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DESMISTIFICANDO

CUIDADOS PALIATIVOS
UM OLHAR MULTIDISCIPLINAR

ORGANIZADORAS
THAYANA LOUIZE VICENTINI ZOCCOLI
MELISSA GEBRIM RIBEIRO
FLÁVIA NUNES FONSECA
VERÔNICA CARNEIRO FERRER
ORGANIZADORAS
tHaYana LOUIZe vIcentInI ZOccOLI
MeLISSa GeBRIM RIBeIRO
fLÁvIa nUneS fOnSeca
veRÔnIca caRneIRO feRReR

DeSMIStIfIcanDO
CUIDADOS PALIATIVOS
UM OLHaR MULtIDIScIPLInaR

Www.publicalivros.coM
Copyright © 2019 by Thayana Louize Vicentini Zoccoli, et al.

Produção Editorial
Editora Oxigênio

Editor
Léo Kades

Projeto Gráfico e Diagramação


Editora Oxigênio

Capa
Camila Ferrer

Revisão
As organizadoras

1ª Edição: Julho / 2019

L888d Zoccoli, Thayana Louize Vicentini

Desmistificando cuidados paliativos / Thayana Louize


Vicentini Zoccoli, et al. [livro eletrônico]. Brasília: Oxigênio, 2019.
356 p.
ISBN 978-85-8218-464-6 (e-book)
1. Cuidados paliativos 2. Educação 3. Abordagem Multiprofissional
I. Título
CDU 615.85

Publicado com autorização. Nenhuma parte desta publicação pode ser


reproduzida sem a devida autorização dos autores.
SUMÁRIO

Apresentação..............................................................................07
Autores.....................................................................................09

Módulo Cicely Saunders:


Capítulo 1 – Introdução aos Cuidados Paliativos........................18
Capítulo 2 – Bióetica e Cuidados Paliativos...............................33
Capítulo 3 – Comunicação em Cuidados Paliativos...................52
Capítulo 4 – Particularidades da comunicação de más notícias a
crianças e adolescentes................................................................65
Capítulo 5 – Espiritualidade e Cuidados Paliativos.....................80
Capítulo 6 – Abordagem do luto em Cuidados Paliativos..........94
Capítulo 7 – Cuidados Paliativos Oncológicos: quais as contri-
buições do Serviço Social?.........................................................110

Módulo Eduardo Bruera - controle de sintomas altamente desconfortáveis:


Capítulo 8 – Dor......................................................................130
Capítulo 9 – Dispneia, tosse e hipersecreção de vias aéreas.......159
Capítulo 10 – Náuseas e vômitos..............................................181
Capítulo 11 – Constipação intestinal.......................................193
Capítulo 12 – Diarreia.............................................................217
Capítulo 13 – Delirium.............................................................227
Capítulo 14 – Hemorragia.......................................................242
Módulo Elisabeth Kübler-Ross:
Capítulo 15 – Hipodermóclise em Cuidados Paliativos: abordagem
conceitual e prática...................................................................260
Capítulo 16 – Nutrição aos pacientes em Cuidados Paliativos
exclusivos.................................................................................279
Capítulo 17 – Cuidados Paliativos na emergência: é possível?....289
Capítulo 18 – Cuidados Paliativos na Unidade de Terapia Intensiva..308
Capítulo 19 – Sedação paliativa...............................................327
Capítulo 20 – Assistência ao fim da vida..................................335

Para saber mais.........................................................................353

6
ApresentAção

Pacientes e familiares que necessitam de uma abordagem em


Cuidados Paliativos devem receber um olhar integral de uma equipe
capacitada para oferecer intervenções adequadas. Para isso, progra-
mas de treinamento e de educação continuada são fundamentais,
permitindo que se alcance um acolhimento genuíno às demandas
dos pacientes e dos familiares, entre tantos objetivos desafiadores,
como o controle da dor e de outros sintomas.
A obra “Desmistificando Cuidados Paliativos: um olhar
multidisciplinar” foi concebida para responder a uma demanda
por material didático de apoio gratuito e atualizado para cursos de
capacitação em Cuidados Paliativos. O material tem como objetivo
divulgar, de maneira simples e didática, o conhecimento básico
sobre Cuidados Paliativos a todos os profissionais de saúde, seja
no âmbito hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, como forma de
melhorar a qualidade da assistência prestada.
A obra conta com a participação de 20 autores, que trabalham
com Cuidados Paliativos no Distrito Federal. São 20 capítulos,
divididos em três módulos. Alguns dos objetivos abordados nos
capítulos são:

incluindo questões bioéticas.

crianças, adolescentes e adultos.

7
e morrer com dignidade.

dispneia, tosse, hipersecreção de vias aéreas, náuseas e vômitos,


constipação, diarreia, delirium e hemorragia.

Paliativos.

emergência, na Unidade de Terapia Intensiva e no fim da vida,


incluindo sedação paliativa.
Ao final de cada capítulo, o leitor encontrará uma “Área de
Treinamento”, com questões de múltipla escolha gabaritadas para
exercitar o conteúdo apresentado. Na última parte do livro, na
seção “Para saber mais”, são apresentadas sugestões de livros, filmes
e músicas sobre o tema Cuidados Paliativos.

Boa leitura!
As organizadoras

8
Autores

Thayana Louize Vicentini Zoccoli (Org.)


Médica Geriatra e Paliativista
Graduação em Medicina pela Escola Superior de Ciências da
Saúde, Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade
Federal do Piauí, Residência Médica em Geriatria pelo Hospital
Universitário de Brasília, Residência Médica em Medicina Paliativa
pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Médica
assistente do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital de Base do
Distrito Federal. Referência Técnica Distrital em Cuidados Paliativos
da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Preceptora
voluntária do Programa de Residência Médica em Medicina Paliativa
pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal.

Melissa Gebrim Ribeiro (Org.)


Médica Clínica e Paliativista
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, Residência Médica em Clínica Médica
pelo Hospital das Forças Armadas (HFA), Residência Médica em
Medicina Paliativa pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito
Federal. Médica assistente em Cuidados Paliativos da Unidade de
Oncologia do Hospital Regional de Taguatinga

9
Flávia Nunes Fonseca (Org.)
Psicóloga
Graduação em Psicologia pela Universidade de Brasília. Mestre
em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília.
Especialista em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto
Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC). Psicóloga
da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF),
atuando no Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital de Base do
Distrito Federal.

Verônica Carneiro Ferrer (Org.)


Terapeuta Ocupacional
Graduação em Terapia Ocupacional pela Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE). Especialista em Saúde Mental, Álcool e
Outras Drogas pela Universidade de Brasília (UnB). Terapeuta
ocupacional da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal
(SES-DF), atuando no Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital
de Base do Distrito Federal. Membro efetivo da Câmara Técnica
de Cuidados Paliativos da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

Áderson Luiz Costa Junior


Psicólogo
Graduação em Psicologia pela Universidade de Brasília.
Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília. Pós-
-doutorado em Psicologia aplicada à Odontologia. Programador de
Microcomputador. Professor Associado do Instituto de Psicologia
da Universidade de Brasília. Supervisor de estágio em Psicologia da
Saúde e Psicologia Pediátrica.

10
Alexandra Mendes Barreto Arantes
Médica Geriatra e Paliativista
Graduação em Medicina pela ESCS/ Residência de Clínica
Médica pelo HRAN/ Residência em Geriatra pelo HUB. Título de
Especialista em Geriatra e atuação em Medicina Paliativa pela AMB.
Médica no Hospital de Apoio de Brasília e no Instituto Oncovida/
Oncoclínicas. Preceptora da residência de Medicina Paliativa em
rede da ESCS/ coordenadora da Liga de Medicina Paliativa da
ESCS/ orientadora de PIC/ Cuidados Paliativos/ESCS.

Carinne Costa Vieira


Médica Clínica e Paliativista
Graduação em Medicina pelo Centro Universitário do Pará.
Residência Médica em Clínica Médica pelo HRAN. Residência
Médica em Medicina Paliativa pela SESDF. Médica no Espaço
Longevita e no Hospital de Base do Distrito Federal

Cristiane de Almeida Cordeiro


Médica Clínica
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro/Escola de Medicina e Cirurgia (UniRio). Residência
em Clínica Médica pelo Hospital Geral de Pedreira do Sistema
Único de Saúde (São Paulo-SP). Residência em Clínica Médica
(ano adicional) - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (HCFMUSP-SP). Especialização
em Cuidados Paliativos Hospital Sírio Libanês – Sociedade Bene-
ficente de Senhoras (São Paulo-SP). Médica assistente no Serviço
de Cuidados Paliativos do Hospital de Base do Distrito Federal e
Médica do Corpo Clínico do Hospital Sírio Libanês Brasília – DF.

11
Débora Ferreira Reis
Farmacêutica
Graduação em Farmácia e Bioquímica - Tecnologia de
Alimentos pela Universidade Federal de Santa Maria – USFM.
Pós Graduação Lato Sensu Farmácia Hospitalar pela Faculdade
Cambury de Goiânia. Pós Graduação Lato Sensu Oncologia pelo
Centro Universitário Internacional - Uninter. Chefia do Núcleo de
Farmácia Clínica do Hospital de Apoio de Brasília.

Erika Renata Nascimento Cavalcanti de Oliveira


Médica Clínica
Graduação em medicina pela Universidade Federal de
Campina Grande-PB. Residência em Clínica Médica pelo Hospital
das Forças Armadas de Brasília- DF. Especialização em Gestão da
Clínica pelo Hospital Sírio Libanês. Pós-graduação em Cuidados
Paliativos pela Universidade Santa Cecília-SP. Médica no Hospital
de Apoio de Brasília/Secretária de Saúde do Distrito Federal

Jamila Trevizan Teixeira


Assistente Social
Bacharel em Serviço Social pelo Centro Universitário de
Votuporanga. Pós-graduação em Direito Público pela Faculdade
de Direito Professor Jacy de Assis, da Universidade Federal de
Uberlândia. Assistente Social no Hospital de Apoio de Brasília,
referência técnica na Unidade de Cuidados Paliativos (internação,

12
ambulatório multiprofissional e serviço interdisciplinar de acolhi-
mento e apoio aos enlutados do HAB) e Centro de Referência de
Doenças Neuromusculares. Preceptora da Residência Multiprofis-
sional de Atenção ao Câncer pela Fundação de Ensino e Pesquisadas
Ciências da Saúde -FEPECS/SES/DF.

Lia Nogueira Lima


Médica Geriatra
Graduação em Medicina pela Escola Superior de Ciências
da Saúde. Residência em Clínica Médica pelo Hospital das Forças
Armadas. Residência em Geriatria pelo Hospital Universitário de
Brasília. Médica da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital de
Apoio de Brasília. Preceptora do Programa Programa de Residência
Médica em Medicina Paliativa pela Secretaria de Estado de Saúde
do Distrito Federal.

Luana Viana de Oliveira


Assistente Social
Graduação em Serviço Social pela Universidade de Brasília.
Pós-graduação em Serviço Social e Saúde pelas Faculdades Integradas
Olga Metting - Salvador – BA. Assintente social na pediatria do
Hospital Materno Infantil de Brasília – HMIB.

Luiza Alvarenga Lima Bretones


Médica Geriatra e Paliativista
Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Goiás.
Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal
de Goiás. Residência Médica em Geriatria pela Universidade de

13
Brasília. Residência Médica em Medicina Paliativa pela Secretaria de
Estado de Saúde do Distrito Federal. Médica assistente no Hospital
de Apoio de Brasília e no Hospital de Base do Distrito Federal.
Preceptora voluntária do Programa de Residência Médica em Medicina
Paliativa pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal.

Marta Evangelista de Araújo Alves de Lima


Nutricionista
Graduação em Nutrição pela Universidade de Brasília.
Graduação em Direito pela Universidade Paulista Campus Brasília.
Pós-graduação em Saúde Pública Nutricional. Especialização em
Saúde Coletiva e em Terapia da Dor e Cuidados Paliativos. Nutri-
cionista no Hospital de Apoio de Brasília. Preceptora do Programa
Multiprofissional de Atenção ao Câncer da ESCS/SES/GDF.

Patrícia Ribeiro Silva Almeida


Médica Geriatra
Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Goiás.
Residência Médica em Clínica Médica no Hospital de Base do
Distrito Federal pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito
Federal. Residência Médica em Geriatria no Hospital Universitário
de Brasília – UNB. Pós-graduação em Cuidados Paliativos pelo
Instituto Paliar. Médica assistente do Serviço de Cuidados Paliativos
do Hospital de Base do Distrito Federal. Preceptora voluntária do
Programa de Residência Médica em Medicina Paliativa pela Secretaria
de Estado de Saúde do Distrito Federal.

14
Sílvia Maria Gonçalves Coutinho
Psicóloga
Graduação em Psicologia pela Universidade de Brasília. Mestre
e Doutora em Psicologia da Saúde e Desenvolvimento Humano
pela Universidade de Brasília. Psicóloga do Hospital de Apoio de
Brasília - SES/DF. Supervisora de estágio em Psicologia da Saúde.

Siméia Costa Arruda Benício de Paulo


Técnica de enfermagem
Curso técnico de enfermagem pelo SENAC. Graduação em
Enfermagem pela Universidade Paulista UNIP. Técnica de enfer-
magem no Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital de Base do
Distrito Federal.

Teresa Christine Pereira Morais


Enfermeira
Graduação em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade
de Brasília. Especialização em Políticas de RH para a Gestão do SUS
pela Universidade de Brasília (UnB). Mestrado em Enfermagem em
Saúde Coletiva pela EEUSP. Doutorado em Ciências pela Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). Enfermeira
na Unidade Ambulatorial de Quimioterapia da Oncohematologia
do Hospital de Base do Distrito Federal. Docente da Graduação
em Enfermagem da ESCS – Escola Superior de Ciências da Saúde/
FEPECS/SES/D.

15
Thaís de Deus Vieira Boaventura
Médica Geriatra e Paliativista
Graduação em Medicina pela Universidade de Pouso Alegre
- MG. Residência em Clínica Médica no Hospital Regional de
Taguatinga pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal.
Especialização em Geriatria pelo Centro de Médicos do Idoso/
HUB. Título de especialista em Geriatria e em Medicina Paliativa
pela AMB. Especialização em Preceptoria de Residência Médica no
SUS, pelo Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. Médica no
Hospital de Apoio de Brasília. Preceptora do Programa de Residência
Médica em Medicina Paliativa da SES-DF.

16
MÓDULO
CiCely SaunderS

17
1
IntroDução Aos CuIDADos
pALIAtIVos

“É necessário o equilíbrio entre o conhecimento científico e o


humanismo para resgatar a dignidade da vida e a possibilidade de se
morrer em paz”.
(Dalva Yukie Matsumoto)
Thayana Louize Vicentini Zoccoli

O envelhecimento da população, o aumento da prevalência


do câncer e de outras doenças crônicas, o constante desequilíbrio
entre a demanda e a oferta de leitos hospitalares, especialmente leitos
de Terapia Intensiva, além do dever de respeitar a autonomia do
paciente, contextualizam a necessidade de se repensar os cuidados
aos pacientes com baixa probabilidade de recuperação. Os pacientes
sem possibilidade de tratamento modificador da doença acumulam-
-se nos hospitais e recebem, muitas vezes, assistência inadequada
caracterizada por distanásia, focada na tentativa de cura e manutenção
da vida, utilizando métodos invasivos e de alta tecnologia. Essas abor-
dagens, ora insuficientes, ora exageradas e desnecessárias, na maioria
das vezes, ignoram o sofrimento do paciente e de seus familiares1,2.
A doença interrompe o projeto de vida da pessoa, gerando
a necessidade de uma provisão de cuidados para recuperar sua capa-
cidade funcional e viver da melhor maneira possível ao longo da
experiência da doença. Para responder a essa necessidade, é preciso
uma combinação de intervenções terapêuticas apropriadas, que

18 : Desmistificando cuidados paliativos


têm por objetivo o controle de sintomas, com práticas de alívio do
sofrimento e de melhora da qualidade de vida1,2.
O Índice de Qualidade de Morte (Death Quality Index) foi
desenvolvido para avaliar a disponibilidade, acessibilidade e qualidade
dos cuidados paliativos e no fim de vida. Em 2015, 80 países foram
avaliados, abrangendo 85% da população mundial e 91% da
população acima de 65 anos. As categorias avaliadas foram ambiente
de saúde e cuidados paliativos, recursos humanos, acessibilidade
ao cuidado, qualidade do cuidado e participação da sociedade. O
Brasil ficou na 42a posição3, o que demonstra que ainda há muito
a ser desenvolvido no país no que se refere à oferta de assistência à
saúde com base na abordagem dos Cuidados Paliativos.
Diante desse cenário, os Cuidados Paliativos se inserem
como uma medida extremamente necessária. Segundo a definição
da Organização Mundial de Saúde – OMS, publicada em 1990 e
revisada em 2002 e 2017, “Cuidado Paliativo é uma abordagem
que melhora a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças)
e suas famílias, que enfrentam problemas associados a doenças que
ameaçam a vida. Previne e alivia o sofrimento, através da identi-
ficação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros
problemas físicos, psicossociais ou espirituais”1,4.
Cuidados Paliativos não se baseiam em protocolos, mas sim
em princípios1,4:

normal da vida.

do paciente.

viver tão ativamente quanto possível até o momento da morte.

Um olhar multidisciplinar : 19
durante a doença do paciente e a enfrentar o luto.

dos pacientes e seus familiares, incluindo acompanhamento no luto.

o curso da doença.

com outras medidas terapêuticas.


Cuidados Paliativos estão indicados para todos os pacientes (e
familiares) com doença ameaçadora da continuidade da vida, em
concomitância com os cuidados curativos, por qualquer diagnóstico,
com qualquer prognóstico, seja qual for a idade, e a qualquer
momento da doença em que eles tenham expectativas ou neces-
sidades não atendidas. Sendo assim, Cuidados Paliativos podem
complementar e ampliar os tratamentos modificadores da doença
ou podem tornar-se o foco do cuidado, de acordo com os desejos e
as necessidades individuais de cada paciente (figura 1)2,5.
Figura 1: Papel dos Cuidados Paliativos durante a doença e o luto.

Fonte: Azevedo, Tommaso, Burlá, Santos, Dias, Py et al2

20 : Desmistificando cuidados paliativos


Destaca-se a importância de abordar o paciente como um
ser biográfico, mais do que como um ser simplesmente biológico,
valorizando-se a história natural da doença, mas também a história
pessoal de vida e as reações fisiológicas, emocionais e culturais diante
do adoecer6.

IMPORTANTE
Cuidados Paliativos requerem conhecimento técnico refinado,
aliado à percepção do ser humano como agente de sua história
de vida6.

Pacientes que são acompanhados por equipes de Cuidados


Paliativos necessitam de menor tempo de internação hospitalar e são
menos submetidos a medidas invasivas, agressivas e obstinadas para
manutenção da vida, proporcionando melhor qualidade de vida e
de morte para pacientes e seus familiares e redução de custos para
os serviços de saúde. Além disso, há evidências de que o cuidado
paliativo não só aumenta a qualidade de vida, mas também pode
aumentar a sobrevida3,7,8.

Conceitos e definições

Alguns conceitos e definições são essenciais em Cuidados


Paliativos e estão detalhados no quadro 1.

Avaliação funcional

A avaliação funcional em Cuidados Paliativos (quadro 2) é


fundamental para a vigilância da curva evolutiva da doença e se
constitui em elemento valioso na tomada de decisão, previsão de
prognóstico e diagnóstico de terminalidade6.

Um olhar multidisciplinar : 21
Quadro 1: Conceitos e definições essenciais em Cuidados Paliativos.
Terminalidade da vida Quando se esgotam as possibilidades de resgate das condições de
saúde e a possibilidade de morte próxima parece inevitável e
previsível9,10.

Fase final de vida (fim da vida) Aquela em que o processo ativo de morte se desencadeia de forma
irreversível e o prognóstico pode ser definido em horas a dias11.

Obstinação terapêutica Adotar ou manter procedimentos terapêuticos fúteis, cujos efeitos são
mais nocivos do que o próprio mal a ser curado, ou inúteis, os quais
não garantem benefícios aos pacientes, pois a cura é impossível. Por
gerarem ainda mais sofrimentos, violam a dignidade humana11,12-14.

Adequação de Medidas Condutas médicas restritivas, em que se limita o uso de certos recursos,
Terapêuticas (ou Limite do por serem inadequados ou inúteis11.
Esforço Terapêutico)

Eutanásia: Quando, por misericórdia ou piedade, o agente realiza uma “ação”


causadora da morte13,14.
eutanásia ativa”: o agente mata outrem por piedade (pratica
uma conduta de ação)13,14;
“eutanásia passiva”: o agente, omitente, deixa alguém morrer
por piedade (trata-se de omissão relevante; o agente tem
possibilidade e dever de evitar a morte, mas nada faz para
evitá-la)13,14.
Suicídio assistido Quem causa a morte é a própria pessoa, que se mata com o auxílio
indireto de terceiros. Assim, se o médico fornece uma substância letal
ao doente, que a ingere ou a injeta no próprio corpo, morrendo em
decorrência dessa prática (suicídio), a conduta do médico, comissiva,
será enquadrada no tipo do artigo 122 do Código Penal (auxílio ao
suicídio)13,14.

Distanásia Postergação injustificável da morte para além de qualquer benefício


por meio da obstinação terapêutica; priorização indevida da
quantidade de vida, negligência ao cuidado humano de quem está
morrendo, investimento inaceitável em recursos inúteis e adoção de
paradigmas inadequados, não apenas científicos, mas comerciais, que
viola os direitos humanos e a dignidade do paciente. É ilícita, é
inaceitável e pode mesmo caracterizar uma conduta criminosa, sujeita
a responsabilidade civil e criminal, pelas lesões corporais, pelo
constrangimento ilegal, pela tortura e pelo tratamento cruel que
impuser ao paciente e, também, à sua família13,14.

Ortotanásia “Boa morte”, natural, justa, sem sofrimentos. O início do processo


natural da morte, se inevitável, deve ser respeitado. Procedimento
absolutamente lícito e ético13,14.

Diretivas Antecipadas de Conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo


Vontade paciente, sobre cuidados e tratamentos que ele quer, ou não, receber
no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e
autonomamente, sua vontade, em condições de doenças ameaçadoras
à vida15.

Fonte: elaborado pela autora a partir dos trabalhos de Moritz, Rossini, Deicas11; Siqueira,
Pessini12; Torres13; Torres14 e Conselho Federal de Medicina15

22 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 2: Escala de Performance Paliativa (Palliative Performance Scale) – PPS.
% Deambulação Atividade e Autocuidado Ingesta Nível da
evidência Consciência
da doença
100 Completa Atividade Completo Normal Completa
normal e
trabalho; sem
evidência
de doença
90 Completa Atividade Completo Normal Completa
normal e
trabalho;
alguma
evidência
de doença
80 Completa Atividade Completo Normal Completa
normal com ou reduzida
esforço;
alguma
evidência
de doença
70 Reduzida Incapaz para o Completo Normal Completa
trabalho; ou reduzida
Doença
significativa
60 Reduzida Incapaz para Assistência Normal Completa
os hobbies/ ocasional ou reduzida ou períodos
trabalho de confusão
doméstico.
Doença
significativa
50 Maior Incapacitado Assistência Normal Completa
parte do para qualquer considerável ou reduzida ou períodos
tempo trabalho. de confusão
sentado ou Doença
deitado extensa
40 Maior Incapaz para a Assistência Normal Completa
parte do maioria quase ou reduzida ou sonolência.
tempo das atividades. completa +/-
acamado Doença confusão
extensa
30 Totalmente Incapaz para Dependência Normal Completa
acamado qualquer completa ou reduzida ou sonolência.
atividade. +/-
Doença confusão
extensa
20 Totalmente Incapaz para Dependência Mínima Completa
Acamado qualquer Completa a pequenos ou sonolência.
atividade. goles +/-
Doença confusão
extensa
10 Totalmente Incapaz para Dependência Cuidados Sonolência
acamado qualquer completa com a ou coma.
atividade. boca +/- confusão
Doença
extensa
0 Morte - - - -
Fonte: Maciel6

Um olhar multidisciplinar : 23
Modalidades de Atenção em Cuidados Paliativos

O Conselho Federal de Medicina reconhece a Medicina


Paliativa como área de atuação médica por meio da Resolução
nº 1.973/2011 e, mais recentemente, por meio da Resolução nº
2.149/2016, que homologa a Portaria CME nº 02/2016. Esta
última aprova a relação de especialidades e áreas de atuação médicas
aprovadas pela Comissão Mista de Especialidades.
Em âmbito distrital, a Portaria nº 69, da SES/DF, de 09 de
fevereiro de 2017, que define as especialidades médicas e áreas de
atuação médicas reconhecidas do cargo de Médico da Carreira
Médica, reconhece a Medicina Paliativa como área de atuação. Além
disso, a Portaria Conjunta nº 74, da SES/DF, de 14 de dezembro
de 2017 acrescenta a especialidade Medicina Paliativa no cargo de
Médico, da Carreira Médica, e descreve suas atribuições, bem como
define os requisitos necessários para atuação nessa área.
Além disso, em 23 de novembro de 2018, foi publicada no
Diário Oficial da União nº 225 a Resolução nº 41 de 31 de outubro
de 2018, que dispõe sobre as diretrizes para a organização dos
cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no
âmbito do Sistema Único de Saúde, estabelecidas pela Comissão
Intergestores Tripartite.
Dentre as modalidades possíveis de assistência em Cuidados
Paliativos, destacam-se:

É uma unidade ambulatorial baseada no modelo de consultas


com especialista, destinada ao atendimento de pacientes portadores
de doença avançada, progressiva, ameaçadora da vida e com poucas
chances de cura. Seu objetivo é proporcionar bom controle de

24 : Desmistificando cuidados paliativos


sintomas, comunicação adequada de informações sobre a evolução
da doença e perspectivas de tratamento, além de abordagem emo-
cional e espiritual, para melhorar a qualidade de vida do paciente
e seus familiares16.
O ambulatório deve ser organizado de maneira a garantir
o acompanhamento por equipe multiprofissional de Cuidados
Paliativos e propiciar a oportunidade de assistência mais precoce aos
pacientes, numa fase em que a doença, apesar de significativa, tem
pouco impacto sobre sua funcionalidade. Além disso, permite agir na
prevenção de crises de necessidades, o que é de suma importância16.

No Brasil, a maioria das equipes de Cuidados Paliativos que


assiste pacientes internados funciona nesta modalidade. Consiste
em equipe multiprofissional especializada em Cuidados Paliativos
que se coloca à disposição de todas as equipes do hospital, para
a elaboração de um plano de cuidados dirigido ao paciente e sua
família, orientando as condutas. Neste caso, a equipe não assume
o doente de forma integral nem existem leitos específicos para
Cuidados Paliativos16,17.

É uma ala de um hospital geral secundário ou terciário que


conta com leitos próprios e equipe multiprofissional especializada
em Cuidados Paliativos16.

Equivalente ao termo inglês hospice, que é uma unidade de


saúde de média complexidade, apta a dar respostas rápidas às neces-
sidades dos pacientes. Diferencia-se do hospital geral pelo espaço
destinado a atividades diversas e convivência, inclusive para familiares,

Um olhar multidisciplinar : 25
de caráter holístico. Precisam ser equipadas para atender ocorrências
clínicas, com assistência médica durante 24 horas, além de exames
laboratoriais e radiológicos, contando com referência para exames
mais complexos. Deve contar com equipe multiprofissional
completa com formação em Cuidados Paliativos16.

Caracteriza-se por atividade destinada a pacientes portadores


de doença avançada, em progressão, e com necessidade contínua de
monitoramento de sintomas e aplicação de um plano de cuidados
previamente estabelecido. A permanência do doente em sua resi-
dência e ao lado de sua família é, na maioria dos casos, a condição
ideal que assegura a melhor qualidade de vida para o paciente16.
Após a elaboração do Plano de Cuidados de forma indivi-
dualizada por ambulatório ou unidade especializada em Cuidados
Paliativos, as visitas domiciliares podem ser realizadas por médicos
ou enfermeiros treinados e atentos às especificidades dos Cuidados
Paliativos. Idealmente, o atendimento deve ser realizado pela equipe
de atenção primária mais próxima de sua residência, em consonância
e em contínua troca de informações com a equipe especializada16.

Considerações Finais

protocolos.

tratamentos modificadores da doença ou podem tornar-se o


foco do cuidado.

Cuidados Paliativos, mas todas requerem equipe multiprofis-


sional para garantir um cuidado integral.

26 : Desmistificando cuidados paliativos


Área de Treinamento

Caso 1. Paciente feminina, 38 anos, teve câncer de colo de


útero há 5 anos, ocasião em que foi submetida à cirurgia seguida de
radioterapia e braquiterapia. Atualmente não possui evidência de
doença oncológica em exames de imagem de controle. Apesar disso,
possui dor pélvica crônica, de difícil controle mesmo com o uso de
opioides fortes. Em atendimento ambulatorial multiprofissional, a
equipe detectou que a paciente possui suporte familiar apenas da
mãe e de uma tia. O pai já é falecido e o marido pediu-lhe o divórcio
quando ela descobriu que tinha câncer. PPS 70%.

1) Considerando o caso exposto acima, marque a alternativa


correta quanto à melhor conduta da equipe de Cuidados Paliativos.
a) A paciente deveria receber alta do ambulatório de Cuidados
Paliativos, uma vez que não possui evidência de câncer no
momento.
b) A paciente deveria receber alta do ambulatório de Cuidados
Paliativos, com encaminhamento para o psiquiatra, uma vez
que sofre de dor secundária a depressão não tratada, desde
que o marido a deixou.
c) A paciente necessita de acolhimento e abordagem integral
de sua dor pela equipe de Cuidados Paliativos, considerando
os aspectos psicológicos e sociais que podem estar relacionados
ao seu sofrimento. Além disso, o cuidado espiritual também
faz parte da abordagem.
d) A paciente deve ser medicada para dor pelo ambulatório
de Cuidados Paliativos e encaminhada ao psiquiatra para
tratamento de depressão.

Um olhar multidisciplinar : 27
2) Ainda sobre o caso 1 e considerando que a paciente tem
dificuldade para executar algumas atividades instrumentais de vida
diária em razão da dor e que sua mãe mostra sinais de sobrecarga
de cuidados, escolha a alternativa correta.
a) A mãe da paciente deve ser encaminhada para acompanha-
mento psicológico, já que ela mesma não é paciente da equipe
de Cuidados Paliativos.
b) A equipe não deve entrar no mérito da questão da sobrecarga
de cuidados da mãe: este papel é do médico assistente da mãe.
c) A equipe de Cuidados Paliativos pode orientar que a mãe
não tem motivos para ficar sobrecarregada, já que a paciente
não tem mais câncer e consegue manter autocuidado.
d) O acolhimento e a assistência à mãe fazem parte da abor-
dagem integral em Cuidados Paliativos: podem ser realizadas
reuniões familiares ou grupos específicos para os cuidadores.

3) Paciente masculino, 26 anos, casado, 3 filhos. Teve diagnós-


tico de glioblastoma multiforme e foi submetido a duas cirurgias.
Queixa-se de dores de cabeça de forte intensidade e tem notado
perda de funcionalidade. Aguarda nova abordagem cirúrgica. Refere
medo de morrer e de deixar a esposa e os filhos desamparados.
Considerando o caso exposto, marque a alternativa correta.
a) O paciente deverá ser encaminhado para acompanha-
mento com a equipe do ambulatório de Cuidados Paliativos
no momento em que não houver proposta de tratamento
modificador de doença.
b) Diante do relato de sofrimento do paciente, uma conduta
possível é a indicação de procedimentos que poderiam abreviar
seu tempo de vida com o objetivo de aliviar sua dor, não só
física, mas também emocional.

28 : Desmistificando cuidados paliativos


c) Existe indicação de encaminhamento do paciente para
acompanhamento conjunto com uma equipe de Cuidados
Paliativos o mais precocemente possível, visto que a abordagem
em Cuidados Paliativos tem papel complementar ao tratamento
modificador da doença.
d) O paciente irá se beneficiar de atendimento conjunto com
equipe de ambulatório de Cuidados Paliativos para tratar
a dor física. Outras demandas identificadas poderão ser
encaminhadas para atendimento em outros serviços.

4) (IADES - SESDF, 2018) Uma técnica de enfermagem de


uma das unidades básicas de saúde onde um médico paliativista
planejava dar aulas perguntou se poderia participar destas, ou se
elas seriam destinadas somente aos profissionais médicos. Consi-
derando o exposto, assinale a alternativa que indica os profissionais
que poderiam participar da ação educativa.
a) Somente médicos, pois eles são os responsáveis pelo
encaminhamento dos pacientes.
b) Somente os enfermeiros e técnicos em enfermagem, pois
cuidar é uma atribuição da enfermagem.
c) Somente os profissionais com nível superior deveriam
assistir a aula, com exceção dos dentistas e farmacêuticos,
pois eles não são envolvidos nesse tipo de cuidados.
d) Todos so profissionais envolvidos com os pacientes, pois a
área de cuidados paliativos é multiprofissional.
e) Somente os profissionais com contato direto com o paciente,
incluindo técnicos; os farmacêuticos não participam.

Um olhar multidisciplinar : 29
Referências Bibliográficas

1 - Matsumoto DY. Cuidados Paliativos: conceito, fundamentos e


princípios. In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de Cuidados
Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia Nacional
de Cuidados Paliativos; 2012. p. 23-30.
2 - Azevedo D, Tommaso ABG, Burlá C, Santos G, Dias LM, Py
L, et al. Vamos falar de Cuidados Paliativos. Sociedade Brasileira
de Geriatria e Gerontologia; 2015. 24 p.
3 - The Economist Intelligence Unit. The 2015 Quality of Death
Index Ranking palliative care across the world. The Economist;
2015. 71 p.
4 - WHO Definition of Palliative Care [homepage na Internet].
WHO 2017 [acesso em outubro 2017]. Disponível em http://www.
who.int/cancer/palliative/definition/en/
5 - Cook D, Rocker G. Dying with Dignity in the Intensive Care
Unit. N Engl J Med. 2014;370:2506-14.
6 - Maciel MGS. Avaliação do paciente em Cuidados Paliativos. In:
Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de Cuidados Paliativos
ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia Nacional de
Cuidados Paliativos; 2012. p. 31-41.
7 - Temel JSL, Greer JA, Muzikansky A, Gallagher ER, Admane S,
Jackson VA, et al. Early palliative care for patients with metastatic
non-small-cell lung cancer. N Engl J Med. 2010 Aug 19;363(8):733-
42.
8 - Braus N, Campbell TC, Kwekkeboom KL, Ferguson S, Harvey
C, Krupp AE, et al. Prospective study of a proactive palliative care
rounding intervention in a medical ICU. Intensive Care Med. 2016
Jan;42(1):54-62.

30 : Desmistificando cuidados paliativos


9 - Gutierrez PL. O que é o paciente terminal. Rev Ass Med Brasil
2001; 7(2):92.
10 - Marengo MO, Flávio DA, Silva RHA. Terminalidade de
vida: bioética e humanização em saúde. Medicina (Ribeirão Preto)
2009;42(3):350-7.
11 - Moritz RD, Rossini JP, Deicas A. Cuidados Paliativos na UTI:
definições e aspectos éticos e legais. In: Moritz RD (Org.). Cuidados
Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva. São Paulo: Editora
Atheneu; 2012. p. 19-32.
12 - Siqueira JE, Pessini L. Aspectos éticos sobre a terminalidade
da vida no Brasil. In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de
Cuidados Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia
Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p. 411-4.
13 - Torres JH. Ortotanásia não é homicídio, nem eutanásia. Quando
deixar morrer não é matar. In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.).
Manual de Cuidados Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2.
ed. Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p. 415-38.
14 - Torres JH. Ortotanásia não é homicídio nem eutanásia. In:

2011. p. 157-85.
15 - Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM 1995/2012.
Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
D.O.U. 31 ago. 2012; Seção I, p. 269-70.
16 - Maciel MGS. Organização de serviços de Cuidados Paliativos.
In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de Cuidados Paliativos
ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia Nacional de
Cuidados Paliativos; 2012. p. 94-110.
17 – Rodrigues LF. Modalidades de atuação e modelos de assistên-
cia em Cuidados Paliativos. In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.).
Manual de Cuidados Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado.
2. ed. Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p. 86-93.

Um olhar multidisciplinar : 31
Questão 1 – c
Questão 2 – d
Questão 3 – c
Questão 4 – d

32 : Desmistificando cuidados paliativos


2
BIoÉtICA e CuIDADos pALIAtIVos

“É necessário garantir ao paciente todos os tratamentos e Cuidados


Paliativos cabíveis e disponíveis para aliviar a sua dor, proporcionando-lhe
condições para que prossiga, naturalmente, sem sofrimento e sem dor,
o caminho da vida até o “mundo dos mortos”, pelas veredas da paz e
da dignidade.”
(José Henrique Rodrigues Torres)
Melissa Gebrim Ribeiro
Thayana Louize Vicentini Zoccoli
Erika Renata Nascimento Cavalcanti de Oliveira

Bioética é o estudo sistemático da conduta humana, na área


das ciências da vida e dos cuidados de saúde, quando se examina
esse comportamento à luz dos valores e dos princípios morais. Tem
maior abrangência que a ética, pois exige uma discussão ampla que
inclui também valor e moral1:

em um determinado momento para um determinado grupo.

são consideradas corretas para uma determinada sociedade. Moral


e ética são preceitos básicos que regem os atos e as decisões de um
indivíduo no decorrer de sua vida.

como interpreta a vida e dá resposta a ela. Ao contrário da moral,


a ética não estabelece regras: a elaboração ética implica indagação,

Um olhar multidisciplinar : 33
humana na área da saúde, é necessário avaliar os casos considerando
os princípios universais da bioética: autonomia, justiça, beneficência
e não maleficência, cuja aplicação é fundamental em Cuidados
Paliativos2-4, como exemplificado no quadro 1.

Quadro 1: Princípios universais da bioética.

Princípio da é imprescindível o consentimento do paciente para qualquer


procedimento ou tratamento e não é admissível a decisão médica isolada; a decisão sempre há de ser
compartilhada.

Princípio da se a ciência não pode evitar a morte, é justo interromper um procedimento


artificial, postiço, que implica em sofrimento.

Princípio da cabe ao médico fazer o bem para o paciente e para a sua família, o que
afasta a possibilidade de uso indiscriminado e abusivo da tecnologia para preservar a vida a qualquer
custo.

Princípio da cabe ao médico não fazer o mal e, assim, evitar o sofrimento do


paciente e o prolongamento inútil de procedimentos gravosos.
Fonte: Criado pelas autoras com dados extraídos de Torres2,3; Conselho Federal de Medicina4.

Todavia, há questionamentos quanto à aplicação desses quatro


princípios anglo-saxônicos em países subdesenvolvidos, uma vez que
tais nações possuem casos mais complexos, necessitando de maior

citados acima são insuficientes no contexto da América Latina,


por exemplo, são limitados frente aos macroproblemas coletivos,
principalmente sanitários e ambientais. Dessa forma, para que as
discussões bioéticas sejam amplas e contemplem a complexidade
existente em países periféricos do hemisfério sul, a UNESCO
publicou em 2005 a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos
Humanos, que é fundamentada em 15 princípios.5 -7:

34 : Desmistificando cuidados paliativos


A dignidade
humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem
ser respeitados em sua totalidade. Os interesses e o bem-estar do
indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência
ou da sociedade.
ii) Os benefícios diretos
e indiretos a pacientes, sujeitos de pesquisa e outros indivíduos
afetados devem ser maximizados e qualquer dano possível a tais
indivíduos deve ser minimizado.
Deve ser
respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando
possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia
dos demais.
Qualquer intervenção médica
preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o
consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido,
baseado em informação adequada,incluindo evidências científicas.
O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder
ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por
qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito.
a auto-
rização para pesquisa e prática médica deve ser obtida no melhor
interesse do indivíduo envolvido e de acordo com a legislação
nacional. Não obstante, o indivíduo afetado deve ser envolvido,
na medida do possível, tanto no processo de decisão sobre consen-
timento assim como sua retirada;

A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração


na aplicação e no avanço do conhecimento científico, das práticas
médicas e de tecnologias associadas.

Um olhar multidisciplinar : 35
A privacidade dos
indivíduos envolvidos e a confidencialidade de suas informações
devem ser respeitadas. Com esforço máximo possível de proteção,
tais informações não devem ser usadas ou reveladas para outros propó-
sitos que não aqueles para os quais foram coletadas ou consentidas
A igualdade funda-
mental entre todos os seres humanos em termos de dignidade e de
direitos deve ser respeitada de modo que todos sejam tratados de
forma justa e equitativa.
A
importância da diversidade cultural e do pluralismo deve receber
a devida consideração. Todavia, tais considerações não devem ser
invocadas para violar a dignidade humana, os direitos humanos e
as liberdades fundamentais.
Nenhum
indivíduo ou grupo deve ser discriminado ou estigmatizado por
qualquer razão, o que constitui violação à dignidade humana, aos
direitos humanos e liberdades fundamentais.
A solidariedade entre os
seres humanos e cooperação internacional para este fim devem ser
estimuladas.
A promoção da saúde
e do desenvolvimento social para a sua população é objetivo central
dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade.

Os benefícios resultantes de qualquer pesquisa científica e suas


aplicações devem ser compartilhados com a sociedade como um
todo e, no âmbito da comunidade internacional, em especial com
países em desenvolvimento.
O impacto das ciências
da vida sobre gerações futuras, incluindo sobre sua constituição
genética, deve ser devidamente considerado.

36 : Desmistificando cuidados paliativos


Devida atenção deve ser dada à inter-relação de seres humanos com
outras formas de vida, à importância do acesso e utilização adequada
de recursos biológicos e genéticos, ao respeito pelo conhecimento
tradicional e ao papel dos seres humanos na proteção do meio
ambiente, da biosfera e da biodiversidade.

Primeiramente, é preciso ressaltar que as resoluções do Conselho


Federal de Medicina (CFM) normatiza e respalda a classe médica8.

Código de Ética Médica, 2010: eutanásia

Art. 41. “É vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda


que a pedido deste ou de seu representante legal4.”

Quem pratica a eutanásia “mata alguém”, ou seja, realiza uma


conduta de ação, que se tipifica no art.121 do Código Penal9. O fato
é típico: trata-se de homicídio. De acordo com o art. 41 do Código
de Ética Médica4, a eutanásia, exatamente por ser um homicídio sob
o aspecto jurídico-penal, também é condenável no âmbito ético da
Medicina. Apesar da diferença entre “eutanásia ativa” e “eutanásia
passiva”, nos dois casos haverá crime de homicídio (homicídio
por ação e homicídio por omissão); nos dois casos poderá ficar
caracterizado o “homicídio privilegiado”, nos termos do art. 121,
parágrafo 1º do Código Penal9; e nos dois casos o criminoso, sendo
condenado, poderá ser beneficiado por uma diminuição de pena2,3.
Em alguns países a eutanásia é legalizada, o que, contudo,
não acontece no Brasil: essa continua sendo uma conduta que se
enquadra no tipo do homicídio3,4,9,10.

Um olhar multidisciplinar : 37
Código de Ética Médica, 2010: distanásia

Art. 41, Parágrafo único: “Nos casos de doença incurável e


terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis
sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou
obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do
paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal4.”(grifo
das autoras)

IMPORTANTE
A obstinação terapêutica é estimulada pela prática de uma
“medicina defensiva”, consistente na adoção de todos os recursos
e procedimentos disponíveis, ainda que sabidamente inúteis e
desnecessários, muitas vezes com o objetivo de fazer prova de
uma boa atuação profissional2,3.

No caso do doente em terminalidade, em face de uma doença


incurável, os aparelhos de suporte são ligados ou mantidos, não para
evitar a morte, que é inevitável, irreversível e inexorável, mas, sim,
para manter a vida artificialmente. Os procedimentos e tratamentos
não têm nenhum sentido curativo. Portanto, não há dever de manter
esses procedimentos e não se pode dizer que o médico deu causa à
morte do paciente quando os suspendeu ou limitou. Juridicamente,
não há como falar em homicídio. Portanto, a conduta omissiva do
médico (omissão terapêutica ou interrupção do procedimento artifi-
cial) é perfeitamente adequada ao ordenamento jurídico e não viola
o preceito proibitivo do art. 121 do Código Penal (“não matarás”)8.
E só isso bastaria para justificar juridicamente o desligamento dos
aparelhos ou mesmo a decisão de não ligá-los2,3.

38 : Desmistificando cuidados paliativos


A suspensão de tratamentos fúteis não promove a morte
e sim, evita que o morrer seja prolongado às custas de enorme
sofrimento1. Juridicamente, no Brasil, nos casos em que o médico
insistir em manter qualquer procedimento inócuo, artificioso e
gravoso (como o uso de ventilação mecânica e drogas vasoativas)
para um paciente fora de possibilidade de tratamento modificador
da doença e o expuser a dor e sofrimento, contrariando sua vontade,
será configurada a censurável distanásia. Assim, o médico também
estará sujeito a responder, no âmbito da responsabilidade civil e
criminal, pelas lesões corporais, pelo constrangimento ilegal, pela
tortura e pelo tratamento cruel que impuser ao paciente e, também,
à sua família2,3.
O inciso III do art. 5º da Constituição Federal de 1988
dispõe, expressamente, que “ninguém será submetido a tortura nem
a tratamento desumano ou degradante”11. E não se olvide que o Brasil
também ratificou a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos
ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Incorporou, ainda,
esses instrumentos internacionais de defesa dos Direitos Humanos
ao nosso sistema jurídico, conferindo-lhes, inclusive, natureza
constitucional2,3.
Finalmente, também não é possível falar em dever de manter
os mencionados tratamentos inúteis e gravosos para o paciente em
terminalidade com doença incurável, porque cabe ao médico, por
dever ético, respeitar os princípios fundamentais da bioética: auto-
nomia, justiça, beneficência e não maleficência2-4.

Resolução CFM 1805/2006: ortotanásia

Art.1°: “É permitido ao médico limitar ou suspender procedimen-


tos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, em fase terminal,

Um olhar multidisciplinar : 39
de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou
de seu representante legal.
§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou
a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para
cada situação12.” (grifo das autoras)

Código de Ética Médica, 2010: ortotanásia

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – XXII: “Nas situações


clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de
procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos
pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados4.”
Dando o primeiro passo no caminhar em busca de uma
solução ética para o enfrentamento da postura médica diante da
“terminalidade da vida”, a Resolução CFM n.º1.805/200612, que
está atualmente em plena vigência, diz respeito à prática da ortota-
násia, nada tem a ver com a eutanásia e constitui um alerta contra
a distanásia. Além disso, é constitucional, não acarreta violação a
nenhum dispositivo legal, não representa apologia ao homicídio nem
incentiva a prática de qualquer conduta criminosa ou ilícita e está
absolutamente de acordo com a nossa sistemática jurídico-penal. A
ortotanásia é um “deixar morrer” atípico, ou seja, não criminoso,
quando deixar morrer não é homicídio e não é crime, diante da
advindo de uma
doença terminal e incurável2,3.
A hipótese prevista na Resolução CFM nº 1.805/200612 e no
parágrafo único do art. 41 do Código de Ética Médica de 20104 é a
de que o doente é terminal e a enfermidade é incurável; a morte

; logo, nessa situação restrita


e específica, se o médico

40 : Desmistificando cuidados paliativos


desse
doente, não está praticando uma ação dirigida a causar a sua morte
e não está praticando “eutanásia”, mas, apenas e tão somente, está
praticando uma omissão de assistência inútil. E essa omissão não é
relevante para o direito penal, diante da irreversibilidade da doença
e da inevitabilidade da morte. Essa é a situação que caracteriza
nitidamente a “ortotanásia”, que não tipifica o crime de homicídio
e que não é, portanto, criminosa2,3.
Na realidade, no que diz respeito ao paciente acometido de
doença incurável, diante da impossibilidade terapêutica da cura, não
há dever de curar, nem de salvar, mas, sim, apenas e tão somente,
“dever de cuidar”2,3.

Resolução CFM 1995/2012: Diretivas Antecipadas de


Vontade e autonomia do paciente

“CONSIDERANDO que os novos recursos tecnológicos


permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o
sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, e
que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo
mesmo; (...)
Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes
que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de
maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em
consideração suas diretivas antecipadas de vontade.
§ 1º Caso o paciente tenha designado um representante para
tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.
§ 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas
antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua

Um olhar multidisciplinar : 41
análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo
Código de Ética Médica.
§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre
qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos
familiares.
§ 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas anteci-
padas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo
paciente13.”

Código de Ética Médica, 2010: autonomia do paciente

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – XXI: “No processo de


tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência
e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes,
relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos,
desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas4” (grifo
das autoras)

Estatuto do Idoso, 2017: autonomia do paciente

Art. 17. “Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades


mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde
que lhe for reputado mais favorável.
Parágrafo único. Não estando o idoso em condições de
proceder à opção, esta será feita:
I – pelo curador, quando o idoso for interditado;
II – pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou
este não puder ser contactado em tempo hábil;

42 : Desmistificando cuidados paliativos


III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e
não houver tempo hábil para consulta a curador ou familiar;
IV – pelo próprio médico, quando não houver curador ou
familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao
Ministério Público14.”

Lei Orgânica da Saúde, 1990: autonomia do paciente

Art. 7º “As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados


contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde
(...), obedecendo ainda aos seguintes princípios:
(...)
III: preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua
integridade física e moral15;”

Soberania e dignidade são direitos assegurados no Art. 1º da


Constituição Brasileira11, mas muitas vezes são ignorados em casos
de pacientes com doenças que ameaçam a vida. Não raro, os medos
da família e a insegurança dos médicos acabam se sobrepondo ao
que o paciente deseja para o final de vida. Além disso, atualmente,
a arte do cuidar parece ter sido abandonada em função de uma ciência
que exige exatidão, eficácia e resultados para vencer as doenças,
uma ciência que diante da morte se sente fracassada. O conceito de
(DAV) emergiu em resposta ao
avanço tecnológico e ao tratamento médico agressivo empregados
em situações ambíguas, como no caso de um prognóstico ruim16,17.

Um olhar multidisciplinar : 43
Glossário
As Diretivas Antecipadas de Vontade devem integrar um processo
que propicie um diálogo aberto entre familiares, médicos e o pa-

metas de cuidado e preferências do paciente. Elas declaram como


o indivíduo deseja que se desenvolva o processo de morrer e registram
se permite intervenções clínicas como suporte de vida quando não
existem expectativas de recuperação. Notificam também sobre
o desejo de receber cuidados e tratamentos que irão paliar a dor e
sintomas desagradáveis, ressaltando-se que nesse processo é im-
portante uma boa comunicação e que os profissionais de saúde
informem e aconselhem adequadamente seus pacientes17.

O Art. 15 do diz que: “ninguém pode ser


constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou
a intervenção cirúrgica”18. Como consequência os médicos devem
informar aos pacientes sobre os riscos do tratamento, bem como
lhes informar grau, extensão e consequências de suas enfermidades.
A questão que se põe, fixada tal premissa, é a de que o paciente tem
o direito de não querer ser submetido ao tratamento, preferindo
correr os riscos da morte por causa da doença, no lugar de correr
os riscos de morte por causa do tratamento19. A resolução CFM
1995/201213 efetivamente reconhece o direito de o paciente recusar
tratamentos fúteis ou inúteis por meio das Diretivas Antecipadas
de Vontade (DAV), fornecendo suporte ético e legal para que os
profissionais da saúde respeitem a autonomia do paciente8,20.
As podem ser constituídas
pelo testamento vital e pelo mandato duradouro. Ambos os docu-
mentos serão utilizados quando o paciente não puder se expressar
livre e conscientemente. A coexistência do mandato duradouro e
do testamento vital em um único documento é possível e salutar
para o paciente 8,17,21:

44 : Desmistificando cuidados paliativos


registrar a quais tratamentos deseja ou não ser submetida em
caso de enfermidade incurável, visando assegurar o seu direito
de morrer com dignidade, de acordo com suas concepções
pessoais, num momento em que esteja incapaz de expressar
sua vontade.

um ou mais procuradores que devem ser consultados pelos


médicos, no caso de incapacidade temporária ou definitiva
do paciente, para tomar alguma decisão sobre tratamento ou
procedimento. Pode ser aplicado quando não houver manifes-
tação prévia de vontade ou, em havendo, se nesta há lacuna
que impeça a plena compreensão por parte de quem atende
ao paciente. Saliente-se que o procurador de saúde decidirá
com base na vontade do paciente.
As DAV podem, ainda, ser divididas em dois subgrupos17:
Afirmação de valor: descreve as preferências gerais e os
valores do paciente em relação ao tratamento médico de modo
geral, mas não trata de formas específicas de tratamento ou
enfermidade.
Instrução diretiva: expressa a preferência ou recusa por determi-
nado tratamento médico no contexto de determinada doença.
As dificuldades dos familiares em aderir às DAV estão ligadas
à dificuldade de prever o que poderá acontecer ou à dificuldade de
saber como atuar, pela inexistência de comunicação com os pacientes

de modo esclarecedor e sincero com os pacientes sobre seu prognós-


tico e opções de tratamento, cumpriram posteriormente as DAV.
Além disso, familiares enlutados indicam que as diretivas do ente
falecido lhes resultou menos preocupações quanto às condutas a
serem realizadas, aumentando a utilização de cuidados paliativos.

Um olhar multidisciplinar : 45
Mais uma vez, destaca-se a necessidade de uma boa comunicação
prévia com pacientes e familiares21.
Os principais efeitos positivos das Diretivas Antecipadas de
Vontade se relacionam com realizar o desejo do paciente por trata-
mentos menos invasivos, predominantemente paliativos, no final
de vida; facilitar as discussões sobre final de vida e morte; ajudar
no alcance de um consenso e fornecer clareza para outros membros
da equipe multiprofissional e familiares com relação ao cuidado;
além de propiciar a diminuição de sentimento de culpa e indecisão
dos familiares. Poucos efeitos negativos foram descritos, entre eles
o fato de haver situações em que o cuidado do paciente teve que

as convicções dos profissionais com aquelas expressas na DAV8,17.


As DAV são facultativas e poderão ser elaboradas, modi-
ficadas, ajustadas ou revogadas em qualquer momento da vida,
considerando que circunstâncias, valores e opiniões podem ser
modificados. Portanto, deve-se oferecer, regularmente, oportuni-
dade aos pacientes de atualizarem suas preferências, especialmente
quando a saúde piorar17,20,21. De acordo com a Resolução CFM
1995/201213, o registro da DAV pode ser feito pelo médico no
prontuário do paciente, desde que autorizado por este. Não são
exigidas assinaturas nem testemunhas, haja vista que o médico, em
razão de sua profissão, possui fé pública e seus atos têm efeito legal
e jurídico17. Caso a pessoa deseje, pode registrar suas diretivas em
cartório com testemunhas20.
Alguns autores observam que as DAV talvez não sejam apro-
priadas para todos: os pacientes que se beneficiariam das diretivas
seriam aqueles em risco de perder a capacidade de decisão (ex. pacien-
tes com demência, fragilidade, antecedente de Acidente Vascular
Cerebral) e aqueles que estão distantes do núcleo familiar ou que
não o possuem. Nesse contexto destaca-se a abordagem denominada

46 : Desmistificando cuidados paliativos


, que redireciona o foco de
simplesmente o paciente expressar preferências ou recusas por deter-
minadas intervenções para as metas do cuidado. O planejamento é
baseado nos valores e preferências sobre a qualidade de vida atual ou
em situação de saúde previsível (como doença ameaçadora da vida),
considerando os benefícios esperados dos tratamentos de suporte
de vida. Esses valores e preferências são então comunicados aos
familiares próximos ou representantes em potencial, que tomarão
as decisões quando necessário. O último passo é documentá-los por
meio das diretivas antecipadas17.

Considerações finais

na área da saúde, é necessário avaliar os casos considerando os


princípios universais da bioética e/ou a Declaração Universal
sobre Bioética e Direitos Humanos.

normatiza e respalda a classe médica8.


-
possibilidade terapêutica da cura, não há dever de curar, nem
de salvar, mas, sim, apenas e tão somente, “dever de cuidar”2,3.

Área de treinamento

Caso 1 - (IADES - SESDF, 2018) Uma médica paliativista


lotada em serviço hospitalar passa as manhãs atendendo pacientes
na enfermaria de clínica médica, além de responder a eventuais
pareceres de outras clínicas. Ela foi chamada à clínica de neurologia
para atender um paciente que apresenta o seguinte caso clínico:

Um olhar multidisciplinar : 47
“SGW tem 68 anos de idade e apresenta diagnóstico de
Parkinson há 10 anos. No momento está internado na enfermaria
com quadro de pneumonia aspirativa de repetição, sendo este o
quinto episódio neste ano. Ele tem diretivas antecipadas de vontade
expressando o desejo de não fazer gastrostomia ou traqueostomia,
nem ser intubado ou internado em UTI. No momento, mostra
sinais de insuficiência respiratória, tem respiração ruidosa e está
obnubilado. A família está angustiada com o sofrimento do ente
querido.”
1 – Qual é a melhor conduta a ser adotada nesse caso?
a) Realizar sequência rápida com midazolan, cetamina e
bloqueador neuromuscular, além de IOT e solicitação de
vaga em UTI.
b) Administrar opioide e midazolan em dose alta, visando a
abreviar o processo de morte.
c) Não se necessita qualquer ação adicional, pois o paciente
se encontra nas últimas horas de vida.
d) Colocar o paciente em ventilação não invasiva e desconsi-
derar as diretivas antecipadas de vontade, pois elas não tem
valor legal.
e) Realizar conferência familiar e alinhamento de expectativas
dos familiares e da equipe e dar seguimento ao planejamento
expresso nas diretivas antecipadas de vontade. Manter os an-
tibióticos, avaliar início de opióide em dose para dispneia e
tomar medidas não farmacológicas necessárias.

