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Vila Hortência VITÓRIA AMORIM DOS SANTOS

em perspectiva ORIENTADORA
TAIANA CAR VIDOTTO
Fábrica de Cultura:
Núcleo de Saberes e Trocas TFG_AU_2023.2
fábrica
de
cultura
núcleo de saberes e trocas

Centro Universitário Facens


Trabalho Final de Graduação | Arquitetura e Urbanismo
Vila Hortência VITÓRIA AMORIM DOS SANTOS

em perspectiva ORIENTADORA
TAIANA CAR VIDOTTO
Fábrica de Cultura:
Núcleo de Saberes e Trocas TFG_AU_2023.2

Monografia apresentada ao
Curso de Arquitetura e Urba-
nismo do Centro Universitário
FACENS,como requisito para a
obtenção ao título de Bacharel
em Arquitetura e Urbanismo.
Orientadora:Taiana Car Vidotto

Sorocaba, São Paulo


2023
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA “BIBLIOTECA FACENS”
Bibliotecária responsável
Eliane da Rocha CRB 8062/8a

S237v

SANTOS, Vitória Amorim dos.

Vila Hortência em Perspectiva: Fábrica de Cultura - Núcleo de


saberes e trocas / por Vitória Amorim dos Santos. - Sorocaba, SP:
[s.n.], 2023.

210f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Centro Universi-


tário Facens – Coordenadoria de Arquitetra e Ubanismo – Curso de
Arquitetura e Urbanismo, 2023.

Orientador: Profª Me. Taiana Car Vidotto

1. Patrimônio. 2. Arquitetura Industrial. 3. História de Sorocaba.


4. Conservação e Restauro I. Centro Universitário Facens.
II. Título.
CDD720
Em memória de Lourival Amorim.
Agradecimentos

À fonte que transformou todos os meus sonhos em realidade. À Gaby, Pâmela, Júlia «Lia» Ramos, Carol, Gustavo e ao À equipe do Arquivo Histórico Sorocabano, pela disponibilidade
DDCA, agradeço pela amizade e por todo o apoio ao longo desses para consulta ao acervo, bem como ao extraordinário historiador
À Denise e Mercedes, pelo amor incondicional e por me
anos e por tantas noites em claro. Zé Rubens.
mostrarem o caminho. Também ao Chimbinha, meu melhor amigo de
quatro patas, por virar noites em claro ao meu lado. À equipe do CIT Construção Digital, em especial ao Bruno, Ao Fábio e seu mascote “sexta-feira”, cujo prédio vermelho
que durante seu período como gestor foi também um grande onde vivem deu início a esta pesquisa, e pela disponibilidade
À minha orientadora, Taiana Vidotto, meu agradecimento es-
amigo e a quem devo muito sobre quem sou hoje, não só como em permitir os registros fotográficos e visitas ao local.
pecial pela paciência, incentivo, conselhos e pelo apoio du-
técnica na área do BIM, mas também como pessoa. Junto a ele,
rante o processo do trabalho final. Se um dia eu me tornar À Martina, neta do fundador da Fábrica de Sinos Samassa,
agradeço à Carol, minha atual gestora, pela constante troca de
professora, desejo impactar a vida dos alunos como você im- por fornecer registros fotográficos que ajudaram a montar o
ensinamentos, sinergia e momentos de risadas compartilhados,
pactou a minha. panorama histórico sobre o local de estudo.
que não só enriqueceram meu conhecimento profissional, mas
Ao corpo docente de Arquitetura e Urbanismo e de Engenharia também me ensinaram valiosas lições sobre a vida. Ao Fungeri, Aos ex-funcionários da Remonsa: Cesar e Nivaldo, por com-
Civil da FACENS, agradeço por oferecerem a base e inspiração pelo apoio durante o processo. Sou imensamente grata por partilharem suas experiências e registros do período que tra-
através dos ensinamentos dentro e fora de sala de aula. Em fazer parte dessa equipe extraordinária. balharam na retífica de motores.
especial, à coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo,
À Larissa Losada, cuja orientação na busca por fontes À Letícia e à equipe da Yees! Construtora, pela prontidão
Giovanna Novellini, e aos professores João Bengla, Camilla
históricas foi fundamental para este trabalho e por ser uma ao compartilhar os levantamentos feitos na área do projeto.
Santino, Ana Carolina Bastos, Catherine Coelho, José Mili-
inspiração como pesquisadora.
to, Samira Bueno, Vanda Maria e Tiago Brito. A todos os familiares e amigos que fizeram parte desse
À Flávia Aguilera, que através de sua arte cataliza a processo, mesmo que não citados nominalmente ou esse caderno
À Bruna, por ser o Auto do meu CAD há mais de 8 anos e a
essência da história não contada de Sorocaba, por permitir teria incontáveis páginas, obrigada por tanto.
melhor amiga que o técnico em design poderia me presentear.
a utilização da suas obras ao longo desta pesquisa. Também à
Sua visão contribuiu tanto para a minha formação quanto o seu À Facens, como instituição que, por meio da bolsa de estudos
Kauani e Kethlin, que, como eu, cresceram na Vila Hortência,
companheirismo para nossa amizade. Assim como a Milena, cujos viabilizou a realização do meu sonho de me tornar Arquiteta
por autorizarem a utilização de suas artes como componentes
sonhos compartilhados se realizaram juntos do outro lado do Urbanista, meu sincero agradecimento. Sair dos limites da
visuais da pesquisa.
oceano. sala de aula me transformou como pessoa,e hoje posso dizer com
orgulho que sou, de fato, uma cidadã Facens.
“Se o sinhô não está lembrado,
dá licença de contá
que aqui onde agora está
esse adifício alto,
era uma casa velha
um palacete abandonado.”

“Pelos braços de Sorocaba, 2022, Kauani Rachid e Ketlyn C.”


Adoniran Barbosa
Resumo Abstract

O trabalho propõe documentar a história de urbaniza- The work proposes to document the history of urbaniza-
ção da Vila Hortência em Sorocaba, destacando a ameaça tion of Vila Hortência in Sorocaba, highlighting the threat of
de especulação imobiliária na região e as características fí- real estate speculation in the region and the physical, social
sicas, sociais e culturais do bairro. Visando a preservação do and cultural characteristics of the neighborhood. Aiming to
complexo formado por um edifício da década de 30, que no preserve the complex formed by a building from the 1930s,
passado abrigou um centro de estocagem de laranjas, bem which in the past housed an orange packing house, as well
como pela desativada Remonsa Retífica de Motores, o pro- as the deactivated Remonsa Retífica de Motores, the propo-
jeto arquitetônico proposto busca transformar essas edifi- sed architectural project seeks to transform these buildings
cações em espaços voltados para comércio e cultura local, into spaces dedicated to commerce and local culture , inclu-
incluindo exposições, feiras e oficinas de artesanato. A pes- ding exhibitions, fairs and craft workshops. The research hi-
quisa destaca a importância histórica do Além Ponte para o ghlights the historical importance of Além Ponte for urban
desenvolvimento urbano, bem como sua contribuição para development, as well as its contribution to the architecture
a arquitetura e para a paisagem de Sorocaba. Assim, o lo- and landscape of Sorocaba. Thus, the place of intervention
cal de intervenção surgiu da pesquisa sobre o bairro, e não o emerged from research on the neighborhood, and not the
oposto. O uso proposto também é uma resposta às questões other way around. The proposed use is also a response to is-
encontradas durante essa etapa inicial, e o projeto baseou- sues encountered during this initial stage, and the project
-se nos princípios de conservação, compatibilidade material, was based on the principles of conservation, material com-
reconhecibilidade do antigo e novo, retrabalhidade e inter- patibility, recognizability of old and new, rework and minimal
venção mínima. intervention.

Palavras-chave: Arquitetura Industrial, Memória, Patrimônio Keywords: Industrial Architecture, Memory, Cultural
Cultural, Vila Hortência, História de Sorocaba. Heritage, Vila Hortência, History of Sorocaba.

Vila Hortência em Perspectiva 12 13 Resumo


Sumário

INTRODUÇÃO 21
3.5 Avaliação Arquitetônica 147
1. A CIDADE 26
1.1 Manchester Paulista: formação 4. REFERÊNCIAS PROJETUAIS 154
29
1.2 Sorocaba hoje 4 .1 Sesc Pompéia 157
47
4 .2 Manufatura Tabacchi 167
2. O BAIRRO
50
2 .1 Linha do tempo 52 5. O PROJETO 176
2.2 Fábrica Santa Maria 5.1 Problemática 179
65
2.3 Marcos da paisagem 5.2 Concepção arquitetônica 187
76
2.4 O Além Ponte sob um olhar caminhável
97
2.5 Aspectos urbanísticos e cenário atual
103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 201
3. O EDIFÍCIO E SEU ENTORNO
108
3.1 Justificativa ANEXO: PRANCHAS TÉCNICAS
111
3.2 Analisando o raio de influência
117
3.3 Edifício TRICO 1931 123
3.4 Edifício REMONSA
133
Lista de Figuras
Figura 01 – Vista da Avenida Nogueira Padilha.........................................22 Figura 19 – Packing House de Laranjas........................................................ 60 Figura 37 – Casas de meados dos anos 40, 50 e 60............................. 82 Figura 55 – Valores limite para índices urbanísticos........................... 106
Figura 02 – Região Metropolitana de Sorocaba.......................................28 Figura 20 – Cine El Dorado, s/d........................................................................... 62 Figura 38 – Novos modos de morar................................................................ 82 Figura 56 – Resquícios das vilas operárias................................................. 107
Figura 03 – Gravura: Sorocaba em 1864.........................................................30 Figura 21 – Nogueira Padilha ontem e hoje: 1976.................................. 63 Figura 39 – Santa Casa de Misericórdia, século XX............................... 83 Figura 57 – Estrutura da Packing House de Laranjas........................ 110
Figura 04 – Pátio Ciane e Terminal Municipal Santo Antônio.........35 Figura 22 – Nogueira Padilha ontem e hoje: 2022................................ 63 Figura 40 – A Santa Casa hoje............................................................................ 84 Figura 58 – Cine Eldorado atualmente ...................................................... 112
Figura 05 – Pátio Ciane e Terminal Municipal Santo Antônio..........35 Figura 23 – Remanescentes da Fábrica Santa Maria,1993............... 65 Figura 41 – Escola Municipal Dr Achilles de Almeida......................... 85 Figura 59 – “TRICO 1931”......................................................................................... 114
Figura 06 – Fábrica Santa Rosália.......................................................................36 Figura 24 – Fábrica Santa Maria........................................................................ 66 Figura 42 – Escola Estadual Senador Vergueiro ................................... 86 Figura 60 – Edifício sede da “REMONSA”, 2021...................................... 115
Figura 07 – Fábrica Votorantim............................................................................36 Figura 25 – Vila Operária da Fábrica Santa Maria.................................. 68 Figura 43 – Vista aérea da Vila Hortência................................................... 87 Figura 61 – Rua Ataliba Borges.......................................................................... 117
Figura 08 – Fábrica Santa Maria...........................................................................37 Figura 26 – Vila Operária hoje.............................................................................. 68 Figura 44 – Projeto do Ginásio Municipal de Esportes..................... 88 Figura 62 – Tanque do Buava indica falta de manutenção.......... 118
Figura 09 – Fábrica São Paulo................................................................................37 Figura 27 – Escombros da Fábrica Santa Maria, 1997.......................... 70 Figura 45 – Estádio Humberto Reale visto de cima............................ 89 Figura 63 – Rua Ataliba Borges........................................................................ 118
Figura 10 – Vila operária de Santa Rosália, década 1950......................40 Figura 28 – Notícia veiculada sobre a demolição, 1994..................... 71 Figura 46 – Estádio Humberto Reale............................................................ 89 Figura 64 – Pátio interno do edifício............................................................ 122
Figura 11 – Greve Geral de 1917 em São Paulo..............................................41 Figura 29 – Terreno da Santa Maria atualmente.................................... 73 Figura 47 – Paróquia Bom Jesus...................................................................... 90 Figura 65 – Panfleto de divulgação da Sorodiesel ............................. 126
Figura 12 – Salvadora Lopez, por Flávia Aguilera......................................42 Figura 30 – Santa Maria vista da Rua Newton Prado: 2005............ 74 Figura 48 – Torre da Paróquia............................................................................ 91 Figura 66 – Laranjim Supremo, 1935............................................................. 127
Figura 13 – Sorocaba vista por drone................................................................47 Figura 31 – Santa Maria vista da Rua Newton Prado: 2023.............. 74 Figura 49 – Congregação Cristã do Brasil.................................................. 92 Figura 67 – Selo das laranjas brasileiras no exterior........................... 128
Figura 14 – Centro histórico visto a partir do Além Ponte..................49 Figura 32 – Chácara Amarela, 2022.................................................................. 78 Figura 50 – Casa de España................................................................................. 93 Figura 68 – Crise das laranjas em Sorocaba............................................ 128
Figura 15 – Avenida XV de Novembro nos anos 70.................................55 Figura 33 – Zoológico Municipal........................................................................ 79 Figura 51 – Casa Aluísio de Almeida............................................................... 93 Figura 69 – Colagem: intenções para o futuro do edifício............. 130
Figura 16 – Chácara do Quinzinho, s/d.............................................................58 Figura 34 – Museu Histórico Sorocabano.................................................... 79 Figura 52 – O encontro da tarde....................................................................... 97 Figura 70 – Desativada Remonsa................................................................... 132
Figura 17 – Mapa das vilas de Sorocaba..........................................................59 Figura 35 – Vista aérea da Fábrica São Paulo atualmente............... 80 Figura 53 – A vida pública no Além Ponte................................................. 99 Figura 71 – Samassa, 1941...................................................................................... 134
Figura 18 – Packing House de Laranjas...........................................................60 Figura 36 – Galpões fabris da Gerdau abandonados, 2019.............. 81 Figura 54 – Vila Hortência hoje......................................................................... 102 Figura 72 – Pátio da Samassa, s/d................................................................... 134
Figura 73 – Samassa, circa 1767........................................................................ 135 Figura 91 – Telhado do Sesc Pompéia......................................................... 164 Figura 109 – Ambiência: Acesso Rua Ruy Barbosa............................. 187 Mapa 01 – Bairros Operários: Contexto Urbano..................................... 34
Figura 74 – Operários da Remonsa, anos 70........................................... 136 Figura 92 – Interno do edifício.......................................................................... 164 Figura 110 – Diagrama 05: Acessos................................................................ 188 Mapa 02 – Além Ponte: Evolução Urbana................................................. 57
Figura 75 – Remonsa, 1964.................................................................................. 137 Figura 93 – Passarelas de concreto do bloco esportivo................... 165 Figura 111 – Ambiência: Reestruturação de níveis.............................. 189 Mapa 03 – Além Ponte: Marcos da Paisagem....................................... 76
Figura 76 – César e “Zézinho”, s/d................................................................... 137 Figura 94 – Novo e o antigo visto do Deck Solarium......................... 165 Figura 112 – Ambiência: Deck metálico elevado.................................. 189 Mapa 04 – Além Ponte: Análise Urbana..................................................... 104
Figura 77 – Equipe reunida no pátio, s/d................................................... 138 Figura 95 – Pátio B9 após intervenção........................................................ 167 Figura 113 – Ambiência: Pátio interno......................................................... 190 Mapa 05 – Vila Hortência: Configuração Administrativa............... 105
Figura 78 – Fim de experiente na Remonsa........................................... 139 Figura 96 – Manifattura Tabacchi................................................................... 168 Figura 114 – Ambiência: Cinema ao ar livre. 190................................... 190 Mapa 06 – Raio de Intervenção: Lotes Subutilizados........................ 113
Figura 79 – Novo empreendimento vertical da Yees!...................... 140 Figura 97 – Acesso principal da fábrica...................................................... 168 Figura 115 – Implantação...................................................................................... 191 Mapa 07 – Raio de Intervenção: Análise Viária...................................... 118
Figura 80 – Implantação do edifício ........................................................... 140 Figura 98 – Diagrama de programa da Manifattura......................... 170 Figura 116 – Planta Baixa: Térreo..................................................................... 192 Mapa 08 – Raio de Intervenção: Contexto Urbano............................. 119
Figura 81 – Pavimento tipo do edifício ...................................................... 140 Figura 99 – Diagrama de cronologia da Manifattura........................ 171 Figura 117 – Planta Baixa: Mezanino............................................................. 192 Mapa 09 – Raio de Intervenção: Síntese.................................................... 121
Figura 82 – O projeto inverte a lógica convencional......................... 141 Figura 100 – Bloco de arte “Not a Museum”............................................ 172 Figura 118 – Ambiência: Fábrica de cultura............................................. 194
Figura 83 – Etapas da construção do edifício........................................ 141 Figura 101 – Ambiência: o futuro da Manifattura.................................. 173 Figura 119 – Ambiência: Fábrica de cultura............................................. 194 Tabela 01 – Levantamento de Patologias da fachada...................... 147
Figura 84 – Materalidade do edifício TRICO........................................... 147 Figura 102 – Colagem: Manifattura Tabacchi.......................................... 174 Figura 120 – Corte: Acesso ao novo edifício............................................. 195 Tabela 02 – Levantamento de Patologias da fachada..................... 148
Figura 85 – Sesc Pompéia................................................................................... 157 Figura 103 – Visita ao local de intervenção............................................... 179 Figura 121 – Ambiência: fachada Rua Ataliba Borges....................... 196 Tabela 03 – Levantamento de Patologias da fachada..................... 149
Figura 86 – Maquete Presente no Sesc Pompeia............................... 158 Figura 104 – Diagrama 01: Conceito e Partido....................................... 180 Figura 122 – Ambiência: fachada Rua Ataliba Borges...................... 197 Tabela 04 – Quadro de áreas: Térreo........................................................... 193
Figura 87 – Deck Solarium.................................................................................. 159 Figura 105 – Fluxograma de programa...................................................... 182 Figura 123 – Diagrama 06: Materialidade................................................. 198 Tabela 05 – Quadro de áreas: Mezanino.................................................... 193
Figura 88 – Fotografia “Together” por Tapio Snellman.................. 160 Figura 106 – Diagrama 02: Eixos estruturadores................................. 183
Figura 89 – Sesc Pompéia: diagramas de leitura projetual......... 161 Figura 107 – Diagrama 03: Programa.......................................................... 184
Figura 90 – Logotipo do Sesc Pompeia..................................................... 162 Figura 108 – Diagrama 04: Relações de proximidade..................... 185
Introdução

O presente trabalho tem como objetivo documentar a sustentável à escala do bairro, através de um programa que
história de urbanização da região da Vila Hortência e refletir atenda às necessidades dos moradores e incentive a vida
sobre seu rumo na cidade de Sorocaba, através da proposta pública e trocas entre a comunidade.
de um projeto arquitetônico de conservação do complexo Conhecido como lar dos imigrantes espanhóis no início
subutilizado localizado entre as ruas Ruy Barbosa e Ataliba do século XX, em meio aos operários das tradicionais fábri-
Borges, formado pela Packing House de Laranjas “TRICO cas têxteis que transformaram a economia e a paisagem da
1931”¹ e pela Remonsa Retífica de Motores Nossa Senhora cidade, dando forma à Manchester Paulista, o Além Ponte
Aparecida LTDA, cujo novo programa, voltado ao comércio e hoje abriga moradores de diversas camadas da sociedade.
à cultura local, reúne espaços expositivos, estrutura para fei-
ras, bem como uma oficina voltada ao artesanato e prática
de vivências culturais.

O projeto é uma resposta ao cenário de especulação imo-


biliária que se observa na região, marcado por demolições
de marcos da paisagem urbana e consequente apagamen- ¹ Packing Houses são galpões de armazenamento de produtos agrícolas, onde a mercadoria
to da identidade coletiva do Além Ponte. Assim, o complexo é separada e embalada para ser comercializada. O termo ‘TRICO 1931’ na fachada do edifício
corresponde à sigla abreviada da empresa ‘Tamari Ruggeri Irmãos & Companhia’, cujos do-
tem como intuito promover o desenvolvimento adequado e nos foram os responsáveis pela sua construção, na década de 30.

Vila Hortência em Perspectiva 20 21 Introdução


Sejam eles atraídos pela proximidade da região com o Assim, para planejar uma cidade, é necessário compreen-
centro comercial e histórico ou aqueles que, geração após der sua dinâmica urbana e suas camadas históricas, para
geração, cresceram e construíram suas vidas nas ruas para- que as intervenções – urbanas e arquitetônicas – sejam feitas
lelas à rua Cel. Nogueira Padilha (Fig. 1), o fator em comum de maneira sensível à história ali presente. Pode-se atrelar,
entre estas camadas de pessoas, histórias e percepções é a então, o projeto de intervenção ao 11º Objetivo de Desenvol-
Vila Hortência, bairro mais antigo do Além Ponte e a partir vimento Sustentável da ONU, no que diz respeito a cidades e
do qual esta região se desenvolveu. comunidades sustentáveis, em especial ao item “(...) aumen-

A vontade do setor imobiliário de empreender nas loca- tar a urbanização inclusiva e sustentável, e as capacidades

lidades próximas aos eixos de conexão da cidade, aliada a para o planejamento e gestão de assentamentos humanos

um crescente número de edificações subutilizadas encon- participativos, integrados e sustentáveis, em todos os paí-

tradas na região, apresenta um risco de desaparecimento da ses.” (PNDU, 2015)

paisagem encontrada no Além Ponte, caso o planejamento Por se tratar de um projeto que leva em consideração pré
urbano e os empreendimentos arquitetônicos – com desta- existências, é essencial compreender a história dos edifícios
que para a verticalização que tem ocorrido na última década antes de propor seu novo uso. As premissas para a seguin-
– sejam realizados de maneira alheia à comunidade que ali o te intervenção no que diz respeito à restauração baseiam-se
habita, como ocorrido na década de 90, quando o complexo nos princípios de compatibilidade da materialidade, reco-
fabril Santa Maria – empreendimento percursor do desen- nhecibilidade do novo e antigo, retrabalhidade quando as-
volvimento têxtil proeminente em Sorocaba e peça chave sim se faz necessária, e mínima intervenção nas áreas justi-
Fig. 1 para o crescimento do bairro – datado de 1892, foi demolido ficadas para tal grau de conservação que serão abordadas a
Vista da Avenida Nogueira Padilha.
Ao fundo, a Paróquia Bom Jesus dos
de maneira ilegal. fundo nos próximos capítulos (Torsello, 2005).
Aflitos, construída na década de 40.
Fonte: acervo Renato Amorim

Vila Hortência em Perspectiva 22 23 Introdução


O primeiro capítulo da pesquisa, intitulado “A Cidade”, O terceiro capítulo, “O edifício e seu entorno”, se ocupa dos Por fim, o quinto capítulo apresenta a proposta arquite-
tem como objetivo documentar e compreender o município aspectos relacionados aos focos de intervenção: A Packing tônica de conservação da Packing House de larajnas e rees-
de Sorocaba – interior do estado de São Paulo – no contexto House TRICO 1931 e a retífica de motores Remonsa, justifi- truturação da Remonsa, desde a concepção projetual até os
da indústria têxtil, o papel das fábricas e bairros operários na cando a escolha de ambos para a realização do projeto e, em devidos detalhamentos técnicos e ambiências.
urbanização através do tempo e seus impactos atualmente. seguida, realizando levantamentos de características do en-
torno próximo e dos próprios edifícios, que vão desde sua
O segundo capítulo, “O Bairro”, trata dos aspectos históri-
cronologia a levantamentos métricos, imprescindíveis para a
cos, urbanísticos e socioeconômicos referentes à região do
proposta arquitetônica que virá em seguida.
Além Ponte, abordando um panorama específico de sua for-
mação, passando pelos agentes de transformação e marcos O quarto capítulo, “Referências Projetuais”, traz dois estu-
da paisagem, bem como permanência e destruição, com en- dos de caso em pré-existências fabris intrinsecamente liga-
foque para um estudo de caso da Fábrica de Tecidos Santa das às vivências pessoais da autora, sendo o primeiro o Sesc
Maria mencionado anteriormente no texto. Por fim, o capítu- Pompéia (1986), de Lina Bo Bardi, localizado em São Paulo,
lo trata da percepção sensorial ao se caminhar pela área, ob- Brasil, e o segundo em Florença, na Itália: a fábrica de taba-
servações acerca dos hábitos dos moradores, festas locais e co convertida em um centro de artes, educação, moradia
elementos que dizem respeito ao imaterial da Vila Hortência, e lazer “Manufatura Tabacchi” (2018) do escritório Q-Bic. Os
para partir disso identificar as relações entre as edificações projetos, realizados em contextos diferentes, apresentam so-
foco de estudo e propor um novo congruente com a con- luções em relação à materialidade e programa que tiveram
temporaneidade na qual as mesmas se encontram. influência no projeto proposto para a Vila Hortência.

Vila Hortência em Perspectiva 24 25 Introdução


Capítulo 01

A CIDADE

“Tinha uma vila no meio do caminho, e seu nome era Sorocaba.” (ANDERY, 2018)
De Manchester Paulista a Moscou brasileira:
contexto de formação das vilas operárias em Sorocaba

A cidade de Sorocaba é uma das maiores e mais antigas do A área, atravessada pelo rio Sorocaba, foi inicialmente ha-
interior do Estado de São Paulo, fazendo parte de um contex- bitada pelos povos originários Tupiniquins e Guaranis. O ter-
to que engloba a Região Metropolitana, composta por outros ritório era parte do caminho conhecido como Peabiru – “Ca-
27 municípios (fig. 2). Com uma área abrangente de cerca minho do Peru”² –, que cruzava a América do Sul. Esse trajeto
de 450 km² e população estimada de aproximadamente 724 tornou-se fundamental para os Bandeirantes e Missionários
mil habitantes conforme o censo do IBGE de 2022. A cidade, que se dirigiam ao interior do continente. Desde a formação
fundada em 1654, tem uma história de desenvolvimento ur- do povoado, a localização da cidade foi um ponto usado a
bano intrinsecamente ligada à indústria têxtil. É nesse cená- favor do crescimento econômico. Nesse panorama inicial, é
rio que será explorada a trajetória que moldou a região, onde possível apontar os tropeiros – em especial Baltazar Fernan-
as fábricas desempenharam papel crucial. des – como agentes de transformação da cidade, os primei-
ros a realizar atividade econômica a nível estadual na região.
A localização estratégica sempre foi um fator-chave para
o desenvolvimento do município, situado a 103,6 km de São
Paulo, e essa posição geográfica privilegiada tem sido um
Fig. 2 elemento central desde os tempos do tropeirismo até os ² LOSADA (2016, p. 19) Aponta que, segundo Galdino (2005, p. 13) o Caminho do Peru, tam-
Região Metropolitana de Sorocaba.
Fonte: IGC (Instituro Geográfico e dias atuais, marcados pela presença de multinacionais e um bém chamado Caminho da Montanha do Sol, consistia em uma rota utilizada pelos povos
originários durante milênios, que compreendia as áreas hoje correspondentes às cidades de
Cartográfico)
mercado imobiliário aquecido. São Vicente, Sorocaba, Castro, Guiará, Assunção, Potosi e Cuzco.

