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Série "Devo Aprender a Como Interpretar a Bíblia?" de D.A.

Carson

PRINCÍPIOS DA HERMENÊUTICA

Almejamos, através de um estudo dos princípios de hermenêutica oferecidos


aqui, ajudar todos a compreenderem e aplicarem melhor os ensinos da Bíblia.
Estes princípios são baseados nas "normas de linguagem" que governaram a
comunicação por escrita nos tempos bíblicos. Como Robert Stein afirma, cada
autor bíblico escreveu um texto que podia ser compartilhado e compreendido
por outras pessoas, "submetendo-se propositadamente às convenções e à
compreensão da linguagem de sua época". (Robert Stein "Guia Básico para a
Interpretação da Bíblia", Rio de Janeiro: CPAD, 1999, p. 33).

Nossa intenção é de conhecer melhor o vocabulário, a gramática e os


princípios da hermenêutica bíblica que governaram os autores das Sagradas
Escrituras. Alcançando este objetivo, vamos compreender e saber viver cada
vez melhor a vontade de Deus. O Senhor permitindo, assim viveremos de
forma cada vez mais unida, pois é assim que Deus quer que todos seus filhos
vivam.

Para aproveitar bem os estudos e lições no site da hermeneutica, é


recomendado ao usuário instalar fontes em grego e hebraico bíblico.
Estas fontes podem ser obtidas aqui: Fontes em Grego e Hebraico

DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?


de D. A. Carson

A hermenêutica é a arte e ciência da interpretação; a hermenêutica bíblica é a arte e


ciência da interpretação da Bíblia. Na época da Reforma, debates sobre interpretação
ocuparam um papel enormemente importante. Estes foram debates sobre
“interpretação”, não apenas sobre “interpretações”. Em outras palavras, os reformadores
discordavam de seus oponentes não apenas sobre o que esta ou aquela passagem
significava, mas também sobre a natureza da interpretação, o lugar da autoridade na
interpretação, o papel da igreja, do Espírito na interpretação, e muito mais.

Ao longo da metade do século passado, tantos desenvolvimentos aconteceram no campo


da hermenêutica que este seria um artigo longíssimo, mesmo que fosse apenas um
esboço superficial. É triste dizer que hoje em dia muitos estudiosos estejam mais
interessados nos desafios da hermenêutica, do que na interpretação da Bíblia; é a própria
Bíblia que a hermenêutica nos deveria ajudar a tratar com mais responsabilidade. Por
outro lado, um tanto ironicamente, ainda há pessoas que pensam que há algo levemente
vulgar sobre interpretação. Sem ser muito grosseiro em dizer tal coisa, estas pessoas
secretamente sustentam a opinião de que o que outros oferecem são interpretações, mas
o que eles próprios oferecem é apenas o que a Bíblia diz.

Carl F. H. Henry amava dizer que há dois tipos de pressuposicionalistas: aqueles que
admitem uma pressuposição e os que não admitem. Nós podemos adaptar esta análise
ao nosso tópico: há dois tipos de praticantes da hermenêutica: aqueles que a admitem
(que praticam a hermenêutica) e aqueles que não admitem. Pois a verdade da questão é
que todas às vezes que descobrimos alguma coisa na Bíblia (quer isto esteja lá ou não!)
estamos interpretando a Bíblia. Há boas interpretações e há más interpretações; há
interpretações fieis e há interpretações infiéis. Mas não há como fugir da interpretação.

Aqui não é o lugar para se apresentar os princípios fundamentais ou para lidar com a
“nova hermenêutica” (que agora já está se tornando velha) e com a “hermenêutica
radical” e a “hermenêutica pós-moderna”. Para obter mais informações e uma
bibliografia sobre os tópicos, especialmente suas relações com o pós-modernismo e
como ter uma resposta para tais veja meu livro: “A Mordaça de Deus: o Cristianismo
Confronta o Pluralismo”, especialmente capítulos 2 e 3 ("The Gagging of God -
Christianity Confronts Pluralism" Grand Rapids, Zordervan, 1996). Eu enfocarei, pelo
contrário, em um “simples” problema; um problema com o qual todo leitor sério da
Bíblia confronta-se ocasionalmente. A questão é esta: quais partes da Bíblia são
mandamentos obrigatórios para nós, e quais partes não são?