2 – Após receber o parecer com a melhor conduta descrita


para o atendimento de SGW, a enfermeira responsável pelo pacien-
te apresenta à médica paliativista diversas dúvidas a respeito de
limitação de suporte, diretivas antecipadas de vontade e eutanásia.
Quanto a esses conceitos, assinale a alternativa correta.

48 : Desmistificando cuidados paliativos


a) Seguir o que SGW determinou nas diretivas antecipadas seria
uma negligência, portanto, um tipo de eutanásia e proibido
por lei.
b) Há uma resolução do CFM que permite diretivas antecipadas
de vontade para maiores de 18 anos de idade e capazes. É
uma maneira de garantir a autonomia do paciente a respeito
de limitação de suporte de vida.
c) Um dos objetivos dos cuidados paliativos é apressar a
morte, podendo-se considerar que a eutanásia é um dos alvos
a serem atingidos.
d) Limitação de suporte vital é proibida no Brasil, sendo
tema de resolução do CFM.
e) Eutanásia é o ato consensual de abreviar a vida de paciente
terminal. É proibida em todos os países da América Latina.

3 – Assinale a alternativa correta:


a) Cuidado paliativo é sinônimo de eutanásia.
b) Quando os procedimentos invasivos não estão tecnicamente
indicados, não são uma opção do paciente ou sua família.
c) O processo de decisão compartilhada não se aplica quando
o paciente está em cuidados paliativos exclusivos, pois não
há mais nada a fazer.
d) A habilidade de comunicação é intrínseca ao ser humano,
basta ter um pouco de simpatia.

Referências Bibliográficas

1 - Moritz RD, Rossini JP, Deicas A. Cuidados Paliativos na UTI:


definições e aspectos éticos e legais. In: Moritz RD (Org.). Cuidados
Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva. São Paulo: Editora
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3 - Torres JH. Ortotanásia não é homicídio nem eutanásia. In:

2011. p. 157-85.
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Bioética e Direitos Humanos da UNESCO. Paris: UNESCO, 19
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Garrafa, Volnei, Ibiapina F. Costa, Sergio (org.) A Bioética no século
XXI. Editorial UNB, Brasilia, 2000, pp: 49-65.
7 - Garrafa, V. Da bioética de principios a una bioética interventiva,
en Bioética 2005, Vol. 13, (1):125-134.

bioét (Impr.) 2013;21(1):106-12.


9 - Código Penal Brasileiro, decreto-lei n. 2.848 (7 dez. 1940).
10 - Maciel MGS. Avaliação do paciente em Cuidados Paliativos.
In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de Cuidados Paliativos
ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia Nacional de
Cuidados Paliativos; 2012. p. 31-41.
11 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
D.O.U. 05 out. 1988; n. 191-A, Seção I, p. 1.
12 – Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM 1805/2006.
D.O.U. 28 nov. 2006; Seção I, p. 169.
13 - Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM 1995/2012.
Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.

50 : Desmistificando cuidados paliativos


D.O.U. 31 ago. 2012; Seção I, p. 269-70.
14 – Câmara dos Deputados. Estatuto do idoso. Lei n. 10.741, de 1
out. 2003 (Estatuto do idoso), e legislação correlata. 5. ed. Brasília:
Edições Câmara; 2017. 59 p.
15 - Lei orgânica da saúde, lei n. 8.080 (19 set. 1990).
16 - Chochinov HM, McClement SE, Kredentser MS. Dignity
and palliative end-of-life care. In: Cherny NI, Fallon MT, Kaasa
S, Portenoy RK, Currow DC (Ed.). Oxford Textbook of Palliative
Medicine. 5 ed. Oxford University Press; 2015. p. 306-13.
17 – Nunes MI, Anjos MF. Diretivas antecipadas de vontade: bene-
fícios, obstáculos e limites. Rev. bioét. (Impr.).2014;22(2):241-51.
18 - Código Civil. Lei n. 10.406 (10 jan. 2002).
19 - Moritz RD, Deicas A, Capalbo M, Forte DN, Kretzer LP, Lago
P, et al. II Fórum do “Grupo de Estudos do Fim da Vida do Cone
Sul”: definições, recomendações e ações integradas para cuidados
paliativos na unidade de terapia intensiva de adultos e pediátrica.
Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(1):24-9.
20 - Azevedo D, Tommaso ABG, Burlá C, Santos G, Dias LM, Py
L, et al. Vamos falar de Cuidados Paliativos. Sociedade Brasileira
de Geriatria e Gerontologia; 2015. 24 p.
21 - Cogo SB, Lunardi VL. Diretivas antecipadas de vontade
aos doentes terminais: revisão integrativa. Rev Bras Enferm.
2015;68(3):464-74.

1–e
2–b
3-b

Um olhar multidisciplinar : 51
3
CoMunICAção eM CuIDADos
pALIAtIVos

“Entre o que eu penso, o que quero dizer, o que digo e o que


você ouve, o que você quer ouvir e o que você acha que entendeu, há
um abismo.”
(Alejandro Jodorowsky)
Thayana Louize Vicentini Zoccoli
Flávia Nunes Fonseca
Thaís de Deus Vieira Boaventura

Todo profissional de saúde envolvido no cuidado de pacientes


que podem estar doentes o suficiente para morrerem, especialmente
aqueles portadores de doenças crônicas ou de múltiplas morbidades,
é responsável por impulsionar melhorias nos cuidados de fim de
vida. Isso pode ser feito, em qualquer nível de atenção, ao encorajar
a tomada de , a qual inclui o planejamento
antecipado de cuidados de acordo com as preferências do paciente
(Diretivas Antecipadas de Vontade). A boa decisão une tratamentos
considerados adequados e preferências e valores do paciente1-4.

Glossário
Decisão compartilhada: processo no qual médicos e pacientes ou
seus substitutos compartilham informações entre si e participam
conjuntamente na tomada de decisão2-4.

52 : Desmistificando cuidados paliativos


Ainda existem muitos desafios na formação profissional para
que esse planejamento de cuidados seja possível. Dentre eles, está a
necessidade de uma habilidade maior do profissional de saúde em
discutir más notícias, particularmente em situações como recidiva da
doença, metástase, falha do tratamento em modificar a progressão
da doença, piora da funcionalidade, ou presença de efeitos colaterais
irreversíveis5,6.
Estudos sobre comunicação durante discussões clínicas em
Cuidados Paliativos e em fim de vida sugerem que há necessidade
de melhoria nesta área: a tendência é de que os profissionais se
concentrem em aspectos técnicos, sem espaço para aperfeiçoamento
das habilidades de escuta e de resposta às emoções dos pacientes1,7.

Transmissão de más notícias


No contexto de comunicação em saúde, más notícias são
caracterizadas como informações que trazem impacto significativo
nas expectativas de uma pessoa sobre seu futuro. Ressalta-se que a
avaliação de uma notícia como difícil ou não deve partir da perspectiva
do indivíduo que irá recebê-la, já que o impacto de determinada
informação só pode ser estimado a partir do conhecimento sobre
a visão e compreensão daquela pessoa sobre a situação específica6.
Transmitir más notícias é uma tarefa complexa de comunicação
que, além do componente verbal de dar de fato a informação
classificada como uma má notícia, requer outras habilidades, como
responder às reações emocionais dos pacientes, se envolver na tomada
de decisão, lidar com o estresse criado pelas expectativas do paciente,
acolher múltiplos membros da família e gerenciar o dilema de como
dar esperança quando o prognóstico é desfavorável4-6.
Destaca-se que o uso apropriado de estratégias de comuni-
cação interpessoal é uma medida terapêutica de eficácia comprovada.

Um olhar multidisciplinar : 53
A comunicação efetiva no contexto da saúde contribui para a adesão
ao tratamento e tem impacto psicológico positivo nos pacientes e em
seus familiares, uma vez que lhes permite compartilhar sentimentos
e, assim, favorece a diminuição do estresse psicológico. Ademais, essa
é uma forma de garantir a manifestação da autonomia do paciente5,8.
Considerando que o comportamento de comunicação pode
ser treinado, atualmente existem técnicas e protocolos de treina-
mento para comunicação e transmissão de más notícias, como o
protocolo SPIKES6,8. Para compreender a relevância das habilidades
de comunicação em Cuidados Paliativos ou Medicina Paliativa, é
possível comparar a importância dessas ferramentas neste contexto
ao papel que as habilidades cirúrgicas têm na atuação de excelência de
cirurgiões7. O objetivo do emprego das habilidades de comunicação
é aumentar a empatia e a clareza ao conversar com os pacientes
e familiares, além de fornecer estratégias sobre como lidar com
situações difíceis durante as abordagens5,6,8,9.
Além disso, é importante considerar que o entendimento do
que está sendo comunicado depende da história de vida, dos valores,
das características pessoais de quem está recebendo a informação.
Deve-se, portanto, evitar qualquer jargão médico, para diminuir a
possibilidade de ruídos semânticos na comunicação10,11.

Glossário
Ruído semântico: dificuldade de compreensão ocasionada pelo
uso de palavras desconhecidas para o receptor11.

IMPORTANTE
Dar informações em pedaços pequenos e suportáveis, para que
não haja iatrogenia da palavra, uma vez que receptores de
informação, muitas vezes, não conseguem manter a atenção por
tempo prolongado10.

54 : Desmistificando cuidados paliativos


Dessa maneira, verifica-se que uma comunicação eficaz
envolve mais do que simplesmente transmitir informações, faz-se
necessário conferir periodicamente a compreensão dos receptores
sobre o que foi compartilhado. Ademais, faz parte da transmissão de
más notícias a abordagem das emoções que podem emergir durante
a interação, o que pode ser um grande desafio para os profissionais.
Sugere-se que a expressão de emoções seja observada e que elas sejam
identificadas e nomeadas6.
É preciso ainda investigar o motivo para o surgimento da
emoção e fazer afirmações empáticas a respeito do que for observa-
do. O profissional deverá fazer pausas que permitam a expressão de
emoções e poderá abordá-las a partir de perguntas abertas explora-
tórias (“pode me falar mais sobre o que lhe preocupa?”), afirmativas
afetivas (“percebo que isso lhe entristece”) e validadoras (“muitos
outros pacientes também se sentiram como você”)6.
A comunicação bem planejada, oportuna e hábil leva à
identificação mais eficaz das metas e valores do paciente em todos
os espectros de cuidados12. Estudos mostram que os pacientes
geralmente desejam uma revelação franca e empática de más
notícias5,13,14.
Porém, é preciso investigar até que ponto cada paciente quer
receber informações. Caso se identifique que o paciente não deseja
saber sobre sua condição de saúde, é indicado verificar junto a ele
um familiar ou pessoa próxima que possa receber essas informações
e ser o mediador com a equipe5. Deve-se checar com o paciente se é
oportuno que a comunicação seja realizada com todos os presentes1.
Os Quadros 1 e 2 mostram um roteiro como sugestão para se
estabelecer uma boa comunicação, além de estratégias que podem
ser utilizadas4,6,9,10.

Um olhar multidisciplinar : 55
Quadro 1 - Roteiro sugerido para se estabelecer uma boa comunicação
Revise o prontuário e tenha conhecimento do caso.
Preparação Planeje mentalmente o diálogo.
Reserve um tempo adequado e evite interrupções, como a do celular.
Respeite a privacidade: escolha um lugar reservado.
Envolva pessoas importantes para o paciente.
Garanta a confidencialidade do diálogo.
Apresente-se e conheça os familiares pelo nome e grau de parentesco.
Execução Sente-se de maneira a manter contato visual com os interlocutores.
Avalie a percepção do interlocutor com questionamentos amplos e
abertos “O que o senhor sabe sobre o caso?”.
Entenda o quanto o interlocutor deseja saber sobre o quadro.
Forneça conhecimento e informações ao interlocutor.
Mostre empatia com palavras afáveis “infelizmente, sinto muito”.
Evite termos técnicos.
NÃO use frases desestimulantes como “Não há mais nada que
possamos fazer”.
Enfatize que profissionais de saúde nunca param de se importar 1.
Esteja preparado para interrupções e saiba entender as angústias do
paciente e da família.
Diante da manifestação de expectativas e esperança do paciente,
escolha expressar-se de forma empática utilizando os verbos “esperar
e preocupar”: “também espero que você tenha mais tempo, mas me
preocupa que não seja possível, pois o câncer está crescendo”15.
Aborde as emoções do interlocutor com respostas afetivas, como
toque.
Dê pausas para que o interlocutor compreenda as informações
recebidas.
Desfecho Apresente estratégias de tratamento ou plano de cuidados.
Compartilhe as responsabilidades na tomada de decisão.
Avalie a compreensão do interlocutor sobre o caso “O que o senhor
entendeu sobre o que conversamos?”.
Resuma o que foi conversado.
Fonte: Criado pelas autoras com dados extraídos de Bailey, Cogle1; Cook, Rocker 4; Baile et. al.6;
Forte9; Evans, Tulsky, Back,Arnold15

56 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 2 - Estratégias para uma boa comunicação
Estratégias Verbais
Promover um ambiente de interação.
Repetir a informação sempre que necessário.
Saber ouvir e incentivar o outro a falar, utilizando frases como
10
-me mais
Usar tom de voz adequado.
Ser sincero e transparente.
Disponibilizar tempo e se colocar à disposição.
Manter um discurso consistente.
Oferecer o melhor (pessoal/técnico).
Sugerir que a família se coloque no lugar do paciente (trazer as
opiniões e sentimentos do paciente para a conversa).

Não verbais
Utilizar-se de toque terapêutico (mãos, braços, ombro), quando
pertinente.
Manter expressão facial e atitude corporal que demonstrem interesse
e respeito.
Fonte: Criado pelas autoras com dados extraídos de Cook, Rocker 4; Forte9; Gustin, Stowers, von
Gunten10

É importante lembrar que a decisão compartilhada é um


processo e pode envolver mais de um momento de comunicação:
nem sempre é necessário chegar a uma “conclusão” imediata. Pode
haver necessidade de mais de uma conversa / reunião antes que
qualquer decisão seja tomada, além de incentivar o paciente a pensar
sobre suas preferências1.
Mesmo que pacientes e familiares não queiram ou não estejam
preparados para determinadas discussões num primeiro momento,
o profissional terá introduzido o assunto para facilitar sua retomada
quando estiverem prontos. Nesse contexto, documentar os principais
tópicos da abordagem em prontuário é essencial para que a discussão
possa ser retomada futuramente, mesmo que por outra pessoa1.

Um olhar multidisciplinar : 57
A comunicação com os familiares

A comunicação clara e sincera é um determinante da satisfação


da família com os cuidados prestados ao paciente no fim da vida.
Além disso, repercute tanto na tomada de decisões e na resolução de

A comunicação sobre o tratamento a ser fornecido, nos casos de


doenças que limitam a vida, diminui a utilização de tratamentos
fúteis, o tempo de permanência no hospital e o número de inter-
nações em unidades de terapia intensiva, com consequente melhora
da qualidade de vida e diminuição dos custos com a saúde4,16,17.
Um ponto que pode gerar tensão é a comunicação incerta em
relação ao prognóstico. Enquanto estudos tem mostrado que pelo
menos 80% dos pacientes querem saber seu prognóstico17, sabe-se
que familiares de pacientes com doença avançada frequentemente
têm expectativas não realistas sobre o prognóstico. Isso está associado
ao maior uso de tratamentos invasivos, mesmo quando estes podem
ser avaliados como fúteis para o quadro específico18.
Durante a comunicação sobre o prognóstico, a esperança
deve ser respeitada, ao mesmo tempo em que uma visão realista é
mantida. Tal objetivo pode ser alcançado ao se utilizar expressões
empáticas e apropriadas no momento da abordagem, por exemplo:
“ ”. Outrossim,
uma comunicação efetiva inclui a escuta ativa: familiares ficam mais
satisfeitos com as reuniões quando os profissionais falam menos e
ouvem mais4.
A equipe de saúde deve ser capaz de identificar e intervir
de maneira apropriada na chamada “ ”,
situação em que mensagens ambivalentes são transmitidas entre
equipe, família e pacientes. Observa-se evitação da abordagem de
temas como terminalidade e morte. Tanto paciente como familiares

58 : Desmistificando cuidados paliativos


esperam, assim, proteger os entes queridos de reações negativas,
como depressão5. Porém, não há evidências de que a discussão
realista e honesta sobre o prognóstico provoque depressão, encurte
a vida ou tire a esperança do paciente17.

IMPORTANTE
A conspiração do silêncio não evita o sofrimento e ainda
contribui para o isolamento emocional dos envolvidos, que
não compartilham uns com os outros seus sentimentos sobre
a situação vivida5.

Considerações Finais

qualquer momento; elas não precisam esperar até os últimos


dias de vida1.

fortalece o sentimento de segurança, facilita e promove o bom


relacionamento entre equipe-família-paciente.

necessário que a relação equipe-família-paciente seja alicerçada


na compaixão, humildade, respeito e empatia, o que é aprimo-
rado com o uso adequado de habilidades de comunicação.

Um olhar multidisciplinar : 59
Área de Treinamento

1. Paciente de 40 anos, viúva, possui uma filha de 13 anos.


Teve diagnóstico de câncer de mama há 1 ano, fez quimioterapia e
radioterapia adjuvantes, porém houve avanço da doença. Nos últimos
exames de imagem, foram descobertas metástases pulmonares e
ósseas. Agora, a indicação de tratamento é radioterapia paliativa.
Assinale a alternativa correta no que se refere à comunicação de
más notícias nesse caso.
a) Considerando a possível fragilidade de suporte social da
paciente, que é viúva e tem uma filha menor de idade, é
indicado convocar familiar para comunicação do resultado
dos exames antes de conversar com a paciente.
b) É indicado abordar diretamente o medo da paciente de
morrer, pois essa é a emoção esperada para o caso.
c) Não se deve explicar à paciente que o objetivo da radio-
terapia não é curativo, para que ela não perca a esperança e
desista de viver.
d) Uma comunicação eficaz envolve habilidades de abordar
emoções, as quais devem ser desenvolvidas por todos os
membros da equipe.

2. Paciente de 30 anos, em tratamento de adenocarcinoma


gástrico, foi internada para controle álgico e tratamento de náuseas
e vômitos. Ao ser admitida na enfermaria hospitalar, a equipe indica
uso de sonda nasoenteral para a paciente. A equipe de psicologia
sinaliza que a paciente havia mencionado ter medo de procedimentos
como este em internação anterior. Assinale a alternativa correta em
relação ao caso.

60 : Desmistificando cuidados paliativos


a) A indicação do uso de sonda não se caracteriza como má
notícia, por isso não há necessidade de usar técnicas específicas
para a comunicação sobre o tratamento.
b) A informação da equipe de psicologia é importante para
conhecimento de toda a equipe multidisciplinar, embora a
queixa de medo seja abordada apenas pela psicóloga.
c) Ao comunicar a proposta de tratamento para a paciente,
é importante mostrar-se disponível para esclarecer dúvidas,
mesmo que em outro momento.
d) O primeiro passo para uma comunicação eficaz, neste caso,
é priorizar a informação a ser compartilhada, partindo da
pressuposição de que a paciente tem conhecimento suficiente
para compreender o que lhe será dito.

3. Paciente masculino, 20 anos, portador de leucemia há 8


anos. Realizou 3 ciclos de quimioterapia e foi submetido a trans-
plante de medula óssea. A equipe assistente constatou que a doença
está em progressão, apesar dos tratamentos instituídos, e indicou
cuidados paliativos exclusivos. Sobre a comunicação com paciente e
familiares em relação à mudança da prioridade de cuidados, assinale
verdadeiro ou falso:
( ) Para comunicar sobre cuidados paliativos exclusivos,
considerando se tratar de paciente muito jovem, a equipe
deverá solicitar que os pais compareçam sozinhos em consulta,
para dar a notícia primeiramente a eles.
( ) Médico e familiares podem fazer um pacto para omitir
informações do paciente, com o intuito de que ele não sofra
ou não tenha que se preocupar com decisões difíceis acerca
de seu tratamento.
( ) A conspiração do silêncio seria um pacto formado entre
médico e paciente para omitir informações aos familiares,

Um olhar multidisciplinar : 61
com o intuito de que uma família muito controladora não
interfira nas tomadas de decisão da equipe.
( ) É possível destacar alguns passos básicos para comuni-
cação de más notícias: 1. garantir um ambiente confortável
e privado para a conversa; 2. avaliar o que o paciente sabe
sobre sua doença; 3. informar ao paciente detalhes sobre sua
doença; 4. verificar se o paciente compreendeu as informações
dadas; 5. avaliar as emoções do paciente 6. apressar e encerrar
a reunião caso sejam identificadas emoções negativas, optan-
do por retornar em um segundo momento para concluir a
comunicação.

Referências Bibliográficas

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conversations about what lies ahead. Royal College of Physicians;
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diferenciar as fases de assistência paliativa na UTI. In: Moritz RD
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62 : Desmistificando cuidados paliativos


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Um olhar multidisciplinar : 63
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Sul”: definições, recomendações e ações integradas para cuidados
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family caregivers in the Intensive Care Unit: answers and questions.
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Questão 1 – d
Questão 2 – c
Questão 3 – F- F- F- F

64 : Desmistificando cuidados paliativos


4
pArtICuLArIDADes DA
CoMunICAção De MÁs notÍCIAs
A CrIAnçAs e ADoLesCentes

“‘Se protegêssemos os cânions contra as tormentas, jamais veríamos


a beleza de seus entalhes’(...) Quando impedimos nossas crianças de ter
uma oportunidade de crescer e de se preparar para a vida, a única coisa
que conseguimos é poupar a nós mesmos.”
(Elisabeth Kübler-Ross)
Silvia Maria Gonçalves Coutinho
Áderson Luiz Costa Jr.

Definir comunicação não é uma tarefa fácil. Desde sua


delimitação inicial como disciplina científica, em 1970, o estudo
da comunicação se caracteriza como uma área em evolução, com
intensos debates conceituais e metodológicos acerca de seus
contornos e fundamentos1. A tarefa, então, de definir comunicação
e relacionar esse conceito ao contexto de atuação em saúde e más
notícias, principalmente em uma área com tantas especificidades
como a pediatria, é ainda mais complexa.
Em uma obra clássica, intitulada Pragmática da comunicação
humana2, os autores sugerem que o estudo da comunicação seja
dividido em três áreas: sintaxe, semântica e pragmática. Embora
defendam que as três áreas são interdependentes, enfatizam a
pragmática e acabam por utilizar comunicação e comportamento

Um olhar multidisciplinar : 65
como sinônimos, considerando como comportamento tanto palavras,
com suas configurações e significados, quanto os concomitantes
não-verbais e a linguagem do corpo: “assim, desde essa perspectiva
da pragmática, todo comportamento, não só a fala, é comunicação;
e toda comunicação - mesmo as pistas comunicacionais num contexto
impessoal - afeta o comportamento”3. Com essa definição, os autores
ressaltam a importância do contexto em que a comunicação ocorre,
considerando as manifestações observáveis da relação e focalizando
menos as relações emissor-sinal, receptor-sinal e mais a relação
emissor-receptor, tal como é mediada pela comunicação.
Essa definição auxilia a compreender os fatores funcionalmente
relevantes que devem ser considerados quando se estuda comuni-
cação na área de saúde. Se, como definem os autores, é necessário
considerar o contexto em que a comunicação ocorre, a primeira
medida para uma boa comunicação em saúde é conhecer o contexto
da saúde e compreender como as relações ocorrem nesse contexto.
Outros autores4 reforçam essa ideia ao definir comunicação e saúde
não de forma separada, mas dentro de um binômio ou campo de
atuação. De acordo com essas autoras, a definição de comunicação
e saúde deve seguir uma perspectiva relacional e multidimensional
e se contrapor às perspectivas que reduzem a comunicação a um
conjunto de técnicas e meios utilizados para transmitir informações
de saúde para indivíduos e/ou grupos populacionais.
Na área de comunicação em oncologia, o estudo da comuni-
cação de más notícias tem recebido destaque. Isso se deve tanto
pela relevância social do tema, considerando a frequência com que
o oncologista se encontra em situação de transmitir más notícias a
seus pacientes, quanto pelas dificuldades encontradas na definição e
controle das variáveis envolvidas nessa situação. A definição clássica
conceitua a má notícia (bad news communication) como “qualquer
informação que altere drasticamente a visão do paciente sobre o

66 : Desmistificando cuidados paliativos


seu futuro, quer seja o diagnóstico de uma doença grave, recaída
ou evolução para uma situação de impossibilidade de cura”5. Frente
à necessidade de comunicação de más notícias a equipe médica
comumente experimenta frustração, insegurança e dificuldades
relacionadas ao ambiente sociocultural em que a comunicação
ocorre, às características pessoais do paciente ou às características
pessoais do próprio médico. Essas dificuldades prejudicam o esta-
belecimento de um vínculo de confiança entre equipe e paciente e
podem interferir sobre os processos de enfrentamento da doença e
de adesão ao tratamento6,7.
A compreensão sobre formas de interação e controle dessas
variáveis parece fundamental para a perspectiva de se obter uma
comunicação mais eficiente. O estudo da comunicação de más
notícias, entretanto, tem sido marcado por inconsistências e discor-
dâncias desde a década de 1960, o que dificulta essa compreensão e,
consequentemente, acarreta problemas no treinamento de equipes
de saúde para uma boa comunicação com seus pacientes8,9,10,11.
As dificuldades das equipes para comunicação de más notícias
são ainda mais evidentes em pediatria, já que, com crianças e
adolescentes observam-se outros complicadores não tão presentes
entre pacientes adultos. Em primeiro lugar, a questão de inserir, ou
não, a criança no processo de comunicação e; em segundo lugar,
como adaptar a comunicação às características e necessidades do
tratamento pediátrico, que incluem não só idade e habilidade(s) de
compreensão do paciente, mas, também, a discussão do diagnóstico
e do tratamento, no mínimo, entre três pessoas: médico, paciente e,
pelo menos, um familiar acompanhante, responsável pela criança.
Observa-se, de modo geral, grande dificuldade dos médicos em
direcionar a comunicação sobre doença, tratamento e prognóstico
ao paciente pediátrico, bem como dificuldade de compreensão e
controle, por parte do médico, das variáveis envolvidas quando a
comunicação ocorre em um contexto de, no mínimo, três pessoas.

Um olhar multidisciplinar : 67
A falta de preparo e treinamento dos profissionais de saúde
em habilidades de comunicação podem fazer com que eles experi-
mentem frustração, ansiedade e medo quando surge a necessidade de
comunicar más notícias às crianças e adolescentes. Essas percepções
podem gerar insatisfação profissional e atitudes defensivas, também
chamadas comportamentos de bloqueio, tais como: fornecer falsas
esperanças, omitir informações essenciais, responder a algumas
perguntas com termos inacessíveis a quem está ouvindo e não ofe-
recer espaço adequado ou oportunidade para ouvir as necessidades
do paciente e do familiar, em uma tentativa de tornar a conversa
menos sofrida, tanto para o profissional quanto para o paciente e
sua família.
É comum, ainda, que o profissional tente adiar o momento
da comunicação ou se esquive completamente da tarefa de comunicar
más notícias diretamente à criança ou adolescente. Dessa forma,
muitas vezes, a comunicação é feita apenas com os pais. Além desse
ser também um contexto difícil para o médico, questiona-se em
que medida os pais estão preparados, ou não, para intermediar essa
comunicação entre seus filhos e as equipes de saúde. Em condição de
consulta de más notícias, geralmente, os pais compreendem menos
da metade do que os médicos falam. Sob as mesmas condições, o
estresse associado ao recebimento de uma má notícia costuma impedir
a retenção de informações importantes pelos pais12.
Os pais que se descrevem em estado de choque após uma
má notícia sobre o câncer de um filho correm maior risco de não
compreender informações passadas pelo médico e, consequentemen-
te, transmitir essas informações a seus filhos (pacientes) de forma
também inadequada. Uma dessas formas consideradas inadequadas,
segundo alguns autores13,14 é a tendência dos pais, quando informa-
dos da gravidade da doença e possibilidade de morte, evitarem ou até
mesmo proibirem que se fale do assunto com os filhos, desenvolvendo
o que se costuma chamar de “conspiração do silêncio”.

68 : Desmistificando cuidados paliativos


Torres15, uma das pioneiras no Brasil na atenção à criança e
ao adolescente em cuidados paliativos, já dizia que a criança e o
adolescente próximos à morte, assim como qualquer outro paciente,
oscilam entre negação e aceitação. Segundo a autora, essa oscilação
é própria ao processo do morrer e é determinada, principalmente,
pelas relações com as pessoas que são figuras chaves para o paciente
nesse processo (família e equipe). A autora conclui que “o importante
é que a criança perceba que o adulto não lhe impõe o silêncio e é
capaz de partilhar de suas indagações e de seus medos (...) Ser ouvida
e não se sentir sozinha implica para a criança ser reconhecida.”16
Ainda hoje a literatura considera os efeitos negativos da
“conspiração do silêncio” também em pediatria na medida em que
a criança que fica desinformada pode criar fantasias que podem
ser mais assustadoras que a própria realidade. O silêncio de pais e
profissionais diante da gravidade da condição clínica da criança gera
isolamento, perda de confiança e, consequentemente, mais estresse
a ansiedade na criança. Ao contrário disso, uma comunicação
eficiente faz com que a criança se sinta segura, com menos temores
e ajuda no envolvimento da criança com seu próprio tratamento e
cuidado. Ao mesmo tempo, reforça os laços entre pais, crianças e
profissionais permitindo que esse momento doloroso seja vivenciado
a partir do apoio mútuo entre todos os envolvidos e não de forma
solitária por cada uma das pessoas envolvidas com o processo13,14.

Esperança e verdade não se excluem mutuamente!

Um olhar multidisciplinar : 69
Mas, como oferecer uma comunicação eficiente no contexto
de más notícias para crianças, adolescentes e suas famílias? A
literatura não apresenta uma única resposta para essa pergunta,
mas oferece algumas pistas e possibilidades. A primeira delas é o
reconhecimento da necessidade do treinamento médico17,18,19,20,21.
Existe grande variedade de propostas e programas de treinamento
que empregam, também, grande variedade de métodos. Um dos
métodos mais comuns e presentes em quase todos os programas,
entretanto, é o que usa protocolos de comunicação como forma de
orientar o médico em sua relação com os pacientes e seus familiares
em contextos de más notícias.
Um dos protocolos mais conhecidos e utilizados em comu-
nicação de más notícias é o protocolo SPIKES22. O protocolo é
composto por seis passos: (1) preparação da entrevista, do ambiente
e do vinculo (S = setting up); (2) organização das informações prévias
que se tem sobre o paciente e avaliação da percepção do paciente
sobre a comunicação; é o momento de avaliar o que o paciente sabe
(P = perception); (3) percepção do quanto o paciente quer saber
sobre sua condição clínica e obtenção do consentimento do paciente
sobre o quanto o médico deve falar (I = invitation); (4) comunicação
das informações ao paciente e verificação da compreensão; (K =
knowledge); (5) resposta às reações emocionais do paciente e de
máxima atenção aos sinais não verbais (E = emotions with empathic
responses); e (6) desenvolvimento do plano terapêutico a ser seguido
e resumo das informações fornecidas (S = strategy and summary).
A experiência de treinamento de médicos brasileiros na
utilização do protocolo SPIKES foi descrita em um trabalho do
Instituto Nacional do Câncer em parceria com o Ministério da
Saúde23. Nesse trabalho, a equipe treinada no uso do protocolo

70 : Desmistificando cuidados paliativos


apresenta algumas dificuldades que merecem consideração. Dentre
elas, a mais frequente diz respeito ao como fazer, propriamente dito.
Em outras palavras, os médicos queixam-se de que a teoria é clara,
mas, na prática, saber quais passos devem ser seguidos não produz
diferenças que minimizem as dificuldades encontradas por eles na
comunicação de más notícias a seus pacientes.
O estudo do INCA23 chama atenção para o fato de que,
embora os protocolos ajudem, antes de utilizar um protocolo, é
preciso lembrar alguns pontos importantes. O primeiro deles é
saber não só identificar, mas responder aquilo que não que é dito
verbalmente. O paciente pode dizer que está entendendo tudo e,
ao mesmo tempo, expressar por gestos, expressões faciais, respostas
fisiológicas e olhares que está nervoso, com medo e apreensivo. Por
isso, é necessário ir além da percepção verbal e recorrer aos princí-
pios da empatia para perceber e entender os sinais não verbais que
indicam se o paciente e o familiar estão preparados para receber a
notícia. Muitas vezes, o médico consegue identificar esses sinais
não verbais, mas não sabe como reagir a eles em função das carac-
terísticas estressantes do contexto de comunicação de más notícias
já referidas e da falta de treinamento para lidar com emoções (dele
mesmo e de outras pessoas).
Outro ponto a lembrar é que as

. Médicos e demais profissionais de saúde


tendem a organizar uma comunicação centrada na transmissão de
informações biomédicas sobre estado clínico, doença e tratamento,
caracterizando uma comunicação centrada na doença e não no
paciente. Mais uma vez, é necessário observar e acolher as necessidades
do paciente e seus familiares, antes de iniciar, e ao longo de toda a
comunicação, para que esse foco se volte para essas necessidades13.

Um olhar multidisciplinar : 71
Observação e acolhimento das necessidades do paciente na
comunicação são um dos princípios do que a literatura define como
comunicação centrada no paciente ou comunicação empática. A
comunicação centrada no paciente tem como pontos centrais: (a)
corresponsabilidade nas tomadas de decisão sobre o tratamento; e
(b) partilha de informações capazes de responder às necessidades
de pacientes e familiares. Já a comunicação empática pode ser
definida como a habilidade de perceber os sentimentos da outra
pessoa e clarificar esses sentimentos, comunicando-os a ela, quer
de forma verbal (por exemplo: “vejo que você não está se sentindo
bem”) ou não verbal (por exemplo: apresentando uma expressão
facial que esteja de acordo com o que se está percebendo)24,25. São
características principais da comunicação empática: (a) identificar
a perspectiva do outro e entendê-la como verdade; (b) não julgar
o outro em hipótese alguma; (c) reconhecer as emoções do outro;
e (d) comunicar ao outro o que percebeu. Assim, na comunicação
empática, na maioria das vezes, é mais importante observar, escutar
e acolher do que falar.
Assim como acontece com os protocolos, o uso desses mode-
los de comunicação, embora esteja bem definido pela literatura,
ainda traz dificuldades práticas para o médico. Observa-se a falta
de propostas de treinamento que auxiliem o profissional também
na identificação, mas principalmente na resposta ao sinais verbais
e não verbais expressos pelo paciente e familiares que denotam
dificuldades e sofrimento. Nesse sentido, Coutinho26 desenvolveu
uma proposta de como realizar esse treinamento em uma unidade de
oncologia pediátrica. A autora desenvolveu um modelo de consulta
psicopediátrica em que o psicólogo estava presente junto com o
médico nas consultas de más notícias com crianças e adolescentes.
Nessas consultas, o psicólogo intervinha, de forma imediata, sobre
comportamentos de comunicação do médico com o paciente pediá-
trico e seu familiar acompanhante. O objetivo era que a presença

72 : Desmistificando cuidados paliativos


e atuação do psicólogo sinalizassem ao médico as ocasiões para
abordar, em sua comunicação verbal, os aspectos afetivos, cognitivos
e psicossociais expressos pelo paciente e/ou familiar acompanhante,
ao longo da consulta, que pudessem interferir sobre o processo de
enfrentamento e/ou adesão a tratamento, assim como as ocasiões
para a clarificação de informações transmitidas pelo médico e não
suficientemente compreendidas pelo paciente e/ou por seu familiar
acompanhante.
Como resultados, a consulta psicopediátrica apontou evidências
empíricas para um novo tipo de intervenção psicológica sobre os
comportamentos de comunicação dos médicos, capaz de melhorar
essa comunicação, no contexto específico em que foi desenvolvido.
Os dados apontaram para importância e para as vantagens de uma
comunicação adaptada às necessidades do paciente pediátrico e seu
familiar, bem como às características do contexto e do estilo pessoal
de cada médico26.
Do ponto de vista do médico, uma das maiores vantagens
da consulta psicopediátrica foi promover a sensibilidade deste
profissional, mais às contingências da consulta do que a instruções
gerais de comportamento. Essa característica realçou a consulta
psicopediátrica como uma prática de comunicação centrada no
paciente. O uso da consulta psicopediátrica favoreceu a percepção
de que o importante, mais do que o dilema de incluir, ou não, o
paciente pediátrico na comunicação, era identificar quando e como
incluir esse paciente. Ao mesmo tempo, sinalizou a necessidade
de avaliar se o paciente desejava ser incluído na comunicação, ou
não. A observação dessas características contribuiu para enfatizar a
importância de se considerar, no estudo da comunicação em saúde,
o que acontece na relação funcional entre os sujeitos (ou, por vezes,
em um mesmo sujeito). A análise funcional e individualizada
permite que seja considerada a multiplicidade de significados que

Um olhar multidisciplinar : 73
cada comportamento de comunicação pode assumir e oferece uma
indicação de como desenvolver, na prática, um modelo de comu-
nicação centrada no paciente26.
Os resultados indicaram a importância de que propostas de
treinamento, e/ou de ensino-aprendizagem em comunicação, este-
jam atentas às características pessoais e individuais dos médicos,
sejam fundamentadas em práticas de ensino individualizado para
cada profissional e para cada contexto e incluam uma perspectiva
interdisciplinar de atuação. Uma outra vantagem da consulta psico-
pediátrica foi oferecer um modelo para essa atuação interdisciplinar,
sugerindo como cada profissional envolvido pode desempenhar seu
papel e estimulando oportunidades para intervenção conjunta. A
atuação interdisciplinar planejada passa a ser, de acordo com os
dados da pesquisa de Coutinho26, uma alternativa para obtenção
de uma comunicação eficiente em contexto de más notícias com
crianças e adolescentes que pode se expandir, também, para o
contexto com adultos.

Glossário
- Contingências: qualquer relação de dependência entre eventos
ambientais ou entre eventos comportamentais e ambientais.

Glossário
- Relações funcionais: relações de causa e efeito entre duas
variáveis.

74 : Desmistificando cuidados paliativos


Considerações Finais

estabelecer uma comunicação clara e acolhedora com crianças


e adolescentes em contexto de más notícias, evitando a conspi-
ração do silêncio.

empática, centrada no paciente, a fim de alcançar os objetivos


e necessidades tanto de crianças quanto de familiares com o
processo de comunicação.

para atingir uma comunicação ao mesmo tempo acolhedora e


eficiente com pacientes e familiares. Planejar e desenvolver a
comunicação em conjunto com uma equipe interdisciplinar
igualmente treinada pode ser uma boa estratégia nesse sentido.

Área de Treinamento

Caso clínico: Paciente feminina com 12 anos de idade, com


quadro avançado de leucemia mielóide aguda em cuidados paliativos
exclusivos, sendo acompanhada em serviço ambulatorial de cuidados
paliativos pediátricos. Família composta pelo pai, mãe e dois irmãos
mais novos que a paciente. Pai e mãe extremamente religiosos e,
embora aceitassem o acompanhamento em cuidados paliativos,
mantinham expectativa de recuperação acreditando em um milagre
divino. Não usavam e não permitiam que a equipe usasse o termo
“cuidados paliativos” na frente da filha doente. Tendiam a traduzir
as medidas tomadas em cuidados em termos que mantivessem a
ilusão de tratamento modificador de doença. A paciente, por usa

Um olhar multidisciplinar : 75
vez, não fazia qualquer pergunta sobre seu estado quando estava
na frente dos pais, especialmente da mãe. Longe dos familiares,
entretanto, pedia à equipe de enfermagem que cuidasse de sua mãe
porque sabia que não ficaria por muito tempo “por aqui”.

Questões:
1) A relação entre paciente, familiares e equipe se configura
como conspiração do silêncio?
( a ) sim
( b) não
(c) depende do ponto de vista

2) A postura da mãe pode ser classificada como:


( a ) negação
( b) enfrentamento religioso
( c ) aceitação
( d) barganha

3) Diante dessa situação como a equipe deve agir?


( a ) respeitar a postura da família e manter o silencia em
relação à paciente mesmo quando esta dá mostras de perceber
o que está acontecendo com ela.
( b ) explicar a condição de cuidados paliativos para paciente
e falar com ela sobre e iminência de morte próxima mesmo
sem o consentimento da mãe e do pai.
( c ) organizar intervenções em separado com os pais e com a
paciente para avaliar melhor a percepção e as escolhas de cada
parte, respeitando as dificuldades de aceitação do processo do
morrer, mas, ao mesmo tempo, reforçando a importância de

76 : Desmistificando cuidados paliativos


oferecer oportunidades de expressão para paciente e diálogo
entre a família sobre seus sentimentos.
(d) a enfermagem não deve opinar sobre o assunto pois o
assunto é complexo e deverá ser trabalhado exclusivamente
pela psicologia.

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Questão 1 – a
Questão 2 – a
Questão 3 – c

Um olhar multidisciplinar : 79
5
espIrItuALIDADe e CuIDADos
pALIAtIVos

“O insuportável não é só a dor, mas a falta de sentido da dor,


mais ainda, a dor da falta de sentido.”
(Oswaldo Giacóia Jr.)
Flávia Nunes Fonseca
Verônica Carneiro Ferrer

Segundo definição da Organização Mundial de Saúde –


OMS1, revisada em 2017, a atuação em Cuidados Paliativos envolve
a “identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e
de outros problemas físicos, psicossociais ou ” (grifo
das autoras). Dessa forma, uma abordagem que se proponha a ser
completa deve tratar o paciente em sua complexidade e levar em
consideração aspectos de sua espiritualidade.

Espiritualidade é a dimensão dinâmica da vida humana que se


relaciona com a forma pela qual o indivíduo experimenta, expressa
ou busca significado, propósito e transcendência2. Expressa-se por
meio de crenças, valores, tradições e práticas3. A prática da espiri-
tualidade pode se dar por diferentes meios, como rituais religiosos,
prece, meditação, arte, contato com a natureza e sofrimento4.
Apesar de frequentemente confundidas, espiritualidade e
religiosidade guardam diferenças importantes entre si.

80 : Desmistificando cuidados paliativos


Glossário
Espiritualidade é a busca por SENTIDO e SIGNIFICADO
transcendente da vida e, assim, está relacionada à experiência
individual de cada ser humano5.

Glossário
Religiosidade se refere a DOGMAS, CRENÇAS, RITOS, CELE-
BRAÇÕES – caminhos institucionalizados que podem ajudar a
alcançar a espiritualidade. Cada religião possui seu conjunto de
práticas instituídas que caracterizam uma comunidade em sua
busca por significado transcendente da vida5.

O envolvimento religioso e a espiritualidade estão associados


a um melhor enfrentamento do adoecimento e maior adaptação a
doenças graves, favorecendo a adesão ao tratamento e o sentimento
de eficiência. Dessa forma, observa-se menor frequência de sintomas
de depressão, melhora da percepção da qualidade de vida e redução
do estresse do paciente6,7,8,9,10. Além disso, a prática da espiritualidade
tem sido relacionada a recursos psicológicos importantes para o
enfrentamento de doenças graves, como autoaceitação9. O bem-estar
espiritual envolve sensação de paz e significado e assim funciona
como recurso de proteção contra o sentimento de desespero que
pode surgir no fim da vida9,10.
Um estudo qualitativo realizado com pacientes oncológicos
investigou de que forma a espiritualidade pode auxiliar no ajus-
tamento ao adoecimento. Os resultados corroboraram a hipótese

Um olhar multidisciplinar : 81
de que a espiritualidade funciona como um meio para encontrar
sentido e demonstraram ainda que a espiritualidade tem papel na
regulação das emoções dos pacientes, uma vez que eles relataram
se sentirem apoiados por uma força transcendental, possibilidade
de expressão das emoções negativas por meio da prece e aceitação
da situação vivida11.
O papel da espiritualidade e do enfrentamento religioso na
qualidade de vida de pacientes com câncer avançado foi avaliado
por outro estudo. O enfrentamento religioso se refere ao uso de
recursos religiosos/espirituais para lidar com o estresse relacionado
ao adoecimento. Os resultados demonstraram que a maioria dos
participantes indicaram a utilização de crenças religiosas/espirituais
como estratégia de enfrentamento do câncer. Espiritualidade e
enfrentamento religioso dos pacientes foram associados a melhores
escores de qualidade de vida. Além disso, a maior parte dos pacientes
apontou a abordagem das demandas espirituais pela equipe de saúde
como parte importante do tratamento12.
Estudos realizados no Brasil demonstram que a importância
do domínio espiritual também se aplica ao contexto cultural da
população brasileira. Por exemplo, uma pesquisa realizada com
pacientes em tratamento oncológico mostrou que 94,1% dos
pacientes apontaram que é importante que os profissionais abor-
dem suas crenças espirituais; a maioria dos participantes (99,2%)
utilizavam espiritualidade ou religiosidade como ferramenta para o
enfrentamento da doença e 99,6% afirmaram que seria necessário
um suporte espiritual/religioso durante o tratamento13.
Em outro estudo brasileiro que objetivou analisar de que
forma espiritualidade, religião e crenças pessoais estão associadas à
qualidade de vida na saúde de pacientes com diagnóstico de câncer,
utilizou-se o instrumento WHOQOL-SRPB (World Health Orga-
nization Quality of Life-Spirituality, Religion and Personal Beliefs) e

82 : Desmistificando cuidados paliativos


verificou-se maior destaque para os itens fé e conexão com o ser
ou força espiritual na avaliação da qualidade de vida dos pacientes.
Todos os participantes apontaram Deus e sua fé como suporte para
superação de situações difíceis e para a sensação de bem-estar no dia
a dia e na relação com os outros. Dessa maneira, o domínio espiri-
tualidade/religiosidade/crenças pessoais apresentou-se como fator
capaz de contribuir para o conforto mesmo diante do sofrimento
e dos impactos provocados pela doença14.
Por outro lado, é importante que o profissional de saúde
esteja atento à possibilidade de a espiritualidade ser vivenciada
de forma a potencializar o sofrimento do paciente. Determinadas
crenças religiosas podem se relacionar a pensamentos negativos e
sentimento de culpa. Exemplo disso é a crença de que determinada
doença foi causada exclusivamente por uma certa conduta moral
do paciente, de forma que ele se percebe como o único responsável
por seu sofrimento. Ademais, orientações religiosas podem levar o
indivíduo a abandonar totalmente o tratamento médico tradicional,
mesmo quando o paciente poderia se beneficiar deste cuidado 9,15.

Na área de saúde, ainda há dificuldades na abordagem da espi-


ritualidade como parte integrante do cuidado oferecido. Observa-se
falta de conhecimento sobre o conceito, além de atribuição de pouca
importância para a espiritualidade e seu potencial efeito no bem estar
físico e psicossocial daqueles em situação de adoecimento. Outro
fator apontado como barreira para a abordagem do tema seria a falta
de tempo e a percepção de que não é papel da equipe de saúde lidar
com aspectos relacionados à espiritualidade16,17.

complexas podem surgir diante de uma doença ameaçadora da


vida17:

Um olhar multidisciplinar : 83
Diante da consciência da mortalidade, das perdas e limitações
impostas pelo adoecimento, são levantados questionamentos a
respeito do sentido da vida e do sofrimento relacionado à doença,
os quais podem demonstrar . Ressalta-se que pedidos
dos pacientes por medidas para acelerar o processo de morte podem
ser uma expressão deste tipo de sofrimento17.
A profundidade do tema se apresenta como mais uma limi-
tação percebida pelos profissionais de saúde para conversar sobre

e dificuldades na vivência de sua própria espiritualidade18. Contudo,


mesmo diante das barreiras percebidas, é consenso que todos os
membros da equipe são responsáveis por identificar demandas na
dimensão espiritual, oferecer acolhimento, demonstrar postura
sensível diante destes aspectos e proceder ao encaminhamento
para atendimento por profissional especializado quando houver
necessidade17.

Demandas relacionadas à dimensão espiritual são frequentes


entre pacientes com doenças ameaçadoras da vida e seus cuidadores.
Faz-se necessário então que a equipe de saúde inclua a avaliação
espiritual em sua rotina de atendimento para que seja possível identi-
ficar as necessidades e recursos dos pacientes neste campo e fornecer
suporte adequado para a redução do sofrimento espiritual. Dessa
forma, a avaliação espiritual consiste em uma abordagem centrada
no paciente em que se oferece, a partir de escuta ativa, um espaço

84 : Desmistificando cuidados paliativos


para levantamento de dados sobre a história espiritual. O objetivo
principal é compreender o papel das crenças e práticas religiosas ou
espirituais na vida do paciente e seu impacto no enfrentamento da
doença, seja positivo ou complicador. Como resultado, busca-se o
estabelecimento de um plano de cuidado espiritual em consonância
com o plano de cuidados total do paciente2,19.
Como objetivos específicos da avaliação espiritual, destacam-se2:
- Fornecer espaço para que os pacientes compartilhem suas
crenças espirituais e religiosas, definam o papel da espiritualidade
e identifiquem seus objetivos no campo espiritual;
- Compreender crenças e valores de cada paciente;
- Avaliar sofrimento espiritual (por exemplo, sentimento
de perda de sentido e desesperança), bem como recursos no nível
espiritual que contribuem para o enfrentamento do adoecimento
(por exemplo, esperança, percepção de sentido e propósito);
- Empoderar o paciente para identificar seus próprios recursos
internos de aceitação e enfrentamento da doença;
- Reconhecer crenças que possam afetar a tomada de decisão
dos pacientes no contexto do tratamento de saúde;
- Identificar práticas espirituais que possam contribuir no
processo de tratamento;
- Identificar pacientes que necessitem de encaminhamento
para atendimento especializado por capelão para abordagem e cui-
dados das demandas no campo espiritual.
A literatura dispõe de instrumentos que podem guiar a abor-
dagem da espiritualidade por profissionais de saúde18. Um exemplo
é o FICA20, instrumento que fornece direcionamento para avaliação
de quatro aspectos importantes no contexto da espiritualidade:
fé, importância, comunidade e abordagem; além de sugestões de
perguntas que podem ser utilizadas para investigação de cada um
dos aspectos, conforme Quadro 1.

Um olhar multidisciplinar : 85
Quadro 1 – Instrumento FICA de abordagem da Espiritualidade
FICA

FAITH Qual é sua fé ou crença? Você se considera uma pessoa religiosa ou


(fé e crença) espiritualizada? Quais são as crenças que dão sentido à sua vida?
A fé é importante em sua vida? Que influência ela tem na forma como
IMPORTANCE
você se cuida? Como suas crenças influenciam seu comportamento
(importância)
durante esta doença?
COMMUNITY Você participa de alguma igreja ou comunidade espiritual? É uma fonte
(comunidade) de suporte para você? Como?
ADDRESS Como nós (equipe) podemos abordar e incluir essa questão no seu
(abordagem) atendimento?
Fonte: Adaptado de Puchalski e Romer20 e Saporetti 18

O papel do profissional é estar presente e acompanhar o


paciente em seu processo a partir de escuta qualificada e ativa,
acolhimento constante, sincero e amoroso, que pode ser simples
como um toque ou um olhar18,21. Para isso, é fundamental que o
profissional apresente atitude receptiva, demonstrando abertura,
interesse, sensibilidade e respeito à individualidade de cada paciente,
sua história de vida e seus valores. É importante que o profissional
tenha o cuidado de não expor ou impor as suas próprias crenças19.
Para que seja possível oferecer cuidado adequado aos pacientes, é
preciso que os profissionais sejam capazes de reconhecer suas limi-
tações e que desenvolvam o autoconhecimento a respeito de sua
própria vivência de espiritualidade17.

IMPORTANTE
A questão espiritual colocada pelo paciente frequentemente não
é uma pergunta, mas uma expressão de sua dor espiritual19.

Nesse sentido, Puchalski elaborou o FICA – PROFISSIONAL,


instrumento voltado para profissionais de saúde, com o objetivo

própria espiritualidade22, de acordo com o Quadro 2.

86 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 2 – Instrumento FICA – Profissional 22 de abordagem da Espiritualidade
FICA – Profissional

Eu tenho crenças espirituais que me ajudam a lidar com o estresse e com


FAITH o fim da vida? Eu sou religioso/espiritualizado? O que dá sentido à
(fé e crença)
minha vida? O que dá à minha vida significado e propósito?

Essas crenças são importantes para mim? Elas influenciam a maneira


como cuido de mim mesmo? Minhas crenças são mais ou menos
importantes? Quais são as prioridades mais importantes na minha vida?
IMPORTANCE
(importância) Elas coincidem com minhas crenças espirituais? Minha vida espiritual
está integrada à minha vida pessoal ou profissional? Se não, por que
não?
Pertenço a uma comunidade espiritual? Qual é o meu comprometimento
COMMUNITY com esta comunidade? Ela é importante para mim? Preciso achar uma
(comunidade)
comunidade ou mudar de comunidade?
Preciso fazer algo diferente para crescer na espiritualidade ou em minha
comunidade espiritual? Tenho uma prática espiritual ou preciso de uma?
O que eu deveria fazer em minha prática com o objetivo de crescer
ADDRESS
(abordagem) espiritualmente? Eu preciso fazer algo diferente? De que maneira
integraria melhor minha vida espiritual na minha vida pessoal e/ou
profissional?
Fonte: Adaptado de Puchalski apud Santos22.

Considerações Finais

-
tamento de doenças graves.

todo, salienta-se que é preciso controlar o desconforto físico em


primeiro lugar, pois assim torna-se possível que o sujeito enfoque
suas necessidades espirituais. Se o indivíduo estiver em situação

sua existência e de alcançar a sensação de plenitude15.

Um olhar multidisciplinar : 87
Área de Treinamento

RBC é um paciente de 52 anos, casado e tem dois filhos de


13 anos e 17 anos. Atualmente afastado do trabalho, recebe auxílio
do INSS. Família e paciente são espíritas. Recebeu diagnóstico de
Glioblastoma Multiforme há 1 ano e meio. Foi submetido a uma
cirurgia pouco tempo depois do diagnóstico, que resultou na retirada
de 95% do tumor. No momento, faz tratamento com quimioterapia
oral (Temodal). Foi informado por seu médico neurocirurgião de
que sua doença não tem cura. Encaminhado para acompanhamento
conjunto no ambulatório de Cuidados Paliativos depois que a última
tomografia demonstrou que seu tumor voltou a crescer.
O paciente compareceu à primeira consulta acompanhado por
sua esposa. Durante a avaliação inicial, negou queixas relacionadas
a sintomas físicos. Solicitou mais esclarecimentos sobre Cuidados
Paliativos. Relatou para a equipe que a sua vida mudou comple-
tamente após o diagnóstico. Sente-se constantemente ansioso e
preocupado e tem dificuldade de conversar com sua família sobre
sua doença. Baseado na doutrina espírita, descreveu crença de que
todas as pessoas escolhem as provas pelas quais irão passar ao longo
da vida. A esposa mostrou-se muito presente e disse que tem fé que
o marido será uma exceção e pode se curar.

Acerca da abordagem e do manejo dos problemas espirituais


nos Cuidados Paliativos, julgue os itens que se seguem.

Questão 1 – No caso relatado, percebe-se que o paciente e


sua esposa sinalizaram que a fé tem papel importante no contexto
do tratamento de saúde. Sendo assim, qual das condutas abaixo
seria mais adequada?

88 : Desmistificando cuidados paliativos


a) Não abordar a questão da espiritualidade, a menos que o
paciente peça uma opinião do profissional. Nesta situação,
o profissional poderá falar sobre suas crenças espirituais e
orientar o paciente.
b) Abordar a espiritualidade para melhor compreender de que

c) Abordar a questão somente com o paciente, pois ele é o


foco do cuidado e o relato da esposa indica que ela tem uma
crença irreal de cura baseada na religiosidade.
d) Registrar em prontuário que o paciente não apresenta sofri-
mento na dimensão espiritual, já que ele relatou participar
de uma comunidade e ter uma crença espiritual.

Questão 2 – Em relação à abordagem da dimensão espiritual,


marque a alternativa correta.
a) A equipe deve registrar dados sobre a dimensão espiritual,
caso o paciente os informe, embora esse não seja um foco de
cuidado de uma equipe de saúde.
b) A abordagem da espiritualidade deve ser realizada prefe-
rencialmente pelo médico, que tem o papel de orientar o
paciente a buscar atendimento especializado para demandas
relacionadas a este aspecto.
c) Todos os membros da equipe podem avaliar a dimensão
espiritual. Para isso, é possível utilizar instrumentos específicos,
como o FICA.
d) Uma equipe de cuidados paliativos só pode funcionar se
tiver um capelão como membro, pois é este o profissional
que irá cuidar do sofrimento espiritual.

Um olhar multidisciplinar : 89
Questão 3 - RBC identificou que tem se sentido ansioso e
preocupado com sua saúde. Tem evitado participar das reuniões no
centro espírita que costumava frequentar. No momento, sente-se
angustiado e tem dúvidas sobre a doutrina que sempre seguiu desde
criança. Questiona-se se realmente seria possível escolher passar por
tanto sofrimento. O que teria o motivado a fazer tal escolha? Diante
do exposto, assinale a alternativa correta:

a) Diante do relato do paciente, a equipe deve desencorajar a


permanência de RBC no centro espírita e orientá-lo a buscar
outra religião, pois claramente há um sofrimento relacionado
à dimensão espiritual.
b) A indicação é que RBC converse com algum profissional
espírita, que poderá esclarecer suas dúvidas.
c) Uma vez que o paciente descreveu ansiedade e angústia,
essas demandas se referem à dimensão psicológica, devendo
ser abordadas pelo psicólogo da equipe.
d) RBC relatou questionamentos existenciais importantes.
Dessa forma, é necessário que a equipe acolha seu relato e
que posteriormente avalie a necessidade de encaminhamento
a um especialista (capelão).