Vila Hortência em Perspectiva 28 29 A Cidade | De Manchester Paulista a Moscou Brasileira


Segundo MAUÁ FILHO (2019, p. 51), “o tropeirismo foi abra- “A grande densidade demográfica transitória da época
çado pela elite sorocabana, que se especializou nessa ativida- das Feiras de Muares, e principalmente o afluxo de gen-
de econômica e a transformou em mote do desenvolvimen- te endinheirada, ajudou o desenvolvimento do comér-
to local e de sua identidade social, deixando reflexos até hoje. cio e da indústria caseira, ficando famosos no Brasil as fa-
(...) O tropeiro sorocabano era, acima de tudo, um empresário cas e facões sorocabanos, e também as redes aqui tecidas.
que praticava um capitalismo de tipo comercial, escorado no Também eram muito apreciados os doces e as peças de
controle territorial e na organização do transporte.” couro para montaria, havendo inúmeros ourives que se de-
dicavam exclusivamente a fabricar enfeites de ouro e pra-
Durante mais de um século, a atividade tropeira repercu-
ta para selas e arreios, estribos, cabos de chicotes e facas.”
tiu fortemente no desenvolvimento agrícola – com destaque
(CÂMARA MUNICIPAL DE SOROCABA, 2019)
para o café e o algodão como veremos adiante – e princi-
palmente na pecuária a priori, atividade esta que marcou a Esse fator de desenvolvimento levou à elevação de Soro-
paisagem da cidade através das feiras de muares, sendo as- caba para a categoria de cidade, em 1842. Após um período
sim, “a posição de Sorocaba favoreceu a implantação, tanto de cerca de 130 anos tendo nas feiras de muares o centro da
do Registro de Animais (este fôra implantado junto a Ponte economia local, as mudanças de cultura nacional levaram ao
do Rio Sorocaba dificultando o contrabando e facilitando a enfraquecimento da atividade. Com a chegada do ciclo do
fiscalização) quanto das feiras de muares” (SILVA, 2000, p. 31). ouro, o muar passou a apoiar o transporte de produtos ad-
vindos das minas de pedras preciosas durante o século XVIII
Com o grande movimento de mercadorias na região, So-
bem como, mais tarde, sendo também o meio de desloca-
rocaba cresceu através do comércio de mulas (fig. 3), tornan-
Fig. 3 mento de insumos aos portos durante o ciclo do açúcar e do
Gravura. Sorocaba em 1864. do-se reconhecida no eixo geo-econômico entre as regiões
Ponte XV de Novembro vista no centro. À esquerda, café.
início da Avenida São Paulo.
Norte e Sul do país. Além disso, as feiras contribuíram no cres-
Fonte: Abreu Medeiros via Brasilbook cimento de outros tipos de comércio além do de animais:

Vila Hortência em Perspectiva 30 31 A Cidade | De Manchester Paulista a Moscou Brasileira


O principal fator de enfraquecimento desse meio de trans- “A expansão urbana e populacional de Sorocaba nesse ta relação entre moradia e trabalho. As fábricas, centros da
porte, juntamente da epidemia de febre amarela que ocor- período ocorreu devido à consolidação da monocultura do produção industrial, estavam localizadas em áreas urbanas,
reu entre 1897 e 1889, é a industrialização que se deu através algodão, ao desenvolvimento das linhas da Estrada de Ferro atraindo trabalhadores em busca de emprego.
do investimento nas fábricas têxteis, marcada pelos trilhos Sorocabana, aos investimentos no setor industrial têxtil e às
Nesse contexto, os trabalhadores se assentavam próximos
dos trens da Sorocabana³. atividades urbanas decorrentes das necessidades sociais que
às fábricas, e essa relação de proximidade reduzia custos de
se apresentavam no cotidiano da cidade. (...) O crescimen-
Conforme aponta Silva (2000, p. 35), “a última edição da deslocamento, atendendo ao interesse dos donos dos meios
to populacional contou, assim, com migrantes e imigrantes
Feira de Sorocaba será em 1897, porém já um ciclo econô- de produção em maximizar a eficiência, facilitar o controle
que transformaram as relações sociais e o perfil cultural de
mico decadente que desde, aproximadamente 1860, estava sobre a mão de obra e garantir uma força de trabalho pronta-
Sorocaba.” (PINTO JUNIOR, 2003. Pg. 35)
sendo superado pela cultura do algodão e depois pela in- mente disponível: surgiam, assim, as vilas operárias, localiza-
dustrialização, que se iniciaria em 1882”, sendo esta a data de Silva (2000) aponta, ainda, o algodão como principal res- das nas regiões do Além Ponte, a leste, e Além Linha, a norte.
inauguração da primeira fábrica têxtil da cidade, a Fábrica de ponsável pela primeira fase da industrialização na cidade. Dentre os bairros operários, vale o destaque à Vila Santana,
Tecidos Nossa Senhora da Ponte. Através da inauguração da Fábrica de Tecidos Nossa Senho- Santa Rosália, Santa Maria, Vila Angélica e Vila Carvalho. A
ra da Ponte em 1882, e alguns anos mais tarde, a partir de população sorocabana já não se encontrava mais dispersa
No final do séc XVIII, os avanços marcados pela revolução
1890, a das fábricas Santa Rosália, Santa Maria e Votorantim em sítios, mas sim concentradas nessas regiões centrais.
industrial levaram à inauguração da estrada de ferro Soroca-
– sendo esta última em uma área mais afastada que hoje se
bana (EFS). A região – que já era fortemente integrada a São “...Porém, se historicamente, as cidades preexistirem às in-
localiza no município de Votorantim –, ocorreu um salto de-
Paulo – passou a investir na produção têxtil devido à cultura dustrias, ocorreria que a partir do momento em que o capi-
mográfico e econômico na região com a geração de novos
do algodão, segundo Pinto Júnior (2003): tal industrial chegou a dominar todas as demais atividades
empregos, que atraia também um contingente de imigran-
econômicas, ele passou também a determinar toda a expan-
tes majoritariamente europeus. A partir de então, a ideia de
são urbana” (HARDMAN. Trabalho Urbano e vida operária IN
3
A Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) foi a companhia ferroviária da região que operou de
progresso passou a ser diretamente ligada com o movimen-
julho de 1875 a outubro de 1971, ano em que foi incorporada à FEPASA (Ferrovia Paulista S/A). MENDES JR e MARANHÃO. Brasil História, texto e consulta
A Sorocabana foi o principal meio de transporte da cidade, sendo substituída pelas rodovias to industrial. Segundo a lógica capitalista , havia uma estrei-
entre as décadas de 50 e 60. HUCITEC, p. 276 IN SILVA, 2000, p. 82) Xilogravuras Sorocabanas, por Flávia Aguilera.

Vila Hortência em Perspectiva 32 33 A Cidade | De Manchester Paulista a Moscou Brasileira


Mapa 1 Fig. 4 e 5 - Conjunto que hoje compõe o pátio Ciane e terminal municipal Santo Antonio,
Bairros Operários x Fábricas Têxteis: Contexto Urbano composto pelas fábricas Nossa Sra. da Ponte e Sto Antonio.
Elaborado pela autora, 2023. 1. Fábrica Nossa Senhora da Ponte (1881):

Também conhecida como fábrica Fonseca, nome asso-


Sorocaba: Contexto urbano Bairros operários: cenário atual
ciado ao fundador, o abolicionista Manoel José da Fonse-
ca, contou com mão de obra operária desde sua inaugu-
ração. Com a expansão de 1924, passou a contar com uma
vila operária de 24 casas localizada dentro do complexo,
na Rua Fonseca, que foi demolida na década de 80 para
a construção de um depósito (MASSARI, 2011). O comple-
xo foi desativado em 1991. Desde 2013 abriga o Shopping
3
Pátio Cianê.
Fonte: Brasilbook

1 2

2. Fábrica Santo Antônio (1913):

Construída no lote vizinho à Fábrica Nossa Senhora da


3
Ponte, a fábrica Santo Antônio era igualmente parte da
CNE e posse de John Kenworthy, contando com uma vila
operária que começava na Rua Comendador Oetter, com
cerca de 200 sobrados segundo o Almanaque de Soroca-
Bairros operários Centro histórico Fábrica: Em uso
Centro histórico Vila Hortência ba de 1950, cujas ruas internas a diferenciava das demais
Fábrica: Subutilizada
Áreas verdes
Malha urbana
Santa Rosália
Fábrica: Demolida
vilas. O bairro possuía creche, campo de futebol, horta, ar-
Vila Santana
Vias principais Vila Carvalho mazém e escola (MASSARI, 2000).
0 5 10 km Linha férrea 0 500 1000 2000 3000m
Fonte: Antonio Carlos Sartorelli

Vila Hortência em Perspectiva 34 35 A Cidade | De Manchester Paulista a Moscou Brasileira


Fig. 6 e 7 - Fábricas Santa Rosália e Votorantim em meados do século XX. Fig. 8 e 9 - Fábricas Santa Maria e São Paulo, em meados do século XX.
3. Fábrica Santa Rosália (1890): • 5. Fábrica Santa Maria (1892):

• Massari (2011, p. 48) a classifica como “talvez o exemplar • Deu início às suas atividades somente em 1896, tendo
que mais simbolize a importância e a vanguarda das sido adquirida por John Kenworthy* em 1903. Desati-
iniciativas industriais da cidade, devido a seu porte, à vada em 1982, durante a década de 90 teve parte de
urbanização de seu bairro operário e aos inúmeros be- seu complexo demolido ilegalmente, restando dois re-
nefícios aos seus funcionários.” A vila operária contava, manescentes do edifício atualmente. Hoje, o terreno
em 1914, com 270 moradias, escola, consultório médico comporta o condomínio Residencial Villa de España.
e armazém. Desativada em 1994, a área da fábrica pas-
• 6. Fábrica São Paulo (1909):
sou a abrigar o Hipermercado Extra, de 2000 a 2022.
Fonte: Brasilbook
Atualmente faz parte do grupo Assaí Atacadista. • Também chamada Alvenaria, Tinturaria e Estamparia
Fonte: Pedro Neves dos Santos via Acervo do Museu Histórico Sorocabano São Paulo, tem sua história ligada à Santa Maria não só
• 4. Fábrica Votorantim(1890):
pela proximidade geográfica, mas também pelo fun-
• A fábrica Votorantim foi um projeto ambicioso, che- dador, Kenworthy. Inicialmente fazia parte da Compa-
gando a ser uma das maiores da América do Sul em nhia Nacional de Estamparia (CNE), a Fábrica São Pau-
1913. Após a falência de 1917, foi adquirida por Antonio lo se encontra desativada desde 2010 e é de posse do
Pereira Ignácio e Francisco Scarpa, tendo seu foco am- Grupo Splice.
pliado para além da tecelagem.“Nos vinte anos subse-
• 7. Metalúrgica Nossa Senhora Aparecida (1937):
quentes, a Fábrica Votorantim converteu-se de parte
da massa falida do banco para o posto de principal fir- • Renomeada Aços Villares S.A., composta pela Aços
Fonte: Brasilbook

ma têxtil paulista” (SILVA e COSTA, 2018). A vila operária Villares e pela Villares Metais. Em 1988 e adquirida pelo *John Kenworthy nasceu em Oldham, cidade da Grande Manchester, no Reino Unido. “Os
Kenworthy provinham do condado de Manchester (Oldham) onde eram industriais, sendo
de Votorantim foi o início da urbanização do que, mais grupo Gerdau em 2005, fechou suas portas em 2014,
esse Condado o maior núcleo industrial de tecelagem da Inglaterra” (CÂMARA MUNICIPAL

Fonte: Prefeitura Municipal de Votorantim via G1 Sorocaba tarde, se tornaria o município de Votorantim. estando sem uso desde então. DE SOROCABA, 2018).

Vila Hortência em Perspectiva 36 37 A Cidade | De Manchester Paulista a Moscou Brasileira


Em 1852, décadas antes da Fábrica Nossa Senhora da Pon- Silva (2000) aponta que: tiu principalmente de Matheus Maylasky, dono de capital e O crescimento da economia industrial proporcionou a So-
te, houve uma tentativa inicial de implementação de uma propriedades que teve grande participação nas transforma- rocaba o status de “Manchester Paulista” no início do Séc. XX.
“Tudo indica que a conjuntura econômica do período, em
fábrica têxtil, que ocorreu justamente no Além Ponte. O res- ções que ocorreram na Sorocaba do final do século XIX, que A alusão à cidade inglesa se deve à similaridade no modo de
Sorocaba, limitou o sucesso da fábrica: matéria-prima de
ponsável por essa primeira empreitada foi o dono de terras rumava à industrialização, tendo, entre 1869 e 1875, reunido a desenvolvimento urbano, sendo o fator que liga essas duas
baixa qualidade, lucratividade reduzida, mão-de-obra não
Manoel Lopes de Oliveira que produzia algodão em sua pro- elite local a fim de executar tal empreitada. A estrada cons- cidades, separadas por um oceano, justamente as fábricas
qualificada e, poderíamos incluir, um restrito mercado
priedade, a Chácara Amarela, cuja história e materialidade truída pelo grupo não ligava somente Sorocaba a Itu, mas têxteis. Além disso, o pioneirismo britânico durante a revolu-
consumidor que provavelmente se limitaria aos pobres e
do edifício será abordada com mais detalhes mais adiante. sim à metrópole de São Paulo, tendo a Cia Ituana se fundin- ção industrial fez com que a maioria das máquinas existentes
escravos.” ( SILVA, 2000, p. 46)
Na década de 1860, muito antes de se pensar na existência do à Sorocabana em 1892 (SILVA, 2000, p. 56). nas fábricas sorocabanas fossem importadas da Inglaterra.
da Fábrica Santa Maria na região do além ponte, Manoel
Além disso, o produto final seria transportado via mua-
Lopes era um dos principais produtores em larga escala de Como mencionado anteriormente, a crise provocada pela É interessante pontuar que, em contrapartida à alcunha
res, e não via trem, uma vez que a ferrovia ainda não havia
algodão, que era cultivado em uma área distante a poucos epidemia de febre amarela na segunda metade da década dada pela elite para a cidade, do outro lado da ponte nasciam
sido construída quando a fábrica da Chácara Amarela dava
metros de onde, algumas décadas depois, seria construída a de 1890 acarretou não somente ao fim da feira de muares, as primeiras idéias de oposição ao sistema junto de questio-
seus primeiros passos. Como pontuado anteriormente, dois
Santa Maria. mas também em uma mudança na mão de obra das fábri- namentos às condições de trabalho oferecidas pela classe
dos principais marcos da paisagem não só do Além Ponte
cas têxteis, que passaram a usar da da mão de obra feminina, dominante, fazendo com que a cidade também tenha sido
mas também do município de Sorocaba são o rio que leva o
A fábrica de Manoel Lopes “chegou a produzir “ 300 on- infantil e imigrante, destacando-se, a partir daqui, a colônia nomeada por diversos historiadores de “Moscou Brasileira”
nome da cidade, bem como a Estrada de Ferro Sorocabana.
ças de fio por dia” em 1857”(SILVA, 2000,p. 45), porém, fechou Espanhola que se instalaria no Além Ponte conforme expõe ou “Moscou Paulista”5, quase como se fossem duas cidades
suas portas não muito tempo depois. Segundo Almeida Almeida (1969 apud SILVA, 2000, p. 71), que será abordada a diferentes, o que, de fato, eram:
A Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) foi construída como
(1969 apud SILVA, 2000, p. 45), esse fracasso pode ser asso- fundo no capítulo “Linha do Tempo”.
resposta à negativa por parte da Companhia Ytuana4 em
ciado à mão de obra não especializada que trabalhava na
construir uma extensão entre Itu e Sorocaba. A iniciativa par-
tecelagem, composta pelos escravos de Manoel Lopes, além
4 A atividade têxtil que se deu em Itu durante o século XIX é igualmente relevante à soroca- 5 SILVA, Celso Paulo da. Do novelo de linha a Manchester Paulista. p. 82
do fato que, na primeira metade do século XIX, a economia bana, valendo aqui destacar a Fábrica São Luís, fundada em 1869 sendo a primeira fábrica de
funcionamento a vapor do Estado de São Paulo e a segunda do Brasil.
local se concentrava nos muares em vez do algodão.

Vila Hortência em Perspectiva 38 39 A Cidade | De Manchester Paulista a Moscou Brasileira


“É interessante recuperar o caminho da construção dessas imigrantes – em sua maioria italianos e espanhóis. Segundo
duas cidades do imaginário sorocabano, pois são elas, junto Oliveira (2002, p. 117), “a presença do imigrante espanhol entre
com outros fatores subjetivos responsáveis pela criação do anarquistas e comunistas na liderança das greves e dos mo-
espaço diferenciado do proletário e da burguesia. (...) A Man- vimentos operários sempre foi marcante.”
chester Paulista da burguesia era o centro da cidade, local
Assim, a tensão acarretou em greves que se deram a pri-
de morada e das decisões, local da vida social e dos melho-
meiro momento entre 1910 e 1917, tendo a de 1917 sido a de
ramentos urbanos. (...) A Moscou Brasileira ou Paulista não
maior repercussão (fig. 11) devido à tomada de proporção
cabia no centro da cidade. Ela partia do bairro, das vilas ope-
chegado ao nível nacional. Carmo (2007) aponta para um nú-
rárias” (SILVA, 2000. p. 83-92)
mero de cerca de 10 mil operários envolvidos na paralisação,
liderada pelos operários da Fábrica Nossa Senhora da Ponte,
Acompanhado do surgimento da classe operária em Soro- Fig. 10 Fig. 11 tendo sido apoiados pelos trabalhadores das demais compa-
Vila operária de Santa Rosália, década 1950. Greve Geral de 1917 em São Paulo.
caba, surgiu a formação de um novo modo de morar, o das nhias, bem como comerciantes do centro e pelos operadores
Fonte: Centro de Memória Operária Sorocaba. Fonte: Coleção História da industrialização no Brasil.
vilas próximas aos locais de trabalho (fig. 10). Em “Sorocaba dos bondes da cidade. Entre as principais demandas, esta-
Operária”, o autor Pinto Junior (2003) relata as relações de O autor aponta que, “tratava-se, portanto, de uma invasão Registros apontam jornadas que poderiam chegar a até
vam a melhoria nos salários e ajuste nas jornadas exaustivas.
dependência entre proletário e empresa, que era maximiza- da vida doméstica dos operários, pois estavam em contato 15 horas por dia, podendo avançar até altas horas da madru-
Em meio a repressão policial vinda de São Paulo para deter o
do devido às moradias serem de posse das fábricas. O alu- com a propriedade do patrão até quando dormiam” (PINTO gada6.
movimento, os industriais por fim cederam à pressão, ofere-
guel era descontado do salário junto de despesas de arma- JÚNIOR, 2003, p. 39). Nesse sentido, Santos (1950, apud SIL-
A demanda por direitos fez com que a classe proletária se cendo um aumento de 20% nos salários dos trabalhadores.
zéns e botequins que se instalavam nas proximidades das VA, 2000, p. 106) aponta que a propriedade dessa nova popu-
reunisse em grupos de reivindicação de melhores condições (Cruzeiro do Sul, 1917 apud CARMO, 2007, p. 07)
vilas operárias. A grande maioria dos trabalhadores residia lação não eram as casas, mas sim sua força de trabalho. ‘‘Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing
de trabalho, sendo o jornal O operário uma importante fonte elit. Proin pharetra blandit pharetra. In eu mauris
com suas famílias e, logo, o peso de submeter-se às condi-
6
O Operário, Anno I, nº 6, 02/10/1909, p. 02 in CARMO, Jefferson Carriello do. Indústria têxtil, de entendimento das relações sociais da época. Os grupos aliquam urna laoreet aliquam quis nec eros. Integer Capítulo 01
ções de vida no local estava relacionado à responsabilidade
A Cidade
movimento operário e a questão das greves na cidade de Sorocaba. Associação Nacional at mi id mi placerat iaculis.’’
de História – ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - 2007. p. 03.
das vilas eram compostos por cidadãos sorocabanos e por
de prover o grupo familiar.
(Autor)
Vila Hortência em Perspectiva 40 41 A Cidade | De Manchester Paulista a Moscou Brasileira
Nesse cenário, destaca-se no Além Ponte a operária Sal- Fig. 12 Salvadora Lopes (fig. 12), uma figura proeminente na his- Os prédios das fábricas que testemunharam essas lutas
Salvadora Lopez, por Flávia Aguilera.
vadora Lopez e seu irmão João Lopes, filhos de imigrantes Técnica mista sobre parede, 2021. tória de Sorocaba, esteve à frente de reivindicações operá- operárias representam um potencial de evocar esse passado
Fonte: Acervo Flávia Aguilera.
espanhóis. Salvadora foi uma líder sindical que trabalhou na rias por anos, sendo notória por seu engajamento. Em 1949, crucial. Em tempos atuais, onde os direitos trabalhistas são
Fábrica Santa Maria desde tenra idade, tendo ingressado na durante uma greve dos operários do Grupo Estamparia, alvo de ataques, essas estruturas podem servir como símbo-
Fábrica Votorantim em 1932, na época com 14 anos, perío- composto pelas Fábricas Nossa Senhora da Ponte e Santo los que desafiam a narrativa hegemônica sobre tais direitos,
do no qual a indústria passava por um período de agitações Antônio, foi presa, marcando o início de uma perseguição relembrando a importância das batalhas operárias na con-
e reivindicações constantes. Lá, Salvadora foi introduzida ao constante. Em diversos episódios, como ao distribuir panfle- quista de direitos e dignidade (GONÇALVES FILHO, 1991, p.
movimento operário, conforme conta em entrevista a Olivei- tos na estação da Vila Assis, enfrentou detenções por suas 17 apud CAVALEIRO, 2023, p. 05). Entretanto, para as mas-
ra (2002, p. 124): “Eu fazia parte do grupo de crianças, que ia à atividades. sas fora do meio acadêmico, a história de Salvadora Lopes e
frente para sondar o terreno e me recordo bem dessa cena. muitos outros não é tão conhecida quanto a dos empresá-
Apesar das adversidades, Salvadora Lopes se tornou um
(...) Eu era encrenqueira, mas boa tecelã, dava produção e por rios. Conforme afirma Silva (2000):
ícone da resistência operária em Sorocaba e da luta das mu-
isso eles me toleravam.”
lheres. Em 1947, foi eleita a primeira mulher vereadora da ci- “Na luta ideológica entre as duas classes sociais, que queriam
Logo, Salvadora foi colocada na “lista negra” dos operários dade, embora não tenha tomado posse devido aos conflitos se firmar, ficou a Manchester Paulista: cidade das indústrias
que não se deveria contratar, pela participação constante enfrentados na época. Após seu falecimento em 2006, a Câ- - mas não do operário - e do progresso. Cidade que soube
nas agitações junto dos irmãos e futuro marido, o que fez mara Municipal instituiu o Prêmio Salvadora Lopes, home- lutar pelo seu desenvolvimento. À Moscou Paulista coube o
com que Salvadora se mudasse para São Paulo em busca nageando mulheres destacadas na cidadania e nos direitos esquecimento, a “culpa”, por querer melhores condições de
de emprego. Ao retornar de São Paulo anos depois, passou a das mulheres. vida, a “vergonha” por não enriquecer trabalhando.” (SILVA,
integrar a Frente Sindical, organização que agia com o apoio 2000, p. 103)
do Partido Comunista Brasileiro, do qual acabou sendo ex-
pulsa em 1952 por divergências de ideais.

Vila Hortência em Perspectiva 42 43 A Cidade | De Manchester Paulista a Moscou Brasileira


Paralelo às revoltas operárias advindas do período de in- “Foi na privatização [da companhia Sorocaba] ocorrida em “O antagonismo entre as classes sociais manifesta-se em “Moscou Paulista”, xilogravura por Flávia Aguilera.
dustrialização têxtil, ocorriam as primeiras obras rodoviárias 1998 que se encontrou o estopim de um rápido processo cada cidade de forma própria: exatamente na construção
do Estado de São Paulo, a partir de 1938, fator que levou com que subtraiu de Sorocaba seu papel como polo ferroviário de seu espaço. No significado que dá ao seu lugar, mesmo
que o transporte dos insumos produzidos nas fábricas pu- e transformou a cidade em mero local de passagem para a que possamos - e podemos - encontrar e trazer generalida-
dessem ser deslocados além dos centros urbanos e se ini- linha férrea, o que deu ensejo à degradação da imensa estru- des sobre cidades industriais, vilas operárias, etc... Só que, na
ciasse um “processo de dispersão das novas plantas de uni- tura ferroviária na cidade.” (MAUÁ FILHO, 2019, p. 16) casa nº 05 da Vila Santa Maria, moravam operários únicos, de
dades fabris e desativação das unidades antigas situadas uma casa e vila únicas, de Sorocaba!” (SILVA, 2000, p. 61)
O centro do desenvolvimento econômico de Sorocaba já
nos bairros centrais” (REIS, 2006 apud BUGANZA, 2010).
não se encontrava mais nas fábricas têxteis: é interessante Hoje, grupos como o Centro de Memória Operária de
Foi a partir da segunda metade do Século XX que a ativi- pontuar que a desativação das Fábricas Nossa Senhora da Sorocaba (C.M.O.S.) luta pela preservação da história não
dade têxtil começou a declinar, em um cenário no qual mui- Ponte e Santo Antônio, Santa Rosália e Santa Maria - que dé- contada desse grupo de agentes de transformação da cidade,
tas faliram e fecharam as portas. A inauguração das Rodo- cadas antes já foram o coração da cidade - aconteceram em através de publicações independentes, debates e exposições
vias Raposo Tavares na década de 50, e Castelo Branco em períodos muito próximos. Iniciava-se, assim, um novo capí- de arte. “Se aos ricos e poderosos se já reservaram os nomes
1970 foi fator determinante para o crescimento – que já era tulo na história da cidade de Sorocaba, tendo atraído multi- das principais ruas, avenidas, monumentos e bairros, lutamos
exponencial – da região. Em meados de 1990, a queda da ati- nacionais que se espalham pelo tecido urbano até os dias de para que os trabalhadores tenham a sua história conhecida,
vidade têxtil aliada às novas rodovias abriu margem para o hoje. reconhecida e preservada.” (C.M.O.S.)
crescimento industrial que perdura até os dias de hoje. A po-
pularização dos automóveis, alinhada à construção de vias
de conexão por todo o país nas décadas que se seguiram,
ditaram novos conglomerados urbanos, e a Rodovia Raposo
Tavares foi um dos elementos que trouxe novas fábricas para
a cidade de Sorocaba entre os anos 80 e 90.

Vila Hortência em Perspectiva 44 45 A Cidade | De Manchester Paulista a Moscou Brasileira


Sorocaba hoje: Entre prédios e rodovias

A partir da década de 1960, a presença de variadas empre- Atualmente, organizações voltadas para o desenvolvimen-
sas contribuiu para a configuração atual da malha urbana e to empresarial e industrial, como o grupo Splice por exemplo,
dos seus aspectos econômicos. O crescimento populacional desempenham um papel fundamental na atividade econô-
resistiu à grave crise que impactou a indústria local nos anos mica e no progresso da cidade. Sorocaba se destaca por pos-
1980. Apesar de uma recuperação parcial nesse setor desde suir um amplo parque industrial, consolidando-se também
então, notavelmente marcada pela instalação da fábrica da como uma cidade universitária devido à presença significa-
Toyota na região, a principal força impulsionadora do cres- tiva de instituições de ensino técnico e superior na região.
cimento econômico local passou a ser o setor de serviços,
O centro histórico passou por uma transformação, evo-
sobretudo de engenharia. A transformação da fábrica de te-
luindo para se tornar hoje um polo comercial dinâmico, ao
cidos Nossa Senhora da Ponte é um símbolo dessa transição,
mesmo tempo em que surgem novos eixos de expansão,
sendo hoje o Shopping Cianê, uso que marca a passagem do
como a Zona Norte - a região mais populosa de Sorocaba,
monopólio industrial têxtil, quase como um ciclo de retorno
onde reside uma grande parte da população de baixa renda,
simbólico ao período das feiras às margens do rio Sorocaba
contrastando com a Zona Sul, onde se concentra parte da
que ocorriam no século XVIII (ANDERY, 2018).
população de classe alta, sedes de empresa e, consequente-
Fig. 13 mente, o m² mais valorizado de Sorocaba.
Sorocaba vista por drone.
Fonte: Designi, adaptado.

47 A Cidade | Sorocaba hoje: entre prédios e rodovias


Ambas áreas estão equiparadas ao centro histórico em Dessa forma, é de suma importância levar em considera-
termos de oferta de comércio e infraestrutura de serviços, ção as particularidades das áreas onde a verticalização e in-
mesmo que de formas e públicos-alvo distintos, ainda assim dustrialização ainda não tiveram um impacto pleno, a exem-
desenvolvem-se como centros comerciais à parte. À extremo plo do Além Ponte, ponto focal desta pesquisa, e entender
leste, encontra-se o centro cívico, que foi movido da região sua relevância no contexto urbano. Este local, com sua his-
de formação inicial de Sorocaba para o Alto da Boa Vista em tória rica e características singulares, emerge como um pon-
1981 com a construção do Palácio dos Tropeiros (Paço Muni- to crucial para intervenções que busquem a preservação do
cipal). Essa mudança visava a proximidade com o bairro do patrimônio arquitetônico e o avanço sustentável.
Éden, que abriga grande parte das indústrias de Sorocaba,
principalmente para evitar a possibilidade de emancipação.

