo inserida
apenas na esfera privada, ou seja, apenas no campo familiar, por outro lado, o homem esteve
presente na esfera pública. Todavia, a sociedade patriarcal está totalmente institucionalizada,
ou seja, a ordem social do patriarcado mantém-se nas duas esferas em grande parte das
situações. Diante disso, os homens têm a flexibilidade de mobilização em ambas as esferas e
os direitos sexuais dos mesmos regem os dois níveis (PATEMAN, 1993). Isto posto, a lógica
de dominação se instaurou como uma forma de organização social, econômica, religiosa e

3
[...] Dicha toma de poder pasa forzosamente por el sometimiento de las mujeres a la maternidad, la represión de
la sexualidad femenina, y la apropiación de la fuerza de trabajo total del grupo dominado, del cual su primer pero
no único producto son los hijos.
4
A teoria do contrato social estabelece que os homens em seu estado natural, cederiam a liberdade individual
para o Estado em troca de uma liberdade civil. Os mesmos fariam isso pois havia insegurança na sua liberdade
individual, logo o Estado seria o responsável por proteger os indivíduos (PATEMAN, 1993).
17

política, em que haveria não só o predomínio dos homens sobre as mulheres, como também a
autoridade e liderança dos primeiros sobre as segundas, fatores que designaram a hegemonia
masculina como primordial.
Como resultado, o gênero feminino foi visto como inferior e subordinado ao
masculino, resultando em uma relação de exploração. Segundo a autora Joan Scott (1989),
gênero pode ser entendido de duas maneiras, que estão inter-relacionadas, “[...] (1) o gênero é
um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os
sexos e (2), o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder.” (SCOTT,
1989, p.21). Logo, entende-se que a institucionalização do gênero feminino e masculino nas
sociedades atuais, foi estabelecida através da interação social e da construção de paradigmas
que vão além da definição baseada no sexo feminino e masculino.
É importante salientar que a questão do gênero surge como uma forma de rejeição ao
determinismo biológico do sexo feminino e masculino, pois a designação dos sexos foi
incapaz de abranger todo o contexto identitário, relacional e histórico que há entre os
indivíduos. Ademais, apesar da questão do gênero surgir em rejeição ao determinismo
biológico, ele abrange a questão do sexo mas não é exclusivamente determinado por ele,
como também não determina a sexualidade do indivíduo (SCOTT, 1989).
Neste ínterim, de acordo com Romani (1982), diversos estudos antropológicos não
demonstram existir um caráter universal de divisão dos papéis sexuais, o que os classifica
como específicos de cada sociedade e de cada cultura (ROMANI, 1982 apud. SIQUEIRA,
1993). Logo, os papéis sexuais, em uma abordagem mais abrangente, se relacionam com o
gênero e são classificados como o modo em que determinado indivíduo se comporta de
acordo com o seu sexo sociológico. Desse modo, mesmo que as relações de poder entre os
homens e mulheres possam ter início a partir de diferenças biológicas, as representações e
expectativas sobre o comportamento feminino e masculino partem principalmente dos papéis
atribuídos pela sociedade na qual estão inseridos (CHODOROW 1990; ROMANI, 1982 apud
SIQUEIRA, 1993).
Foram institucionalizados, assim, os papéis sociais a serem seguidos, postulando a
identidade feminina e masculina. De acordo com Moreno (1978, p. 27) “O papel é a forma de
funcionamento que o indivíduo assume no momento específico em que reage a uma situação
específica, na qual outras pessoas ou objetos estão envolvidos”, assim, o autor compreende
que o papel social é uma conduta cultural já preestabelecida (MORENO, 1978). Através
desses papéis sociais pré-estabelecidos, houve a legitimação do cenário de inferiorização ao
que as mulheres são expostas, determinando quais os direitos, os espaços, as atividades e as
18

condutas apropriadas a serem seguidas. Nesse sentido, a autora Garcia (2011) pontua que os
papéis que foram historicamente atribuídos às mulheres dentro de uma cultura considerada
masculina e patriarcal, são de subordinação e de passividade. Logo, mesmo antes do
Renascimento no século XIV, elas já eram vistas como incapazes de realizar quaisquer tarefas
que não fossem domésticas, retirando das mesmas a liberdade de expressar suas vontades e o
poder de decidir sobre a própria vida (GARCIA, 2011).
Diante disso, se faz necessário pontuar que apesar da estrutura patriarcal estar presente
no mundo todo, a forma que a estrutura afeta a vida das mulheres e estabelece quais os papéis
sociais que elas terão que seguir, varia com base na região e cultura que estão inseridas. Toda
sociedade possui, em sua estrutura, suas próprias características culturais e com elas, fatores
que foram enraizados e que fomentaram a situação de subordinação feminina. A partir disso, é
necessário entender que a cultura influencia e afeta de diferentes maneiras as vivências das
mulheres em sociedade, mas, mesmo que haja uma diferenciação nas formas de opressão em
cada uma delas, as mulheres estão sempre sujeitas a um cenário de subalternidade e
subordinação ao gênero masculino (ORTNER, 1979).
Com o intuito de demonstrar a inferioridade feminina em diferentes culturas, Sherry
B. Ortner (1979) salienta três fatores que corroboram para esse cenário e que estaria incluído
na maioria das culturas. O primeiro deles é o elemento de ideologia cultural, no qual
desvaloriza de maneira explícita as mulheres e todas as funções nas quais elas atuam, e por
outro lado, atribui com mais prestígio as funções realizadas pelos homens. O segundo fator
diz respeito aos esquemas simbólicos, no qual retratam as mulheres no decorrer dos anos com
inferioridade, principalmente devido a fatores biológicos como a menstruação - vista por
muitas culturas como algo impuro-. E como último fator têm-se as classificações
sócio-estruturais, que atuam excluindo e impedindo a participação feminina em setores que
exercem poder na sociedade, o que inclui posições públicas de prestígio como cargos políticos
(ORTNER, 1979).
Diante disso, o processo de desigualdade de gênero no contexto das relações entre
homens e mulheres não é advindo de forma natural, mas é construída frequentemente dentro
das sociedades e das culturas, sendo postulada pela tradição cultural, pelos agentes e pelas
relações sociais estabelecidas (SAFFIOTI, 2011). Logo, desde a época do Renascimento, no
século XIII e XVI já era considerado, por parte de escritores, bispos e filósofos como São
Tomás de Aquino, que as mulheres eram “naturalmente inferiores” e apesar de haver
questionamentos por parte de algumas mulheres sobre a inferiorização vivida, não havia uma
movimentação coletiva para impor um pensamento contrário. Diante disso, o que começou a
19

gerar mudança nesse posicionamento, foi o foco dado à educação durante este período, visto
que possibilitou um maior entendimento por parte das mulheres sobre as posições e os
deveres dos sexos. Logo, iniciou-se um debate que perpassou séculos e ficou conhecido como
Querelle femmes5, em que as mesmas começaram a questionar a sociedade (GARCIA, 2011).
Isto posto, as reivindicações e pressão por parte dessas mulheres começou a causar
impacto no cenário internacional a partir das chamadas ondas do movimento feminista. A
primeira onda surgiu em decorrência da Revolução Francesa6 (1789-1799), onde as mulheres
foram grandes protagonistas nas reivindicações pela igualdade sexual. Para isso, elas se
mobilizaram em duas frentes: a primeira foi dentro da batalha e a segunda dentro da
Assembleia Constituinte, pela qual elas foram responsáveis pela criação de grupos femininos
e jornais em que pleiteavam os direitos civis e políticos das mulheres. Entretanto, a Revolução
Francesa barrou os avanços dos movimentos feministas da época, as impedindo de exercerem
atividades políticas. Nesse ínterim, muitas mulheres foram mortas e exiladas por compartilhar
a sua ideologia publicamente (GARCIA, 2011).
No que tange a segunda onda, ela ocorreu em meados do século XIX, no qual o
feminismo surge como um movimento social, de caráter internacional, possibilitando a
entrada das mulheres no âmbito político. Neste período, houve um grande avanço no número
de movimentos feministas em todo o mundo, tal como o movimento Sufragista, nos Estados
Unidos (EUA), juntamente a isso, surgiram vertentes feministas, que reivindicavam um dos
principais direitos civis, o direito ao voto das mulheres. Por fim, a terceira onda do feminismo
deu início a partir de 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Neste período, inúmeras
teóricas passaram a criticar veemente as estruturas estabelecidas, o que ocasionou o
surgimento de outras vertentes do feminismo (GARCIA, 2011).
Desta forma, as ondas dos feminino, principalmente a partir da segunda, foi
importante para as reivindicações dos direitos das mulheres. A instituição de direitos para
mulheres no âmbito internacional surgiu a partir da Carta das Nações Unidas e da Declaração
Universal de Direitos Humanos (DUDH), em 1979, que a Comissão de Status da Mulher
(CSW)7 criou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra
a Mulher (CEDAW)8, que posteriormente ficou conhecida como a Convenção da Mulher.

5
Tradução para o português como “A questão das mulheres”.
6
A Revolução Francesa foi um período de grande relevância na história mundial, marcado por revoluções na
França no período de 1789 a 1799, Estado esse que enfrentava uma grave crise econômica. Essas revoluções
tiveram grande participação popular, no qual tinham o intuito de destituir o absolutismo que estava instituído na
França (VOVELLE, 2012).
7
Sigla em inglês: Commission on the Status of Women
8
Sigla em inglês: Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women
20

Essa tem como objetivo promover direitos para alcançar a igualdade de gênero e fazer com
que não haja discriminações baseadas em gênero nos Estados signatários da convenção
(PIMENTEL, 2006). Assim, fica evidente que fatores históricos e culturais contribuíram para
que as diferenças baseadas em gênero se intensificassem e evoluíssem para um cenário de
violência. Entretanto, tal prática foi de certo modo, “legitimada” por muitas sociedades e vai
contra as normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e constituições internas dos
Estados, para aqueles que forem democráticos.
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR),
define-se violência de gênero como “atos prejudiciais dirigidos a um indivíduo com base em
seu gênero. Têm suas raízes na desigualdade de gênero, no abuso de poder e nas normas
prejudiciais” (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 20--a).
Nesse sentido, a violência de gênero surgiu de maneira silenciosa dentro das esferas da
sociedade. É necessário levar em consideração que, na maioria das sociedades, a autoridade
máxima do ambiente doméstico é a figura masculina, por ter assumido o papel de provedor do
lar, enquanto a mulher que cuida dos filhos e da casa, se tornou cada vez mais submissa a ele.
Diante desse cenário, o homem, enquanto macho dominador, utiliza a virilidade como forma
de força, exploração e autoridade, a transformando num mecanismo de poder sobre a mulher,
por meio do qual passa a adotar atitudes agressivas e violentas contra a mesma, resultando em
múltiplos cenários de opressão e violência (SAFFIOTI, 2011).
Analisando que a tradição de determinada sociedade, no decorrer dos anos, atua como
uma forma de dominação, infere-se que a violência contra a mulher é uma maneira coercitiva
de manutenção do patriarcado, que garante a hegemonia masculina. Nesse sentido, as
inúmeras práticas violentas contra a mulher se caracterizam de inúmeras formas distintas e
variam de acordo com o contexto social e cultural no qual elas se inserem. Os tipos de
violência contra a mulher vão desde violência física, sexual, psicológica/emocional,
exploração e abuso no que tange ao caráter econômico no âmbito público e privado, até o
feminicídio. Este, é designado como o assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres,
ou seja, devido a seu gênero, podendo ocorrer nos mais diversos ambientes e cenários, tanto
em cenários de paz, como em conflitos armados (ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES
UNIDAS, 2006).
Para mais, há práticas religiosas e culturais nocivas como a Mutilação genital feminina
(MGF), que “inclui todas as intervenções que envolvam a remoção parcial ou total dos órgãos
genitais femininos externos, ou que provoquem lesão nos órgãos genitais femininos por
razões culturais ou razões não médicas.” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1997. p. 3,
21

tradução nossa)9. Tal prática é considerada como uma grave violação dos Direitos Humanos e
também como violência contra a mulher. Em decorrência desse cenário, há debates
internacionais sobre o Relativismo Cultural10, no qual culturas em determinados contextos
geográficos, utilizam a prerrogativa de suas leis e práticas religiosas para impor
procedimentos cirúrgicos de mutilação do órgão genital feminino, violando os corpos das
mulheres e indo contra os Direitos Humanos. Logo, compreende-se que as normas culturais e
as violências contra as mulheres estão intrinsecamente relacionadas. Neste sentido, não se
deve classificar hierarquicamente os tipos de violência contra a mulher, pois todos os tipos
afetam de maneiras devastadoras o emocional e o psicológico das vítimas (ORGANIZACIÓN
DE LAS NACIONES UNIDAS, 2006).
Diante disso, vê-se uma luta contínua das mulheres em busca da liberdade e de uma
realidade em que são tratadas como seres humanos com direito à vida. A autora Rebecca
Solnit (2017), pontua que para o melhor entendimento da misoginia11 e da violência contra as
mulheres, é importante olhar por uma lente de análise completa, de forma a analisar o abuso
de poder como um todo. Assim, a autora pontua que devemos analisar as violências de forma
conjunta, não separando a violência doméstica de outros atos violentos, como o estupro, que
podem vir a ocorrer no ambiente on-line, em casa, no local de trabalho e principalmente nas
ruas (SOLNIT, 2017). Logo, quando analisado por uma lente ampla e conjunta, os padrões
ficam evidentes.
Ademais, os atos de violências, como estupro, assassinato e as ameaças são
mecanismos utilizados pelos homens como forma de obter controle sobre as mulheres,
fazendo com que o medo da violência limite grande parte delas. Assim, esse mecanismo está
institucionalizado na sociedade ao ponto que as mulheres muitas vezes não se dão conta disso,
e tratam como sendo algo habitual em suas vidas. A autora traz em seu livro uma matéria
jornalística do The New York Times que pontua que “no mundo todo, as mulheres entre 15 e
44 anos de idade têm uma maior probabilidade de morrer ou de serem mutiladas pela
violência masculina que por câncer, malária, guerras e acidentes de trânsito, tudo somado".

9
‘ Female genital mutilation comprises all procedures involving partial or total romoval of the external female
genitalia or other injury to the female genital organs whether for cultural or other non-therapeutic reasons.
10
O Relativismo Cultural parte do princípio da manutenção de questões identitárias de determinada cultura,
justificada através das crenças religiosas. Através dessa perspectiva, não há um padrão universal de Direitos
Humanos, uma vez que retiraria a individualidade de cada cultura. Logo, acreditam haver a necessidade do
respeito à diversidade cultural, mesmo que essas violem os princípios dos Direitos Humanos (PEREIRA; SILVA,
(20--).
11
A misoginia é definida como o ódio ou aversão às mulheres no qual pode se manifestar de diversas formas.
Como: violência, discriminação, objetificação sexual, entre outros (HOUAISS et al 2004, apud CARVALHO;
MOTERANI, 2016).
22

Diante desta informação, fica evidente como as violências contra a mulher estão presentes
dentro das sociedades e as atingem de forma muito grave (SOLNIT, 2017).
Agora que pontuado a maneira em que a estrutura patriarcal atua corroborando para o
cenário de violência contra a mulher e moldando a vida delas na sociedade, se faz necessário
compreender que as estruturas afetam de diferentes formas as diferentes mulheres. Para além
das questões de gênero, existem outros fatores que delimitam os papéis sociais que as
mulheres “terão que cumprir”, influenciando as suas experiências, os lugares que ocupam na
sociedade e como o mundo as enxerga. A defensora dos direitos civis Kimberlé Crenshaw
(2002), com o intuito de analisar e entender essas diferentes experiências a partir dos
contextos e das questões já citadas, cunhou o termo “Interseccionalidade”:

A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as


consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da
subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o
patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam
desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças,
etnias, classes e outras. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como ações
e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos,
constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento (CRENSHAW,
2002, p. 177).

