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Rev. IG.

São Paulo, Volume Especial 1995

ELABORAÇÃO DE CARTAS DE ZONEAMENTO GEOTÉCNICO: EXEMPLO DA


FOLHA DE PIRACICABA, SÃO PAULO - ESCALA: 1.100.000

Osni José PEJON


Lázaro Valentin ZUQUEITE

RESUMO

Este artigo mostra a importância da elaboração de cartas de zoneamento geotécnico


geral em mapeamentos geotécnicos regionais. Apresenta-se neste trabalho a metodologia uti-
lizada na elaboração da carta de zoneamento geotécnico geral da folha de Piracicaba na esca-
la I: 100.000. Verifica-se a importância da utilização de atributos naturais para definição das
unidades, devido ao inter-relacionamento que apresentam com os demais atributos.

ABSTRACT

This work presents the general engineering geological zoning map of the Piracicaba
region at the I: 100.000 scale and the rules adopted for the elaboration of this graphic docu-
ment in regional engineering geological mapping. Other aspects are discussed, such as the
importance of the general engineering geological zoning map in the elaboration of other
most specific maps and the fundamental attributes.

1 INTRODUÇÃO geotécnica de Clermont-Ferrand, na escala


1:50.000, que constitui um exemplo típico de
O processo de zoneamento geotécnico se aplicação das cartas de zoneamento geotécnico
adapta perfeitamente aos mapeamentos em ao planejamento regional.
escalas pequenas, destinados ao planejamento, Pelo exposto, fica evidente a importância
por abordar os componentes em associações de das cartas de zoneamento geotécnico geral e
atributos que refletem as condições naturais do específico, sua aplicabilidade às mais diversas
meio físico. situações de meio físico, podendo ser utilizadas
O zoneamento geotécnico vem sendo utili- desde escalas muito reduzidas, a nível de país,
zado até em escalas muito pequenas, a nível até escalas da ordem de 1:50.000, em planeja-
mundial (ERSHOVA & SERGEEV, 1979). mento regional.
Estes autores apresentaram os princípios do Portanto, apresenta-se neste trabalho a
zoneamento geotécnico tipológico da Terra, na metodologia utilizada para a elaboração da
escala 1:15.000.000. Alguns trabalhos foram carta de zoneamento geotécnico geral da Folha
realizados abrangendo todo um país, como o de de Piracicaba, Estado de São Paulo, na escala
RADBRUCH-HALL et alo (1979), que realiza- 1: 100.000, baseada em atributos naturais do
ram o mapa geotécnico dos Estados Unidos na meio físico.
escala 1:7.500.000. 2 LOCALIZAÇÃO DA ÁREA ESTUDADA
Os zoneamentos geotécnicos são também
muito utilizados para subsidiar o planejamento A área estudada localiza-se na região cen-
regional em escalas 1: 100.000 ou 1:50.000. tro-leste do Estado de São Paulo, entre os para-
DEARMAN et alo (1979) apresentam um lelos 22° 30' e 23° 30' S e os meridianos 47°
zoneamento geotécnico da região de Tyne a 30' e 48° 00', correspondendo a uma área de
Wear, na Inglaterra, obtido por sobreposição aproximadamente 2.900 km2 •
simples das informações de espessura dos 3 MÉTODOS DE OBTENÇÃO DAS
depósitos superficiais, presença de material CARTASDEZONEAMENTO
rochoso e profundidade do topo rochoso . Os
mapas geotécnicos foram produzidos na escala As cartas de zoneamento geotécnico nor-
1:50.000 e a carta de zoneamento, na escala malmente são obtidas por simples sobreposição
1:200.000. HUMBERT, 1973 elaborou a carta ou por meio de uma hierarquização de fatores.
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a) Método da sobreposição novas unidades são representadas pelo somató-


