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A meus pais Maria Augusta e Amaril José,
bases morais e emocionais de minha vida,
minha gratidão profunda.
2
LISTA DE ABREVIATURAS
5
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO--------------------------------------------------------------------------------19
6
4.2.1 Esboçando Critérios Mínimos para Identificação de uma Inovação Militar-----112
7
5.6.2 Uma alternativa: as Zonas de Processamento de Exportação de Defesa------167
5.7
CONTEXTO DA TRANSFORMAÇÃO MILITAR (TRAM) NO BRASIL--------169
6.3
CONSIDERACOES SOBRE A TRANSFORMAÇÃO MILITAR DO EB-------194
7 CONCLUSÃO -------------------------------------------------------------------------------196
REFERÊNCIAS------------------------------------------------------------------------------------198
GLOSSARIO-----------------------------------------------------------------------213
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1 INTRODUÇÃO
É lícito supor que, ao longo do tempo, de um conflito para outro, novas
dimensões de atuação militar foram sendo incorporadas ao Campo de Batalha1 (ou
do Espaço de Batalha2), induzindo a mudanças e impondo constantes
modernizações na estruturação, nos meios de emprego e no modus operandi dos
exércitos.
Destaca-se que, ao longo deste continuado processo de evolução, as
inovações foram as grandes responsáveis pelo processo de Transformação Militar
que modernizaram os exércitos e a forma de condução da guerra.
Se, por um lado, as inovações tecnológicas desempenharam um papel
relevante na incorporação de novas dimensões ao Espaço de Batalha, graças aos
engenhos bélicos que foram desenvolvidos; por outro lado, no entanto, foram as
inovações não-tecnológicas as responsáveis pela evolução da doutrina, implicando
em mudanças na forma de organização e modo de emprego do Poder Militar.
As inovações não-tecnológicas se referem àquelas soluções inovadoras,
obtidas por meio de um pensamento original, fora dos padrões convencionais de sua
época, por meio das quais a estrutura dos exércitos é reorganizada e a doutrina
militar vigente é readaptada às novas possibilidades tecnológicas, às novas
demandas ou aos desafios surgidos, gerando uma vantagem no nível estratégico,
operacional ou tático, que se torna fundamental para a obtenção da vitória militar.
Portanto, é admissível afirmar que foi a combinação das inovações
tecnológicas com as inovações não-tecnológicas o fator que possibilitou o avanço
das estratégias militares, a modernização da capacitação material dos exércitos, a
incorporação de novos espaços de atuação do Poder Militar e, enfim, as sucessivas
mudanças dos paradigmas da guerra e do emprego das forças militares.
Da antiguidade até aproximadamente a primeira metade do século XIX, a
limitação tecnológica dos armamentos em termos de alcance e letalidade restringiu o
espaço de combate tão somente à frente de batalha, que se constituía, portanto, na
primeira e, naquele momento, a única dimensão empregada nos combates
(CLAUSEWITZ apud PARET, 2003).
Os objetivos se limitavam aos pontos físicos do terreno à frente do dispositivo
da tropa inimiga ou aos elementos de manobra do primeiro escalão. Nestes
conflitos, em que os dois exércitos oponentes se desgastavam mutuamente em
confronto direto, o valor e a capacidade dos soldados de Infantaria e de Cavalaria
constituíam-se nos fatores preponderantes para a vitória militar (CLAUSEWITZ apud
PARET, 2003).
Posteriormente, a partir da segunda metade do século XIX e, mais
intensamente a partir do início do século XX, as inovações tecnológicas ganharam
1
A incorporação de dimensões em diversos vetores, inclusive vetores não físicos, conforme se verá
mais adiante, fez com que o termo “Campo de Batalha” se tornasse obsoleto, determinado sua
substituição por um termo mais adequado – “Espaço de Batalha”. Espaço de Batalha é a dimensão
física e virtual onde ocorrem e repercutem os combates, abrangendo as expressões política,
econômica, militar, científico- tecnológica e psicossocial do poder, que interagem entre si e entre os
beligerantes. O Campo de Batalha está incluído no Espaço de Batalha
5 Neste trabalho, o termo “Inovação Militar” é sinônimo de “Inovação de Defesa” e se refere tanto às
inovações estritamente militares quanto às inovações de uso dual.
7 Houve uma intensificação das mudanças incidentes sobre as relações econômicas, políticas e
tecnológicas do planeta, com o fim da Guerra Fria e com o advento abrupto de novas fronteiras
tecnológicas, provocando, em consequência, o surgimento de novos desafios de segurança às
nações e às suas forças armadas.
12
Aos novos desafios e demandas que se apresentaram às Forças Armadas no
século XXI somou-se um acirramento dos processos internacionais de contenção da
difusão de tecnologias estratégicas e de defesa, aprofundando a necessidade de
que nações interessadas em preservar sua capacidade dissuasória e sua autonomia
no contexto geopolítico mundial passassem a desenvolver com maior intensidade as
expertises e as tecnologias estratégicas, particularmente de defesa, a fim de que
pudessem efetivamente implementar uma transformação de suas forças militares.
Portanto, o desenvolvimento de inovações militares representa a condição
sine qua non para que um exército nacional realize uma Transformação Militar
efetiva, de modo a se tornar apto a enfrentar os desafios hodiernos do século XXI e
a se preparar para os conflitos futuros (DOMBROWSKI e GHOLZ, 2006).
O presente trabalho tem como fundamentação principal em relação à
inovação e à gestão da inovação, a Teoria Evolucionista, também denominada
Teoria Neo-Schumpeteriana, tendo em vista seus principais autores, tais como Pavitt
(1984), Utterback (1994), Castells (1996), Hobday (2003), Malerba (2004 e 2006),
Nelson e Winter (2005), Teece (2005), Kim (2005), Dosi (2006), Rosemberg (2006),
além de outros, terem desenvolvido seus trabalhos a partir das obras do economista
austríaco Joseph Alois Schumpeter (1978 e 1984)8. Em suas obras, Schumpeter
reputa à inovação o papel de motor do desenvolvimento econômico e social e da
produção de bens e serviços, desenvolvendo seus argumentos a partir do conceito
de “Destruição Criadora”9.
Estes autores empreenderam trabalhos de verificação da mudança
tecnológica e técnica em diversos setores produtivos, bem como realizaram o estudo
de caso do processo de inovação ocorrido em variadas organizações, setores
econômicos e países. Desse modo, eles apresentaram contribuições importantes
para a explicação das interações subjacentes e implícitas, que ligam a inovação à
assimetria tecnológica e econômica, existentes de forma cumulativa entre as
organizações e os países. Desse modo, os conceitos e pressupostos neo-
schumpeterianos se mostram muito úteis para a verificação dos diversos tipos de
inovação e do processo de gestão presentes na Transformação do Exército e,
portanto, servem de guia para toda a linha de análise deste trabalho.
A abordagem sobre Sistemas de Produtos Complexos – Complex Product
Systems (CoPS), apresentada na obra organizada por Prencipe, Davies e Hobday
(2003), define os parâmetros da inovação presente em tecnologias complexas,
instaladas em produtos como aviões, sistemas computadorizados, veículos aéreos
não-tripulados e outros, sendo, portanto, referencial teórico básico para a maioria
7O economista austríaco Joseph Alois Schumpeter (1978 e 1984) observou que as longas ondas
dos ciclos do desenvolvimento no Capitalismo resultam da combinação de inovações, que criam um
setor líder na economia ou um novo paradigma, passando a impulsionar um rápido crescimento
dessa economia (FEIJÓ, 2007).
13
das inovações militares de natureza tecnológica desenvolvidas nos projetos da
transformação do Exército.
A título de exemplo de CoPS produzidos no âmbito da transformação do
Exército, cita-se a viatura blindada de transporte de pessoal “Guarani”, produto em
desenvolvimento no Projeto da Nova Família de Blindados de Rodas, cuja
complexidade tecnológica encontra-se em evidência pelas tecnologias de origens
variadas incorporadas no projeto, integradas e instaladas no veículo, das quais
podem ser citadas o sistema de navegação, a unidade de tiro e o próprio sistema de
proteção blindada.
Quanto às tecnologias de uso dual, o trabalho de Kulve e Smit (2003), nos
quais fica evidenciado o relevante papel exercido pela rede técnico-social no
desenvolvimento das inovações militares, fornece excelente referencial para análise
das condicionantes de dualidade tecnológica presente nos produtos em
desenvolvimento no âmbito do processo de transformação do Exército.
Nos aspectos da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de inovações
tecnológicas militares, os trabalhos de Kaufman, Tucci e Brumer (2003), nos quais
são desenvolvidos modelos de estrutura de mercado baseados na cadeia de
suprimento das inovações militares americanas e nas características cooperativas e
competitivas existentes entre fornecedores e clientes do mercado de defesa, servem
de inspiração à decomposição da inovação militar presente na Transformação Militar
brasileira em vetores de verificação dentro da cadeia produtiva do setor, com
adaptações necessárias a partir da cadeia de valor proposta por Porter (1989).
Estes vetores da inovação militar serão verificados previamente, onde serão
apresentadas as taxonomias de análise presentes na metodologia de gestão da
inovação e Transformação Militar, proposta neste trabalho.
Kaufman, Tucci e Brumer (2003) também tecem considerações importantes a
respeito da inovação incremental e da inovação radical, as quais contribuem para a
análise da transformação do Exército.
Por último, quanto às inovações militares de natureza não-tecnológica, deve
ser destacado que estas se caracterizam pelo advento de serviços ou mudanças
doutrinárias e organizacionais afetas, particularmente, aos aspectos da estratégia,
da arte operacional, da tática e da logística militar.
Desse modo, a abordagem de análise da inovação ocorrida no setor de
serviços, desenvolvida por autores como Barras (1986 e 1990), Hauknes (1996),
Marklund (1998), Bilderbeek et al. (1998), Gallouj (2002), Cassiolato e Lastres
(2005), Vargas (2006) e outros, são referências importantes para a análise das
inovações militares não-tecnológicas, ocorridas ao longo do processo de
transformação do Exército.
Para o processo de gestão da inovação, a base conceitual do trabalho está na
obra de Tidd, Bessant e Pavitt (2008), sob título “Gestão da Inovação”, que oferece
um compêndio bastante amplo sobre os aspectos gerenciais da inovação. Quanto
aos aspectos gerais da inovação de natureza militar presente num processo de
Transformação Militar, a fundamentação está nos trabalhos de Dombrowski e Gholz
(2006), particularmente o livro Buying Military Transformation, no qual os autores
buscam estabelecer um novo parâmetro teórico no campo das inovações militares, a
partir de suas observações das Forças Armadas americanas.
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No entanto, a classificação mais usual e utilizada para as inovações é a
empregada pelo Manual de Oslo (OCDE, 2005), que as classifica nos seguintes
tipos:
- (1) Inovação de Produto – quando há um novo produto ou o produto é
significativamente melhorado em suas características técnicas ou de uso;
- (2) Inovação de Processo – quando os métodos de produção ou de
distribuição são significativamente melhorados;
- (3) Inovação de Marketing – quando há um novo método de marketing que
gera mudanças significativas na concepção do produto, em seu posicionamento no
mercado, na promoção ou na formação do preço; e
- (4) Inovação Organizacional – quando a inovação envolve novos negócios
à organização ou a implementação de um novo método organizacional nas práticas
de negócios da empresa, na organização local de trabalho ou nas relações externas.
Além destas, podem ser acrescentados, ainda, outros dois tipos, segundo
Tidd, Bessant e Pavitt (2005):
- (5) Inovação de Posição – quando ocorrem mudanças no contexto em que
os produtos (bens e serviços) são introduzidos no mercado; e
- (6) Inovação de Paradigma – quando ocorrem mudanças nos modelos
mentais subjacentes que orientam o que a organização faz.
20
Mecanismos regulares de
Mercados administrados
mercado
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Enfim, a Abordagem Integradora de Gallouj (2002) possibilita a interpretação
da inovação segundo um conceito mais amplo, tipicamente schumpeteriano. Pela
Abordagem Integradora, a análise do processo de inovação seguiria, portanto, uma
“lógica pendular”, podendo ser utilizada a Abordagem Tecnicista, a Abordagem
Baseada em Serviços ou a própria a Abordagem Integradora, conforme seja o tipo
de inovação desenvolvido e o modelo mais adequado para cada caso.
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Nesse grupo estão: Alencar (1996)10; Gardner (1995 e 1996); Land e Jarman
(1992) e May (1982).
- (3) a última é baseada em processos e procedimentos, uma vez que se
conceitua criatividade e inovação como algo tácito, possível de ser aprendido e
ensinado por meio de processos favoráveis ao desenvolvimento da criatividade para
a inovação.
Nesse grupo, têm-se: Kelley (2002), Ayan (2001), Clegg e Birch (2000),
Predebon (2003) e Drucker (2002)11.
De todo modo, a nível organizacional, quaisquer que sejam as “origens
teóricas” do estudo da criatividade e da inovação, o que de fato importa é se
identificar os meios mais eficazes de incentivar a criatividade promotora de
inovações (KAO, 1997).
Nesse contexto, surgiu a gestão de pessoas como um imperativo estratégico.
As pessoas passaram a ser vistas como seres criativos e proativos, capazes de
desenvolver responsabilidades e iniciativas. Enfim, a gestão de pessoas identifica
em cada indivíduo um ser possuidor de habilidades e conhecimentos específicos,
que ajudam a administrar os demais recursos organizacionais (RODRIGUES e
SILVA, 1998).
Para isso, as pessoas precisam estar motivadas, integradas e serem leais à
organização a que pertencem, uma vez que o elemento humano é o agente
essencial do processo de inovação e da transformação organizacional e
(RODRIGUES e SILVA, 1998). Com base nestas concepções, as organizações
passaram a introduzir programas de desenvolvimento da criatividade, utilizando
instrumentos gerenciais focados motivar e em extrair e melhor aproveitar as ideias e
capacidades de todos os integrantes da organização, de forma individual ou em
grupo. Alguns exemplos: empowerment, benchmarking, brainstorming, downsizing,
endomarketing, housekeeping, mentoring, reengenharia, workshop e equipes
autogeridas.
Estas ferramentas de gestão são empregadas com a finalidade de estimular a
criatividade a ser aplicada em prol da inovação, eliminando atitudes gerenciais de
bloqueio à criatividade. Desse modo, podem ser citadas algumas medidas como
favoráveis ao desenvolvimento da criatividade visando à inovação na organização
(FÁTIMA-BRUNO, 1996; ALENCAR, 1996; KAO, 1997; RODRIGUES e SILVA,
1998):
- (1) abertura dos canais de comunicação interna e externamente;
- (2) adoção de sistemas de sugestões e emprego de técnicas grupais;
- (3) maior utilização de equipes;
10A criatividade é considerada inerente ao indivíduo, de modo que suas habilidades criativas são
passíveis de estímulo e desenvolvimento mediante treinamento. Desse modo, é possível às
organizações desenvolverem um ambiente favorável à criatividade (ALENCAR, 1996).
11 Peter Drucker, em “Inovação e espírito empreendedor” (2002), apresenta uma visão sobre
processos existentes em diversas empresas que, por meio da experiência e observação de casos
reais, podem ser desenvolvidos e constantemente melhorados para se obter o máximo do que chama
de “fontes de oportunidades inovadoras”. A inovação é o instrumento específico dos
empreendedores, o meio pelo qual eles exploram a mudança como uma oportunidade para um
negócio diferente ou um serviço diferente. Ela pode ser apresentada como disciplina, ser apreendida
e ser praticada (DRUCKER, 2002, p.25).
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- (4) aceitação de erros;
- (5) estabelecimento de normas para assumir riscos;
- (6) doção de cultura organizacional mais descontraída, menos rígida e com
liberdade para a discussão de ideias;
- (7) atribuições de responsabilidades periféricas; e
- (8) criação de sistemas de recompensas e/ou remuneração diferenciados,
objetivando estimular a inovação continua e permanente.
Por fim, verifica-se que criatividade deve ser direcionada para a solução de
problemas organizacionais, uma vez que a educação para o pensamento criativo é
primeiro e um passo essencial para a melhoria do nível de inovação organizacional
(PLSEK, 1997).
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Já as forças internas são compostas pela administração e estratégia da
organização, pelo setor de inovação e pelos recursos humanos. Ressalta-se que o
setor de inovação é representado pela existência de um departamento ou órgão de
P&D, no caso da indústria, e por uma seção de coleta e pesquisa de ideias, no caso
do setor de serviços12 (SUNDBO e GALLOUJ, 1998).
É possível estabelecer um paralelo entre esta abordagem de Sundbo e
Gallouj (1998) com o conceito de Open Innovation, desenvolvido por Chesbrough
(2006), segundo o qual a inovação é buscada pela organização por caminhos
internos e externos, visando ao desenvolvimento de novos produtos. Assim, no
mundo globalizado atual, onde as informações são bastante disseminadas, as
organizações podem comprar patentes ou licenças de inovações de outras
organizações e, da mesma forma, “externalizar” as suas próprias ideias e inovações
por meio da venda de patentes, franquias e direitos de propriedade intelectual
(CHESBROUGH, 2006).
Seguindo esta concepção abrangente sobre o fenômeno da inovação,
verifica-se que a inovação organizacional não depende tão somente de grandes
estruturas e laboratórios de P&D, que são mais comuns em inovações tecnológicas
incrementais (TIDD, BESSANT e PAVITT 2005). De fato, importantes inovações
podem ser alcançadas por meio da geração e seleção de ideias originais, obtidas
em fontes variadas, tais como na demanda dos usuários finais, pela prática de
benchmarking junto a competidores e a outras organizações, pela visão estratégica
da alta administração ou por meio da resolução de problemas e necessidades
internas (TIDD, BESSANT e PAVITT 2005). Além disso, muitas organizações têm
sabido utilizar muito adequadamente a internet como ferramenta útil ao processo de
busca e disseminação de ideias com potencial de se tornarem inovações
(VASCONCELLOS e MARX, 2011). Desse modo, a estruturação de um processo
eficiente de captação, seleção e difusão de ideias é um passo fundamental para o
desenvolvimento de inovações de toda ordem no âmbito de uma organização
(VASCONCELLOS e MARX, 2011).
Nas seções precedentes deste capítulo, verificou-se que a tecnologia sempre
desempenha um papel importante no desenvolvimento das inovações, no entanto,
foi observado também que as inovações vão muito além da componente tecnológica
ou da mera introdução de bens manufaturados ou, ainda, da pura conquista de
mercados. A inovação está intimamente ligada à capacidade de uma organização
gerar vantagens estratégicas a partir da mobilização de conhecimentos e de
tecnologias e, desse modo, transformar ideias originais em bens e serviços mais
eficientes.
Tidd, Bessant e Pavitt (2005) destacam que, na atualidade, o fator tempo
desempenha um papel muito importante nas relações competitivas [tanto no âmbito
do ambiente de mercado quanto no espaço de batalha, conforme apontado por
Toffler e Toffler (1995)]. Assim, “competir contra o tempo” é uma das condicionantes
de maior relevância na gestão contemporânea da inovação organizacional, o que
inclui a gestão das inovações de caráter militar – sejam elas tecnológicas ou
12
No caso das instituições militares, esta seção de coleta e pesquisa de ideias pode ser representada
por uma seção de doutrina e lições aprendidas, que vem sendo criada no âmbito das organizações
militares do Exército Brasileiro e já existe, há certo tempo, no Exército dos Estados Unidos da
América (EUA).
