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Francfort, Elmo
TV Tupi do tamanho do Brasil / Elmo Francfort,
Maurício Viel. -- 1. ed. -- São Paulo :
Ed. dos Autores, 2022.
ISBN 978-65-00-46471-9
22-113522 CDD-791.450981
Índices para catálogo sistemático:
Elmo Francfort
Maurício Viel
Dedicamos esta obra a todos que construíram a
história da televisão, principalmente aos pioneiros
da TV Tupi, que bravamente deram início a uma
era. Em especial, rendemos nossas homenagens
in memoriam a quatro profissionais que também
são protagonistas desta história: o empresário
Assis Chateaubriand, que abriu as portas do Brasil
à TV; a atriz Vida Alves, que levantou a bandeira
da preservação da memória do meio televisivo; o
ex-presidente da ABERT, José de Almeida Castro;
e o ator e diretor Mauro Gianfrancesco, grande
pesquisador e incentivador desta obra. Nossos
sinceros agradecimentos por terem aberto os
caminhos para que, orgulhosamente, pudéssemos
aqui contar as primeiras histórias da televisão
brasileira.
PARTE 1
A IMPLANTAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA TELEVISÃO.................................... 26
PREFÁCIO
CRISTINA PADIGLIONE.................................................................................................27
CAPÍTULO 1
RCA, A PROPULSORA DA TELEVISÃO COMERCIAL.................................................. 29
As Primeiras Estações de Rádio do Mundo............................................................... 31
Desenvolvendo o Sistema RCA de Televisão............................................................ 35
Conclusão das Pesquisas na RCA - Demonstração de TV Para um Brasileiro......... 37
As Primeiras Estações de TV do Mundo.................................................................... 39
A Feira Mundial de Nova York.................................................................................... 41
A Televisão e a Guerra............................................................................................... 44
David Sarnoff.............................................................................................................. 46
Philo Farnsworth, o Inventor da TV Eletrônica........................................................... 49
RCA versus Farnsworth - A Disputa Pela Paternidade da TV Eletrônica................... 50
PARTE 2
CHATEAUBRIAND ENTRA PARA A HISTÓRIA DA TV.................................................. 79
CAPÍTULO 3
CHATEAUBRIAND SE ENCANTA COM A TELEVISÃO................................................. 80
As Empresas Paulistas dos Diários Associados........................................................ 83
Conhecendo a América.............................................................................................. 85
Chatô Visita David Sarnoff na RCA............................................................................ 86
Concretizando a Compra dos Equipamentos............................................................. 89
Estagiando em uma Estação de TV........................................................................... 91
CAPÍTULO 4
CIDADE DO RÁDIO - ERGUE-SE O “BERÇO” DA TV TUPI.......................................... 93
O Complexo Radiofônico do Sumaré......................................................................... 95
Sistema Irradiante...................................................................................................... 95
Força do Vento........................................................................................................... 96
A Vizinhança do Sumaré............................................................................................ 97
As Ondas Curtas da Rádio Difusora - Pioneiras no Brasil......................................... 97
1942 - Inaugura-se a Cidade do Rádio...................................................................... 98
A Incorporação da Difusora pelas Emissoras Associadas......................................... 102
Obras de Cândido Portinari Decoram o Auditório do Sumaré.................................... 104
A Padaria Real........................................................................................................... 106
CAPÍTULO 5
AS PRIMEIRAS CONCESSÕES DE TELEVISÃO NO BRASIL..................................... 107
TV Tupi - Pedidos de Concessão para o Rio de Janeiro e São Paulo....................... 107
Canal 3....................................................................................................................... 109
Divulgando a Chegada da Televisão “Associada”...................................................... 110
César Ladeira e a Rádio Televisão do Brasil S/A....................................................... 113
TV Tupi do Rio de Janeiro.......................................................................................... 119
CAPÍTULO 6
ESTÚDIOS CINEMATOGRÁFICOS TUPI - A SÉTIMA ARTE ANTES DA TV.................. 120
“Quase no Céu”.......................................................................................................... 122
Outras Produções...................................................................................................... 124
The End...................................................................................................................... 125
CAPÍTULO 7
TV TUPI DO RIO DE JANEIRO - PARTE 1 - MONTAGEM E ATRASOS....................... 127
Desafio no Alto do Pão de Açúcar.............................................................................. 129
Central Técnica e Diretoria......................................................................................... 130
Testes de Câmera...................................................................................................... 131
CAPÍTULO 8
A CONSTRUÇÃO DOS ESTÚDIOS DO CANAL 3......................................................... 135
A Extinção do Campo de Peteca................................................................................ 136
Transmissor e Antena................................................................................................. 137
As Obras.................................................................................................................... 138
CAPÍTULO 9
A CHEGADA DOS EQUIPAMENTOS A SÃO PAULO..................................................... 142
Rumo ao Brasil........................................................................................................... 143
A Unidade Móvel........................................................................................................ 144
Recepcionando os Equipamentos em Santos........................................................... 145
Subindo a Serra......................................................................................................... 147
CAPÍTULO 10
ORGANIZANDO A PRF3-TV...........................................................................................149
CAPÍTULO 11
A MONTAGEM DO TRANSMISSOR E DA ANTENA...................................................... 154
Edifício Altino Arantes................................................................................................. 154
Foi Mais Fácil Elevar a Torre de Televisão do Pão de Açúcar.................................... 160
Uma Sala Muito Especial........................................................................................... 164
CAPÍTULO 12
PRÉ-ESTREIA DA TV TUPI - EXPERIÊNCIAS COM FREI JOSÉ MOJICA................... 165
Edifício Guilherme Guinle........................................................................................... 165
Chatô Toma uma Decisão Inesperada....................................................................... 167
Frei Mojica se Apresenta em São Paulo no Ano Santo.............................................. 167
“O Maior Acontecimento do Broadcasting Bandeirante”............................................ 169
Inaugurando o Edifício Guilherme Guinle e a Ampliação do Museu de Arte.............. 172
Frei José Mojica - Outras Apresentações.................................................................. 175
CAPÍTULO 13
OS PRIMEIROS RECEPTORES DE TV......................................................................... 177
Walter Obermüller...................................................................................................... 177
“Bote no Ar!”............................................................................................................... 178
Presidente Dutra........................................................................................................ 178
Reunião Artística........................................................................................................ 179
Uma Versão Verossímil dos Fatos............................................................................. 179
O Contrabando Como Única Solução........................................................................ 180
As Primeiras Importações.......................................................................................... 182
O Primeiro Carregamento da RCA............................................................................. 183
Vendendo Televisores................................................................................................ 185
Preço Alto................................................................................................................... 186
CAPÍTULO 14
DEMONSTRAÇÕES DE TELEVISÃO DA GE EM SÃO PAULO................................... 187
A Montagem dos Equipamentos................................................................................ 189
“Vídeo Educativo”....................................................................................................... 189
O Primeiro Programa de TV Produzido em São Paulo.............................................. 190
Televisão na Prática................................................................................................... 191
As Cirurgias do Vídeo Médico.................................................................................... 192
Tecnologia em Altíssima Frequência.......................................................................... 193
Senhoras Amáveis, Cavalheiros Circunspectos, Meninos Endiabrados.................... 194
CAPÍTULO 15
LIGANDO O TRANSMISSOR - A FASE EXPERIMENTAL DA PRF3-TV.............................195
“Uma Televisão que Vai Serra Abaixo e Serra Acima”............................................... 197
Vitrines e Prateleiras: Receptores de TV Espalhados pela Cidade........................... 199
Programas na Tela..................................................................................................... 199
Mudando a Rotina da Cidade..................................................................................... 205
Agendamento para Inauguração da Televisão........................................................... 206
CAPÍTULO 16
VAMOS ENTRAR NO AR!...............................................................................................207
Artistas e Convidados................................................................................................ 207
A Alvorada da TV Brasileira........................................................................................ 208
Mensagens................................................................................................................. 213
Intervalo...................................................................................................................... 215
CAPÍTULO 17
FALHA TÉCNICA.............................................................................................................216
“Esqueçam Tudo o que Ensaiamos”.......................................................................... 217
CAPÍTULO 18
TV NA TABA - O SHOW INAUGURAL............................................................................ 221
Introduzindo o Encanto da TV.................................................................................... 223
CAPÍTULO 19
COMEMORANDO...........................................................................................................230
CAPÍTULO 20
REFLEXÕES SOBRE A INAUGURAÇÃO DA TV........................................................... 233
CAPÍTULO 21
OS PRIMEIROS DIAS DE PROGRAMAÇÃO REGULAR............................................... 235
“Audições Normais” A Partir de Hoje.......................................................................... 236
O Início da Programação Inédita................................................................................ 237
Filmes e Desenhos Animados.................................................................................... 240
Setembro de 1950...................................................................................................... 241
Outubro de 1950........................................................................................................ 243
As Primeiras Grades de Programação Divulgadas.................................................... 246
Perfeição Técnica no Sumaré.................................................................................... 249
CAPÍTULO 22
A HORA DOS INTERPROGRAMAS............................................................................... 253
O Problema Entre os Programas............................................................................... 253
O Gray-Telop.............................................................................................................. 254
Enfim, o Gray-Telop é Instalado................................................................................. 255
Implementando o Interprograma................................................................................ 256
Teletexto..................................................................................................................... 257
Tons de Cinza............................................................................................................. 258
CAPÍTULO 23
TV TUPI DO RIO DE JANEIRO - PARTE 2 - FASE EXPERIMENTAL E INAUGURAÇÃO................259
No Ar, o Padrão de Testes do Canal 6....................................................................... 260
Agendando a Inauguração......................................................................................... 262
Inaugurando a Segunda Estação de TV Brasileira.................................................... 262
A Programação Regular............................................................................................. 264
Uma Comparação Artística Entre as Duas “TV Tupi”................................................. 265
CAPÍTULO 24
A INFRAESTRUTURA DAS EMISSORAS ASSOCIADAS - ANOS 1950.......................... 267
Taba Guaianases e Taba Tupi.................................................................................... 267
Sumaré - O Novo Estúdio “B”..................................................................................... 272
Pavimentos e um Terceiro Estúdio no Sumaré.......................................................... 273
Monteiro Lobato Inaugura o Estúdio “C”.................................................................... 276
Retomando os Projetos do Edifício e de Mais Um Estúdio........................................ 278
Investindo em Publicidade......................................................................................... 278
Terceira Versão do Projeto de Ampliação.................................................................. 280
Estúdios de Rádio no Casarão Vizinho...................................................................... 281
CAPÍTULO 25
SURGEM AS CONCORRENTES DA TV TUPI DE SÃO PAULO................................... 283
TV Paulista................................................................................................................. 283
TV Record.................................................................................................................. 286
TV Excelsior............................................................................................................... 288
PARTE 3
DA TELEVISÃO REGIONAL À PROGRAMAÇÃO VIA SATÉLITE.................................. 309
PREFÁCIO
LAURA CARDOSO.........................................................................................................310
CAPÍTULO 26
AS PRIMEIRAS TRANSMISSÕES DIRETAS................................................................. 312
Ligando em Rede as TVs Tupi do Rio e de São Paulo.............................................. 316
TV Ribeirão Preto....................................................................................................... 318
CAPÍTULO 27
AQUISIÇÃO DA PRE-4 - RÁDIO CULTURA................................................................... 319
Uma Rádio de Verdade.............................................................................................. 321
O Jabaquara e a “Hora da Peneira”........................................................................... 323
O Imponente Palácio do Rádio.................................................................................. 324
Água Branca............................................................................................................... 326
Frequência Modulada................................................................................................. 326
O Arrendamento da PRE-4........................................................................................ 327
A Venda da PRE-4 a Chateaubriand.......................................................................... 328
Rádio Cultura Como Uma Emissora Associada......................................................... 330
A Utilização do Auditório na Avenida São João.......................................................... 331
CAPÍTULO 28
CONSTRUINDO O MONUMENTAL EDIFÍCIO DO SUMARÉ....................................... 333
Gregório Zolko............................................................................................................ 334
A Composição dos Andares....................................................................................... 337
Os Painéis Indígenas da Fachada............................................................................. 338
Conclusão das Obras do Edifício das Emissoras Associadas................................... 346
De Casa Nova............................................................................................................ 347
Inauguração............................................................................................................... 347
CAPÍTULO 29
NOVO LOCAL DE TRANSMISSÃO E A MIGRAÇÃO PARA O CANAL 4....................... 351
Um Novo Projeto de Transmissão Para a TV Tupi..................................................... 354
“O Sumaré Ficará Mais Alto”...................................................................................... 357
Transmissões Experimentais do Novo Canal 4.......................................................... 361
Migração Gradual....................................................................................................... 363
CAPÍTULO 30
A REDE DE TELEVISÃO ASSOCIADA DO INTERIOR PAULISTA................................ 365
Postos de Retransmissão.......................................................................................... 366
Rede Brasileira de Televisão Associada.................................................................... 367
A Histórica Transmissão da Inauguração de Brasília................................................. 370
Expansão................................................................................................................... 377
CAPÍTULO 31
A CHEGADA DO VIDEOTEIPE NO BRASIL................................................................... 378
Kinescópio.................................................................................................................. 378
Fita Magnética............................................................................................................ 379
Vantagens.................................................................................................................. 380
O Início do Videoteipe no Brasil................................................................................. 381
O Primeiro VT da TV Tupi.......................................................................................... 382
TV Cultura no Sumaré e Quatro Novos Estúdios para a TV Tupi.............................. 388
Novas Estruturas Fora da Cidade do Rádio............................................................... 390
Teledramaturgia.......................................................................................................... 391
1961 - Cine-Teatro Tupi (Consolação)....................................................................... 393
A Nova Fachada da Alfonso Bovero........................................................................... 398
Casa Musical.............................................................................................................. 402
1967 - Teatro Tupi (Sumaré)...................................................................................... 402
O Estúdio “F”.............................................................................................................. 411
1969 - Teatro Tupi (Brigadeiro)................................................................................... 412
CAPÍTULO 33
INAUGURA-SE A TV CULTURA..................................................................................... 415
Campanha de Lançamento........................................................................................ 417
O Ato Solene de Inauguração do Canal 2.................................................................. 418
Incêndio...................................................................................................................... 423
A Nova Sede na Água Branca.................................................................................... 424
CAPÍTULO 34
1963 - AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM TV EM CORES..................................... 428
“A Maior Noite do Ano”............................................................................................... 430
Lançamento Oficial das Experiências........................................................................ 432
Programação Experimental em Cores....................................................................... 435
TV Excelsior e a Primeira Transmissão Ao Vivo em Cores........................................ 437
Indústria Nacional....................................................................................................... 438
Fim da Primeira Fase Experimental da TV em Cores no Brasil................................. 439
CAPÍTULO 35
O CONDOMÍNIO ACIONÁRIO E A MORTE DE CHATEAUBRIAND.............................. 442
Condomínio Associado, um Instrumento a Serviço do Brasil..................................... 443
A Doença de Chateaubriand...................................................................................... 444
Morre o Velho Capitão................................................................................................ 446
Disputas Internas....................................................................................................... 448
CAPÍTULO ESPECIAL
A CRIAÇÃO DA ABERT..................................................................................................451
CAPÍTULO 36
RÁDIO DIFUSORA E A LINGUAGEM JOVEM DA “JET MUSIC”................................... 460
A Nova Programação “Jet Music”............................................................................... 462
1970 - Emissoras Associadas Apostam no FM em São Paulo.................................. 465
Equipamentos............................................................................................................ 465
Difusora FM - Inauguração e Perfil da Programação................................................. 466
Anos 1970: Dárcio Arruda e “Jet Music”..................................................................... 467
1978 - O Novo Projeto da Difusora............................................................................ 468
O Fim da Rádio Difusora............................................................................................ 470
CAPÍTULO 37
A INFRAESTRUTURA DAS EMISSORAS ASSOCIADAS - ANOS 1970....................... 471
1973 - O Fechamento do Auditório............................................................................ 472
1973 - Estúdio-Anexo................................................................................................. 472
1975 - Novo Estúdio para Novelas na “Brigadeiro”.................................................... 473
1978 - A Demolição do Auditório do Sumaré.............................................................. 474
1978 - Vila Guilherme................................................................................................. 475
1979 - Discoteca Aquarius......................................................................................... 477
1978 - Incêndio no Controle Mestre........................................................................... 478
CAPÍTULO 38
1972 - A IMPLANTAÇÃO DA TV EM CORES NO BRASIL............................................. 480
Definição de Padrões pelo Mundo............................................................................. 480
Sistema PAL é o Mais Viável para o Brasil................................................................ 481
Lançamento da TV em Cores: Um Problema Econômico-Financeiro........................ 483
1970 - Primeiras Experiências em Cores, Via Embratel............................................ 484
Agendando a Estreia Oficial....................................................................................... 487
TV Tupi de São Paulo na Implantação das Cores..................................................... 489
Nas Lojas, as Cores dos Testes do Canal 4.............................................................. 493
Festa da Uva.............................................................................................................. 494
Testando as Cores Durante a Programação.............................................................. 497
Lançamento Comercial da TV em Cores no Brasil.................................................... 497
Desenvolvimento da Programação em Cores na Tupi............................................... 502
CAPÍTULO 39
REDE TUPI VIA EMBRATEL, PARA TODO O BRASIL................................................... 505
Canal 4 de São Paulo: Único Gerador de Programação da TV Tupi......................... 509
Uma Autêntica Rede Tupi de Televisão...................................................................... 512
GALERIA DE FOTOS 2............................................................................................. 515
PARTE 4
CRISE, CASSAÇÃO E O LEGADO DA TELEVISÃO PIONEIRA.................................... 523
PREFÁCIO
EVA WILMA.....................................................................................................................524
CAPÍTULO 40
AS NOVAS CENTRAIS TÉCNICA E DE PRODUÇÃO................................................... 526
As Novas Centrais de Exibição e Produção de São Paulo........................................ 528
Polarização Circular................................................................................................... 530
Equipamentos............................................................................................................ 530
As Obras na Torre...................................................................................................... 531
Novos Equipamentos e Material Humano Qualificado............................................... 534
A Chegada dos Equipamentos................................................................................... 535
CAPÍTULO 41
A CRISE DOS DIÁRIOS ASSOCIADOS......................................................................... 538
Pioneira Perde a Liderança nos Anos 1960............................................................... 541
Ofício do Dentel ao Condomínio Associado............................................................... 546
Em São Paulo, a Crise Era Mais Aguda..................................................................... 549
CAPÍTULO 42
GREVES.........................................................................................................................551
O Começo do Fim...................................................................................................... 552
A Greve dos Atores.................................................................................................... 555
Vendendo Empresas Paulistas.................................................................................. 557
Cheques Sem Fundo Encerram a Programação de São Paulo................................. 559
Concordata Preventiva............................................................................................... 560
Calmon Vai à TV......................................................................................................... 561
Negociações do Governo........................................................................................... 564
O Dia em que a Pioneira Não Entrou Mais no Ar....................................................... 568
CAPÍTULO 43
A PROGRAMAÇÃO EM 1980......................................................................................... 569
Rumo aos 30 Anos..................................................................................................... 572
CAPÍTULO 44
“DEIXE-NOS TRABALHAR, SR. PRESIDENTE!” - A CASSAÇÃO DA REDE TUPI....... 576
O Anúncio e as Justificativas...................................................................................... 576
A Vigília no Rio de Janeiro......................................................................................... 580
Retirada dos Cristais e Lacração dos Transmissores................................................ 583
Tupi do Rio Gravando Comerciais............................................................................. 589
Pagamentos............................................................................................................... 590
CAPÍTULO 45
LICITANDO OS CANAIS DA REDE TUPI....................................................................... 592
O Certame.................................................................................................................. 593
Anunciando Oficialmente os Vencedores................................................................... 599
A Carta de Silvio Santos............................................................................................. 604
Impasse na Assinatura dos Contratos........................................................................ 606
Alugando a Nova Torre da TV Tupi............................................................................ 609
Cancelamento das Licitações: Um Espião na Sala ao Lado...................................... 610
Transmitindo e Assinando os Contratos..................................................................... 614
CAPÍTULO 46
O LEILÃO DOS BENS DAS “ASSOCIADAS” DE SÃO PAULO...................................... 621
Justiça Marca o Leilão dos Bens da Tupi................................................................... 622
622
De Berço da TV Brasileira a Depósito de Leilões...................................................... 624
Leiloando Equipamentos............................................................................................ 625
O Edifício-Sede das Emissoras Associadas.............................................................. 628
CAPÍTULO 47
O DESTINO DAS DEMAIS EMISSORAS ASSOCIADAS DE SÃO PAULO................... 629
Rádio e TV Cultura..................................................................................................... 629
Rádio Difusora - AM e FM.......................................................................................... 635
Rádio Tupi.................................................................................................................. 638
CAPÍTULO 48
OS BENS DA TV TUPI DE SÃO PAULO NOS DIAS DE HOJE...................................... 643
O Acervo Remanescente da TV Tupi......................................................................... 645
TV Abril/MTV no Edifício-Sede das “Associadas”...................................................... 655
Grupo Abril como Locatário do Grupo Silvio Santos.................................................. 661
O Edifício-Sede dos Diários Associados.................................................................... 666
Praça TV Tupy e Placa Memória Paulistana.............................................................. 668
CAPÍTULO 49
VIDEOGRAFISMO..........................................................................................................670
CAPÍTULO 50
CONCLUSÃO - TV TUPI: SEMPRE PRESENTE........................................................... 677
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 23
INTRODUÇÃO
A FASE EMBRIONÁRIA DA TELEVISÃO NO MUNDO
A
televisão é resultado da brilhante coordenação do trabalho de muitos pesquisadores e
de muitas inteligências que se dedicaram, através de mais de um século, às descobertas
destinadas ao enriquecimento do patrimônio da humanidade. Ao falarmos especificamente
da invenção da televisão, não se deve analisar o equipamento específico, mas sim o coletivo de
seus sistemas de captação da imagem e do som; amplificação elétrica; transmissão e recepção; e,
por último, de conversão da energia elétrica em luz. Todos eles bem complexos e que embarcaram
diversas tecnologias e patentes, envolvendo muito tempo, investimento, pesquisa e… disputa.
O processo de invenção e aperfeiçoamento da TV é subdividido pela fototelegrafia — desenvolvida
em 1842 por Alexander Bain e com transmissão de imagens estáticas via telégrafo; pela televisão
mecânica — baseada no Disco de Nipkow, já com transmissão de imagens em movimento; pela
televisão eletrônica — fundamentada nos dispositivos Tubo de Raios Catódicos e Iconoscópio;
e pela atual TV digital.
As origens da televisão remontam às descobertas básicas do brilhante e luminoso selênio, em
1873, quando um operador de telégrafo chamado Joseph May, trabalhando em uma estação
na Irlanda, constatou despropositadamente as propriedades fotossensíveis deste metaloide, que
fora descoberto em 1817 pelo químico sueco Jöns Jacob Berzelius. Com o selênio, foi possível
converter ondas de luz (imagens) em impulsos elétricos. No ano de 1875, o inventor norte-
americano George Carey descobriu que imagens em movimento poderiam ser transmitidas se
fragmentadas em partículas. O francês Maurice LeBlanc concluiu, em 1880, que se ao menos 16
quadros com imagens estáticas fossem apresentados sucessivamente a cada segundo, dariam a
impressão de movimento (também princípio básico do cinema).
O maior destaque da fase primitiva da invenção da televisão foi o processo mecânico do Disco
de Nipkow, projetado em 1884 pelo inventor polonês Paul Julius Gottlieb Nipkow. Ele captou
imagens divididas em pequenos pontos, as transmitiu e as reagrupou em outro aparelho para
formar a imagem. Em 1897, começou a ser desenvolvido o importante sistema eletrônico do
Tubo de Raios Catódicos pelo físico alemão Karl Ferdinand Braun. Posteriormente, o engenheiro
britânico Alan Campbell-Swinton amplificou as correntes elétricas que seriam usadas nas
transmissões de televisão — nome cunhado em 1900, pelo cientista russo Constantin Perskyi, no
I Congresso Internacional de Eletricidade, em Paris, França.
Foi preciso, porém, que duas décadas se passassem para que cientistas de muitas nações
conseguissem tornar a televisão realmente viável. Quem conseguiu avançar mais satisfatoriamente
foi o inglês John Logie Baird, que em 1923 iniciou pesquisas que levaram ao desenvolvimento
do primeiro sistema prático de televisão mecânica, ainda com baixíssima definição. O sistema
de Baird utilizou um Disco de Nipkow e conseguiu superar a fase de estudos de laboratório em
1926, quando foi realizada a primeira demonstração pública de televisão do mundo, no Real
Institute of London. Na ocasião, foram exibidas, numa pequena tela, imagens de rostos humanos
em movimento, captados por uma câmera no local da demonstração, com variações de luz e
24 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
sombra. Foi o suficiente, contudo, para que todos observassem as vastas possibilidades daquela
nova e impressionante técnica.
Baird perseverou no aperfeiçoamento de seu sistema e chegou ao ponto em que, no ano de
1929, a rádio estatal britânica BBC - British Broadcasting Company1 firmasse um acordo para
realização das primeiras transmissões de programas televisuais de forma experimental, pelo ar,
fora dos horários de seus programas radiofônicos. A televisão estava nascendo.
Para obter uma boa ilusão de imagem em movimento, era preciso que a placa de selênio fosse
atingida por focos luminosos com uma velocidade mínima de 20 vezes por segundo. Com isso,
cada célula da placa captaria a luz e a transformaria em energia elétrica no ínfimo espaço de
1/1.400.000 de segundo. Contudo, este processo era inviável em um sistema mecânico como o do
Disco de Nipkow, pois, superaquecido, se incendiaria antes de atingir a velocidade exigida. Para
elevar a qualidade das imagens, foi necessário descobrir um meio de impressionar a retina do
aparelho de televisão sem o auxílio de métodos mecânicos. Isto foi conseguido eletronicamente,
ou seja, com a utilização dos elétrons em um aparelho que registrou as imagens através de
um estímulo que a luz produzia na célula da retina humana. Era uma solução inspirada no
funcionamento do próprio olho humano.
A primeira transmissão de um evento pela TV foi feita experimentalmente em 1928, pela General
Electric, nos Estados Unidos, mostrando a solenidade do Partido Republicano para indicar seu
candidato à presidência da República — o então governador de Nova York, Al Smith. Onze anos
se passaram até que outro fato de importância fosse transmitido por áudio e vídeo: a visita dos
reis da Inglaterra à Feira de Nova York, em 1939. Nesta importante exposição foram levados
para fora dos estúdios os avanços da televisão alcançados até aquele momento.
Édouard Belin e René Barthélemy tornaram-se os vanguardistas do movimento francês de
televisão. E, na Alemanha, Denys Von Mihaly e Manfred Von Ardenne também fizeram valiosas
contribuições para o progresso da televisão.
Sobreveio, porém, a Segunda Guerra Mundial e com ela praticamente um período de
“hibernação”, pois as companhias que desenvolviam a televisão, entre outras, prioritariamente
dirigiram seus trabalhos para produção de equipamentos para o conflito. No entanto, alguns
engenheiros conseguiram continuar nos seus trabalhos neste período e foram eliminando os
obstáculos que surgiam naquela tecnologia.
Até que, em 1945, com o cessar-fogo, os pesquisadores conseguiram retomar normalmente os
estudos e a fabricação de televisores. Emissoras passaram a ser ativadas e reativadas em grande
escala, principalmente nos Estados Unidos, estabelecendo um marco na era das comunicações.
Tal como sobre a Torre Eiffel, a 315 m de altura, ou sobre o Empire State Building, a 380 m, as
antenas transmissoras de televisão passaram a ganhar destaque nos cenários urbanos de diversas
partes do mundo, propagando informação, cultura e entretenimento. Na Europa e nos Estados
Unidos, a TV exerceu profundo efeito nos hábitos sociais, com as pessoas tendendo a voltar do
trabalho e nela buscar distração ao invés de ir ao cinema. No caso do teatro, por outro lado, o
interesse popular foi muitas vezes estimulado pela TV, que trouxe uma nova mentalidade e um
novo modo de vida que, embora considerado por alguns como uma fase passageira, tornou-se
permanente.
A seguir, antes de chegarmos ao princípio da história da televisão no Brasil, veremos como se
deu o processo de industrialização e lançamento da televisão comercial nos Estados Unidos,
com base em três nomes importantes — os cientistas Vladimir Zworykin e Philo Farnsworth
e, também, David Sarnoff, presidente da RCA-Victor, fabricante dos primeiros equipamentos
profissionais de TV a serem usados no Brasil, a partir de 1950.
1 Em 1927, o significado da sigla BBC foi mudado para British Broadcasting Corporation.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 25
26 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
PARTE 1
A IMPLANTAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA TELEVISÃO
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 27
PREFÁCIO
CRISTINA PADIGLIONE
Nessa era em que qualquer cidadão transmite uma imagem de seu celular para o outro lado do
mundo, soa à ficção científica revisitar todo o contexto que há sete décadas apresentou tantos
obstáculos à transmissão de som e imagem sincronizados para dentro da casa das pessoas no
Brasil. Elmo Francfort e Maurício Viel nos trazem nesta obra uma riqueza inédita no conjunto de
detalhes que construiu a insana corrida pelo pioneirismo da TV no país.
Mergulhar nesse universo confirma a convicção de que, mais que um visionário, o financiador
da chegada desta caixa mágica, também dita janela para o mundo, teria de ser essencialmente
alguém capaz de preterir a razão em favor da emoção, elemento prioritário para o consumo da
TV pela massa. Assis Chateaubriand, a seu modo, não chegou antes dos outros à toa nem era
o único visionário da época, mas era o sujeito que não esmorecia diante de uma bola na trave.
As páginas a seguir são um documento desse retrato por meio da inauguração da TV Tupi,
prefixo PRF-3, primeiro canal de televisão da América do Sul. Quantos outros empresários,
empreendedores dignos de respeito, lançaram-se, sem o mesmo êxito, aos trâmites necessários
para ter a sua estação de TV, com pedidos de outorga, concessão e autorização para importação
de equipamentos? Quantos não chegaram antes de Chatô na fila de tentativas para ter a própria
28 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 1
RCA, A PROPULSORA DA TELEVISÃO COMERCIAL
U
ma das maiores e mais influentes empresas de eletrônicos do mundo no século XX foi a
norte-americana RCA - Radio Corporation of America. Ao mesmo tempo, atuou em diversas
áreas da comunicação e do entretenimento, desde a produção de discos de vinil até a
fabricação de satélites de comunicação. O nascimento da RCA, em 1919, está ligado com a The
Wireless Telegraph & Signal Company Ltd., empresa fundada em Londres, no ano de 1897, pelo
físico e inventor italiano Guglielmo Marconi, considerado o “pai do rádio”1. Seu objetivo era
explorar comercialmente os serviços de telegrafia sem fio (ou radiotelegrafia), que ele mesmo havia
patenteado.
1 Há muita controvérsia sobre esse título. Fortes evidências apontam que os primeiros resultados
positivos das experiências com transmissão de áudio sem fio aconteceram no Brasil, cerca de um ano
antes de Guglielmo Marconi, na Itália. O responsável foi o padre, físico e químico Roberto Landell
de Moura, que teria realizado transmissões experimentais de radiofonia já entre 1893-94. Desta
forma, muitos especialistas entendem que Marconi é o inventor da radiotelegrafia (transmissão de
sinais telegráficos sem fio), ao passo que o padre Landell de Moura é o inventor da radiotelefonia
(transmissão de áudio sem fio). Entretanto, injustamente, ambas as patentes são atribuídas a
Marconi.
30 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Dois anos após sua inauguração, a empresa de Marconi já lucrava com um imenso tráfego de
mensagens e promovia uma ação de expansão mundial. Seu nome foi mudado para Marconi
Wireless Telegraph Company Ltd. e a subsidiária Marconi Wireless Telegraph Company of
America foi fundada nos Estados Unidos, para participar efetivamente da guerra de patentes e
do desenvolvimento de produtos eletrônicos. Em 1912, a empresa assumiu os ativos da falida
United Wireless Telegraph Company e a subsidiária americana da Marconi se tornou a principal
empresa de comunicação dos Estados Unidos. Suas operações radiotelegráficas se avolumaram e
as empresas norte-americanas do mesmo ramo tiveram dificuldades para competir, uma vez que
não possuíam as patentes mais importantes da radiotelegrafia, todas nas mãos de Marconi. Após
a Primeira Guerra Mundial, o controle comercial da Marconi acabou surtindo uma forte oposição
por parte de seus concorrentes norte-americanos, que a apontavam como uma companhia
estrangeira que buscava o monopólio naquele país.
Em 1919, sob a pressão das empresas General Electric Company (GE), Westinghouse Electric
Manufacturing Company e American Telephone and Telegraph Company (AT&T), a Marconi
Wireless Telegraph Company of America (ou simplesmente American Marconi) teve que vender
a maior parte de suas ações e se tornou subsidiária da GE. A empresa foi renomeada como
Radio Corporation of America (RCA) e “absorveu” o laboratório de pesquisas de rádio da GE
em Schenectady, Nova York. Tempos depois, a Westinghouse e a GE fecharam um acordo de
licenciamento cruzado, a fim de juntar todas as suas patentes e se fortalecer no mercado da
radiocomunicação. O acordo passou a vigorar em junho de 1921, com alterações no quadro
acionário da RCA e a soma de mais de 1,2 mil patentes.
O primeiro gerente-comercial da RCA foi David Sarnoff, um russo radicado nos Estados Unidos
que se tornaria um dos principais personagens da história do rádio e da televisão mundial. Ele
que terá o devido destaque nas linhas mais adiantadas deste capítulo.
Apesar de ter sido teorizada em 1863 pelo matemático e físico britânico James Clerk Maxwell,
foi em 1887 que surgiram demonstrações práticas sobre a existência das ondas eletromagnéticas.
Quem provou isso foi o físico alemão Heinrich Rudolf Hertz, que descobriu como produzir
tais ondas por meio de descargas elétricas por centelha (ou faísca) e, assim, transmitir pulsos
elétricos com mensagens pelo ar — a radiotelegrafia —, sem uso de cabos. É por este fato que a
unidade de medida de frequência é mundialmente chamada de “hertz”.
Durante a primeira metade dos anos 1910, a prática da radiotelegrafia já havia se tornado muito
popular nos Estados Unidos e já eram várias as estações que transmitiam informações por meio
dos traços e pontos do Código Morse. Muitas delas eram amadoras, já que numerosos cidadãos
comuns desejavam experimentar a incrível tecnologia da comunicação ponto-a-ponto sem
fios. Até então, os transmissores usados eram eletromecânicos, de centelha, os únicos capazes
de gerar ondas eletromagnéticas em determinadas frequências. Contudo, eles só conseguiam
transmitir o Código Morse, mas o mesmo não ocorria com músicas e voz humana. Mesmo com
esta limitação, virou tradição transmitir por radiotelegrafia as apurações eleitorais realizadas nos
Estados Unidos.
No entanto, desde 1909, o inventor e professor norte-americano Charles David Herrold vinha
realizando operações experimentais de radiotelefonia, ou seja, transmitindo brevemente música
e voz. Herrold tinha uma escola onde treinava futuros operadores de radiotelegrafia para navios
e em estações costeiras. A partir de 1912, ele aparentemente se tornou a primeira pessoa a fazer
transmissões ponto-a-ponto regulares com programação de entretenimento, com sua estação
em San Jose, Califórnia. Ele usou um transmissor de arco, uma novidade desenvolvida pelo
engenheiro dinamarquês Valdemar Poulsen, que transmitia com onda contínua. Assim, ele pôde
também realizar transmissões regulares e contínuas de música instrumental ao vivo e execuções
de discos fonográficos, com sinais de radiotelefonia captáveis por qualquer receptor apropriado.
Naquele mesmo ano de 1912 surgiu a Lei de Rádio, que determinou o licenciamento das
estações norte-americanas e Herrold recebeu, três anos depois, uma licença com o indicativo
6XF. Apesar da popularidade de suas transmissões, elas atraíram apenas a atenção local, em San
Jose. Entretanto, a emissora cresceu e, anos depois, se tornou a KCBS, que opera até hoje em
San Francisco.
Em 1914, começaram a aparecer os primeiros transmissores e receptores de rádio industrializados,
contendo o Tubo de Vácuo (ou Válvula Termiônica), um desenvolvimento técnico revolucionário
que levou à introdução efetiva da radiodifusão no mundo. Tanto os operadores amadores
quanto as empresas comerciais passaram a testar estes novos componentes, visto que, agora, os
transmissores poderiam emitir com mais eficiência em ondas contínuas, obrigatórias para poder
propagar músicas e voz humana com qualidade pelo éter1. A nova válvula podia garantir melhor
qualidade de áudio, já que a amplificação passou a ser feita por Amplitude Modulada (AM),
técnica usada até os dias de hoje.
1 Nas primeiras décadas do rádio, era muito comum chamar de “éter” o meio existente no
espaço por onde todas as ondas eletromagnéticas se propagam. É o mesmo que, nos dias de
hoje, falar que as ondas estão “no ar”.
32 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O líder das experiências com a Válvula Termiônica foi seu próprio inventor, o engenheiro norte-
americano Lee DeForest. Ele a desenvolveu em 1906 e a chamou de “Audion”, apesar de que a
intenção inicial era apenas fazer recepção de sinais eletromagnéticos. Contudo, anos depois, a
Audion foi aperfeiçoada por outros cientistas e, a partir de 1914, passou a ser comercializada em
larga escala, dando novo rumo ao rádio. DeForest reconheceu em sua autobiografia a ironia de
ter negligenciado o potencial de desenvolver sua Audion como um transmissor de rádio. Ele era
proprietário da DeForest Radio Telephone and Telegraph Company e, após as novas descobertas
acerca da Audion, voltou a realizar experiências por meio de sua estação amadora 2XG, na
cidade de Nova York, com o sistema de radiotelefonia (ou broadcasting) para qualquer receptor
sintonizar livremente.
Em 26 de outubro de 1916, DeForest fez a primeira transmissão pública experimental de sua
estação, executando discos fonográficos da gravadora Columbia, que o apoiou no projeto. A
estreia da fase experimental da estação aconteceu estrategicamente em 6 de novembro, com uma
transmissão noturna de meia hora, apresentando a leitura das principais notícias No dia seguinte,
aconteceram eleições presidenciais nos Estados Unidos e os resultados e análises foram ao ar
pela 2XG, marcando a primeira transmissão de apuração das eleições com voz humana. Estimou-
se que 7 mil receptores amadores acompanharam os trabalhos da 2XG e, nos dias subsequentes,
prosseguiram as transmissões noturnas regulares, com discos, concertos ao vivo e notícias.
KDKA
programas de seu amigo Frank Conrad, mas quando leu um anúncio de uma loja de departamentos
no jornal, em setembro de 1920, que divulgava a venda de receptores para captar as transmissões
da 8XK de Conrad, o executivo viu uma grande oportunidade para a Westinghouse gerar
conteúdo em uma estação de rádio própria e fabricar receptores para vendê-los a esse público tão
interessado. Davis convenceu toda a diretoria da empresa a produzir os novos receptores usando
as instalações ociosas, onde haviam fabricado os rádios de guerra para o governo americano.
Em resposta a uma solicitação assinada por Davis, o governo autorizou, em 27 de outubro de
1920, que a Westinghouse recebesse uma licença limitada de estação de rádio comercial, com
o prefixo KDKA. Este tipo de concessão “comercial limitada” era a prática adotada naquele
momento com as licenças emitidas para empresas envolvidas em comunicação de rádio privada.
Contudo, nem no pedido original de Davis, nem na licença resultante, foi mencionado que haveria
transmissão de radiotelefonia. Havia, apenas, a menção de que a estação deveria ser usada para
comunicação ponto-a-ponto em Código Morse entre estações nas fábricas da Westinghouse.
Davis, então, solicitou aos técnicos da empresa que montassem a estação KDKA a tempo de
transmitir as apurações das eleições presidenciais, em 2 de novembro de 1920. Os preparativos
da Westinghouse incluíram a instalação de uma sala e antenas da KDKA no mais alto edifício
de seu complexo industrial, o East Pittsburgh Works, em Turtle Creek. Frank Conrad já havia
planejado transmitir os resultados das eleições pela sua 8XK, mas mudou seus esforços para
ajudar na transmissão da KDKA. Ele e Donald G. Little foram os principais responsáveis pela
construção de um transmissor de Tubo de Vácuo para a KDKA, com 100 watts de potência.
No entanto, de última hora, a Westinghouse recebeu a sonhada autorização para operar em
broadcasting (radiodifusão) numa concessão especial e provisória, classificação que permitiu o
uso de uma frequência de transmissão em uma faixa livre, diferente da usada pelos amadores e
que estava muito congestionada.
outras, as amadoras 6XF, de Charles Herrold, e a 2XG, de Lee DeForest. A KDKA, portanto, foi
a primeira estação de rádio do mundo a ser devidamente autorizada pelo governo para fins de
broadcasting (ou radiodifusão).
Tiveram lugar há pouco, nos Estados Unidos, as comemorações do
vigésimo aniversário da criação da radiodifusão naquele país. E
todos os programas especiais, transmitidos em cadeia, apontaram
como vanguardeiro do broadcasting norte-americano o doutor
Frank Conrad, dirigente da “pêerre”1 KDKA. Mas, no melhor da
festa, apareceu o veterano inventor Lee DeForest, reclamando a
prioridade das experiências radiofônicas na terra de Tio Sam. No
telegrama dirigido a Leo Rosemberg, da National Broadcasting
Company, declarou aquele ilustre cientista que a primeira emissora
norte-americana foi a 6XF, de San Jose (Califórnia), instalada há
um quarto de século. E — mais do que isso — acentuou que nem
sequer cabe à KDKA, de Pittsburgh, o segundo lugar entre as mais
antigas estações da União. A WWJ, de Detroit, e KNX, de Los
Angeles, iniciando as suas atividades também há quatro lustros,
avantajaram-se em algumas semanas à “pêerre” do doutor Frank
Conrad. A retificação do criador da “garrafa mágica” causou,
como era natural, sensação nos meios radiofônicos estadunidenses.
As colunas dos mais prestigiosos jornais, notadamente “The New
York Times”, abriram-se para acolher entrevistas e depoimentos
autorizados. E, até hoje, muita gente não sabe se as homenagens
deviam marcar as “bodas de prata” ou somente dois decênios de
progresso do broadcasting na América do Norte. Mas, pelo que
se depreende dos debates, se Lee DeForest pôs a sua emissora em
atividade há um quarto de século, a KDKA foi, de fato, a primeira
estação que constitui num serviço público, com menção obrigatória
de seu prefixo em todas as transmissões. Houve, portanto, motivos
de sobra para se destacar a figura do doutor Frank Conrad, um dos
pioneiros do broadcasting. (“O Rádio nos EE. UU.”, Vamos Ler!,
30/01/1941, p. 53)
1 Forma antiga de se referir a uma estação de rádio no Brasil, baseando-se que todos os
prefixos das emissoras no Brasil iniciavam-se com as letras “PR”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 35
O sistema eletrônico de televisão teve origem a partir das pesquisas de três cientistas alemães.
Karl Ferdinand Braun desenvolveu o Tubo de Raios Catódicos, em 1897, e a dupla Julius Elster
e Hans Geitel desenvolveu a célula fotoelétrica em 1905. Em seguida, muitos trabalhos foram
realizados por diversos pesquisadores ao redor do mundo, baseando-se nessas descobertas
fundamentais, a exemplo do russo Boris Rosing, que fez experiências com válvulas catódicas,
e do escocês Alan Archibald Campbell-Swinton, o primeiro a projetar uma câmera eletrônica e
um sistema de exibição.
O também russo Vladimir Koz’mich Zworykin foi aluno de Boris Rosing em São Petersburgo
(União Soviética) e, ao se formar, quis viajar para a América e prosseguir os estudos e experiências
de seu mestre. Chegou aos Estados Unidos em 1919 e procurou convencer pessoas e empresas a
investir em suas pesquisas sobre televisão. Até que obteve uma oportunidade na Westinghouse,
em 1923, onde chegou a realizar amplas pesquisas sobre as células fotoelétricas, levando-o a
conceber os princípios básicos de um equipamento que futuramente chamaria de “Iconoscópio”,
que se tornaria um componente essencial no desenvolvimento da televisão eletrônica.
36 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O cientista russo
Vladimir Zworykin.
(reprodução)
David Sarnoff ainda atuava como encarregado pelo setor de transmissão de rádio da RCA
quando, em 1927, começou a reconhecer o potencial da televisão. Diversos esquemas para
operação com imagens haviam sido propostos ainda antes da Primeira Guerra Mundial, mas sem
resultados práticos. Em 1928, Sarnoff já estava determinado a tornar a empresa como pioneira
em televisão eletrônica e convidou o engenheiro Vladimir Zworykin, seu compatriota, para
trabalhar na RCA. Zworykin passou a atuar nos laboratórios recém-criados em Camden, Nova
Jersey, onde foi nomeado líder das pesquisas de desenvolvimento da televisão. Os lucros obtidos
pela RCA, principalmente com a comercialização de rádios, eram enormes e permitiram que
fossem investidos cerca de US$ 9 milhões iniciais em pesquisas para o desenvolvimento de uma
estação transmissora e de um modelo de receptor de televisão. De acordo com o próprio Vladimir
Zworykin, em uma entrevista coletiva concedida a jornalistas em São Paulo, no final de 1950,
Sarnoff o indagou, em 1928, sobre qual seria o investimento necessário para tornar realidade
seu sistema de televisão. “Eis um problema em que não havia jamais pensado e candidamente
respondi que US$ 100 mil deveriam bastar. Há pouco tempo, o general Sarnoff me informou que
já foram gastos pela RCA mais de US$ 50 milhões”, revelou o pesquisador russo em São Paulo.
Em 24 de abril de 1936, a RCA demonstrou à imprensa o Iconoscópio — do grego “eikon”
(imagem) e “shopein” (ver). Tratava-se de um Tubo de Vácuo que captava as imagens e as
armazenava em uma superfície fotossensível, onde eram lidas através de um feixe de raios
catódicos. Ou seja, uma revolucionária válvula que captava as imagens e as transformava
em sinais elétricos, uma espécie de “olho” eletrônico da câmera de televisão. Outro grande
desenvolvimento de Zworykin foi o Cinescópio (ou Tubo de Raios Catódicos), que é exatamente
o tubo da televisão, onde apareciam as imagens. Com esses dois componentes essenciais, foi
possível criar um sistema de TV inteiramente eletrônico.
de Almeida Magalhães1, que descreveu sua primeira experiência com TV em um artigo chamado
“A Televisão”, publicado na capa de “O Jornal do Rio de Janeiro”2, o órgão-líder dos Diários
Associados.
1 Dário de Almeida Magalhães havia assumido interinamente a direção dos Diários Associados
em 1932, quando Assis Chateaubriand, apoiador da Revolução Constitucionalista de 1932, se
tornou um perseguido político e teve que ficar foragido em fazendas no interior da Paraíba. Esta
revolução foi um movimento armado ocorrido nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e
Rio Grande do Sul, que almejou derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas e convocar uma
Assembleia Nacional Constituinte.
2 “A Televisão”, Dário Almeida Magalhães, O Jornal, 20/12/1938, p. 1.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 39
Na NBC, em Nova
York, Dário de Almeida
Magalhães, diretor dos
Diários Associados,
regula a imagem de um
receptor de televisão
que reproduzia um sinal
gerado do Empire State
Building. (O Jornal/
reprodução)
O grupo formado pela Westinghouse, GE e RCA (a AT&T vendeu sua parte acionária da RCA
em 1923) colocou no ar, em 13 de janeiro de 1928, uma estação experimental de televisão
mecânica, instalada em uma das fábricas da GE, no Condado de Schenectady, em Nova York.
Licenciada com o prefixo W2XB, ela começou operando em 790 KHz (Ondas Médias), mas com
alcance muito restrito. Logo depois, a estação fez experiências em diversas outras frequências e
resoluções de imagem, alternando entre sistemas mecânicos e eletrônicos. Foi a primeira estação
de televisão licenciada em solo norte-americano e suas experiências ficaram sob responsabilidade
da GE, como parte do projeto de desenvolvimento de televisão dirigido pelo engenheiro sueco
Ernst Alexanderson. Em 1939, ela passou a operar na faixa de VHF (Very High Frequency),
canal 6, estreando seu sistema totalmente eletrônico de transmissão. Por fim, em 26 de fevereiro
de 1942, recebeu uma licença de operação comercial e seu prefixo foi mudado para WRGB,
40 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
usado até os dias atuais como estação integrante da rede CBS - Columbia Broadcasting System.
Também em 1928, o mesmo grupo de empresas obteve uma segunda licença de televisão junto
ao governo norte-americano e colocou no ar a W2XBS no dia 1º de julho. Desta vez, foi a RCA
que ficou responsável pela emissora, onde, inicialmente, foi utilizado um sistema mecânico em
baixa definição para realização de diversos testes de recepção. O sinal para ajustar a definição
da imagem da emissora era emitido por duas horas diárias e, curiosamente, era visto um boneco
em papel-machê do famoso personagem Gato Félix, que tinha um bom contraste de tons e
podia resistir às luzes muito intensas, algo necessário nos primórdios da televisão. O boneco
ficava estático sobre a bandeja de um toca-discos e era captado por uma câmera em tempo real.
Esta imagem de testes com o personagem foi ao ar pelas manhãs por quase uma década. Em
1929, a W2XBS pôde aumentar a potência de seu transmissor instalado no condado do Bronx
e passou a emitir em 60 linhas verticais e com 20 fotogramas por segundo. Em dezembro de
1931, a RCA iniciou uma nova fase de testes de televisão pela W2XBS e alugou o 85º andar do
edifício mais alto do mundo, o Empire State Building. No topo do prédio, foram instaladas duas
pequenas antenas, a incríveis 380 m de altura. Para transmitir deste local, a RCA obteve licença
para operar uma nova estação, a W2XF - Canal 11, que utilizou um transmissor de fabricação
própria, podendo alcançar toda a área metropolitana de Nova York. Aos poucos, esta estação
foi substituindo os equipamentos mecânicos pelos eletrônicos que a RCA ia desenvolvendo
e, em fevereiro de 1939, instalou um potente transmissor de 5 kW (quilowatts), além de uma
antena especial no pináculo do Empire State. O objetivo era dar melhores condições para as
transmissões da sua estação experimental W2XF, já que chegava o momento do lançamento
oficial da televisão norte-americana, a ser realizado na abertura da Feira Mundial de Nova York,
no ano seguinte.
A TV na Europa
Paralelamente aos Estados Unidos, a televisão se desenvolvia na Europa, contudo, com uma
1 Em 1946, mudou-se para o canal 4 e seu prefixo passou a ser WRCA-TV. Atualmente, a
emissora opera como WNBC.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 41
grande diferença: as emissoras em organização eram estatais. A primeira estação europeia foi
a de Berlim, na Alemanha, chamada de Fernsehsender Paul Nipkow, nome em homenagem ao
polonês inventor da televisão mecânica. Ela passou a operar experimentalmente em 1929 e foi
inaugurada em 22 de março de 1935.
Em 1932, iniciaram-se as transmissões experimentais semanais de televisão na Inglaterra,
utilizando o sistema mecânico de John Logie Baird. Dia 2 de novembro de 1936, a emissora de
rádio BBC inaugurou o primeiro serviço regular de televisão do mundo, diretamente do Alexandra
Palace, um antigo edifício que foi preparado especialmente para receber o canal de TV (o edifício
e a torre existem até hoje). Inicialmente, dois sistemas diferentes de transmissão foram testados
pela BBC em semanas alternadas — um mecânico e outro eletrônico. O sistema mecânico de
Baird inaugurou o serviço com imagens formadas por 240 linhas horizontais. O formato era
considerado de alta-definição, apesar de que, dependendo do tom da pele, os apresentadores
precisavam receber algumas camadas de maquiagem para que o contraste necessário fosse
alcançado. O sistema mecânico de Baird operou alternadamente com o sistema eletrônico da
Marconi-EMI, mas três meses depois, baseada em recomendação do Comitê Consultivo de
Televisão, a BBC passou a adotar exclusivamente o sistema da Marconi-EMI, que alcançava
405 linhas de resolução. Inicialmente, a programação de televisão da BBC ia ao ar por duas horas
diárias e o grande destaque foi a coroação do Rei George VI, transmitida em 12 de maio de 1937.
Três câmeras eletrônicas captaram as imagens da cerimônia, que obteve a audiência estimada
de 50 mil telespectadores, ficando marcada como o primeiro evento transmitido ao vivo na
história da televisão mundial, consolidando, assim, o prestígio da televisão inglesa. Entretanto,
as transmissões da BBC tiveram que ser interrompidas em 1939, com o início da Segunda Guerra
Mundial, sendo retomadas somente após o conflito, em 7 de junho de 1946.
Em novembro de 1935 foi a vez da França entrar na era da televisão, com a estatal Rádio-
PTT Vision, transmitindo da Torre Eiffel (atualmente a emissora chama-se TF1). O pioneiro da
televisão francesa foi René Barthélemy1, físico que aperfeiçoou os inventos do britânico John
Logie Baird. Na antiga União Soviética, a televisão regular começou a funcionar em 1938, com
a estatal TV Central.
Considerada a maior exposição da história até então, a Feira Mundial de Nova York foi aberta
no Flushing Meadows-Corona Park a todos os povos do mundo. O presidente norte-americano,
Franklin Roosevelt, fez sua abertura oficial no dia 30 de abril de 1939, rodeado por representantes
de 60 nações. Foram gastos cerca de US$ 155 milhões para sua montagem e a área da exposição
ficou do tamanho de um bairro, com quase 5 mil km2. A proposta da feira foi estimular a economia,
que ainda sofria os efeitos da quebra da Bolsa de Nova York em 1929, mas o pretexto era celebrar
os 150 anos da posse de George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos.
A feira deveria promover os ideais iluministas norte-americanos e, por isso, o tema escolhido
foi “O Mundo de Amanhã”. A arquitetura dos pavilhões e monumentos era supermoderna,
dominada por um gigantesco obelisco e uma esfera. Os edifícios tinham diversas formas e o
vidro foi empregado como nunca, cobrindo totalmente as fachadas de diversos pavilhões. A cor
e a luz combinaram-se para que os visitantes pudessem apreciar todo o esplendor do local. O
Brasil contou com um pavilhão, projetado pelos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.
Estande da RCA na Feira Mundial de Nova York, em Público na Feira Mundial de Nova York, em 1939,
1939. (reprodução) observa o receptor especial de televisão TKR-12 da
RCA-Victor, cuja caixa era transparente. (divulgação)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 43
No pavilhão da GE havia outro estúdio de TV. Com 12 aparelhos receptores, modelos HM-
171 e HM-275, eles foram instalados em câmaras escuras para exibição dos programas, com
capacidade para 50 pessoas cada uma. Os participantes também eram entrevistados frente às
câmeras. Todavia, para eles, suas próprias imagens não ficavam nítidas no monitor do estúdio, em
função da forte iluminação necessária a que estavam submetidos. Somente o público que entrava
nas câmaras escuras é que podia ver as imagens com nitidez. As pessoas ficavam admiradas pelo
fato de que, finalmente, a televisão passava a ser uma realidade e por poderem ver amigos ou
parentes no vídeo.
Após a definição dos padrões técnicos e a RCA ter cumprido a obrigação de vender sua
segunda rede de rádio1, em cumprimento com a Lei Antitruste, a FCC autorizou as transmissões
comerciais de TV nos Estados Unidos a partir de 1º de julho de 1941. O público pôde ver as
transmissões da rede NBC Television, através da sua emissora-geradora W2XBS, de Nova York,
e as transmissões da rede CBS, gerada pela WCBW (ex-W2XAB), também nova-iorquina.
Estava lançada oficialmente a televisão dos Estados Unidos da América!
A Feira Mundial de Nova York durou um ano e meio, encerrando-se em 27 de outubro de 1940,
após 44 milhões de visitas e muitos milhões de dólares movimentados em negócios. A RCA
projetou receptores de TV baratos para o início das vendas e saiu na frente com a produção
e desenvolvimento de equipamentos profissionais para estações de televisão, competindo com
a GE e a DuMont. Tornou-se líder de mercado e forneceu equipamentos para a maioria das
emissoras de rádio e TV que surgiram em diversos países nas décadas seguintes, incluindo o
apressado Brasil...
O primeiro sistema de transmissão de TV em preto e branco da RCA, bem como seu futuro
sistema em cores, anunciado no fim da década de 1940, se tornaram os produtos mais lucrativos
da empresa. Praticamente, as premissas básicas desse sistema em cores foram usadas até nos
últimos televisores de tubo produzidos no mundo, em 2014.
A Televisão e a Guerra
Após todos os esforços no processo para a implantação da televisão nos Estados Unidos, as
transmissões tiveram que ser interrompidas no final de 1941, cinco meses após o início das
operações comerciais. O país havia entrado na Segunda Guerra Mundial. O conflito também
abriu um hiato no progresso da televisão na Europa. Nos Estados Unidos, França e Inglaterra,
novas licenças de TV não foram mais concedidas. A maioria das estações em operação no mundo
suspendeu os seus serviços, tal como em Moscou, Paris e Londres. As que permaneceram no
ar ficaram à disposição dos governos, com finalidade de defesa nacional, como nos Estados
Unidos, onde a RCA forneceu televisores para uso em hospitais de Nova York, objetivando
chegar aos militares feridos. A NBC exibiu programas especiais duas noites por semana, sendo
que a W2XBS e a W2XAB transmitiram programas de defesa civil. Na Alemanha, o Terceiro
Reich utilizou-se do veículo para divulgação de seu regime.
1 A segunda rede de rádio da RCA foi comprada pelo empresário Edward John Noble,
proprietário de uma fábrica de doces e de uma rede de drogarias, que formou a ABC - American
Broadcasting System.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 45
Curiosidades da Guerra
• Com os homens lutando no conflito, muitas estações
contrataram mulheres para operar câmeras e mesas de
controle e assim dar continuidade à programação da
televisão. Uma delas foi a WRGB de Nova York.
• Quando a BBC TV, de Londres, voltou ao ar após a Segunda
Guerra Mundial, ela reiniciou a transmissão no mesmo ponto
de um desenho animado do Mickey Mouse que havia sido
interrompido em 1939. Em seguida, surgiu a apresentadora
Jasmine Bligh, que, ironicamente, falou como se nada tivesse
acontecido: “Desculpe pela interrupção do nosso serviço de
programa. Nossa próxima apresentação é…”.
46 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Os preços dos componentes dos televisores caíram significativamente e, com a volta das
emissoras de TV na América e Europa, ver televisão se transformou na diversão favorita de
muitos. Isso preocupou os estúdios de cinema e os diretores de teatro, apesar de que, no caso do
cinema, os estúdios conseguiram gerar receita com a venda de filmes e seriados de arquivo para
a exibição na TV, e também com a produção de películas curtas e seriadas, especialmente para a
televisão, como “I Love Lucy”.
Paris voltou com as transmissões de televisão em outubro de 1945; Moscou em dezembro de
1945; diversas cidades dos Estados Unidos a partir de fevereiro de 1946; e Londres em junho de
1946, com a exibição do Desfile da Vitória dos Aliados.
Nos Estados Unidos, os números da televisão cresceram muito rápido. Seis estações de TV
voltaram a transmitir em 1946 e, um ano depois, esse número subiu para 11. A RCA e diversas
outras fabricantes investiram fortemente na venda de receptores de TV. No fim da guerra,
havia 7 mil aparelhos instalados nos Estados Unidos e, em 1948, o número subiu para 181
mil. Rapidamente a televisão começou a se tornar um grande veículo de massa. Em 1950, os
Estados Unidos já contavam com 106 estações de televisão espalhadas por 60 localidades e mais
de 8 milhões de receptores ligados em bares ou residências, fossem elas ricas ou mais pobres,
visto que a venda já se fazia à prestação. Além dos programas educativos e de entretenimento,
eram transmitidos grandes acontecimentos cívicos, políticos ou esportivos. A maior parte das
emissoras norte-americanas foi montada com equipamentos RCA, empresa que, a partir de 1948,
também passou a receber encomendas para exportação de equipamentos para broadcasting, tendo
as Emissoras Associadas de São Paulo como um dos primeiros clientes estrangeiros, transação
comercial que será amplamente abordada nesta obra.
David Sarnoff
O terceiro e grande presidente da RCA nasceu em 1891, em uma pequena aldeia na Bielorrússia
(na antiga União Soviética) e emigrou com sua família para Nova York em 1900. Para ajudar
no sustento familiar, logo passou a vender jornais após o período de aula, exercendo tal ofício
por seis anos. Lia os jornais para aperfeiçoar seu inglês e, em 1906, iniciou sua carreira no ramo
das comunicações, trabalhando como mensageiro na Commercial Cable Telegraph Company,
subsidiária da empresa britânica que controlava a comunicação por cabo submarino. Contudo,
a chave do telégrafo o atraiu para a subsidiária norte-americana da empresa britânica Marconi
Wireless Telegraph Company, onde foi contratado como office-boy. Acabou se tornando o
mensageiro pessoal do próprio presidente da empresa, Guglielmo Marconi. Com o endosso do
patrão, Sarnoff tornou-se um operador de telégrafo sem fio aos 17 anos e foi voluntário para um
serviço numa das estações remotas da empresa. Lá ele teve oportunidade de estudar com livros
de uma biblioteca técnica e fez cursos por correspondência. Dezoito meses depois, Sarnoff foi
nomeado gerente de uma estação telegráfica no bairro de Sea Gate, Nova York. Era o gerente
mais jovem de Marconi que, no ano seguinte, o promoveu como operador de telégrafos, profissão
em que Sarnoff se tornou habilidoso em pouco tempo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 47
Contudo, apesar da brilhante iniciativa de Sarnoff, ela não avançou em um primeiro momento,
devido ao volume de negócios expandido durante a Primeira Guerra Mundial. Além disso,
supondo que o memorando “Radio Music Box” realmente seja datado de novembro de 1916,
cinco meses depois os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial e todos os serviços
de rádio foram suspensos.
Quando, em 1919, a GE comprou a subsidiária norte-americana da Marconi e incorporou
seus ativos como RCA - Radio Corporation of America, David Sarnoff manteve-se no cargo
de gerente-comercial da nova empresa, passando futuramente para gerente-geral (1921), vice-
presidente (1922), vice-presidente executivo (1929) e presidente (1930). Ele foi o responsável
por fazer disparar as vendas de rádios ao promover, em 1921, a primeira transmissão ao vivo de
um evento esportivo. Também criou e organizou, em 1926, a primeira rede nacional de rádio do
mundo, a NBC - National Broadcasting Company. Depois da implantação do rádio doméstico,
o grande projeto de Sarnoff na RCA foi a exploração do campo da televisão, que, como visto,
apresentou seu sistema totalmente eletrônico na Feira Mundial de Nova York, em 1939.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Sarnoff tornou-se conselheiro na área de comunicações
do governo dos Estados Unidos, a serviço do general Dwight D. Eisenhower. Graças às suas
habilidades em comunicação e ao apoio que deu aos Aliados na ocasião, o russo recebeu a
patente de general-brigadeiro dos Estados Unidos, em dezembro de 1945.
No entanto, quando outros desenvolvedores de televisão entraram em seu caminho, Sarnoff lutou
duramente contra eles. O inventor norte-americano Philo T. Farnsworth foi um dos poucos que
o enfrentou e venceu. David Sarnoff não era engenheiro, mas tinha muita visão e conhecimento
corporativo, algo que o levou a desenvolver bastante a comunicação mundial, especialmente
a televisão. Permaneceu como presidente da RCA até 1947, somando 17 anos no posto, e, em
seguida, passou a exercer o cargo de presidente do conselho-diretor da mesma empresa. Ocupou
esta função até 1970, quando, por motivo de doença, foi obrigado a se afastar. Faleceu no ano
seguinte, aos 80 anos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 49
Na década de 1920 surgiu um forte concorrente para Vladimir Zworykin: o jovem inventor
norte-americano Philo Taylor Farnsworth, que, com apenas 21 anos de idade, patenteou o
primeiro sistema de televisão totalmente eletrônico no mundo. De origem simples, morava em
uma cabana em Utah, longe da civilização moderna e sem energia elétrica. Mas, como era um
garoto muito interessado por livros e experimentos científicos, certo dia leu um artigo que mexeu
muito com suas ideias e sonhos. Ele especulava sobre a possibilidade da invenção de um
equipamento híbrido de cinema e rádio, que seria capaz de emitir imagem e som em tempo real.
Naquela época, muitos cientistas trabalhavam no desenvolvimento da televisão mecânica, como
George Carey, Paul Nipkow, Karl Ferdinand Braun e Campbell-Swinton. Porém, Farnsworth se
deu conta de que a solução para os problemas da maioria dos cientistas e inventores somente
seria encontrada no campo da eletricidade. Até então, as ideias mais inovadoras que apareciam
em artigos escritos pelos pesquisadores eram baseadas nos discos rotativos (Disco de Nipkow),
com a finalidade de transformar luz em eletricidade. Segundo cálculos de Farnsworth, esses
discos teriam de rodar a uma velocidade inatingível para obter imagens que não passariam de
sombras irreconhecíveis.
Até que, com apenas 14 anos de idade, Farnsworth passou a criar um sistema completo de
televisão eletrônica, onde desenhou equipamentos de captação e recepção de imagens. Em 1926,
encontrou dois pequenos investidores que acreditaram em seu potencial. O jovem montou um
laboratório e fundou a empresa Farnsworth, Everson and Gorrell, onde, em apenas um ano,
desenvolveu todo o projeto do Tubo Dissector de Imagens, que faria a função de uma câmera de
TV, e do Tubo de Raios Catódicos, o receptor de TV.
O pedido de patentes de Farnsworth foi solicitado em janeiro de 1927 e seu sistema foi levado
a um resultado prático ainda naquele ano, quando conseguiu realizar a primeira transmissão de
televisão eletrônica no mundo. Com apenas 60 linhas de resolução, foram mostrados rostos e
experiências com bons contrastes. Logo, Farnsworth promoveu melhorias no sistema e passou a
transmitir imagens com estrelas de cinema e palestras com cientistas. Já bem popular, reorganizou
sua empresa em 1929, que passou a se chamar Farnsworth Television Inc. Suas patentes foram
oficializadas em agosto de 1930 e sua primeira demonstração pública do serviço de televisão
totalmente eletrônico foi realizada em 25 de agosto de 1934, no The Franklin Institute, sediado
na Filadélfia. No ano seguinte, Farnsworth passou a operar sua própria estação de televisão,
também na Filadélfia, chamada W3XPF. Após um acordo com a AT&T, celebrado em 1938, o
inventor teve capital para lançar a Farnsworth Television & Radio Corp., com sua fábrica de
aparelhos de TV em Indiana.
Para o russo David Sarnoff, então gerente-geral da RCA-Victor, lhe pareceu absurdo que um
garoto interiorano como Farnsworth, que trabalhava de forma independente, estivesse próximo
de concretizar a complexa invenção da televisão eletrônica e iniciar, sozinho, uma fase comercial
extremamente lucrativa. Ele também estava preocupado com o avanço da tecnologia da transmissão
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 51
de imagens, que poderia prejudicar seu mercado de rádios. A RCA era uma corporação muito
agressiva com a concorrência e contratava os melhores cientistas e engenheiros pagando muito
bem, mas praticamente “obrigava” os inventores a venderem seus direitos de patente e o controle
dos termos do licenciamento. “A RCA não paga royalties. Nós os colecionamos!”, dizia Sarnoff.
Legalmente, ninguém poderia construir um receptor de rádio sem uma licença da RCA e nenhum
rádio poderia ser vendido sem o repasse dos royalties para a empresa.
Então, foi lançada uma grande ofensiva pública contra Farnsworth. A fim de ganhar tempo para
que Vladimir Zworykin desenvolvesse o sistema comercial de TV eletrônica para a RCA e o
lançasse antes de Philo Farnsworth, David Sarnoff publicou artigos em jornais para “esfriar” a
expectativa do público quanto a um breve lançamento da televisão e reafirmar que os modelos
de rádio que estavam à venda não iriam ficar obsoletos tão cedo. “Definitivamente [o rádio] não
seria ameaçado pela nova criação revolucionária de um inventor sem nome”, minimizou Sarnoff.
Depois, em meados de 1931, a RCA fez uma oferta para comprar a empresa de Farnsworth por
US$ 100 mil, mas foi rejeitada. A ideia era simplesmente criar um monopólio, tal como ela fez
com o rádio, eliminando a concorrência e colocando Farnsworth para trabalhar como empregado.
Com a negativa, David Sarnoff tomou uma atitude de diferente abordagem, aumentando o
investimento da RCA no desenvolvimento da televisão para a altíssima cifra de US$ 1 milhão
por ano. Se ele não podia comprar a Farnsworth Television & Radio Corp., iria simplesmente
investir o dinheiro no desenvolvimento de produtos para que estivessem prontos quando as
patentes de Farnsworth expirassem, algo que aconteceria em 1947. Sarnoff tinha paciência e a
RCA tinha dinheiro.
A empresa seguiu desenvolvendo seus sistemas de transmissão e recepção de TV durante os
anos 1930 e a apresentação oficial ao público foi feita durante a Feira Mundial de Nova York de
1939. No entanto, para haver esta sincronia, Sarnoff teve que influenciar o órgão regulatório de
radiodifusão — FCC — para que fosse adiado o início da televisão comercial nos Estados Unidos.
Se Farnsworth lançasse seu sistema primeiro, a RCA teria que pagar pelo uso das patentes.
E assim foi feito. A linha de transmissores, câmeras e receptores da RCA foi produzida utilizando,
sem autorização, diversos projetos desenvolvidos pela Farnsworth Television & Radio Corp. O
próprio Farnsworth e seus funcionários se perguntavam: “Como Sarnoff pôde fazer isso? A RCA
sequer tem as patentes!”. Bem-humorado, Philo Farnsworth fez piada sobre as declarações do
organizador da Feira Mundial de Nova York e de David Sarnoff, de que a TV havia nascido em
30 de abril de 1939: “O bebê está nascendo com barba cheia”, zombou Farnsworth.
Edwin Nicholas, presidente da Farnsworth Television & Radio Corp., aconselhou não processar
a RCA e tentar um acordo de licenciamento. Nicholas começou a negociar com o chefe de
patentes da RCA, Otto Schairer, e chegaram a um acordo depois de quatro meses. Fato inédito, a
RCA acabou cedendo e pagando US$ 1 milhão a Farnsworth, mais os royalties por cada receptor
de televisão a ser vendido. Schairer, como alguns relataram, chorou quando assinou o acordo.
Mesmo com todas as articulações da RCA para atrasar o lançamento da televisão eletrônica
e prejudicar o concorrente, ela realizou um grandioso investimento no desenvolvimento deste
veículo, chegando próximo dos US$ 50 milhões, mesmo antes de receber qualquer quantia
de retorno. David Sarnoff acabou admitindo a força da televisão e decidiu que se ela era o
futuro, a RCA seria a empresa responsável pelo seu lançamento comercial no mundo. Acabou
desenvolvendo equipamentos e receptores de excelente qualidade, que foram vendidos por quase
todo o planeta. A próxima conquista da empresa seria a televisão em cores.
52 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 2
OS PRIMEIROS PASSOS DO RÁDIO E DA TELEVISÃO NO
BRASIL
No Brasil, parte das experiências iniciais com transmissão de rádio-televisão, como também
era chamada a TV, se deu pela iniciativa individual de técnicos de rádio que, por curiosidade
tecnológica e sem maiores interesses financeiros, acabaram realizando cursos publicados em
revistas estrangeiras para montagem de sistemas de transmissão amadores. Já no final dos anos
1930, o presidente da República, Getúlio Vargas, se interessou em implantar a televisão regular
no Brasil, algo que impulsionou o surgimento de cursos práticos para técnico de televisão, seja
presencial ou por correspondência, amplamente divulgados em jornais e revistas brasileiros.
Como tal, surgem, por exemplo, o Instituto Rádio Técnico Monitor e o Instituto Rádio Técnico
Brasileiro, ambos em São Paulo, e o National Schools (da Califórnia), que anunciava em jornais
do Rio de Janeiro.
O cenário da televisão “embrionária” nos Estados Unidos e nos países europeus andou a passos
largos e logo se profissionalizou. Já no Brasil, houve poucas experiências notáveis nesta fase.
Algumas eram profissionais, outras amadoras, mas é preciso que todas elas sejam retratadas, pois
foram responsáveis por chamar a atenção do público brasileiro para aquele incrível veículo que
se desenvolvia rapidamente na Europa e nos Estados Unidos. Isso explica a boa popularidade
que a TV já tinha conquistado em 1950, quando ela foi oficialmente lançada no Brasil.
“A antiga Rádio Sociedade [do Rio de Janeiro] foi, no Brasil, a primeira estação a fazer
experiência de televisão, ao tempo em que Roquette Pinto era seu diretor”, publicou algumas
vezes a “Revista do Rádio”, nos anos 1960, na seção “Sabia?”. Ademais, o jornal “Diário da
Noite”, em uma importante matéria publicada em 1° de março de 1948, com o título “Há Quinze
Anos Já Havia Televisão no Brasil”, o repórter Fernando Lobo afirmou que “o professor Roquette
Pinto foi de fato o primeiro cientista que investigou a televisão no Brasil”. Para falar desta
pesquisa pioneira de Roquette Pinto, é necessário voltar à gênese do broadcasting no Brasil: a
implantação do rádio, que comemora 100 anos em 2022.
1 É por este motivo que “O Guarani” virou trilha do programa “A Voz do Brasil”, do governo
federal, o mais antigo programa de rádio do Brasil.
2 “Antigamente Era Assim...”, A Cena Muda, 16/05/1944, p. 29.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 55
Foi então que o professor decidiu iniciar uma campanha pela divulgação da radiodifusão no
país e pela instalação de uma emissora estatal de rádio educativa. O primeiro passo foi um
trabalho de convencimento junto ao governo federal, onde ele tinha bons contatos. Roquette
Pinto levantou duas bandeiras: a montagem de uma estação educativa no Rio de Janeiro e a
obtenção mais facilitada das licenças de escuta amadora de rádio ao cidadão comum. Naquela
época, era necessário ter um atestado de idoneidade e uma autorização especial do governo
para poder ouvir rádio, algo concedido a poucos privilegiados. Isso tudo por ser um período
pós-guerra e, para o governo, as escutas radiotelegráficas e radiotelefônicas poderiam revelar
segredos militares brasileiros para potências estrangeiras. Os policiais estavam autorizados a
prender quem fosse flagrado ouvindo rádio sem licença.
A Exposição Internacional do Centenário da Independência continuava em funcionamento
quando chegou a notícia de que o governo federal decidiu adquirir os equipamentos das
duas estações de rádio trazidas pela Western Electric. No entanto, o objetivo seria utilizá-las
somente na ampliação do serviço telegráfico e telefônico nacional e elas não iriam prestar
serviços radiofônicos como sonhavam Roquette Pinto e os radioamadores da época. Uma das
duas estações foi montada em Belo Horizonte (MG) e a outra permaneceu na própria SPE da
Praia Vermelha. Esses equipamentos da Western eram mais versáteis que o da Westinghouse
no Corcovado, permitindo a comutação rápida entre sinais de Código Morse (radiotelegrafia) e
sinais de voz e música (radiotelefonia), fossem eles ponto-ponto ou ponto-a-massa (radiofonia/
radiodifusão). O sistema Western Electric da SPE foi solenemente oficializado no início de
fevereiro de 1923, conectando as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Com a campanha de Roquette Pinto em prol da radiodifusão em curso, o jornal carioca “Gazeta
de Notícias” o chamou para escrever em uma coluna dedicada às transmissões de rádio.
Chamada de “Radiophonia”, ela seria o principal canal de divulgação dos passos de sua luta
pela implantação de uma rádio educativa. Como o professor sentia a falta de um programa
de radiodifusão do governo, Roquette assim desabafou na primeira edição de “Radiophonia”,
publicada em 19/04/1923: “Até agora esperei, em vão, que alguém mais autorizado quisesse
fazer pela imprensa o trabalho de vulgarização da radiotelefonia que o momento nacional está
exigindo. À falta dos que sabem muito do assunto, aqui estou eu, que quase nada sei (modéstia à
parte…), para auxiliar os nossos amadores incipientes e os que desejarem ser. Estou convencido
de que prestaremos um grande serviço ao Brasil, procurando conhecer e divulgar os processos
maravilhosos da telefonia sem fio”.
Ao saber que o governo havia feito investimentos somente na aplicação do serviço de
radiotelegrafia e radiotelefonia, deixando de lado a radiofonia/radiodifusão, Roquette Pinto
preparou uma estratégia para tentar colocar no ar uma estação de rádio com seu próprio trabalho.
E assim recorreu ao mestre e amigo francês Henrique Morize, renomado astrônomo, engenheiro
industrial, diretor do Observatório Nacional e presidente da Academia Brasileira de Ciências
(ABC). Roquette, que era o secretário da ABC, propôs que o governo autorizasse que a própria
academia criasse uma estação de rádio educativa, a ser custeada por meio de contribuições
espontâneas e mensalidades de sócios — um rádio-clube. A proposta foi aceita por Morize e
pelos demais membros da ABC, nascendo assim o primeiro projeto de uma estação de rádio
regular no Brasil, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
Uma comissão da ABC visitou o ministro da Viação e Obras Públicas, Francisco Sá, a fim
de informar a intenção de obter uma licença para operação de radiodifusão educativa. Além
disso, os cientistas também apresentaram propostas para mudanças na legislação da recepção
amadora de rádio. O ministro expressou o espírito liberal do governo quanto às solicitações e
declarou que passaria a tratar as questões sobre o rádio de maneira especial. Um dos primeiros
movimentos positivos aconteceu em meados de abril de 1923, quando o diretor da Repartição
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 57
Geral dos Telégrafos, Francisco Bhering — um grande apoiador da prática livre da radiotelefonia
—, determinou que a estação radiotelegráfica SPE da Praia Vermelha passasse a transmitir
sinais broadcasting no período noturno, replicando o conteúdo gerado pelo estúdio de rádio da
Western, montado na Exposição do Centenário. Desta forma, as estações do Corcovado e da Praia
Vermelha passaram a fazer transmissões de programação radiofônica, mas em horários alternados
para evitar interferência. No final de maio de 1923, portanto, o Brasil já estava contando com
duas emissoras de radiodifusão — a temporária SPC e a estatal SPE —, as primeiras do país.
Enquanto isso, cientistas organizadores de uma terceira estação se articulavam para receber uma
autorização e colocar no ar a Rádio Sociedade, algo que em poucos dias seria anunciado: a
Academia Brasileira de Ciências teria sua própria emissora de rádio.
Bhering havia realizado uma viagem à Europa recentemente para estudar operações de rádio. Já
havia, portanto, intenção do governo em organizar um serviço regular de radiodifusão no Brasil,
uma obrigação social a ser cumprida.
Se os dois conjuntos de equipamentos para estação de rádio trazidos pela Western Electric foram
comprados pelo governo, o destino do transmissor e da antena da estação Westinghouse do
Corcovado foi diferente. Como o monumento do Cristo Redentor seria construído naquele local,
era dado como certo o desmonte da SPC, a estação pioneira de radiodifusão do Brasil. O governo
realmente não se interessou em adquirir esses equipamentos e a Westinghouse tentou vendê-los
a preço de custo para a Rádio Educadora Paulista (a pioneira da cidade de São Paulo, ainda em
formação). Mas, ela ainda não possuía recursos para tal e os equipamentos seguiram de volta
para os Estados Unidos, onde foram comprados pela prefeitura de Nova York.
A sociedade civil “Rádio Sociedade do Rio de Janeiro” foi fundada em 20 de abril de 1923
pela Academia Brasileira de Ciências, sob a direção de Roquette Pinto. “No dia 1º de maio, sob
vista grossa da autoridade” 1, a Rádio Sociedade irradiou às 20h30 seu primeiro programa pela
SPE, agora dirigida pelo engenheiro Elba Dias, funcionário do Telégrafo Nacional, e que já
vinha transmitindo alguns programas. A convite da Western Electric, uma conferência dedicada
aos radioamadores foi ao ar do estúdio da SPE, anunciada pelo signatário Cauby de Araújo2 e
proferida por Roquette Pinto, seguida por uma execução musical. Nas semanas subsequentes,
outros programas esporádicos foram irradiados, ainda pela SPE, com alternância de horários
entre as duas emissoras.
Em 11 de maio, impulsionado pelo trabalho de Roquette Pinto e seus colegas cientistas, o
ministro Francisco Sá autorizou a recepção doméstica de rádio sob licenciamento mais brando,
uma grandiosa contribuição dada para o alicerce do rádio brasileiro. Com isso, a assembleia para
a instalação da Rádio Sociedade pôde ocorrer em 19 de maio, realizada no Anfiteatro de Física da
Escola Politécnica do Rio de Janeiro, localizado no Largo de São Francisco. Após aprovação do
1 “Rádio MEC - Herança de um Sonho”, Liana Milanez [org.], Acerp, 2007:73.
2 Cauby de Araújo, posteriormente, seria nomeado como o primeiro presidente da Sociedade
Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
58 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
estatuto e a formação do conselho diretor, Roquette Pinto fez um empolgante discurso, chegando
até a exagerar sobre o alcance que teria a estação transmissora, ao dizer que “todos os lares
espalhados pelo imenso território do Brasil receberão livremente o conforto moral da ciência
e da arte pelo milagre das ondas misteriosas que transportam, silenciosamente, no espaço, as
harmonias”1 .
No início de julho, ainda de 1923, a diretoria da Repartição Geral dos Telégrafos regulamentou as
transmissões alternadas e provisórias da Rádio Sociedade por meio da estação da Praia Vermelha,
enquanto sua concessão definitiva não fosse outorgada e suas instalações não estivessem
concluídas. Sua primeira sede (apenas administrativa, sem estúdio) foi instalada provisoriamente
em uma sala da Livraria Scientifica Brasileira, que ficava na Rua São José, n° 114. Em 20
de agosto, quatro meses depois da sua fundação, o presidente da República, Arthur Bernardes,
autorizou as operações próprias e definitivas da Rádio Sociedade para fins educativos e puderam
ser realizadas suas primeiras experiências de transmissão sem o apoio da estação SPE. Em 7 de
setembro de 1923, finalmente, discos de gramofone puderam ser ouvidos oficialmente pela onda
de 310 m (967 KHz), transmitida pela antena do Laboratório de Física da Escola Politécnica. O
transmissor era de fabricação Pekam, com 10 watts de potência, doado à Rádio Sociedade pela
Casa Pekam, uma loja argentina de equipamentos profissionais de rádio, com representação no
Rio de Janeiro. Logo, a Sociedade recebeu também um transmissor Telefunken como doação da
Casa Siemens Schuckert e passou a utilizar os dois equipamentos alternadamente.
Em 8 de novembro de 1923, a nova sede da Rádio Sociedade foi inaugurada no 6º andar do
edifício Guinle, na Avenida Rio Branco, nº 109, local onde aquela agremiação passou a oferecer
aos seus associados uma biblioteca, sala de leitura e um laboratório. Além, é claro, de uma
estação própria de radiodifusão. Dias antes da inauguração da nova sede, a fim de ajustar seus
equipamentos Pekam e Telefunken, a Rádio Sociedade passou a realizar irradiações noturnas
de concertos e poesias na onda provisória de 375 m. Com a inauguração da nova sede, a Rádio
Sociedade iniciou oficialmente suas transmissões regulares e não transmitiu mais pela SPE. Pelo
fato de o rádio ainda não se enquadrar nas verbas orçamentárias do governo, no dia 01/06/1924
o Telégrafo Nacional autorizou que a programação da SPE passasse a ser produzida por uma
organização social. Com isso, a estação continuou como um órgão do Telégrafo Nacional, mas
transmitindo programação educativa gerada pelo Rádio Club do Brasil, mantida por meio da
contribuição mensal de seus sócios 2.
Foi então que, atendendo aos desejos do governo da Tchecoslováquia, a Academia Brasileira de
Ciências e a Rádio Sociedade receberam do governo brasileiro o pavilhão com que aquele país
se fizera representar na Exposição do Centenário, situado na Avenida das Nações1 . Em maio de
1924, após uma grande reforma, a ABC e a estação de rádio transferiram-se para aquele local,
que era um belíssimo palacete. A inauguração da estação da Rádio Sociedade, com prefixo SQ1A
e equipamento Marconi Wireless Telegraph Co., foi realizada em 13 de junho. As duas torres
que sustentaram a antena foram instaladas nas laterais do palacete e eram as mesmas outrora
utilizadas na pioneira e extinta estação SPC, do Morro do Corcovado. Segundo o jornal “A
Pátria”, na edição de 19 de abril de 1925, a antena da Rádio Sociedade era “muito modesta para
a possante estação Marconi”, algo que reduzia o alcance que o transmissor poderia proporcionar.
O fato é que o problema de espaço ainda persistia.
para falar da televisão no Brasil, em pleno ano de 1934, o periódico procurou a pessoa com maior
gabarito, Edgar Roquette Pinto, que nessa época também presidia a Confederação Brasileira de
Radiodifusão. O professor continuava realizando suas experiências de televisão e declarou ao
jornal que elas foram iniciadas já em maio de 1933. Segundo ele, naquela fase era transmitido
apenas um cartaz com as siglas “A.B.I.”, que eram as iniciais da Associação Brasileira de
Imprensa.
A estação experimental de televisão operou a partir das salas da Rádio Sociedade do Rio de
Janeiro, em um prédio na Rua da Carioca, n° 45. As primeiras transmissões foram feitas em
Ondas Médias de 400 m (750 KHz - a mesma frequência da Rádio Sociedade) e, na ocasião
daquela reportagem de 1934, as experiências estavam sendo realizadas nas faixas de 200 m e 50
m (respectivamente 1500 KHz [Ondas Médias] e 6 MHz [HF]).
Eis a descrição literal e detalhada que Roquette Pinto deu para a importante reportagem do jornal
“A Noite”, sobre seu sistema experimental de televisão:
O processo empregado pela Rádio Sociedade é o mais simples: o objeto ou a figura são iluminados
fortemente por uma lâmpada elétrica; a imagem projetada na célula fotoelétrica é previamente
decomposta em elementos, por meio de um Disco de Nipkow, simples disco de alumínio com 30
perfurações de meio milímetro de diâmetro, dispostas em espiral. Girando, as perfurações vão
levando os raios luminosos que exploram toda a extensão da imagem, a ferir a célula fotoelétrica
em pontos sucessivos. O disco perfurado de Nipkow, na televisão, corresponde à retícula na
fotogravura. A célula fotoelétrica intercalada num circuito de amplificador, ligado ao transmissor,
governa e modula a irradiação. A célula fotoelétrica, na transmissão das imagens, faz o papel
do microfone na transmissão dos sons. O receptor consta de uma lâmpada de néon, ligada no
lugar do alto-falante. A intensidade da luz vermelha da lâmpada de néon varia de acordo com
as modulações que a célula fotoelétrica impõe às ondas do transmissor. Diante da lâmpada de
néon faz-se girar, com a mesma velocidade usada na do transmissor, um disco igual. Na Rádio
Sociedade, os motores synchronos do transmissor e do receptor dão 750 rotações por minuto. O
disco do receptor, rodando, recompõe a figura. Atualmente, o receptor que vai acompanhando
as transmissões da Rádio Sociedade acha-se entregue ao distinto artista e apaixonado amador
Flávio Goulart de Andrade, em sua residência, na Glória.
O repórter Fernando Lobo assinou uma matéria publicada pelo “Diário da Noite” [RJ], em 1º
de março de 1948. Ele destacou que “três homens estiveram empenhados na tarefa de investigar
a possibilidade de refletir a imagem à distância: o sábio Roquette Pinto, Flávio [Goulart] de
Andrade e Henrique Foréis, conhecido como “Almirante” pelo público ouvinte do rádio”. A
reportagem também trouxe uma entrevista com o próprio locutor Almirante, que relembrou
como foi sua experiência de televisão ao lado de Roquette Pinto.
Mas Roquette sabia que ainda era cedo para a televisão. Até lá,
havia muita coisa a ser feita, como salvar a rádio [Sociedade] ou, se
não conseguisse, passá-la para um órgão público — o que acabou
acontecendo. (“Rádio MEC - Herança de um Sonho”, Liana Milanez
[org.], Acerp, 2007:85)
Em julho de 1936, as experiências com televisão de Roquette Pinto foram concluídas e ele
acabara de tomar a decisão de efetivar a doação da Rádio Sociedade. Há 13 anos no ar, aquela
agremiação seguia com as contas em dia e com sua premissa básica de servir à cultura do povo.
Entretanto, a Rádio Sociedade foi intimada a cumprir as exigências do Decreto nº 20047, de 27 de
maio de 1931, que extinguiu a figura dos clubes e sociedades do rádio e obrigou a transformação
daquele centro de ciências, letras e artes em uma companhia comercial, com exploração de
publicidade. Por ter nascido na contramão dos padrões das emissoras comerciais, que passaram
a predominar a partir de 1932, o futuro da estação dos cientistas estava incerto. Seus estatutos
1 Como visto no Capítulo 1, o Iconoscópio é um Tubo de Vácuo (ou válvula) que capta imagens
e as transforma em um sinal elétrico.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 63
não permitiam exploração comercial e, portanto, era necessário fazer cumprir seu último artigo,
que mandava entregar a estação ao governo, caso não fosse mais possível continuar dentro de
seus ideais.
“Acho que o rádio pode, e deve, fazer anúncios. O mal está na venda do horário, pois o anunciante
exige e faz o que entender. A Rádio Sociedade também fez alguns anúncios, mas estes passavam
por um filtro, só se dizia o que podia ser dito”, declarou Roquette Pinto à “Revista do Rádio”,
em 1950.
O ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, concordou com a exigência feita por
Roquette Pinto de que os objetivos educacionais da emissora não fossem desvirtuados. A estação
foi juridicamente doada, incluindo móveis, instrumentos musicais e seu valiosíssimo arquivo
musical. Em 7 de setembro de 1936 (Roquette sempre escolhia esta data), a estação passou a ser
chamada de PRA-2 - Rádio Ministério da Educação, mas ainda sob a direção de Roquette Pinto
por alguns meses. Depois, assumiu o posto seu colega e técnico em educação do Ministério da
Educação, Fernando Tude de Souza. Nessa época, a nova paixão do pioneiro da radiodifusão no
Brasil já era o cinema, mas ele seguiria acompanhando de perto o excelente desenvolvimento
educacional da Rádio MEC, algo que o deixou muito satisfeito.
A estação segue no ar até hoje, operando da Praça da República, n° 141-A, no centro do Rio
de Janeiro, ainda como propriedade da União. É controlada pela EBC - Empresa Brasil de
Comunicação, operando como Rádio MEC1 (Música, Educação e Cultura) em AM 800 KHz.
Como já visto, houve uma época em que as grandes descobertas, inventos e novidades industriais
eram apresentados em importantes feiras internacionais. Em abril de 1939, por exemplo, a
Feira Mundial de Nova York foi inaugurada e mostrou “O Mundo de Amanhã”. Após a Grande
Depressão2 , os Estados Unidos estavam se reerguendo economicamente e queriam mostrar seu
progresso tecnológico para o mundo. Nas primeiras décadas do século XX, as feiras também
aconteciam com bastante frequência no Brasil e se dedicavam a exposições nacionais ou
internacionais. A feira do Rio de Janeiro, chamada de Feira de Amostras, era anual e considerada
uma das mais importantes do país. Ficava instalada onde hoje estão as avenidas General Justo,
Marechal Câmara e a Praça Salgado Filho, bem próximo ao Aeroporto Santos Dumont.
Apenas dois meses após a estreia comercial da TV norte-americana, alguns brasileiros
privilegiados também tiveram oportunidade de ter o primeiro contato com a tecnologia da
televisão. Graças ao apoio do governo de Getúlio Vargas, uma série de demonstrações públicas
ocorreu no Rio de Janeiro, quase 11 anos antes do lançamento da primeira estação regular de TV
no Brasil, a PRF3-TV Tupi-Difusora de São Paulo.
A 1ª Exposição de Televisão do Brasil foi inaugurada em 3 de junho de 1939, instalada em dois
pavilhões da Feira de Amostras, no então Distrito Federal do Rio de Janeiro. Foi organizada
pelo Departamento Nacional de Propaganda, em parceria com o Departamento dos Correios
e Telégrafos da Alemanha. A iniciativa nasceu após o encerramento da Exposición de Tele-
1 Há uma retransmissora da MEC AM em Brasília (800 KHz) e, também, a MEC FM (99,3 MHz)
do Rio de Janeiro, que conta com programação exclusiva.
2 A Grande Depressão teve início em 1929 e terminou apenas com o início da Segunda Guerra
Mundial, em 1939. É considerado o pior e o mais longo período de recessão econômica do
século XX.
64 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Communicaciones de Buenos Aires, Argentina, onde, por solicitação do governo daquele país,
o Departamento dos Correios e Telégrafos do Terceiro Reich realizou as exibições práticas de
televisão com seus famosos e modernos equipamentos de fabricação Telefunken, para captação,
transmissão e recepção.
Devido ao grande sucesso em Buenos Aires, surgiu a ideia de a comitiva alemã dar uma “esticada”
até o Rio de Janeiro e realizar uma apresentação semelhante. O Ministério dos Correios e
Telégrafos alemão entrou em contato com Lourival Fontes, diretor do Departamento Nacional
de Propaganda, que manifestou apoio naquilo que fosse necessário.
A Alemanha desde cedo investiu bastante no desenvolvimento da televisão. Suas experiências
começaram em Berlim, no ano de 1929, com transmissões experimentais de imagens estáticas.
Em 1932, o Departamento dos Correios e Telégrafos mandou construir o primeiro transmissor
para faixa de VHF com grande alcance — entre 60 e 80 km —, a ser instalado na torre de Berlim-
Witzleben. Com isso, foi inaugurado o serviço regular e diário de televisão, juntamente com
operações de visio-telefonia1 . Em 1939, a indústria da Alemanha já produzia muitos receptores
de TV e havia grande esforço para colocá-los à venda com preços acessíveis. Para os alemães
que ainda não podiam ter um receptor, foram montados salões de exibição pública e gratuita de
televisão.
O governo alemão enviou ao Brasil alguns técnicos e engenheiros de seu Instituto de Pesquisas
Científicas. Também vieram os equipamentos Telefunken, que contavam com o que havia de
mais moderno na tecnologia daquele país. Os equipamentos chegaram em 15 de maio de 1939,
vindos da Argentina pelo vapor Bahia. Já em terra firme, em um dos pavilhões, foi instalada a
estação de televisão e em outro a de visio-telefonia.
No dia 2 de junho de 1939, foi realizada a solenidade de inauguração do evento, aberta somente
a autoridades, convidados e à imprensa. Hans Pressler, diretor dos Correios e Telégrafos da
Alemanha e da Divisão de Pesquisas Científicas, era o responsável técnico do evento e se
encarregou de conduzir a demonstração para os repórteres. O enfoque foi a real utilidade da
televisão e de todos os sistemas correlatos, como a telefotografia1 e a visio-telefonia. Segundo
Pressler, o objetivo principal foi dar uma ideia do conjunto da televisão. “Para tanto, devemos
dar a conhecer tanto a rádio-televisão, como a visio-telefonia, sendo que ambas estão sendo
muito cultivadas em meu país”, declarou o alemão.
O presidente Getúlio Vargas ouviu com maior interesse as explicações dos técnicos e resolveu
fazer uma experiência pessoal. Em outro ponto do pavilhão, participou da experiência em uma
cabine de visio-telefonia, enquanto, a alguns metros, na outra cabine, instalou-se o ministro da
Justiça Francisco Campos. Os televisores reproduziram as imagens de ambos, que sorriram ante
aquela prova prática, assistida por muitos curiosos. Vargas, por fim, assistiu à projeção de uma
película, exibida nos oito televisores Telefunken disponíveis. Produzido para o Natal de 1938, o
filme retratou a Exposição do Estado Novo, onde o próprio Vargas proferiu um notável discurso,
merecedor dos aplausos de milhares de pessoas. Com a projeção daquela película, Vargas teve a
grata oportunidade de assistir a si próprio, algo incomum na época.
A partir do dia seguinte, 4 de junho, a 1ª Exposição de Televisão foi aberta ao público. Com
entrada franca, as outras apresentações foram acontecendo com os artistas do rádio e palestras
sobre o funcionamento de uma estação de televisão. Para aquela primeira noite de demonstrações
públicas, o Departamento Nacional de Propaganda organizou programas artísticos com
Manuelzinho Arauto, Carmen Barbosa, Conjunto Regional Benedito Lacerda, Silvinha
Melo, Anjos do Inferno, Sara Tabisque, Carmen Eugênia, Amanda Ribeiro Gualano, Elisiano
D’Ambrósio, Orquestra de Salão de Carlos Viana de Almeida, Ida Melo, Matilde de Andrade
Adamo, Lídia de Alencar e Paulo Carvalho. Houve a apresentação, também, de um programa
chamado “Samba e Outras Coisas”, com Marília Batista, Henrique Batista, Dilermando Cruz
e outros. As apresentações aconteceram até 20 de junho de 1939, colocando o Brasil entre os
primeiros países a contemplar a televisão funcionando. Ao término das demonstrações, o público
do Rio de Janeiro constatava o avanço das ciências e das realizações técnicas na Alemanha e
muitos saíam esperançosos de que a televisão seria uma breve realidade em nosso país.
Era tudo muito novo, mas os cariocas já começaram a se familiarizar com aquela tecnologia que
futuramente fascinaria todo o país. Nos jornais brasileiros, viu-se descrições básicas e curiosas
como “Tudo o quanto foi feito diante do microfone da primeira, era fielmente reproduzido na
segunda, onde um grande aparelho de rádio, além de transmitir os sons, retratava, numa pequena
tela localizada na tampa, a imagem dos artistas ou grupo de artistas em função”.
Sobre uma possível continuidade da parceria dos governos alemão e brasileiro, acerca da
implantação de televisão, o diretor alemão Hans Pressler declarou entusiasmadamente que
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 67
“estão de parabéns todos os brasileiros, porque, brevemente, poderão ter, em suas residências,
a maior de todas as conquistas humanas no setor científico. Para tanto, contamos com o apoio
oficial, a fim de que seja difundida tão importante inovação, no mesmo ritmo em que está sendo
difundido entre nós o maravilhoso invento de Marconi”.
Getúlio Vargas realmente teve interesse em implantar um sistema de propaganda política pela
televisão, mesmo se tratando de um veículo que necessitava de maior desenvolvimento para se
tornar viável. Mas, era muito cedo. Na verdade, o governo brasileiro não teria condições para
viabilizar a implantação de uma estação de TV, muito menos a Rádio Mayrink Veiga, do Rio
de Janeiro, que em meio às demonstrações de televisão, cogitou a possibilidade de adaptar seu
estúdio às transmissões de televisão. Segundo os jornais da época, os diretores da emissora
teriam até conversado com Hans Pressler a esse respeito. Naturalmente, não muito tempo depois,
desistiram do projeto, que estava longe de ser economicamente viável, mas ficou registrado na
história que os dirigentes da Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro pensaram em fazer televisão
ainda nos longínquos idos de 1939.
Depois das experiências de Roquette Pinto com televisão, entre 1933-36, foi a vez da PRD-3 -
Rádio Difusora de Petrópolis (RJ) também tentar montar um sistema prático e colocá-lo no ar.
Em 1939, o fundador e diretor da emissora, engenheiro Waldemar Rodrigues, construiu sozinho
todo o sistema de captação, transmissão e recepção de TV mecânica. Inicialmente, realizou
experiências de televisão com o sistema de discos (Disco de Nipkow), mas, logo depois, migrou
para as experiências eletrônicas, quando encomendou um Iconoscópio com uma empresa da
Inglaterra. Rodrigues fabricou uma antena e a instalou no alto do bairro da Independência, de
onde se avistava boa parte do Rio de Janeiro. Sua pretensão estratégica foi ligar seu receptor no
edifício do jornal “A Noite”, no centro do Rio. A previsão era que as experiências acontecessem
em julho de 1939, aproveitando o ensejo do encerramento recente da 1ª Exposição de Televisão
no Rio de Janeiro.
68 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
É sabido que Rodrigues conseguiu realizar algumas transmissões de televisão com a estação
amadora e experimental da Rádio Difusora de Petrópolis. Contudo, não há mais detalhes.
por morros e a 13 km do centro da cidade. (entrevista a Olavo Bastos Freire, realizada, em junho
de 2001, por Nilo de Araújo Campos e Hilda Rezende Paula/Acervo Funalfa)
Até que chegou o momento de Olavo Freire demonstrar publicamente seu sistema de televisão.
Era 1948 e sua preocupação era com o pioneirismo, já que, no ano anterior, René Barthélemy,
considerado o “pai” da televisão francesa, havia visitado o Rio de Janeiro para realizar
conferências e prometido voltar para promover demonstrações de televisão no ano seguinte1 .
Freire quis demonstrar seu sistema antes do francês, mas não conseguiu. Contudo, colocou seu
sinal no ar em Juiz de Fora horas antes da primeira e marcante demonstração realizada pela
Rádio Nacional no Rio de Janeiro, em 28 de setembro de 1948, que falaremos a seguir. Nesta
data, Olavo Freire montou a câmera e o transmissor no alto do Clube Juiz de Fora e o receptor
na assistência-técnica Casa do Rádio, que recebeu autoridades e imprensa. A transmissão foi
realizada na frequência de 114,7 MHz (vídeo) e faixa de 80 m (áudio - 3,75 MHz).
Em 21 de maio de 1950, por ocasião da celebração do centenário da cidade, Olavo Freire fez a
primeira transmissão no Brasil de uma partida de futebol, mesmo que amadora, entre o time local
Tupi F.C. e o Bangu A.C. (RJ). O evento aconteceu no estádio de Juiz de Fora e foi acompanhado
pelo público por um receptor instalado no centro da cidade. Naquela noite, o “Repórter Esso”
noticiou o pioneirismo pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Em 1960, Olavo Freire foi trabalhar em Curitiba, na instalação da TV Paranaense (atual RPC
TV), permanecendo na emissora por alguns anos e onde criou outros aparelhos interessantes,
como um controle remoto para transmissor e um sintetizador de som. Freire também chegou
a fazer algumas transmissões experimentais de TV no Rio de Janeiro. Faleceu em 2005 e
grande parte de seus equipamentos foi preservada. Hoje, eles estão sob os cuidados da Funalfa -
Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage, em Juiz de Fora. O trabalho de Olavo Freire incentivou
o desenvolvimento das telecomunicações nesta cidade, já que um grupo local se empenhou em
implantar uma retransmissora de televisão, para depois, inaugurar sua própria estação geradora
de programação local.
Enquanto Olavo Bastos Freire montava sua estação de TV em Juiz de Fora, o mesmo fazia
seu amigo Eduardo Ferreira da Rocha, técnico de rádio e morador do bairro do Catumbi, no
Rio de Janeiro. Ele gastou todas as suas economias e construiu, entre 1947-48, um sistema de
televisão com câmera, transmissor e receptor. Segundo ele, o alcance da estação era de 50 km
de distância. Apesar de ter emprego, Rocha tinha poucos recursos e família numerosa. Construiu
o equipamento nas horas de folga, com base em estudos de 20 anos com revistas nacionais e
estrangeiras de eletrônica. Contava com ajuda de dicionários para tradução dos textos.
Uma reportagem sobre mais este amador-pioneiro da televisão no Brasil foi publicada em maio
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 71
de 1948, pelo “O Jornal do Rio de Janeiro”, editado pelos Diários Associados. “No aparelho
receptor, depois de devidamente sintonizado, as figuras surgem, a princípio imprecisas, onduladas
e, em seguida, nítidas, perfeitas, à proporção que o aparelho esquenta”, informou a reportagem.
A câmera foi apontada para o quintal do inventor.
Quase todas as peças do sistema foram fabricadas pelo técnico, tais como chassis, enrolamentos
de transformadores, tripés e antenas. Somente importou as válvulas, o Iconoscópio e o tubo-
monitor. Como era funcionário de uma empresa de aviação, a Panair do Brasil — que pertencia
a Mário Wallace Simonsen, futuro fundador da TV Excelsior —, Rocha teve oportunidades para
comprar esses equipamentos nos Estados Unidos, inclusive para o colega mineiro Olavo Bastos
Freire, como já mencionado.
“Muitos me chamaram de louco, não acreditavam no que eu estava fazendo. E mesmo depois
de pronto, raros acreditavam no que viam”, disse Rocha, cujos planos eram de realizar
aperfeiçoamentos, como aumento da tela do receptor.
A última experiência de televisão amadora a ser retratada é a de José Victor Damélio, um jovem
paulista, radiotelegrafista da Polícia Civil, que construiu um aparelho de televisão em 1948 e
passou a demonstrá-lo em março de 1949, em uma sala situada no Largo de São Francisco, centro
de São Paulo. Damélio sempre acompanhou tudo o que dizia a respeito do desenvolvimento da
televisão. Sem tantos recursos e tampouco apoio financeiro, com muito sacrifício conseguiu
alimentar sua curiosa mania de televisão amadora, seja comprando peças, adquirindo livros e
revistas especializadas. Uma reportagem do jornal “Correio Paulistano”, publicada na coluna
“Rádio”, descreveu esta experiência paulistana, ocorrida um ano e meio antes da estreia da
primeira emissora de TV.
O professor René Barthélemy, que ficou conhecido como “pai da televisão francesa”, era
membro da Academia de Ciências de Paris e engenheiro-chefe dos laboratórios de pesquisas de
televisão da Compagnie des Compteurs de Montrouge. Ele esteve no Brasil em agosto de 1947,
onde realizou uma série de conferências, intitulada “A Televisão - Histórico, Desenvolvimento
e Estado Atual”.
“Depois de 25 anos de trabalho relativamente discretos, resolvi fazer neste país a apresentação
oficial dos estudos e aperfeiçoamentos realizados na França, no tocante à televisão”, declarou
o francês em uma coletiva à imprensa brasileira. Barthélemy deu detalhes sobre a grande
capacidade da estação francesa de televisão, instalada na Torre Eiffel, em Paris, e que já fazia
transmissões diárias. Perguntado sobre as possibilidades de instalar uma estação de TV no Brasil,
Barthélemy disse que tudo dependeria de algum interessado e que ele tinha condições de montá-
la em apenas um ano. Ainda segundo ele, o investimento seria apenas 30% maior que o de uma
estação de rádio e, devido à necessidade de instalar o transmissor em local alto, o melhor lugar
para isso, no Rio de Janeiro, seria no Corcovado. Durante as conferências, Barthélemy projetou
um filme institucional, mostrando a linha de produção de transmissores e receptores de televisão
na França.
Meses depois, após empolgante acolhida a Barthélemy por parte dos brasileiros, a França
deu continuidade nas investidas para estabelecer negociações tecnológicas com o Brasil,
principalmente no campo da televisão, para montar estações e vender aparelhos receptores. Jean
Le Duc, engenheiro e diretor-geral da Compagnie des Compteurs de Montrouge, esteve no Rio
de Janeiro, em abril de 1948, para realizar alguns estudos sobre problemas com cinema, televisão
e outras aplicações eletrônicas. E anunciou que um conjunto de equipamentos de televisão estava
a caminho para que fossem realizadas experiências de televisão no Rio de Janeiro, projeto que já
havia sido citado por Barthélemy quando em solo brasileiro.
Por meio de uma parceria com o governo federal, ficou definido que as demonstrações dos
franceses seriam realizadas na Escola Técnica do Exército e depois nos estúdios da Rádio
Nacional, uma emissora estatal.
No ano de 1948, a Praia Vermelha, no bairro da Urca, Rio de Janeiro, entrou mais uma vez
para a história da radiodifusão do Brasil. No local, já não havia mais a estação de rádio SPE,
como visto no início deste capítulo, pois ela foi repassada pelo governo a uma entidade sem
fins lucrativos, mudado de endereço e se tornado a Rádio Club do Brasil. Na praça principal
da praia, o governo federal construiu alguns prédios para suas repartições, dentre elas, a Escola
Técnica do Exército, fundada pelo general Eurico Gaspar Dutra quando ministro da Guerra. O
estabelecimento formava engenheiros de diversas especialidades, função ainda mantida, mas
agora com o nome institucional de IME - Instituto Militar de Engenharia.
Naquele estabelecimento era muito comum serem realizadas conferências de caráter técnico-
científico, dirigidas à elite cultural do país. Isso abriu portas para que lá fossem organizadas as
demonstrações práticas de televisão que a francesa Compagnie des Compteurs de Montrouge
queria realizar na Capital da República. O comandante da Escola Técnica do Exército, general
Franklin Emílio Rodrigues, foi o responsável por receber a equipe técnica.
O evento de demonstração de televisão foi realizado nos dias 7 e 8 de julho de 1948, no auditório
da Escola Técnica do Exército. No primeiro dia, com as presenças ilustres do embaixador
francês Hubert Guérin, do chefe do Estado Maior Geral, do chefe do Estado Maior do Exército,
dentre outras autoridades e da imprensa, o evento foi aberto com as palavras do general Franklin
Rodrigues. Em seguida, foi exibido um pequeno filme, que mostrou as grandes oficinas técnicas
da Compagnie des Compteurs de Montrouge e a fabricação de diversos componentes que
compunham os aparelhos receptores e transmissores de televisão.
Uma explanação técnica foi realizada pelo engenheiro Mathieu Adolphe Bonfanti, do Comitê
Internacional de Cinema e Televisão, que abordou detalhes do novo veículo de comunicação.
O engenheiro dirigiu todos os trabalhos de demonstração e fez referências ao professor
René Barthélemy, que teve de cancelar sua participação naquele evento, pois fora chamado
urgentemente em Buenos Aires para fechar um contrato de instalação de televisão.
O sistema francês de captação e transmissão sem fio de imagem e som foi instalado na Escola do
Estado Maior do Rio de Janeiro, que ficava no lado oposto da praça da Praia Vermelha, a cerca
de 200 m de distância dos receptores instalados na Escola Técnica do Exército. Tanto o edifício
quanto a escola existem até hoje e agora é chamada de ECEME - Escola de Comando e Estado
Maior do Exército.
74 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
A PRE-8 - Rádio Nacional do Rio de Janeiro foi inaugurada pela iniciativa privada em setembro
de 1936, operando do edifício Joseph Gire, mais conhecido como edifício A Noite, onde havia
funcionado o jornal vespertino homônimo, proprietário da emissora. O edifício é um arranha-céu
de 22 andares, localizado na Praça Mauá, no centro do Rio de Janeiro, considerado um marco
arquitetônico do país.
Após quatro anos de operações, a Rádio Nacional foi encampada pelo governo federal e passou
a ser controlada pelas Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional. Mesmo sendo estatal, era
mantida com recursos de publicidade. Nessa época, a emissora começou a disputar a preferência
popular com a Rádio Mayrink Veiga, a campeã de audiência carioca. Com grande faturamento
comercial, a Nacional passou a realizar produções de alta qualidade, que lhe trouxeram fama e
reconhecimento público. Em 1941, ela colocou no ar a primeira radionovela brasileira, “Em Busca
da Felicidade”, seguida de muitas outras de sucesso estrondoso. Naquele mesmo ano, surgiu
também pela Nacional o “Repórter Esso”, que se tornou num famoso noticiário radiofônico,
com o slogan “Testemunha Ocular da História”. Nos anos seguintes, diversos avanços físicos e
técnicos foram conquistados pela Nacional, colocando-a entre as mais bem equipadas do mundo.
Para exemplificar, foram inaugurados novos transmissores, novos estúdios e um auditório com
486 lugares. Também deram início as operações em Ondas Curtas com alta potência, em um
sistema de cinco antenas direcionais para favorecer as transmissões internacionais.
Já no final dos anos 1940, a Rádio Nacional se tornou a líder de audiência, tanto no Rio de Janeiro
como em outras praças do país. Além das radionovelas, os programas de auditório também eram
um grande sucesso. Nessa época, Armando Calmon Costa era o diretor-geral da emissora, Mário
Neiva o diretor-administrativo e Victor Costa o diretor de broadcasting e de radioteatro.
No segundo semestre de 1948, a PRE-8 estava prestes a inaugurar novos equipamentos de
transmissão em Ondas Médias, com 25 kW de potência, e se preparava para realizar outro
importante acontecimento para a história da radiodifusão do Brasil: uma série de experiências
com transmissão de televisão no Rio de Janeiro. O evento era fruto da parceria entre o governo
federal e a francesa Compagnie des Compteurs de Montrouge, que havia realizado demonstração
semelhante na Escola Técnica do Exército, dois meses antes. Assim que foram concluídas estas
primeiras demonstrações, os equipamentos já seguiram para a Rádio Nacional e foi iniciado
o processo de instalação. Após um período de experiências internas, havia chegado a hora de
realizar as demonstrações públicas, televisionando programas de sucesso pelo ar, direto dos
estúdios e do auditório da Rádio Nacional, utilizando-se de sua estrutura de produção e de seu
elenco. Os responsáveis-técnicos pelas experiências foram novamente os engenheiros Mathieu
Adolphe Bonfanti e Jean Marti, ambos da companhia francesa.
juntamente com um transmissor da faixa de VHF com apenas 4 watts de potência. A frequência
de vídeo a ser usada era 203 MHz, diferente do padrão atual de radiodifusão, e estaria hoje entre
os canais VHF-11 e 12. Não há notícias de que houvesse aparelhos de TV no Brasil naquela
época.
Toda a série de demonstrações de televisão da Rádio Nacional contou com os receptores de TV
da própria Compagnie des Compteurs de Montrouge. Três deles foram montados nas vitrines
da recém-inaugurada Óptica Lux, da Galeria Cruzeiro, situada na Avenida Rio Branco, nº
173, esquina com a Avenida Nilo Peçanha. A distância do transmissor até os receptores era de
exatamente de 1 km em linha reta.
A primeira das demonstrações foi programada já para o dia 21 de setembro de 1948. “Terça-Feira
- Televisão no Rio” foi uma das manchetes do “A Noite”1. A edição histórica trouxe algumas
fotos dos equipamentos franceses, instalados no edifício da Rádio Nacional: a antena, a mesa de
controle de imagens, uma luminária, uma câmera e um rack com diversos outros equipamentos
menores. Na mesma edição do “A Noite”, a matéria “Agora Sim! Vamos ‘Ver’ e ‘Ouvir’ Estrelas”
forneceu mais detalhes sobre as experiências, que até então eram tratadas com certo sigilo, até
mesmo dentro da própria Rádio Nacional.
Entretanto, um dia antes da primeira noite de demonstrações, uma considerável interferência
eletromagnética foi detectada e optou-se por remarcar a primeira exibição pública para a semana
seguinte, em 28 de setembro, uma terça-feira, às 21h.
A população aguardou ansiosa e, no grande dia, uma multidão se acomodou defronte aos monitores,
ligados a grandes alto-falantes. A Avenida Rio Branco foi bloqueada, tamanha quantidade de
curiosos em ver um dos maiores inventos do século XX. O povo carioca, que passou a chamar o
local de “Esquina da Televisão”, também queria ver os rostos de seus artistas prediletos. Grande
parte dos programas seria irradiada simultaneamente pelo rádio e pela televisão.
Abrindo as apresentações do dia 28, foi irradiado um show especialmente organizado para a
TV, com a participação de vários artistas do elenco, incluindo uma cena cômica com os atores
Ema D’Ávila, Floriano Faissal e Brandão Filho. Entre 21h30 e 22h, foi ao ar pelo rádio e pela
televisão o “Rua 42”, consagrado programa da Rádio Nacional, produzido por Max Nunes e
Manoel Barcelos. Era um dos mais alegres e movimentados programas de auditório e que, além
de seus animadores, contava com a colaboração de grande número de artistas anônimos, pois
seu elenco era formado por ouvintes e se renovava constantemente. Aquela edição especial do
“Rua 42” contou com a participação da dupla Alvarenga e Ranchinho, de Emilinha Borba e Dora
Lopes. O famoso xarope Phymatosan foi o primeiro produto a ter uma propaganda veiculada
pela televisão. O sucesso do “Rua 42” era tamanho que o patrocinador, visionário, contratou os
serviços de uma empresa cinematográfica para fazer a filmagem em 16 mm da avant-première
do programa na televisão, naquela noite de 28 de setembro. A ideia foi tornar o material um
documento precioso, que testemunharia, através dos tempos, o primeiro programa de rádio no
Brasil a ser televisionado. Outro objetivo era exibir a gravação à população do interior. Contudo,
não há notícia sobre o paradeiro deste importante material.
O público reagiu muito bem ao que viu nos televisores e ouviu dos alto-falantes. “Sucesso
Extraordinário” foi a manchete estampada na edição seguinte de “A Noite”, com uma foto do
show de abertura destacando os músicos Adelaide Chiozzo e o regional de Dante Santoro. Na
mesma foto, veem-se nos bastidores os dois engenheiros franceses, juntamente com o diretor
Victor Costa, importante nome da radiodifusão brasileira, já que, futuramente, seria proprietário
de emissoras como a TV Paulista, Rádio Excelsior e diretor da Rádio Nacional de São Paulo.
Equipamentos franceses para transmissão de TV, utilizados para demonstração pela Rádio
Nacional do Rio de Janeiro em 1948. (A Noite/reprodução)
Para o final de semana seguinte da estreia das apresentações, iriam ao ar outras expressões do
elenco carioca de radioteatro, além dos cantores Floriano Faissal, Osvaldo Elias, Simone Morais,
Dulce Martins, Brandão Filho e outros. Eles se apresentariam no programa “Casa da Sogra” da
Rádio Nacional, com roteiro de Eurico Silva. Ele entrou no ar às 21h do sábado, 2 de outubro,
e, na sequência, foi a vez do estreante trovador romântico Carlos Ramirez, um colombiano que
veio fazer uma temporada de apresentações na Rádio Nacional. Já no domingo, dia 3, às 21h,
foi exibido “Nada Além de 2 Minutos”, outro consagrado programa da Nacional, produzido por
Paulo Roberto. Em seguida, às 21h30, foi ao ar “Papel Carbono”, um programa de Renato Murce
que expressava muita alegria e trazia calouros muito inteligentes.
A série de demonstrações práticas de televisão também contou transmissões nos dias 5, 9 e 12
de outubro, com a programação alternando entre produções exclusivas para a TV e os programas
consagrados da Rádio Nacional.
PARTE 2
CHATEAUBRIAND ENTRA PARA A HISTÓRIA DA TV
CAPÍTULO 3
CHATEAUBRIAND SE ENCANTA COM A TELEVISÃO
F
rancisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello nasceu na cidade de Umbuzeiro (PB)
em 4 de outubro de 1892. Mas, foi em Recife onde cresceu, estudou as ciências humanas e
se tornou professor de Filosofia do Direito e de Direito Romano. Na mesma cidade iniciou
sua carreira jornalística, escrevendo para o “Jornal do Recife”. Colaborou também no “Jornal
Pequeno” e nas colunas do “Diário de Pernambuco”, onde chegou a ser redator-chefe desse
órgão de imprensa, que é o mais antigo da América Latina em circulação.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 81
Em 1917, Chatô — como também era conhecido — transferiu-se para o Rio de Janeiro e passou a
escrever excelentes comentários sobre assuntos internacionais para os jornais “A Época”, “Jornal
do Commercio”, “Jornal do Brasil” e “Correio da Manhã”, este último que o enviou à Europa para
trabalhar como correspondente. Ao regressar, em 1921, o paraibano pediu demissão e dedicou-
se, com a ajuda dos amigos Alfredo Pujol e Alexandre Mackenzie, na organização de um grupo
destinado a levantar capital e comprar um jornal. A empreitada foi um sucesso e, em 1924,
passou às mãos de Chateaubriand “O Jornal do Rio de Janeiro” — ou simplesmente “O Jornal”
—, um periódico que enfrentava complicada situação financeira. Reerguido, ele foi o embrião
dos Diários Associados — posteriormente “Diários e Emissoras Associados” —, empresa que
Chateaubriand fundou e dirigiu. Por meio de processos em que a “audácia do aventureiro que
tudo arrisca” se tornaria uma marca registrada, o grupo se tornou o maior conglomerado de
mídia da América Latina, um verdadeiro império das comunicações, chegando a controlar 34
jornais; 36 emissoras de rádio; 18 estações de televisão; uma agência de notícias; uma grande
revista semanal (“O Cruzeiro”); a revista feminina mensal “A Cigarra”; várias revistas infantis;
uma editora; e, ainda, nove fazendas produtivas, indústrias químicas e laboratório farmacêutico.
“O Rei do Brasil”, como Assis Chateaubriand foi chamado no título de sua biografia, escrita por
Fernando Morais, era engajado no movimento político. Apoiou a Aliança Liberal na campanha
que teve por desfecho a vitória da Revolução de Outubro de 1930, que conduziu Getúlio Vargas
ao poder. Em 1932, Chatô participou da Revolução Constitucionalista, dando seu apoio à causa
paulista, que resultou na tentativa frustrada do governo em mandá-lo para o exílio no Japão.
