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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO – CAC


DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO – DAU
CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

JÔNATAS SOUZA MEDEIROS DA SILVA

COMPLEXO FABRIL DA TORRE: UM OLHAR SOBRE A INTEGRIDADE DO


PATRIMÔNIO INDUSTRIAL

Recife
2018
JÔNATAS SOUZA MEDEIROS DA SILVA

COMPLEXO FABRIL DA TORRE: UM OLHAR SOBRE A INTEGRIDADE DO


PATRIMÔNIO INDUSTRIAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao


Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal de Pernambuco
(DAU/UFPE) como pré-requisito à obtenção
do título de Bacharel em Arquitetura e
Urbanismo, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª
Flaviana Barreto Lira

Recife
2018
AGRADECIMENTOS

Grato à Deus. Sem Ele, nenhuma dessas maravilhas se tornariam possíveis.

Grato à minha família. Ao meu pai, Josafá, que com muita luta trilhou todo o caminho para eu
chegar até aqui. A minha mãe, Lauriene, por me mostrar que com os estudos traçamos voos
mais longos e mais altos. A minha irmã, Janine, por sempre estar ao meu lado até nos
momentos mais difíceis. Obrigado por todo esse amor! Vocês são o meu alicerce.

Grato à minha orientadora, professora Flaviana. Por todo o incentivo dado quando eu quis
buscar novos horizontes. Sempre disponível e pronta para abraçar comigo todos os novos
desafios lançados. Obrigado por me orientar, não apenas neste trabalho, mas em cada nova
porta a ser escolhida nessa nova fase de minha vida. Obrigado por todo o carinho, apreço e
persistência.

Grato à professora Onilda. Mesmo antes de eu chegar a compreender o que era esse novo
mundo que é a universidade e o campo da arquitetura, urbanismo e paisagismo, me abraçou e
tomou para si a tarefa de me guiar por toda essa jornada. Obrigado por todo seu afeto,
dedicação e confiança demonstrados desde a primeira vez que me viu.

Grato ao Laboratório da Paisagem, em especial a professora Ana Rita e ao professor Joelmir.


Vocês são peças essenciais desse projeto que finaliza sua primeira etapa. Obrigado por me
acolherem e me darem a oportunidade de crescer cada vez mais. Grato por todo o carinho!

Grato ao Escritório Técnico do Iphan em Igarassu. Em especial à Fábio Torres, por todo o
ensinamento no qual me foi transpassado, à Lex Ane, amiga e companheira das lutas diárias,
D. Layde por todo o afeto e carinho, e ao Sr. Genésio por sua calorosa amizade.

Grato a todos os meus amigos que fiz durante esse curso. Pessoas que levarei para a vida:

Grato à Raquel, por sempre dividir suas façanhas e estar sempre pronta para abraçar nos
momentos de angústia. Obrigado por ter caído de paraquedas na minha vida.

Grato à Jéssyca, por aquecer cada vez mais minhas razões e emoções. Obrigado, minha
amiga, por se fazer sempre presente, uma verdadeira companhia para todas as horas. Grato à
Sunamita, por ser calmaria nas minhas tempestades. Obrigado por toda a sua paciência e sua
sabedoria.
Grato à Izabella, Mariana e Thiago por serem confetes nas euforias, mas também, abrigo nos
temporais. Obrigado por transformarem estes anos mais leves e divertidos, sempre prontos a
dividir nossos pesos, proporcionando momentos memoráveis que levarei comigo para toda a
vida.

Grato à Letícia, pela parceria na exploração desse mundo. Colega de viagem e de sonhos.
Nossas loucuras expressam a alegria de tudo o que fizemos e ainda poderemos fazer.

Grato à Antônia pela amizade cultivada durante este ano tão definidor para as nossas vidas, à
Thatiane pela longa parceria durante estes anos de curso. Grato a todos que deixaram suas
marcas em minha vida durante esses cinco anos que se concluem aqui.

Grato ao presidente Lula, à presidenta Dilma Rousseff e ao ministro Fernando Haddad. Eu ter
chegado a uma universidade pública federal não foi mérito meu, mas uma oportunidade
agarrada. E sim, tem mostrado seus resultados dia após dia.

Momentos de gratidão que não se limitam a este espaço, mas que permanece em meu coração
junto a estes e mais várias outras pessoas que fizeram parte desta etapa da minha vida.

Obrigado.
RESUMO

O trabalho tem como temática a preservação de complexos fabris oitocentistas enquanto


patrimônio industrial, mais especificamente, o complexo fabril remanescente do bairro da
Torre, na cidade do Recife, Pernambuco. Tal tema surge a partir da negligência quanto a
preservação deste tipo de bens culturais que, pela sua obsolescência, têm sido ameaçados pela
investida da especulação de grandes empreendimentos por se tratar de grades parcelas urbanas
vazias e ociosas de baixo custo financeiro. Diante disto, o objetivo deste trabalho é identificar
os atributos fabris do complexo industrial do bairro da Torre e, através da avaliação de sua
integridade compreender seu estado de conservação, para que possa servir, posteriormente,
como base para o esboço de diretrizes para a sua preservação. Para tanto, primeiro foi
apreendido, a partir de um panorama geral, a importância deste conjunto para a história das
cidades e o porquê devem ser considerá-los patrimônio industrial. Assim, tornou-se possível,
por meio de um arcabouço teórico-metodológico, identificar os elementos que transmitem os
signos deste conjunto. Foi realizado um apanhado histórico do bairro e sua relação com o
complexo fabril. Logo após, foi desenvolvido uma análise da situação atual do bairro em
busca de identificar os remanescentes deste conjunto. Por fim, foram reconhecidos os
atributos que conformam o patrimônio industrial deste lugar, avaliando a sua situação a partir
da noção de integridade, afim de obter subsídios para a sua devida salvaguarda.

Palavras-chave: Complexo Fabril, Bairro da Torre, Patrimônio Industrial, Integridade.


ABSTRACT

The work has as its theme the preservation of eighteenth-century factory complexes as
industrial heritage, but specifically, the factory complex of the Torre district, in the city of the
Recife, pernambuco. This issue arises from the neglect of the preservation of this type of
cultural property that, due to their obsolescence, have been threatened by the speculation of
large enterprises because they are large, empty and idle urban parcels with low finiancial
costs. Before that, the objective of this work is to identify the attributes factory of industrial
complex of the Torre district and, throungh the evaluation of their integrity, understand your
condition; so you can serve later as a basis for the outline guidelines for your preservation.
For this, it was first learned, from a general outlook, the importance of this set for the history
of cities and why they should be considered as industrial heritage. Thus, it became possible,
through a theoretical-methodological framework, to identify the elements that transmit the
signs of this set. A historical survey of the district and its relation with the industrial complex
was carried out. Soon after, na analysis of the current situation of the district was developed in
search of identifying the remmants of this complex. Finally, the attributes that conform the
industrial heritage of this place were recognized, evaluating their situation based than
obtaining subsidies for their proper safeguarding.

Palavras-chave: Factory Complex, Torre’s District, Industrial Heritage, Integrity.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 – Localização...........................................................................................................13
Figura 02 – Delimitação do Bairro da Torre, Recife (PE).......................................................14
Figura 03 – Equipamentos Especiais no Bairro da Torre, Recife (PE)...................................15
Figura 04 – Espacialização da Proposta de Preservação Proposto pelo Grupo Direitos
Urbanos para a FUNDARPE....................................................................................................16
Figura 05 – Inserção do shopping Paulista North Way em relação ao bloco administrativo da
antiga fábrica Arthur, Paulista (PE)..........................................................................................29
Figura 06 – A falta de conversa entre os remanescentes fabris e o novo empreendimento na
antiga fábrica Arthur, Paulista (PE)..........................................................................................30
Figura 07 – Relação destoante entre escalas dos equipamentos com o shopping, na antiga
fábrica Arthur, Paulista (PE).....................................................................................................30
Figura 08 – Bloco administrativo (em primeiro plano) da antiga fábrica Arthur e sua chaminé
(em segundo plano), a igreja matriz de Santa Isabel (em terceiro plano) e chaminés da fábrica
Aurora (marcando a linha do horizonte): alguns elementos remanescentes do antigo complexo
industrial do município de Paulista (PE)...................................................................................31
Figura 09 – Plano geral do projeto do shopping Paulista North Way.....................................32
Figura 10 – O antigo bloco administrativo do cotonifício alocado no hall do shopping no
projeto de ampliação do shopping Paulista North Way............................................................32
Figura 11 – Shopping Camará e chaminé da antiga fábrica de tecidos de Camaragibe..........33
Figura 12 – Plano geral do projeto Consórcio Camará............................................................34
Figura 13 – Remanescentes antigos se tornam elementos secundários em relação ao novo
empreendimento no Shopping Camará, Camaragibe (PE).......................................................35
Figura 14 – Esquema de compreensão do arcabouço teórico..................................................45
Figura 15 – Casa grande e Capela do Engenho da Torre entre os anos 1781 e 1867..............48
Figura 16 – Cartão postal representado uma visão para o cotonifício da Torre a partir das
margens do rio Capibaribe, por volta dos anos de 1910...........................................................50
Figura 17 – Pavimentação em pedras da rua Visconde de Irajá, bairro da Torre, na década de
1940...........................................................................................................................................51
Figura 18 – Maquinário pertencente ao cotonifício da Torre..................................................52
Figura 19 – Tecnologia industrial utilizada para a fabricação de tecidos, no ano de 1937.....53
Figura 20 – Produção de tecidos da fábrica da Torre, no ano de 1937....................................53
Figura 21 – Visão interna do cotonifício da Torre, 1937.........................................................54
Figura 22 – Áreas livres públicas na rua Real da Torre, na década de 1950...........................56
Figura 23 – Baile de carnaval realizado pelo bloco carnavalesco "Apôis Fum" no bairro da
Torre, no ano de 1926...............................................................................................................57
Figura 24 – Jogadores do time de futebol “Torre Sporte Club” do ano de 1930.....................58
Figura 25 – Vila Vitorino, rua Vitoriano Palhares, bairro da Torre, Recife (PE)....................60
Figura 26 – Início da aparição dos edifícios multifamiliares no bairro da Torre.....................61
Figura 27 – Transformação da escala urbana através do investimento imobiliário em edifícios
multifamiliares no bairro da Torre a partir da década de 2000.................................................62
Figura 28 – Falta de vivência nas ruas do bairro e sua ocupação pelos carros........................63
Figura 29 – Grande estado de descaracterização e perda de partes do casario da antiga vila
operária 4 de Outubro...............................................................................................................63
Figura 30 – O desestimulo social que causa a venda dos imóveis remanescentes para grandes
empreiteiras...............................................................................................................................64
Figura 31 – Estudo levantado pela DPPC sobre as transformações do tecido urbano e malha
viária do bairro da Torre do ano de 1906 até sua situação atual...............................................68
Figura 32 – Estudo levantado pela DPPC sobre as transformações das áreas verdes após o
início da consolidação urbana do bairro da Torre até sua situação atual..................................70
Figura 33 – Sobreposição do gabarito atual com a cobertura vegetal da década de 1950.......71
Figura 34 – Edificação habitacional remanescente na rua Visconde de Irajá, bairro da Torre,
Recife (PE)................................................................................................................................72
Figura 35 – Análise urbana por período de construção dos edifícios do bairro da Torre........73
Figura 36 – Análise urbana de gabarito do bairro da Torre.....................................................74
Figura 37 – Chaminé deixa de ser ponto focal ao surgir os novos edifícios no bairro da
Torre..........................................................................................................................................75
Figura 38 – Edifício Cine Torre, bairro da Torre, Recife (PE)................................................76
Figura 39 – Mapa com possíveis remanescentes fabris do conjunto industrial da Torre........77
Figura 40 – Antiga Companhia de Fiações e Tecidos da Torre, bairro da Torre, Recife
(PE)...........................................................................................................................................78
Figura 41 – Galpões, armazéns e chaminé do antigo cotonifício da Torre, bairro da Torre,
Recife (PE)................................................................................................................................78
Figura 42 – Blocos remanescentes do cotonifício da Torre e outros criados pela
CENAB.....................................................................................................................................79
Figura 43 – Blocos, reservatório e área verde remanescente no terreno do antigo cotonifício
da Torre.....................................................................................................................................79
Figura 44 – Bloco anexo do cotonifício da Torre situado na esquina da rua Marcos André e
rua dos Artistas, bairro da Torre, Recife (PE)...........................................................................80
Figura 45 – Vila operária da rua Benjamin Constant, bairro da Torre, Recife (PE)................80
Figura 46 – Vila operária da rua José de Holanda, bairro da Torre, Recife (PE)....................81
Figura 47 – Edificação Fabril situ à rua José Bonfifácio, bairro da Torre, Recife (PE)..........82
Figura 48 – Remanescentes fabris situ à rua José Bonifácio, bairro da Torre, Recife (PE)....82
Figura 49 – Edificações de estilo eclético descaracterizadas com revestimento cerâmico, na
rua Conde de Irajá, bairro da Torre, Recife (PE)......................................................................83
Figura 50 – Edificação habitacional fabril remanescente na rua Conde de Irajá, bairro da
Torre, Recife (PE).....................................................................................................................83
Figura 51 – Moradias remanescentes na rua João de Deus, bairro da Torre, Recife (PE).......84
Figura 52 – Vila Sucesso, situada na rua Conde de Irajá, bairro da Torre, Recife (PE)..........84
Figura 53 – Vila Talismã, rua Dom Manoel da Costa, Bairro da Torre, Recife (PE).............85
Figura 54 – Moradia situada na rua Melquisedeque de Lima, bairro da Torre, Recife
(PE)...........................................................................................................................................86
Figura 55 – Edificações operárias geminadas na rua Melquisedeque de Lima, bairro da Torre,
Recife (PE)................................................................................................................................86
Figura 56 – Vila operária em forma de "U" na rua Benjamin Constant, bairro da Torre,
Recife (PE)................................................................................................................................87
Figura 57 – Edificação unifamiliar na rua José de Holanda, bairro da Torre, Recife (PE).....87
Figura 58 – Primeira Igreja Evangélica Batista na Torre, rua Conde de Irajá, bairro da Torre,
Recife (PE)................................................................................................................................88
Figura 59 – Abrigo Espírita Lar de Jesus, rua Vitoriano Palhares, bairro da Torre, Recife
(PE)...........................................................................................................................................89
Figura 60 – Sebo da Torre, rua José Bonifácio, bairro da Torre, Recife (PE).........................90
Figura 61 – Panificadora Nova Armada, rua José Bonifácio, bairro da Torre, Recife
(PE)...........................................................................................................................................91
Figura 62 – Festa de Santa Luzia, praça Barreto Campelo, bairro da Torre, Recife (PE).......92
Figura 63 – Campo do Bueirão, bairro da Torre, Recife (PE).................................................93
Figura 64 – Apropriação da calçada na rua 24 de Fevereiro, rua da Torre, Recife (PE).........97
Figura 65 – Comércio local com apropriação das calçadas na antiga vila operária 4 de
Outubro, atual rua Marcos André, bairro da Torre, Recife (PE)..............................................99
Figura 66 – Time do Torre Sport, década de 1930................................................................100
Figura 67 – Time sub-15 e sub-17 do campo do Bueirão, 2017............................................100
Figura 68 – Análise dos remanescentes fabris do cotonifício da Torre.................................103
Figura 69 – Conformação urbana e espacial remanescentes das antigas vilas operárias
identificadas............................................................................................................................105
Figura 70 – Possíveis remanescentes das edificações das antigas vilas operárias
identificadas............................................................................................................................106
Figura 71 – Análise das transformações sofridas na malha urbana pós fechamento do
Cotonifício da Torre, em 1982................................................................................................108
Figura 72 – Skyline visto do Rio Capibaribe para o bairro da Torre (edifícios vs.
chaminé)..................................................................................................................................110
Figura 73 – A verticalização que surge por traz das edificações antigas...............................110
Figura 74 – Visada para a Chaminé do Cotonifício da Torre a partir da antiga vila 4 de
Outubro...................................................................................................................................111
Figura 75 – Rio Capibaribe, bairro da Torre, década de 1940...............................................112
Figura 76 – Rio Capibaribe, bairro da Torre, 2016................................................................113
Figura 77 – Cores do casario da rua José de Holanda, bairro da Torre, Recife (PE)............114
Figura 78 – Ritmo e simetria dos galpões do cotonifício da Torre........................................114
Figura 79 – Os elementos que caracterizam a arquitetura fabril do bairro da Torre.............115
Figura 80 – Cotidiano da Torre..............................................................................................116
SUMÁRIO

Introdução................................................................................................................................12

1. Um olhar sobre o patrimônio urbano industrial............................................................19


1.1 Histórico do processo de industrialização e a negligência quanto a sua preservação
enquanto sistema conformador das cidades.......................................................................20
1.2 O desmonte, a obsolescência e a acelerada descaracterização dos conjuntos
fabris..................................................................................................................................26
1.3 A falta de reconhecimento dos conjuntos fabris enquanto bens culturais.........................28
1.4 O conjunto fabril, o seu reconhecimento enquanto patrimônio urbano industrial e o
desafio da sua conservação................................................................................................36
1.5 Os atributos dos conjuntos fabris.......................................................................................41

2. Complexo fabril da Torre: patrimônio industrial recifense.........................................46


2.1 A conformação urbana e histórica do bairro da Torre........................................................47
2.2 O papel da industrialização no processo de urbanização do bairro da
Torre....................................................................................................................................51
2.3 O declínio do sistema industrial do bairro da Torre: da sua obsolescência funcional ao seu
desmonte.............................................................................................................................58

3 Os remanescentes fabris do complexo fabril da Torre como atributos do patrimônio


industrial............................................................................................................................66
3.1 O desenvolvimento urbano do bairro da Torre: do caráter fabril do século XX às
transformações urbanas sofridas pós-fechamento...............................................................67
3.2 Situação atual dos remanescentes arquitetônicos do conjunto fabril da
Torre....................................................................................................................................75
3.3 A herança social vinda do cotidiano industrial que resiste no bairro da
Torre....................................................................................................................................89

4 Identificação dos atributos patrimoniais do conjunto fabril do bairro da Torre e a


avaliação de sua integridade............................................................................................94
4.1 Atributos sociofuncionais do complexo fabril da Torre.....................................................96
4.2 Atributos estruturais do complexo fabril da Torre............................................................102
4.3 Atributos visuais do complexo fabril da Torre.................................................................109

Considerações finais..............................................................................................................118

Referências Bibliográficas....................................................................................................121

Apêndice A – Mapas elaborados para a análise urbana...................................................126

Anexo A – Mapas elaborados pela DPPC utilizados na análise urbana..........................131


12

INTRODUÇÃO

Este trabalho de conclusão de curso intitulado Complexo Fabril da Torre: Um olhar sobre a
integridade do patrimônio industrial compreende uma pesquisa voltada a importância da
preservação do patrimônio industrial remanescente dos séculos XIX e XX, encontrados nos
perímetros urbanos das cidades brasileiras.

Isto porque, estas áreas, atualmente ociosas, degradadas e desvalorizadas, são bem vistas pelo
mercado imobiliário privado que visa o lucro a partir de seu potencial fundiário e econômico.
Este abandono à uma paisagem que demarca a expansão da cidade, que sai do centro histórico
para habitar a periferia, fazendo surgir um novo estilo de moradia e de vida trazida por essa
“nova era”, distinta do então estilo colonial que moldou, por séculos, toda a cultura social do
país.

É o reconhecimento dos atributos e valores desses conjuntos urbanos que levanta a


preocupação quanto a sua preservação. A sua aceitação como patrimônio cultural, transmite a
história e a memória do lugar, determinada não só pelo bem tangível, mas revestido pelo valor
social agregado a ele.

Desta forma, o patrimônio industrial, objeto desta pesquisa, revela, através de seus
exemplares, o desafio da preservação desses conjuntos tão pouco valorados pela sociedade.
Devido a realidade alarmante quanto ao estado de conservação de muitas dessas nucleações
fabris, faz-se necessário o investimento em estudos voltados para identificação e preservação
desses conjuntos remanescentes. Nos conjuntos fabris pernambucanos percebe-se a sua
descaracterização e falta de reconhecimento como elementos conformadores de diversas de
nossas cidades.

Ao analisar as transformações sofridas nos principais conjuntos fabris do estado, segue-se ao


estudo do conjunto fabril pertencente ao bairro da Torre, que fica localizado na Região
Político Administrativa (RPA) 4 do município do Recife, capital pernambucana, às margens
do Rio Capibaribe que corta vários bairros da cidade (Figura 01).
13

Figura 01 - Localização

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Este, atualmente, é visto como remanescente de toda uma paisagem que sofre com as
alterações de suas estruturas arquitetônicas, tanto nos edifícios de produção fabril, como nos
elementos restantes do casario operário e demais equipamentos em seu entorno, causando,
cada vez mais, interferência na leitura urbana do lugar. Hoje, este local é caracterizado por ser
uma área nobre da cidade, altamente verticalizada, ao apresentar um novo caráter urbano, e
consequentemente, um novo estilo de vida, distinto daquele trazido pela vila fabril.

Este complexo industrial da Torre, característico do século XIX e XX, está distribuído sobre
grande parte da área territorial do bairro, o qual é composto por cerca de 117 hectares (Figura
02), e tem população estimada pelo IBGE de 2010 em dezoito mil habitantes (17.903 hab),
compreendendo uma densidade demográfica de 152,68 habitantes por hectare. Esta população
está distribuída em 5.941 domicílios, tanto residências unifamiliares – em loteamentos
regulares, onde também estão compreendidas as vilas operárias e em uma zona especial de
interesse social, o caso da comunidade de Santa Luzia –, como em edifícios residenciais
multifamiliares. Assim, de tal forma, comprova-se esta diversidade social presente no bairro.
14

Figura 02 - Delimitação do Bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Bastante deste conjunto fabril encontrado no bairro da Torre é referente à antiga fábrica de
tecidos Companhia de Fiação e Tecidos de Pernambuco ou Cotonifício da Torre, como é
popularmente conhecida. Inserida numa área rica em comércio e serviços, alguns dos edifícios
do complexo do Cotonifício foram ocupados por grandes empreendimentos (uma
concessionária e um empreendimento comercial), além da ocupação de outros espaços que
anteriormente pertenciam à outra indústria local, o Cotonifício Capibaribe, demolida para a
construção de um hipermercado nos terrenos da antiga fábrica (Figura 03). Galpões da
fábrica, vilas operárias que atendiam a demanda de habitação da área, como também
equipamentos sociais que fizeram parte da história do Recife dos séculos XIX e XX,
perderam irreversivelmente suas características após a inserção desses novos usos.
15

Figura 03 - Equipamentos Especiais no Bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Atualmente, há um grande terreno ainda remanescente desta estrutura industrial oitocentista


no bairro em um considerável estado de conservação, onde nele estão localizados partes dos
galpões e antigos aposentos pertencentes às partes administrativas e de produção da fábrica.
Trata-se de um conjunto arquitetônico de bastante valor, seja pela dimensão de seu terreno
(com cerca de 100.000 m2), como também por seu valor histórico, ao remeter ao
desenvolvimento urbano e social do bairro. É um dos poucos exemplares desta arquitetura que
caracteriza a revolução industrial presente na história, não só do estado, mas do país.