Por este método, os documentos gráficos rio das informações contidas nas unidades ori-
básicos (mapas e cartas), que representam os ginais com igual peso. As cartas de zoneamento
atributos dos componentes do meio físico, são geotécnico com finalidades específicas, por
sobrepostos, de maneira a estabelecer as novas exemplo, carta de risco à erosão, também
unidades (COELHO, 1980). podem ser produzidas por sobreposição de
A sobreposição pode resultar em cartas de informações e mapas, mas, normalmente, são
zoneamento, onde as unidades são totalmente feitas a interpretação e fusão dos dados existen-
redefinidas e os atributos das novas unidades tes, originando novas unidades com limites e
passam a ser o resultado da fusão e interpreta- atributos redefinidos. Neste caso os diferentes
ção das informações existentes, consistindo em atributos, provenientes de cada mapa básico ,
um processo de generalização tipológica em geral têm pesos diferentes, que são função
(V ARNES, 1974). de sua importância na caracterização da nova
A maior parte das cartas de zoneamento unidade , relacionada à finalidade da carta.
geotécnico geral corresponde a cartas de sobre- Assim, em uma carta deste tipo não constam da
posição simples (COELHO, 1980), onde as legenda de cada unidade os atributos que lhe

G~NESE
[ RESIDUAL RETRABALHADO

~
/S S\ S~S~
TEXTURA [ SILTO ARGILO ARENOSO ARENOSO
ARG:~~;;OS) « 20 • de finos)

ESPES- l J5 m ~ 3,0 m 3,0 a 5,0 m > 5,0 m

~~--­
SURA

r \ "':~:~~-~
N ________
DECLIVI-
DADE [ A 1 A2 81 82 Cl C2 C3 C4

;j\N\~~
FORMAÇÕES [IT 1 IT 2 IT 3 TAT. IRA. COR. BOT. PIR. SB. ITQ. NO
GEoLóGICAS

FIGURA I - Exemplo de definição das unidades da área mapeada utilizando-se o método da árvore lógica.