1. WHO Definition of Palliative Care [homepage na Internet].


WHO 2017 [acesso em outubro 2017]. Disponível em http://www.
who.int/cancer/palliative/definition/en/
2. Puchalski CM, Ferrell B, Virani R, Otis-Green S, Baird P, Bull
J, Chochinov H, Handzo G, Nelson-Becker H, Prince-Paul M,
Pugliese K, Sulmasy D. Improving the quality of spiritual care as a
dimension of palliative care: The report of the consensus conference.
J Palliat Med. 2009; 12: 885–904

90 : Desmistificando cuidados paliativos


3. Puchalski CM, Vitillo R, Hukk SK, Reller N. Improving the
Spiritual Dimension of Whole Person Care: Reaching National
and International Consensus. J Palliat Med. 2014; 17(6): 642–656.
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Oliveira RA (Coord.). Cuidado Paliativo. São Paulo: CREMESP;
2008. p. 521-531.
5. Bertachini L, Pessini L.A importância da dimensão espiritual
na prática de cuidados paliativos. Bioethicos. 2010; 4(3):315-23.
6. Culliford L: Spirituallity and clinical care. BMJ: British Medical
Journal 2002; 325(7378):1434-5.
7. Koenig HG, Pargament KI, Nielsen J: Religious coping and
health status in medically ill hospitalized older adults. J Nerv Ment
Dis 1998; 186(9): 513-21.
8. Yates JW, Chalmer BJ, St James P, et al. Religion in patients with
advanced cancer. Méd Pediatr Onco 1981; 9: 121-8.
9. Liberato RP, Macieira, RC Espiritualidade no enfrentamento do
câncer. In: Carvalho VA,. et al. (Orgs.) Temas em psico-oncologia.
São Paulo: Summus; 2008. p. 414-31.
10. McClain CS, Rosenfeld B, Breitbart W. Effect of spiritual well-
being on end-of-life despair in terminally-ill cancer patients. Lancet
2003; 361(9369): 1603-1607.
11. Garssen B, Uwland-Sikkema NF, Visser A. How spirituality
helps cancer patients with the adjustment to their disease. J Relig
Health. 2015; 54(4):1249-1265.
12. Vallurupalli M, Lauderdale K, Balboni MJ, Phelps AC, Block
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quality of life of patients with advanced cancer receiving palliative
radiation therapy. J Support Oncol. 2012;10:81–87.
13. Camargos MG. Avaliação da espiritualidade/religiosidade e
associação com a qualidade de vida de pacientes com câncer e de

Um olhar multidisciplinar : 91
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mestrado]. Barretos: Fundação Pio XII. Hospital de Câncer de
Barretos, 2014.
14. Menezes RR, Kameo SY, Valença TS, Mocó GAA, Santos JMJ.
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15. Peres MFP, Arantes ACLQ, Lessa PS, Caous CA. A importância
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dor e dos cuidados paliativos. Revista de Psiquiatria Clínica, 2007;
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17. McClement SE. Spiritual issues in Palliative Medicine. In:
Cherny N, Fallon M, Kaasa S, Portenoy R, Currow DC (Ed.) The
Oxford Textbook of Palliative Medicine. 5 ed. Oxford: Oxford
University Press; 2015. p. 1059-1066.
18. Saporetti, LA. Espiritualidade em Cuidados Paliativos. In:
Santos FS (Org.). Cuidados paliativos: discutindo a vida, a morte
e o morrer. São Paulo: Ed Atheneu; 2009. p. 269-281.
19. Delgado-Guay MO. Spiritual care. In: Bruera E, Higginson I,
von Gunten C, Morita T (Ed.). Textbook of Palliative Medicine
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20. Puchalski C, Romer AL: Taking a spiritual history allows
clinicians to understand patients more fully. J Palliat Med 2000;
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Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de Cuidados Paliativos
ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. 2012. p. 533-543.

92 : Desmistificando cuidados paliativos


22. Santos, FS. Abordando a espiritualidade na prática clínica. In:
Santos FS (Org.). Cuidados paliativos: discutindo a vida, a morte
e o morrer. São Paulo: Ed Atheneu; 2009. p. 373-385.

Questão 1 – b
Questão 2 – c
Questão 3 – d

Um olhar multidisciplinar : 93
6
ABorDAGeM Do Luto eM
CuIDADos pALIAtIVos

“Cada processo de luto de uma pessoa é como todos os processos


de luto; cada processo de luto de uma pessoa é como alguns processos
de luto; e cada processo de luto de uma pessoa é como nenhum processo
de luto.”
(J. William Worden)
Flávia Nunes Fonseca
Verônica Carneiro Ferrer
Siméia Costa Arruda Benicio de Paulo

Entre os princípios definidos pela Organização Mundial de


Saúde - OMS para reger a atuação de equipes multiprofissionais de
Cuidados Paliativos está: “Abordagem multiprofissional para focar
as necessidades dos pacientes e seus familiares, incluindo acom-
panhamento no luto”¹. Dessa forma, o cuidado no luto faz parte
da atenção integral oferecida pelas equipes de Cuidados Paliativos
e pode ser realizado por todos os seus membros, numa perspectiva
interdisciplinar2.
O luto é um conjunto de reações a uma perda importante, que
é vivenciado de forma individualizada, considerando a unicidade
das relações significativas3,4. Ressalta-se que o luto é um processo,
uma vez que não se dá de forma estática, mas se constitui como
uma experiência pessoal que envolve reações diversas que podem
se misturar, se substituir, ir e voltar3,4,5. Sendo uma ruptura de

94 : Desmistificando cuidados paliativos


vínculos expressivos, observam-se mudanças na vida do enlutado nas
dimensões social, econômica, familiar, entre outras, que dependerão
da maneira como o sujeito experimentou o processo da perda, bem
como da cultura em que os indivíduos estão inseridos6.
Segundo Worden7, existem alguns fatores apontados como

a forma como a experiência do luto é vivida e, portanto, devem ser


considerados quando se pretende compreender a experiência de
perda de uma pessoa. Entre eles, destacam-se:

- o parentesco ou relacionamento entre o enlutado e o indivíduo


falecido;
- a natureza do vínculo;
- a forma como a pessoa morreu;
- antecedentes históricos (como lutos anteriores e história de
saúde mental);
- variáveis de personalidade;
- variáveis sociais
- estressores concorrentes (crises financeiras sérias, por exemplo).

O luto pode ser acompanhado de reações emocionais, físicas,


cognitivas e comportamentais, conforme apresentado no Quadro 1.

Um olhar multidisciplinar : 95
Quadro 1 Reações no processo de luto normal.
Tristeza, raiva, culpa e autocensura,
SENTIMENTOS
ansiedade, solidão, fadiga, desamparo,
choque, saudade, libertação, alívio, torpor.
Vazio no estômago, aperto no peito,
SENSAÇÕES FÍSICAS aperto na garganta, hipersensibilidade a
ruídos, falta de ar, fraqueza muscular.
Descrença, confusão, preocupação,
COGNIÇÃO
sensação de presença do falecido,
alucinações.
Distúrbios do sono, distúrbios de apetite,
isolamento social, sonhos com o morto,
COMPORTAMENTOS evitar a evocação de lembranças, procurar
e chamar pelo falecido, suspiro, choro,
hiperatividade e agitação, visitar locais ou
carregar objetos que lembrem a pessoa
falecida, valorizar objetos que pertenciam
ao morto.
Fonte: Adaptado de Worden7

Em 1969, ao se debruçar sobre a experiência de pacientes com


diagnóstico de doença sem possibilidade de cura, Elisabeth Kübler-Ross
propôs pela primeira vez o modelo dos cinco estágios do luto8. Nessa
perspectiva, foram descritas reações diante da morte: negação, raiva,
barganha, depressão e aceitação. Atualmente, questiona-se o uso
das fases do luto, pois, considerando-se que o luto se dá de forma
individual e é um processo dinâmico, não é possível enquadrar a
vivência do enfrentamento desta experiência dentro de um modelo
rígido para todas as pessoas. Porém, frequentemente, há a interpre-
tação equivocada de que todas os enlutados devem passar por todas
as fases, da mesma forma e na mesma ordem, embora essa não tenha
sido a proposta original de Kübler-Ross9.

96 : Desmistificando cuidados paliativos


Dessa maneira, Worden7 propõe que o modelo de “tarefas do
luto” é uma alternativa para se compreender o processo. De acor-
do com esta proposta, o luto pode ser visto como um processo de
adaptação a uma perda que envolve quatro tarefas básicas: aceitar a
realidade da perda, processar a dor do luto, ajustar-se a um mundo
sem a pessoa falecida, encontrar uma forma de conexão duradoura
com o falecido em meio ao início de uma nova vida. Ressalta-se,
que o conceito de tarefa expressa uma particularidade importante ao
indicar que o enlutado tem papel central e precisa agir ativamente
em seu processo. Além disso, essa perspectiva também aponta que
o luto não se dá de forma rígida, de modo que as tarefas podem
ser trabalhadas de forma simultânea, e ainda serem retrabalhadas
ao longo do tempo.
Outra proposta para compreensão do luto é o Modelo do
Processo Dual do Luto, desenvolvido por Stroebe e Schut10. O
modelo identifica duas categorias de estressores compondo o
processo do luto. Um grupo é formado por estressores cujo foco é
a pessoa falecida, o qual foi denominado de estressores orientados
para a perda. Podem ser incluídos neste grupo comportamentos
como negação da realidade da perda, falar sobre a pessoa falecida,
imaginar como seria a vida caso o ente querido ainda estivesse vivo.
É essa dimensão que se aproxima das teorias tradicionais sobre o
luto. Por outro lado, há também os chamados estressores orientados
para a recuperação, que dizem respeito às demandas de reconstrução
e readaptação diante das mudanças secundárias à perda de um ente
querido. Tais mudanças trazem consigo a necessidade de domínio
de habilidades novas e transformações psicossociais. Exemplo disso
seria a reorganização da rotina de vida com o desempenho de
papeis diferentes, o engajamento em tarefas que o indivíduo não
desempenhava anteriormente, bem como a retomada de tarefas
anteriores. Por exemplo, a morte do marido transforma a esposa em

Um olhar multidisciplinar : 97
viúva e pode haver mudanças no que tange à organização financeira,
aos cuidados com os filhos, à divisão de tarefas domésticas10.
Nessa perspectiva, defende-se que não é possível vivenciar as
dimensões de perda e de recuperação simultaneamente, de forma
que se observa uma oscilação entre os dois pontos. Este seria o
processo dual do luto. Segundo esta abordagem, o movimento entre
as duas dimensões tem função regulatória adaptativa. A oscilação se
dá de acordo com as necessidades do indivíduo, de maneira que este
7,10
.

Conforme descrito anteriormente, o processo de luto pode


ser acompanhado de reações emocionais, físicas, cognitivas e com-
portamentais. É possível que alguns indivíduos manifestem tais
reações de forma bastante intensa ou prolongada, de maneira que
é frequente o questionamento a respeito do luto como um processo
patológico. Quando o luto envolve uma desorganização prolongada
que impede a pessoa de retomar suas atividades com a qualidade
anterior à perda, identifica-se o luto complicado6,11. O fenômeno
também já foi descrito como luto patológico7,12, com destaque para a
intensificação do luto a ponto de o enlutado sentir-se sobrecarregado
e, assim, apresenta comportamentos mal adaptativos ou permanece
em um estado que não progride para a conclusão do luto. O que se
denomina como patológico então não é a emoção em si, mas sua
grande intensidade e prolongamento, que distanciam o processo da
assimilação e acomodação12.
O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
na sua 5ª edição (DSM V)13, apresenta a proposta de Transtorno de
Luto Complexo Persistente na seção de “Condições para estudos
posteriores”. O diagnóstico seria caracterizado pela identificação
da persistência de níveis graves de resposta de luto por ao menos

98 : Desmistificando cuidados paliativos


12 meses após a morte, interferindo na capacidade do indivíduo
de funcionar. Um conjunto de critérios diagnósticos foi descrito,
porém ainda há evidências insuficientes para inclusão como um
diagnóstico oficial, daí a necessidade de pesquisas futuras para
melhor compreensão do quadro.
O DSM V13 traz ainda importantes contribuições para a
elucidação das diferenças entre um processo de luto normal em
relação a um Episódio Depressivo Maior (EDM). Embora haja
grande sofrimento envolvido no processo de luto, este não costuma
provocar um EDM. Luto e EDM tendem a estar relacionados nos
casos de pessoas que apresentam outras vulnerabilidades a trans-
tornos depressivos. O Quadro 2 aponta características centrais que
diferenciam o luto de um EDM.
Quadro 2 – Comparação de características do Luto e de um Episódio Depressivo Maior.

LUTO EPISÓDIO DEPRESSIVO MAIOR


Sentimento de vazio e perda Humor deprimido persistente,
incapacidade de antecipar prazer
Disforia em ondas (“dores do luto”) Humor deprimido mais persistente, não
associadas a pensamentos sobre o falecido está ligado a pensamentos ou
preocupações específicas
Dor pode estar acompanhada de emoções Infelicidade e angústia generalizadas
positivas
Autoestima preservada Sentimentos de desvalia e aversão a si
Se houver ideação autodepreciativa, esta mesmo
envolve percepção de falhas em relação ao
falecido
Preocupação com pensamentos e Ruminações autocríticas ou pessimistas
lembranças do falecido
Pensamento sobre morte e morrer Foco dos pensamentos sobre morte está
costumam ter foco no falecido e nos sentimentos de desvalia, de não
possivelmente em “se unir” a ele merecer estar vivo ou da incapacidade de
enfrentar a dor da depressão
Fonte: Adaptado do DSM V13

Um olhar multidisciplinar : 99
Dentro do contexto de assistência em Cuidados Paliativos,
faz-se necessário reconhecer um processo chamado de Luto
Antecipatório7,9,14.

Glossário
Luto Antecipatório: Esse tipo de luto pode ser observado em
situações em que há algum tipo de prenúncio para a morte. As
reações cognitivas, afetivas, culturais e sociais se iniciam antes da
ocorrência da perda de fato, quando se tem a percepção de que há
uma ameaça real da morte7,9,14.

Nesse período de antecipação, um conjunto de reações que


se assemelham às características do luto normal podem ser vividas
tanto pelo paciente como por sua família. Observa-se que durante
um período de cuidados para pacientes com diagnósticos de doenças
graves, as perdas referentes a atividades que o paciente executava
anteriormente começam a ser sentidas antes da morte14,15.
Neste contexto, é importante atenção para identificação de
sentimentos como ansiedade, culpa e ambivalência, que demandam
elaboração e intervenção. Deste modo, o profissional pode exercer
o papel de estimular a comunicação dentro da família para que os
envolvidos usufruam deste período de forma benéfica, identificando
questões a serem tratadas e experiências a serem compartilhadas
antes que a morte aconteça7,15.

A abordagem em Cuidados Paliativos se propõe a ser


abrangente, oferecendo atenção, cuidado e conforto em diferentes
dimensões, o que favorece o estabelecimento de um vínculo intenso
entre família/paciente e equipe. Frequentemente a própria família

100 : Desmistificando cuidados paliativos


entra em contato espontaneamente com a equipe responsável pelos
cuidados com o paciente para informar sobre o seu falecimento e/
ou em busca de um acolhimento após o óbito. Após o falecimento
de um paciente, é possível ainda que a própria equipe faça contato
com a família por meio de um telefonema de condolências e, nesse
momento, ofereça a possibilidade de um acolhimento para os fami-
liares. O acolhimento após o óbito tem a função de fechamento de
um ciclo tanto para a família, quanto para a equipe que acompanhou
o processo de adoecimento do paciente9.
No contexto do acolhimento pós óbito como suporte aos
familiares, diferentes pontos podem ser contemplados, como exem-
plificado no Quadro 3.
Quadro 3 – Pontos frequentemente abordados no acolhimento após o óbito.

Acolhimento e validação de sentimentos a respeito do processo de adoecimento e


morte do paciente
Escuta dos relatos de experiência dos familiares como cuidadores
Devolutiva da família sobre os cuidados oferecidos pela equipe
Identificação de possíveis fontes de suporte (amigos, parentes, grupos
comunitários)
Reflexão sobre as diferentes possibilidades de suporte aos enlutados: além da
disponibilidade da escuta para suporte emocional, as pessoas poderão necessitar de
auxílio para questões práticas (cuidados básicos com crianças, por exemplo)
Estímulo das competências familiares para que sejam utilizados recursos próprios
da família para o enfrentamento do luto e reorganização pessoal e familiar
Abordagem voltada para a construção, pela família, de significado para o luto
Esclarecimentos sobre reações normais do luto, bem como ênfase do luto como um
processo individual
Observação de fatores de risco e verificação de necessidade de encaminhamentos
para acompanhamento do luto (por exemplo, pessoas com transtornos psiquiátricos
prévios à perda)
Encaminhamento para psiquiatra em caso de identificação de risco de suicídio
Fonte: Adaptado a partir dos trabalhos de Franco16, Genezini9, Parkes5 e Worden7.

Um olhar multidisciplinar : 101


IMPORTANTE
No acolhimento pós-óbito não há uma fala previamente definida
e adequada. O uso de expressões estereotipadas (como “Ele
descansou e parou de sofrer” ou “Vai passar! O tempo cura a
sua dor”) pode aumentar a distância entre o enlutado e as outras
pessoas em vez de promover acolhimento5!

Além do acolhimento oferecido após o óbito, é possível que as


equipes de saúde ofereçam acompanhamento para o processo de luto
de familiares, por meio de aconselhamento do luto e terapia do luto.
Caso haja demanda e não seja possível o acompanhamento a longo
prazo, a equipe pode encaminhar a família para serviços especializados9.
O aconselhamento do luto fornece subsídios para a adaptação
de um indivíduo a uma nova realidade caracterizada pela ausência
de um ente querido que faleceu, visando7:

necessários após a perda

mantenha o vínculo com a pessoa falecida e, ao mesmo tempo,


reinvista na sua vida.
Porém, o aconselhamento do luto não é necessário para
todas as pessoas5,11,7. Worden7 defende o aconselhamento como um
complemento aos facilitadores de luto tradicionais, como família
e organizações religiosas, uma vez que estes podem não se mostrar
eficazes ou não estar disponíveis para alguns indivíduos. Numa
perspectiva de um modelo preventivo de saúde mental, o aconse-
lhamento é especialmente importante para aqueles que apresentam
indicadores de risco de má adaptação à perda7.

102 : Desmistificando cuidados paliativos


Segundo Worden7, há uma distinção entre aconselhamento
e terapia do luto. O aconselhamento do luto envolve a facilitação
de um processo de luto não complicado ou normal, em busca de
uma adaptação saudável. Já a terapia do luto é voltada para os indi-
víduos que apresentam reações de luto anormais ou complicadas,
caracterizadas por desorganização intensa e prolongada, de forma
a prejudicar o retorno à rotina e às atividades desempenhadas
anteriormente pelo enlutado6. Por este motivo, a abordagem do
luto complicado requer o uso de técnicas especializadas.

No contexto de trabalho em Cuidados Paliativos, em que se


lida frequentemente com situações de perdas e morte, é de suma
importância que o profissional de saúde se aproprie do conhecimento
acerca do luto, de seus desdobramentos e das situações de risco de
má adaptação, em que uma avaliação especializada do enlutado é
indicada11,15. Essa apropriação contribui para uma boa prática e é
fator facilitador do autocuidado no enfrentamento de perdas do
trabalhador da saúde9.
Por outro lado, a educação para morte voltada aos profissio-
nais da saúde ainda não é uma realidade no processo de formação
profissional6. É pungente reconhecer o risco de adoecimento do
profissional de saúde quando lhe faltam recursos e espaços para
elaborar suas perdas e lidar com o sofrimento intrínseco ao
trabalho9. Os desafios e estressores inerentes à prática profissional
em Cuidados Paliativos podem tornar os profissionais mais vulne-
ráveis ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout e da Fadiga por
Compaixão, por exemplo. Nesse sentido, sugere-se que o suporte
aos profissionais no enfrentamento das demandas envolvidas em
situações de perdas e luto envolve o investimento tanto em estra-
tégias de autocuidado no nível pessoal como no desenvolvimento

Um olhar multidisciplinar : 103


profissional (treinamentos e educação continuada, por exemplo) e
estratégias no nível organizacional (como investimento no desen-
volvimento de clima organizacional positivo e previsão de espaços
institucionais para supervisão e educação)17.

Considerações Finais

integral com base nos princípios dos Cuidados Paliativos.

tema, do desenvolvimento de habilidades empáticas e do auto-


conhecimento do profissional de saúde para que seja possível
a adequada abordagem do luto com os pacientes, bem como a
elaboração do luto dos próprios profissionais.

“Morrer é tão somente terminar de viver”


Nazaré Jacobucci

Área de Treinamento

MFA é uma paciente de 40 anos, viúva e tem uma filha de


13 anos. Recebeu diagnóstico de câncer de mama há 1 ano, logo
depois de seu marido falecer repentinamente em um acidente de
trânsito. Fez quimioterapia e radioterapia adjuvante, porém houve
avanço da doença. Nos últimos exames de imagem, foram desco-
bertas metástases pulmonares e ósseas. A equipe da oncologia
indicou cuidados paliativos exclusivos e encaminhou a paciente para

104 : Desmistificando cuidados paliativos


atendimento em ambulatório de Cuidados Paliativos. A paciente
compareceu à primeira consulta acompanhada por sua irmã, que se
mostrou bastante ansiosa em relação à evolução da doença e relatou
medo da morte de M. A família relatou ainda que o desempenho
da filha da paciente na escola está prejudicado e que a adolescente
evita conversar sobre a doença da mãe.

Questão 1 – No caso relatado, percebe-se que a irmã e a filha


da paciente podem estar vivendo um processo de luto antecipatório.
Sendo assim, qual das condutas abaixo seria mais adequada?

a) Não abordar a questão, pois a abordagem do luto deve


sempre ser iniciada após o falecimento da paciente, do contrário
pode haver quebra do vínculo entre família e equipe.
b) Abordar a questão somente com a paciente, tendo em
vista que, em caso de abordagem do luto antecipatório, os familiares
podem sentir que a equipe está dando uma “sentença de morte”
para o paciente.
c) Abordar a paciente e a irmã em relação ao luto antecipa-
tório, mas não a filha, tendo em vista que ela tem apenas 13 anos
e não estaria apta a lidar com a situação.
d) Marcar reunião familiar multiprofissional, com a presença
da filha, e abordar expectativas de todos, bem como as pendências
que a paciente ainda possa ter e sinalizar o legado que está deixando
referente às suas relações interpessoais e familiares.

Questão 2 – Em relação ao entendimento do processo de


luto antecipatório da filha, marque a alternativa correta.

Um olhar multidisciplinar : 105


a) O desempenho da filha da paciente na escola está
prejudicado porque ela é rebelde como qualquer outro adolescente.
b) A abordagem do luto deve levar em consideração os
mediadores do luto, de forma individualizada. No caso, o fato de
a filha ter perdido o pai há um ano é um antecedente relacionado
ao seu histórico de perdas de pessoas significativas e pode ser um
mediador do seu processo de luto pela morte da mãe.
c) A filha deve ser encaminhada para um serviço de psi-
quiatria pediátrica, mesmo antes de um primeiro contato com a
equipe de Cuidados Paliativos, já que se trata de um processo claro
de depressão.
d) O comportamento da filha pode favorecer o seu envolvi-
mento com drogas ilícitas, mas isto não é um assunto que deve ser
tratado pela equipe.

Questão 3 - A família da paciente relatou que ainda tem


mantido contato com um grupo da igreja evangélica do qual a
paciente fazia parte, mesmo a paciente não tendo mais condições
de frequentá-lo.

a) A equipe deve desencorajar este contato, uma vez que há

o processo de luto.
b) A indicação é que a família participe de algum grupo de
apoio ou terapia que sejam conduzidos sempre por profissionais
da saúde.
c) Manter o contato com o grupo em questão pode ser um
ponto de apoio importante para a família no enfrentamento do
luto, mesmo que eles também necessitem de apoio de profissionais
de saúde treinados.

106 : Desmistificando cuidados paliativos


d) A família deveria esperar a paciente morrer para manter
contato com o grupo em questão, já que a paciente mesmo não
pode mais frequentá-lo.

Referências bibliográficas
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princípios. In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de Cuidados
Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia Nacional
de Cuidados Paliativos; 2012. p. 28.
2. Matsumoto DY. Cuidados Paliativos: conceito, fundamentos e
princípios. In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de Cuidados
Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia Nacional
de Cuidados Paliativos; 2012. p. 23-30.
3. Bromberg MHPF. A psicoterapia em situações de perdas e luto.
Campinas: Editora Livro Pleno; 2000.
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Gomes MJB, Barros LHC (Org.) Temas em Psico-Oncologia. São
Paulo: Summus; 2008. p. 398-402.
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São Paulo: Summus; 1998.
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Profissão. 2017;37(1): 90-105.
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manual para profissionais de saúde mental. 4. ed. Porto Alegre:
Artes Médicas; 2012.
8. Kubler-Ross E. Sobre a morte e o morrer. 7. ed. São Paulo:
Martins Fontes; 1996

Um olhar multidisciplinar : 107


9. Genezini D. Assistência ao luto. In: Carvalho RT, Parsons HA
(Org.). Manual de Cuidados Paliativos ANCP - Ampliado e Atua-
lizado. 2. ed. Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p.
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10. Stroebe MS, Schut, H. The Dual process modelo f coping with
bereavement: Rationale and description. Death Studies. 1999; 23:
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Gunten C, Morita T (Ed.). Textbook of Palliative Medicine and
Supportive Care. 2 ed. NY: CRC Press; 2015. p. 1075-1080.
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grief and the activation of latente self images. American Journal of
Psychiatry. 1980; 137: 1157-1162.
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e Estatístico de Transtornos Mentais. 4. ed. Porto Alegre: Artes
Médicas; 2014.
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Paliativo. São Paulo: CREMESP; 2008. p. 559-570.
17. Cherny NI, Werman B, Kearney M. Burnout, compassion
fatigue, and moral distress in palliative care. In: Cherny N, Fallon
M, Kaasa S, Portenoy R, Currow DC (Ed.) The Oxford Textbook
of Palliative Medicine. 5 ed. Oxford: Oxford University Press;
2015. p. 246-259.

108 : Desmistificando cuidados paliativos


Questão 1 – d
Questão 2 – b
Questão 3 – c

Um olhar multidisciplinar : 109


7
CuIDADos pALIAtIVos onCoLÓGICos:
QuAIs As ContrIBuIçÕes Do
serVIço soCIAL?

“Paliar é proteger. Proteção é acesso a direitos.”


(Luana Viana de Oliveira)
Luana Viana de Oliveira
Jamila Trevizan Teixeira

O Serviço Social é uma profissão que dirige a sua atuação na


saúde para garantia de direitos1. Por esse motivo, traz grande contri-
buição para a abordagem em Cuidados Paliativos, cuja intervenção
é direcionada à melhoria da qualidade de vida de pacientes (crianças
e adultos) e famílias que enfrentam problemas associados a doenças
que ameaçam a vida, desde a prevenção até o alívio do sofrimento
humano, tanto físico, como social, psicológico e espiritual2.
A questão social é a principal preocupação da profissão,
identificando-a, assim, como questão estruturante da divisão da
sociedade em classes sociais, tendo em vista que a riqueza social-
mente produzida é desigualmente partilhada, já que a formação
socioeconômica é de caráter excludente3,4. A questão social também
se constitui como objeto do Serviço Social devido a suas múltiplas
expressões na vida dos pacientes e de suas famílias. Por isso, para
uma avaliação socioeconômica, algumas informações são funda-
mentais e devem ser obtidas, quais: composição familiar, local de

110 : Desmistificando cuidados paliativos


moradia, renda, religião, formação, profissão e situação empregatícia
do paciente5.
A fim de esclarecimento, quando nos referimos a dor social,
não podemos esquecer que esta é um dos componentes da dor total6
(dor física, dor psicológica, dor social e dor espiritual); no momento
iremos nos ater apenas à dor social entendendo-a como o medo do
isolamento, do abandono, da dificuldade de comunicação, da perda
do papel social exercido junto à família, aos colegas, e às perdas
econômicas por parte do paciente6. Isso se justifica, pois é a articu-
lação da situação de vínculos familiares e situação socioeconômica,
que permite ao Serviço Social identificar a situação de risco ou de
vulnerabilidade social à qual os pacientes estão expostos.
Castel4 defende a premissa de que vulnerabilidade social,
é uma combinação entre precariedade das relações de trabalho e
presença ou não de apoio social, pois a “vulnerabilidade social é
uma zona intermediária instável que conjuga a precariedade do
trabalho e a fragilidade de suportes de proximidade”. Acrescenta-se
que a vulnerabilidade social pode ser classificada entre baixa, média
e alta complexidade4.
Segundo Castel4, a situação de vulnerabilidade social de baixa
complexidade, refere-se à zona de integração, que seria um conjunto
de relações de trabalho e inserção relacional estável; a situação de
vulnerabilidade social de média complexidade, corresponde à zona
de vulnerabilidade, que significa a apresentação de trabalho precário
e fragilidade de apoio relacional; a situação de vulnerabilidade social
de alta complexidade, seria a zona de desfiliação, que conjuga os
processos de exclusão, ausência de trabalho e isolamento relacional.
Dentro da abordagem da dor social, é necessário conhecer os
direitos sociais que os pacientes oncológicos detêm. Para melhor
compreensão destes direitos, apresenta-se o Quadro 1 a seguir:

Um olhar multidisciplinar : 111


Quadro 1 – Direitos dos Pacientes com Câncer
Direito Lei Política Público-Alvo
Isenção de IPTU Lei nº 4.727/20117 Política Fiscal Paciente com câncer, que possui
Lei nº 5.638/20168 imóveis com até 120 metros
http://www.fazenda.df. quadrados de área construída,
gov.br/ cujo titular tenha idade igual ou
maior de 60 anos, seja
aposentado ou pensionista,
receba até 2 salários mínimos
mensais, utilize o imóvel como
sua residência e de sua família e
não seja possuidor de outro
imóvel.
Atenção Portaria 825, do Política de Saúde Paciente com câncer, em todas as
Domiciliar Ministério da fases do tratamento.
Saúde, de 25 de www.saude.gov.br
abril de 20169

Oxigenoterapia Portaria 825, do Política de Saúde Paciente com câncer, em todas as


Domiciliar Ministério da fases do tratamento.
Saúde, de 25 de www.saude.gov.br
abril de 20169

Medicação de Protocolos Clínicos Política de Saúde Paciente com câncer, em todas as


Alto Custo e Diretrizes fases do tratamento.
Terapêuticas do www.saude.gov.br
Ministério da
Saúde10 www.conitec.gov.br

Fraldas e outros Protocolos Clínicos Política de Saúde Paciente com câncer, em todas as
insumos e Diretrizes fases do tratamento.
Terapêuticas do www.saude.gov.br
Ministério da
Saúde10 www.conitec.gov.br

Licença para Lei nº 8.112/199011 http://www.planalto.g Familiar de paciente com câncer,


Acompanhamen Lei nº 840/201112 ov.br/ servidor público do distrito
to de Familiar federal ou federal, conforme lei
para http://www.fazenda.df. específica.
Tratamento de gov.br/
Saúde
Passe Livre do Lei nº 4.887/201213 Política de Transporte Paciente com câncer, em todas as
Distrito Federal fases do tratamento e
www.dftrans.gov.br acompanhante, caso o paciente
possua dependência de cuidados.

112 : Desmistificando cuidados paliativos


Um olhar multidisciplinar : 113
114 : Desmistificando cuidados paliativos
Nem sempre os pacientes possuem condições clínicas de
requerer o direito, cabendo ao responsável legal essa atividade.
Com isso, torna-se fundamental esclarecer sobre os mecanismos
de concessão do direito de representação pessoal, como os instru-
mentos seguintes:
I) A Procuração Pública: é um documento que serve de
instrumento para que o interessado, mandante ou outorgante, dê
a terceiros, mandatário ou procurador, o direito de praticar atos
em seu nome. Pode ser revogada a qualquer momento, mediante
solicitação no cartório de registro ou órgãos de destino (Código
Civil29, Capítulo X).
II) A “ação de interdição”: declara a pessoa incapaz para os
atos da vida civil, sendo nomeado um curador para auxiliá-lo.
Preferencialmente, ele será o cônjuge/companheiro ou um parente
mais próximo e terá a obrigação de proteger, orientar e responsabi-
lizar-se pela pessoa declarada incapaz (Código de Processo Civil30,
capítulo XV, seção IX).
III) A curatela é o encargo atribuído pelo Juiz a um adulto
capaz, para que proteja, zele, guarde, oriente, responsabilize-se e

Um olhar multidisciplinar : 115


administre os bens de pessoas judicialmente declaradas incapazes,
que em virtude de má formação congênita, transtornos mentais,
dependência química ou doenças neurológicas estejam incapacitadas
para reger os atos da vida civil, ou seja, compreender a amplitude
e as conseqüências de suas ações e decisões (Código de Processo
Civil30, capítulo XV, seção X).
IV) A guarda provisória ou definitiva de criança ou ado-
lescente destina-se a regularizar a posse de fato da criança ou de
adolescente, mas já como simples situação de fato, mostra-se hábil a
gerar vínculo jurídico que só será destruído por decisão judicial, em
benefício do menor – criança ou adolescente (Estatuto da Criança
e do Adolescente31, art. 33, § 1º, início).
V) Prioridade na tramitação de processos: pessoas com idade
igual ou superior a 60 anos ou que sejam portadoras de doença grave,
como o câncer. Também é garantido o direito ao atendimento prefe-
rencial pela Defensoria Pública em relação aos serviços de assistência
judiciária gratuita (Código de Processo Civil30, art. 1.048).
Isso quer dizer, que o trabalho com o sistema de garantia
de direitos exige educação permanente na área, assim como luta
constante para que este seja realmente acessado, pois a existência
do direito não significa o exercício desse. Sendo assim, cabe ao
assistente social não apenas conhecer os direitos dos pacientes com
câncer, mas, especialmente, referenciá-los, acompanhar a situação
do paciente para verificar se conseguiu acessá-los, orientá-los para
organização social em movimentos sociais e a utilização de instru-
mentos jurídicos em caso de violação de direito.
Outro ponto a ser esclarecido, é que a conjuntura sociohistórica
determina direitos que podem ser violados. Dessa forma, é impres-
cindível o Serviço Social reconhecer os mecanismos de controle
social do sistema de garantia de direitos, como é o caso do Ministério
Público, bem como, trabalhar conjuntamente com movimentos
sociais, da área de Cuidados Paliativos.

116 : Desmistificando cuidados paliativos


Considerações Finais

com vistas à qualidade de vida dos pacientes e suas famílias,


estende-se da afirmação dos princípios dos Cuidados Paliativo
ao sistema de garantia e ampliação dos direitos sociais dos
pacientes com câncer.

econômicos e culturais interferem na situação de saúde e


nas possibilidades de enfrentamento/ recuperação da doença
ameaçadora da vida, tanto dos pacientes como de seus familiares
é de suma importância.

socioeconômica dos pacientes e suas famílias, direcionam as


demandas de forma intersetorial; participação em grupos, seja
ele de Acolhimento, Reunião de Família ou de Apoio, visam
o fortalecimento da participação social e das lutas dos sujeitos
sociais; atividades de Educação Permanente em Cuidados
Paliativos buscam orientar e treinar os profissionais de saúde
nessa linha de cuidado, desde a prevenção, à recuperação em
saúde, e finitude.

mudanças de papéis, a perda de controle e a perda de autonomia


que a doença ameaçadora da vida proporciona, e como isso
interfere a organização e inserção na vida social, altera o grau de
vulnerabilidade social. Esta talvez seja a maior colaboração da
profissão, por se dirigir à prevenção, identificação/acompanha-
mento e superação/dimensionamento da dor social do paciente,
no contexto familiar, de acordo com o direito constituído e as
políticas sociais disponíveis.

Um olhar multidisciplinar : 117


Área de Treinamento

Caso 1
Maria da Silva, 38 anos, natural de Barreiras-BA, evangélica,
casada, uma filha, ensino fundamental completo, diarista sem vínculo
trabalhista, não possui qualidade de segurado junto ao INSS. Re-
side em casa própria na Estrutural-DF (aguarda regularização do
terreno), com o Sr. José, marido; Tereza, filha; e Chico, cachorro.
Sr. José tem 39 anos, natural de Brasília-DF, ensino funda-
mental incompleto, pedreiro, trabalhou por 15 anos em empresa da
construção civil, com vínculo trabalhista, há 2 anos foi dispensado,
sem justa causa, desde então tem trabalhado por conta própria, não
contribui com o INSS.
Tereza, 19 anos, natural de Brasília, ensino médio completo.
Faz curso técnico de enfermagem no Senac (Programa Senac de
Gratuidade).
Sra. Maria, possui 3 irmãs e 2 irmãos, apenas uma irmã, Celia,
reside no DF; os demais, Carmen, Joana, João e Celio residem em
Barreiras.
Renda Familiar: Atualmente é de aproximadamente 1 salário
mínimo (R$ 954,00), advindo do trabalho de Sr. José, que está
desempregado, e tem dificuldade de aceitar trabalhos grandes,
devido o acompanhamento do tratamento de sua esposa.
Rede de apoio: Tereza é a principal cuidadora/acompanhante,
Sr. José acompanha sempre que possível, e Celia ajuda sempre que
necessário. Possui bons vínculos familiares.
Sra. Maria, conta não ser a primeira em sua família a ter Câncer
de Mama, sua mãe e sua irmã mais velha, Carmen, tiveram. O de
sua mãe foi descoberto em fase muito avançada, e a genitora acabou
falecendo. A sua irmã descobriu o diagnóstico em fase moderada,

118 : Desmistificando cuidados paliativos


que está em tratamento para estabilização do avanço da doença e
controle de sintomas. Devido ao histórico, quando esteve acom-
panhando a irmã Carmen em consulta, o médico orientou a todas
as irmãs a fazerem exames, devido ao fator hereditário da doença.
Em um desses exames, Maria descobriu que também estava com
câncer de mama, porém em fase inicial. Hoje veio ao hospital iniciar
o tratamento de Quimioterapia (Neoadjuvante), tem expectativas
quanto à cirurgia (Mastectomia Parcial / Total) e acredita que por
ter descoberto a doença em fase inicial, tem grandes possibilidades
de cura. Relata ainda, que mesmo tendo bom prognóstico, ainda
possui muito medo por conta da experiência de sua mãe e, de sua
irmã, dos efeitos do tratamento e da cirurgia; preocupação com seu
marido e filha, com as despesas da casa e de seu tratamento.

1) A paciente poderá ter direito a qual dos benefícios citados?


a) Benefício Assistencial ao Portador de Deficiência/a Pessoa
Idosa
b) Auxílio Doença
c) Aposentadoria por Invalidez
d) Majoração – Acréscimo de 25% na Aposentadoria por
invalidez

2) A qual destes direitos a paciente não terá direito?


a) Medicação de Alto Custo
b) Passe livre do Distrito Federal
c) Atenção Domiciliar
d) Isenção de IPTU

Um olhar multidisciplinar : 119


3) Dentro do exposto, devo orientar a paciente sobre:
a) Atenção Domiciliar; Medicação de Alto Custo e Licença
para Acompanhamento de Saúde
b) Benefício Assistencial ao Portador de Deficiência/a Pessoa
Idosa; Saque do FGTS, PIS e PASEP; Passe livre do Distrito Federal;
Procuração Pública e Prioridade na tramitação de processos.
c) Passe livre do Distrito Federal; TDF – Tratamento fora de
Domicilio e Auxílio Doença
d) Quitação de Financiamento da Casa Própria; Fraldas e insu-
mos; Passe livre do Distrito Federal e Oxigenoterapia Domiciliar.

Caso 2
Joaquim Souza, 62 anos, natural de Teresina-PI, católico,
casado, 3 filhos, ensino médio completo, agente de serviços gerais
da Secretaria de Educação, aposentado por invalidez. Reside em casa
própria em Taguatinga-DF; com a Sra. Isabel, esposa e Viviane, filha.
Sra. Isabel, tem 59 anos, natural de Unaí-MG, ensino fun-
damental incompleto, dona de casa, nunca contribui com o INSS.
Viviane, 28 anos, natural de Brasília, ensino médio completo,
solteira, formada em pedagogia, trabalhava como professora, em
escola particular, deixou o emprego para ajudar nos cuidados do pai
e está estudando para concurso. Foi aprovada, no ultimo certame
para a Secretaria da Educação, aguarda ser nomeada.
Sr. Joaquim possui 3 filhos. Flavio, 39 anos, casado, 1 filho de
7 anos, trabalha na Secretaria de Educação; Carla, 36 anos, casada,
1 filha de 3 anos, trabalha na Secretaria de Saúde e Viviane.
Renda Familiar: Atualmente a única renda fixa é a aposenta-
doria por invalidez, do paciente, em torno de R$ 1784, 81.
Rede de apoio: Isabel e Viviane são as principais cuidadoras/
acompanhantes. Flavio e Carla ajudam sempre que necessário. O
paciente possui bons vínculos familiares.

120 : Desmistificando cuidados paliativos


Sra. Isabel, conta que há um ano o paciente começou a reclamar
de dor no estômago, falta de apetite, e perda de peso, se negava a
buscar atendimento médico, dizia “pra que ficar procurando doença,
quem procura acha, daqui a pouco passa, não é a primeira vez que
isso acontece”. Porém, a dor se agravou até se tornar insuportável.
Neste momento a esposa e a filha Viviane, mesmo a vontade dele,
levaram Joaquim ao hospital. Após exames, diagnosticou-se câncer
de estômago (Adenocarcinoma). Iniciou o tratamento, mas não tem
apresentado a resposta esperada.

4) O paciente poderá ter direito a qual dos benefícios citados?


a) TDF – Tratamento fora de Domicílio
b) Benefício Assistencial ao Portador de Deficiência/a Pessoa
Idosa
c) Isenção de IPTU
d) Quitação de Financiamento da Casa Própria

5) A qual destes direitos o paciente não terá direito?


a) Medicação de Alto Custo
b) TDF – Tratamento fora de Domicílio
c) Atenção Domiciliar
d) Passe livre do Distrito Federal

6) Dentro do exposto, devo orientar o paciente sobre:


a) Atenção Domiciliar; Medicação de Alto Custo; Licença
para Acompanhamento de Saúde; Procuração Pública e Majoração
– Acréscimo de 25% na Aposentadoria por invalidez.
b) Benefício Assistencial ao Portador de Deficiência/a Pessoa
Idosa; Passe livre do Distrito Federal; TDF – Tratamento fora de
Domicílio.

Um olhar multidisciplinar : 121


c) Quitação de Financiamento da Casa Própria; Fraldas e
insumos e Passe livre do Distrito Federal.
d) Saque do FGTS, PIS e PASEP; Licença para Acompanha-
mento de Saúde e TDF – Tratamento fora de Domicílio.

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Política de Saúde. [Brasília]: Conselho Federal de Serviço Social,
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as isenções do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automo-
tores – IPVA e do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial
Urbana – IPTU, prorroga a vigência de isenções da Taxa de Limpeza

122 : Desmistificando cuidados paliativos


Pública e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal,
29 dez 2011.
8. Brasil. Lei nº 5.638, de 22 de março de 2016. Altera a Lei nº
4.727, de 28 de dezembro de 2011, que dispõe sobre as isenções do
Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA e do
Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU,
prorroga a vigência de isenções da Taxa de Limpeza Pública e dá ou-
tras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, 31 mar 2016.
9. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 825, de 25 de abril de 2016.
Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. Diário Oficial da
União, 26 abr 2016.
10. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas do Ministério da Saúde. [acesso em 17 out 2018].
Disponível em http://portalms.saude.gov.br/protocolos-e-diretrizes
e http://www.conitec.gov.br
11. Brasil. Lei nº 8.112 de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre
o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autar-
quias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da União,
19 abr 1991.
12. Distrito Federal. Lei Complementar nº 840, de 23 de Dezembro
de 2011. Dispõe sobre o regime jurídicos dos servidores públicos
civis do Distrito Federal, das autarquias e das fundações públicas
distritais. Diário Oficial do Distrito Federal, 26 dez 2011.
13. Distrito Federal. Lei Distrital nº 4.887 de 13 de julho de 2012.
Altera dispositivo da Lei nº 4.317, de 9 de abril de 2009, que Ins-
titui a Política Distrital para Integração da Pessoa com Deficiência,
consolida as normas de proteção e dá outras providências. Diário
Oficial do Distrito Federal, 30 jul 2012.
14. Brasil. Lei nº 8899, de 29 de junho de 1994. Concede passe
livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte
coletivo interestadual. Diário Oficial União, 30 jun 1994.

Um olhar multidisciplinar : 123


15. Brasil. Decreto nº 5.296/2004. Regulamenta as Leis nos 10.048,
de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às
pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que
estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobi-
lidade reduzida, e dá outras providências. Diário Oficial União,03
dez 2004.
16. Brasil. Lei nº 8.036 de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências.
Diário Oficial União, 14 mai 1990 e retificado em 15 mai 1990.
17. Brasil. Decreto nº 5.860, de 26 de julho de 2006. Altera e
acresce dispositivos aos arts. 35 e 36 do Regulamento Consolidado
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, aprovado
pelo Decreto no 99.684, de 8 de novembro de 1990, e altera o art.
5o do Decreto no 3.913, de 11 de setembro de 2001, que tratam
da movimentação da conta vinculada do FGTS. Diário Oficial da
União, 27 jul 2006.
18. Brasil. Lei nº13.677, de 13 de junho de 2018. Altera a Lei
Complementar nº 26, de 11 de setembro de 1975, para dispor
sobre a possibilidade de movimentação da conta do Programa de
Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio
do Servidor Público (Pasep). Diário Oficial da União, 14 jun 2018.
19. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 55, de 24 de fevereiro
de 1999. Dispõe sobre a rotina do Tratamento Fora de Domicilio
no Sistema Único de Saúde - SUS, com inclusão dos procedimentos
específicos na tabela de procedimentos do Sistema de Informações
Ambulatoriais do SIA/SUS e dá outras providências. Diário Oficial
da União, 26 fev 1999.
20. Brasil. Lei nº 8742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre
a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário
Oficial da União, 08 dez 1993.

124 : Desmistificando cuidados paliativos


21. Brasil. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os
Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.
Diário Oficial da União, 25 jul 1991, republicado 11 abr 1996 e
republicado em 14 ago 1998.
22. Brasil. Decreto nº 3.048 de 06 de maio de 1999. Aprova o
Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Diá-
rio Oficial da União, 07 mai 1999, republicado em 12 mai 1999;
retificado em 18 jun 1999 e 26 jun 1999.
23. Brasil. Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988. Altera a legis-
lação do imposto de renda e dá outras providências. Diário Oficial
da União, 23 dez 1998.
24. Brasil. Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991. Institui a
Unidade Fiscal de Referência, altera a legislação do imposto de renda
e dá outras providências. Diário Oficial da União, 31 dez 1991.
25. Brasil. Lei nº 5.784, de 21 de dezembro de 2016. Reduz em
10% o montante dos benefícios e dos incentivos fiscais do ICMS
que especifica, nos termos do Convênio ICMS 42, de 3 de maio
de 2016, e dá outras providências. Diário do Distrito Federal, 22
dez 2016.
26. Brasil. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece
normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade
das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida,
e dá outras providências. Diário Oficial da União, 20 dez 2000.
27. Brasil. Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002. Dispõe sobre a
expansão da oferta de energia elétrica emergencial, recomposição
tarifária extraordinária, cria o Programa de Incentivo às Fontes
Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), a Conta de Desenvolvi-
mento Energético (CDE), dispõe sobre a universalização do serviço
público de energia elétrica, dá nova redação às Leis no 9.427, de 26
de dezembro de 1996, no 9.648, de 27 de maio de 1998, no 3.890-
A, de 25 de abril de 1961, no 5.655, de 20 de maio de 1971, no

Um olhar multidisciplinar : 125


5.899, de 05 de julho de 1973, no 9.991, de 24 de julho de 2000,
e dá outras providências. Diário Oficial da União, 20 dez 2000.
28. Brasil. Lei nº 12.212 de 20 de janeiro de 2010. Dispõe sobre
a Tarifa Social de Energia Elétrica; altera as Leis nos 9.991, de 24
de julho de 2000, 10.925, de 23 de julho de 2004, e 10.438, de
26 de abril de 2002; e dá outras providências. Diário Oficial da
União, 21 jan 2010
29. Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o
Código Civil. Diário Oficial da União, 11 nov 2002.
30. Brasil. Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015 – Código de
Processo Civil (em vigor a partir de 17/03/2016, revogando a Lei
nº 5.869, de 11/01/1973). Diário oficia da União, 17 mar 2015.
31. Brasil. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 – Estatuto da
Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União, 16 jul 1990,
retificado em 27 set 1990.

1) Aternativa a - Benefício Assistencial ao Portador de


Deficiência/a Pessoa Idosa (Paciente trabalhava como Diarista, sem
pagar INSS como autônoma/contribuinte individual/facultativo
(11%), sendo assim não possui qualidade de segurado; ficando
assim impossibilitada de requer Auxílio Doença e por consequên-
cia Aposentadoria por invalidez e Majoração. Neste caso temos
possiblidade de requerer o Benefício Assistêncial ao Portador de
Deficiência, visto que para este benefício “considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva
na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”19;

126 : Desmistificando cuidados paliativos


e sua concessão independe de qualidade de segurado. No entanto
há o critério de renda (per capta de ¼ do salário mínimo) que neste
caso ultrapassa o valor; sendo dada a negativa exclusivamente pelo
critério de renda, deve-se orientar a paciente/familiar a procurar a
Defensoria Pública da União para recorrer judicialmente, tendo
que o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou em 18.03.2013,
a inconstitucionalidade do critério para a concessão de benefício
a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior
a um quarto do salário mínimo, por considerar que esse critério
está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade*; e a lei
garante a prioridade na tramitação de processos a pessoas portadoras
de doença grave.)
* Acesso em 17.10.2018 – Disponível em http://www.stf.jus.br/
portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=236354
2) Alternativa d - Isenção de IPTU (Paciente com câncer,
que possui imóveis com até 120 metros quadrados de área cons-
truída, cujo titular tenha idade igual ou maior de 60 anos, seja
aposentado ou pensionista, receba até 2 salários mínimos mensais,
utilize o imóvel como sua residência e de sua família e não seja
possuidor de outro imóvel)
3) Alternativa b - Benefício Assistencial ao Portador de
Deficiência/a Pessoa Idosa; Saque do FGTS, PIS e PASEP; Passe
livre do Distrito Federal; Procuração Pública e Prioridade na
tramitação de processos. (Benefício Assistencial ao Portador de
Deficiência – explicado na questão 1; Saque do FGTS, PIS e PASEP
– Marido trabalhou por 15 anos com vínculo empregatício, e por
possuir dependente com neoplasia maligna, poderá realizar o saque
caso tenho algum valor em conta; Passe livre do Distrito Federal
– direito de todo paciente com câncer, durante todas as fases do
tratamento e para seu acompanhante, caso possua dependência de
cuidados; Procuração Pública – Caso a paciente deseje, tendo em

Um olhar multidisciplinar : 127


vista os efeitos colaterais do tratamento e possíveis sequelas deste e
do avanço da doença, através deste instrumento pode nomear um
representante legal; Prioridade na tramitação de processos – expli-
cado na questão 1)
4) Alternativa c - Isenção de IPTU (Paciente com câncer, que
possui de área construída,
cujo titular tenha idade igual ou maior de 60 anos, seja aposentado
ou pensionista, receba até 2 salários mínimos mensais, utilize o
imóvel como sua residência e de sua família e não seja possuidor
de outro imóvel)
5) Alternativa b - TDF – Tratamento fora de Domicílio
(Paciente e/ou familiar com câncer em todos os estágios do trata-
mento, que o DF não possua tratamento disponível para o caso.)
6) Alternativa a - Atenção Domiciliar; Medicação de Alto
Custo; Licença para Acompanhamento de Saúde; Procuração Pública
e Majoração – Acréscimo de 25% na Aposentadoria por invalidez.
(Atenção Domiciliar e Medicação de Alto Custo - Paciente com
câncer, em todas as fases do tratamento; Licença para Acompanha-
mento de Saúde - Familiar de paciente com câncer, servidor público
do distrito federal ou federal, conforme lei específica; Procuração
Pública – Caso a paciente deseje, tendo em vista os efeitos colaterais
do tratamento e possíveis sequelas deste e do avanço da doença,
através deste instrumento pode nomear um representante legal;
Majoração – Acréscimo de 25% na Aposentadoria por invalidez
- Paciente com câncer, aposentado por invalidez, que necessita de
cuidador permanentemente para realização das atividades diárias.)

128
MÓDULO
eduardo Bruera
cOntROLe De SIntOMaS
aLtaMente DeScOnfORtÁveIS

129
8
Dor

“O sofrimento humano só é intolerável quando ninguém cuida.”


(Cicely Saunders)
Melissa Gebrim Ribeiro
Débora Ferreira Reis
Thayana Louize Vicentini Zoccoli

Introdução
O controle adequado dos sintomas advindos das doenças
ou de seus tratamentos é uma estratégia fundamental em Cuidados
Paliativos em todas as fases da doença crítica, seja de maneira
complementar ao plano terapêutico (permitindo que seja melhor
tolerado), seja como foco principal do cuidado. O plano de controle
de sintomas deve ser individualizado, baseado nas necessidades de
cada paciente1.
O conceito de dor total, criado pela paliativista Cicely Saunders,
mostra a importância de todas as dimensões indissociáveis do sofri-
mento humano (físico, mental, social e espiritual), que devem ser
igualmente investigadas e avaliadas, pois podem contribuir para a
exacerbação ou atenuação dos sintomas. Ampliando esse conceito,
fala-se em “sintoma total”1-3.
Sendo assim, o controle de sintomas deve ser uma abordagem
multidisciplinar, baseada em medidas farmacológicas e não farma-
cológicas (apoio psicológico e social, fisioterapia, apoio religioso),

130 : Desmistificando cuidados paliativos


considerando o contexto biopsicossocial e espiritual e promovendo
educação constante de pacientes e cuidadores. O treinamento da
equipe para a abordagem de sintomas deve levar em conta a dimi-
nuição da capacidade comunicativa dos pacientes, seja por alteração
do nível de consciência, seja pela presença de tubos endotraqueais
ou traqueostomias1-5. As escalas de avaliação são úteis para maior
sistematização do cuidado, aumentando as chances de identificação
precoce dos sintomas. Alguns estudos sugerem adaptação das
escalas de avaliação de sintomas, como a ESAS (Edmonton Symptom
Assessment Scale), para esses pacientes1,6,7.
A equipe deve levar em consideração, ainda, os riscos e
os benefícios de procedimentos de rotina que possam levam ao
desconforto do paciente, como coleta de exames, aspiração de
secreções, presença de cateteres e tubos, monitorização, manipu-
lação para procedimentos. A coleta de exames, por exemplo, pode
ser dispensável quando o plano de cuidados estiver menos sujeito
a mudanças guiadas por seus resultados, como nos pacientes em
cuidados paliativos exclusivos1.

Avaliação da dor

A avaliação regular da intensidade da dor leva ao melhor


controle do sintoma e a melhor qualidade de vida dos pacientes. Na
avaliação da dor, a utilização de escalas visuais ou verbais numéri-
cas (EVN – Figura 1) ou analógicas (EVA – Figura 1) pode não ser
possível e, alternativamente, dados indiretos podem ser utilizados,
como facies de dor (escala de faces - Figura 1), agitação, padrão de
movimentos corporais, presença de tensão muscular, taquicardia,
hipertensão, sudorese e assincronia com o ventilador 1,4-6,8-14.

Um olhar multidisciplinar : 131


Dentre as escalas desenvolvidas para avaliar a dor em pacientes
de UTI sob ventilação mecânica, a Behavioral Pain Scale (Quadro
1) é considerada uma boa opção, uma vez que a versão brasileira
já foi traduzida, adaptada culturalmente e validada13,14. Já para a
avaliação da dor em pacientes com demência, existem várias escalas,
sendo a PAINAD uma das mais utilizadas (Quadro 2)15.