Atualmente, o terreno do Cotonifício da Torre é caracterizado como um Imóvel de Proteção


de Áreas Verdes (IPAV) e, junto a alguns remanescentes do casario da antiga vila operária
das ruas José de Holanda e Benjamin Constant, encontram-se em processo de tombamento em
nível estadual, pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco
(FUNDARPE), solicitado pelo movimento Direitos Urbanos, grupo que nos últimos seis anos
reúne interessados nos problemas urbanos da cidade de uma maneira geral (Figura 04).
16

Figura 04 - Espacialização da Proposta de Preservação Proposto pelo Grupo Direitos Urbanos para a
FUNDARPE

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Tal solicitação resguarda de modo provisório sua área das transformações que ocorrem de
forma desordenada, visto que, muitas destas são frutos da ação imobiliária que, nos últimos
anos, tem transformado drasticamente o perfil do bairro. Contudo, observa-se que a
solicitação de tombamento de edifícios ou partes isoladas deste conjunto, por meio do qual
estão inseridas na poligonal de preservação apenas a fábrica e um pequeno resquício de uma
das vilas operárias encontrada no bairro, bem como sua condição de Imóvel de Preservação de
Área Verde – IPAV – do terreno do cotonifício, não caracteriza a inteireza da identidade deste
bairro de origem fabril. Esta sua classificação, por exemplo, apenas garante a preservação de
70% da área natural encontrada em seu lote, enquanto sua arquitetura e, consequentemente,
sua paisagem, estão passíveis de qualquer mudança.

Some-se a essa compreensão frágil deste conjunto industrial a incidência de leis que não se
preocuparam em manter as características morfotipológicas do bairro, como a Lei de Uso e
Ocupação do Solo (LUOS) – Lei Municipal de nº 16.176/96. A visão desta norma é de que o
17

bairro é uma área passível de grande desenvolvimento urbano e social. De acordo com suas
diretrizes, o bairro é caracterizado por estar na Zona de Ambiente Construtivo (ZAC) e
determina que sua área deve obedecer aos parâmetros descritos para a Zona de Urbanização
em Potencial (ZUP) 1, caracterizada pelo potencial construtivo e de desenvolvimento bastante
elevados.

Nesta área encontram-se o Imóvel de Preservação de Áreas Verdes (IPAV) de nº 96 referente


ao terreno do Cotonifício da Torre, e o Imóvel Especial de Preservação (IEP) de nº 102,
situado na Praça Barreto Campelo de nº1238, a qual hoje se refere à um centro de educação
para surdos. O rio Capibaribe, que margeia toda a porção norte e parte da zona oeste do bairro
está delimitado como integrante da Zona de Ambiente Natural (ZAN).

Deste modo, vê-se a necessidade do reconhecimento de seus atributos que resistiram ao


desmonte do conjunto após o término de suas atividades fabris, e continuam resistindo às
transformações causadas pela dinâmica imobiliária predatória no bairro e a sua valorização
econômica.

Assim, toma-se como objetivo geral deste trabalho identificar os atributos fabris do complexo
industrial do bairro da Torre e, através da avaliação de sua integridade compreender seu
estado de conservação. De tal maneira, propõe-se a partir disso como objetivos específicos: i)
verificar a situação atual do complexo industrial do bairro da Torre, analisando-o a luz do seu
apanhado histórico; ii) reconhecer os remanescentes fabris do complexo industrial do bairro
da Torre; e iii) analisar as condições de integridade.

Para tal, este trabalho se estrutura em quatro capítulos.

O primeiro capítulo retoma o histórico da industrialização e sua chegada e implantação no


âmbito nacional, enquadrando a cidade do Recife e seus arredores e sua importância não só
para a industrialização e economia do estado de Pernambuco, mas também por seu papel
catalizador de urbanização e modernização. Para além disso, são também levantados os
desafios que se impõem à conservação do patrimônio industrial ainda hoje, e a necessidade de
sua preservação como testemunho significativo para a história do urbanismo e da cidade.
Colocando, assim, para discussão, o aporte teórico quanto a preservação do patrimônio
industrial.

O segundo capítulo constrói um apanhado histórico do bairro da Torre e a importância da


industrialização para sua conformação enquanto parte importante no tecido urbano recifense.
18

De modo que transporta desde seu período anterior a chegada das fábricas, percorre pela
Torre enquanto núcleo fabril e acompanha o processo de desmonte após o término de suas
atividades industriais até os dias atuais.

O terceiro capítulo traz uma investigação analítica quanto à situação atual do conjunto fabril
da Torre, tanto no âmbito urbano, arquitetônico, quanto social. Realiza-se, a partir da
comparação quanto ao seu estado originário trabalhado no apanhado histórico levantado no
capítulo anterior, afim de reconhecer os remanescentes fabris ainda presentes no bairro.

O quarto capítulo deste trabalho visa a identificação dos atributos fabris que expressam a
identidade urbana e social do lugar, para, em seguida, avaliar as condições de integridade em
que se encontram.

Como fim, este trabalho enquadrará como referencial bibliográfico sobre o conjunto fabril da
Torre, uma vez que, os estudos voltados para o objeto empírico analisado, como também, as
pesquisas voltadas ao campo da preservação do patrimônio industrial, são bastante escassos.

Poderá servir, também, como suporte analítico para o processo de tombamento em nível
estadual em trâmite na FUNDARPE. Assim, mostrando-se útil como instrumento
comprobatório quanto a importância deste bem cultural para a história de Pernambuco. Além
de subsidiar na revisão da poligonal de tombamento, provisoriamente proposta pelo grupo
Direitos Urbanos e, mais adiante, nas tomadas de diretrizes para sua devida salvaguarda.
19
20

1. Um olhar sobre o patrimônio urbano industrial

O presente capítulo discorre sobre o histórico da industrialização mundial, sua inserção no


Brasil e a importância enquanto conformador das cidades, assim como as cidades
pernambucanas, demonstrando a necessidade de sua preservação enquanto registro de parte
importante da história da urbanização e das cidades. Também é discutido nesse capítulo o
aporte teórico como base para a preservação do patrimônio industrial.

Para isso, o capítulo é dividido em cinco partes. Na primeira, denominada Histórico do


processo de industrialização e a negligência quanto a sua preservação enquanto sistema
conformador das cidades, aborda-se o panorama geral da industrialização do mundo até sua
chegada ao Brasil e a Pernambuco, demonstrando sua importância enquanto elemento
fundamental para a urbanização do país. Na segunda, intitulada O desmonte, a obsolescência
e a acelerada descaracterização dos conjuntos fabris, aborda o período pós-fechamento das
indústrias e o seu processo de degradação e descaracterização e a negligência quanto a sua
preservação.

Na terceira parte, nomeada A falta de reconhecimento dos conjuntos fabris enquanto bens
culturais, são trazidos dois estudos de caso demonstrando a consequência da falta de
reconhecimento enquanto um bem cultural desses conjuntos fabris. Na quarta, denominada O
conjunto fabril, o seu reconhecimento enquanto patrimônio urbano industrial e o desafio da
sua conservação, se discute, a partir das reflexões abordadas por Rufinoni (2013) e Casanelles
(2007), como e o porquê estes conjuntos são considerados patrimônio industrial, ressaltando a
importância da sua conservação. Por fim, é abordado em Os atributos dos conjuntos fabris a
necessidade do a identificação dos atributos que expressam os signos deste conjunto como
meio de chegar a sua preservação, utilizando aqui as dimensões discutidas por Casanelles
(2007) e Jokilehto (2006).

1.1 Histórico do processo de industrialização e a negligência quanto a sua preservação


enquanto sistema conformador das cidades

A revolução industrial é uma das passagens fundamentais da história da humanidade: a


transição de um mundo rural, marcado pela manufatura ligada diretamente à produção de
subsistência local, para uma produção em massa de abrangência global. Um modo de
produção que acelerou e dinamizou não só o universo econômico, mas transformou todo o
21

modus vivendi da sociedade, e está ligado a urbanização em larga escala e ao início de uma
longa jornada da vida citadina.

Iniciado na Europa no final do século XVIII e, posteriormente, difundido em outros países,


este movimento marca o grande processo imigratório da população campestre para as cidades,
quando é obrigada a deixar suas funções agrícolas e artesãs para se adequar como proletários
assalariados. Isto, causado pela baixa da manufatura, que é rapidamente trocada pela produção
em massa obtida a partir dos avanços tecnológicos representados pelos maquinários que
dinamizavam as atividades, diminuindo a mão de obra e encurtando o prazo de fabricação
(SOUZA, 2013).

O crescimento das cidades é acompanhado do aumento da demanda por moradia e pela


necessidade de melhorias na infraestrutura urbana. Como atendimento a essa nova realidade
são criados e construídos grandes equipamentos, tais como: pontes, canais, estações
ferroviárias, aquedutos, conformando o novo cenário da vida fabril.

Nesta gama de novos equipamentos encontram-se os núcleos fabris, estruturas criadas para
atender às necessidades advindas das atividades industriais. Entendidos como um modelo de
implantação das industrias, tinham como intuito abrigar os operários próximos às instalações
da fábrica e, somados a outros equipamentos assistenciais, ofereciam aos proprietários
aparatos para gerir de perto a mão de obra empregada da indústria (SOUZA, 2013).

As mudanças na vida social, advindas com a difusão dos ideais da industrialização, tomam
tais proporções que cruzam o Atlântico com a chegada da família real portuguesa nas terras
brasileiras, no ano de 1808 (LUZ, 1978). Este ponto de partida ocorre com a revogação da lei
que proibia a implantação de indústrias, como também, da lei do livre comércio e exportação,
que visavam impedira colônia de se fortalecer economicamente e, porventura, futuramente
buscar sua independência.

Com o estreitamento dos laços com os países europeus em relação ao comércio,


principalmente com a Inglaterra, a partir dos anos de 1810, os pensamentos da revolução
industrial europeia adentram no Brasil, juntamente com os modelos de indústria ligadas
diretamente com o desenvolvimento urbano das poucas cidades e núcleos urbanos existentes
em todo o território brasileiro (LUZ, 1978).

A partir disso, o século XIX é caracterizado pelo desejo de equiparar o modus vivendi
brasileiro ao novo estilo de vida europeu. O país entra em processo de modernização de suas
22

estruturas para a melhoria na qualidade de vida e aparência das cidades, com a reforma de
seus edifícios aos novos estilos arquitetônicos difundidos na Europa – como o Neoclássico e o
Eclético, bastante produzido entre a metade do século XIX e o início do século XX.

A questão da infraestrutura urbana foi enfrentada por sanitaristas e higienistas com a


aplicação de técnicas modernas advindas das cidades europeias recentemente reformadas,
como: a abertura e alargamento de vias, e sua consequente pavimentação; instalação da rede
de saneamento e esgotamento sanitário; implantação de iluminação pública; instalação de
novos meios de transportes, tanto de pessoas como de cargas; entre outras ações. Propostas
modernistas adotadas por diversas capitais pelo país:

As ruas constituidoras da malha urbana, segundo sua hierarquia, teriam, no


Recife e noutros estados, nesse futuro uma vez materializado, de existir do
gestor público intervenções, como ocorreu naquela Paris como as obras
estruturadoras da cidade realizadas pelo prefeito Haussman. (MENEZES,
2015, p.124-125)

Com a decadência econômica vinda da baixa produção açucareira, em meados do século XIX,
o nordeste brasileiro passa por um período de crise com a falta de produtos para exportação,
enquanto, no mesmo período, já começava a se questionar os índices da agricultura do café no
Sudeste (LUZ, 1978). Com a necessidade de dinamizar as cidades portuárias, como Recife e
Salvador por sua centralidade no litoral brasileiro, juntamente com a maior proximidade com
a Europa, a modernização destas cidades em busca de investimento econômico com relações
comerciais com o exterior torna-se imperativa.

A necessidade de instalar as indústrias, visando a uma produção mais rápida e barata,


emergem do desejo de prosseguir todo o processo de produção de derivados, a partir das
diversas matérias primas existentes no país. Traz-se como referência deste cenário, o
crescimento da produção algodoeira em todo o território brasileiro nesta época. As fábricas
responsáveis pela produção de estopas, tecidos e demais produtos advindos do algodão
tornam-se o marco deste período proletariado do Brasil oitocentista (SOUZA, 2013).

Com este amplo crescimento industrial, visto como grande inovação nas cidades brasileiras, o
país começa a sofrer com o êxodo rural, assim como ocorreu na Europa. É neste cenário que a
indústria começa a moldar um novo modus vivendi, moderno, distinto do luso-brasileiro
arraigado desde a colonização.

Pelas grandes dimensões dessas estruturas fabris que visavam a produção em larga escala de
sua mercadoria para exportação, buscou-se de imediato as áreas periféricas das cidades. A
23

utilização destas áreas distantes dos centros urbanos fazia com que os proprietários destas
indústrias solucionassem a demanda para a fixação de seu quadro de funcionários com o
intuito de dar-lhes subsistência para seu trabalho.

A criação de equipamentos que vinham a suprir as necessidades básicas de seus funcionários,


assim como ocorreu nas cidades europeias, começa a ser difundido também pelas indústrias
brasileiras. Segundo Souza:

[V]iram-se na contingência de erigir casas e residências para seus diretores,


técnicos e operários. Além disso, a construção de núcleos fabris e vilas
operárias teria sido uma condição essencial para que as empresas
assegurassem a mão de obra necessária para o desempenho de suas
atividades. (SOUZA apud GIROLETTI, 2013, p.57)

Essas vilas operárias seguiam preceitos semelhantes aos já implantados, desde o final do
século XVIII, nos núcleos fabris europeus. De acordo com Nestor Goulart Reis Filho em seus
escritos de Quadro da Arquitetura no Brasil:

[O]s loteamentos de tipo popular viriam a constituir, quase sempre, uma


reinterpretação dos velhos esquemas tradicionais, com exagerados índices de
aproveitamento, criando dificuldades que não eram previstas nas tradições.
Retiravam os aspectos positivos dos planos das cidades-jardim,
transformando os novos bairros em sucessões infindáveis de quadriculados,
com lotes tão exíguos, que a disposição geral dos edifícios já ficava pré-
determinada. (REIS FILHO, 1976, pag. 70)

Neste novo núcleo urbano começam a ser construídas vilas, geralmente com casas geminadas,
ao redor da fábrica, visando a permanência dos operários junto ao local de trabalho. Contudo
estes novos núcleos urbanos, com uma ideologia moderna à época, não se limitavam a um
conjunto de moradias, incluíam também equipamentos que suprissem as demandas básicas
dos operários e sua família, dando subsistência a este novo conjunto urbano que vinha sendo
implantado, como: escolas, creches, equipamentos de saúde e lazer. Esses equipamentos
conformam o complexo industrial, adaptados aos costumes e às necessidades de cada região
brasileira e da época na qual foram construídos.

No nordeste brasileiro, muitas destas grandes indústrias se alocaram nos antigos engenhos de
açúcar. Estas ações tiveram como causa tanto a defasagem da produção açucareira,
principalmente a partir do início do século XIX, que consequentemente gerou a venda de suas
propriedades a baixo custo, como também, a presença dos atributos naturais, marcados por
sua localidade próximas as fontes necessárias para suprir as exigências basilares para a
produção, como recursos hídricos e áreas aplainadas com características campestres.
24

O crescimento da produção algodoeira alavancou grande parte do setor industrial do nordeste


brasileiro a partir de meados do século XIX. Isso proporcionou uma nova feição à região
nordestina, principalmente ao sertão brasileiro, que a partir dos anos oitenta do então século –
período conhecido por demarcar a mudança produtiva remetente a grande seca datada entre
1877 e 1888 – remodelou a paisagem sertaneja (CLEMENTINO, 2010). A cotonicultura
crescendo gradativamente, o algodão fica conhecido como o “ouro branco” que proporcionou
renda para os agricultores, comerciantes e para as indústrias. As fábricas foram sendo
implantadas em muitas localidades, agregando-se a este setor que vinha representando
bastante lucro para a economia do país.

Deste modo, na região nordestina, já nas décadas de 1930 e 1940, estavam conformados um
número significativos destes núcleos fabris. Cerca de 14 conjuntos habitacionais operários já
eram contabilizados até o início deste período, somando a esta quantidade mais 16 vilas
construídas durante essas duas décadas (CORREIA; ALMEIDA, 2009).

De acordo com Correia e Almeida, encontrava-se uma diversidade tipológica nestes conjuntos
fabris:

Era frequente as vilas e núcleos terem grupos de casas de diferentes


tamanhos e padrões, distribuídas entre os empregados conforme fatores
diversos como o tamanho da família, o tempo de trabalho do empregado na
fábrica ou sua posição hierárquica fabril. A maioria das moradias tem
pequenas dimensões e programa restrito ao básico: sala, dois quartos,
cozinha, sanitário e quintal. Em parte das casas de uma vila ou núcleo este
programa amplia, seguindo uma diferenciação solidária com os critérios de
hierarquia ou com necessidades específicas das famílias. Eventualmente são
acrescidos mais um ou dois quartos, mais uma sala, terraço e, no caso das
moradias destinadas a funcionários em posto de chefia, também
dependências para empregados domésticos, garagens, áreas de serviço, etc.
(CORREIA; ALMEIDA, 2009, p.3)

Outros modelos também vieram a compor este quadro da tipologia arquitetônica das
moradias, como: casas geminadas de estilo porta e janela ou com terraços sem um recuo
frontal, outras com recuos e seu aproveitamento para espaços ajardinados. Outros modelos
também se tornaram característicos, como casas geminadas duas a duas com um recuo lateral,
como também, a possibilidade do recuo frontal ajardinado. Além de diversas outras formas
que vieram a proporcionar uma heterogeneidade harmônica neste novo conjunto urbano que
vinha a se agregar ao tecido da cidade.
25

A difusão da cultura industrial fez parte do cenário pernambucano nesta época. Desde meados
do século XIX as então modernas fábricas começam a serem implantadas em diversas regiões
do estado, proporcionando a expansão das cidades.

Essas nucleações urbanas industriais disseminaram-se por todo o estado de Pernambuco.


Rapidamente passaram a assumir posição central no quadro econômico do estado,
influenciando no desenvolvimento urbano e social das suas principais cidades, com as
políticas de moradias e melhorias das infraestruturas urbanas a partir das implantações das
vilas operárias e seus diversos serviços para a população.

No Recife, capital do estado, desde o terceiro quartel do então século, as implantações das
indústrias fizeram parte da paisagem da cidade oitocentista. Na primeira década do século XX
já começam a ter registros da construção das vilas operárias ao redor das indústrias. Os
núcleos fabris eram dotados devidamente dotados de infraestrutura urbana. Um estilo de vida
moderno é proposto junto a transformação social trazida pelas indústrias que projetavam as
ideologias da revolução tecnológica que o mundo estava vivendo.

Muitos bairros começam a tomar forma com a expansão de ruas e avenidas, construção de
conjuntos de casas e implantações de diversos equipamentos que vieram a moldar a dinâmica
social destes núcleos. Tem-se como principais exemplos na cidade recifense os bairros da
Macaxeira e da Torre.

Esses bairros se tornaram marcos nesta época por se integrarem ao tecido urbano da cidade do
Recife a partir do crescimento de seus núcleos fabris, pertencente às indústrias de tecido que
se alocaram nessas respectivas regiões da cidade. As fábricas de tecidos Othon, na Macaxeira,
e a Companhia de Fiação e Tecidos da Torre, se tornaram famosas por fazerem parte do grupo
de maiores produtores do estado de Pernambuco.

As cidades de Paulista e Goiana, situadas na região norte do estado, juntamente com os


municípios de Moreno e Camaragibe, região sul e oeste, respectivamente, também se
consagraram como grandes nomes neste setor industrial, não só no estado, mas também, em
todo o cenário brasileiro. Este conjunto de indústrias integraram um cinturão de fabricação
têxtil no Nordeste, expondo para o mundo a força desta região no setor algodoeiro. Dessa
forma, proporcionou-se investimentos voltados ao transporte de seus produtos, não apenas por
sua distribuição pelo território brasileiro, através das redes ferroviárias, mas também, sua
exportação para diversas localidades do mundo.
26

Esse processo de industrialização, a partir deste sistema de nucleações fabris, perdurou por
cerca de um século. Esse período proporcionou ao estado o desenvolvimento de suas cidades,
muitas chegaram a se tornar grandes polos convergentes para toda a sua circunvizinhança,
estendendo o desenvolvimento urbano a todas as regiões do estado.

O percurso trilhado pelo setor industrial durante o decorrer dos séculos XIX e XX representou
tanto para o estado de Pernambuco quanto para a região Nordeste, um período de
desenvolvimento urbano, marcada por profundas transformações no modo de vida de sua
população. Esse desenvolvimento urbano trazido pelas indústrias, presente também no novo
estilo de viver, marcado pelos novos costumes aflorados, representam o início da
modernização do país.

1.2 O desmonte, a obsolescência e a acelerada descaracterização dos conjuntos fabris

O crescimento dos núcleos fabris é evidenciado a partir da década de 1920 e, durante as


décadas de 1930 a 1960, já tem consolidada sua identidade nos núcleos em que se situam. Os
preceitos higienistas são trazidos enfaticamente nos projetos habitacionais, através de estudos
realizados por especialistas, com o objetivo de proporcionar uma cidade bem estruturada
(SOUZA, 2013).

No decorrer deste período, cerca de duzentos conjuntos fabris foram instalados em todo o
território brasileiro. Estas indústrias se dividiam em companhias têxteis, alimentícias,
siderurgias, entre outras diversas fábricas. Tinham como função produzir materiais tanto para
consumo nacional, como para exportação (GUNN; CORREIA, 2005).

Durante as décadas de 1970 e 1980 o quadro começa a mudar. Diversos conjuntos sofreram
uma queda em sua produção e, muitos deles, encerraram suas atividades. De acordo com
Souza (2013), diversos motivos causaram o fim desse sistema tão importante para o
desenvolvimento do país.

De modo subsequente ao encerramento das atividades, inicia-se um processo gradativo de


desmontes dos núcleos fabris. Com a integração destes conjuntos ao tecido urbano das
cidades, houve uma valorização imobiliária de seus terrenos. Dessa forma, terrenos e imóveis
pertencentes as indústrias começaram a ser vendidos para a construção de empreendimentos
distintos das funções originárias daquela área. Muitas dessas ações resultaram em conflitos e
27

reivindicações sociais por parte dos operários, que tiveram sua vida afetada nas distintas
esferas com o processo de fechamento das indústrias (SOUZA, 2013).

