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RESUMO
O presente artigo tem a finalidade de analisar o livro de Habacuque e verificar como
este reflete sobre a soberania divina e o problema do mal. Para tal, é feito uma pesquisa
bibliográfica buscando compreender a Teodiceia, interpretar e verificar o livro de Habacuque
investigando as respostas dada por este para a questão da Teodiceia, tendo como pressuposto a
ortodoxia bíblica. É analisado o livro de Habacuque e verificado autores da área como Sayão e
Merril. A Teodiceia é analisada a luz da teologia bíblica em Habacuque, indicando que a dúvida
e a busca pelas respostas tem seu lugar, mas que a dúvida não anula a fé, e que o mistério da
soberania de Deus que levanta outras dúvidas leva a uma fé confiante.
ABSTRACT
The purpose of this article is to analyze the book of Habakkuk and verify how it
reflects on divine sovereignty and the problem of evil. For this, a bibliographical search is made
to understand the Theodicy, to interpret and to verify the book of Habacuque investigating the
answers given by this one to the question of Theodicy, having as presupposition the biblical
orthodoxy. It is analyzed the book of Habakkuk and verified authors of the area as Sayão and
Merril. The Theodicy is analyzed in the light of biblical theology in Habakkuk, indicating that
doubt and the search for answers have their place, but that doubt does not nullify faith, and that
the mystery of the sovereignty of God that raises other doubts leads to a faith confident.
1 INTRODUÇÃO
A ideia de um Deus bom que está acima e governa soberanamente um mundo cheio
de injustiças e maldades é alvo de muitas discussões. Pela lógica, parece ser impossível que
exista maldade e injustiça quando aquele que está acima é totalmente bom e puro. Nessa
questão, a discussão gira em torno da Teodiceia. Segundo Elwell:
1
O Autor é Bacharel em Teologia pela FATEBE (Belém-PA), Pós-Graduado em Pregação Expositiva Pela
FATEBE. Este também é professor do Seminário Teológico Batista em São Luís e Mestrando em Teologia pela
FABAPAR (Curitiba-PR). E-mail: prof_nedsonfonseca@outlook.com; extensao@stbsl.org.
2
[...] A tentativa teísta de lidar com esse tripé “Deus todo-poderoso”, “Deus todo-
amoroso” e “existência do mal” de maneira a mostrar que, a despeito do mal, Deus
continua justo, bom e poderoso foi historicamente denominada Teodiceia. (SAYÃO,
2012. p. 26)
Muitas datas já foram apresentadas para situarem o livro, que variam de 700 a 300
a.C, apresentando inimigos que vão desde a corte de Senaqueribe até as falanges de Alexandre
(LASOR; HUBBARD; BUSH, 2002). Mas, ao verificar o livro, a passagem de Habacuque 1.6
é chave para determinar a situação histórica. A menção da invasão dos caldeus a Judá da
margem situar no último quarto do século VII. Numa data mais remota, por volta de 625 a.C.,
quando Nabopalassar ascendeu no trono do Novo Império Babilônico; E numa mais recente,
por volta de 598 a.C., logo antes da retaliação contra Judá nos dias de Jeoaquim (c. 609-598).
A BENVI (Bíblia de Estudo Nova Versão Internacional), afirma em seu comentário
introdutório sobre o livro de Habacuque que na datação, deve-se lembrar do evento da batalha
de Carquemis, quando egípcios foram socorrer os Assírios e ambos forma derrotados que
ocorreu em 605 a.C (BENVI, 2003).
2Para uma ampliação dos vários tipos de Teodiceia, recomenda-se o capítulo sobre introdução a
Teodiceia na obra: SAYÃO, Luiz. O Problema do mal no Antigo Testamento: o caso de Habacuque.
São Paulo: Hagnos, 2012.
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A conclusão mais satisfatória parece ser que a profecia foi escrita em um período
quando os caldeus ou babilônios estavam começando a ficar indóceis contra o poder
assírio e talvez até mesmo a demonstrar a sua força. Colocar a composição do livro
bem mais tarde do que isto, seria presumir que não foi realmente um predição da
invasão de Judá pelos caldeus mas uma referência ao que realmente já tinha
acontecido e portanto uma simples explicação da presença dos babilônios no ocidente
como instrumento do Senhor. A melhor conclusão parece ser que a profecia foi escrita
quase no fim do reinado de Josias (640-609 A.C.), de preferência depois da destruição
de Nínive pelas forças dos babilônios, medos e citas combinados em 612 A.C.
Religiosamente, fica evidente que a sociedade judaica estava depravada. Como diz
o comentário introdutório da Bíblia de Estudo e Genebra (2009, p. 1177):
De modo que, apesar de está pervertida como as outras nações, o que de fato
diferenciava Judá, era que eles eram povo da aliança divina. E mesmo as grandes e vigorosas
reformas feitas pelo reto rei Josias não surtiram efeitos permanentes. O Profeta disse que “a lei
se afrouxa” (1.4), literalmente a Torah se afrouxa. Mostrando que havia uma ligação direta com
a religião de Israel.