Figura 1 - Escalas para avaliação da dor

Fonte: Wiermann et al4

132 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 1 - Versão brasileira, adaptada e validada, da escala Behavioural Pain
Scale.
Item Descrição Escore
Expressão facial Relaxada 1
Parcialmente tensa (por exemplo, abaixa a
2
sobrancelha)
Totalmente tensa (por exemplo, fecha os olhos) 3
Faz careta: presença de sulco perilabial, testa 4
franzida e pálpebras ocluídas
Membros superiores Sem movimento 1
Com flexão parcial 2
Com flexão total e flexão de dedos 3
Com retração permanente: totalmente contraído 4
Adaptação à Tolera movimentos 1
ventilação mecânica Tosse com movimentos 2
Briga com o ventilador 3
Incapaz de controlar a ventilação mecânica 4
Total
*A intensidade da dor varia entre 3 (nenhuma dor) e 12 (a maior intensidade de dor) pontos
Fonte: Azevedo-Santo et al14

A avaliação da dor deve incluir: localização, duração, inten-


sidade, tipo de dor (somática, visceral, neuropática, psicogênica,
mista), irradiação, fatores desencadeantes (por exemplo, proce-
dimentos diagnósticos e terapêuticos, edema cerebral, derrames
cavitários, abscessos, obstrução ou perfuração de vísceras, fraturas,
metástases neuroaxiais com ameaça de lesão neural, monilíase oral e
esofágica, mucosite, ansiedade), fatores de piora e de alívio, impacto
no desempenho de atividades cotidianas e efeito negativo no sono
e na movimentação, tratamento atualmente utilizado e resposta a
tratamentos anteriores. A abordagem específica dos fatores desen-
cadeantes deve ser concomitante ao tratamento sintomático1,3-5.
As causas mais comuns de dor são10:

Um olhar multidisciplinar : 133


Quadro 2 - Versão brasileira da escala Pain Assessment in Advanced
Dementia (PAINAD - Brasil)*

Itens 0 1 2
Respiração Normal Eventual dificuldade Respiração ruidosa com
independente de na respiração dificuldade
vocalização Período curto de Período longo de
hiperventilação hiperventilação
Respiração Cheyne-Stokes
Vocalização Nenhuma Queixas ou gemido Chama repetidamente de
negativa eventual forma perturbada
Fala em baixo volume Queixas ou gemidos altos
com qualidade Gritos e choro
negativa ou
desaprovativa
Expressão facial Sorri ou inexpressivo Triste Caretas
Assustado
Sobrancelhas
franzidas
Linguagem Relaxado Tenso Rígida
corporal Agitado e aflito Punhos cerrados
Inquieto Joelhos fletidos
Resistência à aproximação
ou ao afastamento
Agressivo
Consolabilidade Sem necessidade de Distraído ou Impossível de ser
consolo tranquilizado pela voz consolado, distraído ou
ou toque tranquilizado
*A intensidade da dor varia entre 3 (nenhuma dor) e 12 (a maior intensidade de dor) pontos
Fonte: Azevedo-Santo et al14

nasoentérica ou vesical)

134 : Desmistificando cuidados paliativos


Prescrição de analgésicos

O tratamento farmacológico da dor deve ser baseado nas


recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), conforme
ilustra a Figura 21,3-5,16.

Figura 2 - Analgésicos recomendados conforme a escada analgésica da


Organização Mundial de Saúde (OMS)

Dor Intensa (EVN 7 a 10):

Dor Moderada (EVN 4 a 6):


Opioide forte
Opioide fraco ou
±
Opioide forte em dose baixa
paracetamol ou dipirona
Dor leve (EVN 1 a 3): ±
paracetamol ou dipirona paracetamol ou dipirona

# Em todas as etapas podem ser associados AINES por poucos dias.


# Em todas as etapas podem ser associados ADJUVANTES, como corticoides, antidepressivos ou
anticonvulsivantes.

Fonte: Kretzer1

Evidências recentes demonstram que, em pacientes com dor


moderada, o uso de opioides fortes em dose baixa confere melhor
analgesia e em menos tempo do que opioides fracos, com boa
tolerabilidade17,18.

Um olhar multidisciplinar : 135


:
1,4,5,16

ou

500mg/mL) de 6/6h

máximo 360mg/dia
ou

tramadol VO 50mg a 100mg de 6/6h, tramadol SR 50mg


ou 100mg de 12/12h, máximo 400mg/dia
OU

ou

A biotransformação da codeína em morfina ocorre pela


metabolização hepática no citocromo p450 na porção CYP2D6.
Contudo, há polimorfismo genético em indivíduos nessa área
(CYP2D6), o que confere menor analgesia nos indivíduos que
possuem dois alelos não funcionais referentes à essa porção. Também
devido ao polimorfismo genético na porção CYP2D6, crianças e

136 : Desmistificando cuidados paliativos


adolescentes podem ser respondedores rápidos, o que já gerou
depressão respiratória em casos de pós-operatório de amigdalectomia
e, por esse motivo, a codeína foi proscrita nessa faixa etária19,20.
O tramadol requer alguns cuidados em seu uso devido à
possibilidade de síndrome serotoninérgica, a qual pode ocorrer se
o paciente estiver em uso concomitante de medicamentos IRSS,
IRSN, antidepressivos tricíclicos e IMAO. Outros cuidados neces-
sários devem-se ao fato de o tramadol reduzir o limiar convulsivo,
além da necessidade de ajuste da dose máxima para 100 - 200mg/
dia em caso de insuficiência renal20,21.

– nenhum tem dose máxima ou dose teto,


mas é necessário tomar o cuidado de iniciar em doses baixas e fazer
titulação criteriosa, guiada por resposta terapêutica:

4/4h ou morfina EV em infusão contínua 10 a 30mg/dia (24h). É


importante lembrar que:
o os metabólitos da morfina se acumulam em pacientes com
insuficiência renal;
o a morfina é bem tolerada em pacientes com hepatopatias,
mas sua meia-vida pode aumentar nestes casos e a dose deve ser
ajustada para três a quatro vezes ao dia (6/6h ou 8/8h);

OU

comprimidos não podem ser , pois no Brasil


existem apenas comprimidos de liberação controlada;

Um olhar multidisciplinar : 137


OU
: meia-vida extrema-
mente variável (10 a 75 horas), com efeitos cumulativos e toxicidade
elevada; constitui-se em alternativa em caso de insuficiência renal;
OU

o alto custo: reservar aos pacientes com intolerância / impos-


sibilidade de VO ou difícil manejo com os demais opioides;
o alternativa em caso de insuficiência renal;
o não deve ser utilizado como primeira opção, uma vez que
o paciente deve estar com a dor controlada para utilizá-lo23;
OU
-
rencialmente em (por exemplo,
UTI):
o o fentanil é 100 vezes mais potente do que a Morfina (10 mg
de morfina parenteral é equivalente a 0,1mg de fentanil parenteral)24;
o dose de ataque: 0,5 a 2mcg/kg via EV ou SC, seguida de
infusão EV ou SC contínua de 0,5 a 2mcg/kg/h. O fentanil paren-
teral possui meia-vida curta, por isso depende de infusão contínua
para manutenção de seu efeito analgésico;
o constitui-se em alternativa em caso de insuficiência renal.

IMPORTANTE
É importante lembrar que o fentanil é droga analgésica e seu
1
.

138 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 3 - Recomendações para a administração dos medicamentos analgésicos*

Substância ativa Apresentações Posologia Dose máxima


recomendada Diária

Paracetamol comprimidos: 500mg e 500mg a 750mg VO de recomenda-se


750mg 6/6h 4000mg (bula)
solução oral: 200mg/mL

Dipirona Comprimidos: 500mg e 500mg a 1000mg VO ou recomenda-se


1000mg EV ou SC de 6/6h 4000mg (bula)
solução oral: 500mg/mL
ampola: 500mg/mL –
2mL

Codeína comprimidos: 30mg e 30mg VO de 4/4h ou de 360mg


60mg 6/6h
solução oral: 3mg/mL

Tramadol comprimidos ou 50mg a 100 mg VO de 400mg


cápsulas: 50 e 100mg 6/6h
Ampola: 50mg/mL – (tramadol SR 50mg ou
2mL 100mg VO de 12/12h)
ou
50mg a 100mg EV ou
SC de 6/6h ou 8/8h

Morfina de ação comprimidos: 10mg e dose inicial: não tem


rápida 30mg 5mg a 10mg VO de 4/4h
ampola: 10mg/mL ou
2 a 5mg SC de 4/4h
ou
infusão contínua EV ou
10 a 30mg/dia (24h)

Um olhar multidisciplinar : 139


A titulação do opioide escolhido deve ser cuidadosa, espe-
cialmente em pacientes virgens de opioides, idosos e portadores de
disfunções orgânicas. O uso de doses desnecessariamente elevadas de
opioides, especialmente fentanil, aumentam o risco de seus efeitos
adversos, incluindo sedação excessiva e prolongada, prolongamento
do desmame ventilatório, efeitos hemodinâmicos indesejáveis, íleo
paralítico, estase gástrica, toxicidade (incluindo convulsões e delirium)
e síndrome de abstinência após sua suspensão1.
A morfina é o opioide de referência em Cuidados Paliativos,
sendo frequentemente a droga de escolha para abordagem inicial,
uma vez que tem meia-vida curta, o que facilita a sua titulação.

140 : Desmistificando cuidados paliativos


Em paciente críticos, entretanto, deve-se considerar que, por maior
liberação de histamina comparada ao fentanil, a morfina apresenta
maior risco de alterações hemodinâmicas indesejáveis e de bron-
coespasmo1.
Deve-se dar sempre preferência ao tratamento mais simples e
menos invasivo. De modo geral, medicamentos orais são preferíveis
a formulações transdérmicas e parenterais. Qualquer que seja o
opioide selecionado, é sempre necessária a administração regular
do medicamento (pelo relógio), 24 horas por dia, para que sejam
atingidos níveis plasmáticos adequados4,5,16,23.
Ao iniciar o tratamento, deve-se dar preferência a medica-
mentos de liberação imediata para titulação e posteriormente passar
para os de longa duração, com doses suplementares do medicamento
de liberação imediata, quando ocorrerem episódios irruptivos de
dor. A dose total diária calculada de morfina também pode ser
utilizada em bomba de infusão contínua. A titulação ideal deve
ser baseada no alívio da dor, nos efeitos adversos e no número de
resgates. A dose adequada é a dose que alivia a dor com mínimos
efeitos adversos1,4,5,16,23.
Para se determinar a necessidade de analgésico nas 24 horas
subjacentes, deve-se avaliar a quantidade total de medicamento
utilizado nas 24 horas anteriores (medicamentos de longa ação e
de liberação imediata) e4,5,16:

OU

Atualmente é disponível a morfina de liberação prolongada,


que pode ser utilizada, após sua titulação com a morfina simples,
num intervalo de 12/12 horas. Os comprimidos de liberação prolongada
não devem ser fracionados (quebrados, macerados ou cortados) ou
mastigados, pelo risco de liberação imediata de dose excessiva16.

Um olhar multidisciplinar : 141


IMPORTANTE
A reavaliação é mandatória sempre que houver relato de uma
nova dor. Além disso, não é recomendado utilizar opioides
diferentes concomitantemente, de horário, pois competem pelos
mesmos receptores4,5,16.

Medicamento de resgate
Deve-se manter a administração regular do analgésico para
manter sua concentração plasmática e administrar doses
adicionais de medicamento de resgate, se necessário4,5,16:

a via subcutânea, pois promove biodisponibilidade dos medica-


mentos semelhante a da via oral. A via endovenosa faz picos de ação,
com queda mais rápida da concentração sérica (Figura 3), além de
acarretar efeitos adversos imediatos25.

Brasil, fora do ambiente de UTI, é a morfina, portanto, o resgate


dos opioides fortes é sempre com 10 a 15% da dose total diária
prescrita : até de 1/1h ou de 2/2h.

parenteral, pode-se utilizar na dose


de 10 a 15% da dose total diária prescrita: até de 1/1h ou de 2/2h.
Alternativamente, o fentanil parenteral em bolus para resgate pode
ser feito na dose de : a cada
15 a 20 minutos24.

142 : Desmistificando cuidados paliativos


Figura 3 - Comparação entre vias de administração segundo a variação
temporal da concentração do medicamento na corrente sanguínea

Fonte: Azevedo25

Antecipar-se a efeitos adversos mais comuns dos opioides 1,4,5,16,27:

o Principal efeito adverso.


o Diferentemente dos outros efeitos adversos dos opioides, a
constipação não melhora com o tempo.
o Sempre considerar o início de laxante junto com o opioide.

o Efeito esperado, porém melhora em cerca de 7 dias.


o Deixar antiemético para uso se necessário.

Um olhar multidisciplinar : 143


Sedação ou Delirium:
Efeitos possíveis, mas costumam desaparecer em 2 a 3 dias,
uma vez que o paciente desenvolve tolerância.
o Não justificam redução de dose, se o aumento foi necessário
para controle de dor. AGUARDAR!
o Manejar delirium com dose baixa de haloperidol, se neces-
sário.

:
o Raríssima! Não ocorre se o aumento da dose for feito cau-
telosamente.

A rotação de opioides deve ser preferencialmente orientada


por especialista e está indicada quando o paciente apresenta16,28:

Glossário
Rotação de opioides: troca, substituição.

16,28
:

ao uso do opioide.

144 : Desmistificando cuidados paliativos


Fármacos adjuvantes devem ser utilizados antes da rotação.

Utilizam-se tabelas de conversão de opioides para orientar o


cálculo da dose inicial, considerando equivalência analgésica para
obter melhor resposta analgésica e menos efeitos adversos, como a
Tabela 114.

Tabela 1 - Conversão de opioides4.

Medicamento EV ou SC VO TD

morfina 10mg 30mg

codeína 200mg

tramadol 100mg 120 mg

oxicodona liberação controlada 20mg

fentanil 0,1mg 12 - 25mcg/h


Fonte: Adaptado de Wiermann 4.

A conversão é realizada com base na dose diária total.


Levando-se em conta a tolerância cruzada incompleta, quando for
realizada a rotação, a dose diária total deve ser reduzida em 25%
a 50%, dependendo das circunstâncias clínicas. Para fentanil TD,
não há necessidade de reduzir a dose equianalgésica4,5,16.

Um olhar multidisciplinar : 145


: propriedade farmacológica traduzida em
16,29

redução do efeito analgésico depois de repetidas administrações,


com a necessidade de aumento das doses necessárias para analgesia
efetiva. É um fenômeno previsível e ocorre primariamente para
os efeitos secundários (adversos) e posteriormente para os efeitos
analgésicos. A tolerância aos efeitos analgésicos, porém, parece ser
um fenômeno raro, além de raramente ser causa de necessidade de
escalonamento da dose do opioide. Sendo assim, é preciso atentar-se
para progressão da doença ou da lesão dolorosa. A tolerância resulta
de mecanismos adaptativos a níveis celular e sináptico: os mecanismos
homeostáticos tendem a restaurar a função normal, apesar das
perturbações contínuas produzidas pelos agonistas opioides. Caso
ocorra, uma alternativa pode ser a rotação de opioides.

: fenômeno neurofarmacológico espe-


16,29

rado em que a suspensão ou redução abrupta da dose do opioide, ou


o uso de antagonistas, provoca efeitos de síndrome de abstinência.
Essa ocorre devido a mecanismos noradrenérgicos e pode se mani-
festar através de vários sintomas, como sudorese, diarreia, náuseas
e vômitos, tremores, ansiedade, irritabilidade, distúrbios do sono.
Também é comum o aumento da dor. A síndrome de abstinência
pode ser prevenida através da diminuição gradual do opioide, caso
indicada sua retirada. A dependência física não é sinônimo de vício.
Até o momento, não são conhecidas nem a dose nem a duração
do uso de opioide necessários para produzir sintomas clinicamente
significantes de dependência em humanos. A experiência mostra
que ela pode ocorrer após a administração regular de opioides por
poucos dias.

146 : Desmistificando cuidados paliativos


16,29
: doença neurobiológica crônica, cujo desenvolvi-
-
sociais e ambientais. Destaca-se o fato de ser, fundamentalmente,
uma síndrome psicológica e comportamental, a qual é composta
de quatro elementos principais: uso compulsivo, inabilidade para
controlar a quantidade do uso, busca pelo efeito psicológico da
substância e manutenção do uso mesmo quando apresenta efeitos
adversos. O doente pode apresentar um ou mais desses comporta-
mentos. Raro em pacientes com dor crônica. Pacientes com história
prévia de vício em drogas ou desordens psiquiátricas tem maior risco
de desenvolvê-lo.

Na dor neuropática há alteração na estrutura ou função de


vias nociceptivas, portanto pode ocorrer lesão seletiva do trato neo-
espinotalâmico, que acarreta dor do tipo central (por exemplo, dor
de membro fantasma), e lesão no Sistema Nervoso Periférico, que
leva à dor periférica, como neuropatia induzida por quimioterapia3.
A dor neuropática é frequentemente descrita como sensação
de dormência, queimação em agulhada, sensação de frio dolorosa
e de choque elétrico. Os pacientes podem relatar dor espôntanea,
sem estímulo doloroso, ou dor evocada por estímulo não doloro-
so, chamada alodínea; assim como hiperalgesia (resposta dolorosa
intensificada após estímulo), e hiperpatia (resposta dolorosa pro-
longada após estímulo). Existem ferramentas úteis para caracterizar
e classificar a dor neuropática como LANSS (Leeds Assessment of
Neuropathic Signs and Symptoms) e DN4 (Douleur Neuropathique
en 4 questions)30,31.

Um olhar multidisciplinar : 147


148 : Desmistificando cuidados paliativos
O tratamento da dor neuropática ocorre pelo uso de medi-
camentos adjuvantes. Os analgésicos adjuvantes são as drogas cuja
indicação primária não são para controle de dor, contudo apresentam
características analgésicas. Diretrizes para o manejo de dor neuro-
pática recomendam antidepressivos (Inibidores de Recaptação de
Serotonina e Noradrenalina - IRSN e tricíclicos), anticonvulsivantes
gabapentinóides e corticosteróides como tratamento de primeira
linha30,31.

Os corticosteróides conferem analgesia em dor óssea, dor


neuropática por infiltração ou compressão de estruturas neurais; em
cefaleia por aumento da pressão intracraniana (PIC); em artralgia
e em obstrução de vísceras ocas. Também promovem melhora da
fadiga e apetite, produzindo bem estar ao paciente, porém por
curto período (6 a 8 semanas), por esse motivo são utilizados para
esse fim em pacientes com baixa performance e sobrevida reduzida.
Exemplos de medicamentos dessa classe são: dexametasona, predni-
sona e metilprednisona30,31.

Um olhar multidisciplinar : 149


Considerações Finais

conforme escada analgésica da OMS.

doses utilizadas pelo paciente.

Área de treinamento

MS, 47 anos, feminina, portadora de câncer de mama com


metástase óssea e pulmonar, em acompanhamento nos ambulatórios
de oncologia e de cuidados paliativos. MS está em tratamento com
quimioterapia paliativa e é internada devido náuseas e desidratação
após ciclo de quimioterapia. A paciente faz uso de 15mg de morfina
de 4/4h, gabapentina 300mg de 8/8h e dipirona 1g de 6/6h.
1. a) Calcule a dose equivalente de morfina EV.
1. b) Qual a dose de resgate para a dose total de morfina EV
calculada no item a?
1. c) Como prescrever morfina EV e SC?

150 : Desmistificando cuidados paliativos


1. a) 90 : 3 = 30 mg de morfina EV
A paciente em questão, utiliza 15mg de morfina VO de 4/4h,
portanto em 24h, utiliza 90 mg/dia. Para calcular a dose EV, basta
dividir 90mg por 3, uma vez que a morfina VO é 3 vezes menos
potente do que a EV, devido ao efeito de primeira passagem hepática.

1. b) A dose de resgate da morfina em questão corresponde


a 10 a 15% da dose diária total que a paciente utiliza. Portanto:
10% de 30mg = 3mg de morfina ou 15% de 30mg = 4,5mg de
morfina. Lembrar que o resgate da morfina EV deve ser feito via SC,
pois a realização de morfina em bolus EV acarreta efeitos adversos
imediatos, pico de concentração sérica, que reduz rapidamente,
durando menos do que as 4h da meia vida da droga (vide figura 5).

1. c) Para prescrever morfina EV:

.
:
30mg divididos em 6 doses = 5mg

. Não é necessário diluir a morfina para


administração SC. Neste caso, para uso regular via SC, a paciente
deve ter acesso subcutâneo.

2) Após o controle das náuseas, a paciente MS (descrita na


questão 1) teve piora da dor, necessitando de controle analgésico.
Lembrando que MS usou 3 resgates no dia anterior, como adequar
a analgesia?

Um olhar multidisciplinar : 151


3) MS (paciente descrita na questão 1) teve todos os seus
sintomas controlados durante a internação hospitalar e está em
condição de alta. Calcule a dose equivalente de morfina VO para
alta hospitalar, incluindo as doses de resgate.

4) O.S.G, 43 anos, portador de CEC de esôfago, em trata-


mento oncológico com quimioterapia e radioterapia. O paciente
está emagrecido, em uso de SNE. Chegou há 4 dias na emergência
com dor intensa, sendo prescrita oxicodona, a qual teve sua dose
aumentada até 20 mg de 12/12h. Evoluiu com mal-estar, tontura,
náuseas e não houve melhora da dor.
4. a) Qual seria sua conduta?
4. b) Faça a rotação da oxicodona para morfina VO.

5) S.S.A, 39 anos, portador de neoplasia de hipofaringe, faz


uso de morfina 360mg/dia (60mg de 4/4h). Paciente possui GTT,
porém a mesma tem apresentado extravasamento de conteúdo
gástrico e suspeita-se que não esteja ocorrendo absorção e analgesia
adequada. Como rodar o medicamento para fentanil TD?

* Repostas ao final.

152 : Desmistificando cuidados paliativos


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Um olhar multidisciplinar : 155


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2) Dose diária de Morfina EV: 30 mg/dia.


-
36 a 39 mg/dia de morfina EV, portanto pode-se aumentar
até 1 ampola para analgesia.
Prescrição: 40mg de morfina em soro fisiológico em BIC
em 24h.

156 : Desmistificando cuidados paliativos


OU

3 resgates de 3mg = 9mg de morfina


Acrescentar 10mg (1 ampola) na dose diária total.
Prescrição: 40mg (30mg + 10mg) de morfina em soro
fisiológico em BIC em 24h.

3) Morfina EV 40mg
Considerando que a morfina EV é 3 vezes mais potente do
que a VO:
40mg x 3 = 120mg de morfina VO/dia
120mg divididos em 6 doses =
(OU 60mg de morfina LC de 12/12h)
RESGATE:
A dose de resgate da morfina em questão corresponde a 10 a
15% da dose diária total que a paciente utiliza. Portanto: 10 a 15%
de 120mg =
(para facilitar: 15 mg, correspondente a 01 cp e MEIO de
10mg ou MEIO cp de 30mg)

4. a) Oxicodona não deve ser macerada! Portanto, devemos


suspender o medicamento e trocá-lo.

4. b) Faça a rotação da oxicodona para morfina VO.


20 mg de oxicodona ~ 30 mg de morfina
40 mg de oxicodona ~ 60 mg de morfina
Fazer redução de 25-50% (devido tolerância cruzada incom-
pleta):

Um olhar multidisciplinar : 157


60 - (25 a 50%) = 45mg a 30mg : 6 doses
= .

5) 60mg de morfina VO ~ 25mcg/h de fentanil TD


360mg de morfina ~ x = 150mcg/h

158 : Desmistificando cuidados paliativos


9
DIspneIA, tosse e
HIperseCreção De VIAs AÉreAs

“O que sufoca não é o silêncio, são as palavras presas na garganta.”


(Eddy Santos)
Carinne Costa Vieira
Luiza Alvarenga Lima Bretones

DISPNEIA

Definição
A American Thoracic Society (ATS) define dispneia como uma
experiência subjetiva de desconforto para respirar, que consiste em
sensações qualitativamente distintas que variam em intensidade1.

Dispneia é um sintoma comum em pacientes com câncer


avançado e doenças não oncológicas ameaçadoras à vida. Uma
revisão sistemática comparou a prevalência de 11 sintomas em
pacientes com câncer avançado, síndrome da imunodeficiência
humana adquirida (SIDA), insuficiência cardíaca congestiva (ICC),
doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e doença renal,
demonstrando a presença de dispneia em mais de 50% dos casos.
Esse sintoma apresenta algumas peculiaridades, a depender da

psicológicos, sociais e ambientais1.

Um olhar multidisciplinar : 159


Dois padrões de dispneia têm sido relatados em pacientes
com câncer, são eles1:
breakthrough - com prevalência de 61%,

casos ocorrem episódios breakthrough (podem ser desencadeados


por exercício, emoção ou fatores ambientais).

Glossário
Breakthrough: termo para designar sintoma incidental ou episódico.

Em relação à trajetória do sintoma, nos pacientes com DPOC,


há piora gradual com a evolução da doença. Nos pacientes com
câncer, a piora é observada principalmente no último mês de vida1.
A dispneia pode ser classificada qualitativamente como
demonstra a Quadro 1.

Quadro 1 - Classificação qualitativa da dispneia


Tipo Definição Descritor
Fome aérea ou Percepção consciente “Eu não consigo ar suficiente.”
de urgência para “Minha respiração não me
inspiração insatisfatória
respirar. satisfaz.”
“Estou faminto por ar.”
Trabalho ou esforço Sensação “Esforço para respirar.”
desconfortável de “Minha respiração requer maior
trabalho e esforço trabalho.”
respiratório.
Aperto Consequência de “Meu peito parece estar
broncoconstrição apertado.”
Fonte: Chan1

160 : Desmistificando cuidados paliativos


Avaliação clínica

Os objetivos principais da avaliação clínica são identificar


causas subjacentes e avaliar o impacto do desconforto na qualidade
de vida. A indicação de métodos complementares de investigação
deve ser guiada pela proporcionalidade, bem como ir ao encontro
das metas de cuidado em decisão compartilhada com o binômio
paciente/família1.
Portanto, os seguintes aspectos devem ser avaliados:
- presença e qualidade da dispneia (o
autorrelato é o único indicador confiável), perfil (breakthrough
ou constante), intensidade, comorbidades (neoplasia, direta ou
indiretamente; doença pulmonar; insuficiência cardíaca congestiva;
doenças neurodegenerativas), fatores desencadeantes, fatores de
melhora e piora, resposta a intervenções, componente emocional,
impacto na qualidade de vida2.
inspeção (caquexia, cianose, padrão respiratório);
sinais vitais; aparelho respiratório (estridor, ruídos adventícios);
aparelho cardiovascular (ritmo, bulhas, turgência jugular, pulso
paradoxal); ascite; edema periférico2.

Glossário
Caquexia: síndrome complexa e multifatorial que se caracteriza por
perda de peso, atrofia muscular, fadiga, fraqueza e perda de apetite.
Cianose: sinal ou um sintoma marcado pela coloração azul-arroxeada
da pele, leitos ungueais ou mucosas.

Um olhar multidisciplinar : 161


os exames para investigação de
uma causa clínica de dispneia e seus respectivos objetivos estão
descritos abaixo1.

derrame pleural e pericárdico;

diagnóstico de tromboembolismo pulmonar (TEP);

TEP, obstrução de via aéreas, obstrução de veia cava superior,


linfangite carcinomatosa1.

Glossário
Linfangite carcinomatosa: disseminação intrapulmonar de células
neoplásicas metastáticas via vasos linfáticos.
Tromboembolismo pulmonar: síndrome clínica e fisiopatológica
que resulta da oclusão da circulação arterial pulmonar por um ou
mais êmbolos.

congestão, derrame pleural, obstrução


na via aérea, linfangite carcinomatosa, infecção respiratória, hipertensão
pulmonar, anemia, tromboembolismo pulmonar3.

IMPORTANTE
Dispneia é um sintoma, portanto, tem caráter essencialmente
subjetivo. Quem determina a presença e a intensidade da dispneia
é o paciente.

162 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 2 - Possíveis causas de dispneia e tratamentos sugeridos

Causas Cardiopulmonares Tratamento


oncológicas
Neoplasia pulmonar (primária ou metastática) QT em casos selecionados

Derrame pleural Toracocentese


Pleurodese química
Pleurodese por toracoscopia

SVCS Stent
QT e RT
Corticoide, diurético

TEP Heparina de baixo peso


molecular

Derrame pericárdico Pericardiocentese

Obstrução de via aérea superior RT


Stent brônquico
Laserterapia endobrônquica
Corticoide

Linfangite carcinomatosa, Pneumonite por Corticoide


radiação ou droga-induzida

Infecção Antibiótico

Sistêmicas

Caquexia Prevenção de aspiração

Ascite Paracentese

Hepatomegalia volumosa Posicionamento com apoio

Causas não- Cardiopulmonares


oncológicas
DPOC Tratamento não-farmacológico
Broncodilatador
Corticoide

ICC Tratamento farmacológico


modificador de doença
Digoxina
Diurético

Sistêmicas

Fraqueza muscular (doença do neurônio VNI


motor, distrofia muscular)

Ataque de pânico Manejo de ansiedade


*Siglas: QT: Quimioterapia; SVCS: Síndrome da Veia Cava Superior; RT: Radioterapia; TEP:
Tromboembolismo pulmonar; HBPM: Heparina de baixo peso molecular; DPOC: Doença Pulmonar
Obstrutiva Crônica; ICC: Insuficiência Cardíaca Congestiva; VNI: Ventilação não invasiva1.
Fonte: Chan1

Um olhar multidisciplinar : 163


Tratamento
O tratamento adequado depende não só da causa da dispneia
como da funcionalidade do paciente, devendo ser proporcional.
O tratamento sintomático pode ser empregado desde o início
do sintoma, associado ou não ao tratamento específico, e compre-
ende o uso de opioide, oxigênio, ventilação não invasiva e sedação
paliativa, a depender do quadro clínico.

Os opioides são considerados primeira linha para tratamento


sintomático de dispneia, porém o mecanismo de ação ainda não
está bem estabelecido2.
Os possíveis mecanismos de ação dos opioides na dispneia
são3:
- modulação da percepção da dispneia pelo sistema nervoso
central e periférico;
- redução da ansiedade associada a dispneia;
- redução da sensibilidade à hipercapnia;
- redução no consumo de oxigênio;
- melhora da função cardiovascular.

Glossário
Hipercapnia: presença excessiva de dióxido de carbono (CO2) no
plasma sanguíneo.

164 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 3 - Tratamento farmacológico para controle de dispneia

Opioides

Morfina Iniciar com Morfina VO (ou equivalente), dose


sugerida: 2,5-5mg de 4/4h;

Observar a resposta no pico de concentração sérica (1h


VO, 30 min SC, 6 min IV):
pode-se repetir a dose ou aumentá-la (25-50% na
dispneia leve-moderada; 50-100% na dispneia
moderada-intensa);
Calcular a necessidade de opioide em 24h e, se
possível, converter para formulação de longa duração
(geralmente, as doses diárias requeridas para controle
de dispneia variam entre 10-30mg de Morfina VO);

Prescrever 5-15% da dose de 24h (até de hora em hora)


para episódios incidentais.
Codeína Opção terapêutica em dispneia leve:
dose de 30mg VO de 4/4h.

Benzodiazepínicos

Componente emocional/afetivo Midazolam: 5 a 15mg em 24h (VO, IV ou SC)

Lorazepam: 0,5 a 10mg VO em 24h

Diazepam: 5 a 10mg VO a cada 12h

Fonte: Elaborado pelas autoras1-3

Oxigênio
Há evidência de benefício no uso de oxigenioterapia em pacien-
tes portadores de DPOC com hipoxemia (saturação de oxigênio <
90%) em repouso ou ao esforço. Com frequência, entretanto, os
pacientes referem melhora da dispneia com oxigenoterapia mesmo
que não sejam hipoxêmicos ou quando persistem hipoxêmicos a
despeito de seu uso2.
Um estudo com ampla amostra não encontrou diferenças sig-
nificativas entre oxigênio e ar comprimido para o alívio de dispneia
em pacientes com PaO2 > 55 mmHg com sintomas em repouso
ou mínimos esforços. A maioria da amostra era de pacientes com
DPOC, mas havia também pacientes com câncer, e em menor

Um olhar multidisciplinar : 165


número, outras etiologias, incluindo ICC. Explicações possíveis
para esse achado são: efeito placebo do oxigênio, devido simbolismo
envolvendo sua utilização, bem como efeito por estimulação de
receptores faciais do nervo trigeminal2.
Existe pouca evidência do benefício do uso indiscriminado
de oxigênio em Cuidados Paliativos. A indicação é precisa em sub-
grupos e situações especiais4.

Ventilação não invasiva


É importante se ter em mente exatamente o que é desejado
com o procedimento de ventilação não invasiva. Sendo assim,
está indicado para pacientes mais conscientes, menos desnutridos,
com escores de prognóstico melhores, que entendam e aceitem o
procedimento4.
Cardiopatas e pneumopatas apresentam melhores respostas,
pois tem em suas trajetórias descompensações agudas. Se for indi-
cado em momento inoportuno na evolução da doença, pode levar
a privação de contato mais próximo com a família, devido ao uso
da máscara de pressão positiva na face.4

Sedação Paliativa
A sedação paliativa pode ser utilizada em casos de dispneia
refratária aos demais tratamentos. O planejamento de cuidados,
incluindo sedação paliativa, deve ser discutido entre equipe assis-
tente, paciente e familiares continuamente, ou seja, antes e após a
sedação2.
Uma opção de tratamento é o uso do Midazolam que, além
de promover amnésia retrógrada, possui ação rápida, segura e meia
vida curta. Além disso, em caso de delirium terminal, podem ser
associados neurolépticos3.

166 : Desmistificando cuidados paliativos


Glossário
Delirium: é uma perturbação grave da função mental do paciente,
caracterizado por distúrbios da consciência, com reduzida capaci-
dade de concentração, alterações da memória, confusão mental e
alteração da percepção do ambiente.

As intervenções não farmacológicas se referem a qualquer


terapia não medicamentosa implementado por profissionais de saúde
de forma individual ou conjunta. O tratamento possui objetivo
de melhorar a experiência dos sintomas e abordar as necessidades
multidimensionais dos pacientes.

Quadro 4 - Tratamento não-farmacológico para controle de dispneia.

Treinamento respiratório Auxilia no ritmo respiratório e na conservação de


energia, priorizando respiração diafragmática.
Elevação de cabeceira a 45° Retifica as vias aéreas.
Auxílio em caminhadas e uso de cadeira de rodas Evita exacerbação do sintoma.
Estimulação neuromuscular elétrica Útil para pacientes que possuem dificuldade de se
exercitar por fraqueza muscular.
Visa aumentar a distância caminhada e diminuir a
dispneia.
Vibração na parede torácica Modifica a sensação respiratória ativando os
músculos intercostais.
Útil em doenças do neurônio motor e DPOC.
Arejar o ambiente: abrir janelas e usar ventilador Há receptores mecânicos na face que são
estimulados com fluxo aéreo.
Outros: acupuntura, técnicas de relaxamento e Alguma evidência no controle de dispneia.
musicoterapia
Fonte: Elaborado pelas autoras1,4

Um olhar multidisciplinar : 167


TOSSE

Definição

começa com a estimulação mecânica ou química dos receptores


irritantes no epitélio do trato respiratório5.

Aproximadamente 65% dos pacientes com câncer de pulmão


queixam-se de tosse ao diagnóstico, mas este também é um sintoma
frequente em outros tipos de câncer2. A tosse crônica aumenta com
a idade e em tabagistas, manifestando-se em 70% dos pacientes
com DPOC1. Além disso, sua prevalência varia de 29 a 83% nos
pacientes em Cuidados Paliativos6.
A tosse persistente pode ter um profundo impacto na
qualidade de vida, ocasionando complicações físicas como fadiga,
dor musculoesquelética, vômitos, incontinência urinária, sudorese.
Podem ocorrer, ainda, distúrbios do sono, que afetam tanto os
pacientes quanto os parceiros, com consequente desgaste das relações
familiares e sociais1,5.

Causas
A tosse pode ser ocasionada pelo próprio câncer e suas
complicações, mas também ocorre devido ao tratamento modificador
de doença ou a outros medicamentos4. Os tumores pulmonares que
apresentam proximidade ou contato com a via aérea tem maior
probabilidade de desencadear tosse, quando comparados com
tumores localizados no parênquima pulmonar1.

168 : Desmistificando cuidados paliativos


Pacientes com asma, DPOC, bronquiectasia ou doenças
pulmonares intersticiais comumente apresentam o sintoma.
Outrossim, pacientes com doença avançada são predispostos a
distúrbios na deglutição e, por conseguinte, aspiração e tosse1.

Glossário
Bronquiectasia: dilatação crônica dos brônquios com secreção
mucopurulenta.

Avaliação
As características da tosse devem ser identificadas durante a
anamnese: presença de secreção, fatores precipitantes (tabagismo,
medicamentos, alimentação, postura), horário habitual da mani-
festação, além de associação com outros sintomas como dispneia,
insônia, fadiga. Também devem constar na avaliação clínica histórico
de tabagismo, doenças pulmonares ou cardíacas, uso de inibidores
da enzima conversora da angiotensina (IECA) e tratamento para
câncer1.

Tratamento
Antes de escolher qualquer terapêutica é importante ter em
vista a performance do paciente e o potencial de reversibilidade da
causa da tosse. Assim, a avaliação clínica deve guiar exames comple-
mentares para investigação da causa, segundo a proporcionalidade
das medidas1.

Um olhar multidisciplinar : 169


IMPORTANTE
Caso o paciente tenha prognóstico clínico desfavorável, ou
etiologia multifatorial para a tosse, o tratamento empírico do
sintoma deve ser considerado1.

O tratamento com antibióticos é indicado no caso de


infecções. Ao passo que radioterapia, quimioterapia ou terapias
endobrônquicas podem ser indicadas se houver possibilidade de
melhora da qualidade de vida do paciente. Caso o paciente use
IECA, a suspensão deve ser orientada1. O tratamento adequado de

gastroesofágico, proporciona controle importante da tosse com


impacto na qualidade de vida dos pacientes5. Da mesma forma,
medidas e tratamentos específicos para cardiopatias e pneumopatias
devem ser considerados4.
O tratamento empírico se baseia em medicamentos que atuam
nos receptores mµ de tosse, que iniciam a condução do estímulo
até o centro da tosse, no tronco cerebral. Esses receptores estão
presentes em toda via aérea superior, árvore brônquica, diafragma,
membrana timpânica, seios paranasais, vasos pulmonares, pleura4.
Os opioides são os medicamentos que apresentam melhor
efeito antitussígeno no câncer. Contudo, devido aos potenciais
efeitos colaterais dos opioides, outras opções têm sido aventadas
como de primeira linha para o tratamento da tosse, como dextro-
metorfano e benzoato, ainda indisponíveis no Brasil. Quanto ao uso
de opioides para esse fim, a codeína é usada na dose de 10 a 20mg a
cada 4 a 6 horas, possui apresentações em xarope e em comprimido.
A morfina, em pacientes virgens de opioides, deve ser iniciada com
5mg a cada 4 horas por via oral, e a metadona, também por via oral,

170 : Desmistificando cuidados paliativos


em doses que variam de 2,5mg a 10mg por dia6.
A inalação de agentes anestésicos parece ter boa resposta para
controle de tosse, porém o receio de efeitos adversos como arritmia,
broncoespasmo e risco de aspiração, diminuem o uso disseminado7.
Dentre as opções, há possibilidade de nebulização com Bupivacaína
(0,25%) 5ml a cada 8h ou Lidocaína (2%) 5ml a cada 6h3,4.

HIPERSECREÇÃO DE VIAS AÉREAS

Introdução
O acúmulo de secreção no trato respiratório ocorre por vários
fatores. Alguns deles são hipertrofia das células caliciformes e glându-
las submucosas, perda da função ciliar, diminuição do surfactante
e alteração das propriedades do muco do trato respiratório1. O
estímulo de receptores muscarínicos (M3) de glândulas salivares e
brônquicas por neurônios colinérgicos aumentam a produção de
secreção, a qual também ocorre por outros estímulos como presença
5
. O excesso de secreção em vias aéreas pode
precipitar tosse, dispneia ou ruído respiratório como visto na fase
final de vida. Portanto, a identificação e o tratamento do sintoma
são imperativos1.
Há dois sinais de hipersecreção de vias aéreas específicos em
Cuidados Paliativos: a sororoca e a broncorreia5.

Sororoca
Sororoca é o ruído que ocorre quando a secreção acumulada
em vias aéreas borbulha com a passagem de ar da respiração5. Os
familiares de um paciente em fim de vida podem ter a impressão
de que o mesmo está sofrendo, em angústia respiratória ou em
sufocamento, entretanto não há essa associação, sendo importante

Um olhar multidisciplinar : 171


esclarecê-los que o sinal é parte do processo natural de morte. Usual-
mente nessa fase, o paciente está mais debilitado, inconsciente ou
semiconsciente, e perde a habilidade de tossir e engolir normalmente8.
A prevalência de sororoca é de 41 a 56% e pode ser considerado
um preditor de mortalidade, com mediana de sobrevivência de 23h
após o surgimento do ruído9.

Quadro 5 - Escore de intensidade de sororoca

Estágio 0 Não audível

Estágio 1 Audível somente próximo ao paciente

Estágio 2 Claramente audível próximo ao leito, em um quarto silencioso

Estágio 3 Claramente audível a uma distância de 9,5m


Fonte: Elaborado e adaptado pelas autoras9

Fatores de risco para ocorrência da sororoca10:

(como tumor cerebral)

O uso de medicamentos antimuscarínicos é o tratamento


padrão para sororoca. O início precoce é fundamental, porém a
terapêutica não consegue eliminar a secreção já acumulada11. O
objetivo é diminuir a quantidade de secreção e dilatar as vias aéreas
5
.

172 : Desmistificando cuidados paliativos


O tratamento consiste no uso do butilbrometo de hioscina
(ou escopolamina) na dose de 10mg a cada 4 ou 6 horas, por via
oral, venosa ou subcutânea, com dose máxima de 120mg/dia. O
hidrobrometo de hioscina possui a apresentação transdérmica, que
possibilita o uso de um ou mais adesivos, sendo substituído a cada
24-72h. O colírio de atropina na cavidade oral é utilizado na dose
de 2 gotas a cada 6 ou 12 horas4,5.

O tratamento não farmacológico consiste em medidas como


reposicionamento do paciente no leito a cada 3-4h, assim como a
elevação de cabeceira, que por si só já pode conferir melhora no
ruído. Os cuidados com a boca devem ser mais frequentes, a cada
1-2h. Aspiração oral só deve ser utilizada se for efetiva e tolerada;
evitar aspiração faríngea, pois é desconfortável. Música de fundo

ruído respiratório9.

Broncorreia
A broncorreia é definida como produção de escarro maior
que 100mL por dia, sendo comum nos pacientes portadores de
bronquiectasia, bronquite crônica, carcinoma broncoalveolar e
doenças metastáticas (pâncreas, cólon, adenoma cervical). Está
associada a outros sinais e sintomas como hipóxia, dispneia, exaustão,
dor no peito, e tem como consequência a piora de performance e
limitação social1.

Tratamento
O tratamento, a depender da causa subjacente, inclui radiote-
rapia paliativa, macrolídeos, anticolinérgicos, octreotide, esteroide,

Um olhar multidisciplinar : 173


nebulização com indometacina e inibidor do fator de crescimento
epidérmico (gefitinib e erlotinib)1.

IMPORTANTE
Não indicar aspirações de vias aéreas de forma sistemática, pois
se trata de procedimento extremamente desconfortável.

Considerações Finais

de pacientes com doenças ameaçadoras da continuidade da


vida. Além disso, podem aumentar a angústia dos familiares e
cuidadores.

para a prática de cuidados paliativos de alta qualidade.

interdisciplinar e estratégias farmacológicas e não-farmacológicas.

consideração a funcionalidade, os desejos e valores do paciente,


bem como as metas a serem alcançadas com o tratamento.

abordagem da causa do sintoma, sempre que proporcional ao


contexto.

são sororoca e broncorreia.

174 : Desmistificando cuidados paliativos


Área de Treinamento

Sr J., 75 anos, casado, ateu, aposentado (serviços gerais), 3


anos de escolaridade.
Tabagista por 50 anos, 60 maço/ano.
Diagnóstico de neoplasia de pulmão metastático em trata-
mento com a Oncologia.
Vem à consulta do paliativista, queixando-se de dispneia
intermitente há 3 anos, mas na última semana, dispneia mais
frequente e aos pequenos esforços com repercussão na qualidade
de vida. Intensidade 9/10.
Relata também tosse com hemoptoicos. Secreção amarelada
e febre de 38 graus há 2 dias.
Perda de peso de 20kg nos últimos meses e perda de apetite.
Nega dor.
PPS de 60% até duas semanas, 40% nos últimos dias.
Ao exame:
Consciente, orientado, emagrecido, hipocorado, cianose
discreta em extremidades, afebril
Murmúrio vesicular reduzido em base direita, sibilos em
hemitórax direito. FR: 30irpm. SatO2: 85%, em ar ambiente
Ritmo cardíaco regular, em 2 tempos, bulhas normofonéticas,
sem sopros. FC: 104 bpm. PA: 90x60mmHg
Abdome: escavado, normotenso, sem visceromegalias
Extremidades: sem edema
Baqueteamento digital

Um olhar multidisciplinar : 175


Questão 1 – Assinale a alternativa correta:
a) É proporcional considerar a presença de quadro infeccioso
respiratório e prescrever antibioticoterapia para Sr. J.
b) É mandatório o tratamento em ambiente de UTI e caso o
Sr. J. discorde, a família deve ser convocada imediatamente, inde-
pendentemente de seu consentimento, visto que representa risco
iminente à vida.
c) Está contraindicado o uso de morfina no contexto, uma
vez que poderia diminuir a pressão de Sr. J. e agravar o quadro.
d) Deve ser ofertado oxigênio ao Sr. J., por máscara de Venturi
50% a pelo menos 6L/min.

Questão 2 – Cerca de 48h após, Sr. J. evolui com piora clínica,


apesar das medidas iniciais realizadas, apresentando-se persistente-
mente torporoso, hipotenso, anúrico há 24 horas, com sororoca.
Já havia manifestado para família e equipe que não desejaria ser
submetido a medidas prolongadoras de vida, no contexto, o que
foi claramente documentado em prontuário. Sendo assim, assinale
a alternativa correta:
a) Pelo fato de Sr. J. não ter registrado em cartório o docu-
mento constando seus desejos/recusas em relação a tratamentos
possíveis, apenas o que foi documentado em prontuário não deve
ser levado em consideração.
b) Sr. J. tem sinais de choque séptico. Deve ser imediatamente
admitido em UTI, submetido à ventilação mecânica, uso de droga
vasoativa e hemodiálise.
c) Os desejos e valores de Sr. J., documentados em prontuário,
são essenciais para orientar a tomada de decisão pela equipe.
d) Caso seja realizada reanimação cardiopulmonar no Sr. J.,
quando este apresentar ausência de pulso central, a equipe poderá
ser responsabilizada por eutanásia.

176 : Desmistificando cuidados paliativos


Questão 3 – Uma opção de tratamento farmacológico para
sororoca é:
a) Fenoterol
b) Codeína
c) Salbutamol
d) Escopolamina

Sra. M., 35 anos, casada, advogada, 1 filho de 2 anos.


Diagnóstico de neoplasia de mama metastática (ossos, fígado
e pulmão) em tratamento com a Oncologia.
Vem à consulta do paliativista queixando-se de dispneia,
atualmente em repouso, há 1 semana. Intensidade 8/10.
Apresenta, ainda, dor torácica ventilatório-dependente e
tosse seca.
PPS de 70% até 1 semana, 50% nos últimos dias.
Ao exame:
Consciente, orientada, hipocorada, cianose discreta em
extremidades, afebril
Murmúrio vesicular abolido até 1/3 do hemitórax direito.
FR: 26 irpm. SatO2: 92%, em ar ambiente
Ritmo cardíaco regular, em 2 tempos, bulhas normofonéticas,
sem sopros. FC: 88bpm. PA: 110x60mmHg
Abdome: normotenso, sem visceromegalias
Extremidades: edema +/4 em membros inferiores
Radiografia e ultrassonografia de tórax: derrame pleural
volumoso em hemitórax direito

Um olhar multidisciplinar : 177


Questão 4 – Assinale a correta:
a) Não é apropriado indicar toracocentese de alívio à Sra. M.,
pois ela está em Cuidados Paliativos.
b) O tratamento de primeira escolha para Sra. M. é codeína
30mg VO de 4/4h.
c) O tratamento de primeira escolha para Sra. M. é com
hidrocortisona 300mg IV dose única.
d) Do ponto de vista técnico, está indicada toracocentese de
alívio no contexto.

Questão 5 – Supondo que, após as medidas inicialmente


realizadas, apesar da melhora da dor, Sra. M. continue se queixando
de dispneia intensidade 4/10, mas eupneica e com boa oximetria e
sem sinais de derrame significativo em exame de imagem. Então:
a) É adequado prescrever placebo, isento de efeitos colaterais,
pois a dispneia é provavelmente psicogênica.
b) Está indicada codeína, pois tem efeito em dispneia leve a
moderada.
c) Não está indicado opioide, pois Sra. M. teve melhora da
dor.
d) Não pode ser usado opioide, pois como Sra. M. está
eupneica e a dispneia é de origem psicogênica, há maior risco de
depressão respiratória.

1. Chan K, Tse DMW, Sham MMK. Dyspnea and other respira-


tory symptoms in palliative care In: Cherny N, Fallon M, Kassa
S, Portenoy R, Currow DC (eds.). Oxford textbook of palliative
medicine. 5.ed. Oxford: Oxford UYniversity Pres; 2015. p 421-434.

178 : Desmistificando cuidados paliativos


2. Thomas JR. Dyspnea. In: Bruera E, Higginson I, von Gunten
CG, Mortia T. Textbook of palliative medicine and supportive care.
Second edition, 2016.p. 663-672.
3. Rocha JA. Dispneia. In: Carvalho RT, Souza MRB, Franck EM
(eds.). Manual da residência de cuidados paliativos. Barueri, SP.
Manole, 2018.p 192-201.
4. Carvalho RT. Dispneia, tosse e hipersecreção de vias aéreas.
In:Carvalho RT, Parsons HA (eds.). Manual de cuidados paliativos.
ANCP, 2012. p. 151-167.
5. Mollart S, Thomas T, Wade R, Booth S. Other respiratory
symptoms (cough, hiccup, and secretions). In: Bruera E, Higginson
I, von Gunten CG, Mortia T. Textbook of palliative medicine and
supportive care. Second edition, 2016.p. 673-687.
6. Pupim CT, Pinto TC, Zoboli I. Tosse. In: Carvalho RT, Souza
MRB, Franck EM (eds.). Manual da residência de cuidados palia-
tivos. Barueri, SP. Manole, 2018.p 202-207.
7. Yamaguchi, T, Goya, S., Kohara, H, Watanabe, H, Mori, M,
Matsuda, Y. (2016). Treatment Recommendations for Respiratory
Symptoms in Cancer Patients: Clinical Guidelines from the Japa-
nese Society for Palliative Medicine. Journal of Palliative Medicine,
19(9), 925–935.
8. Kolb, H, Snowden, A, & Stevens, E. (2018). Systematic review
and narrative summary: Treatments for and risk factors associated
with respiratory tract secretions (death rattle) in the dying adult.
Journal of Advanced Nursing, 74(7), 1446–1462.
9. Eastern Metropolitan Region Palliative Care Consortium. End
of life care: management of respiratory secretions. Disponível em:
https://engonetcpc.blob.core.windows.net/assets/uploads/files/
Assets/EMRPCC-%20EOLRS%202013.pdf.

Um olhar multidisciplinar : 179


10. Kolb, H, Snowden, A, Stevens, E, & Atherton, I. (2018). A
retrospective medical records review of risk factors for the deve-
lopment of respiratory tract secretions (death rattle) in the dying
patient. Journal of Advanced Nursing, 74(7), 1639–1648.
11. O’Neill S, Austin Health. Management of terminal respiratory
secretions in palliative care patients. Disponível em: http://www.
emrpcc.org.au/wp-content/uploads/2013/01/Respsecretionsfinal-
Dec2010.pdf

Questão 1 – a
Questão 2 – c
Questão 3 – d
Questão 4 – d
Questão 5 – b

180 : Desmistificando cuidados paliativos


10
nÁuseAs e VÔMItos

“As coisas nunca estão erradas. Errado está nosso jeito de olhar
para elas, aumentando assim nosso próprio sofrimento. A questão está
no significado que os desafios têm para nós, e não nos desafios em si.
Encontrar esse significado é que é o grande desafio, e cada um tem sua
fórmula para fazer isso.”
(Ana Lucia Coradazzi)
Melissa Gebrim Ribeiro

Introdução
Náusea e vômito são sintomas frequentes em pacientes em
Cuidados Paliativos, sendo causas de desconforto e estresse para o
próprio paciente e familiares1-3. Náusea é uma sensação subjetiva
desagradável que sinaliza possibilidade de vômito iminente, o qual
pode ou não ocorrer. Ao passo que, vômito (ou êmese) é a elimi-
nação forçada do conteúdo gástrico por meio de ação sustentada
da musculatura abdominal com abertura da cárdia4,5.
A êmese é mediada por duas áreas centrais distintas no Sistema
Nervoso Central (SNC): o centro do vômito e a zona quimiorrecep-
tora gatilho. Essa última está localizada na área inferior do quarto
ventrículo, onde não há nenhuma barreira hemato-encefálica.
Projeções nervosas quimiossensitivas são banhadas por líquido
cerebroespinhal, o qual possui equilíbrio químico com o sangue dos
capilares fenestrados locais. Trajetos neurais são projetados da zona

Um olhar multidisciplinar : 181


quimiorreceptora gatilho ao núcleo do trato solitário e à formação
reticular na medula oblonga, localização do centro do vômito4.
O centro do vômito é uma rede neural difusa e interconectada
que integra estímulos emetogênicos a atividades eferentes paras-

complexo, tendo componentes respiratórios, salivares, vasomotores


e motores somáticos. A náusea, na ausência do vômito, pode ocorrer
pela excitação do centro do vômito, mas com estímulo insuficiente
4
.
O centro do vômito recebe terminações nervosas aferentes
do córtex cerebral, tálamo, hipotálamo, sistema vestibular, nervos
vago e esplênico, da faringe, do trato gastrointestinal e da sero-
sa. Há também terminações da zona quimiorreceptora gatilho, a
qual apenas desencadeia vômito por meio do centro do vômito.
A proximidade deste centro a áreas do Sistema Nervoso Central
(SNC) associadas ao equilíbrio, atividades vasomotoras, salivação
e respiração explica o motivo de os vômitos estarem associados
frequentemente a salivação, sudorese, taquicardia e tontura4,5.
Muitos neurotransmissores e receptores têm sido identificados
na zona quimiorreceptora de gatilho e no trato solitário, como a
dopamina, serotonina, histamina, canabinoides, opioides e neuro-
quinina. Os receptores principais da zona quimiorreceptora gatilho
são dopamina tipo 2 (D2). Os receptores principais no centro do
vômito são colinérgicos muscarínicos (Achm) e histamínicos tipo 1
(H1). Em ambas áreas, há receptores de serotonina tipo 3 (5-HT3),
e serotonina tipo 2 (5-HT2). Receptores de neuroquinina tipo 1
(NK1) são bem distribuídos no SNC, particularmente nas áreas do
tronco cerebral envolvidas na êmese. Esse receptores atuam como
sensores e são estimulados por drogas e eletrólitos.
4
.

182 : Desmistificando cuidados paliativos


Náusea é relatada como um sintoma altamente descon-
fortável, e a associação entre náusea e humor pode ocorrer no giro
frontal inferior do córtex cerebral humano. Os receptores NK1 estão
associados com a regulação do humor e êmese. Portanto, o bloqueio
desses receptores pode ser feito com antidepressivos e antieméticos,
logo a associação entre disforia e náusea pode ser bioquímica ou
estrutural4.

A escolha do antiemético

A náusea pode ser aliviada ao se tratar a causa subjacente


do sintoma. Por exemplo, aquela associada a hipercalcemia poderá
melhorar com o uso de bifosfonados; ou a náusea relacionada ao
uso de determinado medicamento poderá ser aliviada com sua
suspensão4.
Propõem-se duas estratégias para o controle das náuseas e
vômitos: atuação pelo mecanismo e abordagem empírica. O controle
das náuseas pelo mecanismo (Quadro 1) envolve identificar a causa
mais provável e os trajetos de seus receptores para então escolher a
droga antiemética (Quadro2). A dificuldade neste tipo de aborda-
gem é descobrir a causa da náusea em doenças muito avançadas, pois
pode ter causas multifatoriais. Já a estratégia empírica consiste em
se iniciar uma droga e, se não houver sucesso, adicionar outra ou
trocar a medicação4-6. Aproximadamente, 30% dos casos necessitam
de uma abordagem combinada com agentes de classes distintas7. O
Quadro 3 apresenta um resumo sobre sobre síndromes associadas a
náuseas e vômitos em pacientes em Cuidados Paliativos7.

Um olhar multidisciplinar : 183


Quadro 1 - Abordagem para controle de náuseas e vômitos pelo mecanismo
1 - Identificar a causa da náusea / vômito.
2 - Identificar o trajeto pelo qual o reflexo de vômito é iniciado.
3 - Identificar o receptor do neurotransmissor envolvido nesse reflexo.
4 - Escolher o antagonista mais potente deste receptor.
5 - Escolher a via de administração do medicamento: normalmente se exclui a via oral.
6 - Rever o paciente frequentemente e titular a dose do medicamento.
7 - Administrar antiemético regularmente.
8 - Se persistência do sintoma: rever a causa da náusea.
9 - Avaliar interações medicamentosas ao associar drogas.
Fonte: Hardy, Glare, Yates, et al4

Quadro 2 - Afinidade dos principais antieméticos aos receptores que desecadeiam


náuseas e vômitos
Antagonista Antagonista Antagonista Antagonista Antagonista Antagonista
da dopamina da histamina da 5-HT 5-HT 5-HT
D H acetilcolina 2 3 4
2 1

Metoclopramida ++ + ++

Domperidona ++ +++
Ondansetrona +++
Hioscina +++
Haloperidol +++
Clorpromazina ++ ++ +

Fonte: Mercadante5

A droga de escolha para controle de náuseas e vômitos em


cânceres avançados é a metoclopramida. Outras opções como
haloperidol ou olanzapina podem ser usadas. No caso de obstrução
intestinal, é recomendado o uso de octreotide, porém quando
este não estiver disponível, podem ser utilizados outros agentes
anticolinérgicos e antisecretivos. Quanto às náuseas e vômitos

6
.

