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Quando eu era menino lia o


Salmo oitavo

Os mais recentes poemas


evangélicos de

J.T.Parreira
2012
Edição, fotos e arte: Sammis Reachers
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ÍNDICE
Apresentação........................................................04
O SALMO VIII....................................................06
ELE ACOLHIA AS TURBAS............................07
VELÓRIO..............................................................08
O SERVO SOFREDOR.......................................09
TODOS OS CABELOS CONTADOS..............10
O ARREPENDIDO.............................................11
OS ARREBATADOS...........................................12
CARREGARAM AS SUAS COSTAS...............13
TROFÉUS.............................................................14
A LANÇA..............................................................15
OUVIR A GRÉCIA..............................................16
CARNAVAL...........................................................17
ESCALAR AS FERIDAS DO SINAI................18
AQUELE QUE DORME NO MAR.................19
O SILÊNCIO DE DEUS.....................................20
SALMO LEIGO...................................................21
A RESSURREIÇÃO DO MEU SENHOR.......22
AS TÁBUAS DE PEDRA...................................23
PRÓ SALMO 121................................................24
DIÁRIO DE UM HOMEM EM QUEDA........25
SALMO XCI.........................................................26
RUA CHAMADA DIREITA...............................27
RESSURREIÇÃO.................................................28
QUEM CONVERSOU COM A PEDRA..........29
OUTRO POEMA DA RESSURREIÇÃO.........30
DE TI AMAREI TUDO......................................31
QUASE NAUFRÁGIO.........................................32
NO DIA DA SUA MORTE................................33
O autor...................................................................34
Outros e-books do autor....................................35

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Apresentação
A poesia de J.T.Parreira é poesia maior. É poesia que, ao ser lida,
inevitavelmente produz a libertadora (e infelizmente rara) sensação de
uma lufada de ar que nos eleva e, de roldão, transmigra-nos de nosso
dia-a-dia corrido e muitas vezes repleto de sensaboria, para a dimensão
poiética, de enlevo, fascinação e gozo auferidos pelas palavras ao serem
laboriosamente re-alinhadas para que ofereçam o seu melhor.

Nesses 28 poemas, escritos entre fins de 2011 e início de 2012, o vate


português dá provas de seu dom de ampliar, ou melhor dito, alar as
palavras, trabalhando os temas bíblicos, reafirmando poeticamente sua
transcendência divina, ao re-capturar e re-vestir o que eu chamaria de
seu élan (ímpeto, vigor) devocional, como no poema que inspira o título
do livro (O Salmo VIII), ou neste Pró Salmo 121:

Elevo os meus olhos para os montes


e há um monte deles
mesmo em frente, quando caminho
no cimo dos montes as Tuas mãos
fazem o resguardo do abismo
a minha fadiga é soletrada nas palavras
com que peço socorro, o meu olhar
por isso se alonga, outras vezes
vou mais depressa
pareço um adolescente a distender as pernas
e corro sem temer o sol
nem os mistérios da lua.
Sou tão pouco perante os montes
mas eles ficam para trás e não são
mais do que poeira amontoada.

Como editor, me regozijo em oferecer aos leitores mais este volume,


pequenina cornucópia de pérolas - a serem degustadas com os olhos da

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alma. E singela amostragem do melhor da poesia evangélica produzida
atualmente em nossa língua.

Sammis Reachers

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O SALMO VIII

Quando eu era menino e lia o Salmo


oitavo, ficava cheiinho de vontade
de entrar dentro dele, o mundo
criado estava todo ali, até os anjos
eram pouco maiores que os homens
as aves passavam e era nelas
que media o céu, e as estrelas?
essas cabiam nos olhos
os peixes respiravam a água dos mares
tudo era admirável e bastava uma ovelha
para o meu riso correr de um lado
para o outro dos meus pequenos lábios.

15/04/2012

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ELE ACOLHIA AS TURBAS

“Ele acolhia as turbas, falando-lhes do Reino,


e aos necessitados de cura devolvia a saúde.”
Adélia Prado

Palavras duras que vinham do fundo


de quem era maior que o templo
só para os fariseus, para os que mandavam
nos fardos
que iam pesar nos outros
que colocavam a pedra da palavra morte
entre duas palavras da lei
para esses palavras duras
Para as turbas que vinham com fome
e com sede a abrirem
grandes olhos, com os corações
sozinhos, as suas palavras tinham
a mesma serenidade
de quando falava aos meninos.

