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PARQUE LINEAR

FERROVIÁRIO
DE ESPAÇO A LUGAR

Maria Fernanda Silveira


Maria Fernanda Silveira

PARQUE LINEAR FERROVIÁRIO


DE ESPAÇO A LUGAR

Centro Universitário Toledo


Araçatuba
2016
Maria Fernanda Silveira

PARQUE LINEAR FERROVIÁRIO


DE ESPAÇO A LUGAR

Trabalho Final de Graduação apresentado ao Centro Universitário Toledo como


requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e
Urbanismo, sob a orientação da Prof.ª Me. Arq.ª Ana Paula Cabral Sader.

Centro Universitário Toledo


Araçatuba
2016
Maria Fernanda Silveira

PARQUE LINEAR FERROVIÁRIO


DE ESPAÇO A LUGAR

APROVAÇÃO: 05 de dezembro de 2016.

__________________________ _________________________________ ____________________________


Silvana Sônego Profª Mª Arqtª Ana Paula Cabral Sader Prof. Esp. Arqtº Sérgio Ballassoni
(Arquiteta e Urbanista) (Docente FAU UNITOLEDO) (Docente FAU UNITOLEDO)

Centro Universitário Toledo


Araçatuba
2016
DEDICATÓRIA

“Aos meus amados pais”


AGRADECIMENTOS

Primeiramente, meus agradecimentos são para Deus. É difícil listar os inúmeros os motivos que me fazem
agradecida, mas posso dizer que sou grata por estar aqui e pela conquista dessa formatura.
Minha eterna gratidão aos meus pais, Haroldo e Janete, pelo seu carinho, dedicação e confiança. A eles devo minha
vida e quero retribuir com o mesmo amor.
Agradeço ao meu irmão Paulinho, a quem admiro e que sempre esteve ao meu lado, assim como a minha tia Arlete.
Amo muito vocês.
Meus agradecimentos para a coordenadora do curso, professora e minha orientadora nesse Trabalho Final de
Graduação, Ana Paula Sader, pelos seus ensinamentos de vida e de profissão. Também sou grata por todos os meus
professores ao longo desses cinco anos. O todo que nos fazem arquitetos é graças ao pouco de cada um de vocês.
Aos meus amigos queridos de turma, companheiros nessa jornada de grandes desafios. Se hoje comemoramos é
porque sempre pudemos contar uns com os outros. Sentirei saudades de nós na faculdade....
Agradeço imensamente a todos que me ajudaram na realização desse trabalho, especialmente a minha amiga Aline
Gasparini, ao meu querido tio Gilberto, aos amigos Rone e Gabi e minha prima Renata. Sou muito feliz por tê-los ao meu
lado e saibam que também poderão contar comigo.
Finalmente, sou grata pela oportunidade de viver e aprender ao lado de profissionais dedicadas ao exercício da
Arquitetura e Urbanismo, a Arqtª Selma Rico, pelas dicas de leitura e pelo incentivo, e as arquitetas Sílvia Valdiviezo e Vânia
Rodrigues, pela compreensão e pela chance de aprender um pouco mais.
RESUMO

O presente trabalho é referente ao desenvolvimento de pesquisa e projeto que tomou como objeto de estudo o
Município de Guararapes/SP e seu Complexo Ferroviário, formado pela estrada férrea, o leito ferroviário, as Estações
Ferroviárias e sua esplanada.
Estes serão foco de uma intervenção arquitetônica-urbanística a qual está embasada nos conceitos de espaço e
lugar e que serão aqui definidos, assim como a qualidade de um “lugar” em manter relações de valor e significado com as
pessoas.
Acredita-se que ações de requalificação urbana são capazes de transformar espaços antes esquecidos ou ignorados
em lugares onde as pessoas possam usufruir de lazer, cultura e mobilidade urbana, por exemplo. São atos que cooperam
com a valorização de lugares, assim como as Estações Ferroviárias de Guararapes e que apesar de seu significado histórico
e cultural para a cidade, são objetos de abandono e depredação.
Contudo, contribuindo para a ressignificação de lugares, escolheu-se pela implantação de um parque linear lindeiro
à ferrovia, pretendendo-se a valorização da memória do município e que o projeto proporcione maior qualidade de vida
para seus moradores.

Palavras-chave: Guararapes; parque linear; memória; lugares; requalificação.


ABSTRACT

This monograph treats about the research and project that takes place in the city of Guararapes/SP and its Railroad
Network, which is formed by the road, the stations and other structures.
They will be object of an architectural and urban intervention which are linked in the concepts of space and place
that will be defined in the text, such as the quality of a “place” in maintaining relations of value and meaning between
people.
We believe that actions of urban requalification are able to change spaces, before forgotten or ignored, in places
where people can enjoy recreation, culture and urban mobility, as examples. They are gestures that cooperate with
valorization of places, such as Guararapes‟ Railroad Stations. Despite of their historic and cultural meaning for the city, they
are abandoned and depredated.
However, with the intention of give places new meanings, we chose for the implantation of a park next the railroad to
add value at the city‟s memory and proportionate a better quality of life to its habitants.

Key words: Guararapes, park, memories, places, requalification.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Obra de Oscar Tusquet Blanca numa estação de metrô em Nápoles, Itália..................................................................35
Figura 2 – Patrimônios brasileiros ..................................................................................................................................................................37
Figura 3 - Red Bull Station – São Paulo/SP...................................................................................................................................................41
Figura 4 - Revitalização do centro histórico do Rio de Janeiro/RJ.........................................................................................................46
Figura 5 - Central Park - Nova York...............................................................................................................................................................48
Figura 6 - Parque linear: vantagens e precauções ....................................................................................................................................51
Figura 7 – Localização geográfica de Guararapes no estado de São Paulo......................................................................................56
Figura 8 - Instalação dos trilhos da Estrada de Ferro NOB em Guararapes .....................................................................................58
Figura 9 - Primeira estação ferroviária de Guararapes, de 1929 ...........................................................................................................59
Figura 10 - Chegada dos primeiros passageiros pela estrada de ferro em Guararapes ...............................................................60
Figura 11 - A capela Santo Antônio de Guararapes, de 1929 .................................................................................................................62
Figura 12 - O traçado da ferrovia de Bauru/SP a Corumbá/MS ............................................................................................................63
Figura 13 - A variante de Jupiá na NOB, em 1920 .....................................................................................................................................65
Figura 14 - Localização da área de intervenção no mapa de Guararapes..........................................................................................69
Figura 15 - Segunda estação ferroviária de Guararapes, em 1979..........................................................................................................71
Figura 16 - As duas estações ferroviárias de Guararapes, em 1979........................................................................................................72
Figura 17 – O trem na estação de Guararapes, em 1986...........................................................................................................................73
Figura 18 – Fachada frontal da primeira estação ferroviária, em 2016 ……………..………………….….…...................................................74
Figura 19 – A primeira estação ferroviária de Guararapes........................................................................................................................75
Figura 20 – A segunda estação ferroviária em cartão postal, em 1970..................................................................................................76
Figura 21 – Fachada frontal da segunda estação ferroviária, em 2016…………….……..……….…….……………….………………………………...77
Figura 22 – Fachada posterior da segunda estação....................................................................................................................................78
Figura 23 – Detalhes da segunda estação......................................................................................................................................................79
Figura 24 – Planta e elevações atuais da primeira estação ferroviária....................................................................................................80
Figura 25 – Planta e elevações atuais da segunda estação ferroviária...................................................................................................82
Figura 26 - Cruzamento entre a ferrovia e a Rua Afonso Pena………......................................................................................................84
Figura 27 – Campo de futebol, parque infantil e área verde da esplanada ………………….......…………………………….…………….……....85
Figura 28 – O Terminal Rodoviário de Guararapes......................................................................................................................................86
Figura 29 – Cruzamento entre a ferrovia e a Avenida Rio Branco...........................................................................................................86
Figura 30 – Área verde entre a ferrovia e a Rua Lauro Heiderich.............................................................................................................87
Figura 31 – Área de chácaras no Bairro Vila Nova.........................................................................................................................................87
Figura 32 – A ferrovia e a Rua Messias Isidoro no Bairro Vila Nova.........................................................................................................87
Figura 33 – Mapa de uso e ocupação do solo...............................................................................................................................................88
Figura 34 – Mapa de arborização existente....................................................................................................................................................88
Figura 35 – High Line Park, Nova York.............................................................................................................................................................90
Figura 36 – Museu Rodin, Salvador...................................................................................................................................................................92
Figura 37 – Imagem-conceito..............................................................................................................................................................................97
Figura 38 – Implantação do Parque Linear.....................................................................................................................................................100
Figura 39 – O paisagismo de Roberto Burle Marx........................................................................................................................................101
Figura 40 – Vagón Del Saber – Equador.........................................................................................................................................................102
Figura 41 – Perspectivas da “Praça do Trem”...............................................................................................................................................104
Figura 42 – Perspectivas do “Parque Caingangue”....................................................................................................................................106
Figura 43 – Perspectivas do “Calçadão da Linha”.......................................................................................................................................108
Figura 44 – Perspectiva do “Corredor Gastronômico”...............................................................................................................................109
Figura 45 – O Teatro Epidaurus – Grécia.......................................................................................................................................................112
Figura 46 – Perspectiva do teatro da “Estação Cultural”............................................................................................................................112
Figura 47 – Perspectiva do vagão-biblioteca................................................................................................................................................113
Figura 48 – Perspectivas da “Estação Cultural”.............................................................................................................................................114
Figura 49 – O vermelho nos detalhes.............................................................................................................................................................116
Figura 50 – Pinacoteca de São Paulo/SP........................................................................................................................................................118
Figura 51 – Perspectiva da primeira estação revitalizada...........................................................................................................................119
Figura 52 – Perspectiva da segunda estação revitalizada..........................................................................................................................120
Figura 53 – Perspectiva da passarela do “Museu Ferroviário”...................................................................................................................121
Figura 54 – Perspectiva da Praça da Bandeira revitalizada........................................................................................................................122
Figura 55 – Vistas em cima e embaixo do viaduto da Rua Brasil.............................................................................................................123
Figura 56 - Detalhe da ligação entre vigas e coluna, sem escala.............................................................................................................125
Figura 57 – Vistas A e B da ligação entre vigas e coluna, sem escala....................................................................................................126
Figura 58 – Detalhe de ligações nos apoios, sem escala...........................................................................................................................126
Figura 59 – Detalhe do degrau metálico, sem escala.................................................................................................................................127
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Aspectos gerais de Guararapes/SP...........................................................................................................................................55


Quadro 2 – Quadro-resumo de áreas do projeto....................................................................................................................................124
Quadro 3 – Gramados e Forrações...............................................................................................................................................................130
Quadro 4 – Arbustos.........................................................................................................................................................................................132
Quadro 5 – Arvores para passeios públicos...............................................................................................................................................134
Quadro 6 – Árvores Ornamentais..................................................................................................................................................................136
Quadro 7 – Árvores Frutíferas.........................................................................................................................................................................138
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................................................................................................... 27

I - A PERCEPÇÃO HUMANA SOBRE OS LUGARES..............................................................................................................................................................................31

1.1 Lugar, Espaço e Não-Lugar .................................................................................................................................................................................................. 32

1.2 Lugares de Memória.....................................................................................................................................................................................................................36

II – DO ESQUECIMENTO À RECORDAÇÃO...........................................................................................................................................................................................43

2.1 A (Des)valorização de Lugares Históricos ......................................................................................................................................................................... 44

2.2 Os Parques e a Requalificação de Áreas Urbanas .......................................................................................................................................................... 47

III – UMA CIDADE CHAMADA GUARARAPES ............................................................................................................................................................................ ..53

3.1 Aspectos Históricos, Físicos, Políticos e Econômicos de Guararapes/SP..................................................................................................................... 54

3.1.1 Breve Histórico de Guararapes.....................................................................................................................................................................................57

3.2 A Ferrovia Noroeste Paulista ................................................................................................................................................................................................ 61

IV – ÁREA DE INTERVENÇÃO: O COMPLEXO FERROVIÁRIO ....................................................................................................................................................67

4.1 As Estações Ferroviárias ........................................................................................................................................................................................................ 70

4.2 O Leito Ferroviário ................................................................................................................................................................................................................ .83


V – ESTUDOS DE CASO ................................................................................................................................................................................................................. ..89

5.1 High Line Park, Nova York .................................................................................................................................................................................................... 90

5.2 Museu Rodin, Salvador ......................................................................................................................................................................................................... 92

VI – O PROJETO............................................................................................................................................................................................................................... ..95

6.1 O Conceito ............................................................................................................................................................................................................................... 96

6.2 O Parque Linear ..................................................................................................................................................................................................................... 98

6.2.1 Praça do Trem....................................................................................................................................................................................................... 100

6.2.2 Parque Caingangue............................................................................................................................................................................................. 105

6.2.3 Calçadão da Linha ............................................................................................................................................................................................... 106

6.2.4 Corredor Gastronômico ..................................................................................................................................................................................... 109

6.2.5 Estação Cultural.................................................................................................................................................................................................... 110

6.2.6 Complexo da Espalnada ..................................................................................................................................................................................... 113

6.3 As Estações e o Museu Ferroviário.................................................................................................................................................................................... 115

6.4 Detalhes Construtivos .......................................................................................................................................................................................................... 125

6.3 Paisagismo e Arborização Urbana .................................................................................................................................................................................... 128

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................................................................................................................................141

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................................................................................................. ..143

ANEXOS.........................................................................................................................................................................................................................................................147
INTRODUÇÃO

Conhecemos “memória” como a capacidade de armazenar informações, fatos, e conhecimentos adquiridos no


passado. Sinônimo de lembrança e de recordação, Pierre Nora aprofunda-se na conceituação de memória:

A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à
dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e
manipulações, susceptível a longas latências e de repentinas revitalizações (NORA, 1993, p.9).