No ano de 1935, com a presença especial do grande explorador italiano das ondas “hertzianas”,
82 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Guglielmo Marconi, foi inaugurada no Rio de Janeiro a primeira emissora de rádio de Chatô, a
PRG-3 - Rádio Tupi.
O dr. Assis era impetuoso, rápido, decidido, apaixonado e progressista. Em 1941, ele promoveu a
Campanha Nacional de Aviação, com o slogan “Deem asas ao Brasil” e o objetivo de desenvolver
a criação de linhas aéreas. Quatro anos depois, incomodado com a mortalidade infantil, criou a
companhia “Redenção à Criança”, onde uniu bancos, empresas, instituições e governos estaduais
para garantir a instalação de centenas de postos de puericultura por todo o país. Também realizou
a campanha “Café Fino” para motivar agricultores a aprimorar suas plantações. Trabalhou
no desenvolvimento do Correio Aéreo Nacional, na defesa e respeito ao índio (era amigo do
marechal Rondon), no desenvolvimento de programas contra o desmatamento e na criação da
Escola de Propaganda e Marketing de São Paulo. Como um grande incentivador da cultura,
também criou o MASP - Museu de Arte de São Paulo, em 1947, um dos mais importantes do
mundo e que hoje leva seu nome.
O emblemático prédio que abriga hoje o MASP, na Avenida Paulista, foi concebido especialmente
pela arquiteta Lina Bo Bardi e inaugurado em novembro de 1968, com a presença ilustre da
rainha da Inglaterra, Elizabeth II, aproveitando sua visita oficial ao Brasil. Hoje, o prédio do
MASP é um dos cartões postais da cidade e seu acervo é de valor cultural inestimável para o país,
abrigando cerca de 8 mil peças, que incluem obras de artistas internacionais de renome, como
Renoir, Monet, Manet, Toulouse-Lautrec, Van Gogh, Rembrandt; e de artistas brasileiros como
Almeida Júnior, Cândido Portinari, Anita Malfatti e Victor Brecheret.
Tupi - Canal 3 de São Paulo, tema principal desta obra literária. Dois anos depois, ele foi eleito
senador pelo Estado da Paraíba e, em 1955, se reelegeu pelo Estado do Maranhão. Contudo,
renunciou ao mandato dois anos depois, para assumir a embaixada do Brasil no Reino Unido,
a convite do presidente da República Juscelino Kubitschek. Em 1954, Chatô foi eleito para a
Academia Brasileira de Letras, assumindo a Cadeira 37, deixada pelo recém-falecido Getúlio
Vargas.
Chateaubriand, Chatô, dr. Assis ou Velho Capitão amava seu país. Foi um misto de jornalista,
mecenas, empresário e político. Figura complicada e polêmica, fez com que a criação da primeira
emissora de televisão no Brasil fosse repleta de acontecimentos emocionantes e inesperados.
“Era ao mesmo tempo conservador na política e modernizador na economia; liberal na ideologia,
mas afeito a autoritarismos; amigo do capital internacional, mas promotor da cultura nacional e
apegado às raízes da identidade brasileira”1. Sempre muito audacioso, ganhou diversos inimigos
durante sua carreira e foi alvo de muitas críticas, que o rotulavam de chantagista, patife etc.
Entretanto, também havia aqueles que o admiravam, o seguiam e o consideravam um grande
visionário e empreendedor.
1 “Meridional: a agência de notícias que integrou o Brasil”, Pedro Aguiar, Agências de Notícias,
2018
84 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Tupi - Canal 3 de São Paulo, tema principal desta obra literária. Dois anos depois, ele foi eleito
senador pelo Estado da Paraíba e, em 1955, se reelegeu pelo Estado do Maranhão. Contudo,
renunciou ao mandato dois anos depois, para assumir a embaixada do Brasil no Reino Unido,
a convite do presidente da República Juscelino Kubitschek. Em 1954, Chatô foi eleito para a
Academia Brasileira de Letras, assumindo a Cadeira 37, deixada pelo recém-falecido Getúlio
Vargas.
Chateaubriand, Chatô, dr. Assis ou Velho Capitão amava seu país. Foi um misto de jornalista,
mecenas, empresário e político. Figura complicada e polêmica, fez com que a criação da primeira
emissora de televisão no Brasil fosse repleta de acontecimentos emocionantes e inesperados.
“Era ao mesmo tempo conservador na política e modernizador na economia; liberal na ideologia,
mas afeito a autoritarismos; amigo do capital internacional, mas promotor da cultura nacional e
apegado às raízes da identidade brasileira”1. Sempre muito audacioso, ganhou diversos inimigos
durante sua carreira e foi alvo de muitas críticas, que o rotulavam de chantagista, patife etc.
Entretanto, também havia aqueles que o admiravam, o seguiam e o consideravam um grande
visionário e empreendedor.
Fernando Morais, biógrafo de Chateaubriand, revela em sua obra “Chatô, o Rei do Brasil”
(1994), que foi o prefeito Fábio Prado, com a ajuda de Samuel Ribeiro, presidente da Caixa
da Econômica Federal, quem conseguiu uma solução para a crise entre Chateaubriand e os
Matarazzo. Prado foi informado que dois imóveis vizinhos entre si estavam à venda na Rua
Sete de Abril, do outro lado do Viaduto do Chá. Em um deles, no nº 62, havia um pequeno
sobrado comercial e, ao lado, havia funcionado o restaurante L’Auberge de Marianne. Segundo
Morais, uma operação de compra do sobrado foi proposta pelo prefeito, onde Chateaubriand
receberia os 220 contos do conde e colocaria mais 60 de seu próprio bolso. Por outro lado, a
Caixa Econômica faria um contrato de publicidade de 50 contos com os Diários Associados e o
prefeito Fábio Prado convenceria o conde a assinar outro contrato de 50 contos de publicidade
com os jornais de Chatô. Somando tudo, chegaria ao valor do imóvel e Chateaubriand poderia
também comprar o antigo restaurante para demoli-lo e construir a sede definitiva de seus jornais
em São Paulo.
1 “Meridional: a agência de notícias que integrou o Brasil”, Pedro Aguiar, Agências de Notícias,
2018.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 85
Chateaubriand acabou optando por comprar apenas o sobrado comercial da Rua Sete de Abril,
nº 62, onde instalou redações, sucursais e fundou a PRG-2 - Rádio Tupi - 1040 kHz. Mas, logo
em seguida tratou de comprar um outro terreno da mesma rua, no nº 230, onde construiu um
edifício de quatro andares, batizado de “Guilherme Guinle”, uma homenagem em vida que
Chateaubriand fez ao amigo, empresário e investidor de suas causas. Foram transferidas para
este edifício as redações, rotativas e a Rádio Tupi, que ganhou um auditório com 150 assentos
no 3º andar.
A briga entre Chatô e o conde Matarazzo logo acabou, pois, no ano seguinte, uma matéria de “O
Jornal” (14/05/1936) trazia a seguinte manchete: “Visita do Conde Matarazzo às Instalações dos
‘Diários Associados’ em S. Paulo”.
Conhecendo a América
Em julho de 1944, Chateaubriand fez uma série de visitas de negócios nos Estados Unidos,
país que ainda não conhecia. Em Washington, recebeu tratamento sequer concedido a ministros
brasileiros, ficando hospedado na Blair House, uma casa do governo americano destinada a
chefes de Estado estrangeiros. Surpreso, sem ter solicitado, o brasileiro se viu convidado a tomar
um café da manhã com o poderoso chefe do Departamento de Estado, Cordell Hull, com honras
de estadista. Hull admirou-se com as ousadias empresariais daquele exótico latino-americano
e o convidou para acompanhá-lo em uma viagem que faria à cidade de Buffalo, algo que seria
oportuno para conceder uma entrevista exclusiva ao jornalista e empresário brasileiro.
86 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Na etapa seguinte da viagem, Chateaubriand visitou algumas cidades da costa oeste e embarcou
para Nova York, onde seria oficialmente recebido pelo prefeito Fiorello La Guardia. Também se
reuniu com Arthur Hays Sulzberger, o publisher do jornal “The New York Times”, que gostou
tanto do brasileiro que acabou convidando-o a dar uma entrevista coletiva à imprensa americana
na redação de seu jornal. Apresentado como “o poderoso editor de 26 jornais, cinco revistas e 16
estações de rádio no Brasil”, a entrevista foi um sucesso ao contar com representantes de alguns
dos mais importantes órgãos de imprensa americanos, como “Times”, “The Wall Street Journal”,
“Washington Post”, “Herald Tribune”, “Sun” e “New York Daily News”. O “New York Times”
publicou a entrevista na seção internacional, com o título “Brasileiro Exige Bases Militares
Comuns Para as Américas”, tema muito abordado na conversa com os jornalistas.
O destino final da viagem de Chatô era a sede da empresa de equipamentos de broadcasting
RCA-Victor, localizada no complexo Rockefeller Center, em Nova York. O presidente da
empresa, David Sarnoff, preparou-se para receber seu importante cliente brasileiro, que tinha
muita visão de futuro e que já havia adquirido diversos equipamentos RCA para sua extensa
cadeia de rádios espalhada pelo Brasil.
A estadia do Velho Capitão nos Estados Unidos durou um pouco mais de um mês. Um dia
antes de partir para o Rio de Janeiro, onde estava sua principal morada, foi homenageado em
um almoço com personalidades da vida política e intelectual norte-americana. O evento foi
organizado pelo amigo milionário e empresário Nelson Rockefeller, então presidente do Museu
de Arte Moderna de Nova York.
Para a mencionada visita de negócios com Chateaubriand, David Sarnoff preparou seu estande
de demonstração dos avanços tecnológicos da radiodifusão no mundo. A própria guerra
proporcionou grande avanço tecnológico nas comunicações e, para Sarnoff, o período pós-guerra
era propício para realizar o aprimoramento do rádio como veículo de comunicação de massa,
formando grandes redes nacionais e até internacionais de radiodifusão.
Chateaubriand era o pioneiro na América do Sul na exploração comercial de rádio em Ondas
Médias com alta potência e agora queria investir em equipamentos mais modernos para quatro
de suas emissoras — Rádio Tupi - 1280 KHz (Rio de Janeiro), Rádio Tupi - 1040 KHz (São
Paulo), Rádio Farroupilha - 600 KHz (Porto Alegre) e Rádio Sociedade da Bahia - 740 KHz
(Salvador). É interessante salientar que o Velho Capitão aguardava pelo fim da Segunda Guerra
Mundial, época em que a União Internacional de Telecomunicações regulamentaria o uso de
canais (frequências) exclusivas em Ondas Médias, com permissão para operar com a altíssima
potência de 50 kW. Dois exemplos são os “canais internacionais” de 1040 KHz e 1280 KHz,
então usados exclusivamente pela Rádio Tupi de São Paulo e do Rio em toda América do Sul e
Caribe1.
Com o tema “expansão do rádio” concluído, Sarnoff quis demonstrar ao seu potencial cliente
outros esforços que a RCA realizava em plena guerra. Em um amplo salão de reuniões estavam
1 Em função de limites de financiamento por parte dos bancos norte-americanos, a RCA teve que
rejeitar o pedido de compra de duas das quatro estações que Chateaubriand desejava equipar
com transmissores de 50 kW: da Rádio Farroupilha e da Rádio Sociedade da Bahia. Contudo,
após nova negociação realizada em 1949, finalmente essas duas rádios foram equipadas com
transmissores RCA de 50 kW.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 87
instalados, junto às janelas, novos modelos de câmeras de televisão, apontados para uma
belíssima e ampla vista. Alguns receptores mostravam as imagens captadas com boa nitidez
para a época. Chatô nunca tinha visto nada parecido em três décadas à frente de suas empresas.
Ademais, na mesma sala, estava presente o próprio o engenheiro Vladimir Zworykin, um dos
criadores da televisão eletrônica e que agora atuava como vice-presidente da RCA.
Animado, o brasileiro fez diversas perguntas a Zworykin sobre o equipamento que transmitia
imagem e som conjugados. Após as explicações, Chateaubriand, muito encantado com a palavra
“imagem” e que até vinha pensando em investir no cinema, tomou uma rápida decisão: pediu
que Sarnoff registrasse, naquele momento, a primeira ordem de compra de uma emissora de
televisão fora dos Estados Unidos! Observando a euforia e encantamento de Chatô, Sarnoff
alertou ao amigo que era muito cedo para o Brasil pensar em televisão e que ele deveria esperar.
Recomendou, ainda, que o jornalista se preocupasse primeiramente com o fortalecimento de
sua grande rede de emissoras de rádio. Funcionários próximos ao Velho Capitão revelaram em
entrevistas que sua resposta a Sarnoff foi dada nestes termos:
— Esperar o quê!? E lhe digo mais: não quero uma emissora. Quero duas!
A mente vanguardista de Chateaubriand rapidamente vislumbrou emissoras de TV para as rádios
Tupi do Rio de Janeiro e de São Paulo, numa iniciativa extremamente ousada e arriscada. Afinal,
esse era mesmo o perfil do grande empresário nordestino.
Chatô convenceu David Sarnoff, mas teria que aguardar bastante para realizar seu desejo. Após o
registro de intenção de compra, era preciso que a Segunda Guerra acabasse para que fosse dado
andamento à montagem dos equipamentos das primeiras emissoras de televisão “tupiniquins”.
De volta ao Brasil e ainda muito animado, Chatô não perdeu tempo e foi à busca de arrecadação
financeira de anunciantes para cumprir os pagamentos, junto à RCA, das duas estações de
TV completas. Isso porque, sempre sem recursos, o “colecionismo” de veículos de mídia
de Chateaubriand só poderia crescer com a contribuição de anunciantes. A verdade era que
seus jornais e rádios paulistas davam resultados financeiros inferiores às necessidades do
desenvolvimento. Em parte, isso acontecia porque os lucros das empresas paulistas estavam
sendo reinvestidos em equipamentos para a Rádio Tupi, fabricados pela própria norte-americana
RCA, e em rotativas Vomag para os dois jornais. Para efeito de comparação, embora o número
de leitores e anunciantes estivesse em franco crescimento, se somadas as receitas operacionais
das duas rádios e dos dois jornais “Associados” paulistas entre 1946-50, elas são inferiores às do
maior jornal paulista daquele período, “O Estado de São Paulo”.
Foi então que o Velho Capitão tratou de procurar seus amigos e empresários Walter Belian —
88 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Chatô convenceu os dois empresários a financiar as estações de TV que almejava. Após a guerra,
já em 1946, outros dois empresários também foram convidados a investir nos novos veículos
de Chateaubriand, por meio das empresas Sul América Seguros e Moinho Santista. As quatro
patrocinadoras entraram com o capital necessário, em troca de extensos contratos de publicidade
na TV, com duração variando em 12 ou 18 meses. A compra de todos os equipamentos das
emissoras do Rio e de São Paulo ficou orçada na astronômica cifra de US$ 5 milhões (ou Cr$
16 milhões na época). Vale ressaltar que tais patrocinadores arcaram com parte dos custos de
montagem da emissora, enquanto um longo financiamento com fornecedores ficou por conta dos
Diários Associados.
Em 1947, passada a Segunda Guerra Mundial, Chateaubriand voltou aos Estados Unidos para
concretizar a encomenda dos equipamentos das suas duas estações de televisão. A demonstração
e as negociações foram feitas pelo presidente executivo da RCA International, Meade Brunet,
também velho conhecido de Chatô. Naquele ano, começava a ser vendido o primeiro transmissor
comercial da empresa, o modelo TT-5A, com 5 kW, próprio para operar nos canais baixos de
2 a 6, na faixa de VHF. Até então, a RCA tinha testado seu imenso transmissor experimental,
também de 5 kW, operado entre 1939-46 no Empire State Building, transmitindo a estação
W2XF-TV, geradora da rede NBC.
Durante as negociações de televisão com Chateaubriand, Meade Brunet fez uma proposta
amigável e que requeria mais paciência e confiança do brasileiro. A RCA já receberia os US$ 150
mil que os Diários Associados dispunham, referentes à entrada dos equipamentos de televisão.
Porém, a entrega aconteceria mais adiante, a fim de que fossem superados alguns problemas
de ordem financeira junto a bancos norte-americanos. Além disso, Chatô poderia receber uma
versão do transmissor TT-5A já com alguns aperfeiçoamentos em relação à primeira série, de
1947.
— Confiem em nós e não tenham pressa em receber o transmissor. Cada vez mais o laboratório
aperfeiçoa a técnica” — disse Brunet ao amigo brasileiro.
O desejo de que a TV Tupi alcançasse plenamente diversas cidades nos estados de São Paulo
90 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
(principalmente Santos, Jundiaí e Campinas) e do Rio de Janeiro fez com que o Chatô aceitasse
a proposta. O Velho Capitão confiou no amigo e na empresa da qual era cliente antigo. Contudo,
houve um problema com o prazo estipulado pela RCA e a empresa declarou que precisaria de
um tempo ainda maior para entregar os equipamentos das duas estações de televisão dos Diários
Associados.
Valeu a pena o voto de confiança que Chatô deu à RCA. Pelo mesmo valor, ao invés de levar a
primeira versão do transmissor TT-5A, com alcance de 20 milhas (32 km), o jornalista receberia,
em 1950, uma versão atualizada, com importantes progressos tecnológicos que faria o sinal
“viajar” até 80 milhas (128 km). “Quando se tem confiança nos amigos, é preferível não ficar
nos oito, para ganhar amanhã 80. Desta vez, foi o que aconteceu conosco e a RCA, com quem
costumamos trabalhar na base de uma maravilhosa confiança não de oito, mas de 80”, comemorou
Chateaubriand em um artigo publicado em 22 de setembro de 1950.
A categoria técnica de potência de transmissão da emissora paulistana seria igual à da estação
da RCA em Nova York, a W2XF-TV (NBC). Chatô previu que a televisão acabaria adquirindo
grande importância no Brasil e resolveu investir no novo meio como uma solução possível para
quebrar as barreiras que seus impressos e rádios enfrentavam para se expandir. A televisão seria um
instrumento que poderia permitir os Diários e Emissoras Associados atuarem como construtores
e conformadores de realidade em todo o território nacional. Isso explica sua grande preocupação
se haveria longo alcance dos sinais da televisão. Quanto mais longe chegassem, maiores as
possibilidades de lucros com publicidade, ainda mais por que era necessário muito recurso para
manter esta aventura cara e de retorno incógnito. Nos dias atuais, esse pensamento mudou e as
emissoras-geradoras têm alcance menor, pois agora contam com diversas retransmissoras, que,
por sua vez, também geram conteúdos e têm publicidade local.
A pedido de Chatô, técnicos da RCA e da Marconi Wireless Corporation estiveram na Capital
paulista entre 1946-47 para analisar as condições topográficas para irradiação do sinal de
televisão. No entanto, todos eles foram totalmente céticos quanto às pretensões do sinal da TV da
Rádio Tupi chegar às cidades de Santos, Jundiaí e Campinas, localidades que tanto despertavam
interesse do Velho Capitão. Mesmo que a conclusão foi que levar o sinal à distância pretendida
por Chatô somente seria possível por meio de retransmissoras ou cabos telefônicos, o empresário
paraibano era muito insistente e resolveu apostar para ver.
Uma nova versão do transmissor TT-5A foi lançada 18 meses após o sinal de compra depositado
por Chatô e, finalmente, o contrato entre as Emissoras Associadas e RCA foi assinado no dia
2 de maio de 1949, em São Paulo. No entanto, apesar da euforia, a entrega acabou atrasando
mais um pouco e, no total, Chateaubriand teve que aguardar quase dois anos para receber os
equipamentos no Brasil.
Comprado o transmissor RCA, foi necessário que representantes técnicos das Emissoras
Associadas de São Paulo fossem aos Estados Unidos para conhecer de perto o funcionamento de
uma estação de TV e escolher os demais equipamentos necessários para a montagem da estação.
Era fim de 1948 quando Chateaubriand e Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Diários
e Emissoras Associados de São Paulo, designaram para viajar ao exterior o diretor-técnico de
suas emissoras de rádio — Tupi e Difusora —, o engenheiro Mário Alderighi, e seu assistente
Jorge Edo. Na verdade, os escolhidos para esta viagem tinham sido o diretor-técnico e o diretor-
artístico das rádios, Oduvaldo Vianna. Mas, este último não aceitou e chamaram Jorge Edo,
92 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 4
CIDADE DO RÁDIO - ERGUE-SE O “BERÇO” DA TV TUPI
N
o dia 24 de novembro de 1934, uma voz se elevou do alto da colina do Sumaré, Zona
Oeste de São Paulo, anunciando um novo prefixo radiofônico: PRF3 - Rádio Difusora
São Paulo, transmitindo em Ondas Médias de 335 m (895 KHz). Fundada pelo dr. Décio
Pacheco Silveira, juntamente com um grupo de empresários, a Difusora surgiu com um dos mais
modernos e amplos estúdios de rádio. Naquela época, já estavam no ar em São Paulo a Rádio
Educadora Paulista (a pioneira da cidade), Record, Cruzeiro do Sul, São Paulo e Excelsior.
O objetivo dos organizadores da Difusora era oferecer ao país uma estação à altura do
desenvolvimento vertiginoso do povo paulista e iniciar um grande ciclo de renovação da
radiodifusão brasileira. Para isso, foi autorizada a operação com um transmissor de alta potência,
o único no continente, dotado de aperfeiçoamentos técnicos introduzidos pela primeira vez no
Brasil. “Vão marcar, essas irradiações, um notável melhoramento no que concerne aos domínios
do rádio em nossa terra e imprimirão um novo e poderoso impulso à radiodifusão no Brasil”1,
publicou o jornal “Correio Paulistano”.
Outro pioneirismo da Difusora é que ela foi a primeira rádio no país a se organizar sob a forma
de sociedade anônima. Seus incorporadores foram os drs. Luiz Antônio Fleury Assumpção
(presidente) e Manfredo Antônio Costa (superintendente). O dr. Décio Pacheco Silveira assumiu
como diretor-secretário e se encarregou da parte cultural do negócio. Na lista dos acionistas
figuraram nomes de grande relevo nos meios bancários, comerciais e culturais. Assunção e
Manfredo Costa vinham do ramo elétrico e haviam participado da construção de usinas geradoras
e venda de aparelhos. O diretor-artístico foi Fernando Getúlio Costa e o gerente técnico J. M.
Lacerda. A direção-geral da estação ficou a cargo do dr. Nicolau Tuma, também desempenhando
o papel de locutor principal. O conselho fiscal foi constituído pelo dr. Antônio Prudente de
Moraes, pelo empresário José Rebelo da Cunha e pelo dr. Ubiratan da Silveira Pamplona.
A programação inicial foi ao ar entre 11h e 23h e logo ganhou a preferência do público. A boa
qualidade do som, considerado o melhor, valeu-lhe o título de “A Emissora do Som de Cristal”,
1 “A Rádio Difusora S. Paulo Vai Iniciar o Ciclo Renovador da Rádio-Difusão Brasileira”, Correio
Paulistano, 11/11/1934, p. 8.
94 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
alcunhado pelo poeta Guilherme de Almeida. O comando da locução era de Nicolau Tuma, um
dos mais conhecidos homens de rádio da época, que se tornou o primeiro locutor esportivo de
São Paulo. Devido a velocidade com que narrava as partidas de futebol, Tuma ficou conhecido
como o “speaker-metralhadora”. Já o diretor Décio Pacheco Silveira foi o criador e apresentador
do programa “Hora da Saudade”, o “carro-chefe” da emissora.
O terreno da Rádio Difusora ficava na colina do antigo sítio Sumaré, Zona Oeste de São Paulo,
e foi adquirido por escambo com a urbanizadora do bairro, a Sociedade Paulista de Terrenos e
Construções Sumaré Ltda. Algumas ações da emissora foram trocadas pelos seis lotes irregulares
da Quadra 28, que tinha um total de 4297 m2 e era contornada pela Avenida Prof. Alfonso Bovero
(nome atual), pelas ruas Piracicaba e Catalão, e pela viela protetora da tubulação do Reservatório
do Araçá, localizado à frente do terreno da Difusora. Esta viela hoje é chamada de “Travessa
Xangô” e continua como uma faixa de terra de propriedade da companhia de saneamento local.
A transação entre terreno e ações da emissora não se tratou de uma simples troca, mas de um
investimento, já que José Rebelo da Cunha entrou para o conselho fiscal daquela sociedade
radiofônica, como mencionado. Havia também o interesse de que a instalação de uma rádio
atraísse mais moradores ao novo bairro. A oportunidade de assistir a programas ao vivo nos
estúdios e a presença de artistas pelas ruas (poucos possuíam carros naquela época) criaria um
atrativo a mais para a venda dos lotes do recém-lançado Sumaré, “bairro chic para residências
entre Perdizes, Higienópolis e Pacaembu”, como dizia o anúncio de vendas.
As obras da primeira fase das instalações da Rádio Difusora se iniciaram em meados de 1933,
quando foi construído um conjunto de edificações térreas em pequena parcela do terreno. Foram
observados os preceitos das mais modernas técnicas de construção, de acordo com exigências
estabelecidas pelos últimos congressos de radiodifusão. As edificações contaram com dois
estúdios, sala de transmissores, sala de manutenção, escritórios para direção e gerência, salões
para ensaios, sala para visitantes, lanchonete etc. O sistema acústico dos estúdios foi revestido
de materiais especiais, baseados nos princípios dos técnicos da grandiosa rede de rádio norte-
americana NBC.
Uma torre de 87 m foi erguida no terreno, que era um dos pontos mais altos da cidade de
São Paulo1. A montagem da Difusora foi dirigida por Juan Carlos Braggio, diretor-técnico
da International Standard Electric Company, também responsável pela montagem da maior
emissora de Ondas Médias da Europa, em Budapeste. A inauguração das operações da estação
PRF3 - Rádio Difusora São Paulo se deu em 24 de novembro de 1934, às 21h, em ato que contou
com a presença do representante do interventor no estado de São Paulo, Francisco Machado de
Campos.
Sistema Irradiante
O transmissor da Rádio Difusora, modelo 301-A, foi fabricado pela norte-americana Western
Electric Co. Contava com 5 kW de potência, mas a transmissão era feita com 7,5 kW, devido ao
ganho que era obtido pela antena. Essa potência era suficiente, na época, para chegar com clareza
em quase todo o continente sul-americano.
A torre da Rádio Difusora foi fabricada nos Estados Unidos pela Blow Knox Co. e se tornou um
1 A prática de instalar transmissores e torres de Ondas Médias em colinas posteriormente
seria abandonada com a descoberta de que a propagação das ondas é favorecida
quando são instalados em regiões mais distantes dos centros urbanos, especialmente
em áreas baixas, onde há represamento de água.
96 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
importante marco da cidade, tanto visual quanto técnico. Primeiro, porque ela era bastante alta e
recebeu um sistema de iluminação que embelezou ainda mais a paisagem agradável do Sumaré,
garantindo a segurança noturna da torre contra colisões de aeronaves. Segundo, porque seu
sistema de transmissão inovador foi o primeiro a ser instalado no Brasil. Até então, as estações
de Ondas Médias usavam como antena um dipolo horizontal, que ficava suspenso, esticado e
fixado na ponta de duas torres de sustentação paralelas. Já o moderno sistema que a Difusora
trouxe para o Brasil utilizava uma única torre autoportante, chamada de “Self Supporting Vertical
Radiator” (Irradiador Vertical Autoportante), onde o sinal é irradiado por toda sua extensão.
Este novo sistema, além de melhorar a propagação do sinal local durante o dia, evitava o fading,
um problema muito comum nas transmissões em Amplitude Modulada (AM). Trata-se de um
fenômeno natural, onde o sinal fica mais fraco em localidades mais distantes e, após pouco
tempo, retorna ao nível normal. Basicamente, o sistema de transmissão usado pela Difusora
ainda é usado nas emissoras atuais.
Força do Vento
Um violento temporal atingiu a cidade de São Paulo na manhã do dia 3 de outubro de 1935. Nos
altos do Sumaré, a velocidade do vento foi demasiadamente forte e fez a torre da Rádio Difusora
envergar no meio e desabar. Com cerca de 15 toneladas, felizmente ela tombou para o lado
oposto do edifício da rádio e ninguém se feriu. Horas depois, os técnicos conseguiram colocar a
emissora no ar novamente, por meio de uma adaptação provisória na antena.
Uma nova torre foi inaugurada em 22 de setembro de 1936, no mesmo local, agora com 93 m de
altura, seis a mais que a anterior. A estrutura também foi feita em aço-galvanizado pela empresa
Blow Knox Co. Além da inauguração da nova torre, a Difusora aproveitou para aprimorar seu
moderno transmissor, garantindo significativas melhorias no “Som de Cristal”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 97
A Vizinhança do Sumaré
Populares observam
destroços da torre de 87
m da Rádio Difusora,
no Sumaré, derrubada
por fortes ventos em
1935. (Diário da Noite/
reprodução)
As operações em Ondas Curtas da Rádio Difusora São Paulo foram lançadas em 1941, na noite
de Natal. Após as transmissões experimentais, foram para o ar, oficialmente, os mais potentes
transmissores de rádio da América Latina e entre os 15 do mundo, com 25 kW, especialmente
construídos pela Sociedade Técnica Paulista. As frequências de operação da Difusora em Ondas
Curtas eram de 49 m - 6095 KHz (ZYB-7) e 25 m - 11765 KHz (ZYB-8). “Um presente de Natal
aos 45 milhões de brasileiros”, dizia um anúncio.
A Difusora foi a primeira emissora do Brasil a operar nas faixas de Ondas Curtas, levando seu
sinal para todo o mundo, já que seus canais eram exclusivos e potentes. A emissora conquistou
suas concessões de Ondas Curtas após ter apresentado a melhor proposta numa concorrência
pública realizada pelo Ministério da Viação e Obras Públicas. O Sumaré agora se comunicava
com o mundo.
Ainda nos anos 1940, as operações de Ondas Curtas da Rádio Difusora passaram a contar com
uma terceira estação, em 19 m (ZYB-9 - 15155 KHz). Duas das três faixas de Ondas Curtas da
Difusora eram utilizadas pela Rádio Tupi. Aliás, era esse o objetivo maior de Chateaubriand ao
fazer sua valiosa oferta para aquisição da “Flor do Sumaré”, como também ficou conhecida a
Rádio Difusora São Paulo.
98 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Em 1941, em meio a muito sucesso, foram iniciadas obras de ampliação das instalações da
Rádio Difusora. Seria construído o primeiro prédio no Brasil especialmente projetado para
transmissões de rádio. A proposta foi contar com estúdios maiores e um grandioso palco-
auditório, algo indispensável para aquela fase bem produtiva do rádio. O auditório disporia
de excelente qualidade técnica e beleza, para a realização de programas musicais com grandes
orquestras e programas de entretenimento em geral.
As primeiras instalações da Difusora foram preservadas e as novas foram construídas no lado
oposto do terreno, ainda vazio. A lateral direita do novo prédio ficou voltada para a Avenida Prof.
Alfonso Bovero, nº 72, onde foi construído um acesso para funcionários. Já a entrada principal
foi construída com face para a Rua Piracicaba, s/nº, com um belo pórtico de linhas imponentes
e modernas, situado no alto de uma escadaria. Nessa época, o pórtico podia ser visualizado de
longe, imponente no alto da colina do Sumaré1.
O novo prédio da PRF-3 representou a última palavra da técnica nas construções deste gênero,
obedecendo o plano de usar ao máximo as possibilidades de eficiência e conforto. O projeto
foi apresentado na secretaria de Obras da prefeitura em 26 de fevereiro de 1941, elaborado
por Francisco Salles Malta Júnior, engenheiro formado pela Escola Politécnica de São Paulo
e proprietário da empresa paulistana Construções e Terrenos Ltda., também responsável
pela execução da obra. As fundações dos prédios foram realizadas pela Lindenberg Alves &
Assumpção.
As novas instalações da PRF-3 foram inspiradas em emissoras norte-americanas, em especial
no complexo Radio City da NBC, em Nova York, que possuía um auditório de rádio com mais
de 6 mil lugares e três estúdios de televisão. Devido a sua grandiosidade, o nome “Radio City”
também acabou inspirando na escolha do nome a ser dado ao novo complexo radiofônico do
Sumaré, a “Cidade do Rádio”. Sua inauguração aconteceu solenemente em 24 de novembro de
1942, data em que a emissora comemorava oito anos no ar.
1 O pórtico da Rádio Difusora ficava voltado para um morro em declive, com vista para o Córrego
Sumaré, canalizado em 1965 para a construção da Avenida Sumaré.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 99
Aspecto do novo edifício da Rádio Difusora, no bairro do Sumaré. (Aristodemo Becherini, “Rádio Difusora”, 1942/
Acervo Museu da Cidade de São Paulo)
Com a nova edificação, a área construída do complexo do Sumaré passou para 1556 m2, no
pavimento térreo, e 165 m2 no primeiro pavimento, somando incríveis 1721 m2. O majestoso
pórtico do prédio da Rádio Difusora contava com quatro altas colunas. Entrando nele, chegava-
se a um imponente hall com 6 m x 17,5 m e piso revestido de cerâmica, onde também se
realizariam exposições de produtos dos anunciantes. Do hall se tinha acesso às duas alas do
prédio — direita e esquerda — e, nele, havia visores para dois estúdios da ala esquerda — um
deles usado pela estação de Ondas Médias PRF-3 (com 70 m2) e o outro pelas estações de Ondas
Curtas ZYB-7 e ZYB-8 (com 50 m2). Nesta mesma ala havia, também, dois estúdios menores
para locuções, com 8,25 m2 cada um, e, ainda, as salas de controle dos dois estúdios maiores.
Para acessar a ala esquerda, entrava-se por uma porta no hall e chegava-se a um pátio ajardinado,
com acesso aos estúdios.
A ala direita era composta pelo moderno e luxuoso auditório, com revestimento em “celotex”
acústico e uma finíssima decoração. Era o maior auditório de rádio do país, com área de 540 m2
e acomodação de até 504 espectadores em confortáveis cadeiras removíveis. A capacidade total
subia um pouco ao contar com o mezanino, que ficava nos fundos do auditório, sobreposto ao hall.
No mezanino foram construídos dois salões, sendo um para acomodação de representantes das
empresas anunciantes e outro para os próprios funcionários da Difusora assistir às apresentações.
Entre um salão e outro, havia uma cabine com 4 m2 para instalação de um projetor de filmes,
aparelho que acabou não sendo montado. Essas informações constam no projeto das edificações,
entretanto, segundo o produtor e diretor pioneiro Mário Fanucchi1, na prática, esses salões
do mezanino foram utilizados como sala para produtores, mecanografia e controle técnico do
auditório. O palco era tão espaçoso como nos melhores teatros, pois, com 15,10 m x 8,30 m,
comportava uma orquestra completa, ou seja, 120 músicos.
No lado esquerdo do palco e do auditório, havia um longo corredor com diversas salas onde
ficaram os camarins dos artistas, vestiários, redação, gerência, direção-artística, arquivo musical,
musicoteca, publicidade e sala de estar dos músicos. As quatro portas de saída do auditório,
localizadas no lado direito, levavam para um grande terraço com mesas e cadeiras, voltado para
a Rua Piracicaba e de onde se descortinava uma lindíssima vista da cidade de São Paulo. Anexo
ao terraço, funcionava o moderno bar e restaurante do Jordão.
1 “Nossa Próxima Atração - O Interprograma no Canal 3”, Mário Fanucchi, Edusp, 1996:31.
102 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
As três antenas de transmissão das estações de Ondas Médias e Curtas ficavam em um belo
jardim, também voltado para a Rua Piracicaba, defronte ao prédio mais antigo do complexo.
Com a inauguração das novas instalações, as salas desta primeira edificação ficaram ocupadas
pela oficina, residência para técnico, salões dos transmissores e dos geradores, gerência técnica,
almoxarifado, dois estúdios para ensaios e a discoteca — uma das maiores do Brasil, contando
com mais de 18 mil discos naquele ano de 1942, número que subia constantemente.
Em 24 de julho de 1943, a Rádio Difusora foi vendida ao grupo dos Diários e Emissoras
Associados de Assis Chateaubriand, mais uma grande conquista do Velho Capitão. Nessa época,
a rede radiofônica do grupo, chamada de “Emissoras Associadas”, estava em plena expansão e
já contava com a PRG-3 - Rádio Tupi do Rio de Janeiro (inaugurada em 1935); PRH-6 - Rádio
Guarani de Belo Horizonte (1936) e PRG-2 - Rádio Tupi de São Paulo (1937). Meses depois,
mais seis emissoras foram compradas e entraram para a rede — Educadora (Rio de Janeiro), Baré
(Manaus), Sociedade Rádio Mineira (Belo Horizonte), Farroupilha (Porto Alegre), Sociedade da
Bahia (Salvador) e a Difusora São Paulo.
Logo após a Difusora ser integrada às Emissoras Associadas, a Rádio Tupi de São Paulo deixou
seu pequeno edifício da Rua Sete de Abril, n° 230, região central de São Paulo, e mudou-se
para a Cidade do Rádio, no Sumaré. Para tal, seria implantado um conceito de operação das
duas emissoras em conjunto, algo que economizaria recursos ao utilizar os mesmos técnicos,
produtores, artistas e a estrutura do Palco-Auditório.
Os funcionários da Difusora foram contrários à venda e chamavam os empregados da Tupi
de “invasores”. Houve resistência e as primeiras semanas foram difíceis no Sumaré. Mas, aos
poucos, as dificuldades foram superadas e a Cidade do Rádio ficou pacificada, graças ao trabalho
de Dermival Costa Lima, o diretor-artístico de ambas as emissoras.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 103
A Rádio Tupi AM - 1040 KHz manteve suas operações baseadas na Cidade do Rádio, exceto
o setor de jornalismo, que permaneceu no edifício Guilherme Guinle, até sua demolição (ver
Capítulo 12). Do Sumaré era irradiado o famoso “Grande Jornal Falado Tupi”, criado, produzido
e dirigido pelo jornalista Corifeu de Azevedo Marques.
No final dos anos 1940, agora com 50 kW de potência, a Rádio Tupi acabou projetando-se
acima da Difusora, que estava operando com 10 kW, mas que também era uma emissora de
“peso”, contando com grandiosos valores como o produtor e diretor Oduvaldo Vianna, que criou
atividades radiofônicas inovadoras na emissora. A mais famosa delas foi o brilhante radioteatro
das Emissoras Associadas, de onde fizeram parte os astros Homero Silva, Arruda Neto, Lia
Borges de Aguiar, Helenita Sanches, Zilda de Lemos, Néa Simões, Guiomar Gonçalves,
Dionísio de Azevedo, Heitor de Andrade, Lima Duarte, César Monteclaro e muitos outros. Mais
tarde, vieram Hamilton Fernandes, Márcia Real e outros valores. A Difusora também obteve
boa audiência no setor informativo, irradiando grandes coberturas e reportagens realizadas
pelos repórteres José Carlos de Moraes — o Tico-Tico —, Carlos Spera, Corifeu de Azevedo
Marques, Armando Figueiredo e outros. Houve um excelente serviço de utilidade pública, com a
realização de diversas campanhas. No período áureo do futebol, a grande estrela da Difusora foi
Rebelo Júnior, o “homem do gol inconfundível”.
Já a Difusora tinha uma orquestra e grupos regionais próprios e realizou grandes empreendimentos
que enriqueceram a história do rádio de São Paulo, a exemplo das temporadas com grandes
artistas e programas de todos os gêneros. Tudo de mais moderno foi feito na Difusora.
As coirmãs Tupi e Difusora não eram concorrentes entre si, mas, por vezes, transmitiam
programas dirigidos ao mesmo público simultaneamente. A Difusora se voltava mais à dona de
casa, enquanto a Tupi, apesar de também ter programas femininos, era mais dirigida ao público
masculino, com notícias e esportes.
Em 1942, Assis Chateaubriand iniciou uma campanha para socializar a arte brasileira, visando
que todas as classes sociais tivessem acesso a ela ao visitarem suas emissoras de rádio no Rio de
Janeiro e em São Paulo. Chatô encomendou duas séries de oito quadros com Cândido Portinari,
um dos mais importantes pintores brasileiros e de maior projeção internacional, com o objetivo
de evitar que os trabalhos do artista ficassem de posse de um único grupo afortunado ou divididos
entre alguns escolhidos.
A música do morro, a epopeia dos jangadeiros e o pampa foram alguns dos retratos que
representaram o Brasil em mais uma expressão popular e humana de Portinari, numa série de
oito painéis intitulada “Os Músicos”. Elas decoraram as novas instalações da Rádio Tupi do Rio
de Janeiro, situada na Avenida Venezuela, nº 43, e foram inauguradas no dia 27 de novembro de
1942, ao som de Dorival Caymmi.
Em 1943, na mesma época em que Chatô comprou a Rádio Difusora de São Paulo, ele negociou
outra série com Portinari, ao preço de Cr$ 400 mil, para serem expostos no grande Palco-
Auditório do Sumaré. Para tanto, o artista produziu a chamada “Série Bíblica” e as primeiras
telas foram instaladas em 10 de setembro de 1943, na vernissage que contou com a presença do
próprio Portinari e de diversas personalidades dos meios sociais e artísticos, inclusive de Tarsila
do Amaral. Os últimos quadros da “Série Bíblica” foram instalados no Sumaré no ano seguinte,
totalizando oito obras de têmpera sobre tela, com grandes dimensões, nas cores preta, branca e
cinza. Elas mostraram interpretações do Velho e do Novo Testamento com traços inspirados no
artista espanhol Pablo Picasso. Esta série foi composta pelas obras “O Sacrifício de Abraão”,
“Trombetas de Jericó”, “A Justiça de Salomão”, “Jó”, “O Pranto de Jeremias”, “Ressurreição de
Lázaro”, “A Ira das Mães” e “O Massacre dos Inocentes”. Elas permaneceram no auditório da
Cidade do Rádio até 1959, quando foram destinadas ao Museu de Arte de São Paulo (MASP),
um pedido de seu cofundador Pietro Maria Bardi a Chateaubriand. Seguem expostas no MASP
até os dias atuais.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 105
A Padaria Real
CAPÍTULO 5
AS PRIMEIRAS CONCESSÕES DE TELEVISÃO NO BRASIL
A
pós Assis Chateaubriand concluir, em meados de 1948, as negociações com as fabricantes
RCA e GE para implantar estações de TV nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo,
o governo brasileiro autorizou a importação dos valiosos e modernos equipamentos.
Enquanto isso, os Diários e Emissoras Associados se preparavam para protocolar, no Ministério
da Viação e Obras Públicas, os pedidos de concessão de seus dois primeiros canais de televisão.
A empresa S/A Rádio Tupi, então proprietária de duas emissoras de rádio nas cidades do Rio de
Janeiro e de São Paulo, formalizou um requerimento junto ao governo federal no dia 7 de janeiro
de 1948, solicitando autorização especial para operar dois canais de televisão. O Ministério da
Viação e Obras Públicas, por sua vez, solicitou que fosse demonstrado seus recursos financeiros,
equipamentos disponíveis e que informasse o tempo necessário para montar as duas estações.
Contudo, analisadas as informações apresentadas, o ministro Clóvis Pestana se baseou em um
parecer da Comissão Técnica de Rádio (CTR) e autorizou apenas a instalação da estação de TV
da PRG-3 - Rádio Tupi do Rio de Janeiro (ver Capítulo 7).
É possível que a comissão tenha julgado insuficiente o capital social da S/A Rádio Tupi para
operar duas emissoras de televisão, já que o novo veículo midiático já demandava altíssimos
investimentos. Com isso, o requerimento deveria ser feito em nome de outra empresa do grupo, e
a escolhida foi a Rádio Difusora São Paulo S/A. Além disso, é sabido que também foi necessário
aguardar a oficialização da compra dos equipamentos da RCA, algo que aconteceu somente em
outubro de 1948, para depois protocolar um requerimento exclusivo para o canal de TV de São
Paulo.
Desta vez, o “Jornal do Commercio”, editado no Rio de Janeiro pelos Diários Associados,
em sua edição de 6 de maio de 1949, trouxe ricos detalhes sobre a tramitação do pedido dos
Diários e Emissoras Associados em São Paulo. Segundo o periódico, o ministro de Viação e
Obras Públicas submeteu o pedido de concessão à Comissão Técnica de Rádio, sob a chefia
de Edmundo de Aquino Nogueira Brandão. Este, depois de examinar o caso com os demais
integrantes da comissão, designou o coronel Lauro Augusto de Medeiros para relatá-lo. Esta é a
íntegra do parecer nº 361 da CTR, datado de 27 de abril de 1949:
O processo voltou às mãos do ministro da Viação e Obras Públicas para despacho, que
acompanhou o parecer da comissão, deferindo a outorga para a PRF-3 - Rádio Difusora explorar
o serviço de televisão em São Paulo, com louvores à CTR pelo bom trabalho apresentado. A
decisão foi publicada por meio da Portaria nº 458, de 20 de maio de 1949.
De acordo com o escritor Othon Jambeiro1, o governo federal devia alguns favores a Assis
Chateaubriand e tratou de auxiliá-lo prontamente na instalação da televisão. Assim, em 26 de
julho de 1949, foi publicada a Portaria nº 692, que justamente definiu os padrões de transmissão
da televisão no Brasil. Seu conteúdo baseou-se em estudos realizados pela CTR e foram incluídas
as determinações sobre o padrão de linhas (chamado de “M”), largura de faixa de cada canal
(6 MHz), frequência do som, onda suporte, polarização da irradiação (horizontal), potência e
1 “Tempos de Vargas: o Rádio e o Controle da Informação”, Othon Jambeiro, EDUFBA, 2004:145.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 109
números dos canais a serem ocupados. O art. 15 daquela portaria estabeleceu que as emissoras
de TV operassem no Brasil na faixa de VHF - Very High Frequency, entre os canais 2 e 13.
Canal 3
Foi deferido pelo ministro, em 5 de agosto de 1950, a Portaria nº 16304, na qual a Rádio Difusora
São Paulo submeteu à aprovação as plantas esquemáticas, orçamento e especificações técnicas
relativas ao seu transmissor de televisão e aos locais em que pretendia instalar a emissora. O
canal VHF-3 foi designado para as operações da emissora de TV da Rádio Difusora de São
Paulo, com o prefixo “PRF3-TV”. Vale dizer que o número “3” não teve relação com o número
do canal de operação, pois era um número preexistente no prefixo da Rádio Difusora, detentora
da concessão.
1 “Meridional: A Agência de Notícias que Integrou o Brasil”, Pedro Aguiar, Agências de Notícias
Blog, 2018.
110 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Capa do “Diário da Noite” [RJ] de 27/01/1948: “Televisão para o Rio e S. Paulo”. (Diário da Noite/reprodução)
Vinte dias após a Rádio Tupi ter oficializado o pedido de concessão de televisão para o Rio e São
Paulo, o vespertino “Diário da Noite”, edição carioca e datada de 27 de janeiro de 1948, passou a
informar oficialmente o público sobre as intenções de Chateaubriand. “Televisão Para o Rio e S.
Paulo” foi a manchete estampada no alto da primeira página e, mais abaixo, uma pequena, mas
reveladora, nota. Após informar que o empresário esteve em Nova York, que se encontrava em
Londres e que ainda visitaria Paris, assim escreveu o repórter:
Esta foi a primeira divulgação dos Diários Associados sobre seus planos de implantação da
televisão no Brasil (ao menos na mídia impressa). Até então, a empresa vinha apenas preparando
a opinião pública com notas e matérias sobre o desenvolvimento da televisão nos Estados Unidos
e na Europa. A maioria dos textos era de autoria do jornalista Fernando Lobo, que futuramente
escreveria com frequência sobre os passos da implantação da televisão no Brasil, para matérias
publicadas principalmente no jornal “Diário da Noite” e nas revistas “A Cigarra” e “O Cruzeiro”.
Já a alguns anos, a mídia impressa brasileira tinha a prática de publicar novidades sobre a
tecnologia e o desenvolvimento da televisão no mundo. Nos veículos da cadeia “associada”,
esse tipo de informação começou a ser publicado com maior frequência a partir de julho de
1944, quando o próprio Chateaubriand, em sua coluna diária, assim revelou: “Meu maior
encantamento nesta visita aos Estados Unidos foi dado pelos recentes aparelhos de televisão”. A
revista “O Cruzeiro”, de 3 de março de 1948, publicou “Aí Vem a Televisão”, uma reportagem
fotográfica com sete páginas, assinada por Jean Manzon1, o famoso fotógrafo francês que
1 Em “O Cruzeiro”, juntamente com o jornalista David Nasser, Jean Manzon formou uma das
mais notáveis e polêmicas duplas jornalísticas da história da imprensa no Brasil.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 111
“Televisão - Uma Realidade Comercial” foi uma matéria que os Diários Associados publicaram
na revista “A Cigarra” de abril de 1948, assinada por Fernando Lobo. Sem mencionar as futuras
operações de televisão no Rio e em São Paulo, foi realizado intenso trabalho para convencer o
leitor de que o rádio não iria “morrer” com a chegada da televisão. E sabemos que não morreu
mesmo, foi complementado, graças ao advento do transistor — componente que deu mobilidade
ao rádio, fazendo surgir receptores portáteis e automotivos.
No dia 2 de maio de 1949, como já relatado no Capítulo 3, finalmente foi assinado o contrato
entre os Diários e Emissoras Associados e a RCA para a compra dos equipamentos de televisão
para São Paulo. No mesmo dia, o vespertino paulistano “Diário da Noite” divulgou na primeira
página a instalação de uma emissora de televisão em São Paulo: “Pela Primeira Vez na América
do Sul” - “Televisão no Sumaré” - “Adquirido pelas ‘Emissoras Associadas’ Potente Transmissor
RCA Victor”. Junto, a fotografia do diretor-presidente dos Diários Associados em São Paulo,
Edmundo Monteiro, assinando o contrato de compra dos equipamentos, observado por Assis
Chateaubriand, José Brady (gerente da filial paulista da RCA), Eduardo Eskenazi (gerente de
vendas da RCA no Brasil), Mário Alderighi (engenheiro-chefe das “Associadas” em São Paulo)
e pelo dr. José Paranhos do Rio Branco (advogado dos Diários Associados). Assim escreveu o
“Diário da Noite”:
Dentro de breve tempo, auspiciosamente, o paulistano poderá assistir,
“vendo” de sua poltrona, instalado de pijama dentro de casa, qualquer
jogo de foot-ball no Pacaembu, ou um Grande Prêmio em Cidade
Jardim. Ou, ainda, um filme de longa-metragem sem sair de casa. A
realidade de tamanha conquista será oferecida ao público paulista
pelas Emissoras Associadas — Rádio Tupi, Rádio Difusora de São
Paulo e Rádio Tupi do Rio de Janeiro. [...] Superando a enorme série
de obstáculos, as Emissoras Associadas lançarão em São Paulo, na
vanguarda da conquista da televisão em escala popular, inaugurando
brevemente a Televisão Tupi. Caberá, portanto, ao Brasil e a São
Paulo, inaugurar no continente a era da televisão por intermédio
112 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Com estas palavras do diretor da prestigiada “Revista do Rádio”, é possível ter uma ideia
do panorama do ano de 1948, quando começou a intensificar o surgimento de projetos para
montagem das primeiras estações de televisão no Brasil, mesmo que o governo ainda sequer
tivesse regulamentado o serviço. Chateaubriand realmente saiu na frente para montar suas
estações de TV em São Paulo e no Rio, realizando as primeiras negociações para encomendar os
equipamentos de estúdio e de transmissão com a RCA, em 1946, e com a General Electric no ano
seguinte. Todavia, algumas outras empresas de comunicação também passaram a se organizar
em 1948, com a pretensão de também lançar suas estações de TV. E, diferentemente do que
muito já se publicou na imprensa e na literatura sobre história da TV, a primeira concessão do
governo para operação de um canal de televisão no Brasil não foi dada ao grupo dos Diários e
Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand, como veremos a seguir.
1 Locutor de rádio.
114 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Para realizar sua nova empreitada, César Ladeira associou-se a um empresário do ramo da
aviação, José Sampaio Freire, e fundou a empresa Rádio Televisão do Brasil S/A (RTB). Ela foi
constituída em 19 de fevereiro de 1949, com o objetivo de instalar emissoras de televisão nos
grandes centros do país, além de importar e revender aparelhos receptores de TV e formar uma
rede de assistência técnica.
Freire foi aclamado como diretor-presidente e Ladeira como diretor-técnico da empresa, cujo
capital social foi de Cr$ 20 milhões. O conteúdo da programação seria gerado em parceria com
a PRA-9 - Rádio Mayrink Veiga (Rio de Janeiro), que produziria os mais variados espetáculos
de entretenimento. Também seriam exibidos filmes de grande interesse cultural, reportagens e
eventos esportivos.
Em 7 de junho de 1948, a Rádio Televisão do Brasil S/A lançou seu manifesto nos jornais
cariocas, com forte campanha para a venda de suas ações. Anúncios passaram a ser veiculados
ainda naquele mês, convidando a população para apoiar a ideia da televisão no Brasil e, ao
mesmo tempo, obter lucros e ganhar um desejado aparelho receptor de TV.
O prestígio do radialista César Ladeira serviu de estímulo à compra das ações. Alguns cidadãos
empregaram parte de suas economias naquilo que lhes parecia seguro. Outros compraram
por questões patrióticas, já que a televisão significava um progresso cultural em nosso país.
Infelizmente, pessoas inescrupulosas passaram-se por representantes da RTB e receberam
dinheiro indevido da população, que sonhava com a inauguração da televisão. Segundo uma
reportagem do jornal “A Noite”, datada de 11 de dezembro de 1949, a oferta das ações da RTB
se esgotou rapidamente.
A empresa planejou importar um lote inicial de mil receptores de TV, com preços entre US$
100 e US$ 200 cada, e assim criar público para atrair anunciantes à estação de televisão. Além
disso, Ladeira programou uma experiência de sucesso que presenciou nos Estados Unidos, onde
500 receptores foram ligados em bares, hotéis e pontos de concentração públicos. Esta ação
publicitária consumiria Cr$ 5 milhões à RTB.
Para negociar com fabricantes de equipamentos broadcast e definir qual escolher, César Ladeira
viajou à Europa e aos Estados Unidos. Além disso, ele também aproveitaria para estudar as
técnicas de produção daquele novo veículo de comunicação, junto a grandes emissoras de
diversos países. A viagem duraria cerca de três meses e muitos moradores do Rio de Janeiro
depositaram em César Ladeira a esperança do surgimento da televisão brasileira, ao passo que
muitos outros duvidaram.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 115
Dias antes, em 5 de agosto de 1948, houve até um show de despedida e de felicitações ao então
speaker na Rádio Mayrink Veiga.
Em abril de 1949, a RTB convocou seus acionistas com prestações vencidas a efetuar os devidos
pagamentos, a fim de que aquela sociedade pudesse iniciar a construção de seus estúdios dentro
do prazo. Naquele mesmo mês, pôde ser formalizado um requerimento que solicitava a permissão
do governo para realizar as operações de uma estação de televisão na cidade do Rio de Janeiro.
Também foi realizado um pedido para as devidas licenças de importação dos equipamentos e
dos receptores na Cexim - Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil. O governo
autorizou e a concessão da Rádio Televisão do Brasil S/A foi outorgada por meio do Decreto
nº 27168, assinado pelo presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, em 12 de setembro de
1949. Salienta-se aqui a importância da televisão para o governo Dutra, já que a RTB havia
sinalizado que retrataria suas realizações pelo Brasil adentro. Sobre esta gratidão da RTB ao
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 117
presidente, o jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro, destacou que “isso dará ensejo de testemunhar
o reconhecimento da Rádio Televisão do Brasil S/A ao eminente brasileiro que é pioneiro da paz
e da ordem no Brasil”.
Em 24 de fevereiro de 1950, o ministro da Viação e Obras Públicas, Clóvis Pestana, despachou
uma autorização para execução dos projetos de montagem da estação, bem como para os locais
de transmissão, que curiosamente seriam dois: o Morro do Pão de Açúcar e o Morro da Urca,
já que topografia acidentada da cidade do Rio de Janeiro dificultaria a cobertura do sinal. A
RTB havia trazido técnicos dos Estados Unidos, Inglaterra e França para estudar e encontrar
os melhores locais de transmissão. Os estúdios foram projetados pela empresa Penna & França
- Engenheiros Construtores e seriam instalados na Rua Vieira Bueno, nº 30, no bairro de São
Cristóvão. A estação da RTB foi autorizada a operar no canal VHF-2.
O Fim da RTB
Iniciado o ano de 1950, a RTB ainda não havia conseguido levar adiante os seus projetos,
permanecendo, inclusive, sem apresentar ações mais concretas ao público. Enquanto isso, os
equipamentos para montagem da TV Tupi do Rio de Janeiro — também adquiridos com a GE
— haviam chegado em 29 de outubro de 1949 e os RCA, da TV Tupi de São Paulo, chegariam
ao final de janeiro de 1950. Vale aqui destacar que a RTB tinha concessão para entrar no ar, mas
ainda não tinha os equipamentos. Já as duas TVs Tupi estavam em situação inversa, pois, por
meio de suas “rádios-mãe” (Tupi do Rio de Janeiro e Tupi-Difusora de São Paulo), já haviam
encomendado os equipamentos e agora tratavam apenas dos pedidos de concessão.
Em um anúncio datado de abril de 1950, por fim, a RTB publicou um comunicado aos acionistas
e ao público, vindo à tona a real situação da emissora. Foi revelado que o contrato de compra dos
equipamentos com a GE fora cancelado, visto que o Banco do Brasil negou o pedido de licença
de importação. Isso porque uma exigência acertada com a GE, para que a RTB distribuísse
exclusivamente seus televisores no território brasileiro, acabou criando grandes dificuldades e
consumindo tempo precioso para que o canal 2 carioca entrasse no ar. O principal entrave foi o
agravamento de uma crise mundial de divisas em dólares.
Após muitos esforços, a RTB conseguiu obter as devidas licenças com a Carteira de Exportação
e Importação do Banco do Brasil. Seriam importados equipamentos para broadcasting e mil
receptores de TV, por meio do sistema de compensação vinculada. Assim, em dezembro de 1949,
o diretor-presidente da RTB, José Sampaio Freire, que havia recorrido ao mais estável mercado
inglês, conseguiu realizar as aquisições, obtendo melhores condições, com valor 30% menor que
dos americanos. O negócio foi fechado junto à fabricante Pye Television Ltd., de Cambridge, que
passaria a produzir especialmente um modelo de receptor chamado “Brasil”, com telas entre 9 e
12 polegadas. Seriam televisores de boa qualidade a preços baixos, com entrega prevista para o
início do ano de 1950.
O diretor-executivo da Pye Television, J. B. Edwards, veio ao Rio de Janeiro para selecionar
uma equipe de brasileiros que se especializaria na manutenção dos receptores. Entretanto,
mesmo correndo atrás do tempo perdido, a RTB acabou perdendo o prazo dado pelo governo
para inaugurar a emissora e a capacidade financeira para se manter. Foi então que o presidente
Getúlio Vargas, por meio do Decreto nº 30583, de 22 de fevereiro de 1952, fundamentado no
Regulamento Geral de Contabilidade Pública, declarou caduca a concessão do canal 2 do Rio de
118 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Freire informou também que a RTB chegou a pleitear ajuda e protestar diversas vezes junto
ao Banco do Brasil e ao Ministério da Viação e Obras Públicas. Apresentou até um recurso
diretamente para o presidente da República, mas nada foi conseguido. Em seguida, na assembleia,
Freire sugeriu:
A votação pela dissolução foi unânime. Realmente havia ficado difícil prosseguir, apesar de todo
empenho dos diretores. Além de importar os equipamentos operacionais, a ideia de importar
receptores de TV foi interessante, mas acabou atravancando todo o negócio. E, além disso,
as taxas cambiais as tornaram impraticáveis e a Rádio Televisão do Brasil S/A não conseguiu
vencê-las.
Quanto à Pye Television Ltd., ela acabou investindo, mesmo assim, na exportação de seus
televisores para o Brasil. Fez alguns anúncios em jornais cariocas no ano de 1950, divulgando
também ser fabricante de rádios e transmissores. Contudo, os primeiros receptores de TV
instalados no Rio de Janeiro sintonizaram o canal 6 da TV Tupi e não o canal 2 da RTB, que era
para ter ficado conhecido como TV Mayrink Veiga.
CAPÍTULO 6
ESTÚDIOS CINEMATOGRÁFICOS TUPI - A SÉTIMA ARTE ANTES
DA TV
D
esde a compra dos equipamentos para as emissoras de televisão do Rio e de São Paulo,
o diretor-presidente dos Diários e Emissoras Associados, Assis Chateaubriand, e o
diretor de radioteatro das Emissoras Associadas de São Paulo, o teatrólogo, radialista e
cineasta Oduvaldo Vianna, demonstravam grande encantamento pelas possibilidades que o
“rádio com imagem” traria. Em 1947, enquanto eram aguardados os equipamentos da RCA-
Victor para a PRF3-TV Tupi-Difusora, Vianna propôs a produção de um short (curta-metragem)
musical, “fazendo as pazes” com as câmeras após 12 anos sem trabalhar com cinema. A produção
seria apresentada antes dos filmes principais em cinemas do interior do estado, substituindo os
shows da Brigada da Alegria, uma promoção do jornal “Diário de São Paulo” que contava com
a participação de astros e estrelas do Sumaré, com objetivo de se aproximar dos leitores e angariar
assinaturas. Aquele jornal também era bastante voltado ao público interiorano e utilizava até o
slogan “O Órgão Oficial do Hinterland [Interior] Paulista”. As rádios Tupi e Difusora tinham
grande audiência nesta região e também em Minas Gerais, localidades onde a recepção era muito
boa.
O curta-metragem seria a primeira experiência com imagem dos “Associados” e o elenco, foi
composto pelos radioatores e cantores da empresa em São Paulo, que já se familiarizariam para
a futura implantação da televisão no Brasil. Chateaubriand gostou da ideia, pois também já
tornariam conhecidos do grande público os rostos do futuro elenco da televisão.
Oduvaldo Vianna, ao lado de Júlio Cosi, é fundador da Rádio Panamericana, em São Paulo,
hoje conhecida como Rádio Jovem Pan. Foi o responsável por trazer para o Brasil o gênero da
radionovela, que ele conheceu na Argentina. Já tinha rodado alguns filmes no Rio de Janeiro,
entre eles, “Bonequinha de Seda” (1936), considerado o primeiro filme nacional com qualidade
comparável aos bons títulos estrangeiros. Com toda sua experiência, Vianna roteirizou e dirigiu
um curta-metragem das Emissoras Associadas, rodado em celuloide de 16 mm e batizado de
“Chuva de Estrelas”. No elenco, nomes do radioteatro e da radionovela do Sumaré, como Lia
de Aguiar, Vida Alves, Helenita Sanches, Hebe Camargo, Lolita Rodrigues, Ivon Curi, Túlio de
Lemos, Wilma Bentivegna, Pagano Sobrinho e, ainda, a cantora portuguesa Arminda Falcão. A
produção apresentou os bastidores do rádio, mostrando como eram feitos os ensaios e a leitura
dos scripts ao microfone e como eram produzidos os ruídos e efeitos de som pelos contrarregras
e sonoplastas. Outra parte da produção mostrou alguns números musicais com cantores das
“Associadas”; um momento de divulgação do jornalismo do grupo, com as rotinas da redação do
“Diário de São Paulo” e da sua impressão gráfica; e por fim, o público também pôde ver cenas
das equipes de jornalismo da Rádio Tupi produzindo os famosos “Grande Jornal Falado Tupi” e
“Matutino Tupi”, programas que eram produzidos pelo brilhante jornalista Corifeu de Azevedo
Marques.
“Chuva de Estrelas” estreou em dezembro de 1947 e fez bastante sucesso. Além dos cinemas
interioranos, a produção também foi exibida na Capital paulista — no Cine Ritz - São João e em
clubes esportivos —, como parte de uma campanha para arrecadação de alimentos para o Natal.
Três anos depois, este curta-metragem também foi exibido na programação da TV Tupi.
O sucesso de “Chuva de Estrelas” entusiasmou Oduvaldo Vianna e os artistas da Tupi-Difusora,
algo que motivou a tentativa de convencer Chateaubriand a dar mais um passo e investir
na formação da primeira companhia cinematográfica no estado de São Paulo, os Estúdios
Cinematográficos Tupi S/A, também chamados pelos jornais “Associados” como “Studio
Tupan”, “Estúdio Tupan”, entre outras variações.
Era início de 1948 e, com equipamentos já encomendados nos Estados Unidos, ia tomando forma
a companhia Studio Tupan, um ano antes da fundação da famosa Companhia Cinematográfica
122 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Vera Cruz1, a ser instalada em São Bernardo do Campo (SP). Os Estúdios Tupan foram dirigidos
pelo próprio Oduvaldo Vianna, que tinha a premissa ambiciosa de transformar São Paulo na
Hollywood brasileira, numa tentativa de fazer cinema de verdade. Segundo declarações do próprio
Vianna, ele pretendia produzir ao menos quatro filmes por ano, levando, em média, três meses
em cada produção. Foi também planejado que a nova companhia do Sumaré promovesse cursos
práticos de cinema e de ensino artístico e técnico, equivalentes às academias cinematográficas de
países onde o cinema estava bem desenvolvido.
Na primeira edição de “O Sumaré” — pequeno jornal das Emissoras Associadas de São Paulo
que noticiava fatos de seus bastidores — há uma reportagem intitulada “Quase no Céu”, cujo
texto registra o surgimento dos Estúdios Tupan. O texto fez um paralelo entre o cinema e a
televisão das “Associadas”.
“Quase no Céu”
No dia 25 de maio de 1949 estreou em grande estilo a primeira produção dos Estúdios Tupan:
“Quase no Céu”, película rodada em diversas localidades do estado de São Paulo e estrelada por
Lia de Aguiar, Paulo Alencar, Heitor de Andrade, Dionísio de Azevedo, Vida Alves, Homero
Silva e Maria Vidal. O roteiro e a direção foram de Oduvaldo Vianna; a direção de fotografia de
Jorge Kurkjian, funcionário com experiência prática no cinema europeu; e a direção de som de
Jorge Edo. O lançamento se deu simultaneamente em 12 cinemas paulistanos, com distribuição
feita pela Columbia Pictures do Brasil. Pela primeira vez, um filme brasileiro abrangeu um
grande circuito de lançamento. No mês seguinte, ele entrou no circuito do Rio de Janeiro e
depois em algumas outras cidades brasileiras.
A nova produção contou novamente com os artistas das rádios Tupi-Difusora, mas, desta vez,
se tratou de um longa-metragem e de uma superprodução para os padrões da época. “Quase
no Céu” foi afortunadamente filmado em película de 35 mm, com a maior parte das locações
realizadas na cidade turística de Campos do Jordão (SP). Houve, também, cenas gravadas em
uma praia do Guarujá (SP), nas ruas de Santos (SP), nas ruas de São Paulo e no Aeroporto de
Congonhas.
“O primeiro filme paulista para o mundo”, como o jornal “Diário de São Paulo” frisou, mostrou
uma história com pitadas de drama, mistério, romance e comédia, num cenário que se iniciou
com um feliz casal formado por um médico (Paulo Alencar) e sua esposa (Lia de Aguiar),
que trocaram a paz do campo pelos problemas da cidade grande. Apesar de a crítica não ter
gostado, “Quase no Céu” obteve grande sucesso de público e arrecadou cerca de Cr$ 1,5 milhão,
batendo o recorde de bilheteria de um filme nacional. Segundo o famoso diretor de televisão
Walter Avancini, que atuou como ator-mirim nesta produção, “os cinemas que exibiram o filme
tiveram suas portas arrebentadas [no dia de estreia], tamanho era o volume e a ansiedade do
público que queria ver no cinema os mais famosos radioatores daquele momento”1. O próprio
Chateaubriand, que não tinha paciência para ficar sentado por duas horas numa poltrona de
cinema, surpreendentemente gostou da película.
Vale ressaltar que “Quase no Céu” promoveu a estreia de muitos artistas em frente às câmeras e
que logo se consagrariam na televisão paulista, tais como Hebe Camargo, Lima Duarte, Dionísio
de Azevedo, Lia de Aguiar e o próprio Walter Avancini.
Outras Produções
1 “O Espetáculo da Cultura Paulista: Teatro e Televisão em São Paulo (1940 - 1950)”, David José
Lessa Mattos, Codex, 2002:63.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 125
The End
Apesar de não produzir mais filmes, a pessoa jurídica dos Estúdios Cinematográficos Tupi
continuou existindo por cerca de mais cinco anos. Parte de seus equipamentos foi repassado para
a TV Tupi de São Paulo.
A película “Quase no Céu” e o curta-metragem “Chuva de Estrelas” seriam hoje valiosíssimos
documentos para contar as origens da televisão de São Paulo e do Brasil. Eles mostrariam os
atores do elenco da Cidade do Rádio atuando pouco antes da estreia da televisão. Entretanto,
infelizmente, estes filmes foram vítimas da falta de incentivos para preservação da memória
audiovisual brasileira. Em meio a esta triste informação, no entanto, um alento: está preservado
um trecho com 15 minutos de “Quase no Céu”, mantido pelo saudoso diretor Jorge Kurkjian e
recuperado, em 2017, pela associação Museu da TV, Rádio & Cinema e pela Fundação Padre
Anchieta.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 127
CAPÍTULO 7
TV TUPI DO RIO DE JANEIRO - PARTE 1 - MONTAGEM E
ATRASOS
C
omo citado no Capítulo 3, Chateaubriand fechou negócio com a RCA em 1947, para
aquisição de duas estações de televisão completas, uma para o Rio e outra para São
Paulo. Contudo, além da RCA pedir um prazo longo para fabricar e entregar, acabou não
conseguindo cumpri-lo no ano seguinte. Foi então que, preocupado, Chatô tomou uma posição
decisiva e sigilosa: cancelou a compra da estação encomendada para a PRG3-TV Tupi - Canal
6 do Rio de Janeiro e fechou um novo negócio com a General Electric (GE), no final de 1948,
empresa que pediu um prazo razoável para entregar os equipamentos na então Capital Federal,
onde havia mais pressa para colocar a televisão no ar. Isso para dar tempo de o Canal 6 transmitir
alguns jogos da Copa do Mundo, que seriam realizados em seis cidades do Brasil entre 24 de
junho e 16 de julho, sendo que a abertura e oito partidas — inclusive a final — seriam realizadas
no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, especialmente construído para a copa.
Por motivos desconhecidos, os veículos “Associados” publicaram poucas informações sobre as
negociações de compra dos equipamentos junto a General Electric, ao contrário das negociações
com a RCA, amplamente divulgadas. As notícias começaram a aparecer quando a GE já se
preparava para despachar os equipamentos, que custaram cerca de US$ 1 milhão (Cr$ 20
milhões). A empresa cumpriu o prazo de entrega e os equipamentos embarcaram no porto de
Nova York no dia 14 de outubro de 1949, a bordo do navio Mormacgulf, da Moore-McCormack
Lines. O cargueiro aportou no Rio de Janeiro no dia 30 de outubro, exatamente 90 dias antes
da chegada dos equipamentos RCA em São Paulo. A expectativa era que a TV Tupi do Rio de
Janeiro estivesse pronta para operar em 120 dias, ou seja, fins de março ou início de abril.
Alguns jornais da imprensa norte-americana e argentina noticiaram a chegada dos equipamentos
no Rio. A carga pesava mais de 34 toneladas e foi distribuída em 228 caixas de madeira, 39
caixas de papelão, dois engradados e dois carretéis. Havia também a unidade móvel de televisão,
128 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
que era uma espécie de micro-ônibus. O Rio de Janeiro se tornou a primeira cidade da América
Latina a receber um equipamento transmissor de televisão para operações regulares e tal fato foi
motivo de muita comemoração e até reportagens em jornais norte-americanos. Em um anúncio
realizado no Brasil, ilustrado com duas fotos dos equipamentos e do navio, a General Electric se
declarou orgulhosa com sua nova contribuição com o progresso do Brasil e divulgou que estava
cooperando com a Rádio Tupi na montagem daqueles equipamentos. Fato curioso é que este
anúncio da GE destacou: “O primeiro transmissor de televisão para a América Latina”, frase
que já havia sido utilizada em vão pela mesma empresa, um ano antes, quando foi divulgada a
aquisição realizada pelo radialista César Ladeira para o aparelhamento da Rádio Televisão do
Brasil S/A (RTB). De acordo com o que foi mostrado no Capítulo 5, aquela transação comercial
acabou cancelada, mas, desta vez, a frase reutilizada pela GE mostrou a realidade: o primeiro
transmissor de televisão realmente havia chegado para ser definitivamente instalado em terras
latino-americanas.
O brasileiro Carlos Lacombe1 era o engenheiro-chefe da seção de Eletrônica da General Electric
no Rio de Janeiro. Ele acompanhou as tratativas com as Emissoras Associadas para a instalação
da primeira estação de televisão carioca, elaborou projetos e deu todo o suporte técnico durante
as montagens. Contando os 120 dias previstos para o término da instalação da emissora, era
possível que o Canal 6 entrasse no ar já em fevereiro de 1950. A expectativa era grande e as
reportagens dos veículos “Associados” do Rio e do Nordeste apostavam que o Rio de Janeiro
realmente seria pioneiro na América Latina nos domínios da televisão.
1 Em 1923, Carlos Lacombe foi sócio-fundador da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a segunda
estação de radiofonia do Brasil e primeira a operar regularmente.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 129
Três dias antes dos equipamentos GE da TV Tupi chegarem ao porto do Rio de Janeiro, o prefeito
do então Distrito Federal deferiu a solicitação da Rádio Tupi, que submetia às autoridades
municipais o contrato lavrado com a Cia. Caminho Aéreo Pão de Açúcar para instalar a estação
transmissora de TV no alto do morro. A partir desta data, a emissora ficou habilitada para iniciar
as obras. Com isso, os equipamentos GE tiveram que ficar armazenados, já que a construção de
um edifício e de uma torre no alto do Pão de Açúcar ainda seriam inicializados, algo que acabou
acontecendo efetivamente em janeiro de 1950.
Não foi nada fácil transportar ferro, areia, cimento, pás, madeira e água para o alto do morro. Os
operários só podiam subir por meio de caixotes acoplados aos bondinhos elétricos, carregando
primeiro na Praia Vermelha, subindo até o Morro da Urca e baldeando tudo para o segundo
bondinho, que ia até o Pão de Açúcar2.
Apesar das naturais dificuldades de uma instalação complexa, como
a da televisão, no alto do Pão de Açúcar, para onde tudo, inclusive
materiais pesados e até água, têm de ser transportados pelo Caminho
Aéreo, até junho próximo deverá estar em pleno funcionamento a
primeira estação de TV da América Latina, adquirida pela Rádio
Tupi à General Electric S.A. (“Primeira Concretagem nas Obras de
Instalação da Televisão Tupi no Alto do Pão de Açúcar”, O Jornal,
12/02/1950, p. 8)
Uma foto-notícia publicada na capa de “O Jornal do Rio de Janeiro”, em 12 de fevereiro de 1950,
1 Como visto no Capítulo 2, no Morro do Corcovado já havia funcionado a primeira torre de
broadcasting no Brasil, da rádio estatal com prefixo SPC, que operou temporariamente durante
a Exposição do Centenário da Independência, entre 1922-23, em Ondas Médias de 750 KHz.
Logo após a desmontagem da SPC, o local foi disponibilizado para a Igreja Católica construir o
monumento do Cristo Redentor.
2 Em julho de 1953, os funcionários do bondinho do Pão de Açúcar fizeram uma greve que,
felizmente, durou apenas um dia. Contudo, os empenhados responsáveis pelo transmissor da
PRG3-TV tiveram que escalar o morro para garantir que a estação não ficasse fora do ar.
130 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
informou que as obras subterrâneas de fundação do prédio e da torre estavam concluídas e agora
era iniciado o processo de concretagem das primeiras colunas do prédio. Ou seja, em fevereiro
de 1950, tudo estava apenas começando e o prazo dado para a contratada Servix Engenharia
entregar as obras estava muito próximo: 15 de maio. Com tantos desafios, os Diários Associados
divulgaram uma nova previsão para estreia da TV Tupi carioca: junho de 1950, já estreando com
jogos da Copa do Mundo no Brasil.
Outro fator responsável pelos atrasos foi a incompatibilidade de ciclagem, ou seja, a frequência
da rede elétrica do Rio de Janeiro. Os equipamentos GE foram entregues com o padrão norte-
americano de 60 ciclos por segundo (ou 60 hertz [Hz]), ao passo que o Rio de Janeiro utilizava
corrente alternada de 50 Hz. Não há informações sobre o motivo da incompatibilidade, mas
descartando um “simples” erro de projeto, é possível que a proposta da TV Tupi fosse mesmo
operar com 60 Hz, pois havia um movimento do governo para que a corrente elétrica de todo o
estado do Rio de Janeiro fosse mudada para esta ciclagem. Contudo, devido alguma restrição
técnica, a mudança de alimentação para os 60 Hz ainda não poderia se concretizar e a Tupi optou,
de última hora, a efetuar a modificação nos equipamentos da General Electric.
Um decreto promovendo tais mudanças nos padrões de transmissão das emissoras de TV foi
publicado pelo governo apenas em 1952. Entretanto, essa alteração acabou acontecendo, na
prática, somente em 1959, implicando que, além da mudança da relação ciclagem/frames por
segundo (fps) de 50 Hz/25 fps para 60 Hz/30 fps, consequentemente também deveriam ser
alteradas outras características técnicas de vídeo, como as 625 linhas de varredura, que seria
alterada para 525. Salienta-se que os equipamentos RCA da TV Tupi de São Paulo não tiveram
que ser adaptados, já que, naquela cidade, a ciclagem já era de 60 Hz.
trabalhar como locutor em português da emissora CBS - Columbia Broadcasting System e dos
estúdios da MGM - Metro Goldwyn Mayer. A direção-artística da Tupi carioca ficou a cargo de
Antônio Maria e a direção de produção com Beatriz de Castro. A direção-técnica, como já citado,
foi do engenheiro Fernando Chateaubriand, um dos três filhos de Chatô.
Testes de Câmera
Durante o mês de abril de 1950, a Rádio Tupi do Rio de Janeiro agendou duas datas para
realização de testes de câmera de televisão, sem transmissão pelo ar. Para tanto, foram convidados
os principais artistas do teatro carioca para comparecer a um estúdio no Rio. No primeiro dia,
além de Tônia Carrero, Carlos Dias, Aimée, Virgínia Lane, Alma Flora e Eva Todor, estiveram
presentes o ministro da Educação, Clemente Mariani, o deputado federal Horácio Lafer, Assis
Chateaubriand e funcionários dos Diários e Emissoras Associados. Os testes serviriam para
divulgar a montagem da primeira televisão do Rio de Janeiro e para os próprios artistas e técnicos
conhecerem o tão falado sistema de televisão.
O Primeiro Beijo
Durante os testes de câmera realizados em abril de 1950 pela
GE no Rio de Janeiro, o casal Carlos Dias e Aimée se beijou
diante das câmeras, mas a cena não foi transmitida pelo ar,
como aconteceu com o famoso beijo entre os atores Walter
Forster e Vida Alves na novela “Sua Vida Me Pertence” da
TV Tupi de São Paulo. Este, sim, é considerado o primeiro
beijo da TV brasileira, já que foi ao ar pelo Canal 3, em 8 de
fevereiro de 1952.
132 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Dois dias depois, como um direito de resposta, o “Diário da Noite” voltou a falar sobre as
obras da estação de televisão do Pão de Açúcar, entretanto, dando voz ao diretor-geral da Servix
Engenharia. As primeiras linhas da reportagem demonstraram que as “Associadas” deixaram de
lado o tom crítico quanto à condução dos trabalhos, chegando até a ressaltar que “prosseguem
ativamente os laboriosos trabalhos de instalações da torre emissora da televisão Tupi”. E
continuou a reportagem:
A torre da Tupi no Pão de Açúcar tinha 28 m de altura e foi fabricada e montada pela empresa
especializada Rufino de Almeida & Cia. Os trabalhos de montagem ocorreram durante o mês de
maio de 1950 e a instalação da antena GE, de 12 m, aconteceu em julho. O topo da torre do Canal
6 ficou a incríveis 440 m do nível do mar.
134 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 8
A CONSTRUÇÃO DOS ESTÚDIOS DO CANAL 3
E
ngenheiros norte-americanos da RCA-Victor chegaram ao Brasil em fevereiro de 1949,
com o objetivo de realizar estudos sobre os melhores locais para instalação dos estúdios,
do transmissor e da antena do futuro Canal 3. Durante a montagem da estação, realizada
no ano seguinte, esses profissionais se juntariam a técnicos da RCA e ao grupo do diretor-
técnico das Emissoras Associadas de São Paulo, Mário Alderighi. Walter Obermüller era norte-
americano e residia no Brasil já há algum tempo, trabalhando como engenheiro-chefe da filial
da RCA-Victor. Após a conclusão da montagem do novo parque técnico da Rádio Tupi de São
Paulo, em 1949, ele se dedicaria à supervisão de toda a montagem da TV Tupi.
Chateaubriand e o referido corpo técnico definiram que a central de produção da Televisão Tupi
de São Paulo seria construída dentro da própria Cidade do Rádio, complexo onde funcionavam
as rádios Tupi e Difusora. De acordo com o que foi relatado no Capítulo 4, o local ficava no alto
do bairro do Sumaré, na Zona Oeste paulistana, numa quadra com 4297 m2, situada entre a
Avenida Prof. Alfonso Bovero, Travessa Xangô e as ruas Piracicaba e Catalão. Para mensurarmos
o tamanho do volume de trabalho naquele complexo radiofônico, uma nota publicada pelo jornal
“Diário de São Paulo”, em abril de 1950, informou que por lá trabalhavam 428 pessoas. Era
realmente uma cidade e com uma condição técnica invejável. Já o setor administrativo da
emissora funcionaria em algumas salas do edifício-sede dos Diários Associados, na Rua Sete de
Abril, nº 230, no Centro.
Croqui da fachada original dos primeiros estúdios da Televisão Tupi-Difusora, datado de 1949. (Prefeitura da
Cidade de São Paulo/Secretaria Municipal de Cultura/Acervo do Arquivo Histórico Municipal)
Com a chegada da televisão, parte do conforto das instalações da Cidade do Rádio seria perdida
em função da redistribuição do espaço, inclusive, o grande auditório passaria a ser compartilhado
com a nova emissora. Para abrigar a sede do Canal 3, o corpo técnico projetou a construção de
um bloco com estúdios e salas de controle, que ficaria anexado ao primeiro prédio construído
pela Rádio Difusora, em 1934, este que passaria a ser totalmente ocupado pela televisão. Com
isso, a gerência-técnica, a discoteca, o estúdio de ensaios e outros setores da Difusora teriam que
ser realocados. Os fundos no novo bloco se “encaixariam” em parte da fachada frontal do antigo
prédio, mas seria necessário demolir a sala do transmissor da Rádio Difusora, que era mais a
mais avançada em direção ao jardim. A abertura deixada pela demolição desta sala serviria como
interligação entre os dois prédios. No jardim, as antenas de Ondas Curtas seriam removidas e
instaladas em um terreno das Emissoras Associadas, localizado no bairro da Vila Sofia, Zona
Sul, desocupado pela Rádio Tupi em 1949, quando foi inaugurado seu novo parque técnico, no
bairro de Interlagos.
É muito curiosa a forma como os funcionários da Cidade do Rádio ficaram a par de que as
Emissoras Associadas de São Paulo estavam investindo na montagem de uma emissora de
televisão naquele local. Isso porque neste mesmo jardim, além das antenas, havia uma quadra
de esportes improvisada pelos artistas do rádio, que a utilizavam nos momentos de descanso.
Segundo o ator e diretor Walter Forster, “havia uma rede de vôlei em um espaço curto e, ao invés
de bola, nós jogávamos com uma peteca”. Durante as partidas, sempre havia tietes que tentavam
avistar os radioatores por cima do muro e, talvez, ganhar um sorriso e até um autógrafo.
Eis que, numa tarde de fevereiro de 1949, quando acontecia o tradicional jogo de peteca, chega
o diretor-presidente dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, acompanhado de um mestre
de obras (ou de um engenheiro da RCA, não se sabe bem) com papel, lápis e trenas nas mãos.
Chatô, da forma rude que lhe era peculiar, foi adentrando à quadra e, sem dizer nada, passou a
fazer medições junto aos engravatados. E deu as ordens:
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 137
— Aqui vai ser o Estúdio “A”. Agora espiche a trena para o lado de lá. Ali vai ser o Estúdio “B”.
Veja se confere com o mapa — ordenava Chatô.
Até que um dos atores se aproximou e perguntou ao chefe se havia intenção de acabar com o
campinho de peteca. Conta-se que Chatô apenas ergueu os olhos e disse:
— Vocês vão jogar peteca no diabo que os carregue. Aqui vão ser estúdios de televisão!!
Após o Velho Capitão e o outro homem se retirarem, o comentário geral dos artistas foi
debochado. Algo como:
— Televisão? No Brasil? Isso só para daqui a 10, 15 anos…
Na verdade, a instalação da televisão foi uma imposição do próprio Assis Chateaubriand, já
que, à época, os profissionais do rádio sabiam que ainda era cedo demais para inaugurar aquele
caríssimo veículo midiático no Brasil. Ainda mais que não seria uma emissora de origem estatal,
como as europeias, mas a primeira no mundo a operar comercialmente fora dos Estados Unidos.
“O preço por hora de um espetáculo televisado1 é fabuloso e são necessárias várias horas de
ensaio. Entretanto, Assis Chateaubriand sabia de tudo isto quando pensou em fazer televisão”2.
Utopia de Chatô ou não, o fato é que a área ajardinada do simples campinho de peteca, menos
de um ano depois, abrigaria as dependências da primeira emissora de TV da América do Sul.
Além do campinho, a hora de descanso das estrelas do Sumaré também deixaria de existir, em
função do volume de trabalho para colocar no ar uma das duas primeiras emissoras de televisão
do Brasil.
Quando surgiu esta notícia, os trâmites já estavam bem avançados. O alvará para construção dos
estúdios foi expedido em 18 de setembro de 1949, exatamente 365 dias antes da inauguração da
emissora, como veremos adiante.
Transmissor e Antena
No edifício do Banco do Estado de São Paulo, a televisão precisaria de uma grande sala e do
pináculo. A negociação para utilização desses espaços foi realizada entre Assis Chateaubriand,
o governador Adhemar de Barros e o presidente do Banco do Estado de São Paulo, Oswaldo de
Barros.
As Obras
O Estúdio “A”, com 11,50 m x 14,75 m (169,62 m2), seria o principal. Ao lado, haveria a sala do
switcher com 9 m x 5,2 m, uma cabine para locuções com 2 m x 2 m e um espaço com 7 m x 2
m para um pequeno público poder assistir aos programas — chamado de “Auditório da TV”. O
Estúdio “B” seria auxiliar, de menor tamanho, contando com apenas 5,2 m x 4,85 m (25,22 m2),
a ser usado essencialmente para intervenções comerciais. As instalações foram projetadas de
acordo com as normas técnicas da RCA, a fabricante dos equipamentos As paredes dos estúdios
seriam duplas e obedeceriam a todas as regras modernas de acústica.
A altura da nova edificação seria equivalente à de um prédio de três andares. Não haveria janelas
nas quatro faces, que seriam revestidas externamente com tijolos aparentes, alinhados na vertical,
em linhas paralelas. Na fachada frontal haveria o letreiro “STUDIO TELEVISÃO”, mas, na
versão final do projeto, ele acabou montado na lateral direita do prédio e com os dizeres alterados
para “TELE VISÃO”, como se fossem duas palavras, posicionadas uma sobre a outra. Havia
uma espécie de raio ao centro do letreiro, que nos remete ao raio usado na logomarca da RCA. É
curioso o fato de não terem afixado uma identificação como “TV Tupi-Difusora” ou como “Canal
3” e “PRF3-TV”, por exemplo. Foi dado um sentido como se “Televisão” fosse uma marca
exclusiva das “Associadas” ou até mesmo da RCA. Há também outras diferenciações entre os
projetos inicial e final dos estúdios do Canal 3, tanto no acabamento da fachada como na
desistência de construir um pequeno anexo, onde ficaria um depósito de cenários.
Fachada dos
primeiros estúdios
da TV Tupi
de São Paulo.
(Mário Fanucchi/
reprodução)
O prédio pioneiro da TV Tupi de São Paulo existe até os dias atuais, onde
funcionando como segundo maior estúdio do canal de TV por assinatura
ESPN Brasil. Mais informações no Capítulo 48.
CAPÍTULO 9
A CHEGADA DOS EQUIPAMENTOS A SÃO PAULO
C
hateaubriand recebeu um convite de Meade Brunet, vice-presidente da RCA e diretor da
RCA International Division, para estar em Washington no dia 13 de outubro de 1949,
quando sua empresa realizaria uma demonstração de televisão em cores. As primeiras
emissões experimentais de televisão em cores no mundo haviam sido feitas em laboratório
no ano de 1939, pela Bell Telephone. Depois, diversas outras empresas foram realizando
experiências nas décadas seguintes e, na ocasião do evento em Washington, sob anuência da
agência reguladora Federal Communications Commission (FCC), a RCA mostraria seu produto
numa inédita transmissão colorida pelo ar. O evento ocorreu no salão nobre do Washington
Hotel e, junto a Assis Chateaubriand, também estavam presentes os embaixadores brasileiros
Maurício Nabuco e Ciro de Freitas Vale, além de Theophilo de Andrade, repórter dos Diários
Associados. Ao fundo do salão, havia seis receptores prontos para projetar imagens coloridas.
Todos ouviram as explicações do dr. Elmer Engstrom, diretor do Departamento de Pesquisa
daquela empresa. Durante a demonstração, foram exibidos números de dança, canto, mágica
e anúncios. As imagens estavam sendo geradas a 7 km daquele local, no Hotel Wardman Park.
“Para dar uma ideia precisa sobre o progresso do invento nos últimos anos, os receptores faziam
a transmissão uns em preto e branco, outros em duas cores, outros em três em cores e outros
ainda aplicavam a tricromia sobre um mostrador de mais de dois palmos”, relatou o repórter
Theophilo de Andrade para a revista “O Cruzeiro”1, que continuou: “A novidade, ali, era que
a cena, as cores, a luz e as vozes vinham de um lugar distante, através do ar, e reproduzidas
com toda a naturalidade, conferindo, destarte, aos espectadores, um atributo que outrora era
patrimônio de Deus — a ubiquidade. Estávamos ali e estávamos, ao mesmo tempo, no palco
distante. Desaparecera para nós o problema do espaço, cuja explicação é desespero permanente
dos filósofos”, escreveu o repórter com entusiasmo2.
Ao contrário do que se pensava, transmitir em cores era relativamente fácil, como concluiu Chatô
em sua coluna diária nos jornais “Associados”. Ainda no evento de Washington, foi informado
que a RCA passaria a comercializar o equipamento em cores no período entre 18 e 24 meses.
Após as demonstrações, o amigo e presidente executivo da RCA International, Meade Brunet,
ofereceu um almoço aos brasileiros e fez uma revelação animadora a Chatô: os equipamentos de
transmissão da televisão de São Paulo estavam prontos para embarcar até o fim daquele mês de
outubro. Empolgado, o empresário brasileiro chegou até a dar a boa notícia na sua coluna diária,
entretanto, a promessa não pôde ser cumprida. O embarque foi adiado por motivo não divulgado
pelos Diários Associados.
1 “Som e Cores Através dos Espaços”, Theophilo de Andrade, O Cruzeiro, 12/11/1949, p. 91.
2 “Som e Cores Através dos Espaços”, Theophilo de Andrade, O Cruzeiro, 12/11/1949, p. 91-92.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 143
Rumo ao Brasil
O embarque dos equipamentos da TV Tupi - Canal 3 acabou sendo realizado depois de dois
meses do encontro em Washington, exatamente em 11 de janeiro de 1950. Com direito a
repercussão na imprensa norte-americana, a carga dos Diários e Emissoras Associados saiu
da cidade de Filadélfia, no estado da Pensilvânia, em direção ao Porto de Santos, no litoral
paulista. O ato do embarque foi acompanhado por representantes da RCA-Victor e do consulado
brasileiro em Nova York. O “Diário de São Paulo” publicou uma foto com George W. Bradley
(da Divisão Internacional da RCA) e Aubrey Baldwin (da Divisão Victor da mesma empresa)
dando explicações a Itajubá Rodrigues (vice-cônsul do Brasil na Filadélfia) a propósito dos
aparelhos instalados na unidade móvel.
Com muito cuidado, os estivadores içaram a antena do Canal 3 a bordo do navio. Técnicos
da RCA orientavam pessoalmente a delicada operação, preocupados com a fragilidade do
equipamento. Um dos guindastes esticou seus braços metálicos para apanhar a unidade móvel de
televisão e os técnicos gritavam: “Be careful!” [Tenha cuidado!].
Com tudo pronto, o grande navio cargueiro soltou suas amarras rumo ao sul, em direção ao
Porto de Santos. Este cargueiro era o S.S. Mormacyork, da Moore-McCormack Lines, empresa
norte-americana que contava com filial em São Paulo, bem próxima ao edifício dos Diários
Associados.
A carga tinha um total de 24 toneladas e 207 volumes, incluindo o transmissor de 5 kW, modelo
TT-5A (com oito módulos e pesando mais de 450 kg); uma antena Superturnstile, modelo
TF-3A, com 18 m de comprimento, três elementos irradiantes e peso de 2,3 toneladas; três
câmeras para estúdio ou externas, modelo TK-30; unidade de controle de câmeras para estúdios;
unidade móvel, modelo TJ-50A; controles de áudio e vídeo para estúdio, modelo TM-5A; dois
projetores de filmes em 16 mm, modelo TP-16A; sintonizadores; gerador de sincronismo;
antenas para links de micro-ondas, modelos TTR-1A e TRR-1A; transmissores e receptores para
links; controles e monitores master; amplificadores; fontes de energia; iluminação para estúdio;
intercomunicadores de câmeras; megafone e microfones, incluindo o microfone boom, modelo
44-DX, com um “braço” de 6 m. Também estavam inclusos diversos equipamentos para medição
de sinais e monitoramento, além de cabos, filtros, linha de transmissão e conectores.
144 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
A Unidade Móvel
As Emissoras Associadas de São Paulo — uma espécie de holding dos Diários Associados e que
era dirigida por Edmundo Monteiro — encomendou a moderna unidade móvel TJ-50A da RCA,
visando gerar imagens para coberturas esportivas e jornalísticas. O veículo era um furgão
projetado especialmente para este fim, com chassis e motor de uma caminhonete Chevrolet.
Pesava cerca de 4 toneladas e suas dimensões eram de 6,55 m de comprimento, por 2,43 m de
largura e 2,74 m de altura. A lataria era preta (padrão do modelo), com pinturas da logomarca da
RCA e com os dizeres: “PRF3 TV”, “TELEVISÃO”, “RCA”, “EMISSORAS ASSOCIADAS”
e “CANAL 3”. Suportava até três câmeras simultâneas e contava com monitores, mesa de seleção
de imagens (switcher), acessórios e equipamentos para transmissão de áudio e vídeo por micro-
ondas até a central técnica da emissora. Possuía, também, uma escotilha para facilitar a montagem
de uma câmera e uma antena de micro-ondas sobre o veículo.
As três câmeras RCA TK-30 pesavam cerca de 80 kg cada e seriam usadas tanto nos estúdios
quanto na unidade móvel. Este modelo foi lançado em 1946 e foi amplamente utilizado durante a
década de 1950 por diversas emissoras do planeta. Junto à câmera, a RCA fornecia um conjunto
de várias lentes Ektanon, de fabricação Kodak. As câmeras tinham suporte para colocação de até
quatro dessas lentes simultaneamente, com processo de troca totalmente manual. Se houvesse
necessidade de aplicar zoom na imagem, trocava-se a lente facilmente com as mãos, girando o
suporte circular.
Ainda para comemorar a chegada da televisão paulistana, foram preparados mais dois eventos
festivos, realizados em Santos no dia seguinte ao desembarque, 3 de fevereiro. Um almoço foi
oferecido a autoridades e funcionários das “Associadas” pelos diretores da Moore McCormack,
a se realizar no Parque Balneário Hotel.
À noite, foi a vez da Cia. Antarctica Paulista promover um grande show no Cine Teatro Coliseu,
também em Santos, com a participação dos maiores cartazes das Emissoras Associadas de São
Paulo. A população da Baixada Santista pôde ver as apresentações de Caco Velho, Osny Silva,
Joel Robson, Hebe Camargo, Rosa Pardini e até de estrelas internacionais, como a cantora
portuguesa Amália Rodrigues e a dançarina cubana Rayito de Sol, ambas no Brasil para se
apresentarem nas Emissoras Associadas.
A previsão inicial era de que a televisão paulista estivesse montada em quatro meses, ou seja, a
tempo de ser inaugurada em grande estilo e poder transmitir os seis jogos a serem realizados na
cidade de São Paulo (Estádio do Pacaembu) pela Copa do Mundo, que se realizaria no Brasil a
partir de 24 de junho.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 147
Subindo a Serra
As carretas subiram a Serra do Mar, tendo à frente a unidade móvel da PRF3-TV, formando uma
carreata histórica, que tomou rumo a São Paulo pela Via Anchieta. Chegando ao planalto, a
carreata tinha que ir a um galpão no bairro da Mooca, para as devidas averiguações da empresa
de seguros. Mas, antes disso, a carreata passou em desfile pelo centro de São Paulo, mostrando
faixas com os dizeres “RÁDIO TUPI - TELEVISÃO RCA. A 1ª DA AMÉRICA LATINA”, algo
que causou grande interesse da população.
Carretas com os equipamentos da televisão desfilam pelo centro de São Paulo em 1950. (Diário de São Paulo/
reprodução)
148 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Mais tarde, no bairro da Mooca, precisamente na Avenida Presidente Wilson, os funcionários das
Emissoras Associadas estavam naturalmente muito ansiosos para abrir as caixas. Mas ficaram
frustrados ao saber que ainda teriam que aguardar por um conferente da companhia de seguros.
Com tudo finalmente liberado, a antena, o transmissor e os demais equipamentos de transmissão
seguiram para o edifício-sede dos Diários e Emissoras Associados, na Rua Sete de Abril, região
central. Já os equipamentos de estúdio foram levados direto para a Cidade do Rádio, no Sumaré,
onde ficaram acomodados por cerca de quatro meses, até que as atrasadas obras do novo prédio
da televisão fossem concluídas e os técnicos das “Associadas” e da RCA pudessem iniciar a
instalação.
A pesada antena RCA foi montada no térreo do edifício-sede dos Diários Associados, que estava
em fase de finalização de suas obras de reconstrução, mas que já funcionava parcialmente.
A antena ficou sobre cavaletes, em posição horizontal, e durante esta etapa, foi visitada por
dois dos investidores da televisão paulistana, Eugênio Belotti e Elemer Janovitz, diretores da
empresa Moinho Santista S/A. Uma interessante fotografia foi publicada pelo jornal “Diário de
São Paulo” no dia 23 de junho de 1950, onde ambos observam a antena de televisão montada na
horizontal sobre os cavaletes (foto).
CAPÍTULO 10
ORGANIZANDO A PRF3-TV
“Ao fim dos anos 1940, a notícia [da chegada da televisão ao Brasil]
começou a surgir medrosamente, sem muito açodamento, como
de coisa de futuro mais ou menos remoto. E só davam crédito por
envolver o nome do chefe supremo do grupo ‘Associado’, todos
conscientes dos seus cometimentos miraculosos. E logo no ano
seguinte, o primeiro da década de 1950, a divina loucura de Assis
Chateaubriand transformou em realidade o que se julgava apenas um
plano esmaecido. Antes de muitos dos principais centros civilizados
do mundo, dos maiores da Europa, o Brasil teve a sua televisão
inaugurada [...]. Edmundo Monteiro, já o ‘big-shot Associado
bandeirante’, comandou o acontecimento, acionando seus auxiliares
devidos. Para estruturar o núcleo nascente, Edmundo confiou-me a
direção-artística da primeira emissora de TV da América do Sul”.
(depoimento de Dermival Costa Lima para a exposição “Tupi 50-
76”, alusiva aos 26 anos da inauguração TV Tupi, realizada pelo
MASP - Museu de Arte de São Paulo)
O
primeiro diretor-geral da Divisão de TV das Emissoras Associadas de São Paulo foi o
baiano Dermival Costa Lima, acumulando com a função de diretor-artístico das rádios
Tupi e Difusora de São Paulo. Era casado com Sarita Campos, redatora e apresentadora
das Emissoras Associadas, e cunhado do radialista Paulo de Grammont. Carinhosamente
chamado de “Chefe”, Costa Lima era muito querido e respeitado no Sumaré. Não chegava a
ter 40 anos de idade, tinha corpo avantajado, era tranquilo, de fala macia e suave. Era formado
em jornalismo e direito, mas tinha muita experiência no rádio, meio onde começou em 1938, na
Rádio Transmissora Brasileira, que operava no Rio de Janeiro e era controlada pela gravadora
RCA-Victor (posteriormente vendida para o jornal “O Globo”). Trabalhou algum tempo na
Rádio Clube de Fortaleza e foi admitido em 1942 pela Rádio Tupi do Rio de Janeiro, onde
passou a trabalhar como programador, redator e assistente do diretor-geral Teófilo de Barros
Filho. No ano seguinte, o diretor dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo, Carlos
Rizzini, precisou de alguém para ocupar o cargo de diretor da Rádio Tupi e recebeu a sugestão
de Teófilo de Barros Filho para que levasse Dermival Costa Lima para o Sumaré.
150 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Outro grande dirigente escolhido para a TV Tupi - Canal 3 foi o radialista Cassiano Gabus
Mendes, que trabalhava nas rádios “Associadas” de São Paulo desde 1947. Tinha apenas 23 anos
quando foi chamado por Costa Lima para ser seu assistente e, também, o diretor de produção,
algo que causou certo alvoroço na Cidade do Rádio. Apesar da ciumeira, o garoto realmente tinha
talento e muita experiência, visto que já escrevia e dirigia peças de radioteatro, era sonoplasta,
irradiava futebol e produzia programas de auditório. Tinha até estagiado em uma emissora da
rede de televisão norte-americana NBC, no final de 1949 e, no mesmo ano, produziu um curta-
metragem chamado “A Gata”. Muito elogiado pela alta direção das Emissoras Associadas, seu
trabalho lhe valeu o convite para deixar as rádios Tupi e Difusora e trabalhar exclusivamente na
televisão, assumindo o posto em junho de 1950.
“Escolhi Cassiano Gabus Mendes para ser assistente geral e foi meu
braço direito naquela batalha de empolgações. O jovem e talentoso
era filho daquele meu saudoso companheiro e amigo Octávio Gabus
Mendes”. (depoimento de Dermival Costa Lima para a exposição
“Tupi 50-76”, alusiva aos 26 anos da inauguração TV Tupi, realizada
pelo MASP - Museu de Arte de São Paulo)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 151
Cassiano era filho de Octávio Gabus Mendes1, uma das figuras mais dinâmicas e realizadoras
do rádio brasileiro, onde trabalhou como locutor, programador, comentarista esportivo, crítico,
radioator, roteirista e diretor de cinema. Trabalhou em emissoras de rádio do Rio de Janeiro
e de São Paulo, entre elas, Tupi, Difusora e Bandeirantes. Faleceu precocemente em 1946 e,
provavelmente, esta perda transferiu ao jovem Cassiano o espírito de aventura intelectual do
teleteatro, gênero que daria à televisão o seu aspecto cultural.
O passo seguinte foi organizar a equipe artística da PRF3-TV. Nos Estados Unidos, os primeiros
profissionais contratados para a televisão eram atores do cinema; na Europa, eram atores teatrais;
e no Brasil, seriam os atores do rádio-teatro, gênero que fazia muito sucesso no país.
A montagem da primeira estação de televisão causou grande agitação no comando dos Diários
e Emissoras Associados de São Paulo. Uma das primeiras ações foi realizar uma alteração
nos contratos dos funcionários das rádios Tupi e Difusora, na medida em que iam sendo
renovados. Uma nova cláusula dizia que o empregado estava obrigado2 a prestar serviços em sua
especialidade, fosse no rádio ou na televisão.
Foi do rádio, também, que vieram as garantias de recursos para sustentar a televisão, que era
comercial e precisava de anunciantes. Ao passo que as estações de televisão europeias, por
exemplo, eram estatais e não necessitavam de propagandas para sua manutenção.
Para dirigir a área comercial da Televisão Tupi-Difusora, foi escolhido Fernando Severino3,
1 Octávio Gabus Mendes e Oduvaldo Vianna eram considerados os principais nomes da área
artística das rádios Tupi e Difusora. Costa Lima era compadre de Gabus Mendes e ambos tinham
grande proximidade. Já doente, nos anos 1940, Mendes estruturou muitos roteiros de TV, que foram
redigidos pelo filho Cassiano. Isso contou também para sua escolha para nova função na TV Tupi.
2 Foram recolhidas as carteiras de trabalho dos radialistas da Tupi e Difusora, que “curiosamente”,
ao serem devolvidas, já constava a adição do termo “e TV” ao lado das antigas funções. Isso
provocou protestos, já que foi oferecido apenas um adendo salarial irrisório diante da nova
e importante função de trabalhar na TV. É devido a este episódio da vida real que o termo
“radialista” é dado não somente aos funcionários do rádio, como também aos da televisão.
3 Depois da TV Tupi, Fernando Severino trabalhou na Rede Manchete e, após, dirigiu em São
Paulo o Memorial da América Latina. Faleceu em 1994.
152 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
profissional de propaganda que já havia trabalhado por 10 anos em agências, inclusive como
gerente. Ainda bastante jovem, Severino aceitou o desafio de trazer anunciantes para o novo e
caríssimo veículo de mídia. Tamanho o “quilate” de Severino, orgulhosamente ele ocupou esse
cargo por quase 30 anos, ou seja, a TV Tupi de São Paulo teve apenas um único diretor-comercial
em toda sua história.
Mário Alderighi e seu assistente Jorge Edo, já citados no Capítulo 3, eram funcionários do setor
técnico da Cidade do Rádio, responsáveis por colocar todas as emissoras no ar. Verdadeiros
heróis, o diretor Alderighi era engenheiro e Edo um técnico de broadcasting, o primeiro a
aprender e o primeiro a ensinar aos demais funcionários sobre como fazer televisão na prática.
Estes são dois nomes que não podem ficar de fora de qualquer história a ser contada sobre a
implantação da televisão no Brasil.
Acerca da formação do primeiro quadro de funcionários do Canal 3, Costa Lima, além dos
artistas, também recrutou os técnicos e auxiliares das rádios. Quase todos acumulavam funções e
colaboravam com a empresa, que se sacrificava, indiscutivelmente, para o breve lançamento do
novo veículo de comunicação.
Em um depoimento ao Museu da TV, Rádio & Cinema, o pioneiro Elio Tozzi revelou que, no
início das operações da TV Tupi-Difusora, os funcionários não tinham especialidades definidas
em suas funções. “Todos nós fazíamos de tudo e cada um foi tomando gosto por uma determinada
atividade. Uns foram para a iluminação, outros para o som, outros para a parte de câmera. [...] O
pessoal da câmera era, por exemplo, eu, o Walter Tasca e o Carlos Alberto de Oliveira. Depois,
veio o Luiz Gallon que, com o [...] Heitor de Andrade, fazia direção de estúdio e contrarregra
[...]”, conta Tozzi.
154 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 11
A MONTAGEM DO TRANSMISSOR E DA ANTENA
T
iveram início no final do mês de maio de 1950 as obras da TV Tupi no edifício-sede do
Banco do Estado de São Paulo, que ficava na Rua João Brícola, nº 24. Nos altos do gigante
de concreto armado, foi montada a sala de transmissão, onde ficariam, basicamente, a
mesa de controle e o transmissor do Canal 3. A alguns metros acima, também foi iniciada a
montagem de uma estrutura especial, provisória, por onde seria içada a antena transmissora
da televisão. Para efeito de localização, neste mesmo ponto, nos dias de hoje, está hasteada a
bandeira do estado de São Paulo, um dos maiores símbolos da Capital paulista.
A cidade de São Paulo vinha crescendo vertiginosamente desde o início do século XX. A riqueza
do café e a chegada de imigrantes de várias partes do mundo impulsionavam o crescimento da
metrópole. No final da década de 1930, o interventor federal1 Adhemar de Barros determinou
que o estatal Banco do Estado de São Paulo, fundado em 1909 e um dos símbolos da pujança
paulista, construísse uma sede mais ampla no entorno da Rua Boa Vista, o coração da zona
bancária da cidade. Até então, a sede do banco ficava mais afastada, na Praça Ramos de Azevedo,
local exato onde futuramente funcionaria a famosa loja Mappin. Foi então que o banco conseguiu
fechar uma negociação com a Santa Casa de Misericórdia, que era proprietária do Palacete João
Brícola, localizado na confluência das ruas João Brícola, Direita e Praça Antônio Prado. Foi feita
uma permuta entre os imóveis da Praça Ramos e o Palacete João Brícola, este que foi demolido
no final dos anos 1930 para a construção do novo edifício do Banco do Estado de São Paulo.
O primeiro arquiteto do projeto foi Plínio Botelho do Amaral. Contudo, ele acabou afastado e
quem assumiu foi a construtora Camargo & Mesquita, que já era responsável pela execução
das obras. Mudanças significativas foram propostas no projeto, como alteração no número de
andares e a inclusão de um mirante envidraçado, por sugestão de Prestes Maia, o então prefeito
da cidade. A proposta era ressaltar o perfil vertical do prédio, deixando-o semelhante ao Empire
State Building, de Nova York. Esse tipo de estrutura envidraçada no coroamento decorativo
de um edifício pode ser chamado de “farol”, um conceito de “lanterna urbana” que era muito
presente nos Estados Unidos.
Sobre a alteração na quantidade de andares, o aspecto de modernidade da época estava atrelado
à altura dos edifícios. Desta forma, os 26 andares previstos na primeira versão do projeto foram
alterados para 40, mas por falta de recursos, o prédio foi construído com 34 andares, além do
farol sugerido pelo prefeito.
As obras se iniciaram em 1939, correram intensamente e levaram oito anos para serem finalizadas.
Houve apenas um pequeno período de interrupção durante o momento mais difícil da Segunda
Guerra Mundial. Quem passava pela região central da Capital paulista via a obra majestosa
do Banco do Estado de São Paulo cercada por tapumes de madeira. A arquitetura do edifício
foi inspirada no estilo Art Déco, com linhas retas, geométricas, elementos nobres decorativos
e silhueta vertical, características que também representavam o conceito de modernidade. A
grande empreitada mexeu com o orgulho dos paulistanos e este foi o primeiro edifício a desafiar
a imponência do vizinho Martinelli, até aquele momento o mais alto da cidade.
A inauguração da nova sede do Banco do Estado de São Paulo foi realizada em 27 de junho
de 1947 pelo próprio Adhemar de Barros, recém-empossado como governador do Estado.
Entretanto, os escritórios do banco já haviam se mudado para o edifício um ano antes, quando
somente eram realizadas obras finais na fachada e nos andares superiores. Era o mais alto edifício
do hemisfério sul e o maior em concreto armado do mundo, como apontou uma revista francesa,
superando até o próprio Empire State Building, que era o maior arranha-céu do mundo, mas que
foi construído com concreto e ferro1.
Os números da nova sede do Banco do Estado de São Paulo eram realmente expressivos: 161 m
de altura, 34 andares, 14 elevadores, 900 degraus e 1119 janelas. O edifício logo se incorporou à
paisagem urbana de São Paulo, transformou-se em um dos principais cartões postais e seu maior
símbolo arquitetônico. Passou para o posto de segundo maior prédio paulistano em 1965 e para
terceiro em 1966, quando foi superado, respectivamente, pelos edifícios Itália e Mirante do Vale.
Mesmo assim, segue hoje em dia com o status de símbolo da cidade, devido à sua arquitetura
peculiar.
O farol do Altino Arantes é uma estrutura especial, localizada no topo do prédio e com finalidade
decorativa. Trata-se de uma construção cilíndrica, com 11,70 m de altura e 5,30 m de diâmetro,
sustentada com finas colunas de concreto e com fechamento envidraçado. Conforme previsto no
projeto final do edifício, acima do farol foi instalado um pináculo de 9 m, que era uma estrutura
simples, com uma esfera na ponta.
1 Obras realizadas em concreto armado são mais duráveis do que qualquer outro sistema de
construção, inclusive e resistentes à grandes vibrações e ao fogo.
156 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Quando o edifício foi inaugurado, o farol ficou aberto para visitação pública. Até que, em 1964,
início do Governo Militar, a visitação ao mirante foi proibida por questões de segurança nacional.
Segundo um integrante do Movimento Estudantil da época, em entrevista ao jornal “O Estado de
São Paulo”1, os militares “tinham medo de que terroristas jogassem bombas do alto”. Até mesmo
os funcionários do banco não podiam acessar o local, determinação que durou por 20 anos. O
público só voltaria a visitar o mirante a partir de 1º de outubro de 1996, devido ao lançamento de
um programa cultural promovido pelo banco Banespa.
Além da simbologia moderna que representou a inauguração das TVs Tupi de São Paulo
e do Rio de Janeiro, há ainda outro aspecto que ficou agregado ao valor das duas primeiras
estações: os locais representativos onde foram instaladas suas antenas transmissoras. O edifício
Altino Arantes, além de toda sua imponência arquitetônica e representante da forte economia
paulista, agora também atrelaria a importância da chegada da televisão em São Paulo, o mesmo
acontecendo com o Morro do Pão de Açúcar, símbolo da beleza natural carioca.
No ponto mais alto do Altino Arantes, o pináculo original seria removido para que fosse instalado
o mastro feito em aço, onde seriam fixados os três estágios da antena RCA TF-3A Superturnstile.
1 “Torre do Banespa Será Reaberta ao Público”, Cláudia Bredarioli, O Estado de São Paulo,
18/09/1996, p. 108.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 157
As Obras
A boa localização e a elevada altura do edifício do Banco do Estado de São Paulo garantiriam
uma boa propagação dos sinais da PRF3-TV. Todavia, para a instalação dos equipamentos, foram
necessárias diversas e difíceis adaptações, realizadas pelo engenheiro-civil Dorvalino Mainieri,
do escritório paulistano F.A. Pestalozzi.
Um verdadeiro “caos” de tubos de cobre passou a ser instalado para conduzir os cabos que
fariam filtragens e combinações dos sinais de áudio e vídeo e os levariam até os equipamentos de
controle e monitoramento. Por fim, os sinais iriam para o transmissor, que por sua vez, colocava
a estação no ar por meio de seu sistema triplo de antenas. Como as duas válvulas principais do
transmissor RCA eram refrigeradas com água destilada, foi preciso construir uma tubulação
especial do 24º até o 34º andar. Cada uma dessas válvulas tinha vida útil de apenas 250 horas e
o custo de substituição era muito alto.
Para o fornecimento de energia, foi necessária a construção de uma cabine primária exclusiva
no subterrâneo do edifício, com transformadores de 600 kVA e reguladores de tensão.
Consequentemente, uma rede de energia elétrica exclusiva foi montada do subsolo ao último
andar, bem como uma estrutura de “plano-terra” e um assoalho de cobre para evitar interferências.
A equipe responsável pela montagem dos equipamentos de transmissão, já citada, foi composta
por técnicos e engenheiros brasileiros e alguns estrangeiros, trazidos pela RCA. Ressaltando que
o engenheiro responsável pela instalação de todos os equipamentos foi o norte-americano Walter
Obermüller, da RCA.
O diretor-técnico das “Associadas”, Mário Alderighi, ficou responsável pela instalação do
158 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
transmissor, junto a Ernest Bast da RCA e ao auxiliar-técnico das “Associadas” Nelson Leite.
Somaram-se aos grupos José Brady (diretor da RCA em São Paulo); Silva Pinto (também da
RCA); Nelson de Mattos (técnico das “Associadas”); e Elio Tozzi, um brasileiro que estagiava
na NBC em Nova York, quando foi convidado a voltar para São Paulo e realizar as devidas
traduções inglês/português entre os envolvidos na montagem da estação PRF3-TV1. Segundo o
jornal “Diário da Noite”, W.F. Hanson, engenheiro da RCA, chegou ao Brasil em 28 de junho
de 1950 com a tarefa de dar os ajustes finais nos aparelhos da estação de televisão, tanto nos
estúdios como no transmissor.
A antena RCA TF-3 custou cerca de 300 contos de réis, de acordo com uma reportagem da
revista “O Cruzeiro”2. Seus três elementos irradiantes, modelo também conhecido por “Three-
Bay Superturnstile”, se assemelham a grandes borboletas. A antena era capaz de amplificar os 5
kW de potência do transmissor RCA - TT-5A e garantir a potência efetiva de 20 kW.
Estrutura de Apoio
Para a elevação e fixação da antena, foi necessária a montagem de andaimes de madeira com
30 m de altura no entorno do farol do edifício. Para executar esta difícil e custosa tarefa, as
Emissoras Associadas contrataram os serviços de uma empresa especializada, a Estruturas de
Madeira S/A, dirigida pelo engenheiro Erwin Hauff. A empresa era paulistana e tinha experiência
na fabricação de estruturas para torres de rádio, estádios, ginásios etc. Seu sistema especial de
andaimes foi patenteado como Sistema Hauff. Em maio de 1950, cinco caminhões descarregaram
centenas de tábuas de peroba no edifício do Banco do Estado de São Paulo, cada uma com 4 m
de comprimento.
1 Em 1951, Elio Tozzi deixou a RCA e foi contratado pela própria Rádio Difusora (TV Tupi), onde
permaneceu até 1954, passando para a TV Paulista e depois TV Excelsior, em 1960. Durante a
produção desta obra, Tozzi, com 80 anos, goza de boa saúde e fuma charutos tranquilamente
em sua casa no bairro paulistano do Sumaré.
2 “A Televisão Funcionando!”, Arlindo Silva, O Cruzeiro, 12/08/1950, p. 80.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 159
O transporte dos equipamentos eletrônicos e das madeiras para o alto do edifício foi um enorme
desafio, pois os elevadores não comportaram grande parte do material e, ademais, não subiam
diretamente até o último andar. Eles serviam até o 26º, onde era necessário fazer baldeação para
outro elevador menor, que ia até o 32º. A partir deste ponto, era necessário subir os dois andares
restantes por escadas muito estreitas, num total de 60 degraus. Por fim, para subir da sala do
transmissor do Canal 3 até o mirante havia, ainda, a escada caracol do 34º. Foi exatamente este
penoso caminho que operários e técnicos tiveram que percorrer diversas vezes com as tábuas de
madeira e os grandes e pesados equipamentos da emissora de TV que seria a pioneira da América
do Sul. Para facilitar a passagem, foi necessário quebrar alguns degraus e remover o teto dos
elevadores para que os materiais pudessem ser transportados.
O farol do edifício do Banco do Estado de São Paulo totalmente envolto da estrutura de madeira necessária para o
erguimento da antena RCA do Canal 3, em 1950. (Acervo Arquivo Nacional e Acervo Família Mainieri/reprodução)
A estrutura de madeira foi fixada na plataforma do mirante, envolvendo todo o farol e mudando
totalmente o visual do edifício. Por volta do dia 20 de maio já era possível visualizar a estrutura
ganhando certa altura. O jornal “Diário de São Paulo” publicou um anúncio que mostrou o
fac-símile de um memorando assinado por Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Diários
Associados em São Paulo, datado de 30 de agosto de 1950, onde ele agradecia a Estruturas de
Madeira S/A pelos bons serviços prestados.
A antena, que havia sido montada no saguão do edifício dos Diários Associados, na Rua Sete de
Abril, foi finalmente transportada até a calçada do edifício do Banco do Estado de São Paulo.
As notas publicadas nos veículos dos Diários Associados não foram precisas sobre a data da
elevação da antena da TV Tupi. No entanto, evidências apontam que tenha acontecido entre os
dias 12 e 13 de julho, quando, de acordo com o que divulgou a revista “O Cruzeiro”, muitos
paulistanos pararam para observar manobras arriscadas e delicadas, apontando os dedos para o
alto e fazendo muitos comentários sobre a chegada da televisão. Apesar da magnitude do evento
de elevação e fixação da antena, os jornais dos Diários Associados não publicaram fotos, apenas
a subida do mastro que seria fixado por dentro da coluna central do farol do edifício, para dar
apoio à antena.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 161
Operários conduzindo a subida de um dos mastros da antena de televisão no edifício do Banco do Estado de São
Paulo. (Acervo Família Mainieri)
A instalação completa da antena foi concluída ainda antes do final de julho, época em que já
estava tudo pronto dentro da sala de controle e transmissão da televisão, no 34º andar. Aliás,
uma nota publicada em 29 de maio de 1950, no “Diário da Noite”, mostrou a mesa do Controle
Mestre e o transmissor já inteiramente instalados.