Dentro deste quadro crítico, as indústrias têxteis também se encontravam e vinham sofrendo
ao longo dos anos. Na década de 1980, foi consumado o fechamento de diversas destas
fábricas. Os agravantes da crise na produção da matéria-prima e as estratégias econômicas
públicas vindouras com a redemocratização, não deram condições para que os proprietários
destes conjuntos mantivessem as estratégias de recuperação de seus negócios (NAGAY,
1999).

Esta situação refletiu em um caótico cenário de demissões em massa por todo o país. O
despejo se tornou o primeiro grande marco da finalização deste ciclo social herdado do ideal
industrial propagado durante décadas. A perda de sua vida arraigada a partir de uma rotina
trazida pelo sistema fabril remete principalmente no abandono da sua identidade social.

Souza (2013) destaca algumas definições tomadas durante este período de desativação e
desmonte desses conjuntos:

Diferentes motivações estiveram relacionadas ao desmonte da forma de


gestão. Entre elas, destacam-se: a reestruturação produtiva da indústria, a
valorização imobiliária dos terrenos ocupados pelas vilas e núcleos, o
redimensionamento desses assentamentos pelas próprias indústrias, os
conflitos e reivindicações sociais e políticas por parte dos operários.
(SOUZA, 2013, p.59)

Atitudes como estas foram tomadas de maneira generalizada em diversos núcleos fabris
brasileiros. O seu desmonte se tornou uma ação inevitável. Com o encerramento das
atividades industriais e a consequente demissão em massa dos operários, muitos proprietários
decidiram pelo desmonte e venda das áreas ocupadas pelos complexos industriais.

A obsolescência de diversos equipamentos que faziam parte do empreendimento fabril se


tornou sua principal característica a partir deste panorama crítico no qual se chegou. A falta
de um uso fez com que o esvaziamento e o abandono tomassem conta de seus edifícios e
refletiu bastante sobre a vida social do lugar. Apenas as lembranças de um período de grande
desenvolvimento e produtividade ficaram com os poucos moradores remanescentes destes
bairros e distritos de origem industrial.

A identidade social e urbana de um conjunto integrado que perdurou, em alguns casos, mais
de um século foi se perdendo ao longo dos anos. Grande parte dos equipamentos que
sobreviveram ao desuso, foram sendo bruscamente descaracterizados. Acréscimos na
28

volumetria das edificações, retiradas de ornatos ou outros elementos que definiam parte da
sua composição e estilo, ou até mesmo a demolição e construção de novos equipamentos com
novos usos, se tornaram ações bastante comuns nessas áreas.

A atuação do mercado imobiliário impulsionou grande parte das transformações destes locais
que ocorreram durante os anos seguintes ao encerramento das atividades das fábricas. A
venda de diversos equipamentos, construídos pelos proprietários, em busca de reverter os
últimos prejuízos obtidos durante os anos de crise; como também, a venda dos imóveis que
compuseram as vilas operárias, por parte dos antigos funcionários, se tornaram bastante
comum nesse cenário de descaracterização.

A arquitetura construída com um estilo bastante característico daquele sistema, com sua
heterogênea tipologia que compunha uma unidade na paisagem urbana nos locais em que se
implantava, foi sendo ameaçada pelos novos usos e tipos edilícios implantados. A composição
unitária que ligava desde a chaminé da fábrica até as casas que conformavam as vilas, começa
a ser quebrada, destruindo a leitura desse conjunto histórico.

A destruição destes elementos que caracterizavam a identidade do lugar, conformador de um


modus vivendi tão distinto ao que já era conformado por séculos de colonização, passa por
outro processo de mudança urbana e social. Enquanto no século XIX se viu a implantação dos
núcleos fabris a partir da apropriação de terras não-habitadas, para a criação deste novo
conjunto urbano, nas últimas décadas do século XX o que se viu, com o fechamento das
indústrias, foi a interrupção de um modo de viver e trabalhar moldado pela atividade
industrial. A população foi tratada como se suas vidas fossem encerradas juntamente com as
indústrias.

1.3 A falta de reconhecimento dos conjuntos fabris enquanto bens culturais

Mesmo já tendo decorrido certo tempo desse período de pós-fechamento das fábricas, as
diversas ações que marcaram a história de desmonte das indústrias ainda estão bastante
presentes.

Tendo isto em vista, ainda se percebe as diversas e corriqueiras ações de grande impacto
promovidas pelo mercado imobiliário sobre os conjuntos industriais. Essas sucessivas
29

transformações vão progressivamente alterando a sua paisagem urbana industrial, que veio
sendo consolidada durante as várias décadas desde a implantação de seus equipamentos.

Nesta última década, diversos núcleos fabris que compuseram uma rede de indústrias
pertencentes ao setor têxtil pernambucano vieram a ser palco destas investidas do mercado
imobiliário. Os conjuntos fabris dos municípios de Paulista e Camaragibe, pertencentes a
Região Metropolitana do Recife, foram escolhidos para serem palco de megaprojetos
imobiliários. Estes projetos em modo algum consideram a preexistência e sua importância
para a história do lugar, no entanto, uma visão fragmentada sobre a unidade desse conjunto,
promoveu a descaracterização de grande parte do complexo industrial oitocentista
pernambucano.

No conjunto fabril do município de Paulista, veio a ser demolida grande parte da antiga
Fábrica de Tecidos Paulista – Fábrica Arthur –que pertencia à família Lundgren. Atualmente,
em seus terrenos, está alocado o Shopping Paulista North Way, inaugurado no ano de 2015. O
centro lojista é o projeto âncora de uma megaestrutura montada pelo empreendimento ACLF
empreendimentos (JORNAL DO COMMERCIO, 2013). Com a construção do projeto
restaram no terreno apenas a chaminé, um cruzeiro e um pequeno bloco onde funcionava a
sede do setor administrativo da fábrica, agregado ao projeto do shopping, hoje sem uso,
considerado apenas como um cenário perdido nessa nova paisagem implantada (Figuras 05 a
07).

Figura 05 – Inserção do shopping Paulista North Way em relação ao bloco administrativo da antiga fábrica
Arthur, Paulista (PE)

Fonte: Acervo do Autor (2018)


30

Figura 06– A falta de conversa entre os remanescentes fabris e o novo empreendimento na antiga fábrica Arthur,
Paulista (PE)

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Figura 07 – Relação destoante entre escalas dos equipamentos com o shopping, na antiga fábrica Arthur, Paulista
(PE)

Fonte: Acervo do Autor (2018)

A preservação destes três elementos no projeto ocorreu pelas ações legais atribuídas para sua
salvaguarda. O cruzeiro e o bloco sede administrativo são classificados, desde 2006, em nível
municipal, como Imóveis Especiais de Preservação (IEPs). Em 2010, foi aberta uma
31

solicitação de tombamento na FUNDARPE das quatro chaminés encontradas neste conjunto –


três pertencentes a Fábrica Aurora e uma a Fábrica Arthur –, em consequência da aprovação
deste projeto imobiliário (SOUZA, 2013). No ano de 2012, estes quatro elementos que
marcam o skyline da área central da cidade de Paulista foram acrescidos a lista de patrimônio
histórico do estado de Pernambuco (NE10, 2012).

De acordo com a lista do patrimônio cultural pernambucano da FUNDARPE, além desses


bens que já fazem parte dela, ainda se encontra em processo de estudo, o pedido de
tombamento da Igreja Matriz de Santa Isabel, mais um equipamento que faz parte deste rico
conjunto fabril pertencente a cidade de Paulista (Figura 08).

Figura 08 - Bloco administrativo (em primeiro plano) da antiga fábrica Arthur e sua chaminé (em segundo
plano), a igreja matriz de Santa Isabel (em terceiro plano) e chaminés da fábrica Aurora (marcando a linha do
horizonte): alguns elementos remanescentes do antigo complexo industrial do município de Paulista (PE)

Fonte: Acervo do Autor (2018)

A visão fragmentada sobre as partes componentes desse conjunto industrial, levou a uma
preservação dos seus atributos de maneira parcial e isolada, o que compromete a coerência de
sua lógica industrial. Mesmo com estudos quanto a preservação de todo o sítio que compõe o
núcleo fabril, datados desde a década de 1970, apenas a casa-grande da família do antigo
proprietário da indústria e seu jardim foram salvaguardados em nível estadual pela Fundação
do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE), no ano de 2008.
32

No projeto do empreendimento imobiliário aprovado, além da construção deste shopping,


estão previstas várias outras edificações que compõem este projeto (Figura 09 e 10). Segundo
Souza:

Neste, foram previstos para o terreno desta fábrica a construção de um


shopping, um centro empresarial e um hotel. Na proposta, ainda estava
prevista a construção de um complexo hospitalar e de dois novos bairros,
para aproximadamente 20 mil habitações, para um entorno próximo ao
antigo núcleo. (SOUZA, 2013, p.153)
Figura 09 - Plano geral do projeto do shopping Paulista North Way

Fonte: ACLF Empreendimentos

Figura 10 - O antigo bloco administrativo do cotonifício alocado no hall do shopping no projeto de ampliação do
shopping Paulista North Way

Fonte: ACLF Empreendimentos

A destruição do contexto da fábrica – composto por chaminé, bloco administrativo, áreas


verdes, galpões e armazéns – causa uma distorção da leitura urbana do lugar. Uma cidade
industrial planejada, onde sua paisagem se conformava a partir de um contexto integrado,
conformado pelo conjunto industrial dos galpões, pela igreja matriz da cidade, pelo casarão da
família do proprietário da companhia, junto com as vilas operárias que conformaram o início
33

de diversos bairros da cidade, como também sua ligação urbana e social direta com a fábrica
Aurora – hoje também descaracterizada por um empreendimento residencial –, além de
diversos outros equipamentos que delineava a paisagem urbana da cidade, estão perdidos.

O pensamento que norteou o planejamento do traçado de seus espaços livres vem cada vez
mais sendo esfacelado com a falta de políticas coerentes para sua salvaguarda enquanto um
conjunto industrial. Esses conjuntos, diferentes dos sítios históricos coloniais que vem sendo
preservados em vários âmbitos governamentais, ainda não são devidamente identificados
como bens históricos e culturais do povo. Isto deve ocorrer tanto pelo alto grau de
descaracterização que se encontram, como pela falta de reconhecimento de sua importância
pelos moradores mais recentes. Nesse contexto, os especialistas e as instituições de
salvaguarda precisam assumir a condução do processo, caso contrário, as perdas podem ser
completas.

O mesmo vem ocorrendo com a fábrica de tecidos Companhia Industrial Pernambucana,


conhecida como Cotonifício de Camaragibe. Localizada no município de Camaragibe, se
transformou no empreendimento comercial Shopping Camará (Figura 11), inaugurado em
abril de 2018, primeira etapa do complexo imobiliário denominado Reserva Camará. O
complexo imobiliário vem sendo desenvolvido por um conjunto de empresas denominado
Consórcio Reserva Camará.

Figura 11 – Shopping Camará e chaminé da antiga fábrica de tecidos de Camaragibe

Fonte: Ricardo Heliodoro (2018)


34

Este projeto propõe a ocupação de 26ha da área onde outrora funcionava o Cotonifício de
Camaragibe, uma das companhias de fiações mais importantes do estado de Pernambuco entre
os séculos XIX e XX. Estava vinculado a este Cotonifício uma das vilas operárias mais
importantes da América Latina, também responsável pelo desenvolvimento econômico e
social da cidade, e que veio a possibilitar a emancipação do então distrito da cidade de São
Lourenço da Mata (CARTA CAPITAL, 2015).

O empreendimento imobiliário propunha a demolição de grande parte das instalações da


fábrica, no qual apenas a chaminé e duas fachadas foram mantidas. Além disso, sua paisagem
será totalmente modificada com a criação futura de 22 torres residenciais, dois empresariais e
um hotel (Figura 12); uma brusca transformação do skyline que antes era predominantemente
horizontalizado pelas vilas operárias que circundam o terreno (CARTA CAPITAL, 2015).

Figura 12 - Plano geral do projeto Consórcio Camará

Fonte: Shopping Camará

Mesmo com um processo de tombamento em aberto com o intuito de salvaguardar a antiga


fábrica de tecidos de Camaragibe no âmbito estadual pela FUNDARPE, o projeto do
empreendimento manteve-se em andamento. Sua construção não respeitou a inteireza do bem,
não buscando manter seus atributos como remanescente da história do município.

É alarmante o modo como estes bens vêm sendo tratados. Sua preservação cada vez mais
limita-se ao edifício ou estruturas isoladas. Como visto anteriormente, os pedidos de
tombamento são estruturados a partir de uma visão fragmentada e não como um único
conjunto urbano que agrega diversos atributos integrados entre si. Rufinoni (2013) já alertava
sobre a necessidade de seu reconhecimento enquanto um conjunto:

Eventualmente, uma única edificação industrial isolada pode representar


valores excepcionais, mas em muitos casos (...) trata-se de uma rede de
edifícios, industriais ou não, interligados em torno da produção (...), cuja
35

avaliação e preservação não farão sentido se todos os elementos que


compõem este cenário não forem analisados como um conjunto, como um
patrimônio urbano. (RUFINONI, 2013, p.192)

De tal forma, sem conhecimento prévio sobre a sua importância, poucos conseguirão
compreender o que foi esse complexo. Como também, não mais haverá uma coerência de sua
inteireza enquanto conjunto fabril, mas apenas a leitura de seus atributos isolados
remanescentes, resquícios deixados para rememorar o que antes houvera naquele lugar, ou
mesmo, deixados apenas como capricho estético adotado nas decisões projetuais do novo
empreendimento (Figura 13). Assim reflete Manoela Rufinoni:

Logo, é comum a abordagem das chamadas “áreas desativadas” como


grandes reservas de terreno que abrigam edifícios “embaraçantes” que
devem ser eliminados ou transformados a partir de projetos de “reciclagem”,
nos quais a aparência de “antigo” é explorada para agregar curiosidade ao
novo empreendimento, sem preocupações conceituais com a importância
documental, formal ou memorial desses conjuntos arquitetônicos.
(RUFINONI, 2013, p.205-206)
Figura 13 – Remanescentes antigos se tornam elementos secundários em relação ao novo empreendimento no
Shopping Camará, Camaragibe (PE)

Fonte: Ricardo Heliodoro (2018)

Com isso, mostra-se necessário o reconhecimento destes componentes dos complexos


industriais: sejam os galpões, as fábricas, com suas monumentais chaminés, as vilas fabris e
demais elementos, como conformadores de um único conjunto que, a partir de uma
compreensão desta integração, constituem-se como patrimônio industrial. Este conceito é
tratado na Carta de Nizhny Tagil (2003) da seguinte maneira:
36

O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que


possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico.
Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e
locais de tratamento e de refino, entrepostos e armazéns, centros de
produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as
suas estruturas e infraestruturas, assim como os locais onde se
desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como
habitações, locais de culto ou de educação. (CARTA DE NIZHNY TAGIL,
2003)

Contudo, não nos parece ser este olhar que se lança e os valores que se atribuem aos
conjuntos industriais dos municípios de Paulista e Camaragibe, e isto não vem ocorrendo
apenas no modo de intervir sobre estes bens.

Ao analisar os processos de pedido de tombamento em nível estadual pela FUNDARPE


destes tipos de bens culturais, percebe-se que não se tem o conhecimento da dimensão deste
patrimônio afim de salvaguardá-lo em sua devida forma. As poligonais de preservação, ou
parâmetros adotados, não abrangem toda a sua inteireza, mas apenas delimitam uma parcela
arquitetônica como cenário representativo de uma época. O patrimônio industrial que se
alastra por todo o conjunto e que revela a identidade do lugar não foi devidamente
salvaguardado nos dois casos analisados.

Neste ponto, é preciso alertar sobre a importância de um cuidadoso processo de identificação


patrimonial. Quando este é conduzido sem um lastro histórico e documental robusto e sem os
aportes teórico-metodológicos fornecidos pela teoria da conservação, o risco de falhas é alto.
Identificar erroneamente um bem patrimonial pode ser tão arriscado à sua preservação quanto
a completa ausência de instrumentos oficiais de salvaguarda incidindo sobre ele.

Este não é um caso isolado. A identificação dos atributos patrimoniais a partir de uma revisão
historiográfica cuidadosa e a posterior atribuição de valores a eles por meio dos atores sociais
envolvidos são passos indispensáveis a esse processo.

1.4 O conjunto fabril, o seu reconhecimento enquanto patrimônio urbano industrial e o


desafio da sua conservação

A partir da compreensão do modo como os complexos industriais vem sendo tratados, torna-
se clara a necessidade de definir estratégias para sua salvaguarda enquanto bem cultural. A
preservação destes conjuntos fabris está vinculada a diversos fatores presentes em seu
cotidiano, remanescentes do passado e que continuam fazendo parte da cultura local.
37

Isto é comprovado, primeiramente, ao considerar o conjunto industrial como um documento


materializado do desenvolvimento urbano e social do lugar. Rufinoni (2013, p.45) afirma que
bens desta natureza não apenas documentam o desenvolvimento do lugar, mas que “a
conservação desses registros da vida comum possui ainda um caráter social e moral, de certa
maneira associado à temeridade diante do suposto declínio da sociedade, provocado pelas
transformações impetradas pela industrialização”.

Compreender o patrimônio industrial a partir de sua função documental é enxergá-lo como


um testemunho edificado da época da qual fez parte. Este conjunto se comporta como uma
projeção desse passado no presente, a fim de compreender o marco da história sobre aquele
lugar, seja a partir das técnicas empregadas, pelo estilo arquitetônico adotado, seja a sua
contribuição histórica, tanto para a conformação urbana e social do lugar, como seu papel
para a economia e, consequentemente, o desenvolvimento da cidade. Demonstrando, a partir
disso, sua importância como campo de estudo, no qual ao investigar o conjunto, poderá se
entender a sociedade industrial por um ponto de vista além dos escritos (Casanelles, 2007).

A partir disso, se compreende a importância do reconhecimento de todo o complexo industrial


como um dos principais registros da história das cidades e de sua urbanização. Precisa ser
visto como elemento crucial para a compreensão do trajeto temporal do sítio, tanto pela sua
contribuição no desenvolvimento urbano do lugar, sua participação na vida social daquela
comunidade, sua importância nos aportes econômicos não só no âmbito local, mas global,
entre outras diversas formas em que definem a magnitude da sua existência e a necessidade de
salvaguardar este patrimônio por seu grande valor histórico, documental, entre outros.

Além de sua importante representação histórica, estes conjuntos marcam o desenvolvimento


tecnológico vivido pela sociedade. Isto é comprovado com o modo como se implantavam
estes complexos fabris, conhecidos pelos diversos conjuntos habitacionais, juntamente com as
demais edificações e espaços sociais voltadas aos operários da fábrica.

Estas construções marcam a definição de uma arquitetura fabril que, de acordo com
Casanelles (2007), é apreendida a partir do caráter deste conjunto adquirido por ser
relacionado com a produção, as funcionalidades e pelas novas técnicas e materiais peculiares
daquela época, rebatido em um estilo arquitetônico próprio, reverenciado em seus tipos,
ritmos e harmonia.
38

Também demarca esta arquitetura, o entrelaçamento das suas formas com o estilo
arquitetônico empregado. Isto é bastante evidenciado por não se limitar apenas às edificações
mais icônicas, mas por ser rebatido em cada equipamento que compõem o sítio industrial.

Outra característica marcante na composição deste complexo é a hierarquização de escalas,


que é expressa por sua predominância horizontal e seu respeito e integração à escala humana,
demonstrando que a sociedade também faz parte deste conjunto. Como contraste, se vê as
torres e chaminés, caracterizadas por suas altas dimensões, como elementos de grande
importância e imponência em relação ao todo do complexo, refletindo a soberania da indústria
e seu marco sobre aquele lugar.

Dessa forma, percebe-se que esse patrimônio não se limita apenas aos bens edificados, mas a
todo um contexto urbano. A análise isolada de cada bem se torna insuficiente, já que estes
elementos conformam um único cenário, visto por Rufinoni (2013) como detentor de uma
homogeneidade volumétrica e uma horizontalidade, responsáveis pela configuração da
paisagem e de uma tradição urbana daquele lugar. Esta larga escala traz certa dificuldade
quanto à conservação de sua inteireza, o que demonstra a importância de seu reconhecimento
como um patrimônio não só industrial, mas, também, urbano.

Esta visão ampliada quanto a salvaguarda deste bem, a partir de uma escala urbana, é
defendida por Rufinoni (2013) por identificar, nestes elementos de maneira conjunta, artefatos
patrimoniais representativos de natureza histórica e estética.

Este patrimônio urbano industrial vai além do traçado das ruas, das interações do ambiente
natural e do construído, mas também se encontra vinculado às relações sociais apreendidas no
lugar. Rufinoni (2013, p.187) continua a abordar a compreensão do lugar não apenas por sua
análise física como fator de importância como registro, como já relatado, mas também “pelo
próprio caráter de conjunto responsável pela conformação de paisagens” que emolduram uma
compreensão através de uma dimensão simbólica. Espírito Santo (2010), ao conceituar
paisagem urbana, oferece um aporte para compreender o que diz Rufinoni (2013):

A paisagem urbana não é mais que a relação de tudo o que compõe a cidade,
o edificado, o vazio, as vias de circulação, tudo o que a torna habitável por
grandes massas e que a define efetivamente como cidade. (ESPÍRITO
SANTO, 2010, p.79)

Este conceito, exposto anteriormente, demonstra o papel das dinâmicas urbanas e sociais
como ordenadoras do lugar e elemento de fundamental importância para o seu
39

reconhecimento enquanto patrimônio, ultrapassando o edificado, e incorporando os demais


elementos, sejam naturais ou antrópicos, como constituintes da paisagem urbana. Logo, o
patrimônio industrial deve ser entendido como uma unidade conformadora do lugar, visto a
associação de seus atributos como um único elemento e seu protagonismo sob certo
enquadramento na paisagem.

Contudo, essa paisagem urbana demarcada pelo conjunto industrial está além da conformação
urbana do lugar, mas também, relacionada ao amoldamento daquela sociedade desde a
implantação deste núcleo. Casanelles (2007) denomina este patrimônio como didático pelo
fato de expressar, mesmo com sua desativação, as atividades que ali eram desenvolvidas,
sejam os trabalhos operários, sejam as dinâmicas das famílias no cotidiano urbano.

Ao compreender a paisagem urbana ligado ao patrimônio industrial, percebe-se que não se


caracteriza apenas pelo desenvolver de sua arquitetura fabril, mas também, enquanto um
conjunto de elementos não palpáveis, moldada pelo cotidiano da população que ali vive. Os
ritos daquele povo, as relações afetivas entre os moradores, as manifestações sociais e
culturais do lugar, são parte integrante deste conjunto.