Segundo o autor, a memória é um elo vivo que une passado ao presente através de grupos sociais que
compartilham das mesmas lembranças. Viva nas tradições, nos costumes e na religião, as memórias são praticadas e
transmitidas entre as gerações. É múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada.
Por outro lado, a história é a reconstrução, a representação do passado através de uma operação intelectual e
laicizante. Trabalha com fatos, análise crítica e a própria memória, antes, porém, com muita cautela devida sua natureza
subjetiva (NORA, 1993).
Preservar a memória é contribuir para a construção da história, seja de uma nação, um povo, um lugar e que implica
a preservação da memória coletiva que se expressa na fala, nos contos, nas danças folclóricas e nos gestos reproduzidos ao
longo do tempo.
No entanto, Halbwachs (1990 apud ABREU, 1998) afirma sobre a inseparabilidade do tempo e do espaço na memória
e sua concretização na resistência de um espaço, o que permite afirmar que a memória coletiva também se materializa em
lugares, consoante a definição de Nora (1993, p.9): “A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no
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objeto”. Logo, a memória pode ser transportada pela história através de pessoas e lugares, sejam eles uma modesta casa,
uma estrada, um monumento arquitetônico ou uma cidade inteira.
A importância da preservação da memória do lugar está na transmissão aos seus ocupantes dos elementos
caracterizadores de sua identidade. Conhecer o passado contribui para o amadurecimento da sociedade, tornando-a mais
politizada e compromissada com o bem comum:

É sabendo sobre como procederam aqueles que nos antecederam, nas mais diferentes situações, que agimos
criticamente, espelhando-nos ou não em suas ações. Refletir sobre a memória é valorizar o passado e seus
legados, é ser sujeito da construção da história, e isso é um pressuposto básico para o exercício da cidadania
(MARCHI, 2010).

Uma sociedade que não conhece seu passado é incapaz de compreender o presente e visar perspectivas para o
futuro. Assim, é preocupando-se com a recuperação e a preservação da memória que encontra nos lugares sua
consolidação e que muitas vezes está sujeita ao desaparecimento, que o presente Trabalho Final de Graduação volta-se
para o complexo ferroviário do município de Guararapes/SP, tornando-o objeto de estudo e intervenção.
O tema discorre sobre a requalificação do antigo complexo ferroviário composto pela linha férrea ainda ativa, o leito
ferroviário, as duas estações ferroviárias desativadas e sua esplanada, através da implantação de um parque linear lindeiro à
ferrovia em sua extensão urbana.
Desde que o trem deixou de pertencer à rotina da população, entre alguns dos motivos, pela ascensão do
transporte rodoviário e o fim do transporte ferroviário de passageiros na década de 1990, o complexo tornou-se uma área

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subutilizada e marginalizada na cidade. Os trilhos atravessam a malha urbana dividindo-a em duas partes - norte e sul -
gerando muitos conflitos entre os quais a falta de mobilidade urbana e a falta de segurança. As estações ferroviárias foram
abandonadas e estão sujeitas à degradação, contrapondo-se ao seu valor histórico e cultural para a cidade.
Deste modo, desenvolvem-se duas frentes de trabalho para a recuperação do complexo ferroviário: uma na escala
da cidade, com intervenções urbano-paisagísticas, e outra na escala do edifício, com a revitalização das antigas estações
ferroviárias.
Na escala da cidade, o parque linear terá papel fundamental na integração entre a ferrovia e o traçado urbano, com
diretrizes projetuais voltadas para a mobilidade urbana, a segurança e o lazer. O parque agregará os denominados
“lugares” ao longo de seu eixo, recebendo funções e características distintas entre si, além de promover a valorização de
um espaço que é histórico na cidade, marco do nascimento e desenvolvimento de Guararapes e que, no entanto, está
fadado ao esquecimento.
Contribuindo para a ressignificação de espaços da cidade, na escala do edifício objetiva-se a revitalização das duas
estações ferroviárias através de uma intervenção arquitetônica coerente com a matéria original, atribuindo-as novos usos
que promovam a educação e a cultura no município.
Contudo, projeta-se algo que seja de uso e interesse coletivo: espaços públicos abertos e pensados para a
população não de um bairro específico, mas para todos os moradores da cidade, sem distinção de sexo, idade, raça ou
classe social.

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O presente trabalho está dividido em seis capítulos que irão discorrer sobre a relação dialética entre o espaço e o
lugar; o papel da memória e da preservação histórico-arquitetônica; e as propostas para a recuperação de áreas urbanas
fundamentada em diversos autores e projetos de referência, subsidiando, assim, os meios para a construção de “lugares”.
O primeiro capítulo discute a definição de “lugar” e o significado e a finalidade dos “lugares de memória”. O capítulo
seguinte mostra os parques urbanos e seu papel requalificador de áreas degradadas. No terceiro capítulo são apresentados
importantes fatos da história de Guararapes e da Ferrovia Noroeste que lhe deu origem. Mais adiante, demarca-se a área
de intervenção, pondo em pauta todas as condicionantes, deficiências e potencialidades do local. No quinto capítulo são
analisados dois projetos tidos como referência para o desenvolvimento deste TFG e, por fim, o último capítulo apresenta o
projeto com a definição do conceito e partido arquitetônico utilizados, o programa de necessidades, e a descrição e
detalhamento do parque linear e seus “lugares”.

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I - A PERCEPÇÃO HUMANA SOBRE OS LUGARES

Se habitássemos ainda nossa memória, não teríamos


necessidade de lhe consagrar lugares. Não haveria
lugares porque não haveria memória transportada pela
história (NORA, 1993, p.8).

31
1.1 Lugar, Espaço e Não-Lugar

Lugar é um conceito facilmente confundido com espaço. Apesar de parecerem sinônimos, pesquisadores apontam
para diferenças entre os dois termos que mantêm uma constante relação dialética entre si.
Ao citar Ferreira (2001), Reis-Alves (2007) encontra como definição para espaço “a distância entre dois pontos ou a
área ou o volume entre limites determinados”, já lugar assume como um de seus significados “espaço ocupado (...)
povoação, localidade, região ou país”. O autor, embasando seu pensamento nas definições dos dois verbetes, conclui que o
lugar é um espaço habitado, uma vez que o termo aponta para o sentido de povoado e, por outro lado, o espaço ganha
valor e significado a partir da presença e do habitar humano: “o espaço só se torna um lugar no momento em que é
ocupado pelo homem, física ou simbolicamente” (REIS-ALVES, 2007).
Em “Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência”, Yi-Fu Tuan (1983) discorre sobre como o ser humano experiencia
e entende o mundo e como ele atribui significado e organiza espaços e lugares. Ao analisar os conceitos, o autor afirma
que espaço e lugar são ideias que não podem ser definidas uma sem a outra e defende ainda: “O que começa como
espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e dotamos de valor” (TUAN, 1983, p.6).
Desse modo, lugar implica a presença do ser humano e a relação de familiaridade e significado que mantém com
ele. Já o espaço, ainda que haja a presença humana, necessita de uma relação mais profunda entre o espaço e os seres que
nele habita para que se torne um lugar.
Lugar também sugere a existência do tempo como uma importante peça na construção dessa relação, na medida
em que se adquire afeição a um lugar em função do tempo vivido nele. Lugar é como o tempo tornado visível, a lembrança

32
de tempos passados pertencente à memória (TUAN, 1983, apud REIS-ALVES, 2007). Para o autor, lugar é uma pausa no
movimento e a pausa permite que uma localidade se torne um centro de reconhecido valor. Lugar é a morada. Já o espaço
é dado pela capacidade de mover-se, é a liberdade, a amplidão ou, até mesmo, a distância e extensões que separam ou
ligam os lugares. Se o lugar é segurança e estabilidade e o espaço é movimento, pode-se fazer uma analogia entre espaços
e os chamados “não-lugares”.
Segundo Marc Augé, o lugar define-se como identiário, relacional e histórico. Quando um espaço não apresenta
nenhumas dessas propriedades, caracteriza-se por um não-lugar, ou seja, é o oposto do espaço íntimo e familiar,
representado pelos locais de grande e rápida circulação, como rodoviárias, aeroportos, estações de metrô, shopping
centers, quartos de hotéis, entre outros locais de transição ausentes de identidade (AUGÉ, 2012 apud MACIEL, 2014).
Não-lugares são ambientes que conferem movimento e mecanicidade às ações, sem que haja meios para que
usuários tenham uma experiência mais sensível e pessoal com o local: “As relações que se instauram só dizem respeito,
estritamente, à atividade final e qualquer interação entre as pessoas acaba por afastá-las de seu objetivo principal” (MACIEL,
2014).
Logo, não-lugares e espaços possuem muito em comum, entretanto, espaços podem ser transformados em lugares,
enquanto os não-lugares, sua existência está intrinsicamente ligada a sua função, cujos usos são necessários para a vida
cotidiana e para tanto, torná-los lugares implica em perda de funcionalidade, ainda que atualmente vem surgindo medidas
para a humanização desses locais, tais como as instalações artísticas em estações de metrô em várias partes do mundo, que

33
visam do usuário uma pausa no tempo para contemplá-las e refleti-las e assim, viver uma experiência mais significativa com
o espaço.
Para Maciel (2014) não-lugares constituem-se numa nova categoria de lugar e fruto da contemporaneidade e, para
tanto, não é o caso de se promover a exterminação desses locais, é preciso, porém, controlar para que a quantidade de
não-lugares não sobressaia sobre a de lugares, tornando humanos e espaços cada vez mais impessoais, cuja “coerção
imposta pela velocidade que se vive nas metrópoles basicamente apaga o teor da interação social e revela um hiato entre
as pessoas” e as cidades cada vez mais desvalorizadas.

34
Figura 1 – Obra de Oscar Tusquet
Blanca numa estação de metrô em
Nápoles, Itália
Estações de metrô europeias foram
transformadas a partir do projeto
“Art Station Line 1”, um exemplo de
intervenção em não-lugares. Fonte:
Site Uol, 2012.´

´ Disponível em: <http://fotos.noticias.bol.uol.com.br/entretenimento/2012/11/30/estacoes-de-metro-europeias-viram-galerias-de-arte-com-


instalacoes-de-artistas.htm#fotoNav=2>. Acesso em 02 ago. 2016.
35
1.2 Lugares de Memória

Talvez, numa outra categoria de lugar estejam os “lugares de memória”, conceito amplamente defendido por Pierre
Nora (1993). Foi dito anteriormente que a memória se materializa em lugares, a fim de que se torne eterna na paisagem e
viva constantemente entre as gerações. Para Nora, quando um local é dotado de elementos físicos, simbólicos e funcionais
que expressam a memória coletiva de um grupo, tem-se um lugar de memória.
A existência desses lugares vem da necessidade por espaços onde ancorar a memória, numa sociedade que se vê
esvaziando de passado pelo fenômeno da mundialização: “há locais de memória porque não há mais meios de memória”
(NORA, 1993, p.7). Uma memória que só é revivida e ritualizada na tentativa de identificação por parte dos indivíduos e que
se utilizam da história para que conferir lugares onde possa pensar que não são feitos de esquecimento, mas de
lembranças (ARÉVALO, 2005).
O reconhecimento ou a construção desses lugares começa pela identificação de uma memória pertencente a um
grupo ou local que se queira preservar e que, muitas vezes, implica a reconstrução de seus elementos físicos e simbólicos.
Um exemplo desse processo está o trabalho de preservação de bens culturais materiais ou imateriais, imbuídos de valor
histórico, artístico ou etnográfico, presentes em inúmeras sociedades e lugares do mundo todo, fundamentadas e
regularizadas em políticas públicas através de leis de proteção ao patrimônio cultural.
Anhesim (2015) discorre sobre a trajetória das políticas de proteção ao patrimônio no Brasil que teve início em
meados do século XX com o advento do movimento moderno e a busca pela identidade nacional. Em 1923, a lei para a
criação da Inspetoria de Monumentos Históricos foi um dos primeiros instrumentos de proteção a esses bens, seguido da

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criação do SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (atualmente denominado IPHAN – Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 1936.
A autora aponta para ferramentas públicas de proteção até hoje utilizadas, como o Decreto Lei nº 25 de 1937, onde
são regulamentadas as questões do patrimônio e a Constituição Federal de 1988, que aborda sobre a proteção dos bens
históricos, culturais, paisagísticos e turísticos como responsabilidade do poder público (ANHESIM, 2015).

Figura 2 – Patrimônios brasileiros


O Patrimônio Cultural é definido como um conjunto de bens móveis e imóveis
cuja conservação é de interesse público, seja por sua vinculação a fatos
memoráveis da história, seja por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico. Fonte: Site Iphan modificado pela autora,
2016. Foto: Acervo Iphan/ Marcel Garetherot/ Luiz Braga.²

² Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/126>. Acesso em: 07 out. 2016

37
Por serem políticas relativamente novas, tardou-se em reconhecer os inúmeros exemplares da história do Brasil,
resultando no desaparecimento de muitos desses da paisagem nacional. Não é comum encontrar testemunhos do passado
nas cidades, mesmo naquelas que existem há muito tempo, entretanto, verifica-se uma mudança de comportamento,
fazendo com que em diversas partes do país surjam movimentos de preservação, demonstrando uma mudança como a
sociedade brasileira se relaciona com sua memórias: “Mesmo as cidades relativamente novas já adotam a prática de
preservar os vestígios mais significativos de sua história” (ABREU, 1998, p.81).
A preservação de bens materiais implica na conservação de suas características físicas, bem como a possível
necessidade de restauros, visto que a maioria desses bens já sofreu algum tipo de dano, seja pela ação do tempo, seja por
modificações inapropriadas ou por ações de vandalismo.
A questão da restauração é um conceito que há séculos é discutido e alvo de formulações teóricas. Pode-se citar
como alguns importantes pensadores sobre o tema John Ruskin (1819-1900), Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc (1814-1879),
Alois Riegl (1858-1905), Camillo Boito (1836-1914) e Cesare Brandi (1906-1988), cujas teorias são apreciadas até hoje.
Entre os princípios do arquiteto italiano Camillo Boito sobre o “restaurar”, estão o respeito pela matéria original, ou
seja, pelo estado físico em que uma obra atualmente se encontra, assim como as “marcas da passagem do tempo”
(preconizado também por Alois Riegl) e as várias fases da obra, além da recomendação pela mínima intervenção e, no caso
de acréscimos, a distinção da ação contemporânea para que não seja confundida com o que subsiste da obra (KÜHL, 2006).
De modo semelhante ao pensamento de Boito, estão os escritos de Cesare Brandi e outros autores do chamado
“Restauro Crítico”, cujas proposições estão fundamentadas através da Estética e da História. Brandi acreditava que a

38
restauração deveria ser entendida como "o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua
consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão ao futuro", além de ser fruto
de um trabalho multidisciplinar e livre de formulações arbitrárias (BRANDI, 2004 apud KÜHL, 2006, p.22).
Segundo a autora, Brandi preconizava que cada caso de restauração deveria ser analisado de maneira singular em
razão de suas características particulares e de seu individual transcorrer na história, não obedecendo simplesmente a
colocações dogmáticas. A teoria Brandiana tinha em vista, ainda, três fundamentos bem parecidos como as formulações de
Camillo Boito:

1. Distinguibilidade: pois a restauração (que é vinculada às ciências históricas) não propõe o tempo como reversível
e não pode induzir o observador ao engano de confundir a intervenção ou eventuais acréscimos com o que
existia anteriormente, além de dever documentar a si própria;
2. Reversibilidade: pois a restauração não deve impedir, tem, antes, de facilitar qualquer intervenção futura;
portanto, não pode alterar a obra em sua substância, devendo-se inserir com propriedade e de modo respeitoso
em relação ao preexistente;
3. Mínima intervenção: pois a restauração não pode desnaturar o documento histórico nem a obra como imagem
figurada (KÜLH, 2006, p. 25).