A ponta da antena do Canal 3 ficou a 179 m do solo. Sua montagem foi realizada sem muitas
noções de segurança, de acordo com um depoimento do técnico Nelson de Mattos dado à atriz
pioneira Vida Alves, em seu livro “TV Tupi - Uma Linda História de Amor”1. Segundo ele, a
pequena equipe fez a montagem “agarrada pelas paredes”.
1 “TV Tupi - Uma Linda História de Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:43.
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1 Este mobiliário está exposto atualmente no 3° andar do mesmo edifício, no “Espaço Memória”
do Farol Santander.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 165
CAPÍTULO 12
PRÉ-ESTREIA DA TV TUPI - EXPERIÊNCIAS COM FREI JOSÉ
MOJICA
A
o final de junho de 1950, os técnicos da RCA e das Emissoras Associadas já estavam
concluindo o processo de instalação da televisão nos estúdios do Sumaré e no edifício
do Banco do Estado de São Paulo. A emissora ainda não estava pronta para entrar no
ar, mas seus equipamentos de estúdio — como câmeras, mesas de corte de imagem, iluminação
e microfones — já estavam montados. O momento também era de oferecer treinamento aos
técnicos e operadores.
O ano de 1950 foi muito importante para a história dos Diários Associados, que continuava
em plena ascensão pelo país. Além da instalação das duas primeiras emissoras de televisão
brasileiras — no Rio de Janeiro e em São Paulo — e da ativação de diversos novos e potentes
transmissores de rádio pelo Brasil, o grupo de mídia também preparava a inauguração de seu
novo edifício-sede em São Paulo, que teve as obras iniciadas seis anos antes.
Em 1942, os quatro andares do edifício Guilherme Guinle, na Rua Sete de Abril, nº 230, já
eram insuficientes para alojar as empresas paulistas dos “Associados”. A solução foi projetar a
construção de um novo e grande edifício no mesmo local, onde funcionariam todas as empresas
de forma integrada. Naquele ano, como já mencionado, a Rádio Tupi mudou-se para a recém-
adquirida Cidade do Rádio, no bairro do Sumaré; e as redações dos jornais “Diário da Noite e
“Diário de São Paulo” vinham funcionando em um edifício locado, no nº 241 da mesma Sete de
Abril, em frente ao antigo Guilherme Guinle, que já seria demolido.
A construção da nova sede dos Diários Associados foi realizada mediante empréstimos levantados
na Caixa Econômica Federal. As hipotecas foram divididas entre três empresas do grupo em São
Paulo. Em 1945, Cr$ 8 milhões foram levantados pelo “Diário da Noite”; no ano seguinte, mais
Cr$ 20 milhões pelo “Diário de São Paulo”; e em 1947, outros Cr$ 662 mil pela Rádio Tupi. O
terreno e o imóvel constituíram a garantia do empréstimo, que acabaram se valorizando mais que
os débitos. Em 1950, por exemplo, esta propriedade já estava contabilizada em Cr$ 96 milhões,
enquanto as hipotecas eram avaliadas em Cr$ 86 milhões.
O novo edifício começou a ser construído em 1944 e manteria o nome do dr. Guilherme Guinle.
166 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Seriam dois blocos — um com 13 e outro com 15 andares — e um total de 34 mil m2, graças
à aquisição de um terreno vizinho. O bloco dos fundos do terreno seria voltado aos negócios,
composto apenas por salas comerciais para venda. O projeto e a execução das obras ficaram
a cargo do arquiteto francês Jacques Pilon, radicado no Brasil e um dos responsáveis pela
propagação dos princípios do modernismo na arquitetura brasileira. Em 1947, como apenas os
andares mais altos ainda estavam em construção, as empresas dos Diários Associados paulistas
passaram a se instalar de forma gradativa. Em outubro deste mesmo ano, Assis Chateaubriand
fundou, no 2º andar, em meio aos andaimes do edifício e uma entrada provisória repleta de
madeiras, o Museu de Arte de São Paulo — hoje chamado de “MASP”. No ano seguinte, foi a
vez de o novo edifício receber os jornais “Diário da Noite” e “Diário de São Paulo” e, em 1949,
Chatô resolveu também abrir espaço para a nova sede do MAM - Museu de Arte Moderna,
entidade recém-fundada pelo industrial, mecenas e político Francisco Matarazzo Sobrinho — o
Ciccillo Matarazzo.
Inaugurações
No início de 1950, a direção dos Diários e Emissoras Associados, as redações dos jornais e as
rotativas do subsolo já estavam em plena atividade e restava apenas a conclusão de uma
importante modificação interna: a ampliação das dependências do Museu de Arte, que ganharia
mais um andar. A cerimônia de inauguração do novo edifício Guilherme Guinle foi agendada
para o início de julho, juntamente com uma série de outros importantes eventos que chamariam
a atenção da sociedade: a inauguração das ampliações da sede do Museu de Arte, uma conferência
sobre o mercado cafeeiro e uma série apresentações do famoso cantor religioso internacional, o
frei José Francisco de Guadalupe Mojica, popularmente conhecido por Frei José Mojica.
Os eventos aconteceriam nos dias 4 e 5 de julho. Para a primeira data, a estreia da temporada
musical de José Mojica, a ser transmitida pelas rádios Tupi, Difusora e afiliadas pelo Brasil, com
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 167
Devido à alta magnitude dos eventos sociais e artísticos programados pelos Diários Associados,
que por si só já atrairiam muita gente ao edifício Guilherme Guinle, Assis Chateaubriand
tomou uma decisão repentina, que mexeu com a vida de todos os envolvidos. Ele pediu o
televisionamento das apresentações do Frei Mojica e da solenidade de ampliação do Museu
de Arte, algo que realmente daria mais brilho às novas realizações do maior grupo de mídia
do país. Entretanto, como a estação transmissora do Canal 3, no centro da cidade, ainda não
estava pronta para entrar no ar, a cobertura dos eventos deveria ser realizada em circuito interno,
vista por meio de alguns televisores espalhados pelo prédio dos Diários Associados, mesmo
que ainda não houvesse sequer um exemplar disponível. Para Chateaubriand, tais exibições já
seriam suficientes para chamar a atenção do público e de seus investidores para a chegada da
televisão em São Paulo. Ademais, apesar do corre-corre, os técnicos das Emissoras Associadas
poderiam treinar seus novos ofícios e haveria a possibilidade de televisionar — leia-se divulgar
— o presidente Eurico Gaspar Dutra, que tanto ajudou para que Chateaubriand viabilizasse a
instalação da televisão no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Segundo o calendário da Igreja Católica, 1950 era um Ano Santo e diversas atividades especiais
seriam realizadas no decorrer do período. As Indústrias Alimentícias Carlos de Britto S/A estavam
entre as maiores potências industriais do Brasil e, numa ação publicitária para comemorar seu
cinquentenário e o próprio Ano Santo, trouxe para o Brasil o famoso cantor religioso mexicano
Frei José Mojica, que realizaria uma série de apresentações nas rádios Tupi de São Paulo, Tupi
do Rio de Janeiro e, ainda, na Rádio Farroupilha de Porto Alegre (RS), também uma emissora
“Associada”. A turnê duraria cerca de um mês, com três apresentações por semana.
A ação publicitária da empresa alimentícia usou sua marca “Peixe”, uma linha de produtos com
goiabada, palmito, extrato de tomate etc. Coube ao publicitário Victor Berbara1 negociar a vinda
1 Victor Berbara ficou conhecido nacionalmente ao criar o estúdio de dublagem VTI, em 1987,
no Rio de Janeiro.
168 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
do astro, além de roteirizar e dirigir suas apresentações para as Emissoras Associadas. Ele era
chefe do Departamento de Rádio e Cinema da importante agência Standard Propaganda, que
cuidava da publicidade das Indústrias Alimentícias Carlos de Britto.
José Mojica havia sido cantor e astro de cinema em Hollywood, atuando com sucesso em filmes
da 20th Century Fox da década de 1920. Entretanto, duas décadas depois, renunciou às glórias
do cinema pelo silêncio da clausura e da meditação. Recolheu-se em um convento franciscano
de uma aldeia do Peru e tornou-se frade. A notícia estourou como uma bomba. Um dos melhores
artistas do cinema sairia de cena e uma das mais belas vozes do rádio silenciaria. Depois do
noviciado, sua primeira missa foi um verdadeiro espetáculo, mesmo contra a vontade dos
superiores. O povo que já o admirava o fez ainda mais com a sua altruística renúncia e lotou o
templo para vê-lo sob outro olhar. Mojica ainda era um sucesso.
Passados alguns anos, na virada para a década de 1950, frei José Mojica foi a Roma pedir
uma permissão especial ao papa Pio XII, a fim de fazer uso de sua voz privilegiada como um
instrumento a serviço da igreja. Ele reverteria as rendas em benefício do desenvolvimento das
vocações sacerdotais na América do Sul e de angariação de fundos para obras de caridade. O
papa permitiu que Mojica se apresentasse no rádio, teatro e cinema.
Sem abandonar o hábito de frade, o tenor voltou a cantar maravilhosamente bem, contudo, com
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 169
um novo repertório, apenas com canções folclóricas e populares de fundo religioso. Durante
cada apresentação, Mojica faria uma pausa em determinado momento para proferir uma rápida
palestra, cumprindo seu objetivo de despertar novas vocações sacerdotais entre os ouvintes.
Logo após a autorização do papa, Mojica viajou para a Argentina para gravar um filme sacro
e, em seguida, veio ao Brasil, a convite da marca Peixe, onde iniciou seu novo apostolado. A
renda dos espetáculos ao microfone das rádios Tupi e Difusora já seria revertida em benefício da
construção de um convento no Peru.
A televisão ia se tornando realidade em São Paulo, no Brasil e até na América Latina, mesmo
que ainda em circuito fechado. A transmissão das apresentações de José Mojica não foram
as primeiras experiências de televisão em terras brasileiras, mas são tidas como o marco do
nascimento da televisão nacional.
Chateaubriand havia decido exibir as apresentações de Mojica tão em cima da hora que, certa
feita, o cantor mexicano declarou em uma entrevista já estava em São Paulo quando soube que
seria televisionado. Mas isso não foi um problema para o religioso, pois, coincidentemente, ele
já tinha participado das primeiras experiências de televisão no Radio City Music Hall de Nova
York.
As apresentações de Mojica em São Paulo foram transmitidas pela Rede Ipiranga, nome dado à
cadeia com cinco estações compreendida pela Rádio Tupi AM - 1040 KHz, Rádio Difusora AM
- 960 KHz e suas três estações de Ondas Curtas (19, 25 e 49 m). Estes sinais alcançaram
nitidamente todo o Brasil e diversos outros países vizinhos.
Lima Duarte, ator pioneiro da televisão, costuma apontar, em suas entrevistas sobre a história
da TV Tupi, o contrassenso de um homem que trajava um hábito religioso cantar algumas das
apaixonadas canções de amor que compuseram seu repertório na fase mundana. Segundo Duarte,
Mojica teria cantado durante a pré-estreia da televisão brasileira a canção “Júrame”, seu maior
sucesso antes de virar religioso. Todavia, o nome desta canção não está listado na divulgação
do repertório dos shows, publicado nos jornais “Associados”. Todavia, caso ele tenha realmente
executado “Júrame”, o contrassenso que Lima Duarte aponta é que o frei teria cantado uma letra
onde que um homem pede beijos de sua namorada e que ela o deseje até a loucura... Se Mojica
realmente cantou esta canção em São Paulo, não se sabe.
Júrame
Que aunque pase mucho tiempo
No has de olvidar el momento
En que yo te conocí
Mírame
Pues no hay nada más profundo
Ni más grande en este mundo
Que el cariño que te di
Bésame
Con un beso enamorado
Como nadie me ha besado
Desde el día en que nací
Quiéreme
Quiéreme hasta la locura
Y así sabrás la amargura
Que estoy sufriendo por ti
Em uma foto publicada no jornal “Diário de São Paulo”1, vê-se que as imagens transmitidas pelo
circuito interno de televisão tinham boa qualidade. Era realmente “o maior acontecimento do
broadcasting bandeirante!”, como destacou a matéria.
No dia seguinte, 5 de julho de 1950, aconteceram os atos solenes para a inauguração do edifício
Guilherme Guinle e das novas instalações do Museu de Arte de São. Neste importante dia, após
cinco meses de portas fechadas, seria inaugurada a reforma geral das instalações provisórias e
um novo pavimento totalmente dedicado ao museu.
No 2º andar, foi montado um auditório para conferências e aulas; uma grande sala de projeção de
filmes cinematográficos com equipamentos RCA — onde o Frei Mojica vinha se apresentando
—, dispondo de 320 lugares numa plateia em declive e com poltronas estofadas; uma sala de 400
m2 para o Instituto de Arte Contemporânea; uma biblioteca especializada em arte; uma escola
de arte; um laboratório fotográfico; e a secretaria. O 3º andar ficou dedicado exclusivamente à
nova pinacoteca, com mais de 1000 m2, além de uma incrível iluminação especial e um adequado
sistema de ventilação. Este grande espaço foi destinado para abrigar a coleção permanente do
museu, que havia recebido dezenas de novas obras, passando a contar com cerca de 100 peças
de autoria dos maiores pintores e escultores de todos os tempos. Neste mesmo andar também foi
criado um espaço para exposições temporárias.
Para as inaugurações, o Museu de Arte promoveu uma série de manifestações culturais, entre as
quais, uma exposição com a retrospectiva da obra arquitetônica de Le Corbusier1, conferências
e a inauguração de uma sala para estudos de cinema, inaugurada pelo cineasta francês Henri-
Georges Clouzot. Tudo organizado pelo diretor do museu, o museologista italiano Pietro Maria
Bardi.
O cantor mexicano Frei Mojica voltou a se apresentar no auditório do Museu de Arte nos dias 7 e
11 de julho, às 22h, também com transmissão pelo circuito fechado de TV e pelas rádios da Rede
Ipiranga. Com o sucesso de público nas primeiras experiências, além dos monitores instalados
no hall do edifício dos Associados, outros dois também foram disponibilizados na esquina das
ruas Sete de Abril e Bráulio Gomes, bem próximos ao edifício dos Diários Associados. Eles
foram conectados à central técnica de televisão por meio de extensos cabos coaxiais.
176 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Vale ressaltar que Mojica ainda se apresentou no Teatro Municipal de São Paulo no dia 8 de
julho, também com patrocínio da marca Peixe. Contudo, não houve exibição desse espetáculo
pela televisão. Uma apresentação radiofônica extra da temporada paulista de José Mojica ocorreu
na noite de 18 de julho, mas, atendendo a numerosos pedidos, foi realizada no espaçoso Palco-
Auditório da Cidade do Rádio, no Sumaré. Houve transmissão pela Rede Ipiranga de rádio,
mas também sem circuito interno de TV. No entanto, a equipe de cinematografia das Emissoras
Associadas gravou a apresentação em película de 16 mm para futuras apresentações na TV-3.
No dia 22 de julho, aconteceu no ginásio do Estádio do Pacaembu o show da despedida de
Mojica ao povo paulista. No Rio de Janeiro, o frei apresentou-se entre 29 de julho e 9 de agosto,
também como pré-estreia da TV Tupi - Canal 6. Mojica esteve ainda no Recife, Salvador e Porto
Alegre, deixando o Brasil somente em meados de outubro. A turnê de Mojica no Brasil acabou
se prolongando bastante, visto o grande sucesso.
CAPÍTULO 13
OS PRIMEIROS RECEPTORES DE TV
E
m livros, jornais, entrevistas, vídeos, documentários e sites que retratam o início da
televisão no Brasil, costuma ser amplamente contada uma história inusitada, que teria
acontecido em São Paulo poucos dias antes da inauguração da TV Tupi - Canal 3.
Conta-se que Assis Chateaubriand e seu corpo técnico e diretivo simplesmente não se ativeram
à inexistência de aparelhos receptores de TV disponíveis na cidade, algo que inviabilizaria o
acesso à programação da “Televisão Associada”. Imediatamente — continua a história —, os
envolvidos teriam tomado providências para evitar atrasos e tornar viável a inauguração da
televisão. Conta-se também algumas variações e divergências sobre essa história, mas todas
elas dão como verídica — e até como cômica — uma grande “trapalhada” comercial acontecida
durante a instalação da TV Tupi.
A seguir, falaremos das principais dessas versões e, por fim, usando lógica, razão e o resultado de
ampla pesquisa, apresentaremos uma nova interpretação sobre a dita falta de aparelhos receptores
para o público poder assistir à televisão pioneira desde sua inauguração.
Walter Obermüller
“Bote no Ar!”
O ator pioneiro Lima Duarte minimiza o problema e costuma contar que a necessidade da
importação imediata dos televisores teria surgido pela decisão de uma antecipação repentina da
data de inauguração da estação de TV de São Paulo. Segundo ele, quando Chatô foi informado
sobre o término das obras de instalação dos equipamentos da emissora, o jornalista teria dito
pronta e precipitadamente:
— Bote no ar!
Foi neste momento que o empresário teria percebido a necessidade de antes ter que resolver a
questão da importação de televisores para o Brasil. Teria voado rapidamente para os Estados
Unidos e comprado 20 receptores RCA, sustenta Lima Duarte.
Presidente Dutra
A terceira versão dos fatos é contada por José Louzeiro, no livro “Urca - O Bairro Sonhado”1. Ela
só diverge da versão contada na biografia de Chateaubriand em um pequeno ponto. Entretanto,
Louzeiro dá continuidade ao que foi contado no livro de Fernando Morais, narrando que
Chateaubriand quis importar 200 televisores RCA, mas teria se deparado com a burocracia, que
atrasaria a entrega em, pelo menos, 60 dias. Com isso, teria pedido socorro pessoalmente ao
presidente da República e amigo, Eurico Gaspar Dutra. Chatô teria informado que recorreria ao
mercado negro e falado sobre um famoso contrabandista que trabalhava ali no Rio de Janeiro.
Atendendo pelo apelido Zica, o contrabandista seria Manoel da Silva Abreu, também conhecido
como o “Rei da Praça Mauá”. Ele realmente teria meios de trazer entre 80 e 100 aparelhos do
exterior, de forma rápida e eficiente.
Surpreso com a proposta, Dutra teria reclamado: — O Estado não faz negócio com contrabandistas,
dr. Assis!
— O Estado não precisa saber dessa solução de emergência, presidente. O que interessa é a
televisão funcionando. Sem ela, o Estado fica que nem índio: de tanga!1
E assim teria sido feito. O contrabandista se disse honrado em poder ajudar a nação e acionou
seus contatos no Paraguai. Em menos de 24 horas, um bom número de modernos televisores
RCA já estava nas mãos de Chateaubriand. No filme “Chatô - O Rei do Brasil” (2015), inclusive,
o diretor Guilherme Fontes sustenta as versões sobre o contrabando de televisores e mostra, em
uma cena no cais de um porto, caixas de madeira que deveriam conter geladeiras, mas que, na
verdade, acomodavam os tais televisores contrabandeados.
Chatô logo teria mandado entregar alguns destes aparelhos como presente. Um para sua querida
secretária em São Paulo, Vera Faria, outro para o próprio presidente Dutra, e outros para alguns
amigos.
Reunião Artística
Algumas publicações apontam que o alerta de que era preciso importar receptores de TV
urgentemente teria surgido em uma reunião para definição da programação inaugural da
televisão. Segundo conta esta versão, estava quase tudo selecionado: cenógrafos, maquinistas,
iluminadores, técnicos, telecine, elenco de radioteatro, bailarinas e diretores. Faltava produzir
o grande show de inauguração. Estariam presentes os diretores Edmundo Monteiro, Dermival
Costa Lima e Cassiano Gabus Mendes; o ator Walter Forster; Carlos Jacchieri (artista plástico
que se tornaria o primeiro cenógrafo da televisão); o apresentador Homero Silva; o operador de
som Nelson de Mattos; o técnico Jorge Edo; entre outros nomes fundamentais para a estreia da
televisão. O fim da história é o mesmo das versões anteriores.
Debruçar sobre todas as páginas dos dois jornais paulistas dos Diários Associados que foram
publicadas em 1950 — “Diário da Noite” e “Diário de São Paulo” — permitiu que os autores
destas linhas formulassem uma versão muito mais verossímil sobre os primeiros televisores que
chegaram ao Brasil. Isso foi possível a partir de evidências e informações detalhadas contidas
nestes periódicos, bem como as próprias versões que acabamos de narrar. Ficou claro que não
passa de uma lenda, ou até mesmo uma piada, que diretores e técnicos das Emissoras Associadas
não tenham sido competentes o bastante para fechar acordos que garantiriam a entrega de
televisores em São Paulo antes da inauguração da TV Tupi.
O que é mostrado nas páginas dos jornais de Chateaubriand é que houve, sim, um acordo
comercial entre as Emissoras Associadas de São Paulo e a RCA-Victor, celebrado ainda durante
o início da montagem dos estúdios do Sumaré, no final do primeiro trimestre de 1950. A
RCA, além de fabricar os equipamentos de broadcasting comprados para a TV Tupi, também
comercializava uma grande linha de televisores nos Estados Unidos. Acordo comercial similar
também aconteceu paralelamente entre a TV Tupi do Rio de Janeiro e a General Electric.
Junto à RCA foi possível sincronizar o início das operações experimentais do Canal 3 de São
Paulo com o início da distribuição do primeiro lote de receptores nas lojas, importado pela
representante da RCA no Brasil, a loja Cássio Muniz. Também ficou acertado que pouco mais
de duas dezenas de receptores deste primeiro lote seriam adquiridas pelas Emissoras Associadas.
Eles seriam instalados em lojas e bares de São Paulo para que a população acompanhasse as
transmissões experimentais, os eventos de inauguração e os primeiros dias de programação
regular. Os demais receptores iriam para comercialização em lojas.
Tudo foi acontecendo conforme o cronograma e, logo após o governo federal definir as regras de
importação dos televisores, no final de abril, foi feita a encomenda com a RCA. O prazo para a
chegada e liberação do primeiro lote foi de 60 dias (21 de julho), proporcionando que a estação
de TV das Emissoras Associadas de São Paulo pudesse ser inaugurada no início de agosto. Nessa
época, contudo, já não daria mais tempo de inaugurar a emissora a tempo de transmitir alguns
jogos da Copa do Mundo no Brasil, como se pretendia inicialmente.
Como detalhado no capítulo anterior, durante o período de espera pelos primeiros receptores,
Chateaubriand repentinamente determinou que a equipe de técnicos da televisão transmitisse
imagem e som dos eventos sociais e artísticos importantes que aconteceriam em 4, 5, 7 e 11 de
julho, na sede dos Diários Associados em São Paulo. Uma verdadeira pré-estreia inesperada da
TV Tupi. É neste ponto que surge o problema da falta de receptores, tão citado quando é contada
a história da televisão brasileira. Com o desafio lançado por Chateaubriand, a grande dúvida de
seus diretores era: como disponibilizar receptores para o público a partir do dia 4 de julho se o
primeiro lote da RCA vai chegar apenas no dia 21?
É fato, portanto, que ainda não havia sequer um receptor disponível para realizar as transmissões
experimentais de última hora, entretanto, para a estreia oficial da televisão (em agosto, como se
previa), o primeiro lote com uma centena de receptores RCA chegaria no devido prazo, a bordo
de um avião “Constellation” fretado.
Desta forma, é verdade que o próprio Chatô teve que se movimentar de maneira inusitada
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 181
para conseguir disponibilizar alguns poucos aparelhos de TV. É aqui que entra a história da
necessidade de encomendar receptores com um contrabandista, a fim de ganhar tempo e não ter
que enfrentar a burocracia da importação, conforme contaram José Louzeiro, no livro “Urca - O
Bairro Sonhado”1, e Fernando Morais2, na biografia de Chateaubriand. Há, contudo, a ressalva
de que o contrabandista não disponibilizou 200 aparelhos, mas algumas poucas unidades —
algo em torno de meia dúzia3. É possível, também, que aquele diálogo entre Chateaubriand e
o presidente Dutra sobre o contrabando de aparelhos tenha realmente acontecido e que a citada
reunião artística entre diretores do Sumaré não tenha debatido a falta de receptores, mas as
atrações do programa de estreia e a grade de programação.
As Primeiras Importações
1 “Com a Televisão, S. Paulo Conquista Mais uma Primazia no Continente”, Correio Paulistano,
17/08/1950, p. 2.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 183
Como previsto, o primeiro carregamento oficial de televisores RCA chegou ao Brasil na noite de
21 de julho de 1950, fato que ganhou espaço nos jornais de Chateaubriand. Em um fretamento
exclusivo para a Cássio Muniz, dois cargueiros Constellation da Panair desembarcaram no
Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, trazendo os primeiros 100 aparelhos. Estiveram
presentes naquele importante acontecimento José Brady, diretor da RCA Victor em São Paulo;
Walter Obermüller, engenheiro da RCA; Erasmo Toledo, diretor da Cássio Muniz S/A; e Paul
Dault, representante de vendas da Panair do Brasil e da Pan American World Airways.
A sincronizada parceria comercial realizada entre as Emissoras Associadas de São Paulo, a RCA
e a Cássio Muniz teve as seguintes etapas: pedido de importação dos televisores; espera de 60 dias
para o desembarque em Congonhas; desembaraçamento na alfândega; instalação de televisores
para o público em cerca de 20 estabelecimentos da cidade; distribuição nas lojas para início das
vendas; início dos testes de sinal da estação transmissora no canal 3; e, finalmente, o início da
programação experimental da Tupi-Difusora. Como veremos no Capítulo 15, os testes de sinal
do Canal 3 iniciaram-se dois dias após a chegada deste primeiro carregamento de televisores,
quando boa parte dos receptores já estava instalada nos estabelecimentos previstos.
No aniversário de um ano de operação da TV Tupi, a loja Cássio Muniz fez um anúncio nos
jornais com informações importantes sobre a referida parceria comercial:
Como vimos, a chegada dos primeiros receptores de televisão em São Paulo foi fruto de uma
ação coordenada e os fatos não aconteceram como são contados na versão confusa de que,
simplesmente, “esqueceram-se de encomendar receptores para a estreia da televisão em São
Paulo”. Provavelmente, isso seja fruto de uma história mal contada por alguns pioneiros da
TV, que se confundiram com a necessidade repentina de se obter receptores para a exibição
dos eventos dos Diários Associados, um pedido urgente e inesperado de Chateaubriand, o
comandante mandão.
Vendendo Televisores
Em julho de 1950, algumas lojas de São Paulo passaram a aceitar encomendas de receptores
de TV e, a partir de agosto, já foi possível comprar com pronta entrega. No caso específico
dos receptores RCA, as vendas começaram exatamente no dia 16 de agosto, data em que,
sincronizadamente, a programação experimental da PRF3-TV deixou de exibir apenas as
imagens estáticas dos testes e iniciou a apresentação de alguns filmes musicais.
Preço Alto
CAPÍTULO 14
DEMONSTRAÇÕES DE TELEVISÃO DA GE EM SÃO PAULO
E
m meados de 1950, as duas primeiras emissoras de televisão brasileiras estavam em plena
montagem em São Paulo e no Rio de Janeiro, sob a iniciativa dos Diários Associados.
A expectativa do público era grande para ver a TV Tupi no ar, mesmo que somente em
bares e vitrines de lojas, já que o preço dos receptores seria altíssimo. Como já relatado no
Capítulo 2, alguns brasileiros já tinham presenciado demonstrações de televisão profissional
no longínquo ano de 1939, no Rio de Janeiro, numa ação entre os governos da Alemanha e do
Brasil. Em 1948, já terminada a Segunda Guerra Mundial, os franceses vieram ao Brasil para
demonstrar seu sistema de televisão, também no Rio de Janeiro, em uma escola do Exército e em
praça pública — fruto de uma parceria com a Rádio Nacional. No mesmo ano, em Juiz de Fora,
um pioneiro transmitiu seu sinal amador de TV para toda a cidade. E, em São Paulo, em julho
de 1950, a futura TV Tupi fez sua pré-estreia com quatro transmissões sucessivas em circuito
interno. Desta forma, a TV ganhava ampla popularidade em algumas regiões do Brasil e tais
demonstrações serviram como uma espécie de matrícula para os futuros profissionais pioneiros
na escola da televisão.
Poucos dias depois das apresentações experimentais no prédio dos Diários Associados, outro
evento demonstrativo de televisão profissional chegava a São Paulo, mas com um conceito bem
diferente do que alguns brasileiros já tinham presenciado. Sob o título de “Vídeo Médico”, era
um programa científico norte-americano voltado para a combinação de medicina e tecnologia. A
proposta era proporcionar que diversos estudantes de medicina pudessem assistir a procedimentos
cirúrgicos à distância. Por um circuito interno de TV, o programa mostraria as incisões captadas
por duas câmeras, uma instalada sobre um tripé móvel, mostrando o plano aberto da sala, e a
outra afixada sobre a mesa de cirurgia, para visualizar os detalhes em close-up. Haveria também
um microfone para que o cirurgião narrasse os detalhes do procedimento.
O programa foi considerado um grande progresso da educação médica no exterior e tinha o
patrocínio do laboratório farmacêutico E.R. Squibb & Sons International Corporation e da
General Electric Company Inc. (GE), fornecedora de todo o equipamento de televisão para
captação, transmissão e recepção.
188 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Em seu país de origem, o “Vídeo Médico” havia feito muito sucesso em congressos e algumas
universidades cogitaram incluir um sistema de televisão nos programas educacionais que
necessitavam de demonstrações práticas. A mesma estação portátil que saiu em excursão pela
América Latina — incluindo o Brasil — havia sido usada numa histórica transmissão de uma
cirurgia realizada no Hospital Bellevue, em Nova York, enviando o sinal para uma antena no
topo do edifício Empire State Building, que o rebateu para o edifício das Nações Unidas. Lá,
havia monitores de TV para personalidades da Organização Mundial de Saúde, diplomatas
latino-americanos e outras figuras importantes da classe médica.
A turnê do “Vídeo Médico” na América Latina passaria, nesta ordem, por San Juan (Porto Rico),
São Paulo, Buenos Aires (Argentina), Caracas (Venezuela) e Cidade do México (México). No
Brasil, as exibições aconteceriam como parte das atrações da 2ª Jornada Pan-Americana de
Gastroenterologia, evento organizado pela Associação Interamericana de Gastroenterologia e
presidido pelo professor-doutor Benedito Montenegro, catedrático da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Em novembro de 1949, ele havia ido aos Estados Unidos para
participar de congressos científicos e, em nome da Faculdade de Medicina de São Paulo, fechou
acordo para sua inclusão na turnê do “Vídeo Médico”.
“Vídeo Educativo”
A GE e a E.R. Squibb trouxeram outro programa “na bagagem”, desejando demonstrar que, além
de potencialidades a serviço da ciência, a televisão também era um veículo de entretenimento
e divulgação de conhecimento às massas. Este programa também seria exibido ao vivo, para
o público em geral, nos dias que antecederiam a estreia do “Vídeo Médico”. Chamado de
“Vídeo Educativo”, sua premissa era produzir e mostrar conteúdos locais e variados, como
documentários científicos e educacionais, esportes e entretenimento em geral. Além disso,
naturalmente, haveria também uma ação publicitária da GE para maior divulgação da televisão.
O Brasil era um mercado promissor, que estava entrando fortemente na era da televisão. A GE
já tinha vendido equipamentos para a TV Tupi do Rio de Janeiro e mantinha um escritório
comercial na mesma cidade1.
Para participar do programa popular de televisão, foi promovida uma seleção especial de
artistas que atuavam nas rádios Record, Tupi e Difusora de São Paulo. Eles foram convidados a
demonstrar a valiosa contribuição educativa que a televisão poderia proporcionar.
Apesar de soar como uma experimentação ou divulgação da futura estreia da TV Tupi de São
Paulo, o programa artístico da GE/E.R. Squibb não teve ligação com as Emissoras Associadas,
mesmo que tenha havido a participação de nomes de seu elenco. A agência Grant Advertising
era quem cuidava da propaganda da GE no Brasil e contratou 20 profissionais para realizar
a produção artística do programa “Vídeo Educativo”. Entre eles, Ângelo Sangirardi Jr., que
organizou e dirigiu as apresentações, e o cenógrafo, figurinista e cineasta Carlos Arthur Thiré —
esposo da atriz Tônia Carrero e pai do ator Cecil Thiré. Anos depois, a Grant Advertising seria
a primeira agência a produzir programas na TV Tupi, um modelo de parceria comercial que se
tornou muito comum nas primeiras duas décadas da televisão no Brasil.
No dia 20 de julho, às 18h, foi promovida a pré-estreia do “Vídeo Educativo”, em sessão exclusiva
para a imprensa e autoridades. Assistida em 10 receptores instalados nos salões do Instituto de
Engenharia, a transmissão teve 60 minutos e foi gerada ao vivo do estúdio GE de televisão,
especialmente montado no anfiteatro do 7º andar do Hospital das Clínicas. A apresentação do
“Vídeo Educativo” foi feita pelo locutor Homero Silva, das Emissoras Associadas. De início, a
audiência assistiu a um discurso do prefeito da cidade de São Paulo, Lineu Prestes, que destacou
o significado social e educativo da televisão. Em seguida, o “Vídeo Educativo”, o primeiro
programa propriamente de televisão produzido em São Paulo, contou com a participação do
Palhaço Arrelia; do pianista argentino Robledo e Seu Conjunto; do sambista Caco Velho; das
cantoras Elza Laranjeira e Neide Fraga; do ventríloquo Conde Hermann e seus Bonecos; do músico
R.T.G. e seu Órgão Elétrico; do humorista Badú; das bailarinas do Grupo Experimental de Ballet
(Dóris Dawis, Dorinha Costa, Cândida Zingra e Jurema Ranzani); das atrizes Miriam Simone
e Marly D’Ângelo; e dos lutadores de catch-as catch-can1 Duro e Dário. Hélio Bittencourt, um
engenheiro brasileiro da GE, apresentou um quadro onde explicou o funcionamento da televisão
por meio de uma encenação com uma enfermeira, a radioatriz Miriam Simone, da Tupi-Difusora
(futuramente ambos se tornariam um casal). Foi exibida, também, uma participação pré-gravada
em película, produzida pela GE, onde o dr. Wolfgang Bücherl, do Instituto Butantan, mostrou
como se preparava o soro antiofídico, como se extraía o veneno de uma serpente, como elas eram
capturadas e como eram distinguidas as espécies.
No dia seguinte, 21 de julho, foi realizada a primeira exibição normal do “Vídeo Educativo”,
desta vez, especialmente produzido para centenas de pacientes do Hospital das Clínicas, inclusive
1 Modalidade de luta livre onde, teoricamente, todos os golpes são permitidos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 191
as crianças. Pelos receptores de TV, foram vistos números de música instrumental e vocal,
ventriloquia, aulas práticas de higiene e, novamente, o quadro explicativo sobre o funcionamento
da televisão e o documentário gravado no Instituto Butantan.
Outras apresentações regulares do “Vídeo Educativo” foram realizadas entre os dias 24 e 26
de julho, sempre às 14h, 16h e 20h, também com transmissão simultânea para o auditório da
Faculdade de Medicina e para os salões do Instituto de Engenharia.
Televisão na Prática
Um colunista de televisão dos Diários Associados de São Paulo, que assinava apenas com as
iniciais “E.B.”, publicou que foi escalado para fazer parte da equipe de produção do programa
“Vídeo Educativo”. Em sua coluna, E.B. contou em detalhes os desafios enfrentados pela equipe,
que contava apenas com a teoria de produção de TV, mas, obviamente, nenhuma prática. Seu
relato é um bom retrato das dificuldades vividas pelos primeiros profissionais de televisão no
Brasil:
“Senhores ouvintes (sic). Teremos, dentro de alguns momentos, pela primeira vez no Brasil, uma
demonstração cirúrgica por meio da televisão, como parte do programa de um congresso. [...] Já
se pode aquilatar a importância que terá futuramente a televisão no ensino da cirurgia, pois ela
passou do terreno experimental para o da prática [...]”, iniciou Montenegro.
Durante os três dias de jornada, as cirurgias aconteceram no período da manhã. No primeiro
dia, elas foram executadas pelo dr. Plínio Bove, no segundo pelo dr. Daher Cutait e, no terceiro
dia, pelo próprio dr. Montenegro. Houve transmissão simultânea para todos os 20 monitores do
sistema, com uma nítida recepção de áudio e vídeo em cores, segundo jornais da época. Muitos
médicos não esconderam o entusiasmo com o completo êxito nas demonstrações.
No total, cerca de 10 mil pessoas assistiram à exibição de ao menos um dos programas do “Vídeo
Médico” ou do “Vídeo Educativo”, realizações muito importantes para a divulgação da televisão
e para a experimentação dos técnicos e artistas que se preparavam para trabalhar com o novo
veículo. Além, claro, de representar um grande avanço para a ciência médica em geral. O jornal
“O Estado de São Paulo” fez uma clara descrição do perfil do público paulista que esteve na tarde
de 26 de julho, no salão do Instituto de Engenharia, para ver as exibições do “Vídeo Educativo”.
CAPÍTULO 15
LIGANDO O TRANSMISSOR - A FASE EXPERIMENTAL DA PRF3-
TV
Desde o dia 24 de julho último, acha-se no ar, diariamente, o
transmissor de televisão RCA, de propriedade das Emissoras
Associadas de São Paulo. Com a finalidade inicial de unicamente
permitir o alinhamento de receptores, a chegada dos receptores
RCA possibilitou a distribuição estratégica dos mesmos pelos pontos
mais movimentados da Capital bandeirante, cuja população vem
assistindo, desde o dia 16 de agosto, a programas regulares especiais.
(Revista Monitor de Rádio e Televisão, nº 36, setembro de 1950, p. 7)
A
instalação da estação transmissora no Banco do Estado de São Paulo já estava
completamente concluída e, com a chegada dos primeiros 100 receptores RCA em solo
paulistano, era o momento de iniciar os testes de transmissão do canal VHF-3 da TV
Tupi-Difusora. O poderoso transmissor RCA, modelo TT-5A, com 5 kW de potência, entrou
no ar pela primeira vez no dia 24 de julho de 1950, uma segunda-feira. Pela primeira vez na
América do Sul, eram feitas transmissões oficiais de televisão. No Rio de Janeiro, a TV Tupi
- Canal 6 ainda estava em fase de montagem e no México haviam sido iniciadas no dia 16 de
julho as transmissões experimentais da XHTV - Canal 4, emissora também equipada pela RCA
e que se tornou a pioneira da América Latina. No Brasil, começava a se concretizar o sonho de
Assis Chateaubriand, o mesmo sonho que tiveram outros empresários, e que lutaram para ter
protagonizado esta primazia.
De acordo com o cronograma de implantação da televisão em São Paulo, o Canal 3 iniciaria
seus testes de sinal com a imagem-padrão da RCA, assim que os receptores RCA chegassem
em São Paulo. Imediatamente, eles passariam a ser instalados em pontos comerciais estratégicos
da cidade e, assim que fosse concluído este processo, a estação também passaria a exibir alguns
programas durante seu horário de transmissão experimental.
A imagem-padrão do equipamento RCA era uma imagem estática, chamada tecnicamente de
“test-pattern”. Coincidentemente, ela mostrava a cabeça de uma figura indígena, no entanto, não
de um Tupi, mas de um cacique norte-americano da tribo Sioux. Com isso, o padrão de testes do
Canal 3 acabou ficando popularmente conhecido por “Cabeça de Índio”. Esta mesma imagem do
test-pattern acabou sendo utilizada por todas as emissoras brasileiras daquela época, mesmo que
seus equipamentos não fossem da RCA.
196 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O Test-pattern da RCA, a primeira imagem transmitida pela pioneira TV Tupi de São Paulo. (reprodução)
O padrão “Cabeça de Índio” tinha um propósito técnico. Quando os transmissores das emissoras
eram ligados, este slide era colocado no ar para realizar os ajustes finos da imagem. Cada traço e
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 197
cada número contidos neste padrão visavam um determinado ajuste a ser feito pelos operadores
do transmissor e do controle geral das emissoras. Simultaneamente aos testes, o operador de
áudio da emissora executava faixas de LPs para que o som também fosse regulado. Depois de
testados o vídeo e o áudio, entrava no ar um segundo slide, que já mostrava o prefixo da emissora
e ficava no ar até chegar o horário oficial para iniciar a programação. Por fim, o test-pattern
também auxiliaria as assistências-técnicas a diagnosticar defeitos nos receptores e serviria de
parâmetro para o telespectador regular o brilho e o contraste. Em 1972, com a implantação da
TV em cores no Brasil, o padrão do índio da RCA foi substituído pelo padrão de barras verticais
em cores. Afinal, com a modernização dos equipamentos, o que ainda precisava ser ajustado
manualmente eram somente as cores.
A primeira fase das transmissões experimentais da PRF3-TV se prolongou por 23 dias e, por si
só, já chamou a atenção popular nas vitrines das casas do ramo.
Nova York, com o amigo Meade Brunet, o presidente-executivo da RCA International. Brunet
retrucava a preocupação do amigo brasileiro sobre a possibilidade de a TV Tupi de São Paulo
chegar àquelas três importantes cidades, algo que lhe seria de grande valia comercial:
Entretanto, devido ao tempo que Meade Brunet fez Chateaubriand esperar para receber os
equipamentos, realmente foi possível que a RCA enviasse uma versão do transmissor com maior
ganho de potência, algo que faria a área de cobertura saltar de 35 para 75 km. “Tem você aí, meu
amigo, a demora que pusemos de mais de um ano na entrega do transmissor de São Paulo. Nosso
contrato com a Tupi paulista é para um transmissor de 35 km de raio de ação. Veja agora: vamos
dar-lhe um de 75 km, igual a este da National Broadcasting [NBC]”1, disse Brunet a Chatô.
Voltando ao artigo escrito por Chateaubriand, ele revelou que o sinal de testes do Canal 3
estava sendo recebido não a “apenas” 75 km como se previa, mas ao menos 130 km, indo muito
além daquelas regiões que ele tanto almejava. Para ter uma ideia da preocupação comercial de
Chateaubriand de chegar longe com o sinal da PRF3-TV, em 1946 ele solicitou a um engenheiro
norte-americano da RCA e, no ano seguinte, a um inglês da Marconi Wireless Co., para que
fossem a São Paulo realizar estudos sobre as condições geográficas da metrópole. Contudo,
ambos os profissionais foram unânimes na negativa de que estas cidades poderiam assistir ao
Canal 3 paulistano e, segundo relatou o inglês, para levar sinais de TV a longas distâncias era
necessário estabelecer estações retransmissoras ao longo do caminho ou uma rede de cabos.
isolado e extremo, ocorrido em 1954, onde um telespectador de Buenos Aires passou a receber,
com certos ruídos e distorções, as imagens da Tupi de São Paulo. O sistema irradiante da
televisão pioneira mostrava que realmente tinha um excelente desempenho técnico e acabou
surpreendendo a todos, até mesmo os executivos e engenheiros da fabricante dos equipamentos.
Como já mencionado, as Emissoras Associadas realizaram uma ação de marketing em larga escala
para a divulgação da televisão em São Paulo, numa parceria com a RCA e a loja de eletrônicos
Cássio Muniz, distribuidora exclusiva dos produtos RCA no Brasil. Com a chegada do primeiro
carregamento de 100 televisores, na noite de 21 de julho, a Cássio Muniz rapidamente instalou
pouco mais de 20 unidades em casas comerciais da região central expandida de São Paulo,
proporcionando que o grande público pudesse entrar em contato com a novidade midiática.
Os monitores RCA adquiridos pelas Emissoras Associadas foram disponibilizados em 22
endereços da Capital paulista. Além de seis unidades na própria loja Cássio Muniz, na Praça da
República, n° 309, também receberam televisores para acompanhar as primeiras transmissões
da TV Tupi a loja Mappin (Praça Ramos de Azevedo), loja Sears (Praça Oswaldo Cruz), Casa
Beethoven (Largo da Misericórdia), Irmãos De Meo & Cia (Largo São Bento), Casa Chopin
(Rua José Bonifácio), Rádio Assumpção S/A (Rua Líbero Badaró), Bar Modelo (Praça da
Sé), Confeitaria da Sé (Praça da Sé), Café da Sé (Praça da Sé), Electrolândia Ltda. (Rua São
Bento), Cognac Bar (Avenida Angélica), Casa Pirani (Avenida Celso Garcia), Modas Clipper
(Largo Santa Cecília), A Exposição (Praça do Patriarca), Confeitaria Palácio Ltda. (Praça Clóvis
Bevilacqua), Casa Universo (Rua Domingos de Morais), Casas Paiçandu (Largo do Paiçandu),
Modas A Exposição (Avenida Celso Garcia), lojas Mesbla (Rua Dom José de Barros), Palácio
do Disco (Avenida São João) e o próprio saguão dos Diários Associados (Rua Sete de Abril).
Com o passar dos dias, o público também pôde acompanhar a programação de experiência em
televisores instalados no hall da Cidade do Rádio, no Sumaré.
A concorrente General Electric (GE), que logo passou a montar televisores no Brasil, também
disponibilizou algumas unidades para pronta entrega em São Paulo, por meio de revendedores
exclusivos, como a Casa Andrade, na Rua Xavier de Toledo. Uma propaganda da GE, publicada
nos jornais no dia 31 de agosto, ressaltou que a empresa havia equipado a primeira emissora de
TV da Capital da República, a TV Tupi do Rio de Janeiro, e agora oferecia seus receptores para
compra: “Televisão GE leva o espetáculo à sua casa”.
Programas na Tela
Ficou marcado para as 17h do dia 16 de agosto o início da transmissão de programas na fase
experimental da PRF3-TV Tupi-Difusora, que passaria a acontecer diariamente, entre 17h e
19h. A loja Cássio Muniz publicou alguns anúncios nos jornais do dia anterior e do próprio dia
16, divulgando que era a primeira a disponibilizar receptores de televisão para compra em São
Paulo e convidando o público para se dirigir a um dos diversos pontos comerciais na cidade
com os receptores de demonstração: “Venha assistir amanhã ao primeiro programa de televisão
apresentado na América do Sul” (foto).
Os pequenos filmes exibidos foram produzidos durante os meses de junho e julho pelo diretor-
assistente Cassiano Gabus Mendes. Paulo Leblon e Ribeiro Filho foram alguns dos redatores. As
apresentações musicais contaram com grandes nomes que estavam passando pelos microfones
das rádios do Sumaré naquele período, incluindo artistas internacionais. Os primeiros a serem
filmados foram o Frei José Mojica (no Museu de Arte) e, nos estúdios, a dupla Zita e Fred, Rayito
de Sol e Dom Pedrito, e Império Argentina. Em seguida, foram filmadas atrações com Ivon Curi,
Carlo Buti, Jean Sablon e os grandes cartazes da Cidade do Rádio: Hebe Camargo, Georges
Henry, Norma Ardanuy, Os Garotos Vocalistas, Wilma Bentivegna, Osni Silva, Lolita Rodrigues,
Rosa Pardini, Estherzinha Borges e Marcos Ayala.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 203
O cinematografista Jorge Kurkjian filma a apresentação musical da dupla Zita e Fred para a programação
experimental do Canal 3. (Diário da Noite/reprodução)
Anúncio de programa com o candidato a governador de São Paulo Hugo Borghi, transmitido pelo Canal 3 em sua
fase experimental. (Diário de São Paulo/reprodução)
A curiosidade do público acerca das primeiras imagens da televisão deu um ar de agitação em São
Paulo, a partir do final de julho de 1950. Saber mais sobre aquela afamada caixa mágica era um
desejo crescente e não paravam de chegar cartas à redação dos Diários e Emissoras Associados,
seja elogiando a qualidade das imagens da fase experimental ou protestando sobre a programação.
Reclamaram dos desenhos falados em inglês, da falta de artistas do rádio se apresentando no
206 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
vídeo e, até mesmo, que a emissora não estava cobrindo a campanha presidencial, como no rádio,
que acabou reconduzindo Getúlio Vargas ao poder.
Histórica reportagem do “Diário de São Paulo” publicada um dia antes da inauguração do Canal 3: “Entra
Definitivamente o Brasil na Era da Televisão”. (Diário de São Paulo/reprodução)
CAPÍTULO 16
VAMOS ENTRAR NO AR!
N
aquela histórica segunda-feira, 18 de setembro de 1950, o transmissor RCA da TV Tupi
- Canal 3 foi ligado por volta das 16h e passou a exibir o sinal de ajuste com o padrão
da emissora. Era chegado o momento da tão esperada inauguração oficial da televisão
de São Paulo, a primeira do Brasil. Apesar de poucos aparelhos de TV terem sido vendidos
(como já citado, eles eram caros e custavam cerca de oito vezes mais do que uma rádio-vitrola),
havia muita aglomeração nos diversos locais com os televisores RCA das Emissoras Associadas
instalados pela importadora Cássio Muniz e, também, nas lojas que vendiam aparelhos General
Electric.
Era a grande sensação. Nosso país estava na vanguarda e a população entusiasmada com a grande
novidade. Seríamos o quinto país do mundo a ter um serviço regular de televisão, já que existia
operações similares somente nos Estados Unidos, França, Inglaterra e, há 18 dias, também no
México1.
Artistas e Convidados
1 Em setembro de 1950, havia serviços regulares de televisão somente nos Estados Unidos,
França, Inglaterra e México. As transmissões na Alemanha foram interrompidas após a Segunda
Guerra Mundial e reativadas apenas em 1952, já com o país dividido em Ocidental e Oriental. A
TV soviética entrou no ar em 1938, também saiu do ar durante a guerra e voltou parcialmente
em 1945, passando a operar de forma regular somente em 1951.
208 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Paulista); Antônio Sanches Larragoiti1 (presidente da Sul América Seguros e esposo da poetisa
Rosalina Larragoiti); Lucas Nogueira Garcez (que dias depois seria eleito governador de São
Paulo); Julien C. Greenup (cônsul norte-americano em São Paulo); Horton Hoover (adido de
Aeronáutica do Consulado Norte-Americano em São Paulo); José Brady (diretor-gerente da
RCA-Victor em São Paulo); Francisco Carvalho e W. J. Linderman (diretores da RCA-Victor
no Rio de Janeiro); George Sims (RCA-Victor); José Poggi de Figueiredo (representante da
Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil); Rodolfo Beicht (diretor da Philips do
Brasil); Sigefredo Magalhães (diretor da S. Magalhães e Cia., empresa responsável pelo trabalho
de despacho aduaneiro dos equipamentos da televisão); Hermenegildo Martins (diretor da
Companhia de Laminação de Metais); Mário e Alberto Audrá (diretores da Cia. Cinematográfica
Maristela); Angelina Audrá (vice-presidente do Museu de Arte de São Paulo); Adalberto Ferreira
do Vale (Cia. Prudência Capitalização); Anísio Massorra (diretor da Companhia Aliança da
Bahia); Edmundo Iônio e Jaime Pereira da Silva (diretores do Instituto de Engenharia de São
Paulo); Hélio Muniz, Elias Fleury e Alexandre Smith (diretores da loja Cássio Muniz); A. Ferreira
Lopes, I.A. Ibbotson e A. Kelvin Batt (diretores da Eno-Scott & Brown); R.B. Chalmers (lojas
Sears Roebuck); Orestes Credidio (gerente da Toddy do Brasil); Fernando Bueno de Morais
(gerente de propaganda da Colgate-Palmolive Peet Co. Ltd.); Osvaldo Estanislau do Amaral
e Agostinho Janequine (diretores da Cia. Sudan); Carlos Reichenbach (diretor da Companhia
Litográfica Ipiranga); o industrial Joaquim Müller Carioba; o capitão Irineu Guisolphe de Castro
(representando o governador do estado de São Paulo - Adhemar de Barros); o major Ribamar de
Miranda (representando o Comando da 2ª Região Militar); o tenente Luiz Gonzaga de Menezes
(representando a 4ª Zona Aérea); Romeu Pereira (representando o secretário da Segurança
Pública); Raimundo de Menezes (representando o prefeito de São Paulo); Egon Félix Gottschalk
(diretor da Federação das Indústrias); e José Paranhos do Rio Branco (advogado dos Diários
Associados).
A Alvorada da TV Brasileira
Com atraso, por volta das 17h30, a “Cabeça de Índio” vista na imagem de teste deu lugar ao
início das apresentações nos estúdios do Sumaré. Naquele instante, nascia a TV brasileira! Foi
oficializada a PRF3-TV Tupi-Difusora - Canal 3 de São Paulo, com “projeção à distância de som
e imagem conjugados”, como os técnicos da época costumavam dizer.
Naquele momento, entrou no ar o rosto em close-up da garotinha Sônia Maria Dorce, com seis
anos de idade, direto do pequeno Estúdio “B”.
— Boa tarde! Está no ar a televisão do Brasil! — exclamou a pequena Sônia, que estava
caracterizada como uma indiazinha, remetendo ao nome da emissora, com a diferença de que
seu cocar possuía duas simbólicas antenas receptoras de TV, uma brincadeira de Chateaubriand
que bem representou o espírito da emissora.
Sônia era filha de Francisco Dorce, maestro e músico das Emissoras Associadas e muito amigo
1 Alguns jornais da época o apontam como “padrinho da TV”, mas nada se confirma, visto
que nada consta no roteiro da solenidade de inauguração. Este apontamento pode se tratar
apenas por ele ser o marido da madrinha Rosalina. Lembrando que Antônio Sanches Larragoiti
era proprietário da Sul América Seguros, uma das patrocinadoras master da implantação da TV
Tupi paulista. Já a TV Tupi carioca contou oficialmente com padrinho e madrinha (saiba mais no
Capítulo 23).
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 209
de Chatô. A pequena já trabalhava desde 1948 na Rádio Tupi, declamando poemas e fazendo
brincadeiras no programa “Clube Papai Noel”, ao lado do apresentador Homero Silva.
Após a rápida participação de Sônia Maria Dorce, eis que surge na tela a famosa radioatriz
Yara Lins, do Estúdio “A”, que passou a mencionar o prefixo e o nome das estações das rádios
“Associadas” que estavam retransmitindo aquele evento para diversas regiões do país. Eram
mais de 20 prefixos e a atriz decorou todos eles. Quem lhe deu esta missão foi o diretor-artístico
Dermival Costa Lima, que, simplesmente, se aproximou com um papel em mãos, no dia anterior,
e disse:
— É você!
“Entrei em pânico. ‘Eu não vou dar conta’. E tinha uma palavra nova: ‘égide’. Sob a égide de...
sei lá o quê!! Quase morri. Eu tropeçava. E a palavra telespectadores? Era horrível.”, declarou
Yara Lins em uma entrevista à atriz e escritora Vida Alves, onde também revelou não saber
explicar como conseguiu memorizar os complicados prefixos.
A jovem Yara Lins mencionou os prefixos das emissoras na abertura da solenidade, sendo que os
três últimos assim foram anunciados:
— [...] PRF-3 - Rádio Difusora - São Paulo; PRG-2 - Rádio Tupi - São Paulo; e PRF3 - TV Tupi-
Difusora de São Paulo.
Em seguida, ela saudou:
— Senhoras e senhores telespectadores, boa noite! A PRF3-TV - Emissoras Associadas de São
Paulo orgulhosamente apresenta, neste momento, o primeiro programa de televisão da América
210 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Latina!1
Dando sequência, o locutor Homero Silva iniciou seu trabalho como mestre de cerimônia,
função que ele realizava frequentemente para as Emissoras Associadas. No cenário do Estúdio
“A”, havia displays com a logomarca da RCA, enviados dos Estados Unidos pela própria
empresa. Ao fundo do palco, as bandeiras do estado de São Paulo e do Brasil foram desfraldadas
na posição horizontal. Havia algumas flores na borda do pequeno palco do cenário.
O mestre de cerimônia anunciou o bispo auxiliar de São Paulo, dom Paulo Rolim Loureiro, que
dirigiu palavras de estímulo e de congratulações aos que promoveram a montagem da emissora.
— Nesta hora de grande satisfação para a radiofonia brasileira e para as Emissoras Associadas
paulistas, venho trazer-lhes vivos aplausos com as bênçãos de Deus, agora imploradas para estes
magníficos estúdios e seus aparelhamentos da primeira emissora de televisão em São Paulo e
de toda a América do Sul. Trata-se, com efeito, de mais uma conquista ímpar da história da
radiofonia nacional e registramos, com prazer, que desta vez ainda é em São Paulo de Piratininga
que se desfralda mais uma bandeira na técnica radiofônica brasileira. Avaliam-se, perfeitamente,
as inúmeras dificuldades enfrentadas e os árduos trabalhos vencidos para o coroamento desta
obra estupenda: dificuldades de ordem técnica, problemas de ordem nacional, cultural, social e
econômica. Atualmente, meritórios, pois os esforços de todos vós, senhores, diretores e técnicos
das emissoras, que tudo fizestes para dotar São Paulo deste moderno aparelhamento tele-
radiofônico. Vosso exemplo constitui uma demonstração eloquente da vitória de nosso ideal!
Surja, pois, mais este empreendimento no campo da televisão, como instrumento para servir à
causa da humanidade, dos indivíduos e da sociedade; à causa da civilização, da união e da paz!
Em seguida, dom Loureiro caminhou até os equipamentos de geração das imagens e aspergiu
água benta.
É muito curioso frisar como os jornais “Associados” de São Paulo contextualizaram e destacaram
a participação da poetisa. “[Rosalina] era capaz de apreender o sentido recôndito das coisas e ver
poesia até mesmo na paisagem dura e fria das válvulas, dos tubos de alumínio, no emaranhado
confuso de fios e cabos, nas telas lisas que refletem a novidade surpreendente das imagens
humanizadas pelos toques antropomórficos do movimento e da fala, do ritmo e do canto. [...] Da
terra lírica da sua visão totalizadora do mundo, brotará a síntese harmoniosa do binômio poesia-
técnica”, publicou o “Diário de São Paulo”.
Com as seguintes palavras, a poetisa Rosalina Larragoiti entregou a televisão aos paulistas:
— A televisão é mais do que uma vitória, é uma promessa. Abre portas sobre o desconhecido
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 213
e afirma que um dia, não apenas mecanicamente dirigida como agora, as imagens virão ao
encontro da visão e da sensibilidade humana, numa “juliovernização” das realidades. As
energias do Brasil não estão dispersas. Novos fatos demonstram o progresso sempre crescente da
nacionalidade brasileira. A televisão é um destes testemunhos. Lembra o homem das cavernas,
o qual, no afã de preservar a sua existência, desenhava rudemente nas paredes de pedra o voo
das aves ferozes e os movimentos de ataque dos animais perigosos. Era, por assim dizer, o
aparecimento da sensibilidade da televisão que, milênios após, viria a concretizar-se como forma
de humanização. Aqueles quadros rústicos eram a televisão que se insinuava. A própria lenda
nos sugere a televisão. O tapete voador aparece, narrado nos contos fabulosos, como um indício
de que a mente humana germinou secularmente essa etapa superior do rádio, que é a televisão.
Em seguida, a madrinha da televisão paulista situou a pintura e o cinema dentro do panorama
de realizações humanas, que vieram a construir a televisão. Referindo-se a algumas palavras
anteriormente proferidas por dom Paulo Rolim Loureiro, Rosalina afirmou que é a fé e a
confiança em Deus que inspiram o homem aos grandes feitos, às grandes conquistas.
— A presença divina fortalece e cria novas forças para que o homem se sinta na obrigação de
obter coisas belas e formas renovadoras da vida.
Ainda sobre a atuação da poetisa como madrinha da televisão paulista, Chatô escreveu em sua
coluna publicada nos jornais do grupo, em 22 de setembro de 1950: “Nossa televisão tem uma
estrela: Rosalina. Ela vai baixar do céu para pôr em marcha o sinal Tupi, na taba dos Guaianases1,
fazendo engatinhar esta nova criança de laboratório e de técnica. Nunca os santos se calaram,
exclamou certa vez Pascal. Não somos santos. Ao contrário, somos pecadores; mas pecadores
que insistem em mandar, deste caminho do céu em que nos encontramos, alguns raios de verdade
sobre a terra, na esperança de que as nossas imagens iluminem o povo do Brasil.”
Durante a solenidade, o apresentador Homero Silva e a atriz Lia Borges de Aguiar leram os
primeiros textos de propaganda da televisão, com mensagens das quatro marcas que investiram
para a montagem da PRF3-TV — Guaraná Antarctica, Lãs Sams, Sul América e Prata Wolff
(produto da Organização Francisco Pignatari).
Mensagens
o dia em que poderemos percorrer com os olhos toda a Terra, de cidade a cidade, de nação a
nação, com a mesma facilidade com que podemos ouvir, hoje, as irradiações de todos os países
do mundo. Deste auspicioso começo em São Paulo, a televisão pode tornar-se a voz e o olhar das
Américas, salvaguardando e fortalecendo nossos princípios democráticos. O desenvolvimento
da televisão na América do Norte tem sido fenomenal. Tive o privilégio de inaugurar o serviço
de televisão na Feira Mundial de Nova York, em 1939. Naquela ocasião, só havia uma estação
televisora no ar com programas regulares, e apenas algumas centenas de receptores. A Segunda
Grande Guerra interrompeu a expansão da televisão. Não obstante, hoje, menos de cinco anos
depois do conflito, há mais de 100 estações em nossas principais cidades e mais de sete milhões
de famílias possuem receptores em seus lares. Aproxima-se o dia em que teremos cadeias de
estações televisoras estendendo-se de costa a costa dentro de nossas fronteiras e além, tornando
possível o intercâmbio de programas com nossos amigos do Canadá e da América Latina.
Posso assegurar-vos que teremos o maior prazer num intercâmbio de programas com o Brasil.
Vossa grande estação de televisão, das Emissoras Associadas em São Paulo, tem tremendas
possibilidades. A RCA sente-se feliz e orgulhosa em ter sido a escolhida para participar de vosso
esforço pioneiro, fabricando este transmissor e equipamento de estúdio. Foi uma grande honra
poder servir-vos e é realmente inspirador saber que as Emissoras Associadas TV nascem como
um farol de progresso através das Américas — declarou o presidente da RCA-Victor.
Edward G. Miller Jr. assim congratulou-se com os brasileiros:
— A televisão ocupa lugar de grande relevo no mundo do entretenimento e da informação.
A influência desse veículo na vida, nos hábitos e no pensamento do povo norte-americano é
enorme. É, portanto, de se esperar que em toda a extensão deste hemisfério, como nos Estados
Unidos, a televisão se desenvolva ao máximo de suas possibilidades.
O Embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Maurício Nabuco, também enviou uma mensagem
escrita, que foi lida no ar.
— É para mim motivo de especial satisfação ter, através da benevolência da [NBC] National
Broadcasting Company, a oportunidade de me dirigir aos patrícios de São Paulo, nesta ocasião
em que a primeira estação de televisão da América do Sul é inaugurada na pioneira Terra dos
Bandeirantes. Mais uma vez, o povo de São Paulo dá provas de sua liderança no progresso e
reafirma o dinamismo que lhe é tão típico, ao ser o primeiro a fazer uso deste novo e generoso
instrumento de educação e cultura. A televisão, que revolucionou os métodos de publicidade
comercial neste grande país [Estados Unidos], pode, sem dúvida, contribuir também entre nós,
brasileiros, para uma participação muito maior e mais intensa do povo nos assuntos nacionais,
assim como em todos os demais problemas que afetam a comunidade brasileira. Isto devido a
força quase miraculosa que tem a televisão de permitir ao cidadão, dentro do seu próprio lar,
estar presente como espectador a um acontecimento que, de outro modo, só chegaria ao seu
conhecimento mais tarde, talvez de uma forma menos vivida e menos oportuna.
Intervalo
Já eram quase 18h quando foi encerrada a primeira parte das festividades, em que o rádio paulista
entregou ao seu povo uma das mais modernas conquistas do progresso humano. Para quem
estava assistindo pela televisão, entra no ar o test-pattern com música ao fundo e chamadas
sonoras sobre o show das 21h. Enquanto isso, iniciava-se o cocktail, servido a todos os presentes
na Cidade do Rádio. Os visitantes, aos poucos, foram adentrando aos setores da emissora para
ver seu funcionamento, algo que acabou gerando certa confusão, já que todos se preparavam
para o espetáculo da noite, o “TV na Taba”.
1 Link: youtu.be/Oe2R9WImLCQ.
216 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 17
FALHA TÉCNICA
A
primeira etapa da agenda de inauguração da Televisão Tupi já havia sido cumprida.
Após o cocktail nos estúdios do Sumaré, Chateaubriand levou seus convidados para um
jantar no salão de honra do Jockey Club de São Paulo, onde todos seriam acomodados
em uma longa mesa. Ao lado, haveria um aparelho de televisão para acompanharem o show
inaugural “TV na Taba”, a partir das 21h. Junto a Chateaubriand, estavam amigos, investidores
e colaboradores, entre eles, o coronel Landry Salles; Laudo Natel (futuro governador de São
Paulo); Eugênio Belotti (presidente do Moinho Santista); o industrial Joaquim Muller Carioba;
Anísio Massorra (diretor da Companhia de Seguros Aliança da Bahia); Jacques Pilon (o famoso
arquiteto francês); Rodolfo Beicht (diretor da Philips do Brasil); o banqueiro Amador Aguiar
(Bradesco); Mário Audrá (proprietário da Cinematográfica Maristela); o casal Antônio Sanches
Larragoiti (presidente da Sul América Seguros) e a poetisa Rosalina Larragoiti (madrinha da
TV-3); o casal Pietro Maria Bardi (diretor do Museu de Arte) e Lina Bo Bardi (arquiteta); José
Maria Paranhos do Rio Branco (advogado dos Diários Associados); e os irmãos e empresários
cafeeiros Pedro e Sérgio Lunardelli.
Vários pontos comerciais da região central da cidade estavam sintonizados no Canal 3 e um
grande público aguardando pelo “TV na Taba”. No Sumaré, a movimentação era intensa, com
muita gente nos estúdios se preparando para a segunda transmissão do dia. Os técnicos corriam
contra o tempo para não haver atraso.
O programa inaugural foi produzido por Cassiano Gabus Mendes e Luiz Gallon. A apresentação
seria novamente de Homero Silva, mas contracenando com Helenita Sanchez e Miriam Simone1.
Os principais elementos das rádios Tupi e Difusora se apresentariam em pequenos sketches. O
“TV na Taba” levaria as famosas vozes do rádio para dentro da “caixa mágica” da televisão e as
faria “ganhar” rostos.
Mas, como tudo era novidade e muito pouco dos radioatores tinham realmente assistido a um
programa de televisão, pairava a dúvida se tudo iria mesmo dar certo. Eles eram experientes e
acostumados ao trato com o público, mas apenas no rádio... A televisão era realmente um grande
desafio e todos estavam nervosos e agitados.
Foram duas semanas de trabalho exaustivo, em que tudo foi ensaiado nos mínimos detalhes
para o “TV na Taba”, de acordo com o rigoroso padrão americano de televisão. Com muita
dedicação, todo movimento fora marcado no chão com giz e os atores sabiam exatamente em
qual momento olhar para uma das três câmeras. O engenheiro da RCA, Walter Obermüller, já
havia concluído seu trabalho de supervisão da montagem daquela estação de televisão e acabou
ensinando algumas rotinas de produção de TV, já que ainda faltava a prática lá nos altos do
1 A atriz Helenita Sanchez havia participado, dois meses antes, de outro importante marco da
história da TV de São Paulo, o programa “Vídeo Educativo”, como visto no Capítulo 14. Helenita
era noiva de Cassiano Gabus Mendes, com quem logo se casou. Ela é irmã do ator Luís Gustavo
e mãe dos atores Tato e Cássio Gabus Mendes.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 217
A televisão brasileira teve que passar por um episódio estressante no dia de seu próprio
nascimento. Após o cocktail das 18h, toda a equipe do “TV na Taba” fazia o ensaio final, quando
o técnico Jorge Edo percebeu que a câmera RCA TK-30 do Estúdio “B” simplesmente não
218 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
ligava. Era algo que ninguém imaginaria, já que ela tinha sido usada normalmente, poucas horas
antes, durante a cerimônia de inauguração.
Fala-se muito de uma versão onde o defeito teria sido provocado por uma garrafa de champanhe
quebrada na câmera por Chateaubriand, durante a solenidade de inauguração, a título de batismo.
Mas ela foi desmentida. Na verdade, os técnicos suspeitaram de que alguma válvula foi danificada
quando dom Paulo Loureiro aspergiu a água benta.
Seja qual fosse o motivo, o engenheiro Obermüller apressou-se em abrir a câmera, fez algumas
verificações e se dirigiu a Cassiano Gabus Mendes:
— Não vai dar para consertar agora. O melhor é transferir tudo para outro dia.
O clima foi de pânico entre todos. Não havia tempo hábil para localizar e solucionar o defeito.
Tudo tinha sido muito ensaiado com três câmeras. O risco de trabalhar com uma a menos era
grande e poderia prejudicar todo o espetáculo. Jorge Edo, então, atravessou uma multidão até
chegar ao Estúdio “B”. Ao tentar “ressuscitar” o equipamento, a esposa de Walter Obermüller
gentilmente tentava enxugar o suor da testa de Edo.
você, vocês mudam esse cenário para o Estúdio ‘A’. Você seria capaz
de correr de um lado para o outro? Eu te solto um pouquinho antes
da apresentação e você corre com a câmera para fazer o programa.
Ele disse: ‘Faço, Edo’. Virei para o Costa Lima e para o Cassiano,
que estavam atrás de mim preocupados, e disse: ‘Posso fazer isso?’
Imediatamente, tanto o Costa Lima como o Cassiano disseram: ‘Faça
isso, pelo amor de Deus, Edo! Vamos inaugurar isso!’ E o Costa Lima
ainda disse: ‘Eu vou ajudar lá dentro do estúdio, correndo o cabo,
ajudando o trajeto do Walter Tasca’. E foi aí que nós começamos
a transmissão”. (depoimento do técnico Jorge Edo à Pró-TV [hoje,
Museu da TV, Rádio & Cinema], em 1998)
Após uma conversa com Jorge Edo, o diretor do programa, Cassiano Gabus Mendes, gritou:
— Temos de continuar de qualquer jeito!
— Esqueçam tudo o que ensaiamos. Eu vou indicando o que fazer.
O Estúdio “B”, dos apresentadores, foi descartado e mantido todos os atores e cenários no
Estúdio “A”. Desta forma, os operadores de câmera passariam a correr de um lado para o outro
para enquadrar cenários diferentes.
No script do show “TV na Taba” agora viam-se rabiscos sobre rabiscos, onde o posicionamento
de tudo foi reestudado rapidamente, incluindo câmeras, microfones, cenários e artistas. Uma
correria sem tamanho.
— Mas como mudar os cenários? E o barulho dos martelos para pregá-los? — indagou
Obermüller.
— Não vamos pregar nada! Alguém fica escorando para que não caiam e pronto — disse Gabus
Mendes.
Empenhado, o maquinista José Fortes garantiu o silêncio na troca dos cenários.
O incidente provocou considerável atraso no início da transmissão do show — fala-se em 40
minutos. Nos bastidores, havia grande confusão com artistas, diretores e câmeras ensaiando
às pressas a nova marcação. Mas, foi a única forma encontrada para evitar o cancelamento.
Enquanto isso, Cassiano e Costa Lima passaram a atender aos telefonemas insistentes e irritados
de Chateaubriand, que suava frio por não ver as imagens no ar. Afinal, ele estava junto de seus
convidados no Jockey Club e, entre eles, justamente os empresários que investiram muito
dinheiro na montagem da emissora.
Apesar da boa vontade e da raça dos artistas e técnicos envolvidos, a visão do norte-americano
Walter Obermüller era outra. Ele era um homem metódico, treinado segundo os padrões do
fabricante dos equipamentos e preparado para tomar decisões drásticas caso não houvesse
requisitos mínimos. Após a decisão dos diretores de inaugurar a televisão a todo custo, Obermüller
se viu vencido e decidiu ir para seu quarto no Lord Hotel do Largo do Arouche, “afogar seus
temores em vapores etílicos”1 e se poupar do fracasso total.
“Deu um trabalho danado, com marcação de câmeras e o diabo! Chegou no dia do programa,
dia 18, uma câmera pifou, então todos os ensaios que nós fizemos, todas as marcações que nós
fizemos... tudo foi pra ‘cucuia’, né? O primeiro programa foi na base do improviso e daí pra
1 “A Queridinha do Meu Bairro”, Sônia Maria Dorce Armônia, Imprensa Oficial, 2008:59.
220 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
frente nós começamos a aprender a fazer televisão, com ela no ar”, declarou Cassiano Gabus
Mendes1.
A atriz pioneira Lia de Aguiar também manteve um olhar positivo sobre as intempéries
enfrentadas pouco antes da grande estreia. “Tivemos que trocar de lugar. Daí nasceu a grande
capacidade de improvisação da TV brasileira”.
1 Documentário “55 Anos de TV no Brasil” (Museu da TV, Rádio & Cinema e UniverCidade, 2005).
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 221
CAPÍTULO 18
TV NA TABA - O SHOW INAUGURAL
O
interesse pelo show de inauguração da TV Tupi de São Paulo atraiu grande número
de pessoas aos locais com receptores RCA e GE instalados para demonstrações. O
horário marcado era 21h e, enquanto isso, se via no ar o test-pattern com o índio norte-
americano e se ouvia, de tempos em tempos, uma locução de Homero Silva:
— Dentro de instantes...
Uma coisa que não tinha sido pensada com antecedência foram os
letreiros de apresentação. É o que conta Álvaro de Moya: “Quando
soube do advento da televisão eu procurei Walter George Durst, meu
amigo. Ele me apresentou ao Cassiano Gabus Mendes, [assistente
222 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Devido ao problema técnico com uma das três câmeras de TV, houve o atraso de cerca de 40
minutos para o início do “TV na Taba”. Eram, portanto, 21h40 quando Gabus Mendes finalmente
deu autorização para o início do espetáculo. No ar, o slide com o prefixo da emissora deu lugar
para outro slide: “PRF3-TV TUPI-DIFUSORA APRESENTA”, que ficou por 30 segundos na
tela com o fundo musical “Canto dos Índios Parecis”, de Lucília Villa-Lobos.
Em seguida, o técnico Jorge Edo disparou pelo equipamento de telecine uma película institucional
com dois minutos de duração, filmada em 16 mm pelo Departamento Cinematográfico das
Emissoras Associadas especialmente para a ocasião. Foram mostradas cenas da cidade de São
Paulo, de tropas e bandeiras (captadas no Desfile de 7 de Setembro de 1950), das instalações
dos Diários Associados e do Museu de Arte. Especificamente, viram-se as rotativas dos jornais
“Diário da Noite” e “Diário de São Paulo”, pessoas ouvindo rádio, os potentes transmissores de
50 kW da Rádio Tupi, telas de Cândido Portinari no auditório da Rádio Difusora e os novíssimos
estúdios de televisão. Depois, uma tomada de câmera, de baixo para cima, mostrou o edifício do
Banco do Estado de São Paulo até fixar em seu topo, onde se encontrava a antena transmissora
do Canal 3. Por fim, lá do alto, viu-se alguns panoramas da cidade de São Paulo.
Enquanto eram exibidas as imagens, a locução do apresentador Homero Silva explicava “em off”
o que elas simbolizavam. Até que Gabus Mendes ordenou:
— Atenção: câmera no ar!!
Os telespectadores viram um avanço lento de câmera até o narrador Homero Silva, fechando
um close. Ele se apresenta como o mestre da cerimônia e se encontra com as atrizes Miriam
Simone e Helenita Sanchez, sentadas à frente de um televisor, simulando que estariam vendo os
destaques da programação que Homero Silva anunciaria. Pequenos diálogos eram a “deixa” para
o início de um novo esquete ou de algum filme ilustrativo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 223
Introduzindo o Encanto da TV
Por meio de uma matéria da revista “Veja”2, publicada em setembro de 1970, em comemoração
dos 20 anos da televisão brasileira, é possível entender mais detalhadamente como se desenrolou
o “TV na Taba”. A revista assim descreveu a sequência e os diálogos do show inaugural:
— Amigos, boa noite. Esta coisa que está acontecendo hoje é algo tão excepcional, tão
revolucionária, que não consegui arranjar uma cara menos assustada para aparecer diante de
vocês. É a televisão que surge em São Paulo. É a PRF3-TV Tupi, a primeira estação de televisão
da América do Sul! — bradou Homero Silva.
Em seguida, uma câmera percorre até as atrizes sorridentes.
— O que oferecerá a PRF-3? — disse uma das moças.
— Música, por exemplo!
Ela aponta para um cartaz, com os dizeres: “DANÇA RITUAL DO FOGO, COM GEORGES
HENRY E SUA GRANDE ORQUESTRA”. Ouvem-se os acordes de um solo de piano,
executado pelo maestro Rafael Puglielli. Em seguida, outro número de música clássica, desta vez
com o músico William Fourneaud e a Grande Orquestra Tupi. A regência foi do maestro Renato
Oliveira e supervisão geral do maestro francês Georges Henry — diretor musical da Rádio Tupi.
E a câmera fecha para as atrizes novamente.
— Realmente linda! — diz uma das moças, encantada.
— Nem poderia deixar de ser. E tem mais: você nem imagina, mas a televisão poderá... — diz
1 Link: youtu.be/-zjaUn41vFA.
2 “Vinte Anos de Televisão: Tecnicamente, Era Impossível o Primeiro Programa”, Veja, nº 107,
23/09/1970, p. 65.
224 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Homero Silva.
É feita uma pausa, até que se ouve um sino de escola e inicia o quadro humorístico “Escolinha
do Ciccillo”, com piadas rápidas de vários atores, entre eles Simplício, Lima Duarte, Lulu
Benencase, Nelson Guedes, Aldaíza de Oliveira, Xisto Guzzi, João Monteiro e Walter Avancini.
Em seguida, a apresentadora aparece rindo e diz:
— Mas que escola maravilhosa! O que mais poderá a televisão nos oferecer?
— O que quiserem… um tipo curioso como este, por exemplo — responde Homero Silva.
Inicia-se o quadro sertanejo “Rancho Alegre”, com o ator e comediante Mazzaropi sentado em
um banquinho, uma casa de caboclo ao fundo e contracenando com os atores João Restiffe e
Geny Prado. E a moça diz alegremente:
— Puxa! Eu nunca pensei que a televisão fosse tão... tão real. E o gostoso é esta ânsia que a gente
sente de ver mais... E teatro, vamos ter?
— Mas é lógico! O teatro será uma das atrações máximas da PRF3-TV! — diz Homero Silva
comicamente. E surge “O Teatro de Walter Forster”, com os atores Walter Forster, Lia de Aguiar,
Vitória de Almeida e Yara Lins em um pequeno quadro romântico, chamado “Ministério das
Relações Domésticas”.
— E agora? — pergunta uma das moças. Homero Silva sorri, escutando os primeiros acordes
da música “Pé de Manacá”. Entra no ar o filme pré-gravado com os atores Hebe Camargo, Ivon
Cury e Vadeco cantando e teatralizando: “Lá atrás daquele morro tem um pé de manacá”. O
cenário mostra uma paisagem tropical com um morro ao fundo.
E seguem as atrizes:
— Que beleza, como é bonitinha a Hebe! — diz uma delas.
— Vão me desculpar, mas agora quero apresentar alguma coisa sobre futebol — dispara Homero
Silva.
— Futebol depois de um número tão meigo como esse?
— Você não imagina como a televisão vai empolgar os fanáticos por futebol.
A câmera mostra a maquete de um campo de futebol. Aurélio Campos — famoso locutor
esportivo da Rádio Tupi — fala sobre as possíveis emoções daquela novidade.
— Aí está o campo de jogo. Não há torcedor que não o conheça em minúcia de milímetros. É o
grande palco das emoções populares — diz Campos.
Entra um filme com um homem de costas e ouve-se a narração de Aurélio Campos: “Quanto vale
esta cabeça? Sabem a quem ela pertence? Sim, é a cabeça de Baltazar, o famoso goleador dos
campos brasileiros”. O ídolo Baltazar vai se voltando devagar, até ficar de frente para a câmera,
sorrindo. Ouvem-se os gritos de uma multidão comemorando um gol. A câmera mostra os pés de
um menino negro, chutando uma laranja. A voz de mulher diz:
— Vai entregar a roupa, Benedito! Esse menino passa o dia chutando laranja e não pensa em
mais nada!
— Pensa sim! O Benedito sonha tornar-se, um dia, em um jogador de futebol — diz o locutor,
ao som de uma torcida.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 225
A esclarecedora matéria da revista “Veja” não menciona, mas houve, também, as seguintes
apresentações: o número de música popular com uma convidada especial — a rumbeira cubana
Rayito Del Sol e seu conjunto (apresentação pré-gravada); uma apresentação de dança clássica
chamada “Romance Espanhol”, com o cantor Marcos Ayala e a dançarina Lia Marques; um
quadro humorístico com o comediante Pagano Sobrinho, apresentado conforme o estilo que
ele fazia no rádio; um quadro infantil comandado por Homero Silva, baseado no programa da
Rádio Difusora “Clube Papai Noel”, com cantores mirins; um número com um mágico chinês;
e a crônica “Em Dia com a Política”, com Maurício Loureiro Gama, jornalista dos Diários
Associados.
Já passavam das 23h30 quando, para fazer a apoteose, foi executada a “Canção da TV”, na voz
da cantora e radioatriz Lolita Rodrigues, acompanhada de outros cantores do elenco do Sumaré.
A música foi composta especialmente para a ocasião pelo poeta Guilherme de Almeida e pelo
maestro Marcelo Tupinambá. A pedido de Assis Chateaubriand, deveria conter referências aos
índios que davam o nome à emissora, à televisão em cores (antevendo) e à bandeira do estado de
São Paulo. Assim cantou Lolita Rodrigues:
Jorge Edo, o principal técnico das Emissoras Associadas de São Paulo, declarou em uma
entrevista ao Museu da TV, Rádio & Cinema que algumas daquelas imagens exibidas no início
do show foram gravadas de última hora, naquela manhã do dia da inauguração. De acordo com
sua entrevista, o filme exibido na abertura do “TV na Taba” foi reapresentado durante a execução
da “Canção da TV”.
Na verdade, a primazia de entoar a canção da TV brasileira não estava prevista para ser de Lolita
Rodrigues, mas de Hebe Camargo.
O “TV na Taba” prolongou-se ininterruptamente por 2h40. Homero Silva encerrou por volta da
meia-noite, dizendo “em off”, ao som de “Acalanto”, de Dorival Caymmi:
— A televisão é tudo isso, em espetáculos diários que irão ter no recesso do lar de um imenso
público. A televisão é alegria, é cultura, é divertimento!
A euforia foi geral. Palmas, lágrimas e o pessoal maravilhado com o que viu. Uma grande
satisfação daqueles que estreavam, com sucesso, uma técnica que comercialmente era inédita
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 227
no Brasil e em toda a América do Sul. Foi a grande estreia de todos aqueles técnicos e artistas
que, a partir daquele momento, eram os responsáveis por fazer a primeira estação de televisão
de nosso país.
Quem não pôde bater palmas, mas é merecedor de muitos aplausos, foi o maquinista José Fortes,
aquele que havia garantido silêncio na troca de cenários durante o “TV na Taba”. Ele terminou o
show com as mãos ensanguentadas, visto que montou os cenários no Estúdio “A” sem martelar,
pressionando os pregos com as mãos!
A grande imprensa praticamente nada retratou sobre o evento histórico. Os jornais “Associados”
não comentaram sobre o desfalque técnico de uma câmera e a improvisação de script e cenografia,
necessários para a realização do espetáculo. O “Diário de São Paulo” apenas citou que “Jorge
Edo, Mário Alderighi e os rapazes da técnica lograram êxito extraordinário na disposição das
[lentes] objetivas, no apanhar dos quadros, parecendo estarem eles há tempos lidando com a
televisão”.
E era verdade. Segundo depoimentos históricos dos próprios diretores e técnicos da PRF3-TV,
poucas falhas puderam ser vistas. Uma delas aconteceu quando um dos quadros estava quase
terminando e a câmera focalizou um braço de Dermival Costa Lima. Noutro deslocamento, foi
possível ver uma das rodas do carrinho do microfone “boom”. Contudo, nos bastidores, o que
ficou mesmo marcado no primeiro dia da televisão brasileira foram as soluções criativas que
tiveram que ser encontradas, soluções estas que seriam muito usadas nos primeiros anos da TV.
Foi assim, de improviso, com atraso, uma câmera a menos, mas com muita garra, suor,
determinação (e... até sangue, por que não dizer?) que o programa inaugural da TV Tupi entrou
no ar, marcando com sucesso o início da televisão brasileira. Durante os abraços e palmas, ainda
nos estúdios, quem reapareceu foi o engenheiro da RCA, Walter Obermüller, que havia ido
embora, com vergonha, em meio ao problema técnico da câmera e a necessidade de cancelar
tudo. Jorge Edo lhe perguntou por onde andava e por que não tinha ajudado nos trabalhos.
— Não aguentei. Pensei que ia morrer. Achei que não ia haver inauguração. Fui ao bar do hotel
e... enchi a cara — revelou o engenheiro americano, que confessou ter conseguido assistir ao
programa por um receptor instalado no próprio hotel.
— É que você não conhece o jeitinho brasileiro. Com ele, nós conseguimos fazer o impossível!
— debochou o grandioso Jorge Edo.
CAPÍTULO 19
COMEMORANDO
T
odo o êxito da inauguração da TV Tupi-Difusora foi motivo para uma grande festa “em
família”. Chateaubriand despediu-se dos convidados do jantar no Jockey Club e voltou
ao Sumaré para cumprimentar os membros da equipe. Em seguida, ofereceu a eles um
merecido jantar na aconchegante Cantina do Romeu, situada na Rua Pamplona, n° 795, no
Jardim Paulista1. Cerca de 70 componentes da família radiofônica do Alto do Sumaré sentaram-
se à mesa às 2h da madrugada para comemorar o sucesso da estreia da televisão de São Paulo
ainda antes que a do Rio de Janeiro, com a geração de belas imagens e poucos erros.
Já eram 3h da manhã quando Assis Chateaubriand, orgulhoso, fez mais um de seus discursos
metafóricos, que ganhou o título de “A Hegemonia do Sumaré” e que assim foi reproduzido pelo
“O Jornal do Rio de Janeiro”, o principal veículo dos Diários Associados:
— Meus bravos companheiros da Televisão Tupi. Venho dividir com o nosso amigo major Nelson
Coutinho as responsabilidades da presidência de um jantar aos capitalistas, que nos facilitaram
a cunhagem de cruzeiros-propaganda para que pudéssemos ser, em São Paulo, os pioneiros
da televisão na América do Sul. Não tendes susto dos bichos marinhos com quem vimos de
conviver. São tubarões mansos, que não dão rabanadas furiosas e as suas orlas de dentes têm
sido cuidadosamente limadas. Andam com 80% da agressividade das dentuças comprometidas,
graças a um perseverante esforço nosso de transformação das suas reações contra os peixes
miúdos, como vós e nós. Poderíamos chamá-los tubarões de viveiro, de tal modo que respiram
e se dão bem dentro das nossas águas estreitas e pouco profundas. Temos-lhes ensinado que só
existe um caminho para a sua salvação: superar o comunismo, dando coisas ao povo, mesmo a
preço de tremendos ônus e vastos prejuízos materiais. Muitos ainda têm de recalcitrar, dando
estalos na língua e lambendo os beiços, ávidos das gulodices do privatismo. Outros, porém,
compreenderam que as advertências estão aí. É oportuno unificar cada vez mais interesses
obreiros e patronais, até porque toda a dualidade de ação somente prejudicará o interesse
respeitável que é o coletivo. Não há interesses de burgueses nem de operários diante do interesse
social. Nós outros só temos um nome tutelar, uma força de inspiração das nossas ações, que é
1 No local, hoje funciona o Restaurante Bassano, com entrada pelo nº 793 da mesma rua.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 231
Vocês não se advertiram do que fizeram, porque não vieram para a rua admirar o júbilo perplexo
e deslumbrado que acompanhava, no público, as emissões do nosso show. Temos vivido juntos,
sem desinteligências, faz 13 anos. E juntos, com entusiasmo e disciplina, temos conquistado gols
definitivos, desenvolvendo ao mesmo tempo, juntos aos nossos colegas paulistas do rádio, um
espírito de camaradagem e de cooperação de que nos ufanamos.
— Registro apenas: o Sumaré constitui uma família, com uma vida e uma alma. De famílias
caracterizadas e as suas peculiaridades nitidamente fixadas. Vocês são a síntese mais harmoniosa
dos vínculos que unem a nossa taba, e isto explica a supremacia que o Sumaré conquistou no
broadcasting e na televisão. Os chefes fazem um patriarcado notório, e as chefonas, como dona
Sarita Campos, por exemplo, um matriarcado de que nós mesmos nos arreceamos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 233
CAPÍTULO 20
REFLEXÕES SOBRE A INAUGURAÇÃO DA TV
A
TV Tupi nasceu, por assim dizer, com o jeito brasileiro de improvisação. Diferente da
Inglaterra, França e Alemanha, por exemplo, a televisão chegou ao Brasil através da
iniciativa privada e como parte de um conglomerado de comunicação, com jornais,
revistas e emissoras de rádios espalhados em várias regiões do país. Para formar um imaginário
em torno da televisão, Chateaubriand utilizou, principalmente, seus veículos impressos editados
no Rio de Janeiro e São Paulo, como a revista “O Cruzeiro”, o popular “Diário da Noite” (nas
edições paulistana e carioca), “O Jornal do Rio de Janeiro” e “Diário de São Paulo”. Este último
foi o que mais informou a população sobre os detalhes da montagem e estreia da nova maravilha
da ciência e da comunicação. Além de contar com uma tiragem considerável, o “Diário de São
Paulo” era um veículo dirigido para a elite, a mesma que poderia comprar um valioso receptor
de televisão.
234 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Quando tudo começou, ninguém tinha noção, em curto prazo, que a TV iria ter a importância
que teria um dia. Dez dias depois da estreia da PRF3-TV, o “Diário de São Paulo” passou a
publicar em sua capa a grade diária de programação da emissora, algo que hoje constitui um
grandioso valor para as pesquisas sobre a fase inicial da nossa televisão, que conta com tão
poucos registros audiovisuais preservados. Lamenta-se, também, que os demais veículos da
imprensa escrita daquela época pouco noticiaram sobre a inauguração da televisão. Ou seja,
sabe-se dos fatos praticamente pelo viés dos jornais do próprio grupo de comunicação ao qual
a TV Tupi pertencia. O “Correio Paulistano” foi o concorrente que mais mostrou os avanços da
montagem da Televisão Tupi em São Paulo, já que possuía grande interesse na divulgação da
televisão. Ele fazia parte de um grupo que havia solicitado, em 1949, uma concessão para operar
a TV Excelsior de São Paulo1.
Apesar da pequena cobertura dos veículos concorrentes dos Diários Associados, o importante é
que no dia 18 de setembro de 1950 foi inaugurada a primeira emissora sul-americana de televisão,
que, passados alguns anos, causaria mudanças profundas na vida e nos hábitos da população
brasileira. Tal como o surgimento do televizinho, termo que passou a constar no dicionário e
que denomina o indivíduo que não possuía um receptor de TV, mas assistia frequentemente aos
programas de televisão na casa de vizinhos.
Em uma entrevista publicada em setembro de 1980 pela revista “Briefing”, o diretor Cassiano
Gabus Mendes chegou a declarar que “aprendemos a fazer TV ‘no tapa’, no peito e na raça, com
muita intuição. O que salvou foi que a gente gostava do que fazia e é por isso, por esse amor, que
a Tupi foi uma verdadeira escola para a maioria esmagadora dos profissionais que se espalharam
pelas emissoras do Brasil”.
CAPÍTULO 21
OS PRIMEIROS DIAS DE PROGRAMAÇÃO REGULAR
N
a madrugada subsequente da transmissão inaugural da PRF3-TV, os produtores, diretores
e artistas estavam comemorando na Cantina do Romeu. A primeira grande batalha estava
vencida, mas em algumas horas depois, a estação teria que estar no ar novamente.
Eis aqui mais um ponto que chama a atenção na história da TV Tupi e da televisão brasileira.
Muitos artistas, diretores, escritores e jornalistas afirmam que, como os dias que antecederam
à inauguração da emissora foram dedicados apenas aos ensaios exaustivos para a estreia, não
havia como produzir programas para entrar no ar a partir do dia seguinte. O show de inauguração
“TV na Taba” mostrou prévias da maioria dos programas que seriam produzidos na emissora e
quem seriam seus apresentadores. A Televisão Associada traria reportagens esportivas, jogos de
futebol, competições de remo, lutas de boxe, noticiários, teatro, artes plásticas (com a colaboração
do MASP), filmes, musicais e os artistas das rádios do Sumaré. Conta-se, todavia, que durante
as comemorações da madrugada, alguém teria perguntado ao diretor Cassiano Gabus Mendes:
— Como vai ser a programação de hoje?
— Pois é, temos que ver isso — teria dito o diretor.
— Agora vamos refazer as forças, descansando. De noite tem!1
Foi quando Gabus Mendes teria pedido a seus auxiliares para que, no dia seguinte, bem cedo,
solicitassem todo tipo de rolo de filme disponível nos consulados, nas bibliotecas e faculdades
da cidade. Desta forma, a programação a partir do dia 19 de setembro exibiria, ao menos,
alguns filmes educativos e documentários, mesclados com desenhos animados sem tradução
e com o material produzido para a fase experimental — musicais e documentários — mesmo
que já tivessem sido exibidos à exaustão. Vale salientar que, ao contrário do que se especula,
a necessidade de encontrar conteúdo para preencher a programação dos dias subsequentes
não significa falta de planejamento da equipe ou que ninguém tinha pensado antecipadamente
sobre o assunto. Na verdade, não havia estrutura para isso e era necessário começar a produzir
gradualmente. Para isso, seria necessário usar bastante o sistema de exibição do equipamento de
telecine.
Justamente sobre a programação do dia seguinte, o ator Lima Duarte, em entrevista para a atriz
e escritora Vida Alves2, declarou: “Saímos correndo para os consulados para pegar os filmes.
[...] Tinha filmes de cientistas fazendo experiências, tinha filmes sobre desintegração das amebas
da Polinésia, [...] a biologia não sei lá de quê. Ficava passando esses filmes todas as noites.”,
brincou o ator pioneiro.
1 Essa expressão “De Noite Tem”, ou “DNT”, que Gabus Mendes teria usado, virou bordão no
meio televisivo, representando os programas que deveriam ir ao ar à noite, ao vivo, “na raça”,
sem que tivesse havido qualquer ensaio.
2 “TV Tupi: Uma Linda História de Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:71.
236 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
De fato, apesar da grande cobertura sobre a inauguração da TV nos jornais dos Diários Associados,
sequer houve a menção específica sobre algum programa que iria ao ar na programação do
dia seguinte. O “Diário de São Paulo”, em uma nota intitulada “Audições Normais”, informou
superficialmente que “audições das mais variadas estão programadas no Sumaré”. As primeiras
informações prévias sobre a grade regular de programação do Canal 3 passaram a ser divulgadas
somente uma semana após a inauguração — em 27 de setembro — pelo “Diário da Noite”,
ressaltando que não havia programação às segundas-feiras, dia de folga. Com isso, não se sabe,
ao certo, o que foi exibido nos primeiros oito dias de programação, apenas que ela foi ao ar
entre 20h e 23h. Ao que tudo indica, como as produções inéditas ainda não estavam preparadas,
a programação dos sete primeiros dias foi composta apenas por reprises da programação
experimental (musicais e documentários próprios) e por documentários de terceiros. Tal fato
fez com que a grade de programação não tenha sido divulgada previamente, pois não merecia
destaque nos jornais do grupo “Associado”, tampouco na concorrência.
A atriz pioneira Vida Alves conta que “após os primeiros dias, em que a improvisação e os
delírios predominaram, houve uma reunião artística geral”1. O diretor-artístico Dermival Costa
Lima reuniu-se com seu assistente Cassiano Gabus Mendes e com o grande time de atores e
produtores, entre eles, Túlio de Lemos, Aurélio Campos, Walter Forster, Walter George Durst,
Dionísio Azevedo, Ribeiro Filho, Jota Silvestre, Lima Duarte e Luiz Gallon. Foram discutidos
detalhes para o início da produção de teledramaturgia, o “carro-chefe” da programação, que
incluiria grandes espetáculos de teatro adaptados para a televisão. Definiram, também, que
seriam produzidos alguns outros programas além dos que estavam previstos e que o horário de
exibição da programação continuaria acontecendo entre 20h e 23h. Vale ressaltar que os artistas
das Emissoras Associadas de São Paulo que passariam a trabalhar na televisão não abandonariam
seus trabalhos nas rádios Tupi e Difusora. Essa seria a nova rotina de muitos pioneiros da
televisão brasileira, que se desdobrariam para dar conta do desafio que se apresentava.
Os primeiros programas produzidos pela própria TV Tupi-Difusora foram surgindo
gradativamente a partir de 27 de setembro, todos apresentados ao vivo. Alguns ocupariam
posição fixa na grade e outros se assemelhariam com especiais. Mesmo com o processo de
produção em plena atividade, ainda foi preciso complementar os horários com os já conhecidos
desenhos, filmes, documentários e musicais.
A programação inédita surgiu com jornalísticos, musicais e coberturas esportivas. A fórmula
das equipes de produção e da técnica era, definitivamente, pioneirismo, improvisação e muita
parceria. Isso facilitou lidar com a limitação de recursos, com a tecnologia incipiente e com
a inexperiência diante do novo veículo. Um dos primeiros grandes desafios foi desenvolver
as técnicas próprias de criação e produção dos programas. Eles que tiveram aspecto de rádio
televisionado até 1952, quando se encerrou a fase de aprendizagem e uma linguagem peculiar
começou a ser aplicada.
A grade de programação inicial da TV-3 foi publicada quase diariamente nas capas dos jornais
“Associados” de São Paulo. Mostrava a sequência dos programas do dia, mas apenas o primeiro
programa da noite é que tinha horário fixo (20h). Isso porque os horários de início das demais
atrações eram incertos, já que havia necessidade técnica de preparar os estúdios para a próxima
atração. Até que isso acontecesse, ficava no ar a “Cabeça de Índio” ou algum dos filmes “tapa-
buraco”.
Na grade de 28 de setembro de 1950 estreou o noticioso “Imagens do Dia”, trazendo reportagens
curtas, gravadas em películas de 16 mm, heroicamente produzidas pelo jornalista Paulo Salomão
e pelo cinematografista Jorge Kurkjian. A locução e direção eram de Ruy Rezende. Em pauta, os
1 “TV Tupi: Uma Linda História de Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:79.
238 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
assuntos de maior interesse público, num serviço informativo tais quais os jornais apresentados
nos cinemas1, antes dos filmes. Nas primeiras edições de “Imagens do Dia”, por exemplo, o
assunto de maior interesse foram as eleições de 3 de outubro de 1950, pelas quais o ex-presidente
Getúlio Vargas conseguiria voltar ao poder. O “Imagens do Dia” era geralmente o último
programa da noite, indo ao ar de segunda a sexta-feira. Por vezes, após o “Imagens do Dia”,
ainda era exibido um desenho animado, que nunca teve seu nome discriminado nos jornais, mas
sabe-se que, entre eles, estavam os títulos famosos “O Pica-Pau” e “Andy Panda”.
Em 1950, o jovem paulistano Antônio Vituzzo dirigia sua empresa Saturno que, entre outros
produtos, comercializava filmes virgens de celuloide em 16 mm. Logo no início das operações
da TV Tupi, o empresário foi até a emissora e fez seu comercial. Colocou-se à disposição para
o fornecimento daquele material, que era muito utilizado para produzir reportagens. E assim,
Vituzzo passou a fornecer películas para o Canal 3, trabalhando com produtos das marcas Kodak,
Dupont e Gevaert.
Naquela época, quase todos os desenhos animados exibidos nos cinemas eram copiados em 16
mm para comercialização doméstica, geralmente apenas com som original, sem dublagens ou
legendas em português. Portanto, é importante destacar que, paralelamente à inauguração da TV
brasileira, outra indústria do audiovisual surgia no país: o home-video. No início da década de
1950, algumas lojas e magazines já disponibilizavam rolos para aluguel doméstico, com filmes,
desenhos animados, documentários etc. Para se ter uma ideia do tipo de conteúdo disponível, um
anúncio das lojas Fotóptica, publicado no “Diário de São Paulo” em 22 de outubro daquele ano,
mostra justamente as figuras dos personagens Andy Panda e Pica-Pau — criações feitas entre
1939-40 pelo cartunista norte-americano Walter Lantz — com os seguintes dizeres:
Acabamos de inaugurar nossa “Filmoteca de Aluguel” - Fotóptica,
com o mais variado e completo sortimento de filmes, da maior
atualidade. Desenhos, viagens, shorts, notícias, dramas e comédias.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 241
Antônio Vituzzo também trabalhava com o aluguel destas películas e seu acervo contava também
com filmes de longa-metragem. Como a bitola de 16 mm deste material era a mesma utilizada
na televisão, o empresário também passou a fornecer esses títulos para exibição na PRF3-TV.
“Deixava o meu material na emissora e eles usavam o que queriam. No fim do mês, me relatavam
o que tinham usado e aí fazíamos a prestação de contas”, revelou Vituzzo em uma entrevista
à atriz pioneira Vida Alves, publicada em seu livro “TV Tupi - Uma História de Amor”1. O
empresário revelou que se lembrava de ter fornecido os já citados desenhos do Andy Panda e
do Pica-Pau, além de filmes de “O Gordo e o Magro”, Charles Chaplin e “Abbott e Costello”2.
O único problema acontecia quando havia legendas disponíveis, pois elas não ficavam muito
legíveis na TV, já que eram originalmente configuradas para melhor visualização na tela grande
do cinema. E foi assim, logo no primeiro momento da televisão brasileira, que os “enlatados”3
ganharam espaço na programação.
Setembro de 1950
apresentado no Sumaré por Homero Silva, dando voz ao político mineiro Cristiano Machado,
candidato à presidência da República pelo partido ao qual o presidente Dutra era filiado, o PSD.
A transmissão foi feita em rede com as emissoras de rádio Record, Panamericana, Excelsior, São
Paulo, Tupi e Difusora. No dia seguinte, o jornal “Diário da Noite” destacou que “o sr. Cristiano
Machado foi o primeiro candidato brasileiro e sul-americano a ser televisionado”. Com a
presença de Assis Chateaubriand no estúdio e de diversos políticos apoiadores, Machado ocupou
o microfone e leu um discurso sentado à mesa, sobre a qual havia um capacete de aço envolto
de flores, simbolizando a epopeia de 19321. Ao fundo, as bandeiras nacional e paulista, usadas
dias antes na cerimônia de inauguração da televisão. Todavia, apesar do apoio do magnata das
comunicações Assis Chateaubriand a Cristiano Machado, quem acabou eleito foi Getúlio Vargas.
Ainda nos primeiros dias de programação, Maurício Loureiro Gama, jornalista dos Diários
Associados e considerado o melhor comentarista político de São Paulo, passou a apresentar o
programa “Vídeo Político”. De acordo com as primeiras grades publicadas (vide abaixo), este
jornalístico foi programado para estrear em 28 de setembro, provavelmente o segundo dia de
programação regular com atrações inéditas.
1 A Revolução Constitucionalista de 1932 foi um movimento armado que ocorreu nos estados
de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul entre julho e outubro de 1932. O objetivo
era derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas e convocar uma Assembleia Nacional
Constituinte.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 243
Outubro de 1950
Desde sua fase experimental, os shows internacionais fizeram parte das transmissões da
televisão pioneira, haja vista que a pré-estreia da emissora já contou com a apresentação do
cantor mexicano Frei José Mojica. Com o advento da televisão, os artistas que assinavam
contrato para apresentações nas Emissoras Associadas de São Paulo, nacionais ou internacionais,
se apresentariam no rádio e na televisão. No mês de outubro, quatro cartazes inéditos foram
televisionados — Júlio Gutierrez (Cuba), Juan Ferri (Argentina), Carlo Buti (Itália) e a brasileira
nordestina Anita Otero. Falando ainda sobre música, as Emissoras Associadas de São Paulo
contavam com um grandioso departamento musical, composto por cerca de 70 músicos e seis
maestros, responsáveis por inúmeras apresentações no rádio e agora também na TV.
O futebol era uma das maiores atrações do rádio e não poderia deixar de ter espaço na televisão.
Já no domingo, 15 de outubro de 1950, às 15h30, entrava no ar a primeira transmissão de uma
partida pela PRF3-TV, quando, pelo Campeonato Paulista, o Palmeiras derrotou o São Paulo por
2 x 0 no estádio do Pacaembu. A narração foi de Jorge Amaral e os comentários de Ary Silva. As
três câmeras usadas nesta transmissão eram as mesmas usadas nos estúdios. Este evento ficou
marcado, também, como a primeira transmissão externa da TV Tupi.
O “Diário de São Paulo” informou que estava muito boa a qualidade da transmissão do futebol
e que, em breve, se iniciariam as transmissões de corridas de cavalo, diretamente do Jockey
Club de São Paulo. Apesar do alarde do jornal da cadeia “Associada”, outro jornal paulistano,
pertencente a um grupo editorial concorrente, comentou sobre os problemas técnicos que
surgiram durante esta primeira transmissão futebolística.
Os programas da TV entre nós são satisfatórios e, como se trata
de novidade, tudo que cai na rede é peixe. Todos aqueles que
surgiram na tela dos receptores têm agradado aos possuidores da
última palavra em matéria de emissões pelo éter — a televisão.
[...] Como marinheiros de primeira viagem têm sido ótimos. Alguns
privilegiados que assistiram a programas de televisão nos Estados
Unidos são de opinião que as audições locais não ficam a dever à da
terra de Tio Sam. Aos domingos à noite, para variar, temos cinema.
244 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Realizar transmissões externas naquela fase inicial não foi fácil. No caso do futebol no estádio
do Pacaembu, era necessário montar duas câmeras pesadas sobre uma marquise e a antena de
micro-ondas no topo de uma das torres de iluminação. Além de subir alto para instalá-las, após
a partida os técnicos tinham que retirá-las às pressas e voltar para a emissora. Isso porque após
uma transmissão externa, era necessário devolver as câmeras no estúdio para logo um novo
programa ser exibido ao vivo. Inicialmente, nesses momentos de transição, o test-pattern ficava
no ar, com música instrumental ao fundo, até que os estúdios ficassem prontos. Aurélio Campos
era locutor esportivo das Emissoras Associadas de São Paulo e passou a comentar futebol nas
reportagens esportivas da televisão, onde se tornou chefe do Departamento de Esportes. Poucas
semanas após a estreia do Canal 3 no futebol, foi anunciada a instalação de uma cabine especial
para transmissão de TV no estádio do Pacaembu.
A grade diária de programação da TV Tupi - Canal 3 de São Paulo passou a ser publicada pelos
jornais “Diário de São Paulo” e “Diário da Noite”, respectivamente, a partir de 27 e 28 de
setembro de 1950, mas com algumas falhas na regularidade. Conta-se, inclusive, que quando
ela não era publicada, era comum que as redações de ambos os jornais recebessem reclamações.
A seguir, a programação publicada durante o primeiro mês de operações regulares do Canal 3.
Inicialmente, ela não era divulgada aos domingos, por motivo desconhecido. Já às segundas-
feiras era a folga dos funcionários da emissora e não havia programação, apenas o sinal de teste
por algumas horas no ar.
27/09/1950 - Quarta-feira - 20h
“Triana”: com Lolita Rodrigues;
“Rancho Alegre”: humorístico com Mazzaropi;
“Visão do Harlem”: com Zezinho e seu Conjunto TV e Hot Dance;
“Teatro de Walter Forster”: com Lia de Aguiar, Iara Lins e Vitória de Almeida;
“Serenata”: com Rosa Pardini;
“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão;
“Desenho Animado”.
Publicidade
Parecia impossível, mas a TV Tupi de São Paulo conseguiu
completar seu primeiro ano no ar mantendo-se com verbas
publicitárias, mesmo que elas fossem irregulares e sazonais.
Com a PRF3-TV Tupi-Difusora, o advento da televisão em
São Paulo trouxe aos anunciantes a forma mais completa e
eficiente de publicidade até então existente no mundo. A
transmissão de imagem à distância, acompanhada do som,
era o que se esperava há muito, só existindo nos Estados
Unidos como meio publicitário, já que as demais emissoras
de TV do planeta eram estatais e não veiculavam publicidade.
Tão logo se iniciaram as programações diárias da estação
televisora das “Associadas” em São Paulo, não foram poucas
as empresas que se interessaram em fazer propaganda, seja
qual fossem seus produtos. Até então, a estação veiculava
apenas a publicidade dos seus quatro anunciantes master
— Antarctica, Sul América Seguros, Moinho Santista e
Organização Francisco Pignatari. Contudo, em dezembro
de 1950 surgiu o primeiro contrato de publicidade regular,
celebrado com uma empresa varejista de tecidos, a
União Comercial de Tecidos e suas lojas Tecidos Princesa.
Propriedade dos irmãos Emílio, William e Jean Haidar, com
duas lojas na região central de São Paulo, a empresa era
varejista e atacadista de casimiras nacionais e estrangeiras
e passou a apresentar seus anúncios pelo vídeo a partir de
1º de janeiro de 1951. A propaganda na TV começou com
cartões focalizados na parede de um estúdio, produzidos
por um letrista. Em seguida, os comerciais foram ao ar por
slides e narrações ou apresentados ao vivo, com as famosas
garotas-propaganda. Assim que as céticas agências de
publicidade finalmente se voltaram para a televisão, foi dado
início a um conceito que durou muitos anos. Essas agências
criavam, redigiam e até produziam boa parte dos programas
patrocinados, que eram geralmente batizados com o nome
de um produto, tais como “Divertimentos Ducal”, “Ginkana
Kibon” e “Sabatinas Maizena”.
252 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 22
A HORA DOS INTERPROGRAMAS
E
m 1996, o professor Mário Fanucchi, da Escola de Comunicação da Universidade de São
Paulo (USP), brindou os interessados sobre a história da TV brasileira — e principalmente
da TV Tupi — com uma obra literária importante e original. “Nossa Próxima Atração - O
Interprograma no Canal 3” foi editado pela Edusp e conta detalhadamente como foi a criação
dos primeiros intervalos da programação da PRF3-TV, bem como detalhes sobre o formato e o
conteúdo. A história é contada em primeira pessoa, visto que o próprio Fanucchi foi o criador
do interprograma da TV Tupi. Quando a televisão foi montada, Fanucchi estava completando
um ano de trabalho nas rádios Tupi e Difusora, onde fazia locução de jornalísticos, roteirização
e direção de programas, além de papéis no radioteatro. Quando foi inaugurada a televisão, ele
passou a exercer a função de desenhista e, logo depois, também de produtor de TV.
Mesmo que o projeto das instalações de televisão das Emissoras Associadas tenha seguido as
diretrizes técnicas passadas pela RCA, fabricante dos equipamentos, as equipes enfrentavam
problemas com falta de espaço na área operacional. Isso limitava os recursos cenográficos e
dificultava a movimentação de artistas e técnicos, ocasionando a necessidade de promover
intervalos de vários minutos entre dois programas ao vivo.
Como já dito, era preciso aguardar a retirada dos cenários do programa anterior para poder montar
os do próximo. Isso, naturalmente, aborrecia a audiência, já que além dos vários minutos sem
programação, o que se via na tela era apenas a alternância entre dois slides, colocados no ar por
um equipamento denominado Projetor de Slides. Ele era usado para inserção da imagem padrão
do equipamento test-pattern, vulgo “Cabeça de Índio”, e também de dois slides do intervalo. Um
com letreiros do prefixo e do nome da emissora e outro com uma adaptação da logomarca da
PRG-2 - Rádio Tupi de São Paulo, que trazia um índio com expressão sisuda, com uma das mãos
em pala e a outra segurando um arco. Havia, também, um fundo musical orquestrado, executado
no toca-discos.
254 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Os slides ficavam tanto tempo no ar entre um programa e outro que a imagem do índio ficou
associada àquele problema. O público até fez piada e começou a usar a expressão “mais chato
que o índio da TV”. Segundo revela Fanucchi, até os próprios técnicos das rádios Difusora e
Tupi irritavam-se com a demora quando prestavam serviço na televisão, acostumados com a
pontualidade do rádio. Quando os equipamentos sofriam alguma pane, algo muito comum, os
slides também entravam no ar.
O Gray-Telop
Para a criação das artes de cada slide, uma novidade: Mário Fanucchi, que porventura sabia
desenhar muito bem1, substituiria os colegas Moya, Roberg e Cortez. Suas artes originais seriam
encaixadas diante da câmera especial por meio de lâminas que comportavam cinco desenhos
por vez. Com isso, o assistente de estúdio2 podia trocar e expor os cartões o tempo que fosse
necessário para leitura. Também era possível fazer fusão entre os letreiros, tornando o trabalho
mais sofisticado. Em pouco tempo, Fanucchi passou a ser assessorado por Armando Sá.
Implementando o Interprograma
Com o passar dos dias após a inauguração, a programação da PRF3-TV foi se desenvolvendo,
tornando necessário amenizar o problema dos intervalos e, sem dúvida, dar uma plástica nas
exibições da programação. Com a evolução tecnológica que o GT proporcionou, Fanucchi
apresentou ao assistente de direção-artística, Cassiano Gabus Mendes, a ideia de dinamizar a
apresentação dos programas e criar vinhetas para enriquecer os intervalos, que o desenhista
chamou de “interprograma”.
Era também preciso mudar urgentemente a logomarca da emissora para algo mais sutil, mantendo
a conotação indigenista. A ideia de Fanucchi foi criar um índio mais jovem e com uma expressão
alegre, que despertasse a tolerância dos telespectadores irritados com os grandes intervalos e que
conquistasse a provável empatia das crianças. Fanucchi produziu o esboço de um curumim que,
no lugar do cocar, tinha duas antenas receptoras de TV, algo similar à primeira imagem da TV-3,
com a pequena Sônia Maria Dorce. O indiozinho apareceria também nas chamadas da emissora,
junto aos títulos dos programas, interagindo até com outras figuras. Depois de lançado, ele
ganhou o nome oficial de “Tupiniquim”, um trocadilho sugerido pelo jornalista e apresentador
Aírton Rodrigues, aprovado pelo diretor-artístico assistente Cassiano Gabus Mendes.
Mesmo com a utilização do interprograma para divulgar a programação, as chamadas dos
programas ainda obedeceram a um formato muito próximo do radiofônico, em que predominava
a voz do locutor e a imagem se resumia num slide com o título, o dia e o horário da apresentação.
De qualquer modo, com a sistematização das chamadas, as referências sobre os programas
permanentes iam sendo fixadas na memória dos telespectadores. Quando um programa era
anunciado, apareciam os letreiros “PRF3-TV TUPI-DIFUSORA”, “CANAL 3” e “EMISSORAS
ASSOCIADAS”. Ao fundo, uma trilha-sonora padrão, instrumental, composta pelo maestro
Renato Oliveira e apelidada de “Tã-tã”, devido aos tambores iniciais.
1 No início dos anos 1970, o desenhista e produtor Mário Fanucchi desenvolveu a logomarca
da Rádio Panamericana de São Paulo, a Jovem Pan, que é usada até os dias atuais. Fanucchi
trabalhou por muitos anos naquela emissora.
2 Na fase inicial do Gray-Telop, um dos assistentes de estúdio era cunhado de Cassiano Gabus
Mendes. Conhecido por “Tatá”, ele se tornaria no famoso ator Luís Gustavo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 257
Teletexto
Após um ano no ar, o problema da longa espera entre os programas ainda existia na TV-3. A
pretensão era amenizá-lo até que um novo estúdio fosse construído. Contudo, apesar da relativa
eficiência do interprograma, o “problema [...] se agravava à medida que os espetáculos ficavam
mais sofisticados e exigiam maior preparação de estúdio”1. Foi quando Cassiano Gabus Mendes e
o produtor Jorge Ribeiro implantaram a transmissão de textos durante o interprograma. Os temas
eram leves, com toques de ironia e humor. Quem escrevia era Jorge Ribeiro, sob o pseudônimo
de Cagliostro. De acordo com a descrição de Fanucchi, para redigir os textos era usada uma
1 “Nossa Próxima Atração - O Interprograma no Canal 3”, Mário Fanucchi, Edusp, 1996:96.
258 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
máquina de escrever com tipos gigantes, que imprimia o texto no papel de bobina da máquina de
calcular. O papel era puxado por um servo-motor e deslizava via Gray-Telop diante da câmera de
telecine. Os textos eram preparados no mesmo dia da exibição e ficavam no ar de acordo com o
tempo necessário, se deslocando verticalmente no vídeo ao som de música orquestrada.
A aceitação dos teletextos pela audiência da Tupi foi tão boa que passaram a ir ao ar mesmo sem
necessidade e, por pouco, não virou um programa. Com o tempo, ficaram tão valorizados que
passaram a fazer parte da oferta de espaços publicitários. O interprograma não era mais um mero
componente do intervalo, então utilizado unicamente para ganhar tempo.
Tons de Cinza
Na pequena sala chamada “Auditório da TV”, anexada com os dois estúdios da televisão, havia
um monitor extremamente bem regulado, conectado diretamente ao switcher (mesa de controle)
da emissora. O transmissor do Canal 3 no Banco do Estado de São Paulo era ligado diariamente
às 17h e exibia o padrão de ajuste da RCA até as 20h, quando começava a programação. Neste
período, os técnicos da estação televisora e o público podiam fazer todo ajuste necessário de
brilho, contraste, foco, vertical, horizontal etc. Entretanto, a central técnica percebeu que muitos
telespectadores costumavam mexer equivocadamente nos controles de seus televisores, a ponto
de deixarem as imagens distorcidas, desfocadas, com excessivo contraste ou ausência de tons
de cinza. Quando os técnicos passaram a monitorar os programas, sintonizando-os diretamente
no canal VHF-3, perceberam que se o televisor estivesse regulado com excessivo contraste do
preto no branco, e vice-versa, surgiria um terrível contorno duplicado na imagem. Para resolver
o problema, os elementos mais escuros das artes do interprograma passaram a ser pintados
de cinza-chumbo. Já os mais claros, foram pintados de gelo, para gerar tons gradativos. No
vestuário, não era mais permitido usar roupas inteiramente brancas ou pretas. Com o tempo,
as cores começaram a chegar aos cenários e ao interprograma, apesar de que ainda não havia
tecnologia para aparecerem no vídeo. Entretanto, foi uma forma de os cenógrafos darem mais
plasticidade às imagens com tons de cinza.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 259
CAPÍTULO 23
TV TUPI DO RIO DE JANEIRO - PARTE 2 - FASE EXPERIMENTAL E
INAUGURAÇÃO
A
pós sua temporada nas Emissoras Associadas de São Paulo, o Frei José Mojica foi ao Rio
de Janeiro para uma ação idêntica da acontecida em São Paulo: se apresentar no rádio,
sob o patrocínio dos produtos Peixe, e participar da pré-estreia da televisão. Entre 29 de
julho e 5 de agosto de 1950, o tenor religioso mostrou sua música sacra e folclórica no grandioso
e confortável auditório das Emissoras Associadas, na Avenida Venezuela, nº 43, com transmissão
pelas rádios Tupi e Tamoio em Ondas Médias e Curtas. A transmissão pela televisão, a ser gerada
com os equipamentos de fabricação General Electric adquiridos pela Rádio Tupi carioca, seria
realizada da mesma forma que em São Paulo, por meio de um circuito interno de TV ligado por
cabos. Isso porque, tal qual a PRF3-TV, a estação transmissora da PRG3-TV estava em fase final
de instalação — no morro do Pão de Açúcar — e o público poderia acompanhar as apresentações
por meio de um grande monitor disponibilizado no saguão do edifício. Também haveria outros
receptores ligados pelos andares, destinados a convidados, jornalistas e técnicos.
Mais de mil pessoas compareceram no primeiro dia para assistir ao primeiro programa
televisionado das Emissoras Associadas do Rio de Janeiro, um evento marcante para o rádio
carioca. Ao todo, foram quatro as apresentações de José Mojica televisionadas pela Tupi, com
a proposta de que a programação regular de televisão fosse inaugurada em 30 dias. Da mesma
forma que aconteceu em São Paulo, primeiro o público foi até a casa da televisão e, depois, a
televisão que entrou na casa do público “telespectador” (ou “vidente”, como foi também foi
chamado no primeiro momento).