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Essa estrutura pode ser resumida em queixas / lamentos e resposta divina, e oração
de fé. A análise a seguir segue essa estrutura, de verificar as queixas e lamentos do profeta
Habacuque.
somente o ritual, mas de maneira igual denuncia os males sociais. Conforme Vos (2010, p.
331): “Lado a lado com o pecado ritual de Israel, seu pecado social é incluído na condenação
profética.” É uma denúncia geral.
Essas queixas de Habacuque são colocadas como urgente. Um exemplo disso é
Habacuque 1.2: clamarei e não serei ouvido por ti? Gritarei: Violência! E não salvarás? O
termo no hebraico que aparece para clamarei, é o verbo siw’ati, é o verbo shawa, que está no
piel aqui, dando uma ideia de intensidade, e está no ativo. Ou seja, a queixa de Habacuque não
é um simples clamor que não é ouvido, mas um clamor intenso, constante, tanto em quantidade,
quanto em qualidade, um clamor que todo o seu ser faz. Por isso o paralelismo coloca esse
clamor como um grito, um brado ao SENHOR.
O que o profeta está gritando é a denúncia de violência e iniquidade do povo de
Judá. A BENVI (2003, p. 1557) acerca dessa passagem diz: “Nesses tempos, Judá estava
provavelmente debaixo do governo do rei Jeoaquim, ambicioso, cruel e corrupto. Habacuque
refere-se à corrupção social e à apostasia espiritual de Judá em fins do séc. VII a.C.”.
A denúncia de violência, não é de outros povos com relação a Judá, mas é de dentro
do próprio povo de Deus, dentro da nação judaica. O povo está em um comportamento violento,
longe dos princípios divinos, e o profeta leva isso em clamor intenso a Deus. Mas, mesmo a
essa intensidade do clamor do profeta (que deveria ser o mesmo clamor dos outros justos da
nação) por socorro, o SENHOR parece não ouvir e não salvar. Então a pergunta do profeta é:
Por que?
A pergunta de Habacuque a Deus é que se, sabendo que Deus é um Deus santo, por
que ele não ouve o clamor do profeta (e dos santos) dizendo que há violência e injustiça no
povo escolhido. Ou seja, em outras palavras, porque Deus não age, em meio a denúncia de seu
povo? Por que Deus parece inerte? A Pergunta do profeta é: Por que? O profeta sabe que Deus
permitindo ele ver a maldade, era porque antes de todos, o próprio Deus já havia visto e
percebido. A pergunta é, por que o Deus santo parece olhar com complacência para o pecado.
Moody diz o seguinte:
O que preocupava Habacuque era que, considerando que Deus é santo, ele não podia
entender como Deus podia olhar complacentemente para a malícia. A forte
expostulação do profeta, portanto, é na realidade uma expressão de fé. Sua indignação
fora despertada à vista da abundância do pecado e sua confiança em um Deus santo
file dizia que Deus tinha de fazer alguma coisa a respeito.
Ou seja, a queixa do profeta não é uma afronta a Deus em nenhum momento, mas
uma dúvida de fé. Nas queixas, Habacuque lamenta sobre o que está acontecendo com a Torah.
O argumento do profeta é que com base numa aparente indiferença de Deus, o ímpio prevalece
e cerca o justo, e dessa forma, a Torah está dormente, ou enfraquecida ou débil. Com a Torah
enfraquecida, a justiça nunca se manifesta porque está pervertida, porque está enfraquecida
junto com a Torah, já que a justiça se baseia na Torah.
Onde há a Palavra de Deus, há justiça, mas onde essa desaparece, a injustiça
prevalece, e prevalece devido a manifestação e cerco do justo por parte do ímpio. Dessa
maneira, a corrupção, a impiedade, a violência, a injustiça em Judá era muito grande. A
Pergunta do Profeta de toda a sua queixa é: Por que Deus não intervinha? Naturalmente estas
queixas envolvem a Teodiceia.
Os questionamentos de Habacuque são maiores, principalmente na segunda queixa,
quando este não entende com Deus santo e justo poderia usar os ímpios babilônicos para
executar justiça. Esses textos das queixas tratam da relação entre a fé no divino e a realidade
do sofrimento e da injustiça (SAYÃO, 2012).
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São dados duas respostas as queixas de Habacuque, cada uma a uma queixa. A
primeira resposta (1.5-11) mostra a Habacuque que nem o Senhor e nem a Torah está inerte.
Na verdade, o Senhor estava agindo há tempos e estava trazendo julgamento, punição e
purificação a seu povo por meio dos babilônicos. Conforme Merril (2009, p.515) afirma: “O
Senhor em resposta, assegurou ao profeta que, no dia do Senhor, traria as temíveis e imbatíveis
hostes babilônicas contra os assírios”.