A partir disso, compreende-se esta visão do complexo fabril como integrador social e como
ele é vinculado diretamente com os costumes e tradições desenvolvidos pela população que
ali vive. As inovações trazidas para o núcleo industrial são rebatidas diretamente no convívio
das pessoas e o modo como regem suas vidas. O reconhecimento destes atributos é de
fundamental importância para a salvaguarda deste conjunto, pois é a partir deste entendimento
do patrimônio além do edificado, mas inerente a construção da vivência do lugar, que pode
abarca-lo enquanto elemento configurador social.

Com isso, é perceptível que o patrimônio industrial carrega essa característica de não se
limitar ao edilício, mas incorpora todo um conjunto de elementos construídos, naturais e suas
dinâmicas de uso e ocupação.

Outro aspecto relevante e tratando pelos autores consultados está relacionado ao entendimento
de que o patrimônio industrial deve transpassar os valores históricos e estéticos, e incorporar
sua ainda presente relação com a sociedade a partir da sua compreensão enquanto agente
modelador de um modo de vida.

Assim, os conjuntos fabris devem ser estudados também como elementos que definem a
identidade do lugar. O que necessita ser preservado não se limita ao conjunto arquitetônico
40

restante, mas a toda a sua paisagem: seja o traçado urbano ainda conservado; os exemplares
arquitetônicos espalhados pelo bairro com seus usos diversos; e as dinâmicas sociais trazidas
pela implantação da fábrica que tiveram, e ainda tem, influência na vida do lugar. A
conservação destes bens é vista por Kühl da seguinte maneira:

Não mais apenas para aquilo que era entendido como “obra de arte”, mas
dirigem suas atenções também às obras modestas que com o tempo
assumiram conotação cultural... buscando interpretá-los não apenas para as
obras de arte, mas para todos os “bens culturais”, lembrando-se que, mesmo
não sendo “obras de arte”, possuem uma configuração e estratificações no
tempo que devem ser analisadas e respeitadas (KÜHL, 2009, p.79-80)

Dessa forma, os conjuntos fabris devem ser identificados e conservados como patrimônio
cultural por ser a materialização da identidade urbana e social daquele lugar. Entretanto, há
um grande desafio pela frente em busca da salvaguarda deste patrimônio tão importante para a
história da sociedade, mas tão negligenciado.

Para um eficaz plano de salvaguarda é preciso, acima de tudo, entender o patrimônio


industrial a partir de sua inteireza. De acordo com Anjos (2018), se faz necessário ir além da
excepcionalidade estética do bem. Tendo isso em vista, é imprescindível a correta
identificação dos atributos que definem este conjunto como bem cultural.

De acordo com a Carta de Burra (1999), as singularidades culturais de um sítio são traduzidas
pelo conjunto de valores estético, histórico, científico, social ou espiritual, seja material ou
imaterial, que podem ser transmitidas entre as gerações, presente e futuras. Este conjunto de
valores é denominado neste documento como significância cultural.

A cuidadosa identificação dos atributos e o levantamento da significância cultural junto aos


atores sociais locais são indispensáveis para se traçar estratégias de conservação integradas a
um planejamento urbano e territorial, de modo a conciliara salvaguarda do bem com um
desenvolvimento urbano sustentável e respeitoso para com o sítio (ANJOS, 2018). Além
disso, os cuidados com a aplicação de conceitos voltados à conservação, como a integridade e
autenticidade, devem ser estritamente estudados ao relacioná-los ao patrimônio industrial
(ANJOS, 2018).
41

1.5 Os atributos dos conjuntos fabris

Tendo-se compreendido a complexidade dos conjuntos fabris e a inegável importância de seu


reconhecimento enquanto bem patrimônio cultural urbano, é fundamental compreender mais
detidamente quais atributos o compõem. Rufinoni (2013) revela que a apreensão destes
elementos nos faz compreender a sua excepcionalidade. A partir disso, ela afirma que:

Para defendermos a preservação de parcelas urbanas culturalmente


significativas, é necessário, inicialmente, que compreendamos com clareza
por que tais artefatos nos são caros e quais os atributos ou valores
responsáveis pela sua caracterização cultural. (RUFINONI, 2013, p.27)

Tais atributos necessitam ser analisados não através apenas de sua individualidade, mas,
também, de modo conjunto com o intuito de identificar o lugar por meio de sua inteireza.
Assim, Gomes afirma:

Num quadro de estudos da Paisagem, nenhum elemento isolado, quer seja de


ordem natural ou social é determinante para a apreensão da totalidade das
paisagens enfocadas. Por outro lado, o inverso também é verdadeiro, sob
pena de cair-se na superficialidade do apenas visível, palpável e não
verdadeiramente articulado nas dimensões sinérgicas necessárias à
compreensão de seus arranjos e composições (GOMES, 1997, p.32)

A relação da arquitetura com o lugar no qual está inserido, a composição e dinamização entre
escalas que permeia os edifícios e o espaço urbano, a organização e interação social existente
neste estilo de vida (RUFINONI, 2013), são características do patrimônio industrial. O caráter
edilício deste bem cultural é apenas parte deste conjunto de atributos que compõe este
patrimônio.

Casanelles (2007) reflete que cada um desses atributos é responsável pela apreensão de cada
atividade referente ao sistema industrial. Ele afirma que:

A compreensão e o conhecimento da industrialização são muito mais fáceis


através dos testemunhos materiais que ajudam a compreender a vida e o
trabalho que em um lugar concreto se realizava, é o que se denomina de a
‘força dos lugares’ já que permitem entender e sentir os espaços onde, em
outro tempo, se desenvolveram umas atividades. (CASANELLES, 2007, p.
67)

Estes testemunhos materiais aos quais o autor se refere são os atributos inerentes ao conjunto.
Identificar estes atributos é de papel fundamental para compreensão de sua completude. A
análise de cada um desses atributos trará subsídios para seu real entendimento enquanto
patrimônio, constituindo-se como “um elemento de reflexão sobre o significado da
industrialização e sua relação com a sociedade atual” (CASANELLES, p. 67-68).
42

Para a identificação destes atributos dos conjuntos fabris, Casanelles (2007) identifica três
dimensões constituintes: a dimensão social, a dimensão tecnológica e a dimensão ambiental.

Em relação ao que denominou como dimensão social, Casanelles (2007) define como os
artefatos ligados diretamente ao modo de vida da sociedade. Estão inseridos nesta categoria o
cotidiano do lugar, a vivência e atividades sociais desenvolvidas pelas pessoas, suas
condições de trabalho, o desenvolvimento e os conflitos enfrentados pelo sistema ao logo da
história, além dos ritos e costumes ligados a cultura da região.

Esses elementos compõem o imaginário da sociedade pertencente a este lugar e sob uma
determinada época. “Essas diferentes atividades relacionadas ao trabalho na indústria, ao
habitar, ao lazer regrado e aos esportes constituíram-se como atributos funcionais relevantes
para os núcleos” (SOUZA, 2013, p.66).

A segunda dimensão proposta por Casanelles (2007) é a tecnológica. Remete-se aos atributos
que evidenciam a genialidade humana sobre o lugar, como também, o testemunho
remanescente da história e conformador do sítio industrial. Ou seja, aquilo que sobreviveu ao
longo do tempo especializados nas criações humanas que representam os avanços
tecnológicos da época: ora suas estruturas, ora seu sistema tecnológico.

Essa materialização da genialidade humana transmite o saber da sociedade e as


transformações que se fazem necessárias relacionadas ao seu cotidiano. A manutenção desses
elementos, reverencia a preservação de seus atributos tangíveis, não apenas caracterizados por
suas edificações e espaços sociais criados, mas também, todo o maquinário e demais
equipamentos que marcaram a era industrial. Além disso, há a diversidade do tipo construtivo
e a morfologia urbana que refletem os usos e funções transpassados pelo sistema fabril como
símbolo da modernização.

Já a dimensão ambiental, a terceira identificada por Casanelles (2007), considera a expressão


da sociedade e seu impacto sobre o sítio e seu entorno. Esta categoria está ligada à como este
conjunto se insere no lugar. O relacionamento entre o ambiente natural, o edificado e ação
humana sobre este espaço reflete no caráter desse lugar e no modo como ele se desenvolve. O
autor busca compreender quais são os elementos que representam esta união de esferas que
conformam o sítio como um sistema integrado.

Tal categoria permeia entre os atributos tangíveis e intangíveis. Estes artefatos estão ligados
ao contexto urbano, como as escalas e composições; como também ao contexto social, que se
43

especializa através dos espaços de convívio construídos para a manutenção da vivência do


povo; além dos elementos naturais que começam a serem considerados parte desse conjunto
criado pelo homem, por se integrar ao seu cotidiano de forma homogênea à sua realidade,
sejam os rios, o relevo ou a vegetação, por exemplo.

A partir da compreensão destas três dimensões para a identificação dos atributos ligados ao
patrimônio industrial, se poderá analisar de forma mais consistente esse conjunto fabril. O
reconhecimento dos principais artefatos conduzirá a sua salvaguarda a partir de uma
conservação pautada no seu entendimento como um todo. Dessa forma, é perceptível a
necessidade do reconhecimento dos atributos do conjunto industrial, através da compreensão
de Casanelles (2007), como forma de atingir estratégias mais eficazes de salvaguarda da
integridade de sua paisagem industrial.

O conceito de integridade é refletido por Souza (2013) como “uma condição associada à
habilidade dos bens para transmitir os significados, valores como patrimônio cultural”
(SOUZA, 2013, p.45). Estes significados são expressos através do entendimento humano
sobre os atributos patrimoniais sejam tangíveis, como intangíveis. A autora entende que:

[A] condição de integridade em relação aos bens culturais caracteriza-se pelo


estado de completude do bem e pelo estado de intacto, em relação aos
atributos que caracterizam os bens, associados à expressão dos significados
considerados relevantes para o seu reconhecimento como patrimônio
cultural. (SOUZA, 2013, p.46)

Jukka Jokilehto (2006) trabalha o conceito de integridade não apenas como aporte para a
identificação dos bens culturais, mas como instrumento de gestão para a sua conservação. Por
meio de três dimensões de integridade, o autor propõe a compreensão do bem cultural a partir
tanto de suas características arquitetônicas, quanto através da marca deixada pela passagem do
tempo sobre ele (JOKILEHTO 2006). As três dimensões de integridade identificadas por este
autor são: integridade sociofuncional, integridade estrutural e integridade visual.

A primeira dimensão proposta por Jukka Jokilehto (2006) é a sociofuncional. Esta dimensão
está vinculada à identificação e à acuidade para a preservação das funções e processos do bem
cultural. Baseados no seu desenvolvimento no decorrer do tempo, associados à interação
social do povo, relações espirituais e cotidianas, o entendimento desta dimensão se torna a
chave para a salvaguarda desses artefatos definidos como parte da sua identidade, reconhecida
pela sociedade.
44

A segunda dimensão discutida por Jokilehto (2006) é a estrutural. Para esta dimensão
Jokilehto (2006) dispõe que além desses artefatos ligados a memória coletiva, deve-se
considerar também “a identificação espacial dos elementos que documentam tais funções e
processos” (JOKILEHTO, 2006, p.14, tradução nossa). Ou seja, considerar como parte
fundamental para a identificação e, consequentemente, a preservação deste patrimônio, os
elementos construídos que o conformam como um sítio.

Além dos artefatos materiais e imateriais referenciados anteriormente pelas duas primeiras
dimensões de integridade, há uma terceira dimensão que completa a compreensão desse
patrimônio tão diverso, a visual. Jokilehto (2006) considera os elementos que definem os
aspectos estéticos que representam o lugar e apresentem sua condição histórica através de
suas características físicas e espaciais, como parte da integridade visual do bem cultural. Está
relacionada as relações espaciais com o entorno natural e construído do bem, que afetam
diretamente sua ambiência e espacialidade.

A contribuição de Jokilheto (2006) é fundamental por colocar a compreensão da integridade


do patrimônio cultural como ferramenta fundamental para a gestão de sua conservação. Os
pensamentos debatidos neste capítulo servirão como base metodológica para o
reconhecimento deste conjunto tão negligenciado. Nesse sentido, a adoção deste referencial
teórico sobre o que constitui o patrimônio industrial trazido por Ruffinoni (2013), Casanelles
(2007), etc e a leitura sobre integridade feita por Jokilehto (2006) permitem identificar
elementos norteadores para o processo de identificação de bens originários da
industrialização. Esse arcabouço teórico, sintetizado no gráfico abaixo (Figura 14), servirá
como aporte para a identificação dos atributos constituintes do conjunto fabril da Torre, bem
como para a avaliação das suas condições atuais de integridade, o que será realizado no
terceiro capítulo deste trabalho.
45

Figura 14 - Esquema de compreensão do arcabouço teórico

Fonte: Acervo do Autor (2018)


46
47

2. Complexo fabril da Torre: patrimônio industrial recifense

Este capítulo discorre sobre a história do bairro da Torre, compreendendo sua conformação
urbana e social e o papel da industrialização nesse processo. É abordado neste processo as
relações sociais e afetivas da população da época, as atividades desenvolvidas e os elementos
significativos que marcaram e conceberam a identidade do lugar. Esta etapa foi desenvolvida
a partir da realização um levantamento bibliográfico, iconográfico e cartográfico em relação
ao bairro da Torre e seu processo de industrialização.

De tal modo o capítulo se divide em três partes. A primeira, denominada A conformação


urbana e histórica do bairro da Torre, que relata o início da ocupação desta área que
futuramente seria conhecida como bairro da Torre, até a chegada das fábricas e o início da
urbanização. A segunda, intitulada O papel da industrialização no processo de urbanização
do bairro da Torre, aborda o período da criação e expansão da nucleação fabril e a
urbanização do bairro até sua consolidação. Por fim, O declínio do sistema industrial do
bairro da Torre: da sua obsolescência funcional ao seu desmonte relata o término das
atividades das fábricas, o desmonte do núcleo industrial e seu processo de obsolescência até
os dias atuais.

2.1 A conformação urbana e histórica do bairro da Torre

A cidade do Recife, uma das mais antigas nucleações urbanas do país, guarda consigo uma
grande carga de desenvolvimento e transformações em sua paisagem. Sua conformação
urbana se inicia pelo mar, a partir do porto, avança pelas ilhas que carregam um traçado
urbano de origem colonial, até o interior de suas terras, guiada pelos rios Beberibe e
Capibaribe, que marcam uma paisagem inicialmente rural, ocupada pelos engenhos de açúcar,
principais responsáveis pela economia no início da colonização.

O bairro da Torre ingressa no cenário recifense desde meados do século XVI, neste auge da
produção açucareira no estado de Pernambuco, juntamente com diversas outras localidades
situadas na então conhecida Várzea do Capibaribe, zona oeste do Recife. Outrora terra
abandonada, o colono português, senhor Marcos André, desenvolve um engenho açucareiro
próximo ao rio Capibaribe (Figura 15), o qual possuía uma configuração típica, movido por
animais, sendo constituído por casa-grande, capela, senzala e fábricas de açúcar (SILVA,
2000).
48

Figura 15 – Casa grande e Capela do Engenho da Torre entre os anos 1781 e 1867

Fonte: Acervo da Fundação Joaquim Nabuco

No século XVII, o episódio da invasão holandesa à cidade também marca a história do bairro.
Em 1633, houve a conquista do engenho, quando se utilizou de suas terras para a instalação
de quartéis para acampamento das frotas, como também para a construção de uma fortaleza
para agir, de maneira direta, em combate contra o Arraial do Bom Jesus, atual Sítio da
Trindade. Após a expulsão dos holandeses do território, em 1654, o engenho volta a ser de
propriedade dos descendentes do então senhor Marcos André, o capitão Antônio Borges
Uchôa, época em que se constrói a então conhecida ponte d’Uchôa, para a ligação de suas
terras com a então freguesia das Graças, trazendo benefícios no transporte das mercadorias
produzidas nestas terras (SILVA, 2000).

Em meados de 1715, o então proprietário do engenho, o senhor Cristóvão de Holanda


Cavalcanti, realiza uma troca de propriedade com as terras do engenho Moreno, em Jaboatão
dos Guararapes, e aquele passa a pertencer à família Campelo. Em 1781, com uma reforma
realizada nesse conjunto, a capela começa a se destacar por sua peculiar torre que alçava cerca
de dezesseis metros de altura, distinta das demais capelas de engenho da época, tornando-se
símbolo marcante daquele local (SILVA, 2000), além de futuramente integrar-se a parte do
cenário industrial do bairro com a adoção e devoção a Santa Luzia, padroeira dos operários;
com suas festas e procissões ligadas diretamente à história do Cotonifício da Torre.

A propriedade das terras e do engenho permaneceram com a família Campelo até a sua
extinção, por volta do terceiro quartel do século XIX, quando ocorrem mudanças na produção
do açúcar. O modo de produção dos antigos engenhos entra em desuso, causando a
desativação de diversos engenhos no município, inclusive o engenho da Torre (DPPC, 2016).
49

Nesta época já existiam relatos da utilização de transportes de tração animal, como carroças e
bondes transitando pela localidade. Com o desenvolvimento tecnológico, novos transportes
também foram sendo acrescidos ou substituída a rota. José Luiz da Mota Menezes relata que:

A Pernambuco Railway Company circulava com seus carros, por exemplo,


numa das linhas da seguinte maneira: linha Madalena-Torre: partia da praça
Maciel Pinheiro, tomavam os carros a direção da rua do Aragão, daí seguia
pela Rosário da Boa Vista, depois Barão de São Borja, Visconde de Goiana e
Chora Menino, e daí até a passagem da Madalena. (MENEZES, 2015, p.113)

Assim como nas demais localidades onde outrora se encontravam os antigos engenhos, inicia-
se um processo de transformação dessas terras com o grande avanço de seu desmembramento
em sítios e chácaras entre os descendentes das então famílias proprietárias. Posteriormente, a
partir da criação de loteamentos, começa a se conformar um novo estilo a essas áreas, mais
voltado às características de bairros.

Ocorre o mesmo processo no bairro da Torre. Grande parte de suas terras se transformam em
sítios rurais pertencentes aos herdeiros da família Campelo. A capela de Nossa Senhora do
Rosário é doada à Arquidiocese de Olinda e Recife em 1912. O Governo do Estado fica
responsável pela casa-grande a partir de 1915, com a implantação do grupo escolar Martins
Júnior. As senzalas e fábricas de açúcar são vendidas e transformadas em olarias, que moldam
parte da paisagem fluvial do bairro durante o transcorrer do século (DPPC, 2016).

Com o decorrer do tempo, em paralelo ao desenvolvimento social, econômico e cultural da


cidade marcado pela baixa da produção de açúcar, o reconhecimento do lugar passa por este
processo de mudança. No ano de 1884, houve a transferência das dependências de uma
fábrica de tecidos – outrora sediada no bairro da Madalena – para o bairro da Torre. A
apropriação popular do nome do bairro também é simbolicamente transferida da peculiar torre
da capela para as altas torres de chaminé, construídas no novo empreendimento alocado às
margens do Rio Capibaribe, que viria a transformar toda a dinâmica do lugar.

A fábrica, fundada desde 1874 com a razão social de Pernambuco Barroca Ltda, transfere-se
para o então bairro da Torre com uma nova roupagem. Agora intitulada como Companhia de
Fiação e Tecido da Torre (Figura 16), torna-se popularmente conhecida como Fábrica da
Torre ou Cotonifício da Torre (COELHO; LINS; CARNEIRO LEÃO, 1954).
50

Figura 16 – Cartão postal representado uma visão para o cotonifício da Torre a partir das margens do rio
Capibaribe, por volta dos anos de 1910

Fonte: Acervo da Fundação Joaquim Nabuco

O empreendimento começa a trazer uma nova dinâmica ao lugar, além de estimular o seu
crescimento e a chegada de outras indústrias à região. Posteriormente, no ano de 1900, surge
outra fábrica no bairro, o Cotonifício Capibaribe, que se acomoda juntamente à outra,
transmitindo ao lugar um novo estilo de vida, voltada ao ideal fabril.

O estilo de bairros-jardins que caracterizou esta nova fase do Recife rural pós-engenhos, que
permeou o bairro da Torre no início do século XX, começa a mudar seu caráter para um
bairro, agora, introduzido numa zona industrial, demarcada como ponto de partida de um
processo de urbanização do lugar (MENEZES, 2015). Com a instalação deste pólo fabril de
tecidos, um novo conceito de desenvolvimento surge atrelado a ele: a criação de um conjunto
operário fabril planejado com o objetivo de suprir uma nova dinâmica social que começaria se
formar, com a vinda de funcionários não apenas de outros bairros, mas de todo o estado.

Isto acabou por transformar, de forma contrastante, a paisagem desta zona outrora interiorana
da cidade do Recife: onde antes existia uma paisagem marcadamente rural, caracterizada
pelos engenhos e sua produção de cana-de-açúcar, agora se inicia o desenvolvimento voltado
à produção do algodão e sua industrialização em massa. Este acontecimento não se limitava
apenas ao bairro da Torre, mas estava no bojo de um processo mundial de uma ampliação dos
núcleos urbanos, de modo a ter um novo modelo de cidade, não mais voltada ao campo, mas
agora às necessidades advindas do processo industrial, novo protagonista da economia local.
51

2.2 O papel da industrialização no processo de urbanização do bairro da Torre

É marcante o desenvolvimento de urbanização do bairro após a instalação do pólo fabril no


bairro da Torre. Seu traçado urbano vai seguindo uma conformação mais moderna, voltada às
questões higienistas e de circulação discutidas a época (Figura 17). No período de transição,
até início do século XX, ainda é bastante visível a permanência das usinas de açúcar com a
produção e destilação do álcool, olarias mecânicas com a produção da cerâmica, entre outras
atividades que moldavam a manufatura da povoação local. Contudo, nas primeiras décadas do
século XX, foi o Cotonifício da Torre que se consolidou no bairro como grande protagonista
no âmbito econômico, além da Fábrica Capibaribe que surge em seguida, compondo o cenário
industrial daquela nucleação urbana.

Figura 17 - Pavimentação em pedras da rua Visconde de Irajá, bairro da Torre, na década de 1940

Fonte: Acervo do Museu da Cidade do Recife

Esta grande movimentação econômica que circunda o bairro, compreendida a partir desta
diversidade na produção de mercadorias, é bem espacializada com o desenvolvimento urbano
pontuado com os avanços tecnológicos implantados nas primeiras décadas desse novo século.
Observa-se isso nos relatos de Pereira da Costa:

Extensas e largas ruas, muito bem alinhadas e de boa casaria em geral, com
elegantes prédios e grandes sítios, e não pequena população, notando-se
ainda os seus estabelecimentos industriais, como fábricas de tecidos e de
fósforos, usina de açúcar e destilação de álcool, olarias mecânicas e outras
que ainda seguem o sistema da antiga rotina. É iluminada a gás, tem boa
52

viação tanto terrestre como fluvial, e uma linha de bondes elétricos.