260 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Após diversas previsões para a data de inauguração, como relatado no Capítulo 7, programava-
se, agora, ainda para aquela primeira quinzena de outubro. O próprio Chateaubriand anunciou
esta previsão em um de seus discursos durante a inauguração do Canal 3 de São Paulo. Contudo,
aguardava-se pela publicação oficial da concessão da emissora.
Logo após o início dos testes, foram divulgados os nomes dos futuros padrinhos da emissora
carioca: o prefeito Ângelo Mendes de Morais e sua esposa. Todavia, ainda não foi em outubro
que aconteceu a inauguração da PRG3-TV.
Sem nova previsão para a inauguração, a fase experimental do Canal 6 prosseguiu e foi bem
mais produtiva que a da sua coirmã paulista. Enquanto a Tupi paulista exibia apenas alguns
pequenos musicais, documentários e desenhos animados, no Rio foram apresentados diversos
gêneros de programas, sejam eles filmes — por meio do equipamento de telecine —, quadros
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 261
de variedades direto do estúdio, ou até mesmo atrações externas. Uma partida de futebol foi
transmitida em 12 de novembro, direto do Maracanã, entre Flamengo x Olaria, pelo Campeonato
Carioca, com narração de Antônio Maria. Três dias depois, foi a vez do caminhão de externas
estacionar no Hipódromo da Gávea, para transmissão de páreos narrados por Aldo Vianna. Com
ampla divulgação nos jornais cariocas da “cadeia associada”, as movimentadas transmissões
experimentais da TV Tupi do Rio chamaram muita atenção da população e tinham ar de
programação oficial e regular. Só faltava mesmo a simbologia da inauguração.
Nos dias seguintes, o Canal 6 exibiu filmes de longa-metragem, entre eles, títulos nacionais
como “Obrigado Doutor” e “Estou Aí?”; filmes de curta-metragem; algumas peças encenadas
nos teatros Recreio e Rival, como a revista musical “Muié Macho Sim Sinhô!” e a comédia
de costumes francesa “A Noiva Deita-se às 11...”; uma luta de jiu-jitsu; e alguns espetáculos
públicos. Entre os programas de estúdio, foram ao ar “Calouros em Desfile”, apresentado por
Ary Barroso; “Sala de Visitas”, apresentado por Carlos Frias; “TV Teatro”, com Luiz Jatobá; e
“Personagens Célebres”. Até um show experimental foi realizado, mas não chegou a ser exibido.
Ao produzir todos esses programas, a TV Tupi carioca subverteu algumas normas técnicas
para transmissões experimentais, organizadas pela fabricante GE, e acabou utilizando os
equipamentos a toda capacidade. Contudo, os resultados foram muito bons, principalmente as
tomadas externas, cuja qualidade surpreendeu muita gente. A vontade e capacidade técnica foi
tamanha que, a partir de 1º de dezembro, a programação experimental passou a contar com uma
grade fixa e regular às segundas, quartas e sextas-feiras. Já nesta fase, a emissora conquistou
seu primeiro anunciante, o Café Globo, fato orgulhosamente divulgado nos jornais cariocas do
grupo. O comercial foi produzido com uma narração sobre imagens estáticas.
Em 13 de dezembro de 1950, um ato de agradecimento por parte de Assis Chateaubriand e da
Philco Corporation foi oferecido ao presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, e a alguns
membros do governo que também se empenharam para que o Brasil pudesse instalar suas duas
primeiras estações de televisão. O encontro foi realizado na própria residência oficial. Em nome
da Philco, seu diretor entregou um aparelho receptor de TV ao presidente Dutra — que estava
encerrando seu governo —, simbolizando a esperança no desenvolvimento da televisão no
Brasil. Após ser instalado, o receptor foi sintonizado no Canal 6, que, como se fosse um serviço
de Video on Demand1, naquele momento iniciou a transmissão de um rápido esquete, em que o
locutor Carlos Dias e a radioatriz Aimée contracenaram um diálogo de agradecimento a Dutra,
o presidente que autorizou a instalação de televisão no Brasil. Seguiu-se a programação com
o noticiário internacional “Telenews” e, em seguida, outro jornal, mas com enfoque nacional.
Ambos foram apresentados por Luís Jatobá.
Em meados de janeiro de 1951 foi grande a movimentação para levar artistas, anunciantes e
publicitários para conhecer a turística estação transmissora do Canal 6, no Pão de Açúcar. A
televisão já estava fazendo parte da vida cotidiana do carioca e nos próximos dias ela seria
oficializada.
Agendando a Inauguração
A solenidade de inauguração iniciou-se pouco depois das 12h, nas instalações do alto do Pão de
Açúcar, com sua primeira etapa de atividades sem transmissão pela TV. Estimou-se que já havia
cerca de 5 mil receptores1 instalados na Cidade Maravilhosa. Após o presidente Dutra cortar uma
1 “Do Arrasamento do Morro do Castelo à Maravilha da Televisão”, Diário da Noite [RJ],
20/01/1951, p. 6.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 263
fita simbólica, todos passaram a conhecer as dependências da estação transmissora. Até que, na
sala de operações, às 12h40, o presidente da República e os padrinhos da estação — o prefeito
Ângelo Mendes de Morais e sua esposa Deborah Mendes de Morais — acionaram o transmissor
da General Electric. Em seguida, o casal declarou a estação oficialmente inaugurada.
Já com transmissão ao vivo pelo Canal 6, o prefeito e paraninfo quebrou sobre o transmissor
uma taça de champagne1 e pronunciou um rápido improviso, destacando a importância daquele
acontecimento, que marcava uma nova era para a radiodifusão do Brasil. “Para a população do
Distrito Federal, a Televisão Tupi. Esse novo e grande empreendimento vem marcar uma nova
era para o Brasil em matéria de rádio-transmissão”, disse o prefeito2.
Em seguida, o diretor dos Diários e Emissoras Associados, Assis Chateaubriand, fez seu discurso
rememorando a grande luta empreendida para tornar realidade as duas primeiras estações de
televisão da América do Sul — instaladas pelos Diários Associados em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Em palavras rápidas e vivas, o Velho Capitão expressou a gratidão de toda a família
“associada” e de todos os brasileiros ao presidente Dutra, ao prefeito Mendes de Morais, ao
ministro da Fazenda Guilherme da Silveira, a José Braz (diretor da Carteira de Exportação e
Importação do Banco do Brasil) e ao general Anápio Gomes (diretor da Carteira de Crédito Geral
do Banco do Brasil). Segundo Chatô, eles “compreenderam e ampararam a realização de uma
obra de grande alcance social e cultural”. Também compareceram na cerimônia alguns
diplomatas, parlamentares e industriais, estes últimos que eram, em sua maioria, representantes
dos fabricantes de receptores de TV, como Philips, Philco, GE e RCA.
1 Como visto no Capítulo 17, conta uma lenda que o motivo de uma das três câmeras da TV
Tupi de São Paulo ter apresentado defeito no espetáculo de inauguração teria sido, justamente,
pelo fato de Chateaubriand ter quebrado uma garrafa de champanhe naquele equipamento.
Entretanto, essa informação foi desmentida por alguns pioneiros, como Jorge Edo, o técnico
responsável.
2 “Inaugurada, Sábado, Oficialmente, a TV Tupi do Distrito Federal”, Diário da Noite [RJ],
22/01/1951, 2º Caderno, p. 16.
264 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
A Programação Regular
Após a cerimônia, a PRG3-TV transmitiu o padrão de testes até 20h30, quando iniciou a primeira
grade de programação regular. Neste momento, o diretor Luiz Jatobá fez uma breve apresentação
de três minutos sobre as atrações daquela noite de estreia. Na sequência, foi apresentado um
grande show com a Orquestra Tabajara, executando diversas canções da música brasileira. Às
21h, foi a vez de “Calouros em Desfile”, apresentado por Ary Barroso, e, às 21h30, outro show
especial: “A Tupi e a Televisão”, apresentado por Antônio Maria e participação de diversos
artistas da Rádio Tupi do Rio, como Dorival Caymmi, Almirante, Aracy de Almeida, Dircinha
Batista, Alvarenga e Ranchinho, José Vasconcelos e o humorista Mazzaropi, vindo especialmente
da TV Tupi de São Paulo e se tornando o único artista a participar da inauguração das duas TV
Tupi. Às 22h30, foi ao ar uma edição especial do “Telejornal”, com um pequeno documentário
gravado em película de 16 mm sobre a inauguração da TV Tupi do Rio de Janeiro (ver box) e
uma reportagem sobre sua cerimônia de inauguração. Por fim, os cariocas assistiram a uma luta
de jiu-jitsu, travada entre Hélio e Carlos Gracie.
A TV Tupi do Rio estava inaugurada e, juntamente com sua coirmã paulista, se constituiria
em alicerces fundamentais para a formação artística peculiar da televisão brasileira, que se
consolidaria, décadas depois, como uma indústria cultural e um veículo de massa.
1 Link: youtu.be/LN_lR3DxL3g.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 265
Ao contrário do esperado, os diretores, técnicos e atores da TV Tupi carioca não foram estagiar
na TV Tupi paulista e procuraram seguir caminho e estilo próprios. A programação do Canal
6 contou com mais apresentações teatrais, circenses e musicais que o Canal 3, já que o artista
do Rio tinha grande experiência em apresentações nos cassinos e no teatro de revista. Ou
seja, os primeiros atores da programação carioca tinham formação teatral, enquanto os de São
Paulo, basicamente, tiveram a radionovela como escola artística. O teleteatro foi forte nas duas
emissoras, mas, como as “escolas” eram diferentes, no Rio se via esquetes de caráter crítico e
números musicais com figurinos extravagantes e, em São Paulo, adaptações de dramas clássicos
da dramaturgia e da literatura mundial.
Há, também, outra importante característica da programação carioca, que focou mais em
exibições externas de peças teatrais e musicais em cartaz no circuito da cidade. Isso porque a
266 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
emissora contava com restrições em seus dois estúdios, que além de serem pequenos, contavam
apenas com um switcher e duas câmeras no total — uma a menos que a Tupi de São Paulo, o que
restringia bastante as operações. Os estúdios foram montados no 4º andar, onde antes ficava o
gabinete do diretor-geral dos Diários Associados, Carlos Rizzini.
CAPÍTULO 24
A INFRAESTRUTURA DAS EMISSORAS ASSOCIADAS - ANOS
1950
M
al havia sido inaugurada e a estação PRF3-TV das Emissoras Associadas de São
Paulo apresentou a necessidade de ter suas instalações ampliadas. A primeira reforma
unificou o Estúdio “A” com o pequeno “B”, reforçou o isolamento acústico e elevou
o telhado em 1 m, favorecendo o sistema de iluminação. O projeto foi protocolado na prefeitura
em 13 de dezembro de 1950, antes mesmo de o Canal 3 completar três meses no ar. A conclusão
das obras se deu em agosto de 1951, com o Estúdio “A” ganhando 25 m2 e passando para 194 m2.
Todavia, Assis Chateaubriand já tinha planos para oferecer mais espaço para as operações de
suas emissoras de rádio e televisão no Rio de Janeiro e em São Paulo. A ideia era construir novas
estruturas em locais diferentes de onde se localizavam os estúdios.
Luigi Nervi, com a construção prevista na Rua Álvaro de Carvalho, região central da cidade
de São Paulo, próximo de edifícios importantes, como do jornal “O Estado de São Paulo” e da
Biblioteca Mário de Andrade.
Os teatros se chamariam “Getúlio Vargas” nas duas unidades e acomodariam até 7,2 mil
espectadores cada um. “Espetáculos e artistas que agora são privativos das classes ricas, em
salas inacessíveis às massas, nos teatros Getúlio Vargas das Tabas Tupi e Guaianazes estarão ao
alcance de todas as bolsas, por uns poucos cruzeiros. Serão as óperas célebres e por cantores de
imenso renome, o ballet mais primoroso, a comédia mais bem representada — tudo isso vindo
ao encontro do povo, que não pode frequentar os teatros caros”1, publicou os Diários Associados
em todos os seus jornais.
Para auxiliar na realização e manutenção dos dois projetos, alguns grupos de industriais
contribuiriam com Cr$ 5 milhões por ano.
Desde 1947, Assis Chateaubriand tinha planos para construir moradias verticais em um terreno
da Rua Álvaro de Carvalho, com 6330 m2, composto por diversos lotes em nome do próprio
Chatô ou da Rádio Tupi.
O projeto ganhou forma em 1951 e refletiu planos ainda mais audaciosos de Chatô, já que, além
das moradias, decidiu que o complexo também abrigaria veículos de mídia. Seria a chance de
marcar um novo símbolo na pujante e moderna metrópole paulista, em um momento de incentivo
à verticalização e preparação da cidade para a comemoração do seu IV Centenário, que se
realizaria em 1954. Em função desta importante data, novos símbolos da modernidade paulistana
foram idealizados ou construídos no início dos anos 1950, muitos deles com edifícios de uso
misto, que aliariam a verticalização da habitação à existência de estabelecimentos comerciais
de uso público no pavimento térreo. Como exemplo, há os projetos do edifício Copan (1951),
de Oscar Niemeyer; do edifício O Estado de São Paulo (1947), de Jacques Pilon e Franz Heep;
do edifício Itália (1953), de Franz Heep; e do Conjunto Nacional (1955), de David Libeskind.
Como dito, o projeto “Taba Guaianazes” foi assinado pela arquiteta Lina Bo Bardi e pelo
engenheiro-civil Pier Luigi Nervi, ambos italianos. O nome “Taba” foi escolhido por Chatô
para representar um conjunto autônomo, como uma pequena aldeia e, além disso, era um
nome sempre pronunciado por Chatô, assim como “Guaianases”, que foi uma tribo indígena
responsável por povoar parte do estado de São Paulo e outras regiões. Era comum, portanto, que
Chatô se referisse à São Paulo como “Taba dos Guaianases”.
O terreno do complexo tinha frente para a Rua Álvaro de Carvalho, altura do nº 318. À esquerda
ficava o viaduto da Rua Major Quedinho e aos fundos a Avenida Nove de Julho. O grande
desnível do terreno seria aproveitado para facilitar o acesso aos três pavimentos do complexo
midiático. Abaixo do nível da Avenida Nove de Julho haveria as instalações da Televisão Tupi,
além da garagem das unidades habitacionais e uma pista de gelo com 1422 m². No nível acima,
ficariam os estúdios das rádio Tupi-Difusora e dois auditórios para rádio e TV — ou “teatros-
estúdios” como diz o projeto —, com 1,5 mil assentos cada (haveria uma divisão removível
entre eles, permitindo a unificação eventual). Mais um nível acima, alinhado com a Rua Major
Quedinho, estaria a grande sala do Teatro Getúlio Vargas, com incríveis 7,2 mil assentos, que
seria um dos maiores do mundo.
Este conjunto de auditório, teatro e estúdios formaria um grande bloco com altura equivalente
a um edifício de 10 andares e que ocuparia a área total do terreno. Sobre ele, subiriam duas
torres com 21 e 31 andares, onde ficariam os 1,3 mil apartamentos. No alto dos edifícios haveria
restaurante, solarium, biblioteca e sala de leitura coletiva. Os dois edifícios ocupariam a periferia
do grande bloco inferior e, ao centro, no térreo, funcionaria uma cooperativa, um restaurante,
além de uma área destinada às crianças (com um grande playground, berçário, jardim de infância,
hortas experimentais e teatro infantil).
Como os edifícios seriam erguidos nas laterais do complexo, isso evitaria que suas colunas de
sustentação atrapalhassem o teatro e os auditórios, a ficariam ao centro. No total, seriam 101,4
mil m2 de área construída, ao custo de Cr$ 230 milhões.
Rádio e TV
Era um desejo de Assis Chateaubriand realocar e dar melhor estrutura à TV Tupi e às rádios
Difusora e Tupi em São Paulo e, principalmente, à TV Tupi e às rádios Tamoio e Tupi no Rio de
Janeiro, que funcionavam em instalações muito adaptadas e provisórias.
Em São Paulo, a PRF3-TV ganharia um grande estúdio com 17 m x 28 m (476 m2) e pé direito
de 8 m; dois estúdios com 11 m x 17 m (187 m2) e pé direito de 7 m; três salas para controle dos
estúdios; e ainda: salas para o Controle Mestre e projeção de filmes (Telecine), três cabines para
locução e salas de escritório com total de 150 m2.
Para as rádios Tupi e Difusora, seriam construídos dois estúdios com 10 m x 16 m (160 m2);
quatro estúdios com 6 m x 10 m (60 m2); seis salas para controles dos estúdios; seis estúdios
com 5 m x 8 m (40 m2); seis cabines para locução; sala para gravação; sala para o controle-geral,
com 6 m x 8 m (48 m2); 30 salas para redatores e maestros, com 16 m2 cada, e ainda: oficina,
almoxarifado, salas para operadores, atrizes, músicos e instrumentos, discoteca, arquivo musical,
chefia técnica, contrarregra, sonoplastia, direção-artística e gerência.
Quanto ao complexo de rádio e TV do Rio, sabe-se apenas que haveria 15 estúdios de rádio e TV.
Por falta de mais informações, fica a dúvida se as emissoras envolvidas se mudariam
completamente para os novos complexos, ou se alguns setores ainda permaneceriam onde
estavam. No caso de São Paulo, ao menos, devido ao alto investimento já empregado, é possível
270 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Ao centro, projeto com dois auditórios para a TV Tupi e rádios Difusora e Tupi de São Paulo. Na parte superior da
imagem, as instalações da nova sede das emissoras de rádio. (“Habitat”, nº 14, jan-fev de 1954/reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 271
Só no Papel
No final de 1951, a execução do projeto Taba Guaianazes já estava cancelada e a TV Tupi teria
que se contentar com uma sede mais modesta no próprio Sumaré e investir em ampliações dentro
da Cidade do Rádio. Já em 17 de janeiro de 1952, as Emissoras Associadas deram entrada em
um projeto para a construção de um novo Estúdio “B” (o primeiro “B” havia sido unificado com
o “A”). Ele seria erguido ao lado do Estúdio “A”, nos fundos da Cidade do Rádio, com entrada
pela Rua Catalão, nº 48.
Para a execução do novo projeto, deveriam ser demolidos o barracão da Cenografia e a sala de
Contrarregra, ambos construídos em 1950. A autoria do projeto foi do engenheiro-civil Dorvalino
Mainieri, sócio-proprietário da Construtora Hohenlohe & Mainieri Ltda., que já havia realizado
diversos trabalhos para as Emissoras Associadas de São Paulo, tal como as adaptações civis para
instalação do primeiro transmissor do Canal 3, no edifício do Banco do Estado de São Paulo, e a
construção do primeiro prédio da PRF3-TV na Cidade do Rádio.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 273
Com 125 m2 e pé-direito de 7 m, o novo Estúdio “B” foi inaugurado em janeiro de 1953,
reunindo diversos requisitos modernos, inclusive um palco giratório, que facilitou a troca de
cenários e proporcionou grande produtividade. Sua sala de controle (switcher) foi instalada em
um mezanino. A fachada continha elementos idênticos aos do pioneiro Estúdio “A”, com tijolos
aparentes e alinhamento vertical.
O crescente sucesso da televisão em São Paulo fez com que o problema da falta de espaço se
tornasse recorrente na Cidade do Rádio — algo que já era previsível. Frequentemente, as rádios
Tupi e Difusora tinham que ceder ou compartilhar suas instalações, como é o caso do Palco-
Auditório, que também passou a ser usado para transmissão de alguns dos programas da TV.
Outro exemplo é que a Rádio Tupi logo passou a irradiar a maioria de seus programas a partir de
estúdios montados no prédio dos Diários Associados1, na Rua Sete de Abril, nº 230, mantendo
apenas a produção de novelas e outros poucos programas a partir da Cidade do Rádio.
A necessidade de melhorar a organização e o aproveitamento dos espaços no Sumaré fez surgir,
em 7 de abril de 1954, um grande projeto arquitetônico para modernização e ampliação da área
útil da Cidade do Rádio, que ficaria com mais que o dobro do tamanho. Desta vez, seria explorada
a área vertical do terreno com uma ousada ideia de reforçar a estrutura do antigo Palco-Auditório
e construir, sobre ele, um edifício de sete andares. Surgia no complexo do Sumaré o conceito de
centralização das rádios Tupi-Difusora em um único edifício, para definitivamente proporcionar
que a televisão ocupasse todo o espaço já existente. O novo edifício seria devidamente planejado
para operação de emissoras de rádio e, além disso, contaria com salas para uso dos setores
administrativos e das diretorias das Emissoras Associadas.
Ainda no mesmo projeto de ampliação, foi prevista a demolição da ala esquerda do antigo
prédio, onde ficavam os estúdios das duas rádios. Com isso, seria construído um outro prédio,
de pavimento térreo, que abrigaria um grandioso Estúdio “C”, ocupando, também, uma área sem
uso, onde outrora havia a torre de Ondas Médias da Rádio Difusora - 960 KHz, emissora cujas
transmissões passaram a ser feitas da Vila Sofia, na Zona Sul de São Paulo, cerca de um ano após
a estreia da televisão.
Para a construção do novo estúdio, o pórtico do prédio das rádios seria demolido e o hall
convertido em extensão do Palco-Auditório, este que passaria a ser exclusivo da televisão e teria
a capacidade ampliada de 504 para 581 lugares. Com 500 m2, o velho auditório seria considerado
como o andar térreo do novo edifício-sede, com sete andares, que contaria com 402 m2 em cada
pavimento. Haveria restaurante e bar (1° andar); três estúdios de rádio (2°); mais dois estúdios
de rádio (3°); salas para administração-geral das Emissoras Associadas (4º e 5º); departamento
técnico e controle-geral das rádios, almoxarifado e oficina técnica (6°); e terraço, com casa de
máquinas e caixa d’água (7°). Quanto ao 2° e 3° pavimentos, seriam hermeticamente fechados
por quatro paredes-cegas2 para isolamento dos estúdios. O novo edifício teria a face voltada para
a Avenida Prof. Alfonso Bovero.
O novo Estúdio “C” seria muito maior que os preexistentes, medindo 25 m x 17 m (425 m2) e
dispondo de pé-direito com 8 m. Haveria um grandioso subsolo para depósito da cenografia, com
527,5 m2 e pé-direito de 3 m. Como este estúdio seria construído de forma contígua ao antigo
Palco-Auditório, haveria uma reforma na fachada, que passaria a ser longa e uniforme, numa
evidente preocupação com a padronização estética dos edifícios voltados para a Rua Piracicaba.
A prefeitura aprovou os projetos em 9 de dezembro de 1954, contudo, a execução das obras
1 Salientando que a Rádio Tupi já havia operado neste endereço, mas a partir de um prédio que
foi demolido pouco tempo após sua saída.
2 “Parede-Cega” é a expressão que remete a uma parede externa de uma edificação que não
disponha de qualquer abertura.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 275
sequer foi iniciada, já que a direção dos Diários e Emissoras Associados mudou seus planos.
Proposta para nova fachada do prédio principal da Cidade do Rádio e para a construção do Estúdio “C”, com vista
a partir da Rua Piracicaba. (Prefeitura da Cidade de São Paulo/Secretaria Municipal de Cultura/Acervo do Arquivo
Histórico Municipal)
De acordo com um relatório divulgado pelas Emissoras Associadas, o ano de 1955 foi excelente
para o crescimento financeiro da Televisão Tupi de São Paulo, algo que refletiu positivamente nos
investimentos de infraestrutura. Desta forma, o projeto “engavetado” do Estúdio “C” finalmente
foi executado, garantindo também a importante construção dos depósitos no subsolo e do
pavimento superior. As obras do estúdio ficaram prontas em agosto de 1955, mas, curiosamente,
a inauguração foi realizada apenas em 1º de julho de 1956, quando houve um evento solene, que
contou com a presença de uma filha e uma neta do escritor Monteiro Lobato.
Além de ser o maior dos três, o Estúdio “C” contou com equipamentos mais modernos e foi
destinado para a apresentação dos programas que exigiam mais espaço físico, como os teleteatros
“TV de Vanguarda”, “Música e Fantasia” e “Teatro da Juventude”. Este último, responsável pela
inauguração do estúdio, quando foi encenada a peça “O Pronome Fatídico”, conto de Monteiro
Lobato que foi adaptado pela escritora e roteirista da TV-3, Tatiana Belinky.
278 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Mesmo com os três estúdios de televisão em operação, em 1957 outras ampliações se fizeram
necessárias na Cidade do Rádio. Como a maior demanda naquele momento era abrir espaço para
a TV Tupi ocupar toda área mais antiga do complexo, foi retomado o projeto para construção
de um edifício com sete andares e de mais um estúdio de TV — que agora seria o quarto —, o
maior de todos, que mediria mais de 400 m2. O engenheiro responsável foi Armênio Crestana,
que apresentou uma planta atualizada do edifício, seguindo as linhas gerais do projeto criado em
1954 pelo engenheiro Dorvalino Mainieri. O engenheiro Crestana propôs algumas modificações
internas no projeto original do edifício, relativas ao layout de alguns andares, e o protocolou em
2 de março de 1957. O local das obras do edifício seria o mesmo, ou seja, sobre o histórico Palco-
Auditório da Rádio Difusora, com face voltada para a Avenida Prof. Alfonso Bovero.
O local designado para a construção do novo estúdio também foi mantido entre o hall e o Estúdio
“A”, com a diferença de que ele passou a ser chamado de Estúdio “D”, já que o “C”, ressaltando,
acabou sendo construído em outra área do terreno.
A aprovação da prefeitura se deu em 8 de abril de 1957, entretanto, ainda não foi desta vez que
os projetos do edifício e do grande estúdio de TV foram executados, já que surgiu uma boa
oportunidade para as “Associadas”, a ser relatada ainda neste capítulo.
Investindo em Publicidade
1 Relatório da Diretoria da Rádio Difusora São Paulo, Diário Oficial da União, 24/03/1956, p. 82.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 279
Para a construção do novo prédio da Publicidade foi necessário remover o simbólico letreiro
“TELE VISÃO1”, fixado na lateral direita do Estúdio “A”. Já a fachada frontal do estúdio
pioneiro foi encoberta por uma obra estreita de alvenaria2 e, na nova parede, foi inserida uma
grande arte com o Tupiniquim, o primeiro símbolo original do Canal 3, com o propósito de dar
continuidade no simbolismo da marca da Televisão Associada naquele trecho do complexo.
No térreo do novo edifício do Departamento de Publicidade foi construído um hall; um depósito;
um pequeno estúdio chamado de “Publicidade-TV” (e posteriormente de Estúdio “D”), com 10,3
x 9,7 m (99,91 m2) e 5,50 m pé-direito; e um switcher de 5,2 m x 4,7 m (24,44 m2). O estúdio
foi utilizado para produção de programas de entrevistas, telejornais como “Repórter Esso”, mas,
principalmente, para a produção de anúncios publicitários, apresentados ao vivo pelas famosas
garotas-propaganda. Com a construção de um espaço exclusivo para propagandas, foi possível
obter maior espaço de tempo para a montagem de cenários e para a realização dos ensaios
para os comerciais. O depósito no térreo foi usado para guardar as mercadorias pertencentes
aos anunciantes, mostradas ao vivo no vídeo, resolvendo o problema do congestionamento
dos corredores e estúdios, causados pelo armazenamento adaptado de televisores, geladeiras,
máquinas de lavar roupa, móveis etc.
1 Como já mencionado no Capítulo 8, o letreiro foi grafado como “TELE VISÃO”, como se fossem
duas palavras posicionadas uma sobre a outra, e com um raio ao meio.
2 Uma estrutura de alvenaria estreita e com a altura do estúdio foi erguida rente à sua parede
frontal, que era voltada para a Rua Piracicaba. Ela praticamente encobriu toda a histórica
fachada do Estúdio “A” e, internamente, contava com corredores e sanitários.
280 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
No 1º andar do novo edifício da Publicidade, foram montados dois estúdios menores, exclusivos
para realizar gravações sonoras de propagandas e de locuções diversas para as rádios e para a
televisão. Um desses estúdios media 9 m x 5,3 m, com sala de controle de 3,4 m x 3,5 m. O outro
estúdio dispunha de 4,3 m x 4,2 m e a sala de controle de 5,4 m x 3,8 m. Havia espaço suficiente
para acomodar e gravar grandes orquestras, por meio dos modernos equipamentos importados.
O tratamento acústico desses estúdios ficou a cargo do engenheiro Alberto Maluf, diretor-técnico
das Emissoras Associadas.
No 2º andar construiu-se numa sala de 6,6 m x 8 m, um depósito de material eletrônico e um
terraço de 10,5 m x 5,6 m (58,8 m2). O andar térreo e o primeiro pavimento foram fechados com
paredes-cegas, havendo janelas apenas no segundo pavimento.
A direção das “Associadas” acabou não seguindo os caminhos da Avenida São João ou do bairro
do Jaçanã, como especulou “A Gazeta Esportiva”. As emissoras ficaram mesmo no Sumaré e o
próprio Cassiano Gabus Mendes, agora diretor-geral da TV Tupi, desmentiu sobre a mudança
para os estúdios da Cinematográfica Maristela:
CAPÍTULO 25
SURGEM AS CONCORRENTES DA TV TUPI DE SÃO PAULO
TV Paulista
A
pesar de ter sido inaugurada em 14 de março de 1952, portanto um ano e meio após
a estreia da pioneira TV Tupi de São Paulo, a empresa Rádio Televisão Paulista S/A
foi fundada muito antes, em 1° de maio de 1949, época “embrionária” da televisão
brasileira. Portanto, a história da montagem da TV Paulista - Canal 5 corre em paralelo à da
TV Tupi - Canal 3, participando da corrida pelo pioneirismo e por anunciantes. A empresa foi
fundada pelo então deputado federal Oswaldo Ortiz Monteiro, juntamente com os incorporadores
Luís Fonseca de Sousa Meirelles, dr. Nestor da Rocha Bressane Filho e Celso Guimarães Arantes
Nogueira. A primeira sede-administrativa foi instalada na Rua Sete de Abril, n° 264, 4º andar
- República, bem próxima ao edifício Guilherme Guinle, dos Diários e Emissoras Associados.
É importante reproduzir aqui parte do manifesto de fundação da Rádio Televisão Paulista S/A,
que representa, em geral, os ideais das primeiras estações de televisão brasileiras.
O contrato para a aquisição dos equipamentos da TV Paulista foi celebrado com a empresa norte-
americana Standard Electric (as câmeras eram da Dumont), que enviou um engenheiro a São
Paulo para realizar o projeto técnico. Entretanto, tal qual a estação de César Ladeira (RTB/TV
Mayrink Veiga) no Rio de Janeiro (ver Capítulo 5), a Rádio Televisão Paulista teve problemas
com a Cexim - Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil, que emitiu a guia de
importação dos equipamentos somente depois de 10 meses.
Já a concessão do canal 5 da TV Paulista tem uma particularidade interessante. Em 15 de janeiro
de 1952, o governo federal despachou o Processo nº 5409, que outorgou mais algumas concessões
de televisão para a cidade de São Paulo. O canal 11 ficou com a Sociedade Rádio Cultura - “A
Voz do Espaço” e o canal 13 com a Rádio Bandeirantes S/A. Curiosamente, devido à escassez
de canais disponíveis para todas as empresas que estavam entrando com pedidos de concessão,
o canal 5 foi concedido para duas organizações: a Rádio Televisão Paulista S/A e a Fundação
Cásper Líbero. Ou seja, deveria ser feito uso compartilhado do canal, havendo necessidade de
dividir os horários entre as duas emissoras. Entretanto, após manifestações contrárias, o governo
recuou da decisão e publicou o Decreto nº 30590, de 22 de fevereiro de 1952, outorgando o canal
5 somente à Rádio Televisão Paulista S/A (TV Paulista) e o canal 2 para a Fundação Cásper
Líbero (TV Gazeta)1.
Depois de alguns adiamentos, a TV Paulista finalmente foi inaugurada em 14 de março de 1952,
exibindo shows e noticiários. A sede operacional foi montada de forma bastante adaptada, em um
edifício outrora residencial, com 12 andares, recém-adquirido pela empresa. Ele ficava localizado
na Avenida Rebouças, nº 58, próximo da esquina da Rua da Consolação com a Avenida Paulista.
Os dois estúdios ficavam em andares diferentes, um problema que todos tiveram que aprender
a enfrentar. Quando havia continuidade de cena do Estúdio “A”, no térreo, para o Estúdio “B”,
no 1º andar, era comum que os atores voltassem ofegantes em cena, pois tinham que subir as
escadas.
No topo de um dos dois blocos do edifício foi erguida a pequena torre do Canal 5, com uma
1 Posteriormente, o canal a ser usado nas operações da TV Gazeta de São Paulo foi alterado do
2 para o 11. A emissora foi inaugurada somente em 25 de janeiro de 1970.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 285
antena de modelo Superturnstile, composta por três elementos irradiantes, idêntica à da TV Tupi.
A potência do transmissor, instalado no último andar, também era igual: 5 kW, chegando a 20 kW
efetivos com o ganho obtido na antena.
Durante alguns anos, a localização da estação transmissora do Canal 5 rendeu boa recepção aos
telespectadores e até foi criado o slogan “A Imagem Perfeita e o Melhor Som”. Ele referia-se à
sua melhor qualidade das imagens em relação às da TV Tupi, visto que a TV Paulista transmitia
do mesmo prédio de onde as gerava, enquanto o Canal 3, como já mencionado, gerava os sinais
do bairro do Sumaré e os enviava via frequência de micro-ondas para seu transmissor no edifício
do Banco do Estado de São Paulo, um processo que, naquela época, gerava certa degradação de
nitidez da imagem.
A TV Paulista foi a segunda emissora de televisão de São Paulo a entrar no ar, a terceira do Brasil
e a primeira concorrente da TV Tupi. Aliás, sua inauguração deu a São Paulo o título de primeira
cidade da América Latina a contar com duas emissoras de televisão com operação regular.
Contudo, a TV Paulista era a única televisão que não estava vinculada a uma emissora de rádio,
algo que ajudaria a pagar suas onerosas contas. Em crise, ela teve 52% de suas ações vendidas
para a Organização Victor Costa (OVC) em 1955, grupo de propriedade do radialista Victor
Costa, ex-diretor da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Ele havia se estabelecido em São Paulo,
no ano de 1952, ainda como diretor da Nacional, e começou a adquirir suas próprias estações de
rádio e televisão em diversas cidades do país, para assim formar uma nova rede em um mercado
dominado pelas Emissoras Associadas e Emissoras Unidas. Surgia a OVC, que chegou a ser o
segundo maior grupo de radiodifusão no país, atrás somente dos Diários Associados. Costa havia
adquirido a Rádio Excelsior AM - 1100 KHz das mãos do grupo Folha da Manhã, no ano de
1952, e a designou para a celebração da montagem da Rádio Nacional de São Paulo, por meio de
um convênio com a Rádio Nacional do Rio de Janeiro1. Essas articulações causaram um rebuliço
na radiodifusão paulistana, já que Victor Costa fez uma investida que tirou grandes profissionais
das Emissoras Associadas para levar para suas rádios, como Walter Forster, Yara Lins e o diretor
Dermival Costa Lima2. Nessa fase, Victor Costa era, também, arrendatário da Rádio Cultura de
São Paulo e, no Rio de Janeiro, tornou-se proprietário da Rádio Mayrink Veiga, uma das maiores
da cidade.
1 Em 1952, Victor Costa colocou no ar a Rádio Nacional de São Paulo - 1100 KHz, numa parceria
de conteúdo entre a Rádio Nacional do Rio de Janeiro (onde ele era o diretor) e a Rádio Excelsior
de São Paulo (que ele mesmo havia adquirido recentemente). Em 1954, após Victor Costa pedir
demissão da Nacional do Rio, a parceria foi desfeita, mas ele próprio deu continuidade ao
projeto da Nacional de São Paulo, mantendo o nome da emissora.
2 Dermival Costa Lima deixou as Emissoras Associadas em 1952, para ser contratado pela
Organização Victor Costa e exercer a função de diretor-artístico das rádios Excelsior e Nacional
de São Paulo. Quem substituiu Costa Lima na direção-artística da TV Tupi foi seu assistente
Cassiano Gabus Mendes.
286 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Com a aquisição da TV Paulista, a estratégia da OVC foi ousada: brigar pela liderança com a
pioneira TV Tupi. Victor Costa, com toda sua experiência e carisma, fez com que o Canal 5
ganhasse novo fôlego, mais profissionalismo e novos programas. A emissora já havia chamado
a atenção popular com as atrações “Teatro Cacilda Becker”, “Circo do Arrelia” e “Praça da
Alegria”. Mais uma vez, vários profissionais da TV Tupi foram contratados pela TV Paulista
por altíssimos salários, como Álvaro de Moya (diretor de teledramaturgia e criador do histórico
“Teledrama”), as estrelas Sarita Campos, Hebe Camargo (com o seu programa “O Mundo é das
Mulheres”), o cantor Caco Velho e muitos outros. O Canal 5 também produziu os programas
de sucesso “Vamos Brincar de Forca” (com Sílvio Santos iniciando sua carreira na TV) e os
jornalísticos “Silveira Sampaio Show” e “Bate-Papo com Silveira Sampaio”. Todavia, a TV
Paulista entrou em crise logo após a morte de Victor Costa, em dezembro de 1959, pois o
sucessor, Victor Costa Jr., não tinha habilidade com televisão e havia dívidas que impediram
investimentos em tecnologia e expansão. Por fim, em 27 de maio de 1965, todas as emissoras
de rádio e televisão da OVC foram compradas pelo jornalista e empresário Roberto Marinho e
passaram a integrar o Sistema Globo de Rádio e Televisão.
TV Record
O projeto da televisão da Rádio Record de São Paulo começou a se tornar realidade com a
outorga do canal 7, obtida em 22 de novembro de 1950, apenas dois meses após a estreia da
pioneira TV Tupi de São Paulo. A concessão foi outorgada pelo governo de Eurico Gaspar Dutra
ao empresário das comunicações Paulo Machado de Carvalho, que, na época, juntamente com
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 287
TV Excelsior
A Rádio Excelsior S/A, recentemente vendida pelas Emissoras Unidas (Rádio Record) à Folha
da Manhã, requereu, em junho de 1949, uma concessão para operar uma estação de televisão em
São Paulo. A outorga foi publicada em 5 de dezembro de 1950, no entanto, em 1953, sem que a
montagem da emissora tivesse iniciado, a Rádio Excelsior e sua concessão de televisão (canal 9)
foram vendidas para a Organização Victor Costa, que já era proprietária da TV Paulista1. Mas, o
projeto de televisão não se concluiu.
Em 1959, muito doente, o empresário Victor Costa também vendeu a concessão do canal 9,
juntamente com os equipamentos, que aguardavam a montagem. O comprador foi o empresário
Mário Wallace Simonsen (proprietário da companhia aérea Panair do Brasil), que se associou ao
jornalista João de Scantimburgo (proprietário do jornal “Correio Paulistano”), ao exportador de
café José Luís Moura e ao deputado federal Ortiz Monteiro.
A TV Excelsior - Canal 9 foi inaugurada no ano seguinte, em 9 de julho de 1960, e se tornou
a quarta emissora paulistana. Seu setor de transmissão e um pequeno estúdio foram montados
nos dois últimos andares de um edifício residencial, situado na Rua da Consolação, nº 2570,
esquina com a Avenida Paulista e bem próximo da sede da TV Paulista. A parte administrativa
e o departamento cinematográfico foram instalados em um prédio na Rua Frei Caneca, nº 1360
e mais estúdios na Av. Adolfo Pinheiro, nº 886. Logo após a estreia, as instalações do Teatro
Cultura Artística, na Rua Nestor Pestana, nº 236, foram alugadas para a produção de programas
de auditório e também de estúdio.
Pouco tempo depois da estreia, a Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro acabou cancelando seu
projeto de TV e vendeu sua concessão do canal 2 à TV Excelsior, que entrou no ar em 1963 na
Cidade Maravilhosa, com o intuito de formar uma rede de emissoras. Neste mesmo ano, a TV
Gaúcha - Canal 12 de Porto Alegre (RS) afiliou-se à Rede Excelsior2.
A programação era baseada nos modelos da TV norte-americana. A linha de shows, como
“Brasil 60”, o telejornalismo interpretativo e a produção em massa de teledramaturgia marcaram
seus primeiros anos. Especialmente sua teledramaturgia e sua linha de shows marcaram época
e influenciaram decisivamente tudo que se fez depois nas emissoras brasileiras. No final da
década de 1960, a TV Excelsior passava por problemas administrativos e financeiros, motivados
principalmente pela conjuntura política da época. Com base em artigos do Código Brasileiro de
Telecomunicações que versam sobre transferência ilegal da concessão e incapacidade técnica
e econômica, as TVs Excelsior do Rio e de São Paulo foram cassadas pelo presidente Emílio
Garrastazu Médici, em 30 de setembro de 1970. Foi a primeira vez na história da televisão
brasileira que o governo cassou a concessão de uma emissora de TV.
1 Naquela época, a legislação ainda permitia que uma empresa controlasse mais de uma
estação de televisão na mesma região.
2 Em 1967, a Rede Excelsior chegou a ser composta por duas emissoras próprias (São Paulo
e Rio de Janeiro) e mais nove afiliadas (Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Brasília, Curitiba,
Campo Grande, Goiânia, São Luís e Uberlândia).
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 289
GALERIA DE FOTOS 1
Bastidores da pré-estreia da TV
Tupi no Museu de Arte: (e-d)
Homero Silva (1º), Frei José
Mojica (3º) com seu assistente
(2º), e Walter Forster (4º). (Acervo
Museu da TV, Rádio & Cinema)
Orquestra-mirim do Clube Infantil do Museu de Arte de São Paulo, televisionada durante a execução da
“Sinfonia dos Brinquedos” no segundo dia de transmissões experimentais da TV Tupi de São Paulo. (Acervo do
Museu da Imagem e do Som de São Paulo)
Engenheiros e técnicos envolvidos na montagem da TV Tupi de São Paulo. Ao alto, as obras para instalação da
torre transmissora no alto do edifício do Banco do Estado de São Paulo. (Acervo Família Mainieri)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 293
Bastidores da solenidade de
inauguração da TV Tupi de São Paulo.
(Acervo Família Mainieri)
PARTE 3
DA TELEVISÃO REGIONAL À PROGRAMAÇÃO VIA SATÉLITE
PREFÁCIO
LAURA CARDOSO
Quando a televisão chegou ao Brasil, eu já estava trabalhando nas rádios Tupi-Difusora. Entrei
lá ainda menina, cheia de sonhos. A TV era um mistério para todos nós, artistas, atores, músicos,
redatores... Enfim, para todo o pessoal que trabalhava atrás e na frente das câmeras. Foi uma
experiência marcante. Não sabíamos nada sobre como a TV funcionava. Aos poucos, fomos
aprendendo a lidar com aquela coisa fabulosa. Foi um período mágico para aprender, descobrir,
inventar.
Não sei falar tecnicamente sobre a TV e, sim, emocionalmente, sobre a alegria das descobertas.
Foram anos inventando e experimentando aquele advento maravilhoso. A Tupi foi o grande
celeiro de atores, músicos, apresentadores, redatores e toda a gente que ajudou a implantar a TV
no Brasil. Éramos uma turma sonhadora, querendo realizar o que parecia possível e impossível.
No rádio, todas as emoções eram expressas pela voz... a dor, a alegria, a perda, a surpresa, o
choro. Na TV, nossa imagem estaria associada às nossas vozes. As mesmas que invadiam os lares
e embalavam a imaginação dos ouvintes, agora estavam acompanhadas da imagem física de cada
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 311
um. Isso nos amedrontava. Minha imagem seria bem aceita naquele personagem? Estávamos
tirando do público o poder de imaginar seus heróis e vilões e entregando a realidade do ator.
Foram surpresas boas e outras nem tanto. Quando as transmissões começavam, tudo parecia
meio mágico, surpreendente. A TV fez do ator mais completo e trouxe mais proximidade entre
a classe. Onde antes o microfone ocupava o centro de tudo, agora tínhamos o toque, a interação,
o olhar. O corpo também podia falar. E tudo era ao vivo. Erros e acertos. Os deslizes tinham que
ser consertados na hora e dependiam do jogo de cintura de cada pessoa envolvida nas produções.
A relação com o público também mudou. Tínhamos o termômetro do nosso trabalho a cada
encontro com o público nas ruas. Foi divino! Tenho orgulho de fazer parte do começo da TV
no Brasil. Orgulho de ter participado do teleteatro “Hamlet”, no programa quinzenal “TV
de Vanguarda”, exibido pela Tupi e considerado um marco, por ter sido o primeiro gravado
integralmente com a nova tecnologia da época: o videoteipe. Foram muitos acertos e desacertos
neste mundo de fantasia. Mas, chegamos ao ponto de sermos admirados pela qualidade de nossas
transmissões e obras. A TV brasileira é reconhecida pela sua história desde que chegou ao Brasil.
E é com certeza um dos veículos mais importantes que temos.
Neste volume, o segundo da trilogia “TV Tupi: Do Tamanho do Brasil”, de Elmo Francfort e
Maurício Viel, o leitor embarca em uma detalhada viagem sobre a consolidação da Televisão
no Brasil e a trajetória da TV Tupi, uma linda caixa de surpresa e talentos que fez e faz parte da
história de tantas pessoas.
E nós..., da TV Tupi, não morreremos nunca. Nós somos encantados...
Laura Cardoso, atriz.
312 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 26
AS PRIMEIRAS TRANSMISSÕES DIRETAS
C
om menos de trinta dias no ar, conforme visto no Capítulo 21, o Canal 3 de São Paulo
já fez sua primeira grande transmissão externa: uma partida de futebol do Campeonato
Paulista entre Palmeiras x São Paulo, realizada no Estádio do Pacaembu. Aos poucos, as
externas foram tornando-se frequentes, com transmissões de missas, concertos e turfe, que foi ao
ar pela primeira vez em 10 de novembro de 1951, direto do hipódromo de Cidade Jardim. Mas,
o futebol já era o maior atrativo da programação, com partidas transmitidas todos os domingos,
a partir de fevereiro de 1951, diretamente dos estádios do Pacaembu, Parque Antarctica e Parque
São Jorge, todos na Capital paulista.
Já com cinco anos de operações, a emissora pioneira ia desenvolvendo sua linguagem própria,
deixando o aspecto de “rádio televisionado” e avançando no aperfeiçoamento tecnológico. Nessa
época, o Grupo Paulo Machado de Carvalho, com boa experiência em transmissões esportivas
pelo rádio, resolveu colocar a TV Record para disputar a audiência esportiva com a TV Tupi.
Por conta desta concorrência, as Emissoras Associadas reagiram e, já em posse de equipamentos
mais modernos e portáteis, desenvolveram um projeto para transmissão à distância de partidas
de futebol ao vivo. O primeiro teste seria com um amistoso entre São Bento x Palmeiras, que
aconteceria no dia 28 de julho de 1955, como parte das comemorações do aniversário da cidade de
São Caetano do Sul, vizinha a São Paulo. A primeira experiência com transmissão intermunicipal
de televisão foi satisfatória, mesmo porque a distância não era grande e foi possível enviar os
sinais gerados pela unidade móvel diretamente para uma antena receptora da PRF3-TV junto ao
transmissor, no centro de São Paulo.
1 No mês de julho de 1956, a PRF3-TV Tupi-Difusora passou a retransmitir seu sinal para a
cidade de Santos e arredores, diretamente do Morro de Santa Teresinha. A estação recebia
o sinal vindo de São Paulo por meio de uma repetidora instalada em Paranapiacaba, mesmo
local onde havia funcionado o posto de retransmissão para a partida de futebol entre Santos x
Palmeiras (e posteriormente para outros jogos). Até hoje existem vestígios dessas instalações.
314 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Graças ao esforço e coragem das equipes “Associadas” paulista e carioca, o ciclo de transmissões
experimentais da cadeia das Emissoras Associadas de Televisão foi iniciado no sábado, dia 7 de
julho de 1956, às 17h, quando o escritor Guilherme Figueiredo, diretor-artístico da Televisão
Tupi do Rio de Janeiro, dirigiu uma saudação aos seus companheiros paulistas — diretores,
técnicos e artistas —, que tanto se empenharam para o êxito da iniciativa. Em seguida, foi
apresentado o programa “Tarde Esportiva Gillete”, com Rui Viotti. Às 21h30, as duas emissoras
se conectaram novamente para a Tupi do Rio transmitir para a de São Paulo o “Encontro Entre
Amigos”, um programa de entrevistas que contava com uma versão carioca e outra paulista.
Para aquela ocasião especial, a apresentadora paulista Lia de Aguiar foi ao Rio de Janeiro para
participar do programa ao lado da apresentadora carioca Lídia Mattos.
Às 22h, os telespectadores cariocas e paulistas assistiram a uma importante entrevista concedida
nos estúdios da TV Tupi na Urca, com o ministro da Fazenda José Maria Alkmin, feita pelo
jornalista Barreto Leite Filho. Para o encerramento do primeiro dia de programação conjunta das
Emissoras Associadas de Televisão, a Tupi do Rio transmitiu um teleteatro com a comédia “Uma
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 317
No dia 9 de julho, a TV Tupi do Rio transmitiu para São Paulo uma sessão solene do Senado
Federal, em comemoração ao aniversário da Revolução Constitucionalista. Depois, diretamente
do Palácio do Catete, o presidente da República Juscelino Kubitscheck fez uma saudação aos
paulistas. Finalmente, no dia 11 de julho, coroando os louros desta grande vitória técnica com
alto nível de recepção, a ligação terrestre Rio-São Paulo foi oficialmente inaugurada. Desta vez,
a geração das imagens foi feita pela TV Tupi de São Paulo. Às 12h15, os jornalistas Maurício
Loureiro Gama e José Carlos de Moraes (Tico-Tico) entraram no ar em cadeia, transmitindo
um programa especial do “Edição Extra”, onde foram registradas várias homenagens e
confraternizações com o pessoal da TV Tupi do Rio e com o público carioca. Em seguida, foi ao
ar um programa de auditório, que se encerrou às 15h.
Mais tarde, às 22h, a PRF3-TV Tupi-Difusora novamente se comunicou com a PRG3-TV Tupi
do Rio para transmitir mais um programa. Ele foi aberto pelo animador Homero Silva, que após
relatar os esforços das equipes “Associadas”, apresentou o convidado especial — o governador
de São Paulo, Jânio Quadros —, que saudou o povo carioca e congratulou-se com o feito histórico
da equipe das Emissoras Associadas. Na sequência, os telespectadores do Rio puderam ver a
grande atração da noite, o programa “História e Música”, com a peça “Meus 18 Anos”, adaptada
e produzida por Walter George Durst e dirigida por Cassiano Gabus Mendes. Especialmente
montada para a ocasião, a dramatização foi um rico espetáculo, que reuniu um elenco numeroso
de bailarinos, comediantes e cantores do próprio elenco das Emissoras Associadas de São Paulo.
Incrivelmente, os cenários ocuparam os três grandes estúdios da emissora do Sumaré.
A sugestiva formação de redes entre as emissoras de TV dos Diários Associados era uma iniciativa
onerosa, mas que garantiria a geração de receita para as emissoras geradoras, cortaria gastos e
ligaria o país, divulgando a cultura regional e promovendo intercâmbio entre as populações de
regiões longínquas.
Três anos depois de se conectar com a Tupi carioca, a Tupi de São Paulo se empenhou em montar
uma rede definitiva em todo o estado de São Paulo e levar sua programação a milhares de outros
receptores. O primeiro passo foi montar uma estação geradora e retransmissora a 290 km de
distância, na cidade de Ribeirão Preto, a “Capital do Café”.
TV Ribeirão Preto
Em 1957, o presidente da República Juscelino Kubitschek (JK) visitou Ribeirão Preto para cumprir
agenda. Quem o acompanhou foi seu apoiador Assis Chateaubriand, fundador e presidente dos
Diários e Emissoras Associados. Em um discurso, JK anunciou que havia concedido um canal
para operação de uma emissora de televisão naquela cidade, informação que foi prontamente
completada por Chatô ao microfone:
— Sou eu quem irá montar!
As primeiras reuniões técnicas e comerciais aconteceram em outubro de 1958 e, no dia 2 de
dezembro de 1959, após a montagem realizada pelos próprios diretores e técnicos da TV Tupi
de São Paulo, iniciou-se a fase experimental da emissora ribeirão-pretana, também no canal
3. Entravam no ar duas horas diárias de programação noturna, geradas pela própria emissora,
muitas vezes com a participação de convidados do elenco “Associado” de São Paulo. Nos demais
horários ainda não havia como retransmitir o Canal 3 de São Paulo, já que uma rede de links de
micro-ondas que interligaria as duas cidades estava em fase final de construção. O Canal 3 de
Ribeirão Preto foi a primeira emissora de TV a funcionar em uma cidade do interior do Brasil.
CAPÍTULO 27
AQUISIÇÃO DA PRE-4 - RÁDIO CULTURA
A
famosa Rádio Cultura de São Paulo nasceu de uma simples brincadeira realizada por
um grupo de amigos adolescentes, liderada pelos irmãos Olavo e Dirceu Fontoura,
juntamente com o amigo João Alberto Salles Moreira. Tudo aconteceu em meados de
1933, sobre a garagem do Solar dos Fontoura, na Rua Padre João Manuel, n° 350, bairro de
Cerqueira César, em São Paulo. Em uma entrevista do dr. Cândido Fontoura, pai de Olavo e
Dirceu, à escritora e apresentadora da TV Tupi, Tatiana Belinky, às vésperas da inauguração da
TV Cultura de São Paulo, em 1960, o empresário contou:
— A Cultura nasceu de uma brincadeira sentimental de meus filhos. Um [Dirceu] tinha pendores
para as coisas mecânicas e eletrônicas; o outro [Olavo] queria comunicar-se com a namorada de
maneira diferente. E foi então que, no início de 1934, eles montaram uma estação amadora de
rádio em cima da garagem de nossa casa e a primeira antena foi montada no coqueiro do jardim.
Dirceu montou um pequeno transmissor de Ondas Médias, auxiliado por outros dois parceiros.
Mais como uma traquinagem realizada depois do horário escolar do que uma realização histórica
ou até subversiva, eles nada mais queriam além do que brincar, mandar mensagens para namoradas
e divertir os amigos que residiam no bairro usando as ondas pelo éter, a radiofrequência. Tanto
é certo que deram à estação o nome de Rádio DKI - “A Voz do Juquery”1. Mesmo com tudo
caminhando no campo do divertimento e da molecagem, e mesmo operando com baixíssima
potência, a brincadeira se caracterizou como uma transmissão clandestina e deu “direito” a
algumas batidas policiais.
— Batidas de polícia? Que perigo! E o que acontecia? — perguntou Tatiana Belinky a Cândido
Fontoura durante a entrevista.
Rindo, “Tio Candinho” respondeu:
1 Juquery (ou Juqueri) é o nome de uma das mais antigas e maiores colônias psiquiátricas
do Brasil, inaugurada em 1898 e localizada no município de Franco da Rocha (SP). Os jovens
criaram o slogan “A Voz do Juquery” justamente para brincar de se autonomear como loucos
ou insanos.
320 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
— Não acontecia nada, porque o próprio chefe da polícia telefonava prevenindo: “Escondam o
material que a polícia vai aí!”.
Dirceu e Olavo eram jovens pertencentes à alta sociedade paulistana. O pai, dr. Cândido Fontoura,
popularmente conhecido por Tio Candinho, era cidadão benemérito e um dos maiores líderes da
indústria farmacêutica brasileira. Dirigia um dos mais completos laboratórios do país, o Instituto
Medicamenta Fontoura S/A, responsável pela fabricação do famoso fortificante e antianêmico
Biotônico Fontoura. Em 1954, Candinho inaugurou em São Paulo um complexo para fabricação
da penicilina e de outros antibióticos. O próprio descobridor da penicilina, sir Alexandre Fleming,
esteve presente na inauguração da fábrica. Outra empresa de Fontoura era a fabricante do famoso
inseticida Detefon. Ao lado de Assis Chateaubriand, Tio Candinho foi um dos bandeirantes na
epopeia da então incipiente aviação civil no Brasil, colaborando para que todos os recantos
fossem dotados de aeroclubes.
As irradiações da DKI (“decaí”) renderam muitas aventuras aos jovens organizadores. Os dias,
as semanas e alguns poucos meses se passaram e aquela brincadeira, que não era para durar
muito tempo, foi entusiasmando cada vez mais os idealizadores e a audiência. Outros colegas
se juntaram à equipe e a aventura tomou ares de uma verdadeira emissora, com programas de
horário fixo. O maior dos artistas a se apresentar na DKI foi Nhô Totico, personagem caipira do
ator Vital Fernandes, que aumentou ainda mais a audiência entre os ouvintes da vizinhança do
bairro de Cerqueira César, região nobre de São Paulo, onde fica um trecho da Avenida Paulista.
Segundo reportagem publicada quando da inauguração da TV Cultura, em setembro de 1960,
“a brincadeira da ‘Rádio Juquery’ ficava cara, mas Tio Candinho não se importava, porque era
a melhor maneira de prender os filhos em casa”1. Até o próprio escritor Monteiro Lobato, muito
amigo da família Fontoura, surpreendeu-se com o caso e escreveu: “Qualquer dia, brincando,
esses Fontoura montam uma fábrica de automóveis”.
Alguns meses já tinham se passado desde o início da aventura radiofônica, quando, por fim, não
foi possível evitar a visita da polícia e a divertida rádio clandestina DKI foi fechada.
1 “Nascia Há 26 Anos Com uma Antena Plantada em um Coqueiro de Jardim”, Diário da Noite
[SP], 21/09/1960, p. 3.
2 “PR” refere-se às duas primeiras siglas dos prefixos oficiais das emissoras de rádio daquela
época. Neste caso, portanto, “PR” se refere a uma estação de rádio.
322 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
1 A concessão definitiva da Rádio Cultura de São Paulo foi outorgada em 12 de junho de 1936.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 323
Apenas dois anos e meio se passaram e no dia 30 de dezembro de 1936, modernas, amplas e
confortáveis instalações da Rádio Cultura foram inauguradas na Avenida Jabaquara, n° 3983,
bairro homônimo da Zona Sul. Um eficiente sistema de transmissão com onda dirigida1 também
foi inaugurado, uma novidade na América do Sul. A potência do transmissor era de 8 kW, uma
das maiores de São Paulo, cidade que já contava com diversas estações: Educadora, Record,
Bandeirantes, São Paulo, Cruzeiro do Sul, Excelsior, Cosmos, Tupi e Difusora.
O terreno da Rádio Cultura no Jabaquara era todo ajardinado e somava 11 mil m2. Já os escritórios
ficavam estrategicamente no centro de São Paulo, bem ao lado da Catedral da Sé.
1 O sistema de transmissão em AM por onda dirigida é composto por duas torres: uma para
irradiação e outra para reflexão. Em uma dessas torres há um dispositivo no topo que impede
que boa parte da potência do sinal vá para uma determinada direção. Neste caso, a onda da
Rádio Cultura não era tão forte em direção ao mar, favorecendo a recepção mais potente no
lado oposto, ou seja, no interior do Brasil.
324 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Instalações da Rádio Cultura no bairro do Jabaquara. (“Cronologia do Rádio Paulistano: Anos 20”, Vera Lúcia
Rocha e Nanci V. H. Vila, CCSP, 1993/reprodução)
Apesar de todo investimento, conforto e técnica moderna por parte da “Voz do Espaço”,
o Jabaquara era considerado, naquela época, um lugar muito longe do Centro e de difícil
acesso. O numeroso público tinha dificuldades para poder ir acompanhar os programas no
auditório, principalmente o programa de calouros “Hora da Peneira”, um grandioso sucesso.
O transporte naquela região não estava preparado para o grande número de usuários e, mesmo
que, posteriormente, a companhia Light tenha passado a disponibilizar bondes especiais para
transportar toda a gente para o Jabaquara, os Fontoura logo pensaram em transferir a estação
para o “coração” de São Paulo.
Avenida São João, n° 1285, Centro. Esse endereço foi muito requisitado na São Paulo dos anos
1940 e 50, já que no local foi construída a nova sede da Sociedade Rádio Cultura, um monumental
prédio batizado como “Palácio do Rádio”. Imponente, ele possuía uma fachada toda branca e sua
arquitetura decorativa, estilo Art Déco, remetia a um aparelho de rádio. Por dentro, o Palácio do
Rádio apresentou diversas inovações técnicas no campo da radiodifusão, inspiradas em rádios
norte-americanas. Dispôs de um elegante auditório com 400 poltronas e um balcão para mais 100
pessoas, além de iluminação indireta, ar-condicionado, jogos de luzes para o palco, vários
microfones, acústica perfeita etc. Era um prédio pioneiro do gênero, com o primeiro grande
auditório de rádio do Brasil. Um estúdio foi projetado para atender desde um único locutor até
conjuntos musicais. Nos seis andares foram distribuídos sala de ensaios, camarins, técnica,
redação, discoteca com 5 mil discos, escritórios, pequenos estúdios etc. O projeto e a construção
do prédio foram realizados pela empresa Sociedade Comercial e Construtora Ltda. A inovação
era realmente muito grande, pois agora era possível irradiar não apenas de um estúdio de rádio,
mas de uma sala de espetáculos com 500 lugares. Esta moda realmente “pegou” entre as grandes
emissoras do país.
A avant-première aconteceu em 25 de março de 1939 e a inauguração se deu três dias depois, com
a presença das figuras mais representativas do círculo social da Capital paulista e com um grande
show musical. A emissora contava com a fantástica Orquestra de Salão PRE-4, sob regência
do maestro e violinista tcheco Frank Smit1, também diretor-artístico da emissora. O chefe dos
1 Frank Smit veio ao Brasil a convite do então presidente da República, Washington Luiz, para
difundir a música clássica. Anos depois, em 1934, foi convidado pela família Fontoura para ser
o diretor-artístico da Rádio Cultura.
326 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
locutores era o “speaker-metralhadora”1 Nicolau Tuma, que já havia feito uma brilhante carreira
nos primeiros anos da Rádio Difusora de São Paulo.
Água Branca
Na Rua Diogo Rego, n° 179 (atual Carlos Spera), bairro da Água Branca, Zona Oeste de
São Paulo, havia uma ampla propriedade do grupo empresarial de Cândido Fontoura. Muito
aprazível, o local era uma espécie de península da belíssima Lagoa Santa Marina. A partir de
1942, o terreno recebeu os transmissores e a torre de Ondas Médias da Rádio Cultura de São
Paulo, que agora operava em 1300 KHz. A emissora havia deixado as instalações do bairro do
Jabaquara em março de 1939, contudo, seu parque de transmissão havia permanecido naquele
local. A autorização do Ministério da Viação e Obras para inaugurar o transmissor da Água
Branca foi publicada no dia 25 de março de 1942.
Esta narrativa mostra o primeiro movimento relacionado à radiodifusão neste terreno da Água
Branca, que um dia acabaria se tornando sede da TV Cultura de São Paulo, hoje uma das mais
importantes do país.
Frequência Modulada
Em junho de 1948, a Rádio Cultura inaugurou suas operações em Frequência Modulada (FM),
operando em 88,9 MHz como link entre os estúdios e o transmissor de Ondas Médias. Ainda não
se tratava de uma transmissão de broadcasting, ou seja, dirigida a todo o público. Nesta primeira
fase da FM no Brasil, a maioria das emissoras tinha apenas este objetivo de transmitir os sinais
do estúdio das rádios para seus distantes transmissores de Ondas Médias ou Ondas Curtas.
A estação de Frequência Modulada da Rádio Cultura de São Paulo foi a primeira a operar no
Brasil. Sua pequena antena, modelo Turnstile, ficava sobre o Palácio do Rádio, na Avenida São
João, e tinha seu diagrama mais voltado para a região da Água Branca, bairro próximo, onde
estavam localizados os transmissores de Ondas Médias e Curtas da Rádio Cultura.
O Arrendamento da PRE-4
Durante a primeira metade dos anos 1950, os Fontoura já estavam um pouco cansados do meio
328 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
rádio e as grandes empresas da família precisavam de mais atenção administrativa. Eis que
surgiu a boa oportunidade de efetivar um arrendamento da emissora da Avenida São João, junto
ao grande empresário das comunicações Victor Costa, que assinou um contrato com vigência de
quatro anos.
Respeitando algumas exigências do Tio Candinho, Costa manteve no ar o tradicional “A Hora
da Ginástica” e um programa religioso diário. Os funcionários também tiveram que ser mantidos
por, pelo menos, três meses. O contrato passou a viger em abril de 1954 e, desta forma, a Rádio
Cultura de São Paulo passou a fazer parte da Organização Victor Costa (OVC), que também
controlava as rádios Mayrink Veiga e Mundial (ambas do Rio de Janeiro), Rádio Nacional de São
Paulo, TV Paulista - Canal 5 de São Paulo (com retransmissora em Santos [SP]), Rádio Excelsior
de São Paulo e Rádio Club de Santos. Naquele ano de 1954, Victor Costa havia se desligado da
Rádio Nacional do Rio de Janeiro, onde atuou por muitos anos como diretor, e passava a adquirir
emissoras de rádio e televisão para montar sua própria rede.
Durante a fase de arrendamento da Rádio Cultura, por vezes o auditório no Palácio do Rádio era
utilizado para produção de programas de outras emissoras da OVC, como a Rádio Nacional de
São Paulo e a TV Paulista. Outro destaque da fase OVC da Rádio Cultura é que seus humoristas
exclusivos Manoel da Nóbrega e Ronald Golias, que posteriormente se tornaram grandes nomes
do humorismo, se apresentavam com muito sucesso naquele auditório.
A concessão outorgada à TV Cultura estava para caducar. Apesar de ter sido outorgada há seis
anos, a emissora não passava de um projeto, mesmo que, durante o ano de 1952 tenha havido
alguma publicidade que anunciava sua inauguração “para breve”. A Sociedade Rádio Cultura
enfrentava os mesmos problemas que as paulistanas Rádio Bandeirantes e Fundação Cásper
Líbero (Rádio e TV Gazeta), que receberam suas concessões no início dos anos 1950, mas
enfrentavam grandes dificuldades cambiais para montar suas estações de TV.
A transação de compra da Rádio Cultura foi realizada em julho de 1958. No “pacote”, estavam
as concessões de rádio e TV, além do terreno do bairro da Água Branca, onde funcionavam os
quatro transmissores da PRE-4 (de Ondas Médias e Curtas). Os equipamentos instalados no
Palácio do Rádio entraram na negociação, mas o prédio não. Se Chateaubriand quisesse que a
Rádio Cultura permanecesse na sua tradicional sede, teria que pagar aluguel.
Com a aquisição da Sociedade Rádio Cultura, seus maiores acionistas passaram a ser Assis
Chateaubriand (53,6%), João Calmon (25%), Edmundo Monteiro (15%) e Armando Oliveira
(5,75%). Os antigos proprietários passaram a ter apenas participação simbólica: Olavo Fontoura
(0,33%), Dirceu Fontoura (0,16%) e Cândido Fontoura (0,16%).
330 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Como vimos, Victor Costa era o arrendatário da Rádio Cultura, mas não foi previamente consultado
se tinha interesse em comprar a emissora. Em uma reportagem da revista “Radiolândia”1, o
empresário declarou que tinha uma mágoa, mas que ela não provinha do fato de o comprador ter
sido Assis Chateaubriand, “mas por não ter o negócio sido primeiramente proposto a mim, como
seria de ética em vista do contrato de administração mantido com os proprietários da estação e
ainda vigente por ocasião do negócio”. Contudo, o empresário concluiu a entrevista resignado:
“São coisas que também acontecem na vida dos investidores”.
Victor Costa entregou a Rádio Cultura aos Fontoura em 10 de outubro de 1958, ou seja, quando
vencido o prazo da vigência do contrato com Victor Costa.
A Rádio Cultura foi recebida por intermédio do diretor-gerente das Emissoras Associadas,
Humberto Buri, que a entregou para Armando Sganzerla e Renato Macedo, respectivamente o
novo gerente e o novo diretor-artístico da emissora. As primeiras especulações sobre o perfil de
programação da mais nova emissora da cadeia “Associada” falaram em transmissões esportivas,
que migrariam da coirmã Rádio Difusora, que se tornaria uma emissora exclusivamente musical.
Quanto à emissora-matriz, a Tupi, permaneceria com o mesmo formato, ou seja, eclética.
Contudo, a Difusora continuou com o esporte e foi a Rádio Cultura que se dedicou a programas
musicais especiais, com locutores e execução de discos.
1 “Prevejo Futuro Próspero Para o Rádio e TV em São Paulo!”, Arnaldo Câmara Leitão,
Radiolândia, nº 228, 16/08/1958, p. 18.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 331
O valor do aluguel do Palácio do Rádio subiu astronomicamente assim que a Rádio Cultura foi
vendida. Entretanto, já era pretensão das Emissoras Associadas migrar a rádio para o edifício-
sede a ser construído no Sumaré (ver Capítulo 28), que tinha previsão de ser concluído no final
do ano seguinte. Neste período, a Cultura seguiu transmitindo normalmente dos estúdios da
Avenida São João, contudo, enquanto a nova programação não era definida, tocando apenas
discos. Nesta fase intermediária, diversos ouvintes entusiasmados começaram a mandar cartas
com sugestões.
A mudança da Rádio Cultura para o novo edifício das “Associadas”, no bairro do Sumaré,
aconteceu no início de abril de 1960. Mas, diferentemente do que era esperado, Chateaubriand
mandou continuar pagando o aluguel do Palácio do Rádio após um acordo. Basicamente,
continuaram sendo utilizados o estúdio principal da Rádio Cultura e o auditório, este que passou
por algumas reformas e adaptações para que também fosse utilizado na produção de programas
de TV das Emissoras Associadas. Segundo o produtor pioneiro Mário Fanucchi, nessa época, as
demais salas do prédio não eram utilizadas e apenas acumulavam móveis e materiais inservíveis.
332 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O nome “Palácio do Rádio” foi substituído por “Auditório Cultura” e “Auditório das Emissoras
Associadas”. A partir de outubro de 1959, de lá passou a ser transmitido, ao vivo, o programa
“O Céu é o Limite” da TV Tupi. Com o passar dos meses, chegaram os programas “Clube
Papai Noel” (TV Tupi); “Calouros Buri” (Rádio Tupi); “Grandes Atrações Fred Keller” (Rádio
Difusora); “Cultura de Valores”, “Cidade Sertaneja” e “Grande Parque Infantil” (TV Cultura);
“Revelações Lorenzetti” e “Sabatinas Maizena” (TV Tupi). Deste auditório, a Rádio Tupi passou
a irradiar todos os seus programas musicais que iam ao ar a partir das 20h30.
Não há uma confirmação sobre a data em que as Emissoras Associadas encerraram o contrato
de locação do Palácio do Rádio. Há notícias, no entanto, de que em abril de 1965 o local ainda
funcionava como auditório daquela organização, algo que não deve ter ido muito além. O
histórico prédio foi demolido em 1975.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 333
CAPÍTULO 28
CONSTRUINDO O MONUMENTAL EDIFÍCIO DO SUMARÉ
A
s obras do novo edifício-sede das Emissoras Associadas de São Paulo e das rádios Tupi,
Difusora e Cultura estavam às vésperas de ser iniciadas, quando novas mudanças no
projeto foram propostas pela direção da empresa. Corria o início do ano de 1959 e três
versões diferentes de projeto já haviam sido protocoladas na prefeitura, mas depois canceladas.
Uma quarta versão foi novamente desenhada pelo engenheiro Dorvalino Mainieri, mas, desta
vez, o trabalho foi feito em parceria com um arquiteto, que ficou responsável por projetar o andar
térreo, a fachada e um átrio, com traços que remetessem ao classicismo e à arquitetura da época
ao mesmo tempo. O arquiteto escolhido foi Gregório Zolko, indicado por Mainieri a Edmundo
Monteiro, diretor-presidente dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo. Zolko morava
na Capital paulista e havia ganhado notoriedade ao vencer um concurso para projetar o Palácio
Farroupilha, novo prédio da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Gregório Zolko estudou na Universidade de Illinois, Estados Unidos, e tinha apenas 27
anos quando contribuiu com o projeto de Mainieri para a contemplação de um majestoso e
monumental edifício a ser erguido na Avenida Prof. Alfonso Bovero, nº 52, bairro do Sumaré,
que se integraria ao antigo complexo da Cidade do Rádio.
A versão definitiva do projeto foi aprovada no início de março de 1959 e as obras deram início em
meados daquele mesmo mês, com a equipe técnica formada pelos engenheiros-civis Dorvalino
Mainieri, Mário Ferronato e José Carlos La Farina Pimenta (provavelmente sócio ou funcionário
dos dois primeiros); pelo próprio arquiteto Gregório Zolko; e por Gustavo Tupinambá Freire,
engenheiro-chefe das Emissoras Associadas. Alguns técnicos das emissoras também participaram
da obra: João Tavares do Couto, Arnaldo Gaeta, Humberto Bury e Mauro Moura Gonçalves. Eles
passavam sugestões e orientações aos responsáveis pela obra, a fim de que o prédio ficasse o
mais eficiente possível.
334 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Gregório Zolko
a fim de garantir o máximo de isolamento acústico. E, como não havia janelas, Gregório Zolko
propôs que um grande mural artístico se estendesse linearmente pelas três paredes-cegas dos
estúdios.
Seguindo com as alterações que Zolko fez na última versão do projeto, dois andares especiais
foram adicionados a pedido: o 9° e o 10°. Eles formariam um átrio e seriam construídos com
área reduzida, ocupando 70% da planta dos andares inferiores. No espaço vago desses dois
andares, foi projetado um jardim na laje do 9º andar. Sobre ele, uma estrutura cúbica, vazada,
que subiria até o topo do 10º. Este cubo possui uma interessante particularidade, pois contou com
uma coluna a menos, fazendo com que duas das vigas horizontais ficassem em balanço1, como
se diz no jargão da arquitetura. Outro ponto interessante da estrutura cúbica sobre o jardim pode
ser notado quando se observa o edifício pela diagonal esquerda. Suas formas são, na verdade,
uma releitura vazada das paredes-cegas do 2º e 3º andares, onde Zolko propôs a instalação de um
mural artístico. Ambas ficaram na mesma posição e com as mesmas medidas.
1 Em arquitetura, “balanço” é um termo usado para definir quando uma viga ou laje está
apoiada apenas em um dos lados, estando o outro totalmente livre de pilares ou qualquer
outra estrutura.
336 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Acima do 10º pavimento, Zolko projetou um terraço-belvedere1 e, ao seu lado, a casa de máquina
dos elevadores e a caixa d’água, acomodadas dentro de uma robusta estrutura de concreto que
serviria de sustentação para uma torre de TV. Isso porque a direção “Associada” havia decidido
instalar uma estação transmissora de TV no edifício, já que recentemente o grupo havia adquirido
a concessão da TV Cultura e agora precisaria de mais um parque de transmissão (detalhes no
próximo capítulo). Acima da casa de máquinas foi projetado um abrigo para uma antena receber
sinais das unidades móveis de rádio e televisão. Dependendo da direção em que o sinal seria
recebido, um técnico faria o devido apontamento da antena.
A altura do edifício, sem contar a torre, chegaria a 48 m e, dos últimos andares, seria possível
apreciar a vista fascinante dos flancos do Rio Tietê e o Pico do Jaraguá. A área construída do
edifício seria de 2807 m2 e o complexo da Cidade do Rádio atingiria um total de 4297 m2 de área
útil.
Estúdio “F”
Em novembro de 1962, a rádio-novela “O Verdadeiro Amor”, da Rádio
Tupi, passou a ser transmitida de um novo e mais moderno estúdio de
rádio-teatro, o Estúdio “F”, montado no 4º andar.
338 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
No 5° andar, havia salas para maestros e músicos, copistas de partituras musicais e arranjadores,
além de datilógrafos, mimeografistas e ampla sala para radioatores. Salas de descanso, ensaio e
estudos para artistas foram dispostas no 6° andar. No 7º, foram montadas a direção-artística da
Rádio Tupi, a Secretaria Geral, o Departamento de Rádio-Teatro e a Direção Musical. Ocuparam
o 8º andar o Departamento de Publicidade, a Redação e as salas de produtores, como Vida Alves,
Túlio de Lemos, Walter George Durst e Walter Forster.
A direção-artística da Rádio Difusora, seu Departamento de Esportes e Notícias (com pequenos
estúdios exclusivos) e o teletipo1 ficaram no 9º pavimento, menor que os inferiores. O 10º
pavimento, com a mesma área reduzida do 9°, foi projetado para receber os equipamentos
de transmissão das Emissoras Associadas de São Paulo, assunto que ainda será tratado neste
capítulo.
A preocupação com a qualidade do áudio das rádios foi tamanha, que todas as salas do edifício,
inclusive o restaurante, foram revestidas com isolamento acústico, em um grandioso projeto da
empresa Eucatex. Um tratamento acústico especial foi aplicado nas lajes que ficavam sobre os
estúdios, com os chamados “pisos flutuantes”. Havia, também, um perfeito sistema de renovação
de ar em todo edifício, bem como dois elevadores para servir cerca de 300 funcionários e artistas.
O artista plástico israelita Gershon Knispel (1932-2018) nasceu na Alemanha e estava no Brasil
havia dois anos, quando foi contratado para produzir um grande mural na fachada do novo
edifício das Emissoras Associadas no Sumaré. A proposta foi que ele realizasse um projeto
artístico com motivos indígenas, remetendo à mais importante emissora de televisão brasileira
e, também, ao nome do próprio bairro, já que “Sumaré”1 é uma palavra justamente de origem
tupi-guarani.
De acordo com o projeto do arquiteto Gregório Zolko, o mural iria preencher duas paredes-
cegas, com áreas de 8 m x 13,5 m cada uma (traseira e dianteira), e mais outra, com 21 m x 13,5
m (na lateral esquerda, voltada para a viela). Essas paredes, lembrando, eram responsáveis pelo
isolamento acústico dos estúdios de rádio.
Era grande a responsabilidade de Knispel. Contudo, ele havia sido premiado muitas vezes no
exterior, conquistando, por exemplo, o Grande Prêmio Struk de Israel (1954) e o primeiro lugar
na Exposição Internacional de Moscou (1957).
1 “Sumaré”, em tupi-guarani, significa “orquídea silvestre” e, por esta razão, este nome foi dado
a uma espécie de orquídea do Brasil, a Cyrtopodium Glutiniferum Raddi. Dela, se extrai um
visgo, uma cola, que é excelente para fabricar instrumentos de corda.
340 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Há uma grande divergência quanto à forma em que Gershon Knispel foi contratado para
produzir os mosaicos do prédio do Sumaré. Falecido em 2018, o artista costumava declarar
que foi vencedor de um concurso promovido pelas Emissoras Associadas. Esta informação
foi veementemente contestada pelo arquiteto Gregório Zolko, em entrevista aos autores destas
linhas. Zolko conta que o referido concurso não existiu e que como Knispel era seu conhecido (e
compatriota), ele próprio o convidara para realizar o mural. Por outro lado, uma reportagem do
jornal “Diário da Noite”1 também afirma que as Emissoras Associadas instituíram um concurso
em 1959, onde diversos artistas participaram — “alguns consagrados através de longos anos de
trabalho” — e que Gershon Knispel foi o vencedor.
Em uma entrevista publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo”2, o próprio Knispel conta que,
“em 1958, Nina, que tinha sido minha namorada em Israel e veio para o Brasil com a família, me
avisou de um concurso promovido pela TV Tupi para a execução de um mural do prédio deles.
Eu já era artista plástico. Me inscrevi, mandei os croquis e venci.”
1 “Grupo de Jovens Divulga Arte no Mural Mosaico”, Diário da Noite [SP], 19/05/1961, p. 18.
2 “Memórias de uma Ilusão Fatal”, Paula Sacchetta, O Estado de São Paulo, 25/11/2012, p. J5.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 341
O mosaico é uma linguagem plástica muito usada naquela época, técnica por onde se juntam
partículas para formar as figuras da composição. Devido à grande variação climática que ocorre
na cidade de São Paulo, Gershon Knispel preferiu usar a pedra-granito, um material bem
resistente para formação do mosaico, fornecido pela empresa de revestimentos Fulget Comercial
e Industrial Ltda.
Apesar da grande redução no tamanho original do mural, Knispel conseguiu produzir uma
monumental obra de arte, que não figurou somente como um complemento da arquitetura do
magnífico edifício, mas como parte da sua própria concepção arquitetônica. A composição dos
murais se tornou um ponto central, de onde se emanaram os contornos da estrutura moderna do
edifício.
Não há informações sobre como seria a totalidade do projeto artístico que Gershon Knispel criou
para as Emissoras Associadas, este que ocuparia amplamente três paredes-cegas do edifício.
Entretanto, em uma fotografia que mostra uma prova (ensaio) dos murais, publicada pelo jornal
344 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
“Diário da Noite”1, observa-se que há uma figura indígena além das três que realmente foram
inseridas no mural da lateral do edifício. Ela representa um índio com uma baqueta na mão, que
se abaixa ligeiramente para tocar um instrumento de percussão.
Evidências apontam que os elementos indígenas da arte original de Knispel que não foram
utilizados no mural das Emissoras Associadas tenham sido reaproveitados em outras obras. A
revista “Acrópole”, especializada em arquitetura, publicou uma matéria na edição de março de
1964, retratando as diversas experiências de Gershon Knispel com a instalação de murais em
hall de edifícios em São Paulo, prática que se tornou muito comum nos anos 1960. A reportagem
mostrou algumas obras que o muralista realizou no ateliê da FAAP, junto ao grupo de jovens
estudantes de mosaico que orientava. Ainda nesta reportagem, são mostrados murais produzidos
por Knispel que foram instalados em outros locais pelo Brasil. Um deles é externo, feito em
lajotas, composto por um casal de índios tocando flautas, sendo que ele está em pé e ela sentada
sobre um toco. Os traços são idênticos aos da obra realizada cinco anos antes para as Emissoras
Associadas e, além disso, a figura do referido índio é idêntica à de um dos representados no
mural lateral do Sumaré.
A “Acrópole” destaca ainda outro mural de Knispel, também produzido na FAAP. Ele foi
projetado para instalação em ambiente interno, também executado em lajotas, medindo 9,3 m x
2,7 m. Com o título de “Lendas do Amazonas”, o painel apresenta quatro índias com instrumentos
de caça em mãos, ao lado de um ramo de vegetação e de um cachorro. Uma destas índias é uma
repetição daquela vista de braços erguidos no mural das “Associadas”, contudo, ela segura uma
vara com aspecto diferente.
Montagem ilustrativa que representa a obra completa de Gershon Knispel para as Emissoras Associadas: na parte
superior, no 2º e 3º quadros, os únicos elementos que realmente foram instalados. O 4º quadro e toda a fileira
inferior contém figuras que foram excluídas do projeto original, mas que o artista acabou por executá-las em outros
painéis, cujas localizações são hoje desconhecidas. (Montagem: Maurício Viel; Fotos: Diário da Noite/Acrópole/
reprodução)
Diversas outras obras de arte foram produzidas por Gershon Knispel no ateliê da mesma
fundação, entretanto, com traços diferentes daqueles com motivos indígenas. Infelizmente, nem
1 “Será Inaugurado no Fim de Dezembro o Edifício das Emissoras Associadas”, Diário da Noite
[SP], 23/11/1959, p. 9.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 345
a própria FAAP sabe informar onde todos esses murais foram instalados1.
Gershon Knispel
O então jovem artista era assistente da Academia de Artes de München,
na Alemanha, quando resolveu vir ao Brasil para trabalhar e estudar
nossa arquitetura moderna. Estabeleceu-se em São Paulo no ano de
1957, quando já tinha enfrentado o período difícil da formação de Israel.
Como artista e ativista, Knispel já contava com reconhecimento de âmbito
internacional. Interessado na associação das artes plásticas figurativas à
arquitetura, começou a trabalhar com arquitetos brasileiros, com quem
estabeleceu uma forte ligação, entre os quais, Jorge Wilheim, João Kon e
Gregório Zolko, com quem trabalhou no edifício das Emissoras Associadas
de São Paulo. No Brasil, produziu diversas obras monumentais, algumas
delas ainda visíveis na Capital paulista, como uma escultura da Praça
Cinquentenário de Israel. O artista também foi responsável por diversos
murais instalados em halls de edifícios de São Paulo, onde também
usou os traços, materiais e técnicas dos painéis indígenas das Emissoras
Associadas. Knispel chegou a participar da elaboração de projetos para
construção de Brasília. Mudou-se para Israel em 1964, depois da instalação
do governo militar no Brasil. Gershon Knispel nasceu em 1932, na cidade
de Köln (Alemanha) e três anos depois se mudou com a família para Haifa,
em Israel, local mais seguro que seu país de origem, onde os nazistas
acabavam de chegar ao poder. De origem judaica, passou a infância e a
adolescência no convívio com árabes muçulmanos em territórios que,
alguns anos depois, seriam delimitados pela ONU para a formação do
estado judeu. Radicou-se e estudou na famosa escola de artes de Bezalel,
em Jerusalém. Teve uma trajetória vitoriosa, percorrendo o mundo com
sua arte e com uma mensagem de paz nas terras da Palestina. Defendeu o
comunismo e o convívio harmonioso entre árabes e judeus, apesar do ônus
pesado que suas atitudes acarretaram em Israel. Sua arte também tem
forte acento político, sobretudo as que realizou em Haifa, como “A Queda
do Terceiro Reich”, “Memorial do Soldado Desconhecido” e “Memorial de
Hannah Senesh”. Para expor seus trabalhos, chegou a voltar algumas vezes
ao Brasil, país com o qual ainda mantinha forte ligação. Morreu em 2018,
em Haifa, aos 86 anos. Sua militância política em favor da paz teve forte
repercussão através de artigos sobre a questão palestina que escrevia em
jornais e revistas do mundo inteiro, inclusive na revista brasileira “Caros
Amigos”. Os murais que Knispel concebeu para as Emissoras Associadas,
em 1959, tinham o objetivo de decorar e inserir arte na paisagem urbana,
bem como ressaltar a marca artística da TV Tupi. Hoje, como a emissora
não existe mais, a mesma obra passou a exercer o importante papel de
preservação da memória da televisão pioneira. (continua...)
1 Há alguns outros murais de Gershon Knispel na cidade de São Paulo que contam com os
mesmos traços empregados nos famosos murais do Sumaré. Eles decoram os halls dos edifícios
Condor (Rua São Vicente de Paulo, n° 365) e Cravinhos (Rua Cravinhos, nº 92); e um muro do
edifício Inajá (Alameda Barros, nº 676).
346 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Zolko explicou que a rapidez na execução das obras se deu pela “perfeita harmonia de trabalho
e cooperação entre a firma construtora, o arquiteto e os demais colaboradores”.
As obras resultaram numa obra-prima de funcionalidade, aliada à beleza e modernidade de suas
linhas. O edifício tornou-se um monumento arquitetônico da maior cidade do país e um símbolo
das Emissoras Associadas, que passou a dominar a paisagem do formoso bairro do Sumaré.
De Casa Nova
O moderno restaurante foi o primeiro setor a funcionar no edifício-sede da Avenida Prof. Alfonso
Bovero, nº 52. Na noite de 25 de fevereiro de 1960, um cocktail foi oferecido para jornalistas e
funcionários das Emissoras Associadas, simbolizando a inauguração. Atrás do balcão da cafeteria,
foi fixado um quadro com uma frase do patrono Assis Chateaubriand, que enaltecia a qualidade
do café paulista. O radialista Homero Silva discursou em nome dos companheiros de trabalho,
frisando que a preocupação da direção da empresa com o bem-estar de seus funcionários fez
com que a inauguração do restaurante fosse viabilizada mesmo antes do início das atividades no
edifício.
Inauguração
Em meio a planos de transformação da antiga Cidade do Rádio, “no maior e mais completo
parque de rádio e TV do Brasil”, foi inaugurado o novo edifício das Emissoras Associadas. No
entanto, estranhamente, os jornais da cadeia “Associada” não informaram quando e como se
deu a cerimônia oficial de inauguração. O “habite-se” do edifício foi emitido pela Prefeitura
de São Paulo no dia 8 de abril de 1960 e, logo após esta data, os jornais da “cadeia associada”
começaram a noticiar a mudança de alguns setores para a nova sede. Entretanto, a atriz pioneira
348 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Vida Alves1 informou que a inauguração se deu após todo o edifício já ter entrado em operação,
em uma cerimônia que teria ocorrido em 28 de setembro de 1960.
A inauguração do edifício-sede das Emissoras Associadas de São Paulo foi o maior símbolo
das comemorações dos 10 anos da TV Tupi, celebrados naquele mês de setembro de 1960. Ela
marcou, também, a força da organização “Associada”, que considerava aquele como o primeiro
dos grandes investimentos em infraestrutura e tecnologia previstos para o complexo de rádio e
televisão do Sumaré.
A primeira emissora a instalar-se no novo prédio foi a Rádio Cultura - 1300 KHz, no início
de abril, mudando-se do Palácio do Rádio para a Cidade do Rádio. A emissora ocupou um
pequeno estúdio do 3° andar, visto que, sob o comando das Emissoras Associadas, a Rádio
Cultura “encolheu” e limitou-se a tocar programação musical em fonogramas (discos), refletindo
as grandes transformações que o meio rádio estava passando. Com o slogan “Música, Sempre
Música”, a cada intervalo da Rádio Cultura havia somente um anúncio, mas com custo dobrado
para o anunciante. Esta era uma linha adotada pela também coirmã Rádio Tamoio do Rio de
Janeiro, que, por sua vez, copiou o estilo da Rádio Eldorado carioca, que recebia altas verbas
publicitárias e “agitou” as emissoras com custosos elencos de famosos. Um anúncio informou
que a Cultura operava das 6h às 2h “com as mais belas músicas do Brasil e do mundo”, com a
seleção musical realizada pelo especialista Renato Macedo (diretor-artístico) e equipe formada
por Magno Salerno, Humberto Marçal, Francisco Sandy e pelo maestro Bernardo Federowski.
Ainda sobre as mudanças para o novo prédio, foi divulgado que a grandiosa discoteca das
“Associadas” se instalou no 4º andar durante o mês de julho e que a Rádio Tupi passou a operar
do 2º andar no dia 28 do mesmo mês.
1 “TV Tupi - Uma História de Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:219.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 349
Postos Avançados
Durante o ano de 1960, as Emissoras Associadas montaram dois postos
avançados. Em um deles, o Departamento Cinematográfico, responsável
pela produção das reportagens da TV-3, chefiado por João Batista Lemos
e Jorge Kurkjian, ganhou instalações que ocuparam todo o 7º andar do
edifício Guilherme Guinle, na Rua Sete de Abril. Em busca de notícias pelo
mundo, 24 horas por dia, o setor era composto por técnicos, redatores,
cinegrafistas, iluminadores, laboratoristas e editores. O outro posto
avançado foi inaugurado em 1º de agosto, com dois estúdios auxiliares
para as rádios Tupi e Difusora, instalados juntos à redação dos Diários
Associados, no 1º andar do mesmo edifício. A proposta era obter
melhor rendimento de trabalho, ampliando as possibilidades técnicas.
Os noticiários das rádios Tupi e Difusora — inclusive o famoso “Repórter
Esso” — passaram a ser transmitidos direto dos novos estúdios da Sete de
Abril, que dispunham de salas de controle independentes e um Controle
Geral. Ao lado do Departamento do Teletipo foram construídas oito
cabines telefônicas, que se mantinham ligadas com importantes centros
noticiosos do Brasil e do exterior.
350 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
(reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 351
CAPÍTULO 29
NOVO LOCAL DE TRANSMISSÃO E A MIGRAÇÃO PARA O
CANAL 4
N
o início de 1952, já eram três as concessões de televisão outorgadas pelo governo na
Capital paulista, todas para operação na faixa de VHF (Very High Frequency), que
compreende os canais 2 a 13. A TV Tupi - Canal 3 era a única no ar naquela época,
sendo que a TV Record - Canal 7 estava em montagem e a TV Excelsior - Canal 9 somente no
projeto. No entanto, mesmo com altos juros para financiamentos e duras restrições com divisas
em dólares, um número expressivo de empresas estava requerendo concessões de televisão para
operar em algumas cidades do Brasil. Como boa parte destes requerimentos visava operar na
352 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
cidade de São Paulo, o governo federal precisaria explorar todos os sete canais que a faixa VHF
comportava, podendo outorgar mais quatro emissoras na Capital paulista. Para tanto, algumas
mudanças técnicas deveriam ser avaliadas, pois a atual disposição das emissoras “no seletor”
permitia o máximo de seis canais em operação.
Primeiro, de forma paliativa, a Comissão Técnica de Rádio (CTR) — órgão que controlava as
telecomunicações no país — encontrou uma solução no mínimo curiosa, que já abordamos no
Capítulo 25, mas que é importante ser detalhada aqui. O governo outorgou o canal 11 para a TV
Cultura, o canal 13 para a TV Bandeirantes e o canal 5 conjuntamente para a TV Paulista e TV
Gazeta, ou seja, deveria haver o compartilhamento de 50% dos horários entre duas estações em
um mesmo canal. A medida foi prontamente contestada pelas emissoras envolvidas e, logo em
seguida, o governo solicitou estudos técnicos para avaliar a possibilidade de subir para sete o
número total de canais de TV em São Paulo.
Para isso, foram realizados estudos que acabaram com a suspeita de que uma emissora que
operasse no canal 4 de São Paulo pudesse interferir no futuro canal 4 do Rio de Janeiro — a estatal
TV Nacional1 — e vice-versa. Isso porque a faixa de frequência do canal 4, especificamente,
tem características físicas que beneficiam a propagação do sinal a grandes distâncias. Com esse
resultado favorável, a CTR passou a realizar outros estudos e propôs uma nova classificação
dos canais de São Paulo, a fim de incluir o canal 2. Para isso, o órgão apontou a necessidade de
que a TV Tupi deixasse vago o canal 3 e ocupasse o privilegiado canal 4, já que não havia como
operar, simultaneamente, nos canais 2 e 3, ou 3 e 4, devido a uma provável interferência mútua2.
Com esta solução encontrada para adicionar um canal na faixa de VHF de São Paulo, a nova
classificação da CTR foi publicada no final de janeiro de 1952, propondo que a concessão do
canal 2 fosse outorgada para a TV Gazeta, deixando o canal 5 exclusivo para a TV Paulista.
Contudo, o canal 2 poderia entrar no ar somente após a Tupi migrar para o canal 4, algo que
deveria acontecer em prazo razoável, a ser estabelecido.
À TV Tupi, caberia trocar sua antena RCA TF-3A, preparada para transmitir apenas no canal
2 ou 3, e alterar a frequência de seu transmissor instalado no edifício do Banco do Estado de
São Paulo. Contudo, a diretoria da emissora, que já desejava encomendar um transmissor mais
potente para o Canal 3, como veremos adiante, faria a troca aproveitando o ensejo da migração
obrigatória para o canal 4, cujo prazo estipulado se encerraria no dia 4 de novembro de 1952.
Como a TV Gazeta enfrentava diversos problemas administrativos e burocráticos para poder
entrar no ar, alguns pedidos de prorrogação de prazo tiveram que ser feitos pela sua mantenedora,
a Fundação Cásper Líbero. Em setembro de 1955, foi concedido um prazo adicional de dois anos
para colocar sua emissora no ar e, na mesma portaria, à TV Tupi — cuja razão social era Rádio
Difusora São Paulo S/A — foi dada uma espécie de desobrigação para executar a migração para
Em 1957, findo o novo prazo concedido para a inauguração da TV Gazeta, a emissora ainda
não estava pronta para entrar no ar. O governo, então, publicou uma portaria que tornou caduca
aquela concessão do canal 2 de São Paulo e determinou que a futura emissora de televisão
da Rádio Cultura de São Paulo - “A Voz do Espaço” ocupasse o canal 21, deixando vago o
canal 11. No ano seguinte, entretanto, a Fundação Cásper Líbero conseguiu conquistar uma nova
concessão para São Paulo, junto ao presidente da República Juscelino Kubitschek. A portaria foi
publicada em 26 de janeiro de 1959, mas agora a emissora deveria ocupar o remanescente canal
11. No entanto, dois anos após a grande luta travada para garantir sua concessão de televisão, a
Cásper Líbero ainda não tinha conseguido colocar a emissora no ar e, por isso, enfrentaria outro
duro golpe: em 1961, o mesmo Juscelino Kubitschek, já nos últimos dias de seu mandato, editou
um ato que revogou a concessão do canal 11 e a outorgou para a TV Continental, uma emissora
que já operava havia dois anos no canal 9 do Rio de Janeiro e agora também queria transmitir
para São Paulo. Felizmente, após uma rápida movimentação da Cásper Líbero, Jânio Quadros, o
novo presidente da República, devolveu a outorga do canal 11 à TV Gazeta logo no seu primeiro
decreto publicado. Os problemas enfrentados pela Fundação Cásper Líbero continuaram e a TV
Gazeta conseguiu entrar no ar apenas em janeiro de 1970, como citado no Capítulo 25.
Em 1958, os problemas para a estreia do canal 2 de São Paulo se estendiam, pois a montagem da
TV Cultura também não tinha sido realizada. Pior, sequer havia começado. Quatro anos antes,
também foi expedida uma prorrogação de prazo para a emissora poder entrar no ar. No entanto,
como já amplamente abordado no Capítulo 27, naquele ano de 1958, a família Fontoura vendeu
1 Tecnicamente é mais favorável que uma emissora de televisão opere no canal 2 do que no
canal 11, devido uma melhor propagação das ondas.
354 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
o controle acionário da Rádio Cultura S/A justamente para as Emissoras Associadas de Assis
Chateaubriand, transação que incluiu a concessão do canal 2 de São Paulo, o maior interesse
do magnata das comunicações. Ou seja, as “Associadas”, que aguardavam por anos a data de
inauguração do canal 2 (primeiro da TV Gazeta e depois da TV Cultura) para poder realizar
a migração do canal de operação da sua TV Tupi, é que acabaram ficando responsáveis por
colocar o próprio canal 2 no ar. Agora, um grande plano de expansão de infraestrutura deveria ser
traçado, a fim de integrar a Rádio e a TV Cultura na Cidade do Rádio, bairro do Sumaré.
A propagação do sinal do Canal 3 da TV Tupi de São Paulo sempre teve bom alcance e nitidez.
Em 1959, inclusive, o então diretor-geral da emissora, Cassiano Gabus Mendes, declarou para
a revista “Radiolândia”1 que as imagens viajavam muitos quilômetros, chegando a todo o Vale
do Paraíba e seguiam na direção de Pindamonhangaba (SP). Revelou, inclusive, casos raros de
extrema propagação, favorecidos por condições climáticas temporárias, quando telespectadores
acusaram recepção direta em cidades de Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e até na cidade de
Buenos Aires, na Argentina. Este último caso foi festivamente retratado pelo jornal “Diário da
Noite” em 1954, quando um argentino começou a enviar cartas ao Sumaré, acusando a recepção
da TV-3. Eufórico, ele anexava fotografias para demonstrar a boa imagem que estava recebendo
a cerca de 2240 km de distância. “Som e imagem da PRF3-TV continuam em perfeita recepção
na Capital argentina”, estampou a matéria do “Diário da Noite”2.
Entretanto, mesmo com o bom desempenho da estação, havia algumas regiões importantes
da Capital paulista e do interior onde o sinal do Canal 3 precisava ser melhorado, já que
apresentava algumas distorções. Uma dessas áreas paulistanas compreendia os bairros dos
Jardins, Pinheiros e Butantã, prejudicados pela colina da Avenida Paulista. Desde 1952, como
já mencionado, a emissora já cogitava trocar seu transmissor, projeto que acabou suspenso por
estar estrategicamente atrelado à migração para o canal 4, obrigatoriedade adiada várias vezes
pelo governo. Eis uma nota, datada de 1952, que retrata os primeiros movimentos realizados para
aumentar a potência do Canal 3:
Seguiu ontem para os Estados Unidos, por via aérea, o sr. Mario
Alderighi, um dos diretores-técnicos da PRF-3 TV e das Emissoras
Associadas de S. Paulo. O sr. Alderighi, que viaja a serviço da
organização associada, aperfeiçoará ainda mais seus conhecimentos
sobre televisão, e tratará dos pormenores para a aquisição e
embarque de um novo transmissor de TV para S. Paulo, mais moderno
e mais potente do que o atual. (“Seguiu Para os EE. UU. o sr. Mário
Alderighi”, Diário da Noite [SP], 21/01/1952, p. 9)
1 “Grande Alcance da Imagem dos Três Canais de TV”, Lyba Frydman, Radiolândia, nº 255,
21/02/1959, p. 68.
2 “Som e Imagem da PRF3-TV Continuam em Perfeita Recepção na Capital Argentina”, Diário da
Noite, 25/03/1954, p. 15.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 355
De acordo com o que foi relatado no capítulo anterior, em 1958 as Emissoras Associadas de São
Paulo retomaram o projeto de seu novo edifício-sede e iniciaram as obras no ano seguinte, com
o objetivo de reorganizar as instalações do complexo de televisão do Sumaré, que “absorveria”
as emissoras de rádio e alguns setores da administração das empresas, deixando todos os prédios
mais antigos para uso exclusivo da TV Tupi. Algumas alterações deveriam ser feitas no projeto,
pois as recém-adquiridas Rádio e TV Cultura deveriam ser integradas no complexo. A principal
mudança aconteceu em função da necessidade de agora haver dois parques distintos para a
transmissão dos canais 2 e 4, sendo que um deles ficaria sobre o novo edifício. Definiu-se,
portanto, que a TV Tupi passaria a transmitir do Sumaré e a estação mais antiga, no topo do
edifício do Banco do Estado de São Paulo, ficaria com a estreante TV Cultura.
Como a cota da base1 do terreno do novo edifício das Emissoras Associadas era de 823 m, os 48
m do próprio edifício e os 29 m da torre a ser construída fariam com que o ponto mais alto da
nova antena da TV Tupi ficasse a 905 m de altura, algo muito favorável. Mesmo que ela ficasse
cerca de 15 m mais baixa que a do edifício do Banco do Estado de São Paulo, a localização
no Sumaré era mais propícia para a transmissão de TV que o centro da cidade, pois não havia
colinas ou quaisquer outras barreiras próximas.
Outro fator favorável para a mudança do local de transmissão da Tupi para o Sumaré foi a
centralização de suas centrais de geração e transmissão, até então separadas por 4,8 km de
distância. Desde a inauguração da emissora, em 1950, as imagens eram geradas no complexo
do Sumaré e enviadas por link de micro-ondas para o transmissor do centro de São Paulo, no
edifício do Banco do Estado de São Paulo, de onde, via canal 3, partia o sinal para os receptores.
Como já dito, o problema era que, naquela época, transportar o sinal entre essas duas centrais
1 Utiliza-se o termo “cota da base” para definir a altitude do solo em relação ao nível do mar.
356 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
causava certa perda na qualidade final da imagem e do som e, como é preciso que as antenas
transmissoras de TV sejam fixadas a uma considerável altura mínima em relação ao solo (sobre
um prédio ou uma torre), a Cidade do Rádio nunca pôde oferecer essas condições à TV Tupi.
Mesmo situada numa das maiores altitudes da cidade de São Paulo, o que é um ponto muito
favorável, as instalações do Sumaré não contavam com um edifício de altura elevada e tampouco
dispunha de espaço para erguer uma grande torre de TV. É por este motivo que os engenheiros
da RCA e das Emissoras Associadas optaram por instalar, quando da inauguração do Canal 3,
o transmissor e a antena da emissora pioneira em um local distante da central de exibição, mas
que oferecia condições muito favoráveis para a propagação do sinal. Somente em 1959, após
a aquisição de um terreno vizinho à Cidade do Rádio e a construção do novo edifício-sede, as
“Associadas” ganharam uma base de 10 andares — ou 48 m de altura — para erguer uma torre
e assim resolver o problema da distância entre as centrais técnicas.
Dentre as três emissoras de TV que operavam em São Paulo na virada dos anos 1960, como já
citado, a TV Paulista - Canal 5 era a única que gerava suas imagens junto ao transmissor. O caso
da TV Record - Canal 7 era idêntico ao da TV Tupi, pois seus estúdios ficavam no bairro de
Moema (Avenida Miruna) e seu sinal era enviado para a Rua Frei Caneca (região da Avenida
Paulista), de onde era retransmitido aos telespectadores.
Com a definição de que o novo parque técnico da TV Tupi seria montado no 10º andar do novo
edifício-sede (e a torre sobre o mesmo edifício), o projeto-técnico foi encaminhado ao Ministério
1 A TV Tupi - Canal 6 do Rio de Janeiro instalou um amplificador de 25 kW em seu transmissor
RCA TT6-AL, convertendo-o para o modelo TT25-BL e chegando a uma incrível potência final de
200 kW.
358 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
da Viação e Obras Públicas. A autorização foi publicada no dia 31 de março de 1959, quando as
obras do edifício-sede estavam se iniciando. A migração do canal de operação da TV Tupi foi
marcada para acontecer logo após a conclusão das obras, nove anos após a publicação do decreto
que oficializou esta migração pela primeira vez, com o objetivo de abrir espaço para o sétimo
canal de televisão de São Paulo entrar no ar: a TV Cultura - Canal 2.
Com a TV Tupi operando do Sumaré no canal 4, a irmã caçula TV Cultura estaria pronta para ser
inaugurada poucos dias depois, assumindo o transmissor pioneiro de televisão no Brasil, o RCA
TT5-A, com 5 kW de potência. Apesar de estar em operação nos altos do edifício do Banco do
Estado de São Paulo havia quase 10 anos, tinha boas condições e não era obsoleto. O processo de
troca do canal de operação nesse antigo transmissor foi algo muito simples de ser feito, tal qual
a manutenção geral a que ele foi previamente submetido.
“Do alto do edifício, de onde se descortina uma das mais belas vistas
panorâmicas da cidade, a [nova] torre levará mais longe o som e
as imagens das Emissoras Associadas de São Paulo, agora sob o
mesmo teto”. (“Associadas Ganharam Casa Nova”, A Cigarra, nº 8,
agosto de 1960, p. 61)
Tecnicamente falando, o levantamento da torre do Canal 4 no novo
prédio Associado do Sumaré, foi um feito. Feito comentado, inclusive,
por publicações especializadas. Feito que se deve ao eng. Gustavo
Tupinambá Freire, chefe do Dep. de Engenharia dos “Diários e
Emissoras Associados” de S. Paulo. Ele, com o auxílio de poucos
homens, levantou, num andaime especialmente montado pela
Mannesmann, a enorme e pesada torre de TV. (Diário da Noite [SP],
12/07/1960, p. 4)
A grande estrutura provisória foi montada desde o solo, erguendo-se pela lateral esquerda do
novo edifício, chegando a sobrepô-lo em mais de 30 m. A estrutura utilizou tubos metálicos da
Construções Tubulares Mannesmann S/A, uma empresa siderúrgica de origem alemã com filial
em São Paulo (no ano 2000 ela foi “absorvida” pela empresa Vodafone). No ponto mais alto da
armação, um sistema hidráulico para erguer todas as peças da torre e da antena.
Quando concluída, a torre ficou com 8 m de largura e 29 m de altura. Considerando a metragem
do edifício, seu ponto mais alto ficou a 87 m do solo, onde o vento soprava a 130 km/h, segundo
uma reportagem sobre as atividades da Mannesmann. O peso total foi de 2500 kg. A antena
de fabricação RCA, modelo TF-5CM Superturnstile, era semelhante à utilizada com sucesso
na torre do Banco do Estado de São Paulo, porém, com dois elementos irradiantes a mais,
totalizando sete. A supervisão técnica de montagem da torre do Sumaré foi feita pelo diretor-
técnico das “Associadas”, Alberto Maluf, e pelo engenheiro Gustavo Tupinambá Freire, chefe
do Departamento de Engenharia dos Diários e Emissoras Associados. A previsão era que o início
das transmissões da TV Tupi no Sumaré acontecesse na primeira semana de abril e a estreia da
TV Cultura em meados de maio.
Migração Gradual
A mudança do canal de transmissão da TV Tupi em São Paulo foi feita de forma gradual. A partir
de 16 de julho de 1960, a emissora passou a transmitir pelo Canal 4 as primeiras três horas de
programação normal do dia, ou seja, entre 12h e 15h. Após esse período, o transmissor do Canal
4 permanecia no ar com a imagem de prova, sendo desligado às 17h. Nesta fase, o transmissor
do Canal 3 no Banco do Estado de São Paulo passou a entrar no ar pouco antes das 17h30,
para realizar a transmissão da programação até o fim de noite. A migração definitiva do canal
de transmissão da TV Tupi de São Paulo se deu em 1º de agosto de 1960, quando as três faixas
diárias de programação passaram a ser transmitidas pelo Canal 4.
O canal 3 continuou sendo usado pela TV Tupi apenas na cidade de Ribeirão Preto (SP), onde
possuía uma emissora própria desde o final de 1959.
Um dos slogans da campanha para a mudança de canal em São Paulo era: “Troque 3 x 4 e tenha
satisfações a 3 x 4”. Toda campanha de divulgação da mudança foi criada por Cassiano Gabus
Mendes e pelo diretor-comercial Fernando Severino. Com a mudança de canal, deixou de existir
o “PRF3-TV”, que era o prefixo histórico do Canal 3 de São Paulo, o pioneiro do Brasil. A nova
estação da TV Tupi - Canal 4 ganhou o prefixo ZYE-439 (alterado em 1977 para ZYB-855).
Segundo divulgado pelas próprias Emissoras Associadas, seu novo transmissor RCA TT6-AL
era um dos mais potentes em operação na América do Sul. Com 30 kW efetivamente irradiados,
um terço a mais que o antigo, a Tupi recebeu diversas cartas de cidades do interior paulista que
elogiaram a qualidade da imagem do Canal 4. A revista “Intervalo” chegou a publicar outra
manifestação vinda de Buenos Aires.
Poucos dias após o encerramento das operações da TV Tupi no Canal 3, os técnicos das Emissoras
Associadas passaram a realizar a alteração na frequência de operação de seu RCA TT-5A, o
primeiro transmissor profissional de TV a entrar em operação no Brasil, e que passaria a ser
utilizado pelo novo Canal 2. O sinal de prova entrou no ar poucos dias depois e, no dia 20 de
setembro de 1960, foi inaugurada a TV Cultura, a irmã caçula da TV Tupi de São Paulo, como
veremos no Capítulo 33.
CAPÍTULO 30
A REDE DE TELEVISÃO ASSOCIADA DO INTERIOR PAULISTA
D
epois da conexão provisória entre as TVs Tupi carioca e paulista, as Emissoras
Associadas se empenharam em formar uma rede nacional e terrestre de televisão. A
primeira etapa foi a construção de uma rede que cobrisse boa parte do estado de São
Paulo, ligando a Capital até Ribeirão Preto, há 290 km de distância.
A chamada de Rede de Televisão Associada do Interior foi uma empreitada da TV Tupi de São
Paulo, iniciada em março de 1959. O assistente do diretor Edmundo Monteiro, Enéas Machado de
366 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Assis, comandou a equipe técnico-administrativa para realizar a montagem, mas ao ser nomeado
como diretor-gerente das Emissoras Associadas de São Paulo, foi substituído por Humberto
Bury. A execução das obras foi realizada pela Sociedade Comercial Brasileira, sob direção de
Jorge Edo — pioneiro da televisão brasileira e agora também empresário. A supervisão-técnica
geral foi de Arnold Faria, auxiliado por Olídio Oliveira, ambos das “Associadas”.
Postos de Retransmissão
As cidades de São Paulo e Ribeirão Preto foram interligadas por meio de seis postos de
retransmissão de micro-ondas. Do alto do novíssimo edifício-sede das Emissoras Associadas, em
São Paulo, o sinal partia para a TV Ribeirão Preto - Canal 3 passando pelos postos da Serra do
Japi, na cidade de Cabreúva, onde se ergueu uma torre autossustentada de 20 m (foto), seguido
pelos postos de Campinas, Limeira, Analândia, Santa Rita e Cravinhos. Cada um deles, além
de enviar o sinal para a próxima estação repetidora, também fazia a transmissão local do sinal
da Televisão Tupi de São Paulo, com alcances entre 30 e 40 km de raio. Os enlaces entre as
retransmissoras eram feitos por transmissores das faixas de VHF ou de UHF, com 250 watts de
potência. O sinal da rede podia trafegar nas duas direções.
Os estúdios da TV Ribeirão Preto foram montados na própria cidade, mas o sinal era emitido a
partir de uma torre instalada na cidade de Cravinhos, há 10 km de distância, com potência de 500
watts no transmissor.
Os primeiros testes da Rede de Televisão Associada do Interior Paulista foram feitos no final de
julho de 1959, mas as instalações definitivas foram inauguradas em fevereiro de 1960, ao custo
de Cr$ 50 milhões.
O engenheiro Gustavo Tupinambá Freire, chefe do Departamento de Engenharia dos Diários e
Emissoras Associados, foi o responsável pela construção de casas para moradia dos cuidadores
de cada posto e das edificações onde se instalaram os equipamentos de amplificação, transmissão
e os geradores de energia elétrica. A necessidade de se estabelecer os postos de retransmissão
em locais ermos requereu a abertura de estradas, construção de redes de energia elétrica e de
abastecimento de água.
Para interligar os quase 700 km entre Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, os Diários e
Emissoras Associados investiram US$ 3,5 milhões em equipamentos, além de outras mobilizações
em cruzeiros. Esse trecho da rede, incluindo o de Ribeirão Preto, foi inaugurado em 17 de abril
de 1960. Já o ramal entre Brasília e Belo Horizonte tinha previsão para ficar pronto três dias
depois, 21 de abril, mas acabou atrasando, como veremos a seguir.
370 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
1 A TV Continental foi a terceira emissora a operar no Rio de Janeiro, contudo, como entrou no
ar em março de 1959, acabou não tendo direito de ganhar uma concessão para também operar
em Brasília.
2 Nessa época da inauguração de Brasília, Chateaubriand estava se recuperando de um surto
hipertensivo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 371
Para instalar a rede Brasília-Belo Horizonte foi necessário promover a importação urgente de nove
transmissores de micro-ondas portáteis da RCA-Victor. A montagem dos postos retransmissores
foi feita na base de 24 horas de trabalho por dia e à custa de pesados investimentos. A temperatura
era baixíssima nas montanhas e os homens abriam caminho em regiões praticamente virgens.
Como não havia tempo para construir casas, todo o pessoal mobilizado ficava abrigado em
barracas de campanha. Os acampamentos foram instalados nas mais precárias condições, com
sentinelas armadas dia e noite para a defesa contra possíveis ataques de feras. Um dos operadores
chegou a encontrar uma enorme cobra em sua cama e onças foram afastadas das barracas por
várias vezes.
Para facilitar as comunicações e os contatos com as equipes das matas, os Diários Associados
conseguiram com o Ministério da Aeronáutica a mobilização de dois helicópteros, entretanto,
na última hora, não puderam ser utilizados pois tiveram que socorrer vítimas de uma catástrofe.
Doze geradores foram adquiridos pelos “Associados” para o fornecimento de energia elétrica
nos postos, mas como o prazo de entrega ultrapassaria a data da inauguração da Capital, foi
372 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
necessário conseguir, por empréstimo, 12 geradores junto ao Exército. Além de serem lançados
na batalha todos os veículos disponíveis nas empresas “Associadas” do Rio, de Belo Horizonte
e São Paulo, obteve-se o empréstimo de alguns carros do Ministério da Saúde, do governo de
Minas e de uma empresa de transportes. A Polícia Militar mineira deu um grande suporte ao
grupo, fornecendo cerca de 50 homens para auxiliar na abertura de picadas, vias de acesso e na
instalação de barracas de campanha nos ermos sertões.
Foi uma luta contra o tempo e a natureza para instalar a cadeia de estações repetidoras de sinais de
TV entre Brasília e Belo Horizonte, que ficou sob responsabilidade técnica a cargo do engenheiro
Igor Olimpiew, diretor-técnico das Emissoras Associadas do Rio de Janeiro, e de seu assistente
Mário Leite Brandão, também da equipe técnica carioca. Nereu Gusmão Bastos, diretor-gerente
das emissoras de Rádio e TV do Rio, fez a supervisão geral dos trabalhos. Enquanto prosseguia
a batalha em terra, na montagem dos diversos postos, Olimpiew sobrevoava incessantemente a
área em um avião Cessna, que fora alugado. Assim se operava um perfeito e contínuo serviço
de fiscalização e observação dos trabalhos em progresso. A bordo do avião, ele se comunicava
pelo rádio com todos os postos, dando instruções para a instalação do material e para os testes de
ligação das diversas estações, umas com as outras.
Emissoras Associadas de São Paulo, por meio de seu diretor-geral, Enéas Machado de Assis, e
do diretor-presidente dos Diários Associados de São Paulo, Edmundo Monteiro. Em troca de
publicidade, a VASP cedeu dois aviões DC-3, de fabricação norte-americana Douglas Aircraft, e
a Força Aérea Brasileira (FAB) cedeu gratuitamente mais um idêntico. As equipes da TV Tupi de
São Paulo instalaram os receptores, amplificadores e transmissores necessários, além das antenas
de recepção e transmissão, afixadas na altura do leme e do “nariz” das aeronaves.
Os aviões voariam em círculos entre 4 mil e 5,6 mil metros de altitude, levando todo o material
necessário e as tripulações. Seriam posicionados uniformemente na rota entre Brasília e Belo
Horizonte, de modo que um tinha alcance para receber e retransmitir os sinais para outro. Os
sinais seriam gerados pela TV Brasília e captados pelo avião da FAB, que sobrevoaria a região de
Paracatu (MG), a cerca de 190 km de Brasília. Um dos aviões da VASP sobrevoaria a região de
João Pinheiro (MG), recebendo o sinal do avião anterior. A terceira aeronave voaria sobre a região
de Presidente Olegário (MG), encarregada de receber o sinal do avião anterior e retransmiti-lo
para uma torre de micro-ondas instalada na Serra do Curral, que, por fim, se comunicaria com a
TV Itacolomi em Belo Horizonte.
Ensaios foram realizados semanas antes dos eventos e os três aviões voaram cerca de 50 horas.
Em várias oportunidades, chegaram a permanecer por sete horas seguidas no ar, descendo para
reabastecer e retornando por mais sete horas nas alturas. Nas altitudes alcançadas, a temperatura
no interior das cabines desceu a 10º negativos e camadas de gelo se depositaram nas asas dos
aviões. Foi a primeira experiência desse gênero em toda a América Latina, um marco da televisão
brasileira. Os trabalhos de transmissão dos aviões-link foram supervisionados pelo experiente
técnico Jorge Edo, pioneiro da TV Tupi de São Paulo.
Doze equipes ficaram responsáveis por instalar e guarnecer cada um dos postos da rede de micro-
ondas Brasília-Belo Horizonte. As quatro equipes paulistas estiveram sob a supervisão de Enéas
Machado de Assis e as outras oito equipes, compostas por funcionários das Emissoras Associadas
do Rio de Janeiro, foram supervisionadas por Herculano Siqueira. As equipes que atuaram na
instalação da TV Brasília e de sua unidade móvel obedeceram à direção do engenheiro Victor
Purri Neto, também responsável pela construção do edifício da emissora e do jornal “Correio
Braziliense”.
Desde 20 de abril — o primeiro dia de solenidades —, uma grande equipe de repórteres das
Emissoras Associadas de São Paulo se fez presente para realizar a cobertura pela TV e pelo
rádio, sob o patrocínio da Willys Overland do Brasil S/A. As rádios Tupi e Difusora São Paulo
lideraram uma rede de rádios com mais de cem emissoras pelo Brasil, formada também por
estações da concorrência especialmente para a transmissão dos eventos em Brasília.
O serviço de aviões-link foi estabelecido entre 20 e 23 de abril de 1960, quando aconteceram
as solenidades e os eventos especiais. No entanto, os aviões não realizariam transmissões
diretas, ao vivo, como seria feito localmente pelo Canal 5 da TV Brasília. Os aviões enviariam
à TV Itacolomi de Belo Horizonte um sinal com gravações realizadas poucas horas antes pelo
moderníssimo sistema de videoteipe da TV Brasília (ver Capítulo 31). Elas continham imagens
dos eventos e reportagens sobre a inauguração da nova Capital Federal. A expectativa era de
que, a qualquer momento, a rede de links entre Brasília-Belo Horizonte fosse estabelecida e os
telespectadores das estações “Associadas” do Sudeste passassem a receber as solenidades ao
vivo.
374 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Mas realmente não houve tempo para “fechar” o link. Segundo uma reportagem de “O Jornal
do Rio de Janeiro”, “os dirigentes associados, na previsão de empecilhos de última hora, havia
munido a TV Brasília do ultramoderno sistema de video-tape, de tal forma que as imagens de
Brasília, em sua festa, foram perenizadas no celuloide e emitidas para São Paulo, Rio e Minas
Gerais nas melhores condições de fidelidade”1.