Diante disso, é possível compreender que a interseccionalidade é um conceito que


busca explicar as desigualdades dos grandes eixos sociais, com base na hierarquização que foi
construída socialmente nas questões de classe, raça, cultura, sexualidade e identidade de
gênero. Todos esses fatores colocam as mulheres em posições diferentes, o que muda e
intensifica os tipos de discriminações e violências a que elas estão expostas. Assim, as
mulheres que vivem em diferentes contextos devido a fatores postulados pela
interseccionalidade, são mais atingidas pelo sistema de opressão do que outras. Por exemplo,
as mulheres negras são oprimidas pelo patriarcado e pela estrutura racista, além de poderem
ser atingidas por outros fatores que mulheres brancas não são expostas (HIRATA, 2014).
Logo, para entender melhor esse cenário, iremos analisá-lo a partir dos marcadores de
diferenciação social. De acordo com Hirano (2019), “[...] o termo ‘marcador’ funciona como
um auxiliar para o paradigma interseccional e a ideia de matriz de dominação, servindo para
descrever vantagens ou desvantagens, seja do grupo oprimido, seja do grupo opressor.”
(HIRANO, 2019, p.27). Assim, os marcadores de diferenciação social são classificações
acerca das construções sociais, que se constituem como uma forma de análise, a qual procura
entender os grandes eixos de opressão e as suas relações. Dentre eles estão as categorias de
23

gênero, raça/etnia, sexualidade, idade/geração, localidade geográfica, classe, entre outros


fatores (HIRANO, 2019).
Essas categorias possuem a capacidade de se cruzarem, visto que, para alguns autores,
os marcadores possuem uma noção descritiva, e traçá-las permite a compreensão dos
desdobramentos políticos e na formação empírica das suas construções (HIRANO, 2019). Por
outro lado, de acordo com a historiadora e escritora Lilia Schwarcz (2019), “[...] a expressão
‘marcadores sociais da diferença’ transformou-se, assim, numa maneira de denominar essas
diferenças socialmente construídas e cuja realidade acaba por criar, com frequência,
derivações sociais, no que se refere à desigualdade e à hierarquia.” (SCHWARCZ, 2019,
p.11). Logo, a partir de tais definições, entende-se que os marcadores podem ser utilizados
tanto como uma classificação empírica, quanto como uma lente de análise, em que se busca
compreender as diferentes relações sociais através dessas categorias.
Diante dessas colocações, é possível compreender que essas opressões variam também
do ambiente na qual elas estão inseridas. Logo, será analisado o cenário de conflitos armados,
no qual demonstrará de maneira mais explícita, como as mulheres, partindo da lente de
análise dos marcadores sociais da diferença, estão expostas a uma situação que agrava ainda
mais a realidade vivida por elas.

2.2 Mulheres e os conflitos armados

Levando em consideração que os marcadores de diferenciação social podem ser


considerados como uma lente de análise que se adapta a diferentes cenários, será analisado o
contexto de conflito armado. Em um cenário de conflito armado, as desigualdades e
desvantagens de certos grupos ficam em evidência. Diante disso, as divergências percebidas,
quando colocadas em um grau de hierarquia, podem se desdobrar para um cenário de
violência se não administradas através do diálogo e de negociações. Nesse sentido, entende-se
conflito de acordo com Pfestch e Rohloff (2000), como uma incompatibilidade de interesses
que se sobrepõem, que podem estar relacionadas a questões e valores nacionais como
independência, autodeterminação, fronteiras e territórios como também à distribuição de
poder, entre outros. Portanto, a incompatibilidade de interesses a, priori, é um fator natural a
ocorrer em inúmeros contextos, entretanto, o problema surge quando essas incompatibilidades
não conseguem ser administradas por vias diplomáticas, logo, o objetivo de um ator faz com
que o outro se sinta confrontado, o que pode levar os atores a recorrerem ao uso da força
(WALLENSTEEN, 2002).
24

O uso da força pode ser caracterizado por diferentes naturezas de conflitos, sendo eles
interestatais e intraestatais. Os conflitos interestatais, ou conflitos internacionais como são
chamados mais comumente, são aqueles que englobam disputas entre atores estatais, ou seja,
Estados soberanos. Por outro lado, de acordo com Peter Wallensteen (2002), os conflitos
intraestatais são divididos em duas categorias, territoriais e governamentais. Os territoriais são
marcados por uma disputa territorial, envolvendo atores estatais e não estatais. Já os conflitos
intraestatais governamentais, são aqueles que têm como atores o governo de um Estado e
atores não-estatais, como grupos rebeldes e insurgentes, que tem como objetivo tomar o poder
do Estado (WALLENSTEEN, 2002).
Segundo Michael E. Brown (2001), dentro dessa última categoria enquadra-se a
Guerra Civil, caracterizada como um conflito armado de alta intensidade. Brown identifica
dois pontos que a diferencia dos demais conflitos. O primeiro é que, para ser considerada
como tal, ela precisa atingir mais de mil mortes por ano. O segundo é que os atores não
estatais possuem uma identidade de grupo com capacidade organizacional, possuindo
objetivos políticos que se sustentam com o passar do tempo (BROWN, 2001). Isto posto, se
faz necessário contextualizar as causas que levam a um conflito armado interno. Ainda na
perspectiva de Brown, ele pontua quatro categorias principais, sendo elas: os fatores
estruturais, políticos, econômicos/sociais e os fatores culturais e de percepção. Os fatores
estruturais, são a falência estatal, quando o governo é incapaz de prover os bens públicos e
garantir a segurança no território, como também a geografia étnica, em que há uma
distribuição territorial desigual entre os grupos étnicos (BROWN, apud CROCKER;
HAMPSON; AALL, 2001).
Para mais, os fatores políticos consistem na instituição de políticas discriminatórias,
que discriminam, oprimem e marginalizam determinado grupo em relação a outro. Além
disso, outro fator político é a ideologia nacional excludente, que prioriza somente uma
ideologia, em detrimento de ideologias de grupos minoritários, fazendo com que uma parcela
da população seja excluída. Ademais, o último fator político é a instituição de políticas
elitistas, que designam o poder somente a determinado grupo. Os fatores econômicos/sociais
estão relacionados aos problemas econômicos, no qual parte da população é mais vulnerável;
à modernização, em que os investimentos governamentais, em determinadas regiões, são
maiores em relação a outras; e aos sistemas discriminatórios, em que parte da população é
negligenciada. Por último, há os fatores culturais e de percepção, em que padrões culturais de
discriminação juntamente a grupos historicamente problemáticos corroboram para que haja
um cenário de conflito (BROWN, apud CROCKER; HAMPSON; AALL, 2001).
25

Diante de tudo que foi discutido acerca dos conflitos armados, se faz necessário
compreender que seus impactos recaem com maior intensidade sobre os grupos que já são
historicamente marginalizados, porém, cabe pontuar que essa é uma questão pouco discutida.
Como pontuado na primeira seção, em detrimento da estrutura patriarcal, as mulheres são
mais vulneráveis, marginalizadas e sofrem uma série de violências que não fazem parte da
realidade masculina, nem mesmo em um cenário de conflito. Ao levar em consideração a
questão de gênero, é possível afirmar que há diferenças notórias entre a realidade de mulheres
e de homens durante e no pós conflito armado. De acordo Anna Snyder (2009), cerca de 90%
das vítimas dos conflitos armados são civis, sendo as mulheres as que mais são mortas neste
ambiente (SNYDER, apud SANDOLE; BYRNE; SANDOLE-STAROSTE; SENEHI, 2009).
Essas, em um cenário de conflito armado, vivem uma extrema discriminação, opressão
e marginalização em relação a outros grupos, sofrendo inúmeros tipos de violência baseada
em seu gênero. A violência baseada em gênero (VBG), inclui a violência sexual, mas vai
muito além desta categoria. Ela abrange atos de agressão que causam danos físicos,
psicológicos, sociais e sexuais como também ameaças de tais atos, coerção e privação de
liberdade. Já a violência sexual, especificamente, inclui o estupro, a escravidão sexual, o
assédio, a mutilação, a gravidez forçada e, também, o ato de forçar a vítima a se despir. Além
disso, há outras práticas violentas que ocorrem em um contexto de conflito armado, como o
estupro sistemático12, tráfico de mulheres, exploração sexual13, tortura, violência doméstica
entre outros (INSTITUTO IGARAPÉ, 2018).
Para exemplificar, pode-se citar algumas situações de extrema violência vivenciadas
pelas mulheres em conflitos armados. Elisabeth Rehn e Ellen J. Sirleaf (2002), pontuam que
cerca de 94% das famílias que foram deslocadas do conflito de Serra Leoa passaram por um
cenário de violência, incluindo tortura, estupro e escravidão sexual. O cenário não se difere
muito do genocídio ocorrido em Ruanda, no ano de 1994, em que cerca de 250 a 500 mil
mulheres foram estupradas. Ademais, há inúmeros relatos de violência doméstica, além do
tráfico de mulheres nas zonas de guerra, em que as mulheres são forçadas a servir as tropas,
tanto sexualmente quanto no que diz respeito à garantia de sua alimentação e no carregamento
de seus pertences. Para além dessa situação, Rehn e Sirleaf relatam que os corpos femininos
se tornam como um campo de batalha, pois o ato de violar seus corpos é caracterizado como

12
Compreende-se o estupro sitemático como um instrumento e estratégia de guerra, em que há o uso intensivo de
abusos sexuais com o intuito de humilhar e desumanizar os seus opositores de guerra (LOSURDO; PASSOS,
2017).
13
Entende-se como exploração sexual o abuso e a violação do corpo de uma pessoa, através de atos sexuais para
fins lucrativos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 20--).
26

tática de guerra, em que diferentes grupos étnicos, em um contexto de batalha, sequestram


mulheres de grupos inimigos para estuprá-las e obrigá-las a gerar filhos que não sejam de sua
linhagem étnica (REHN; SIRLEAF, 2002).
Para mais, esses grupos opositores atacam violentamente mulheres grávidas com o
intuito de ocasionar o aborto. Em muitos desses casos, os estupradores estupram as mulheres
sabendo que estão infectados com HIV/AIDS14, e realizam as práticas violentas na presença
dos demais familiares das mulheres, pois essa é também uma das táticas de guerra que são
utilizadas para humilhar os parentes e ocasionar uma morte lenta e dolorosa às vítimas. É
necessário ressaltar que as mulheres, além de serem vítimas, participam de maneira incisiva
para melhorar a sua situação no ambiente de conflito e conseguem, em muitos casos, fornecer
ajuda médica e desempenhar papéis de auxílio aos grupos armados no que tange à proteção e
alimentação. Porém, ao realizar essas funções, elas estão sujeitas a uma maior vulnerabilidade
e correm um maior risco de sofrer violência pelos combatentes (REHN; SIRLEAF, 2002).
Dentre as formas de violência pontuadas, as autoras afirmam que o tráfico e a
escravidão sexual estão intrinsecamente vinculados aos conflitos armados. No que tange ao
tráfico, as mulheres são capturadas e forçadas a inúmeros trabalhos, como o casamento
forçado, prostituição e, em muitos casos, a atividades que colocam suas vidas em risco, como
a desminagem de áreas perigosas. No que tange à escravidão sexual, há diversos relatos de
mulheres que são forçadas a andarem nuas dentro de estabelecimentos para serem leiloadas
aos donos de bordéis, com o objetivo de gerar lucro para os sequestradores (EL-BUSHRA,
2003).
Entretanto, a violência vivida pelas mulheres no contexto de conflito armado é
advinda das experiências vividas em tempos de paz. A estrutura patriarcal presente em
diversas sociedades do mundo, restringe que as mulheres possuam direitos iguais aos homens
e as permitam viver em um meio de extrema violência onde quer que elas estejam (REHN;
SIRLEAF, 2002). Portanto, é notório que os conflitos armados possuem um alto nível de
violação dos Direitos Humanos, pois além de ocasionar um grande número de vítimas, eles
também propiciam experiências desumanas e danos irreparáveis para todos os indivíduos
presentes em tal ambiente. Os impactos das experiências vividas pelas vítimas, principalmente

14
O Vírus da Imunodeficiência Humana, human immunodeficiency virus (HIV), pode ser caracterizado como
uma infecção em que causa danos para o sistema imunológico, em que diminui a imunidade e destrói células do
corpo humano. Nesse sentido, quando há um grande avanço na infecção de HIV, denomina-se que o indivíduo
esteja com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS), Essa, é
capaz de desenvolver inúmeras doenças, como câncer e infecções (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2021a).
27

pelas mulheres e crianças, são na grande maioria irreversíveis e possuem raízes muito
profundas.
Nesse sentido, ao analisar a discussão de Johan Galtung (1990) sobre violência, é
possível afirmar que as mulheres, em um contexto de conflito armado, sofrem os tipos de
violência pontuados pelo autor. A priori, Galtung, pontua dois tipos de violência que se
encaixam no cenário vivido pelas mulheres, sendo eles a violência direta e a estrutural. A
violência direta diz respeito a um sujeito que pratica atos de agressão direcionados a um ou
mais indivíduos diretamente, por outro lado, a violência estrutural é indireta e está enraizada
nas práticas e costumes da sociedade como também no sistema político. Para mais, a violência
estrutural não necessariamente terá um sujeito praticando a violência. Diante disso, fica
evidente que as mulheres são frequentemente vítimas desses dois tipos de violência
(GALTUNG, 1990).
Os impactos gerados para as vítimas recaem sob todos os âmbitos, sejam eles físicos,
psicológicos, econômicos e sociais. Há dificuldades e riscos para as mulheres na procura de
alimento, água e combustível durante e após o cenário de conflito. Além disso, neste cenário,
há uma intensificação das responsabilidades familiares, pois as mulheres se tornam chefes de
família, devido ao fato de seus companheiros assumirem cargos de combatentes. Em
detrimento dessa situação, as mulheres dificilmente encontram um meio de subsistência, e
acabam recorrendo à prostituição como última alternativa para sua sobrevivência e de sua
família (INSTITUTO IGARAPÉ, 2018).
Para mais, as violências pontuadas anteriormente, como o estupro, tráfico, e
escravidão sexual, juntamente aos casamentos forçados e inúmeros outros tipos de atos
violentos, como a violência doméstica, geram danos psicológicos e físicos que perduram por
anos nas vidas das vítimas. Por fim, um dos maiores impactos dos conflitos armados que têm
crescido drasticamente no decorrer dos anos, é o deslocamento forçado internamente e para
fora das fronteiras (INSTITUTO IGARAPÉ, 2018).
Dessa maneira, os conflitos armados geram impactos diferenciados, sendo um dos
principais o ocasionamento do cenário de refúgio. Assim, se faz necessário compreender mais
especificamente como as mulheres estão inseridas neste contexto e principalmente em campos
de refugiados.

2.3 Mulheres refugiadas


28

Diante do que foi discutido, para que seja possível compreender como o conflito
armado gera consequências para o refúgio, é importante entender que o transbordamento do
conflito para outros Estados é considerado como o efeito spill-over, em que pode gerar
consequências para os Estados vizinhos e para o mundo. Algumas dessas são a
desestabilização da economia e da política de toda a região, como também a entrada em
massa de refugiados, que muitas vezes são vistas como algo negativo para os Estados
receptores (OSTBY; URDAL, apud DEROUEN; NEWMAN, 2014). Assim, com a enorme
quantidade de deslocamentos forçados ocasionados pelos conflitos armados, principalmente
no pós Segunda Guerra Mundial, o efeito do spill-over foi intensificado. A Sociedade
Internacional notou que seria de grande relevância a criação de regras e de meios para garantir
a segurança e o respeito a essas pessoas tão vulneráveis, os chamados refugiados15 (JUBILUT,
2007).
Nesse sentido, com o fim da Segunda Guerra, em 1945, a Organização das Nações
Unidas (ONU) surge como o principal órgão para manter a paz e a segurança no Sistema
Internacional. Com a Carta das Nações Unidas estabelecida em 1945, a organização é
instituída, e com ela, o delineamento dos direitos básicos a todos os seres humanos, trazendo
um novo ordenamento internacional. A partir dela foi elaborada a Declaração Universal dos
Direitos do Homem (1948), que surge como um meio de internacionalizar os Direitos
Humanos stricto sensu, de forma a garantir as regras mínimas de proteção a todos os seres
humanos na ordem internacional, e não apenas no ordenamento jurídico interno dos Estados.
Ao passo que os Estados que se comprometem internacionalmente com a Declaração,
assumem a responsabilidade internacional de cumpri-la e assegurá-la (JUBILUT, 2007).
Contudo, Liliana Lyra Jubilut (2007) pontua que a proteção advinda da Declaração
Universal do Direitos do Homem precisava se estender para além de um cenário de paz.
Assim, foi necessário agregar novas vertentes, que trabalham em um âmbito mais específico
de proteção, contemplando a proteção das pessoas que se encontram em situações especiais,

15
Para fins didáticos, é necessário pontuar a diferenciação das terminologias migrantes e requerentes de asilo.
“Entende-se como migrantes aqueles que escolhem se deslocar não por causa de uma ameaça direta de
perseguição ou morte, mas principalmente para melhorar sua vida em busca de trabalho ou educação, por reunião
familiar ou por outras razões. À diferença dos refugiados, que não podem voltar ao seu país, os migrantes
continuam recebendo a proteção do seu governo”. (EDWARDS, 2015, [s/p]). Por outro lado, “o asilo é uma
instituição que visa à proteção frente a perseguição atual e efetiva. Já nos casos de refúgio é suficiente o fundado
temor de perseguição.[..]o asilo pode ser solicitado no próprio país de origem do indivíduo perseguido. O
refúgio, por sua vez, somente é admitido quando o indivíduo está fora de seu país.” (BARRETO, 2006, [s/p]).
Assim, para fins metodológicos, as definições dos termos migrantes e requerentes de asilo não serão
incorporadas no corpo do texto, uma vez que o foco do presente trabalho são os refugiados, entretanto, se faz
necessário diferenciá-los.
29

sendo as novas vertentes o Direito Internacional Humanitário16 e o Direito Internacional dos


Refugiados. Para mais, Jubilut (2007) analisa que os indivíduos no Sistema Internacional
possuem proteção de um sistema abrangente nomeado de Direito Internacional dos Direitos
Humanos (DIDH) lato sensu. Dentro dele, engloba-se o Direito Internacional dos Direitos
Humanos stricto sensu, o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos
Refugiados. Eles compartilham do mesmo objetivo, a proteção do indivíduo no que tange a
seus direitos fundamentais e as vulnerabilidades a que estão submetidos, da maneira mais
efetiva possível (JUBILUT, 2007).
Nesse sentido, com o intuito de aprofundar no Direito Internacional dos Refugiados,
se faz necessário à priori, definir, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados (ACNUR), o que são os refugiados:
São pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de
perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento
a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido à grave e
generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados. (ALTO
COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS, 20--a).