(COSTA, 1983, p. 610)

A partir disso, percebe-se a popularização do bairro e sua ligação com o grande avanço
voltado ao setor industrial ali situado. O alto índice de desenvolvimento da indústria têxtil no
estado faz com que grande parte da população buscasse a fábrica como local de trabalho.

O Cotonifício da Torre chega, na década de 1950, a produzir com mais de mil e seiscentos
teares em funcionamento (Figura 18). De acordo com o Documentário Ilustrado do
Tricentenário da Restauração Pernambucana, a fábrica chegava a produzir peças de tecidos
diversos (Figura 19 e 20), como: tricolines, xadrezes, paupelines, cambraias, brins, dentre
outros tipos, além de suas variadas estampas. Sua distribuição era feita em todo o país, com
uma vasta rede de colaboradores que incentivavam o aumento de sua produção (COELHO;
LINS; CARNEIRO LEÃO, 1954).

Figura 18 - Maquinário pertencente ao cotonifício da Torre

Fonte: Documentário ilustrado do tri-centenário da restauração Pernambucna, 1954. Acervo da Fundação


Joaquim Nabuco
53

Figura 189 - Tecnologia industrial utilizada para a fabricação de tecidos, no ano de 1937

Fonte: Revista Espelho, Rio de Janeiro, Ano 3, Número 22, 1937. Acervo da Fundação Joaquim Nabuco

Figura 20 - Produção de tecidos da fábrica da Torre, no ano de 1937

Fonte: Revista Espelho, Rio de Janeiro, Ano 3, Número 22, 1937. Acervo da Fundação Joaquim Nabuco

A fábrica era composta por um conjunto de blocos designados para suas funções essenciais
em prol de um bom desempenho. Ao analisar plantas antigas registradas em órgãos da
prefeitura, consegue-se mensurar a dimensão deste estabelecimento que, ano a ano, se
expandia por todo o bairro.

O cotonifício da Torre, já na década de 1940, é composto por setores de: tecelagem, fiação,
área para acabamento e branqueamento do produto, tinturaria, oficinas, depósitos para
54

a matéria-prima e outros em geral, áreas de caldeiras e reservatórios – além dos diversos


poços existentes ao longo de todo o terreno –, cascamifício – responsável pela produção de
sacos e estopas, representando a segunda linhagem produtiva da fábrica –, refeitório,
garagem, escritório geral e uma creche (Figura 21).

Figura 21 - Visão interna do cotonifício da Torre, 1937

Fonte: Acervo da Fundação Joaquim Nabuco

A fábrica tinha um quadro de mais de mil e quinhentos funcionários, de acordo com uma
reportagem realizada pela Revista Espelho, em 1937. A rotina de trabalho no cotonifício
iniciava às 7 horas da manhã, quando os ruídos das bobinas começam a soar, tomando conta
de todo o bairro. Às 11 horas da manhã o silêncio voltava demarcando o horário do almoço.
Às 13 horas retornavam as atividades, prolongando-se até as 17 horas (REVISTA ESPELHO,
1937).

Sua extensa produção provocou uma demanda de aumento na jornada de trabalho e,


consequentemente, a necessidade de os operários morarem próximos a ela. Em resposta a esse
contexto que foram iniciados os programas das vilas operárias desenvolvidas pelos donos
dos empreendimentos para seus funcionários, não sendo um caso diferente na fábrica da
Torre.

Acredita-se que a primeira vila operária implantada no bairro foi a denominada Vila
Vitoriano Palhares, construída na primeira década do século XX, pelo então dono da Fábrica
Capibaribe, Francisco Sales Teixeira, junto ao casarão de sua família. A partir disso, diversas
outras vilas operárias começaram as serem construídas, como as vilas das ruas Benjamin
55

Constant e José de Holanda (DPPC, 2016). Inicialmente, percebe-se a utilização de técnicas


e ornatos que remetiam a estilos do passado, outras com uma linhagem mais simplória,
compilados em um partido de vão geminado de porta e janela sem recuo frontal.

Além dessas vilas, analisando-se as plantas antigas da área da fábrica, percebe-se a existência
de outras vilas operárias ao redor de seu terreno. Onde hoje encontra-se a rua Ana Nery,
demarca-se em planta a antiga vila operária denominada Vila 4 de Outubro. Além dela, se
pode identificar a presença de moradias para os funcionários na rua dos Operários.

Com o crescimento do empreendimento e, consequentemente, de seu quadro de funcionários,


a Companhia de Fiação e Tecidos da Torre começa a proporcionar não apenas a moradia a
seus operários, mas também funções de cunho social para toda sua família. Através dos
registros históricos, encontram-se a instalação de equipamentos, como: escolas e creches
destinadas aos filhos dos operários, clínicas de saúde e odontologia, espaços de lazer e
esportes, comércios e serviços, entre outras atividades (ALBUM DE PERNAMBUCO,
1933).

A creche, que atendia às crianças de até um ano de idade, filhas das operárias da fábrica,
integrava-se à Liga Pernambucana de Assistência a Infância. Funcionava durante o horário de
trabalho da fábrica, proporcionando às crianças alimentação supervisionada por especialistas.
A escola encontrava-se ligada a creche, com turnos diurno e noturno, atendendo a todos os
filhos dos operários ligados a indústria, distribuindo a eles materiais didáticos gratuitamente
(REVISTA ESPELHO, 1937).

A partir dessas atividades consolidou-se uma rotina comum à população do bairro,


responsável pela formação de uma dinâmica cultural ligada a um modo de viver que foi
progressivamente se enraizando no bairro.

Assim, a dinâmica social do bairro começa a se transformar e ser delineada pelo modus
vivendi dos operários e de sua família. O cotidiano do bairro era marcado pelos sons dos
movimentos dos teares e dos apitos que demarcavam as horas, que davam ritmo e
compasso a rotina das pessoas. As cores destacadas do casario alegravam o dia-a-dia das
crianças, que faziam da rua lugar de recreação. As luzes faziam da noite um novo turno para
se viver, distinto de uma realidade do tempo de um bairro rural que ficou para trás, que agora
proporciona a população opções de lazer, como ir à praça (Figura 22) ou frequentar o cinema.
56

Foi em face desse contexto que o Diario de Pernambuco (1982, ed. 304, p.4) descreveu o
bairro da Torre como democraticamente miscigenado.

Figura 22 - Áreas livres públicas na rua Real da Torre, na década de 1950

Fonte: Acervo do Museu da Cidade do Recife

Havia no bairro dois cinemas: o Cine Teatro Modelo, fundado pelo proprietário do
Cotonifício Capibaribe, e o Cine Torre, localizado na Rua Visconde do Irajá, inaugurado nos
anos de 1940, funcionando até meados da década de 1960, tendo posteriormente sua
edificação se tornado uma casa de festejos que abrigou shows de figuras famosas como Luiz
Gonzaga e Elba Ramalho (DPPC, 2016).

Junto a estes equipamentos sociais, em meados de 1956, foi instalado no bairro o Iate Clube,
que se localizava também na rua Visconde do Irajá, 30, as margens do rio Capibaribe. Nele
encontravam-se equipamentos voltados ao esporte e lazer, como: piscinas e áreas de esportes
(ALMANAQUE DO RECIFE, 1966). Entretanto, com a distância do mar, precisou ser
relocado em 1975. Suas instalações foram ocupadas pelo grupo SESI, funcionando no local
até o ano de 2013.

Os momentos de diversão e lazer não se limitavam aos equipamentos propostos na localidade.


Os folguedos e fanfarras faziam parte da cultura local. Fundado em 1923 no bairro da Torre,
o bloco carnavalesco “Apôis Fum” (Figura 23) animava as ruas do bairro com as
agremiações (REVISTA DE PERNAMBUCO, 1926). Mesmo com sua sede no centro, com o
intuito de popularizá-lo, as festas e ensaios ocorriam na residência do coronel Francisco de
Sá Leitão, na Rua José Bonifácio (DPPC, 2016).
57

Figura 13 - Baile de carnaval realizado pelo bloco carnavalesco "Apôis Fum" no bairro da Torre, no ano de 1926

Acervo: Revista de Pernambuco, 1926. Acervo da Fundação Joaquim Nabuco.

Não só as agremiações faziam parte da cultura popular do bairro da Torre, mas também a
devoção estava arraigada no seu cotidiano. As festividades no mês de dezembro voltadas a
Santa Luzia, padroeira dos operários, tornou-se parte do calendário daquele lugar (DIARIO
DE PERNAMBUCO, 1982).

O futebol também fez parte da tradição do bairro, tendo como time mais popular o “Torre
Sporte Clube” (Figura 24), popularmente conhecido como “Madeira Rubra” (REVISTA DE
PERNAMBUCO, 1930). Foi fundado no ano de 1909 por funcionários do Cotonifício da
Torre, que jogavam pela equipe, juntamente com outros esportistas locais. Patrocinado pelo
proprietário do Cotonifício da Torre, os uniformes de seus jogadores eram confeccionados
com os tecidos doados pelo dono. Participou de 24 competições do Campeonato
Pernambucano, vencendo três vezes, nos anos de 1926, 1929 e 1930, além de vencer outros
campeonatos locais (REVISTA DE PERNAMBUCO, 1933). O time representava, também,
duas outras modalidades de esportes em competições estaduais, o voleibol e o xadrez.
58

Figura 24 - Jogadores do time de futebol “Torre Sporte Club” do ano de 1930

Fonte: Revista de Pernambuco, 1933. Acervo da Fundação Joaquim Nabuco

Diversos times e ilustres nomes do futebol, como o time do Palmeiras e o jogador Pelé,
frequentaram a fábrica pelo reconhecimento de seus tecidos na confecção de fardamentos
(DIARIO DE PERNAMBUCO, 1964). É neste mesmo período que o Cotonifício da Torre se
firma como parte do cinturão fabril do estado. Com cerca de 1400 empregados, destacou-se
dentre as diversas fábricas da região, exportando boa parte de seus produtos, tornando a
indústria têxtil a segunda maior geradora de capital econômico do estado.

Além de toda a arquitetura fabril que evocava a essência deste bairro industrial, em meados da
década de 1960, no bairro, foi construída uma vila militar. Este conjunto era composto por
dez casas de estilo vernacular influenciado pelo estilo protorracionalista (DPPC, 2016).
Dispostas entre a Rua Marcos André e Real da Torre e caracterizadas pelos muros baixos e
jardins frontais, tais casas guardam até os dias atuais suas características originais.

2.3 O declínio do sistema industrial do bairro da Torre: da sua obsolescência funcional


ao seu desmonte

A ascensão econômica brasileira, vinda da produção do algodão, se tornou destaque na década


de 1960. De acordo com Nagay (1999), o período entre 1967 e 1974 representou a fase de
maior intensidade no crescimento econômico nacional. Entre o período de 1968 e 1970 a
exportação de algodão do país chegava a 10% do mercado mundial. Para o Cotonifício da
59

Torre, estes foram anos de grandes lucros e investimentos (DIARIO DE PERNAMBUCO,


1974).

Contudo, a partir do ano de 1974 o início do declínio da produção algodoeira no país é


destacado. As condições climáticas foram uma das causas que impactaram a produção desta
matéria-prima. Com o decorrer dos anos, o cultivo foi cada vez mais afetado pelas
intempéries, obtendo níveis inferiores do produto. Em razão desses fatores e do aumento das
tributações e impostos que cada vez mais encareciam a produção, houve uma desestabilização
dos produtores e a diminuição cada vez mais acentuada dos investimentos para plantação do
algodão.

As indústrias, sem matéria-prima, foram obrigadas a diminuir a confecção de sua mercadoria.


Essas ações desencadearam diversos reveses como: a redução dos horários de trabalho, a
dispensa de funcionários e, consequentemente, o começo da perda do protagonismo deste
setor que dominava a economia e conduzia o desenvolvimento urbano e social das cidades
brasileiras.

O Cotonifício da Torre também fez parte deste conjunto de indústrias. Após uma série de
demissões que perduraram cerca de dois anos, no ano de 1982, suas portas são fechadas. Em
consequência, milhares de operários perdem não só seu trabalho, como um modus vivendi. No
decorrer do tempo, quando iniciaram os processos de desmonte das vilas operárias, muitos
começam a ser retirados de suas casas, seja pela perda de seu bem por questões da falência,
como pelas demandas advindas do mercado imobiliário em busca de terrenos ociosos e de
baixo custo, pressionando os moradores a deixarem para trás, juntamente à companhia, a vida
anterior (DIARIO DE PERNAMBUCO, 1982).

A partir disso, a população do bairro da Torre começa a sentir as bruscas transformações. O


skyline do bairro começa a se alterar pouco a pouco à medida que as construtoras adquiriam
os terrenos. Os jornais começam a vender um novo modo de morar e viver, a partir de
edifícios modernos com oito pavimentos equipados com estruturas de ponta (DIARIO DE
PERNAMBUCO, 1982).

Entretanto, isto destoava completamente da paisagem local, marcadamente horizontalizada,


como também do cotidiano do lugar, consolidado por cerca de cem anos desde a instalação do
Cotonifício da Torre, que paralelamente trouxe a urbanização do bairro.
60

Esses edifícios e sítios têm sido demolidos com grande rapidez para ceder
espaço a novas obras construídas segundo visões projetuais bastante
restritas. São raras as reflexões de projeto que buscam uma ocupação
diferenciada, um diálogo com o preexistente ou que integram as
características peculiares do bairro como uma importante condicionante de
partido. (RUFINONI, 2013, p. 289)

Alguns espaços tentaram se adaptar as novas mudanças que transcorriam no dia-a-dia daquela
comunidade, como foi o caso da Vila Vitoriano. Considerada uma das primeiras vilas
operárias do bairro, na década de 1990, atuou como um polo cultural boêmio que reunia a
população intelectual da época nos bares que o compunham, participando das apresentações e
exposições de artes que ali ocorriam (Figura 25). Contudo, com decorrer dos anos, o grande
avanço do mercado imobiliário que crescia drasticamente no bairro fez com que a vila fosse
desconfigurada, surgindo em seu antigo casario edifícios multifamiliares, hoje com poucos
exemplares sobreviventes.

Figura 25 - Vila Vitorino, rua Vitoriano Palhares, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo da DPPC (2016)

O estilo de vida do bairro da Torre, moldado pela presença fabril, perdurou até a década de
1980. Seu caráter começa a se perder e a sua paisagem a sofrer bruscas alterações (Figura 26).
Desde o silêncio causado pela falta do soar do apito da fábrica, passando pelo esvaziamento
das ruas pela falta dos operários que marchavam para seu dia de trabalho, pelo fechamento de
lojas, até transformação do trajeto da festa da padroeira dos operários, Santa Luzia, que
passava por dentro da fábrica; tudo agora perdido ou transformado em uma nova realidade
(DIARIO DE PERNAMBUCO, 1983).
61

Figura 26 - Início da aparição dos edifícios multifamiliares no bairro da Torre

Fonte: Acervo de Gabriel Lins

A perda de elementos tão caros à vida a à dinâmica do lugar afetaram diretamente sua
identidade. Rufinoni (2013) entende que estas paisagens industriais, além de serem bastante
importantes como testemunhos históricos ou técnicos, contribuem para a configuração de sua
personalidade enquanto espaço. Com essas perdas, vai se esmaecendo a memória coletiva
daqueles que viveram os anos de pleno funcionamento fabril.

A mais-valia urbana, bastante forte nestes novos projetos, começa a dominar este novo
cenário, sem compromisso com a sua identidade historicamente moldada. Manoela Rufinoni
destaca:

Nesse sentido, destaca-se como uma de suas principais preocupações a


atuação da especulação imobiliária na transformação dos ambientes
históricos, atividade desordenada e descompromissada com quaisquer
atributos do ambiente preexistente que destruía em larga escala o patrimônio
urbano e também se eximia de qualquer compromisso com relação aos
interesses da população. (RUFINONI, 2013, p.116)

Essas ações do mercado imobiliário sobre os conjuntos fabris (Figura 27) não se pautam em
uma linguagem projetual integradora e harmônica, baseada no respeito às características
morfotipológicas, sociais e naturais do lugar.
62

Figura 27 - Transformação da escala urbana através do investimento imobiliário em edifícios multifamiliares no


bairro da Torre a partir da década de 2000

Fonte: Acervo grupo Direitos Urbanos

Essa forma de construção que a cidade recifense vem adotando é difundida com um grande
peso sob todo o bairro a partir do início dos anos 2000. Isto pode ser comprovado ao se
comparar o quadro do desenvolvimento urbano da cidade do Recife pós implantação da então
Lei dos Doze Bairros, responsável por descentralizar a atuação do mercado imobiliário na
margem norte do rio Capibaribe, vendo no então conjunto industrial falido, subutilizado
durante as últimas duas décadas, um local para forte investimento.

A lei municipal de nº 16.719/2001, conhecida como Lei dos Doze Bairros é responsável por
traçar diretrizes para a Área de Reestruturação Urbana (ARU), composta pelos bairros: Derby,
Espinheiro, Graças, Aflitos, Jaqueira, Parnamirim, Santana, Casa Forte, Poço da Panela,
Monteiro, Apipucos e parte do bairro da Tamarineira, em consonância com as diretrizes
contidas na Lei Orgânica do Município (LOMR) e no Plano Diretor de Desenvolvimento da
Cidade do Recife (PDCR). Tem como proposta a requalificação desta área, condicionar o uso
e a ocupação do solo à oferta de infraestrutura instalada, à tipologia arquitetônica e à
paisagem urbana existentes, entre outras ações de urbanização e proteção de áreas de interesse
social, histórico, cultural, ambiental e paisagístico.

No bairro da Torre, o rio que antes era caracterizado como espaço de lazer, meio de transporte
de pessoas e mercadorias, agora é enquadrado pelas janelas e varandas dos edifícios como
parte de uma paisagem distante e inalcançável. O caráter horizontalizado de sua paisagem e a
vida comunitária foram sendo substituídos pelo skyline verticalizado e pelas calçadas
esvaziadas de vida, cerradas pelos muros altos dos condomínios (Figura 28).
63

Figura 28 - Falta de vivência nas ruas do bairro e sua ocupação pelos carros

Fonte: Acervo do autor (2018)

Essas transformações geram impacto na compreensão da inteireza deste complexo urbano


industrial. Os resquícios das vilas operárias são postos em risco por esta nova tipologia
vertical empregada. A dinâmica social, entendida como parte desse conjunto, encontra-se
cada vez mais a mercê da imposição deste novo estilo de moradia do bairro (Figura 29).

Figura 29 - Grande estado de descaracterização e perda de partes do casario da antiga vila operária 4 de Outubro

Fonte: Raquel Ferreira (2018)

As mudanças que ocorrem no bairro estão diretamente ligadas às condições dos moradores da
área. Onde antes via-se um bairro de perfil social heterogêneo, hoje vê-se um contraste social
muito grande; os que não se renderam a essas transformações lutam pela permanência do
64

caráter de vizinhança estabelecido desde os primeiros moradores do bairro industrial,


buscando manter o estilo costumeiro de viver, seja das corriqueiras conversas de calçada ou o
frequentar das praças e demais espaços de vivência (Figura 30).

Figura 30 - O desestimulo social que causa a venda dos imóveis remanescentes para grandes empreiteiras

Fonte: Raquel Ferreira (2018)

A falta de conservação desse bem é compreendida como um fator que põe em risco os seus
atributos físicos e imateriais. Segundo Manoela Rufinoni:

[O] próprio reconhecimento do valor cultural desses bens esbarra em


grandes entraves, seja devido às características arquitetônicas da maioria dos
edifícios industriais, em geral pouco apreciadas, seja em razão do caráter de
conjunto que não compreende o bem. (RUFINONI, 2013, p.190)

De tal forma, a desvalorização enquanto bem passível de preservação pode causar o seu maior
esfacelamento, pois cada dia mais está cercado por novos espigões, frutos dos diversos
projetos das principais construtoras da cidade. Atualmente, esses complexos industriais são
definidos, muitas vezes, como áreas ociosas, degradadas e desvalorizadas. Entretanto, revelam
um importante período da história do desenvolvimento urbano e econômico do país.

Vistos hoje como oportunidade para o mercado imobiliário privado, que visa o lucro a partir
de seu potencial fundiário e econômico, a destruição e o abandono desses complexos, tão
recorrentes na paisagem urbana das nossas cidades, dão a dimensão do desafio que é a sua
salvaguarda.
65

A parte seguinte deste capítulo visa identificar os remanescentes do conjunto fabril da Torre.
Aqueles elementos que resistiram ao processo de desativação e obsolescência funcional, bem
como às investidas do mercado imobiliário. Para tanto, esta identificação está organizada em
três grandes aspectos: elementos componentes do espaço urbano, elementos arquitetônicos e
práticas sociais O que se espera é, guiando-se pelo aporte teórico do capítulo anterior e com
base na pesquisa histórica apresentada neste capítulo, proceder a identificação dos elementos
que outrora compuseram o conjunto fabril do Cotonifício da Torre.
66
67

3. Os remanescentes fabris do complexo fabril da Torre como atributos do


patrimônio industrial

O presente capítulo tem como finalidade desenvolver uma análise quanto a situação atual do
bairro da Torre com viés comparativo a partir do apanhado histórico do capítulo anterior, para
identificar os remanescentes fabris deste conjunto. A fim de reconhecer os atributos que
expressam a identidade urbana e social do bairro da Torre.

Esta etapa foi desenvolvida a partir do levantamento disponibilizado pela DPPC, utilizando os
mapas analíticos desenvolvidos para a proposta de preservação do bairro da Torre, em
andamento; materiais levantados em acervos e jornais; como também, visitas in loco para a
compatibilização dos dados e produção do processo analítico desenvolvidos para a discussão
deste capítulo.

Este capítulo é organizado em três etapas. A primeira, nomeada O desenvolvimento urbano do


bairro da Torre: do caráter fabril do século XX às transformações urbanas sofridas pós-
fechamento, faz uma avaliação das transformações urbanas sofridas no bairro após os
términos das atividades fabris, afim de comparar as mudanças e permanências desse conjunto.
A segunda, intitulada Situação atual dos remanescentes arquitetônicos do conjunto fabril da
Torre, busca identificar as edificações remanescentes do complexo fabril da Torre. Por fim, A
herança social vinda do cotidiano industrial que resiste no bairro da Torre, tem como intuito
compreender quais relações foram mantidas como parte do cotidiano do lugar, mesmo com as
diversas transformações vindas após a obsolescência da vida fabril.

3.1 O desenvolvimento urbano do bairro da Torre: do caráter fabril do século XX às


transformações urbanas sofridas pós-fechamento

Mesmo com a constante descaracterização dos artefatos fabris do conjunto oitocentista do


bairro da Torre, ainda há remanescentes que o caracterizam enquanto conjunto. Ao fazer um
estudo comparativo do desenvolvimento urbano do bairro é perceptível quais as mudanças e
alterações realizadas e quais as permanências.