Somente uma semana após o encerramento das festividades de inauguração de Brasília, no dia
30 de abril, é que finalmente foi alcançado o sonhado objetivo de entrar em pleno funcionamento
a rede terrestre “Associada” de micro-ondas entre Brasília e Belo Horizonte, a maior rede
particular de TV do mundo!
Naquele dia, logo após as 21h, e por mais de três horas consecutivas, as emissoras “Associadas”
de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Ribeirão Preto entraram em cadeia com a TV
Brasília, transmitindo em excelentes condições um show musical apresentado nos estúdios do
Canal 5 da nova Capital Federal, seguido por um pequeno documentário. Na abertura das
transmissões ao vivo, o repórter Carlos Spera, da TV Tupi de São Paulo, leu uma mensagem
sobre o significado daquela transmissão histórica da televisão brasileira. Em seguida, o também
repórter “Associado” paulistano José Carlos de Moraes, popularmente conhecido por Tico-Tico,
realizou entrevistas com algumas personalidades no Brasília Palace Hotel, dentre elas, o deputado
federal Nicolau Tuma, que enalteceu o empreendimento de aprimorado valor técnico das
“Associadas”. Tuma foi um dos fundadores da Rádio Difusora de São Paulo e o primeiro locutor
esportivo daquela cidade.
No dia seguinte, domingo, a partir das 23h, a TV Brasília fez uma nova transmissão para a rede,
apresentando uma entrevista com o artista, jornalista, advogado e político Menotti Del Picchia. Na
segunda-feira, a mesma emissora transmitiu para as suas coirmãs da grande cadeia “Associada”
todos os detalhes da sessão de reabertura da Câmara Federal, diretamente do plenário daquela
nova Casa Legislativa. Foram mostradas, ainda, várias vistas panorâmicas do Plano Piloto.
Como se observa, irmanaram-se as equipes “Associadas” do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília
para a realização de um dos mais notáveis empreendimentos da história da televisão, a construção
da maior rede de links de micro-ondas da América Latina. Tudo graças à árdua batalha travada
por uma grande e unida equipe de lutadores a serviço dos já citados ideais de unificação nacional,
que sempre animaram as iniciativas de Assis Chateaubriand.
Expansão
Em 1962, a Rede Brasileira de Televisão Associada passou a contar com 13 emissoras geradoras
de conteúdo, alguns para toda rede e outros para populações locais: TV Tupi (São Paulo), TV
Tupi (Rio de Janeiro), TV Itacolomi (Belo Horizonte), TV Piratini (Porto Alegre), TV Brasília
(Distrito Federal), TV Rádio Clube (Recife), TV Ceará (Fortaleza), TV Itapoan (Salvador),
TV Paraná (Curitiba), TV Marajoara (Belém), TV Rádio Clube (Goiânia), TV Vitória (Vitória)
e TV Ribeirão Preto. Diversas retransmissoras locais também estavam ligadas à rede. A TV
Cultura em São Paulo era dos Diários Associados, mas tinha programação própria e transmitia
eventualmente algum programa da rede.
Em julho de 1963, foram criados mais cinco postos retransmissores na Rede do Interior Paulista
e o sinal da TV Tupi de São Paulo chegou até a cidade de São José do Rio Preto, também captado
em mais 34 cidades circunvizinhas. Um anúncio voltado ao ramo empresarial, publicado em
1970, mostrou que 147 torres retransmissoras levavam o sinal da TV Tupi de São Paulo a 1076
localidades entre boa parte do estado de São Paulo, norte do Paraná, sul de Minas e parte do Mato
Grosso do Sul.
CAPÍTULO 31
A CHEGADA DO VIDEOTEIPE NO BRASIL
D
urante os primeiros anos de operação da televisão comercial no mundo, os programas
iam ao ar somente ao vivo, já que ainda não havia como registrar e armazenar sons e
imagens produzidos pela televisão. As pesquisas eram intensas nesse sentido, mas já era
possível gravar programas em películas cinematográficas. No entanto, era um processo oneroso
e moroso de se realizar. Um programa de 30 minutos que fosse gravado em película (filme), por
exemplo, levaria três dias para ser finalizado e, além disso, havia gastos posteriores com edição
e revelação do filme em laboratório.
Kinescópio
Fita Magnética
No final da década de 1940, já havia tecnologia para gravação de áudio em fitas magnéticas e as
pesquisas tentavam também viabilizar o armazenamento de programas de TV neste suporte, uma
tecnologia que seria chamada de video-tape (VT). Em 1952, surgiu o V.E.R.A. (Vision Electronic
Recording Apparatus), o primeiro protótipo de um gravador de VT, que já podia armazenar
áudio e vídeo conjugados. Ele foi desenvolvido e utilizado pela emissora de TV inglesa BBC,
mas como apresentava alguns problemas críticos, logo foi descontinuado. No ano seguinte, a
companhia norte-americana Bing Crosby Enterprises (BCE) apresentou um protótipo de VT
que utilizava uma fita magnética de 0,6 cm de largura, mas as imagens ainda ficavam muito
desfocadas. Uma versão aperfeiçoada surgiu no ano seguinte, usando uma fita de 1 polegada
(2,6 cm). Já a RCA apresentou seu protótipo de VT em 1953, usando fita de meia polegada (1,3
cm) e, dois anos depois, lançou, juntamente com a BCE, os primeiros modelos coloridos de
equipamentos de videoteipe.
380 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Até que, em março de 1956, a empresa norte-americana Ampex Corporation finalizou seu VRX-
1000, um eficaz equipamento de gravação conjugada de áudio e vídeo com suporte magnético,
cujo formato da fita foi chamado de “Quadruplex”, nome dado devido o equipamento contar com
quatro cabeças leitoras de vídeo. A fita tinha 2 polegadas de largura e a velocidade de rotação
era de 38 cm (15 polegadas) por segundo. O Ampex VRX-1000 foi uma criação dos cientistas
Charles Ginsberg e Ray Dolby e se tornou o primeiro equipamento comercial de gravação de
videoteipe. Entretanto, a Ampex não detinha tecnologia para gravação de imagens em cores e,
por isso, celebrou um acordo comercial com a RCA para compartilhamento de tecnologias. A
RCA lançou seu primeiro videoteipe em 1957, o TRT-1, e, no final de 1958, o TRT-1B. Enquanto
o VT da Ampex era uma máquina de plataforma plana, o da RCA era vertical, montada em três
racks.
Vantagens
O videoteipe revolucionou o modo de fazer televisão e houve um grande salto na qualidade dos
programas. Na TV americana, rapidamente, a maioria dos programas passou a ser exibida em VT,
já que havia pouca diferença na qualidade final entre o ao vivo e o gravado. Os telespectadores
foram menos submetidos aos erros de interpretação, falhas técnicas e improvisos dos programas
ao vivo, que, agora, poderiam ser consertados antes da exibição. Quando ocorresse qualquer
anormalidade, apagava-se a fita e grava-se novamente, tudo ou apenas um trecho. As produções
passavam por processos de finalização para receber retoques importantes e foi possível produzir
os programas com antecedência, para depois gravá-los e exibi-los na hora e no tempo que
conviesse. Reportagens puderam ir ao ar logo após a finalização, sem processamento especial
ou revelação posterior em laboratório, como no caso dos filmes de 16 mm usados pela TV desde
seus primeiros tempos. As novelas, por exemplo, quando passaram a ser gravadas, contaram com
melhor qualidade a possibilidade de se tornarem diárias. Surgiu o replay de imagens e a câmera
lenta, recursos usados principalmente nas partidas esportivas.
Outra importante vantagem do VT foi o intercâmbio de programas entre várias emissoras afiliadas
pelo Brasil. As fitas Quadruplex eram copiadas em grande escala, dando início à comercialização
entre a geradora e as retransmissoras e possibilitando a constituição de acervos.
O videoteipe foi para a televisão o que o microcomputador foi para a máquina de escrever. Trata-
se da maior revolução nas emissoras brasileiras, desde que a primeira imagem da TV Tupi de São
Paulo foi ao ar em 18 de setembro de 1950.
Apesar de todas essas vantagens, o formato Quadruplex foi um grande desafio para os editores
de vídeo. Era necessário literalmente cortar a fita com uma tesoura e fazer emendas com uma
espécie de adesivo, colando um take após o outro. Geralmente, durante a exibição, a imagem
apresentava uma oscilação nos pontos de emenda.
Em 1969, a empresa japonesa Sony desenvolveu o U-Matic, o primeiro formato portátil de
gravação de áudio e vídeo, que utilizava fitas cassete de ¾ de polegada (1,9 cm). Ele potencializou
a realização das reportagens externas, até então feitas com pequenas câmeras de filme em 16 mm
que geralmente não captavam áudio. O formato Quadruplex foi sendo abandonado ao longo da
década de 1970.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 381
O Primeiro VT da TV Tupi
Aquele ano de 1960 foi tecnicamente muito importante para a televisão do Sumaré, marcado pelas
comemorações dos 10 anos da emissora, pela inauguração do novo edifício-sede das Emissoras
Associadas, pela chegada do videoteipe, entre outras novidades. O diretor-geral Cassiano Gabus
Mendes tinha alguns desafios importantes, como enfrentar a concorrência crescente, implementar
o videoteipe, transmitir a inauguração de Brasília, expandir as transmissões em rede e investir na
emergente tecnologia da TV em cores1.
1 “Gabus Mendes: Grandes Mestres do Rádio e Televisão”, Elmo Francfort, In House, 2015:330.
384 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
1 “Surge Uma Bomba em 1959 na TV: O Video Tape”, Rodolfo Bonventti, www.museudatv.com.
br/surge-uma-bomba-em-1959-na-tv-o-video-tape.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 385
vez, ela iria ao ar dentro do programa “TV de Vanguarda”, na noite de 8 de maio de 1960. Mas,
havia um problema: por ainda estar em implantação, o equipamento de VT não dava condições
de realizar edição (cortes) e Durst dispunha de uma única fita Quadruplex, que tinha 60 minutos
de duração. As cenas foram exaustivamente ensaiadas e cronometradas para a gravação caber na
fita, contudo, o esforço da direção e do elenco não foi suficiente e o espaço da fita acabou sem
que as cenas finais tivessem sido gravadas. A solução foi muito curiosa. Durst preparou o elenco
novamente no estúdio do Sumaré no domingo à noite, durante a exibição do VT, para que, no
momento certo, entrasse no ar para encenar o desfecho ao vivo.
A inauguração oficial das operações regulares e pioneiras de videoteipe na TV brasileira foi
realizada pela TV Tupi de São Paulo, na noite de 26 de setembro de 1960, dentro do programa
“Grande Teatro Tupi”, com a encenação especial de “Hamlet”, de William Shakespeare. O
investimento na produção dos cenários foi de elevada cifra. A peça já havia sido interpretada na
emissora em 1953, com muito sucesso, e foi novamente protagonizada por Dionísio de Azevedo.
Com esta estratégia, foi possível fazer um comparativo do tempo gasto para encenar “Hamlet” ao
vivo (3 horas) e em videoteipe (mais de 24 horas, devido a interrupções para regravação de cenas
até a perfeição). Em uma entrevista para o “Diário do Paraná”1, a atriz Laura Cardoso relembrou
quando, ao lado de Dionísio de Azevedo e Fernando Baleroni, gravou “Hamlet” em videoteipe.
“Foi um trabalho que exigiu muito de nós”, confessou.
Com uma grande demanda nos trabalhos de gravação, a Tupi do Sumaré logo encomendou uma
segunda máquina de VT, que passou a operar em maio de 1961. Antônio Vituzzo (ver Capítulo
21), fornecedor de filmes e desenhos animados em películas 16 mm para exibição no Canal
4, acabou se tornando funcionário da emissora e também responsável pela aquisição de fitas
virgens, a serem usadas nos equipamentos de videoteipe.
O novo e revolucionário equipamento de gravação em fita de vídeo passou a fazer um trabalho
fundamental de distribuição das produções mais importantes da TV Tupi de São Paulo para as
afiliadas de diversas partes do Brasil, visto que não havia satélites de comunicações e a rede
de links das Emissoras Associadas ainda era restrita ao eixo Brasília, Belo Horizonte, Rio de
Janeiro, São Paulo e Ribeirão Preto. Para tanto, a Tupi do Sumaré organizou, em 1962, um setor
responsável pelo gerenciamento e distribuição das fitas de VT para as afiliadas. O Departamento
de Tráfego foi inicialmente operado por Mauro Gianfrancesco2, Roberto Torres, Plínio Marcos,
Rômolo Santillo, José Maria Pereira Lopes, entre outros. Os editores de VT não trabalhavam
propriamente no Tráfego, contudo, eram subordinados à escala deste setor, feita pelo diretor
Paulo de Grammont. Naquela época, ocupando a função de editor, passaram Ernesto Hypólito,
Marina Villara e Daysi Bregantini3 (as primeiras mulheres a trabalhar no setor de Operações de
uma emissora de TV no país).
Durante o período de implantação do videoteipe, alguns artistas foram contra o recurso
da reprise, pois reduziria a quantidade de programas inéditos na programação. Por fim, vale
repetir que o videoteipe proporcionou a montagem de acervos, que poderiam contar a história
da televisão pelo mundo, além de outros recursos. Contudo, como esse moderno sistema de
gravação magnética também oferecia a opção de reutilização das fitas (literalmente gravar por
cima), era muito comum que emissoras de todo o mundo encarassem isso como oportunidade
para economizar. Infelizmente, um número enorme de programas históricos foi apagado.
CAPÍTULO 32
A INFRAESTRUTURA DAS EMISSORAS ASSOCIADAS - ANOS
1960
[...] A parte velha da rádio será demolida, em breve, para dar lugar a
novos estúdios de televisão. Como se vê, cresce extraordinariamente
a Cidade do Rádio, acompanhando o desenvolvimento técnico e
artístico das maiores organizações do gênero em todo o mundo.
Paralelamente a esse desenvolvimento, prepara a direção da “Taba”
autêntica revolução nas suas apresentações artísticas de rádio e de
TV, “bombas” autênticas que deverão eclodir logo nos primeiros
meses de 1960. (Diário da Noite [SP], 26/11/1959, p. 4)
Dentro de poucos dias, iniciar-se-á a demolição da parte antiga
das dependências da TV Tupi no Sumaré, para que seja iniciada
a construção de quatro modernos estúdios de televisão. O novo
prédio, de 10 andares, construído especialmente para as Emissoras
Associadas paulistas, já foi inaugurado e está abrigando as Rádios
Tupi, Difusora e Cultura, com todos os seus departamentos. Agora,
com o início das obras do seu edifício (cujo término é pretendido
ainda este ano), a TV Tupi de São Paulo ficará com moderníssimas
instalações e as “Associadas” possuirão (no Sumaré) o mais
avançado parque de rádio e TV da América do Sul. (“Rádio & TV”,
E.M., Correio Paulistano, 12/04/1960, 2º Caderno, p. 5)
N
a virada para os anos 1960, a expressão “parque de rádio e TV” passou a ser usada
para se referir à nova infraestrutura do Sumaré. O antigo nome “Cidade do Rádio” foi
gradativamente caindo em desuso e o grande símbolo da nova fase das “Associadas”
paulistas era a construção do edifício de 10 andares dos engenheiros Dorvalino Mainieri e Mário
Ferronato, com as linhas modernas do arquiteto Gregório Zolko.
Ainda na época da conclusão de suas obras e da acomodação das rádios Tupi, Difusora e Cultura,
os jornais da “cadeia associada” voltaram a falar na demolição de prédios mais antigos do
complexo do Sumaré para dar continuidade às ampliações e modernizações. Naquele ano de 1960,
a TV Tupi-Difusora utilizava seus estúdios “A”, “B” e “C” para produção de novelas, teleteatro,
seriados, infantis, entre outros. Já o pequeno Estúdio “D” estava dedicado ao telejornalismo,
entrevistas, mesas-redondas e à publicidade ao vivo. Por fim, a emissora dividia o grande Palco-
Auditório com as rádios Tupi e Difusora para realizar seus shows e programas com plateia, entre
eles “Clube Papai Noel”, “Antarctica no Mundo dos Sons” e “Grandes Atrações Pirani”.
A direção das Emissoras Associadas acabou modificando o projeto que previa a demolição de
boa parte do principal prédio da Rádio Difusora (o mais recente, de 1942) para erguer um grande
estúdio de televisão contíguo ao Estúdio “A”. Optou, no entanto, apenas por reocupar este prédio,
que havia ficado esvaziado após a mudança das rádios Tupi e Difusora para o novo edifício de
10 andares ao lado. Para tanto, a ala esquerda, exatamente onde ficavam os estúdios das rádios,
foi reformada e recebeu alguns setores administrativos da televisão. Já as alas central e direita,
388 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Em fevereiro de 1959, a TV Tupi publicou nos jornais do grupo uma campanha com três
diferentes anúncios. Um deles destacava: “É para você que estamos erguendo o maior estúdio de
televisão da América do Sul - Para lhe proporcionar as emoções de espetáculos cada vez
melhores, o Canal 3 TV Tupi está construindo no Sumaré os mais modernos e gigantescos
estúdios de televisão do Continente [...]”. A promessa deu a impressão de que um novo prédio
estava sendo construído no Sumaré para abrigar um estúdio de grande porte. Os jornais dos
Diários Associados chegaram a publicar algumas notas que confirmavam a construção dos quatro
grandes estúdios e de novas instalações técnicas, a fim de que a TV Tupi pudesse continuar
instalada no local. Com isso, a possibilidade de que a TV Cultura “reinasse” sozinha na parte
antiga da Cidade do Rádio foi descartada e, a ela, como já abordamos, restou apenas o 15º andar
no edifício-sede dos Diários Associados, no centro de São Paulo.
Anúncio da construção de quatro estúdios de televisão no Sumaré: “Para lhe proporcionar as emoções de
espetáculos cada vez melhores, o Canal 3 TV Tupi está construindo no Sumaré os mais modernos e gigantescos
estúdios de televisão do continente”. (Diário da Noite/reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 389
O Palco-Auditório do Sumaré foi inaugurado pela Rádio Difusora em 1942, fase em que a
emissora ainda não havia sido comprada pelos Diários Associados. Dispondo de pouco mais de
500 cadeiras e 450 m2 de área total (ver Capítulo 4), o local sediou as apresentações musicais da
Difusora e, desde 1943, também da Rádio Tupi, sempre com grande presença popular. A partir
de 1950, como já dito, o Palco-Auditório também passou a receber as câmeras de televisão da
PRF3-TV. Os anúncios sobre a construção de novos estúdios no Sumaré, na verdade, se referiram
exatamente às reformas neste prédio de 1942. Elas se iniciaram no segundo semestre de 1960 e
o antigo Palco-Auditório foi adaptado para tornar-se o Estúdio-Palco, raramente chamado de
Estúdio “E”. Contudo, ao invés de quatro estúdios, optou-se por montar apenas um, com grandes
dimensões. Removeu-se a plateia e o palco. Algumas paredes do pórtico e do hall foram
demolidas ou modificadas, onde se construiu uma entrada mais discreta, apenas para os artistas.
A parede onde havia a porta que ligava o antigo hall à plateia foi parcialmente demolida,
integrando os dois ambientes. O hall virou um prolongamento de estúdio, adaptado para a
construção de uma piscina para fins cenográficos, com 1,72 m de profundidade, visto que a
pequena piscina do Estúdio “C” fora desativada. No entorno da nova piscina foi montado um
deck e, sobre ela própria, colocaram algumas peças removíveis do deck para que, enquanto ela
estivesse fora de uso, os funcionários e artistas circulassem livremente sobre a água. “Essa
piscina eu fiz virar o lago onde morre Ofélia, na obra teatral ‘Hamlet’, do ‘TV de Vanguarda’”,
conta o cenógrafo Luigi Calvano, que trabalhou na TV Tupi entre 1955-70 e que hoje vive na
Espanha, aos 90 anos de idade.
Planta baixa das instalações do Sumaré em 1960: reformas adaptaram o antigo Palco-Auditório para se tornar
o Estúdio-Palco. (Prefeitura da Cidade de São Paulo/Secretaria Municipal de Cultura/Acervo Arquivo Histórico
Municipal de São Paulo)
390 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O Estúdio-Palco/Estúdio “E” recebeu um novo palco, que ficou próximo da piscina, no lado
oposto do antigo Palco-Auditório. O local ganhou um grande tablado para a montagem de outros
sets. Foi nesse estúdio que passaram a ser realizadas as gravações e transmissões ao vivo, como o
programa diário “Revista Feminina”, a novela “O Jardim Encantado” e alguns outros programas
variados, como “Colagem”, “Mobile” e “Sumaré 23 Horas”.
Por fim, vale ressaltar algumas modificações realizadas no prédio que, outrora, foi exclusivo
do Departamento de Publicidade da TV Tupi. No início dos anos 1960, os antigos estúdios de
gravação de áudio (propagandas, chamadas e locuções das rádios) deram lugar para a Central
de Videoteipe da emissora (1º andar) e para a Central Técnica de Vídeo (2º andar), onde eram
recebidos, via micro-ondas, os sinais das unidades móveis, entre outras funções.
Estas diversas notas publicadas em jornais entre os anos de 1961-63 refletem muito bem a boa
fase da TV Tupi e a urgência por ampliar seus espaços de produção. Como o parque de rádio
e TV do Sumaré ficou novamente pequeno, a direção das Emissoras Associadas de São Paulo
começou a investir em outras áreas. Dentre as opções de construir um estúdio de teleteatro no
terreno de duas casas adquiridas no Sumaré; erguer prédios em terrenos dos bairros da Água
Branca e Vila Sofia; e comprar um cinema na Rua da Consolação, apenas este último projeto se
concretizou. O novo complexo da Vila Sofia chegou a ter suas obras iniciadas em 1964, usando
um terreno próprio das Emissoras Associadas, com área de 58 mil m2, que foi desocupado
especialmente para a realização dessas obras. No local, já haviam funcionado os transmissores e
as antenas de Ondas Médias da Rádio Tupi - 1040 KHz (entre 1937-49) e vinha sendo utilizado,
desde 1951, para as transmissões da Rádio Difusora em OM e OC. Entretanto, esta importante
obra foi interrompida e o projeto cancelado, sem que os motivos fossem divulgados.
Teledramaturgia
Desde o final da década de 1950, já numa fase em que o teleteatro perdia espaço para shows
musicais (o próprio público é quem definia isso), alguns teatros e cinemas de São Paulo foram
arrendados para emissoras de televisão, que necessitavam de locais mais amplos para produção
de programas com grandes plateias. A TV Record alugou o Cine Rio na Rua da Consolação e,
posteriormente, o antigo Teatro Paramount na Avenida Brigadeiro Luís Antônio. A TV Excelsior
já tinha sua sede instalada em um teatro, o Cultura Artística, situado na Rua Nestor Pestana. E a
TV Tupi fechou a compra do Cine Ritz Consolação, inaugurado em 1943 na Rua da Consolação,
nº 2403, a poucos metros da esquina com a Avenida Paulista.
O Ritz foi comprado pelas Emissoras Associadas em maio de 1961 e se tornou o Cine-Teatro
Tupi1, a casa de espetáculos do Canal 4 de São Paulo. As instalações ficavam praticamente na
região central da cidade, com fácil acesso ao público, ao contrário do bairro do Sumaré, onde
era necessária uma longa caminhada para acessar. Além disso, a proposta das “Associadas” era
concorrer com os programas de auditório da TV Record, campeões de audiência e de público nos
anos 1960, já que os teatros das duas emissoras ficariam na mesma rua. A disputa pelo público se
tornou acirrada não apenas em frente à TV, mas também nas poltronas dos auditórios.
O Cine-Teatro Tupi foi o maior espaço que a TV Tupi ocupou em toda sua história. O projeto da
1 O Teatro Tupi-Consolação se situava onde hoje há uma loja das Casas Pernambucanas, entre
o acesso à Estação Paulista do Metrô e o Cine Belas Artes.
394 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
emissora para aquele ano de 1961 era investir em memoráveis shows internacionais e, com isso,
criou-se o Departamento de Promoções Internacionais, dirigido pelo jornalista Bolívar Madruga
Duarte.
O Festival de San Remo, mais importante festival musical do mundo e que faria apresentações
especiais em Nova York e Buenos Aires, foi contratado pelas Emissoras Associadas para ser
apresentado no Cine-Teatro Tupi. Pela primeira vez o tradicional festival realizaria uma turnê
oficial fora da cidade italiana de San Remo. Em São Paulo, os espetáculos seriam patrocinados
pelas Refinações de Milho Brazil e trariam os finalistas da edição daquele ano: Betty Curtis
e Luciano Tajoli (os vencedores), Teddy Reno, Tony Dallara, Cláudio Villa, Aurélio Fierro,
Miranda Martino, Mina Mazzini, Milva e Jula de Palma.
As “Associadas” marcaram a inauguração do Cine-Teatro Tupi para o dia 3 de março de 1961,
mas, para tanto, era necessário realizar rapidamente uma grande reforma. Apesar dos esforços
do Departamento de Engenharia dos Diários Associados, a montagem do palco ficou pronta,
mas a do auditório atrasou. Em caráter de urgência, foi alugado o Teatro Paramount, na Avenida
Brigadeiro Luís Antônio, no Centro, para onde foram transferidos os shows do Festival de San
Remo. Eles aconteceram entre 4 e 9 de março de 1961, com casa lotada. A pré-estreia se deu um
dia antes, na Associação Brasileira “A Hebraica” de São Paulo. As apresentações foram gravadas
pelo Kinescópio e pelo Videoteipe do Canal 4, para serem exibidas em outras emissoras da Rede
Brasileira de Televisão Associada.
As obras do luxuoso Cine-Teatro Tupi ficaram prontas em maio de 1961, atendendo aos mais
avançados princípios da acústica e da eletrônica. O palco foi inteiramente reconstruído em aço e
era o único desmontável em São Paulo. Suas dimensões tinham 8 m de profundidade e 15 m de
“boca”. As cortinas eram moderníssimas e havia focos de luz no teto, uma novidade. Algumas
câmeras de TV foram instaladas nas laterais e outras suspensas em gruas para não tirar a visão de
ninguém na plateia. A cabine de luz e som foi instalada na parte traseira do auditório.
O Cine-Teatro Tupi foi inaugurado com a estreia dos Grandes Espetáculos Internacionais Renner,
organizados pelo Departamento Unificado das “Associadas”. As transmissões foram feitas pela
Rádio Difusora, TV Cultura e TV Tupi. Os primeiros shows foram estrelados pela cantora negra
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 395
1 Eartha Kitt também teve uma carreira como atriz. Em 1967, atuou como a vilã Mulher-Gato na
série de televisão “Batman”, estrelada por Adam West e Burt Ward. Ela assumiu o papel depois
que a atriz Julie Newmar abandonou a série e, com isso, a personagem da Mulher-Gato passava
a ser negra. Precedendo sua entrada no palco da TV Tupi, o diretor Geraldo Vietri organizou
uma teatralização da vida de Eartha, da qual participaram, entre outros atores, Glória Menezes,
Márcia Real, Amilton Fernandes, Cazarré e Luís Gustavo.
396 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
No final de 1963, o então Cine-Teatro Tupi estava “atendendo” simplesmente pelo nome de
“Teatro Tupi”, ou ainda, “Teatro Tupi-Consolação”. Nessa época, a emissora quis criar uma
linha de shows ainda mais sofisticada para seus espetáculos da Rua da Consolação e, com esta
proposta, o pioneiro Cassiano Gabus Mendes, diretor-geral da emissora, foi ao Rio de Janeiro
fazer um convite ao famoso produtor de espetáculos musicais Abelardo Figueiredo, que iniciou
sua carreira na televisão, nos anos 1950, pela própria Tupi de São Paulo. Após muita negociação,
Gabus Mendes o convenceu a deixar de produzir espetáculos no circuito carioca e “voltar para
o Sumaré”. “Abelardo será o produtor musical mais bem pago da televisão brasileira, com
muitíssimos zeros no ordenado”, informou o jornal “Diário da Noite”1.
Os altos investimentos das “Associadas” nesta nova série de espetáculos não pararam por aí.
Após trazer experiências vistas recentemente nos Estados Unidos, Abelardo Figueiredo propôs
a desmontagem de todo o interior do Teatro Tupi-Consolação e a construção de um imenso
e moderno estúdio, com o novo conceito de “Estúdio-Auditório”. O objetivo era produzir
espetáculos especialmente feitos para a televisão, com a vantagem de o público poder continuar
dando seu calor e seu aplauso sem prejudicar as cenas.
Gustavo Tupinambá Freire, engenheiro-chefe dos Diários e Emissoras Associados, foi o
responsável pela obra. Segundo o “Diário da Noite”, tratava-se do maior estúdio de TV da
América Latina, com pé-direito de 12 m, 35 m de fundo e 30 m frente (1050 m2). A reforma trouxe
o que havia de mais moderno no ramo do broadcasting, permitindo a encenação de espetáculos
de grande montagem, com número elevado de participantes. Uma tela ciclorama2 foi montada no
fundo do estúdio para produção de efeitos visuais para suntuosos e deslumbrantes espetáculos.
As 400 poltronas do teatro foram reinstaladas em plano inclinado e com ângulo superior ao
palco, proporcionando ampla visão aos espectadores. Um detalhe significativo foi o piso do
estúdio, feito em mármore, ideal para apresentações de dança. As câmeras, em ângulo alto,
puderam movimentar-se nas mais diversas perspectivas e usar o piso como fator de importância.
1 “TV Tupi Terá o Maior Estúdio da América do Sul!”, Diário da Noite [SP], 06/01/1964, 2º
Caderno, p. 9.
2 Ciclorama era uma grande tela clara que cobria o fundo de um palco ou estúdio para que
fossem projetadas imagens ou efeitos especiais que complementavam as cenas.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 397
O novo Estúdio Tupi-Consolação ficou pronto no final de fevereiro de 1964 e passou a receber os
principais programas do Canal 4, produzidos no Sumaré, como o infantil “O Jardim Encantado”,
produzido por Vicente Sesso; o game-show “Grandes Atrações Pirani”; o cultural “Sabatinas
Maizena”; os concertos sinfônicos do “Música, Sempre Música”, sob a batuta do maestro
Bernardo Federowski; entre outros.
Os programas musicais do próprio Abelardo Figueiredo precisaram de mais quatro meses para
ser estruturados e gravados em videoteipe, tamanha era a preocupação com todos os detalhes.
O patrocínio foi feito pela empresa Eron - Indústria e Comércio de Tecidos S/A, que deu o
nome de “Erontex Show” ao então programa mais luxuoso e caro da televisão brasileira. A
apresentação foi do conceituado ator Paulo Autran e a estreia finalmente aconteceu em 8 de
junho de 1964, abrindo a nova fase de shows musicais da TV Tupi. “Erontex Show” marcou a
história ao apresentar uma sucessão de ricas apresentações musicais com gente famosa, além de
esquetes humorísticos.
No dia 3 de fevereiro de 1964, a Prefeitura de São Paulo aprovou um projeto para aumento da
área construída no prédio dos estúdios da TV Tupi no Sumaré. As obras seriam realizadas junto à
calçada da Avenida Prof. Alfonso Bovero, nos fundos do Estúdio-Palco/Estúdio “E” da televisão,
onde havia uma fachada que não contava com um bom aspecto estético por ser um local de
serviço, com cabine de força etc. Havia uma porta de acesso dos funcionários e um jardim que
terminava na calçada. A proposta foi construir algumas salas sobre o jardim e modernizar toda
esta fachada.
Não há informação exata de quando a obra foi executada, entretanto, as evidências mostram que
se deu entre os anos de 1965-66. A construtora foi a Ferronato, Pimenta & Cia. Ltda., que ergueu
a fachada com 5 m de altura, demolindo poucas paredes, e trazendo dois elementos que remetiam
ao edifício-sede vizinho. Esses elementos eram uma marquise instalada junto à nova porta de
acesso dos funcionários e os brises-soleil horizontais de concreto nas janelas. Tudo isso deixou
as fachadas de ambos os edifícios padronizadas e realçou a beleza do local. Um antigo muro foi
derrubado para dar lugar a um novo projeto paisagístico, com grama e palmeiras. Uma grande
porta de alumínio agora dava acesso aos fundos do Estúdio-Palco e às novas salas, onde se
instalou um depósito, uma nova cabine de força, uma casa das máquinas para ar-condicionado,
vestiários, a nova sala da icônica barbearia do Lau (ver box) e um hall com recepção e entrada
de serviço.
A Barbearia do Lau
...Por força da profissão, Lau era a pessoa mais bem informada da emissora.
Por força do caráter, porém, sempre foi discretíssimo, dificilmente passava
adiante uma novidade, a não ser coisa boa. Solidário, altruísta não perdia
ensejo de dar um “empurrãozinho” a um ator ou produtor amigos que
estivessem mal aproveitados na emissora, quando, de navalha na mão,
tinha um importante diretor de cara ensaboada à sua mercê, e por alguns
minutos o ouvinte ideal para um pedido de promoção ou emprego que o
Lau fazia sem o menor constrangimento. A partir dos anos 1980, com o
fim da Tupi, Lau migrou de mala e cuia para o SBT, por onde permaneceu
por três décadas, sempre rodeado de amigos, sempre com seu fascinante
prosear, sempre torcendo pelo Juventus, sempre com o radinho de
pilha tocando música clássica. Nelson Rodrigues disse genialmente que
“toda unanimidade é burra” e não há por que discordar desta implacável
regra, que aceita apenas uma gloriosa exceção: a unanimidade torna-se
sublime quando se trata de enaltecer o Lau. Pena que o divino Nelson não
conhecesse o Mariani… (Marcos Resende - Produtor, roteirista e diretor
de TV)
Lau, o barbeiro
da TV Tupi, e o
ator Tony Ramos.
(reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 401
O Telecentro Em 1966
Casa Musical
A Casa Musical da TV Tupi foi montada em meados dos anos 1960, em um sobrado residencial
locado, que ficava na Av. Dr. Arnaldo, nº 2365, bem próximo da sede da emissora em São Paulo.
Era um local que atendia o público que desejava participar de promoções ou se inscrever em
concursos ou festivais musicais. Era, também, onde trabalhavam os diretores e produtores
musicais da emissora, como Fernando Faro, Antonino Seabra, Goulart de Andrade, Bernardo
Federowski e Magno Salerno. O velho sobrado existe até hoje.
Em meados dos anos 1960, apesar de ter iniciado uma crise administrativa nos Diários e
Emissoras Associados (ver Capítulo 41), a TV Tupi estava artisticamente no seu auge. Nos
estúdios “A”, “B” e “C” do Sumaré estavam sendo produzidos os programas de entretenimento
e teleteatro. No pequeno Estúdio “D” continuava o jornalismo e no “E” a teledramaturgia. A
audiência das novelas continuava crescendo substancialmente e o gênero ia se tornando o carro-
chefe da programação.
Germe do teleteatro, a primeira telenovela da TV brasileira estreou já em dezembro de 1951,
durante o segundo ano de operações da pioneira TV Tupi de São Paulo. “Sua Vida Me Pertence”
era uma novela radiofônica que fora adaptada para o vídeo por Walter Forster, que também
a dirigiu e atuou como um dos protagonistas. Quando a telenovela estreou, tinha um formato
bem diferente do que é visto hoje, pois as histórias eram curtas, parecidas com um seriado de
cinema, com as exibições feitas ao vivo e periodicidade bissemanal. “Sua Vida Me Pertence”,
por exemplo, contou com 15 capítulos, mas ficou marcada pela realização do primeiro beijo na
boca exibido pela televisão brasileira, trocado entre os atores Walter Forster e Vida Alves.
A Tupi foi se inovando e chegou a produzir, ao menos, três séries de TV ainda durante a década
de 1950: “O Falcão Negro” (inspirada no personagem Zorro), “Alô, Doçura” (inspirada na série
“I Love Lucy”) e “Sítio do Pica-Pau Amarelo” (de Monteiro Lobato). Já o formato das novelas
demorou a ser mudado, a exemplo de “O Jardim Encantado”, de Júlio Gouveia, que estreou na
emissora em novembro de 1959, mas ainda com exibições ao vivo e bissemanais. No entanto,
como abordado, somente em 1963 é que o formato das novelas começou a passar por grandes
alterações advindas com a implantação do videoteipe1.
Em 1966, de posse do montante recebido da Prefeitura de São Paulo pela desapropriação do
Teatro Tupi-Consolação e com a necessidade de ampliar o espaço para a teledramaturgia e dar
continuidade às grandes produções artístico-musicais produzidas naquele local, as Emissoras
Associadas encomendaram a atualização do antigo projeto que previa a construção de um novo
e grande Estúdio-Auditório no Sumaré, ou seja, um conceito que mesclava estúdio de TV, teatro
e auditório. Haveria um incrível palco multifuncional, capaz de produzir espetáculos, teleteatros,
novelas e programas diversos. Se necessária a presença de público, um grandioso e confortável
auditório anexo poderia ser usado. O grande estúdio teria capacidade para realizar gravações
dos programas em videoteipe, além de transmitir programas ao vivo. Por fim, o projeto previu
também a construção de um enorme depósito de cenários no subsolo do palco.
O novo Teatro Tupi seria montado com a junção de um prédio a ser construído, chamado no
projeto de “Estúdio para Video-Tape”, com um outro já existente, que passaria por grandes
adaptações para receber o moderno auditório. Este prédio existente — que já havia funcionado
como auditório da Rádio Difusora — vinha abrigando o Estúdio “E”, exclusivo para gravar
novelas. A fachada da Avenida Prof. Alfonso Bovero, nº 72 — cuja reforma abordamos no item
1 O advento do videoteipe nas novelas propiciou um ritmo maior de produção, agilizou a
utilização de vários cenários e de tomadas externas. Além disso, deu a possibilidade de criar
efeitos, corrigir erros, repetir e selecionar cenas.
404 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O “Estúdio para Video-Tape”, na prática, herdou os dois nomes da estrutura anterior: “Estúdio
‘E’” e “Estúdio-Palco”. Suas dimensões eram de 19,90 m x 19,90 m (396 m2) e pé-direito de 15
m. Seu palco tinha 12 m de “boca”, 20 m de profundidade (240 m2) e 3,5 m de altura. O grande
trunfo foi a versatilidade multifuncional deste estúdio. Devido ao amplo espaço, era possível,
por exemplo, gravar cenas de uma novela ao mesmo tempo em que um musical entrava ao vivo
no ar. Seu altíssimo pé-direito de 15 m foi projetado para a instalação de um prático sistema de
movimentação vertical de cenários, um verdadeiro depósito suspenso. Contando com o palco e o
grande depósito do subsolo, era possível armazenar até 18 cenários simultaneamente. O auditório
ganhou uma decoração interna especial, com estilo colonial, utilizando-se de arandelas, treliças
e as 470 poltronas na cor azul. Havia uma passarela que dividia o auditório ao meio, por onde
artistas podiam se aproximar do público. O teatro dispunha de uma sala de espera, com todas
as comodidades ao telespectador. A imprensa informou que se tratava do maior auditório da TV
brasileira.
Os equipamentos instalados no palco eram muito modernos, com sistema sensível de microfones
aéreos, focos de luzes com 100 “panelões” de vários efeitos, além de camarins muito bem
equipados. Existia espaço para instalação de até cinco câmeras, duas além do que era usado em
shows ao vivo. Além da câmera de fundo, havia como instalar outras duas nas sacadas laterais, a
1 Rádio Difusora São Paulo S/A era a razão social da TV Tupi de São Paulo.
2 O art. 67 do Código de Obras da cidade de São Paulo, vigente no ano de 1966, estabelecia
que o prazo máximo para a aprovação de projetos era de 20 dias úteis, a contar da data do
protocolo. Quando esse prazo expirava sem solução para o interessado, ele poderia dar início
à construção mediante comunicação prévia, sobretudo, obedecendo às prescrições daquele
código.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 405
fim de não prejudicar a visão completa do público. As salas do controle técnico ficavam ao alto,
no fundo, dando possibilidade de total domínio das cenas. O auditório dava boas condições para
um excelente aproveitamento de qualquer tipo de espetáculo, favorecendo todos os ângulos. A
acústica era uma das mais perfeitas da TV brasileira. As bilheterias foram construídas voltadas
para a Rua Catalão, nº 48, e do outro lado, na portaria voltada para a Avenida Prof. Alfonso
Bovero, foi implantado um totem giratório, em forma de cubo, onde se imprimia o rosto do
personagem Tupiniquim, símbolo da emissora, e os dizeres “TEATRO TUPI” e “CANAL 4”.
Em 1972, o totem foi atualizado com a nova logomarca da senoide da Rede Tupi.
As obras do novo Teatro Tupi estavam em curso quando, em junho de 1967, a emissora ganhou
um novo diretor-artístico, o publicitário de grandes ideias Abel Guimarães1, uma indicação
do diretor-comercial da TV Tupi, Fernando Severino. Sua missão foi tornar mais dinâmica a
programação do Canal 4, já que a emissora se preparava para investir “pesado” na linha de shows
musicais e novelas. Abel Guimarães estava assumindo as funções de Cassiano Gabus Mendes,
que se desligara das Emissoras Associadas. Descontente com os rumos da Tupi, principalmente
por ser obrigado a demitir muitos funcionários pioneiros como ele, Gabus Mendes aceitou o
convite da TV Excelsior, onde, ficou responsável por escrever e dirigir a série “Os Galãs Atacam
de Madrugada”. Contudo, o sucesso da série foi menor que o esperado e Gabus Mendes não
chegou a completar um ano na emissora. Em 1968, ele estava de volta à TV Tupi, onde foi
recebido com muita festa e fogos de artifício.
A inauguração do Teatro Tupi do Sumaré também seria marcada com a estreia da programação
de 1967 de Abel Guimarães. Com um conceito diferenciado, foi montada com base em diversos
estudos para atingir as diferentes faixas de público em horários pré-estabelecidos e racionalizados.
“Vinte e três novos programas serão lançados em agosto, na base de opção do telespectador:
se num horário determinado outra estação estiver apresentando uma novela ou filme, na Tupi
será diferente: um musical, humorístico ou teatro. Aliás, esta é a grande arma da estação. A
ideia inicial é criar no telespectador o hábito de audiência, pois as televisões brasileiras têm sua
programação como uma colcha de retalhos”, declarou Abel Guimarães ao jornal “Diário de São
Paulo”2.
O ritmo das obras do teatro foi acelerado e durou apenas sete meses. Sobre isso, Abel Guimarães
comentou na mesma reportagem que, na reta final, a paisagem mudava a cada duas horas3. A
pressa se deu pois um grande evento de inauguração foi marcado para o dia 2 de agosto de 1967,
cuja atração principal seria o guitarrista e cantor norte-americano de rock ‘n’ roll e standards,
Chris Montez, de 22 anos, exclusivamente contratado para fazer uma temporada na emissora4.
Cenas do show de
inauguração do Teatro
Tupi. (Diário de São Paulo/
reprodução)
Na noite de 2 de agosto, o Teatro Tupi foi inaugurado com o grande “Show Número 1”,
transmitido ao vivo e abrindo a nova fase da emissora, chamada de “Tupi/67” (leia-se “Tupi
Barra 67”). A produção do espetáculo foi de Abelardo Figueiredo e a direção de Abel Guimarães.
Foi Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo e
deputado federal recém-empossado, quem ofereceu o novo auditório aos paulistas. Durante o
espetáculo, os 23 novos programas da emissora foram anunciados, com expectativa de entrarem
no ar de forma gradativa até o final daquele mês. Mais de 20 atrações passaram pelo palco
naquela noite de inauguração, antes de chegar a vez da atração principal, o famoso Chris Montez1.
1 Em 1963, Chris Montez estava fazendo muito sucesso e um show que realizou na cidade
inglesa de Liverpool foi precedido por um novo grupo inglês: The Beatles.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 409
Grande tendência daquela época, os festivais de música também aconteceram no Teatro Tupi,
levando numeroso público ao Sumaré. Os primeiros foram “I Festival Universitário da Música
Popular Brasileira” (1967-68), “A Mais Bela Voz Colegial” (1969) e “I Festival da Viola” (1970).
Em agosto de 1971, o produtor Fernando Faro levou três grandes nomes da música jovem ao
palco do Teatro Tupi: Caetano Veloso, Gal Costa e João Gilberto. Eles gravaram o especial
“Chega de Saudade”, sem plateia, e que ficou marcado na história da TV brasileira (ver box).
O Estúdio “F”
A audiência da teledramaturgia já era enorme na segunda metade dos anos 1960 e a disputa pelo
topo da audiência entre Tupi, Excelsior e Globo estava acirrada. Em 1968, como o número de
patrocinadores das novelas vinha aumentando significativamente e a Rede Globo rumava para
liderar o mercado, a Tupi precisou investir ainda mais na qualidade de suas produções. Em 1º
de abril, a emissora lançou um projeto ousado, estreando simultaneamente quatro novelas com
capítulos de 30 minutos, exibidas em sequência a partir do novo horário das 17h45. Chamado de
“As Quatro Estações do Amor”, o projeto foi fruto de uma estratégia criada pelo novo diretor-
artístico Jota Silvestre (substituto de Abel Guimarães), que implantava uma nova programação.
Mesmo com a boa capacidade dos estúdios do Sumaré, novamente surgia a necessidade
de preparar um local para gravar as novelas da faixa das 20h. Em meados de 1968, a saída
encontrada foi adaptar o depósito da cenografia, que ficava no subsolo do Estúdio-Palco/Estúdio
“E”, e transformá-lo no Estúdio “F” (ou “Estúdio-Subsolo”). “Esse novo estúdio era muito
dificultoso para montagem de cenários, devido à grande quantidade de colunas. Embora que,
com genialidades, tudo era possível”, lembra o cenógrafo Luigi Calvano.
O Estúdio “F” foi inaugurado às pressas, no dia 20 de outubro de 1968, quando Cassiano Gabus
Mendes, voltando da TV Excelsior e retomando seu cargo de diretor-geral da emissora, iniciou
as gravações de “Beto Rockfeller”, que alcançou estrondoso sucesso e dividiu a história da
teledramaturgia brasileira em duas fases. “Beto Rockfeller” conseguiu “desradiofonizar” a
novela diária com sua linguagem popular e estilo inovador, fugindo dos gêneros predominantes
“capa e espada” e romance folhetim.
“O assoalho do Estúdio ‘F’ ainda não havia sido devidamente revestido e, por isso, as câmeras
trepidavam um pouco quando eram movidas. Isso ficou incorporado nas cenas de ‘Beto
Rockfeller’ e disseram que era um efeito criado pelo Lima Duarte, que dirigiu a novela no início.
Depois quem passou a dirigir foi o Walter Avancini”, ressalta a atriz Ana Rosa. Foi no Estúdio
“F” que a Tupi gravou outros grandes sucessos da teledramaturgia, como “Os Inocentes” (1974),
“Ídolo de Pano”(1974-75), “A Barba Azul” (1974-75), “Xeque-Mate” (1976) e “Mulheres
de Areia” (1973-74). Com “Mulheres de Areia”, de Ivani Ribeiro (ex-TV Excelsior), a Tupi
começou a recobrar o prestígio perdido e pôde realizar novos e ambiciosos investimentos, como
a contratação de Vicente Sesso, então autor de novelas da TV Globo, que escreveu “As Divinas
e Maravilhosas” (1973-74) para a Tupi.
412 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Grande, luxuoso e confortável, o Cine Monark foi inaugurado em 1952, na Avenida Brigadeiro
Luís Antônio, n° 884, no bairro da Bela Vista. Já nos anos 1960, problemas relacionados com as
distribuidoras de filmes e a popularização da televisão determinaram a decisão de sua proprietária,
a família Chakur, em fechar o cinema e arrendar o espaço. Foi quando, em 1968, foi fechado um
contrato de locação com a TV Tupi, que, um ano antes, havia inaugurado seu grandioso teatro no
Sumaré, mas, devido à necessidade de obter mais espaço, optou por alugar uma casa de shows
na região central de São Paulo, experiência similar e positiva que a emissora teve com o Teatro
Tupi-Consolação entre 1961-66. A Tupi iria promover uma grande reforma no Cine Monark para
produzir a sua programação vespertina ao vivo, além de programas de auditório, shows musicais,
programas humorísticos e teleteatro.
As reformas no Teatro Tupi-Brigadeiro duraram quase um ano. Com intensas atividades,
movimentaram quase uma centena de trabalhadores, entre eletricistas, pedreiros, carpinteiros
e encanadores. Aos poucos, o Cine Monark foi se transformando na menina dos olhos dos
dedicados funcionários da TV Tupi.
O projeto foi desenhado pelo Departamento de Engenharia dos Diários Associados. Foram
instaladas 844 novas poltronas, niveladas e colocadas de modo estratégico para impedir que
o espectador da frente incomode quem está atrás. Para chegar ao auditório, havia três grandes
portas após uma ampla sala de espera e, dentro do auditório, três grandes corredores de circulação.
A sala era um grande retângulo e uma parte da parede foi coberta com lambris e a restante
pintada de azul claro. A “boca de cena” foi coberta com papel de parede com motivos azuis,
propositadamente muito similares aos do Teatro Tupi no Sumaré.
Um novo palco foi montado bem próximo da plateia, pois um sistema de coxias e um novo piso
o deixaram em condições ideais para televisão. Seus 14 m de “boca” por 16 m de profundidade
deram muita liberdade aos artistas e técnicos. Duas enormes escadas de circulação conduziam a
uma sala de espera subterrânea, onde os artistas aguardavam a hora de entrar em cena. Grandes
portas davam acesso aos seis camarins, três masculinos e três femininos, que tinham saídas e
entradas independentes do teatro. Esse setor era praticamente uma construção à parte, oferecendo
todo conforto e capacidade para quatro pessoas em cada camarim. Uma sala de costura contava
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 413
sempre com uma camareira de plantão. A sala de maquiagem ficou próxima ao palco, mas longe
do burburinho dos camarins. Já a sala de espera, com duas cadeiras de barbeiro, perdeu um
pouco de seu tamanho, pois uma divisão feita próxima a uma das escadas praticamente levava
o artista ao palco. Sobre a plateia, foram instalados seis microfones sensíveis e bem preparados
para captar as reações do público. O som era amplificado nas seis grandes caixas acústicas.
Havia duas séries de poltronas estofadas em couro-plástico vermelho, ao estilo do belo Cine
Monark. Metade do balcão se transformou em estúdio de televisão e todas as paredes foram
recuperadas com massa corrida, sendo que as do balcão ficaram azuis com suas escadas em cinza
e branco. Apenas não pôde ser instalado um sistema de movimentação vertical de cenários, tal
qual do teatro do Sumaré. Contudo, sem perda de qualidade, também foram usadas as práticas
“tapadeiras” em vez dos tradicionais cenários, de montagem mais difícil.
CAPÍTULO 33
INAUGURA-SE A TV CULTURA
N
o dia 20 de setembro de 1960, pouco dias após as comemorações dos 10 anos da TV
Tupi, era inaugurada a TV Cultura - Canal 2, sua “irmã caçula”, com o slogan “Um
verdadeiro presente de cultura para o povo”. Com as TVs Tupi, Paulista, Record e
Excelsior no ar, a cidade de São Paulo ganhava sua quinta emissora.
Após a cogitação para montar a sede da nova estação no complexo do Sumaré, a decisão final foi
por ocupar todo o 15º andar do edifício Guilherme Guinle, dos Diários Associados, na Rua Sete
de Abril, nº 230. Apesar da expressão “ocupar todo o 15° andar” dar uma sensação de espaço
amplo, esta não era bem a realidade, já que o objetivo era praticamente alojar uma emissora de
televisão inteira em um único local. Além disso, havia também o problema da limitação dos
416 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
elevadores para transportar cenários, entre outros. A torre e o transmissor, como já mencionado
no Capítulo 29, eram os mesmos que a TV Tupi tinha usado desde sua inauguração, em 1950,
instalados no alto do edifício do Banco do Estado de São Paulo, também no Centro.
Os técnicos e atores da nova TV Cultura migraram todos da Tupi. O então assistente da presidência
dos Diários e Emissoras Associados, jornalista Bolívar Madruga Duarte, que também acumulava
as funções de chefe do Departamento de Divulgação e Propaganda das Emissoras Associadas,
foi designado para ocupar o cargo de diretor-artístico do Canal 2. A direção comercial ficou a
cargo de José Duarte Jr. e a direção-administrativa de Walter Batloune.
Segundo um repórter da “Folha de São Paulo”1, a TV Cultura iria estrear com “dois magníficos
estúdios com aparelhamento moderno” e “uma pequena ala onde serão feitas as entrevistas
com personalidades ilustres”. Apesar do alarde das Emissoras Associadas sobre os “modernos”
equipamentos da nova estação de TV, na verdade, boa parte deles já tinha sido amplamente usada
pela TV Tupi, a exemplo das três RCA TK-30, que foram as primeiras câmeras da TV Tupi (ver
Capítulo 9). Outro aspecto nada moderno foram as instalações adaptadas e pequenas.
Havia dois estúdios pequenos, sendo que o maior era o “A”, com apenas 30 m2. Não temos a
metragem do Estúdio “B”, mas era inferior que a do “A”. A solução encontrada, com o passar
do tempo, foi recorrer a outras estruturas do mesmo prédio onde a emissora estava instalada,
como o auditório do Museu de Arte (MASP), no 2º andar, e o rooftop. Vale ressaltar que foi neste
mesmo auditório que se realizaram as primeiras experiências da PRF3-TV Tupi-Difusora, nos
dias 4, 7 e 11 de julho de 1950 (ver Capítulo 12), quando se apresentou o cantor José Mojica e
Campanha de Lançamento
Nos diversos anúncios sobre a estreia do Canal 2 que foram publicados nos jornais “Diário de
São Paulo” e “Diário da Noite”, como se vê a seguir, observa-se que os textos publicitários
mostraram bem a filosofia da nova emissora, como veremos a seguir. Importante ressaltar que a
data de inauguração, inicialmente, estava prevista para acontecer no final do primeiro semestre
de 1960, mas foi alterada para algum dia de agosto, depois para 7 de setembro e, por fim, 20 de
setembro.
Um novo mundo maravilhoso de entretenimento, a partir do início
de setembro. Dotada de equipamentos moderníssimos e poderosos,
levará imagem perfeita e uma programação verdadeiramente
sensacional. Esportes, noticiários, filmes de entretenimento de curta
e longa metragem, retransmissão dos grandes programas das TVs
“Associadas” em todo o país.
TV Cultura: equipada com o que há de mais avançado e novo em
televisão, a nova TV Cultura será um presente a São Paulo. Moderno
estúdio no centro da cidade, à R. 7 de Abril, 230 - 15º andar.
A emissora funcionará entre 19h e 23h a partir de 20/09/60. Será
uma estação voltada para São Paulo. Será a mais paulista das
emissoras de TV, equipada com o que há de mais moderno no setor
de eletrônica. Moderníssimos transmissores, instalados no prédio do
Banco do Estado de São Paulo.
Uma nova emissora associada a serviço do Brasil! Voltada para São
Paulo, a nova TV Cultura Canal 2 será a mais paulista das emissoras
de televisão! TV Cultura - Canal 2 - A Primeira em seu Televisor.
Transmissão inaugural hoje, às 20h, diretamente do Jardim de
Inverno Fasano.
418 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Campanhas de lançamento
da TV Cultura. (reprodução)
Simbólica charge
produzida por Mário
Fanucchi, onde a TV
Tupi de São Paulo
recebe sua “irmã
caçula” TV Cultura.
(Diário da Noite/
reprodução)
Canal 2. Sendo a mais jovem das televisões, traz, no entanto, consigo, tradições gloriosas numa
das mais comoventes e maravilhosas histórias da nossa radiodifusão. Se algo existe de idealismo,
desprendimento e amor pelo progresso está contido na singela e tocante história da Rádio Cultura.
Prosseguiu Monteiro:
— Nasceu a Rádio Cultura forte pelo entusiasmo, segura pela confiança e poderosa pela figura
paternal e magnífica de Cândido Fontoura que, confiando naquela plêiade de jovens sonhadores,
não os abandonou um só instante em toda sua trajetória no cenário da radiodifusão brasileira. Não
é somente a esse passado radiofônico que rendo neste momento as homenagens, mas também, e
principalmente, a Cândido Fontoura, radialista honorário e membro por direito e por conquista da
grande Família Associada, pois seu nome, além de ser muito caro à nossa organização, continua
e continuará para sempre ligado à Rádio Cultura e agora à TV Cultura.
Em seguida, Monteiro fez referência ao chefe Assis Chateaubriand:
— Vejo-o [como se estivesse] aqui presente, porque ele nunca se ausentou do nosso pensamento
nas horas mais difíceis e nas horas mais alegres. É a ele que oferecemos, neste instante, o júbilo
que sentimos ao inaugurar a Televisão Cultura - Canal 2. É mais um de seus desejos cumpridos
pela sua equipe, essa mesma equipe que continua aguardando as vozes de comando do seu
chefe para cumpri-las integralmente, porque sabe que essas ordens constituíram, constituem e
constituirão sempre um grande, um enorme, um insuperável desejo de servir o Brasil.
Fernando Chateaubriand, filho do Velho Capitão, apresentou Cândido Fontoura, um dos
padrinhos da TV Cultura.
— Surge hoje, nos céus de São Paulo, mais uma emissora a serviço do Brasil, integrada na
organização fundada pelo embaixador Assis Chateaubriand e dinamizada pelos seus seguidores
que orientam a maior cadeia de rádios, jornais e televisão da América Latina. Várias solenidades
estão programadas para marcar este auspicioso evento. Coube-me, entretanto, ser o designado
para a tarefa mais grata e honrosa: a de apresentar o padrinho desta emissora, cuja imagem já
ganha os vossos lares. A escolha para o patrono da TV Cultura, Canal 2, não poderia ser mais
acertada e justa: recaiu sobre a figura veneranda do ilustre farmacêutico Cândido Fontoura. Para
nós, e para todos que com ele têm o prazer de privar, apenas o bondoso e humano Tio Candinho.
O padrinho da TV Cultura tem uma vida inteiramente dedicada a nobres realizações, em qualquer
campo em que ela se faça sentir.
Finalizando a cerimônia oficial, Cândido Fontoura, antes de desatar uma fita simbólica, proferiu
a sua oração de paraninfo.
— Não encontro palavras que melhor possam traduzir o meu sentimento com relação à pessoa do
meu querido amigo Assis Chateaubriand do que as que foram proferidas pelo sábio acadêmico
professor Silva Mello, que, a respeito do sr. Assis, disse em sua oração de posse na Academia
Brasileira de Letras: ‘Não há luz sem sombra, não há alegrias sem tristezas’. E isso é da vida e da
natureza. O maior fenômeno humano que me tem sido dado observar na face da Terra, através da
minha longa existência, é esse homem prodigioso, pelo caráter, pela inteligência, pelo coração.
A própria doença aniquilou-lhe o posto, mas deixou íntegras, perfeitas, maravilhosas na sua
espantosa personalidade, as suas inacreditáveis qualidades afetivas e espirituais. E, na doença,
tem sido o mesmo homem dos tempos de saúde; enfrenta a enfermidade com bravura indômita,
sabe sobrepor-se às misérias da vida com grandeza e heroísmo, enchendo de admiração e respeito
os seus médicos e amigos. Homem único, singular, cuja falta nesta recepção representa o maior
vácuo que poderia ocorrer em minha posse. Ao declarar inaugurada a TV Cultura, desejo-lhe
uma trajetória brilhante, na certeza de que a nova emissora de TV servirá o povo de São Paulo
por muitos anos, educando, informando e divertindo, acompanhando o progresso desta nossa
420 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O grande show de inauguração iniciou-se às 21h, dirigido por Teófilo de Barros Filho e com a
participação especial de artistas das Emissoras Associadas de Pernambuco, Minas Gerais, Bahia,
Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 421
Programação
comercial, mas, mesmo assim, realmente não faltaram programas voltados à educação. Desde
o início já havia aulas de inglês e, em março de 1961, foi iniciada a experiência de lecionar
pela TV, algo já muito comum na Inglaterra e nos Estados Unidos. Para isso, foi celebrada uma
parceria com a Secretaria Estadual de Educação, que criou o SERT - Serviço de Educação pelo
Rádio e Televisão, por onde professores ministraram cursos de admissão ao antigo ginásio. De
acordo com a parceria firmada com as Emissoras Associadas, o governo não precisava pagar pela
veiculação dos programas, que também iriam ao ar pela Rádio Difusora. Em 1962, a Secretaria
Estadual de Educação criou o “Curso de Admissão pela TV” e, no ano seguinte, criou o SEFORT
- Serviço de Educação e Formação de Base pelo Rádio e Televisão, que acabou ampliando a
programação educativa veiculada pela TV Cultura, com aulas de literatura, artes plásticas,
educação musical e curso de madureza. Visando atender à carência de grande parte da população
em contar com televisores nas residências, foi inaugurada em 1964 uma rede de telepostos, ou
seja, salas de aula abertas ao público, equipadas com um receptor de TV sintonizado no Canal 2.
Bastidores das instalações da TV Cultura na Rua Sete de Abril. (Coleção “Emissoras Associadas”/Arquivo Público
do Estado de São Paulo)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 423
Incêndio
lutaram, mas só conseguiram isolar o andar para evitar a propagação. Eram quase 2 da manhã
quando o fogo foi controlado. A causa provável foi um curto-circuito.
Embora não tenha havido vítimas, foram grandes os prejuízos, mesmo com os esforços dos
funcionários. Por sorte, como o setor onde eram guardados os equipamentos eletrônicos ficava
um pouco distante da inflamável cenografia, foram salvas duas das três câmeras da emissora, o
equipamento de videoteipe, algumas películas e alguns outros materiais eletrônicos. Uma
pequena parte do andar inferior também foi afetada, mas nada aconteceu com as redações do
“Diário de São Paulo” e “Diário da Noite”, e com o departamento de reportagens das rádios Tupi
e Difusora, todos em andares mais inferiores.
televisão em um terreno com 1500 m2 adquirido em 1958, juntamente com a compra da Rádio
Cultura e da concessão do canal 2. Tratava-se de um belíssimo local às margens da Lagoa Santa
Marina, no bairro da Água Branca, Zona Oeste de São Paulo. Neste terreno funcionava o parque
de transmissão conjugada das estações “Associadas” de Ondas Médias e Ondas Curtas da Rádio
Cultura e da Rádio Difusora.
Para a construção do complexo, o sistema de transmissão das rádios foi desativado e um novo
parque técnico foi montado em um terreno também das Emissoras Associadas, localizado no
bairro de Vila Sofia, Zona Sul de São Paulo.
A nova sede da TV Cultura começou a ser erguida no final do primeiro trimestre de 1966, pela
Ferronato, Pimenta & Cia., empresa que havia construído a maioria dos estúdios das Emissoras
Associadas de São Paulo. O responsável pelas obras foi o engenheiro-civil Gustavo Tupinambá
Freire, chefe do Departamento de Engenharia dos Diários Associados. O novo complexo recebeu
um grande investimento e foi projetado para dispor de amplos espaços, incluindo os diversos
locais que poderiam ser utilizados como cenários naturais, como um bosque, um extenso gramado
e a própria lagoa, que também poderia ser usada para realização de programas aquáticos. Os
prédios obedeceram a mais avançada técnica arquitetônica para instalação de emissoras de TV.
Foram montados dois amplos estúdios — “A” e “B” —, com automatização completa no sistema
de iluminação, tratamento acústico eficaz e um piso inteiramente de plástico, dando grande efeito
estético. Oito modernas câmeras RCA foram distribuídas entre os dois estúdios.
Uma casa de contrarregra, um galpão para cenotécnica, garagem, prédios para a administração
e setor técnico (geração das imagens) também foram construídos no novo complexo. A portaria
ficou voltada para a Rua Fernandes da Fonseca (atual Rua Carlos Spera). Em menos de 90
dias, a nova sede da TV Cultura foi construída e instalada, ressurgindo das cinzas e tornando-se
uma verdadeira atração turística. Contou, inclusive, com um circo na área externa, dispondo de
excelente acústica. Ele serviu como auditório da emissora, para a produção de diversos gêneros
de programas, não só circenses.
Estão em fase de acabamento as novas e modernas instalações do
Canal 2 na Água Branca, prevendo-se que, já na segunda quinzena
de junho próximo, as transmissões serão feitas dos novos estúdios.
[...] Os trabalhos de construção e instalação de equipamentos,
realizados em tempo recorde (90 dias), vêm sendo orientados pelo
engenheiro-arquiteto dr. Gustavo Tupinambá, chefe do Departamento
Especializado das “Associadas”. (“TV Cultura Vai Ter Casa Nova
em Junho”, Diário de São Paulo, 21/05/1966, 2º Caderno, p. 7)
Uma nova programação foi lançada juntamente com a inauguração do complexo, que aconteceu
no início do segundo trimestre de 1967. Foi adquirido o “Telecruzador”, um ônibus especial
para realizar transmissões externas. O projeto final do complexo de televisão ainda previa a
construção dos estúdios “C” e “D”.
426 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
A beleza natural e os estúdios do novo complexo da TV Cultura na Água Branca. (Coleção “Emissoras
Associadas”/Arquivo Público do Estado de São Paulo)
Apesar de todos os esforços dispensados para construir uma sede apropriada para o Canal 2, os
Diários e Emissoras Associados colocaram a Rádio e TV Cultura à venda logo após a inauguração
do complexo da Água Branca. As emissoras foram compradas pelo governo do estado de São
Paulo, algo que será detalhado no Capítulo 47.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 427
O Tupiniquim, na tela do
Canal 3, avisa: “Já é hora de
dormir...”. (Mário Fanucchi/
reprodução)
428 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 34
1963 - AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM TV EM CORES
E
m São Paulo, nos idos de 1963, a TV Tupi e a TV Excelsior travavam uma grande disputa
pelo segundo lugar da audiência. No topo do pódio, estava invicta a TV Record com
seus afamados musicais. Naquele ano, entretanto, além da concorrência pela atenção do
telespectador, as duas emissoras passaram a travar uma disputa tecnológica para conquistar o
pioneirismo na transmissão de programas em cores no país.
Em 1958, quando a direção da TV Tupi adquiriu o transmissor RCA TT6-AL, mais potente que
o anterior e preparado para irradiar imagens também em cores, já se pensava em acompanhar o
desenvolvimento tecnológico das emissoras norte-americanas e realizar algumas transmissões
coloridas experimentais. Todavia, optou-se por aguardar um pouco mais o “amadurecimento” e
maior viabilidade da tecnologia policromática.
Passados dois anos, a emissora se preparou para iniciar suas experiências de livre iniciativa
com imagens em cores1, adquirindo alguns equipamentos com a RCA, empresa que patenteou
o NTSC, o primeiro padrão de televisão colorida no mundo. Os equipamentos chegaram ao
Sumaré em meados de abril de 1961, com destaque para um Telecine a ser usado na projeção de
1 Ao que tudo indica, não houve necessidade de pedir autorização ao governo para realizar
essas experiências. Não há nada na mídia impressa da época a respeito disso. Ou teria sido o
caso apenas de a emissora ter formalizado um simples documento para dar ciência.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 429
películas coloridas.
Voltando a 1963, a bem preparada TV Excelsior - Canal 9, com apenas três anos no ar, se
preparava para uma grande arrancada com a estreia de uma rica programação e a promoção de
melhorias na qualidade de imagem e som. Aproveitando a instalação de novos equipamentos, o
Canal 9 também investiu nas transmissões em cores, mas foi por um caminho diferente da Tupi
ao adquirir uma câmera inglesa de fabricação Marconi1. Enquanto a Tupi poderia exibir em cores
filmes, seriados, desenhos animados, documentários e outros “enlatados”, a Excelsior exibiria
seus próprios programas de estúdio com a nova tecnologia.
No Sumaré, a programação em cores experimental do Canal 4 foi preparada para ser lançada
por volta de junho de 1963. Contudo, a corrida pela implantação da TV colorida em São Paulo
ganhou velocidade no dia 10 de março, após um anúncio de três páginas ter sido publicado pela
TV Excelsior no jornal “O Estado de São Paulo”. Dentre os detalhes da nova programação da
emissora, havia a informação sobre a chegada das cores ao Canal 9. A fim de garantir novamente
seu pioneirismo, o Canal 4 resolveu, discretamente, antecipar sua primeira transmissão colorida
para o dia 1° de maio, aproveitando a realização de um show especial para apresentação de
seus novos artistas contratados. Para tanto, os técnicos do Canal 4, sob a coordenação de Jorge
Edo, trabalharam incessantemente durante vários dias com o propósito de exibir um programa
1 Há uma divergência sobre o modelo da câmera colorida Marconi, utilizada pela TV Excelsior:
Mark III ou Mark IV BD848.
430 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
especial em cores. Para isso, a emissora importou um lote com 20 televisores da RCA para
promover demonstrações públicas.
Estão dizendo por aí que o Canal 4 vai surpreender a todos com uma
novidade sensacional: o lançamento da TV em cores, adiantando-
se, meio em segredo, que já se encontram no Sumaré alguns
equipamentos para transmissões de imagens coloridas. Para que o
negócio se concretize de verdade, é aguardada a remessa dos Estados
Unidos de vinte receptores especiais, que serão colocados em pontos
estratégicos da cidade. Isto significa que vamos entrar de rijo na fase
revolucionária das emissoras de Televisão em São Paulo. (“Televisão
em Cores”, Mário Júlio, Revista do Rádio, nº 708, 13/04/1963, p. 37)
“A Maior Noite do Ano” foi o nome dado a um programa especial da Televisão Tupi, transmitido
ao vivo do Teatro Tupi-Consolação na noite do feriado de 1º de maio de 1963. Realmente foi
a maior noite do ano para a emissora paulistana e para muita gente envolvida, pois, além de
promover um belo espetáculo musical com os seus 22 novos artistas exclusivos, a Tupi preparou
para o final uma grande surpresa. “A organização que deu à América do Sul, há 12 anos, a
primeira imagem televisionada, proporcionou, ontem, pela primeira vez na América Latina, a TV
em cores”, destacou, no dia seguinte, o jornal “Diário da Noite”.
O show chegou a quase duas horas de duração. Cerca de mil pessoas puderam adentrar para
assistir de perto às apresentações dos 22 cantores recém-contratados pela TV Tupi, entre eles
Jamelão, Agnaldo Rayol, Ângela Maria, Emilinha Borba, Orlando Silva, Pery Ribeiro, Nelson
Gonçalves, Ivon Cury e Inezita Barroso. Anúncios misteriosos como “aguardem a grande notícia
nesta noite…” foram veiculados nos intervalos do Canal 4 e intrigaram a audiência durante todo
o dia.
que porventura contassem com um televisor em cores com padrão NTSC, importado dos Estados
Unidos, também receberiam o filme em cores. Ainda de acordo com o diretor, os receptores
convencionais nada sofreriam e exibiriam normalmente, em preto e branco, o primeiro programa
em cores no Brasil. Ressalta-se que Monteiro estava sendo televisionado em preto e branco até
nos receptores em cores, já que a Tupi não havia adquirido câmeras coloridas.
Os monitores foram ligados no palco e a pré-estreia da programação em cores da TV do Sumaré
foi marcada com a exibição do documentário “Venceu o Brasil”, produzido em 1962 por Jean
Manzon, famoso cineasta e documentarista francês radicado no Brasil. Com nove minutos de
duração e narração de Luiz Jatobá, a produção mostrou as operações da indústria automobilística
Willys Overland, uma das maiores do ramo naquela época. A película em 16 mm foi rodada pelo
Telecine em cores da Central de Exibição do Sumaré e bastou que os receptores do Teatro Tupi-
Consolação fossem sintonizados no Canal 4.
Após a noite especial do Canal 4, a etapa seguinte foi a realização de um evento para o lançamento
oficial das experiências em cores na TV Tupi de São Paulo, que ocorreu poucos dias depois, em 9
de maio de 1963, às 21h, no anfiteatro do Museu de Arte de São Paulo (MASP). Nessa época, o
museu ainda funcionava no 2º e 3º andares do edifício-sede dos Diários Associados, na Rua Sete
de Abril. Vale recordar que foi neste mesmo anfiteatro que a TV Tupi realizou suas transmissões
experimentais ao vivo, em julho de 1950, com as históricas apresentações musicais do Frei José
Mojica.
Para a cerimônia onde se pretendia dar início a uma nova fase da televisão no Brasil, foram
convidados representantes da indústria e do comércio, autoridades, jornalistas e artistas plásticos.
1 “A Televisão em Cores, uma Nova Etapa na Irradiação da Imagem”, O Jornal [RJ], 22/10/1949,
p. 8.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 433
Após 30 segundos de padrão colorido no ar, inicia-se a abertura do programa com uma vinheta
contendo diversos tons coloridos impactantes. “Precisávamos de uma vinheta para abrir a
transmissão; qualquer coisa que fosse atraente em cores. E, como não havia mais tempo de
revelar um filme, eu sugeri que usássemos a técnica do Norman McLaren1 e pegássemos um
filme virgem e o pintássemos, que fizéssemos algumas coisas coloridas. E, realmente, nós
fizemos um filme de 30 segundos, que foi colocado na frente do rolo. Essas imagens foram
transmitidas em primeira mão em cores no Brasil”, revela Roberto Miller, diretor de Arte da TV
Tupi, no documentário “TV 60 Anos” (Boni Produções).
Em seguida, novamente em preto e branco, foi vista uma vinheta da TV Tupi, seguida das
imagens ao vivo, diretamente do anfiteatro do Museu de Arte, que estava totalmente lotado. No
palco, alguns nomes das Emissoras Associadas, como Heitor de Andrade, Homero Silva, Carlos
Spera, Aurélio Campos e o diretor Edmundo Monteiro, este que proferiu o seguinte discurso:
— Meus amigos. Aqui estamos numa demonstração inequívoca do valor da iniciativa privada
e da técnica especializada brasileira. Aqui estamos para reafirmar o quanto se pode realizar
quando se tem fé nos destinos e no futuro do Brasil. Aqui estamos para oferecer ao povo que
possui a segunda radiodifusão mundial a televisão em cores — a primeira da América Latina.
Está vencida a primeira fase da batalha — a da transmissão. Esta fizemo-la nós, as Emissoras
Associadas, seguindo, assim, a sua trajetória repleta de realizações pioneiras. Necessário será
vencer a segunda — a da recepção — e essa dependerá da nossa magnífica indústria eletrônica,
que já conta com mais de duas dezenas de fábricas de receptores de televisão em branco e
preto. Conhecemos as dificuldades de adaptação dessas indústrias e a necessidade de um tempo
prudencial para essa adaptação, que não é somente técnica, mas também comercial. Confiamos
nela, porém, e sabemos que poderá superar o intervalo ocorrido mesmo nos maiores países
industriais, como foi o caso dos Estados Unidos da América do Norte. Em nenhum momento
deixamos de admitir essas dificuldades e o lançamento que ora fazemos é para colocar mais um
marco na trajetória brilhante do Brasil no terreno das comunicações, principalmente referente
aos órgãos de expressão do pensamento. Desejo um parágrafo especial para a valorosa equipe
“Associada” que, num trabalho impessoal, mas de inegável sentido profissional, tudo fez para
colocar São Paulo e o Brasil na vanguarda de mais este empreendimento. A eles, o muito
obrigado dos Diários e Emissoras Associados e o meu particular abraço amigo. Que sigam assim,
dignificando a honrosa profissão de radialista que escolheram, e na qual tanto têm dado de si à
coletividade. Agradeço às autoridades constituídas que, ainda neste instante, nos prestigiam e
animam com seus telegramas e departamentos de congratulações, numa eloquente compreensão
1 O escocês Norman McLaren foi um dos mais importantes animadores voltados para a
animação artística.
434 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
de que tudo fazemos para o bem do Brasil. Agradeço ao grande e querido público, presente em
todas as horas, paciente e compreensivo, ajudando-nos a defender, através da imprensa, do rádio
e da televisão, dias melhores e mais risonhos para os nossos filhos e para os filhos dos nossos
filhos. Que esta mensagem seja um prenúncio de um futuro “cor-de-rosa”, onde os homens de
boa vontade compreendam e amparem aqueles que, amando e querendo o Brasil, se arrojam na
conquista de novos horizontes e de um porvir promissor. O nosso chefe e amigo, jornalista Assis
Chateaubriand, ensinou-nos, na sua grande missão cívica, a pensarmos em termos de Brasil. E
essa é a nossa meta. E essa é a própria razão de ser dos Diários e Emissoras Associados. Muito
obrigado1 — finalizou Edmundo Monteiro.
O ponto alto daquela noite especial era a exibição de produções em cores propriamente ditas.
Algumas delas faziam parte de uma série com reportagens especiais, produzida e gravada em
película colorida de 16 mm por meio de uma pequena câmera portátil. Os trabalhos foram
realizados pelos repórteres José Carlos de Moraes (Tico-Tico) e Carlos Spera, ambos do
Departamento Cinematográfico da TV Tupi. Para a primeira exibição da noite, Spera, juntamente
com o cameraman Irso Cruz e o operador de som José Azevedo, estiveram em Brasília no dia
anterior, gravando uma saudação do presidente da República, João Goulart.
Assim, a primeira produção própria da TV Tupi em cores entrou no ar com belas cenas noturnas
do Palácio da Alvorada, em Brasília. A cena se transferiu para sua biblioteca, de onde se
pronunciou o presidente João Goulart, tendo ao fundo a bandeira brasileira.
— Trata-se de mais uma iniciativa pioneira, que se incorpora, neste instante, ao acervo de
progresso do Brasil e pela qual me congratulo com os diretores desta emissora. Realmente,
nosso povo necessita contar com recursos que o torne sempre atualizado com os problemas
do Brasil e do mundo, numa hora histórica em que a nação se esforça para vencer a batalha do
desenvolvimento, abrindo as portas do futuro, através de reformas democráticas que atualizem a
estrutura econômica e social da vida brasileira — disse o presidente.
A transmissão voltou para o palco, onde foi anunciada a próxima atração colorida. Viram-se
cenas do centro de São Paulo, do Museu do Ipiranga e do interior do antigo Palácio Episcopal
Pio XII, onde o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Carlos Carmello de Vasconcelos Motta,
dirigiu sua saudação pela inauguração das transmissões de televisão em cores e pela passagem
do Dia das Mães. Depois, dos jardins do Palácio dos Campos Elíseos, o governador de São Paulo
Adhemar de Barros e sua esposa Leonor dirigiram igualmente uma aclamação.
Uma próxima reportagem levou o telespectador ao Jockey Club, mostrando algumas cenas
coloridas do Grande Prêmio São Paulo, gravadas em película dias antes. Em seguida, entrou
no ar outro documentário, produzido em cores por Jean Manzon, mostrando uma fábrica da
Companhia Antarctica Paulista e uma reportagem realizada pelo repórter Tico-Tico no estúdio
de desenhos abstratos de Roberto Miller2, o próprio diretor de Arte da TV Tupi, que também era
cineasta. Miller demonstrou as técnicas usadas para produzir dois de seus filmes, sendo que um
1 “São Paulo Aplaudiu com Entusiasmo a Primeira Exibição de TV em Cores”, Diário da Noite
[SP], 10/05/1963, 2º Caderno, p. 5.
2 O primeiro trabalho comercial de Roberto Miller foi o filme “Rumba”, de 1956, um comercial
para os discos Columbia que acabou premiado no Festival Internacional de Lisboa. Depois,
no ano seguinte, outro comercial para a Varig, com produção de José Bonifácio de Oliveira
Sobrinho, o Boni, também acabou premiado como melhor filme comercial do ano e animou
Miller a investir no filme “Sound Abstract”, um trabalho experimental autoproduzido, desenhado
e sonorizado diretamente em película virgem. Nos anos 1960, Miller desenvolveu trabalhos
na TV Excelsior de São Paulo e, logo depois, participou da produção dos programas “TV de
Vanguarda” e “Móbile”, na TV Tupi.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 435
deles era “Sound Abstract”, premiado em Cannes e Bruxelas. Por fim, a Tupi exibiu em cores um
documentário de Primo Carbonari, “Aventuras no Garimpo” e um filme inglês de animação, que
retratava a evolução dos instrumentos para medição do tempo. O programa especial se encerra
com alguns slides coloridos na tela.
Os trabalhos técnicos do Canal 4 para realização das primeiras reportagens em cores da América
Latina foram dirigidos por Jorge Kurkjian, diretor-técnico do Departamento Cinematográfico da
Tupi. O cinegrafista foi Luís Sansini e a direção de jornalismo de José Luís de Paula.
Muitas pessoas acompanharam a transmissão no saguão dos Diários Associados, onde também
estavam dispostos alguns receptores coloridos, especialmente destinados ao público. Esta
ação fez parte da estratégia de marketing, que também providenciou, nos dias subsequentes, a
instalação de receptores em algumas lojas da cidade, mais precisamente na loja Sears do bairro
do Paraíso (Rua Treze de Maio, nº 1947), nas Casas Pirani (Avenida São João, nº 869) e na
Eletro-Radiobraz (Avenida Rangel Pestana, nº 2151). Tudo isso remonta ao início da própria
televisão em São Paulo, em 1950, quando os Diários e Emissoras Associados se utilizaram de
estratégia idêntica no mesmo saguão e em lojas da cidade, para divulgação da estreia da sua
PRF3-TV Tupi-Difusora.
Na despedida do especial “A Maior Noite do Ano”, foi anunciado que em breve seria iniciada
a programação experimental em cores do Canal 4, com periodicidade semanal e depois diária.
A partir do dia 13 de maio, a emissora passou a transmitir regularmente um padrão de testes
em cores, que ia ao ar de segunda a sábado, entre 11h e 12h, com objetivo principal de dar
oportunidade para técnicos e proprietários de televisores coloridos ajustarem os tons. Logo, a
Tupi estreou uma faixa vespertina com cerca de 60 minutos de duração, de segunda a sexta,
sempre iniciando por volta das 17h, onde foram exibidos programas variados em cores. Entre as
atrações, slides fotográficos, filmes com apresentações de ballet, viagens para países exóticos,
reportagens, curiosidades científicas e desenhos animados, entre eles, um pacote de atrações dos
estúdios Walter Lantz, incluindo “O Pica-Pau”, “Andy Panda” e “O Picolino” (Chilly Willy). Um
bom exemplo de exibição de slides foi ao ar no dia 17 de junho, com a 1ª Exposição de Pintura
pela Televisão, onde foram mostradas fotos coloridas de alguns dos quadros universalmente
famosos da coleção do Museu de Arte de São Paulo.
Na abertura da sessão diária em cores, a Tupi exibia sua logomarca especial — o conhecido
indiozinho Tupiniquim, mas que agora segurava alguns balões coloridos. Um locutor passava
informações sobre aquela transmissão especial e ressaltava que as cores dos balões eram
vermelho, verde e azul. Há de se ressaltar que os receptores convencionais sintonizavam
nitidamente a sessão colorida do Canal 4, porém em preto e branco.
436 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O primeiro programa regular em cores da TV Tupi foi a série “Bonanza”, que foi ao ar aos
sábados, às 21h. A estreia aconteceu em 25 de maio de 1963, trazendo ao Brasil um programa
que há quatro anos fazia grande sucesso nos Estados Unidos. “Bonanza” foi o primeiro faroeste
feito especialmente para a televisão, uma produção da emissora norte-americana NBC e dos
estúdios Paramount. A NBC era uma subsidiária da RCA-Victor, proprietária da patente do
sistema norte-americano de TV em cores — o NTSC — e a série foi criada justamente para
estimular a venda de receptores em cores. O sucesso das aventuras da família Cartwright, em
“Bonanza”, deu uma enorme longevidade à série, somando 14 temporadas e 431 episódios. O
tema de abertura é inesquecível, marcando época para muitos telespectadores brasileiros que
reservavam as noites de sábado para acompanhar a série na TV Tupi, mesmo que por meio de
um receptor em preto e branco.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 437
Em 28 de junho de 1963, a TV Excelsior - Canal 9 de São Paulo fez sua pré-estreia de transmissões
em cores, com uma apresentação especial dentro da Feira Nacional de Utilidades Domésticas
(UD). Participaram nomes como Chico Anísio, José Vasconcelos, Moacyr Franco e muitos outros
artistas do elenco da emissora. Desta forma, a TV Excelsior foi a primeira emissora a transmitir
um programa ao vivo em cores no Brasil, ao passo que a TV Tupi de São Paulo foi a primeira a
transmitir um programa gravado em cores — simbolicamente, como vimos, um documentário
em filme de 16 mm.
Já a TV Excelsior - Canal 2 do Rio de Janeiro seria inaugurada em 1° de setembro de 1963, com
a proposta de já transmitir alguns programas em cores. Uma pré-estreia também chegou a ser
feita no dia 31 de julho, no Teatro Excelsior (ex-Cine Astória, em Ipanema), onde foi exibido,
em circuito fechado, um programa colorido especial. À época, a emissora divulgou ter investido
Cr$ 300 milhões em equipamentos, entretanto, logo suspendeu suas experiências em cores em
São Paulo e sequer começou a fazê-las no Rio de Janeiro. O jornal “Folha de São Paulo”, ligado
ao grupo controlador da emissora, chegou a publicar que a programação regular em cores seria
438 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
iniciada somente entre dezembro de 1963 e março de 1964. “Os testes já estão sendo feitos e o
transmissor novo já foi encomendado”, revelou o jornal, mas nada aconteceu.
Indústria Nacional
Apesar de toda comemoração pelo grande feito, era sabido que as imagens em cores chegariam a
poucas residências paulistas. No entanto, além de ressaltar o pioneirismo da Tupi, as transmissões
experimentais poderiam criar uma cultura entre os telespectadores, que impulsionaria a formação
de técnicos especializados em sistemas a cores — de maior complexidade que o preto e branco
— e estimularia a indústria nacional a produzir os receptores em cores. Esta era a visão de
Edmundo Monteiro, que tinha muita fé que os primeiros receptores começassem a ser fabricados
no Brasil em um prazo razoável.
Mesmo com a atitude vanguardista de Monteiro, o estágio em que se encontrava a TV em cores
nos países desenvolvidos, em pleno ano de 1963, mostrava que transmitir em cores no Brasil
era realmente algo precoce. No exterior, a programação colorida ainda era reduzida e estava em
processo de experimentação. A emissora de TV norte-americana NBC, subsidiária da RCA, era a
única a transmitir programas ao vivo em cores, contudo, limitados a uma hora diária. Os demais
programas coloridos eram, como na TV Tupi, filmes, desenhos animados e documentários. Ainda
nos Estados Unidos, país pioneiro na implantação das cores, havia 64 milhões de receptores
de TV em 1963, sendo que apenas pouco mais de 1 milhão deles eram compatíveis com
transmissões em cores1. Isso devido ao altíssimo custo de um receptor, praticado em função do
monopólio da fabricação que a RCA detinha no mundo. O caso teve que ser discutido no Senado
norte-americano e, ainda em 1963, todas as fábricas especializadas puderam passar a produzir
receptores a cores, desde que pagassem os devidos royalties. O resultado foi que de US$ 1 mil,
o preço dos receptores caiu para US$ 4502. Outro bom exemplo de como a Tupi e a Excelsior se
anteciparam na experimentação das cores é que a BBC de Londres, uma das maiores estações
de TV no mundo, pretendia estrear sua programação colorida somente em 1964, ou seja, no ano
seguinte do início das transmissões experimentais em São Paulo.
Os meses foram passando e, ainda em 1963, a Tupi chegou a ativar o sistema de cores em algumas
de suas retransmissoras de cidades do interior paulista — com direito a show de lançamento —,
entre elas, Campinas, São José dos Campos e Sorocaba. O ano de 1964 se iniciou e a programação
colorida permanecia no ar, sem alterações, com os programas variados da sessão vespertina e
com a série “Bonanza”, aos sábados à noite. Houve até a instalação de uma decoração especial
no saguão dos Diários Associados, alusiva à televisão em cores, visando agradar ao público que
lá costumava ver a programação experimental colorida. As lojas da cidade também continuavam
mostrando os programas em cores do Canal 4.
Contudo, a TV Tupi encerrou suas experiências em cores durante fevereiro de 1964. A sessão
diária foi substituída por outro gênero de programa e “Bonanza” passou a ser exibida em preto
e branco. Sobre o fim dessas experiências, o almirante José Cláudio Beltrão Frederico, membro
da diretoria-executiva dos Diários Associados no Rio de Janeiro e ex-presidente do Conselho
Nacional de Telecomunicações (CONTEL), revelou em uma entrevista1 que, “como o número
de receptores existente era de apenas algumas centenas de aparelhos e não prometia subir, não
chegou a criar-se um mercado e não houve sustentação financeira para o empreendimento”. Já o
jornal “O Estado de São Paulo” apurou que “algumas dezenas de receptores, a maioria vinda de
contrabando dos Estados Unidos, era tudo o que havia para receber esses programas [em cores]
[...]”2 e que “[...] a indústria não estava preparada e não podia fabricar receptores coloridos.
Houve pressões e a experiência terminou”3.
Dois meses após o encerramento das transmissões em cores da TV Tupi de São Paulo, a “Revista
do Rádio” chegou a publicar uma nota dizendo que era “pensamento do diretor Edson Leite
inaugurar a transmissão em cores da TV Excelsior (pelo menos de São Paulo) com um grande
encontro futebolístico, algo assim na base de um Santos x Botafogo, com o Pelé e o Garrincha
alindando o espetáculo”4. A nota também revelou que, na cidade de São Paulo, havia, pelo
menos, 300 aparelhos (segundo estatísticas oficiais) capazes da captação de TV colorida. Mas,
esta transmissão não aconteceu, pois há também quem diga que os programas em cores tenham
sido interrompidos por determinação do recém-instalado governo militar, preocupado em “tomar
as rédeas” deste assunto e futuramente organizar a implantação oficial. A TV Excelsior chegou
a cogitar mais uma vez o início das experiências em cores — desta vez em 1965 —, contudo,
entrou em uma crise institucional que culminou em sua cassação, em 1970.
O grande desafio da implantação da TV em cores, em qualquer parte do mundo, é que não era
(e nunca foi) viável adaptar os televisores em preto e branco. Isso significava que, para ver uma
programação em cores, o telespectador teria que comprar outro receptor. No caso do Brasil, em
1963 ele não poderia estar à venda nas casas comerciais, apenas acessível por meio de agentes
importadores dos Estados Unidos, que praticavam preços exorbitantes. Por outro lado, no Brasil
também havia o contrabando de televisores norte-americanos.
Mesmo que os tubos de imagem colorida e outros inúmeros componentes fossem fabricados
somente nos Estados Unidos, o preço do televisor em cores naquele país custava o triplo do
televisor preto e branco. No Brasil, esta proporção “um para três” se tornaria muito maior,
somando-se os custos de importação destes componentes com os custos de linha de produção
etc. Além disso, quando um desses receptores importados precisasse de manutenção, não haveria
peças de reposição no Brasil, tampouco técnicos especializados e aparelhamento próprio para
realizar as devidas revisões. Mesmo assim, logo após o início das transmissões experimentais
em cores em São Paulo, algumas lojas passaram a fazer anúncios para importação de televisores
preparados. Instalada bem no centro da cidade, a Loja Simis foi uma delas e divulgou nos jornais
que estava aceitando limitado número de inscrições para reservas. O Victor Applianceum,
tradicional centro de compras de brasileiros que iam a Nova York, nos Estados Unidos, fortaleceu
sua comercialização de receptores de TV em cores para o Brasil, fazendo anúncios em revistas
com notícias brasileiras sobre os bastidores da televisão. O preço final dos receptores nessas lojas
poderia chegar à quantia exorbitante de Cr$ 1,5 milhão1! Devido a essas condições, havia em
todo o Brasil menos de 500 aparelhos de TV em cores2.
Segundo a revista “Intervalo”, “os fabricantes da marca [norte-americana] Admiral estavam
dispostos a comercializar a fabricação no Brasil, mas desistiram no momento, porque seria
necessário importar 60% das peças dos Estados Unidos, justamente numa hora em que devemos
economizar divisas”3.
A Associação dos Fabricantes de Receptores de Rádio, Televisão e Eletrônica (AFRATE)
publicou uma nota nos jornais, logo que se iniciaram as transmissões experimentais de TV em
cores em São Paulo. Com um grande volume de pedidos de informações dirigido aos fabricantes
e revendedores de eletrônicos que ela representava, recebidos desde a estreia das transmissões
a cores, a AFRATE resolveu prestar esclarecimentos publicamente. Apoiou a livre iniciativa
das Emissoras Associadas, classificando-a como “brilhante pioneirismo e arrojo técnico”, mas
procurou colocar o público perante a realidade.
Por outro lado, a associação declarou que a indústria nacional de eletrônica se manteria vigilante,
a fim de poder trazer a nova técnica de televisão colorida ao Brasil, mas com cautela, no tempo
certo e sem previsões, já que tudo dependia de outros fatores de interesse nacional, como melhor
disponibilidade de divisas etc. Por fim, a AFRATE não recomendou as importações de televisores
por parte dos telespectadores, destacando que não havia previsão alguma de os fabricantes
disporem de assistência técnica especializada no país.
À época do início das transmissões experimentais da Tupi, Walther Negrão, hoje famoso autor
de telenovelas, publicou uma crítica em sua coluna no jornal paulistano “Brasil Urgente”1,
satirizando que o pioneirismo colorido da TV Tupi se encerrava nos seus próprios corredores.
As experiências de televisão em cores da TV Tupi foram curtas, mas realmente tiveram
importante parcela no incentivo à implantação definitiva desta tecnologia no Brasil, algo que
acabou acontecendo somente oito anos após o final das experimentações de 1963-64. Dois anos
depois das experiências, o governo militar brasileiro já se movimentava para escolher o padrão
de cores que futuramente deveria ser usado no país. Em 1969, algumas fábricas nacionais de
televisores se declaravam aptas a produzir receptores coloridos e, no ano seguinte, o Ministério
das Comunicações investia em infraestrutura para a chegada das cores. Todas essas deliberações
serão apresentadas em detalhes no Capítulo 38.
CAPÍTULO 35
O CONDOMÍNIO ACIONÁRIO E A MORTE DE CHATEAUBRIAND
E
m meados dos anos 1940, Assis Chateaubriand já se preocupava em dar continuidade ao
seu império de comunicação e pensava em constituir uma fundação para integrar seus
colaboradores na propriedade e na gestão do grupo dos Diários e Emissoras Associados.
Mas, foi somente durante o produtivo ano de 1959 — cinco meses antes de adoecer gravemente
— que o Velho Capitão decidiu colocar em prática seu antigo plano. Reuniu amigos e advogados
e criou uma instituição inusitada: um condomínio acionário. A ideia de criar uma fundação foi
descartada, já que, obrigatoriamente, sua natureza implicava na participação do governo. Assim,
foi instituído, em 23 de setembro de 1959, o Condomínio Acionário dos Diários e Emissoras
Associados, no qual Chateaubriand distribuiu 49% das ações e quotas que possuía dentro
de toda a cadeia de empresas a 22 administradores, figuras que passaram a ser chamadas de
“condôminos” ou “comunheiros”. Entre estes, havia diretores das empresas e dois dos três filhos
de Chatô: Gilberto e Fernando.
Saudando o presidente dos Diários Associados, Menotti Del Picchia enalteceu a obra e o gesto de
Chatô, dizendo-se honrado por ter sido escolhido “para manuscrever documentos que são uma
lição luminosa de patriotismo, de humildade e de clarividência de um homem, que considero
a maior figura da nação e documentador insuperável das maiores glórias do Brasil”. Por sua
vez, Assis Chateaubriand disse ser aquele “o dia mais feliz de sua vida de lutas”, reproduzindo,
em seguida, as razões que o haviam levado a instituir o Condomínio Acionário dos Diários
Associados.
O Condomínio seria um colégio de acionistas e se reuniria, obrigatoriamente, ao menos uma
vez por ano. Cada empresa do conglomerado teria sua autonomia e personalidade jurídica de
sociedade anônima, exercendo plenamente a administração da empresa. Ao Condomínio caberia
eleger sua diretoria, mas ele não teria, propriamente, ação direta sobre as empresas, uma vez
que se trataria de uma comunhão de ações e de pessoas físicas, não possuindo personalidade
jurídica. Não haveria empregados, tampouco contabilidade. Os comunheiros participariam das
assembleias gerais das empresas do grupo através do membro chamado “cabecel”, representante
de todos os condôminos nas reuniões legais. Como os membros do Condomínio teriam a
maioria das ações em todas as empresas, exerceriam o controle através de diretores devidamente
indicados por eles e regularmente eleitos. Estes, por sua vez, deveriam administrar as empresas
de acordo com a filosofia e a política operacional dos Diários Associados.
As diretrizes do Condomínio estabeleceram que as quotas e ações recebidas pelos comunheiros
não poderiam ser passadas a herdeiros ou sucessores. A estes, seja por morte, solicitação de saída
ou retirada, seria paga, em até cinco anos, uma importância correspondente ao valor da sua parte,
calculada de acordo com o balanço das empresas. A vaga de condômino em aberto seria logo
preenchida por um substituto, escolhido pelos demais comunheiros. Desta forma, o patrimônio
do Condomínio ficaria permanentemente integral e sempre nas mãos dos 22 condôminos, assim
preservando a filosofia legada pelo fundador.
Em 19 de julho de 1962, por outra escritura lavrada no 6º Ofício de Notas de São Paulo,
Chatô fez a doação dos 51% que havia reservado para si. Porém, excluiu seus filhos Gilberto
e Fernando desta segunda partilha. “[...] Assis Chateaubriand, alertado para o risco de que a
primeira doação de 49% das ações e cotas das empresas jornalísticas aos companheiros, feita
em 1959, não impediria os filhos, de quem discordava de assumirem os Associados após sua
morte, resolveu completar o gesto anterior, repassando os 51% restantes ao Condomínio. Nessa
mesma ocasião, João Calmon foi eleito único vice-presidente da comunhão e, nessa condição,
reconhecido implicitamente por Assis Chateaubriand como seu sucessor no comando dos Diários
Associados.”1
A Doença de Chateaubriand
1 “Brasil, Primeiro - História dos Diários Associados”, Glauco Carneiro, Fundação Assis
Chateaubriand, 1999:429.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 445
Doutor Assis foi inicialmente assistido por diversos médicos em uma clínica carioca. Chegou
a se tratar na própria Inglaterra e nos Estados Unidos. Felizmente, mesmo doente e sobre uma
cadeira de rodas, sua mente continuou sã e ele ainda pôde voltar a trabalhar a partir de casa.
Ao regressar do tratamento na Inglaterra, instalou seu escritório na Casa Amarela, situada na
Rua Polônia, nº 550, no Jardim Europa, em São Paulo. Foi neste imóvel que Chatô acabou
passando os últimos anos de sua vida, tendo-o todo adaptado por conta da sua dificuldade de
locomoção. Havia uma piscina para banhos, onde sua cadeira de rodas podia submergir e ser
içada. O escritório era adaptado e sua máquina de escrever era elétrica, com um mecanismo
especial para Chatô datilografar seus artigos tecla por tecla, com um só dedo. Seu braço esquerdo
ficava sustentado por uma correia de couro.
O Velho Capitão ainda se preocupava com os problemas das empresas que fundou e dirigiu e,
igualmente, se empolgava pelas questões nacionais e internacionais. A Casa Amarela se tornou
um dos centros de conspiração contra o governo de João Goulart, pois Chatô preparava a opinião
pública por meio de seus artigos e de toda a atuação dos veículos dos Diários Associados para a
eclosão do Movimento Militar de 1964. Naquela casa, ele também atendia e despachava
diariamente com chefes de empresas e auxiliares. Não costumava se queixar de nada e, ao
contrário, acordava com os olhos brilhantes e um sorriso para a vida.
Antes de ficar doente, a vida do Velho Capitão era estressante. Ele dormia apenas três horas
por noite e costumava cochilar em almoços, aviões, reuniões e casas de amigos. Escrevia em
qualquer lugar, em qualquer papel, mas com uma letra ilegível, que só um linotipista de “O
Jornal do Rio de Janeiro” entendia.
Mesmo com a paralisia, Chateaubriand não deixou de frequentar festas e eventos públicos,
só diminuindo sua frequência na agenda. Nos eventos, os discursos que datilografava com
dificuldade eram lidos pelos atores Lima Duarte e César Monteclaro, ou pelo diretor Paulo
Cabral de Araújo, estes que se tornaram as “vozes” de Chateaubriand.
Em 19 de outubro de 1965, Chatô sofreu mais um sério abalo em seu estado de saúde, ao
apresentar um importante distúrbio nas coronárias. Além de paralítico, também passou a ser
446 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
cardiopata. Mesmo assim, o chefe do maior império jornalístico da América Latina e comandante
de numerosas campanhas a favor do Brasil e de sua gente, não se deu por vencido e continuou
trabalhando. Uma de suas maiores alegrias foi ao menos ter visto o início da construção da nova
sede de uma de suas criações, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista.
Para substituir Assis Chateaubriand nas funções de presidente do Condomínio Acionário dos
Diários e Emissoras Associados, seus integrantes elegeram por unanimidade, na forma prescrita
pelas escrituras de doação, o condômino João de Medeiros Calmon, que atuava como vice-
presidente do Condomínio Acionário desde 1962. Elegeram, ainda, também por unanimidade,
Edmundo Monteiro como vice-presidente e Leão Gondim de Oliveira como secretário-geral.
Ficou decidido que as reuniões anuais e obrigatórias do Condomínio se realizariam sempre no
aniversário da morte de Chateaubriand.
Disputas Internas
(divulgação)
450 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO ESPECIAL
A CRIAÇÃO DA ABERT
A
partir do momento em que a televisão se expandiu para todo Brasil, cada emissora
passou a enxergar os dilemas e desafios comuns a todas as demais existentes no país.
Não por acaso, temos uma ligação intrínseca entre a criação das histórias das associações
regionais de radiodifusão, como também da própria ABERT - Associação Brasileira de Emissoras
de Rádio e Televisão, com os canais pioneiros dos Diários Associados. Deve-se isso também ao
conhecimento adquirido pelas estações pioneiras e à forte influência das Emissoras Associadas
junto ao governo federal.
Aqui, abriremos um parêntese na história, uma vez que a televisão surgiu em 1950 e a ABERT só
surgiu 12 anos depois. Quem tratava dos problemas da radiodifusão nacional antes disso? Temos
aí dois momentos.
Antes da criação das associações regionais, principalmente a AESP - Associação das Emissoras
do Estado de São Paulo (antes de 1948 seu nome era Federação Paulista das Sociedades de Rádio),
os empresários iam individualmente tratar os problemas de suas emissoras com o Ministério
de Viação e Obras Públicas. Ainda assim, pensando na coletividade, Assis Chateaubriand foi
pioneiro nas negociações em conjunto, indo pessoalmente ao ministério para falar em nome
de toda classe. Ao mesmo tempo, isso atrapalhou a credibilidade de tais ações, uma vez que o
governo federal enxergava como uma iniciativa do próprio Chateaubriand — o que não é uma
inverdade — e misturava as lutas da classe dos radiodifusores como sendo apenas dos Diários
Associados.
No segundo momento, temos a criação da AESP como Federação Paulista das Sociedades de
Rádio em 25 de setembro de 1935, que passou a intermediar de forma associativa as questões
ligadas não apenas a São Paulo, mas muitas vezes às emissoras de rádio e TV brasileiras em
geral. Mesmo assim, lembremos que do período da criação da pioneira TV Tupi até o surgimento
da ABERT, a AESP foi presidida pelo responsável do “braço” paulista dos Diários e Emissoras
Associados, Edmundo Monteiro. O executivo foi o presidente mais longevo na entidade,
comandando a AESP de 1948 a 1983. Antes da ABERT, apenas a AESP fazia parte da internacional
AIR (então Associação Interamericana de Radiodifusão), sendo a única representante brasileira.
Foi por iniciativa da AESP, sob a coordenação de Enéas Machado de Assis (representante dos
Diários Associados), que se realizou, entre 9 e 11 de julho de 1954, o primeiro grande evento
criado pelos radiodifusores: as festividades do IV Centenário de São Paulo, com direito à chuva
de prata de papéis picados, queima de fogos, desfiles e uma grande apresentação no Parque Dom
Pedro II, com o elenco e as orquestras das rádios e das TVs (na ocasião, Tupi, Paulista e Record),
com destaque para o maior, o cast das Emissoras Associadas.
Do ponto de vista dos funcionários, foram criados no final dos anos 1940 os primeiros sindicatos
de radialistas. Como exemplo, o Sindicato dos Radialistas de São Paulo, em 10 de março
de 1945, e o do Rio de Janeiro, em 15 de abril de 1949 (inicialmente como associação). Por
conta das questões políticas, era estratégico que as grandes mudanças do setor fossem tomadas
principalmente pelo Rio de Janeiro, por ser a Capital Federal até 1960. No final da mesma década,
as empresas também criaram seus sindicatos patronais, os SERT (Sindicato dos Empresários de
Rádio e Televisão), como o SERTESP, de São Paulo (o pioneiro, criado em 1940), SERT-MG,
452 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
SERT-RJ e os dos demais estados, inicialmente denominados como “Sindicato das Empresas de
Radiodifusão”.
A ligação com os Diários Associados nesse princípio era total, o que ao mesmo tempo expôs uma
polarização entre condôminos, principalmente Edmundo Monteiro e João Calmon. Enquanto
Monteiro defendia, via AESP, os interesses dos radiodifusores no ponto de vista paulista, João
Calmon era presidente reeleito do Sindicato das Empresas de Radiodifusão e vice-presidente do
Sindicato de Proprietários de Jornais e Revistas do Estado da Guanabara. A presença maior dos
Associados no Rio de Janeiro vinha também da proximidade física que ali tinham com o governo.
Devemos também lembrar que, mesmo com a mudança para Brasília, muitas das sedes das
principais empresas anunciantes estavam no eixo Rio-São Paulo, não migrando automaticamente
para Brasília. Calmon então, após a paralisia de Chateaubriand, percebeu que era importante
tomar a frente nesse polo estratégico e importante para o conglomerado “Associado”.
Em 1962, após 20 anos de estudos, estava praticamente aprovado o Código Brasileiro de
Telecomunicações, faltando apenas a sanção do presidente João Goulart. No entanto, contrariando
a redação e os anseios dos radiodifusores, Goulart vetou 52 artigos do projeto, algo que não
apenas deformou o sentido da lei, como comprometeu em 90% a sobrevivência das emissoras de
rádio do país. Segundo Calmon:
O diretor Calmon, então munido de sua forte influência política, reuniu, em caráter emergencial,
as lideranças de rádio e televisão em Brasília para uma reunião. Teve apoio inicial de Roberto
Marinho, da Rádio Globo do Rio Janeiro (que já projetava sua futura TV Globo) e de Nascimento
Brito, da Rádio Jornal do Brasil, que, juntos, reuniram 213 empresas de radiodifusão na sala
de reunião do Hotel Nacional. Objetivo principal: a derrubada dos 52 vetos. Queriam eles
conscientizar os deputados federais sobre as reais consequências acarretadas pelos vetos e como
atingiriam a radiodifusão sob o panorama de cada especificidade regional. Os vetos felizmente
foram derrubados, com apoio dos parlamentares e o aceite do presidente João Goulart.
Vale ressaltar que entre as 213 empresas de radiodifusão ali reunidas, muitas pertenciam a grupos
empresariais, sendo um dos mais presentes, entre representantes de rádios e TVs, os Diários
Associados. A comissão contou com apoio irrestrito da SIRTA (Serviços de Imprensa, Rádio e
Televisão Associados), cujo diretor-geral, José de Almeida Castro, articulou a pedido de Calmon
toda movimentação junto às emissoras do país. A SIRTA era uma grande central de representação
comercial dos Diários Associados. Afonso Viana, publicitário dos Diários Associados, reuniu
as agências de publicidade para auxiliar no projeto. Já o jurista Clóvis Ramalhete cuidou de
toda interpretação dos vetos. Jorge Pereira de Souza, da empresa de representações Pereira de
Souza, auxiliou na interlocução com emissoras autônomas. O futuro diretor da ABERT reuniu
grandes lideranças regionais como Edgar Proença (Rádio Clube do Pará) e Nagib Chede (Rádio
Clube Paranaense). Outros surgiram como radialistas de Pernambuco, como Voltaire Leuenroth
(REPRENAIS, em nome do Grupo Pessoa de Queiroz); do Rio Grande do Sul, Flávio Alcaraz
Gomes (Rádio Guaíba); de São Paulo, Enéas Machado de Assis e Joaquim Mendonça (Rádio
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 453
Eldorado e Grupo O Estado de São Paulo). De prontidão junto à União, Edilson Varela, dos Diários
Associados, juntou vários colegas do “Correio Braziliense” e da TV Brasília para monitorar o
dia a dia dos parlamentares, assim como auxiliar nas tratativas com o governo federal, marcando
a data de 27 de novembro de 1962 para uma reunião das emissoras com deputados e senadores.
Em pauta, questionamentos sobre diversos pontos referentes aos 52 vetos ao Código Brasileiro
de Telecomunicações. Um deles era desvirtuar a redação do que já havia sido debatido por
décadas com o setor de Telecomunicações e aprovado pelo Congresso Nacional. Outro era a
baixa representatividade na redação final, referente à radiodifusão, priorizando outros serviços
de telecomunicações. Isso por ela não possuir uma associação nacional em sua defesa.
Desta forma, o veto daria mais poder à União e nenhuma segurança às empresas de radiodifusão
que, porventura, pudessem passar por algum período crítico, sem apoio da lei e sem um tempo
para que se recuperassem. Vale lembrar que sem esta lei, muitos canais poderiam ter saído do
ar sem a vigência do artigo 33 — até mesmo as extintas TV Tupi e TV Manchete teriam que ter
saído do ar muito antes do que acabou acontecendo.
Porém, os representantes pediram a derrubada de outros vetos por mero formalismo, mas que na
aplicação regulatória do setor, acabaram sendo fundamentais, evitando quaisquer ruídos sobre
tomadas importantes de decisão. É o caso do artigo 78, dos parágrafos 3 e 4 do artigo 33, e do
parágrafo único do artigo 53, todos relacionados a aspectos gerais de operação das permissões
e concessões. Tais vetos poderiam voltar contra o próprio governo federal, no que se refere às
emissoras concedidas à União, como consequência errada do veto ao artigo 33.
Reunidos desde cedo no Hotel Nacional, em Brasília, estavam 230 profissionais das 213 empresas
ali representadas. Gaúchos, amazonenses, baianos, paulistas, cariocas, mato-grossenses...
Realmente a radiodifusão brasileira reunida. Às 10h, João Calmon abriu os trabalhos da
assembleia. Foram lidos os estatutos redigidos por Clóvis Ramalhete (Diários Associados do
Rio de Janeiro) e por Vicente Rao (Diários Associados de São Paulo), aprovados pelos presentes.
Foi formada uma comissão para redação do anteprojeto definitivo, relacionado à derrubada dos
vetos, para ser levado ao Congresso Nacional. Depois de muito trabalho, às 18h se reuniram
para apresentação do anteprojeto. De lá, foram todos ao Congresso Nacional. Saindo do Eixo
Hoteleiro para o Eixo Monumental, das janelas da Esplanada dos Ministérios, curiosos viam
muitos carros se dirigindo ao Congresso Nacional. Muito antes do satélite se viu ali, em “carne e
osso”, uma grande rede nacional de rádio e televisão, profissionais unidos por um mesmo ideal.
Sangue corrente naquela enorme veia que se formava rumo ao Congresso. Já no local, José de
Almeida Castro foi escolhido como integrante da Comissão de Estatutos, para fazer a leitura
do projeto definitivo, fundando ali a ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão, elegendo sua primeira diretoria e o Conselho Técnico Consultivo, empossando por
aclamação João Calmon como presidente na nova organização.
454 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Mesmo com total apoio dos Diários Associados, a ABERT já nasceu com o consenso de que,
aos poucos, deveria ser cada vez mais nacional e abandonar a imagem de que apenas o grupo
de Chateaubriand seria responsável pelas interlocuções em nome do setor de radiodifusão. Por
isso, a primeira diretoria obedeceu a um critério geográfico, para evitar qualquer predomínio dos
“Associados” na ABERT.
Mesmo que estivesse presente com frequência em Brasília, na sede do “Correio Braziliense”,
João Calmon continuou a dar expediente em sua sala, no 8o andar do prédio da Rua Sacadura
Cabral, nº 103, no Rio de Janeiro. Foi neste local, antiga sede de “O Jornal do Rio de Janeiro”
e do “Diário da Noite”, que foram realizadas as primeiras reuniões e assembleias da ABERT.
Portanto, esta associação, assim como outras tantas instituições e museus2, foi planejada dentro
1 A Lei nº 4117 é considerada como promulgada no dia 27 de agosto de 1962, por conta da
aprovação de sua primeira redação, ainda com os vetos.
2 A sede de São Paulo, na Rua Sete de Abril, nº 230, por exemplo, foi berço do Museu de Arte
de São Paulo, do Museu Arte Moderna, da Escola Superior de Propaganda (futura ESPM) e da
Cinemateca Brasileira.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 455
dos Diários Associados. Hoje, décadas depois, isso adquiriu novo simbolismo, uma vez que
a ABERT não apenas foi gerida ali, no bairro carioca da Saúde, como “sob o guarda-chuva”
do pioneiro Assis Chateaubriand, cuja sala ficava no 9o andar, exatamente acima do local das
primeiras reuniões. Eram 10 andares, sendo que da janela era possível avistar uma das faces
do prédio em que funcionava a Rádio Tupi e que foi a primeira sede da TV Tupi - Canal 6, na
Avenida Venezuela, nº 43, a duas quadras dali.
Sabedor dos trâmites políticos, Calmon concorreu, em outubro de 1962, ao cargo de deputado
federal pelo Partido Social Democrático (PSD) do Espírito Santo, sua terra natal, tomando posse
na Câmara dos Deputados em fevereiro de 1963. Chegou a se afastar por um tempo das funções
administrativas dentro dos Diários Associados e, nesse início de carreira política, travou inúmeras
discussões com o deputado gaúcho Leonel Brizola, também cunhado de João Goulart, dizendo
que as questões passavam de ataques pessoais para agressões diretas aos Diários Associados.
Ataques feitos à mídia, de modo geral, fez com que toda classe se unisse ainda mais ao lado
de Calmon, que foi inúmeras vezes às TVs, rádios e jornais falar em defesa da imprensa. O
jornalista David Nasser, de “O Cruzeiro”, chegou a apelidar Calmon de “João Sem Medo” e sua
briga com Leonel Brizola ganhou cada vez mais as páginas dos jornais e programas. O gaúcho
respondia às acusações pela Rádio Mayrink Veiga. O confronto pela imprensa resultou também
em atos terroristas e bombas explodindo nas sedes dos Diários Associados em todo país.
Calmon chegou a criar a “Rede da Democracia” para contrapor Brizola, cujas afirmações foram
consideradas pelo deputado capixaba como parte da “Invasão Vermelha”, com ideais comunistas.
João Calmon chegou a ter seu nome homologado na convenção nacional do Partido Social
Progressista (PSP) para concorrer à vice-presidência da República, o que foi adiado, devido ao
movimento militar de 31 de março de 1964. Um ano depois, ele ingressou na ARENA (Aliança
Renovadora Nacional), partido da situação, e quase foi eleito vice-presidente de Costa e Silva,
função que ao final coube a Pedro Aleixo. De deputado federal, Calmon seguiu na vida política
como senador.
No ano de 1966, vendo a chegada do grupo norte-americano Time-Life ao Brasil (em acordo com
Roberto Marinho durante a implantação da TV Globo), Calmon pediu a abertura de uma CPI
(Comissão Parlamentar de Inquérito) para o caso, envolvendo também o CONTEL (Conselho
Nacional de Telecomunicações). O dono da Rádio Globo rebateu, dizendo que o acordo de
cooperação com o grupo norte-americano não agredia o artigo 160 do Código Nacional de
Telecomunicações, que proibia a propriedade de empresas jornalísticas brasileiras na mão de
estrangeiros. Ficava ali evidente, também, a preocupação de Calmon com a crise interna dos
Diários Associados, vendo o grupo ameaçado com tal situação.
Nos bastidores dos “Associados”, conforme o biógrafo de Chateaubriand, Fernando Morais1, tal
CPI deflagrou ainda mais a crise entre as lideranças internas de João Calmon e Edmundo Monteiro.
O escritor relata que Calmon, em 1960, chegou a tentar um acordo para os “Associados” com
as redes norte-americanas ABC e CBS, similar ao da TV Globo com a Time-Life. O objetivo
era ter como padrinho o magnata Nelson Rockefeller. Conforme depoimento dado por Gilberto
Chateaubriand a Fernando Morais, este afirma ter viajado com Calmon para Nova York para se
encontrar com Rockfeller, mas ao final, apareceu um secretário do empresário, Berent Friele, se
desculpando pela ausência do chefe e encerrando o assunto ali.
Porém, enquanto a briga entre Calmon e Marinho chegava aos tribunais, Edmundo Monteiro
1 “Chatô, o Rei do Brasil”, Fernando Morais, Companhia das Letras, 1994:668-669.
456 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
estava nos Estados Unidos negociando novamente, agora apenas com a rede ABC. A CPI barrou
ainda a negociação em andamento com Nascimento Brito, da Rádio Jornal do Brasil, também em
crise. Declarou Edmundo Monteiro:
Conforme o Grupo Globo aborda no site Memória Globo2, a defesa da organização contou com
depoimento de Roberto Marinho à CPI, que explicou as condições do acordo realizado com
a Time-Life em meados de 1961. Para não ferir os princípios do artigo 160, optaram por dois
contratos com o grupo norte-americano. O primeiro era de assistência técnica, nos moldes de
“milhares de contratos de assistência técnica que são estabelecidos com empresas brasileiras,
até mesmo com empresas vedadas, como a Petrobras, a qualquer capital estrangeiro”. Já, em
contrapartida, o segundo contrato era o de estabelecer uma participação joint-venture3, sendo
“um contrato de financiamento aleatório, uma vez que não dá nenhum direito de direção ou de
propriedade a uma empresa, apenas participando o financiador dessas empresas de seus lucros
e prejuízos”.
Em 1967, o Ministério das Comunicações começou a ser estruturado, e com ele a elaboração
de nova legislação sobre concessões de telecomunicações, restrições e assistências técnicas
estrangeiras, porém sem efeito retroativo, já que os contratos com a TV Globo eram datados
de 1962 e 1965. Em outubro de 1967, o consultor-geral da República, Adroaldo Mesquita da
Costa, pôs fim ao Caso Time-Life, considerando válidas as justificativas de que não existia
sociedade entre as duas empresas juridicamente. Após o parecer, Roberto Marinho resolveu
encerrar o contrato de assistência-técnica e ressarciu o grupo norte-americano de todo dinheiro
desembolsado, em julho de 1971.
Para a ABERT, todo esse processo foi um tanto complexo. Foi uma primeira década de atividades
bem delicada, dividida por uma linha tênue: manter uma boa relação entre as empresas de
radiodifusão, defendendo seus interesses coletivamente; e, por outro lado, tentar isolar a
associação de uma briga judicial entre Globo e Diários Associados. No primeiro momento,
a ABERT ficou parcialmente ao lado de Calmon, mas reviu seu posicionamento e manteve a
imparcialidade. Com a conclusão do caso, o desgaste de imagem pública foi grande, não só dos
“Associados” como do próprio João Calmon. A ABERT foi prejudicada parcialmente, corrigindo,
no tempo certo, uma decisão incorreta. Além disso, em meio à crise no conglomerado, ocorreu o
falecimento de Assis Chateaubriand.
Durante a gestão de João Calmon na presidência da ABERT, grandes passos foram dados pela
entidade. O primeiro foi dar, via Diários Associados, todo suporte necessário para estruturação da
associação. Destinou dois de seus funcionários, de altíssima confiança, para realização do projeto.
Renato Tavares, que chegou a diretor-administrativo e secretário-executivo do Condomínio
Acionário dos Diários e Emissoras Associados, e como seu assessor, Jivaldo Gonçalves Capella,
sendo que, respectivamente, ocuparam a função de diretor-geral e de assistente da direção na
ABERT. Renato Tavares foi o primeiro diretor-geral da associação, assessorado por Jivaldo.
Foram responsáveis pela implantação da sede da Rua Mayrink Veiga, nº 6, e de duas salas no
13º andar do futuro edifício Bamerindus, no centro do Rio de Janeiro, local onde a ABERT
esteve até 1978, quando foi transferida para Brasília. Renato e Jivaldo, de 1962 a 1964, também
auxiliaram em dois pontos principais: a criação de associações estaduais, ajudando as emissoras
que são associadas à ABERT a se organizarem regionalmente na criação do primeiro congresso
de âmbito nacional. Nesse processo, surgem associações regionais como a AGERT, do Rio
Grande do Sul, a AMIRT, de Minas Gerais, e a APERT, do Pará. Renato Tavares também criou
o informativo “ABERT”, em 1964, cujo secretário de redação foi o experiente Dermival Costa
Lima, primeiro diretor-artístico da TV Tupi de São Paulo, em 1950, à época já tendo retornado
para os Diários Associados após passagem pelas TVs Paulista e Continental. Foi a origem do
setor de Comunicação da ABERT e da circulação da “Revista ABERT”, hoje publicada de forma
virtual no portal www.abert.org.br.