Com base nas proposições dos renomados autores, Kühl (2010) relata que um projeto de restauração depende de
um consistente estudo multidisciplinar, que percorre desde pesquisas histórica, documental, bibliográfica e iconográfica;
análise de técnicas construtivas, materiais, tipologias arquitetônicas, etc., que levam a um entendimento das transformações
por qual a obra ou o conjunto de obras passaram ao longo do tempo.

39
Segundo a autora, também vigoram as restaurações não conservativas, denominadas intervenções. Remoções,
inserções, substituições, entre outras mudanças em um bem devem ser consequência de uma análise criteriosa, pois o
objetivo da intervenção não está em alterar:

Isso não significa que o monumento não deva ser de forma alguma mudado ou tocado – pelo contrário, pois
qualquer intervenção, por mais restrita que seja, altera a leitura do bem – mas as decisões devem decorrer de
consistente processo de aprofundamento cognitivo, e toda proposta deve ser justificável e justificada à luz
daquilo que motiva a preservação. (KÜHL, 2010, p.17)

Seja através da restauração, seja através da intervenção, a autora alerta para a avaliação dos elementos
caracterizadores de um bem, ou um conjunto de bens, para que possam continuar a exercer seu papel primordial como
documentos fidedignos e, como tal, servir como efetivos suportes do conhecimento e da memória coletiva.

40
Figura 3 – Red Bull Station – São Paulo/SP
O prédio de 1920 foi restaurado para abrigar um centro de arte e música de autoria do escritório
franco-brasileiro Triptyque, que adotou a preservação das “marcas da passagem do tempo” e a
distinção das formas contemporâneas e originais. Fonte: Site Revista AU, 2013. Fotos: Pedro Kok.³

³ Disponível em: <http://www.au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/237/triptyque-restaura-edificio-de-1920-no-centro-paulistano-e-o-302122-1.aspx>. Acesso em: 28 jun. 2016.

41
I - A PERCEPÇÃO HUMANA SOBRE OS LUGARES

42
II – DO ESQUECIMENTO À RECORDAÇÃO

Aceleração da história. (...) uma oscilação cada vez mais


rápida de um passado definitivamente morto, a percepção
global de qualquer coisa como desaparecida – uma ruptura
de equilíbrio (NORA, 1993, p.7).

43
2.1 A (Des)valorização de Lugares Históricos

A sensação de uma ruptura com o passado ou a compressão espaço-tempo é um fenômeno relatado por diversos
autores, assim como Pierre Nora (1993), demostrando uma tendência contemporânea iniciada no século XVIII, no período
caracterizado pela Revolução Industrial, cujo marco histórico fez com que o mundo experimente um novo jeito de viver.
A industrialização proporcionou inúmeros benefícios para as pessoas e suas cidades, a citar pela facilidade de acesso
aos alimentos; a racionalização da construção civil; a geração de empregos; novos meios de locomoção e comunicação; a
influência sobre o êxito rural e o processo de urbanização, etc. Entretanto, também passou a vivenciar os efeitos da
modernização e do mundo globalizado, bem como o desenvolvimento rápido em detrimento do capitalismo: a corrida pela
apropriação de capital, a queda de monarquias, a ascensão de novos impérios, a supremacia do “ter” sobre o “ser”, assim
como o aumento de desigualdades sócio-espaciais.
O processo de modernização implica uma busca constante por inovação, contudo, muitas vezes, o que fica para
traz, ultrapassado, torna-se inútil e descartável. Este é um fato observado na sociedade contemporânea: a cultura do
descarte, do desprendimento, no sentido de não conseguir criar laços afetivos com lugares, objetos e pessoas. Nesse
processo a modernização tem sua influência na medida em que a busca constante pelo “novo” predomina sobre as coisas
que realmente importam.
A tendência apontada por Nora (1993, p.13) ao dizer que “se valoriza mais o novo do que o antigo, mais o jovem do
que o velho, mais o futuro do que o passado” indica um comportamento que se expressa no desprezar pelas “coisas do

44
passado”. Do mesmo modo, se expressa na existência de espaços em estado de abandono e depreciação que possuam um
significado histórico pelo seu valor de antiguidade. É uma indiferença com lugares cujas características preservam as
memórias de um tempo, como marcos testemunhos do passado.
Muitas vezes, esses espaços correspondem ao chamado “centro histórico” de uma cidade, o ponto inicial da
formação do núcleo urbano e a partir do qual foi se desenvolvendo e expandindo. É um lugar onde se encontram diversos
e importantes processos históricos, expressos em espaços construídos e no modo de usufruir desses espaços. Processos
esses que por meio dos centros históricos se constituem e se legitimam os marcos, lugares e cenários da memória e da
identidade coletiva (OLIVEIRA, 2010).
Segundo a autora, observa-se um processo de desvalorização dos centros históricos, sobretudo nas médias e
grandes cidades, que corresponde ao abandono, à descaracterização e ao mau aproveitamento de imóveis e espaços
históricos. Sua causa também se dá pelo próprio crescimento das cidades e a necessidade de adequar espaços para as
novas demandas ou atividades urbanas e, quando não abandonados ou subutilizados, são destruídos e substituídos por
novos prédios no processo chamado de Renovação Urbana. São mudanças que muitas vezes não condizem com a
realidade do lugar, na medida em que modificam espaços, usos, vias e até moradores.
Todavia, o contexto da globalização também trouxe reflexões sobre a homogeneização do espaço global que
contribui para que todos os lugares sejam muito parecidos. Contudo, o processo também tem dado estímulos para que
cada lugar, na busca por individualidade, procure se diferenciar com os demais e, para isso, o regate do passado, da
memória das cidades, é o que mais tem contribuído para atingir sua singularidade: “Materializado na paisagem, preservado

45
em „instituições de memória‟, ou ainda vivo na cultura e no cotidiano dos lugares, não é de se estranhar, então, que seja ele
quem vem dando o suporte mais sólido a essa procura por diferença” (ABREU, 1998, p.79).
Logo, vem surgindo novos meios de enxergar e lidar das cidades e seus espaços históricos, colocando em pauta
instrumentos como restauração, revitalização, requalificação e reabilitação de áreas urbanas, com vista à valorização desses
lugares e a preservação da memória urbana.

Figura 4 – Revitalização do centro histórico do


Rio de Janeiro/RJ
Ações de valorização de imóveis tombados e
áreas históricas marcam a preservação da
memória da cidade do Rio. Fonte: Site
Agência Brasil, 2014.4

4
Disponível em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/galeria/2014-01-15/seminario-discute-revitalizacao-de-imoveis-tombados-e-preservados-
no-rio#>. Acesso em: 07 out. 2016.

46
2.2 Os Parques e a Requalificação de Áreas Urbanas

Parques urbanos são “espaços públicos com dimensões significativas e predominância de elementos naturais,
principalmente cobertura vegetal, destinados à recreação” (KLIASS, 1993 apud SCALISE, 2002). São espaços livres e de uso
coletivo, mas não há um consenso na conceituação de parques, devido uma variedade de parques urbanos, dimensões,
formas, tratamentos paisagísticos, funções e equipamentos (SCOCUGLIA, 2009 apud PASQUALETTO; SILVA, 2013).
Pasqualetto e Silva (2013) citam Leon Balza (1998), que estabelece oito funções possíveis para definir um parque:
recreação; papel estruturante da forma urbana; função estética; função de contemplação; planejador de opiniões; função
social e cultural; uso educativo e a função orgânica ou ecológica, demonstrando que o papel de um parque não se
submete a um padrão, variando também quanto a sua forma e aos equipamentos que dispõem.
Segundo Scalise (2002), os parques surgem no final do século XVIII na Inglaterra e, com maior ênfase, no século XIX
em Paris, através da remodelação da cidade pelo barão Haussmann e no Movimento dos Parques Americanos, que teve
como mentor o arquiteto paisagista Frederick Law Olmsted, autor do Central Park, em Nova York, e de muitos outros
parques. A princípio, os parques aparecem como instrumento de planejamento e regulação do espaço urbano adensado e
o combate à insalubridade, propondo espaços mais amplos, arejados e iluminados, além de serem locais para práticas
esportivas, de lazer e cidadania.

5
Disponível em: <http://www.fodors.com/world/north-america/usa/new-york/new-york-city/things-to-do/sights/reviews/central-park-477744>.
Acesso em: 30 set 2016
47
Os parques eram concebidos de uma forma que remontassem o ambiente natural, trazendo um pouco da natureza
e seus benefícios para a vida na cidade, além de atuarem como reestruturadores de áreas ambientais que por ventura
necessitassem de cuidados e benfeitorias: “A natureza dentro do ambiente urbano não era só um espaço aberto que traria
melhores condições de saúde física e mental, mais sim uma unidade espacial sobre a qual se poderia reconstruir a unidade
de um ambiente degradado” (FRIEDRICH, 2007, p.41). Segundo a autora, a partir do Movimento Ecológico da década de
1980, busca-se uma requalificação de áreas degradadas das cidades industriais, objetivando uma melhoria na qualidade
física e ambiental de áreas em processo de deterioração, através da implantação de parques e áreas verdes.

Figura 5 – Central Park/Nova York


O parque urbano surge da necessidade por áreas
verdes numa metrópole em constante expansão.
Fonte: Site Fodor‟s, 2016.5

48
Áreas degradadas geram malefícios para as cidades, acarretando prejuízos não só na estética do munícipio, mas
também na segurança, na salubridade e no bem estar da população e, para esses casos, os parques urbanos podem
assumir um importante papel, requalificando áreas antes desvalorizadas e subutilizadas, na medida em que propõem novos
usos, novas funções e devolvem a presença da população para esses espaços.
Do mesmo modo atuam os chamados parques lineares, surgindo como uma alternativa para a requalificação
urbana, principalmente de áreas ambientais degradadas, como cursos d‟água e áreas marginais.
Os parques lineares teriam origem a partir de Olmsted, no século XIX, quando introduziu o conceito de Parkways,
que seriam caminhos de ligação entre parques, áreas verdes e outros espaços abertos, projetados ao longo de corredores
naturais (como em margens de cursos d‟água) e utilizados para práticas esportivas e rotas de locomoção não motorizada
(FRIEDRICH, 2007).
Além do uso recreativo, um parque linear pode assumir outras funções, como rota cênica e histórica; fomentar o
desenvolvimento econômico, cultural e estético de um lugar; além de poder atuar na preservação do sistema natural e
amenizar impactos ambientais em zonas urbanas, como problemas de drenagem e inundações.
Sobre sua contribuição no desenvolvimento sustentável de uma cidade, parques lineares podem agir como um

importante instrumento de proteção ambiental:

Parques Lineares são obras estruturadoras de programas ambientais em áreas urbanas, sendo muito utilizados
como instrumento de planejamento e gestão de áreas degradadas, buscando conciliar tanto os aspectos
urbanos e ambientais como as exigências da legislação e a realidade existente (ABCP, 2016).

49
Segundo a fonte, eles funcionam como verdadeiros corredores ecológicos, integrando “fragmentos verdes” ou áreas
de preservação ambiental, controlando ocupações ou ações humanas irregulares em áreas que se queira preservar. Parques
lineares têm a função de recuperar a experiência direta com a natureza, perdida com a era industrial: “Trata-se de um
singelo passo para a regeneração da vida e do meio ambiente que permite que a cidade continue sendo habitável”
(SCALISE, 2002). Na Figura 6 estão relacionadas algumas vantagens e precauções na implantação de parques lineares.
Além das funções já citadas, Scalise (2012) destaca que parques lineares também se tornam uma rota interessante
para se chegar a diferentes lugares – trabalho, escola, áreas de compras e lazer – além de promoverem a valorização das
terras ao seu redor e atrativos, melhorando a qualidade de vida do lugar e de seus moradores: “a qualidade de vida tem se
tornado um índice muito importante para medir o futuro das cidades”.

50
Figura 6 – Parque linear: vantagens e precauções
Fonte: ABCP, 2016 6.

6
Disponível em: <http://www.solucoesparacidades.com.br/wp-content/uploads/2013/10/AF_Parques%20Lineares_Web.pdf> Acesso em: 19 abr. 2016

51
...

Por quê? Por que transformar espaços em lugares? Viver em um lugar é bom, mas espaços e não-lugares são
importantes como tais e não é o caso de se transformar tudo em lugares. Mas quando se percebe espaços que são
importantes para a identidade de um povo e que, no entanto, são “invisíveis” para aqueles que nele habitam, a ação se
torna necessária, assim como sua conversão em lugares, fazendo com que seus ocupantes mantenham uma relação de
valor e significado com eles. Mais importante ainda é quando se identifica um lugar de memória, verdadeiras entidades de
transmissão da história e da memória coletiva e, com tão relevantes atributos, deve ser alvo de valorização e preservação.
Do mesmo modo, identifica-se no município de Guararapes um espaço importante para história da cidade – o
antigo complexo ferroviário – e que diferentemente da forma com é visto e tratado hoje, deveria ser reconhecido como
peça fundamental da existência da cidade e de seus próprios moradores, alcançando, assim, a qualidade de um Lugar.
Contribuindo para tal objetivo, as diferentes formas de intervenção pesquisadas demonstram-se soluções para a
problemática encontrada na cidade e entre elas optou-se pela criação de um parque linear pelo seu histórico em
intervenções em áreas degradadas e seus bons resultados, surgindo como uma alternativa barata, inteligente e capaz de
devolver a vida e o movimento a um lugar que andava esquecido.