Diante do panorama de influentes grupos empresariais,


é evidente o impacto que as construtoras e incorporadoras
possuem. Empresas consolidadas, como a MRV, que desem-
penha um papel significativo nos projetos do programa Mi-
nha Casa Minha Vida, e a Construtora Planeta, focada em
empreendimentos de alto padrão, exemplificam a atual ten-
dência de verticalização. Este fenômeno ressalta não apenas
Fig. 14
a expansão urbana, mas também a necessidade de soluções
Centro histórico visto a partir do Além Ponte.
diversificadas para atender às demandas da população lo- Fonte: acervo Renato Amorim

cal, bem como no risco ao desaparecimento do patrimônio


arquitetônico.

Vila Hortência em Perspectiva 48 49 A Cidade | Sorocaba hoje: entre prédios e rodovias


Capítulo 02

O BAIRRO
“Há um vilarejo ali
Onde areja um vento bom
Na varanda, quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão
Pra acalmar o coração
Lá o mundo tem razão
Terra de heróis, lares de mães
Paraíso se mudou para lá
Por cima das casas, cal
Frutos em qualquer quintal
Peitos fartos, filhos fortes
Sonho semeando o mundo real”

Marisa Monte, “Vilarejo”


Além Ponte através do tempo
da autora, 2022.

Vila Hortência em Perspectiva 52 53 O Bairro | Linha do Tempo


Linha do tempo

Traçar o contexto de formação do Além Ponte é, inicial- “O comércio próspero dessa atividade era então refletido nas
mente, compreender as características geográficas do local. edificações dos detentores do poder tanto religioso quanto
Localizado às margens do Rio Sorocaba, no eixo de conexão econômico e privado, em especial na arquitetura residencial,
para a região Metropolitana de São Paulo, o comércio foi o que, com casarões espalhados por Sorocaba, foram respon-
fator inicial que levou ao primeiro assentamento urbano fora sáveis pelas novas urbanidades que surgiam fora do centro.”
da colina onde se localizava a área urbanizada, hoje reconhe- (SANTOS, 2021. Pg. 6)
cida como centro histórico. Remontando ao período de 1750 a
Segundo Baddini (2002), o início da urbanização no Além
1888, quando Sorocaba era conhecida como Vila Tropeira de
Ponte foi ocasionado pela implantação do Registro de Ani-
Nossa Senhora da Ponte e realizavam-se as Feiras de Muares,
mais, em 1750, na margem direita do Rio Sorocaba e levando
ocorreu um grande desenvolvimento econômico, principal-
à criação da Rua da Contagem, de nome modificado para
mente pela cidade estar localizada em um ponto de parada
Rua São Paulo em 1887 (fig. 16). Em 1880 a Chácara de Quin-
dos Tropeiros – responsáveis pelo comércio pecuarista.
zinho de Barros – antigo senhor de terras e um agente de
transformação da região - foi repartida em duas parcelas, ori-
Fig. 15
Além Ponte visto da Avenida XV de Novembro nos anos 70.
ginando o traçado da Rua Cel. Nogueira Padilha, inicialmen-
É possível observar a Avenida São Paulo e os principais marcos da paisagem: te Rua dos Morros. A Chácara do Quinzinho permaneceu no
O ginásio de esportes, Fábrica Santa Maria e Paróquia Santo Antônio.
Fonte: Acervo Douglas Gomes Norte, e a Chácara Amarela teve sua implantação ao Sul.

O Bairro: Linha do Tempo 55 O Bairro | Linha do Tempo


Além Ponte: Evo
Além Ponte: Evolução
Além Ponte:
Urbana
Evolução Urbana

1892 1892
Mapa 2 1909 1909
Além Ponte: Evolução Urbana 1925 1925
A mudança do tecido da região a partir de 1850 é obser- cultura do café, logo substituída pela do algodão e a forte
Elaborado pela autora, 2023. 1939 1939
vada com a abertura do Largo do Coronel Manoel Lopes em propaganda de oferta de trabalho, atraiu famílias em busca 1962 1962

1871 e consequentemente a formação de novas ruas, crian- de oportunidades em um momento crítico.(MENESES, 2013) Malha Urbana Malha Urb
Linha férrea Linha férr
do uma conexão da rua dos Morros (atual Nogueira Padilha)
Em Sorocaba, reflexos da industrialização e da imigração Fábrica Sta. Maria Fábrica St
com a rua do Votorantim. O Largo do Coronel passou por um
europeia podem se observar no crescimento da região do
processo de embelezamento, fazendo parte das modifica-
Além Ponte, que se deu a partir da fábrica Santa Maria, na
ções urbanas que visavam a modernização de uma Soroca-
vila de mesmo nome, bem como nas Vilas Hortência e As-
ba que iniciava seu posicionamento no cenário de industria-
sis, expandindo-se para os bairros Barcelona, Parada do Alto,
lização no Brasil em meados do séc. XIX. Com a construção
Vila Haro e Caputera a partir da segunda metade do século
da Estrada de Ferro Sorocabana na região, a cidade rumava
XX, sendo os bairros Barcelona e a Parada do Alto regiões nas
para um novo capítulo que demandava uma paisagem mo-
quais a forte ligação espanhola se observa no nome das vias,
derna. Assim, a rua dos Morros foi pavimentada entre 1873 e
que homenageiam a herança cultural hispânica. Ainda nes-
1874 recebendo embelezamento devido à sua conexão com
se sentido, a imigração cumpriu um valor significativo para
a rua São Paulo, até então uma das principais vias de entrada
o município no passo que, atualmente, a bandeira do muni-
para a cidade. (BADDINI, 2002)
AlémdePonte:
cípio Evolução
Sorocaba Urbana
herda as cores e uma simbologia advinda
Entre o final do século XIX e início do século XX, junto com da bandeira da Espanha. Ribeiro (2006) descreve reflexos da Snazzy Maps, adaptado.

1892
o período de industrialização, o Além Ponte ficou conhecido herança hispânica observadas nas ruas da zona Leste de So-
1909
como uma colônia espanhola, devido à quantidade de imi- rocaba: 1925

grantes que habitavam a área, em grande maioria operários 1939


1962
das fábricas têxteis. O fenômeno de migração europeu para Malha Urbana
0 250 500 7
o Brasil se deu nos portos de Santos e do Rio de Janeiro. A Linha férrea
0 250 500 0750 250
1000 m
500 750 1000 m
Fábrica Sta. Maria

Vila Hortência em Perspectiva 56 57 O Bairro | Linha do Tempo


“Encontramos algumas peculiaridades no bairro Barcelona “De um lado da ponte estava a cidade dos sorocabanos tra-
quando andamos por suas ruas. Estas têm nomes como a dicionais, enquanto do outro, às margens da rua dos Mor-
Av. Paraguai (...); num outro ponto do bairro temos rua Chile ros, estava a população pobre, de gente estranha, de língua
(...). Para os que vivem no bairro, a nomenclatura das ruas e estranha, os espanhóis.” ( OLIVEIRA, 2002, p. 53 in. LOSADA,
avenidas tem relação com a imigração espanhola como, por 2016, p. 62)
exemplo, a rua Sevilha, e também com a colonização espa-
Ainda nesse sentido, Silva (2000, p. 72) aponta que “O Rio
nhola na América Latina: muitas ruas e avenidas recebem
Sorocaba foi um dos problemas para o crescimento da ci-
a denominação de Bolívia, Venezuela, Paraguai, entre outras
dade, principalmente na porção leste”, enquanto no Além
(RIBEIRO, 2006, p. 26).”
Linha, a maior parte da população se fixou, levando, muitas
Observando o sentido da evolução da mancha urbana en- décadas depois, ao crescimento exponencial da Zona Nor-
tre os séculos XIX e XX (mapa 2), é possível afirmar que a fá- te da cidade. “Um outro fator que “atrapalhou” o crescimen-
brica Santa Maria foi fator primordial para a expansão urba- to e a urbanização de Sorocaba foram os trilhos da Estrada
na, que se deu no local na mesma medida em que a Avenida de Ferro Sorocabana (...) que (...) cortam a cidade no sentido
Fig. 16 Fig. 17
São Paulo e a Rodovia Raposo Tavares – sendo esta segunda leste-oeste. Dificuldade que ainda persiste no planejamento
Chácara do Quinzinho, s/d. Mapa das vilas de Sorocaba
de construção datada da década de 60 – agiram como ele- Fonte: BrasilBook Fonte: Paulo Celso da Silva (2000) baseado no original urbano atual” (SILVA, 2000, p. 72).
de Antônio Francisco Gaspar (1909).
mentos estruturadores da hierarquia da região.
À medida que o Além Ponte se consolidava com a che-
É natural perguntar-se “por que através da ponte?” quando dos do plantio de algodão e outras culturas (fig. 16). Uma par- A colônia espanhola caracterizava um núcleo urbano à par- gada de novos grupos hispânicos vindo de cidades vizinhas
se fala na imigração espanhola. Uma figura chave para a te das famílias trabalhavam na agricultura, e a outra, que já te por fatores que iam além da segregação espacial causada através da estrada de ferro sorocabana, mudaram-se as cul-
transformação da cidade e adensamento dessa região, o possuía um conhecimento em diversas áreas, se dedicava ao pelo percurso do Rio Sorocaba, mas também compreendia turas plantadas nas terras de Quinzinho de Barros.
dono de terras Quinzinho de Barros, oferecia suas terras aos comércio na rua dos morros, caráter que permanece até os o preconceito contra estrangeiros, causando resistência por
recém chegados, que, em troca, repartiam os lucros advin- dias de hoje. (Oliveira, 2002, p. 38 in. Sakurai, p. 18, 2016). parte da população sorocabana.

Vila Hortência em Perspectiva 58 59 O Bairro | Linha do Tempo


Entre as décadas de 30, 40 e 50, deu-se início ao Ciclo da cas industriais como o uso de tijolos ceramicos e a simplici-
Laranja em Sorocaba, que colocou a cidade no mapa dos dade formal, apresenta o risco de desaparecer pela falta de
grandes produtores de vinho do estado graças ao Laranjim uso diretamente proporcional a boa localização, o que torna
Supremo. o galpão da Ruy Barbosa marco estratégico

O aumento da produção de plantações à leste levaram à Além das áreas destinadas à plantação de laranja, a ce-
fundação da cooperativa de citricultores em 1930 e na cons- bola também rapidamente se tornou um forte produto de
trução de duas packing houses destinadas à separação e exportação, tornando a região conhecida pela agricultura.
embalagem de caixas de laranja, localizadas nas ruas Ruy (CARVALHO, 2008, p. 254)
Barbosa e Epitácio Pessoa, na Vila Hortência e Árvore Gran-
A herança espanhola na região se deu além da agricultu-
de, respectivamente(fig. 18 e 19), sendo o primeiro dos dois
ra, indústria e do comércio. O tempo de descanso da comu-
edifícios o foco principal de desenvolvimento de projeto da
nidade era destinado desde momentos em família, vizinhos
presente pesquisa, e que será aprofundado mais adiante nos
e amigos onde se consumia comidas típicas como a miga e
capítulos seguintes.
o gazpacho, à ocupação das ruas com reuniões sociais, à prá-
Ambas as Packing Houses passaram por um longo perío- tica de esportes como futebol e bocha, sendo criado em 1929
do de subutilização, até que, em 2019, a construção da Rua o clube Hespanha, nas proximidades da Fábrica Santa Maria
Epitácio Pessoa, que se encontrava abandonada, passou por (SAKURAI, 2016). Hoje o clube já não existe mais, restando
Fig. 18 Fig. 19
Packing House de Laranjas. Packing House de Laranjas. um processo de projeto de reforma a fim de comportar a somente relatos de pesquisadores acerca do período.
Localizada na Rua Ruy Barbosa, o edifício é alvo do projeto de Localizada na Rua Epitácio Pessoa hoje abriga a Agência
intervenção desta pesquisa. Fonte: Zaqueu Proença, 2016. Ambiental de Sorocaba. Fonte: Divulgação CETESB. CETESB - Estação de Tratamento de Água, enquanto que a
localizada na Rua Ruy Barbosa seguiu e continua até hoje
tendo seu uso subutilizado, e a arquitetura que chama a
atenção principalmente pelo telhado, além das característi-

Vila Hortência em Perspectiva 60 61 O Bairro | Linha do Tempo


Fig. 21 e 22.
Nogueira Padilha ontem e hoje: 1976 e 2022.
A Rua Nogueira Padilha é um eixo comercial desde o início da urbanização na região.

No campo das artes, o cine teatro Alhambra destinava-se Décadas mais tarde, durante os anos 50, entre os apitos da
à exibição de filmes e peças de teatro em espanhol, uma das fábrica Santa Maria, a construção da Rodovia Raposo Tavares
manifestações culturais que corroboraram com a preserva- contribuiu para o aumento da densidade de ocupação do
ção da herança hispânica na região. Hoje, o prédio também Além Ponte, sobretudo nos bairros dos morros, com o surgi-
não existe mais, restando somente registros nos jornais acer- mento dos bairros Barcelona e Parada do Alto, onde se ob-
ca das exibições que ocorriam durante seu funcionamento. serva força da herança espanhola através dos nomes das
ruas e dos costumes dos seus habitantes. (LOSADA, 2016)
Enquanto o Alhambra destinava-se especialmente a mos-
tras relacionadas com a cultura espanhola, o Cine Eldorado Fonte: Memória Jornal Cruzeiro do Sul Após o fechamento da fábrica Santa Maria, em 1982, a di-
(fig. 20), financiado também por famílias espanholas e cujo nâmica do bairro passou a se concentrar não mais em torno
nome do estabelecimento reflete essa herança local, foi inau- da atividade fabril, mas sim no setor terciário, que se dá atra-
gurado em 1939 e exibia grandes clássicos hollywoodianos vés do eixo comercial da Nogueira Padilha (fig. 21 e 22).
da era de ouro do cinema.
Hoje, a região é ocupada por comércios de pequeno e mé-
Fig. 20
Cine El Dorado, sem data.
dio porte, de caráter local e familiar, que fazem um contra-
Fonte: Brasilbook. ponto ao cenário de verticalização crescente, decorrente so-
bretudo, da posição privilegiada que o Além Ponte possui no
município e sua proximidade das vias que ligam a cidade de
Sorocaba à metrópole de São Paulo.

Fonte: acervo Renato Amorim

Vila Hortência em Perspectiva 62 63 O Bairro | Linha do Tempo


Fábrica Santa Maria

Colocando em panorama os edifícios que transformaram O início das atividades fabris no Além Ponte atraiu um
a região do Além Ponte, é imprescindível citar novamente grande contingente de imigrantes, como já exposto anterior-
as fábricas e seu uso atual. Localizada na Rua Santa Maria mente, e moldou todo o desenvolvimento urbano da região.
n 283, compreendendo uma área de mais de 61 mil metros “Ao mesmo tempo em que foi construída com a intenção de
quadrados, a fábrica Santa Maria (fig. 23 e 24), foi implantada abrigar os trabalhadores da Santa Maria, a vila operária da
em parte do terreno pertencente à Chácara Amarela, numa Vila Hortência teve um significado na construção da iden-
zona estratégica próxima à estrada de ferro sentido Fábrica tidade local e na história do bairro pela permanência de ca-
Votorantim. Inaugurada em 1892, a fábrica só iniciou de fato racterísticas de uma forma de habitar e coexistir demarca-
seus trabalhos em 1896. Atuando inicialmente com 200 ope- das pela vizinhança da Fábrica e pelos costumes tradicionais
rários (PDG, REALTY S/A, 2014) o empreendimento contribuiu mantidos pelos operários de ascendência espanhola.” (OLI-
fortemente para a urbanização do bairro da Vila Hortência e VEIRA, 2002 apud ALMEIDA, 2023, p. 18)
teve um final dramático, envolvendo demolições na calada
Em relação aos aspectos arquitetônicos da Fábrica Santa
da noite, pressão imobiliária e apagamento do patrimônio
Maria, destaca-se uma característica que a diferenciava das
cultural da zona Leste.
demais: a iluminação e ventilação trazida por aberturas ze-
Fig. 23
Remanescentes da Fábrica Santa Maria vistos da Rua Manoel Lopes, em 1993.
nitais. A cobertura de quatro águas possuía um rebaixo que
Fonte: Brasilbook permitia a entrada de luz através de sheds em caixilharia de

65 O Bairro | Fábrica Santa Maria


madeira e vidros basculantes, detalhe que fazia com que a Alguns conjuntos se diferem, como o da Rua Manoel Lo-
fábrica fosse mais “humanizada” (ALMEIDA, 2023). pes, implantado acima do nível da rua com recuo frontal.
As casas melhores eram destinadas àqueles de maior cargo
O conjunto era formado pelo edifício principal, que abri-
dentro da indústria: “os operários moravam nas casinhas da
gava as máquinas e concentrava a produção, junto à casa
Vila, construídas nas ruas Manoel Lopes e Campos Salles. Já
grande, onde se encontrava a administração, e cujas carac-
os mais graduados (...), mestres de oficina e outros, moravam
terísticas arquitetônicas fugiam do aspecto industrial inglês
em casas melhores na Rua Santa Maria. Todos pagavam alu-
tradicional (MASSARI, 2011). A área contava também com
guel.” (Gazeta do Além Ponte in ARAÚJO NETO, 2005)
uma torre de aeração, localizada em paralelo da Rua Newton
Prado, bem como uma chaminé, um pavilhão anexo a sul, Os arredores da fábrica eram marcados não somente pela
onde se encontravam duas caldeiras, tal qual um depósito vila operária, mas também por comércios que atuavam em
de apoio. (CURADORIA DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE conjunto com as atividades fabris, como armazéns, e escolas,
E PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE SOROCABA). Quanto à ma- bem como uma loja da fábrica, que comercializava tecidos
terialidade dos edifícios, destaca-se o uso de tijolo aparente no bairro e se encontrava a poucos metros da Santa Maria.
seguindo o modelo de construção fabril inglês, junto de cai-
Os impactos da chegada de infraestrutura para além da
xilhos de ferro e vidro maxi-mor.
ponte está intrinsecamente relacionado à atividade fabril,
As vilas operárias do Além Ponte (fig. 25 e 26) podem ser conforme aponta Almeida (2023), pois “a instalação da fábri-
caracterizadas como, em sua maioria, um conjunto de edi- ca trouxe consigo a necessidade de organização e planeja-

Fig. 24
ficações térreas e semelhantes entre si, frequentemente mento urbano, além da criação de condições favoráveis para
Fábrica Santa Maria.
Fonte: Brasilbook, Museu Histórico Sorocabano, CMDP,
desprovidas de recuo central, sem garagem, com testada de o desenvolvimento das atividades econômicas locais.
Ettore Marangoni via Centro de Memória Operária,
Compilado pela autora.
cerca de 4m e com portas e janelas voltadas para a rua.

Vila Hortência em Perspectiva 66 67 O Bairro | Fábrica Santa Maria


No entanto, também gerou uma segregação socioespa- de uma nova zona industrial na cidade, todo o setor têxtil
cial entre os trabalhadores da fábrica e os demais habitantes viria a sofrer pelos impactos de um mercado cada vez mais
da cidade.” (ALMEIDA, 2023, p. 43) competitivo, marcado pelas importações em massa, e pelo
enfraquecimento do sistema de transporte via trilhos. A res-
Entre 1952 e 1966 iniciou-se um conjunto de incentivos à
posta da Santa Maria à crise foi, juntamente a uma mudan-
instalação de indústrias na cidade, fruto da reforma tribu-
ça de administração, também a diversificação da produção,
tária brasileira que ocorreu no mesmo período. A criação de
tendo a fábrica passado a investir em tecidos de finalidade
uma nova zona industrial em Sorocaba, que se deu durante
industrial como sacarias e produtos populares como jeans.
a década de 70, fruto do Plano Piloto de Desenvolvimento,
(PDG - REALTY SA, 2014)
que separava rigidamente a cidade por setores, iniciou uma
concentração de implantação de novas fábricas ao longo da Entretanto, a fábrica não acompanhou o ritmo da indus-
Rodovia Castelo Branco, distante do centro da cidade. Entre- trialização, tendo fechado suas portas em 1982 após quase
tanto, não mais fábricas têxteis, mas sim de indústrias no ge- 100 anos de uma história marcada tanto pelas mudanças ur-
ral, compreendendo depósitos, oficinas, garagens e de ser- banas e sociais, quanto pelas condições de trabalho precárias
viço para os trabalhadores, como espaços de moradia, lazer que envolviam da mão de obra de mulheres e de meninas,
e infraestrutura básica, em um segundo “boom industrial” assim como de questões relacionadas à poluição causada
Fig. 25 Fig. 26 que marcaria o fim da indústria têxtil sorocabana (Massari, pela produção dos tecidos. A área foi adquirida, na década
Vila Operária da Companhia de Fiação Vila Operária hoje: muitas das casas de encontram
de Tecidos Santa Maria, sem data. descaracterizadas, porém, o conjunto permanece. 2020). Hoje, essa zona corresponde ao território dos bairros de 90, pela Wilmor Empreendimentos e Participações, que
Fonte: Grupo Lembranças Sorocabanas. Fonte: Grupo Lembranças Sorocabanas.
Éden e Cajuru, nos limites do município no sentido leste. tinha o interesse de ocupar a gleba com um conjunto de edi-
fícios residenciais.
A crise que se instaurou na Fábrica Santa Maria na década
de 60, na qual o número de funcionários caiu para 800, se
agravou nos anos 1970, quando, juntamente à implantação

Vila Hortência em Perspectiva 68 69 O Bairro | Fábrica Santa Maria


Restava, assim, juntamente da memória, o conjunto de Fig. 27
Escombros da Fábrica Santa Maria, 1997.
pavilhões e chaminés. Se iniciaria então, uma série de ten- Fonte: Brasilbook.

tativas de reconhecimento do valor histórico e cultural do


complexo, buscando pela preservação da Fábrica Santa Ma- E foi nesse ponto da história da Fábrica Santa Maria, que
ria, com destaque para o estudo de tombamento aberto tudo mudou. Em paralelo ao estudo de tombamento do
pelo CONDEPHISO na década de 90. Cerca de 10 anos após complexo, ocorreu de maneira ilegal, sem alvará e durante
o final das atividades, um relatório feito por Solange Maciel a noite, a demolição de 80% do conjunto, no ano seguinte
Soriano, em 1993, alerta quanto às condições de deteriora- ao estudo de Soriano 7 (fig. 27), ação realizada pela Wilmor
ção do conjunto, reflexo da falta de manutenção. Entretanto, Empreendimentos, que, apesar de possuir o terreno, não es-
as condições que o prédio se encontrava não impediam a tava autorizada a demolir o que nele havia (PDG - REALTY
conservação do mesmo, uma vez que a maioria dos galpões SA, 2014). A partir daí, o local passaria os próximos seis anos
seguiam intactos. Em entrevista com Soriano, autora do rela- embargado, enquanto o poder municipal buscava por ele-
tório de 93, MASSARI (2009) apud LOSADA (2016) conta: mentos que viabilizassem uma conduta de preservação que A resposta por parte da comunidade (fig. 28) foi imedia-

levasse em consideração o valor histórico. Quanto aos pro- ta: “a demolição da fábrica foi vista como uma ação unila-
“O levantamento ainda estava sendo realizado pelo órgão
prietários da gleba, não houve sequer penalização sob o ato teral e desrespeitosa pela população, que se mobilizou para
quando foi apresentado na Prefeitura Municipal um projeto
de destruição do patrimônio histórico, e parte da história protestar e exigir a preservação do patrimônio. Houve mani-
de loteamento para a área da antiga fábrica. Informado que
da Santa Maria se juntou aos escombros de sua demolição. festações públicas, abaixo-assinados, petições e campanhas
a área estava em processo de tombamento, o proprietário
(MASSARI, 2011 in LOSADA, 2016, p. 89) nas redes sociais, além de reuniões e audiências públicas
do local na época, justificou que teria seu loteamento pre-
com representantes da sociedade civil e do poder público.”
judicado pela grande área ocupada pelos “prédios velhos””
7
Solange Maceil Soriano. Parecer - Exposição de motivos para a Preservação de Patrimônio (ALMEIDA, 2023, p. 54)
(MASSARI (2009) apud LOSADA (2016, p. 85) Cultural - Fábrica Santa Maria, Prefeitura Municipal de Sorocaba, dezembro 1993.
Fig. 28
Notícia veiculada sobre a demolição.
Fonte: Acervo Jornal Cruzeiro do Sul, 1994.

Vila Hortência em Perspectiva 70 71 O Bairro | Fábrica Santa Maria


Do conjunto, sobraram dois edifícios, uma das chaminés, “(...) a memória produzida nesse lugar ainda se restringe à a Secretaria do Meio Ambiente de Sorocaba e o maquiná-
e a loja de tecidos. Parte da tentativa de conservação do 20% industrialização e não ao operariado. Mesmo citando que rio está armazenado no Parque da Tecelagem, localizado na
remanescente da fábrica se deu através do projeto de um “milhares de sorocabanos” foram empregados nas fábricas Rua Newton Prado. O complexo é composto por torres resi-
museu da indústria têxtil sorocabana, que seria instalado têxteis, percebe-se nitidamente a exclusão das palavras “tra- denciais de oito andares e uma torre corporativa. A escala do
através da construção de um novo prédio via acesso da Rua balhador” ou “operário”, enquanto a referência à indústria conjunto de edifícios residenciais bloqueia a vista dos rema-
Newton Prado, que receberia o maquinário recuperado dos permeia todo o texto em cada linha escrita praticamente. nescentes da fábrica de tecidos, que, exceto pela chaminé
escombros, transformando-os em exibição permanente, no Ademais, a mulher, que compôs a maioria dos trabalhadores que marca a paisagem urbana, tem seus galpões remanes-
que hoje é o espaço correspondente ao Parque Municipal dessas fábricas têxteis, continua invisibilizada.” (CAVALHEI- centes passando quase que despercebidos pelos pedestres
Histórico da Tecelagem, que conta com uma área verde jun- ROS, 2023, p. 51-52) e motoristas (fig. 30 e 31).
tamente ao espaço fabril remanescente.
Após a demolição, a área correspondente à da Fábrica Além da mudança da paisagem, os impactos também fo-
Vale aqui ressaltar a escolha de uma materialidade de ca- Santa Maria foi adquirida pela Incorporadora e Construtora ram sentidos no aumento demográfico da região, uma vez
racterísticas semelhantes à existente, dificultando a diferen- Magnum, que se comprometeu em conservar e restaurar a que o condomínio conta com 448 unidades de habitação,
ciação do novo e do antigo, um dos princípios básicos de um área remanescente através da construção do museu para conforme aponta Almeida (2023):
projeto de conservação e restauro. Além disso, pode-se le- que pudesse dar andamento no projeto de condomínios re-
“Os prédios fabris foram sendo demolidos, até que pouco
vantar alguns questionamentos quanto à decisão do uso do sidenciais. Esse acordo foi realizado na justiça, medida toma-
restasse da antiga fábrica além das memórias de seus ex-
Fig. 29
Parque da Tecelagem, conforme o pesquisador Cavalheiros da como uma resposta da municipalidade ao ato realizado
trabalhadores e dos moradores que ainda se lembravam Terreno da Santa Maria atualmente comporta condomínio residencial.
(2013) aponta: pela construtora anterior, somado às pressões da imprensa, É possível observar os remanescentes que não foram demolidos e que
da presença marcante da empresa na área. Essa mudança atualmente se encontram tombados. Fonte: Villar Mercado Imobiliário.
comunidade e grupos de defesa ao patrimônio.
na paisagem urbana foi acompanhada por um processo de
Atualmente o terreno comporta o Condomínio Residen- gentrificação que, aos poucos, transformou o bairro em um
cial Villa de Espanha (fig. 29), cuja construção se deu entre novo espaço de moradia.” (ALMEIDA, 2023, p. 51)
2015 e 2016, enquanto uma parte restante da fábrica abriga

Vila Hortência em Perspectiva 72 73 O Bairro | Fábrica Santa Maria


Fig. 30 e 31. Cavalheiros (2023) nomeia esse tipo de intervenção como
Santa Maria vista da Rua Newton Prado: 2005 e 2023.
Hoje, o que restou da fábrica passa despercebido a olhos mais desatentos. sendo de um lugar de memória oculta, no qual “os referen-
ciais - como um monumento, por exemplo - que, por desca-
O condomínio vertical se tornou símbolo da expansão e
so, são ocultados por outros equipamentos urbanos como
da especulação imobiliária da região, atraindo o interes-
placas de sinalização, instalação de obstáculos permanen-
se de novos investidores que vislumbraram no Além Ponte
tes, entre outros” (CAVALHEIROS, 2018, p.48 apud CAVALHEI-
um eixo de desenvolvimento urbano em potencial. O nome
ROS, 2023, p. 51). Segundo o autor, além do Parque da Tece-
“Villa de Espanha” do condomínio não se dá à toa, tendo no
lagem não representar a memória do trabalhador, também
logotipo uma referência clara à herança hispânica do bair-
simboliza o apagamento da memória da Santa Maria:
ro, de maneira rasa, que não passa da propaganda do em-
preendimento. O acesso via Rua Santa Maria é o mesmo que “o “ambiente histórico fabril” é, na realidade, um amontoado
fonte: Brasilbook
conectava à fábrica, porém a implantação se fecha para a de restos de máquinas que perdem o sentido quando colo-

área remanescente do “Museu da Tecelagem”, e o gabarito cadas fora de contexto (...) a “arquitetura preservada” é uma

diminui a hierarquia da chaminé na paisagem: pequena parte da edificação da antiga fábrica, com chami-
né, e uma espécie de “galpão” construído em tijolos que si-
“A verticalidade do condomínio Villa de Espanha é um as-
mulam a arquitetura original” (Cavalheiros, 2023, p. 52)
pecto que chama a atenção, especialmente quando compa-
rado com as construções comerciais, religiosas e residenciais O caso da Santa Maria foi a motivação inicial para a esco-

presentes na Vila Hortência, cujo gabarito de altitude é mais lha do tema de intervenção aqui presente: como preservar

horizontalizado. Tal diferença reflete uma mudança signifi- aspectos de memória, permanência e de caminhabilidade

cativa na forma como o espaço urbano é concebido e utili- em uma região ameaçada pelos processos de mudança fru-

zado no bairro, evidenciando a influência do capitalismo na to da expansão leste e da pressão imobiliária que ruma à ver-
fonte: GoogleMaps transformação da paisagem urbana” (ALMEIDA, 2023, p.n 60) ticalização?