A partir de tal definição, entende-se que os refugiados não podem permanecer em seus
Estados de origem por algum fator já mencionado. Eles enfrentam dificuldades tanto no que
diz respeito ao âmbito interno, uma vez que precisam deixar seus pertences, suas famílias e
toda a vida construída ali, como também no âmbito externo, em que eles enfrentam
dificuldades na saída, sendo expostos a múltiplas situações, como a falta de alimentos,
dificuldade na locomoção, discriminação, diversos tipos de violência, fatores esses que
colocam suas vidas em risco. Neste contexto, é importante ressaltar que as leis em relação aos
refugiados variam de Estado para Estado, e aqueles só podem usufruir dessas leis caso o
Estado em questão os reconheça como tal. Entretanto, esse reconhecimento é muitas vezes
visto como um custo para os Estados, que fecham as fronteiras, e também pela população, que
ao invés de auxiliar e proteger esses indivíduos, majoritariamente aumentam a discriminação
que os refugiados sofrem (JUBILUT, 2007).
Com o Direito Internacional dos Refugiados, houve a instituição internacional de
proteção e de direitos para aquelas pessoas que são perseguidas em seu Estado de origem e,
como resultado, são obrigadas a se deslocarem dentro e fora da fronteira de seus Estados.
Porém, vê-se que apesar de positivado e internacionalizado, há uma grande dificuldade para o

16
O Direito Internacional Humanitário é “o corpo de normas internacionais de origem convencional ou
consuetudinária especificamente destinado a ser aplicado aos conflitos armados, internacionais ou não
internacionais, que limita, por razões humanitárias, o direito das partes em conflito escolherem livremente os
métodos e meios utilizados na guerra ou que protege as pessoas ou os bens afetados, ou que possam ser afetados
pelo conflito.” (SWINARSKI, 1996, p. 18).
30

que Direito Internacional dos Refugiados se efetive, visto que tal acontecimento depende da
atuação e comprometimento dos Estados. De acordo com a Convenção de Genebra de 1951
relativa ao Estatuto dos Refugiados, juntamente com o Protocolo Adicional de 1967, foram
designados os direitos dos refugiados como também os deveres dos Estados em cumpri-los
(JUBILUT, 2007).
Além disso, foram estabelecidos critérios no âmbito internacional que asseguram o
status de refugiado, os quais se definem em cinco: raça, nacionalidade, religião, opinião
política e pertencimento a um grupo social. O status de refugiado tem o objetivo de preservar
todos os direitos do indivíduo que se encontre nessa situação de vulnerabilidade, assim, são
utilizados critérios objetivos e subjetivos para que haja a concessão do status. O critério
objetivo baseia-se no contexto que se encontra o Estado de origem, de forma que se
demonstre a justificativa da solicitação do status de refúgio. Já o critério subjetivo, pode ser
identificado com base no temor que o indivíduo tem de perseguição por causa de um ou mais
dos cinco fatores citados anteriormente (JUBILUT, 2007).
Para mais, de acordo com a Convenção de 1951, uma série de direitos são garantidos
aos refugiados. Esses indivíduos têm o direito a um lugar seguro de refúgio, como também
têm o direito a não discriminação quanto a raça, religião ou Estado de origem, a liberdade
religiosa, como também todos os direitos que são resguardados a estrangeiros que residem
naquele Estado. Para mais, eles possuem direitos econômicos, sociais, educacionais e de
saúde, como qualquer outro indivíduo (ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA REFUGIADOS, 20--b).
Em dezembro de 1950 foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR), órgão que tem como objetivo e responsabilidade a manutenção da
proteção internacional dos refugiados. Esse, a priori, atuou com base na Convenção de 1951 e
iniciou suas atividades nesse mesmo ano. Ademais, o ACNUR foi instituído como um órgão
temporário, com mandato inicial de três anos que precisava ser renovado a cada término, ele
foi criado especificamente para lidar com o grande número de europeus deslocados depois da
Segunda Guerra Mundial. Entretanto, houve a reformulação da Convenção de 1951 pelo
Protocolo de 1967, que promoveu algumas alterações na Convenção, como a extensão da
atuação do ACNUR para além do amparo das vítimas de guerra e para além dos Estados
europeus. Somente no ano de 2003 foi anulada a cláusula que determinava a renovação da
atuação do órgão de três em três anos, o que permitiu que ele se tornasse permanente (ALTO
COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS, 20--c).
31

É necessário pontuar que o ACNUR não tem como objetivo substituir o papel
desempenhado pelos Estados, pelo contrário, ele tem como objetivo conscientizá-los de suas
obrigações com os refugiados. Entretanto, quando os Estados não assumem as suas
responsabilidades no que tange a recursos governamentais como a garantia alimentar,
moradia, subsídios financeiros e infraestrutura básica, organizações como o ACNUR atuam
de maneira incisiva na assistência das pessoas que vivem em um contexto de refúgio. Além
disso, o ACNUR busca promover a autossuficiência dos refugiados através de atividades que
auxiliam na geração de renda e programas que visam a capacitação profissional (ALTO
COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS, 20--b).
Nesse sentido, apesar do ACNUR promover diversas atividades e atuar na proteção
dos refugiados, é notório que o mesmo muitas vezes não dispõe de princípios basilares como
o direito de viver em segurança e com dignidade, principais pontos estabelecidos pela
Segurança Humana. Essa, foi conceituada em 1994 pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) com base em quatro características essenciais, são elas: que a
Segurança Humana é uma preocupação universal, em que é de extrema importância para
nações desenvolvidas e em desenvolvimento; os componentes da Segurança Humana, tais
como a fome, terrorismo, doenças, poluição, tráfico de drogas, disputas étnicas e a
desintegração social, são interdependentes, uma vez que se a segurança das pessoas em um
determinado lugar está em perigo, todas as nações estão envolvidas; é recomendado para a
garantia da Segurança Humana que sejam adotados mecanismos de prevenção precoce, visto
que há uma maior dificuldade na inserção da mesma se estabelecida posteriormente; por fim,
e mais crucial, a Segurança Humana é focada nas pessoas. Logo, ela “Preocupa-se com a
forma como as pessoas vivem e respiram em uma sociedade, com que liberdade exercem suas
escolhas, quanto acesso têm ao mercado e às oportunidades sociais e se vivem em conflito ou
em paz.” (HUMAN DEVELOPMENT REPORT, 1994, p. 23, tradução nossa)17.
Ademais, se faz necessário pontuar que princípios da Segurança Humana não são
estabelecidos também às mulheres refugiadas, que muitas vezes carecem de maneira mais
intensa da segurança e da dignidade do que outros refugiados. Isso porque essas mulheres
enfrentam dificuldades diferentes do que os demais refugiados, a discriminação de gênero,
por exemplo, é um dos fatores que causam e geram consequências para o deslocamento de
mulheres e meninas.

17
It is concerned with how people live and breathe in a society, how freely they exercise their many choices, how
much access they have to market and social opportunities and whether they live in conflict or in peace.
32

Nesse sentido, as mulheres são expostas a uma violência intensificada no cenário de


refúgio e os tipos de violência variam de acordo com os fatores interseccionais. Segundo o
Relatório de Tendências Globais emitido pelo ACNUR, referente ao ano de 2016, 49% das
pessoas que se encontravam em situação de refúgio eram mulheres e estima-se que até esse
mesmo ano, cerca de 1 em cada 5 mulheres refugiadas tenham sofrido violências sexuais. As
mulheres grávidas, desacompanhadas ou idosas são classificadas como as mais vulneráveis,
pois são aquelas que além de enfrentar a violência e discriminação de gênero, ainda precisam
enfrentar as dificuldades de estarem em um grupo de risco. Para além dessas adversidades, as
mulheres refugiadas em um âmbito mais geral, são aquelas que cuidam das crianças e dos
membros idosos de suas famílias, além disso, os meios de subsistência em um ambiente de
refúgio são em sua maioria escassos. Todos esses fatores corroboram para que o cenário de
inserção na sociedade de destino seja dificultado tanto por questões relacionadas aos fatores
interseccionais como pelo fato de serem refugiadas (NAÇÕES UNIDAS PARA A
IGUALDADE DE GÊNERO E O EMPODERAMENTO DAS MULHERES, 2017).
Nesse sentido, as mulheres e seus dependentes representam a maior parte dos
refugiados, e são considerados os mais vulneráveis. Os inúmeros tipos de violências
abordados na seção mulheres e os conflitos armados, se estendem para o cenário de refúgio.
As mulheres são os maiores alvos de estupros, estupro sistemático e abuso sexual, que juntos
são as formas mais recorrentes de torturas contra elas, além disso, a tortura sexual, a
mutilação genitália forçada, abusos físicos e psicológicos são outros tipos de violência. Essas,
muitas vezes são realizadas por pessoas que deveriam zelar pela segurança delas, como
guardas das fronteiras, militares e por soldados que foram enviados para manutenção da paz
(BARTOLOMEI; PITTAWAY, 2001).
Devido essas violações, elas são muitas vezes rejeitadas por suas famílias e por sua
comunidade em geral, e são, em alguns casos, assassinadas por terem seu corpo violado se
enquadrando como uma postura contra a honra e contra os princípios familiares, se
designando assim como “crime de honra” (POPE, 2012). Além disso, as refugiadas têm medo
de reportar os abusos e violências sofridas para os oficiais de migração, visto que elas têm
receio de serem consideradas prostitutas e isso influenciar no processo de solicitação do status
de refúgio ou de visto. Assim como no cenário de conflito armado, as consequências de
inúmeras violências sofridas pelas mulheres no cenário de refúgio também são inimagináveis
e podem perdurar por toda a vida dessas mulheres (BARTOLOMEI; PITTAWAY, 2001).
Nesse sentido, Eileen Pittaway e Linda Bartolomei (2001), pontuam que: “Ainda
existe uma conspiração de silêncio em torno da verdadeira extensão do problema e, até que
33

seja totalmente reconhecido, as mulheres não receberão os serviços que merecem.”


(BARTOLOMEI; PITTAWAY, 2001, p.24, tradução nossa)18. Logo, o cenário exposto da
realidade das mulheres é agravado pela falta de aparatos legais específicos para elas na
Convenção dos Refugiados de 1951. Essa não apresenta, por exemplo, a perseguição baseada
no gênero em nenhum dos seus dispositivos, o que abre precedentes para que haja o
agravamento da violência contra elas. Além disso, vê-se a necessidade de uma análise
profunda e um comprometimento entre Organizações Internacionais (OI’s) e Estados sobre a
realidade das mulheres refugiadas, para que sejam estabelecidos direitos e que esses sejam
efetivados com o intuito de cessar as hostilidades vivida por elas e que princípios como a
Segurança Humana, sejam estabelecidos (BARTOLOMEI; PITTAWAY, 2001).

18
There is still a conspiracy of silence surrounding the true extent of the problem, and until it is fully
acknowledged women will not receive the services they deserve.
34

3 CAMPOS DE REFUGIADOS

Levando em consideração que a presente monografia tem como objetivo analisar as


múltiplas vulnerabilidades das mulheres que vivem em campos de refugiados, este capítulo
auxiliará na compreensão da formação dos campos de refugiados bem como o mapeamento
dos mesmos na atualidade. Para mais, este capítulo tem o propósito de analisar a realidade
dentro dos campos para investigar como suas fragilidades recaem sobre aqueles que neles
estão inseridos. Assim, será possível compreender como as estruturas dos campos agravam a
vivência dos refugiados, o que pode nos ajudar a entender um pouco mais a realidade das
mulheres refugiadas dentro destes espaços, para demonstrar como as dificuldades vividas por
elas são intensificadas em relação às vivências de outros refugiados.
Diante disso, a estrutura do capítulo contempla na primeira seção, a história dos
campos de refugiados, passando pelas organizações que foram historicamente responsáveis
por sua administração. Posteriormente, analisaremos os fluxos de refugiados no mundo, suas
origens e o processo de instalações de muitos deles em campos. Outrossim, será pontuado
quais são os agentes administradores dos campos e como ocorre seu financiamento. Ademais,
será caracterizado na segunda seção, os principais campos de refugiados na atualidade e suas
especificidades. Em seguida, para compreender melhor a realidade vivida dentro desses
locais, serão abordados alguns relatos de refugiados. Por fim, na terceira seção, será
investigado através de dados, a realidade das mulheres refugiadas dentro dos campos,
juntamente com inúmeros relatos de suas experiências de forma a apresentar as dificuldades
nos âmbitos da saúde sexual e reprodutiva, de acesso a sistema básicos de higiene pessoal,
além das violências de gênero.

3.1 História dos campos de refugiados

Enquanto indivíduos dentro da Sociedade Internacional, os refugiados são


negligenciados e não gozam de maneira plena do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
De acordo com Emma Haddad (2008), “enquanto houver fronteiras políticas construídas para
separar Estados e definir quem são os internos e externos, haverão refugiados.” (HADDAD,
2008, p. 7, tradução nossa).19 Logo, por não estarem em um ambiente seguro, eles recorrem,
em muitos casos, aos Estados fronteiriços, na esperança de conseguirem se estabelecer
naquele território (HADDAD, 2008). É importante ressaltar, que o acolhimento aos

19
As long as there are political borders constructing separate states and creating clear definitions of insiders and
outsiders, there will be refugees.
35

refugiados ocorria nos mais diversos lugares. À exemplo disso, na Antiguidade Clássica, as
pessoas perseguidas por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um
determinado grupo social ou opinião política, careciam de um lugar seguro para se
protegerem e residirem, uma vez que não podiam retornar para o local de origem. Logo, elas
recorriam a templos religiosos, bosques, casas de governantes e outros inúmeros tipos de
abrigo (PEREIRA, 2009). Com o passar dos anos e do aumento do fluxo de refugiados devido
às duas grandes Guerras Mundiais, a sociedade internacional percebeu a existência de uma
obrigação moral em receber esses indivíduos como também de permitir que eles gozem,
mesmo que de maneira limitada, dos direitos estabelecidos por suas políticas domésticas
(HADDAD, 2008).
Os Estados, juntamente com inúmeras Organizações Internacionais, acreditavam que o
“problema dos refugiados” seria resolvido com o pós-guerra, uma vez que, de acordo com
suas concepções, os refugiados estariam livres para retornar a seu Estado de origem na
medida que os fatores que os fizeram fugir haviam sido erradicados (HADDAD, 2008).
Porém, devido ao grande número de refugiados neste período, especialmente judeus, foi visto
que o “problema dos refugiados” não seria cessado somente com o fim da guerra (HADDAD,
2008). A partir desse momento, a questão dos refugiados que já eram tidos como um impasse
por parte dos Estados, passa a ser regulamentada. Foi somente no período entreguerras de
1918 a 1939, que o regime de proteção internacional de refugiados começou a ser elaborado, e
como pontuado no capítulo um, pela autora Liliana Jubilut (2007), apenas a partir da
Convenção de 1951 junto ao Protocolo de 1967, o status de refugiado foi constituído e com
ele, o reconhecimento internacional dessas pessoas (JUBILUT, 2007).
Diante desse cenário, inúmeras instituições foram criadas com o intuito de auxiliar
esses refugiados e garantir que eles tivessem um local seguro para residirem, entre elas o
Comitê Intergovernamental para Refugiados (CIR) em 1938, a Administração das Nações
Unidas para Assistência e Reabilitação (United Nations Relief and Rehabilitation
Administration - UNRRA) em 1943, e a Organização Internacional para Refugiados (OIR) em
1946. No que tange a essa última, seu objetivo era repatriar, proteger e assentar os refugiados
em algum lugar seguro para que posteriormente, eles fossem realocados para seus Estados de
origem. Ademais, é necessário pontuar que cada uma dessas organizações foi criada como
sucessora daquelas que tinham seu mandato vencido (HADDAD, 2008).
Todo esse contexto, juntamente com a instituição da Declaração Universal dos
Direitos do Homem em 1948, foi relevante para reconhecer os refugiados como indivíduos
que precisam de proteção dentro de um Estado. Essa nova compreensão foi de extrema
36

relevância para definir o futuro das pessoas consideradas deslocadas ou refugiadas, uma vez
que as pessoas deslocadas eram reinseridas em seus Estados de origem e aqueles considerados
refugiados, tinham o direito de se estabelecerem em um terceiro Estado (HADDAD, 2008).
Nesse sentido, a UNRRA, juntamente com a OIR, exerceu um papel de extrema
importância no que tange à repatriação e a realocação das milhares de pessoas deslocadas.
Estima-se que foram mais de 704.000 mil pessoas sob cuidados desses órgãos na Alemanha,
Áustria, Itália como também nas regiões da Europa Oriental e Central. Ambos órgãos
auxiliaram na criação de campos de deslocados para realocar essas pessoas (PAIVA, 20--). A
priori, alguns desses campos eram antigos campos militares alemães e foram designados para
realocarem os milhares de judeus no pós-guerra (UNITED STATES HOLOCAUST
MEMORIAL MUSEUM, 20--). Com o estabelecimento da ONU em 1945, viu-se com
urgência a necessidade de estabelecer um órgão específico para os refugiados, uma vez que o
CIR havia encerrado suas atividades e a OIR, estava com seu mandato limitado e duraria até o
ano de 1950. Como resultado, a ONU instituiu o ACNUR, que ficou responsável pela
proteção internacional dos refugiados e pelo gerenciamento de campos de refugiados sob a
tutela da ONU com intuito de salvaguardar a segurança dessas pessoas (PEREIRA, 2009).
Desta forma, de acordo com o ACNUR:

Os campos de refugiados são instalações temporárias construídas para fornecer


proteção e assistência imediata às pessoas que foram forçadas a abandonar suas
casas devido à guerra, perseguição ou violência. Embora os acampamentos não
sejam estabelecidos para fornecer soluções permanentes, eles oferecem um refúgio
seguro para refugiados e atendem às suas necessidades mais básicas - como comida,
água, abrigo, tratamento médico e outros serviços básicos - durante emergências
(UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 20--b, tradução
nossa).20

Os campos são construídos de forma rápida com o objetivo de serem temporários,


após os refugiados cruzarem a fronteira, eles se direcionam para os acampamentos, no qual o
procedimento padrão a ser realizado pelos agentes do ACNUR é, inicialmente, o processo de
registro, em que o refugiado passa a ter um cartão de identificação. Além disso, eles recebem
tendas para morar e rações de comida. Entretanto, devido ao grande fluxo de refugiados
chegando aos campos, os serviços oferecidos se tornaram cada vez mais limitados, uma vez
que os campos de refugiados não dispõe muitas vezes de condições básicas adequadas para

20
Refugee camps are temporary facilities built to provide immediate protection and assistance to people who
have been forced to flee their homes due to war, persecution or violence. While camps are not established to
provide permanent solutions, they offer a safe haven for refugees and meet their most basic needs - such as food,
water, shelter, medical treatment and other basic services - during emergencies.
37

receber todos os indivíduos que são alocados neles. Assim, é uma realidade nestes locais, a
escassez e restrição alimentar, segurança insuficiente, moradias inadequadas, a superlotação,
falta de saneamento básico e falta de acesso à educação. Assim, os casos que são considerados
graves passam a ser normais e cotidianos (PAREKH, 2020).
Para mais, os abrigos que em sua grande maioria são feitos com tendas de plástico, são
muito precários e devem alocar o máximo de pessoas possível. Em muitos casos, os
refugiados não podem trabalhar nem exercer nenhuma atividade que os possibilita obter
renda, o que os torna mais dependentes de ajudas de Organizações Internacionais (OI’S) e
Organizações Não Governamentais (ONG’s). Logo, eles se encontram em uma situação de
espera e inatividade, estando localizados, de acordo com Agier (2011), à margem do mundo e
sem percepção de um futuro fora do campo. Portanto, os refugiados se encontram em uma
situação ainda mais complicada quando o abrigo que deveria ser temporário, se torna
permanente (AGIER, 2011).
Entre os campos oficiais mais antigos, está o campo de refugiados de Zarqa,
localizado na Jordânia. Ele foi criado em 1949 pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha21,
para acomodar os refugiados palestinos que em decorrência da guerra Árabe-israelense,
tiveram que deixar seu território. O campo inicialmente foi montado com tendas, que
posteriormente foram substituídas por instalações de concreto. Com a chegada de mais
refugiados no decorrer dos anos, ele foi se ampliando e adquirindo mais alojamentos, e,
atualmente, se assemelha a bairros urbanos da cidade de Zarqa. É importante mencionar que
um dos maiores problemas enfrentados dentro do campo é a pobreza (ZOCHROT, 2014).
Mesmo com essas condições, o deslocamento de muitos refugiados para os campos
ainda é considerado como um dos melhores caminhos para fugir do perigo do seu Estado de
origem, uma vez que esses locais foram instituídos com o intuito de serem seguros. De acordo
com Parekh (2020), os campos de refugiados são afastados das principais cidades, e estão
localizados em sua maioria em Estados do sul global, principalmente em regiões mais
carentes. Um dos motivos para isso acontecer é para evitar a competição pelos meios de
sobrevivência já escassos, como recursos financeiros, empregos, acesso à educação e saúde,
visto que muitos desses Estados não dispõe de condições abundantes e passam por muitas
dificuldades por estarem em desenvolvimento (PAREKH, 2020).

21
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha é uma organização independente de cunho imparcial, que auxilia e
presta assistência às milhões de vítimas de conflitos armados e de outras violências (COMITÊ
INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA, 2021a).
38

3.2 Campos de refugiados na atualidade

Com o passar dos anos, houve um aumento exacerbado no número de pessoas


deslocadas. Diversos fatores fomentaram esse aumento, entre eles estão as guerras civis, os
conflitos armados, a pobreza, desastres ambientais, crises econômicas e perseguições
(UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 20--c). No ano de 2010, o
número de deslocados havia atingido 41 milhões, esse cenário se agravou, e em 2015 o
número ultrapassou os 65 milhões. Quatro anos depois, em 2019, haviam mais de 75 milhões
de pessoas deslocadas. Com base no último relatório de tendências globais do ACNUR,
estima-se que, até o final do ano de 2020, 82,4 milhões de pessoas tiveram que deixar suas
casas, sendo obrigadas a se deslocarem dentro e fora das fronteiras dos seus Estados
(UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2021a).

Gráfico 1: Quantidade de pessoas forçadas a se deslocarem no período de 1990 a


2020

Fonte: Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (2021).

Na imagem acima vê-se o grande aumento do fluxo de refugiados no decorrer dos


anos, em que demonstra que 82,4 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocarem. Deste
número, cerca de 26,4 milhões de indivíduos tiveram que deixar seus Estados de origem em
situação de refúgio. Esse número de 26,4 inclui os 5,7 milhões de refugiados que contam com
39

a ajuda da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina


(UNRWA)22, e os demais 20,7 milhões de refugiados estão sob o mandato do ACNUR. Além
disso, estão incluídos dentro dos 82,4 milhões, 48 milhões de pessoas deslocadas
internamente, 3,9 milhões de venezuelanos que tiveram que deixar seu Estado de origem e os
4,1 milhões de requerentes de asilo. Com base nos dados, estima-se que, do número total de
pessoas deslocadas, cerca de 35 milhões são crianças menores de 18 anos de idade,
correspondendo a 42% da quantidade de pessoas deslocadas. Logo, diante desses dados
pode-se observar que houve um aumento de mais de 50% nos números de refugiados no
decorrer de apenas 10 anos (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR
REFUGEES, 2021a).
No que tange a esse número, o relatório de Tendências Globais informado através do
ACNUR, demonstrou que até o ano de 2020, o número de refugiados sírios, ultrapassou 6,7
milhões e lidera com o maior número de refugiados que já cruzaram a fronteira. Seguidos da
Síria estão: Afeganistão com 2,6 milhões; o Sudão do Sul ultrapassando 2,2 milhões; o
Mianmar chegou em 1,1 milhões; a Somália com mais de 800 mil e a Venezuela com 200 mil
refugiados. Todos esses representam 68% dos refugiados sob proteção do ACNUR (UNITED
NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2020a). No ano de 2021, cerca de
22% do número total de refugiados no mundo, vivem em campos de refugiados, ou seja,
aproximadamente 6,6 milhões. De acordo com o ACNUR, dentre os 6,6 milhões, “4,5
milhões residem em acampamentos planejados e administrados e aproximadamente 2 milhões
estão abrigados em acampamentos auto-estabelecidos” (UNITED NATIONS HIGH
COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2021b).
Diante dos dados pontuados anteriormente, juntamente com as pontuações da autora
Parekh (2020), observa-se que a grande maioria dos refugiados são provenientes dos Estados
do sul global, como é possível observar no mapa abaixo.

Mapa 1: Situações de Refúgio no ano de 2021

22
Sigla em inglês: United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East.
40

Fonte: UNCHR (2021)

Em decorrência disso, vê-se que inúmeros campos de refugiados estão situados nesse
hemisfério, mais especificamente na região da África e do Oriente Médio, de forma de
atender tamanha demanda. Desta forma, grande parte dos campos de refugiados atualmente,
são construídos e administrados pela ONU, por governos, por Organizações Internacionais
(OI's) e Organizações não governamentais (ONG’s), sendo essa administração total ou parcial,
além disso, existem alguns campos em que há uma autoadministração. Para mais, há os
campos não oficiais, isto é, aqueles que não tem o apoio de nenhum governo ou OI. A ONU
presta assistência em diferentes frentes nos campos, sendo o ACNUR um dos principais
administradores. O órgão é subsidiado com apenas 1% do orçamento da ONU, e tem como
principal fonte de financiamento as contribuições de caráter voluntário. Essas, são advindas
de governos e organizações como a União Europeia (UE), que representam 85% do seu
orçamento, como também de Organizações Intergovernamentais (OGI) e financiamentos
conjuntos com 3%, por fim têm-se o setor privado (público, empresa e fundações) com 11%
(UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2021c).
Esse orçamento do ACNUR é direcionado para as diversas atuações sendo em
operações contínuas e programas que atendem a emergência. Vale ressaltar que o ACNUR no
início de sua atuação, em 1950, tinha um orçamento anual de US $300.000 (UNITED
NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2021c). Mas como o seu trabalho foi
mais necessário e presente, os seus custos também aumentaram, e em agosto de 2021, esse
orçamento chegou a US $9,248 bilhões de dólares. Além disso, é necessário pontuar que cerca
de 91% da equipe do ACNUR exercem suas funções em campos de refugiados (UNITED
NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2021c).
41

Além do ACNUR, a ONU tem outros órgãos que atuam na proteção dos refugiados,
como por exemplo, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina
(UNRWA)23, em que seu principal financiamento provém dos Estados-membros da ONU e da
UE. O UNRWA conta também com a contribuição da iniciativa privada e de projetos, além
disso, trabalha em conjunto com pequenas organizações regionais, da comunidade e com
ONG 's internacionais (UNITED NATIONS RELIEF AND WORKS AGENCY FOR
PALESTINE REFUGEES, 2021a). No âmbito das Organizações Internacionais, O Comitê
Internacional da Cruz Vermelha (CICV)24 exerce grande papel nos campos de refugiados, seu
financiamento provém de forma voluntária, de Estados-Parte das Convenções de Genebra, por
organizações supranacionais e por doadores de caráter público e privado (COMITÊ
INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA, 2021a).
Ademais, a Organização Médico sem Fronteiras (MSF)25, também é um agente
importante no que tange ao estabelecimento de cuidados à saúde dos refugiados. Atuando em
mais de 70 países em todas as regiões do mundo, o MSF atua fora e dentro de inúmeros
campos de refugiados, oferecendo ajuda médica como consultas médicas, vacinas, cirurgias,
distribuição de kits de ajuda com suprimentos e medicamentos, como também no apoio na
saúde mental, sexual e reprodutiva dos milhões de refugiados, incluindo crianças. Além disso,
eles possuem algumas clínicas médicas móveis dentro de alguns campos como o de Moria, na
ilha grega de Lesbos e também auxiliam na instalação de chuveiros e abrigos, distribuição de
alimentos, água e saneamento dos campos (MÉDICOS SEM FRONTEIRAS, 2015).
Diante de toda essa discussão, é de grande relevância realizar o mapeamento de alguns
dos principais campos de refugiados existentes na atualidade, para que seja possível
compreender de forma mais específica como funciona a estrutura de cada um deles, junto a
realidade vivenciada pelos refugiados. A priori, pode-se pontuar a existência do maior campo
de refugiados do mundo, o campo de Kutupalong-Balukhali localizado no distrito de Cox 's
Bazar em Bangladesh. Devido a chegada massiva de refugiados na região, houve uma
superlotação do campo, ocasionando na escassez dos serviços básicos oferecidos. Como
resultado, os refugiados procuraram abrigo nos arredores do Kutupalong e em todo o distrito

23
Devido ao conflito árabe-israelense (1948), a UNRWA iniciou suas operações no dia 1 de maio de 1950, ela
foi instituída a fim de amparar e desenvolver trabalhos específicos aos refugiados palestinos (UNITED
NATIONS RELIEF AND WORKS AGENCY FOR PALESTINE REFUGEES, 2021b).
24
A CICV é uma organização independente, que tem como objetivo dar assistência às vítimas de conflitos
armados ou de outras situações que são sujeitas a violência, desta forma, buscam assegurar a proteção
humanitária das vítimas (COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA, 2021b).
25
O Médico sem Fronteiras é uma organização humanitária independente e imparcial criada em 1971, que atua
levando ajuda médica e inúmeros outros serviços emergenciais a regiões assoladas por conflitos armados,
epidemias, desastres naturais entre outros (MÉDICOS SEM FRONTEIRAS, 2021).
42

de Cox 's Bazar. Atualmente, o distrito conta com aproximadamente mais de 20 campos,
incluindo o Kutupalong (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES,
2021d).
Na imagem abaixo é possível observar todo o Distrito de Cox 's Bazar e como sua
infraestrutura agrupa os mais de 20 campos, ainda, percebe-se que as estradas não possuem
pavimentação, o que torna difícil o deslocamento dos indivíduos nesta região.

Imagem 1: O Distrito de Cox’s Bazar

Fonte: Philipp Huebner (2021).

Com cerca de 700.000 refugiados Rohingya26 que fugiram das violências do governo
de Mianmar no período de 2017 a 2018, o distrito de Cox 's Bazar é administrado pelo
ACNUR juntamente ao governo de Bangladesh. Ambos atuam de maneira conjunta para
estabelecer garantias para que a segurança, saúde e os direitos de todos os refugiados sejam
instituídos (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER REFUGEE, 2021d). A região de
Cox 's Bazar é conhecida pelas suas condições climáticas rigorosas, em que há monções
praticamente o ano inteiro. No período de março a outubro chove 80% do estimado para todo
o ano, causando enchentes e desabamentos que geram grandes consequências para os abrigos
e para o sistema de saneamento. Os últimos meses do ano são marcados pelos fortes ventos
que aumentam a possibilidade de incêndios, o que dificulta ainda mais a vida dos refugiados
(PERÍODO…, 2021).

26
Os Rohingya são uma minoria islâmica que não são reconhecidos pelo governo de Mianmar, logo, são
considerados apátridas. O não reconhecimento dessa população está atrelada a questões étnicas, o que faz que
essas pessoas sejam impedidas de exercerem seus direitos. A população ainda é recorrentemente atacada pelo
governo, o que resulta em um cenário de grande deslocamento para fora das fronteiras de seu Estado (JONES,
2017).
43

Nesse sentido, é necessário pontuar que o tipo de moradia no campo vai desde tendas
e barracas disponibilizadas pelo ACNUR, a abrigos feitos com bambu, corda e lona.
Estima-se que desde o início da crise dos refugiados em Mianmar, mais de 50.000 abrigos
foram construídos e 75% destes, são compartilhados com outras famílias (UNITED
NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2018).
Para além do Kutupalong, existem dez principais campos de refugiados gerenciados
pelo ACNUR. Quatro deles estão localizados no Quênia, um na Jordânia, um no Sudão do
Sul, dois na Tanzânia, um na Etiópia e um no Paquistão (UNITED NATIONS HIGH
COMMISSIONER FOR REFUGEES, 20--c).
No que tange ao Quênia, pode-se pontuar o campo de Kakuma, juntamente ao
complexo de campos de refugiados de Dadaab, que são os principais campos gerenciados pelo
ACNUR e, por muitos anos, foram considerados os maiores campos do mundo. O complexo
de Dadaab é constituído por três campos, sendo eles o de Dagahaley, Ifo e Hagadera. O
primeiro deles surgiu por volta de 1990, devido a Guerra Civil na Somália, Estado vizinho do
Quênia. Além do conflito armado, a fome e a seca assolavam os somalis, o que gerou um
grande fluxo para fora da fronteira. Apesar do primeiro campo do complexo ter sido criado
em meados de 1990, os três foram reconhecidos oficialmente somente em 1992. O complexo,
em julho de 2020, tinha uma população de refugiados registrados e requerentes de asilo de
218.873 mil pessoas (CLOSING…, 2021).
No que tange ao Campo de Kakuma, ele foi criado na mesma época que o complexo,
em 1992, quando os “Garotos Perdidos do Sudão"27 buscaram refúgio no Quênia. Além disso,
Kakuma recebeu muitos refugiados etíopes28, que após a queda do governo deixaram o seu
Estado. Esse campo é um assentamento extenso e árido localizado no leste do Quênia. É
importante ressaltar que o complexo de Dadaab, juntamente ao Campo de Kakuma, abrigam
mais de 400.000 refugiados e requerentes de asilo, sendo essas pessoas originárias de mais de
dez Estados (CLOSING…, 2021). Na imagem a seguir, é possível identificar a grande
extensão e estrutura que o campo de Kakuma apresenta. Nela, é visível que o campo se

27
A Segunda Guerra Civil Sudanesa deu-se início em 1983 e geral milhares de pessoas deslocadas, muitas delas
eram crianças. Em 1987 houve um grande fluxo de fuga de meninos sudaneses, em que cerca de 20.000 crianças,
com maioria de apenas seis a sete anos, deixaram suas famílias para fugirem da morte ou para não serem
recrutados pelo exército do norte. Esses, ficaram conhecidos como Garotos Perdidos do Sudão. A caminhada
deles era muito distante, e para chegar até o campo, precisavam andar por mais de 1.600 quilômetros. Cerca da
metade dessas crianças não conseguiram chegar até o campo e morreram no caminho (THE …, 2014).
28
A Guerra Civil da Etiópia teve como início uma série de movimentos sociais no qual a população pegou em
armas para iniciar uma luta armada. Esses movimentos tinham como intuito destituir o governo da época de
Haile Selassie, que implementou o regime feudal opressivo (NEGASH, 1997)
44

assemelha a uma espécie de cidade, devido a sua infraestrutura e do agrupamento das


construções.