Considere alguns exemplos: “Saúdem uns aos outros com ósculos santos”. Os franceses
o fazem, e também os crentes árabes, mas longe de nós termos tal prática. Somos,
portanto, não-bíblicos? Jesus diz aos seus discípulos que eles deveriam lavar os pés uns
dos outros (João 13:14), mesmo assim a maioria de nós nunca teve tal prática. Por que
“desobedecemos” uma injunção tão plena, mas mesmo assim obedecemos a sua
injunção com relação à Ceia do Senhor (“Fazei isto, em memória de mim”)? Se
descobrirmos razões suficientes para sermos flexíveis sobre o “ósculo santo”, quão
flexível devemos ser quanto a outras áreas? Podemos substituir o pão e o vinho da Ceia
do Senhor por batata e leite de cabra, se estivermos em uma igreja de um vilarejo na
Nova Papua Guiné? Se não, por que não? E o que dizer de questões mais abrangentes
circulando entre teonomistas com relação à continuidade da força legal estabelecida
pela aliança mosaica? Devemos como uma nação passar leis para a execução de
adúlteros por meio do apedrejamento, sobre a pressuposição de que Deus graciosamente
conceda ampla reforma e reavivamento? Se não, por que não? A injunção para que as
mulheres permaneçam em silêncio na igreja é absoluta (1 Cor 14:33-36)? Se não, por
que não? Jesus diz a Nicodemos que ele deve nascer de novo, se ele quiser entrar no
reino. Jesus diz ao jovem rico que este deve vender tudo que tem e dar aos pobres. Por
que fazemos absoluto o primeiro mandamento a todas as pessoas, e aparentemente
evitamos um pouco o segundo?

Obviamente, eu levantei questões o bastante para escrever uma dissertação ou duas. O


que se segue neste artigo não é uma chave exaustiva a fim de responder a todas as
questões interpretativas difíceis, mas algumas linhas preliminares a fim de colocar as
coisas mais em ordem. A seqüência numérica não foi posta em qualquer ordem de
importância.
I. Faça o Possível, Conscientemente, Para Manter o Equilíbrio das Escrituras, e
Evitar Sucumbir a Disjunções Históricas e Teológicas.

Os liberais têm nos dado com freqüência disjunções sórdidas: Jesus ou Paulo, a
comunidade carismática ou a igreja “católica primitiva”, e assim por diante. Os
protestantes às vezes fazem uma distinção entre a fé sem obras de Paulo (Rom 3:28) e a
fé com obras de Tiago (Tiago 2:4); outros absolutizam Gal 3:28, como se este fosse a
passagem que controla todas as questões relacionadas às mulheres, e passam horas sem
fim tentando se livrar de 1 Tim 2:12 (ou o contrário!).

Historicamente, muitos batistas reformados na Inglaterra, entre os meados do século 18


e meados do século 20, enfatizaram tanto a graça soberana de Deus na eleição que eles
ficaram desconfortáveis com afirmações gerais do evangelho. Não se deveria dizer aos
descrentes para se arrependerem e acreditarem no evangelho: como poderia ser isto,
visto que estão mortos em seus pecados e transgressões, e talvez possam de qualquer
forma pertencer aos eleitos? Eles deveriam, ao contrário, serem encorajados a
examinarem-se para ver se tem dentro de si alguns dos primeiros sinais da obra do
Espírito, qualquer convicção de pecado, qualquer comoção pela vergonha.
Aparentemente, esta visão está bem longe da Bíblia, mas um grande número de igrejas
pensava que esta era a marca de fidelidade. O que deu errado, claro, é que o equilíbrio
das Escrituras foi perdido. Um elemento da verdade bíblica foi elevado a uma posição,
onde este lhe foi permitido destruir ou domesticar alguns outros elementos da verdade
bíblica.