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doutrinárias. A gestão da inovação numa organização tem por objetivo
prioritariamente a aquisição de vantagens estratégicas em relação aos competidores
e adversários.
O Quadro 3, a seguir, mostra alguns exemplos de vantagens estratégicas que
podem ser obtidas por meio de inovações, bem como os mecanismos diferenciais de
competição geradores das vantagens.
Recombinar os elementos já
conhecidos gerando um Melhoria e reconfiguração do
Inovação Incremental
sistema integrado mais produto
eficiente
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Fazer algo a um preço ou
com a qualidade ou com um Inovação de Posição, de Alteração das bases de
diferencial que ninguém mais Marketing ou de Paradigma concorrência
consegue
Fonte: Adaptado pelo autor com base na Tabela 1.1 de Tidd, Bessant e Pavitt
(2005) (p. 28-29).
Em síntese, a inovação, seja tecnológica seja não-tecnológica, decorre do
conhecimento e das capacidades organizacionais em gerar soluções aos problemas
organizacionais. Dessa forma, a gestão da inovação compreende a aptidão que uma
organização dispõe para gerenciar, de forma efetiva, as incertezas inerentes ao
processo de transformação de conhecimentos e aplicar outros recursos disponíveis
de modo a desenvolver produtos de maior qualidade e mais competitivos. Assim, o
grande desafio da gestão da inovação organizacional assenta-se justamente em sua
competência em gerenciar as incertezas surgidas e conseguir agir, em meio às
mudanças, com a devida agilidade, flexibilidade, ausência de preconceitos e
capacidade de aprender e renovar os velhos conceitos (TIDD, BESSANT e PAVITT,
2005).
Segundo Christensen (2003), “o dilema do inovador” reside na dificuldade que
possuem as organizações, particularmente as já estabelecidas, em administrar
simultaneamente os aspectos estáveis e os fatores de descontinuidade e ruptura do
ambiente em que atuam. Naturalmente mesmo quando predominam os aspectos
estáveis do ambiente há necessidade do desenvolvimento de inovação por parte das
organizações. No entanto, as inovações demandas nesta situação são de tipos e por
meio de processos muito diferentes das inovações demandadas quando os fatores
de descontinuidade e ruptura se sobressaem (CHRISTENSEN, 2003).
O Quadro 4, a seguir, apresenta alguns exemplos de fontes de
descontinuidade e ruptura do ambiente da inovação organizacional e os respectivos
problemas ocasionados.
Fontes de Descontinuidade e
Explicação/Exemplo Problema
Ruptura
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Mudança das condições
políticas que definem as regras Dificuldade de a organização
Surgimento de novas regras sociais e econômicas. Ex. compreender ou adaptar as
políticas Ascensão política de um partido novas regras sociais e
com ideologia muito diferente econômicas emanadas.
dos partidos precedentes.
Dificuldade das empresas e
indústrias de defesa se
Situação da indústria brasileira
adaptarem às novas
de defesa nos anos 1980,
condicionantes e
Situação sem perspectivas quando perdeu competitividade
desenvolveram mudanças e
internacional e apoio do
inovações capazes de gerar
Governo.
estratégias competitivas de
mercado.
Dificuldade das empresas e
Mudança do mercado de
indústrias de defesa se
defesa e dos produtos do setor
adaptarem às novas
Mudança do comportamento pelo desenvolvimento e
condicionantes do mercado e
do mercado introdução das Tecnologias da
desenvolveram mudanças e
Informação e do Conhecimento
inovações capazes de gerar
(TIC).
estratégias competitivas.
Mudanças nas estruturas Incapacidade do gestor da
reguladoras e do conjunto de inovação organizacional
Mudança nos regimes regras do ambiente. Ex. Sanção identificar as ameaças ou
regulatórios da Lei da Inovação, Regime perceber as oportunidades
Especial Tributário para a decorrentes das novas regras
Indústria de Defesa (RETID). do jogo.
Mudança repentina do sistema
O gestor é pego de surpresa
por pressão de alguns grupos,
com a mudança repentina do
em decorrência de motivos
“Linhas Falhas” sistema e sua organização fica
antigos. Ex. Comissão da
prejudicada em razão das
Verdade e Plano Nacional de
novas regras estabelecidas.
Direitos Humanos-3.
Da mesma forma, o gestor é
Acontecimentos improváveis pego de surpresa com o evento
ocorrem e mudam toda a imprevisto e com a mudança da
Eventos imprevistos situação. Ex. Ataques situação provocada e, assim, a
Terroristas de 11 de Setembro organização fica prejudicada em
de 2001. razão do despreparo perante o
novo contexto.
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Fonte: Adaptado pelo autor com base na Tabela 1.4 de Tidd, Bessant e Pavitt
(2005) (p. 53-56).
14 Eric von Hippel (1988) demonstrou que quanto mais cedo houver envolvimento dos usuários
finais no processo de inovação melhor para a qualidade e para aceitação do produto.
31
conceito de rotinas15, desenvolvido por Nelson e Winter (2005). Segundo estes
autores, as habilidades e rotinas das organizações são os fatores mais importantes
para as capacidades de inovação inerentes a uma organização.
Sem rotinas bem estabelecidas, as respostas das organizações se tornam
inadequadas às demandas do ambiente, considerando a racionalidade limitada e os
problemas de restrição de informações existentes tanto para os indivíduos quanto
para as organizações. “Uma organização sem uma rotina viável é uma organização
sem trégua viável em um conflito intra-organização” (NELSON e WINTER, 2005).
Nelson e Winter (2005) classificam as rotinas em 03 (três) categorias:
- (1) as rotinas que governam o comportamento de curto prazo – podem ser
chamadas de características operacionais;
- (2) as rotinas que determinam o aumento ou a diminuição do estoque de
capital – ou seja, as regras previsíveis para a realização de investimentos reais; e
- (3) as rotinas que funcionam para modificar as características operacionais
ao longo do tempo – por exemplo, análise de mercado, pesquisa e desenvolvimento.
Não há dúvida de que o estabelecimento de rotinas de gestão da inovação
que sejam realmente eficazes exige planejamento, tempo e aprendizado próprio. As
organizações as estabelecem ao longo do tempo e de um processo continuado de
erros e acertos, desenvolvido a partir da implementação de seus projetos de
inovação, ou seja, por meio de um processo de learning-by-doing, “aprender
fazendo”. Portanto, deve ser destacado que uma gestão da inovação efetiva decorre
da concepção e do incremento de rotinas eficazes na proliferação de inovações que
resultem em produtos mais eficientes (TIDD, BESSANT e PAVITT, 2005).
Segundo Tidd, Bessant e Pavitt (2005), mecanismos eficazes de gestão da
inovação demandam um conjunto de rotinas bem integradas. Não basta a uma
organização possuir habilidades altamente eficientes em pesquisa e
desenvolvimento (P&D) e lhe faltar capacidade de relacionar isso com o mercado ou
com os usuários finais do produto. Assim, devem ser estabelecidas rotinas de
aproximação e de medição de satisfação dos usuários e clientes finais do produto da
inovação, bem como rotinas que permitam à organização aprender com os erros e
com os acertos, de modo a aprimorar os conhecimentos já dominados e adquirir
novos conhecimentos com oportunidade de tempo (TIDD, BESSANT e PAVITT,
2005).
Além disso, verifica-se que diversos fatores afetam o processo de gestão da
inovação organizacional, resultando de forma decisiva para que cada organização
tenha seu próprio método de gestão, o que dificulta muitíssimo o estabelecimento de
receitas de sucesso para se gerenciar a inovação. São exemplos que podem ser
citados como fatores que afetam o processo de gestão da inovação (TIDD,
BESSANT e PAVITT (2005):
- (1) setor de atuação da organização;
- (2) tamanho e capacidades da organização;
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Por outro lado, contrariando a regra das facilidades de inovação pertencentes
aos monopólios e às grandes organizações, verifica-se que quando se há uma
concentração de mercado tão rígida e tão expressiva a ponto de reduzir o papel da
concorrência certamente ocorrerão desestímulos às organizações em inovar. Além
disso, a literatura descreve um número considerável de inovações radicais que
surgiram a partir de organizações pequenas, com pequena capacidade de P&D,
contrariando o argumento do poder de inovação das grandes empresas
(CHRISTENSEN, 2003).
No Setor de Defesa, considerando os aspectos de tamanho da organização e
da concentração do mercado, deve ser destacado que o poder de compra que as
Forças Armadas possuem exerce importante papel para assegurar o interesse e a
lucratividade das empresas privadas envolvidas na produção de materiais bélicos.
Num segundo momento, estas empresas buscam, naturalmente, estabelecer um
mercado consumidor externo, a fim de sustentar a viabilidade econômica de seu
negócio.
Quanto aos fatores do ciclo de vida, grau de novidade da inovação e ação de
agentes reguladores externos à organização, deve-se retornar à argumentação de
Schumpeter (1978 e 1984), uma vez que as vantagens da organização inovadora
tendem a desaparecer com o tempo, tanto pela aparição de imitações quanto pelo
surgimento de inovações melhores ou, mesmo, em decorrência de alternativas
proporcionadas pelas emulações17 ou, ainda, pela ação de agências reguladoras
governamentais, que interferem no funcionamento do mercado, a fim de promover
um tipo de desenvolvimento que atenda ao interesse político dominante. Portanto,
os fatores do ciclo de vida do produto, do grau de novidade da inovação e a ação de
agentes reguladores externos à organização exercem influência direta também
muito importante ao processo de gestão da inovação.
Enfim, relativamente à gestão da inovação, pode ser acrescentado que
enquanto algumas organizações estabelecem estratégias que visam à liderança no
processo de inovação, outras procuram acompanhar o sucesso das líderes por meio
de estratégias de cópia ou imitação. Assim, as escolhas da gestão da inovação não
são fáceis, porque as organizações não sabem ex ante se vale mais a pena ser a
organização inovadora ou uma “rápida segundo lugar” (imitadora), que, como free
rider18, possa aproveitar a inovação sem ter que arcar com os elevados custos de
investimentos em P&D. Tanto na estratégia de “inovar” quanto na de “imitar” sempre
será exigida uma gestão efetiva do processo de inovação, com capacidade eficaz de
mobilizar conhecimentos, tecnologias e recursos variados e transformá-los com
eficiência em produtos de qualidade (NELSON e WINTER, 2005; DOSI, 2006).
17 Emulações – processo por meio do qual uma organização concorrente descobre meios
alternativos para obter determinado bem ou serviço com as mesmas funcionalidades do produto
concorrente, sem que haja necessidade de recorrer à imitação (TEECE, 2005).
18 Free Rider – aquele que se beneficia de alguma coisa sem realizer esforço ou custo.
34
adaptações necessárias para a análise delimitada do amplo tema da Transformação
Militar no Exército Brasileiro.
Entretanto, tanto a respeito da Transformação Militar em geral quanto da
Revolução em Assuntos Militares as concepções pontuais de diversos autores
ajudam a formar o corpo teórico a respeito do assunto: Fitzgerald (1987 e 2001);
Ogarkov (1984) apud Watts (2011); Dvir et al. (1988); Todd (1988) e Ratner e
Thomas (1990) apud Sandler e Hartley (1995); Ricks (1994) apud Ripley e Lindsay
(1997); Alvin e Heidi Toffler (1995); Murray e Millet (1996); Hundley (1999); Garstka
(2003), Knox e Murray (2003); Krepinevich (2006); Vicente (2007); Lemos (2010) e
Rifkin (2012).
Quanto ao mercado de defesa, os trabalhos de Marshall (1971); Alfredsson e
Hildingso (2003); Dagnino e Campos Filho (2007); Amarante (2009); Dagnino (2010)
e Felbinger e Reppy (2011) servem de parâmetro para entendimento do
funcionamento do referido mercado. A fim de verificar o Pós-Modernismo Militar,
fenômeno que vem influenciando o processo de Transformação Militar em diversos
países, serão utilizadas como referencial teórico básico as concepções de Côrtes
(2000) e Hall (2000). Também as concepções de algumas agências e órgãos
especializados em defesa, inovação, C&T, economia foram consideradas: a Agência
Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), a Financiadora de Estudos e
Projetos (FINEP), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Stockholm
International Peace Research Institute (SIPRI), além de outras.
35
Todavia, não há um consenso acadêmico a respeito das RAM já ocorridas.
Knox e Murray (2003), por exemplo, argumentam que na História ocorreram 05
(cinco) Revolução em Assuntos Militares:
- (1) o Sistema de Estado do século XVII;
- (2) a Revolução Francesa;
- (3) a Revolução Industrial;
- (4) a 1ª Guerra Mundial; e
- (5) a Era Nuclear.
Em outra linha, Krepinevich (2006) defende que, desde a criação da cavalaria
até o uso do computador, sucederam 10 (dez) Revoluções em Assuntos Militares. Já
Alvin e Heidi Toffler (1995) sustentam que uma verdadeira RAM implica na mudança
no modo de fazer a guerra (regras, armas, equipamentos, organização, doutrina,
etc), pelo confronto entre estágios diferentes de evolução civilizacional. Desse modo,
estes autores afirmam que ocorreram somente 03 (três) RAM, correspondentes aos
03 (três) estágios civilizacionais da História:
- (1) a RAM decorrente da emergência da civilização agrária;
- (2) a RAM decorrente da emergência da civilização industrial; e
- (3) a RAM decorrente da emergência da civilização informacional.
De todo modo, é desejável se buscar um melhor entendimento a respeito das
diferenças sutis existentes entre os dois termos – “Revolução em Assuntos Militares”
e “Transformação Militar”. A terminologia “Revolução em Assuntos Militares” deriva
de uma concepção bastante tecnicista de Revolução Técnico-Militar, empregada
pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), na década de 1980, cujo
foco orbitava no aspecto tecnológico da mudança (FITZGERALD, 1987 e 2001;
OGARKOV, 1984 apud WATTS, 2011 e RICKS, 1994 apud RIPLEY e LINDSAY,
1997).
Em 1984, o pensador e chefe militar soviético Marshal Nikolai V. Ogarkov
desenvolveu a ideia de que as tecnologias não nucleares foram as responsáveis
pela eclosão de uma revolução técnico-militar nos diversos assuntos que compõem
a temática militar e da guerra. A partir daí o termo ganhou novos contornos, mas
permaneceu sempre associado de alguma forma ao aspecto central da tecnologia
(FITZGERALD, 1987 e 2001; OGARKOV, 1984 apud WATTS, 2011 e RICKS, 1994
apud RIPLEY e LINDSAY, 1997).
No entendimento dos dias de hoje, “Revolução em Assuntos Militares” –
Revolution in Military Affairs – segundo Hundley (1999), envolve uma mudança de
paradigmas de guerra, por meio da criação de uma (ou mais) nova(s)
competência(s) central(is) em uma nova dimensão do espaço de batalha ou, ainda,
quando a mudança de paradigma torna obsoleta ou irrelevante uma (ou mais)
competência(s) central(is) de um ator dominante. A lógica de uma RAM é que esta
representa, no ambiente da guerra e do emprego militar, a combinação de um
conjunto de inovações19, tecnológicas e não-tecnológicas, as quais têm a
capacidade de romper com os padrões até então vigentes.
36
Já o termo “Transformação Militar” surgiu nos Estados Unidos da América
(EUA), em 2001, durante a Administração George W. Bush, em referência ao
processo de transformação implementado nas Forças Armadas americanas sob
iniciativa do então Secretário de Defesa Donald Rumsfeld. Atualmente, o termo
“Transformação Militar” (TRAM) (ou Transformação da Defesa) tem sido utilizado por
diversos países para designar o processo multidimensional de modernização e de
modificação de suas Forças Armadas, a fim de torná-las capacitadas a enfrentar a
natureza dos conflitos atuais e futuros, bem como adaptá-las ao amplo espectro de
desafios de segurança e às novas ameaças20, ambo surgidos com o alvorecer do
século XXI.
A RAM representa uma nova realidade do ambiente produtivo, social e
econômico relacionado à guerra e ao emprego do Poder Militar. Se por um lado, a
RAM emerge, de forma mais ou menos involuntária (ou pouco controlada), após a
maturação dos vários estágios que envolvem o processo de mudança dos
paradigmas de guerra; por outro lado, a TRAM refere-se a um procedimento
voluntário, adotado a partir de uma decisão tomada nas esferas política e
estratégico-militar dos órgãos de Estado, com vistas a promover uma mudança
organizacional, doutrinária e material das forças militares.
“Poderemos distinguir de forma tênue, que enquanto a RAM envolve
mudança de paradigmas, que promovem novas visões, ideias e processos,
a Transformação Militar [TRAM] centra-se na implementação dessas
ideias [no âmbito das forças militares]. Ou seja, [a TRAM] traduz os
conceitos em capacidades, configurando uma inovação em grande escala.
[Desse modo], é possível inferir que o sucesso da transformação implica
que as organizações militares fomentem a inovação como competência
basilar” (VICENTE, 2007, pg 6). [grifo deste autor]
20 Dentre esses novos desafios inserem-se encargos antes avocados exclusivamente a outros
órgãos do Poder Público, particularmente os Órgãos de Segurança Pública (OSP). Estes novos
encargos inserem-se num contexto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e de missões
subsidiárias, e têm sido atribuídos de forma crescente às Forças Armadas, particularmente nos
países sem uma tradição cultural de Defesa Externa mais arraigada no âmbito da sociedade nacional
ou que possuam órgãos públicos relativamente incapazes de oferecer uma resposta efetiva,
particularmente, às questões de Segurança Pública, de Defesa Civil, de Segurança Sanitária e de
Fiscalização Ambiental (CÔRTES, 2000).
37
estão focadas na última guerra e, portanto, têm problemas substanciais com
o próximo conflito.” (MURRAY e MILLET, 1996). [tradução livre deste autor]
Século
Decadência do Feudalismo – Surgimento de Reinos
XIII
Nova capacidade
Século Arco Longo Novo modelo tático
(atingir o inimigo à
XIV (Inovação de Produto) de guerra terrestre
distância)
Nova capacidade
Arma de Fogo e Pólvora Novo modelo tático (manobrar tropas por
(Inovação de Produtos) de guerra terrestre meio de fogo e
Guerras de movimento)
Século
Reis
XV Aumento da
Caravelas Nova técnica de capacidade de
(Inovação de Produto) construção naval projetar poder além-
mar
Maior capacidade de
Exército Nacional mobilização nacional
Novo conceito
(Inovação Estratégica e (pessoal, material e
ideológico e social
Organizacional) econômico) para a
Século guerra
XVIII
Guerras de Arte (Manobra) Novo modelo de Nova capacidade de
Nações Operacional planejamento planejamento
(Inovação Doutrinária) operacional operacional
38
1ª Revolução Industrial – Avanço do Cientificismo
Melhoria da
Século Ferrovia
Guerras de Novo método de capacidade logística e
XIX (Inovação de Produto e
Nações transporte de transporte de
Processo - Logístico)
tropas e materiais
Nova capacidade
Barco e Máquina a Vapor
Novos métodos de logística e de
(Inovação de Produtos e
transporte transporte de tropas e
Processos - Logísticos)
materiais
Telégrafo Aumento da
Século Guerras de Novo processo de
(Inovação de Produto e capacidade de
XIX Nações comunicação
Processo) comando e controle
Aumento da
Motor de Combustão
Motorização e capacidade logística e
(Inovação de Produto e de
mecanização de transporte de
Processo)
tropas e materiais
Aumento da
Linha de Produção
capacidade de
Fordista Produção em massa
produção, mobilização
(Inovação de Processo)
e logística
Blitzkrieg e Combinação de
Novo modelo Obsolescência da
Armas
operacional e tático defesa estática de
(Inovação Doutrinária e
de guerra terrestre posições preparadas
Organizacional)
Novo modelo
Porta-Aviões Obsolescência do
estratégico,
(Inovação de Produto, fogo naval de frotas
operacional e tático
Doutrinária e Organizacional) encouraçadas
Século Guerras de de guerra naval
XX Blocos
Bombardeio Aéreo- Novo modelo
Ideológicos Nova capacidade de
estratégica estratégico,
uso e negação do uso
(Inovação Doutrinária e operacional e tático
do espaço aéreo
Organizacional) de guerra aérea
Novo modelo
Guerra de Submarino estratégico, Nova capacidade de
(Inovação Doutrinária e operacional e tático negação do uso do
Organizacional) de guerra mar
subaquática
Nova capacidade
Mísseis Balísticos com
Nova dimensão da (lançamento de
Ogiva Nuclear
guerra mísseis nucleares
(Inovação de Produto)
intercontinentais)
Robótica, Inteligência
Em andamento Ainda não definida
Artificial
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Murray e Millet (1996) e Hundley (1999) (com adaptações).