Imagem 2: O campo de refugiados da Kakuma

Fonte: Deborah DeWinter/ FilmAid

Mesmo com a extensão do campo de Kakuma, já em 2012, ele havia ultrapassado sua
capacidade máxima do período, que era de 100 mil pessoas, isso ocorreu devido à chegada
massiva de refugiados nos dois anos anteriores. Esse cenário fez com que o campo tivesse que
encontrar maneiras de expandir e desenvolver formas de aumentar o abastecimento de água
potável, que era restrita no local. O complexo de Dadaab e o campo de Kakuma são centros
comerciais e econômicos, uma vez que os refugiados estão ativamente envolvidos na
economia local. No que tange ao campo de Kakuma às movimentações econômicas
apresentam grande fluxo. Nesse sentido, os refugiados deixaram de ser consumidores
passivos, e passaram a ser empreendedores, e importantes agentes para o crescimento da
economia do campo. Desta forma, existindo mais de 2 mil negócios no campo e mais de 200
lojas na cidade de Kakuma em que os refugiados estão envolvidos. No que tange ao complexo
de Dadaab, os três campos que ainda estão em funcionamento têm um próprio mercado com
suas particularidades, logo, quando analisado os três juntos há uma grande diversidade, tanto
no que tange a bens de consumo quanto a serviços prestados (CLOSING…, 2021).
Para além dos campos supracitados, é de grande relevância para essa pesquisa trazer
informações sobre outro campo de refugiados que se localize em uma região que enfrenta um
45

cenário de conflitos armados, e que também seja considerado um dos maiores campos de
refugiados do mundo, o Al Zaatari, localizado no Oriente Médio. Criado em 2012 pela
Diretoria de Assuntos de Refugiados da Síria junto ao ACNUR, o campo tem o intuito de
oferecer proteção aos milhares de refugiados provindos da Guerra Civil da Síria. Até o final
do ano de 2013, o campo Zaatari recebeu cerca de 200 mil refugiados, devido ao enorme
fluxo de pessoas fugindo da guerra (LEDWITH, 2014). Em dias atuais, o campo conta com
cerca de 80.000 refugiados e mais da metade dessas pessoas são crianças. Como estrutura, ele
possui cerca de 32 escolas, 8 clínicas médicas e 58 centros comunitários (UNITED NATIONS
HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2021e). Outro fator importante é que ele recebe
financiamento e doações de inúmeras organizações internacionais como a própria ACNUR,
no que tange a assistência médica como também em inúmeros outros setores. Além do
ACNUR, o Fundo das Nações Unidas Para a Infância (UNICEF) também auxilia na educação
das crianças no campo (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES,
2021e).

Imagem 3: O campo de Al Zaatari

Fonte: ACNUR (2021).

Como é possível observar na imagem, o campo é composto por tendas do ACNUR, e


assim como os demais campos, não dispõe de terreno asfaltado. Ainda, ele não se assemelha
com os demais apresentados no que tange à estrutura, mas ainda apresenta as mesmas
fragilidades. Dentro do campo, a realidade vivida pelos refugiados é árdua. A grande maioria
das crianças é forçada a trabalhar e cerca de dois quartos de todas as famílias dependem da
renda provinda das crianças. Como na maioria dos campos, as dificuldades são praticamente
as mesmas, fatores como racionamento de água, comida e a falta de saneamento básico
agravam a vida dos refugiados. Devido ao conflito da Síria, muitos médicos que trabalham no
46

campo relataram preocupação no que tange a saúde mental dos refugiados. O nível de
violência dentro do campo é alto, muitos refugiados se rebelam contra a polícia e os atacam
usando pedras (LEDWITH, 2014).
Ademais, as mulheres encontram uma realidade ainda mais difícil, além de
enfrentarem todas as dificuldades dentro do campo, elas ainda estão expostas à violência
baseada em gênero. À exemplo disso pode-se pontuar o estupro coletivo de uma gang de
sírios contra uma menina de 14 anos dentro do campo, além de outros casos de violência
doméstica e estupro por parte de familiares. Sabendo da importância em se compreender a
realidade das mulheres refugiadas, serão discutidos na próxima seção a vivência delas em um
contexto de refúgio (LEDWITH, 2014).
Para além dos campos supracitados, tem-se o campo de Moria, localizado na ilha
grega Lesbos, que é considerado o pior campo de refugiados do mundo. As condições
climáticas da ilha agravam o cenário de refúgio, o clima quente e úmido do verão e o clima
chuvoso e frio do inverno, juntamente ao fato deles viverem em tendas de plástico abafadas,
faz com que a vivência dentro do campo seja muito dificultada. Com uma capacidade inicial
para 2.800 pessoas, o campo possuía até o ano de 2019, mais de 15.000 refugiados,
representando assim o maior campo de refugiados da Europa. Além disso, o campo é
composto em sua grande maioria de tendas e barracas, e dispõe de apenas um chuveiro para
cada 506 pessoas como também um banheiro para cada 210 pessoas. Dentro do campo as
condições são precárias, os refugiados têm somente uma estrutura para diversas finalidades,
por exemplo, no mesmo local em que eles realizam sua higiene pessoal como escovar os
dentes, é onde eles lavam os pratos, os pés e realizam outras atividades. O acesso à educação
no campo é muito restrito, e as poucas crianças que estudam vão para escolas criadas por
ONG’S (ROSILLO, 2019).
Imagem 4: O campo de Moria
47

Fonte: Deutsche Welle (2021).

Na imagem acima pode-se observar crianças correndo no terreno íngreme e sem


nenhum tipo de pavimentação do campo, o que dificulta o deslocamento delas e das demais
pessoas no local. Além disso, devido às condições do solo, as tendas ficam instaladas em
locais desnivelados, em que possuem contato direto com o chão de terra. Além dos fatores
mencionados, foi encontrado no campo, uma barraca compartilhada com cerca de 17 pessoas,
o que demonstra a difícil situação vivida por eles. Outra questão alarmante foi relatada pelo
MSF sobre casos de crianças com 10 anos que já tentaram suicídio por conta das situações
vividas no campo. Além disso, as crianças têm medo de dormir por conta das contínuas
violências e muitas delas apresentaram doenças por conta da falta de saneamento básico, e
também problemas respiratórios devido ao gás lacrimogêneo que é recorrentemente utilizado
por seguranças para dispersar brigas (NYE, 2018).

3.3 Mulheres nos campos de refugiados

A vivência no campo de refugiados é agravada quando estudamos e analisamos a vida


de refugiados de acordo com seu gênero. É nítido que a vida de um refugiado em geral é
difícil, mas se analisarmos as experiências de mulheres refugiadas, veremos que elas
enfrentam situações para além daquelas vividas pelos demais refugiados. Devido a isso, essa
seção tem o propósito de analisar a realidade dessas mulheres em campos de refugiados.
As mulheres que se deslocam para os campos de refugiados com o intuito de encontrar
segurança, proteção e condições de vida minimamente estáveis, muitas vezes não encontram
essas condições esperadas. A prostituição por exemplo, é uma realidade dentro e ao redor dos
48

campos, uma vez que ela é uma das únicas saídas para que as mulheres refugiadas consigam
obter alimentos e dinheiro (ONUSIDA,1997). Ela está completamente relacionada a
objetificação do corpo feminino, que como foi debatido no primeiro capítulo, possui relação
ao estabelecimento do contrato sexual, em que a venda dos serviços sexuais femininos
corrobora para a perpetuação da estrutura patriarcal. Portanto, é visto como essa estrutura se
faz presente nos campos. Além disso, cada vez mais cedo as crianças dentro dos campos têm
contato com a prostituição e atividades de cunho sexual (ONUSIDA, 1997).
Para mais, é necessário levar em consideração que as mulheres enfrentam um outro
problema complexo. A saúde sexual e reprodutiva (SSR), apesar de ser um direito básico a
todos, em muitos casos não é a realidade, principalmente quando refere-se a mulheres em um
contexto de refúgio residente em um campo de refugiados. A SSR implica nos cuidados a
vida sexual satisfatória e segura das pessoas, logo, a saúde reprodutiva consiste em “amplo
espectro de cuidados, incluindo cuidados maternos e neonatais, acesso a anticoncepcionais e a
prevenção e tratamento do HIV ou outras infecções sexualmente transmissíveis” (UNITED
NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2021f).
Mas, para mulheres e meninas refugiadas, esse direito não prevalece, e o cuidado
direcionado a essa área é limitado. Assim, os riscos que essas mulheres e meninas enfrentam
aumentam consideravelmente, sendo mais possível a ocorrência, por exemplo, de gravidez
indesejada, doenças, complicações durante o período gestacional e morte (WOMEN 'S
REFUGEE COMMISSION, 2021a). Ademais, inúmeras grávidas relatam que dormem sob
uma lona no chão e que não há acesso a nenhum serviço ou cuidado médico, como o pré-natal
(TAGARIS; REUTERS, 2018). Diante desse cenário, o ACNUR e outras organizações, como
a Comissão de Mulheres Refugiadas29, buscam desenvolver mecanismos como forma de
minimizar esse grande problema e possibilitar que as refugiadas tenham acesso a SSR. O
ACNUR desenvolveu estratégias que priorizam o atendimento materno e neonatal, e visam
amparar as mulheres durante e após o trabalho de parto, visto que é o momento em que mais
ocorrem mortes. Além disso, o ACNUR visa implementar “acesso e cuidados pré e pós-natal,
manejo clínico de sobreviventes de estupro e violência por parceiro íntimo, tratamento de
complicações relacionadas ao aborto” (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR
REFUGEES, 2021f) entre outros tratamentos e cuidados.

29
Criada em 1989, a Comissão de Mulheres Refugiadas tem o objetivo de ajudar as milhões de mulheres e
crianças refugiadas a terem acesso a cuidados de saúde sexual e reprodutiva (WOMEN 'S REFUGEE
COMMISSION, 2021b).
49

Desta forma, o ACNUR, pontua estar comprometido com a difusão de informações,


de forma a aumentar a conscientização, e a implementação de serviços à saúde reprodutiva
para adolescentes. Entretanto, apesar do ACNUR e outras organizações buscarem a
implementação dos cuidados a SSR, as lacunas presentes são muito grandes e ainda não são
suficientes no amparo coletivo. Concomitantemente, meninas refugiadas sofrem diretamente
com os riscos atrelados à gravidez na adolescência, além do risco intensificado na contração
de HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (UNITED NATIONS HIGH
COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2021f).
Todas essas situações enfrentadas por mulheres e meninas podem ser vistas em
inúmeros campos, evidenciando assim, um problema estrutural. Isso deve ser levado em
consideração juntamente com as experiências retratadas dentro destes locais, uma vez que elas
são advindas principalmente da estrutura patriarcal e do estabelecimento das relações sociais.
Essas colocam as mulheres em uma posição de inferioridade em relação ao homem e as
deixam expostas a uma série de fatores independente do campo de refugiadas que estão
localizadas. Dito isso, pode-se citar informações que demonstram a situação vivida pelas
mulheres e meninas em diversos campos, como por exemplo as refugiadas rohingya que
vivem dentro dos campos de refugiados em Bangladesh. Há relatos que demonstram as
precárias condições de vida dentro do campo que tornam o ambiente inseguro e propício a
violências. Cerca de um terço das mulheres não se sentem seguras para andarem dentro das
instalações para buscar água ou comida, e preferem sentir fome ou sede do que ter que se
deslocarem pelos campos (MULHERES…, 2018).
Ademais, cerca de metade das mulheres e 75% das adolescentes não possuem acesso a
itens básicos de higiene feminina como absorvente, o que faz com que elas utilizem panos
para conter o fluxo menstrual. Além disso, por não possuírem um local privado e seguro para
que elas se troquem e lavem os panos utilizados, elas relatam o constrangimento de se
trocarem próximo de outros refugiados (MULHERES…, 2018). Esses são alguns dos
exemplos que tornam evidente as situações vividas pelas refugiadas, o que faz com que essas
mulheres sofram diretamente esses fatores estruturais. Logo, por mais que as mulheres
refugiadas estejam em diferentes campos, a estrutura patriarcal as tornam expostas a
violências e discriminação independente do campo em que estão inseridas. As calamidades
encontradas nas infraestruturas dos campos são outros fatores que agravam a vivência das
mulheres e meninas nestes locais. A precariedade dos banheiros que na maioria das vezes não
possuem trancas e fechaduras, como também os chuveiros coletivos são alguns exemplos.
Mulheres refugiadas em campos na Grécia afirmam que os chuveiros dos campos são frios e
50

não possuem trancas nem eletricidade, e que enquanto estavam tomando banho outros homens
entraram dentro do banheiro (TAGARIS; REUTERS, 2018).
Sabendo de tamanha dificuldade vivida pelas refugiadas, foi desenvolvida a iniciativa
Shower for Sisters (banheiro para irmãs), formada por inúmeras voluntárias de todo o mundo.
A iniciativa tem o intuito de oferecer o uso de chuveiros privados para mulheres e crianças
nos campos de refugiados de Lesbos, na Grécia. Além do banho seguro, também são
disponibilizados sabonetes líquidos, toalhas e lenços, que auxiliam na higiene feminina e
devolvem às mulheres a autoestima e a esperança de dias melhores (SHOWER FOR
SISTERS, 2021). Apesar de ser uma iniciativa de grande relevância, pode ser considerada
uma exceção dentre tantos campos de refugiados no mundo.
Também há inúmeros relatos em campos no Oriente Médio e na África que
exemplificam a realidade das mulheres refugiadas, deixando explícito os inúmeros assédios,
violências e situações machistas a que elas estão expostas. Segundo reportagem publicada
pela emissora de notícias britânicas, British Broadcasting Corporation (BBC), diversos relatos
revelam que comida e carona são ofertados às mulheres refugiadas sírias por troca de sexo.
Muitas mulheres disseram que preferem não ir ao centro de distribuição de suprimentos, pois
temem que as pessoas suponham que estão indo oferecer o seu próprio corpo. Muitos dos
relatos afirmam que membros e capacetes azuis30, representantes da ONU e de outras
organizações internacionais estão envolvidos com o abuso sexual de mulheres, explorando-as
sexualmente em troca de ajuda humanitária (O’DOWD, 2018).
Diante disso, faz-se necessário trazer informação sobre a resposta do próprio conselho
executivo do ACNUR sobre todas essas violações, em 1993, que designou que:
Em muitas situações de refugiados, particularmente aquelas envolvendo o
confinamento de refugiados em campos fechados, as normas tradicionais de
comportamento e restrições são quebradas. Em tais circunstâncias, mulheres e
meninas refugiadas podem ser estupradas por outros refugiados, agindo
individualmente ou em gangues, e líderes autoproclamados podem frustrar as
tentativas de punir os infratores. Em certas situações de campo, sabe-se que
mulheres e meninas desacompanhadas entram nos chamados “casamentos de
proteção” para evitar a agressão sexual. A frustração da vida no acampamento
também pode levar à violência, incluindo abuso sexual, dentro da família.
(EXECUTIVE COMMITTEE OF THE HIGH COMMISSIONER'S
PROGRAMME, 1993, p. 8, tradução nossa).