De fato, o “equilíbrio das Escrituras” não é uma coisa fácil de manter, em parte porque
há diferentes tipos de equilíbrio na Escrituras. Por exemplo, há o equilíbrio da
diversidade de responsabilidades postas sobre nós (e.g. oração, responsabilidade no
trabalho, ser pais ou cônjuges biblicamente fieis, evangelizar o vizinho, trazer um órfão
ou viúva para debaixo do seu teto e assim por diante): isto significa equilibrar as
prioridades dentro dos limites de tempo e energia. Há o equilíbrio das ênfases das
Escrituras como estabelecida por observar a relação ao centro da narrativa da Bíblia
(mais sobre este assunto no ponto XII abaixo); há também o equilíbrio de verdades, as
quais não podemos a esta altura reconciliar no final das contas, mas as quais nós
podemos facilmente distorcer, se não ouvirmos cuidadosamente o texto (e.g. Jesus é
tanto Deus e homem; Deus é tanto o soberano transcendente e ainda pessoal; somente os
eleitos podem ser salvos, e mesmo assim Deus em um certo sentido ama rebeldes
horríveis tanto que Jesus chorou por Jerusalém e Deus gritou: “Acaso, tenho eu prazer
na morte do perverso? -- diz o SENHOR Deus; “não desejo eu, antes, que ele se
converta dos seus caminhos e viva?”). Em cada caso, uma sutil diferença de equilíbrio
bíblico entra em ação, mas não há saída para o fato de que se precisa de equilíbrio
bíblico.

[Em breve, Deus permitindo, iremos reproduzir nesta seção mais princípios da
interpretação de D.A. Carson.]

Copyright © 1996 Modern Reformation Magazine. Todos os direitos reservados.


Reproduzido com a devida autorização.
O Dr. D. A. Carson ensina Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School e
tem mais de vinte livros do seu próprio punho, entre as quais em português temos:
"Comentário do Evangelho de João" da Shedd Publicações e "Os Perigos da
Interpretação Bíblica" e "Introdução ao Novo Testamento" (co-editado com Douglas
Moo e Leon Morris), ambos da Editora Vida Nova.

08/10/2008

DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?


(Continuação)

de D. A. Carson

Princípio II
Reconheça Que A Natureza Antitética De Certas Partes Da Bíblia É Um
Mecanismo Retórico, Não Um Absoluto. O Contexto Deve Decidir Onde Este É O
Caso.

Claro, há antíteses absolutas nas Escrituras que não devemos minimizar de forma
alguma. Por exemplo, as disjunções entre as bênçãos e maldições em Deut 27-28 não
são mutuamente delimitante: a conduta que invoca as maldições de Deus e a conduta
que conquista a sua aprovação se posicionam em campos opostos, e não devem
misturar-se ou diluir-se. Mas por outro lado, quando há oito séculos antes de Cristo,
Deus diz: “Pois misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais do
que holocaustos” (Oseías 6:6), o sistema sacrifical da aliança mosaica não está deste
modo sendo destruída. Ao contrário, a antítese do hebraico é uma forma clara de dizer:
se o impulso chegar a pressionar, a misericórdia é mais importante do que o sacrifício.
O que quer que você faça, você não deve graduar as notas da religião formal; neste caso,
holocaustos e outros sacrifícios rituais ordenados, com o reconhecimento fundamental
de Deus, ou confundir a dimensão do qual Deus estima a compaixão e a misericórdia
com a firmeza com a qual ele exige a observância das formalidades do sistema
sacrifical”.

Semelhantemente, quando Jesus insiste que se alguém quer se tornar um discípulo seu,
ele deve odiar seus pais (Lc 14:26), não devemos pensar que Jesus está sancionado o
ódio aberto dos membros da família. O que está em jogo é que as afirmações de Jesus
são mais urgentes e autorizáveis mesmo do que as relações mais preciosas e prezadas,
como o paralelo em Mt 10:37 deixa claro.

Algumas vezes a antítese aparente é formada através da comparação de afirmações de


duas passagens diferentes. Por um lado, Jesus insiste que a oração de seus seguidores
não deveria ser como os balbucios dos pagãos que pensavam eram escutados, por causa
das suas muitas palavras (Mt 6:7). Por outro lado, Jesus pôde, em uma outra passagem,
contar uma parábola com a lição clara de que seus discípulos deveriam orar com
perseverança e não desistir (Lc 18:1-8). Mesmo assim, se imaginarmos que o conflito
formal entre as duas injunções é mais do que superficial, nós traímos não só nossa
ignorância do estilo de pregação de Jesus, mas também nossa insensibilidade às
exigências pastorais. A primeira injunção é vital contra aqueles que pensam que podem
persuadir com um jeitinho as coisas de Deus através de orações intermináveis. A
segunda injunção é vital contra aqueles cujo compromisso espiritual é tão superficial
que suas orações resmungadas de uma só frase é toda a sua vida de oração.