40
Esse fenômeno parece ser característica de períodos mais recentes da
revolução militar, onde a mudança tecnológica vem se ampliando e acelerando, o
que oferece um potencial rico de possibilidades de inovações militares. Além disso,
o custo de competir impõe fortes limitações a uma organização militar em prosseguir
numa outra trajetória tecnológica e doutrinária, implicando na necessidade de serem
feitas escolhas.
- 4ª) Em quarto lugar, o registro histórico sugere que a guerra e a RAM são
entidades completamente separadas. Desse modo, a ocorrência de uma guerra nem
sempre confirma que as organizações militares tenham aproveitado adequadamente
as oportunidades advindas de uma RAM (KREPINEVICH, 2006).
- 5ª) Em quinto lugar, embora a maioria dos militares sejam rápidos em
reconhecer as vantagens de um concorrente, não há certezas. Nem mesmo a guerra
irá garantir que todas as organizações militares irão reconhecer e explorar uma
revolução militar ou compreender uma revolução em todas as suas dimensões
(KREPINEVICH, 2006).
Por exemplo, na Guerra Civil Americana, os dois lados foram relativamente
rápidos na exploração dos ganhos em mobilidade estratégica, comando e controle e
comunicações, possibilitadas pela ferrovia e pelo telégrafo. Entretanto, muitos anos
se passaram até que ambos os lados percebessem a importância do aparecimento e
uso em grande escala de armas e mosquetes para transformar as táticas clássicas
de Infantaria no campo de batalha (KREPINEVICH, 2006).
- 6ª) A sexta lição é que as tecnologias que subscrevem uma revolução militar
muitas vezes são originalmente desenvolvidas fora do setor militar, e, em seguida,
"importadas" e exploradas por suas aplicações militares (KREPINEVICH, 2006).
No início do século XIV a Revolução da Artilharia foi impulsionada pela
descoberta de que o método a ser utilizado para lançar os sinos da igreja também
poderia ser usado para a fundição de Artilharia. Da mesma forma, o
desenvolvimento da ferrovia e do telégrafo são outros exemplos óbvios
(KREPINEVICH, 2006).
Em certo sentido, as revoluções tecnológicas em geral podem oferecer
grandes oportunidades, tornando possível transformar os avanços intelectuais e as
inovações tecnológicas e organizacionais em recursos materiais militares e vice-
versa.
- 7ª) A sétima e última lição é que uma revolução militar não implica
inevitavelmente em um salto quântico no custo de manutenção de forças militares.
Para dar um exemplo, a Revolução de Infantaria do século XIV, que substituiu a
cavalaria pesada com arqueiros de infantaria e lanceiros, realmente baixou o custo
de manutenção das forças militares. Além disso, a Revolução Nuclear tem sido
relativamente barata, apesar dos custos políticos (KREPINEVICH, 2006).
Destaca-se que a ideia de revolução contida no termo RAM pode induzir a um
erro de julgamento quanto à duração do processo de mudança, uma vez que uma
RAM pode levar décadas para estar completamente maturada (VICENTE, 2007).
Por este motivo, Murray e Millet (1996) enfatiza o caráter evolucionário da
RAM, na qual a tecnologia é apenas um facilitador do processo de inovação militar,
que se completa por meio da integração imprescindível entre tecnologia, doutrina,
organização e cultura organizacional. Outra ideia conceitual importante sobre RAM é
encontrada novamente em Krepinevich (2006), que a define como o produto da
combinação de 03 (três) fatores:
41
- (1) concepções operacionais inovadoras (inovação doutrinária);
- (2) adaptação organizacional (inovação organizacional); e
- (3) aplicação de novas tecnologias em um número significativo de sistemas
militares (inovação de produtos).
Entretanto, a RAM só concorre se esta combinação resultar num caminho que
altere fundamentalmente as características e condutas dos conflitos (KREPINEVICH,
2006).
Com base na observação e análise histórica, Hundley (1999) argumenta, de
forma muito aproximada com a concepção de Krepinevich (2006), que uma RAM
resulta da combinação de múltiplas inovações, as quais podem ser sintetizadas em:
- (1) novas tecnologias, que geram novos dispositivos e sistemas de armas e
equipamentos (Inovação de Produtos);
- (2) novos conceitos operacionais e doutrinários, os quais estabelecem e
codificam novas maneiras de empregar os sistemas de armas e equipamentos,
resultando em tarefas mais bem executadas ou na criação de novas capacidades
para a realização de novas tarefas (Inovação Doutrinária21); e
- (3) novas estruturas e modo de organização das forças militares, o que
representa a reestruturação das forças militares a fim de atender às novas
tecnologias anteriormente absorvidas ou visando a atender aos novos conceitos
operacionais e doutrinários desenvolvidos previamente (Inovação Organizacional).
Há certa tendência de se falar em “A RAM”, entretanto, parece mais
conveniente ser referir a “Uma RAM” potencial ou emergente, focando na mudança
de paradigma que ocorrerá nas décadas futuras, uma vez que as inovações
tecnológicas e conceituais podem seguir caminhos imprevistos até impulsionar a
dinâmica da guerra e do emprego das forças militares (OGARKOV, 1984 apud
WATTS, 2011; HUNDLEY, 1999).
De fato, diversos exemplos históricos evidenciam a ocorrência de diversas
RAM precedentes, derivadas de inovações doutrinárias (novos conceitos
estratégicos, operacionais e/ou táticos), inovações de produtos (novos sistemas de
armas e equipamentos) ou de inovações organizacionais (nova estruturação das
forças militares). Também pela observação histórica, Hundley (1999) apresenta
algumas características gerais que marcaram as RAM precedentes, induzindo a
ilação de que estas características estão presentes em quase todas as RAM já
ocorridas e, portanto, deverão acompanhar as RAM futuras:
- (1) As RAM raramente são exploradas por um ator dominante;
- (2) Uma RAM normalmente confere uma grande vantagem militar a quem a
explorar primeiro em combate;
- (3) As RAM frequentemente são adotadas por atores diferentes daqueles os
quais desenvolveram a nova tecnologia ou o novo conceito;
21 No entendimento deste autor, os novos conceitos operacionais e doutrinários que emergem de uma
RAM não caracterizam uma Inovação Doutrinária, tendo em vista o caráter relativamente involuntário
(ou pouco controlado) das RAM, devendo, portanto, estes novos conceitos serem considerados tão
somente como Inovações de Processo ou Organizacionais. Subtende-se que uma Inovação
Doutrinária resulta de algum processo de transformação das forças militares, devidamente efetivado e
conduzido pelos órgãos responsáveis. De todo modo, parece razoável que a emergência destes
novos conceitos operacionais e “doutrinários”, que resultam em uma RAM, geram efeitos de
transformação doutrinária sobre as forças militares.
42
- (4) Uma RAM pode ser promovida e impulsionada por uma inovação não-
tecnológica;
- (5) Uma RAM normalmente é impulsionada pela combinação de várias
tecnologias e não por uma única tecnologia específica;
- (6) Nem todas as RAM envolvem o desenvolvimento de sistema de armas.
Outros fatores, excetuando-se as armas, podem ser tão impactantes em termos de
vantagens militares do que uma nova arma em si.
- (7) O sucesso de uma RAM envolve a conjugação de 03 (três) componentes
fundamentais – a tecnologia, a doutrina e a organização;
- (8) Uma RAM frequentemente demanda longo tempo para atingir sua
maturação plena;
- (9) Para que uma RAM tenha sucesso muitas outras faliram; e
- (10) O emprego militar de uma RAM frequentemente é controverso e
duvidoso até seu emprego em combate real.
Portanto, considerando todas estas características de uma RAM,
anteriormente apresentadas, verifica-se a existência de uma relação de dependência
entre a RAM e a Base Industrial de Defesa (BID), particularmente a BID nacional,
uma vez que esta exerce um papel importante como promotora da pesquisa e
desenvolvimento (P&D) das tecnologias de uso militar e produção dos sistemas de
armas e equipamentos.
44
BID tem influência direta sobre a capacidade de defesa de seus interesses e de
suas riquezas (SANDLER e HARTLEY, 1995, p. 185, e 2007).
O primeiro benefício para um país ao possuir uma BID forte é sua
independência no exercício da função Defesa Nacional, assegurando rápida
capacidade de mobilização e resposta. Isto porque uma indústria nacional de defesa
bem desenvolvida possibilita o reaparelhamento das forças militares com maior
rapidez. Desse modo, as políticas de desenvolvimento da BID devem estar
alinhadas com os objetivos estratégicos de defesa e com a política externa do país
(SANDLER e HARTLEY, 1995, p. 185, e 2007).
Portanto, na perspectiva do interesse político-estratégico, o apoio estatal às
indústrias de defesa é justificável, tendo em vista que uma BID desenvolvida
possibilita ao Estado o domínio de capacidades tecnológicas próprias, conferindo-lhe
um poder adicional de peso perante o sistema internacional. Além disso, os produtos
de defesa envolvem interesses complexos e divergentes entre os países, de modo
que sempre há muita atenção por parte de cada governo em relação às suas opções
relativas ao desenvolvimento, à aquisição e à autorização para a comercialização de
produtos estratégicos e de defesa (DAGNINO, 2010).
Do ponto de vista econômico, uma BID desenvolvida possibilita a geração de
externalidades econômicas (spillover) para os setores civis da economia. A ideia de
spillover está baseada na suposição de que a tecnologia desenvolvida para a
produção de defesa pode ter aplicações na produção civil ou, ainda, que os próprios
produtos desenvolvidos tenham emprego dual (militar e civil), otimizando
investimentos em P&D e custos de produção (DAGNINO, 2010). Entretanto,
pesquisas recentes mostram que as externalidades não são imediatas e podem,
inclusive, não ocorrer, ocasionando a necessidade de atuação prévia dos decisores
políticos e gestores da BID neste sentido (DAGNINO, 2010).
A BID traz, ainda, outros benefícios econômicos ao país, na forma de geração
de empregos, aumento do nível de qualificação da mão de obra e entrada de
divisas, favorecendo a balança de pagamentos (SANDLER e HARTLEY, 1995 e
2007). Todavia, a decisão de fortalecimento da BID depende muito menos dos
benefícios econômicos potenciais do que dos fatores políticos relacionados aos
aspectos de Segurança e Defesa Nacional, uma vez que investimentos de defesa
implica em trade-off ao se abrir mão de investimentos em outros setores,
particularmente naqueles de maior retorno social ou de maior interesse político-
eleitoral (DAGNINO e CAMPOS FILHO, 2007).
Este é um aspecto muito sensível nos países em desenvolvimento, o que
normalmente prejudica a decisão destes países em fortalecer sua BID,
particularmente, quando os riscos e as ameaças não são tão evidentes e incidentes
à sensação de segurança da nação perante a maioria de seu povo, como é o caso
do Brasil, que se constitui em exemplo notório desta correlação (DAGNINO e
CAMPOS FILHO, 2007).
Do ponto de vista tecnológico, em geral, a complexidade está sempre
presente nos produtos de defesa, que, via de regra, possuem alto conteúdo
tecnológico, atributo que potencializa os efeitos de transbordamento tecnológico
(spin-off) 22 para outros setores23 (CGEE, 2009). Além disso, os produtos de defesa
nasce a partir de um grupo de pesquisa de uma empresa, universidade ou centro de pesquisa público
ou privado, normalmente com o objetivo de explorar um novo produto ou serviço de alta tecnologia. É
comum que estas se estabeleçam em incubadoras de empresas ou áreas de concentração de
empresas de alta tecnologia (LEMOS, 2008). Vide Desenvolvimento de Spin-offs Acadêmicos: estudo
a partir do caso da UNICAMP – Luciano Maia Lemos
23 Dagnino (2010) cita os trabalhos de James (2000 e 2004) apud Dagnino (2010), segundo o qual
está ocorrendo uma inversão nas relações de P&D militar e civil nos sistema de inovação britânico e
norte-americano. Nestes países, observa-se o surgimento de um efeito de spin-in, ou seja, de
transbordamento tecnológico do setor civil para o setor militar. Esta nova dinâmica gera a
necessidade de inserção de ações de gestão para integração dos esforços de P&D e para a
descoberta de uso militar para as tecnologias civis.
24 Tecnologias de uso dual são aquelas desenvolvidas e aplicadas, simultaneamente, pelos setores
militar e civil do mercado. Desse modo, o aspecto dual da tecnologia pode ser visto como algo a ser
promovido e perseguido na pesquisa e no desenvolvimento das inovações, por atender a dois
aspectos importantes – permitir a manutenção de uma boa base tecnológica de defesa, ainda que de
forma restrita, por conta dos limitados orçamentos disponíveis, e melhorar a competitividade
econômica do país como um todo, por meio de uma alocação mais eficiente dos fundos de Pesquisa
e Desenvolvimento (P&D) (KULVE e SMIT, 2003).
46
- (4) métodos de marketing muito diferenciados entre os produtos de uso
militar e de uso civil;
- (5) falta de crédito para financiar a conversão; e
- (6) resistência das firmas da BID em implementarem conversões, uma vez
que este processo poderia exigir a adaptação de todo o plano de negócios e das
plantas produtivas.
Em consequência, a solução encontrada pelos governos e pelas firmas da
BID foi o desenvolvimento de tecnologias de uso previamente dual, a fim de otimizar
os custos e os investimentos. Esta alternativa tem sido favorecida pela incorporação
crescente de tecnologias digitais – tecnologias da informação e comunicação (TIC) –
nos equipamentos militares, uma vez que estas possuem grande vocação para o
uso dual (DVIR et al., 1988).
25No caso do Brasil, podem ser citadas extraordinárias contribuições da indústria bélica nacional
para a implantação da indústria aeronáutica, para o desenvolvimento do programa do álcool
automotivo e para a capacitação nacional no enriquecimento do urânio e para o domínio da
tecnologia nuclear (OLIVEIRA e MARTINS-MOTA, 2009).
47
- (3) produção sob licença – quando há reprodução de um equipamento
adquirido no exterior, mediante transferência de informações técnicas, mas são
respeitadas as regras de propriedade intelectual;
- (4) produção sob subcontrato – quando há “terceirização” do produtor
estrangeiro para firmas locais, sem um licenciamento, por meio de um acordo
comercial.
- (5) investimentos – quando há o compromisso do fornecedor estrangeiro
em investir no país ou realizar joint-venture (forma de parceria produtiva e/ou
comercial) com empresas locais; e
- (6) contrapartida – quando há acordos de compensação comercial na
forma de compromisso de compras futuras, de trocas simples de produtos ou de
compensação (pagamento com produtos derivados do produto originalmente
importado).
No entanto, há muitas críticas26 e riscos inseridos nos acordos de off-set, os
quais derivam de falhas de gestão relativos ao planejamento inadequado, à
incapacidade técnica da mão de obra e da BID local em receber a tecnologia vinda
do exterior e, ainda, devido a não previsão da possibilidade de transferência de
tecnologias muito primárias e do aumento dos preços por conta do off-set
(DAGNINO, 2010).
Os produtos de defesa não são “bens de prateleira” e, desse modo, qualquer
processo de aquisição ou de transferência tecnológica envolve etapas de elaboração
de projeto, desenvolvimento, produção e assistência técnica durante todo o ciclo de
vida do produto. Estas etapas apresentam níveis variados de risco e de potencial
competitivo e, portanto, exigem contratos diferenciados para cada fase. Além disso,
o ciclo de vida dos produtos de defesa normalmente é longo, o que aumenta ainda
mais o risco e a imprevisibilidade do processo (SANDLER e HARTLEY, 1995 e
2007).
Voltando à BID, a existência de uma indústria de defesa eficiente e robusta
reduz as incertezas envolvidas nestas etapas de transferência tecnológica e libera o
país dos preços dos monopólios internacionais. Um exemplo deste aspecto pode ser
observado no caso de nacionalização do tubo de escapamento do AT-26 Xavante
pela EMBRAER, cujo valor de importação era de US$ 57 mil e passou a custar R$
45 mil, com redução do prazo de entrega de quatro anos para seis meses, e no caso
da nacionalização das pastilhas de freio dos caças Mirage e A-4 Skyhawk, cujos
valores variaram de US$ 106 e US$ 207 mil, respectivamente, para R$ 11,37 e R$
22,80, segundo dados da FAB (2004) apud ABDI (2010). Portanto, do ponto de vista
da maturação de uma RAM, a BID é de fundamental importância para o processo de
desenvolvimento da inovação militar e de estruturação de uma rede de inovação que
a sustente. Uma rede de inovação, em qualquer segmento de mercado, se constitui
26 Em relação aos acordos de off-set, Dagnino (2010) apresenta uma crítica no tocante ao pequeno
impacto gerado em termos de geração de emprego sustentável e de efetividade da transferência
tecnológica. Segundo Dagnino, nos casos por ele estudados, a tecnologia transferida rapidamente se
tornou obsoleta em função do contínuo avanço tecnológico produzido pelos países exportadores de
produtos de defesa. Além disso, os investimentos compensatórios normalmente são alocados em
empresas locais subcontratadas pela própria matriz e na produção de componentes utilizados no
próprio produto principal. Enfim, o autor defende que os off-set parecem ser mais vantajosos para os
países exportadores do que para os importadores de tecnologia (DAGNINO, 2010).
48
num mecanismo de aceleração do processo de inovação e de redução de custos
(MALERBA, 2004).
Verifica-se, desse modo, que no caso do Setor de Defesa, a rede de inovação
pode também resultar no aumento da estabilidade do mercado de defesa e na auto-
sustentação da própria indústria de defesa. Isto porque possibilita a redução dos
custos pelo compartilhamento de encargos, pelo aumento da complementaridade da
cadeia produtiva e, ainda, em razão de uma maior capacitação para prospectar
novos nichos de mercado, particularmente para uso dual e no exterior. Desse modo,
a BID tem um papel fundamental no desenvolvimento das inovações militares,
associadas ao processo de maturação de uma RAM, particularmente por meio de
inovações militares de natureza tecnológica. Assim, a BID torna-se uma componente
importante para o gerenciamento de uma TRAM, tendo em vista fornecer o suporte
necessário às forças militares em transformação em termos de armamento e
equipamentos.