52
III - UMA CIDADE CHAMADA GUARARAPES

(...) é fundamental que, além da história urbana e da história


cidade, fundamentais para que possamos contextualizar os
processos sociais no tempo e no espaço, recuperemos também a
história daquela determinada cidade, e esta última é mais
importante do que a soma das duas primeiras. Ela é a síntese de
como aquelas duas histórias se empiricizaram, como materialidade
e como ação humana, não no espaço geográfico em geral, mas
naquele lugar (ABREU, 1998, p.90).

53
3.1 Aspectos Históricos, Físicos, Políticos e Econômicos de Guararapes/SP

Guararapes, interior de São Paulo, localiza-se a 547 km da capital estadual e a 26 km do município vizinho,
Araçatuba, cuja principal via de ligação se faz pela Rodovia Marechal Rodon. Possui cerca de 30 mil habitantes e economia
baseada na atividade agroindustrial, principalmente a sucroalcooleira (PREFEITURA DE GUARARAPES, 2015). No quadro
abaixo estão relacionados os principais dados do município.

54
Quadro 1 – Aspectos gerais de Guararapes

ITEM DADO
Data da Fundação 08 de dezembro de 1928³
Data da Emancipação Política 06 de junho 1937³
Gentílico Guararapense²
Prefeito Atual Edenilson De Almeida²
Unidade Federativa São Paulo
Mesorregião Araçatuba´
Microrregião Araçatuba´
Araçatuba, Bento de Abreu, Gabriel Monteiro,
Municípios Limítrofes
Piacatu, Rubiácea, Salmourão e Valparaíso³
Localização 21° 16‟ 35” S 50° 37‟ 00” O
Distância até capital estadual (km) 547
Distância até capital federal (km) 873
Altitude (m) 398
Área da Unidade Territorial (Km²) 955,634²
População 30.597 (IBGE, 2010)
Densidade Demográfica (hab/km²) 31,99²
IDH-M 0,763´
PIB R$ 709.832 (IBGE, 2013)
Fonte: Elaborada pela autora com
PIB - per capita R$ 22.166,32 (IBGE, 2013)
base em dados de Atlas do
Clima Tropical
Desenvolvimento Humano´; IBGE²;
Ventos Dominantes Sudoeste (WINDFINDER, 2016)
Prefeitura Municipal de Guararapes³,
Bioma Mata Atlântica²
2016.
Fuso Horário UTC−3

55
Figura 7 – Localização geográfica de Guararapes no estado de São Paulo
Fonte: Cepam, 2016 / Prefeitura de Guararapes modificado pela autora,
2016.

56
3.1.1 Breve Histórico do Guararapes

A história de Guararapes assemelha-se com a dos demais municípios da região noroeste de São Paulo, em relação
ao avanço das estradas de ferro no interior paulista e o surgimento dos primeiros núcleos urbanos a partir de estações
ferroviárias, dando início à formação das cidades.
Em 1908, os irmãos Antônio, Joaquim e Prisciliano Pinto de Oliveira, procedentes de Varginha, Minas Gerais,
adquiriram terras entre os córregos Jacaré e Frutal - área que viria a formar o município de Guararapes. A chegada das
primeiras famílias foi facilitada pela construção da estrada Aguapeí-Tietê, em 1915, por Manoel Bento da Cruz (IBGE, 2016).
Os irmãos Pinto de Oliveira entregaram a propriedade para loteamento a cargo da Companhia Paulista de
Colonização Ltda., em 1927, cuja parte da área seria doada para a formação do patrimônio. Foi estabelecido um contrato
para que o engenheiro Dr. Mário Barroso Ramos fizesse o levantamento do patrimônio, com área de 60 alqueires de terras,
e a abertura de ruas e praças. Segue trecho do relato do próprio Dr. Mário Barroso Ramos, ao descrever a história da
fundação de Guararapes:

E, assim, enquanto os descrentes consideravam a Variante (Araçatuba-Jupiá) entre as cebolas do Egito, íamos
encaminhando nosso trabalho no sentido de assegurar com os proprietários das terras, possivelmente
marginais da futura via férrea, tratos e combinações para que, na hipótese de alguma estação vir a ser
localizada em suas terras, em sociedade “abrirmos um patrimônio” – era o termo então usado – tentando a
fundação de povoados e que seriam as cidades do porvir (JOÃO ARRUDA BRASIL, 1994, p.19).

57
No ano seguinte, o avanço da variante Araçatuba-Juquiá da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) deu origem à
construção de uma estação em terras guararapenses - na época denominada Frutal, devido à abundância de jabuticabeiras
na região – cuja inauguração data em 1929 (PREFEITURA DE GUARARAPES, 2015).

Figura 8 – Instalação dos trilhos da Estrada


de Ferro NOB em Guararapes
Fonte: Site Memorial dos Municípios, 2016.7

7
Disponível em: < http://www.memorialdosmunicipios.com.br/fotos.asp?prod_id=91&tipo_id=15>. Acesso em: 02 fev. 2016

58
Figura 9 – Primeira Estação Ferroviária de Guararapes, de 1929
Fonte: Site Memorial dos Municípios, 2016.7

59
Na mesma época iniciou-se a construção de uma capela na Avenida
Tiradentes, via de fronte à estação ferroviária, a partir da qual foi se
estabelecendo o primeiro núcleo comercial da cidade, entre armazéns,
farmácias e beneficiadoras de café e algodão. A Avenida Washington Luís,
paralela à ferrovia, foi a pioneira, tendo como marco o primeiro hotel da
cidade. “As pessoas que pretendiam mudar-se para a cidade, vinham sem as
famílias, hospedavam-se temporariamente no hotel, enquanto verificavam a
possibilidade de se instalarem definitivamente” (JOÃO ARRUDA BRASIL, 1994,
p.22).
Segundo os autores, as famílias que chegaram ao povoado foram
atraídas pela exploração vegetal. Posteriormente, a economia da cidade se
resumia à agricultura cafeeira e algodoeira, essa primeira muito comumente
cultivada no estado de São Paulo e que em meados do século XIX já era o Figura 10 - Chegada dos primeiros
principal produto comercial brasileiro. “A introdução das ferrovias, a vinda em passageiros pela estrada de ferro
em Guararapes
massa de imigrantes e a disponibilidade de terras foram fatores decisivos que
levaram a esse grande desenvolvimento da cultura cafeeira” (CARVALHO, Fonte: Memorial dos Municípios, 2016 7

2007).

60
3.2 A Ferrovia Noroeste Paulista

Ghirardello (2002, p.11) descreve que a área a oeste de São Paulo até a margem esquerda do Rio Paraná era
conhecida como “zona desconhecida habitada por índios” ou “terras devolutas não exploradas”, cuja denominação se
modifica com o surgimento da Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (CEFNOB), destinada a “abrir” territórios no
estado como ferrovia de penetração.
Diferentemente das demais companhias que acompanhavam as consolidadas zonas produtoras de café, auxiliando
no seu transporte aos portos de exportação, a CEFNOB foi criada em 1905 para buscar novas áreas para agricultura e
povoamento, introduzindo a região noroeste no processo de expansão da produção cafeeira (CARVALHO, 2007).
Com início no município de Bauru, a ferrovia seguiu entre os rios Tietê e Aguapeí, almejando alcançar Cuiabá, GO.
Em 1907, o destino é alterado para a fronteira com a Bolívia, em Corumbá, MS.
Na medida em que os trilhos avançavam, estações e outros equipamentos ferroviários foram instalados,
consolidando as regiões conquistadas e servindo de apoio à Companhia. Também é entorno das estações ferroviárias que
surgiram os primeiros núcleos urbanos e que viriam a formar as futuras cidades da região. Para os proprietários de terras, a
formação de povoados significava a valorização das áreas apossadas e ganhos através de parcelamentos rurais, bem como
para a Companhia Ferroviária, na possibilidade de lucrar com a atividade comercial urbana, como afirma Ghirardello (2002,
p.12):

61
O empenho da CEFNOB estaria na transformação rápida de estações em núcleos urbanos, gerando não só
polos de escoamento para uma futura produção agrícola, particularmente cafeeira, mas também
movimentados centros de embarque e desembarque de passageiros. O povoado garantiria ainda, até os
primeiros anos da segunda década de XX, segurança contra a destruição do patrimônio edificado da ferrovia:
estações, armazéns, trilhos etc., atacados pelos índios caingangues em represaria à dizimação das tribos e à
ocupação de suas terras.

Figura 11 – A Capela Santo Antônio de


Guararapes, de 1929
A Capela Santo Antônio (tombada pelo
município em 2003) foi a pioneira na cidade e
ocupa uma posição geográfica inferior à estação
ferroviária, localizando-se à duas quadras abaixo
desta. Em 1952, a Igreja Matriz ocuparia uma
região mais valorizada, deslocando consigo o
centro comercial urbano. Fonte: Autora, 2015.

62
A proximidade com os cursos d‟água determinou um traçado sinuoso de rampas suaves, além do abastecimento das
instalações ferroviárias e dos futuros povoados. Os limites da ferrovia foram os parâmetros para o novo traçado urbano,
originando um desenho em malha, de quadras e ruas em ângulos retos, cuja monotonia só se quebraria com a esplanada e
a estação ferroviária, centro da vida local. Diferentemente da cidade colonial do século XIX, as cidades da noroeste paulista
nasciam de um solo laico, ao redor da estação, presidindo o centro urbano. A capela, depois igreja matriz, ocuparia área
nobre e central, porém o espaço urbano não seria determinado por ela.

Figura 12 – O traçado da ferrovia de Bauru/SP a Corumbá/MS


Fonte: AZEVEDO (s/d apud STEFANI, 2007).
63
Os trilhos da CEFNOB alcançam o município de Itapura em 1907, quando estudos de ligação da ferrovia com
Corumbá foram suspensos. Cria-se a “Estrada de Ferro Itapura a Corumbá”, de propriedade da união, para unir as duas
cidades e prosseguir com o trajeto original. No entanto, somente em 1914 os dois trechos, Bauru a Itapura e Itapura a
Corumbá, são unidos completando 1.272 km de extensão (GHIRARDELLO, 2002).
Segundo o autor, em 1917 um Decreto encampa a ferrovia CEFNOB devido à derrocada de sua administração e, por
estar em péssimo estado de conservação, a ferrovia é praticamente reconstruída pela União. Dois anos mais tarde, ela e a
ferrovia “Itapura-Corumbá” são unidas e denominadas “Estrada de Ferro Noroeste do Brasil”. Entre as ações sobre a “nova”
Companhia está a construção da variante Araçatuba-Jupiá, mais próxima do espigão divisor de águas dos rios Tietê e
Aguapeí, afastando a ferrovia da região infestada pela malária, em 1940.
Na figura 13, um mapa provavelmente da década de 1920, observa-se o extinto ramal de Lussanvira e a variante de
Jupiá que se tornou linha-tronco da NOB, passando pelo patrimônio de Frutal - atual município de Guararapes.
A NOB vigoraria até 1957, quando foi incorporada à Rede Ferroviária Federal S.A., criada para concentrar todo o
patrimônio ferroviário pertencente à União, na tentativa de racionalizar o transporte ferroviário sujeito à supressão, devido,
entre outros motivos, à ascensão do transporte rodoviário na década de 1940.
Durante a RFFSA, o transporte de passageiros perdurou no trecho Bauru-Campo Grande até 1993 e no trecho
Bauru-Corumbá até 1995. Através do Plano Nacional de Desestatização, a antiga Estrada de Ferro NOB foi vendida como
“malha oeste” para a Ferrovia Novoeste S.A. e que mais tarde se fundiria com diversas empresas até formar a “Rumo

64
América Latina Logística”, atual Companhia Ferroviária detentora dos direitos sobre a ferrovia, transportando somente
cargas.
Quanto ao patrimônio ferroviário, os bens imóveis continuam de posse da União, que têm sido cedidos para os
poderes públicos municipais somente em regime de comodato, ou seja, na forma de “empréstimo”, cuja restituição é
cumprida em um prazo convencionado por ambas as partes (ANHESIN, 2015).

Figura 13 – A variante de Jupiá na


NOB, em 1920
Fonte: Site Wikipédia, 2016.8

8
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Estrada_de_Ferro_Noroeste_do_Brasil#/media/File:NOB-Lussanvira.jpg>. Acesso em 02 fev. 2016

65
66
IV - ÁREA DE INTERVENÇÃO:

O COMPLEXO FERROVIÁRIO

Não quero a beleza, quero a identidade.


(Clarisse Lispector)

67
Fonte: Google Maps, 2016

68
Fonte: Autora, 2016

Figura 14 – Localização da área de intervenção no mapa de Guararapes


Fonte: Prefeitura de Guararapes modificado pela autora, 2016

69
4.1 As Estações Ferroviárias

As ferrovias ofereceram bases para o desenvolvimento da industrialização no estado de São Paulo, resultando num
valioso acervo da arquitetura industrial:

Isso, como mencionado, diz respeito não apenas às estações, com seu mobiliário, equipamentos, com suas plataformas,
abrigos e passarelas, mas a todo o conjunto de construções e de elementos que colaboraram para a configuração do
complexo sistema relacionado às ferrovias, que também inclui sua articulação com a cidade e com as unidades de
produção [...]. Ou seja, é todo um complexo que colabora na caracterização do patrimônio ferroviário (KÜHL, 2010, p.14).

Segundo a autora, em relação às construções, as ferrovias introduziram tipos arquitetônicos específicos, tais como as
estações, oficinas, depósitos, residências de funcionários; também novas infraestruturas de viação, como túneis, pontes,
viadutos, passarelas, etc., além de ser pioneira na utilização de materiais pré-fabricados (metal, vidro e tijolo) e na
racionalização do canteiro de obras.
As estações localizavam-se junto às esplanadas, que constituem uma grande área plana de pelo menos 200 metros
lineares, em um trecho reto da ferrovia para que fosse facilmente visualizada. A esplanada deveria ser absolutamente plana
para que os vagões que ali desengastarem não se movimentassem. Ela possibilitava espaço para ampliação de prédios da
ferrovia, como depósitos, residências de funcionários, etc., bem como em frente à estação, que deveria haver espaço para
estacionamento de veículos; embarque e desembarque de passageiros e carga e descarga de mercadorias (GUIRARDELLO,
2002).