[Em breve, Deus permitindo, iremos reproduzir nesta seção mais princípios da
interpretação de D.A. Carson.]

Copyright © 1996 Modern Reformation Magazine. Todos os direitos reservados.


Reproduzido com a devida autorização.

O Dr. D. A. Carson ensina Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School e


tem mais de vinte livros do seu próprio punho, entre as quais em português temos:
"Comentário do Evangelho de João" da Shedd Publicações e "Os Perigos da
Interpretação Bíblica" e "Introdução ao Novo Testamento" (co-editado com Douglas
Moo e Leon Morris), ambos da Editora Vida Nova.

29/10/2008

Princípio III
Seja Cuidadoso Ao Ser Absoluto Naquilo Que Foi Dito Ou Ordenado Apenas Uma
Vez

A razão não é que Deus tem que dizer as coisas mais de uma vez para que elas sejam
verdadeiras ou autorizadoras. A razão, pelo contrário, é que se algo só for dito apenas
uma vez, este se torna mais fácil de ser mal-entendido ou mal-aplicado. Quando algo é
repetido em várias ocasiões em contextos ligeiramente diferentes, os leitores desfrutarão
de um domínio melhor do que se quer dizer e do que está em jogo.

É por isto que a famosa passagem do “batismo pelos mortos” (1 Co 15:29) não é
desenvolvida extensivamente e não causou um impacto enorme, digamos, na Confissão
de Heidelberg ou na Confissão de Westminster. Mais de quarenta interpretações da
passagem já foram oferecidas na história da igreja. Os mórmons estão bem certos o que
a passagem significa, claro, mas a razão por que eles têm tanta certeza é porque eles as
lêem dentro do contexto de outros livros que eles alegam que sejam inspirados e
autoritários.

Este princípio também salienta uma das razoes porque a maioria dos cristãos não vêm a
ordem de Cristo para lavar os pés uns dos outros como um terceiro sacramento ou
ordenança. O batismo e a ceia do Senhor são certamente discutidos em mais de uma
única vez, e há ampla evidência de que a igreja primitiva observou ambas as práticas,
mas não se pode dizer as mesmas coisas sobre o lava-pé. Mas há mais para se falar.

[Em breve, Deus permitindo, iremos reproduzir nesta seção mais princípios da
interpretação de D.A. Carson.]

Copyright © 1996 Modern Reformation Magazine. Todos os direitos reservados.


Reproduzido com a devida autorização.

O Dr. D. A. Carson ensina Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School e


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Interpretação Bíblica" e "Introdução ao Novo Testamento" (co-editado com Douglas
Moo e Leon Morris), ambos da Editora Vida Nova.

29/10/2008

DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?


(Continuação)

de D. A. Carson

Princípio IV
Examine Cuidadosamente a Explicação Bíblica Para Qualquer Afirmação ou
Mandamento

O propósito deste conselho não é sugerir que se você não puder discernir a explicação
você deva desdenhar o dado mandamento. É insistir que Deus nem é arbitrário, nem
caprichoso, e na maioria das vezes ele provê razões e estrutura de pensamento por trás
das verdades que ele revela e mandamentos que faz. Tentar desvendar esta explicação
pode ser um auxílio na compreensão da essência daquilo que Deus está dizendo e qual a
expressão cultural apropriada do que ele está dizendo.

Antes de eu dar alguns exemplos, é importante reconhecer que toda a Escritura está
atrelada à cultura. De início, a Escritura foi dada em linguagem humana (Hebraico,
Aramaico e Grego), e línguas são fenômenos culturais. Nem se deve pensar que as
palavras que Deus fala são, digamos, como em Grego genérico. Pelo contrário, aquelas
palavras pertenciam ao Grego do período helenista; não é Grego homérico, ou atiço, ou
moderno. De fato, este Grego muda um tanto de escritor para escritor: Paulo nem
sempre usa as palavras da mesma forma como Mateus as usa. Nada disto deve nos
causar espanto. É parte da glória do nosso grande Deus que ele tenha se acomodado à
fala humana, algo que é atrelado ao tempo e, portanto, mutável. Apesar de alguns
filósofos pós-modernos, estas observações não prejudicam a capacidade de Deus em
comunicar verdades. Isto significa que seres humanos finitos nunca saberão a verdade
exaustivamente, isto exigiria onisciência; mas não há razão por que não possamos
conhecer algumas verdades de verdade. Entretanto, toda verdade como Deus a revela
para nós em palavras vem vestida em formas culturais. Uma interpretação cuidadosa e
temente não significa retirar tais formas para descobrir a verdade absoluta por baixo,
pois isto não é possível. Nós nunca podemos escapar a nossa finitude. Isto significa
compreender aquelas formas culturais, e pela graça de Deus descobrir as verdades que
Deus revelou através delas.