Todavia, sabendo que tais violações advém não só de refugiados dentro dos campos
como também dos próprios seguranças e de agentes de organizações como a ONU, o ACNUR
lançou em 2008 o Manual para Proteção de Mulheres e Meninas no qual reafirma a urgente

30
Militares membros dos exércitos nacionais de seus próprios Estados que são designados para trabalhar sob o
comando da ONU, assim, são conhecidos como capacetes azuis (UNITED NATIONS PEACEKEEPING, 20--).
51

necessidade de implementação de normas que assegurem a proteção e impeçam a violência


sexual e de gênero por parte desses agentes. Ademais, esse manual também elenca a
necessidade de um treinamento para os agentes de Organizações Internacionais para lidar com
esse tipo de situação. Entretanto, o cenário atual que analisamos quando vemos a realidade
dos campos é que tanto o ACNUR quanto outras OI 's não conseguem mudar a realidade de
violência vivida dentro do campo por milhares de mulheres (OBRADOVICH, 2015).
O presente Manual demonstra o conhecimento por parte do ACNUR das práticas de
violências contra a mulher dentro dos campos de refugiados, como também a prática dessas
por parte dos agentes. Assim, diante do que foi exposto pela citação pode-se analisar um fator
que foi tratado nesta pesquisa, de que a situação de frustração vivida dentro dos campos
designa um aumento da violência contra as mulheres. Logo, diante dessa situação vivida pelas
mulheres dentro do campo de refugiados, é possível designar outro fator que em situações de
refúgio possui maior intensidade, a economia do cuidado. A economia do cuidado é um termo
advindo do que é considerado como “trabalho do cuidado” em que se refere ao trabalho
realizado prioritariamente por mulheres no que tange a dedicação à saúde, bem-estar,
sobrevivência e educação de pessoas. Ainda, esse trabalho engloba para além do simples ato
de cuidar, mas envolve a questão emocional no que tange a preocupação. No geral, trata-se do
cuidado que as pessoas, em sua grande maioria mulheres, têm com os filhos e parentes
(LUTZ, 2011). Dessa maneira, as refugiadas tentam garantir a sua sobrevivência e a de seus
familiares em um contexto no qual a vida está em constante risco. Isso faz com que a
responsabilidade que foi socialmente instituída para as mulheres, aumente exponencialmente,
e nesse contexto, elas se tornam responsáveis por todas as atividades domésticas como
também a de prover financeiramente o lar, o que é uma atividade atribuída historicamente
para o gênero masculino através de seu papel social.
Diante de tudo que foi exposto neste capítulo, entende-se que a estrutura que
compõem a maioria dos campos apresenta condições precárias, havendo difícil acesso aos
serviços básicos. Dessa forma, a vivência de todos os refugiados é árdua mesmo com a
presença de Organizações Internacionais e projetos sociais que buscam promover medidas
que garantam os direitos básicos a essas pessoas. Contudo, é evidente que fatores como
gênero atuam de maneira agravante em um cenário de refúgio, uma vez que as mulheres
enfrentam uma realidade difícil no qual o medo, angústia e apreensão é constante, uma vez
que elas, por serem mulheres, enfrentam incontáveis tipos de violência e situações, enquanto
os homens não estão expostos a essa realidade.
52

Assim como falado anteriormente pelas autoras Elisabeth Rehn e Ellen J. Sirleaf
(2002), as mulheres enfrentam situações de violência onde quer que estejam, logo, quando
analisamos dentro do campo de refugiados, vemos que essa afirmação condiz com a realidade.
Ainda, pelo fato dos homens se imporem historicamente sobre as mulheres e analisando todos
os relatos trazidos nesta seção, evidencia-se que o contexto de dominação masculina advindo
da estrutura patriarcal, se faz presente dentro dos campos. Além disso, a precariedade dos
campos torna as mulheres ainda mais vulneráveis, uma vez que a falta de estrutura que atenda
suas necessidades, as coloca em situações de desconforto, vulnerabilidade e insegurança.

4 ESTUDO DE CASO: O COMPLEXO DE DADAAB

Levando em consideração o principal objetivo dessa pesquisa e tudo que foi abordado
anteriormente, esse capítulo procurará analisar de forma específica a vivência das mulheres
refugiadas dentro dos campos, adotando como estudo de caso o complexo de campos de
refugiados de Dadaab no Quênia. Para isso, será pontuado a história do complexo, juntamente
com o conflito da Somália, buscando analisar como esse foi um dos principais motivos que
levou à criação do complexo. Além disso, será caracterizado os campos que compunham o
complexo a fim de entender suas especificidades como também os motivos de somente três
dos cinco campos se manterem em funcionamento atualmente. Ainda, serão analisados os
motivos pelos quais dois campos foram fechados e os outros se encontram ameaçados, e
como o complexo se encontra na atualidade. Por fim, na última seção serão levantados dados
acerca das vivências das mulheres refugiadas no complexo de Dadaab, e como a cultura e
outros fatores influenciam e agravam a realidade das mulheres.

4.1 História do complexo de Dadaab

Inicialmente, o complexo de Dadaab é considerado um dos maiores campos de


refugiados do mundo. Ele era a priori, composto por três campos, o de Ifo (1991), Dagahaley
(1992), e Hagadera (1992), que de acordo com o com ACNUR, tinham, juntos, capacidade
máxima de 90.000 refugiados. Posteriormente, devido ao crescente número de deslocados na
53

região e da superlotação dos campos já existentes, foram criados em 2011 os campos de


Câmbios e Ifo 2 31, que foram fechados em 2017 e 2018 respectivamente. Os campos de Ifo e
Dagahaley estão localizados em Dadaab, enquanto o Câmbios ficava localizado ao sul do
campo Hagadera (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2015a).
O Complexo está localizado no nordeste do Quênia, este, por sua vez, fica no leste do
continente africano, na África Oriental, fazendo fronteira com a Somália, Etiópia, Sudão do
Sul, Uganda e Tanzânia. O complexo está a cerca de 500 quilômetros de Nairobi, a capital do
Quênia, e próximo da fronteira com a Somália, há apenas cerca de 80 quilômetros de distância
(UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2015a). Abaixo está
sendo apresentado o mapa do complexo de Dadaab e onde o mesmo fica localizado no
Quênia. Desta forma, é possível ver o mapeamento das disposições dos campos, que
nitidamente, são bem próximos.

Mapa 2 - Visão Geral da localização dos campos de refugiados no Complexo de Dadaab

31
O Ifo 2 ficava localizado entre o Ifo 1 e Dagahaley. Enquanto o Câmbios ficava localizado no Fafi, ao sul do
campo Hagadera.
54

Fonte: Operational Data Portal (2015) ACNUR

O complexo surgiu principalmente em decorrência da Guerra Civil da Somália


iniciada em 1991, onde o fluxo de deslocamentos foi muito alto. A Guerra Civil Somali é
advinda de vários fatores, desde questões históricas, sociais, culturais e políticas. Um fator
catalisador para o conflito é o grande descontentamento por parte da população somali com o
governo de Siad Barre, que vinha a anos marginalizando parte da população. Se iniciou em
1991, após a facção United Somali Congress (USC), liderada pelo general Muhammad Farah
Aidid, adentrar Mogadishu, a capital somali, e derrubar o governo de Siad Barre. Diante desse
cenário de caos e sem liderança governamental, vários grupos rebeldes começaram a obter
controle de vários territórios da Somália, enquanto outros grupos lutavam para controlar a
capital e estabelecer seu próprio governo (DERSSO, 2009). A exemplo disso têm-se o
Al-Shabab, grupo insurgente fundamentalista religioso islâmico que surgiu no ano de 2000, e
que pode, de acordo com Michel Brown (2001), ser caracterizado como um ator não estatal
possuidor de uma alta capacidade organizacional, principalmente por possuir um objetivo
político de longo prazo, o de estabelecer um estado Islâmico na Somália. Ainda, eles foram
responsáveis por inúmeras violações de Direitos Humanos e do Direito Internacional, o que
fez com que as milhares de pessoas fugissem do Estado em busca de segurança (FELTER;
MASTERS; SERGIE, 2020)
Diante disso, as consequências do conflito foram alarmantes: cerca de 40% da
população somali precisou de ajuda alimentar emergencial, e no ano de 1991, mais de 900
refugiados se deslocaram por dia para o complexo de Dadaab. Esse deslocamento também
pode ser caracterizado como efeito spill over, discutido no primeiro capítulo. Devido a grande
quantidade de pessoas, elas foram alocadas principalmente para os três campos dentro do
complexo (FELTER; MASTERS; SERGIE, 2020). É necessário compreender que os campos
são principalmente organizados pelo ACNUR com parceiras de diversas organizações
internacionais e não governamentais, que junto ao órgão da ONU direcionados aos
refugiados, desenvolvem projetos com o intuito de facilitar a vida árdua dessas pessoas.
Nesse sentido, é de suma importância realizar o mapeamento dos campos que
compõem o Complexo de Dadaab, uma vez que a grande maioria dos refugiados somalis
estão inseridos neste local. O campo Ifo é o mais antigo do complexo e foi fundado em 1991.
Recebe pessoas de 10 Estados diferentes, principalmente refugiados da Somália e Etiópia. De
acordo com o banco de dados do ACNUR, no ano de 2015 o campo acomodava 84.181
pessoas, sendo 42.189 mulheres e 41.995 homens. A estrutura não suporta toda a população e
55

estima-se que metade do acampamento tem riscos de inundação. Uma parte do acampamento
encontra-se em uma situação de grande pobreza e algumas estruturas e alojamentos não foram
substituídos desde a criação do campo. Além disso, em função da proibição do governo do
Quênia sobre a construção de mais abrigos definitivos, novos abrigos temporários foram
criados (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2015b).
Os refugiados vivem em um cenário de grande insegurança, visto que a segurança
desse campo é muito precária. Devido a isso, já foram registrados ataques de granadas,
explosivos improvisados, assassinatos, roubos e entre outros. Nesse sentido, existe um abrigo
temporário para famílias que foram ameaçadas diretamente. Além disso, há também um
ambiente de proteção para mulheres e crianças que enfrentam situações de risco de vida.
Esses acolhimentos são temporários até que uma medida mais definitiva seja tomada
(UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2015b).
No âmbito educacional as coisas também se desdobram de forma precária, no campo
há oito escolas primárias e duas secundárias, além disso, há dois centros, um voltado para a
alfabetização de adultos e o que se desempenha como um centro vocacional para jovens.
Entretanto, as escolas são poucos frequentadas visto a falta de infraestrutura, material e de
professores. O campo dispõe de serviços que auxiliam crianças com necessidades especiais,
entretanto é bem limitado. Ainda, há o programa de lar adotivo para crianças vulneráveis e
existe o Espaço Amigos das Crianças. No que tange à esfera da saúde, o campo dispõe de seis
postos de saúde, o que está muito abaixo do que atenderia as pessoas que vivem dentro dele,
uma vez que eles vivem superlotados, o que diminui a eficiência do atendimento. Há também,
um hospital em que são realizadas cirurgias e tratamento para HIV. Além disso, são oferecidos
alguns serviços pré-natais e há atendimentos obstétricos de emergência 24 horas, como
também há o encaminhamento de crianças com casos graves de desnutrição para o centro de
estabilização. Diante desses fatos, percebe-se que apesar do campo dispor de alguns serviços
básicos, ele ainda possui uma estrutura restrita, uma vez que não consegue fornecer um acesso
de saúde digna para todos (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES,
2015b).
A estrutura da comunidade é autossuficiente no que tange a governabilidade e
organização do campo, ele possui dois presidentes, além dos líderes das seções e líderes dos
blocos. Desta forma, é decidido por meios coletivos os presidentes gerais, ainda, é importante
ressaltar que a maior parte das decisões são tomadas pelos homens, assim, as mulheres não
têm uma participação muito ativa neste campo. Além disso, os jovens têm grupos que atuam
em diversos setores, como em direitos humanos, empoderamento feminino e prevenção da
56

violência sexual e de gênero (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR


REFUGEES, 2015b). No mapa a seguir é possível visualizar toda a estrutura do campo Ifo.
Neste mapeamento é possível ver onde estão localizados todos os serviços pontuados
anteriormente e a dimensão do campo.

Mapa 3 -Estrutura do Campo Ifo


57

Fonte: Operational Data Portal (2015) ACNUR

Para além do campo Ifo, o campo de Dagahaley foi criado em março de 1992 e é
dividido por seções e dentro das seções há blocos. De acordo com o banco de dados do
ACNUR, entre os anos de 2006 e 2011 o campo recebeu muitos refugiados, que acabaram se
58

abrigando na periferia do acampamento em função da superlotação da sua capacidade. Nesse


sentido, no ano de 2015, a população do campo chegou a 87.170 pessoas, no qual 44.202 são
mulheres e 42.968 são homens. O campo está superlotado, nesse sentido, há um escasso
espaço para a instalação das famílias, e, estima-se que em um local que deveria hospedar uma
família, é ocupado por três. Em 2011, parte das pessoas que se instalaram na periferia do
campo se mudaram para o campo Ifo 2 (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR
REFUGEES, 2015c).
A governança do bloco também é autossuficiente, onde a comunidade tem a
participação ativa na organização e decisão. Para mais, em relação à participação da
população nos assuntos do campo, existe uma grande atuação dos jovens do campo em que
visa desenvolver uma série de temáticas e projetos. Como por exemplo projetos de
empoderamento feminino e Prevenção da Violência Sexual e de Gênero, Sexual and Gender
Based Violence (SGBV). Além disso, os refugiados têm participação em algumas atividades
de subsistência, como na produção de sabão e cultivo (UNITED NATIONS HIGH
COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2015c).
Ainda, ele dispõe de um centro de trânsito para casos de proteção, como também de
um programa de lar adotivo, em que algumas famílias ficam responsáveis por crianças
vulneráveis. Além disso, o campo tem um espaço conhecido como Espaço Amigos da
Criança, em que elas podem brincar tendo supervisão de responsáveis. O campo também
possui sete escolas primárias 32, duas escolas secundárias e uma de alfabetização de adultos.
Nas estimativas sobre os anos do ensino médio, os dados mostram que 79% dos estudantes
são meninos, sendo apenas 21% meninas (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER
FOR REFUGEES, 2015c).
No que diz respeito ao sistema de saúde, a organização Médicos Sem Fronteiras é o
principal ator que oferece serviços dentro do campo. O que demonstra o cenário de
precariedade no que tange a infraestrutura da saúde em Dagahaley. Ele disponibiliza uma
estrutura de quatro postos de saúde no campo, entretanto, dois deles foram fechados e a
equipe foi realocada para os dois postos de saúde que continuaram com seu funcionamento.
Além disso, alguns serviços de saúde foram cortados temporariamente, como o cuidado
pré-natal, o que deixou os refugiados e principalmente as mulheres grávidas em uma posição
de grande vulnerabilidade. Outrossim, há um projeto de Segurança Alimentar e Nutrição que

32
Cinco das escolas primárias são abastecidas com base em energia solar instituída pelo Ministério da Educação
do governo do Quênia (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2015c).
59

tem o foco em crianças, e em casos de desnutrição severa elas são internadas no hospital do
campo. Para além das questões de saúde, é necessário analisar outro fator que também torna a
estrutura ainda mais limitada, a disponibilidade de água potável. O campo dispõe de sete
poços artesianos, entretanto, o equipamento não tem um bom funcionamento e possui baixo
rendimento para suprir toda a população (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER
FOR REFUGEES, 2015c). Para um melhor entendimento da disposição das estruturas
tratadas acima, a seguir está posto o mapeamento da estrutura do campo de Dagahaley.
60

Mapa 4 - Estrutura do Campo Dagahaley

Fonte: Operational Data Portal (2015) ACNUR


61

Por fim, o último campo do complexo que ainda continua em funcionamento é o


Hagadera, que foi fundado em 1992. Ele ainda possui um sistema organizacional parecido
com os demais campos do complexo, como também é dividido em seções e blocos, o que
diferencia é que ele tem dois líderes eleitos, sendo um homem e uma mulher. Diante dos
dados estabelecidos do ACNUR, a população do campo em 2015 era de 106.765, em que
53.733 são mulheres e 52.032 são homens. Ele tem uma economia dinâmica e ativa,
possuindo um dos maiores mercados da região. O campo teve um fluxo de saída, mas, mesmo
diante da diminuição, o Hagadera continua congestionado e, assim como nos demais campos
do complexo, os refugiados vivem às margens do campo, devido à superlotação do mesmo
(UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2015d).
O campo tem uma série de programas para a proteção e segurança da população,
sendo eles a proteção à criança, a intervenção a violência baseada em gênero, segurança
física, entre outros, principalmente porque os refugiados convivem com um cenário de
insegurança e têm que lidar com a imprevisibilidade de ataques. A criminalidade cresce
dentro e aos redores do campo, e todas as pessoas estão expostas a elas, tanto as autoridades e
equipes como principalmente a população mais vulnerável, os refugiados. No ano de 2011,
por exemplo, ocorreu um episódio de sequestro com as equipes humanitárias e agentes da
ACNUR, ainda, os policiais foram atacados onde explosivos caseiros haviam sido instalados
no subsolo do campo para atingi-los (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR
REFUGEES, 2015d).
Em relação ao sistema de educação, o campo possui sete escolas primárias e duas
secundárias. Para um ensino voltado aos adultos, tem um centro de alfabetização de adultos,
um centro profissionalizante e um centro de treinamento de Tecnologia da Informação e
Comunicação. Apesar desse número de instituições, as taxas de matrículas são baixas, sendo
das escolas primárias de 37%, e na escola secundária de apenas 14,8% da capacidade das
escolas. O Programa Mundial de Alimentos, World Food Programme (WFP), faz a
distribuição de rações alimentares duas vezes ao mês, existindo um ponto de distribuições
onde os refugiados vão retirar seus itens. Porém, com o elevado número de pessoas no campo,
a distribuição é limitada, não atendendo a todos, o que resulta em um cenário de desnutrição
(UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2015d).
Em relação ao sistema de saúde, o campo dispõe de quatro clínicas e um hospital,
esses trabalham muito acima de suas capacidades, visto que cada posto de saúde atende quase
30 mil indivíduos, mas sua capacidade é de abaixo de 10 mil pessoas. A saúde em Hagadera
afeta diretamente a vida das mulheres, e um dos fatores é o alto número de partos realizados
62

em casas/alojamentos. São muitos os relatos de casos de mortes por complicações nos partos
a domicílio, sendo a estimativa de que 12% das crianças podem nascer sem vida (UNITED
NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2015d). Diante de tudo que foi
exposto, a seguir é possível visualizar o mapeamento do campo Hagadera, para que seja
possível uma melhor visualização do campo e de como o mesmo é estruturado.