14/04/2012

7
VELÓRIO

O defunto no caixão
é a única coisa eterna, o mais
ali, as flores, os olhos e as lágrimas
é tudo passageiro.

14/04/2012

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O SERVO SOFREDOR

(Isaias 53)

Fui mais pobre do que Jó


mas tenho lugar para todos
sobre os meus ombros
para todos
e todas as iniquidades
carregarei até às feridas
irei descalço pelos espinhos
e na minha cabeça uma coroa
não interromperá o fluxo
sanguíneo do meu amor
Podem perguntar-me por que é assim
porque é assim
mesmo antes da fundação do mundo.

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TODOS OS CABELOS CONTADOS

( Mt 10:30)

Guardas os meus cabelos


a minha cabeça
velas os meus pensamentos
e Te entristeces
quando não são puros
Poderiam cair os meus cabelos
mas tens para eles reservada a sua Hora
Como revestes as flores de tintas celestes
que nem Van Gogh achou em Arles
nem as vestes de Salomão
assim cuidas da minha nudez
a única coisa bela que tenho
diante dos Teus olhos.

11/04/2012

10
O ARREPENDIDO

Já rasguei os meus vestidos


e o meu manto
abriu brechas ao frio
E pus sombras ao redor dos olhos
ergui das cinzas este corpo
como de o fundo de um rio
de feltro e lama
Os meus lábios partiram o silêncio
voaram rumo a Deus
aves alisadas pelo vento.

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OS ARREBATADOS

I Tess 4,17

Deve ser bonito desaparecer no ar


com as costas leves voltadas
para o passado, deve ser bonito
sentir que a noite e o sol
se atravessam
como atravessamos um perfume
deve ser bonito dizer as palavras
desenhadas sem os lábios
sem gelo e sem lume
desaparecer no dia que há-de vir
deve ser bonito desaparecer no azul.

12
CARREGARAM AS SUAS COSTAS

(Jo 19: 17,23 )

Carregaram com dores


as suas costas com o peso da cruz
disseram palavras
fulminantes, rasgaram entre si
os seus vestidos e com os dados jogaram
o corte inseparável da túnica
abriram no seu peito ao lado esquerdo
um rio
de sangue e água
procuravam um Deus para sofrer
para começar do zero
o Amor.

13/02/2012

13
TROFÉUS

Com mãos mercenárias como se fossem aves


de rapina
romperam teus vestidos, relíquias
com os fios da tua veste, a tua última
túnica com forma unânime
levaram para casa, com as mãos sujas
guardaram um pouco do brilho
do teu sangue.

14
A LANÇA

Uma lança dentro do coração


para fechar
o sacrifício, parar o batimento
o sofrimento que circula
nas artérias
até o Amor ser derramado
em sangue e água.

17/02/2012

15
OUVIR A GRÉCIA

“Um grego só entre os deuses se há-de achar”


Konstantinos Kaváfis

No meio dos bárbaros da Europa, a voz do teu senado


espera, em silêncio de pedra, a tua voz dos mármores
ouve-se mas é impenetrável
és um texto que teus poetas guardam
sobre a força esbelta das colunas
susténs ainda
nos frisos a sageza dos rostos das mulheres
e a provocação da alça de um vestido
caindo sobre um peito.
Tu és Antígona que desautoriza o rei.

21/02/2012

16
CARNAVAL

Caras para tudo


suportando as máscaras
caras de Entrudo
gastas
pouco a pouco
o siso
retomando as caras
e o tédio, perdido o riso.

22/02/2012

17
ESCALAR AS FERIDAS DO SINAI

Escalar as feridas do Sinai


enquanto o fogo descansa na montanha
escalar Athos com os pés molhados no Egeu
desafiar as pedras
como se fossem duros deuses terreais
fazer pelos Himalaias o caminho
até que o mundo seja apenas
o azul, luzindo
nas águas do sol propenso à alegria
escalar os Alpes
os penhascos em risco e os gelos mortais
até desviar da noite a Estrela d'Alva.

26/02/2012

18
AQUELE QUE DORME NO MAR

Aquele que dorme em plena tempestade


que dorme
entre os destroços do mar
quando as ondas rivalizam com o vento
Aquele que dorme inexprimível
diante do espanto dos discípulos
como se fosse o barco um torpor
silencioso, alheio à morte
dorme
O que sonha Aquele que dorme
em plena tempestade? Embora
não se saiba nada da infância
sonhava com o mel que a sua voz
dizia, com o Verbo, nas regiões celestes?