Então, quando Deus ordena as pessoas rasgarem suas vestes e colocarem pano de saco e
cinzas, são estas ações a própria essência do arrependimento de modo que não há
verdadeiro arrependimento sem elas? Quando Paulo nos diz para saudar uns aos outros
com ósculos santos, ele quer dizer que não há saudação cristã verdadeira sem tal beijo?

Quando examinamos a explicação de tais práticas, e perguntamos se cinzas e ósculos


são ou não integradamente relacionados à revelação de Deus, nós conseguimos ver
além. Não existe uma teologia do beijo; existe a teologia do amor mútuo e a comunhão
comprometida entre os membros da igreja. Não existe uma teologia do pano de saco e
cinzas; existe teologia do arrependimento que exige tanto uma tristeza radical, como
uma profunda mudança.

Se este raciocínio estiver correto, ele vai se aplicar tanto sobre a prática do lava-pés e do
uso do véu. Além do fato que o lava-pés aparece apenas uma única vez no Novo
Testamento como algo ordenado pelo Senhor, o ato em si está teologicamente preso, em
João 13, a urgente necessidade de humildade entre o povo de Deus, e à cruz.
Semelhantemente, não existe uma teologia do véu, mas há uma teologia profunda e
recorrente daquilo do qual o véu foi uma expressão do Corinto do primeiro século: a
devida relação entre homens e mulheres, entre maridos e esposas.

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18/08/2009
DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?
(Continuação)

de D. A. Carson

Princípio V
Observe Como A Universalidade Formal Dos Provérbios E Ditos Proverbiais
Raramente São Uma Universalidade Absoluta

Compare estes dois ditos de Jesus: (a) “Quem não é comigo é contra mim; e quem
comigo não ajunta espalha” (Mt 12:30). (b) “... Porque quem não é contra nós é por
nós” (Mc 9:40; cf. Lc 9:50). Como com freqüência tem-se notado, estes ditos não se
contradizem, se o primeiro foi expresso a pessoas indiferentes contra si próprias, e o
segundo aos discípulos sobre outros, cujo zelo ultrapassa seus conhecimentos. Mas as
duas afirmações são com certeza difíceis de conciliar, se cada um forem tomados
absolutamente, sem pensar em tais questões.

Ou considere dois provérbios adjacentes em Provérbios 26: (a) “Não respondas ao tolo
segundo a sua estultícia...” (26:4). (b) “Responde ao tolo segundo a sua estultícia…”
(26:5). Se estes dois versículos são estatutos ou exemplos de leis casuísticas, há uma
inevitável contradição. Por outro lado, a segunda linha de cada provérbio dá explicação
suficiente de modo que enxergamos o que deveríamos ter visto: provérbios não são
estatutos. Eles são sabedoria destiladas, freqüentemente escritas de forma pungente e
aforística, que exige reflexão, ou que descreve efeitos na sociedade como um todo (mas
não necessariamente em cada individuo), ou que exigem consideração de exatamente
como e quando tal sabedoria é aplicada.

Escrevamos por inteiro estes dois provérbios de novo, mas desta vez com a segunda
linha inclusa em cada caso: (a) “Não respondas ao tolo segundo a sua estultícia, para
que também te não faças semelhante a ele”. (b) “Responde ao tolo segundo a sua
estultícia, para que não seja sábio aos seus olhos”. Os versículos lado a lado como estão,
estes dois provérbios exigirão reflexão sobre quando é a vez da prudência para refrear-
se de responder aos tolos, a menos que sejamos arrastados para o nível deles, e quando é
a vez da sabedoria oferecer réplica afiada, “tola” que tem o efeito alfinetar as pretensões
do tolo. O texto não esmiúça isto explicitamente, mas se as explicações destes dois
casos forem lembrados, nós teremos um princípio sólido de discriminação.

