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ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 1

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Francfort, Elmo
TV Tupi do tamanho do Brasil / Elmo Francfort,
Maurício Viel. -- 1. ed. -- São Paulo :
Ed. dos Autores, 2022.

ISBN 978-65-00-46471-9

1. Televisão - História 2. Televisão - Rio de


Janeiro (RJ) - História 3. Televisão - São Paulo
(SP) - História 4. TV Tupi (Brasil) - História
I. Viel, Maurício. II. Título.

22-113522 CDD-791.450981
Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : TV Tupi : Televisão : História


791.450981

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

Copyright © 2020-2022 de Elmo Francfort e Maurício Viel.


Todos os direitos reservados. Esta obra ou qualquer parte dela não pode ser
reproduzida ou usada de forma alguma sem autorização expressa, por escrito, dos
autores ou editor.
Entramos em rede. Acho que é isso
que posso falar da parceria com o Viel.
Amigos de muito tempo, nos unimos
para contar essa empolgante história.
No final dos anos 2000, trabalhando
com a atriz Vida Alves, ela me disse
que eu deveria contar algo mais
detalhado sobre a Tupi, com uma visão
de pesquisador. Nos últimos anos, em
conversa com o Viel, ele me apresentou
a mesma ideia. Pronto! Com o seu olhar
altamente clínico, juntamos esforços
por vocês, pela memória da TV e,
principalmente, da Tupi. Boa leitura!

Elmo Francfort

Como um grande fã, senti vontade de


contar a rica história septuagenária
da Televisão Tupi sob o viés
técnico, enfocando os processos
da radiodifusão, a estrutura e o
equipamento. Unindo forças com o
experiente amigo Francfort, meu desejo
se realizou e esta obra nasce no lugar
ideal: na associação que congrega as
emissoras de radiodifusão do país.
A produção foi o resultado de mais
de uma década de pesquisas, mais
aprofundadas nos últimos três anos,
quando a ideia amadureceu. Que esta
obra se torne fonte de informação e
referência bibliográfica para muitos
trabalhos de pesquisa sobre a história
da TV brasileira, esta que aqui ganhou
alguns aspectos mais verossímeis
e esclarecedores. Viva os 70 anos
da inesquecível TV Tupi! Viva a TV
brasileira!

Maurício Viel
Dedicamos esta obra a todos que construíram a
história da televisão, principalmente aos pioneiros
da TV Tupi, que bravamente deram início a uma
era. Em especial, rendemos nossas homenagens
in memoriam a quatro profissionais que também
são protagonistas desta história: o empresário
Assis Chateaubriand, que abriu as portas do Brasil
à TV; a atriz Vida Alves, que levantou a bandeira
da preservação da memória do meio televisivo; o
ex-presidente da ABERT, José de Almeida Castro;
e o ator e diretor Mauro Gianfrancesco, grande
pesquisador e incentivador desta obra. Nossos
sinceros agradecimentos por terem aberto os
caminhos para que, orgulhosamente, pudéssemos
aqui contar as primeiras histórias da televisão
brasileira.

Aos meus pais, à Marcela e aos nossos filhos


Pedro e Luiza; à toda minha família e, em especial,
a meu tio Luiz Francfort, um dos profissionais
“tupiniquins” desta história. (Elmo Francfort)

Aos meus saudosos pais, à minha esposa Ingrid


e aos nossos filhos Felipe, Marília e Eduardo.
(Maurício Viel)
APRESENTAÇÃO

Contando com transmissões oficiais de televisão desde 18 de setembro de 1950, o


Brasil é o quinto país do mundo a contar com este serviço, antes mesmo de muitos
países desenvolvidos.
O interesse público pela televisão começou cedo no Brasil, em 1939, quando o
povo carioca teve oportunidade de ver apresentações com artistas do rádio sendo
especialmente televisionadas por equipamentos alemães. A mídia impressa
brasileira passou a publicar com frequência as últimas novidades sobre o
desenvolvimento da televisão pelo mundo, até que, em 1948, impulsionadas pelo
interesse popular pela nova mídia, foram intensificadas as movimentações para
concretização do sonho: a inauguração das primeiras emissoras de TV no Brasil. E
não demorou muito para a televisão se transformar em paixão nacional.
Agora, você embarca numa viagem de 51 capítulos pela história da TV brasileira,
em homenagem aos 70 anos desta caixa mágica, completados em 18 de
setembro de 2020. Há, portanto, muito para ser contado — desde a invenção e o
desenvolvimento da televisão pelo mundo, passando pelas primeiras experiências
no Brasil e pela implantação da emissora pioneira da América do Sul, a TV Tupi de
São Paulo. Depois, contaremos detalhes de sua trajetória, resgatando informações
que haviam se perdido com o tempo. E contaremos como foi seu fim, em 1980, e
qual o seu legado, presente até hoje em nossa televisão.
“TV Tupi - Do Tamanho do Brasil” é uma obra que marcou o projeto TV ANO 70,
realizado pelo núcleo “Memória ABERT” da Associação Brasileira de Emissoras
de Rádio e Televisão. Um presente dirigido aos radiodifusores, pesquisadores e
telespectadores brasileiros.
Esta é uma edição ampliada e atualizada, com muito mais informações e fotografia,
além de um novo projeto gráfico, com a consolidação dos três volumes originais da
obra em apenas um e a adoção de uma nova capa.
Bem-vindo ao universo da PRF3-TV Tupi-Difusora de São Paulo, a primeira imagem
da TV brasileira.
Os autores.
Julho de 2022.
AGRADECIMENTOS
(Em ordem alfabética)
Alan Brandão Gomes, Alexani Barbosa, Alzira Francfort, Ana Paula Messeder, Ana Rosa
Corrêa, Anamaria Dias, André Dias, André Pereira Alexandrino, Ângelo Zanquetta, Antônio
de Andrade, Antônio Viviani, Arquivo dos Diários Associados, Arquivo Público do Estado de
São Paulo, Arthur Ankerkrone, Arthur Vieira, Beto Mainieri, Bruno Milani, Caio de Freitas
Sasson, Carla Fernanda da Silva, Carlito Camargo, Carlos Eduardo Câmara Del Bianco,
Carlos Travaglia, Cássio Gabus Mendes, CEDOC SBT, CEDOC TV Cultura / Fundação Padre
Anchieta, CEDOC TV Globo, CEDOM TV Bandeirantes, Clarice Campolina, Claudete Siqueira,
Cláudio Donato, Cléber Papa, Cristiano Reis Lobato Flores, Cristina Padiglione, Cristofer
Guardia, Daniel Abravanel, Daniel Starck, David José Lessa Mattos, Daysi Bregantini,
Delvair Thomazelli, Denise Michelotti, Departamento do Patrimônio Histórico de São
Paulo, Diego Rainho, Dorival Afonso, Edson Rodrigues, Eduardo Affonso, Eduardo Arake,
Eduardo Ferreira (in memoriam), Élio Tozzi, Elizabeth Gonçalves, Ernesto Hypólito, ESPN
Brasil, Estado de Minas (jornal), Esther Rocha, Eudes de Souza, Eva Wilma (in memoriam),
Fábio Chateaubriand Borba, Farol Santander, Fernanda Baleroni, Fernando Fernandes,
Fernando Silveira, Flávio Cavalcanti Júnior, Flávio Lara Resende, Francesco Calvano, Frisson
Comunicação, Giovanna Fluminhan, Giovanna Prado, Gregório Zolko, Gurupy Martins,
Helenita Sanches, Humberto Mesquita, Ingrid Guardia, Irene Campos Lara, Íris Caroline
Souza, João Escobar, Johnny Herbert Jr., Jonas Viana Villar, José Alfredo Machado de Assis,
José de Almeida Castro (in memoriam), José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), José
Inácio de Melo Souza, José Luiz Goldfarb, José Maria Pereira Lopes, José Roberto Maluf,
Jovem Pan, Junji Yokochi, Karen Zolko, Laura Cardoso, Leonardo Scheier, Lucas Diniz,
Lucas Fuser, Luciana Bandeira, Luciana Dias, Lui Riveglini, Luigi Calvano, Luís Gustavo, Luiz
Eduardo de Melo e Silva (Edu Malavéia), Luiz Francfort, Luiz Marxen, Luiz Santoro, Magoo
Félix, Maísa Alves, Marcela Bezelga, Marcello Martins, Marcos Antônio Zago, Marcos
Mendonça, Marcos Resende, Marcus Anversa, Mariana Alonso, Marianne de Castro,
Marília Fanucchi, Marina Villara, Mário Fanucchi, Mário Neves, MASP - Museu de Arte de
São Paulo Assis Chateaubriand, Mauro Gianfrancesco (in memoriam), Miguel Cipolla, MIS -
Museu da Imagem e do Som (SP), Mônica Ziegler, Museu da Cidade de São Paulo, Nathália
Duarte Ballesteros, Noel Fernandéz, Orlando Negrão, Patrícia Mayo, Paulo Machado de
Carvalho Neto, Museu da TV, Rádio & Cinema, Ráriton Cassoli, Regiani Ritter, Regina da
Glória Lopes, Reinaldo Elias, Renan Pessanha Daniel, Renato Góes, Ricardo Gerassi, Ricardo
Migliorini, Ricardo Rossin, Ricardo Viel, Richard Benetti, Roberto Rodrigues, Roberto Salvi,
Robson Cerqueira, Rodolfo Bonventti, Rodrigo Orengo, Ronnie Von, Rubens Hübner, Sheila
Schvarzman, Sônia Maria Dorce, Tato Gabus Mendes, Teresa Azevedo, Thiago Garcia,
Thiago Uberreich, Tuca Reinés, TV Alterosa, Valter Pascotto, Vanessa Corrêa, Vida Alves (in
memoriam), Viviane Comunale e Wilson Martins. Às associações regionais de televisão,
aos integrantes da ABERT e suas emissoras associadas, assim como a todos os demais que,
direta ou indiretamente, colaboraram na criação desta obra.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..................................................................................................... 9
AGRADECIMENTOS................................................................................................. 10
INTRODUÇÃO
A FASE EMBRIONÁRIA DA TELEVISÃO NO MUNDO.................................................. 23

PARTE 1
A IMPLANTAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA TELEVISÃO.................................... 26

PREFÁCIO
CRISTINA PADIGLIONE.................................................................................................27

CAPÍTULO 1
RCA, A PROPULSORA DA TELEVISÃO COMERCIAL.................................................. 29
As Primeiras Estações de Rádio do Mundo............................................................... 31
Desenvolvendo o Sistema RCA de Televisão............................................................ 35
Conclusão das Pesquisas na RCA - Demonstração de TV Para um Brasileiro......... 37
As Primeiras Estações de TV do Mundo.................................................................... 39
A Feira Mundial de Nova York.................................................................................... 41
A Televisão e a Guerra............................................................................................... 44
David Sarnoff.............................................................................................................. 46
Philo Farnsworth, o Inventor da TV Eletrônica........................................................... 49
RCA versus Farnsworth - A Disputa Pela Paternidade da TV Eletrônica................... 50

PARTE 2
CHATEAUBRIAND ENTRA PARA A HISTÓRIA DA TV.................................................. 79

CAPÍTULO 3
CHATEAUBRIAND SE ENCANTA COM A TELEVISÃO................................................. 80
As Empresas Paulistas dos Diários Associados........................................................ 83
Conhecendo a América.............................................................................................. 85
Chatô Visita David Sarnoff na RCA............................................................................ 86
Concretizando a Compra dos Equipamentos............................................................. 89
Estagiando em uma Estação de TV........................................................................... 91

CAPÍTULO 4
CIDADE DO RÁDIO - ERGUE-SE O “BERÇO” DA TV TUPI.......................................... 93
O Complexo Radiofônico do Sumaré......................................................................... 95
Sistema Irradiante...................................................................................................... 95
Força do Vento........................................................................................................... 96
A Vizinhança do Sumaré............................................................................................ 97
As Ondas Curtas da Rádio Difusora - Pioneiras no Brasil......................................... 97
1942 - Inaugura-se a Cidade do Rádio...................................................................... 98
A Incorporação da Difusora pelas Emissoras Associadas......................................... 102
Obras de Cândido Portinari Decoram o Auditório do Sumaré.................................... 104
A Padaria Real........................................................................................................... 106

CAPÍTULO 5
AS PRIMEIRAS CONCESSÕES DE TELEVISÃO NO BRASIL..................................... 107
TV Tupi - Pedidos de Concessão para o Rio de Janeiro e São Paulo....................... 107
Canal 3....................................................................................................................... 109
Divulgando a Chegada da Televisão “Associada”...................................................... 110
César Ladeira e a Rádio Televisão do Brasil S/A....................................................... 113
TV Tupi do Rio de Janeiro.......................................................................................... 119

CAPÍTULO 6
ESTÚDIOS CINEMATOGRÁFICOS TUPI - A SÉTIMA ARTE ANTES DA TV.................. 120
“Quase no Céu”.......................................................................................................... 122
Outras Produções...................................................................................................... 124
The End...................................................................................................................... 125

CAPÍTULO 7
TV TUPI DO RIO DE JANEIRO - PARTE 1 - MONTAGEM E ATRASOS....................... 127
Desafio no Alto do Pão de Açúcar.............................................................................. 129
Central Técnica e Diretoria......................................................................................... 130
Testes de Câmera...................................................................................................... 131

CAPÍTULO 8
A CONSTRUÇÃO DOS ESTÚDIOS DO CANAL 3......................................................... 135
A Extinção do Campo de Peteca................................................................................ 136
Transmissor e Antena................................................................................................. 137
As Obras.................................................................................................................... 138

CAPÍTULO 9
A CHEGADA DOS EQUIPAMENTOS A SÃO PAULO..................................................... 142
Rumo ao Brasil........................................................................................................... 143
A Unidade Móvel........................................................................................................ 144
Recepcionando os Equipamentos em Santos........................................................... 145
Subindo a Serra......................................................................................................... 147
CAPÍTULO 10
ORGANIZANDO A PRF3-TV...........................................................................................149

CAPÍTULO 11
A MONTAGEM DO TRANSMISSOR E DA ANTENA...................................................... 154
Edifício Altino Arantes................................................................................................. 154
Foi Mais Fácil Elevar a Torre de Televisão do Pão de Açúcar.................................... 160
Uma Sala Muito Especial........................................................................................... 164

CAPÍTULO 12
PRÉ-ESTREIA DA TV TUPI - EXPERIÊNCIAS COM FREI JOSÉ MOJICA................... 165
Edifício Guilherme Guinle........................................................................................... 165
Chatô Toma uma Decisão Inesperada....................................................................... 167
Frei Mojica se Apresenta em São Paulo no Ano Santo.............................................. 167
“O Maior Acontecimento do Broadcasting Bandeirante”............................................ 169
Inaugurando o Edifício Guilherme Guinle e a Ampliação do Museu de Arte.............. 172
Frei José Mojica - Outras Apresentações.................................................................. 175

CAPÍTULO 13
OS PRIMEIROS RECEPTORES DE TV......................................................................... 177
Walter Obermüller...................................................................................................... 177
“Bote no Ar!”............................................................................................................... 178
Presidente Dutra........................................................................................................ 178
Reunião Artística........................................................................................................ 179
Uma Versão Verossímil dos Fatos............................................................................. 179
O Contrabando Como Única Solução........................................................................ 180
As Primeiras Importações.......................................................................................... 182
O Primeiro Carregamento da RCA............................................................................. 183
Vendendo Televisores................................................................................................ 185
Preço Alto................................................................................................................... 186

CAPÍTULO 14
DEMONSTRAÇÕES DE TELEVISÃO DA GE EM SÃO PAULO................................... 187
A Montagem dos Equipamentos................................................................................ 189
“Vídeo Educativo”....................................................................................................... 189
O Primeiro Programa de TV Produzido em São Paulo.............................................. 190
Televisão na Prática................................................................................................... 191
As Cirurgias do Vídeo Médico.................................................................................... 192
Tecnologia em Altíssima Frequência.......................................................................... 193
Senhoras Amáveis, Cavalheiros Circunspectos, Meninos Endiabrados.................... 194
CAPÍTULO 15
LIGANDO O TRANSMISSOR - A FASE EXPERIMENTAL DA PRF3-TV.............................195
“Uma Televisão que Vai Serra Abaixo e Serra Acima”............................................... 197
Vitrines e Prateleiras: Receptores de TV Espalhados pela Cidade........................... 199
Programas na Tela..................................................................................................... 199
Mudando a Rotina da Cidade..................................................................................... 205
Agendamento para Inauguração da Televisão........................................................... 206

CAPÍTULO 16
VAMOS ENTRAR NO AR!...............................................................................................207
Artistas e Convidados................................................................................................ 207
A Alvorada da TV Brasileira........................................................................................ 208
Mensagens................................................................................................................. 213
Intervalo...................................................................................................................... 215

CAPÍTULO 17
FALHA TÉCNICA.............................................................................................................216
“Esqueçam Tudo o que Ensaiamos”.......................................................................... 217

CAPÍTULO 18
TV NA TABA - O SHOW INAUGURAL............................................................................ 221
Introduzindo o Encanto da TV.................................................................................... 223

CAPÍTULO 19
COMEMORANDO...........................................................................................................230

CAPÍTULO 20
REFLEXÕES SOBRE A INAUGURAÇÃO DA TV........................................................... 233

CAPÍTULO 21
OS PRIMEIROS DIAS DE PROGRAMAÇÃO REGULAR............................................... 235
“Audições Normais” A Partir de Hoje.......................................................................... 236
O Início da Programação Inédita................................................................................ 237
Filmes e Desenhos Animados.................................................................................... 240
Setembro de 1950...................................................................................................... 241
Outubro de 1950........................................................................................................ 243
As Primeiras Grades de Programação Divulgadas.................................................... 246
Perfeição Técnica no Sumaré.................................................................................... 249

CAPÍTULO 22
A HORA DOS INTERPROGRAMAS............................................................................... 253
O Problema Entre os Programas............................................................................... 253
O Gray-Telop.............................................................................................................. 254
Enfim, o Gray-Telop é Instalado................................................................................. 255
Implementando o Interprograma................................................................................ 256
Teletexto..................................................................................................................... 257
Tons de Cinza............................................................................................................. 258

CAPÍTULO 23
TV TUPI DO RIO DE JANEIRO - PARTE 2 - FASE EXPERIMENTAL E INAUGURAÇÃO................259
No Ar, o Padrão de Testes do Canal 6....................................................................... 260
Agendando a Inauguração......................................................................................... 262
Inaugurando a Segunda Estação de TV Brasileira.................................................... 262
A Programação Regular............................................................................................. 264
Uma Comparação Artística Entre as Duas “TV Tupi”................................................. 265

CAPÍTULO 24
A INFRAESTRUTURA DAS EMISSORAS ASSOCIADAS - ANOS 1950.......................... 267
Taba Guaianases e Taba Tupi.................................................................................... 267
Sumaré - O Novo Estúdio “B”..................................................................................... 272
Pavimentos e um Terceiro Estúdio no Sumaré.......................................................... 273
Monteiro Lobato Inaugura o Estúdio “C”.................................................................... 276
Retomando os Projetos do Edifício e de Mais Um Estúdio........................................ 278
Investindo em Publicidade......................................................................................... 278
Terceira Versão do Projeto de Ampliação.................................................................. 280
Estúdios de Rádio no Casarão Vizinho...................................................................... 281

CAPÍTULO 25
SURGEM AS CONCORRENTES DA TV TUPI DE SÃO PAULO................................... 283
TV Paulista................................................................................................................. 283
TV Record.................................................................................................................. 286
TV Excelsior............................................................................................................... 288

GALERIA DE FOTOS 1............................................................................................. 290

PARTE 3
DA TELEVISÃO REGIONAL À PROGRAMAÇÃO VIA SATÉLITE.................................. 309

PREFÁCIO
LAURA CARDOSO.........................................................................................................310
CAPÍTULO 26
AS PRIMEIRAS TRANSMISSÕES DIRETAS................................................................. 312
Ligando em Rede as TVs Tupi do Rio e de São Paulo.............................................. 316
TV Ribeirão Preto....................................................................................................... 318

CAPÍTULO 27
AQUISIÇÃO DA PRE-4 - RÁDIO CULTURA................................................................... 319
Uma Rádio de Verdade.............................................................................................. 321
O Jabaquara e a “Hora da Peneira”........................................................................... 323
O Imponente Palácio do Rádio.................................................................................. 324
Água Branca............................................................................................................... 326
Frequência Modulada................................................................................................. 326
O Arrendamento da PRE-4........................................................................................ 327
A Venda da PRE-4 a Chateaubriand.......................................................................... 328
Rádio Cultura Como Uma Emissora Associada......................................................... 330
A Utilização do Auditório na Avenida São João.......................................................... 331

CAPÍTULO 28
CONSTRUINDO O MONUMENTAL EDIFÍCIO DO SUMARÉ....................................... 333
Gregório Zolko............................................................................................................ 334
A Composição dos Andares....................................................................................... 337
Os Painéis Indígenas da Fachada............................................................................. 338
Conclusão das Obras do Edifício das Emissoras Associadas................................... 346
De Casa Nova............................................................................................................ 347
Inauguração............................................................................................................... 347

CAPÍTULO 29
NOVO LOCAL DE TRANSMISSÃO E A MIGRAÇÃO PARA O CANAL 4....................... 351
Um Novo Projeto de Transmissão Para a TV Tupi..................................................... 354
“O Sumaré Ficará Mais Alto”...................................................................................... 357
Transmissões Experimentais do Novo Canal 4.......................................................... 361
Migração Gradual....................................................................................................... 363

CAPÍTULO 30
A REDE DE TELEVISÃO ASSOCIADA DO INTERIOR PAULISTA................................ 365
Postos de Retransmissão.......................................................................................... 366
Rede Brasileira de Televisão Associada.................................................................... 367
A Histórica Transmissão da Inauguração de Brasília................................................. 370
Expansão................................................................................................................... 377
CAPÍTULO 31
A CHEGADA DO VIDEOTEIPE NO BRASIL................................................................... 378
Kinescópio.................................................................................................................. 378
Fita Magnética............................................................................................................ 379
Vantagens.................................................................................................................. 380
O Início do Videoteipe no Brasil................................................................................. 381
O Primeiro VT da TV Tupi.......................................................................................... 382
TV Cultura no Sumaré e Quatro Novos Estúdios para a TV Tupi.............................. 388
Novas Estruturas Fora da Cidade do Rádio............................................................... 390
Teledramaturgia.......................................................................................................... 391
1961 - Cine-Teatro Tupi (Consolação)....................................................................... 393
A Nova Fachada da Alfonso Bovero........................................................................... 398
Casa Musical.............................................................................................................. 402
1967 - Teatro Tupi (Sumaré)...................................................................................... 402
O Estúdio “F”.............................................................................................................. 411
1969 - Teatro Tupi (Brigadeiro)................................................................................... 412

CAPÍTULO 33
INAUGURA-SE A TV CULTURA..................................................................................... 415
Campanha de Lançamento........................................................................................ 417
O Ato Solene de Inauguração do Canal 2.................................................................. 418
Incêndio...................................................................................................................... 423
A Nova Sede na Água Branca.................................................................................... 424

CAPÍTULO 34
1963 - AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM TV EM CORES..................................... 428
“A Maior Noite do Ano”............................................................................................... 430
Lançamento Oficial das Experiências........................................................................ 432
Programação Experimental em Cores....................................................................... 435
TV Excelsior e a Primeira Transmissão Ao Vivo em Cores........................................ 437
Indústria Nacional....................................................................................................... 438
Fim da Primeira Fase Experimental da TV em Cores no Brasil................................. 439

CAPÍTULO 35
O CONDOMÍNIO ACIONÁRIO E A MORTE DE CHATEAUBRIAND.............................. 442
Condomínio Associado, um Instrumento a Serviço do Brasil..................................... 443
A Doença de Chateaubriand...................................................................................... 444
Morre o Velho Capitão................................................................................................ 446
Disputas Internas....................................................................................................... 448
CAPÍTULO ESPECIAL
A CRIAÇÃO DA ABERT..................................................................................................451

CAPÍTULO 36
RÁDIO DIFUSORA E A LINGUAGEM JOVEM DA “JET MUSIC”................................... 460
A Nova Programação “Jet Music”............................................................................... 462
1970 - Emissoras Associadas Apostam no FM em São Paulo.................................. 465
Equipamentos............................................................................................................ 465
Difusora FM - Inauguração e Perfil da Programação................................................. 466
Anos 1970: Dárcio Arruda e “Jet Music”..................................................................... 467
1978 - O Novo Projeto da Difusora............................................................................ 468
O Fim da Rádio Difusora............................................................................................ 470

CAPÍTULO 37
A INFRAESTRUTURA DAS EMISSORAS ASSOCIADAS - ANOS 1970....................... 471
1973 - O Fechamento do Auditório............................................................................ 472
1973 - Estúdio-Anexo................................................................................................. 472
1975 - Novo Estúdio para Novelas na “Brigadeiro”.................................................... 473
1978 - A Demolição do Auditório do Sumaré.............................................................. 474
1978 - Vila Guilherme................................................................................................. 475
1979 - Discoteca Aquarius......................................................................................... 477
1978 - Incêndio no Controle Mestre........................................................................... 478

CAPÍTULO 38
1972 - A IMPLANTAÇÃO DA TV EM CORES NO BRASIL............................................. 480
Definição de Padrões pelo Mundo............................................................................. 480
Sistema PAL é o Mais Viável para o Brasil................................................................ 481
Lançamento da TV em Cores: Um Problema Econômico-Financeiro........................ 483
1970 - Primeiras Experiências em Cores, Via Embratel............................................ 484
Agendando a Estreia Oficial....................................................................................... 487
TV Tupi de São Paulo na Implantação das Cores..................................................... 489
Nas Lojas, as Cores dos Testes do Canal 4.............................................................. 493
Festa da Uva.............................................................................................................. 494
Testando as Cores Durante a Programação.............................................................. 497
Lançamento Comercial da TV em Cores no Brasil.................................................... 497
Desenvolvimento da Programação em Cores na Tupi............................................... 502

CAPÍTULO 39
REDE TUPI VIA EMBRATEL, PARA TODO O BRASIL................................................... 505
Canal 4 de São Paulo: Único Gerador de Programação da TV Tupi......................... 509
Uma Autêntica Rede Tupi de Televisão...................................................................... 512
GALERIA DE FOTOS 2............................................................................................. 515

PARTE 4
CRISE, CASSAÇÃO E O LEGADO DA TELEVISÃO PIONEIRA.................................... 523

PREFÁCIO
EVA WILMA.....................................................................................................................524

CAPÍTULO 40
AS NOVAS CENTRAIS TÉCNICA E DE PRODUÇÃO................................................... 526
As Novas Centrais de Exibição e Produção de São Paulo........................................ 528
Polarização Circular................................................................................................... 530
Equipamentos............................................................................................................ 530
As Obras na Torre...................................................................................................... 531
Novos Equipamentos e Material Humano Qualificado............................................... 534
A Chegada dos Equipamentos................................................................................... 535

CAPÍTULO 41
A CRISE DOS DIÁRIOS ASSOCIADOS......................................................................... 538
Pioneira Perde a Liderança nos Anos 1960............................................................... 541
Ofício do Dentel ao Condomínio Associado............................................................... 546
Em São Paulo, a Crise Era Mais Aguda..................................................................... 549

CAPÍTULO 42
GREVES.........................................................................................................................551
O Começo do Fim...................................................................................................... 552
A Greve dos Atores.................................................................................................... 555
Vendendo Empresas Paulistas.................................................................................. 557
Cheques Sem Fundo Encerram a Programação de São Paulo................................. 559
Concordata Preventiva............................................................................................... 560
Calmon Vai à TV......................................................................................................... 561
Negociações do Governo........................................................................................... 564
O Dia em que a Pioneira Não Entrou Mais no Ar....................................................... 568

CAPÍTULO 43
A PROGRAMAÇÃO EM 1980......................................................................................... 569
Rumo aos 30 Anos..................................................................................................... 572

CAPÍTULO 44
“DEIXE-NOS TRABALHAR, SR. PRESIDENTE!” - A CASSAÇÃO DA REDE TUPI....... 576
O Anúncio e as Justificativas...................................................................................... 576
A Vigília no Rio de Janeiro......................................................................................... 580
Retirada dos Cristais e Lacração dos Transmissores................................................ 583
Tupi do Rio Gravando Comerciais............................................................................. 589
Pagamentos............................................................................................................... 590

CAPÍTULO 45
LICITANDO OS CANAIS DA REDE TUPI....................................................................... 592
O Certame.................................................................................................................. 593
Anunciando Oficialmente os Vencedores................................................................... 599
A Carta de Silvio Santos............................................................................................. 604
Impasse na Assinatura dos Contratos........................................................................ 606
Alugando a Nova Torre da TV Tupi............................................................................ 609
Cancelamento das Licitações: Um Espião na Sala ao Lado...................................... 610
Transmitindo e Assinando os Contratos..................................................................... 614

CAPÍTULO 46
O LEILÃO DOS BENS DAS “ASSOCIADAS” DE SÃO PAULO...................................... 621
Justiça Marca o Leilão dos Bens da Tupi................................................................... 622
622
De Berço da TV Brasileira a Depósito de Leilões...................................................... 624
Leiloando Equipamentos............................................................................................ 625
O Edifício-Sede das Emissoras Associadas.............................................................. 628

CAPÍTULO 47
O DESTINO DAS DEMAIS EMISSORAS ASSOCIADAS DE SÃO PAULO................... 629
Rádio e TV Cultura..................................................................................................... 629
Rádio Difusora - AM e FM.......................................................................................... 635
Rádio Tupi.................................................................................................................. 638

CAPÍTULO 48
OS BENS DA TV TUPI DE SÃO PAULO NOS DIAS DE HOJE...................................... 643
O Acervo Remanescente da TV Tupi......................................................................... 645
TV Abril/MTV no Edifício-Sede das “Associadas”...................................................... 655
Grupo Abril como Locatário do Grupo Silvio Santos.................................................. 661
O Edifício-Sede dos Diários Associados.................................................................... 666
Praça TV Tupy e Placa Memória Paulistana.............................................................. 668

CAPÍTULO 49
VIDEOGRAFISMO..........................................................................................................670

CAPÍTULO 50
CONCLUSÃO - TV TUPI: SEMPRE PRESENTE........................................................... 677
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 23

INTRODUÇÃO
A FASE EMBRIONÁRIA DA TELEVISÃO NO MUNDO

A
televisão é resultado da brilhante coordenação do trabalho de muitos pesquisadores e
de muitas inteligências que se dedicaram, através de mais de um século, às descobertas
destinadas ao enriquecimento do patrimônio da humanidade. Ao falarmos especificamente
da invenção da televisão, não se deve analisar o equipamento específico, mas sim o coletivo de
seus sistemas de captação da imagem e do som; amplificação elétrica; transmissão e recepção; e,
por último, de conversão da energia elétrica em luz. Todos eles bem complexos e que embarcaram
diversas tecnologias e patentes, envolvendo muito tempo, investimento, pesquisa e… disputa.
O processo de invenção e aperfeiçoamento da TV é subdividido pela fototelegrafia — desenvolvida
em 1842 por Alexander Bain e com transmissão de imagens estáticas via telégrafo; pela televisão
mecânica — baseada no Disco de Nipkow, já com transmissão de imagens em movimento; pela
televisão eletrônica — fundamentada nos dispositivos Tubo de Raios Catódicos e Iconoscópio;
e pela atual TV digital.
As origens da televisão remontam às descobertas básicas do brilhante e luminoso selênio, em
1873, quando um operador de telégrafo chamado Joseph May, trabalhando em uma estação
na Irlanda, constatou despropositadamente as propriedades fotossensíveis deste metaloide, que
fora descoberto em 1817 pelo químico sueco Jöns Jacob Berzelius. Com o selênio, foi possível
converter ondas de luz (imagens) em impulsos elétricos. No ano de 1875, o inventor norte-
americano George Carey descobriu que imagens em movimento poderiam ser transmitidas se
fragmentadas em partículas. O francês Maurice LeBlanc concluiu, em 1880, que se ao menos 16
quadros com imagens estáticas fossem apresentados sucessivamente a cada segundo, dariam a
impressão de movimento (também princípio básico do cinema).
O maior destaque da fase primitiva da invenção da televisão foi o processo mecânico do Disco
de Nipkow, projetado em 1884 pelo inventor polonês Paul Julius Gottlieb Nipkow. Ele captou
imagens divididas em pequenos pontos, as transmitiu e as reagrupou em outro aparelho para
formar a imagem. Em 1897, começou a ser desenvolvido o importante sistema eletrônico do
Tubo de Raios Catódicos pelo físico alemão Karl Ferdinand Braun. Posteriormente, o engenheiro
britânico Alan Campbell-Swinton amplificou as correntes elétricas que seriam usadas nas
transmissões de televisão — nome cunhado em 1900, pelo cientista russo Constantin Perskyi, no
I Congresso Internacional de Eletricidade, em Paris, França.
Foi preciso, porém, que duas décadas se passassem para que cientistas de muitas nações
conseguissem tornar a televisão realmente viável. Quem conseguiu avançar mais satisfatoriamente
foi o inglês John Logie Baird, que em 1923 iniciou pesquisas que levaram ao desenvolvimento
do primeiro sistema prático de televisão mecânica, ainda com baixíssima definição. O sistema
de Baird utilizou um Disco de Nipkow e conseguiu superar a fase de estudos de laboratório em
1926, quando foi realizada a primeira demonstração pública de televisão do mundo, no Real
Institute of London. Na ocasião, foram exibidas, numa pequena tela, imagens de rostos humanos
em movimento, captados por uma câmera no local da demonstração, com variações de luz e
24 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

sombra. Foi o suficiente, contudo, para que todos observassem as vastas possibilidades daquela
nova e impressionante técnica.
Baird perseverou no aperfeiçoamento de seu sistema e chegou ao ponto em que, no ano de
1929, a rádio estatal britânica BBC - British Broadcasting Company1 firmasse um acordo para
realização das primeiras transmissões de programas televisuais de forma experimental, pelo ar,
fora dos horários de seus programas radiofônicos. A televisão estava nascendo.
Para obter uma boa ilusão de imagem em movimento, era preciso que a placa de selênio fosse
atingida por focos luminosos com uma velocidade mínima de 20 vezes por segundo. Com isso,
cada célula da placa captaria a luz e a transformaria em energia elétrica no ínfimo espaço de
1/1.400.000 de segundo. Contudo, este processo era inviável em um sistema mecânico como o do
Disco de Nipkow, pois, superaquecido, se incendiaria antes de atingir a velocidade exigida. Para
elevar a qualidade das imagens, foi necessário descobrir um meio de impressionar a retina do
aparelho de televisão sem o auxílio de métodos mecânicos. Isto foi conseguido eletronicamente,
ou seja, com a utilização dos elétrons em um aparelho que registrou as imagens através de
um estímulo que a luz produzia na célula da retina humana. Era uma solução inspirada no
funcionamento do próprio olho humano.
A primeira transmissão de um evento pela TV foi feita experimentalmente em 1928, pela General
Electric, nos Estados Unidos, mostrando a solenidade do Partido Republicano para indicar seu
candidato à presidência da República — o então governador de Nova York, Al Smith. Onze anos
se passaram até que outro fato de importância fosse transmitido por áudio e vídeo: a visita dos
reis da Inglaterra à Feira de Nova York, em 1939. Nesta importante exposição foram levados
para fora dos estúdios os avanços da televisão alcançados até aquele momento.
Édouard Belin e René Barthélemy tornaram-se os vanguardistas do movimento francês de
televisão. E, na Alemanha, Denys Von Mihaly e Manfred Von Ardenne também fizeram valiosas
contribuições para o progresso da televisão.
Sobreveio, porém, a Segunda Guerra Mundial e com ela praticamente um período de
“hibernação”, pois as companhias que desenvolviam a televisão, entre outras, prioritariamente
dirigiram seus trabalhos para produção de equipamentos para o conflito. No entanto, alguns
engenheiros conseguiram continuar nos seus trabalhos neste período e foram eliminando os
obstáculos que surgiam naquela tecnologia.
Até que, em 1945, com o cessar-fogo, os pesquisadores conseguiram retomar normalmente os
estudos e a fabricação de televisores. Emissoras passaram a ser ativadas e reativadas em grande
escala, principalmente nos Estados Unidos, estabelecendo um marco na era das comunicações.
Tal como sobre a Torre Eiffel, a 315 m de altura, ou sobre o Empire State Building, a 380 m, as
antenas transmissoras de televisão passaram a ganhar destaque nos cenários urbanos de diversas
partes do mundo, propagando informação, cultura e entretenimento. Na Europa e nos Estados
Unidos, a TV exerceu profundo efeito nos hábitos sociais, com as pessoas tendendo a voltar do
trabalho e nela buscar distração ao invés de ir ao cinema. No caso do teatro, por outro lado, o
interesse popular foi muitas vezes estimulado pela TV, que trouxe uma nova mentalidade e um
novo modo de vida que, embora considerado por alguns como uma fase passageira, tornou-se
permanente.
A seguir, antes de chegarmos ao princípio da história da televisão no Brasil, veremos como se
deu o processo de industrialização e lançamento da televisão comercial nos Estados Unidos,
com base em três nomes importantes — os cientistas Vladimir Zworykin e Philo Farnsworth
e, também, David Sarnoff, presidente da RCA-Victor, fabricante dos primeiros equipamentos
profissionais de TV a serem usados no Brasil, a partir de 1950.
1 Em 1927, o significado da sigla BBC foi mudado para British Broadcasting Corporation.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 25
26 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

PARTE 1
A IMPLANTAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA TELEVISÃO
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 27

PREFÁCIO
CRISTINA PADIGLIONE

Do Chuvisco Fez-Se a Imagem


Da Caixa, a Luz e o Som

A jornalista Cristina Padiglione.


(divulgação)

Nessa era em que qualquer cidadão transmite uma imagem de seu celular para o outro lado do
mundo, soa à ficção científica revisitar todo o contexto que há sete décadas apresentou tantos
obstáculos à transmissão de som e imagem sincronizados para dentro da casa das pessoas no
Brasil. Elmo Francfort e Maurício Viel nos trazem nesta obra uma riqueza inédita no conjunto de
detalhes que construiu a insana corrida pelo pioneirismo da TV no país.
Mergulhar nesse universo confirma a convicção de que, mais que um visionário, o financiador
da chegada desta caixa mágica, também dita janela para o mundo, teria de ser essencialmente
alguém capaz de preterir a razão em favor da emoção, elemento prioritário para o consumo da
TV pela massa. Assis Chateaubriand, a seu modo, não chegou antes dos outros à toa nem era
o único visionário da época, mas era o sujeito que não esmorecia diante de uma bola na trave.
As páginas a seguir são um documento desse retrato por meio da inauguração da TV Tupi,
prefixo PRF-3, primeiro canal de televisão da América do Sul. Quantos outros empresários,
empreendedores dignos de respeito, lançaram-se, sem o mesmo êxito, aos trâmites necessários
para ter a sua estação de TV, com pedidos de outorga, concessão e autorização para importação
de equipamentos? Quantos não chegaram antes de Chatô na fila de tentativas para ter a própria
28 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

estação de TV, essa maravilha então já conhecida em outros países?


Quem teria a ousadia de sugerir ao presidente da República que a solução, diante da burocracia então
vigente para a entrega imediata de alguns televisores, seria recorrer a um famoso contrabandista?
Embora esta seja uma história revisitada aqui com outro contexto e data, diferentemente das
versões já publicadas, a indecorosa proposta ao chefe da nação, ao que consta, existiu mesmo.
Como isso se desdobrou, só lendo para saber, que aqui não cabem spoilers.
Alvo de minuciosas pesquisas e vasto conhecimento dessa história, assim como dos personagens
que a construíram, o relato de Elmo e Maurício nos brinda com as deliciosas lendas contadas
e recontadas ao longo desses 70 anos, como o episódio da câmera que teria quebrado porque
Chatô teria estourado uma garrafa de champagne nela. O leitor saberá que, embora a prosa seja
saborosa, o conto não foi bem esse.
Reproduções de publicações em jornais, livros anteriores, imagens e cartórios são confrontados
com depoimentos de quem testemunhou aqueles dias, quando o talento do brasileiro para
improvisar na TV foi bravamente testado desde o primeiro dia. Como não faltam bons
contadores de causos nesses bastidores, sempre convém cruzar dados, documentos e mais de
uma testemunha: essa premissa é cumprida à risca pelos autores.
Por fim, e nem chegamos ao FIM, já que este livro é só o começo de tudo, convém conhecer os
primeiros tijolos da assim batizada Família Sumaré, endereço que tem se encarregado de manter
em pé o que se edificou há sete décadas. O que nem Chatô imaginaria é que mesmo após o fim
de seu canal, aquele quadrilátero inspiraria tantos outros talentos e cenas de outras emissoras, a
saber, SBT, MTV Brasil e ESPN Brasil, marcando até hoje pontos de referência fundamentais
na arte de se fazer TV.
É louvável que a televisão, meio até hoje inconteste na liderança de se comunicar com o povo
brasileiro, ganhe uma atenção documental desta grandeza que aqui se apresenta. A obra alça a
novos patamares o propósito de recuperar as décadas em que a TV foi tratada pelos acadêmicos
e estudiosos como foco desprezível, de questionável valor artístico e social, reduzida à arte de
vender sabonetes.
É imprescindível que se entenda sua capacidade de levar informação, diversão, educação e
conscientização social, reconhecendo o valor de quem se esmera para que o espetáculo não pare.
Há defeitos? Sim, como todo segmento e arte, há muitos. Compreender sua engrenagem, no
entanto, e o seu poder de alcance, é preciso, a fim de enaltecer os bons e envergonhar os maus
atores do show.

Cristina Padiglione, jornalista.


ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 29

CAPÍTULO 1
RCA, A PROPULSORA DA TELEVISÃO COMERCIAL

U
ma das maiores e mais influentes empresas de eletrônicos do mundo no século XX foi a
norte-americana RCA - Radio Corporation of America. Ao mesmo tempo, atuou em diversas
áreas da comunicação e do entretenimento, desde a produção de discos de vinil até a
fabricação de satélites de comunicação. O nascimento da RCA, em 1919, está ligado com a The
Wireless Telegraph & Signal Company Ltd., empresa fundada em Londres, no ano de 1897, pelo
físico e inventor italiano Guglielmo Marconi, considerado o “pai do rádio”1. Seu objetivo era
explorar comercialmente os serviços de telegrafia sem fio (ou radiotelegrafia), que ele mesmo havia
patenteado.

O inventor e empresário italiano


Guglielmo Marconi. (divulgação)

1 Há muita controvérsia sobre esse título. Fortes evidências apontam que os primeiros resultados
positivos das experiências com transmissão de áudio sem fio aconteceram no Brasil, cerca de um ano
antes de Guglielmo Marconi, na Itália. O responsável foi o padre, físico e químico Roberto Landell
de Moura, que teria realizado transmissões experimentais de radiofonia já entre 1893-94. Desta
forma, muitos especialistas entendem que Marconi é o inventor da radiotelegrafia (transmissão de
sinais telegráficos sem fio), ao passo que o padre Landell de Moura é o inventor da radiotelefonia
(transmissão de áudio sem fio). Entretanto, injustamente, ambas as patentes são atribuídas a
Marconi.
30 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Dois anos após sua inauguração, a empresa de Marconi já lucrava com um imenso tráfego de
mensagens e promovia uma ação de expansão mundial. Seu nome foi mudado para Marconi
Wireless Telegraph Company Ltd. e a subsidiária Marconi Wireless Telegraph Company of
America foi fundada nos Estados Unidos, para participar efetivamente da guerra de patentes e
do desenvolvimento de produtos eletrônicos. Em 1912, a empresa assumiu os ativos da falida
United Wireless Telegraph Company e a subsidiária americana da Marconi se tornou a principal
empresa de comunicação dos Estados Unidos. Suas operações radiotelegráficas se avolumaram e
as empresas norte-americanas do mesmo ramo tiveram dificuldades para competir, uma vez que
não possuíam as patentes mais importantes da radiotelegrafia, todas nas mãos de Marconi. Após
a Primeira Guerra Mundial, o controle comercial da Marconi acabou surtindo uma forte oposição
por parte de seus concorrentes norte-americanos, que a apontavam como uma companhia
estrangeira que buscava o monopólio naquele país.

Foi então que as empresas American Telegraph, Westinghouse e


General Electric uniram-se numa ação comum e conseguiram a
aquisição de mais da metade das ações da Companhia Marconi
americana, perdendo desta forma, os ingleses, o controle exercido
na América. Foi daí que nasceu a Radio Corporation of America,
a qual, além de explorar a radiotelegrafia, adentrou-se pela
radiofonia em 1919, produzindo transmissores e receptores de rádio.
Estes, em larga escala, no intuito de atender à intensa procura dos
compradores, ansiosos de se tornarem rádio ouvintes. (“História do
Rádio e da Televisão no Brasil e no Mundo”, Mário Ferraz Sampaio,
Achiamé, 1984:49)

Em 1919, sob a pressão das empresas General Electric Company (GE), Westinghouse Electric
Manufacturing Company e American Telephone and Telegraph Company (AT&T), a Marconi
Wireless Telegraph Company of America (ou simplesmente American Marconi) teve que vender
a maior parte de suas ações e se tornou subsidiária da GE. A empresa foi renomeada como
Radio Corporation of America (RCA) e “absorveu” o laboratório de pesquisas de rádio da GE
em Schenectady, Nova York. Tempos depois, a Westinghouse e a GE fecharam um acordo de
licenciamento cruzado, a fim de juntar todas as suas patentes e se fortalecer no mercado da
radiocomunicação. O acordo passou a vigorar em junho de 1921, com alterações no quadro
acionário da RCA e a soma de mais de 1,2 mil patentes.

Logomarca da RCA - Radio Corporation


of America. (reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 31

O primeiro gerente-comercial da RCA foi David Sarnoff, um russo radicado nos Estados Unidos
que se tornaria um dos principais personagens da história do rádio e da televisão mundial. Ele
que terá o devido destaque nas linhas mais adiantadas deste capítulo.

As Primeiras Estações de Rádio do Mundo

Apesar de ter sido teorizada em 1863 pelo matemático e físico britânico James Clerk Maxwell,
foi em 1887 que surgiram demonstrações práticas sobre a existência das ondas eletromagnéticas.
Quem provou isso foi o físico alemão Heinrich Rudolf Hertz, que descobriu como produzir
tais ondas por meio de descargas elétricas por centelha (ou faísca) e, assim, transmitir pulsos
elétricos com mensagens pelo ar — a radiotelegrafia —, sem uso de cabos. É por este fato que a
unidade de medida de frequência é mundialmente chamada de “hertz”.
Durante a primeira metade dos anos 1910, a prática da radiotelegrafia já havia se tornado muito
popular nos Estados Unidos e já eram várias as estações que transmitiam informações por meio
dos traços e pontos do Código Morse. Muitas delas eram amadoras, já que numerosos cidadãos
comuns desejavam experimentar a incrível tecnologia da comunicação ponto-a-ponto sem
fios. Até então, os transmissores usados eram eletromecânicos, de centelha, os únicos capazes
de gerar ondas eletromagnéticas em determinadas frequências. Contudo, eles só conseguiam
transmitir o Código Morse, mas o mesmo não ocorria com músicas e voz humana. Mesmo com
esta limitação, virou tradição transmitir por radiotelegrafia as apurações eleitorais realizadas nos
Estados Unidos.
No entanto, desde 1909, o inventor e professor norte-americano Charles David Herrold vinha
realizando operações experimentais de radiotelefonia, ou seja, transmitindo brevemente música
e voz. Herrold tinha uma escola onde treinava futuros operadores de radiotelegrafia para navios
e em estações costeiras. A partir de 1912, ele aparentemente se tornou a primeira pessoa a fazer
transmissões ponto-a-ponto regulares com programação de entretenimento, com sua estação
em San Jose, Califórnia. Ele usou um transmissor de arco, uma novidade desenvolvida pelo
engenheiro dinamarquês Valdemar Poulsen, que transmitia com onda contínua. Assim, ele pôde
também realizar transmissões regulares e contínuas de música instrumental ao vivo e execuções
de discos fonográficos, com sinais de radiotelefonia captáveis por qualquer receptor apropriado.
Naquele mesmo ano de 1912 surgiu a Lei de Rádio, que determinou o licenciamento das
estações norte-americanas e Herrold recebeu, três anos depois, uma licença com o indicativo
6XF. Apesar da popularidade de suas transmissões, elas atraíram apenas a atenção local, em San
Jose. Entretanto, a emissora cresceu e, anos depois, se tornou a KCBS, que opera até hoje em
San Francisco.
Em 1914, começaram a aparecer os primeiros transmissores e receptores de rádio industrializados,
contendo o Tubo de Vácuo (ou Válvula Termiônica), um desenvolvimento técnico revolucionário
que levou à introdução efetiva da radiodifusão no mundo. Tanto os operadores amadores
quanto as empresas comerciais passaram a testar estes novos componentes, visto que, agora, os
transmissores poderiam emitir com mais eficiência em ondas contínuas, obrigatórias para poder
propagar músicas e voz humana com qualidade pelo éter1. A nova válvula podia garantir melhor
qualidade de áudio, já que a amplificação passou a ser feita por Amplitude Modulada (AM),
técnica usada até os dias de hoje.
1 Nas primeiras décadas do rádio, era muito comum chamar de “éter” o meio existente no
espaço por onde todas as ondas eletromagnéticas se propagam. É o mesmo que, nos dias de
hoje, falar que as ondas estão “no ar”.
32 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O líder das experiências com a Válvula Termiônica foi seu próprio inventor, o engenheiro norte-
americano Lee DeForest. Ele a desenvolveu em 1906 e a chamou de “Audion”, apesar de que a
intenção inicial era apenas fazer recepção de sinais eletromagnéticos. Contudo, anos depois, a
Audion foi aperfeiçoada por outros cientistas e, a partir de 1914, passou a ser comercializada em
larga escala, dando novo rumo ao rádio. DeForest reconheceu em sua autobiografia a ironia de
ter negligenciado o potencial de desenvolver sua Audion como um transmissor de rádio. Ele era
proprietário da DeForest Radio Telephone and Telegraph Company e, após as novas descobertas
acerca da Audion, voltou a realizar experiências por meio de sua estação amadora 2XG, na
cidade de Nova York, com o sistema de radiotelefonia (ou broadcasting) para qualquer receptor
sintonizar livremente.
Em 26 de outubro de 1916, DeForest fez a primeira transmissão pública experimental de sua
estação, executando discos fonográficos da gravadora Columbia, que o apoiou no projeto. A
estreia da fase experimental da estação aconteceu estrategicamente em 6 de novembro, com uma
transmissão noturna de meia hora, apresentando a leitura das principais notícias No dia seguinte,
aconteceram eleições presidenciais nos Estados Unidos e os resultados e análises foram ao ar
pela 2XG, marcando a primeira transmissão de apuração das eleições com voz humana. Estimou-
se que 7 mil receptores amadores acompanharam os trabalhos da 2XG e, nos dias subsequentes,
prosseguiram as transmissões noturnas regulares, com discos, concertos ao vivo e notícias.

KDKA

Em posse do Tubo de Vácuo, algumas outras estações amadoras de radiotelegrafia de Nova


York saíram na frente de grandes empresas de comunicação e também passaram a transmitir
radiotelefonia com programas esporádicos, usando microfones e um fonógrafo. Entre eles,
Frank Conrad, assistente do engenheiro-chefe da matriz da Westinghouse, em Turtle Creek,
Pensilvânia. Ele também era radioamador e operava sua estação experimental de radiotelegrafia
com o indicativo 8XK. No entanto, no dia 6 de abril de 1917, os Estados Unidos entraram na
Primeira Guerra Mundial e o governo norte-americano ordenou que todas as rádios civis do país
fossem suspensas, interrompendo, inclusive, as transmissões inovadoras de radiofonia.
Com os Estados Unidos declarando guerra à Alemanha e a seus Aliados, a Westinghouse assinou
um contrato para produzir modernos transmissores e receptores de rádio para o uso militar norte-
americano. Quando o cessar-fogo aconteceu, em novembro de 1918, o governo norte-americano
autorizou a volta das estações de rádio civis e Frank Conrad retomou as operações da 8XK a
partir de sua nova casa, em Wilkinsburg. Usando o conhecimento adquirido na Westinghouse
durante a guerra, Conrad logo atualizou sua estação com o Tubo de Vácuo de Lee DeForest
para começar a transmitir radiofonia e tornou-se conhecido entre os radioamadores por suas
atividades experimentais, irradiando notícias e entretenimento. Até que Conrad descobriu que
diversos amadores haviam construído seus próprios aparelhos de rádio com cristal de galena1
para ouvir especialmente a estação 8XK e, atendendo a diversos pedidos, decidiu transmitir seus
programas com regularidade a partir de 17 de outubro de 1919. O radioamador recorreu a uma
loja de música para pegar discos emprestados, em troca de propaganda no ar. Foi então que o
lojista logo descobriu que os discos tocados na estação de Conrad vendiam melhor que os outros.
O vice-presidente da Westinghouse, Harry Phillips Davis, estava ciente da popularidade dos
1 Galena é um minério primário de chumbo e, devido às suas propriedades semicondutoras,
seu cristal foi utilizado como um diodo para detectar os sinais das emissoras nos receptores
mais simples de Amplitude Modulada que se pôde construir. Os próprios ouvintes podiam
construí-los em casa e ouvir um rádio de galena se tornou um hobby durante os anos 1930.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 33

programas de seu amigo Frank Conrad, mas quando leu um anúncio de uma loja de departamentos
no jornal, em setembro de 1920, que divulgava a venda de receptores para captar as transmissões
da 8XK de Conrad, o executivo viu uma grande oportunidade para a Westinghouse gerar
conteúdo em uma estação de rádio própria e fabricar receptores para vendê-los a esse público tão
interessado. Davis convenceu toda a diretoria da empresa a produzir os novos receptores usando
as instalações ociosas, onde haviam fabricado os rádios de guerra para o governo americano.
Em resposta a uma solicitação assinada por Davis, o governo autorizou, em 27 de outubro de
1920, que a Westinghouse recebesse uma licença limitada de estação de rádio comercial, com
o prefixo KDKA. Este tipo de concessão “comercial limitada” era a prática adotada naquele
momento com as licenças emitidas para empresas envolvidas em comunicação de rádio privada.
Contudo, nem no pedido original de Davis, nem na licença resultante, foi mencionado que haveria
transmissão de radiotelefonia. Havia, apenas, a menção de que a estação deveria ser usada para
comunicação ponto-a-ponto em Código Morse entre estações nas fábricas da Westinghouse.
Davis, então, solicitou aos técnicos da empresa que montassem a estação KDKA a tempo de
transmitir as apurações das eleições presidenciais, em 2 de novembro de 1920. Os preparativos
da Westinghouse incluíram a instalação de uma sala e antenas da KDKA no mais alto edifício
de seu complexo industrial, o East Pittsburgh Works, em Turtle Creek. Frank Conrad já havia
planejado transmitir os resultados das eleições pela sua 8XK, mas mudou seus esforços para
ajudar na transmissão da KDKA. Ele e Donald G. Little foram os principais responsáveis pela
construção de um transmissor de Tubo de Vácuo para a KDKA, com 100 watts de potência.
No entanto, de última hora, a Westinghouse recebeu a sonhada autorização para operar em
broadcasting (radiodifusão) numa concessão especial e provisória, classificação que permitiu o
uso de uma frequência de transmissão em uma faixa livre, diferente da usada pelos amadores e
que estava muito congestionada.

A Westinghouse, dois anos após fundar a primeira estação


oficial de radiodifusão no mundo — a KDKA, em 1920 —,
também foi responsável pela montagem da primeira emissora
de radiodifusão do Brasil, a temporária SPC do Rio de Janeiro
(ver Capítulo 2).

Em 2 de novembro de 1920, com apenas quatro funcionários, a estação KDKA transmitiu


os resultados das eleições presidenciais com sucesso, quando venceu o candidato Warren G.
Harding. Estima-se que a KDKA foi ouvida por cerca de mil pessoas. A emissora realizou
transmissões semanais até 21 de dezembro, quando embarcou em uma ambiciosa programação
diária, que fez com que ganhasse destaque nacional. Pouco tempo depois, a Westinghouse já
abriria duas outras estações de rádio pelos Estados Unidos.
A cobertura das eleições norte-americanas de 1920 é considerada por muitos historiadores
como o início da radiodifusão, apontando a KDKA como a primeira estação de rádio do mundo.
Contudo, de acordo com o que já abordamos, as primeiras estações de radiotelefonia foram, entre
34 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

outras, as amadoras 6XF, de Charles Herrold, e a 2XG, de Lee DeForest. A KDKA, portanto, foi
a primeira estação de rádio do mundo a ser devidamente autorizada pelo governo para fins de
broadcasting (ou radiodifusão).
Tiveram lugar há pouco, nos Estados Unidos, as comemorações do
vigésimo aniversário da criação da radiodifusão naquele país. E
todos os programas especiais, transmitidos em cadeia, apontaram
como vanguardeiro do broadcasting norte-americano o doutor
Frank Conrad, dirigente da “pêerre”1 KDKA. Mas, no melhor da
festa, apareceu o veterano inventor Lee DeForest, reclamando a
prioridade das experiências radiofônicas na terra de Tio Sam. No
telegrama dirigido a Leo Rosemberg, da National Broadcasting
Company, declarou aquele ilustre cientista que a primeira emissora
norte-americana foi a 6XF, de San Jose (Califórnia), instalada há
um quarto de século. E — mais do que isso — acentuou que nem
sequer cabe à KDKA, de Pittsburgh, o segundo lugar entre as mais
antigas estações da União. A WWJ, de Detroit, e KNX, de Los
Angeles, iniciando as suas atividades também há quatro lustros,
avantajaram-se em algumas semanas à “pêerre” do doutor Frank
Conrad. A retificação do criador da “garrafa mágica” causou,
como era natural, sensação nos meios radiofônicos estadunidenses.
As colunas dos mais prestigiosos jornais, notadamente “The New
York Times”, abriram-se para acolher entrevistas e depoimentos
autorizados. E, até hoje, muita gente não sabe se as homenagens
deviam marcar as “bodas de prata” ou somente dois decênios de
progresso do broadcasting na América do Norte. Mas, pelo que
se depreende dos debates, se Lee DeForest pôs a sua emissora em
atividade há um quarto de século, a KDKA foi, de fato, a primeira
estação que constitui num serviço público, com menção obrigatória
de seu prefixo em todas as transmissões. Houve, portanto, motivos
de sobra para se destacar a figura do doutor Frank Conrad, um dos
pioneiros do broadcasting. (“O Rádio nos EE. UU.”, Vamos Ler!,
30/01/1941, p. 53)

RCA Entra na Disputa do Broadcasting

Broadcasting - Expressão inglesa, empregada na agricultura com


o significado de “semeando”. Broadcast quer dizer semear o trigo,
semear o trevo etc. Evoluindo, o termo broadcast tem a significação
de semear com prodigalidade e a mancheias os dons da fortuna. Em
radiotelefonia, broadcasting é a ação de irradiar concertos, notícias,
notas de ciências; semear o saber, as novidades e a alegria para o
espírito dos ouvintes. (Diário de Pernambuco, 09/05/1925, p. 1)
Tal como a Westinghouse, a recém-formada RCA também agiu para se estabelecer como uma
fornecedora de programação broadcasting, já com experiência em comunicações internacionais
e marítimas. Adquiriu sua primeira rádio em 1923, a WJZ de Nova York, que foi a segunda

1 Forma antiga de se referir a uma estação de rádio no Brasil, baseando-se que todos os
prefixos das emissoras no Brasil iniciavam-se com as letras “PR”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 35

estação de broadcasting no mundo, montada pela Westinghouse em 1921. No mesmo ano, a


RCA inaugurou a WRC em Washington e logo foram iniciados os esforços para ligar em rede
as estações WJZ e WGY da GE, algo que aconteceu em dezembro de 1923. Mas, a sonhada
rede de emissoras da RCA surgiria mesmo em 1926, quando a companhia norte-americana de
telecomunicações AT&T centralizou todas as suas emissoras de rádio em uma nova subsidiária,
a Broadcasting Company of America, e a vendeu para a RCA. Com isso, em 15 de novembro de
1926, foi formada a rede nacional de rádios da RCA, a NBC - National Broadcasting Company,
Inc.
Três anos após, a RCA adquiriu uma fabricante de fonógrafos (toca-discos) e LPs, a Victor
Talking Machine Company, e foi renomeada como RCA-Victor. Em janeiro do ano seguinte,
David Sarnoff, que atuava como gerente-geral da RCA desde sua fundação, assumiu como
presidente da empresa, com a meta de levar música para os domicílios pelo ar (broadcasting),
procurando inovar nas áreas de produtos eletrônicos e de entretenimento. Com a experiência e o
know-how da Victor Talking Machine Company, a RCA-Victor começou a fabricar seus próprios
receptores e equipamentos para transmissão de rádio, além das gravações sonoras (LPs) e dos
fonógrafos, que já eram produzidos pela Victor.
Embora a Grande Depressão dos anos 1930 tenha prejudicado muitas empresas em todo o mundo,
a RCA-Victor e a NBC prosperaram. Rapidamente, a RCA se tornou um dos maiores fabricantes
de eletrônicos de consumo, principalmente de rádios. Além disso, ainda nos anos 1930, a rede de
rádio NBC era muito rentável. Sarnoff mudou as sedes da NBC e da RCA para um novo arranha-
céu em Nova York, o Rockefeller Center, e criou o Radio City Music Hall, um grande complexo
com estúdios de rádio e auditórios, que contava com desempenho tecnologicamente inovador.
Contudo, em 1932, após anos de reclamações da indústria sobre a formação de um monopólio
pela RCA-Victor, a General Electric e a Westinghouse tiveram que se enquadrar à Lei Antitruste
e vender suas ações da empresa, que foi convertida em uma companhia independente. A fim
de dar uma chance para a RCA se estabelecer, as duas ex-proprietárias foram obrigadas a não
competir no negócio de rádio durante 30 meses.

Desenvolvendo o Sistema RCA de Televisão

O sistema eletrônico de televisão teve origem a partir das pesquisas de três cientistas alemães.
Karl Ferdinand Braun desenvolveu o Tubo de Raios Catódicos, em 1897, e a dupla Julius Elster
e Hans Geitel desenvolveu a célula fotoelétrica em 1905. Em seguida, muitos trabalhos foram
realizados por diversos pesquisadores ao redor do mundo, baseando-se nessas descobertas
fundamentais, a exemplo do russo Boris Rosing, que fez experiências com válvulas catódicas,
e do escocês Alan Archibald Campbell-Swinton, o primeiro a projetar uma câmera eletrônica e
um sistema de exibição.
O também russo Vladimir Koz’mich Zworykin foi aluno de Boris Rosing em São Petersburgo
(União Soviética) e, ao se formar, quis viajar para a América e prosseguir os estudos e experiências
de seu mestre. Chegou aos Estados Unidos em 1919 e procurou convencer pessoas e empresas a
investir em suas pesquisas sobre televisão. Até que obteve uma oportunidade na Westinghouse,
em 1923, onde chegou a realizar amplas pesquisas sobre as células fotoelétricas, levando-o a
conceber os princípios básicos de um equipamento que futuramente chamaria de “Iconoscópio”,
que se tornaria um componente essencial no desenvolvimento da televisão eletrônica.
36 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O cientista russo
Vladimir Zworykin.
(reprodução)

O dr. Vladimir Zworykin, engenheiro de investigações científicas


da Westinghouse Electric and Manufacturing Company, anunciou
recentemente aos membros do Instituto de Engenheiros de
Radiografia, que a televisão pode agora ser observada em uma
sala cheia de espectadores, em vez de unicamente por uma ou duas
pessoas. O uso de um Tubo de Raios Catódicos como receptor dá
a este tipo de televisão muitas vantagens sobre o bem conhecido
método de disco registrador para a transmissão de imagens. [...]
este método, depois de ser aperfeiçoado, representa um modo de
obter a televisão com um aparelho fácil de operar porque não tem o
disco registrador nem outras partes mecânicas móveis. (“Um Novo
Tipo de Televisão Descoberto Pela Westinghouse”, A Gazeta [SP],
09/06/1930, p. 7)

Na Westinghouse, apesar do seu aparelhamento moderno e de alguns bons avanços, Zworykin


não pôde mostrar toda a praticabilidade da televisão eletrônica, mas continuou suas pesquisas
enquanto buscava por novas oportunidades em outras empresas. Na época, havia cientistas
espalhados pelo planeta que trabalhavam de forma independente no desenvolvimento de
sistemas de televisão totalmente eletrônicos. Um deles era o norte-americano Philo Farnsworth,
que desenvolveu o Dissector de Imagens, componente fundamental para o funcionamento de um
sistema de televisão.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 37

David Sarnoff ainda atuava como encarregado pelo setor de transmissão de rádio da RCA
quando, em 1927, começou a reconhecer o potencial da televisão. Diversos esquemas para
operação com imagens haviam sido propostos ainda antes da Primeira Guerra Mundial, mas sem
resultados práticos. Em 1928, Sarnoff já estava determinado a tornar a empresa como pioneira
em televisão eletrônica e convidou o engenheiro Vladimir Zworykin, seu compatriota, para
trabalhar na RCA. Zworykin passou a atuar nos laboratórios recém-criados em Camden, Nova
Jersey, onde foi nomeado líder das pesquisas de desenvolvimento da televisão. Os lucros obtidos
pela RCA, principalmente com a comercialização de rádios, eram enormes e permitiram que
fossem investidos cerca de US$ 9 milhões iniciais em pesquisas para o desenvolvimento de uma
estação transmissora e de um modelo de receptor de televisão. De acordo com o próprio Vladimir
Zworykin, em uma entrevista coletiva concedida a jornalistas em São Paulo, no final de 1950,
Sarnoff o indagou, em 1928, sobre qual seria o investimento necessário para tornar realidade
seu sistema de televisão. “Eis um problema em que não havia jamais pensado e candidamente
respondi que US$ 100 mil deveriam bastar. Há pouco tempo, o general Sarnoff me informou que
já foram gastos pela RCA mais de US$ 50 milhões”, revelou o pesquisador russo em São Paulo.
Em 24 de abril de 1936, a RCA demonstrou à imprensa o Iconoscópio — do grego “eikon”
(imagem) e “shopein” (ver). Tratava-se de um Tubo de Vácuo que captava as imagens e as
armazenava em uma superfície fotossensível, onde eram lidas através de um feixe de raios
catódicos. Ou seja, uma revolucionária válvula que captava as imagens e as transformava
em sinais elétricos, uma espécie de “olho” eletrônico da câmera de televisão. Outro grande
desenvolvimento de Zworykin foi o Cinescópio (ou Tubo de Raios Catódicos), que é exatamente
o tubo da televisão, onde apareciam as imagens. Com esses dois componentes essenciais, foi
possível criar um sistema de TV inteiramente eletrônico.

Conclusão das Pesquisas na RCA - Demonstração de TV


Para um Brasileiro

Em 1935, o presidente da RCA observou que as pesquisas de laboratório estavam completas


e prontas para realização de um ensaio prático de televisão (ainda em preto e branco). A
demonstração foi satisfatória, mas a opinião questionou se aquela nova mídia estava realmente
pronta para ser introduzida nas residências da população americana. Os engenheiros sabiam,
naturalmente, como operar o aparelho receptor, mas não tinham ideia se qualquer pessoa sem
experiência poderia fazer o mesmo. Ou seja, a questão era tornar a televisão absolutamente
prática, não só comercialmente, mas também no manuseio doméstico.
Com novos avanços, um estande foi montado em 1938 na sede da RCA, em Nova York, com
um sistema completo de transmissão e recepção de TV. A proposta foi iniciar a divulgação
entre empresas de comunicação, inclusive de outros países. Uma destas empresas convidadas
a apreciar as demonstrações de TV foi o maior conglomerado de mídia do Brasil, os Diários
Associados, fundado no Rio de Janeiro pelo jornalista Assis Chateaubriand. Quem esteve em
Nova York para representar os Diários Associados foi seu diretor, o jornalista e advogado Dário
38 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

de Almeida Magalhães1, que descreveu sua primeira experiência com TV em um artigo chamado
“A Televisão”, publicado na capa de “O Jornal do Rio de Janeiro”2, o órgão-líder dos Diários
Associados.

Graças à gentileza de mr. Frank Mason, presidente da International


Broadcasting Corporation, departamento da National Broadcasting
Company, pude assistir, no edifício RCA do Rockefeller Center,
a uma experiência especial de televisão. Os técnicos da RCA, em
combinação com a NBC, têm já grandes conquistas no terreno da
televisão, de tal forma que ainda no primeiro semestre do próximo
ano pretendem lançar à venda os aparelhos que permitirão ao público
utilizar-se desta última e extraordinária invenção humana no campo
da radiotelefonia. Os engenheiros, ciosos da sua responsabilidade,
guardam reserva sobre os detalhes da obra que realizam. A
experiência a que tive o prazer de assistir revelou-me, entretanto,
que o processo de televisão já pode considerar-se perfeito. A estação
transmissora do som é uma, e a da imagem outra, essa situada em
ponto diferente e sempre mais alto. А transmissão da imagem faz-se
da torre do Empire State Building, cerca de 400 metros de altura, e
a do som do edifício RCA, mais ou menos 150 metros mais baixos.
A operação é feita em onda curta, de três metros, e a potência da
estação é baixa, atingindo o máximo de oito watts. O aparelho
receptor é semelhante em dimensões e feito a um rádio-armário
comum. Na parte superior há um espelho que reflete a imagem, que
aparece como no “écran” de cinema. A sintonização entre som e
a imagem é perfeita e as figuras são tão nitidamente visíveis como
se estivéssemos diante de um filme americano. Os progressos até
agora realizados permitem receber a imagem e o som de forma
plenamente satisfatória, dentro de uma distância de trinta milhas.
Na experiência a que assisti, presenciei e ouvi um discurso que a
senhora do presidente Roosevelt proferia no “Waldorf Astoria”, e um
jogo de foot-ball num dos estádios de Nova York. Tudo saiu perfeito e
claro como se estivéssemos presentes naquelas cerimônias. Em 1939,
provavelmente logo depois da inauguração da Grande Feira Mundial
de Nova York, já será possível ao público adquirir aparelhos mágicos,
dos quais já se fabricaram, em experiência, cerca de oitenta, para
uso dos técnicos e diretores da RCA e da NBC. Com esse milagroso
instrumento, o homem terá adquirido quase o poder de onipresença,
e dentro em pouco, calmamente sentado na sua poltrona, dentro de
casa, poderá ver e ouvir todos os grandes acontecimentos que fazem
o tecido da vida vertiginosa de nossos dias. (“A Televisão”, Dário de
Almeida Magalhães, O Jornal, 20/12/1938, p.1)

1 Dário de Almeida Magalhães havia assumido interinamente a direção dos Diários Associados
em 1932, quando Assis Chateaubriand, apoiador da Revolução Constitucionalista de 1932, se
tornou um perseguido político e teve que ficar foragido em fazendas no interior da Paraíba. Esta
revolução foi um movimento armado ocorrido nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e
Rio Grande do Sul, que almejou derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas e convocar uma
Assembleia Nacional Constituinte.
2 “A Televisão”, Dário Almeida Magalhães, O Jornal, 20/12/1938, p. 1.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 39

Na NBC, em Nova
York, Dário de Almeida
Magalhães, diretor dos
Diários Associados,
regula a imagem de um
receptor de televisão
que reproduzia um sinal
gerado do Empire State
Building. (O Jornal/
reprodução)

As Primeiras Estações de TV do Mundo

O grupo formado pela Westinghouse, GE e RCA (a AT&T vendeu sua parte acionária da RCA
em 1923) colocou no ar, em 13 de janeiro de 1928, uma estação experimental de televisão
mecânica, instalada em uma das fábricas da GE, no Condado de Schenectady, em Nova York.
Licenciada com o prefixo W2XB, ela começou operando em 790 KHz (Ondas Médias), mas com
alcance muito restrito. Logo depois, a estação fez experiências em diversas outras frequências e
resoluções de imagem, alternando entre sistemas mecânicos e eletrônicos. Foi a primeira estação
de televisão licenciada em solo norte-americano e suas experiências ficaram sob responsabilidade
da GE, como parte do projeto de desenvolvimento de televisão dirigido pelo engenheiro sueco
Ernst Alexanderson. Em 1939, ela passou a operar na faixa de VHF (Very High Frequency),
canal 6, estreando seu sistema totalmente eletrônico de transmissão. Por fim, em 26 de fevereiro
de 1942, recebeu uma licença de operação comercial e seu prefixo foi mudado para WRGB,
40 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

usado até os dias atuais como estação integrante da rede CBS - Columbia Broadcasting System.
Também em 1928, o mesmo grupo de empresas obteve uma segunda licença de televisão junto
ao governo norte-americano e colocou no ar a W2XBS no dia 1º de julho. Desta vez, foi a RCA
que ficou responsável pela emissora, onde, inicialmente, foi utilizado um sistema mecânico em
baixa definição para realização de diversos testes de recepção. O sinal para ajustar a definição
da imagem da emissora era emitido por duas horas diárias e, curiosamente, era visto um boneco
em papel-machê do famoso personagem Gato Félix, que tinha um bom contraste de tons e
podia resistir às luzes muito intensas, algo necessário nos primórdios da televisão. O boneco
ficava estático sobre a bandeja de um toca-discos e era captado por uma câmera em tempo real.
Esta imagem de testes com o personagem foi ao ar pelas manhãs por quase uma década. Em
1929, a W2XBS pôde aumentar a potência de seu transmissor instalado no condado do Bronx
e passou a emitir em 60 linhas verticais e com 20 fotogramas por segundo. Em dezembro de
1931, a RCA iniciou uma nova fase de testes de televisão pela W2XBS e alugou o 85º andar do
edifício mais alto do mundo, o Empire State Building. No topo do prédio, foram instaladas duas
pequenas antenas, a incríveis 380 m de altura. Para transmitir deste local, a RCA obteve licença
para operar uma nova estação, a W2XF - Canal 11, que utilizou um transmissor de fabricação
própria, podendo alcançar toda a área metropolitana de Nova York. Aos poucos, esta estação
foi substituindo os equipamentos mecânicos pelos eletrônicos que a RCA ia desenvolvendo
e, em fevereiro de 1939, instalou um potente transmissor de 5 kW (quilowatts), além de uma
antena especial no pináculo do Empire State. O objetivo era dar melhores condições para as
transmissões da sua estação experimental W2XF, já que chegava o momento do lançamento
oficial da televisão norte-americana, a ser realizado na abertura da Feira Mundial de Nova York,
no ano seguinte.

É preciso antes de mais nada saber que experiências várias e


dispendiosíssimas precisam ser feitas até o aperfeiçoamento do
sistema. Até ao fim de 1932, a Radio Corporation of America terá
feito instalações completas em várias estações transmissoras de
rádio, pelo país, dos aparelhamentos de televisão. Uma das estações
já se está localizando no quinquagésimo andar do prédio RCA, nº
570, Avenida Lexington, New York. Outra será colocada em prédio
ainda mais alto, em New York. A altura em matéria de televisão é
um fator dominante, assim como o é em radiotelefonia. Ambas as
estações serão postas de forma a servir New York e várias localidades
circunvizinhas. Uma terceira estação será localizada na Costa do
Pacífico. Outras estações experimentais serão espalhadas pelo país
todo. (“Agora, a Televisão: Estações Transmissoras de Televisão”,
Cinearte, 29/07/1931, n° 283, p. 20)

Com a autorização da FCC - Federal Communications Commission (órgão regulador da


radiodifusão norte-americana, existente até hoje) para iniciar as operações de televisão comercial
nos Estados Unidos, marcadas para 1º de julho de 1941, a W2XF mudou seu nome para WNBT
e logo se tornaria a geradora da rede NBC de televisão.

A TV na Europa

Paralelamente aos Estados Unidos, a televisão se desenvolvia na Europa, contudo, com uma
1 Em 1946, mudou-se para o canal 4 e seu prefixo passou a ser WRCA-TV. Atualmente, a
emissora opera como WNBC.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 41

grande diferença: as emissoras em organização eram estatais. A primeira estação europeia foi
a de Berlim, na Alemanha, chamada de Fernsehsender Paul Nipkow, nome em homenagem ao
polonês inventor da televisão mecânica. Ela passou a operar experimentalmente em 1929 e foi
inaugurada em 22 de março de 1935.
Em 1932, iniciaram-se as transmissões experimentais semanais de televisão na Inglaterra,
utilizando o sistema mecânico de John Logie Baird. Dia 2 de novembro de 1936, a emissora de
rádio BBC inaugurou o primeiro serviço regular de televisão do mundo, diretamente do Alexandra
Palace, um antigo edifício que foi preparado especialmente para receber o canal de TV (o edifício
e a torre existem até hoje). Inicialmente, dois sistemas diferentes de transmissão foram testados
pela BBC em semanas alternadas — um mecânico e outro eletrônico. O sistema mecânico de
Baird inaugurou o serviço com imagens formadas por 240 linhas horizontais. O formato era
considerado de alta-definição, apesar de que, dependendo do tom da pele, os apresentadores
precisavam receber algumas camadas de maquiagem para que o contraste necessário fosse
alcançado. O sistema mecânico de Baird operou alternadamente com o sistema eletrônico da
Marconi-EMI, mas três meses depois, baseada em recomendação do Comitê Consultivo de
Televisão, a BBC passou a adotar exclusivamente o sistema da Marconi-EMI, que alcançava
405 linhas de resolução. Inicialmente, a programação de televisão da BBC ia ao ar por duas horas
diárias e o grande destaque foi a coroação do Rei George VI, transmitida em 12 de maio de 1937.
Três câmeras eletrônicas captaram as imagens da cerimônia, que obteve a audiência estimada
de 50 mil telespectadores, ficando marcada como o primeiro evento transmitido ao vivo na
história da televisão mundial, consolidando, assim, o prestígio da televisão inglesa. Entretanto,
as transmissões da BBC tiveram que ser interrompidas em 1939, com o início da Segunda Guerra
Mundial, sendo retomadas somente após o conflito, em 7 de junho de 1946.
Em novembro de 1935 foi a vez da França entrar na era da televisão, com a estatal Rádio-
PTT Vision, transmitindo da Torre Eiffel (atualmente a emissora chama-se TF1). O pioneiro da
televisão francesa foi René Barthélemy1, físico que aperfeiçoou os inventos do britânico John
Logie Baird. Na antiga União Soviética, a televisão regular começou a funcionar em 1938, com
a estatal TV Central.

A Feira Mundial de Nova York

Considerada a maior exposição da história até então, a Feira Mundial de Nova York foi aberta
no Flushing Meadows-Corona Park a todos os povos do mundo. O presidente norte-americano,
Franklin Roosevelt, fez sua abertura oficial no dia 30 de abril de 1939, rodeado por representantes
de 60 nações. Foram gastos cerca de US$ 155 milhões para sua montagem e a área da exposição
ficou do tamanho de um bairro, com quase 5 mil km2. A proposta da feira foi estimular a economia,
que ainda sofria os efeitos da quebra da Bolsa de Nova York em 1929, mas o pretexto era celebrar
os 150 anos da posse de George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos.
A feira deveria promover os ideais iluministas norte-americanos e, por isso, o tema escolhido
foi “O Mundo de Amanhã”. A arquitetura dos pavilhões e monumentos era supermoderna,
dominada por um gigantesco obelisco e uma esfera. Os edifícios tinham diversas formas e o
vidro foi empregado como nunca, cobrindo totalmente as fachadas de diversos pavilhões. A cor
e a luz combinaram-se para que os visitantes pudessem apreciar todo o esplendor do local. O
Brasil contou com um pavilhão, projetado pelos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.

1 René Barthélemy teve participação na fase pré-televisão do Brasil. Detalhes no Capítulo 2.


42 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Entre os maiores destaques da feira estavam as demonstrações de televisão eletrônica e o


lançamento das transmissões comerciais de TV. Os novíssimos receptores da RCA, GE e
Westinghouse foram expostos ao público em belíssimos pavilhões especiais.

Aspecto geral da Feira


Mundial de Nova
York, no ano de 1939.
(reprodução)

Na inauguração do pavilhão da RCA, o presidente da empresa, David Sarnoff, comemorou:


— Agora, acrescentamos visão ao som!
Aquele pavilhão tinha o formato decorativo de uma válvula — o Tubo de Vácuo —, com a parte
frontal toda envidraçada e uma grande torre de transmissão ao lado. Os visitantes não apenas
apreciaram, mas também participaram de programas de televisão, que foram irradiados para toda
a Nova York e redondezas. Os primeiros modelos de receptores que a RCA demonstrou e colocou
à venda foram chamados de TT-5, TRK-5 e TKR-12 (os números se referem às polegadas de
cada receptor). Pensando nos visitantes céticos, que achavam que os aparelhos de TV não
passavam de um truque, a RCA fabricou especialmente um TKR-12 com a caixa transparente,
para que os componentes internos pudessem ser vistos em funcionamento. Os visitantes que
participavam dos programas especiais recebiam até um certificado de participação. Era algo
incrível para a época.