O primeiro aspecto observado é o sistema viário – ruas, becos, travessas, avenidas e caminhos
– que fizeram parte da história e conformação deste lugar. Ao analisar mapas da cidade do
Recife que englobam o bairro da Torre (Figura 31), pode-se perceber o crescimento do tecido
68

urbano da cidade através da ampliação do sistema viário a partir das transformações


urbanísticas modernas realizadas ao longo do século XX.

Figura 31 - Estudo levantado pela DPPC sobre as transformações do tecido urbano e malha viária do bairro da
Torre do ano de 1906 até sua situação atual

Fonte: FIDEM e Museu da Cidade do Recife, editado pela DPPC.

Através do estudo realizado pela DPPC, a partir da compilação de diversos mapas que
especializam o bairro da Torre, se pode perceber as transformações ocorridas no seu traçado
urbano desde as primeiras décadas do século XX. No mapa que especializa o bairro no ano de
1906, se é observado uma malha bastante repartida, entendido pela autonomia da implantação
das primeiras edificações alocadas no bairro. Já em 1914, consegue-se identificar o início do
ordenamento dessas vias em busca de maior estruturação de sua malha.

Percebe-se também que, entre 1920 e 1932, houve a consolidação dos principais eixos
estruturantes do bairro. Para refutar este crescimento urbano do bairro, é possível remeter
essas transformações ao processo de modernização da cidade, contemporâneo a este período
levantado. Estas vias, permaneceram como articuladores no processo de desenvolvimento
urbano do lugar e estão presentes até os dias atuais como importantes elementos de condução
da cidade.
69

Com esse estudo, pode-se perceber também, a ampliação do sistema viário ao redor dos
principais equipamentos do bairro, no caso: o cotonifício da Torre, no centro leste do bairro, e
a fábrica Capibaribe ao norte da localidade. Isso é perceptível por causa da criação das então
vilas operárias junto à indústria. Como elemento bastante marcante nos mapas, e presente
desde o mapa de 1914, está a vila 4 de outubro, com seu formato triangular alocado nos
arredores da companhia de fiação e tecidos da Torre.

Nos mapas, principalmente no de 1943, é evidenciado o crescimento das fábricas, com maior
ênfase para o cotonifício da Torre. A ampliação de sua estrutura não se limitou apenas ao
conjunto interno da fábrica, mas, nesse mapa específico, há uma demarcação bastante
significante das áreas edificadas. Com isso, é bastante perceptível o quanto os conjuntos fabris
conformam a malha urbana do bairro e o consolidam como um composto bairro moderno da
cidade.

O crescimento urbano, e consequentemente populacional, do bairro é bastante expressivo até


a década de 1970, como é observado na ortofotocarta do ano de 1976. O aumento expansivo
de vias e a marcante presença de edificações demonstram o quanto o bairro se consolidou.
Fazendo um paralelo com a história do lugar, remete-se esse avanço principalmente às
atividades desenvolvida pelas fábricas, com ênfase ao cotonifício da Torre, se tornando marco
econômico, social e cultural do bairro.

A estagnação dessas rápidas transformações do tecido urbano do bairro se torna percebível a


partir dos anos de 1980, como se vê no mapa referente a esta década. Isso pode ter se dado em
razão de dois aspectos: primeiro, o alto nível de urbanização do bairro; segundo, o
fechamento das fábricas e, logo, os desmontes dos conjuntos fabris.

De tal forma, após este marco temporal, o único ponto de acréscimo no tecido urbano se dá
com a regularização da comunidade Santa Luzia na década de 1990, como se vê na
ortofotocarta de 1997. Assim, alguns anos depois é criada a avenida Beira Rio onde antes
havia palafitas, na zona leste do bairro, margeando o Rio Capibaribe. Estas mudanças pós
fechamento do cotonifício pouco interferiram no tecido formal consolidado durante
principalmente até os anos de 1980.

Para compreender a conformação urbana do bairro, também se fez necessário analisar as áreas
verdes (Figura 32), desde a consolidação do tecido urbano em meados do século XX até os
70

dias atuais. Para isso, tomou-se como base o estudo realizado e disponibilizado pela Diretoria
de Proteção do Patrimônio Cultural do Recife (DPPC).

Figura 32 - Estudo levantado pela DPPC sobre as transformações das áreas verdes após o início da consolidação
urbana do bairro da Torre até sua situação atual

Fonte: Elaborado pela DPPC/SEPLAN, 2016.

Ao analisar esse estudo, é clara a redução da massa vegetativa do bairro da Torre ao longo dos
últimos sessenta anos. O avanço urbanístico presente na história e a conformação dessa
localidade, como visto no estudo passado, é evidenciado nestes mapas como marcos de
redução da paisagem natural do lugar. A predominante presença da massa construída é
evidenciada como elemento importante para a compreensão desse espaço, distinto do que era
antes reconhecido no bairro.

Entende-se que é compreensível a perda da massa vegetativa do lugar com o crescimento do


tecido urbano da cidade, principalmente ao trazer em consideração a filosofia dos conjuntos
fabris. Contudo, mesmo com uma redução da massa vegetativa, nos mapas de 1950 e 1970
71

percebe-se que ainda há a presença de áreas verdes ao longo das vias urbanas, nas áreas
frontais e fundos de lotes e quadras e nas áreas naturais, como as margens do rio.

Algumas edificações do conjunto industrial do bairro da Torre são marcadas, no período


citado, por seus jardins frontais que compõem as vias principais; principalmente as habitações
das pessoas de classes mais abastadas e funcionários de alto escalão das fábricas. Outras
zonas que compõem estas áreas verdes, são os espaços livres públicos, como praças e largos,
marcados por serem espaços de lazer e vivência da população. Ao observar os mapas, muitos
destes espaços conseguiram se manter de forma bastante consistente ao longo dos anos.

Se torna bastante contrastante a esse recorte temporal, os mapas que demonstram a


arborização da década de 1990 até os dos dias atuais. O mais expressivo, ao comparar as
décadas de 1970 e 1990, é o desmatamento da área onde posteriormente se alocou a
comunidade de Santa Luzia, mudando bastante a zona oeste do bairro. Além disso, já é
perceptível a perda da vegetação nos fundos de quadras (Figura 33).

Figura 33 - Sobreposição do gabarito atual com a cobertura vegetal da década de 1950

Fonte: Elaborado pela DPPC (2016)

Quando se busca na história do bairro a perda mais acentuada dessa massa vegetal, remete-se
ao período de desmontes das vilas operárias. Isto é causado pelo início dos remembramentos
72

de lotes e a construção de edifícios mais verticais que começaram a definir uma nova escala
urbana para o lugar, distinta da consolidada pelo núcleo fabril.

O desaparecimento desses quintais, recantos verdes e espaços livres públicos ao longo dos
anos demarca a perda desses atributos que caracterizavam a paisagem urbana industrial do
bairro da Torre. De tal forma que a integração das edificações com o verde demarca não
apenas o apelo estético e social, mas também características presentes nas propostas
higienistas. Esta harmonia vista por todo o bairro, atualmente se faz perceber apenas em
alguns remanescentes (Figura 34).

Figura 34 - Edificação habitacional remanescente na rua Visconde de Irajá, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Josafá Medeiros (2018)

Também foi analisado pela DPPC, os exemplares arquitetônicos remanescentes do bairro


construídos durante o período de funcionamento da fábrica (Figura 35), vinculado diretamente
ao período de uma acelerada urbanização dessa localidade. Através desse estudo foi possível
obter informações quanto a historicidade das edificações do bairro, o estilo arquitetônico, o
estado de preservação e de conservação atual desses remanescentes da história. Com esse
estudo também se consegue identificar quais artefatos pertenceram ao conjunto fabril, o que
permite explorar estratégias de conservação para os bens remanescentes.
73

Figura 35 – Análise urbana por período de construção dos edifícios do bairro da Torre

Fonte: Elaborado pela DPPC (2016)

A partir do mapa que traça a historicidade das edificações alocadas no bairro da Torre é
possível perceber o grande número de imóveis construídos até a década de 1970, período no
qual iniciou a decadência desse sistema econômico e social no lugar. É possível identificar
através deste estudo, o aglomerado de edificações de um mesmo período em algumas
localidades do bairro; isto permite levantar a hipótese de, possivelmente, constituiam as vilas
operárias das fábricas.

Através deste estudo, observa-se também que há, em todas as quadras, novas edificações (i)
consideradas aqui nesta análise referentes ao período pós-fechamento das fábricas, a partir de
1980 e (ii) ações de remembramento de lotes formando terrenos destoantes daqueles que
caracterizam esse tecido. Esses extensos lotes quebram a harmonia trazida pelos lotes finos e
alongados que caracterizam o conjunto fabril.

Não apenas esta deturpação do parcelamento do solo é vista como uma perda de atributos.
Através do mapa que especializa o gabarito dessas edificações, percebe-se a quebra da escala
urbana que representava esse núcleo fabril (Figura 36). Os novos tipos edilícios construídos
74

nas três últimas décadas não consideraram, e continuam não considerando, o caráter
horizontal predominante desse conjunto, sem respeitar a hierarquização das alturas e o plano
de visadas que caracterizavam o planejamento urbano originário do lugar.

Figura 36 - Análise urbana de gabarito do bairro da Torre

Fonte: Elaborado pela DPPC (2016)

Com o mapa de gabarito da Torre comprova-se a verticalização transformando a escala


urbana do bairro. A escala da fábrica, com sua chaminé, perdeu bastante da sua força
enquanto ponto focal do lugar (Figura 37). Estes aspectos identificados representam
consideráveis descaracterizações. O patrimônio industrial enquanto elemento integrado vem
sendo ameaçado por esses novos equipamentos que segregam cada vez mais os artefatos
fabris remanescentes.
75

Figura 379 - Chaminé deixa de ser ponto focal ao surgir os novos edifícios no bairro da Torre

Fonte: Acervo do Autor (2018)

3.2 Situação atual dos remanescentes arquitetônicos do conjunto fabril da Torre

Além das mudanças do tecido urbano do bairro da Torre e dos principais elementos
significativos a ele ligados, percebe-se as quantitativas transformações que ocorreram no
conjunto arquitetônico dessa localidade nas últimas décadas. As investidas do mercado
imobiliário vêm moldando uma nova dinâmica de morar e construir no lugar, sem um
pensamento integrador com o pré-existente.

Ameaçados por essa nova dinâmica econômica e social instaurada por toda a cidade, os
elementos arquitetônicos fabris do bairro da Torre estão sendo ceifados um a um, deixando
apenas na memória da população a identidade urbana e social consolidada durante um século
de urbanização do lugar. De modo urgente, se faz necessário identificar os remanescentes
arquitetônicos deste conjunto fabril oitocentista, em busca de métodos que visem a
salvaguarda destes elementos que refletem a história do lugar.

Muitos dos atributos arquitetônicos citados durante a pesquisa histórica, já foram demolidos e
deram lugar a novos edifícios que hoje compõem, de modo contrastante, a paisagem urbana
do lugar. Como exemplo, traz-se o Cine Torre, cinema construído como equipamento social
da vida fabril, que foi demolido para dar lugar a um edifício residencial multifamiliar (Figura
76

38). Do antigo estabelecimento, sobrou apenas o nome, adotado pelo prédio construído por
cima, o resto ficou eternizado apenas na memória coletiva da população torreana.

Figura 38 - Edifício Cine Torre, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Outros atributos se perderam durante as transformações que marcaram o pós-fechamento do


Cotonifício da Torre e consequente desmonte de diversos conjuntos ligados ao sistema fabril.
Contudo, restaram alguns remanescentes espalhados por todo o bairro que ainda conseguem
espacializar a Torre desenvolvida a partir da economia fabril.

A partir da análise histórica realizada anteriormente – levantamento iconográfico, cartográfico


e bibliográfico –, juntamente com o conjunto de mapas analíticos desenvolvidos pela DPPC
relacionados ao bairro da Torre – mapas de análise urbana sobre historicidade, gabarito, estilo
arquitetônico e parcelamento do solo –, se tornou possível pontuar alguns elementos
arquitetônicos que representaram esta essência do movimento fabril e que evidenciou, e
continua evidenciando, sua importância enquanto conformador do espírito do lugar.

Conseguinte a esta análise, foram encontrados vestígios da presença de possíveis


remanescentes fabris por todo o bairro, elaborando, assim, um mapa (Figura 39) situando os
possíveis resquícios deste conjunto tão importante para o bairro. A partir disso, foi realizada
uma investigação e avaliação destes elementos afim de questionar sua ligação com a antiga
nucleação operária, compreendendo o quanto ainda se resta desse patrimônio industrial tão
negligenciado.
77

Figura 39 - Mapa com possíveis remanescentes fabris do conjunto industrial da Torre

Fonte: Elaborado pelo autor (2018) a partir dos mapas da DPPC/SEPLAN (2016)

O principal retrato desse icônico recorte temporal do bairro é o próprio terreno com os
edifícios remanescentes da antiga Companhia de Fiação e Tecidos da Torre (Figura 40).
Mesmo com o fechamento datando mais de trinta anos, ainda existem edificados os
equipamentos representantes do período ativo da fábrica. Contudo, alguns desses edifícios
sofreram reformas durante a década de 1980, idealizadas para sediar o Centro Administrativo
Banorte (CENAB) antes de sua falência.
78

Figura 40 - Antiga Companhia de Fiações e Tecidos da Torre, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo da DPPC (2016)

É possível observar que foram poucas as diferenças volumétricas sofridas desde o término das
atividades têxteis da fábrica; algumas demolições causadas pelo projeto, outras para a criação
da avenida Beira Rio. Do projeto de Vital Pessoa de Melo, Glauco Campello e José Luiz
França de Pinho, poucas foram as propostas executadas (DPPC, 2016). Devido ao tempo de
obsolescência, alguns desses blocos remanescentes do período do cotonifício encontram-se
necessitados de ações de conservação (Figura 41 a 44).

Figura 41 - Galpões, armazéns e chaminé do antigo cotonifício da Torre, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo de Gabriel Lins (2014)


79

Figura 42 - Blocos remanescentes do cotonifício da Torre e outros criados pela CENAB

Fonte: Acervo de Gabriel Lins (2014)

Figura 43 - Blocos, reservatório e área verde remanescente no terreno do antigo cotonifício da Torre

Fonte: Acervo de Gabriel Lins (2014)


80

Figura 44 - Bloco anexo do cotonifício da Torre situado na esquina da rua Marcos André e rua dos Artistas,
bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Josafá Medeiros (2018)

Também se faz presente resistindo as duras transformações, os remanescentes das antigas


vilas operárias nas ruas Benjamin Constant e José de Holanda (Figuras 45 e 46). O estilo
eclético presente nas edificações com seus significativos ornatos compondo a fachada; a
conformação arquitetônica do estilo de morar dos núcleos fabris datados da década de 1920,
com casas geminadas de porta e janela, sem recuos; suas cores vivas arraigadas na memória
afetiva do lugar. Estas são algumas particularidades espacializadas por esse conjunto de casas
que permaneceram edificadas enquanto grande parte do seu entorno foi tomado pelos grandes
espigões que assaltam a visão horizontal tão característica do bairro.

Figura 45 - Vila operária da rua Benjamin Constant, bairro da Torre, Recife (PE)
81

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Figura 46 - Vila operária da rua José de Holanda, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Também como parte desse conjunto, há os remanescentes presentes na rua José Bonifácio –
rua principal do bairro, perpendicular às ruas Benjamin Constant e José de Holanda –,
encabeçando a quadra com habitações fabris mais imponentes, pertencentes ao majoritários da
fábrica (Figura 47). Além desse conjunto habitacional, prosseguindo a rua principal, percebe-
se edificações de tipo comercial, contemporâneas ao restante (Figura 48), historicamente
comprovando a conformação urbana de um conjunto de vilas operárias, característico de um
sistema industrial (SOUZA, 2013).
82

Figura 47 - Edificação Fabril situ à rua José Bonfifácio, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Figura 48 - Remanescentes fabris situ à rua José Bonifácio, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Este é o resquício de vila operária mais completo em todo o bairro. Sua proximidade com a
fábrica demarca bem o caráter industrial adotado por todo o bairro, iniciado às margens da
produção, se estendendo por todo o tecido urbano do lugar, ou até mesmo criando-os no
decorrer de sua expansão.

Na rua Visconde de Irajá, próximo a esta vila operária mostrada, foi possível identificar
algumas edificações habitacionais remetentes ao mesmo período das já citadas. Entretanto,
estão isoladas uma das outras, compondo mais um entre os diversos edifícios multifamiliares
que compõem o conjunto remanescentes (Figura 49). Apesar de ainda existirem, são
83

perceptíveis as descaracterizações realizadas pelos proprietários (Figuras 50), como forma de


se adequar as transformações impostas pela atualidade.

Figura 49 – Edificações de estilo eclético descaracterizadas com revestimento cerâmico, na rua Conde de Irajá,
bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do autor (2018)

Figura 50 - Edificação habitacional fabril remanescente na rua Conde de Irajá, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do autor (2018)


84

Na rua João de Deus, ainda remanescem duas edificações semelhantes a estes conjuntos:
habitações tipo porta e janela, geminadas, com ornatos em suas fachadas (Figura 51). Como
estes, encontram-se por todo o bairro, alguns outros exemplares deste tipo edilício, resquícios
da dimensão que o núcleo fabril da Torre alcançou com sua produção durante um século de
existência

Figura 51 - Moradias remanescentes na rua João de Deus, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do autor (2018)

Além do conjunto de casas conformando vilas operárias, havia também edifícios que já
traziam o caráter multifamiliar desde o período fabril (Figura 52 e 53). Contudo, são
exemplares que se integram de modo harmônico ao entorno, respeitando a hierarquização da
escala urbana, a presença do verde na arquitetura e a dinâmica social do lugar. Mesmo com
algumas descaracterizações, ainda preservam bastante dos elementos originais.

Figura 52 - Vila Sucesso, situada na rua Conde de Irajá, bairro da Torre, Recife (PE)
85

Fonte: Josafá Medeiros (2018)

Figura 53 - Vila Talismã, rua Dom Manoel da Costa, Bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Google Street View (2018)

Outros modelos de vila operária, com datas mais recentes são encontrados também no bairro.
Ainda se encontram vários remanescentes de moradias operárias das décadas de 1930/1940,
na rua Melquisedeque de Lima (Figura 54). O caráter da rua ainda está bastante conservado:
seu perfil horizontalizado, com suas edificações operárias geminadas e a presença de jardins
frontais (Figura 55).
86

Figura 54 - Moradia situada na rua Melquisedeque de Lima, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do autor (2018)

Figura 55- Edificações operárias geminadas na rua Melquisedeque de Lima, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do autor (2018)

Muitas outras vilas operárias se difundiram com um estilo arquitetônico vernacular, de caráter
simples e racional. Pela falta de reconhecimento do seu valor estético, ficaram à mercê da
descaracterização exacerbada; muitas perdendo por completo seus atributos originais.
Contudo, algumas permaneceram ao longo dos anos e ainda guardam este exemplar
arquitetônico de vila operária tão simbólico para o patrimônio industrial. O bairro da Torre
guarda como remanescente a vila operária em forma de “U” na rua Benjamin Constant
(Figura 56).
87

Figura 56 - Vila operária em forma de "U" na rua Benjamin Constant, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do autor (2018)

Há outros exemplares de arquitetura habitacional fabril pelo bairro, algumas já dispondo de


uma residência no centro do lote, com quintas e jardins, que sugerem remeter-se aos conceitos
higienistas (Figura 57). Além desses, outros modelos marcam a diversidade da composição
estética e funcional deste período e proposta social.

Figura 57 - Edificação unifamiliar na rua José de Holanda, bairro da Torre, Recife (PE)
88

Fonte: Acervo do autor (2018)

Além das edificações habitacionais que compuseram as vilas operárias, traz-se como
elemento importante para a história do bairro, mesmo não tendo ligação direta com o conjunto
fabril, a Primeira Igreja Evangélica batista na Torre (Figura 58), situada na rua Conde de
Irajá. Mesmo não tendo uma ligação direta com a história dos conjuntos fabris, mas se
mantém presente no bairro desde a década de 1910 acompanhando todas as transformações
ocorridas no lugar. Sua presença é marcante não apenas como elemento edificado do bairro,
com sua arquitetura imponente, mas também por fazer parte do cotidiano da população e da
memória desse lugar.

Figura 58 - Primeira Igreja Evangélica Batista na Torre, rua Conde de Irajá, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do autor (2018)

Outro local de culto no bairro que surgiu durante o período fabril é a União Espírita da Torre,
no ano de 1925. Em 1947 adotaria também a função de asilo para idosas, intitulando-se
Abrigo Espírita Lar de Jesus. Mesmo não tendo ligação direta com a história do cotonifício,
foi responsável por abrigar um projeto social que acompanhou a urbanização do bairro, dando
suporte a sua população. Hoje seu edifício continua na rua Vitoriano Palhares (Figura 59), um
dos poucos remanescentes deste tempo nesta via.
89

Figura 59 - Abrigo Espírita Lar de Jesus, rua Vitoriano Palhares, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Google Street View (2018)

3.3 A herança social vinda do cotidiano industrial que resiste no bairro da Torre

Não apenas os elementos arquitetônicos estão se perdendo ao longo dos anos por causa das
transformações que o bairro sofre constantemente. O legado social herdado pela vida fabril do
lugar luta diariamente para se manter como parte do cotidiano social da população. A busca
por estes elementos, sustentados pela memória afetiva da população mais antiga que viveu
este período do bairro, se torna cada vez mais difícil nos dias atuais, e até desconhecidos para
os novos moradores.

O esvaziamento das ruas é o primeiro ponto observado do bairro da Torre atual. Esta falta de
vitalidade é sentida ao comparar com os relatos dos antigos moradores em relação aos anos
fabris, que se viam: as conversas diárias nas calçadas, as brincadeiras de ruas; os passeios nas
praças e atividades de esportes e lazer nos campos e a rotina de trabalho, tornam-se cada vez
mais distante da realidade atual do lugar. A vida social torreana era vivenciada nas ruas.

Atualmente, algumas dessas atividades resistem com as mudanças instauradas pelo novo
estilo de vida vindo. Nos remanescentes das vilas ainda se percebe a proximidade das relações
de vizinhança. De acordo com um morador antigo do bairro, muitos dos costumes locais
foram se perdendo ao longo do tempo, seja pela grande perda dos moradores antigos,
90

causados pela forte investida do mercado imobiliário, seja pela mudança no modo de vida do
lugar ao longo dos anos trazidas pelo novo estilo de urbanização.

Pouco a pouco percebe-se o convívio social do bairro esmaecendo. A perda continua dos
espaços de vivência tradicionais tem um claro rebatimento nas práticas sociais antigas.
Mesmo tendo o cotidiano fabril sido paralisado com o fechamento da fábrica, muitos dos
antigos costumes se mantiveram. Isso é visto com os comerciantes locais que, diariamente,
lutam pelo seu espaço com os grandes empreendimentos que surgem no bairro (Figura 60).