Enfim, todos estes argumentos conferem justificativa importante para o
estabelecimento de medidas de proteção à BID nacional por parte do Estado. Desse
modo, a implementação de políticas públicas visando a uma maior integração da
BID ou a adoção de práticas de gestão para integração da cadeia produtiva,
normalmente adotadas a partir das próprias organizações que a compõem,
potencializa a implementação e a catalisação do processo de estruturação de uma
rede de inovação no Setor de Defesa (FINEP, ABDI e IPEA, 2011).
29 Diplomata Mário Henrique C. Côrtes, em artigo organizado a partir de palestra ministrada para o
I Seminário sobre Defesa Nacional da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME),
ocorrido em 2000, no âmbito do Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército
(CPEAEx) e disponível em http://www.brasilbrasileiro.pro.br/mhdefesamil.pdf. Acesso em 11/05/2012.
54
Do mesmo modo, as concepções estruturantes das Forças Armadas e,
principalmente, aquelas relativas às suas missões e à sua forma de emprego,
também foram reavaliadas. Ao conjunto das mudanças ocorridas em todos os
aspectos da Expressão Militar do Poder Nacional, a partir da década de 1990,
enquanto fenômeno sociológico, foi atribuída a denominação de Pós-Modernismo
Militar (PMM) (CÔRTES, 2000).
O Pós-Modernismo Militar (PMM) é o desdobramento das mudanças geradas
pelo macro fenômeno da Globalização e do Pós-Modernismo30 no âmbito das
instituições que compõem a Expressão Militar do Poder Nacional, resultando nas
transformações de suas capacidades orgânicas e do arcabouço legal que ampara o
Poder Militar no âmbito do Estado Democrático de Direito (CÔRTES, 2000).
Além disso, o PMM gera mudanças fundamentais das instituições militares,
particularmente nos aspectos culturais relativos à essência da profissão militar e da
organização das instituições armadas. Durante a Guerra Fria, havia certa facilidade
de coincidir o inimigo do Estado com alguma nação rival ou com uma corrente
ideológica mobilizada (CÔRTES, 2000).
No entanto, após a Queda do Muro de Berlim, os responsáveis pela
formulação de políticas de Segurança e Defesa Nacional passaram a encontrar
dificuldade na identificação da figura do inimigo com uma imagem de fácil
assimilação pela sociedade (CÔRTES, 2000).
A partir deste quadro, surgiram questionamentos a respeito do papel das
Forças Armadas, particularmente em países, como o Brasil, nos quais os limites
fronteiriços já se encontravam estabelecidos e onde havia relativa estabilidade na
segurança do entorno regional. Como reflexo, novas responsabilidades passaram a
ser delineadas e legalmente atribuídas às instituições militares, naturalmente não
sem que houvesse críticas de se estar reduzindo qualitativamente o papel das
Forças Armadas, tanto pelo rebaixamento das atribuições de emprego quanto pela
degradação dos meios e recursos disponibilizados (CÔRTES, 2000).
Em relação aos efeitos sobre as capacidades orgânicas dos órgãos da
Defesa Nacional, o avanço tecnológico acelerado teve impacto direto sobre o Poder
Militar, gerando maior demanda por recursos humanos mais habilitados e também
promovendo a substituição dos equipamentos e armamentos empregados, tendo em
vista à rápida obsolescência que alcançavam (CÔRTES, 2000).
Desse modo, o fenômeno da Revolução em Assuntos Militares (RAM), em
andamento, atinge as nações de formas diferentes em razão do nível heterogêneo
de desenvolvimento industrial e econômico de cada sociedade capitalista, o que
resulta em processos diferenciados de Transformação Militar (CÔRTES, 2000).
Ainda, segundo Côrtes (2000), o Pós-Modernismo Militar é identificado pela
eclosão das seguintes condicionantes sociológicas resultantes:
- (1) a percepção de ameaça passou a se pautar em vetores não-nacionais
(ou subestatais);
58
A fim de verificar com maior evidência o processo de inovação que ocorre na
vertente de aplicação do Setor de Defesa, pode-se dividir a vertente em vetores nos
quais a inovação incidem com maior notoriedade, ou seja, nos canais de promoção
de melhorias doutrinárias e dos elementos do poder de combate, os quais foram em
estabelecidos em manuais de campanha da força militar a ser estudada, que no
caso do presente trabalho, será adotado as concepções do Exército Brasileiro:
- (1) doutrina;
- (2) comando e controle (C²);
- (3) inteligência;
- (4) movimento e manobra;
- (5) fogos;
- (6) proteção;
- (7) logística;
- (8) liderança; e
- (9) informações.
A separação do processo de inovação em vetores dentro de cada uma das
vertentes do Setor de Defesa facilita o processo de gestão da inovação militar,
possibilitando o gerenciamento da cadeia de eventos que levam ao desenvolvimento
dos engenhos bélicos (bens e serviços de defesa), bem como a atuação sobre os
aspectos de modernização da arte da guerra, baseados nos aspectos doutrinários e
nos elementos do poder de combate.
A combinação de inovações militares tecnológicas e não-tecnológicas, por
meio do desenvolvimento de engenhos bélicos da vertente de produção e pela
modernização da arte da guerra na vertente de aplicação, geram novas
competências e capacidades mobilizáveis pelo Setor de Defesa, resultando em
avanços nas estratégias nacionais de Segurança e Defesa de cada país.
67
estratégicas, Obtenção de vantagens
operacionais, estratégicas,
táticas ou operacionais, táticas ou
2b (Não-Mercado)
logísticas. logísticas e aumento da
eficiência do poder de
combate
Satisfação do 2º Requisito
Solução a um problema
militar ou do mercado de
3a (Tecnológica) defesa por meio de uma
3º Requisito – competência baseada
Apresentar em um engenho bélico
solução a um Solução a um problema
problema militar militar ou do mercado de
ou do mercado defesa por meio de uma
3b (Não-Tecnológica)
de defesa. competência baseada
no talento ou em um
conhecimento
Satisfação do 3º Requisito
Possibilidade de difusão
por meio da imitação de
4a (Difusão pela Imitação)
concorrentes, aliados ou
4º Requisito –
parceiros
Ser replicável, de
Possibilidade de difusão
modo a não se
por meio da
configurar num
4b (Difusão pela Transmissão do transferência de
caso único.
Conhecimento) conhecimento para
aliados, parceiros ou
concorrentes
Satisfação do 4º Requisito
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.
70
Já as forças internas são compostas pela administração e pelas estratégias
da organização, seja ela uma empresa, uma indústria da BID seja, ainda, uma
organização militar. Os setores de inovação organizacional e os recursos humanos
têm papel relevante sobre as forças internas.
Ressalta-se que o setor de inovação é representado pela existência de um
departamento ou órgão de P&D, no caso da indústria, e por uma seção de doutrina,
de inteligência, de coleta e de pesquisa de ideias, no caso da vertente de aplicação
do setor.
Nos capítulos anteriores, verificou-se que a tecnologia sempre desempenha
um papel importante no desenvolvimento das inovações militares. No entanto, foi
observado também que as inovações vão muito além da componente tecnológica ou
da mera introdução de engenhos bélicos.
A inovação está intimamente ligada à capacidade de uma organização gerar
vantagens competitivas/estratégicas/operacionais/táticas/logísticas a partir da
mobilização de conhecimentos e de tecnologias e, desse modo, transformar ideias
originais em engenhos bélicos e arte da guerra.
Tanto Tidd, Bessant e Pavitt (2005) quanto Toffler e Toffler (1995) destacam
que, na atualidade, o fator tempo desempenha um papel muito importante nas
relações competitivas do âmbito do ambiente de mercado e do espaço de batalha.
“Competir contra o tempo” é uma das condicionantes de maior relevância na
gestão das inovações militares – sejam elas tecnológicas ou não-tecnológicas,
particularmente as doutrinárias.
A inovação, seja tecnológica seja não-tecnológica, decorre do conhecimento e
das capacidades organizacionais em gerar soluções aos problemas organizacionais.
Portanto, a gestão da inovação militar compreende a aptidão que uma organização
dispõe para gerenciar, de forma efetiva, as incertezas inerentes ao processo de
transformação de conhecimentos e aplicar outros recursos disponíveis de modo a
solucionar os problemas militares e da Defesa e desenvolver engenhos bélicos
melhores.
Aproveitando, ainda, as proposta de Tidd, Bessant e Pavitt (2005), é possível
dividir o processo de gestão da inovação militar nas seguintes fases:
- 1ª fase) Procura – análise e pesquisa dos cenários organizacionais
(internos e externos à organização), a fim de se identificar as oportunidades
potenciais para a inovação militar e também os sinais de ameaças do ambiente
estratégico e de mudança dos paradigmas de guerra, buscando identificar os
possíveis trajetórias tecnológicas e doutrinárias que serão seguidas.
- 2ª fase) Seleção – seleção entre as oportunidades de inovação militar
considerando aquelas que a organização tenha capacidade de mobilizar recursos e
obter vantagens competitivas/estratégicas/operacionais/táticas/logísticas.
- 3ª fase) Decisão – estabelecimento de estratégias de concretização da
inovação militar, mobilizando o conhecimento (aplicado e periférico) e os recursos
disponíveis para a obtenção de resultados com base nas opções estabelecidas.
- 4ª fase) Implementação – implementação da inovação, por meio do
estabelecimento de vários estágios de desenvolvimento, que vão desde à ideia
original (inovação) até a Transformação Militar. A implementação da inovação militar
envolve a aquisição de conhecimentos para o desenvolvimento da inovação, a
71
execução dos projetos, o lançamento da inovação31, o gerenciamento de sua
sustentabilidade e o processo de gerenciamento da aprendizagem decorrente.
- 5ª fase) Análise – reflexão sobre os acertos e os erros ocorridos nas fases
anteriores e sobre a experiência adquirida, a fim de aprimorar o processo de
desenvolvimento da inovação militar e reunir expertises para o incremento
ininterrupto de inovações por meio da aprendizagem contínua. A aprendizagem está
relacionada com a capacidade que a organização possui em estabelecer rotinas32
operacionais eficazes, que contribuam para aumentar as chances de sucesso das
inovações militares.
No gerenciamento das fases do processo de inovação, cada organização
desenvolve sua própria maneira de fazer a gestão da inovação militar. Ou seja, cada
organização gerencia suas habilidades e estabelece suas rotinas visando ao
processo de inovação.
Segundo Tidd, Bessant e Pavitt (2005), mecanismos eficazes de gestão da
inovação demandam um conjunto de rotinas bem integradas. Não basta a uma
organização possuir habilidades altamente eficientes em pesquisa e
desenvolvimento (P&D) e lhe faltar capacidade de relacionar isso com o mercado ou
com os usuários finais do produto.
Da mesma forma, não adianta às organizações militares conseguirem
desenvolverem doutrinas militares eficientes e não conseguirem difundi-las
adequadamente por meio do adestramento da tropa e de processo de comando e
controle eficazes.
Rotinas de medição de resultados e de aprendizado sobre erros e acertos são
de relevância fundamental, apesar da dificuldade de estabelece-las, particularmente,
no caso de inovações militares ocorridas na vertente de aplicação do Setor de
Defesa.
A medição da inovação militar, no caso das empresas privadas da vertente de
produção do Setor de Defesa, por exemplo, centra-se no retorno econômico ou nos
prejuízos resultantes.
Já no caso da vertente de aplicação, caracterizada por organizações públicas,
o desafio de se identificar as vantagens da inovação militar se torna ainda mais
difícil, particularmente, porque nem sempre as inovações militares poderão ser
testadas em situações reais de conflito ou de contenção de ameaças.
No caso da vertente de produção do Setor de Defesa, considerando os
aspectos de tamanho da organização e da concentração do mercado, deve ser
destacado que o poder de compra que as Forças Armadas possuem exerce
importante papel para assegurar o interesse e a lucratividade das empresas
privadas envolvidas na produção de engenhos bélicos.
31 Eric von Hippel (1988) demonstrou que quanto mais cedo houver envolvimento dos usuários
finais no processo de inovação melhor para a qualidade e para aceitação do produto. E isso é,
particularmente, verdadeiro no caso das inovações militares.
32 Rotinas – são padrões comportamentais regulares e previsíveis de uma organização,
representando para as organizações o que as habilidades representam para os indivíduos. Conforme
a teoria evolucionária, a rotina representa a memória da organização, ou seja, o conjunto formado
pelo conhecimento operacional, pelas habilidades individuais e pelas expertises necessárias à
produção de um bem ou à execução de um serviço. As rotinas são vistas, ainda, como trégua nas
divergências de interesses e nos comportamentos conflitantes dos membros de uma organização e
como metas, visando às atividades de controle, de cópia ou de imitação (NELSON e WINTER, 2005).
72
Esta capacidade reflete diretamente sobre o processo de gestão da inovação
militar praticada por empresas de defesa. Estas empresas buscam, normalmente,
estabelecer um mercado consumidor externo, a fim de obter viabilidade econômica a
seu negócio, tendo em vista às questões restritivas de demanda e aquisição de
produtos de defesa por partes das Forças Armadas nacionais.
Enfim, relativamente à gestão da inovação militar, pode ser acrescentado que
enquanto algumas nações estabelecem estratégias que visam à liderança do
processo de inovação militar, outras procuram acompanhar o processo de invação
por meio da prática da imitação.
Tanto a opção de “inovar” quanto a de “imitar” exigem uma gestão efetiva do
processo de inovação militar, visando ao desenvolvimento de uma capacidade
efetiva de mobilização de conhecimentos, tecnologias e recursos variados a fim de
transformá-los, de forma eficiente, em engenhos bélicos de qualidade ou em
soluções doutrinárias eficazes no âmbito da arte da guerra.
A Figura 2, a seguir, apresenta um esquema por meio do qual são
apresentadas as vertentes do Setor de Defesa, os vetores da inovação em cada
vertente e em seus respectivos elementos constitutivos.
Também estão representados os ativos das organizações, principalmente os
conhecimentos estratégicos, a partir dos quais são promovidas as inovações
tecnológicas e as inovações não-tecnológicas, geradoras de engenhos bélicos, em
torno dos quais são comercializados os bens e serviços de defesa (produtos de
defesa), e os avanços na arte da guerra, que concentra os talentos e as
competências de emprego da doutrina militar.
73
Figura 2 – A Gestão da Inovação Militar nas Vertentes e Vetores do Setor de Defesa
Figura 1 – As Vertentes Hard e Soft e os Vetores da Inovação no Setor de Defesa
Vertente de Produção
A Vertente Hard - Setor usuário e de emprego de bens e serviços de Defesa; Vertente de Aplicação
A Vertente Soft
- Setor produtivo de bens e serviços de Defesa; - Setor de aplicação das competências e
- Setor industrial de Defesa e dos Arsenais de Guerra; e - Organizações de combate, de apoio ao combate e de logística.
- Organizações de produção e de apoio à produção.
Vetores da Inovação:
- insumos;
- ativos; Vetores da Inovação:
Bens e Serviços de Defesa Estratégia e Tática Militar
- tecnologias; - doutrina;
- doutrina militar;
- processos e rotinas; - comando e controle;
Serviços - -comando e controle;
inteligência;
- logística; vinculados a Arte da
Guerra --inteligência;
movimento e
- competências e capacidades; Engenhos e
Serviços Puros - manobra;
manobra;
- design e integração; Competências
Engenho - -apoio
fogos;de fogo;
- conceito do produto; de Guerra Competências
- -defesa
proteção;
antiaérea;
- relações estratégicas; (CoPS)
- -mobilidade;
logística; e
- marketing;
- liderança; e
Tecnológicas
Inovações
Não-Tecnológicas
Inovações
Não- Tecnológicas
Inovações
- logística.
Tecnológicas
Inovações
Críticos
74
4.4 O GERME DA GUERRA DO FUTURO: SUGERINDO UMA ORIGEM PARA A
MUDANÇA DO PARADIGMA DE GUERRA
76
Economia de Meios) (1ª GM) levou à
- Ataque ao centro de imobilização das
gravidade do inimigo forças,
- Tríade: Governo, impedindo a
Exército e Povo manobra. Ex.
- Guerra Absoluta Guerra de
Trincheiras
ocorrida na 1ª
GM. Seria
necessário
buscar uma
alternativa
estratégica que
viabilizasse
novamente o
movimento e a
manobra)
- surgimento
de Estratégias
Complementar
es e
incorporação
de novas DEB
Estratégias (Não levou a um
- Guerra
Complementares: - Helmuth von impasse nem
- Mobilização nacional Franco-
- Estratégia da Moltke gerou a ruptura
Prussiana
Mobilização dos padrões do
paradigma de
guerra por meio
de uma
inovação de
- Novas tecnologias
ruptura.
navais para uso em
Portanto, não
Estratégias guerra (submarinos e
ocasionou a
Complementares: canhões de longo
mudança do
- Estratégia do alcance embarcados)
- Afred Mahan - Primeira paradigma de
Poder Marítmo - Desenvolvimento de
- Giulio Douhet Guerra Mundial guerra. Desse
- Estratégia do aviões para uso bélico
modo, suas
Poder Aéreo (Aviação Militar)
características
- Emprego amplo dos
inovadoras
meios navais e/ou
simplesmente
aéreos em prol do TG
alinharam-se às
estratégias em
uso e nas
seguintes.)
- Desenvolvimento do - Impasse da
binômio Infantaria- Manobra e da
Carro de Combate Mobilização
- Manobras de dos Meios
Envolvimento e de (A vitória estaria
- Segunda
Desdobramento com quem
Guerra Mundial
Estratégia da - Ataque aos flancos, à tivesse a
(Blitzkrieg)
Aproximação - Basil Liddell Hart retaguarda e às linhas maioria dos
- Guerra do
Indireta de suprimentos do meios
Golfo
inimigo mobilizados e
- Doutrina Delta
- Princípio da Surpresa dispostos no
- Planejamento flexível terreno de modo
e adaptável a permitir
- Defesa Móvel e manobras de
Contra-Ataque flanco,
77
- Operações Especiais desbordamento
- Operações Móveis e envolvimento,
(Motorizadas, o que resultou
Mecanizadas e na
Aerotransportadas) previsibilidade
- Apoio da Aviação e da batalha e do
dos Meios Blindados conflito. Tornou-
se imperativo
buscar
alternativas que
possibilitassem
a vitória ao
contendor que
não dispusesse
da maioria dos
meios
convencionais)
- surgimento
da Estratégia
da Ameaça
Direta e
incorporação
de novas DEB
- Impasse da
Destruição
Indesejada ou
Impasse da
Inação (Inércia)
(Paradoxo
Nuclear)
(A possibilidade
de destruição
indesejada
- Desenvolvimento de
levou a inércia
armas nucleares
dos
- Estratégia Total
contendores.
- Liberdade de Ação
Ex. Guerra Fria
- Fórmula de Beaufré
resultante da
- Modelos Estratégicos
possibilidade da
Estratégia da (Ameaça Direta, - Ataques a
catástrofe
Ameaça Direta Pressão Indireta, Hiroshima e
- André Beaufré nuclear. Seria
(Dissuasão Ações Sucessivas, Nagasaki
necessário
Nuclear) Conflito Prolongado de - Guerra Fria
alternativas que
Baixa Intensidade,
possibilitassem
Conflito Violento)
combater,
- Ataque aos centros
mesmo sem
políticos e econômicos
dispor de armas
do inimigo com
nucleares nem
artefatos nucleares
de meios
militares
convencionais
abundantes.)