Estande da RCA na Feira Mundial de Nova York, em Público na Feira Mundial de Nova York, em 1939,
1939. (reprodução) observa o receptor especial de televisão TKR-12 da
RCA-Victor, cuja caixa era transparente. (divulgação)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 43

No pavilhão da GE havia outro estúdio de TV. Com 12 aparelhos receptores, modelos HM-
171 e HM-275, eles foram instalados em câmaras escuras para exibição dos programas, com
capacidade para 50 pessoas cada uma. Os participantes também eram entrevistados frente às
câmeras. Todavia, para eles, suas próprias imagens não ficavam nítidas no monitor do estúdio, em
função da forte iluminação necessária a que estavam submetidos. Somente o público que entrava
nas câmaras escuras é que podia ver as imagens com nitidez. As pessoas ficavam admiradas pelo
fato de que, finalmente, a televisão passava a ser uma realidade e por poderem ver amigos ou
parentes no vídeo.

Os próprios engenheiros da General Electric se surpreenderam com


o sucesso alcançado pelas demonstrações da televisão realizadas
no pavilhão GE, na Feira de Nova York. [...] Visitantes que vinham
ouvindo falar na televisão há alguns anos ainda custam a crer,
mesmo tendo diante de si a evidência que a televisão é, de fato, uma
realidade. Embora todos eles já tenham tido oportunidade de ver
amigos em fitas de cinema, o fato de, na televisão, a imagem recebida
aparecer concomitantemente com a presença da pessoa, ainda lhes
provoca certo espanto. Os comentários nas cabines dos receptores
de televisão revelam que, quando os visitantes veem seus amigos
“televisionados”, sentem como que a necessidade de responder ao
que eles dizem, tal como se estivessem conversando face a face. O
espaço destinado aos espectadores, no edifício de televisão da GE,
poderia ser três vezes maior e, mesmo assim, haveria observadores
curiosos na ponta dos pés, a procurarem ver, da última fila, alguma
coisa por cima da cabeça dos que lhes ficassem na frente. (“O Sucesso
da Estação Experimental de Televisão Instalada Pela General
Electric na Feira Mundial de Nova York”, O Jornal, 01/08/1939, p.
5)

Enquanto acontecia a Feira Mundial de Nova York, o Brasil


também teve a oportunidade de conhecer a televisão.
Em junho de 1939, a cidade do Rio de Janeiro sediou a 1ª
Exposição de Televisão do Brasil, instalada em dois pavilhões
da Feira de Amostras. Os equipamentos fabricados pela
Telefunken foram trazidos pelo governo alemão, em parceria
com o presidente da República, Getúlio Vargas. Por vários
dias, foram feitas diversas apresentações em frente às
câmeras, estreladas por cantores de emissoras de rádio
cariocas, especialmente contratados (ver Capítulo 2).
44 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Após a definição dos padrões técnicos e a RCA ter cumprido a obrigação de vender sua
segunda rede de rádio1, em cumprimento com a Lei Antitruste, a FCC autorizou as transmissões
comerciais de TV nos Estados Unidos a partir de 1º de julho de 1941. O público pôde ver as
transmissões da rede NBC Television, através da sua emissora-geradora W2XBS, de Nova York,
e as transmissões da rede CBS, gerada pela WCBW (ex-W2XAB), também nova-iorquina.
Estava lançada oficialmente a televisão dos Estados Unidos da América!
A Feira Mundial de Nova York durou um ano e meio, encerrando-se em 27 de outubro de 1940,
após 44 milhões de visitas e muitos milhões de dólares movimentados em negócios. A RCA
projetou receptores de TV baratos para o início das vendas e saiu na frente com a produção
e desenvolvimento de equipamentos profissionais para estações de televisão, competindo com
a GE e a DuMont. Tornou-se líder de mercado e forneceu equipamentos para a maioria das
emissoras de rádio e TV que surgiram em diversos países nas décadas seguintes, incluindo o
apressado Brasil...
O primeiro sistema de transmissão de TV em preto e branco da RCA, bem como seu futuro
sistema em cores, anunciado no fim da década de 1940, se tornaram os produtos mais lucrativos
da empresa. Praticamente, as premissas básicas desse sistema em cores foram usadas até nos
últimos televisores de tubo produzidos no mundo, em 2014.

A Televisão e a Guerra

Receptores com quatro aplicações e que divulgarão programas de


televisão, reprodução exata e frequência de modulação estática,
além de espetáculos transmitidos pelo método comum, usados
presentemente, serão os novos predicados da televisão depois da
guerra. Fabricantes, estações emissoras e fiscais de controle do
governo estudam a realização de futuros progressos: a vitória [na
guerra] lhes dará o sinal para iniciar os aperfeiçoamentos. (“O
Futuro do Rádio e da Televisão no Hemisfério”, Revista das Estradas
de Ferro [RJ], 15/01/1945, p. 3925)

Após todos os esforços no processo para a implantação da televisão nos Estados Unidos, as
transmissões tiveram que ser interrompidas no final de 1941, cinco meses após o início das
operações comerciais. O país havia entrado na Segunda Guerra Mundial. O conflito também
abriu um hiato no progresso da televisão na Europa. Nos Estados Unidos, França e Inglaterra,
novas licenças de TV não foram mais concedidas. A maioria das estações em operação no mundo
suspendeu os seus serviços, tal como em Moscou, Paris e Londres. As que permaneceram no
ar ficaram à disposição dos governos, com finalidade de defesa nacional, como nos Estados
Unidos, onde a RCA forneceu televisores para uso em hospitais de Nova York, objetivando
chegar aos militares feridos. A NBC exibiu programas especiais duas noites por semana, sendo
que a W2XBS e a W2XAB transmitiram programas de defesa civil. Na Alemanha, o Terceiro
Reich utilizou-se do veículo para divulgação de seu regime.

1 A segunda rede de rádio da RCA foi comprada pelo empresário Edward John Noble,
proprietário de uma fábrica de doces e de uma rede de drogarias, que formou a ABC - American
Broadcasting System.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 45

Desde que começou a guerra europeia, em setembro de 1939, os fãs


da televisão assistiram a competições esportivas, óperas, serviços
religiosos, reuniões políticas, discursos importantes e apurações
eleitorais. Com a entrada dos Estados Unidos na guerra, a National
Broadcasting Company [NBC] iniciou um curso de defesa antiaérea
ilustrado pela televisão. Acontecimentos esportivos e outros
espetáculos em Madison Square Garden foram transmitidos para
divertir feridos de guerra hospitalizados na zona de Nova York. (“O
Futuro do Rádio e da Televisão no Hemisfério”, Revista das Estradas
de Ferro [RJ], 15/01/1945, p. 3925)

Durante a guerra, os laboratórios da RCA não produziram receptores de televisão, mas


desenvolveram inovações importantes para a tecnologia bélica. As pesquisas sobre novas
tecnologias para a televisão ficaram voltadas para a defesa militar, como o desenvolvimento do
radar, uma espécie de televisão com recepção reflexa dos sinais emitidos. As pesquisas com TV
também permitiram o voo de aeroplanos em meio à neve e à tempestade e os aviões-torpedos
foram dirigidos pelos mesmos princípios da televisão. As pesquisas com TV comercial só foram
retomadas em 1945, logo após o cessar-fogo.

Curiosidades da Guerra
• Com os homens lutando no conflito, muitas estações
contrataram mulheres para operar câmeras e mesas de
controle e assim dar continuidade à programação da
televisão. Uma delas foi a WRGB de Nova York.
• Quando a BBC TV, de Londres, voltou ao ar após a Segunda
Guerra Mundial, ela reiniciou a transmissão no mesmo ponto
de um desenho animado do Mickey Mouse que havia sido
interrompido em 1939. Em seguida, surgiu a apresentadora
Jasmine Bligh, que, ironicamente, falou como se nada tivesse
acontecido: “Desculpe pela interrupção do nosso serviço de
programa. Nossa próxima apresentação é…”.
46 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Os preços dos componentes dos televisores caíram significativamente e, com a volta das
emissoras de TV na América e Europa, ver televisão se transformou na diversão favorita de
muitos. Isso preocupou os estúdios de cinema e os diretores de teatro, apesar de que, no caso do
cinema, os estúdios conseguiram gerar receita com a venda de filmes e seriados de arquivo para
a exibição na TV, e também com a produção de películas curtas e seriadas, especialmente para a
televisão, como “I Love Lucy”.
Paris voltou com as transmissões de televisão em outubro de 1945; Moscou em dezembro de
1945; diversas cidades dos Estados Unidos a partir de fevereiro de 1946; e Londres em junho de
1946, com a exibição do Desfile da Vitória dos Aliados.
Nos Estados Unidos, os números da televisão cresceram muito rápido. Seis estações de TV
voltaram a transmitir em 1946 e, um ano depois, esse número subiu para 11. A RCA e diversas
outras fabricantes investiram fortemente na venda de receptores de TV. No fim da guerra,
havia 7 mil aparelhos instalados nos Estados Unidos e, em 1948, o número subiu para 181
mil. Rapidamente a televisão começou a se tornar um grande veículo de massa. Em 1950, os
Estados Unidos já contavam com 106 estações de televisão espalhadas por 60 localidades e mais
de 8 milhões de receptores ligados em bares ou residências, fossem elas ricas ou mais pobres,
visto que a venda já se fazia à prestação. Além dos programas educativos e de entretenimento,
eram transmitidos grandes acontecimentos cívicos, políticos ou esportivos. A maior parte das
emissoras norte-americanas foi montada com equipamentos RCA, empresa que, a partir de 1948,
também passou a receber encomendas para exportação de equipamentos para broadcasting, tendo
as Emissoras Associadas de São Paulo como um dos primeiros clientes estrangeiros, transação
comercial que será amplamente abordada nesta obra.

David Sarnoff

O terceiro e grande presidente da RCA nasceu em 1891, em uma pequena aldeia na Bielorrússia
(na antiga União Soviética) e emigrou com sua família para Nova York em 1900. Para ajudar
no sustento familiar, logo passou a vender jornais após o período de aula, exercendo tal ofício
por seis anos. Lia os jornais para aperfeiçoar seu inglês e, em 1906, iniciou sua carreira no ramo
das comunicações, trabalhando como mensageiro na Commercial Cable Telegraph Company,
subsidiária da empresa britânica que controlava a comunicação por cabo submarino. Contudo,
a chave do telégrafo o atraiu para a subsidiária norte-americana da empresa britânica Marconi
Wireless Telegraph Company, onde foi contratado como office-boy. Acabou se tornando o
mensageiro pessoal do próprio presidente da empresa, Guglielmo Marconi. Com o endosso do
patrão, Sarnoff tornou-se um operador de telégrafo sem fio aos 17 anos e foi voluntário para um
serviço numa das estações remotas da empresa. Lá ele teve oportunidade de estudar com livros
de uma biblioteca técnica e fez cursos por correspondência. Dezoito meses depois, Sarnoff foi
nomeado gerente de uma estação telegráfica no bairro de Sea Gate, Nova York. Era o gerente
mais jovem de Marconi que, no ano seguinte, o promoveu como operador de telégrafos, profissão
em que Sarnoff se tornou habilidoso em pouco tempo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 47

David Sarnoff, o grande


presidente da RCA-Victor.
(reprodução)

Na madrugada de 14 de abril de 1912, Sarnoff recebeu o primeiro pedido de socorro do navio


RMS Titanic, que estava afundando a milhares de quilômetros. Passou 72 horas trabalhando
ininterruptamente, recebendo e transmitindo informações para o mundo inteiro via radiotelegrafia
(Código Morse). Este trabalho ajudou a resgatar mais de 700 pessoas e mudou a vida do russo.
Durante sua carreira, ele contou muitas vezes essa história de ter captado os primeiros pedidos de
socorro do navio Titanic. Entretanto, há versões que mostram que a estação Wanamaker, em que
ele trabalhava, estava fechada na noite de domingo em que o Titanic afundou. Sarnoff só teria
comparecido ao trabalho no dia seguinte, sendo que nas 24 horas após o naufrágio, a Marconi
manteve quase todas as suas estações desligadas para evitar interferências. Seja verdade ou não,
Sarnoff repetiu sua aventura histórica com frequência e veemência suficientes para obter uma
reputação.
Desde 1914, a American Marconi estava empenhada em desenvolvimentos, testes e
lançamentos com a tecnologia da telegrafia sem fio. Em 1916, David Sarnoff era o gerente-
comercial mais confiável de Guglielmo Marconi e estava particularmente influenciado pelas
inovadoras transmissões experimentais de radiotelefonia (voz e música) da estação 2XG de
Nova York, propriedade do engenheiro Lee DeForest. Assim, Sarnoff passou a redigir uma
série de memorandos para a diretoria da Marconi e, entre eles, o famoso “Radio Music Box”,
provavelmente datado de novembro de 1916, que revisa as possibilidades de a Marconi criar
um serviço de transmissão de rádio direcionado ao público em geral, um meio de comunicação
de massa que transformaria o rádio em um receptor doméstico. Como vimos nas linhas iniciais
deste capítulo, este é o conceito do broadcasting, ou ponto-a-massa, onde um emissor pode falar
para muitos receptores simultaneamente, podendo haver exploração comercial. Até então, como
já vimos, em geral usava-se o rádio para a comunicação ponto-a-ponto da radiotelegrafia.
Foi desta forma que Sarnoff descreveu seu projeto de transmissão e recepção broadcasting, para
a American Marconi, em 1916:
48 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Concebi um plano de desenvolvimento que poderia converter o


rádio em um meio de entretenimento doméstico como o piano ou o
fonógrafo. A ideia consiste em levar a música aos lares por meio
da transmissão sem fios [...] Poder-se-ia instalar, por exemplo, um
transmissor radiotelefônico com um alcance compreendido entre 40
e 80 km em um lugar determinado em que seria produzida música
instrumental ou vocal ou de ambos os tipos. [...] Ao receptor poder-
se-ia dar a forma de uma singela caixa de música radiotelefônica,
adaptando-a a vários comprimentos de onda de modo que seria
possível passar de uma à outra apenas fazendo girar uma chave ou
apertando um botão. A caixa de música radiotelefônica possuiria
válvulas amplificadoras e um alto-falante, tudo acondicionado na
mesma caixa. Colocada sobre uma mesa na sala, fazendo-se girar a
chave escutar-se-ia a música transmitida [...]. O mesmo princípio pode
ser estendido a muitos outros campos, como por exemplo, escutar, em
casa, conferências que resultariam perfeitamente audíveis. Também
poder-se-ia transmitir e receber simultaneamente acontecimentos de
importância nacional. (“Rádio: o Veículo, a História e a Técnica”,
Luiz Artur Ferraretto, Editora Sagra Luzzatto, 2001:88)

Contudo, apesar da brilhante iniciativa de Sarnoff, ela não avançou em um primeiro momento,
devido ao volume de negócios expandido durante a Primeira Guerra Mundial. Além disso,
supondo que o memorando “Radio Music Box” realmente seja datado de novembro de 1916,
cinco meses depois os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial e todos os serviços
de rádio foram suspensos.
Quando, em 1919, a GE comprou a subsidiária norte-americana da Marconi e incorporou
seus ativos como RCA - Radio Corporation of America, David Sarnoff manteve-se no cargo
de gerente-comercial da nova empresa, passando futuramente para gerente-geral (1921), vice-
presidente (1922), vice-presidente executivo (1929) e presidente (1930). Ele foi o responsável
por fazer disparar as vendas de rádios ao promover, em 1921, a primeira transmissão ao vivo de
um evento esportivo. Também criou e organizou, em 1926, a primeira rede nacional de rádio do
mundo, a NBC - National Broadcasting Company. Depois da implantação do rádio doméstico,
o grande projeto de Sarnoff na RCA foi a exploração do campo da televisão, que, como visto,
apresentou seu sistema totalmente eletrônico na Feira Mundial de Nova York, em 1939.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Sarnoff tornou-se conselheiro na área de comunicações
do governo dos Estados Unidos, a serviço do general Dwight D. Eisenhower. Graças às suas
habilidades em comunicação e ao apoio que deu aos Aliados na ocasião, o russo recebeu a
patente de general-brigadeiro dos Estados Unidos, em dezembro de 1945.
No entanto, quando outros desenvolvedores de televisão entraram em seu caminho, Sarnoff lutou
duramente contra eles. O inventor norte-americano Philo T. Farnsworth foi um dos poucos que
o enfrentou e venceu. David Sarnoff não era engenheiro, mas tinha muita visão e conhecimento
corporativo, algo que o levou a desenvolver bastante a comunicação mundial, especialmente
a televisão. Permaneceu como presidente da RCA até 1947, somando 17 anos no posto, e, em
seguida, passou a exercer o cargo de presidente do conselho-diretor da mesma empresa. Ocupou
esta função até 1970, quando, por motivo de doença, foi obrigado a se afastar. Faleceu no ano
seguinte, aos 80 anos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 49

Philo Farnsworth, o Inventor da TV Eletrônica

Na década de 1920 surgiu um forte concorrente para Vladimir Zworykin: o jovem inventor
norte-americano Philo Taylor Farnsworth, que, com apenas 21 anos de idade, patenteou o
primeiro sistema de televisão totalmente eletrônico no mundo. De origem simples, morava em
uma cabana em Utah, longe da civilização moderna e sem energia elétrica. Mas, como era um
garoto muito interessado por livros e experimentos científicos, certo dia leu um artigo que mexeu
muito com suas ideias e sonhos. Ele especulava sobre a possibilidade da invenção de um
equipamento híbrido de cinema e rádio, que seria capaz de emitir imagem e som em tempo real.
Naquela época, muitos cientistas trabalhavam no desenvolvimento da televisão mecânica, como
George Carey, Paul Nipkow, Karl Ferdinand Braun e Campbell-Swinton. Porém, Farnsworth se
deu conta de que a solução para os problemas da maioria dos cientistas e inventores somente
seria encontrada no campo da eletricidade. Até então, as ideias mais inovadoras que apareciam
em artigos escritos pelos pesquisadores eram baseadas nos discos rotativos (Disco de Nipkow),
com a finalidade de transformar luz em eletricidade. Segundo cálculos de Farnsworth, esses
discos teriam de rodar a uma velocidade inatingível para obter imagens que não passariam de
sombras irreconhecíveis.

O inventor norte-americano Philo


Farnsworth. (reprodução)
50 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Até que, com apenas 14 anos de idade, Farnsworth passou a criar um sistema completo de
televisão eletrônica, onde desenhou equipamentos de captação e recepção de imagens. Em 1926,
encontrou dois pequenos investidores que acreditaram em seu potencial. O jovem montou um
laboratório e fundou a empresa Farnsworth, Everson and Gorrell, onde, em apenas um ano,
desenvolveu todo o projeto do Tubo Dissector de Imagens, que faria a função de uma câmera de
TV, e do Tubo de Raios Catódicos, o receptor de TV.
O pedido de patentes de Farnsworth foi solicitado em janeiro de 1927 e seu sistema foi levado
a um resultado prático ainda naquele ano, quando conseguiu realizar a primeira transmissão de
televisão eletrônica no mundo. Com apenas 60 linhas de resolução, foram mostrados rostos e
experiências com bons contrastes. Logo, Farnsworth promoveu melhorias no sistema e passou a
transmitir imagens com estrelas de cinema e palestras com cientistas. Já bem popular, reorganizou
sua empresa em 1929, que passou a se chamar Farnsworth Television Inc. Suas patentes foram
oficializadas em agosto de 1930 e sua primeira demonstração pública do serviço de televisão
totalmente eletrônico foi realizada em 25 de agosto de 1934, no The Franklin Institute, sediado
na Filadélfia. No ano seguinte, Farnsworth passou a operar sua própria estação de televisão,
também na Filadélfia, chamada W3XPF. Após um acordo com a AT&T, celebrado em 1938, o
inventor teve capital para lançar a Farnsworth Television & Radio Corp., com sua fábrica de
aparelhos de TV em Indiana.

RCA versus Farnsworth - A Disputa Pela Paternidade da


TV Eletrônica

As empresas gigantes que surgiram em torno de todas as novas


tecnologias do século passado queriam controlar o futuro e evitar
surpresas que pudessem derrubar seus impérios. Estavam ficando
cada vez mais frustradas sobre a negociação de direitos de patente
com inventores externos. Decidiram, então, elas mesmas assumirem
a tarefa e, nas duas primeiras décadas do novo século começaram a
lançar laboratórios de pesquisa corporativos. Empresas como General
Electric, DuPont, Eastman Kodak e AT&T criaram laboratórios
que empregaram grandes grupos de cientistas e engenheiros, que
deram sua independência — e seus direitos de patente — em troca
de salários. Até agora, havia centenas desses laboratórios e o novo
RCA Laboratories estava prestes a tomar seu lugar entre os mais
prestigiados. Como resultado, a mudança tecnológica se tornaria
menos perturbadora e mais metódica, de modo a dar às próprias
empresas um controle muito maior sobre o marketing em massa de
todos os novos dispositivos que seriam lançados em seus laboratórios.
(“The Last Lone Inventor - A Tale of Genius, Deceit, and the Birth of
Television”, Evan I. Schwartz, Harper Collins, 2002:22)

Para o russo David Sarnoff, então gerente-geral da RCA-Victor, lhe pareceu absurdo que um
garoto interiorano como Farnsworth, que trabalhava de forma independente, estivesse próximo
de concretizar a complexa invenção da televisão eletrônica e iniciar, sozinho, uma fase comercial
extremamente lucrativa. Ele também estava preocupado com o avanço da tecnologia da transmissão
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 51

de imagens, que poderia prejudicar seu mercado de rádios. A RCA era uma corporação muito
agressiva com a concorrência e contratava os melhores cientistas e engenheiros pagando muito
bem, mas praticamente “obrigava” os inventores a venderem seus direitos de patente e o controle
dos termos do licenciamento. “A RCA não paga royalties. Nós os colecionamos!”, dizia Sarnoff.
Legalmente, ninguém poderia construir um receptor de rádio sem uma licença da RCA e nenhum
rádio poderia ser vendido sem o repasse dos royalties para a empresa.
Então, foi lançada uma grande ofensiva pública contra Farnsworth. A fim de ganhar tempo para
que Vladimir Zworykin desenvolvesse o sistema comercial de TV eletrônica para a RCA e o
lançasse antes de Philo Farnsworth, David Sarnoff publicou artigos em jornais para “esfriar” a
expectativa do público quanto a um breve lançamento da televisão e reafirmar que os modelos
de rádio que estavam à venda não iriam ficar obsoletos tão cedo. “Definitivamente [o rádio] não
seria ameaçado pela nova criação revolucionária de um inventor sem nome”, minimizou Sarnoff.
Depois, em meados de 1931, a RCA fez uma oferta para comprar a empresa de Farnsworth por
US$ 100 mil, mas foi rejeitada. A ideia era simplesmente criar um monopólio, tal como ela fez
com o rádio, eliminando a concorrência e colocando Farnsworth para trabalhar como empregado.
Com a negativa, David Sarnoff tomou uma atitude de diferente abordagem, aumentando o
investimento da RCA no desenvolvimento da televisão para a altíssima cifra de US$ 1 milhão
por ano. Se ele não podia comprar a Farnsworth Television & Radio Corp., iria simplesmente
investir o dinheiro no desenvolvimento de produtos para que estivessem prontos quando as
patentes de Farnsworth expirassem, algo que aconteceria em 1947. Sarnoff tinha paciência e a
RCA tinha dinheiro.
A empresa seguiu desenvolvendo seus sistemas de transmissão e recepção de TV durante os
anos 1930 e a apresentação oficial ao público foi feita durante a Feira Mundial de Nova York de
1939. No entanto, para haver esta sincronia, Sarnoff teve que influenciar o órgão regulatório de
radiodifusão — FCC — para que fosse adiado o início da televisão comercial nos Estados Unidos.
Se Farnsworth lançasse seu sistema primeiro, a RCA teria que pagar pelo uso das patentes.
E assim foi feito. A linha de transmissores, câmeras e receptores da RCA foi produzida utilizando,
sem autorização, diversos projetos desenvolvidos pela Farnsworth Television & Radio Corp. O
próprio Farnsworth e seus funcionários se perguntavam: “Como Sarnoff pôde fazer isso? A RCA
sequer tem as patentes!”. Bem-humorado, Philo Farnsworth fez piada sobre as declarações do
organizador da Feira Mundial de Nova York e de David Sarnoff, de que a TV havia nascido em
30 de abril de 1939: “O bebê está nascendo com barba cheia”, zombou Farnsworth.
Edwin Nicholas, presidente da Farnsworth Television & Radio Corp., aconselhou não processar
a RCA e tentar um acordo de licenciamento. Nicholas começou a negociar com o chefe de
patentes da RCA, Otto Schairer, e chegaram a um acordo depois de quatro meses. Fato inédito, a
RCA acabou cedendo e pagando US$ 1 milhão a Farnsworth, mais os royalties por cada receptor
de televisão a ser vendido. Schairer, como alguns relataram, chorou quando assinou o acordo.
Mesmo com todas as articulações da RCA para atrasar o lançamento da televisão eletrônica
e prejudicar o concorrente, ela realizou um grandioso investimento no desenvolvimento deste
veículo, chegando próximo dos US$ 50 milhões, mesmo antes de receber qualquer quantia
de retorno. David Sarnoff acabou admitindo a força da televisão e decidiu que se ela era o
futuro, a RCA seria a empresa responsável pelo seu lançamento comercial no mundo. Acabou
desenvolvendo equipamentos e receptores de excelente qualidade, que foram vendidos por quase
todo o planeta. A próxima conquista da empresa seria a televisão em cores.
52 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 2
OS PRIMEIROS PASSOS DO RÁDIO E DA TELEVISÃO NO
BRASIL

No Brasil, parte das experiências iniciais com transmissão de rádio-televisão, como também
era chamada a TV, se deu pela iniciativa individual de técnicos de rádio que, por curiosidade
tecnológica e sem maiores interesses financeiros, acabaram realizando cursos publicados em
revistas estrangeiras para montagem de sistemas de transmissão amadores. Já no final dos anos
1930, o presidente da República, Getúlio Vargas, se interessou em implantar a televisão regular
no Brasil, algo que impulsionou o surgimento de cursos práticos para técnico de televisão, seja
presencial ou por correspondência, amplamente divulgados em jornais e revistas brasileiros.
Como tal, surgem, por exemplo, o Instituto Rádio Técnico Monitor e o Instituto Rádio Técnico
Brasileiro, ambos em São Paulo, e o National Schools (da Califórnia), que anunciava em jornais
do Rio de Janeiro.
O cenário da televisão “embrionária” nos Estados Unidos e nos países europeus andou a passos
largos e logo se profissionalizou. Já no Brasil, houve poucas experiências notáveis nesta fase.
Algumas eram profissionais, outras amadoras, mas é preciso que todas elas sejam retratadas, pois
foram responsáveis por chamar a atenção do público brasileiro para aquele incrível veículo que
se desenvolvia rapidamente na Europa e nos Estados Unidos. Isso explica a boa popularidade
que a TV já tinha conquistado em 1950, quando ela foi oficialmente lançada no Brasil.
“A antiga Rádio Sociedade [do Rio de Janeiro] foi, no Brasil, a primeira estação a fazer
experiência de televisão, ao tempo em que Roquette Pinto era seu diretor”, publicou algumas
vezes a “Revista do Rádio”, nos anos 1960, na seção “Sabia?”. Ademais, o jornal “Diário da
Noite”, em uma importante matéria publicada em 1° de março de 1948, com o título “Há Quinze
Anos Já Havia Televisão no Brasil”, o repórter Fernando Lobo afirmou que “o professor Roquette
Pinto foi de fato o primeiro cientista que investigou a televisão no Brasil”. Para falar desta
pesquisa pioneira de Roquette Pinto, é necessário voltar à gênese do broadcasting no Brasil: a
implantação do rádio, que comemora 100 anos em 2022.

O Início da Radiodifusão no Brasil

Em 7 de setembro de 1922 foi comemorado o primeiro centenário da independência do Brasil. A


cidade do Rio de Janeiro era a Capital da República e sediava os festejos oficiais pela passagem
da importante data. Um grandioso evento, intitulado “Exposição Internacional do Centenário da
Independência”, foi organizado pelo governo brasileiro para receber delegações de 13 nações
amigas, que construiriam palacetes as arquiteturas tradicionais, chamados de “pavilhões”, onde
exporiam produtos e equipamentos originários de seus países. Eles foram construídos no centro
do Rio de Janeiro, na Esplanada do Castelo, um local especialmente preparado, que estava
localizado entre a Praça XV de Novembro e a então denominada Ponta do Calabouço.
A Capital Federal já contava desde 1909 com serviços de radiotelegrafia (ou TSF - Telegrafia
Sem Fio). Na época da exposição, o serviço de broadcasting (ou seja, a radiodifusão, que é a
transmissão regular de programas com voz e música a todos os receptores) estava apenas no seu
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 53

segundo ano de operação no planeta, contados a partir da inauguração da KDKA da Westinghouse


Electric Co., ocorrida em 2 de novembro de 1920 em Pittsburgh, nos Estados Unidos, que, como
visto no capítulo anterior, foi a primeira estação de broadcasting do mundo. Após a KDKA, outras
rádios surgiram rapidamente nos Estados Unidos e, de olho nessa movimentação radiofônica
no exterior, o governo brasileiro se interessou em realizar experiências e demonstrações de
rádio, aproveitando para transmitir os eventos musicais realizados na Exposição Internacional
do Centenário da Independência, evento que justamente daria espaço para as modernidades
realizadas pela indústria internacional e nacional.
De olho no Brasil, o evento da Exposição Internacional havia chamado a atenção de dois
fabricantes norte-americanos de equipamentos para radiodifusão, surgindo assim uma
oportunidade comercial entre o governo brasileiro, a Westinghouse Electric Co. e a International
Western Electric Co., empresas que desenvolviam equipamentos para radiodifusão.
A Westinghouse forneceria todos os equipamentos para a montagem de uma estação temporária
de rádio, que operaria de forma demonstrativa durante os meses em que a Exposição Internacional
estivesse aberta, promovendo assim o lançamento oficial do rádio no Brasil, como o governo
considerou. Para tanto, a empresa prestadora dos serviços locais de telefonia, a Rio de Janeiro
and São Paulo Telephone Company, foi designada pela Repartição Geral dos Telégrafos para
instalar e operar a estação transmissora, montando, inclusive, um estúdio para concertos no
Palácio Monroe. O transmissor e a antena operariam no alto do Morro do Corcovado — ainda
sem o monumento do Cristo Redentor —, onde duas pequenas torres foram instaladas para servir
de suporte para a antena horizontal da primeira estação de radiodifusão brasileira. Ela ganharia
o prefixo SPC e realizaria suas transmissões em Ondas Médias de 400 m (750 KHz), com 500
watts de potência.

Visão geral da Exposição do Centenário


da Independência, em 1922, no Rio de
Janeiro. (reprodução)
54 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

As torres e a antena da estação


pioneira de rádio no Brasil,
a SPC, instalada em 1922 no
Morro do Corcovado, Rio de
Janeiro. (Jorge Kfuri/Coleção
Gilberto Ferrez/Acervo IMS)

Oitenta receptores de rádio foram distribuídos pela Westinghouse a algumas autoridades e


em locais públicos das cidades de Niterói, Petrópolis e até na distante São Paulo. Como visto,
transmitir com apenas 500 watts era o suficiente para “falar longe”, algo impossível nos dias
atuais, devido a inúmeras interferências.
Já a International Western Electric Co. trouxe em sua bagagem, como mostruário, duas estações
de radiotelefonia e radiotelegrafia, ambas também com 500 watts de potência. Trouxe, também,
um sistema de alto-falantes chamado Public-Address System, inédito no país, a ser utilizado pelo
governo em uma grande área do recinto da exposição e assim replicar a programação gerada
no estúdio de rádio. Os equipamentos das duas estações da Western ficaram em exposição no
pequeno prédio de dois andares da Repartição Geral dos Telégrafos, situado na Praia Vermelha,
área militar situada no bairro da Urca. No local, que estava aberto à visitação pública devido a
Exposição do Centenário, funcionava uma estação radiotelegráfica com prefixo SPE.
No aguardado dia 7 de setembro de 1922, a inauguração do sistema oficial pioneiro de transmissão
de rádio no Brasil ocorreu logo no início da abertura da Exposição Internacional do Centenário
da Independência, às 21h. Na primeira irradiação da SPC, foram ao ar os discursos inaugurais
da feira, proferidos no Palácio de Festas pelo presidente da República Epitácio Pessoa, pelo
embaixador da França e pelo ministro da Agricultura. O Rei Alberto I, da Bélgica, também
estava presente. A canção “O Aventureiro”, da ópera “O Guarani”, composta por Antônio Carlos
Gomes, foi executada logo após os discursos da inauguração 1.
O Brasil lançou oficialmente seu serviço de rádio após 100 anos da proclamação de sua
independência. As transmissões foram um dos maiores atrativos da exposição, seja pelo ar
ou pelos alto-falantes, apesar de que, segundo relatos, este último era “falho e rouco”. Não há
informação mais precisa sobre até qual data operou a estação SPC do Corcovado. Roquette Pinto,
em sua coluna “Radiophonia” (“Gazeta de Notícias”, 19/04/1923), informou que a Westinghouse
operou a estação do Corcovado por sete meses. Contudo, é possível que as transmissões tenham
ido até o encerramento da Exposição do Centenário, que aconteceu em 24 de julho de 1923.
Durante o período, foram ao ar óperas cantadas nos teatros Municipal e Lírico, concertos
realizados nos pavilhões da Exposição e no próprio estúdio, bem como execuções de discos de
gramofone e rolos de piano automático2 .

1 É por este motivo que “O Guarani” virou trilha do programa “A Voz do Brasil”, do governo
federal, o mais antigo programa de rádio do Brasil.
2 “Antigamente Era Assim...”, A Cena Muda, 16/05/1944, p. 29.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 55

O Pioneiro Roquette Pinto Entra em Cena

Apesar da proposta governamental de lançar o rádio oficialmente no Brasil, os dias foram


passando e nenhuma política de continuidade no serviço de radiodifusão ainda tinha sido
apresentada. Ao final da Exposição do Centenário, as estações transmissoras que foram trazidas
como mostruários tomariam seus rumos se o governo não as comprasse. Isso preocupou muito o
brilhante professor Edgard Roquette Pinto, médico legista, antropólogo e etnólogo, que era bem
informado e há muito tempo vinha acompanhando o desenvolvimento das transmissões sem fio
pelo mundo. Ele era um dos poucos que tinham licença para ter um receptor de rádio e com isso
pôde acompanhar as irradiações da estação SPC do Corcovado.
Roquette Pinto era idealista e imaginava as amplas possibilidades do rádio como meio de
comunicação em massa. Numa época em que a oferta de escolas era muito escassa, para ele, o
rádio era “uma máquina importante para educar nosso povo”. Seria como dar continuidade, em
maior escala, ao trabalho de seu amigo marechal Rondon1 . Por fim, para Roquette Pinto, o rádio
poderia unir o Brasil e ele estava disposto a lutar por isso.

O professor Edgard Roquette Pinto, o pioneiro do


rádio no Brasil. (reprodução)

1 O marechal Cândido Rondon foi um engenheiro militar e sertanista brasileiro, famoso


pela exploração do Mato Grosso, da Bacia Amazônica Ocidental e pelo seu apoio vitalício às
populações indígenas brasileiras. Foi o primeiro diretor do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e
estimulador da criação do Parque Nacional do Xingu.
56 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Foi então que o professor decidiu iniciar uma campanha pela divulgação da radiodifusão no
país e pela instalação de uma emissora estatal de rádio educativa. O primeiro passo foi um
trabalho de convencimento junto ao governo federal, onde ele tinha bons contatos. Roquette
Pinto levantou duas bandeiras: a montagem de uma estação educativa no Rio de Janeiro e a
obtenção mais facilitada das licenças de escuta amadora de rádio ao cidadão comum. Naquela
época, era necessário ter um atestado de idoneidade e uma autorização especial do governo
para poder ouvir rádio, algo concedido a poucos privilegiados. Isso tudo por ser um período
pós-guerra e, para o governo, as escutas radiotelegráficas e radiotelefônicas poderiam revelar
segredos militares brasileiros para potências estrangeiras. Os policiais estavam autorizados a
prender quem fosse flagrado ouvindo rádio sem licença.
A Exposição Internacional do Centenário da Independência continuava em funcionamento
quando chegou a notícia de que o governo federal decidiu adquirir os equipamentos das
duas estações de rádio trazidas pela Western Electric. No entanto, o objetivo seria utilizá-las
somente na ampliação do serviço telegráfico e telefônico nacional e elas não iriam prestar
serviços radiofônicos como sonhavam Roquette Pinto e os radioamadores da época. Uma das
duas estações foi montada em Belo Horizonte (MG) e a outra permaneceu na própria SPE da
Praia Vermelha. Esses equipamentos da Western eram mais versáteis que o da Westinghouse
no Corcovado, permitindo a comutação rápida entre sinais de Código Morse (radiotelegrafia) e
sinais de voz e música (radiotelefonia), fossem eles ponto-ponto ou ponto-a-massa (radiofonia/
radiodifusão). O sistema Western Electric da SPE foi solenemente oficializado no início de
fevereiro de 1923, conectando as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Com a campanha de Roquette Pinto em prol da radiodifusão em curso, o jornal carioca “Gazeta
de Notícias” o chamou para escrever em uma coluna dedicada às transmissões de rádio.
Chamada de “Radiophonia”, ela seria o principal canal de divulgação dos passos de sua luta
pela implantação de uma rádio educativa. Como o professor sentia a falta de um programa
de radiodifusão do governo, Roquette assim desabafou na primeira edição de “Radiophonia”,
publicada em 19/04/1923: “Até agora esperei, em vão, que alguém mais autorizado quisesse
fazer pela imprensa o trabalho de vulgarização da radiotelefonia que o momento nacional está
exigindo. À falta dos que sabem muito do assunto, aqui estou eu, que quase nada sei (modéstia à
parte…), para auxiliar os nossos amadores incipientes e os que desejarem ser. Estou convencido
de que prestaremos um grande serviço ao Brasil, procurando conhecer e divulgar os processos
maravilhosos da telefonia sem fio”.
Ao saber que o governo havia feito investimentos somente na aplicação do serviço de
radiotelegrafia e radiotelefonia, deixando de lado a radiofonia/radiodifusão, Roquette Pinto
preparou uma estratégia para tentar colocar no ar uma estação de rádio com seu próprio trabalho.
E assim recorreu ao mestre e amigo francês Henrique Morize, renomado astrônomo, engenheiro
industrial, diretor do Observatório Nacional e presidente da Academia Brasileira de Ciências
(ABC). Roquette, que era o secretário da ABC, propôs que o governo autorizasse que a própria
academia criasse uma estação de rádio educativa, a ser custeada por meio de contribuições
espontâneas e mensalidades de sócios — um rádio-clube. A proposta foi aceita por Morize e
pelos demais membros da ABC, nascendo assim o primeiro projeto de uma estação de rádio
regular no Brasil, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
Uma comissão da ABC visitou o ministro da Viação e Obras Públicas, Francisco Sá, a fim
de informar a intenção de obter uma licença para operação de radiodifusão educativa. Além
disso, os cientistas também apresentaram propostas para mudanças na legislação da recepção
amadora de rádio. O ministro expressou o espírito liberal do governo quanto às solicitações e
declarou que passaria a tratar as questões sobre o rádio de maneira especial. Um dos primeiros
movimentos positivos aconteceu em meados de abril de 1923, quando o diretor da Repartição
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 57

Geral dos Telégrafos, Francisco Bhering — um grande apoiador da prática livre da radiotelefonia
—, determinou que a estação radiotelegráfica SPE da Praia Vermelha passasse a transmitir
sinais broadcasting no período noturno, replicando o conteúdo gerado pelo estúdio de rádio da
Western, montado na Exposição do Centenário. Desta forma, as estações do Corcovado e da Praia
Vermelha passaram a fazer transmissões de programação radiofônica, mas em horários alternados
para evitar interferência. No final de maio de 1923, portanto, o Brasil já estava contando com
duas emissoras de radiodifusão — a temporária SPC e a estatal SPE —, as primeiras do país.
Enquanto isso, cientistas organizadores de uma terceira estação se articulavam para receber uma
autorização e colocar no ar a Rádio Sociedade, algo que em poucos dias seria anunciado: a
Academia Brasileira de Ciências teria sua própria emissora de rádio.
Bhering havia realizado uma viagem à Europa recentemente para estudar operações de rádio. Já
havia, portanto, intenção do governo em organizar um serviço regular de radiodifusão no Brasil,
uma obrigação social a ser cumprida.

Se os dois conjuntos de equipamentos para estação de rádio trazidos pela Western Electric foram
comprados pelo governo, o destino do transmissor e da antena da estação Westinghouse do
Corcovado foi diferente. Como o monumento do Cristo Redentor seria construído naquele local,
era dado como certo o desmonte da SPC, a estação pioneira de radiodifusão do Brasil. O governo
realmente não se interessou em adquirir esses equipamentos e a Westinghouse tentou vendê-los
a preço de custo para a Rádio Educadora Paulista (a pioneira da cidade de São Paulo, ainda em
formação). Mas, ela ainda não possuía recursos para tal e os equipamentos seguiram de volta
para os Estados Unidos, onde foram comprados pela prefeitura de Nova York.

A Fundação da Rádio Sociedade

A sociedade civil “Rádio Sociedade do Rio de Janeiro” foi fundada em 20 de abril de 1923
pela Academia Brasileira de Ciências, sob a direção de Roquette Pinto. “No dia 1º de maio, sob
vista grossa da autoridade” 1, a Rádio Sociedade irradiou às 20h30 seu primeiro programa pela
SPE, agora dirigida pelo engenheiro Elba Dias, funcionário do Telégrafo Nacional, e que já
vinha transmitindo alguns programas. A convite da Western Electric, uma conferência dedicada
aos radioamadores foi ao ar do estúdio da SPE, anunciada pelo signatário Cauby de Araújo2 e
proferida por Roquette Pinto, seguida por uma execução musical. Nas semanas subsequentes,
outros programas esporádicos foram irradiados, ainda pela SPE, com alternância de horários
entre as duas emissoras.
Em 11 de maio, impulsionado pelo trabalho de Roquette Pinto e seus colegas cientistas, o
ministro Francisco Sá autorizou a recepção doméstica de rádio sob licenciamento mais brando,
uma grandiosa contribuição dada para o alicerce do rádio brasileiro. Com isso, a assembleia para
a instalação da Rádio Sociedade pôde ocorrer em 19 de maio, realizada no Anfiteatro de Física da
Escola Politécnica do Rio de Janeiro, localizado no Largo de São Francisco. Após aprovação do
1 “Rádio MEC - Herança de um Sonho”, Liana Milanez [org.], Acerp, 2007:73.
2 Cauby de Araújo, posteriormente, seria nomeado como o primeiro presidente da Sociedade
Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
58 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

estatuto e a formação do conselho diretor, Roquette Pinto fez um empolgante discurso, chegando
até a exagerar sobre o alcance que teria a estação transmissora, ao dizer que “todos os lares
espalhados pelo imenso território do Brasil receberão livremente o conforto moral da ciência
e da arte pelo milagre das ondas misteriosas que transportam, silenciosamente, no espaço, as
harmonias”1 .
No início de julho, ainda de 1923, a diretoria da Repartição Geral dos Telégrafos regulamentou as
transmissões alternadas e provisórias da Rádio Sociedade por meio da estação da Praia Vermelha,
enquanto sua concessão definitiva não fosse outorgada e suas instalações não estivessem
concluídas. Sua primeira sede (apenas administrativa, sem estúdio) foi instalada provisoriamente
em uma sala da Livraria Scientifica Brasileira, que ficava na Rua São José, n° 114. Em 20
de agosto, quatro meses depois da sua fundação, o presidente da República, Arthur Bernardes,
autorizou as operações próprias e definitivas da Rádio Sociedade para fins educativos e puderam
ser realizadas suas primeiras experiências de transmissão sem o apoio da estação SPE. Em 7 de
setembro de 1923, finalmente, discos de gramofone puderam ser ouvidos oficialmente pela onda
de 310 m (967 KHz), transmitida pela antena do Laboratório de Física da Escola Politécnica. O
transmissor era de fabricação Pekam, com 10 watts de potência, doado à Rádio Sociedade pela
Casa Pekam, uma loja argentina de equipamentos profissionais de rádio, com representação no
Rio de Janeiro. Logo, a Sociedade recebeu também um transmissor Telefunken como doação da
Casa Siemens Schuckert e passou a utilizar os dois equipamentos alternadamente.
Em 8 de novembro de 1923, a nova sede da Rádio Sociedade foi inaugurada no 6º andar do
edifício Guinle, na Avenida Rio Branco, nº 109, local onde aquela agremiação passou a oferecer
aos seus associados uma biblioteca, sala de leitura e um laboratório. Além, é claro, de uma
estação própria de radiodifusão. Dias antes da inauguração da nova sede, a fim de ajustar seus
equipamentos Pekam e Telefunken, a Rádio Sociedade passou a realizar irradiações noturnas
de concertos e poesias na onda provisória de 375 m. Com a inauguração da nova sede, a Rádio
Sociedade iniciou oficialmente suas transmissões regulares e não transmitiu mais pela SPE. Pelo
fato de o rádio ainda não se enquadrar nas verbas orçamentárias do governo, no dia 01/06/1924
o Telégrafo Nacional autorizou que a programação da SPE passasse a ser produzida por uma
organização social. Com isso, a estação continuou como um órgão do Telégrafo Nacional, mas
transmitindo programação educativa gerada pelo Rádio Club do Brasil, mantida por meio da
contribuição mensal de seus sócios 2.

Além dos transmissores Pekam e Telefunken, a Rádio Sociedade recebeu a doação de um


excelente Marconi Wireless Telegraph Co., de fabricação inglesa, ofertado pela Companhia
Radiotelegráfica Brasileira. Ele tinha 1 kW de potência e, com isso, a emissora se equipararia com
as maiores do planeta. Entretanto, enquanto o equipamento Marconi era aguardado, os técnicos
da Rádio Sociedade concluíram que a atual sede, instalada no edifício Guinle, na Avenida Rio
Branco, não oferecia espaço suficiente para comportar a nova antena. Seria necessário, portanto,
mais espaço para erguer as duas torres necessárias.

1 “Rádio MEC - Herança de um Sonho”, Liana Milanez [org.], Acerp, 2007:73.


2 Um ano e meio após o Rádio Club do Brasil assumir a gestão da estação SPE, o governo
decidiu abrir uma concorrência e entregar totalmente a estação à iniciativa privada ou a uma
organização social. O Rádio Club do Brasil acabou vencendo e ganhou liberdade para ampliar os
serviços da emissora, construindo uma grande sede.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 59

Foi então que, atendendo aos desejos do governo da Tchecoslováquia, a Academia Brasileira de
Ciências e a Rádio Sociedade receberam do governo brasileiro o pavilhão com que aquele país
se fizera representar na Exposição do Centenário, situado na Avenida das Nações1 . Em maio de
1924, após uma grande reforma, a ABC e a estação de rádio transferiram-se para aquele local,
que era um belíssimo palacete. A inauguração da estação da Rádio Sociedade, com prefixo SQ1A
e equipamento Marconi Wireless Telegraph Co., foi realizada em 13 de junho. As duas torres
que sustentaram a antena foram instaladas nas laterais do palacete e eram as mesmas outrora
utilizadas na pioneira e extinta estação SPC, do Morro do Corcovado. Segundo o jornal “A
Pátria”, na edição de 19 de abril de 1925, a antena da Rádio Sociedade era “muito modesta para
a possante estação Marconi”, algo que reduzia o alcance que o transmissor poderia proporcionar.
O fato é que o problema de espaço ainda persistia.

A sede da estação da Rádio Sociedade do


Rio de Janeiro, instalada no ex-pavilhão da
Tchecoslováquia. (reprodução)

O Pavilhão da Tchecoslováquia acabou sendo desapropriado pela prefeitura em 1928 e, com


isso, mais uma peregrinação: a Academia Brasileira de Ciências voltou para a sede da Escola
Politécnica e a Rádio Sociedade mudou-se, em 26 de julho, para a Rua da Carioca, nº 6 - 4º andar.
Um mês depois, a estação seria transferida para o n° 45 - 2° andar, na mesma rua, onde operou
com o prefixo SQAA, na onda de 400 m (750 KHz), com seu parque técnico instalado no Morro
da Viúva. Em 1º de janeiro de 1929, devido a uma padronização mundial, o prefixo da Rádio
Sociedade do Rio de Janeiro foi alterado para PRA-A.
Na agremiação “Rádio Sociedade”, o pagamento de mensalidades pelo público foi a única forma
encontrada para manter a emissora, já que o governo não permitia publicidade no rádio, algo que
foi autorizado somente em 1932. A programação era focada em ciência, execuções musicais,
hora-certa, previsão do tempo, além de leitura e comentários de Roquette Pinto sobre as notícias
publicadas nos jornais do dia.
1 Atualmente, essa rua é chamada de Santa Luzia. O terreno onde a Rádio Sociedade funcionava
fica em frente à Santa Casa de Misericórdia.
60 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Qual Foi a Primeira Rádio do Brasil?


A Rádio Clube de Pernambuco, instalada no Recife, está no ar até os dias
de hoje e se autodenomina como a emissora pioneira do país. Isso porque
considera que fora inaugurada em 06/04/1919, época em que não havia
nenhuma estação regular de rádio em operação no mundo. Na verdade,
segundo pesquisas aprofundadas em jornais da época, nesta data foi
fundado o Rádio Club de Pernambuco, uma inestimável organização
pioneira voltada à prática amadora de radiotelegrafia. Já seu serviço de
radiodifusão — a Rádio Clube — foi inaugurado quatro anos depois, em
17/10/1923, data em que a SPE, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro e a
Rádio Educadora Paulista já estavam em operação. “Cabe-me, na qualidade
de presidente do Rádio Club, entregar hoje a Pernambuco a sua estação de
broadcasting. É simples a história: um grupo de pernambucanos curiosos
e inteligentes, chefiados pelo nosso companheiro Augusto Pereira, fundou
em 1919 o Rádio Club no Brasil. Somente então a radiotelegrafia era
conhecida e anos depois é que a onda ‘herteziana’ é aproveitada para
a transmissão da voz”1 , declarou João Cardoso Ayres Filho, presidente
do Rádio Club de Pernambuco, em novembro de 1924, durante o ato
de inauguração da nova sede do Rádio Club e de seu novo transmissor
broadcast de 200 watts, fabricado na França pela Lucien Levy.

1933 - As Experiências Pioneiras de Televisão da Rádio


Sociedade

Finalmente, chegamos à conexão da história do rádio brasileiro com a pré-história da TV


brasileira. Em 1933, durante o décimo ano de operações da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro,
seu diretor Roquette Pinto, considerado o “pai da radiodifusão” no Brasil, foi responsável por
outro importante feito para as comunicações. Por meio daquela estação, Roquette solicitou
autorização ao Ministério da Viação e Obras Públicas para realizar um serviço de transmissão
de televisão com fins científicos e experimentais, “como um menino curioso que, em vez de
destruir um brinquedo para saber como funciona, constrói esse brinquedo para vê-lo funcionar”2
. Impulsionado por notícias sobre o pleno desenvolvimento da televisão no exterior, Roquette
pensou em construir um sistema similar por meio de manuais especializados. Tratava-se de
um processo de televisão mecânico, utilizando-se das famosas técnicas de captura de imagens
desenvolvidas pelo polonês Paul Nipkow, em 1884.
A autorização do governo brasileiro foi deferida e publicada no Diário Oficial da União em 26 de
julho de 1933, dando aval para o primeiríssimo movimento de televisão em nosso país, mesmo
que amador e ainda rudimentar. O jornal carioca “A Noite”, na edição de 5 de janeiro de 1934,
trouxe uma significativa matéria que procurou responder à seguinte pergunta: “Quando Teremos
Televisão no Brasil?”. O foco da reportagem foi os avanços conquistados pelo engenheiro
alemão Kurt Schlesinger, que construía um receptor de televisão com preço mais acessível. E,
1 “Rádio Club de Pernambuco”, Diário de Pernambuco, 09/11/1924, p. 6.
2 “Rádio MEC - Herança de um Sonho”, Liana Milanez [org.], Acerp, 2007:84-85.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 61

para falar da televisão no Brasil, em pleno ano de 1934, o periódico procurou a pessoa com maior
gabarito, Edgar Roquette Pinto, que nessa época também presidia a Confederação Brasileira de
Radiodifusão. O professor continuava realizando suas experiências de televisão e declarou ao
jornal que elas foram iniciadas já em maio de 1933. Segundo ele, naquela fase era transmitido
apenas um cartaz com as siglas “A.B.I.”, que eram as iniciais da Associação Brasileira de
Imprensa.
A estação experimental de televisão operou a partir das salas da Rádio Sociedade do Rio de
Janeiro, em um prédio na Rua da Carioca, n° 45. As primeiras transmissões foram feitas em
Ondas Médias de 400 m (750 KHz - a mesma frequência da Rádio Sociedade) e, na ocasião
daquela reportagem de 1934, as experiências estavam sendo realizadas nas faixas de 200 m e 50
m (respectivamente 1500 KHz [Ondas Médias] e 6 MHz [HF]).
Eis a descrição literal e detalhada que Roquette Pinto deu para a importante reportagem do jornal
“A Noite”, sobre seu sistema experimental de televisão:
O processo empregado pela Rádio Sociedade é o mais simples: o objeto ou a figura são iluminados
fortemente por uma lâmpada elétrica; a imagem projetada na célula fotoelétrica é previamente
decomposta em elementos, por meio de um Disco de Nipkow, simples disco de alumínio com 30
perfurações de meio milímetro de diâmetro, dispostas em espiral. Girando, as perfurações vão
levando os raios luminosos que exploram toda a extensão da imagem, a ferir a célula fotoelétrica
em pontos sucessivos. O disco perfurado de Nipkow, na televisão, corresponde à retícula na
fotogravura. A célula fotoelétrica intercalada num circuito de amplificador, ligado ao transmissor,
governa e modula a irradiação. A célula fotoelétrica, na transmissão das imagens, faz o papel
do microfone na transmissão dos sons. O receptor consta de uma lâmpada de néon, ligada no
lugar do alto-falante. A intensidade da luz vermelha da lâmpada de néon varia de acordo com
as modulações que a célula fotoelétrica impõe às ondas do transmissor. Diante da lâmpada de
néon faz-se girar, com a mesma velocidade usada na do transmissor, um disco igual. Na Rádio
Sociedade, os motores synchronos do transmissor e do receptor dão 750 rotações por minuto. O
disco do receptor, rodando, recompõe a figura. Atualmente, o receptor que vai acompanhando
as transmissões da Rádio Sociedade acha-se entregue ao distinto artista e apaixonado amador
Flávio Goulart de Andrade, em sua residência, na Glória.
O repórter Fernando Lobo assinou uma matéria publicada pelo “Diário da Noite” [RJ], em 1º
de março de 1948. Ele destacou que “três homens estiveram empenhados na tarefa de investigar
a possibilidade de refletir a imagem à distância: o sábio Roquette Pinto, Flávio [Goulart] de
Andrade e Henrique Foréis, conhecido como “Almirante” pelo público ouvinte do rádio”. A
reportagem também trouxe uma entrevista com o próprio locutor Almirante, que relembrou
como foi sua experiência de televisão ao lado de Roquette Pinto.

“Em 1933 eu soube que o professor Roquette Pinto havia montado


um transmissor de televisão na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro,
naquele tempo, [instalada] na Rua da Carioca. Eu conhecia o
professor Roquette dos tempos do Pavilhão Tchecoslovaco, onde
se instalara antes a Rádio Sociedade e onde o mestre atendia aos
que desejavam informações sobre o rádio incipiente. Era o grande
tempo da galena. Um dia, pretendendo fazer um aparelho de
válvulas, procurei o professor Roquette e dele recebi as primeiras
noções sobre a parte elétrica da radiofonia. Quando soube que ele
estava realizando experiências de televisão, fui imediatamente ver
de que forma eram realizadas as provas, por curiosidade. Lembro-
62 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

me bem que fui encontrar Roquette Pinto diante de um pequeno


transmissor que era montado numa das pontas de um eixo duplo
de um motor síncrono; na outra ponta estava o receptor. Desse
modo, a transmissão era feita de um lado e a recepção do outro.
Soube, então, que para experimentar a recepção à maior distância,
o professor entregara a Flávio de Andrade um receptor. Foi a casa
deste que passei a frequentar com assiduidade, levado pelo interesse
de ver imagens refletidas. Apesar das dificuldades, da falta de uma
aparelhagem perfeita, foi lá na residência de Flávio de Andrade, à
Rua Cândido Mendes, que eu vi as primeiras imagens transmitidas
por televisão. Desde então, resolvi construir um aparelho para mim,
do qual resta apenas o disco que compunha a imagem. O motor era
de um velho ventilador e eu empregava uma lâmpada neon, dessas
usadas nos oratórios caseiros”. (depoimento do radialista Almirante,
“Há Quinze Anos Já Havia Televisão no Brasil”, Fernando Lobo,
Diário da Noite [RJ], 01/03/1948, 2º Caderno, p. 1)

Em meio às experiências rústicas de televisão mecânica de Roquette Pinto, técnicos norte-


americanos anunciaram um avanço no projeto de desenvolvimento da televisão eletrônica, com
a invenção da válvula especial, desenvolvida na RCA pelo engenheiro Vladimir Zworykin e
chamada de Iconoscópio 1. Roquette ficou muito interessado por aquele componente precioso
e, por meio do próprio amigo Almirante, que também era funcionário da RCA-Victor do Brasil,
entrou em contato com um engenheiro, que serviu de intermediário junto ao próprio Zworykin,
nos Estados Unidos. Um Iconoscópio foi encomendado em nome da Rádio Sociedade do Rio
de Janeiro e a resposta chegou pouco tempo depois, assinada pelo próprio inventor russo. Após
elogiar com admiração as experiências que estavam sendo feitas no Rio de Janeiro, Zworykin
negou a remessa de tal componente, alegando que ele ainda estava sendo testado.

A Doação da Rádio Sociedade

Mas Roquette sabia que ainda era cedo para a televisão. Até lá,
havia muita coisa a ser feita, como salvar a rádio [Sociedade] ou, se
não conseguisse, passá-la para um órgão público — o que acabou
acontecendo. (“Rádio MEC - Herança de um Sonho”, Liana Milanez
[org.], Acerp, 2007:85)

Em julho de 1936, as experiências com televisão de Roquette Pinto foram concluídas e ele
acabara de tomar a decisão de efetivar a doação da Rádio Sociedade. Há 13 anos no ar, aquela
agremiação seguia com as contas em dia e com sua premissa básica de servir à cultura do povo.
Entretanto, a Rádio Sociedade foi intimada a cumprir as exigências do Decreto nº 20047, de 27 de
maio de 1931, que extinguiu a figura dos clubes e sociedades do rádio e obrigou a transformação
daquele centro de ciências, letras e artes em uma companhia comercial, com exploração de
publicidade. Por ter nascido na contramão dos padrões das emissoras comerciais, que passaram
a predominar a partir de 1932, o futuro da estação dos cientistas estava incerto. Seus estatutos
1 Como visto no Capítulo 1, o Iconoscópio é um Tubo de Vácuo (ou válvula) que capta imagens
e as transforma em um sinal elétrico.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 63

não permitiam exploração comercial e, portanto, era necessário fazer cumprir seu último artigo,
que mandava entregar a estação ao governo, caso não fosse mais possível continuar dentro de
seus ideais.
“Acho que o rádio pode, e deve, fazer anúncios. O mal está na venda do horário, pois o anunciante
exige e faz o que entender. A Rádio Sociedade também fez alguns anúncios, mas estes passavam
por um filtro, só se dizia o que podia ser dito”, declarou Roquette Pinto à “Revista do Rádio”,
em 1950.
O ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, concordou com a exigência feita por
Roquette Pinto de que os objetivos educacionais da emissora não fossem desvirtuados. A estação
foi juridicamente doada, incluindo móveis, instrumentos musicais e seu valiosíssimo arquivo
musical. Em 7 de setembro de 1936 (Roquette sempre escolhia esta data), a estação passou a ser
chamada de PRA-2 - Rádio Ministério da Educação, mas ainda sob a direção de Roquette Pinto
por alguns meses. Depois, assumiu o posto seu colega e técnico em educação do Ministério da
Educação, Fernando Tude de Souza. Nessa época, a nova paixão do pioneiro da radiodifusão no
Brasil já era o cinema, mas ele seguiria acompanhando de perto o excelente desenvolvimento
educacional da Rádio MEC, algo que o deixou muito satisfeito.
A estação segue no ar até hoje, operando da Praça da República, n° 141-A, no centro do Rio
de Janeiro, ainda como propriedade da União. É controlada pela EBC - Empresa Brasil de
Comunicação, operando como Rádio MEC1 (Música, Educação e Cultura) em AM 800 KHz.

1939 - A Primeira Demonstração Pública de TV no Brasil

Como já visto, houve uma época em que as grandes descobertas, inventos e novidades industriais
eram apresentados em importantes feiras internacionais. Em abril de 1939, por exemplo, a
Feira Mundial de Nova York foi inaugurada e mostrou “O Mundo de Amanhã”. Após a Grande
Depressão2 , os Estados Unidos estavam se reerguendo economicamente e queriam mostrar seu
progresso tecnológico para o mundo. Nas primeiras décadas do século XX, as feiras também
aconteciam com bastante frequência no Brasil e se dedicavam a exposições nacionais ou
internacionais. A feira do Rio de Janeiro, chamada de Feira de Amostras, era anual e considerada
uma das mais importantes do país. Ficava instalada onde hoje estão as avenidas General Justo,
Marechal Câmara e a Praça Salgado Filho, bem próximo ao Aeroporto Santos Dumont.
Apenas dois meses após a estreia comercial da TV norte-americana, alguns brasileiros
privilegiados também tiveram oportunidade de ter o primeiro contato com a tecnologia da
televisão. Graças ao apoio do governo de Getúlio Vargas, uma série de demonstrações públicas
ocorreu no Rio de Janeiro, quase 11 anos antes do lançamento da primeira estação regular de TV
no Brasil, a PRF3-TV Tupi-Difusora de São Paulo.
A 1ª Exposição de Televisão do Brasil foi inaugurada em 3 de junho de 1939, instalada em dois
pavilhões da Feira de Amostras, no então Distrito Federal do Rio de Janeiro. Foi organizada
pelo Departamento Nacional de Propaganda, em parceria com o Departamento dos Correios
e Telégrafos da Alemanha. A iniciativa nasceu após o encerramento da Exposición de Tele-

1 Há uma retransmissora da MEC AM em Brasília (800 KHz) e, também, a MEC FM (99,3 MHz)
do Rio de Janeiro, que conta com programação exclusiva.
2 A Grande Depressão teve início em 1929 e terminou apenas com o início da Segunda Guerra
Mundial, em 1939. É considerado o pior e o mais longo período de recessão econômica do
século XX.
64 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Communicaciones de Buenos Aires, Argentina, onde, por solicitação do governo daquele país,
o Departamento dos Correios e Telégrafos do Terceiro Reich realizou as exibições práticas de
televisão com seus famosos e modernos equipamentos de fabricação Telefunken, para captação,
transmissão e recepção.

Um dos receptores de marca Telefunken


utilizados na primeira demonstração de TV
no Brasil, em 1939. (reprodução)

Devido ao grande sucesso em Buenos Aires, surgiu a ideia de a comitiva alemã dar uma “esticada”
até o Rio de Janeiro e realizar uma apresentação semelhante. O Ministério dos Correios e
Telégrafos alemão entrou em contato com Lourival Fontes, diretor do Departamento Nacional
de Propaganda, que manifestou apoio naquilo que fosse necessário.
A Alemanha desde cedo investiu bastante no desenvolvimento da televisão. Suas experiências
começaram em Berlim, no ano de 1929, com transmissões experimentais de imagens estáticas.
Em 1932, o Departamento dos Correios e Telégrafos mandou construir o primeiro transmissor
para faixa de VHF com grande alcance — entre 60 e 80 km —, a ser instalado na torre de Berlim-
Witzleben. Com isso, foi inaugurado o serviço regular e diário de televisão, juntamente com
operações de visio-telefonia1 . Em 1939, a indústria da Alemanha já produzia muitos receptores
de TV e havia grande esforço para colocá-los à venda com preços acessíveis. Para os alemães
que ainda não podiam ter um receptor, foram montados salões de exibição pública e gratuita de

1 Sistema combinado de telefonia e televisão que permitia dois correspondentes se verem


mutuamente numa tela enquanto telefonavam.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 65

televisão.
O governo alemão enviou ao Brasil alguns técnicos e engenheiros de seu Instituto de Pesquisas
Científicas. Também vieram os equipamentos Telefunken, que contavam com o que havia de
mais moderno na tecnologia daquele país. Os equipamentos chegaram em 15 de maio de 1939,
vindos da Argentina pelo vapor Bahia. Já em terra firme, em um dos pavilhões, foi instalada a
estação de televisão e em outro a de visio-telefonia.
No dia 2 de junho de 1939, foi realizada a solenidade de inauguração do evento, aberta somente
a autoridades, convidados e à imprensa. Hans Pressler, diretor dos Correios e Telégrafos da
Alemanha e da Divisão de Pesquisas Científicas, era o responsável técnico do evento e se
encarregou de conduzir a demonstração para os repórteres. O enfoque foi a real utilidade da
televisão e de todos os sistemas correlatos, como a telefotografia1 e a visio-telefonia. Segundo
Pressler, o objetivo principal foi dar uma ideia do conjunto da televisão. “Para tanto, devemos
dar a conhecer tanto a rádio-televisão, como a visio-telefonia, sendo que ambas estão sendo
muito cultivadas em meu país”, declarou o alemão.

A fim de evitar a transmissão por antena em ultra-alta frequência,


que aí não se tinha necessidade alguma, devido ao pequeno espaço
do pavilhão, os amplificadores finais foram ligados aos receptores
— em número de oito — por meio de cabo, tanto para as imagens
quanto para o som. [...] A câmera utilizada é do tipo de Iconoscópio
e os receptores são providos de Tubos de Braun. (Tubos de Raios
Catódicos) (“A Televisão no Brasil”, Revista Antenna, nº 156, junho
de 1939, p. 419)

Na área da televisão, foram exibidos filmes cinematográficos, tomadas externas do pavilhão


(para demonstrar a boa qualidade das imagens à luz do dia) e apresentações musicais ao vivo,
em um palco com diversos artistas especialmente contratados pelo Departamento Nacional
de Propaganda (do Brasil). Eles seriam captados por uma única câmera e alguns microfones.
Importante ressaltar que a transmissão da central técnica aos receptores de TV foi feita por cabos,
não por antenas.
O evento de inauguração contou com as presenças do presidente da República, Getúlio Vargas, de
diversos ministros de Estado, e de autoridades civis e militares. Após o ato solene, começou um
desfile de astros e estrelas das rádios cariocas Tupi, Club do Brasil e Mayrink Veiga. Os aparelhos
de captação primeiramente mostraram As Irmãs Pagãs interpretando um samba, acompanhadas
pelo conjunto regional de Benedicto Lacerda. Depois, foi a vez de outros números musicais, com
Francisco Alves, Conjunto Regional Bento Lacerda e Trio de Ouro, este composto por Dalva de
Oliveira e a dupla Preto e Branco.
Segundo os jornais, foi tudo um sucesso absoluto. A qualidade das imagens era mesmo apreciável
e as exibições atraíram e encantaram muita gente. “Magnífica impressão manifestaram todos os
convidados, sobre o que lhes foram dados a assistir”, definiu um repórter de “O Jornal do Rio
de Janeiro”.

1 Fotografia transmitida à distância.


66 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

As cantoras Irmãs Pagãs se


apresentam para a câmera de TV da
1ª Exposição de Televisão, realizada
em 1939, no Rio de Janeiro.
(Carioca/reprodução)

O presidente Getúlio Vargas ouviu com maior interesse as explicações dos técnicos e resolveu
fazer uma experiência pessoal. Em outro ponto do pavilhão, participou da experiência em uma
cabine de visio-telefonia, enquanto, a alguns metros, na outra cabine, instalou-se o ministro da
Justiça Francisco Campos. Os televisores reproduziram as imagens de ambos, que sorriram ante
aquela prova prática, assistida por muitos curiosos. Vargas, por fim, assistiu à projeção de uma
película, exibida nos oito televisores Telefunken disponíveis. Produzido para o Natal de 1938, o
filme retratou a Exposição do Estado Novo, onde o próprio Vargas proferiu um notável discurso,
merecedor dos aplausos de milhares de pessoas. Com a projeção daquela película, Vargas teve a
grata oportunidade de assistir a si próprio, algo incomum na época.
A partir do dia seguinte, 4 de junho, a 1ª Exposição de Televisão foi aberta ao público. Com
entrada franca, as outras apresentações foram acontecendo com os artistas do rádio e palestras
sobre o funcionamento de uma estação de televisão. Para aquela primeira noite de demonstrações
públicas, o Departamento Nacional de Propaganda organizou programas artísticos com
Manuelzinho Arauto, Carmen Barbosa, Conjunto Regional Benedito Lacerda, Silvinha
Melo, Anjos do Inferno, Sara Tabisque, Carmen Eugênia, Amanda Ribeiro Gualano, Elisiano
D’Ambrósio, Orquestra de Salão de Carlos Viana de Almeida, Ida Melo, Matilde de Andrade
Adamo, Lídia de Alencar e Paulo Carvalho. Houve a apresentação, também, de um programa
chamado “Samba e Outras Coisas”, com Marília Batista, Henrique Batista, Dilermando Cruz
e outros. As apresentações aconteceram até 20 de junho de 1939, colocando o Brasil entre os
primeiros países a contemplar a televisão funcionando. Ao término das demonstrações, o público
do Rio de Janeiro constatava o avanço das ciências e das realizações técnicas na Alemanha e
muitos saíam esperançosos de que a televisão seria uma breve realidade em nosso país.
Era tudo muito novo, mas os cariocas já começaram a se familiarizar com aquela tecnologia que
futuramente fascinaria todo o país. Nos jornais brasileiros, viu-se descrições básicas e curiosas
como “Tudo o quanto foi feito diante do microfone da primeira, era fielmente reproduzido na
segunda, onde um grande aparelho de rádio, além de transmitir os sons, retratava, numa pequena
tela localizada na tampa, a imagem dos artistas ou grupo de artistas em função”.
Sobre uma possível continuidade da parceria dos governos alemão e brasileiro, acerca da
implantação de televisão, o diretor alemão Hans Pressler declarou entusiasmadamente que
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 67

“estão de parabéns todos os brasileiros, porque, brevemente, poderão ter, em suas residências,
a maior de todas as conquistas humanas no setor científico. Para tanto, contamos com o apoio
oficial, a fim de que seja difundida tão importante inovação, no mesmo ritmo em que está sendo
difundido entre nós o maravilhoso invento de Marconi”.
Getúlio Vargas realmente teve interesse em implantar um sistema de propaganda política pela
televisão, mesmo se tratando de um veículo que necessitava de maior desenvolvimento para se
tornar viável. Mas, era muito cedo. Na verdade, o governo brasileiro não teria condições para
viabilizar a implantação de uma estação de TV, muito menos a Rádio Mayrink Veiga, do Rio
de Janeiro, que em meio às demonstrações de televisão, cogitou a possibilidade de adaptar seu
estúdio às transmissões de televisão. Segundo os jornais da época, os diretores da emissora
teriam até conversado com Hans Pressler a esse respeito. Naturalmente, não muito tempo depois,
desistiram do projeto, que estava longe de ser economicamente viável, mas ficou registrado na
história que os dirigentes da Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro pensaram em fazer televisão
ainda nos longínquos idos de 1939.

1948-49 - Quatro Exemplos de Experiências Amadoras de


Televisão

Com a chegada da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as experiências com televisão no


Brasil e no mundo foram interrompidas e retomadas apenas no período pós-guerra. No Brasil,
as experiências e demonstrações voltaram precisamente em 1948, em meio a divulgação de
notícias sobre o início da organização das TVs Tupi do Rio de Janeiro e de São Paulo — ambas
dos Diários Associados — e da empresa Rádio Televisão do Brasil, de César Ladeira (detalhes
no Capítulo 5).
Além de demonstrações profissionais de televisão, também surgiram casos amadores no Brasil,
com técnicos se baseando nos esquemas publicados em revistas especializadas. A seguir, serão
reportados quatro casos que acabaram ganhando espaço na mídia. Contudo, pode ter havido
outros diversos.

Televisão na Rádio Difusora de Petrópolis

Depois das experiências de Roquette Pinto com televisão, entre 1933-36, foi a vez da PRD-3 -
Rádio Difusora de Petrópolis (RJ) também tentar montar um sistema prático e colocá-lo no ar.
Em 1939, o fundador e diretor da emissora, engenheiro Waldemar Rodrigues, construiu sozinho
todo o sistema de captação, transmissão e recepção de TV mecânica. Inicialmente, realizou
experiências de televisão com o sistema de discos (Disco de Nipkow), mas, logo depois, migrou
para as experiências eletrônicas, quando encomendou um Iconoscópio com uma empresa da
Inglaterra. Rodrigues fabricou uma antena e a instalou no alto do bairro da Independência, de
onde se avistava boa parte do Rio de Janeiro. Sua pretensão estratégica foi ligar seu receptor no
edifício do jornal “A Noite”, no centro do Rio. A previsão era que as experiências acontecessem
em julho de 1939, aproveitando o ensejo do encerramento recente da 1ª Exposição de Televisão
no Rio de Janeiro.
68 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

“A televisão ainda é olhada como uma coisa muito difícil — começou


ele. As experiências feitas nos Estados Unidos e na Inglaterra,
provam, entretanto, que não é um bicho de sete cabeças. A verdade,
porém, é que a construção de um aparelho transmissor de televisão
sai bastante cara. Era preciso que aparecesse um louco aqui no Brasil
para que tivéssemos a televisão. Talvez esse louco seja eu mesmo”.
(depoimento de Waldemar Rodrigues, “Televisão no Brasil!”, Alex
Viany, Carioca, 01/04/1939, p. 35)

É sabido que Rodrigues conseguiu realizar algumas transmissões de televisão com a estação
amadora e experimental da Rádio Difusora de Petrópolis. Contudo, não há mais detalhes.

As Experiências de Olavo Bastos Freire em Juiz de Fora

Após a já citada pausa nas experiências e demonstrações de televisão no Brasil durante a 2ª


Guerra Mundial, a cidade de Juiz de Fora (MG) presenciou, no dia 28 de setembro de 1948,
uma transmissão pública e amadora de televisão eletrônica. Os equipamentos de captação,
transmissão e recepção foram desenvolvidos pelo radiotécnico Olavo Bastos Freire, um estudioso
apaixonado pelo rádio e pela televisão. As imagens foram transmitidas a partir do alto do edifício
Clube Juiz de Fora e captadas por um receptor instalado em uma assistência-técnica, às vistas
de diversas autoridades locais e da imprensa. Esta história pioneira iniciou-se em 1941, quando
Freire, usando um dicionário inglês-português, passou a traduzir esquemas de um sistema de TV
publicado na revista norte-americana “QSP”, voltada aos radioamadores. A esta altura, Freire
já havia aprendido os princípios teóricos do rádio e, agora, queria a televisão, ainda em fase de
aprimoramento no exterior.
Decidido a montar um sistema completo, o técnico comprou um Iconoscópio da RCA no ano
de 1946, importado dos Estados Unidos, e o instalou em uma câmera de TV com 120 linhas de
resolução que ele mesmo construiu. No ano seguinte, Freire montou um receptor de televisão com
apenas três polegadas, e, por fim, fabricou um transmissor de ondas elétricas. Os investimentos
saíram de seus próprios recursos, tendo que, por vezes, realizar sacrifícios para poder realizar
seu projeto.
O Iconoscópio e o kit para construção dos equipamentos foram importados pelo amigo carioca
Eduardo Ferreira Rocha, funcionário da companhia de aviação Panair. Rocha também estava
montando uma estação amadora de televisão em sua cidade (seu trabalho será retratado nas
linhas seguintes).
As experiências de Olavo Freire começaram com alcance bem restrito, transmitidas a partir de
sua oficina. Instalou a câmera na janela e captou o movimento na rua. O sinal, apenas de vídeo, foi
sintonizado pelo receptor instalado a poucos metros, na casa de um amigo. Após aprimoramentos
importantes, Freire realizou uma série de transmissões experimentais, com áudio e vídeo durante
o ano de 1948, ainda em Juiz de Fora.
Deixando muitas vezes o transmissor e a câmera ligados em sua oficina na região central de
Juiz de Fora, Freire ia com o receptor para lugares distantes, a fim de verificar até onde era
possível captar as imagens, que, segundo o técnico, só não chegava ao bairro Benfica, separado
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 69

por morros e a 13 km do centro da cidade. (entrevista a Olavo Bastos Freire, realizada, em junho
de 2001, por Nilo de Araújo Campos e Hilda Rezende Paula/Acervo Funalfa)
Até que chegou o momento de Olavo Freire demonstrar publicamente seu sistema de televisão.
Era 1948 e sua preocupação era com o pioneirismo, já que, no ano anterior, René Barthélemy,
considerado o “pai” da televisão francesa, havia visitado o Rio de Janeiro para realizar
conferências e prometido voltar para promover demonstrações de televisão no ano seguinte1 .
Freire quis demonstrar seu sistema antes do francês, mas não conseguiu. Contudo, colocou seu
sinal no ar em Juiz de Fora horas antes da primeira e marcante demonstração realizada pela
Rádio Nacional no Rio de Janeiro, em 28 de setembro de 1948, que falaremos a seguir. Nesta
data, Olavo Freire montou a câmera e o transmissor no alto do Clube Juiz de Fora e o receptor
na assistência-técnica Casa do Rádio, que recebeu autoridades e imprensa. A transmissão foi
realizada na frequência de 114,7 MHz (vídeo) e faixa de 80 m (áudio - 3,75 MHz).

Com o salão do Clube cheio de convidados, foi dado início à


demonstração. Foram televisionados os presentes, mas o sr. general
Onofre ainda não se convencera da realidade. Ao ser televisionada
a Av. Rio Branco, pelo telefone ele fez a seguinte pergunta para
os assistentes da Casa do Rádio: — “O que vocês estão vendo?”
Resposta: — “Um bonde parado no ponto!”. — “Qual o nome que
está na tabuleta?”. Resposta: — “Tapera...”. Muito bem, disse ele,
mas vamos ver o receptor. Depois de ver no cinescópio as imagens,
S. Exa. convenceu-se de que não fora ludibriado. (“Primeira
Demonstração Pública de TV na América do Sul”, Diário Mercantil,
Juiz de Fora, 04/11/1961, p. 2)

Em 21 de maio de 1950, por ocasião da celebração do centenário da cidade, Olavo Freire fez a
primeira transmissão no Brasil de uma partida de futebol, mesmo que amadora, entre o time local
Tupi F.C. e o Bangu A.C. (RJ). O evento aconteceu no estádio de Juiz de Fora e foi acompanhado
pelo público por um receptor instalado no centro da cidade. Naquela noite, o “Repórter Esso”
noticiou o pioneirismo pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro.

Câmera de televisão, transmissor


de vídeo e receptor construídos por
Olavo Bastos Freire (no destaque) e
utilizados para demonstrações de TV
amadora em Juiz de Fora, no ano de
1948. (Funalfa/divulgação)

1 Mais informações ainda neste mesmo capítulo.


70 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Em 28 de setembro, ainda de 1950, Freire transmitiu pela televisão um programa da Rádio


Industrial de Juiz de Fora, o “Noticiarista T9”, jornalístico patrocinado pelas Indústrias Químicas
Carlos Pereira S/A, que financiou parte dos custos de Freire para aquela realização inédita. O
programa era apresentado pelo repórter José Carlos de Lery Guimarães e teve a participação
da cantora Oswaldina Siqueira. A Rádio Industrial ficava instalada no 11º andar do edifício
Baependi, no centro da cidade. Um novo receptor fabricado por Freire, já com 7 polegadas, foi
instalado num ponto não muito distante da emissora, em frente a uma famosa casa comercial.
Isso tudo apenas 10 dias após a inauguração da primeira estação de televisão do Brasil, a TV
Tupi de São Paulo.

