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UNASP – CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO

PAULO CAMPUS ENGENHEIRO COELHO


TEOLOGIA

LUCAS GUILHERME PEREIRA DE LARA

O TENTADOR DE 2 SAMUEL 24

ENGENHEIRO COELHO
2023
LUCAS GUILHERME PEREIRA DE LARA

O TENTADOR DE 2 SAMUEL 24

Trabalho de Conclusão de Curso do Centro


Universitário Adventista de São Paulo,
campus Engenheiro Coelho, do curso de
Teologia, sob orientação do profa. Dra.
Christie Chadwick

ENGENHEIRO COELHO

2023
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Lara, Lucas de

O tentador de 2sm 24 / Lucas


de Lara. – 2023.20 f.; 27 cm.

Trabalho de Conclusão de Curso – Unasp-EC


- Centro Universitário Adventista de São Paulo – Engenheiro
Coelho, 2023.
“Orientação: Dra Chistie Chadwick.”

1. Samuel. 2. Tentação. 3 Davi. I. O


Tentador de 2 Samuel 24
Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo,
do curso de Teologia, apresentado e aprovado em de de 2023.

A Dra. Christie Chadwick


RESUMO

O livro de 2 Samuel abriga diversas histórias interessantes. O capítulo 24, que


encerra o livro, mostra uma narrativa interessantíssima. No verso 1 do capítulo o autor
apresenta a história dizendo que Deus incitou Davi a realizar uma contagem e numerar
o povo de Israel, mas, ao obedecer, Davi é punido pelo próprio Deus. Por que Deus
puniria alguém que cumpriu exatamente aquilo que foi pedido?! E o mais curioso é
que o mesmo relato contado em 2 Samuel 24, também é descrito em 1 Crônicas 21,
porém, com um detalhe muito interessante e contraditório! O autor de 1 Crônicas inicia
a narrativa do capítulo 21 argumentando que na realidade, não foi Deus quem incitou
Davi a realizar o censo, mas sim Satanás. Portanto, o objetivo desse artigo é entender
quem realmente é o tentador de 2 Samuel 24? Deus ou Satanás?

Palavras-Chave: 2 Samuel 24; Davi; tentador; Satanás; Contagem.

ABSTRACT

The book of 2 Samuel contains several interesting stories. Chapter 24, which closes
the book, shows a very curious narrative. In verse 1 of the chapter, the author introduces
the story by saying that God urged David to take a count and number the people of Israel,
but when he obeyed, David was punished by God himself. Why would God punish
someone who did exactly what was asked of him?! And the most curious thing is that the
same story told in 2 Samuel 24 is also described in 1 Chronicles 21, but with a very
interesting and contradictory detail! The author of 1 Chronicles begins the narrative of
chapter 21 by arguing that it wasn't God who urged David to carry out the census, but
Satanas. Therefore, the aim of this article is to understand who the tempter of 2 Samuel
24 really is, God or Satan?

Keywords: 2 Samuel 24; David; tempting; Satan; count


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 7
2. METODOLOGIA 8
3. SEÇÃO DA PERÍCOPE 8-9
4. CONTEXTO DA PERÍCOPE 9-11
5. ANÁLISE DA PERÍCOPE 11-16
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 17
7

1. INTRODUÇÃO

‘’Em certo sentido, todo aquele que escreve um comentário sobre


qualquer livro da Bíblia aproveita-se do conhecimento de comentaristas
anteriores (Baldwin, 1997).” Muitos comentaristas céticos argumentam que
não dá para confiar nas histórias narradas na bíblia, pois elas parecem ser
fantasiosas, tendenciosas e chegam ser até mesmo contraditórias. Por isso,
nesse artigo, seguiremos rumo a essas aparentes “contradições” e iremos
nos aprofundar nos comentários que analisam as narrativas de II Samuel 24
e I Crônicas 21. Essas duas sessões do antigo testamento apresentam o
mesmo evento, todavia, com personagens essencialmente diferentes.
Enquanto o autor de II Samuel aponta que o personagem que incitou Davi a
realizar o censo do povo de Israel foi Deus:

“E a ira do SENHOR (YHWH) se tornou a acender contra Israel”


2Sm 24:1

O outro narrador, ao contar a mesma história em 1 Crônicas 21, parece


indicar que quem incitou Davi a numerar o povo, não é Deus, mas sim
Satanás (21.1-2).