- surgimento
das Estratégias
Indireta e
Terrorista e
exploração de
novas DEB
Estratégia - Mao-Tsé-Tung - Guerra Irregular - Guerra do - Impasse
Indireta (Obs. Sun Tzu já - Mobilização popular Vietnã Econômico-
78
havia formulado os - Guerrilha rural - Guerra do Social
pressupostos da - Desgaste (mídia, Afeganistão (A vitória passou
ação indireta há ação psicológica) do (URSS) a depender mais
dezenas de séculos oponente - Guerra do da capacidade
anteriores, mas foi- Guerra prolongada Iraque de cada
somente com Mao- - Combate contendor em
Tsé-Tung que a Subterrâneo desgastar
estratégia foi - Movimento de econômica e
formalizada e Resistência socialmente o
aplicada) patrocinado oponente,
- Propaganda particularmente,
Ideológica perante a
- Golpe de Estado opinião pública
- Guerra Irregular internacional. O
- Guerrilha no
- Mobilização popular prolongamento
Brasil na
- Guerrilha urbana da guerra com
Década de 1970
- Combate vistas ao
(VAR-Palmares,
Subterrâneo desgaste do
MR8, Guerrilha
- Subversão da ordem oponente levou
do Araguaia)
política e social a um ponto no
Estratégia - Terrorismo
- Aparelhamento qual não há
Indireta Político (ETA,
ideológico do Estado vitória, mas
Alternativa: IRA, Sendero
(Teoria Gramscista) somente a
- Estratégia da Luminoso,
- Carlos Marighela - Desgaste do necessidade do
Ação Terrorista Tupac Amaru,
- Antonio Gramsci oponente (mídia, ação fim do conflito.
- Estratégia de OLP)
psicológica) Superar este
Aparelhamento - Terrorismo
- Guerra de baixa impasse tornou-
Ideológico do Fundamentalista
intensidade (Guerrilha) se necessário.)
Estado (Al-Qaeda,
e prolongada - surgimento
Jihad Islâmica,
- Terrorismo urbano da Estratégia
Hizbollah)
- Propaganda Multidimension
- Terrorismo
Ideológica al pela
Narco-criminoso
- Conversão exploração de
(FARC, PCC e
fundamentalista novas DEB
CV)
religiosa
- Guerra em todas as Esta é a Guerra
Estratégia
dimensões do Espaço - Guerra do do Futuro?
Multidimensional
de Batalha, inclusive Futuro do Quais são seus
(Este paradigma
nas dimensões Século XXI paradigmas?
de guerra ainda se - Liang e Xiangsui
intangíveis - Terceira E quando o
encontra em
- Atuação de todas as Guerra Mundial germe da
desenvolvimento e
Expressões do Poder (?) mudança
maturação)
Nacional voltará?
Legenda
Código de Cores Dimensões do Espaço de Batalha (DEB) Espaços de Batalha explorados
79
Frente e Profundidade do Campo
de Batalha, Espaço Aeroespacial,
Espaço Naval e Subaquático, Fator
Guerras e conflitos ocorridos na 1ª, 2ª, 3ª e
Humano, Informações, Opinião
4ª DEB
Pública, Mídia, Processo Decisório,
Espaço Cibernético, Espaço
Nanométrico
Fonte: Elaborado pelo autor.
80
Por sua vez, estes paradigmas tecnológicos e doutrinários emergentes, após
serem adotados pelas forças militares, induzem as trajetórias tecnológicas e
doutrinárias que se seguirão no Setor de Defesa, moldando a Revolução em
Assuntos Militares (RAM), em maturação, e a Transformação Militar (TRAM), a ela
associada. Após a erupção do germe da guerra do futuro, resultante de um
paradoxo estratégico combinada a uma inovação militar radical (ou de ruptura) são
duas as situações possíveis de ocorrer:
- (Situação 1) – a inovação militar suscitada se desenvolve no âmbito da
vertente de produção do Setor de Defesa, gerando um engenho bélico. Neste caso,
normalmente, a inovação militar radical (ou de ruptura) é uma inovação tecnológica
e promove, de forma mais ou menos espontânea, uma Revolução em Assuntos
Militares (RAM).
- (Situação 2) – a inovação militar suscitada se desenvolve no âmbito da
vertente de aplicação do Setor de Defesa, gerando avanços na arte da guerra, por
meio da adoção de novas concepções doutrinárias. Neste caso, normalmente a
inovação militar radical (ou de ruptura) é uma inovação não-tecnológica e promove,
de forma normalmente intencional, uma Transformação Militar (TRAM).
Portanto, a mudança do paradigma de guerra vigente, que resulta em um
novo modelo de guerra (a Guerra do Futuro) ocorre periodicamente ao longo dos
tempos, podendo se emergir de dois caminhos possíveis – a vertente de produção
do Setor de Defesa, conduzida por uma RAM, ou a vertente de aplicação do setor, e,
por sua vez, impulsionada por uma TRAM.
Ou seja, uma possibilidade é que a mudança do paradigma de guerra venha a
resultar da maturação de uma RAM, que é desencadeada de forma mais ou menos
espontânea e é processada pelos agentes do mercado de defesa e demais atores
da vertente de produção do Setor de Defesa.
E outra possibilidade é que o novo modelo estratégico possa resultar de um
processo de TRAM, que é promovido intencionalmente no âmbito da vertente de
aplicação do setor. Uma TRAM é iniciada e conduzida intencionalmente pelos
órgãos competentes do governo de um país, normalmente em reação a uma RAM
ou, por meio de uma iniciativa pioneira, dando início ao processo de mudanças, e,
neste caso, desencadeia uma RAM na vertente de produção do Setor de Defesa.
Pode-se inferir, todavia, que estas duas dinâmicas de mudança dos
paradigmas da guerra podem ocorrer de forma simultânea, em consonância e em
complexa interação de uma para com a outra. E é bem provável que esta terceira via
seja a mais comum de ocorrer. De todo modo, seja por meio de uma RAM, seja por
meio de uma TRAM, seja, ainda, pela interação de ambas, o processo de mudança
dos paradigmas de guerra sempre é desencadeado pelo paradoxo estratégico e pelo
surgimento de uma inovação militar radical (ou de ruptura).
Esta inovação militar radical pode ser gestada dentro dos institutos militares
ou civis de pesquisa e desenvolvimento (P&D), ou em institutos de P&D voltados
para o emprego civil, no interior das empresas e indústrias do mercado de defesa e
demais organizações da vertente produtiva do Setor de Defesa ou, ainda, no âmbito
dos centros doutrinários ou demais órgãos de Segurança e Defesa da vertente de
aplicação.
Quando a inovação militar é gestada no âmbito da vertente de produção do
Setor de Defesa, ela incide diretamente sobre o mercado de defesa. Entretanto,
quando a inovação militar surge no âmbito da vertente de aplicação do setor, ela age
mais diretamente sobre as organizações militares e os órgãos de Defesa.
81
A inovação militar radical (ou de ruptura) desenvolvida na vertente de
produção do Setor de Defesa se insere no processo de gestão da inovação das
empresas que compõem a BID e é submetida aos processos seletivos do mercado
de defesa, desencadeando as etapas iniciais de uma RAM, que poderá culminar em
um novo modelo de guerra (a Guerra do Futuro) em decorrência do desenvolvimento
e adoção de armas e equipamentos que revolucionem os paradigmas de guerra.
Já uma inovação militar radical (ou de ruptura) desenvolvida na vertente de
aplicação do Setor de Defesa insere-se no processo de gestão da inovação militar
dos órgãos de Segurança e Defesa do Estado. Os órgãos de Segurança e Defesa
do Estado promovem e gerenciam o processo de inovação inserido na
Transformação Militar (TRAM), iniciado em consequência da propagação da
inovação militar de ruptura na vertente de aplicação ou em decorrência de uma
decisão política-estratégico-militar. Esta TRAM tem por objetivo desenvolver um
novo paradigma de guerra ou reorganizar as forças militares para torná-las aptas a
travarem em boas condições o tipo de guerra visualizado para o futuro.
Os processos de RAM e de TRAM podem ocorrer em paralelo e de forma
relativamente isolada. Entretanto, a História mostra que o mais comum é que
interajam entre si, por um lado, por meio das inovações militares, normalmente
tecnológicas (engenhos bélicos), que a BID oferta aos agentes da vertente de
aplicação do Setor de Defesa, contribuindo para gerar o desenvolvimento de novas
capacidades; e, por outro lado, por meio das demandas e da definição de requisitos
operacionais33 que são apresentados à BID pelos gestores de Segurança e Defesa –
os condutores da arte da guerra.
Desse modo, a BID e atores da vertente de produção e os gestores de
Segurança e Defesa e agentes da vertente de aplicação do Setor de Defesa
influenciam, de forma cruzada, respectivamente, a TRAM e a RAM, moldando a
evolução dos paradigmas de guerra – a Guerra do Futuro.
Este ambiente marcado pela efervescência de variadas inovações militares
derivadas de uma inovação-mãe (a inovação militar radical) é o grande responsável
pelas mudanças dos meios e dos modelos estratégicos, fazendo emergir o novo
paradigma de guerra.
Enfim, para que ocorra a mudança do paradigma de guerra, pelo menos um
dos dois fenômenos precisa ocorrer – uma RAM ou uma TRAM.
Quando o processo de mudança ocorre em decorrência somente de uma
destas causas, a Guerra do Futuro (novo paradigma de guerra) desencadeia um
processo reativo do fenômeno ausente. Por exemplo, se a Guerra do Futuro se
efetiva por meio da RAM, ela acaba por desencadear um processo de TRAM reativo
e atrasado no Setor de Defesa dos países retardatários.
Da mesma forma, se a Guerra do Futuro se apresenta como resultado de
uma TRAM pró-ativa de um país de vanguarda, a partir de então, a BID dos
demais países passarão a buscar e a desenvolver inovações militares que
promovam uma RAM equivalente A Figura 3, a seguir, apresenta um esquema das
dinâmicas
Figura de evolução
3 – Esquema dos paradigmas
do Modelo Teóricode
daguerra até adoeclosão
Mudança do novo
Paradigma modelo (a
de Guerra
Guerra do Futuro).
82
Vertente de Setor de Defesa Vertente de
Produção Aplicação
6 Guerra do Futuro 6
7 - Inovação Militar Incremental
- Inovação Militar Incremental
5 5
- Inovação Militar Tecnológica
- Inovação Militar Não-Tecnológica
OM
3a 3b
BID RAM 4 TRAM
2a 2b
O Germe da Guerra do Futuro
Paradoxo Estratégico
- Inovação do Prod. Def. - Inovação Militar Doutrinária
- Inovação do Proc. Def.
Inovação Militar Radical
(Estratégica, Operacional, Tática
- Inovação de Mkt Def. IPD, EED RupturaC Dout, OSD ou Logística)
- Inovação Org. da BID - Inovação da Estrutura
- Inovação de Pos. Merc. Def. Organizacional Militar
- Inovação Paradig. Prod. Def. - Inovação Militar Ad Hoc
1 1
LEGENDA PASSOS DA EVOLUÇÃO DO PARADIGMA DE GUERRA
IPD – Institutos Militares ou Civis de Pesquisa e Desenvolvimento 1. O germe da Guerra do Futuro (o paradoxo estratégico e/ou a inovação
EED – Empresas Estratégicas de Defesa militar radical ou de ruptura) desencadeia o processo de mudança do
C Dout – Centros de Doutrina Militar paradigma de guerra vigente. O processo de inovação é desenvolvido
OSD – Órgãos de Estado de Segurança e Defesa no âmbito dos IPD, EED, C Dout ou OSD.
BID – Base Industrial de Defesa;
RAM – Revolução em Assuntos Militares 2. (a) A inovação se propaga ao longo da vertente de produção do Setor
de Defesa, por meio da interação de processos de busca das
TRAM – Transformação Militar
organizações da BID e de seleção do mercado de defesa, resultando
OM – Organizações Militares em uma RAM.
Fluxo do Processo (pode ocorrer ou não) (b) A inovação se propaga ao longo da vertente de aplicação do Setor
de Defesa, por meio da interação de processos gerenciais de
desenvolvimento doutrinário das OM.
Obs.1. Pelo menos uma das duas situações precisa ocorrer para que
ocorra uma mudança do paradigma de guerra.
Obs.2. Pelo menos uma das duas situações precisa ocorrer para que
ocorra uma mudança do paradigma de guerra.
83
4.6.1 O Prisma Conceitual da Gestão da Inovação-Transformação Militar
Conforme verificado, uma modificação dos meios militares somente pode ser
considerada uma Transformação Militar (TRAM) se gerar a mudança destas 03 (três)
componentes:
- a natureza das forças;
- as normas jurídicas que definem suas atribuições; e
- as capacidades gerais necessárias para o cumprimento de suas missões.
Entretanto, estas componentes elencadas situam-se no nível político-
sociologico e podem ser projetadas para o nível estratégico-operacional.
A projeção das 03 (tres) componentes do nível politico-sociologico fará surgir
como componentes, no nível estratégico-operacional, os seguintes fatores, cuja
alteração faz-se necessária para que a mudança dos paradigmas de guerra seja
considerada uma Transformação Militar (TRAM):
- o modus operandi das forças militares empregado para o cumprimento de
suas atribuições;
- as capacidades organizacionais e competências individuais desenvolvidas
para o cumprimento de suas missões; e
- a tecnologia disponível, ou seja, os sistemas de armas e equipamentos (os
engenhos bélico) empregados ou mobilizáveis para o cumprimento das missões.
Estas 03 (três) componentes se referem ao modo de combater, ao modo de
se organizar e ao modo de se preparar e de se equipar e podem ser traduzidos,
visando a empregar uma terminologia mais apropriada ao Sistema de Doutrina
Militar Terrestre (SIDOMT) em vigor no Exército Brasileiro ou outros exércitos
nacionais, em:
- Doutrina;
- Estrutura Militar, Capacidades e Competências; e
- Tecnologia militar disponível ou Sistema de Armas e Equipamentos.
Qualquer método de gerenciamento de um processo de Transformação Militar
(TRAM) para ser efetivo, portanto, deve atuar de forma sistêmica e integrada nestas
03 (três) componentes:
- a doutrina que a força militar emprega para o cumprimento de suas missões
e atribuições;
- a estrutura organizacional, a formação e preparação das capacidades e
competências das forças militares, necessárias para o melhor cumprimento de suas
missões; e
- o acesso (desenvolvimento ou aquisição) a tecnologias de emprego militar,
caracterizado pelas armas e equipamentos empregados, os quais facilitam o
cumprimento das missões atribuídas.
A doutrina define o modus operandi das forças militares e a estrutura
organizacional mais adequada com base nas capacidades coletivas e nas
competências individuais presentes na Organização Militar (OM).
Enquanto as capacidades sãos desenvolvidas em conjunto nas organizações
militares as competências dizem respeito ao preparo profissional focado no
indivíduo.
Tanto as capacidades quanto as competências referem-se ao nível de
conhecimento, preparação (ou adestramento) e habilidade para o cumprimento das
tarefas. Portanto, esta componente da TRAM está intrinsicamente ligada aos
processos de seleção, formação e preparo dos quadros profissionais e de
84
adestramento coletivo das diversas frações que compõem a estrutura da
Organização Militar.
Já a componente tecnológica da TRAM representa o acesso a sistemas de
armas e equipamentos militares, necessários para catalisar as capacidades e
competências, e está diretamente relacionada à doutrina a ser empregada.
O acesso aos sistemas de armas e equipamentos pode ser obtido por meio
de desenvolvimento autóctone e aquisição da BID nacional ou por meio de aquisição
no exterior.
Cada uma das alternativas possui vantagens e desvantagens relativamente
fáceis de inferir e que já foram anteriormente tratadas neste trabalho.
Portanto, verifica-se que a gestão da Transformação Militar (TRAM) deve
atuar simultânea e harmonicamente em cada uma destas 03 (três) componentes,
visando a promover o desenvolvimento de inovações militares que incidam nestes
03 (três) aspectos de forma integrada:
- a doutrina militar;
- a estrutura organizacional, a preparação individual (competência) e coletiva
(capacidades) das OM; e
- o acesso ao sistemas de armas e equipamentos por meio de
desenvolvimento autóctone ou aquisição externa de tecnologias militares.
A inovação militar focada em cada um destes aspectos gera melhorias do
processo de Transformação Militar no nível estratégico-operacional, resultando em
efetividade na mudança dos paradigmas de guerra.
A Figura 4, a seguir, sintetiza a transposição dos fatores de Transformação
Militar (TRAM), apresentando os três pilares, presentes no nível político e sua
projeção no nível estratégico.
Esta projecao forma a imagem de um prisma, portanto, o Prisma Conceitual
da Transformação Militar, tendo em sua base a Gestão Sistêmica da Inovação-
Transformação Militar.
Natureza
Nível Estratégico
Competências
Sistemas de Armas e
Doutrina Equipamentos
Gestão Sistêmica da
Inovação Militar
88
5.1 MUDANÇAS ESTRATÉGICAS NA ERA DA INFORMAÇÃO
Na atualidade, verifica-se uma crescente aceleração da evolução tecnológica
e da mudança técnica, os quais se difundem por todos os setores de atividades,
gerando fluxos quase instantâneos de informação e de capital. Os setores intensivos
em tecnologia e em conhecimento têm se convertido nos setores mais dinâmicos da
economia mundial, marcando o que se convencionou chamar de “Era do
Conhecimento”, “Era da Informação”, “Sociedade em Rede” ou “Sociedade do
Conhecimento” (CASTELLS, 1996).
Se por um lado há uma maior rapidez no ritmo de desenvolvimento das
inovações, por outro, tem-se ampliado o hiato tecnológico e das capacidades entre
os países na vanguarda técnica-tecnológica e aqueles incapazes de acompanhar a
cadên
cia destas transformações (ALSINA JÚNIOR, 2009).
No campo militar, em particular, em decorrência do desenvolvimento da
tecnologia da informação (TI), da internet e dos sistemas computacionais, há uma
Revolução em Assuntos Militares (RAM), em processo de maturação, incidindo
principalmente nos sistemas de comando e controle (C²) das forças militares.
Resultante da RAM, ora em andamento, tem sido implementada uma
Transformação Militar (TRAM) com a incorporação de novos conceitos doutrinários,
com destaque para o de Guerra Centrada em Redes e de Guerra da Informação
(DOMBROWSKI e GHOLZ, 2006).
A RAM é marcada por um acelerado processo de incremento da evolução
tecnológica, o que reflete na TRAM, resultando em mudanças estruturais profundas
no âmbito das Forças Armadas e no modus operandi das tropas modernas
(TOFFLER e TOFFLER, 1995).
E, assim, outros conceitos doutrinários vêm sendo desenvolvidos e adotados
com base nas novas tecnologias e técnicas implementadas a partir de então. São
exemplos as Operações Conjuntas, as Operações de Amplo Espectro e a Integração
das Armas Combinadas (VISACRO, 2011).