Sobre o primeiro congresso já citado, nasceu em 27 de outubro de 1964 como III Congresso
Brasileiro de Radiodifusão, com a ABERT reconhecendo a iniciativa da AESP, que organizou
dois encontros nacionais realizados anteriormente, já reunindo radiodifusores de todo país. O
III Congresso Brasileiro de Radiodifusão aconteceu no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, e nele
foi elaborado o primeiro Código de Ética da Radiodifusão (versão que vigorou até setembro de
1980) e o anteprojeto de regulamentação da profissão de radialista.
deixou a função em 1966, após a criação da Embratel. Tavares, então, mais que rapidamente,
contratou Beltrão Frederico para ser consultor das Emissoras Associadas e, sem remuneração,
para ser consultor da ABERT para assuntos técnicos. No governo militar, auxiliaria nas tratativas
ter a frente um comandante, patente que Renato Tavares possuía.
Retornando a outubro de 1965, um mês após a criação da Embratel, e com total apoio da ABERT,
foi realizada nos salões do Hotel Copacabana Palace a Assembleia Extraordinária da AIR. O
evento aconteceu como parte das comemorações pelo IV Centenário do Rio de Janeiro. Com
representantes de todo mundo, contou com o apoio também do governo da Guanabara e do
governo federal. O venezuelano Félix Cardona Moreno, presidente da AIR, estava no final do seu
mandato e Arch Madsen, delegado da NAB - National Association of Broadcasters, iria indicar
o sucessor para a função, tendo também indicado João Calmon para vice-presidente da AIR. O
evento contou com a presença do ministro da Guerra, general Costa e Silva, o que colaborou
para uma maior aproximação de Calmon e dos “Associados” com o futuro presidente do Brasil.
Ainda em 1966, foram criadas duas honrarias da ABERT: a do Mérito da Radiodifusão e a láurea
Assis Chateaubriand, entregues a personalidades e empresários que dedicaram suas vidas ao
rádio e à televisão. Um importante detalhe: a láurea Assis Chateaubriand recebeu, após 1968,
quando da morte do “Velho Capitão”, o caráter de homenagem póstuma a radiodifusores, mas
mantendo a finalidade de representar o conjunto da obra de um profissional.
Naquele mesmo ano de 1966, a ABERT passou a apoiar a Secretaria da Educação do Rio de
Janeiro em um dos projetos que reforçava a importância da criação da televisão educativa, que
pouco depois foi regulamentada. Em nome da ABERT, Renato Tavares colocava as emissoras
de TV comerciais à disposição para aulas ministradas pelo vídeo, um projeto que já acontecia
em São Paulo pela TV Cultura (ainda com concessão comercial) e na TV Paulista, e no Rio de
Janeiro, desde 1962, pela TV Continental, com o educador Gilson Amado. Em 1967, Amado foi
eleito como presidente da Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa, base da futura
TVE Brasil (inaugurada em 1975, hoje operando como TV Brasil, da EBC - Empresa Brasil de
Comunicação).
A gestão de João Calmon, a mais longeva da ABERT, durou até 1970, quando assumiu João Jorge
Saad, presidente da Rádio e Televisão Bandeirantes. Após ele, assumiu José de Almeida Castro,
também dos Diários Associados, em 1972. De lá para cá, seguindo seu estatuto inicial, a entidade
contou com presidentes ligados às mais diversas empresas de radiodifusão do país, de todos os
cantos, não se restringindo às grandes redes e ao Eixo Rio-São Paulo. Na galeria de presidentes,
estão Adalberto de Barros Nunes, Carlos Cordeiro de Mello, Paulo Machado de Carvalho Filho,
Joaquim Mendonça, Paulo Machado de Carvalho Neto, José Inácio Gerari Pizani, Emanuel
Carneiro, Daniel Pimentel Slaviero, Paulo Tonet Camargo e Flávio Lara Resende, cuja posse
se deu durante as comemorações dos 70 anos da televisão brasileira e da TV Tupi de São Paulo.
Defendendo todos os radiodifusores, a ABERT, hoje, cada vez mais democrática, mantém
prioritariamente um dos ideais diários presentes nos seus associados. Um ideal que foi tão bem
definido numa frase célebre de Assis Chateaubriand: “Brasil, primeiro!”.
CAPÍTULO 36
RÁDIO DIFUSORA E A LINGUAGEM JOVEM DA “JET MUSIC”
A
PRF-3 - Rádio Difusora AM - 960 KHz de São Paulo é uma das mais importantes
emissoras que já operaram no país. Foi fundada no bairro do Sumaré em 1934, ano
no qual também foram inauguradas as rádios Excelsior, São Paulo, Cultura e Cosmos.
Durante as comemorações de seu aniversário de cinco anos, a Difusora inaugurou no mesmo local
um grandioso complexo radiofônico, chamado de Cidade do Rádio. Logo depois, a Difusora foi
comprada pelos Diários e Emissoras Associados, que levou a sua Rádio Tupi AM - 1040 KHz
para também operar do Sumaré. Em 1950, nasce dentro da organização da Rádio Difusora São
Paulo S/A a pioneira PRF3-TV Tupi-Difusora - Canal 3, um dos maiores marcos da história da
comunicação no Brasil.
Seja por Ondas Médias ou Curtas, desde 1934 a Rádio Difusora vinha transmitindo uma
programação muito bem elaborada para diversas partes do planeta, com apresentações musicais,
radioteatros, boletins noticiosos, programas infantis, partidas esportivas e programas femininos.
Já a sua coirmã Rádio Tupi de São Paulo tinha uma programação mais tradicional, voltada para
os homens, se aprofundando nas coberturas esportivas com a famosa Equipe 1040, na loteria
esportiva, no jornalismo e na música sertaneja.
Em 1963, a PRF-3 passou a identificar-se como “Nova Difusora” e investir mais nos noticiários
“em cima da hora” e na execução de música gravada, uma nova tendência, já que transmitir
música ao vivo nos estúdios era uma prática que vinha diminuindo progressivamente devido ao
alto custo. Com o Movimento Militar de 31 de março de 1964 e a promulgação do AI-5 em 1968,
todo e qualquer veículo de comunicação deveria ter suas pautas sujeitas à inspeção por agentes
autorizados. Para evitar problemas, a poderosa Difusora de São Paulo passou a substituir boa
parte dos noticiários por execuções nos toca-discos.
Nessa época, as emissoras tinham o hábito de intercalar uma música com uma mensagem
comercial, algo que não era bem aceito pela audiência. A partir desta nova fase da Difusora,
os intervalos eram rápidos, apenas com um comercial, refletindo a filosofia de programação de
algumas outras emissoras dos Diários Associados. Isso porque, anos antes, em 1956, já pensando
em “semear” uma experiência mais agradável ao ouvinte com o máximo de música e o mínimo
de comerciais, José Mauro, produtor musical e diretor da “Associada” Rádio Tamoio do Rio
de Janeiro, estreou a primeira programação exclusivamente musical do rádio brasileiro. Com o
slogan “Música, Sempre Música”, José Mauro implantou um formato de programação separado
por blocos musicais e comerciais, levando ao ar somente um anúncio por vez. Isso agradou os
ouvintes e o mesmo formato foi implantado, dois anos depois, na veterana Rádio Cultura de São
Paulo, assim que foi adquirida pelas Emissoras Associadas.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 461
No final de 1965, durante uma viagem aos Estados Unidos, José Mauro teve uma experiência
com um formato radiofônico musical aperfeiçoado em relação àquele que ele mesmo havia
implantado nas rádios Tamoio e Cultura. Chamado de “Four-Play”, era um modelo que mesclava
música, informação e comerciais de forma equilibrada e organizada. Empolgado, José Mauro
pediu autorização aos Diários e Emissoras Associados para realizar um projeto-piloto com este
novo formato na Rádio Mineira, de Belo Horizonte (MG). Os blocos musicais ganharam o nome
de “Plenimúsica” e os curtos blocos noticiosos foram chamados de “Factorama”, marcas que
foram registradas pelos Diários Associados.
Segundo Luiz Eduardo de Melo e Silva, que escreveu o livro “Plenimúsica: Memórias de um
Ouvinte de Rádio Malcomportado”, eram tocados sucessos na proporção de dois internacionais
para um nacional. “A seleção ‘Plenimúsica’ foi a responsável por lançar no Brasil — primeiro
em Minas Gerais — os primeiros sucessos dos The Beatles e dos Rolling Stones, por exemplo,
e dos cantores brasileiros que surgiram nos festivais, como Jorge Ben, Wilson Simonal, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Sérgio Mendes e Brasil 66, Mutantes, Roberto Carlos, enfim,
toda a ‘nata’ da música brasileira. Para citar alguns artistas do hit-parade internacional que a
Plenimúsica nos apresentou, temos James Brown, Janis Joplin, Frank Valli e Tommy James”,
relembra o escritor. Durante 60 minutos, eram tocadas quatro sequências de 13 minutos, com
quatro músicas cada, justificando o nome “Four-Play”. As sequências eram separadas por 90
segundos de comerciais (breaks) e, na “hora cheia”, entrava no ar o rápido bloco informativo
“Factorama”, com uma nova e descontraída linguagem, cumprindo a exigência legal de destinar
o mínimo de 5% do tempo diário da programação para as notícias. A audiência e o faturamento
da Rádio Mineira subiram extraordinariamente e, em dezembro de 1968, José Mauro levou o
novo formato musical de sucesso para a Rádio Difusora de São Paulo, que abandonou totalmente
seu estilo tradicional de programação.
Orlando Negrão Jr. assumiu a superintendência das rádios Tupi e Difusora justamente em 1968,
ano da implantação da “Plenimúsica” e do “Factorama”. Em abril de 1969, ele contratou Cayon
Jorge Gadia como diretor-artístico das duas emissoras, um criativo jovem de 24 anos de idade
que, desde os 15, se dedicava ao trabalho de rádio. Nas “Associadas”, ele vinha desempenhando
o trabalho de chefe da grandiosa discoteca do Sumaré. A audiência da “Difusora 960” ia bem,
no entanto, naquele ano em que a emissora completaria 35 anos de existência, Negrão e Gadia
resolveram adaptar o formato musical de José Mauro para algo com perfil exclusivo, mais com a
cara de São Paulo, visando atingir exclusivamente outro público-alvo. Nasceria o “AM Jovem”,
com a proposta de fazer uma programação dinâmica, trazendo lançamentos simultâneos de
músicas internacionais, em especial, com artistas negros norte-americanos, como Al Green e
Archie Bells & The Dells, e com grupos da Inglaterra como The Beatles, Pink Floyd e Rolling
Stones. O “termômetro” era o topo das paradas de sucessos das revistas especializadas em
música “Cash Box” e “Billboard”.
Orlando Negrão — que anos depois montaria sua própria estação de FM em São Paulo, a
famosa Antena 1 — contratou a agência de propaganda DPZ e seu publicitário Roberto Duailib
criou a formatação da rádio e a campanha de divulgação. Nascia o novo e exclusivo projeto
de programação da Rádio Difusora AM - 960 KHz, batizado pelo próprio Negrão como “Jet
Music”, ou “Música a Jato”, referindo-se aos jatos dos aviões da Varig e à velocidade nas quais
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 463
os lançamentos chegariam a São Paulo. “Saía a música lá [fora] e no outro dia eu estava tocando
aqui! Eu tinha a rádio mais atualizada do mundo!”, comemorou Gadia. “Para comprar um disco
dos Beatles que tinha saído, eu tinha um homem na fila em Londres. Ficava na fila de madrugada.
Isso é demais, não é?”1.
Para receber os últimos lançamentos do exterior, Gadia contou com a colaboração de, ao
menos, dois representantes: um sediado em Washington (Estados Unidos) e outro em Londres
(Inglaterra). Segundo a revista “Veja”2, “a Rádio Difusora São Paulo recebe fitas estrangeiras
mandadas de Washington, por avião, pelo seu correspondente Pedro Cattar, que conversa com
o Brasil via satélite. Sua voz é gravada e depois irradiada com a veemência de uma bomba: ‘o
sucesso vindo diretamente dos Estados Unidos!’”. Entretanto, como enviar rapidamente e com
baixo custo esses discos e fitas para o Brasil? O grande trunfo foi a celebração de uma parceria
com a empresa aérea Varig, que recebia as encomendas dos representantes na Europa e nos
Estados Unidos e se encarregava de enviá-las para São Paulo em até 24 horas. Em troca, a Varig
ganhou um programa na Difusora, que entrava no ar no fim de noite e seguia pela madrugada, o
“Varig Dona da Noite”.
A estreia da nova programação “Jet Music” na Difusora aconteceu em julho daquele ano de
1969, em substituição ao “Plenimúsica”. Continuaram no ar os boletins “Factorama”, com o
empolgante slogan “O Mundo Gira em Factorama”. Eram tocadas três músicas, seguidas de dois
comerciais com 30 segundos cada um, no máximo, e, assim por diante. As locuções ganharam
um estilo totalmente diferente, abandonando as vozes-padrão, que às vezes cansavam o ouvinte.
Foi adotado um estilo vocal com timbre de voz alegre, sorridente, jovial, para cima, de acordo
com o ritmo das músicas e com o gênero dos programas. Cayon Gadia encontrou esse timbre e
ele mesmo treinou sua nova equipe de jovens comunicadores, que eram diferentes dos locutores
formais, que apenas anunciavam e desanunciavam as músicas e informavam a hora certa. Com
o comunicador, o rádio musical ganhou mais força, pois ele passou a conversar com o ouvinte.
A programação “Jet Music” definitivamente consagrou a “Difusora 960” em sua fase moderna.
Orlando Negrão e Cayon Gadia foram visionários. Eles anteciparam, em Ondas Médias, a
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 465
plástica e o estilo de programação que logo seriam as premissas das emissoras de Frequência
Modulada (FM), estas que surgiriam em grande número a partir de meados dos anos 1970. Aliás,
esta é uma fórmula usada até hoje nas FMs voltadas ao público jovem.
Equipamentos
O estúdio a ser utilizado pela Difusora FM, na verdade, era uma pequena sala adaptada no 3°
andar intermediário do edifício-sede das Emissoras Associadas, no bairro do Sumaré. Foram
disponibilizados apenas equipamentos básicos, como mesa de som, microfone, dois toca-
discos e um gravador de rolo. Não havia isolamento acústico nas paredes. Para a instalação do
transmissor e da antena da nova estação, algumas obras tiveram que ser executadas no topo do
edifício, alterando algumas de suas características originais. No belo átrio, o terraço teve de ser
desativado. No lugar, foi montado um grande salão, que foi considerado como o 11º andar, onde
1 “A Difusora Também em Frequência Modulada”, Diário da Noite [SP], 21/09/1970, 1º Caderno,
p. 11.
466 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O lançamento da Difusora 98,5 MHz, uma das primeiras estações de Frequência Modulada do
país a contar com programação própria, aconteceu com um cocktail oferecido na noite de 1º de
dezembro de 1970. A programação da emissora era especial, de alto nível, destinada às pessoas
bastante exigentes, tanto com programação musical, quanto nos noticiários. “As músicas são
selecionadas para um público rico e inteligente”, dizia um dos polêmicos anúncios do lançamento
da emissora, que rendeu críticas da revista “Veja”:
A Rádio Difusora FM de São Paulo seguiu executando “programação-padrão”, com vozes sóbrias
e ponderadas anunciando músicas da MPB, de concerto ou ambiente. O prefixo, a hora certa e
os nomes das músicas eram pré-gravados. Em 1976, as operações comerciais de FM finalmente
foram regulamentadas no Brasil e as emissoras puderam colocar no ar uma programação musical
exclusiva — aliás, um item obrigatório, padronizado pelo governo — e com linguagem própria,
já que as FMs até então existentes apenas repetiam a programação de sua emissora-mãe em
Ondas Médias.
Logo, em algumas capitais brasileiras, o rádio FM começou a se consolidar como uma nova
opção de entretenimento. A qualidade do som era realmente muito boa e, nas lojas, os receptores
passaram a ter preços mais acessíveis. Surgiram novas emissoras, sendo que muitas delas
acabariam fazendo muito sucesso, como as paulistanas Jovem Pan FM, Gazeta FM e Eldorado
FM; as cariocas Eldo Pop FM, Nacional FM e Cidade FM; e Transamérica FM (Recife e Brasília).
Naquele ano de 1976, portanto, a pré-existente Difusora FM foi autorizada a aumentar sua
potência, passando de 250 watts para 3 kW. Seu transmissor RCA ET-17 foi acoplado a um
amplificador linear, modelo ALFM-3RD, fabricado pelos próprios técnicos das Emissoras
Associadas. Uma nova antena com quatro elementos irradiantes foi encomendada junto a
Indústria Brasileira de Eletricidade S/A (Inbelsa) e foi instalada em uma nova torre com 13
m de altura, fixada no piso do salão da cobertura do edifício-sede. Uma abertura foi feita no
telhado para a passagem da torre, que alcançou a metade da altura da torre da TV Tupi - Canal
4, instalada logo ao lado.
Ainda em 1976, Cayon Gadia produziu alguns programas para a faixa “Quinta Especial” da Rede
Tupi, onde foram exibidas apresentações de hits de famosos cartazes da música pop internacional,
intercalados com números de artistas brasileiros. O programa especial foi chamado de “Jet
Music” e apresentado pelo locutor Dárcio Arruda.
(reprodução)
CAPÍTULO 37
A INFRAESTRUTURA DAS EMISSORAS ASSOCIADAS - ANOS
1970
No início de 1973, a direção da TV Tupi de São Paulo fechou as portas de seu auditório de
540 lugares, no Sumaré, já que o público que comparecia espontaneamente para acompanhar
os programas era pequeno e não justificava mais manter a estrutura. Ademais, em geral, os
programas que eram gravados vinham demorando horas para serem totalmente finalizados,
tornando impossível que o público permanecesse por tanto tempo nas cadeiras da plateia. Com
isso, o acesso ao público foi interrompido e alguns programas passaram a receber pessoas
contratadas para fazer a claque, ou seja, para aparecerem rindo ou aplaudindo.
Nesta mesma época, a TV Tupi promoveu pequenas reformas no palco de seu teatro, também
chamado de “Estúdio-Palco”. Nos fundos, atrás dos cenários, um espaço foi reservado para
guardar instrumentos musicais, objetos de cena etc., a fim de evitar o extenso caminho até o
setor de Contrarregra. No Estúdio-Palco, ainda naquele ano de 1973, foram gravadas algumas
cenas da novela “A Volta de Beto Rockfeller”, mas o local era mais usado para gravar shows e
humorísticos como “Os Trapalhões” e “Alegríssimo”, ambos com as citadas claques.
Em 1976, entretanto, os planos mudaram e o Sumaré foi reaberto para o público, oferecendo
conforto e beleza aos espectadores por meio de melhorias nas condições técnicas e visuais. O
palco do então mais completo estúdio-auditório da televisão brasileira foi enfeitado com duas
enormes colunas de acrílico. As poltronas foram reformadas e as cortinas trocadas.
1973 - Estúdio-Anexo
ano anterior, a TV Tupi passava por grandes mudanças em sua programação e, naquele ano de
1973, surge o “Factorama”, noticiário ágil do Brasil e do mundo. “Quando ia para os comerciais,
desligávamos as luzes para diminuir a temperatura do estúdio. Além disso, sofríamos com o
cheiro de gordura vindo da cozinha do restaurante, que ficava logo ao lado”, conta o operador
de câmera Marco Ferreira. Um ano depois, o Estúdio-Anexo ganhou melhorias e passou a ser
usado, também, para a produção dos esportivos de Walter Abraão, do infantil “Sessão Patota”,
apresentado por Giovanna Prado, e do feminino “Mulher Dia-a-Dia”, com Ana Maria Braga.
A partir de março de 1974, os blocos de noticiário nacional e internacional do “Rede Tupi de
Notícias” deixaram de ser produzidos na TV Tupi carioca e mudaram-se para o Sumaré, em São
Paulo, mais precisamente no Estúdio-Anexo. A apresentação era feita por Lívio Carneiro e Iris
Lettieri, a marcante voz dos alto-falantes de aeroportos do Brasil.
Em 1974, os horários dos estúdios do Sumaré estavam ocupados com a produção de novelas,
programas de variedades, especiais, telejornais e shows. Agora como única emissora-geradora
da Rede Tupi de Televisão (ver Capítulo 39), a saída para ampliar a oferta e a qualidade das
telenovelas foi montar a central de produção de teledramaturgia em um novo espaço, desta vez
além das fronteiras da antiga Cidade do Rádio. Para tanto, o Canal 4 fechou um contrato de
aluguel com o tradicional salão de bailes Lord Club, que contava com cerca de 2500 m2 de área.
O espaço ficava no bairro da Bela Vista, região central de São Paulo, mais precisamente nos altos
da Galeria Espiral da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, nº 1564, a 680 m de onde funcionou o
Teatro Tupi-Brigadeiro até quatro anos antes. O estabelecimento foi amplamente adaptado para
se tornar um grande estúdio de televisão. Os técnicos, diretores e artistas o acessariam por uma
portaria discreta que ficava na rua detrás da Galeria Espiral, na Rua Treze de Maio, nº 1021.
Em março de 1975, as reformas do novo estúdio já haviam terminado e foi iniciada a montagem
dos cenários de “O Velho, o Menino e o Burro”, primeira novela infanto-juvenil da TV Tupi,
escrita por Teixeira Filho e que inaugurou, com sucesso, a faixa das 18h30 na emissora.
Diversas novelas foram gravadas no estúdio da Brigadeiro Luís Antônio, entre elas, “Canção
para Isabel” (1976), “Papai Coração” (1976-77), “Cinderela 77” (1977), “O Profeta” (1977-78)
e as poucas cenas de estúdio de “Aritana” (1978-79). Ressalta-se que, no final de 1977, o espaço
para gravações no Sumaré foi reduzido, já que aqueles estúdios entraram em reforma após o
término das gravações da novela “Éramos Seis”. Além disso, em janeiro de 1978, também foi
iniciada a demolição do auditório do Teatro Tupi (ver Capítulo 40), no Sumaré, algo que também
impediu de realizar gravações no Estúdio-Palco por alguns meses.
Um bom exemplo da estrutura eficaz e do amplo espaço que o estúdio da Brigadeiro ofereceu
é que os 15 ambientes que compuseram os cenários do sucesso “O Profeta” puderam ficar
montados paralelamente. Ou seja, evitou-se o processo de montagem e desmontagem, conforme
as cenas que iriam ser gravadas. Aliás, para realizar as gravações desta novela, o estúdio da
Brigadeiro ganhou diversas melhorias técnicas.
A última produção da TV Tupi no estúdio da Brigadeiro foi a novela “Aritana”, de Ivani
Ribeiro, gravada entre outubro e dezembro de 1978. Isso porque o núcleo de teledramaturgia foi
transferido para os antigos estúdios da TV Excelsior e da produtora TV Studios Silvio Santos, na
Vila Guilherme (detalhes nas próximas linhas).
Em meados dos anos 2000, o grande salão da Galeria Espiral, usado como
estúdio de novelas pela TV Tupi, foi comprado pela Rede CNT e novamente
transformado em estúdio de TV. Mas, por algum motivo, acabou
subutilizado e, nos últimos anos, a emissora vem alugando o espaço para
produtoras de vídeo e de cinema realizarem trabalhos de curta duração,
como comerciais e filmes.
Em 1977, já em meio a uma grande crise financeira e administrativa nas empresas dos Diários
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 475
Associados (ver Capítulo 41), o auditório tinha sido reduzido a poucas cadeiras e outras
atividades artísticas passaram a ocupar o espaço restante. Como visto acima, a “Folha de São
Paulo” ressaltou o aspecto de desorganização nos bastidores da TV Tupi de São Paulo. Mas, com
a força dos funcionários, artistas e de diversos executivos daquela época — a exemplo de David
Raw e de Rubens Furtado, que não mediram esforços para tentar recuperar a emissora —, surge
um projeto audacioso de renovação das instalações, dos equipamentos e da programação. Para
tanto, o auditório do Teatro Tupi deveria ser demolido.
Nota dos Autores: Veja no Capítulo 40 todos os detalhes sobre
este projeto.
Durante seis anos, a produtora TV Studios Silvio Santos Ltda., do empresário e apresentador de
mesmo nome, ocupou 4 mil m2 de um complexo de televisão localizado na Rua Dona Santa
Veloso, n° 575, na Vila Guilherme, bairro da Zona Norte de São Paulo. Com um total de 11 mil
m2, por duas décadas esses estúdios foram considerados o maior complexo de televisão do Brasil,
construídos pela extinta TV Excelsior - Canal 9 a partir da estrutura de uma antiga fábrica de
cigarros. A inauguração aconteceu em agosto de 1967, com seis estúdios e os mais modernos
equipamentos. Em setembro de 1970, dois meses após quase todo o complexo ser consumido por
um incêndio, as concessões da TV Excelsior foram cassadas pelo governo militar e o gigantesco
imóvel ficou trancado até 1972, quando, por intermédio da Caixa Econômica Federal, o síndico
da massa falida o alugou para a utilização da TV Studios Silvio Santos. Entre 1964-76, Silvio
Santos apresentava programas distintos nas TVs Tupi e Globo e passou a produzir alguns quadros
de seu programa da Tupi nos estúdios da Vila Guilherme. No local, Silvio Santos também
produziu novelas, musicais e shows de variedades para serem vendidos a emissoras pelo país.
Um dos estúdios foi alugado para as gravações do programa “Vila Sésamo”, da TV Cultura de
São Paulo.
O complexo de estúdios na Vila Guilherme, em São Paulo. (Erasmo de Souza/SBT e “Coleção Televisão - TV
Studios Silvio Santos - Canal 11”/Arquivo Público do Estado de São Paulo)
476 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Era desejo antigo de Silvio Santos montar uma rede própria de televisão. Em 1974, ele perdeu
uma concorrência do governo para explorar os canais das extintas TV Continental no Rio de
Janeiro e TV Excelsior em São Paulo1, mas em 1975 venceu a disputa para operar o canal 11 do
Rio de Janeiro, que ele chamou de “TVS - TV Studios”2. No ano seguinte, inaugurou a emissora,
deixou a TV Globo e montou uma nova central de produção no Teatro Manoel de Nóbrega, que
ficava na Rua Cotoxó, nº 1021, Vila Pompeia, em São Paulo, com mais de mil lugares e um
grande palco.
Os programas semanais que Silvio apresentava na TV Tupi (comprando os horários), bem
como os programas da TVS do Rio, foram produzidos na Vila Guilherme e no Teatro Manoel
de Nóbrega até o início de 1978, quando ele decidiu suspender os trabalhos na Vila Guilherme
e centralizar seu departamento de produções no Manoel de Nóbrega. Silvio Santos sabia do
interesse da TV Tupi em ocupar os estúdios da Vila Guilherme e propôs a transferência do
contrato de aluguel. Como o pensamento da direção da Tupi era sair da crise investindo em
infraestrutura e na qualidade da programação, a proposta foi aceita. No local, a Tupi passaria a
produzir todas as novelas, abrindo espaço nos estúdios do Sumaré para a produção exclusiva da
linha de shows e do jornalismo.
Com o arrendamento da Vila Guilherme, a Tupi rescindiu o contrato de utilização do estúdio da
Avenida Brigadeiro Luís Antônio e cancelou o projeto de construir novos estúdios junto a sua
nova torre de transmissão no bairro do Sumaré (ver Capítulo 40). A oportunidade de arrendamento
pareceu ser mais vantajosa, não só em termos financeiros, mas também na questão de prazos, já
que eles poderiam ser ocupados imediatamente.
O departamento de produção da TV Studios Silvio Santos deixou o complexo da Vila Guilherme,
gradativamente, durante o mês de abril de 1978. Mas, ainda antes de entregar as chaves, uma
equipe da TV Tupi já trabalhava no local para preparar os cenários da novela “Roda de Fogo”,
que teria suas gravações iniciadas muito em breve. A Tupi ocupou quase todos os seis estúdios do
complexo da Vila Guilherme ainda naquele mês de abril. De comum acordo, o setor administrativo
da TV Studios Silvio Santos continuou instalado em algumas salas até junho, quando se mudou
para um conjunto de três casas, nas imediações do Teatro Manoel de Nóbrega.
Em agosto de 1978, uma triste notícia. Meses após a produtora de Silvio Santos deixar os estúdios
da Vila Guilherme, o Teatro Manoel de Nóbrega — seu único centro de produção em São Paulo
— foi totalmente consumido pelo fogo. Nessa época, o Grupo Silvio Santos já havia iniciado as
obras de um complexo de rádio e televisão no km 19 da Via Anhanguera, em Osasco, na Grande
São Paulo, a ser utilizado pela produtora TV Studios Silvio Santos e, também, pela Rádio e TV
Record3, cujo “homem do Baú” detinha 49% das ações.
1 Em 1974, a empresa Jornal do Brasil (JB) foi a vencedora de uma licitação para operação
de televisão nos canais 9 do Rio de Janeiro e 9 de São Paulo, que um dia pertenceram,
respectivamente, à TV Continental e TV Excelsior. Entretanto, anos depois, o JB devolveu as
concessões ao governo, após concluir que não teria condições de colocar as emissoras no ar.
2 Além da TV Studios Silvio Santos, disputaram o canal 11 carioca a Rádio Manchete, Rádio O
Dia e a Fundação Cásper Líbero (TV Gazeta de São Paulo).
3 Neste local, em 1996, o Grupo Silvio Santos inaugurou uma nova e grandiosa sede para o SBT,
onde funciona até os dias atuais. A Rádio e TV Record não chegaram a se mudar para o primeiro
edifício deste complexo, inaugurado no final dos anos 1970, conforme projetado.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 477
Os estúdios da Vila Guilherme ficaram exclusivos para produção das novelas da Tupi, entre
elas “O Direito de Nascer” (remake, 1978-79), “Gaivotas” (1979), “Dinheiro Vivo” (1979-80)
e “Como Salvar Meu Casamento” (1979-80). Em meados de 1979, praticamente toda a linha
de shows também migrou para a Vila Guilherme e o grande “Estúdio-Palco” do Sumaré1 foi
utilizado apenas para as gravações de shows, como “Clube dos Artistas”, com Aírton e Lolita
Rodrigues, e “A Grande Chance”, um programa de calouros apresentado por Flávio Cavalcanti.
A badalada Discoteca Aquarius, situada na Rua Ruy Barbosa, nº 266, no tradicional bairro
paulistano do Bixiga, também serviu de palco para a gravação de alguns programas da TV Tupi.
Em 1979, a emissora alugou o espaço por algumas horas na semana para gravar o novo programa
do cantor Sidney Magal. O concurso “Miss São Paulo 1979” também foi gravado neste local. Por
estar em local baixo, contudo, havia um problema de comunicação entre a Aquarius e a Central
de Exibição do Sumaré, algo que dificultava a realização de programas ao vivo. Mas, o espaço
era muito bom para gravar com grande participação do público, como era o caso do “Programa
Sidney Magal”, onde até 400 jovens podiam dançar livremente. O prédio foi construído em 1940
para abrigar o Cine Rex e, após o encerramento das atividades da Aquarius, já nos anos 1980, o
local se transformou no Teatro Záccaro, onde foram gravados diversos programas musicais para
a TV Bandeirantes e o “Perdidos na Noite”, com Fausto Silva, primeiro pela TV Record e depois
pela Bandeirantes. O local está fechado desde 2005.
1 Este estúdio era originalmente o palco do Teatro Tupi, que funcionou entre 1967-77, quando
o auditório foi demolido e restou apenas o palco e uma pequena plateia.
478 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Parque Indígena do Xingu (MT) e no município de Embu das Artes1 (SP), surgiu a dúvida se
a produção de “Aritana” aguardaria a reforma do Estúdio “B” ou se gravaria as poucas cenas
iniciais em algum outro estúdio. A solução mais prática foi cancelar as cenas iniciais de estúdio e
gravar tudo ao ar livre, no Xingu. No decorrer das gravações, quando necessário, a produção de
“Aritana” se utilizava do estúdio da Avenida Brigadeiro Luís Antônio.
Apesar da magnitude dos problemas com o incêndio, a exibição da programação não sofreu
grandes consequências. Ela voltou ao ar na manhã seguinte, mas com 3 horas e meia de atraso,
por meio do switcher da “unidade móvel color”. A princípio, pensou-se em transferir para a TV
Tupi do Rio de Janeiro a produção dos programas de Moacyr Franco e Ronnie Von, porém não
foi necessário e apenas as chamadas foram gravadas pela emissora carioca. Já no dia seguinte
ao incêndio, passaram a ser enviados ao Sumaré alguns equipamentos cedidos por emissoras
componentes da Rede Tupi em outros estados. Houve muita solidariedade por parte de outros
grupos de mídia, empresários em geral e até fabricantes internacionais de equipamentos.
A direção da TV Tupi procurou antecipar o envio de equipamentos que haviam sido recentemente
encomendados com a RCA, nos Estados Unidos (ver Capítulo 40). Além disso, poucos dias depois
do sinistro, o presidente dos Diários e Emissoras Associados, João Calmon, e o superintendente
da TV Tupi, David Raw, viajaram à Alemanha com objetivo de adquirir quatro switchers com a
fabricante Bosch para a geradora em São Paulo.
Um mês antes deste incêndio em São Paulo, o Palácio do Rádio, edifício das Emissoras Associadas
de Pernambuco, em Recife, também se incendiou. Nele, funcionavam a TV Rádio Clube, a
Rádio Clube de Pernambuco e a Rádio Tamandaré, que ficaram completamente destruídas.
1 No município de Embu das Artes, as cenas de “Aritana” foram gravadas no Hotel Rancho
Silvestre, em funcionamento até os dias atuais.
480 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 38
1972 - A IMPLANTAÇÃO DA TV EM CORES NO BRASIL
N
o mês de março de 1965, em Viena (Áustria), foi realizada uma conferência do Comitê
Consultivo Internacional de Radiocomunicações (CCIR) para que representantes de 62
países escolhessem um dos três maiores sistemas de TV em cores desenvolvidos até
então — NTSC, PAL ou SECAM. A proposta do comitê era que os países europeus adotassem
um só sistema, o que simplificaria as transmissões entre nações e diversas outras facilidades.
Entretanto, a decisão entre as três melhores opções dependia também de fatores políticos e
econômicos.
O desenvolvimento do primeiro dos sistemas de TV em cores foi concluído em 1953, pela RCA-
Victor, nos Estados Unidos, e ganhou a nomenclatura de National Television System Committee1
(NTSC). Era um bom sistema, mas, por justamente ser o primeiro, trazia alguns inconvenientes
na estabilidade e fidelidade do matiz das cores, ocorridas principalmente quando não houvesse
qualidade razoável de recepção. No NTSC, a cor do vestido de uma atriz, por exemplo, geralmente
não permanecia no mesmo tom entre uma cena e outra, chegando até mesmo a mudar totalmente
de cor. Isso gerou até uma brincadeira com o significado da sigla “NTSC”, que jocosamente
virou “Never Twice the Same Color” (“nunca duas vezes a mesma cor”). Com esta variação
das cores, o telespectador tinha o inconveniente de ter que frequentemente regulá-las de forma
manual. O problema era tão sério que, para corrigi-lo, os técnicos deveriam realizar alterações
nos circuitos de todos os receptores e até nos transmissores das estações. Contudo, se isto fosse
feito, os quase 13 milhões de receptores coloridos já instalados nos Estados Unidos deixariam
de sintonizar os canais.
Na França, o engenheiro Henri de France estudou o sistema NTSC e desenvolveu, em sua
Companies Françoise de Télévision, o Séquentiel Couleur Avec Mémoire2 (SECAM), um sistema
totalmente diferente. Já Walter Brusch, da fabricante de televisores Telefunken, na Alemanha
Ocidental, aproveitou o próprio NTSC e introduziu modificações que resolveram seus problemas
crônicos. Foi chamado de Phase Alternating Line3 (PAL ou NTSC-PAL).
O SECAM ganhou parcialmente a disputa no CCIR, pois foi escolhido por 16 países, entre os
quais, os socialistas. O PAL obteve nove votos e o NTSC contou apenas com duas adesões (Grã-
Bretanha e Holanda). Desta forma, ao contrário do que se esperava, a Europa ficou dividida em
três zonas de TV em cores e, por isso, foi marcada para julho de 1966 uma nova conferência
Nas transmissões experimentais em cores da TV Tupi de São Paulo, realizadas por livre iniciativa
entre maio de 1963 e fevereiro de 1964 (ver Capítulo 34), o sistema utilizado foi o NTSC, pois
era nativo dos equipamentos RCA. Isso preocupou o governo militar brasileiro no ano seguinte,
que logo designou o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL), subordinado ao
Ministério das Comunicações, para organizar um futuro processo de implementação da TV
em cores. O primeiro passo foi a escolha e oficialização de um único sistema a ser usado em
todo o país, já que se iniciativas isoladas como a da TV Tupi continuassem — quase todos os
equipamentos das emissoras brasileiras de TV eram norte-americanos —, haveria o risco de
haver a proliferação do rejeitado sistema NTSC no país. Outra questão que levou o governo
a agir foi a prática da importação de receptores coloridos, por meio de contrabando vindo dos
Estados Unidos.
O processo de escolha de um sistema de TV em cores para o Brasil teve início nos primeiros
meses de 1966, quando o CONTEL abriu uma licitação para formação de um grupo consultivo.
A proposta era apontar o melhor daqueles três sistemas de cores disponíveis pelo mundo,
observando desempenho e maior adaptação possível às condições geoeconômicas do Brasil.
A entidade vencedora foi a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e o grupo
de trabalho foi formado por Hélio Vieira, Nelson Zuanella, Ovídio Barradas e Edson Veiga,
todos professores do Departamento de Engenharia de Eletricidade e também ligados à indústria
eletrônica. Para dirigir os trabalhos de pesquisa, o governo designou o renomado engenheiro-
militar de telecomunicações Alcyone Fernandes de Almeida Júnior, do Instituto Militar de
Engenharia do Rio de Janeiro.
Em 1º de junho de 1966, o grupo entregou um relatório preliminar para o CONTEL, deixando
clara a superioridade do sistema PAL. Esse apontamento foi debatido pelo engenheiro Almeida
Júnior no I Congresso Brasileiro de Telecomunicações, realizado no Rio de Janeiro, e, logo
em seguida, apresentado por técnicos do CONTEL na supracitada conferência do Comitê
Internacional de Radiocomunicações, realizada em Oslo, na Noruega.
Finalmente, em janeiro de 1967, o grupo consultivo da Escola Politécnica entregou o relatório
final ao CONTEL, ratificando a adoção do sistema alemão PAL. Baseado neste trabalho, o
Ministério das Comunicações acompanhou a escolha e a regulamentou pela Resolução nº 20, de
7 de março de 1967. Todavia, o sistema alemão, que originalmente operava com os padrões “B”
ou “G”, deveria passar por modificações para adaptá-lo ao padrão norte-americano “M”, então
usado pelas emissoras brasileiras no sistema em preto e branco.
Na prática, em países ou cidades onde a energia elétrica era gerada na frequência de 50 Hz,
482 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
como Alemanha e Argentina1, o sincronismo da imagem de TV era formado por 625 linhas de
resolução horizontal em cada quadro, taxa de atualização de imagem a 25 quadros por segundo,
para dar a sensação de movimento e largura de banda do canal com 7 MHz. Essas eram as
características originais do padrão “B” de transmissão, usado pelo sistema PAL Já nas localidades
onde a corrente elétrica tinha 60 Hz, como Estados Unidos e Brasil, o sincronismo era formado
por 525 linhas, 30 quadros por segundo e banda de 6 MHz.
A implementação do padrão “M” no sistema PAL resultou no exclusivo PAL-M, que garantiria
compatibilidade e evitaria o sucateamento dos receptores em preto e branco ainda em
funcionamento no Brasil. Eles poderiam exibir em preto e branco os programas em cores; e,
por outro lado, os receptores em cores também poderiam exibir programas gerados em preto e
branco.
A escolha do sistema PAL se deu pela sua estabilidade, dispensando o ajuste frequente das cores,
como no NTSC. O sistema francês SECAM não agradou os professores da USP, visto que,
embora também dispensasse a correção manual das cores, apresentava uma complexibilidade na
transmissão, que tornava difícil ajustar duas ou mais câmeras para obter a mesma tonalidade da
cor branca.
A oficialização do PAL-M não significou a implantação imediata do sistema de televisão em cores
no Brasil. Contudo, foi um grande passo e chegava o momento de começar a preparar técnicos
e o know-how necessário, além de adaptar as escolas de engenharia para formar especialistas
naquele sistema. A TV em cores era um produto profundamente mais complexo que a TV em
preto e branco, esta última que, inicialmente, teve sua manutenção feita de forma improvisada
por técnicos de rádio.
Durante a fase de escolha do sistema em cores no Brasil, houve pressão econômica e até
diplomática para que o NTSC fosse escolhido. Naturalmente, a indústria norte-americana
defendia a indicação deste sistema para não ter que pagar royalties para fabricar seus receptores.
A escolha de um sistema diferente do norte-americano era interessante para o governo brasileiro
para proteger o mercado. A escolha do PAL alemão e a implantação das modificações para
atender exclusivamente às necessidades do Brasil deveriam frear as importações legais de
aparelhos norte-americanos, bem como as ilegais (contrabando), que configuravam em crime de
evasão de divisas. Portanto, não seria possível ver a programação em cores da TV brasileira em
um aparelho NTSC, o mesmo acontecendo num televisor PAL que fosse trazido da Alemanha.
A Telefunken, detentora da patente do sistema PAL, abriu mão da cobrança dos seus royalties
no Brasil e permitiu que todas as empresas fabricassem os receptores com esse sistema no país.
No entanto, mesmo assim, houve pressão para que o governo revogasse a determinação de que
o sistema PAL seria implantado, bem como uma tentativa de adiar a própria implantação da TV
em cores, esperando-se alcançar uma mudança na legislação.
Com o término dos trabalhos para escolha do sistema, o PAL-M foi desenvolvido e publicado
em 1968. Acreditava-se que poderia ser viável oficializar a televisão colorida já naquele mesmo
ano, mas o próprio governo foi cauteloso. “O problema da concessão de exploração da televisão
1 Por curiosidade, a Argentina fez o mesmo caminho que o Brasil: adotou o sistema PAL e fez
sua adaptação, que chamou de PAL-N, depois também adotado pelo Paraguai e Uruguai. Estes
três países têm a frequência de rede elétrica em 50 Hz, onde o sistema de TV trabalhava com
625 linhas de resolução.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 483
em cores no Brasil ainda está em fase de estudos, como acontece em todas as partes do mundo
onde se pretende instalar o sistema. Nossa decisão será baseada nos estudos que estão sendo
elaborados e visam os interesses nacionais, principalmente os da indústria eletrônica de nosso
país. Qualquer precipitação sobre um problema tão complexo — e que envolve muitos interesses
— será improdutiva, tanto para o governo como para os interessados”, declarou o ministro das
Comunicações, o engenheiro Carlos Simas, em agosto de 1968, que frisou: “Ainda estamos numa
fase de afirmação da TV em preto e branco e qualquer iniciativa no terreno das transmissões em
cores seria prejudicial à indústria eletrônica nacional”.
O primeiro teste em cores da Embratel seria realizado no dia 11 de abril de 1970, com a transmissão
do lançamento da espaçonave norte-americana Apollo 13, que fazia um voo tripulado com destino
à Lua. Todavia, a transmissão gerada nos Estados Unidos acabou chegando equivocadamente em
preto e branco no Brasil e os técnicos da Embratel não puderam realizar as devidas experiências.
Como dissemos, a Copa do Mundo de 1970, realizada durante o mês de junho, no México, trouxe
grandes novidades na área de transmissão, já que foi a primeira a ser televisionada via satélite
para todo o mundo e, além disso, já com imagens em cores. Por meio de uma equipe formada
por 40 profissionais, a Embratel recebeu o sinal dos jogos em NTSC do satélite Intelsat III, o
transcodificou para PAL-M e o retransmitiu para todas as redes de televisão do território nacional
que haviam comprado os direitos de exibição.
Algumas emissoras tiveram condições de replicar este sinal em cores para todo o público,
contudo, ainda sem receptores coloridos no mercado, os brasileiros — que acabariam se tornando
tricampeões do mundo nessa copa — tiveram que se contentar em ver os jogos em preto e branco.
A camisa da seleção brasileira era amarela — e não cinza — apenas nos protótipos dos receptores
em cores da Embratel. No auditório do Circolo Italiano, localizado na segunda sobreloja do
edifício Itália, em São Paulo, a Embratel instalou seis protótipos em cores e exibiu os jogos da
seleção para autoridades, militares, diretores da empresa e empresários. A primeira partida foi
vista por cerca de 200 convidados. “Também foram provisoriamente instalados equipamentos
para recepção em cores no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, e no Palácio da Alvorada,
em Brasília, num afago ao presidente Médici”1. A TV Difusora - Canal 10 de Porto Alegre já
tinha condições técnicas e também promoveu a exibição em circuito interno dos jogos da Copa
do Mundo em cores, voltada às autoridades locais.
1 “A Grande História dos Mundiais 1962, 1966, 1970”, Max Gehringer, E-Galáxia, 2018:202.
486 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O Ministério das Comunicações criou uma comissão especial em julho de 1970, logo após a Copa
do Mundo, para estudar os diferentes aspectos atinentes à implantação do sistema PAL-M de TV
em cores e para propor providências e prazos convenientes para cada fase. Participaram diretores
de TV; representantes das associações das emissoras de TV, da indústria de eletroeletrônicos e
das agências de propaganda; e, ainda, o engenheiro-militar Alcyone F. Almeida Jr., que já havia
participado intensamente dos trabalhos de escolha do sistema de cor, representando o Instituto
Militar de Engenharia (IME). A comissão resolveu diversos problemas e finalmente definiu,
junto ao ministro das Comunicações, a data oficial para o início das operações da TV em cores
no Brasil.
Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo e
presidente da AESP - Associação das Emissoras de São Paulo, foi o entrevistado da edição de
16 de março de 1972 do programa jornalístico “Pinga-Fogo”, da própria TV Tupi, transmitido
em caráter experimental “ao vivo e em cores”. O tema foi a implantação da TV colorida e, em
determinado momento, um jornalista perguntou se aquele não poderia estar sendo um passo
precipitado. Monteiro contou que depois da Copa do Mundo de 1970, quando o governo chamou
as emissoras de televisão para estabelecer o prazo da implantação das cores, elas se posicionaram
para que isso acontecesse somente entre 1974-75. “[Havia] um argumento [...] de que era preciso
que a televisão em cores fosse a um passo além da televisão em preto e branco. Nós achávamos
que ainda havia um mercado amplamente a ser explorado pela televisão em preto e branco,
quer no que diz respeito ao volume de receptores, quer no que diz respeito ao aprimoramento
da sua programação. Mas, o governo também tinha argumentos fortes, que, inegavelmente, a
televisão em cores era um avanço tecnológico. Um país em evolução como Brasil, em expansão,
em explosão, não poderia retardar a implantação do sistema. Ponderando as nossas razões e as
razões do governo, chegamos a uma data intermediária [...]”, revelou Monteiro.
Inicialmente, pensou-se em julho de 1971, mas ficou marcada para 31 de março de 1972, a pedido
do presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, já que era o dia do oitavo aniversário da
“Revolução Militar” de 1964. A data da inauguração das cores foi oficializada pela Portaria nº
679, assinada no dia 9 de dezembro de 1970 pelo ministro das Comunicações, Hygino Corsetti.
Em 1971, a indústria ainda tinha incertezas sobre o retorno financeiro da TV em cores e, além
disso, era possível que as TVs coloridas, apesar de muito mais caras, passassem logo a ter a
preferência do consumidor e inviabilizassem as vendas dos estoques abarrotados de TVs em
preto e branco.
Os custos de implantação das cores também seriam muito altos para as emissoras, investindo em
equipamentos de captação, edição e transmissão a preços entre três e quatro vezes maiores do que
em preto e branco. Produzir um programa em cores também poderia ser até quatro vezes mais
do que um em preto e branco. Neste cenário, não bastaria que as emissoras se equipassem para
poder iniciar as transmissões regulares em cores. Era necessário atingir um número considerável
488 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
De acordo com a autobiografia1 do então diretor da TV Globo, Walter Clark, a ideia de transmitir
a Festa da Uva surgiu durante uma reunião entre o ministro Hygino Corsetti e os diretores das
emissoras que compunham a Rede Globo em diversas cidades do Brasil. O proprietário da Rede
Brasil Sul (RBS), Maurício Sirotsky, quis agradar o ministro para tentar evitar uma possível
punição do governo à Rede Globo, pois julgava que seus programas de auditório eram de baixa
qualidade intelectual. O empresário, que era afiliado da Rede Globo, sugeriu que o evento com
tradições populares que poderia marcar as primeiras experiências em cores do Brasil, além do
carnaval carioca, seria a Festa da Uva de Caxias do Sul, cidade natal do próprio ministro, a ser
realizada justamente em fevereiro de 1972. Aliás, o presidente Médici também era gaúcho, de
Bagé.
jovens emissoras como a TV Difusora de Porto Alegre e a TV Gazeta de São Paulo já haviam
sido montadas com alguns equipamentos que também eram preparados para transmitir em cores.
A bordo do cargueiro Itanagé, da estatal Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, os
equipamentos da TV Tupi saíram de Roterdã, na Holanda, na véspera do Natal de 1971. O
primeiro destino foi o porto do Rio de Janeiro, onde atracou no dia 3 de janeiro de 1972.
Descarregou os equipamentos Philips para a TV Tupi carioca e zarpou em direção ao Porto
de Santos, onde atracou no dia 8. O desembarque dos equipamentos do Canal 4 de São Paulo
ocorreu no dia 12, no Armazém 30 da Companhia Docas. No dia 18 de janeiro, a carga já estava
liberada das burocracias alfandegárias e uma equipe das Emissoras Associadas de São Paulo lá
estava para recebê-la e promover o transporte até o bairro do Sumaré.
— Depois de um longo trabalho e de muito esforço, viemos aqui para retirar o equipamento em
cores da Televisão Tupi, com a satisfação de ter participado desse empreendimento que traz para
o Brasil o primeiro equipamento completo de televisão em cores — declarou, no porto, Enéas
Machado de Assis, representante da direção dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo.
Equipamentos da Philips holandesa, encomendados pela TV Tupi de São Paulo, chegam ao Porto de Santos.
(reprodução)
Para realizar o transporte até o Sumaré, foram necessárias duas carretas, que começaram a ser
carregadas às 15h daquele dia 18 de janeiro. Como se tratava de uma carga muito delicada, a
operação exigiu todo o cuidado por parte da transportadora e dos funcionários do Armazém
30. As carretas deixaram o porto às 19h30 e chegaram ao Sumaré por volta de 22h, onde
foram recebidas com muito entusiasmo pelos funcionários da TV Tupi e pela alta direção dos
Diários e Emissoras Associados de São Paulo, que as aguardavam ansiosamente. Na ocasião,
o diretor-presidente Edmundo Monteiro gravou uma mensagem para expressar a importância
do momento. Também estavam presentes os seguintes dirigentes do Canal 4: Orlando Negrão
(superintendente), Fernando Severino (diretor-comercial), Cláudio Donato (diretor-técnico) e
Walter Forster (diretor-artístico).
À reportagem do “Diário da Noite”, Enéas Machado de Assis declarou que, há quase um ano,
assistiu na Holanda às primeiras experiências dos equipamentos que a Tupi estava recebendo.
“Representa, sem dúvida, tal iniciativa, o resultado do grande trabalho desenvolvido por
Edmundo Monteiro [...], no esforço da implantação da televisão em cores no Brasil, cumprindo
assim mais uma meta dentro do pioneirismo das Emissoras Associadas”, disse o executivo.
Na manhã seguinte, começou o trabalho de descarregamento no Sumaré, que foi dividido em
dois lotes. Um deles continha equipamentos que seriam instalados dentro da emissora e o outro
seguiria de carreta para a Indústria Brasileira de Eletricidade S/A (Inbelsa), licenciada do grupo
Philips do Brasil e que realizaria a montagem de uma unidade móvel em cores. Fazendo lembrar
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 491
A Trivelato também produziu contêineres especiais idênticos para a TV Tupi do Rio de Janeiro e
TV Itacolomi de Belo Horizonte, bem como duas carrocerias especiais para veículos da TV Tupi
de São Paulo, usados para transporte de geradores de eletricidade para longas tomadas externas,
ambos com o mesmo padrão de pintura externa.
Entre os equipamentos adquiridos junto à Philips, havia três sofisticadas câmeras Plumbicon LDK-
3, naquela época utilizada por 80% das emissoras de TV em cores pelo mundo; equipamentos
para controle de som; switcher master (controle mestre das operações); switcher de produção
com efeitos especiais; equipamentos de alimentação e geração de sincronismo; amplificador-
processador de vídeo; distribuidores de pulso e vídeo; monitores em cores e em preto e branco
das câmeras; 48 conjuntos de iluminação para estúdio com lâmpadas de quartzo; e um moderno
sistema de telecine, composto por uma câmera Plumbicon LDK-33, dois projetores de filme de
16 mm e um projetor duplo de slides.
492 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
As antigas salas de controle e exibição do Sumaré foram totalmente reformadas e ampliadas, a fim
de permitir a operação coordenada dos equipamentos em cores e em preto e branco preexistentes,
permitindo a continuidade da programação. Como o transmissor RCA TT-6AL já era preparado
para operar em cores, nada precisou ser feito com este equipamento.
Para liderar a montagem dos equipamentos do Canal 4, a Philips enviou, de Amsterdã, os
engenheiros Robby Van Lit e Paul Den Boer, que desembarcaram em São Paulo no dia 28
de janeiro de 1972. Segundo declarações dadas à reportagem do “Diário da Noite”, Van Lit
afirmou que “o material adquirido pela Televisão Tupi é o melhor possível, reunindo condições
e qualidades técnicas das mais apuradas”. Sobre o sistema de cores a ser usado exclusivamente
no Brasil, o holandês salientou que o “PAL-M não é uma adaptação, mas um aperfeiçoamento
do sistema alemão para as condições brasileiras”. Van Lit ficou responsável pela montagem dos
estúdios, enquanto Den Boer cuidou da unidade móvel na Inbelsa, juntamente com Roberto
Salvi, técnico das Emissoras Associadas de São Paulo.
O esquema de operações em cores nos estúdios do Canal 4 de São Paulo seria todo baseado
na unidade móvel, posicionada em um local reservado na Travessa Xangô, que atravessa
o terreno das Emissoras Associadas no Sumaré. De um lado, os prédios mais antigos, onde
ficavam todos os estúdios; do outro lado, o edifício-sede com 11 andares. Longos e espessos
cabos vermelhos ligavam a unidade móvel em cores ao “Estúdio-Palco” e aos estúdios “A”
e “B”. Quando houvesse alguma transmissão ou gravação externa a ser feita em cores, como
novelas, partidas de futebol, espetáculos e o “Programa Silvio Santos”1, por exemplo, os cabos
eram desconectados e a unidade móvel deslocada. Orlando Negrão, então superintendente das
Emissoras Associadas de São Paulo, lembra que para o desenvolvimento da carreta da unidade
móvel, foram tiradas as medidas da Travessa Xangô, para garantir que ela conseguisse estacionar
no local. “A montagem dos equipamentos em cores dentro de uma carreta foi estratégica, proposta
pelos nossos engenheiros. Isso porque os equipamentos não ficariam presos em um estúdio. Ao
contrário, teriam toda a mobilidade e mais programas poderiam ser gerados em cores”, ressalta
Orlando Negrão2.
O técnico Roberto Salvi, um dos responsáveis pelo gerenciamento da unidade móvel de São
Paulo, revela que, em um primeiro momento, ela não contou com um equipamento de videoteipe
e as gravações externas eram todas transmitidas ao vivo ou gravadas pelos VTs coloridos do
Sumaré. “Teve uma época em que a programação em cores começava com o jornal do almoço,
depois vinha o programa da tarde, o jornal da noite e um show para finalizar. Íamos com a
carreta quando havia futebol no domingo à tarde no Estádio do Pacaembu. Depois, tínhamos
que desmontar tudo rapidamente e correr para transmitir o show noturno, direto dos estúdios do
Sumaré. Não era fácil”, ressalta Salvi.
1 O “Programa Silvio Santos” estava sendo gerado no Teatro Manoel de Nóbrega, do próprio
apresentador, localizado na Vila Pompeia, em São Paulo.
2 O empresário Orlando Negrão concedeu entrevista exclusiva aos autores em outubro de 2020.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 493
Durante o mês de fevereiro de 1972, o clima dentro dos estúdios do Canal 4 foi de movimentação
geral. Os funcionários acompanhavam de perto as instalações do sistema de TV em cores e
estavam todos empolgados. Para a emissora, o início das transmissões coloridas representava
o coroamento de um trabalho iniciado mais de um ano antes da estreia oficial. “Desde o início,
o que se viu foi uma total colaboração dos elementos que formam o Departamento Técnico e,
sem os quais, dificilmente seria obtido êxito. Um trabalho intensivo, denodado e com espírito de
colaboração, digno de realce. E, esse ânimo, transmitiu-se para todos os demais departamentos,
dando vida nova à emissora”, declarou Cláudio Donato, diretor-técnico da emissora, ao “Diário
da Noite”. Diversos funcionários fizeram cursos de especialização promovidos pela USP, Philips
e RCA; diretores chegaram a estagiar nos Estados Unidos e Alemanha. Os engenheiros da
Philips, Robby Van Lit e Paul Den Boer, também treinaram as equipes de operação de São Paulo
e, depois, fizeram o mesmo com a equipe da Tupi do Rio de Janeiro, emissora que enviou três de
seus engenheiros para estagiar com televisão em cores no exterior, sendo dois deles no Centro de
Treinamento da BBC, na Inglaterra, e o outro no Sender Freies Berlin, na Alemanha.
Foram necessários praticamente 30 dias para montar os equipamentos Philips na sala do Controle
Mestre e na unidade móvel.
A primeira emissora a ser vistoriada e autorizada pelo CONTEL para operar em cores foi a
TV Difusora - Canal 10 de Porto Alegre. Esta autorização foi expedida no dia 31 de janeiro
de 1972 e foi facilitada pelo fato de a emissora ter sido montada há apenas três anos e já com
equipamentos preparados para também transmitir em cores. A segunda emissora a receber a
mesma autorização foi a TV Tupi de São Paulo, poucos dias depois da emissora gaúcha. Com
isso, ambas já poderiam iniciar seus testes no ar.
A TV Tupi de São Paulo iniciou seus testes policromáticos no dia 8 de janeiro, quando passou a
transmitir padrões de testes (colorbars) diários, entre 9h e 11h. As transmissões experimentais
diárias também auxiliaram nos treinamentos dos profissionais das assistências-técnicas e na
divulgação dos receptores em cores nas lojas. As telas coloridas nas vitrines chamaram a atenção
do público, ainda que, inicialmente, somente o padrão em barras pudesse ser visto em cores.
No mês seguinte, o Canal 4 já estava pronto para exibir projeções coloridas de filmes e desenhos
animados por meio do seu novíssimo Telecine da Philips. O que ainda estava em processo era a
montagem dos equipamentos para geração de programas de estúdio em cores, algo muito mais
complexo. O ministro Hygino Corsetti, das Comunicações, esteve em São Paulo no dia 2 de
fevereiro para reunir-se com os diretores das emissoras de televisão. Depois, visitou a TV Tupi e
manifestou-se favorável a toda estrutura que viu. O próximo passo era aguardar pelo teste oficial
da TV em cores, no dia 19, direto de Caxias do Sul.
Festa da Uva
O sábado, 19 de fevereiro de 1972, foi um dia histórico para a televisão brasileira, data em que
se realizou a primeira experiência oficial com transmissões coloridas. E não se tratou de um
“simples” programa especial de estúdio. Diretamente de Caxias do Sul (RS), um pool de 31
emissoras, liderado pela bem equipada TV Difusora de Porto Alegre e coordenado pelo Ministério
das Comunicações, mostrou para todo o Brasil, ao vivo e em cores, os eventos de abertura da
tradicional e famosa Festa da Uva. É verdade que não se tratou da primeira transmissão de TV
em cores no país, já que, nove anos antes, em São Paulo, a TV Tupi exibiu alguns programas em
cores por cerca de 10 meses e a TV Excelsior transmitiu uma apresentação ao vivo e em cores
do Parque do Ibirapuera, como visto no Capítulo 34. Contudo, desta vez, a implantação das
cores era oficial, coordenada e definitiva, resultado de um trabalho de seis anos realizado pelo
Ministério das Comunicações.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 495
Para a geração das imagens da festa, a responsável TV Difusora de Porto Alegre se utilizou de
equipamentos fabricados pela EMI Eletronics, na Inglaterra. A emissora era afiliada da REI -
Rede de Emissoras Independentes, cuja TV Record de São Paulo era a emissora-líder. A TV
Difusora - Canal 10 contou com a colaboração da TV Rio, de sua propriedade, da TV Piratini, TV
Caxias e da TV Globo, que enviou os atores Francisco Cuoco, Tônia Carrero e o locutor Heron
Domingues para animar a festa. A retransmissão em cores foi feita por uma rede com cerca de
20 emissoras espalhadas pelo Brasil. Vinte jornalistas estrangeiros e a rede europeia de televisão
Eurovision estiveram em Caxias do Sul para a cobertura e gravação do evento. Estimou-se a
presença de 600 mil turistas.
Os eventos que compuseram a abertura da XII Festa da Uva foram divididos em dois blocos: das
9h às 10h30 e das 14h45 às 15h30. O primeiro mostraria a chegada do presidente da República,
Emílio Garrastazu Médici, e a solenidade oficial de abertura. Na parte da tarde, era a vez da
apresentação do tradicional desfile pelas ruas da cidade, com 42 carros alegóricos e diversos
grupos escolares no solo, o ponto alto do evento, rico em cores e tons. O tema daquele ano foi a
história da colonização italiana no Rio Grande do Sul, mas também seriam mostrados aspectos
das atividades predominantes na região, principalmente da vitivinicultura.
Apesar dos testes bem-sucedidos realizados no dia anterior entre a Embratel e a TV Difusora,
um problema técnico surgiu pouco antes do início da abertura das solenidades e nenhum sinal
chegou à Embratel para a distribuição nacional. Sem solução imediata, a transmissão do evento
foi feita apenas para a região de Caxias do Sul e Porto Alegre, algo que frustrou milhares de
telespectadores situados em diversas cidades do Brasil, entre eles, cerca de 600 famílias
brasileiras que puderam adquirir um receptor em cores. Em diversas cidades foi comum avistar
calçadas repletas de curiosos em frente às lojas que vendiam televisores. Para a transmissão da
segunda parte do evento, iniciada às 14h45, o problema já estava superado e, segundo avaliação
da Embratel, as imagens recebidas nas capitais foram de ótima qualidade, apesar de alguns
populares que acorreram às vitrines das lojas tenham se declarado decepcionados, de certa
forma, porque esperavam uma fidelidade maior. Isso se deu porque muitos dos vendedores ainda
não tinham prática para ajustar perfeitamente as imagens dos televisores de demonstração.
A unidade móvel da TV Difusora de Porto Alegre, responsável pela geração das imagens em cores da Festa da
Uva, em 1972. (Assis Hoffmann/Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo)
Na tarde do dia seguinte (domingo, 20), foi realizada uma segunda experiência de TV em cores
pelo Ministério das Comunicações, entretanto, com retransmissão não obrigatória pela rede
brasileira de TV em cores. Trata-se de uma partida amistosa de futebol entre Associação Caxias
x Grêmio, atração que também fazia parte da Festa da Uva, evento que se estenderia até o dia 19
de março. A partida foi finalizada sem gols, mas ficou marcada como a primeira transmissão em
cores de um jogo de futebol no Brasil. Por não ser obrigatória, poucas emissoras a transmitiram,
mas, devido à boa qualidade técnica que a TV Difusora de Porto Alegre obteve, o videoteipe
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 497
colorido acabou sendo exibido pela TV Rio e pela TV Record de São Paulo.
A data escolhida para a estreia oficial da televisão em cores no Brasil iria ser bastante movimentada.
O dia 31 de março de 1972 seria um feriado, onde se celebraria a “Sexta-Feira da Paixão” e,
ainda, o oitavo aniversário da “Revolução Militar” de 1964. Para evitar concorrência entre as
emissoras durante a programação especial em cores e para promover uma união tecnológica, o
ministro Hygino Corsetti sugeriu a formação de um novo pool de emissoras para a transmissão
de uma única programação, proposta unanimemente aceita pelos radiodifusores. Corsetti queria
498 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
que a programação do dia 31 incluísse uma manhã com caráter religioso, devido à data especial,
seguida por uma tarde esportiva e uma noite com o pronunciamento oficial do presidente Médici
e com espetáculos para encerrar. Também sugeriu que os diretores das estações de TV habilitadas
a transmitir em cores estudassem a possibilidade de mostrar cenas de todo o país, para que os
brasileiros tivessem a oportunidade de ver imagens coloridas de cada estado.
Os meses foram se passando sem que as emissoras efetivamente se movimentassem para
proporcionar uma programação de nível elevado, como desejava o ministro. Na verdade, sequer
pareciam preocupadas com isso. Apenas a TV Bandeirantes de São Paulo tinha feito a “lição
de casa” e preparava um espetáculo esportivo colorido — uma partida de futebol no Estádio do
Morumbi, entre as seleções paulista e carioca. A menos de um mês da inauguração das cores, o
arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, procurou o Ministério das Comunicações e
as estações de TV para cobrar a preparação de alguma apresentação religiosa, como previsto na
grade oficial do dia 31. A resposta foi negativa, mas o religioso foi informado que algo ficaria
definido durante uma reunião entre o ministro Corsetti e as emissoras de TV, a ser realizada no
dia 9 de março.
A partir disso, em virtude de o aniversário da “Revolução Militar” coincidir com a “Sexta-
Feira da Paixão”, o presidente Médici resolveu que a programação oficial do aniversário do
movimento político-militar e da implantação da TV em cores não deveriam ter caráter popular,
festivo ou esportivo. Neste sentido, o próprio governo adiou suas comemorações militares
para o dia seguinte e a iniciativa da TV Bandeirantes também teria que ser adiada1. Como esta
medida foi uma importante baixa para a programação de estreia das cores, que perdia seu brilho e
ganhava problemas, ficou decidido que a programação de inauguração realmente ficaria reduzida
e, em rede, seriam transmitidos apenas os discursos do presidente Médici e do ministro Corsetti,
além de um filme sobre o Brasil e uma programação religiosa, que poderia ser a transmissão
da tradicional procissão de Tubarão (SC) ou da grandiosa representação da Paixão de Cristo
em Nova Jerusalém (PE). Nos demais horários, quando não houvesse transmissão em cadeia
nacional, cada emissora estaria livre para exibir o que quisesse, em cores ou não.
Refletindo as decisões tomadas, o programa que reuniria imagens em cores de diversas emissoras
do Brasil foi substituído por uma coletânea de 54 minutos com filmes coloridos, produzidos
pelos documentaristas Jean Manzon e Isaac Rosenberg, sob encomenda da Volkswagen. Para
a transmissão da programação religiosa, seria necessário deslocar caminhões de externas até
Tubarão ou Nova Jerusalém e a ideia teve de ser abandonada. Em seu lugar, programou-se uma
missa celebrada pelo papa Paulo VI, direto de Roma, em cores, via Embratel.
Os pronunciamentos do presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, e do ministro das
Comunicações, Hygino Corsetti, deveriam ser gravados no Palácio da Alvorada, em Brasília,
ambos em cores. Entretanto, uma dificuldade técnica surgiu no início daquela semana, quando
se constatou que nenhuma das redes nacionais de televisão teria condições técnicas de transmitir
imagens coloridas com nitidez, de Brasília para a Embratel, devido a insuficiência de iluminação
adequada. A solução surgiu somente dois dias antes da inauguração das cores, quando a TV
Gazeta - Canal 11 de São Paulo se prontificou a fazer a geração das imagens em cores para o pool
de emissoras de todo o Brasil, por meio de seus equipamentos de fabricação Marconi, incluindo
uma câmera Mark-8. A direção da emissora declarou que para suas lentes Marconi não haveria
problemas para gravar com iluminação interna no Palácio da Alvorada e que sua unidade móvel
poderia ser transportada para Brasília sem prejuízo da programação em São Paulo. A partir disso,
a dificuldade foi encontrar um avião que pudesse transportar o ônibus da emissora paulistana.
O problema foi resolvido com a decisão de enviar somente os equipamentos do ônibus. Com o
apoio do governo do estado de São Paulo e do próprio governo federal, logo após o término da
transmissão experimental em cores da corrida de Fórmula 1, realizada no dia 30, no Autódromo
de Interlagos, em São Paulo, os equipamentos e uma equipe da TV Gazeta foram levados a
Brasília por meio de um avião da Vasp e outro da Embraer.
A participação do ministro Corsetti estava marcada para as 8h30 e, após quase toda a madrugada
realizando a montagem e os testes com os equipamentos, tudo ficou pronto pela manhã. A
ligação com a Embratel foi estabelecida para levar o sinal até sua sede no Rio de Janeiro, onde o
pronunciamento seria gravado em videoteipe colorido para transmissão em rede às 15h, abrindo
a programação especial em cores.
Às 15h as emissoras formaram a rede nacional e retransmitiram os sinais gerados pela Embratel.
Foi exibido o videoteipe de oito minutos com o pronunciamento do ministro Hygino Corsetti,
onde ele relatou todo o processo de desenvolvimento da televisão em cores no Brasil, mostrou
as vantagens da escolha do sistema PAL alemão e, por fim, declarou inaugurado oficialmente o
sistema de TV colorido. Em seguida, a Embratel apresentou, em cores, o filme italiano “Vida,
Paixão e Morte de Jesus Cristo” e a coletânea de filmes “Conheça o Brasil”, de Jean Manzon.
A rede nacional foi desfeita às 18h e as emissoras ficaram livres para exibir a programação que
quisessem por 2h30 (a maioria exibiu a programação regular em preto e branco de uma sexta-
feira comum e a Tupi exibiu a cerimônia da Sexta-Feira Santa “Via Crucis”, com o papa Paulo
VI, direto de Roma). Às 20h30, a rede foi restabelecida com o presidente Médici falando à nação
por meio da gravação em videoteipe preto e branco. Às 21h, as emissoras ficaram liberadas para
veicular seus conteúdos exclusivos em cores e a Rede Tupi colocou no ar, ao vivo para todo o
Brasil, o “Mais Cor em Sua Vida”, um especial musical, produzido e gerado pela Tupi de São
Paulo e apresentado por Walter Forster e Cidinha Campos. O programa deu as boas-vindas às
cores e mostrou apresentações dos cantores Vinícius de Moraes, Toquinho, Elizeth Cardoso,
Jorge Ben, Agnaldo Rayol e Dorival Caymmi. Durante as apresentações, modelos dançavam no
palco, trajando vestidos coloridos desenhados pelo estilista Clodovil. Também houve desfiles
com tais modelos. O show foi dirigido por Fernando Faro e produzido por Daniel Loforte e
Alcindo Diniz. A produção foi feita no “Estúdio-Palco” do Sumaré.
1 Link: youtu.be/U6iH4KcQw3c.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 501
A TV Globo exibiu sua primeira produção própria em cores naquela mesma noite, às 21h, uma
peça do “Caso Especial”, adaptada pela escritora Janete Clair, e que contou com a participação
de grandes estrelas do seu elenco de novelas. O episódio, chamado de “Meu Primeiro Baile”,
ganhou o posto de primeiro teleteatro em cores da TV brasileira.
No dia seguinte, 1º de abril, às 20h, a TV Tupi festivamente exibiu um grande clássico do cinema
em cores para celebrar a nova fase da TV brasileira: “A Volta ao Mundo em 80 Dias” (EUA,
1956), com David Niven e Cantinflas.
Quanto às mudanças artísticas nos programas em cores, tornou-se comum ver alguns exageros
em figurinos extra-coloridos, usando “rosa-choque, laranja-flamante e vermelho-cheguei”,
como criticou uma jornalista. De fato, certos excessos nos tons prejudicavam aqueles milhões de
pessoas que assistiam ao mesmo programa em preto e branco, pois muita informação da imagem
se perdia ou se confundia. Mesmo assim, “a qualidade da TV em cores brasileira é considerada
pelos técnicos estrangeiros — americanos e alemães, inclusive — como excepcional”, declarou
Edvaldo Pacote, em 1973, ao “Jornal do Brasil”2. Ele era o responsável pela divulgação da TV
Globo e ressaltou o sucesso da adaptação do sistema PAL alemão com o padrão “M” norte-
americano, abrindo, inclusive, o mercado de exportação de programas em cores da emissora,
como a novela “O Bem Amado” (1973), a primeira em cores no Brasil.
Agora tudo é em função das cores. Mas os técnicos têm que levar em
consideração que a quase totalidade dos aparelhos ainda é em preto
e branco, por isso, estudam os meios de coadunar os dois sistemas,
para que a imagem também seja de igual qualidade. Um detalhe que
está presente neste trabalho é a relação das cores com os tons de
cinza dos aparelhos comuns — um problema para os cenógrafos e
iluminadores. O azul-escuro equivale ao cinza-escuro; o amarelo-
claro ao cinza-claro. (“Técnicos Falam Sobre Teste de TV a Cores”,
Diário do Paraná, 23/02/1972, Primeiro Caderno, p. 5)
1 “Os Altos Índices de Audiência da Imagem Colorida”, Jornal do Brasil, Revista de Domingo,
02/12/1973, p. 1.
2 Ibidem.
504 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
As transmissões oficiais de televisão em cores foram inauguradas no Brasil com poucos anos
de atraso em relação à maioria dos países desenvolvidos, algo que fez com que nosso país
tivesse que, literalmente, pagar um preço alto por isso. Contudo, o governo brasileiro pretendia
vender a tecnologia PAL-M para outros países latino-americanos, abrindo mercado para exportar
cinescópios, televisores e negociar seu know-how.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 505
CAPÍTULO 39
REDE TUPI VIA EMBRATEL, PARA TODO O BRASIL
E
m 1971, o Ministério das Comunicações começou a disponibilizar canais de satélite para
telecomunicações domésticas, ou seja, para uso de massa, como a transmissão de sinais
de emissoras de TV. O serviço foi operado pela estatal Embratel - Empresa Brasileira de
Telecomunicações que, por sua vez, se utilizava da estrutura do serviço internacional de satélites
Intelsat.
Quando os Diários e Emissoras Associados começaram discutir a geração via satélite de alguns
programas de televisão para suas emissoras em todo o Brasil, surgiram dúvidas sobre qual das
duas TVs Tupi seria a responsável pelo feito: o canal 4 paulistano ou o canal 6 carioca? Duas
propostas foram consideradas. Na primeira, a TV Tupi carioca geraria conteúdo para as emissoras
das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, enquanto a emissora de São Paulo geraria
para os canais do Sul e Sudeste (exceto RJ). A outra proposta, que foi a vencedora, definiu que a
Tupi de São Paulo ficaria responsável pela produção de telenovelas e teleteatros para toda a rede,
enquanto a Tupi do Rio se encarregaria de produzir shows e programas de auditório também
para todas as emissoras do país. Já o telejornalismo ficaria por conta de cada emissora. O acordo
foi estabelecido, mas somente após a superação das diversas divergências entre os condôminos1,
haja visto a corriqueira disputa por mais liderança dentro da organização “Associada”.
Definida a questão da geração dos programas via satélite, os Diários e Emissoras Associados
passaram a alugar horários junto à Embratel para realização de transmissões. Até então, além
de sua própria rede de transmissão por micro-ondas, as “Associadas” também se utilizavam
da nova rede terrestre da própria Embratel, que chegava a algumas cidades em que a Rede
Brasileira de Televisão Associada não alcançava. No dia 1º de janeiro de 1971, a TV Tupi do
Rio de Janeiro estreou o jornalístico “Correspondentes Estrangeiros Associados”, programa que,
além de noticiários nacionais, apresentou material de outros países, recebido pela Embratel via
satélite. Um dos membros da equipe de jornalismo da Tupi do Rio, nessa época, era o pioneiro
Dermival Costa Lima, que havia ido para a Organização Victor Costa e agora estava de volta às
“Associadas”.
Até que, entre agosto e outubro, ainda de 1971, a TV Tupi do Rio de Janeiro passou a gerar
seus primeiros programas via satélite para todas as Emissoras Associadas do país. Por meio
do contrato com a Embratel, o Brasil pôde acompanhar, inicialmente, “Flávio Cavalcanti”, e
depois “Jota Silvestre”, “Ataque e Defesa”, “Cidinha Livre” e jogos do Campeonato Brasileiro
de Futebol. Estes são, portanto, os primeiros programas de televisão gerados via satélite para
todo o Brasil.
Em maio de 1972, foi a vez do Canal 4 de São Paulo transmitir seu primeiro programa em cadeia
nacional, o tradicional “Clube dos Artistas”. No final do mesmo ano, a Tupi carioca também
estreou o “Discoteca do Chacrinha”, o primeiro programa em cores e via satélite. Uma vez por
508 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
“Alô, alô Sumaré! Alô, Embratel! Alô, Intelsat III! Alô, alô criançada do meu
Brasil! Aqui quem fala é o Capitão Aza, comandante-chefe das Forças
Armadas infantis deste Brasil”. Este era o bordão de Wilson Vianna, que
vivia o personagem Capitão Aza, apresentador do programa infantil
homônimo, de muito sucesso, produzido pela TV Tupi do Rio de Janeiro a
partir de 1969. Ele passou a ser gerado via satélite em 1974, para a
retransmissão em algumas das afiliadas da Rede Tupi. A TV Tupi de São
Paulo, entretanto, não exibiu esta atração.
Após as TVs Tupi carioca e paulista iniciarem a transmissão de alguns programas via satélite,
seus diretores passaram a chamar este sistema de “Rede Tupi”, principalmente pelo fato de
já se falar muito em “Rede Globo”. No entanto, somente a geração de programas via satélite
não representava o ideal de formação de uma verdadeira rede. “Programa ‘via Embratel’ é
um conceito; ‘rede’ é outro conceito. A possibilidade de transmitir os programas via satélite é
que deu capacidade de se criar a rede”, explica Marcos Antônio Zago, funcionário da TV Tupi
de São Paulo entre 1971-79. Em suma, as autênticas redes de televisão não englobam apenas
a transmissão conjunta dos programas, mas também o entrosamento entre as emissoras e as
empresas que estão por trás delas. E, justamente, era crônica a falta de entrosamento entre as
emissoras “Associadas” de todo o país.
Desta forma, como não havia uma verdadeira rede implantada, não existia uma gerência
específica para as transmissões via satélite. Como resultado, não havia organização e sequer
um plano estratégico dos programas a serem exibidos. “Subia” para o satélite aquilo que estava
disponível. No entanto, em 1972, quando Orlando Negrão assumiu a superintendência da TV
Tupi de São Paulo e das rádios Tupi e Difusora, começaram a ser esboçadas as primeiras ideias
para a montagem de uma autêntica rede de televisão.
O superintendente Orlando Negrão chegou a declarar que “esse quadro logo se inverteria, desde
que o Rio compensasse novamente como centro gerador”. Contudo, é fato que a centralização
da geradora da Rede Tupi em São Paulo dava oportunidade para a criação de um gerenciamento
de programação, que permitiria transformar definitivamente a cadeia de retransmissoras em
uma verdadeira rede de televisão. Isso promoveria maior racionalização operacional nos planos
artísticos, retomaria a condição de competitividade na audiência e traria mais receita comercial.
Tornar a Tupi de São Paulo uma geradora única foi uma atitude apresentada como providência
primordial. Contudo, a notícia foi recebida com certa reserva pelos funcionários da TV Tupi da
Urca, visto que essas medidas gerariam desemprego.
1 “Dinheiro Alto Pode Acabar Com a Tupi”, Eli Halfoun, Última Hora, 06/05/1975, n.p.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 511
A central de produção da Tupi na Urca era responsável por importantes produções. Com o
“encolhimento” de sua central de produção, os programas do Velho Guerreiro — “Discoteca
do Chacrinha” e “Buzina do Chacrinha” — foram cancelados, assim como diversos outros.
“Balança, Mas Não Cai”, “Os Trapalhões” e “Flávio Cavalcanti” foram poupados dos cortes,
mas se mudaram para São Paulo. Alguns poucos programas locais do Rio de Janeiro puderam se
manter no ar, como “AP Show” (com Aérton Perlingeiro) e “Clube do Capitão Aza”. O jornalismo
nacional passou para São Paulo, ficando no Rio um pequeno espaço para o noticiário local. Os
programas de esportes foram divididos ao meio, com Walter Abrahão cobrindo a parte paulista
e a equipe de Rui Porto com a responsabilidade de gerar a transmissão para os cariocas. Em São
Paulo, a central de produção de novelas foi ampliada (curiosamente, as novelas paulistas faziam
sucesso em todas as praças, exceto no Rio de Janeiro) e os programas vespertinos, bem como o
Departamento de Cinema (filmes, séries e desenhos animados) foram todos reestruturados.
512 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
[...] 1974, foi, pois, o primeiro ano no qual a Tupi operou em rede,
concentrando a produção em São Paulo e mantendo um ou outro
programa produzido localmente nas cidades e estados onde há
emissoras. Seguramente esta cirurgia já deve ter estancado a sangria
de recursos determinada pela disseminação de estações deficitárias,
situação que levou várias delas à quase insolvência em 1973. É muito
difícil em anos de recuperação econômica de organismos complexos,
como as emissoras dos Diários Associados, poder contar com uma
programação realmente competitiva. São tais os compromissos
financeiros e dívidas a pagar, que os saudáveis resultados da
política de rede nacional ainda não adquiriram tempo e folga
para o investimento em produções realmente competitivas e de boa
qualidade. O início da recuperação econômica da Rede Tupi pode
ser o grande passo que o ano de 1974 permitiu a seus dirigentes que
quase acordam tarde demais para uma política de rede que estava
óbvia há muitos anos. Modestamente (ou não), aqui de meu cantinho,
há pelo menos três anos, eu vinha falando a respeito, mas o pessoal
dos Diários Associados tinha nas suas próprias emissoras dos outros
estados seus maiores adversários e não nas emissoras de outras
empresas. Era inacreditável! Mas enfim e felizmente, acordaram e
essa decisão foi o mais importante fato do ano para a Rede Tupi,
cujo efeito, mesmo de longe, adivinho, na rota de uma recuperação
por todos esperada no benefício da própria televisão brasileira.
(“Tupi-74 Foi Uma Nova Filosofia”, Artur da Távola, Revista Amiga,
29/01/1975)
Em abril de 1974, com a TV Tupi carioca já controlada pelas Emissoras Associadas de São Paulo,
o diretor Edmundo Monteiro e o superintendente Orlando Negrão deram um grande passo para
finalmente estabelecer o conceito e gerenciamento de uma rede nacional de televisão — essencial
para a redução de custos de produção e melhor controle de qualidade de programação. No final
daquele mês, foi publicado um comunicado nos jornais, assinado por Monteiro, informando que,
“por deliberação do Condomínio Acionário das Emissoras e Diários Associados, a programação
da Rede Tupi de Televisão, no horário das 18h30 às 23h30, será gerada e comercializada
através da Rádio Difusora São Paulo S/A (TV Tupi - Canal 4). [...] O objetivo dessa decisão
é uniformizar em todo o Brasil a programação naquele horário, impondo-se tal esclarecimento
devido a notícias tendenciosas terem sido veiculadas por alguns órgãos de imprensa”, informou o
comunicado. Monteiro se referia a boatos de que ele iria interferir administrativamente em todas
as Emissoras Associadas distribuídas pelo país.
Oficialmente, o estabelecimento da Rede Tupi de Televisão aconteceu em junho de 1974, época
da Copa do Mundo da Alemanha. A superintendência exclusiva ficou a cargo de Antônio Lucena;
a direção-artística com Cassiano Gabus Mendes; e a direção-comercial com Fernando Severino.
Para a centralização das produções em São Paulo, o Canal 4 teve que investir em infraestrutura
e ficou definido que os shows e humorísticos fossem produzidos em lugares amplos, como um
cinema ou uma casa de shows. Além disso, foi solicitado que as emissoras do grupo espalhadas
pelo Brasil doassem determinados equipamentos para melhor munir a emissora-geradora. O
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 513
exemplo mais simbólico desta medida foi a transferência da Unidade Móvel Color e de todos
seus equipamentos (incluindo as três câmeras), do Rio de Janeiro para São Paulo, que passou a
contar com duas unidades idênticas. Tratava-se da carreta especial, equipada com uma estação
geradora completa de TV em cores, fabricada pela Philips (ver Capítulo 38).
A fim de que o Canal 6 carioca continuasse gerando algum conteúdo local em cores, o técnico
Roberto Salvi1 fez uma adaptação com a única câmera em cores que restou: a do Telecine2. Ela
passou a ser usada, também, como uma câmera comum, com tripé, garantindo que, ao menos, os
apresentadores do telejornal local pudessem ir ao ar em cores.
Para realizar a produção dos programas, a geradora da Rede Tupi de Televisão, no Sumaré
paulistano, passou a contar com seis estúdios para gravações, cinco unidades móveis (duas em
cores), uma unidade móvel de videoteipe, 22 câmeras de estúdio (seis em cores), 14 máquinas
Quadruplex (videoteipe), três telecines (um em cores), uma mesa de switcher, sete mesas de
produção e uma central de áudio.
No início, a maior parte da programação vista nas afiliadas da Rede Tupi de Televisão não era
transmitida em tempo real, via satélite, pela geradora em São Paulo. Somente os programas
ao vivo de auditório e os noticiários nacionais é que podiam ser vistos ao mesmo tempo em
que eram gerados, ao passo que os demais programas entravam no ar por meio de gravações
em videoteipe. Isso porque, devido ao alto custo do aluguel do satélite durante o dia e a noite,
a Tupi estrategicamente utilizava o período da madrugada para transmitir estes programas
para as afiliadas, a fim de que elas pudessem gravá-los e exibi-los em um horário simultâneo e
preestabelecido. Isso tudo para aproveitar as tarifas mais baixas do chamado “horário reduzido”
da Embratel, já que, durante as madrugadas, havia maior capacidade para o tráfego de TV, pois
era quando caía a demanda prioritária dos bancos e da telefonia. Essas transmissões especiais
da Tupi, na verdade, se iniciaram em 1972, mas se intensificaram com a formação de uma
autêntica rede, em 1974. Elas eram restritas, recebidas apenas pelas afiliadas e não pelo público,
e possibilitaram, pela primeira vez no Brasil, a total simultaneidade da programação em rede em
todas as praças, mesmo que ainda fosse inviável pagar pelo uso do serviço via satélite durante
todo o dia.
Em 1974, a Tupi era, portanto, a maior rede de televisão do país, com 22 emissoras (entre próprias
e afiliadas) distribuídas em quase todos os estados. A TV Globo iniciou a formação de sua rede
no ano seguinte — 1975 —, com 18 emissoras no total, e se tornou a segunda maior do país.
Com o passar dos anos, não era raro aparecerem boatos de que a Tupi da Urca voltaria a gerar
programas, tamanha era a vontade dos cariocas. “São Paulo continuará sendo o centro gerador,
como poderia ser qualquer outro ponto do país. O Rio realizará alguns programas absolutamente
locais”, revelou Edmundo Monteiro em 1977, dando como exemplo o programa “Jota Silvestre”.
Segundo o presidente dos Diários Associados paulista, 1977 seria o ano da TV Tupi, com a
aquisição de novos equipamentos para melhorar a linha de produção em São Paulo, algo que será
assunto no Capítulo 40.
Durante todo o período em que esteve no ar, a Rede Tupi de Televisão chegou a contar com
24 emissoras em todo o Brasil, sendo 14 delas próprias: TV Tupi (São Paulo, SP), TV Tupi
1 O técnico Roberto Salvi trabalhou nas Emissoras Associadas durante quase toda a década de
1970. Primeiro na TV Tupi de São Paulo e depois na Tupi carioca, chegando a ser diretor-técnico
de ambas. Também foi funcionário da TV Globo e TV Excelsior.
2 Equipamento utilizado para transferência de imagens de filme para vídeo. O Telecine permitia
que um filme produzido originalmente para ser exibido no cinema pudesse ser exibido por uma
emissora de televisão.
514 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
(Rio de Janeiro, RJ), TV Itacolomi (Belo Horizonte, MG), TV Brasília (DF), TV Marajoara
(Belém, PA), TV Borborema (Campina Grande, PB), TV Paraná (Curitiba, PR), TV Ceará
(Fortaleza, CE), TV Goiânia (GO), TV Piratini (Porto Alegre, RS), TV Rádio Clube (Recife,
PE), TV Itapoan (Salvador, BA), TV Uberaba (MG), TV Coroados (Londrina, PR) e TV Vitória
(ES). A TV Alterosa (Belo Horizonte, MG) fazia parte dos Diários Associados, mas não era uma
retransmissora da Rede Tupi. Já as afiliadas chegaram ao número de 20, entre elas, a TV Baré
(Manaus, AM), TV Esplanada (Ponta Grossa, PR), TV Cultura (Florianópolis, SC), TV Atalaia
(Aracaju, SE), TV Morena (Campo Grande, MT), TV Centro-América (Cuiabá, MT), TV Cidade
Branca (Corumbá, MT) e a TV Rio Preto (São José do Rio Preto, SP).
1 “TV Tupi Ribeirão Preto - A Primeira Emissora do Interior do Brasil”, Lorrane Hamid e Robson
Campi, São Francisco Gráfica e Editora, 2015:106-107.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 515
GALERIA DE FOTOS 2
Anúncios sobre a mudança do canal de operação da TV Tupi de São Paulo, ocorrida em 1960. (Diário da Noite/
reprodução)
Logomarca da TV Tupi do
Rio de Janeiro em 1965.
(reprodução)
Uma câmera RCA TK-15 (esq), que pertenceu à TV Coroados de Londrina, e uma RCA TK-30, usada pela TV Tupi de São
Paulo, ambas preservadas e restauradas para ficar em exposição. (reprodução)
PARTE 4
CRISE, CASSAÇÃO E O LEGADO DA TELEVISÃO PIONEIRA
PREFÁCIO
EVA WILMA
Quando Elmo e Maurício me convidaram para escrever o prefácio do terceiro livro da trilogia
“TV Tupi: Do Tamanho do Brasil”, esse resgate de memória tão importante da inesquecível TV
Tupi, sinceramente eu quase desisti, diante da enorme responsabilidade de resumir as lembranças
de 70 anos de uma história maravilhosa.
Daí me lembrei do caminho que eu fazia para ir para a emissora, no bairro do Sumaré, em São
Paulo. Passava sempre na frente da casa do seu fundador, o grande Assis Chateaubriand. Lá tinha
um enorme viveiro de pássaros, uma de suas paixões. Chateaubriand, que era um nordestino
“arretado”, foi o responsável por trazer a televisão para o Brasil. Então recordei muito a incrível
emoção que eu tive ao conhecê-lo pessoalmente. É claro!!! E a sensação de começar a conviver
e fazer parte dessa tal “máquina de fazer doido”, como dizia o saudoso Sérgio Porto. Eu dizia, e
digo até hoje: “chegou a janela para o mundo”. Uma janela maravilhosa.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 525
Dentro dessas recordações, eu volto para minha infância, quando ouvia um programa de rádio
que se chamava “Encontro das Cinco e Meia”, escrito por Octávio Gabus Mendes. Ele era pai
do Cassiano Gabus Mendes, que se tornaria o primeiro grande diretor de televisão do Brasil,
justamente na Tupi. Eu não perdia esse programa por nada. Me divertia e me emocionava.
Quando, ainda bem jovem, fui chamada pelo Cassiano para protagonizar um dos primeiros
programas de TV, o “Alô, Doçura!”, ele me disse que se inspirou exatamente no “Encontro das
Cinco e Meia”. Este chamado foi um grande encontro na minha vida e, durante quase dez anos,
o famoso “Alô, Doçura!” esteve no ar.
Foi nesse período que aprendi com Cassiano a fazer televisão; aprendi os tempos e a dinâmica do
humor, e a interpretação de um bom texto. Esta foi a primeira inspiração. Mergulhei profundamente
nesses mais de 60 anos de convívio com tanta gente talentosa, com tantos autores, diretores,
intérpretes e técnicos. Só da equipe técnica, ficaria três ou quatro horas para mencionar todos os
nomes. Então resolvi escolher um, que até hoje nunca me esqueci: o sr. Henrique Canales, diretor
de estúdio. Ele fazia parte de uma família de trabalhadores de televisão, muitos da própria TV
Tupi. Eu me lembro da carinha dele e que ficava de cócoras, no meio do estúdio, soprando as
marcas do roteiro. Não só para nós, como também para os operadores de câmera, os cameramen.
Sempre com um trabalho tão difícil, tão complicado e tão incrível.
Lembro-me da voz do Cassiano, lá longe, no switcher (local onde o diretor comanda e escolhe as
imagens de qual câmera irão ao ar). Lembro-me de ouvir aquela voz do grande diretor: “Vai! Vai!
Vai de perto, vai no close agora! Vai!!!”. A gente chegava a ouvir o barulho da câmera mudando
a lente... Não havia espaço para erro, tudo era ao vivo. Ainda não existia o videoteipe e foi uma
época de muito aprendizado.
Então, me enchi de coragem, e resolvi aceitar esse grande desafio de prefaciar esta obra tão
importante. E, principalmente agora, nove meses depois de vivenciarmos quase uma terceira
guerra mundial com este vírus. Tempos difíceis que estamos atravessando. Talvez até por isso,
saudar o lançamento desta obra, que resgata a importante história da nossa televisão, poderá
estimular o retorno à vida, sem pandemias e sem guerras.
A televisão é nossa janela para o mundo, que nos traz a informação da realidade pelo jornalismo,
e a fantasia, a emoção, as histórias de vida e a criatividade, pela ficção. Tudo para que não
esqueçamos nunca de estimular o principal: o amor.
Ivani Ribeiro, a grande “feiticeira” das histórias de amor na TV brasileira, concordaria comigo.
O amor nos dá sentido à vida.
Amor, como dos tempos da TV Tupi, que nos transborda de saudades e que nos dá força para
continuar. Sempre.
Eva Wilma, atriz.
526 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 40
AS NOVAS CENTRAIS TÉCNICA E DE PRODUÇÃO
Ainda este mês, quando sintonizar o seu televisor na TV Tupi, você vai
assistir [a] uma porção de mudanças nas novelas, nas séries filmadas,
nos quadros humorísticos, nos shows, na programação vespertina,
no telejornalismo e nos especiais que prometem marcar época por
sua importância cultural. E as novidades da Tupi vão continuar em
novos estúdios, novos equipamentos, novas contratações. Tudo isso
para melhorar a imagem do seu televisor. (anúncio de 25 anos da TV
Tupi, Manchete, nº 1224, 04/10/1975, p. 96)
A
pós as incessantes reformas e ampliações realizadas na Cidade do Rádio durante os anos
1950-60, novos planos do gênero foram surgir somente no segundo semestre de 1975,
quando a TV Tupi completava 25 anos. Surgia um grande projeto de reerguimento da
programação nacional da emissora, que estava em plena crise e perdia audiência principalmente
para a Rede Globo, como será retratado no próximo capítulo. Além de investir na contratação
de bons artistas, produtores e diretores, a emissora desenvolveu grande renovação técnica dos
processos de produção, captação, edição e transmissão, já que os equipamentos do Canal 4
de São Paulo — gerador da programação para as 23 emissoras da Rede Tupi de Televisão —
estavam demasiadamente obsoletos e em mau estado.
O novo projeto técnico começou a “ganhar corpo” somente no segundo semestre de 1976, quando
a diretoria da TV Tupi de São Paulo finalmente concluiu seus estudos técnicos. Ficou decidido
que haveria um grande investimento em equipamentos e reformas estruturais no complexo do
Sumaré, que ganharia novos estúdios, novo auditório, novas salas para as centrais de Produção
e de Exibição e, ainda, uma grande torre de transmissão para o Canal 4, a “menina dos olhos”
do novo projeto. O novo sistema de transmissão receberia uma moderna antena e o mais potente
transmissor de televisão do Brasil, tornando o parque técnico do Sumaré em um símbolo da força
da nova Rede Tupi.
Os Diários e Emissoras Associados também decidiram investir em melhorias na geração do
sinal de algumas de suas mais importantes emissoras pelo país. David Raw, superintendente da
Rede Tupi, declarou que foram investidos US$ 5 milhões com equipamentos importados para
atender às necessidades das nove emissoras próprias da rede. A TV Itapoan - Canal 5 de Salvador
e a TV Rádio Clube - Canal 6 do Recife também ganhariam novas torres e transmissores mais
potentes. No caso da TV Clube, seu parque de transmissão seria transferido para a cidade vizinha
de Olinda. Quanto à TV Tupi - Canal 6 do Rio de Janeiro, não havia necessidade de trocar seu
transmissor RCA TT6-AL, já que, anos antes, ele teve a potência ampliada de seis para 25 kW,
por meio de um amplificador linear, tornando-se o mais potente do Brasil. Por outro lado, o Canal
6 carioca iria construir uma altíssima torre metálica de 156 m no Morro do Sumaré, que ficaria
ao lado de sua pequena torre de 70 m. Esta empreitada se daria em parceria com o Grupo Silvio
Santos, que operava a TVS - Canal 11 do Rio de Janeiro. Ambas as emissoras compartilhariam
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 527
a estrutura da nova torre, sendo que a TV Tupi ficaria responsável pela construção de um prédio
de três andares para abrigar os equipamentos, enquanto o Grupo Silvio Santos arcaria com os
custos da montagem da torre.
A inauguração da torre da TV Tupi/TVS no Rio de Janeiro aconteceu em 18 de agosto de 1977.
Para a construção das novas torres de São Paulo, Salvador e Olinda foi elaborado um projeto
único, prevendo a construção-padrão de uma torre cilíndrica de concreto, contando com duas
plataformas conjugadas que acompanhariam toda a curvatura de 360º da base, ficando a uma
altura de 70 m do solo. Uma das plataformas foi projetada para a instalação de antenas de
comunicação via micro-ondas e a outra para o funcionamento de um restaurante. Esse projeto
mostra clara inspiração na British Telecom Tower, de Londres, que além de abrigar diversas
antenas de telecomunicação, dispunha de um altíssimo restaurante giratório. Nas reportagens
que retratam a futura construção das novas torres da Rede Tupi pelo país, há menções sobre a
instalação de restaurantes nos projetos de São Paulo, Salvador e Olinda, mas apenas nesse último
é que havia previsão de que ele fosse giratório1. Curiosamente, ao mesmo tempo em que a Rede
Tupi construía suas torres idênticas em Salvador e São Paulo, uma outra muito similar também
era erguida em Porto Alegre (RS). Tratava-se da torre da estreante TV Guaíba - Canal 2, que não
pertencia às “Associadas”.
1 Anos mais tarde, a Rede Manchete de Televisão, emissora que ficou responsável por
operar a concessão da antiga TV Rádio Clube, construiu sua própria torre de concreto
na cidade de Olinda. Contudo, tratou-se de um novo projeto, com linhas peculiares,
desenhadas por ninguém menos que o arquiteto Oscar Niemeyer.
528 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O jornal “Folha de São Paulo” publicou uma nota no início de 1978, relatando que o diretor-
geral da Rede Tupi, Rubens Furtado, estava se preparando para viajar aos Estados Unidos,
com objetivo de consolidar entendimentos com a RCA para a compra dos equipamentos de
transmissão para as emissoras de rádio e TV de São Paulo. Além da torre, antena e do transmissor
de 50 kW para a TV Tupi, o “pacote” incluiu um novo parque técnico para a Rádio Tupi1 - AM
1040 KHz, bem como uma nova antena e um novo transmissor para a Rádio Difusora FM - 98,5
MHz. No final da nota publicada pela “Folha” foi ressaltado que, em frente à Padaria Real, um
determinado funcionário lamentava que, por um lado, estavam fazendo um alto investimento em
equipamentos, mas do outro, os salários dos funcionários estavam atrasados.
As obras em São Paulo seriam realizadas numa das extremidades do Centro de Televisão do
bairro do Sumaré, com face voltada para a Avenida Prof. Alfonso Bovero, nº 72, esquina com a
Rua Piracicaba. O projeto ganhou uma detalhada maquete (foto), que ficou exposta nos escritórios
das Emissoras Associadas. Vê-se um jardim com a torre cilíndrica ao centro e, ao seu lado, os
dois novos prédios, dispostos de forma perpendicular entre si. Um deles teria três pavimentos e
alojaria as centrais de Produção e de Exibição da TV Tupi, além do setor de manutenção dos
equipamentos num piso intermediário. Deste novo prédio, passaria a ser gerada a programação
via satélite para toda a Rede Tupi de Televisão e funcionariam os potentes transmissores de TV
VHF e rádio FM para São Paulo. No outro prédio, que ficaria logo atrás da torre e contaria com
um altíssimo pé-direito, seriam montados um novo auditório e dois novos estúdios de televisão.
Tal qual o vizinho edifício-sede das Emissoras Associadas, este novo prédio teria um mural
artístico em sua fachada.
1 O novo parque técnico da Rádio Tupi seria montado no bairro de Parelheiros, no extremo da
Zona Sul da cidade de São Paulo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 529
O novo sinal do Canal 4 de São Paulo atingiria o excelente raio de 200 km, chegando diretamente
a muitos municípios do interior do estado sem a necessidade de retransmissoras. O transmissor
encomendado com a norte-americana RCA, modelo TT50-FL, trabalharia com dois módulos
paralelos, somando incríveis 50 kW de potência. Para ter noção do aumento de alcance do Canal
4, vale lembrar de seu atual transmissor contava com 6 kW de potência, em operação desde agosto
de 1960, quando a Tupi migrou seu parque de transmissão do centro da cidade para junto de sua
sede, no bairro do Sumaré. Entretanto, esse sistema de transmissão vinha se tornando ineficiente,
em face das aceleradas transformações da metrópole. Quando ele foi montado, praticamente
não havia edifícios em São Paulo com altura suficiente para prejudicar a recepção do sinal. Os
casarões dos barões do café formavam a maioria dos imóveis construídos no alto da colina da
Avenida Paulista, entretanto, com aumento rápido da verticalização da cidade ocorrido nos anos
1970, a construção de dezenas de edifícios naquela região formou um sólido bloco de concreto.
Ele foi responsável por criar “zonas de sombra” do sinal, comprometendo a boa recepção em
algumas regiões da Grande São Paulo, a ponto de prejudicar os índices de audiência.
Uma declaração do chefe do Departamento de Engenharia e Serviços Gerais da Rede Tupi,
Armando Janello, reforça esta ideia: “O trecho conhecido como ‘espigão da Paulista’ tem seu
ponto mais alto justamente onde se encontra instalada a Rede Tupi. Ocorre que se formou uma
parede de prédios que veio a bloquear nossa imagem. Por isso, a necessidade de uma nova torre,
cuja intenção era que tivesse aproximadamente 150 m. Porém, por se encontrar dentro do cone
de descida de aviões, 142 m foi a altura máxima permitida pela FAB [Força Aérea Brasileira]”1.
Os novos investimentos realmente poderiam garantir as melhorias necessárias para uma excelente
qualidade de imagem e som do Canal 4. Isso porque o topo da nova torre ficaria 55 m mais alto
1 “Nova Torre da Tupi em Ritmo de Conclusão”, Henrique Froes, Correio Braziliense, 27/03/1979,
2º Caderno, p. 4.
530 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
do que o da atual torre em operação, superando a altura dos novos edifícios da Avenida Paulista.
Por fim, ressalta-se que também havia o plano de adquirir diversos outros equipamentos que
também ajudariam a melhorar a qualidade do sinal, como uma incrível antena de polarização
circular, que falaremos a seguir.
Polarização Circular
Equipamentos
Para a nova Central de Produção da TV Tupi de São Paulo foram encomendados diversos
equipamentos junto à norte-americana RCA. Além disso, logo depois do incêndio que destruiu
todo sistema de switcher da emissora em 8 de outubro de 1978, o presidente dos Diários e
Emissoras Associados, João Calmon, e o superintendente da TV Tupi, David Raw, viajaram
à Alemanha e encomendaram, com a fabricante Bosch, quatro switchers, ilhas de edição em
videoteipe, gravadores e reprodutores de videoteipe, câmeras de estúdio e portáteis, e, ainda,
unidades móveis tipo furgão. “Estamos investindo em tecnologia nova, que tornará nossa
televisão mais ágil. Aquele descompasso que a Globo criou quando veio, apanhando-nos com
17 anos de equipamento cansado, nós agora, 12 anos depois, vamos devolver para ela o mesmo
problema”, provocou o diretor Rubens Furtado em matéria publicada nos jornais “Associados”.
E comparou: “Estaremos em uma competição desigual, pois seremos mais bem equipados do
que qualquer um dos nossos concorrentes”.
A modernização técnica era, naquele momento, a principal preocupação das Emissoras
Associadas e a TV Tupi de São Paulo deveria gerar a melhor imagem do Brasil e até mesmo da
América do Sul. Uma nova programação passou a ser elaborada para estrear junto com a nova
imagem e a população foi convidada a opinar por meio de uma campanha realizada nos jornais
dos Diários Associados. Foi publicado um formulário com diversas perguntas e espaço para o
telespectador escrever sugestões. A nova programação e o excelente parque técnico favoreceriam
o reerguimento da emissora e, sobre isso, havia uma grande expectativa entre os funcionários.
As Obras na Torre
Uma matéria especial de página inteira, intitulada “A Grande Torre”, foi publicada na edição de
22 de outubro de 1978 do jornal “Diário de São Paulo”, exaltando a dimensão e a importância
do novo projeto de transmissão do Canal 4 de São Paulo. Por seu turno, Ferreira Neto, colunista
532 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
de televisão dos Diários Associados, informou que a nova torre da TV Tupi demoraria 180 dias1
para ser erguida, ao custo de Cr$ 10 milhões. Como o início das obras aconteceria em janeiro,
ela deveria ser concluída em meados de julho de 1978 e os testes de sinal realizados em agosto.
Desta forma, a inauguração do novo sinal do Canal 4 de São Paulo foi programada para 18
de setembro de 1978, quando a emissora completaria 28 anos no ar. Informações da imprensa
revelaram que os recursos para a construção da nova torre foram oriundos do pagamento de US$
30 mil mensais que o pastor norte-americano Rex Humbard passou a fazer para arrendar um
horário na programação da rede.
No entanto, pouco antes de iniciar as obras, a direção optou por cancelar a construção do prédio
do novo auditório e dos novos estúdios e investir na compra de um teatro ou cinema na região
central da cidade para montar um novo auditório. Já o prédio das novas centrais Técnica e de
Produção seria realmente construído, mantendo os dois pavimentos e um piso intermediário, mas
com menores dimensões e alguns metros mais afastados do local previsto inicialmente. Ele ficaria
anexado ao prédio do “Estúdio-Palco” e teria a fachada voltada para a Rua Piracicaba. A sala
dos novos transmissores seria montada em outro local bem próximo, onde funcionou o “Estúdio-
Subsolo”, que era exclusivo para novelas e ficava exatamente sob o “Estúdio-Palco”. Ele havia
sido desativado recentemente, já que o núcleo de Teledramaturgia se mudou inteiramente para
os estúdios da Vila Guilherme, como visto no Capítulo 37.
irradiantes, propriedade da Rádio Difusora FM - 98,5 MHz, emissora que também ganharia
um novo transmissor RCA BTF-20ES1, de 20 kW, mas com potência autorizada de 18 kW,
que alcançaria o excelente raio de 250 km. No terceiro estágio da torre, ficaria a própria antena
de transmissão com polarização circular da TV Tupi. Também fabricada pela norte-americana
RCA, este modelo TFV-7A5 tinha 34 m de comprimento, pesava 16 toneladas e contava com
14 anéis irradiantes, sendo sete do modelo Superturnstile, usados para a transmissão do sinal na
polarização horizontal, e, a novidade, outros sete anéis, similares à letra “W”, para a realização
da transmissão vertical. O novo transmissor e a nova antena foram encomendados junto à RCA
em dezembro de 1977, ao preço de US$ 955 mil, incluindo todos os acessórios e equipamentos
relacionados.
Por fim, reforçando o caráter turístico da nova torre, seria instalado um sistema de iluminação
especial, com refletores na cor branca do solo até o snack-bar, e amarela a partir da segunda
plataforma.
Atrasos
Mesmo com o grande esforço para reerguer a Rede Tupi, a crise administrativa foi muito maior
na sua emissora-geradora e vários atrasos ocorreram com o novo projeto técnico, como veremos
adiante. Desta forma, a inauguração do sistema de transmissão na passagem dos 28 anos da
emissora ficou inviabilizada. O superintendente David Raw chegou a anunciar o término da
concretagem da torre para o final de 1978, no entanto, foi concluída somente no final de março
de 1979, consumindo cerca de 700 toneladas de concreto e 160 toneladas de ferro. A montagem
do estágio intermediário, a ser usado para sustentação da antena, também foi concluída e, para
realizar a etapa final, era necessário aguardar a chegada do transmissor e da antena, vindos dos
Estados Unidos.
Apesar dos problemas, a construção da torre foi sempre motivo de orgulho para a direção e
funcionários da emissora. Tanto que, próximo da conclusão da primeira etapa da montagem, um
programa especial do “Almoço com as Estrelas” foi realizado no terraço da residência de seus
apresentadores, o casal Aírton e Lolita Rodrigues, que morava bem próximo à emissora. Como
cenário, viu-se a nova torre em construção e a promessa de inaugurá-la em breve, inovação que
seria retroativa ao aniversário de 28 anos da emissora, completados meses antes.
1 Logo depois, o colunista Ferreira Neto revelou que o contrato de aluguel do teatro foi
cancelado.
534 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Sumaré, onde está sendo instalada uma nova torre que entrará em
funcionamento em janeiro ou fevereiro do ano que vem. A TV Tupi [do
Rio de Janeiro] continuará tendo apenas a responsabilidade de gerar
os programas ao vivo, ou seja, o de Carlos Imperial e “A Grande
Chance”, aos sábados, e o “Flávio Cavalcanti”, aos domingos.
“Risoteque”, que começou ao vivo e acabou sendo gravado no Rio,
despediu-se esta semana do canal 6 carioca, já que a partir da próxima
semana passa a ser gravado em São Paulo. [...] A volta dos shows
para São Paulo nada tem a ver com a qualidade dos programas: a
[nova] superintendência de produção e programação achou que terá
mais controle sobre a linha de shows se ela estiver concentrada em
São Paulo, o que cria, inclusive, a possibilidade de até os programas
ao vivo passar a ser feitos pela Tupi paulista, ainda este ano. (“São
Paulo Não Pode Parar. Nem de Fazer os Shows da Tupi”, Jornal do
Commercio, 04/10/1978, 2º Caderno, p. 2)
O novo auditório da Tupi será mesmo no Sumaré. Depois de procurar,
sem êxito, algum teatro ou cinema, a direção Associada resolveu
partir para um projeto diferente. [...] sua construção será iniciada
imediatamente. (Diário de Pernambuco, 07/03/1979, p. C-4)
Em 1979, foi feita a montagem parcial do novo Centro de Exibição da Rede Tupi no térreo
do novo prédio do Sumaré, composto por um switcher e um sistema de videoteipe. No piso
intermediário, montou-se uma sala de manutenção para os videoteipes e telecines; e, no 1º andar,
a nova Central de Produção, com ilhas de edição em videoteipe e o sistema de slowmotion
(câmera lenta). Os novos equipamentos da Bosch eram aguardados.
A construção do novo auditório do Sumaré voltou a ser discutida no primeiro trimestre de 1979,
após a tentativa frustrada de alugar algum bom teatro ou cinema na região central da cidade.
Contudo, logo o projeto foi cancelado definitivamente.
Depois do incêndio que destruiu todo sistema de switcher, a direção da TV Tupi conseguiu
antecipar a chegada dos equipamentos encomendados com a RCA. Em 27 de março de 1979, a
“Folha de São Paulo” informou que os novos equipamentos de produção da RCA foram recebidos
no Sumaré e destacou: “[...] uma nova tentativa para mudar a desgastada imagem da Tupi, unindo
‘equipamento e talento’, como dizem seus funcionários”. Entre estes equipamentos, destacaram-
se três unidades da câmera portátil TK-76B e um telecine TP-66, que era um famoso projetor de
filmes de 16 mm da RCA, o modelo mais usado na indústria da televisão.
536 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O desfecho desta longa história da nova antena do Canal 4 ficou nas mãos do empresário Silvio
Santos, assunto que será tratado em detalhes mais adiante, no Capítulo 46.
CAPÍTULO 41
A CRISE DOS DIÁRIOS ASSOCIADOS
E
m 1955, Assis Chateaubriand passou a direção-geral dos Diários Associados para João
Calmon (1916-1999), até então diretor dos veículos do grupo em Pernambuco (Rádio
Tamandaré e “Diário de Pernambuco”). Após obter bons resultados no Nordeste, Calmon
foi chamado ao Rio de Janeiro para, em princípio, dirigir a TV Tupi - Canal 6 e as rádios Tupi e
Tamoio. No entanto, apenas três meses depois, foi elevado ao posto de diretor-geral dos Diários
Associados, cuja sede ficava naquela mesma cidade.
Já na metade dos anos 1950, a situação financeira dos Diários Associados começava a dar sinais
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 539
de complicações, especialmente nas suas empresas paulistas. Segundo João Calmon, em sua
autobiografia “Minhas Bandeiras de Luta” (1999:439), “a causa principal da debacle dos Diários
Associados em São Paulo foi a sangria de recursos representada pelo Museu de Arte [MASP]
[...]. Eram feitos contratos de publicidade e [...] esses recursos eram dirigidos à compra de novos
quadros para o museu”. Em maio de 1956, João Calmon e Edmundo Monteiro — o diretor-
presidente das “Associadas” em São Paulo — chegaram a redigir uma carta para advertir o Velho
Capitão de que seus gastos excessivos poderiam levar os Diários Associados à insolvência. O
escritor Glauco Carneiro também fala sobre esse assunto:
Desde 1963, tornou-se comum que as empresas paulistas dos Diários Associados descontassem
dos salários de seus funcionários os percentuais previdenciários e do Fundo de Garantia, mas
não repassavam as importâncias aos órgãos oficiais correspondentes. Na autobiografia de João
Calmon, ele relata as primeiras dificuldades vividas em sua gestão como diretor-geral dos Diários
Associados, bem como as difíceis situações pelas quais passaram desde a metade dos anos 1950.
A TV Tupi liderou a audiência no eixo Rio-São Paulo durante os anos 1950, mas, no início da
década seguinte, começou a ser ameaçada pela queda da audiência. Em 1964, pela primeira
vez, a TV Tupi carioca caiu para segundo lugar, perdendo para a TV Rio, que, curiosamente,
exibia uma produção da TV Tupi de São Paulo: a novela “O Direito de Nascer”. Conforme já
comentado nesta obra, a Tupi carioca não quis exibir a novela da Tupi paulista por considerá-la
irrelevante, posicionamento que era reflexo dos problemas de entendimento entre a direção das
duas emissoras.
Em São Paulo, ainda na década de 1960, os festivais musicais da TV Record foram os campeões
de audiência e, entre 1963-64, o Grupo Simonsen investiu milhões de cruzeiros na sua TV
Excelsior, que passou a contratar grandes estrelas sob o pagamento de altíssimos salários.
Resultado: antes do movimento militar de 1964, a Excelsior já liderava a audiência do Rio e de
São Paulo. Por fim, em 1965, surge a TV Globo do Rio de Janeiro, a mais forte das emissoras, de
propriedade do empresário Roberto Marinho.
Aos poucos, a concorrência foi ocupando os espaços vazios deixados pela pioneira, que estava
“encolhendo”. Ano após ano, a crise ia se aprofundando e, com a TV Globo ganhando uma força
avassaladora devido a um milionário aporte financeiro da empresa estrangeira Time-Life, a TV
Tupi se enfraqueceu ainda mais, assim como as demais emissoras do país. Ainda nos anos 1960,
por exemplo, a TV Globo investiu na contratação de elenco e até de diretores da TV Tupi, como
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.
542 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Os Diários Associados venderam a Rádio e TV Cultura de São Paulo para o governo do estado
no ano de 1967 (detalhes no Capítulo 47), possibilitando o pagamento de parte da dívida com
a Previdência Social. Contudo, o governo federal não pôde comprar alguns andares do prédio
da Rua Sete de Abril que os “Associados” lhe haviam oferecido. No mesmo ano, conta João
Calmon em sua autobiografia, a RCA-Victor voltou a pressionar os Diários Associados a fim de
receber o pagamento de dívidas com equipamentos, enquanto Chateaubriand novamente pediu
dinheiro aos seus diretores para comprar quadros caríssimos para o MASP.
Logo depois, foi realizada uma reunião para discutir a crise da Rede Tupi, que já havia caído
para o quarto lugar na audiência. Um plano foi elaborado para salvá-la e, em 1968, a audiência
voltou a subir. Contudo, Chateaubriand falecera neste mesmo ano se acirraram as disputas
internas no Condomínio Associado, iniciadas em 1960, quando o Chefe se tornou paralítico.
Agora, com sua morte, eclodia o conflito entre os beneficiários de seu legado cívico, liderado
pelo principal condômino de São Paulo, o diretor-presidente Edmundo Monteiro. No início dos
anos 1960, Monteiro havia feito uma tentativa de destituição de João Calmon, logo depois de
ser eleito presidente do Condomínio1. Calmon reagiu por meio de uma lacrimosa carta de 12
páginas dirigida ao adoecido Chatô, na qual o tratou como “meu querido chefe”, relatando estar
vivendo os dias mais traumáticos de sua existência. O Velho Capitão, por meio das mãos de seu
neurologista, escreveu uma resposta que proibia qualquer condômino de prosseguir na tentativa
de confirmar uma destituição que ele não realizou, ou mesmo reduzir a autoridade dos órgãos do
Condomínio Associado. Contudo, diversas alas seguiram travando permanente luta pelo poder
dentro da organização, principalmente após a morte de Chatô, quando muitos rumos foram
mudados e os conflitos entre os condôminos tornaram-se rotina, agravando a crise nas empresas
do grupo.
Voltando a agosto de 1977, as novelas “Éramos Seis”, “Cinderela 77” e “Um Sol Maior” não
registraram índices tão bons de audiência e os volumes dos contratos de publicidade diminuíram.
1 “Demissões: Uma Nova Crise na Tupi”, Sérgio Gomes, Folha de São Paulo, 16/03/1978, p. 48.
544 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Os salários deixaram de ser pagos em dia e as greves logo se tornariam frequentes. A dívida
junto à Previdência Social, ainda sem acerto, já acumulava gigantesca soma. Outros importantes
veículos dos Diários Associados também passavam por sérias dificuldades financeiras, como era
o caso da revista “O Cruzeiro”, já em fase terminal.
contra a qual fazia duras críticas. Ele sempre apontava incisivamente que a emissora carioca
tinha sido favorecida, desde seu início, pelo grupo investidor estrangeiro Time-Life, algo que era
proibido por lei1. Ainda sobre a crise nos Diários Associados, Calmon escreveu que “cada vez
mais eu me convencia de que a sobrevivência da obra de Chateaubriand, cinco anos após sua
morte, constituía quase um milagre. Vínhamos sendo esmagados entre três tipos diferentes de
pressões: o déficit crônico de diversos de nossos órgãos, as despesas financeiras crescentes e a
legislação federal que nos exigia a alienação de emissoras em todo o país”2.
Em 1979, logo no início do governo de João Figueiredo, o último dos presidentes militares,
algumas facilidades para os “Associados” foram cortadas quando o Ministério das Comunicações
expediu um ofício ao presidente do grupo, João Calmon, que também vinha exercendo o mandato
de senador desde o ano anterior. O ministério fez diversos apontamentos sobre a situação das
empresas de radiodifusão do grupo e alertou sobre a iminência de ser decretada a perempção (não
renovação) de suas concessões de rádio e TV vencidas. Sete entre as nove concessões próprias
de televisão dos Diários Associados, espalhadas pelo Brasil, já haviam expirado, incluindo da
emissora-geradora da rede, em São Paulo, com situação irregular desde dezembro de 1977. Além
disso, o mesmo quadro se repetia em todas as concessões de rádio do grupo pelo país, exceto
com as da Rádio Tupi do Rio de Janeiro (AM e FM). Todas essas concessões não podiam ser
renovadas em face das complicadas condições administrativo-financeiras em que o Condomínio
Associado se encontrava, requisito mínimo exigido pela lei para regularização ou renovação
de concessões. Essas emissoras vinham, portanto, operando em “caráter precário”, segundo o
jargão da radiodifusão, algo previsto em lei até que as pendências fossem resolvidas. Contudo,
no caso dos “Associados”, essas pendências se arrastavam há anos e, desta vez, o governo do
presidente Figueiredo cobrava definitivamente uma solução.