19
O SILÊNCIO DE DEUS

O silêncio de Deus é ouro


nos céus, por vezes, aqui na terra
passamos pelo silêncio divino
como pelo escuro, passamos depressa
e não nos surpreende a claridade
das coisas onde Deus detém os olhos
levamos anos
a entender esse silêncio
por exemplo o que levou
minutos a cair do lado esquerdo do Seu Filho
o silêncio
que as pálpebras divinas, fechadas
demoraram, o silêncio de Deus
é como Deus, é como o papel de veludo
amarrotado dos altos oceanos.

05/03/2012

20
SALMO LEIGO

Por vezes, penso em Ti como o topo


da minha montanha, outras como um vale
onde o sol
vai deixando vestígios de sombra
purifico os meus pulmões com braçadas
de ar puro dos montes, vou atrás de mim
no vento infantil, que toca e foge
nos vales
não preciso de subir às Tuas mãos
elas me carregam, nunca as vi
fazerem-me adeus de longe.

05/03/2012

21
A RESSURREIÇÃO DO MEU SENHOR

“Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei”


Jo 20,15

As especiarias chegariam na manhã


fora de tempo, outro perfume
já do Lírio dos Vales rescendia
Ao encontro dos lençóis dobrados sem um corpo
certas mulheres
levavam os aromas da tristeza
deixaram a manhã ir crescendo no caminho
no chão nas casas no horto
agora o corpo do Senhor era um segredo branco.

06/03/2012

22
AS TÁBUAS DE PEDRA

As mesmas mãos que talharam a pedra


alisaram a idade das arestas
até ser um veludo inteiro
melhor as mãos
do que a erosão das águas e do vento
para descer na pedra a dança das palavras
e gravar na sua solidão
as letras de Senhor, Sagrado Nome
que ficaria preso ao coração.

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PRÓ SALMO 121

Elevo os meus olhos para os montes


e há um monte deles
mesmo em frente, quando caminho
no cimo dos montes as Tuas mãos
fazem o resguardo do abismo
a minha fadiga é soletrada nas palavras
com que peço socorro, o meu olhar
por isso se alonga, outras vezes
vou mais depressa
pareço um adolescente a distender as pernas
e corro sem temer o sol
nem os mistérios da lua.
Sou tão pouco perante os montes
mas eles ficam para trás e não são
mais do que poeira amontoada.

04/03/2012

24
DIÁRIO DE UM HOMEM EM QUEDA

Esse homem sonhou coisas


que hoje não sabemos
não havia erros
de sintaxe ao falar, a linguagem
podia nos ouvidos de Deus acomodar-se
e o idioma divino, como mel enchia
de brilho os olhos desse homem
Não tinha tempo, a distância
até aos céus não se media na sucessão
infinita de galáxias, com a sombra
a sua sombra
atravessava muros, hoje não.

11/03/2012

25
SALMO XCI
“Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo”

Aquele que se levanta e pode mesmo apreciar


uma pequena nesga de sol discreto
no modo como entra no quarto
onde nada detém a sua língua de lume
Aquele que toca com as mãos na água fria
como se tocasse gota a gota
numa pérola
e depois em cada sombra de árvore
em cada caminho sente o verão
e habita num esconderijo
que tem no ar um perfume.

26
RUA CHAMADA DIREITA

Rua Direita, em que o sol estreita os raios


num único os raios oblíquos
uma rua de Damasco, simples endereço
onde por um acidente celeste
Saulo entrou, hóspede
dos planos divinos e esperava
os dias eram cegos com o olhar colado a escamas
tremia ainda, pelo calafrio da luz
que penetrara até à raíz dos olhos?
pela Voz que, qual punho, o derrubara
na poeira de veludo da estrada de Damasco?

14/03/2012

27
RESSURREIÇÃO

Sem nada por que chorar


senão o túmulo vazio
e dois anjos a arrumarem a casa
vazia para sempre
sem nada sobre o que derramar o seu incenso
as mulheres
recém chegadas ao sepulcro
vão gastar os olhos na vigília
as mulheres sem um corpo onde encostar
o seu olhar silencioso
o fio das suas lágrimas
e regressam, as mulheres
regressam com o vento nas sandálias
as mulheres que vêm com o medo
mas com os cabelos como os ramos
perfumados de alegria.