184 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 3 - Síndromes associadas a náuseas e vômitos em pacientes em Cuidados
Paliativos
Síndrome Quadro clínico Causas Tratamento
medicamentoso
Estase gástrica Náuseas Câncer de estômago Metoclopramida
predominantes. Piora Hepatomegalia ou ascite Domperidona
com alimentação. com compressão gástrica Bromoprida
Náusea melhora após Neuropatia paraneoplásica
vômito. Neuropatia diabética
Ruídos hidroaéreos Medicamentos (opioides)
normais ou diminuídos.
Metabólica Náuseas Hipercalcemia Proclorperazina
predominantes. Pouca Metástases hepáticas Haloperidol
melhora após vômito. Uropatia obstrutiva Levomepromazina
Agravada pelo cheiro Obstrução intestinal Antagonistas 5-HT3
da comida. Opioides Antagonistas NK1
Quimioterapia Dexametasona
Hipertensão Náuseas e vômitos Tumores cerebrais primários Corticosteroides
intracraniana piores pela manhã. ou secundários
Pode associar-se a Acometimento meníngeo
sinais neurológicos.
Vestibular Náuseas e vômitos Metástases cerebrais Prometazina
agravados pelo Opioides Meclizina
movimento da cabeça. Vestibulopatias Proclorperazina
Dimenidrinato
Obstrução Parcial: Câncer intestinal Parcial:
intestinal / Ruídos hidroaéreos Carcinomatose peritoneal Metoclopramida
dismotilidade diminuídos em caso de Ascite Corticosteroides
íleo paralítico, ou Bridas
aumentados na Constipação
obstrução parcial.
Algum movimento
intestinal.
Completa: Completa:
Dor em cólica Haloperidol
constante. Ausência de Corticosteroides
flatulência ou Anti-histamínico
movimentos intestinais. Ocreotide
Levomepromazina
Ansiedade Náuseas ou vômitos Ansiedade Benzodiazepínicos
intermitentes. Tricíclicos
Ansiedade associada. Proclorperazina
Fonte: Consenso Brasileiro de Náuseas e Vômitos em Cuidados Paliativos7

Um olhar multidisciplinar : 185


Haloperidol, clorpromazina, metoclopramida e domperidona
são antagonistas da dopamina (D2)3-5. Metoclopramida e dom-
peridona atuam no intestino como antagonistas D2 e estimulam
receptores 5-HT4. A metoclopramida é um antagonista fraco do
5-HT3 periférico, e estimula motilidade gastrointestinal ao aumentar
liberação de acetilcolina, o que explica o potencial para efeitos adversos
centrais como a síndrome extrapiramidal, principalmente em idosos.
A apresenta menor incidência desses efeitos, pois não
atravessa a barreira hematoencefálica, age centralmente apenas na
zona quimiorreceptora gatilho4,5.
Qualquer agente procinético pode induzir cólica em obs-
trução intestinal. Apesar disso, pode ser utilizado em obstrução
intestinal parcial, na tentativa de aliviar o sintoma por aumentar a
motilidade intestinal4.
A clorpromazina, que atua em receptor adrenérgico alfa 1,
pode causar hipotensão e sedação, sintomas que limitam seu uso.
Além disso, também pode reduzir o limiar convulsivo em pacientes
portadores de epilepsia4.
Olanzapina é um antipsicótico atípico, que bloqueia múltiplos
neurotransmissores, particularmente receptores D2 e 5-HT3. Tem
sido usado para alívio de náuseas em pacientes com câncer avançado,
que não responderam a outros antieméticos. Também tem sido usado
para êmese tardia nos pacientes com tratamento quimioterápico em
uso de drogas altamente emetogênicas5.
Os anti-histamínicos atuam nos receptores H1 no centro do
vômito e sistema vestibular, portanto aliviam náuseas e vômitos
induzidos por disfunção vestibular e com movimentos. A prome-
tazina e ciclizina são opções dessa classe4,5.
A hioscina ou escopolamina possui como efeitos adversos
ações anticolinérgicas, que podem ser benéficas (reduzir cólicas
e secreções) ou problemáticas (boca seca, retenção urinária, visão

186 : Desmistificando cuidados paliativos


turva). No intestino, devido às propriedades anticolinérgicas, este
medicamento reduz peristalse e inibe secreções exócrinas, contri-
buindo para alívio das cólicas e náusea por obstrução intestinal4.
Evidências demonstram benefícios dos antagonistas 5-HT3
em náuseas e vômitos induzidos por radioterapia e pós-operatórios.
Todos os inibidores 5-HT3 são equivalentes quanto à atividade
antiemética e segurança, além de possuirem efeitos adversos similares
(cefaleia, constipação, elevações transitórias das aminotrasnferases).
Ondansetrona possui afinidade por outros receptores como alfa
adrenérgicos, outros 5-HT e receptores opióides mu4.
Os antagonistas dos receptores NK1 são eficazes em controlar
êmeses tardias após quimioterapia. Contudo, esses antagonistas
ainda não foram explorados para Cuidados Paliativos4.
Nos casos de náuseas e vômitos estimulados por quimioterapia
ou radioterapia, os neurotransmissores envolvidos no mecanismo do
sintoma são dopamina, acetilcolina, histamina e serotonina. Cinco
categorias são usadas para classificar esse fenômeno5:

quimioterapia. Pode estar relacionada ao ambiente em que ocorre a


administração do medicamento, emetogenicidade e doses utilizadas.

aguda; ocorre tipicamente após carboplatina, doxorrubicina e


ciclofosfamida. No caso da cisplatina, o pico das êmeses ocorre 2
a 3 dias após a quimioterapia e pode durar até uma semana.
-
dem a quimioterapia, quando o paciente pensa ou conversa sobre
o tratamento que fará.

mesmo com uso profilático de antieméticos, sendo necessário o uso


de doses de resgate.

Um olhar multidisciplinar : 187


antiemético profilático e doses de resgate5.
Corticosteróides são conhecidos por possuírem propriedades
antieméticas intrínsecas e potencializar o efeito de outros antiemé-
ticos. Seu mecanismo de ação ainda não foi esclarecido e pode ser

edema tumoral, também favorece a hipótese de que atua na redução


do estímulo da êmese de receptores autonômicos periféricos ou de
tumores intracranianos. Os esteróides podem agilizar a resolução
de uma obstrução intestinal e evitar os vômitos associados a essa
condição4.
Octreotide é um análogo da somatostatina que exerce potente
inibição de secreções endócrinas e exócrinas, promovendo reabsorção
de eletrólitos no intestino. É utilizado também para reduzir vômitos
associados à obstrução intestinal, mas recomenda-se sua associação
com um antiemético como o haloperidol. Contudo, devido ao custo
do octreotide, seu uso pode não ser possível. Portanto, outros
agentes antisecretivos como escopolamina podem ser utilizados4,6.
Conforme recomendações do consenso sobre náuseas e
vômitos em cânceres avançados de 2016,
em náuseas e vômitos presentes
na doença e não associados a obstrução intestinal. O
também pode ser utilizado, mas como segunda linha. Ao contrário
do que ocorre em náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia,
não há evidência de que se obtenha melhor resposta ao combinar
antieméticos quando comparados à monoterapia6. Apesar das
evidências limitadas, estudo recente apresenta o haloperidol como
antiemético eficaz no controle de náuseas e vômitos, sendo utilizado
em baixas doses e com poucos efeitos adversos3. O Quadro 4 apre-
senta medicamentos e posologias no manejo das náuseas e vômitos.

188 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 4 - Medicamentos e suas posologias para manejo de náuseas e vômitos
Medicamentos Posologia
Metoclopramida 30 a 80 mg/dia, divididos em até 4
administrações, SC ou EV
Domperidona 10 a 20 mg até de 4/4h VO
Haloperidol 1 a 2 mg de 12/12h, até de 8/8h, SC ou VO
Ondansetrona 4 a 8mg até de 6/6h SC ou EV
Dexametasona 16 a 20 mg/dia VO, SC ou EV
Prometazina 12,5 a 25 mg de 8/8h VO
Escopolamina 20 mg de 6/6h VO ou SC
Fonte: Elaborado pela autora com adaptações4,7,8

Portanto, tratar qualquer causa identificável de náusea e


vômito é o primeiro passo para o controle desses sintomas descon-
fortáveis. Causas reversíveis incluem hipercalcemia, hiperglicemia,
hipocortisolismo, hiponatremia, uremia, constipação, e aumento
da pressão intracraniana. Bifosfonados para hipercalcemia e dexa-
metasona para aumento da pressão intracraniana por tumores são
tratamentos de primeira linha nessas condições5.

IMPORTANTE
Longos períodos e repetidos episódios de vômitos podem acarretar

pelo vômito. Em algumas circunstâncias, é necessário administrar

endovenosa).

Um olhar multidisciplinar : 189


Considerações Finais
No controle de náuseas e vômitos, destaca-se a importância de:

-
tribuir para os sintomas5.

Área de treinamento
1) MR, feminina, 43 anos, tabagista, portadora de câncer
de pulmão pequenas células, realizou quimioterapia há 3 semanas.
Procura emergência hospitalar devido vômitos em jato incoercíveis,
associados a cefaléia intensa holocraniana. Qual a causa do sintoma
e possível tratamento inicial?
a) Vômitos tardios devido quimioterapia. Deve ser administrada
ondansetrona.
b) Náuseas e vômitos como sinais de enxaqueca. Deve ser
administrada clorpromazina EV.
c) Vômitos em jato e cefaléia holocraniana são sinais de hiper-
tensão intracraniana. Deve ser administrado corticoide (dexameta-
sona) e paciente deve realizar TC de crânio emergencial.
d) Cefaléia e vômitos causados por gastroparesia. Deve ser
administrado procinético como metoclopramida.

2) VB, masculino, 65 anos, portador de hepatocarcinoma,


está internado em enfermaria de oncologia para suporte clínico.
Apresenta-se anasarcado, com ascite importante, sendo realizadas
paracenteses de alívio com frequência. Há 2 dias, teve piora de

190 : Desmistificando cuidados paliativos


náuseas e vômitos, dor abdominal em cólica. Refere plenitude pós
prandial, hiporexia e nega evacuação há 4 dias. Qual a alternativa
incorreta quanto à possível causa dos vômitos?
a) Metabólica, pois hepatocarcinoma acarreta disfunção
hepática com aumento da bilirrubina.
b) Estase gástrica, paciente com ascite importante e apresen-
tando plenitude pós prandial.
c) Obstrução intestinal parcial, pois houve piora dos vômitos
há 2 dias, assim como constipação e dor abdominal em cólica.
d) Disfunção vestibular, paciente com possível encefalopatia
hepática, podendo ter náuseas e vômitos ao se movimentar.

3) Paciente em uso de ondansetrona de 8/8h VO, devido


náuseas pós quimioterapia. Oncologista orientou uso por 3 dias
após administração da quimioterapia, porém paciente manteve o uso
por 2 semanas. Evoluiu com constipação, plenitude pós prandial,
refere náuseas com odor dos alimentos. Procura posto de saúde,
pois não evacua há 4 dias, sente-se desconfortável e com mal estar.
Qual a melhor conduta?
a) Suspender ondansetrona, e sustituí-la por domperidona,
pois paciente apresenta estase gástrica, cursando com plenitude
pós prandial.
b) Manter ondansetrona, uma vez que continua apresentando
náuseas e prescrever um laxante.
c) Solicitar rotina de abdome agudo, pois paciente deve ter
obstrução intestinal.
d) Orientar procurar o oncologista assistente, pois paciente
pode estar com metástase intestinal, acarretando obstrução intestinal.

Um olhar multidisciplinar : 191


Referências Bibliográficas
1- Naeim A, Dy S, Lorenz K, et al. Evidence-based Recommen-
dations for Cancer Nausea and Vomiting. J Cain Oncol 2008;
26(23):3903-3910
2- Collis E, Mather H: Nausea and vomiting in palliative care.
BMJ 2015;
3- Digges M, Hussein A, Wilcock A, et al. Pharmacovigilance in
Hospice / Palliative Care: Net Effect of Haloperidol for Nausea
or Vomiting. Journal of Palliative Medicine 2018; 21 (1): 37-43.
4- Hardy JR, Glare P, Yates P, et al. Palliation of nausea and vomi-
ting. In: Cherny NI, Fallon MT, Kaasa S, Portenoy RK, Currow
DC (Ed.). Oxford Textbook of Palliative Medicine. 5 ed. Oxford
University Press; 2015. p. 661-674
5 - Mercadante S. Nausea / Vomiting. In: In: Bruera E, Higginson
I, Gunten CH, Morita T (Ed.). Textbook of Palliative Medicine.
CRC Press; 2015. p 547-555
6 - Walsh D et al. 2016 Updated MASCC/ESMO consensus
recommendations: Management of nausea and vomiting in
advanced cancer. Support Care Cancer. 2016
7- Consenso Brasileiro de Náuseas e Vômitos em Cuidados Palia-
tivos. Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 2011; 3 (3) - suple-
mento 2.
8 - Maciel MGS, Bettega R. Náusea e Vômito. In: Carvalho RT,
Parsons HA (Org). Manual de Cuidados Paliativos ANCP - Am-
pliado e Atualizado. 2a edição. Academia Nacional de Cuidados
Paliativos; 2012. p 168-175

1) c
2) d
3) a

192 : Desmistificando cuidados paliativos


11
ConstIpAção IntestInAL

“Não faças da tua vida um rascunho.


Poderás não ter tempo de passa-la a limpo.”
(Mário Quintana)
Melissa Gebrim Ribeiro

Introdução
A prevalência da constipação em pacientes com câncer
avançado varia de 40% a 90%, sendo mais comum em pacientes
que utilizam opioides para controle de sintomas. Essa prevalência
tende a aumentar com a idade, de forma que os idosos estão 5
vezes mais propensos a ter o sintoma do que os jovens, devido
a polifarmácia, mobilidade reduzida, hidratação e urgência para
defecar reduzidas1,2. A constipação também pode estar associada
ao desenvolvimento de náuseas, vômitos, hemorroida, fissura anal,
obstrução intestinal e retenção urinária. Logo, o não tratamento da
constipação pode sobrecarregar o sistema de saúde, pois acarreta
maior risco de hospitalização e, consequentemente, necessidade de
maior número de horas de trabalho para enfermagem1.
Em Cuidados Paliativos, principalmente no contexto onco-
lógico,
síndrome, não como doença. Portanto, apesar dos critérios para
diagnosticar constipação crônica definidos em 2006, os Critérios
de Roma III, a constipação é uma experiência subjetiva, e o critério

Um olhar multidisciplinar : 193


diagnóstico nem sempre expressa a diversidade de fatores que leva à
constipação como um sintoma que necessita de manejo adequado1-3.

Critérios de Roma III1-3


Dois ou mais dos seguintes sintomas presentes por pelo menos 3
meses, nos últimos 12 meses:

evacuações.

A constipação, como sintoma ou síndrome, apresenta aspectos


como diminuição da frequência na eliminação de fezes, presença
de fezes endurecidas e em pequena quantidade, dor e esforço para
evacuar e sensação de reto cheio ou de esvaziamento retal incompleto1,3.
Uma vez que a constipação é uma experiência subjetiva, outros
aspectos devem ser considerados na avaliação clínica, tais como1:

frequência da evacuação),

ao evacuar.
Em pacientes com doença progressiva, a constipação costuma
ser multifatorial2. O quadro 1 mostra alguns fatores que contribuem
para a constipação de pacientes com doença crônica e progressiva.

194 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 1 – Fatores que contribuem para desenvolvimento de constipação
Fatores Orgânicos Fatores Funcionais
Medicamentos: Dieta:
opioides, anticolinérgicos, baixa ingesta de fibras, anorexia, baixa
antidepressivos, ferro, quimioterápicos ingesta alimentar e de líquidos
Distúrbios metabólicos: Ambiental:
desidratação, hipercalcemia, uremia, ausência de privacidade, necessidade de
hipotireoidismo assistência durante o uso do toalete
Distúrbios neuromusculares: Outros fatores:
miopatias idade, inatividade, depressão, sedação
Condições estruturais:
massa abdominal ou pélvica, fibrose por
radiação, carcinomatose peritoneal

Dor
Fonte: adaptado de Larkin1

A motilidade intestinal normal resulta em evacuações com


eliminação de fezes pastosas sem esforço excessivo e depende do
equilíbrio entre três processos fisiológicos: coordenação dos movi-
mentos peristálticos, transporte molecular pela mucosa intestinal
3
. A peristalse consiste em duas
fases: contração e relaxamento, sendo a acetilcolina mediadora da
contração, ao passo que peptídeos vasoativos são mediadores do
relaxamento2,3.

por meio de contrações periódicas e repetitivas da peristalse. O sódio


é ativamente reabsorvido pelos canais de sódio e a água é reabsorvida
por osmose. A secreção colônica é mediada pelos canais de cloro,

ao se distender, e associado a contrações do esfíncter retal, ocasiona


a urgência em evacuar1. Em adultos assintomáticos, o tempo de
trânsito intestinal total é, em média, de 36 horas. Contudo, em
usuários de opioides, o tempo de trânsito no cólon é significativa-
mente mais prolongado3.

Um olhar multidisciplinar : 195


No caso da constipação induzida por opioides, um dos
principais fatores causais de constipação em pacientes com câncer
avançado, os mecanismos fisiopatológicos mais provavelmente
envolvidos são redução da peristalse do intestino delgado e do cólon,
aumento da absorção de água e de eletrólitos, comprometimento dos
-
tado desse mecanismo são fezes ressecadas, endurecidas e reduzidas
em tamanho, que dificultam a passagem pelo reto e esfíncter retal.
Os opioides também reduzem a sensação de distensão intestinal,
incluindo a distensão do reto, o que pode ocasionar impactação
fecal, principalmente em idosos, que podem ter a sensibilidade retal
prejudicada pela idade2,3.

A frequência e a dificuldade para evacuar são o embasamento


para diagnóstico de constipação. Portanto, devido à variabilidade do
hábito intestinal, deve-se comparar o padrão intestinal atual com o
padrão anterior à doença do paciente2. Exame físico do abdome e
do reto podem ajudar a diagnosticar ou a evitar condições associadas
à constipação2 (quadro 2).
Quadro 2 - Condições associadas à constipação
Anorexia
Distensão abdominal
Dor abdominal (cólica mais comumente)
Náuseas ou vômitos
Flatulência
Pseudodiarreia
Impactação fecal / Obstrução do trato gastrointestinal
Dispneia (limitando expansão do diafragma)
Retenção urinária
Delirium
Fonte: adaptado de Thomas4

196 : Desmistificando cuidados paliativos


Para avaliar a percepção individual quanto à constipação e
mensurar objetivamente os sintomas é necessária uma anamnese
dirigida3. O quadro 3 apresenta um modelo de anamnese.

Quadro 3 Modelo de anamnese para pesquisa de constipação


1. Qual o hábito intestinal? Frequência, quantidade e consistência?
2. Quando foi a última evacuação? Qual a quantidade, consistência e cor das
fezes? Havia presença de sangue?
3. Presença de algum desconforto como dor, flatulência, cólicas, náuseas, vômitos
ou sensação de vontade de evacuar persistente?
4. Utiliza enemas ou laxantes com frequência? Qual a medida adotada quando
apresenta prisão de ventre? Geralmente funciona?
5. Qual o tipo de alimentação? Quanto e qual o tipo de líquidos costuma tomar
durante o dia habitualmente?
6. Quais as medicações (tipo, dose e posologia) atualmente em uso? Esse sintoma
mudou recentemente?
Fonte: Consenso Brasileiro de Constipação induzida por opioides3

A forma das fezes está associada à sua consistência, o que


as correlacionam ao trânsito intestinal de constipação idiopática
crônica e da população em uso crônico de opioides. Um guia prático
e ilustrado para essa avaliação é a escala de Bristol para consistência
das fezes (The Bristol Stool Form Scale), pelo qual os pacientes conse-
guem estimar mais precisamente as características de suas fezes2,3.

Um olhar multidisciplinar : 197


Figura 1 Escala de Bristol para consistência das fezes

Fonte: Consenso Brasileiro de Constipação induzida por opioides3

IMPORTANTE:
Pontos chave na avaliação da constipação de paciente em
Cuidados Paliativos1:

-
samento retal)

198 : Desmistificando cuidados paliativos


O exame do abdome deve avaliar presença de distensão ou
massa palpável, alterações na frequência e intensidade dos ruídos
intestinais. Por meio do exame proctológico pode-se detectar
presença de fissuras anais ou mamilos hemorroidários, presença de
fecaloma ou massa retal intrínseca ou extrínseca, alteração de tônus
esfincteriano, e presença de sangue vivo ou melena2,3.
Quanto ao laboratório, os pacientes devem ser submetidos
à investigação através de testes diagnósticos direcionados pela
anamnese e exame físico, incluindo exames gerais como dosagem
de eletrólitos, glicemia, hormônios tireoideanos, além de sorologia
para Chagas. Os exames laboratoriais raramente são necessários2,3.
A radiografia simples de abdome pode ser indicada, em casos
de distensão abdominal e suspeita clínica de fecaloma alto2,3.

Tratamento
A ação preventiva é fundamental e deve incluir3:

sobre dieta e atividade física.


Caso a constipação não seja adequadamente controlada com
as medidas anteriormente citadas, a prescrição de laxantes, antago-
nistas dos receptores opioides e enemas, pode ser necessária3.

Tratamento não-medicamentoso
As intervenções não-medicamentosas incluem2,3:

alimentares (consumo de líquidos e fibras);

Um olhar multidisciplinar : 199


Embora a constipação induzida por opioides seja raramente
controlada somente com a intervenção nutricional, este continua
a ser um aspecto importante em qualquer disfunção intestinal. O
tratamento da constipação com intervenções dietéticas inclui regu-
larização das refeições, suplementação de fibras, ingestão adequada
de líquidos e uso de alimentos funcionais probióticos e prebióticos3.

Quadro 4 – Atividades conforme nível de mobilidade do paciente


Mobilidade do
Tipo de exercício Duração Frequência
paciente
15 a 20 minutos > 1 vez/dia,
Completamente móvel Caminhar
conforme tolerar
Mobilidade limitada Deambular 15 metros 2 vezes ao dia
Na cama ou na cadeira:
inclinar a pelve,
Incapaz de andar ou rotacionar o tronco; e Ao menos 2 vezes ao
15 a 20 minutos
restrito ao leito realizar flexão e dia
extensão passiva dos
membros inferiores
Fonte: Consenso Brasileiro de constipação induzida por opioides3

Tratamento Medicamentoso
O tratamento medicamentoso é realizado com uso de laxativos.
Deve-se sempre antecipar-se ao possível efeito constipante no início
do uso de opioides, utilizando-se laxantes profiláticos, dar preferência
aos laxantes orais e, se necessário, combinar os medicamentos5.
Os laxantes são classificados segundo o seu mecanismo de
ação em: formadores de bolo, emolientes/lubrificantes, osmóticos
e estimulantes1-5.

200 : Desmistificando cuidados paliativos


Os formadores de bolo fecal promovem o efeito laxativo
pela retenção de água na luz intestinal, aumentando o volume das
fezes, e assim, estimulando o peristaltismo.

Quadro 5 Laxantes formadores de bolo fecal


Laxante Dose Período de Observação Cuidado
latência
Metilcelulose Devem ser Ingestão
Psilio 1 unidade, 3x/dia 12-84h administrados inadequada de
Farelo de trigo com 200-300mL líquidos pode
de água. acarretar
obstrução
intestinal2,3,5.
Fonte: elaborado pela autora2,3,5

IMPORTANTE
Agentes formadores de bolo não devem ser utilizados em
pacientes acamados, com mobilidade comprometida, e naqueles
que não possam ingerir grande quantidade de líquidos, devido
possibilidade de impactação fecal/obstrução intestinal2,3,5.

3-5
.

Quadro 6 Laxantes osmóticos


Laxante Dose Período de latência Observação
Hidróxido de 15-50mL/dia 1-6h Pode ocasionar
diarreia.
magnésio
Pode levar à
intoxicação por
magnésio (em caso de
insuficiência renal).
Lactulose 15-60 mL/dia 24-48h Não palatável para
alguns pacientes.
Polietilenoglicol 8-32g/dia 24-72h
Fonte: elaborado pela autora3-5

Um olhar multidisciplinar : 201


e amolecem as fezes. Não são recomendados comumente em
pacientes com doença avançada (preferir laxantes osmóticos e
estimulantes)1.

Quadro 7 Laxantes emolientes


Laxante Dose Período de latência Observação
Docusato de sódio 100mg / 2x ao dia 24-72h
Óleo mineral 10-45mL/dia 6-8h Risco de pneumonia
broncoaspirativa e
lipídica.
Parafina líquida 10-30 mL/dia 24-72h Risco de pneumonia
broncoaspirativa e
lipídica.
Fonte: elaborado pela autora3-5

IMPORTANTE
Recomenda-se não utilizar óleo mineral e parafina líquida em
pacientes acamados, com disfagia intensa, vômitos, doença do

risco de broncoaspiração e pneumonia lipídica2,3.

-
taltismo, possivelmente pela estimulação dos nervos entéricos, e
também pelo aumento da secreção de água e eletrólitos pela mucosa
intestinal2,3,5.

Quadro 8 Laxantes estimulantes


Laxante Dose Período de latência Observação
Bisacodil 10-30mg/dia 6-12h Ativado no intestino
delgado promovendo
contração. Podem
ocorrer mais cólicas4.
Picossulfato de sódio 5-10mg/dia 6-12h Ativado apenas no
intestino grosso4.
Sene 1-2 comprimidos 6-12h Sem evidência
científica, mas
comumente usado3.
Fonte: elaborado pela autora2-5

202 : Desmistificando cuidados paliativos


Bisacodil e picossulfato de sódio foram estudados e com-
parados quanto à eficácia no tratamento da constipação intestinal
crônica, ambos demonstraram igual efetividade, ocorrendo aumento
na frequência das evacuações e redução da consistência das fezes de
maneira significativa e similar nos dois grupos2,3.

, ou que demonstre melhor eficácia de


um laxativo sobre outro. Em geral, há preferência clínica e algumas
recomendações no uso de laxativos osmóticos e estimulantes1,6.
Lubrificantes retais são substâncias que lubrificam a mucosa
retal e,
evacuação3. Estão indicados em situações específicas5:

não responde adequadamente aos laxantes orais;

laxantes orais;

medula espinal.
Os lubrificantes mais utilizados são supositório de glicerina,
supositório de bisacodil e fosfato enema3,5.

Analgésicos opioides atuam nos receptores mu, os quais estão


distribuídos amplamente no trato gastrointestinal, resultando na

esficteriano. Reduzir a dose do opioide é uma medida ineficaz, e a


menos que haja clara contraindicação (diarreia, por exemplo), todos
os pacientes que iniciam uso de opioide, devem ter prescrição de

Um olhar multidisciplinar : 203


laxativos concomitantemente, uma vez que esse é o tratamento de
primeira linha para constipação induzida por opioides1.
Nos casos em que não há resposta ao uso de laxativos, o uso
de antagonistas receptores de opioides podem ser utilizados1,3.
O critério de Roma IV (2016) estabelece o diagnóstico da
constipação induzida por opioides como uma mudança no hábito
intestinal ou no padrão de defecação ao iniciar, alterar ou aumentar
dose de opioide (quadro 9)6.

Quadro 9 Critério de Roma IV para constipação induzida por opioide


1) Sintomas de constipação novos ou em piora ao iniciar, trocar ou aumentar dose de
opioide, devem incluir 2 ou mais dos seguintes tópicos:
- Dificuldade para evacuar em mais de ¼ das vezes;
- Fezes endurecidas ou em cíbalos (tipos 1 e 2 da escala de Bristol) em mais de ¼ das
evacuações;
- Sensação de evacuação incompleta em mais de ¼ das evacuações;
- Sensação de obstrução anorretal em mais de ¼ das vezes;
- Necessidade de manobras manuais em mais de ¼ das evacuações;
- Menos de 3 movimentos intestinais espontâneos por semana;
2) Evacuações raramente ocorrem sem uso de laxativos.
Fonte: Farmer6

Os antagonistas de receptores opioides são: metilnaltrexona,


naloxona e alvimopan3-6.
A metilnaltrexona é um antagonista opioide que atua nos
receptores opioides periféricos; não atravessa a barreira hematoen-
cefálica, e não diminui o efeito analgésico dos opioides3-6. Sua
administração por via subcutânea rapidamente induz evacuação
em pacientes com doença avançada e constipação induzida por
opioides, na dose de 0,15 mg/kg5. O efeito adverso mais comum
relatado é dor abdominal6.
Já a naloxona é um antagonista terciário dos receptores de
opioides que reverte o efeito deste tanto em nível central como

204 : Desmistificando cuidados paliativos


periférico, podendo ocorrer efeitos secundários como síndrome de
abstinência e reversão completa da analgesia3-6.
O alvimopan é um antagonista receptor de opioide adminis-
trado via oral. Seu uso está aprovado especificamente para acelerar
a recuperação gastrointestinal após ressecção intestinal. O uso a
longo prazo é limitado, pois está associado ao risco cardiovascular5,6.
Alguns antagonistas de receptor de opioide periféricos estão
em desenvolvimento para tratamento de constipação induzida por
opioides, são eles: axelopran, naldemedine, linaclotide e prucalotide6.

Em pacientes em cuidados paliativos nos últimos dias de vida3:

Recordar que uma impactação fecal pode precipitar ou piorar


um delirium.

agressivas.

Obstrução intestinal maligna


Obstrução intestinal é definida como qualquer processo que
impeça o movimento do conteúdo intestinal, podendo ser uma
forma de apresentação de neoplasias malignas intra-abdominais ou
pélvicas; ou consequência de recidiva de doença após tratamento
oncológico7,8.

Um olhar multidisciplinar : 205


Fluxograma 1 Manejo de Constipação

Fonte: Elaborado pela autora1,3,6

IMPORTANTE
Obstrução intestinal maligna7
- Evidência clínica de obstrução intestinal (história, exame físico
e radiológico).
- Obstrução intestinal além do ligamento de Treitz (neoplasia
primária não curativa ou metastática).

A obstrução intestinal pode ser parcial ou completa, única ou


múltipla. O intestino delgado costuma estar mais envolvido do que
o cólon (61% e 33% dos casos, respectivamente). E pelo menos 3
fatores estão envolvidos na obstrução intestinal7,8:

1) Acúmulo de secreções gástricas, pancreáticas e biliar, que


estimulam aumento de outras secreções.

206 : Desmistificando cuidados paliativos


2) Redução da absorção de água e sódio do lúmen intestinal.
3) Aumento da secreção de água e sódio para luz intestinal
conforme ocorre piora da distensão abdominal.

pancreáticas, biliares e do trato gastrointestinal se acumulam acima


do ponto de obstrução. Assim, há aumento do volume de secreções
gástricas que acarretam distensão intestinal, levando a um ciclo
vicioso: secreção – distensão – secreção7,8. Dessa forma, a depleção
de água e sais na obstrução intestinal é o principal fator de toxicidade
desta condição clínica7 (Fluxograma 2).
Do ponto de vista metabólico, a desidratação, perda de
eletrólitos e disfunção da homeostasia com alteração do balanço
ácido-básico são fatores frequentemente associados à obstrução
intestinal7. O estado hipovolêmico também leva à insuficiência
renal secundária a desidratação, associada a reduzida taxa de filtração
glomerular, oligúria, azotemia e hemoconcentração. A sepse também
pode ocorrer no estágio final da obstrução intestinal, devido à trans-
locação bacteriana ou passagem de toxinas do conteúdo do lúmen
pelas paredes intestinais para os sistemas linfáticos e circulatórios8.
Em pacientes oncológicos, a compressão da luz intestinal
desenvolve-se lentamente e, frequentemente, permanece como
parcial, característica que permite a reversão da obstrução7,8. Os
sintomas iniciais são cólicas abdominais, náusea, vômitos e distensão
abdominal7,8 (Quadro 10).

Um olhar multidisciplinar : 207


Fluxograma 2 – Obstrução intestinal

Fonte: Adaptado de Ripamonti7,8

Quadro 10 Sintomas comuns em obstrução intestinal maligna


Sintoma Intensidade Observações
Vômitos Intermitente ou contínuo Vômito biliar: quase sem odor,
indica obstrução em região alta
do abdome.
Vômito fecaloide ou fétido
indica obstrução intestinal.
Náusea Intermitente ou contínua
Dor em cólica Intensidade e localização Dor intensa, em intervalos
variável devido proximidade ao curtos: obstrução ao nível de
ponto de obstrução jejuno-íleo.
Dor menos intensa com
intervalos maiores: obstrução em
cólon.
Dor intensa e com piora gradual:
sinal de perfuração.
Dor contínua Intensidade e localização Devido distensão abdominal e
variável do intestino.
Xerostomia Devido desidratação, alterações
metabólicas e uso de
medicamentos anticolinérgicos.
Constipação Intermitente (obstrução parcial)
ou completa
Diarreia paradoxal Resultado de liquefação das
fezes por bactérias.
Fonte: adaptado de Ripamonti7,8

208 : Desmistificando cuidados paliativos


Intervenções cirúrgicas paliativas como laparoscopia, endos-

intestinal maligna, e são consideradas quando os sintomas não são


resolvidos com suporte clínico em 24-48h (uso de sonda nasogástrica
para descompressão).

recusem cirurgias7.
Apesar de diagnóstico e localização da obstrução intestinal
serem sugeridos pela anamnese, exame físico e por radiografias (que
demonstram níveis hidroaéreos), outros exames de imagens podem
auxiliar na tomada de decisão, como tomografia computadorizada
ou ressonância magnética, desde que a decisão quanto a realização
do exame, ou de cirurgia paliativa, seja tomada com base na
proporcionalidade do caso e com adequação de conduta7,8.
A decisão quanto a realização de cirurgias deve levar em
consideração a individualidade e evolução da doença do paciente.
A performance status é o melhor preditor de taxas de complicação e
sobrevida. Fatores associados a resultados cirúrgicos negativos são
idade avançada, estado nutricional baixo, suporte social compro-
metido, presença de ascite e de outras comorbidades. Além disso,
devem ser considerados tipo de tumor, estadiamento da doença,
taxa de resposta ao tratamento oncológico modificador de doença7.
Quanto ao estado nutricional, o uso de nutrição parenteral
em obstrução intestinal maligna não é recomendado. Diretrizes da
ESPEN (European Society for Clinical Nutricion and Metabolism)
recomendam o uso de nutrição parenteral para pacientes que serão
submetidos a intervenções cirúrgicas e para pacientes oncológicos
que não serão submetidos a cirurgias7,8. Isto é:

Um olhar multidisciplinar : 209


- Em pacientes desnutridos (IMC <18.5-22kg/m2), que serão
submetidos a cirurgia, e não podem ser alimentados pela via enteral,
a ESPEN recomenda iniciar nutrição parenteral 7-10 dias antes do
procedimento cirúrgico para reduzir taxas de infecção e mortalidade
pós operatória, além de reduzir tempo de internação hospitalar, e
mortalidade pós operatória. Naqueles pacientes que não puderam
realizar nutrição parenteral antes da cirurgia, e foram submetidos
ao procedimento de emergência, também é recomendado o uso no
pós operatório por curto tempo7,8.
- Para pacientes com câncer avançado e estado nutricional
baixo, que não serão submetidos a cirurgia, a nutrição parenteral é
considerada ineficaz, caso o motivo pelo baixo estado nutricional
não seja tumor no trato gastrointestinal. A nutrição parenteral
não tem função de suplementar a dieta enquanto paciente está em
quimioterapia ou em radioterapia, esses pacientes devem receber
dieta oral ou enteral7,8.
Infelizmente, a caquexia é comum em pacientes com câncer
avançado e, normalmente, ocorre obstrução intestinal em pacientes
muito debilitados com caquexia refratária. Nesses casos, uma vez que
não há reversão do processo de caquexia, não estão recomendadas
intervenções para aumentar ingesta oral8.

Tratamento
O tratamento farmacológico da obstrução intestinal devido
a câncer avançado tem como objetivo o alívio de sintomas como
dor, vômitos, náusea7. O quadro 11 apresenta medicamentos e
doses recomendadas.

210 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 11 – Tratamento da obstrução intestinal maligna
Medicamento Efeito Dose
Analgésicos simples e Avaliar paciente e uso prévio
Controle de dor contínua
opioides de medicamentos
Medicamentos
anticolinérgicos:
Brometo de escopolamina 40-120mg/dia VO, SC ou EV
atuam na dor em cólica e
Glicopirolato 0,1-0,2mg 8/8h SC ou EV
reduzem secreção
gastrointestinal
Octreotide
Análogo da somatostatina:
*pode ser associado à 0,2-0,9mg/dia SC ou EV
reduz secreção gastrointestinal
escopolamina
Procinéticos:
Metoclopramida, recomendados apenas em
bromoprida, domperidona pacientes com obstrução
parcial e sem dor em cólica
Neuroléptico que atua como
Haloperidol 5-15mg/dia SC ou EV
antiemético
Neuroléptico que atua como
Clorpromazina 50-100mg/dia SC ou EV
antiemético
Anti-histamínico, atua como
Dimenidrinato 50-100mg/dia SC ou EV
antiemético
Fonte: elaborado pela autora7,8

Um olhar multidisciplinar : 211


Considerações Finais

prescrição de laxativos, pois a constipação é comum nesses


casos.

especificamente.

de exames e intervenções cirúrgicas devem ser tomadas com base


na proporcionalidade e adequação ao caso.
-
ticos devem ser utilizados para alívio dos sintomas na obstrução
intestinal maligna.

Área de treinamento

1) (IADES - SESDF, 2018)


Uma médica paliativista lotada em hospital oncológico foi
solicitada para ficar no pronto atendimento para atender pacientes
internados. O primeiro caso que viu juntamente com a residente
de clínica médica é o descrito a seguir:
“JPT, 63 anos, tem câncer de cólon em tratamento há 1 ano
e seis meses. Passou por laparotomia prévia para exérese de tumor,
apresentou margens comprometidas e fez quimioterapia. No momento,
encontra-se em tratamento paliativo exclusivo e compareceu ao
pronto-socorro com história de vômitos e dor abdominal intensa
tipo cólica”.

212 : Desmistificando cuidados paliativos


1.1) Com relação ao caso descrito, assinale a alternativa que
indica o diagnóstico e a terapêutica associada.
a) Intoxicação alimentar; soro de hidratação oral.
b) Obstrução intestinal maligna; sonda nasogástrica de alívio,
nutrição parenteral e cirurgia de urgência.
c) Intoxicação alimentar; acesso venoso, fase rápida com
salina, metoclopramida, dipirona.
d) Intoxicação alimentar; explicar ao paciente que ele já está
em cuidados paliativos, sonda nasogástrica, dipirona para
aliviar a dor e metoclopramida.
e) Obstrução intestinal maligna; sonda nasogástrica de alívio,
hidratação parenteral e tratamento clínico.

1.2) Após tratamento inicial do caso de JPT, o residente


pergunta à paliativista quais as próximas medidas a serem
tomadas. Assinale a alternativa que apresenta essas medidas.
a) Alta para casa com prescrição de soro de reidratação oral

b) Haloperidol ou clorpromazina para vômitos, escopolamina,


metilprednisolona e tratamento da dor conforme escala anal-
gésica da Organização Mundial de Saúde.
c) Colostomia acima do nível de obstrução e internação na UTI.
d) Reavaliação do nível de hidratação após término da fase
rápida, reavaliação das medicações que o paciente está utili-
zando e readequação para dar alta para casa.
e) Internação, pois paciente está nas últimas horas de vida.

Um olhar multidisciplinar : 213


2) Dona M. é uma paciente de 62 anos, portadora de câncer
de ovário com carcinomatose peritoneal, já sem possiblidade de
tratamento modificador de doença. Chega ao ambulatório em
cadeira de rodas e referindo dor abdominal intensa, difusa, que
atrapalha o sono. Evacuações diárias, sem esforço, e eliminação de

físico. Qual seria a melhor conduta para o caso em questão?


a) Internar a paciente e solicitar rotina de abdome agudo.
b) Pedir um parecer da Cirurgia Geral pensando em obstrução
intestinal maligna.
c) Iniciar dipirona ou paracetamol de horário e deixar codeína
de resgate.
d) Iniciar opioide e orientar dieta laxativa.
e) Iniciar opioide e laxativo oral conjuntamente, pois a consti-
pação intestinal é efeito esperado ao se utilizar opioide.

3) Dois meses depois, a paciente do caso 1, Dona M.,


encontra-se internada no pronto socorro, em fim de vida, e evoluiu
com obstrução intestinal maligna. Refere que não deseja passagem
de sonda nasogástrica, mas apresenta vômitos fecalóides refratários.
Seguindo os princípios dos Cuidados Paliativos, qual seria a melhor
conduta?
a) Passar a sonda nasogástrica mesmo assim, pois não é uma
opção da paciente, mas uma indicação técnica.
b) Proceder intubação orotraqueal para prevenir broncoaspiração.
c) Otimizar anti-eméticos, incluir haloperidol na prescrição
e respeitar o desejo da paciente de não passar a sonda. Liberar
dieta de conforto, caso ela deseje, mesmo sabendo que irá
vomitar após.

214 : Desmistificando cuidados paliativos


d) Solicitar parecer da Cirurgia Geral para confecção de colos-
tomia de urgência.
e) Deixar a paciente para ser avaliada por último, uma vez
que ela irá morrer de qualquer maneira, independente da
passagem de sonda.

1) Larkin, PJ et al. Diagnosis, assessment and management of cons-


tipation in advanced cancer: ESMO Clinical Practice Guidelines.
Annals of Oncology 29 (Supplement 4): iv94–iv108, 2018
2) Sykes NP. Constipation and diarrhoea. In: : Cherny NI, Fallon
MT, Kaasa S, Portenoy RK, Currow DC (Ed). Oxford Textbook
of Palliative Medicine. 5a ed. Oxford University Press; 2015. p.676
– 685
3) Associação Brasileira de Cuidados Paliativos. Consenso Brasileiro
de Constipação Intestinal Induzida por Opioides. Revista Brasileira
de Cuidados Paliativos. 2009; 2 (3 Suppl 1). 35p.
4) Thomas JR. Constipation and Diarrhea. In: Bruera, et al. Text-
book of Palliative Medicine, 2nd edition. 2015.p.557-568
5) Hatanaka VMA. Obstipação e diarreia. In: : Carvalho RT, Par-
sons HA (Org.). Manual de Cuidados Paliativos ANCP - Ampliado
e Atualizado. 2. ed. Academia Nacional de Cuidados Paliativos;
2012. p.176-183
6) Farmer AD et al. Pathophysiology, diagnosis, and management
of opioid-induced constipation. Lancet Gastroenterol Hepatol.
2018; 3: 203–12
7) Ripamonti CI, Easson AM, Gerdes H. Malignant Bowel obs-
truction. In: Bruera, et al. Textbook of Palliative Medicine, 2nd
edition. 2015.p.587-601

Um olhar multidisciplinar : 215


8) Ripamonti CI, Easson AM, Gerdes H. Bowel obstruction. In:
Cherny NI, Fallon MT, Kaasa S, Portenoy RK, Currow DC (Ed).
Oxford Textbook of Palliative Medicine. 5a ed. Oxford University
Press; 2015. p.919-929

1.1) e
1.2) b
2) e
3) c

216 : Desmistificando cuidados paliativos


12
DIArreIA

“Ninguém é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho


ímpar.”
(Carlos Drummond de Andrade)
Cristiane de Almeida Cordeiro

Introdução
A diarreia é um sintoma frequente em cuidados paliativos,
em que a qualidade de vida e o controle adequado dos sintomas é
prioridade¹. Apesar de frequente, a diarreia é menos comum do que
a constipação em pacientes com doença avançada, exceção feita aos
pacientes com AIDS em que 27% reportam ter diarreia². Menos
de 10% dos pacientes com câncer admitidos no hospital ou em
unidades de cuidados paliativos têm diarreia³.
Apesar disso, a diarreia pode ser extremamente debilitante,
especialmente nos pacientes com doença avançada. Além da perda

podem ocorrer privações no dia-a-dia do paciente, como ansiedade


ocasionada pela sujidade da incontinência fecal. Também são
frequentes alterações de humor e isolamento social3.

Um olhar multidisciplinar : 217


Causas
A diarreia pode ser classificada em aguda ou crônica (mais de
4 semanas). Tal classificação enfatiza a probabilidade de etiologia
infecciosa para condições agudas; enquanto, na diarreia crônica,
é menos provável que exista alguma causa infecciosa e, portanto,
outras causas devem ser consideradas4.

IMPORTANTE
A causa mais comum de diarreia em pacientes com doença
avançada é o uso de laxativos. A simples educação sobre o uso
de laxantes pode resolver o problema3.

Entre pacientes idosos com doença não-oncológica admitidos


no hospital, a constipação por e consequente
é responsável por metade dos casos
de diarreia².
Outras causas de diarreia em pacientes com doença avançada
incluem3,4:
-
ácidos, metformina, acarbose, sorbitol e quimioterapia (em

enterite por radiação;

intestinal, diabetes mellitus, HIV, hipertireoidismo, doença


celíaca, amiloidose, síndrome do intestino irritável, colite
microscópica, infecções gastrointestinais como giardíase e as
causadas por Clostridium difficile;

218 : Desmistificando cuidados paliativos


e fístulas;

gerando insuficiência pancreática, gastrectomia, ressecção


ileal, colectomia (ocasionando síndrome do intestino curto
e diarreia ácida biliar);

r bloqueio de plexo celíaco, apesar de ser uma


causa incomum5.

Manejo

Os princípios do manejo englobam diagnóstico acurado e


tratamento do fator específico desencadeante da diarreia crônica,
quando possível. Tanto a desidratação quanto os distúrbios hidroele-
trolíticos graves são incomuns em pacientes com diarreia crônica.
Porém, quando eles ocorrem, devem ser imediatamente tratados
com terapia de reidratação4.
São exemplos de tratamentos específicos: budesonida para
colite microscópica ou “sequestrador” de ácido biliar (resina ligadora
de ácido biliar). Para diarreia induzida por Síndrome Carcinoide,
ciproeptadina pode ser uma opção. Para diarreia induzida por
radioterapia e diarreia cologênica, colestiramina. Para Síndrome
de Zollinger-Ellison e Síndrome Disabsortiva, ranitidina ou outros
antagonistas H2, sendo pancreatina utilizada em casos de disabsorção
por insuficiência pancreática3.
Pacientes com Síndrome de Supercrescimento Bacteriano
comprovada se beneficiam de antibioticoterapia crônica intermitente.
A rifaximina é o tratamento de escolha, mas seu uso é limitado
pelo alto custo e não está disponível no Brasil. Alternativas são
4
.

Um olhar multidisciplinar : 219


Como muitas vezes não se reconhece o agente causal da
diarreia crônica ou sua origem é multifatorial, é importante reduzir
os sintomas com terapias empíricas, não específicas, que abrangem
tanto os componentes secretórios como os motores.

Glossário
Terapia empírica: tratamento feito com base nos sintomas, sem
que a doença seja comprovada por meio de exames laboratoriais.

Os são seguros e considerados fundamentais no


tratamento sintomático da diarreia. Entretanto, doses altas de
loperamida podem induzir arritmias cardíacas e morte. A codeína
pode causar sintomas centrais como sedação ou tontura, mas esses
efeitos são raros quando se utiliza loperamida3.
A clonidina pode ser indicada no manejo da diarreia asso-
ciada à neuropatia autonômica diabética, porém causa hipotensão
ortostática, o que limita seu uso. Carbonato de cálcio e agentes que
atuam dentro do lúmen intestinal absorvendo água para formar uma
massa gelatinosa (fibra ou pectina) podem ser úteis em pacientes com
diarreia de pequena monta. Em alguns casos, é necessário associar
medicações com diferentes mecanismos de ação3.
Lesões retais ou pélvicas obstrutivas podem ser manejadas
com radioterapia, quimioterapia, cirurgia ou, em casos de lesões
retais, laserterapia. Em caso de fístulas, a cirurgia paliativa pode
ser uma opção3.
Um tratamento alternativo ou adjuvante para a diarreia
multifatorial é o uso de carvão ativado administrado em comprimidos
de 262mg. Apesar da evidência limitada, possui poucos efeitos
adversos e, portanto, pode ser terapia sintomática adequada nos

220 : Desmistificando cuidados paliativos


casos refratários¹. Raramente, uma diarreia intratável ou refratária
requer infusão de octreotide; sendo uma indicação frequente a
diarreia de grande volume em casos de ostomia3.

Quadro 1. Medicamentos utilizados no tratamento da diarreia crônica

Classe do medicamento Agente Dose


Opioide (receptor seletivo µ)
Difenoxilato 2,5 a 5mg via oral 6/6h
Loperamida 2 a 4mg via oral 6/6h
Codeína 15 a 60mg via oral 6/6h
Tintura de ópio 2 a 20 gotas via oral 6/6h
Morfina 2 a 20mg via oral 6/6h
100mg via oral 12/12h (agonista µ e
, indicado na síndrome do
Eluxadoline* intestino irritável)

0,1 a 0,3mg via oral 8/8h ou adesivo


Clonidina transdérmico semanal
Análogo da somatostatina
Octreotide 50 a 250 µg via subcutânea 8/8h
Resina de ligação de ácido biliar
Colestiramina 4g/dia via oral, divididos em até 4 doses
Colestipol* 4g/dia via oral, divididos em até 4 doses
Colesevelam* 1875mg via oral até 12/12h
Suplementos de fibras
Psyllium 10 a 20g via oral diariamente
Pectina-fibra solúvel 2 cápsulas via oral antes das refeições
Cálcio
Carbonato de cálcio 1000mg via oral 12/12h ou 8/8h
Antagonistas do receptor de
serotonina 5-HT3
Ondansentrona 2 a 8mg via oral 12/12h
Alosetrona 0,5 a 1mg via oral 12/12h
*Medicações ainda indisponíveis no Brasil.
Fonte: adaptado de Camilleri, Sellin, Barrett4

Um olhar multidisciplinar : 221


Nos últimos anos, vem crescendo o interesse no uso de
probióticos para o manejo da diarreia. Lactobacillus spp. são os
mais comumente usados. Há evidência de que os probióticos
podem ser efetivos na diarreia infecciosa em adultos6 e no manejo
da intolerância a lactose7.

Considerações Finais

pacientes idosos ou com várias morbidades, trazendo diversas


consequências biopsicossociais.

nos pacientes em cuidados paliativos, a diarreia é um desafio


diagnóstico e terapêutico por suas diversas etiologias.

etiológico da diarreia podem ser difíceis ou não estarem dispo-


níveis, levando à necessidade de terapia empírica sintomática.

Área de Treinamento

Caso 1 - Sra. ABC é uma paciente de 71 anos de idade,


com um histórico de síndrome do intestino irritável de longa data,
transtorno afetivo bipolar, osteoporose, deficiência de vitamina B12,
anemia e demência leve. No momento, ela reside numa instituição
de longa permanência e é acamada. Suas medicações incluem ácido
valpróico, gabapentina, vitamina B12 e quetiapina, com bom
controle tanto do transtorno bipolar quanto da osteoartrite e da
anemia. Porém, seu hábito intestinal permanece com uma frequência
de 5 a 6 evacuações líquidas ao dia, o que a incomoda bastante.

222 : Desmistificando cuidados paliativos


1) Considerando o caso 1, qual medicação poderia ajudar no
melhor controle da diarreia e em qual dose?
a) Loperamida na dose de 2 a 4mg até 6/6h.
b) Carvão ativado na dose de 262mg até 8/8h.

d) Metronidazol na dose de 400mg de 8/8h.

2) Supondo que a paciente do caso 1 também fosse portadora


de neoplasia de mama e se apresentasse com dor oncológica (EVA
8) não tratada, qual medicação você preferiria?
a) Tintura de ópio na dose de 2 a 20 gotas via oral 6/6h,
o que atuará tanto na diarreia como na dor oncológica. É
uma medicação que atua rapidamente por ser em gotas e de
fácil manuseio com um sabor agradável, o que facilita a sua
administração.
b) Loperamida na dose de 2 a 4mg até 6/6h, pois esse medica-
mento é mais efetivo no tratamento da diarreia do que outras
medicações. Nesse caso, pode-se associar dipirona 1g de 4/4h
para tratar de forma eficaz a dor oncológica.
c) Codeína ou morfina para alívio sintomático tanto da
diarreia como da dor. A codeína poderia ser administrada na
dose de 15 a 60mg de 6/6h e a morfina de 2 a 20mg de 6/6h
(posologia específica para diarreia) ou de 4/4h, para melhor
controle também da dor.
d) Octreotide na dose de 50 a 250µg 8/8h, pois é a medicação
mais indicada para tratar diarreia refratária nos pacientes com
câncer. Nesse caso, pode-se associar dipirona 1g de 4/4h para
tratar de forma eficaz a dor oncológica.

Um olhar multidisciplinar : 223


Caso 2 - Sr. DEF tem 98 anos, é católico e viúvo. Reside
com a filha, o genro e dois netos. Tem histórico de gastrite, câncer
pancreático removido cirurgicamente, depressão (após falecimento
da esposa), anemia e osteoartrose. Faz uso contínuo de pantoprazol,
probióticos, duloxetina, sulfato ferroso e buprenorfina. Desde a
cirurgia para remoção do câncer há 7 anos, apresenta, em média,
de 4 a 6 evacuações diarreicas líquidas por dia.
Sr. DEF fica satisfeito em frequentar, diariamente, uma insti-
tuição para idosos, onde participa de diversas atividades. Apresenta,
porém, mudanças de humor bastante desafiadoras, correlacionadas
com seu hábito intestinal. Recentemente, o desconforto abdominal
e a diarreia estão restringindo o convívio social do paciente e sua
participação nas atividades que gosta. Além disso, teve quedas da
própria altura ao se levantar, por hipotensão ortostática secundária
a desidratação provocada pela diarreia.
Há 1 mês, teve pneumonia e fez uso de cefuroxima e azitro-
micina por 7 dias, com boa resposta terapêutica. Vem à consulta
de rotina hoje para reavaliação. Encontra-se extremamente irritado,
alegando que houve piora na frequência e na intensidade da diarreia
(atualmente líquida, com muco e sangue). Não observou melhora
com loperamida, introduzida há alguns dias.

3) Qual a causa mais provável para a piora do quadro diarreico


do Sr. DEF, descrito no caso 2? Há algum exame que possa esclarecer
o caso?
a) Diarreia por Clostridium difficile. Pesquisa de toxinas A e
B de Clostridium difficile ou pesquisa de DNA de Clostridium
nas fezes.
b) Diarreia por protoparasita. Sorologia para giárdia e
coprocultura, além de proto-parasitológico de fezes.

224 : Desmistificando cuidados paliativos


c) Diarreia por má adesão terapêutica. O diagnóstico é clínico
não havendo nenhuma necessidade de solicitação de exames
complementares.
d) Diarreia pelo uso abusivo de laxativos. Não há nenhum
exame específico que diagnostique tal situação.

4) Considerando a hipótese diagnóstica aventada na questão


3, qual seria o tratamento mais indicado?
a) Metronidazol 250mg via oral 6/6h por 14 dias.
b) Nenhuma medicação. Entender que a má adesão está ligada
a provável declínio cognitivo do paciente.
c) Colestiramina na dose de 4g via oral diariamente ou até
6/6h.
d) Metronidazol 500mg 8/8h ou vancomicina 125mg via
oral 6/6h por 10 dias.

1 – Senderovich H, Vierhout MJ. Is there a role for charcoal


in palliative diarrhea management? Curr Med Res Opin. 2018
Jul;34(7):1253-1259.
2 – Rolston KV, Rodriguez S, Hernandez M, Bodey GP. Diarrhea
in patients infected with the human immunodeficiency vírus. Am
J Med. 1989 Jan;86(1):137-8.
3 – Fallon M, O`Neill B. ABC of palliative care. Constipation and
diarrhea. BMJ. 1997 Nov 15; 315(7118):1293-1296.
4 – Camilleri M, Sellin JH, Barrett KE. Pahophysiology, Evaluation,
and Management of Chronic Watery Diarrhea. Gastroenterology.
2017 Feb; 152(3):515-532.e2

Um olhar multidisciplinar : 225


5 – Dean AP, Reed WD. Diarrhoea--an unrecognised hazard of
coeliac plexus block. Aust N Z J Med. 1991 Feb;21(1):47-8.
6 – Hickson M. Probiotics in the prevention of antibiotic-associated
diarrhea and Clostridium difficile infection. Therap Adv Gastroenterol.
2011 May;4(3):185-97.
7 – Noble S, Rawlinson F, Byrne A. Acquired lactose intolerance:
a seldom considered cause of diarrhea in the palliative care setting.
J Pain Symptom Manage. 2002 Jun;23(6):449-50.

1. a
2. c
3. a
4. d

226 : Desmistificando cuidados paliativos


13
DELIRIUM

“É o sentimento que torna pessoas, coisas e situações importantes


para nós. Esse sentimento profundo, se chama cuidado. Somente aquilo
que passou por uma emoção, que evocou um sentimento profundo e
provocou cuidado em nós, deixa marcas indeléveis e permanece
definitivamente.”
(Leonardo Boff)
Melissa Gebrim Ribeiro
Alexandra Mendes Barreto Arantes

O delirium consiste em uma alteração do nível de consciência

de déficit de atenção e alteração da cognição, como déficit de memória


ou desorientação1.
A prevalência do delirium é alta, chegando a estar presente em
25% a 84% dos pacientes com AIDS e câncer avançado, particu-
larmente nas últimas semanas de vida. Nos pacientes com câncer
avançado e em fim de vida, a prevalência chega a 88%2,3. Em admissões
em unidades de cuidados paliativos, 20% a 42% dos pacientes
apresentam delirium, e a incidência do distúrbio após a admissão
nessas unidades varia entre 32% e 45%2.
Quanto à fisiopatologia, ainda há pouco conhecimento sobre
a neuropatogênese do delirium, mas seus sintomas sugerem que
esta síndrome seja resultado de uma disfunção de múltiplas regiões
cerebrais. Portanto, o delirium pode ser considerado como desordem

Um olhar multidisciplinar : 227


global e inespecífica da função cerebral, que implica em disfunção
generalizada no metabolismo cerebral (hipóxia, hipotermia, hipogli-
cemia e outras alterações metabólicas), ou como patologia cerebral
mais específica e limitada, inicialmente causada pelo desarranjo
de um neurotransmissor específico ou par de neurotransmissores.
Exemplos: medicações anticolinérgicas produzem delirium através
da supressão dos sistemas colinérgicos; encefalopatia hepática e
intoxicação benzodiazepínica podem produzir delirium através da
hiperestimulação do sistema GABA2.