[...] imagem e som chegavam em condições normais à antiga Casas


Pernambucanas, na Rua Halfeld, onde se improvisara um receptor
para permitir a uma pequena multidão aglomerada ver o que se
passava no estúdio da emissora. (Diário Mercantil, 28/09/1973, p. 3)
Antes mesmo da inauguração da televisão no país, parte dos cidadãos
juiz-foranos já estava encantada com as imagens transmitidas
por Olavo Bastos Freire. Mas, com o início das transmissões
[experimentais] da Tupi [canal 6], no fim de 1950, Freire se muda
para o Rio de Janeiro, onde foi trabalhar como técnico de aparelhos
de TV da marca Admiral, já que era um dos raros profissionais no país
com conhecimento da novidade eletrônica. (“1948: O Pioneirismo
da Televisão em Juiz de Fora”, Flávio Lins, Revista Brasileira de
História da Mídia [RBHM], vol.1, nº 2, jul-dez/2012, p.44)

Em 1960, Olavo Freire foi trabalhar em Curitiba, na instalação da TV Paranaense (atual RPC
TV), permanecendo na emissora por alguns anos e onde criou outros aparelhos interessantes,
como um controle remoto para transmissor e um sintetizador de som. Freire também chegou
a fazer algumas transmissões experimentais de TV no Rio de Janeiro. Faleceu em 2005 e
grande parte de seus equipamentos foi preservada. Hoje, eles estão sob os cuidados da Funalfa -
Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage, em Juiz de Fora. O trabalho de Olavo Freire incentivou
o desenvolvimento das telecomunicações nesta cidade, já que um grupo local se empenhou em
implantar uma retransmissora de televisão, para depois, inaugurar sua própria estação geradora
de programação local.

Técnico Carioca Monta Estação de TV no Catumbi

Enquanto Olavo Bastos Freire montava sua estação de TV em Juiz de Fora, o mesmo fazia
seu amigo Eduardo Ferreira da Rocha, técnico de rádio e morador do bairro do Catumbi, no
Rio de Janeiro. Ele gastou todas as suas economias e construiu, entre 1947-48, um sistema de
televisão com câmera, transmissor e receptor. Segundo ele, o alcance da estação era de 50 km
de distância. Apesar de ter emprego, Rocha tinha poucos recursos e família numerosa. Construiu
o equipamento nas horas de folga, com base em estudos de 20 anos com revistas nacionais e
estrangeiras de eletrônica. Contava com ajuda de dicionários para tradução dos textos.
Uma reportagem sobre mais este amador-pioneiro da televisão no Brasil foi publicada em maio
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 71

de 1948, pelo “O Jornal do Rio de Janeiro”, editado pelos Diários Associados. “No aparelho
receptor, depois de devidamente sintonizado, as figuras surgem, a princípio imprecisas, onduladas
e, em seguida, nítidas, perfeitas, à proporção que o aparelho esquenta”, informou a reportagem.
A câmera foi apontada para o quintal do inventor.
Quase todas as peças do sistema foram fabricadas pelo técnico, tais como chassis, enrolamentos
de transformadores, tripés e antenas. Somente importou as válvulas, o Iconoscópio e o tubo-
monitor. Como era funcionário de uma empresa de aviação, a Panair do Brasil — que pertencia
a Mário Wallace Simonsen, futuro fundador da TV Excelsior —, Rocha teve oportunidades para
comprar esses equipamentos nos Estados Unidos, inclusive para o colega mineiro Olavo Bastos
Freire, como já mencionado.
“Muitos me chamaram de louco, não acreditavam no que eu estava fazendo. E mesmo depois
de pronto, raros acreditavam no que viam”, disse Rocha, cujos planos eram de realizar
aperfeiçoamentos, como aumento da tela do receptor.

Policial Civil Demonstra Sistema de TV em São Paulo

A última experiência de televisão amadora a ser retratada é a de José Victor Damélio, um jovem
paulista, radiotelegrafista da Polícia Civil, que construiu um aparelho de televisão em 1948 e
passou a demonstrá-lo em março de 1949, em uma sala situada no Largo de São Francisco, centro
de São Paulo. Damélio sempre acompanhou tudo o que dizia a respeito do desenvolvimento da
televisão. Sem tantos recursos e tampouco apoio financeiro, com muito sacrifício conseguiu
alimentar sua curiosa mania de televisão amadora, seja comprando peças, adquirindo livros e
revistas especializadas. Uma reportagem do jornal “Correio Paulistano”, publicada na coluna
“Rádio”, descreveu esta experiência paulistana, ocorrida um ano e meio antes da estreia da
primeira emissora de TV.

Nas demonstrações que fez à imprensa e ao público, Damélio


surpreendeu. Seja pela sua notável realização, seja pela sua
excessiva modéstia. De um canto de uma sala a outro, separado
com telas de panos, pode-se ver a reprodução das imagens, o que
aconteceu, ainda há pouco, com este cronista e com o repórter da
Rádio Bandeirantes, José Carlos de Moraes. Ambos conhecedores de
assuntos radiofônicos, ficaram surpresos com o que viram e Damélio
disse que iria muito mais longe ainda... (“Um Paulista Construiu
uma Pequena Estação de Televisão”, Edu, Correio Paulistano,
27/03/1949, p. 7)

No entanto, não foram informados detalhes técnicos sobre as


características do sistema transmissor de TV do policial civil,
tampouco sobre as demonstrações em si. Mas, a reportagem fez
uma importante crítica à falta de incentivo no campo da pesquisa
científica.
72 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Em qualquer outra parte do mundo, Damélio teria o apoio material


e moral dos poderes públicos ou dos endinheirados. Aqui, ele como
outros que se dedicam a outras atividades, tem que se contentar com
os aplausos e cumprimentos dos bem-intencionados e gastar o que é
seu... Por isso, provavelmente, é que temos poucos inventores nesta
terra. (“Um Paulista Construiu uma Pequena Estação de Televisão”,
Edu, Correio Paulistano, 27/03/1949, p. 7)

O jornal “Folha da Manhã” também chegou a noticiar as experiências de Damélio.

O Pai da Televisão Francesa Vem ao Brasil

O professor René Barthélemy, que ficou conhecido como “pai da televisão francesa”, era
membro da Academia de Ciências de Paris e engenheiro-chefe dos laboratórios de pesquisas de
televisão da Compagnie des Compteurs de Montrouge. Ele esteve no Brasil em agosto de 1947,
onde realizou uma série de conferências, intitulada “A Televisão - Histórico, Desenvolvimento
e Estado Atual”.
“Depois de 25 anos de trabalho relativamente discretos, resolvi fazer neste país a apresentação
oficial dos estudos e aperfeiçoamentos realizados na França, no tocante à televisão”, declarou
o francês em uma coletiva à imprensa brasileira. Barthélemy deu detalhes sobre a grande
capacidade da estação francesa de televisão, instalada na Torre Eiffel, em Paris, e que já fazia
transmissões diárias. Perguntado sobre as possibilidades de instalar uma estação de TV no Brasil,
Barthélemy disse que tudo dependeria de algum interessado e que ele tinha condições de montá-
la em apenas um ano. Ainda segundo ele, o investimento seria apenas 30% maior que o de uma
estação de rádio e, devido à necessidade de instalar o transmissor em local alto, o melhor lugar
para isso, no Rio de Janeiro, seria no Corcovado. Durante as conferências, Barthélemy projetou
um filme institucional, mostrando a linha de produção de transmissores e receptores de televisão
na França.

O engenheiro francês René Barthélemy. (reprodução)


ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 73

Meses depois, após empolgante acolhida a Barthélemy por parte dos brasileiros, a França
deu continuidade nas investidas para estabelecer negociações tecnológicas com o Brasil,
principalmente no campo da televisão, para montar estações e vender aparelhos receptores. Jean
Le Duc, engenheiro e diretor-geral da Compagnie des Compteurs de Montrouge, esteve no Rio
de Janeiro, em abril de 1948, para realizar alguns estudos sobre problemas com cinema, televisão
e outras aplicações eletrônicas. E anunciou que um conjunto de equipamentos de televisão estava
a caminho para que fossem realizadas experiências de televisão no Rio de Janeiro, projeto que já
havia sido citado por Barthélemy quando em solo brasileiro.
Por meio de uma parceria com o governo federal, ficou definido que as demonstrações dos
franceses seriam realizadas na Escola Técnica do Exército e depois nos estúdios da Rádio
Nacional, uma emissora estatal.

1948 - Demonstração de Televisão na Escola Técnica do


Exército

No ano de 1948, a Praia Vermelha, no bairro da Urca, Rio de Janeiro, entrou mais uma vez
para a história da radiodifusão do Brasil. No local, já não havia mais a estação de rádio SPE,
como visto no início deste capítulo, pois ela foi repassada pelo governo a uma entidade sem
fins lucrativos, mudado de endereço e se tornado a Rádio Club do Brasil. Na praça principal
da praia, o governo federal construiu alguns prédios para suas repartições, dentre elas, a Escola
Técnica do Exército, fundada pelo general Eurico Gaspar Dutra quando ministro da Guerra. O
estabelecimento formava engenheiros de diversas especialidades, função ainda mantida, mas
agora com o nome institucional de IME - Instituto Militar de Engenharia.
Naquele estabelecimento era muito comum serem realizadas conferências de caráter técnico-
científico, dirigidas à elite cultural do país. Isso abriu portas para que lá fossem organizadas as
demonstrações práticas de televisão que a francesa Compagnie des Compteurs de Montrouge
queria realizar na Capital da República. O comandante da Escola Técnica do Exército, general
Franklin Emílio Rodrigues, foi o responsável por receber a equipe técnica.
O evento de demonstração de televisão foi realizado nos dias 7 e 8 de julho de 1948, no auditório
da Escola Técnica do Exército. No primeiro dia, com as presenças ilustres do embaixador
francês Hubert Guérin, do chefe do Estado Maior Geral, do chefe do Estado Maior do Exército,
dentre outras autoridades e da imprensa, o evento foi aberto com as palavras do general Franklin
Rodrigues. Em seguida, foi exibido um pequeno filme, que mostrou as grandes oficinas técnicas
da Compagnie des Compteurs de Montrouge e a fabricação de diversos componentes que
compunham os aparelhos receptores e transmissores de televisão.
Uma explanação técnica foi realizada pelo engenheiro Mathieu Adolphe Bonfanti, do Comitê
Internacional de Cinema e Televisão, que abordou detalhes do novo veículo de comunicação.
O engenheiro dirigiu todos os trabalhos de demonstração e fez referências ao professor
René Barthélemy, que teve de cancelar sua participação naquele evento, pois fora chamado
urgentemente em Buenos Aires para fechar um contrato de instalação de televisão.
O sistema francês de captação e transmissão sem fio de imagem e som foi instalado na Escola do
Estado Maior do Rio de Janeiro, que ficava no lado oposto da praça da Praia Vermelha, a cerca
de 200 m de distância dos receptores instalados na Escola Técnica do Exército. Tanto o edifício
quanto a escola existem até hoje e agora é chamada de ECEME - Escola de Comando e Estado
Maior do Exército.
74 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Apresentação experimental de televisão com o


conjunto Trio de Ouro na Escola Técnica do
Exército, Rio de Janeiro. (O Jornal/reprodução)

Quatro televisores foram ligados no Salão de Honra da Escola Técnica do Exército. No


vídeo, exibição de paisagens, da bandeira do Brasil e de apresentações com artistas do rádio
especialmente convidados. Foi produzido e televisionado, ao vivo, um programa chamado
“Aconteceu com Você”, com a participação do grupo musical Trio de Ouro, que se apresentou
no terraço da Escola de Estado Maior. Neste ponto, deve-se destacar que a demonstração de TV
dos franceses foi feita com transmissão dos sinais pelo ar, ao passo que as demonstrações dos
alemães, em 1939, foram via cabo.
Os aparelhos receptores franceses contavam com 500 linhas de resolução, algo considerado
muito satisfatório e já próximo dos padrões mundiais que seriam adotados. Os primeiros
aparelhos receptores de televisão eram conjugados com um receptor de rádio e, pelo seletor,
trocava-se de estação de rádio ou de televisão. Quando também havia imagem, a tela era ligada
automaticamente.
Sobre a qualidade das imagens dos equipamentos franceses, um jornalista do exército assim
escreveu em uma nota distribuída aos jornais: “[...] conquanto não fosse muito perfeita, por serem
máquinas portáteis, impressionou bem”. A imprensa chegou até a divulgar que a Compagnie des
Compteurs de Montrouge pretendia instalar uma grande estação de televisão na cidade de São
Paulo, se tornando a primeira da América do Sul, além de pretender comercializar seus aparelhos
receptores. Entretanto, não foram divulgados mais detalhes sobre esta transação comercial, que
acabou não se concretizando.

1948 - As Experiências de Televisão da Rádio Nacional

A Mayrink Veiga comprou, nos Estados Unidos, um transmissor


de televisão e prepara-se para dentro em breve lançar programas
televisionados no Rio. Entretanto, fala-se que a Nacional passará na
frente da A-9. Quem não acreditar que passe pela Rua Acre e veja
as antenas de televisão já instaladas nos terraços do edifício de “A
Noite”. (A Scena Muda, Max Gold, 28/09/1948, nº 39, p. 27)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 75

A PRE-8 - Rádio Nacional do Rio de Janeiro foi inaugurada pela iniciativa privada em setembro
de 1936, operando do edifício Joseph Gire, mais conhecido como edifício A Noite, onde havia
funcionado o jornal vespertino homônimo, proprietário da emissora. O edifício é um arranha-céu
de 22 andares, localizado na Praça Mauá, no centro do Rio de Janeiro, considerado um marco
arquitetônico do país.
Após quatro anos de operações, a Rádio Nacional foi encampada pelo governo federal e passou
a ser controlada pelas Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional. Mesmo sendo estatal, era
mantida com recursos de publicidade. Nessa época, a emissora começou a disputar a preferência
popular com a Rádio Mayrink Veiga, a campeã de audiência carioca. Com grande faturamento
comercial, a Nacional passou a realizar produções de alta qualidade, que lhe trouxeram fama e
reconhecimento público. Em 1941, ela colocou no ar a primeira radionovela brasileira, “Em Busca
da Felicidade”, seguida de muitas outras de sucesso estrondoso. Naquele mesmo ano, surgiu
também pela Nacional o “Repórter Esso”, que se tornou num famoso noticiário radiofônico,
com o slogan “Testemunha Ocular da História”. Nos anos seguintes, diversos avanços físicos e
técnicos foram conquistados pela Nacional, colocando-a entre as mais bem equipadas do mundo.
Para exemplificar, foram inaugurados novos transmissores, novos estúdios e um auditório com
486 lugares. Também deram início as operações em Ondas Curtas com alta potência, em um
sistema de cinco antenas direcionais para favorecer as transmissões internacionais.
Já no final dos anos 1940, a Rádio Nacional se tornou a líder de audiência, tanto no Rio de Janeiro
como em outras praças do país. Além das radionovelas, os programas de auditório também eram
um grande sucesso. Nessa época, Armando Calmon Costa era o diretor-geral da emissora, Mário
Neiva o diretor-administrativo e Victor Costa o diretor de broadcasting e de radioteatro.
No segundo semestre de 1948, a PRE-8 estava prestes a inaugurar novos equipamentos de
transmissão em Ondas Médias, com 25 kW de potência, e se preparava para realizar outro
importante acontecimento para a história da radiodifusão do Brasil: uma série de experiências
com transmissão de televisão no Rio de Janeiro. O evento era fruto da parceria entre o governo
federal e a francesa Compagnie des Compteurs de Montrouge, que havia realizado demonstração
semelhante na Escola Técnica do Exército, dois meses antes. Assim que foram concluídas estas
primeiras demonstrações, os equipamentos já seguiram para a Rádio Nacional e foi iniciado
o processo de instalação. Após um período de experiências internas, havia chegado a hora de
realizar as demonstrações públicas, televisionando programas de sucesso pelo ar, direto dos
estúdios e do auditório da Rádio Nacional, utilizando-se de sua estrutura de produção e de seu
elenco. Os responsáveis-técnicos pelas experiências foram novamente os engenheiros Mathieu
Adolphe Bonfanti e Jean Marti, ambos da companhia francesa.

Naturalmente, a experiência não será definitiva; talvez não se


igualará à televisão dos Estados Unidos, por exemplo. Mas será,
com grande ou pouco sucesso (e acreditamos que será muito), mais
uma prova de que, realmente, a Rádio Nacional lidera a radiofonia
brasileira. (“Dois Acontecimentos”, A.B., A Noite, 15/09/1948,
Edição Final, p. 4)

Um pedido de autorização para as experiências foi realizado em agosto de 1948, junto ao


Ministério da Viação e Obras Públicas. “Rádio Nacional solicita permissão para realizar, a título
de experiência, durante o prazo de trinta dias, transmissões com o aparelho de televisão da Cia.
des Compteurs de Montrouge”. Com um despacho publicado em 21 de setembro, o ministério
autorizou a instalação da antena transmissora no terraço do último andar do edifício A Noite,
76 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

juntamente com um transmissor da faixa de VHF com apenas 4 watts de potência. A frequência
de vídeo a ser usada era 203 MHz, diferente do padrão atual de radiodifusão, e estaria hoje entre
os canais VHF-11 e 12. Não há notícias de que houvesse aparelhos de TV no Brasil naquela
época.
Toda a série de demonstrações de televisão da Rádio Nacional contou com os receptores de TV
da própria Compagnie des Compteurs de Montrouge. Três deles foram montados nas vitrines
da recém-inaugurada Óptica Lux, da Galeria Cruzeiro, situada na Avenida Rio Branco, nº
173, esquina com a Avenida Nilo Peçanha. A distância do transmissor até os receptores era de
exatamente de 1 km em linha reta.
A primeira das demonstrações foi programada já para o dia 21 de setembro de 1948. “Terça-Feira
- Televisão no Rio” foi uma das manchetes do “A Noite”1. A edição histórica trouxe algumas
fotos dos equipamentos franceses, instalados no edifício da Rádio Nacional: a antena, a mesa de
controle de imagens, uma luminária, uma câmera e um rack com diversos outros equipamentos
menores. Na mesma edição do “A Noite”, a matéria “Agora Sim! Vamos ‘Ver’ e ‘Ouvir’ Estrelas”
forneceu mais detalhes sobre as experiências, que até então eram tratadas com certo sigilo, até
mesmo dentro da própria Rádio Nacional.
Entretanto, um dia antes da primeira noite de demonstrações, uma considerável interferência
eletromagnética foi detectada e optou-se por remarcar a primeira exibição pública para a semana
seguinte, em 28 de setembro, uma terça-feira, às 21h.
A população aguardou ansiosa e, no grande dia, uma multidão se acomodou defronte aos monitores,
ligados a grandes alto-falantes. A Avenida Rio Branco foi bloqueada, tamanha quantidade de
curiosos em ver um dos maiores inventos do século XX. O povo carioca, que passou a chamar o
local de “Esquina da Televisão”, também queria ver os rostos de seus artistas prediletos. Grande
parte dos programas seria irradiada simultaneamente pelo rádio e pela televisão.
Abrindo as apresentações do dia 28, foi irradiado um show especialmente organizado para a
TV, com a participação de vários artistas do elenco, incluindo uma cena cômica com os atores
Ema D’Ávila, Floriano Faissal e Brandão Filho. Entre 21h30 e 22h, foi ao ar pelo rádio e pela
televisão o “Rua 42”, consagrado programa da Rádio Nacional, produzido por Max Nunes e
Manoel Barcelos. Era um dos mais alegres e movimentados programas de auditório e que, além
de seus animadores, contava com a colaboração de grande número de artistas anônimos, pois
seu elenco era formado por ouvintes e se renovava constantemente. Aquela edição especial do
“Rua 42” contou com a participação da dupla Alvarenga e Ranchinho, de Emilinha Borba e Dora
Lopes. O famoso xarope Phymatosan foi o primeiro produto a ter uma propaganda veiculada
pela televisão. O sucesso do “Rua 42” era tamanho que o patrocinador, visionário, contratou os
serviços de uma empresa cinematográfica para fazer a filmagem em 16 mm da avant-première
do programa na televisão, naquela noite de 28 de setembro. A ideia foi tornar o material um
documento precioso, que testemunharia, através dos tempos, o primeiro programa de rádio no
Brasil a ser televisionado. Outro objetivo era exibir a gravação à população do interior. Contudo,
não há notícia sobre o paradeiro deste importante material.
O público reagiu muito bem ao que viu nos televisores e ouviu dos alto-falantes. “Sucesso
Extraordinário” foi a manchete estampada na edição seguinte de “A Noite”, com uma foto do
show de abertura destacando os músicos Adelaide Chiozzo e o regional de Dante Santoro. Na
mesma foto, veem-se nos bastidores os dois engenheiros franceses, juntamente com o diretor
Victor Costa, importante nome da radiodifusão brasileira, já que, futuramente, seria proprietário
de emissoras como a TV Paulista, Rádio Excelsior e diretor da Rádio Nacional de São Paulo.

1 A Noite, 17/09/1948, Edição Final, p. 1.


ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 77

Equipamentos franceses para transmissão de TV, utilizados para demonstração pela Rádio
Nacional do Rio de Janeiro em 1948. (A Noite/reprodução)

Artistas do rádio carioca se apresentam durante as demonstrações de TV da Rádio Nacional. (A


Noite/reprodução)

Todo o Rio comenta. Toda a cidade vibra. Há, de fato, um assunto do


dia. É uma palavra que está em todas as bocas: Televisão! Ninguém
resiste ao sortilégio da palavra mágica que polariza a atenção do
povo. (“Novas Demonstrações de Televisão no Coração da Cidade”,
A Noite, 01/10/1948, p. 4)
Enquanto tudo indicava que a Rádio Tupi, do Rio de Janeiro, seria a
pioneira da televisão em nosso país, surgem agora as notícias de que
a Rádio Nacional passou à frente das “Associadas”, conquistando
mais uma grande vitória na sua vida de glórias para o broadcasting
patrício. Realmente, a Rádio Nacional fez as primeiras transmissões
de televisão no Brasil1, tornando-se, nesse setor, a vanguardeira.
Evidentemente, não se poderia exigir absoluta perfeição ou êxito
1 Na verdade, a Rádio Nacional promoveu o terceiro ciclo de demonstrações de televisão
profissional no Brasil, sendo antecedida, como já citado, pelas demonstrações do governo
alemão/governo do Brasil, em 1939, em circuito fechado de uma exposição do Rio de Janeiro,
e, dois meses antes da Nacional, na Escola Técnica do Exército, também no Rio de Janeiro, com
transmissão pelo ar, numa parceria entre a fabricante francesa Compagnie des Compteurs de
Montrouge com o governo brasileiro.
78 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

espetacular, mesmo porque são poucos os aparelhos receptores. Por


outro lado, já se pode afirmar que não estamos engatinhando ainda no
campo da televisão e que essa maravilha já é uma perfeita realidade.
(“Enfim, a Televisão”, Edu, Correio Paulistano, 30/09/1948, p. 11)

Para o final de semana seguinte da estreia das apresentações, iriam ao ar outras expressões do
elenco carioca de radioteatro, além dos cantores Floriano Faissal, Osvaldo Elias, Simone Morais,
Dulce Martins, Brandão Filho e outros. Eles se apresentariam no programa “Casa da Sogra” da
Rádio Nacional, com roteiro de Eurico Silva. Ele entrou no ar às 21h do sábado, 2 de outubro,
e, na sequência, foi a vez do estreante trovador romântico Carlos Ramirez, um colombiano que
veio fazer uma temporada de apresentações na Rádio Nacional. Já no domingo, dia 3, às 21h,
foi exibido “Nada Além de 2 Minutos”, outro consagrado programa da Nacional, produzido por
Paulo Roberto. Em seguida, às 21h30, foi ao ar “Papel Carbono”, um programa de Renato Murce
que expressava muita alegria e trazia calouros muito inteligentes.
A série de demonstrações práticas de televisão também contou transmissões nos dias 5, 9 e 12
de outubro, com a programação alternando entre produções exclusivas para a TV e os programas
consagrados da Rádio Nacional.

O diretor-geral da Rádio Nacional, Armando Calmon Costa, declarou à reportagem do “A Noite”,


publicada no dia da primeira demonstração, que a rádio queria mostrar ao público carioca as
verdadeiras possibilidades da nova arte e satisfazer a curiosidade popular, mas sem a pretensão
de tomar a dianteira na iniciativa de uma estação de televisão regular, em curto prazo. Isso pelo
fato de que, ainda segundo Costa, seria necessário investir muito dinheiro e adquirir técnica
especializada bastante complexa. “Esperamos que os nossos ouvintes compreendam o objetivo
que temos na mira e nos deem o apoio de sua benevolência, pois, repetimos, trata-se apenas de
uma demonstração sem caráter de continuidade, aproveitando uma aparelhagem de pequena
capacidade [...]”, disse Costa à reportagem.
O fato é que, além de ser um instrumento muito caro, a televisão no mundo ainda tinha resultados
comerciais deficitários e duvidosos. Mesmo assim, dois empresários corajosos se preparavam
naquele ano de 1948 para colocar no ar, o quanto antes, duas emissoras de televisão no Rio de
Janeiro e uma em São Paulo, como veremos nos capítulos 3 e 5.
A histórica série de exibições de televisão realizada pela Rádio Nacional deveu-se aos espíritos de
liderança em radiofonia do coronel Leony de Oliveira Machado (superintendente das Empresas
Incorporadas ao Patrimônio Nacional), de Armando Calmon Costa (diretor-geral da Nacional)
e de Victor Costa (diretor de broadcasting da Nacional). Mesmo que de forma despretensiosa,
essas demonstrações marcaram a fase pré-televisão no Brasil e despertaram tamanha paixão em
alguns daqueles telespectadores que, tempos depois, se tornaram profissionais daquela nova arte.
Entre eles, o ex-diretor da TV Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, (o Boni), Jorge Edo
(principal técnico da TV Tupi de São Paulo) e Dermival Costa Lima (primeiro diretor-geral da
TV Tupi de São Paulo). Costa Lima declarou para a revista “Briefing”, de setembro de 1980,
que assistiu a algumas das apresentações da Rádio Nacional e que ficou impressionado com
tudo o que viu. Estas são apenas três entre tantas pessoas que se encantaram com a televisão e
começaram a sonhar ali mesmo, em frente à vitrine de uma óptica no centro do Rio de Janeiro.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 79

PARTE 2
CHATEAUBRIAND ENTRA PARA A HISTÓRIA DA TV

“Com esse milagroso instrumento [a televisão], o homem terá


adquirido quase o poder de onipresença, e dentro em pouco,
calmamente sentado na sua poltrona, dentro de casa, poderá ver e
ouvir todos os grandes acontecimentos que fazem o tecido da vida
vertiginosa de nossos dias.” (Dário de Almeida Magalhães, diretor
dos Diários Associados, em Nova York, ano de 1938)
80 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 3
CHATEAUBRIAND SE ENCANTA COM A TELEVISÃO

[...] Depois da comunicação do pensamento, cativa nos fios elétricos,


tivemos sua liberação nas asas hertzianas, através do espaço. Hoje,
não são somente os sons que correm, libertos, à roda do planeta. A
imagem sincronizada começa a libertar-se igualmente do espaço.
Amanhã não haverá limites à presença, o mundo tornar-se-á qualquer
coisa como uma abstração imaginativa, os seus páramos fabulosos ao
alcance de todos, torcendo-se um botão. [...] Ninguém pode negar o
conjunto de atributos geniais que fazem da têmpera universal [de Assis
Chateaubriand] um dos maiores prodígios de vontade nas crônicas
da vida brasileira. Depois de montar a cadeia de jornais e estações
de rádio, deu ao país mais de mil aviões e, o que é mais, estendeu,
suscitou, formou milhares de vocações de pilotos aéreos, tornando
popular uma profissão que até então se exercia entre o mistério e
o pavor. Depois, Chateaubriand enveredou na campanha de defesa
da criança. O que tem feito nesse campo de ação é verdadeiramente
prodigioso. Voltou-se, então, para a criação de um patrimônio
artístico nacional, antecipando de um século uma fórmula de cultura
que só se manifesta nos povos sazonados na civilização e na riqueza.
Agora, Chateaubriand abre-nos a era da televisão. Esse homem não
é somente um pioneiro e vanguardista, porque, antecipando-se ao seu
tempo e ao seu meio, não se limita a lhes abrir o caminho — arrasta-
os, leva-os às costas, força-os a se admitirem o direito e o gozo de um
estágio superior de existência, de modo de vida e de seu maravilhoso
aproveitamento. (“A Era da Televisão”, João E. de Macedo Soares,
Diário Carioca, 23/01/1951, p. 1)

F
rancisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello nasceu na cidade de Umbuzeiro (PB)
em 4 de outubro de 1892. Mas, foi em Recife onde cresceu, estudou as ciências humanas e
se tornou professor de Filosofia do Direito e de Direito Romano. Na mesma cidade iniciou
sua carreira jornalística, escrevendo para o “Jornal do Recife”. Colaborou também no “Jornal
Pequeno” e nas colunas do “Diário de Pernambuco”, onde chegou a ser redator-chefe desse
órgão de imprensa, que é o mais antigo da América Latina em circulação.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 81

O jornalista e empresário Assis


Chateaubriand. (divulgação)

Em 1917, Chatô — como também era conhecido — transferiu-se para o Rio de Janeiro e passou a
escrever excelentes comentários sobre assuntos internacionais para os jornais “A Época”, “Jornal
do Commercio”, “Jornal do Brasil” e “Correio da Manhã”, este último que o enviou à Europa para
trabalhar como correspondente. Ao regressar, em 1921, o paraibano pediu demissão e dedicou-
se, com a ajuda dos amigos Alfredo Pujol e Alexandre Mackenzie, na organização de um grupo
destinado a levantar capital e comprar um jornal. A empreitada foi um sucesso e, em 1924,
passou às mãos de Chateaubriand “O Jornal do Rio de Janeiro” — ou simplesmente “O Jornal”
—, um periódico que enfrentava complicada situação financeira. Reerguido, ele foi o embrião
dos Diários Associados — posteriormente “Diários e Emissoras Associados” —, empresa que
Chateaubriand fundou e dirigiu. Por meio de processos em que a “audácia do aventureiro que
tudo arrisca” se tornaria uma marca registrada, o grupo se tornou o maior conglomerado de
mídia da América Latina, um verdadeiro império das comunicações, chegando a controlar 34
jornais; 36 emissoras de rádio; 18 estações de televisão; uma agência de notícias; uma grande
revista semanal (“O Cruzeiro”); a revista feminina mensal “A Cigarra”; várias revistas infantis;
uma editora; e, ainda, nove fazendas produtivas, indústrias químicas e laboratório farmacêutico.
“O Rei do Brasil”, como Assis Chateaubriand foi chamado no título de sua biografia, escrita por
Fernando Morais, era engajado no movimento político. Apoiou a Aliança Liberal na campanha
que teve por desfecho a vitória da Revolução de Outubro de 1930, que conduziu Getúlio Vargas
ao poder. Em 1932, Chatô participou da Revolução Constitucionalista, dando seu apoio à causa
paulista, que resultou na tentativa frustrada do governo em mandá-lo para o exílio no Japão.
No ano de 1935, com a presença especial do grande explorador italiano das ondas “hertzianas”,
82 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Guglielmo Marconi, foi inaugurada no Rio de Janeiro a primeira emissora de rádio de Chatô, a
PRG-3 - Rádio Tupi.
O dr. Assis era impetuoso, rápido, decidido, apaixonado e progressista. Em 1941, ele promoveu a
Campanha Nacional de Aviação, com o slogan “Deem asas ao Brasil” e o objetivo de desenvolver
a criação de linhas aéreas. Quatro anos depois, incomodado com a mortalidade infantil, criou a
companhia “Redenção à Criança”, onde uniu bancos, empresas, instituições e governos estaduais
para garantir a instalação de centenas de postos de puericultura por todo o país. Também realizou
a campanha “Café Fino” para motivar agricultores a aprimorar suas plantações. Trabalhou
no desenvolvimento do Correio Aéreo Nacional, na defesa e respeito ao índio (era amigo do
marechal Rondon), no desenvolvimento de programas contra o desmatamento e na criação da
Escola de Propaganda e Marketing de São Paulo. Como um grande incentivador da cultura,
também criou o MASP - Museu de Arte de São Paulo, em 1947, um dos mais importantes do
mundo e que hoje leva seu nome.

No seu “Sodalício com Assis Chateaubriand”, por longos anos o


principal diretor do MASP [Pietro Maria Bardi] não viu qualquer
rastro de cultura artística ou espiritual dominando o projeto
museológico. O colecionismo do jornalista [Chateaubriand] tinha
fundamentos narcisísticos, quando muito voltado para “fazer
notícia”. [...] os viajantes estrangeiros sempre eram levados ao
MASP para se deslumbrarem com o acervo, tornando-se notícia e
foto de primeira página [...]. (“A Televisão Antes da Novela: Ensaio
de Interpretação”, José Inácio de Melo Souza, 2005, p. 11)

O emblemático prédio que abriga hoje o MASP, na Avenida Paulista, foi concebido especialmente
pela arquiteta Lina Bo Bardi e inaugurado em novembro de 1968, com a presença ilustre da
rainha da Inglaterra, Elizabeth II, aproveitando sua visita oficial ao Brasil. Hoje, o prédio do
MASP é um dos cartões postais da cidade e seu acervo é de valor cultural inestimável para o país,
abrigando cerca de 8 mil peças, que incluem obras de artistas internacionais de renome, como
Renoir, Monet, Manet, Toulouse-Lautrec, Van Gogh, Rembrandt; e de artistas brasileiros como
Almeida Júnior, Cândido Portinari, Anita Malfatti e Victor Brecheret.

“Sempre sem dinheiro, [Chateaubriand] tinha o dom de mobilizar


os ricos para que investissem na cultura, especialmente no
desenvolvimento da imprensa e das artes plásticas. Poucos
empresários se apaixonaram tanto pela pintura e fundaram tantos
museus por aí. Sendo homem dos improvisos, dr. Assis deixava-se
mover pelos impulsos de ousadia e jamais mediu as consequências
de seus atos. A propósito, costumava dizer na redação de ‘O Jornal’
— órgão líder da cadeia dos Diários Associados: ‘Se algum dia
vier a temer o resultado do que faço, significa que está na hora de
eu morrer’”. (“Urca - O Bairro Sonhado”, José Louzeiro, Relume
Dumará/Rio Arte, 2000:51)

Em 1950, Assis Chateaubriand fundou a primeira emissora de televisão da América do Sul, a TV


ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 83

Tupi - Canal 3 de São Paulo, tema principal desta obra literária. Dois anos depois, ele foi eleito
senador pelo Estado da Paraíba e, em 1955, se reelegeu pelo Estado do Maranhão. Contudo,
renunciou ao mandato dois anos depois, para assumir a embaixada do Brasil no Reino Unido,
a convite do presidente da República Juscelino Kubitschek. Em 1954, Chatô foi eleito para a
Academia Brasileira de Letras, assumindo a Cadeira 37, deixada pelo recém-falecido Getúlio
Vargas.
Chateaubriand, Chatô, dr. Assis ou Velho Capitão amava seu país. Foi um misto de jornalista,
mecenas, empresário e político. Figura complicada e polêmica, fez com que a criação da primeira
emissora de televisão no Brasil fosse repleta de acontecimentos emocionantes e inesperados.
“Era ao mesmo tempo conservador na política e modernizador na economia; liberal na ideologia,
mas afeito a autoritarismos; amigo do capital internacional, mas promotor da cultura nacional e
apegado às raízes da identidade brasileira”1. Sempre muito audacioso, ganhou diversos inimigos
durante sua carreira e foi alvo de muitas críticas, que o rotulavam de chantagista, patife etc.
Entretanto, também havia aqueles que o admiravam, o seguiam e o consideravam um grande
visionário e empreendedor.

As Empresas Paulistas dos Diários Associados

O grupo de empresas de comunicação de Assis Chateaubriand chegou a São Paulo em junho


de 1925, quando assumiu o controle do jornal “Diário da Noite” (S/A Diário da Noite). Depois,
foram fundados o “Diário de São Paulo” (S/A Diário de São Paulo, em 1930) e a Rádio Tupi
(Rádio Tupan S/A, em 1937). Em 1943, adquiriu a Rádio Difusora (Rádio Difusora São Paulo
S/A). Chateaubriand era o acionista majoritário de suas empresas, permanecendo os sócios
Edmundo Monteiro, Jorge Chateaubriand, Alvimar Caldas, Christovam Bezerra Dantas, João
Napoleão de Carvalho e Armando Oliveira com pequenas participações. Edmundo Monteiro,
que começara no “Diário da Noite” como contínuo, na década de 1930, era o diretor-presidente
dos Diários Associados de São Paulo. Havia um grupo de funcionários ligados aos acionistas
Edmundo Monteiro e Napoleão de Carvalho, formado por Corifeu de Azevedo Marques, Ruy
Athayde Aranha, Humberto Bury, Dermival Costa Lima e Américo Palhares, que se revezavam
em funções de chefia do grupo em São Paulo.
Por muitos anos, a sede paulista dos Diários Associados, juntamente com as redações dos jornais
“Diário da Noite” e “Diário de São Paulo”, funcionava em um dos três históricos palacetes
chamados de Conde Prates, localizado na esquina da Rua Líbero Badaró com o Viaduto do
Chá. Assis Chateaubriand havia assinado um baratíssimo contrato de locação com vigência
de três anos, junto ao industrial italiano conde Francisco Matarazzo. Contudo, neste meio-
tempo, Matarazzo decidiu construir uma nova sede administrativa para suas empresas no local
e demoliria o palacete para dar lugar ao luxuoso e moderno edifício Matarazzo, hoje utilizado
como sede da Prefeitura de São Paulo. Sabendo que o prefeito Fábio Prado tinha enorme interesse
em ver construído este novo edifício — a ser projetado pelo famoso arquiteto italiano Marcello
Piacentini —, Chateaubriand relutou em desocupar o imóvel antes do término da vigência do
contrato e pediu indenização de 220 contos ao conde, já que haveria um grande transtorno em
desmontar as rotativas dos jornais. Esta posição deu início a uma crise e a uma série de pesadas
ameaças de ambas as partes.

1 “Meridional: a agência de notícias que integrou o Brasil”, Pedro Aguiar, Agências de Notícias,
2018
84 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Tupi - Canal 3 de São Paulo, tema principal desta obra literária. Dois anos depois, ele foi eleito
senador pelo Estado da Paraíba e, em 1955, se reelegeu pelo Estado do Maranhão. Contudo,
renunciou ao mandato dois anos depois, para assumir a embaixada do Brasil no Reino Unido,
a convite do presidente da República Juscelino Kubitschek. Em 1954, Chatô foi eleito para a
Academia Brasileira de Letras, assumindo a Cadeira 37, deixada pelo recém-falecido Getúlio
Vargas.
Chateaubriand, Chatô, dr. Assis ou Velho Capitão amava seu país. Foi um misto de jornalista,
mecenas, empresário e político. Figura complicada e polêmica, fez com que a criação da primeira
emissora de televisão no Brasil fosse repleta de acontecimentos emocionantes e inesperados.
“Era ao mesmo tempo conservador na política e modernizador na economia; liberal na ideologia,
mas afeito a autoritarismos; amigo do capital internacional, mas promotor da cultura nacional e
apegado às raízes da identidade brasileira”1. Sempre muito audacioso, ganhou diversos inimigos
durante sua carreira e foi alvo de muitas críticas, que o rotulavam de chantagista, patife etc.
Entretanto, também havia aqueles que o admiravam, o seguiam e o consideravam um grande
visionário e empreendedor.

A sede paulista dos Diários


Associados durante a primeira
metade dos anos 1930, instalada
no Palacete Conde Prates, ao
lado do Viaduto do Chá: o conde
Matarazzo desocupou o imóvel
para construir uma nova sede para
suas empresas. (Coleção “Jornal
Diários Associados”/Arquivo
Público do Estado de São Paulo)

Fernando Morais, biógrafo de Chateaubriand, revela em sua obra “Chatô, o Rei do Brasil”
(1994), que foi o prefeito Fábio Prado, com a ajuda de Samuel Ribeiro, presidente da Caixa
da Econômica Federal, quem conseguiu uma solução para a crise entre Chateaubriand e os
Matarazzo. Prado foi informado que dois imóveis vizinhos entre si estavam à venda na Rua
Sete de Abril, do outro lado do Viaduto do Chá. Em um deles, no nº 62, havia um pequeno
sobrado comercial e, ao lado, havia funcionado o restaurante L’Auberge de Marianne. Segundo
Morais, uma operação de compra do sobrado foi proposta pelo prefeito, onde Chateaubriand
receberia os 220 contos do conde e colocaria mais 60 de seu próprio bolso. Por outro lado, a
Caixa Econômica faria um contrato de publicidade de 50 contos com os Diários Associados e o
prefeito Fábio Prado convenceria o conde a assinar outro contrato de 50 contos de publicidade
com os jornais de Chatô. Somando tudo, chegaria ao valor do imóvel e Chateaubriand poderia
também comprar o antigo restaurante para demoli-lo e construir a sede definitiva de seus jornais
em São Paulo.

1 “Meridional: a agência de notícias que integrou o Brasil”, Pedro Aguiar, Agências de Notícias,
2018.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 85

Apesar de contrafeitos, os Matarazzo aceitaram pagar o preço exigido


para sair daquela sinuca. Embora no documento que assinou em
novembro de 1934 o jornalista se comprometesse a entregar o prédio
em três meses, só em julho de 1935 é que os Diários Associados iriam
mudar de endereço. (“Chatô, o Rei do Brasil”, Fernando Morais,
Companhia das Letras, 1994, n.p.)

Chateaubriand acabou optando por comprar apenas o sobrado comercial da Rua Sete de Abril,
nº 62, onde instalou redações, sucursais e fundou a PRG-2 - Rádio Tupi - 1040 kHz. Mas, logo
em seguida tratou de comprar um outro terreno da mesma rua, no nº 230, onde construiu um
edifício de quatro andares, batizado de “Guilherme Guinle”, uma homenagem em vida que
Chateaubriand fez ao amigo, empresário e investidor de suas causas. Foram transferidas para
este edifício as redações, rotativas e a Rádio Tupi, que ganhou um auditório com 150 assentos
no 3º andar.
A briga entre Chatô e o conde Matarazzo logo acabou, pois, no ano seguinte, uma matéria de “O
Jornal” (14/05/1936) trazia a seguinte manchete: “Visita do Conde Matarazzo às Instalações dos
‘Diários Associados’ em S. Paulo”.

À esquerda, anúncio de inauguração


da Rádio Tupi de São Paulo, com
sede na R. Sete de Abril, nº 63.
(reprodução) À direita, o edifício
Guilherme Guinle em 1940,
localizado no nº 230 da mesma rua,
onde de 1936 a 1942 funcionaram
a Rádio Tupi e os jornais “Diário
da Noite” e “Diário de São
Paulo”. (Coleção “Jornal Diários
Associados”/Arquivo Público do
Estado de São Paulo)

Conhecendo a América

Em julho de 1944, Chateaubriand fez uma série de visitas de negócios nos Estados Unidos,
país que ainda não conhecia. Em Washington, recebeu tratamento sequer concedido a ministros
brasileiros, ficando hospedado na Blair House, uma casa do governo americano destinada a
chefes de Estado estrangeiros. Surpreso, sem ter solicitado, o brasileiro se viu convidado a tomar
um café da manhã com o poderoso chefe do Departamento de Estado, Cordell Hull, com honras
de estadista. Hull admirou-se com as ousadias empresariais daquele exótico latino-americano
e o convidou para acompanhá-lo em uma viagem que faria à cidade de Buffalo, algo que seria
oportuno para conceder uma entrevista exclusiva ao jornalista e empresário brasileiro.
86 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Na etapa seguinte da viagem, Chateaubriand visitou algumas cidades da costa oeste e embarcou
para Nova York, onde seria oficialmente recebido pelo prefeito Fiorello La Guardia. Também se
reuniu com Arthur Hays Sulzberger, o publisher do jornal “The New York Times”, que gostou
tanto do brasileiro que acabou convidando-o a dar uma entrevista coletiva à imprensa americana
na redação de seu jornal. Apresentado como “o poderoso editor de 26 jornais, cinco revistas e 16
estações de rádio no Brasil”, a entrevista foi um sucesso ao contar com representantes de alguns
dos mais importantes órgãos de imprensa americanos, como “Times”, “The Wall Street Journal”,
“Washington Post”, “Herald Tribune”, “Sun” e “New York Daily News”. O “New York Times”
publicou a entrevista na seção internacional, com o título “Brasileiro Exige Bases Militares
Comuns Para as Américas”, tema muito abordado na conversa com os jornalistas.
O destino final da viagem de Chatô era a sede da empresa de equipamentos de broadcasting
RCA-Victor, localizada no complexo Rockefeller Center, em Nova York. O presidente da
empresa, David Sarnoff, preparou-se para receber seu importante cliente brasileiro, que tinha
muita visão de futuro e que já havia adquirido diversos equipamentos RCA para sua extensa
cadeia de rádios espalhada pelo Brasil.
A estadia do Velho Capitão nos Estados Unidos durou um pouco mais de um mês. Um dia
antes de partir para o Rio de Janeiro, onde estava sua principal morada, foi homenageado em
um almoço com personalidades da vida política e intelectual norte-americana. O evento foi
organizado pelo amigo milionário e empresário Nelson Rockefeller, então presidente do Museu
de Arte Moderna de Nova York.

Chatô Visita David Sarnoff na RCA

Para a mencionada visita de negócios com Chateaubriand, David Sarnoff preparou seu estande
de demonstração dos avanços tecnológicos da radiodifusão no mundo. A própria guerra
proporcionou grande avanço tecnológico nas comunicações e, para Sarnoff, o período pós-guerra
era propício para realizar o aprimoramento do rádio como veículo de comunicação de massa,
formando grandes redes nacionais e até internacionais de radiodifusão.
Chateaubriand era o pioneiro na América do Sul na exploração comercial de rádio em Ondas
Médias com alta potência e agora queria investir em equipamentos mais modernos para quatro
de suas emissoras — Rádio Tupi - 1280 KHz (Rio de Janeiro), Rádio Tupi - 1040 KHz (São
Paulo), Rádio Farroupilha - 600 KHz (Porto Alegre) e Rádio Sociedade da Bahia - 740 KHz
(Salvador). É interessante salientar que o Velho Capitão aguardava pelo fim da Segunda Guerra
Mundial, época em que a União Internacional de Telecomunicações regulamentaria o uso de
canais (frequências) exclusivas em Ondas Médias, com permissão para operar com a altíssima
potência de 50 kW. Dois exemplos são os “canais internacionais” de 1040 KHz e 1280 KHz,
então usados exclusivamente pela Rádio Tupi de São Paulo e do Rio em toda América do Sul e
Caribe1.
Com o tema “expansão do rádio” concluído, Sarnoff quis demonstrar ao seu potencial cliente
outros esforços que a RCA realizava em plena guerra. Em um amplo salão de reuniões estavam

1 Em função de limites de financiamento por parte dos bancos norte-americanos, a RCA teve que
rejeitar o pedido de compra de duas das quatro estações que Chateaubriand desejava equipar
com transmissores de 50 kW: da Rádio Farroupilha e da Rádio Sociedade da Bahia. Contudo,
após nova negociação realizada em 1949, finalmente essas duas rádios foram equipadas com
transmissores RCA de 50 kW.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 87

instalados, junto às janelas, novos modelos de câmeras de televisão, apontados para uma
belíssima e ampla vista. Alguns receptores mostravam as imagens captadas com boa nitidez
para a época. Chatô nunca tinha visto nada parecido em três décadas à frente de suas empresas.
Ademais, na mesma sala, estava presente o próprio o engenheiro Vladimir Zworykin, um dos
criadores da televisão eletrônica e que agora atuava como vice-presidente da RCA.
Animado, o brasileiro fez diversas perguntas a Zworykin sobre o equipamento que transmitia
imagem e som conjugados. Após as explicações, Chateaubriand, muito encantado com a palavra
“imagem” e que até vinha pensando em investir no cinema, tomou uma rápida decisão: pediu
que Sarnoff registrasse, naquele momento, a primeira ordem de compra de uma emissora de
televisão fora dos Estados Unidos! Observando a euforia e encantamento de Chatô, Sarnoff
alertou ao amigo que era muito cedo para o Brasil pensar em televisão e que ele deveria esperar.
Recomendou, ainda, que o jornalista se preocupasse primeiramente com o fortalecimento de
sua grande rede de emissoras de rádio. Funcionários próximos ao Velho Capitão revelaram em
entrevistas que sua resposta a Sarnoff foi dada nestes termos:
— Esperar o quê!? E lhe digo mais: não quero uma emissora. Quero duas!
A mente vanguardista de Chateaubriand rapidamente vislumbrou emissoras de TV para as rádios
Tupi do Rio de Janeiro e de São Paulo, numa iniciativa extremamente ousada e arriscada. Afinal,
esse era mesmo o perfil do grande empresário nordestino.
Chatô convenceu David Sarnoff, mas teria que aguardar bastante para realizar seu desejo. Após o
registro de intenção de compra, era preciso que a Segunda Guerra acabasse para que fosse dado
andamento à montagem dos equipamentos das primeiras emissoras de televisão “tupiniquins”.

Entre 1945-49, pela ordem de receita auferida (publicidade, venda


avulsa e assinaturas), os órgãos mais importantes [dos Diários
Associados em São Paulo] eram o “Diário de São Paulo” e “Diário
da Noite”, com a rádio Tupi em ligeira vantagem sobre a Difusora.
O custeio dos veículos e “despesas gerais” consumiam dois terços
dos créditos, de forma que sobrava muito pouco para ser reinvestido
nos próprios jornais ou rádios. Nessa época, os lucros das empresas
eram pequenos, quase ínfimos, senão puramente contábeis. (“A
Televisão Antes da Novela: Ensaio de Interpretação”, José Inácio de
Melo Souza, 2005, p. 31)

De volta ao Brasil e ainda muito animado, Chatô não perdeu tempo e foi à busca de arrecadação
financeira de anunciantes para cumprir os pagamentos, junto à RCA, das duas estações de
TV completas. Isso porque, sempre sem recursos, o “colecionismo” de veículos de mídia
de Chateaubriand só poderia crescer com a contribuição de anunciantes. A verdade era que
seus jornais e rádios paulistas davam resultados financeiros inferiores às necessidades do
desenvolvimento. Em parte, isso acontecia porque os lucros das empresas paulistas estavam
sendo reinvestidos em equipamentos para a Rádio Tupi, fabricados pela própria norte-americana
RCA, e em rotativas Vomag para os dois jornais. Para efeito de comparação, embora o número
de leitores e anunciantes estivesse em franco crescimento, se somadas as receitas operacionais
das duas rádios e dos dois jornais “Associados” paulistas entre 1946-50, elas são inferiores às do
maior jornal paulista daquele período, “O Estado de São Paulo”.
Foi então que o Velho Capitão tratou de procurar seus amigos e empresários Walter Belian —
88 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

diretor da Companhia Antarctica Paulista — e Francisco “Baby” Pignatari — proprietário de um


grande conglomerado de empresas, entre elas a Prata Wolff.

“Estou boquiaberto com o que me foi mostrado em Nova York por


David Sarnoff, o boss da NBC: a televisão, a oitava maravilha do
mundo. Num estúdio fechado, um conjunto de câmara tocava um
trecho de La Bohème, de Puccini. A cinquenta metros dali, em outra
sala, através de um aparelho, eu pude ver e ouvir com perfeição a
execução da ópera. Eu os reuni aqui para comunicar que, terminada
a guerra, vou importar aquela tecnologia e instalar uma estação de
televisão no Brasil. Queria que suas indústrias fossem se preparando,
porque vocês vão ser os privilegiados que dividirão comigo as glórias
de trazer esse invento revolucionário para cá. Os nossos inimigos
que se preparem: se só com rádios e jornais os ‘Associados’ já tiram
o sono deles, imaginem quando tivermos na mão um instrumento
mágico como a televisão!”. (discurso de Assis Chateaubriand,
“Chatô, o Rei do Brasil”, Fernando Morais, Companhia das Letras,
1994:440-441)

Chatô convenceu os dois empresários a financiar as estações de TV que almejava. Após a guerra,
já em 1946, outros dois empresários também foram convidados a investir nos novos veículos
de Chateaubriand, por meio das empresas Sul América Seguros e Moinho Santista. As quatro
patrocinadoras entraram com o capital necessário, em troca de extensos contratos de publicidade
na TV, com duração variando em 12 ou 18 meses. A compra de todos os equipamentos das
emissoras do Rio e de São Paulo ficou orçada na astronômica cifra de US$ 5 milhões (ou Cr$
16 milhões na época). Vale ressaltar que tais patrocinadores arcaram com parte dos custos de
montagem da emissora, enquanto um longo financiamento com fornecedores ficou por conta dos
Diários Associados.

Hoje, com toda a certeza, vamos surpreender os nossos leitores com


uma jubilosa notícia. Ao que conseguimos apurar, a Rádio Tupi de
São Paulo estaria em entendimentos com uma grande firma norte-
americana para instalar uma emissora de rádio-televisão em nossa
capital. Sim, leitores, uma emissora de televisão como as várias que
existem nos Estados Unidos. Além da estação, soubemos, ainda, que
a Tupi paulista negociaria, simultaneamente, a aquisição de dez mil
aparelhos receptores de televisão não só para poder pôr em prática
o seu empreendimento, como, igualmente, para lançar no Brasil
miraculosa invenção. Esses receptores seriam vendidos ao público, em
prestações, por cerca de seis mil cruzeiros, preço ínfimo se levarmos
em conta as quantias pedidas pelos rádios comuns. Podemos adiantar
ainda mais que hoje deverá chegar à nossa capital, procedente do Rio
de Janeiro, um emissário da RCA-Victor, o qual, ao que parece, veio
ao Brasil com a finalidade de efetivar grandes realizações e, entre
elas a da instalação da emissora de televisão na Rádio Tupi. Como
vemos, as notícias são promissoras. Se se confirmarem os intentos
da Rádio Tupi de São Paulo, o nosso Estado será o primeiro a pôr
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 89

em prática um notável empreendimento que já foi ideado e sonhado


por outras empresas. Há tempos falou-se que a Rádio Nacional do
Rio de Janeiro seria a primeira a possuir emissora de televisão, mas
não se chegou a um resultado prático. Veremos, agora, se a nossa
Tupi conseguirá dar o maior passo do rádio brasileiro, iniciando
uma nova fase de grandes perspectivas. Será que em pouco tempo
poderemos gozar as delícias da televisão? (“Televisão Pela Rádio
Tupi”, Edu, Correio Paulistano, 17/05/1946, p. 6)

Concretizando a Compra dos Equipamentos

[...] o diretor dos “Diários Associados”, voltando da terra do Tio


Sam, entusiasmado com a televisão, nos procurou para comprar
uma estação para São Paulo. Naquela época, nem nós, engenheiros,
sonhávamos que, no Brasil, seria possível fazer aquilo que hoje é
uma realidade. Muito timidamente, propusemos um transmissor de
apenas 500 watts e duas câmeras. Mas, passadas algumas semanas
cheias de emoções, cálculos e estudos, chegamos à conclusão de que
deveríamos entrar com o pé direito no campo da televisão e montar
uma estação das mais modernas e completas para mostrar ao povo
de São Paulo o que de mais perfeito existe nesse ramo de nossas
atividades. Resolvemos, então, que a primeira estação de televisão
do Brasil deveria ser, também, uma das primeiras do mundo em
qualidade. (“A RCA - Pioneira da Televisão e o Equipamento dos
‘Diários Associados’”, Walter Obermüller, Diário da Noite [SP],
29/08/1950, p. 5)

Em 1947, passada a Segunda Guerra Mundial, Chateaubriand voltou aos Estados Unidos para
concretizar a encomenda dos equipamentos das suas duas estações de televisão. A demonstração
e as negociações foram feitas pelo presidente executivo da RCA International, Meade Brunet,
também velho conhecido de Chatô. Naquele ano, começava a ser vendido o primeiro transmissor
comercial da empresa, o modelo TT-5A, com 5 kW, próprio para operar nos canais baixos de
2 a 6, na faixa de VHF. Até então, a RCA tinha testado seu imenso transmissor experimental,
também de 5 kW, operado entre 1939-46 no Empire State Building, transmitindo a estação
W2XF-TV, geradora da rede NBC.
Durante as negociações de televisão com Chateaubriand, Meade Brunet fez uma proposta
amigável e que requeria mais paciência e confiança do brasileiro. A RCA já receberia os US$ 150
mil que os Diários Associados dispunham, referentes à entrada dos equipamentos de televisão.
Porém, a entrega aconteceria mais adiante, a fim de que fossem superados alguns problemas
de ordem financeira junto a bancos norte-americanos. Além disso, Chatô poderia receber uma
versão do transmissor TT-5A já com alguns aperfeiçoamentos em relação à primeira série, de
1947.
— Confiem em nós e não tenham pressa em receber o transmissor. Cada vez mais o laboratório
aperfeiçoa a técnica” — disse Brunet ao amigo brasileiro.
O desejo de que a TV Tupi alcançasse plenamente diversas cidades nos estados de São Paulo
90 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

(principalmente Santos, Jundiaí e Campinas) e do Rio de Janeiro fez com que o Chatô aceitasse
a proposta. O Velho Capitão confiou no amigo e na empresa da qual era cliente antigo. Contudo,
houve um problema com o prazo estipulado pela RCA e a empresa declarou que precisaria de
um tempo ainda maior para entregar os equipamentos das duas estações de televisão dos Diários
Associados.

“[...] O problema é que havia nos Estados Unidos uma deflação


drástica dos limites financeiros com os quais a indústria operava
nos bancos. [...] Dois anos tivemos que esperar pela baixa das
contas em vermelho com a RCA para receber os equipamentos [...]”.
(“Cemitérios da Lua”, Assis Chateaubriand, O Jornal, 06/08/1963,
1º Caderno, p. 3)

Um episódio inusitado aconteceu após a efetivação da ordem


de compra dos Diários Associados com a RCA, realizada nos
escritórios da empresa em Nova York. O presidente David
Sarnoff convidou Chateaubriand para visitar a fábrica da RCA
em Burbank, na Califórnia, afirmando, apenas, que tinha
“uma surpresa especial” para o brasileiro. Atravessaram os
Estados Unidos de avião e, no dia seguinte, já na fábrica, o
jornalista foi conduzido a um pequeno auditório com um
grande monitor de televisão. Eis que se iniciou a exibição de
um vídeo com apresentação de uma banda de jazz. Detalhe:
em cores! Perplexo, o Velho Capitão exclamou:
— Que bruxaria é essa?!
Após Sarnoff explicar que a transmissão em cores era apenas
uma experiência da RCA e que aquela tecnologia ainda estava
em desenvolvimento, surpreendentemente Chateaubriand
tirou de sua pasta as cópias do contrato recém-assinado com
a empresa e a transformou em pedacinhos.
— Não pense que só porque eu venho de um país atrasado
o senhor vai me vender equipamento obsoleto, senhor
Sarnoff! Só aceito fazer negócio com a [RCA] Victor se levar
transmissores de televisão em cores para o Brasil! — exigiu o
brasileiro, com seu inglês de sotaque paraibano.
Sarnoff explicou que não poderia, pois o término das pesquisas
iria levar alguns anos ainda, algo que realmente aconteceu
(a primeira transmissão de TV em cores nos Estados Unidos
ocorreu somente 19 anos depois, pela rede ABC, em 1966). Já
com os ânimos do pernambucano acalmados, a secretária de
Sarnoff teve que datilografar novamente os contratos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 91

Valeu a pena o voto de confiança que Chatô deu à RCA. Pelo mesmo valor, ao invés de levar a
primeira versão do transmissor TT-5A, com alcance de 20 milhas (32 km), o jornalista receberia,
em 1950, uma versão atualizada, com importantes progressos tecnológicos que faria o sinal
“viajar” até 80 milhas (128 km). “Quando se tem confiança nos amigos, é preferível não ficar
nos oito, para ganhar amanhã 80. Desta vez, foi o que aconteceu conosco e a RCA, com quem
costumamos trabalhar na base de uma maravilhosa confiança não de oito, mas de 80”, comemorou
Chateaubriand em um artigo publicado em 22 de setembro de 1950.
A categoria técnica de potência de transmissão da emissora paulistana seria igual à da estação
da RCA em Nova York, a W2XF-TV (NBC). Chatô previu que a televisão acabaria adquirindo
grande importância no Brasil e resolveu investir no novo meio como uma solução possível para
quebrar as barreiras que seus impressos e rádios enfrentavam para se expandir. A televisão seria um
instrumento que poderia permitir os Diários e Emissoras Associados atuarem como construtores
e conformadores de realidade em todo o território nacional. Isso explica sua grande preocupação
se haveria longo alcance dos sinais da televisão. Quanto mais longe chegassem, maiores as
possibilidades de lucros com publicidade, ainda mais por que era necessário muito recurso para
manter esta aventura cara e de retorno incógnito. Nos dias atuais, esse pensamento mudou e as
emissoras-geradoras têm alcance menor, pois agora contam com diversas retransmissoras, que,
por sua vez, também geram conteúdos e têm publicidade local.
A pedido de Chatô, técnicos da RCA e da Marconi Wireless Corporation estiveram na Capital
paulista entre 1946-47 para analisar as condições topográficas para irradiação do sinal de
televisão. No entanto, todos eles foram totalmente céticos quanto às pretensões do sinal da TV da
Rádio Tupi chegar às cidades de Santos, Jundiaí e Campinas, localidades que tanto despertavam
interesse do Velho Capitão. Mesmo que a conclusão foi que levar o sinal à distância pretendida
por Chatô somente seria possível por meio de retransmissoras ou cabos telefônicos, o empresário
paraibano era muito insistente e resolveu apostar para ver.
Uma nova versão do transmissor TT-5A foi lançada 18 meses após o sinal de compra depositado
por Chatô e, finalmente, o contrato entre as Emissoras Associadas e RCA foi assinado no dia
2 de maio de 1949, em São Paulo. No entanto, apesar da euforia, a entrega acabou atrasando
mais um pouco e, no total, Chateaubriand teve que aguardar quase dois anos para receber os
equipamentos no Brasil.

Estagiando em uma Estação de TV

Comprado o transmissor RCA, foi necessário que representantes técnicos das Emissoras
Associadas de São Paulo fossem aos Estados Unidos para conhecer de perto o funcionamento de
uma estação de TV e escolher os demais equipamentos necessários para a montagem da estação.
Era fim de 1948 quando Chateaubriand e Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Diários
e Emissoras Associados de São Paulo, designaram para viajar ao exterior o diretor-técnico de
suas emissoras de rádio — Tupi e Difusora —, o engenheiro Mário Alderighi, e seu assistente
Jorge Edo. Na verdade, os escolhidos para esta viagem tinham sido o diretor-técnico e o diretor-
artístico das rádios, Oduvaldo Vianna. Mas, este último não aceitou e chamaram Jorge Edo,
92 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

um apaixonado por eletricidade e que, recentemente, havia presenciado as demonstrações de


televisão da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. A experiência foi muito impactante para ele, mas
jamais imaginou que se tornaria um dos responsáveis pela montagem e operação da primeira
emissora de TV no Brasil.
A viagem de Alderighi e Edo aos Estados Unidos aconteceu em janeiro de 1949 e durou cerca
de 30 dias. Estiveram nas cidades de Nova York e Burbank, fazendo cursos sobre operações de
televisão e acompanhando o dia a dia da rede NBC. No início de fevereiro, eles regressaram ao
Brasil e, logo em seguida, chegaram alguns engenheiros da RCA para elaboração e execução
conjunta dos projetos de montagem da estação de televisão de São Paulo. Era praticamente
o início da televisão regular no mundo e Mário Alderighi e Jorge Edo foram os brasileiros
que deram o “pontapé” inicial para a efetivação desta incrível máquina de sonhos. O Brasil se
inscrevia para ser o pioneiro em televisão entre os países latino-americanos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 93

CAPÍTULO 4
CIDADE DO RÁDIO - ERGUE-SE O “BERÇO” DA TV TUPI

Senhora do Espaço - Dominando a amplidão do céu, devassando ao


azul de extremo a extremo do continente, a onda poderosa da “Rádio
Difusora S. Paulo”, a maior do Brasil, é a rainha do ar que cobre
toda a parte da terra que o Cruzeiro ilumina, que levará além das
fronteiras a mensagem sonora e amiga de um povo grande como a
terra que habita… Rádio Difusora S. Paulo PRF3 - A Estação do
“Som de Cristal”. (anúncio, Folha da Manhã, 20/11/1934, p. 5)

N
o dia 24 de novembro de 1934, uma voz se elevou do alto da colina do Sumaré, Zona
Oeste de São Paulo, anunciando um novo prefixo radiofônico: PRF3 - Rádio Difusora
São Paulo, transmitindo em Ondas Médias de 335 m (895 KHz). Fundada pelo dr. Décio
Pacheco Silveira, juntamente com um grupo de empresários, a Difusora surgiu com um dos mais
modernos e amplos estúdios de rádio. Naquela época, já estavam no ar em São Paulo a Rádio
Educadora Paulista (a pioneira da cidade), Record, Cruzeiro do Sul, São Paulo e Excelsior.
O objetivo dos organizadores da Difusora era oferecer ao país uma estação à altura do
desenvolvimento vertiginoso do povo paulista e iniciar um grande ciclo de renovação da
radiodifusão brasileira. Para isso, foi autorizada a operação com um transmissor de alta potência,
o único no continente, dotado de aperfeiçoamentos técnicos introduzidos pela primeira vez no
Brasil. “Vão marcar, essas irradiações, um notável melhoramento no que concerne aos domínios
do rádio em nossa terra e imprimirão um novo e poderoso impulso à radiodifusão no Brasil”1,
publicou o jornal “Correio Paulistano”.
Outro pioneirismo da Difusora é que ela foi a primeira rádio no país a se organizar sob a forma
de sociedade anônima. Seus incorporadores foram os drs. Luiz Antônio Fleury Assumpção
(presidente) e Manfredo Antônio Costa (superintendente). O dr. Décio Pacheco Silveira assumiu
como diretor-secretário e se encarregou da parte cultural do negócio. Na lista dos acionistas
figuraram nomes de grande relevo nos meios bancários, comerciais e culturais. Assunção e
Manfredo Costa vinham do ramo elétrico e haviam participado da construção de usinas geradoras
e venda de aparelhos. O diretor-artístico foi Fernando Getúlio Costa e o gerente técnico J. M.
Lacerda. A direção-geral da estação ficou a cargo do dr. Nicolau Tuma, também desempenhando
o papel de locutor principal. O conselho fiscal foi constituído pelo dr. Antônio Prudente de
Moraes, pelo empresário José Rebelo da Cunha e pelo dr. Ubiratan da Silveira Pamplona.

A programação inicial foi ao ar entre 11h e 23h e logo ganhou a preferência do público. A boa
qualidade do som, considerado o melhor, valeu-lhe o título de “A Emissora do Som de Cristal”,

1 “A Rádio Difusora S. Paulo Vai Iniciar o Ciclo Renovador da Rádio-Difusão Brasileira”, Correio
Paulistano, 11/11/1934, p. 8.
94 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

alcunhado pelo poeta Guilherme de Almeida. O comando da locução era de Nicolau Tuma, um
dos mais conhecidos homens de rádio da época, que se tornou o primeiro locutor esportivo de
São Paulo. Devido a velocidade com que narrava as partidas de futebol, Tuma ficou conhecido
como o “speaker-metralhadora”. Já o diretor Décio Pacheco Silveira foi o criador e apresentador
do programa “Hora da Saudade”, o “carro-chefe” da emissora.

Primeiras instalações da Rádio


Difusora, no bairro do Sumaré,
em São Paulo, na década de 1930.
(Antenna/reprodução)

Décio Pacheco Silveira,


responsável pela “alma” artística
da Rádio Difusora. (Vida
Doméstica/reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 95

O Complexo Radiofônico do Sumaré

O terreno da Rádio Difusora ficava na colina do antigo sítio Sumaré, Zona Oeste de São Paulo,
e foi adquirido por escambo com a urbanizadora do bairro, a Sociedade Paulista de Terrenos e
Construções Sumaré Ltda. Algumas ações da emissora foram trocadas pelos seis lotes irregulares
da Quadra 28, que tinha um total de 4297 m2 e era contornada pela Avenida Prof. Alfonso Bovero
(nome atual), pelas ruas Piracicaba e Catalão, e pela viela protetora da tubulação do Reservatório
do Araçá, localizado à frente do terreno da Difusora. Esta viela hoje é chamada de “Travessa
Xangô” e continua como uma faixa de terra de propriedade da companhia de saneamento local.
A transação entre terreno e ações da emissora não se tratou de uma simples troca, mas de um
investimento, já que José Rebelo da Cunha entrou para o conselho fiscal daquela sociedade
radiofônica, como mencionado. Havia também o interesse de que a instalação de uma rádio
atraísse mais moradores ao novo bairro. A oportunidade de assistir a programas ao vivo nos
estúdios e a presença de artistas pelas ruas (poucos possuíam carros naquela época) criaria um
atrativo a mais para a venda dos lotes do recém-lançado Sumaré, “bairro chic para residências
entre Perdizes, Higienópolis e Pacaembu”, como dizia o anúncio de vendas.
As obras da primeira fase das instalações da Rádio Difusora se iniciaram em meados de 1933,
quando foi construído um conjunto de edificações térreas em pequena parcela do terreno. Foram
observados os preceitos das mais modernas técnicas de construção, de acordo com exigências
estabelecidas pelos últimos congressos de radiodifusão. As edificações contaram com dois
estúdios, sala de transmissores, sala de manutenção, escritórios para direção e gerência, salões
para ensaios, sala para visitantes, lanchonete etc. O sistema acústico dos estúdios foi revestido
de materiais especiais, baseados nos princípios dos técnicos da grandiosa rede de rádio norte-
americana NBC.
Uma torre de 87 m foi erguida no terreno, que era um dos pontos mais altos da cidade de
São Paulo1. A montagem da Difusora foi dirigida por Juan Carlos Braggio, diretor-técnico
da International Standard Electric Company, também responsável pela montagem da maior
emissora de Ondas Médias da Europa, em Budapeste. A inauguração das operações da estação
PRF3 - Rádio Difusora São Paulo se deu em 24 de novembro de 1934, às 21h, em ato que contou
com a presença do representante do interventor no estado de São Paulo, Francisco Machado de
Campos.

Sistema Irradiante

O transmissor da Rádio Difusora, modelo 301-A, foi fabricado pela norte-americana Western
Electric Co. Contava com 5 kW de potência, mas a transmissão era feita com 7,5 kW, devido ao
ganho que era obtido pela antena. Essa potência era suficiente, na época, para chegar com clareza
em quase todo o continente sul-americano.
A torre da Rádio Difusora foi fabricada nos Estados Unidos pela Blow Knox Co. e se tornou um
1 A prática de instalar transmissores e torres de Ondas Médias em colinas posteriormente
seria abandonada com a descoberta de que a propagação das ondas é favorecida
quando são instalados em regiões mais distantes dos centros urbanos, especialmente
em áreas baixas, onde há represamento de água.
96 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

importante marco da cidade, tanto visual quanto técnico. Primeiro, porque ela era bastante alta e
recebeu um sistema de iluminação que embelezou ainda mais a paisagem agradável do Sumaré,
garantindo a segurança noturna da torre contra colisões de aeronaves. Segundo, porque seu
sistema de transmissão inovador foi o primeiro a ser instalado no Brasil. Até então, as estações
de Ondas Médias usavam como antena um dipolo horizontal, que ficava suspenso, esticado e
fixado na ponta de duas torres de sustentação paralelas. Já o moderno sistema que a Difusora
trouxe para o Brasil utilizava uma única torre autoportante, chamada de “Self Supporting Vertical
Radiator” (Irradiador Vertical Autoportante), onde o sinal é irradiado por toda sua extensão.
Este novo sistema, além de melhorar a propagação do sinal local durante o dia, evitava o fading,
um problema muito comum nas transmissões em Amplitude Modulada (AM). Trata-se de um
fenômeno natural, onde o sinal fica mais fraco em localidades mais distantes e, após pouco
tempo, retorna ao nível normal. Basicamente, o sistema de transmissão usado pela Difusora
ainda é usado nas emissoras atuais.

A meio metro de profundidade repousa a grande teia: 4 quilômetros


de fio de cobre pesando toneladas... É o fio-terra da torre-antena
de oitenta e sete metros de altura da Rádio Difusora S. Paulo, a
estação do “som de cristal”. No pitoresco bairro do Sumaré, no
ponto culminante da cidade, sob os magníficos estúdios da Difusora,
repousa a grande teia invisível que o homem lançou à terra para
dominar o ar. (anúncio, O Estado de São Paulo, 16/11/1934, p. 5)

Como dissemos, as operações da Difusora foram realizadas, inicialmente, na frequência de


895 KHz. Após 18 meses, em 10 de maio de 1936, no entanto, seguindo uma determinação do
Ministério da Viação e Obras Públicas, ela passou a transmitir em 960 KHz, data em que diversas
outras emissoras de Ondas Médias do país também mudaram de frequência.

Força do Vento

Um violento temporal atingiu a cidade de São Paulo na manhã do dia 3 de outubro de 1935. Nos
altos do Sumaré, a velocidade do vento foi demasiadamente forte e fez a torre da Rádio Difusora
envergar no meio e desabar. Com cerca de 15 toneladas, felizmente ela tombou para o lado
oposto do edifício da rádio e ninguém se feriu. Horas depois, os técnicos conseguiram colocar a
emissora no ar novamente, por meio de uma adaptação provisória na antena.

Uma nova torre foi inaugurada em 22 de setembro de 1936, no mesmo local, agora com 93 m de
altura, seis a mais que a anterior. A estrutura também foi feita em aço-galvanizado pela empresa
Blow Knox Co. Além da inauguração da nova torre, a Difusora aproveitou para aprimorar seu
moderno transmissor, garantindo significativas melhorias no “Som de Cristal”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 97

A Vizinhança do Sumaré

Populares observam
destroços da torre de 87
m da Rádio Difusora,
no Sumaré, derrubada
por fortes ventos em
1935. (Diário da Noite/
reprodução)

O bairro do Sumaré, aos poucos, se acostumava às mudanças. O crescente meio radiofônico


atraía não só pessoas que queriam trabalhar, como também aqueles que queriam conhecer in loco
os artistas. Muita gente considerava o bairro “mágico”, por levar atrações a longas distâncias e
mexer com a imaginação do público de diversas regiões e países.
Assim, como esperado, o número de lotes vendidos na região cresceu rapidamente, alguns
adquiridos pelos próprios profissionais da Difusora. Dos anos 1930 até os anos 1960, portanto,
chegaram moradores ilustres como Homero Silva, Lima Duarte, Márcia Real, Dionísio Azevedo,
Flora Geny, Laura Cardoso, Fernando Baleroni, Vida Alves, Geórgia Gomide, Walter Forster,
Adriano Stuart e muitos outros.
Por conta do aumento do trânsito de pessoas no bairro, os primeiros estabelecimentos comerciais
foram surgindo e, em 1937, foi inaugurada a pequena Mercearia Real, que vamos falar mais
adiante.

As Ondas Curtas da Rádio Difusora - Pioneiras no Brasil

As operações em Ondas Curtas da Rádio Difusora São Paulo foram lançadas em 1941, na noite
de Natal. Após as transmissões experimentais, foram para o ar, oficialmente, os mais potentes
transmissores de rádio da América Latina e entre os 15 do mundo, com 25 kW, especialmente
construídos pela Sociedade Técnica Paulista. As frequências de operação da Difusora em Ondas
Curtas eram de 49 m - 6095 KHz (ZYB-7) e 25 m - 11765 KHz (ZYB-8). “Um presente de Natal
aos 45 milhões de brasileiros”, dizia um anúncio.
A Difusora foi a primeira emissora do Brasil a operar nas faixas de Ondas Curtas, levando seu
sinal para todo o mundo, já que seus canais eram exclusivos e potentes. A emissora conquistou
suas concessões de Ondas Curtas após ter apresentado a melhor proposta numa concorrência
pública realizada pelo Ministério da Viação e Obras Públicas. O Sumaré agora se comunicava
com o mundo.
Ainda nos anos 1940, as operações de Ondas Curtas da Rádio Difusora passaram a contar com
uma terceira estação, em 19 m (ZYB-9 - 15155 KHz). Duas das três faixas de Ondas Curtas da
Difusora eram utilizadas pela Rádio Tupi. Aliás, era esse o objetivo maior de Chateaubriand ao
fazer sua valiosa oferta para aquisição da “Flor do Sumaré”, como também ficou conhecida a
Rádio Difusora São Paulo.
98 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

1942 - Inaugura-se a Cidade do Rádio

O revestimento e a decoração do novo prédio da Rádio Difusora


foram carinhosamente estudados e executados. E o seu impecável
serviço de iluminação indireta e fluorescente é um primor de técnica e
de arte. A quinze minutos do centro da cidade e oferecendo, dentro do
perímetro urbano, o conforto, a elegância e as diversões de um clube
de campo, o novo edifício da Rádio Difusora, em vias de conclusão,
será por certo, mais um ponto de atração e interesse, não apenas
para os milhares de paulistanos, como também para os numerosos
turistas que a cada passo visitam a cidade. (“A Rádio Difusora São
Paulo”, A Noite Ilustrada, nº 702, 29/08/1942, p. 42)

Em 1941, em meio a muito sucesso, foram iniciadas obras de ampliação das instalações da
Rádio Difusora. Seria construído o primeiro prédio no Brasil especialmente projetado para
transmissões de rádio. A proposta foi contar com estúdios maiores e um grandioso palco-
auditório, algo indispensável para aquela fase bem produtiva do rádio. O auditório disporia
de excelente qualidade técnica e beleza, para a realização de programas musicais com grandes
orquestras e programas de entretenimento em geral.
As primeiras instalações da Difusora foram preservadas e as novas foram construídas no lado
oposto do terreno, ainda vazio. A lateral direita do novo prédio ficou voltada para a Avenida Prof.
Alfonso Bovero, nº 72, onde foi construído um acesso para funcionários. Já a entrada principal
foi construída com face para a Rua Piracicaba, s/nº, com um belo pórtico de linhas imponentes
e modernas, situado no alto de uma escadaria. Nessa época, o pórtico podia ser visualizado de
longe, imponente no alto da colina do Sumaré1.
O novo prédio da PRF-3 representou a última palavra da técnica nas construções deste gênero,
obedecendo o plano de usar ao máximo as possibilidades de eficiência e conforto. O projeto
foi apresentado na secretaria de Obras da prefeitura em 26 de fevereiro de 1941, elaborado
por Francisco Salles Malta Júnior, engenheiro formado pela Escola Politécnica de São Paulo
e proprietário da empresa paulistana Construções e Terrenos Ltda., também responsável
pela execução da obra. As fundações dos prédios foram realizadas pela Lindenberg Alves &
Assumpção.
As novas instalações da PRF-3 foram inspiradas em emissoras norte-americanas, em especial
no complexo Radio City da NBC, em Nova York, que possuía um auditório de rádio com mais
de 6 mil lugares e três estúdios de televisão. Devido a sua grandiosidade, o nome “Radio City”
também acabou inspirando na escolha do nome a ser dado ao novo complexo radiofônico do
Sumaré, a “Cidade do Rádio”. Sua inauguração aconteceu solenemente em 24 de novembro de
1942, data em que a emissora comemorava oito anos no ar.

1 O pórtico da Rádio Difusora ficava voltado para um morro em declive, com vista para o Córrego
Sumaré, canalizado em 1965 para a construção da Avenida Sumaré.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 99

Aspecto do novo edifício da Rádio Difusora, no bairro do Sumaré. (Aristodemo Becherini, “Rádio Difusora”, 1942/
Acervo Museu da Cidade de São Paulo)

Croqui original da Cidade do Rádio, datado de 1942. (Acrópole/reprodução)


100 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Com a nova edificação, a área construída do complexo do Sumaré passou para 1556 m2, no
pavimento térreo, e 165 m2 no primeiro pavimento, somando incríveis 1721 m2. O majestoso
pórtico do prédio da Rádio Difusora contava com quatro altas colunas. Entrando nele, chegava-
se a um imponente hall com 6 m x 17,5 m e piso revestido de cerâmica, onde também se
realizariam exposições de produtos dos anunciantes. Do hall se tinha acesso às duas alas do
prédio — direita e esquerda — e, nele, havia visores para dois estúdios da ala esquerda — um
deles usado pela estação de Ondas Médias PRF-3 (com 70 m2) e o outro pelas estações de Ondas
Curtas ZYB-7 e ZYB-8 (com 50 m2). Nesta mesma ala havia, também, dois estúdios menores
para locuções, com 8,25 m2 cada um, e, ainda, as salas de controle dos dois estúdios maiores.
Para acessar a ala esquerda, entrava-se por uma porta no hall e chegava-se a um pátio ajardinado,
com acesso aos estúdios.