Figura 60 - Sebo da Torre, rua José Bonifácio, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Como relatado por moradores antigos dessa localidade, havia o comércio informal nas
calçadas e o convívio social entre os vendedores e clientelas do comércio local. Hoje muitos
dessas edificações que antes eram equipamentos comerciais e de serviços fecharam, como
também, deram lugar aos grandes comerciais instalados no bairro. Desse modo, percebe-se
que a manutenção dos usos desses edifícios é o que manterá viva a sua função sociofuncional
e garantirá a preservação desses remanescentes fabris.

Exemplo da manutenção de uso antigo que se manteve, apesar de precisar se adequar às


necessidades atuais, é a padaria Nova Armada (Figura 61). Na esquina das ruas José
Bonifácio e Conde de Irajá, desde a década de 1930 atende a população torreana; no início
com o pão e leite, hoje oferece serviços de refeições (SOUZA, 2017).
91

Figura 61 - Panificadora Nova Armada, rua José Bonifácio, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Google Street View (2018)

Com essas transformações urbanas e sociais, os eventos religiosos tradicionais do bairro


também são afetados. Como exemplo desta situação tem-se a festa de Santa Luzia, padroeira
dos antigos operários da fábrica e até hoje símbolo religioso do lugar. De acordo com os
moradores mais antigos, a festa não é a mesma desde o fechamento do cotonifício. A
procissão perdeu sua força, reduzindo seu percurso pelo bairro. Antes, a festividade se
estendia até o cotonifício, que era ponto de parada da caminhada religiosa.

Atualmente, a festa não percorre o mesmo trajeto. Seguindo apenas pelas ruas Conde do Irajá,
Cantora Clara Nunes, Marquês de Irajá e Real da Torre, a festa se limita a paróquia e a praça
Barreto Campelo (Figura 62), em frente à igreja de Nossa Senhora do Rosário (DIARIO DE
PERNAMBUCO, 2016). Contudo, a festa mantém seu cunho social ativo, como evento
tradicional da comemoração.
92

Figura 62 - Festa de Santa Luzia, praça Barreto Campelo, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Paróquia da Torre (2014)

O esporte e o lazer que também faziam parte da tradição fabril local, subsidiada pelo próprio
cotonifício com a criação de quadras poliesportivas, campos e times de futebol com os
próprios operários, sofreu transformações, mas resistem.

Atualmente, mesmo com a extinção dos times bairristas tradicionais, o futebol se mantém
como meio de ligação das diversas classes e culturas (BORGES, 2018). Assim, como outrora,
através dos relatos dos moradores antigos, há a manutenção deste caráter social e de lazer,
mesmo com os desmontes dos vários conjuntos esportivos da fábrica e campos locais. A
manutenção do campo do Bueirão (Figura 63), tradicional campo do bairro, mantém viva
entre os moradores tradicionais, como também, abraça os novos moradores, com o mesmo
espírito que era tratado no período ativo da fábrica.
93

Figura 63 - Campo do Bueirão, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Blog Bom de Bola (2015)

Com todas as mudanças que o bairro vem sofrendo com as transformações impostas pela
modernidade, o convívio social se mantém resistente. A busca por alternativas para a
manutenção destas atividades que expressam a identidade do bairro enquanto espaço social,
sustenta a necessidade da sua preservação, com o intuito de obter seu reconhecimento
enquanto lugar de memória.

Profundamente moldado pela presença fabril, o bairro da Torre se entrelaça com uma cultural
social do cotidiano, de vizinhança e da tradição. O seu patrimônio industrial não se limita
apenas aos edifícios remanescentes, mas também a toda a carga afetiva instaurada neles e
naqueles que os vivenciaram e continuam lutando pela sua existência.

Como conclusão deste capítulo, percebe-se as mudanças ocorridas no bairro da Torre desde a
desativação das indústrias que ali eram instaladas, ao compará-lo com o apanhado histórico
desenvolvido no capítulo anterior. Como também, as transformações urbanas e sociais que o
bairro passou desde este período e a consequência destas alterações ao apreender conjunto
fabril oitocentista remanescente no bairro.

A partir deste estudo levantado neste capítulo para análise da situação atual do bairro e o
reconhecimento dos remanescentes desse conjunto fabril, juntamente com o apanhado
histórico desenvolvido no capítulo 2 deste trabalho, visa-se identificar os atributos
patrimoniais que ainda expressam a identidade urbana e social do lugar, herdadas do período
industrial que o bairro transpassou, evidenciando o patrimônio industrial existente ali.
94
95

4. Identificação dos atributos patrimoniais do conjunto fabril do bairro da Torre e


a avaliação de sua integridade

A partir dessa análise sobre a situação atual no qual o bairro da Torre se encontra, são
identificados alguns remanescentes do complexo fabril oitocentista que protagoniza a história
desse lugar. Estes elementos, marcantes por expressar a espacialização de sua identidade
social e urbana, podem ser classificados como os atributos restantes do patrimônio industrial
que um dia representou o bairro como símbolo da modernização não só recifense, mas em
âmbito nacional.

Se faz necessário frisar que, de acordo com Souza (2013, p.64), “ao se tratar da trajetória das
vilas operárias e dos núcleos, é necessário considerar um processo contínuo de construção,
ampliação e transformações ocorridas nesses assentamentos”.

Desse modo, por compreender estes elementos multifacetados como atributos do conjunto
fabril da Torre, se faz necessário enquadrá-los a partir das três dimensões discutidas por
Casanelles (2007): dimensão social, dimensão tecnológica e dimensão ambiental. Essas
dimensões, como posto no primeiro capítulo deste trabalho, facilitarão a identificação desses
elementos enquanto representantes do patrimônio industrial da Torre.

Por meio desta identificação dos atributos que compõem o complexo fabril do bairro da Torre
e a sua situação nos dias atuais, é possível avaliar suas condições de integridade. Pois, será a
partir dessa avaliação, que se poderá perceber quais os atributos que ainda expressam a
identidade social e urbana do lugar.

Como outrora discutido, pela situação que se encontra não apenas esse sítio industrial em
especial, mas, sim, algo que se repete constantemente em vários outros exemplares, é a noção
de integridade do bem cultural que deve ser averiguada por estar “relacionada com o grau em
que o bem cultural, em sua matéria e em sua dinâmica social, detém seus atributos
característicos e os processos responsáveis pela atribuição de significados ao bem”
(RIBEIRO; LIRA, 2012, p.38).

Para tanto, por se tratar de um conjunto de atributos apreendidos que expressam a extensão
dos signos refletidos pelo conjunto industrial do bairro da Torre – seja por sua dimensão:
social, tecnológica ou ambiental –, se faz necessário avaliar cada um a partir das três
dimensões discutidas por Jukka Jokilehto (2006) quanto a noção de integridade: integridade
sociofuncional, integridade estrutural, integridade visual.
96

Entretanto, cabe aqui destacar que, mesmo devido à falta de exemplares que representem a
permanência total de seus atributos, vê-se necessário, neste trabalho, a utilização desta noção
como forma de identificar esta diversidade de atributos que resistiram ao seu processo de
obsolescência e que ainda expressam os significados deste bem.

As dimensões referidas acima, como explicitado no primeiro capítulo deste trabalho, poderão
servir como guias para a elaboração de futuras diretrizes, afim de preservar a identidade
urbana e social através dos atributos remanescentes desse conjunto tão precioso para a história
do urbanismo da cidade e sua conformação social.

Este capítulo é dividido em três etapas. A primeira Atributos sociofuncionais do complexo


fabril da Torre, identifica quais os atributos remanescentes que expressam os atributos
sociofuncionais do bairro e qual seu estado de conservação atual a luz da noção de
integridade. A segunda Atributos estruturais do complexo fabril da Torre, identifica quais os
atributos remanescentes que expressam os atributos estruturais do bairro e qual seu estado de
conservação atual a luz da noção de integridade. A primeira Atributos visuais do complexo
fabril da Torre, identifica quais os atributos remanescentes que expressam os atributos visuais
do bairro, qual seu estado de atual a luz da noção de integridade.

4.1 Atributos sociofuncionais do complexo fabril da Torre


Como base no entendimento adotado sobre a dimensão social do conjunto fabril elaborada por
Casanelles (2007) e a relação identificada entre o seu significado e o de integridade
sociofuncional sugerido por Jukka Jokilehto (2006), passa-se para a identificação dos
atributos remanescentes que ainda representam o modo de vida da sociedade fabril. Estes
atributos estão vinculados, como já explicitado, às atividades promovidas, aos costumes e
tradições, aos usos e funções ligados à lógica de funcionamento do núcleo fabril.

Para isso, faz-se necessário entender que o crescimento urbano do bairro se deu em função de
que “esses núcleos apresentavam uma leitura simples representando a ‘cidade do trabalho’,
concebida para produzir mercadorias e reproduzir uma força de trabalho capacitada para as
atividades da indústria”. (SOUZA, 2013, p.65 Apud CORREIA, 1998, p.98)
97

De acordo com o estudo realizado no bairro da Torre, descrito no capítulo anterior, entende-se
que mesmo com a perda da função fabril, geradora do trabalho e mobilizadora da
permanência dos operários próximo a ela, ainda há atributos que resistiram às transformações
sofridas.

O primeiro atributo identificado está relacionado ao uso habitacional operário. Se


enquadram nesse atributo os remanescentes fabris que ainda guardam os costumes herdados
do “jeito de morar” constituídos pelos moradores das antigas vilas operárias. Esse atributo
evoca, principalmente, a identificação do lugar a partir da relação de vizinhança e convívio
social estabelecido nas ruas e calçadas do bairro, como uma extensão da casa.

Este é o atributo que caracteriza a grande força da identidade social do bairro da Torre. Seu
enfraquecimento se deu com o término das atividades fabris no bairro e o processo de
desmonte subsequente.

Mesmo com todas as mudanças ocorridas no bairro ao longo das últimas décadas, a
predominância habitacional se mantém até os dias atuais, apesar de se reproduzir em tipos
edilícios bastantes distintos daqueles das moradias fabris. Apesar das intensas transformações,
este atributo ainda resiste, presente na rotina da sociedade, principalmente, nos conjuntos
operários remanescentes que circundam o cotonifício, área em que sofreu pontuais perdas
causadas pela investida do mercado imobiliário (Figura 64). São esses locais que conseguem
ainda transmitir os costumes e tradições vinculados ao modo de viver do período fabril.

Figura 64 - Apropriação da calçada na rua 24 de Fevereiro, rua da Torre, Recife (PE)


98

Fonte: Google Street View

Ao analisar o atributo em relação aos conceitos adotados, tanto por Jokilehto (2006) quanto
por Casanelles (2007), percebe-se que houve bastante de sua perda enquanto conformador da
identidade social do bairro com os desmontes ocorridos no conjunto fabril pós-fechamento de
suas atividades.

Entretanto, os moradores remanescentes do período fabril da Torre continuam promovendo


essa relação vizinhança e o convívio social que referencia o modo de morar tradicional desse
bairro fabril. Mesmo não representando com a mesma ênfase, estes remanescentes traduzem o
modus vivendi herdado da população da Torre.

Desse modo, se pode dizer que parte da sua integridade sociofuncional foi mantida. Afim de
manter parte desse atributo presente no cotidiano da população torreana, faz-se necessário a
criação de mecanismos que promovam a preservação desse atributo, pois mesmo com as
mudanças causadas pelo desmonte do conjunto, a sua função predominante no núcleo se
manteve.

Outro atributo que resiste às transformações que o bairro vem sofrendo atualmente é a
relação de freguesia adquirida com o comércio de vizinhança. Estão ligados a este atributo
os remanescentes que ainda preservam o uso comercial e o seu caráter de serviço local,
bastante característico desde a época fabril. Este comércio de vizinhança remete de forma
muito expressiva ao sentimento de clientela, evocado pela proximidade entre o comprador
e o vendedor.

Com a chegada dos grandes equipamentos de comércio e serviço que se instalaram no bairro,
visando alcançar os novos moradores, este tipo de comércio perdeu um pouco de suas forças,
e hoje lutam dia após dia para permanecer na vista não apenas dos moradores locais, mas
também dessa nova população que chega no bairro (Figura 65).
99

Figura 65 - Comércio local com apropriação das calçadas na antiga vila operária 4 de Outubro, atual rua Marcos
André, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Google Street View

Ao analisar o atributo em relação aos conceitos adotados, tanto por Jokilehto (2006), quanto
por Casanelles (2007), em relação à interação social como artefato do bairro da Torre,
percebe-se que houve perdas causadas pela chegada de novos equipamentos ao bairro.

A importância da manutenção desse tipo de artefato como parte definidora para a preservação
dessa identidade bairrista que é feita em pequena escala, tão característica da Torre desde o
período de ativação da fábrica. Os relatos dos moradores expressam essa relação cara-a-cara
feita no balcão, bastante comum nos pequenos comércios locais.

Além disso, também deve ser considerado como parte inerente desse atributo, o produto como
exposição do serviço, tão marcante nos relatos da população, presente nos moradores que
vendiam seus produtos na calçada de suas casas, e ainda faz parte do cotidiano local.

Outro atributo identificado foi a promoção do esporte e do lazer, referenciado pelas


atividades realizadas pelos proprietários das fábricas com o intuito de proporcionar para os
seus funcionários momentos de descanso e novas atividades saudáveis a serem praticadas para
além do trabalho, distanciando-os de vícios e enfermidades (SOUZA, 2013).

Mesmo com a perda dessas referências ligadas ao conjunto fabril, como os times de futebol
ligados a fábrica, tão marcantes na história do bairro, entre outras atividades e agremiações
100

constantes na rotina da população, ainda permanecem, mesmo que remodeladas, no cotidiano


do bairro. As ações locais são propostas pelos próprios moradores com o intuito de retomar
essas atividades enfraquecidas ao longo do tempo.

O campo do Bueirão, próximo a igreja matriz da Torre, é responsável pela manutenção do


convívio entre os moradores, através dos momentos de lazer desfrutados nesse espaço,
assim como ocorria no período de funcionamento da fábrica, nos campos disponibilizados por
ela. Além disso, do mesmo modo que os memoráveis times de futebol eram organizados por
figuras do cotidiano do bairro, esta atividade preserva as qualidades do esporte como meio de
interação social (Figura 66 e 67).

Figura 66 - Time do Torre Sport, década de 1930

Fonte: Acervo da Fundaj

Figura 67 - Time sub-15 e sub-17 do campo do Bueirão, 2017

Fonte: Recife Bom de Bola, Prefeitura do Recife


101

Além do esporte como modo de lazer, mesmo com a perda de grandes nomes do carnaval
recifense, os moradores tentam manter vivo o caráter das festas e fanfarras tão comuns no
período fabril como meios de diversão.

De modo a avaliar a partir das discussões de Jokilehto (2006) e Casanelles (2007),


relacionados à interação social como artefato do lugar, percebe-se que o atributo tem mantido
suas características enquanto proporcionador de lazer e fomentador do convívio social,
cumprindo sua função consolidada desde a época de funcionamento das fábricas.

A festividade religiosa do bairro, em especial a festa de Santa Luzia se demonstram como


um atributo deste conjunto fabril. Está presente na história do bairro desde o período de
ativação do cotonifício da Torre, iniciada pelos operários e apoiada pelo proprietário da
fábrica e pela igreja matriz da Torre, expressa a religiosidade daquele povo.

A festa de Santa Luzia permanece como evento tradicional do bairro. Esse movimento
religioso ainda evidencia a expressão de fé através de seus cultos e ritos que se atualizam ao
longo dos anos, mas mantém como matriz fundamental a sua essência. A procissão mantém
sua intenção sociofuncional de enaltecimento ao divino, a festa continua evocando a alegria e
comunhão entre os fiéis e as ações sociais, que fazem parte dos costumes da comemoração,
conserva o seu caráter de caridade.

Houve algumas mudanças ao longo dos anos devido tanto ao fechamento do cotonifício da
Torre, quanto os fluxos viários trazidos pelas transformações urbanas do bairro. Assim, apesar
da mudança do percurso da procissão de Santa Luzia, a interação social voltada à fé e a crença
da população da Torre permanece evidente no cotidiano do bairro.

Ao analisar o atributo em relação aos conceitos adotados, tanto por Jokilehto (2006), quanto
por Casanelles (2007), em relação à interação social como artefato do conjunto estudado,
percebe-se que não apenas as relações afetivas entre os moradores se enquadra nessa
dimensão, mas as relações e ritos que eles evocam no lugar.

Desse modo, é perceptível que os atributos que expressam a dimensão sociofuncional do


complexo fabril da Torre estão diretamente ligados às relações sociais dos moradores
tradicionais e o modo como eles tentam manter o caráter do bairro nesse momento de
constante transformação que o bairro vem sofrendo. Esta tentativa da preservação da
identidade do lugar é o que sustentou parte da integridade do conjunto.
102

Com o intuito de conservar estes artefatos que resguardam os signos que reconhecem este
conjunto enquanto patrimônio industrial, deve-se traçar diretrizes para sua devida
salvaguarda. Percebe-se que não são apenas os artefatos materiais que compõem estes
elementos, mas as relações intangíveis compostas nas relações afetivas desse povo.

4.2 Atributos estruturais do complexo fabril da Torre


Com base no entendimento adotado sobre a dimensão tecnológica do conjunto fabril
trabalhada por Casanelles (2007) e sua proximidade com os pensamentos difundidos com a
noção da integridade estrutural identificado por Jokilehto (2006), é compreendida a
necessidade da identificação dos elementos remanescentes que ainda representam o
testemunho edificado da história do conjunto fabril da Torre.

Dessa maneira, busca-se, através dos estudos realizados nos tópicos do capítulo anterior, a
partir da bibliografia levantada e estudos in loco, reconhecer quais são os remanescentes
materiais que evocam os signos intrínsecos nesse exemplar do complexo fabril oitocentista.

A fábrica é considerada o elemento principal do complexo industrial, sendo responsável pela


função que configura todo o núcleo fabril. Este atributo não é caracterizado apenas como um
único elemento, mas com uma unidade, representado por vários equipamentos, que
especializam as atividades fabris que ocorriam em suas edificações, além de protagonizar a
história de urbanização do bairro.

Este conjunto é responsável por testemunhar o modo de produção têxtil que ali era
desenvolvida durante meados dos séculos XIX e XX. Além disso, também espacializa a rotina
de trabalho dos operários da fábrica e o modo de gestão e organização industrial.

O cotonifício ainda preserva várias edificações remanescentes do período fabril em seus


terrenos (Figura 68). São elas: o bloco administrativo (9); galpões (4, 6, 10, 11, 16 e 22),
oficinas (18 e 19) e armazéns (5 e 13); poços (17) e reservatórios (13); além da chaminé (12).
Mesmo com algumas descaracterizações sofridas pelas reformas feitas posteriores ao término
de suas atividades, sua arquitetura ainda preserva a característica de se afirmar perante o
núcleo por sua imponência e escala. Além disso, seus elementos construtivos reforçam a mão-
de-obra e as técnicas utilizadas no período de sua construção.
103

Figura 68 - Análise dos remanescentes fabris do cotonifício da Torre

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Ao analisar o atributo pertinente aos conceitos adotados, tanto por Jokilehto (2006), quanto
por Casanelles (2007), em relação a identificação espacial que documentam todo o processo
do período industrial recifense, o cotonifício da Torre resguarda em grande parte de seus
edifícios, a integridade estrutural do complexo fabril.

Mesmo com as perdas causadas, tanto pelo seu tempo de desuso dos seus prédios, quanto
pelas reformas que descaracterizaram algumas de suas feições do período de atividade da
indústria, ainda é possível se ter uma leitura coerente de todo seu conjunto que conforma o
setor de produção, como também, é possível referenciá-lo como parte integrante da história do
lugar.

As vilas operárias são consideradas um atributo estrutural por retratar a hegemonia do núcleo
fabril e espacializar o peso que a indústria teve sobre a vida da população. Com sua
arquitetura própria, trabalhada por meio de diversos partidos arquitetônicos, sistemas
construtivos e compositivos, demonstra a riqueza arquitetônica obtida ao identificar esses
elementos no tecido urbano do bairro.

Alguns dos elementos remanescentes que representam esse atributo, foram identificados
através da análise de mapas e otofotocartas antigas, além dos estudos desenvolvidos pela
104

DPPC e observações in loco, feitas no capítulo anterior deste trabalho. A partir desse
cruzamento de dados, chegou-se a uma lista preliminar desses atributos remanescentes:

i) Vilas operárias: vila 4 de outubro, vilas da rua José de Holanda, vilas da rua
Benjamin Constant, vila da rua Melquisedeque de Lima e a vila da rua Padre José
Regueira (considerados como base de avaliação para o levantamento preliminar
deste conjunto, realizado a partir da ortofotocarta de 1951, o parcelamento do solo
e unidade arquitetônica em estilo e forma);
ii) Casario fabril: casario situado ruas José de Holanda, Benjamin Constant,
Melquisedeque de Lima, José Bonifácio, Padre José Regueira, como também,
remanescentes isolados: casas na rua Conde de Irajá, José Bonifácio, Real da
Torre, Padre Anchieta, Doutor Vicente Ferreira, João de Deus e Pio IX
(considerados como base de avaliação para o levantamento preliminar deste
conjunto, realizado a partir dos estudos de estilo arquitetônico, historicidade e
parcelamento do solo, realizados pela DPPC, e a ortofotocarta de 1951 do bairro e
relatos dos moradores tradicionais).
Foi necessária a divisão desse atributo em duas categorias pelo alto índice de
descaracterização e perda da sua completude enquanto vila fabril. Na categoria das vilas
operárias estão presentes elementos característicos do parcelamento do solo, como também,
os tipos edilícios que a compõem (Figura 69).
105

Figura 69 - Conformação urbana e espacial remanescentes das antigas vilas operárias identificadas

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Na categoria de casario fabril, presou-se o caráter arquitetônico desse atributo, afim de


preservar as características dos tipos construtivos remanescentes que, por sua vez, demonstra-
se ser bastante diversos (Figura 70).
106

Figura 70 - Possíveis remanescentes das edificações das antigas vilas operárias identificadas

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Ao analisar o atributo relacionado aos conceitos trabalhados por Jokilehto (2006) e Casanelles
(2007), as vilas operárias, mesmo com todo o processo de descaracterização apresentado,
ainda expõe a identificação espacial que documenta todo o processo do período industrial
recifense no bairro da Torre.

Esse atributo, mesmo não caracterizando sua completude, ao comparar sua disposição
original, necessária para a devida avaliação de sua integridade, ainda consegue manifestar os
signos expressos em seus remanescentes. Deve-se considerar o comportamento cultural de
desmontes, ocorrido não apenas nesse conjunto, mas em grande parte desses exemplares, e
que culminou na situação vista atualmente.

A malha urbana da Torre representa o grande crescimento urbano do bairro ao longo de sua
história e se mostra um importante atributo para a compreensão espacial do lugar. A partir da
análise realizada em cima dos estudos desenvolvidos pela DPPC, discutidos no capítulo
107

anterior, percebe-se que o tecido urbano se consolidou no período industrial que marcou o
bairro e mantém suas características principais até os dias de hoje.