70
Quanto às características das estações ferroviárias, segundo Kühl, a maioria delas é de “passagem”, ou seja,
unilaterais, de edifício em formato retangular, alvenaria de tijolos, e posicionados paralelamente aos trilhos do trem.
Também o desenho da planta das estações era padronizado “[...] numa das extremidades, a casa do agente; anexa a esta, a
agência com os guichês de venda de bilhetes; a espera, que nada mais era que o acesso à plataforma de embarque e
desembarque e pequeno depósito. Próxima à casa do agente, mas em construção isolada, os banheiros públicos”
(GHIRARDELLO, 2002, p. 56).

Figura 15 – Segunda estação ferroviária de


Guararapes, em 1979
Fonte: Site Estações Ferroviárias, 2013. Foto: José
H. Bellorio.9

71
A primeira estação de Guararapes foi inaugurada em 6 de setembro de 1929, integrando a linha-tronco da ferrovia
NOB na variante de Jupiá. Em 1949 uma nova estação foi inaugurada, construída pela Prefeitura Municipal, pois a antiga
estação ficava distante do novo núcleo comercial, dificultando o acesso à ferrovia (JOÃO ARRUDA BRASIL, 1994).
A nova estação recebeu uma nova linha férrea, constituinte da variante Araçatuba-Bento de Abreu. No entanto, a
linha antiga não foi retirada, permanecendo ao lado da nova e as duas estações uma de frente a outra (GIESBRECHT, 2013).

Figura 16 – As duas estações ferroviárias de


Guararapes, em 1979
Fonte: Site Estações Ferroviárias, 2013. Foto: José
H. Bellorio.9

9
Disponível em: < http://www.estacoesferroviarias.com.br/g/guararapes.htm> Acesso em 30 abr. 2016
72
Figura 17 - O trem na estação de Guararapes, em 1986
Fonte: Site Estações Ferroviárias, 2013. Foto: José H. Bellorio.9

73
As estações possuem traços bem distintos entre si, evidenciando a distância de vinte anos da data de suas
fundações. São estilos arquitetônicos diferentes, caracterizados pelo período histórico e político em que foram idealizadas.
A primeira estação, de 1929, não é exatamente um exemplar de uma escola arquitetônica, carregando características
comuns de muitos terminais ferroviários construídos pela NOB, cujos traços simples são resultados de uma adaptação dos
programas das estações inglesas às necessidades da cidade em que se insere e a realidade financeira das companhias
férreas. Nota-se na pequena estação de Guararapes uma influência da arquitetura colonial, cujos arcos das portas e janelas
remetem ao barroco brasileiro. Nas imagens a seguir, observa-se como a primeira estação encontra-se atualmente e,
apesar do péssimo estado de conservação, é possível perceber suas características originais.

Figura 18 – Fachada frontal da primeira estação ferroviária, em 2016


Fonte: Autora, 2016.

74
Concebida de alvenaria de tijolos, as paredes externas possuem cerca de 40 cm de
espessura. A cobertura de telha cerâmica, as portas de madeira e as janelas venezianas
com suas belas bandeiras resistem à ação do tempo e do homem, diferentemente da
marquise sobre a plataforma sustentada por mãos francesas que fora arrancada
provavelmente quando já estava comprometida.

Figura 19 – A primeira estação ferroviária de Guararapes

Fonte: Autora, 2016

75
A segunda estação ferroviária, de 1949, foi construída segundo o estilo Art Déco, escola arquitetônica praticada em
meados do século XX cujas características marcam a transição para o modernismo – apesar das linhas retas e fortemente
geometrizadas, o Art Déco não se abstém da ornamentação. O estilo influenciou muitas construções na cidade,
principalmente os antigos estabelecimentos comerciais. As imagens a seguir, a primeira apresentando a estação ferroviária
como ícone arquitetônico de Guararapes em 1970, e a segunda como se apresenta atualmente, demostram as
transformações por qual a estação passou ao longo dos anos.

Figura 20 – A segunda estação ferroviária em cartão postal, em 1970


Fonte: Site Estações Ferroviárias, 2013.9

76
Figura 21 – Fachada frontal da segunda estação ferroviária, em 2016
Fonte: Autora, 2016

Paredes de alvenaria de tijolos, acabamentos em cimento aparente, telhas cerâmicas, portas de madeira, janelas
basculantes, azulejo hidráulico no vestíbulo e mãos francesas sustentando a marquise sobre a plataforma – muitos desses
elementos são comuns em ambas as estações ferroviárias, embora outros, bem característicos do período industrial,
estejam presentes na segunda estação, o que conferiu à construção um tom moderno para a época, como a platibanda
que pouco encobre a cobertura, o frontão de linhas retas ascendentes e a marquise de concreto.
Ao longo dos anos muitas transformações ocorreram, entre elas, a mudança da economia brasileira de um modelo
agroexportador para um modelo urbano industrial e que, entre outros fatores, levou a decadência do sistema ferroviário.
Para Anhesin (2015, p.163) o processo de degradação sofrido por antigas áreas ferroviárias se intensificou em 1990 com o
fim do transporte de passageiros e as várias alternâncias de posse sobre a ferrovia, fazendo com que construções
ferroviárias cedessem seus espaços para outros usos ou fossem desativadas definitivamente: “Os espaços que outrora

77
significavam o progresso atualmente se encontram como espaços residuais, onde predomina a imagem de abandono e
negação”.
Segundo a autora, a negação desses espaços por parte dos cidadãos tem provocado inúmeras ameaças sobre o
patrimônio ferroviário, como demolições, saques e intervenções nocivas, pelo fato de não aceitarem ou não apropriarem-se
desses locais. No caso das estações ferroviárias de Guararapes, é evidente sua negação por parte de autoridades e
moradores da cidade. Ambas se encontram desativadas a portas fechadas ou lacradas definitivamente com tapumes e
paredes onde antes eram portas e janelas. Muitas esquadrias foram danificadas e outras já não existem mais. As pichações
estão presentes em quase todas as faces das estações, além da sujeira que se acumula ao longo do tempo, tornando-as um
local repugnante para a maioria dos moradores da cidade.

Figura 22 – Fachada posterior da segunda estação


Fonte: Autora, 2016

78
Dois compartimentos, uma de cada estação, são utilizados como depósito temporário de pneus usados, mantido
pela Prefeitura Municipal e uma das extremidades da estação mais antiga integra uma residência anexa.
Continuam abertas, em ambas as estações, as entradas principais de acesso às plataformas, muito utilizadas pelos
moradores para irem de um bairro a outro. É um trajeto mais curto para a rodoviária da cidade para quem que está na Av.
Washington Luís, por exemplo. No caso, o pedestre passa pela Praça da Bandeira, atravessa a primeira estação (de 1929), os
trilhos da ferrovia e a segunda estação ferroviária (de 1949), até chegar a Rua Santo Antônio onde, em poucos metros, está
o terminal rodoviário.

Figura 23 – Detalhes da segunda estação de Guararapes


Fonte: Autora, 2016

79
No entanto, o trajeto pelas estações é considerado perigoso, devido à falta de acessibilidade no local, o perigo de
encontrar pessoas mal intencionadas e pela própria estrutura das estações que está comprometida, com muitas infiltrações,
rachaduras, entre outras patologias.
Os arredores das estações são muito frequentados por usuários de drogas por ser um local de difícil acesso por
viaturas policiais, isoladas de demais construções e mal iluminada durante a noite. Também é comum encontrar moradores
de rua se abrigando nos terminais, invadindo alguns compartimentos através das pequenas frestas existentes.
Os desenhos a seguir são resultado de um levantamento feito in loco, pois não foram encontrados registros das
estações na Prefeitura Municipal de Guararapes ou em outros órgãos pesquisados. As medidas no desenho estão muito
próximas das reais e buscou-se recuperar as características originais de cada um dos terminais ferroviários. Não foi possível
o acesso ao interior das estações, bem como o levantamento de portas e outros elementos internos, pois há
compartimentos que foram ocupados com novos usos – depósito de pneus usados e residência - e outros que foram
fechados definitivamente.

80
Figura 24 – Planta e elevações atuais da primeira estação ferroviária
Fonte: Elaboradas pela autora, 2016.

81
82
Figura 25 – Planta e elevações atuais da segunda estação ferroviária
Fonte: Elaboradas pela autora, 2016

4.2 O Leito Ferroviário

Dentro do perímetro urbano a ferrovia atravessa a cidade de leste a oeste passando por sete bairros. Pode-se dizer
que a estrada férrea divide a cidade em duas metades – norte e sul. A barreira física formada pela ferrovia também
quantifica o valor da terra na cidade, na medida em que há uma diferença na valorização dos lotes localizados antes e após
a linha férrea. A região sul - “abaixo da linha do trem” - é considerada menos valorizada por estar em uma região fora da
zona de expansão urbana.
O Bairro Industrial, lado sul da cidade, e o Bairro São Judas Tadeu II, lado norte, são os primeiros alcançados pela
ferrovia no sentido Araçatuba-Rubiácea. O Bairro Industrial é um dos mais antigos de Guararapes, cujas Avenidas
Washington Luís e Tiradentes pontuavam o antigo centro comercial da cidade. Hoje ele é predominantemente residencial,
marcado pela presença de pequenas fábricas e uma indústria importante para a economia do município. O Bairro São
Judas Tadeu também possui uma grande indústria, conferido à região leste da cidade a qualidade de zona industrial.
Mais adiante a ferrovia atravessa o centro da cidade, uma região de muitos comércios, serviços e intenso movimento
de veículos e pessoas, sobretudo ao longo da Avenida Rio Branco - uma das vias principais e que percorre de norte a sul da
cidade. Os bairros seguintes - Brasil, Independência e Tiradentes - são predominantemente residenciais, havendo uma
83
concentração de pequenos comércios e instituições ao longo da Rua Lauro Heiderich, uma via que segue lindeira à linha do
trem.
A continuação da Rua Lauro Heiderich é a Rua Vila Nova localizada no bairro de mesmo nome. É um dos bairros
mais antigos e também um dos mais pobres. A maioria dos seus moradores é de baixa renda e o bairro também é
popularmente conhecido pelos grandes índices de violência urbana.
Em questão ao leito ferroviário, na altura dos Bairros Industrial e São Judas, a ferrovia segue até a Avenida Rio
Branco sem qualquer via paralela, contando somente com algumas interseções com ruas perpendiculares, como a Rua
Afonso Pena e a Rua Brasil. Os trilhos percorrem num lugar semelhante a um vale, constituindo-se de um local perigoso e
isolado, principalmente para aqueles que se arriscam a atravessar os trilhos pelas “travessas” ou “buracões”, como são
conhecidos. Na Rua Brasil existe um viaduto sobre a estrada férrea e a única alternativa para veículos e pessoas para
travessia dos trilhos quando o trem passa pela cidade.

Figura 26 – Cruzamento entre a ferrovia e a Rua Afonso Pena


Fonte: Autora, 2016

84
Mais adiante os trilhos entram na esplanada ferroviária – uma grande extensão de terra onde se localizam as
estações ferroviárias desativadas. Entre a ferrovia e a Avenida Júlio Prestes, a esplanada é ocupada por alguns
equipamentos, como o campo de futebol conhecido por “Beira-Linha”, um parque infantil e a área verde “Oswaldo Real”,
constituída por árvores de pequeno e grande porte, algumas novas e outras muito antigas.

Figura 27 – Campo de futebol, parque infantil e área verde da esplanada


Fonte: Autora, 2016.

Ainda na esplanada ferroviária está localizado o terminal rodoviário de Guararapes. Ao lado deste há uma grande
área de terra atualmente sem ocupação, mas que antigamente era utilizado para a instalação de circos e parques que
viessem visitar a cidade.

85
Figura 28 – O Terminal Rodoviário de Guararapes
Fonte: Autora, 2016

Seguindo na direção oeste, a ferrovia percorre paralela à Rua Lauro Heiderich ao lado de um canteiro que se alarga
na altura da Rua Seis de Junho, formado por uma grande concentração de árvores. Mais adiante, já no bairro Vila Nova, a
estrada férrea percorre numa área de chácaras, à esquerda, até chegar a Rua Messias Isidoro. Em poucos quilômetros a
ferrovia sai do perímetro urbano e segue em direção ao município de Rubiácea.

Figura 29 – Cruzamento
entre a ferrovia e a
Avenida Rio Branco.
Fonte: Autora, 2016
86
Figura 30 – Área verde entre a ferrovia e a Rua Lauro Heiderich
Fonte: Autora, 2016

Figura 31 – Área de chácaras no Bairro Vila Nova


Fonte: Autora, 2016

Figura 32 – A ferrovia e a Rua Messias Isidoro no Bairro Vila Nova


Fonte: Google Maps, 2016.

87
Figura 33 – Mapa de uso e ocupação do solo
Através da análise do mapa, é possível que o parque linear atue como um importante eixo de ligação entre moradores dos bairros adjacentes
e os principais pontos de interesse, como o centro comercial e a zona industrial leste. Fonte: Prefeitura Municipal modificado pela autora,
2016.

Figura 34 – Mapa de arborização existente


O mapa é resultado de um levantamento das espécies de árvores existentes na esplanada ferroviária e ao longo da Rua Lauro Heiderich.
Fonte: Prefeitura Municipal modificado pela autora, 2016.

88
V - ESTUDOS DE CASO

Caberá ao arquiteto, então, exercitar sua inteligência (no


sentido etimológico de ler) e reconhecer os aspectos
potenciais da arquitetura preexistente que conclamam
participar e dialogar na criação contemporânea (MÜLLER,
2000).

89
A seguir serão apresentados dois projetos tomados como referência para esse Trabalho Final de Graduação, cujas
finalidades foram revitalizar área ou prédio de valor histórico e propor ou agregar novos usos para os mesmos, a partir de
intervenções coerentes com a essência da arquitetura existente.
Em ambos os casos foram tomadas como diretrizes projetuais o respeito com o lugar e o tempo histórico que
representam - a preservação da tipologia arquitetônica e a inserção de novas formas, que apesar de “modernas” não
conflitam com o “antigo”, mas pelo contrário, dialogam formando um conjunto harmônico em que tempos diferentes se
misturam num mesmo lugar.