Então, quando uma bem conhecida organização eclesiástica ficar repetindo “Ensina a
criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará
dele”, como se fosse uma lei casuística, o que devemos pensar? Esta afirmação
proverbial não deve ser roubada de sua força: um incentivo poderoso a uma educação
infantil responsável, temente a Deus. Contudo, este versículo é um provérbio, e não uma
promessa de uma aliança. Nem tão pouco o versículo especifica a que ponto a criança
vai entrar na linha. É claro, muitas crianças, que cresceram em lares cristãos se desviam,
porque os seus pais foram realmente tolos, ou não-bíblicos, ou completamente
pecaminosos. Mas, muitos de nós já testemunhamos os fardos de culpa desnecessária e
vergonha que pais realmente piedosos carregaram, quando seus filhos adultos, digamos
já aos 40, e claramente não se converteram. Aplicar o provérbio de tal forma como se
fosse para causar ou reforçar tal culpa não é somente pastoralmente incompetência, é
hermeneuticamente incompetência. É fazer as Escrituras dizerem algo um pouco
diferente do que seguramente pode ser inferido. Aforismos e provérbios dão percepção
de como uma cultura sob Deus funciona, como relacionamentos funcionam, quais
devem ser as prioridades. Eles não dão todas as exceções individuais em notas de
rodapé e sob quais circunstâncias devem ser aplicados, e assim por diante.

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24/09/2009

DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?


(Continuação)

de D. A. Carson

Princípio VI
A Aplicação de Alguns Temas e Assuntos Devem Ser Tratados Com Cuidado
Especial, Não Apenas Por Causa Da Sua Intrínseca Complexidade, Mas Também
Por Causa de Mudanças Essenciais Nas Estruturas Sociais Entre Os Tempos
Bíblicos e Nossa Própria Era.

“Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que
não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo
que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem
trarão sobre si mesmos condenação” (Rm 13:1-2). Alguns cristãos têm racionado a
partir desta passagem que sempre devemos nos submeter às autoridades governantes,
exceto em casos de consciência diante de Deus (At 4:19). Mesmo assim, nos
“submetemos” às autoridades por pacientemente suportarmos as sanções que elas
impõem sobre nós neste mundo decaído. Outros cristãos têm raciocinado a partir
passagem que já que Paulo continua e diz que o propósito dos governantes é manter a
justiça (Rm 13:3-4), então, se os governantes não estão mantendo a justiça, chegou a
hora de quando as pessoas justas devem opor-se a elas, e até mesmo se necessário,
destituí-las. Estas questões são extremamente complexas, e foram analisadas com um
grau de detalhe pelos reformadores.
Mas há, claro, um novo detalhe acrescido à complexidade do debate, é quando a pessoa
sai de um regime totalitário, ou de uma oligarquia, ou de uma visão de governo atrelada
a uma monarquia herdada, para alguma forma de democracia. Isto não para elevar a
democracia a uma altura que ela não deva ocupar. Diga-se, ao contrário, que em teoria
pelo menos uma democracia lhe permite “destituir” um governo sem a violência ou
matança. E se as causas da justiça não puderem atingir tal alvo, é porque o país como
um todo caiu num miasma em que falta a vontade, a coragem, e visão para quem está ao
poder fazer, mas escolhe não fazê-lo, por qualquer que sejam as razões. Quais,
precisamente, são as responsabilidades do cristão neste caso, qualquer que seja o ponto
de vista do significado de Rm 13 em seu próprio contexto?

Em outras palavras, novas estruturas sociais além de qualquer coisa que Paulo pudesse
ter imaginado, embora não se possa voltar atrás do que ele falou, pode nos forçar a ver
quais são as aplicações válidas, bem ponderadas, que exige que nós incluamos algumas
considerações que ele não podia ter previsto. É um grande conforto, e
epistemologicamente importante, lembrar que Deus já previu tais situações. Mas isto em
si não reduz as responsabilidades hermenêuticas que temos.

Veja também "Examine Cuidadosamente a Explicação Bíblica


Para Qualquer Afirmação ou Mandamento"

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Interpretação Bíblica" e "Introdução ao Novo Testamento" (co-editado com Douglas
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19/11/2009

DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?


(Continuação)

de D. A. Carson

Princípio VII
Determine Não Somente Como Os Símbolos, Costumes, Metáforas E Moldes
Funcionam Nas Escrituras, Mas Também A Que Mais Eles Estão Atrelados.