Vila Hortência em Perspectiva 74 75 O Bairro | Fábrica Santa Maria


Mapa 3
Marcos da Paisagem
Além Ponte: Marcos da Paisagem
Elaborado pela autora, 2023.

Muitos séculos se passaram desde a divisão territorial en- A residência de Manoel, chamada Chácara Amarela (fig.
tre Chácara Amarela e Chácara do Quinzinho, separadas 32), posteriormente abrigou a primeira fábrica de tecidos da
pela criação da Rua dos Morros. No entanto, ainda hoje, essa província no ano de 1852, embora tenha fechado pouco tem-
divisão histórica tem um impacto significativo na paisagem po depois.
local, especialmente ao longo da atual Rua Nogueira Padilha
A urbanização da área começou efetivamente por volta
(mapa 3). A topografia da área é caracterizada pela inclina-
de 1850, e um marco desse processo foi a abertura do Largo
ção do terreno, à medida que avançamos para os núcleos
do Coronel Manoel Lopes em 1871 (Baddini, 2002). Isso resul-
leste e oeste do bairro. Entre as construções, que represen-
tou na criação de novas vias, conectando a Rua dos Morros,
tam uma arquitetura típica de subúrbio, vale ressaltar locais
atualmente Nogueira Padilha, à Rua do Votorantim. O Largo
que compõem o cenário urbano, tanto visualmente quanto
do Coronel estava localizado em frente à Chácara Amarela, e
devido à sua importância para a cultura local.
décadas mais tarde, já no século XX, o Ginásio Municipal de
A família de Manoel Lopes de Oliveira desempenhou um Esportes seria construído no local.
papel significativo na urbanização da região leste de Soroca-
O Largo do Coronel representou, entre os anos 1870, um
ba. Inicialmente, a família estava envolvida na produção de
esforço de embelezamento urbano que estava alinhado com
algodão em sua chácara na Estrada dos Morros, que hoje é
a intenção de modernizar a cidade (Baddini, 2002).
conhecida como Nogueira Padilha.

Vila Hortência em Perspectiva 76 77 O Bairro | Marcos da Paisagem


A construção da estrada de ferro na região indicava uma Fig. 33 e 34.
Zoológico Municipal e do Museu Histórico Sorocabano,
nova fase de desenvolvimento, e Sorocaba estava se adap- na área correspondente à Chácara do Capitão Chico.

tando à era da industrialização. Como parte dessas mudan-


ças, a Rua dos Morros foi pavimentada entre 1873 e 1874, es- conhecido como Joaquim Monteiro de Barros. O casal teve
pecialmente devido à sua conexão com a Rua São Paulo, que uma filha chamada Hortência. Dona Hortência “mãe” foi ca-
era uma das principais vias de entrada da cidade. sada com Joaquim Monteiro de Barros, resultando no bairro
vizinho chamado Prestes de Barros, que foi herdado por ou-
Atualmente, uma parte do antigo terreno da Chácara
tros parentes de Quinzinho, incluindo a propriedade do ca-
Quinzinho de Barros abriga o Zoológico Municipal (Figura
sarão.
33), que age como um marco divisor entre Vila Hortência e
Vila Haro, tanto pela sua extensão , quanto pela sua topogra- Além do impacto para o desenvolvimento do bairro re-
fia proeminente. Dentro dos limites do Zoológico, encontra- presentado pela Casa do Capitão Chico e sua conexão com Fonte: Secom/MPS, 2018.

-se o casarão do Capitão Chico, também conhecido como a família Prestes de Barros na área de Além Ponte, outros
Quinzinho. Esse edifício agora abriga o Museu Histórico So- marcos da transformação notável na paisagem urbana se
Fig. 32
rocabano (Figura 34) e é uma parada essencial nas visitas ao desenrolaram com a presença das fábricas, como mencio-
Chácara Amarela,
que hoje abriga o grupo de segurança patrimonial Berbel, se zoológico, frequentadas principalmente por alunos de esco- nado anteriormente. Assim, destaca-se a Fábrica São Paulo,
localiza no lote em frente ao Ginásio Municipal de Esportes.
las públicas e privadas de Sorocaba e região. situada no início da Avenida São Paulo, contando com uma
Fonte: da autora.
área superior a 55 mil metros quadrados - quase o dobro da
A influente família Prestes de Barros desempenhou um
O embelezamento incluía a abertura de novas áreas, ni- Fábrica Santa Maria - e em uma localização privilegiada, a
papel fundamental no início da urbanização da área conhe-
velamento de ruas e a substituição da técnica construtiva poucos metros do centro histórico, estando também no eixo
cida como Além Ponte, nomeando várias ruas e até bairros
de taipa, que eram iniciativas para melhorar a imagem da leste que conecta o Além Ponte à Rodovia Raposo Tavares.
inteiros, como a Vila Hortência, possivelmente em home-
cidade para os visitantes. Sorocaba, na época, possuía ruas
nagem a Hortência Prestes, esposa de Quinzinho, também
irregulares de terra batida e muitas construções em taipa. Fonte: Agenda Sorocabana, 2018.

Vila Hortência em Perspectiva 78 79 O Bairro | Marcos da Paisagem


Enquanto a Casa do Capitão Chico se destaca com o Mu- “Em dezembro de 2014, a Câmara de Sorocaba derrubou o
seu Histórico Sorocabano, a Fábrica São Paulo, inaugurada veto total ao projeto de lei nº 304, que declarou de utilidade
em 1909, contribuiu significativamente para a urbanização pública, para fins de desapropriação, o imóvel (...). A proposta
local como um reflexo do desenvolvimento da Fábrica Santa surgiu quando a empresa Gerdau anunciou o fim das ativi-
Maria, dando origem à CNE - Companhia Nacional de Estam- dades na unidade local, e o objetivo era utilizar a área para
paria, passando por reformas ao longo dos anos para acom- a implantação de um complexo multimodal de passageiros
panhar os avanços na tinturaria. No entanto, assim como a que incluiria rodoviária, terminal de integração de ônibus e
Fábrica Santa Maria, a Fábrica São Paulo enfrenta desafios BRT, além de estação central do VLT (veículo sobre trilhos).
com sua desativação desde 2010 e a incerteza quanto ao seu (...) Crespo afirmou que não se tratava de um projeto de de-
destino, sugerindo uma possível continuação do ciclo de de- sapropriação e sim de declaração de utilidade pública, para
Fig. 35 Fig. 36
molições na área (Figura 35). Vista aérea da Fábrica São Paulo atualmente. Galpões fabris da Gerdau abandonados que a área fosse desapropriada no futuro.” (Cruzeiro do Sul,
Na área verde localiza-se a APP do Rio Sorocaba e, no plano de fundo ocupam mais da metade do espaço de implantação da fábrica.
da foto, a Avenida Dom Aguirre. Fonte: Coelho Voador. Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul, 2019) 2021)
Um cenário semelhante ao da Fábrica São Paulo é obser-
vado no lote vizinho, dividido pela linha férrea, onde a Gerdau, É interessante notar a grande quantidade de imóveis re-
anteriormente conhecida como Siderúrgica Nossa Senhora Embora uma parte do complexo tenha permanecido em Este extenso terreno tem sido objeto de disputas tanto do levantes para a história do bairro e que se encontram igual-
Aparecida e inaugurada em 1937, também permanece su- uso até 2014, na área de acesso pela Rua Padre Madureira setor privado, quanto público, tendo sido estudada a implan- mente subutilizados. Sejam eles glebas que carregam em
butilizada. O Grupo Gerdau desativou a seção de fabricação (Figura 36), uma parcela significativa da propriedade encon- tação de um terminal intermodal na região, porém, que se- suas ruínas a história do desenvolvimento fabril, ou casas de
de aço em 1994, redirecionando suas operações a partir de tra-se atualmente sem uso, estendendo-se paralelamente à gue somente no papel: característica singular, com uma implantação específica e
então para o acabamento de materiais processados vindos Avenida São Paulo e margeando o Rio Sorocaba. marcada pelo uso de materiais tradicionais que remontam a
de outras unidades do grupo. meados do século passado (fig. 37), fato é que essas edifica-
ções são testemunhas silenciosas do passado e da evolução
da paisagem urbana.

Vila Hortência em Perspectiva 80 81 O Bairro | Marcos da Paisagem


O abandono põe em risco o desaparecimento da tranqui- hoje dão nome a duas ruas localizadas no centro -, enfren-
lidade característica do bairro em função da implantação de taram riscos significativos. A falta de compreensão sobre a
grandes estabelecimentos marcados por uma estética pas- doença levou à criação de isolamentos fora da cidade. Após
teurizada de prédios que poderiam estar em qualquer outro a epidemia, recursos excedentes da luta contra a febre ama-
lugar no espaço urbano, mas se multiplicam com o piscar rela permitiram a construção de pavilhões para o tratamen-
de olhos na região (fig. 38), afinal, a localização privilegiada to de tuberculose na Santa Casa. Atualmente, a Irmandade
entre Nogueira Padilha e Avenida São Paulo foi o fator que da Santa Casa é administrada pelo setor privado, sendo uma
Fig 37
Casas de meados dos anos 40, 50 e 60 iniciou o desenvolvimento urbano, e continua atraindo aten- instituição filantrópica sem fins lucrativos. (Santa Casa de
localizadas no Largo Francisco Eufrásio, durante o passeio
ção até os dias de hoje. Misericórdia de Sorocaba, 2023).
histórico organizado pela equipe da Biblioteca Infantil de
Sorocaba. Fonte: acervo Renato Amorim.
A localização privilegiada do bairro se reflete na implan-
tação de equipamentos de infraestrutura relevantes a nível
metropolitano, como a Santa Casa de Misericórdia, hospital
localizado atualmente na Avenida São Paulo (fig. 39 e 40),
e cuja história remonta ao ano de 1899, quando o prédio foi
construído no local durante uma reestruturação administra-
tiva desde sua abertura no início do século XIX.

Entre 1897 e 1900, Sorocaba enfrentou uma epidemia de


Fig. 38 febre amarela, com duas fases que resultaram em numero-
Novos modos de morar: tendência à verticalização
sas mortes e grande impacto na cidade. Muitos habitantes
pode ser observada na porção mais afastada da Vila
Fig. 39
Hortência, na Avenida São Paulo, em uma zona cujo fugiram, e os médicos que permaneceram, incluindo Dr. Ál-
Santa Casa de Misericórdia, Avenida São Paulo, século XX.
contexto é adequado para tais implantações.
Fonte: acervo Júlia Ramos. varo Soares, Artur Martins e Monsenhor João Soares - que Fonte: Brasilbook.

Vila Hortência em Perspectiva 82 83 O Bairro | Marcos da Paisagem


Ainda no estudo dos aparelhos de uso público que ofere- a Escola Normal de Sorocaba, o Ginásio do Estado e a Esco-
cem serviços básicos à população, deve-se ressaltar as tra- la Profissional. Com a criação da Escola Normal, Achilles de
dicionais escolas Achilles de Almeida e Senador Vergueiro, Almeida tornou-se seu primeiro diretor, liderando-a de 1929
sendo ambas públicas, e de administração municipal e esta- até 1934, apenas dois anos antes de seu falecimento. Além
dual respectivamente. A Escola Municipal Dr. Achilles de Al- de suas contribuições para a educação, Achilles também se
meida (fig. 41) foi inaugurado em 1949 como “Ginásio Munici- aprimorou academicamente na Escola Caetano de Campos
pal Noturno” tendo recebido o nome atual somente em 1955. de São Paulo em 1915, diplomando-se na Escola Normal em
1916 e na Faculdade de Direito de São Paulo em 1919.
A figura que dá nome à escola, o Dr. Achilles de Almeida,
se relaciona com a região do Além Ponte através da sua atua- A família Almeida, incluindo Achilles, Gamaliel e Levy, de-
ção como diretor da escola e sua contribuição para a edu- sempenhou um papel ativo nas lutas políticas da década de
cação local. Além disso, ele é lembrado como o patrono de 1910, alinhando-se com Luiz Pereira de Campos Vergueiro em
um bairro na região, demonstrando seu impacto duradouro Sorocaba e contribuindo com textos publicados nas publica-
na comunidade. A Biblioteca Municipal de Sorocaba contou ções da Typographia Werneck. ( DE PAULA in. GENI) Hoje,
durante anos com as contribuições de figuras proeminentes a escola oferece cursos de primeiro e segundo graus, bem
como Achilles de Almeida. como cursos técnicos em Contabilidade e em Secretariado.
Sua história se estende por décadas, servindo à comunidade
Em 1928, Achilles assumiu o cargo de redator-chefe do jor-
na formação educacional de estudantes em Sorocaba.
nal “O Município”. Posteriormente, em 1929, passou a ocupar
Fig. 40 Fig. 41
A Santa Casa hoje permanece no mesmo local, a mesma posição no “Correio de Sorocaba”. Durante esse pe- Escola Municipal Dr Achilles de Almeida,
e tem passado por ampliações recentemente. registrada no século passado, durante festividade.
Fonte: acervo Santa Casa de Misericórdia.
ríodo, desempenhou um papel fundamental na campanha Fonte: Brasilbook.
para estabelecer instituições educacionais na cidade, como

Vila Hortência em Perspectiva 84 85 O Bairro | Marcos da Paisagem


Como mencionado, a história da Escola Estadual Senador Tais aparelhos de educação e saúde de caráter público são
Vergueiro (fig. 42) desempenha papel chave na formação de importantes tanto para o acesso à infraestrutura básica por
jovens moradores da Vila Hortência, possuindo mais de 100 parte da população, como também agem como tradicionais
anos de atuação. Fundada em 1919 e nomeada em homena- marcos da paisagem e no imaginário quando se pensa na
gem a um membro da família Vergueiro do Brasil imperial, a Zona Leste de Sorocaba, tanto por uma história que remonta
escola se estabeleceu como o terceiro grupo escolar público de gerações, quanto pela própria arquitetura, que, por mais
na cidade, destacando-se por sua qualidade de ensino. Ini- corriqueira que possa ser, marca a vista Além da Ponte, seja
cialmente, funcionou na antiga Chácara Amarela, tendo sua através da implantação no alto de um morro da Avenida São
sede movida em 1954 para um novo prédio na Rua Fernão Paulo, como é o caso da Santa Casa de Misericórdia, quanto
Sales. pelo acesso abaixo do nível da rua Manoel Lopes, como se dá
a Escola Municipal Dr. Achilles de Almeida. Fato é que, a car-
Ao longo do século passado, a escola manteve um padrão
ga de memória afetiva presente nessas edificações cumpre
de qualidade no ensino público, com a educação pública
um papel chave na sua importância para o bairro.
sendo, na época, considerada superior à privada, e a escola
sendo um motivo de orgulho para pais e alunos. Atualmente, Pensando em edificações que possuem destaque no ima-
a tradicional instituição Senador Vergueiro conta com mais ginário, memória e paisagem, o Ginásio Municipal de Espor-
de 900 alunos, sendo muitos filhos e netos de moradores tes Dr. Gualberto Moreira (fig. 43) por muitos anos foi o pré-
que também já estudaram na escola. (Cruzeiro do Sul, 2019) dio de maior gabarito da região. Construído na década de 50
Fig 42 no antigo Largo do Coronel - nome que fora então alterado Fig. 43
Escola Estadual Senador Vergueiro Vista aérea da Vila Hortência demonstra a hierarquia que
durante a década de 80. para Largo do Bom Jesus -, atraiu a atenção da população o prédio do Ginásio Municipal de Esportes ocupa na paisa-
Fonte: Grupo Memórias do Além Ponte. gem. Fonte: Zaqueu Proença.
pelas suas características modernas, sendo apelidado de “Gi-
gante de Concreto Armado” pela mídia local. (MESTRE, 2014)

Vila Hortência em Perspectiva 86 87 O Bairro | Marcos da Paisagem


o ginásio também abrigou espetáculos musicais, como o de
Vinícius de Moraes e Toquinho em 1975, e Elis Regina quatro
anos depois.

Localizado entre as ruas Newton Prado, Duarte da Costa,


José Martins e Dr. Ruy Barbosa, o ginásio mantém seu papel
como um importante centro esportivo apesar de problemas
na infraestrutura e manutenção, sendo a sede da LSB - Liga
Sorocabana de Basquete. É um marco visível da margem
oposta do Rio Sorocaba, particularmente à noite, quando
a iluminação do interior do edifício realça as características
dos brises da fachada nordeste.

Fig. 44
O esporte desempenhou um papel central no entreteni-
Projeto do Ginásio Municipal de Esportes. mento da população, e a região do Além Ponte abriga vários
Fonte: Gal Moreira Dini II via Grupo Recordações Sorocabanas.
clubes de futebol, incluindo o Barcelona FC e o icônico Es-
porte Clube São Bento. O estádio Humberto Reale (fig. 45 e
O edifício, concebido pelo renomado arquiteto Ícaro de
46), originalmente conhecido como “Campo Nogueira Padi- Fig. 45 Fig. 46
Castro Mello (fig. 44) - responsável pelo projeto do Ginásio do
lha” e “Campo do São Bento”, inaugurado em 1954, recebeu Estádio Humberto Reale visto de cima, meados do século XX. Dois marcos da paisagem do Além Ponte:
Ibirapuera em São Paulo - se destacou por anos na paisagem Ao fundo, é possível ver a Escola Senador Vergueiro, e à esquerda, a Paróquia Bom A Paróquia Bom Jesus e o Estádio Humberto Reale.
posteriormente o nome em homenagem ao ex-presidente Jesus dos Aflitos. É interessante notar o gabarito e implantação das edificações locali- Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul)
urbana por sua altura e design inovador. Foi considerado o zadas ortogonalmente na Rua Nogueira Padilha. Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul.
do clube após seu falecimento.
maior espaço coberto para a prática de basquete na Amé-
rica Latina e, além de sediar jogos de basquete e voleibol,

Vila Hortência em Perspectiva 88 89 O Bairro | Marcos da Paisagem


Embora de tamanho modesto, o estádio serviu como lar As igrejas agem como importantes peças na hierarquia
para o Esporte Clube São Bento, um símbolo da cidade de da região, bem como criadoras de comunidades, reunidas
Sorocaba, desde sua inauguração até 1978. O estádio teste- tanto pela crença, tanto pelas ações realizadas no bairro. A
munhou partidas memoráveis contra equipes como o Pa- Paróquia Bom Jesus dos Aflitos (fig. 47 e 48), fundada em
lestra Itália e o Santos Futebol Clube, recebendo inclusive 1926, desempenha um papel significativo nesse sentido. Ini-
a presença do lendário Pelé em seu gramado nos anos 60 ciada como uma capela provisória, tornou-se uma paróquia
(BERNARDO, 2019). A infraestrutura do estádio, alvo de crí- em 1926, servindo como centro religioso para a comunidade
ticas da imprensa paulista devido à sua capacidade para 9 local.
mil espectadores, levou o clube a oficialmente transferir sua
Ao longo de sua história, diversos frades franciscanos con-
sede para o Centro de Integração Comunitário (CIC), no bair-
tribuíram para sua expansão, ampliando as atividades para
ro Santa Rosália, em 1978.
mais de 15 comunidades. A construção da igreja definitiva,
Após a mudança, o estádio Humberto Reale passou por iniciada em 1942 e finalizada em 1959 sob a liderança de Frei
diversos projetos, incluindo o início da construção de um clu- Eugênio Becker, marcou um marco importante no desen-
be com piscina, mas foi rapidamente descartado. Atualmen- volvimento do local, influenciando o crescimento de outras
te, o campo de futebol permanece no local, porém enfrenta áreas como as vilas Assis e Barcelona, acompanhando o
um período de esquecimento devido a um acesso tímido via avanço urbanístico e demográfico da região. (Província Fran-
Fig. 47
Nogueira Padilha que só se destaca por uma placa que in- Paróquia Bom Jesus vista da Rua Péricles Pilar.
ciscana da Imaculada Conceição do Brasil)
dica sua ligação com o Clube São Bento. O esquecimento, Fonte: da autora.

aliado à queda significativa da visitação no espaço, põe em


Fig. 48
risco mais um local de memória local: esse problema que se Torre da Paróquia, construí-
da dentre as décadas de 40 e 50.
espalha para diversos outros locais da região. Fonte: da autora.

Vila Hortência em Perspectiva 90 91 O Bairro | Marcos da Paisagem


Igualmente relevante na comunidade, a Congregação Fig. 50 e 51
Casa de España e Casa Aluísio de Almeida.
Cristã do Brasil (fig. 49) possui uma arquitetura marcante, Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul.

curiosamente se assemelhando ao Ginásio Municipal, que


A instituição privada foi inaugurada em 2007 e reúne um
está localizado a 400 metros do centro religioso. A história
acervo de documentos relacionados aos imigrantes espa-
da Congregação Cristã do Brasil na região de Sorocaba teve
nhóis, sediava eventos culturais como festas e cursos, fo-
início em 1912, especificamente em Votorantim, impulsio-
mentando, assim, a preservação do imaterial (Sakurai, 2016).
nada pelo operariado têxtil. Com o aumento do número de
O centro promove em 12 de Outubro, o Dia da Hispanidade,
fiéis, novas igrejas foram estabelecidas em Sorocaba e Tatuí.
celebrando a história da imigração espanhola. Atualmente,
Um marco importante desse crescimento foi a inauguração
a organização enfrenta problemas como furtos e depreda-
da nova sede da Congregação, localizada na rua Manoel Lo-
ção do edifício, que já abrigou, durante o século XX, o Tiro de
pes, em Sorocaba, tornando-se um ponto de referência para
Guerra. Os impactos decorrentes da pandemia levaram ao
o movimento religioso, sendo considerada a Igreja Central.
fechamento do local, em um ciclo que retorna ao estado no
Os reflexos da herança hispânica na região, mencionados qual o prédio se encontrava antes de sua transformação em
no capítulo 2.1, podem ser observados, além das práticas cul- um espaço de cultura espanhola. Quanto à instituição, suas
turais anteriormente exploradas, também de maneira física, atividades permanecem de maneira online.
através de edificações importantes para a história da imigra-
Fig. 49 Outro espaço destinado à cultura que se destaca igual-
Congregação Cristã do Brasil ção espanhola. Nesse sentido, destacam-se edifícios como a
localizada na Rua Manoel Lopes. mente pela arquitetura típica do início do século passado,
Fonte: CCB fotos e conteúdos.
Casa de España Don Felipe II (fig. 50), localizada no mesmo
possuindo inclusive características em comum com a Casa
quarteirão e no lote vizinho da Congregação Cristã e da Es-
de Espanha é a Casa Aluísio de Almeida (fig. 51), localizada
cola Dr. Achilles Almeida.
na Rua Dr Ruy Barbosa, e que abriga atualmente o Instituto
Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba (IHGGS).

Vila Hortência em Perspectiva 92 93 O Bairro | Marcos da Paisagem


A parte histórica do complexo remonta aos anos 30, quan- O tombamento é uma ferramenta crucial para preservar
do o edifício de dois andares serviu de residência ao sacerdo- locais históricos, mas para que seja eficaz na valorização do
te Luiz Castanho de Almeida que, sob pseudônimo de “Aluí- patrimônio, é necessário um projeto que dê um uso ade-
sio de Almeida”, construiu uma base que é referência até os quado ao espaço. Esse projeto deve levar em consideração
dias de hoje acerca da história da cidade, tendo contribuído a história e a importância do local para a comunidade, as-
a nível nacional com pesquisas que abrangem o folclore, os sim como as necessidades e interesses dos patrocinadores
costumes e aspectos de genealogia dos cidadãos sorocaba- do projeto. E esse equilíbrio de interesses é o maior desafio
nos. Atualmente, o prédio é tombado a grau de preservação encontrado em projetos envolvendo pré-existências.
1, isto é, fica vetada a alteração da fachada, cobertura e ele-
A complexidade envolvida inclui variáveis que vão desde
mentos externos e internos.
os proprietários dos imóveis até às equipes de planejamen-
A Casa Aluísio de Almeida faz parte de um conjunto de to e os financiadores das obras, especialmente aquelas de
edifícios na Vila Hortência que possuem tombamento, in- grande impacto e/ou extensão. Além disso, é crucial consi-
cluindo outros mencionados anteriormente, como a Cháca- derar a dimensão imaterial, que também desempenha um
ra Amarela, a Chácara do Capitão Chico “Quinzinho” (Museu papel significativo no processo de preservação e valorização
Histórico Sorocabano), a Casa de Espanha (antigo Tiro de do patrimônio através daquilo que é intangível.
Guerra), além dos remanescentes da Fábrica Santa Maria, o
Cine Eldorado e a Packing House de Laranjas, agora abrigan-
do a CETESB - Agência Ambiental de Sorocaba, localizada
nas proximidades do Cemitério Pax.