O pórtico que dava acesso à


entrada principal do complexo
da Cidade do Rádio. (Aristodemo
Becherini, “Rádio Difusora”,
1942/Acervo Museu da Cidade de
São Paulo)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 101

A ala direita era composta pelo moderno e luxuoso auditório, com revestimento em “celotex”
acústico e uma finíssima decoração. Era o maior auditório de rádio do país, com área de 540 m2
e acomodação de até 504 espectadores em confortáveis cadeiras removíveis. A capacidade total
subia um pouco ao contar com o mezanino, que ficava nos fundos do auditório, sobreposto ao hall.
No mezanino foram construídos dois salões, sendo um para acomodação de representantes das
empresas anunciantes e outro para os próprios funcionários da Difusora assistir às apresentações.
Entre um salão e outro, havia uma cabine com 4 m2 para instalação de um projetor de filmes,
aparelho que acabou não sendo montado. Essas informações constam no projeto das edificações,
entretanto, segundo o produtor e diretor pioneiro Mário Fanucchi1, na prática, esses salões
do mezanino foram utilizados como sala para produtores, mecanografia e controle técnico do
auditório. O palco era tão espaçoso como nos melhores teatros, pois, com 15,10 m x 8,30 m,
comportava uma orquestra completa, ou seja, 120 músicos.

Visão geral do grandioso Palco-


Auditório da Rádio Difusora.
(Acrópole/reprodução)

No lado esquerdo do palco e do auditório, havia um longo corredor com diversas salas onde
ficaram os camarins dos artistas, vestiários, redação, gerência, direção-artística, arquivo musical,
musicoteca, publicidade e sala de estar dos músicos. As quatro portas de saída do auditório,
localizadas no lado direito, levavam para um grande terraço com mesas e cadeiras, voltado para
a Rua Piracicaba e de onde se descortinava uma lindíssima vista da cidade de São Paulo. Anexo
ao terraço, funcionava o moderno bar e restaurante do Jordão.

1 “Nossa Próxima Atração - O Interprograma no Canal 3”, Mário Fanucchi, Edusp, 1996:31.
102 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

As três antenas de transmissão das estações de Ondas Médias e Curtas ficavam em um belo
jardim, também voltado para a Rua Piracicaba, defronte ao prédio mais antigo do complexo.
Com a inauguração das novas instalações, as salas desta primeira edificação ficaram ocupadas
pela oficina, residência para técnico, salões dos transmissores e dos geradores, gerência técnica,
almoxarifado, dois estúdios para ensaios e a discoteca — uma das maiores do Brasil, contando
com mais de 18 mil discos naquele ano de 1942, número que subia constantemente.

A Incorporação da Difusora pelas Emissoras Associadas

A organização do senhor Assis Chateaubriand acaba de adquirir


a Rádio Difusora São Paulo, aliás, as duas estações: de ondas
médias e de ondas curtas. O diretor dos Diários Associados, que se
têm debatido por meio de violentos artigos contra os trustes, está
querendo açambarcar as principais estações de rádio do país, pois,
nestes últimos tempos, fez entrar para a sua organização a Rádio
Guarani, a Rádio Farroupilha e outras que já tivemos oportunidade
de noticiar. Dizem que a aquisição da Difusora foi motivada pelo
simples motivo da Tupi não se conformar de não possuir em nosso
estado uma estação de Ondas Curtas. Mas, se a coisa foi tão simples:
houve concorrência pública. Ganhou quem apresentou a melhor
proposta. (“Difusora-Tupi”, Moscardo, nº 740, 31/07/1943, p. 12)

Em 24 de julho de 1943, a Rádio Difusora foi vendida ao grupo dos Diários e Emissoras
Associados de Assis Chateaubriand, mais uma grande conquista do Velho Capitão. Nessa época,
a rede radiofônica do grupo, chamada de “Emissoras Associadas”, estava em plena expansão e
já contava com a PRG-3 - Rádio Tupi do Rio de Janeiro (inaugurada em 1935); PRH-6 - Rádio
Guarani de Belo Horizonte (1936) e PRG-2 - Rádio Tupi de São Paulo (1937). Meses depois,
mais seis emissoras foram compradas e entraram para a rede — Educadora (Rio de Janeiro), Baré
(Manaus), Sociedade Rádio Mineira (Belo Horizonte), Farroupilha (Porto Alegre), Sociedade da
Bahia (Salvador) e a Difusora São Paulo.
Logo após a Difusora ser integrada às Emissoras Associadas, a Rádio Tupi de São Paulo deixou
seu pequeno edifício da Rua Sete de Abril, n° 230, região central de São Paulo, e mudou-se
para a Cidade do Rádio, no Sumaré. Para tal, seria implantado um conceito de operação das
duas emissoras em conjunto, algo que economizaria recursos ao utilizar os mesmos técnicos,
produtores, artistas e a estrutura do Palco-Auditório.
Os funcionários da Difusora foram contrários à venda e chamavam os empregados da Tupi
de “invasores”. Houve resistência e as primeiras semanas foram difíceis no Sumaré. Mas, aos
poucos, as dificuldades foram superadas e a Cidade do Rádio ficou pacificada, graças ao trabalho
de Dermival Costa Lima, o diretor-artístico de ambas as emissoras.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 103

Anúncio das rádios Tupi


e Difusora convidando os
ouvintes para comparecer à
Cidade do Rádio e prestigiar
os programas de auditório.
(Diário da Noite/reprodução)

A Rádio Tupi AM - 1040 KHz manteve suas operações baseadas na Cidade do Rádio, exceto
o setor de jornalismo, que permaneceu no edifício Guilherme Guinle, até sua demolição (ver
Capítulo 12). Do Sumaré era irradiado o famoso “Grande Jornal Falado Tupi”, criado, produzido
e dirigido pelo jornalista Corifeu de Azevedo Marques.
No final dos anos 1940, agora com 50 kW de potência, a Rádio Tupi acabou projetando-se
acima da Difusora, que estava operando com 10 kW, mas que também era uma emissora de
“peso”, contando com grandiosos valores como o produtor e diretor Oduvaldo Vianna, que criou
atividades radiofônicas inovadoras na emissora. A mais famosa delas foi o brilhante radioteatro
das Emissoras Associadas, de onde fizeram parte os astros Homero Silva, Arruda Neto, Lia
Borges de Aguiar, Helenita Sanches, Zilda de Lemos, Néa Simões, Guiomar Gonçalves,
Dionísio de Azevedo, Heitor de Andrade, Lima Duarte, César Monteclaro e muitos outros. Mais
tarde, vieram Hamilton Fernandes, Márcia Real e outros valores. A Difusora também obteve
boa audiência no setor informativo, irradiando grandes coberturas e reportagens realizadas
pelos repórteres José Carlos de Moraes — o Tico-Tico —, Carlos Spera, Corifeu de Azevedo
Marques, Armando Figueiredo e outros. Houve um excelente serviço de utilidade pública, com a
realização de diversas campanhas. No período áureo do futebol, a grande estrela da Difusora foi
Rebelo Júnior, o “homem do gol inconfundível”.
Já a Difusora tinha uma orquestra e grupos regionais próprios e realizou grandes empreendimentos
que enriqueceram a história do rádio de São Paulo, a exemplo das temporadas com grandes
artistas e programas de todos os gêneros. Tudo de mais moderno foi feito na Difusora.
As coirmãs Tupi e Difusora não eram concorrentes entre si, mas, por vezes, transmitiam
programas dirigidos ao mesmo público simultaneamente. A Difusora se voltava mais à dona de
casa, enquanto a Tupi, apesar de também ter programas femininos, era mais dirigida ao público
masculino, com notícias e esportes.

Nota dos Autores: Leia mais sobre a Rádio Difusora no Capítulo


36.
104 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Obras de Cândido Portinari Decoram o Auditório do


Sumaré

Em 1942, Assis Chateaubriand iniciou uma campanha para socializar a arte brasileira, visando
que todas as classes sociais tivessem acesso a ela ao visitarem suas emissoras de rádio no Rio de
Janeiro e em São Paulo. Chatô encomendou duas séries de oito quadros com Cândido Portinari,
um dos mais importantes pintores brasileiros e de maior projeção internacional, com o objetivo
de evitar que os trabalhos do artista ficassem de posse de um único grupo afortunado ou divididos
entre alguns escolhidos.
A música do morro, a epopeia dos jangadeiros e o pampa foram alguns dos retratos que
representaram o Brasil em mais uma expressão popular e humana de Portinari, numa série de
oito painéis intitulada “Os Músicos”. Elas decoraram as novas instalações da Rádio Tupi do Rio
de Janeiro, situada na Avenida Venezuela, nº 43, e foram inauguradas no dia 27 de novembro de
1942, ao som de Dorival Caymmi.

Em 1949, a Rádio Tupi do Rio de Janeiro sofreu um incêndio


que destruiu seis obras da série “Os Músicos” de Portinari.
Os dois painéis restantes foram doados por Chateaubriand
ao estado português, um para o Museu de Soares dos Reis e
o outro para o Museu do Chiado.

Em 1943, na mesma época em que Chatô comprou a Rádio Difusora de São Paulo, ele negociou
outra série com Portinari, ao preço de Cr$ 400 mil, para serem expostos no grande Palco-
Auditório do Sumaré. Para tanto, o artista produziu a chamada “Série Bíblica” e as primeiras
telas foram instaladas em 10 de setembro de 1943, na vernissage que contou com a presença do
próprio Portinari e de diversas personalidades dos meios sociais e artísticos, inclusive de Tarsila
do Amaral. Os últimos quadros da “Série Bíblica” foram instalados no Sumaré no ano seguinte,
totalizando oito obras de têmpera sobre tela, com grandes dimensões, nas cores preta, branca e
cinza. Elas mostraram interpretações do Velho e do Novo Testamento com traços inspirados no
artista espanhol Pablo Picasso. Esta série foi composta pelas obras “O Sacrifício de Abraão”,
“Trombetas de Jericó”, “A Justiça de Salomão”, “Jó”, “O Pranto de Jeremias”, “Ressurreição de
Lázaro”, “A Ira das Mães” e “O Massacre dos Inocentes”. Elas permaneceram no auditório da
Cidade do Rádio até 1959, quando foram destinadas ao Museu de Arte de São Paulo (MASP),
um pedido de seu cofundador Pietro Maria Bardi a Chateaubriand. Seguem expostas no MASP
até os dias atuais.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 105

No lotado auditório da Rádio


Difusora se vê, ao fundo, duas
das telas que compõem a “Série
Bíblica” que Chateaubriand
encomendou junto ao artista
Cândido Portinari. Outras seis
telas foram fixadas na parede
da direita. (Diário da Noite/
reprodução)

Uma das obras que compõem a


“Série Bíblica”. (Cândido Portinari
[Brodowski, São Paulo, Brasil,
1903 - Rio de Janeiro, Brasil, 1962].
O Sacrifício de Abrahão, 1943,
Têmpera sobre tela, 205 x 150,5,
Acervo Museu de Arte de São Paulo
Assis Chateaubriand. Doação Assis
Chateaubriand, 1959. MASP.00328.
Foto: João Musa)
106 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A Padaria Real

Com o desenvolvimento do Sumaré e da Cidade do Rádio, a Mercearia Real passou a prestar


outros serviços, como venda de pães, café da manhã, refeições e assim se transformando na
Padaria Real. Nos anos 1940, o estabelecimento passou a ser um reduto de profissionais e fãs
de rádio (e depois de televisão), que a frequentavam principalmente nos intervalos de gravações
e para participar de reuniões. Nos anos 1960, chegou a ser instalado um alto-falante dentro da
Real, por onde a telefonista da TV Tupi solicitava a presença de determinado funcionário. Era
praticamente uma extensão da Cidade do Rádio e seu maior concorrente foi o Bar do Jordão, que
funcionava dentro do próprio complexo radiofônico. Até hoje, a Real é chamada carinhosamente
de “padaria”, mas, na verdade, há tempos não vende pão, mas sim, pratos, lanches e pizzas.

A Padaria Real, na década de


1940: prédio está preservado até
os dias atuais. (reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 107

CAPÍTULO 5
AS PRIMEIRAS CONCESSÕES DE TELEVISÃO NO BRASIL

A
pós Assis Chateaubriand concluir, em meados de 1948, as negociações com as fabricantes
RCA e GE para implantar estações de TV nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo,
o governo brasileiro autorizou a importação dos valiosos e modernos equipamentos.
Enquanto isso, os Diários e Emissoras Associados se preparavam para protocolar, no Ministério
da Viação e Obras Públicas, os pedidos de concessão de seus dois primeiros canais de televisão.

TV Tupi - Pedidos de Concessão para o Rio de Janeiro e


São Paulo

A empresa S/A Rádio Tupi, então proprietária de duas emissoras de rádio nas cidades do Rio de
Janeiro e de São Paulo, formalizou um requerimento junto ao governo federal no dia 7 de janeiro
de 1948, solicitando autorização especial para operar dois canais de televisão. O Ministério da
Viação e Obras Públicas, por sua vez, solicitou que fosse demonstrado seus recursos financeiros,
equipamentos disponíveis e que informasse o tempo necessário para montar as duas estações.
Contudo, analisadas as informações apresentadas, o ministro Clóvis Pestana se baseou em um
parecer da Comissão Técnica de Rádio (CTR) e autorizou apenas a instalação da estação de TV
da PRG-3 - Rádio Tupi do Rio de Janeiro (ver Capítulo 7).
É possível que a comissão tenha julgado insuficiente o capital social da S/A Rádio Tupi para
operar duas emissoras de televisão, já que o novo veículo midiático já demandava altíssimos
investimentos. Com isso, o requerimento deveria ser feito em nome de outra empresa do grupo, e
a escolhida foi a Rádio Difusora São Paulo S/A. Além disso, é sabido que também foi necessário
aguardar a oficialização da compra dos equipamentos da RCA, algo que aconteceu somente em
outubro de 1948, para depois protocolar um requerimento exclusivo para o canal de TV de São
Paulo.
Desta vez, o “Jornal do Commercio”, editado no Rio de Janeiro pelos Diários Associados,
em sua edição de 6 de maio de 1949, trouxe ricos detalhes sobre a tramitação do pedido dos
Diários e Emissoras Associados em São Paulo. Segundo o periódico, o ministro de Viação e
Obras Públicas submeteu o pedido de concessão à Comissão Técnica de Rádio, sob a chefia
de Edmundo de Aquino Nogueira Brandão. Este, depois de examinar o caso com os demais
integrantes da comissão, designou o coronel Lauro Augusto de Medeiros para relatá-lo. Esta é a
íntegra do parecer nº 361 da CTR, datado de 27 de abril de 1949:

A Rádio Difusora São Paulo S/A, com sede na cidade de São


Paulo, estado de São Paulo, requereu concessão para instalar uma
estação de televisão naquela cidade declarando que, para isso, já
havia adquirido o material necessário em 10 de outubro de 1948,
quando deu entrada ao teu primeiro requerimento. Em atenção ao
despacho baseado no parecer nº 1039, de 2 de dezembro de 1948,
a requerente declara ter pagado a importância de Cr$ 140.000,00
108 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

e que a montagem e funcionamento do equipamento de televisão


terá assistência de técnicos norte-americanos, nos termos do
contrato assinado com a RCA Victor Radio S/A, firma fornecedora.
Ao realizar tal compromisso revelou-se por parte da compradora
absoluto desconhecimento dos aspectos técnicos do novo serviço
que pretende explorar, julgando para isso suficiente entregar-se aos
técnicos norte-americanos. Revela-se igualmente que não houve da
parte da vendedora o mínimo cuidado em esclarecer a compradora,
fazendo qualquer alusão à competência desta comissão sobre a
questão dos padrões que seriam adotados no Brasil para semelhante
serviço, sem o que a própria encomenda ficou incompleta. Tendo em
vista a seriedade do problema, isto é, o da escolha fundamentada
dos padrões para o serviço de televisão no Brasil, uma vez que os
próprios países em que tal serviço é explorado ainda não chegaram
a pontos de vista comuns no assunto, teve esta comissão a iniciativa
de convidar os representantes das indústrias empenhadas no
desenvolvimento da televisão em todo o mundo, a apresentar sugestões
para o caso brasileiro. Este convite foi respondido até agora apenas
pela Companhia Marconi Brasileira, sendo que as demais firmas
consultadas aguardam instruções de suas organizações matrizes.
É natural, contudo, que tais respostas não tenham sido obtidas até
agora. Julga esta comissão que depois de obtidos os resultados de
sua consulta, poderá ter base para melhor acertar na escolha dos
mencionados padrões em benefício não só das organizações que
vierem a explorar o novo serviço como do público que dele fizer uso.
A situação existente foi criada tão somente pela própria requerente
e a demora da solução de seu pedido deve-se ao escrúpulo por parte
desta comissão em obter bases, e não apenas informações, para
fazer uma escolha acertada da qual dependerá o próprio futuro da
televisão em nosso país. Entretanto, até que essa solução possa ser
alcançada, não há inconveniente, segundo o parecer desta comissão,
em que seja dada a concessão para a exploração do serviço de
televisão na cidade de São Paulo, devendo a requerente aguardar a
solução próxima do problema de fixação de padrões e consequente
distribuição do canal de operação. (“Serviço de Televisão em São
Paulo: Normas Para sua Exploração - Despacho do Sr. Ministro da
Viação”, Jornal do Commercio [RJ], 06/05/1949, p. 5)

O processo voltou às mãos do ministro da Viação e Obras Públicas para despacho, que
acompanhou o parecer da comissão, deferindo a outorga para a PRF-3 - Rádio Difusora explorar
o serviço de televisão em São Paulo, com louvores à CTR pelo bom trabalho apresentado. A
decisão foi publicada por meio da Portaria nº 458, de 20 de maio de 1949.
De acordo com o escritor Othon Jambeiro1, o governo federal devia alguns favores a Assis
Chateaubriand e tratou de auxiliá-lo prontamente na instalação da televisão. Assim, em 26 de
julho de 1949, foi publicada a Portaria nº 692, que justamente definiu os padrões de transmissão
da televisão no Brasil. Seu conteúdo baseou-se em estudos realizados pela CTR e foram incluídas
as determinações sobre o padrão de linhas (chamado de “M”), largura de faixa de cada canal
(6 MHz), frequência do som, onda suporte, polarização da irradiação (horizontal), potência e
1 “Tempos de Vargas: o Rádio e o Controle da Informação”, Othon Jambeiro, EDUFBA, 2004:145.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 109

números dos canais a serem ocupados. O art. 15 daquela portaria estabeleceu que as emissoras
de TV operassem no Brasil na faixa de VHF - Very High Frequency, entre os canais 2 e 13.

Canal 3

Foi deferido pelo ministro, em 5 de agosto de 1950, a Portaria nº 16304, na qual a Rádio Difusora
São Paulo submeteu à aprovação as plantas esquemáticas, orçamento e especificações técnicas
relativas ao seu transmissor de televisão e aos locais em que pretendia instalar a emissora. O
canal VHF-3 foi designado para as operações da emissora de TV da Rádio Difusora de São
Paulo, com o prefixo “PRF3-TV”. Vale dizer que o número “3” não teve relação com o número
do canal de operação, pois era um número preexistente no prefixo da Rádio Difusora, detentora
da concessão.

Mesmo que, desde o início das movimentações para sua


criação, o nome escolhido para a TV “associada” de São
Paulo fosse “TV Tupi”, inicialmente era mais comum ela se
identificar pelo prefixo PRF3-TV, mantendo a tradição forte
do rádio no uso dos prefixos definidos pelo governo. Por
vezes, ela se identificava também por “TV-3”. Em um segundo
momento o Canal 3 começou a ser chamado de “TV Tupi-
Difusora”, referindo-se às duas rádios do grupo, em São Paulo,
que investiram conjuntamente com recursos, funcionários
e artistas na estação de televisão. Até que, poucos anos
depois, ela passou a ser chamada apenas como “TV Tupi”. Já
a estação carioca de TV dos Diários Associados — com prefixo
PRG3-TV — foi chamada de “TV Tupi” desde sua inauguração,
em janeiro de 1951. Mas, de onde surgiu o nome “Tupi”?
Assis Chateaubriand, como um grande promotor da cultura
nacional, era apegado às raízes da identidade brasileira. “Os
nomes que escolheu para suas empresas refletem justamente
esse sentimento de brasilidade: ‘Tupi’, para as redes de rádio
e TV; ‘O Cruzeiro’ na revista, por causa da constelação que só
pode ser vista do hemisfério sul; e o adjetivo próprio desse
mesmo sul para sua agência de notícias, a Meridional”1.
Chatô também adotaria outros nomes indígenas para suas
emissoras, como “Guarani” e “Tamoio”.

1 “Meridional: A Agência de Notícias que Integrou o Brasil”, Pedro Aguiar, Agências de Notícias
Blog, 2018.
110 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Divulgando a Chegada da Televisão “Associada”

Capa do “Diário da Noite” [RJ] de 27/01/1948: “Televisão para o Rio e S. Paulo”. (Diário da Noite/reprodução)

Vinte dias após a Rádio Tupi ter oficializado o pedido de concessão de televisão para o Rio e São
Paulo, o vespertino “Diário da Noite”, edição carioca e datada de 27 de janeiro de 1948, passou a
informar oficialmente o público sobre as intenções de Chateaubriand. “Televisão Para o Rio e S.
Paulo” foi a manchete estampada no alto da primeira página e, mais abaixo, uma pequena, mas
reveladora, nota. Após informar que o empresário esteve em Nova York, que se encontrava em
Londres e que ainda visitaria Paris, assim escreveu o repórter:

Soubemos que o sr. Assis Chateaubriand [...] vem concluir um


contrato, em Nova York, com a companhia RCA para a introdução
da televisão nas estações de rádio de seu consórcio em São Paulo e
no Rio. São Paulo terá a televisão em novembro deste ano e o Rio a
partir de fevereiro de 1949. (“Televisão para S. Paulo e Rio”, Diário
da Noite [RJ], 27/01/1948, p. 1)

Esta foi a primeira divulgação dos Diários Associados sobre seus planos de implantação da
televisão no Brasil (ao menos na mídia impressa). Até então, a empresa vinha apenas preparando
a opinião pública com notas e matérias sobre o desenvolvimento da televisão nos Estados Unidos
e na Europa. A maioria dos textos era de autoria do jornalista Fernando Lobo, que futuramente
escreveria com frequência sobre os passos da implantação da televisão no Brasil, para matérias
publicadas principalmente no jornal “Diário da Noite” e nas revistas “A Cigarra” e “O Cruzeiro”.
Já a alguns anos, a mídia impressa brasileira tinha a prática de publicar novidades sobre a
tecnologia e o desenvolvimento da televisão no mundo. Nos veículos da cadeia “associada”,
esse tipo de informação começou a ser publicado com maior frequência a partir de julho de
1944, quando o próprio Chateaubriand, em sua coluna diária, assim revelou: “Meu maior
encantamento nesta visita aos Estados Unidos foi dado pelos recentes aparelhos de televisão”. A
revista “O Cruzeiro”, de 3 de março de 1948, publicou “Aí Vem a Televisão”, uma reportagem
fotográfica com sete páginas, assinada por Jean Manzon1, o famoso fotógrafo francês que
1 Em “O Cruzeiro”, juntamente com o jornalista David Nasser, Jean Manzon formou uma das
mais notáveis e polêmicas duplas jornalísticas da história da imprensa no Brasil.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 111

inovou o fotojornalismo brasileiro. A matéria não trouxe necessariamente informações sobre a


montagem da televisão nas Emissoras Associadas, já que a ideia foi apenas relacionar o nome
forte da Rádio Tupi com o veículo de comunicação que ia chegar. Mas, mostrou os bastidores
da Rádio Tupi, a poderosa emissora carioca, com belas fotografias de algumas de suas estrelas,
diretores e produtores, como Ary Barroso, Dorival Caymmi, Dircinha Batista, Almirante, Aimée
e Max Nunes. No texto, a futura televisão das Emissoras Associadas foi citada apenas neste
trecho:

Desde que foi inaugurada por Marconi, o “pai do rádio”, [a Rádio


Tupi do Rio de Janeiro] conserva e mantém o prestígio e o título de
pioneira do éter no Brasil. E o espírito de renovação que preside
suas atividades não se detém diante das grandes e empolgantes
vitórias obtidas. Dentro de poucas semanas, na Baixada Fluminense,
instalará seu novo transmissor RCA Victor, de 50 kW, o primeiro a ser
instalado no Brasil depois da guerra, e pelo qual se tornará o mais
potente das emissoras nacionais. E o primeiro contrato de televisão,
em nosso país, coube a Tupi o privilégio de tê-lo assinado. (“Aí Vem
a Televisão”, Jean Manzon, O Cruzeiro, 03/03/1948, p. 9-15)

“Televisão - Uma Realidade Comercial” foi uma matéria que os Diários Associados publicaram
na revista “A Cigarra” de abril de 1948, assinada por Fernando Lobo. Sem mencionar as futuras
operações de televisão no Rio e em São Paulo, foi realizado intenso trabalho para convencer o
leitor de que o rádio não iria “morrer” com a chegada da televisão. E sabemos que não morreu
mesmo, foi complementado, graças ao advento do transistor — componente que deu mobilidade
ao rádio, fazendo surgir receptores portáteis e automotivos.
No dia 2 de maio de 1949, como já relatado no Capítulo 3, finalmente foi assinado o contrato
entre os Diários e Emissoras Associados e a RCA para a compra dos equipamentos de televisão
para São Paulo. No mesmo dia, o vespertino paulistano “Diário da Noite” divulgou na primeira
página a instalação de uma emissora de televisão em São Paulo: “Pela Primeira Vez na América
do Sul” - “Televisão no Sumaré” - “Adquirido pelas ‘Emissoras Associadas’ Potente Transmissor
RCA Victor”. Junto, a fotografia do diretor-presidente dos Diários Associados em São Paulo,
Edmundo Monteiro, assinando o contrato de compra dos equipamentos, observado por Assis
Chateaubriand, José Brady (gerente da filial paulista da RCA), Eduardo Eskenazi (gerente de
vendas da RCA no Brasil), Mário Alderighi (engenheiro-chefe das “Associadas” em São Paulo)
e pelo dr. José Paranhos do Rio Branco (advogado dos Diários Associados). Assim escreveu o
“Diário da Noite”:
Dentro de breve tempo, auspiciosamente, o paulistano poderá assistir,
“vendo” de sua poltrona, instalado de pijama dentro de casa, qualquer
jogo de foot-ball no Pacaembu, ou um Grande Prêmio em Cidade
Jardim. Ou, ainda, um filme de longa-metragem sem sair de casa. A
realidade de tamanha conquista será oferecida ao público paulista
pelas Emissoras Associadas — Rádio Tupi, Rádio Difusora de São
Paulo e Rádio Tupi do Rio de Janeiro. [...] Superando a enorme série
de obstáculos, as Emissoras Associadas lançarão em São Paulo, na
vanguarda da conquista da televisão em escala popular, inaugurando
brevemente a Televisão Tupi. Caberá, portanto, ao Brasil e a São
Paulo, inaugurar no continente a era da televisão por intermédio
112 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

das Emissoras Associadas, coadjuvada pelos Diários Associados,


em esforço comum. [...] O transmissor de televisão adquirido pelas
Emissoras Associadas é um poderoso aparelho RCA Victor, de
potência e características técnicas idênticas ao transmissor atual
da National Broadcasting Company [NBC], dos Estados Unidos, o
qual, recentemente, televisionou a Convenção do Partido Republicano
Americano e a última luta de Joe Louis com absoluto êxito. (“Televisão
no Sumaré”, Diário da Noite [SP], 02/05/1949, p. 1)

Ato da assinatura de contrato


entre os Diários Associados e
a RCA-Victor para aquisição
do equipamento completo de
uma estação de televisão para
São Paulo. Vê-se Edmundo
Monteiro assinando e Assis
Chateaubriand à direita (O
Jornal/reprodução)

A reveladora matéria do “Diário da Noite” também informou que os equipamentos deveriam


chegar ao Brasil em junho daquele ano de 1949, com previsão de inauguração da emissora em
setembro do mesmo ano. E continuou a matéria: “O aparelho transmissor será instalado na torre
do edifício do Banco do Estado de São Paulo, o mais alto do continente, ficando os estúdios
na ‘Cidade do Rádio’ no Sumaré”. É interessante observar a responsabilidade desta matéria do
“Diário da Noite”, ao informar que a televisão norte-americana e a inglesa estavam em plena
operação, mas eram deficitárias, em função das despesas fabulosas com produção e manutenção.
“A televisão deixa de ser compensadora, em termos comerciais”, informou a reportagem,
frisando que a publicidade em televisão ainda não dava resultados compensadores, nem mesmo
nos Estados Unidos, onde já havia uma mentalidade avançada com relação aos anúncios.
No dia seguinte aos anúncios reveladores do “Diário da Noite”, em 3 de maio de 1949, outros
jornais da “cadeia associada” também veicularam a grande notícia: “Colocar-se-á São Paulo na
Vanguarda da América do Sul no Terreno da Televisão” (“Diário de São Paulo”) e “Um Passo
à Frente no Campo da Televisão” (“O Jornal do Rio de Janeiro”). A partir deste dia, passaram a
ser publicadas frases de divulgação de veículos dos Diários Associados, entre as tiras da seção
de quadrinhos do “Diário da Noite”. Uma dessas frases reforçava: “Aguardem as instalações de
televisão dos Associados”, publicada diariamente até agosto daquele ano de 1949.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 113

César Ladeira acaba de adquirir nos Estados Unidos um transmissor


que operará pela Mayrink [Rádio Mayrink Veiga]. A [Rádio]
Nacional já está anunciando, por seus locutores, que televisionará
seus programas, brevemente. E murmura-se nos bastidores que Assis
Chateaubriand ainda chegará primeiro que todos com o aparelho para
as ‘Associadas’. O páreo será infernal. Está sendo, aliás. (“30 Dias”,
Anselmo Domingos, Revista do Rádio, nº 8, outubro de 1948, p. 3)

Com estas palavras do diretor da prestigiada “Revista do Rádio”, é possível ter uma ideia
do panorama do ano de 1948, quando começou a intensificar o surgimento de projetos para
montagem das primeiras estações de televisão no Brasil, mesmo que o governo ainda sequer
tivesse regulamentado o serviço. Chateaubriand realmente saiu na frente para montar suas
estações de TV em São Paulo e no Rio, realizando as primeiras negociações para encomendar os
equipamentos de estúdio e de transmissão com a RCA, em 1946, e com a General Electric no ano
seguinte. Todavia, algumas outras empresas de comunicação também passaram a se organizar
em 1948, com a pretensão de também lançar suas estações de TV. E, diferentemente do que
muito já se publicou na imprensa e na literatura sobre história da TV, a primeira concessão do
governo para operação de um canal de televisão no Brasil não foi dada ao grupo dos Diários e
Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand, como veremos a seguir.

César Ladeira e a Rádio Televisão do Brasil S/A

Dia 24 de junho de 1948, 11 meses antes de os Diários Associados anunciarem a aquisição


de equipamentos de televisão para o Rio e São Paulo, e três meses antes das históricas
demonstrações de TV da Rádio Nacional no Rio (Capítulo 2), o jornal “Diário da Noite” publicou
uma reportagem que movimentou a sociedade carioca. “Há dias a cidade foi surpreendida com a
notícia da fundação de uma companhia que se propunha ao lançamento de televisão no Brasil”,
iniciou a matéria. Estava em formação a empresa Rádio Televisão do Brasil S/A, montada no Rio
de Janeiro por César Ladeira, famoso speaker1 que iniciou a carreira nos anos 1930. Ele já havia
alcançado muito sucesso nas rádios Record (São Paulo) e agora era locutor da Mayrink Veiga
(Rio) e radioator da Rádio Nacional (também do Rio).
Anos antes, em 1939, quando a TV comercial norte-americana foi oficialmente lançada, Ladeira
viajou até Nova York para vê-la de perto e ficou encantado com a nova arte. Em 1946, ele foi
um dos representantes brasileiros no I Congresso Interamericano de Radiodifusão, realizado
na Cidade do México, e se animou em trazer a televisão para solo brasileiro, iniciando pela
então Capital Federal, o Rio de Janeiro. “Nos Estados Unidos, [...] certifiquei-me do interesse
despertado nas multidões ávidas de acompanharem em suas casas, nos bares e em outros grandes
recintos onde são instalados tele-receptores, os lances emocionantes de uma corrida de cavalos,
de um jogo de baseball ou de futebol [...]”, disse o radialista ao “Diário da Noite”.
Em 1948, novamente para o “Diário da Noite”, Ladeira revelou que o jornal norte-americano
“The New York Times” recentemente havia publicado um suplemento especial sobre televisão,
com estatísticas mostrando que aquele ano poderia fechar com 800 mil receptores de TV somente
nos Estados Unidos. Ou seja, uma perspectiva de 4 milhões de telespectadores únicos naquele
ano, podendo subir para 10 milhões no ano seguinte.

1 Locutor de rádio.
114 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Para realizar sua nova empreitada, César Ladeira associou-se a um empresário do ramo da
aviação, José Sampaio Freire, e fundou a empresa Rádio Televisão do Brasil S/A (RTB). Ela foi
constituída em 19 de fevereiro de 1949, com o objetivo de instalar emissoras de televisão nos
grandes centros do país, além de importar e revender aparelhos receptores de TV e formar uma
rede de assistência técnica.
Freire foi aclamado como diretor-presidente e Ladeira como diretor-técnico da empresa, cujo
capital social foi de Cr$ 20 milhões. O conteúdo da programação seria gerado em parceria com
a PRA-9 - Rádio Mayrink Veiga (Rio de Janeiro), que produziria os mais variados espetáculos
de entretenimento. Também seriam exibidos filmes de grande interesse cultural, reportagens e
eventos esportivos.
Em 7 de junho de 1948, a Rádio Televisão do Brasil S/A lançou seu manifesto nos jornais
cariocas, com forte campanha para a venda de suas ações. Anúncios passaram a ser veiculados
ainda naquele mês, convidando a população para apoiar a ideia da televisão no Brasil e, ao
mesmo tempo, obter lucros e ganhar um desejado aparelho receptor de TV.

Seja um dos pioneiros da televisão no Brasil, fazendo desde já a sua


inscrição à Avenida Churchill, n° 109 - 6º andar, sede da ‘RTB’ em
conexão com a ‘PRA-9’, a fim de que seja, também, um dos primeiros
a receber um aparelho receptor de televisão, de procedência inglesa
ou norte-americana. (anúncio da RTB)

O prestígio do radialista César Ladeira serviu de estímulo à compra das ações. Alguns cidadãos
empregaram parte de suas economias naquilo que lhes parecia seguro. Outros compraram
por questões patrióticas, já que a televisão significava um progresso cultural em nosso país.
Infelizmente, pessoas inescrupulosas passaram-se por representantes da RTB e receberam
dinheiro indevido da população, que sonhava com a inauguração da televisão. Segundo uma
reportagem do jornal “A Noite”, datada de 11 de dezembro de 1949, a oferta das ações da RTB
se esgotou rapidamente.
A empresa planejou importar um lote inicial de mil receptores de TV, com preços entre US$
100 e US$ 200 cada, e assim criar público para atrair anunciantes à estação de televisão. Além
disso, Ladeira programou uma experiência de sucesso que presenciou nos Estados Unidos, onde
500 receptores foram ligados em bares, hotéis e pontos de concentração públicos. Esta ação
publicitária consumiria Cr$ 5 milhões à RTB.
Para negociar com fabricantes de equipamentos broadcast e definir qual escolher, César Ladeira
viajou à Europa e aos Estados Unidos. Além disso, ele também aproveitaria para estudar as
técnicas de produção daquele novo veículo de comunicação, junto a grandes emissoras de
diversos países. A viagem duraria cerca de três meses e muitos moradores do Rio de Janeiro
depositaram em César Ladeira a esperança do surgimento da televisão brasileira, ao passo que
muitos outros duvidaram.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 115

O embarque do conhecido homem de rádio, que tem seu nome


ligado a diversas iniciativas vitoriosas do broadcasting brasileiro,
foi concorridíssimo. Amigos, colegas, admiradores, todos desejavam
abraçar César Ladeira, desejando-lhe felicidades em sua missão.
(“Um Grande Passo para a Televisão no Brasil”, O Globo,
06/08/1948, Primeiro Caderno, p. 5)

Dias antes, em 5 de agosto de 1948, houve até um show de despedida e de felicitações ao então
speaker na Rádio Mayrink Veiga.

Fala-se, neste momento, mais do que nunca, nas perspectivas


da televisão no Brasil. O broadcaster César Ladeira, figura
popularíssima em nosso meio radiofônico, acaba de embarcar para
os Estados Unidos a fim de adquirir uma estação transmissora e de
obter a representação de aparelhos transmissores para instalar aqui
um grande centro de televisão. As rádios “Associadas” e a Rádio
Nacional também estão pensando nisso. Quem chegará a realizar
primeiro o objetivo em vista? César Ladeira garante que será sua
estação. [...] Caberá à Rádio Mayrink Veiga a primazia de seu
lançamento. (Revista da Semana [RJ], nº 33, 14/08/1948, p. 5)

Ladeira recebeu orçamentos de três grandes corporações internacionais que fabricavam


equipamentos profissionais de televisão — a inglesa Marconi Wireless Telegraph Company e
as norte-americanas Allen B. Dumont Laboratories Inc. e International General Electric Co.
Inc (GE). Depois de comparar e estudar os três sistemas, a RTB preferiu adquirir os modernos
e eficientes equipamentos da tradicional GE, mesmo que o preço fosse o mais alto dos três
orçamentos: equivalente a Cr$ 8 milhões.
Em 3 de setembro de 1948, em Nova York, foi assinado o contrato para compra dos equipamentos
para a — provável — primeira estação irradiadora de televisão do Brasil, sediada na então Capital
Federal. A previsão de entrega seria para junho de 1949 e a inauguração da estação ocorreria até
o final do mesmo ano, apesar das várias providências burocráticas necessárias para importação
dos equipamentos.

A montagem da referida estação televisora e de seus equipamentos


completos — inclusive projetores para filmes cinematográficos que
serão televisados dos estúdios — ficou a cargo dos técnicos de
televisão da General Electric. Será a primeira “TV” a entrar em
funcionamento na América Latina, de potencial alcance visual,
idêntico às mais poderosas televisoras atualmente em funcionamento
nos Estados Unidos, com capacidade, portanto, para cobrir toda
a área do Distrito Federal, seus arredores, Niterói e Petrópolis.
(anúncio da RTB, A Noite, 17/09/1948, p. 2)
116 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Assinatura da compra dos


equipamentos de TV da General
Electric para as operações da
Rádio Televisão do Brasil S/A.
Sentado, à esquerda, o diretor
da emissora, César Ladeira.
(reprodução)

Ladeira encomendou uma estação completa, incluindo um transmissor com 5 kW de potência e


as necessárias instalações dos estúdios, incluindo três câmeras, além de uma unidade móvel para
transmissões externas. Em um anúncio publicado em outubro de 1948, a própria GE comemorou:
“O primeiro transmissor de televisão no Brasil será fornecido pela General Electric”.
Com a missão cumprida na Europa e nos Estados Unidos, César Ladeira regressou ao Brasil em 5
de novembro de 1948. No Aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro, havia uma grande confusão,
pois muita gente estava “à espera do pioneiro da televisão no Brasil”, como escreveu o jornalista
Ricardo Galeno, do “Diário Carioca”. Durante sua viagem, aconteceram as demonstrações de
televisão com produções radiofônicas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro e Ladeira, interessado
na divulgação da televisão, assim declarou em uma entrevista à imprensa brasileira: “Louvo, em
nome da Rádio Televisão do Brasil S/A, o concurso emprestado à Compagnie des Compteurs
de Montrouge, de Paris, pela Rádio Nacional, proporcionando a reprodução das experiências
de televisão, desta vez em público, o que constituiu uma sensacional ‘reprise’ das experiências
levadas a efeito anteriormente na Escola Técnica do Exército, com os equipamentos franceses.
Foi mais um marco decisivo na história da televisão no Brasil e, com isso, destruindo a descrença
de muita gente que não acreditava em televisão no nosso país”, enfatizou o radialista e empresário.

Em abril de 1949, a RTB convocou seus acionistas com prestações vencidas a efetuar os devidos
pagamentos, a fim de que aquela sociedade pudesse iniciar a construção de seus estúdios dentro
do prazo. Naquele mesmo mês, pôde ser formalizado um requerimento que solicitava a permissão
do governo para realizar as operações de uma estação de televisão na cidade do Rio de Janeiro.
Também foi realizado um pedido para as devidas licenças de importação dos equipamentos e
dos receptores na Cexim - Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil. O governo
autorizou e a concessão da Rádio Televisão do Brasil S/A foi outorgada por meio do Decreto
nº 27168, assinado pelo presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, em 12 de setembro de
1949. Salienta-se aqui a importância da televisão para o governo Dutra, já que a RTB havia
sinalizado que retrataria suas realizações pelo Brasil adentro. Sobre esta gratidão da RTB ao
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 117

presidente, o jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro, destacou que “isso dará ensejo de testemunhar
o reconhecimento da Rádio Televisão do Brasil S/A ao eminente brasileiro que é pioneiro da paz
e da ordem no Brasil”.
Em 24 de fevereiro de 1950, o ministro da Viação e Obras Públicas, Clóvis Pestana, despachou
uma autorização para execução dos projetos de montagem da estação, bem como para os locais
de transmissão, que curiosamente seriam dois: o Morro do Pão de Açúcar e o Morro da Urca,
já que topografia acidentada da cidade do Rio de Janeiro dificultaria a cobertura do sinal. A
RTB havia trazido técnicos dos Estados Unidos, Inglaterra e França para estudar e encontrar
os melhores locais de transmissão. Os estúdios foram projetados pela empresa Penna & França
- Engenheiros Construtores e seriam instalados na Rua Vieira Bueno, nº 30, no bairro de São
Cristóvão. A estação da RTB foi autorizada a operar no canal VHF-2.

O Fim da RTB

Iniciado o ano de 1950, a RTB ainda não havia conseguido levar adiante os seus projetos,
permanecendo, inclusive, sem apresentar ações mais concretas ao público. Enquanto isso, os
equipamentos para montagem da TV Tupi do Rio de Janeiro — também adquiridos com a GE
— haviam chegado em 29 de outubro de 1949 e os RCA, da TV Tupi de São Paulo, chegariam
ao final de janeiro de 1950. Vale aqui destacar que a RTB tinha concessão para entrar no ar, mas
ainda não tinha os equipamentos. Já as duas TVs Tupi estavam em situação inversa, pois, por
meio de suas “rádios-mãe” (Tupi do Rio de Janeiro e Tupi-Difusora de São Paulo), já haviam
encomendado os equipamentos e agora tratavam apenas dos pedidos de concessão.
Em um anúncio datado de abril de 1950, por fim, a RTB publicou um comunicado aos acionistas
e ao público, vindo à tona a real situação da emissora. Foi revelado que o contrato de compra dos
equipamentos com a GE fora cancelado, visto que o Banco do Brasil negou o pedido de licença
de importação. Isso porque uma exigência acertada com a GE, para que a RTB distribuísse
exclusivamente seus televisores no território brasileiro, acabou criando grandes dificuldades e
consumindo tempo precioso para que o canal 2 carioca entrasse no ar. O principal entrave foi o
agravamento de uma crise mundial de divisas em dólares.
Após muitos esforços, a RTB conseguiu obter as devidas licenças com a Carteira de Exportação
e Importação do Banco do Brasil. Seriam importados equipamentos para broadcasting e mil
receptores de TV, por meio do sistema de compensação vinculada. Assim, em dezembro de 1949,
o diretor-presidente da RTB, José Sampaio Freire, que havia recorrido ao mais estável mercado
inglês, conseguiu realizar as aquisições, obtendo melhores condições, com valor 30% menor que
dos americanos. O negócio foi fechado junto à fabricante Pye Television Ltd., de Cambridge, que
passaria a produzir especialmente um modelo de receptor chamado “Brasil”, com telas entre 9 e
12 polegadas. Seriam televisores de boa qualidade a preços baixos, com entrega prevista para o
início do ano de 1950.
O diretor-executivo da Pye Television, J. B. Edwards, veio ao Rio de Janeiro para selecionar
uma equipe de brasileiros que se especializaria na manutenção dos receptores. Entretanto,
mesmo correndo atrás do tempo perdido, a RTB acabou perdendo o prazo dado pelo governo
para inaugurar a emissora e a capacidade financeira para se manter. Foi então que o presidente
Getúlio Vargas, por meio do Decreto nº 30583, de 22 de fevereiro de 1952, fundamentado no
Regulamento Geral de Contabilidade Pública, declarou caduca a concessão do canal 2 do Rio de
118 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Janeiro, então outorgada à Rádio Televisão do Brasil S/A.


Apesar desta importante baixa, a sociedade RTB seguiu ativa, na tentativa de resolver todos
os problemas e depois tentar uma nova concessão. Eis que surgiu uma nova preocupação para
os diretores. Logo após a perda da concessão, sentindo-se lesado, um dos acionistas populares
da RTB resolveu pedir abertura de inquérito contra César Ladeira e José Sampaio Freire, a fim
de investigar uma suposta fraude. A queixa foi de um jóquei chamado Domingos Ferreira, que
indagou o fato de a emissora ter perdido a concessão e acusou os diretores de ter gastado 15%
de seu capital com instalações, enquanto o máximo permitido pela lei era de 10%. Entretanto, o
processo foi arquivado, sendo que Ladeira e Freire sequer foram julgados. Segundo o relatório
de investigação, as despesas com instalações ficaram exatamente no limite permitido, sendo
aprovados os gastos em assembleia.
Até que, por fim, durante a assembleia-geral realizada no dia 18 de setembro de 1954, o
presidente da RTB, José Sampaio Freire, fez um resumo das dificuldades enfrentadas nos cinco
anos de trabalho:

“Todos os pedidos de importação para os equipamentos transmissores,


de procedência da Inglaterra, da fábrica Pye Television Ltd., como
dos Estados Unidos da América, da fábrica International General
Electric Inc., conforme os contratos de compra celebrados entre a
Sociedade e as referidas firmas, foram sistematicamente negados
pela Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil S.A.
Igualmente, foram negados os pedidos de importação de receptores
de televisão, alguns injustificavelmente e outros concedidos sob o
desastroso regime de ‘compensação’, isto é, mediante o pagamento
pela sociedade de pesados ágios, superior a 50% do seu valor
declarado nos contratos de compra da fábrica Bush Television
Ltd., também da Inglaterra. Esta situação vem agravar-se mais
ainda agora, frente à nova política cambial imposta, porquanto as
licenças só são concedidas pelo Banco do Brasil S.A. mediante a
compra de divisas no leilão de ágios. Assim sendo, na classificação
exigida e onde se enquadram ‘equipamentos, receptores e materiais
de televisão’, no leilão de ágios, o dólar e a libra alcançam preços
verdadeiramente astronômicos, proibitivos para um negócio em base
honesta, qual seja o da Sociedade”.

Freire informou também que a RTB chegou a pleitear ajuda e protestar diversas vezes junto
ao Banco do Brasil e ao Ministério da Viação e Obras Públicas. Apresentou até um recurso
diretamente para o presidente da República, mas nada foi conseguido. Em seguida, na assembleia,
Freire sugeriu:

“Assim sendo, a Sociedade se acha impossibilitada, ante essa


barreira, de prosseguir e dar desempenho às finalidades estatutárias,
não cabendo, a seu ver, outra solução a ser tomada que a dissolução
da Sociedade”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 119

A votação pela dissolução foi unânime. Realmente havia ficado difícil prosseguir, apesar de todo
empenho dos diretores. Além de importar os equipamentos operacionais, a ideia de importar
receptores de TV foi interessante, mas acabou atravancando todo o negócio. E, além disso,
as taxas cambiais as tornaram impraticáveis e a Rádio Televisão do Brasil S/A não conseguiu
vencê-las.
Quanto à Pye Television Ltd., ela acabou investindo, mesmo assim, na exportação de seus
televisores para o Brasil. Fez alguns anúncios em jornais cariocas no ano de 1950, divulgando
também ser fabricante de rádios e transmissores. Contudo, os primeiros receptores de TV
instalados no Rio de Janeiro sintonizaram o canal 6 da TV Tupi e não o canal 2 da RTB, que era
para ter ficado conhecido como TV Mayrink Veiga.

TV Tupi do Rio de Janeiro

Nota dos Autores: Consultar o Capítulo 7 - “TV Tupi do RJ -


Parte 1 - Montagem e Atrasos” e o Capítulo 23 - “TV Tupi do RJ
- Parte 2 - Fase Experimental e Inauguração”.
120 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 6
ESTÚDIOS CINEMATOGRÁFICOS TUPI - A SÉTIMA ARTE ANTES
DA TV

D
esde a compra dos equipamentos para as emissoras de televisão do Rio e de São Paulo,
o diretor-presidente dos Diários e Emissoras Associados, Assis Chateaubriand, e o
diretor de radioteatro das Emissoras Associadas de São Paulo, o teatrólogo, radialista e
cineasta Oduvaldo Vianna, demonstravam grande encantamento pelas possibilidades que o
“rádio com imagem” traria. Em 1947, enquanto eram aguardados os equipamentos da RCA-
Victor para a PRF3-TV Tupi-Difusora, Vianna propôs a produção de um short (curta-metragem)
musical, “fazendo as pazes” com as câmeras após 12 anos sem trabalhar com cinema. A produção
seria apresentada antes dos filmes principais em cinemas do interior do estado, substituindo os
shows da Brigada da Alegria, uma promoção do jornal “Diário de São Paulo” que contava com
a participação de astros e estrelas do Sumaré, com objetivo de se aproximar dos leitores e angariar
assinaturas. Aquele jornal também era bastante voltado ao público interiorano e utilizava até o
slogan “O Órgão Oficial do Hinterland [Interior] Paulista”. As rádios Tupi e Difusora tinham
grande audiência nesta região e também em Minas Gerais, localidades onde a recepção era muito
boa.

O teatrólogo, radialista e cineasta


Oduvaldo Vianna. (Cedoc-Funarte/
reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 121

O curta-metragem seria a primeira experiência com imagem dos “Associados” e o elenco, foi
composto pelos radioatores e cantores da empresa em São Paulo, que já se familiarizariam para
a futura implantação da televisão no Brasil. Chateaubriand gostou da ideia, pois também já
tornariam conhecidos do grande público os rostos do futuro elenco da televisão.
Oduvaldo Vianna, ao lado de Júlio Cosi, é fundador da Rádio Panamericana, em São Paulo,
hoje conhecida como Rádio Jovem Pan. Foi o responsável por trazer para o Brasil o gênero da
radionovela, que ele conheceu na Argentina. Já tinha rodado alguns filmes no Rio de Janeiro,
entre eles, “Bonequinha de Seda” (1936), considerado o primeiro filme nacional com qualidade
comparável aos bons títulos estrangeiros. Com toda sua experiência, Vianna roteirizou e dirigiu
um curta-metragem das Emissoras Associadas, rodado em celuloide de 16 mm e batizado de
“Chuva de Estrelas”. No elenco, nomes do radioteatro e da radionovela do Sumaré, como Lia
de Aguiar, Vida Alves, Helenita Sanches, Hebe Camargo, Lolita Rodrigues, Ivon Curi, Túlio de
Lemos, Wilma Bentivegna, Pagano Sobrinho e, ainda, a cantora portuguesa Arminda Falcão. A
produção apresentou os bastidores do rádio, mostrando como eram feitos os ensaios e a leitura
dos scripts ao microfone e como eram produzidos os ruídos e efeitos de som pelos contrarregras
e sonoplastas. Outra parte da produção mostrou alguns números musicais com cantores das
“Associadas”; um momento de divulgação do jornalismo do grupo, com as rotinas da redação do
“Diário de São Paulo” e da sua impressão gráfica; e por fim, o público também pôde ver cenas
das equipes de jornalismo da Rádio Tupi produzindo os famosos “Grande Jornal Falado Tupi” e
“Matutino Tupi”, programas que eram produzidos pelo brilhante jornalista Corifeu de Azevedo
Marques.
“Chuva de Estrelas” estreou em dezembro de 1947 e fez bastante sucesso. Além dos cinemas
interioranos, a produção também foi exibida na Capital paulista — no Cine Ritz - São João e em
clubes esportivos —, como parte de uma campanha para arrecadação de alimentos para o Natal.
Três anos depois, este curta-metragem também foi exibido na programação da TV Tupi.
O sucesso de “Chuva de Estrelas” entusiasmou Oduvaldo Vianna e os artistas da Tupi-Difusora,
algo que motivou a tentativa de convencer Chateaubriand a dar mais um passo e investir
na formação da primeira companhia cinematográfica no estado de São Paulo, os Estúdios
Cinematográficos Tupi S/A, também chamados pelos jornais “Associados” como “Studio
Tupan”, “Estúdio Tupan”, entre outras variações.

Nasce uma Nova Empresa no Alto do Sumaré

“Estamos aparelhados para fazer filmes tecnicamente bons, à altura


do que é feito em qualquer outro país. Temos o que ninguém teve
até hoje no Brasil: fundo projetado, regravação, além de câmeras
modernas e silenciosas. Além de tudo, um excelente técnico: Jorge
Kurkjian, homem de grande experiência, que dirige nossa equipe
técnica”. (depoimento de Oduvaldo Vianna, “‘Tupan’ - O Primeiro
Studio Paulista”, Diário de Pernambuco, 12/06/1948, p. 3)

Era início de 1948 e, com equipamentos já encomendados nos Estados Unidos, ia tomando forma
a companhia Studio Tupan, um ano antes da fundação da famosa Companhia Cinematográfica
122 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Vera Cruz1, a ser instalada em São Bernardo do Campo (SP). Os Estúdios Tupan foram dirigidos
pelo próprio Oduvaldo Vianna, que tinha a premissa ambiciosa de transformar São Paulo na
Hollywood brasileira, numa tentativa de fazer cinema de verdade. Segundo declarações do próprio
Vianna, ele pretendia produzir ao menos quatro filmes por ano, levando, em média, três meses
em cada produção. Foi também planejado que a nova companhia do Sumaré promovesse cursos
práticos de cinema e de ensino artístico e técnico, equivalentes às academias cinematográficas de
países onde o cinema estava bem desenvolvido.

Os Estúdios Tupan são, por assim dizer, filhos da Tupi e da Difusora,


as duas Emissoras Associadas de São Paulo. [...] As máquinas mais
necessárias já chegaram dos Estados Unidos. O primeiro filme já
está para ser rodado, dispondo os studios de material técnico de
primeira ordem, como câmeras, aparelhos de regravação etc. Está
em condições de produzir películas tecnicamente aceitáveis. Jorge
Kurkjian é o responsável por este setor. (“Oduvaldo Vianna na
Direção de uma Companhia Cinematográfica”, Diário da Noite
[SP], 27/05/1948, p. 6)

Na primeira edição de “O Sumaré” — pequeno jornal das Emissoras Associadas de São Paulo
que noticiava fatos de seus bastidores — há uma reportagem intitulada “Quase no Céu”, cujo
texto registra o surgimento dos Estúdios Tupan. O texto fez um paralelo entre o cinema e a
televisão das “Associadas”.

Produzindo cinema, as [Emissoras] Associadas paulistas estarão,


igualmente, ainda mais habilitadas à prática da televisão, que já se
anuncia para muito breve, na taba do Sumaré. (“Quase no Céu”, O
Sumaré, outubro de 1948)

“Quase no Céu”

“Escrevi o argumento especialmente para a estreia da nova


produtora. ‘Quase no Céu’ tem um assunto bem brasileiro com tipos
profundamente nacionais, debatendo problemas inteiramente nossos.
Tudo em ‘Quase no Céu’ é brasileiro. Ambientes, costumes, figuras,
diálogo e música. Será o filme mais brasileiro feito até hoje. O tema
é o amor à terra. O problema do homem no campo”. (depoimento de
Oduvaldo Vianna, “Oduvaldo Vianna na Direção de uma Companhia
Cinematográfica”, Diário da Noite [SP], 27/05/1948, p. 6)

1 A Companhia Cinematográfica Vera Cruz foi um importante estúdio cinematográfico que


produziu filmes entre 1949-54. Foi fundada em São Bernardo do Campo (SP) pelo produtor
italiano Franco Zampari e pelo industrial Francisco Matarazzo Sobrinho. Ao todo, a companhia
produziu e coproduziu mais de 40 filmes de longa-metragem.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 123

No dia 25 de maio de 1949 estreou em grande estilo a primeira produção dos Estúdios Tupan:
“Quase no Céu”, película rodada em diversas localidades do estado de São Paulo e estrelada por
Lia de Aguiar, Paulo Alencar, Heitor de Andrade, Dionísio de Azevedo, Vida Alves, Homero
Silva e Maria Vidal. O roteiro e a direção foram de Oduvaldo Vianna; a direção de fotografia de
Jorge Kurkjian, funcionário com experiência prática no cinema europeu; e a direção de som de
Jorge Edo. O lançamento se deu simultaneamente em 12 cinemas paulistanos, com distribuição
feita pela Columbia Pictures do Brasil. Pela primeira vez, um filme brasileiro abrangeu um
grande circuito de lançamento. No mês seguinte, ele entrou no circuito do Rio de Janeiro e
depois em algumas outras cidades brasileiras.

“Quase no Céu” nasceu de um fato ocorrido com o próprio diretor e


autor do argumento. Oduvaldo Vianna recebeu um faqueiro de prata,
presenteado por Assis Chateaubriand, em agradecimento pela sua
direção num short comercial das Emissoras Associadas de São
Paulo, que se intitulou “Chuva de Estrelas”. O riquíssimo faqueiro
de prata transformou-se num verdadeiro presente de grego. A fim de
condizer com o faqueiro, d. Desucélia Vianna, esposa do produtor,
insistiu para que ele comprasse um novo jogo de pratos, de café,
toalhas e até mobília. Por pouco, para não destoar do faqueiro,
Oduvaldo Vianna teria de comprar um novo apartamento. Esta
ambição inocente de sua esposa foi aproveitada para motivo central
da história de “Quase no Céu”. Oduvaldo dramatizou-a, deu-lhe um
segmento que vai do romântico ao trágico. Gastou apenas três meses
para terminar o filme, tendo, porém, que o interromper durante meio
ano, aguardando o material de laboratório encomendado nos
Estados Unidos. Um fato interessante da película: 80% de suas cenas
são rodadas ao ar livre [...]. (“São Paulo Quer Tomar a Liderança”,
César Monteclaro, A Cena Muda, nº 21, 24/05/1949, p. 9)

Cartaz do filme “Quase no Céu”.


(Diário da Noite/reprodução)
124 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A nova produção contou novamente com os artistas das rádios Tupi-Difusora, mas, desta vez,
se tratou de um longa-metragem e de uma superprodução para os padrões da época. “Quase
no Céu” foi afortunadamente filmado em película de 35 mm, com a maior parte das locações
realizadas na cidade turística de Campos do Jordão (SP). Houve, também, cenas gravadas em
uma praia do Guarujá (SP), nas ruas de Santos (SP), nas ruas de São Paulo e no Aeroporto de
Congonhas.
“O primeiro filme paulista para o mundo”, como o jornal “Diário de São Paulo” frisou, mostrou
uma história com pitadas de drama, mistério, romance e comédia, num cenário que se iniciou
com um feliz casal formado por um médico (Paulo Alencar) e sua esposa (Lia de Aguiar),
que trocaram a paz do campo pelos problemas da cidade grande. Apesar de a crítica não ter
gostado, “Quase no Céu” obteve grande sucesso de público e arrecadou cerca de Cr$ 1,5 milhão,
batendo o recorde de bilheteria de um filme nacional. Segundo o famoso diretor de televisão
Walter Avancini, que atuou como ator-mirim nesta produção, “os cinemas que exibiram o filme
tiveram suas portas arrebentadas [no dia de estreia], tamanho era o volume e a ansiedade do
público que queria ver no cinema os mais famosos radioatores daquele momento”1. O próprio
Chateaubriand, que não tinha paciência para ficar sentado por duas horas numa poltrona de
cinema, surpreendentemente gostou da película.
Vale ressaltar que “Quase no Céu” promoveu a estreia de muitos artistas em frente às câmeras e
que logo se consagrariam na televisão paulista, tais como Hebe Camargo, Lima Duarte, Dionísio
de Azevedo, Lia de Aguiar e o próprio Walter Avancini.

Outras Produções

Se o lançamento de “O Homem e a Terra” demorar mais um pouco,


o Oduvaldo acabará se “enterrando” mais... (“Cortando a Onda”,
Moscardo: Semanário Forte de Críticas Levianas, nº 1504, janeiro
de 1950, p. 6)

Depois do sucesso da película “Quase no Céu”, os Estúdios Cinematográficos Tupi já


programaram a produção de diversos outros filmes, inclusive “As Aventuras de Narizinho”,
escrito por Monteiro Lobato. O primeiro deles seria “O Homem e a Terra”, também de Oduvaldo
Vianna, que chegou até a promover um concurso, em conjunto com o “Diário da Noite”, para
selecionar atores e atrizes iniciantes para atuarem no filme. Apesar de ter recebido mais de 1,5
mil inscrições, uma votação popular com mais de 1 milhão de participações e a promoção de uma
grande festa de proclamação dos vencedores, em novembro de 1949, a produção foi cancelada
no ano seguinte, em meio ao corre-corre para a montagem da televisão paulista. E pior: não só o
filme foi cancelado, mas também o próprio Studio Tupan.

1 “O Espetáculo da Cultura Paulista: Teatro e Televisão em São Paulo (1940 - 1950)”, David José
Lessa Mattos, Codex, 2002:63.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 125

The End

O sucesso de bilheteria de “Quase no Céu” poderia ter incentivado os Diários Associados a


investir em cinema, mas Chateaubriand desistiu rapidamente por diversos motivos, como o
alto investimento na montagem das duas primeiras emissoras de TV do país. Ademais, fazer
cinema no Brasil era algo realmente complicado e Chatô estava a par das dificuldades por ser
amigo de Franco Zampari1, empresário que havia fundado, naquele ano de 1949, a Companhia
Cinematográfica Vera Cruz. Sobre este ponto, o pesquisador José Inácio de Melo Souza,
aponta que “o potencial de avanço sobre publicidade na televisão era muito mais substancioso,
assemelhando-se ao dos jornais e rádios, enquanto o cinema vivia somente da bilheteria a longo
prazo”2. Por fim, David José Lessa Mattos, escritor e ex-ator da TV Tupi de São Paulo, apontou
os problemas que Chatô enfrentou com o cinema:

[...] os altos custos envolvidos em uma produção cinematográfica; a


dependência total de material técnico estrangeiro para a realização
de um filme, desde o início até o fim do processo, desde a compra no
exterior da película virgem até a fase final de revelação, montagem
e sonorização; as dificuldades de exibição de um filme no mercado
brasileiro em função dos interesses comerciais dos distribuidores
e exibidores; tudo isso parece ter levado Assis Chateaubriand a
abandonar o projeto de instalação de uma indústria cinematográfica
em São Paulo. Antes, porém, desencadeia uma forte campanha contra
os exibidores de filmes. Por exemplo, além dos artigos e matérias
publicados diariamente em todo o país pelos jornais dos Diários
Associados, em maio de 1949, mês do lançamento de “Quase no
Céu”, a revista “O Cruzeiro”, em texto assinado por Arlindo Silva,
publica uma longa reportagem trazendo o seguinte título em letras
maiúsculas: “Ofensiva Contra os Trusts da Tela. A guerra dos trusts
de exibidores aos filmes nacionais. Rio, São Paulo, Minas Gerais e o
resto do Brasil nas mãos de açambarcadores”. Em longo texto, faz-
se então a denúncia do poder dos exibidores: “Em São Paulo e Rio
de Janeiro dois grupos dominam as telas. Na Capital paulista há o
circuito Serrador, que enfeixa em suas mãos intransigentes [muitos]
cinemas, incluindo o Ipiranga, o Art-Palácio, o Bandeirantes e o
Ópera, que são dos melhores da Cinelândia. No Rio há o truste de
Severiano Ribeiro, que se projeta até Minas e até o norte do país,
num total de 143 casas. [...] Os ‘Estúdios Tupi’ tomaram a iniciativa
de abrir luta contra os monopolizadores da tela. Aproximaram-se
dos exibidores independentes e [...] surgiu uma nova linha de doze
cinemas para enfrentar o truste. É esse grupo de doze cines que vai
lançar conjuntamente o ‘Quase no Céu’. A rede é capitaneada pelo
1 Amantes das artes, Chatô e Franco Zampari fizeram parte do grupo de intelectuais que
participaram da Semana de 1922. Zampari também fundou o TBC - Teatro Brasileiro de Comédia.
A Companhia Vera Cruz encerrou as atividades em 1954 e parte de seu terreno, na Rua Tasman
(São Bernardo do Campo), abrigou a Cidade da Criança (que funciona até hoje) e parte a cidade
cenográfica da novela “Redenção” (1966-68) da TV Excelsior. O extinto Museu da TV Brasileira
funcionou em parte do mesmo terreno.
2 “A Televisão Antes da Novela: Ensaio de Interpretação”, José Inácio de Melo Souza, 2005, p. 15.
126 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

‘Marabá’ [...]. Está declarada guerra contra os monopólios da tela”.


(O Espetáculo da Cultura Paulista: Teatro e Televisão em São Paulo
[1940 - 1950], David José Lessa Mattos, Codex, 2002:196-198)

Apesar de não produzir mais filmes, a pessoa jurídica dos Estúdios Cinematográficos Tupi
continuou existindo por cerca de mais cinco anos. Parte de seus equipamentos foi repassado para
a TV Tupi de São Paulo.
A película “Quase no Céu” e o curta-metragem “Chuva de Estrelas” seriam hoje valiosíssimos
documentos para contar as origens da televisão de São Paulo e do Brasil. Eles mostrariam os
atores do elenco da Cidade do Rádio atuando pouco antes da estreia da televisão. Entretanto,
infelizmente, estes filmes foram vítimas da falta de incentivos para preservação da memória
audiovisual brasileira. Em meio a esta triste informação, no entanto, um alento: está preservado
um trecho com 15 minutos de “Quase no Céu”, mantido pelo saudoso diretor Jorge Kurkjian e
recuperado, em 2017, pela associação Museu da TV, Rádio & Cinema e pela Fundação Padre
Anchieta.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 127

CAPÍTULO 7
TV TUPI DO RIO DE JANEIRO - PARTE 1 - MONTAGEM E
ATRASOS

[...] - Em televisão, São Paulo se antecipará ao Rio, ou ficará em


segundo lugar? Que o respondam os dirigentes das “Associadas”, o
paulista César Ladeira e seus companheiros da organização carioca.
(“Televisão em São Paulo ou no Rio?”, Edu, Correio Paulistano,
15/10/1949, p. 6)

Dentro de 120 dias, esse conjunto de 30 toneladas de complicados


e sensíveis instrumentos estará instalado no cimo do Pão de Açúcar,
cobrindo com suas ondas, onde magicamente se fundem o som e a
imagem, todos os quadrantes da cidade, na difusão de novas formas
artísticas, de entretenimento, educação e noticiário. A Televisão Tupi,
a par de constituir uma inovação que marcará época, contribuirá
para rasgar maiores horizontes para o desenvolvimento do país [...].
(“No Alto do Pão de Açúcar, o Transmissor Mágico da Tupi”, Diário
de Pernambuco, 03/11/1949, p. 14)

C
omo citado no Capítulo 3, Chateaubriand fechou negócio com a RCA em 1947, para
aquisição de duas estações de televisão completas, uma para o Rio e outra para São
Paulo. Contudo, além da RCA pedir um prazo longo para fabricar e entregar, acabou não
conseguindo cumpri-lo no ano seguinte. Foi então que, preocupado, Chatô tomou uma posição
decisiva e sigilosa: cancelou a compra da estação encomendada para a PRG3-TV Tupi - Canal
6 do Rio de Janeiro e fechou um novo negócio com a General Electric (GE), no final de 1948,
empresa que pediu um prazo razoável para entregar os equipamentos na então Capital Federal,
onde havia mais pressa para colocar a televisão no ar. Isso para dar tempo de o Canal 6 transmitir
alguns jogos da Copa do Mundo, que seriam realizados em seis cidades do Brasil entre 24 de
junho e 16 de julho, sendo que a abertura e oito partidas — inclusive a final — seriam realizadas
no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, especialmente construído para a copa.
Por motivos desconhecidos, os veículos “Associados” publicaram poucas informações sobre as
negociações de compra dos equipamentos junto a General Electric, ao contrário das negociações
com a RCA, amplamente divulgadas. As notícias começaram a aparecer quando a GE já se
preparava para despachar os equipamentos, que custaram cerca de US$ 1 milhão (Cr$ 20
milhões). A empresa cumpriu o prazo de entrega e os equipamentos embarcaram no porto de
Nova York no dia 14 de outubro de 1949, a bordo do navio Mormacgulf, da Moore-McCormack
Lines. O cargueiro aportou no Rio de Janeiro no dia 30 de outubro, exatamente 90 dias antes
da chegada dos equipamentos RCA em São Paulo. A expectativa era que a TV Tupi do Rio de
Janeiro estivesse pronta para operar em 120 dias, ou seja, fins de março ou início de abril.
Alguns jornais da imprensa norte-americana e argentina noticiaram a chegada dos equipamentos
no Rio. A carga pesava mais de 34 toneladas e foi distribuída em 228 caixas de madeira, 39
caixas de papelão, dois engradados e dois carretéis. Havia também a unidade móvel de televisão,
128 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

que era uma espécie de micro-ônibus. O Rio de Janeiro se tornou a primeira cidade da América
Latina a receber um equipamento transmissor de televisão para operações regulares e tal fato foi
motivo de muita comemoração e até reportagens em jornais norte-americanos. Em um anúncio
realizado no Brasil, ilustrado com duas fotos dos equipamentos e do navio, a General Electric se
declarou orgulhosa com sua nova contribuição com o progresso do Brasil e divulgou que estava
cooperando com a Rádio Tupi na montagem daqueles equipamentos. Fato curioso é que este
anúncio da GE destacou: “O primeiro transmissor de televisão para a América Latina”, frase
que já havia sido utilizada em vão pela mesma empresa, um ano antes, quando foi divulgada a
aquisição realizada pelo radialista César Ladeira para o aparelhamento da Rádio Televisão do
Brasil S/A (RTB). De acordo com o que foi mostrado no Capítulo 5, aquela transação comercial
acabou cancelada, mas, desta vez, a frase reutilizada pela GE mostrou a realidade: o primeiro
transmissor de televisão realmente havia chegado para ser definitivamente instalado em terras
latino-americanas.
O brasileiro Carlos Lacombe1 era o engenheiro-chefe da seção de Eletrônica da General Electric
no Rio de Janeiro. Ele acompanhou as tratativas com as Emissoras Associadas para a instalação
da primeira estação de televisão carioca, elaborou projetos e deu todo o suporte técnico durante
as montagens. Contando os 120 dias previstos para o término da instalação da emissora, era
possível que o Canal 6 entrasse no ar já em fevereiro de 1950. A expectativa era grande e as
reportagens dos veículos “Associados” do Rio e do Nordeste apostavam que o Rio de Janeiro
realmente seria pioneiro na América Latina nos domínios da televisão.

Desembarque dos equipamentos da TV Tupi do Rio de Janeiro, em 1949. (O Cruzeiro/reprodução)

1 Em 1923, Carlos Lacombe foi sócio-fundador da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a segunda
estação de radiofonia do Brasil e primeira a operar regularmente.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 129

Desafio no Alto do Pão de Açúcar


Diante de toda empolgação, diversos atrasos e problemas de ordem técnica surgiram antes e
durante a montagem da estação transmissora da PRG3-TV. O local escolhido para instalação do
transmissor e da antena foi o alto do Morro do Pão de Açúcar, com 396 m de altura. Um pequeno
prédio seria construído ao lado do terminal do bondinho, local operado pela empresa Caminho
Aéreo Pão de Açúcar. A escolha do local aconteceu após uma negativa da Igreja Católica para
instalação no Morro do Corcovado1, com incríveis 710 m de altura, do qual todos os bairros do
Rio de Janeiro receberiam imagens com a melhor nitidez e qualidade. Sobre esta negativa, que
atrasou o início da montagem da estação do Canal 6, assim relatou o então diretor-técnico da
Tupi carioca, Fernando Chateaubriand, na revista “O Cruzeiro”:

Topograficamente falando, encontraríamos a situação ideal no


Corcovado, ali mesmo onde se acha a estátua do Cristo Redentor.
Sucede, porém, que a ciência e a igreja nunca mantiveram boas
relações [...]. Os engenheiros supervisores de montagem acabaram
por conformar-se com o Pão de Açúcar, que tem apenas metade da
altura. Foi este, caros leitores, o primeiro problema que se apresentou
[para a montagem da TV Tupi]. (“A Televisão na América do Sul”,
Fernando Antônio Chateaubriand Bandeira de Mello, O Cruzeiro,
22/07/1950, p. 92)

Três dias antes dos equipamentos GE da TV Tupi chegarem ao porto do Rio de Janeiro, o prefeito
do então Distrito Federal deferiu a solicitação da Rádio Tupi, que submetia às autoridades
municipais o contrato lavrado com a Cia. Caminho Aéreo Pão de Açúcar para instalar a estação
transmissora de TV no alto do morro. A partir desta data, a emissora ficou habilitada para iniciar
as obras. Com isso, os equipamentos GE tiveram que ficar armazenados, já que a construção de
um edifício e de uma torre no alto do Pão de Açúcar ainda seriam inicializados, algo que acabou
acontecendo efetivamente em janeiro de 1950.
Não foi nada fácil transportar ferro, areia, cimento, pás, madeira e água para o alto do morro. Os
operários só podiam subir por meio de caixotes acoplados aos bondinhos elétricos, carregando
primeiro na Praia Vermelha, subindo até o Morro da Urca e baldeando tudo para o segundo
bondinho, que ia até o Pão de Açúcar2.
Apesar das naturais dificuldades de uma instalação complexa, como
a da televisão, no alto do Pão de Açúcar, para onde tudo, inclusive
materiais pesados e até água, têm de ser transportados pelo Caminho
Aéreo, até junho próximo deverá estar em pleno funcionamento a
primeira estação de TV da América Latina, adquirida pela Rádio
Tupi à General Electric S.A. (“Primeira Concretagem nas Obras de
Instalação da Televisão Tupi no Alto do Pão de Açúcar”, O Jornal,
12/02/1950, p. 8)
Uma foto-notícia publicada na capa de “O Jornal do Rio de Janeiro”, em 12 de fevereiro de 1950,
1 Como visto no Capítulo 2, no Morro do Corcovado já havia funcionado a primeira torre de
broadcasting no Brasil, da rádio estatal com prefixo SPC, que operou temporariamente durante
a Exposição do Centenário da Independência, entre 1922-23, em Ondas Médias de 750 KHz.
Logo após a desmontagem da SPC, o local foi disponibilizado para a Igreja Católica construir o
monumento do Cristo Redentor.
2 Em julho de 1953, os funcionários do bondinho do Pão de Açúcar fizeram uma greve que,
felizmente, durou apenas um dia. Contudo, os empenhados responsáveis pelo transmissor da
PRG3-TV tiveram que escalar o morro para garantir que a estação não ficasse fora do ar.
130 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

informou que as obras subterrâneas de fundação do prédio e da torre estavam concluídas e agora
era iniciado o processo de concretagem das primeiras colunas do prédio. Ou seja, em fevereiro
de 1950, tudo estava apenas começando e o prazo dado para a contratada Servix Engenharia
entregar as obras estava muito próximo: 15 de maio. Com tantos desafios, os Diários Associados
divulgaram uma nova previsão para estreia da TV Tupi carioca: junho de 1950, já estreando com
jogos da Copa do Mundo no Brasil.
Outro fator responsável pelos atrasos foi a incompatibilidade de ciclagem, ou seja, a frequência
da rede elétrica do Rio de Janeiro. Os equipamentos GE foram entregues com o padrão norte-
americano de 60 ciclos por segundo (ou 60 hertz [Hz]), ao passo que o Rio de Janeiro utilizava
corrente alternada de 50 Hz. Não há informações sobre o motivo da incompatibilidade, mas
descartando um “simples” erro de projeto, é possível que a proposta da TV Tupi fosse mesmo
operar com 60 Hz, pois havia um movimento do governo para que a corrente elétrica de todo o
estado do Rio de Janeiro fosse mudada para esta ciclagem. Contudo, devido alguma restrição
técnica, a mudança de alimentação para os 60 Hz ainda não poderia se concretizar e a Tupi optou,
de última hora, a efetuar a modificação nos equipamentos da General Electric.
Um decreto promovendo tais mudanças nos padrões de transmissão das emissoras de TV foi
publicado pelo governo apenas em 1952. Entretanto, essa alteração acabou acontecendo, na
prática, somente em 1959, implicando que, além da mudança da relação ciclagem/frames por
segundo (fps) de 50 Hz/25 fps para 60 Hz/30 fps, consequentemente também deveriam ser
alteradas outras características técnicas de vídeo, como as 625 linhas de varredura, que seria
alterada para 525. Salienta-se que os equipamentos RCA da TV Tupi de São Paulo não tiveram
que ser adaptados, já que, naquela cidade, a ciclagem já era de 60 Hz.

O equipamento [...] necessitava, obrigatoriamente, sofrer adaptação


não muito complicada, mas difícil por alterar a fabricação em série.
Estando tudo acertado e as especificações necessárias terem sido
recebidas pela direção da Tupi carioca, o sr. Carlos Rizzini, diretor
geral dos Associados, determinou o começo das obras no início do
ano [de] 1950. (“Tupi - Pioneira da Televisão Brasileira”, José de
Almeida Castro, Fundação Assis Chateaubriand, 2000:110)

Central Técnica e Diretoria


A sede do Canal 6 foi montada no alto do edifício dos Diários Associados1, na Avenida
Venezuela, n° 43, centro da cidade, onde foi construído mais um pavimento. No mesmo edifício
funcionavam as rádios Tupi e Tamoio. Luiz Malheiros e Jack Toporowsky foram os engenheiros
de montagem do Canal 6. Em um dos andares ficava um gigantesco auditório de rádio, conhecido
como o “Maracanã dos Auditórios”, que também seria utilizado pela televisão. Aliás, houve um
aperto geral para caber a televisão naquele edifício, um antigo depósito de café que o Barão de
Saavedra, do Banco Boavista, presenteou Chateaubriand para que ali fosse montado um centro
cultural.
Para dirigir a TV Tupi - Canal 6, foi escolhido José Mauro, um dos produtores das Emissoras
Associadas do Rio. O responsável pela programação foi Luiz Jatobá, que ficou famoso como
speaker da Rádio Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) e que havia ido aos Estados Unidos para
1 O edifício da Avenida Venezuela, utilizado pelas Emissoras Associadas, existe até os dias atuais. Contudo,
não faz mais parte do patrimônio dos Diários Associados e foi totalmente reformado no início dos anos
2010. A fachada original foi reformulada (retrofit) e no local funciona uma faculdade. A TV Tupi mudou
deste prédio em 1955, quando ganhou uma sede exclusiva no prédio do antigo Cassino da Urca.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 131

trabalhar como locutor em português da emissora CBS - Columbia Broadcasting System e dos
estúdios da MGM - Metro Goldwyn Mayer. A direção-artística da Tupi carioca ficou a cargo de
Antônio Maria e a direção de produção com Beatriz de Castro. A direção-técnica, como já citado,
foi do engenheiro Fernando Chateaubriand, um dos três filhos de Chatô.

Testes de Câmera

Durante o mês de abril de 1950, a Rádio Tupi do Rio de Janeiro agendou duas datas para
realização de testes de câmera de televisão, sem transmissão pelo ar. Para tanto, foram convidados
os principais artistas do teatro carioca para comparecer a um estúdio no Rio. No primeiro dia,
além de Tônia Carrero, Carlos Dias, Aimée, Virgínia Lane, Alma Flora e Eva Todor, estiveram
presentes o ministro da Educação, Clemente Mariani, o deputado federal Horácio Lafer, Assis
Chateaubriand e funcionários dos Diários e Emissoras Associados. Os testes serviriam para
divulgar a montagem da primeira televisão do Rio de Janeiro e para os próprios artistas e técnicos
conhecerem o tão falado sistema de televisão.