Verifica-se, desse modo, que as capacidades dissuasórias e de condução das
guerras e conflitos contemporâneos passaram a depender sobremaneira de
estratégias militares baseadas no uso intensivo da tecnologia e do conhecimento, o
que resulta em maior eficiência no fluxo das informações no decorrer do processo
decisório e de C² (TOFFLER e TOFFLER, 1995).
Focando-se nas novas características dos conflitos em andamento no
alvorecer do século XXI percebe-se o indício da emergência de um novo paradigma
de guerra – a Guerra do Futuro da Era da Informação.
Toffler e Toffler (1995) destacam algumas características principais das
guerras e dos conflitos na atualidade, resultantes das profundas mudanças, iniciadas
(ou intensificadas) a partir do final do século XX:
- (1) frentes de batalha indefinidas;
- (2) vitória militar dependente da velocidade do processo de decisão político-
militar e de atuação das forças militares em relação aos oponentes;
- (3) informações tornaram-se um dos principais fatores para a obtenção de
vantagens estratégicas, operacionais, táticas e logísticas; e
- (4) papel central que as inovações tecnológicas passaram a desempenhar
na formulação e condução das estratégias militares, da arte (ou manobra)
operacional, da tática e da logística militar.
89
A estas 04 (quatro) primeiras pode ser acrescentada, ainda, uma quinta
característica, observada por Dombrowski e Gholz, (2006):
- (5) conjugação de todos estes fatores, ocasionando uma profunda
transformação no âmbito dos Sistemas de Segurança e Defesa Nacionais, que se
consiste na TRAM.
Entretanto, há de se destacar que países, como o Brasil, que não estão na
vanguarda das tecnologias estratégicas e de defesa, enfrentam o problema do
aumento do hiato tecnológico, cujo cerne reside na existência de mecanismos
internacionais de cerceamento tecnológico e de bloqueio ao acesso e à
comercialização de produtos tecnológicos sensíveis (CGEE, 2009).
Estas tecnologias, normalmente, possuem uma aplicação dual, tais como as
tecnologias nuclear, aeroespacial, cibernética e química, de modo que os
mecanismos de bloqueio resultem em prejuízos estratégicos contundentes a estes
países (CGEE, 2009).
Visando à redução deste gap tecnológico34 e do desnível de conhecimento
(Know-how em CoPS e KIBS), diversos países têm buscado acompanhar a dinâmica
de evolução da tecnologia do Setor de Defesa e do processo de RAM em
andamento, por meio da adoção de políticas bastante significativas de modernização
tecnológica e de fortalecimento da Base Industrial de Defesa (BID).
Estas ações se inserem no amplo processo de reorganização estrutural e
material das forças militares, designado de Transformação Militar (ou da Defesa)
(TRAM), conforme já mencionado.
Contudo, alguns obstáculos pré-existentes prejudicam a TRAM e a velocidade
do catching up35 e da modernização do Setor de Defesa por parte dos países que já
se encontram em defasagem tecnológica, como é o caso do Brasil, conforme
apresentado no Texto para Discussão Nº 1715 do Instituto de Política Econômica
Aplicada (IPEA) (BRASIL, 2012a):
- (1) baixa capacidade tecnológica, acarretada pelo reduzido nível histórico de
atividade da indústria nacional de defesa;
- (2) parcerias internacionais com pouca diversidade e baixa amplitude;
- (3) reduzidos níveis de investimento em inovações militares (e de defesa);
- (4) ausência de uma política de aquisições de longo prazo; e
- (5) limitada articulação Estado–empresas–universidades para formação de
uma rede de inovação dentro do Setor de Defesa que esteja inserida e articulada
com o Sistema Nacional de Inovação.
90
- Qual tipo de conflito ou de crise pode-se esperar diante das novas formas de
ameaças e do ritmo dos avanços tecnológicos?
A tentativa de responder a estas e a outras perguntas correlacionadas são
importantes para a identificação dos paradigmas e trajetórias tecnológicas (militares)
e doutrinárias (os paradigmas de guerra) que serão adotados pelos Sistemas de
Segurança e Defesa das nações. Portanto, buscar estas respostas é crucial para o
gerenciamento do processo de inovação e de Transformação Militar em qualquer
instituição militar nacional (FRANCO-AZEVEDO e MARTINS-MOTA, 2012).
Segundo Amarante (2009a), analisar as guerras com base somente em
fatores tecnológicos é uma abordagem muito limitado, considerando a observação
da ocorrência de uma evolução tecnológica assimétrica em termos quantitativos e
qualitativos ao longo do tempo.
Até meados do século XVIII, o mundo assistia a uma mudança tecnológica a
cada 228 (duzentos e vinte e oito) anos. Porém, segundo Amarante (2009a), nos
últimos 258 (duzentos e cinquenta e oito) anos, surgiram 66 (sessenta e seis)
tecnologias de impacto, ou seja, uma nova tecnologia de relevância a cada 04
(quatro) anos.
Na realidade, com a eclosão tecnológica vivenciada, especialmente, nos
últimos 50 (cinquenta) anos, os especialistas vêm tentando, sem sucesso,
conceituar e explicar os conflitos com base na tecnologia empregada – eletrônica,
cibernética, biológica, etc (AMARANTE, 2009a).
Desse modo, com a exceção das armas nucleares, nenhum sistema de
armas, mesmo as mais revolucionárias, tiveram por si só a magnitude e a
perenidade necessárias para denominar um paradigma de guerra.
De fato, a tecnologia nuclear foi uma inovação suficientemente capaz de
classificar por si só um tipo específico de estratégia e de guerra – a Estratégia de
Dissuasão Nuclear e a Guerra Nuclear. No entanto, suas características de grande
letalidade e de baixa capacidade de controle sobre os resultados levaram a um
paradoxo estratégico, denominado impasse nuclear, que, de certa forma, impediu
sua utilização de outra forma que não fosse tão somente como meio de dissuasão
estratégica, minimizando sua validade como um tipo independente de guerra.
Voltando à análise de conflitos com base na tecnologia dominante, pode-se
afirmar que, embora os conceitos aplicados sejam importantes para entender o
presente e que tal convenção seja uma boa ferramenta para análise e planejamento
de tendências de curto e médio prazo, a classificação dos conflitos pela tecnologia é
insuficiente para indicar de que modo serão travadas as guerras no futuro.
O conceito de “Guerra Assimétrica” tentou retirar ou camuflar as ambiências
físicas e tecnológicas. Entretanto, toda guerra, em verdade, é assimétrica, já que
sempre existe superioridade de uma das partes, favorecendo o resultado em
vencedores e vencidos (MARTINS-MOTA e FRANCO-AZEVEDO, 2012).
Na atualidade, momento apenas inicial da Era da Informação ou do
Conhecimento, as guerras recentemente travadas, como a Guerra do Golfo (1990),
a Guerra do Iraque (a partir de 2003), a Guerra do Afeganistão (a partir de 2001) e a
Guerra Global Contra o Terror (também a partir de 2001), têm revelado que diversas
dimensões do espaço de batalha vem sendo exploradas de forma crescente.
Este fato permite supor que as guerras do futuro tendem a se tornarem cada
vez mais guerras omnidimensionais, ou seja, nas quais haverá atuação em todas as
dimensões do espaço de batalha.
Os efeitos omnidimensionais são sentidos em todos os níveis. Se no nível
estratégico as guerras são cada vez mais omnidimensionais, no nível tático, as
91
operações se tornam Operações de Amplo Espectro, ou seja, há a ocorrência
simultânea ou sucessiva de variados tipos de operações militares no mesmo espaço
de batalha (Operações Defensivas, Ofensivas, de Reconstrução e Apoio
Humanitário, etc).
Além disso, há uma crescente participação e atuação de outros atores, que
não somente as FA ou forças militares, dentro do espaço de batalha, contribuindo
para o esforço estratégico em operações que vem sendo denominadas de
Operações Interagências.
Este fato amplia a importância de que todas as Expressões do Poder
Nacional (Política, Econômica, Militar, Científico-Tecnológica e Psicossocial) estejam
alinhadas e comprometidas em atuarem nos novos espaços criados pela
incorporação de novas dimensões ao espaço de batalha.
Em outras palavras, a guerra nuca foi somente coisa para soldados, mas,
cada vez mais, a Defesa Nacional tem deixado de ser função exclusiva dos poderes
naval, terrestre e aeroespacial, passando a depender de todo o Poder Nacional
operado de forma integrada por meio de seus órgãos e agências.
A Guerra Multidimensional não se caracteriza pela atuação em uma ou outra
dimensão ou espaço (tangíveis ou não), nem por uma ou por outra tecnologia. Este
é um tipo de guerra caracterizada pela multidimensionalidade e pela utilização de
toda tecnologia disponível em todo espaço possível.
A guerra parece renascer com novos contornos. O ataque financeiro realizado
por George Soros no Sudeste Asiático, os ataques terroristas conduzidos por
Osama Bin Laden às embaixadas norte-americanas e ao World Trade Center, o
ataque com gás Sarin no metrô de Tókio, realizado pelos discípulos de Aum Shinri
Kyo, os ataques cibernéticos de 2007 e 2009 e a devastação causada por Morris Jr.
na internet são eventos cujos graus de destruição são comparáveis aos de uma
guerra convencional.
Estes acontecimentos representam uma forma embrionária de um novo tipo
de guerra, na qual os Princípios de Guerra não mais indicarão “o emprego da força
armada para compelir um inimigo a se submeter”, e sim, “a utilização de todos os
meios, militares e não-militares, letais e não-letais, para compelir o adversário a se
submeter” (LIANG e XIANGSUI, 1999).
As operações de prevenção, contenção e eliminação destas novas ameaças,
as quais não caracterizam propriamente uma guerra convencional, têm sido
chamadas de Operações de Não-Guerra e são marcadas pela atuação conjunta das
Forças Singulares que compõe as FA nacionais, bem como pelo envolvimento e
participação integrada das forças de Segurança Pública e demais agências e
instituições de Estado.
Infere-se, portanto, que toda nação, ainda que de índole pacífica, como é o
caso do Brasil, precisará estar preparada para se defender em todas as dimensões
do espaço de batalha e para defender-se contra uma Guerra Multidimensional.
A análise da Guerra Multidimensional é diacrônica, ou seja, deve ser realizada
levando-se em consideração a evolução temporal do conflito: ataques financeiros,
cibernéticos, batalhas baseadas em redes, com alvos estratégicos, suspensão
temporária ou total da rede de internet ou de suas funcionalidades, ataques
terroristas discretos ou de grande impacto. Todas estas ações fazem parte de uma
escalada do conflito, que pode culminar num combate militar tradicional com ênfase
de atuação na segunda e terceira dimensões do espaço de batalha.
92
Parece que o paradigma de guerra vem se submetendo às mudanças
tecnológicas e do sistema de mercado e que poderá ser desencadeada de formas
atípicas.
No entanto, a despeito das formas que a violência possa vir a assumir, a
guerra continuará sendo um confronto violento, regidos pelos Princípios de Guerra
que sempre nortearam as ações militares. Da mesma forma, o axioma de Clausewitz
– “A guerra é a continuação da política por outros meios...” (CLAUSEWITZ, 1993) –
possivelmente continuará a valer.
A grande diferença é que, num futuro previsível, as operações militares não
constituirão mais a totalidade da guerra e, ao contrário, formarão uma das
dimensões de um espectro multidimensional. Tal espectro poderá incorporar a
dimensão de uma guerra não-militar, mas, ainda sim uma guerra: guerra ecológica,
guerra comercial, guerra financeira, guerra centrada em redes interativas, além de
outras (LIANG e XIANGSUI, 1999).
Pode se conjecturar que a guerra do futuro poderá se desenvolver,
simultaneamente, tanto no espaço macroscópico, como também no espaço
mesoscópico ou no espaço microscópico, cada qual definido por suas propriedades
físicas e tecnológicas específicas. Os indícios da ambiência tecnológica, onde o
“espaço nanométrico36” já se manifesta no rastro das redes interativas, indicam que
a guerra poderá ocorrer até sem o envolvimento direto de seres humanos (LIANG e
XIANGSUI, 1999).
As chamadas “armas inteligentes”, dotadas de sistemas de guiamento de
precisão e outras armas consideradas de “alta-tecnologia” não acrescentaram até o
momento inovações militares radicais em sua concepção geral ou como germe da
guerra do futuro. Desse modo, apenas os seus elementos de arquitetura estrutural e
de inteligência foram inovados ou aprimorados.
Enfim, é possível que no futuro venham a surgir armas com novas
concepções tecnológicas capazes de fornecer vantagens competitivas, estratégicas,
operacionais, táticas ou logísticas definitivas a um exército, agregando poder não-
letal ao tradicional poder da “pólvora”, o que pode resultar em um poder dissuasório
supremo.
93
O surgimento de inimigos “assimétricos”, organizados em células
dissimuladas no meio da população civil e a emergência de conflitos de baixa
intensidade, particularmente do tipo guerra irregular, vêm forçando a ocorrência de
transformações das forças militares no sentido de se tornaram mais leves,
modulares, flexíveis e dinâmicas, ampliando o emprego de forças de operações
especiais e a condução de operações de informações e de inteligência militar
(PINHEIRO, 2011).
Além disso, as operações passaram a ser planejadas com vistas aos efeitos
materiais e psicológicos finais a serem atingidos, o que se convencionou chamar de
efeito final desejado. Este é um novo conceito doutrinário que suplanta e modifica ao
tradicional conceito de centro de gravidade, formulado por Clausewitz no século XIX,
dando-lhe nova roupagem (CLAUSEWITZ, 1993).
Do ponto de vista tecnológico, armas de alta precisão, com reduzido efeito
colateral, veículos aéreos e terrestres, remotamente tripulados ou controlados,
sensores de alta precisão, sistemas de comando e controle e redes de informação e
de consciência situacional vêm promovendo uma profunda mudança na condução
das guerras, possibilitando o aumento da velocidade do processo de decisão, de
sincronização, de precisão e de letalidade das ações. Com isso, o desenvolvimento
da BID passou a ter importância crescente no processo de Transformação Militar de
uma nação (DOMBROWSKI, GHOLZ e ROSS, 2006).
Novos paradigmas de combate surgem em resposta à Era da Informação,
gerando um processo contínuo de inovações (inovações incrementais), cuja
combinação resulta em novos sistemas de armas e equipamentos, novos conceitos
doutrinários e organizacionais e a emergência de novas capacidades.
Conceitos originais e tecnologias de vanguarda, como guerra centrada em
redes, operações baseada em efeitos, munições inteligentes e de precisão, sistemas
aéreos furtivos e não tripulados, operações conjuntas, conjugam o amplo espectro
de mudanças dos paradigmas da Guerra do Futuro, os quais se encontram
presentes na RAM e na TRAM da Era da Informação.
Da análise do ambiente operacional contemporâneo e da projeção do cenário
de Segurança e Defesa, caracterizado pela Guerra Multidimensional, é possível
delinear o contexto estratégico no qual os países deverão estar preparados para
atuar.
Segundo Krepinevich (2006), o cenário estratégico contemporâneo exige que
os Estados estejam preparados para empregar uma diversificada combinação de
vetores militares e civis para enfrentar os seguintes desafios principais:
- (1) instabilidade dos Estados;
- (2) desrespeito às normas internacionais;
- (3) existência de redes extremistas transnacionais organizadas e violentas; e
- (4) proliferação de armas de destruição em massa e das tecnologias
avançadas para uso militar sob controle de pequenos grupos ou elementos isolados.
Krepinevich (2006) destaca, ainda, que serão requeridas capacidades
militares para cumprir objetivos operacionais críticos, obrigando que as forças de
combate se transformem substancialmente com ênfase nas seguintes características
e capacidades principais:
- (1) maior mobilidade;
- (2) maior capacidade de discrição (em todas as suas formas);
- (3) proteção eletrônica;
- (4) apoio logístico e de combate mais ágeis;
- (5) sistemas de armas mais precisas e de maior alcance;
94
- (6) armamentos não-letais;
- (7) sistemas não-tripulados e automatizados; e
- (8) ciclos de C² mais comprimidos e ágeis em termos de identificação
das ameaças, planejamento, decisão e atuação.
Neste contexto, um exército deverá estar apto a conduzir operações no amplo
espectro dos conflitos, ou seja, as Forças Armadas deverão ter capacidade de
conduzir ações que combinem atitudes ofensivas, defensivas, de pacificação, e de
apoio aos órgãos governamentais nacionais e internacionais, de forma simultânea
e/ou sucessiva, ou seja, uma força militar deverá estar apto a enfrentar uma Guerra
Multidimensional.
Enfim, é razoável afirmar que as FA do século XXI devem estar capacitadas a
cumprir missões em todos os espectros dos conflitos, que vão desde as ações
desenvolvidas em situação de paz estável até as operações militares
desencadeadas em situações de conflito armado e de guerra generalizada,
passando pelas etapas intermediárias da escalada da crise que podem envolver o
Estado ou exigirem seu comprometimento aos esforços internacionais de
engajamento e participação ou condução de operações combinadas ou
multinacionais de manutenção da paz.
Portanto, verifica-se que todas estas capacidades requeridas estão
relacionadas com o estabelecimento de uma Estratégia Multidimensional de Defesa.
Portanto, com base nas projeções levantadas, podem ser inferidas como
ameaças mais prováveis à Segurança e Defesa do Brasil no horizonte 2025-2040 as
seguintes questões (ALSINA JÚNIOR, 2009):
(1) Ameaças Internacionais
- acirramento da desigualdade Norte-Sul, resultando em tensões
internacionais interestatais;
- ameaça internacional aos interesses brasileiros, particularmente no entorno
estratégico;
- problemas de controle das fronteiras terrestres e marítimas e de ilícitos
transnacionais;
- ameaças aos recursos naturais situados principalmente na Amazônia e na
região marítima do Pré-Sal (a chamada Amazônia Azul pela Marinha do Brasil);
- ataques a brasileiros residentes no exterior;
- ações terroristas, espionagem e sabotagem;
- cerceamento tecnológico internacional que resulte em defasagem
tecnológica contundente; e
95
- ameaças internacionais ao acesso contínuo ou à soberania sobre fontes
nacionais de energia, recursos naturais e água.
(2) Ameaças Ambientais
- desastres e outras ameaças ambientais e de mudanças climáticas;
- crimes ambientais (biopirataria e desmatamento); e
- desastres naturais (enchentes, estiagem, desertificação).
(3) Ameaças às Infraestrutura Estratégicas
- ataques às infraestruturas estratégicas;
- defasagem tecnológica contundente em setores estratégicos; e
- ataques e crimes cibernéticos.
(4) Ameaças à Segurança Pública e Social
- corrupção endêmica;
- crime organizado e narcotráfico;
- acirramentos de tensões sociais, representadas pelo aumento da
desigualdade social, questões indígenas, quilombolas, movimentos de luta pela terra
e migrações; e
- ameaças à segurança alimentar (cultivos e lavouras).
(5) Ameaças à Saúde Pública
- pandemias, epidemias, endemias, surtos.
Em síntese, este é o quadro de ameaças mais prováveis de serem
enfrentadas pelo Brasil no horizonte de 2025-2040, considerando as tendências
contextuais do cenário mundial e do próprio desenvolvimento descompassado do
País em futuro de médio e longo prazo.
Em consequência, dentro de uma visão estratégica, o Brasil precisa ampliar
qualitativamente seu poderio militar de forma independente e autônoma para
respaldar a crescente projeção externa do País e garantir sua capacidade de
assumir novas responsabilidades demandadas pela comunidade internacional.