Clinicamente, o delirium se apresenta como resultado da


combinação de fatores predisponentes (condições já existentes em
um paciente, que aumentam sua suscetibilidade ao delirium) e
precipitantes (fatores responsáveis por ativar um episódio específico
de delirium)2,3. Portanto, essa síndrome possui causas multifatoriais,
principalmente em idosos2. Os quadros a seguir apresentam fatores
predisponentes e precipitantes.

Quadro 1- Fatores predisponentes de delirium


Déficit cognitivo pré-existente /demência
Episódio prévio de delirium
Múltiplas comorbidades
Idade maior que 65 anos
Sexo masculino
Doenças crônicas
Desidratação
Desnutrição
Depressão
Déficits sensoriais
Fonte: Lôbo, da Silva Filho, Lima, Ferriolli, Moriguti 4

228 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 2 - Fatores precipitantes de delirium
Medicações
Procedimentos médicos / cirúrgicos
Doenças agudas: por exemplo, infecções, IAM, AVC
Imobilização prolongada
Uso de dispositivos como sondas (SNE, SVD)
Restrição física
Desidratação
Desnutrição
Iatrogenia
Distúrbios metabólicos e/ou hidroeletrolíticos
Mudanças de ambiente
Abuso ou abstinência de substâncias
Privação de sono prolongada
*IAM = infarto agudo do miocárdio; AVC = acidente vascular cerebral;
SNE = sonda nasoentérica; SVD = sonda vesical de demora
Fonte: Lôbo, da Silva Filho, Lima, Ferriolli, Moriguti4

Os achados clínicos do delirium incluem agitação, ansiedade,

alterada, disfunção de memória, desorientação, atividade psico-


motora aumentada ou diminuída, labilidade emocional (tristeza,
raiva, euforia), ilusões, alucinações, pensamento desorganizado e
fala incoerente2.
O delirium pode ser classificado em 3 três subtipos: -
. O subtipo hiperativo, ou agitado, ou
hiperalerta pode apresentar sintomas como hiperatividade, ilusões
e alucinações; tendo um metabolismo cerebral normal ou elevado,
eletroencefalograma (EEG) mostrando ondas rápidas ou normais
e reduzida atividade do sistema GABA. Exemplo do subtipo

Um olhar multidisciplinar : 229


hiperativo são as síndromes de abstinência de benzodiazepínicos
ou alcoólica. Já o subtipo hipoativo, ou hipoalerta, ou letárgico
pode apresentar sonolência, rebaixamento do nível de consciência
e bradicinesia. Assim como diminuição global da atividade cerebral,
diminuição difusa no EEG e hiperestimulação do sistema GABA,
tendo como exemplo as encefalopatias hepáticas ou metabólicas2.

IMPORTANTE
O delirium ainda é subdiagnosticado por médicos e enfermeiros.
O subtipo hipoativo é mais frequente em pacientes com câncer,
contudo também é comumente não diagnosticado por equipes
de oncologia3.

O diagnóstico deste distúrbio neuropsiquiátrico inclui


avaliação da presença de causa (s) potencialmente reversível (s),
portanto devem ser realizados história clínica e exame físico
completos, revisão das medicações e busca por fatores de risco pre-
disponentes. Os exames laboratoriais e de imagem são importantes
para avaliação de distúrbios hidroeletrolíticos, infecções, presença
de doença aguda ou progressão de doença crônica. Essa avaliação
diagnóstica está inclusa nos critérios diagnósticos para Delirium
exigidos pelo DSM –V5. O maior objetivo da avaliação clínica do
delirium é identificar pacientes através do uso de questionários de
screening como CAM (Confusion Assessment Method)2.

230 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 3 - Critérios diagnósticos para Delirium – DSM – IV
A) Distúrbio da consciência (diminuição da percepção do ambiente) com diminuição na
capacidade para focalizar, manter ou mudar a atenção.
B) Uma alteração na cognição (tal como deficiência de memória, desorientação ou distúrbio de
linguagem) ou o desenvolvimento de um distúrbio da percepção que não possa ser atribuído
a demência preexistente, estabelecida ou em evolução.
C) O distúrbio desenvolve-se em curto espaço de tempo (usualmente horas a dias) e tende a
apresentar curso flutuante durante o dia.
D) Há evidência na história, exame físico ou exames laboratoriais de que o distúrbio seja
causado pelas consequências fisiológicas diretas de uma condição clínica geral qualquer.
Fonte: Lôbo, da Silva Filho, Lima, Ferriolli, Moriguti4

Quadro 4 - CAM (Confusion Assessment Method) – Método de Avaliação de


Confusão Mental
1) Início agudo

Há evidência de uma mudança aguda do estado mental de base do paciente? ( )


Distúrbio de atenção
2.a) O paciente teve dificuldade em focalizar sua atenção, por exemplo, distraiu-se facilmente ou teve
dificuldade em acompanhar o que estava sendo dito?
Ausente em todo o momento da entrevista ( )
Presente em algum momento da entrevista ( )
Presente em algum momento da entrevista, porém leve ( )
Presente em algum momento da entrevista, de forma marcante ( )
Incerto ( )
2.b) Se presente ou anormal, este comportamento variou durante a entrevista, isto é, tendeu a surgir e
desaparecer ou aumentar e diminuir de gravidade?
Sim ( )
Não ( )
Incerto ( )
Não aplicável ( )
3) Pensamento desorganizado
O pensamento do paciente era desorganizado ou incoerente, com a conversação dispersiva ou
irrelevante, fluxo de ideias pouco claro ou ilógico, ou mudança imprevisível de assunto? ( )
4) Alteração do nível de consciência
Em geral, como você classificaria o nível de consciência do paciente?
Alerta ( )
Vigilante ( )
Letárgico ( )
Estupor ( )
Coma ( )
Incerto ( )
*O diagnóstico de delirium requer a presença dos critérios 1 e 2 mais critério 3 ou 4

Fonte: Lôbo, da Silva Filho, Lima, Ferriolli, Moriguti4

Um olhar multidisciplinar : 231


O delirium está associado ao declínio funcional, assim como a
maiores taxas de readmissão nos pacientes com demência subjacente.
Naqueles pacientes admitidos em Unidades de Cuidados Paliativos,
manifestações mais graves são associadas a performances mais
baixas, sintomas muito desconfortáveis não controlados e maior
permanência hospitalar.3
Os diagnósticos diferenciais do delirium incluem outras
desordens psiquiátricas como depressão, mania, psicose e demência2.
O delirium hipoativo é muito confundido com depressão.2

Quadro 5 - Diagnósticos diferenciais de delirium


Demência Depressão Esquizofrenia Delirium
Início Insidioso Subagudo Subagudo Agudo
Curso 24h Estável Estável Estável Flutuante
Consciência Vigil Vigil Vigil Alterado
Orientação Alterada Intacta Intacta Alterada
Memória Deteriorada Conservada Conservada Deteriorada
Atenção Déficit parcial Déficit parcial Déficit parcial Déficit grave
Alucinações Baixa Baixa Frequente Frequente
frequência frequência
Fonte: Gonzalez; De Pablo, Valdes8

Tratamento
O tratamento do delirium se divide em intervenções não
farmacológicas e farmacológicas. A primeira trata-se de prevenir que
o paciente desenvolva essa síndrome. Dentre as ações não farmaco-
lógicas, inclui-se manter calendários, relógio e fotos de familiares
de forma visível para o paciente; não mudá-lo de leito; evitar inter-
venções que limitem a mobilidade, como acessos venosos; manter
o quarto iluminado durante o dia, mas com pouca iluminação e
em silêncio durante a noite; evitar uso de múltiplas medicações,
principalmente aquelas que precipitem o delirium; retirar drogas

232 : Desmistificando cuidados paliativos


que causem abstinência lentamente; manter uso de lentes corretivas
e aparelhos auditivos durante internação2,3.
As intervenções farmacológicas são utilizadas para reduzir
estresse, desconforto e comportamento de risco perigoso para o
próprio paciente e/ou para acompanhantes. As medicações não
tratam o delirium, devendo ser utilizadas para reduzir agitação
impactante do paciente. Nos cuidados paliativos há poucos estudos
com medicações para contenção química, e devem ser monitorados
seus efeitos adversos2,6.
Os antipsicóticos típicos e atípicos são utilizados como
intervenção farmacológica no delirium. Revisões sistemáticas de
estudos comparando antipsicóticos típicos e atípicos demonstraram
que ambas classes são seguras, sem diferenças significativas entre os
medicamentos.7
O haloperidol, antipsicótico típico, pode ser utilizado
na dosagem de 1 a 2 mg até de 4/4h por Via Oral (VO), porém
em idosos a dosagem recomendada é menor: 0,25 a 0,5 mg até
de 4/4h VO, para controle da agitação impactante. Esse medica-
mento também pode ser administrado pelas vias intravenosa (IV),
intramuscular (IM) e subcutânea (SC), mas não deve exceder 24
mg em 24 horas. Doses maiores que 4,5 mg acarretam maior risco
de sintomas extrapiramidais (acatisia, discinesia tardia, distonia,
parkinsonismo). Outro antipsicótico típico, utilizado como alter-
nativa ao haloperidol, é a clorpromazina, que possui efeito mais
sedativo e anticolinérgico. É usada na dosagem de 12,5 a 50 mg a
cada 4 a 8 horas por VO, SC, IV, IM e via retal (VR)2,6. Os antipsi-
cóticos administrados por via endovenosa estão mais relacionados
a alterações eletrocardiográficas, como prolongamento do QT.
Portanto, dependendo do caso, deve-se monitorar o paciente com
eletrocardiograma (ECG) (a monitorização eletrocardiográfica deve
ser proporcional ao quadro clínico e prognóstico do paciente)2,5

Um olhar multidisciplinar : 233


Antipsicóticos atípicos também podem ser utilizados na
intervenção farmacológica. A olanzapina está relacionada com maior
sedação e pode ser utilizada na dosagem 2,5 a 20 mg a cada 12 a 24
horas por VO. A risperidona possui hipotensão ortostática como
efeito adverso e sintomas extrapiramidais se utilizada em dose maior
que 6 mg por dia. A dose recomendada é de 0,5 a 3 mg a cada 12
a 24 horas por VO. A quetiapina possui hipotensão ortostática e
sedação como efeitos adversos e pode ser utilizada na dose 12,5 a
200 mg a 12 a 24 horas por VO2,6.
Os delirium,
pois aumentam a frequência e pioram os sintomas desse distúrbio.
Contudo, em casos de abstinência alcoólica, o lorazepam pode ser
utilizado em associação ao haloperidol. Outra exceção ocorre nos
casos em que a sedação do paciente é desejada2,6.
A dexmedetomidina é um agonista alfa adrenérgico, utilizado
principalmente em pós operatórios em Unidades de Terapia Intensiva
(UTI’s) devido ao efeito analgésico e associação com menor tempo
de uso de ventilação mecânica (VM). Tem sido utilizada como inter-
venção em delirium em UTI’s, porém não há estudos exclusivos e com
amostragem suficiente que demonstre seu benefício no delirium. Os
estudos existentes ocorreram para comparar seu uso com fentanil
e midazolam ou tempo de necessidade de VM pelos pacientes,
mas foram observados bom controle do delirium nos pacientes
que apresentaram esse distúrbio durante os estudos. Quanto aos
pacientes em cuidados paliativos, não há estudos utilizando esse
medicamento como intervenção farmacológica para delirium2,6,9,10.

Delirium terminal
O delirium pode ser causado por fatores potencialmente
reversíveis, portanto mesmo em doença avançada, os fatores
causais devem ser pesquisados para que se possa reverter o distúrbio

234 : Desmistificando cuidados paliativos


Porém, o delirium

2
.
O delirium terminal é estressante e confuso para familiares
e pacientes3,6. Após revisão sistemática de causas reversíveis e utili-
zação de medicamentos preconizados, naqueles casos em que não
há controle dos sintomas com uso das medicações, pode ser utili-
zada a sedação paliativa. Nesse contexto, é importante explicar aos
familiares que a sedação paliativa não apressa a morte. Nos casos de
sedação paliativa, os familiares podem sofrer luto antecipatório. Para
reduzir esse sofrimento, a família e o paciente (se lúcido) devem ser
incluídos na tomada de decisão da sedação. Conversar com o paciente
nos momentos de lucidez é importante para questionar sobre suas
preocupações, honrar seus desejos e valores e prover conforto. Todas
as medidas são utilizadas com o intuito de preservar a dignidade
e valores individuais do paciente, portanto a comunicação com a
família, paciente e equipe de saúde sobre os objetivos do cuidado
são indispensáveis6.
Em síntese, o delirium possui causas multifatoriais, contribui
para estresse e desconforto do próprio paciente, família e equipe
de saúde; devendo ser reconhecido e propriamente tratado com
abordagem interdisciplinar. O objetivo do tratamento é melhorar
a qualidade de vida11.

Um olhar multidisciplinar : 235


Fluxograma 1- Fatores causadores de delirium potencialmente reversíveis

Fonte: Bush SH et al3

Fluxograma 2 - Tratamento do Delirium

Fonte: Bush et al12

236 : Desmistificando cuidados paliativos


Considerações Finais
Delirium possui causas multifatoriais, acarreta desconforto ao
paciente, familiares e equipe de saúde.

devem ser identificadas.


-
cológico, deve ser instituído.

do delirium.

Área de treinamento

1) OFL, masculino, 68 anos, portador de carcinoma renal de


células claras, comparece ao pronto-socorro acompanhado de fami-
liares que relatam sonolência, fadiga, astenia, queda do estado geral
e desorientação há 4 dias. Paciente faz uso de quimioterapia oral em
casa, não teve febre, deambula, consegue realizar autocuidado com
assistência ocasional. Próxima consulta com oncologista ocorrerá em
20 dias. O paciente não consegue prestar atenção no examinador,
nem responde adequadamente aos comandos, além de apresentar
sonolência importante. Qual a melhor conduta a ser tomada?

a) Hidratar paciente e encaminhar ao oncologista, pois


paciente deve ter progressão de doença.
b) Acolher familiares e orientá-los quanto ao fim de vida do
paciente, questionar se gostariam que o paciente fosse inter-
nado para promover melhor conforto.

Um olhar multidisciplinar : 237


c) Solicitar exames laboratoriais, avaliar possibilidade de
infecção, desidratação, presença de distúrbios hidroeletro-
líticos como hipercalcemia (comum em carcinoma renal),
fatores que possam causar delirium e tratar apropriadamente
a respectiva causa.
d) Encaminhar o paciente à UTI devido rebaixamento do nível
de consciência abrupto, uma vez que pode ter emergência
oncológica como lise tumoral.

2) HL, feminina, 76 anos, portadora de ICC, DPOC, faz


uso de oxigenioterapia domiciliar. Familiar solicita visita médica em
posto de saúde (Unidade de Saúde da Família), pois a paciente, que
passava maior parte do tempo sentada, necessitando de assistência
quase completa para o auto-cuidado, evoluiu com desorientação,
alucinação e permanece a maior parte do tempo deitada, mas inter-
cala períodos de muita sonolência com agitação. Apresentou queda
da cama na última noite e agrediu a filha naquele momento. Qual
conduta NÃO está adequada?

a) Avaliar paciente, procurar por descompensação da ICC ou


DPOC e tratar causa subjacente.
b) Questionar familiares sobre ingesta de água, constipação
intestinal, e tratar tais sintomas que são os fatores mais
comuns causadores de delirium em idoso.
c) Encaminhar paciente para internação hospitalar, pois ela
oferece riscos a si própria e a familiares, necessitando de
contenção mecânica e supervisão de equipe de saúde.
d) Solicitar exames laboratoriais, incluindo EAS, pois infecções
e distúrbio hidroeletrolítico são causas de delirium em idoso.
Tratar causa reversível e administrar haloperidol em dose
baixa, se agitação.

238 : Desmistificando cuidados paliativos


3) BSR, masculino, 77 anos, portador de demência avançada,
internado por pneumonia broncoaspirativa em emergência hospi-
talar. Está em uso de SNE e SVD desde o momento da internação.
Paciente apresenta-se contido mecanicamente no leito, agitado e
gemente. Os familiares solicitam que paciente seja desamarrado,
mas equipe de plantão relata que não podem vigiá-lo e não têm
tempo para repassar as sondas que ele pode arrancar.
Qual deveria ser a melhor conduta da equipe?
a) Iniciar antipsicótico para conter quimicamente o paciente,
ao invés de realizar contenção mecânica, enquanto se trata
a pneumonia. Explicar aos familiares que tanto a infecção
como a própria demência são fatores que causam o delirium,
e existem maneiras de promover maior conforto e cuidado ao
paciente. Otimizar analgesia, e explicar uso de tais medicações
em casa, para quando paciente tiver alta.
b) Solicitar permanência integral do familiar ao lado do pa-
ciente para que a contenção seja solta.
c) Orientar uso de antibiótico por SNE, explicar manejo
da sonda, assim como manipulação da dieta aos familiares
e dar alta ao paciente, já que a família não está gostando do
tratamento recebido.
d) Iniciar benzodiazepínicos para que paciente fique mais
sedado.

1) Azevedo D. Delirium. In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.).


Manual de Cuidados Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2.
ed. Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p. 184-190
2) Santos, FS. Delirium em Cuidados Paliativos. In: Santos, FS.
Cuidados Paliativos: diretrizes, humanização e alívio de sintomas.
Editora Atheneu – São Paulo. 2011. P.427-441

Um olhar multidisciplinar : 239


3) Bush SH et al. Delirium in adult cancer patients: ESMO clinical
Practice Guidelines. Annals of oncology. Volume 29, Outubro
2018; iv 143 – iv 165.
4) Lôbo RR, da Silva Filho SRB, Lima NKC, Ferriolli E, Moriguti
JC. Delirium. Medicina (Ribeirão Preto) 2010;43(3): 249-57
5) Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth
Edition. 2013: American Psychiatric Association.
6) Agar M, Alici Y, Breitbart W. Delirium. In: Cherny NI, Fallon
MT, Kaasa S, Portenoy RK, Currow DC (Ed). Oxford Textbook of
Palliative Medicine. 5a ed. Oxford University Press; 2015. p.1092-
1100
7) Cerveira CCT, Pupo CC, Dos Santos SS, Santos JEM.
Delirium in the elderly: A systematic review of pharmacological
and non-pharmacological treatments. Dement Neuropsychol.
2017;11(3):270-275
8) Gonzalez TM; De Pablo RJ, Valdes MM. Delirium: la confusión
de los clínicos. Rev. méd. Chile[online]. 2003, vol.131, n.9, pp.
1051-1060. ISSN 0034-9887.
9) Reade, MC. Effect of dexmedetomidine added to standard care
on ventilator-free time in pacients with agitated delirium. JAMA.
2016;315(14):1460-1468. doi:10.1001/jama.2016.2707. Published
online March 15, 2016.
10) Mo, Y. Role for Dexmedetomidine for the prevention and
treatment of delirium in intensive care units patients. Ann Pharma-
cother 2013;47:869-76. Published Online, 21 May 2013, theannals.
com
11) Delgado-Guay MO, Yennurajalingam S, Bruera E. Delirium
with severe symptom expression related to hypercalcemia in a
patient with advanced cancer: an interdisciplinary approach. Journal
of pain and sympton managment. Vol 36, N04, 2008

240 : Desmistificando cuidados paliativos


12) Bush et al. End-of-life Delirium: Issues Regardins recognition,
optimal management, and the Role of Sedation int the Dying
Phase. Journal of pain and Symptom Management. Vol. 48, No
02, August 2014.

1-c
2-c
3-a

Um olhar multidisciplinar : 241


14
HeMorrAGIA

“Cuidado paliativo não é uma alternativa de tratamento, e sim


uma parte complementar e vital de todo acompanhamento do paciente.”
(Cicely Saunders)
Patricia Ribeiro Silva Almeida
Cristiane de Almeida Cordeiro

O sangramento é extremamente angustiante tanto para pacientes


com doenças avançadas quanto para familiares e profissionais de
saúde. Sua prevalência varia com a doença e sua trajetória, mas,
de modo geral, o sangramento ocorre em aproximadamente 10%
dos pacientes com câncer avançado1,2. Além disso, a hemorragia é
a causa de morte imediata (hemorragia terminal) de 6 a 10% de
todos os pacientes com câncer1.
As causas de sangramento em pacientes com doença avançada
são variáveis e podem ter diversas etiologias ou fatores agravantes,
como descrito no Quadro 11.

242 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 1 - Causas de sangramento em pacientes com câncer
Localizadas:
Invasão tumoral local nos vasos sanguíneos
Sangramento superficial do tumor
Mucosite
Sistêmicas:
Disfunção plaquetária
Envolvimento da medula óssea pelo câncer
CIVD (Coagulação Intravascular Disseminada)
Insuficiência hepática
Medicamentos (anticoagulantes, AAS, AINEs)
Doenças associadas (cirrose, doença de von Willebrand)
Fonte: Wei JY1

Uma classificação causal mais detalhada para a hemorragia


inclui 6 categorias2:

tecidos e veias e, como lesões metastáticas são friáveis e


hipervasculares, o risco de sangramento aumenta. Carcinoma
de células renais, coriocarcinoma e melanoma são particular-
mente hipervascularizados. No câncer de cabeça e pescoço, as
paredes das veias podem estar enfraquecidas pela exposição à
saliva e radiação ou cirurgia prévias.
-
terapia podem afetar os mecanismos hemostáticos e lesionar
a mucosa, resultando em sangramento, como ocorre em
mucosite, transplante de medula óssea e doença do enxerto-
versus-hospedeiro.

metástases ósseas extensas, leucemias e linfomas podem causar

Um olhar multidisciplinar : 243


falência medular ao invadir a medula óssea, resultando em
trombocitopenia. Alguns cânceres, como o de próstata,
podem causar trombocitopenia através de Coagulação
Intravascular Disseminada.

podem apresentar deficiências nutricionais (vitamina B12,


folato, zinco e vitamina K) que predispõem a sangramento
ou o agravam.

podem interferir com a função plaquetária ou causar ulceração


gastroduodenal. Uso de anticoagulantes como warfarina e
heparina, e outros medicamentos como cimetidina, ranitidina,
sulfametoxazol-trimetoprim, paracetamol e carbamazepina
também são causas potenciais de sangramento.

não é devido ao câncer avançado, mas a condições como


púrpura trombocitopênica idiopática e Síndrome de Goo-
dpasture.
O sangramento pode ser visível (hemoptise, hematúria,
sangramento vaginal, retal, hematêmese, melena, sangramento de
feridas tumorais cutâneas) ou interno (hemorragia cerebral, ruptura
de massa hepática), contínuo ou intermitente, de foco localizado ou
de focos múltiplos (como nas coagulopatias). Também pode ser de
pequena monta ou maciço e catastrófico, como na ruptura arterial
carotídea. Por isso, é necessário um plano de cuidados adequado
aos pacientes com risco de hemorragia, especialmente maciça2,
atentando-se para alguns fatores de risco (Quadro 2).

244 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 2 - Fatores de risco para hemorragia em pacientes com câncer
Em geral:
Cânceres de cabeça e pescoço de grande volume
Grandes tumores pulmonares de localização central
Leucemias agudas e crônicas refratárias (LMA M3) e mielodisplasia
Hepatopatias graves, metástases hepáticas, hepatocarcinoma
Distúrbios da coagulação (uso de anticoagulantes orais, trombocitopenia severa < 20.000)
Radioterapia em altas doses
Em portadores de câncer de cabeça e pescoço:
Dissecção cervical radical
Altas doses de radioterapia
Complicações pós-operatórias
Pulsação arterial visível
Fístula faringocutânea
Tumores vegetantes com invasão arterial
Invasão da parede arterial
Sangramento sentinela
Fatores sistêmicos: idade > 50 anos, diabetes mellitus, imunodeficiência, aterosclerose
generalizada e desnutrição
Fonte: Elaborado pelas autoras2,4

Glossário
Sangramento sentinela: sangramento prodrômico que ocorre 24 a
48 horas antes da ruptura de uma artéria, o qual pode se resolver
espontaneamente ou com pressão local7.

O planejamento do cuidado deve ser sempre individualizado.


No manejo do sangramento, além das causas e da apresentação
clínica, outros fatores devem ser considerados: disponibilidade de
recursos, acesso à radiologia intervencionista, gravidade da doença,
agudez da situação, expectativa e qualidade de vida, funcionalidade

Um olhar multidisciplinar : 245


ou performance status, terapias prévias, preferências do paciente e da
família e risco-benefício do tratamento5. Uma vez que a hemorragia
é frequentemente um evento traumático, tanto o paciente como
sua família necessitam de suporte psicológico1.
É muito importante avaliar a relação entre gravidade da
doença e expectativa de vida para definir o plano de cuidados mais
adequado: ressuscitação volêmica associada a medidas específicas
para controle do sangramento ou medidas gerais para controle do
sintoma e conforto1. Um paciente que apresenta diagnóstico recente
e funcionalidade preservada terá um plano de cuidados diferente
de um paciente em fase final de vida que tenha funcionalidade
comprometida.
A investigação diagnóstica pode ser indicada em algumas
situações, desde que o paciente não esteja em fase final de vida.
Exames como hemograma e coagulograma podem auxiliar na
avaliação de causas sistêmicas; endoscopia e angiografia, na iden-
tificação do local do sangramento e, muitas vezes, no tratamento1.

IMPORTANTE
Em caso de sangramento, sempre suspender medicamentos
desencadeantes como antiagregantes plaquetários, anticoagu-
lantes, trombolíticos e corticóides6.

TRATAMENTO
As opções de tratamento são divididas em medidas gerais,
locais e sistêmicas.

Medidas gerais
É importante informar aos cuidadores sobre o risco de sangra-
mento que o paciente apresenta e sobre as medidas iniciais para lidar

246 : Desmistificando cuidados paliativos


com a situação aguda, tais como: pressão no local do sangramento,
uso de toalhas escuras (para reduzir a angústia de visualizar o sangue)
e posicionamento do paciente de forma confortável. Dentro do
planejamento, antes que ocorra a hemorragia, os cuidadores devem
providenciar equipamentos de proteção individual1,2,5.
-
vados do sangue) e medidas específicas, como agentes hemostáticos,
radioterapia e radiologia intervencionista, deverão ser individualizadas.
Suplementação de oxigênio e uso de sedativos ou ansiolíticos, para
aliviar o estresse do paciente, podem ser indicados1,2,5. No caso de
hemorragia maciça terminal, um evento abrupto e fatal, a utilização
de está bem indicada, sendo o midazolam o
medicamento mais utilizado2,4,8.

Medidas locais

Compressão local feita com gaze é a forma mais simples de


hemostasia. Curativos compressivos são geralmente suficientes no
sangramento mínimo, porém, a maior parte dos curativos compres-
sivos não é inerentemente hemostática, à exceção do curativo com
alginato1,5.
Tampões, feitos com compressas cirúrgicas ou curativos
compressivos, embebidos em soro fisiológico e agentes hemostáticos
ou vasoconstritores (como nitrato de prata e adrenalina) são úteis
no sangramento de órgãos ocos como nariz, reto e vagina. No caso
de sangramento vaginal, pode-se ainda embeber o curativo com
formaldeído ou acetona5.

Existem diversos agentes incluídos neste grupo (Quadro 3)5,


que possuem constituição, mecanismo de ação, indicação e preço

Um olhar multidisciplinar : 247


diferentes. Agentes absorventes e biológicos são utilizados para
controle de sangramento menor no intraoperatório de cirurgias
vasculares, cardíacas, orais e reconstrutoras, quando outros métodos
convencionais não são efetivos. Há diversas apresentações como pós,
esponjas, almofadas e fitas, porém o custo pode ser alto, como é o
caso de alguns selantes tópicos de trombina e fibrina5.

Quadro 3 - Agentes tópicos hemostáticos


Agentes absorvíveis espumas de gelatina, celulose oxidada,
colágeno microfibrilar
Agentes adstringentes, vasoconstrictores e nitrato de prata, soluções de alumínio,
esclerosantes sucralfato, formalina, acetona, adrenalina,
cloreto de zinco, oximetazolina
Agentes biológicos (utilidade limitada em trombina tópica, selantes de fibrina,
Cuidados Paliativos) selantes plaquetários
Alginatos -
Agentes sintéticos cianocrilatos, albumina reticulada com
glutaraldeído
Curativos hemostáticos curativo com fibrina, curativo de quitina e
curativo mineral
Outros ácido tranexâmico e esteroides
Fonte: adaptado de Pereira J 5

Atua causando erosão na superfície das veias, o que ocasiona


trombose e necrose capilar. Há benefícios observados nos seguintes
tipos de câncer: pulmão, útero e cérvice uterino, ovário, bexiga,
reto, estômago, metastático de tireoide com hemoptise associada,
sarcoma metastático para vagina e próstata. A taxa de resposta pode
variar de 45 a 100%5.

248 : Desmistificando cuidados paliativos


A radiologia intervencionista pode ser grande aliada no
controle de sintomas em Cuidados Paliativos. Procedimentos
endovasculares percutâneos geram desconforto mínimo e recupe-
ração rápida8.
A embolização percutânea arterial envolve a deposição de
material hemostático intravascular para produzir oclusão perma-
nente ou temporária do vaso. Pode ser utilizada em diversos terri-
tórios vasculares (artérias brônquicas, celíaca, mesentérica superior
e inferior, renal, hipogástrica e carotídeas). Os materiais utilizados
na embolização incluem bobinas, microesferas, esponjas de gelatina
e agentes hemostáticos como etanol e cianocrilato5.

A endoscopia dá acesso ao trato gastrointestinal, aos brônquios


e ao trato geniturinário, permitindo a visualização do local de
sangramento, a realização de biópsia, caso necessário, e de trata-
mento definitivo. A terapêutica endoscópica inclui ligadura com
endoclips ou ligadura elástica; injeção de vasoconstritor ou de agente
esclerosante como adrenalina, etanol ou cianocrilato; cauterização
ou coagulação com eletrocautério ou argônio, crioterapia e laser;
tamponamento por balão; aplicação de trombina ou fibrinogênio;
instilação de agentes de irrigação5.

A cirurgia paliativa, no intuito de conter uma hemorragia


severa, pode ser apropriada em casos selecionados. Procedimento
cirúrgicos a serem considerados são ligadura de vaso, cauterização
ou excisão do tecido5.

Um olhar multidisciplinar : 249


Medidas sistêmicas

Os antifibrinolíticos são úteis no controle de sangramento


em pacientes que não podem receber tratamento hemostático
definitivo (como irradiação em uma área previamente irradiada) ou
são muito frágeis para procedimentos invasivos como embolização2.
O ácido tranexâmico e o ácido épsilon-aminocapróico são os mais
comumente utilizados e podem ser administrados tanto por via oral
(VO) quanto por via endovenosa (EV)5.
O ácido tranexâmico previne a degradação do coágulo de
fibrina, inibindo a ativação do plasminogênio em plasmina, e também
funciona como inibidor direto fraco da plasmina. Os efeitos adversos
são dose-dependentes e os mais comuns são gastrointestinais:
náuseas, vômitos e diarreia ocorrem em 25% dos pacientes. É
incomum ocorrer tromboembolismo. Como esses medicamentos
são excretadas integralmente na urina, as doses devem ser reduzidas
em pacientes com insuficiência renal. Recomenda-se que a admi-
nistração endovenosa seja lenta para ambos os agentes5,9.
A dose recomendada de ácido tranexâmico é de 1000mg EV
de 8/8h por 3 dias, seguida de administração VO de 3000mg/dia
como manutenção, por até 7 dias depois da cessação do sangramento.
Para o ácido épsilon-aminocapróico, pose ser utilizada dose de
ataque de 5g VO ou EV, seguida de doses diárias de 4 a 30g VO
ou EV de manutenção, divididas em 4 tomadas (dose máxima de
30g/dia), por até 7 dias5,9.

A vitamina K é necessária para a produção dos fatores de


coagulação II, VII, IX e X. Por esse motivo, é indicada no sangra-

250 : Desmistificando cuidados paliativos


mento de pacientes em uso de anticoagulantes ou portadores de
insuficiência hepática, obstrução de vias biliares, doenças do intes-
tino delgado ou ressecções e deficiências nutricionais ou redução
na ingesta via oral5,7. A administração oral é a via de predileção,
pois as outras vias, especialmente a endovenosa, aumentam o
risco de reações alérgicas. Caso a via endovenosa seja necessária,
recomenda-se administrar de forma lenta e não exceder 1mg/min.
A dose sugerida é de 10 mg VO, EV ou SC por 3 dias5.

O octreotide é utilizado no manejo do sangramento gastrin-


testinal alto incluindo úlceras pépticas e varizes esofagianas. Ele

SC ou EV de 12/12h. A dose pode ser titulada até 600mcg/dia,


caso necessário. Esquema alternativo: bolus de 50mcg SC ou EV,
seguidos de infusão contínua SC ou EV de 50mcg/h por 48 horas.
Náuseas, desconforto abdominal e diarreia podem ocorrer com
doses superiores a 100mcg/h5.

Atuam gerando redução na pressão portal. A desmopressina, ou


DDAVP, é indicada para pacientes com Doença de von Willebrand,
hemofilia A leve, sangramento varicoso relacionado à hipertensão
portal e sangramento secundário a neoplasias hematológicas e trom-
bocitopenia5. Nesse último caso, pode ser utilizada infusão única de
desmopressina na dose de 0,4mcg/Kg, sem qualquer toxicidade2.
A terlipressina, análogo da vasopressina de longa duração,
pode ser utilizada no controle de sangramento gastrointestinal agudo
grave. Já a vasopressina em aerossol pode ser útil em hemoptise
recorrente, leve a moderada5.

Um olhar multidisciplinar : 251


A infusão de concentrados de plaquetas em pacientes com
doenças avançadas não é consenso. A logística da transfusão de
plaquetas é mais difícil e possui mais riscos do que a transfusão
de hemácias. Portanto, sua indicação deve ser individualizada2.
De maneira geral, a transfusão profilática está indicada apenas em
casos com plaquetas abaixo de 5.000 e plaquetas abaixo de 20.000
com sangramento1.
O plasma fresco congelado é utilizado na correção de deficiên-
cias graves dos fatores de coagulação, em situações de urgência. Por
exemplo, em coagulopatias secundárias a múltiplas deficiências dos
fatores de coagulação (como nos casos de insuficiência hepática ou
anticoagulação por varfarina) e na prevenção de sangramento, antes
de algum procedimento invasivo, em pacientes hiper-coagulados
com varfarina. A dose geralmente indicada é de 15mL/kg5.
O crioprecipitado contém fator VIII, fibrinogênio, fator de
von Willebrand, fator XIII e fibronectina. Também existem fatores
de coagulação recombinantes (VIIa, VIII, IX). Situações de sangra-
mento em que se suspeita dessas deficiências, favorecem o uso de
tais hemocompontes5.

Essa terapia pode promover a granulação do tecido e causar


vasoconstricção, o que diminui a hemorragia. Entretanto, seu uso
é limitado, pois o tratamento requer diversas sessões que duram,
em geral, 90 minutos. As contra-indicações são: câncer ativo,
infecção viral ativa, pneumotórax e tratamento com doxorrubicina
ou cisplatina5.

252 : Desmistificando cuidados paliativos


Feridas malignas
Sangramentos capilares leves: pasta de sucralfato ou alginato.
Sangramentos maiores: curativos cirúrgicos hemostáticos5.

É um sintoma comum de carcinoma brônquico. A hemoptise


maciça, se não abordada prontamente, possui taxa de mortalidade
de 50%. A radioterapia hemostática e a ressecção cirúrgica do tumor
podem ser consideradas em pacientes com boa performance. Na
hemoptise maciça aguda, o uso de stent endobrônquico e emboli-
zação da artéria brônquica podem ser úteis1.

Sangramento vaginal
O sangramento vaginal é raramente excessivo e pode ser
manejado conservadoramente. Em casos de sangramento de maior
monta, são necessários hidratação vigorosa e tamponamento vaginal.
A radioterapia pode ajudar no controle definitivo do sangramento
e a embolização arterial pode ser factível em casos selecionados1.

Hemorragia gastrintestinal
Radioterapia e cirurgia podem ser indicadas principalmente
em casos de hemorragia digestiva baixa relacionada à neoplasia. Outros
tratamentos incluem intervenção endoscópica com coagulação
termal, crioterapia, ligaduras e injeção de vasoconstrictores, além
de embolização com transcateter por angiografia intervencionista1.
No caso de sangramento secundário a varizes esofágicas, é
recomendado tratamento sistêmico (vasopressina ou terlipressina,
nitroglicerina, somatostatina ou octreotide) e endoscópico (ligadura
elástica ou escleroterapia) combinados5.

Um olhar multidisciplinar : 253


Hematúria
Obstrução por coágulos requer intervenção imediata: irri-
gação vigorosa com água ou solução salina, mas o procedimento
é desconfortável e pode ser necessária analgesia. Para sangramento
refratário, podem ser utilizadas soluções de alumínio 1 a 2%, nitrato
de prata ou formalina. Se não houver sucesso, está indicada avaliação
endoscópica ou radioterapia1.
O sangramento secundário a cistite actínica pode responder a
oxigênio hiperbárico e embolização ou cauterização transuretral e,
em casos crônicos, pentosanpolisulfato sódico oral pode ser usado1.
O pentosanpolisulfato oral é recomendado na dose de 100mg de
8/8h por 4 a 7 semanas, até o controle do sangramento5.
Ressecção vesical cirúrgica ou por laser é possível em casos
de sangramento por lesões superficiais. Embolização ou ligadura
cirúrgica da artéria hipogástrica podem ser feitos em casos extremos
de sangramento tumoral. A cistectomia é somente considerada em
pacientes com boa performance1.

Coagulação intravascular disseminada


As doenças malignas causam CIVD com frequência,
particularmente leucemia promielocítica e tumores sólidos.
Microangiopatia no esfregaço de sangue periférico e aumento dos
níveis de produtos de degradação da fibrina, especialmente o
D-dímero, sugerem seu diagnóstico. O tratamento da causa deve
ser feito sempre que possível. CIVD associada a leucemia promielo-
cítica responde ao ácido transretinóico. Pacientes com sangramento
grave, ou que apresentam alto risco de sangramento, podem receber
transfusão de plaquetas e plasma fresco congelado1.

254 : Desmistificando cuidados paliativos


Considerações Finais

o sangramento maciço pode ser extremamente desconfortável.


-
mento, é necessário planejamento antecipado de cuidados, com
abordagem individualizada e multidisciplinar.

sistêmicas.

Área de Treinamento
1 – Paciente AFP, 54 anos, ex-tabagista pesado, portador de
câncer de cabeça e pescoço localmente avançado, sem indicação
cirúrgica. É independente e autônomo. Também possui diabetes
e hipertensão arterial e faz uso de metformina, glicazida, losartana
e AAS. Além disso, está em uso de dexametasona que lhe foi pres-
crita para melhora do apetite. Vem ao ambulatório apresentando
sangramento em ferida oncológica em pequena quantidade há 01
semana. Quais medidas poderiam ser utilizadas no tratamento da
hemorragia, num primeiro momento?
a) Suspender AAS e dexametasona, que predispõem ao
sangramento, e indicar curativos compressivos ou hemostáticos.
b) Concentrado de hemácias e plaquetas, vitamina K,
embolização carotídea.
c) Suporte hemodinâmico com ringer lactato, toalhas escuras
e embolização carotídea.
d) Oxigenioterapia hiperbárica, compressão local, ácido
épsilon aminocapróico.

Um olhar multidisciplinar : 255


2 – Considerando que o paciente AFP do caso anterior
retorna ao ambulatório após 3 meses, ainda aguardando início de
terapêutica específica para o câncer. Permanece independente e
autônomo, embora apresente disfagia e perda de peso. Há 3 dias,
apesar do uso de curativos compressivos adequadamente orientados
pela enfermagem, vem apresentando sangramento leve a moderado
em ferida oncológica. Neste momento, quais seriam as opções de
tratamento mais adequadas?
a) Concentrado de hemácias e plaquetas, vitamina K, embo-
lização carotídea.
b) Suporte hemodinâmico com ringer lactato, toalhas escuras
e embolização carotídea.
c) Ácido tranexâmico e radioterapia hemostática de urgência.
d) Oxigenioterapia hiperbárica, compressão local, ácido
épsilon aminocapróico.

3 – AFC foi submetido a radioterapia e quimioterapia


combinadas e apresentou controle do sangramento durante 4
meses. Permanece independente e autônomo, embora agora esteja
se alimentando via gastrostomia. Dá entrada no pronto socorro com
hemorragia grave e hipotenso. Em sua última tomografia consta
que o câncer invadiu a carótida esquerda. Quais seriam as condutas
mais adequadas ao caso?
a) Curativos compressivos e hemostáticos, ácido tranexâmico,
radioterapia hemostática.
b) Concentrado de hemácias e plaquetas, vitamina K,
embolização carotídea.
c) Suporte hemodinâmico com soro fisiológico rápido, toalhas
escuras e embolização carotídea.
d) Oxigenioterapia hiperbárica, compressão local, ácido
épsilon aminocapróico.

256 : Desmistificando cuidados paliativos


4 – Cerca de 6 meses após a embolização carotídea, AFC vem
ao ambulatório em cadeira de rodas, necessitando de auxílio para
auto-cuidado. Ele não tem mais proposta de tratamento modifi-
cador de doença. Apesar de não ter apresentado novo episódio de
sangramento, diante do quadro de piora funcional importante e da
possibilidade de novo sangramento, inclusive maciço, quais seriam
as condutas mais adequadas ao caso?
a) Curativos compressivos e hemostáticos, ácido tranexâmico,
radioterapia hemostática.
b) Concentrado de hemácias e plaquetas, vitamina K,
embolização carotídea.
c) Oxigenioterapia hiperbárica, compressão local, ácido
épsilon aminocapróico.
d) Traçar um plano de cuidados junto ao paciente e sua família,
incluindo medidas gerais de comportamento frente a um novo
episódio de sangramento e orientação sobre a possibilidade
de sedação paliativa, em caso de hemorragia maciça.

Referências Bibliográficas

1- Wei JY, Yennurajalingam S. Hemorrhage. In: Bruera E, Higginson


I, Gunten CH, Morita T (Ed.). Textbook of Palliative Medicine.
CRC Press; 2015. p. 835-41.
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Hematology. 2005 Jun;10(3):167-75.
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Um olhar multidisciplinar : 257


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Manual de Cuidados Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado.
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cancer discharged home for end-of-life care. BMJ Support Palliat
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Clin Oncol (R Coll Radiol). 2010 Nov;22(9):771-780.
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Control in Palliative Care Patients With the Help of Tranexamic
Acid. J Palliat Care. 2017 Apr;32(2):47-48.

Questão 1 – a
Questão 2 – c
Questão 3 – c
Questão 4 – d

258
MÓDULO
eliSaBeth KüBler-roSS

259
15
HIpoDerMÓCLIse eM CuIDADos
pALIAtIVos: ABorDAGeM
ConCeItuAL e prÁtICA

“Visto que nossa vida começa e termina com a necessidade de


afeto e cuidados, não seria sensato praticarmos a compaixão e o amor
ao próximo enquanto podemos?”
(Dalai Lama)
Teresa Christine Pereira Morais

Introdução
Os pacientes que apresentam doenças para as quais não há
tratamentos que possam modificar o curso da doença representam
um desafio para as equipes de saúde, posto que carecem de assis-
tência na manutenção da qualidade de vida, realidade para a
qual os profissionais de saúde ainda não estão preparados. Apesar
dos avanços tecnológicos no que tange a terapias existentes para o
tratamento de doenças ameaçadoras da vida, estas nos remetem a
situações de sofrimento, inevitabilidade da morte e finitude. Ao
incluir os princípios dos Cuidados Paliativos em suas práticas de
cuidado, os profissionais de saúde têm a possibilidade de, diante
de qualquer doença ameaçadora de vida, direcionar a assistência
prestada de uma perspectiva estritamente clínica para as necessidades
enunciadas pelos próprios pacientes e seus familiares.

260 : Desmistificando cuidados paliativos


A abordagem e manuseio clínico em cuidados paliativos inclui
a implementação de medidas que previnem e aliviam o sofrimento,
a avaliação correta e tratamento de dor e demais sintomas físicos,
sociais, psicológicos e espirituais apresentados pelos pacientes. Nesta
direção, a hipodermóclise ou terapia subcutânea representa a possi-
bilidade de qualificar a assistência, assegurar o controle sintomático
e elevar ao máximo o conforto e a qualidade de vida do paciente,
sem incorrer ou praticar obstinação terapêutica1.
Trata-se de um método simples e seguro, tendo em vista
as seguintes características: eficiência e eficácia na absorção de

efeitos colaterais; poucos efeitos adversos ou complicações severas;


menos dolorosa e de fácil manejo tanto na conservação quanto na
manipulação; permite a utilização de arsenal medicamentoso para
a terapêutica paliativa; eficiente nos estados de confusão mental,
prejuízo cognitivo, agonia ou sedação; promove conforto, dimi-
nuindo o estresse e dor por repetidas tentativas de punções venosas
sem êxito; promove uma assistência de qualidade e humanização
do cuidado melhorando a prática assistencial1,2.
Em termos históricos, a primeira descrição do uso da via
subcutânea data de 1865 pelo médico italiano Arnaldo Cantani,
para hidratação de pacientes durante a epidemia de cólera em
Nápoles; ainda no século XIX há descrição de utilização também
durante a epidemia de cólera no restante da Europa e na Índia. A
partir do início século XX a técnica passa a ser utilizada em ambiente
hospitalar para tratamento de pacientes com desidratação, especial-
mente em crianças e recém-nascidos1. Em função dos avanços das
técnicas de infusão endovenosa motivados pela 2ª Guerra Mundial
(1939 a 1945) assim como de relatos de iatrogenias derivadas de
complicações relacionadas ao uso de soluções não recomendadas,

relegada a segundo plano e em muitos serviços abandonada1.

Um olhar multidisciplinar : 261


A técnica retorna ao cenário assistencial das práticas clínicas
no final da década de 1960, na esteira do movimento moderno dos
Cuidados Paliativos, com destaque no tratamento de pacientes geriá-
tricos. A partir de então, a terapia subcutânea vem sendo estudada
e implementada como alternativa eficaz em substituição à terapia

semelhante, sendo o seu uso crescente em Geriatria e Cuidados


Paliativos. No Brasil, a prática ainda carece de estudos e de iniciativas
para a efetiva implementação nas instituições, em grande medida
pelo desconhecimento das possibilidades terapêuticas quando de
sua utilização3,4.

Glossário

de medicamentos por via subcutânea quando da impossibilidade


de se utilizar a via oral ou endovenosa, indicada para pacientes
em cuidados paliativos que necessitam de vias alternativas para
o suporte clínico por meio da administração de medicamentos e
hidratação adequados1.

O tecido subcutâneo ou hipoderme, formado por tecido


conectivo, tem a capacidade de se distender e de retornar ao estado
natural após reabsorver a quantidade de líquido administrada. A

e medicamentos se devem aos componentes estruturais, como


densas conexões e tecido adiposo, sistema linfático, glândulas e
nervos (Figura 1)5.

262 : Desmistificando cuidados paliativos


Figura 1. Localização do tecido subcutâneo na estrutura da pele

Fonte: SBGG1

Por ser rico em capilares sanguíneos, torna-se uma via efetiva

absorvidos e carreados para a circulação sanguínea por ação combi-

do tecido subcutâneo permite uma porcentagem de absorção muito


semelhante àqueles administrados por via intramuscular, atingindo
concentração sérica menor, mas com tempo de ação prolongado5.

absorvidos por via subcutânea podem ser divididos em fisiológicos

aplicação e a profundidade do tecido subcutâneo; e os teciduais


a ligação do medicamento a moléculas intersticiais e o perfil de
catabolismo do tecido subcutâneo. Além disso, a profundidade de
inserção do cateter, a presença de atrito ou calor, alteração do pH,
adição de complexo proteico e variações no tamanho da partícula
podem interferir ou modificar a velocidade de absorção das soluções
infundidas4,5.

Um olhar multidisciplinar : 263


Indicações e Contraindicações
A hipodermóclise pode ser considerada uma via de escolha
para administração de fármacos a pacientes que apresentam situações
assistenciais e/ou condições clínicas, como as descritas a seguir nas
figuras 2 e 3. Estas, por sua vez, também apresentam as indicações
e contraindicações para a realização da hipodermóclise1,3.

Figura 2. Indicações para a realização da hipodermóclise

Fonte: Elaborada pelas autoras com adaptação1

Figura 3. Contraindicações para a realização da hipodermóclise

Fonte: Elaborada pelas autoras com adaptação1

264 : Desmistificando cuidados paliativos


As vantagens e desvantagens da hipodermóclise mais comu-
mente relacionadas nos diversos estudos produzidos são1,5:

Vantagens
- Baixo custo;
- Menor tempo de execução, maior tolerabilidade, êxito,
comodidade e praticidade na realização e manutenção da
técnica, quando comparada com a via venosa;
- Possibilidade de realização em domicílio;
- Facilidade de autoadministração;
- Permite a realização de atividades de reabilitação, sem
restrição de membros e movimentos, o que favorece a
funcionalidade do paciente;
- Menor susceptibilidade à extração;
- Risco mínimo de complicações locais e sistêmicas (baixos
índices de infecção)
- Favorece a prevenção da obstipação e hidratação da pele,
como complemento na prevenção de úlceras por pressão;
- Mais fácil de obter novos sítios de inserção;
- Pode ser interrompida e reiniciada;
- Boa aceitação por parte dos familiares;
- Não necessita de imobilização do membro.

Desvantagens
- Velocidade de infusão mais lenta do que a via endovenosa;
- Edema local;

Um olhar multidisciplinar : 265


- Administração máxima de 1.500 ml/24hs (depende do sítio
de infusão);
- Não é indicada quando diante da necessidade de ajuste
rápido de doses;
- Velocidade de absorção;

de eletrólitos;
- Caquexia neoplásica com redução do subcutâneo dificulta
a realização da técnica e prejudica a absorção de fármacos;
- Impossibilidade de reverter choques hipovolêmicos.

Figura 4. Locais para instalação de hipodermóclise

Anterior Posterior
1
Fonte: SBGG

266 : Desmistificando cuidados paliativos


Existem diversas regiões no corpo que podem ser puncionados,
como demonstrado na Figura 4. A escolha do local irá depender
do cruzamento entre a espessura do subcutâneo, volume, medi-
camentos e soluções a serem administrados. A Figura 4 também
apresenta o volume (em ml) recomendado para administração por
sítio de punção, em 24h1,6.

Medicamentos e soluções

Os medicamentos administrados por via subcutânea devem


estar na forma líquida ou diluídos. Os medicamentos lipossolúveis,
ou seja, que apresentam baixa solubilidade em água podem ocasionar
danos aos tecidos e soluções cujo pH seja menor que 2 ou maior que
11 apresentam risco aumentado para irritação local ou precipitação,
não sendo indicados para administração. Portanto, os seguintes
medicamentos não são indicados para administração por via
subcutânea: diazepam, diclofenaco, fenitoína, eletrólitos não
diluídos, soluções com teor de glicose superior a 5%, soluções com
teor de potássio superior a 20 mmol/l, soluções coloidais, sangue e
seus derivados, nutrição parenteral total6.
Dentre os medicamentos que podem ser administrados
por via subcutânea, estão incluídos: soro fisiológico a 0,9%, soro
glicosado até 5%, cloreto de potássio e de sódio após diluição com
soro fisiológico ou soro glicosado, clonidina, clorpromazina, dexa-
metasona, fenobarbital, fentanil, furosemida, haloperidol, hioscina,
hidrocortisona, ketamina, metadona, metilprednisona, metoclopra-
mida, midazolam, morfina, naxolona, octreotide, ondansetrona,
oxicodona, prometazina, ranitidina, tramadol, entre outros7,8.

Um olhar multidisciplinar : 267


A hipodermóclise por ser uma técnica simples, de fácil
execução e manuseio e de menor complexidade em comparação à
via endovenosa, pode ser realizada pela equipe médica, enfermeiras
(os) e técnicos de enfermagem. Os dispositivos mais utilizados são
os agulhados (tipo scalp, 21 a 27G) ou não agulhados (cateter de

chamado Íntima, muito semelhante visualmente ao scalp, cuja


técnica de punção é a mesma do jelco, porém o seu uso nos serviços
é limitado devido ao alto custo de cada unidade. Os aspectos abaixo
relacionados devem ser considerados e observados quando da
execução da técnica1,8:

- Deve-se segurar firmemente a prega e não soltá-la durante


a introdução do dispositivo;
- O ângulo de punção será definido de acordo com a espes-
sura do tecido subcutâneo do paciente: se o paciente possuir pouco
tecido subcutâneo (quando emagrecido ou caquético) o ângulo de
punção será em torno de 15º; pacientes obesos 45º e para os demais
pacientes pode-se usar 30º;
- Observar a absorção do local puncionado: iniciar com
volume pequeno; se o paciente tolerar e o local tiver boa absorção,
o volume poderá ser aumentado;
- Para pacientes com subcutâneo menos complacente, a
absorção de soluções ocorre sem edema significativo quando a
infusão respeita a velocidade de 1ml/min;
- Na ocorrência de elevação no local da punção devido à quan-
tidade de volume infundido e não absorção nas primeiras quatro
horas, retira-se o dispositivo e outro local deve ser puncionado;

268 : Desmistificando cuidados paliativos


- Realizar rodízio do local de punção, respeitando a distância
mínima de 5 cm do local anterior; preferencialmente, utilizar outra
área para nova punção;
- Locais contraindicados para punção: regiões irradiadas,
membros que apresentam esvaziamento ganglionar e/ou mastecto-
mia; área com ferida ou presença de dispositivo ou dreno (poderá
ocorrer extravasamento da solução infundida pelo próprio local de
inserção, ocasionando menor disponibilidade da solução administrada);
- Antes de administrar a medicação, realizar a assepsia da área
do cateter ao qual a seringa ou equipo será conectado com algodão
umedecido em álcool a 70% ou swab de álcool;
- Após a administração da medicação, lavar o cateter com 3ml
de SF 0,9% para garantir que o medicamento penetre o subcutâneo;
- A região torácica deverá ser evitada em pacientes caquéticos;
- A infusão em bolus deve ser sempre lenta. Para infusão contí-
nua recomenda-se a utilização de bomba de infusão contínua (BIC);
- A direção do dispositivo está ilustrada na Figura 5 abaixo:
Figura 5. Direção do bisel do dispositivo a ser utilizado de acordo com o
local de punção da hipodermóclise

Fonte: Quando...,9

Um olhar multidisciplinar : 269


Execução da técnica1,8

A seguir realizaremos a descrição do passo a passo para execução


da técnica de hipodermóclise, iniciando pelo material necessário:
- Solução preparada para ser instalada (soro, medicamentos);
- Dispositivos: Agulhado (escalpe 21 a 25G) ou Não agulhado

-Extensor de duas vias em caso de utilização do dispositivo


não agulhado;
- Solução antisséptica;
- Gaze;
- Luva de procedimento;
- Filme transparente para fixar;
- Esparadrapo para datar;
- Antes de iniciar procedimento: lavar as mãos; conferir o
medicamento ou solução a ser administrado; explicar ao paciente/
família sobre o procedimento; escolher o local para a punção.
Abaixo apresenta-se uma descrição da técnica de punção utili-
zando cateter agulhado e não-agulhado, por meio das figuras 7 e 8.

10,11

- Rodízio entre os sítios de punção: intervalo maior do que


quando se utiliza a via endovenosa, pois o cateter instalado
no subcutâneo permanece em contato com o tecido adiposo
e a absorção do medicamento ocorre por capilaridade e não
por canulação da corrente sanguínea;
- Não se recomenda a troca do cateter periférico em um
período inferior a 96h (4 dias), porém deve-se estabelecer

270 : Desmistificando cuidados paliativos


Figura 7. Técnica de punção da hipodermóclise utilizando cateter agulhado
(tipo escalpe)

Fonte: Elaborada pelas autoras com adaptação10

Figura 8. Técnica de punção da hipodermóclise utilizando cateter


não-agulhado (tipo jelco)

Fonte: Elaborada pelas autoras com adaptação10

Um olhar multidisciplinar : 271


condutas de avaliação rotineira e frequente: das condições
do paciente, sítio de inserção, integridade da pele e do vaso,
duração e tipo de terapia prescrita, local de atendimento,
integridade e permeabilidade do dispositivo e integridade da
cobertura estéril;
- Para a troca do local de punção também deve ser considera-
do o tempo de permanência recomendado para cada tipo de
cateter: não agulhados (tipo Jelco) a cada 7 dias; tipo Íntima
a cada 14 dias; agulhados (tipo Scalp) entre 3-5 dias. Para
todos os dispositivos a troca imediata pode ser necessária no

- As coberturas não devem ser trocadas em intervalos pré-


estabelecidos, porém devem ser trocadas imediatamente se
houver suspeita de contaminação e sempre quando úmida,
solta, suja ou com a integridade comprometida; manter téc-
nica asséptica durante a troca11;
- O sítio de punção deve ser monitorado quanto à: sinais de

calor, rubor e dor), endurecimento, hematoma, necrose do


tecido (complicação tardia);
- Quanto ao paciente, atentar para os seguintes sinais e
sintomas: presença de febre, calafrio, dor, cefaleia, ansiedade
e sinais de sobrecarga cardíaca - taquicardia, turgência jugular,
hipertensão arterial, tosse, dispneia.