Outro ajuste a ser feito pelos Diários e Emissoras Associados estava relacionado ao cumprimento
do Decreto-Lei nº 236/67. Ele estipulava um prazo para o cumprimento do Código Brasileiro
de Telecomunicações, que passou a limitar a quantidade de emissoras de rádio e televisão que
os grupos de comunicação podiam operar simultaneamente no país. Entre emissoras de rádio
e televisão próprias, os “Associados” tinham posse de 46. Em vez de três emissoras de Ondas
Médias regionais permitidas, o grupo possuía 15; em vez de duas de Ondas Médias com alcance
nacional, controlava sete; ao invés de duas emissoras de Ondas Curtas, o grupo era dono de oito;
na Onda Tropical, ao invés de três, havia sete em operação; e, por fim, enquanto eram permitidas
cinco emissoras de televisão de um mesmo grupo pelo país, os Diários Associados operavam
nove. Edmundo Monteiro revelou, em uma entrevista de 1974, que “quando foi assinado o
Decreto 236, que impede que um grupo controle mais de cinco estações, o governo nos permitiu
548 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
o controle das 17 emissoras, por considerar eficiente o trabalho que já vínhamos realizando pela
integração nacional”. Desde então, João Calmon vinha conseguindo protelar a obrigatoriedade
de se adequar ao referido decreto e não ter que vender as emissoras excedentes, algo nada fácil de
concretizar, pois com tantas pendências e falta de dinheiro, ficaria difícil regularizar as emissoras
para efetivar as vendas.
Por fim, o governo Figueiredo também apontou que os Diários Associados não cumpriam o
Decreto nº 52795/63, que desautorizava as empresas de comunicação a manterem duas ou
mais estações de radiodifusão em uma mesma localidade. Mesmo assim, diversas empresas
dos “Associados” atuavam duplamente numa mesma cidade, a exemplo da Rádio Clube de
Pernambuco e Rádio Tamandaré, em Recife; da Rádio Tupi e Rádio Tamoio, no Rio de Janeiro;
da Rádio Borborema e Rádio Cariri, em Campina Grande; da Rádio Tupi e Rádio Difusora, em
São Paulo; e da Rádio Guarani e Rádio Mineira, em Belo Horizonte.
Logo após os apontamentos, o Ministério das Comunicações estabeleceu um prazo de 90 dias para
os Diários Associados apresentarem soluções. Caso contrário, o governo declararia peremptas
todas as concessões pendentes de rádio e televisão, interviria nas empresas e promoveria abertura
de novos editais de concorrência pública, passando as licenças de operação a outros grupos
empresariais.
Foi então que Paulo Cabral de Araújo assumiu o cargo de Procurador-Geral dos Diários
Associados e passou a negociar com o governo a prorrogação do cumprimento do Decreto-Lei
nº 236. Ele foi promulgado pelo então presidente Castello Branco em 1967, mas os “Associados”
conseguiram prorrogar algumas vezes o prazo de adequação, garantindo sobrevida para as
emissoras que precisariam ser vendidas. Segundo João Calmon, tal decreto foi promulgado com
a intenção de atingir diretamente os Diários Associados.
Em uma palestra do diretor Edmundo Monteiro, ministrada em um encontro com a Comissão
de Comunicações da Câmara Federal, realizado em 1975, ele expressou sua opinião sobre a
limitação no número de emissoras ligadas a um mesmo grupo: “A restrição numérica de emissoras
de um mesmo grupo ou organização em nada beneficia o radiouvinte ou o telespectador. Se
alguém evoluiu numericamente, não deveremos jamais nivelar por baixo e sim, por cima. Se
se pretender estabelecer um parâmetro numérico, esse deverá ser sempre tomado pelo número
mais alto, pois além de se prender a uma situação de fato, estaremos dando igual oportunidade a
todas as redes, para melhor servir a um maior número de brasileiros. Sentimo-nos perfeitamente
à vontade para fazer a defesa dessa tese, porque se de um lado possuía a nossa empresa o maior
número de emissoras, por outro lado, não somos nós, neste instante, os detentores da mencionada
liderança”, declarou o diretor dos Diários Associados em São Paulo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 549
Além das pendências com o Ministério das Comunicações, outros sérios problemas faziam parte
do contexto administrativo do Condomínio Acionário Associado, tais como a situação complicada
em que se encontrava o inventário de Assis Chateaubriand; a ação ordinária de extinção do
Condomínio, proposta pelo herdeiro Gilberto Chateaubriand; o clima de sérias acusações por
parte do repórter David Nasser, após sua decisão em deixar o Condomínio; e, ainda, o fato
de que, nas entidades que compunham o Condomínio, vários cotistas eram representados por
espólios, pois ainda não era conhecido o destino das cotas de ações correspondentes.
Em maio de 1979, os membros do Condomínio Acionário Associado discutiram três alternativas
para tentar solucionar a crise das empresas paulistas: concordata, falência e venda de imóveis ou
de empresas. As opiniões dividiram-se. Foi proposto que se acionasse Edmundo Monteiro e seus
amigos empresários para tentar vender algumas empresas. Outros sugeriram que as liquidasse,
preservando apenas a TV Tupi - Canal 4, mas convertendo-a em uma repetidora e transferindo
a geração da programação nacional para a Tupi do Rio de Janeiro. Todos concordaram em um
ponto: uma solução não poderia, em hipótese alguma, ser protelada. Por fim, os condôminos
acataram a sugestão do procurador Paulo Cabral de Araújo, aceitando vender parte do patrimônio
para proporcionar condições financeiras mais estáveis, colocando, ainda, como possibilidade,
a participação acionária de outros grupos. Apesar dos grandes problemas, os resultados das
empresas dos Diários Associados pelo país não foram ruins em 1978. Grupos de diversas praças
apresentaram lucros elevados, inclusive alguns que estavam deficitários. As rádios do grupo
eram lucrativas, tinham boa audiência, e algumas chegavam ao primeiro lugar em suas cidades.
A empresa Rádio Difusora São Paulo S/A — que compreendia os veículos TV Tupi - Canal 4,
Rádio Difusora FM e Rádio Difusora AM — era a única do grupo em estado de insolvência, numa
crise que ficou mais aguda em 1977. Com grandes prejuízos, a situação caótica das empresas
de São Paulo chegou ao ponto de precisar justamente absorver os lucros obtidos pelas demais
empresas “Associadas” do Brasil. O prejuízo em São Paulo, referente ao ano de 1978, chegou
a Cr$ 216,8 milhões, contra Cr$ 120 milhões do ano anterior. Com isso, as contas dos Diários
Associados fecharam o ano com prejuízo global de Cr$ 171 milhões. Relatórios do Ministério
das Comunicações mostram que, em fevereiro de 1980, a TV Tupi e a Rádio Difusora de São
Paulo contavam com uma folha de pagamento de Cr$ 24 milhões, sendo que as despesas estavam
consignadas em Cr$ 110 milhões e a receita em Cr$ 80 milhões. Portanto, um déficit de Cr$ 30
milhões.
Para o presidente João Calmon, algumas pessoas trabalhavam para levar a TV Tupi de São Paulo
à falência, uma vez que as três emissoras de rádio do Sumaré vinham trabalhando normalmente,
com lucro. Segundo ele, faziam de tudo para transformar o Canal 4 em massa falida para ser
comprado com maior facilidade. Calmon sempre enfatizava publicamente a necessidade de
mudança no quadro contra o monopólio da audiência nas mãos de um só grupo privado — no
caso, da Rede Globo. O presidente dos Diários Associados mostrava-se, também, irritado com a
atuação dos sindicatos de São Paulo, que conseguiam fazer com que os funcionários da televisão
frequentemente paralisassem suas atividades. Por outro lado, Calmon sofria uma oposição muito
forte. David Nasser, por exemplo, quando anunciou a decisão de se afastar do Condomínio,
assim se expressou:
— Por estar certo de que V.S. (referindo-se a João Calmon) passará à história como demolidor
da obra gigantesca de Assis Chateaubriand, expresso a irrevogável decisão de me retirar do
Condomínio Acionário dos Diários e Emissoras Associados.
550 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Humberto Mesquita, diretor do “Grande Jornal Falado” da Rádio Tupi de São Paulo, repórter
especial da Rede Tupi e representante da comissão de greve das “Associadas” paulista, também
ressaltou que “não há nenhuma crise na televisão brasileira, como afirmou o sr. João Calmon [...].
A televisão brasileira está muito bem. A Tupi é que está mal”, declarou ele ao jornal “O Globo”.
E completou: “É mentira que a TV Globo seja responsável pela situação da Tupi. A Globo existe
há 15 anos, mas o senador João Calmon não paga INPS e não recolhe o FGTS há 20 anos. Além
disso, no pedido de concordata da empresa, ele alega que seus problemas econômicos também
foram gerados pela maxi-desvalorização do Cruzeiro na compra de equipamentos. Com isto ele
teve a coragem de acusar o próprio governo”1.
1 “Líder Grevista Faz Graves Denúncias Contra a TV Tupi”, O Globo, O País, 17/06/1980,
p. 6.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 551
CAPÍTULO 42
GREVES
C
om três meses de salários atrasados, os funcionários da TV Tupi de São Paulo iniciaram a
primeira greve da emissora em 1977, mas ela logo foi interrompida com um acordo para
pagamento parcelado dos débitos. No entanto, a partir daquele ano, pequenas paralisações
no Sumaré se tornavam corriqueiras. “Ninguém levava muito a sério os movimentos paredistas,
porque a direção possuía dispositivos naturais para absorver os impactos das paralisações”1,
conta Humberto Mesquita, diretor de jornalismo da TV Tupi e representante dos funcionários
da emissora durante os movimentos grevistas. Segundo ele, era comum que, de repente, atores
de uma determinada novela resolvessem fazer uma paralisação, mas acabavam voltando ao
trabalho poucos dias depois. O mesmo acontecia em outros setores do Sumaré e, apesar de serem
corriqueiras e isoladas, essas pequenas paralisações demonstravam que já havia sérios problemas
na administração da empresa. Mesquita revela em sua obra “Tupi: A Greve de Fome” (Cortez
Editora, 1982) que os atrasos nos pagamentos começaram a acontecer com maior frequência
“porque, a pretexto de manter sua grandeza, [a Tupi] resolveu [...] fazer contratações que jamais
estiveram ao alcance de suas possibilidades financeiras. E os contratados, temendo a falta de
pagamento, exigiam uma multa de 100% por atraso de salário. Eram os ‘contratos de risco’,
como foram chamados na Tupi. Se a emissora não saldasse seus compromissos a cada dia 10,
teria de pagar o salário em dobro para esses novos contratados”2. Esta prática criou uma situação
de constrangimento, pois enquanto a grande maioria ficava sem receber um ou dois meses, esses
privilegiados tinham seus vencimentos pagos em dia.
O Começo do Fim
Era maio de 1979, após três meses esperando pelo pagamento de salários atrasados, os
funcionários da TV Tupi de São Paulo iniciaram a quarta greve da emissora. No entanto, ela
logo foi encerrada com a celebração de um acordo, na qual, a direção se comprometeu com
três sindicatos (Radialistas, Artistas e Jornalistas) a reduzir os atrasos de forma gradativa,
liquidando-os em quatro meses. Em fevereiro, a Tupi de São Paulo recebeu de volta o executivo
Rubens Furtado para ocupar a direção-geral. Por sua vez, ele contratou o experiente diretor
Walter Avancini2 para atuar como superintendente de programação, que, por sua vez, promoveu
diversas mudanças artísticas e na formação de equipes, contratando gente de confiança sua
(alguns contavam com a cláusula que não permitia atrasos nos pagamentos).
Em agosto a Tupi se antecipou ao prazo do acordo e pagou o salário de julho em dia. Contudo,
em 10 de setembro de 1979, data do pagamento seguinte, apenas os 615 funcionários com
salários inferiores a Cr$ 10 mil foram pagos. A direção justificou que o feriado de 7 de setembro
1 Holding é uma empresa que detém a posse majoritária de ações de outras empresas,
denominadas subsidiárias, centralizando o controle sobre elas.
2 Walter Avancini havia trabalhado no programa “Clube Papai Noel” e em radionovelas da
Cidade do Rádio, no Sumaré, iniciando em 1943, aos seis anos de idade. Também trabalhou
como ator no filme “Quase no Céu”, de Oduvaldo Vianna, lançado em 1949 pelos Estúdios
Cinematográficos Tupi.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 553
havia retardado a confecção das folhas de pagamento e, por isso, os cheques seriam emitidos
em quatro etapas, de acordo com a faixa salarial. Desta vez, a Tupi ignorou os “contratos de
risco” e colocou os funcionários privilegiados na mesma situação de atraso dos demais. Com o
rompimento do acordo firmado em maio, todos os funcionários pararam as atividades na tarde
daquele dia 10 de setembro. Agora, com a adesão de artistas e dos ex-privilegiados, eles se
reuniram no Estúdio “B” na noite do dia 11, não para gravar um programa, mas para participar
de uma assembleia-geral. Mesmo com a atuação pacífica do diretor-geral Rubens Furtado, que
tinha a simpatia da maior parte dos funcionários, a assembleia decidiu que era hora de “pagar
para ver” e uma grande greve seria mesmo deflagrada.
“Quisemos pagar todos os funcionários com apenas quatro dias de atraso, mas ninguém aceitou.
Agora, nem sei quando poderemos ter o dinheiro para fazer os pagamentos. Ninguém quer ser
anunciante numa emissora em greve geral”, declarou à revista “Veja” o diretor-regional dos
Diários Associados, Paulo Cabral de Araújo.
Com a geradora da Rede Tupi em greve, os Diários Associados recorreram à Embratel, que
socorreu a emissora ao manter um canal de satélite à disposição e, assim, a programação
nacional pôde ser gerada pela TV Tupi do Rio de Janeiro, que não estava em greve. A estatal
temporariamente anistiou a Tupi de uma dívida de Cr$ 13 milhões. No dia 11 de setembro,
às 13h, o Canal 4 de São Paulo passou a retransmitir a programação da Tupi carioca e, sobre
esse fato, o jornalista Humberto Mesquita revelou ao “Jornal do Brasil”: “Não hesitamos em
perguntar ao ministro das Comunicações por que o ministério permite que a Embratel abra seu
canal do Rio para São Paulo para a Tupi. O ministro respondeu que pensava em nós, porque se a
emissora saísse do ar, não haveria como evitar, pela lei, a cassação do canal. Por isso, decidimos
mandar o pessoal da Técnica trabalhar [para manter o Canal 4 retransmitindo a programação do
Rio] e continuamos os considerando como grevistas autênticos e da primeira hora”, escreveu
Mesquita.
Cerca de 60 radialistas mantiveram as emissoras de rádio e TV do Sumaré no ar durante esta
greve. O clima ficou mais tenso quando os patrões endureceram suas posições e argumentaram
que o movimento havia prejudicado os contratos de publicidade. Consequentemente, como
os pagamentos seriam depositados somente no dia 26 de setembro, os grevistas resolveram
prosseguir o movimento, pois receberam essa notícia como uma tentativa de apagar o acordo
firmado em maio, que visava acabar com os atrasos em até quatro meses. As fitas com capítulos
inéditos das novelas, gravados em São Paulo, foram levadas para a Tupi do Rio para serem
exibidas para toda a rede. A emissora carioca passou a transmitir para todo o país o seu próprio
material jornalístico local, assim como aqueles produzidos pela TV Rádio Clube de Recife e
pela TV Brasília. O que se via na Rede Tupi, em todo o Brasil, entretanto, era apenas uma
“programação fria”, “tapa-buraco”, de acordo com o que órgãos de imprensa relataram.
1 Situação inversa do que aconteceu em 1974, à revelia de João Calmon, conforme abordado
no Capítulo 39. No final dos anos 1970, contudo, alguns programas da Rede Tupi já estavam
sendo produzidos pela TV Tupi carioca.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 555
No dia 18 de janeiro de 1980, liderada pelo ator Rubens de Falco e pelo diretor de novela Atílio
Riccó, foi iniciada uma paralisação dos atores da TV Tupi de São Paulo. A direção da emissora,
no entanto, se comprometeu a pagar até 24 de janeiro os salários reivindicados de novembro
e dezembro. Mas, como nenhum novo contrato de publicidade fora fechado com a Rede Tupi
no final de 1979, o pagamento dos funcionários teria que ser feito com o empréstimo de Cr$
30 milhões prometido pelo Banco do Brasil, originalmente destinado a quitar uma dívida com
outra instituição, o Banco Nacional. No entanto, a liberação desta importância atrasou e chegaria
apenas na tarde do dia 23 de janeiro. O sindicato aceitou aguardar até o dia 24, mas a totalidade
do dinheiro acabou não sendo liberada pelo Banco do Brasil, justificada pela maxidesvalorização
do Cruzeiro e, consequentemente, pela ampliação do valor da dívida dos Diários Associados.
Apenas uma quantia correspondente ao valor das garantias dadas foi liberada, ou seja, cerca de
Cr$ 16 milhões.
Na data estabelecida para os pagamentos dos salários atrasados, o diretor-geral Rubens Furtado
anunciou que não havia dinheiro em caixa e ele próprio mandou que todas as categorias da
emissora também parassem as atividades. Segundo Furtado, essa iniciativa foi do próprio
presidente do Condomínio, João Calmon, algo que o Sindicato dos Radialistas do Estado de São
Paulo entendeu como um plano para dispensar os trabalhadores de São Paulo e entregar ao Rio
de Janeiro o comando da Rede Tupi de Televisão.
Sem novelas para produzir, a Tupi desativou os estúdios da Vila Guilherme e, logo depois, o mesmo
aconteceu com a Central de Produção do Sumaré. Isso porque a geração da rede voltou a ser feita
pela TV Tupi do Rio de Janeiro, onde não havia greve, já que seus 540 abnegados funcionários
vinham recebendo salários com pequenos atrasos de 10 e 15 dias, algo que eles já consideravam
normal. Entretanto, a emissora carioca, que pagava parte de suas contas com recursos da sua
“emissora-mãe” — a Rádio Tupi — tinha ainda outras dívidas com seus empregados. A respeito
da grande crise em São Paulo, os funcionários cariocas estavam convencidos de que o governo
“daria um jeito” mais uma vez.
556 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Numa assembleia marcada às pressas no Sindicato dos Jornalistas, o diretor Rubens Furtado
tentou um acordo e pediu aos seus funcionários que voltassem ao trabalho, sob a promessa de
pagamento do adiantamento e de não haver demissões. Após complicada operação, foi liberada
uma verba de Cr$ 11 milhões em publicidade do governo paulista de Paulo Maluf, que reforçaria
a cobertura dos salários. A greve terminou e, a partir das 15h, a Tupi de São Paulo voltou a
gerar programação própria, contudo apenas para transmissão local, ao passo que a Tupi do Rio
continuou como geradora de programação da rede nacional.
Em 11 de fevereiro, após o pagamento do adiantamento, cerca de 90% dos funcionários paulistas
já tinham voltado ao trabalho, embora sem perspectivas de receber os salários atrasados desde
novembro. Já os atores decidiram permanecer em greve e a alta direção do grupo tomou uma
drástica posição, como conta João Calmon (1999:464): “Nosso diretor [Rubens Furtado]
telefonou-me [...] e perguntou se deveria enviar imediatamente notificação a todos eles [os atores]
sobre sua demissão por justa causa. Afinal, [...] haviam decidido [...] contra a orientação adotada
por todos os demais. Autorizei a providência, mesmo julgando-a drástica. Se não agíssemos
dessa forma, entrariam com um pedido de rescisão coletiva do contrato de trabalho”. E assim foi
encerrado o histórico Departamento de Teledramaturgia da TV Tupi de São Paulo.
Até o final da noite de 12 de fevereiro, cerca de 50 atores receberam suas cartas de demissão
e, logo em seguida, entraram na Justiça. “O que a Justiça decidir, a Rede Tupi de Televisão
acata, pagando todos os direitos”, afirmou o superintendente Rubens Furtado, que lastimou as
demissões.
Após as várias demissões e ainda com salários atrasados, o Sindicato dos Radialistas de São
Paulo planejou uma nova greve com o objetivo de torná-la legal, o que fez a direção da Tupi
procurar o próprio sindicato. Um acordo foi selado para realização de pagamentos até 15 de
abril, com a garantia de que os direitos de greve fossem assegurados. A proposta foi aceita pelos
funcionários.
Como já era esperado, no dia 15 de abril não houve pagamento e o Sindicato dos Radialistas
promoveu uma mesa de conciliação juntamente com um procurador da Justiça do Trabalho.
Ele deu 72 horas para a empregadora acertar o que era devido, prazo que se encerraria em 30
de abril. Nesta data, a TV Tupi de São Paulo pagou os funcionários com cheques, mas que só
poderiam ser descontados depois do feriado de 1º de maio. No dia 2, portanto, logo pela manhã,
os funcionários constataram que, simplesmente, não havia fundos para o saque dos pagamentos.
A direção do Canal 4 justificou que o presidente do banco Banespa ainda não havia assinado
o cheque do empréstimo que prometera, sobre o qual a Tupi chegou a distribuir cópias dos
documentos aos grevistas. Contudo, os funcionários sequer consideraram essa justificativa e, às
16h21 daquele histórico 2 de maio de 1980, foi deflagrada a derradeira greve geral da TV Tupi
de São Paulo, com adesão de dois terços dos seus 968 funcionários. No momento da decretação
da greve estava no ar, ao vivo, o programa “Isto É São Paulo”, do jornalista Saulo Gomes, que
foi interrompido.
Segundo os funcionários, com a suspensão das atividades no Sumaré, João Calmon mandou
transportar muitos equipamentos para a o Rio de Janeiro, já que, como citado anteriormente,
os planos eram transformar o Canal 4 de São Paulo em retransmissora do Rio e dispensar os
grevistas por justa causa.
Alguns shows musicais foram realizados em prol do fundo de greve. Um deles aconteceu no
Palácio das Convenções do Anhembi, contando com a participação de Chico Buarque, Alcione,
Renato Teixeira, Beth Carvalho, Geraldo Azevedo, MPB-4, Djavan, João Bosco, entre outros.
Segundo o jornal “O Globo”, o cenário do espetáculo foi cedido pela TV Globo. Com a venda de
ingressos, foi arrecadada a considerável quantia de Cr$ 1,2 milhão.
Concordata Preventiva
Em 21 de maio de 1980, 20 dias após o início da segunda grande greve do ano, as empresas S/A
Rádio Tupan, Rádio Difusora São Paulo S/A, S/A Diário de São Paulo e S/A Diário da Noite
entraram na Justiça com pedidos de concordata preventiva por dois anos, algo que suspendia as
ações de execução movidas contra essas empresas e dava prazo para elas pagarem as parcelas de
suas dívidas com os credores. Todos os pedidos foram deferidos e um comunicado oficial dos
Diários Associados foi publicado na imprensa, onde oferecia aos credores a garantia do seu
“apreciável patrimônio”, prometendo saldar os débitos em dois anos. Com a concordata das
empresas “Associadas” paulistas, o Condomínio deixou de ser responsável pela sua administração,
cabendo esta tarefa aos liquidantes. Desta forma, acabou a pressão para que, constantemente,
fossem sacados os lucros de outras empresas do grupo para cobrir o rombo de São Paulo.
Calmon Vai à TV
Depois de muitas tentativas, o presidente João Figueiredo finalmente recebeu João Calmon, no
dia 29 de maio de 1980. Figueiredo tomou posse de um documento com anotações e prometeu
lê-lo à noite. Calmon pedia recursos financeiros para encerrar a greve, evitar que a concordata
se transformasse em falência e poder aguardar com maior tranquilidade o aparecimento de um
comprador “financeiramente idôneo e politicamente confiável”.
Apesar de que Figueiredo tenha permanecido quase todo o tempo em silêncio durante a
reunião, Calmon se declarou animado. Na noite de 8 de junho, usou um espaço de duas horas
na programação da Rede Tupi para fazer “um importante pronunciamento à nação”. O horário
era do apresentador Flávio Cavalcanti, que estava em greve, já que, apesar de gravar no Rio
de Janeiro, recebia pela folha de pagamento da TV Tupi de São Paulo, assim como outros
40 funcionários. “Num só pronunciamento, o biônico1 conseguiu comprar várias brigas que
lhe foram fatais. Comprou a briga com a Globo, ao reavivar páginas que não lhe são muito
simpáticas; com o governo, porque denunciou a doação de dinheiro para rompimento do citado
acordo da TV Globo com o grupo Time-Life; e até mesmo com as outras emissoras de televisão,
quando sugeriu ao governo a estatização da TV brasileira. A briga conosco já estava comprada
há muito tempo”, disse Humberto Mesquita, em sua obra “Tupi: a Greve da Fome”2. Entre as
diversas reações contra o discurso de João Calmon, destacamos a nota publicada pela ABERT
nos jornais de 12/06/1980:
Segundo a revista “Veja”, no início de junho o ministro-chefe do Gabinete Civil, general Golbery
do Couto e Silva, afastou “a possibilidade de o governo conceder novos financiamentos à atual
direção da Tupi”. Ainda segundo a reportagem, ao presidente do Sindicato dos Radialistas do
1 Os chamados senadores biônicos foram eleitos indiretamente por um Colégio Eleitoral, de
acordo com uma Emenda Constitucional de 1977. Tomaram posse em 01/09/1978, para um
mandato de oito anos.
2 “Tupi: a Greve da Fome”, Humberto Mesquita, Cortez Editora, 1982:92-93.
562 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Estado de São Paulo, Alberto Freitas, o ministro assim desabafou: “A solução mais viável é
mesmo a transferência da concessão. Vocês estão sofrendo e nós estamos cansados”.
A greve geral da Tupi — a primeira greve de trabalhadores durante a Ditadura — foi declarada
legal por unanimidade (26 juízes) no Tribunal Regional do Trabalho. Pedia-se o afastamento
do senador João Calmon da presidência dos Diários Associados, que o governo repassasse a
concessão das emissoras a um outro grupo com condições para mantê-las e o pagamento dos
salários e direitos atrasados. Ante a uma complicada situação e a necessidade de uma breve
solução, o Sindicato dos Radialistas planejou uma ação extrema: uma greve de fome em pleno
Congresso Nacional. A ideia era chamar a atenção das autoridades federais para a causa dos
funcionários, aproveitando o apelo da visita do papa João Paulo II ao Brasil, que em breve
passaria pelo Distrito Federal.
“Só resolvemos entrar em greve de fome porque não temos nenhuma outra alternativa, quando
todos os nossos esforços se esgotaram. Pretendemos que, a partir disso, o governo nos olhe de
frente e veja os problemas, que são dos mais sérios”, declarou Humberto Mesquita1.
Pouco antes de irem a Brasília, Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo, chamou
Humberto Mesquita para uma reunião que não podia abrir mão da oportunidade de divulgação
do movimento. Marinho demonstrou seu apoio e o encaminhou para uma entrevista em seu
jornal. Em seguida, Mesquita esteve com José Bonifácio de Oliveira, o Boni, superintendente
de Produção e Programação da Rede Globo, que o convidou a dar uma entrevista ao vivo, no
dia 16 de junho, para Marília Gabriela, no programa “TV Mulher” da TV Globo de São Paulo.
“É muito importante que você leve a informação dessa luta, mais do que justa”2, disse Boni, que
havia sido funcionário da TV Tupi - Canal 4. A repercussão da entrevista foi muito grande, pois
ficou mais de 20 minutos no ar e acabou ganhando reprise em rede nacional. “Quando chegamos
a Brasília [...], pude sentir o tamanho da repercussão da entrevista à Globo. A visita do papa João
Paulo II estava para acontecer e aquele quadro era devastador para a imagem do Brasil perante
o mundo”, revela Mesquita3.
Setenta e três funcionários da Tupi paulista rumaram à Brasília no dia 17 de junho para participar
da greve, contudo, dois deles tiveram problemas de saúde e acabaram não participando. Sob
muita controvérsia entre os parlamentares, os grevistas acamparam dentro do importante Salão
Negro do Congresso Nacional no dia 19 de junho. Na época, fazer greve era considerado ato
anarquista ou comunista. “Era perturbador percorrer os corredores de terno e gravata e esbarrar
em sujeitos de toalha de rosto no ombro e escova de dente na mão. Como explicar isso a turistas
e políticos estrangeiros?”4, descreveu o escritor Glauco Carneiro em “Brasil, Primeiro - História
dos Diários Associados” (Fundação Assis Chateaubriand, 1999).
A resistência de muitos deputados e senadores foi vencida pelo apoio de outros, que tornaram
os grevistas seus “convidados” e prometeram formar uma barreira na frente do pessoal da Tupi
para impedir que fossem expulsos com jatos d’água. Durante os dias de inanição, os grevistas
ingeriram apenas água, laranjas e sal. A imprensa, apoiadora do movimento, cobriu com detalhes
o ato, que ganhou repercussão nacional, algo que o governo não queria.
De acordo com os grevistas, o governo foi obrigado a recebê-los e negociar. “Esse ato gerou
muito constrangimento para o governo Figueiredo porque o papa João Paulo II teria sido
informado que um grupo de trabalhadores estava acampado no Congresso Nacional em greve de
fome. Não demorou para um membro da comitiva do papa avisar: “O papa não aceita visitar um
país onde trabalhadores estejam em greve de fome”. O recado teria repercutido no congresso”,
revela a jornalista Tellé Cardim, uma das grevistas.
Após longa espera e diversos pedidos de ajuda, o governo federal decidiu tomar providências.
Reconhecendo a gravidade da situação e sem ter uma alternativa, “estatizou” a greve e membros
do governo passaram a se reunir diariamente em Brasília com uma comissão de grevistas. Fizeram
propostas, mas nem todas eram as que os funcionários precisavam ouvir. Na reunião acontecida
no quarto dia da terrível greve de fome, com os grevistas já muito abatidos e com problemas
de saúde, estavam presentes quatro ministros, alguns deputados, senadores e representantes da
Federação Nacional dos Radialistas e da Confederação dos Trabalhadores em Comunicações. O
ministro das Comunicações, Haroldo Corrêa de Mattos, presidiu o encontro e apresentou novas
propostas, baseadas em resultados de estudos. Como a greve tinha caráter legal, seria feita uma
abertura de crédito junto à Caixa Econômica Federal para o pagamento dos salários atrasados
daqueles que estavam em greve. Além disso, o governo pagaria um auxílio-desemprego por seis
meses e se comprometia a estimular de forma clara e objetiva a negociação da venda das nove
emissoras da Rede Tupi para um grupo idôneo.
“Não estamos exigindo do governo a expulsão dos condôminos, mas gostaríamos de nos
assegurar da transferência dessas emissoras para outro patrão, como também gostaríamos de
ter a certeza da absorção desta mão de obra”, posicionaram-se os grevistas. Em resposta, o
ministro Haroldo de Mattos revelou que o governo se empenhava também nesse sentido, mas
que não podia expulsar um empresário de sua própria empresa. As propostas foram aceitas, a
greve de fome acabaria em seu quinto dia, mas a greve geral, já no 50º dia, continuaria até que
as promessas se concretizassem.
564 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Mortes
José “Sabú” Rabelo e Walter Tasca eram os funcionários mais antigos
em atividade na TV Tupi de São Paulo e participaram ativamente
do movimento de greve. Eles eram pioneiros da emissora, pois lá
iniciaram como operadores de câmera na sua inauguração. Contudo,
a história de Tasca teve um triste desfecho, mas ao mesmo tempo
heroico. Logo após a tensão e o nervosismo de uma assembleia de
greve realizada em 1980, ele não resistiu e teve um ataque cardíaco
fulminante. Outra vítima foi o funcionário Benedito Baptista
Guimarães (Ditinho), que passou mal em frente ao banco, após
saber que havia recebido um cheque sem fundo. Em meio a uma
crítica situação financeira, Ditinho também foi vítima de um colapso
cardíaco, morreu logo depois e virou símbolo da luta contra o “mau
patrão”, como os próprios funcionários diziam. No total, durante o
curso das greves, quatro funcionários da emissora paulista foram a
óbito pelos mesmos motivos. Na Tupi do Rio, o cameraman Antero de
Oliveira faleceu após logo após a decretação da falência da emissora.
Negociações do Governo
A esta altura, tomavam forma três possibilidades capazes de solucionar o interminável impasse
dos Diários Associados: grupos adquiririam os direitos dos condôminos (opção mais rápida);
Gilberto Chateaubriand ganharia a ação que moveu para destituição do Condomínio e promover
um grandioso leilão; ou o governo interviria para que os direitos dos funcionários fossem
garantidos e os bens ficassem sob custódia.
O governo esperava solucionar o problema rapidamente, “preservando os interesses dos
trabalhadores e resguardando os créditos da União”. Já que decretar a perempção era um processo
que demoraria seis meses e, por diversas razões, havia pressa em resolver a situação, Delfim
Netto, ministro do Planejamento, ficou responsável pelas articulações para dar uma “solução
empresarial” para o caso, ou seja, o governo auxiliaria para encontrar um grupo disposto a
adquirir as das concessões próprias da Rede Tupi de Televisão.
A partir disso, o governo estimulou empresários do ramo das comunicações a estudar possíveis
transferências “direta” ou “indireta” das concessões. Poderia ser feita legalmente uma
negociação entre o concessionário e o pretendente e, após, as partes apresentariam ao Ministério
das Comunicações os atos necessários para serem submetidos à homologação do presidente
da República. Depois de concluído o ato de transferência, a pessoa jurídica que cederia as
concessões permaneceria ativa — no caso, a Rádio Difusora São Paulo S/A —, mantendo-se,
na hipótese da transferência indireta, as responsabilidades relativas ao seu próprio passivo. Já
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 565
no caso de uma transferência direta, seria exigida a anuência da totalidade dos condôminos, o
que era considerado inviável devido às dissidências. Além disso, havia também o problema da
sentença que declarava o Condomínio extinto, em face do processo interpelado por Gilberto
Chateaubriand, com iminência de que a execução provisória fosse promovida a qualquer
momento e, ainda, todos os bens e concessões das emissoras da Rádio Difusora São Paulo S/A
se tornaram indisponíveis devido a concordata. O governo enxergava possibilidades de que fosse
feita uma transferência indireta, já que, como havia a necessidade de concordância por parte dos
credores particulares da TV Tupi, eles poderiam ver em um novo concessionário a garantia para
receber seus créditos.
A previsão do governo era concluir essas tratativas em duas ou três semanas após o acordo
com o comando de greve. Mas, antes de vender as nove emissoras próprias da Rede Tupi, todas
elas precisariam ter suas concessões desmembradas, pois estavam vinculadas a emissoras de
rádio — exceto a TV Brasília, que era ligada a um jornal. Era um processo que, ainda que
ajudado pelo governo, seria complexo e demorado. Na posição de intermediário, mantendo
contatos e examinando a situação de grupos interessados em obter as concessões, o ministro
das Comunicações procurou o deputado federal Paulo Pimentel — ex-governador paranaense
e proprietário de um jornal e emissoras de rádio e TV no mesmo estado —, representante de
uma composição de empresários e grupos econômicos; Edevaldo Alves da Silva — da Rede
Capital de Comunicações e sócio do governador paulista Paulo Salim Maluf; Roberto Civita
— da Editora Abril; e Otávio Frias de Oliveira — do jornal “Folha de São Paulo” —, que não
demonstrou interesse. O presidente dos Diários Associados, João Calmon, nomeou o procurador
do Condomínio Associado, Paulo Cabral de Araújo, para negociar a transferência das emissoras.
Aos empresários, foram oferecidas vantagens para liquidar as dívidas, entre outras facilidades. O
ministro Haroldo de Mattos apontou que as negociações para transferência de ações das empresas
de radiodifusão poderiam ser feitas individualmente com cada uma das concessões, ou ainda,
com lotes delas, chegando ao máximo de cinco emissoras para um mesmo grupo, respeitando
o limite da lei. A composição desejada pelo governo era a da transferência, para um mesmo
grupo, do controle das emissoras de TV do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e
uma quinta podendo ser a do Recife ou a de Porto Alegre, deixando uma das duas e as restantes
(Salvador, Fortaleza e Belém) para grupos regionais. Para o governo, a transferência de cinco
concessões para um único grupo empresarial permitiria manter a unidade da rede e concederia
maior viabilidade ao empreendimento.
A outra opção que o governo tinha era decretar a perempção das concessões e a desapropriação
dos bens, devido ao velho problema do descumprimento do Decreto-Lei nº 236/67, já que
os Diários Associados, além das diversas emissoras de rádio, eram proprietários de nove
emissoras de televisão, ou seja, quatro além do permitido. Essas emissoras eram sociedades
566 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
concordata. Sem conhecer detalhadamente a situação do ativo-passivo1 das empresas e sem uma
auditoria, não existiria possibilidade concreta de transação.
1 Posteriormente, o governo fez um cálculo aproximado apontando que a TV Tupi de São Paulo
devia Cr$ 4 bilhões para a União, sendo Cr$ 1,3 bilhão somente ao INPS. A correção monetária
era de 3,5% ao mês. Já o próprio departamento financeiro da Tupi-Difusora calculou que o
seu passivo trabalhista — entre atrasados, indenizações e ações na Justiça — estava em torno
de Cr$ 600 milhões e a dívida fiscal em Cr$ 1,5 bilhão. O próprio ex-presidente dos Diários
Associados, João Calmon, escreveu em sua autobiografia, publicada em 1999, que o vulto do
passivo era realmente impressionante. “Somados Cr$ 1,5 bilhão da Previdência aos débitos
para com o imposto de renda e o Fundo de Garantia, chegava-se a mais de Cr$ 2,5 bilhões. Com
as demais dívidas a credores bancários e a fornecedores, passava-se dos Cr$ 4 bilhões.”
568 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
No dia 14 de julho de 1980, uma segunda-feira, já eram contados 72 dias de greve dos
funcionários da TV Tupi - Canal 4 de São Paulo e das rádios Tupi e Difusora. Até o dia anterior,
alguns técnicos e operadores continuavam trabalhando para manter as estações no ar a partir
das 10h, mas somente retransmitindo a programação gerada pela TV Tupi - Canal 6 do Rio de
Janeiro. No entanto, a partir desta data, não entrou mais no ar o sinal da pioneira TV Tupi de
São Paulo, que vinha operando no Canal 4 com o prefixo ZYB-855. Isso por decisão de alguns
diretores da emissora, que não eram grevistas e assumiram o risco de o Dentel cassar a concessão
após 72 horas fora do ar. A estação estava sendo mantida “depois de um acordo firmado pelo
comando de greve, atendendo a uma sugestão do ministro das Comunicações, que nos solicitara
manter precariamente o sinal do Canal 4 no ar para possibilitar a transferência da concessão, sem
transtornos”, revela o jornalista Humberto Mesquita, representante dos grevistas. Por outro lado,
César Monteclaro, assessor da diretoria-geral da emissora, declarou que a retirada do canal do
ar “é um protesto contra a decisão do governo [...] de conceder o empréstimo [...] para pagar os
salários atrasados por meio do sindicato. Como [...] [resolveram] pagar apenas os funcionários
grevistas, achamos que a medida é discriminatória. Tiramos a emissora do ar e comunicamos o
fato ao Ministério das Comunicações e ao presidente do Sindicato dos Radialistas de São Paulo”.
Ainda de acordo com informações de Mesquita, os técnicos responsáveis pela transmissão do
Canal 4 negaram que tivessem paralisado suas atividades. “Eles nos informaram que a ordem
partiu da diretoria, que os obrigou a tirar a emissora do ar”, diz Mesquita.
A TV Tupi fora do ar em São Paulo gerou muita preocupação, em especial ao Sindicato dos
Radialistas. O Departamento Jurídico do Ministério das Comunicações, entretanto, encontrou
uma fórmula capaz de autorizar a emissora ficar fora do ar durante 30 dias, sem punições.
Enquanto isso, reuniões e mais reuniões do governo aconteciam em Brasília para tentar resolver
rapidamente a situação crítica.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 569
CAPÍTULO 43
A PROGRAMAÇÃO EM 1980
C
omo não podia ser diferente, a programação da Rede Tupi em 1980 foi diretamente
afetada pelas paralisações na emissora-geradora, em São Paulo, realizadas a partir do
mês de janeiro.
Em meio a tantas dificuldades financeiras e administrativas que a pioneira TV Tupi - Canal 4
enfrentava já no início de 1980, “seu coração ainda batia forte”. Os trabalhos eram impulsionados
pela direção otimista de Rubens Furtado e pelo amor e dedicação que seus funcionários tinham
por aquela casa, que foi a primeira escola da televisão brasileira. E não era por menos: a
emissora precisava tomar rumo em grande estilo para a celebração de seus 30 anos no ar, a
serem comemorados em setembro daquele ano. Era a grande chance para o reerguimento e para
alcançar novas conquistas.
Desde o ano anterior, após os jornais dos Diários Associados publicarem uma longa reportagem
intitulada “Uma Volta às Origens: A TV Tupi Parte Para a Briga”, a emissora realmente produziu
alguns programas que contaram com boa audiência e crítica, como as novelas “Gaivotas”,
“Dinheiro Vivo”, “Como Salvar Meu Casamento” e o “Festival 79 da Música Popular”, que
reavivou os famosos festivais da televisão brasileira dos anos 1960. Produziu, ainda em 1979,
diversos especiais musicais, como “Aquarelas do Brasil” e musicais internacionais com Jackson
Five e Dionne Warwick. No jornalismo, o “Meio Dia”, era apresentado pela hoje muito famosa
Ana Maria Braga.
Em novembro de 1979, a Tupi divulgou que tinha ficado em segundo lugar na média da audiência
do mês anterior, em um anúncio que dizia: “A pesquisa de outubro do Ibope mostra que não é só
a crítica que gosta dos programas da Tupi” (foto).
Esta “reerguida” foi fruto do trabalho coordenado por Walter Avancini, que trocou a TV
Globo pela TV Tupi por acreditar no novo projeto, dando um ar de renovação à programação
e estabelecendo um novo padrão de produção. “Precisamos recuperar a credibilidade dos
telespectadores antes de pensarmos em números no Ibope”, declarou Avancini ao assumir
a superintendência de Produção e Programação da Rede Tupi, em março de 1979. O diretor
declarou esperar promover a “valorização do homem e a participação do telespectador”. Com
sua chegada, criaram-se muitas esperanças na emissora e seus diretores agregaram a decisão
de fazer uma televisão popular — mas não popularesca —, inteiramente voltada para o gosto
brasileiro. As novelas ganharam uma nova “roupagem” e, como dissemos, conseguiram um bom
conceito entre o público telespectador.
O jornalismo foi totalmente renovado sob a direção de Heitor Augusto, conseguindo estabelecer
um alto padrão de qualidade com o novo “Jornal Tupi”, que estreou em 7 de abril, às 19h,
em substituição ao “Rede Tupi de Notícias”. Com uma hora de duração, em rede nacional, o
jornalístico foi apresentado por Rejane Lima Verde, Lívio Carneiro, Fausto Rocha e Antônio
Casale, com noticiário internacional via satélite e, também, com a produção de reportagens feitas
por todas as emissoras da rede, refletindo a ideia de Rubens Furtado de integrar o Brasil, fazendo
com que “toda a população tomasse conhecimento dos problemas de todos os estados”. Para as
crianças, estrearam “O Leão Está na Tupi” — em parceria com o parque paulista Simba Safári —,
o memorável “O Clube do Mickey” e o educativo “Arco-Íris”, com Daniel Azulay. No campo de
variedades, foi para o ar o “Mulheres”, com Ângela Rodrigues Alves. Muitas séries estrangeiras
também fizeram parte da programação da Tupi nesse período, como “Bonanza”, “Flipper”, “A
Noviça Voadora” e “Petrocelli”. Entre os desenhos animados, o dramático “Pinocchio” era
exibido diariamente. Nas sessões de cinema, a emissora exibiu matinês, filmes adultos nacionais
no “Cinema Brasileiro Proibido”, e seleções temáticas de terror e de suspense, como a “Sessão
Hitchcock”.
Por fim, a Tupi ganhou um novo visual mais atraente, com novas vinhetas, novas chamadas e
um novo logotipo com a letra “T” em destaque, uma criação de Cyro Del Nero (veja detalhes no
Capítulo 49), profissional trazido por Avancini.
Certo dia, os diretores da Rede Tupi, Rubens Furtado e Walter Avancini, foram oradores de
uma importante palestra voltada para o mercado publicitário, realizada num evento da então
Associação dos Dirigentes de Vendas do Brasil (ADVB). A ideia era mostrar a nova logomarca
da rede e responder à pergunta: “O que existe por trás deste símbolo?”. Além da revitalização
da imagem institucional da Rede Tupi, os diretores abordaram a realidade da emissora e
apresentaram as perspectivas com a criação de uma programação com características mais
modernas, abandonando os métodos antiquados que “deram o tom” na programação nos últimos
15 anos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 571
Mas tudo durou pouco. Com apenas nove meses de trabalho, Walter Avancini pediu demissão e a
Tupi teve que se preparar para enfrentar uma nova fase, tentando manter o padrão “Avancini” nas
novelas. Sua saída fez com que a direção eliminasse o cargo de superintendente de Produção e
Programação e os veteranos Antonino Seabra e Paulo de Grammont assumiram, respectivamente,
as direções de Programação e de Produção.
Aproveitemos para citar aqui alguns nomes dos diretores da TV Tupi de São Paulo que atuaram
nos últimos meses em que a emissora esteve no ar. As trocas de comando se tornaram muito
frequentes durante o agravamento da crise, promovendo uma verdadeira “dança de cadeiras”,
onde ninguém, ou nenhuma ideia, durava mais do que poucos meses. Maurício Sherman, Caetano
Zamma, Roberto Jorge, Júlio Medaglia e Solano Ribeiro são alguns dos que dirigiram a Divisão
de Shows. João Dória Jr. — hoje governador do estado de São Paulo — foi o diretor do Núcleo
de Comunicação, responsável pela assessoria de imprensa, e que, a certa altura, foi substituído
por Cyro Del Nero (apenas na área de Comunicação Visual) e depois por Péricles Leal. À frente
do núcleo de Teledramaturgia, não foram poucos entre 1979-80: Carlos Zara, Henrique Martins,
Antonino Seabra, Rildo Gonçalves e Roberto Talma, com direito a alguns deles assumir o posto
por duas vezes. Antônio Abujamra dirigiu novelas neste período, como o sucesso “Gaivotas”.
Os dois únicos setores na Tupi que tinham estabilidade na direção eram a Divisão de Esportes,
comandada por Walter Abrahão, e o Departamento Comercial, dirigido desde a inauguração da
emissora por Fernando Severino. Todos se reportavam ao diretor Rubens Furtado e, por último,
a José Arrabal.
572 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Em 1980, era preciso preparar o público para “ficar na Tupi” e celebrar seus 30 anos, a serem
completados no dia 18 de setembro. Era tempo de aproveitar a audiência conquistada no ano
anterior e consolidar o interesse popular com novos programas, contudo, com o desafio de
encontrar uma fórmula capaz de oferecer condições de produzir boas atrações sem onerar as
finanças. Outro ponto positivo para 1980 era a inauguração dos novos equipamentos que a
emissora havia adquirido entre 1977-79, incluindo câmeras, switchers, ilhas de edição e o novo
sistema de transmissão do Canal 4, com o mais potente transmissor de TV no Brasil — 50 kW
— e a moderna antena de polarização circular. Juntos, eles iriam oferecer uma qualidade muito
melhor de imagem e concepção visual.
Logo depois da saída de Walter Avancini, a Rede Tupi movimentou-se para apressar a elaboração
da nova programação de 1980, que ganhou o slogan e a logomarca “80 Ano 30” (foto), criada
pelo diretor Cyro Del Nero. Ela estrearia no mês de março, com o principal destaque para a volta
da linha de shows às 21h, horário ocupado por novelas na fase “Avancini”. Também haveria um
bom investimento no jornalismo e no esporte.
No ano anterior, a direção-geral havia definido que todos os shows seriam produzidos pela TV
Tupi do Rio de Janeiro, a exemplo de um novo musical chamado “Cassino da Urca” e do
humorístico “Apertura”, uma sátira ao consagrado programa jornalístico “Abertura”, da mesma
emissora. Entretanto, essa proposta foi cancelada e a Tupi-Rio continuaria produzindo para a
rede apenas o programa “Flávio Cavalcanti”, algo que já vinha fazendo há algum tempo,
juntamente com outras poucas produções locais, como “Risoteque” e “Carlos Imperial”. A Tupi
quis recontratar Chacrinha, mas o “velho guerreiro” não pretendia (e nem podia) deixar a Rede
Bandeirantes.
Duas novas novelas estreariam em março, sendo que uma delas era “Maria Nazaré”, escrita por
Teixeira Filho e Cleston Teixeira. No entanto, em meio à crise da emissora, a autoria passou para
Daysi Bregantini e Humberto Mesquita. A outra novela era “Drácula”, de Rubens Ewald Filho,
estrelada por Rubens de Falco, Carlos Alberto Riccelli e Bruna Lombardi, com algumas cenas
gravadas no sugestivo vilarejo histórico de Paranapiacaba, na Grande São Paulo. “Maria Nazaré”
foi estrelada por Eva Wilma, Carlos Augusto Strazzer e Carlos Zara. A história era ambientada
com cangaceiros, no nordeste brasileiro dos anos 1930, com personagens conhecidos como Padre
Cícero e Lampião. Para gravá-la, apesar da crise, a Tupi investiu alta soma na montagem de uma
grande cidade cinematográfica em uma fazenda do município de Itu, interior de São Paulo, com
topografia e vegetação similares às do Nordeste. Uma igreja com 140 m2 e 22 casas de alvenaria
foram construídas ou recuperadas. A direção da Tupi gostou tanto do local que chegou a cogitar
transformá-lo em estúdio permanente, para gravações de outras novelas, especiais e shows.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 573
“Maria Nazaré” chegou a ter mais de 30 sequências gravadas, inclusive uma invasão de
cangaceiros a uma cidade, que seria usada na abertura e nas cenas de divulgação. A direção da
Tupi chegou a iniciar tratativas para produção de novelas que estreariam em agosto daquele ano
de 1980. “Gente Sem Qualidade” — de Edy Lima, Ney Marcondes e Carlos Lombardi (para o
lugar de “Como Salvar Meu Casamento”) — e “Testamento”, de Jorge Andrade e Consuelo de
Castro (no horário de “Maria Nazaré”).
Mas a crise se acirrou na emissora do Sumaré... Os planos de colocar no ar uma nova programação
foram perdendo força já no final do mês de janeiro de 1980, quando, no dia 18, foi iniciada a já
citada greve de atores da emissora.
Medidas drásticas foram adotadas em meio a diversas reuniões que buscavam soluções para
contornar os crescentes problemas da emissora-geradora da Rede Tupi. O jornal “Diário de São
Paulo”, por exemplo, foi fechado em 1º de janeiro de 1980, pois ninguém se interessou em
comprar uma empresa endividada. Já o “Diário da Noite” circulou por mais alguns meses apenas.
Voltando à televisão, como as novelas custavam muito caro, a produção do núcleo da Tupi passou
a produzir somente uma por vez e a escolhida foi “Drácula”, que estreou em 28 de janeiro, às 19h.
Devido à greve, apenas quatro episódios foram exibidos em esquema de rotatividade por mais de
uma semana, até que a novela foi definitivamente cancelada e seus cenários desmontados1. As
gravações de “Maria Nazaré” foram suspensas por três meses.
Nesta fase, a Tupi estava exibindo outras duas novelas. Uma delas era o compacto de “O Profeta”
(1977-78), que vinha sendo “estrategicamente” reapresentado às 21h, desde novembro de 1979.
A outra novela era a inédita “Como Salvar Meu Casamento”, que estava em plena produção.
Exibida às 20h, ela tinha boa audiência, mas teve de ser interrompida no dia 22 de fevereiro, a
cerca de 20 capítulos do final, com a promessa de voltar ao ar em breve. O compromisso não
pôde ser cumprido e, portanto, esta novela não teve um desfecho gravado. Seu final foi revelado
posteriormente pelos autores em algumas entrevistas. “Por conta da boa audiência da novela,
tínhamos esperança de que ela ajudasse a salvar a Tupi. A chamávamos nos bastidores de ‘Como
Salvar Meu Pagamento’. O fim da novela e da TV Tupi foi como se alguém viesse e pisasse
em um formigueiro. Saímos desesperados em busca de ajuda e emprego”, conta a atriz Patrícia
1 Logo depois, o mesmo roteiro de Rubens Ewald Filho passou a ser produzido pela TV
Bandeirantes. Sob o título de “Um Homem Muito Especial”, estreou em julho, dois dias depois
da cassação da TV Tupi. O responsável pela migração foi o próprio diretor Walter Avancini,
contratado pela Bandeirantes juntamente com muitos outros profissionais da teledramaturgia
da Tupi.
574 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
(reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 575
A Censura
“Este programa da Rede Tupi de Televisão foi aprovado e liberado pelo serviço
de censura federal para ser exibido neste horário”. Em época de governo militar
e, portanto, de censura, para obter esse tipo de liberação as emissoras de
televisão tinham que submeter previamente as fitas com suas produções aos
censores para avaliação. Não diferente das demais, a TV Tupi teve que cortar
muitos diálogos e piadas de suas novelas. Um caso emblemático de censura
na Tupi envolveu a participação de dom Paulo Evaristo Arns, então arcebispo
metropolitano de São Paulo. Ele vinha fazendo algumas participações na
novela “O Profeta”, de Ivani Ribeiro, exibida entre 1977-78. Em um capítulo
exibido em março de 1978, Arns leu trechos de cartas que faziam referências,
entre outras coisas, aos direitos humanos, promovendo duras críticas às
atrocidades em que eram submetidos os presos políticos do governo militar.
As cenas foram levadas ao ar sem a aprovação da censura, que resolveu vetá-
las apenas 15 minutos antes da entrada do capítulo no ar. Como o comunicado
não foi formal, apenas por telefone, o superintendente de Produção e
Programação, Carlos Augusto de Oliveira (o Guga, irmão de Boni, da TV Globo),
replicou dizendo que não aceitava censura pelo telefone e exibiu as cenas
normalmente. Apesar do problema, dias depois, Guga mandou encaixar mais
cenas semelhantes em outro capítulo, sob a justificativa que tinha recebido
autorização oral para isso. Contudo, no dia seguinte, ele recebeu o certificado
que vetava tais cenas e Rubens Furtado, diretor da Rede Tupi, o acusou de não
ter enviado os capítulos previamente para a censura. As pressões do governo
se intensificaram e levaram o presidente dos Diários Associados, o senador
João Calmon, a mandar o vice-presidente executivo do grupo, Mauro Salles,
dispensar Guga e Sérgio de Souza, diretor da Central de Telejornalismo. Souza
era um dos profissionais de imprensa com melhor currículo no Brasil e havia
chegado à Tupi há dois meses, a convite de Guga, para deixar a TV Globo e
levar consigo seus 38 jornalistas para transformar a emissora do Sumaré
numa central especial de informação. A situação gerou uma crise profunda. A
justificativa das demissões foi por “problemas de ordem administrativa”, mas
o próprio Guga revelou que houve “implicações políticas”, geradas tanto pela
área de Telejornalismo — “que não estava agradando a Brasília” — como na
Teledramaturgia, justamente o caso com Arns. Solidários com Sérgio de Souza,
pediram demissão seus 38 jornalistas, que queriam realizar “o sonho de fazer
um telejornalismo de alta qualidade [na Tupi], a começar pela honestidade da
informação”, publicou o “Boletim da ABI” (Associação Brasileira de Imprensa).
Dias depois do ocorrido, o próprio Mauro Salles pediu demissão, ele que era
a grande esperança para o reerguimento do império dos Diários Associados.
576 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 44
“DEIXE-NOS TRABALHAR, SR. PRESIDENTE!” - A CASSAÇÃO
DA REDE TUPI
N
a manhã de 16 de julho, cinco dias após o término da visita do papa João Paulo II
ao Brasil, atendendo à determinação do presidente Figueiredo de reavaliar a questão
da Rede Tupi em busca de solução imediata, foi realizada uma reunião na sala do
chefe o Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva, com a participação dos ministros da
Fazenda, Ernane Galvêas; do Planejamento, Delfim Neto; da Comunicação Social, Said Farhat;
da Previdência Social, Jair Soares; e das Comunicações, Haroldo Corrêa de Mattos; além do
secretário-geral do Ministério das Comunicações, Rômulo Furtado; do presidente da Caixa
Econômica Federal, Gil Macieira; e do procurador-geral da Fazenda, Cid Heráclito de Queiroz.
Este grupo já havia se reunido algumas vezes para examinar as fórmulas a serem adotadas na
tentativa de transferência das ações das emissoras próprias da Rede Tupi. A Editora Abril havia
retomado as negociações que havia encerrado em 20 de junho, contudo, sob um clima tenso de
denúncias e de publicação de editoriais ferrenhos contra o Condomínio Associado, o grupo de
ministros desistiu de intermediar a transferência de ações. Com todas as alternativas esgotadas,
o ministro Golbery do Couto e Silva encaminhou ao presidente da República a única alternativa
que julgou viável.
O Anúncio e as Justificativas
Na tarde de 16 de julho de 1980, a dois meses da celebração dos 30 anos da emissora pioneira no
ar, o ministro Said Farhat anunciou oficialmente em Brasília que o presidente João Figueiredo
resolveu acatar a sugestão de seus ministros e assinar a perempção das sete concessões precárias
de televisão que pertenciam ao Condomínio Acionário dos Diários e Emissoras e Associados.
Segundo Farhat, uma concorrência pública seria aberta “dentro do mais breve espaço de tempo
possível” para que um novo grupo assumisse a rede. Seriam desapropriados todos os bens da
empresa Rádio Difusora São Paulo S/A, avaliados em cerca de Cr$ 2 bilhões, entre equipamentos,
imóveis e terrenos. As dívidas seriam executadas judicialmente através da Procuradoria Geral da
Fazenda. Quanto às 46 emissoras de rádio dos Diários Associados, 36 delas teriam que ter suas
concessões transferidas a outros grupos para se ajustar à lei de telecomunicações, apesar de que
persistia o problema para regularizar essas concessões. Apenas a concessão da Rádio Tupi do
Rio de Janeiro estava em dia.
O Decreto nº 84928 foi publicado no Diário Oficial em 18 de julho de 1980. O artigo 1º declarou
a perempção de cada concessão da Rede Tupi de Televisão e o 2º determinou que o Departamento
Nacional de Telecomunicações (Dentel) “adotará as providências no sentido de interromper,
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 577
imediatamente, os serviços objeto da concessão ora declarada perempta”. Logo pela manhã,
o Dentel passaria a proceder a lacração dos transmissores da TV Tupi - Canal 4 de São Paulo,
TV Tupi - Canal 6 do Rio de Janeiro, TV Itacolomi - Canal 4 de Belo Horizonte, TV Rádio
Clube - Canal 6 do Recife, TV Marajoara - Canal 2 de Belém, TV Ceará - Canal 2 de Fortaleza
e TV Piratini - Canal 5 de Porto Alegre. “Ficaram de fora a TV Brasília, por intercessão de
um condômino influente em Brasília, e a TV Itapoan de Salvador, por causa das gestões do
governador Antônio Carlos Magalhães”1, declarou o jornalista Humberto Mesquita. Por outro
lado, o ministro Said Farhat justificou que essas concessões estavam em plena vigência, faltando
condição legal para a suspensão imediata da operação das duas emissoras. Salvaram-se, ainda,
cinco emissoras de televisão que teoricamente não estavam sob o controle ostensivo dos Diários
Associados: TV Borborema (Campina Grande), TV Vitória, TV Uberaba, TV Goiânia e a TV
Alterosa (Belo Horizonte), todas em nome de parentes dos condôminos.
Como resultado da decisão de Figueiredo, o Condomínio Acionário dos Diários Associados
perdeu os sete canais, mas continuou de posse das empresas e de seus patrimônios, sejam prédios
e equipamentos, exceto a Rádio Difusora São Paulo S/A (TV Tupi - Canal 4). Todas as empresas
continuaram respondendo pelas dívidas existentes.
casos em que as empresas do Condomínio estiveram em dia com suas obrigações sociais”, disse
Farhat. “A decisão oficial foi tomada após demorado exame da situação das emissoras: as altas
dívidas — com a União, empregados e bancos — tornavam impossível a transferência para
grupos privados. E a continuar tudo nas mãos dos atuais concessionários, estaria o governo
a financiar indefinidamente os ‘Associados’. O governo resolveu dar um basta”, assinalou o
ministro da Comunicação Social.
A respeito das críticas de que as cassações criariam um problema social com o desemprego
de milhares de profissionais, Farhat refutou. “Não vamos esquecer por um minuto sequer o
fato de que a situação social foi criada pelo Condomínio e não pelo governo. O governo entra
no caso apenas dando um remédio drástico, mas que é o melhor possível para assegurar o
restabelecimento destas emissoras de TV e, portanto, dos empregos afetados”. Disse também
que os novos concessionários “terão de recorrer naturalmente” a estes funcionários demitidos,
“pois não há no Brasil tanta gente assim especializada em TV”1.
A notícia causou pânico em muitos diretores e demais funcionários das sete emissoras cassadas,
principalmente das que não acompanhavam o dia a dia da greve da Tupi paulista, emissora
que desencadeou todo o processo. Alguns dirigentes do Condomínio Associado declararam à
imprensa que havia a “mão” da Rede Globo na decisão do governo. O que mais indignou o grupo
“Associado” foi a quantidade e a situação positiva de alguns dos canais cassados. Para eles, seria
compreensível que a TV Tupi de São Paulo fosse cassada e, eventualmente, a do Rio de Janeiro,
que tinha dívidas, apesar de serem bem inferiores às de São Paulo. Na opinião da diretoria e
de funcionários, “incluir emissoras perfeitamente equilibradas como a TV Itacolomi, de Belo
Horizonte, e a TV Rádio Clube, do Recife, empresas diferentes, hígidas, que nada tinham a ver
com o grupo de São Paulo, foi considerado abusivo e despropositado”2.
Quanto a essas emissoras que estavam com as concessões vencidas, mas financeiramente sadias,
o ministro Farhat explicou que “o grupo responsável pela maioria do capital não deu ao governo
condições de admitir que, depois de ter sido assistido financeiramente tantas vezes, a título
de saldar dívidas, viesse a se recuperar. Achou o governo que não devia preservar emissoras
como a Itacolomi, pois significaria deixá-las em poder de um grupo que já dera largas provas
de incapacidade gerencial”. Ainda em relação aos empregados destas emissoras, garantiu que “a
situação deles será cuidadosamente examinada”.
1 “Governo Não Renova Concessões de Sete Canais da Tupi”, Jornal do Brasil, 17/07/1980, 1º
Caderno, p. 16.
2 “Brasil, Primeiro - História dos Diários Associados”, Glauco Carneiro, Fundação Assis
Chateaubriand, 1999:546.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 579
Para a diretoria do Sindicato dos Radialistas a decisão governamental também foi impactante,
já que o governo criou uma grande expectativa de que a transferência direta das concessões
resolveria o problema. Em São Paulo, no sentimento dos funcionários, responsáveis pela grandeza
que um dia representou a “TV Tupi - Do Tamanho do Brasil”, como dizia seu slogan, havia uma
mistura de emoção e alívio, depois de tanto sofrimento causado pelo descalabro administrativo.
O presidente da Associação das Emissoras de Rádio e Televisão de São Paulo (AESP), Edmundo
Monteiro, ex-diretor dos Diários Associados em São Paulo, considerou precipitada a decisão do
governo, alegando que a medida alastrou a crise social, fazendo subir de 800 para 3500 o número
de desempregados.
O senador João Calmon, presidente do Condomínio Associado, recusou-se a receber a imprensa
ou mesmo divulgar uma nota oficial sobre as perempções, mas anos depois declarou em sua
autobiografia (Calmon, 1999:493-494) que “o decreto fundamentava-se em um parecer do
Dentel que fazia referência à ‘difícil situação econômica e financeira [...]’ [e] ainda ao fato de que
a renovação da concessão da Tupi [de São Paulo] fora sobrestada pelo Dentel em 1977, apesar de
a emissora ter requerido, como de praxe, essa renovação. O ministro das Comunicações havia,
inclusive, enviado à televisão, em abril de 1979, um ofício comunicando que nenhum prazo
corria contra nós”. O procurador do Condomínio, Paulo Cabral, considerou a decisão do governo
como “uma posição unilateral”. Para ele, a melhor solução para todas as partes envolvidas era a
negociação para transferência dos canais a outros grupos.
No Rio de Janeiro, o impacto das perempções nos 540 funcionários da TV Tupi - Canal 6 foi
ainda maior do que nas outras praças. As movimentações logo se iniciaram no antigo prédio do
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 581
Cassino da Urca. Na tarde daquele difícil 17 de julho, estava no ar o programa “Aqui e Agora”,
co-produção da Tupi e da PAB - Produções Artísticas Brasileiras, do argentino Odair Marzano,
locatário de todo o horário vespertino da Tupi carioca1.
Segundo o jornal “Luta Democrática”, “embora fosse esperado que às 22h a emissora-líder da
cadeia ‘Associada’ tivesse suas transmissões suspensas, isso não ocorreu, permanecendo no ar
durante toda a noite”. Às 7h do dia 18 de julho, a vigília foi encerrada e, sem informações sobre
o desligamento da emissora, entrou a programação normal. Contudo, todos os programas ao
vivo deram espaço para a participação de pessoas solidárias ao movimento. Foram ouvidas as
palavras do bispo-auxiliar, dom Afonso Gregório, em nome do cardeal-arcebispo do Rio de
Janeiro, dom Eugênio Sales. Segundo ele, “dom Eugênio expressa sua preocupação quanto à
ameaça de desemprego de centenas de pessoas, de milhares de dependentes com o fechamento
da emissora. Não é só com os empregados que a igreja se preocupa, mas existem as famílias. O
cardeal me pediu para informar a vocês que também está tentando falar com o presidente, numa
tentativa de ser revogado o decreto. Os cartazes dizendo que todos querem apenas trabalhar,
refletem a pureza dessas pessoas”.
Quando o programa “Agropecuária em Foco” entrou no ar, seus apresentadores Sá Leme e o
deputado federal Osvaldo Saramago Pinheiro cederam os 60 minutos para que os funcionários
renovassem seus apelos ao presidente Figueiredo. O deputado disse que “o governo pode
perfeitamente deixar que os empregados assumam a direção da emissora, com um interventor
nomeado. E por que não a TV Educativa, que é federal? Ela poderia gerir esta emissora. A
solução existe”, ressaltou o deputado.
Havia cerca de 200 pessoas dentro dos estúdios do antigo Cassino da Urca e duas guarnições da
Polícia Militar faziam plantão no local. Os policiais pareciam perplexos com as cenas dramáticas
que testemunhavam. Comícios foram improvisados na porta da emissora, inclusive com a
participação de políticos. O trânsito no bairro chegou a ficar congestionado. Faixas e cartazes
afixados no lado externo do prédio exclamavam e suplicavam: “QUEREMOS TRABALHAR!!!”,
“A TV TUPI NO AR É NOSSA SALVAÇÃO”, “QUEREMOS O DIREITO DE REERGUER A
TUPI”.
Em um determinado momento, os apresentadores tentaram, em vão, falar com o presidente
João Figueiredo, ao vivo, pelo telefone. O quadro ficou ainda mais dramático quando chegou a
informação de que emissoras do norte e nordeste do país já estavam sendo desligadas. A Tupi do
Rio realmente sairia do ar? O presidente Figueiredo ignorou os inúmeros apelos? O que aquelas
pessoas fariam dali por diante? As perguntas nasciam entre orações, lágrimas, soluços e até
desmaios. Muitos gritavam por Deus e pelo papa João Paulo II, que esteve no Brasil dias antes.
Ao final do programa de Saramago Pinheiro, os participantes ficaram de pé e cantaram o Hino
Nacional em voz alta. Em seguida, todos migraram para o auditório principal da emissora, de
onde entraria no ar uma edição especial — e derradeira — do programa “Aqui e Agora”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 583
“Cristal é uma palavra pura. Parece que eles tiraram nosso cristal
interno. Foi um dia trágico e saímos do ar para sempre” (Cyro Del
Nero).
Esta profunda frase do último diretor de comunicação visual da TV Tupi de São Paulo, Cyro
Del Nero, retrata bem o que significou a lacração dos transmissores das sete emissoras cassadas
da Rede Tupi. Às 8h30 do dia 18 de julho de 1980, o diretor-geral do Dentel, coronel Antônio
Fernandes Neiva, expediu ordens via telex para que os diretores regionais de São Paulo, Rio
de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Belém e Recife cumprissem ordens para
adentrar às salas de transmissão das emissoras da Rede Tupi de Televisão e inviabilizassem o
funcionamento dos transmissores. Isso era feito no painel de controle, onde se removia o cristal
de quartzo, um componente vital que era responsável por todo o sincronismo das transmissões.
Em seguida, lacrava-se o painel que, se posteriormente violado, caracterizaria crime.
A TV Marajoara foi a primeira a sair do ar, às 9h20, e a TV Tupi do Rio de Janeiro foi a última,
às 12h36. Durante o processo de lacração, não houve qualquer incidente, apenas o clima de
muita emoção dos funcionários. O coronel Neiva declarou ter recomendado aos encarregados de
executar a missão que evitassem qualquer tipo de confronto e que fossem cautelosos para não
haver atritos com os funcionários.
Em Belém (PA), a TV Marajoara - Canal 2 sequer teve tempo de entrar no ar naquele dia, mas
havia encerrado a programação à 0h17 da noite anterior com um filme curiosamente chamado
“Tempos Difíceis”. O transmissor foi lacrado às 9h20.
Em Belo Horizonte, a TV Itacolomi - Canal 4 ainda transmitia seu padrão de testes às 10h27,
quando foi lacrada. O clima foi de surpresa e desolação, pois, devido à estabilidade financeira
da emissora, não era esperada sua cassação. A operação de lacre nos transmissores foi executada
com a presença de um batalhão de choque da Polícia Militar, que depois se deslocou até o prédio
central da emissora e lá permaneceu durante todo o dia. Cerca de 300 funcionários ficariam
desempregados.
No Recife, diante de 160 empregados angustiados da TV Rádio Clube de Pernambuco - Canal
6, três funcionários do Dentel lacraram os transmissores às 10h47. A emissora iniciava sua
programação às 10h, mas naquele dia entrou às 9h45 para fazer sua última transmissão, direto do
estúdio principal, mostrando o momento em que o superintendente da emissora, Ricardo Pinto, se
dirigia aos funcionários: “Não há motivos para lágrimas e aperreios para vocês”, frisando depois
que ninguém seria desamparado. Mesmo avisados de que não poderiam filmar as derradeiras
cenas, a emissora chegou a transmitir para Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas
o pânico em que se transformou o prédio da TV Rádio Clube a poucos momentos da lacração.
O locutor Osório Romero, juntamente com um dos editores do jornalismo da emissora, chegou
perto dos transmissores para narrar o epílogo. Ele fez um apelo ao presidente Figueiredo e um
agradecimento ao público pela audiência e solidariedade. Três minutos depois, o transmissor foi
desligado. O superintendente Ricardo Pinto não entendeu a punição a uma empresa que, segundo
ele, “apesar de não dever nada a ninguém, é cassada apenas pelo fato de ser ‘Associada’”.
“Afinal chegou o momento”. Após a mensagem, às 11h19, saiu do ar a imagem da pioneira do
estado do Ceará, a TV Ceará - Canal 2, de Fortaleza. Diante das câmeras estava o animador
584 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
de auditório Augusto Borges, que lia mensagens de apelo dos telespectadores ao presidente da
República. Um dos últimos a falar foi o cantor Raimundo Fagner, que nasceu artisticamente na
TV Ceará, em programas de auditório da década de 1970.
— Isso tudo faz parte de um complô contra a criatividade brasileira. Eu estou pasmado e até
chorando — disse Fagner em um discurso de oito minutos. — Eu nasci aqui. A gente deve brigar
por isso. Espero que retomemos brevemente — declarou o cantor que, em seguida, abraçou
Augusto Borges e chorou convulsivamente.
A TV Piratini - Canal 5 de Porto Alegre interrompeu suas transmissões às 11h55, depois de 21
anos de operações. Naquele momento, estava sendo exibido um desenho animado dos estúdios
Hanna-Barbera. Aos funcionários ficou a promessa do superintendente regional “Associado”,
Estácio Ramos, de transformar a TV numa central produtora de comerciais. A direção da emissora
evitou declarar qualquer coisa à imprensa, inclusive justificando a saída do ar como se fosse um
simples problema técnico.
Em São Paulo, poucos minutos antes do meio-dia, um delegado da Polícia Federal e mais quatro
agentes davam proteção a três engenheiros do Dentel, que subiram ao 10º andar do edifício-
sede das Emissoras Associadas, na Avenida Prof. Alfonso Bovero, nº 52, bairro do Sumaré. Eles
lacraram o transmissor RCA TT6-AL da pioneira TV Tupi - Canal 4, que já se encontrava fora
do ar havia cinco dias, em função da total adesão dos funcionários à greve. A emissora saía do ar
após 29 anos e 10 meses da sua inauguração. “Joguei flores quando foi inaugurada. Agora, jogo
a pá de cal”, disse o diretor-financeiro Mauro Gonçalves, que recebeu os três cristais das mãos do
agente fiscalizador do Dentel. “Quem deveria estar aqui para receber o Dentel era o João Calmon
e Edmundo Monteiro, e não eu”, desabafou Gonçalves.
Cerca de 40 funcionários assistiram ao ato de lacração do Canal 4. Alguns procuravam os cantos
para esconder as lágrimas. O diretor-administrativo Wilson Andrade considerou o desfecho da
TV Tupi “natural pelo comportamento da direção da empresa, mas extremamente chocante para
quem foi dela funcionário”. O ato de retirada dos cristais e a lacração foram rápidos e, após, os
agentes do Dentel, funcionários e diretores da TV Tupi reuniram-se no 9º andar para assinatura
do termo de interrupção. Após assinar o termo de interrupção, Mauro Gonçalves depositou os
cristais em um cofre.
Naquela época, a TV Tupi ocupava cinco dos 11 andares do prédio, onde também funcionavam as
rádios Tupi, Difusora AM e Difusora FM, emissoras que ainda poderiam continuar em operação
até segunda ordem.
No Canal 6 do Rio de Janeiro, estava no ar, ao vivo, uma edição especial do “Aqui e Agora”,
onde o apresentador Ari Soares fazia mais apelos a Figueiredo. Numa última tentativa de
descontrair os colegas, ele anunciou o Grupo Água, que tocou uma música que sequer chamou a
atenção dos colegas, tamanha a preocupação e desolação. Os próprios músicos se emocionam e
terminam a música chorando. Já passava das 12h e a atriz Vanda Lacerda começou a pedir calma
e tentou renovar esperanças de todos. No entanto, por volta das 12h20, seu microfone tem o som
cortado, pois já era sabido que os técnicos do Dentel haviam chegado na sala do transmissor, no
Morro do Sumaré, para efetivar o desligamento e lacração dos equipamentos. Para este instante,
estavam preparados trechos da missa do papa João Paulo II, realizada dias antes no Aterro do
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 585
Flamengo. Eles entraram no ar com uma mensagem derradeira inserida em sobreposição: “Até
breve, telespectadores amigos. Rede Tupi”1.
Foi então que os técnicos do Dentel fizeram um contato telefônico com o diretor-superintendente
José Arrabal, comunicando que estavam prontos para cortar o sinal.
— Os senhores não receberam ordem expressa para isso? Então cumpram. Só peço que aguardem
um pouco para exibirmos nossa última mensagem — disse Arrabal. E assim foi feito.
Nesse instante, seguiram as imagens da missa papal com a mensagem final sobreposta, mas
o áudio de “João de Deus” foi substituído por uma narração gravada, dirigida a outro João, o
presidente da República João Batista de Oliveira Figueiredo. A mensagem, redigida na véspera
por alguns diretores da emissora, foi gravada pelo apresentador de telejornais Cévio Cordeiro,
ao som de uma trilha sonora dramática, que provocou as lágrimas em quase todos os presentes
no auditório, inclusive nos cameramen.
No texto, dirigido ao presidente João Figueiredo, implorou-se, em nome de Deus, que ele revisse
sua posição e não fechasse aquela emissora, para que eles mesmos, os funcionários, pudessem
assumir as operações. Disse o trecho final da mensagem:
1 Em 2020, quando a cassação das emissoras da Rede Tupi completou 40 anos, um canal do
YouTube especializado em arquivos da TV postou uma relíquia: um vídeo com vários minutos
contendo trechos da vigília dos funcionários da TV Tupi do Rio de Janeiro. Não foi revelada a
procedência deste material, que pode ser visto em youtu.be/FiHMJcfXEAI.
586 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Após 11 minutos, a mensagem ao presidente se encerrou sob longos aplausos. A vigília iniciada
no dia anterior e os programas dedicados daquela manhã já somavam 18 horas de drama real
no ar. No vídeo, agora se via a última logomarca estática da TV Tupi, criada por Cyro Del
Nero, também sobreposta pelos dizeres “ATÉ BREVE TELESPECTADORES AMIGOS. REDE
TUPI”. Ao fundo, uma empolgante trilha sonora para marcar o fim. Minutos depois, às 12h36,
depois de 29 anos e meio de atividade, o sinal da TV Tupi - Canal 6 do Rio de Janeiro saiu do
ar após o desligamento e a lacração do seu potente transmissor RCA. Naturalmente, a emoção
ficou ainda maior e algumas pessoas tiveram que ser atendidas por uma equipe médica que
estava presente. Os funcionários receberam ordens dos colegas de liderança para voltarem aos
seus setores e tomarem conta do material, evitando que “sejam levados pelo senador Calmon
e seus companheiros”. Ninguém deveria sair da emissora. “A casa é nossa”, gritava alguém.
Lentamente e chorando, os técnicos iniciaram o desmonte das aparelhagens. “[...] muitos [...]
sugeriam a prisão e confisco de bens do senador biônico João Calmon, apontado como culpado
pelo angustiante problema, por ter, segundo acusações, endividado e esvaziado os cofres dos
Diários Associados”, publicou o jornal “Luta Democrática”1. O cameraman Luís Roberto
Moreira, de 27 anos, abraçou-se à sua câmera aos gritos. A cena comoveu a todos. Mais de dez
colegas tentaram retirá-lo, mas ele não largou o equipamento. A muito custo, conseguiram levá-
lo para os bastidores.
Durval Cardoso Filho, que há nove anos trabalhava como técnico de manutenção na emissora,
recebeu do funcionário do Dentel o termo de lacração dos transmissores. Depois de assinar
quatro vias do documento, olhou em frente e disse, sem muita convicção: “É chato, mas a vida
continua”. As cenas da lacração na Tupi do Rio foram gravadas por uma equipe de reportagem
da TV Bandeirantes e exibidas à noite pelo “Jornal Bandeirantes”2.
“Vamos cair de pé, mantendo todos os programas no ar, para irmos até o fim”, disse o
superintendente José Arrabal, acrescentando que ninguém acreditava que a crise de São Paulo
acabasse com “uma medida violenta”.
Apesar do “Até Breve” e da movimentação dos funcionários e de sindicatos para formalização
de uma proposta ao governo para reabrir a emissora sob a condição de cooperativa, a TV Tupi
jamais voltou ao ar.
Três dias após o decreto do governo que tornou peremptas sete emissoras
da Rede Tupi de Televisão, João Calmon, em meio ao fogo dos adversários,
renunciou à presidência do grupo Diários Associados. Chefe supremo da
instituição há 12 anos, Calmon creditou seu gesto “ao salutar princípio
da rotatividade na direção da empresa”. Antes da saída do senador, o
nutrido rol de equívocos que marcou seu período na presidência do
Condomínio foi engrossado por uma decisão extravagante. Às vésperas
do decreto federal que fechou sete das nove emissoras “Associadas”, a
[TV] Bandeirantes quis comprar todos os trajes [e cenários] que a Tupi
mandara fazer para as filmagens da novela “Drácula”, e que poderiam ser
utilizados na novela “Um Homem Muito Especial”, o mesmo “Drácula” que
a Bandeirantes resolveu gravar com outro nome. A Tupi recusou. Agora,
os condôminos estão proibidos de vender bens das emissoras fechadas, e
as roupas, condenadas a apodrecer nos abandonados estúdios do Sumaré
(“Mais Duas Redes”, Veja, 30/07/1980, p. 29). “Continuo na qualidade
de membro da comissão executiva dos condôminos em caráter vitalício,
dada pelo próprio Chateaubriand. Estou plenamente integrado, apenas
com a diferença de não ser mais o presidente”, declarou Calmon ao Jornal
do Brasil (“João Calmon Renuncia à Presidência dos Diários Associados”,
22/07/1980, 1º Caderno, p. 5). Quem o substituiu foi o ex procurador do
grupo, Paulo Cabral de Araújo, que permaneceu no cargo até o ano de
2002.
A TV Tupi do Rio de Janeiro passou a fazer, a partir do dia 22 de julho de 1980, a gravação de
comerciais de televisão a título precário e como produtora de vídeo. A renda reverteu em favor
dos próprios funcionários. O presidente do Sindicato dos Radialistas do Rio, Luciano Fuzer,
conseguiu autorização da direção da emissora para realizar as gravações, mesmo que nada de
concreto sobre o assunto estivesse definido. Os primeiros trabalhos foram feitos para a Mesbla
e Casas Sendas.
O cristal do transmissor da TV Tupi de São Paulo chegou a ser recolocado no dia 22 de outubro
de 1980, atendendo a um pedido do ministro da Previdência Social, Jair Soares, uma vez que
590 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Pagamentos
Cumprindo o compromisso assumido junto ao Sindicato dos Radialistas do Estado de São Paulo,
o governo federal se preparava para amparar imediatamente os funcionários desempregados da
TV Tupi de São Paulo, pagando cinco meses de salários atrasados. Além disso, seria concedido
um auxílio-desemprego junto à Caixa Econômica Federal, valores que seriam ressarcidos aos
cofres públicos pelo futuro concessionário do canal 4 de São Paulo. Entretanto, por meio de
negociações do mesmo sindicato, o empréstimo se tornou extensivo aos que trabalharam nas
outras seis emissoras cassadas e o montante do empréstimo da Caixa Econômica Federal pulou
de Cr$ 40 milhões para cerca de Cr$ 65 milhões. Segundo o ministro interino do Trabalho,
Geraldo Miné, o número de trabalhadores desempregados em todas as sete emissoras cassadas
chegou a 2534. Poucos dias após as perempções decretadas, os desempregados da TV Tupi de
São Paulo receberam a primeira parcela dos salários atrasados e logo passariam a receber o
auxílio-desemprego, até serem admitidos pelo próximo concessionário.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 591
Indenização
1 “Brasil, Primeiro - História dos Diários Associados”, Glauco Carneiro, Fundação Assis
Chateaubriand, 1999:586.
592 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 45
LICITANDO OS CANAIS DA REDE TUPI
L
ogo após o governo declarar peremptas as concessões de sete das emissoras da Rede Tupi
de Televisão, foi preparada a abertura da licitação para novas concessões de operação
desses canais, com a preocupação de selecionar rapidamente novas empresas e manter
aberto o mercado de trabalho, assegurando o emprego dos técnicos, artistas e demais funcionários
das emissoras extintas.
O ministro das Comunicações, Haroldo Corrêa de Mattos, autorizou a abertura dos editais de
concorrência sete dias após a decretação das perempções. A distribuição dos canais foi feita
em dois lotes, observando-se os efeitos do Decreto-Lei nº 236/67, que impedia uma mesma
entidade de manter mais de cinco concessões próprias de TV na faixa de VHF (a quantidade de
afiliadas não era limitada). Nos editais, uma novidade: além de licitar as concessões dos sete
canais cassados da extinta Rede Tupi, o governo adicionou outros dois. Um deles era o canal
9 de São Paulo, da extinta TV Excelsior, e o outro, o canal 9 do Rio de Janeiro, da extinta TV
Continental. Eles estavam sem uso, visto que, após vencer uma concorrência para explorá-los,
realizada em 1974, o grupo Jornal do Brasil (JB) passou por uma série de problemas — inclusive
a mudança de sede da empresa —, que impossibilitou a implantação das emissoras. Houve,
ainda, uma renovação do prazo para que o JB se habilitasse novamente, mas a empresa desistiu
por decorrência do prazo e as concessões voltaram para o governo.
Agora, na concorrência de 1980, com um total de nove emissoras, o governo montou um lote
com cinco canais e outro com quatro, podendo contemplar dois grupos distintos de comunicação,
a fim de constituir duas redes sólidas, gerando competitividade e estimulando a abertura de mais
postos de trabalho. A concorrência também vetou a participação dos concessionários de grandes
redes, como Globo e Bandeirantes, e deu oportunidade para novas e pequenas empresas de
radiodifusão. Como exemplo, as empresas que controlavam uma única emissora fora das praças
onde havia canais a serem licitados poderiam concorrer à rede formada por quatro canais, como
era o caso da Rede Capital de Comunicações, que controlava apenas a TV Regional de Brasília.
Por outro lado, as principais emissoras de TV pelo Brasil ficaram preocupadas com a notícia
da criação de duas redes, pois, para seus diretores, era evidente que não haveria faturamento
publicitário suficiente para todas.
Arlindo Silva, assessor de imprensa do Grupo Silvio Santos e ex-repórter da revista “O Cruzeiro”,
conta em sua obra “A Fantástica História de Silvio Santos” (Seoman, 2017), que antes que se
publicasse o edital, diretores do Grupo Silvio Santos tentaram convencer o governo a não abrir
a concorrência, “procurando mostrar que seria um desastre para a televisão brasileira a abertura
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 593
de mais duas redes”. Eles também estavam preocupados que não havia espaço no mercado
para mais duas redes disputarem o bolo publicitário. Nas palavras de Dermeval Gonçalves,
superintendente-técnico do SBT, “o que nós tínhamos sugerido ao governo era que, em vez de
abrir o edital, fortalecesse a Record e a Bandeirantes. Fortalecer, como? Procurando as ‘áreas
escuras’ dessas emissoras e concedendo, pura e simplesmente, os canais, sem abrir concorrência.
Seria uma medida até de salvação da televisão brasileira na época. O que a Record precisava?
Precisava de um canal no Rio e em Porto Alegre, onde não tinha. A Bandeirantes só tinha em
São Paulo, no Rio, na Bahia, em Porto Alegre e em Minas. Portanto, a Bandeirantes possuía uma
rede relativamente boa, mas a Record não tinha nada. Então, em vez de abrir duas novas redes,
ficaríamos com a Globo, que já era forte, fortaleceríamos a Record, que começava a competir no
mercado, e fortificaríamos mais a Bandeirantes, que tinha mais condições que a Record.”
Contudo, o governo não quis saber dessa história. “Então resolvemos entrar [na concorrência].
E apresentamos uma proposta: Silvio Santos viabilizaria a Record. Como tinha canal no Rio de
Janeiro, ele se comprometia a transferir para o Paulinho Machado de Carvalho [...] e negociaria
com ele o canal de Belém. Então ficaríamos em igualdade de condições”, declarou Dermeval
Gonçalves.
O Certame
canal 4 de São Paulo, deveria ser comprovado um capital de Cr$ 74,4 milhões. Eis a composição
de canais de cada edital:
Para garantir a sobrevivência dos ex-empregados da Rede Tupi de Televisão até que os novos
concessionários colocassem no ar suas emissoras, o governo mantinha o pagamento do auxílio-
desemprego por meio da Caixa Econômica Federal. Como previsto, foi incluído nos editais que
esses recursos deveriam ser ressarcidos pelos futuros concessionários das duas novas redes de
TV. Além disso, também de acordo com os editais, os novos concessionários teriam que contratar
o maior número possível de desempregados das emissoras cassadas ou apresentar outra solução
satisfatória para o problema trabalhista (isso somaria muitos pontos na concorrência); fazer uso
dos imóveis, instalações e equipamentos das emissoras cassadas, em poder da União, mediante
arrendamento, aquisição ou outra forma que fosse acordada entre as partes (as emissoras poderiam
comprar novos equipamentos, mas não antes de ter negociado aqueles que a Rede Tupi utilizava).
Isso visava a geração de mais recursos para o governo, o maior credor da extinta rede. Segundo
declarou o diretor do Dentel, coronel Antônio Fernandes Neiva, teria “peso” significativo para
a vitória de um concorrente o tempo de instalação do projeto. “A legislação dá ao vencedor da
concorrência seis meses para apresentar o projeto e mais dois anos para implantá-lo, ambos os
prazos prorrogáveis. Se algum dos concorrentes se comprometer a implantar o projeto em prazo
inferior, terá muitas chances de vencer”, declarou Neiva à “Folha de São Paulo”.
A abertura dos envelopes com as propostas recebidas ocorreu no dia 30 de setembro, no
Ministério das Comunicações. Apesar de 15 empresas e a própria ABERT - Associação Brasileira
de Emissoras de Rádio e Televisão solicitarem oficialmente cópias dos editais, nove delas
apresentaram-se efetivamente como candidatas à posse das duas redes de televisão (algumas
foram criadas às pressas). Se inscreveram a Rede Piratininga de Rádio e Televisão Ltda.,
encabeçada pelo general Sizeno Sarmento e pelo dr. Ribeiro de Andrade; Rádio e Televisão
Universitária Metropolitana Ltda. (Grupo Metropolitano/Rede Capital de Comunicações1), de
Edevaldo Alves da Silva, Labibi Elias Alves da Silva e Arnold Fioravante; Rede Rondon de
Telecomunicações Ltda., dos irmãos José e Paulo Masci de Abreu (atualmente proprietários
de diversas emissoras de rádio e TV pelo país); Sistema Brasileiro de Comunicações Ltda.,
do produtor e diretor de cinema Roberto Figueira Farias e de Sérgio Santana; TV Manchete
Ltda., representada por Oscar Bloch Sigelmann e Pedro Jack Kapeller (Bloch Editores2 [revistas
“Manchete”, “Amiga”, “Fatos e Fotos” e Rádio Manchete]); Visão - Rádio e TV S/C Ltda., de
1 A Rede Capital de Comunicações possuía emissoras próprias de rádio em São Paulo, Curitiba,
Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro, além da TV Regional de Brasília - Canal 8 (ex-afiliada da
TV Record) e da FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas, em São Paulo. O diretor do grupo,
Edevaldo Alves da Silva, já tinha tentado comprar as rádios Tupi e Difusora de São Paulo, as TVs
Tupi do Rio de Janeiro e de São Paulo, e a TV Itacolomi, de Belo Horizonte.
2 O presidente da Bloch Editores era Adolpho Bloch, nascido na Ucrânia. Apesar de ser
naturalizado brasileiro, ele não pôde compor o quadro societário da TV Manchete Ltda., pois a
lei exige que as sociedades de rádio e televisão sejam compostas apenas por brasileiros natos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 595
Henry Maksoud, Roberto Felix Maksoud e Cláudio Dênis Maksoud (revista “Visão”); Rádio
Jornal do Brasil Ltda., de Maurina Dunshee Abranches Pereira Carneiro e Manoel Francisco
do Nascimento Brito (tecnicamente associados ao empresário Walter Clark); Televisão Abril
Ltda., de Victor Civita (Editora Abril [revistas “Veja” e “Quatro Rodas”]); e SBT - Sistema
Brasileiro de Televisão S/C Ltda., representado por Carlos Marcelino Machado de Carvalho,
filho do empresário Paulo Machado de Carvalho (de quem o empresário Silvio Santos era sócio
na TV Record); Carmen Torres Abravanel, cunhada de Silvio Santos; Luciano Callegari, um dos
diretores das empresas de Silvio Santos; Eleazar Patrício da Silva, presidente do Conselho de
Administração do Grupo Silvio Santos; e João Abrão, diretor comercial da rede SBT-Record.
Na verdade, Silvio Santos e Paulo Machado de Carvalho eram os reais proprietários do SBT,
mas participavam da empresa através de representantes, já que também eram concessionários de
canais de TV no Rio de Janeiro e em São Paulo e, em cumprimento ao Decreto-Lei nº 236/67,
não poderiam operar mais de um canal em uma mesma localidade.
Com essa atitude, o “homem do Baú” conseguiu permanecer na disputa após um encontro
mantido pelo empresário com o ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República,
general Golbery do Couto e Silva, e com o ministro das Comunicações, Haroldo Corrêa de
Mattos. Posteriormente, o próprio ministro das Comunicações explicaria à imprensa que o SBT
não tinha um canal de televisão no Rio de Janeiro, e, sim, o empresário Silvio Santos, que não
participava do quadro societário do SBT.
Seis empresas, portanto, ficaram habilitadas a participar das concorrências: Abril, Visão, SBT,
Bloch, Jornal do Brasil e Capital.
Os grupos Abril, Visão e Bloch concorreram pelas duas redes; o Jornal do Brasil — que
recentemente abdicou de duas concessões para operar seus canais de TV no Rio e em São Paulo
— disputou apenas a rede com a geradora no Rio de Janeiro; o grupo Silvio Santos e a Rede
Capital concorreram somente pela rede com a geradora em São Paulo.
Após a divulgação dos seis grupos habilitados, foi dada a largada para uma grande disputa
de bastidores em Brasília, envolvendo os grupos empresariais e altos escalões do governo.
Com uma série de reuniões acontecendo na esfera da Presidência da República, houve muita
especulação da imprensa e da opinião pública sobre quais os dois grupos que sairiam vencedores
na concorrência. Inicialmente, os grupos Abril e Jornal do Brasil eram dados como favoritos,
devido a solidez financeira e por estarem do lado do governo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 597
Restam Três
Segundo apontou a “Folha de São Paulo”, toda essa articulação foi feita pelo ministro Golbery
e a oportunidade teria surgido porque Silvio Santos já detinha um canal no Rio e não tinha
tanto interesse pelos canais de Porto Alegre e Belém. Com isso, eles poderiam ser concedidos
ao Grupo Capital, que foi escolhido sob a condição de que não ficaria com uma rede completa.
Após aprovar o parecer final, com os três grupos dados como vencedores, o ministro Golbery
encaminhou o documento para a análise final do presidente Figueiredo em fevereiro de 1981.
A partir disso, iniciaram-se novas e longas conversações com os três grupos. O governo se
mobilizou para chegar a uma composição e sua proposta também se baseou no problema do alto
custo do lote com geração pelo canal 4 de São Paulo, disputado pela Capital e pelo SBT. Juntos,
os quatro canais dessa nova rede apresentavam um passivo que já alcançava os Cr$ 400 milhões,
quantia a ser ressarcida. O passivo dos canais da segunda rede era muito menor, a concessão
do canal 13 de São Paulo não tinha qualquer dívida, e a Caixa Econômica Federal conseguiu
utilizar alguns recursos para abater as obrigações trabalhistas das concessões do Rio de Janeiro
e de Fortaleza.
598 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
A ideia do governo foi que Silvio Santos ficasse apenas com o super endividado canal 4, que
pertenceu à TV Tupi de São Paulo, formando rede com seu Canal 11 em operação no Rio de
Janeiro. A rede com cinco estações ficaria atribuída somente à Bloch Editores; e a Rede Capital
ficaria com as emissoras do Rio de Janeiro (canal 9), Porto Alegre (canal 5) e Belém (canal 2), que
formariam rede com a preexistente TV Regional - Canal 8 de Brasília. Contudo, essa composição
não contemplaria a TV Record, que deveria receber do Grupo Silvio Santos, conforme proposta
inicial, canais no Rio e em Belém.
A princípio, estava tudo acertado entre o governo e os três vencedores e o resultado seria divulgado
no dia 27 de fevereiro de 1981. Entretanto, às vésperas do anúncio, Silvio Santos mudou de ideia
e recusou a composição dos canais e se recusou a dividir a rede com o Grupo Capital, este que
também expressou o desejo de receber um canal em São Paulo. Uma reunião urgente foi marcada
para o mesmo dia em Brasília, na residência do ministro das Comunicações, Haroldo Correia de
Mattos. Pela Bloch, esteve no encontro Oscar Bloch Sigelmann; pelo Grupo Capital, Edvaldo
Alves da Silva; e pelo SBT, o próprio Silvio Santos. Depois de horas de negociações, Silvio
Santos manteve sua negativa e o anúncio foi adiado, para irritação do presidente João Batista
Figueiredo, que voltava do Rio de Janeiro e recebeu a notícia ainda na Base Aérea de Brasília.
A irritação do presidente decorreu, em grande parte, pela perda de uma boa oportunidade
para serenar os ânimos, já que o Carnaval se aproximava e absorveria quaisquer repercussões
desfavoráveis da escolha dos vencedores. Para o governo, a recusa de Silvio Santos foi uma
surpresa, já que acreditava que não teria dificuldades para decidir a concorrência e previa que até
dezembro daquele ano as novas emissoras já estariam em operação. Na verdade, como visto, o
próprio governo é quem provocou o problema, quando passou a considerar tecnicamente que o
número de grupos vencedores seria três ao invés de dois.
As negociações continuaram e novas propostas de composição dos canais foram montadas. O
Ministério das Comunicações chegou a consultar a possibilidade técnica para abrir mais um
canal gerador de televisão no plano básico de radiodifusão VHF da cidade de São Paulo, mas
a resposta foi “tecnicamente inviável” e, a partir daí, piorou o impasse. O jornal “Folha de São
Paulo” informou que “uma das pessoas envolvidas na questão sugeriu que o canal da TV Gazeta
de São Paulo fosse cassado e incluído nas negociações das duas redes”1. Mas, a proposta foi
descartada.
Há muita divergência nas informações dadas pelos veículos de imprensa da época sobre as outras
composições propostas aos três concessionários. A principal versão dizia que, devido ao alto
custo de investimento em cinco emissoras, a Bloch Editores poderia ficar apenas com as do
Rio (6), São Paulo (13) e Belo Horizonte (4), posição que favorecia a Rede Capital a receber os
canais de Recife (6), Fortaleza (2) e ter “sinal verde” para comprar, de Silvio Santos, a metade da
TV Record de São Paulo. Já o próprio Silvio Santos ficaria com as emissoras de São Paulo (4) e
Porto Alegre (5), podendo repassar para Paulo Machado de Carvalho os canais do Rio de Janeiro
(9) e de Belém (2), permanecendo com a TVS - Canal 11 do Rio de Janeiro (já no ar).
Numa reunião convocada pelo ministro Golbery, realizada no dia 18 de março, foi dado um
prazo de 48 horas para que os representantes dos três grupos entrassem em acordo. Entretanto,
como a composição com a Rede Capital tornou-se mesmo inviável, o governo preferiu alijá-la,
mas abriu caminho para que ela comprasse os 49% das ações que Silvio Santos teria que vender
na empresa Rádio e TV Record.
Entre outros fatores, explicou o ministro Haroldo de Mattos, o que ajudou a decidir pela
escolha dos vencedores foram “as condições especiais exigidas nos editais, aceitas por eles,
e a experiência dos proponentes para a exploração do sistema de radiodifusão”. O ministro
reforçou que a comissão levou em consideração as empresas que tinham condições de reativar
os canais no menor prazo possível e que estavam dispostas a aproveitar o maior número de
ex-empregados da Tupi. Esclareceu o ministro que a dívida dos canais junto ao IAPAS “é uma
dívida do Condomínio Associado” e não dos novos concessionários.
Embora não quisessem dar entrevistas, os responsáveis pelo Grupo Bloch distribuíram nota
assinada por Adolpho Bloch e seus sobrinhos Oscar Bloch Sigelmann e Pedro Jack Kapeller,
dizendo-se “honrados e gratos ao governo, nas pessoas do presidente João Figueiredo e
do ministro Haroldo de Mattos, pela concessão para operar uma nova rede de televisão. [...]
Empregaremos todos os nossos esforços e recursos para correspondermos à confiança com que
fomos distinguidos. E produziremos uma televisão que será motivo de orgulho e alegria para
todos os brasileiros”. O diretor da Editora Abril, Roberto Civita, lamentou não estar entre os
escolhidos, mas desejou muito sucesso aos novos concessionários e afirmou continuar interessado
na exploração de meios de comunicação eletrônicos.
602 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Quanto à Rede Capital, restou apenas a esperança de, futuramente, participar de novas
concorrências para montar sua Rede Capital de Televisão. “As emissoras aí estão, os negócios
continuam a existir. Sempre haverá a possibilidade de participar de um negócio e constituir uma
rede de televisão”, disse, resignado, o professor Arnold Fioravante, da diretoria da Rede Capital.
Em São Paulo, após a divulgação das duas empresas vencedoras, o Sindicato dos Radialistas
de São Paulo, através de uma assembleia, resolveu rejeitar a solução encontrada pelo governo,
concedendo a rede com sede em São Paulo a Silvio Santos. A situação começou a se deteriorar e o
governo se irritou com a atitude dos funcionários grevistas. O sindicato declarou luto simbólico,
pendurou uma imensa faixa preta em sua sede e programou novos protestos e passeatas. A greve
não acabara. Afirmavam que Silvio Santos não cumpriria a promessa de absorver o quadro
de 823 funcionários do extinto canal 4 e passaram a exigir formalmente a contratação destes
funcionários o mais breve possível, com as negociações realizadas no recinto do sindicato,
juntamente com um representante do SBT. Humberto Mesquita, representante dos funcionários
da Tupi, declarou que as duas propostas vencedoras não eram, a seu ver, as que reuniam melhores
condições técnicas e econômico-financeiras para exploração das novas redes de televisão. Para
ele, os grupos que reuniram as melhores qualidades e condições eram Abril, Visão e Jornal do
Brasil.
1 O político carioca Amaral Netto estreou um programa na TV Tupi em 1968, mas logo mudou
para a TV Globo. Mostrava lugares, costumes, cultura e tradições do Brasil.
604 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
um projeto antigo de Silvio Santos, a ser executado na Via Anhanguera, cidade de Osasco (SP).
Silvio Santos oficializou suas intenções em uma carta e os condôminos aceitaram a proposta.
Um relatório foi elaborado, levantando quais os equipamentos das sete emissoras cassadas da
Rede Tupi estavam funcionando e disponíveis para venda. Obtivemos acesso a uma cópia deste
documento, que traz a seguinte introdução:
A proposta do SBT para compra dos equipamentos e prédios do Sumaré foi protocolada em
vários ministérios no dia 15 de maio. Entretanto, apenas no mês seguinte é que o assessor
jurídico do Ministério concordou em estudá-la. “Quando o IAPAS decidiu penhorar um lote de
equipamentos da TV Tupi, entendeu-se, na época, que essa penhora visava garantir o débito da
empresa para com o governo, ao mesmo tempo em que dava às novas concessionárias condições
de ter à sua disposição equipamento suficiente para colocar [as emissoras] no ar o mais rápido
possível. Até agora [maio], entretanto, nem uma coisa nem outra foi feita”, declarou Luciano
Fuzer, presidente do Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro.
O fato é que, meses após a concorrência, o IAPAS — que tinha o arresto dos edifícios e parte dos
equipamentos — alegou dificuldades legais para vendê-los naquele momento, mas acenou com
a possibilidade de arrendamento enquanto não houvesse uma definição. Este posicionamento
também era interessante para Silvio Santos, que logo iniciou tratativas para arrendar totalmente
a antiga Central de Produção da Rede Tupi em São Paulo. Com isso, um grupo de diretores,
gerentes, assessores, engenheiros, técnicos e funcionários de diversos setores do Grupo Silvio
Santos organizaram rapidamente, em maio, uma força-tarefa para montar os projetos técnicos
das cinco emissoras do SBT e enviá-los ao Ministério das Comunicações para aprovação. Sob o
comando do cunhado e “braço-direito” de Silvio, Mário Albino Vieira, esse grupo se reunia até
duas vezes por semana e os trabalhos se prolongavam pela noite.
a torre de TV, o equipamento, o prédio da Rua Sete de Abril e o terreno na Rua Álvaro de
Carvalho, sem contar os bens particulares dos condôminos, mais que suficientes para pagar todo
o passivo, desde que o governo esteja disposto a cobrar a dívida existente”1. E frisaram: “Não
temos nenhum interesse em invocar a dívida trabalhista para os novos concessionários; não
fomos nós que acobertamos durante anos as mazelas do grupo ‘Associado’ e não fomos nós que
criamos a legislação trabalhista”, dizia uma nota de protesto emitida pelo sindicato.
Em meio a esse clima, os novos concessionários finalmente receberam as cópias dos contratos
de concessão para consulta, algo que deu início a um novo episódio marcante na história da
mudança de concessionário dos canais da Rede Tupi. Inseguros, por meio de seus advogados,
o SBT e a Bloch declararam que não assinariam os contratos, já que eles não traziam garantias
contra eventuais acionamentos na Justiça, na tentativa de caracterizá-los como sucessores das
dívidas astronômicas dos Diários Associados com os ex-funcionários da Tupi e com o governo.
Os empresários temiam que se porventura fossem acionados por ex-funcionários ou credores,
o ônus financeiro seria muito superior aos custos com os investimentos e, caso não obtivessem
garantias, estavam dispostos a desistir das concessões.
Quando o governo publicou os editais de licitação das duas novas redes de televisão, não
estabeleceu qualquer cláusula sobre o pagamento do passivo do Condomínio dos Diários
Associados. Por outro lado, apesar de membros do governo darem entrevistas apontando os
Diários Associados como único responsável pelas dívidas, não foi oficialmente esclarecido sobre
quem recairia o pagamento dos salários atrasados, do Fundo de Garantia e das demais dívidas
com os ministérios da Fazenda e da Previdência Social. Era certo, apenas, que caberia aos
vencedores assumir o ressarcimento dos empréstimos feitos pela Caixa Econômica Federal aos
desempregados, adquirir os lotes de equipamentos e prédios penhorados pelo IAPAS e contratar
o maior número possível de ex-funcionários da Tupi (os grupos vencedores queriam empregar
cerca de 90% deles em todo o Brasil, ficando de fora apenas os que exerciam cargos de confiança
e de direção na Tupi).
Todavia, mesmo com todos os esclarecimentos e acordos realizados, um movimento pró-sucessão
começou a ganhar força entre os ex-empregados da Tupi, algo que reforçou a necessidade da
exigência de garantias reais por parte dos novos concessionários.
Em vista do novo impasse, o ministro das Comunicações teve que prorrogar o prazo das
assinaturas em 30 dias, para a realização de novas discussões. Contudo, o auxílio-desemprego
dos ex-funcionários junto à Caixa Econômica Federal teria de ser suspenso.
Findo o prazo, o entrave ainda persistia e mais 60 dias foram concedidos, expirando em 25 de
agosto, mas sob ameaça que se o novo prazo não fosse cumprido, o governo desclassificaria a
Bloch e o SBT, convocando os grupos Abril, Visão e Jornal do Brasil para nova disputa final. E
ameaçou até anular a concorrência se fosse preciso.
“O governo, quando decidiu realizar a licitação, apenas pretendeu manter o mercado de emprego
e resguardar o interesse dos empregados. Tanto assim é que eles tiveram todo o auxílio que fosse
possível lhes dar. Agora, está se realizando uma total inversão, em que o governo passa a ser
a vítima e não aquele que procurou a solução em melhor conformidade com os interesses dos
empregados. Com isso, nos sentimos um pouco assustados”2, declarou o ministro Haroldo de
Mattos, das Comunicações.
Com os ex-funcionários pressionando para que o SBT e Bloch fossem declarados sucessores
1 “Funcionários Negam que Provocam o Impasse”, O Estado de São Paulo, 23/06/1981, p. 18.
2 “Ministro Diz Que Não Há ‘Sucessão’ Para as Dívidas dos Associados”, Jornal do Brasil,
20/06/1981, 1º Caderno, p. 6.
608 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
da massa falida da Tupi, os advogados de Silvio Santos o aconselharam a não alugar toda a
infraestrutura do Sumaré, apenas a nova torre de TV, que era a parte mais importante. Para
os advogados, a utilização de todo o complexo seria viável apenas se ele fosse devidamente
arrematado em leilão. A saída foi cancelar o projeto técnico do Centro de Televisão do SBT
no Sumaré — que já estava praticamente todo desenhado —, encomendar rapidamente novos
equipamentos nos Estados Unidos e encontrar um novo local para instalar a Central de Produção.
O caminho que o “homem do Baú” percorreu foi o da Vila Guilherme, nos veteranos estúdios de
televisão da Rua Dona Santa Veloso, nº 575, onde já haviam passado a TV Excelsior (1967-70), a
própria produtora Estúdios Silvio Santos (1972-78) e o núcleo de novelas da TV Tupi (1978-80).
Com custos mais altos do que o esperado, Silvio Santos admitiu a amigos que a situação seria
diferente da apresentada durante a concorrência dos canais e algumas mudanças teriam que ser
feitas em relação ao que ficou acertado em Brasília. Ele acabou não cumprindo, por exemplo, no
primeiro momento, a promessa verbal de vender sua parte da TV Record de São Paulo a quem
fosse indicado pelo governo. Segundo o jornal “O Estado de São Paulo”, Silvio Santos “estaria
exigindo 10 milhões de dólares — cerca de Cr$ 750 milhões — pela venda de sua participação
de 49% na Rede Record, preço que está sendo considerado excessivo pelo Grupo Capital, que
deveria — segundo acordo anterior — adquirir essas ações.”
Vender sua parte na Record não era prioridade do animador, que confessou ao sócio Paulo
Machado de Carvalho Filho que, caso não conseguisse um preço justo, preferiria continuar com
sua participação na emissora. A essa altura, o Grupo Capital se desinteressou do negócio e, sete
anos depois, foi a vez do Grupo Abril tentar comprar a TV Record, com a proposta de pagar
US$ 14 milhões. Contudo, em 17 de maio de 1988, a Abril divulgou uma nota assinada pelo seu
diretor-superintendente, Roberto Civita, oficializando sua desistência:
No Rio de Janeiro, como o Grupo Silvio Santos já contava com a TVS - Canal 11 em operação,
o canal 9, concedido ao SBT na licitação recém-realizada, passou às mãos de seu sócio Paulo
Machado de Carvalho, conforme prometido, e assim nasceu a TV Record do Rio de Janeiro. A
emissora de Belém, também prometida para a Record, acabou ficando com Silvio Santos, este
que só vendeu sua participação nas ações da Rádio e TV Record em 1989, juntamente com
a família Machado de Carvalho, quando todas as emissoras do grupo foram compradas pelo
religioso Edir Macedo.
Silvio Santos obteve êxito em celebrar um contrato de arrendamento junto à Justiça Federal, para
utilização da nova torre de transmissão da TV Tupi no Sumaré, bastando, portanto, a instalação de
um transmissor e de uma antena para colocar o sinal do novo Canal 4 no ar. “O risonho animador
paga um aluguel irrisório: Cr$ 387 mil por mês”, informou “O Estado de São Paulo”1. O mesmo
jornal também divulgou que equipamentos da Tupi de São Paulo como câmeras, máquinas de
videoteipe, switchers e iluminação de estúdio também foram alugados pela Justiça para outras
emissoras de TV e produtoras de vídeo. Como já dito, esse dispositivo de locação ou venda de
bens da massa falida visava obtenção de recursos para indenização dos funcionários e quitação
de dívidas com o próprio governo.
Em relação a um possível arrendamento das importantes retransmissoras da Rede Tupi pelo
interior paulista, descobriu-se que elas estavam em situação crítica de conservação. Ademais,
surgiu o receio de que o arrendamento ajudasse a figurar uma sucessão e a ideia foi cancelada.
Às pressas, foi elaborado um novo projeto técnico para a TVS funcionar no complexo da Vila
Guilherme, todavia, sem o “fantasma” da sucessão. O contrato de locação dos estúdios passou a
viger a partir de 15 de abril de 1981 e logo começou a montagem da emissora, ação coordenada
por Alberto Cortez, diretor-técnico que há muitos anos trabalhava com Silvio Santos. Cortez tinha
como assistentes os engenheiros Nilton Montemurro e Rubens Fernando Ortiz, ex-funcionários
da TV Tupi. Rapidamente, foram montadas as estruturas técnica, administrativa, artística e
financeira do SBT. O departamento de Recursos Humanos logo foi mobilizado para cadastrar e
examinar a qualificação profissional de 823 ex-funcionários da Tupi2, a fim de cumprir o contrato
de concessão.
Para a transmissão do novo Canal 4 de São Paulo, o SBT praticamente manteria as características
do projeto técnico que a TV Tupi havia feito para sua nova torre do Sumaré, mas que acabou
não podendo colocá-lo totalmente em prática. Evitando comprar o novíssimo transmissor de 50
kW da TV Tupi — que chegou a ser instalado no complexo do Sumaré —, o SBT encomendou
com a RCA-Victor, por US$ 1 milhão, outros dois transmissores, modelos TTG-30/30L, que
somavam 60 kW de potência. Já a aquisição da antena transmissora do Canal 4 foi um caso muito
especial: o SBT renegociou com a própria RCA a compra da moderna antena de polarização
circular, modelo TFV-7A4, fabricada especialmente para a TV Tupi de São Paulo. Ela que teve
de voltar para os armazéns da empresa, nos Estados Unidos, pois não seria mais instalada devido
a cassação da emissora. Após ficar armazenada por quase dois anos, a TFV-7A4 voltaria ao
Brasil para, finalmente, ser afixada onde deveria estar desde 1980, ainda sob os auspícios da
pioneira TV Tupi.
1 “Leilão da Torre de Transmissão Poderá Tirar TVS do Ar”, O Estado de São Paulo, 31/05/1985,
p. 10.
2 Futuramente, após o período de estabilidade garantida pelo contrato, alguns ex-funcionários
da TV Tupi deixaram o SBT, mas muitos outros seguiram carreira na emissora, chegando a
ocupar importantes cargos.
610 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O prazo para entrega dos transmissores e da antena da RCA se encerraria apenas em fevereiro
de 1982 e, para a TVS entrar no ar o mais breve possível, Silvio Santos fez um acordo com seus
sócios na família Machado de Carvalho. Com isso, um projeto técnico provisório foi executado
na torre da TV Record, na Avenida Paulista, onde foi instalada uma antena provisória, de
fabricação nacional, juntamente com o transmissor reserva da TVS - Canal 11 do Rio de Janeiro,
especialmente adaptado para operar no canal 4. Os projetos técnicos da Vila Guilherme, da torre
do Sumaré e da improvisação na torre da TV Record tramitaram rapidamente no Ministério das
Comunicações e foram aprovados ainda antes de ser resolvido o impasse para assinatura dos
contratos.
ir por água abaixo”, revela Mesquita. Em seguida, a secretária atendeu a um pedido arriscado
que Mesquita lhe fez: ele chegaria antes da reunião e se esconderia na sala ao lado, para tentar
ouvir o que conversariam. A secretária alertou que seria difícil ouvir tudo, apenas alguma coisa,
mas que isso não tinha importância, já que tudo o que fosse decidido ela iria datilografar depois.
E assim foi feito. Ninguém percebeu a presença do intruso, que ainda pegou no lixo o rascunho
do documento que originaria o cancelamento das licitações, algo que lhe ajudaria a comprovar
tudo e traçar um plano. “Foi um momento difícil e perigoso, que poderia agravar a situação,
caso eles descobrissem a minha presença ali. Era um risco pessoal e para o movimento, mas fui
em frente. Fiquei a um metro dos participantes, separado por uma parede de madeira”, escreveu
Mesquita. Após a reunião, o jornalista atualizou Alberto Freitas, presidente do Sindicato dos
Radialistas, e revelou um plano muito perigoso, já que não havia outra saída. Mesquita entrou
em contato com Sílvio Santos, ainda em Brasília com o diretor Mário Albino, este que atendeu ao
telefone. Mesquita blefou, dizendo que havia sido convocado pelo ministro-chefe do Gabinete
Civil, Golbery do Couto e Silva, e que ele propôs que os ânimos dos funcionários fossem
acalmados, porque o governo iria cancelar as licitações e fazer, ao invés de duas, apenas uma
nova concorrência. Mesquita continuou, dizendo que o ministro tinha garantido que a Rede
Globo iria contratar todos os ex-funcionários da Tupi e, em seguida, passou todas as decisões
tomadas na reunião ocorrida pela manhã. Por fim, disse que o ministro achava melhor esse
caminho, porque o mercado publicitário não comportava duas novas redes de televisão (posição
que Roberto Marinho defendia).
A armação de Mesquita tinha um fundamento lógico, já que Sílvio Santos tinha adversários
fortes, em uma elite que não aceitava seus procedimentos. “E, naquele momento, a Globo,
através de intermediários, nos acossava, principalmente a mim e ao Alberto Freitas, para que não
aceitássemos a ideia da criação de duas novas redes de TV”, revela Mesquita.
Sílvio Santos ficou preocupado e pegou o telefone e ouviu uma proposta de Mesquita: “Olha,
Sílvio, nós, funcionários, queremos ampliar o mercado de trabalho e a solução que eles querem
não nos agrada pessoalmente e também não agrada o Sindicato dos Radialistas. Precisamos
nos unir. Parar com as divergências e negociar. Estou disposto a fazer essa conciliação”. Sílvio
perguntou as exigências de Mesquita — que foram aceitas — e o convidou para ir ao Palácio
do Planalto no dia seguinte. Apesar de ser um sábado, eles conseguiram encontrar Amaure
Fraga, assessor direto do ministro Golbery. “Minha preocupação era de que eles fossem conferir
minhas informações, mas o conteúdo da reunião comprovava o fato”, ressalta Mesquita. Amaure
Fraga, que havia estranhado ver Sílvio Santos e Humberto Mesquita lado a lado, fez uma ligação
para o ministro Golbery e o informou que “eles se reuniram e decidiram pela conciliação, e
pelo que conversamos aqui, está tudo bem direcionado. Os dois estão convencidos desse novo
posicionamento. Querem pacificar”, disse o assessor. Na verdade, como o governo também
queria paz, o ministro aceitou a nova proposta e não cancelaria mais as licitações.
Em São Paulo, o Sindicato dos Radialistas convocou uma assembleia para aquele mesmo dia,
a fim de referendar o novo acordo, que dava todas as garantias de emprego por um ano aos
ex-funcionários e deixava Sílvio Santos como responsável pelo pagamento dos salários que a
TV Tupi não honrara (detalhes a seguir). Diretores e advogados de Sílvio se espalharam pelo
sindicato e, segundo Humberto Mesquita, foi difícil convencer os ex-funcionários, que já tinham
decidido rejeitar a concessão a Sílvio Santos. “Fui mostrando a necessidade da manutenção do
emprego, que vivíamos um momento complicado da ditadura e que o governo já estava nos
olhando com ar de inquietação. Aos poucos foi ocorrendo uma mudança de posição”, conta
Mesquita. As propostas de Sílvio Santos foram aceitas, a greve acabou e o empresário logo se
tornaria proprietário de quatro concessões de TV oriundas da Rede Tupi.
612 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Algumas soluções foram encontradas pelo SBT para superar o “fantasma” da sucessão das
dívidas trabalhistas do Condomínio Acionário dos Diários Associados. A primeira foi um acordo
com os sindicatos dos ex-trabalhadores da Tupi nas cidades em que o SBT passaria a operar.
Foram aceitas, em assembleia, as seguintes garantias: salários 20% acima do piso das categorias,
estabilidade de um ano e pagamento do auxílio-desemprego referente a junho, que o governo
havia suspendido.
Especificamente com os funcionários do Canal 4 de São Paulo, um outro acordo foi celebrado
ainda antes da assinatura dos contratos. Diante dos protestos de seus 869 ex-funcionários, Silvio
Santos se comprometeu a indenizá-los espontaneamente, com o pagamento de 8% do que era
devido. Caso a Justiça fosse desfavorável à ação que eles impetrariam contra o grupo dos Diários
Associados, Silvio Santos pagaria mais 42% da dívida, desde que a soma não ultrapassasse Cr$
350 milhões. Caso recebessem do SBT esses 50% da dívida, os funcionários teriam que abrir mão
dos 50% restantes. Em troca de todos os acordos propostos, os signatários deveriam reconhecer
a inexistência da sucessão para o SBT, algo que também seria proposto pelos funcionários da
Rede Manchete.
Figurando como uma medida cautelar, o acordo foi assinado com o Sindicato dos Radialistas
de São Paulo no dia 7 de julho como um “Instrumento Particular de Promessa de Cessão de
Crédito”. Em seguida, foi homologado e transformado em contrato coletivo de trabalho pela
Delegacia Regional do Trabalho. Eis um trecho dos termos:
A Luta na Justiça
Logo após o acordo com o SBT, os ex-empregados da Tupi-Difusora reivindicaram
o recebimento de seus direitos trabalhistas contra os Diários Associados,
cujo volume do processo chegou a 3900 folhas. Mas, perderam a causa em
setembro de 1995 — 14 anos depois —, quando o Superior Tribunal Federal
(STF) encerrou o processo ao entender que não havia empresa sucessora
nas dívidas da Tupi de São Paulo e que a dívida trabalhista deveria ser paga
somente pelas empresas Rádio Difusora São Paulo S/A e Rádio Tupan S/A.