“Então Satanás (Satan) se levantou contra Israel”

1 Cr 21:1

Portanto, a grande pergunta é: quem realmente é o tentador de 2 Samuel 24?


Deus ou Satanás?! E para piorar a situação, Davi reconhece que realizar o censo
é pecado (v.24). Se realmente foi Deus que tentou Davi a pecar, Ele não seria
injusto ou contraditório? Afinal, Tiago 1:13 diz que “1 3 Ninguém, sendo tentado,
diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a
ninguém tenta.” O apóstolo afirma que Deus não tenta ninguém! O que é essa
cena então? Outro ponto importante é que uma vez que a ordem para realizar o
censo parte exclusivamente de Deus, então, por que Israel deveria ser punido
por obedecer a uma ordem divina?
2. METODOLOGIA

Ao observar a linha narrativa de II Samuel 24 e I Crônicas 21 iremos traçar


paralelos entre os comentários de cinco diferentes comentários bíblicos de II
Samuel, livros esses, que compõem a bibliografia deste artigo. O foco será
apenas observar os dois pontos já citados a anteriormente e ver o que os
autores comentam sobre elas:
a. Quem incitou Davi a fazer o censo?
b. Qual foi o pecado que Davi cometeu?

3. SEÇÃO DA PERÍCOPE

A seção escolhida para o estudo é do livro de 2 Samuel 24:1-10.

A Perícope começa no verso 1 com a ָ֔ ‫( ”לַ חֲ ֹ֖רות ף־י‬aph


expressão “‫ְהוהאַ‬

YHWH laCharot) que com frequência é traduzido como “a ira do Senhor contra”.
Entretanto, o hebraico, abre margem para uma outra possibilidade, por
exemplo, em vez de apenas falar que “Deus está irado” (como as diversas
traduções em português), o autor do texto apresenta um rosto expressando o
que poderia ser descrito ou imaginado como: “o nariz de Deus queimou”.
Trazendo assim a imagem de uma pessoa com o rosto vermelho de raiva.
Contudo, o escritor não apresenta para o leitor o motivo pelo qual o “nariz de
Deus” está queimando. Apenas mostra a consequência disso. “Deus está irado
e por isso ele incitou Davi a realizar um censo de Israel.”
Logo em seguida, no verso dois, temos a expressa ordem do rei pedindo
para Joabe (líder do exército) ir imediatamente fazer o censo do povo. O verso
três inicia fazendo uma possível referência ao verso um. Na introdução do
capítulo, vemos a nota do narrador que “a íra do Senhor aumentou (‫ )יָסַ ף‬contra
Israel”, em contraste, na voz de Joabe observamos que seu desejo é que
“Deus/YHWH aumente (‫ ) יָסַ ף‬o povo”. Enquanto a íra de Deus aumenta sobre
o povo de Israel, podendo provocar destruição. O desejo de Joabe é que Deus
abençoe Israel e faça crescer o seu povo. Esse contraste pode exaltar uma
ironia do autor. O interessante é que Joabe, ao saber o que Davi quer, faz uma
pergunta ao rei: “mas, por que deseja o rei, meu senhor este, negócio? (v.3)”,
entretanto, o rei não responde e nós como leitores ficamos sem explicação. O
texto parece sugerir que Davi não respondeu à pergunta de propósito, como se
estivesse escondendo algo, o narrador acrescenta: “porém a palavra do rei
prevaleceu contra Joabe (v.4)”.
Nos versos 4 a 9 a história continua com a descrição de Joabe cumprindo
a ordem de Davi. Mesmo sem entender o motivo por trás dessa ordem, o servo
é fiel e traz todo relatório de sua empenhada viagem: “(v.9) E Joabe deu ao rei
a soma do número do povo contado. E havia em Israel oitocentos mil homens
de Guerra que arrancavam da espada e os homens de Judá eram quinhentos
mil homens”. Finalmente, no verso 10 temos a reação de Davi após descobrir o
resultado do censo. Como leitor, acreditamos que ele queria fazer o censo para
saber a quantidade geral do povo, entretanto, os números trazidos foram
apenas dos que podiam ir à guerra. E qual é a reação de Davi? Não é nenhum
pouco positiva. Nas palavras do rei ele diz “pequei e procedi mui loucamente”.
Entretanto, nesse ponto, o narrador não deixou claro o porquê de o Rei
considerar loucura algo que primeiramente Deus havia instigado Davi a fazer.
A palavra ‫“ – סכַל‬loucura” aparece cerca de 8x no antigo testamento, sendo que
5x ela aparece nas histórias de Davi e Saul). Estaria Davi procedendo assim
como Saul procedeu?