Esse atributo se caracteriza pelos seguintes aspectos:

i) Pelo traçado de suas vias, como elemento integrador da fábrica com os demais
equipamentos que participaram da dinâmica econômica do empreendimento, além
de sua ligação com os demais núcleos urbanos da cidade;
ii) Pelo planejamento e conformação de suas quadras e lotes, por demonstrar o
desenho urbano peculiar, característico desse sistema, expressando os preceitos da
época, voltados a modernização das cidades e a eficiência econômica do espaço
urbano;
iii) Pelos espaços livres e ambientes naturais que se conformaram enquanto parte
desse conjunto, composto seja pela naturalização do espaço construído, seja como
ferramenta inerente no cotidiano social fabril, como espaços de lazer (praças,
recantos e planejamento de calçadas) e/ou como fonte de serviço à indústria
(utilização dos recursos naturais existentes como forma de subsistência, tanto para
o empreendimento quanto para a população.
Mesmo com a constante atividade de remembramento de lotes para a construção dos novos
empreendimentos, visto por todo o bairro nos últimos anos, grande parte do tecido urbano se
mantém íntegro, sendo possível obter uma leitura coerente da malha urbana fabril que foi
planejada, de modo progressivo, para o bairro (Figura 71).
108

Figura 71 - Análise das transformações sofridas na malha urbana pós fechamento do Cotonifício da Torre, em
1982

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Desde o encerramento da atividade industrial do bairro, houve apenas pequenos acréscimos


nessa malha, como, por exemplo, a construção da avenida Beira Rio. De certa maneira,
mesmo com essas pequenas alterações, a leitura urbana se manteve nas últimas décadas.

Ao analisar o atributo de acordo com os conceitos trabalhados por Jokilehto (2006) e


Casanelles (2007), a malha urbana do bairro da Torre ainda guarda grande parte de sua
inteireza, mesmo com as pontuadas transformações ocorridas no bairro. A partir de sua
leitura, a malha urbana ainda expressa a compreensão espacial que documenta todo o
processo do período industrial recifense no bairro da Torre.

Portanto, os atributos estruturais que conformam o complexo fabril da Torre são os elementos
que estão mais expostos à perda ao analisar as investidas do mercado imobiliário. As
descaracterizações que ocorreram desde o fechamento do cotonifício da Torre, frutos do
desmonte e obsolescência do conjunto, conformou na perda da compreensão completa deste
patrimônio.
109

Entretanto, os elementos fabris remanescentes ainda conseguem transmitir parte dos signos
deste conjunto sobre o lugar. A preservação destes atributos, mesmo que representem parte da
integridade do complexo fabril, ainda especializam a história do bairro, e se mostram
exemplares significativos desse período da urbanização da cidade, já que são um dos poucos
que restam edificados no Recife.

4.3 Atributos visuais do complexo fabril da Torre


Neste tópico, visa-se tomar como base o entendimento adotado na reflexão desenvolvida no
primeiro capítulo deste trabalho sobre a dimensão ambiental do conjunto fabril trabalhada por
Casanelles (2007), de modo a relacioná-lo com as discussões acerca da dimensão visual da
integridade do bem, identificada por Jokilehto (2006).

Para a identificação dos atributos visuais, buscou-se, através do estudo desenvolvido nos
tópicos do terceiro capítulo deste trabalho, referentes a situação atual do bairro, compreender
as interações entre os elementos naturais, construídos e sociais. Além da compreensão da
paisagem industrial manifestada através da unidade desses artefatos sobre o espaço.

A partir disso, identificou-se que, ainda bastante perceptível nas áreas remanescentes da
conformação urbana original fabril do bairro, a hierarquização da escala urbana marca as
características do planejamento adotado nesse tipo de nucleação urbana. O skyline do lugar é
demarcado pelo ordenamento a partir do grau de importância dos seus equipamentos.

A interação entre si dos artefatos edificados deste conjunto é compreendida por meio de suas
características individuais expressas sobre o sítio. Toma-se como exemplo no bairro da Torre:
a horizontalidade das vilas operárias, condizentes com a escala do pedestre; a fábrica com
uma escala maior, referente a sua imponência sobre o lugar, reverenciando-se na paisagem
urbana por meio da chaminé, adotada como ponto focal; e a igreja, dividindo parte desse lugar
de destaque na escala urbana com suas torres.

Com o processo de verticalização que o bairro vem sofrendo nas últimas décadas, causados
pelas grandes investidas do mercado imobiliário (Figura 72 e 73), em vários pontos do
conjunto fabril vem se perdendo esta ideia de hierarquização a partir dos usos e funções,
trazida pela ideologia do sistema fabril oitocentista.
110

Figura 72 - Skyline visto do Rio Capibaribe para o bairro da Torre (edifícios x chaminé)

Fonte: Acervo do autor (2018)

Figura 73 - A verticalização que surge por traz das edificações antigas

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Entretanto, mesmo com a descaracterização do tecido urbano e a consequente mudança do


skyline do bairro, se é observado através do mapa de gabarito, como também, por meio da
realização de estudos quanto o perfil urbano do bairro que, mesmo com os novos edifícios,
alguns chegando a passar dos 20 pavimentos, a horizontalidade do bairro ainda é bastante
evidente, obtendo campos de visadas e perfis urbanos ainda bastante característicos do
complexo fabril (Figura 74).
111

Figura 74 - Visada para a Chaminé do Cotonifício da Torre a partir da antiga vila 4 de Outubro

Acervo do Autor (2018)

Ao analisar o atributo de acordo com os conceitos trabalhados por Jokilehto (2006) e


Casanelles (2007), a hierarquização da escala urbana herdados pelos remanescentes do
complexo industrial da Torre só se consegue ainda fazer perceptível esta relação das
edificações fabris com a fábrica em poucos pontos pelo bairro. A integridade visual a partir
deste atributo sofreu grande perda ao longo dos últimos anos.

As novas edificações, vem cada vez mais, se contrastando com os demais elementos que
compõem a paisagem industrial do bairro. Contudo, ainda se tem como preservar alguns
perfis e visadas perceptíveis no conjunto. Estes estudos mostram que para promover a
salvaguarda é necessário tomar medidas que limitem o processo de verticalização excessiva
que o bairro tem passado.

Identificado, através dos estudos realizados a partir da compilação de informações obtidas


pelos estudos da DPPC e levantamentos desenvolvidos in loco, foi apreendido como parte
inerente deste complexo fabril do bairro da Torre, enquadrado como atributo visual, a
interação natural/construído como uma unidade.

Este atributo se faz de duas formas na paisagem industrial do bairro:

i) Como unicidade do verde com a arquitetura, demonstrado por meio tanto dos
jardins e quintais presentes no casario fabril do bairro, como presente nos espaços
livres existente, ora nas praças, ora nas margens do rio;
112

ii) A partir das relações sociais da população com o rio Capibaribe e a importância do
rio para a fábrica.
A primeira característica apreendida sobre este atributo compreende que esta interação
representa diversas características representantes do sistema fabril, como a questão higienista
bastante pontuada na composição urbana dos núcleos industriais, além da cultura social dos
moradores, demonstrando os costumes locais do lugar.

De tal forma, a presença da vegetação é vista, no bairro, como elemento compositivo da


arquitetura industrial implantada. Este elemento é visto na vila operária das ruas Benjamin
Constant, Melquisedeque de Lima e Padre José Regueira, além de várias casas de caráter
fabril, hoje isoladas pela descaracterização do conjunto, espalhadas por todo o bairro.

O jardim, por exemplo, se mostra como um dos elementos que integram a arquitetura e a
cidade. A forma como se obtém uma leitura unificada com a presença desses artefatos mostra
que não se tem como identificar enquanto elementos separados, mas como parte integrante da
arquitetura; como também, sua relação direta com os espaços livres, demonstrando uma
continuação da natureza ordenada no meio urbano.

Na segunda característica trabalhada, se tem a compreensão não mais da natureza ordenada,


mas, sim, da natureza na cidade e como meio de subsistência da sociedade, uma vez que o
cotonifício tinha a água do Capibaribe como elemento essencial para a sua produção.
Atualmente, mesmo não se mantendo o mesmo uso do período fabril, o rio mantém sua
função como eixo estruturante da cidade, ao encontrar a presença de alguns barqueiros que
continuam dando vida ao rio como meio de travessia (JORNAL DO COMMERCIO, 2016)
(Figuras 75 e 76).

Figura 75 - Rio Capibaribe, bairro da Torre, década de 1940


113

Fonte: Acervo da DPPC

Figura 76 - Rio Capibaribe, bairro da Torre, 2016

Fonte: Jornal do Commercio, 2016

Ao analisar o atributo de acordo com os conceitos trabalhados por Jokilehto (2006) e


Casanelles (2007), esta interação dos artefatos construídos e naturais expressados através das
relações sociais do povo, são elementos importantes para conseguir compreender o ambiente
fabril instaurado através do seu tempo de funcionamento, moldado a partir dos costumes e
necessidades peculiares daquele povo.

A manutenção desses elementos que expressam este atributo nos dias atuais como forma de
compreender o passado, ainda revela as características intrínsecas a e conjunto enquanto
unidade dessa paisagem industrial.

Como parte complementar dos demais atributos já explanados neste capítulo, a conformação
compositiva da arquitetura fabril é entendida como os elementos da arquitetura representativa
desse sistema que marcam o lugar e são responsáveis por expressar a sua identidade urbana.

A partir dos estudos levantados, foram identificadas três características que descrevem de
forma bastante coesa este atributo presente no conjunto fabril do bairro da Torre. São eles:

i) As cores que destacam o casario das vilas operárias (Figura 77), bastante presente
na memória coletiva dos moradores tradicionais, e ainda evidentes em vários
remanescentes fabris encontrados pelo bairro; como, por exemplo, as vilas
operárias da rua Benjamin Constant e José de Holanda.
114

ii) Os ritmos, simetrias e harmonias que marcam a composição arquitetônica dos


galpões do cotonifício da Torre (Figura 78), como também, as fachadas do casario
fabril e o seu partido arquitetônico.
iii) Os elementos construtivos utilizados, tais como as telhas francesas, as alvenarias
pintadas a cal, a presença de grades de ferro ornadas, entre outras características
que definem sua arquitetura industrial (Figura 79).

Figura 77 - Cores do casario da rua José de Holanda, bairro da Torre, Recife (PE)

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Figura 78 – Ritmo e simetria dos galpões do cotonifício da Torre

Fonte: Raquel Nadine (2018)


115

Figura 79 - Os elementos que caracterizam a arquitetura fabril do bairro da Torre

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Pelo grande quadro de estilos e formas que representam este tipo de arquitetura, os edifícios
fabris são reconhecidos, primeiramente, pelos elementos que interligam um ao outro. Distinto
dos demais sítios, que geralmente é a homogeneidade que cria uma unidade compositiva. Nos
conjuntos fabris, geralmente, é a diversidade de formas e elementos que caracterizam esse
tipo arquitetônico.

Mesmo com a descaracterização encontrada em parte desses remanescentes, ainda se pode ter
a compreensão desse atributo presente no bairro. São esses elementos que proporcionam às
pessoas a sua identificação, como também, sua relação com a fábrica. Mesmo sendo
elementos que estão presentes na arquitetura isolada de cada remanescente, quanto se
apreende o conjunto consegue se ter a compreensão da dimensão que, outrora, o complexo
fabril teve.

A partir da análise dos conceitos trabalhados por Jokilehto (2006) e Casanelles (2007)
realizados no primeiro capítulo desse trabalho, percebe-se que este atributo se mantém
parcialmente íntegro em relação a sua dimensão visual, já que se é possível identificar os
artefatos construídos que compõem a arquitetura fabril e relacioná-lo com seu conjunto.
Mesmo com a descaracterização que ameaça este atributo, ainda se tem como compreender
este atributo presente no bairro.
116

Os atributos visuais foram um dos que representam a maior perda de sua integridade. O alto
índice de verticalização, mesmo que pontuais, predominam o skyline do bairro. A
compreensão da paisagem industrial que explora as edificações fabris como uma unidade é
perdida ao se perder o seu eixo de ligação que está presente na hierarquização das escalas
desses edifícios entre si.

É alarmante a situação em que as edificações remanescentes da antiga fábrica da Torre se


encontra. Antes, referência na paisagem do bairro, hoje se encontra cercada dos altos edifícios
que promovem uma nova compreensão da escala urbana do lugar, distinta da planejada pelo
sistema industrial.

Contudo, alguns pontos ainda expressam estas ligações entre as edificações, a conformação
urbana e as relações sociais do bairro que remanesceram após todas as transformações
urbanas sofridas nas últimas décadas. Se faz necessário, de modo urgente, a identificação
destas relações que ainda possam expressar a paisagem industrial do bairro. São estes
atributos que, mesmo com as perdas sofridas, ainda podem propor esta relação de conjunto
não apenas entre os edifícios, mas também a partir das relações sociofuncionais que resistem
dia após dia no bairro (Figura 80).

Figura 80 - Cotidiano da Torre

Fonte: Acervo do Autor (2018)

Por fim, como conclusão dessa análise, chega-se a identificação de alguns dos atributos
presentes no complexo fabril do bairro da Torre e que podem ser considerados relevantes para
a sua condição de integridade. É possível afirmar que foi identificada uma diversidade de
características interdependentes, sendo sua separação a partir das dimensões trabalhadas neste
trabalho, um recurso para facilitar sua descrição.
117

Além dessas considerações, ressalta-se a que os atributos destacados neste conjunto não se
apresentam de maneira intacta. O entendimento das transformações sofridas no complexo
industrial, como algo intrínseco em seu percurso levam como imprescindíveis considerar
algumas das modificações realizadas nestes atributos ao longo do período de sua
obsolescência.

De modo a sintetizar os atributos identificados neste conjunto fabril, serão descritos abaixo
por meio das suas devidas dimensões na qual foram relacionadas, como também, seu nível de
integridade avaliado:

─ Atributos sociofuncionais: relação de vizinhança, uso habitacional e modo de morar


operário (parcialmente íntegro); relação de freguesia, uso comercial e caráter de
serviço local (parcialmente íntegro); promoção do lazer e esporte e relação de
convívio entre moradores (parcialmente íntegro); ritos e cultos religiosos, procissões,
ações sociais e expressão de fé (parcialmente íntegro).
─ Atributos estruturais: fábrica (parcialmente íntegro); vilas operárias e casario fabril
(parcialmente íntegro, em ameaça, com necessidade de maior estudo); malha urbana
(parcialmente íntegro)
─ Atributos visuais: hierarquização das escalas (pouco íntegro, em ameaça, com
necessidade de maior estudo); relação natural-construído (parcialmente íntegro);
conformação da arquitetura fabril (parcialmente íntegro, em ameaça, com necessidade
de maior estudo).

Com base nesse entendimento, em que foram iluminados alguns dos atributos presentes neste
remanescente de núcleo fabril, mostra-se a necessidade de maior aprofundamento nesta
pesquisa, afim de se obter uma maior compreensão destes remanescentes afins de ter sua
eficaz preservação. Como também, a partir de toda esta análise desenvolvida, possa-se,
futuramente, traçar diretrizes e parâmetros que possam subsidiar a sua conservação, a luz das
necessidades atuais de nossa cidade. Assim, servindo como suporte, também, para os demais
núcleos fabris que ainda resistem e urgem por seu reconhecimento enquanto patrimônio.
118

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do presente trabalho foi possível observar a compreensão atual dos núcleos
industriais oitocentistas, a partir da análise do complexo fabril do bairro da Torre, na cidade
do Recife (PE). É perceptível, ao decorrer desta pesquisa, a negligência que se tem quanto à
preservação desses conjuntos e a urgente necessidade de seu reconhecimento enquanto
patrimônio industrial, afim de salvaguardar esse bem que especializa um importante período
da urbanização não só do Recife, mas de todo o estado pernambucano.

Para comprovar esta base problemática, desenvolveu-se, a partir de um panorama geral, um


breve histórico da industrialização, a sua chegada às terras brasileiras e a sua expansão por
todo o território, propagando uma transformação social de grande impacto nas cidades; por
sua vez, resultando no seu desenvolvimento urbano através da criação do sistema de
nucleações fabris.

A partir deste apanhado histórico, compreendeu-se todo o processo industrial, desde seu auge
da produção, até seu declínio; demarcando um impacto grande social com os desmontes
desses conjuntos e a obsolescência dos seus equipamentos ao longo dos anos. Este foi o
retrato que representou a realidade de muitas das cidades brasileiras, observado pelo contraste
do contínuo desenvolvimento das cidades e o abandono destas áreas que antes representavam
a matriz norteadora do lugar.

Estes conjuntos ficaram à mercê da especulação imobiliária, que encontraram nessas áreas
fontes de lucro, seja pelos grandes vazios urbanos herdados do desmonte pós falência, seja
pelo baixo custo desses lugares. É a partir deste quadro que se encontram os diversos
empreendimentos que vêm surgindo nestes remanescentes fabris, causando a perda destes
representantes que narram a história do crescimento urbano brasileiro.

A partir desta abordagem, entendeu-se que a negligência quanto ao reconhecimento desses


conjuntos enquanto bens culturais, responsáveis por resguardar a memória urbana e social do
lugar, é o que resulta na sua descaracterização, ou até mesmo a sua demolição. Desse modo,
foi vista a necessidade da criação de mecanismos que busquem o reconhecimento dos
complexos industriais enquanto patrimônio industrial, como também, a luta pela sua devida
salvaguarda.

Através do campo teórico da conservação, voltados à corrente da preservação do patrimônio


industrial, foi trazido como eixo fundamental às discussões levantadas por Rufinoni (2013),
119

afim de haver o entendimento deste conjunto enquanto artefato passível de salvaguarda.


Através desta análise teórica, chegou-se à conclusão de que esse conjunto não se limita ao
edifício, mas expressa os signos de todo o lugar, a partir da relação entre a arquitetura, a
sociedade e a sua paisagem.

Para isso, se fez necessário identificar os elementos que demonstram a identidade desse lugar
e os valores que saúdam este conjunto enquanto mantenedor dessa história. Foi através deste
retrato que as abordagens trabalhadas por Casanelles (2007) enquanto a compreensão do bem
industrial a partir de três dimensões: social, tecnológica e ambiental; se mostraram pertinentes
como arcabouço teórico-metodológico para o reconhecimento destes artefatos.

Contudo, devido ao alarmante nível de conservação destes conjuntos, buscou-se como


elemento de análise, a noção de integridade. Foram utilizados como medidas para este estudo,
as compreensões de Jokilehto (2006) quanto às suas dimensões sobre a integridade:
sociofuncional, estrutural e visual; já que é possível identificar uma relação empírica entre
elas e as dimensões de Casanelles (2007) levantadas anteriormente sobre o patrimônio
industrial.

Desse modo, buscou-se nesse trabalho, como principal objetivo, a identificação destes
artefatos relacionados ao complexo fabril da Torre, objeto de estudo desta pesquisa, sendo
possível através da avaliação da sua integridade, identificar os elementos remanescentes que
ainda expressam a sua identidade, com o intuito de preservá-los.

Para chegar a este fim, foi preciso aprofundar-se num apanhado histórico desta área a partir da
sua relação com o objeto estudado, mostrando a importância deste estudo para a compreensão
do bem nos dias de hoje. Através deste estudo foi possível apreender os atributos originários
do bairro da Torre que surgiram a partir do complexo industrial ali implantado. Desse modo,
pode-se compreender a dimensão destes conjuntos enquanto conformadores do lugar e o seu
importante papel para a cidade.

Com o intuito de completar esta análise do complexo fabril da Torre, em busca dos artefatos
que expressam os signos deste conjunto que o determinam enquanto patrimônio industrial,
fez-se necessário o estudo quanto a situação atual, afim de identificar os remanescentes deste
conjunto, sejam urbanos, arquitetônicos ou sociais. Este estudo analítico se mostrou deveras
importante para o reconhecimento dos atributos que propõe a este bem a sua consideração
enquanto patrimônio.
120

Estes estudos foram realizados através da bibliografia levantada e a comparação dos materiais
desenvolvidos ao longo destas pesquisas a partir da visita in loco e análise da bibliografia
coletada. E, a partir do cruzamento destes dados com o apanhado histórico supracitado, foi
possível ser realizado este estudo de identificação seguindo a percepção teórica-metodológica
entendida no início deste trabalho.

Este processo analítico resultou na identificação dos atributos que ainda expressam, mesmo
que parcialmente, os valores deste conjunto. Dividindo estes atributos a partir da compreensão
das três dimensões discutidas por Casanelles (2007), relacionadas as três dimensões
abordadas por Jokilehto (2006), foram analisados a sua noção de integridade, com o intuito de
despontar estes artefatos remanescentes desse conjunto e que necessitam ser preservados por
justificar a compreensão deste complexo enquanto patrimônio.

Se faz importante destacar, que esta análise quanto a integridade destes atributos afim de obter
a compreensão do seu nível de conservação, tem cunho preliminar, necessitando um maior
aprofundamento com o intuito de chegar a sua salvaguarda. Uma vez que, o objetivo principal
deste trabalho é a identificação destes atributos e a compreensão de sua situação atual, afim de
servir como base para o seu reconhecimento enquanto patrimônio.

A principal função que este trabalho pode obter, é a sua contribuição enquanto suporte ao
pedido de tombamento em nível estadual pela FUNDARPE deste conjunto, ingressando ao
processo e mostrando a necessidade de abarcar os demais artefatos que evidenciam esse
conjunto enquanto um bem cultural. Esta pesquisa poderá subsidiar na revisão da poligonal de
tombamento proposta anteriormente, afim de acrescer aos elementos já identificados, os
demais remanescentes que expressam os signos deste patrimônio.

Também se conclui com este trabalho, que se faz necessário o planejamento de diretrizes para
a salvaguarda deste conjunto, haja vista as constantes transformações que o bairro sofre desde
o encerramento das atividades industriais, tendo impacto negativo direto com o patrimônio
industrial da Torre.

Por fim, espera-se que com as considerações levantadas neste trabalho em relação ao
patrimônio industrial e a metodologia adotada para sua identificação e possível preservação,
acresça ao campo da conservação e a esta linha de estudo, afim de propor discussões acima
deste tema para que haja resultados quanto a salvaguarda deste patrimônio, hoje, tão
esquecido.
121

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

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ALVES, Lucas. Camaragibe pode ter um 'novo Estelita': Engenho e fábrica de Camaragibe,
em Pernambuco, estão à mercê das construtoras, como ocorreu com o Cais José Estelita, no
Recife. Carta Capital. 27 set. 2014. Sociedade. Disponível em:
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APÊNDICE A – Mapas elaborados para a análise urbana


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130
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ANEXO A – Mapas elaborados pela DPPC utilizados na análise urbana

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