5.1 High Line Park, Nova York

Figura 35 - High Line Park, Nova York


Fonte: Site Revista AU, 2009. Foto: Fran Parentes.10

90
Obra: High Line
Local: Nova York/NY
Data da obra: 2004/2008
Autores: James Corner Field Operations (paisagismo) e Diller Scofidio + Renfro (arquitetura)

O High Line é um parque linear da cidade de Nova York com 2,3 km de extensão no que era uma linha férrea
abandonada desde os anos 1980.
Em 1999 empresários e moradores da cidade se uniram formando a “Associação Amigos dos High Line” para impedir
a demolição da ferrovia e implantar um parque no local. Para levantar fundos para a efetivação do projeto, o grupo contou
com parcerias públicas e privadas -“Em 2002, os Amigos do High Line conseguiram provar para a prefeitura que os
impostos gerados pelo parque seriam maiores que os custos de construção e reforma”. (VIEGAS-LEE, 2009).
O estúdio de paisagismo James Corner Field Operations e o escritório de arquitetura Diller Scofidio + Renfro
venceram o concurso para elaborar o parque. Segundo os autores, a ideia do projeto era "reajustar um veículo industrial e
o transformar em um instrumento de prazer pós-industrial".

10
Disponível em: <http://au.pini.com.br/au/solucoes/galeria.aspx?gid=2438>. Acesso em: 30 mar. 2016

91
5.2 Museu Rodin, Salvador

Figura 36 – Museu Rodin, Salvador


Fonte: Site Vitruvius, 2006. Foto: Brasil
Arquitetura.11

Obra: Museu Rodin Bahia


Local: Salvador/BA
Data da obra: 2003/2006
Autores: Brasil Arquitetura: Fernando Fanucci e Marcelo Ferraz, Cícero Ferraz Cruz, Albert Sugai, Bruno Levy, Gabriel
Grinspum, Rodrigo Izecson Carvalho (arquitetura e restauração).

92
O Museu Rodin Bahia foi implantado no Palacete Comendador Catharino, em Salvador, para abrigar o acervo do
artista francês e exposições temporárias em um novo edifício.
O projeto de intervenção sobre o Palacete, assinado pelo escritório Brasil Arquitetura, foi elaborado de maneira sutil
e pontual, a fim de adequá-lo espacialmente e tecnicamente às novas necessidades, sem interferir em suas características
originais, que foram valorizadas através de um trabalho de restauro.
Foi norteador para o projeto de arquitetura o conceito de “Convivência” - a convivência de dois prédios com um
século de diferença de idade, cada qual demostrando uma técnica construtiva, uma maneira de usufruir do espaço e
personalidade próprios. Ambos são unidos por um jardim tropical, principal apelo à convivência tão necessária em um
museu que assume também a função de centro de encontro através da arte e da cultura. (FANUCCI; FERRAZ, 2006)
Segundo relato dos autores do projeto, para a inserção do novo prédio foi fundamental o cuidado para não
interferir em árvores centenárias do jardim; não competir com a presença dominante da construção histórica e, sobretudo,
formar um conjunto articulado e fluido para ser livremente desfrutado pelo visitante.

11
Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/06.070/2721>. Acesso em: 02 abr. 2016

93
94
VI - O PROJETO

Lugar é todo aquele espaço agradável que convida ao


encontro das pessoas ou ao nosso próprio encontro
(ABBUD, 2010, p. 24).

95
6.1 O Conceito

A memória e o lugar. A vivência de um lugar cuja memória se mostra nos detalhes. Este é o conceito utilizado na
concepção do Parque Linear Ferroviário de Guararapes, que tem por objetivo transformar espaços antes não percebidos
em lugares em que as pessoas possam criam laços de afeto e significado, induzindo sua ocupação e um sentimento de
pertencimento através da democratização de seu uso e de uma conexão com as raízes históricas da cidade e seus
moradores.
Tem por finalidade devolver à cidade um lugar que carrega a marca de sua identidade - o complexo ferroviário - cujas
“ruínas” contam histórias de um tempo áureo. São como cicatrizes na pele urbana que remetem ao período do nascimento
da pequena cidade e que, no entanto são ignoradas e tratadas como um estorvo.
Como é possível, então, mudar essa visão de lugar? Transformar espaços onde o que se vê são problemas e limitações?
Oferecendo à cidade aquilo que a ferrovia lhe tirou, devolvendo algo que a vida contemporânea elege como um dos itens
mais importantes: a mobilidade urbana. Poder percorrer a cidade sem impedimentos; ter segurança, pois a paz é essencial
para haver qualidade de vida, assim como ter opções de lazer, cultura e interação social, sobretudo num tempo moderno
onde as relações entre as pessoas parecem superficiais e onde a vida real dá lugar à vida virtual, dissolvida, como se não
houvesse fronteiras entre os mundos concreto e o imaginário.

96
Oferecer o contato físico, o contato com o espaço real, o ar puro, a brisa e o sol. Este projeto é um convite para a vida.
Vida que se renova a cada dia, sem, no entanto, se esquecer do foi. Passado, presente e futuro: tempos diferentes
misturando-se num mesmo lugar. Este é o conceito adotado e que se concretiza nos “lugares” propostos neste trabalho.

Figura 37 – Imagem-conceito
Fonte: Site Central Park, 2016.12

12
Disponível em: <http://www.centralpark.com/guide/activities/picnics.html>. Acesso em: 28 abr. 2016

97
6.2 O Parque Linear

O parque linear será implantado lindeiro à ferrovia, atravessando de leste a oeste da cidade, assim como o percurso
do trem. Percorrerá ao longo de sete bairros passando pelos denominados “lugares”, ou seja, são locais de usos e
significados diferentes, mas com a mesma linguagem arquitetônica em comum. O objetivo do parque linear ferroviário está
em interligar diversas porções da cidade através de uma arquitetura fluída, como na definição de Galender, 2005 apud
Friedrich, 2007, p. 56:

O conceito de parque linear é contrário ao de parque isolado, de desenho geométrico regular e limites finitos.
Através de planos urbanísticos, busca promover o desenho da paisagem através do estabelecimento de uma
continuidade espacial, relacionando os espaços construídos e os espaços abertos, ou seja, vinculando-se com
a paisagem urbana.

O parque linear será constituído em toda sua extensão por um passeio público, uma ciclofaixa e uma faixa de
vegetação formada por arbustos baixos que funcionarão como uma barreira de proteção entre o parque e a ferrovia. Além
da barreira vegetal, buscou-se implantar o parque linear a uma distância segura dos trilhos, no entanto, há pontos de
interseções entre eles para que os moradores possam atravessar de um lado a outro da ferrovia e, nesse caso, para conferir
maior proteção e acessibilidade ao usuário, nivelou-se o piso das vias bem próximo aos dos trilhos, além da utilização de
placas de sinalização, cancelas e outros equipamentos de segurança.

98
A opção pela implantação de uma ciclofaixa, além dos benefícios já conhecidos pelo uso de bicicletas aos seus
usuários e à vida nas cidades, justifica-se por ser um meio de transporte muito comum em Guararapes. Pelo fato da cidade
ter relevo predominantemente plano, a bicicleta é utilizada para várias atividades, como lazer ou para ir ao trabalho, por
exemplo, mas percebe-se um grande público de ciclistas que se recusa ou ignora o uso e o respeito aos sinais e normas de
trânsito, pondo em risco a segurança nas ruas e a boa convivência com os demais usuários. Logo, acredita-se que a
presença de ciclovias ou ciclofaixas na cidade não só proporcionaria maior segurança aos ciclistas, mas cooperaria na
conscientização do uso das regras de trânsito e a segurança nas ruas.
A acessibilidade também está presente entre as diretrizes arquitetônicas e urbanísticas propostas, não somente ao
longo do parque linear, mas em todo seu entorno, como uma iniciativa para que um dia se obtenha uma cidade 100%
acessível. Também são diretrizes projetuais a manutenção de leitos carroçáveis e dos pisos de calçadas; a adequação da
iluminação noturna; oferta de lixeiras e pontos de coleta seletiva nos principais equipamentos públicos (praças e parques),
assim como bancos, sanitários e bebedouros em boas condições de uso; o monitoramento constante por meio do
policiamento e da guarda municipal e por fim, o aumento e a qualidade da arborização urbana e paisagismo ao longo de
todo parque.
Contudo, o parque linear define-se como um eixo pelo qual se conectam os “lugares” e que serão apresentados a
seguir.

99
Figura 38 – Implantação do Parque Linear
Fonte: Prefeitura de Guararapes, modificado pela autora, 2016.

6.2.1 Praça do Trem

O parque linear “inicia” sua trajetória no Bairro Vila Nova entre a ferrovia e a Rua Messias Isidoro. No bairro há um
Sistema de Recreio de formato triangular, constituído por um parque infantil em péssimo estado de conservação, um
campinho de futebol e alguns bancos. Nas andanças pelo bairro, percebem-se muitas crianças, de diferentes tamanhos,
brincando entre as sarjetas e ruas sem asfalto. Logo, o foco para o lugar seriam exatamente as crianças e adolescentes que
ali habitam, sem, no entanto, excluir do programa os adultos e idosos do local.
Propõe-se para o Sistema de Lazer existente a criação da “Praça do Trem”. O desenho que compõe os passeios e o
paisagismo da praça possui a mesma linguagem adotada ao longo de todo parque linear: são linhas orgânicas que

100
traduzem o movimento do trem, o movimento das pessoas, dos ciclistas, da vida. As curvas também sugerem a influência
do paisagista brasileiro Roberto Burle Marx, personagem singular da história do paisagismo mundial.

Figura 39 – O paisagismo de Roberto Burle Marx


Fonte: Site Arco Web, 2016.13

13
Disponível em: <https://arcoweb.com.br/noticias/arquitetura/museu-judaico-de-ny-expoe-obras-raras-de-burle-marx>. Acesso em
29 set. 2016

101
Na praça haverá um vagão de trem revitalizado e transformado em uma pequena biblioteca, mas que também será
um espaço para oficinas de capacitação profissional, palestras, projeção de filmes, pequenas apresentações de teatro e
música. O projeto tomado como referência para essa revitalização é o “ Vagón Del Saber” projetado pelos arquitetos do Al
Borde. Trate-se da transformação de um antigo vagão de trem em um espaço público itinerante, capaz de atender a
diversos programas na medida em que percorre o litoral do Equador pelos trilhos de uma ferrovia reativada (ANTUNES,
2013).

14
Disponível em: <http://www.au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/236/cultura-no-trilho-300952-1.aspx>. Acesso em: 02 out. 2016.

102
Figura 40 - Vagón Del Saber - Equador
Para resolver o projeto os arquitetos buscaram agregar ao vagão a menor quantidade
de elementos que funcionasse para a maior quantidade de funções: utilizaram uma
cobertura com opções de abertura, mobiliário retrátil e um espaço para
armazenamento. Fonte: Site Revista AU, 2013. Fotos: Cyril Nottelet.14

103
.

Figura 41 – Perspectivas da “Praça do Trem”


Fonte: Elaboradas pela autora, 2016.

104
6.2.2 Parque Caingangue

O próximo lugar também se localiza no Bairro Vila Nova, em uma área de terras entre a ferrovia as Ruas Vila Nova e
Miguel Martins de Souto. No terreno destinou-se uma parte para o prolongamento da Rua Humberto Samoia e a criação
de três novas ruas; outra parte destinada para loteamentos populares (14.770m²) e uma última (48.000m²) para a
implantação do Parque Caingangue. A área para os novos lotes também tem o intuito de conferir maior proteção ao
parque através da “ocupação”.
O Parque Caingangue será como uma “área de respiro”, concentrando o maior volume arbóreo do parque linear.
Ele terá equipamentos esportivos como minicampo de futebol, quadras de vôlei de areia, quadras de tênis, pista de skate e
academia ao ar livre. Buscou-se por equipamentos de baixo impacto ambiental, ou seja, quadras que tivessem pisos
permeáveis, facilitando a absorção de águas pluviais.

105
O parque será um local ideal para práticas
esportivas junto à natureza. O clima junto às
arvores será palco para brincadeiras, picnics e até
a área descampada pode ser utilizada para tomar
sol, soltar pipa ou brincar com animais de
estimação. Haverá ainda uma lanchonete,
vestiários e um “apoio ao usuário”, constituído por
sanitários, posto da guarda municipal e assistência
ao ciclista, como bomba para encher pneus e Figura 42 – Perspectivas do “Parque Caingangue”
bicicletários. Fonte: Elaboradas pela autora, 2016.

6.2.3 Calçadão da Linha

O Calçadão da Linha localiza-se entre a ferrovia e a Rua Lauro Heiderich. O espaço é bem arborizado e atualmente
agrega alguns usos, como local para reuniões externas de uma igreja, estacionamento, horta e também depósito de
materiais de construção e ferro velho. A finalidade do projeto está em organizar o espaço, manter as boas práticas e
eliminar as ruins.
106
O calçadão constitui-se pelo passeio público, a ciclofaixa e a barreira vegetal. No piso dos passeios públicos ao
longo de todo parque linear foi utilizada pedra portuguesa por ser um material muito comum na construção de calçadas no
município, ajudando a integrar o parque aos passeios existentes.
A implantação dos pisos e da ciclofaixa em todos os lugares criados obedece à premissa da ocupação dos vazios
entre a vegetação existente, evitando ao máximo que árvores sejam derrubadas para a construção do parque, o que
condiciona a um desenho mais orgânico dos passeios e jardins.
Nesse lugar existem árvores de diversos tamanhos, inclusive, algumas frutíferas, provavelmente plantadas pelos
próprios moradores, como se aquele pedaço de terra fosse a extensão do quintal de suas casas. Isto é muito bom na visão
do projeto, pois demostra o envolvimento dos moradores com aquele lugar e a participação popular no processo de
construção de um parque linear é de extrema importância.
Ao longo do calçadão há algumas intersecções com ruas perpendiculares à ferrovia. Em algumas delas, onde o
movimento de veículos e pedestres é intenso, propõem-se a utilização de semáforos para organizar o trânsito e conferir
maior conforto e segurança ao usuário. No cruzamento das Ruas Lauro Heiderich, Vila Nova e Dr. Fernando Costa foi
empregado um semáforo de três tempos: dois para as ruas e um para ciclistas e pedestres, além de haver no local uma
cancela para o caso de o trem passar pela ferrovia.
Do mesmo modo, no cruzamento das Ruas Lauro Heiderich e a Avenida Rio Branco, ambas de “mão dupla”, foi
utilizado um semáforo de três tempos, assim como a cancela que está presente em todas as intersecções de ruas e a
ferrovia.