O Primeiro Beijo
Durante os testes de câmera realizados em abril de 1950 pela
GE no Rio de Janeiro, o casal Carlos Dias e Aimée se beijou
diante das câmeras, mas a cena não foi transmitida pelo ar,
como aconteceu com o famoso beijo entre os atores Walter
Forster e Vida Alves na novela “Sua Vida Me Pertence” da
TV Tupi de São Paulo. Este, sim, é considerado o primeiro
beijo da TV brasileira, já que foi ao ar pelo Canal 3, em 8 de
fevereiro de 1952.
132 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Testes de câmera realizados pela


GE e TV Tupi do Rio. (O Cruzeiro/
reprodução)

Fruto de uma ação comercial coordenada, celebrada entre os Diários Associados e a GE e


autorizada pelo governo brasileiro, 2,4 mil aparelhos receptores de TV chegaram ao Rio de
Janeiro em maio de 1950, destinados às lojas e alguns para os “Associados”. A previsão ainda era
que o Canal 6 entrasse no ar no final do mês seguinte. Todavia, novos atrasos surgiram e a Copa
do Mundo foi encerrada sem ter sido televisionada.
No dia 16 de julho, foram iniciadas as transmissões experimentais da XHTV - Canal 4 da Cidade
do México1 e, no dia 24 de julho, já começaram as experiências da coirmã PRF3-TV Tupi-
Difusora de São Paulo. A inauguração da XHTV aconteceu em 31 de agosto de 1950, também
com equipamentos RCA, confirmando sua posição como pioneira da América Latina. Ela era de
propriedade do grande empresário das comunicações Rómulo O’Farrill e, atualmente, é chamada
de Foro TV, operando como um canal noticioso pertencente ao conglomerado Televisa.
Com a Tupi de São Paulo e a XHTV no México saindo na frente, os Diários e Emissoras
Associados publicaram uma matéria no “Diário da Noite”, no final daquele mês de julho,
admitindo que o Rio de Janeiro não teria mais a primazia de sediar a primeira emissora de
televisão do Brasil e tampouco da América Latina. A reportagem, intitulada “Enquanto o Rio
Espera, a ‘Televisão Associada’ Paulista Já Está Pronta Para Funcionar”, apontou que a Servix
Engenharia havia atrasado a entrega das obras.

Não deixa de constituir uma satisfação para os colegas do Rio, este


grande acontecimento, cuja primazia deverá estar reservada para
nós [das Emissoras Associadas]. Nosso equipamento, se bem que
chegado ao Brasil muito antes daquele destinado à emissora irmã,
não logrou ser instalado com a mesma antecedência. E com a maior
tranquilidade de espírito que depositamos a responsabilidade do
fato, sobre os ombros da Empresa Construtora Servix Engenharia.
Com efeito, nossas previsões, feitas em colaboração com o pessoal
daquela empresa, vaticinavam o acontecimento para a “Copa do
1 “RCA Television... New Link for the Americas”, Meade Brunet, Broadcast News, nº 62, jan-fev
de 1951, p. 14.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 133

Mundo” e sucede que até o presente momento não foram capazes


de fixar uma data para entrega das instalações do Pão de Açúcar.
A turma da Tupi trabalha como pode, mas, como diz o ditado, “não
adianta dar murro na ponta de faca”. (“Enquanto o Rio Espera, a
‘Televisão Associada’ Paulista Já Está Pronta Para Funcionar: A
‘Servix’ Não Está Servindo aos Cariocas”, Diário da Noite [RJ],
26/07/1950, p. 3)

Dois dias depois, como um direito de resposta, o “Diário da Noite” voltou a falar sobre as
obras da estação de televisão do Pão de Açúcar, entretanto, dando voz ao diretor-geral da Servix
Engenharia. As primeiras linhas da reportagem demonstraram que as “Associadas” deixaram de
lado o tom crítico quanto à condução dos trabalhos, chegando até a ressaltar que “prosseguem
ativamente os laboriosos trabalhos de instalações da torre emissora da televisão Tupi”. E
continuou a reportagem:

Ouvimos, nesse sentido, rapidamente, o sr. A. M. Pougy, diretor geral


da empresa Servix, que nos fez a respeito às seguintes declarações:
— Estamos trabalhando ativamente, entre dificuldades naturalmente
compreensíveis, oferecidas pelo local das obras. Não poderíamos,
por isso mesmo, em face de imprevistos e dificuldades que poderiam
surgir, como têm surgido continuamente, fixar prazo para a conclusão
das obras nas quais estamos pondo o máximo da nossa capacidade
e dos nossos cuidados, para corresponder à confiança do nosso
ilustre cliente S.A. Rádio Tupi, e ao apreço que hoje desfrutamos
no país, como organização executora de técnicas, dentro da nossa
especialidade. Podemos assegurar-lhe que estamos empregando o
máximo dos nossos esforços para entregar, o mais breve possível,
ao público carioca, através da iniciativa pioneira da Rádio Tupi,
esse grande melhoramento digno da cultura dos cariocas - que é
a televisão. (“As Instalações da Torre da Televisão Tupi no Pão de
Açúcar”, Diário da Noite [RJ], 28/07/1950, p. 3)

A torre da Tupi no Pão de Açúcar tinha 28 m de altura e foi fabricada e montada pela empresa
especializada Rufino de Almeida & Cia. Os trabalhos de montagem ocorreram durante o mês de
maio de 1950 e a instalação da antena GE, de 12 m, aconteceu em julho. O topo da torre do Canal
6 ficou a incríveis 440 m do nível do mar.
134 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Torre de transmissão da TV Tupi


- Canal 6 no Morro do Pão de
Açúcar, inaugurada em janeiro
de 1951. (Diários Associados/
reprodução)

Nota dos Autores: Mais informações sobre a instalação da TV


Tupi do Rio de Janeiro no Capítulo 23.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 135

CAPÍTULO 8
A CONSTRUÇÃO DOS ESTÚDIOS DO CANAL 3

Atendendo ao que requereu a Rádio Difusora São Paulo e tendo em


vista os pareceres prestados, resolve aprovar o local para a instalação
da estação radiodifusora da referida sociedade, situado na quadra
28 do plano geral de arruamento da Sociedade Paulista de Terrenos
Construções “Sumaré” Limitada (Bairro Sumaré), na Capital do
estado de São Paulo, e, bem assim as plantas, especificações técnicas
e orçamentos referentes à mesma estação [...]. (Portaria n° 674,
Diário Oficial da União, 28/08/1934)

E
ngenheiros norte-americanos da RCA-Victor chegaram ao Brasil em fevereiro de 1949,
com o objetivo de realizar estudos sobre os melhores locais para instalação dos estúdios,
do transmissor e da antena do futuro Canal 3. Durante a montagem da estação, realizada
no ano seguinte, esses profissionais se juntariam a técnicos da RCA e ao grupo do diretor-
técnico das Emissoras Associadas de São Paulo, Mário Alderighi. Walter Obermüller era norte-
americano e residia no Brasil já há algum tempo, trabalhando como engenheiro-chefe da filial
da RCA-Victor. Após a conclusão da montagem do novo parque técnico da Rádio Tupi de São
Paulo, em 1949, ele se dedicaria à supervisão de toda a montagem da TV Tupi.
Chateaubriand e o referido corpo técnico definiram que a central de produção da Televisão Tupi
de São Paulo seria construída dentro da própria Cidade do Rádio, complexo onde funcionavam
as rádios Tupi e Difusora. De acordo com o que foi relatado no Capítulo 4, o local ficava no alto
do bairro do Sumaré, na Zona Oeste paulistana, numa quadra com 4297 m2, situada entre a
Avenida Prof. Alfonso Bovero, Travessa Xangô e as ruas Piracicaba e Catalão. Para mensurarmos
o tamanho do volume de trabalho naquele complexo radiofônico, uma nota publicada pelo jornal
“Diário de São Paulo”, em abril de 1950, informou que por lá trabalhavam 428 pessoas. Era
realmente uma cidade e com uma condição técnica invejável. Já o setor administrativo da
emissora funcionaria em algumas salas do edifício-sede dos Diários Associados, na Rua Sete de
Abril, nº 230, no Centro.

Edificação da Rádio Difusora


São Paulo que, em 1950,
passaria a sediar alguns
dos setores da estreante TV
Tupi. Um novo bloco com
estúdios seria anexado a esta
edificação, a ser construído
sobre este jardim (que também
era um campo de peteca
improvisado), entre a torre e a
porta à esquerda. (Aristodemo
Becherini, “Rádio Difusora”,
1942/Acervo Museu da Cidade
de São Paulo)
136 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Croqui da fachada original dos primeiros estúdios da Televisão Tupi-Difusora, datado de 1949. (Prefeitura da
Cidade de São Paulo/Secretaria Municipal de Cultura/Acervo do Arquivo Histórico Municipal)

Com a chegada da televisão, parte do conforto das instalações da Cidade do Rádio seria perdida
em função da redistribuição do espaço, inclusive, o grande auditório passaria a ser compartilhado
com a nova emissora. Para abrigar a sede do Canal 3, o corpo técnico projetou a construção de
um bloco com estúdios e salas de controle, que ficaria anexado ao primeiro prédio construído
pela Rádio Difusora, em 1934, este que passaria a ser totalmente ocupado pela televisão. Com
isso, a gerência-técnica, a discoteca, o estúdio de ensaios e outros setores da Difusora teriam que
ser realocados. Os fundos no novo bloco se “encaixariam” em parte da fachada frontal do antigo
prédio, mas seria necessário demolir a sala do transmissor da Rádio Difusora, que era mais a
mais avançada em direção ao jardim. A abertura deixada pela demolição desta sala serviria como
interligação entre os dois prédios. No jardim, as antenas de Ondas Curtas seriam removidas e
instaladas em um terreno das Emissoras Associadas, localizado no bairro da Vila Sofia, Zona
Sul, desocupado pela Rádio Tupi em 1949, quando foi inaugurado seu novo parque técnico, no
bairro de Interlagos.

A Extinção do Campo de Peteca

É muito curiosa a forma como os funcionários da Cidade do Rádio ficaram a par de que as
Emissoras Associadas de São Paulo estavam investindo na montagem de uma emissora de
televisão naquele local. Isso porque neste mesmo jardim, além das antenas, havia uma quadra
de esportes improvisada pelos artistas do rádio, que a utilizavam nos momentos de descanso.
Segundo o ator e diretor Walter Forster, “havia uma rede de vôlei em um espaço curto e, ao invés
de bola, nós jogávamos com uma peteca”. Durante as partidas, sempre havia tietes que tentavam
avistar os radioatores por cima do muro e, talvez, ganhar um sorriso e até um autógrafo.
Eis que, numa tarde de fevereiro de 1949, quando acontecia o tradicional jogo de peteca, chega
o diretor-presidente dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, acompanhado de um mestre
de obras (ou de um engenheiro da RCA, não se sabe bem) com papel, lápis e trenas nas mãos.
Chatô, da forma rude que lhe era peculiar, foi adentrando à quadra e, sem dizer nada, passou a
fazer medições junto aos engravatados. E deu as ordens:
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 137

— Aqui vai ser o Estúdio “A”. Agora espiche a trena para o lado de lá. Ali vai ser o Estúdio “B”.
Veja se confere com o mapa — ordenava Chatô.
Até que um dos atores se aproximou e perguntou ao chefe se havia intenção de acabar com o
campinho de peteca. Conta-se que Chatô apenas ergueu os olhos e disse:
— Vocês vão jogar peteca no diabo que os carregue. Aqui vão ser estúdios de televisão!!
Após o Velho Capitão e o outro homem se retirarem, o comentário geral dos artistas foi
debochado. Algo como:
— Televisão? No Brasil? Isso só para daqui a 10, 15 anos…
Na verdade, a instalação da televisão foi uma imposição do próprio Assis Chateaubriand, já
que, à época, os profissionais do rádio sabiam que ainda era cedo demais para inaugurar aquele
caríssimo veículo midiático no Brasil. Ainda mais que não seria uma emissora de origem estatal,
como as europeias, mas a primeira no mundo a operar comercialmente fora dos Estados Unidos.
“O preço por hora de um espetáculo televisado1 é fabuloso e são necessárias várias horas de
ensaio. Entretanto, Assis Chateaubriand sabia de tudo isto quando pensou em fazer televisão”2.
Utopia de Chatô ou não, o fato é que a área ajardinada do simples campinho de peteca, menos
de um ano depois, abrigaria as dependências da primeira emissora de TV da América do Sul.
Além do campinho, a hora de descanso das estrelas do Sumaré também deixaria de existir, em
função do volume de trabalho para colocar no ar uma das duas primeiras emissoras de televisão
do Brasil.
Quando surgiu esta notícia, os trâmites já estavam bem avançados. O alvará para construção dos
estúdios foi expedido em 18 de setembro de 1949, exatamente 365 dias antes da inauguração da
emissora, como veremos adiante.

Transmissor e Antena

De acordo com os protocolos, a antena transmissora da TV Tupi-Difusora deveria ficar em local


com boa altitude. Mesmo que a Cidade do Rádio estivesse sobre uma das mais altas colinas
da cidade, o complexo não contava com um edifício com boa elevação, onde pudessem ser
instalados o transmissor e a antena sobre ele. Visto a necessidade de que a antena estivesse a
uma determinada altura mínima do solo, é muito provável que também não houvesse espaço para
erguer uma torre a partir do solo do terreno Sumaré.
Estudando a topografia irregular de São Paulo e suas áreas com maior concentração populacional,
os engenheiros concluíram, em abril de 1949, que o topo do emblemático edifício-sede do Banco
do Estado de São Paulo seria o local ideal para a instalação da estação transmissora da PRF3-
TV. Ele estava localizado no “coração” de São Paulo, na Rua João Brícola, n° 24, início da
Avenida São João, bem ao lado de outro marco da cidade: o edifício Martinelli. Na época, ele
era considerado o maior edifício de concreto armado do mundo, com 34 andares e um belíssimo
mirante, que somavam 161 m de altura. O mirante era um dos pontos mais altos da cidade e
carregava o simbolismo de domínio das terras de Anchieta3. O sinal da primeira estação televisora
paulista poderia ter realmente uma boa propagação, apenas perdendo um pouco da qualidade de
imagem devido à necessidade de que, primeiramente, o sinal fosse transportado do Sumaré até a
estação transmissora do centro da cidade, para só depois ser enviado para os televisores.

1 Até a oficialização do termo “televisionado”, era comum o uso de “televisado”.


2 “A Televisão em São Paulo”, Hélio Miranda de Abreu, Revista do Rádio, 10/10/1950, p. 9.
3 José de Anchieta foi um padre jesuíta espanhol e um dos fundadores da cidade de São Paulo.
138 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Nos anos 1960, o Banco do Estado de São Paulo gradativamente


passou a ser chamado pelo acrônimo “Banespa” e seu edifício
ganhou o apelido carinhoso de “Banespão”. Em 1976, foi
comemorado o cinquentenário da instituição e, como parte das
celebrações, o edifício foi nomeado como “Altino Arantes”, uma
homenagem ao ex-presidente do estado de São Paulo — cargo
equivalente ao de governador. Arantes faleceu em 1965 e foi o
primeiro presidente daquele banco. No ano 2000, o Banespa foi
vendido para o banco espanhol Santander e, desde 2018, quando
o edifício passou a sediar o centro cultural Farol Santander, deixou
de ser chamado de Altino Arantes.

No edifício do Banco do Estado de São Paulo, a televisão precisaria de uma grande sala e do
pináculo. A negociação para utilização desses espaços foi realizada entre Assis Chateaubriand,
o governador Adhemar de Barros e o presidente do Banco do Estado de São Paulo, Oswaldo de
Barros.

As Obras

Os Diários e Emissoras Associados contrataram a empresa paulistana F.A. Pestalozzi - Escritório


Técnico de Projetos e Fiscalização de Obras para desenvolver e executar os projetos para
construção dos estúdios de televisão no Sumaré. A empresa também ficou responsável pela
elaboração e execução dos projetos para instalação do transmissor de TV no último andar do
edifício do Banco do Estado de São Paulo e para a fixação da antena RCA no topo do mesmo
prédio. Todo esse volume de obras ficou sob responsabilidade do engenheiro da F.A. Pestalozzi,
Dorvalino Mainieri, que se tornaria um importante e recorrente personagem da história da TV
Tupi, como veremos ao longo desta obra literária.
Em 10 de junho de 1949, foi protocolado o projeto de ampliação das instalações da Cidade do
Rádio junto à Secretaria Municipal de Obras, sob a justificativa da “instalação de um estúdio de
televisão”, com endereço na Rua Catalão, nº 48, que era a rua detrás do complexo. A proposta
de ampliação da área construída foi de 194,84 m2, referentes à construção de dois estúdios,
além de sala para o switcher (controle de estúdio). Nas dependências do antigo prédio da Rádio
Difusora, ficariam a sala de telecine (projeção de filmes), carpintaria, depósito, camarim, sala
para desenhistas e pintores, almoxarifado, maquiagem, oficina técnica, arquivo e a diretoria de
televisão.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 139

Prospecto original do bloco a ser


construído para abrigar os estúdios da
PRF3-TV. (Revista Monitor de Rádio e
Televisão/reprodução)

O Estúdio “A”, com 11,50 m x 14,75 m (169,62 m2), seria o principal. Ao lado, haveria a sala do
switcher com 9 m x 5,2 m, uma cabine para locuções com 2 m x 2 m e um espaço com 7 m x 2
m para um pequeno público poder assistir aos programas — chamado de “Auditório da TV”. O
Estúdio “B” seria auxiliar, de menor tamanho, contando com apenas 5,2 m x 4,85 m (25,22 m2),
a ser usado essencialmente para intervenções comerciais. As instalações foram projetadas de
acordo com as normas técnicas da RCA, a fabricante dos equipamentos As paredes dos estúdios
seriam duplas e obedeceriam a todas as regras modernas de acústica.
A altura da nova edificação seria equivalente à de um prédio de três andares. Não haveria janelas
nas quatro faces, que seriam revestidas externamente com tijolos aparentes, alinhados na vertical,
em linhas paralelas. Na fachada frontal haveria o letreiro “STUDIO TELEVISÃO”, mas, na
versão final do projeto, ele acabou montado na lateral direita do prédio e com os dizeres alterados
para “TELE VISÃO”, como se fossem duas palavras, posicionadas uma sobre a outra. Havia
uma espécie de raio ao centro do letreiro, que nos remete ao raio usado na logomarca da RCA. É
curioso o fato de não terem afixado uma identificação como “TV Tupi-Difusora” ou como “Canal
3” e “PRF3-TV”, por exemplo. Foi dado um sentido como se “Televisão” fosse uma marca
exclusiva das “Associadas” ou até mesmo da RCA. Há também outras diferenciações entre os
projetos inicial e final dos estúdios do Canal 3, tanto no acabamento da fachada como na
desistência de construir um pequeno anexo, onde ficaria um depósito de cenários.

Reestilização do letreiro afixado na


fachada do primeiro estúdio da TV Tupi
de São Paulo. (Arte: Eudes de Souza e
Maurício Viel)
140 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Sala do primeiro switcher da TV


Tupi: seleção de cenas e controle dos
equipamentos. (Revista Monitor de
Rádio e Televisão/reprodução)

Internamente, os estúdios “A” e “B” teriam o pé-direito de 7 m. O piso desses estúdios e do


switcher seriam compostos por tacos de ipê e a cobertura de toda estrutura seria feita em madeira-
de-lei e um telhado com produtos da marca Eternit. Na sala do switcher ficariam as mesas de
controle de câmeras, microfones e iluminação dos estúdios. Dela, o diretor-técnico e o diretor
dos programas poderiam ter ampla visão dos estúdios e dos monitores. Um completo sistema de
intercomunicação permitiria que eles se comunicassem com qualquer um dos cameramen.
Ao lado, na sala de projeção, seria instalado o equipamento RCA de Telecine, que captaria as
imagens de películas em 16 mm por meio de uma câmera de televisão acoplada. Como se fosse
a quarta câmera da PRF3-TV, com esse equipamento seria possível exibir filmes de longas-
metragens, desenhos animados, documentários e reportagens. Nesta mesma sala também se
instalaria um Projetor de Slides e um Gray-Telop (ver Capítulo 22).

Encontramos lá nada menos do que três estúdios de televisão


[incluindo a cabine de locução], uma grande sala de controle com
ampla visão para os mesmos e uma sala de projeção de filmes. [...]
Serão instaladas três câmeras de televisão neste estúdio. Dezenas de
tubos, formando um verdadeiro xadrez a um metro do teto, suportarão
os holofotes de iluminação que serão comandados à distância na
cabina de controle. [...] Uma grande porta permite acesso ao estúdio
até para caminhões. Numa plataforma sobre o telhado do edifício
encontram-se duas antenas parabólicas, sendo uma do transmissor
de micro-ondas, que transmite a imagem dos estúdios ao transmissor
no edifício do Banco do Estado de São Paulo, e outra pertencente
a um receptor de micro-ondas que recebe as imagens da unidade
móvel. (“A RCA - Pioneira da Televisão e o Equipamento dos Diários
Associados”, Walter Obermüller, Diário da Noite [SP], 29/08/1950,
n.p.)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 141

Fachada dos
primeiros estúdios
da TV Tupi
de São Paulo.
(Mário Fanucchi/
reprodução)

O prédio pioneiro da TV Tupi de São Paulo existe até os dias atuais, onde
funcionando como segundo maior estúdio do canal de TV por assinatura
ESPN Brasil. Mais informações no Capítulo 48.

Antes de começarem as obras, foram removidos as antenas e os transmissores de Ondas Curtas


da Tupi-Difusora. O transmissor de Ondas Médias da Difusora mudou apenas de lugar dentro da
Cidade do Rádio, já que seu salão seria demolido. A emissora teria que permanecer transmitindo
por mais algum tempo do Sumaré e, para mudar de lugar seu grande e pesado transmissor, o
técnico Jorge Edo teve que reunir sua equipe e realizar a operação em apenas uma noite. A
programação foi encerrada mais cedo e os funcionários começaram os trabalhos rapidamente.
O transmissor foi provisoriamente instalado em um corredor, no meio da passagem, mas, como
estava perto da torre, ficou facilitado para poder refazer rapidamente as conexões e a emissora
entrar no ar logo pela manhã.
Não há informação precisa sobre a data de início das obras dos estúdios de TV do Sumaré, mas
existem evidências de que tenha acontecido em março de 1950. Pelo pouco que se divulgou
sobre essas obras nos jornais, percebe-se que elas atrasaram para serem iniciadas, provavelmente
pela dificuldade para desativar e remover as antenas e transmissores de Ondas Curtas da Tupi e
Difusora. Contudo, assim que puderam ser iniciadas, as obras dos estúdios foram concluídas em
apenas três meses, como é sabido. Surgiam assim os estúdios da PRF3-TV, colocados entre os
mais perfeitos do gênero no mundo, seguindo todas as exigências do padrão RCA de qualidade.
142 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 9
A CHEGADA DOS EQUIPAMENTOS A SÃO PAULO

C
hateaubriand recebeu um convite de Meade Brunet, vice-presidente da RCA e diretor da
RCA International Division, para estar em Washington no dia 13 de outubro de 1949,
quando sua empresa realizaria uma demonstração de televisão em cores. As primeiras
emissões experimentais de televisão em cores no mundo haviam sido feitas em laboratório
no ano de 1939, pela Bell Telephone. Depois, diversas outras empresas foram realizando
experiências nas décadas seguintes e, na ocasião do evento em Washington, sob anuência da
agência reguladora Federal Communications Commission (FCC), a RCA mostraria seu produto
numa inédita transmissão colorida pelo ar. O evento ocorreu no salão nobre do Washington
Hotel e, junto a Assis Chateaubriand, também estavam presentes os embaixadores brasileiros
Maurício Nabuco e Ciro de Freitas Vale, além de Theophilo de Andrade, repórter dos Diários
Associados. Ao fundo do salão, havia seis receptores prontos para projetar imagens coloridas.
Todos ouviram as explicações do dr. Elmer Engstrom, diretor do Departamento de Pesquisa
daquela empresa. Durante a demonstração, foram exibidos números de dança, canto, mágica
e anúncios. As imagens estavam sendo geradas a 7 km daquele local, no Hotel Wardman Park.
“Para dar uma ideia precisa sobre o progresso do invento nos últimos anos, os receptores faziam
a transmissão uns em preto e branco, outros em duas cores, outros em três em cores e outros
ainda aplicavam a tricromia sobre um mostrador de mais de dois palmos”, relatou o repórter
Theophilo de Andrade para a revista “O Cruzeiro”1, que continuou: “A novidade, ali, era que
a cena, as cores, a luz e as vozes vinham de um lugar distante, através do ar, e reproduzidas
com toda a naturalidade, conferindo, destarte, aos espectadores, um atributo que outrora era
patrimônio de Deus — a ubiquidade. Estávamos ali e estávamos, ao mesmo tempo, no palco
distante. Desaparecera para nós o problema do espaço, cuja explicação é desespero permanente
dos filósofos”, escreveu o repórter com entusiasmo2.
Ao contrário do que se pensava, transmitir em cores era relativamente fácil, como concluiu Chatô
em sua coluna diária nos jornais “Associados”. Ainda no evento de Washington, foi informado
que a RCA passaria a comercializar o equipamento em cores no período entre 18 e 24 meses.
Após as demonstrações, o amigo e presidente executivo da RCA International, Meade Brunet,
ofereceu um almoço aos brasileiros e fez uma revelação animadora a Chatô: os equipamentos de
transmissão da televisão de São Paulo estavam prontos para embarcar até o fim daquele mês de
outubro. Empolgado, o empresário brasileiro chegou até a dar a boa notícia na sua coluna diária,
entretanto, a promessa não pôde ser cumprida. O embarque foi adiado por motivo não divulgado
pelos Diários Associados.

1 “Som e Cores Através dos Espaços”, Theophilo de Andrade, O Cruzeiro, 12/11/1949, p. 91.
2 “Som e Cores Através dos Espaços”, Theophilo de Andrade, O Cruzeiro, 12/11/1949, p. 91-92.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 143

Rumo ao Brasil

O embarque dos equipamentos da TV Tupi - Canal 3 acabou sendo realizado depois de dois
meses do encontro em Washington, exatamente em 11 de janeiro de 1950. Com direito a
repercussão na imprensa norte-americana, a carga dos Diários e Emissoras Associados saiu
da cidade de Filadélfia, no estado da Pensilvânia, em direção ao Porto de Santos, no litoral
paulista. O ato do embarque foi acompanhado por representantes da RCA-Victor e do consulado
brasileiro em Nova York. O “Diário de São Paulo” publicou uma foto com George W. Bradley
(da Divisão Internacional da RCA) e Aubrey Baldwin (da Divisão Victor da mesma empresa)
dando explicações a Itajubá Rodrigues (vice-cônsul do Brasil na Filadélfia) a propósito dos
aparelhos instalados na unidade móvel.

Embarque dos equipamentos da


TV Tupi de São Paulo no cargueiro
Mormacyork, ancorado no porto da
Filadélfia, Estados Unidos. (Diário
da Noite/reprodução)

Com muito cuidado, os estivadores içaram a antena do Canal 3 a bordo do navio. Técnicos
da RCA orientavam pessoalmente a delicada operação, preocupados com a fragilidade do
equipamento. Um dos guindastes esticou seus braços metálicos para apanhar a unidade móvel de
televisão e os técnicos gritavam: “Be careful!” [Tenha cuidado!].
Com tudo pronto, o grande navio cargueiro soltou suas amarras rumo ao sul, em direção ao
Porto de Santos. Este cargueiro era o S.S. Mormacyork, da Moore-McCormack Lines, empresa
norte-americana que contava com filial em São Paulo, bem próxima ao edifício dos Diários
Associados.
A carga tinha um total de 24 toneladas e 207 volumes, incluindo o transmissor de 5 kW, modelo
TT-5A (com oito módulos e pesando mais de 450 kg); uma antena Superturnstile, modelo
TF-3A, com 18 m de comprimento, três elementos irradiantes e peso de 2,3 toneladas; três
câmeras para estúdio ou externas, modelo TK-30; unidade de controle de câmeras para estúdios;
unidade móvel, modelo TJ-50A; controles de áudio e vídeo para estúdio, modelo TM-5A; dois
projetores de filmes em 16 mm, modelo TP-16A; sintonizadores; gerador de sincronismo;
antenas para links de micro-ondas, modelos TTR-1A e TRR-1A; transmissores e receptores para
links; controles e monitores master; amplificadores; fontes de energia; iluminação para estúdio;
intercomunicadores de câmeras; megafone e microfones, incluindo o microfone boom, modelo
44-DX, com um “braço” de 6 m. Também estavam inclusos diversos equipamentos para medição
de sinais e monitoramento, além de cabos, filtros, linha de transmissão e conectores.
144 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Como os equipamentos eram norte-americanos, as características técnicas da TV Tupi de São


Paulo seguiram o padrão “M” de transmissão das estações televisoras daquele país, ou seja,
largura de banda de 6 MHz (no caso da PRF3-TV, ocupando as frequências entre 60 e 66 MHz
- canal 3), 525 linhas de resolução por quadro, taxa de 30 frames por segundo (ou quadros de
imagem por segundo) e frequência de 60 Hz para atualização dos quadros.

A Unidade Móvel

As Emissoras Associadas de São Paulo — uma espécie de holding dos Diários Associados e que
era dirigida por Edmundo Monteiro — encomendou a moderna unidade móvel TJ-50A da RCA,
visando gerar imagens para coberturas esportivas e jornalísticas. O veículo era um furgão
projetado especialmente para este fim, com chassis e motor de uma caminhonete Chevrolet.
Pesava cerca de 4 toneladas e suas dimensões eram de 6,55 m de comprimento, por 2,43 m de
largura e 2,74 m de altura. A lataria era preta (padrão do modelo), com pinturas da logomarca da
RCA e com os dizeres: “PRF3 TV”, “TELEVISÃO”, “RCA”, “EMISSORAS ASSOCIADAS”
e “CANAL 3”. Suportava até três câmeras simultâneas e contava com monitores, mesa de seleção
de imagens (switcher), acessórios e equipamentos para transmissão de áudio e vídeo por micro-
ondas até a central técnica da emissora. Possuía, também, uma escotilha para facilitar a montagem
de uma câmera e uma antena de micro-ondas sobre o veículo.

A primeira unidade móvel da PRF3-TV,


montada pela RCA. (Raymundo Lessa de
Mattos/Acervo Cinemateca Brasileira e
David José Lessa Mattos)

Diversas emissoras norte-americanas se utilizaram deste modelo de unidade móvel que a TV


Tupi adquiriu, bem como o seu antecessor, o TJ-48A. Inclusive, há atualmente algumas unidades
idênticas expostas em museus de broadcasting nos Estados Unidos.

No extinto museu Cidade da TV, que funcionou até 2017 na


cidade de São Bernardo do Campo (SP), havia uma grande
réplica desta primeira unidade móvel da TV Tupi, juntamente
com fotografias de bastidores e elenco da televisão pioneira.
O coautor desta obra literária, Elmo Francfort, foi o curador
da Cidade da TV.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 145

As três câmeras RCA TK-30 pesavam cerca de 80 kg cada e seriam usadas tanto nos estúdios
quanto na unidade móvel. Este modelo foi lançado em 1946 e foi amplamente utilizado durante a
década de 1950 por diversas emissoras do planeta. Junto à câmera, a RCA fornecia um conjunto
de várias lentes Ektanon, de fabricação Kodak. As câmeras tinham suporte para colocação de até
quatro dessas lentes simultaneamente, com processo de troca totalmente manual. Se houvesse
necessidade de aplicar zoom na imagem, trocava-se a lente facilmente com as mãos, girando o
suporte circular.

Ainda nos anos 1950, a TV Tupi de São Paulo converteu uma


camionete em um veículo que foi carinhosamente chamado
de “Jacaré”. Ele contava com uma caçamba, onde havia
suporte para a fixação de uma das três câmeras da emissora,
da iluminação e de uma antena para link. Foi uma opção
barata e prática, que deu maior versatilidade para realização
de tomadas externas, dividindo as demandas com a unidade
móvel da RCA. Também foi usada para realizar transportes
em geral.

“Jacaré”, o veículo de reportagem


volante adaptado pelo Canal 3.
(Marcelo Knoch/Acervo pessoal)

Recepcionando os Equipamentos em Santos

A chegada do S.S. Mormacyork ao Porto de Santos ocorreu em 30 de janeiro de 1950. Os


volumes foram desembarcados três dias depois e acomodados no Armazém 15 da Companhia
Docas, aguardando as devidas liberações alfandegárias. A Companhia Docas era de propriedade
de Guilherme Guinle, empresário muito amigo de Chateaubriand e patrono do edifício-sede dos
Diários Associados em São Paulo, na Rua Sete de Abril, que estava sendo reconstruído e em
breve seria reinaugurado.
146 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Durante o desembarque, Assis Chateaubriand recepcionou alguns convidados em um cocktail a


bordo do próprio Mormacyork. Estiveram presentes Edmundo Monteiro (diretor das Emissoras
Associadas em São Paulo), Perry Francis Hadlock (diretor-presidente da RCA-Victor do Brasil),
alguns diretores da Moore-McCormack Lines do Brasil, Odilon de Souza (vice-presidente da
The São Paulo, Tramway, Light & Power Ltda.), Sigefredo Magalhães (diretor da empresa de
despachos aduaneiros S. Magalhães e Cia.), Hélio Muniz de Souza (sócio da loja Cássio Muniz),
Walter Obermüller (engenheiro da RCA), Antônio Nogueira (diretor da agência J. Walter
Thompson), Enéas Machado de Assis (representante da AESP - Associação das Emissoras de
São Paulo e criador do Código Brasileiro de Radiodifusão), José Paranhos do Rio Branco
(advogado dos Diários Associados), Pietro Maria Bardi (diretor do Museu de Arte de São Paulo),
Dermival Costa Lima (diretor-artístico das Emissoras Associadas de São Paulo), o apresentador
Homero Silva, o ator Walter Forster e as atrizes Hebe Camargo, Stella Camargo, Sarita Campos
e Branca Forster.

Elenco das Emissoras Associadas,


Assis Chateaubriand e Sigefredo
Magalhães festejam a chegada dos
equipamentos da TV Tupi em Santos.
(Diário da Noite/reprodução)

Ainda para comemorar a chegada da televisão paulistana, foram preparados mais dois eventos
festivos, realizados em Santos no dia seguinte ao desembarque, 3 de fevereiro. Um almoço foi
oferecido a autoridades e funcionários das “Associadas” pelos diretores da Moore McCormack,
a se realizar no Parque Balneário Hotel.
À noite, foi a vez da Cia. Antarctica Paulista promover um grande show no Cine Teatro Coliseu,
também em Santos, com a participação dos maiores cartazes das Emissoras Associadas de São
Paulo. A população da Baixada Santista pôde ver as apresentações de Caco Velho, Osny Silva,
Joel Robson, Hebe Camargo, Rosa Pardini e até de estrelas internacionais, como a cantora
portuguesa Amália Rodrigues e a dançarina cubana Rayito de Sol, ambas no Brasil para se
apresentarem nas Emissoras Associadas.
A previsão inicial era de que a televisão paulista estivesse montada em quatro meses, ou seja, a
tempo de ser inaugurada em grande estilo e poder transmitir os seis jogos a serem realizados na
cidade de São Paulo (Estádio do Pacaembu) pela Copa do Mundo, que se realizaria no Brasil a
partir de 24 de junho.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 147

Subindo a Serra

No armazém da Companhia Docas, os equipamentos da PRF3-TV aguardavam pela finalização


do trabalho burocrático, que foi feito com muito empenho pela alfândega, juntamente com a
RCA-Victor e com a empresa de despachos aduaneiros S. Magalhães e Cia., contratada pelas
Emissoras Associadas. Até que, no dia 24 de março de 1950, os equipamentos finalmente
puderam tomar rumo a São Paulo e foram acomodados em quatro carretas da transportadora
Cruzeiro do Sul, subcontratada pela S. Magalhães. Uma fotografia publicada no jornal “Diário
de São Paulo” mostrou o proprietário da empresa de despachos, Sigefredo Magalhães, em pleno
esforço “como um autêntico operário” no processo de carregamento das carretas. A reportagem
do matutino também destacou outros funcionários que trabalhavam no carregamento, como Jair
Vasconcelos, Adel Costa e Castorino Mendes, todos da S. Magalhães, além de Luís Aurélio da
Silva (conferente da alfândega), de representantes da RCA Victor e das Emissoras Associadas.
Era preciso muito empenho para entregar tudo o mais rápido possível.

A empresa S. Magalhães completou 100 anos de atividades


no ano de 2020, operando agora sob o nome de S. Magalhães
& Essemaga.

As carretas subiram a Serra do Mar, tendo à frente a unidade móvel da PRF3-TV, formando uma
carreata histórica, que tomou rumo a São Paulo pela Via Anchieta. Chegando ao planalto, a
carreata tinha que ir a um galpão no bairro da Mooca, para as devidas averiguações da empresa
de seguros. Mas, antes disso, a carreata passou em desfile pelo centro de São Paulo, mostrando
faixas com os dizeres “RÁDIO TUPI - TELEVISÃO RCA. A 1ª DA AMÉRICA LATINA”, algo
que causou grande interesse da população.

Carretas com os equipamentos da televisão desfilam pelo centro de São Paulo em 1950. (Diário de São Paulo/
reprodução)
148 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Mais tarde, no bairro da Mooca, precisamente na Avenida Presidente Wilson, os funcionários das
Emissoras Associadas estavam naturalmente muito ansiosos para abrir as caixas. Mas ficaram
frustrados ao saber que ainda teriam que aguardar por um conferente da companhia de seguros.
Com tudo finalmente liberado, a antena, o transmissor e os demais equipamentos de transmissão
seguiram para o edifício-sede dos Diários e Emissoras Associados, na Rua Sete de Abril, região
central. Já os equipamentos de estúdio foram levados direto para a Cidade do Rádio, no Sumaré,
onde ficaram acomodados por cerca de quatro meses, até que as atrasadas obras do novo prédio
da televisão fossem concluídas e os técnicos das “Associadas” e da RCA pudessem iniciar a
instalação.
A pesada antena RCA foi montada no térreo do edifício-sede dos Diários Associados, que estava
em fase de finalização de suas obras de reconstrução, mas que já funcionava parcialmente.
A antena ficou sobre cavaletes, em posição horizontal, e durante esta etapa, foi visitada por
dois dos investidores da televisão paulistana, Eugênio Belotti e Elemer Janovitz, diretores da
empresa Moinho Santista S/A. Uma interessante fotografia foi publicada pelo jornal “Diário de
São Paulo” no dia 23 de junho de 1950, onde ambos observam a antena de televisão montada na
horizontal sobre os cavaletes (foto).

Antena RCA da TV Tupi de São Paulo,


apoiada sobre cavaletes no saguão dos
Diários e Emissoras Associados, é observada
por diretores da empresa Moinho Santista
S/A. (Diário da Noite/reprodução)

Ao longo de 1950, as etapas de montagem da TV Tupi-Difusora foram notícia de destaque nos


veículos dos Diários Associados, aumentando a expectativa da população. Aquilo representava
um marco do progresso das comunicações no Brasil e fazia o paulistano vislumbrar o “universo”
de informação e entretenimento que poderia levar para o conforto de sua casa.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 149

CAPÍTULO 10
ORGANIZANDO A PRF3-TV

“Ao fim dos anos 1940, a notícia [da chegada da televisão ao Brasil]
começou a surgir medrosamente, sem muito açodamento, como
de coisa de futuro mais ou menos remoto. E só davam crédito por
envolver o nome do chefe supremo do grupo ‘Associado’, todos
conscientes dos seus cometimentos miraculosos. E logo no ano
seguinte, o primeiro da década de 1950, a divina loucura de Assis
Chateaubriand transformou em realidade o que se julgava apenas um
plano esmaecido. Antes de muitos dos principais centros civilizados
do mundo, dos maiores da Europa, o Brasil teve a sua televisão
inaugurada [...]. Edmundo Monteiro, já o ‘big-shot Associado
bandeirante’, comandou o acontecimento, acionando seus auxiliares
devidos. Para estruturar o núcleo nascente, Edmundo confiou-me a
direção-artística da primeira emissora de TV da América do Sul”.
(depoimento de Dermival Costa Lima para a exposição “Tupi 50-
76”, alusiva aos 26 anos da inauguração TV Tupi, realizada pelo
MASP - Museu de Arte de São Paulo)

O
primeiro diretor-geral da Divisão de TV das Emissoras Associadas de São Paulo foi o
baiano Dermival Costa Lima, acumulando com a função de diretor-artístico das rádios
Tupi e Difusora de São Paulo. Era casado com Sarita Campos, redatora e apresentadora
das Emissoras Associadas, e cunhado do radialista Paulo de Grammont. Carinhosamente
chamado de “Chefe”, Costa Lima era muito querido e respeitado no Sumaré. Não chegava a
ter 40 anos de idade, tinha corpo avantajado, era tranquilo, de fala macia e suave. Era formado
em jornalismo e direito, mas tinha muita experiência no rádio, meio onde começou em 1938, na
Rádio Transmissora Brasileira, que operava no Rio de Janeiro e era controlada pela gravadora
RCA-Victor (posteriormente vendida para o jornal “O Globo”). Trabalhou algum tempo na
Rádio Clube de Fortaleza e foi admitido em 1942 pela Rádio Tupi do Rio de Janeiro, onde
passou a trabalhar como programador, redator e assistente do diretor-geral Teófilo de Barros
Filho. No ano seguinte, o diretor dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo, Carlos
Rizzini, precisou de alguém para ocupar o cargo de diretor da Rádio Tupi e recebeu a sugestão
de Teófilo de Barros Filho para que levasse Dermival Costa Lima para o Sumaré.
150 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A notícia insistente de que Cassiano Gabus Mendes será o diretor de


televisão da Tupi paulista vem corroborar aquilo que dissemos um
dia destes: o rádio já sentiu que precisa de sangue novo e está
utilizando gente moça para cumprir a sua missão. Aliás, segundo nos
informaram, Cassiano já escreveu e já levou a efeito uma experiência
“intramuros” no Sumaré. (“Girando o Dial”, E.B., Diário da Noite
[SP], 09/05/1950, p. 6)

Dermival Costa Lima (esq), o primeiro


diretor da TV Tupi de São Paulo, e seu
assistente Cassiano Gabus Mendes.
(Acervo Museu da TV, Rádio & Cinema)

Outro grande dirigente escolhido para a TV Tupi - Canal 3 foi o radialista Cassiano Gabus
Mendes, que trabalhava nas rádios “Associadas” de São Paulo desde 1947. Tinha apenas 23 anos
quando foi chamado por Costa Lima para ser seu assistente e, também, o diretor de produção,
algo que causou certo alvoroço na Cidade do Rádio. Apesar da ciumeira, o garoto realmente tinha
talento e muita experiência, visto que já escrevia e dirigia peças de radioteatro, era sonoplasta,
irradiava futebol e produzia programas de auditório. Tinha até estagiado em uma emissora da
rede de televisão norte-americana NBC, no final de 1949 e, no mesmo ano, produziu um curta-
metragem chamado “A Gata”. Muito elogiado pela alta direção das Emissoras Associadas, seu
trabalho lhe valeu o convite para deixar as rádios Tupi e Difusora e trabalhar exclusivamente na
televisão, assumindo o posto em junho de 1950.

“Escolhi Cassiano Gabus Mendes para ser assistente geral e foi meu
braço direito naquela batalha de empolgações. O jovem e talentoso
era filho daquele meu saudoso companheiro e amigo Octávio Gabus
Mendes”. (depoimento de Dermival Costa Lima para a exposição
“Tupi 50-76”, alusiva aos 26 anos da inauguração TV Tupi, realizada
pelo MASP - Museu de Arte de São Paulo)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 151

Cassiano era filho de Octávio Gabus Mendes1, uma das figuras mais dinâmicas e realizadoras
do rádio brasileiro, onde trabalhou como locutor, programador, comentarista esportivo, crítico,
radioator, roteirista e diretor de cinema. Trabalhou em emissoras de rádio do Rio de Janeiro
e de São Paulo, entre elas, Tupi, Difusora e Bandeirantes. Faleceu precocemente em 1946 e,
provavelmente, esta perda transferiu ao jovem Cassiano o espírito de aventura intelectual do
teleteatro, gênero que daria à televisão o seu aspecto cultural.

Montando o “Time” de Profissionais

“O rádio é cego e da sua cegueira abusam alguns improvisadores.


A televisão não poderá ser mistificada, só poderá ser feita à base de
conhecimentos técnicos, à custa de muito trabalho honesto e de doses
de bom gosto e imaginação. (Fernando Lobo, colunista dos Diários
Associados)
A turma que ergueu a TV Tupi - Canal 3 era constituída de pessoas
que estavam na faixa dos 20 [anos]. Um ou outro tinha pouca coisa
mais que 30 anos. E foi graças a isso, talvez, que conseguimos fazer
o que fizemos. (“TV Tupi: Uma Linda História de Amor”, Vida Alves,
Imprensa Oficial, 2008:17)

O passo seguinte foi organizar a equipe artística da PRF3-TV. Nos Estados Unidos, os primeiros
profissionais contratados para a televisão eram atores do cinema; na Europa, eram atores teatrais;
e no Brasil, seriam os atores do rádio-teatro, gênero que fazia muito sucesso no país.
A montagem da primeira estação de televisão causou grande agitação no comando dos Diários
e Emissoras Associados de São Paulo. Uma das primeiras ações foi realizar uma alteração
nos contratos dos funcionários das rádios Tupi e Difusora, na medida em que iam sendo
renovados. Uma nova cláusula dizia que o empregado estava obrigado2 a prestar serviços em sua
especialidade, fosse no rádio ou na televisão.
Foi do rádio, também, que vieram as garantias de recursos para sustentar a televisão, que era
comercial e precisava de anunciantes. Ao passo que as estações de televisão europeias, por
exemplo, eram estatais e não necessitavam de propagandas para sua manutenção.
Para dirigir a área comercial da Televisão Tupi-Difusora, foi escolhido Fernando Severino3,
1 Octávio Gabus Mendes e Oduvaldo Vianna eram considerados os principais nomes da área
artística das rádios Tupi e Difusora. Costa Lima era compadre de Gabus Mendes e ambos tinham
grande proximidade. Já doente, nos anos 1940, Mendes estruturou muitos roteiros de TV, que foram
redigidos pelo filho Cassiano. Isso contou também para sua escolha para nova função na TV Tupi.
2 Foram recolhidas as carteiras de trabalho dos radialistas da Tupi e Difusora, que “curiosamente”,
ao serem devolvidas, já constava a adição do termo “e TV” ao lado das antigas funções. Isso
provocou protestos, já que foi oferecido apenas um adendo salarial irrisório diante da nova
e importante função de trabalhar na TV. É devido a este episódio da vida real que o termo
“radialista” é dado não somente aos funcionários do rádio, como também aos da televisão.
3 Depois da TV Tupi, Fernando Severino trabalhou na Rede Manchete e, após, dirigiu em São
Paulo o Memorial da América Latina. Faleceu em 1994.
152 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

profissional de propaganda que já havia trabalhado por 10 anos em agências, inclusive como
gerente. Ainda bastante jovem, Severino aceitou o desafio de trazer anunciantes para o novo e
caríssimo veículo de mídia. Tamanho o “quilate” de Severino, orgulhosamente ele ocupou esse
cargo por quase 30 anos, ou seja, a TV Tupi de São Paulo teve apenas um único diretor-comercial
em toda sua história.
Mário Alderighi e seu assistente Jorge Edo, já citados no Capítulo 3, eram funcionários do setor
técnico da Cidade do Rádio, responsáveis por colocar todas as emissoras no ar. Verdadeiros
heróis, o diretor Alderighi era engenheiro e Edo um técnico de broadcasting, o primeiro a
aprender e o primeiro a ensinar aos demais funcionários sobre como fazer televisão na prática.
Estes são dois nomes que não podem ficar de fora de qualquer história a ser contada sobre a
implantação da televisão no Brasil.
Acerca da formação do primeiro quadro de funcionários do Canal 3, Costa Lima, além dos
artistas, também recrutou os técnicos e auxiliares das rádios. Quase todos acumulavam funções e
colaboravam com a empresa, que se sacrificava, indiscutivelmente, para o breve lançamento do
novo veículo de comunicação.

“Sempre julguei que a turma do rádio era a mais indicada para


o preparo dos pratos a la minuta da TV, já habituada ou treinada
para tanto. Além disso, os primeiros anos da TV iriam prejudicar
violentamente o velho rádio, em fastígio com a irresistível sedução
do vídeo, por parte dos trabalhadores. Foi aí que entrei com o senso
em comum, dirigindo as duas estações radiofônicas e a nova, de
televisão, no Sumaré. Não permití que se marginalizasse o rádio,
ainda tão empolgante, tão vivo, tão estuante de sucesso. Depois, a TV
dominaria, sem dúvida. Mas o velho rádio reagiria, reestruturado,
adaptado à realidade presente, enfatizando suas vantagens de
instantaneidade e atenção que não reclama todos os sentidos”.
(depoimento de Dermival Costa Lima para a exposição “Tupi 50-
76”, realizada pelo MASP - Museu de Arte de São Paulo)

[...] as duas emissoras de rádio dos Associados em São Paulo (Tupi


e Difusora) cederiam seus artistas e técnicos para o novo meio
de comunicação. [...] A maioria dos atores e produtores era de
gente jovem. Elenco grande e unido. Todos faziam de tudo. Mesmo
sendo contratados pela Rádio Tupi faziam participações na Rádio
Difusora e vice-versa. E ninguém era só ator ou diretor. Os horários
de trabalho eram longos. Não se tinha hora para entrar ou para
sair. Obedecia-se só às escalações. Com isso não concordavam os
responsáveis pela administração. Mas o Chefe acobertava a todos.
Foi Dermival Costa Lima quem ficou responsável pela novidade: a
emissora de Televisão Canal 3 Tupi-Difusora, a pioneira do Brasil.
Cassiano Gabus Mendes foi escolhido como seu auxiliar direto.
Com 23 anos, filho de Octávio Gabus Mendes, radialista de sucesso,
falecido pouco antes, Cassiano era um jovem superdotado. Seus olhos
grandes, vivos, chamavam a atenção de todos. Sua paixão também
era a imagem. Só pensava em cinema. Isso aprendera com seu pai
Octávio, de quem herdara esse amor. Gostava também de música,
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 153

de fotografia e de dirigir pessoas. O jovem líder tinha seguidores:


Walter George Durst, Dionísio Azevedo, Silas Roberg, Lima Duarte
e vários outros. Na Rádio Tupi, que antes tivera Octávio Gabus
Mendes como diretor, havia o programa “Cinema em Casa”, e a
esse programa se dedicaram todos. Era tanto interesse que a turma
ia junto assistir ao filme, para depois adaptá-lo para o rádio. A
música, a entonação, tudo era feito a la 7ª arte. O jeito de falar, meio
sussurrado, os tiques dos grandes atores, os efeitos sonoros, tudo o
mais caprichado possível. E os principais filmes eram levados ao ar.
Daí a passar para a televisão... (“TV Tupi: Uma Linda História de
Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:45)

Em um depoimento ao Museu da TV, Rádio & Cinema, o pioneiro Elio Tozzi revelou que, no
início das operações da TV Tupi-Difusora, os funcionários não tinham especialidades definidas
em suas funções. “Todos nós fazíamos de tudo e cada um foi tomando gosto por uma determinada
atividade. Uns foram para a iluminação, outros para o som, outros para a parte de câmera. [...] O
pessoal da câmera era, por exemplo, eu, o Walter Tasca e o Carlos Alberto de Oliveira. Depois,
veio o Luiz Gallon que, com o [...] Heitor de Andrade, fazia direção de estúdio e contrarregra
[...]”, conta Tozzi.
154 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 11
A MONTAGEM DO TRANSMISSOR E DA ANTENA

Superando enorme série de obstáculos, as Emissoras Associadas


lançarão São Paulo na vanguarda da conquista da televisão em escala
popular, inaugurando brevemente a Televisão Tupi. Caberá, portanto,
ao Brasil e a São Paulo, inaugurar no continente a era da televisão,
por intermédio das Emissoras Associadas, coadjuvadas pelos Diários
Associados, em esforço comum. O transmissor de televisão [...] é um
poderoso aparelho RCA Victor, de potência e características idênticas
ao transmissor atual da National Broadcasting Company [NBC], dos
Estados Unidos. (“São Paulo”, O Jornal, 03/05/1949, p. 6)

T
iveram início no final do mês de maio de 1950 as obras da TV Tupi no edifício-sede do
Banco do Estado de São Paulo, que ficava na Rua João Brícola, nº 24. Nos altos do gigante
de concreto armado, foi montada a sala de transmissão, onde ficariam, basicamente, a
mesa de controle e o transmissor do Canal 3. A alguns metros acima, também foi iniciada a
montagem de uma estrutura especial, provisória, por onde seria içada a antena transmissora
da televisão. Para efeito de localização, neste mesmo ponto, nos dias de hoje, está hasteada a
bandeira do estado de São Paulo, um dos maiores símbolos da Capital paulista.

Edifício Altino Arantes

A cidade de São Paulo vinha crescendo vertiginosamente desde o início do século XX. A riqueza
do café e a chegada de imigrantes de várias partes do mundo impulsionavam o crescimento da
metrópole. No final da década de 1930, o interventor federal1 Adhemar de Barros determinou
que o estatal Banco do Estado de São Paulo, fundado em 1909 e um dos símbolos da pujança
paulista, construísse uma sede mais ampla no entorno da Rua Boa Vista, o coração da zona
bancária da cidade. Até então, a sede do banco ficava mais afastada, na Praça Ramos de Azevedo,
local exato onde futuramente funcionaria a famosa loja Mappin. Foi então que o banco conseguiu
fechar uma negociação com a Santa Casa de Misericórdia, que era proprietária do Palacete João
Brícola, localizado na confluência das ruas João Brícola, Direita e Praça Antônio Prado. Foi feita
uma permuta entre os imóveis da Praça Ramos e o Palacete João Brícola, este que foi demolido
no final dos anos 1930 para a construção do novo edifício do Banco do Estado de São Paulo.
O primeiro arquiteto do projeto foi Plínio Botelho do Amaral. Contudo, ele acabou afastado e
quem assumiu foi a construtora Camargo & Mesquita, que já era responsável pela execução
das obras. Mudanças significativas foram propostas no projeto, como alteração no número de
andares e a inclusão de um mirante envidraçado, por sugestão de Prestes Maia, o então prefeito
da cidade. A proposta era ressaltar o perfil vertical do prédio, deixando-o semelhante ao Empire

1 Denomina-se Interventor Federal um governador nomeado pelo presidente da República.


Adhemar de Barros foi nomeado pelo presidente Getúlio Vargas.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 155

State Building, de Nova York. Esse tipo de estrutura envidraçada no coroamento decorativo
de um edifício pode ser chamado de “farol”, um conceito de “lanterna urbana” que era muito
presente nos Estados Unidos.
Sobre a alteração na quantidade de andares, o aspecto de modernidade da época estava atrelado
à altura dos edifícios. Desta forma, os 26 andares previstos na primeira versão do projeto foram
alterados para 40, mas por falta de recursos, o prédio foi construído com 34 andares, além do
farol sugerido pelo prefeito.
As obras se iniciaram em 1939, correram intensamente e levaram oito anos para serem finalizadas.
Houve apenas um pequeno período de interrupção durante o momento mais difícil da Segunda
Guerra Mundial. Quem passava pela região central da Capital paulista via a obra majestosa
do Banco do Estado de São Paulo cercada por tapumes de madeira. A arquitetura do edifício
foi inspirada no estilo Art Déco, com linhas retas, geométricas, elementos nobres decorativos
e silhueta vertical, características que também representavam o conceito de modernidade. A
grande empreitada mexeu com o orgulho dos paulistanos e este foi o primeiro edifício a desafiar
a imponência do vizinho Martinelli, até aquele momento o mais alto da cidade.
A inauguração da nova sede do Banco do Estado de São Paulo foi realizada em 27 de junho
de 1947 pelo próprio Adhemar de Barros, recém-empossado como governador do Estado.
Entretanto, os escritórios do banco já haviam se mudado para o edifício um ano antes, quando
somente eram realizadas obras finais na fachada e nos andares superiores. Era o mais alto edifício
do hemisfério sul e o maior em concreto armado do mundo, como apontou uma revista francesa,
superando até o próprio Empire State Building, que era o maior arranha-céu do mundo, mas que
foi construído com concreto e ferro1.
Os números da nova sede do Banco do Estado de São Paulo eram realmente expressivos: 161 m
de altura, 34 andares, 14 elevadores, 900 degraus e 1119 janelas. O edifício logo se incorporou à
paisagem urbana de São Paulo, transformou-se em um dos principais cartões postais e seu maior
símbolo arquitetônico. Passou para o posto de segundo maior prédio paulistano em 1965 e para
terceiro em 1966, quando foi superado, respectivamente, pelos edifícios Itália e Mirante do Vale.
Mesmo assim, segue hoje em dia com o status de símbolo da cidade, devido à sua arquitetura
peculiar.
O farol do Altino Arantes é uma estrutura especial, localizada no topo do prédio e com finalidade
decorativa. Trata-se de uma construção cilíndrica, com 11,70 m de altura e 5,30 m de diâmetro,
sustentada com finas colunas de concreto e com fechamento envidraçado. Conforme previsto no
projeto final do edifício, acima do farol foi instalado um pináculo de 9 m, que era uma estrutura
simples, com uma esfera na ponta.

1 Obras realizadas em concreto armado são mais duráveis do que qualquer outro sistema de
construção, inclusive e resistentes à grandes vibrações e ao fogo.
156 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Farol Santander: a antiga sala do transmis-


sor da TV Tupi pode ser visualizada nesta
foto atual. Ela conta com seis pequenas ja-
nelas na frente e fica sob a base da estru-
tura envidraçada e cilíndrica, chamada de
“farol”. (Coleção Santander Brasil/Tuca
Reinés)

Quando o edifício foi inaugurado, o farol ficou aberto para visitação pública. Até que, em 1964,
início do Governo Militar, a visitação ao mirante foi proibida por questões de segurança nacional.
Segundo um integrante do Movimento Estudantil da época, em entrevista ao jornal “O Estado de
São Paulo”1, os militares “tinham medo de que terroristas jogassem bombas do alto”. Até mesmo
os funcionários do banco não podiam acessar o local, determinação que durou por 20 anos. O
público só voltaria a visitar o mirante a partir de 1º de outubro de 1996, devido ao lançamento de
um programa cultural promovido pelo banco Banespa.

O Projeto de Instalação da Antena e do Transmissor

Além da simbologia moderna que representou a inauguração das TVs Tupi de São Paulo
e do Rio de Janeiro, há ainda outro aspecto que ficou agregado ao valor das duas primeiras
estações: os locais representativos onde foram instaladas suas antenas transmissoras. O edifício
Altino Arantes, além de toda sua imponência arquitetônica e representante da forte economia
paulista, agora também atrelaria a importância da chegada da televisão em São Paulo, o mesmo
acontecendo com o Morro do Pão de Açúcar, símbolo da beleza natural carioca.
No ponto mais alto do Altino Arantes, o pináculo original seria removido para que fosse instalado
o mastro feito em aço, onde seriam fixados os três estágios da antena RCA TF-3A Superturnstile.

1 “Torre do Banespa Será Reaberta ao Público”, Cláudia Bredarioli, O Estado de São Paulo,
18/09/1996, p. 108.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 157

Essa estrutura media 18 m de comprimento e pesava 2,3 toneladas.


A sala de transmissão foi montada no 34º andar — o último do edifício —, localizado sob uma
plataforma que servia de base para a estrutura do farol. Nesta plataforma e na parede externa do
34º andar, foram instaladas duas antenas de link, sendo uma fixa, para recepção do sinal gerado
pelo master da PRF3-TV nos estúdios do Sumaré, e outra ajustável para receber os sinais da
unidade móvel em qualquer ponto da cidade.
No edifício Altino Arantes, quanto maior a altura, menor a área dos andares. No caso do 34º,
ele dispunha apenas de uma única sala, destinada exclusivamente para dar acesso ao mirante do
edifício. Esta sala tinha uma área com cerca de 40 m2 e não possuía janelas, somente algumas
pequenas aberturas envidraçadas para passagem de luz natural. No centro desta sala há uma
escada-caracol que dava acesso ao farol.

As Obras

Despacho nº 60434-50, da Divisão de Aprovação de Obras


Particulares. Rádio Difusora São Paulo S/A, com escritório à Rua 7
de Abril, 230 - 4°. Instalação da antena para estação transmissora
de televisão no edifício do Banco do Estado de São Paulo, à Rua
João Brícola, 24. Construtor Dorvalino Mainieri. Escritório não
declarado. Alvará nº 28251. (Diário Oficial do Estado de São Paulo,
28/09/1950, p. 43)

A boa localização e a elevada altura do edifício do Banco do Estado de São Paulo garantiriam
uma boa propagação dos sinais da PRF3-TV. Todavia, para a instalação dos equipamentos, foram
necessárias diversas e difíceis adaptações, realizadas pelo engenheiro-civil Dorvalino Mainieri,
do escritório paulistano F.A. Pestalozzi.
Um verdadeiro “caos” de tubos de cobre passou a ser instalado para conduzir os cabos que
fariam filtragens e combinações dos sinais de áudio e vídeo e os levariam até os equipamentos de
controle e monitoramento. Por fim, os sinais iriam para o transmissor, que por sua vez, colocava
a estação no ar por meio de seu sistema triplo de antenas. Como as duas válvulas principais do
transmissor RCA eram refrigeradas com água destilada, foi preciso construir uma tubulação
especial do 24º até o 34º andar. Cada uma dessas válvulas tinha vida útil de apenas 250 horas e
o custo de substituição era muito alto.
Para o fornecimento de energia, foi necessária a construção de uma cabine primária exclusiva
no subterrâneo do edifício, com transformadores de 600 kVA e reguladores de tensão.
Consequentemente, uma rede de energia elétrica exclusiva foi montada do subsolo ao último
andar, bem como uma estrutura de “plano-terra” e um assoalho de cobre para evitar interferências.
A equipe responsável pela montagem dos equipamentos de transmissão, já citada, foi composta
por técnicos e engenheiros brasileiros e alguns estrangeiros, trazidos pela RCA. Ressaltando que
o engenheiro responsável pela instalação de todos os equipamentos foi o norte-americano Walter
Obermüller, da RCA.
O diretor-técnico das “Associadas”, Mário Alderighi, ficou responsável pela instalação do
158 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

transmissor, junto a Ernest Bast da RCA e ao auxiliar-técnico das “Associadas” Nelson Leite.
Somaram-se aos grupos José Brady (diretor da RCA em São Paulo); Silva Pinto (também da
RCA); Nelson de Mattos (técnico das “Associadas”); e Elio Tozzi, um brasileiro que estagiava
na NBC em Nova York, quando foi convidado a voltar para São Paulo e realizar as devidas
traduções inglês/português entre os envolvidos na montagem da estação PRF3-TV1. Segundo o
jornal “Diário da Noite”, W.F. Hanson, engenheiro da RCA, chegou ao Brasil em 28 de junho
de 1950 com a tarefa de dar os ajustes finais nos aparelhos da estação de televisão, tanto nos
estúdios como no transmissor.
A antena RCA TF-3 custou cerca de 300 contos de réis, de acordo com uma reportagem da
revista “O Cruzeiro”2. Seus três elementos irradiantes, modelo também conhecido por “Three-
Bay Superturnstile”, se assemelham a grandes borboletas. A antena era capaz de amplificar os 5
kW de potência do transmissor RCA - TT-5A e garantir a potência efetiva de 20 kW.

Estrutura de Apoio

Para a elevação e fixação da antena, foi necessária a montagem de andaimes de madeira com
30 m de altura no entorno do farol do edifício. Para executar esta difícil e custosa tarefa, as
Emissoras Associadas contrataram os serviços de uma empresa especializada, a Estruturas de
Madeira S/A, dirigida pelo engenheiro Erwin Hauff. A empresa era paulistana e tinha experiência
na fabricação de estruturas para torres de rádio, estádios, ginásios etc. Seu sistema especial de
andaimes foi patenteado como Sistema Hauff. Em maio de 1950, cinco caminhões descarregaram
centenas de tábuas de peroba no edifício do Banco do Estado de São Paulo, cada uma com 4 m
de comprimento.

O Transporte dos Equipamentos para o Alto do Arranha-Céu

Durante várias semanas os paulistanos andaram de nariz para o ar,


no centro da cidade. É que no alto do edifício do Banco do Estado,
com 34 andares, foi crescendo, aos poucos, uma torre de madeira,
onde se viam homens trabalhando, do tamanho de mosquitos. Não
demorou muito para que o público fosse informado do que se tratava:
era a estrutura de madeira por onde seria levantada a antena de
televisão, a ser instalada no topo do prédio. No dia em que se deu
o levantamento houve um “show” no centro. [...] O aparelhamento
todo da TV “Associada”, em São Paulo, deu o que fazer para ser
carregado até lá em cima, no alto do arranha-céu. O topo do edifício é
muito apertado, as escadas são estreitas e foi preciso quebrar muitos
degraus para que as peças do transmissor pudessem passar. [...]

1 Em 1951, Elio Tozzi deixou a RCA e foi contratado pela própria Rádio Difusora (TV Tupi), onde
permaneceu até 1954, passando para a TV Paulista e depois TV Excelsior, em 1960. Durante a
produção desta obra, Tozzi, com 80 anos, goza de boa saúde e fuma charutos tranquilamente
em sua casa no bairro paulistano do Sumaré.
2 “A Televisão Funcionando!”, Arlindo Silva, O Cruzeiro, 12/08/1950, p. 80.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 159

Muitos operários suaram em bicas e os engenheiros da RCA tiveram


que queimar as pestanas durante certo tempo. “Gastou-se energia,
tempo e dinheiro. Dinheiro grosso”. (“A Televisão Funcionando!”,
Arlindo Silva, O Cruzeiro, 12/08/1950, p. 80)

O transporte dos equipamentos eletrônicos e das madeiras para o alto do edifício foi um enorme
desafio, pois os elevadores não comportaram grande parte do material e, ademais, não subiam
diretamente até o último andar. Eles serviam até o 26º, onde era necessário fazer baldeação para
outro elevador menor, que ia até o 32º. A partir deste ponto, era necessário subir os dois andares
restantes por escadas muito estreitas, num total de 60 degraus. Por fim, para subir da sala do
transmissor do Canal 3 até o mirante havia, ainda, a escada caracol do 34º. Foi exatamente este
penoso caminho que operários e técnicos tiveram que percorrer diversas vezes com as tábuas de
madeira e os grandes e pesados equipamentos da emissora de TV que seria a pioneira da América
do Sul. Para facilitar a passagem, foi necessário quebrar alguns degraus e remover o teto dos
elevadores para que os materiais pudessem ser transportados.

O farol do edifício do Banco do Estado de São Paulo totalmente envolto da estrutura de madeira necessária para o
erguimento da antena RCA do Canal 3, em 1950. (Acervo Arquivo Nacional e Acervo Família Mainieri/reprodução)

Há certa curiosidade dos que vêm a madeirame na torre do Banco


do Estado. Ali estão sendo instalados aparelhos para a emissora de
televisão da Tupi paulista. (Correio Paulistano, 18/06/1950, p. 8)
160 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A estrutura de madeira foi fixada na plataforma do mirante, envolvendo todo o farol e mudando
totalmente o visual do edifício. Por volta do dia 20 de maio já era possível visualizar a estrutura
ganhando certa altura. O jornal “Diário de São Paulo” publicou um anúncio que mostrou o
fac-símile de um memorando assinado por Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Diários
Associados em São Paulo, datado de 30 de agosto de 1950, onde ele agradecia a Estruturas de
Madeira S/A pelos bons serviços prestados.
A antena, que havia sido montada no saguão do edifício dos Diários Associados, na Rua Sete de
Abril, foi finalmente transportada até a calçada do edifício do Banco do Estado de São Paulo.

Foi Mais Fácil Elevar a Torre de Televisão do Pão de Açúcar

Começou o trabalho de transporte, para o alto do edifício do


Banco do Estado, da gigantesca antena do transmissor de televisão
das Emissoras Associadas de São Paulo. Depois das experiências
iniciais realizadas nas últimas semanas, coroadas de inteiro êxito,
o início das obras de ereção da antena é, por todos os títulos,
auspicioso. Significa que já a televisão está a dois passos de nós, e
que a promessa será cumprida. (“Televisão a Dois Passos”, Diário
da Noite [SP], 13/07/1950, 2ª Edição, p. 1)
[...] foi muito mais fácil levar a torre da televisão [Tupi] do Pão
de Açúcar, porque neste caso, foi só amarrá-la ao fio do bondinho
e fazê-la chegar até o topo. (“A Televisão Funcionando!”, Arlindo
Silva, O Cruzeiro, 12/08/1950, p. 80)

As notas publicadas nos veículos dos Diários Associados não foram precisas sobre a data da
elevação da antena da TV Tupi. No entanto, evidências apontam que tenha acontecido entre os
dias 12 e 13 de julho, quando, de acordo com o que divulgou a revista “O Cruzeiro”, muitos
paulistanos pararam para observar manobras arriscadas e delicadas, apontando os dedos para o
alto e fazendo muitos comentários sobre a chegada da televisão. Apesar da magnitude do evento
de elevação e fixação da antena, os jornais dos Diários Associados não publicaram fotos, apenas
a subida do mastro que seria fixado por dentro da coluna central do farol do edifício, para dar
apoio à antena.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 161

Operários conduzindo a subida de um dos mastros da antena de televisão no edifício do Banco do Estado de São
Paulo. (Acervo Família Mainieri)

O trabalho de fixação da antena da TV


Tupi, no Centro de São Paulo. (Diário da
Noite/reprodução)
162 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Walter Obermüller, engenheiro


norte-americano da RCA, ajusta
a posição correta da antena
transmissora do Canal 3 no topo
da sede do Banco do Estado de
São Paulo. (RCA Broadcast/
reprodução)

A instalação completa da antena foi concluída ainda antes do final de julho, época em que já
estava tudo pronto dentro da sala de controle e transmissão da televisão, no 34º andar. Aliás,
uma nota publicada em 29 de maio de 1950, no “Diário da Noite”, mostrou a mesa do Controle
Mestre e o transmissor já inteiramente instalados.
A ponta da antena do Canal 3 ficou a 179 m do solo. Sua montagem foi realizada sem muitas
noções de segurança, de acordo com um depoimento do técnico Nelson de Mattos dado à atriz
pioneira Vida Alves, em seu livro “TV Tupi - Uma Linda História de Amor”1. Segundo ele, a
pequena equipe fez a montagem “agarrada pelas paredes”.

1 “TV Tupi - Uma Linda História de Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:43.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 163

O Edifício Altino Arantes nos Tempos Atuais


Em 2011, o Altino Arantes foi tombado como Patrimônio Histórico do Estado de
São Paulo pelo Condephaat - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico. Isso determinou que a fachada, o farol, o hall,
as galerias, a caixa forte e o 5º e 6º andares não pudessem passar por
descaracterizações. Na primeira metade da década de 2010, o banco Santander,
proprietário do edifício, inaugurou sua nova sede em um grande conglomerado
no bairro da Vila Olímpia. A partir disso, o Altino Arantes foi sendo gradativamente
esvaziado até meados de 2015. Nessa época, encerraram-se todas as atividades
profissionais e culturais do edifício. Felizmente, este símbolo paulistano voltou a
abrir suas portas em 25 de janeiro de 2018, com a inauguração do projeto cultural
Farol Santander, que ocupou boa parte dos andares. O projeto conta com três
vertentes: memória do banco e do prédio (apesar de não haver menção sobre a
instalação de transmissores de televisão em suas dependências); exposições de
arte contemporânea e experiências (com pista de skate e aposentos para passar
uma noite no edifício); e local para palestras voltadas para inovação,
empreendedorismo e cidadania. Contudo, tanto a antiga sala do transmissor no
34º, quanto o mirante do farol, permaneceram fechados para o público por
“questões de segurança e acessibilidade”. Como mirante, foram abertas as
varandas do 26º andar, acessíveis ao público que frequenta uma cafeteria, no
mesmo andar. O prédio ganhou uma bela iluminação especial, que pode ser
alterada conforme a ocasião, mas basicamente são vistas as cores vermelha e
branca, com destaque para um vermelho intenso dentro do farol. Após mais de
70 anos de sua inauguração, o edifício continua sendo um dos maiores símbolos
da cidade, ampliando seu
conceito turístico e, desde 2018,
virando também uma referência
cultural e visual. O Altino
Arantes, que simbolizou a São
Paulo capitalista no sentido de
progresso e acumulação de
valor, agora, como Farol
Santander, tem a premissa de
passar a simbologia de olhar Aspecto noturno atual
para frente e para o futuro. do Farol Santander.
(Coleção Santander
Brasil/Tuca Reinés)
164 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Uma Sala Muito Especial

Quando o Departamento de Patrimônio Histórico do Banespa assumiu a responsabilidade pelo


farol do edifício Altino Arantes, em 1996, ficou definida a instalação de um museu na antiga sala
do 34º andar, de onde foram transmitidas as TVs Tupi e Cultura (como veremos no Capítulo 29).
O museu foi inaugurado na reabertura do mirante ao público, após 32 anos fechado. No início
dos anos 1970, o local abrigou o restaurante para funcionários do Banespa e, posteriormente, de
acordo com uma reportagem do “Estadão”, aquela sala histórica vinha sendo utilizada apenas
como vestiário dos seguranças do edifício.
Visando uma aproximação maior da população, o Museu Banespa contou a história do banco
e do edifício por meio de um televisor que exibia um vídeo institucional, painéis fotográficos,
documentos e peças do belo mobiliário produzido em jacarandá-paulista pelo Liceu de Artes
e Ofícios1. O museu serviu também como uma espécie de sala de espera, onde os visitantes
aguardavam a autorização para subir a escada-caracol que dá acesso ao mirante. Como esta
autorização demorava um pouco, já que podiam subir apenas cinco pessoas por vez no mirante,
os visitantes podiam contemplar o museu.
Em todos os anos nas quais o Museu Banespa (e depois Museu Santander-Banespa) funcionou no
34º andar e o mirante recebeu a visitação do público, foi muito grande a quantidade de pessoas que
transitaram por ali, chegando a 5 mil por mês, segundo informações oficiais. Contudo, ninguém
se atentava sobre a grandiosa importância histórica do local, de onde foi ao ar, pela primeira vez,
e por muitos anos, o “sinal da televisão no céu de Piratininga”, como escreveu Chateaubriand.
Isso tudo como resultado dos incríveis esforços de uma equipe abnegada e heroica, composta por
pessoas de diversas partes do mundo e que tiveram o mesmo objetivo de promover o surgimento
da Televisão Tupi, em nome do avanço da ciência e em prol do desenvolvimento humano.

O já extinto Museu Banespa,


que ficava no alto do edifício
Altino Arantes, exatamente na
sala de onde a TV Tupi - Canal 3
transmitiu seus sinais entre 1950-
60. (reprodução)

1 Este mobiliário está exposto atualmente no 3° andar do mesmo edifício, no “Espaço Memória”
do Farol Santander.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 165

CAPÍTULO 12
PRÉ-ESTREIA DA TV TUPI - EXPERIÊNCIAS COM FREI JOSÉ
MOJICA

Em homenagem ao chefe da Nação [presidente Dutra], as Emissoras


Associadas de São Paulo, além de irradiar todos os detalhes das
festividades, transmitiram-na, também, pelo seu aparelho de
televisão, sendo as imagens recebidas no hall de entrada do edifício
Guilherme Guinle. (“Museu de Arte de S. Paulo: Televisionada a
Cerimônia”, Diário da Noite [SP], 06/07/1950, p. 5)

A
o final de junho de 1950, os técnicos da RCA e das Emissoras Associadas já estavam
concluindo o processo de instalação da televisão nos estúdios do Sumaré e no edifício
do Banco do Estado de São Paulo. A emissora ainda não estava pronta para entrar no
ar, mas seus equipamentos de estúdio — como câmeras, mesas de corte de imagem, iluminação
e microfones — já estavam montados. O momento também era de oferecer treinamento aos
técnicos e operadores.

Edifício Guilherme Guinle

O ano de 1950 foi muito importante para a história dos Diários Associados, que continuava
em plena ascensão pelo país. Além da instalação das duas primeiras emissoras de televisão
brasileiras — no Rio de Janeiro e em São Paulo — e da ativação de diversos novos e potentes
transmissores de rádio pelo Brasil, o grupo de mídia também preparava a inauguração de seu
novo edifício-sede em São Paulo, que teve as obras iniciadas seis anos antes.
Em 1942, os quatro andares do edifício Guilherme Guinle, na Rua Sete de Abril, nº 230, já
eram insuficientes para alojar as empresas paulistas dos “Associados”. A solução foi projetar a
construção de um novo e grande edifício no mesmo local, onde funcionariam todas as empresas
de forma integrada. Naquele ano, como já mencionado, a Rádio Tupi mudou-se para a recém-
adquirida Cidade do Rádio, no bairro do Sumaré; e as redações dos jornais “Diário da Noite e
“Diário de São Paulo” vinham funcionando em um edifício locado, no nº 241 da mesma Sete de
Abril, em frente ao antigo Guilherme Guinle, que já seria demolido.
A construção da nova sede dos Diários Associados foi realizada mediante empréstimos levantados
na Caixa Econômica Federal. As hipotecas foram divididas entre três empresas do grupo em São
Paulo. Em 1945, Cr$ 8 milhões foram levantados pelo “Diário da Noite”; no ano seguinte, mais
Cr$ 20 milhões pelo “Diário de São Paulo”; e em 1947, outros Cr$ 662 mil pela Rádio Tupi. O
terreno e o imóvel constituíram a garantia do empréstimo, que acabaram se valorizando mais que
os débitos. Em 1950, por exemplo, esta propriedade já estava contabilizada em Cr$ 96 milhões,
enquanto as hipotecas eram avaliadas em Cr$ 86 milhões.
O novo edifício começou a ser construído em 1944 e manteria o nome do dr. Guilherme Guinle.
166 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Seriam dois blocos — um com 13 e outro com 15 andares — e um total de 34 mil m2, graças
à aquisição de um terreno vizinho. O bloco dos fundos do terreno seria voltado aos negócios,
composto apenas por salas comerciais para venda. O projeto e a execução das obras ficaram
a cargo do arquiteto francês Jacques Pilon, radicado no Brasil e um dos responsáveis pela
propagação dos princípios do modernismo na arquitetura brasileira. Em 1947, como apenas os
andares mais altos ainda estavam em construção, as empresas dos Diários Associados paulistas
passaram a se instalar de forma gradativa. Em outubro deste mesmo ano, Assis Chateaubriand
fundou, no 2º andar, em meio aos andaimes do edifício e uma entrada provisória repleta de
madeiras, o Museu de Arte de São Paulo — hoje chamado de “MASP”. No ano seguinte, foi a
vez de o novo edifício receber os jornais “Diário da Noite” e “Diário de São Paulo” e, em 1949,
Chatô resolveu também abrir espaço para a nova sede do MAM - Museu de Arte Moderna,
entidade recém-fundada pelo industrial, mecenas e político Francisco Matarazzo Sobrinho — o
Ciccillo Matarazzo.

Inaugurações

No início de 1950, a direção dos Diários e Emissoras Associados, as redações dos jornais e as
rotativas do subsolo já estavam em plena atividade e restava apenas a conclusão de uma
importante modificação interna: a ampliação das dependências do Museu de Arte, que ganharia
mais um andar. A cerimônia de inauguração do novo edifício Guilherme Guinle foi agendada
para o início de julho, juntamente com uma série de outros importantes eventos que chamariam
a atenção da sociedade: a inauguração das ampliações da sede do Museu de Arte, uma conferência
sobre o mercado cafeeiro e uma série apresentações do famoso cantor religioso internacional, o
frei José Francisco de Guadalupe Mojica, popularmente conhecido por Frei José Mojica.