4. CONTEXTO DA PERÍCOPE:

Por que Deus se íra contra Israel?

McCarter Jr (II samuel a new translation with introduction and


commentary) trabalha a estrutura do livro e aborda que o cap. 24
originalmente fosse uma continuação de 21:1-14, mas ele não elabora muito
o porquê os dois textos se conectam. Sobre isso ele apenas diz que:
“Essa nuance, alcançada pela sintaxe
verbal (wayyosep haiirot – “e novamente irou-
se”), que acontece no verso um faz um link com
21:1-14, lá aparece uma outra história da ira
divina, suas consequências e apaziguamento.
Os dois relatos têm uma série de características
em comum...” (1945, 509)
Joyce Baldwin (1 and 2 Samuel) ao comentar o capítulo 24 de 2 Samuel
parece concordar com McCarter, sobre isso ela argumenta que:

“Novamente irou-se” faz conexão entre o capítulo


24 com a história do capítulo 21, pois ambas as histórias
começam do mesmo jeito e terminam da mesma forma,
dizendo que Deus “aplacou” sua íra para com o povo
(1997, 331).

Resumindo, a Narrativa de II Samuel 21:1-14 conta a história de 3 anos


de fome em Israel, e qual é a causa desse período de fome? Saul no passado
havia assassinado parte de um povo, os gibeonitas, e por isso o povo de Israel
é punido com fome por conta da injustiça de Saul. Provavelmente o que
Baldwin e McCarter Jr querem dizer é que a íra de Deus no capítulo 21 é
provocada por algo errado que o rei Saul fez. Da mesma forma, no capítulo 24,
Deus se íra por algo de errado que o rei Davi fez. Entretanto, até o momento
parece haver poucas informações que dão base a essa ideia. O comentário de
Robert B. Chisholm Jr. – (1 & 2 Samuel – Teach the Text, Commentary Series.)
parece ir à mesma direção de “um pecado específico”. Sobre isso ele fala que
quando o Senhor “queima” sua íra contra o povo, é por conta do “pecado
deles”, e ele usa diversos textos bíblicos para afirmar a ideia de que em todos
os casos existe rebelião flagrante na forma de idolatria, e isso acaba
provocando a íra de Deus. Ou seja, Israel vai sofrer a íra porque é um povo
rebelde e idólatra.
Porém, talvez, uma lacuna no argumento de Baldwin, McCarter e
Chisholm pode ser a própria estrutura narrativa do livro. Devemos nos
perguntar, o que acontece entre o capítulo 21 e 24 corroboram com a temática
de um rei que pecou e por isso Deus se ira? Ou o contexto fortalece que o
povo estava em idolatria? Bom, ao observarmos o capítulo 22-23, vemos que
o autor do texto bíblico apresenta um Rei agradecido e não em rebelião. Esse
fato é expresso através do lindo e extenso cântico composto pelo rei no
capítulo 22 e em 2 Samuel 23 Davi está grato por Deus ter conduzido e guiado
as vitórias de seu povo. Sabemos que pelo contexto da aliança, vitórias em
guerra são consequências da fidelidade de Israel.
Por essa razão, é que Robert Alter diz que:
“A razão para a ira de Deus é totalmente
inespecífica, e as tentativas de vinculá-la aos
eventos da narrativa anterior são pouco
convincentes” (1999.356)

Portanto, o capítulo 24 começa dizendo que Deus se íra, mas não


explica o motivo dela. O contexto da perícope mostra um povo fiel e
agradecido, não em apostasia ou em rebelião, ou seja, a justificativa de
Baldwin, McCarter e Chisholm para qual seria o motivo da punição divina
parece não se sustentar muito bem, uma vez que a íra parece ter razão
desconhecida. E só vamos entender claramente ela porque a mesma história
é contada em 1 Crônicas 21 e lá existem outros detalhes que ampliam aquilo
que foi descrito em 2 Samuel 24.

5. ANÁLISE DA PERÍCOPE

Quem é o tentador?