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deram origem, mas sim a interpretação que, no senta-se um exemplo de definição das unidades
exemplo citado, corresponderia a indicar as de zoneamento.
áreas mais ou menos susceptíveis à erosão. O método da árvore lógica prevê a análise
Uma grande vantagem do método da sobre- de todas as situações de combinação teorica-
posição simples é também permitir com facilida- mente possíveis. Algumas destas combinações
de o uso de métodos computacionais na elabora- devem ser excluídas por não serem possíveis;
ção das cartas de zoneamento geotécnico. por exemplo, materiais arenosos residuais de
b) Método baseado em uma hierarquia de argilitos, ou ao contrário, materiais residuais
fatores e atributos argilosos de arenitos. Desta forma, as combina-
As unidades de zoneamento são definidas ções logicamente possíveis recebem um "sim"
em função de uma hierarquia de atributos rela- e as não-possíveis um "não" e a análise inter-
cionados à escala e às características do meio rompe-se neste ponto.
físico, constituindo assim unidades taxonôrnicas. As combinações logicamente possíveis
Essa maneira de elaboração das cartas de zonea- devem ser comparadas com a realidade da área
mento é adotada pela proposta IAEG-UNESCO mapeada para verificação de sua ocorrência ou
(1976), onde é definida uma seqüência de atribu- não. Caso ocorram, recebem um "sim"; caso
tos a serem analisados em cada nível. contrário, um "não" e o processo de análise
pára neste ponto.
4 ELABORAÇÃO DA No exemplo da figura 1 inicia-se com o
CART A DE ZONEAMENTO atributo gênese, com o material classificado
GEOTÉCNICO GERAL DA FOLHA como residual. O atributo seguinte é a textura,
DE PIRACICABA que apresenta quatro opções, as quais são viá-
veis e ocorrem na área mapeada; portanto,
A carta foi elaborada por meio da sobrepo-
todas recebem um "sim". Logo , o processo
sição de informações dos mapas do substrato
deve continuar a partir das quatro opções. Para
rochoso, dos materiais inconsolidados e da efeito de exemplo, analisa-se a partir da textura
carta de declividade generalizada (PEJON, silto-argilosa, que poderia teoricamente ocorrer
1992). A sobreposição destes documentos grá- em quatro diferentes espessuras, das quais
ficos permitiu a definição de zonas caracteriza- somente duas estão presentes na área e as
das por: textura, espessura e gênese dos mate- outras duas não. No caso das duas outras
riais inconsolidados, declividade e tipo de subs- opções o processo de análise pára, pois não se
trato rochoso. A importância destes atributos observou na área nenhuma zona com material
foi estudada em matrizes do tipo atributo x atri- residual, textura silto-argilosa e espessura
buto, onde se verificou que apresentavam rela- maior que 5,0 metros.
ção com mais de 50% dos demais atributos do Entre as duas opções que receberam um
meio físico. Portanto, pressupõe-se que uma "sim", utiliza-se a classe de espessura inferior a
carta de zoneamento geotécnico geral, obtida 0,5 metro para continuar a análise com o atribu-
pela sobreposição simples desses atributos, per- to declividade. Das oito classes de declividade
mite o estabelecimento de unidades (zonas) existentes (classe AI - < 5% em mais que 85%
com características bastante uniformes em ter- de sua área; classe A2 - < 5% em 70 a 85% de
mos de uma série de propriedades geotécnicas. sua área; classe B1 - 5 a 10% em mais que 85%
4.1 Definição das unidades de zoneamento de sua área; classe C1 - > 10%, com valores
superiores a 20% em menos que 25% da área;
A combinação dos cinco atributos anterior- classe C2 - >10% com valores superiores a
mente citados possibilita o estabelecimento de 20%, em 25 a 50% de sua área; classe C3 -
um número muito elevado de unidades. Quanto > 10%, com declividades superiores a 20% em
à gênese, os materiais foram classificados em 50 a 75 % de sua área e classe C4 - >10%, com
duas classes, quanto à textura e espessura, em valores superiores a 20% em mais que 75% da
quatro classes. O número de formações geoló- área), em cinco delas ocorrem materiais com
gicas que pode ter originado os materiais incon- menos que 0,5 metro de espessura e em três
solidados é igual a dez, havendo mais uma não. A partir destas cinco, analisa-se a classe
opção para o caso da não-identificação da for- A2, que apresenta onze opções quanto às for-
mação à qual estaria associado o material. O mações geológicas que poderiam ter originado
número de classes de declividade é igual a oito, este material inconsolidado . Da análise da
resultando, portanto, na possibilidade de esta- região verifica-se que somente duas se confir-
belecimento de 2.816 unidades diferentes. mam, que são os magmatitos básicos perten-
Desta forma, optou-se pelo uso do método centes à Formação Serra Geral ou Suítes
da árvore lógica para a definição das unidades Básicas e as litologias da Formação Irati.
que realmente podem existir. Na Fig. 1 apre- Portanto, no caso do exemplo, foram obti-
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47'45' 47'30'
22' 30'~:""':-:::--=--:-",---r----~-r------------o;~r--------"-l-122' 30'

1/2-2-2-4-2

2-~-"-5-5
B
LEGENDA
3 2 4 5

-----=-
üf:NESE
DOS MATERIAIS
INCONSOLIDADOS
----- TEXTURA
DOS MATERIAIS
INCONSOLIDADOS
ESPESSURA
DOS MATERIAIS
INCONSOLIDADOS
~----
DECLIVIDADE