O novo edifício Guilherme Guinle,


inaugurado em 05/07/1950. (Coleção “Jornal
Diários Associados”/Arquivo Público do
Estado de São Paulo)

Os eventos aconteceriam nos dias 4 e 5 de julho. Para a primeira data, a estreia da temporada
musical de José Mojica, a ser transmitida pelas rádios Tupi, Difusora e afiliadas pelo Brasil, com
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 167

as apresentações somente para convidados no novíssimo salão de projeções do Museu de Arte,


montado no 2º andar do Guilherme Guinle.
Para o dia 5, pela manhã, ficou agendada uma pequena e reservada cerimônia de inauguração
do edifício e, à tarde, novamente no salão de projeções, a grande solenidade de ampliação do
Museu de Arte. Especialmente para este evento, também foram convidadas diversas autoridades,
personalidades da elite, da política e artistas do rádio, destacando-se alguns dos amigos de
Chateaubriand, como o presidente da República, general Eurico Gaspar Dutra; Geremia
Lunardelli, um italiano considerado o Rei do Café, com 18 milhões de pés no Brasil; o admirado
cineasta francês Henri-Georges Clouzot; e o famoso norte-americano Nelson Rockefeller,
banqueiro e presidente do Museu de Arte Moderna de Nova York.

Chatô Toma uma Decisão Inesperada

Devido à alta magnitude dos eventos sociais e artísticos programados pelos Diários Associados,
que por si só já atrairiam muita gente ao edifício Guilherme Guinle, Assis Chateaubriand
tomou uma decisão repentina, que mexeu com a vida de todos os envolvidos. Ele pediu o
televisionamento das apresentações do Frei Mojica e da solenidade de ampliação do Museu
de Arte, algo que realmente daria mais brilho às novas realizações do maior grupo de mídia
do país. Entretanto, como a estação transmissora do Canal 3, no centro da cidade, ainda não
estava pronta para entrar no ar, a cobertura dos eventos deveria ser realizada em circuito interno,
vista por meio de alguns televisores espalhados pelo prédio dos Diários Associados, mesmo
que ainda não houvesse sequer um exemplar disponível. Para Chateaubriand, tais exibições já
seriam suficientes para chamar a atenção do público e de seus investidores para a chegada da
televisão em São Paulo. Ademais, apesar do corre-corre, os técnicos das Emissoras Associadas
poderiam treinar seus novos ofícios e haveria a possibilidade de televisionar — leia-se divulgar
— o presidente Eurico Gaspar Dutra, que tanto ajudou para que Chateaubriand viabilizasse a
instalação da televisão no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Frei Mojica se Apresenta em São Paulo no Ano Santo

Segundo o calendário da Igreja Católica, 1950 era um Ano Santo e diversas atividades especiais
seriam realizadas no decorrer do período. As Indústrias Alimentícias Carlos de Britto S/A estavam
entre as maiores potências industriais do Brasil e, numa ação publicitária para comemorar seu
cinquentenário e o próprio Ano Santo, trouxe para o Brasil o famoso cantor religioso mexicano
Frei José Mojica, que realizaria uma série de apresentações nas rádios Tupi de São Paulo, Tupi
do Rio de Janeiro e, ainda, na Rádio Farroupilha de Porto Alegre (RS), também uma emissora
“Associada”. A turnê duraria cerca de um mês, com três apresentações por semana.
A ação publicitária da empresa alimentícia usou sua marca “Peixe”, uma linha de produtos com
goiabada, palmito, extrato de tomate etc. Coube ao publicitário Victor Berbara1 negociar a vinda

1 Victor Berbara ficou conhecido nacionalmente ao criar o estúdio de dublagem VTI, em 1987,
no Rio de Janeiro.
168 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

do astro, além de roteirizar e dirigir suas apresentações para as Emissoras Associadas. Ele era
chefe do Departamento de Rádio e Cinema da importante agência Standard Propaganda, que
cuidava da publicidade das Indústrias Alimentícias Carlos de Britto.

Estamos conversando com Victor Berbara, esse jovem dinâmico,


misto de produtor de televisão, diretor de Departamento de Rádio e TV
da Grant [...]. Começou suas atividades artísticas em 1950 na Rádio
Nacional, com o programa “Um Milhão de Melodias”, que produzia.
Novelista dos melhores, [...] tem mais de 80 novelas irradiadas em
quase todo o país. [...] Victor Berbara fez algo marcante em sua
vida artística, pois foi o autor do primeiro programa de televisão
apresentado pela TV Tupi (José Mojica). (“Victor Berbara”,
Radiolândia, 02/04/1955, p. 44)

Anúncio do espetáculo com Frei José


Mojica para as Emissoras Associadas
de São Paulo. (Diário de São Paulo/
reprodução)

José Mojica havia sido cantor e astro de cinema em Hollywood, atuando com sucesso em filmes
da 20th Century Fox da década de 1920. Entretanto, duas décadas depois, renunciou às glórias
do cinema pelo silêncio da clausura e da meditação. Recolheu-se em um convento franciscano
de uma aldeia do Peru e tornou-se frade. A notícia estourou como uma bomba. Um dos melhores
artistas do cinema sairia de cena e uma das mais belas vozes do rádio silenciaria. Depois do
noviciado, sua primeira missa foi um verdadeiro espetáculo, mesmo contra a vontade dos
superiores. O povo que já o admirava o fez ainda mais com a sua altruística renúncia e lotou o
templo para vê-lo sob outro olhar. Mojica ainda era um sucesso.
Passados alguns anos, na virada para a década de 1950, frei José Mojica foi a Roma pedir
uma permissão especial ao papa Pio XII, a fim de fazer uso de sua voz privilegiada como um
instrumento a serviço da igreja. Ele reverteria as rendas em benefício do desenvolvimento das
vocações sacerdotais na América do Sul e de angariação de fundos para obras de caridade. O
papa permitiu que Mojica se apresentasse no rádio, teatro e cinema.

Sem abandonar o hábito de frade, o tenor voltou a cantar maravilhosamente bem, contudo, com
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 169

um novo repertório, apenas com canções folclóricas e populares de fundo religioso. Durante
cada apresentação, Mojica faria uma pausa em determinado momento para proferir uma rápida
palestra, cumprindo seu objetivo de despertar novas vocações sacerdotais entre os ouvintes.
Logo após a autorização do papa, Mojica viajou para a Argentina para gravar um filme sacro
e, em seguida, veio ao Brasil, a convite da marca Peixe, onde iniciou seu novo apostolado. A
renda dos espetáculos ao microfone das rádios Tupi e Difusora já seria revertida em benefício da
construção de um convento no Peru.

“O Maior Acontecimento do Broadcasting Bandeirante”

As transmissões experimentais da TV Tupi em circuito fechado tiveram total apoio dos


engenheiros da RCA que estavam no Brasil montando a emissora. A equipe técnica destes
eventos foi praticamente a mesma que trabalharia no evento de inauguração da TV, dois meses
depois. O responsável pela edição das imagens foi o técnico Jorge Edo.
Foi tudo um grande ensaio. Alguns equipamentos usados na pré-estreia da TV faziam parte da
unidade móvel da TV Tupi; outros foram trazidos dos estúdios do Sumaré. No hall do edifício
Guilherme Guinle foram instalados dois aparelhos receptores de 20 polegadas, ligados por cabos
coaxiais com a central técnica de TV instalada no 2º andar (a forma como estes receptores foram
adquiridos será assunto no próximo capítulo).
Naquela noite de 4 de julho de 1950, cerca de 600 pessoas das mais variadas classes sociais
se aglomeraram em frente àqueles dois pequenos monitores que ficaram sobre suportes mais
elevados. O público paulista queria ver de perto como era a tão falada televisão e, claro, assistir
ao famoso frei-cantor. Era a primeira demonstração de televisão profissional em São Paulo, algo
que, como citado anteriormente, já havia acontecido algumas vezes no Rio de Janeiro e em Juiz
de Fora.

Central técnica montada


provisoriamente no 2º andar do
edifício-sede dos Diários Associados,
para transmitir a apresentação musical
do Frei José Mojica e a solenidade
de inauguração da sede ampliada do
Museu de Arte. (Arquivo do Centro de
Pesquisa do MASP)
170 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Centenas de pessoas se aglomeram


no hall do edifício dos Diários
Associados, na Rua Sete de Abril,
para assistir, em apenas dois
monitores de 20 polegadas, à
apresentação musical do Frei José
Mojica, que acontecia no 2º andar
do mesmo edifício. (Arquivo do
Centro de Pesquisa do MASP)

Os convidados se posicionaram na sala de projeção do Museu de Arte e o público em geral se


acotovelava defronte aos dois televisores instalados no hall do edifício para ver e ouvir o Frei
José Mojica. Em meio a apenas “chuviscos” e a um burburinho ansioso, eis que, pontualmente
às 22h, surge a primeira imagem, o padrão de ajuste técnico da RCA-Victor, tecnicamente
chamado de test-pattern. Em seguida, todos contemplam a figura de um indiozinho desenhado
a bico de pena, com as inscrições “PRF-3 - Tupi TV” e, logo em seguida, a imagem e a voz de
Homero Silva, Yara Lins e Walter Forster, nomes famosos do rádio “associado”, que fariam a
apresentação do espetáculo.
— Senhoras e senhores, esta é a PRF3-TV Tupi de São Paulo em sua primeira transmissão!
E, após mais algumas apresentações iniciais, alguém anuncia:
— Para seu aplauso... Frei José Mojica!
Então, entra o famoso cantor mexicano no auditório, agradecendo o convite em espanhol e dando
início aos seus números musicais. Mojica estava acompanhado pela Grande Orquestra Tupi e
pelo frei Pacífico Chirinos, grande compositor e pianista peruano que excursionava com Mojica.
Ao fundo do palco, uma faixa com o logotipo da RCA e os dizeres: “RCA TELEVISION”
E “EMISSORAS ASSOCIADAS BRASIL”. No hall, as faixas estampavam: “RCA - 1ª EM
TELEVISÃO NA AMÉRICA DO SUL” e “RÁDIO TUPI - TV”.
As imagens de Mojica na televisão foram saudadas com vivas e hurras pelo público no hall, num
entusiasmo que não esfriou mesmo quando passou de boca-boca a informação sobre o alto custo
que teriam os receptores.

Foi uma noite extraordinária!!! Eu olhava para o auditório do Museu


de Arte, à Rua 7 de Abril, repleto das mais célebres personalidades
brasileiras e, apesar de todo meu profissionalismo, um arrepio frio
e cortante me atravessou o corpo. “Senhoras e senhores, esta é a
PRF3-TV Tupi de São Paulo em sua primeira transmissão…”. O
então general Eurico Gaspar Dutra me olhava de uma maneira
muito simpática, transmitindo sua aprovação e solidariedade.
Meus companheiros, Yara Lins e Homero Silva, estavam igualmente
tocados pela mesma emoção que, por vezes, me embargava a voz…
Para os receptores [...], uma multidão de pessoas olhava, sem querer
acreditar, nas imagens que se sucediam. “Não acredito! Daqui a
pouco eles vão contar direito como foi que meteram esse filme aí
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 171

dentro desta caixa…”. “Para seu aplauso... Frei José Mojica…”. A


linda voz daquele frei mundialmente conhecido encheu os ouvidos e
os corações de todos nós que escutávamos suas canções. Ninguém
acreditava que um único homem pudesse realizar um empreendimento
tão grande, significativo e responsável como aquele! (depoimento de
Walter Forster, ator e diretor-artístico da TV Tupi de São Paulo, aos
organizadores da exposição “Tupi 50-76”, alusiva aos 26 anos da
inauguração TV Tupi, realizada pelo MASP - Museu de Arte de São
Paulo)

A televisão ia se tornando realidade em São Paulo, no Brasil e até na América Latina, mesmo
que ainda em circuito fechado. A transmissão das apresentações de José Mojica não foram
as primeiras experiências de televisão em terras brasileiras, mas são tidas como o marco do
nascimento da televisão nacional.
Chateaubriand havia decido exibir as apresentações de Mojica tão em cima da hora que, certa
feita, o cantor mexicano declarou em uma entrevista já estava em São Paulo quando soube que
seria televisionado. Mas isso não foi um problema para o religioso, pois, coincidentemente, ele
já tinha participado das primeiras experiências de televisão no Radio City Music Hall de Nova
York.
As apresentações de Mojica em São Paulo foram transmitidas pela Rede Ipiranga, nome dado à
cadeia com cinco estações compreendida pela Rádio Tupi AM - 1040 KHz, Rádio Difusora AM
- 960 KHz e suas três estações de Ondas Curtas (19, 25 e 49 m). Estes sinais alcançaram
nitidamente todo o Brasil e diversos outros países vizinhos.

Frei José Mojica se apresenta na sala de projeção


do Museu de Arte, em julho de 1950. (Arquivo do
Centro de Pesquisa do MASP)
172 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Lima Duarte, ator pioneiro da televisão, costuma apontar, em suas entrevistas sobre a história
da TV Tupi, o contrassenso de um homem que trajava um hábito religioso cantar algumas das
apaixonadas canções de amor que compuseram seu repertório na fase mundana. Segundo Duarte,
Mojica teria cantado durante a pré-estreia da televisão brasileira a canção “Júrame”, seu maior
sucesso antes de virar religioso. Todavia, o nome desta canção não está listado na divulgação
do repertório dos shows, publicado nos jornais “Associados”. Todavia, caso ele tenha realmente
executado “Júrame”, o contrassenso que Lima Duarte aponta é que o frei teria cantado uma letra
onde que um homem pede beijos de sua namorada e que ela o deseje até a loucura... Se Mojica
realmente cantou esta canção em São Paulo, não se sabe.

Júrame
Que aunque pase mucho tiempo
No has de olvidar el momento
En que yo te conocí
Mírame
Pues no hay nada más profundo
Ni más grande en este mundo
Que el cariño que te di
Bésame
Con un beso enamorado
Como nadie me ha besado
Desde el día en que nací
Quiéreme
Quiéreme hasta la locura
Y así sabrás la amargura
Que estoy sufriendo por ti

Em uma foto publicada no jornal “Diário de São Paulo”1, vê-se que as imagens transmitidas pelo
circuito interno de televisão tinham boa qualidade. Era realmente “o maior acontecimento do
broadcasting bandeirante!”, como destacou a matéria.

Inaugurando o Edifício Guilherme Guinle e a Ampliação


do Museu de Arte

No dia seguinte à audição inicial de Frei José Mojica, realizou-se a


inauguração do Museu de Arte, e igualmente, todas as cerimônias
foram televisionadas para o público através do mesmo sistema.
Desta vez o interesse popular foi redobrado e o trânsito na Rua Sete
de Abril, onde se acha o edifício “Associado”, ficou interrompido,
tal era a aglomeração de gente que queria assistir à última e
sensacional novidade. Apareceram, então, nos retângulos brancos
dos receptores, as figuras dos srs. Assis Chateaubriand, Clemente
1 “Frei José Francisco de Guadalupe Mojica é Ainda o Grande Cantor que Foi no Século - Êxito
das Experiências Feitas com Televisão”, Diário de São Paulo, 05/07/1950, n.p.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 173

Mariani, Horácio Lafer, Nelson Rockefeller e Novais Filho, ministro


da Agricultura. (“A Televisão Funcionando!”, Arlindo Silva, O
Cruzeiro, 12/08/1950, p. 80)

No dia seguinte, 5 de julho de 1950, aconteceram os atos solenes para a inauguração do edifício
Guilherme Guinle e das novas instalações do Museu de Arte de São. Neste importante dia, após
cinco meses de portas fechadas, seria inaugurada a reforma geral das instalações provisórias e
um novo pavimento totalmente dedicado ao museu.
No 2º andar, foi montado um auditório para conferências e aulas; uma grande sala de projeção de
filmes cinematográficos com equipamentos RCA — onde o Frei Mojica vinha se apresentando
—, dispondo de 320 lugares numa plateia em declive e com poltronas estofadas; uma sala de 400
m2 para o Instituto de Arte Contemporânea; uma biblioteca especializada em arte; uma escola
de arte; um laboratório fotográfico; e a secretaria. O 3º andar ficou dedicado exclusivamente à
nova pinacoteca, com mais de 1000 m2, além de uma incrível iluminação especial e um adequado
sistema de ventilação. Este grande espaço foi destinado para abrigar a coleção permanente do
museu, que havia recebido dezenas de novas obras, passando a contar com cerca de 100 peças
de autoria dos maiores pintores e escultores de todos os tempos. Neste mesmo andar também foi
criado um espaço para exposições temporárias.
Para as inaugurações, o Museu de Arte promoveu uma série de manifestações culturais, entre as
quais, uma exposição com a retrospectiva da obra arquitetônica de Le Corbusier1, conferências
e a inauguração de uma sala para estudos de cinema, inaugurada pelo cineasta francês Henri-
Georges Clouzot. Tudo organizado pelo diretor do museu, o museologista italiano Pietro Maria
Bardi.

A pinacoteca do Museu de Arte de São


Paulo, inaugurada em 1950. (divulgação)

1 Le Corbusier foi um arquiteto, urbanista, escultor e pintor de origem suíça e naturalizado


francês. Responsável por dar direções que resultaram na projeção da arquitetura brasileira.
174 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A cerimônia de inauguração do edifício Guilherme Guinle aconteceu na manhã do dia 5 de julho.


Iniciada às 9h30, ela foi rápida, reservada a convidados e não contou com exibição pela TV. Além
de Assis Chateaubriand, compareceram o patrono dr. Guilherme Guinle, a madrinha Heloísa
Guinle Ribeiro, o barão Saavedra, Fábio Prado (ex-prefeito de São Paulo), o empresário Samuel
Ribeiro, além de alguns funcionários da diretoria dos Diários e Emissoras Associados. Uma
bênção ao edifício foi dada pelo padre Saboya de Medeiros — primo de Assis Chateaubriand —,
seguida pelo descerramento da placa denominativa.
Às 14h, ligaram-se novamente as três câmeras RCA TK-30 da TV-3 e os monitores do auditório
e do hall passaram a receber as imagens geradas diretamente da superlotada sala de projeção do
Museu de Arte, no 2º andar. Desta vez, era televisionada a solenidade de inauguração da sede
ampliada do museu, presidida pelo norte-americano Nelson Rockefeller. Assis Chateaubriand
foi o primeiro a discursar, expressando sua gratidão às pessoas que o ajudaram a tornar realidade
o sonho da ampliação do museu. Agradeceu também pelas facilidades obtidas junto ao governo
para a aquisição de novas obras de arte no exterior, num gesto de compreensão do valor cultural.
Em seguida, usaram a palavra Cleber Mariani — ex-ministro da Educação e paraninfo da
inauguração das instalações provisórias do museu, três anos antes —, Nelson Rockefeller e
o ministro da Agricultura Novais Filho, em nome do presidente Dutra, que estava na plateia,
foi mostrado diversas vezes no vídeo, mas estranhamente não discursou. Todos destacaram o
espírito público e a iniciativa de Chateaubriand, bem como a importância da arte e dos museus
na vida das pessoas. “Estimulando o belo, estaremos incentivando a democracia. Eis por que
eu considero este museu uma cidadela da civilização”, exclamou Rockefeller. Já o discurso do
deputado federal Horácio Lafer foi mais voltado à situação do café brasileiro — tema paralelo
daquela tarde —, destacando o movimento renovador da economia cafeeira no Brasil.

Também foi televisionada a fabulosa orquestra [...] do Clube Infantil


de Arte (do Museu), que executou a Sinfonia dos Brinquedos. [...] Foi
um espetáculo fantástico de se ver, através das telas dos receptores,
aquelas crianças com violinos, violoncelos, chocalhos, baterias,
instrumentos de assobio, executando a belíssima peça [...]. (“A
Televisão Funcionando!”, Arlindo Silva, O Cruzeiro, 12/08/1950, p.
80)
Uma apresentação musical foi realizada pela orquestra-mirim do Clube Infantil de Arte do museu.
Meninos entre cinco e 10 anos executaram, sob a direção da professora Eva Kovach, a belíssima
“Sinfonia dos Brinquedos” (ver Galeria de Foto 1). Ao final da cerimônia, Chateaubriand e
seus convidados ilustres subiram no topo do novo prédio para um ato simbólico: plantaram
alguns cafeeiros, que representaram a riqueza de nosso país e celebraram a amizade entre os
povos brasileiro e norte-americano. Estes dois países eram, respectivamente, o maior produtor e
o maior consumidor de café do mundo. O banqueiro Nelson Rockefeller discursou novamente,
lembrando que o café vinha sendo um dos grandes elos que uniam os povos do Brasil e dos
Estados Unidos. “Tanto na guerra, como na paz, as nossas duas nações se mantiveram aliadas,
dando, uma à outra, forças e segurança. E, ao hemisfério ocidental, estabilidade e esperança no
futuro”, ressaltou.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 175

Com a sala de projeção do Museu de


Arte lotada, algumas das principais
personalidades acomodaram-se
temporariamente no chão. (Diário de
São Paulo/reprodução)

No topo do edifício Guilherme


Guinle, Chateaubriand observa
figuras ilustres realizando o
simbólico plantio de um cafeeiro.
(Diário de São Paulo/reprodução)

Nota dos Autores: Mais fotografias dos eventos onde a PRF3-TV


fez sua pré-estreia podem ser vistas na Galeria de Fotos 1.

Frei José Mojica - Outras Apresentações

O cantor mexicano Frei Mojica voltou a se apresentar no auditório do Museu de Arte nos dias 7 e
11 de julho, às 22h, também com transmissão pelo circuito fechado de TV e pelas rádios da Rede
Ipiranga. Com o sucesso de público nas primeiras experiências, além dos monitores instalados
no hall do edifício dos Associados, outros dois também foram disponibilizados na esquina das
ruas Sete de Abril e Bráulio Gomes, bem próximos ao edifício dos Diários Associados. Eles
foram conectados à central técnica de televisão por meio de extensos cabos coaxiais.
176 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Vale ressaltar que Mojica ainda se apresentou no Teatro Municipal de São Paulo no dia 8 de
julho, também com patrocínio da marca Peixe. Contudo, não houve exibição desse espetáculo
pela televisão. Uma apresentação radiofônica extra da temporada paulista de José Mojica ocorreu
na noite de 18 de julho, mas, atendendo a numerosos pedidos, foi realizada no espaçoso Palco-
Auditório da Cidade do Rádio, no Sumaré. Houve transmissão pela Rede Ipiranga de rádio,
mas também sem circuito interno de TV. No entanto, a equipe de cinematografia das Emissoras
Associadas gravou a apresentação em película de 16 mm para futuras apresentações na TV-3.
No dia 22 de julho, aconteceu no ginásio do Estádio do Pacaembu o show da despedida de
Mojica ao povo paulista. No Rio de Janeiro, o frei apresentou-se entre 29 de julho e 9 de agosto,
também como pré-estreia da TV Tupi - Canal 6. Mojica esteve ainda no Recife, Salvador e Porto
Alegre, deixando o Brasil somente em meados de outubro. A turnê de Mojica no Brasil acabou
se prolongando bastante, visto o grande sucesso.

Depois das primeiras irradiações [em circuito interno], falamos


com Dermival Costa Lima, fazendo a pergunta que no caso seria a
única: quando será inaugurada a televisão em São Paulo? O diretor-
artístico [da TV Tupi] respondeu com muita rapidez e sinceridade:
“Logo depois que a emissora estiver concluída e penso que já em
agosto estarão satisfeitas as esperanças de paulistas e brasileiros.
Esse negócio de data não existe. Dizem que o Rio seria o primeiro
na televisão. Pode ser que o seja realmente, mas se terminarmos
a instalação antes, a honra de pioneiro em televisão caberá a São
Paulo”. Nada mais é preciso acrescentar. (“Televisão em S. Paulo no
Mês que Vem”, Correio Paulistano, 09/07/1950, p. 7)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 177

CAPÍTULO 13
OS PRIMEIROS RECEPTORES DE TV

E
m livros, jornais, entrevistas, vídeos, documentários e sites que retratam o início da
televisão no Brasil, costuma ser amplamente contada uma história inusitada, que teria
acontecido em São Paulo poucos dias antes da inauguração da TV Tupi - Canal 3.
Conta-se que Assis Chateaubriand e seu corpo técnico e diretivo simplesmente não se ativeram
à inexistência de aparelhos receptores de TV disponíveis na cidade, algo que inviabilizaria o
acesso à programação da “Televisão Associada”. Imediatamente — continua a história —, os
envolvidos teriam tomado providências para evitar atrasos e tornar viável a inauguração da
televisão. Conta-se também algumas variações e divergências sobre essa história, mas todas
elas dão como verídica — e até como cômica — uma grande “trapalhada” comercial acontecida
durante a instalação da TV Tupi.
A seguir, falaremos das principais dessas versões e, por fim, usando lógica, razão e o resultado de
ampla pesquisa, apresentaremos uma nova interpretação sobre a dita falta de aparelhos receptores
para o público poder assistir à televisão pioneira desde sua inauguração.

Walter Obermüller

Quando os equipamentos de televisão RCA começaram a ser montados em São Paulo, o


engenheiro responsável Walter Obermüller teria desejado estimar a audiência potencial da futura
estação. A expectativa era que as imagens fossem captadas a aproximadamente 80 km do centro
de São Paulo. Foi quando Obermüller teria indagado ao engenheiro-chefe e ao diretor-artístico
da TV-3 — respectivamente Mário Alderighi e Dermival Costa Lima — qual a quantidade
de aparelhos de TV já existente em São Paulo. O norte-americano teria visto os diretores se
entreolharem assustados, já que ninguém teria pensado nessa questão. O próprio Obermüller
teria ido conversar com Chateaubriand para alertá-lo sobre o problema.
— Doutor Assis, o senhor está investindo 5 milhões de dólares na TV Tupi e sabe quantas
pessoas vão assistir à sua programação? Zero. Sim: zero, ninguém.
Contudo, Chatô teria dito para o americano não se preocupar, porque, no Brasil, tudo tinha
solução.
Esta versão é sustentada na biografia de Assis Chateaubriand, intitulada “Chatô, o Rei do Brasil”
(1994), escrita por Fernando Morais. O desfecho desta história foi contado da seguinte forma:
178 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

[Chateaubriand] telefonou para o dono de uma grande empresa de


importação e exportação e pediu-lhe que trouxesse por avião, dos
Estados Unidos, duzentos aparelhos de TV, de modo que chegassem
a São Paulo três dias depois. O homem explicou que não era tão
simples: por causa da morosa burocracia do Ministério da Fazenda,
um processo de importação (mesmo que fosse agilizado por ordem
do presidente da República, como Chateaubriand sugeria) iria
consumir pelo menos dois meses até que os televisores fossem postos
no Aeroporto de Congonhas. Chateaubriand não se assustou: “Então
traga de contrabando. Eu me responsabilizo. O primeiro receptor
que desembarcar eu mando entregar no Palácio do Catete, como
presente meu para o presidente Dutra”. (“Chatô, o Rei do Brasil”,
Fernando Morais, Companhia das Letras, 1994:500-501)

“Bote no Ar!”

O ator pioneiro Lima Duarte minimiza o problema e costuma contar que a necessidade da
importação imediata dos televisores teria surgido pela decisão de uma antecipação repentina da
data de inauguração da estação de TV de São Paulo. Segundo ele, quando Chatô foi informado
sobre o término das obras de instalação dos equipamentos da emissora, o jornalista teria dito
pronta e precipitadamente:
— Bote no ar!
Foi neste momento que o empresário teria percebido a necessidade de antes ter que resolver a
questão da importação de televisores para o Brasil. Teria voado rapidamente para os Estados
Unidos e comprado 20 receptores RCA, sustenta Lima Duarte.

Presidente Dutra

A terceira versão dos fatos é contada por José Louzeiro, no livro “Urca - O Bairro Sonhado”1. Ela
só diverge da versão contada na biografia de Chateaubriand em um pequeno ponto. Entretanto,
Louzeiro dá continuidade ao que foi contado no livro de Fernando Morais, narrando que
Chateaubriand quis importar 200 televisores RCA, mas teria se deparado com a burocracia, que
atrasaria a entrega em, pelo menos, 60 dias. Com isso, teria pedido socorro pessoalmente ao
presidente da República e amigo, Eurico Gaspar Dutra. Chatô teria informado que recorreria ao
mercado negro e falado sobre um famoso contrabandista que trabalhava ali no Rio de Janeiro.
Atendendo pelo apelido Zica, o contrabandista seria Manoel da Silva Abreu, também conhecido
como o “Rei da Praça Mauá”. Ele realmente teria meios de trazer entre 80 e 100 aparelhos do
exterior, de forma rápida e eficiente.
Surpreso com a proposta, Dutra teria reclamado: — O Estado não faz negócio com contrabandistas,
dr. Assis!

1 “Urca - O Bairro Sonhado”, José Louzeiro, Relume Dumará/Rio Arte, 2000:51.


ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 179

— O Estado não precisa saber dessa solução de emergência, presidente. O que interessa é a
televisão funcionando. Sem ela, o Estado fica que nem índio: de tanga!1
E assim teria sido feito. O contrabandista se disse honrado em poder ajudar a nação e acionou
seus contatos no Paraguai. Em menos de 24 horas, um bom número de modernos televisores
RCA já estava nas mãos de Chateaubriand. No filme “Chatô - O Rei do Brasil” (2015), inclusive,
o diretor Guilherme Fontes sustenta as versões sobre o contrabando de televisores e mostra, em
uma cena no cais de um porto, caixas de madeira que deveriam conter geladeiras, mas que, na
verdade, acomodavam os tais televisores contrabandeados.
Chatô logo teria mandado entregar alguns destes aparelhos como presente. Um para sua querida
secretária em São Paulo, Vera Faria, outro para o próprio presidente Dutra, e outros para alguns
amigos.

Reunião Artística

Algumas publicações apontam que o alerta de que era preciso importar receptores de TV
urgentemente teria surgido em uma reunião para definição da programação inaugural da
televisão. Segundo conta esta versão, estava quase tudo selecionado: cenógrafos, maquinistas,
iluminadores, técnicos, telecine, elenco de radioteatro, bailarinas e diretores. Faltava produzir
o grande show de inauguração. Estariam presentes os diretores Edmundo Monteiro, Dermival
Costa Lima e Cassiano Gabus Mendes; o ator Walter Forster; Carlos Jacchieri (artista plástico
que se tornaria o primeiro cenógrafo da televisão); o apresentador Homero Silva; o operador de
som Nelson de Mattos; o técnico Jorge Edo; entre outros nomes fundamentais para a estreia da
televisão. O fim da história é o mesmo das versões anteriores.

Uma Versão Verossímil dos Fatos

Debruçar sobre todas as páginas dos dois jornais paulistas dos Diários Associados que foram
publicadas em 1950 — “Diário da Noite” e “Diário de São Paulo” — permitiu que os autores
destas linhas formulassem uma versão muito mais verossímil sobre os primeiros televisores que
chegaram ao Brasil. Isso foi possível a partir de evidências e informações detalhadas contidas
nestes periódicos, bem como as próprias versões que acabamos de narrar. Ficou claro que não
passa de uma lenda, ou até mesmo uma piada, que diretores e técnicos das Emissoras Associadas
não tenham sido competentes o bastante para fechar acordos que garantiriam a entrega de
televisores em São Paulo antes da inauguração da TV Tupi.
O que é mostrado nas páginas dos jornais de Chateaubriand é que houve, sim, um acordo
comercial entre as Emissoras Associadas de São Paulo e a RCA-Victor, celebrado ainda durante
o início da montagem dos estúdios do Sumaré, no final do primeiro trimestre de 1950. A
RCA, além de fabricar os equipamentos de broadcasting comprados para a TV Tupi, também
comercializava uma grande linha de televisores nos Estados Unidos. Acordo comercial similar
também aconteceu paralelamente entre a TV Tupi do Rio de Janeiro e a General Electric.

1 Urca - O Bairro Sonhado”, José Louzeiro, Relume Dumará/Rio Arte, 2000:51.


180 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Junto à RCA foi possível sincronizar o início das operações experimentais do Canal 3 de São
Paulo com o início da distribuição do primeiro lote de receptores nas lojas, importado pela
representante da RCA no Brasil, a loja Cássio Muniz. Também ficou acertado que pouco mais
de duas dezenas de receptores deste primeiro lote seriam adquiridas pelas Emissoras Associadas.
Eles seriam instalados em lojas e bares de São Paulo para que a população acompanhasse as
transmissões experimentais, os eventos de inauguração e os primeiros dias de programação
regular. Os demais receptores iriam para comercialização em lojas.

Assim, temos, graças à iniciativa da firma Cássio Muniz e RCA


Victor, em conjunto com a Rádio Difusora e PRF3-TV, as primeiras
transmissões de televisão no Brasil e na América do Sul. (“Com a
Televisão, S. Paulo Conquista Mais uma Primazia no Continente”,
Correio Paulistano, 17/08/1950, p. 2)

Tudo foi acontecendo conforme o cronograma e, logo após o governo federal definir as regras de
importação dos televisores, no final de abril, foi feita a encomenda com a RCA. O prazo para a
chegada e liberação do primeiro lote foi de 60 dias (21 de julho), proporcionando que a estação
de TV das Emissoras Associadas de São Paulo pudesse ser inaugurada no início de agosto. Nessa
época, contudo, já não daria mais tempo de inaugurar a emissora a tempo de transmitir alguns
jogos da Copa do Mundo no Brasil, como se pretendia inicialmente.

A direção da PRF-3-TV - Emissoras Associadas deseja entregar-se,


definitivamente, as transmissões normais ainda no início do próximo
mês, apresentando programas especiais de televisão. (“Iniciou Suas
Transmissões Experimentais a PRF-3-TV das Emissoras Associadas”,
Diário de São Paulo, 17/08/1950, n.p.)

O Contrabando Como Única Solução

Como detalhado no capítulo anterior, durante o período de espera pelos primeiros receptores,
Chateaubriand repentinamente determinou que a equipe de técnicos da televisão transmitisse
imagem e som dos eventos sociais e artísticos importantes que aconteceriam em 4, 5, 7 e 11 de
julho, na sede dos Diários Associados em São Paulo. Uma verdadeira pré-estreia inesperada da
TV Tupi. É neste ponto que surge o problema da falta de receptores, tão citado quando é contada
a história da televisão brasileira. Com o desafio lançado por Chateaubriand, a grande dúvida de
seus diretores era: como disponibilizar receptores para o público a partir do dia 4 de julho se o
primeiro lote da RCA vai chegar apenas no dia 21?
É fato, portanto, que ainda não havia sequer um receptor disponível para realizar as transmissões
experimentais de última hora, entretanto, para a estreia oficial da televisão (em agosto, como se
previa), o primeiro lote com uma centena de receptores RCA chegaria no devido prazo, a bordo
de um avião “Constellation” fretado.
Desta forma, é verdade que o próprio Chatô teve que se movimentar de maneira inusitada
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 181

para conseguir disponibilizar alguns poucos aparelhos de TV. É aqui que entra a história da
necessidade de encomendar receptores com um contrabandista, a fim de ganhar tempo e não ter
que enfrentar a burocracia da importação, conforme contaram José Louzeiro, no livro “Urca - O
Bairro Sonhado”1, e Fernando Morais2, na biografia de Chateaubriand. Há, contudo, a ressalva
de que o contrabandista não disponibilizou 200 aparelhos, mas algumas poucas unidades —
algo em torno de meia dúzia3. É possível, também, que aquele diálogo entre Chateaubriand e
o presidente Dutra sobre o contrabando de aparelhos tenha realmente acontecido e que a citada
reunião artística entre diretores do Sumaré não tenha debatido a falta de receptores, mas as
atrações do programa de estreia e a grade de programação.

O empresário norte-americano Nelson


Rockefeller é visto em um dos televisores
RCA-Victor disponibilizados no edifício
Guilherme Guinle, durante a cerimônia
de inauguração da sede ampliada do
Museu de Arte, em julho de 1950.
(Acervo Museu da TV, Rádio & Cinema)

A seguir, veremos mais detalhadamente o desenrolar do processo de importação dos primeiros


receptores de TV legalizados do Brasil, com informações obtidas nos jornais da época e que
corroboram com a nossa versão dos fatos.

1 “Urca - O Bairro Sonhado”, José Louzeiro, Relume Dumará/Rio Arte, 2000:51.


2 “Chatô, o Rei do Brasil”, Fernando Morais, Companhia das Letras, 1994. E-book.
3 Estimativa baseada nas informações dadas nas reportagens dos jornais dos Diários Associados,
que não foram claras na quantidade dos receptores, mas indicaram que havia dois instalados no
hall. Dentro do auditório, onde aconteceram os eventos, havia mais algumas poucas unidades.
No dia seguinte, mais dois receptores foram disponibilizados na esquina próxima ao edifício.
182 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

As Primeiras Importações

No dia 28 de abril de 1950, a Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil (Cexim)


publicou um comunicado com diretrizes para a importação de materiais de televisão. Em
miúdos, tratava-se de regras para importação de equipamentos profissionais para emissoras,
aparelhos receptores e suas peças para montagem ou reposição. A publicação colocou um preço
limite para revenda dos televisores, estipulando que “não deverão exceder, no país de origem,
o preço FOB equivalente a Cr$ 6 mil”. Ou seja, com este valor máximo praticado no país de
fabricação, cada receptor deveria custar até Cr$ 8 mil ao consumidor brasileiro. Para chegar a
este valor final, considerou-se uma despesa de 20% do custo da mercadoria, além de seguro, frete
e taxas alfandegárias. Outro valor que a Cexim limitou foi o valor de cada lote de importação de
televisores, que não poderia ultrapassar os US$ 500 mil. Pelo câmbio da época, este valor era
equivalente a 2,2 mil receptores de TV.
Reportagens publicadas em “O Jornal” e no “Jornal de Notícias”, ambos do Rio de Janeiro,
apontam que a primeira negociação para importação de televisores foi feita no mês de maio,
pelo distribuidor oficial da General Electric, que encomendou o limite de 2,2 mil unidades. O
mesmo procedimento fez Waldeck Pinto, representante da marca Zenith no Brasil. Essas duas
encomendas seriam entregues na cidade do Rio de Janeiro.
Na sequência, foi realizada a encomenda da RCA, também com 2,2 mil peças, pela Cássio Muniz
S/A, com sede na Praça da República, nº 309, no centro de São Paulo, empresa de importação
e comércio que fazia a distribuição exclusiva dos produtos RCA-Victor para toda a rede de
revendedores autorizados do Brasil.
Os jornais falaram sobre a possibilidade de haver cerca de 7 mil (na verdade, em torno de 6600)
receptores disponíveis para venda entre Rio e São Paulo, numa fase em que se acreditava que
ambas as estações televisoras destas cidades seriam inauguradas entre agosto e outubro de 1950.
Vale dizer que apesar da importação de 2,2 mil receptores feita por cada um dos três fabricantes,
eles foram chegando ao Brasil gradativamente. Um exemplo é o primeiro lote da RCA, com
apenas 100 aparelhos. Segundo o jornal “Correio Paulistano”1, em poucos dias chegariam mais
30 receptores RCA em São Paulo, com previsão de que, até 7 de setembro, já haveria um total
de mil receptores à venda na cidade, considerando alguns aparelhos das marcas GE e Zenith, que
seriam enviados do Rio de Janeiro.

1 “Com a Televisão, S. Paulo Conquista Mais uma Primazia no Continente”, Correio Paulistano,
17/08/1950, p. 2.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 183

A propósito do fechamento de uma partida de 2200


receptores de televisão pela fábrica Zenith, através do seu
distribuidor no Rio de Janeiro, sr. Waldeck Pinto, destinados
à capital brasileira [Rio de Janeiro] e a São Paulo, fizeram-se
alguns comentários interessantes. Esse é o segundo negócio
de exportação de sets de TV para o Brasil. O primeiro foi
realizado pela General Electric num total, também, de 2200
aparelhos, tendo sido concedida licença de importação
normal pelo Banco do Brasil. O segundo, feito pela Zenith,
foi fechado em câmbio de compensação, de acordo com as
novas e vigentes instruções do referido banco. Sabe-se que
a RCA também remeterá aparelhos seus para o Brasil em
quantidade idêntica da Zenith e da General Electric, pois que
cada uma das transações orça em US$ 500.000,00. Desse
modo, o Rio de Janeiro e São Paulo, as duas primeiras cidades
da América, fora dos Estados Unidos, a possuir a televisão,
contarão, por ocasião da inauguração dos seus transmissores,
com cerca de 7000 aparelhos de recepção. É uma quantidade
elevada considerando-se que, se os Estados Unidos possuem
atualmente mais de cinco milhões de receptores, ainda há
bem pouco tempo, em 1947, Nova York não dispunha senão
de 11000. Como é sabido em todo o mundo, a televisão só
existe nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França, sendo
que nestes dois [últimos] países em estado, por assim dizer,
incipientes. Paris, por exemplo, não conta senão com 5200
receptores. (“7.000 ‘Sets’ de Televisão para o Brasil”, O Jornal,
13/06/1950, p. 1)

Em maio de 1950, a General Electric desembarcou inúmeras peças


no Porto de Santos para que 607 receptores entrassem numa linha
de montagem própria, em São Paulo. Havia também outra frente no
Rio de Janeiro, cuja meta era montar e colocar 1,8 mil receptores no
mercado carioca para a inauguração da TV Tupi - Canal 6 em 1º de
julho, data que acabou sendo adiada.

O Primeiro Carregamento da RCA

O sr. J. Brady, diretor-gerente da RCA Victor, em São Paulo, ofereceu,


ontem, um jantar ao sr. Edmundo Monteiro, diretor da TV ‘associada’,
nesta Capital, e aos técnicos que colaboraram na montagem do
seu equipamento. Os oradores ressaltaram que a TV paulista [TV
Tupi] [...] já se encontra em condições de entrar imediatamente em
funcionamento. Se ainda não iniciou suas atividades de rotina, é
184 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

porque aguarda a chegada de grandes carregamentos de receptores,


já embarcados nos Estados Unidos. (“Almoço da RCA Victor à TV
Paulista”, Diário de São Paulo, 26/07/1950, p. 2)
A Televisão. Já uma realidade no Brasil, acaba de entrar em sua
primeira fase de expansão geral: um carregamento de grande número
de aparelhos receptores RCA, totalizando mais de 6000 quilos de
peso, foi desembarcado ontem à noite em Congonhas, de bordo de
dois cargueiros especiais da Panair do Brasil. [...] O primeiro lote de
receptores de TV que chega à América do Sul vem consignado à firma
Cássio Muniz S/A, distribuidora exclusiva da RCA. (“Programas de
Televisão em S. Paulo Para Dentro de Poucos Dias”, Diário de São
Paulo, 22/07/1950)

Como previsto, o primeiro carregamento oficial de televisores RCA chegou ao Brasil na noite de
21 de julho de 1950, fato que ganhou espaço nos jornais de Chateaubriand. Em um fretamento
exclusivo para a Cássio Muniz, dois cargueiros Constellation da Panair desembarcaram no
Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, trazendo os primeiros 100 aparelhos. Estiveram
presentes naquele importante acontecimento José Brady, diretor da RCA Victor em São Paulo;
Walter Obermüller, engenheiro da RCA; Erasmo Toledo, diretor da Cássio Muniz S/A; e Paul
Dault, representante de vendas da Panair do Brasil e da Pan American World Airways.
A sincronizada parceria comercial realizada entre as Emissoras Associadas de São Paulo, a RCA
e a Cássio Muniz teve as seguintes etapas: pedido de importação dos televisores; espera de 60 dias
para o desembarque em Congonhas; desembaraçamento na alfândega; instalação de televisores
para o público em cerca de 20 estabelecimentos da cidade; distribuição nas lojas para início das
vendas; início dos testes de sinal da estação transmissora no canal 3; e, finalmente, o início da
programação experimental da Tupi-Difusora. Como veremos no Capítulo 15, os testes de sinal
do Canal 3 iniciaram-se dois dias após a chegada deste primeiro carregamento de televisores,
quando boa parte dos receptores já estava instalada nos estabelecimentos previstos.
No aniversário de um ano de operação da TV Tupi, a loja Cássio Muniz fez um anúncio nos
jornais com informações importantes sobre a referida parceria comercial:

Os 100 primeiros Receptores de Televisão RCA. Importados por


Cássio Muniz S.A., via aérea, para que São Paulo pudesse assistir
[...] à histórica transmissão inaugural da PRF3-TV. É com uma grata
satisfação que recordamos a azáfama daqueles dias, quando era
nosso dever, como Distribuidores Exclusivos dos Produtos RCA Victor,
importar, receber e instalar estrategicamente os primeiros aparelhos
de Televisão — a tempo e hora — para que a inauguração da PRF3-
TV tivesse a massa de espectadores entusiasmados que realmente
teve, pelas ruas e praças de São Paulo, diante dos bares e das lojas
de nossos revendedores — nos quais — em 4 dias apenas, instalamos
os Receptores de Televisão RCA recém-recebidos por Constellation,
especialmente fretado pela nossa firma. Nesta data tão significativa,
reservada aos festejos do primeiro aniversário da emissora de TV
com que o dinamismo de Assis Chateaubriand dotou o nosso Estado,
fazendo-o pioneiro também no campo de televisão... (anúncio da loja
Cássio Muniz, Diário de São Paulo, 18/09/1951, p. 8)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 185

Como vimos, a chegada dos primeiros receptores de televisão em São Paulo foi fruto de uma
ação coordenada e os fatos não aconteceram como são contados na versão confusa de que,
simplesmente, “esqueceram-se de encomendar receptores para a estreia da televisão em São
Paulo”. Provavelmente, isso seja fruto de uma história mal contada por alguns pioneiros da
TV, que se confundiram com a necessidade repentina de se obter receptores para a exibição
dos eventos dos Diários Associados, um pedido urgente e inesperado de Chateaubriand, o
comandante mandão.

Vendendo Televisores

Congratulando-se com as Emissoras Associadas pelo arrojado


empreendimento de lançar nos céus brasileiros a transmissão de
imagens, a Natal Elétrica Ltda. orgulha-se de poder marchar ao
lado dessa pioneira do progresso, aceitando desde já pedidos para
breve entrega dos afamados receptores de televisão General Electric.
(anúncio da loja Natal Elétrica, Diário de São Paulo, 09/07/1950)

Em julho de 1950, algumas lojas de São Paulo passaram a aceitar encomendas de receptores
de TV e, a partir de agosto, já foi possível comprar com pronta entrega. No caso específico
dos receptores RCA, as vendas começaram exatamente no dia 16 de agosto, data em que,
sincronizadamente, a programação experimental da PRF3-TV deixou de exibir apenas as
imagens estáticas dos testes e iniciou a apresentação de alguns filmes musicais.

Anúncio publicado em 27/08/1950,


onde uma loja representante
da GE já oferecia a entrega
imediata de receptores de TV para
acompanhamento das transmissões
experimentais do Canal 3. (Diário da
Noite/reprodução)

Anúncios em jornais, revistas e, provavelmente, no rádio, convidavam o público a adquirir


um televisor para assistir à inauguração da TV Tupi no conforto de suas casas. Mesmo assim,
pouquíssimas famílias haviam comprado um aparelho quando a televisão foi inaugurada em São
Paulo. O grande público assistia nas vitrines das lojas. Na “Revista do Rádio”, edição de 22 de
agosto de 1950, um colunista publicou que ainda não tinha conhecimento de alguém que tivesse
comprado um receptor de TV. Os afortunados foram se interessar por adquiri-los com o passar
das semanas e as vendas começaram a crescer rapidamente.
186 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A General Electric investiu forte no mercado de TV no Brasil. No início de setembro, anunciou


o endereço de 21 lojas em São Paulo, onde também foram disponibilizados receptores para o
público acompanhar as transmissões experimentais da TV-3. No final do mês de agosto, em
São Paulo, durante a fase experimental do Canal 3, aconteceu a Exposição Industrial da Água
Branca, onde a GE demonstrou seus receptores de TV em um estande, inclusive ao governador
de São Paulo, Adhemar de Barros.

Preço Alto

O problema do número baixo de receptores comercializados na época do lançamento da televisão


não foi reflexo da falta de interesse da população, mas do preço exagerado nas lojas. Apesar de
a Carteira de Exportação e Importação ter estipulado o valor máximo de Cr$ 6 mil, o preço final
acabou ficando bem mais alto, em função dos juros do crediário. Esse preço era tão elevado
que poucas lojas os informavam em seus anúncios. Logo após a inauguração do Canal 3, foram
anunciados em jornais paulistanos um luxuoso modelo de televisão GE, com gabinete de mogno,
saindo por Cr$ 12,95 mil. Um modelo de mesa estava custando Cr$ 10,95 mil. A efeito de
comparação, no mesmo anúncio estampou-se também os seguintes preços: ferro elétrico (Cr$
55,00), rádio portátil (Cr$ 1,49 mil), rádio-vitrola (Cr$ 2,9 mil), rádio-vitrola mais sofisticada
(Cr$ 3,99 mil), fogão de quatro bocas (Cr$ 1,97 mil) e geladeira (Cr$ 8,35 mil). Em suma,
quando os primeiros televisores importados começaram a ser vendidos no Brasil, em agosto de
1950, eles custavam cerca de 800% a mais que um popular rádio portátil. No entanto, após dois
meses de operações da PRF3-TV, os preços começaram a cair e já havia receptores saindo por
Cr$ 8 mil.
Mesmo assim, somente a elite e o comércio puderam adquirir os receptores na fase inicial da TV
brasileira. Ainda que, por meio dos televisores ligados no comércio, as pessoas de renda mais
baixa também tiveram acesso à programação, o conteúdo dos programas foi realmente mais
elitista, voltado ao nível cultural de quem poderia adquirir um aparelho.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 187

CAPÍTULO 14
DEMONSTRAÇÕES DE TELEVISÃO DA GE EM SÃO PAULO

O público paulista, que já teve ocasião de assistir a demonstrações


experimentais de televisão, quando da visita do general Dutra
e da temporada artística do frei José Guadalupe Mojica, terá
oportunidade hoje de presenciar trabalhos televisionados no campo
médico-cirúrgico. [...] Usando esta antena e todo o equipamento, as
transmissões de televisão serão feitas através do espaço pela primeira
vez em S. Paulo. (“Será Irradiado Hoje, em Nossa Capital, o Primeiro
Programa de Televisão”, Correio Paulistano, 20/07/1950, p. 16)

E
m meados de 1950, as duas primeiras emissoras de televisão brasileiras estavam em plena
montagem em São Paulo e no Rio de Janeiro, sob a iniciativa dos Diários Associados.
A expectativa do público era grande para ver a TV Tupi no ar, mesmo que somente em
bares e vitrines de lojas, já que o preço dos receptores seria altíssimo. Como já relatado no
Capítulo 2, alguns brasileiros já tinham presenciado demonstrações de televisão profissional
no longínquo ano de 1939, no Rio de Janeiro, numa ação entre os governos da Alemanha e do
Brasil. Em 1948, já terminada a Segunda Guerra Mundial, os franceses vieram ao Brasil para
demonstrar seu sistema de televisão, também no Rio de Janeiro, em uma escola do Exército e em
praça pública — fruto de uma parceria com a Rádio Nacional. No mesmo ano, em Juiz de Fora,
um pioneiro transmitiu seu sinal amador de TV para toda a cidade. E, em São Paulo, em julho
de 1950, a futura TV Tupi fez sua pré-estreia com quatro transmissões sucessivas em circuito
interno. Desta forma, a TV ganhava ampla popularidade em algumas regiões do Brasil e tais
demonstrações serviram como uma espécie de matrícula para os futuros profissionais pioneiros
na escola da televisão.
Poucos dias depois das apresentações experimentais no prédio dos Diários Associados, outro
evento demonstrativo de televisão profissional chegava a São Paulo, mas com um conceito bem
diferente do que alguns brasileiros já tinham presenciado. Sob o título de “Vídeo Médico”, era
um programa científico norte-americano voltado para a combinação de medicina e tecnologia. A
proposta era proporcionar que diversos estudantes de medicina pudessem assistir a procedimentos
cirúrgicos à distância. Por um circuito interno de TV, o programa mostraria as incisões captadas
por duas câmeras, uma instalada sobre um tripé móvel, mostrando o plano aberto da sala, e a
outra afixada sobre a mesa de cirurgia, para visualizar os detalhes em close-up. Haveria também
um microfone para que o cirurgião narrasse os detalhes do procedimento.
O programa foi considerado um grande progresso da educação médica no exterior e tinha o
patrocínio do laboratório farmacêutico E.R. Squibb & Sons International Corporation e da
General Electric Company Inc. (GE), fornecedora de todo o equipamento de televisão para
captação, transmissão e recepção.
188 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Em seu país de origem, o “Vídeo Médico” havia feito muito sucesso em congressos e algumas
universidades cogitaram incluir um sistema de televisão nos programas educacionais que
necessitavam de demonstrações práticas. A mesma estação portátil que saiu em excursão pela
América Latina — incluindo o Brasil — havia sido usada numa histórica transmissão de uma
cirurgia realizada no Hospital Bellevue, em Nova York, enviando o sinal para uma antena no
topo do edifício Empire State Building, que o rebateu para o edifício das Nações Unidas. Lá,
havia monitores de TV para personalidades da Organização Mundial de Saúde, diplomatas
latino-americanos e outras figuras importantes da classe médica.
A turnê do “Vídeo Médico” na América Latina passaria, nesta ordem, por San Juan (Porto Rico),
São Paulo, Buenos Aires (Argentina), Caracas (Venezuela) e Cidade do México (México). No
Brasil, as exibições aconteceriam como parte das atrações da 2ª Jornada Pan-Americana de
Gastroenterologia, evento organizado pela Associação Interamericana de Gastroenterologia e
presidido pelo professor-doutor Benedito Montenegro, catedrático da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Em novembro de 1949, ele havia ido aos Estados Unidos para
participar de congressos científicos e, em nome da Faculdade de Medicina de São Paulo, fechou
acordo para sua inclusão na turnê do “Vídeo Médico”.

Anúncio do programa “Vídeo Médico”. (O


Estado de São Paulo/reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 189

A Montagem dos Equipamentos

Os equipamentos da General Electric chegaram a São Paulo em 15 de julho, pelo Aeroporto de


Congonhas, em um voo da companhia Pan American World Airways. Na bagagem, um conjunto
de 70 caixas com um material valioso, moderno e pesado (4600 kg), incluindo duas câmeras
portáteis em preto e branco; transmissor e receptor de micro-ondas com 1 kW de potência e
alcance de 40 km; antenas; mesa de controle de vídeo; e 20 receptores de televisão com 16
polegadas. Também chegou a bordo um grupo composto pelo engenheiro-chefe da GE, Walter
E. Sutter, cinco engenheiros-eletrônicos, alguns operadores e os representantes Thomas Smith
(GE) e Alfred Zedda (E.R. Squibb).
A estação portátil de televisão foi montada em um dos edifícios do Hospital das Clínicas de São
Paulo, que fica próximo da Avenida Paulista. A 2° Jornada de Gastroenterologia foi realizada no
auditório da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, situada em frente ao hospital,
e contou também com um espaço nos salões do Instituto de Engenharia de São Paulo, onde seriam
realizadas as demonstrações de televisão aos congressistas. Uma antena transmissora direcional,
com pouco menos de 2 m de diâmetro, foi instalada no topo do prédio do hospital, apontada para
uma antena receptora afixada no topo do edifício Saldanha Marinho, localizado na Rua Líbero
Badaró, n° 39, no Centro, a 4 km do Hospital das Clínicas em linha reta. No 12° andar ficavam os
salões do Instituto de Engenharia de São Paulo, onde foram instalados 10 receptores de TV com
16 polegadas. Os outros 10 receptores foram ligados no auditório da Faculdade de Medicina, na
Avenida Dr. Arnaldo. A estação móvel de TV e os monitores da Faculdade de Medicina foram
interligados não por outro link de micro-ondas, mas por meio de cabos coaxiais de um circuito
interno, tal como foi feito, dias antes, nas primeiras experimentações da TV Tupi.
As exibições do “Vídeo Médico” aconteceram entre 24 e 26 de julho, sempre pela manhã,
direcionadas a médicos e estudantes de medicina.

“Vídeo Educativo”

A GE e a E.R. Squibb trouxeram outro programa “na bagagem”, desejando demonstrar que, além
de potencialidades a serviço da ciência, a televisão também era um veículo de entretenimento
e divulgação de conhecimento às massas. Este programa também seria exibido ao vivo, para
o público em geral, nos dias que antecederiam a estreia do “Vídeo Médico”. Chamado de
“Vídeo Educativo”, sua premissa era produzir e mostrar conteúdos locais e variados, como
documentários científicos e educacionais, esportes e entretenimento em geral. Além disso,
naturalmente, haveria também uma ação publicitária da GE para maior divulgação da televisão.
O Brasil era um mercado promissor, que estava entrando fortemente na era da televisão. A GE
já tinha vendido equipamentos para a TV Tupi do Rio de Janeiro e mantinha um escritório
comercial na mesma cidade1.

1 Como pode ser visto nos capítulos 7 e 23.


190 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O Primeiro Programa de TV Produzido em São Paulo

Aproveitando a permanência do equipamento de televisão em São


Paulo, as firmas americanas patrocinadoras de sua vinda ao Brasil
apresentaram também um programa educacional variado, o Vídeo
Educativo, transmitido do estúdio também instalado no Hospital de
Clínicas. Durante o “show”, funcionaram sempre duas câmeras,
ambas móveis, montadas sobre tripés providos de rodas e que se
deslocaram rapidamente, focalizando de vários ângulos os diferentes
aspectos do “show”. (“A Televisão Científica no Brasil”, Ciência
para Todos, 24/09/1950, p. 3)

Para participar do programa popular de televisão, foi promovida uma seleção especial de
artistas que atuavam nas rádios Record, Tupi e Difusora de São Paulo. Eles foram convidados a
demonstrar a valiosa contribuição educativa que a televisão poderia proporcionar.
Apesar de soar como uma experimentação ou divulgação da futura estreia da TV Tupi de São
Paulo, o programa artístico da GE/E.R. Squibb não teve ligação com as Emissoras Associadas,
mesmo que tenha havido a participação de nomes de seu elenco. A agência Grant Advertising
era quem cuidava da propaganda da GE no Brasil e contratou 20 profissionais para realizar
a produção artística do programa “Vídeo Educativo”. Entre eles, Ângelo Sangirardi Jr., que
organizou e dirigiu as apresentações, e o cenógrafo, figurinista e cineasta Carlos Arthur Thiré —
esposo da atriz Tônia Carrero e pai do ator Cecil Thiré. Anos depois, a Grant Advertising seria
a primeira agência a produzir programas na TV Tupi, um modelo de parceria comercial que se
tornou muito comum nas primeiras duas décadas da televisão no Brasil.
No dia 20 de julho, às 18h, foi promovida a pré-estreia do “Vídeo Educativo”, em sessão exclusiva
para a imprensa e autoridades. Assistida em 10 receptores instalados nos salões do Instituto de
Engenharia, a transmissão teve 60 minutos e foi gerada ao vivo do estúdio GE de televisão,
especialmente montado no anfiteatro do 7º andar do Hospital das Clínicas. A apresentação do
“Vídeo Educativo” foi feita pelo locutor Homero Silva, das Emissoras Associadas. De início, a
audiência assistiu a um discurso do prefeito da cidade de São Paulo, Lineu Prestes, que destacou
o significado social e educativo da televisão. Em seguida, o “Vídeo Educativo”, o primeiro
programa propriamente de televisão produzido em São Paulo, contou com a participação do
Palhaço Arrelia; do pianista argentino Robledo e Seu Conjunto; do sambista Caco Velho; das
cantoras Elza Laranjeira e Neide Fraga; do ventríloquo Conde Hermann e seus Bonecos; do músico
R.T.G. e seu Órgão Elétrico; do humorista Badú; das bailarinas do Grupo Experimental de Ballet
(Dóris Dawis, Dorinha Costa, Cândida Zingra e Jurema Ranzani); das atrizes Miriam Simone
e Marly D’Ângelo; e dos lutadores de catch-as catch-can1 Duro e Dário. Hélio Bittencourt, um
engenheiro brasileiro da GE, apresentou um quadro onde explicou o funcionamento da televisão
por meio de uma encenação com uma enfermeira, a radioatriz Miriam Simone, da Tupi-Difusora
(futuramente ambos se tornariam um casal). Foi exibida, também, uma participação pré-gravada
em película, produzida pela GE, onde o dr. Wolfgang Bücherl, do Instituto Butantan, mostrou
como se preparava o soro antiofídico, como se extraía o veneno de uma serpente, como elas eram
capturadas e como eram distinguidas as espécies.
No dia seguinte, 21 de julho, foi realizada a primeira exibição normal do “Vídeo Educativo”,
desta vez, especialmente produzido para centenas de pacientes do Hospital das Clínicas, inclusive
1 Modalidade de luta livre onde, teoricamente, todos os golpes são permitidos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 191

as crianças. Pelos receptores de TV, foram vistos números de música instrumental e vocal,
ventriloquia, aulas práticas de higiene e, novamente, o quadro explicativo sobre o funcionamento
da televisão e o documentário gravado no Instituto Butantan.
Outras apresentações regulares do “Vídeo Educativo” foram realizadas entre os dias 24 e 26
de julho, sempre às 14h, 16h e 20h, também com transmissão simultânea para o auditório da
Faculdade de Medicina e para os salões do Instituto de Engenharia.

Televisão na Prática

Um colunista de televisão dos Diários Associados de São Paulo, que assinava apenas com as
iniciais “E.B.”, publicou que foi escalado para fazer parte da equipe de produção do programa
“Vídeo Educativo”. Em sua coluna, E.B. contou em detalhes os desafios enfrentados pela equipe,
que contava apenas com a teoria de produção de TV, mas, obviamente, nenhuma prática. Seu
relato é um bom retrato das dificuldades vividas pelos primeiros profissionais de televisão no
Brasil:

Levados a montar e dirigir um programa de 60 minutos consecutivos,


pudemos perceber como funcionava esta maravilhosa fonte de
entretenimento popular. Durante dias seguidos, em reuniões
consecutivas com homens de rádio e propaganda, tínhamos discutido
e estudado mil vezes o programa, tínhamo-lo retocado, modificado,
amputado. Durante reuniões que se prolongavam até altas horas da
manhã, foram discutidos mil e um detalhes referentes à produção,
à montagem, ao roteiro, aos artistas, à técnica, ao movimento das
câmaras, a tudo! E, no entanto, 48 horas antes do programa ser
transmitido, oito técnicos americanos que haviam recém-chegado
nos mostraram que tudo estava errado. Não se pode descrever,
em poucas palavras, a lição que nos foi dada por um rapaz louro
chamado [Thomas] Smith, que em poucas linhas conseguiu resumir
todas as dificuldades apresentadas pelo programa. Foi assim como
uma repetição da cena do ovo de Colombo. Todo mundo tinha uma
sugestão a fazer, cada qual mais complicada do que a outra, menos
aquela que solucionaria com a maior simplicidade o problema. O
que Thomas Smith fez foi armar a equação, pôr cada dado, cada
elemento em seu lugar. O que nós fizemos, depois disso, foi reduzir
a equação a um resultado artístico. Tanta discussão, tanta reunião,
tantos palpites inúteis! Um homem experiente vinha demonstrar que
televisão não era nada daquilo que nós pensávamos. Eis, pois, algo
em que devem refletir os homens de rádio brasileiros, que assistem
com indiferença a chegada da televisão no país. Não adiantam
os livros, não adiantam as teorias: o que adianta é a prática, é o
trabalho em si, feito por alguém que entende do métier. Daí em
diante, vencerá mais quem souber melhor utilizar a sua imaginação.
Uma das coisas principais que não conseguimos visualizar, ao
confeccionarmos o programa, era a posição em que as duas câmeras
deveriam ficar. Para o leitor leigo convém explicar, rapidamente, que
todo espetáculo é apanhado, simultaneamente, por duas câmeras,
192 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

colocadas em ângulos diferentes (como no cinema) e transmitido


do aparelho monitor. Diante do monitor, o diretor artístico ou o
técnico escolhe a imagem melhor e a envia para a antena, de onde
será projetada para fora. Ora, apesar de sabermos que havia duas
câmeras no estúdio, não tínhamos pensado na “área” que essas duas
câmeras deveriam cobrir durante os 60 minutos de transmissão. Em
outras palavras: faltava marcar o lugar de cada câmera em função
dos números apresentados nos dois “sets” do palco. As 30 ou 40
pessoas que atuavam no programa tinham, evidentemente, que se
movimentar, sair, trocar de roupa, afastar-se, surgir outra vez... E esta
movimentação, esta sequência de artistas, tinha que ser determinada
para os operadores, tanto das câmeras filmadoras, como do monitor.
Escrito assim, pode parecer uma coisa simplíssima; no entanto,
foi a parte mais complicada do programa. Depois disso, tivemos
que pensar no movimento dos microfones, na redação do script,
na montagem geral [...]. (“Televisão”, E.B., Diário de São Paulo,
25/07/1950, p. 10)

As Cirurgias do Vídeo Médico

Também no dia 21 de julho, o professor-doutor Benedito Montenegro — cirurgião de renome


mundial e presidente da 2ª Jornada Pan-Americana de Gastroenterologia — realizou uma cirurgia
como experiência preliminar do “Vídeo Médico”, transmitindo via cabo coaxial para os 10
monitores também instalados no anfiteatro do 7º andar do Hospital das Clínicas. Três dias depois,
em 24 de julho, às 8h, o congresso foi oficialmente aberto e coube ao próprio dr. Montenegro
apresentar o “Vídeo Médico” aos numerosos congressistas brasileiros e estrangeiros, acomodados
nos dois pontos de recepção montados em São Paulo. Antes de iniciar a primeira cirurgia, o dr.
Montenegro leu uma mensagem diretamente da sala de cirurgia nº 9058, no 9º andar, escolhida
para receber os equipamentos de televisão.

Dr. Benedito Montenegro


apresenta o “Vídeo
Médico”. (Jornal de
Notícias/reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 193

Crianças hospitalizadas se divertem


vendo TV pela primeira vez. (A Noite
Ilustrada/reprodução)

“Senhores ouvintes (sic). Teremos, dentro de alguns momentos, pela primeira vez no Brasil, uma
demonstração cirúrgica por meio da televisão, como parte do programa de um congresso. [...] Já
se pode aquilatar a importância que terá futuramente a televisão no ensino da cirurgia, pois ela
passou do terreno experimental para o da prática [...]”, iniciou Montenegro.
Durante os três dias de jornada, as cirurgias aconteceram no período da manhã. No primeiro
dia, elas foram executadas pelo dr. Plínio Bove, no segundo pelo dr. Daher Cutait e, no terceiro
dia, pelo próprio dr. Montenegro. Houve transmissão simultânea para todos os 20 monitores do
sistema, com uma nítida recepção de áudio e vídeo em cores, segundo jornais da época. Muitos
médicos não esconderam o entusiasmo com o completo êxito nas demonstrações.

Tecnologia em Altíssima Frequência

A faixa de transmissão foi o grande diferencial técnico entre as demonstrações anteriores de


televisão profissional, transmitidas pelo ar no Rio de Janeiro, em 1948, e as demonstrações da
GE/E.R. Squibb, realizadas em São Paulo em 1950. As experiências de 1948 foram transmitidas
por uma antena que irradiava o sinal para todas as direções — chamada de antena omnidirecional
—, enquanto a GE se utilizou de uma tecnologia com antena direcional, mais precisa e indicada
para transmissões de sinal ponto-a-ponto, como realmente era o caso. O sinal gerado do Hospital
das Clínicas com os equipamentos GE tinha destino certo e privado, podendo ser captado a 40 km
em linha reta. Chamada de “link”, esta tecnologia funciona por meio de duas antenas parabólicas
— transmissora e receptora —, posicionadas a 90º em relação ao solo. O sinal é emitido em UHF,
uma faixa de frequência mais alta que a de VHF, que fora utilizada nas demonstrações de 1948 e
que posteriormente seria designada para as transmissões regulares de TV.
Em suma, as transmissões do “Vídeo Médico” e do “Vídeo Educativo” não poderiam ser
sintonizadas por nenhum receptor de TV que porventura estivesse ligado na cidade de São Paulo,
visto que seria necessário que ele contasse com um conversor de frequência específico para UHF,
faixa onde hoje, curiosamente, operam quase todos os canais digitais de TV aberta no Brasil.
194 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Senhoras Amáveis, Cavalheiros Circunspectos, Meninos


Endiabrados...

No total, cerca de 10 mil pessoas assistiram à exibição de ao menos um dos programas do “Vídeo
Médico” ou do “Vídeo Educativo”, realizações muito importantes para a divulgação da televisão
e para a experimentação dos técnicos e artistas que se preparavam para trabalhar com o novo
veículo. Além, claro, de representar um grande avanço para a ciência médica em geral. O jornal
“O Estado de São Paulo” fez uma clara descrição do perfil do público paulista que esteve na tarde
de 26 de julho, no salão do Instituto de Engenharia, para ver as exibições do “Vídeo Educativo”.

“Houve mais de uma exibição durante o dia e a sala da prestigiosa


sociedade manteve-se repleta de curiosos. Havia senhoras amáveis e
cavalheiros circunspectos, meninos endiabrados e jovens irrequietos,
todos cheios de interesse pela maravilha que, pela primeira vez, iriam
apreciar”. (“Televisão”, O Estado de São Paulo, 27/07/1950, p. 6)

Os dirigentes da Squibb e da General Electric também ficaram confiantes de que a inauguração


da televisão no Brasil significaria importante progresso na educação geral e médica. Não muito
tempo depois, a GE conseguiu fechar negócio para equipar a TV Record de São Paulo, a quarta
emissora de TV no Brasil.
As apresentações do “Vídeo Educativo” com o elenco de radionovela e radioteatro das rádios
Record, Tupi e Difusora historicamente se constituíram como o primeiro programa de televisão
exibido nos céus de São Paulo, mesmo sendo transmitido de forma experimental e apenas para
um público restrito a dois locais. E outro aspecto importantíssimo: as exibições foram feitas em
cores, iniciativa inédita entre as experiências de TV anteriormente realizadas no país.
Por fim, deve-se mencionar uma das figuras daquele elenco pioneiro do “Vídeo Educativo” que
marcou muita gente e mereceu destaque na imprensa:

Daqui a algum tempo, quando estudiosos forem investigar as origens


de nossas telecomunicações, a figura simpática e terrivelmente
humana do palhaço [Arrelia] estará indissoluvelmente ligada ao
pioneirismo e todos saberão que antes de ser implantada a televisão
aqui no Brasil, a GE fizera, com transmissores instalados no Hospital
das Clínicas e receptores para o público no Clube de Engenharia,
na Rua Líbero Badaró, uma experiência-piloto na qual, entre outras
figuras “históricas”, aparecera o rosto colorido de um homem dotado
de imensa ternura e extraordinária missão num mundo caracterizado
por violência: fazer rir, sem palavrão. (“O Homem Histórico”, Folha
de São Paulo, 01/11/1968, 3º Caderno, p. 1)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 195

CAPÍTULO 15
LIGANDO O TRANSMISSOR - A FASE EXPERIMENTAL DA PRF3-
TV
Desde o dia 24 de julho último, acha-se no ar, diariamente, o
transmissor de televisão RCA, de propriedade das Emissoras
Associadas de São Paulo. Com a finalidade inicial de unicamente
permitir o alinhamento de receptores, a chegada dos receptores
RCA possibilitou a distribuição estratégica dos mesmos pelos pontos
mais movimentados da Capital bandeirante, cuja população vem
assistindo, desde o dia 16 de agosto, a programas regulares especiais.
(Revista Monitor de Rádio e Televisão, nº 36, setembro de 1950, p. 7)

A
instalação da estação transmissora no Banco do Estado de São Paulo já estava
completamente concluída e, com a chegada dos primeiros 100 receptores RCA em solo
paulistano, era o momento de iniciar os testes de transmissão do canal VHF-3 da TV
Tupi-Difusora. O poderoso transmissor RCA, modelo TT-5A, com 5 kW de potência, entrou
no ar pela primeira vez no dia 24 de julho de 1950, uma segunda-feira. Pela primeira vez na
América do Sul, eram feitas transmissões oficiais de televisão. No Rio de Janeiro, a TV Tupi
- Canal 6 ainda estava em fase de montagem e no México haviam sido iniciadas no dia 16 de
julho as transmissões experimentais da XHTV - Canal 4, emissora também equipada pela RCA
e que se tornou a pioneira da América Latina. No Brasil, começava a se concretizar o sonho de
Assis Chateaubriand, o mesmo sonho que tiveram outros empresários, e que lutaram para ter
protagonizado esta primazia.
De acordo com o cronograma de implantação da televisão em São Paulo, o Canal 3 iniciaria
seus testes de sinal com a imagem-padrão da RCA, assim que os receptores RCA chegassem
em São Paulo. Imediatamente, eles passariam a ser instalados em pontos comerciais estratégicos
da cidade e, assim que fosse concluído este processo, a estação também passaria a exibir alguns
programas durante seu horário de transmissão experimental.
A imagem-padrão do equipamento RCA era uma imagem estática, chamada tecnicamente de
“test-pattern”. Coincidentemente, ela mostrava a cabeça de uma figura indígena, no entanto, não
de um Tupi, mas de um cacique norte-americano da tribo Sioux. Com isso, o padrão de testes do
Canal 3 acabou ficando popularmente conhecido por “Cabeça de Índio”. Esta mesma imagem do
test-pattern acabou sendo utilizada por todas as emissoras brasileiras daquela época, mesmo que
seus equipamentos não fossem da RCA.
196 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O transmissor RCA TT-5A da TV Tupi


- Canal 3, instalado no 34º andar da
sede do Banco do Estado de São Paulo.
(Acervo Museu da TV, Rádio & Cinema)

O Test-pattern da RCA, a primeira imagem transmitida pela pioneira TV Tupi de São Paulo. (reprodução)

O padrão “Cabeça de Índio” tinha um propósito técnico. Quando os transmissores das emissoras
eram ligados, este slide era colocado no ar para realizar os ajustes finos da imagem. Cada traço e
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 197

cada número contidos neste padrão visavam um determinado ajuste a ser feito pelos operadores
do transmissor e do controle geral das emissoras. Simultaneamente aos testes, o operador de
áudio da emissora executava faixas de LPs para que o som também fosse regulado. Depois de
testados o vídeo e o áudio, entrava no ar um segundo slide, que já mostrava o prefixo da emissora
e ficava no ar até chegar o horário oficial para iniciar a programação. Por fim, o test-pattern
também auxiliaria as assistências-técnicas a diagnosticar defeitos nos receptores e serviria de
parâmetro para o telespectador regular o brilho e o contraste. Em 1972, com a implantação da
TV em cores no Brasil, o padrão do índio da RCA foi substituído pelo padrão de barras verticais
em cores. Afinal, com a modernização dos equipamentos, o que ainda precisava ser ajustado
manualmente eram somente as cores.
A primeira fase das transmissões experimentais da PRF3-TV se prolongou por 23 dias e, por si
só, já chamou a atenção popular nas vitrines das casas do ramo.

Julho de 1950 foi um mês muito importante para a história


da televisão brasileira. Começou com as transmissões
experimentais da TV Tupi no Museu de Arte, seguiu com
a estreia do “Vídeo Educativo” no dia 20, no Hospital das
Clínicas, até que chegou o histórico dia 24, quando, além da
estreia das transmissões do “Vídeo Médico”, às 8h, também
no Hospital das Clínicas, aconteceu o primeiro acionamento
do transmissor da PRF3-TV Tupi-Difusora - Canal 3, dando
início à fase experimental da estação pioneira.

“Uma Televisão que Vai Serra Abaixo e Serra Acima”

As transmissões de televisão, conforme experiências realizadas


esta semana, estão sendo recebidas com nitidez e perfeição técnica
também na vizinha cidade de Santos. A população do nosso porto
está satisfeita por gozar desse maravilhoso evento da engenharia
eletrônica, pois pensava-se que somente os paulistanos é que
teriam esse privilégio. [...] Hoje, técnicos das “Associadas” irão
até Campinas e Jundiaí. (“Cidade do Rádio”, Diário de São Paulo,
26/07/1950, n.p.)

Assim que se iniciaram as transmissões experimentais da TV-3, os técnicos das Emissoras


Associadas logo trataram de acabar com uma dúvida que incomodava Chatô há tempos: o
sinal do Canal 3 chegaria bem até as cidades de Santos, Jundiaí e Campinas? A primeira cidade
a ser visitada pela equipe foi Santos, no litoral paulista e, logo em seguida, em um de seus
artigos, Chatô reproduziu propositadamente parte de uma conversa que teve dois anos antes, em
198 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Nova York, com o amigo Meade Brunet, o presidente-executivo da RCA International. Brunet
retrucava a preocupação do amigo brasileiro sobre a possibilidade de a TV Tupi de São Paulo
chegar àquelas três importantes cidades, algo que lhe seria de grande valia comercial:

“Não, não e não! [...] Vocês percam a esperança de se meter em


largas cavalarias por São Paulo afora. Conheço o ímpeto dos
paulistas, para não ignorar que vocês descendem de guaicurus, ou
seja, de esplêndidos cavaleiros. O que acontece, desgraçadamente,
é que nossos cavalos não galopam na velocidade que vocês querem.
Por enquanto, a televisão anda a trote. Não contem com mais de 35
km de raio para além da torre do Banco de São Paulo. Tudo o mais
é fantasia e nós americanos não temos naturezas fantasmagóricas.
Contentem-se com o que lhes prometo, por ora, e considerem-se felizes
em poder dar a uma metrópole de 2 milhões de almas, como São
Paulo, o sinal da nossa TV. É uma façanha começar a fazer televisão
cobrindo uma superfície já deste tamanho”. (“Uma Televisão que
Vai Serra Abaixo e Serra Acima”, Assis Chateaubriand, Diário de
São Paulo, 31/08/1950, p. 1)

Entretanto, devido ao tempo que Meade Brunet fez Chateaubriand esperar para receber os
equipamentos, realmente foi possível que a RCA enviasse uma versão do transmissor com maior
ganho de potência, algo que faria a área de cobertura saltar de 35 para 75 km. “Tem você aí, meu
amigo, a demora que pusemos de mais de um ano na entrega do transmissor de São Paulo. Nosso
contrato com a Tupi paulista é para um transmissor de 35 km de raio de ação. Veja agora: vamos
dar-lhe um de 75 km, igual a este da National Broadcasting [NBC]”1, disse Brunet a Chatô.
Voltando ao artigo escrito por Chateaubriand, ele revelou que o sinal de testes do Canal 3
estava sendo recebido não a “apenas” 75 km como se previa, mas ao menos 130 km, indo muito
além daquelas regiões que ele tanto almejava. Para ter uma ideia da preocupação comercial de
Chateaubriand de chegar longe com o sinal da PRF3-TV, em 1946 ele solicitou a um engenheiro
norte-americano da RCA e, no ano seguinte, a um inglês da Marconi Wireless Co., para que
fossem a São Paulo realizar estudos sobre as condições geográficas da metrópole. Contudo,
ambos os profissionais foram unânimes na negativa de que estas cidades poderiam assistir ao
Canal 3 paulistano e, segundo relatou o inglês, para levar sinais de TV a longas distâncias era
necessário estabelecer estações retransmissoras ao longo do caminho ou uma rede de cabos.

Aí temos, depois de 32 meses do pagamento do sinal da compra do transmissor


paulista, o acontecimento inesperado: a curva da Serra, de Cubatão para
Santos, e o paredão da Serra dos Cristais, que se interpõe entre S. Paulo,
Jundiaí e Campinas, não constituem mais obstáculos para a entrada do nosso
sinal nas três cidades satélites desta Capital. Temos uma televisão de abafar,
que vai serra abaixo e serra acima, sem mais enxergar barreiras pelas suas
rotas celestes. (“Uma Televisão que Vai Serra Abaixo e Serra Acima”, Assis
Chateaubriand, Diário de São Paulo, 31/08/1950, p. 1)
Aos poucos, foi verificado também que o sinal do Canal 3 estava chegando bem em Bragança
Paulista (71 km) e até em São Carlos (a incríveis 210 km de distância). Há, também, um caso

1 “Televisão Com 75 Quilômetros de Raio de Ação”, Assis Chateaubriand, O Jornal,


21/10/1949, p. 4.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 199

isolado e extremo, ocorrido em 1954, onde um telespectador de Buenos Aires passou a receber,
com certos ruídos e distorções, as imagens da Tupi de São Paulo. O sistema irradiante da
televisão pioneira mostrava que realmente tinha um excelente desempenho técnico e acabou
surpreendendo a todos, até mesmo os executivos e engenheiros da fabricante dos equipamentos.