IMPORTANTE:

necrose ou secreção no local da punção, o dispositivo deve ser


retirado e as medidas necessárias adotadas (curativos, compressas
e uso de antibiótico sistêmico)10,11

272 : Desmistificando cuidados paliativos


Considerações Finais

A hipodermóclise, enquanto técnica para administração de

promovam o devido conforto e alivio da dor e outros sintomas a


pacientes em Cuidados Paliativos1. Neste sentido, destaca-se os
principais aspectos que permeiam a sua efetiva implementação:
- Indica-se a hipodermóclise para administração de medica-
mentos, manutenção e hidratação parenteral de pacientes in-

obstrução do trato gastrointestinal, acidente vascular cerebral,


pacientes idosos, pós-operatório, correção da desidratação leve
e cuidados paliativos, dentre outros já anteriormente citados;
- A hipodermóclise apresenta eficiência e eficácia na absorção
-
cutâneo, por ser rico em capilares sanguíneos, torna-se uma

vez que estes serão absorvidos e carreados para a circulação

perfusão tecidual;

e medicamentos apresenta reduzida possibilidade para efeitos


colaterais, efeitos adversos ou complicações severas, dado que
é menos dolorosa e de fácil manejo, tanto no que se refere à
conservação quanto à sua manipulação;
- No que se concerne à terapêutica paliativa, o uso da via
subcutânea permite a utilização de um considerável arsenal
medicamentoso, sendo eficiente quando utilizada nos estados
de confusão mental, prejuízo cognitivo, agonia ou sedação,
posto que promove conforto, diminuindo o estresse e dor por
repetidas tentativas de punções venosas sem êxito;

Um olhar multidisciplinar : 273


- A sua implementação por meio de protocolos institucionais
contribui para uma assistência de qualidade e humanizada
do cuidado, melhorando também a prática assistencial.
Ainda existe dificuldade para implementação da técnica de
hipodermóclise, muito devido ao pouco conhecimento e manejo
desta não somente pelos profissionais de enfermagem, mas os da
saúde como um todo. No que concerne à enfermagem, a falta de
conhecimento sobre a hipodermóclise é de certa forma alarmante,
posto que os profissionais desta equipe sejam os principais respon-
sáveis pelo manejo e planejamento de ações relacionadas à admi-
10,12
.
A inovação tecnológica, quando usada em favor da saúde
contribui, diretamente com a qualidade, eficácia, efetividade e segu-
rança do cuidado. Com isso, é necessário que as equipes que cuidam
de pacientes em cuidados paliativos se mantenham em constante
processo de capacitação teórico-prática, aprendendo e pesquisando,
conhecendo as novas tecnologias, identificando seus conceitos e as
políticas que o permeiam, de modo que a hipodermóclise possa
ser utilizada como uma tecnologia na área da saúde capaz de trazer
inúmeros benefícios com a sua aplicabilidade, fazendo-se necessário
o estímulo e promoção do seu entendimento, de modo a favorecer
a utilização dessa técnica na prática clínica1,10,12.
A padronização e criação de protocolos de aplicabilidade,
institucionalizados, podem facilitar o conhecimento da técnica e
ampliar o seu uso na prática assistencial, bem como, os profissionais
devem ser incentivados a manterem atualizados os seus conheci-
mentos e competências, caracterizando um processo de formação
contínua, visando à melhoria da prestação de cuidados em saúde.
Neste sentido, é necessário que esse processo ocorra de forma efetiva,
permitindo a maior participação dos profissionais e a utilização de
conhecimentos e tecnologias que favoreçam essa formação.

274 : Desmistificando cuidados paliativos


Área de Treinamento

1 – (FCC - TRF 2ª, 2012) Dentre as vantagens e desvanta-


gens da hipodermóclise, em relação à via intravenosa, destacam-se,
respectivamente, a:
a) Vantagem – impossibilidade de formação, no sítio da
infusão, de hematoma e edema.
Desvantagem – risco de necrose tecidual como complicação
tardia.
b) Vantagem – possibilidade de infusão de solução oleosa
ou suspensão.
Desvantagem – impossibilidade de administração de fenitoína.
c) Vantagem – infusão segura em pacientes com coagulopatia.
Desvantagem – dificuldade de ajuste rápido de doses.
d) Vantagem – facilidade na educação do autocuidado e do
cuidador em domicílio.
Desvantagem – impossibilidade de infusão de nutrição
parenteral.

2 – (FCC - TRT 6ª, 2012) A hipodermóclise é intervenção


utilizada em pacientes no ambiente hospitalar. No atendimento
domiciliar e dentre as indicações destaca-se:
a) embotamento cognitivo.
b) distúrbio de coagulação.
c) anasarca.
d) congestão pulmonar.

Um olhar multidisciplinar : 275


3 – (FCC - TRT 11ª, 2017) Um paciente em cuidados
-
dermóclise. Dentre os cuidados de enfermagem, deve-se realizar o
monitoramento para:
a) evitar utilizar a via para administração de terapia medica-
mentosa.
b) manter a infusão com gotejamento acima de 200 gotas
por minuto.
c) escolher a veia subclávia como local preferencial da punção.
d) observar se ocorre endurecimento no sítio de punção.

4 – (IBFC/EBSERH-RJ (HUGG-UNIRIO/RJ), 2017) Sobre


a hipodermóclise nos cuidados paliativos, as indicações deverão
respeitar algumas condições, designadamente. Analise as afirmativas
abaixo e assinale a alternativa correta.
I. A necessidade de reposição de volume intravascular não
deve ser emergente.

os 3.000 ml em 12 horas.
III. A inexistência de alterações da coagulação ou trombo-
citopenia.

a) Apenas I e II
b) Apenas II e III
c) Apenas I e III
d) I, II e III

276 : Desmistificando cuidados paliativos


1. BRASIL. Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. O
uso da via subcutânea em geriatria e cuidados paliativos. – Rio de
Janeiro: SBGG, 2016. 56 p. Disponível em: <http://sbgg.org.br/
wp-content/uploads/2016/06/uso-da-via-subcutanea-geriatria-
cuidados-paliativos.pdf
2. Klein CG et al. Compliance and tolerability of subcutaneous
hepatitis B immunoglobulin self-administration in liver transplant
patients: A prospective, observational, multicenter study. Ann
Transplant, v. 18, n. 1, p. 677-684, 2013. Disponível em: http://
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24335787
3. Justino ET et al. Hipodermóclise em pacientes oncológicos sob
cuidados paliativos. Cogitare Enferm, Paraná, v. 18, n. 1, p. 84-89,
jan./mar. 2013. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.
php/cogitare/article/view/31307
4. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer
(INCA). Terapia subcutânea no câncer avançado. Rio de Janeiro:
INCA; 2009. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
publicacoes/inca/Terapia_subcutanea.pdf
5. Zironde ES, Marzenini NL, Soler VM. Hipodermóclise:
redescoberta da via subcutânea no tratamento de indivíduos
vulneráveis. Cuidarte Enferm, v. 8, n. 1, p. 55-61, 2014. Disponível
em <http://fundacaopadrealbino.org.br/facfipa/ner/pdf/cuidar-
te_enfermagem_v8_n1_j an_jun_2014.pdf
6. Bruno VG. Hipodermóclise: revisão de literatura para auxiliar a
prática clínica. Einstein, v. 13, n. 1, p. 122-128, 2015. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/eins/v13n1/pt_1679-4508-eins-
1679-45082015RW2572.pdf.
7. Perera AH, Smith CH. Hipodermoclisis en pacientes con
cáncer terminal. Revista Cubana de Medicina, v. 50, n. 2, p. 150-

Um olhar multidisciplinar : 277


156, 2011. Disponível em: http://scielo.sld.cu/pdf/med/v50n2/
med05211.pdf
8. Schoenbeck SL, Macbride K. Hypodermoclysis: easy, safe,
cost-effective. Jornal of Pratical Nursing, v. 60, n. 1, p. 7-8, 2010.
Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20509370
9. Quando suspeitar do aumento dos linfonodos (gânglios de defe-
sa)? [publicação online] 2017. [acesso em 04 fev 2019]. Disponível
em http://drfelipeades.com/2017/11/13/quando-suspeitar-do-
aumento-dos-linfonodos-ganglios-de-defesa/
10. Vidal FKG et al. Hipodermóclise: Revisão Sistemática da Li-
teratura. Revista de Atenção à Saúde, v. 13, n. 45, p. 61-69, jul./
set. 2015. Disponível em:<http://seer.uscs.edu.br/index.php/revis-
ta_ciencis_saude/article/view/2953/17 84.
11. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.
Medidas de Prevenção de Infecção Relacionada à Assistência à
Saúde. Série Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de
Saúde, 2017. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/docu-
ments/33852/3507912/Caderno+4+Medidas+de+ Prevencao+de+
Infeccao+Relacionada+A+Assistencia+A+Saudede/a3f23dfb-2c54-
4e64-881c-fccf9220c373.
12. Gallardo AR, Gamboa AF. Uso de la vía subcutânea em cui-
dados paliativos. Edición y Administración Sociedad Española de
Cuidados Paliativos (SECPAL). Monografías n 4. Madrid, 2013.

1–d
2–a
3–d
4-c

278 : Desmistificando cuidados paliativos


16
nutrIção Aos pACIentes eM
CuIDADos pALIAtIVos eXCLusIVos

“Por isso recomendo que se desfrute a vida, porque debaixo do sol


não há nada melhor para o homem do que comer, beber e alegrar-se...”
(Ec 8:15)
Marta Evangelista de Araújo Alves de Lima
Thayana Louize Vicentini Zoccoli

Em Cuidados Paliativos, a terapia nutricional deve ser deter-


minada de maneira proporcional à expectativa de vida do paciente,
visando conforto e qualidade de vida. Desta maneira, a assistência
aos pacientes em cuidados paliativos exclusivos (sem possibilidade
de tratamento modificador da doença) inclui a abordagem dos
sintomas relacionados à alimentação, de acordo com a tolerância e
a aceitação do paciente, mediante uma conduta nutricional indivi-
dualizada e contextualizada1,2.
A autonomia do paciente deve ser priorizada, colocando-o no
centro do atendimento, permitindo que ele faça escolhas, conside-
rando-se aspectos individuais, como preferências, tabus, tolerância,
cultura, hábito alimentar e possibilidade de mastigação, para a
definição do cardápio, da consistência e do volume da dieta2-4.
Nesse sentido, as habilidades de comunicação são essenciais, esti-
mulando o paciente a participar ativamente do seu cuidado e do
estabelecimento de metas mais realistas4.

Um olhar multidisciplinar : 279


IMPORTANTE
No contexto de cuidados paliativos exclusivos, o foco não é
reabilitar ou manter o estado nutricional, mas sim oferecer
conforto e prazer. Nessa abordagem, a dieta passa a ser chamada
de dieta de conforto2,5.

Na possibilidade da dieta oral, o cardápio deve ser montado


escolhendo alimentos ou preparações que o paciente tem vontade de
comer, na quantidade que desejar e na hora que quiser se alimentar2.
Os aspectos agradáveis da alimentação, como as experiências
sensoriais (envolvendo paladar, visão e olfato, por meio de pratos
atrativos em formas, cores e cheiros), devem ser enfatizados e os
esforços voltados para fazer disto algo prazeroso, confortante e que
proporcione interação social ao paciente, sem preocupações com o
valor nutricional dos alimentos2,4.
A redução da ingesta alimentar e a perda ponderal involuntária
podem ser angustiantes para pacientes e familiares. Por essa razão,
o ambiente deve ser preferencialmente calmo e de acolhimento,
no sentido de reduzir as expectativas quanto aos benefícios dos
alimentos nessa fase da doença. É importante lembrar que é o
agravamento da doença ameaçadora da vida e sem possibilidade
de tratamento modificador, e não a falta de alimentação, que está
levando o paciente ao final da vida2,3,6.
Pacientes em cuidados paliativos podem apresentar diversas
alterações alimentares, relacionadas às morbidades ou a efeitos
adversos de medicamentos, como disfagia, disgeusia, má absorção,
desinteresse ou recusa alimentar. Na abordagem dos sintomas rela-
cionados à alimentação é importante atuar na prevenção de mani-
festações gastrointestinais2. O quadro 1 traz orientações alimentares
que auxiliam no controle de sintomas.

280 : Desmistificando cuidados paliativos


Glossário
Disfagia: dificuldade para deglutir.
Disgeusia: alteração na percepção do paladar.

Na impossibilidade da dieta oral, a dieta enteral pode ser con-


siderada, quando for pertinente ao momento de vida do paciente.
A indicação da via de alimentação deve ser amplamente discutida
entre paciente, família e equipe interdisciplinar, num processo de
tomada de decisão compartilhada2,7,9. A dieta via enteral deve ser
oferecida em quantidade energética e volumétrica toleradas pelo
paciente, evitando desconfortos ou efeitos adversos, como sobrecarga
2,9
.
A assistência nutricional tem efeito benéfico na qualidade
de vida, porém
. Nesse contexto, a utilização

2
.

Glossário
Dieta enteral: dieta administrada via sonda enteral, por meio de
cateteres nasoenterais ou ostomias.

Um olhar multidisciplinar : 281


Quadro 1 - Orientações alimentares que auxiliam no controle de sintomas
Sintoma Orientações alimentares
Náuseas e vômitos Evitar ingerir líquidos junto às refeições;
Ficar longe de cheiros fortes (não ficar próximo a cozinha
no momento da confecção das refeições ou ligar o
exaustor) e procurar se alimentar em locais arejados;
Chupar gelo para se hidratar e evitar grandes goles de água
de uma única vez;
Chupar bala, picolé ou ingerir chá de gengibre antes das
refeições;
Dar preferência a alimentos secos;
Evitar jejuns prolongados e alimentações volumosas;
Evitar alimentos gordurosos ou muito doces;
Dar preferência aos alimentos frios ou gelados;
Consumir alimentos cítricos (suco e picolé de limão ou
maracujá).
Xerostomia (boca Ingerir pequenos goles de líquidos junto com as refeições;
seca) Adicionar caldos e molhos às preparações;
Usar ervas aromáticas como temperos naturais nas
preparações, evitando sal e condimentos em excesso;
Chupar gelo feito de água, água de coco e raspadinha de
frutas;
Utilizar goma de mascar ou balas sem açúcar com sabor
cítrico para aumentar a produção de saliva.
Disgeusia Preparar pratos visualmente agradáveis e coloridos, mudar
os utensílios e organizar de forma diferente a mesa de
refeição;
Dar preferência a alimentos com sabores mais fortes;
Trocar talheres de metal por talheres de plástico;
Dar preferência aos alimentos em temperaturas extremas
(quente ou gelado) para estimular outros sentidos;
Utilizar ervas aromáticas e condimentos naturais nas
preparações;

282 : Desmistificando cuidados paliativos


Os cuidados ao enlutado requerem atuação de equipe interdis-
ciplinar que tenha por objetivo o acolhimento à integralidade do ser
humano. A maneira como se enfrenta a morte e se processa o luto
tem implicações no estado nutricional. A ingestão alimentar, um
comportamento complexo que envolve aspectos biopsicossociais,
é uma das bases do desenvolvimento das representações psíquicas
que permitirá a percepção da realidade e o alívio das tensões. Dessa
-
bolismo corporal e o comportamento alimentar10,11.

Um olhar multidisciplinar : 283


A alimentação é fundamental para a saúde e também um
lugar de expressão da afetividade. Entretanto, depois da morte de
uma pessoa querida, a imagem de um prato de comida, ou a figura
de um alimento preferido daquele que partiu, pode desencadear
sofrimento devido às representações e recordações. A ingestão
hídrica, o apetite e a alimentação diária podem, nessas condições,
ser modificadas, colocando o enlutado em risco de desidratação,
desnutrição, carências macro ou micronutrientes ou ganho de
gordura corporal em excesso10,11.
Sendo assim, o nutricionista na equipe interdisciplinar deve
estar atento às razões que podem desencadear a inadequação alimen-

na privação ou na compulsão alimentar? Com qual intensidade


o luto se associa ao transtorno alimentar identificado? Quais as
forças de coesões determinantes nesses casos clínicos? A mudança
no comportamento alimentar, que está associada ao luto, pode ser
perpetuada ou agravada, caracterizando-se como parte do luto
patológico? Mediante essa abordagem, tem-se subsídios para avaliar

de vida e nos diversos comportamentos, com ênfase na mudança


de hábito alimentar10,11.

Considerações Finais
-
liativos exclusivos devemos ressignificar o alimento e buscar
preparações que despertem a memória afetiva, proporcionando
prazer e qualidade de vida, sem o objetivo de atingir metas
nutricionais específicas.

284 : Desmistificando cuidados paliativos


não querer ingerir algo, mesmo que anteriormente tenha
demonstrado interesse.

reconhecimento dos sabores, mesmo que o paciente não consiga


deglutir, colocar pequena porção do alimento na boca (mesmo
que seja desprezada após) pode lhe trazer prazer e conforto.

ameaças de que, se o paciente não comer, será introduzida uma


sonda para alimentação.

do peso e das circunferências, devem ser evitadas, pois sinalizam


a perda de peso, o que pode angustiar pacientes e familiares.

a contribuir para a busca de alívio e reequilíbrio da qualidade


de vida.

Área de Treinamento

1. A efetivação dos cuidados paliativos perpassa pela consciência


e competência da equipe assistencial. Tal afirmativa retrata o dilema
ético que os profissionais de saúde enfrentam na abordagem ao paciente
e precisa ser precedida de uma sensibilidade, frente a fragilidade do
indivíduo no momento que não há mais possibilidade do tratamento
modificador da doença. Nesse contexto, assinale a opção que NÃO
corresponde a situação de vulnerabilidade que um indivíduo pode
apresentar e que precisam ser consideradas pelo nutricionista:

Um olhar multidisciplinar : 285


a) Idade, sexo, crenças e tabus alimentares.
b) Disponibilidade ampliada de tecnologia.
c) Estilo de vida, redes sociais e comunitárias.
d) Condições socioeconômicas, culturais e ambientais gerais.
2. A alimentação engloba vários significados e o paciente
com câncer avançado apresenta alteração metabólica importante
cursando com a Síndrome de Anorexia e Caquexia. Na paliação
dos sintomas, quais medidas devem ser tomadas pelo nutricionista
para maior conforto e melhora na qualidade de vida?
a) Dieta adequada para que o paciente possa recuperar o peso
que perdeu, em razão do câncer.
b) Passagem de SNE, mandatoriamente.
c) Dieta que favoreça o controle dos sintomas e a qualidade
de vida do paciente, de maneira individualizada.
d) Dieta de acordo com a vontade da família, já que o paciente
perde a autonomia durante o processo de fim de vida.

3- Paciente feminina, 54 anos, casada, trabalhou a vida toda


como cozinheira. Possui câncer de intestino com carcinomatose
peritoneal, já sem possibilidade de tratamento modificador de
doença, ou seja, está em cuidados paliativos exclusivos. Encontra-se
internada em razão de obstrução intestinal maligna, com sonda
nasogástrica aberta e medicações otimizadas para evitar vômitos, mas
não consegue se alimentar, o que lhe ocasiona intenso sofrimento.
A família está muito preocupada que a paciente “morra de fome”.
Diante do contexto de Cuidados Paliativos, podemos dizer que:
a) A paciente não precisa de acompanhamento nutricional,
já que não consegue se alimentar.
b) Nesse caso, estaria indicada Nutrição Parenteral Total.
c) A família não precisa de mais orientações a respeito do

286 : Desmistificando cuidados paliativos


quadro, uma vez que a paciente já está em cuidados paliativos
exclusivos.
d) A dor de não conseguir se alimentar deve ser abordada
dentro da perspectiva da dor total, com envolvimento da
equipe interdisciplinar, acolhimento ao paciente e à família.

1 - Pinho NB (org); Ministério da Saúde; Instituto Nacional de


Câncer José Alencar Gomes da Silva. Consenso nacional de nutrição
oncológica. 2 ed. Rio de Janeiro: INCA; 2016. 112p.
2 – Magalhães ES, Oliveira AEM, Cunha NB. Atuação do nutricio-
nista para melhora da qualidade de vida de pacientes oncológicos
em cuidados paliativos. Arch Health Sci. 2018 jul-dez;25(3):4-9.
3 - Mariluce Sochacki M, Luciana F Fialho LF, Neves M, Silva
ACSB, Barbosa LA, Cordeiro R. A dor de não mais alimentar. Rev
Bras Nutr Clin. 2008;23(1):78-80.
4 – Richardson R, Davidson I. The contribution of the dietitian
and nutritionist to palliative medicine. In: Cherny NI, Fallon MT,
Kaasa S, Portenoy RK, Currow DC (Ed.). Oxford Textbook of
Palliative Medicine. 5 ed. Oxford University Press; 2015. p. 191-6.
5 - Palecek EJ, Teno JM, Casarett DJ, Hanson LC, Rhodes RL,
Mitchell SL. Comfort feeding only: a proposal to bring clarity to
decision-making regarding difficulty with eating for persons with
advanced dementia. J Am Geriatr Soc. 2010 Mar;58(3):580-4.
6 - Reis CP; Suporte Nutricional em Cuidados Paliativos. Nutrí-
cias.2012 dez;15:24-7.
7 – Benarroz MO, Faillace GBD; Barbosa LA. Bioética e nutrição
em cuidados paliativos oncológicos em adultos. Cad Saude Publica.
2009;25(9):1875-82.

Um olhar multidisciplinar : 287


8 - Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Guia
de nutrição para pacientes e cuidadores: orientações aos pacientes.
3 ed. Rio de Janeiro: INCA; 2015. 16p.
9 – Castro JMF, Frangella VS, Hamada MT. Consensos e dissensos
na indicação e continuidade da terapia nutricional enteral nos cuidados
paliativos de pacientes com doenças crônicas não transmissíveis.
ABCS Heath Sci.2017;42(1):55-9.
10 - Perez GH; Romano BW. Comportamento alimentar e síndrome
metabólica: aspectos psicológicos. Rev. Soc. Cardiol. Estado de São
Paulo. 2004 jul-ago;14(4):544-50.

e suas implicações nas condutas nutricionais. Cien Saude Colet.


2013 set;18 (9):2769-79.

Questão 1 – b
Questão 2 – c
Questão 3 – d

288 : Desmistificando cuidados paliativos


17
CuIDADos pALIAtIVos nA
eMerGÊnCIA: É possÍVeL?

“O sofrimento humano só é intolerável quando ninguém cuida.”


(Cicely Saunders)
Melissa Gebrim Ribeiro

O setor de emergência, pronto socorro ou pronto atendimento,


apesar de ser um local direcionado a pacientes com doenças agudas
ou traumas, muitas vezes, é porta de entrada de pacientes com
doenças crônicas avançadas que buscam alívio de sintomas. Além
disso, alguns pacientes são levados ao pronto socorro por seus cui-
dadores em razão de sobrecarga de cuidados, física ou psicológica1.
Após o atendimento pelo setor de emergência, o ideal seria que
os pacientes recebessem alta, após breve período de compensação
clínica, ou fossem redirecionados a uma unidade hospitalar espe-
cializada. Alguns pacientes, porém, já chegam em estágio avançado
de uma doença crônica, ou mesmo em fim de vida, sem condições
de redirecionamento, e morrem no pronto socorro. Apesar de os
cuidados no fim de vida não serem a função primária do serviço de
emergência, pacientes com doenças agudas acabam dividindo espaço
físico com pacientes em estágio de fim de vida e famílias enlutadas1.
A medicina de emergência foi desenvolvida como a especia-
lidade que promove medidas sustentadoras e de prolongamento
da vida como tratamento para pacientes com doenças agudas.

Um olhar multidisciplinar : 289


Porém, para aqueles pacientes com doenças crônicas, avançadas,
em estágio de fim de vida, os tratamentos oferecidos pelo serviço de
emergência com o tradicional prolongamento da vida podem não
ser concordantes com os objetivos de cuidado ou com a vontade
dos pacientes. Muitas vezes, os familiares desses pacientes buscam
o serviço de emergência por se sentirem inaptos e inseguros para
o cuidado de fim de vida em domicílio, seja pela dificuldade em
controlar os sintomas, seja pela incapacidade ou cansaço físico ou
-
cação entre profissionais de saúde e familiares2,3.
Assim, o serviço de emergência, que funciona 24 horas por dia
e 7 dias por semana, torna-se o local que pode promover intervenções
necessárias (por exemplo, medicações intravenosas, medicações para
dor e controle de outros sintomas). Por esse motivo, há grande neces-
sidade de se treinar os profissionais de saúde e ofertar Cuidados
Paliativos no serviço de emergência. As doenças crônicas são as
principais causas de morte, e são acompanhadas por alta preva-
lência de sofrimento físico, psicossocial, espiritual, sofrimentos que
devem ser abordados no ambiente de pronto socorro4.
A necessidade de tal abordagem tende a aumentar, uma
vez que, com o envelhecimento da população, a procura pelo
pronto socorro aumentará, principalmente por idosos portadores
de doenças crônicas e complexas. Portanto, a presença de idosos
no serviço de emergência em condições críticas, pode requerer
uso de medidas invasivas e prolongadoras de vida, ou tratamento
de suporte clínico e paliativo4. A decisão sobre o tratamento a ser
ofertado deve ser baseado na proporcionalidade do cuidado, que
consiste na proporção entre5-7:
conhecimento médico
técnico sobre a diferença que o tratamento faria em termos
de prognóstico, incluindo morbidade, mortalidade ou
funcionalidade, segundo as melhores evidências disponíveis;

290 : Desmistificando cuidados paliativos


determinação subjetiva do que o paciente ou seu
representante legal percebem como sendo de valor para seu
próprio bem, segundo seus objetivos ligados ao tratamento
proposto;
custos físicos, emocionais,
econômicos ou sociais impostos ao paciente pelo tratamento.
No âmbito médico é factual, no âmbito do paciente é subjetiva.
Um dos desafios na implementação de Cuidados Paliativos
no serviço de emergência é o treinamento limitado de médicos
emergencistas no manejo desses pacientes, pois podem não respeitar
totalmente preferências e expectativas de cuidados dos mesmos,
além de não saber como abordar os sofrimentos pelos quais passam
pacientes e familiares. Logo, existem poucas evidências sobre
como o serviço de emergência pode manejar pacientes clínica e
socialmente complexos, promovendo continuidade dos cuidados e
evitando admissões desnecessárias8. Todavia, apesar do treinamento
limitado do emergencista e das poucas evidências sobre o manejo de
pacientes que necessitam de Cuidados Paliativos no pronto socorro, o
número de pacientes portadores de doenças crônicas, ameaçadoras
à vida, que se apresentam ao serviço de emergência em momento
de “crise”, com sintoma desconfortável, tende a aumentar. Então, o
médico emergencista pode seguir os seguintes passos na abordagem
ao paciente em Cuidados Paliativos8-10:

medicina baseada em evidências;

paciente (tomada de decisão compartilhada, considerando


valores do paciente).
O pronto socorro pode estabelecer a trajetória de cuidados que
o paciente receberá a partir de sua internação (para melhor ou para
pior, ou seja, usando medidas prolongadoras de vida e acarretando

Um olhar multidisciplinar : 291


distanásia, ou promovendo conforto, e se possível, transferindo o
paciente para unidade especializada ou dando alta para casa)9.
Entretanto, não é simples seguir os passos acima, pois existem
várias dificuldades no momento em que o paciente chega ao serviço
de emergência, tais como2:

Diretivas Antecipadas de Vontade.

mais próximo, que nem sempre é o local ao qual os pacientes


desejam ir (por exemplo, tratamento ambulatorial pode
ocorrer em outro hospital); e por esse motivo, prontuário
médico pode não ser acessível, e a comunicação com pacientes
e familiares pode ser mais difícil, uma vez que podem apre-
sentar-se angustiados por estarem em local diferente daquele
que gostariam de ser atendidos.

motivo de entrada no serviço, comorbidades, tratamento


atual, expectativas e desejos do paciente; assim como o paciente
pode estar acompanhado por alguém que não conhece seus
problemas de saúde.

em gasping), o que torna difícil ou impossível o diálogo com


familiares antes de iniciar medidas salvadoras.

discutir objetivos de cuidados, uma vez que o médico assis-


tente deveria antecipar-se a momentos de crise, e discutir tais
assuntos.
Assim, diante das dificuldades citadas, uma forma de se estabele-
cer os cuidados adequados ao paciente portador de doença crônica e
ameaçadora à vida que chega ao pronto socorro é, simultaneamente

292 : Desmistificando cuidados paliativos


às intervenções médicas não invasivas, abordar paciente, familiares
e acessar o prontuário, até que se esclareçam quais os objetivos de
cuidados, incluindo ou não a necessidade de medidas invasivas e
sustentadoras de vida. Portanto, a Quadro 1 é útil para sistematizar
a abordagem ao paciente em Cuidados Paliativos10.

IMPORTANTE
Quando o paciente portador de doença crônica chega à
emergência:
- Iniciar intervenções médicas não invasivas.
- Acessar prontuário e conversar com familiares para avaliar
necessidade ou não de medidas invasivas.

Quadro 1 - Abordagem de paciente em Cuidados Paliativos no Pronto Socorro


Advance directive (Diretivas Avançadas de Vontade):
A - Checar prontuário; conversar com familiares e equipe que transportou paciente
sobre existência de Diretivas Antecipadas de Vontade.
Better symptom control (Controlar sintomas):
B - Controlar sintomas, enquanto se evitam medidas invasivas.
- Avaliar o benefício de medidas invasivas.
Caregivers (Cuidadores):
- Promovem segurança ao paciente (permitir acompanhamento);
C - Contextualizam objetivos de cuidado, funcionalidade recente, mudanças clínicas
da doença de base: para avaliação de proporcionalidade e benefícios do tratamento
a se realizar no Pronto Socorro com tomada de decisão compartilhada.
Decision-making capacity (Capacidade de tomar decisão):

D - Avaliar capacidade do paciente de tomar decisões (exercer autonomia), e


conversar com o mesmo sobre intervenções médicas, tratamento e objetivos de
cuidados.
Fonte: Fonte: Adaptado de DeSandre, May10

Um olhar multidisciplinar : 293


IMPORTANTE
Essa sistematização ao abordar um paciente em Cuidados

os objetivos de cuidados médicos. Com essas informações,


é possível tomar -

10
.

Nesse contexto, a avaliação funcional em Cuidados Paliativos


é fundamental para a vigilância da curva evolutiva da doença e se
constitui em elemento valioso na tomada de decisões, previsão de
prognóstico e diagnóstico da terminalidade. Portanto, para se
avaliar a funcionalidade de um paciente, pode-se utilizar a escala
PPS (Palliative Performance Scale) - Quadro 211.
Estabelecer objetivos de cuidados é prática rotineira no serviço
de emergência, uma vez que pacientes se apresentam em todas as
fases de uma doença, portanto neste local estabelece-se a necessidade
e decisão urgente de cirurgia, ou de se colocar o paciente em venti-
lação mecânica, de transferí-lo a uma unidade de terapia intensiva,
e muitas vezes, promover suporte clínico e sintomático quando o
paciente está em fim de vida, para que possa falecer com dignidade.
Médicos e pacientes devem alinhar seus objetivos para assegurar que
intervenções médicas sejam benéficas ao paciente. Antes de qualquer
teste diagnóstico ou intervenção médica no pronto socorro, o clínico
deve antecipar os possíveis resultados provenientes dessa intervenção.
Se não houver mudança clínica ou resultado com o procedimento,
portanto é racional e adequado não prosseguir com a intervenção.
Outras medidas podem ser mais razoáveis, limitando sofrimento,
assegurando que o paciente possa falecer em paz, em um ambiente
tranquilo10.

294 : Desmistificando cuidados paliativos


Um olhar multidisciplinar : 295
Dessa forma, o emergencista além de saber controlar sintomas
(conhecer titulação e uso de opióides para controle de dor, conhecer
medidas para controle de dispneia, hipersecreção de vias aéreas,
dentre outras medidas para os mais diversos sintomas físicos), deve
também conhecer técnicas de comunicação1,2,10. É por meio da
boa comunicação que notícias difíceis são fornecidas a pacientes e
familiares de forma compassiva, seja a notícia sobre finitude próxima
do paciente, seja a notícia sobre o falecimento de um ente querido.
Os clínicos no serviço de emergência podem não saber qual a melhor
forma de abordar um paciente ou familiar para dar más notícias,
contudo essas conversas sensíveis devem acontecer e existem modelos
educacionais sobre técnicas de comunicação10,12,13.
A boa comunicação também é exigida dos clínicos no pronto
socorro quando se deparam com pacientes idosos, portadores de
doença crônica não oncológica, em intercorrência aguda e comum à
história natural de sua doença de base, podendo cursar com insuficiência
respiratória e possibilidade de intervenção invasiva com ventilação
mecânica. Nesses casos, em que os pacientes são idosos, porém com
doença potencialmente debilitante, os médicos devem conversar e
informar pacientes e familiares sobre as possibilidades de resultados
frente à uma intervenção invasiva e no caso de não intervir. Ou seja,
os médicos também devem informar sobre o que pode ocorrer com o
idoso após uma intubação orotraqueal. A falta de informações quanto
ao prognóstico de idosos, que são intubados de forma emergencial,
limita a capacidade do médico de ajudar paciente e familiares a
decidirem sobre suas preferências nesse momento crítico14.

296 : Desmistificando cuidados paliativos


Segundo o estudo de Kei Ouchi et al14, intubações orotraqueais
emergenciais de idosos estão se tornando cada vez mais frequentes e
estima-se que ocorra o dobro entre 2001 e 2020. Os idosos intubados
podem não sobreviver e, quando sobrevivem, podem ter piora na
qualidade de vida. Além disso, quando questionados, mais de 70% dos
idosos com doenças crônicas avançadas preferem qualidade de vida
e qualidade de morte à longevidade e consideram algumas situações
de saúde piores do que a morte. Ainda assim, 56 a 99% dos idosos
norte-americanos não possuem Diretivas Antecipadas de Vontade
quando chegam ao serviço de emergência em situação crítica.
Portanto, a tomada de decisão entre clínicos, pacientes e
familiares responsáveis depende da viabilidade de informações quanto
aos possíveis resultados. O estudo de Kei Ouchi et al14 demonstrou
que 33% dos idosos intubados no serviço de emergência morrem no
hospital, com a mortalidade aumentando com a idade (chegando a
50% nos maiores de 90 anos). Um outro estudo anterior14,15 mostrou
que 13% dos sobreviventes, necessitariam de ventilação mecânica
prolongada; desses, 35% tornariam-se dependentes dessa ventilação.
E mesmo entre aqueles que conseguissem sair da ventilação mecânica,
40% teriam incapacidade funcional grave após alta hospitalar, a menos
que seu status funcional prévio fosse completamente normal14,16.
Setenta e quatro porcento desses idosos não escolheriam o tratamento
invasivo se lhes fossem antecipado o dado sobre a incapacidade fun-
cional importante em caso de sobrevivência14,17.
Nos casos de doenças crônicas não oncológicas, além da ava-
liação da performance, e de se considerar a idade do paciente, uma ferra-
menta útil, que pode auxiliar na tomada de decisão, é o NECPAL18,
cujos indicadores adaptados são mostrados nos Quadros 3 e 419.

IMPORTANTE
A tomada de decisão entre clínicos, pacientes e familiares
responsáveis
quanto ao

Um olhar multidisciplinar : 297


prognóstico de idosos que são intubados de forma emergencial,
-

crítico. Segundo Ochi et al14, 74% dos idosos não escolheriam


o tratamento invasivo se lhes fosse antecipado o dado sobre a
incapacidade funcional importante em caso de sobrevivência.

Quadro 3 - Indicadores clínicos para identificar pacientes com maior probabilidade de


necessidade de Cuidados Paliativos

Questão intuitiva que integra comorbidades, aspectos sociais e outros fatores:


Você se surpreenderia se este paciente morresse nos próximos 12 meses? SIM ( ) NÃO ( )
O paciente com doença avançada ou o principal cuidador solicitou tratamento
exclusivamente paliativo ou de conforto? Eles sugeriram Limitação do Esforço SIM ( ) NÃO ( )
Terapêutico ou rejeitaram tratamentos específicos ou com fins curativos?
A equipe assistente identificou necessidade de Cuidados Paliativos? SIM ( ) NÃO ( )

INDICADORES CLÍNICOS GERAIS


(qualquer 1 dos seguintes indicadores, nos últimos 6 meses)
Declínio Nutricional:
Perda de peso > 10% SIM ( ) NÃO ( )
Declínio Funcional:
Declínio de > 30% na Escala de Performance Paliativa (PPS) SIM ( ) NÃO ( )
Declínio Cognitivo:
Declínio no Mini Exame do Estado Mental (se possível avaliar) OU SIM ( ) NÃO ( )
Declínio cognitivo prévio SIM ( ) NÃO ( )

Dependência acentuada: Condições psicossociais


Escala de Performance prévias:
Paliativa (PPS) < 50% SIM ( ) NÃO ( ) Ansiedade SIM ( ) NÃO ( )
Depressão SIM ( ) NÃO ( )
Vulnerabilidade social SIM ( ) NÃO ( )
Sinais e sintomas geriátricos Múltiplas morbidades
recorrentes ou persistentes prévias:
(dados prévios): > 2 morbidades crônicas
Quedas SIM ( ) NÃO ( ) (lista específica de SIM ( ) NÃO ( )
Infecções SIM ( ) NÃO ( ) indicadores)
Disfagia SIM ( ) NÃO ( )
Úlceras por pressão SIM ( ) NÃO ( )
Delirium SIM ( ) NÃO ( )
Sintomas persistentes: Uso de recursos:
Dor SIM ( ) NÃO ( ) > De 2 internações não
Náuseas / Vômitos SIM ( ) NÃO ( ) planejadas nos últimos 6 SIM ( ) NÃO ( )
Dispneia SIM ( ) NÃO ( ) meses
Caquexia / Hiporexia SIM ( ) NÃO ( )
Fadiga SIM ( ) NÃO ( )
Sonolência / Insônia SIM ( ) NÃO ( )

Fonte: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal 19

298 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 4 - Lista específica de indicadores clínicos para identificar pacientes com maior
probabilidade de necessidade de Cuidados Paliativos

LISTA ESPECÍFICA DE INDICADORES


(morbidades prévias)
DOENÇA NEOPLÁSICA: CIRROSE HEPÁTICA AVANÇADA:

Câncer metastático (estágio IV e estadio Classificação Child C SIM ( ) NÃO ( )


III nos casos de pulmão, pâncreas,
estômago e esôfago) que apresentam SIM ( ) NÃO ( ) Ascite refratária a diuréticos SIM ( ) NÃO ( )
baixa resposta ou contraindicação a
tratamento específico Síndrome hepatorrenal SIM ( ) NÃO ( )

Progressão durante o tratamento ou Hemorragia digestiva alta devido à


metástases para órgãos vitais (SNC, SIM ( ) NÃO ( ) hipertensão portal com falha de resposta SIM ( ) NÃO ( )
fígado, pulmão) ao tratamento farmacológico e
endoscópico
Sintomas refratários (persistência
apesar de tratamento otimizado) SIM ( ) NÃO ( ) Carcinoma hepatocelular estadio C ou D SIM ( ) NÃO ( )

DOENÇA CARDÍACA CRÔNICA: DOENÇA PULMONAR CRÔNICA:

Insuficiência cardíaca estágio III ou IV da Dispneia em repouso ou aos mínimos


NYHA (New York Heart Association), SIM ( ) NÃO ( ) esforços SIM ( ) NÃO ( )
doença valvar grave NÃO operável ou
doença coronariana NÃO operável Sintomas apesar de otimização
terapêutica SIM ( ) NÃO ( )
Dispneia em repouso ou aos mínimos SIM ( ) NÃO ( )
esforços Critérios de gravidade pela espirometria:
VEF1 < 30% ou CVF < 40% / DLCO < SIM ( ) NÃO ( )
Ecocardiografia mostrando FE < 30% ou 40%
hipertensão pulmonar grave (> 60 SIM ( ) NÃO ( )
mmHg) Oxigenioterapia domiciliar SIM ( ) NÃO ( )

Insuficiência renal associada (TFG < 30 SIM ( ) NÃO ( ) Insuficiência cardíaca sintomática (cor
L/min) pulmonale) SIM ( ) NÃO ( )

Admissões hospitalares recorrentes (> 3


internações em 12 meses devido a SIM ( ) NÃO ( )
exabarções de DPOC)

DOENÇA NEUROLÓGICA MOTORA DOENÇA VASCULAR CEREBRAL


(Doença do Primeiro Neurônio Motor, CRÔNICA:
Esclerose Múltipla, Esclerose Lateral
Amiotrófica, Doença de Parkinson): Fase aguda (< 3 meses após o Acidente
Vascular Cerebral): persistência de SIM ( ) NÃO ( )
Deterioração progressiva da função rebaixamento do nível de consciência
física e/ou cognitiva, apesar de terapia SIM ( ) NÃO ( )
adequada Fase crônica (> 3 meses após o Acidente
Vascular Cerebral): complicações clínicas SIM ( ) NÃO ( )
Sintomas complexos e difíceis SIM ( ) NÃO ( ) reincidentes

Problemas de fala com dificuldade Demência Vascular em fase grave SIM ( ) NÃO ( )
crescente de comunicação SIM ( ) NÃO ( )

Disfagia progressiva SIM ( ) NÃO ( )

Pneumonia por aspiração recorrente /


frequente dispneia ou insuficiência SIM ( ) NÃO ( )
respiratória

DEMÊNCIA: FRAGILIDADE:

Progressão de declínio funcional, Avaliação Geriátrica Ampla sugerindo


nutricional ou cognitivo SIM ( ) NÃO ( ) piora da fragilidade SIM ( ) NÃO ( )

Fonte: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal 19

Um olhar multidisciplinar : 299


Por fim, para cuidar de pacientes em Cuidados Paliativos no
Pronto Socorro, o clínico deve ter algumas habilidades essenciais20:

especializados (ambulatorial e internação).

clínico do paciente.

Naqueles hospitais que possuem o serviço de Cuidados Palia-


tivos, os profissionais podem ser acionados por meio de pareceres/
interconsulta para auxiliar nos cuidados ao paciente, com discussão
do caso, promovendo melhor controle dos sintomas, auxiliando na
alta hospitalar com a transferência para unidade especializada ou
para casa com acompanhamento de equipes de atenção domiciliar,
ou mesmo já com consulta ambulatorial agendada.

300 : Desmistificando cuidados paliativos


IMPORTANTE
A colaboração entre os serviços de medicina interna, emergência
e cuidados paliativos é a chave para melhorar os cuidados de
pacientes em fim de vida21.

Considerações Finais

será cada vez mais frequente.

de más notícias.

com familiares e paciente.

da funcionalidade do paciente são ferramentas importantes para


o clínico.

interdisciplinar, é imprescindível para promover um melhor


cuidado ao paciente.

Área de treinamento

1) EGR, masculino, 82 anos, portador de demência avançada,


acamado, completamente dependente para o auto cuidado, é levado
pelo SAMU à emergência, devido dispneia e queda do estado geral.
Familiares estão presentes e relatam febre há 2 dias, maior sonolência
e apatia nesse período, também relatam que paciente contactua, fala
mais de 12 palavras por dia, consegue ficar sentado de forma ereta,

Um olhar multidisciplinar : 301


mas os alimentos são fornecidos, pois o mesmo não consegue levar a
comida à boca. Referem que essa é a terceira internação no período
de 1 ano. Pergunta-se (marque verdadeiro ou falso):
( ) Médico deve solicitar exames laboratoriais, Rx de tórax,
para avaliar possível pneumonia broncoaspirativa. Solicitar pas-
sagem de SNE para início de dieta, e conversar com familiares
sobre traqueostomia para proteção de vias aéreas, assim como
sobre programação de gastrostomia.
( ) Equipe de saúde deve conversar com familiares, avaliar
conhecimento sobre doença e sua evolução, avaliar sofrimentos
sociais, espirituais e psicológico dentro do núcleo familiar do
paciente.
( ) O início de antibioticoterapia não está indicada neste
caso, pois paciente é portador de doença incurável, logo o
tratamento da pneumonia evitará o processo de morte do
paciente.

2) FTA, 43 anos, é levada à emergência pelo SAMU devido


convulsão e rebaixamento do nível de consciência. Estava acompanha-
da do marido, que não conseguia dar muitas informações sobre o
caso. Relatou que a esposa possuía câncer de mama. FTA chegou à
emergência próximo à troca de plantão, e evoluiu com taquipneia
e desconforto respiratório. Qual a melhor conduta?
a) Médico plantonista prontamente solicita carrinho de parada
e equipe de enfermagem para proceder com intubação da
paciente, uma vez que, mesmo portando doença crônica e
ameaçadora à vida, o conforto respiratório poderá ser realizado
com intubação e ventilação mecânica.
b) Conversando com marido, equipe descobre que paciente
possui metástase cerebral, então médico a define como
Cuidados Paliativos Exclusivos e explica ao marido que a
mesma está morrendo e não há nada a ser feito.

302 : Desmistificando cuidados paliativos


c) Médico inicia medicações para controle de dispneia, assim
como oxigenioterapia; procura prontuário da paciente para ter
acesso a maiores informações, além de conversar com marido
da mesma para entender funcionalidade e evolução da doença.
Decide não proceder com medidas invasivas ao saber pelo
marido que paciente já apresentava-se totalmente acamada
e completamente dependente, além de o prontuário relatar
metástases inclusive em SNC, e suspensão da quimioterapia
há 4 meses.
d) Médico relata ao marido que paciente está muito grave,
com insuficiência respiratória e questiona se ele quer a reali-
zação de procedimentos invasivos ou não, pois sem intubação
orotraqueal a paciente morrerá.

3) RTF, 67 anos, masculino deu entrada na emergência


há 2 dias devido rebaixamento do nível de consciência. Paciente
fora encontrado em via pública e levado por bombeiros ao pronto
socorro. Foram realizados exames laboratoriais e de imagem que
constataram AVC hemorrágico com efeito de massa e desvio de
linha média. Neurocirurgia chegou a abordar, porém não houve
melhora do quadro, ocorrendo novo sangramento 3 dias após
abordagem com herniação. Os familiares do paciente moravam fora
da cidade, só tiveram notícias de que RTF estava internado após 5
dias da internação. Quando chegaram no pronto socorro, viram o
paciente intubado, em uso de ventilação mecânica, com vários dis-
positivos no corpo. Esperaram 1 hora para conversar com o médico
plantonista, pois o mesmo estava atendendo intercorrências. Qual
a melhor abordagem?
a) Equipe de enfermagem ao saber da presença dos familiares
e perceber que estão ansiosos, sem entender a função dos
dispositivos, orientam sobre gravidade do quadro e relatam

Um olhar multidisciplinar : 303


que paciente está dependendo dos aparelhos para viver, porém
não há mais nada a fazer, a não ser desligar tais aparelhos para
que paciente descanse.
b) Médico faz uma rápida passagem pelo leito, relata que
paciente está grave, sem possibilidade de melhora, que não
há mais nada a fazer a não ser aguardar e rezar.
c) Com empatia, equipe de plantão procura entender dinâ-
mica familiar, então relatam que o paciente teve um AVC
hemorrágico com herniação, está grave, sedado, em uso de
drogas vasoativas, recebendo todas as medidas para que possa
melhorar.
d) Equipe de plantão conversa com familiares, explica como
paciente chegou à emergência, e relata que o mesmo está grave.
Utilizando técnicas de comunicação, médico e enfermeira dão
notícias difíceis, relatam que paciente está em cuidados paliati-
vos, recebendo medidas de conforto, porém sem possibilidade
de recuperação. Explicam sobre a possibilidade de extubação
paliativa para compartilhar tomada de decisão com familiares.

1) Lawson BJ et al. Palliative Care Patients in the Emergency De-


partment. J Palliat Care. 2008 ; 24(4): 247–255.
2) Grudzen, RC et al. The Palliative Care Model for Emergency
Department Patients with Advanced Illness. Journal of Palliative
Medicine, Volume 14, Number 8, 2011
3) Chan GK, End-of-life Models and Emergency Department Care.
ACAD EMERG MED d January 2004.
4) Grudzen RC et al. Palliative Care Needs of Seriously Ill, Older
Adults presenting to the Emergency Department. ACAD EMERG

304 : Desmistificando cuidados paliativos


5) Moritz RD, Rossini JP, Deicas A. Cuidados Paliativos na UTI:
definições e aspectos éticos e legais. In: Moritz RD (Org.). Cuidados
Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva. São Paulo: Editora-
Atheneu; 2012. p. 19-32.
6) Moritz RD, Deicas A, Capalbo M, Forte DN, Kretzer LP, Lago
P, et al. II Fórum do “Grupo de Estudos do Fim da Vidado Cone
Sul”: definições, recomendações e ações integradas para cuidados
paliativos na unidade de terapia intensiva de adultos e pediátrica.
RevBras Ter Intensiva. 2011;23(1):24-9
7) Forte DN, Carvalho RT. Processo de tomada de decisão: como
diferenciar as fases de assistência paliativa na UTI. In: Moritz RD
(Org.). Cuidados Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva. São
Paulo: EditoraAtheneu; 2012. p. 33-40.
8) Soares DS, Nunes CM, Gomes B. Effectiveness of Emergency
Department Based Palliative Care for Adults with Advanced Disease:
A Systematic Review. JOURNAL OF PALLIATIVE MEDICINE
Volume 19, Number 6, 2016
9) Lamba S et al. integration of Palliative Care Into Emergency
medicine: They improving Palliative Care in Emergency Medicine
Collaboration. The Journal of Emergency Medicine, Vol. 46, No.
2, pp. 264–270, 2014
10) DeSandre P, May K. Palliative care in the emergency de-
partment. In: Cherny NI, Fallon MT, Kaasa S, Portenoy RK,
Currow DC (Ed). Oxford Textbook of Palliative Medicine. 5a ed.
Oxford University Press; 2015. p.117 - 124
11) Maciel MGS. Avaliação do paciente em Cuidados Paliativos.
In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de Cuidados Paliati-
vos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia Nacional de
Cuidados Paliativos; 2012. p. 31-41.
12) Baile WF et al. Spikes - um protocolo em seis etapas para trans-
mitir más noticias: aplicação ao paciente com câncer. The oncologist
2000; 5:302-311

Um olhar multidisciplinar : 305


13) Benenson RS, Pollack ML. Evaluation of emergency medicine
resident death notification skills by direct observation. Acad emerg
med 2003; vol.10, n. 3
14) Ouchi K. et al. Prognosis After Emergency Department Intu-
bation to Inform Shared Decision-Making. JAGS 2018
15) Seneff MG, Zimmerman JE, Knaus WA, Wagner DP, Draper
EA. Predict- ing the duration of mechanical ventilation. The impor-
tance of disease and patient characteristics. Chest 1996;110:469–
479.
16) Dermot Frengley J, Sansone GR, Shakya K, Kaner RJ. Prolonged
mechani- cal ventilation in 540 seriously ill older adults: Effects of
increasing age on clinical outcomes and survival. J Am Geriatr Soc
2014;62:1–9.
17) Fried TR, Bradley EH, Towle VR, Allore H. Understanding
the treatment preferences of seriously ill patients. N Engl J Med
2002;346:1061–1066.
18) Gómez-Batiste X, Martínez-Muñoz M, Blay C, Amblàs J,
Vila L, Costa X, et al. Recommendations for the comprehensive
and integrated care of persons with advanced chronic conditions
and life-limited prognosis in health and social services: NECPAL-
CCOMS- ICO© 3.0; 2016. 13 p.
19) Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Portaria
nº 418, de 04 de maio de 2018. Protocolo de Atenção à Saúde.
Diretrizes para Cuidados Paliativos em pacientes críticos adultos
admitidos em UTI. Diário Oficial do Distrito Federal, 17 mai 2018.
20) Devader T, Quest T. Palliative Care in the emergency department.
In: Bruera E, Higginson I, Gunten CH, Morita (Ed.). Textbook of
Palliative Medicine and Supportive Care. 2a ed. CRC press; 2015.
p 1229-1234.

306 : Desmistificando cuidados paliativos


21) Cotogni P, Luca A, Saini A, Brazzi L. Unplanned hospital
admissions of palliative care patients: a great challenge for internal
and emergency medicine physicians. Intern Emerg Med, 2017.

1) F V F
2) c
3) d

Um olhar multidisciplinar : 307


18
CuIDADos pALIAtIVos nA
unIDADe De terApIA IntensIVA

“Assim como um dia bem aproveitado proporciona um bom sono,


uma vida bem vivida proporciona uma boa morte.”
(Leonardo da Vinci)
Thayana Louize Vicentini Zoccoli
Melissa Gebrim Ribeiro

A Medicina Intensiva se destina a diagnosticar e tratar


pacientes em iminente risco de morte, porém com agravos poten-
cialmente reversíveis. Nesse contexto, incontáveis são as vidas salvas
em situações críticas. Entretanto, pacientes agudamente enfermos
podem evoluir com falência de múltiplos órgãos e sistemas, dentro
da Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Além disso, as UTIs
passaram a receber, também, pacientes portadores de doenças
crônico-degenerativas com intercorrências clínicas as mais diversas
e que são contemplados com os mesmos cuidados oferecidos aos
agudamente enfermos. Se, para os últimos, com frequência alcança-se
plena recuperação, para os crônicos pouco se oferece além de um
sobreviver precário: adia-se a morte às custas de insensato e prolon-
gado sofrimento para o paciente e sua família, subestimando o
conforto do paciente1-3.

308 : Desmistificando cuidados paliativos


A partir da década de 1950, o desenvolvimento de técnicas
artificiais de manutenção da vida ou de substituição de órgãos em
UTI modificou a relação da sociedade com a morte. Todavia, ainda
que se multipliquem equipamentos e recursos terapêuticos para
prolongar a vida, a morte será sempre uma possibilidade. Outrossim,
o poder de intervenção médica cresceu sem que ocorresse, simul-

qualidade de vida dos pacientes4,5.


Os pacientes críticos são frágeis, tem elevado risco de morta-
lidade e seu prognóstico imediato é frequentemente incerto. Além
disso, são submetidos a procedimentos invasivos desagradáveis,
sofrem de dor e desconforto, e são altamente dependentes. Os
membros da família, sob pressão, também são envolvidos nos
processos de tomada de decisão. Nestas circunstâncias, os princípios
dos Cuidados Paliativos são fundamentais4.
Os objetivos tradicionais dos cuidados intensivos são reduzir
a morbidade e a mortalidade associadas com a doença crítica,
manter a função orgânica e restaurar a saúde. Os cuidados devem,
ainda, visar devolver ao paciente funcionalidade e qualidade de vida
aceitáveis para ele mesmo e reduzir deficiências. Por outro lado,
quando os objetivos tradicionais não podem mais ser atingidos,
quando a disfunção orgânica de uma doença crítica não pode
mais ser revertida ou quando o suporte à vida pode gerar resultados
incongruentes com os valores do paciente, deve-se lhe assegurar
dignidade e apoiar com compaixão o processo de morrer6-8. Em
todos os momentos busca-se minimizar o sofrimento. Nesse con-
texto, indicam-se Cuidados Paliativos em ambientes intensivos

2
.

Um olhar multidisciplinar : 309


Qualidade e dignidade de morte

O conceito de “qualidade de vida” inclui, em seus parâmetros,


a “qualidade de morte”. Aproximadamente metade dos pacientes
internados em UTI morrerão durante a internação e, em alguns
países, quase um quinto do número total das mortes de adultos
ocorrem em uma UTI4.
Na maioria das vezes, os doentes são admitidos em UTI
quando existe possibilidade de reversão da doença. Entretanto a
evolução pode ser desfavorável tanto para aqueles previamente
hígidos quanto para os que sofrem de doenças crônico-degenerativas
e apresentam uma intercorrência aguda e potencialmente reversível.
Sendo assim, é comum que o paciente crítico não percorra todas as
etapas de uma doença que leva a morte, e passe do bom estado geral
pré-internação para a fase final de vida, em que o cuidado paliativo
se torna o foco do cuidado1.
Além disso, é comum a admissão na UTI de pacientes em
condições muito graves e com baixa perspectiva de benefício, subme-
tidos muitas vezes a intervenções obstinadas, que podem prolongar
o processo de morte natural e aumentar o sofrimento dos pacientes9.

IMPORTANTE
Pacientes com doença incurável e em fase final de vida usual-
mente não se beneficiam do tratamento em UTI e podem ser
tratados com dignidade em outras unidades de internação
(enfermaria, unidades intermediárias e unidades de cuidados
paliativos) ou mesmo em domicílio9.

310 : Desmistificando cuidados paliativos


A definição de “morrer com dignidade” inclui a qualidade
intrínseca do valor, inerente ao ser humano, e também qualidades
externas de conforto físico, autonomia, significado, espiritualidade
e relacionamento interpessoal. Preservar a dignidade, evitar danos e

do cuidado aos pacientes no final da vida6-8,10.


Na manutenção da dignidade é fundamental compreender
as perspectivas únicas de cada paciente sobre o que dá sentido à
vida em um ambiente repleto de dispositivos despersonalizantes.
Além disso, para que seja oferecido cuidado paliativo de qualidade,
supõe-se o respeito à autonomia do paciente e suas preferências em
relação a situações de fim de vida6,10,11.
Cada vez mais, os profissionais convivem com o dilema de
quando não utilizar toda a tecnologia disponível, entre salvar a
vida ou prolongar a morte1-3,12,13. A limitação de tratamentos
considerados fúteis ou inúteis, evitando a obstinação terapêutica, e
a introdução de procedimentos médicos que visam promover alívio
e conforto ao paciente com doença que ameaça a vida são práticas
recomendadas pela Associação Médica Mundial, Conselho da
Europa, Corte Europeia de Direitos Humanos e supremas cortes de
diferentes países, como Canadá, Estados Unidos e Reino Unido1,3.