Além disso, as Forças Armadas (FA), cada vez mais, têm sido chamadas a
atuarem nas fronteiras, no âmbito da Segurança Pública, contra os crimes
transnacionais e na defesa dos recursos naturais e energéticos e das estruturas
estratégicas do País, as Estruturas Estratégicas Terrestres (EETer).
Portanto, a autonomia nacional será mais efetiva com a redução da
dependência externa e pela revitalização da BID, resultando no reaparelhamento
das FA e no desenvolvimento tecnológico, que tem impacto direto sobre o
desenvolvimento nacional.
Se do ponto de vista político-estratégico, o Brasil precisa estar preparado para
enfrentar ameaças em todas as dimensões do espaço de batalha presentes numa
guerra Multidimensional, já do ponto de vista operacional-tático, o Exército Brasileiro
(EB) precisa ser capaz de cumprir missões em todo o espectro dos conflitos e
realizar operações de amplo espectro de forma simultânea e sucessiva.
Além disso, o EB precisa desenvolver capacidades operacionais (ou
operativas) e tecnológicas voltadas para uma guerra centrada em redes, buscando
realizar operações baseada em efeitos, utilizando munições inteligentes e de
precisão e sistemas aéreos furtivos e não tripulados e, ainda, ser capaz de conduzir
operações conjuntas contra forças regulares e/ou assimétricas. Enfim, parece claro
que o País deve buscar estabelecer e desenvolver uma Estratégia Multidimensional
para o século XXI.
96
Os Estados Unidos da América (EUA) foram os primeiros a iniciar seu
processo de Transformação Militar (TRAM) e, por conta deste pioneirismo, bem
como da dimensão das mudanças e de sua frequente aplicação efetiva e real do
Poder Militar, têm servido de referência para outras nações.
Portanto, observadas as diferenças de objetivos estratégicos e
particularidades das ameaças a serem enfrentadas por cada nação, a
Transformação Militar americana pode vir a se constituir num modelo de trajetória
(doutrinária e tecnológica) ou como benchmarking para outros povos.
No caso da TRAM americana, algumas premissas foram estabelecidas na
Joint Vision 2020: American’s Military – Preparing for Tomorrow (USA, 2000), por
meio da qual se instituiu que as forças militares americanas deveriam estar aptas
para alcançar o domínio de todos os espectros de atuação, ou seja, todas as
dimensões do espaço de batalha, cuja ideia central foi sintetizada no slogan
“persuasiva na paz, decisiva na guerra e preeminente em qualquer forma de
conflito”, o que já revela em suas entrelinhas as ideias intrínsecas à Estratégia
Multidimensional.
Em outras palavras, as Forças Armadas americanas deveriam estar aptas a
atuarem em um amplo espectro de atividades e operações militares. O domínio
sobre este amplo espectro de atividades e operações militares será obtido por meio
de 04 (quatro) condições fundamentais (USA, 2000):
- (1) manobra dominante;
- (2) engajamento de precisão;
- (3) logística focada; e
- (4) proteção em todas as dimensões.
A partir desta visão de futuro, a TRAM americana se direcionou para um
processo de flexibilidade estrutural das organizações de defesa, a fim de possibilitar
às unidades de combate melhor atenderem a uma gama variada de missões.
Além disso, a Joint Vision 2020 atribuiu à inovação (tanto a tecnológica
quanto a não-tecnológica, e, em particular, a inovação doutrinária) o papel-chave de
todo o processo de Transformação Militar.
Deve ser destacado, ainda, que a TRAM americana foi concebida e tem sido
implementada como um processo contínuo de antecipação ou mesmo de criação de
um futuro desejável, por meio da (co)evolução dos conceitos doutrinários, da
mudança dos processos operacionais e, ainda, por meio da modernização da
tecnologia utilizada pelas Forças Armadas (ALBERTS e HAYES, 2006).
Com base nestas ideias, foram estabelecidas diretrizes de transformação
priorizando o emprego das seguintes concepções operacionais (ALBERTS e
HAYES, 2006):
- (1) operações de guerra centradas em redes de C²;
- (2) operações conjuntas entre as FA nacionais e combinadas entre as
forças estrangeiras aliadas;
- (3) emprego da brigada combatente como a grande unidade básica e
modular de combate;
- (4) intensificação no emprego de forças de operações especiais; e
- (5) condução de operações de ajuda humanitária e operações de paz
simultaneamente às operações militares de combate.
No caso do processo de TRAM americana, verifica-se que a inovação militar,
nele inserida, é percebida como uma solução possível para um problema
identificado. A inovação pode ser ainda a exploração de uma oportunidade (USA,
2000).
97
No entanto, enfatiza-se que o sucesso de qualquer inovação na TRAM
americana depende, sobremaneira, da mudança no pensamento, na ação e no
modo de agir de cada pessoa relacionada com o processo de inovação e
transformação. Enfim, a TRAM depende da mudança de cada militar enquanto
profissional (USA, 2000 e 2006).
Em outras palavras, segundo as concepções do processo de TRAM dos EUA,
é necessário ser criado um clima de inovação organizacional, ou seja, faz-se
necessário cultivar um ambiente no qual os profissionais “pensem fora da caixa”,
buscando soluções inovadoras aos problemas organizacionais (EUA, 2000 e 2006).
Outra ideia relevante da Transformação Militar americana é que para que uma
inovação seja adotada pela Defesa é necessário que previamente esta inovação
seja maturada através de mecanismos institucionais de experimentação prática, de
modo a possibilitar sua melhor adequação às demandas reais de emprego militar ou,
no caso contrário, ocorrerá a refutação da inovação (ALBERTS e HAYES, 2006).
Segundo Albert e Hayes (2006), uma grande inovação (ou inovação radical)
depende de inovações complementares menores:
Innovation in a single arena, whether that is doctrine, organization,
technology, training, leadership, or any other isolated area, will almost
certainly fail and will always fall far short of its potential if it is not coevolved
with complementary change and innovation in other areas (ALBERTS e
HAYES, 2006, p.56).
Por sua vez, o Professor Dr. Thomas Guedes da Costa (COSTA, 2011a), do
College of International Security Affairs (CISA) da National Defense University
(NDU), Washington, D.C., enfatiza que o processo de inovação e de transformação
no Setor de Defesa dos EUA envolve os seguintes atributos que devem ser
buscados pelas organizações militares e civis que implementam a inovação:
- (1) agilidade para mudar (pró-atividade);
- (2) criatividade para encontrar soluções aos problemas externos e aqueles
inerentes ao processo;
- (3) rigor metodológico para o estabelecimento de critérios de verificação e
maturação da inovação;
- (4) profundo conhecimento e estudo das condicionantes de mudança e de
inovação; e
- (5) verificação da relevância da inovação a ser implementada.
Com base nestas concepções gerais, os EUA desenvolveram e incorporaram
os seguintes conceitos doutrinários em seu processo de Transformação Militar:
- Guerra Tecnológica, que se referem às inovações tecnológicas do tipo
radicais, aplicáveis no âmbito do Departamento de Defesa dos EUA (DOMBROWSKI
e GHOLZ, 2006);
- Guerra Centrada em Redes (Network-Centric Warfare - NCW), que, focando
no fluxo de informações do sistema de Comando e controle (C²), procura tornar mais
rápido e efetivo o processo de decisão e de atuação do Sistema de Defesa
(DOMBROWSKI e GHOLZ, 2006); e
- Guerra Cibernética, que se refere às práticas de defesa e ataque aos
sistemas controlados por softwares, utilizando a internet e outros meios de
tecnologia da informação (MTI) (BERKOWITZ, 2003).
Dessa forma, verifica-se que nos EUA está em andamento uma ampla
Revolução em Assuntos Militares (Revolution in Military Affairs - RMA), por meio da
qual são introduzidas inovações tecnológicas incrementais e buscadas inovações
98
tecnológicas radicais, que, por sua vez, resultem em inovações doutrinárias e
inovações nas estruturas organizacionais (inovações não-tecnológicas
organizacionais) das Forças Armadas americanas.
Para tal, tem sido realizado amplo investimento em pesquisa e
desenvolvimento (P&D) e na formação, capacitação e qualificação do pessoal, a fim
de se buscar o desenvolvimento de tecnologias estratégicas, tais como (USA, 2003):
- (1) tecnologias que aumentem os meios de mobilidade militar;
- (2) tecnologias stealth (tecnologias furtivas que possibilitam invisibilidade de
aeronaves perante os meios de detecção inimigos);
- (3) tecnologias de proteção eletrônica; e
- (4) tecnologias em sistemas autônomos e veículos não-tripulados.
A NCW possibilita o aumento da “consciência situacional” do espaço de
batalha, por meio da modernização dos sistemas de C², constituídos por sensores,
radares, satélites e MTI aplicados às comunicações (DOMBROWSKI, GHOLZ e
ROSS, 2006).
Os sistemas de C² atuam integrados em redes, possibilitando ganhos no
processo decisório, na sincronização e na atuação das forças militares
(DOMBROWSKI, GHOLZ e ROSS, 2006) (DOMBROWSKI e ROSS, 2008).
Além disso, desde os atentados de 11 de setembro de 2001, as Forças
Armadas dos EUA têm sido preparadas para operarem de forma flexível e se
adaptarem às novas características dos conflitos e à volatilidade das situações
presentes na Era da Informação.
Este fato resultou na constituição dos módulos de brigada, que receberam
novos meios de combate e de apoio ao combate, a fim de possibilitar maior
integração das funções de combate, das armas e serviços militares neste escalão.
A brigada americana passou a contar com 03 (três) modelos básicos (USA,
2000):
- (1) as Brigadas Pesadas, que possuem 02 (duas) peças de manobra,
contando com cerca de 3.700 (três mil e setecentos) militares, forte poder blindado,
grande mobilidade terrestre e elevado poder de choque, os quais possibilitam as
estes grandes comandos operacionais a realização de manobras de flanco e de
desbordamento;
- (2) as Brigadas de Infantaria, que possuem 02 (duas) peças de manobra,
contando com 3.300 (três mil e trezentos) militares, tropas leves com grande
capacidade de infiltração e mobilidade estratégica proporcionada por largo emprego
de meios aéreos (aviões e helicópteros); e
- (3) as Brigadas Stryker, que possuem três peças de manobra, maiores
meios de engenharia, de inteligência, de reconhecimento e de guerra eletrônica
(GE), diferentemente dos dois outros tipos de brigada, que contam somente com
duas peças de manobra e meios menores de combate e de apoio ao combate.
Todos os modelos de brigada contam com diversos meios de apoio
divisionário, como aviação de asa fixa e móvel, defesa antiaérea e apoio de fogo de
calibres e tipos variados.
Outro aspecto importante no processo de Transformação Militar americano
está na função de combate C², que, por meio da adoção do conceito de guerra
centrada em redes (NCW), tem sido buscada a ampliação e a aceleração do fluxo de
informações, com a finalidade de promover melhorias no processo de decisão e
maior rapidez dos meios de atuação (USA, 2000).
A TRAM dos EUA tem como eixo central a mudança da cultura organizacional
realizada por meio da transformação dos processos de preparação de seus
99
profissionais. A dimensão cultural se constitui na condição principal de
desenvolvimento, aceitação e difusão de inovações materiais e novos
conhecimentos37, o que se reflete diretamente na operacionalidade das unidades de
combate e de apoio (USA, 2000).
No aspecto cultural, o Centro de Armas Combinadas (Army Combined Arms
Center – CAC) e o Comando de Adestramento e Doutrina do Exército (Army Training
and Doctrine Command – TRADOC) desempenham papel relevante no avanço
doutrinário e no treinamento de tropas com base nas inovações desenvolvidas
(HAJJAR, 2007).
Estas inovações são consolidadas em documentos de acesso público, tais
como os “Códigos de Melhores Práticas: caminho para inovação e transformação
(Code Of Best Practice – COBP)”38 (ALBERTS e HAYES, 2006), o que facilita a
difusão da inovação a toda estrutura de defesa dos EUA (USA, 2006).
38
Code Of Best Practice – COBP: Campaigns of Experimentation – Pathways to Innovation and
Transformation) do Programa de Pesquisa de Comando e Controle (The Command and Control
Research Program – CCRP (USA, 2006).
100
Essas transformações promoveram severos danos à BID e, por fim,
resultaram na redução da atividade nos centros de P&D de defesa nacionais,
inclusive nos centros militares (AMARANTE, 2009).
A explicação para este rápido declínio da BID em consequência das
transformações internacionais está na forte dependência das exportações que havia,
naquele momento, por parte do setor industrial de defesa brasileiro.
O mercado externo desempenhava papel essencial à manutenção da
viabilidade econômica e, portanto, a queda acentuada na demanda mundial por
armas, no início dos anos 1990, resultou na insustentabilidade da indústria de
defesa brasileira.
A falência da Engesa, em 1993, e o quase encerramento das exportações de
produtos militares por parte da Avibrás e da Embraer, marcaram o fim dos “anos
dourados” da BID brasileira (BRASIL, 2012a).
No período 1975-1992, ocorreu o auge das exportações bélicas brasileiras,
quando o País respondeu por cerca de 0,35% das exportações mundiais,
percentual que, embora pequeno, não foi desprezível em um mercado
dominado por seis potências militares: Estados Unidos, União
Soviética/Rússia, França, Reino Unido, China e Alemanha
Ocidental/Alemanha (BRASIL, 2012a, p. 22).
101
incidem diretamente sobre as decisões do governo (pelo menos a maioria delas)
(COMDEFESA, 2012):
- (1) cargas tributárias e juros altos;
- (2) indisponibilidade de mão de obra especializada, o que gera aumento do
custo de contratação;
- (3) logística ineficiente;
- (4) infraestrutura deficiente;
- (5) energia cara;
- (6) burocracia lenta;
- (7) moeda nacional sobrevalorizada, prejudicando a competitividade
internacional dos produtos brasileiros;
- (8) descontinuidade das compras públicas;
- (9) falta de planejamento de longo prazo; e
- (10) contingenciamento orçamentário para as aquisições e investimentos em
P&D de produtos de defesa (PRODE).
Quanto ao orçamento para a Defesa, ressalta-se que os Fundos Setoriais do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT), apesar de não existência de um
fundo setorial específico para os produtos de defesa, têm exercido, de forma
crescente, importante papel na disponibilidade de recursos para os projetos da
indústria de defesa (11% do total), o que, em parte, compensa o contingenciamento
orçamentário das FA (ABDI, 2011).
“Boa parte das principais ações apoiadas pelos fundos setoriais no Setor de
Defesa vêm sendo desenvolvidas pelas instituições de P&D das Forças
Armadas Brasileiras, [...]. Entretanto, parcela não desprezível dessas ações
estão relacionadas com as empresas que fazem parte da BID” (ABDI, 2011,
p. 637).
102
Entretanto, segundo o setor industrial de defesa, o RETID mantém a
vantagem competitiva aos importados, que são isentos do imposto de importação, e
não fornece a isonomia devida à indústria nacional, essencial para o
desenvolvimento do setor e fortalecimento da BID (COMDEFESA, 2012).
Esta situação resulta na ineficácia do RETID, que não consegue promover a
isonomia entre a indústria nacional e a estrangeira e, desse modo, não é capaz de
contribuir para a revitalização da BID e para o reaparelhamento das FA
(COMDEFESA, 2012).
Tanto Barbosa (2012) quanto o relatório do COMDEFESA (2012) alegam que
prevaleceu o interesse arrecadador do Estado, ficando excluída da isenção tributária
a venda final das empresas nacionais para o MD, o que representa mais de 70%
(setenta por cento) do faturamento das indústrias de defesa. Em outras palavras, o
governo continuou dando vantagem tributária aos importados, uma vez que estes
continuam isentos de imposto de importação.
Portanto, o RETID desonera apenas as aquisições nacionais entre empresas,
deixando excluída a desoneração da venda final das empresas da BID nacional para
o MD, que compreende a negociação mais vultosa e significativa do setor.
Considerando que as compras governamentais são quase a totalidade da
demanda do setor, tendo em vista a baixa inserção das indústrias de defesa
brasileiras no mercado internacional, a pesada carga tributária sobre a venda final
das empresas para o MD resulta em baixa competitividade dos produtos nacionais
em relação aos similares estrangeiros (SILVA, 2004).
De qualquer forma, somente as compras do MD não são suficientemente
capazes de prover a escala necessária para a consolidação de uma BID competitiva.
Além disso, as compras das FA visam a atender tão somente suas necessidades
estratégicas, o que nem sempre poderá ser atendido completamente pela BID
brasileira (vertente de produção do Setor de Defesa), resultando que seja normal a
coexistência de aquisições de equipamentos militares da produção doméstica e por
intermédio das importações (FINEP, ABDI e IPEA, 2011).
Além do mais, verifica-se que a legislação tributária em vigor inibe o
desenvolvimento de tecnologias de uso dual, o que resulta na inocuidade do RETID
como fator de estímulo à reestruturação e à revitalização da BID nacional
(BARBOSA, 2012).
Apesar de o governo ter indicado a intenção de substituir as importações de
defesa pelo desenvolvimento de produtos nacionais e de promover o fortalecimento
da BID, algumas medidas não têm alcançado os resultados esperados pelo setor
industrial de defesa, que demanda por isonomia tributária para a produção nacional,
incentivo à inserção nacional nos mercados internos e externos e expansão dos
financiamentos (BARBOSA, 2012).
Quanto às propostas do setor, a Associação Brasileira das Indústrias de
Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE) consolidou suas próprias
recomendações de medidas viabilizadoras, que podem ser resumidas nas seguintes
propostas:
- (1) priorização de produtos nacionais nas compras governamentais;
- (2) inclusão de cláusulas de offset (compensação, transferência tecnológica,
etc) nos contratos de importação de produtos de defesa;
- (3) incentivo à participação do Estado nas EED;
- (4) promoção e apoio às exportações;
- (5) linhas de crédito e investimento permanentes em P&D e de apoio à
inovação militar, de PRODE e de produtos de uso dual;
103
- (6) inclusão de outros órgãos de Estado no esforço de fortalecimento da
BID;
- (7) estabelecimento de inteligência de Estado capaz de definir áreas de
prioridade tecnológica e comercial para a BID;
- (8) ampla isonomia fiscal e tributária para os produtos nacionais de defesa;
- (9) instituição de mecanismos legais que assegurem a continuidade
orçamentária para a defesa;
- (10) capacitação de mão de obra especializada;
- (11) criação de arcabouço legal que garanta a responsabilização dos atores
envolvidos na guarda de informações sensíveis em programas estratégicos de
defesa;
- (12) fortalecimento do Sistema Nacional de Certificação e Metrologia; e
- (13) integração de atores e formação de um Sistema Setorial de Inovação
(SSI) de Defesa e alargamento para os produtos de Segurança Pública dos mesmos
benefícios pretendidos para os produtos de defesa (ABIMDE, 2011).
Enfim, são muitas as medidas possíveis de serem implementadas em apoio
ao fortalecimento da BID. Entretanto o debate se acirra por conta dos argumentos
daqueles que vem nestes incentivos um excesso de proteção do Estado às
empresas do setor, o que poderia resultar em desestímulos à competitividade das
empresas nacionais de defesa e no estabelecimento de medidas antieconômicas
pela criação de um mercado cativo a um custo muito elevado a ser arcado por uma
nação em desenvolvimento e repleta de problemas econômicos e sociais.