Baldwin investe o tempo de sua introdução argumentando que existe


uma progressão de pensamentos da época em que 2 Samuel foi escrito para
1 Crônicas 21. É um argumento simples, mas muito usado, dizendo que na
época em que o capítulo 24 foi escrito, as pessoas atrelavam tudo o que
acontecia na esfera humana, quer sejam as coisas boas, quer sejam as coisas
más a Deus. Portanto, nesse trecho vemos apenas o retrato de um
pensamento comum da época, por isso, ao falar que Deus incitou Davi a pecar
o narrador só está transmitindo a imagética comum. Resumindo, o que ela
quer dizer é que quando vamos a 1 Crônicas 21, temos uma progressão de
conhecimento, onde nem tudo que acontecia era atrelado a Deus. Sendo
assim, as obras más eram dos inimigos/Satanás e as boas obras são de
origem divina.

“O relato paralelo de 1 Crônicas 21 mostra como o


pensamento teológico se desenvolveu ao longo dos anos,
atribuindo a "Satanás" ou a "um adversário" o que anteriormente
era atribuído ao Senhor. Talvez Paulo tivesse esses dois relatos
em mente em 2 Coríntios 12.7; o mensageiro de Satanás" atua com
permissão divina” (pág.331).
Imaginando que ambos os textos dizem a mesma coisa, mas trocam o
sujeito ativo do verso, como por exemplo, em 2 Sm 24:1 o sujeito ativo é
‘’Deus’’ e em 1 Cr 21.1 muda para ‘’satanás”, Chisholm Jr, apenas disserta
que provavelmente existe um erro de tradução em 1 Crônicas 21.1. Ele não
contradiz Baldwin e nem argumenta a favor, mas somente amplia as
possibilidades. Seu comentário diz que a palavra “Satan” que aparece em
hebraico em 1 Cr 21:1 não aparece com o artigo definido, por isso, a tradução
possivelmente estaria errada, pois sem o artigo a palavra não
necessariamente precisa ser traduzida como nome próprio, mas sim um
substantivo, atrelando então para o significado original da palavra “Satan” que
é “adversário ou opositor”. Desse modo a intenção do verso pode se referir a
um adversário “pessoal ou nacional” na esfera humana e não a Satanás, o
anjo caído. Ou seja, o que o autor de crônica quis mostrar é que na realidade
uma nação adversária próxima a Israel se mostrou hostil contra a mesma e
por esse motivo (por conta das nações adversárias) o rei Davi é “incitado” a
numerar o povo para que ele pudesse avaliar sua força.

Ellen G. White ao escrever sobre o assunto em Patriarcas e Profetas- 73


(“Os Últimos Dias de Davi) parece não afirmar se é um adversário ou Satanás,
em sua observação ela apenas cita o texto bíblico, pois ela investe mais tempo
em comentar sobre o pecado de Davi e não o tentador.

Agora, Robert Alter, vai por outra via completamente diferente dos
autores citados, para ele o responsável por incitar Davi, não é Satanás e nem
uma nação adversária, o comentarista parece assumir exatamente o que o
texto diz sem levar em consideração seu paralelo em crônicas. Sobre isso ele
diz que
“Davi confessa profunda contrição, mas,
afinal de contas, ele foi manipulado por Deus
("incitado") para fazer o que fez.”

Indo contramão dos outros autores, ele simplesmente fala que Deus é
quem incitou Davi a numerar e aquele que pune Davi por ter obedecido. Com
isso, Alter parece ignorar Tiago 1:13 “Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus
sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta.”,
se formos realmente na direção que Davi foi manipulado por Deus, também
assumiríamos que Deus é mal?
Portanto, por não haver evidências suficientes que sustentem que Deus
é o tentador, podemos então entender que existe uma progressão histórica
onde o autor de 1 Samuel 24 imagina que todos os acontecimentos provêm de
Deus, enquanto o narrador de 1 Crônicas 21 não. Seguidamente, o texto bíblico
parece indicar também que na realidade não é Deus nem Satanás que incita
Davi a realizar o censo, mas sim os adversários de Davi.
Com base nesse estudo vimos o contexto da Perícope, observamos
agora quem pode ser o tentador de 2 Samuel, mas ainda falta responder uma
pergunta:
Por que realizar o censo é pecado? Afinal, o que tem de mal em querer
saber quantas pessoas existem no reino?! Pense comigo, se você fosse dono
de uma grande empresa, você não gostaria de saber quantos funcionários você
tem? Sendo assim, porque Davi ao ouvir o resultado do censo, reage
imediatamente de forma negativa? Por que Davi vê isso como um grande
pecado? Por que Deus também entende que contar o povo é pecado e pune
Davi por isso? Sendo assim nosso próximo tópico é:
Por que fazer um censo é pecado?