07/04/2012

28
QUEM CONVERSOU COM A PEDRA

Quem conversou com a pedra


do sepulcro, colocando-a de lado
pedra dócil
transparente, ao anúncio da luz

A irregular ordem das paredes


está firme, só a morte
é uma ruína, em fuga
como um anjo assustado.

Toda a manhã
a manhã tem entrado pelo sepulcro
branqueado o corpo amado
com perfumes, levantado de manhã
entre os aromas
o pesadelo da morte foi-se
tornando branco, já não pode
assolar o homens.

31/10/2011

29
OUTRO POEMA DA RESSURREIÇÃO

Viveu sempre sem casa


sem mesa onde pousar os braços
cordiais exaustos da multiplicação
dos pães, sem chão
onde enxugar os pés de caminhar no mar
viveu sempre sem a seda oriental
da almofada, dormia sobre os caminhos
porque tinha a Hora a cumprir
não tinha terrenos, nem casas, nem sequer
a madeira com que fora em tempos carpinteiro
No dia em que morreu, todos
quiseram dar-lhe casa, uma rocha
aberta para o fundo
para poder descansar, um túmulo
quiseram por fim que habitasse
atrás do alto porte de uma pedra
esqueceram que Ele romperia
com seu corpo os atavios
e o suave descanso da morte.

08/04/2012

30
DE TI AMAREI TUDO

De Ti amarei tudo, o olhar


vestindo de esmeraldas
um pobre como Lázaro
Até a angústia
transparente do cálice
de Ti amarei as rosas do Jardim
únicas estrelas dessa noite

De Ti amarei tudo, o suor


iluminando o rosto
a tua cabeça voluntária
numa coroa de espinhos

Amarei tudo, até


as sandálias
em que Judas escondeu
os passos do destino.

31
QUASE NAUFRÁGIO

As ondas subiam por cima do barco


o barco entrava
no caracol das ondas
o vento subia pelos cabelos
os olhos subiam até às estrelas
os homens lançavam o medo nas vozes

E até a luz da lua


descendo pelas nuvens
fazia desenhos de medo sobre as águas

E no fundo do barco
que pensamentos na cabeça divina
dormem
alheios à tempestade?

21/4/2012

32
NO DIA DA SUA MORTE

Hoje os cordeiros sentiram calafrios


no leite materno, beberam
os trigos o orvalho do chão
inclinando as espigas
hoje o sol abrandou
o seu ímpeto de fogo
e cedeu
à angústia pesada da pedra
do sepulcro
hoje neste dia desigual
todas as mães sentiram
estremecer o útero
porque na cruz
uns olhos bordados de doçura
sucumbiam.

25/04/2011

© João Tomaz Parreira

33
O autor

João Tomaz (do Nascimento) Parreira, Lisboa, 1947. Poeta. 6 livros de


poesia (Este Rosto do Exílio,1973; Pedra Debruçada no Céu, 1975;
Pássaros Aprendendo para Sempre, 1993; Contagem de Estrelas, 1996;
Os Sapatos de Auschwitz, 2008; e Encomenda a Stravinsky, 2011) Um
ensaio teológico (O Quarto Evangelho-Aproximação ao Prólogo, 1988) e
participação em Antologias. Escreve na revista evangélica «Novas de
Alegria» desde 1964 e no Portal da Aliança Evangélica Portuguesa. Na
juventude escreveu poesia e artigos no suplemento juvenil do
"República", entre 1970-1972, sob a direcção de Raul Rego. Tendo
começado em 1965 também no Juvenil do "Diário de Lisboa", de Mário
Castrim. Está representado no Projecto Vercial, a maior base de dados
da literatura portuguesa.
Edita os blogs Poeta Salutor e Papéis na Gaveta, e colabora em
Confeitaria Cristã, Mar Ocidental e Liricoletivo.

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Outros e-books do autor:

NA ILHA CHAMADA TRISTE – Rico poemário onde o autor verseja


sobre o apóstolo João em seu exílio em Patmos. 20 págs. em pdf .
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AQUELE DE CUJA MÃO FUGIU O ANJO – Seleta de 30 inspirados


poemas evangélicos do autor, em edição de 2011.
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35
3 IRMÃOS ANTOLOGIA - Um pouco do melhor da Poesia Evangélica
em Língua Portuguesa - Poemas de J.T.Parreira, Gióia Júnior e Joanyr de
Oliveira.
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