104
- (4) maior liberdade cambial e procedimentos mais simplificados nas
operações de importação e exportação, tornando mais fácil a entrada de novas
empresas.
Sem dúvida, a vantagem mais relevante da ZPE de defesa em relação ao
RETID é o incentivo à exportação. Isto porque o mercado externo é de fundamental
importância para garantir a sustentabilidade da BID em complementação às
compras governamentais. A exportação amplia a demanda do mercado para a
indústria de defesa, estimulando o desenvolvimento do setor.
Uma segunda vantagem da implantação de uma ZPE para o Setor de Defesa
é a possibilidade de atração e de instalação de empresas estrangeiras de produtos
de defesa, que possuam know-how mais avançado e mão de obra mais qualificada,
possibilitando a transferência e internalização de conhecimentos estratégicos.
Essas empresas teriam papel suplementar na promoção do catch up
tecnológico do Setor de Defesa nacional, uma vez que as empresas estrangeiras
poderiam formar parcerias e joint venture com as empresas brasileiras.
Em síntese, as ZPE para as EED não devem ser vistas como o único
instrumento para o fortalecimento da BID, devendo estar associadas com outras
medidas, tais como uma política de priorização dos produtos nacionais nas compras
governamentais do MD e o não contingenciamento do orçamento de defesa, uma
vez que o contingenciamento prejudica os investimentos em P&D, o processo de
aquisições e a continuidade do programa de reaparelhamento das FA.
Portanto, a combinação de todas estas medidas poderiam gerar o aumento
da escala de produção e, em consequência, a redução dos custos e elevação da
competitividade dos produtos nacionais, possibilitando a se atingir o objetivo
estratégico de promover o fortalecimento e a sustentabilidade da BID nacional.
Neste contexto, os gastos com a Defesa do Brasil não são suficientes para
garantir a sustentabilidade da BID, gerando a necessidade de complementação do
mercado por meio de exportações.
Enfim, as ZPE podem se constituir em alternativa eficaz para promover as
exportações dos produtos de defesa nacionais e garantir a sustentabilidade da
indústria nacional de defesa.
105
Neste contexto, segundo Côrtes (2000), foi criado o Ministério da Defesa
(MD), em 1999, e anteriormente implementada a Política de Defesa Nacional (PDN),
em 1996, durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-
2002), posteriormente renovada, em 200540, no governo de Luís Inácio Lula da Silva,
visando a satisfazer a 03 (três) objetivos principais:
- (1) resgatar o princípio da responsabilidade compartilhada por toda a
sociedade pela Segurança e Defesa Nacionais;
- (2) preservar a integridade do princípio da Soberania Nacional por meio do
reaparelhamento das Forças Armadas; e
- (3) adaptar as instituições militares e de Defesa Nacional aos critérios
reformistas do Pós-Modernismo Militar.
Desse modo, o desenvolvimento da inovação militar e do processo de
Transformação Milita (TRAM) do Sistema de Defesa brasileiro vem sendo promovido
por meio de algumas medidas tomadas pelo governo, a partir de então, visando ao
fortalecimento do Setor de Defesa nacional, das quais se destacam:
- (1) o estabelecimento da Estratégia Nacional de Defesa (END), em 2008, que
caracterizou o marco inicial de desenvolvimento do Setor de Defesa e a linha mestra
para o desenvolvimento de inovações e a justificativa legal para o investimento em
P&D de tecnologias militares e duais;
- (2) a sanção da Lei Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010 (BRASIL,
2010), que, entre outras ações:
- (2.1) criou o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA),
visando a proporcionar maior integração no emprego das Forças Singulares;
- (2.2) instituiu a Secretaria de Produtos de Defesa (SEPROD),
estabelecendo a política de compras e de prioridades de investimento centralizado no
âmbito do Ministério da Defesa (MD). Este mecanismo possibilitou intensificar o poder
de compra dos produtos de defesa; e
- (2.3) concedeu poder de polícia às três Forças Singulares, gerando
inovações doutrinárias e organizacionais (não-tecnológicas), relativas à renovação de
suas respectivas missões e possibilidades.
- (3) o estabelecimento do Livro Branco da Defesa Nacional (LBDN), em 2012,
que se constitui num documento chave da Política Nacional para as questões de
Segurança e Defesa, no qual fica exposta a visão do governo a respeito de aspectos
políticos e estratégicos necessários para o planejamento da defesa, dando
publicidade e ampliando o debate sobre o assunto perante a sociedade.
- (4) criação do Plano Brasil Maior (2011-2014), que estabeleceu novas regras
de incentivo à inovação, visando a aumentar a competitividade da industria nacional
em áreas estratégicas, nas quais se incluem o Setor de Defesa;
- (5) lançamento da Medida Provisória nº 544, de 29 de setembro de 2011,
posteriormente convertida na Lei Federal nº 12.598, de 22 de março de 2012
(BRASIL, 2012), que estabeleceu o Regime Especial Tributário para a Indústria de
Defesa (RETID), promovendo um estímulo às inovações militares e ao
desenvolvimento da indústria nacional de defesa.
Ao mesmo tempo este mecanismo proporcionou maior flexibilidade ao
processo licitatório público de compras governamentais de produtos do mercado de
defesa, tornando mais ágil o processo de aquisições das Forças Singulares.
40A principal diferença entre a PDN de 2005 e a de 1996 está na inserção do conceito de segurança
conforme os padrões da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados
Americanos (OEA) sob uma visão de segurança coletiva e cooperativa (ALSINA JÚNIOR, 2009).
106
De todas as medidas apresentadas, destaca-se a elaboração da Estratégia
Nacional de Defesa (END), em 2008 (BRASIL, 2008), com objetivos de reestruturar
a indústria brasileira de material de defesa, reorientar a composição dos efetivos
militares (mantendo o compromisso com a opção pelo Serviço Militar Obrigatório) e
reorganizar as Forças Armadas, enfatizando a presença militar na Região
Amazônica (SIEBENEICHLER, 2009).
Enfim, este é o contexto no qual se insere a TRAM da Defesa Nacional, já em
andamento no País, que tem na PDN a concepção geral que sustenta o processo e
na END as diretrizes do atual processo de Transformação Militar. Todas estas
condicionantes envolvem a TRAM no Exército, objeto de estudo do presente
trabalho sob a ótica da gestão da inovação.
109
- Pesquisa de novos insumos pelo Instituto Militar - Módulo de Brigada Braço Forte;
de Engenharia (IME);
- Centro de Doutrina do Exército (C Dout Ex);
- Sistema de Monitoramento de Fronteiras
(SISFRON); - Núcleo do Centro de Defesa Cibernética;
110
há uma efetiva gestão dos mecanismos de geração e difusão do conhecimento
desenvolvido.
No caso das inovações não-tecnológicas do tipo doutrinária, o que ocorre
normalmente é a implantação “top-down” (de cima para baixo) de doutrinas
exógenas, por meio da transcrição de manuais estrangeiros, ressalvadas as
adaptações necessárias, sem que ocorra um rigoroso processo metodológico para o
estabelecimento de critérios de verificação, maturação e implantação (ou rejeição)
da inovação doutrinária em análise.
Além disso, a difusão doutrinária ocorre somente por meio da publicação de
manuais e no âmbito das escolas de formação, aperfeiçoamento e de Estado-Maior
(EM), ficando, entretanto, os testes práticos, a serem realizados em exercícios no
terreno, à mercê dos respectivos comandantes de Grande Comando Operacional
(ou Operativo) e Grande Unidades aplicarem (ou não) as novas concepções
doutrinárias. Quando, ao contrário, deveria haver um centro de avaliação e de
adestramento doutrinário capaz de testar e difundir de forma nivelada as inovações
doutrinárias desenvolvidas.
Também quanto às medidas de proteção externa das inovações, não se
observa o emprego de patentes nem salvaguardas e outros mecanismos legais de
proteção da inovação no âmbito do processo de Transformação Militar do Exército.
As inovações produzidas permanecem sendo protegidas tão somente pelas
medidas orgânicas estabelecidas pelos Programas de Desenvolvimento de Contra
Inteligência (PDCI) de cada organização militar (OM), onde são desenvolvidas, sob
orientações gerais do Plano de Inteligência do Exército (PIEx). Entretanto, sem que
haja a capacidade de atingir e modificar aspectos culturais de comportamento dos
profissionais que trabalham com conhecimentos centrais, críticos e sensíveis
(tecnológicos e não-tecnológicos) visando à preservação adequada do
conhecimento e da tecnologia desenvolvida.
Enfim, como resultado, muitos dos projetos apresentados têm avançado de
forma lenta por conta da limitação e atraso em aportes financeiros necessários, bem
como por conta de problemas relacionados à gestão da inovação militar e à falta de
expertise no gerenciamento de projetos desta magnitude. Estas questões têm
resultado na falta de agilidade no desenvolvimento das inovações militares, tornando
o processo de TRAM do Exército incompleto e atrasado em relação ao cronograma
inicial, bem como deixando vulnerável o conhecimento e as tecnologias militares
desenvolvidas.
111
- (7) Recuperação da Capacidade Operacional da Força Terrestre (RECOP).
112
Considerando, ainda, as 04 (quatro) condições fundamentais para o domínio
sobre o amplo espectro de atividades e operações militares, definidos na TRAM do
Exército americano (USA, 2000), nota-se que o Projeto SISFRON contribui para a
TRAM do EB com a ampliação da proteção não-física do espaço de batalha, pela
ampliação da consciência situacional, e, portanto, contribui para a ampliacao da
proteção em todas dimensão do espaco de batalha.
Este projeto contribui, ainda, para o incremento de operações de guerra
centradas em redes de C², Network-Centric Warfare – NCW (Guerra Centrada em
Redes), concepção resente tanto na TRAM do Exército americano (USA, 2000)
quanto na do EB.
Alem disso, o Projeto SISFRON contribui substancialmente para o incremento
do processo de Transformacao Militar do Exercito Brasileiro (EB) em 02 (dois) dos
03 (tres) eixos estruturantes ou componentes da TRAM: a doutrina e a tecnologia
militar.
Entretanto, quanto ao carater radical ou incremental da inovacao, verifica-se
que o Projeto SISFRON tem um alcance limitado, com capacidade prevista para
cobrir somente as fronteiras nacionais.
Desse modo, pode-se dizer que o Projeto SISFRON, apesar de possuir um
potencial para se tornar uma inovacao radical, caso sua aplicabilidade seja ampliada
para todo o territorio nacional e o entorno estrategico do Pais, ainda, nao representa
uma inovacao militar radical necessaria a implementacao de uma Transformacao
Militar.
Enfim, conclui-se que o projeto SIFRON classifica-se somente como inovacao
tecnologica incremental muito importante, em razao de promover o desenvolvimento
de uma inovação militar e de tecnologias autóctones e de expertises em diversos
segmentos da BID nacional, possuindo, inclusive, um caráter de emprego dual
(militar e civil).
No Quadro 9, a seguir, serão apresentados as características do SISFRON à
luz dos critérios da inovação militar, verificados anteriormente.
115
Solução a um problema militar e
3º Requisito –
3a (Tecnológica) de defesa por meio de uma
Apresentar solução a um
3b (Não- competência baseada em uma
problema militar ou do
Tecnológica) nova tecnologia militar (TI) e
mercado de defesa.
uma nova doutrina de emprego
Satisfação do 3º Requisito – Sim
4b Possibilidade de difusão por
4º Requisito –
(Difusão pela meio da transferência de
Ser replicável, de modo a não
Transmissão do conhecimento para aliados,
se configurar num caso único.
Conhecimento) parceiros ou concorrentes
Satisfação do 4º Requisito – Sim
Caracteriza uma Inovação Militar Tecnológica e Não-Tecnológica (Doutrinaria e
da Estrura Organizacional) Radical
Fonte: Elaborado pelo próprio autor.
116
Portanto, este projeto estratégico se constitui num modelo para a gestão da
inovação militar, tanto no âmbito da vertente de produção quanto da vertente de
aplicação do Setor de Defesa.
Considerando as novas capacidades requeridas as forças militares no século
XXI, levantadas por Krepinevich (2006), verifica-se que o Projeto GUARANI contribui
para a ampliação das seguintes:
- maior mobilidade;
- apoio ao combate mais ágeis e eficientes; e
- sistemas de armas mais precisas e de maior alcance.
Considerando, ainda, as 04 (quatro) condições fundamentais para o domínio
sobre o amplo espectro de atividades e operações militares, de finidos na TRAM do
Exercito americano (EUA, 2000), nota-se que o Projeto GUARANI contribui nos
seguintes aspectos para a TRAM do EB:
- manobra dominante;
- engajamento de precisão; e
- proteção em todas as dimensões.
Este projeto contribui, ainda, para o emprego da brigada combatente como a
grande unidade básica e modular de combate, concepção presente tanto na TRAM
do Exército americano (USA, 2000) quanto na do EB.
Alem disso, o Projeto GUARANI contribui substancialmente para o incremento
do processo de Transformação Militar do Exército Brasileiro (EB) em todos os seus
03 (três) eixos estruturantes ou componentes da TRAM: a doutrina, a estrutura ou
organização militar com suas capacidades e competências; e a tecnologia militar
empregada.
Desse modo, quanto ao carater radical ou incremental da inovação, verifica-
se que o Projeto GUARANI tem um potencial de alcance amplo na TRAM do EB e
de inclusão na Força de novas concepções e meios relacionadas a modularização
das Grandes Unidades, nivel Brigada, ampliando suas capacidades de
deslocamento operacional e tatico, proteção blindada e poder de choque e de fogo.
Portanto, pode ser considerado uma inovacação militar radical.
118
- engajamento de precisão; e
- proteção em todas as dimensões.
Alem disso, o Projeto ASTROS 2020 contribui substancialmente para o
incremento do processo de Transformação Militar do Exercito Brasileiro (EB) em
todos os 03 (tres) eixos estruturantes ou componentes da TRAM: a doutrina, a
estrutura ou organizacao militar com suas capacidades e competências, e a
tecnologia militar empregada.
Desse modo, quanto ao carater radical ou incremental da inovacao, verifica-
se que o Projeto ASTROS 2020 tem um potencial de alcance amplo na TRAM do EB
e de inclusão na Força de novas concepções e meios relacionadas à modularização
das Grandes Unidades, nivel Brigada, ampliando suas capacidades de
deslocamento operacional e tatico, proteção blindada e poder de choque e de fogo.
Portanto, pode ser considerado uma inovacao militar radical.
Enfim, este projeto estratégico serve de modelo à gestão da inovação militar,
tanto no âmbito da vertente de produção quanto da vertente de aplicação do Setor
de Defesa, uma vez que abrange o gerenciamento de P&D militar, desenvolvimento
de tecnologias de defesa, análise do mercado de defesa, gestão do projeto de CoPS
de defesa em parceria entre empesa nacional e organizações militares, gerando
inovações militares tecnológicas de vanguarda e inovações militares não-
tecnológicas, as quais resultam em vantagens estratégicas/operacionais/táticas e
logísticas expressivas.
No Quadro 12, a seguir, serão sintetizadas as características do Projeto
ASTROS 2020 à luz dos critérios da inovação militar, verificados anteriormente.
119
6.2.7 Projeto Estratégico RECOP
120
Considerando, ainda, o benchmarking da TRAM do Exercito dos Estados
Unidos da America, verifica-se que a TRAM do EB nao possibilitara a satisfacao das
condições fundamentais e diretrizes da TRAM americana (USA, 2000):
- manobra dominante;
- engajamento de precisão;
- logística focada;
- proteção em todas as dimensões.
- operações de guerra centradas em redes de C²;
- operações conjuntas entre as FA nacionais e combinadas entre as
forças estrangeiras aliadas;
- intensificação no emprego de Forças de Operações Especiais.
Enfim, ao analisar a TRAM do EB, verifica-se que, apesar das modernizações
e avanços que o processo promoverá, a Transformação do Exército não possibilitará
ao Brasil possuir uma Forca Terrestre plenamente capacitada às novas ameaças e
demandas da Guerra do Futuro, ou seja, uma FTer plenamente associada aos
novos paradigmas de guerra do século XXI (a Guerra Multidimensional).
7 CONCLUSÃO
A incorporação de novas dimensões de atuação das forças promovem a
ampliação do espaço de batalha, induzindo a mudanças nos paradigmas de guerra,
por meio de uma Revolução em Assuntos Militares (RMA), o que obriga que as
forças militares promovam uma Transformação Militar (TRAM) para acompanhar o
ritmo das mudanças.
No entanto, o germe da mudança dos paradigms de guerra emerge
periodicamente ao longo dos tempos gerando um continuado processo de evolução.
Este germe da guerra do futuro reside nas inovações militares. Sejam inovações
tecnológicas, que promovem o desenvolvimento dos engenhos bélicos, sejam
inovações não-tecnológicas, principais responsáveis pela evolução da arte da
guerra, o processo de inovação é o verdadeiro motor da RAM e da TRAM.
A História Militar mostra que foram as inovações que promoveram as
sucessivas RAM e, consequência, as TRAM da estrutura e modo de condução das
guerras. Ou seja, as sucessivas RAM desencadearam cada uma delas o fenômeno
da TRAM.
Portanto, gerenciar uma TRAM significa gerenciar o processo de promoção e
de desenvolvimento de inovações militares tecnológicas e não-tecnológicas, o que
evidencia o grau de importância que as inovacoes militares carregam no âmbito dos
Setores de Defesa. O processo de inovação militar desenvolve-se em rede ao longo
de todo o Setor de Defesa, promovendo interações mútuas entre agentes e
processos. Desse modo, as inovações militares da vertente de produção do Setor de
Defesa, normalmente de caráter tecnológico, desenvolvidas pelas indústrias e
empresas de Defesa, mesclam-se com as inovações militares da vertente de
aplicação do setor, normalmente de natureza não-tecnológica, que são desencadas
nas Organizações Militares.
No século XXI, as novas ameacas, presentes em diversas dimensões do
espaco de batalha, bem como as demandas decorrentes de paradigamas de guerra
e trajetórias tecnológicas caracterizadas pelo amplo uso de sistemas tecnológicos
informatizados e complexos fazem com as Forcas Armadas nacionais precisem
desenvolver, de forma relativamente autóctone e dinâmica, capacidades de maior
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precisão, maior velocidade e maior alcance em seus sistemas de identificação de
ameaças, processo de decisão e meios de atuação.
Nesta linha, o processo de Transformação do Exército Brasileiro, sem dúvida,
possui concepções basilares que pretendem dotar a Forca Terrestre (FTer) de
capacidades associadas às necessidades da Era da Informação.
Entretanto, a falta de foco no processo de gestão das inovações militares,
associado ao atraso histórico das empresas da Base Industrial de Defesa (BID),
atuantes na vertente produtiva do Setor de Defesa, e à limitação de recursos se
apresentam como óbices de relevância à conquista dos objetivos dentro dos prazos
previstos pelo Projeto de Força do FTer (o PROFORÇA).
Desse modo, para que a TRAM do EB seja efetiva, dentro do horizonte
definido, parece razoável que novos estudos sejam conduzidos de imediato visando
à identificação de novas estratégias de gestão da inovação militar e de medidas de
correção de rumos no âmbito da gestão da TRAM do EB. Enfim, só o tempo poderá
responder as indagações que se fazem presentes por ocasião da longa caminhada
de maturação de uma RAM e condução de uma TRAM.
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