McCarter tenta explicar o “porque um censo, provoca a íra de Deus?”.


Alguns estudos como o de Speicer (1967:171-76) , sugerem que realizar o
censo envolvia purificação ritual.
Ao observar o censo realizado na Cidade de Mari, na Idade do Bronze
Médio (2450 a 2 mil a.C), no noroeste da Mesopotâmia, ele sugere ter havido
um tempo em que os orientais evitavam o pensamento de ter seu nome
registrado em listas que poderiam ter usos imprevisíveis. Um militar, por
exemplo, poderia colocar os nomes deles em livros de convocação e se seu
nome fosse chamado, poderia significar na guerra uma eminente morte, por
isso, seria natural nessas circunstâncias buscar a expiação (purificação)
como precaução.
Outro fator determinante é que ao realizar o censo, cada pessoa
deveria pagar um “resgate”.
Falou mais o Senhor a Moisés dizendo: Quando fizeres
a contagem dos filhos de Israel, conforme a sua soma,
cada um deles dará ao Senhor o resgate da sua alma,
quando os contares; para que não haja entre eles praga
alguma, quando os contares.
Êxodo 30:11,12
Para ser inscrito em um censo, portanto, era preciso ser ritualmente
purificado. Na ausência de tal purificação, poderia resultar uma praga,
exatamente como em Números 8:19, onde os levitas que frequentam o
santuário são descritos como "fazendo resgate"(Êx 30: 15). A peste, em
outras palavras, poderia resultar se os regulamentos de pureza não forem
cuidadosamente seguidos. O valor de meio siclo de Êx 30:12, então, era uma
precaução contra a violação das leis de pureza. O texto de 2 Samuel 24 não
mostra o povo pagando o resgate, seria então por isso que a praga veio? O
censo realizado era um senso militar, então deveria ter o pagamento, afinal o
verso 9 diz que:
“E Joabe deu ao rei a soma do número do povo contado; e havia
em Israel oitocentos mil homens de guerra, que arrancavam da
espada; e os homens de Judá eram quinhentos mil homens.
2 Samuel 24:9”

Ao dizer que o resultado do censo mostrava quem estava habilitado para


ir à guerra, fica claro que a contagem era Militar, e o dever do soldado era de
uma ocupação santificada envolvendo um conjunto complexo de leis de
pureza. Na bíblia vemos que um soldado foi consagrado antes da batalha
(Josué 3:5), o campo de batalha foi mantido ritualmente limpo (Dt 23:10-15),
etc. Uma vez inscrito em um censo, portanto, um israelita estava sujeito às
regras militares de pureza.
Então a conexão de 2 Samuel 24 com Êxodo 30:1-15 nos mostra o
motivo da punição? Ainda não, pois através do profeta Gade, Deus diz para
Davi escolher dentre três opções qual era a punição que ele e o povo
deveriam receber (24.12-14). O que difere completamente do que está
descrito que iria acontecer em Êxodo.
Joyce Baldwin, pensa que na realidade o pecado que Davi confessa é
o orgulho e autossuficiência, pois ao realizar a contagem ele está mostrando
que ele confia não em Deus, mas sim, em seu poder bélico. Sobre isso ela
diz:
“Talvez houvesse temores supersticiosos ligados à
contagem de pessoas, como se isso atraísse uma
calamidade que reduzisse o número; mas, no caso de
Davi, parece que o pecado consiste em orgulho de
autossuficiência, exatamente o contrário da atitude que o
caracterizou no salmo de 2 Samuel 22 e em suas "últimas
palavras" de 2 Samuel 23.” (Pag. 331).

Robert Alter argumenta parecido com McCarter e traça pontos


semelhantes a senhora Baldwin ao dizer que, provavelmente, o povo de Israel
estaria errado ao fazer o censo uma vez que o censo tem a ver com ritual
religioso e o povo deveria cumprir sua parte na cerimônia dando um valor
específico por pessoa como diz em Êxodo 30:12-15.
Por isso, dissertação sobre a reação que Joabe tem ao ouvir o pedido
do Rei, Alter Comenta que:
“Subjacente à história está um medo cultual e supersticioso
do censo, refletido na objeção de Joabe a ele. Vários
comentaristas observaram que, de acordo com Êxodo 30:12,
todo israelita contado em um censo era obrigado a pagar meio
siclo como "resgate" (kofer) por sua vida [...] Visto que tal
pagamento não podia ser realisticamente esperado num censo
total da nação, massas de pessoas seriam colocadas numa
condição de violação do ritual.”