Concordamos com as conclusões já alcançadas sobre pano de saco e cinzas, e sobre


ósculo santo. Mas é, então, aceitável levar um grupo de jovens em uma igreja na
Califórnia a celebrar a ceia do Senhor usando coca-cola e salgadinho? E quanto a batata
e leite de cabra na Nova Papua Guiné? Se no último caso nós usamos pão e vinho, não
estamos sutilmente insistindo que apenas a comida de estrangeiros brancos é aceitável a
Deus?

O problema não diz respeito apenas às condições de membros da igreja, mas também de
teoria lingüística. Tradutores da Bíblia continuamente enfrentam tais situações. Como
deveremos traduzir “pão” e “vinho” nas palavras da realização (da ceia)? Ou considere
um texto como Is 1:18: “ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se
tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se
tornarão como a lã”. Suponha que o grupo alvo para ao qual você está traduzindo a
Bíblia viva na região chuvosa equatorial e nunca viram a neve: seria melhor mudar a
símile? Suponha que a única “lã” que eles já viram é aquele tecido sujo acinzentado
extraído de cabras? Não seria possível que uma tradução “fiel” talvez fosse enganosa,
enquanto que mesmo assim estivesse sendo uma tradução culturalmente sensível que é,
contudo, mais distante do original no processo em comunicar o ponto que Deus estava
falando de Isaías?

Tem muito que pode ser dito a favor deste tipo de flexibilidade. Certamente no caso da
“neve”, não é muito que está em jogo. Talvez você queira verificar as outras sete
ocorrências bíblicas de “alvo como a neve”, a fim de certificar-se de que você não está
inadvertidamente entrando em um conflito estranho ou algo assim. Mas no caso do pão
e vinho na Ceia do Senhor, a situação é mais complicada. Isto é porque os elementos da
ceia estão ligados com outras ramificações da Bíblia, e é quase impossível os separar
delas. Fazer a mudança de “pão”, digamos, em “batata”, a fim de evitar qualquer
imperialismo cultural; o que faremos então com as conexões entre a Ceia do Senhor e a
Páscoa, onde apenas “pão ázimo” deveria ser comido: podemos então falar de “batata
ázima”?! E quanto a conexão entre o pão e o maná, e depois a conexão feita mais tarde
entre pão/maná e Jesus (João 6)? Jesus agora se torna então em a batata de Deus (digo
isto com reverência)? E eu ainda nem comecei a esgotar as complicações conectadas
com este texto.

Então, o que começou como um esforço de caridade em uma comunicação intercultural


está levando em direção a problemas maiores interpretativos um pouco mais além.
Além do mais, as traduções da Bíblia têm uma vida na estante muito mais longa do que
os tradutores do original geralmente pensam. Cinqüenta anos mais tarde, uma vez que a
tribo se tornou um pouco mais familiarizada com culturas além de suas florestas, e
parece melhor, em uma revisão, retornar a um grau maior de literalismo, depois, tente-
se mudar “batata” em “pão” e veja que tipo de briga eclesiástica irá estourar.

Todos estes tipos de problemas estão atrelados ao fato de que Deus não nos deu uma
revelação culturalmente neutra. O que ele revelou em palavras está necessariamente
ligado a lugares e culturas. Todas as outras culturas terão que fazer algum tipo de
trabalho em entender o que Deus quis dizer quando ele falou certas coisas em uma certa
língua, em uma época especifica e num lugar e num idioma em mutação. No caso de
certas expressões, um idioma análogo poderá ser o melhor meio de traduzir alguma
expressão. Em outras expressões, especialmente aquelas que estejam profundamente
ligadas a outros elementos na cronologia da Bíblia, seria melhor traduzir as palavras
mais literalmente, e então talvez, incluir uma nota de roda-pé. Neste caso, por exemplo,
seria mais sábio dizer que “pão” era o alimento básico das pessoas naquela época, assim
como é a batata para nós. Uma ligeira nota de roda-pé teria que ser incluída quando
fermento ou levedura fossem introduzidos.
Não há quase nada que possa ser dito em favor dos jovens da Califórnia que usaram
salgadinhos e coca-cola como os elementos da Ceia. (Temo que este não seja um
exemplo fictício). Ao contrário das pessoas da floresta amazônica, eles nem sequer têm
ao seu favor que eles já tenham ouvido falar de pão. Nem pode se dizer que salgadinhos
e coca-cola seja parte da dieta básica deles, embora talvez alguns estejam indo nesta
direção. O que isto representa é o capricho daquilo que é novidade, o amor do
iconoclástico, a espiritualidade do belo, sem nenhuma conexão nem com a Ceia do
Senhor, ou com dois mil anos de história da igreja.