Quando o profeta entende que o Senhor usaria os babilônicos como instrumento
para julgar Judá, ele faz uma nova queixa, conforme discutido acima. Ele não compreende como
um Deus todo-bondoso, todo-santo, todo justo, todo-santo poderia usar uma nação tão iniqua e
perversa como a Babilônia.
A segunda resposta divina dada a Habacuque mostra que, embora a Babilônia fosse
instrumento do Senhor, tal como no passado foi a Assíria, era culpada de violência e idolatria
maior que Judá e também seria punida e julgada de maneira perfeita (MERRIL, 2009).
As duas respostas, não trazem respostas a todas as perguntas do profeta (SAYÃO,
2012). Mas estas respostas, são suficientes para orar com fé e plena confiança na soberania do
Senhor. (MERRIL, 2009).
O profeta parece estar satisfeito com as respostas recebidas, embora todas as suas
perguntas não estejam respondidas (MERRIL, 2009). Pois para o profeta, o ponto máximo é a
de entender e perceber que o Senhor governa com soberania, mesmo parecendo inerte e
tolerante, está julgando e governando o mundo com Justiça.
Na oração de confiança, chamado de Salmo por Sayão, o profeta retrata
poeticamente o Senhor com perfeito e impressionante domínio sobre a terra (3.3,4). Doenças e
pragas estão a seu serviço, ele é vitorioso até sobre as águas hostis. Ele é retratado como perfeito
guerreiro divino (MERRIL, 2009). Céus e terra são movidos para salvar seu povo (3.11-15).
O final da oração do profeta é um reconhecimento que, mesmo que os caminhos do
Deus soberano sejam misteriosos e além da lógica humana (MERRIL, 2009), Ele sempre será
soberano, santo e justo, por isso, sempre confiável. Por isso o profeta diz “[...]ainda que a
figueira não floresça, [...]. Exultarei no Senhor e me alegrarei no Deus da minha Salvação”
(3.17-18).
prática e concreta por Deus em face do mal (SAYÃO, 2012). Ou seja, a questão do mal é
vivencial, nem tanto teorética ou teológica. O justo pode até não ser resposta para todo tipo de
mal, entretanto, este justo é a resposta contra o mal ético no mundo sempre quando encarna a
prática do bem conforme prescrito pela revelação divina (SAYÃO, 2012).
Para o profeta, também é importante o repúdio ao mal. Ele não pode ser tolerado,
não há espaço para um fatalismo que aceita o mal. O mal é estranho. O repúdio ao mal ético
impulsiona o profeta para as queixas (SAYÃO, 2012). Questionar o porquê do mal não é mal,
porém deve ter cuidado com as respostas.
Ainda mais, para o profeta, duas coisas mais fazem parte da reflexão da Teodiceia
em Habacuque: a escatologia e o mistério. (SAYÃO, 2012). A escatologia mostra que os males
desse mundo estão preparados para o dia da visitação de Yaweh, tal como fora para Judá e a
babilônia. Essa visitação é de punição e purificação, um a intervenção escatológica, que
prenuncia uma definitiva intervenção onde o Reino de Deus será instaurado por completo e
toda injustiça será revogada.
O funcionamento do escaton falado acima, está no âmbito do mistério divino, e em
partes revelado pelos profetas. Ou seja, o mistério significa a escatologia que em parte é
revelada e o controle divino sobre o mundo que em parte menor é revelado. Mas o mistério que
está fora do controle da racionalidade humana não anula o fato que existe um escaton e um
governo soberano perfeito. Por causa de tais questões que o profeta ora confiadamente, pois
mesmo não compreendendo exaustivamente tudo, ele sabe que Yahweh está no controle do
escaton da história e o chama para ser justo dentro da história.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O pensamento sobre a indesviável justiça de Deus de pronto cria uma tensão à luz das
experiências diárias e exige uma explicação. Há ocasiões, na vida de alguns homens,
quando essa tensão se torna particularmente aguda, conforme vemos aqui. O ímpio
cerca o justo (v.4); rodeia-o como um inimigo, tendo em vista provocar-lhe a ruína.
dúvida, então, é fruto não da falta de existência do governo e controle soberano do Deus todo-
bondoso, mas sim, da falta de compreensão e controle da lógica e poder humano.
Por este motivo, verifica-se que no início do livro Habacuque tem dúvida e
questiona a fé, no final do livro ele ainda tem dúvida, mas sua fé está inabalável, “mesmo que
a figueira não floresça”. Habacuque não obteve resposta exaustiva para sua dúvida, mas
entendeu que existe um controle perfeito e absoluto acima de tudo, inclusive dele e de suas
dúvidas. Logo, Habacuque entende que uma fé genuína não seria completa ausência de dúvidas,
mas que esta é uma fé confiante e atuante, mesmo na dúvida.
O Livro de Habacuque não fornece uma resposta lógica a Teodiceia. Mas a
Teodiceia construída no livro de Habacuque é revelacional e de fé. Uma fé que não é fideísmo,
mas que é baseada na soberania divina revelada na palavra do profeta.
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