Então Alter pontua que provavelmente o ponto que deve ter provocado
a ira de Deus é que o censo do povo é um erro visto que nem todos podem
participar efetivamente com o valor monetário dessa contagem.

Ellen G. White, em paralelo com Baldwin, comentando sobre os


últimos dias de Davi, acrescenta que os motivos que levaram Davi a fazer o
censo foram orgulho e presunção, nesse sentido ela diz:
“Foram o orgulho e a ambição que motivaram este ato do
rei. A contagem do povo mostraria o contraste entre a
fraqueza do reino quando Davi subiu ao trono, e sua força
e prosperidade sob seu governo. Isto teria a tendência de
fomentar ainda mais a confiança em si mesmo, que já era
grande, tanto do rei como do povo. Dizem as Escrituras:
"Então Satanás se levantou contra Israel, e incitou Davi a
numerar Israel". 1 Crônicas 21.”

Ellen diz que Davi entendeu que ele não deveria confiar em suas tropas
ou em sua força. Ela acrescenta que os outros povos veriam as atitudes de
Davi e entenderam que o povo confiava mais em suas tropas do que em
Deus. Sendo assim ela argumenta
“Mas o aumento dos recursos militares do reino
daria às nações circunvizinhas a impressão de
que a confiança de Israel estava em seus
exércitos, e não no poder de Jeová.”

Davi se arrepende e Deus através do profeta Gade, e o mesmo dá ao


rei a oportunidade de escolher como Israel será punido, Davi poderia
escolher entre ter três anos de fome, três meses nas mãos dos adversários
ou três dias sobre a espada do Senhor, e “A resposta do rei foi: "Estou em
grande angústia; porém caiamos nas mãos do Senhor, porque muitas são
as Suas misericórdias; mas nas mãos dos homens não caia eu". 2 Samuel
24:14

Conclusão:
Ao se sentir ameaçado por seus adversários, Davi parece realizar um
censo com urgência e ao fazer o mesmo, ele infringe diversas questões culticas
sobre purificação, mostrando então que motivado pelo orgulho, o rei estava
muito mais preocupado com sua própria força do que com seu povo que ficaria
desamparado ritualmente. E por que essa história está colocada após Davi
agradecer a Deus pelas vitórias nas guerras? Por que o autor decidiu encerrar
o livro dessa maneira? Uma boa suposição é que essa história nos mostra quão
fácil o homem pode se esquecer de quem o conduziu todo esse tempo. O medo,
orgulho e presunção faz com que deixemos de olhar com confiança para
Aquele que nunca nos abandonou. E o que nos sobra quando deixamos de
olhar para Deus? Bom, só nos resta olhar para nossos adversários, nossas
fraquezas e mazelas... Assim como Davi “sem Deus” faz a contagem para saber
se conseguiria se proteger contra seus inimigos, nós também agimos dessa
forma. Quantas vezes por conta do medo, insegurança e outros sentimentos,
deixamos de buscar a Deus para tentar encontrar nossas próprias maneiras de
resolver os problemas? Somos voláteis como Davi é. Mas, também podemos
nos arrepender como ele se arrependeu e cair misericórdia de Deus assim
como ele caiu. Talvez não seja fácil colher as consequências de nossos atos,
mas existe lugar mais seguro do que estar nas mãos justas e graciosas de
Deus?
BIBLIOGRAFIA BÁSICA:
1. Robert B. Chisholm Jr. – 1 & 2 Samuel – Teach the Text,

Commentary Series.

2. P. Kyle McCarter Jr. - II Samuel in Anchor Yale Bible

3. Baldwin, Joyce G. - 1 and 2 Samuel

4. Alter, Robert - The David Story: A Translation with Commentary of 1 and

2 Samuel White,

5. Ellen G. – Patriarcas e Profetas – 73 “os Últimos dias de Davi”

6. 1958 Census and Ritual Expiation in Mari and Israel. Bulletin of the

American Schools of Oriental Research 149:17-25 =Speiser 1967:171-76

7. Comentario bíblico Adventista, volume 2

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