107
Propõe-se ainda a continuação das Ruas Duque de Caxias e Seis de Junho, esta última somente para o fluxo de
pedestres e ciclistas, pois no local foi implantada uma passarela constituída por rampas para a travessia da estrada férrea.

Figura 43 – Perspectivas do “Calçadão da Linha”


Fonte: Elaboradas pela autora, 2016.

108
6.2.4 Corredor Gastronômico

Depois de atravessar a Avenida Rio Branco, o parque linear adentra na esplanada ferroviária. Neste ponto não há
ruas paralelas à linha do trem que ganhou a sua direita um corredor dos chamados food trucks, que são lanchonetes sobre
veículos, além de toda a infraestrutura necessária a atividade – mesas, bancos, sanitários e sombreadores. Acredita-se que o
corredor gastronômico, pela presença dos diversos equipamentos ao redor, torne-se um local de grande atratividade e
coopere com a economia da cidade.

Figura 44 – Perspectiva do “Corredor Gastronômico”


Fonte: Elaborada pela autora, 2016.

109
6.2.5 Estação Cultural

Entre a ferrovia e a Av. Júlio Prestes, na extensa área ao lado da Rodoviária, haverá um lugar dedicado para práticas
culturais e educativas, juntamente com as estações ferroviárias que serão revitalizadas e transformadas em um museu.
No terreno será construído um teatro de arena em forma circular, escavado no solo da esplanada, cujo palco localizado no
centro do teatro permite que a plateia ocupe seus 360 graus. O teatro terá capacidade para cerca de 500 pessoas sentadas,
e o acesso aos acentos se fará por meio de rampas, conferindo-o uma arquitetura acessível e funcional.
Palco para inúmeras apresentações culturais, o tetro tem como referência os antigos tetros gregos, cuja arquitetura
possibilitava a perfeita distribuição da energia sonora. A ótima audibilidade dos sons produzidos no palco desses teatros
deve-se a muitas técnicas desenvolvidas pelos gregos, como a própria geometria e a forte inclinação dos acentos,
permitindo que a massa formada pela plateia absorvesse os sons (SRESNEWSKY, 2016). Segundo o autor, o local de
implantação dos teatros gregos também era um requisito importante, como a escolha por lugares com pouca interferência
sonora e ventos favoráveis no sentido do palco para o público.
No caso do teatro da esplanada a localização próxima à ferrovia e do centro comercial da cidade não são pontos
positivos, nem a questão dos ventos pode ser considerada, pois a plateia ocupa todo o diâmetro do teatro, mas
especialistas relatam que a ótima acústica do teatro grego está no material utilizado em sua construção:

110
As fileiras de assentos de pedra calcária do Epidaurus (ver a figura 45) formam um eficiente filtro acústico que
abafa barulhos de fundo de baixa frequência, como murmúrios, e reflete os sons de alta frequência dos
artistas no palco em direção ao público, levando as vozes dos atores até o fundo do teatro (FOLHA ONLINE,
2007).

Segundo a fonte, acredita-se que o material sulcado e enrugado funcionasse como um filtro de ondas sonoras de
forma semelhante aos estofados acústicos utilizado em paredes. Também de forma semelhante ao efeito provocado pela
pedra calcária atuam as coberturas vegetais rasteiras, controlando a emissão de ruídos. As plantas podem atenuar a
intensidade da energia sonora pelo método da reflexão, funcionando de modo semelhante a uma concha acústica, ou seja,
posicionando uma densa massa verde entre a ferrovia e o teatro, os sons vindos do trem serão refletidos de volta e os sons
produzidos pelo palco serão refletidos para o teatro.
Pelo fato de estar “cavado” no solo, o teatro poderá funcionar como um reservatório de contenção de águas pluviais
dessa pequena região da cidade, ou seja, o excesso de água de chuvas será despejado no teatro e que, por sua vez,
conduzirá até dutos subterrâneos de coleta e transporte de águas pluviais. Juntamente com a grande área permeável
formado pelo gramado da esplanada, serão bons instrumentos de controle da vazão de águas na Avenida Júlio Prestes.
A Estação Cultural se constituirá também por mais um exemplar do Vagão-Biblioteca e pelo Museu Ferroviário,
apresentado com mais detalhes no item 6.3 deste trabalho.

15
Disponível em: <http://portalresumo.webnode.com/artes/grega/>. Acesso em 10 out. 2016.

111
Figura 45 – O Teatro Epidaurus – Grécia
Fonte: Site Portal Resumo, 2016.15

Figura 46 – Perspectiva do teatro da


“Estação Cultural”
Fonte: Elaborado pela autora, 2016.

112
Figura 47 – Perspectivas do vagão-biblioteca
Fonte: Elaboradas pela autora, 2016.

6.2.6 Complexo da Esplanada

O último lugar agregado ao parque linear é o Complexo da Esplanada, destinado para práticas esportivas e de
recreação. No local existem um parque infantil, sem péssimas condições de uso, e um campo de futebol, que serão objeto
de adequação ao programa e ao partido utilizados, obedecendo a mesma linguagem de todo parque linear.

113
O parque infantil será ampliado e dividido em
dois – um para crianças de até 5 anos de idade e outro
para crianças de até 10 anos. O desenho dos parques e
passeios ao redor utiliza a mesma linguagem orgânica e
a área verde existente foi mantida e expandida.
O campo de futebol ganhou uma arquibancada
para acomodar os torcedores, além de vestiários e
sanitários, conferindo infraestrutura necessária para
sediar campeonatos regionais e escolinhas de futebol.
Ao lado do campo também haverá uma quadra Figura 48 – Perspectivas do “Complexo da Esplanada”
Fonte: Elaboradas pela autora, 2016.
poliesportiva, oferecendo espaço para diversas
atividades.

114
6.3 As Estações e o Museu Ferroviário

Diante de tudo o que foi apresentado – a importância da memória e da construção de “lugares” – nada melhor que
um lugar de memória como as Estações Ferroviárias de Guararapes fosse alvo de uma intervenção cujos efeitos
valorizassem sua arquitetura histórica.
Ambas receberão um trabalho de restauração, reparando algumas das características originais das estações e
devolvendo a capacidade de acolher pessoas através da recuperação de sua estrutura, do bom estado de paredes, piso,
esquadrias e coberturas. Para o desenvolvimento desse projeto baseou-se nas teorias de Camillo Boito e Cesare Brandi,
assim como os princípios da mínima intervenção, o respeito pela matéria original e a distinção da ação contemporânea.
Começando pela primeira estação, de 1929, além da restauração e a recuperação das peças que a compõe, as
esquadrias - que foram mantidas quanto à forma e localização na planta - receberam a cor vermelha, marcando a ação
contemporânea sobre a intervenção. A cor vermelha foi “extraída” dos próprios elementos ao redor: a alvenaria de tijolos
vermelhos, o ladrilho xadrez da segunda estação, as telhas de barro e o ferro oxidado.

115
Figura 49 – O vermelho nos detalhes
Fonte: Autora, 2016.

Para adequação ao novo programa de necessidades era preciso uma planta livre e ampla para acolher o acervo
permanente do museu. Não é de conhecimento as divisões internas ou outros elementos do interior da estação, por isso
considerou-se que as paredes internas fossem demolidas para abrigar salas de exposições. Uma medida tomada para
garantir a estabilidade da estrutura do prédio foi a criação de um “cintamento” por meio de pilares e vigas metálicas em
posição intermediária dos grandes vãos internos.
Contudo, a primeira estação será composta por duas salas de exposições para acervo da história do município,
divididas pelo vestíbulo que também dará acesso à plataforma e a uma pequena sala que atuará como bilheteria, guarda-
volumes e posto de informações.

116
A segunda estação ferroviária, de 1949, também será restaurada, recuperando inclusive o espaço de portas e janelas
que estão fechadas. Na fachada, as pequenas aberturas onde antes eram janelas basculantes, terá recuperado seu tamanho
original, no entanto, ao invés da colocação de novas janelas basculantes, optou-se pela colocação de vidros reflexivos. A
escolha pelo material segue a premissa da intervenção contemporânea, além de que no interior da estação será um espaço
para exposições e para tanto, teve estar fora da visão externa, aguçando a curiosidade do usuário para adentrar no museu.
O vidro espelhado possui vários benefícios, como a ótima reflexão de raios solares, conferindo maior conforto térmico ao
edifício que possui a fachada voltada para a direção nordeste.
As portas existentes e as novas também receberão a cor vermelha, assim como o cintamento metálico nos grandes
vãos internos. A segunda estação terá duas salas de exposição temporária para acolher acervos itinerantes vindos de outras
regiões do Brasil; uma sala para administração do museu, acumulando as funções de bilheteria e guarda-volumes, cuja
comunicação com o público se faz, tanto na segunda quanto na primeira estação, através dos guichês existentes nos
vestíbulos.
Um ponto importante é que a circulação entre os vestíbulos e as plataformas de ambos dos terminais será
constantemente “aberta” ao público, integrando-se com o parque linear. Também a plataforma da segunda estação, com
seus quase 200 metros lineares, terá parte de sua área para exposições descobertas, assim como nos jardins ao redor das
estações, acolhendo esculturas e outras intervenções artísticas.
Um ponto importante é que a circulação entre os vestíbulos e as plataformas de ambos dos terminais será
constantemente “aberta” ao público, integrando-se com o parque linear. Também a plataforma da segunda estação, com

117
seus quase 200 metros lineares, terá parte de sua área para exposições descobertas, assim como nos jardins ao redor das
estações, acolhendo esculturas e outras intervenções artísticas.

Figura 50 – Pinacoteca de São


Paulo/SP
A Pinacoteca foi alvo de uma
intervenção que teve como
mediador o arquiteto Paulo Mendes
da Rocha. Nela também foram
utilizados vidros reflexivos nas
janelas de uma de suas fachadas.
Fonte: Site Vitruvius, 2000. Foto:
Nelson Kon16.

16
Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.007/951>. Acesso em 02 fev. 2016

118
O projeto prevê um anexo do museu, locado do lado esquerdo da primeira estação. Buscou-se uma arquitetura de
formas “simples” e materiais neutros para que a nova estrutura não entrasse em conflito com as estações ferroviárias. O
anexo contém sanitários, bebedouros e fraldário, assim como um depósito de materiais do museu. É importante destacar
que a casa ao lado da estação foi desocupada, pois sua presença não convinha em um espaço de caráter público. Das três
casas restantes da antiga vila ferroviária, foi mantida somente a fachada de uma delas que apresentava caraterísticas de sua
arquitetura original.

Figura 51 – Perspectiva da primeira estação revitalizada


Fonte: Elaborada pela autora, 2016.

119
Para fazer uma conexão entre ambas as estações, projetou-se uma passarela sobre os trilhos do trem. A passarela
tem acesso por meio de escadas e elevador, e sua estrutura é feita por vigas metálicas treliçadas. A cor vermelha utilizada
nas esquadrias das estações também está na passarela e nas portas do anexo do museu, como se essas peças tão distintas
fossem unidas através da cor.

Figura 52 – Perspectiva da segunda estação revitalizada


Fonte: Elaborada pela autora, 2016.
120
Figura 53 – Perspectiva da passarela do “Museu Ferroviário”
Fonte: Elaborada pela autora, 2016.

Algo a destacar no projeto é o tratamento dado às entradas dos terminais. A primeira estação possui a sua frente a
denominada “Praça da Bandeira”, cujo acesso se faz pela Av Washington Luís. Ela existe há muito tempo, mas recentemente
a praça que possuía três mastros para a bandeira do Brasil, do estado de São Paulo e do município de Guararapes recebeu
mais vinte e sete para as bandeiras de todos os estados do Brasil. A ideia da administração municipal da época não previu
que as bandeiras não resistissem muito tempo à ação das chuvas e do sol, restando atualmente somente os mastros vazios.
A proposta é revitalizar a praça através da recuperação do paisagismo, dos passeios, da iluminação noturna e dos
antigos bancos de jardim que foram ofertados por comerciantes e fábricas que provavelmente não existem mais na cidade.
A Praça da bandeira e as estações ferroviárias de “portas abertas” serão como pórticos de entrada para o parque linear.

121
Figura 54 – Perspectiva da Praça da Bandeira
revitalizada
Fonte: Elaborada pela autora, 2016.

Caminhando em direção ao Cemitério Municipal, o leito ferroviário se estreita e entra numa região de “vale”, ou seja,
o nível da ferrovia se encontra abaixo do nível das ruas e dos lotes. Para a viabilização do parque linear, também pensando
na segurança e na mobilidade urbana, projetou-se um novo viaduto no local e que teria uma de suas entradas ainda na
esplanada ferroviária, na altura da Rua João Batista P. Marques por meio de rampa, até atingir a altura do viaduto existente
na Rua Brasil com o qual se encontra. A passarela de uso exclusivo para pedestres e ciclistas, possibilitará o acesso ao
parque linear pela referida rua.
O viaduto se estende até a Rua Afonso Pena. Neste ponto o parque linear se encerra (ou inicia, dependendo do
ponto de vista) completando 2,7 Km de extensão. O viaduto também permitirá que as Ruas João Batista P. Marques e
Epitácio Pessoa tenham seus fluxos continuados, antes interrompidos pela ferrovia. A segurança dessas ruas se fará pela

122
instalação de guaritas/cancelas e pela presença do viaduto em cima, ou seja, o tabuleiro da passarela será, em parte, de um
piso grelhado metálico, permitindo a visualização do piso inferior.
O viaduto de material metálico será estruturado por meio de vigas vagão, que é uma associação entre vigas de alma
cheia e cabos de aço, numa alternativa de vencer maiores vãos. O sistema é composto por montantes que apoiam uma
viga contínua, também apoiada sobre pilares, e os montantes são apoiados em cabos de aço que sustentando todo o
sistema. (CRUZ et al, 2014).

Figura 55 – Vistas em cima e embaixo do viaduto da Rua Brasil


Fonte: Autora, 2016.

123
O quadro a seguir é um resumo de todos os equipamentos propostos no projeto a partir dos lugares existentes e
que foram alvo de intervenção urbanística ou arquitetônica, seguido de suas respectiva áreas.