Veja também "Examine Cuidadosamente a Explicação Bíblica


Para Qualquer Afirmação ou Mandamento"

Copyright © 1996 Modern Reformation Magazine. Todos os direitos reservados.


Reproduzido com a devida autorização.

O Dr. D. A. Carson ensina Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School e


tem mais de vinte livros do seu próprio punho, entre as quais em português temos:
"Comentário do Evangelho de João" da Shedd Publicações e "Os Perigos da
Interpretação Bíblica" e "Introdução ao Novo Testamento" (co-editado com Douglas
Moo e Leon Morris), ambos da Editora Vida Nova.

26/11/2009

DEVO APRENDER A COMO INTERPRETAR A BÍBLIA?


(Continuação)

de D. A. Carson

Princípio VIII
Tome cuidado com comparações e analogias, considerando sempre o contexto
imediato e remoto.

“Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente.” (Heb 13:8). Uma vez que ele
nunca recusou curar ninguém que se lhe aproximava durante os seus dias na carne, e
uma vez que ele é o mesmo ontem e hoje e eternamente, portanto, ele curará a todos que
se lhe aproximam para serem curados hoje. Já me apresentaram este argumento mais de
uma vez. Mas com a mesma moeda, claro, Heb 13:8 poderia ser usado para provar que
uma vez que ele foi mortal diante de uma cruz, ele ainda deve ser mortal hoje; ou uma
vez que ele foi crucificado pelos romanos, e ele é o mesmo ontem e hoje e eternamente,
ele ainda está sendo crucificado pelos romanos hoje.

A verdade da questão é que comparações e analogias são sempre autolimitadas em um


aspecto ou outro. Do contrário, você não estaria lidando com comparações e analogias,
mas com duas ou mais coisas que são idênticas. O que torna uma comparação ou
analogia possível é que duas coisas diferentes são semelhantes em certos aspectos. É
sempre crucial descobrir os planos nos quais os paralelos operaram; algo que é
freqüentemente esclarecido pelo contexto, e assim recusar generalizações a mais.

Um discípulo é para ser como seu mestre; nós devemos imitar Paulo, assim como Paulo
imita Cristo. Em que aspectos? Devemos andar sobre as águas? Devemos limpar o local
do templo com um chicote? Devemos infalivelmente curar aqueles que estão enfermos e
aqueles que nos pedirem ajuda? Devemos miraculosamente prover comida para
milhares de pessoas, tiradas de um lanche de um garotinho? Devemos ser crucificados?
Tais questões não podem ser respondidas com um simples “sim” ou “não”. É digno de
observação que a maioria das injunções nos evangelhos para seguir Jesus ou fazer o que
ele faz estão ligadas a sua auto-abnegação, por exemplo: assim como ele foi odiado,
assim nós devemos esperar sermos odiados (João 15:18); assim como ele tomou o lugar
de um servo e lavou os pés dos discípulos, assim devemos lavar os pés uns dos outros
(João 13); assim como ele foi à cruz, assim devemos tomar nossas cruzes e segui-lo
(Mat 10:38; 16:24; Luc 14:27). Deste modo a resposta a pergunta: “Devemos ser
crucificados?” é certamente um “sim” e “não”. Não, não literalmente, a maioria de nós
terá que dizer, e ainda tal resposta não autoriza uma completa fuga da exigência de
tomar nossa cruz e segui-lo. Então, neste caso a resposta é “sim”, mas não literalmente.

Veja também "Determine Como Símbolos, Costumes e


Metáforas funcionam nas Escrituras e na Cultura Atual"

Copyright © 1996 Modern Reformation Magazine. Todos os direitos reservados.


Reproduzido com a devida autorização.

O Dr. D. A. Carson ensina Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School e


tem mais de vinte livros do seu próprio punho, entre as quais em português temos:
"Comentário do Evangelho de João" da Shedd Publicações e "Os Perigos da
Interpretação Bíblica" e "Introdução ao Novo Testamento" (co-editado com Douglas
Moo e Leon Morris), ambos da Editora Vida Nova.

25/05/2010

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