Glossário
Obstinação terapêutica: adotar ou manter procedimentos tera-
pêuticos fúteis, cujos efeitos são mais nocivos do que o próprio
mal a ser curado, ou inúteis, os quais não garantem benefícios
aos pacientes, pois a cura é impossível. Por gerarem ainda mais
sofrimentos, violam a dignidade humana1,3,12,13.

Um olhar multidisciplinar : 311


Desde 2004, várias declarações internacionais que definem
os princípios dos cuidados no final da vida em Unidade de Terapia
Intensiva foram publicadas. Essas declarações discutem o desafio de
evitar os excessos de tratamentos que prolonguem o sofrimento, em
busca de uma cura inalcançável, e adiem a introdução de tratamentos
que busquem conforto7,8,14-20.
Em 2011, a Câmara Técnica de Terminalidade e Cuidados
Paliativos da Associação de Medicina Intensiva Brasileira promoveu
o II Fórum do “Grupo de Estudos do Fim da Vida do Cone Sul”,
com o objetivo de elaborar recomendações pertinentes aos Cuidados
Paliativos a serem prestados aos pacientes criticamente enfermos.
Houve a participação de membros das Sociedades Brasileira,
Uruguaia e Argentina de Medicina Intensiva. Tais recomendações
foram utilizadas para compor o quadro 12.

Em UTI, atualmente, cresce a importância da integração


entre os cuidados paliativos e os curativos desde o momento da
admissão, na busca de um atendimento de qualidade. Além disso,
uma abordagem precoce também permite a prevenção dos sintomas
e de complicações inerentes às doenças de base2,21.

IMPORTANTE
A principal questão a ser enfrentada por pacientes, familiares e
equipe não é “se” o paciente é candidato a cuidados paliativos,
mas sim “qual” o no contexto
da internação em decorrência do quadro agudo: a cura e o resta-
belecimento funcional ou o conforto e a qualidade de vida2,21.

312 : Desmistificando cuidados paliativos


Infelizmente, ainda se desconhece que entre o “fazer tudo” e
o “não fazer nada” existe um espectro de condutas possíveis, mais
ou menos invasivas, a depender da individualidade e da biografia
de cada paciente, baseadas nos princípios bioéticos, visando seu
conforto e qualidade de vida. Desta forma, estabelece-se o cuidado
do paciente em diferentes momentos da evolução da doença, utili-
zando recursos diagnósticos e terapêuticos de forma hierarquizada,
levando-se em consideração os benefícios que podem trazer e os
malefícios que devem ser evitados2,21.
O “bem do paciente” é um conceito complexo e as decisões
são mais do que simples escolhas técnicas, uma vez que envolvem
, com seus conhecimentos específicos
em cada uma de suas áreas do saber, e seus familiares,
cada um com suas particularidades: biografias, valores, desejos e
preferências11.
Existe um espectro de modelos de decisão baseados na relação
médico-paciente, onde um extremo constitui o modelo paternalista
e o outro o modelo informativo; entre ambos, existem diversos graus
de . É preciso avaliar qual o modelo de
decisão adequado para aquele paciente e sua família, naquele deter-
minado momento. A boa decisão será aquela que une tratamentos
6,7,11
.

Glossário
Decisão compartilhada: processo no qual profissionais de saúde e
pacientes, ou seus substitutos, compartilham informações entre si
e participam conjuntamente na tomada de decisão6,7,11.

Um olhar multidisciplinar : 313


No modelo de decisão compartilhada de cuidados para pa-
cientes em fim de vida, as discussões familiares incluem tipicamente
uma revisão do estado e prognóstico prévios e atuais do paciente, o
conhecimento dos valores do paciente, a apresentação das recomen-
dações do médico, as deliberações e a tomada de decisão conjunta
sobre a prioridade de cuidado. Conversar sobre como pacientes
ou suas famílias desejam receber informações, particularmente as
recomendações sobre suporte de vida, não é uma abnegação de
responsabilidade, mas sim uma abordagem que provavelmente
gerará confiança6.
O objetivo é cuidar dos pacientes de uma maneira que seja
consistente com seus valores em um momento de incomparável
vulnerabilidade, quando raramente eles conseguem falar por si mesmos.
Em questão está o que cada paciente estaria disposto a aceitar (o
que pode significar sofrimento) para uma dada probabilidade de
sobrevivência e qualidade de vida6.
Diversos aspectos devem ser considerados na tomada de
decisão sobre as prioridades de cuidado1,2,11:

- indicadores clínicos como os das Quadros 1 e 2,


destacando-se a capacidade funcional prévia e atual (per-
formance de 50% ou menos na Escala de Performance
Paliativa - PPS é um indicador de terminalidade22);
- história natural da doença ou grupo de doenças;
- internações prévias em UTI;
- progressão da doença, apesar do tratamento instituído;
- presença de fatores de mau prognóstico: choque refra-
tário, piora clínica apesar da otimização terapêutica, sem
condições de desmame de tratamentos invasivos;

314 : Desmistificando cuidados paliativos


- evidência de doença extensa ou presença de duas ou mais
falências orgânicas irreversíveis;

maleficência / Declaração Universal sobre Bioética e Direitos


Humanos23);

do paciente);

entre:
- eficácia do tratamento proposto: conhecimento médico
técnico sobre a diferença que o tratamento faria em termos
de prognóstico, incluindo morbidade, mortalidade ou
funcionalidade, segundo as melhores evidências dispo-
níveis;
- benefício: determinação subjetiva do que o paciente ou
seu representante legal percebem como sendo de valor
para seu próprio bem, segundo seus objetivos ligados ao
tratamento proposto;
- onerosidade da intervenção: custos físicos, emocionais,
econômicos ou sociais do tratamento.

Um olhar multidisciplinar : 315


Quadro 1 - Indicadores clínicos para identificar pacientes com maior probabilidade de
necessidade de Cuidados Paliativos

Questão intuitiva que integra comorbidades, aspectos sociais e outros fatores:


Você se surpreenderia se este paciente morresse nos próximos 12 meses? SIM ( ) NÃO ( )
O paciente com doença avançada ou o principal cuidador solicitou tratamento
exclusivamente paliativo ou de conforto? Eles sugeriram Limitação do Esforço SIM ( ) NÃO ( )
Terapêutico ou rejeitaram tratamentos específicos ou com fins curativos?
A equipe assistente identificou necessidade de Cuidados Paliativos? SIM ( ) NÃO ( )

INDICADORES CLÍNICOS GERAIS


(qualquer 1 dos seguintes indicadores, nos últimos 6 meses)
Declínio Nutricional:
Perda de peso > 10% SIM ( ) NÃO ( )
Declínio Funcional:
Declínio de > 30% na Escala de Performance Paliativa (PPS) SIM ( ) NÃO ( )
Declínio Cognitivo:
Declínio no Mini Exame do Estado Mental (se possível avaliar) OU SIM ( ) NÃO ( )
Declínio cognitivo prévio SIM ( ) NÃO ( )

Dependência acentuada: Condições psicossociais


Escala de Performance prévias:
Paliativa (PPS) < 50% SIM ( ) NÃO ( ) Ansiedade SIM ( ) NÃO ( )
Depressão SIM ( ) NÃO ( )
Vulnerabilidade social SIM ( ) NÃO ( )
Sinais e sintomas geriátricos Múltiplas morbidades
recorrentes ou persistentes prévias:
(dados prévios): > 2 morbidades crônicas
Quedas SIM ( ) NÃO ( ) (lista específica de SIM ( ) NÃO ( )
Infecções SIM ( ) NÃO ( ) indicadores)
Disfagia SIM ( ) NÃO ( )
Úlceras por pressão SIM ( ) NÃO ( )
Delirium SIM ( ) NÃO ( )
Sintomas persistentes: Uso de recursos:
Dor SIM ( ) NÃO ( ) > De 2 internações não
Náuseas / Vômitos SIM ( ) NÃO ( ) planejadas nos últimos 6 SIM ( ) NÃO ( )
Dispneia SIM ( ) NÃO ( ) meses
Caquexia / Hiporexia SIM ( ) NÃO ( )
Fadiga SIM ( ) NÃO ( )
Sonolência / Insônia SIM ( ) NÃO ( )

Fonte: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal24

316 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 2 - Lista específica de indicadores clínicos para identificar pacientes com maior
probabilidade de necessidade de Cuidados Paliativos

LISTA ESPECÍFICA DE INDICADORES


(morbidades prévias)
DOENÇA NEOPLÁSICA: CIRROSE HEPÁTICA AVANÇADA:

Câncer metastático (estágio IV e estadio Classificação Child C SIM ( ) NÃO ( )


III nos casos de pulmão, pâncreas,
estômago e esôfago) que apresentam SIM ( ) NÃO ( ) Ascite refratária a diuréticos SIM ( ) NÃO ( )
baixa resposta ou contraindicação a
tratamento específico Síndrome hepatorrenal SIM ( ) NÃO ( )

Progressão durante o tratamento ou Hemorragia digestiva alta devido à


metástases para órgãos vitais (SNC, SIM ( ) NÃO ( ) hipertensão portal com falha de resposta SIM ( ) NÃO ( )
fígado, pulmão) ao tratamento farmacológico e
endoscópico
Sintomas refratários (persistência
apesar de tratamento otimizado) SIM ( ) NÃO ( ) Carcinoma hepatocelular estadio C ou D SIM ( ) NÃO ( )

DOENÇA CARDÍACA CRÔNICA: DOENÇA PULMONAR CRÔNICA:

Insuficiência cardíaca estágio III ou IV da Dispneia em repouso ou aos mínimos


NYHA (New York Heart Association), SIM ( ) NÃO ( ) esforços SIM ( ) NÃO ( )
doença valvar grave NÃO operável ou
doença coronariana NÃO operável Sintomas apesar de otimização
terapêutica SIM ( ) NÃO ( )
Dispneia em repouso ou aos mínimos SIM ( ) NÃO ( )
esforços Critérios de gravidade pela espirometria:
VEF1 < 30% ou CVF < 40% / DLCO < SIM ( ) NÃO ( )
Ecocardiografia mostrando FE < 30% ou 40%
hipertensão pulmonar grave (> 60 SIM ( ) NÃO ( )
mmHg) Oxigenioterapia domiciliar SIM ( ) NÃO ( )

Insuficiência renal associada (TFG < 30 SIM ( ) NÃO ( ) Insuficiência cardíaca sintomática (cor
L/min) pulmonale) SIM ( ) NÃO ( )

Admissões hospitalares recorrentes (> 3


internações em 12 meses devido a SIM ( ) NÃO ( )
exabarções de DPOC)

DOENÇA NEUROLÓGICA MOTORA DOENÇA VASCULAR CEREBRAL


(Doença do Primeiro Neurônio Motor, CRÔNICA:
Esclerose Múltipla, Esclerose Lateral
Amiotrófica, Doença de Parkinson): Fase aguda (< 3 meses após o Acidente
Vascular Cerebral): persistência de SIM ( ) NÃO ( )
Deterioração progressiva da função rebaixamento do nível de consciência
física e/ou cognitiva, apesar de terapia SIM ( ) NÃO ( )
adequada Fase crônica (> 3 meses após o Acidente
Vascular Cerebral): complicações clínicas SIM ( ) NÃO ( )
Sintomas complexos e difíceis SIM ( ) NÃO ( ) reincidentes

Problemas de fala com dificuldade Demência Vascular em fase grave SIM ( ) NÃO ( )
crescente de comunicação SIM ( ) NÃO ( )

Disfagia progressiva SIM ( ) NÃO ( )

Pneumonia por aspiração recorrente /


frequente dispneia ou insuficiência SIM ( ) NÃO ( )
respiratória

DEMÊNCIA: FRAGILIDADE:

Progressão de declínio funcional, Avaliação Geriátrica Ampla sugerindo


nutricional ou cognitivo SIM ( ) NÃO ( ) piora da fragilidade SIM ( ) NÃO ( )

Fonte: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal 24

Um olhar multidisciplinar : 317


Além disso, a classificação quanto a fase de assistência ao
paciente crítico é essencial para que sejam estabelecidas as priori-
dades de cuidado (Quadro 3)2.

Quadro 3 - Prioridades de cuidado conforme a fase da assistência ao paciente


crítico

Fases da assistência Fase 1: morte Fase II: morte Fase III: morte
pouco provável prevista para dias, prevista para
semanas ou meses horas ou dias

Descrição Maior possibilidade Falta de respostas Irreversibilidade da


para recuperação x ou resposta doença e morte
morte ou insuficiente aos iminente
irreversibilidade recursos, com
tendência a morte
ou irreversibilidade
Prioridade Cura / controle / Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos
reestabelecimento para melhor exclusivos
qualidade de vida,
conforto e
dignidade
T + / ++
I
P Cuidados que
O controlem ou
CUIDADOS modifiquem a
D CURATIVOS ++++ doença oferecidos -
E quando
proporcionais aos
C objetivos de
U cuidado
I
D +
A
D CUIDADOS Alívio do
O ++ ++++
PALIATIVOS desconforto da
doença e do próprio
tratamento intensivo
Em todas as fases, oferecer e manter cuidados individualizados, suficientes para garantir
o tratamento físico, psicoemocional e sociocultural do binômio paciente-família,
respeitadas as perspectivas bioéticas e legais.
Em todas as fases verificar a existência de Diretivas Antecipadas de Vontade, de
avaliação interdisciplinar de diagnóstico, prognóstico e tratamento, além do
entendimento dos familiares e de potenciais conflitos.
Fonte: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal24

318 : Desmistificando cuidados paliativos


Após definição da prioridade de cuidado conforme a fase da as-
sistência ao paciente crítico, pode ser indicada Adequação de Medidas
Terapêuticas1,24. A “Diretriz para Cuidados Paliativos em pacientes
críticos adultos admitidos em UTI”, Protocolo de Atenção à Saúde
da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, foi redigida por paliativista
e intensivistas, dentre os quais se encontram as autoras deste texto.
Sugere-se a consulta à Diretriz, a fim de aprofundamento no assunto24.

Glossário
Adequação de Medidas Terapêuticas: condutas médicas restritivas,
em que se limita o uso de certos recursos, por serem inadequados,
fúteis ou inúteis1.

Considerações Finais
O conhecimento dos Cuidados Paliativos deve fazer parte do
bom atendimento aos pacientes críticos desde sua internação,
a fim de lhes oferecer2,4:

devem incorporar avaliação regular e bom controle de dor e


outros sintomas.
Comunicação oportuna, clara e compassiva da equipe mul-
tiprofissional com pacientes e suas famílias.
, considerando preferências
e valores dos pacientes.

dos pacientes.
, com limitação ou
suspensão de procedimentos terapêuticos fúteis.
às famílias durante a doença crítica
e, às famílias dos pacientes que morreram na UTI, no período
de luto.

Um olhar multidisciplinar : 319


Área de Treinamento

1) BS, masculino, 32 anos, deu entrada em UTI em pós-


operatório imediato neurocirúrgico (craniectomia descompressiva)
para controle de hemorragia intraparenquimatosa. A principal
hipótese diagnóstica é má formação arteriovenosa.
Na admissão em UTI, os pais relataram que o filho chegou
em casa da academia, ligou para a mãe relatando intensa cefaleia
e turvação visual. Durante a conversa por telefone, desfaleceu, e
mãe correu para casa, encontrando o paciente desacordado. Ao ser
atendido no hospital, apresentava anisocoria, não contactuava,
respondendo apenas a estímulos dolorosos. TC de crânio demons-
trava hemorragia intraparenquimatosa. Os pais também relataram
que paciente era previamente hipertenso, com uso irregular das
medicações, fazia uso de bebida alcóolica e já fora usuário de cocaína.
Considerando que o paciente em questão possui alta
probabilidade de recuperação da intercorrência aguda, qual seria
a nas primeiras 24h?
a) Cura ou reestabelecimento funcional.
b) Cuidados Paliativos para melhor qualidade de vida, con-
forto e dignidade.
c) Cuidados Paliativos exclusivos.
d) Nenhuma das anteriores.

2) Ainda considerando o caso relatado na questão 1, qual


seria o ?
a) Cuidados Paliativos exclusivos.
b) Alívio do desconforto da doença e do próprio tratamento
intensivo.

320 : Desmistificando cuidados paliativos


c) Cuidados paliativos como prioridade para melhor quali-
dade de vida, conforto e dignidade.
d) Não caberia Cuidados Paliativos no caso, pois a prioridade
é a cura.

3) Durante a internação, BS (caso relatado na questão 1)


evoluiu com pneumonia associada à ventilação mecânica, com
necessidade de uso de vários antibióticos de amplo espectro para
controle da infecção. Além disso, a tomografia de crânio de controle
evidenciou piora do edema cerebral e novo sangramento intrapa-
renquimatoso, portanto foi necessária reabordagem cirúrgica.
O paciente evoluiu com vários episódios de febre, apesar da
antibioticoterapia em uso. As novas culturas coletadas não mostra-
ram crescimento bacteriano. A infectologia orientou, então, iniciar
antifúngico de amplo espectro. Em nova tomografia, realizada 6 dias
após a reabordagem cirúrgica, identificou-se abscesso cerebral. A
neurocirurgia decidiu pela terceira abordagem cirúrgica.
Após a abordagem cirúrgica devido ao abscesso cerebral, o
paciente completou 25 dias de internação, mantendo picos febris
diários, mesmo em uso de antibióticos de amplo espectro asso-
ciados a antifúngico (meropenem, polimixina B, vancomicina e
anidulafungina). Passou a apresentar hipotensão e piora das escórias
nitrogenadas, sendo necessário o início de drogas vasoativas e de
hemodiálise. Do ponto de vista neurológico, mesmo com a retirada
da sedação, não apresentava contato com o examinador.
Considerando que o paciente em questão evoluiu com falta
de respostas ou resposta insuficiente aos recursos, com tendência
a morte ou irreversibilidade, qual seria a ?

Um olhar multidisciplinar : 321


a) Cura ou reestabelecimento funcional.
b) Cuidados Paliativos para melhor qualidade de vida,
conforto e dignidade.
c) Cuidados Paliativos exclusivos.
d) Nenhuma das anteriores.

4) Após 7 dias de hemodiálise (32 dias de internação em UTI),


BS (paciente das questões 1 e 2) começou a apresentar intolerância
ao procedimento, com hipoglicemia e hipotensão, de forma que não
era possível fazer retirada de líquido, apenas filtragem. Permanecia
instável hemodinamicamente, apesar do uso de drogas vasoativas
em alta dose.
Passou a apresentar vômitos e diarreia após administração
da dieta, mesmo que em baixos volumes. Mantinha-se com hiper-
secreção de vias aéreas, necessitando de várias aspirações traqueais
por dia, sem possibilidade de desmame da ventilação mecânica.
Considerando que houve piora considerável do quadro clínico
do paciente em questão, com possibilidade de morte iminente, qual
seria a prioridade de cuidado
a) Cura ou reestabelecimento funcional.
b) Cuidados Paliativos para melhor qualidade de vida,
conforto e dignidade.
c) Cuidados Paliativos exclusivos.
d) Todas as anteriores.

322 : Desmistificando cuidados paliativos


Referências Bibliográficas

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definições e aspectos éticos e legais. In: Moritz RD (Org.). Cuidados
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Sul”: definições, recomendações e ações integradas para cuidados
paliativos na unidade de terapia intensiva de adultos e pediátrica.
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vida no Brasil. In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de
Cuidados Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Acade-
mia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p. 411-4.
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Critically III. 1 Ed. Melbourne: ANZICS; 2014. 148 p.
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Um olhar multidisciplinar : 323


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11 - Forte DN, Carvalho RT. Processo de tomada de decisão: como
diferenciar as fases de assistência paliativa na UTI. In: Moritz RD
(Org.). Cuidados Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva. São
Paulo: Editora Atheneu; 2012. p. 33-40.
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Manual de Cuidados Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2.
ed. Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p. 415-38.
13 - Torres JH. Ortotanásia não é homicídio nem eutanásia. In:

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14 - Carlet J, Thijs LG, Antonelli M, Cassell J, Cox P, Hill N, et
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International Consensus Conference in Critical Care: Brussels,
Belgium, April 2003. Intensive Care Med. 2004;30:770-84.
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intensive care unit: a consensus statement by the American College
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324 : Desmistificando cuidados paliativos


17 - Sprung CL, Truog RD, Curtis JR, Joynt GM, Baras M, Mi-
chalsen A, et al. Seeking worldwide professional consensus on the
principles of end-of-life care for the critically ill. The Consensus
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Units (WELPICUS) study. Am J Respir Crit Care Med. 2014 Oct
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18 - Joynt GM, Lipman J, Hartog C, Guidet B, Paruk F, Feldman
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health care professional end-of-life decision making. J Crit Care.
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19 - Bosslet GT, Pope TM, Rubenfeld GD, Lo B, Truog RD, Rushton
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Treatments in Intensive Care Units. Am J Respir Crit Care Med.
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20 - Australian Commission on Safety and Quality in Health Care.
National Consensus Statement: essential elements for safe and high-
quality end-of-life care. Sydney: ACSQHC; 2015. 44 p.
21 - Matsumoto DY. Cuidados Paliativos: conceito, fundamentos
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dados Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia
Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p. 23-30.
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RT, Parsons HA (Org.). Manual de Cuidados Paliativos ANCP -
Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia Nacional de Cuidados
Paliativos; 2012. p. 56-74.
23 - Conferência Geral da UNESCO. Declaração Universal sobre
Bioética e Direitos Humanos da UNESCO. Paris: UNESCO, 19
out. 2005.

Um olhar multidisciplinar : 325


24 - Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Portaria
nº 418, de 04 de maio de 2018. Protocolo de Atenção à Saúde.
Diretrizes para Cuidados Paliativos em pacientes críticos adultos
admitidos em UTI. Diário Oficial do Distrito Federal, 17 mai 2018.

Questão 1 – a
Questão 2 – b
Questão 3 – b
Questão 4 – c

326 : Desmistificando cuidados paliativos


19
seDAção pALIAtIVA

“Se nada nos separa da morte, ao menos que o amor nos salve
da vida.”
(Pablo Neruda)
Thayana Louize Vicentini Zoccoli
Lia Nogueira Lima

Sedação paliativa corresponde ao uso de medicamentos


sedativos específicos para reduzir o nível de consciência, com
consentimento do paciente ou responsável, para aliviar sofrimento
em pacientes com
doença avançada em fase final de vida1-5.
Como em outros processos de decisão, esse também deve
ser parte de uma decisão compartilhada entre equipe, paciente
e família1-5. Antes de iniciar a sedação, é importante perguntar
ao paciente e sua família se possuem metas específicas a serem
cumpridas ou se apreciariam a presença de um capelão ou outro
tipo de suporte espiritual2.
Primeiramente, é necessário diferenciar sintoma difícil de
sintoma refratário, pois a sedação paliativa somente se aplica a
sintomas refratários. Dentre os quais, os mais comuns são delirium,
dispneia e dor, mas também podem incluir hemorragia maciça e
convulsão1-5.

Um olhar multidisciplinar : 327


Glossário
Sintoma difícil1-3: aquele que, para ser adequadamente controlado,
precisa de intervenção terapêutica especializada (farmacológica e
não farmacológica).

Glossário
Sintoma refratário1-3: aquele que não pode ser controlado adequa-
damente, apesar de repetidas e intensas tentativas de tratamen-
to (não invasivo) tolerável, sem que se comprometa o nível de
consciência.

IMPORTANTE
Para que se considere um sintoma como refratário, deve-se ter
conhecimento sobre as opções prévias de tratamento1-4.

O sofrimento psicoexistencial no final da vida pode estar


ligado a perda da autonomia, condição de dependência ou falta
de sentido na vida. Destaca-se que o uso de sedação paliativa para
controle de sofrimento psicoexistencial é controverso e se reserva
a casos de exceção, após terem se esgotado todos os recursos médi-
cos, psicológicos, religiosos, além do uso de sedação intermitente,
quando for pertinente ou indicada4,5.
Destaca-se ainda que sedação paliativa
(Quadro 1) nem suicídio assistido, portanto: não interfere no processo
de morte do paciente, não reduz sobrevida. Pelo contrário, a
sobrevida pode ser maior em pacientes sedados comparados aos não
sedados, embora não seja um objetivo a ser atingido. Além disso,
se as condições clínicas do paciente permitirem, a sedação pode ser
reversível1-5.

328 : Desmistificando cuidados paliativos


Quadro 1 - Diferenças entre sedação paliativa e eutanásia
Sedação Paliativa Eutanásia

Intenção aliviar sintoma refratário / provocar a morte para cessar


sofrimento o sofrimento

Meios diminuição do nível de terminar com a vida


consciência

Processo: drogas e doses drogas sedativas ajustadas à drogas letais com


resposta do paciente incremento rápido

Objetivo final alívio do sofrimento morte rápida

Reversibilidade sim, a princípio NÃO

Morte por causa natural sim NÃO

Somente no final da vida sim NÃO

Fonte: Kira1

Classificação da sedação paliativa1:

- sedação primária: o objetivo é diminuir o nível de cons-


ciência;
- sedação secundária: a redução do nível de consciência é
efeito farmacológico secundário do medicamento utilizado
para controlar outro sintoma. Por exemplo, no caso do uso
de opioides para controle da dor e de neurolépticos para
controle de delirium.

- sedação intermitente: permite períodos de alerta ao paciente;


- sedação contínua: não permite períodos de alerta, a dimi-
nuição do nível de consciência ocorre continuamente.

Um olhar multidisciplinar : 329


- sedação superficial: mantém um nível de consciência em
que o paciente ainda pode se comunicar, verbalmente
ou não verbalmente;
- sedação profunda: mantém o paciente em estado de
inconsciência.

Na sedação paliativa, devem ser usados medicamentos sedativos


e não analgésicos1-4:
- benzodiazepínicos (como midazolam, que é o medicamento
mais utilizado);
- neurolépticos (como haloperidol);
- barbitúricos;
- anestésicos.

O midazolam é o fármaco de primeira escolha pela facilidade


de titulação, rápido início de ação, meia vida de eliminação curta

ser associado a outros medicamentos. Os neurolépticos são melhor


indicados em pacientes com delirium4,5.

IMPORTANTE
Morfina ou fentanil em bomba de infusão NÃO é sedação
paliativa: é analgesia6.

A sedação paliativa não é uma intervenção definitiva, mas um


processo que envolve reavaliação frequente do nível de sedação, do
controle dos sintomas e da condição clínica do paciente5. Sendo
assim, o nível de sedação necessário é altamente variável: a sedação

330 : Desmistificando cuidados paliativos


deve ser proporcional, titulada individualmente, guiada pelo
controle adequado do sintoma refratário1-5.
Não é recomendada monitorização cardíaca durante a sedação
paliativa, pelo risco de aumentar o estresse dos familiares4. Além
disso, a sedação pode ser feita em qualquer unidade hospitalar ou,
em casos selecionados, em domicílio4.

IMPORTANTE
é MÁ prática médica suspender
analgesia em vigência de sedação1-3.

Considerações Finais

intolerável causado por sintomas refratários e está indicada para


pacientes em fase final de vida.

não é eutanásia.

sedação.

Área de Treinamento

1) Paciente de 20 anos, evangélica, trabalhava como vendedora


de cosméticos e possui 2 filhas. Internada há 1 mês em um hospital,
na ala de Cuidados Paliativos, com diagnóstico de neoplasia maligna
de pulmão em fase avançada, sem proposta de tratamento modificador

Um olhar multidisciplinar : 331


de doença. Está em fase final de vida, vem apresentando piora
progressiva da dispneia e, nos últimos dias, não tem tido resposta às
medidas instituídas até o momento. A paciente mostrava sinais de
desconforto respiratório importante. O médico assistente discutiu
o caso com a equipe e teve o consentimento da paciente e de seus
familiares para iniciar sedação paliativa. Baseado no caso acima,
marque a opção verdadeira.
a) No caso acima, a sedação tem como objetivo abreviar a
morte da paciente, tendo em vista o sofrimento dela.
b) Morfina em altas doses seria uma das opções de medicação
para a sedação paliativa.
c) No caso acima, o médico poderia ter tomado a decisão
sem necessariamente ter o consentimento da paciente ou da
família.
d) A indicação de sedação paliativa no caso acima foi para
alívio da dispneia refratária.

2) Considerando a paciente do caso 1: qual seria a medicação


de escolha para a sedação paliativa?
a) Haloperidol.
b) Morfina.
c) Midazolam.
d) Quetamina.

3) Paciente de 52 anos, portador de neoplasia de sistema


nervoso central sem proposta de tratamento modificador de doença,
em fase final de vida, em sedação paliativa profunda por delirium
refratário. Anteriormente à sedação, apresentava cefaleia intensa e
utilizava altas doses de opioide forte para esse controle. Ao exame
físico, o paciente apresenta hipertensão, taquicardia e sudorese. Ao

332 : Desmistificando cuidados paliativos


revisar a prescrição, percebe-se que ele está sem analgesia. Qual seria
a conduta mais adequada?
a) Repetir a prescrição, considerando que o paciente está com
sedação profunda e não deve estar sentindo dor.
b) Aumentar a dosagem do sedativo.
c) Trocar o sedativo por morfina em bomba de infusão
contínua.
d) Acrescentar opioide forte à prescrição.

1 - Kira CM. Sedação Paliativa. In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.).


Manual de Cuidados Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2.
ed. Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p. 517-30.
2 - Cherny NI. Palliative sedation. In: Bruera E, Higginson I, Gunten
CH, Morita T (Ed.). Textbook of Palliative Medicine. CRC Press;
2015. p. 1009-20.
3 - Krakauer EL. Sedation at the end of life. In: Cherny NI, Fallon
MT, Kaasa S, Portenoy RK, Currow DC (Ed.). Oxford Textbook
of Palliative Medicine. 5 ed. Oxford University Press; 2015. p.
1134-41.
4 - Menezes MS, Figueiredo MGMCA. O papel da sedação paliativa
no fim da vida: aspectos médicos e éticos – Revisão. Rev Bras Anes-
tesiol. 2019;69(1):72-77.
5 – Garetto F, Cancelli F, Rossi R, Maltoni M. Palliative Sedation for
the Terminally Ill Patient. CNS Drugs. 2018 Oct;32(10):951-61.
6 - Kretzer LP. Cuidados Paliativos – identificação e controle dos
sintomas. In: Moritz RD (Org.). Cuidados Paliativos nas Unidades
de Terapia Intensiva. São Paulo: Editora Atheneu; 2012. p. 53-70.

Um olhar multidisciplinar : 333


Questão 1 – d
Questão 2 – c
Questão 3 – d

334 : Desmistificando cuidados paliativos


20
AssIstÊnCIA Ao FIM DA VIDA

“A saudade é a prova de que o passado valeu a pena.”


(Clarice Lispector)
Thayana Louize Vicentini Zoccoli

Introdução
O , também deno-
minado “últimas quarenta e oito horas de vida”, caracteriza-se por
morte próxima e irreversível, com sobrevida média de horas a dias,
não necessariamente quarenta e oito horas. Alguns sinais e sintomas
são indicativos desse processo: anorexia e nenhuma ingestão de líquidos,
imobilidade, sonolência, alterações cognitivas ou delirium, mioclonus,
dor, dispneia, colapso periférico e ronco final, além de falências fun-
cionais. Nas últimas horas, o paciente se torna progressivamente
mais “ausente” da vida1,2.
Na dúvida sobre tratar-se das últimas horas de vida, além da
presença dos sinais e sintomas citados acima, deve-se avaliar se a
evolução da doença do paciente sugere piora clínica gradual: perda
de peso progressiva, piora da funcionalidade, incluindo dificuldade
de mobilidade, além de mudança no padrão de comunicação e isola-
mento social. A melhora dos sinais e sintomas ou da funcionalidade
pode indicar que o paciente está se estabilizando ou se recuperando,
mesmo que temporariamente3.

Um olhar multidisciplinar : 335


Glossário
Funcionalidade: capacidade de realizar atividades de vida diária,
sem auxílio.

IMPORTANTE
Piora funcional abrupta pode indicar intercorrência aguda
passível de tratamento curativo.

O plano de cuidados deve incluir a participação de equipe


multiprofissional e ser devidamente registrado em prontuário.
. Destaca-se
que o paciente tem o direito de participar das discussões e decisões
compartilhadas sobre o seu plano de cuidados, caso ele deseje.
Alguns pontos importantes quanto às decisões compartilhadas3,4:

alguém específico ao tomar decisões sobre seus cuidados;

religiosas, sociais ou espirituais do paciente;

compreensão de que a morte se aproxima;

paciente gostaria de receber sobre seu prognóstico;

o falso otimismo;

sobre seus medos e incertezas;

equipe e manter aberta a oportunidade para mais discussões;

336 : Desmistificando cuidados paliativos


propostas para promover o conforto e evitar intervenções
desnecessárias, ao invés de simplesmente escrever “cuidados
de conforto”.

. Conforme a condição clínica do


paciente mudar, pode-se revisar as prioridades e metas de cuidado.
As preferências do paciente quanto a cuidados e intervenções podem
ser manifestadas através de Diretivas Antecipadas de Vontade2,4.
Quando as decisões não são urgentes, pode-se dar tempo para o

discutir com seus familiares ou outras pessoas importantes para ele4.


Após a definição sobre as metas de cuidado, recomende um
para os cuidados no fim da vida. Não
se deve simplesmente perguntar ao paciente: “O que você quer?”,
pois algumas medidas, como reanimação cardiopulmonar, podem
trazer mais sofrimento para o paciente sem trazer benefício ou sem
expectativa de melhora4.
Além disso, deve-se abordar se o paciente tem preferência
sobre local de morte, sobre seu enterro e até mesmo sobre o recebi-
mento de visitas: alguns pacientes não querem mais receber visitas
nesta fase final da vida2,4.
O cuidado aos pacientes em fim de vida deve ser baseado na
individualização de cuidados e na proporcionalidade terapêutica.
Investigações que provavelmente não afetarão a assistência ao paciente
e monitorização contínua de sinais vitais devem ser evitadas1,3,4.
Em relação ao uso de medicamentos, o controle dos sintomas
desconfortáveis é prioridade absoluta, sendo assim, medicamentos

Um olhar multidisciplinar : 337


não destinados ao conforto, como os que são utilizados para trata-
mento de doenças crônicas (por exemplo, hipertensão e diabetes),
podem ser descontinuados quando o paciente entra em processo
ativo de morte, evitando interações medicamentosas indesejáveis.
Portanto, podem ser suspensos antidepressivos, diuréticos, prote-
tores gástricos (a menos que o paciente esteja em corticoterapia) e
profilaxia para trombose1,4.
Sendo assim, os objetivos de cuidado ao paciente em processo
ativo de morte são1-3:
- minimizar o sofrimento (físico, psicológico, existencial,
espiritual, social) de pacientes e familiares,
- controlar sintomas desconfortáveis,
- prevenir os agravos das últimas horas de vida,
- evitar , como repetição de exames,
medidas de glicemia capilar, infusão de drogas vasoativas,
terapia de substituição renal, uso de ventilação mecânica,
reanimação cardiopulmonar ou outros procedimentos que
não visem exclusivamente a melhora dos sintomas.

Glossário
Obstinação terapêutica: adotar ou manter procedimentos tera-
pêuticos fúteis, cujos efeitos são mais nocivos do que o próprio
mal a ser curado, ou inúteis, os quais não garantem benefícios
aos pacientes, pois a cura é impossível. Por gerarem ainda mais
sofrimentos, violam a dignidade humana5-8.

IMPORTANTE
O adequado manejo dos sintomas desconfortáveis é importante
em qualquer fase da doença, mas se torna prioridade no fim
da vida4.

338 : Desmistificando cuidados paliativos


Nas últimas horas de vida, as atividades metabólicas estão
diminuídas, ocasionando uma “anorexia fisiológica”. O paciente
pode não ingerir nenhum alimento e a aceitação de líquidos se torna
progressivamente menor1,2.
Os efeitos do jejum prolongado são mediados por alterações
hormonais e efeitos anorexígenos de cetonas circulantes, que levam
à diminuição da taxa metabólica necessária para suprir as demandas
basais e, também, à diminuição de secreções respiratória e gastroin-
testinais. Além disso, o aumento de cetonas circulantes diminui a
sensação de fome e ocasiona sensação de bem-estar9.
Nessa situação, forçar a alimentação por meio do uso de nutrição
enteral ou parenteral pode ser considerado um procedimento fútil,
pois não contribui para o alívio de nenhum sintoma ou reversão
do quadro e provoca desconforto físico, tanto pela presença da
sonda em si, como por novos sintomas que podem surgir: náuseas,
vômitos, sensação de plenitude gástrica e desconforto abdominal,
além de aumentar o risco de aspiração brônquica. Na fase final de

.
1,2,4

No entanto, a comida tem conotações culturais e as famílias


podem se sentir impotentes testemunhando fraqueza e perda de
peso, associada a baixa ingesta alimentar. Às vezes, isso é expresso
como “meu familiar está morrendo de fome”. A equipe deve se
antecipar a essa preocupação, trazendo à tona o assunto: “Estou certo
de que você está preocupado que ele não está comendo ou bebendo
muito”. Isso permite educação e aconselhamento, que deve ser feito
de forma culturalmente sensível, sobre o processo natural de morte,

pode-se oferecer alimentação de conforto, por prazer1,2,4.

Um olhar multidisciplinar : 339


A falta de ingestão de líquidos nas últimas horas de vida é
bem tolerada pelo paciente e culmina com a perda da habilidade
de deglutir, sinal indicativo da proximidade da morte. A hidratação
artificial nesta fase é controversa e deve ser cuidadosa para evitar
acúmulo de líquidos, como edema periférico e congestão pulmonar
(o que causa tosse e desconforto respiratório) e diminuir a produção

distensão abdominal e diarreia) e de urina (diminuindo a necessi-


dade de cateterismo vesical)1,2.
Outrossim, estudo multicêntrico, duplo cego, randomizado,
placebo controlado, demonstrou que a hidratação venosa de 1 litro
por dia não melhorou sintomas, qualidade de vida ou sobrevida
comparada com o placebo10.

Imobilidade
Quando o paciente em fim de vida não consegue mais se
movimentar, deve-se manter apenas a mobilização passiva cuidadosa,
a fim de prevenir úlceras por pressão, e evitar transferências, pois
são desconfortáveis e dolorosas. Além disso, é importante manter
os cuidados de enfermagem, como cuidados com pele, mucosas e
feridas, e orientar os familiares1,2,4.

Sonolência
O paciente apresenta-se sonolento a maior parte do tempo
no final da vida, embora possa ser despertado em raros momentos
e se comunicar precariamente, abrindo os olhos com dificuldade e
momentaneamente. Este sintoma é esperado e não justifica redução
ou suspensão das doses de sedativos ou analgésicos1,2.

340 : Desmistificando cuidados paliativos


Alterações cognitivas ou delirium
São sintomas frequentes, variando em intensidade. Na fase
final de vida, a memória e o raciocínio se deterioram, as respostas
podem ser demoradas, inadequadas ou inexistentes e também podem
surgir visões, alucinações e experiências sensoriais, além de o olhar
do paciente se tornar fixo e muito profundo1,2.
O delirium terminal ocorre em 80% dos pacientes com câncer
avançado na última semana de vida, devido a múltiplas causas: tra-
tamento inadequado da dor; hipóxia; desidratação; retenção urinária
ou constipação intestinal; infecções; variações tóxico-metabólicas
como distúrbios hidroeletrolíticos, uremia, encefalopatia hepática;
doenças acometendo o sistema nervoso central; acúmulo de medi-
camentos como opioides, anticolinérgicos e benzodiazepínicos1,2,4,11.
O delirium pode ser hiperativo ou hipoativo. Algumas inter-
venções não farmacológicas, como manter o ambiente calmo, são
pertinentes, mas o tratamento medicamentoso só é recomendado
quando o paciente apresenta agitação importante, que causa descon-
forto ou risco à sua segurança. O tratamento das causas precipitantes
do sintoma está indicado quando proporcional ao momento de
proximidade da morte, evitando-se obstinação terapêutica. Desta
maneira, sugerem-se as seguintes medidas1,2,4:

urinária ou constipação intestinal;

em torno de 20 a 30% abaixo da dose anterior;


:
baixas doses (0.5 a 1mg VO, SC ou EV) geralmente são
suficientes, porém as doses e a frequência de uso devem ser
individualizadas;

Um olhar multidisciplinar : 341


doses ou em infusão contínua (o mais usado é o midazolam).

Mioclonus
Mioclonus são abalos musculares involuntários indicativos
de neurotoxicidade, precursores de convulsão. Ocorrem com
frequência no final da vida e podem ser ocasionados por hipóxia,
desidratação, distúrbios metabólicos (como uremia), edema do
sistema nervoso central (em pacientes com tumores ou metástases
centrais) ou medicamentos. Devem ser controlados o mais rápido
possível com anticonvulsivantes. Além disso, é fundamental rever
medicações predisponentes1.

Dor
Aproximadamente 40% dos pacientes hospitalizados têm
dor moderada a intensa nos últimos três dias de vida4. Ainda que o
paciente esteja impossibilitado de expressar o nível de dor, ou mesmo
se estiver em coma, o tratamento da dor deve ser mantido. A

1,2
.
Nas últimas horas de vida, o opioide mais utilizado para
controle da dor é a morfina, pois também promove o controle de
outros sintomas (como dispneia e tosse), com a vantagem de poder
ser administrada por várias vias e não possuir dose teto1,2,4. É impor-
tante lembrar que alguns medicamentos adjuvantes, comumente
utilizados para controle de dor neuropática, podem não fazer o efeito
desejado a tempo. Em caso de dor neuropática aguda, podem ser
empregados corticoides4.

342 : Desmistificando cuidados paliativos


Para o controle da dispneia, afastadas as possíveis causas
reversíveis (derrames pleurais, infecções respiratórias ou desconforto
respiratório causado por ascite, por exemplo), o medicamento de
escolha é a morfina em baixas doses (10mg via EV ou SC de morfina/
dia), associada ou não a benzodiazepínicos, como o midazolam,
ambos em infusão contínua parenteral (via venosa ou subcutânea).
Naqueles pacientes que já recebem opioides para analgesia, a dose
pode ser ajustada. Benzodiazepínicos são melhor recomendados em
pacientes com ansiedade associada ou em pacientes com dispneia
refratária, que necessitam de sedação paliativa1,2,4,11.
Opioides em baixas doses (≤ 30mg via oral de morfina/dia ou
10mg via EV ou SC de morfina/dia) para tratamento de dispneia,
inclusive em pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
grave, são seguros e não causam depressão respiratória11.
Em caso de broncoespasmo, pode-se utilizar broncodilatadores
e corticoides. Os corticoides também podem ser usados como anti-

como no caso de linfangites pulmonares, compressões de veia cava


superior, compressões de traqueia por tumores extrínsecos. O excesso
de secreção brônquica pode ser aliviado pelo uso de anticolinérgicos,
como escopolamina1,2.
Em pacientes com doenças avançadas apresentando -
mia sintomática (níveis de saturação de oxigênio em ar ambiente
≤ 92%; não há necessidade de gasometria arterial), pode-se fazer
um teste terapêutico com suplementação de oxigênio (também
chamado “oxigênio paliativo”). Não há evidência de benefício do
,
independente da sintomatologia11.
Destaca-se que o oxigênio administrado sob cateter geralmente é
melhor tolerado pelo paciente do que oxigênio sob máscara. Ainda

Um olhar multidisciplinar : 343


assim, se um paciente hipoxêmico consistentemente retira o oxigê-
nio suplementar e seu uso não parece ajudar no conforto, deve-se
considerar a interrupção da oxigenioterapia1,2,4.
Além disso, abrir a janela ou colocar um ventilador próximo
à face do paciente pode ajudar, uma vez que existem receptores

diminuem a sensação de dispneia1,2,4. Outras medidas que podem


ser úteis incluem: elevar a cabeceira da cama, reduzir a temperatura
ambiente e umidificar o ar ofertado ao paciente4.
O uso de ventilação não invasiva é controverso, mas pode
ser considerado se houver balanço favorável entre o benefício real
para controle de dispneia e o desconforto ocasionado pelo dis-
positivo1,2,12.

IMPORTANTE
Intubação orotraqueal NÃO é medida de conforto respiratório,
pelo contrário, no paciente em fim de vida, é considerada
procedimento fútil1,2,12.

As perdas de função orgânica que são desencadeadas no


processo de fim de vida levam a diminuição do débito cardíaco e
do volume intravascular com consequente diminuição da perfusão
periférica (colapso periférico), caracterizada por taquicardia, hipo-
tensão, perda de pulsos periféricos, palidez cutânea, extremidades
frias, pele marmórea e cianose periférica. São comuns as alterações
de padrão respiratório, com irregularidades no ritmo e períodos
cada vez mais prolongados de apneia1.

344 : Desmistificando cuidados paliativos


Dessa maneira, é importante reavaliar as vias de administração
de medicamentos e considerar o uso de -
, uma vez que a punção de acesso venoso periférico se torna
difícil e a punção de acesso venoso central é considerado desproporcional
em fase final de vida. Grande parte dos medicamentos indicados nessa
fase pode ser administrada com boa efetividade por via subcutânea1,13.

O ronco final (death rattle) ou “sororoca” caracteriza-se por


uma respiração ruidosa, plena de secreções, causada pela incapacidade
de deglutir saliva e de tossir e ocorre em 23 a 92% dos pacientes
em fim de vida1,2,4,11. -
, embora possa ser
um sintoma preocupante para equipe e familiares1,2,4,11. Sugere-se que o
sintoma seja prevenido ou minimizado por meio das medidas a seguir1,2:
Podem ser usados medicamentos com efeito anticolinérgico:
- escopolamina (dose máxima 120mg/dia);
- nebulização com ipratrópio;
- atropina colírio NA BOCA (1 a 2 gotas em cada canto
da boca 3 a 4 vezes/dia), em caso de hipersecreção traqueal
ou hipersalivação.

ao paciente.

:
1,2,4

- Pode ser causada por medicamentos (anticolinérgicos,


opioides, anti-histamínicos), desidratação e radioterapia
de cabeça e pescoço.

Um olhar multidisciplinar : 345


- Tratamento: suspender medicamentos desnecessários,
que podem contribuir para o sintoma; hidratar os lábios e
a boca com gaze molhada, cubos de gelo ou utilizar saliva
artificial. Pode ser considerado uso de pilocarpina oral.
- Não é indicação para hidratação artificial.

:4

- Opioides em dose baixa são o tratamento de escolha, pois


agem no sistema nervoso central inibindo a tosse.

: 2,4

- A abordagem deve ser baseada no mecanismo associado.


Causas comuns, em fim de vida, são reações adversas a me-
dicamentos, incluindo opioides, além de uremia, obstrução
intestinal, gastroparesia, ascite e hipertensão intracraniana.
- Em se tratando de causas multifatoriais ou desconhecidas
e de refratariedade a outros antieméticos, pode-se utilizar
haloperidol em doses baixas: 0.25 a 0.5mg via SC ou EV
a cada 6 a 8 horas.

: 4

- Possui causas multifatoriais no fim da vida, incluindo


desidratação, imobilidade, reações adversas a medicamentos,
tumores intestinais.
- No caso do uso de opioides, é efeito colateral esperado e
deve ser prevenido com associação de laxativos.

-
tinência urinária e fecal2.

346 : Desmistificando cuidados paliativos


4
:
- Pode ser secundária a infecções, neoplasia, injúria neurológica.
- O tratamento sintomático é feito com antitérmicos

(como naproxeno, no caso de febre de origem neoplásica).


Dexametasona pode ser utilizada como segunda linha de
tratamento.
- De maneira geral, não é proporcional utilizar antibióticos
em fase final de vida.

:
2,4

- Podem estar relacionadas a diversos medos e sofrimento


existencial, incluindo o processo de morte.
- Demandam abordagem multiprofissional, mas pode ser
necessário o tratamento com benzodiazepínicos (como
midazolam).

:2

- A caquexia leva à perda da camada de gordura retro-


orbitária, fazendo a órbita cair posteriormente dentro de
sua cova. Dessa maneira, as pálpebras não podem se fechar
completamente, deixando uma parte da conjuntiva exposta,
mesmo quando o paciente está dormindo.
- Utilizar lubrificantes oftálmicos ou soro fisiológico.

O ambiente deve ser mantido calmo e arejado. Os familiares


devem ser estimulados a tocar no paciente e a manter conversas
agradáveis, mesmo que o paciente não responda. O paciente deve
se sentir acolhido, com presença contínua de alguém querido, capaz
de cuidar do conforto e ao mesmo tempo permitir uma partida
serena e digna1.

Um olhar multidisciplinar : 347


As últimas incursões respiratórias podem ser longas e suspirosas
ou muito superficiais e pausadas. No momento da morte, a respiração
normalmente cessa antes dos batimentos cardíacos e, após a morte,
a expressão facial se descontrai1.

Considerações Finais
2
:
o aceitar a finitude como natural;
o manter dignidade e autonomia do paciente;
o não abandonar paciente nem familiares;
o ter habilidades clínicas e de comunicação, empatia e
compaixão.
-
mente tratados e, sempre que possível, prevenidos.

final de vida e requer uma atitude receptiva do profissional de


saúde, com demonstração de interesse, sensibilidade e respeito
aos aspectos individuais de cada paciente.

Área de Treinamento
1 – Dona M. é portadora de câncer de ovário com carcino-
matose peritoneal, sem possiblidade de tratamento modificador de
doença, em fim de vida, e evoluiu com obstrução intestinal maligna.
Refere que não deseja passagem de sonda nasogástrica, mas apresenta
vômitos fecaloides refratários. Seguindo os princípios dos Cuidados
Paliativos, qual seria a melhor conduta:

348 : Desmistificando cuidados paliativos


a) Passar a sonda nasogástrica mesmo assim, pois não é uma
opção da paciente, mas uma indicação técnica.
b) Proceder intubação orotraqueal para prevenir broncoas-
piração.
c) Otimizar anti-eméticos e respeitar o desejo da paciente de
não passar a sonda. Liberar dieta de conforto, caso ela deseje,
mesmo sabendo que irá vomitar após.
d) Deixar a paciente para ser avaliada por último, uma vez
que ela irá morrer de qualquer maneira, independente da
passagem de sonda.

2 – Para controle dos vômitos refratários de Dona M.,


podemos usar:
a) Morfina.
b) Tramadol.
c) Haloperidol.
d) Diazepam.

3 – Dona M. apresentou melhora dos vômitos após sua


intervenção, mas evoluiu com dispneia. Sobre o controle de dispneia
em pacientes em final de vida, assinale a alternativa INCORRETA:
a) Podemos usar opioides.
b) No caso de dispneia refratária a todas as medidas clínicas,
podemos considerar sedação paliativa com midazolam.
c) Colocar um ventilador, ou abrir uma janela, próximo à face
do paciente pode ser uma das medidas utilizadas.
d) Intubação orotraqueal pode ser medida de conforto
necessária.

Um olhar multidisciplinar : 349


4 – Com o uso de morfina, houve controle da dispneia de
Dona M.. Porém, dois dias depois, a paciente começou a apresen-
tar respiração ruidosa, repleta de secreções. Neste caso, podemos
afirmar que
a) Anticolinérgicos podem ser utilizados para controle do
sintoma.
b) A aspiração traqueobrônquica está bem indicada.
c) O ruído causado pela secreção é, indubitavelmente, um
sinal de sofrimento da paciente.
d) Devemos manter hidratação vigorosa.

1 - Américo AFQ. As últimas quarenta e oito horas de vida. In:


Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de Cuidados Paliativos
ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia Nacional de
Cuidados Paliativos; 2012. p. 533-43.
2 - Lacey J. Management of the actively dying patient. In: Cherny
NI, Fallon MT, Kaasa S, Portenoy RK, Currow DC (Ed.). Oxford
Textbook of Palliative Medicine. 5 ed. Oxford University Press;
2015. p. 1125-33.
3 - NICE guideline. Care of dying adults in the last days of life. 16
dez 2015 [acesso em 27 fev 2019]. 28p. Disponível em: nice.org.
uk/guidance/ng31
4 - Blinderman CD, Billings JA. Comfort Care for Patients Dying
in the Hospital. N Engl J Med. 2015;373:2549-61.
5 - Moritz RD, Rossini JP, Deicas A. Cuidados Paliativos na UTI:
definições e aspectos éticos e legais. In: Moritz RD (Org.). Cuidados
Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva. São Paulo: Editora
Atheneu; 2012. p. 19-32.

350 : Desmistificando cuidados paliativos


6 - Siqueira JE, Pessini L. Aspectos éticos sobre a terminalidade da
vida no Brasil. In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de
Cuidados Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia
Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p. 411-4.
7 - Torres JH. Ortotanásia não é homicídio, nem eutanásia. Quando
deixar morrer não é matar. In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.).
Manual de Cuidados Paliativos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2.
ed. Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p. 415-38.
8 - Torres JH. Ortotanásia não é homicídio nem eutanásia. In:

2011. p. 157-85.
9 - Carvalho RT, Taquemori LY. Nutrição em Cuidados Paliativos.
In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de Cuidados Paliativos
ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia Nacional de
Cuidados Paliativos; 2012. p. 483-99.
10 - Bruera E, Hui D, Dalal S, Torres-Vigil I, Trumble J, Roosth
J, et al. Parenteral hydration in patients with advanced cancer: a
multicenter, double-blind, placebo-controlled randomized trial. J
Clin Oncol. 2013;31(1):111-8.
11 - Star A, Boland JW. Updates in palliative care – recent advan-
cements in the pharmacological management of symptoms. Clin
Med (Lond). 2018;18(1):11–6.
12 - Carvalho RT. Dispneia, tosse e hipersecreção de vias aéreas.
In: Carvalho RT, Parsons HA (Org.). Manual de Cuidados Paliati-
vos ANCP - Ampliado e Atualizado. 2. ed. Academia Nacional de
Cuidados Paliativos; 2012. p. 151-67.
13 - Azevedo DL (Org.). Uso da via subcutânea em Geriatria e
Cuidados Paliativos: um guia da SBGG e da ANCP para profissionais.
Rio de Janeiro: SBGG; 2016. 56 p.

Um olhar multidisciplinar : 351


Questão 1 – c
Questão 2 – c
Questão 3 – d
Questão 4 – a

352
pArA sABer MAIs

Músicas:
- Cuide bem do seu amor, Paralamas do Sucesso
- Como falta de ar, Juliano Gauche
- Daqui só se leva o amor, Jota Quest
- Epitáfio, Titãs
- Ocean, Alok
- Trem bala, Ana Vilela

Filmes:
- A Culpa é das Estrelas (The Fault in our Stars) - 2014 –
distribuição 20th Century Fox
- Antes de partir (The Bucket List) – 2008 – distribuição
Warner Bros. Pictures.
- As invasões bárbaras – (Les Invasion barbares) - 2003 –
distribuição Europa Filmes
- Beleza Oculta (Collateral Beauty) – 2017 – distribuição
Warner Bros. Pictures.
- Como eu era antes de você (Me Before You) – 2016 –
distribuição Warner Bros. Pictures.
- Em busca da luz (Go Toward the Light) – 1988 – distri-
buição Qintex Entertainment

353
- Mar adentro (Mar adentro) – 2004 – distribuição Fox
Filme/Fine Line Features.
- Minha vida sem mim (My Life Without Me) – 2003 –
distribuição Imagem Filmes
- O escafandro e a borboleta (Le scaphandre et le papillon)
– 2008 – distribuição Europa Filmes.
- Perfeita pra você – (Irreplaceable You) - 2018 – distri-

- Pronta para Amar (A Little Bit of Heaven) - 2011 –


distribuição Millennium Entertainment
- Sete minutos depois da meia-noite (A Monster Calls) –
2017 – distribuição Apaches Entertainment
- Uma prova de amor (My Sister’s Keeper) – 2009 –
distribuição New Line Cinema/PlayArte
- Um golpe do destino (The Doctor) – 1991 – distribuição
Touchstone Pictures
- Um Momento pode Mudar Tudo (You’re Not You) - 2014
– distribuição Entertainment One
- Uma razão para viver (Breathe) - 2017 - distribuição
Diamond Films

Livros:
- A Culpa é das Estrelas – John Green
- A morte é um dia que vale a pena viver – Ana Cláudia
Quintana Arantes
- A roda da vida – Elizabeth Kübler-Ross
- A última grande lição – Mitch Albom
- Bilhete de plataforma: vivências em cuidados paliativos
– Derik Doyle

354
- No final do corredor – Ana Coradazzi

– Elizabeth Kübler-Ross
- Os cinco convites – Frank Ostaseski
- Sobre a morte e o morrer – Elizabeth Kübler-Ross
- Viver Em Paz Para Morrer Em Paz - Se Você Não Existisse,
Que Falta Faria? – Mário Sérgio Cortella

Sites:
- Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP):
https://paliativo.org.br/
- Asociación Latinoamericana de Cuidados Paliativos:
https://cuidadospaliativos.org/
- Instituto Nacional do Câncer (INCA): www.inca.gov.br
- Instituto George Washington de Espiritualidade e Saúde:
https://smhs.gwu.edu/gwish/about/dr-puchalski
- International Association for Hospice and Palliative Care:
https://hospicecare.com/home/
- Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (SOBOPE):
www.sobope.org.br
- Sociedade Internacional de Oncologia Pediátrica (SIOP):
www.siop-online.org
- Sociedade Brasileira de Psico-oncologia (SBPO): www.
sbpo.org.br
- Sociedade Internacional de Psico-oncologia (IPOS): www.
ipos-society.org

355

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