Vila Hortência em Perspectiva 94 95 O Bairro | Marcos da Paisagem


O Além Ponte sob um olhar caminhável

Notoriamente histórica, a Vila Hortência possui uma ca- Na Vila Hortência, o conceito de “olhos na rua” (JACOBS,
racterística singular dentre tantas outras: a sua paisagem, 1961) é observado de maneira clara: no final da tarde, é co-
apesar de modificada com o passar dos anos e com os con- mum ver os moradores – muitos destes que passaram a vida
sequentes avanços tecnológicos, permanece convidativa e é toda na Vila – se apropriando das calçadas para reuniões so-
possível observar as relações pessoais entre vizinhos e o sen- ciais, compostas muitas vezes por idosos, que realizam ativi-
so de comunidade presente no bairro (Fig. 52). E é esse senso dades como uma conversa cotidiana, ou ainda por crianças
a chave de um espaço seguro e caminhável: em uma brincadeira na rua, como nos tempos antigos de
seus pais e avós.
“Uma cidade que convida as pessoas a caminhar, deve ter
uma estrutura razoavelmente coesa que permita curtas dis- As casas, notoriamente antigas, de implantação voltada
tâncias a pé, espaços públicos atrativos e uma variedade para a calçada fazem com que o quintal de seus morado-
de funções urbanas. Há mais olhos nas ruas e um incentivo res seja a própria rua, e é comum observar cadeiras postas
maior para acompanhar os acontecimentos da cidade, a par- para fora de casa no final de tarde, onde o bate papo do dia-
tir das habitações e edifícios do entorno.” (GEHL, 2013, pg. 06) -a-dia acontece por horas a fio. Logo, já não é tão inseguro
caminhar pelas ruas predominantemente residenciais seja
Fig. 52 durante o dia, seja no início da noite.
O encontro da tarde é uma atividade típica observada
nos grupos de moradores da região. Fonte: da autora.

97 O Bairro | O Além Ponte sob um olhar caminhável


Nos bares de esquina, frequentemente localizados em edi- tempos serve como palco de passeatas políticas, romarias,
fícios também antigos, de construção datada entre meados desfiles e atividades culturais, como por exemplo a Feira de
dos anos 30, 40 e 50 e cuja implantação se dá igualmente Sevilha, evento de celebração da cultura espanhola no bairro.
sem recuos e voltada para a rua, as reuniões acontecem com
A Feira Santa Maria (fig. 53), que acontece todos os domin-
uma frequência ordenada, na qual a cerveja servida no copo
gos ao longo das ruas Tereza Lopes, Quinzinho de Barros e
americano é celebrada com um brinde entre amigos num
Oliveira Pilar, reúne vivacidade caracterizada pelo encontro
pretexto para o encontro de senhores que se conhecem há
entre moradores, indo muito além de um momento para a
décadas. Ainda segundo Gehl (2013):
compra de verduras e legumes, se tornando também uma
“Como conceito “a vida entre edifícios” inclui todas as dife- reunião social pelas ruas do bairro. Sakurai (2016) classifica
rentes atividades em que as pessoas se envolvem quando a feira como um dos traços de permanência da sociabilida-
usam o espaço comum da cidade (...) Em essência, caminhar de, herança dos imigrantes espanhóis, mesmo entre aqueles
é uma forma especial de comunhão entre pessoas que com- que não se conhecem trocam uma palavra aqui ou acolá, em
partilham o espaço público como uma plataforma e estrutu- uma banca de frutas e verduras na feira:
ra.” (GEHL, 2013, p. 19)
“A feira, além de ser um espaço onde ocorrem as trocas
Ainda em seu livro “Cidade para Pessoas”,o autor Jan Gehl comerciais, constitui ocasiões e lugares em que estes des-
aponta as diferentes camadas, sobrepostas, ao se observar cendentes rememoram tempos passados e fortalecem suas
uma dinâmica urbana. O percorrer uma cidade, segundo amizades através da convivência e que são de suma impor-
Gehl, pode ser classificado como intencional, de parada, de tância na construção das suas referências culturais.” (SAKU-
descanso, permanência ou de bate-papo. A Avenida Noguei- RAI, 2016. P. 39)
ra Padilha, além de sua característica estruturadora do espa- Fig. 53
A vida pública no Além Ponte.
ço e pela movimentação de veículos intensa, de tempos em da autora

Vila Hortência em Perspectiva 98 99 O Bairro | O Além Ponte sob um olhar caminhável


Nesse cenário, é curioso observar como as casas voltadas te projeto visa propor uma alternativa a esse tipo de relação
para a rua têm, em seu quintal, a tradicional feira de domin- com a cidade, ao buscar manter a vida pública da Vila Hor-
go acontecendo religiosamente. Para aqueles que moram tência aliada à conceitos de preservação do patrimônio.
tão próximo à feira, é parte da rotina tomar o café da ma-
Assim, o segundo eixo norteador da intervenção que será
nhã na rua aos domingos. Este é um quadro do que Jan Gehl
proposta nas páginas adiantes busca, juntamente da con-
descreve como “ambientes públicos cheios de vida”, no qual
servação de edifícios de caráter histórico, também manter
a sensação de segurança se dá por percorrer locais vividos
e fortalecer essa sensação de segurança ao caminhar e fo-
tal qual a feira. A distância que a Rua Nogueira Padilha se en-
mentar relações de proximidade entre os vizinhos. Ao seguir
contra do centro permite ainda que percursos seja feito a pé
a filosofia de “ambientes públicos cheios de vida”, os edifícios
principalmente ao longo da via, onde os edifícios de fachada
devem ser projetados de forma a contribuir para as trocas
ativa propiciam maior segurança ao caminhar.
entre a comunidade, oferecendo espaços compartilhados e
Tendo em vista essa dinâmica urbana, vale refletir sobre a atraentes para encontros, eventos e momentos de ócio.
potencialidade que projetos de arquitetura voltados para a
Ao invés de criar barreiras físicas, como muros e cercas
comunidade têm nas cidades caminháveis quando, se alia-
elétricas que protegem condomínios, isolando os moradores
dos a políticas públicas, contribuem na potencialização das
em ilhas verticais, o projeto visa integrar os edifícios históri-
relações entre moradores, criando novos pontos atrativos
cos estudados adiante à vida pública do bairro, promovendo
para encontros, eventos ou simplesmente o ócio do final de
a segurança pela presença e interação dos moradores, es-
tarde. Ao contrário de condomínios fechados, onde a segu-
tendendo a essência da feira de domingo para o cotidiano
rança se dá entre os muros cobertos por cercas elétricas, e o
da comunidade. Isso não apenas fortalece os laços entre a
lazer das quadras e piscinas particulares se destina aos mo-
comunidade, mas também contribui para a preservação do
radores daquele empreendimento em específico, o seguin-
patrimônio da região, mantendo-a viva e dinâmica.

Vila Hortência em Perspectiva 100 101 O Bairro | O Além Ponte sob um olhar caminhável
Aspectos urbanísticos e cenário atual

Atualmente, apesar do crescimento exponencial da região ção. Apesar de não possuir o status oficial de Avenida, a No-
do Além Ponte, quando se trata da Vila Hortência, a Noguei- gueira Padilha é um elemento tão forte onipresente desde
ra Padilha continua sendo a via de maior hierarquia interna o início da formação do bairro, e delimitadora da paisagem,
do bairro (Mapa 4), conectando a Avenida São Paulo e o Cen- que é chamada assim por seus moradores. Esta via arterial
tro até a Rodovia Raposo Tavares. A localização estratégica age como espaço de transição para as vias locais, em que o
entre vias faz com que a locomoção até diferentes pontos da fluxo é baixíssimo nestas, e a implantação das residências e
cidade seja realizada de maneira rápida, e esse fator - dentre comércios familiares mistos de baixa-média renda ditam as
outros - vem contribuindo na especulação imobiliária e ver- relações sociais. Conforme afirma Ribeiro (2006) sobre a re-
ticalização da região. gião Leste de Sorocaba:

A Nogueira Padilha também é o ponto mais alto da topo- “Ruas que são avenidas e avenidas que não passam de ruas
grafia do bairro e onde estão implantados comércios de ga- largas. Para a população local, na sua convivência diária, cha-
barito baixo e de pequeno porte, muitos destes conhecidos mar o caminho público de rua ou avenida não faz a mínima
por sua tradição e história, e passados de geração em gera- diferença, ainda que para os que são de fora a denominação
das vias públicas não faça muito sentido.” (RIBEIRO, 2006, p.
Fig. 54 26)
Vila Hortência hoje: marcada pela arquitetura típica do subúrbio brasileiro.
Fonte: da autora

103 O Bairro | Aspectos urbanísticos e cenário atual


Mapa 4
Além Ponte: Análise Urbana
Nesse mesmo sentido, a delimitação territorial adminis- Ao analisar as características morfológicas do bairro, como
Elaborado pela autora, 2023.
trativa do que é a Vila Hortência não comporta seu verdadei- o traçado das quadras, tamanho das vias, e aspectos topo-
ro todo (mapa 5). gráficos, tudo isso aliado à sensação de pertencimento dos
moradores das regiões próximas a esses limites oficiais, é se-
Mapa 5
Vila Hortência: Configuração Administrativa guro afirmar que a Vila Hortência é muito maior do que seus
Google Maps, adaptado pela autora, 2023.
limites reconhecidos oficialmente.

“A história da imagem urbana contém um relato das formas


de sentir, ver e sonhar a cidade... a arquitetura joga o papel
do subconsciente, expressando o desejo coletivo inalcançá-
vel que se configura material e imediatamente.” (PESAVEN-
TO, 1999, apud. RIBEIRO, Emerson, 2006, p. 35-36)

Quanto às diretrizes legais acerca do bairro, segundo o


Plano Diretor de Sorocaba do ano de 2014, a região se en-
contra em uma macrozona de urbanização consolidada e
com pequenas restrições à ocupação. Vale destacar os parâ-
metros de ocupação, que incluem, dentre taxa de ocupação
máxima, coeficiente de aproveitamento (fig. 55), o dever em
cumprir recuo frontal de 4m, conforme aponta o Plano Dire-
tor (2014).

Vila Hortência em Perspectiva 104 105 O Bairro | Aspectos urbanísticos e cenário atual
“Art. 109 As edificações deverão ser implantadas obedecen- Apesar do predominante gabarito baixo existente na re-
do aos seguintes recuos mínimos (...): a) recuo mínimo de gião da Vila Hortência, o Plano Diretor não proíbe a constru-
frente de 5,00m, em todos os pavimentos; 1. nos lotes com ção de empreendimentos verticalizados, contanto que sigam
testada superior a 7,00m, o recuo mínimo de frente será de os valores citados. Nesse cenário, existem alguns exemplares
4,00m para construções unifamiliares, exceto condomínios, desse tipo de empreendimento, cuja data de construção é
desde que a garagem tenha tal recuo; ” (PLANO DIRETOR recente. A problemática de tais empreendimentos com mais

DE SOROCABA, 2014) de 10 andares em conglomerados predominantemente resi-
denciais térreos incluem os impactos na vizinhança, advin-
É interessante observar como essa diretriz é rebatida na Fig. 55 Fig. 56
Valores limite para índices urbanísticos por zona Resquícios das vilas operárias: dos do aumento da densidade populacional acompanhado
morfologia urbana do bairro: identificar as tipologias datadas . Zona de estudo em destaque. Adaptado. Implantação característica das residências e
Fonte: Leis Municipais, 2022. comércios antigos no Além Ponte não contam do trânsito, além do fato de que, ao implantar residências
do século XX inclui, a um primeiro olhar, notar a falta de recuos
com recuos frontais. Fonte: da autora.
em níveis muito acima do nível da rua, as relações de ocupa-
frontais, e implantação rente ao terreno, proporcionando
ção do espaço público no caso específico da Vila Hortência,
portas que se abrem diretamente para as calçadas (fig. 56).
conforme será explanado nos próximos capítulos, se perde
Corte esquemátio: Ruas Santa Maria e Cel. José Tavares em grande parte.
da autora.

Vila Hortência em Perspectiva 106 107 O Bairro | Aspectos urbanísticos e cenário atual
Capítulo 03

O EDIFÍCIO
E SEU ENTORNO

“Algo acontece porque algo acontece porque algo acontece” (GEHL, 2010, p. 64)
Justificativa

O tipo de obra realizado no terreno da Santa Maria foi o Por isso, antes de escolher de fato um edifício para a in-
pontapé inicial para a problematização do tema de estudo: tervenção arquitetônica, se fez necessário um estudo dos as-
Como evitar destino similar ao de degradação encontrado pectos relativos à dinâmica urbana do bairro e, assim, decidir
nos exemplares da Fábrica São Paulo e Siderúrgica Gerdau? qual a escala de intervenção urbana desejada.
Restaurar é aplicar o conhecimento teórico de forma sensí-
A escolha do edifício foco e de seu raio foi precedida pelo
vel ao ambiente do entorno, em relação aos aspectos urba-
estudo de exemplares subutilizados presentes na região de
nos do local, bem como aos elementos imateriais, como re-
desenvolvimento mais antiga da região, localizada próxima
cordações, relações da vizinhança com o objeto de estudo,
ao início da Avenida São Paulo e da antiga Fábrica Santa Ma-
para que assim, o projeto vá além do edifício, reavivando a
ria, para que então, se chegasse ao lugar de intervenção: a
memória urbana e prolongando assim a vida útil do local.
antiga Packing House de Laranjas localizada na Rua Dr. Ruy
Barbosa (Mapa 6).

Para justificar a escolha da Packing House em meio de


uma série de edificações subutilizadas do entorno, é preciso
Fig. 57 pontuar outras edificações que despertaram interesse, e o
Estrutura da Packing House de Laranjas.
porquê foram descartadas na pesquisa: a escala das fábricas
Fonte: da autora.

111 O Bairro | Justificativa


Mapa 6
Raio Subutilizados
Lotes de Intervenção: Ocupação do Solo
Gerdau e São Paulo, cuja área dos terrenos podem ser clas- seu tombamento - datado de 1996 - pelo Conselho Municipal
Elaborado pela autora, 2023.
sificadas como glebas, dialogam com a cidade de Sorocaba de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico
Lotes em uso
Lotes abandonados
e apresentam um potencial de intervenção a nível urbano, (CMDP) - que engloba a preservação de sua fachada, e cujas
Lotes subutilizados
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estando ambas presentes em planos da Prefeitura Municipal obrasLotes


de àintervenção
venda/aluga-se
como reformas e manutenção interna
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de realocação da Rodoviária de Sorocaba e implantação de passam pela aprovação do conselho. (G1, 2018)

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um terminal intermodal. Uma vez que a intenção inicial do

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Rua Voluntário
A partir disso, foi levantada a seguinte problemática: ape-

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projeto envolve a valorização da Vila Hortência na escala de

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sar dos embates municipais, o tombamento de um edifício

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bairro, ambas as fábricas foram excluídas na escolha do ob-

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o coloca sob o olhar dos munícipes e serve como garantia de

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jeto de intervenção.

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prolongamento de sua existência. Atualmente, a Prefeitura
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Analisando os prédios subutilizados localizados na No-


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de Sorocaba possui 44 bens tombados em todo seu territó-


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10 min

gueira Padilha - em sua maioria residências de testada es- rio. Considerando os 367 anos de desenvolvimento urbano e

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treita e cuja implantação inviabiliza a proposta de interven- um território de 450,382 km² (IBGE), a quantidade de bens

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ção arquitetônica, se limitando ao interior da edificação -, um
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tombados oficialmente pelo CMDP demonstra que é neces-

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prédio se destaca devido à sua arquitetura: o Cine Eldorado, sária atenção àqueles que não passaram ainda pelo proces-
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datado de 1939 (fig. 58). O prédio apresenta características so completo de tombamento, fator que aumenta as chances

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marcantes em sua composição geométrica, de platibanda de demolição e consequente desaparecimento de edifica-

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recortada e sacada maciça, além de elementos decorativos ções de alto valor histórico na cidade, vide exemplo o caso
típicos do estilo Art Deco. Fig. 58
Raio de Intervenção: Ocupação do Solo da Fábrica Santa Maria, demolida durante seu processo de
Cine Eldorado atualmente se encontra
desocupado e à venda. Fonte: da autora. tombamento, como expresso anteriormente.
O edifício apresenta maior grau de exequibilidade via ini- Lotes em uso

ciativa privada, uma vez que está à venda, ao mesmo passo Lotes abandonados
Lotes subutilizados
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aulo 250 500 750 1000 m
que apresenta menor possibilidade de demolição devido ao
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Vila Hortência em Perspectiva 112 113 O Bairro | Justificativa

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Rua Voluntár
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Sorocaba reflete um cenário observado em outras cidades sendo também um eixo pelo qual passava o antigo bondi-
do país: de um lado, uma dúzia de imóveis tombados e pro- nho, caráter que permanece atualmente, sendo a rua um
tegidos de intervenções pela gestão patrimonial do municí- corredor de transporte, conexão entre o bairro e a Avenida
pio, têm no seu grau de restrição o principal fator de desin- São Paulo.
teresse de aquisição do imóvel por parte da iniciativa privada
As características do prédio (fig. 59) chamam atenção pela
e isso leva a um longo período de ociosidade do prédio, con-
alvenaria de tijolos, remetendo a uma era anterior que de-
tribuindo com o degrado, e gerando assim um ciclo vicioso.
finiu a paisagem da cidade por meio das fábricas têxteis. A
Por mais encantador que seja sua arquitetura e história, localização, próxima à Avenida São Paulo, torna o edifício um
um edifício de nada contribui na dinâmica urbana se não potencial elemento de transição entre escalas urbanas.
for apropriado pelas pessoas que ali habitam, trabalham,
Fig. 59 Fig. 60
Sua arquitetura, que rapidamente se destaca, abre a pos-
estudam e desempenham tantos outros papéis na cidade. Edifício de arquitetura anônima, Edifício sede da “REMONSA”, 2021. sibilidade de uma nova documentaçãode edifício não tom-
Do outro lado, edifícios de valor histórico que não possuem apelidado de “TRICO 1931”. Fonte: Edvaldo Oliveira.
Fonte: da autora. bado de interesse em um inventário patrimonial da cidade
tombamento tem uma situação ainda mais delicada pois
“Renovação urbana só é aceitável se feita em ritmo paulati- Investigações acerca do Cine Eldorado e de seu signifi- de Sorocaba, que atualmente carece de novas pesquisas.
possuem o risco de demolição iminente.
no. Se respeitar o timing da simbiose espaço/população/ati- cado como um dos únicos exemplares tombados no Além Em um estudo inicial do entorno do edifício, a partir de
Em “Preservar não é tombar, renovar não é por tudo abaixo”, vidades compatíveis. O mesmo poderia dizer a respeito de Ponte em meio a uma região repleta de edificações históri- análises via satélites e do levantamento de imóveis subutili-
Santos (1986) expõe o ponto de vista de que a retomada do preservação. Para falar a verdade, com o respeito devido às cas subutilizadas, levou a um olhar mais atento aos edifícios zados, foi verificado situação semelhante no lote que faz divi-
significado que determinado local possui é a chave para sua nossas Ouros Pretos e Paratis, prefiro ver as cidades fora do presentes na parcela mais antiga do bairro, equivalentes à da pelos fundos da Packing House: Se trata da antiga Retífi-
apropriação, e é nessa percepção que o pertencimento do boião de formol, correndo os riscos que, mais cedo ou mais expansão urbana entre as décadas de 1909 e 1939. ca de Motores Nossa Senhora Aparecida, ou ‘REMONSA’ (fig.
local dita muito a prolongação de sua vida útil tanto quanto tarde, teremos de entender como nossos riscos.” (SANTOS,
Um prédio chama a atenção na Rua Ruy Barbosa, conhe- 58), cujo prédio se encontrava abandonado há anos quando
a preservação homologada. Ainda segundo o autor: 1986. Pg. 62)
cida como Rua da Boa Morte no início do século passado, a pesquisa foi iniciada.

Vila Hortência em Perspectiva 114 115 O Bairro | Justificativa


Analisando o raio de influência

Para compreender plenamente o uso e vocação do local Diretor de Sorocaba, 2014). O acesso (Mapa 7) até o lote se dá
escolhido, foi necessário realizar uma investigação do entor- tanto pela via coletora Dr. Ruy Barbosa, no caso do edifício
no imediato, juntamente do estudo acerca do histórico dos “TRICO”, quanto através da via local Ataliba Borges quanto se
prédios adjacentes. Essas investigações iniciais foram cru- trata da “REMONSA”. Apesar de conectados pela divisa dos
ciais para a tomada de decisão de eleger os espaços como fundos, os edifícios não possuem uma conexão fixa que vá
objetos centrais do estudo e intervenção propostos. além do miolo de quadra, o que é um fator em potencial se
considerando a intenção de trabalhar com ambos os prédios.
Os dois edifícios se encontram em um contexto urbano
de transição de uma região predominantemente residencial O contexto das vias foi determinante para além dos estu-
dentro do bairro, para as movimentadas Avenidas São Pau- dos de viabilidade de acessos. Isso porque ambas são vias
lo e Nogueira Padilha, ambas estruturadoras do bairro em históricas, tendo a Ruy Barbosa se chamado Rua da Boa
diferentes escalas, e igualmente locais fonte de ruído, sen- Morte anteriormente, e a Ataliba Borges, a Rua do Tanque
do a Avenida São Paulo estruturante do eixo leste/oeste, já a durante. O Tanque do Buava, como era chamado, permane-
Nogueira Padilha é considerada via arterial padrão I (Plano ce no local (Fig. 62). Segundo relatos de moradores da região,
no final do século XIX não existia água encanada nas casas
Fig. 61 do entorno, habitadas por imigrantes italianos e espanhóis.
Rua Ataliba Borges, caracterizada por residencias
térreas típicas da Vila Hortência.
Fonte: Da autora.

117 O edifício e seu entorno | Analisando o raio de influência


Mapa 7 Mapa 8
Raio de Intervenção: Análise Viária Raio de Intervenção: Análise de Contexto Urbano
Elaborado pela autora, 2023. Elaborado pela autora, 2023.

Estes imigrantes, chamados Pipeiros, transportavam a


água do Rio Sorocaba até o Tanquinho, onde famílias o usa-
vam para realizar atividades domésticas como lavar as rou-
pas.

O Tanque, que possuía grande apreço pela vizinhança, foi


requerido como marco pelo vereador Fernando Dini no ano
de 2013, segundo o requerimento nº 882. A própria popu-
lação realizava a manutenção do mesmo, porém, em visita

Fig. 62
recente ao local, foi constatado grande contingente de en-
Tanque do Buava indica falta tulho ao redor do marco, que se encontra também tomado
de manutenção. Fonte: da autora, 2022.
por vegetação. Vale notar ainda a placa colocada ali pelos
próprios moradores, que diz “Vamos preservar nosso marco:
não jogue lixo!” (Fig. 63)

A importância de preservar, junto de marcos como o da


Rua do Tanque como as edificações únicas da Vila Hortência,
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bem como a característica predominantemente horizontal
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do bairro não deve ser subestimada. Conforme menciona-


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do anteriormente, o cenário é composto principalmente por


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edifícios térreos ou com no máximo dois pavimentos, repre-


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sentando uma paisagem única e histórica (Mapa 8).


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Rua Ataliba Borges, ao fundo, edifício da Remonsa,
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cuja fachada foi pintada em amarelo apara indicar a compra
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pela Yees! Fonte: da autora, 2022.


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Vila Hortência em Perspectiva 118 119 O edifício e seu entorno | Analisando o raio de influência
No entanto, surge uma preocupação com a movimenta- Como mencionado anteriormente, o bairro dispõe de am-
Mapa 9
ção atual: a implantação de um edifício de mais de 20 anda- pla infraestrutura como escolas, postos de saúde que, alia-
Raio de Intervenção: Síntese
res no exato local de intervenção do projeto. dos à grande oferta de comércios e serviços e da proximida- Elaborado pela autora, 2022.

de ao centro, torna o local alvo da atenção das construtoras.


Essa decisão de verticalizar uma área notavelmente ho-
O entorno próximo dos edifícios (Mapa 9), conta com a pro-
rizontal levanta questões relevantes. A verticalização, ao in-
ximidade da tradicional Escola Estadual Senador Vergueiro
troduzir edifícios significativamente mais altos que a média
e do Largo Francisco Eufrásio, cuja história foi contada na
do bairro, pode afetar negativamente o caráter e a identida-
seção 2.3 - Marcos da Paisagem. Outro espaço institucional
de do local. Isso pode resultar em sombreamento excessivo,
de relevância, ainda na Rua Doutor Ruy Barbosa e localizado
obstrução de vistas, aumento da densidade populacional,
em frente da Packing House, é a Casa de Aluísio de Almeida,
pressão sobre a infraestrutura existente e um potencial de-
atual Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Soro-
sequilíbrio no convívio comunitário. A manutenção de um
caba. Ainda na proximidade da Packing House, seu vizinho
ambiente urbano coeso é fundamental para a qualidade de
de porta chama a atenção: um galpão de características Art
vida dos moradores e para a preservação da história e cultu-
Deco, cujo gabarito e lógica de acesso se assemelha ao seu
ra da região.
edifício vizinho e se encontra atualmente alugado para uma
Pensando ainda na existência de outros lotes subutiliza- empresa de estoques. Essa proximidade e semelhança torna
dos para além da REMONSA, como é o caso da própria Pa- o galpão um potencial ponto de expansão, que será aborda-
cking House de Laranjas, bem como terrenos baldios loca- do mais adiante.
lizados na Rua Ataliba Borges, teme-se que a implantação
desse tipo de empreendimento incentive a chegada de no-
vos, ação que ameaça as características atuais do bairro.

Vila Hortência em Perspectiva 120 121 O edifício e seu entorno | Analisando o raio de influência
“TRICO 1931” e o ciclo da laranja

De implantação sem recuos, assim como as residências O histórico do edifício remonta a dois irmãos italianos, Ta-
características do período, um edifício de dois pavimentos mari e Ruggeri. Fábio conta que seu avô - imigrante espa-
se destaca na paisagem por possuir, a primeiro momento, nhol - adquiriu o galpão dos dois italianos nos anos 40. O avô
sua fachada preservada. Em visita ao local, foi possível ter co- de Fábio, utilizou a área como galpão de estoque de laranjas
nhecimento que a sigla da fachada8 significa Tamari Ruggeri cultivadas em seu sítio, longe da cidade. Ele distribuía laran-
Irmãos & Companhia. Quem relata este fato é Fábio, neto de jas e demais frutas vendendo de porta em porta pelo bairro,
um dos proprietários do galpão e que reside no local há mais em um caminhão durante as décadas de 50 e 60, sendo um
de 25 anos. Hoje, o grande pátio é alugado como garagem dos primeiros veículos desse porte a circularem no bairro. O
para moradores e trabalhadores do entorno. avô de Fábio faleceu na década de 70, e o neto, hoje mais
velho, nunca o conheceu. Nos anos que se seguiram, o edifí-
Fig. 64
Pátio interno do edifício.
cio já foi garagem de ônibus da viação Cometa, e galpão de
Fonte: da autora, 2022. montagem da SORODIESEL, agindo em conjunto com a RE-
MONSA durante as décadas de 80 e 90, que será abordada
8
O mistério em torno do significado de “TRICO” foi o ponto de partida para a escolha desse
projeto de intervenção, muito antes mesmo do início da pesquisa ou sequer da vontade em mais adiante (fig. 65) .
cursar arquitetura ser sequer pensada. Residir no raio de intervenção desde a infância plan-
tou sementes do que viria a se tornar o presente projeto. Assim, deparar-se com esse edifício
durante a busca por edificações subutilizadas foi uma surpresa que gerou grande interesse
em revitalizar o prédio.

123 O edifício e seu entorno | “TRICO 1931” e o ciclo da laranja


Esquema: Packing House da Rua Ruy Barbosa vista por dentro.
A estrutura de madeira maciça do telhado se encontra conservada quase 100 anos após sua constru-
ção, apesar do estado crítico das telhas. Elaborado pela autora, 2022.