Vitrines e Prateleiras: Receptores de TV Espalhados pela


Cidade

Como já mencionado, as Emissoras Associadas realizaram uma ação de marketing em larga escala
para a divulgação da televisão em São Paulo, numa parceria com a RCA e a loja de eletrônicos
Cássio Muniz, distribuidora exclusiva dos produtos RCA no Brasil. Com a chegada do primeiro
carregamento de 100 televisores, na noite de 21 de julho, a Cássio Muniz rapidamente instalou
pouco mais de 20 unidades em casas comerciais da região central expandida de São Paulo,
proporcionando que o grande público pudesse entrar em contato com a novidade midiática.
Os monitores RCA adquiridos pelas Emissoras Associadas foram disponibilizados em 22
endereços da Capital paulista. Além de seis unidades na própria loja Cássio Muniz, na Praça da
República, n° 309, também receberam televisores para acompanhar as primeiras transmissões
da TV Tupi a loja Mappin (Praça Ramos de Azevedo), loja Sears (Praça Oswaldo Cruz), Casa
Beethoven (Largo da Misericórdia), Irmãos De Meo & Cia (Largo São Bento), Casa Chopin
(Rua José Bonifácio), Rádio Assumpção S/A (Rua Líbero Badaró), Bar Modelo (Praça da
Sé), Confeitaria da Sé (Praça da Sé), Café da Sé (Praça da Sé), Electrolândia Ltda. (Rua São
Bento), Cognac Bar (Avenida Angélica), Casa Pirani (Avenida Celso Garcia), Modas Clipper
(Largo Santa Cecília), A Exposição (Praça do Patriarca), Confeitaria Palácio Ltda. (Praça Clóvis
Bevilacqua), Casa Universo (Rua Domingos de Morais), Casas Paiçandu (Largo do Paiçandu),
Modas A Exposição (Avenida Celso Garcia), lojas Mesbla (Rua Dom José de Barros), Palácio
do Disco (Avenida São João) e o próprio saguão dos Diários Associados (Rua Sete de Abril).
Com o passar dos dias, o público também pôde acompanhar a programação de experiência em
televisores instalados no hall da Cidade do Rádio, no Sumaré.
A concorrente General Electric (GE), que logo passou a montar televisores no Brasil, também
disponibilizou algumas unidades para pronta entrega em São Paulo, por meio de revendedores
exclusivos, como a Casa Andrade, na Rua Xavier de Toledo. Uma propaganda da GE, publicada
nos jornais no dia 31 de agosto, ressaltou que a empresa havia equipado a primeira emissora de
TV da Capital da República, a TV Tupi do Rio de Janeiro, e agora oferecia seus receptores para
compra: “Televisão GE leva o espetáculo à sua casa”.

Programas na Tela

[...] O locutor Homero Silva anunciou várias vezes que em breve


teria início o espetáculo. Enfim, depois de quase uma hora de
espera, surgiu a maravilha para os que não a conheciam. Filmes
televisionados e os grupos foram engrossando, surgindo perguntas
das mais variadas. Todos queriam saber como aquilo era possível
200 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

e comentavam as vantagens da televisão para doentes e idosos. Os


adjetivos e as manifestações de surpresa e elogios se ouviram em
toda a cidade. (“Com a Televisão, S. Paulo Conquista Mais Uma
Primazia no Continente”, Correio Paulistano, 17/08/1950, p. 16)

Ficou marcado para as 17h do dia 16 de agosto o início da transmissão de programas na fase
experimental da PRF3-TV Tupi-Difusora, que passaria a acontecer diariamente, entre 17h e
19h. A loja Cássio Muniz publicou alguns anúncios nos jornais do dia anterior e do próprio dia
16, divulgando que era a primeira a disponibilizar receptores de televisão para compra em São
Paulo e convidando o público para se dirigir a um dos diversos pontos comerciais na cidade
com os receptores de demonstração: “Venha assistir amanhã ao primeiro programa de televisão
apresentado na América do Sul” (foto).

Anúncio da loja Cássio Muniz


convida o público para assistir aos
primeiros programas experimentais
da PRF3-TV. (reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 201

A tradicional loja Mesbla


repleta de telespectadores,
principalmente engravatados,
assistindo a uma exibição
experimental da TV Tupi por
meio de dois monitores. (Diário
de São Paulo/reprodução)

Público na Rua José Bonifácio, no


centro de São Paulo, acompanhando
as transmissões experimentais da TV
Tupi-Difusora. (Correio Paulistano/
reprodução)
202 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Cassiano Gabus Mendes já está em pleno trabalho dirigindo os


futuros espetáculos de televisão para as Associadas paulistas. Vários
shorts foram filmados e os trabalhos continuam num entusiasmo que
é a melhor garantia de êxito. (“Cassiano na TV”, Diário de São
Paulo, 18/07/1950, n.p.)

No dia 16 de agosto, muita expectativa próximo do horário do início da programação, com


numeroso público aglomerado nos diversos pontos da cidade com receptores instalados. O jornal
“Diário de São Paulo” descreveu a programação do dia apenas como “filmes especialmente
confeccionados” e “curiosos e variados filmes”. A RCA-Victor Rádio do Brasil mostrou seu
orgulho e anunciou nos jornais, destacando: “Televisão RCA: a primeira no mundo; a primeira
na América do Norte; e agora a primeira na América do Sul”. E ainda: “Às Emissoras Associadas
[...] os nossos parabéns e nossos votos para que o mais completo êxito coroe esse seu novo e
grandioso empreendimento”.
A programação durante o período de experiência da PRF3-TV foi composta por películas em 16
mm, com produções especialmente realizadas pelas Emissoras Associadas. Com duração entre
3 e 5 minutos, estas películas traziam apresentações musicais — uma espécie de videoclipe —
e documentários com assuntos gerais, como futebol, vida na Capital paulista e visitas a locais
históricos. Além dessas atrações, o público, que era principalmente composto por aqueles que
viam TV pelo comércio, também pôde assistir a alguns desenhos animados, porém com áudio
em inglês e sem legendas em português. “Estamos assistindo à alvorada da era da televisão!”,
escreveu um cronista do “Correio Paulistano”.

Durante as suas apresentações ao microfone da Tupi, [a cantora]


Império Argentina será também televisionada pelas Emissoras
Associadas. Ela tomará parte de um grandioso show cinematográfico,
filmado especialmente para os festivais da inauguração oficial da
aparelhagem de TV das rádios do Sumaré, em princípios de agosto.
(“Estreia Domingo na Rádio Tupi de S. Paulo ‘A Expressão Máxima
do Canto Espanhol’: Pela Televisão das ‘Associadas’”, Diário de
São Paulo, 19/07/1950, n.p.)

Os pequenos filmes exibidos foram produzidos durante os meses de junho e julho pelo diretor-
assistente Cassiano Gabus Mendes. Paulo Leblon e Ribeiro Filho foram alguns dos redatores. As
apresentações musicais contaram com grandes nomes que estavam passando pelos microfones
das rádios do Sumaré naquele período, incluindo artistas internacionais. Os primeiros a serem
filmados foram o Frei José Mojica (no Museu de Arte) e, nos estúdios, a dupla Zita e Fred, Rayito
de Sol e Dom Pedrito, e Império Argentina. Em seguida, foram filmadas atrações com Ivon Curi,
Carlo Buti, Jean Sablon e os grandes cartazes da Cidade do Rádio: Hebe Camargo, Georges
Henry, Norma Ardanuy, Os Garotos Vocalistas, Wilma Bentivegna, Osni Silva, Lolita Rodrigues,
Rosa Pardini, Estherzinha Borges e Marcos Ayala.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 203

Programação experimental: o musical


“Pé de Manacá”, com Ivon Curi e Hebe
Camargo. (reprodução)

O cinematografista Jorge Kurkjian filma a apresentação musical da dupla Zita e Fred para a programação
experimental do Canal 3. (Diário da Noite/reprodução)

No dia 26 de julho, excepcionalmente às 21h30, o Canal 3 fez uma transmissão especial de um


programa dedicado à cidade de Campinas (SP), fruto de uma ação de divulgação que instalou
alguns receptores de TV em casas comerciais e vias públicas daquela cidade. Às 18h30 do dia
11 de setembro, ao vivo, surgiu na tela um programa apresentado por Hugo Borghi, candidato do
Partido Trabalhista Nacional ao governo de São Paulo. Apoiado por Chatô, o programa especial
sem nome chegou a entrar no ar algumas vezes durante os últimos dias da fase experimental,
com direito a anúncios no “Diário de São Paulo”.
204 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Anúncio de programa com o candidato a governador de São Paulo Hugo Borghi, transmitido pelo Canal 3 em sua
fase experimental. (Diário de São Paulo/reprodução)

As transmissões experimentais com os documentários e apresentações musicais para televisão


continuaram indo ao ar regularmente, no mesmo horário, até o dia anterior à inauguração da
emissora. O mesmo conteúdo acabou reprisado várias vezes durante o período de experiências,
que durou pouco mais de um mês. Regularmente, alguns atores do Sumaré faziam rápidas
entradas ao vivo, a fim de conversar com o público e pedir que enviasse cartas ou telefonasse
para dar suas impressões sobre a qualidade do sinal e da programação experimental.
Quando não era horário de exibir programação, o Canal 3 permanecia no ar com o test-pattern
— a “Cabeça de Índio” — e uma narração rotativa, que informava como ajustar a recepção da
emissora com auxílio da imagem padrão da RCA.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 205

[...] para fazer a irradiação, oito dias antes da inauguração,


de um filme apresentando Getúlio Vargas discursando sobre
a sua volta à vida pública (“História do Rádio e da Televisão
no Brasil e no Mundo”, Mário Ferraz Sampaio, Achiamé,
1984:201). Alguns trabalhos que contam a história da TV
Tupi de São Paulo apontam que a emissora pioneira também
chegou a exibir, durante sua fase experimental, um filme
promocional do candidato à presidência da República Getúlio
Vargas. Contudo, não há menção alguma sobre esta exibição
nos periódicos da época. É provável que os autores tenham
feito confusão com a exibição de um filme com discursos de
Vargas sobre o Estado Novo, ocorrida em 1939, durante o
ato de inauguração da 1ª Exposição de Televisão no Rio de
Janeiro, conforme relatado no Capítulo 2.

Mudando a Rotina da Cidade

Tendo percebido o valor publicitário dos programas televisionados,


diversas firmas comerciais instalaram aparelhos em suas montras
e passaram a captar aquelas irradiações. Dirá o leitor que ela tem
todo o direito a usar esse recurso de publicidade — e estamos nós
prontos dar-lhe inteira razão. Começamos, porém, a pôr em dúvida
esse direito, quando cogitamos de que tais irradiações, em alguns
pontos da cidade, estão a prejudicar o trânsito. Basta verificar o que,
por volta das 18 horas, ocorre no Largo de São Bento. Na esquina
dessa praça com a Rua Florêncio de Abreu, existe uma organização
comercial que oferece exibições de televisão. Quando os programas
começam a ser apresentados, ajunta-se ali um tal magote de curiosos
que torna difícil o tráfego de veículos e pedestres. Na confluência da
referida via pública com o Largo de São Bento é grande o trânsito
a qualquer momento do dia. Àquelas horas, então, torna-se de
grande intensidade. Não deveriam as autoridades permitir aquele
ajuntamento que traz sérios inconvenientes no trânsito. (“Televisão
em S. Paulo”, Jornal de Notícias [SP], 02/09/1950, p. 5)

A curiosidade do público acerca das primeiras imagens da televisão deu um ar de agitação em São
Paulo, a partir do final de julho de 1950. Saber mais sobre aquela afamada caixa mágica era um
desejo crescente e não paravam de chegar cartas à redação dos Diários e Emissoras Associados,
seja elogiando a qualidade das imagens da fase experimental ou protestando sobre a programação.
Reclamaram dos desenhos falados em inglês, da falta de artistas do rádio se apresentando no
206 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

vídeo e, até mesmo, que a emissora não estava cobrindo a campanha presidencial, como no rádio,
que acabou reconduzindo Getúlio Vargas ao poder.

Agendamento para Inauguração da Televisão

Com o sinal do Canal 3 regulado, os estúdios do Sumaré finalizados e o sistema de link


estabelecido entre estúdio e torre, a inauguração da primeira estação brasileira de televisão
finalmente pôde ser marcada. Tudo graças ao esforço obstinado e à dedicação permanente dos
técnicos da RCA-Victor e das Emissoras Associadas de São Paulo, além, claro, da ousadia e
determinação de Assis Chateaubriand.
Inicialmente, a data escolhida foi 5 de setembro; depois, foi alterada para o feriado de 7 de
setembro — Dia da Independência e aniversário do rádio brasileiro. Mas, algo fez serem
cogitados os dias 16 e 20. No dia 13, por fim, saiu a data definitiva para o lançamento oficial da
televisão brasileira: segunda-feira, 18 de setembro de 1950.
A programação de estreia da TV Tupi-Difusora foi dividida em duas partes. Uma solenidade
formal, a ser iniciada às 17h e transmitida pela TV, entregando a estação ao público paulista. Em
seguida, às 18h, haveria um cocktail para convidados, mas sem transmissão. Na segunda etapa
da transmissão inaugural, às 21h, para mostrar a que veio, a emissora exibiria o “TV na Taba”,
um grande show de lançamento ao vivo, com o grandioso elenco radiofônico das Emissoras
Associadas e duas horas de duração. Todos os eventos seriam realizados nos próprios estúdios do
Canal 3, localizados na Cidade do Rádio, no bairro do Sumaré1, agora também o “berço” da
televisão do Brasil.

Histórica reportagem do “Diário de São Paulo” publicada um dia antes da inauguração do Canal 3: “Entra
Definitivamente o Brasil na Era da Televisão”. (Diário de São Paulo/reprodução)

1 Muitas reportagens remetem erroneamente que estes eventos de inauguração da TV Tupi


tenham sido realizados na sede dos Diários Associados, na Rua Sete de Abril.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 207

CAPÍTULO 16
VAMOS ENTRAR NO AR!

N
aquela histórica segunda-feira, 18 de setembro de 1950, o transmissor RCA da TV Tupi
- Canal 3 foi ligado por volta das 16h e passou a exibir o sinal de ajuste com o padrão
da emissora. Era chegado o momento da tão esperada inauguração oficial da televisão
de São Paulo, a primeira do Brasil. Apesar de poucos aparelhos de TV terem sido vendidos
(como já citado, eles eram caros e custavam cerca de oito vezes mais do que uma rádio-vitrola),
havia muita aglomeração nos diversos locais com os televisores RCA das Emissoras Associadas
instalados pela importadora Cássio Muniz e, também, nas lojas que vendiam aparelhos General
Electric.
Era a grande sensação. Nosso país estava na vanguarda e a população entusiasmada com a grande
novidade. Seríamos o quinto país do mundo a ter um serviço regular de televisão, já que existia
operações similares somente nos Estados Unidos, França, Inglaterra e, há 18 dias, também no
México1.

Artistas e Convidados

Às 17h, para a cerimônia de bênção e entrega da emissora ao público paulista, já se encontravam


posicionados no estúdio o diretor dos Diários e Emissoras Associados, Assis Chateaubriand;
o bispo auxiliar de São Paulo, dom Paulo Rolim Loureiro; a poetisa Rosalina Coelho Lisboa
Larragoiti, escolhida como madrinha da PRF3-TV; o apresentador Homero Silva; a atriz-
mirim Sônia Maria Dorce; e as atrizes Yara Lins e Lia de Aguiar. Para prestigiar o evento,
foram convidados os demais artistas das rádios Difusora e Tupi, autoridades civis, militares e
eclesiásticas, e representantes da indústria e do comércio.
Vale aqui listar alguns dos nomes presentes na histórica solenidade de inauguração da primeira
emissora de televisão brasileira, divulgados pelos jornais “Associados”: coronel Landry Salles
(diretor do Departamento de Correios e Telégrafos); Eugênio Bellotti e Elemer Janovitz (diretores
do Moinho Santista); Luiz Ferreira Pires e Luiz de Morgan Shell (diretores da Cia. Antarctica

1 Em setembro de 1950, havia serviços regulares de televisão somente nos Estados Unidos,
França, Inglaterra e México. As transmissões na Alemanha foram interrompidas após a Segunda
Guerra Mundial e reativadas apenas em 1952, já com o país dividido em Ocidental e Oriental. A
TV soviética entrou no ar em 1938, também saiu do ar durante a guerra e voltou parcialmente
em 1945, passando a operar de forma regular somente em 1951.
208 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Paulista); Antônio Sanches Larragoiti1 (presidente da Sul América Seguros e esposo da poetisa
Rosalina Larragoiti); Lucas Nogueira Garcez (que dias depois seria eleito governador de São
Paulo); Julien C. Greenup (cônsul norte-americano em São Paulo); Horton Hoover (adido de
Aeronáutica do Consulado Norte-Americano em São Paulo); José Brady (diretor-gerente da
RCA-Victor em São Paulo); Francisco Carvalho e W. J. Linderman (diretores da RCA-Victor
no Rio de Janeiro); George Sims (RCA-Victor); José Poggi de Figueiredo (representante da
Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil); Rodolfo Beicht (diretor da Philips do
Brasil); Sigefredo Magalhães (diretor da S. Magalhães e Cia., empresa responsável pelo trabalho
de despacho aduaneiro dos equipamentos da televisão); Hermenegildo Martins (diretor da
Companhia de Laminação de Metais); Mário e Alberto Audrá (diretores da Cia. Cinematográfica
Maristela); Angelina Audrá (vice-presidente do Museu de Arte de São Paulo); Adalberto Ferreira
do Vale (Cia. Prudência Capitalização); Anísio Massorra (diretor da Companhia Aliança da
Bahia); Edmundo Iônio e Jaime Pereira da Silva (diretores do Instituto de Engenharia de São
Paulo); Hélio Muniz, Elias Fleury e Alexandre Smith (diretores da loja Cássio Muniz); A. Ferreira
Lopes, I.A. Ibbotson e A. Kelvin Batt (diretores da Eno-Scott & Brown); R.B. Chalmers (lojas
Sears Roebuck); Orestes Credidio (gerente da Toddy do Brasil); Fernando Bueno de Morais
(gerente de propaganda da Colgate-Palmolive Peet Co. Ltd.); Osvaldo Estanislau do Amaral
e Agostinho Janequine (diretores da Cia. Sudan); Carlos Reichenbach (diretor da Companhia
Litográfica Ipiranga); o industrial Joaquim Müller Carioba; o capitão Irineu Guisolphe de Castro
(representando o governador do estado de São Paulo - Adhemar de Barros); o major Ribamar de
Miranda (representando o Comando da 2ª Região Militar); o tenente Luiz Gonzaga de Menezes
(representando a 4ª Zona Aérea); Romeu Pereira (representando o secretário da Segurança
Pública); Raimundo de Menezes (representando o prefeito de São Paulo); Egon Félix Gottschalk
(diretor da Federação das Indústrias); e José Paranhos do Rio Branco (advogado dos Diários
Associados).

A Alvorada da TV Brasileira

Com atraso, por volta das 17h30, a “Cabeça de Índio” vista na imagem de teste deu lugar ao
início das apresentações nos estúdios do Sumaré. Naquele instante, nascia a TV brasileira! Foi
oficializada a PRF3-TV Tupi-Difusora - Canal 3 de São Paulo, com “projeção à distância de som
e imagem conjugados”, como os técnicos da época costumavam dizer.
Naquele momento, entrou no ar o rosto em close-up da garotinha Sônia Maria Dorce, com seis
anos de idade, direto do pequeno Estúdio “B”.
— Boa tarde! Está no ar a televisão do Brasil! — exclamou a pequena Sônia, que estava
caracterizada como uma indiazinha, remetendo ao nome da emissora, com a diferença de que
seu cocar possuía duas simbólicas antenas receptoras de TV, uma brincadeira de Chateaubriand
que bem representou o espírito da emissora.
Sônia era filha de Francisco Dorce, maestro e músico das Emissoras Associadas e muito amigo

1 Alguns jornais da época o apontam como “padrinho da TV”, mas nada se confirma, visto
que nada consta no roteiro da solenidade de inauguração. Este apontamento pode se tratar
apenas por ele ser o marido da madrinha Rosalina. Lembrando que Antônio Sanches Larragoiti
era proprietário da Sul América Seguros, uma das patrocinadoras master da implantação da TV
Tupi paulista. Já a TV Tupi carioca contou oficialmente com padrinho e madrinha (saiba mais no
Capítulo 23).
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 209

de Chatô. A pequena já trabalhava desde 1948 na Rádio Tupi, declamando poemas e fazendo
brincadeiras no programa “Clube Papai Noel”, ao lado do apresentador Homero Silva.

A pequena Sônia Maria Dorce, o


primeiro rosto a aparecer na tela da
PRF3-TV no dia de sua inauguração.
Ao seu lado, Walter Tasca, um dos
três primeiros operadores de câmera.
(Acervo Museu da TV, Rádio &
Cinema)

Após a rápida participação de Sônia Maria Dorce, eis que surge na tela a famosa radioatriz
Yara Lins, do Estúdio “A”, que passou a mencionar o prefixo e o nome das estações das rádios
“Associadas” que estavam retransmitindo aquele evento para diversas regiões do país. Eram
mais de 20 prefixos e a atriz decorou todos eles. Quem lhe deu esta missão foi o diretor-artístico
Dermival Costa Lima, que, simplesmente, se aproximou com um papel em mãos, no dia anterior,
e disse:
— É você!
“Entrei em pânico. ‘Eu não vou dar conta’. E tinha uma palavra nova: ‘égide’. Sob a égide de...
sei lá o quê!! Quase morri. Eu tropeçava. E a palavra telespectadores? Era horrível.”, declarou
Yara Lins em uma entrevista à atriz e escritora Vida Alves, onde também revelou não saber
explicar como conseguiu memorizar os complicados prefixos.
A jovem Yara Lins mencionou os prefixos das emissoras na abertura da solenidade, sendo que os
três últimos assim foram anunciados:
— [...] PRF-3 - Rádio Difusora - São Paulo; PRG-2 - Rádio Tupi - São Paulo; e PRF3 - TV Tupi-
Difusora de São Paulo.
Em seguida, ela saudou:
— Senhoras e senhores telespectadores, boa noite! A PRF3-TV - Emissoras Associadas de São
Paulo orgulhosamente apresenta, neste momento, o primeiro programa de televisão da América
210 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Latina!1

Dando sequência, o locutor Homero Silva iniciou seu trabalho como mestre de cerimônia,
função que ele realizava frequentemente para as Emissoras Associadas. No cenário do Estúdio
“A”, havia displays com a logomarca da RCA, enviados dos Estados Unidos pela própria
empresa. Ao fundo do palco, as bandeiras do estado de São Paulo e do Brasil foram desfraldadas
na posição horizontal. Havia algumas flores na borda do pequeno palco do cenário.
O mestre de cerimônia anunciou o bispo auxiliar de São Paulo, dom Paulo Rolim Loureiro, que
dirigiu palavras de estímulo e de congratulações aos que promoveram a montagem da emissora.
— Nesta hora de grande satisfação para a radiofonia brasileira e para as Emissoras Associadas
paulistas, venho trazer-lhes vivos aplausos com as bênçãos de Deus, agora imploradas para estes
magníficos estúdios e seus aparelhamentos da primeira emissora de televisão em São Paulo e
de toda a América do Sul. Trata-se, com efeito, de mais uma conquista ímpar da história da
radiofonia nacional e registramos, com prazer, que desta vez ainda é em São Paulo de Piratininga
que se desfralda mais uma bandeira na técnica radiofônica brasileira. Avaliam-se, perfeitamente,
as inúmeras dificuldades enfrentadas e os árduos trabalhos vencidos para o coroamento desta
obra estupenda: dificuldades de ordem técnica, problemas de ordem nacional, cultural, social e
econômica. Atualmente, meritórios, pois os esforços de todos vós, senhores, diretores e técnicos
das emissoras, que tudo fizestes para dotar São Paulo deste moderno aparelhamento tele-
radiofônico. Vosso exemplo constitui uma demonstração eloquente da vitória de nosso ideal!
Surja, pois, mais este empreendimento no campo da televisão, como instrumento para servir à
causa da humanidade, dos indivíduos e da sociedade; à causa da civilização, da união e da paz!
Em seguida, dom Loureiro caminhou até os equipamentos de geração das imagens e aspergiu
água benta.

Dom Paulo Rolim Loureiro dá a


sua bênção aos equipamentos da
primeira estação de TV do Brasil.
(Revista Monitor de Rádio e Televisão/
reprodução)

Assis Chateaubriand, fundador e diretor dos Diários e Emissoras Associados, discursou


1 Na verdade, a TV Tupi de São Paulo foi a primeira emissora da América do Sul a transmitir
programação regular. Por 18 dias ela realmente não foi a pioneira da América Latina, posto
conquistado pela XHTV - Canal 4 da Cidade do México. A Argentina também montava sua
televisão no ano de 1950, mas teve dificuldades técnicas e as Emissoras Associadas passaram na
frente. Após 37 dias da inauguração da TV Tupi de São Paulo, entrou no ar a primeira emissora
de televisão em Cuba, a CMQ, estação da Unión Rádio em Havana.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 211

enaltecendo o novo meio de comunicação. Ao governador do estado de São Paulo, Adhemar


de Barros — que enviou representante —, ao ex-presidente do Banco do Estado de São Paulo
— Oswaldo de Barros — e aos seus diretores, Chatô destacou a “inexcedível boa vontade que
demonstraram, consentindo que o nosso transmissor de televisão fosse instalado nos altos do seu
edifício”. E continuou:
— Reconhecemos que numerosos obstáculos se apresentavam, dificultando a localização
dos aparelhos irradiadores de TV no Banco do Estado. Mas, tanto o governo como os seus
colaboradores no banco, desde a primeira hora, só tiveram uma atitude: remover as dificuldades
emergentes, no caso, para que São Paulo tivesse o seu equipamento de televisão no sítio que
todos os técnicos ingleses e norte-americanos reputavam como o mais adequado para recebê-lo
— disse Chateaubriand, que também rendeu homenagens ao coronel Landry Salles, diretor dos
Correios e Telégrafos, órgão que controlava todas as concessões de radiodifusão do país.
Chateaubriand deu sequência, rendendo suas homenagens às empresas cujos patrocínios foram
fundamentais para a montagem da PRF3-TV.
— O empreendimento da televisão no Brasil, em primeiro lugar, devemo-lo a quatro organizações
que, logo, desde 1946, se uniram aos Rádios e Diários Associados para estudá-lo e possibilitá-lo
neste país. Foram a Companhia Antarctica Paulista, a Sul América Seguros e suas subsidiárias, o
Moinho Santista e a Organização Francisco Pignatari. Não pensem que lhes impusemos pesados
ônus, dado o volume de força publicitária que detemos. Este transmissor foi montado, pois,
com a prata de casa, isto é, com os recursos de publicidade que levantamos sobre a Prata Wolff
e outras não menos maciças pratas da casa: a Sul América, que é o que pode haver de bem
brasileiro: as Lãs Sams, do Moinho Santista, arrancadas ao coro das ovelhas do Rio Grande e,
mais que tudo isso, ao Guaraná Champagne, da Antarctica, que é a bebida dos nossos selvagens,
o cauim dos bugres do pantanal mato-grossense e de trechos do vale amazônico. Atentai bem e
vereis como é mais fácil do que se pensa alcançar uma televisão: com Prata Wolff, Lãs Sams,
bem quentinhas, Guaraná Champagne, borbulhante de bugre e tudo isto bem amarrado e seguro
na Sul América, faz-se um bouquet de aço e pendura-se no alto da torre do Banco do Estado [de
São Paulo] um sinal da mais subversiva máquina de influir na opinião pública — uma máquina
que dá asas à fantasia mais caprichosa e poderá juntar os grupos humanos mais afastados.
Chatô encerrou contando como foram as negociações de compra dos equipamentos com a RCA.
Em seguida, foi apresentada a madrinha da Televisão Tupi de São Paulo — a poetisa Rosalina
Coelho Lisboa Larragoiti, que à época ocupava a diretoria da sucursal europeia dos Diários
Associados. Seu marido, Antônio Larragoiti, era presidente da Sul América Seguros e amigo de
Chateaubriand.
Natural do Rio de Janeiro, Rosalina era um dos maiores nomes da poesia nacional, atuando
também como jornalista e ativista política. Militante pela causa das mulheres e pela paz mundial,
o papel de Rosalina naquela solenidade foi atenuar a complexidade técnica da televisão,
empregando a sensibilidade de sua alma artística e expressando-a por meio da poesia.
212 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Assis Chateaubriand (dir) discursa


ao lado do apresentador Homero
Silva durante a inauguração da TV
Tupi de São Paulo. (Acervo Museu
da TV, Rádio & Cinema)

A poetisa Rosalina Larragoiti (dir) e a atriz


Lia Borges de Aguiar durante a cerimônia
de inauguração do Canal 3. Larragoiti
teve a incumbência de simplificar a
complexidade técnica da televisão por meio
da poesia. (Revista Monitor de Rádio e
Televisão/reprodução)

É muito curioso frisar como os jornais “Associados” de São Paulo contextualizaram e destacaram
a participação da poetisa. “[Rosalina] era capaz de apreender o sentido recôndito das coisas e ver
poesia até mesmo na paisagem dura e fria das válvulas, dos tubos de alumínio, no emaranhado
confuso de fios e cabos, nas telas lisas que refletem a novidade surpreendente das imagens
humanizadas pelos toques antropomórficos do movimento e da fala, do ritmo e do canto. [...] Da
terra lírica da sua visão totalizadora do mundo, brotará a síntese harmoniosa do binômio poesia-
técnica”, publicou o “Diário de São Paulo”.
Com as seguintes palavras, a poetisa Rosalina Larragoiti entregou a televisão aos paulistas:
— A televisão é mais do que uma vitória, é uma promessa. Abre portas sobre o desconhecido
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 213

e afirma que um dia, não apenas mecanicamente dirigida como agora, as imagens virão ao
encontro da visão e da sensibilidade humana, numa “juliovernização” das realidades. As
energias do Brasil não estão dispersas. Novos fatos demonstram o progresso sempre crescente da
nacionalidade brasileira. A televisão é um destes testemunhos. Lembra o homem das cavernas,
o qual, no afã de preservar a sua existência, desenhava rudemente nas paredes de pedra o voo
das aves ferozes e os movimentos de ataque dos animais perigosos. Era, por assim dizer, o
aparecimento da sensibilidade da televisão que, milênios após, viria a concretizar-se como forma
de humanização. Aqueles quadros rústicos eram a televisão que se insinuava. A própria lenda
nos sugere a televisão. O tapete voador aparece, narrado nos contos fabulosos, como um indício
de que a mente humana germinou secularmente essa etapa superior do rádio, que é a televisão.
Em seguida, a madrinha da televisão paulista situou a pintura e o cinema dentro do panorama
de realizações humanas, que vieram a construir a televisão. Referindo-se a algumas palavras
anteriormente proferidas por dom Paulo Rolim Loureiro, Rosalina afirmou que é a fé e a
confiança em Deus que inspiram o homem aos grandes feitos, às grandes conquistas.
— A presença divina fortalece e cria novas forças para que o homem se sinta na obrigação de
obter coisas belas e formas renovadoras da vida.
Ainda sobre a atuação da poetisa como madrinha da televisão paulista, Chatô escreveu em sua
coluna publicada nos jornais do grupo, em 22 de setembro de 1950: “Nossa televisão tem uma
estrela: Rosalina. Ela vai baixar do céu para pôr em marcha o sinal Tupi, na taba dos Guaianases1,
fazendo engatinhar esta nova criança de laboratório e de técnica. Nunca os santos se calaram,
exclamou certa vez Pascal. Não somos santos. Ao contrário, somos pecadores; mas pecadores
que insistem em mandar, deste caminho do céu em que nos encontramos, alguns raios de verdade
sobre a terra, na esperança de que as nossas imagens iluminem o povo do Brasil.”
Durante a solenidade, o apresentador Homero Silva e a atriz Lia Borges de Aguiar leram os
primeiros textos de propaganda da televisão, com mensagens das quatro marcas que investiram
para a montagem da PRF3-TV — Guaraná Antarctica, Lãs Sams, Sul América e Prata Wolff
(produto da Organização Francisco Pignatari).

Mensagens

Na sequência da solenidade, foram lidas mensagens de congratulações de Maurício Nabuco


(embaixador do Brasil em Washington), Herschel Johnson (embaixador dos Estados Unidos
no Brasil), Edward G. Miller Jr. (assistente do secretário de Estado norte-americano para os
assuntos das Repúblicas Latino-Americanas) e do general David Sarnoff (presidente da RCA),
este que, dos Estados Unidos, enviou um filme com a sua mensagem ao povo brasileiro.
— Sinto-me profundamente grato por esta oportunidade de saudar o povo brasileiro e formular
minhas mais sinceras congratulações pela inauguração, em São Paulo, da primeira estação
televisora do Brasil. Este é, sem dúvida, um momento de grande significação, não só para
aqueles que vivem nesta bela e febricitante cidade de São Paulo, mas para todos os povos
deste hemisfério. Porque ele enuncia o início de um dos mais importantes papéis reservados à
televisão: aquele de ampliar o conhecimento humano e contribuir para o melhor entendimento
entre os povos separados por barreiras geográficas. A televisão dá asas à imaginação e eu prevejo

1 Os índios guaianás, também conhecidos como guaianases, foram um agrupamento indígena


sul-americano que povoou regiões entre São Paulo de Piratininga e o Uruguai.
214 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

o dia em que poderemos percorrer com os olhos toda a Terra, de cidade a cidade, de nação a
nação, com a mesma facilidade com que podemos ouvir, hoje, as irradiações de todos os países
do mundo. Deste auspicioso começo em São Paulo, a televisão pode tornar-se a voz e o olhar das
Américas, salvaguardando e fortalecendo nossos princípios democráticos. O desenvolvimento
da televisão na América do Norte tem sido fenomenal. Tive o privilégio de inaugurar o serviço
de televisão na Feira Mundial de Nova York, em 1939. Naquela ocasião, só havia uma estação
televisora no ar com programas regulares, e apenas algumas centenas de receptores. A Segunda
Grande Guerra interrompeu a expansão da televisão. Não obstante, hoje, menos de cinco anos
depois do conflito, há mais de 100 estações em nossas principais cidades e mais de sete milhões
de famílias possuem receptores em seus lares. Aproxima-se o dia em que teremos cadeias de
estações televisoras estendendo-se de costa a costa dentro de nossas fronteiras e além, tornando
possível o intercâmbio de programas com nossos amigos do Canadá e da América Latina.
Posso assegurar-vos que teremos o maior prazer num intercâmbio de programas com o Brasil.
Vossa grande estação de televisão, das Emissoras Associadas em São Paulo, tem tremendas
possibilidades. A RCA sente-se feliz e orgulhosa em ter sido a escolhida para participar de vosso
esforço pioneiro, fabricando este transmissor e equipamento de estúdio. Foi uma grande honra
poder servir-vos e é realmente inspirador saber que as Emissoras Associadas TV nascem como
um farol de progresso através das Américas — declarou o presidente da RCA-Victor.
Edward G. Miller Jr. assim congratulou-se com os brasileiros:
— A televisão ocupa lugar de grande relevo no mundo do entretenimento e da informação.
A influência desse veículo na vida, nos hábitos e no pensamento do povo norte-americano é
enorme. É, portanto, de se esperar que em toda a extensão deste hemisfério, como nos Estados
Unidos, a televisão se desenvolva ao máximo de suas possibilidades.
O Embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Maurício Nabuco, também enviou uma mensagem
escrita, que foi lida no ar.
— É para mim motivo de especial satisfação ter, através da benevolência da [NBC] National
Broadcasting Company, a oportunidade de me dirigir aos patrícios de São Paulo, nesta ocasião
em que a primeira estação de televisão da América do Sul é inaugurada na pioneira Terra dos
Bandeirantes. Mais uma vez, o povo de São Paulo dá provas de sua liderança no progresso e
reafirma o dinamismo que lhe é tão típico, ao ser o primeiro a fazer uso deste novo e generoso
instrumento de educação e cultura. A televisão, que revolucionou os métodos de publicidade
comercial neste grande país [Estados Unidos], pode, sem dúvida, contribuir também entre nós,
brasileiros, para uma participação muito maior e mais intensa do povo nos assuntos nacionais,
assim como em todos os demais problemas que afetam a comunidade brasileira. Isto devido a
força quase miraculosa que tem a televisão de permitir ao cidadão, dentro do seu próprio lar,
estar presente como espectador a um acontecimento que, de outro modo, só chegaria ao seu
conhecimento mais tarde, talvez de uma forma menos vivida e menos oportuna.

“Nós fomos os primeiros a importar um aparelho de TV particular no


país. Por ocasião da inauguração, a nata da sociedade paulista estava
reunida no clube para o acontecimento. Quando foi ligado o aparelho,
um sussurro percorreu o salão repleto, quando as primeiras imagens
surgiram no vídeo. Um ‘ooohhh…’ de espanto elevou-se uníssono.
Aquilo era um milagre da tecnologia e vários elogios foram tecidos
ao arrojo do empreendimento de Assis Chateaubriand. O espanto
foi maior, quando um dos convidados, o gal. David Sarnoff [...], em
saudação ao povo brasileiro, disse: ‘A televisão dá asas à imaginação
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 215

e eu prevejo o dia em que poderemos percorrer com os olhos toda


a terra, de cidade a cidade, de nação a nação…’”. (depoimento de
Eugênio Alcântara Aguiar — na época funcionário do elegante Clube
Piratininga, instalado no edifício Martinelli — aos organizadores
da exposição “Tupi 50-76”, alusiva aos 26 anos da inauguração TV
Tupi, realizada pelo MASP - Museu de Arte de São Paulo)

Intervalo

Já eram quase 18h quando foi encerrada a primeira parte das festividades, em que o rádio paulista
entregou ao seu povo uma das mais modernas conquistas do progresso humano. Para quem
estava assistindo pela televisão, entra no ar o test-pattern com música ao fundo e chamadas
sonoras sobre o show das 21h. Enquanto isso, iniciava-se o cocktail, servido a todos os presentes
na Cidade do Rádio. Os visitantes, aos poucos, foram adentrando aos setores da emissora para
ver seu funcionamento, algo que acabou gerando certa confusão, já que todos se preparavam
para o espetáculo da noite, o “TV na Taba”.

A solenidade de inauguração não foi gravada oficialmente pelas Emissoras Associadas.


Entretanto, alguém fez um registro em filme de 16 mm, provavelmente com uma câmera Paillard
Bolex H-16. Estão preservados fragmentos desta gravação, onde se vê, rapidamente, a madrinha
da televisão Rosalina Larragoiti e Assis Chateaubriand discursando, assim como tomadas
panorâmicas com os numerosos convidados dentro do estúdio e no momento do cocktail.
Algumas fontes apontam que o responsável pela gravação foi um cidadão visitante, chamado
Alfredo Vasconcelos. Cópias deste filme (ou de parte dele) estão em posse da TV Globo e da
Cinemateca Brasileira, mas também é possível assisti-lo na internet1 à sua versão fragmentada,
com apenas um minuto de duração. Não pode ser descartada a possibilidade de que o próprio
Departamento Cinematográfico das Emissoras Associadas, cujo diretor-técnico e fundador era
Jorge Kurkjian, tenha sido o responsável por esta filmagem tão importante.

1 Link: youtu.be/Oe2R9WImLCQ.
216 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 17
FALHA TÉCNICA

A
primeira etapa da agenda de inauguração da Televisão Tupi já havia sido cumprida.
Após o cocktail nos estúdios do Sumaré, Chateaubriand levou seus convidados para um
jantar no salão de honra do Jockey Club de São Paulo, onde todos seriam acomodados
em uma longa mesa. Ao lado, haveria um aparelho de televisão para acompanharem o show
inaugural “TV na Taba”, a partir das 21h. Junto a Chateaubriand, estavam amigos, investidores
e colaboradores, entre eles, o coronel Landry Salles; Laudo Natel (futuro governador de São
Paulo); Eugênio Belotti (presidente do Moinho Santista); o industrial Joaquim Muller Carioba;
Anísio Massorra (diretor da Companhia de Seguros Aliança da Bahia); Jacques Pilon (o famoso
arquiteto francês); Rodolfo Beicht (diretor da Philips do Brasil); o banqueiro Amador Aguiar
(Bradesco); Mário Audrá (proprietário da Cinematográfica Maristela); o casal Antônio Sanches
Larragoiti (presidente da Sul América Seguros) e a poetisa Rosalina Larragoiti (madrinha da
TV-3); o casal Pietro Maria Bardi (diretor do Museu de Arte) e Lina Bo Bardi (arquiteta); José
Maria Paranhos do Rio Branco (advogado dos Diários Associados); e os irmãos e empresários
cafeeiros Pedro e Sérgio Lunardelli.
Vários pontos comerciais da região central da cidade estavam sintonizados no Canal 3 e um
grande público aguardando pelo “TV na Taba”. No Sumaré, a movimentação era intensa, com
muita gente nos estúdios se preparando para a segunda transmissão do dia. Os técnicos corriam
contra o tempo para não haver atraso.
O programa inaugural foi produzido por Cassiano Gabus Mendes e Luiz Gallon. A apresentação
seria novamente de Homero Silva, mas contracenando com Helenita Sanchez e Miriam Simone1.
Os principais elementos das rádios Tupi e Difusora se apresentariam em pequenos sketches. O
“TV na Taba” levaria as famosas vozes do rádio para dentro da “caixa mágica” da televisão e as
faria “ganhar” rostos.
Mas, como tudo era novidade e muito pouco dos radioatores tinham realmente assistido a um
programa de televisão, pairava a dúvida se tudo iria mesmo dar certo. Eles eram experientes e
acostumados ao trato com o público, mas apenas no rádio... A televisão era realmente um grande
desafio e todos estavam nervosos e agitados.
Foram duas semanas de trabalho exaustivo, em que tudo foi ensaiado nos mínimos detalhes
para o “TV na Taba”, de acordo com o rigoroso padrão americano de televisão. Com muita
dedicação, todo movimento fora marcado no chão com giz e os atores sabiam exatamente em
qual momento olhar para uma das três câmeras. O engenheiro da RCA, Walter Obermüller, já
havia concluído seu trabalho de supervisão da montagem daquela estação de televisão e acabou
ensinando algumas rotinas de produção de TV, já que ainda faltava a prática lá nos altos do

1 A atriz Helenita Sanchez havia participado, dois meses antes, de outro importante marco da
história da TV de São Paulo, o programa “Vídeo Educativo”, como visto no Capítulo 14. Helenita
era noiva de Cassiano Gabus Mendes, com quem logo se casou. Ela é irmã do ator Luís Gustavo
e mãe dos atores Tato e Cássio Gabus Mendes.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 217

Sumaré. Naquela noite da transmissão do grande espetáculo inaugural, Obermüller permaneceu


nos bastidores da produção para dar suporte.
Para a produção do “TV na Taba”, estava prevista a utilização dos dois estúdios, sendo o “B”
para o apresentador Homero Silva e para as atrizes Helenita Sanchez e Miriam Simone, com
uma câmera operada por Walter Tasca. O Estúdio “A” seria palco das principais encenações do
programa inaugural, com o elenco do Sumaré e as câmeras operadas por Walter Tasca e Carlos
Alberto de Oliveira. Enquanto o apresentador ou as duas atrizes estivessem no ar, no outro
estúdio aconteceria a troca de cenários e o trabalho dos contrarregras com os adereços.

“Esqueçam Tudo o que Ensaiamos”

Depois das 7 da noite, quando Chateaubriand e os convidados saíram


do Sumaré, fomos com o Costa Lima a um bar da esquina, para um
café e um sanduíche. A calma do Costa Lima era impressionante.
Transmitia tal certeza e confiança que confirmava estar tudo sob
absoluto controle. A solenidade inaugural fora impecável. Em
seguida, foi mais difícil acompanhar a madrinha, o bispo e os
convidados pelo [setor de] controle e pelo estúdio da televisão,
que todos tinham curiosidade em conhecer. Agora havia calma. E
o show da inauguração dali a uma hora? Não haveria problema,
garantiam. Tudo fora ensaiado e testado, o chão do estúdio estava
riscado com a orientação das câmeras e posições dos atores. Para
Costa Lima, a realização do espetáculo deveria ser tranquila
porque ele optara, juntamente com o Cassiano e com o Jorge Edo,
por fazer uma sequência de música e quadros falados, focalizados
pelas duas câmeras, na ordem da apresentação, que era a mesma da
colocação dos cenários. Como garantia, para pequenas mudanças
e imprevistos, a terceira câmera ficaria ao lado, num pequeno
“aquário” batizado de Estúdio “B”, focalizando os cartazes da
apresentação e os apresentadores. [Ainda] não estava instalado o
projetor de opacos [Gray-Telop] e tudo seria feito pelas três câmeras
de estúdio. O tranquilo baiano estava mesmo seguro do que seria
feito. Alterou seu humor quando, ao voltar, viu dezenas de pessoas
estranhas caminhando pelo estúdio. Gente curiosa, que não podia
estar ali. Fomos todos, os visitantes, para a sala do Costa Lima, que
se dirigiu ao estúdio. No receptor da sala aparecia o “velho índio”,
estático. Veio a hora de começar, e nada. Depois, alguém disse
que o americano da RCA [Obermüller] fora embora e não haveria
transmissão por terem quebrado o equipamento. (“Tupi - Pioneira
da Televisão Brasileira”, José de Almeida Castro, Fundação Assis
Chateaubriand, 2000:7)

A televisão brasileira teve que passar por um episódio estressante no dia de seu próprio
nascimento. Após o cocktail das 18h, toda a equipe do “TV na Taba” fazia o ensaio final, quando
o técnico Jorge Edo percebeu que a câmera RCA TK-30 do Estúdio “B” simplesmente não
218 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

ligava. Era algo que ninguém imaginaria, já que ela tinha sido usada normalmente, poucas horas
antes, durante a cerimônia de inauguração.

“Foi um corre-corre! Tudo pronto, tudo ensaiado com um script


muito bem organizado, tudo marcado e... quebra uma câmera. Pois
bem, no meio do pandemônio, Jorge Edo, nosso responsável pela
parte técnica, tentava desesperadamente consertar a câmera. O
tempo corria e… nada. Foi quando, de comum acordo, Costa Lima e
eu decidimos ‘rasgar’ o script e mandar ver do jeito que desse, com
duas câmeras mesmo!”. (entrevista de Cassiano Gabus Mendes à
revista “Briefing”, em setembro de 1980)

A atriz Tônia Carrero ao lado de


uma das três primeiras câmeras da
TV Tupi de São Paulo, modelo RCA
TK-30. (Colorização: Reinaldo Elias;
Nosso Século/reprodução)

Fala-se muito de uma versão onde o defeito teria sido provocado por uma garrafa de champanhe
quebrada na câmera por Chateaubriand, durante a solenidade de inauguração, a título de batismo.
Mas ela foi desmentida. Na verdade, os técnicos suspeitaram de que alguma válvula foi danificada
quando dom Paulo Loureiro aspergiu a água benta.
Seja qual fosse o motivo, o engenheiro Obermüller apressou-se em abrir a câmera, fez algumas
verificações e se dirigiu a Cassiano Gabus Mendes:
— Não vai dar para consertar agora. O melhor é transferir tudo para outro dia.
O clima foi de pânico entre todos. Não havia tempo hábil para localizar e solucionar o defeito.
Tudo tinha sido muito ensaiado com três câmeras. O risco de trabalhar com uma a menos era
grande e poderia prejudicar todo o espetáculo. Jorge Edo, então, atravessou uma multidão até
chegar ao Estúdio “B”. Ao tentar “ressuscitar” o equipamento, a esposa de Walter Obermüller
gentilmente tentava enxugar o suor da testa de Edo.

“Voltei então ao controle e falei pelo microfone da câmera (o


intercomunicador) com o [câmera] Walter Tasca: Walter, se eu liberar
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 219

você, vocês mudam esse cenário para o Estúdio ‘A’. Você seria capaz
de correr de um lado para o outro? Eu te solto um pouquinho antes
da apresentação e você corre com a câmera para fazer o programa.
Ele disse: ‘Faço, Edo’. Virei para o Costa Lima e para o Cassiano,
que estavam atrás de mim preocupados, e disse: ‘Posso fazer isso?’
Imediatamente, tanto o Costa Lima como o Cassiano disseram: ‘Faça
isso, pelo amor de Deus, Edo! Vamos inaugurar isso!’ E o Costa Lima
ainda disse: ‘Eu vou ajudar lá dentro do estúdio, correndo o cabo,
ajudando o trajeto do Walter Tasca’. E foi aí que nós começamos
a transmissão”. (depoimento do técnico Jorge Edo à Pró-TV [hoje,
Museu da TV, Rádio & Cinema], em 1998)

Após uma conversa com Jorge Edo, o diretor do programa, Cassiano Gabus Mendes, gritou:
— Temos de continuar de qualquer jeito!
— Esqueçam tudo o que ensaiamos. Eu vou indicando o que fazer.
O Estúdio “B”, dos apresentadores, foi descartado e mantido todos os atores e cenários no
Estúdio “A”. Desta forma, os operadores de câmera passariam a correr de um lado para o outro
para enquadrar cenários diferentes.
No script do show “TV na Taba” agora viam-se rabiscos sobre rabiscos, onde o posicionamento
de tudo foi reestudado rapidamente, incluindo câmeras, microfones, cenários e artistas. Uma
correria sem tamanho.
— Mas como mudar os cenários? E o barulho dos martelos para pregá-los? — indagou
Obermüller.
— Não vamos pregar nada! Alguém fica escorando para que não caiam e pronto — disse Gabus
Mendes.
Empenhado, o maquinista José Fortes garantiu o silêncio na troca dos cenários.
O incidente provocou considerável atraso no início da transmissão do show — fala-se em 40
minutos. Nos bastidores, havia grande confusão com artistas, diretores e câmeras ensaiando
às pressas a nova marcação. Mas, foi a única forma encontrada para evitar o cancelamento.
Enquanto isso, Cassiano e Costa Lima passaram a atender aos telefonemas insistentes e irritados
de Chateaubriand, que suava frio por não ver as imagens no ar. Afinal, ele estava junto de seus
convidados no Jockey Club e, entre eles, justamente os empresários que investiram muito
dinheiro na montagem da emissora.
Apesar da boa vontade e da raça dos artistas e técnicos envolvidos, a visão do norte-americano
Walter Obermüller era outra. Ele era um homem metódico, treinado segundo os padrões do
fabricante dos equipamentos e preparado para tomar decisões drásticas caso não houvesse
requisitos mínimos. Após a decisão dos diretores de inaugurar a televisão a todo custo, Obermüller
se viu vencido e decidiu ir para seu quarto no Lord Hotel do Largo do Arouche, “afogar seus
temores em vapores etílicos”1 e se poupar do fracasso total.
“Deu um trabalho danado, com marcação de câmeras e o diabo! Chegou no dia do programa,
dia 18, uma câmera pifou, então todos os ensaios que nós fizemos, todas as marcações que nós
fizemos... tudo foi pra ‘cucuia’, né? O primeiro programa foi na base do improviso e daí pra

1 “A Queridinha do Meu Bairro”, Sônia Maria Dorce Armônia, Imprensa Oficial, 2008:59.
220 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

frente nós começamos a aprender a fazer televisão, com ela no ar”, declarou Cassiano Gabus
Mendes1.
A atriz pioneira Lia de Aguiar também manteve um olhar positivo sobre as intempéries
enfrentadas pouco antes da grande estreia. “Tivemos que trocar de lugar. Daí nasceu a grande
capacidade de improvisação da TV brasileira”.

1 Documentário “55 Anos de TV no Brasil” (Museu da TV, Rádio & Cinema e UniverCidade, 2005).
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 221

CAPÍTULO 18
TV NA TABA - O SHOW INAUGURAL

Hoje começa uma nova era na radiofonia nacional: é que hoje se


iniciam as exibições regulares da televisão associada. Este é um marco
na história de nosso progresso radiofônico, que não pode deixar
de ser assinalado pela crônica especializada e por todos aqueles
que atuam, de um modo ou de outro, no rádio brasileiro. Já não
se trata de elogiar ou exaltar uma iniciativa particular. Trata-se de
assinalar um fato que vai ter decisiva importância no futuro do rádio
brasileiro, que vai marcar o início de uma nova etapa nos métodos
de entretenimento e publicidade do país. A televisão é uma revolução
em si. [...] São duas coisas que se juntam no mesmo dia, duplicando
a importância da data de hoje. [...] Sabemos que mesmo depois que
as antenas começaram a ser instaladas, os transmissores erguidos
e vários receptores distribuídos pelos logradouros da cidade, ainda
havia um grupo ponderável que olhava, sorria, maliciava, diminuía
a importância do evento. [...] Mas isto é um dos ônus do progresso.
(“Rádio e TV”, E.B., Diário da Noite [SP], 18/09/1950)
Milhares de pessoas nesta Capital, Campinas, Jundiaí, Santos e
demais cidades situadas num raio de mais de oitenta quilômetros de
São Paulo, puderam a ele [“TV na Taba”] assistir por intermédio
de centenas de receptores já anteriormente instalados em locais
públicos e de fácil aglomeração. Notadamente, na Capital o interesse
foi enorme. Milhares de curiosos juntaram-se no hall do edifício
Guilherme Guinle, sede dos Diários Associados, defronte de casas
comerciais e nos estúdios da Cidade do Rádio, onde os receptores de
TV reproduziam fielmente as imagens e o som transmitidos do grande
estúdio da TV “Associada” no Alto do Sumaré. (“Show Inaugural da
Televisão em São Paulo”, Diário da Noite [SP], 19/09/1950, p. 4)

O
interesse pelo show de inauguração da TV Tupi de São Paulo atraiu grande número
de pessoas aos locais com receptores RCA e GE instalados para demonstrações. O
horário marcado era 21h e, enquanto isso, se via no ar o test-pattern com o índio norte-
americano e se ouvia, de tempos em tempos, uma locução de Homero Silva:
— Dentro de instantes...
Uma coisa que não tinha sido pensada com antecedência foram os
letreiros de apresentação. É o que conta Álvaro de Moya: “Quando
soube do advento da televisão eu procurei Walter George Durst, meu
amigo. Ele me apresentou ao Cassiano Gabus Mendes, [assistente
222 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

do] diretor-artístico da TV Tupi - Canal 3. Durst lhe disse que eu era


desenhista. Também Dermival Costa Lima, diretor-geral, viu os meus
desenhos, os aprovou e recomendou que eu fizesse os cartões para a
programação de estreia. Procurei o engenheiro Mário Alderighi e o
técnico Jorge Edo. Eles pegaram uma estante de música e disseram:
“É aí que tem que colocar os cartões. Nada de papel branco,
porque a luz reflete mais”. E então lembramos das cartolinas cinza
e as letras em preto. O Silas Roberg, meu amigo e grande redator,
ajudou-me. Mas como não sabia desenhar, [ele] só enchia os vazios
negros. Eu fiz as letras. Não vi esses cartões pela televisão, pois não
guardei nenhum e nem assisti ao show de inauguração. Mas como
a inauguração foi um sucesso, usaram o tipo de cartão por muito
tempo. Era até superstição. Enquanto era PRF3-TV Tupi - Canal 3.
Só mudaram, quando alteraram para Canal 4”. Depois, Álvaro de
Moya não aceitou ser contratado como desenhista da emissora. Foi
embora. Em seu lugar ficou Mário Fanucchi, no Departamento de
Arte. (“TV Tupi: Uma Linda História de Amor”, Vida Alves, Imprensa
Oficial, 2008:69)

Devido ao problema técnico com uma das três câmeras de TV, houve o atraso de cerca de 40
minutos para o início do “TV na Taba”. Eram, portanto, 21h40 quando Gabus Mendes finalmente
deu autorização para o início do espetáculo. No ar, o slide com o prefixo da emissora deu lugar
para outro slide: “PRF3-TV TUPI-DIFUSORA APRESENTA”, que ficou por 30 segundos na
tela com o fundo musical “Canto dos Índios Parecis”, de Lucília Villa-Lobos.
Em seguida, o técnico Jorge Edo disparou pelo equipamento de telecine uma película institucional
com dois minutos de duração, filmada em 16 mm pelo Departamento Cinematográfico das
Emissoras Associadas especialmente para a ocasião. Foram mostradas cenas da cidade de São
Paulo, de tropas e bandeiras (captadas no Desfile de 7 de Setembro de 1950), das instalações
dos Diários Associados e do Museu de Arte. Especificamente, viram-se as rotativas dos jornais
“Diário da Noite” e “Diário de São Paulo”, pessoas ouvindo rádio, os potentes transmissores de
50 kW da Rádio Tupi, telas de Cândido Portinari no auditório da Rádio Difusora e os novíssimos
estúdios de televisão. Depois, uma tomada de câmera, de baixo para cima, mostrou o edifício do
Banco do Estado de São Paulo até fixar em seu topo, onde se encontrava a antena transmissora
do Canal 3. Por fim, lá do alto, viu-se alguns panoramas da cidade de São Paulo.
Enquanto eram exibidas as imagens, a locução do apresentador Homero Silva explicava “em off”
o que elas simbolizavam. Até que Gabus Mendes ordenou:
— Atenção: câmera no ar!!
Os telespectadores viram um avanço lento de câmera até o narrador Homero Silva, fechando
um close. Ele se apresenta como o mestre da cerimônia e se encontra com as atrizes Miriam
Simone e Helenita Sanchez, sentadas à frente de um televisor, simulando que estariam vendo os
destaques da programação que Homero Silva anunciaria. Pequenos diálogos eram a “deixa” para
o início de um novo esquete ou de algum filme ilustrativo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 223

Conta-se, também, uma segunda — mas pouco provável —


versão sobre a mecânica de apresentação do “TV na Taba”,
na qual as duas moças não estariam em frente ao televisor de
uma casa, mas visitando os estúdios do Sumaré. Homero Silva
seria um cicerone que as levava para conhecer os vários setores
da televisão. Em cada uma das salas que eles adentravam era
apresentado o conteúdo de um gênero da programação.

Os pequenos esquetes com amostras da programação regular da estação começaram a ser


encenados, com apresentações de música, dança, teatro, humor, infantil, jornalismo e esporte.
Todos representados pelos artistas mais expressivos das Emissoras Associadas de São Paulo.
Algumas poucas apresentações — como a seleção de imagens da abertura e o já mencionado
musical “Pé de Manacá”1 — foram produzidas previamente e gravadas em filme de 16 mm.

Introduzindo o Encanto da TV

Por meio de uma matéria da revista “Veja”2, publicada em setembro de 1970, em comemoração
dos 20 anos da televisão brasileira, é possível entender mais detalhadamente como se desenrolou
o “TV na Taba”. A revista assim descreveu a sequência e os diálogos do show inaugural:
— Amigos, boa noite. Esta coisa que está acontecendo hoje é algo tão excepcional, tão
revolucionária, que não consegui arranjar uma cara menos assustada para aparecer diante de
vocês. É a televisão que surge em São Paulo. É a PRF3-TV Tupi, a primeira estação de televisão
da América do Sul! — bradou Homero Silva.
Em seguida, uma câmera percorre até as atrizes sorridentes.
— O que oferecerá a PRF-3? — disse uma das moças.
— Música, por exemplo!
Ela aponta para um cartaz, com os dizeres: “DANÇA RITUAL DO FOGO, COM GEORGES
HENRY E SUA GRANDE ORQUESTRA”. Ouvem-se os acordes de um solo de piano,
executado pelo maestro Rafael Puglielli. Em seguida, outro número de música clássica, desta vez
com o músico William Fourneaud e a Grande Orquestra Tupi. A regência foi do maestro Renato
Oliveira e supervisão geral do maestro francês Georges Henry — diretor musical da Rádio Tupi.
E a câmera fecha para as atrizes novamente.
— Realmente linda! — diz uma das moças, encantada.
— Nem poderia deixar de ser. E tem mais: você nem imagina, mas a televisão poderá... — diz

1 Link: youtu.be/-zjaUn41vFA.
2 “Vinte Anos de Televisão: Tecnicamente, Era Impossível o Primeiro Programa”, Veja, nº 107,
23/09/1970, p. 65.
224 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Homero Silva.
É feita uma pausa, até que se ouve um sino de escola e inicia o quadro humorístico “Escolinha
do Ciccillo”, com piadas rápidas de vários atores, entre eles Simplício, Lima Duarte, Lulu
Benencase, Nelson Guedes, Aldaíza de Oliveira, Xisto Guzzi, João Monteiro e Walter Avancini.
Em seguida, a apresentadora aparece rindo e diz:
— Mas que escola maravilhosa! O que mais poderá a televisão nos oferecer?
— O que quiserem… um tipo curioso como este, por exemplo — responde Homero Silva.
Inicia-se o quadro sertanejo “Rancho Alegre”, com o ator e comediante Mazzaropi sentado em
um banquinho, uma casa de caboclo ao fundo e contracenando com os atores João Restiffe e
Geny Prado. E a moça diz alegremente:
— Puxa! Eu nunca pensei que a televisão fosse tão... tão real. E o gostoso é esta ânsia que a gente
sente de ver mais... E teatro, vamos ter?
— Mas é lógico! O teatro será uma das atrações máximas da PRF3-TV! — diz Homero Silva
comicamente. E surge “O Teatro de Walter Forster”, com os atores Walter Forster, Lia de Aguiar,
Vitória de Almeida e Yara Lins em um pequeno quadro romântico, chamado “Ministério das
Relações Domésticas”.
— E agora? — pergunta uma das moças. Homero Silva sorri, escutando os primeiros acordes
da música “Pé de Manacá”. Entra no ar o filme pré-gravado com os atores Hebe Camargo, Ivon
Cury e Vadeco cantando e teatralizando: “Lá atrás daquele morro tem um pé de manacá”. O
cenário mostra uma paisagem tropical com um morro ao fundo.
E seguem as atrizes:
— Que beleza, como é bonitinha a Hebe! — diz uma delas.
— Vão me desculpar, mas agora quero apresentar alguma coisa sobre futebol — dispara Homero
Silva.
— Futebol depois de um número tão meigo como esse?
— Você não imagina como a televisão vai empolgar os fanáticos por futebol.
A câmera mostra a maquete de um campo de futebol. Aurélio Campos — famoso locutor
esportivo da Rádio Tupi — fala sobre as possíveis emoções daquela novidade.
— Aí está o campo de jogo. Não há torcedor que não o conheça em minúcia de milímetros. É o
grande palco das emoções populares — diz Campos.
Entra um filme com um homem de costas e ouve-se a narração de Aurélio Campos: “Quanto vale
esta cabeça? Sabem a quem ela pertence? Sim, é a cabeça de Baltazar, o famoso goleador dos
campos brasileiros”. O ídolo Baltazar vai se voltando devagar, até ficar de frente para a câmera,
sorrindo. Ouvem-se os gritos de uma multidão comemorando um gol. A câmera mostra os pés de
um menino negro, chutando uma laranja. A voz de mulher diz:
— Vai entregar a roupa, Benedito! Esse menino passa o dia chutando laranja e não pensa em
mais nada!
— Pensa sim! O Benedito sonha tornar-se, um dia, em um jogador de futebol — diz o locutor,
ao som de uma torcida.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 225

— Sabe o que eu gostaria de ver agora? — pergunta uma das moças.


— Pode ordenar.
— A Wilma Bentivegna e os Garotos Vocalistas.
E entra a atriz e cantora interpretando um mambo em espanhol, em cena que também participaram
os atores Rosa Pardini e Osny Silva.
— Quem disse que as figuras do rádio não serviriam para a televisão? — diz uma das atrizes. E
pensativa: — Ah, quem diria... Comentários, música, humorismo, improvisação, drama...

A esclarecedora matéria da revista “Veja” não menciona, mas houve, também, as seguintes
apresentações: o número de música popular com uma convidada especial — a rumbeira cubana
Rayito Del Sol e seu conjunto (apresentação pré-gravada); uma apresentação de dança clássica
chamada “Romance Espanhol”, com o cantor Marcos Ayala e a dançarina Lia Marques; um
quadro humorístico com o comediante Pagano Sobrinho, apresentado conforme o estilo que
ele fazia no rádio; um quadro infantil comandado por Homero Silva, baseado no programa da
Rádio Difusora “Clube Papai Noel”, com cantores mirins; um número com um mágico chinês;
e a crônica “Em Dia com a Política”, com Maurício Loureiro Gama, jornalista dos Diários
Associados.
Já passavam das 23h30 quando, para fazer a apoteose, foi executada a “Canção da TV”, na voz
da cantora e radioatriz Lolita Rodrigues, acompanhada de outros cantores do elenco do Sumaré.
A música foi composta especialmente para a ocasião pelo poeta Guilherme de Almeida e pelo
maestro Marcelo Tupinambá. A pedido de Assis Chateaubriand, deveria conter referências aos
índios que davam o nome à emissora, à televisão em cores (antevendo) e à bandeira do estado de
São Paulo. Assim cantou Lolita Rodrigues:

Vingou, como tudo vinga


no teu chão Piratininga
a cruz que Anchieta plantou.
Pois dir-se-á que ela hoje acena
por uma altíssima antena
em que o Cruzeiro poisou.
E te dá, num amuleto,
o vermelho, o branco e o preto
das contas do teu colar.
E te mostra num espelho,
o preto, o branco e o vermelho
das penas do teu cocar.
226 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Jorge Edo, o principal técnico das Emissoras Associadas de São Paulo, declarou em uma
entrevista ao Museu da TV, Rádio & Cinema que algumas daquelas imagens exibidas no início
do show foram gravadas de última hora, naquela manhã do dia da inauguração. De acordo com
sua entrevista, o filme exibido na abertura do “TV na Taba” foi reapresentado durante a execução
da “Canção da TV”.

Quando a Lolita Rodrigues cantou o hino [...] eu sobrepunha as


imagens. E, então, aquilo foi uma coisa que ninguém esperava, um
tremendo sucesso. Tal sobreposição foi feita por meio do aparelho de
telecine. (depoimento do técnico Jorge Edo ao Museu da TV, Rádio
& Cinema, em 1998)

Na verdade, a primazia de entoar a canção da TV brasileira não estava prevista para ser de Lolita
Rodrigues, mas de Hebe Camargo.

No dia da inauguração da televisão no Brasil, em 1950, Hebe havia


sido convidada para cantar o Hino da Televisão. [...] Mas, na última
hora, ela mandou dizer que não poderia comparecer. Lolita Rodrigues
precisou aprender a melodia e a letra em poucas horas antes de
entrar em cena, convocada às pressas para substituir Hebe, que
deu a desculpa de estar resfriada. Desde então, muito se falou sobre
as verdadeiras razões dessa ausência. A própria Hebe, numa das
agradáveis noitadas de pizzas na casa do Faustão [o apresentador
Fausto Silva], foi quem me contou a verdade. O resto são versões.
Ela estava apaixonada e nada mudaria seu rumo naquele dia. Luís
Ramos era empresário, fazendeiro, criador de cavalos, um sujeito
inteligente, divertido, boêmio, irmão do fundador da Folha de S.
Paulo, José Nabantino Ramos. Hebe preferiu encontrá-lo, abrindo
mão de um momento histórico da comunicação no Brasil. É que os
encontros de Hebe e Luís exigiam sempre manobras arriscadas. [...]
Apesar de separado, tinha uma companheira chamada Manuelita
[...]. Apaixonou-se por Hebe e cuidava de dar um jeito na situação.
Enquanto Lolita cantava o Hino da Televisão, Hebe foi a uma festa
das Lojas Assunção, de Raul Guastini, no Teatro Cultura Artística, só
para se encontrar com Luís Ramos. Foi a grande paixão da vida de
Hebe [...]. (“Melhores Momentos com Hebe Camargo”, Amaury Jr.,
27/10/2017, www.vivasa.com.br/articulistas/Amaury-Jr/443)

O “TV na Taba” prolongou-se ininterruptamente por 2h40. Homero Silva encerrou por volta da
meia-noite, dizendo “em off”, ao som de “Acalanto”, de Dorival Caymmi:
— A televisão é tudo isso, em espetáculos diários que irão ter no recesso do lar de um imenso
público. A televisão é alegria, é cultura, é divertimento!
A euforia foi geral. Palmas, lágrimas e o pessoal maravilhado com o que viu. Uma grande
satisfação daqueles que estreavam, com sucesso, uma técnica que comercialmente era inédita
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 227

no Brasil e em toda a América do Sul. Foi a grande estreia de todos aqueles técnicos e artistas
que, a partir daquele momento, eram os responsáveis por fazer a primeira estação de televisão
de nosso país.
Quem não pôde bater palmas, mas é merecedor de muitos aplausos, foi o maquinista José Fortes,
aquele que havia garantido silêncio na troca de cenários durante o “TV na Taba”. Ele terminou o
show com as mãos ensanguentadas, visto que montou os cenários no Estúdio “A” sem martelar,
pressionando os pregos com as mãos!

Apesar das improvisações — porque estava tudo ensaiado para


três câmeras, mas uma tinha pifado — o programa inaugural saiu
direitinho. [...] ficou muito sobrecarregado porque nós quisemos
variar o mais possível, mas não houve nenhum erro, nenhuma
bobagem. Mas foi engraçado. Quando tudo acabou, todo mundo se
abraçou e [disse:] “Saiu ótimo!”. (depoimento de Cassiano Gabus
Mendes, “Impressões do Brasil - A Imprensa Brasileira Através dos
Tempos”, Cláudio Mello e Souza, Editora Cedoc, 1986, n.p.)

A grande imprensa praticamente nada retratou sobre o evento histórico. Os jornais “Associados”
não comentaram sobre o desfalque técnico de uma câmera e a improvisação de script e cenografia,
necessários para a realização do espetáculo. O “Diário de São Paulo” apenas citou que “Jorge
Edo, Mário Alderighi e os rapazes da técnica lograram êxito extraordinário na disposição das
[lentes] objetivas, no apanhar dos quadros, parecendo estarem eles há tempos lidando com a
televisão”.
E era verdade. Segundo depoimentos históricos dos próprios diretores e técnicos da PRF3-TV,
poucas falhas puderam ser vistas. Uma delas aconteceu quando um dos quadros estava quase
terminando e a câmera focalizou um braço de Dermival Costa Lima. Noutro deslocamento, foi
possível ver uma das rodas do carrinho do microfone “boom”. Contudo, nos bastidores, o que
ficou mesmo marcado no primeiro dia da televisão brasileira foram as soluções criativas que
tiveram que ser encontradas, soluções estas que seriam muito usadas nos primeiros anos da TV.

Artistas e técnicos posam felizes após


o espetáculo inaugural “TV na Taba”.
(Diário da Noite/reprodução)
228 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Foi assim, de improviso, com atraso, uma câmera a menos, mas com muita garra, suor,
determinação (e... até sangue, por que não dizer?) que o programa inaugural da TV Tupi entrou
no ar, marcando com sucesso o início da televisão brasileira. Durante os abraços e palmas, ainda
nos estúdios, quem reapareceu foi o engenheiro da RCA, Walter Obermüller, que havia ido
embora, com vergonha, em meio ao problema técnico da câmera e a necessidade de cancelar
tudo. Jorge Edo lhe perguntou por onde andava e por que não tinha ajudado nos trabalhos.
— Não aguentei. Pensei que ia morrer. Achei que não ia haver inauguração. Fui ao bar do hotel
e... enchi a cara — revelou o engenheiro americano, que confessou ter conseguido assistir ao
programa por um receptor instalado no próprio hotel.
— É que você não conhece o jeitinho brasileiro. Com ele, nós conseguimos fazer o impossível!
— debochou o grandioso Jorge Edo.

TV na Taba - Ficha Técnica

Direção Geral: Dermival Costa Lima


Direção Artística: Cassiano Gabus Mendes
Direção Técnica: Mário Alderighi e Jorge Edo
Operação de Switcher: Cassiano Gabus Mendes
Operação de Telecine: Jorge Edo
Direção Musical: maestro Renato Oliveira
Produção: Paulo Leblon, Walter Forster e Aurélio Campos
Cenografia: Carlos Jacchieri e Rubens Barra
Maquinista (montagem dos cenários): José Fortes
Coreografia: Marília Franco
Operação de Câmera: Walter Tasca, Carlos Alberto de Oliveira
e Álvaro Alderighi
Operação de Microfone: Zogomar Martins
Iluminação: Gilberto Bottura
Elenco Ao Vivo: Homero Silva, Miriam Simone, Helenita
Sanches, Simplício, Lima Duarte, Lulu Benencase, Nelson
Guedes, Aldaíza de Oliveira, Xisto Guzzi, João Monteiro,
Walter Avancini, Amácio Mazzaropi, João Restiffe, Geny
Prado, Walter Forster, Lia de Aguiar, Vitória de Almeida,
Yara Lins, Aurélio Campos, Wilma Bentivegna e os Garotos
Vocalistas, Rosa Pardini, Osny Silva, Marcos Ayala, Pagano
Sobrinho, a dançarina Lia Marques, o jornalista Maurício
Loureiro Gama, o maestro Rafael Puglielli, o maestro Georges
Henry e o músico William Fourneaud
Elenco Pré-Gravado: maestro Renato Oliveira, Hebe Camargo,
Ivon Curi, Vadeco, o jogador Baltazar e a cubana Rayito Del
Sol
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 229

No Sumaré, foi a gente de rádio que, contratualmente obrigada a fazer


televisão, arriscou seu prestígio popular ao deixar de ser apenas uma
voz. [...] Os grandes nomes do teatro viam a televisão como uma sub-
arte e, mais ainda, estavam preocupados com os riscos de submeter-
se a um meio que, à exceção dos técnicos, ninguém conhecia. (“Tupi -
Pioneira da Televisão Brasileira”, José de Almeida Castro, Fundação
Assis Chateaubriand, 2000:42)
230 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 19
COMEMORANDO

As festividades de inauguração da PRF3-TV, no Sumaré, envolveram


todo o povo paulista em intenso júbilo. Milhares de pessoas
acompanharam o desenvolvimento das cerimônias, assistindo a
elas por intermédio de [dezenas] de receptores instalados nas casas
comerciais, no hall do edifício Guilherme Guinle, sede dos “Diários
Associados” e nos estúdios da “Cidade do Rádio”. Do interior —
Campinas, Santos, Jundiaí e demais localidades situadas num raio de
mais de oitenta quilômetros da Capital — chegam-nos telegramas de
que a primeira audição oficial de TV foi, também, ali recebida com
nitidez. (“Cidade do Rádio”, Diário de São Paulo, 20/09/1950, n.p.)

T
odo o êxito da inauguração da TV Tupi-Difusora foi motivo para uma grande festa “em
família”. Chateaubriand despediu-se dos convidados do jantar no Jockey Club e voltou
ao Sumaré para cumprimentar os membros da equipe. Em seguida, ofereceu a eles um
merecido jantar na aconchegante Cantina do Romeu, situada na Rua Pamplona, n° 795, no
Jardim Paulista1. Cerca de 70 componentes da família radiofônica do Alto do Sumaré sentaram-
se à mesa às 2h da madrugada para comemorar o sucesso da estreia da televisão de São Paulo
ainda antes que a do Rio de Janeiro, com a geração de belas imagens e poucos erros.
Já eram 3h da manhã quando Assis Chateaubriand, orgulhoso, fez mais um de seus discursos
metafóricos, que ganhou o título de “A Hegemonia do Sumaré” e que assim foi reproduzido pelo
“O Jornal do Rio de Janeiro”, o principal veículo dos Diários Associados:
— Meus bravos companheiros da Televisão Tupi. Venho dividir com o nosso amigo major Nelson
Coutinho as responsabilidades da presidência de um jantar aos capitalistas, que nos facilitaram
a cunhagem de cruzeiros-propaganda para que pudéssemos ser, em São Paulo, os pioneiros
da televisão na América do Sul. Não tendes susto dos bichos marinhos com quem vimos de
conviver. São tubarões mansos, que não dão rabanadas furiosas e as suas orlas de dentes têm
sido cuidadosamente limadas. Andam com 80% da agressividade das dentuças comprometidas,
graças a um perseverante esforço nosso de transformação das suas reações contra os peixes
miúdos, como vós e nós. Poderíamos chamá-los tubarões de viveiro, de tal modo que respiram
e se dão bem dentro das nossas águas estreitas e pouco profundas. Temos-lhes ensinado que só
existe um caminho para a sua salvação: superar o comunismo, dando coisas ao povo, mesmo a
preço de tremendos ônus e vastos prejuízos materiais. Muitos ainda têm de recalcitrar, dando
estalos na língua e lambendo os beiços, ávidos das gulodices do privatismo. Outros, porém,
compreenderam que as advertências estão aí. É oportuno unificar cada vez mais interesses
obreiros e patronais, até porque toda a dualidade de ação somente prejudicará o interesse
respeitável que é o coletivo. Não há interesses de burgueses nem de operários diante do interesse
social. Nós outros só temos um nome tutelar, uma força de inspiração das nossas ações, que é
1 No local, hoje funciona o Restaurante Bassano, com entrada pelo nº 793 da mesma rua.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 231

o povo brasileiro. Fazem os Diários e Emissoras Associados, jornais, revistas, broadcasting e


televisão, pensando na elevação dos níveis culturais e civilizados da nação. Pretendemos que
a organização que dirigimos seja uma força representativa da época em que vivemos, a qual é
uma era de aperfeiçoamento popular, pela difusão cada vez maior dos meios de educação e do
exercício do governo democrático.
E continuou o Velho Capitão:
— Chamo a atenção, a vós outros, que podeis comparar todos os dias o valor dos nossos serviços
de assistência os trabalhadores dos Diários e Emissoras Associados, em comparação com os
do governo, que nada do que estamos empreendendo no campo do rádio e da televisão traduz
sombra de bafejo dos poderes públicos. Ontem como hoje, tudo o que realizamos representa o
esforço exclusivo da iniciativa privada. É a televisão uma pesadíssima hipoteca sobre os Rádios
Associados. Trata-se do pior negócio do mundo, de um negócio devorante da economia daqueles
que nele aplicam as suas reservas de dólares ou cruzeiros. Conversamos no mês findo, no Rio,
com o proprietário da estação de Des Moines, nos Estados Unidos. “Perdemos meio milhão de
dólares, por ano, a partir de 1947”, disse-nos mr. Cowles. Tal o saldo-passivo da exploração de
uma dessas máquinas de produzir imagens animadas para o público. Conhecíamos a cara da
traiçoeira, fabricante de déficits, na bolsa dos que se lançam a reproduzir-lhe a feitiçaria. E não
se montou só uma, mas duas. A do Rio está por inaugurar-se no mês vindouro — estimou Chatô.
— Por que então partiram ovantes para uma aventura destas? — perguntarão os que não conhecem
a vocês nem a nós. Terão de combater anos seguidos contra déficits espantosos, que roerão as
finanças dos Rádios Associados. Mas é que temos compromissos ilimitados com o progresso,
e no dia que os limitássemos ou os reduzíssemos, vocês e nós deixaríamos de ser essa falange
de personagens colombianos que andam pela terra, em busca de romanesco. Onde for preciso
fazer uma cabeça-de-ponte em terra desconhecida, tenham certeza de que há gente, em nossas
colunas, para o assalto. Até hoje não se limitou, neste campo magnético do rádio, nenhuma das
nossas ambições. O que foi preciso fazer-se, fez-se. O que se devia fazer, não se hesitou. Qual é
o de vocês que toleraria, ou melhor, que nos perdoaria que a televisão saísse primeiro de outro
sítio, no Brasil, que não em São Paulo, e em São Paulo que não da colina sagrada do Sumaré?
Não é sem uma razão de ser decisiva que os gaviões dos Rádios Associados se encontram no
ponto culminante de Piratininga. É para que eles dominem, é para que eles, com a audácia de
Bandeirantes, para aqui tragam como qualidade, tudo quanto a ciência e a técnica têm produzido
lá fora. O dinheiro conosco é secundário, para o espírito de iniciativa e empresa que subjugue
a todos nós, vós e os vossos companheiros que vos congregam. Não há obstáculo que anule o
vosso ímpeto. Criamos todos juntos o acontecimento que é a televisão em São Paulo e no Brasil.
Desde que adquirimos o material, cedemos a pelota a vocês. Esta partida foi 80% jogada pelas
equipes do Sumaré e elas a ganharam — e ganharam um jogo feito numa base experimental,
porque ninguém aqui conhecia este novo ramo de negócio, que consiste em transmitir imagens à
distância. Não houve quem se intimidasse com dificuldades de nenhum volume.
— Nosso veterano, o capitão Walter [Obermüller], é um animal epiceno. Tem dois sexos, sendo
que um ele o adquiriu por aproximação. Pertence à RCA e aos Rádios Associados, e dá-se
perfeitamente bem com essa dupla natureza bugre-americana. Comandou a nossa equipe que
deveria montar a TV Tupi, para acabar de técnico de rádio e televisão, ensaiador de shows e
maquiador dos rostos de homens e mulheres. É este montador de equipamentos eletrônicos uma
natureza com plasticidade de “bonne à tout faire” [criado para todo o serviço].
— Esta é a primeira estação de televisão instalada pelos americanos fora do país com uma equipe
de nativos. Mandamos daqui dois rapazes para aprender a montagem de estações de televisão na
América do Norte e fazer também cursos da NBC sobre televisão. Voltaram prontos para pintar
a saracura. Não é outro o balanço que fazemos depois do ruidoso êxito desta tarde e desta noite.
232 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Vocês não se advertiram do que fizeram, porque não vieram para a rua admirar o júbilo perplexo
e deslumbrado que acompanhava, no público, as emissões do nosso show. Temos vivido juntos,
sem desinteligências, faz 13 anos. E juntos, com entusiasmo e disciplina, temos conquistado gols
definitivos, desenvolvendo ao mesmo tempo, juntos aos nossos colegas paulistas do rádio, um
espírito de camaradagem e de cooperação de que nos ufanamos.
— Registro apenas: o Sumaré constitui uma família, com uma vida e uma alma. De famílias
caracterizadas e as suas peculiaridades nitidamente fixadas. Vocês são a síntese mais harmoniosa
dos vínculos que unem a nossa taba, e isto explica a supremacia que o Sumaré conquistou no
broadcasting e na televisão. Os chefes fazem um patriarcado notório, e as chefonas, como dona
Sarita Campos, por exemplo, um matriarcado de que nós mesmos nos arreceamos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 233

CAPÍTULO 20
REFLEXÕES SOBRE A INAUGURAÇÃO DA TV

Os ouvintes de rádio do país ficaram curiosos e entusiasmados


na década de 50, com a possibilidade “mágica” de terem um
verdadeiro teatro dentro de suas casas, através da televisão.
Enquanto isso, muitos artistas de rádio se apavoraram. Como
aconteceu na transformação do cinema mudo para o sonoro,
muitos se preocuparam com o futuro de suas carreiras, uma vez
que as vozes aveludadas de galã, ou graves de vilão, nem sempre
correspondiam com o aspecto físico e eles corriam o risco de não
servirem para o novo veículo. Apesar da expectativa de uns e receio
de outros, a grande maioria não acreditava na televisão no Brasil.
Sem uma infraestrutura técnica, artística, industrial e comercial
para apoiá-la, como poderia vingar? Para muitos era uma loucura.
O simples efeito de uma sonoplastia, que no rádio criava cavalgadas
de bandidos com pares de coco batidos, mostra o quanto a técnica
teria de evoluir em função do novo elemento: a imagem. Mas, a 18
de setembro de 1950, milhares de curiosos se aglomeraram no hall
do edifício Guilherme Guinle, sede dos “Diários Associados” em
São Paulo, e nos estúdios da Cidade do Rádio, buscando um bom
lugar para ver os monitores de TV ali instalados. [...] Era o Brasil
ingressando na era da televisão. Era a Tupi, assumindo o lugar de
pioneira na América [do Sul], implantando a TV no País, graças à
persistência e ao espírito aventureiro de Assis Chateaubriand. [...]
o Brasil ganhava uma estação de televisão, que serviria de base ao
trabalho feito, para que hoje o Brasil se colocasse entre os melhores
produtores de TV do mundo. (“TV no Brasil - Pioneirismo de Assis
Chateaubriand”, Diário de Pernambuco, 21/09/1979, p. C-4)

A
TV Tupi nasceu, por assim dizer, com o jeito brasileiro de improvisação. Diferente da
Inglaterra, França e Alemanha, por exemplo, a televisão chegou ao Brasil através da
iniciativa privada e como parte de um conglomerado de comunicação, com jornais,
revistas e emissoras de rádios espalhados em várias regiões do país. Para formar um imaginário
em torno da televisão, Chateaubriand utilizou, principalmente, seus veículos impressos editados
no Rio de Janeiro e São Paulo, como a revista “O Cruzeiro”, o popular “Diário da Noite” (nas
edições paulistana e carioca), “O Jornal do Rio de Janeiro” e “Diário de São Paulo”. Este último
foi o que mais informou a população sobre os detalhes da montagem e estreia da nova maravilha
da ciência e da comunicação. Além de contar com uma tiragem considerável, o “Diário de São
Paulo” era um veículo dirigido para a elite, a mesma que poderia comprar um valioso receptor
de televisão.
234 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Para reconstituir seu passado, especialmente o período anterior


ao video-tape, é preciso um grande esforço de pesquisa. Afinal, a
televisão não era levada a sério pelas pessoas que estudavam a
cultura brasileira e ninguém se preocupou em documentar seus
passos. Hoje, temos que confiar basicamente no depoimento de
profissionais responsáveis pela sua criação e desenvolvimento —
cujo a memória nem sempre é fiel — para escrever essa história. (“O
Teleteatro Paulista nas Décadas de 50 e 60 - Cadernos 4”, Secretaria
Municipal de Cultura, 1981:3)

Quando tudo começou, ninguém tinha noção, em curto prazo, que a TV iria ter a importância
que teria um dia. Dez dias depois da estreia da PRF3-TV, o “Diário de São Paulo” passou a
publicar em sua capa a grade diária de programação da emissora, algo que hoje constitui um
grandioso valor para as pesquisas sobre a fase inicial da nossa televisão, que conta com tão
poucos registros audiovisuais preservados. Lamenta-se, também, que os demais veículos da
imprensa escrita daquela época pouco noticiaram sobre a inauguração da televisão. Ou seja,
sabe-se dos fatos praticamente pelo viés dos jornais do próprio grupo de comunicação ao qual
a TV Tupi pertencia. O “Correio Paulistano” foi o concorrente que mais mostrou os avanços da
montagem da Televisão Tupi em São Paulo, já que possuía grande interesse na divulgação da
televisão. Ele fazia parte de um grupo que havia solicitado, em 1949, uma concessão para operar
a TV Excelsior de São Paulo1.
Apesar da pequena cobertura dos veículos concorrentes dos Diários Associados, o importante é
que no dia 18 de setembro de 1950 foi inaugurada a primeira emissora sul-americana de televisão,
que, passados alguns anos, causaria mudanças profundas na vida e nos hábitos da população
brasileira. Tal como o surgimento do televizinho, termo que passou a constar no dicionário e
que denomina o indivíduo que não possuía um receptor de TV, mas assistia frequentemente aos
programas de televisão na casa de vizinhos.
Em uma entrevista publicada em setembro de 1980 pela revista “Briefing”, o diretor Cassiano
Gabus Mendes chegou a declarar que “aprendemos a fazer TV ‘no tapa’, no peito e na raça, com
muita intuição. O que salvou foi que a gente gostava do que fazia e é por isso, por esse amor, que
a Tupi foi uma verdadeira escola para a maioria esmagadora dos profissionais que se espalharam
pelas emissoras do Brasil”.