'*
GENERALIZADA
TIPO DE SUBSTRATO
ROCHOSO ASSOCIADO

1 - RESIDUAL 1 - ARENOSO I 1-(O,5M l-AI


l -ASSOCIAÇÃO LITOLÓGICA I - SUBGRUPO IT ARARt
2 - RETRABALHADO 2 - ARENOSO n 2 - 0.5",3,01"l2_A2 2 - ASSOCIAÇÃ[] UTOL6GICA II - SUBGRUPO ITARAR{
3 - SIL TO-ARGILOSO 3 -3.0 A 5.0", 3-Bl 3 - ASSDCIAÇAQ lITOLÓGlCA UI -SUBGRUPO IT ARARÉ
.. - ARGILOSO .. - > 5,0 1"1 .. - B2 .. - FORMAÇÃO TATU!
5 - Cl 5 - F'DRMAÇÃO IRATJ
6 - C2 6 - f"ORMAÇÁO CORUMBATAf ESCALA
112-4/2-3-4-2
7 - C3 7 - F"ORMAÇ~O PIRAMB6IA 1000 1000 2000 3000
~ND1CA
1"1
\ DOIS TIPOS DE TEXTURA NA MESMA UNIDADE
B - C4 a - rORMAçÃO BOTUCATU
MATERIAIS RESIDUAIS E RETRABAlHADOS NA MESMA UNIDADE
9 - FORMAÇÃO SERRA GERAL E INTRUSIVAS BASICAS
Al - ALUVIÕES ARENDSOS VER TEXTO * 10 - fORMAÇÃO lTAQUERI
HI - MATERIAIS HIDROMÓRFICOS 11 - NÃO DETERMINADO

FIGURA 2 - Carta de zoneamento geotécnico geral da Folha de Piracicaba

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das duas unidades de zoneamento, que apresen- número elevado de informações em uma única
tam como única diferença as litologias que lhes carta.
deram origem. Este procedimento foi repetido
para cada classe dos atributos, resultando em 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
107 unidades diferentes, que estão representa-
das na carta de zoneamento geotécnico geral. A Esta carta destina-se aos técnicos familiari-
figura 2 apresenta uma porção da área mapea- zados com a área de geotecnia e a interpretação
da, correspondendo a uma área de aproximada- das unidades deve ser feita com objetivos defi-
mente 730 km 2 (Folha de Piracicaba - escala nidos, ou seja, para a elaboração de uma carta
1:50.000). de zoneamento específico ou para a análise de
As unidades obtidas diferem umas das um determinado tipo de ocupação do terreno.
outras pela variação de um ou até todos os atri- Assim, o zoneamento visando a uma utilização
butos, motivo pelo qual se optou pelo uso de específica pode alterar a divisão atual. Por
uma legenda numérica para identificar cada exemplo, duas zonas distintas poderão ter igual
unidade, onde se registra a variação referente a comportamento quanto ao escoamento superfi-
cada atributo que lhe deu origem. Este tipo de cial de água e diferente quanto a fundações.
legenda elimina a necessidade da utilização de Isto se deve ao fato de o mesmo atributo poder
contatos diferenciados, pois permite que se apresentar maior ou menor importância, frente
identifique com facilidade qual o atributo e/ou a diferentes tipos de uso do terreno.
nível que está variando de uma unidade a outra. Como a carta de zoneamento geotécnico
Mais uma vantagem deste tipo de legenda é geral reúne um grupo de atributos de grande
permitir ao usuário que tenha um número maior importância na caracterização natural do meio
de informações disponíveis sobre as caracterís- físico, quase sempre poderá ser utilizada como
ticas de cada unidade, uma vez que se trata de base para a maioria das cartas de zoneamento
um zoneamento geral, sem finalidades específi- geotécnico específico. A obtenção destas cartas
cas. depende da avaliação dos pesos dos atributos
O zoneamento geotécnico geral tem grande considerados, ou da análise de novos atributos
importâ ncia em mapeamentos geotécnicos diretamente relacionados à finalidade conside-
regionai s , pois permite a associação de um rada.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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E"de reço dos autores:


Osni José Pejon e Lázaro Valentin Zuquette - Departamento de Geologia, Física e Matemática - FFCLRP - USP - Av. Bandeirantes, 3.900
- 14040-901 - Ribeirão Preto - SP - Brasil.

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