Vila Hortência em Perspectiva 124 125 O edifício e seu entorno | “TRICO 1931” e o ciclo da laranja
O antigo uso do edifício TRICO como sendo uma Packing Segundo o Jornal Cruzeiro do Sul, entre a década de 20 e
House de laranjas fez com que se fizesse necessária uma 30 , Sorocaba exportava por ano em média 250 mil caixas de
investigação acerca da citricultura na cidade de Sorocaba. laranja para a Europa, todas exibindo o selo de Sorocaba (fig.
A cultura da laranja teve como um de seus precursores no 67), tendo chegado na marca de 400 mil caixas no ano de
plantio Quinzinho de Barros, que foi um dos agentes da evo- 1939 e se tornando o maior exportador de laranjas do Estado
lução urbana do Além Ponte conforme mencionado no capí- de São Paulo:
tulo ‘Linha do Tempo’.
“O primeiro Ciclo da Laranja em Sorocaba foi uma época de
Segundo matéria transcrita por Rogich Vieira no Jornal muito dinheiro para os produtores e exportadores das frutas
Cruzeiro do Sul (1935), Quinzinho de Barros foi um dos fun- cítricas, em Sorocaba. Durou da década de 20 até o fim da
dadores da rede de Cooperativas de Citricultura. A função década de 30, só terminando com a eclosão da 2ª Grande
das Packing Houses, segundo o Jornal Cruzeiro do Sul (1931), Guerra. Plantavamos e exportavamos todos os tipos de fru-
era de embalar o produto que chegava ao galpão vindo de tas cítricas, principalmente a laranja baiana, que teve gran-
diversos os agricultores e cooperativas, a fim de preparar pa- de aceitação na Europa. Para o amparo dos produtores de
cotes de laranjas que seriam exportadas segundo padrões laranja, fundaram-se duas cooperativas, em época na qual
internacionais. A fruta era exportada principalmente para a nem se ouvia falar em sindicatos. Uma delas, a cooperativa
Europa, e o champagne de laranja, era chamado de “Laran- dos Citricultores de Sorocaba, auxiliada pela Escola Profissio-
jim Supremo” (fig. 66). nal, fez muitas experiências e conseguiu produzir deliciosos Fig. 66
vinhos de laranja (...)” (Ofício do presidente da Cooperativa Panfleto de divulgação do Laranjim Supremo no Almanaque
Sorocabano de 1935. Fonte: Biblioteca Municipal Infantil.
dos Citricultores de Sorocaba, transcrito em 3 de março de
Fig. 65
Panfleto de divulgação da Sorodiesel do final do século XX
1934 no Jornal Cruzeiro do Sul)
mostra o edifício alvo de estudo. Fonte: Trico Lemes.

Vila Hortência em Perspectiva 126 127 O edifício e seu entorno | “TRICO 1931” e o ciclo da laranja
Com o início da Segunda Guerra Mundial, os valores caí- Fig. 68 Ainda em seus dias dourados, durante o crescimento da de tratamento. No entanto, a estrutura do telhado na parte
Auge da crise das laranjas em Sorocaba é
ram drasticamente, e o negócio veio à falência. O auge da anunciado no Jornal. Fonte: Acervo online cultura da Laranja, uma notícia de 1929 no Jornal Cruzeiro traseira está em estado crítico, com comprometimento visí-
Jornal Cruzeiro do Sul.
“crise das laranjas” em Sorocaba se deu na década de 40, se destaca, pois aponta a construção do edifício TRICO, que vel na estrutura de madeira. No passado, houve um processo
quando, na tentativa de aproveitar as laranjas que não foram seria construído três anos após sua nota, que dizia: inicial de tentativa de tombamento da Packing House, mas,
exportadas devido a crise mundial, as cascas começaram por razões ainda desconhecidas, esse processo não avançou,
“A notícia de que o governo vai instalar ali uma estação ex-
então a ser aproveitadas para produção de álcool, extração e a documentação correspondente não foi localizada pela
perimental e um Packing House (...) Com aquelas instalações
de óleos e essências, e os frutos descascados eram jogados autora, apesar de inúmeros esforços e tentativas contínuas
em funcionamento, os citricultores terão a orientação neces-
em massa no Rio Sorocaba. Em manchete de 1942, o Jornal da equipe do Arquivo Histórico Sorocabano.
sária desde o início da cultura da laranjeira, até a fase final
Cruzeiro do Sul anuncia “Proibido Jogar Laranjas no Rio!”
para a exportação do produto.” (Jornal Cruzeiro do Sul, 1929) Fato é que o prédio esteve sempre ligado ao trabalho, seja
(Fig. 68).
ele empacotando laranjas ou montando motores, ao mesmo
Sobre os anos que se passaram após a queda do desenvol-
passo que agia em um ponto em comum: a comida, através
vimento econômico em torno da Laranja sabe-se, em conta-
do refeitório, os das laranjas cortadas em gomos. Esta memó-
to com antigos trabalhadores da Sorodiesel/Remonsa, que
ria antes esquecida, levou a determinação de uso e vocação
o antigo pátio da Packing House servia como refeitório dos
do edifício TRICO 1931: um novo espaço para exposição de
funcionários que trabalhavam montando motores na déca-
produtos itinerantes. Sejam eles frutas, verduras, legumes,
da de 70. A conexão entre ruas que se fazia possível ao se
ou ainda comidas típicas em época de festa junina, natal, ou
juntar o “TRICO” e a “REMONSA” acarretou em uma abertura
quaisquer eventos que sejam de interesse da comunidade.
na parede dos fundos, que hoje se encontra concreta.
A intenção em ocupar novamente o espaço é preenchê-lo
Conforme mencionado anteriormente, a família atual- novamente de pessoas. (fig. 69)
Fig. 67 mente utiliza o galpão como área de estacionamento, e o
Selo das laranjas
brasileiras no exterior. prédio apresenta condições parcialmente favoráveis: a fa-
Fonte: Biblioteca Municipal Infantil.
chada exibe algumas patologias significativas, mas passíveis

Vila Hortência em Perspectiva 128 129 O edifício e seu entorno | “TRICO 1931” e o ciclo da laranja
Fig. 69
Colagem: intenções para o futuro do edifício. Fotos da Feira Santa Maria
sob fotos da Packing House de Laranjas. Elaborado pela autora, 2022.

Vila Hortência em Perspectiva 130 131 O edifício e seu entorno | “TRICO 1931” e o ciclo da laranja
Entre SAMASSA e REMONSA

Assim como a edificação vizinha que já foi uma Packing no CA D’ORE, Provincia di Belluno, como tendo sindo fundi-
House, os galpões da hoje desativada Remonsa também dores de sinos, em 1334. Em 1727, iniciou Giuseppe Samas-
possuem um passado extenso. Antes de ser sede da retífica sa as suas atividades em LJUBLJANA (Laibach) pouco ao
de motores, o prédio abrigou a Fábrica de Sinos SAMASSA norte de Trieste. (...) Antônio, meu bisavô, ampliou a firma,
LTDA, comércio familiar centenário e que foi responsável por montando a indústria metalurgica. Meu avô Alberto espe-
fabricar o Sino da Nova Igreja da Matriz na década de 40 (Fig. cializou-a para objetos litúrgicos e bombas. O imperador
71 e 72). A família, de imigrantes italianos e austro-hungaros Francisco José I da Áustria autorizou-o de usar o sino e o
vem de uma longa linhagem de fabricantes de sinos, confor- cano de canhão nas armas da família. Meu pai Maximiliano
me relata Martina, neta de Alberto Samassa, que atuou no atingiu o ponto máximo do sucesso e teve também o des-
ramo em Sorocaba durante o século XX (Fig. 73). Conforme gosto de assistir à decadência na crise geral européia. (...) A
relata carta de 1944: crise forçou-me a liquidar tudo silenciosamente em 1936.
Emigrei em Março de 1937 para o Brasil. Em 1942, vigorosa-
“A família DI SAMASSA aparece mencionada pela primeira
mente apoiado por Dom José Gaspar de Afonseca e Silva,
vez, nas crônicas da pequena localidade de FORNI AVOLTRI
Arcebispo de São Paulo e Frei Pedro Sinzig, consegui rees-
Fig. 70 tabelecer-me em colaboração com Bráulio Guedes da Silva.”
Desativada Remosa, 2021
(Alberto Samassa Neto, 1944)
Fonte: Acevo Yees! Construtora. Adaptado

133 O edifício e seu entorno | Entre “REMONSA” e “SAMASSA”


Fig. 71 Fig. 72
Equipe da Samassa reunida no pátio do O pátio possui características muito semelhantes aos da Packing House, como o
edifício, ano de 1941. Fonte: Antonio Valentim. telhado, piso de paralelepípedos, e paredes em tijolo aparente, porém, não é possí-
vel afirmar se a foto foi tirada na edificação da Rua Ruy Barbosa, ou na sua vizinha
Rua Ataliba Borges. Fonte: Antonio Valentim.
Fig. 73
Arte de comemoração dos 125 de fundição da
Samassa, circa 1767. Ffonte: Martina Merk.

Vila Hortência em Perspectiva 134 135 O edifício e seu entorno | Entre “REMONSA” e “SAMASSA”
Em contato com antigos trabalhadores da Remonsa, o se-
nhor Nivaldo, que trabalhou na retífica por mais de 15 anos,
conta de um episódio no qual, durante uma vez na monta-
gem de motores ocorreu um acidente que afundou o piso,
tendo sido descoberto um túnel, que pertenceu, no passado,
à área de fundição de sinos da Samassa.

A REMONSA, por sua vez, foi fundada em 1966, e contava


com 150 funcionários na época, somando 170 a funcionários
que realizavam trabalhos externos (fig. 74 e 75). A empresa
possuía diversos setores, desde o recebimento e desmonta-
gem de motores até a usinagem, testes de trincas em peças,
áreas de solda e controle de qualidade. Após a usinagem, as
peças eram ajustadas e medidas, e o motor seguia para a
linha de montagem e, posteriormente, para testes e pintura, Fig. 74 Fig. 75 Fig. 76
Operários da Remonsa em meados dos anos 70. Remonsa, 1964. Fonte: Brasilbook. Na primeira foto: César e “Zézinho” testando um motor da Mercedes.
antes de ser enviado aos clientes finais por meio de logística. É possível ver que o prédio já Na segunda foto: César e “Sérginho” na montagem de um motor Willys 6cil.
possuía o acesso as janelas características. Fonte: acervo Cesar Bergmann.
Os ex- funcionários, que mantêm contato até hoje via in- Fonte: Brasilbook.

ternet, 20 anos após o fechamento da retífica, contam que


era uma empresa de bairro em que todo mundo se conhecia

Vila Hortência em Perspectiva 136 137 O edifício e seu entorno | Entre “REMONSA” e “SAMASSA”
(fig. 76, 77 e 78). Os sócios totalizavam oito e seus filhos tam-
bém trabalharam na retífica por anos.

Segundo os antigos funcionários, a retífica, no final da dé-


cada de 80 teve sua sociedade desfeita, e alguns dos antigos
sócios fundaram a Sorodiesel, que permanece ativa até os
dias de hoje, na Avenida Dom Aguirre. A Remonsa encerrou
as suas atividades em 2001.

Cesar Bergmann, relata uma perspectiva vívida nos anos


que trabalhou na Remonsa . Inicialmente contratado como
ajudante, ele descreve sua jornada desde o início, realizando
testes em motores vindos da linha de montagem. Ele relata
o manuseio de motores diesel de caminhões e camionetes,
além dos motores de veículos de passeio, conhecidos como
“linha leve”. Com o passar dos meses, Bergmann foi transfe-
rido para a montagem dos motores da “linha leve”, onde de-
sempenhou tarefas de ajuste, montagem e finalização dos
motores a gasolina e álcool (etanol). Bergmann destaca a in- Fig. 77 Fig. 78
tensidade da rotina, com a empresa recebendo em média de Equipe reunida no pátio, s/d. Ao fundo, é pos- O grupo também realizava atividades fora do
sível ver o muro de tijolos maçicos dos fundos experiente, tendo um time próprio de futebol.
10 a 12 motores por dia, atendendo não apenas o estado de da Packin House de Laranjas. Fonte: grupo Fonte: grupo “Amigos da Remonsa” via Facebook.
“Amigos da Remonsa” via Facebook.
São Paulo, mas também várias cidades de estados vizinhos.

Vila Hortência em Perspectiva 138 139 O edifício e seu entorno | Entre “REMONSA” e “SAMASSA”
A área de galpões que uma época diferente abrigou uma
fábrica de sinos e em outro momento a retífica de motores
foi demolida durante a produção desta pesquisa, e o pré-
dio, que se encontrava em más condições de conservação,
hoje dá lugar ao condomínio vertical JJR Hortência, da Yees!
Construtora, que tem data de finalização prevista para o final
de 2024. (fig. 79 a 83)

Fig. 80 Fig. 82
Implantação do edifício mantém a lógica de O projeto inverte a lógica convencional, inserindo a
acessos da Remonsa. Fonte: divulgação Yees! área de lazer na cobertura, a fim de aproveitar a área
da implantação, no térreo, com estacionamentos.
Fonte: divulgação Yees!

Fig. 79
Fig. 81 Fig. 83
Novo empreendimento vertical da Yees! será implantado
Pavimento tipo do edifício conta com seis dis- Etapas da construção do edifício, entre novembro de
no terreno onde estava localizada a antiga retífica Remonsa.
posições de apartamentos entre 51 e 71m². 2022 e julho de 2023. Fonte: divulgação Yees!
Fonte: divulgação Yees!
Fonte: divulgação Yees!

Vila Hortência em Perspectiva 140 141 O edifício e seu entorno | Entre “REMONSA” e “SAMASSA”
Esquema: Remonsa: Levantamento Fotográfico. O edifício TRICO 1931 não possui tombamento, e sua im- Conforme explicado anteriormente, a problemática de
A planta baixa do edifício não foi encontrada, porém, as delimitações do edifício demolido disponibi-
lizadas pela construtora juntamente de vistas via satélite presentes no Google Maps permitiram um plantação vizinha da desativada REMONSA, hoje demolida condomínios verticais em áreas que não o são envolve a per-
levantamento básico dos galpões antes da demolição. Fonte: Yees! Construtora.
em função da construção do empreendimento JJR Hortên- da das relações entre vizinhos, o impacto negativo no entor-
cia, aponta sinais de que a Packing House pode ter o mesmo no - uma vez que, ao implantar um edifício de 24 andares
final, em um futuro não muito distante devido ao entorno em uma quadra predominantemente térrea toma-se pra si a
que passa pelo processo da verticalização: privacidade dos quintais vizinhos, além de prejudicar a inso-
lação dos mesmos.
“A regra é que nos bairros cêntricos se promova a concentra-
ção de benesses urbanísticas para uso cada vez mais exclu- Vale reforçar que a ação aqui criticada não se encontra
sivo dos mais ricos e das atividades mais nobres.” (SANTOS, em construir condomínios verticais, pois eles fazem parte de
1986). uma cidade e são positivos quanto à capacidade de adensa-
mento e resolução de problemas espaciais, porém, a grande
O empreendimento de alvará número 1095/21 será com-
questão diz respeito ao contexto em que o mesmo se en-
posto por 24 andares e contará com um clube privativo e re-
contra, e o impacto que tal empreendimento possui. Uma
servado aos moradores do edifício, localizado na cobertura
opção viável seria a implantação do JJR Hortência no eixo de
do prédio, e seu programa contempla sauna e spa, clube es-
expansão da Avenida São Paulo, por exemplo, que é relativa-
portivo, espaço pet, coworking, entre outros espaços de la-
mente próximo do Centro e da Vila, é um local que já possui
zer. Com quatro tipologias a escolha do futuro comprador, os
tendência à verticalização e um entorno homogêneo, cuja
apartamentos custam em média 250 mil reais, podendo ser
construção de um empreendimento deste porte não seria
financiado através da Caixa Econômica Federal.
negativa como é o caso aqui.

Vila Hortência em Perspectiva 142 143 O edifício e seu entorno | Entre “REMONSA” e “SAMASSA”
Seguindo a motivação de uma Vila Hortência caminhável, complementar o uso efêmero que se dará na Packing House
em que relações pessoais continuam se dando no nível da vizinha, a área correspondente à Remonsa será destinada à
rua, a proposta presente neste trabalho visa fazer um contra- comunidade, buscando incentivar trocas entre moradores.
ponto ao cenário atual de demolição, em que novos Casos
Além disso, uma resposta à demolição se dá na proposta
Santa Maria não sejam incentivados.
de um edifício que mantenha o gabarito de dois pavimen-
Refletindo então em como um contraponto a este cenário tos, pensando no contexto da quadra, e visando manter a
poderia ocorrer, e ao realizar este panorama acerca dos usos memória da Samassa e da Remonsa, porém sem reproduzir
antigos do lote localizado na Ataliba Borges, em que, no pas- o intangível. Assim, o novo uso buscará integrar aquilo que
sado o mesmo esteve relacionado a espaços de trabalho e existiu, existe e existirá, na escala do pedestre, e visando a
troca entre pessoas, chegou-se à seguinte proposta: visando manutenção da vida pública.

Vila Hortência em Perspectiva 144 145 O edifício e seu entorno | Entre “REMONSA” e “SAMASSA”
Avaliação Arquitetônica

No campo de estudo de restauração, diferentes pensado- significado desta palavra e seus desdobramentos.
res ao longo dos séculos deram suas contribuições para que
A professora Stella Casiello foi a escolhida dentre os tex-
fossem estabelecidas motivações e ferramentas com a fina-
tos presentes no livro devido a sua abordagem de considerar
lidade de preservação do patrimônio cultural. O modo de se
aspectos externos como agregadores ao valor de uma obra,
pensar em restauro é diverso de acordo com seu contexto
isto é, a conexão entre o ambiente espacial construído e seu
histórico, mas um fator em comum entre estudiosos com-
entorno, e o poder que esses dois atributos possuem em se-
pletamente opostos em relação ao como, ou o quê se deve
rem testemunhos de uma outra época:
restaurar - como por exemplo Ruskin e Le-Duc como lados
opostos de uma moeda - é o porquê: a finalidade é a conser- “Com o termo restauro definimos o complexo de interven-

vação, afinal de contas. Fato é que, diferentes pontos de vista ções técnico-científicas que visam preservar os testemu-

geram projetos de restauro igualmente diferentes. nhos materiais do passado e garantir a sua continuidade
temporal, tendo reconhecido tais testemunhos como porta-
Pensando nisso, o autor Paolo Torsello, em seu estudo
dores de valores a serem transmitidos ao futuro” (CASIELLO
“Che cos’è il restauro?”9 apresenta ao leitor explorações de
in TORSELLO, 2005 p. 29; traduzido pela autora)
diferentes intelectuais do porquê restaurar, e o que seria o
Fig. 84 9
PAOLO TORSELLO, Che cos’è il restauro? Nove studiosi a confronto.
Materialidade do edifíco “TRICO 1931”.
Elaborado pela autora, 2023. Venezia: Marsílio, 2005, p. 159

147 O edifício e seu entorno | Avaliação Arquitetônica


O pensamento de Casiello vai de acordo com Roberto Pensando nisso, as demolições feitas se dão somente a A reprodução fiel do que existia antes é um anacronismo,
Pane, historiador do século XIX que considerava em seus fim de promover a circulação no nível da Rua Dr. Ruy Barbo- portanto, buscou-se uma abordagem que se referisse apenas
ensaios a memória como um aspecto chave na manuten- sa, adequando o acesso às normas de acessibilidade; a de- ao gabarito da Remonsa, bem como seus acesso, buscando
ção de uma obra – seja ela monumental ou não – para ge- molição do muro dos fundos do lote busca conectar o edifí- evocar a memória, porém nunca reproduzi-la. O sistema es-
rações futuras. A memória e a sensação de pertencimento cio da Packing House ao Edifício da Remonsa e faz parte do trutural escolhido para lidar com as intervenções feitas na
e de reconhecimento são fatores imateriais tão importantes partido arquitetônico que será explorado mais adiante.Essas porção comprometida do telhado foi a utilização de madei-
para uma obra quanto suas características arquitetônicas e alterações foram registradas na planta de demolir presente ra em tonalidade diferente, com ligações metálicas entre os
estruturais. Juntos, estes aspectos constituem um edifício, no anexo desta pesquisa. banzos superiores e inferiores, a fim de agir de acordo com a
local ou produto valioso o suficiente para ser passado adian- distinguibilidade entre a estrutura de madeira de lei existen-
A escolha dos materiais para a intervenção foi orientada
te para futuras gerações10: te e a nova, sendo também um ponto de transição entre a
pelo texto de Casiello, levando em consideração a distinção
porção existente e nova, logo, a escolha das ligações metáli-
“ (...) o documento/monumento tem o valor de um testemu- entre o novo e o antigo, e levou em consideração também a
cas buscam dialogar também com a nova estrutura do edifí-
nho histórico irrepetível e, reconhecida a singularidade da Carta de Veneza de 1964. De acordo com os princípios esta-
cio anexo na área da Remonsa, que se dará inteiramente em
produção arquitetônica, o ponto de partida é não reproduzir belecidos na Carta de Veneza e na teoria brandiana 11, a pre-
estrutura metálica. Esses conceitos serão detalhados mais
do ponto de vista da dimensão material. (...) Mas como inter- servação e exposição dos valores estéticos e históricos de um
adiante no capítulo de concepção estrutural e arquitetônica,
vir? Em primeiro lugar, é necessário preservar tudo o que for monumento devem ser realizadas sem eliminar evidências
uma vez que guiaram todo o processo projetual.
possível, pois o monumento constitui um documento ma- que se acumularam ao longo do tempo. Para isso, a restaura-
terial que contém em si um patrimônio considerável de co- ção deve aderir a diretrizes fundamentais: a reversibilidade, a
nhecimentos, qualquer intervenção sobre o existente deve, distinguibilidade, a intervenção mínima e a compatibilidade.
portanto, implicar a perda mínima de material e orientar po-
10
STELLA CASIELLO in : PAOLO TORSELLO (2 ed.), Che cos’è il restauro? Nove studiosi a con-
sitivamente a sua transformação fisiológica” ( CASIELLO em fronto. Veneza: Marsílio, 2005, 159 p.29-32

TORSELLO, 2005, p. 31; traduzido pela autora) KÜHL, B. M. Notas sobre a Carta de Veneza . Anais Do Museu Paulista: História E Cultura
11

Material, 2010, p. 287-320.

Vila Hortência em Perspectiva 148 149 O edifício e seu entorno | Avaliação Arquitetônica
Tabela 01 - Identificação de danos da fachada.
Eidotipo e identificação preliminar de danos Elaborador pela autora, 2023.
Elaborador pela autora, 2023.

Vila Hortência em Perspectiva 150 151 O edifício e seu entorno | Avaliação Arquitetônica
Tabela 02 - Identificação de danos da fachada. Tabela 03 - Identificação de danos da fachada.
Elaborador pela autora, 2023. Elaborador pela autora, 2023.

Vila Hortência em Perspectiva 152 153 O edifício e seu entorno | Avaliação Arquitetônica
Capítulo 04

REFERÊNCIAS
PROJETUAIS

“Portanto, se a gente acreditar que tudo o que é velho deve ser conser-
vado, a cidade vira um museu de cacarecos. Em um trabalho de restauração
arquitetônica é preciso criar e fazer uma seleção rigorosa do passado. O
resultado é o que chamamos de presente histórico” (LINA BO BARDI)
Sesc Pompéia

Local: Vila Pompéia, São Paulo, Brasil A unidade do SESC Pompéia, localizada na cidade de São
Paulo, surgiu da intervenção na antiga fábrica de tambores
Autor: Lina Bo Bardi, André Vainer e Marcelo Carvalho Ferraz
existente na Vila de mesmo nome. O projeto da arquiteta ita-
Área: 16.573m² lo-brasileira Lina Bo Bardi em colaboração com os arquitetos

Ano de construção: 1938 André Vainer e Marcelo Carvalho Ferraz levou em conside-
ração a memória existente no local, que já era ativamente
Ano de intervenção: 1977
usado pela vizinhança para atividades de lazer antes da re-
Uso original: Fábrica de tambores qualificação do espaço, conforme relata Lina:

Uso atual: Unidade do SESC, uso cultural e esportivo “Ninguém transformou nada. Encontramos uma fábrica
com uma estrutura belíssima, arquitetonicamente impor-
tante, original, ninguém mexeu... O desenho de arquitetura
do Centro de Lazer Fábrica da Pompéia partiu do desejo de
construir uma outra realidade. Nós colocamos apenas algu-
Fig. 85 mas coisinhas: um pouco de água, uma lareira.” (BO BARDI
Sesc Pompéia: fábrica de tambores no primeiro
plano, complexo esportivo ao fundo. apud FERRAZ, 2018, p. 220)
Fonte: da autora

157 Referências Projetuais | Sesc Pompéia


Os galpões, de característica industrial inglesa, já eram A história da região de Pompeia está intrinsecamente li-
utilizados pela comunidade local, sendo sido revitalizados a gada ao Córrego da Água Preta, que foi parcialmente soter-
fim de compor o programa cultural do Sesc e manter a apro- rado durante o processo de industrialização da área. No local,
priação por parte da vizinhança. Junto ao programa voltado Lina Bo Bardi e sua equipe buscaram preservar o trajeto do
para oficinas culturais, duas torres foram implantadas a fim córrego. “Mas, como disse o grande arquiteto norte-america-
de conter o programa esportivo. Este complexo, batizado por no Frank Lloyd Wright: ‘As dificuldades são nossos melhores
Lina de “cidadela” é composto pelo conjunto de galpões (fig. amigos’” (BO BARDI apud Ferraz, 2018, p. 23).
86) que antes abrigava a Fábrica de Tambores, tendo sido re-
Nos fundos da fábrica de tambores, devido a uma galeria
vitalizada e a ela estabelecido o programa cultural, de servi-
de “águas pluviais” grande parte da área não pôde ser edifi-
ço e alimentação, e em anexo foram erguidas duas torres de
cada e por isso foi norteada a decisão dos blocos anexos ver-
concreto para abrigar o complexo esportivo e seu respectivo
ticalizados, interligados por passarelas de concreto protendi-
apoio.
do, e, na água do córrego foi construído um extenso deck de
Antes da revitalização, o local já era usado como espaço de madeira, chamado de “Deck Solarium”, feito com tábuas de
reunião, ócio e lazer pela vizinhança. A arquiteta Lina Bo Bar- madeira e que conecta diferentes áreas do complexo, crian-
di partiu da observação dessas atividades para realizar seu do zonas de convivência ao ar livre para os visitantes. Esse
projeto. Percebe-se a importância da descoberta do uso e espaço se tornou um local de lazer apreciado pelos morado-
vocação do espaço para que a permanência de pessoas seja res, sendo apelidado de “praia de paulista” devido ao uso fre-
bem sucedida, além, é claro, da manutenção por parte do quente para banhos de sol durante o verão. (Sesc São Paulo)
Fig. 86
SESC. Maquete Presente no Sesc Pompeia Fig. 87
demonstra a volumetria do complexo, Deck Solarium. Fonte: The Graham
evidenciando a diferença temporal das Foundation via Portal Archdaily Brasil
construções através dos materiais usa-
dos nos modelos. Fonte: da autora.