Contudo, na condição de falidas, elas não tinham como pagá-la e a opção dos
funcionários foi cobrar os 42% restantes do acordo com Silvio Santos, por meio
de uma ação coletiva. Em abril de 1996, o SBT depositou R$ 1,9 milhão na
conta do Sindicato dos Radialistas, este que apontou um erro, pois essa quantia
representava apenas 28% do valor devido. O SBT justificou que, de acordo com
o contrato assinado, atualizou os valores baseando-se no índice ORTN e não
na tabela de cálculos da Justiça. Os funcionários puderam sacar suas frações
após cinco meses, mas o processo continuou, na tentativa de recebimento da
diferença dos valores. A essa altura, todos os recursos obtidos no s leilões da
massa falida para repasse aos ex-funcionários continuavam parados no Poder
Judiciário, enquanto mais de 80 deles já haviam morrido sem nada receber e
muitos outros passavam por intensa dificuldade financeira. Uma comissão de
ex-funcionários chegou a ir à Brasília em 1999, a fim de pedir apoio ao ministro
das Comunicações, Pimenta da Veiga, para que o SBT pagasse o restante da
dívida (R$ 6,3 milhões). Eles queriam que o pagamento fosse colocado como
condição para a renovação da concessão do SBT em São Paulo. O SBT, apesar de
ter entrado com recursos e mais recursos, acabou tendo mesmo que saldar a
dívida com os valores monetários atualizados, algo que aconteceu somente no
longínquo ano de 2001.
Silvio Santos e Adolpho Bloch também conseguiram chegar a um acordo com o governo para
garantir que estavam se eximindo da responsabilidade do passivo trabalhista. No dia 10 de
junho, propuseram que o próprio governo encampasse as empresas do Condomínio Associado,
assumindo assim as suas dívidas; ou que se incluísse nos contratos uma cláusula com base
jurídica onde ficaria expresso que os novos concessionários não eram considerados sucessores
das emissoras dos Diários Associados. O ministro Haroldo de Mattos declarou: “A dívida é
dos ‘Associados’ e não existe a figura da sucessão. Nós entendemos assim e é ponto pacífico”.
Para ele, uma decisão contrária seria beneficiar o infrator, “aquele que não cumpriu com suas
obrigações”. O governo, por fim, acatou a segunda proposta e, de acordo com pareceres do
Consultor-Geral e do Procurador-Geral da República, fixou nos contratos:
O transmissor provisório do Canal 4 na Avenida Paulista entrou no ar com padrão de testes no dia
4 de agosto de 1981. No dia 19, enfim, foi exibido o programa inaugural da emissora, colocado
no ar por antigos funcionários da TV Tupi de São Paulo1, agora contratados pelo SBT. Entre
eles, os repórteres Humberto Mesquita e Madalena Bonfiglioli, que abriram a transmissão da
cerimônia de assinatura dos contratos de concessão das redes. “O Ministério das Comunicações
pediu que ex-funcionários da TV Tupi fossem os primeiros a entrar no ar pelo novo Canal 4,
a fim de mostrar a força e a importância que tiveram para o surgimento da emissora”, revela
Humberto Mesquita. Naquele instante, foi anunciado o prefixo ZYB-855 - TVS - Canal 4 de São
Paulo, seguido de uma breve introdução sobre a entrada da emissora no ar e sobre a cerimônia
que iniciaria a seguir.
Os contratos foram assinados 13 meses após a cassação da Rede Tupi de Televisão. Na cerimônia
estiveram presentes os ministros Haroldo de Mattos, das Comunicações; Murilo Macedo, do
Trabalho; Ernane Galvêas, da Fazenda; e Jair Soares, da Previdência Social. Mattos afirmou ao
microfone que cabia à televisão um papel de grande importância naquele momento em que o
mundo e o Brasil atravessavam uma fase turbulenta.
— Atualmente — disse Mattos —, multiplicam-se as responsabilidades dos que, tão marcadamente,
podem influir na formação da opinião pública e no empenho do povo para encarar e sobrepujar,
com otimismo e decisão, os desafios que o destino lhe arme. Nada representa maior risco para
o homem e, com mais razão, para uma nação, do que a desesperança, o pessimismo, a perda de
horizonte. O derrotismo é paralisante e antecipa, e até precipita, a derrota evitável.
O ministro disse também que a pretensão da televisão não era a criação de um falso clima de
fantasia ou a divulgação de meias verdades. “Espera-se dela a contribuição serena”.
1 De acordo com um anúncio do Grupo Silvio Santos, até o mês de outubro de 1980, já haviam
sido contratados 163 ex-funcionários da TV Tupi de São Paulo para trabalhar nas redes TVS-
Record e SBT. Entre eles, técnicos, produtores, administrativos e apresentadores como Raul Gil
e Aírton e Lolita Rodrigues.
616 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O SBT foi formado inicialmente pelos canais 4 de São Paulo (geradora), 11 do Rio de Janeiro,
5 de Porto Alegre (que entrou no ar logo depois, em 26 de agosto), 2 de Belém (a partir de 2
de setembro), além de 12 emissoras afiliadas localizadas de norte a sul do país. Um problema
enfrentado durante a instalação da TVS em São Paulo foi o estabelecimento da rede para o interior
do estado, onde o “Programa Silvio Santos” tinha grande audiência. Como os retransmissores da
Tupi não puderam ser usados, o recurso encontrado foi exibir o programa simultaneamente pela
TVS e pela TV Record, esta que contava com uma excelente rede, com 450 torres pelo estado.
O “Programa Silvio Santos” já tinha passado a ser exibido pela Record desde fevereiro de 1980,
quando deixou a grade da Rede Tupi devido às constantes paralisações de seus funcionários.
Após sete meses de operação provisória na torre da TV Record, o SBT inaugurou a nova estação
transmissora do Canal 4, no Sumaré, na tarde do dia 1º de abril de 1982, durante um ato especial
dentro do programa “O Povo na TV”. A construção da torre do Sumaré, realizada entre 1978-
80, foi o símbolo da resistência da TV Tupi perante a crise. Após o governo por fim no império
“Associado”, felizmente a grande torre foi aproveitada pelo SBT e segue em operação até os dias
de hoje, mantendo-se como um dos maiores ícones da memória da TV Tupi. Esta torre tem uma
“irmã gêmea”, em Salvador (BA), que segue também em operação, transmitindo a Record TV.
618 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Manchete
Se em São Paulo o SBT teve condições estruturais para entrar no ar já em agosto de 1981, o caso
da Rede Manchete, com sede no Rio de Janeiro, foi bem diferente e a previsão era de que ela
entrasse no ar no mínimo em 12 meses após a assinatura dos contratos. A maior parte dos prédios
necessários para instalação dos estúdios, centrais de exibição, produção etc., teria que ainda ser
construída, ao passo que a parte preexistente teria que ser toda reformada. O Teatro Adolpho
Bloch, por exemplo, situado ao lado da sede do grupo, no bairro da Glória, foi adaptado para
abrigar 10 estúdios e, ao seu lado, foi construído um grande e exclusivo prédio, projetado por
Oscar Niemeyer. Alguns departamentos funcionariam inicialmente na antiga sede da Bloch, na
Rua Frei Caneca, mas, depois uma imensa Central de Produção seria montada em Irajá, bairro da
Zona Norte do Rio. Havia muito trabalho a fazer e, também, a preocupação de respeitar o prazo
de dois anos que o governo estipulou.
Representantes da Manchete foram ao Japão, Alemanha e Estados Unidos para negociar a compra
de modernos equipamentos. O jornalista e radialista Rubens Furtado, o primeiro ex-funcionário
da TV Tupi a ser contratado pela Manchete — não por força de contrato, mas por espontaneidade
— ocupou o cargo de diretor-geral e declarou à “Folha de São Paulo”: “Foi uma loucura. Em
um ano e meio tivemos que montar as emissoras em São Paulo, Rio, Recife, Belo Horizonte e
Fortaleza. Compramos terrenos, construímos, instalamos antenas, torres, mas tudo saiu como
queríamos. Aqui foi um desafio montar uma emissora que é, realmente, do ano dois mil. Mas, eu
adorava a TV Tupi. Havia, lá, a solidariedade da miséria. Todos os dias fazíamos o impossível
para levar a programação ao ar. De qualquer maneira, quando vim para a TV Manchete [...] fiz
questão de trazer os técnicos da Tupi. Sessenta por cento do pessoal da Manchete veio de lá.
Nada mais justo”, completou.
Adolpho Bloch desembolsou a altíssima cifra inicial de US$ 52 milhões, entre equipamentos
e instalações para a rede, e mais US$ 14 milhões para compra de filmes, séries e desenhos
animados. Foram contratados cerca de 500 funcionários.
Além da necessidade de promover grandes obras para montagem de sua sede, a Rede Manchete
também enfrentou problemas com atrasos na entrega dos equipamentos importados, mas
conseguiu entrar no ar pouco antes do término do prazo de dois anos. Seu primeiro sinal de testes
foi gerado a partir do Rio de Janeiro no dia 13 de maio de 1983 e a inauguração aconteceu em 5
de junho, com três emissoras próprias no ar — Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte1 — e
uma afiliada, a TV Pampa de Porto Alegre. As emissoras próprias de Fortaleza e Recife entraram
no ar poucos meses depois. A TV Brasília, que pertencia à Rede Tupi, deixou de retransmitir o
SBT em 1985 e se filiou à Rede Manchete.
1 Os canais utilizados pela Rede Tupi no Rio, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza voltavam ao
ar após três anos de inatividade. Em São Paulo, o canal 9, outrora utilizado pela extinta TV
Excelsior, voltava a ser captado após 13 anos.
620 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Perfis de Programação
O estilo da programação inicial do SBT foi muito similar ao que a Rede Tupi vinha adotando
em seus últimos anos. Os programas, em geral, eram voltados para o gosto popular, classes “C”
e “D”, com um polêmico programa de auditório, uma linha de shows, novelas, humorísticos,
jornais, filmes, infantis, séries e desenhos animados — a maioria já exibida pela Tupi —, além
do próprio programa dominical de Silvio Santos, que esteve no ar pela Tupi por muitos anos.
Já a Rede Manchete se dirigiu ao exigente público das classes “A” e “B”, com uma linha de
programação que trazia infantis e muito jornalismo, mas também teatro, apresentações musicais
e documentários. O diretor-geral Rubens Furtado quis levar para a TV “um pouco daquilo que
tinha visto há décadas, nos já distantes anos 1950: uma programação voltada para as classes
mais favorecidas e que vinham sendo abandonadas com a popularização do meio”1. A proposta
era trazer algo de bom do passado para o presente e futuro, como preconizava o slogan: “Rede
Manchete - A Televisão do Ano 2000”.
1 “Rede Manchete - Aconteceu, Virou História”, Elmo Francfort, Imprensa Oficial, 2008:319.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 621
CAPÍTULO 46
O LEILÃO DOS BENS DAS “ASSOCIADAS” DE SÃO PAULO
C
om a perempção das concessões de sete das emissoras da Rede Tupi de Televisão, decretada
em 18 de julho de 1980, os bens das empresas dos Diários e Emissoras Associados de
São Paulo passaram a ser administrados pela Justiça Federal, para que pudessem ser
arrendados ou vendidos e assim viabilizar o pagamento preferencial das dívidas trabalhistas
com os ex-funcionários. No bairro do Sumaré, o edifício-sede das Emissoras Associadas, que
ficava na Avenida Prof. Alfonso Bovero, n° 52, permaneceu fechado, assim como os estúdios do
Centro de Televisão, com cerca de 5 mil m2, situado no terreno ao lado, na Rua Catalão, nº 48.
Os equipamentos e materiais de trabalho da TV Tupi permaneceram da mesma forma que foram
deixados pelos diretores, técnicos e operadores que não estavam em greve em julho de 1980 e
mantinham o Canal 4 no ar, retransmitindo a programação da Tupi do Rio de Janeiro. No dia 14
daquele mês, no entanto, eles também “cruzaram os braços” e a emissora ficou fechada e fora do
ar. Como havia esperança de que logo pudessem voltar ao trabalho, nada foi retirado dos prédios,
mas, logo depois da cassação, a Justiça lacrou o Centro de Televisão com todos os equipamentos
dentro, inclusive o perecível e inflamável acervo. No ano seguinte, o mesmo aconteceu com o
edifício-sede das “Associadas”, na ocasião da lacração da Rádio Difusora, algo que abordaremos
mais adiante.
José Alfredo Machado de Assis, ex-diretor-administrativo da TV Tupi, nos revela que, cerca de
um ano depois da cassação do Canal 4, esteve de volta ao edifício-sede, juntamente com um
oficial de Justiça, para resgatar as guias de importação do novíssimo equipamento transmissor
de TV da RCA, que seria leiloado. “Como o edifício foi esvaziado às pressas, os funcionários
tiveram que largar tudo como estava e nada pôde ser levado embora”, lembra. Para ele, duas
cenas ficaram muito marcadas naquele dia em que pôde voltar ao histórico edifício. “Uma era a
do restaurante, no subsolo, que estava infestado de ratos, pois a comida da última refeição sequer
pôde ser retirada. A outra cena marcante aconteceu quando estive de volta na minha antiga sala,
no 9º andar. Lá, sempre havia flores e as últimas ainda estavam lá. Desidratadas, mas inteiras.
Contudo, como o ar do ambiente foi renovado ao abrirmos a porta, as flores se desfizeram em
instantes”, conta. Para o ex-funcionário, essa história soa como uma metáfora, como um símbolo:
622 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
flores que se desfizeram tal como aconteceu com todo aquele império da comunicação. José
Alfredo é filho do saudoso Enéas Machado de Assis, nome importante da história da radiodifusão
paulista e que trabalhou muitos anos como diretor das Emissoras Associadas de São Paulo.
Como a opção de aluguel e venda dos equipamentos e prédios da falida Rádio Difusora São
Paulo S/A não foi autorizada pelo próprio IAPAS, por ter encontrado dificuldades legais, foi
decidido que eles iriam a leilão. A Justiça Federal passou a organizar todo o processo e, enquanto
isso, os contratos com os locatários dos prédios e equipamentos continuariam em vigência. No
início de julho de 1982, surgiram comentários nos bastidores do meio televisivo sobre o interesse
da TV Globo em participar do leilão das antigas instalações da TV Tupi de São Paulo, algo que
prejudicaria muito a estratégia do SBT, locatário da torre e maior interessado em arrematar todo
o complexo. Segundo informações do jornalista Ferreira Neto, então colunista sobre televisão na
cadeia “Associada” de jornais, os estúdios das Emissoras Associadas chegaram a ser vistoriados
por técnicos da TV Globo e as implicações jurídicas estudadas por seus advogados. Em outubro
de 1985, o mesmo colunista informou que a emissora ainda tinha interesse no prédio de 11
andares, nos diversos estúdios e na torre de concreto, que seguia alugada para a TVS. Para esta
torre, a TV Globo tinha um projeto para utilizá-la para ampliação da capacidade do sistema
de transmissão de seu Canal 5. As Organizações Globo também planejaram concentrar as suas
emissoras de rádio paulistanas — Globo e Excelsior — nos edifícios do Sumaré, inclusive a
sucursal do jornal “O Globo”.
A execução fiscal movida pelo IAPAS contra a empresa Rádio Difusora São Paulo S/A foi
realizada pela dra. Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini, juíza federal da 4ª Vara da Seção
Judiciária do Estado de São Paulo. Os equipamentos em geral seriam leiloados no dia 4 de
dezembro de 1984 e, no dia seguinte, recebidas as propostas para compra dos imóveis. Contudo,
as datas foram adiadas e os leilões aconteceram somente em 30 de maio de 1985, quando cerca
de Cr$ 150 milhões foram arrecadados para o pagamento prioritário de dívidas trabalhistas com
os ex-funcionários da TV Tupi e da Rádio Difusora, calculados em Cr$ 70 bilhões. Deste valor,
Cr$ 60 bilhões representava a soma das dívidas com o IAPAS.
Nesta primeira fase dos leilões, por Cr$ 2,20 bilhões, a empresa JZE Planejamento Imobiliário
e Construções Ltda. arrematou o terreno de 6700 m2 na Vila Sofia, Zona Sul de São Paulo, de
onde a Rádio Difusora transmitia seus sinais de Ondas Médias e Curtas. Como as propostas
recebidas para compra do edifício Guilherme Guinle — ex-sede dos Diários Associados em São
Paulo, situado na Rua Sete de Abril — foram aquém do valor avaliado e recusadas pela juíza, e o
terreno de 4300 m2 — situado na Rua Álvaro de Carvalho1, no Centro — não recebeu propostas,
outro leilão foi marcado para o fim de junho de 1985. O edifício da Sete de Abril conseguiu
ser arrematado por Cr$ 14 bilhões pela Cia. Tecidos e Fiação Guaratinguetá, assim como o
terreno da Álvaro de Carvalho. Ficou postergado para o dia 13 de dezembro de 1985 o leilão
do complexo de estúdios, em conjunto com a nova torre, e ainda, os leilões do edifício-sede do
Sumaré e dos figurinos e equipamentos das emissoras de rádio e TV.
1 Este terreno pertencia aos Diários Associados desde os anos 1940. Como vimos no Capítulo
24, durante os anos 1950 ele receberia um grande complexo multifuncional, com moradias,
teatro, auditórios e novas sedes para a TV Tupi e para as rádios Tupi e Difusora. No entanto, o
empreendimento não se concretizou.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 623
A nova torre do extinto Canal 4 era o item mais cobiçado, prevendo-se uma intensa disputa
por parte das emissoras de televisão. Cerca de 80 arrematadores compareceram ao seu leilão,
mas apenas três deles participaram ativamente da disputa: o famoso leiloeiro Luiz Fernando
de Abreu Sodré Santoro, o experiente arrematador Duarte de Souza e o próprio apresentador
e empresário Silvio Santos — agora desimpedido de adquirir a estrutura da TV Tupi sem que
ficasse caracterizado como sucessor da massa falida.
Silvio Santos cumpriu sua promessa de ir pessoalmente e dar um lance um pouco maior do que
a avaliação oficial dos imóveis. Estava convencido de que caso não conseguisse arrematar a
torre ou, ao menos, firmar uma negociação com o novo proprietário para continuar alugando a
estrutura, sua estação transmissora do Canal 4 teria que ser transferida de local. Segundo Silvio
Santos, seria necessário entre oito meses e um ano para construir outra torre e transferir sua
pesada e valiosa antena. Esse novo local seria o pátio da concessionária Vimave Pacaembu, que
pertencia ao Grupo Silvio Santos e ficava localizado a apenas 1 km das antigas instalações da
Tupi, nas esquinas das ruas Galeno de Almeida e Oscar Freire.
“Tirar esta antena rapidamente, há quem garanta não ser possível sem que ela se rompa”, afirmou
Silvio Santos aos jornalistas. Segundo ele, a fabricante RCA havia descontinuado a produção
daquele modelo exato da antena, mas o contrato previa que, caso ela sofresse avarias, a empresa
seria obrigada a fabricar outra idêntica. Entretanto, isso demandaria quatro meses no mínimo.
O primeiro lance do leilão, de Cr$ 8,42 bilhões, foi de Silvio Santos, mas logo foi superado. Ele
ainda subiu sua oferta para Cr$ 8,45 bilhões, contudo, a disputa ficou mesmo entre os outros dois
participantes. “Eu havia prometido para a juíza Ana Maria Flaquer Scartezzini que ofereceria o
valor real para poder ajudar os funcionários”, declarou Silvio Santos à imprensa. Ele também
revelou que não ofereceu um valor ainda maior, pois isso não seria interessante economicamente,
já que construir uma nova torre em terreno próprio e transferir a antena custaria muito menos:
Cr$ 4 bilhões.
Entre os presentes no leilão, estava Miguel Cipolla, chefe do Departamento de Engenharia da
TV Bandeirantes, emissora que há algum tempo pensava em mudar seu parque de transmissão
do Pico do Jaraguá e que não escondeu o interesse em fazer negócio com a torre, caso ela
fosse arrematada por Duarte de Souza. Como a torre também interessava à TV Globo, rumores
apontavam que ela havia mandado um representante. Contudo, ninguém se manifestou.
A torre e os prédios da Central de Produção da TV Tupi foram arrematados por Cr$ 9,58 bilhões,
a serem pagos por Luís Fernando de Abreu Sodré Santoro, primo do ex-governador de São
Paulo, Roberto de Abreu Sodré, e proprietário do maior escritório de leilões do Brasil.
624 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Stoliar. A reportagem destacou que “certamente o aluguel combinado (Stoliar não quis revelá-lo)
não seria tão baixo quanto os Cz$ 2.230,00 pagos atualmente na Justiça Federal”.
Naquele mesmo dia, os lances dados pelo edifício de 11 andares não atingiram o valor mínimo de
Cr$ 3,44 bilhões. O maior lance chegou a apenas Cr$ 1,83 bilhão e foi necessário agendar outro
leilão. Também não foi arrematada uma casa na Rua Amália de Noronha, bairro de Pinheiros. Por
outro lado, ganharam novos proprietários os mais diversos equipamentos para rádio e televisão,
material fotográfico, entre outros, como veremos a seguir.
Leiloando Equipamentos
O edital com a relação dos bens da empresa Rádio Difusora São Paulo S/A que iriam a leilão
ocupou várias páginas do Diário Oficial. Entre estes bens, destacam-se um lote com 5342 fitas de
videoteipe Quadruplex gravadas, 137.568 rolos de 16 mm e 43 longas-metragens. Este material
foi leiloado por Cr$ 80 milhões, mas o ato foi cancelado, pois o IAPAS o adjudicou com o
compromisso de transferir o acervo para a Fundação Pró-Memória (ver Capítulo 48).
Os valiosos transmissores também estavam nesta listagem. Da TV Tupi, seria leiloado o RCA TT50-
FL, com 50 kW de potência, “em estado de novo, sem uso, avaliado em Cr$ 1.053.810.608,00”,
informou o edital. Trata-se daquele equipamento enviado pela RCA ao Sumaré em 1980, antes da
antena, que relatamos no Capítulo 40. Ele chegou a ser montado e testado, mas sem transmissão
pelo ar. Com o fechamento da TV Tupi, este transmissor ainda permaneceu no prédio por alguns
anos, até ser retirado pela Justiça Federal. Entretanto, ele não chegou a ser leiloado, pois, de
acordo com o jornal “O Estado de São Paulo”1, houve um acordo onde o IAPAS abriu mão da
penhora sobre este transmissor, na tentativa de a fabricante RCA reavê-lo, já que o equipamento
estava alienado fiduciariamente a seu favor — a tal reserva de domínio que já comentamos. A
RCA acabou vendendo este transmissor para o Grupo Bandeirantes utilizá-lo em seu novo Canal
4 de Brasília.
O transmissor da Rádio Difusora FM - 98,5 MHz, modelo ET-17, fabricado pela RCA, e o
transmissor RCA TT6-AL, em operação até o Canal 4 ser fechado pelo governo, foram leiloados
1 “Ministério Confirma Irregularidades em Negociação do IAPAS”, 25/12/1990, Geral, p. 14.
626 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
juntamente com suas linhas de transmissão e antenas. Os demais itens da listagem do leilão eram
mesas de controle, microfones, transmissores de micro-ondas, gravadores, receptores de TV,
monitores, telecines, projetores de slides, mobiliários de escritório e os veículos, que estavam
em “péssimo estado”, entre eles, as duas carretas que serviram como geradoras de imagens,
adquiridas em 1972 para a chegada das cores na televisão.
A “Folha de São Paulo” revelou que a Rede Mulher de Televisão1, por meio de seu diretor
Antônio Montoro, arrematou equipamentos de links, válvulas e cabos no valor de Cr$ 60
milhões. Segundo Montoro, esse material seria utilizado na TV Morada do Sol, em Araraquara
(SP), geradora da Rede Mulher.
1 A Rede Mulher foi vendida em 1999 para o grupo de comunicação da TV Record e hoje opera
como Record News.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 627
No dia 14 de fevereiro de 1987, e só neste dia, parte restante do figurino da TV Tupi de São
Paulo foi posta à venda a qualquer interessado. Foi arrematada por Cr$ 5 milhões no leilão
de 13 de dezembro de 1985, pelo empresário Sérgio Pereira, proprietário da Lojão, empresa
especializada em arrematar produtos. Ele ficou com os 9 mil vestidos, 4,5 mil ternos, as mais
de 2 mil saias, além de smokings, gravatas e calçados, ou seja, praticamente toda vestimenta
utilizada em programas e novelas da emissora pioneira de televisão. Pereira também arrematou
equipamentos de som, luz, geradores e material de reposição da Tupi, desembolsando mais de
Cr$ 120 milhões no total. A Justiça Federal, no entanto, acabou liberando o lote dos figurinos ao
seu comprador somente 11 meses depois.
contratada por Pereira para transporte, organização e vendas, que foram divulgadas por meio
de um folheto, que oferecia fantasias, sapatos, botas, chapéus, acessórios carnavalescos, trajes
sociais e a rigor. Mas, como não se tratava de um anúncio qualquer, ao final do texto o folheto
assinalava que aquele material pertenceu à extinta TV Tupi.
1 “Grupo Abril Compra Antigo Prédio da Rede Tupi no Sumaré”, José Luiz Longo, Gazeta
Mercantil, 13/09/1989, n.p.
2 “Leiloeiro Arremata Torre da Tupi”, Folha de São Paulo, 14/12/1985, p. 47.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 629
CAPÍTULO 47
O DESTINO DAS DEMAIS EMISSORAS ASSOCIADAS DE SÃO
PAULO
Rádio e TV Cultura
E
m 1967, a TV Cultura - Canal 2 de São Paulo “estava faturando razoavelmente bem e dava
para se manter”, revelou seu então diretor-artístico Mário Fanucchi1. No ano anterior,
inclusive, foram feitos grandes investimentos para a construção de sua nova sede junto
à Rádio Cultura, no bairro da Água Branca. No entanto, naquele ano, as emissoras da empresa
Rádio Cultura S/A foram colocadas à venda pelos Diários e Emissoras Associados, “numa
tentativa de obter recursos para tentar contornar a crise, que já se afigurava perigosa”, declarou
João Calmon2 em sua autobiografia.
A data limite para entrega dos envelopes com propostas foi 15 de julho de 1967 e inscreveu-se
apenas a Rádio Cultura S/A, concessionária do canal de TV VHF-2 e das rádios FM 88,9 MHz,
AM 1300 KHz e de mais três de Ondas Curtas.
Por NCr$ 3,5 milhões, o governo estadual acabou comprando a Rádio e TV Cultura, mesmo
que muitos dos equipamentos não estivessem em estado ideal para operação. Mas, de fato,
eram emissoras que poderiam entrar no ar a qualquer instante, caso fossem obedecidas algumas
limitações.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 631
próprias emissoras, mas não sem deixar de gerar uma grande polêmica. Alguns deputados, por
exemplo, foram contra o governo controlar emissoras de radiodifusão e contra a forma de como a
fundação foi criada. Até uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi criada na Assembleia
Legislativa, mas nada de errado foi encontrado, já que a criação da Fundação Padre Anchieta
se baseou na Lei Estadual nº 9849, que autorizava o Poder Executivo justamente criar uma
entidade que promovesse atividades culturais e educativas por meio de rádio e televisão. Mesmo
assim, uma matéria publicada em junho de 1969, pelo jornal “O Estado de São Paulo”, deu voz
a um deputado estadual contrário à concorrência pública. Ele acusou que o interesse por aquela
compra não correspondia ao interesse público, mas, sim, ao grupo proprietário da TV2 Cultura.
“Todos sabem [...] que a Televisão Cultura, Canal 2, tem material obsoleto, de dez anos, é até
chamada de ‘televisão chuvisco’, e é isso que o estado quer comprar. Precisaria ser feito um
estudo mais apurado”1.
Em 1968, durante a fase de montagem dos novos equipamentos das emissoras de rádio e TV da
Fundação Padre Anchieta, as instalações do bairro da Água Branca foram ampliadas, chegando
às dimensões que aquele complexo possui atualmente. Para tanto, o governo estadual aterrou a
Lagoa Santa Marina, utilizando as terras que estavam sendo retiradas das escavações da Linha
1 do Metrô de São Paulo. Com a ampliação da área, foram construídos os estúdios “C” e “D”.
A previsão de a TV Cultura voltar ao ar em cerca de seis meses não pôde ser cumprida. Sua fase
experimental foi iniciada somente no dia 7 de abril de 1969, data em que o próprio governador
Abreu Sodré colocou no ar a imagem do novo logotipo da TV-2. Na oportunidade, o governador
declarou que estava realizando seu sonho. “Essa é a obra de maior repercussão de toda minha
administração”, comemorou Abreu Sodré à reportagem do jornal “Diário da Noite”.
A sede da Rádio e TV Cultura continuou na Rua Carlos Spera, nº 179, bairro da Água Branca,
apesar de ter havido um movimento para se mudar para um belíssimo casarão, especialmente
634 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
doado para este fim, situado na Avenida Brig. Faria Lima, Jardim Paulistano, onde atualmente se
abriga o Museu da Casa Brasileira.
Após quatro meses de transmissões experimentais, a TV Cultura e a Rádio Cultura AM, FM e OC
foram reinauguradas na noite de 15 de junho de 1969. Hoje, a TV-2 está no ranking das melhores
emissoras do país, cumprindo seu papel educacional e social. Já recebeu diversos prêmios pela
qualidade de sua programação.
Rádio Difusora - AM e FM
A empresa Rádio Difusora São Paulo S/A teve sua falência decretada no dia 1º de setembro de
1981, por não cumprir no prazo a determinação judicial de depositar a primeira parcela de seus
débitos com os credores habilitados. Entre os créditos julgados e não julgados, as dívidas da
Difusora já somavam Cr$ 61,5 milhões. No mesmo dia, pelo mesmo motivo, também foram
decretadas as falências dos jornais “Diário da Noite” e “Diário de São Paulo” e, ainda, requerido
um pedido de falência da Rádio Tupi de São Paulo, também com dívidas de Cr$ 61,5 milhões.
Segundo nota divulgada pelos Diários Associados, como o IAPAS não pôde autorizar a venda de
equipamentos e instalações da TV Tupi aos dois novos grupos concessionários de seus extintos
canais — Silvio Santos e Bloch —, não havia recursos para saldar as dívidas.
Vale ressaltar que a falência da empresa Rádio Difusora São Paulo S/A foi requerida por ela
ser legalmente responsável pela concessão da TV Tupi de São Paulo, esta que, por sua vez,
636 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
apresentava sérios problemas com suas obrigações trabalhistas. Após a cassação da emissora de
televisão, a empresa perdeu sua maior fonte de receita. Destaca-se que, logo após a concordata
decretada em maio de 1980, houve interesse na compra da empresa, com gente disposta a quitar
as dívidas e reerguer as emissoras. No entanto, as transações foram dificultadas por membros da
direção do Condomínio Associado.
Com a decretação da falência da Rádio Difusora São Paulo S/A no dia 30 de agosto de 1981,
seu advogado recorreu para que as emissoras de rádio AM, FM e OC permanecessem em
funcionamento e solicitou 30 dias de prazo para concluir negociações de transferência direta
das concessões para um grupo interessado, evitando-se prejuízos econômicos e sociais aos
funcionários ainda em atividade. Na tarde do dia 3 de setembro, o juiz da 4ª Vara Cível da Capital
negou o recurso, apontando que o passivo de toda a massa falida dos Diários Associados era de
aproximadamente Cr$ 3 bilhões e, como levaria anos para quitá-lo — algo imprescindível para
realizar a transferência —, prorrogaria o processo de falência, o que não era permitido por lei.
Ainda segundo o juiz, a cessão ou venda dos direitos de exploração das concessões de AM, FM
e OC a interessados só seria possível caso o governo federal as renovasse por mais 10 anos, já
que elas se encontravam no chamado “caráter precário”, ou seja, vencidas, mas no ar até que se
encontre uma solução. Para realizar a renovação das concessões, a empresa teria que cumprir
obrigações legais e contratuais, como idoneidade moral e capacidade técnica-financeira, algo
que já estava fora do alcance da Difusora. Nessa época, das 41 emissoras de rádio que os Diários
e Emissoras Associados possuíam no Brasil, apenas a Tupi do Rio de Janeiro estava em dia e
não funcionava precariamente. As demais aguardavam seus processos de renovação da outorga
tramitando morosamente no Ministério das Comunicações.
A lacração dos transmissores das faixas de AM, FM e OC da Rádio Difusora foi uma medida
tomada pelo Departamento Nacional de Telecomunicações (Dentel) no fim da tarde de 3 de
setembro de 1981, logo após o juiz negar um recurso da empresa. Por volta das 17h, soldados
armados do Exército deram cobertura para técnicos do Dentel e para dois oficiais de Justiça
executarem a ordem judicial. Eles se dividiram em dois grupos, que tomaram direção aos estúdios
do Sumaré e aos transmissores de Ondas Médias e Curtas, no bairro de Vila Sofia. Quando o
oficial de Justiça adentrou ao 2° andar do edifício do Sumaré, faltavam poucos minutos para as
19h. No estúdio da Difusora “Jet Music”, quase terminando um programa, estava o locutor Dárcio
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 637
Arruda, acompanhado pelo técnico de som Ângelo Zanquetta e por alguns outros funcionários.
Todos teriam que evacuar o prédio imediatamente, algo que gerou um grande choque. Arruda,
nervoso, pediu que lhe fossem concedidos alguns minutos para fazer uma despedida no ar, o que
foi concedido. “Foi emocionante. Confesso que cheguei às lágrimas ouvindo o Dárcio falar. [...]
Em seguida, os estúdios e os transmissores foram todos lacrados. Todos nós ficamos “sem eira
nem beira” e fomos para a Padaria Real”, revela Ângelo Zanquetta1.
Os funcionários da Difusora eram apaixonados pela empresa. Além disso, sabiam que se tratava
de um verdadeiro patrimônio de São Paulo, que prestava serviços havia 47 anos. Na briga por
manter seus empregos e preservar as estações, os funcionários apelaram ao síndico dos Diários
Associados e até ao Ministério das Comunicações para que as emissoras não fossem tiradas do
ar e que fossem concedidas a outro grupo empresarial, idôneo, que se propusesse a assumir os
funcionários. Mas, tudo foi em vão. O rombo financeiro era muito grande e, pouco depois das
19h daquele dia 3 de setembro, os técnicos do Dentel encerraram as operações da Rádio Difusora
em AM 960 KHz, FM 98,5 MHz e OC de 25 m (11765 KHz) e 49 m (6095 KHz)2.
Para o diretor-superintendente da Rádio Difusora, Osvaldo Amorim, a lacração dos transmissores
ocorreu justamente quando a emissora se recuperava e já estava com situação financeira estável.
Segundo ele, “ninguém esperava que isso pudesse acontecer, pois ainda havia esperanças porque
já tínhamos pedido ao presidente da República e ao ministro das Comunicações que mantivessem
a emissora no ar”. Ao jornal “O Estado de São Paulo”, Amorim revelou que “com esforço dos
próprios empregados e sem a ajuda de mais ninguém, a empresa vinha alcançando uma receita
de Cr$ 15 milhões, contra uma despesa de apenas Cr$ 9 milhões mensais”. Mesmo assim,
as operações da Difusora vinham sendo feitas com dificuldades na reposição de materiais e
equipamentos, chegando ao ponto de ter que, por exemplo, emprestar cabos de outras emissoras
para colocar um repórter de campo no ar, durante uma partida de futebol. Contudo, a Difusora
AM estava em uma boa colocação na audiência de São Paulo — 4º lugar —, fazendo a cabeça
dançante da juventude paulistana, uma verdadeira referência na programação musical no rádio
brasileiro. Sobre isso, seu diretor-superintendente declarou que “essa posição é muito importante
por mostrar que a qualidade da programação só tem melhorado, levando em consideração o fato
de que a Rádio Record transmite com potência de 150 kW, enquanto a Difusora transmite entre
quatro e seis”.
Após o fechamento da Difusora, Arnaldo Gaeta, chefe do Departamento Técnico das rádios
do Sumaré, preocupado com seus funcionários, acionou seus contatos em outras emissoras
lhes garantiu novos empregos. Alguns foram “absorvidos” pela própria Rádio Tupi, que ainda
seguiria por algum tempo no ar.
As concessões de AM, FM e OC da Rádio Difusora foram declaradas peremptas nos dias 1º
e 3 de fevereiro de 1982. Na semana seguinte, o ministro das Comunicações já assinou duas
portarias para dar novas destinações às frequências de AM e FM. O canal de Ondas Médias - 960
KHz foi transferido à Rádio São Paulo, pertencente à Rádio e TV Bandeirantes e que operava em
1300 KHz. Além de poder contar com a audiência habituada a sintonizar os 960 KHz, a emissora
poderia aumentar sua potência, já que a frequência permitia. Já o canal de FM 98,5 MHz foi
concedido a um grupo de comunicação liderado pelo empresário Jair Sanzone, que operava a
Rádio Mensagem Ltda. em 103,3 MHz, com o nome fantasia de “Metropolitana FM”. A Rádio
São Paulo e a Rádio Metropolitana seguem em funcionamento até os dias atuais, nas mesmas
frequências.
Esse foi o triste fim da Rádio Difusora São Paulo S/A, empresa que, em 1950, “deu a luz” à
emissora pioneira do Brasil, a PRF3-TV Tupi Difusora.
1 “Falência das Rádios Tupi/Difusora (Parte Final)”, Ângelo Zanquetta. Link: youtu.
be/3HoFlTsBmhA.
2 As frequências de Ondas Curtas da Difusora eram usadas pela Rádio Tupi.
638 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Rádio Tupi
A Rádio Tupi ainda não acabou. Pode até ser que nunca acabe — essa
possibilidade sempre existe — mas as marcas da atual fase ficarão.
Algumas vozes — às vezes solenes, quase sempre apocalípticas —
ainda podem ser ouvidas nos 1040 quilohertz que há quarenta anos
marcavam “A mais poderosa emissora paulista”. É bem verdade que
quase todas as músicas tocadas não constam das paradas de sucesso.
Não há mais os animados programas musicais que dominaram a
audiência em São Paulo. Também o “Grande Jornal Falado Tupi”
não é sequer sombra dos áureos tempos em que a voz estridente de
Corifeu de Azevedo Marques trombeteava para os municípios do
interior. (“A Rádio Tupi Ainda Existe. Vive de Milagres e Profecias”,
Maurício Ielo, O Estado de São Paulo, 02/08/1981, p. 45)
Das quatro empresas do Grupo Associado que obtiveram em julho
do ano passado os benefícios da concordata preventiva, somente
a Rádio Tupan ainda não teve falência decretada. Muito embora
já decorrido o prazo de um ano fixado para depositar a primeira
parcela de seus débitos (dois quintos da dívida), a emissora ainda
não satisfez a exigência. Ontem, o curador de Massas Falidas, Mário
José Ronsin, pediu ao juiz da 25ª Vara Cível a fixação de um prazo
para que a Tupan satisfaça a exigência, sob pena de ser decretada
sua quebra. (“Justiça Decreta Lacração da Difusora”, Folha de São
Paulo, 04/09/1981, p. 31)
A Rádio Tupi de São Paulo teve um fim melancólico. Também chamada, a partir dos anos 1970,
de “Super Rádio Tupi”, ela foi uma das principais emissoras do país e praticamente consolidou
a importância do radiojornalismo nos anos 1940, através do “Grande Jornal Falado Tupi”. Além
disso, contou com uma das melhores equipes para coberturas esportivas do país, a Equipe 1040.
Após a lacração das emissoras da Rádio Difusora São Paulo S/A — TV Tupi e Rádio Difusora
—, a PRG2 - Rádio Tupi de São Paulo ainda conseguiu se manter no ar por três anos, em
concordata preventiva. Sua concessão era vinculada a S/A Rádio Tupan, empresa do grupo
Diários e Emissoras Associados, e, por isso, já era sabido que, mais cedo ou mais tarde, a Rádio
Tupi teria o mesmo fim das demais emissoras do grupo em São Paulo. Mesmo assim, era grande
a luta pela sobrevivência e não faltou garra do representante do Condomínio Associado e diretor-
superintendente da emissora, Oswaldo Amorim.
Como indicava seu slogan, a Tupi AM era “a mais poderosa emissora paulista”, isso porque sua
frequência de 1040 KHz era um dos quatro canais internacionais exclusivos1 de Ondas Médias
disponíveis para a cidade de São Paulo (os outros eram da Eldorado, Record e Globo). Isso
significa que a Tupi era a única autorizada a operar em alta potência — 50 kW — na frequência de
1040 KHz em quase todos os países da América do Sul e Central, ficando livre de interferências
e assim obtendo alcance continental.
1 Em 1980, 13 emissoras em Ondas Médias operavam no Brasil usando canais internacionais
exclusivos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 639
Em 1976, o valioso terreno com 86 mil m2 do Jd. Marabá, localizado ao lado do Autódromo de
Interlagos, acabou sendo vendido para uma construtora, a fim de gerar receita para a S/A Rádio
Tupan. A proposta era montar um novo parque técnico com maior potência dos transmissores,
mas em uma região cujo valor do metro quadrado fosse barato. Até que esse novo local fosse
preparado, a Tupi AM transmitiu provisoriamente a partir da precária instalação da extinta Rádio
Piratininga de São Paulo (1200 KHz), no bairro do Butantã, Zona Oeste, coincidentemente
localizada na avenida que rende homenagem a um dos grandes nomes da própria Rádio Tupi,
o radialista Corifeu de Azevedo Marques. A concessão da Piratininga não havia sido renovada
pelo governo militar, tornou-se perempta em maio de 1974 e seus equipamentos estavam sem
uso. Como seu velho transmissor chegava a apenas 7 kW de potência, a grande diminuição da
intensidade do sinal da “Tupi 1040” — cerca de 43 kW a menos — impactou muito na audiência,
já que milhares de ouvintes deixaram de ser alcançados.
Enquanto isso, entretanto, era feito um grande investimento no novo parque técnico da Tupi,
de onde ela passou a transmitir em maio de 1978, com novos equipamentos RCA-Victor e
impressionantes 120 kW de potência. O terreno contava com 133 mil m2 e ficava localizado à
beira da represa Billings, distrito de Parelheiros, extremo sul da cidade de São Paulo. Duas torres
paralelas, com 144 m cada uma, transmitiam a maior potência da América do Sul. Entretanto,
apesar disso tudo, o sonho de uma nova arrancada da emissora naufragou, visto que um erro
de cálculo no projeto fez com que o sinal “fugisse” para o interior do estado, sem antes cobrir
corretamente toda a região metropolitana de São Paulo. Inacreditavelmente, alguns bairros da
própria Capital não recebiam bem o potente sinal e mal houve tempo para corrigir o problema.
Após a lacração da Rádio Difusora, em 3 de setembro de 1981, sua coirmã Rádio Tupi ainda
permaneceu operando por alguns meses do térreo e do 2º andar do edifício-sede do Sumaré.
Como aquele imóvel estava atrelado à Difusora, em breve seria interditado pela Justiça Federal
e novos estúdios tiveram que ser montados para a Tupi operar do edifício Guilherme Guinle, na
Rua Sete de Abril, nº 230. Neste endereço, lembrando, funcionou por décadas a sede paulista dos
Diários Associados e por alguns anos a própria Rádio Tupi de São Paulo.
A Tupi AM passou a operar como massa falida em novembro de 1981, com autorização para
permanecer no ar até que liquidasse as dívidas trabalhistas de 176 funcionários e ex-funcionários.
Sua direção, portanto, passou a vender horários da programação para igrejas evangélicas —
segmento religioso que estava em plena ascensão no país, já contando com 8,5 milhões de
seguidores1. Com isso, a maior parte da programação foi arrendada para as igrejas “Deus é Amor”,
“O Brasil Para Cristo” e, também, para a “Legião da Boa Vontade” (LBV). Os programas eram
produzidos pelos poucos funcionários que restaram da Rádio Tupi e que, finalmente, passavam
1 “Pentecostalismo Já Tem 8,5 Milhões de Seguidores no País”, Paulo Sérgio Scarpa, Folha de
São Paulo, 18/01/1982, Religião, p. 15.
640 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 48
OS BENS DA TV TUPI DE SÃO PAULO NOS DIAS DE HOJE
U
ma das três primeiras câmeras da TV Tupi de São Paulo foi preservada e restaurada,
permanecendo como parte do acervo da Pró-TV até 2021. Trata-se da “Câmera 2”,
modelo RCA TK-30, que chegou a ser cenograficamente utilizada na série “Nada Será
Como Antes” (Rede Globo, 2016) e foi atração de algumas exposições, como “Silvio Santos
Vem Aí” (2017-18).
A trajetória desta câmera é grande. Após ter sido utilizada pelas Emissoras Associadas (Tupi e
Cultura), foi comprada pela TV Excelsior de São Paulo (por volta de 1959-60), depois passou
para o patrimônio da TV Gazeta de São Paulo em 1970 que, em seguida, foi doada à Faculdade
Cásper Líbero para fins educativos pelo então diretor da emissora, Luiz Francfort — pioneiro da
TV Tupi e tio de um dos autores desta obra literária. Por fim, Roberto Rodrigues Alves, então
funcionário da TV Gazeta (e ex-diretor de imagem das TVs Tupi e Excelsior), intermediou a
doação para a entidade que hoje é chamada de Museu da TV, Rádio & Cinema.
Já as outras duas câmeras TK-30, pioneiras da TV Tupi, tiveram destinos bem diferentes. A
“Câmera 3” desapareceu e a “Câmera 1” foi destruída no incêndio ocorrido nos estúdios da TV
Cultura - Canal 2, em 1965. Dela, sobrou apenas uma lente, resgatada entre os destroços do
incêndio pelo diretor-artístico da emissora, Mário Fanucchi, que a guarda com carinho até hoje.
Outro equipamento RCA preservado, que chegou no carregamento da TV Tupi em 1950, é um
monitor de vídeo da mesa de corte de imagens. Ele está ao lado de outros mil receptores de TV,
todos de propriedade do colecionador Alceu Massini, acomodados em um galpão na cidade de
Santo André (SP). Também estão a salvo na sede do Museu da TV, Rádio & Cinema um projetor
RCA, um refletor de luz e um copiador de filmes, que passou a ser usado pela TV Tupi após o
encerramento das atividades dos Estúdios Cinematográficos Tupi.
O destino da mesa de controle do primeiro transmissor da TV Tupi de São Paulo foi a TV Itacolomi
de Belo Horizonte (MG), afiliada da Rede Tupi de Televisão, que recebeu o equipamento durante
os anos 1970. No início dos anos 2010, ela encontrava-se guardada em uma sala da TV Alterosa,
também em Belo Horizonte.
A história mais recente da recuperação de equipamentos da TV Tupi, entretanto, inicia-se na
garagem de uma casa do bairro paulistano de Interlagos, onde ficaram abrigados, por décadas,
alguns equipamentos de videoteipe usados no Sumaré. Trata-se de um equipamento Ampex,
modelo VR-1100, e de três RCA, modelos TR3, TR4 e TR5. Eles foram confiscados pelo
advogado do ator Elísio de Albuquerque como parte do pagamento de uma ação trabalhista,
promovida em 1973 contra a TV Tupi de São Paulo, que lhe devia uma boa quantia de salário.
Na Tupi, Elísio atuou nas novelas “O Direito de Nascer” (1964-65) e “Antônio Maria” (1968-
69). Após ele ter falecido em 1982 sem ter dado destino aos equipamentos, sua viúva chegou
a oferecê-los para museus, empresários e emissoras de TV, mas não houve interesse. Em 2021,
entretanto, como a viúva também falecida, um neto do casal procurou o Museu da Televisão,
Rádio & Cinema para tentar doá-los, algo que foi prontamente aceito. Todo o material já não
está em bom estado de conservação, mas ficará exposto na nova sede do museu, na Vila Mariana,
em São Paulo, junto a outros equipamentos da TV Tupi.
644 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
O acervo da TV Tupi foi transportado por caminhões para um prédio construído para ter sido
uma escola de jardinagem no Cemucam - Centro Municipal de Campismo da Prefeitura de São
Paulo, que — curiosamente — fica no município de Cotia, na Grande São Paulo, “uma autêntica
estufa, sem ventilação, exposta a grandes oscilações de temperatura e localizada em uma das
regiões mais úmidas de São Paulo”3. Fernando Santos, arquivista da Tupi por 15 anos (até seu
fechamento), por coincidência, foi morador de Cotia. “Conheço bem a região e a escola de
jardinagem. Foi o pior local escolhido para abrigar o acervo”4, disse ao “Estado de São Paulo”.
Havia, no entanto, uma consciência geral dos funcionários da Cinemateca de que se tratava de
um local inadequado para a conservação do acervo, mas era o único espaço disponível para
abrigar um conjunto tão volumoso. Apesar dos sérios problemas, o Cemucam já dava melhores
condições de armazenamento do que o prédio lacrado do Sumaré, onde permaneceu por cinco
anos sem ventilação ou qualquer cuidado específico, acumulando muita sujeira e umidade.
Em 1989, houve a primeira ordenação do material 16 mm, que ficou alocado em local climatizado.
Em seguida, a Cinemateca Brasileira assinou um acordo com a Fundação Padre Anchieta (TV
Cultura de São Paulo), entidade que, poucos meses após a lacração dos prédios da Tupi, chegou
a se oferecer para armazenar provisoriamente o acervo de forma devida, mas nada foi feito e ele
continuou se deteriorando no mesmo local. Contudo, a parceria celebrada entre a Cinemateca
e a TV Cultura finalmente promoveria o processo de higienização e conversão de todo acervo
remanescente de fitas e filmes da TV Tupi de São Paulo, mesmo que ainda no inseguro sistema
VHS.
“Cerca de 30% das fitas estavam sem condições de uso ou simplesmente apagadas”1, lembra José
Francisco de Oliveira Mattos, que catalogou o acervo. Mais de 1,2 mil fitas estavam imprestáveis
1 “Descasos e Incêndios Destruíram Grandes Sucessos”, Eduardo Elias e Luiz Costa, O Estado de
São Paulo, 10/01/1999, p. D-2.
648 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
e haviam perdido seu conteúdo. Algumas das latas dessas fitas sequer abriam.
Ainda no ano de 1989, em um dos prédios da Cinemateca, localizado onde hoje está a estação
Conceição do Metrô, uma sala de exibição foi desativada para receber o acervo da TV Tupi.
Estantes de madeira foram disponibilizadas para acomodar as pesadas fitas e havia um sistema
de ar-condicionado com controle da temperatura.
No ano seguinte, já com o material ordenado e boa parte já recuperada, o acervo foi aberto ao
público da Cinemateca e a TV Cultura exibiu diversas amostras em uma série especial, intitulada
“40 Anos de TV”, produzida e apresentada pelo jornalista Júlio Lerner.
Mas, faltaram recursos para recuperar todo o acervo e, ainda em 1990, durante as comemorações
dos 40 anos da inauguração da TV Tupi de São Paulo, a Cinemateca lançou uma campanha
publicitária para arrecadar fundos para o restauro do acervo jornalístico da emissora. Foi
quando surgiu a Fundação Vitae como patrocinadora, dando condições para a aquisição de
uma moviola-telecine que, além de realizar as duplicações dos telejornais, passou também a
telecinar regularmente outros originais em película do acervo. O Projeto Vitae/Tupi catalogou,
higienizou e telecinou reportagens produzidas pela TV Tupi entre 1960-64. Como resultado, 27
mil reportagens foram recuperadas e gravadas em cerca de 200 fitas VHS.
No ano de 1997, a Cinemateca Brasileira foi transferida para a sede atual, no bairro da Vila
Clementino, em São Paulo, devidamente preparada para manter seu acervo nas melhores
condições de climatização, ou seja, temperatura média de 16ºC e umidade relativa do ar até 60%.
O acervo da TV Tupi é público e, em dezembro de 2009, passou a ser digitalizado pela Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Pouco mais de 88 mil reportagens
tiveram suas informações catalogadas no repositório de consulta presencial da Cinemateca, bem
como cerca de 130 horas de imagens em movimento e mais de 22,7 mil roteiros de locução
(aproximadamente 350 mil páginas). Quanto ao acervo de fitas e películas, uma amostra de
100 horas de teledramaturgia foi transcrita e digitalizada. Agora, ele está todo armazenado
em mídias digitais e, até o ano de 2019, pôde ser consultado na Cinemateca Brasileira. Parte
dele também ficou disponível em um site da entidade, ou seja, 257 capítulos de 44 telenovelas.
Contudo, naquele ano, a Cinemateca foi fechada após o cancelamento do contrato de gestão com
a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP). Todo o acervo, inclusive
aquele disponibilizado on-line, ficou indisponível para consulta.
Em agosto de 2020, no entanto, a Cinemateca foi reabsorvida pelo Ministério do Turismo e, após
uma longa suspensão das atividades, reabriu suas portas em maio de 2022, desta vez gerida pela
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 649
Sociedade Amigos da Cinemateca. As consultas voltaram a ser presenciais ou on-line, pelo site
do Banco de Conteúdos Culturais (www.bcc.org.br).
História Preservada
Parte importante dos praticamente 30 anos da TV Tupi está nesse acervo recuperado pela
Fundação Padre Anchieta. Com filmes e fitas datados entre 1959-79, há partidas memoráveis
de futebol, de quando Pelé fazia vibrar as plateias; concursos de Miss Universo, no auge da
importância desse evento; alguns capítulos das novelas “Beto Rockfeller (1968-69), “Antônio
Maria” (1968-69), “Vitória Bonelli” (1972-73), “A Barba Azul” (1974-75), “Os Inocentes”
(1974), “Ídolo de Pano” (1974-75), “A Viagem” (1975-76), “Éramos Seis” (1977), “O Profeta”
(1977-1978), “Roda de Fogo” (1978), “O Direito de Nascer” (o remake de 1978-79) e “Aritana”
(1978-79); algumas edições de programas diversos como “Pinga-Fogo” e “Almoço com as
Estrelas”; programas humorísticos; propagandas; edições dos jornalísticos “Repórter Esso”,
“Telenotícias Panair”, “Edição Extra”, “Diário de São Paulo na TV” e “Ultra Notícias”; além de
diversas outras reportagens desmembradas.
Mesmo que parte deste acervo não tivesse sofrido com a ação do tempo nos anos subsequentes ao
fechamento da emissora, era para ele ser muito maior. Isso porque a Tupi não se preocupava em
preservar seu acervo. “Ninguém na direção da emissora estava nem aí”1, revelou o dramaturgo
Plínio Marcos, um dos protagonistas da novela “Beto Rockfeller”. Sobre isso, o ex-diretor de
novelas Luiz Gallon assim descreveu as condições da Tupi nos anos 1970: “Era uma penúria
muito grande: para fazer um programa ou novela era preciso apagar as fitas da semana anterior”2.
Outro fator que contribuiu para o desaparecimento de boa parte do arquivo foi a censura imposta
pelo governo militar. Muitas fitas foram apreendidas pelo Departamento de Ordem Política e
Social (Dops), com a alegação de serem subversivas. E outras foram apagadas antecipadamente
pela emissora para “evitar problemas”.
A falta de dinheiro também provocou atitudes idênticas. Uma fita especial com os gols de placa de
Pelé foi apagada para serem gravados capítulos de novelas, revelou o diretor Fernando Faro3. O
mesmo aconteceu com as fitas do polêmico “Pinga-Fogo”, exceto com alguns poucos programas,
como os dois que contaram com a participação do médium Chico Xavier, preservados até hoje.
Em 1968, quando o diretor do programa, Armando Figueiredo, pretendeu lançar um livro com
os relatos dos entrevistados, foi até o arquivo da emissora e ouviu do funcionário a seguinte
explicação: “Isso já não existe. Apagaram tudo para gravar futebol e novela”.
1 “Descasos e Incêndios Destruíram Grandes Sucessos”, Eduardo Elias e Luiz Costa, O Estado de
São Paulo, 10/01/1999, p. D-2.
2 Ibidem.
3 “Um Presente de Grego”, O Estado de São Paulo, 01/05/1988, Caderno 2, p. 12.
650 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Arquivo Nacional
Um total de 536 fitas com programas da TV Tupi do Rio de Janeiro foram encontradas por
acaso no ano de 2005. Elas estavam entre cadeiras e mesas velhas do 9º andar do edifício-sede
dos Diários Associados, na Rua do Livramento, no Rio. A TV Globo e o Arquivo Nacional —
instituição sediada no Rio de Janeiro e que recebeu o material doado — firmaram acordo para
recuperar esse conteúdo, que contém reportagens, talk-shows, musicais e programas esportivos
exibidos entre 1960-80. Junto com as fitas, quase todas em formato Quadruplex, havia cerca de
1,5 mil rolos de filmes em 16 mm. O responsável pelo achado foi o gerente-técnico da Rádio
Tupi do Rio, José Cláudio Barbedo, que depois ajudou a viabilizar a doação formal dos Diários
Associados para o Arquivo Nacional.
“Achei uns rolinhos de filme no chão, fiquei curioso, porque tinha sido técnico de cinema e vi que
era um comercial. Abri outro e era uma reportagem, provavelmente sem som, já que no início da
TV não havia videoteipe: o repórter captava as imagens e depois o locutor do telejornal fazia a
narração. Acabei chegando a uma sala com pilhas de fitas da Tupi, a maioria Quadruplex, que
tinham sido recolhidas no Cassino da Urca (antiga sede da emissora). De cara, vi programas de
Flávio Cavalcanti e de Aérton Perlingeiro. Vi que aquilo tinha valor histórico”, revelou Barbedo
ao jornal “O Globo”.
O material foi doado em meio a um processo de deterioração e infestação por fungo, situação
que foi estabilizada no Arquivo Nacional. Mas, em alguns casos, os conteúdos foram
irremediavelmente perdidos.
Naquela época, só havia duas máquinas de videoteipe em funcionamento no Brasil. Uma delas
era a da TV Cultura, que estava sendo usada no projeto da Cinemateca Brasileira, e a outra era
da TV Globo, emissora a quem o Arquivo Nacional recorreu. Foi celebrado um acordo e a TV
Globo se encarregou de higienizar e converter as fitas e filmes para o formato VHS, um trabalho
que custou cerca de R$ 500 mil à época. Como contrapartida, a emissora pôde exibir o conteúdo
por um ano. Depois, o Arquivo Nacional tornou este acervo disponível para consulta pública.
Ele está armazenado em depósitos climatizados e existem cópias digitais de alguns títulos para
consulta no site do Arquivo Nacional.
Nos dias de hoje, portanto, há três entidades que armazenam o que restou do acervo da Rede
Tupi: a Cinemateca Brasileira e a TV Cultura, com o acervo da Tupi de São Paulo (as duas
entidades possuem cópias do mesmo conteúdo), e o Arquivo Nacional, com gravações da Tupi
da Urca. No entanto, apesar de não ser divulgado, sabe-se que há outras gravações exclusivas da
Rede Tupi em posse de acervos de outras emissoras.
O IAPAS, que hoje chama-se INSS, pode não ter visto a “cor” do dinheiro que a TV Tupi lhe
devia. Mas, a cultura e a memória brasileira deixaram de correr o risco de perder o registro de
um período de mais de 20 anos da história da televisão.
652 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Conforme visto no Capítulo 46, no dia 13 de dezembro de 1985 houve mais um leilão dos
imóveis dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo e o empresário Silvio Santos perdeu
a disputa. O objeto era a aquisição do lote que incluía a torre e os estúdios do Sumaré (o edifício
de 11 andares foi leiloado à parte), que acabou arrematado pelo experiente leiloeiro oficial Luiz
Fernando de Abreu Sodré Santoro, “pela primeira vez do outro lado do balcão”, como ele mesmo
declarou. A partir daí, Silvio Santos passou a pagar aluguel para o novo proprietário da torre do
Sumaré.
1 Link: youtu.be/Dep3S6W8b2s.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 653
Meses depois, ainda no primeiro semestre de 1986, Santoro fez uma proposta ao dono do SBT
para a aquisição de todo aquele complexo. Contudo, o valor pedido causou espanto, pois era
três vezes mais alto que o avaliado. A proposta foi negada, mas Santoro logo montou um novo
“pacote” composto pela torre — que mais interessava a Silvio Santos — e pelo grande “Estúdio-
Palco” (auditório) da Tupi, localizado logo atrás da torre. Foi então que, observada a necessidade,
o Grupo Silvio Santos acabou fechando a compra destas duas propriedades.
O edifício de 11 andares do complexo do Sumaré foi vendido ao irmão de Santoro e depois
oferecido a Silvio Santos, juntamente com os demais estúdios. Mas, não houve interesse, pois,
além de supervalorizados, estavam muito degradados e seria necessário outro grande investimento
para sua recuperação. Alguns membros da direção do SBT tentaram convencer Silvio Santos a
adquirir ao menos os estúdios, visto que já faltava espaço nas instalações da Vila Guilherme e a
construção do Centro de Televisão (CDT) da Via Anhanguera vinha sendo postergada. Até que,
por volta de setembro daquele ano de 1986, Silvio Santos fez uma contraproposta a Santoro
e acabou conseguindo fechar negócio a preço de mercado. Todo o complexo de estúdios da
pioneira TV Tupi no Sumaré — exceto o edifício de 11 andares — agora pertenceria ao Grupo
Silvio Santos, com objetivo de abrigar uma parte da Central de Produção do SBT. A atitude do
animador e empresário Silvio Santos evitou que toda a antiga Cidade do Rádio tivesse destinação
outra que não a produção de programas de televisão, podendo até ter virado um depósito de
materiais para leilões, como era a intenção inicial de Santoro.
Dizem, mas ainda não provam, que Silvio Santos está com o assunto
muito bem encaminhado e, até o final deste ano, poderá integrar à
TVS as antigas instalações da falecida TV Tupi, no bairro do Sumaré,
em São Paulo. (Correio Braziliense, Ferreira Neto, 09/10/1986, p.
24)
Estúdios e salas do complexo do Sumaré em 1988, já em posse do SBT. Enquanto as obras de recuperação não
começavam, o local serviu como depósito de cenografia. (Moacyr dos Santos/SBT)
Após diversos adiamentos, as obras só se iniciaram em 1989. Foram preparados três estúdios para
gravação de novelas e um para shows, todos equipados com os mais modernos equipamentos.
No final de 1990, ficou pronto o Estúdio “S” (“S” de “Sumaré”), nome técnico dado ao estúdio
para shows e que, outrora, fora o “Estúdio-Palco” — ou auditório — da Rede Tupi. A partir de
21 de janeiro de 1991, portanto, a energia da televisão voltou a permear os velhos estúdios do
Sumaré, com a gravação do primeiro programa do SBT no local, o infantil “Show Maravilha”,
apresentado por Mara Maravilha. Em seguida, vieram também o infantil “Mariane”, o humorístico
“Escolinha do Golias”, o talk-show “Jô Onze e Meia”, com Jô Soares, e o show “Cocktail”, com
Carlos Miele. Alguns deles migraram da Vila Guilherme e outros já estrearam no Sumaré.
As obras dos três estúdios para novelas (os antigos “A”, “B” e “C” da Tupi) foram iniciadas
logo em seguida e, em 24 de novembro de 1993, com a série de casos-verdade “A Justiça dos
Homens”, o SBT reinaugurou o primeiro estúdio para a Teledramaturgia, segmento em que o
SBT estava investindo forte, contratando, inclusive, o experiente Nilton Travesso para dirigir o
novo núcleo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 655
Quatro meses após a inauguração do primeiro estúdio da nova “fábrica de novelas”, os outros
dois também foram finalizados e começou a ser gravada a primeira telenovela do SBT no
local. Trata-se do remake de “Éramos Seis”, um folhetim já gravado pela própria TV Tupi. As
gravações se iniciaram em março de 1994 e, na sequência, nos mesmos três estúdios e também
com direção de Nilton Travesso, foram produzidas as novelas “As Pupilas do Senhor Reitor”,
“Sangue do Meu Sangue” e “Razão de Viver”, finalizada em julho de 1996, quando o núcleo de
novelas foi transferido para o novo complexo do SBT, na Via Anhanguera1, em Osasco (SP). Já
as gravações dos programas produzidos no estúdio de shows do Sumaré seguiram até dezembro
daquele ano de 1996.
No início dos anos 1980, o Grupo Abril tinha o maior gráfico da América Latina e publicava mais
de 100 revistas mensais. Era uma das mais importantes empresas de comunicação do Brasil e
estava disposta a se expandir para a mídia eletrônica.
A primeira oportunidade para a Abril apareceu após 1980, quando
o governo desmembrou a pioneira TV Tupi. Depois de numerosas
negociações, comerciais e políticas, a Abril foi preterida, em favor
do Grupo Silvio Santos e do Grupo Editorial Bloch. Em 1985,
quando Silvio Santos foi pressionado a vender suas ações na TV
Record, a Abril foi novamente considerada pela imprensa como
a melhor candidata às ações. Por razões ainda não propriamente
explicadas, entretanto, o acordo caiu por terra. A Abril começou,
então, a perseguir estratégias diferentes. A Abril Vídeo, produtora
independente de vídeo, criada alguns anos antes, comprou tempo
na TV Bandeirantes e, depois, na Gazeta, para transmitir seus
programas jornalísticos. [...] No ano seguinte, a Abril Vídeo retirou-
se das transmissões de TV, reposicionando-se no crescente mercado
do vídeo doméstico como produtora e distribuidora. Em 1985, o
governo abriu a concorrência para a concessão de novas estações
UHF na cidade de São Paulo e, nessa batalha, a Abril finalmente teve
sucesso, vencendo outros poderosos grupos de mídia na concessão
do canal 32. (“É Pagar Para Ver: TV Por Assinatura em Foco”, Luiz
Guilherme Duarte, Summus Editorial, 1996:139)
Entre 1985-88, o Grupo Abril conseguiu conquistar a concessão de dois canais de televisão na
faixa de UHF da cidade de São Paulo. Um operaria como TV Abril - Canal 32 e outro como TVA
- Canal 24. Este último seria uma emissora de TV por assinatura, modelo de negócio que também
estava se iniciando no país. Os planos iniciais para a TV Abril eram produzir uma programação
baseada em jornalismo ou seguir a linha de algumas das revistas femininas publicadas pelo
grupo.
Com a proposta de colocar a TV Abril no ar durante o primeiro semestre de 1990 e a TVA no ano
seguinte, o Grupo Abril conseguiu efetivar, em agosto de 1989, a aquisição do antigo edifício-
sede das Emissoras Associadas de São Paulo, na Avenida Prof. Alfonso Bovero, nº 52, bairro do
Sumaré, um dos maiores marcos da história da televisão brasileira.
A opção pelo prédio da Tupi trouxe vantagens visíveis à nova
emissora, mas não evitou a necessidade de uma drástica
interferência dos engenheiros na edificação. A primeira barreira
encontrada foi a situação estrutural do imóvel, alvo de um processo
degenerativo causado pela própria inatividade ao longo de dez anos,
aproximadamente. Além disso, havia a necessidade de adequar
as instalações, obsoletas, a um novo layout dos espaços internos
pelos equipamentos mais sofisticados da Abril [...]. Como desafio
adicional, havia a exigência da implantação de uma torre metálica
e da antena transmissora no topo da já problemática edificação,
com o cronograma estabelecendo prazos exíguos pelas empresas
envolvidas. (“A Imagem do Reforço”, Silvério Rocha, Construção, nº
2222, 10/09/1990, p. 8)
As obras já haviam começado quando outro rumo de programação foi tomado na TV Abril.
Em 7 de março de 1990, uma festa foi promovida para celebrar a assinatura de um contrato de
licenciamento do canal musical norte-americano de TV por assinatura “MTV Networks”, da
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 657
Viacom. Era anunciada a “MTV Brasil”, que iria ao ar com uma mescla programação nacional e
importada, sendo a primeira filial da marca no mundo a operar em TV aberta.
Logomarcas da MTV e
TVA. (reprodução)
Para a montagem das duas emissoras de televisão, o Grupo Abril desembolsou US$ 15 milhões,
sendo US$ 10 milhões apenas em equipamentos. O estado do antigo edifício da TV Tupi era
deplorável, já que estava totalmente fechado e sem manutenção por pelo menos oito anos. O
desafio foi grande, pois o objetivo não era apenas restaurá-lo e torná-lo viável para instalação
de simples escritórios. O prédio receberia as complexas estruturas de emissoras de televisão e
muitos conceitos e soluções modernas teriam que ser implementados, a exemplo de um grande
reforço nas estruturas, da renovação dos sistemas hidráulico e elétrico, bem como da instalação
de um moderno sistema de segurança contra incêndio — inclusive com a construção de escadas
de concreto em uma das faces externas.
Aquele antigo edifício, originalmente projetado para abrigar emissoras de rádio e salas
administrativas, mas que transmitiu programas de TV em preto e branco, captados por câmeras
pesadíssimas, gravados por máquinas enormes de videoteipe e editados, literalmente, com
cortes de gilete nas fitas e emendas feitas com durex. Agora, do mesmo local, seriam gerados
e transmitidos sinais que, para serem captados, demandariam a instalação de modernos
decodificadores ou conversores especiais nos televisores. Tudo era novidade, principalmente o
sistema físico e robotizado da Ampex, modelo ACR-225, que iria colocar automaticamente os
videoclipes da MTV no ar.
As Obras
As obras tiveram início em outubro de 1989 e o maior desafio foi o reforço de suas estruturas,
a fim de suportar o peso extra de uma nova e pesada torre de 34,5 toneladas, com o triplo do
tamanho daquela deixada pela TV Tupi no topo do edifício. Havia um grande salão no último piso,
que era o antigo terraço e que passou a ser considerado como 11° andar. No mesmo pavimento,
havia também a caixa d’água e a casa dos elevadores, que serviam de apoio para a antiga torre
de transmissão. Todo este pavimento fazia parte do átrio (ver Capítulo 28) e foi demolido para
a construção de um novo andar mais amplo, ocupando toda a área disponível do edifício, dando
melhores condições para a fixação da nova torre e abrigando melhor a casa de máquinas.
Também houve uma modificação importante no 9º andar, onde o antigo jardim foi substituído por
um prolongamento envidraçado, onde ficaria uma grande “sala vip” e um restaurante privativo,
a serem usados para reuniões e convivência da diretoria da empresa. Para tanto, paredes tiveram
que ser parcialmente demolidas e aquele pavimento passou praticamente a ter a mesma área dos
andares inferiores.
A nova torre foi desenhada pelos engenheiros da fabricante da antena, a francesa Thomson-
LGT. Composta por material tubular inédito, foi elaborado um design especial para que ela não
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 659
Inaugurações
Prevista inicialmente para estrear em agosto de 1990, a MTV Brasil acabou sendo inaugurada dois
meses depois, em 20 de outubro. Mesmo aceleradas, as obras e a montagem dos equipamentos
só terminariam alguns meses depois da inauguração e, por isso, inicialmente a programação da
MTV foi produzida em um galpão da Abril Vídeo, que ficava na Rua dos Coropés1, no bairro
paulistano de Pinheiros. O local foi todo adaptado e abrigou estúdios, produção e a administração
da TV Abril. No Sumaré, em 20 de outubro entraram em operação oficialmente o Controle
Mestre, os transmissores e a novíssima torre metálica de 94,5 m de altura, cujo topo da antena
chegou a 145 m do solo.
O canal UHF-24 do Grupo Abril iniciou suas operações experimentais em 9 de junho de 1991,
exibindo grandes filmes de Hollywood. Foi batizado de “TVA Filmes” e fez parte do sistema de
TV por assinatura TVA, composto por mais quatro canais pagos (CNN, RAI, ESPN e TVM),
adquiridos do pioneiro Grupo Machline, todos com transmissão a partir do próprio edifício do
1 O local exato onde a MTV Brasil iniciou suas produções, na Rua dos Coropés, foi desapropriado
anos depois para extensão da Avenida Brig. Faria Lima. O galpão da MTV ficava muito próximo
de onde hoje está instalado o edifício Tomie Ohtake.
660 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Sumaré pelo sistema MMDS1. Estes canais ocuparam um espaço reduzido na operação, pois
a maioria das programações não era produzida no Brasil e já chegava pronta via satélite. A
central técnica de transmissão da TVA (headend) foi montada no 7º andar do mesmo edifício e,
posteriormente, também passou a transmitir seus canais por cabo e satélite.
A MTV Brasil foi um grande sucesso, mas passou a ter problemas financeiros no final de 2009,
quando começou a perder faturamento. O problema se agravou em 2012, mesmo com uma
forte redução de gastos. No ano seguinte, o Grupo Abril encerrou o contrato de utilização da
marca MTV com sua detentora Viacom e colocou a TV Abril à venda, juntamente com suas
retransmissoras por todo o país. Sem compradores interessados, a Abril chegou a analisar dois
projetos de gestão para sua rede de televisão manter-se no ar, mas com outro nome e apostando
apenas em produções de humor, linha que a própria MTV Brasil já fazia. O outro projeto seria
manter a emissora exibindo apenas documentários estrangeiros e videoclipes.
A programação da MTV Brasil deixou de ser operada pelo Grupo Abril às 23h59 do dia 30
de setembro de 2013 e, em seu lugar, ressurgiu a Ideal TV, um canal de TV por assinatura da
própria Abril Radiodifusão S/A que falava sobre carreira profissional e mundo corporativo, mas
que havia sido extinto quatro anos antes. A programação de arquivo ficaria no ar como “tapa-
buraco”, até que toda a estrutura da TV Abril fosse vendida.
O Grupo Spring — também do ramo editorial e que edita a versão brasileira da revista “Rolling
Stone” — iniciou o processo de compra da TV Abril em dezembro de 2013, mas conseguiu
efetivá-lo somente seis meses depois. Em seguida, a rede de papelarias Kalunga se associou à
Spring e posteriormente se tornou a única proprietária da empresa. Após a TV Abril ser vendida,
o edifício histórico do Sumaré ficou subutilizado, mas com praticamente toda a estrutura técnica
1 O sistema MMDS (siglas em inglês para Serviço de Distribuição Multiponto Multicanal) é
uma tecnologia de telecomunicações sem fio, terrestre, usada para transmissão simultânea de
diversos canais de televisão por assinatura, tal como é feito no sistema a cabo ou por satélite.
No Brasil, o MMDS já entrou em desuso.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 661
da MTV ainda montada. Mesmo vendida, a emissora-geradora seguiu com o nome de Ideal TV,
mas restringiu-se em alugar seus horários a denominações religiosas. Apenas alguns poucos
programas foram produzidos no edifício, algo que mobilizou somente pouco mais de uma dezena
de funcionários.
No segundo semestre de 2020, no entanto, de forma cíclica, aquele trecho do bairro do Sumaré
se agitou novamente com o aumento da circulação de profissionais de televisão. Dezenas de
profissionais foram contratados pelo Grupo Kalunga, que decidiu investir na criação do Loading,
um player de conteúdo audiovisual focado em cultura pop, com exibição de séries, animes,
games, e-sports e outros programas relacionados ao entretenimento jovem. Dentre as várias
plataformas de distribuição de conteúdo, estava a rede de emissoras da Ideal TV. A estreia do
Loading aconteceu na noite de 7 de dezembro de 2020, mas o projeto foi descontinuado apenas
seis meses depois, por falta de anunciantes. A partir disso, foram iniciadas tratativas para arrendar
a Ideal TV para a Rádio Jovem Pan, que se preparava para estrear seu canal de TV. Problemas
jurídicos com a legalidade das transações de compra e venda entre a Abril e a Spring, no entanto,
fizeram a Jovem Pan desistir do negócio.
Em 1995, ainda antes de a Central de Produção do SBT no Sumaré migrar totalmente para o novo
Centro de Televisão da Via Anhanguera, a TV de Silvio Santos passou a locar alguns estúdios e
salas do complexo do Sumaré para a Abril Radiodifusão S/A1. Assim, ele passou a ser utilizado
pela vizinha TV Abril/MTV, pelo CNA - Central de Notícias Abril — em desenvolvimento e
parceiro de conteúdo do próprio SBT — e pelo canal ESPN Brasil, lançado naquele ano de 1995,
fruto de um modelo inédito de parceria feito entre a Abril e a ESPN norte-americana, o maior
canal esportivo da TV por assinatura mundial.
Quando foi lançada, a ESPN Brasil tinha pouco espaço para as operações dentro do complexo e
sequer contava com um estúdio próprio. A saída foi usar a estrutura da MTV, que cedeu algumas
salas em seu edifício para sediar a redação e alguns dos horários de um estúdio para produção
dos programas. “No estúdio que usamos na MTV não dá para trazer [nem] seis convidados.
O cenário, que basicamente é composto de uma única mesa, não tem profundidade, e o local
comporta duas câmeras no máximo”, declarou José Trajano2, diretor de programação da ESPN
Brasil.
O SBT deixou definitivamente o complexo do Sumaré no final de 1996 e o Grupo Abril passou
a ocupá-lo totalmente. A redação da ESPN Brasil foi montada no 1º pavimento do prédio de
três andares, onde originalmente funcionou o Departamento de Publicidade da TV Tupi. No
andar acima, foi instalado o estúdio do CNA. Já o grande ex-Estúdio “S” do SBT passou a ser
usado exclusivamente pela MTV a partir de 1997, para a produção de programas com plateia.
Com a assinatura deste grande contrato de locação das instalações do Sumaré com o Grupo
1 Nessa época, o Grupo Abril era um dos maiores conglomerados de mídia do país, mantendo
a totalidade ou parte de negócios nas mais variadas formas de mídia: Editora Abril, Abril Vídeo
(filmes da Disney e da Fox), Abril Music, MTV Brasil, TVA Programadora (que operava os canais
HBO Brasil, Bravo!, ESPN Brasil, Eurochannel e CMT Brasil), TVA Operadora (MMDS, Cabo e
Digisat), DirecTV (operadora via satélite) e os portais BOL e UOL (em parceria com o Grupo
Folha).
2 “ESPN Brasil Ganha Novo Estúdio”, Folha de São Paulo, 08/02/1998, TV Folha, p. 7.
662 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
Silvio Santos, no local o SBT utilizou apenas a área de sua torre de transmissão, com portaria na
Avenida Prof. Alfonso Bovero, n° 72.
Em março de 1998, após a data de estreia ter sido adiada várias vezes, o projeto do canal
CNA foi cancelado, pois, além de atrasos no cronograma e dificuldades em se estruturar, uma
grave crise afetou o Grupo Abril e culminou na venda de vários ativos e na diminuição dos
investimentos. Com isso, a ESPN Brasil pôde ocupar o estúdio do CNA e algumas outras salas.
Em 1999, o Grupo Abril vendeu sua parte acionária na ESPN Brasil para a controladora da
própria franquia, a The Walt Disney Company. No entanto, o canal esportivo não deixou as
instalações do Sumaré e segue no local até hoje, como locatária do Grupo Silvio Santos. Quem
passar pelas ruas Piracicaba e Catalão vai observar diversos galpões (estúdios) geminados, sem
estética, chegando até a demandar uma nova pintura externa, como se a TV Tupi tivesse deixado
o local e pouco se fez para preservá-lo. Entretanto, internamente, a realidade é completamente
oposta, com muita beleza, funcionabilidade e eficiência. Há um aspecto de preservação, aliado à
segurança, renovação, modernidade e tecnologia. Poucas estruturas foram mudadas internamente
desde o fechamento da TV Tupi e apenas algumas salas foram demolidas para aprimoramento
na circulação e a criação de uma cafeteria. Entretanto, todos os prédios e estúdios da televisão
pioneira permanecem em operação até hoje e são plenamente utilizados pela ESPN, cujo slogan
é “A Vida Precisa do Esporte”.
O pioneiro “Estúdio A”, da TV Tupi, hoje é chamado pela ESPN de “Estúdio 2”, onde geralmente
são gravados programas com periodicidade semanal. Os antigos “Estúdio B” e “C” foram
unificados e viraram o amplo “Estúdio 1”, com cerca de 388 m2, de onde vão ao ar os programas
diários, muitos deles ao vivo.
Acima do “Estúdio 1” há um pavimento que era utilizado pela TV Tupi para disposição de
camarins, Controle Mestre entre outros setores. Hoje, este pavimento é chamado de “Torre A”
e agrupa as salas de Administração, Artes, Programação, Promocionais e Recursos Humanos
da ESPN. A “Torre C” também está sobre o “Estúdio 1” e agrupa os setores de Coordenação de
Externas, Laboratório, Projetos e TI (Tecnologia da Informação).
O antigo prédio do Departamento de Publicidade da Tupi hoje é chamado de “Torre B”. No
passado, existia o “Estúdio D” no térreo deste prédio e, nos dois pavimentos superiores, pequenos
estúdios para gravação de locução para propagandas e chamadas. Hoje, o antigo Estúdio “D”
é chamado pela ESPN de “Estúdio 4”, utilizado eventualmente para locuções e gravações de
pequenos programas especiais. Nos dois pisos superiores não existem mais estúdios e, com isso,
algumas janelas foram implantadas nas antigas paredes-cegas. Nestes dois pisos ficam a área
de Engenharia e a Central de Transmissão da ESPN, responsável pelo envio de sinais de, pelo
menos, quatro canais para o satélite. Há diversas antenas parabólicas no topo deste velho prédio.
Em julho de 1967, a TV Tupi inaugurou o “Estúdio-Palco”, com 400 m2. Nele, a Tupi produziu
programas de variedades, apresentados por Silvio Santos, Chacrinha, Moacyr Franco, entre
outros. Como já dissemos, em 1991, o local virou o Estúdio “S” do SBT e, a partir de 1993,
passou a ser ocupado pela MTV Brasil. Após o encerramento das atividades da emissora, em
2013, o local passou a ser subutilizado pela ESPN, mas deixou de ser um estúdio e foi usado,
dentre outras coisas, para realização de grandes reuniões. Durante a Copa de 2014, a ESPN
instalou telões no local para seus funcionários acompanharem os jogos. Em 2017, por fim, ele
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 663
No subsolo da antiga Cidade do Rádio, no Sumaré, existem até hoje dois salões que foram
projetados para armazenar equipamentos e cenários. Um deles fica sob os antigos estúdios “B” e
“C” e lá hoje funciona a redação da ESPN. O outro salão da Tupi, que virou “Estúdio-Subsolo”
em 1968 e a sala do novo transmissor em 1979, hoje é usado como “Estúdio 3” pela ESPN.
No edifício mais novo do complexo, construído entre 1978-79 para abrigar o novo Centro de
Exibição, uma sala de manutenção e uma Central de Produção, hoje estão os setores de Elétrica,
Telecom e um refeitório da ESPN. Veja abaixo um quadro comparativo da configuração do
Centro de Televisão do Sumaré, nas fases da TV Tupi e da ESPN (ontem e hoje):
Para retratar a forma que o septuagenário complexo construído pela TV Tupi de São Paulo está
sendo bem cuidado e aproveitado pela ESPN Brasil, no dia 15 de fevereiro de 2021 a emissora
inaugurou uma grande reforma no Estúdio 1, o principal do complexo do Sumaré. Aproveitando
o afastamento dos apresentadores, que entravam no ar de maneira remota devido a pandemia do
novo coronavírus, o canal realizou as obras neste estúdio, que passou a ser exclusivo do programa
“Sports Center”. A novidade ficou por conta da implantação de recursos avançados de tecnologia
de imagem e de iluminação, com mais de 200 m² de painéis de led de alta definição e um telão
664 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
de 500 polegadas, para serem utilizados como fundo de um dos três ambientes distintos do
programa, permitindo ampla interatividade com os apresentadores. Considerando as etapas de
planejamento, design e construção, o projeto de atualização técnica do Estúdio 1 da ESPN Brasil
levou mais de um ano para ser concluído e os planos eram de também promover atualizações nos
outros estúdios históricos. Portanto, no dia em que a antiga sede da TV Tupi completou seus 70
anos, em 18 de setembro de 2020, a ESPN Brasil estava esvaziada devido a suspensão da
produção de programas de estúdio, mas, por outro lado, o Estúdio 1 passava por uma importante
modernização.
Parede Histórica
Um detalhe curioso e importante para a história da televisão pode ser contemplado em um simples
corredor ao lado do Estúdio 1 da ESPN. É possível se deparar com boa parte do alinhavado de
tijolos verticais aparentes da fachada do Estúdio “A”, o pioneiro da Televisão Tupi, inaugurado
em 1950, atualmente chamado de Estúdio 2. A visualização externa do antigo estúdio acabou
sendo obstruída com o passar dos anos, devido a construção de sanitários e de um corredor para
funcionários. Entretanto, como a parede desta fachada não foi demolida e sequer revestida —
talvez propositalmente —, ela pode ser visualizada por quem caminha no corredor. Até hoje,
inexplicavelmente, existem pouquíssimas fotografias que mostram esta fachada original do
estúdio pioneiro de televisão no Brasil. Mas ela ainda está de pé (foto), pintada de branco, bem
preservada, sendo que também é possível observar pequenas partes dos tijolos de outras duas
paredes do mesmo estúdio, a partir da Rua Piracicaba e, do lado oposto, a partir dos andares do
antigo edifício-sede das “Associadas”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 665
Comparativo entre a fachada original e a atual do pioneiro Estúdio “A” da TV Tupi: parte do alinhavado original
de tijolos aparentes ainda pode ser contemplada a partir da Rua Piracicaba. (Mário Fanucchi e Maurício Viel/
Acervo pessoal)
O antigo edifício Guilherme Guinle, construído para ser sede das empresas paulistas dos Diários
e Emissoras Associados, permanece conservado até os dias atuais. Contudo, como vimos,
foi leiloado e não é mais de propriedade daquela organização, que existe até hoje. O nome
do edifício foi alterado para Condomínio Guaratinguetá, que abriga uma agência bancária no
histórico hall e outras diversas empresas nos andares, principalmente de telemarketing. Há,
também, um sofisticado buffet chamado “Espaço Romano”, instalado no subsolo, local exato
onde funcionavam as rotativas Vomag dos jornais “Diário de São Paulo” e “Diário da Noite”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 667
O antigo edifício-sede das Emissoras Associadas de São Paulo, localizado na Avenida Prof.
Alfonso Bovero, nº 52, por onde funcionaram a TV Tupi, as rádios Difusora, Tupi e Cultura,
e a MTV Brasil, para citar algumas, é tombado pelo patrimônio histórico desde 12 de março
de 2012. A origem desta iniciativa é popular, sugerida pelo cidadão José Marcos Prates Bastos,
morador do bairro do Sumaré. Ele entrou com um processo no Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) em 26 de
novembro de 2000, pedindo o estudo de tombamento da área que vai do número 52 ao 72 da
Avenida Prof. Alfonso Bovero.
o estúdio “foi envolvido por outras construções e não conserva ligação com a rua, nem a feição
original”. Vale repetir, portanto, que o alinhavado original de tijolos verticais aparentes hoje
pode ser contemplado de um corredor interno e uma pequena parte pela Rua Piracicaba.
Por outro lado, o antigo edifício-sede das Emissoras Associadas, projetado por Dorvalino
Mainieri e Gregório Zolko (ver Capítulo 28), teve seu lado externo pouco modificado, apenas,
conforme já citado, a área de maquinários — na cobertura — e o jardim do átrio, onde foi
construído um prolongamento do andar.
Com o tombamento, o prédio de 11 andares está legalmente protegido contra alterações de
fachada, bem como o painel artístico, com as imagens dos índios em alusão ao nome da emissora.
Só é possível fazer intervenções nessas áreas com autorização do Condephaat. As áreas internas
não foram tombadas por já terem sido bastante modificadas.
Desde outubro de 2008, uma placa especial pode ser vista no cruzamento da Rua Apinajés com a
Avenida Prof. Alfonso Bovero. Nela, a imagem do Tupiniquim, o indiozinho que foi o primeiro
símbolo da emissora pioneira, e ao seu lado, os dizeres: “Praça TV Tupy” (com “y”) e “Uma
homenagem da Comunidade de Vila Pompeia/Sumaré ao berço da TV brasileira”. O objetivo foi
criar um pequeno espaço cultural, dedicado aos artistas locais.
Em 2019, o Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura da
Prefeitura de São Paulo promoveu o concurso “Placas da Memória Paulistana”, com a proposta
de instalar marcos que identificassem referências culturais em diversos pontos da cidade, sejam
espaços, edificações, paisagens ou acontecimentos. Quem apontou estes locais foi a própria
sociedade civil: moradores, lideranças comunitárias, educadores, agentes culturais e
pesquisadores. Foram selecionadas cinco indicações de Elmo Francfort, coautor desta obra
literária. Uma delas contemplou a instalação de uma placa na esquina da Avenida Prof. Alfonso
Bovero com a Travessa Xangô, indicando que ali funcionou a TV Tupi (foto). Outra placa
indicada por Francfort foi fixada na fachada do antigo edifício-sede dos Diários Associados em
São Paulo, situado na Rua Sete de Abril, nº 230 (foto).
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 669
Projeto “Placas da Memória Paulistana” faz referência ao local onde funcionaram a TV Tupi de São Paulo e a
sede paulista dos Diários Associados. (reprodução)
O Cassino da Urca
A sede da TV Tupi carioca, situada onde outrora funcionou o histórico
Cassino da Urca, contava com dois blocos, separados pela Avenida João Luís
Alves mas unidos por uma passarela. No bloco oposto ao mar, a emissora
montou quatro estúdios e um grandioso auditório (apelidado de “Grill”).
No outro bloco, sobre a areia da praia, havia outros três estúdios. Após
anos de abandono total dos prédios, no início dos anos 2000 a prefeitura
conseguiu desapropriar o imóvel e preparou sua restauração para instalar
o Museu do Rio e o Museu da TV Tupi. Todavia, a prefeitura cancelou
os projetos e passou a angariar parceiros para ocupação do edifício. Em
2006, fechou uma parceria com o italiano Istituto Europeo di Design (IED)
para exploração dos dois blocos por 25 anos. A contrapartida do IED era
a reforma integral do prédio, conservação e manutenção. No entanto, as
obras ficaram paralisadas por quase cinco anos, devido a disputas judiciais
e ambientais, o que somente foi superado em 2014, quando o IED pôde ser
inaugurado, após investimento de R$ 14 milhões em revitalização. No início
de 2019, no âmbito da Lei Rouanet, foi aprovado o projeto para executar
a segunda fase de revitalização, que contemplaria o bloco abandonado.
O antigo auditório do Canal 6 viraria um teatro para realização de peças,
shows, exposições e desfiles. Em meados do mesmo ano, entretanto, o
Superior Tribunal de Justiça decidiu que a cessão do prédio era ilegal e
que deveria ser encerrada. A prefeitura e o IED poderiam tentar reverter
a decisão, mas o IED optou por fazer um distrato de contrato amigável
e mudar-se para outro local. A concessão do prédio foi licitada em
junho de 2020 e o IED mudou-se em fevereiro de 2021, quando passou
a ser ocupado pelo vencedor, a Escola Eleva, do empresário Jorge Paulo
Lemann, que assumiu o compromisso de revitalizar o bloco abandonado
ao custo de R$ 21,4 milhões. Os dois blocos somam cerca de 3 mil m2 e sua
fachada é um Bem Tombado Municipal.
670 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
CAPÍTULO 49
VIDEOGRAFISMO
A
TV Tupi utilizou diversas marcas durante seus praticamente 30 anos de existência,
algo que, se estudado, revela como foi a evolução da direção de arte, do design e do
videografismo televisivo durante essas três décadas. As logomarcas e vinhetas de uma
emissora fazem parte da materialização de sua identidade e, quando renovadas, geralmente
representam uma nova fase.
A seguir, vamos contemplar as principais logomarcas usadas pela TV Tupi e Rede Tupi ao longo
dos anos.
1950: A primeira logomarca da TV Tupi de São Paulo, conforme já retratado no Capítulo 22, é
uma adaptação da logomarca da Rádio Tupi, com um índio de expressão sisuda, uma das mãos
em pala e a outra segurando um arco.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 671
1951-1955: A TV Tupi carioca incluiu a figura do Tupiniquim dentro do número “6”, seu canal
de operação.
672 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
1955-1972: A Tupi do Rio mudou sua marca e o nome da emissora passou a ficar dentro do
número 6. Nesse período, Carlos Haraldo Sorensen foi o diretor de Arte da emissora.
1968-1972: Em São Paulo, o Canal 4 passou a usar uma logomarca em seus impressos,
principalmente em anúncios de jornais. Não há informações de que ela tenha ido para o vídeo
também.
1970: Os Diários e Emissoras Associados passaram a veicular anúncios impressos com uma
marca que remetia à implantação de um comando único nas TVs Tupi do Rio e de São Paulo.
Contudo, para os anúncios restritos aos jornais paulistas, a TV Tupi - Canal 4 adotou outra
marca, em comemoração aos seus 20 anos de operação.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 673
1972-1976: Com a formação da Rede Tupi e o início das transmissões em cores, foi criada uma
logomarca composta por duas linhas entrelaçadas e três esferas nas cores azul, vermelho e verde,
que compõem o padrão RGB de vídeo (red, green, blue). Estas linhas representaram o gráfico de
uma onda senoidal, que é visto na tela de um instrumento chamado osciloscópio, responsável por
medir a tensão dos sinais eletromagnéticos de equipamentos — no caso, da emissora de TV. A
criação desta marca se deu a partir de um concurso universitário, lançado pela TV Tupi carioca
em 31 de março de 1972, junto com a estreia da programação em cores no Brasil. O edital foi
publicado nos jornais e revistas dos Diários Associados e o objetivo também foi despertar o
gosto pelo desenho artístico e industrial entre os universitários. A arte deveria ser criada em um
cartão tipo scholler, com dimensões de 30 x 40 cm, e conter, além do preto, as três cores básicas
da televisão: vermelho, verde e azul. Não encontramos registros do nome do ganhador, cujo
trabalho com a senoide teria sido escolhido por um júri composto por membros da TV Tupi do
Rio e do GRIM - Grupo Interuniversitário Musical, criado pela própria emissora para realizar
anualmente o Festival Universitário de Música Brasileira. O vencedor teria ganhado uma viagem
a Paris, sob o patrocínio da Air France, podendo visitar as principais escolas de desenho industrial
da França. No entanto, outras fontes apontam que a logomarca da senoide, na prática, fora criada
por um desenhista da própria Tupi carioca, também ligado ao grupo GRIM. Ele seria Renato
Lage, que também era cenógrafo e ficou famoso pela produção de carros alegóricos no Rio de
Janeiro.
1976-1977: A emissora-geradora, em São Paulo, criou um catavento para usar como nova marca
da rede, mas houve muita rejeição e em pouco tempo a logomarca anterior foi retomada. A ideia
674 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
do catavento tinha por objetivo mostrar leveza e representar a integração da rede de emissoras. O
ponto central do catavento simbolizava a geração de conteúdo para as emissoras da rede.
1977-1979: Feita a retomada da logomarca com a onda senoidal, algumas pequenas modificações
foram apresentadas na cor e no formato das linhas.
1979-1980: Cyro Del Nero, o último diretor de Arte e Comunicação Visual da Rede Tupi, foi
contratado pelo diretor Walter Avancini em 1979. Devido à intenção de renovar totalmente a
plástica da emissora e lançar uma nova programação, uma nova logomarca e vinhetas foram
produzidas por Del Nero, que escolheu a inicial “T” e a produziu de forma estilizada e tripartida
para comportar as três cores básicas da televisão — o padrão RGB —, herdado da última logomarca.
Conforme declarado pelo próprio Del Nero, além de passar a sensação de modernidade, nos
bastidores a nova marca era chamada de “Tesão”, com duplo sentido da palavra. Com formas
minimalistas e simplificadas, a nova marca garantiu maior dinamismo gráfico à Rede Tupi, que
também passou a utilizá-la em toda frota de veículos, materiais impressos e comunicação visual
em geral. Cyro Del Nero também era cenógrafo e já havia vivido grandes experiências na TV
Excelsior e na TV Globo. Era considerado o “pai” da comunicação visual da TV brasileira.
Também trabalhou na TV Bandeirantes, onde também modernizou a marca do canal.
1980 (2): Del Nero criou uma variante da marca, com o “T” passando a ser visto dentro de
linhas que representavam uma tela de TV. O diretor também criou a logomarca “80 Ano 30”, em
comemoração aos 30 anos da TV Tupi de São Paulo, e que pode ser vista no Capítulo 43.
Slogans
1956-1963: “Seus 500, Mais 500” - Este slogan remete à disputa por transmissões intermunicipais
entre TV Tupi e TV Record. A TV Tupi rebatia o slogan “500 km à frente”, uma provocação do
canal de Paulo Machado de Carvalho. Nesse período, as “Associadas” ultrapassaram os limites
e conseguiram alcançar o dobro de distância da concorrente, com a instalação de mais antenas.
676 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
1972: “Sistema Tupicolor. Vamos Pôr Mais Cor na Sua Vida” - Uma referência à primeira
transmissão oficial colorida da emissora, o show especial “Mais Cor em Sua Vida”, exibido na
noite de 31 de março de 1972. Por sua vez, o nome desse show era uma referência direta ao
slogan do patrocinador principal da atração, os televisores Philco.
1975: “Rede Tupi de Televisão - A Primeira Imagem da TV” - Veiculado no ano em que a
emissora paulista celebrou 25 anos no ar. Contudo, ele pode ter sido usado somente em anúncios
impressos.
1979-1980: “Tupi, Mais Calor Humano” / “Tudo Bem, Tudo Bom, na Tupi” - Os dois slogans
remetem ao espírito positivista e de renovação da Tupi, que promoveu grandes mudanças nas
estruturas e na programação, mesmo com a forte crise administrativa, que acabou culminando na
cassação pelo governo em 18 de julho de 1980.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 677
CAPÍTULO 50
CONCLUSÃO - TV TUPI: SEMPRE PRESENTE
E
xatamente sete décadas depois desta manchete ter sido publicada, muita coisa mudou
no mundo, no Brasil e na nossa televisão, graças àqueles que a edificaram. Sempre com
muito profissionalismo, com mais acertos que erros, eles criaram a base desse meio de
comunicação que ainda é um dos mais queridos entre os brasileiros. A televisão brasileira hoje
é, sem dúvida, uma das referências do que fazemos melhor e há um grande reconhecimento
mundial nesse aspecto. Sua história começou oficialmente lá em 1950, com a já saudosa TV
Tupi-Difusora de São Paulo. Saudosa sim, ao vermos os relatos não só dos telespectadores que
a assistiram, mas também de boa parte de seus profissionais que, ainda hoje, relembram com os
olhos marejados os tempos que lá estiveram.
Assim como a TV Tupi, toda história termina e aqui vamos encerrando esta obra, na certeza de
que daremos o start para muitas outras que virão. Histórias que multiplicam o conhecimento
sobre nossa TV. É necessário sempre sonhar, emocionar, informar, dar novamente voz e vida a
outras épocas, tocando sempre quem está do outro lado da tela. Por isso, pensando no legado da
emissora, vamos agora dar início a uma última viagem afetiva desta obra. Preparado?
Bairro do Sumaré, em São Paulo. Na antiga Cidade do Rádio, ou futuro Telecentro Tupi, hoje
há um entra e sai intenso de funcionários. Na quase esquina das ruas Catalão e Piracicaba, está
a entrada do canal pago ESPN Brasil, onde se fala apenas sobre esportes, mantendo ali uma
tradição presente desde os tempos de Aurélio Campos, que introduziu este gênero na TV, e por
Walter Abrahão, que por muitos anos dirigiu o departamento esportivo da TV Tupi de São Paulo.
No mesmo quarteirão, na esquina da Rua Piracicaba com a Avenida Prof. Alfonso Bovero, se
ouve um som constante do sistema de refrigeração do transmissor do Canal 4, ou melhor, 4.1,
que é como se identifica o canal de TV digital do SBT. No alto da exótica torre de concreto,
se vê toda São Paulo, com uma vasta quantidade de torres de rádio e TV e um “sem número”
de antenas nos telhados das casas e no alto dos prédios. Naquela torre, iniciada pela Tupi e
concluída pelo SBT, técnicos operam os equipamentos para garantir a mais alta qualidade de
sinal, distribuído principalmente pelo ar, de forma digital, aberta e gratuita. Na hora do almoço,
os profissionais das emissoras se encontram e vão continuar o papo, ali perto, na Lanchonete
Real, a antiga e tradicional Padaria Real, como nos velhos tempos de Tupi.
Rio de Janeiro, Urca. Do lado da praia, o antigo Cassino da Urca, ex-TV Tupi do Rio de Janeiro,
é frequentado assiduamente pelos alunos e visitantes do Istituto Europeo Di Design, responsável
pela restauração desta parte do complexo arquitetônico. Já do outro lado da avenida, adentramos
678 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
para ver a situação do imóvel, que agora ruma para ser restaurado por meio de novas parcerias,
para dar novamente vida àquele “templo” da televisão carioca. Hoje, o pó consome o espaço e
a luz penetra os vãos. Já não há mais teto e a natureza da Urca deu vida onde parecia não existir
mais, com o nascimento de muitas árvores no terreno. Desviando de uma teia de aranha aqui,
outra acolá, limpando o pó para ir mais longe, chegamos ao epicentro: o antigo auditório do
Canal 6, com o que restou do espaço antes ocupado por tantos assentos e um palco. Um palco
que foi cenário do drama dos profissionais, artistas e técnicos da própria emissora; que em meio
a muito choro e desespero, imploraram para que o presidente Figueiredo mantivesse aberta a TV
Tupi do Rio de Janeiro e aceitasse que os próprios funcionários a gerissem.
Como uma ficção, que era uma das especialidades da Tupi, peço que vocês se permitam sonhar e
fazer uma última viagem afetiva. Que aquele vazio, que dá eco, nos permita ouvir novos sonhos,
misturando as lembranças. No centro do palco, um vento arrasta toda sujeira, todos os resquícios
de um período de abandono e deterioração. De repente, como num passe de mágica, surge um
auditório novo, cujo chão brilha ao refletir os holofotes que antes existiam no teto... e agora estão
todos lá novamente. E ali, cadeiras repletas, gente de pé, profissionais da Tupi — de todas elas
— felizes. Jorge Perlingeiro, ao centro, fala ao microfone:
— Estamos todos aqui, juntos, continuando a defender nossa casa. Nossos amigos de toda Rede
Tupi de Televisão vieram em carreata para cá. Estamos em rede para todo Brasil, transmitindo
esse grande show. Obrigado, senhor presidente, pela confiança. Ainda mais felizes porque, além
de nós, entrarão no ar novas redes, das concessões novinhas em folha que o senhor criou junto
ao Ministério das Comunicações. É a televisão, no Brasil, meus amigos, em constante expansão.
E nós, aqui da velha Tupi, concretizamos ao assumir os compromissos da emissora e estamos
virando o jogo, com o mesmo afinco de sempre. Alô, São Paulo...
E do outro lado, o repórter Saulo Gomes diz:
— Boa tarde, amigos cariocas. Estou aqui, na frente do nosso prédio na “Terra da Garoa”. A
Avenida Alfonso Bovero está lotada de populares e funcionários da Tupi para prestigiar nossa
emissora, que completa 30 anos de existência. Um show sem precedentes. Artistas, técnicos,
muitos que estão aqui desde os primeiros dias, mostram que a Tupi é a nossa casa e o Sumaré
também. Voltamos agora, ao vivo, com muita alegria, aos estúdios do Rio de Janeiro.
E assim, o experiente Jorge Perlingeiro, conduz o show:
— Como diziam os pioneiros dessa casa, hoje a “taba” está em festa. Não é, meu pai? — a câmera
vira para Aérton Perlingeiro, o apresentador da versão carioca de “Almoço com as Estrelas”, que
sinaliza positivo com a mão.
— Agora, para fecharmos com chave de ouro esta memorável transmissão, no centro do palco,
chamaremos ele... Que por tantas vezes esteve se apresentando aqui, na Tupi da Urca. Esse rapaz,
meus amigos, ganhou até o nosso Festival Universitário de 69, com “O Trem”. Agora está aqui
com a gente, trazendo uma canção que diz muito sobre nossas lutas... Com vocês... Gonzaguinha!
E assim, em fusão, se focaliza o rosto de cada um dos profissionais da TV Tupi, mostrando
simultaneamente a emoção durante aquela festa... Uma festa que precisava acontecer. Então
aparece ele, o talentoso filho de Gonzagão, cantando “E Vamos à Luta”:
— Eu acredito é na rapaziada, que segue em frente e segura o rojão. Eu ponho fé... é na fé da
moçada, que não foge da fera, enfrenta o leão... Eu vou à luta com essa juventude, que não corre
da raia a troca de nada. Eu vou no bloco dessa mocidade, que não tá na saudade e constrói... A
manhã desejada...
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 679
E assim, os créditos sobem com o nome de todos que construíram essa história de 30 anos da
Rede Tupi. Uma lista sem fim...
Fade out. Do escuro, do sonho, os olhos se abrem e acordamos para a realidade. Quarenta anos
completados depois da inauguração do Canal 3 de São Paulo, em 18 de setembro de 2020, quanta
coisa mudou... Nos 70 anos da televisão, uma festa um tanto diferente. Os estúdios, antes lotados,
agora estão vazios. Já outros seguem com poucos presentes. Vivemos um tempo de pandemia,
cuja população aguarda ansiosamente pela vacina contra a Covid-19 para que possamos voltar às
atividades normais. Porém, a essência da televisão se faz presente, regressando aos ensinamentos
que as TVs pioneiras, como a Tupi, deixaram: durante o distanciamento social obrigatório, foi
necessário improvisar e usar a criatividade para driblar os novos desafios. A preocupação com a
técnica, sempre tão importante — que saiu das transmissões regionais, passou pelas internacionais
e chegou até as “interplanetárias”, quando a população viu estarrecida às imagens do homem no
espaço —, foi deixada em segundo plano, priorizando aquilo que justamente a televisão jamais
deveria ter colocado de lado: a qualidade do conteúdo. O diálogo, as emoções e a informação
privilegiada. Passamos, de repente, a querer estar cada vez mais próximos, buscando o abraço,
colocando novamente a TV como nossa janela para o mundo exterior… Novamente! Mesmo
sabendo das informações do mundo todo, voltamos a querer nos ver, saber da nossa região, da
nossa cidade, do nosso bairro. Assim como nos tempos da Tupi, regressaram velhos formatos e o
videoteipe virou uma arma para, numa crise, reproduzir conteúdos, que no passado foram bons e
tocaram o público. Reprises, lives... Sim! Voltamos ao “ao vivo”, com o pensamento de que sua
espontaneidade é o segredo para aproximar quem está de um lado e do outro da tela.
O que faremos num futuro próximo, quando tudo isso passar? Será a mesma realidade daquele
tempo, em 1950, quando aqueles jovens, que montaram a TV Tupi, tinham anseio de transformar
o mundo por meio daquele “brinquedo” que tinham nas mãos, e passar o melhor de si a quem
estava do outro lado, de forma aberta e gratuita. Hoje, de tal forma, há a vontade de retornar às
gravações, de produzir ainda mais com o que se descobriu, experimentou e se refletiu sobre a
formatação televisiva. Cabe a nós, profissionais dessa área, realizarmos o importante desafio da
superação, algo que na Tupi sempre existiu.
Imaginemos agora como seria hoje a Rede Tupi, com todas as possibilidades que as emissoras
atualmente possuem? Qual seria o papel da televisão regional? Por certo, de suma importância,
lembrando de emissoras que resistiram ao tempo — as afiliadas como a TV Vitória, do Espírito
Santo, e a TV Clube, do Piauí, que se destacam com uma forte programação regional, assim
como as resistentes e remanescentes emissoras próprias da Rede Tupi: a TV Itapoan, de
Salvador, e a TV Brasília, do Distrito Federal. O mesmo acontece com as emissoras de TV
dos Diários Associados, conglomerado que se recuperou de uma difícil fase, de crise intensa, e
hoje se modernizou ao extremo, mantendo emissoras de grande representatividade, como a TV
Alterosa, de Minas Gerais, uma das afiliadas do SBT, que atualmente produz programas para TV
aberta e Internet.
Poderíamos imaginar também uma Tupi com imagens em alta definição, em 4K ou até 8K,
mostrando a importância da tecnologia com cenas exuberantes da cultura popular, valorizando
símbolos nacionais, como sempre o fez, e dizendo mais uma vez: fomos pioneiros novamente!
O outro desafio com certeza era entender o papel da própria televisão: aberta, por assinatura,
via satélite... ou por streaming? Convergência ou concorrência? Provavelmente agregando
conteúdos complementares, poderíamos ver uma “Tuplay”, ou “Tupi Play”, com produções
originais brasileiras genuínas. A Tupi aprenderia, então, a “falar” para dois públicos: aquele
que quer ver um programa, na hora que quiser (“maratonando”), e aquele que quer ver uma
programação linear, com som imersivo e interatividade, na busca pelo aperfeiçoamento com o
DTV Play, indo cada vez mais em direção da mais alta modernidade da TV 3.0. Isso só reforça
680 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
o papel da televisão aberta, cada vez mais digital, que hoje está presente em 97% dos domicílios
brasileiros.
A TV Tupi foi uma grande escola. Um celeiro de talentos, desde o primeiro até seu último dia.
Saudosos aqueles funcionários, que hoje se sentem privilegiados por terem passado por uma
casa que era literalmente... uma casa. Daqueles primeiros jovens de 20 anos, hoje na casa dos 90,
que sentem falta de um tempo que não volta mais. Ou dos “novatos”, que trabalhavam quando
a Tupi chegou ao fim, que hoje beiram os 60 anos, que têm orgulho de dizer: “Sim, eu fui da
Tupi nos seus últimos anos... foram difíceis, mas estou aqui”. Muitos dali, seja do Sumaré, da
Urca ou de outro ponto da Rede Tupi pelo Brasil, produziram posteriormente conteúdos que hoje
são veiculados e exportados para o exterior. A televisão ligou as pessoas e fez aquilo que Assis
Chateaubriand mais queria: levar nossa cultura para o outro lado do planeta.
Cyro Del Nero, falecido em 2010, foi diretor de arte e de cenografia da TV Tupi durante seus
últimos dias. Ele sempre repetiu a seguinte história, que tão bem expressa o sentimento dos que
lá trabalharam:
— Eu me orgulho muito por ter passado pela Rede Tupi de Televisão. Naquele dia terrível,
catastrófico, chegou alguém e pediu o nosso cristal. Nós não sabíamos o que era isso, até que
um deles disse que cristal era um dispositivo do transmissor que, ao ser retirado, tira a televisão
do ar. Cristal é uma palavra pura. Parece que tiraram o nosso cristal interno quando tiraram o
cristal da Televisão Tupi. E nós saímos do ar para sempre. A Tupi é um símbolo nacional. Eu
nunca vi uma união, um ‘esprit de corps’, um esforço, como eu vi na Rede Tupi”. Viveram os
profissionais da TV Tupi uma “linda história de amor”, como sempre disse a atriz e produtora
Vida Alves.
É perceptível ver que a emoção marcou a Tupi, do primeiro ao último dia. De tempos românticos,
dos pioneiros vindos do rádio, a uma produção industrial. Foi um gigante que caiu de pé e, com
garra, querendo se reerguer, como por tantas vezes o fez. Um espírito que vimos, anos depois,
também na Rede Manchete, herdeira de metade de seus canais, que buscou caminhos para não
ir à falência, mas que também acabou. Ainda assim, Tupi teve uma garra tão forte que aqueles
que a assistiam não entenderam ao certo a razão de ela ter saído do ar. Aquele canal, que foi
pioneiro do videoteipe, do satélite e das cores, nos faz pensar no “Manifesto Antropofágico”
(1928) de Oswald de Andrade: “Tupi or not Tupi? That is the Question”. Quando a Tupi deixou
de ser, de existir? Ou, assim como em sua novela “A Viagem”, vê-se o espírito presente em
outros corpos? É mais provável acreditar nisso, uma vez que quem chegou ao fim foi o canal,
mas não os profissionais que fizeram sua história, muito menos as experiências, com erros, mas
muitos acertos. Hoje, Lima Duarte, Eva Wilma, Laura Cardoso, Antônio Fagundes, Fernanda
Montenegro e Tony Ramos ainda dão um show de interpretação na Rede Globo, assim como Ana
Maria Braga alegra as manhãs; Rolando Boldrin conta “causos” na TV Cultura; Silvio Santos e
Raul Gil divertem nos finais de semana do SBT; Jussara Freire e Antônio Petrin estrelam novelas
na Record1, onde um dos diretores é Alexandre Avancini, filho de Walter Avancini, um dos
grandes dirigentes da Tupi. Na RedeTV!, a apresentadora Faa Morena mesclou dois programas
de sucesso da Tupi, em “Almoço com os Artistas”. A Band marcou sua teledramaturgia nos
anos 1980 com um grande número de ex-profissionais da Tupi, como o diretor Atílio Riccó —
que fez “Como Salvar Meu Casamento”, na extinta emissora, e o sucesso “Os Imigrantes”, no
canal da família Saad — era pai de Rodrigo Riccó, diretor de “Melhor da Tarde”, hoje sucesso
1 Lembrando que a Rede Record é de Edir Macedo que, ao lado de R.R. Soares, começou a
fazer cultos televisionados pela TV Tupi, em 1978, com “Despertar da Fé”. Ao abrir horários
para locação, como fez primeiramente com o norte-americano Rex Humbard, a Tupi angariou
recursos e abriu também espaço para a produção independente, estimulando também a
segmentação na TV.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 681
na emissora. Já a TV Gazeta de São Paulo, por muitos anos, teve no seu primeiro time o cantor
e apresentador Ronnie Von que, na Tupi, contava com Claudete Troiano como repórter de seu
programa, outro nome que marcou a história do Canal 11 paulistano. Por fim, destacamos que
diversas novelas da Rede Tupi ganharam belíssimos remakes na Rede Globo, como “A Viagem”,
“Mulheres de Areia”, “A Barba Azul” (“A Gata Comeu”), “O Machão” (“O Cravo e a Rosa”) e,
recentemente, “Éramos Seis”.
Esses são alguns exemplos para mostrar que o sangue da Tupi continua a correr por aí; que rostos
da antiga emissora ainda chegam até vocês pela antena, pelo cabo e pelo streaming, somando
todas outras experiências e histórias que vieram depois, transitando por outros canais, mas
sempre seguindo em frente. O mesmo sangue que corre no profissional de televisão, nos anseios
do radiodifusor e nas heranças, de pai para filho. Do analógico ao digital. Da “radiofônica” e
primitiva TV Tupi às centenas de emissoras digitais em todo Brasil.
A história nos leva daqueles enxutos estúdios, com uma equipe pequena, mas aguerrida, para
um enorme formigueiro de gente, com milhares de pessoas trabalhando em grandes complexos,
como os Estúdios Globo, em Jacarepaguá, ou o CDT do SBT, na Rodovia Anhanguera, em São
Paulo. Agora, além da programação diversificada e abrangente, temos a segmentada, como nos
tantos canais pagos criados pela Band e Globo. Hoje, temos canais internacionais e sucursais de
nossas emissoras para todo lado do mundo.
Tentamos, nesta obra, aproximar as pessoas do que realmente era a TV Tupi. Mostrar sua
infraestrutura, revelar segredos e detalhes esquecidos sobre a emissora, e dar uma visão mais
verossímil da sua história, que, insistentemente, tinha passagens sendo contadas de maneira
equivocada e até jocosa. Quisemos demonstrar uma Tupi que personifica o brasileiro, tão
conhecido por sua bravura de não desistir nem nos piores momentos, achando sempre uma
alternativa. Contar a história de uma forma mais clínica enaltecerá e tentará explicar as razões
da televisão não ser apenas uma paixão do brasileiro, mas também uma referência cultural do
país. É também demonstrar a lição dada de que, mesmo nos momentos de maior improviso nos
primeiros anos da pioneira, tudo se fez com o mais alto profissionalismo, por quem já tinha
experiência no rádio, o irmão, colega e companheiro da televisão. Depois, o teatro, cinema,
circo e outros meios como as artes, se uniram em coro na linguagem que a televisão brasileira
identificou como sendo sua.
Tantas foram as fases da televisão: para elite, para o povo, para todos. Fomos das primeiras peças
televisionadas às grandes novelas, super produzidas. Transformamos a televisão na Hollywood
brasileira. Criamos identidade. Esta e outras facetas desta identidade nacional tão bem defendida
pelas centenas de canais associados à ABERT - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão, cuja história caminha junto da radiodifusão brasileira.
Preservar a memória da TV Tupi, assim como da televisão, é resgatar um retrato audiovisual de
nossa cultura, de nossa sociedade, de sete décadas para cá. Algo importante para tecer análises,
estudos, até mesmo planejar o futuro do meio e do país, refletindo sobre os pontos positivos
e negativos. Relembrar técnicos, artistas, profissionais que desapareceram no tempo, e com
suas histórias dar maior apoio àqueles que hoje estudam ou estão se profissionalizando na área.
Sim, nós temos história e vamos torcer para que todos os órgãos que hoje preservam o acervo
remanescente da TV Tupi possam cumprir a missão de preservar a história de nossa televisão.
Para finalizar, vale ressaltar as palavras de Rubens Furtado, o último diretor-geral da Rede Tupi,
afirmadas em 1979, na comemoração dos 29 anos da emissora1:
1 “Uma Volta às Origens: A TV Tupi Parte Para a Briga”, Jornal do Commercio [RJ], 2º Caderno,
p. 1.
682 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
— Nós pagamos caro pelo nosso pioneirismo. Dizer que a Tupi é pioneira, todo mundo já sabe.
O que poucos entendem é que este pioneirismo significou um ônus que se reflete até hoje. Não é
à toa o ditado: “A areia do deserto está cheia de ossos de pioneirismos”. Estamos entre os poucos
que não deixaram ossos no deserto. Mas, temos pagado alto preço pelo nosso pioneirismo.
Furtado atribuiu à Tupi uma inacreditável capacidade de resistência, ao seguir no ar com
inteligência, mas sem dinheiro. Assim como a TV Tupi, os profissionais seguem resistindo, dia
após dia, para tocar todos que acompanham a nossa televisão. Criar, produzir, aproximar, atrair,
seduzir. A maior interatividade da televisão está no seu próprio conteúdo, quando após uma cena
ou uma notícia, quem as vê é tocado de alguma forma... alegria, tristeza, raiva, compaixão, calor
humano. Seguem-se, então, diariamente, abertos às novas ideias. O passado e os ensinamentos
dos tempos da “pioneira” seguem presentes e se mesclam às novidades, buscando no futuro uma
compreensão de um turbilhão de informações.
Encerramos esta obra ao estilo da TV Tupi, berço da nossa teledramaturgia, que com seus
teleteatros, séries e novelas, adaptou brilhantemente grandes clássicos da literatura nacional e
internacional. Por isso, nada melhor que citarmos um autor como o irlandês James Joyce. Ele
escreveu em “Ulisses” (1922):
“Não há passado, nem futuro, tudo flui em um eterno presente”.
A TV Tupi vive, pois a televisão brasileira sempre viverá! A história da TV Tupi é do
“Tamanho do Brasil”!
Conheça o Memória ABERT, núcleo da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão que
visa o resgate histórico de sua trajetória como dos veículos de radiodifusão, além de sua relação
com o público em geral.
O Memória ABERT tem coordenação do jornalista e pesquisador Elmo Francfort, com vasta
experiência na área de preservação da memória de rádio e da TV, tendo trabalhado para as
principais redes de emissoras do país.
TV ANO 70
O projeto engloba uma exposição virtual (memoria.abert.org.br), o lançamento do livro “TV Tupi
- Do Tamanho do Brasil” e de alguns podcasts para comemorar as sete décadas de um dos meios
mais queridos pelos brasileiros: a televisão aberta. Desde sua inauguração, em 18 de setembro de
1950 com a TV Tupi - Canal 3 de São Paulo, até os dias atuais, são centenas de emissoras espalhadas
por todo Brasil.
ABERT
Presidente: Flávio Lara Resende
Vice-Presidente: Roberto Cervo Melão
Diretor-Geral: Cristiano Lobato Flores
Diretora de Comunicação: Teresa Azevedo
Conselho Curatorial: Rodrigo Orengo (Grupo Bandeirantes),
Maísa Alves (SBT) e André Dias (TV Globo)
ARQUIVO
Reprodução da mensagem da Associação de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), em comemoração aos 25 anos da
inauguração da TV brasileira.
Capa: O edifício-sede das Emissoras Associadas de São Paulo, localizado no bairro do
Sumaré, em foto da década de 1960 (Diários Associados/reprodução)
Formato: 18 x 25,5 cm
Tipologia: Times New Roman
Papel miolo: Offset LD 90g/m2
Papel capa: Triplex 250 g/m2
Número de páginas: 700
Editoração: Jungle Office