Mapa 5 - Estrutura do Campo Hagadera

Fonte: Operational Data Portal (2015) ACNUR

Agora que pontuado a estrutura dos campos do complexo, se faz necessário abordar
como este se encontra na atualidade e sobre fluxo de refugiados atual. No decorrer dos anos,
foram vistos deslocamentos massivos de refugiados para o Quênia, principalmente para o
complexo de Dadaab, o que resultou em uma superlotação do complexo. Durante o período de
2011, foram vistos mais de mil refugiados se estabelecendo em Dadaab todos os dias,
63

principalmente devido às severas condições de vida na Somália. Estima-se, de acordo com o


ACNUR, que se estabeleceram dentro do campo mais de 30 mil refugiados no mês de junho,
40 mil em julho e mais de 38 mil em agosto daquele ano, o que agravou a situação na região,
pois a falta de suprimentos já era recorrente e devido a esse cenário, o esgotamento dos
recursos internos se agravou (ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA
REFUGIADOS, 2012).
Ademais, é de suma importância pontuar que os problemas encontrados anteriormente
são os mesmos de dias atuais. No que tange a estrutura do complexo, foram vistas a falta de
segurança efetiva e como isso ocasionou em inúmeros casos de sequestros, assassinatos e
estupros. Ainda, é notório que a superlotação do complexo, designa em um cenário de
limitação dos abrigos, onde a falta de tendas suficientes para todos é recorrente, levando os
refugiados a se deslocarem para as margens dos campos presentes no complexo. Para mais, a
precariedade no sistema de saúde também é outro fator estrutural, uma vez que impacta de
maneira agravante na vida dos refugiados, ocasionando em um cenário de graves doenças
como a desnutrição. Todos esses fatores continuam recorrentes em dias atuais e perpetuam em
um cenário de insegurança na região (MEDECINS SANS FRONTIERES, 2014).
No que se refere ao ano de 2021, o último relatório do ACNUR evidenciou que o
campo de Dadaab possui cerca de 230.137 refugiados e requerentes de asilo em sua maioria
somalis, sendo que mais da metade destes são mulheres e crianças (UNITED NATIONS
HIGH COMMISSIONER REFUGEES, 2021g). A porcentagem atual de meninas de 0 a 17
anos vivendo no campo é de 27,8% enquanto a de meninos dessa mesma idade é de 28,6%.
Para mais, cerca de 40% da população que possui 18 a 59 anos, são mais de 49.143 mulheres
e 41.624 homens, totalizando 90.767 refugiados e requerentes de asilo vivendo dentro do
complexo com essa faixa etária. Os demais 4,2% da população do campo são pessoas com
idade igual ou superior a 60 anos, sendo assim, mais de 9.483 idosos (UNITED NATIONS
HIGH COMMISSIONER REFUGEE, 2021h).
Com um contingente populacional crescente, a possibilidade de fechamento do
complexo de Dadaab se tornou mais evidente em 2015, quando o presidente queniano Uhuru
Kenyatta (2013 - 2021), anunciou que os refugiados somalis deveriam retornar ao seu Estado
de origem pois teriam permanecido muito tempo fora de seu Estado natal. Tal medida foi
tomada visando, de acordo com Kenyatta, a segurança nacional do território, pois o aumento
da violência nos arredores dos campos e dentro de cidades do Quênia teriam sido causados e
planejados por refugiados e bandidos dentro do complexo de Dadaab (UHURU…, 2016).
64

Como resultado o ACNUR soltou uma nota oficial através da ONU, fazendo um apelo
ao governo queniano para que ele reconsiderasse tal medida de fechamento, uma vez que,
essa traria incontáveis consequências humanitárias para a região, já que os refugiados não têm
para onde ir (ACNUR…,2015). Agindo nesse sentido, o governo queniano viola o princípio
de non refoulement, estabelecido no Artigo 33 da Convenção de 1951 no qual estabelece que:

Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um


refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja
ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo
social a que pertence ou das suas opiniões políticas (UNITED NATIONS HIGH
COMMISSIONER FOR REFUGEES, 1951 p.15,16).

Nesse sentido, a ameaça do presidente queniano em fechar os campos de refugiados


demonstra uma ação contra o princípio básico do Direito Internacional dos Refugiados, pois
assim como apresentado na citação, o presidente força a saída dos refugiados do seu território
no momento em que ameaça o fechamento dos campos, deixando suas vidas ameaçadas.
Mesmo com a existência desse princípio, os campos Câmbios e Ifo 2 foram fechados
em 2017 e 2018, respectivamente, fazendo com que o complexo de Dadaab passasse, a partir
de 2019, a ser composto por apenas três campos, Dagahaley, Ifo e Hagadera (UNITED
NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEE, 2019). Em março de 2021, o governo
afirmou que ocorrerá até junho do ano de 2022, o fechamento de todos os campos de
refugiados do Quênia, o que significa mais de 500.000 refugiados sendo realocados para seus
Estados de origem ou sendo repatriados em um terceiro Estado. Logo, essa situação ocasiona
um cenário de insegurança e incerteza sobre o futuro desses indivíduos (UNITED NATIONS
HABITAT, 2021).
Em decorrência desses acontecimentos, houve um aumento nas tensões sobre o
fechamento ou não do complexo de Dadaab, fazendo com que milhares de refugiados somalis
começassem a retornar ao seu Estado de origem. Nesse sentido, mais de 85.000 pessoas
haviam retornado até o mês de setembro de 2021, sendo cerca de 71% mulheres e crianças. A
grande maioria dessas pessoas se deslocou para a região de Lower Juba, na região fronteiriça
com o Quênia (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEE, 2021i). O
principal ator que auxilia no retorno dos refugiados para seus Estados de origem é o ACNUR,
ele procura estabelecer um retorno seguro e auxilia os governos a implementarem medidas se
segurança que visem proteger as milhares de pessoas. Ao retornar para a Somália elas
encontram um cenário de grande insegurança e dificuldade principalmente relacionado ao
clima da região, que vai desde inundações, infestações de gafanhotos e também a seca
65

(UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2021j). Ainda, as


mulheres refugiadas que tentam retornar para seu Estado de origem correm um grande risco
de serem estupradas e violadas (RAWLENCE, 2016).

4.2 Mulheres refugiadas no complexo de Dadaab

Agora que caracterizada a situação dos refugiados dentro do complexo de Dadaab


juntamente com tudo que foi exposto na seção sobre a realidade das mulheres em campos de
refugiados, é possível observar que elas enfrentam incontáveis dificuldades para além do fato
de serem refugiadas, sendo a questão do gênero um fator intensificador das violências vividas
nestes locais. Logo, é de grande relevância analisar a vivência das mulheres refugiadas dentro
do Complexo de Dadaab. Representando cerca de 51% do total de refugiados no complexo de
Dadaab atualmente, as mulheres em sua grande maioria, são originárias da Somália e fugiram
do conflito que, há anos, estabelece naquele território, um cenário caótico de violência com
inúmeras violações de Direitos Humanos e, mais especificamente, graves violações aos
Direitos das Mulheres (RAWLENCE, 2016).
No Estado as relações são poligâmicas33, onde os homens podem ter até quatro
esposas durante um mesmo período de tempo. Os casamentos nessa cultura têm como
principal objetivo a geração de filhos, onde há uma preferência e valorização do gênero
masculino para dar honra ao pai (LEWIS, 1993). Diante disso, vê-se que um dos únicos
papéis atribuídos para mulheres no âmbito do casamento é gerar filhos, o que demonstra um
dos aspectos do contrato sexual, discutido no primeiro capítulo pela autora Pateman (1993),
onde as mulheres são o principal objeto e o seus corpos são usados como instrumentos para a
gestação dos filhos. Ainda, as relações poligâmicas são pautadas na estrutura patriarcal, onde
as mulheres não possuem os mesmos direitos que os homens, explicitando a supremacia
masculina. Tais questões culturais são muito enraizadas na sociedade, e acabam moldando as
próprias leis do Estado, podendo gerar um arcabouço jurídico desfavorável para as mulheres.
Juntamente à cultura, a religião também é um dos principais fatores que pode
corroborar para a perpetuação de um cenário desfavorável para as mulheres. Na Somália, o
Islã é a religião oficial. A tradição islâmica em relação à família, principalmente no que tange
a herança, é que as filhas têm menos direitos em relação aos filhos. Desta forma, mesmo que
recebendo herança, elas por tradição não recebem o que é considerado exclusivo para os

33
Entende-se como poligamia as relações afetivas e sexuais de um homem com mais de uma mulher
(CERQUEIRA, 2020).
66

homens (LEWIS, 1993). Em 1975 foi criada a Lei da Família, em que afirma que as mulheres
teriam o mesmo direito de herança que o homem, entretanto a aplicabilidade da lei é
questionável. Na cultura somali, é nítido como a estrutura prevalece da superioridade
masculina sobre a feminina. Práticas como o fato de os homens andarem à frente das
mulheres, como também na divisão sexual do trabalho, no qual as mulheres ficam
responsáveis por atividades menos renomadas como por exemplo, cuidar de animais de
pequeno porte, enquanto o homem, de animais de grande porte, corroboram para que o
cenário de vulnerabilidade e castidade feminina seja perpetuado e reforçado (LEWIS, 1993).
Outras práticas como o casamento arranjado e a mutilação da genitália feminina são habituais
na cultura somali.
Desta forma, a estrutura patriarcal juntamente com fatores culturais e históricos
somalis designa o formato de relações entre homens e mulheres vigente no Estado e esse
formato se estende para o campo de refugiados. Ainda no que tange a esses aspectos, e
retomando o que foi pontuado no primeiro capítulo pela autora Ortner (1979), é notório que a
grande maioria das culturas tem base patriarcal, podendo variar os tipos de relações que são
estabelecidas e o grau de violências vivenciadas em cada uma. Devido a isso, nem todas as
mulheres vivem um cenário de opressão nas mesmas condições, logo, o fator cultural faz com
que as condições de algumas mulheres sejam mais agravadas do que outras. Nesse sentido, as
pessoas refugiadas que chegam até os campos carregam consigo um arcabouço cultural de
suas sociedades de origem, e devido a isso, elas passam a reproduzir suas práticas culturais
dentro destes locais, influenciando na dinâmica dos campos de refugiados. Logo, quando
analisado o Complexo de Dadaab, e tendo em vista que a grande maioria da população é
proveniente da Somália, é perceptível que a cultura somali é predominante no complexo, o
que leva a população a reproduzir as práticas culturais. Desta forma, as opressões e
subordinações vividas pelas mulheres em seus Estados de origem se estendem para os
campos, tanto no que tange aos aspectos de gênero, como em relação ao cenário de refúgio e
as dificuldades encontradas dentro dos campos.
Fugindo da insegurança de seu e Estado de origem, que como já foi pontuado, está em
Guerra Civil, as mulheres somalis juntamente com milhares de refugiados se deslocam em
direção ao complexo de Dadaab, uma vez que esse é geograficamente próximo à fronteira
com a Somália, tornando o acesso mais fácil (RAWLENCE, 2016). Esse deslocamento é
caracterizado como spill over que, assim como foi analisado no primeiro capítulo, é uma das
consequências do cenário da Guerra Civil. São encontradas adversidades antes mesmo de
chegarem ao complexo. A priori, o início desse deslocamento começa com o transporte, que
67

na região possui um valor elevado, ainda mais com alta demanda. Logo, aqueles que não
possuem condições financeiras para isso, vão caminhando até o complexo, que fica a cerca de
713 km de distância de Mogadíscio, capital da Somália. Além disso, há milícias em toda a
região da fronteira, que atacam um a cada três veículos, multando os refugiados e em muitos
casos assediando as mulheres (RAWLENCE, 2016).
Dentro do campo, a realidade das mulheres refugiadas é árdua. De acordo com o
Documento de Emergência de 2011, que realizou uma avaliação sobre a situação vivida pelas
mulheres e meninas no complexo de Dadaab, foi concluído que o nível de violência se
encontra inaceitável, as refugiadas passam por violência sexual desde a jornada para os
campos, logo, elas vivem essa realidade de forma intensa desde o caminho e dentro do
acampamento, correndo o risco de sofrerem algum tipo de violência baseada em gênero
(REFUGEE CONSORTIUM OF KENYA, 2012). Como já foi pontuado no primeiro capítulo,
a VBG abrange atos de agressão que gerem algum tipo de dano à mulher, seja ele físico ou
psicológico (INSTITUTO IGARAPÉ, 2018).
Levando em consideração o que foi caracterizado no segundo capítulo, percebe-se que
as condições encontradas nos campos são precárias, o que dificulta a vivência das refugiadas.
No que concerne ao Complexo de Dadaab, atividades simples que exigem sair do
acampamento, como buscar lenha ou água colocam as mulheres em perigo. É importante
ressaltar que os banheiros dos acampamentos são compartilhados, e não há banheiros
separados pelas sensibilidades de gêneros dentro e ao redor dos acampamentos. Desta forma,
ao ir ao banheiro as mulheres e meninas estão sendo expostas. De acordo com a pesquisa34
35
realizada pelo Consórcio de Refugiados do Quênia (CRQ) , sobre os acampamentos do
complexo, os entrevistados alegaram que o perigo é constante. Nas entrevistas realizadas em
2011, 14% dos entrevistados afirmaram terem sido vítimas de alguma forma de VBG e 31%
afirmaram que conheciam pessoas que já haviam passado por VBG (REFUGEE
CONSORTIUM OF KENYA, 2012).
Praticamente um terço das mulheres que residem no campo de Dagahaley
compartilharam que foram vítimas de VBG. Elas afirmaram que esse problema é recorrente
desde que algumas chegaram em 1991, de forma que com o passar dos anos as
recém-chegadas são ainda mais expostas. Isso está completamente relacionado com a

34
A pesquisa foi realizada em junho de 2012 pelo CRQ, e financiada pelo Conselho Dinamarquês para
Refugiados (RDC). Esta foi feita através do estudo de caso e revisão documental de documentos jurídicos e
políticos (REFUGEE CONSORTIUM OF KENYA, 2012).
35
O Consórcio de Refugiados do Quênia é uma das principais organizações não governamentais que fornecem
assistência jurídica e aconselhamento psicossocial, atuando na proteção e garantia dos direitos dos refugiados no
Quênia (REFUGEE CONSORTIUM OF KENYA, 2019).
68

superlotação dos campos, uma vez que ao chegar no acampamento elas não encontram
alojamento no interior do complexo, fazendo com que elas fiquem alocadas nas áreas
periféricas do mesmo. Essas áreas não dispõem de segurança ou estrutura capaz de garantir o
bem-estar dessas refugiadas. Muitas delas foram realocadas para os acampamentos Ifo 2 e
Câmbios, criados para suprir essa superlotação. Ademais, esses campos por serem novos, não
dispunham de uma estrutura consolidada. Isso fazia com que os serviços nos acampamentos -
Ifo 2 e Câmbios - ainda fossem muito limitados, diante disso as mulheres que foram
transferidas para o Câmbios tinham que buscar materiais básicos de subsistência, como
comida e água no campo Hagadera (REFUGEE CONSORTIUM OF KENYA, 2012).
Os novos campos não tinham nenhum tipo de segurança, desta forma haviam muitas
ocorrências de VBG, principalmente a violência sexual. Elas relatam que os abusos
acontecem pela população dos acampamentos e pela comunidade anfitriã, e as noites são
ainda mais perigosas dentro dos campos. Fora deles, as refugiadas relataram que é muito
frequente a violência sexual por bandidos armados. Além disso, foi pontuado que muitas
vezes as vítimas reconhecem e reencontram seus abusadores e têm que viver com isso
(REFUGEE CONSORTIUM OF KENYA, 2012).
Através da pesquisa realizada pelo Consórcio de Refugiados do Quênia, entende-se
que mulheres solteiras ou que chefiam famílias também passam por uma discriminação
intensificada, visto que é uma condição que foge dos padrões sociais estabelecidos pela
estrutura patriarcal e dessa forma, não é bem vista na sociedade. Logo, para além de passarem
pelas condições de serem mulheres e refugiadas, elas enfrentam todas essas condições sem
nenhum aparato familiar. A pesquisa ainda aponta que diversos relatos sobre o abandono
familiar e, como neste contexto, o número de divórcios tem um grande aumento. Isso faz com
que haja muitas famílias monoparentais36 lideradas por mulheres nos campos, o que aumenta
a discriminação sofrida por elas (REFUGEE CONSORTIUM OF KENYA, 2012).
Porém, de acordo com o especialista em estudos africanos da Universidade de
Birmingham na Inglaterra, Jeff Crisp (1999), houve uma alteração nos papéis sociais que
estruturalmente são designados para os homens e mulheres quando analisado o contexto de
refúgio. Os homens, que historicamente são os provedores do lar e que designam sua posição
de poder sobre as mulheres, se veem ameaçados em um contexto de refúgio, uma vez que eles
perderam o foco central de serem os únicos garantidores do sustento da família (CRISP,
1999).