Vila Hortência em Perspectiva 158 159 Referências Projetuais | Sesc Pompéia


O espaço entre os galpões industriais é como uma rua
principal (fig. 88) que estrutura o programa cultural e guia
o pedestre até a área esportiva. “Em 30 anos de atuação, o
Sesc Pompeia apresentou múltiplas atividades em todos os
seus setores, utilizando inclusive a rua central com feiras e
festas populares, sempre buscando mostrar propostas cul-
turais inovadoras e espetáculos de vanguarda a preços aces-
síveis.” 12 O acesso até esse eixo estruturador se dá pela Rua
Clélia, e leva, em sequência, à área administrativa do com-
plexo, seguida pelo espaço de convivência que conta com
um espelho d’água interno, espaço expositivo e biblioteca,
sendo uma zona integrada, seguido pela área de teatro e dos
ateliês, cujo acesso se dá de maneira mais restrita. Do outro
lado da Rua Principal está localizado o programa composto
pelo refeitório de funcionários, restaurante e espaço de ser-
viço e apoio. (fig. 89)

Fig. 88 Fig. 89 - Diagramas de leitura dos


Fotografia “Together” por Tapio Snellman. Nature- acessos e do programa do edifício.
za se refletindo de maneira sutil, porém significa- Fonte: da autora.
tiva: rua de ladrilhos possui vegetação entre os en-
caixes, e vala de escoamento de água revestida por
seixos se assemelha a um rio em pequena escala.
12
VAINER; FERRAZ, 2016, p. 87 Fonte: The Graham Foundation via Portal Archdaily Brasil

Vila Hortência em Perspectiva 160 161 Referências Projetuais | Sesc Pompéia


Os principios de um projeto de restauro aplicados nesse relações encontradas ao se estudar a memória do local, e na são importantíssima. Poderia ser tudo isso, como qualquer No que diz respeito às intevenções feitas nos galpões, foi
projeto podem ser observados a primeiro momento através própria arquitetura industrial, que, por mais simples que pa- outro Sesc, mas destruindo o tecido arquitetônico existente. utilizado muito da exposição dos tijolos, do telhado e do piso,
da distinguibilidade clara entre o edifício novo, em concreto, reça, possui uma importância na história do desenvolvimen- Não seria mais a fábrica virando lazer, seria a eliminação de característica marcante que se reflete nas torres brutalistas
e o existente, de tijolos maciços característicos da arquitetu- to brasileiro durante a revolução industrial. Conforme relata um mundo para a implantação de outro” (VERA LUZ, 2014, p. do bloco esportivo. A escolha por manter os tijolos à vista vai
ra fabril. Nas torres esportivas, uma caixa d’água em formato Vera Luz (2014) apud. Fuentes Belen (2017): 405-406 apud FUENTES BELEN, 2017, p. 25-26) de encontro tanto com os princípios do minimo intervento
cilíndrico se ergue na paisagem, fazendo uma alusão à cha- estudados na Carta de Veneza, quanto reforça a clara diferen-
“Um conjunto arquitetônico de 1938 não é propriamente um As intervenções pontuais, em menor escala se compara-
miné da fábrica de tambores que foi demolida, como uma ciação através do uso das tubulações aparentes, instaladas a
monumento histórico para a humanidade. Mas o era para o das às novas torres de concreto, são justificáveis: por exem-
tentativa de evocar o intangível sem replicá-lo (fig. 90). fim de adequar o uso às instalações de infraestrutura bás-
Brasil, para São Paulo, para o bairro da Pompéia, nos conta plo, os paralelepípedos da Rua Principal foram recolocados a
icas, fator que reforça o estilo industrial do complexo, assim
Apesar da arquitetura existente não possuir um caráter alguma coisa vital sobre a história e a gente desta cidade. (...) fim de permitir o crescimento de grama no local, de modo a
como na decisão em não projetar forro, deixando o telhado
monumental, que é o primeiro pensamento quando se fala Transformar o que era uma fábrica em uma área de ócio, de permitir a tomada da natureza, por menor grau que seja, na
à mostra, cujas chapas de ligação das treliças são feitas em
em projetos de restauro, o valor encontrado aqui se dá nas lazer, um lugar de convivência nas horas vagas é uma deci- fábrica, assim como seu logotipo sugere, no qual uma série
aço pintado de vermelho, demarcando o novo e antigo com
de flores saí da torre da caixa d´água como uma fumaça sai
cores e texturas. (fig. 91)
da chaminé de uma fábrica. Sobre a intervenção nos parale-
lepípedos, Lina comenta:

“os paralelepípedos são um dos calçamentos mais sublimes


da história da humanidade, documentos seculares de pe-
dras cortadas e alisadas com as mãos, por homens, mulhe-
Fig. 90 res, crianças, documento de civilização.” (BO BARDI apud
Estudo do logotipo para Jornal Sesc Fábrica da Pompe-
ia, logotipo do Sesc Pompeia (limpo) em um estudo de
FERRAZ, 2018, p. 223)
Lina para o Jornal Sesc Fábrica da Pompeia, 1982; logo-
tipo do Sesc Pompeia finalizado, design Lina Bo Bardi.
Fonte: Victor Nosek via Vitruvius, 2018.

Vila Hortência em Perspectiva 162 163 Referências Projetuais | Sesc Pompéia


Fig. 91 Fig. 93
Telhado do Sesc Pompéia conta com elementos de Passarelas de concreto do bloco esportivo.
diferenciação entre a intervenção e o existente através Fonte: acervo Nícolas Tomazella.
das chapas de ligação em aço com revestimento de
pintura vermelha, cor característica nos projetos de
Lina Bo Bardi. Fonte: da autora.

Fig. 94
Novo e o antigo vistos do
Fig. 92
Deck Solarium. Fonte: acervo Nícolas Tomazella.
Telhas translúcidas aliadas ao espelho d’água in-
terno permitem que o externo e interno se diluam.
Fonte: da autora.
Manifattura Tabacchi

Local: Florença, Itália Localizada na região de Novoli, afastada do centro histó-


rico da cidade de Florença, na região da Toscana na Itália, a
Autor: Pier Luigi Nervi
antiga fábrica de cigarros Manifattura Tabacchi (fig. 95) é um
Intervenção: Sanaa, Studio Mumbai, Q-bic, Piuarch, Studio exemplo de renovação urbana dentro do conceito de “cen-
Antonio Perazzi, Studio Urquiola, Aut Aut, Quincoces-Dragò tro fora do centro” 13, onde artesanato, cultura, turismo, edu-
& P. cação e vida noturna se interligam a partir de sete pontos
Área: 134.128,00 m² de acesso, permitindo a entrada de pedestres e ciclista por
diferentes vias. Planos futuros para o projeto - uma vez que
Ano de construção: Década de 30
a intervenção ainda está em andamento - incluem a criação
Ano de intervenção: 2017-2026 de uma via de passagem com ciclovia. Conforme Giovanni
Manfredi, diretor executivo da Aermont para a Itália e CEO
Uso original: Fábrica de cigarro
da Manifattura Tabacchi, afirma:
Uso atual: Complexo cultural, comercial e habitacional

Fig. 95
Pátio B9 da intervenção.
KULESHOVA, Anastasiia. Student Housing: A New Perspective. 2018, p. 25.
13
Fonte: Divulgação Manifattura Tabacchi.

167 Referências Projetuais |Manifattura Tabacchi


“Estamos pensando em um novo centro contemporâneo patório que ela veio por exibir.” (BUTLER, 2021). Fato é que o
que seja complementar ao extraordinário centro histórico complexo da antiga fábrica de cigarros apresenta qualidades
da cidade e capaz de conferir a Florença uma nova dimen- arquitetônicas que se fizeram presentes nas obras de Nervi,
são internacional. Tudo isso preservando o encanto e a his- conforme afirma Acampa (2010):
tória dos edifícios existentes.” (MANFREDI apud ANASTASIIA,
“Ao observar o complexo, é possível apreciar o equilíbrio en-
2018, p. 49)
tre o léxico racionalista e o dinamismo espacial. O corpo des-
A fábrica foi desativada em março de 2001 após mais de tinado à produção e aos serviços gerais possui um layout em
70 anos de funcionamento, e seu prédio de arquitetura ra- formato de “U”, com a oficina para a manutenção das instala-
cionalista, projetado pelo engenheiro e arquiteto percursor ções e a central elétrica no centro. Os núcleos que compõem
do brutalismo Pier Luigi Nervi, e desde 2018 o espaço oferece o corpo em forma de “U” estão conectados por escadas e
atividades temporárias destinadas a exposições e eventos, elevadores independentes. Entre os diferentes edifícios, exis-
abrigando também instituições privadas de ensino, comér- tem espaços de serviço e pátios asfaltados.” (ACAMPA, 2010,
Fig. 96
cio e cultura, em um parque urbano voltado para a arte. p. 124; traduzido pela autora)
Manifattura Tabacchi, vista do pátios interno, B9 e B10.
Fonte: Divulgação Manifattura Tabacchi.
A arquitetura, cuja fachada em mármore apresenta traços Com financiamento da uma iniciativa privada, o projeto foi
racionais advindos do movimento artdeco, junto da elevação selecionado por meio de um concurso e recebeu um inves-
nacionalista de um período crítico para a Itália dos anos 30, timento inicial de 30 milhões de euros, com um orçamento
no qual o arquiteto contribuiu com diversas obras públicas, total previsto de 250 milhões de euros. O masterplan (fig. 98)
sob o regime de Mussolini: “fascista ou não, progenitor con- abrange a reestruturação de dezesseis edifícios já existentes
sagrado ou não, nos é de interesse observar a obra de Nervi; e a construção de mais quatro novos blocos.
Fig. 97
O acesso principal da fábrica foi mantido e se senão por – tantos anos depois – finalmente podermos ad-
dá através da Via delle Cascine.
Fonte: da autora.
mitir a beleza de suas geometrias, por esse caráter anteci-

169 Referências Projetuais |Manifattura Tabacchi


O programa inclui a faculdade de moda e design Polimo- A data de finalização da implementação do complexo está
da, espaços de co-working, ateliês, bistrô, cafés, livraria, um prevista para 2026, sendo esta a maior intervenção de rege-
espaço de arte contemporânea, áreas verdes, hotel, residên- neração urbana realizada na história moderna da Itália.
cias estudantis, estacionamento, lojas conceituais e uma
cervejaria artesanal.

O primeiro edifício reativado foi o número 6, onde está lo-


calizada a Polimoda, universidade fundada pelo designer ita-
liano Ferragamo. Desde 2020 uma parte do edifício B7 abri-
ga atividades práticas da Accademia di Belle Arti di Firenze,
se deslocando para além do centro histórico pela primeira
vez desde sua abertura, bem como o l’Istituto dei Mestieri
d’Eccellenza LVMH, que oferece cursos voltados para artesa-
nato, localizado em uma sala no edifício B8.

O complexo tem passado por intervenções parciais e dividi-


do em etapas (fig. 99), sendo a primeira de 2017 e a segun-
da, e mais recente, datada de 2022. Os próximos passos de
implementação do masterplan contemplam o aumento dos
lofts residenciais e dos espaços expositivos, bem como a cria-
ção de zonas esportivas, comerciais e áreas técnicas.
Fig. 99
Fig. 98
Linha do tempo das intervenções.
Isométrica demonstrando a disposição do programa por
Fonte: divulgação Manifattura Tabacchi.
blocos.Fonte: divulgação Manifattura Tabacchi.

Vila Hortência em Perspectiva 170 171 Referências Projetuais |Manifattura Tabacchi


A área residencial do complexo, está localizada nos pré- porânea “Not a Museum”, bem como jardins verticais na fa- A localização estratégica da Manifattura Tabacchi, vizinha No plano urbano, o projeto busca a integração de modais.
dios B12, B7 e B8, e é de autoria dos estúdios Q-Bic, Patricia chada. (fig. 100) do histórico Parco delle Cascine, é um dos pontos fortes do Atualmente, o ponto de embarque para a Tramvia - trans-
Urquiola e Quincoces-Dragó & Paterns, respectivamente. Os projeto, uma vez que o parque é o coração da região de No- porte coletivo sob trilhos de Florença - se encontra a cinco
lofts seguem a linha da mínima intervenção à estrutura exis- voli, com cerca de 1km² de área verde. minutos a pé da Manifattura. Ao final do Masterplan, estão
tente como nos demais prédios do complexo, utilizando do previstas novas ruas dentro e fora do complexo, buscando
design industrial para criar espaços de estética contempo- conectar o transporte público diretamente ao parque urba-
rânea, o que eleva o custo do aluguel, que já nasce sendo no através da implantação de uma nova parada do Tram,
de alto padrão. No Bloco B12, o antigo galpão destinado ao juntamente a um sistema de ciclovia. (fig. 101)
embalamento, comportará mais residências multifamiliares,
Hoje, os fatores que mais chamam atenção no lugar são as
projetadas seguindo os padrões de sustentabilidade, garan-
praças internas, onde se pode circular mesmo sem consumir
tindo ao projeto a certificação BREEAM Excelente.
nada nos cafés e restaurantes, ou fazer parte da faculdade
O Bloco B12 buscou incorporar medidas como a adoção Polimoda. O desenho do piso guia o pedestre até as áreas de
de reaproveitamento de água e automação residencial. A convivência a céu aberto onde diferentes texturas de grama,
piazza dell’Orologio é um dos pontos focais do projeto, sendo seixos e cascas de árvore provocam sensações ao caminhar,
o acesso para a Faculdade Polimoda, áreas de restaurante, bem como as texturas do ambiente construído, como o már-
bem como ponto de encontro e sede de eventos a céu aber- more travertino da fachada, em contraste com o paralele-
to, sendo um point de reunião de estudantes da cidade. pípedo do piso, junto do deck metálico.

O projeto preza pela intervenção mínima, gestão susten- Fig. 100 Fig. 101 O mobiliário urbano é diversificado e conta com interven-
Paisagismo no bloco de arte contemporânea “Not a Mu- Ambiência: o futuro da Manifattura conta-
tável de recursos e conta com um projeto paisagístico que seum”: a vegetação durante o inverno não é tão proemi- rá com uma ligação do pátio interno ao siste- ções dos próprios alunos, o que dá uma característica única
nente. É possível, entretanto, observar o deck metálico e ma de transporte público sobre trilhos, o Tram.
foca na criação de áreas de sombreamento de drenagem do ao lugar. É inegável o fator de qualidade projetual presente
as mudas de árvores plantadas em espaços do mesmo. Fonte: divulgação Manifattura Tabacchi.
solo, instalação de um teto-jardim no centro de arte contem- Fonte: da autora. na Manifattura Tabacchi. (fig. 102)

Vila Hortência em Perspectiva 172 173 Referências Projetuais |Manifattura Tabacchi


Fig. 102 - Colagem: as texturas da Manifattura Tabacchi. Fonte: da autora. A intervenção realizada na Manifattura Tabacchi faz parte Assim, o projeto analisado contribuiu tanto para o repertó-
de um processo de privatização de bens culturais públicos, rio visual e material quanto também levantou importantes
fruto da alteração do quadro normativo nacional italiano, questões acerca do que poderia ser proposto para a Packing
que permite a venda ou a concessão de propriedades pú- House de Laranjas “TRICO” e para a demolida Remonsa, a
blicas aos órgãos privados a fim de obter retorno financeiro tantos quilômetros de distância do berço do renascimento e
e reduzir custos de operação e manutenção do patrimônio das intervenções urbanas milionárias.
cultural. O projeto de alto padrão traz à tona questões acerca
da gentrificação do local, uma vez que a região de Novoli faz
parte do eixo de expansão da cidade, sendo hoje uma das
mais populosas de Firenze e muito mais próximo da realida-
de européia padrão do que as ruas medievais repletas de tu-
ristas do centro histórico, onde o custo de vida pode chegar
ao triplo do de Novoli.

Projetos de reabilitação de edifícios histórico como o da


Manifattura Tabacchi, embora tenham o poder de revitalizar
uma área, trazem também uma nova energia e estética, po-
dem desencadear mudanças sociais e econômicas signifi-
cativas, como o aumento dos preços dos imóveis, aluguéis
e custo de vida na região, levando à expulsão de moradores
de longa data devido ao encarecimento da área e à perda da
identidade local.

Vila Hortência em Perspectiva 174 175 Referências Projetuais |Manifattura Tabacchi


Capítulo 05

O PROJETO

“tudo o que sucedera antes foi como o pintar e vestir das pessoas que
tinham de entrar em cena, o acender das luzes, o preparo das rabecas, a
sinfonia... Agora é que eu ia começar a minha ópera!” (MACHADO DE ASSIS
in DOM CASMURRO)
Problemática

O local de intervenção, constituído pela antiga Packing 2. Criação de novos espaços de percurso e permanência
House de laranjas da Rua Ruy Barbosa, construída nos anos para a comunidade da Vila Hortência, estimulando as rela-
1930, e o lote adjacente da Rua Ataliba Borges, onde se lo- ções pessoais entre vizinhos para futuras gerações através
calizava a agora desativada - e demolida - Retífica de Mo- de locais de ócio e lazer, bem como de encorajamento à ati-
tores Remonsa, configura um conjunto de pré-existências, vidades artísticas;
cuja determinação de novo uso e maneira de intervir deve
3. Comércio local como uma prioridade através da inserção
ser feito de modo sensível ao entorno e à memória do local.
de pequenos negócios e empreendedores da região no edi-
Assim, foram estabelecidos três pilares que influenciaram a
fício, visando resgatar e fortalecer a economia do bairro atra-
concepção projetual:
vés da geração de empregos;
1. Revitalização de espaços históricos, visando o respeito aos
Ao abordar um projeto em pré-existências, é essencial
princípios de um projeto de conservação e restauro: a rever-
identificar previamente os elementos que permanecerão,
sibilidade, compatibilidade, intervenção mínima e o reco-
bem como o que será demolido. Para atingir o conceito de
nhecimento das alterações propostas (ICOM-CC);
caminhabilidade e de transposição de espaços, o projeto visa
modificar a implantação atual (fig. 104), tendo como partido
Fig. 103
Visita ao local de intervenção. a criação de espaços de conexão direta dentro dos lotes.
Fonte: acervo Taiana Car Vidotto

179 O projeto | Problemática


Fig. 104
Diagrama: Conceito e Partido x Demolir e Construir.
Elaborado pela autora, 2023.

Demolindo-se parte da parede que barra a visual e per- de em espaços abertos. A criação de pátios internos, além de
cepção a partir do percurso na Ruy Barbosa àqueles que por contribuir para o eixo de transposição da área do existente - a
ali caminham, visa-se expor o pátio existente, convidando o Packing House - para a do novo galpão anexo - a da “fábrica
pedestre a adentrar pelo eixo que levará aos fundos da edi- de arte” - também foi feita pensando na criação de espaços
ficação, onde o programa de cafés, restaurantes e ateliês de respiro entre edifícios.
abertos à população se dará.
A altura planejada para a nova construção, no local ante-
Aqui, vale ressaltar os aspectos relacionados à demolição riormente ocupado pela Remonsa, tem como objetivo pre-
da Remonsa, que foram realizados pela Yees! Construtora servar o gabarito de dois pavimentos dos galpões anterior-
entre Agosto de 2022 e Fevereiro de 2023, em paralelo ao mente demolidos. Isso visa manter a paisagem da rua Ataliba
desenvolvimento desse projeto. Por se tratar de uma ação Borges e minimizar o impacto sobre os vizinhos, evitando a
externa que ocorreu antes que se pudesse ter acesso ao in- construção de uma estrutura de grande interferência como
terior da retífica de motores para realizar os levantamentos é o caso do prédio que será implantado pela Construtora.
métricos necessários, o lote dos fundos da Packing House foi
Apesar da Remonsa Retífica de Motores não ter possuí-
considerado no cenário dos galpões demolidos pela Cons-
do uma arquitetura de características significativas quando
trutora, pensando em um projeto que se contraponha à ver-
o prédio ainda existia, o fator mais relevante e que guiou o
ticalização e ofereça uma alternativa contrária ao uso resi-
projeto como sendo de caráter de patrimônio é visto pelo
dencial de médio-alto padrão por conta das problemáticas
seu uso, desde quando se chamava Samassa. Aqui, o legado
previamente aqui expostas.
da oficina de reparo de motores e da fábrica de sinos se dará
A partir da demolição dos galpões dos fundos, a implan- através da continuidade do uso fabril.
tação dos novos blocos não se ocupa do espaço disponível
integralmente, uma vez que o projeto visa a caminhabilida-

Vila Hortência em Perspectiva 180 181 O projeto | Problemática


A inteção é a criação de uma área voltada a fabricação de Essas igrejas oferecem programas artísticos e sociais, O programa de oficinas artísticas será apoiado pela im-
ideias, seguindo uma função programática voltada para a como bordado e pintura, direcionados principalmente às se- plantação de lojas, bares, pequenos restaurantes e cafés vol-
instalação de ateliês de dança, teatro, música, pintura, costu- nhoras de idade. Além disso, escolas próximas também re- tados para a rua, ativando a fachada do edifício da Packing
ra e artes manuais no geral. presentam um público potencialmente interessado no uso House, bem como os fundos do lote em segundo momento,
cultural proposto, ampliando assim o alcance da iniciativa permitindo a criação de um espaço que convide o pedestre
A proposta de oficinas de arte não representa um cenário
na comunidade para além do cunho religioso. O uso cultural a entrar pelos corredores que já faziam parte da implantação
distante para a comunidade. A prática de atividades artísti-
também pode encontrar um forte público nas escolas muni- existente na Remonsa. A intenção é criar dois eixos estrutu-
cas e sociais já é adotada por algumas instituições locais, so-
cipais e estaduais dos arredores - como a E.E. Senador Ver- radores do programa e da circulação, divididos entre sabores
bretudo religiosas, como as paróquias Bom Jesus dos Aflitos,
gueiro, englobando, assim, um público que vai desde crian- e saberes: de um lado, as oficinas, do outro, o programa gas-
a apenas 400m do local de intervenção, e a São Francisco de
ças e adolescentes até idosos. tronômico.
Assis, a 1,2 km.

Fig. 105 Fig. 106


Fluxograma de programa. Diagrama: Eixos estruturadores.
Elaborado pela autora, 2023. Elaborado pela autora, 2023.

Vila Hortência em Perspectiva 182 183 O projeto | Problemática


Fig. 107

Elaborado pela autora, 2023.


No novo projeto, estes corredores seriam ora abertos a fim Aliado ao food market se dará uma série de cafés, bistrôs O pátio aberto da Packing House agirá como elemento
de permitir a passagem de ventilação e insolação, ora mar- e bares de pequeno porte, sendo o acesso de dois destes via conectivo ao programa que se dará na antiga fábrica de si-
cados por coberturas translúcidas e permeáveis que ajam rua Dr Ruy Barbosa, ocorrendo a fim de promover um am- nos. Assim, a implantação pode ser dividida em dois blocos,
como elementos de filtração da luz, tal qual como elemen- biente com fachada ativa em diferentes momentos do dia, articulados entre si por pátios internos: o existente e o novo,
tos visuais de convite ao pedestre adentrar o edifício como mesmo nos momentos sem ocupação nos stands das feiras. o subutilizado e o demolido, o “TRICO” e a “REMONSA”.
se ainda estivesse do lado de fora dele.
Fig. 108
Através da implantação de um food market em conjunto Diagrama: Relações de proximidade
Elaborado pela autora, 2023.
a uma fábrica cultural, o projeto visa criar eixos de permea-
bilidade urbana ao longo do percurso entre as ruas Dr. Ruy
Barbosa e Ataliba Borges, priorizando a escala do pedestre.
O programa que se desenvolverá a partir da Packing House
apelidada “TRICO 1931” visa ativar o pátio coberto que hoje é
usado como vaga de estacionamentos, como um local para
exposição de produtos composto por boxes modulares, em
uma lógica similar a de feiras de rua, sendo rotativa e des-
montável, de modo que o pátio sirva a diferentes propósitos
quando assim for necessário, como festas junina, apresen-
tações escolares, dentre outras atividades realizadas em co-
munidade.

Vila Hortência em Perspectiva 184 185 O projeto | Problemática


Concepção Arquitetônica

No edifício existente, o acesso pela rua se dará na cota da O emprego de estruturas metálicas foi feito também na
rua Ruy Barbosa (fig. 109) , de maneira exclusiva a pedestres. grande maioria do projeto, como será abordado mais adian-
No edifício existente, inicialmente os dois lados do pátio co- te, escolha essa que foi feita desde o deck às colunas e vi-
berto se encontravam com um desnível de 1 m, distantes por gas, principalmente no edíficio novo do complexo. O sistema
uma grande área descoberta levemente inclinada. Visando construtivo utilizado foi pensado segundo os princípios de
reforçar o elemento de integração entre espaços e pensan- um projeto de restauro, com foco particular na distinção e
do em facilitar um programa multiuso, o acesso ao pátio co- singularidade do conjunto arquitetônico. Assim, a alvenaria
berto foi nivelado através da implantação de um piso eleva- de tijolos de barro aparentes são facilmente distinguíveis em
do. toda a porção do edifício existente, caracterizado pela estru-
tura do telhado em madeira de lei e o piso, ora cimentado,
Foi escolhido o uso de um deck metálico perfurado para
ora de paralelepípedos do pátio interno.
o piso elevado, que foi implantado exatamente na porção do
lote onde o pátio coberto acontece, em ambas extremida- O deck metálico perfurado do pátio interno da Packing
des, que se dão alinhadas nos muros vizinhos. House se encontra elevado 1.5 metros em relação ao nível da
rua, e o acesso do pedestre é feito por uma inclinação sua-
Fig. 109 ve, de 5,34% do pátio existente, não classificando assim uma
Ambiência: Acesso Rua Ruy Barbosa.
Elaborado pela autora, 2023. rampa.

187 O projeto | Concepção Arquitetônica


Fig. 110
Diagrama: Acessos
Elaborado pela autora, 2023.

Para chegar ao piso a partir de onde é feito o acesso a um


dos dois restaurantes implantados na porção do prédio da
Packing House, o desnível restante é vencidos através de
uma rampa metálica que leva o pedestre até o deck (fig. 110
a 112).

Após superar o desnível, o piso elevado coincide com a


cota 575,30, que se destaca como o ponto central de acesso
em todo o projeto. Essa cota facilita a entrada tanto no pátio
coberto quanto no segundo restaurante localizado na Pa-
cking House, além de fornecer acesso à área administrativa,
aos bares, bistrôs e à fábrica cultural. Ao alcançar o segundo
pátio interno, acessível tanto pelo deck metálico quanto pela
Rua Ataliba Borges, surge o conceito de um cinema ao ar li- Fig. 111 Fig. 112
Ambiência: Reestruturação de níveis. Ambiência: Deck metálico elevado.
vre (fig. 113), com uma área afundada de 1,75 metros destina- Elaborado pela autora, 2023. Elaborado pela autora, 2023.

da à construção de uma arquibancada no desnível, seguindo


um arranjo semelhante ao de um anfiteatro.

Vila Hortência em Perspectiva 188 189 O projeto | Concepção Arquitetônica


Fig. 113
Ambiência: Pátio interno.
Elaborado pela autora, 2023.

RUA
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Assim, durante o dia ou nas noites em que não forem exi-

SE

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RUA
ACES

R
BISTRÔ

bidos filmes, o anfiteatro, localizado no coração do segundo ACES


PRIN
SO
CIPA
L

RA
SO
ACES O

SERV

pátio, pode servir como ponto de encontro, bem como de um

L JOSÉ TA
pequeno teatro para apresentação dos grupos participantes

VARES
das oficinas. A ideia de um cinema ao livre busca utilizar de
um dos muros dos fundos como local de atividade, aprovei-

OSA
tando o espaço e evocando a memória dos cinemas, tão pre-

RUY BARB
sente no Além Ponte como mencionado anteriormente.

EXISTENTE
ACESSO
DOUTOR

PRINCIPAL
ACESSO
É
ACESSO CAF
RUA
Fig. 114 RUA ANDRÉ DE ZUNEGA Fig. 115
Ambiência: Cinema ao ar livre. Implantação Implantação.
Elaborado pela autora, 2023. ESC: 1 : 500
Elaborado pela autora, 2023.