Quadro 2 – Quadro-resumo de áreas do projeto

EQUIPAMENTO URBANO ÁREA (M²)

Parque Linear 14.994

Praça do Trem 4.227

Parque caingangue (incluindo área para 58.194


loteamento)

Calçadão da linha 11.288

Corredor Gastronômico 7.029

Estação Cultural (incluindo o Museu 25.980


Ferroviário e Praça da Bandeira)

Complexo da Esplanada 28.467

TOTAL 150.179
Fonte: Elaborado pela autora, 2016.

124
6.4 Detalhes Construtivos

Para a construção da passarela metálica do Museu Ferroviário serão utilizadas vigas metálicas laminadas com perfil
“I”, formando uma estrutura treliçada. As figuras 56 e 57 mostram o encontro entre vigas e coluna metálicas e os tipos de
elementos de ligação utilizados para a união dessas peças.
A viga transversal (vista A) liga-se com a coluna por meio de uma chapa de extremidade estendida e que está
soldada na extremidade da viga e parafusada na mesa da coluna. Já a viga longitudinal (vista B) liga-se com o pilar por
quatro cantoneiras, duas parafusadas na mesa da viga e na alma da coluna e outras duas parafusadas na alma da viga e na
alma da coluna.

Figura 56 – Detalhe da ligação entre vigas e coluna, sem


escala
Fonte: Elaborada pela autora com base nas
informações de ARAGÃO, 2016.
125
Figura 57 – Vistas A e B da ligação entre
vigas e coluna, sem escala
Fonte: Elaborada pela autora com base
nas informações de ARAGÃO, 2016.

Utilizou-se uma ligação rígida através de chumbadores metálicos na


união entre as colunas e a fundação de concreto. A base da coluna engastada
está representada na figura 58.

Figura 58 – Detalhe de ligações nos apoios, sem escala


Fonte: Elaborado pela autora segundo informações de ARAGÃO, 2016.

126
A figura a seguir corresponde ao detalhamento de um dos degraus utilizados na escada de acesso à passarela do
museu ferroviário. Os degraus, que estão fixados em duas vigas metálicas, possuem um formato triangular obtido através
de chapas laminadas dobradas com 6mm de espessura, e uma angulação de 30 graus entre o piso e a mesa da viga.

Figura 59 – Detalhe do degrau metálico, sem escala


Fonte: Elaborado pela autora, 2016.

127
128
6.5 Paisagismo e Arborização Urbana

O Parque linear prevê um projeto de paisagismo e arborização que contempla desde espécies para forrações e
folhagens para jardins; arbustos para barreira vegetal; árvores para passeios públicos e árvores frutíferas e ornamentais para
as grandes áreas verdes. No quadro abaixo está a relação das principais espécies de plantas e árvores utilizadas no projeto.
Optou-se para as forrações e gramados espécies com características versáteis em relação a iluminação e a qualidade
do solo na área para plantio e que necessitassem de pouca manutenção.

Fonte: http://casavogue.globo.com/Curiosidades/noticia/2014/08/16-arvores-mais-lindas-do-mundo.html

129
Quadro 3 - Gramados e Forrações

NOME POPULAR NOME CARACTERÍTICAS GERAIS IMAGEM


CIENTÍFICO
Pequeno pote (0.3 - 0.6m);
Clorofito Chlorophytum preferencia por meia sombra ou sol
comosum pleno; perene; exige pouca
manutenção e possui resistência à
estiagem e ao frio.
Pequeno porte (0.3 - 0.6m);
Abacaxi-roxo Tradescantia preferencia por meia sombra ou sol
spathacea pleno; perene; versatilidade no
plantio em solos ricos e pobres em
matéria orgânica e água.
Pequeno porte (0.1-0.3m); preferência
Grama-amendoim Arachis repens por meia sombra ou sol
pleno;perene; dispensa podas e não
tolera pisoteios.

Porte varia de 9 a 12 metros;


Hera Hedera helix preferência por meia sombra ou sol
pleno, solos férteis e bem drenados;
possui característica de trepadeira.

130
Pequeno porte (0.2-0.3m); preferência
Junquilho Zephyranthes por meia sombra ou sol pleno; perene e
candida inflorescência na primavera e no verão.

Pequeno porte (0.15-0.20m);


Zebrina Pêndula Tradescantia preferência por meia sombra ou sol
zebrina pleno, solos férteis e bem drenados;
possui facilidade em alastrar-se.

Porte com menos e 0.15m,


Grama-batatais Paspalum preferência por sol pleno; perene;
notatum tolerante a pisoteio.

Fonte: Elaboração própria a partir de informações de Patro, 2013. Disponível em: <http://www.jardineiro.net/>. Acesso em: 15 out. 2016.

Para a composição das barreiras vegetais ao longo do parque linear, escolheram-se espécies de pequeno porte ou
que pudessem ser podados para atingir de 0,90 a 1,0 metro de altura e não impedir a visualização do trem ou outros
veículos e pessoas, principalmente nas intersecções de ruas e linha férrea. As barreiras vegetais também oferecem proteção
acústica, muito importante para áreas predominantemente residenciais.

131
Quadro 4 – Arbustos

NOME POPULAR NOME CARACTERÍTICAS GERAIS IMAGEM


CIENTÍFICO
Porte varia de 1.2 a 2.4m;
preferência por meia sombra ou sol
Tumbérgia-arbustiva Thunbergia pleno; perene; possui flores de
erecta coloração azul durante todo o ano
e capacidade para proteção
acústica.

Porte varia de 4.7 a 6m; preferência


Pinheiro-de-buda/ Podocarpus por meia sombra ou sol pleno;
Podocarpo macrophyllus perene; pode ser topiado para
adquirir formato; é resistente e
versátil.

Fonte: Elaboração própria a partir de informações de Patro, 2013. Disponível em: <http://www.jardineiro.net/>. Acesso em: 15 out. 2016.

É muito importante a escolha de árvores adequadas para a utilização em calçadas, pois a arborização no meio
urbano depende de uma série de condicionantes, como o espaço disponível nos passeios, a presença de edificações

132
próximas, fiação elétrica, tubulações subterrâneas, etc. Apesar de tantos obstáculos, a arborização urbana é essencial para a
qualidade de vida nas cidades:

As árvores são fundamentais nas ruas e avenidas. Além de embelezar, elas têm um importante papel no
equilíbrio térmico, refrescando onde quer que estejam. Também colaboram com a redução da poluição
sonora e do ar, fornecem sombra, refúgio e alimento para as aves. Os benefícios não param por aí,
poderíamos falar de fixação de carbono, produção de oxigênio, proteção contra ventos, etc. (PATRO, 2016).

O projeto contempla calçadas cujas árvores escolhidas possuem características em comum, como pequeno porte,
raízes não agressivas e ausência de espinhos, evitando, assim, qualquer transtorno aos usuários.

133
Quadro 5 – Árvores para passeios públicos

NOME NOME CARACTERÍTICAS GERAIS IMAGEM


POPULAR CIENTÍFICO
Porte varia de 6 a 10m; preferência por sol
Pata-de-Vaca Bauhinia pleno; perene; florescimento entre o
variegata inverno e primavera; não apresenta raízes
agressivas.

Porte varia de 3.0 a 3.6 metros;


Ipê-de-Jardim Tecoma stans preferência por sol pleno; perene; flores
durante os meses mais quentes do ano;
não indicada para regeneração de áreas
degradadas.

A espécie possui variações de porte com


Munguba Pachira aquatica 3 a 4m; sol pleno; perene; possui flores
perfumadas e frutos comestíveis para o
homem; apesar de apreciar solos úmidos,
pode ser plantada em solos mais secos.

Fonte: Elaboração própria a partir de informações de Patro, 2013. Disponível em: <http://www.jardineiro.net/>. Acesso em: 15 out. 2016.

134
As áreas verdes e livres do parque linear e seus lugares
serão constituídas pelas árvores existentes e por outras
novas, de caráter ornamental ou frutífero. Optou-se por
espécies nativas do Brasil de belas flores e deliciosos
frutos, embelezando a paisagem e oferecendo alimento
para pessoas e pássaros.

Fonte: https://quadradobrasilia.wordpress.com/2014/09/09/o-ipe-e-um-fenomeno/

135
Quadro 6 – Árvores Ornamentais

NOME POPULAR NOME CARACTERÍTICAS GERAIS IMAGEM


CIENTÍFICO
Porte varia de 9 a 12m; preferência
por sol pleno; perene; flores
Quaresmeira Tibouchina arroxeadas durante duas vezes ao
granulosa ano; opção para arborização urbana;
permite podas de formação para
adquirir porte arbustivo.
Porte de 6 a 9m; preferência por sol
Tabebuia pleno; perene; floração no fim do
Ipê Roxo impetiginosa inverno e início da primavera cujas
flores atraem polinizadores como
beija-flores e abelhas.

Porte varia de 6 a 12m; sol pleno;


perene; floração entre o inverno e a
Ipê Branco Tabebuia roseo- primavera; ótima para produzir
alba sombra no verão e permitir
passagem de luz e calor no inverno.

136
Porte acima de 12m; sol pleno;
Jacarandá Jacaranda perene; flores azuladas durante entre
Mimoso mimosaefolia a primavera e o verão; não possui
raízes agressivas e não necessita de
podas.

Porte varia de 9 a 12m; sol pleno;


perene; as flores alaranjadas ocorrem
Tipuana Tipuana tipu entre o inverno e a primavera;
possuem troncos de superfície
rugosa e ideal para fixação de
plantas epífitas como orquídeas.

Fonte: Elaboração própria a partir de informações de Patro, 2013. Disponível em: <http://www.jardineiro.net/>. Acesso em: 15 out. 2016.

137
Quadro 7 – Árvores Frutíferas

NOME POPULAR NOME CARACTERÍTICAS GERAIS IMAGEM


(FRUTO) CIENTÍFICO
As variações da espécie podem atingir
Amoreira Morus nigra de 3.6 a 12m de altura; preferência por
sol pleno; perenes e possui frutos
carnosos e negros quando maduros.

As variações da espécie podem atingir


Araçá Psidium de 1.2 a 9m de altura; sol pleno;
cattleyanum perene; frutos ocorrem na primavera e
verão e possuem aspecto e sabor
semelhante à goiaba.

As variações da espécie podem atingir


Acerola Malpighia de 2.4 a 6.0 metros; sol pleno; perene;
emarginata os frutos amadurecem um mês após a
floração e possuem polpa carnosa e
suculenta.

138
Porte acima de 12m; sol pleno; perene;
Manga Mangifera frutos durante a primavera e verão,
indica perfumadas e podem assumir
diferentes colorações.

As variações da espécie podem atingir


Jabuticabeira Myrciaria de 4.7 a 12 metros; sol pleno; perene;
cauliflora frutos negros quando amadurecidos e
de aspecto doce e suculento.

Fonte: Elaboração própria a partir de informações de Patro, 2013. Disponível em: <http://www.jardineiro.net/>. Acesso em: 15 out. 2016.

139
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como seria possível que uma pequena cidade do interior paulista fosse alvo de tamanha intervenção e sediasse um
projeto de tais proporções? É graças ao Trabalho Final de Graduação que podemos sonhar com o melhor para nossas
cidades, planejando grandes projetos que visam à qualidade de espaços e grandes benefícios para os seus habitantes. No
campo da utopia não há limites para um arquiteto urbanista visionário, mas a realidade se mostra outra.
Pequenos municípios do interior quase não se vê realizando projetos para aquilo que é essencial para a manutenção
da cidade, quem dirá quando o assunto é cultura ou mobilidade urbana, um dos primeiros a serem cortados quando o
assunto é contenção de despesas públicas. É uma atitude de bom senso, é claro, mas com isso nossas cidades vão
sobrevivendo e aquilo que não era tão essencial começa a fazer a diferença, ao sentir-se os efeitos de sua ausência.
Mas voltando para o TFG, entre algumas das intenções para que o projeto pudesse ser concretizado é o método do
“curto, médio e ao longo prazo”, fazendo com que a obra seja divida em várias etapas que vão do de menor para o de
maior complexidade. Assim como esse projeto foi dividido em diferentes “lugares”, a execução de cada um deles pode ser
em distintos períodos de tempo, na medida em que as áreas de intervenção são cedidas ou desapropriadas para que o
empreendimento aconteça.
Algo interessante é que o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) oferece financiamento para a
restauração de imóveis tombados pelo órgão. Os projetos aprovados poderão receber recursos para obras de recuperação

141
de fachadas e coberturas, estabilização e consolidação da estrutura do imóvel, entre outras adequações. Isto seria uma
alternativa para o projeto de revitalização das estações ferroviárias de Guararapes, por exemplo.
Contudo, não é uma tarefa fácil para o município, mais o objetivo de requalificação do complexo ferroviário não está
condicionada somente a um projeto de arquitetura e urbanismo. A participação popular, a conscientização de seus
moradores na preservação e na recuperação dos objetos da história da cidade é o mais importante para a ressignificação
desses lugares e com isso, tornar Guararapes um lugar melhor para se viver.

142
REFERÊNCIAS

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Programa Soluções para Cidades. Disponível em: <http://www.solucoesparacidades.com.br/wp-
content/uploads/2013/10/AF_Parques%20 Lineares_Web.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2016.

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ANHESIM, Aline Alves. Lugar: Medidas para reconhecimento e apropriação do Pátio Ferroviário de Assis. In: FIORIN, Evandro;
HIRAO, Hélio (Orgs.). Cidades do Interior Paulista: Patrimônio urbano e arquitetônico. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015. cap.7.

ANTUNES, Bianca. Um vagão de carga antigo é remodelado pelo Al Borde para ser um espaço cultural itinerante, no Equador. In:
AU, ed. 236, nov. 2013. Disponível em: <http://www.au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/236/cultura-no-trilho-300952-1.aspx>.
Acesso em: 02 out. 2016.

ARAGÃO, Maj Moniz de. Ligações em Estrutura Metálicas. Rio de Janeiro: Seção de Ensino de Engenharia e Construção do
Instituto Militar de Engenharia. Disponível em: <http://transportes.ime.eb.br/~moniz/metalica/lig_intro_nova.pdf>. Acesso em 16
out. 2016.

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Revista História Hoje, São Paulo, v. 3, n.7, 2005.

143
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CRUZ, Taís et al. Vigas Vagão. Disponível em: < http://grandes-vaos-n6b.blogspot.com.br/2014/04/vigas-vagao.html>. Acesso
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FRIEDRICH, Daniela. O parque linear como instrumento de planejamento e gestão das áreas de fundo de vale urbanas. Porto
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ANEXOS

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