36
Classifica-se como família monoparental aquela formada apenas por um genitor, ou seja, por somente um
responsável (MADALENO, 2018).
69

Logo, de acordo com o que foi discutido anteriormente através de Pateman (1993), em
que os homens tinham total autonomia tanto na esfera pública quanto privada, em um cenário
de refúgio, os mesmos perdem a dominação instituída na área econômica, no qual é um fator
relevante para sua autoridade e liderança frente às mulheres. No entanto, as mulheres
passaram a atuar com grande frequência dentro dos campos, sendo aquelas encarregadas de
cuidar dos filhos e do preparo da alimentação, que inclui a busca perigosa de lenha. Ademais,
esse cenário também acontece quando analisamos o contexto de conflitos armados pois assim
como foi pontuado no primeiro capítulo, os companheiros das mulheres se tornam
combatentes, deixando toda a responsabilidade familiar sobre elas. Logo, a redução do papel
masculino trouxe à tona a necessidade dos homens de reiterarem sua autoridade frente às
mulheres, o que resulta nos inúmeros casos de violência doméstica e sexual dentro do
complexo (CRISP, 1999).
De acordo com o relatório do ACNUR sobre as violências de gênero dentro do
complexo de Dadaab, no ano de 2014 cerca de 623 casos foram relatados. Já em 2015, foram
533 casos, nos quais 96,2% das vítimas são mulheres, contra 3,7% de homens. Deste total,
8,6% são crianças. Como resposta, a organização enviou uma equipe de 2164 pessoas
especializadas em violência de gênero para o complexo, 228 foram direcionadas para o campo
Ifo, 113 para o Ifo 2, 662 para Dagahaley, e 401 para os campos Hagadera e Câmbios
(UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEE, 2015e). Há fatores que
conduzem as refugiadas de Dadaab a não relatarem nenhum tipo de violência, como o medo
de seus companheiros a abandonarem e não proverem nenhum tipo de suporte financeiro,
como também o não reconhecimento desses com seus filhos e de não conseguirem se casar no
futuro (WHAT WORKS, 2018). Esses fatores estão completamente relacionados à condição
de subordinação das mulheres aos homens estabelecida pela estrutura patriarcal, que de
acordo com Beauvoir (1989), faz com que o homem seja pensado sem a mulher, mas a mulher
não sem o homem (BEAUVOIR, 1989).
De acordo com Ben Rawlence (2016), os casos de estupro aumentaram um terço no
decorrer dos anos, além disso, uma a cada três mulheres dentro do complexo de Dadaab já
foram atacadas. Ele pontua os relatos de Selma, uma refugiada somali que foi estuprada e
meses depois levada ao hospital do complexo, quando descobriu que estava grávida de seu
estuprador. Devido às condutas religiosas de seus familiares ela foi obrigada a se casar com
ele (RAWLENCE, 2016). Para mais, no campo de Hagadera, foi relatado que uma criança de
apenas dez anos foi estuprada durante a tarde quando cuidava de cabras nos arredores do
acampamento. A família da menina recorreu ao ACNUR e às ONG 's e também à polícia do
70

campo, entretanto, não houve medidas rápidas e o abusador acabou fugindo (REFUGEE
CONSORTIUM OF KENYA, 2012).
Em adição a isso, a coordenadora do Centro de Vítimas de Tortura em Dadaab, Sarah
Farah, relata que estava trabalhando no escritório da ONU dentro do complexo quando
conheceu uma menina de 16 a 18 anos que tinha dois filhos. Ainda que não havia contado o
motivo de ter ido até lá, a coordenadora acredita que ela estava procurando proteção da ONU
contra casamentos forçados, uma vez que inúmeras meninas menores de 16 anos recorrem ao
centro para buscar proteção contra o casamento infantil. Ela ainda relata que o número de
meninas matriculadas em escolas dentro do complexo é baixo devido ao medo que os
responsáveis têm de suas filhas serem abusadas sexualmente dentro das escolas ou no
caminho de ida e de volta (FARAH, 2016). Isso pode ser visto mais nitidamente quando
analisamos o que foi pontuado na seção anterior, quando analisamos que em um dos campos
do complexo, a porcentagem de meninas nas escolas era de 21%, enquanto os meninos
representavam a maioria, com 79% (UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR
REFUGEES, 2015c). Devido a isso, e também ao fator cultural e religioso estar muito
presente no complexo, inúmeros pais e responsáveis acreditam que casando suas filhas a
partir dos 10 anos irão protegê-las dos abusadores (FARAH, 2016).
Ademais, há relatos de sequestros, estupros e outros tipos de violências principalmente
quando mulheres e meninas saem para pegar lenha nos arredores do complexo, por esse
motivo, elas preferem realizar essa atividade na parte da manhã, pois assim se sentem mais
seguras (WOMEN’S REFUGEE COMMISSION, 2016). Uma pesquisa realizada pelo
programa global What Works, que atua buscando prevenir a violência contra mulheres e
meninas, mostrou que dentro do complexo de Dadaab cerca de 61% das mulheres relataram
ter sofrido algum tipo de violência física ou sexual de seu parceiro ou familiar, enquanto 47%
delas relataram o mesmo tipo de violência em um período inferior a um ano (WHAT
WORKS, 2018).
Ainda, através das entrevistas realizadas pela pesquisa, foi visto que alguns dos
perpetradores de violências contra as mulheres e meninas refugiadas são os homens dentro do
complexo, sendo eles seus parceiros, familiares ou indivíduos que trabalham naquela região.
Em uma dessas entrevistas, uma sobrevivente de apenas vinte anos relatou que esses tipos de
violência são recorrentes e que provavelmente o índice de mulheres abusadas e estupradas
deve ser maior do que apontam as pesquisas, uma vez que muitos relatos não são feitos, como
já pontuado anteriormente. Outra sobrevivente afirmou que vive uma vida com insegurança e
medo, pois ela é provedora de seu lar e ainda deve cuidar de suas sete filhas. Ela expressa sua
71

preocupação com a segurança delas, pois sabe que estão recorrentemente em risco de serem
estupradas, abusadas e sequestradas (WHAT WORKS, 2018).
Diante do alto nível de estupro dentro do complexo, várias mulheres decidiram
deixá-lo e optaram por retornar para a Somália, afirmando que preferem “morrer com
dignidade” se referindo ao conflito que assola seu Estado de origem, do que viver com medo
de serem estupradas. Para mais, os atores que deveriam zelar e garantir a segurança dos
refugiados e dar todo suporte necessário para o seu bem-estar, são também alguns de seus
agressores, como os policiais e guardas quenianos que trabalham no complexo. Eles utilizam
de sua posição privilegiada para praticar incontáveis violências contra aqueles considerados
mais vulneráveis, como mulheres e meninas (RAWLENCE, 2016).
Outra prática que também é tida em alguma medida como comum no complexo, são
os casamentos precoces, em que na maioria dos casos acontecem em função de fatores
econômicos, uma vez que esses se tornam ainda mais difíceis devido ao contexto de refúgio.
Um mecanismo que algumas famílias encontram para manter sua sobrevivência é cobrar um
preço sobre a noiva, o que corrobora para um cenário de objetificação da mulher e faz com
que as meninas não tenham escolhas sobre a sua própria vida. É importante ressaltar que no
Quênia existe a Lei do Casamento, em que proíbe o casamento de pessoas abaixo dos 16 anos.
Todavia, a aplicabilidade da lei no complexo é muito baixa, principalmente porque grande
parte dos casamentos são realizados apenas por meio de cerimônias religiosas. Diante desse
cenário, alguns atores juntamente a algumas ONG’s, desenvolveram um projeto que tenta
fazer com que os responsáveis pelos menores de idade assinem um acordo em compromisso
que não casem os filhos até que eles completem dezoito anos (REFUGEE CONSORTIUM
OF KENYA, 2012).
É de grande relevância pontuar que os casamentos precoces ocorrem devido a fatores
estruturais como a cultura, religião juntamente ao medo que os pais e familiares têm de suas
filhas serem abusadas, e como discutido pela coordenadora do centro de vítimas de tortura em
Dadaab, Sarah Farah, os pais casam suas filhas precocemente como forma de proteção dos
abusadores presentes dentro do Complexo.
Outra violência contra mulher que está instituída de forma muito intensa na cultura da
região e que aflige diretamente na saúde das mulheres é a MGF. Na Somália, a mutilação
genitália feminina é praticada recorrentemente, sendo entendida como uma prática comum.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 2005, cerca de 97,9% das
meninas somalis com idade de 15 anos já haviam sido submetidas a MGF (WORLD
HEALTH ORGANIZATION, 2009). A prática é reconhecida internacionalmente como uma
72

violação dos Direitos Humanos, dos Direitos das Crianças, à saúde e à integridade física. É
necessário pontuar que a Mutilação Genital Feminina já foi realizada em mais de 200 milhões
de meninas e mulheres em todo o mundo, na qual muitas vezes não possuem nem 15 anos de
idade. É uma prática realizada principalmente no continente africano e no Oriente Médio, com
maior prevalência na Somália (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021b). Como a
prática é institucionalizada e está enraizada na cultura dos somalis, o processo de mudança é
para longo prazo, e de acordo com Organizações Internacionais e Regionais do Direito das
Mulheres, estima-se que será preciso pelo menos uma geração para o abandono da prática
(REFUGEE CONSORTIUM OF KENYA, 2012).
Esses fatores culturais são muito visíveis como pontuado pela autora Sherry B. Ortner
(1979), pois segundo sua lógica, as estruturas patriarcais estão difundidas em diversas
culturas, entretanto, a forma em que essa subordinação acontece varia com base na sociedade,
e os casos pontuados são exemplos práticos de como essa lógica é vigente na cultura somali.
Assim, como as culturas são extremamente enraizadas nas dinâmicas das relações sociais, e
estabelecem o papel social de cada indivíduo dentro da sociedade em questão, fica evidente
que as práticas que são reiteradas na cultura somali se estendem até o complexo de Dadaab,
uma vez que a maioria de seu contingente populacional é formado por somalis, tornando essa
cultura em específica predominante no complexo.
Levando em consideração tudo que foi pontuado no presente capítulo, viu-se como a
constituição do complexo de Dadaab foi importante para o acolhimento de milhares de
refugiados, principalmente somalis. Entretanto, o grande fluxo desses no decorrer dos anos,
principalmente em 2011, ocasionou em uma superlotação dos campos. Além disso, sob a
premissa do alto índice de violência nos campos, o governo queniano fechou dois campos do
complexo de Dadaab, e ameaça o fechamento dos três campos ainda vigentes nos próximos
anos. Ainda, foi possível observar que as mulheres em campos enfrentam questões diferentes
e mais graves por serem mulheres. É notório que existem muitas lacunas a serem resolvidas,
principalmente quando se trata dos Direitos das Mulheres, que historicamente vêm sendo
violadas desde de seu Estado de origem.
Foram vistos inúmeros relatos de VBG com meninas e mulheres que ocorrem com
muita frequência. Em contraponto, quando analisado o gênero masculino vê-se que os índices
são inferiores, uma vez que mesmo estando em um cenário de refúgio, ambos passam por
experiências diferentes, sendo as mulheres aquelas que são expostas a uma maior
vulnerabilidade. Elas correm risco de vida pelo simples fato de irem para a escola, irem
buscar lenha ou quando vão a banheiros. Para mais, a relação que se estabelece entre homens
73

e mulheres dentro do complexo possui raízes históricas com o Estado de origem, uma vez que
práticas culturais que são recorrentes na região, como casamentos forçados de meninas e
mulheres e a MGF, ocorrem dentro do complexo. Portanto, é notório que as experiências
vividas pelas mulheres em seus Estados de origem, juntamente com as práticas do patriarcado
particular de cada sociedade, são estendidas para os campos de refugiados. Como resultado,
há um cenário de maior vulnerabilidade para as mesmas, que sofrem por questões de gênero,
como também pelas situações vividas dentro dos campos.
74

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia buscou analisar a condição das mulheres através das


abordagens feministas, a fim de compreender como a estrutura patriarcal influencia
diretamente em suas vidas. Juntamente a isso, buscou-se entender a realidade vivida dentro de
alguns contextos, como o de conflitos armados e posteriormente o de refúgio. Em seguida,
estudou-se os campos de refugiados para, posteriormente, analisar como a condição de ser
mulher dificulta a realidade das refugiadas neste contexto. Logo, tem-se como propósito,
investigar as particularidades das experiências das mulheres nos campos de refugiados.
Assim, foi utilizado para obter um maior aprofundamento sobre as vivências das mulheres nos
campos, o estudo de caso do Complexo Campos de refugiados de Dadaab. Assim,
procurou-se entender se as mulheres refugiadas enfrentam discriminações e violências que
diferem daquelas sofridas pelos demais refugiados e como isso agrava a condição de
vulnerabilidade na qual elas se encontram nos campos
A priori, para entender como a estrutura patriarcal atinge a vida das mulheres, a
pesquisa utilizou a perspectiva feminista para entender as raízes dessa estrutura na qual se
encontra vigente em grande parte do mundo. Para mais, buscou-se compreender como a
estrutura designa as relações sociais e postula os papéis para os gêneros, de forma a moldar as
relações entre homens e mulheres na sociedade. Além disso, investigou-se como a estrutura se
faz presente em outros cenários, como o de conflito armado e de refúgio. Seguidamente, foi
abordado a questão dos refugiados e como o Direito Internacional age na proteção dessas
pessoas. Após essa discussão, foi desenvolvida a questão dos campos de refugiados, bem
como sua história e seu cenário atual, passando pelas vivências em refúgio e principalmente
pelas experiências das mulheres neste meio. Por fim, foi necessário realizar um estudo de caso
para um maior aprofundamento na pesquisa, sendo utilizado o Complexo de Campos de
Refugiados de Dadaab, onde buscou-se compreender sua história, características, estrutura e
como é a realidade das mulheres refugiadas neste local.
Como um dos principais pilares da pesquisa, foi pontuado as vivências no contexto de
refúgio dentro de campos de refugiados. Assim, entendendo a importância dos campos para a
pesquisa, investigou-se a situação dos mesmos de forma abrangente, mas tendo como foco a
situação do Complexo de Dadaab. Isso tudo foi exposto para que fosse possível analisar a
situação das mulheres neste cenário, bem como as origens das múltiplas vulnerabilidades
enfrentadas por elas, sendo aquelas, advindas de uma estrutura patriarcal, e da calamidade
enfrentada pelos refugiados.
75

Por conseguinte, o estudo possibilitou o entendimento que os campos de refugiados


são de grande importância para o amparo de milhões de pessoas no mundo todo, ao mesmo
tempo, fica muito evidente que todos os refugiados dentro dos acampamentos, passam por
situações de extrema precariedade, como a insegurança, desnutrição, violências, péssimas
condições de moradia, doenças, limitado acesso a atendimento médico, entre outros. Porém,
quando analisadas as adversidades vividas pelas mulheres e meninas, chegamos à conclusão
de que essas passam por uma situação de múltipla vulnerabilidade em um cenário de refúgio.
Como foi visto no primeiro capítulo, com base no relatório do ACNUR, 1 em cada 5 mulheres
refugiadas já foram vítimas de violências sexuais. Elas enfrentam adversidades devido à
condição de ser mulher, que outros refugiados não estão propensos a enfrentar, como a
Violência Baseada em Gênero (VBG). Assim, quando analisado o cenário dentro dos campos
de refugiados, vê-se uma série de relatos alarmantes que demonstram os altos índices de
estupro, assédio, violência doméstica, violência física, violência psicológica, casamentos
forçados, casamento precoce, a prática da mutilação genitália entre outras violências às quais
outros refugiados, mais especificadamente do gênero masculino, estão muito menos expostos
dentro do complexo de Dadaab.
Outro fator que fica evidente é que as normas do Direito Internacional dos Refugiados
dentro dos campos não são cumpridas. Isso pode ser identificado uma vez que foi estabelecido
na Convenção para Refugiados uma série de diretrizes a serem seguidas para assegurar alguns
direitos mínimos a essas pessoas, o que como foi visto, não é uma realidade dentro dos
campos de refugiados. Além disso, é possível analisar que há uma falta de implementação das
diretrizes estabelecidas na Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra a Mulher (CEDAW) para as mulheres refugiadas que vivem no
Complexo de Dadaab. Ainda, foi visto que apesar de Organizações Internacionais como o
ACNUR, atuarem dentro do Complexo, o mesmo reconheceu que há violências contra as
mulheres e que tais práticas podem ser recorrentes com mulheres e meninas neste local.
Logo, conclui-se que apesar de haver uma série de leis e organizações específicas para
as mulheres refugiadas, não é possível sinalizar uma implementação eficaz e duradoura que
assegure os direitos e a segurança das mulheres refugiadas, mais especificamente dentro do
complexo de Dadaab, o que corrobora para que o cenário de opressão somadas às dificuldades
vivenciadas pelas mulheres, continue sendo uma realidade para as mesmas neste contexto.
76

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