Vila Hortência em Perspectiva 190 191 O projeto | Concepção Arquitetônica


Tabela 04 Tabela 05
Programa de Necessidades Mezanino
Quadro de áreas - Térreo
Programa de Necessidades Térreo Programa de Necessidades Térreo Quadro de áreas - Mezanino
Id Programa Área
01 Hall de Entrada 72,29m² 28 Bar 34,17 m² 41 Café 47,48 m²
02 Recepção 90,76m² 29 Depósito 5,17 m² 42 Cozinha apoio 10,35 m²
03 Elevador 2,76m² 29 Depósito 5,28 m² 43 Bar 38,98 m²
04 W.C. 2,8m² 29 Depósito 5,38 m² 44 Restaurante 69,6 m²
04 W.C. 2,13m² 29 Depósito 5,91 m² 45 Circulação 40,67 m²
05 W.C. P.C.D 2,85m² 29 Depósito 5,71 m² 45 Circulação 12,21 m²
06 Almoxarifado Recepção 2,64m² 29 Depósito 6,02 m² 45 Circulação 15,65 m²
07 Administração 39,68m² 29 Depósito 5,86 m² 45 Circulação 22,78 m²
08 W.C. Adm 2,59m² 30 Restaurante 47,87 m² 45 Circulação 8,88 m²
09 Almoxarifado Adm 2,61m² 30 Restaurante 49,64 m² 46 Oficina Multiuso 65,66 m²
10 Depósito/Carga Descarga 68,98m² 30 Restaurante 52,05 m² 47 Coworking 178,61 m²
12 Oficina de Dança 21,61m² 30 Restaurante 87,39 m² 47 Coworking 32,32 m²
13 Oficina de Teatro 38,39m² 31 Câmara Fria 5,62 m² 47 Coworking 31,08 m²
14 Camarim 4,49m² 32 Cinema ao ar livre 60,63 m² 48 Box comercial 14,3 m²
15 Sanitário Camarim 4,47m² 33 Pátio interno 676,11 m² 48 Box comercial 14,53 m²
16 Oficina de Costura 30,56m² 33 Pátio interno 529,49 m² 48 Box comercial 15,35 m²
17 Oficina de Artes Manuais 45,96m² 34 Sanitário Masculino 16,5 m² 48 Box comercial 13,66 m²
Fig. 116 Fig. 117
18 Oficina de Pintura 41,74m² 35 Sanitário Feminino 16,01 m² 48 Box comercial 12,93 m²
Planta Baixa: Térreo. Planta Baixa: Mezanino.
19 Oficina Multiuso 63,78m² 36 Feiras/Exposições 572,81 m² 48 Box comercial 13,72 m²
Elaborado pela autora, 2023. Elaborado pela autora, 2023.
20 Vestiário Masculino 20,7m² 37 Café 48,91 m² 48 Box comercial 12,59 m²
21 Vestiário Feminino 30,6m² 37 Café 70,61 m² 48 Box comercial 6,99 m²
22 Vestiário P.C.D 9,99m² 38 Recepção café 38,96 m² 49 C.M.O Exposições 77,05 m²
23 Restaurante 59,41m² 39 Cozinha 17,29 m² 50 C.M.O Sala Multiuso 38,66 m²
24 Cozinha 11,76m² 40 Almoxarifado 20,78 m² 51 C.M.O Sala de Estudos 38,83 m²
25 Despensa 4,86m² Total geral 3875,17 m² 52 Circulação restrita 27,12 m²
26 W.C 3,28 m² 53 Lounge funcionários 21,98 m²
27 Circulação 809,32 m² 54 Descanso funcionários 18,69 m²
55 Copa funcionários 27,94 m²

Vila Hortência em Perspectiva 192 193 O projeto | Concepção Arquitetônica


No espaço da fábrica cultural, o térreo é ocupado pelos Ainda no espaço térreo da fábrica. via acesso Rua Ataliba Assim, a rampa não se torna de uso exclusivo para peque-
ateliers (fig. 117), área administrativa implantada separada- Borges, uma parte do piso se torna uma rampa que vence nos caminhões ou caminhonetes de fornecedores, mas sim
mente do resto do programa junto a um espaço de carga o desnível de 1 metro, projetada pensando na passagem de um espaço de uso comum que se integra ao projeto através
e descarga, em uma área estratégica do terreno, que liga o automóveis de abastecimento e apoio. Essa circulação se dá do desenho do seu piso, sendo também a área acessível que
bloco novo ao antigo, facilitando os momentos de abasteci- dentro da fábrica, porém, foi pensada em ocorrer em deter- une o nível da rua Ataliba Borges à cota principal do projeto,
mento dos restaurantes e montagem das feiras. No térreo minados momentos do dia e com uma frequência baixa, a 575,30, como mencionado anteriormente.
também se encontra a recepção, arquibancada e circulação como no início das atividades da manhã, por exemplo.
vertical que leva ao mezanino (fig. 118), onde um conjunto de
Fig. 120
pequenas lojas oferece a opção de expositores alugarem o
Corte: Acesso ao novo edifício via Rua Ataliba Borges.
espaço, se tornando, assim uma zona de comércios fixos se Elaborado pela autora, 2023.

comparados ao espaço destinado ao food market/feiras no


pátio coberto no bloco existente.

O mezanino pode ser acessado de três maneiras: via eleva-


dor, escada ou pela arquibancada, que leva a um espaço de
coworking, projetado pensando tanto nos alunos das esco-
las dos arredores, como também estudantes universitários e
empreendedores que necessitem de espaços para trabalho
e reuniões. Assim, o coworking se dá no mezanino visando
maior privacidade para os grupos que utilizarão o espaço.

Fig. 118 e 119


Ambiências: Fábrica de cultura.
Elaborado pela autora, 2023.

Vila Hortência em Perspectiva 194 195 O projeto | Concepção Arquitetônica


A fachada principal do novo bloco (fig. 120), que se dá na
Rua Ataliba Borges, se integra a uma pequena área de uso
público, permitindo acesso mesmo quando a fábrica cultu-
ral estiver fechada. Nesse contexto, foi planejada a inclusão
de um estabelecimento comercial também em uma parte
dessa fachada, cujo acesso se dá de modo independente do
prédio da fábrica. Dessa maneira, todas as fachadas do pro-
jeto se mantêm ativas, seguindo uma prática comum em vá-
rios empreendimentos do bairro, especialmente na Avenida
Nogueira Padilha, onde os comércios se abrem diretamente
para a rua, estendendo suas atividades até as calçadas.

Fig. 121 e 122


Ambiências: Fachada do novo edifício, via Rua Ataliba Borges.
Elaborado pela autora, 2023.

197 O projeto | Concepção Arquitetônica


Fig. 123
Diagrama: Materialidade
Elaborado pela autora, 2023.

Conclusão

Ao explorar a história e as características singulares do lo-


cal, almejou-se resgatar sua identidade e funcionalidade em
meio à evolução urbana. O embate entre a preservação da
arquitetura do edifício dos anos 30, em meio a um entorno
em que e a verticalização destaca-se como um desafio, a es-
colha estratégica desse edifício reflete a preocupação com a
coesão de uma implantação que dialogasse com o entorno
e visasse ao mesmo tempo a preservação da memória local.
O projeto buscou, assim, não apenas revitalizar um espaço
físico, mas também o espírito de vizinhança que existe na
Vila Hortência e a identidade cultural, proporcionando uma
Scanneie e acesse os
resposta sensível às demandas contemporâneas, enquanto slides apresentados na
banca final
honra a história que moldou a paisagem urbana. Este tra-
balho representa um convite à reflexão sobre a importância
da preservação e adaptação do patrimônio arquitetônico em
meio a um contexto em constante transformação.

Vila Hortência em Perspectiva 198 199 O projeto | Concepção Arquitetônica


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LOSADA, Larissa Girardi. Além Ponte: Trajetórias, Tessituras discursos, práticas e representações (1870-1930). Revista La- SAKURAI, Marcia Ohata. Um estudo sobre políticas e subsí-
index> Acesso em: 02 Out. 2023. CELLI, Andressa. Evolução
e Travessias – Sorocaba-SP. Orientador: Prof Dr Evandro Fio- tinidade, v. il, p. 73-84, 2013. Rio de Janeiro: UERJ. IFCH. Nu- dios para a identidade hispânica em Sorocaba. 2016. Traba-
Urbana de Sorocaba. Dissertação (Mestrado). Faculdade de
rin. 2016. 228 p. Bacharel – Arquitetura e Urbanismo, Depar- cleas, 2009 - . v. : il. 180p. lho de Conclusão de Curso (Graduação em Turismo) – Uni-
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São
tamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente, UNESP, versidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2016. Disponível
Paulo, 2012. MESTRE, João Luís Bengla. A Arquitetura Moderna em Soro-
Presidente Prudente. 2016. em: <https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/12738> Aces-
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FERRAZ, Marcelo Carvalho (Org.). Lina Bo Bardi. 5ª edição, so em: 10 Out. 2023.
Manifattura Tabacchi. AL VIA I LAVORI DELLA FACTORY DI dade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
São Paulo, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, Romano Guerra,
MANIFATTURA TABACCHI: UN NUOVO POLO CREATIVO Paulo, São Paulo, 2014. SANTOS, Carlos Nelson F. Preservar não é tombar, renovar
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NELLA EX FABBRICA DI SIGARI DI FIRENZE. 07 mar. 2021. Dis- não é pôr tudo abaixo. Disponível em: <https://www.passei-
PINTO JÚNIOR, Arnaldo. A invenção da Manchester Paulis-
GEHL, Jan. Cidades para pessoas. Tradução Anita Di Marco. 2 ponível em: <https://www.archilovers.com/projects/287074/ direto.com/arquivo/25030491/carlos-nelson-preservarnao-
ta: embates culturais em Sorocaba (1903 – 1914). Dissertação
-e-tombar-renovar-nao-e-por-tudo-abaixo>. Acesso em: 05
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SILVA, Paulo Celso da. De novelo de linha à Manchester Pau-


lista. Fábrica Têxtil e cotidiano no começo do século XX em
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VALVERDE, R. B. Imigração espanhola (1880 - 1930): das guer-


ras coloniais à integração social em Sorocaba. Revista Aedos,
[S. l.], v. 12, n. 27, p. 332–349, 2021. Disponível em: <https://seer.
ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/108412> Acesso em: 29
jun. 2023.
“Sou migrante
vim de longe
pensava em voltar.
Falava - fala - a saudade.
Mas pisei em terra rasgada,
ouvi o berrante, guardei um tropeiro em mim.
Criei família.
Sofri na lida.
Finquei os pés no chão.
Brotaram raízes, cresceu o tronco, nasceram frutos.
Mudou a cidade, eu mudei.
Meus olhos a veem diferente - múltiplos olhares.
Aprendi a conjugar o verbo Sorocabar, sigo sorocabano.
Seus cheiros, gostos e costumes agora são meus.
Compõem a colcha de retalhos que eu sou.
Sigo suburbana, sigo caipira.
Urbanamente sigo.”

Angela C, “Além Ponte - Além Linha” (Cubile, 2023)


VILA HORTÊNCIA Centro Universitário Facens
Arquitetura e Urbanismo
Autora: Vitória Amorim dos Santos
Orientadora: Profª Drª Taiana Car Vidotto
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EM PERSPECTIVA Trabalho Final de Graduação II TFG_AU_2023.2 (versão preliminar)

_01 Quadra antes da intervenção _03 Conceito e Partido: Permeabilidade e Caminhabilidade

_02 Quadra após a demolição da Remonsa _04 Projeto e entorno: relações de proximidade

A escolha dos lociais de intervenção e seus respectivos novos Pouco conhecida, porém, é a Vila Hortência das laranjas e cebo- _01: A Remonsa, cujo edifício estava abandonado, foi demolida _03: O projeto teve como conceito a permeabilidade e transpo-
usos (cultural, comunitário e de lazer) partiu antes de um estudo las: A Packing House da R. Ruy Barbosa, que serviu como centro para dar lugar a um edifício de 24 andares. Visou-se a preserva- sição dos espaços ao unir o novo e antigo. Através do partido de
do bairro, e não o contrário, como tradicionalmente costuma ser. de estocagem durante o ciclo da citricultura, hoje se encontra ção da Packing House, levando em conta o lote dos funddos. criar dois pátios internos, trouxe-se a rua para dentro do projeto,
O Além Ponte é uma das regiões mais antigas da cidade de Soro- esquecida. Nos fundos, a antiga Retífica de Motores Remonsa, voltada exclusivamente ao pedestre.
caba, e sua história, marcada por operários e por espanhóis. Hoje, foi demolida durante esta pesquisa, para dar lugar a um edifício _02: Como evocar a memória do intangível? O gabarito da Re-
a região se caracteriza pela grande parcela da população idosa, residencial. Surge, então, o seguinte projeto, uma contra propos- monsa foi mantido, e na Packing House, as únicas intervenções _04: O projeto final conecta-se ao seu entorno através dos aces-
pelo abandono dos edifícios antigos e verticalização crescente. ta que visa a memória da região mais antiga do Além Ponte. buscam adequar o edifício aos novos acessos e necessidades. so. A materialidade do novo edifício, totalmente metálica, busca
a diferenciação entre novo e antigo.

Programa de Necessidades Programa de Necessidades Térreo

Id Programa Área
01 Hall de Entrada 72,29 m²
02 Recepção 90,76 m²
03 Elevador 2,76 m²
04 W.C. 2,80 m²
04 W.C. 2,13 m²
05 W.C. P.C.D 2,85 m²
06 Almoxarifado Recepção 2,64 m²
07 Administração 39,68 m²
08 W.C. Adm 2,59 m²
09 Almoxarifado Adm 2,61 m²
10 Depósito/Carga Descarga 68,98 m²
12 Oficina de Dança 21,61 m²
13 Oficina de Teatro 38,39 m²
14 Camarim 4,49 m²
15 Sanitário Camarim 4,47 m²
16 Oficina de Costura 30,56 m²
17 Oficina de Artes Manuais 45,96 m²
18 Oficina de Pintura 41,74 m²
19 Oficina Multiuso 63,78 m²
20 Vestiário Masculino 20,70 m²
21 Vestiário Feminino 30,60 m²
22 Vestiário P.C.D 9,99 m²
23 Restaurante 59,41 m²
24 Cozinha 11,76 m²
25 Despensa 4,86 m²
26 W.C 3,28 m²
27 Circulação 809,32 m²
28 Bar 34,17 m²
29 Depósito 5,17 m²
29 Depósito 5,28 m²
29 Depósito 5,38 m²
29 Depósito 5,91 m²
29 Depósito 5,71 m²
29 Depósito 6,02 m²
29 Depósito 5,86 m²
30 Restaurante 47,87 m²
30 Restaurante 49,64 m²
30 Restaurante 52,05 m²
30 Restaurante 87,39 m²
31 Câmara Fria 5,62 m²
32 Cinema ao ar livre 60,63 m²
33 Pátio interno 676,11 m²
33 Pátio interno 529,49 m²
34 Sanitário Masculino 16,50 m²
35 Sanitário Feminino 16,01 m²
36 Feiras/Exposições 572,81 m²
37 Café 48,91 m²
37 Café 74,23 m²
38 Recepção café 38,96 m²
39 Cozinha 17,29 m²
40 Almoxarifado 20,78 m²
Total geral 3878,79 m²

Na fachada do novo edifício, o uso do policarbonato translúcido, a arquibancada do hall de entrada leva ao mezanino, onde en- No pátio interno do novo edifício, um cinema ao ar livre evoca a No pátio da Packing House, árvores de laranja passam pelo deck
visa, além da insolação, unir exterior e interior. contra-se o Centro de Memória Operária e espaços voltados ao memória dos cinemas que existiram na Vila, podendo ser usa- metálico, intervenção feita a fim de nivelar ambos os lados do
trabalhador como salas e boxes para venda de produtos, espaços da como arquibancada para apresentações de teatro. As árvores pavilhão, onde boxes de feira poderão abrigar eventos como Fes-
de descanso, encontro e de trocas de ideias. frutíferas e de sombreamento visam trazer o aspecto de “quin- tas Juninas, eventos beneficientes, Festa Espanhola ou Feiras de
tal” aos fundos do lote. Frutas de Verduras: o uso é para a comunidade.

Corte B-B
RUA
VOL
TÁRUN
IO A
RU
A
CO

LTIN
N
ST

O
AN
TI
N
O
SE

RUA GENE
GES
BOR
N

IBA
GE

ATAL SO
ACES Ô
RUA
R

BISTR
SO
ACES AL
CIP
PRIN

RAL JOSÉ
SO
ACES O

SERV

TAVARES
OSA
RUY BARB
EXISTENTE
ACESSO
DOUTOR

L
ACESSO
PRINCIPA FÉ
ACESSO CA
RUA

RUA ANDRÉ DE ZUNEGA

Implantação
ESC: 1 : 500

Projeto

Vila Hortência em Perspectiva


Instituição

Centro Universitário FACENS


Acadêmica Orientadora
Vitória Amorim Taiana Car Vidotto
Local Data Escala Folha
Sorocaba/SP 09/02/2024 1 : 500 01

FORMATO A1 - INTERNO: 806 x 574 mm.


EXTERNO: 841 x 594 mm.
Programa de Necessidades Térreo 07
Id Programa Área
07 06
01 Hall de Entrada 72,29 m² 05
02 Recepção 90,76 m² 04 2 10,30
03 Elevador 2,76 m² 03 39,80
04 W.C. 2,80 m² 02 6,80

4,40 so
04 W.C. 2,13 m²
01 Aces nte
6,80 u ra
05 W.C. P.C.D 2,85 m² Det.
A Resta
06 Almoxarifado Recepção 2,64 m² 4,55 Deck
05
07 Administração 39,68 m² 6,95
so
Aces AB
08 W.C. Adm 2,59 m²
ipal
09 Almoxarifado Adm 2,61 m² Princ
10 Depósito/Carga Descarga 68,98 m²
12 Oficina de Dança 21,61 m²
R G ES 23
571,25
13 Oficina de Teatro 38,39 m²
B O 571,25

4,90
IB A viço
ATAL
14 Camarim 4,49 m²
s o Ser
15 Sanitário Camarim 4,47 m² Aces

RUA BB
16 Oficina de Costura 30,56 m² 24
01 26 25
17 Oficina de Artes Manuais 45,96 m²
18 Oficina de Pintura 41,74 m² 571,25
19 Oficina Multiuso 63,78 m² 04

proj. pass
20 Vestiário Masculino 20,70 m² 04
21 Vestiário Feminino 30,60 m²

6,00
22 Vestiário P.C.D 9,99 m²

arela
23 Restaurante 59,41 m²
24 Cozinha 11,76 m²
25 Despensa 4,86 m² CB
26 W.C 3,28 m²
02
27 Circulação 809,32 m²
28 Bar 34,17 m²

8,33%
BARBOSA

7,57%
29 Depósito 5,17 m²

6,00
29 Depósito 5,28 m²
D
29 Depósito 5,38 m² 18

34,90
05
29 Depósito 5,91 m² 05
29 Depósito 5,71 m² 03 06
29 Depósito 6,02 m² 571,70
16 571,25 DB
29 Depósito 5,86 m² o
ezanin
30 Restaurante 47,87 m² 12 proj. m
30 Restaurante 49,64 m²
571,25

4,75
30 Restaurante 52,05 m²
RUY

30 Restaurante 87,39 m² 571,25


D
31 Câmara Fria 5,62 m²
EB
05

8,33%
32 Cinema ao ar livre 60,63 m²
33 Pátio interno 676,11 m² 17

7,57%
33 Pátio interno 529,49 m²
DOUTOR

34 Sanitário Masculino 16,50 m² 13


35 Sanitário Feminino 16,01 m² 572,40
36 Feiras/Exposições 572,81 m²

proj. pass

7,25
37 Café 48,91 m²
37 Café 70,61 m² 572,40
572,40 572,40
38 Recepção café 38,96 m²

arela
39 Cozinha 17,29 m²
27
40 Almoxarifado
Total geral
20,78 m²
3875,17 m²
14 FB
15
RUA

C
06 19

Descarg
572,40

Carga e
10

6,00
4

a
5 12 13 15 016 017 018
7 9 10 22
572,40
32,00
3,18 4,08 3,90 21 GB
3,30 3,30
3,30 3,30
4,40 3,18
572,40
A 20
08 572,40
09
29
40 07
572,40
572,40
572,40
Acesso Café

37
arela

10
proj. pass

9
8
7
6
10,68

5
572,40

4
3
2
1
B 32
Existente

570,62
Acesso

5,84%
33
572,40 572,40

C
3
2
8,33% 1
572,40
36
Principal
Acesso

33
6,84

07 1
8,33%
30,18

8,33%

570,93 571,90

D AC
29 29 30 572,40 30 572,40 29 29 30 572,40 572,40 29 31

28 30
4,76

6,60
06
572,40

E
39 29
572,40 34 BC
572,40
Acesso Café

571,30 Det.
572,40 A
B Deck
05
7,90

06
7,16 9,81 9,67 9,69 11,50 4,43
37 35
38 572,40 52,27

19 20 21 22 23 24
F
6,01 5,99 6,00 3,89 4,13
6,88 3,70 4,16 5,99
46,76
Projeto

8 11 14 16 17 18
Vila Hortência em Perspectiva
1 2 3 6
C Instituição
06

Planta Baixa - Pavimento Térreo Centro Universitário FACENS


ESC: 1 : 150
Acadêmica Orientadora
Vitória Amorim Taiana Car Vidotto
Local Data Escala Folha
Sorocaba/SP 09/02/2024 1 : 150 02

FORMATO A1 - INTERNO: 806 x 574 mm.


EXTERNO: 841 x 594 mm.
07
Programa de Necessidades Pavimento
Superior 06
Id Programa Área 05
04 07 10,30

41 Café 47,48 m² 03 39,80 6,80


42 Cozinha apoio 10,35 m² 02 4,402
43 Bar 38,98 m² 01 6,80
44 Restaurante 69,60 m²
4,55
45 Circulação 40,67 m²
6,95
45 Circulação 12,21 m²
Det.
45 Circulação 15,65 m² A
Deck
05
45 Circulação 22,78 m²
45 Circulação 8,88 m²
46 Oficina Multiuso 65,66 m² AB
47 Coworking 178,61 m²
47 Coworking 32,32 m²

Acesso
47 Coworking 31,08 m²

4,90
48 Box comercial 14,30 m²
48 Box comercial 14,53 m²
44
48 Box comercial 15,35 m² 575,70
48 Box comercial 13,66 m² BB
48 Box comercial 12,93 m²
48 Box comercial 13,72 m²
48 Box comercial 12,59 m²
48 Box comercial 6,99 m²

6,00
49 C.M.O Exposições 77,05 m²
50 C.M.O Sala Multiuso 38,66 m²
51 C.M.O Sala de Estudos 38,83 m²
52 Circulação restrita 27,12 m²
53 Lounge funcionários 21,98 m² CB
54 Descanso funcionários 18,69 m²
55 Copa funcionários 27,94 m²
49 575,70 Acesso

6,00
D
Acesso

34,90
05
ino
Mezan
45
575,70 DB
Acesso 47
or
Elevad

Acesso C

4,75
50
D 575,70
05
48
EB

.M.O
48
48

51

7,25
48
48

48

575,70
FB
C 48
06 55

1 54 48 46

6,00
4 5 12 13 15 016 017 018
7 9 10
32,00
Acesso
3,30 3,18 4,08 3,90 576,30 53 47 GB
3,30 3,30
3,18 3,30
4,40

A 575,70

Acesso
Acesso 52

575,70
10,68

proj. cobertura

C
6,84

07 1
30,18

D AC
4,76

proj. cobertura
43 B

6,86
06
575,00
E
574,70
BC
42 7,16 9,81 9,67 9,69 11,50 4,43

52,27 Det.
A
B 41 Deck
05
7,90

06

574,70
19 20 21 22 23 24
Acesso

Projeto
F
3,89 4,13
Vila Hortência em Perspectiva
5,99 6,01 5,99 6,00
6,87 3,70 4,16
46,75

Instituição

1 2 3 6 8 11 14 16 17 18 Centro Universitário FACENS


C Acadêmica Orientadora
06
Vitória Amorim Taiana Car Vidotto
Planta Baixa - Pavimento Superior Local Data Escala Folha
ESC: 1 : 150
Sorocaba/SP 09/02/2024 1 : 150 03

FORMATO A1 - INTERNO: 806 x 574 mm.


EXTERNO: 841 x 594 mm.
GES
BOR
ATALIBA
RUA

571,25

35%

35%
35%
35%

Abertura zenital automatizada - chapa de


?
policarbonato alveolar incolor

?
Telha termoacústica TR 40/980 - novo

32,5%
32,5%

?
Telha de fibrocimento - existente ?
Telha cerâmica francesa - existente 35%
35%
65,4%
61%

17,6% 65,4%
65,4%
61%

17,6%
OSA

57,7%

570,62
RUY BARB

572,40
65,4% 65,4%
DOUTOR

570,93 572,40
RUA

571,90
65,4%

35% 35% 35% 35% 35% 35%


35% 35% 35% 35% 35%
57,7%
65,4%
65,4%

Projeto

Vila Hortência em Perspectiva


Instituição

Centro Universitário FACENS


Acadêmica Orientadora
Planta de Cobertura Vitória Amorim Taiana Car Vidotto
ESC: 1 : 150
Local Data Escala Folha
Sorocaba/SP 09/02/2024 1 : 150 04

FORMATO A1 - INTERNO: 806 x 574 mm.


EXTERNO: 841 x 594 mm.
Guarda-corpo metálico, fechamento em
?
painel metálico perfurado

1,07
?
Painel de policarbonato alveolar 40mm

0,10
? em Steel Deck
Laje

0,46
?
Viga metálica perfil "H" 460x68cm

2 ?
Pilar metálico perfil "H" 250X149 cm
05

AB BB CB DB EB FB GB

D
05

Cobertura Fábrica
578,30

575,70
Mezanino Fábrica
575,60

573,18

572,40 572,40 572,40


Térreo
572,30
571,25

D
05

CORTE A-A
ESC: 1 : 100

01 02 03 04 05 06 07

Det.
A
Deck
05

Estrutura de apoio painéis de


policarbonato: perfis
metálicos espessura 11cm,
acabamento em pintura
eletrostática marrom

Fechamento em
policarbonato alveolar
cristal 40mm

Grelha em aço galvanizado


perfurado pintado de
branco, formado por perfis
e=25mm sobre estrutura de
cinta lateral de aço
3,62

Steel Deck

Pilar metálico Gerdau


perfil W250x149cm

Cobertura Fábrica
578,30
2,62

575,70 575,70
Mezanino Fábrica
0,55

575,60
3,90

Térreo
571,86 572,30
571,25

Projeto

Vila Hortência em Perspectiva


Instituição

Centro Universitário FACENS


Det.
A
CORTE D-D Deck
05
Acadêmica Orientadora
ESC: 1 : 100 Vitória Amorim Taiana Car Vidotto
Local Data Escala Folha
Sorocaba/SP 09/02/2024 Como indicado 05

FORMATO A1 - INTERNO: 806 x 574 mm.


EXTERNO: 841 x 594 mm.
19 20 21 22 23 24

C
06

Cobertura Fábrica
578,30

Mezanino Fábrica
575,00 575,60
574,70

572,40 572,40 572,40 572,40 572,40


Térreo
572,30
571,30

C
06

CORTE B-B
ESC: 1 : 150

B
06

Mezanino TRICO 1931


574,90

572,40 572,40 572,40


Térreo
571,90 572,30

B
06

CORTE C-C
ESC: 1 : 100

Vista restaurante implantado na Packing House

Ambiência: packing house em dia de feira

Projeto

Vila Hortência em Perspectiva


Instituição

Vista pátio interno Packing House Centro Universitário FACENS


Acadêmica Orientadora
Vitória Amorim Taiana Car Vidotto
Local Data Escala Folha
Sorocaba/SP 09/02/2024 Como indicado 06

FORMATO A1 - INTERNO: 806 x 574 mm.


EXTERNO: 841 x 594 mm.
Elevação - Rua Ataliba Borges
ESC: 1 : 150

Elevação Rua Ruy Barbosa - Proposta


ESC: 1 : 150

Modelagem realizada no Revit, com base na nuvem de pontos gerada

Elevação Rua Ruy Barbosa - Ortofoto Elevação Rua Ruy Barbosa - Existente
Tirada em 12/08 Decalque realizado no AutoCAD
Horário: 11h e 13h
Ferramenta: Iphone 12

Projeto

Vila Hortência em Perspectiva


Instituição

Elevação Rua Ruy Barbosa - Ortofoto Centro Universitário FACENS


Tirada em 15/08
Horário: 16h a 17h Acadêmica Orientadora
Ferramenta: Xiaomi MIA3
Vitória Amorim Taiana Car Vidotto
Local Data Escala Folha
Sorocaba/SP 09/02/2024 Como indicado 07

FORMATO A1 - INTERNO: 806 x 574 mm.


EXTERNO: 841 x 594 mm.

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