1 Apesar de a concessão da TV Excelsior de São Paulo ter sido requerida em 06/06/1949 e


outorgada em 05/12/1950, a emissora entrou no ar apenas em 09/07/1960.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 235

CAPÍTULO 21
OS PRIMEIROS DIAS DE PROGRAMAÇÃO REGULAR

N
a madrugada subsequente da transmissão inaugural da PRF3-TV, os produtores, diretores
e artistas estavam comemorando na Cantina do Romeu. A primeira grande batalha estava
vencida, mas em algumas horas depois, a estação teria que estar no ar novamente.
Eis aqui mais um ponto que chama a atenção na história da TV Tupi e da televisão brasileira.
Muitos artistas, diretores, escritores e jornalistas afirmam que, como os dias que antecederam
à inauguração da emissora foram dedicados apenas aos ensaios exaustivos para a estreia, não
havia como produzir programas para entrar no ar a partir do dia seguinte. O show de inauguração
“TV na Taba” mostrou prévias da maioria dos programas que seriam produzidos na emissora e
quem seriam seus apresentadores. A Televisão Associada traria reportagens esportivas, jogos de
futebol, competições de remo, lutas de boxe, noticiários, teatro, artes plásticas (com a colaboração
do MASP), filmes, musicais e os artistas das rádios do Sumaré. Conta-se, todavia, que durante
as comemorações da madrugada, alguém teria perguntado ao diretor Cassiano Gabus Mendes:
— Como vai ser a programação de hoje?
— Pois é, temos que ver isso — teria dito o diretor.
— Agora vamos refazer as forças, descansando. De noite tem!1
Foi quando Gabus Mendes teria pedido a seus auxiliares para que, no dia seguinte, bem cedo,
solicitassem todo tipo de rolo de filme disponível nos consulados, nas bibliotecas e faculdades
da cidade. Desta forma, a programação a partir do dia 19 de setembro exibiria, ao menos,
alguns filmes educativos e documentários, mesclados com desenhos animados sem tradução
e com o material produzido para a fase experimental — musicais e documentários — mesmo
que já tivessem sido exibidos à exaustão. Vale salientar que, ao contrário do que se especula,
a necessidade de encontrar conteúdo para preencher a programação dos dias subsequentes
não significa falta de planejamento da equipe ou que ninguém tinha pensado antecipadamente
sobre o assunto. Na verdade, não havia estrutura para isso e era necessário começar a produzir
gradualmente. Para isso, seria necessário usar bastante o sistema de exibição do equipamento de
telecine.
Justamente sobre a programação do dia seguinte, o ator Lima Duarte, em entrevista para a atriz
e escritora Vida Alves2, declarou: “Saímos correndo para os consulados para pegar os filmes.
[...] Tinha filmes de cientistas fazendo experiências, tinha filmes sobre desintegração das amebas
da Polinésia, [...] a biologia não sei lá de quê. Ficava passando esses filmes todas as noites.”,
brincou o ator pioneiro.

1 Essa expressão “De Noite Tem”, ou “DNT”, que Gabus Mendes teria usado, virou bordão no
meio televisivo, representando os programas que deveriam ir ao ar à noite, ao vivo, “na raça”,
sem que tivesse havido qualquer ensaio.
2 “TV Tupi: Uma Linda História de Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:71.
236 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O diretor-artístico da emissora, Dermival Costa Lima, afirmou em um depoimento ao IDART1,


em 1980, que ele e Cassiano Gabus Mendes planejaram antecipadamente, em diretrizes gerais,
qual seria a programação das duas semanas seguintes. Eram conhecedores da logística da
radiodifusão, da similaridade entre a grade de programação de uma rádio e as possibilidades
para a televisão. O improviso se deu na forma de executar tais diretrizes, a fim de produzir
uma programação majoritariamente ao vivo. Prova disso está na transposição de programas
radiofônicos para versão televisiva, como “Rancho Alegre” e “Clube Papai Noel” (que na TV se
chamou “Gurilândia”), uma das primeiras estratégias de programação. Já a busca frequente por
conteúdos audiovisuais de terceiros para ajudar a montar a programação realmente é um fato,
mas totalmente compreensível.

“Audições Normais” A Partir de Hoje

Se o show inaugural da TV em São Paulo marcou um sucesso em toda


a linha, muito se pode esperar das programações normais que serão
promovidas a partir de hoje à noite. Audições das mais variadas
estão programadas no Sumaré, esperando, também o público, com
grande expectativa, as primeiras reportagens de esportes. E, assim,
milhares de pessoas, sem sair de suas casas, poderão assistir teatro,
cinema, os seus artistas prediletos do rádio, football, remo, boxe e
toda à TV das “Associadas”. (“Completo Êxito Artístico e Técnico
o Show Inaugural da TV Associada: Audições Normais”, Diário de
São Paulo, 19/09/1950)

De fato, apesar da grande cobertura sobre a inauguração da TV nos jornais dos Diários Associados,
sequer houve a menção específica sobre algum programa que iria ao ar na programação do
dia seguinte. O “Diário de São Paulo”, em uma nota intitulada “Audições Normais”, informou
superficialmente que “audições das mais variadas estão programadas no Sumaré”. As primeiras
informações prévias sobre a grade regular de programação do Canal 3 passaram a ser divulgadas
somente uma semana após a inauguração — em 27 de setembro — pelo “Diário da Noite”,
ressaltando que não havia programação às segundas-feiras, dia de folga. Com isso, não se sabe,
ao certo, o que foi exibido nos primeiros oito dias de programação, apenas que ela foi ao ar
entre 20h e 23h. Ao que tudo indica, como as produções inéditas ainda não estavam preparadas,
a programação dos sete primeiros dias foi composta apenas por reprises da programação
experimental (musicais e documentários próprios) e por documentários de terceiros. Tal fato
fez com que a grade de programação não tenha sido divulgada previamente, pois não merecia
destaque nos jornais do grupo “Associado”, tampouco na concorrência.

1 IDART - Centro de Informação e Documentação Artística, da Secretaria Municipal de Cultura


- São Paulo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 237

O Início da Programação Inédita

Quando a TV chegou, consumiu toda a nossa produção de 18 meses


em 18 dias [força de expressão]. E a programação era só das 20h
às 23h, menos às segundas-feiras (folga geral). Aos domingos,
filmes de longa-metragem. Mas estávamos também preparados para
enfrentá-la com programas produzidos e exaustivamente ensaiados.
(depoimento do diretor Luiz Gallon, “O Diretor Luiz Gallon e suas
Histórias de Quem Viu a TV Nascer…”, Jornal do Commercio [AM],
09/02/1975, p. 7)

A atriz pioneira Vida Alves conta que “após os primeiros dias, em que a improvisação e os
delírios predominaram, houve uma reunião artística geral”1. O diretor-artístico Dermival Costa
Lima reuniu-se com seu assistente Cassiano Gabus Mendes e com o grande time de atores e
produtores, entre eles, Túlio de Lemos, Aurélio Campos, Walter Forster, Walter George Durst,
Dionísio Azevedo, Ribeiro Filho, Jota Silvestre, Lima Duarte e Luiz Gallon. Foram discutidos
detalhes para o início da produção de teledramaturgia, o “carro-chefe” da programação, que
incluiria grandes espetáculos de teatro adaptados para a televisão. Definiram, também, que
seriam produzidos alguns outros programas além dos que estavam previstos e que o horário de
exibição da programação continuaria acontecendo entre 20h e 23h. Vale ressaltar que os artistas
das Emissoras Associadas de São Paulo que passariam a trabalhar na televisão não abandonariam
seus trabalhos nas rádios Tupi e Difusora. Essa seria a nova rotina de muitos pioneiros da
televisão brasileira, que se desdobrariam para dar conta do desafio que se apresentava.
Os primeiros programas produzidos pela própria TV Tupi-Difusora foram surgindo
gradativamente a partir de 27 de setembro, todos apresentados ao vivo. Alguns ocupariam
posição fixa na grade e outros se assemelhariam com especiais. Mesmo com o processo de
produção em plena atividade, ainda foi preciso complementar os horários com os já conhecidos
desenhos, filmes, documentários e musicais.
A programação inédita surgiu com jornalísticos, musicais e coberturas esportivas. A fórmula
das equipes de produção e da técnica era, definitivamente, pioneirismo, improvisação e muita
parceria. Isso facilitou lidar com a limitação de recursos, com a tecnologia incipiente e com
a inexperiência diante do novo veículo. Um dos primeiros grandes desafios foi desenvolver
as técnicas próprias de criação e produção dos programas. Eles que tiveram aspecto de rádio
televisionado até 1952, quando se encerrou a fase de aprendizagem e uma linguagem peculiar
começou a ser aplicada.
A grade de programação inicial da TV-3 foi publicada quase diariamente nas capas dos jornais
“Associados” de São Paulo. Mostrava a sequência dos programas do dia, mas apenas o primeiro
programa da noite é que tinha horário fixo (20h). Isso porque os horários de início das demais
atrações eram incertos, já que havia necessidade técnica de preparar os estúdios para a próxima
atração. Até que isso acontecesse, ficava no ar a “Cabeça de Índio” ou algum dos filmes “tapa-
buraco”.
Na grade de 28 de setembro de 1950 estreou o noticioso “Imagens do Dia”, trazendo reportagens
curtas, gravadas em películas de 16 mm, heroicamente produzidas pelo jornalista Paulo Salomão
e pelo cinematografista Jorge Kurkjian. A locução e direção eram de Ruy Rezende. Em pauta, os

1 “TV Tupi: Uma Linda História de Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:79.
238 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

assuntos de maior interesse público, num serviço informativo tais quais os jornais apresentados
nos cinemas1, antes dos filmes. Nas primeiras edições de “Imagens do Dia”, por exemplo, o
assunto de maior interesse foram as eleições de 3 de outubro de 1950, pelas quais o ex-presidente
Getúlio Vargas conseguiria voltar ao poder. O “Imagens do Dia” era geralmente o último
programa da noite, indo ao ar de segunda a sexta-feira. Por vezes, após o “Imagens do Dia”,
ainda era exibido um desenho animado, que nunca teve seu nome discriminado nos jornais, mas
sabe-se que, entre eles, estavam os títulos famosos “O Pica-Pau” e “Andy Panda”.

Ruy Rezende e Paulo Salomão estão passando por uma curiosa e


frutífera experiência de televisão e cinema. Convocados a apresentar
uma espécie de “atualidades do dia” na TV Associada, os dois
repórteres viram-se diante de dois problemas ao mesmo tempo: o
da filmagem de aspectos e fatos jornalísticos, isto é, o de cinema; e
depois o da apresentação do filme pronto na tela da televisão. Para
surpresa de muita gente, inclusive do cronista, os dois profissionais
conseguiram sair-se melhor do que a expectativa. Trabalhando com
duas artes praticamente desconhecidas para eles — cinema e TV
— Ruy Rezende e Paulo Salomão estão provando que a tenacidade,
um certo gosto e a vontade de acertar podem fazer milagres. [...]
Algumas deficiências naturais poderão ser corrigidas com o tempo:
por exemplo, na parte cinêmica: escolha de melhores matérias,
rapidez de cenas, cortes mais seguros. Na parte sonora: falas mais
seguras, narração mais fluente e maior cunho jornalístico nas
notícias. Disseram-nos que eles têm contra si o terrível inimigo da
carência de tempo. No mesmo dia têm que descobrir os “assuntos”,
filmá-los, revelá-los, cortá-los e — já quase em cima da hora de
transmissão — anotar os comentários a fazer. [...] É preciso dar
ao espectador, ao telespectador, a imagem quentinha, a novidade
fresca. [...] Ruy Rezende e Paulo Salomão [...] cumprem um trabalho
jornalístico e radiofônico de primeira categoria, pelo qual merecem
os sinceros aplausos [...]. (“Imagens do Dia”, E.B., Diário da Noite
[SP], 17/10/1950, p. 6)

1 Os jornais cinematográficos, ou cinejornais, eram produções curtas e documentais apresentadas


antes dos filmes nos cinemas. Foram fonte de notícias, atualidades e entretenimento para
milhões de espectadores dos anos 1910-50, até que a televisão substituiu os seus papéis. No
Brasil, os mais famosos cinejornais foram “Rossi Atualidades” e “Canal 100”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 239

Ruy Rezende, Pioneiro do Telejornalismo na TV Brasileira


Quando se concretizou e tomou forma definida, a ideia de se instalar em S.
Paulo a primeira estação de televisão da América do Sul, a nossa PRF3-TV, sem
ter nada com o assunto, comecei a pensar no setor informativo desse novo
veículo de comunicação das ideias entre os homens. Jornalista e repórter
radiofônico da Tupi-Difusora, me senti atraído, como é natural, por esse
novo campo de atividades, e tateando no escuro de um desconhecimento
quase total do assunto, fui aos poucos, através de informações, de livros e
revistas especializados, de troca de correspondência com amigos radicados
nos Estados Unidos “descobrindo” o segredo de uma nova profissão, que
naquele país se chama “Newsreel Department Director” e que entre nós pode
ser apenas o repórter de televisão. E assim, quando surgiu o convite para
organizar e dirigir o setor informativo da TV associada, trazia no bolso do colete
desde os títulos dos programas até os nomes dos auxiliares necessários para
completar a equipe. E, essa é a razão daquele “nossa” que aparece no título
[deste texto], porque em verdade todos mudamos de profissão. Eu, esses dois
magníficos companheiros que são Paulo Salomão e Piududo dos Santos, que
de fotógrafos se metamorfosearam do dia para a noite em cinegrafistas; esse
outro espetaculoso jovem Sebastião Cardoso, que de motorista do Pronto
Socorro, do Plantão da Polícia, da distribuição dos “Diários”, da reportagem
da mesma organização, passou a motorista da perua da TV; e finalmente este
irrequieto garção dançarino que atende pelo apelido de Sabú, transformado
também de uma hora para outra a auxiliar de reportagem! Os títulos
imaginados tiveram sua utilidade e surgiram os programas: “Imagens do
Dia”, “Semana em Revista”, “Vídeo Esportivo”, “Turf em Revista”. A princípio
tudo foi difícil e as imperfeições eram inúmeras, mas desculpáveis. Hoje, em
compensação, tudo continua difícil, embora as imperfeições já não sejam
tantas nem tão visíveis. De início éramos apenas três na equipe e hoje, menos
de um ano depois, esse número já dobrou e ainda há de se ‘tresdobrar’
antes de decorrido mais um ano de atividades. Justificando aquela primeira
afirmativa de que aprendemos uma nova profissão, vale dizer que pela porta
da televisão ingressamos no domínio do cinema aplicado à informação. O
repórter habituado a reproduzir os fatos pela palavra, aprendeu a apresentá-
los ao público pela fotografia, única e exclusivamente. Da palestra restou
a narração sobreposta ao filme da reportagem. E a narração não é uma
reportagem, é apenas um complemento, uma elucidação para cobrir os
aspectos que porventura não sejam perceptíveis à maioria dos espectadores,
sem roubar a atenção que devem dispensar a imagem. O fotógrafo, habituado
a colher apenas o flagrante, teve de aprender não só a manejar a câmera
cinematográfica, mas também compor a cena e aproveitar os detalhes que na
fotografia parada não mereciam cuidados especiais.
Continua...
240 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Tornou-se um cinegrafista, em suma. E ambos tivemos de aprender ainda


outros misteres da cinematografia, entre eles o corte, montagem e enquadração,
enfim, transformação do filme operado em filme projetável e aceitável pela
maioria dos assistentes. Realizar isto tudo com tempo e calma já é uma
tarefa enorme. Agora imagine-se realizar tudo isso, com calma, mas dentro
de um espaço de tempo limitado, porque seguindo a orientação da empresa,
eminentemente jornalística, a informação na televisão deveria ser acima de
tudo rápida e precisa! À noite, quando você se sentasse frente a um receptor de
televisão, deveria assistir de pijama e chinelas à reprodução fiel dos principais
acontecimentos do dia! O milagre se deu, e você se habituou desde o primeiro
dia a ver na tela do seu aparelho tudo que ocorrera nas 24 horas anteriores àquele
momento, inclusive o que acontecera apenas duas ou três horas antes! Aqui
aparece outro elemento de grande importância — o laboratório. Incorporado
dos Estúdios Cinematográficos Tupi à PRF3-TV, passou de um regime normal
de trabalho a um regime de jornal, onde tudo é rápido, decisivo e em cima
da hora. Praticamente também eles mudaram de profissão, porque passaram a
encarar o trabalho com olhos de jornalistas... Essa é a nossa nova atividade: um
misto de rádio, jornal e cinema. Um produto híbrido que comumente se chama
televisão — nossa nova profissão. E, sinceramente, todos nos damos bem com
ela! (depoimento de Ruy Rezende em 1951, “Nossa Nova Profissão”)

Filmes e Desenhos Animados

Em 1950, o jovem paulistano Antônio Vituzzo dirigia sua empresa Saturno que, entre outros
produtos, comercializava filmes virgens de celuloide em 16 mm. Logo no início das operações
da TV Tupi, o empresário foi até a emissora e fez seu comercial. Colocou-se à disposição para
o fornecimento daquele material, que era muito utilizado para produzir reportagens. E assim,
Vituzzo passou a fornecer películas para o Canal 3, trabalhando com produtos das marcas Kodak,
Dupont e Gevaert.
Naquela época, quase todos os desenhos animados exibidos nos cinemas eram copiados em 16
mm para comercialização doméstica, geralmente apenas com som original, sem dublagens ou
legendas em português. Portanto, é importante destacar que, paralelamente à inauguração da TV
brasileira, outra indústria do audiovisual surgia no país: o home-video. No início da década de
1950, algumas lojas e magazines já disponibilizavam rolos para aluguel doméstico, com filmes,
desenhos animados, documentários etc. Para se ter uma ideia do tipo de conteúdo disponível, um
anúncio das lojas Fotóptica, publicado no “Diário de São Paulo” em 22 de outubro daquele ano,
mostra justamente as figuras dos personagens Andy Panda e Pica-Pau — criações feitas entre
1939-40 pelo cartunista norte-americano Walter Lantz — com os seguintes dizeres:
Acabamos de inaugurar nossa “Filmoteca de Aluguel” - Fotóptica,
com o mais variado e completo sortimento de filmes, da maior
atualidade. Desenhos, viagens, shorts, notícias, dramas e comédias.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 241

8 mm e 16 mm. Mudos e sonoros. Curta e longa-metragem. Peça


nossa lista.

Antônio Vituzzo também trabalhava com o aluguel destas películas e seu acervo contava também
com filmes de longa-metragem. Como a bitola de 16 mm deste material era a mesma utilizada
na televisão, o empresário também passou a fornecer esses títulos para exibição na PRF3-TV.
“Deixava o meu material na emissora e eles usavam o que queriam. No fim do mês, me relatavam
o que tinham usado e aí fazíamos a prestação de contas”, revelou Vituzzo em uma entrevista
à atriz pioneira Vida Alves, publicada em seu livro “TV Tupi - Uma História de Amor”1. O
empresário revelou que se lembrava de ter fornecido os já citados desenhos do Andy Panda e
do Pica-Pau, além de filmes de “O Gordo e o Magro”, Charles Chaplin e “Abbott e Costello”2.
O único problema acontecia quando havia legendas disponíveis, pois elas não ficavam muito
legíveis na TV, já que eram originalmente configuradas para melhor visualização na tela grande
do cinema. E foi assim, logo no primeiro momento da televisão brasileira, que os “enlatados”3
ganharam espaço na programação.

Setembro de 1950

Logo no sexto dia de programação regular do Canal 3 — domingo, 24 de setembro —, às


20h, foi ao ar a primeira exibição de um filme de longa-metragem. Trata-se do drama “Trágica
Perseguição” (Caccia Tragica, Itália, 1947), uma produção da Lux Mar Film, com direção de
Giuseppe de Santis e estrelado por Vivi Gioi, Andrea Checchi, Carla Del Poggio e Massimo
Girotti. Os longas-metragens passaram a ser exibidos no Canal 3 sempre nas noites de domingo,
tornando um hábito as famílias se reunirem para assistir. No entanto, como já mencionado,
alguns poucos filmes eram exibidos com legendas em português e tinham difícil visualização na
TV. Ainda não existia a dublagem no Brasil e, em um segundo momento, a Tupi chegou a receber
dublagens feitas em Portugal.

Cristiano Machado na TV – Amanhã, às 21:00 horas, Cristiano


Machado, candidato a Presidente da República, será apresentado pela
TELEVISÃO em cadeia com as seguintes emissoras: Rádio Record,
Rádio Excelsior, Rádio Tupi, Rádio São Paulo, Rádio Difusora, Rádio
Panamericana. (anúncio, Diário de São Paulo, 24/09/1950, n.p.)

Excepcionalmente, às 21h do dia 25 de setembro, a TV-3 exibiu, ao vivo, um programa especial


1 “TV Tupi - Uma História de Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:143.
2 Antônio Vituzzo faleceu em 2004 e, como amante do cinema, passou a vida reunindo objetos
cinematográficos, o que resultou numa extensa coleção. Quem a mantém é seu filho Marco
Vituzzo, que esporadicamente abre o acervo para exposição em um imóvel no bairro do Cambuci
e cede alguns como objetos de cena para a produção de programas, séries, novelas e filmes.
3 Denomina-se “enlatado” todo material exibido na televisão cuja origem seja diferente do
país onde será exibido. Em geral, este material importado refere-se a filmes, séries e desenhos
animados.
242 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

apresentado no Sumaré por Homero Silva, dando voz ao político mineiro Cristiano Machado,
candidato à presidência da República pelo partido ao qual o presidente Dutra era filiado, o PSD.
A transmissão foi feita em rede com as emissoras de rádio Record, Panamericana, Excelsior, São
Paulo, Tupi e Difusora. No dia seguinte, o jornal “Diário da Noite” destacou que “o sr. Cristiano
Machado foi o primeiro candidato brasileiro e sul-americano a ser televisionado”. Com a
presença de Assis Chateaubriand no estúdio e de diversos políticos apoiadores, Machado ocupou
o microfone e leu um discurso sentado à mesa, sobre a qual havia um capacete de aço envolto
de flores, simbolizando a epopeia de 19321. Ao fundo, as bandeiras nacional e paulista, usadas
dias antes na cerimônia de inauguração da televisão. Todavia, apesar do apoio do magnata das
comunicações Assis Chateaubriand a Cristiano Machado, quem acabou eleito foi Getúlio Vargas.
Ainda nos primeiros dias de programação, Maurício Loureiro Gama, jornalista dos Diários
Associados e considerado o melhor comentarista político de São Paulo, passou a apresentar o
programa “Vídeo Político”. De acordo com as primeiras grades publicadas (vide abaixo), este
jornalístico foi programado para estrear em 28 de setembro, provavelmente o segundo dia de
programação regular com atrações inéditas.

A PRF-3-TV, a primeira estação de televisão da América do Sul, vem


apresentando, diariamente, aos paulistanos, os maiores sucessos
do rádio brasileiro. Os rádio-ouvintes têm, assim, oportunidade de
conhecer, através da televisão, os seus astros preferidos, atuando em
audições plenas de bom humor, ritmo e sequências várias onde a
política, o canto e a poesia se juntam num entretenimento dos mais
completos. Agora, a televisão das Emissoras “Associadas” já está
programando audições com a participação de grandes cartazes
internacionais. A primeira figura de grande projeção a aparecer nas
telas de TV, em São Paulo, é a de uma consagrada bailarina italiana,
Laura Moret, que se encontra atualmente em tournée pela América
do Sul. Expressionista de reais méritos artísticos, ela já integrou,
como primeira figura, o corpo de baile do Scala de Milão e do
Colón de Buenos Aires. Laura Moret, em “Dança de Câmera”, será
apresentada hoje, a partir das 20 horas, pela PRF-3-TV. (“‘Dança
de Câmera’ na TV”, Diário da Noite [SP], 30/09/1950, p. 14)

O ballet também esteve presente na programação inicial da PRF3-TV, fosse o popular ou o


clássico. Ele foi apresentado por Lia Marques, que também era parte integrante do ballet do
Teatro Municipal de São Paulo. Ainda em setembro, estreou na tela da TV-3 o humorístico
“Rancho Alegre”, uma criação do ator cômico-caipira Amácio Mazzaropi, que contracenava
com Geny Prado e João Restiffe. O programa estreou em 1946 na Rádio Tupi, encenado do
auditório da Cidade do Rádio, aos domingos, com direção de Cassiano Gabus Mendes. Devido
ao grande sucesso que alcançou com sua versão para o vídeo, Mazzaropi se tornou um grande
astro do cinema nacional.

1 A Revolução Constitucionalista de 1932 foi um movimento armado que ocorreu nos estados
de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul entre julho e outubro de 1932. O objetivo
era derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas e convocar uma Assembleia Nacional
Constituinte.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 243

Outubro de 1950

Desde sua fase experimental, os shows internacionais fizeram parte das transmissões da
televisão pioneira, haja vista que a pré-estreia da emissora já contou com a apresentação do
cantor mexicano Frei José Mojica. Com o advento da televisão, os artistas que assinavam
contrato para apresentações nas Emissoras Associadas de São Paulo, nacionais ou internacionais,
se apresentariam no rádio e na televisão. No mês de outubro, quatro cartazes inéditos foram
televisionados — Júlio Gutierrez (Cuba), Juan Ferri (Argentina), Carlo Buti (Itália) e a brasileira
nordestina Anita Otero. Falando ainda sobre música, as Emissoras Associadas de São Paulo
contavam com um grandioso departamento musical, composto por cerca de 70 músicos e seis
maestros, responsáveis por inúmeras apresentações no rádio e agora também na TV.

As Emissoras Associadas esperam iniciar dentro em breve as


reportagens de esportes pela televisão. O serviço deverá ser
completo e perfeito, com televisionamento de football e corridas
de cavalos. (“Cidade do Rádio”, Aírton Rodrigues, Diário de São
Paulo,30/09/1950)

O futebol era uma das maiores atrações do rádio e não poderia deixar de ter espaço na televisão.
Já no domingo, 15 de outubro de 1950, às 15h30, entrava no ar a primeira transmissão de uma
partida pela PRF3-TV, quando, pelo Campeonato Paulista, o Palmeiras derrotou o São Paulo por
2 x 0 no estádio do Pacaembu. A narração foi de Jorge Amaral e os comentários de Ary Silva. As
três câmeras usadas nesta transmissão eram as mesmas usadas nos estúdios. Este evento ficou
marcado, também, como a primeira transmissão externa da TV Tupi.
O “Diário de São Paulo” informou que estava muito boa a qualidade da transmissão do futebol
e que, em breve, se iniciariam as transmissões de corridas de cavalo, diretamente do Jockey
Club de São Paulo. Apesar do alarde do jornal da cadeia “Associada”, outro jornal paulistano,
pertencente a um grupo editorial concorrente, comentou sobre os problemas técnicos que
surgiram durante esta primeira transmissão futebolística.
Os programas da TV entre nós são satisfatórios e, como se trata
de novidade, tudo que cai na rede é peixe. Todos aqueles que
surgiram na tela dos receptores têm agradado aos possuidores da
última palavra em matéria de emissões pelo éter — a televisão.
[...] Como marinheiros de primeira viagem têm sido ótimos. Alguns
privilegiados que assistiram a programas de televisão nos Estados
Unidos são de opinião que as audições locais não ficam a dever à da
terra de Tio Sam. Aos domingos à noite, para variar, temos cinema.
244 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Projetam um filme mais ou menos antigo. Há explicação para o


caso, segundo dizem: ainda não está completamente aparelhado e há
restrições comerciais. Seja lá como for, para muita gente o descanso
de segunda-feira [dia de folga na TV Tupi] é motivo de tédio aos
que habituaram a essa nova distração que tem sacrificado muitos
“pifs”, “buracos” etc. [...] Mas, permitam um reparo: discordamos
cem por cento com o que nos foi dado ler no “Diário de São Paulo”
de 17 último: “Êxito - A estreia da TV em esportes”. Dizem na nota
que “realizaram com grande êxito”, “lance por lance” etc. Apenas
entusiasmo do articulista. Nada de êxito. Foi um verdadeiro fracasso
aquela apresentação do “Palmeiras vs. S. Paulo”. Para começar, não
conseguiram apresentar nada do primeiro tempo. No segundo tempo
foi uma tragédia em quatro atos. Espetáculo confuso unicamente!
Foi a única nota “fora” da TV. Também, não há regra sem exceção!
Nenhuma culpa cabe ao pessoal da TV nesta prova inicial, nesse teste
para televisionar futebol. Naquela tarde chovera como nunca. Quem
redigiu a nota parece não ter assistido ao desenrolar das cenas num
receptor... (“As Novas Letras: T.V.!”, Moscardo: Semanário Forte de
Críticas Levianas, nº 1518, 21/10/1950, p. 6)

Realizar transmissões externas naquela fase inicial não foi fácil. No caso do futebol no estádio
do Pacaembu, era necessário montar duas câmeras pesadas sobre uma marquise e a antena de
micro-ondas no topo de uma das torres de iluminação. Além de subir alto para instalá-las, após
a partida os técnicos tinham que retirá-las às pressas e voltar para a emissora. Isso porque após
uma transmissão externa, era necessário devolver as câmeras no estúdio para logo um novo
programa ser exibido ao vivo. Inicialmente, nesses momentos de transição, o test-pattern ficava
no ar, com música instrumental ao fundo, até que os estúdios ficassem prontos. Aurélio Campos
era locutor esportivo das Emissoras Associadas de São Paulo e passou a comentar futebol nas
reportagens esportivas da televisão, onde se tornou chefe do Departamento de Esportes. Poucas
semanas após a estreia do Canal 3 no futebol, foi anunciada a instalação de uma cabine especial
para transmissão de TV no estádio do Pacaembu.

No final de 1953, a PRF3-TV passou a utilizar


uma nova e poderosa lente para transmissões
esportivas. Fabricada pela Zoomar, nos Estados
Unidos, esta lente tinha a capacidade de aproximar
as imagens — o famoso zoom —, além de possuir
grande luminosidade, favorecendo a transmissão
de eventos noturnos. Dentro dos estúdios, a
Zoomar também teve boa performance e foi
utilizada no programa “Antarctica no Mundo dos
Sons”.
Lente de aproximação Zoomar, instalada na câmera RCA
da PRF3-TV Tupi para transmissões direto do Estádio do
Pacaembu. (reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 245

Às sextas-feiras, a TV-3 passou a exibir alguns programas dedicados às crianças. No “Diário da


Noite” de 20 de outubro, uma nota destacou as apresentações de “Caixa de Brinquedos” (Homero
Silva e os artistas-mirins do “Clube Papai Noel”), “Dois Malucos na TV” (com os palhaços
Fuzarca e Torresmo) e “Susana Rodrigues e seus Bonecos” (fantoches). O circo também seria
um gênero bastante explorado na emissora.
No dia 29 de novembro o primeiro teleteatro foi ao ar com “A Vida por um Fio”, uma adaptação de
Cassiano Gabus Mendes ao filme de suspense norte-americano “Sorry, Wrong Number”, estrelado
por Barbara Stanwyck. A versão da TV Tupi contou com Lia de Aguiar como protagonista. O
teleteatro se tornaria o gênero de programação mais forte e presente na emissora pioneira.
Diversos humoristas das rádios “Associadas” estrearam na televisão logo nos primeiros dias. É o
caso de Pagano Sobrinho, que contava piadas muito bem e fazia muito sucesso na programação
noturna da Rádio Tupi. Outro marcante programa humorístico que estreou no início de outubro de
1950 foi “Escolinha do Ciccillo”, escrito e dirigido por Paulo Leblon. No elenco, grandes nomes
das Emissoras Associadas, como Xisto Guzzi, Lulu Benencase, Simplício, Maria Vidal, Geny
Prado, Aldaísa de Oliveira, Walter Avancini, João Monteiro e Nelson Guedes. Na televisão, foi
o primeiro programa a usar a fórmula “professor dedicado e alunos displicentes”, usada muitos
anos depois na “Escolinha do Professor Raimundo” (TV Globo) e “Escolinha do Golias” (SBT).
O redator Ribeiro Filho escreveu diversos programas para a fase inicial da Tupi-Difusora,
muitos deles de humor. Já Walter Forster, ator, diretor e produtor, escreveu crônicas e quadros
românticos naquela fase.

Uma noite destas fomos parar na sala de controle da televisão


“Associada”. Por mais restrições ou críticas que se tenha a fazer,
existe uma coisa que não se pode negar: o pessoal está trabalhando
com segurança e com bastante senso de responsabilidade. Cassiano
Gabus Mendes, na direção, um elemento que está se fazendo pelo
próprio esforço [...]. Ele merece, por isso mesmo, o incentivo de
todos aqueles que sabem apreciar honestamente um esforço e que
têm a coragem de deixar de lado mágoas invejas ou senso satírico,
para se firmarem num único ponto: alguém está movimentando a
maquinaria, o equipamento, o pessoal e as coisas estão andando bem.
A imagem é limpa, as câmeras não “cortam” ninguém, o som está
muito bom. Isto é a parte diretorial, e esta parte está sendo defendida
com zelo e sinceridade profissional por Cassiano Gabus Mendes. O
resto fica a cargo dos produtores e sobre eles também podemos dizer
algumas palavras. Aurélio Campos e Túlio de Lemos, escrevendo
e dirigindo em parceria, parecem até o momento os produtores
de maior tirocínio, sem que isto implique num desmerecimento do
trabalho de Ribeiro Filho, Paulo Leblon e outros. Túlio de Lemos,
porém, está procurando produzir programas com uma sequência,
uma história, o que é imprescindível e necessário na televisão. Mas
o intuito desta crônica não é comentar a produção dos autores e,
sim, para traduzir a nossa apreciação pública pelo trabalho da
equipe humana da PRF3-TV. Num programa extra, por exemplo,
246 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

em que se apresentaram vários contadores desta Capital, pudemos


notar que os cameramen já estão dominando o seu instrumento de
trabalho, manobrando a câmera em vários sentidos com bastante
segurança. A iluminação, por outro lado, está muito boa, assim como
a distribuição de cenários. Luz, câmera, cenários bem montados e
colocados, representam cinquenta por cento do êxito de uma audição.
O restante fica a cargo do produtor, dos artistas e do diretor. Tanto o
primeiro como o terceiro estão agindo com uma absoluta noção da
responsabilidade que têm neste movimento de pioneirismo. Quanto
aos artistas, sua vontade de ajudar, seu senso de cooperação, a
silenciosa colaboração que oferecem ao produtor, também merecem
aplausos e o respeito do cronista. (“Assistindo Televisão”, E.B.,
Diário de São Paulo, 25/11/1950, n.p.)

As Primeiras Grades de Programação Divulgadas

A grade diária de programação da TV Tupi - Canal 3 de São Paulo passou a ser publicada pelos
jornais “Diário de São Paulo” e “Diário da Noite”, respectivamente, a partir de 27 e 28 de
setembro de 1950, mas com algumas falhas na regularidade. Conta-se, inclusive, que quando
ela não era publicada, era comum que as redações de ambos os jornais recebessem reclamações.
A seguir, a programação publicada durante o primeiro mês de operações regulares do Canal 3.
Inicialmente, ela não era divulgada aos domingos, por motivo desconhecido. Já às segundas-
feiras era a folga dos funcionários da emissora e não havia programação, apenas o sinal de teste
por algumas horas no ar.
27/09/1950 - Quarta-feira - 20h
“Triana”: com Lolita Rodrigues;
“Rancho Alegre”: humorístico com Mazzaropi;
“Visão do Harlem”: com Zezinho e seu Conjunto TV e Hot Dance;
“Teatro de Walter Forster”: com Lia de Aguiar, Iara Lins e Vitória de Almeida;
“Serenata”: com Rosa Pardini;
“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão;
“Desenho Animado”.

28/09/1950 - Quinta-feira - 20h


“O Destino Tem Duas Pernas”: show de Ribeiro Filho, com Lia de Aguiar, Miriam Simone, João
Monteiro, Erlon Chaves, José Parisi e Os Garotos Vocalistas;
“Beguine”: com Osni Silva e Myra;
“Vídeo Político”: com Maurício Loureiro Gama;
“Ritmo de Dança”: com Zezinho e seu Conjunto TV e Wilma Bentivegna.

29/09/1950 - Sexta-feira - 20h


“Caixa de Brinquedos”: com Homero Silva e os artistas-mirins do Clube Papai Noel;
“Trapalhadas do Chiquinho e do Benedito”: com o ventríloquo Humberto Simões;
“Vadeco na TV”: com Vadeco e Zizinho;
“Passa-Tempo em Preto e Branco”: show de Aurélio Campos, com Lima Duarte, Miriam Simone,
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 247

Iara Lins, Marisa e Nelson Novais;


“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão;
“Desenho Animado”.

30/09/1950 - Sábado - 20h


“Ritmo para Dois”: com Os Dominós;
“Homenagem à PRF3-TV”: programa de Ribeiro Filho;
“Dança de Câmera”: com a famosa bailarina Laura Moret;
“Ring na TV”: com Hércules e seus pugilistas;
“Fantasia Oriental”: com Romeu Feres e Lia Marques;
“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão;
“Desenho Animado”.

03/10/1950 - Terça-feira - 20h


“O Baião Chegou no Brás”: com Hebe Camargo, Xisto Guzzi e Geny Prado;
“The Great George”: prestidigitação e mágica;
“Partido Alto”: com Caco Velho e Rago e seu Regional;
“Maracas e Bongôs”: com Rayito de Sol e Don Pedrito (pré-gravado);
“Madrigal”: com Rosa Pardini;
“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão;
“Desenho Animado”.

05/10/1950 - Quinta-feira - 20h


“Nossa Roupa, Nossa Alma”: produção de Ribeiro Filho;
“Maracas e Bongôs”: com Rayito de Sol e Don Pedrito (pré-gravado);
“Vídeo Político”: com Maurício Loureiro Gama;
“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão;
“Desenho Animado”.

06/10/1950 - Sexta-feira - 20h


“Zingaresca”: show das Emissoras Associadas com a orquestra húngara cigana de Gabor Radics;
“Caixa de Brinquedos”: com Homero Silva e os artistas-mirins do “Clube Papai Noel”;
“Passatempo em Preto e Branco”: produção de Aurélio Campos;
“Douce France”: com Vadeco e Zezinho e seu Conjunto;
“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão;
“Desenho Animado”.

07/10/1950 - Sábado - 20h


“Canção Cabocla”: com Lulu Benencase e Marina Bertachi;
“Ring na TV”: com Hércules e Seus Lutadores;
“Danças de Câmera”: com a bailarina Laura Moret;
“Sete Instrumentos”: com Mister Broni;
“Bolero”: com Osni Silva e Myra;
“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão;
“Desenho Animado”.

10/10/1950 - Terça-feira - 20h


“Álbum de Música”: show de Aurélio Campos, com Estherzinha Borges, Caco Velho, Rosa
Pardini, Nelson Novais, Marisa, Osni Silva, Miriam Simone, Yara Lins e Myra;
“The Great George”: prestidigitação e mágica;
“Maracas e Bongôs”: com Rayito de Sol e Don Pedrito (pré-gravado);
248 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão;


“Desenho Animado”.

11/10/1950 - Quarta-feira - 20h


“Zingaresca”: show das Emissoras Associadas com a orquestra húngara cigana de Gabor Radics;
“Rancho Alegre”: humorístico com Mazzaropi;
“Carlo Buti”: estreia do famoso astro italiano na TV;
“Teatro de Walter Forster”;
“Folclore na TV”: apresentação do prof. Alceu Maynard de Araújo;
“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão.

12/10/1950 - Quinta-feira - 20h


“O Homem que Precisava de uma Namorada”: produção de George Walter Durst;
“Essa Morena que Vem do Norte”: apresentação de Anita Otero;
“Dois Malucos na TV”: com Fuzarca e Cia.;
“Visão do Harlem”: com Zezinho e seu Conjunto TV e Hot Dance;
“Vídeo Político”: com Maurício Loureiro Gama;
“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão.

14/10/1950 - Sábado - 20h


“Ring na TV”: com Hércules e seus Lutadores;
“Dança de Câmera”: com a famosa bailarina Laura Moret;
“Ritmo Azul”: com Marcos Ayala e Myra;
“Maria Garoa”: com Maria Vidal e João Monteiro;
“Sete Instrumentos”: com Mister Broni;
“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão.

17/10/1950 - Terça-feira - 20h


“Georges Henry e seu Show Antarctica”: com William Fourneaud;
“That Great George”: prestidigitação e mágica;
“Álbum de Música”: produção de Aurélio Campos, com Lolita Rodrigues, Joaquim Pereira,
Norma Ardanuy, Vadeco, Anita Otero, Marcos Ayala, Lia Marques, Miriam Simone e Yara Lins;
“Ritmo!”: com Helen e Alex Delamotte;
“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão;
“Desenho Animado”.

18/10/1950 - Quarta-feira - 20h


“Carlo Buti”: apresentação ao vivo do famoso astro da canção italiana;
“Rancho Alegre”: humorístico com Mazzaropi;
“Zingaresca”: show das Emissoras Associadas com a orquestra húngara cigana de Gabor Radics;
“Teatro de Walter Forster”;
“Imagens do Dia”: reportagem de Ruy Rezende e Paulo Salomão.
A programação da PRF3-TV passou a entrar mais cedo no ar a partir de 14 de março de 1951.
Entre 17h30 e 18h30 passou a ser exibida uma seleção de atrações dedicadas às donas de casa
e suas crianças, com desenhos animados, shorts, documentários etc. Após o encerramento do
programa, voltava à tela o padrão da emissora, que permanecia até o início da programação
noturna, às 20h.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 249

Perfeição Técnica no Sumaré

Técnicos americanos em visita ao studio de televisão das Emissoras


“Associadas”, no Sumaré, ficaram verdadeiramente encantados
com as instalações e com tudo o que por ali vem sendo realizado.
Quase que estupefatos, os sobrinhos de Tio Sam chegaram mesmo
a declarar que nós nos iniciamos com mais perfeição no reino da
TV do que os próprios americanos. Se lá custaram a tomar um
rumo certo, engatinhando ao lado da “criança desconhecida”, nós
já estaríamos, em um mês apenas, produzindo empolgantes shows
de sucesso técnico e artístico. As declarações, sem dúvida, muito
honram o nosso esforço despendido por essa maravilha que é a
TV. (“Cidade do Rádio”, Aírton Rodrigues, Diário de São Paulo,
26/10/1950)
“Os americanos que chegam a São Paulo mostram-se espantados
com a nitidez das imagens reproduzidas no ‘ecrã’ dos receptores.
Comentam que, nos Estados Unidos, poucas são as transmissões
obtidas com tal perfeição técnica. A esse respeito, temos os
testemunhos do engenheiro Walter Obermüller, do cônsul americano
em São Paulo, do meu companheiro Peter Scheier e de outras pessoas
que viveram muito tempo nos Estados Unidos ou lá estiveram a
passeio. O sucesso da TV em São Paulo, porém, se explica facilmente:
é que RCA Victor aplicou o que de melhor produziu até hoje no campo
da televisão. Basta dizer, por exemplo, que os receptores distribuídos
por essa grande empresa americana em São Paulo são modelos
ainda não lançados nos Estados Unidos, novíssimos, portanto, ultra-
aperfeiçoados, graças à experiência adquirida pela RCA em 10
anos de atividade no campo da engenharia eletrônica. Basta dizer
que entre 128 estações de televisão existentes na América do Norte,
122 foram montadas pela RCA-Victor. A primeira estação televisora
norte-americana foi instalada pela RCA em 1939, em Nova York, e
esse feito dá à RCA o mérito do pioneirismo no campo da TV em todo
o mundo”. (“Televisão para Milhões”, O Cruzeiro, Arlindo Silva,
28/10/1950, p. 40)
250 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Um dos “Pais” da Televisão Visita as Emissoras Associadas


de São Paulo
Vladimir Zworykin, vice-presidente e consultor técnico da
RCA, esteve no Brasil no início de novembro de 1950. Ele
veio atender a um convite da reitoria da Universidade de
São Paulo (USP) para ministrar uma palestra no Instituto de
Engenharia com o tema “As Tendências Atuais da Televisão”.
Em companhia de José Brady e Antônio Silva Pinto, diretores
da RCA-Victor em São Paulo, Zworykin visitou o MASP. Depois,
recebeu diversas homenagens em função do reconhecimento
de seus esforços para o desenvolvimento da televisão. A
AESP - Associação das Emissoras de São Paulo ofereceu um
jantar ao cientista, quando foi saudado pelo presidente da
entidade, Edmundo Monteiro, também diretor das Emissoras
Associadas. Na mesma noite, Zworykin visitou os estúdios
de televisão da Cidade do Rádio, no Sumaré, onde conheceu
toda a estrutura instalada pela RCA. Numa coletiva dada à
imprensa, no Consulado Americano, o engenheiro declarou:
“Desejo congratular-me com os brasileiros porque são, na
América do Sul, os pioneiros da televisão. É muito significativo
que este país possua duas estações transmissoras [São Paulo e
Rio de Janeiro]. Vejo a televisão como característica evidente
do progresso. E depois de conhecer São Paulo e Rio, duas
grandes metrópoles, elas não me pareciam (compreenda o
meu sectarismo…) duas cidades completas se não contassem
com a presença da televisão.”
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 251

Publicidade
Parecia impossível, mas a TV Tupi de São Paulo conseguiu
completar seu primeiro ano no ar mantendo-se com verbas
publicitárias, mesmo que elas fossem irregulares e sazonais.
Com a PRF3-TV Tupi-Difusora, o advento da televisão em
São Paulo trouxe aos anunciantes a forma mais completa e
eficiente de publicidade até então existente no mundo. A
transmissão de imagem à distância, acompanhada do som,
era o que se esperava há muito, só existindo nos Estados
Unidos como meio publicitário, já que as demais emissoras
de TV do planeta eram estatais e não veiculavam publicidade.
Tão logo se iniciaram as programações diárias da estação
televisora das “Associadas” em São Paulo, não foram poucas
as empresas que se interessaram em fazer propaganda, seja
qual fossem seus produtos. Até então, a estação veiculava
apenas a publicidade dos seus quatro anunciantes master
— Antarctica, Sul América Seguros, Moinho Santista e
Organização Francisco Pignatari. Contudo, em dezembro
de 1950 surgiu o primeiro contrato de publicidade regular,
celebrado com uma empresa varejista de tecidos, a
União Comercial de Tecidos e suas lojas Tecidos Princesa.
Propriedade dos irmãos Emílio, William e Jean Haidar, com
duas lojas na região central de São Paulo, a empresa era
varejista e atacadista de casimiras nacionais e estrangeiras
e passou a apresentar seus anúncios pelo vídeo a partir de
1º de janeiro de 1951. A propaganda na TV começou com
cartões focalizados na parede de um estúdio, produzidos
por um letrista. Em seguida, os comerciais foram ao ar por
slides e narrações ou apresentados ao vivo, com as famosas
garotas-propaganda. Assim que as céticas agências de
publicidade finalmente se voltaram para a televisão, foi dado
início a um conceito que durou muitos anos. Essas agências
criavam, redigiam e até produziam boa parte dos programas
patrocinados, que eram geralmente batizados com o nome
de um produto, tais como “Divertimentos Ducal”, “Ginkana
Kibon” e “Sabatinas Maizena”.
252 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A Outorga Definitiva do Canal 3


“Outorga concessão à Rádio Difusora São Paulo S/A, com
sede na cidade de São Paulo, estado de São Paulo, para
estabelecer uma estação de rádio-televisão (Decreto nº
29332, de 07/03/1951)”. A outorga do Canal 3 paulistano foi
concedida pelo Decreto nº 29332, de 7 de março de 1951,
assinado pelo presidente Getúlio Vargas e pelo ministro da
Viação e Obras Públicas, Álvaro de Souza Lima. Ou seja, a
permissão definitiva foi dada praticamente seis meses depois
da estreia da emissora, operando, portanto, em caráter
experimental neste período. Somente em 10 de agosto de
1951, quase um ano após a PRF3-TV ter inaugurado suas
operações, o governo publicou a portaria de aprovação dos
projetos técnicos, do orçamento e do local a ser instalado
o transmissor de televisão do Canal 3, no último andar
do edifício do Banco do Estado de São Paulo, na Rua João
Brícola, nº 24 - Centro. Foram autorizadas, especificamente,
as operações com o moderno transmissor RCA, modelo TT-
5A; com os equipamentos RCA TTR-1A e TTR-2B, para link
entre estúdio e transmissor; com um transmissor de som
RCA, modelo CTR-1; e de diversos outros acessórios.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 253

CAPÍTULO 22
A HORA DOS INTERPROGRAMAS

E
m 1996, o professor Mário Fanucchi, da Escola de Comunicação da Universidade de São
Paulo (USP), brindou os interessados sobre a história da TV brasileira — e principalmente
da TV Tupi — com uma obra literária importante e original. “Nossa Próxima Atração - O
Interprograma no Canal 3” foi editado pela Edusp e conta detalhadamente como foi a criação
dos primeiros intervalos da programação da PRF3-TV, bem como detalhes sobre o formato e o
conteúdo. A história é contada em primeira pessoa, visto que o próprio Fanucchi foi o criador
do interprograma da TV Tupi. Quando a televisão foi montada, Fanucchi estava completando
um ano de trabalho nas rádios Tupi e Difusora, onde fazia locução de jornalísticos, roteirização
e direção de programas, além de papéis no radioteatro. Quando foi inaugurada a televisão, ele
passou a exercer a função de desenhista e, logo depois, também de produtor de TV.

O Problema Entre os Programas

Mesmo que o projeto das instalações de televisão das Emissoras Associadas tenha seguido as
diretrizes técnicas passadas pela RCA, fabricante dos equipamentos, as equipes enfrentavam
problemas com falta de espaço na área operacional. Isso limitava os recursos cenográficos e
dificultava a movimentação de artistas e técnicos, ocasionando a necessidade de promover
intervalos de vários minutos entre dois programas ao vivo.
Como já dito, era preciso aguardar a retirada dos cenários do programa anterior para poder montar
os do próximo. Isso, naturalmente, aborrecia a audiência, já que além dos vários minutos sem
programação, o que se via na tela era apenas a alternância entre dois slides, colocados no ar por
um equipamento denominado Projetor de Slides. Ele era usado para inserção da imagem padrão
do equipamento test-pattern, vulgo “Cabeça de Índio”, e também de dois slides do intervalo. Um
com letreiros do prefixo e do nome da emissora e outro com uma adaptação da logomarca da
PRG-2 - Rádio Tupi de São Paulo, que trazia um índio com expressão sisuda, com uma das mãos
em pala e a outra segurando um arco. Havia, também, um fundo musical orquestrado, executado
no toca-discos.
254 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

“Mais chato que o índio da TV”: logomarca da


Rádio Tupi inserida no padrão de testes da RCA
era exibida durante os longos intervalos do
Canal 3 em seus primeiros meses. (Reprodução:
Eudes de Souza, Magoo Félix e Maurício Viel)

Os slides ficavam tanto tempo no ar entre um programa e outro que a imagem do índio ficou
associada àquele problema. O público até fez piada e começou a usar a expressão “mais chato
que o índio da TV”. Segundo revela Fanucchi, até os próprios técnicos das rádios Difusora e
Tupi irritavam-se com a demora quando prestavam serviço na televisão, acostumados com a
pontualidade do rádio. Quando os equipamentos sofriam alguma pane, algo muito comum, os
slides também entravam no ar.

Na primeiríssima fase da TV Tupi-Difusora, para mostrar a


hora certa no vídeo, um relógio de pulso sem pulseiras era
fixado em frente à câmera.

O Gray-Telop

Um dos equipamentos encomendados junto à RCA para as operações da TV Tupi-Difusora era


um Projetor de Opacos chamado Gray-Telop (GT). Ele ficaria instalado junto ao conjunto de
equipamentos de projeção chamado “Multiplex”, composto pelo Telecine e pelo Projetor de
Slides, proporcionando que os desenhos e letreiros produzidos de forma artesanal, em cartões
com 40 cm x 30 cm, pudessem ser exibidos por meio da câmera especial do Multiplex. O
operador selecionaria qual dos projetores teria sua imagem transmitida por meio de um conjunto
de pequenos espelhos que rebatia a imagem desejada.
Com o Gray-Telop seria possível colocar no ar, por exemplo, o logotipo da emissora, telas de
“próxima atração”, telas de abertura dos programas, entre outras. Ele também possibilitaria uma
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 255

“pseudo-animação”, com o deslocamento de imagens desenhadas nos cartões e acomodadas em


um suporte, o que resultaria na sensação de sequência de movimentos.
O Gray-Telop da RCA chegou dos Estados Unidos após seis meses da inauguração da PRF3-TV.
Até que ele entrasse em operação, a equipe utilizou o Projetor de Slides, que funcionava de forma
bem mais básica e trabalhosa em relação à capacidade do Gray-Telop. Pelo Projetor de Slides, os
operadores colocavam no ar apenas as imagens estáticas do test-pattern, as telas de identificação
de programas e as logomarcas dos anunciantes. Já os slides que anunciavam programas que não
eram fixos ou frequentes, como uma apresentação teatral específica, por exemplo, acabavam indo
ao ar sem identificação. Isso porque as transparências dos slides tinham que ser impressas pelo
processo fotográfico, possível de ser realizado apenas no laboratório de revelação dos Diários
Associados, na distante Rua Sete de Abril. Como naquela fase muitos programas noturnos iam
ao ar sem ensaios (“De Noite Tem!”), os elencos eram geralmente definidos durante o período
da tarde, sem que houvesse tempo de enviar o slide para revelação. Para entrar no ar, o assistente
de estúdio manipulava os slides — criados pelos funcionários Álvaro de Moya, Sylas Roberg
e Jayme Cortez —, que ficavam apoiados em estantes de partituras musicais. Uma das duas
câmeras usadas para a transmissão dos programas enquadrava e mostrava o slide. Com isso, o
programa tinha que começar apenas com uma câmera, até que a outra pudesse se posicionar no
estúdio. Nem sempre a terceira câmera ficava disponível, visto que ela poderia estar em alguma
transmissão externa.

Enfim, o Gray-Telop é Instalado

Com a instalação do Gray-Telop, os intervalos puderam ganhar componentes audiovisuais,


na tentativa de amenizar a espera pela próxima atração. Outra vantagem é que não seria mais
necessário dispor de uma das duas câmeras do estúdio para colocar um letreiro no ar, já que o
Gray-Telop usaria a câmera exclusiva do sistema Multiplex.

O Gray-Telop em operação na TV Tupi


de São Paulo. (Raymundo Lessa de
Mattos/Acervo Cinemateca Brasileira e
David José Lessa Mattos)
256 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Para a criação das artes de cada slide, uma novidade: Mário Fanucchi, que porventura sabia
desenhar muito bem1, substituiria os colegas Moya, Roberg e Cortez. Suas artes originais seriam
encaixadas diante da câmera especial por meio de lâminas que comportavam cinco desenhos
por vez. Com isso, o assistente de estúdio2 podia trocar e expor os cartões o tempo que fosse
necessário para leitura. Também era possível fazer fusão entre os letreiros, tornando o trabalho
mais sofisticado. Em pouco tempo, Fanucchi passou a ser assessorado por Armando Sá.

Implementando o Interprograma

Com o passar dos dias após a inauguração, a programação da PRF3-TV foi se desenvolvendo,
tornando necessário amenizar o problema dos intervalos e, sem dúvida, dar uma plástica nas
exibições da programação. Com a evolução tecnológica que o GT proporcionou, Fanucchi
apresentou ao assistente de direção-artística, Cassiano Gabus Mendes, a ideia de dinamizar a
apresentação dos programas e criar vinhetas para enriquecer os intervalos, que o desenhista
chamou de “interprograma”.
Era também preciso mudar urgentemente a logomarca da emissora para algo mais sutil, mantendo
a conotação indigenista. A ideia de Fanucchi foi criar um índio mais jovem e com uma expressão
alegre, que despertasse a tolerância dos telespectadores irritados com os grandes intervalos e que
conquistasse a provável empatia das crianças. Fanucchi produziu o esboço de um curumim que,
no lugar do cocar, tinha duas antenas receptoras de TV, algo similar à primeira imagem da TV-3,
com a pequena Sônia Maria Dorce. O indiozinho apareceria também nas chamadas da emissora,
junto aos títulos dos programas, interagindo até com outras figuras. Depois de lançado, ele
ganhou o nome oficial de “Tupiniquim”, um trocadilho sugerido pelo jornalista e apresentador
Aírton Rodrigues, aprovado pelo diretor-artístico assistente Cassiano Gabus Mendes.
Mesmo com a utilização do interprograma para divulgar a programação, as chamadas dos
programas ainda obedeceram a um formato muito próximo do radiofônico, em que predominava
a voz do locutor e a imagem se resumia num slide com o título, o dia e o horário da apresentação.
De qualquer modo, com a sistematização das chamadas, as referências sobre os programas
permanentes iam sendo fixadas na memória dos telespectadores. Quando um programa era
anunciado, apareciam os letreiros “PRF3-TV TUPI-DIFUSORA”, “CANAL 3” e “EMISSORAS
ASSOCIADAS”. Ao fundo, uma trilha-sonora padrão, instrumental, composta pelo maestro
Renato Oliveira e apelidada de “Tã-tã”, devido aos tambores iniciais.

1 No início dos anos 1970, o desenhista e produtor Mário Fanucchi desenvolveu a logomarca
da Rádio Panamericana de São Paulo, a Jovem Pan, que é usada até os dias atuais. Fanucchi
trabalhou por muitos anos naquela emissora.
2 Na fase inicial do Gray-Telop, um dos assistentes de estúdio era cunhado de Cassiano Gabus
Mendes. Conhecido por “Tatá”, ele se tornaria no famoso ator Luís Gustavo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 257

Exemplo de arte produzida por


Mário Fanucchi para exibição no
interprograma do Canal 3. (Mário
Fanucchi/reprodução)

A partir da segunda quinzena de dezembro de 1950, o Canal 3 passou a apresentar diariamente,


nos intervalos de sua programação, alguns filmes educativos com assuntos gerais sobre nosso
país. Os programetes foram chamados de “Veja o Brasil” e a produção era do professor Alceu
Maynard de Araújo, estudioso do folclore.

Assim era a televisão numa fase que podemos qualificar de


“artesanal”. Não se pensava ainda numa análise criteriosa das
tendências do telespectador ou nas eventuais consequências
de qualquer novidade. O espírito experimental prevalecia. Era
importante testar imediatamente todas as ideias e realimentar o
processo criativo. Muitos projetos sequer passavam pelo crivo da
direção antes de se concretizarem. Esse comportamento liberal era
de tal forma estimulante que qualquer membro da equipe, fosse ele
da área artística ou técnica, sentia-se à vontade para sugerir coisas
e apresentar soluções para problemas de toda a ordem. (“Nossa
Próxima Atração - O Interprograma no Canal 3”, Mário Fanucchi,
Edusp, 1996:79)

Teletexto

Após um ano no ar, o problema da longa espera entre os programas ainda existia na TV-3. A
pretensão era amenizá-lo até que um novo estúdio fosse construído. Contudo, apesar da relativa
eficiência do interprograma, o “problema [...] se agravava à medida que os espetáculos ficavam
mais sofisticados e exigiam maior preparação de estúdio”1. Foi quando Cassiano Gabus Mendes e
o produtor Jorge Ribeiro implantaram a transmissão de textos durante o interprograma. Os temas
eram leves, com toques de ironia e humor. Quem escrevia era Jorge Ribeiro, sob o pseudônimo
de Cagliostro. De acordo com a descrição de Fanucchi, para redigir os textos era usada uma

1 “Nossa Próxima Atração - O Interprograma no Canal 3”, Mário Fanucchi, Edusp, 1996:96.
258 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

máquina de escrever com tipos gigantes, que imprimia o texto no papel de bobina da máquina de
calcular. O papel era puxado por um servo-motor e deslizava via Gray-Telop diante da câmera de
telecine. Os textos eram preparados no mesmo dia da exibição e ficavam no ar de acordo com o
tempo necessário, se deslocando verticalmente no vídeo ao som de música orquestrada.
A aceitação dos teletextos pela audiência da Tupi foi tão boa que passaram a ir ao ar mesmo sem
necessidade e, por pouco, não virou um programa. Com o tempo, ficaram tão valorizados que
passaram a fazer parte da oferta de espaços publicitários. O interprograma não era mais um mero
componente do intervalo, então utilizado unicamente para ganhar tempo.

O “interprograma” [...] não era uma peça isolada em relação a tudo


o que se criava no estúdio do Canal 3, mas, ao contrário, recebia e
fornecia subsídios para o aperfeiçoamento do novo meio. Na verdade,
o espírito de experimentação comum à nossa equipe de tevê estava
presente, também, nas articulações e na execução do interprograma.
(“Nossa Próxima Atração - O Interprograma no Canal 3”, Mário
Fanucchi, Edusp, 1996:20)

Tons de Cinza

Na pequena sala chamada “Auditório da TV”, anexada com os dois estúdios da televisão, havia
um monitor extremamente bem regulado, conectado diretamente ao switcher (mesa de controle)
da emissora. O transmissor do Canal 3 no Banco do Estado de São Paulo era ligado diariamente
às 17h e exibia o padrão de ajuste da RCA até as 20h, quando começava a programação. Neste
período, os técnicos da estação televisora e o público podiam fazer todo ajuste necessário de
brilho, contraste, foco, vertical, horizontal etc. Entretanto, a central técnica percebeu que muitos
telespectadores costumavam mexer equivocadamente nos controles de seus televisores, a ponto
de deixarem as imagens distorcidas, desfocadas, com excessivo contraste ou ausência de tons
de cinza. Quando os técnicos passaram a monitorar os programas, sintonizando-os diretamente
no canal VHF-3, perceberam que se o televisor estivesse regulado com excessivo contraste do
preto no branco, e vice-versa, surgiria um terrível contorno duplicado na imagem. Para resolver
o problema, os elementos mais escuros das artes do interprograma passaram a ser pintados
de cinza-chumbo. Já os mais claros, foram pintados de gelo, para gerar tons gradativos. No
vestuário, não era mais permitido usar roupas inteiramente brancas ou pretas. Com o tempo,
as cores começaram a chegar aos cenários e ao interprograma, apesar de que ainda não havia
tecnologia para aparecerem no vídeo. Entretanto, foi uma forma de os cenógrafos darem mais
plasticidade às imagens com tons de cinza.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 259

CAPÍTULO 23
TV TUPI DO RIO DE JANEIRO - PARTE 2 - FASE EXPERIMENTAL E
INAUGURAÇÃO

Além da atração do cantor franciscano [Frei José Mojica], a


televisão das “Associadas” constitui motivo para convocar centenas
e centenas de pessoas, que desejam conhecer as aparelhagens. No
programa de quarta-feira, o auditório, o hall e a parte dianteira do
edifício da Avenida Venezuela ficaram literalmente cheios com a
multidão que ali ocorreu para ver nas telas dos aparelhos o monge
Guadalupe. Almirante, Luís Jatobá, José Mauro estiveram a postos
para que o programa transcorresse com sucesso, o que ocorreu
admiravelmente. (“O Frade Cantor”, Acyr Boechat, A Noite,
11/08/1950, p. 10)

A
pós sua temporada nas Emissoras Associadas de São Paulo, o Frei José Mojica foi ao Rio
de Janeiro para uma ação idêntica da acontecida em São Paulo: se apresentar no rádio,
sob o patrocínio dos produtos Peixe, e participar da pré-estreia da televisão. Entre 29 de
julho e 5 de agosto de 1950, o tenor religioso mostrou sua música sacra e folclórica no grandioso
e confortável auditório das Emissoras Associadas, na Avenida Venezuela, nº 43, com transmissão
pelas rádios Tupi e Tamoio em Ondas Médias e Curtas. A transmissão pela televisão, a ser gerada
com os equipamentos de fabricação General Electric adquiridos pela Rádio Tupi carioca, seria
realizada da mesma forma que em São Paulo, por meio de um circuito interno de TV ligado por
cabos. Isso porque, tal qual a PRF3-TV, a estação transmissora da PRG3-TV estava em fase final
de instalação — no morro do Pão de Açúcar — e o público poderia acompanhar as apresentações
por meio de um grande monitor disponibilizado no saguão do edifício. Também haveria outros
receptores ligados pelos andares, destinados a convidados, jornalistas e técnicos.
Mais de mil pessoas compareceram no primeiro dia para assistir ao primeiro programa
televisionado das Emissoras Associadas do Rio de Janeiro, um evento marcante para o rádio
carioca. Ao todo, foram quatro as apresentações de José Mojica televisionadas pela Tupi, com
a proposta de que a programação regular de televisão fosse inaugurada em 30 dias. Da mesma
forma que aconteceu em São Paulo, primeiro o público foi até a casa da televisão e, depois, a
televisão que entrou na casa do público “telespectador” (ou “vidente”, como foi também foi
chamado no primeiro momento).
260 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

No Ar, o Padrão de Testes do Canal 6

Hoje, quinta-feira, a PRG3-TV porá no ar, em dois horários


diferentes, o seu padrão — imagem de controle para recepção
nos aparelhos de TV. Assim, todos os possuidores de aparelhos de
recepção de TV que já os há em regular número no Rio, podem hoje,
entre 10:30 e 12 horas e entre 13 e 16 horas, procurar o canal seis e
captar a imagem-padrão emitida pela PRG3-TV para ajuste dos seus
aparelhos. Este é o primeiro, sensacional e mais prático passo inicial
para a recepção dentro de poucos dias, da programação normal da
Tupi-TV. (anúncio, O Jornal, 05/10/1950, p. 1)

No início de outubro de 1950, a instalação de todos os equipamentos de transmissão da PRG3-


TV finalmente foi concluída no Pão de Açúcar e já era possível colocar no ar o padrão de testes.
Assim, no dia 5, após 74 dias do primeiro dia de testes da PRF3-TV - Canal 3 de São Paulo e
depois de 17 dias de sua inauguração, pela primeira vez foi ligado o transmissor General Electric
com 5 kW de potência, na estação de televisão da Rádio Tupi do Rio de Janeiro, canal 6. No
início, a fase experimental foi ao ar, diariamente, entre 10h30 e 12h; e entre 13h e 16h.

O transmissor GE da TV Tupi do Rio


de Janeiro. (O Cruzeiro/reprodução)

Após diversas previsões para a data de inauguração, como relatado no Capítulo 7, programava-
se, agora, ainda para aquela primeira quinzena de outubro. O próprio Chateaubriand anunciou
esta previsão em um de seus discursos durante a inauguração do Canal 3 de São Paulo. Contudo,
aguardava-se pela publicação oficial da concessão da emissora.
Logo após o início dos testes, foram divulgados os nomes dos futuros padrinhos da emissora
carioca: o prefeito Ângelo Mendes de Morais e sua esposa. Todavia, ainda não foi em outubro
que aconteceu a inauguração da PRG3-TV.
Sem nova previsão para a inauguração, a fase experimental do Canal 6 prosseguiu e foi bem
mais produtiva que a da sua coirmã paulista. Enquanto a Tupi paulista exibia apenas alguns
pequenos musicais, documentários e desenhos animados, no Rio foram apresentados diversos
gêneros de programas, sejam eles filmes — por meio do equipamento de telecine —, quadros
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 261

de variedades direto do estúdio, ou até mesmo atrações externas. Uma partida de futebol foi
transmitida em 12 de novembro, direto do Maracanã, entre Flamengo x Olaria, pelo Campeonato
Carioca, com narração de Antônio Maria. Três dias depois, foi a vez do caminhão de externas
estacionar no Hipódromo da Gávea, para transmissão de páreos narrados por Aldo Vianna. Com
ampla divulgação nos jornais cariocas da “cadeia associada”, as movimentadas transmissões
experimentais da TV Tupi do Rio chamaram muita atenção da população e tinham ar de
programação oficial e regular. Só faltava mesmo a simbologia da inauguração.

Afirmam notícias da época que a partir das duas transmissões


[iniciais], as vendas de receptores cresceram de forma expressiva.
Pesquisa realizada diretamente pela Toddy projetou a média de 40
mil telespectadores daquela primeira fase, por minuto de programa,
baseado na existência de 4 mil televisores, com a assistência de no
mínimo dez pessoas por receptor. (“Tupi - Pioneira da Televisão
Brasileira”, José de Almeida Castro, Fundação Assis Chateaubriand,
2000:113)

Nos dias seguintes, o Canal 6 exibiu filmes de longa-metragem, entre eles, títulos nacionais
como “Obrigado Doutor” e “Estou Aí?”; filmes de curta-metragem; algumas peças encenadas
nos teatros Recreio e Rival, como a revista musical “Muié Macho Sim Sinhô!” e a comédia
de costumes francesa “A Noiva Deita-se às 11...”; uma luta de jiu-jitsu; e alguns espetáculos
públicos. Entre os programas de estúdio, foram ao ar “Calouros em Desfile”, apresentado por
Ary Barroso; “Sala de Visitas”, apresentado por Carlos Frias; “TV Teatro”, com Luiz Jatobá; e
“Personagens Célebres”. Até um show experimental foi realizado, mas não chegou a ser exibido.
Ao produzir todos esses programas, a TV Tupi carioca subverteu algumas normas técnicas
para transmissões experimentais, organizadas pela fabricante GE, e acabou utilizando os
equipamentos a toda capacidade. Contudo, os resultados foram muito bons, principalmente as
tomadas externas, cuja qualidade surpreendeu muita gente. A vontade e capacidade técnica foi
tamanha que, a partir de 1º de dezembro, a programação experimental passou a contar com uma
grade fixa e regular às segundas, quartas e sextas-feiras. Já nesta fase, a emissora conquistou
seu primeiro anunciante, o Café Globo, fato orgulhosamente divulgado nos jornais cariocas do
grupo. O comercial foi produzido com uma narração sobre imagens estáticas.
Em 13 de dezembro de 1950, um ato de agradecimento por parte de Assis Chateaubriand e da
Philco Corporation foi oferecido ao presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, e a alguns
membros do governo que também se empenharam para que o Brasil pudesse instalar suas duas
primeiras estações de televisão. O encontro foi realizado na própria residência oficial. Em nome
da Philco, seu diretor entregou um aparelho receptor de TV ao presidente Dutra — que estava
encerrando seu governo —, simbolizando a esperança no desenvolvimento da televisão no
Brasil. Após ser instalado, o receptor foi sintonizado no Canal 6, que, como se fosse um serviço
de Video on Demand1, naquele momento iniciou a transmissão de um rápido esquete, em que o
locutor Carlos Dias e a radioatriz Aimée contracenaram um diálogo de agradecimento a Dutra,
o presidente que autorizou a instalação de televisão no Brasil. Seguiu-se a programação com
o noticiário internacional “Telenews” e, em seguida, outro jornal, mas com enfoque nacional.
Ambos foram apresentados por Luís Jatobá.

1 Sistema de exibição de programas de TV via internet, executado exclusivamente para aquele


que o solicita.
262 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Em meados de janeiro de 1951 foi grande a movimentação para levar artistas, anunciantes e
publicitários para conhecer a turística estação transmissora do Canal 6, no Pão de Açúcar. A
televisão já estava fazendo parte da vida cotidiana do carioca e nos próximos dias ela seria
oficializada.

Agendando a Inauguração

A Televisão Tupi vai dentro de poucos dias em sua fase de serviço


regular, dando máxima amplitude aos seus programas e integrando,
assim, em definitivo, à vida da cidade, essa notável conquista da
ciência e da técnica, verdadeira maravilha do século XX. Na fase
experimental de suas atividades, agora prestes a encerrar-se, a TV
Tupi vem conquistando êxitos remarcados, chegando mesmo a superar
as transmissões efetuadas em países estrangeiros, como nos casos
recentes dos espetáculos teatrais. Atingindo um grau de inegável
perfeição, apresta-se para a sua nova fase de atividade, com o que
se firma o Rio de Janeiro, juntamente com São Paulo, na vanguarda
de empreendimentos de tamanho porte em toda a América Latina.
(“No Dia de São Sebastião a Inauguração Oficial da Televisão Tupi”,
Diário da Noite [RJ], 28/12/1950, Segundo Caderno, p. 1)

Apesar da produtiva fase experimental, a data de inauguração da TV Tupi carioca acabaria


levando três meses para ser agendada e só aconteceria no sábado, 20 de janeiro de 1951, sete
dias antes da publicação de sua outorga, concedida pelo Decreto nº 29236, de 27 de janeiro de
1951. A antecipação da inauguração foi estratégica — e provavelmente autorizada —, já que foi
marcada para acontecer em uma das datas mais significativas da cidade, o Dia de São Sebastião,
padroeiro do Rio de Janeiro, e, também, aniversário do dia em que os portugueses exploraram as
águas da Baía da Guanabara pela primeira vez. Tudo soaria como mais um agrado ao presidente
Dutra, morador daquela cidade, já que era a Capital Federal, e que encerraria seu mandato após
10 dias.
É importante dizer que, legalmente, o canal 6 carioca poderia ter sido inaugurado ainda em 1950,
mesmo antes da publicação de sua outorga, como ocorreu na Tupi de São Paulo, inaugurada em
18 de setembro de 1950 e outorgada em 7 de março de 1951. É desconhecido, no entanto, o real
motivo para a inauguração do Canal 6 ter acontecido somente poucos dias antes da publicação
da outorga. Preferiu Chateaubriand, que era morador na então Capital Federal, aguardar alguns
meses e agendar a inauguração para o mesmo dia da grande data cívica do Rio de Janeiro? Não
foi possível resgatar essa informação.

Inaugurando a Segunda Estação de TV Brasileira

A solenidade de inauguração iniciou-se pouco depois das 12h, nas instalações do alto do Pão de
Açúcar, com sua primeira etapa de atividades sem transmissão pela TV. Estimou-se que já havia
cerca de 5 mil receptores1 instalados na Cidade Maravilhosa. Após o presidente Dutra cortar uma
1 “Do Arrasamento do Morro do Castelo à Maravilha da Televisão”, Diário da Noite [RJ],
20/01/1951, p. 6.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 263

fita simbólica, todos passaram a conhecer as dependências da estação transmissora. Até que, na
sala de operações, às 12h40, o presidente da República e os padrinhos da estação — o prefeito
Ângelo Mendes de Morais e sua esposa Deborah Mendes de Morais — acionaram o transmissor
da General Electric. Em seguida, o casal declarou a estação oficialmente inaugurada.
Já com transmissão ao vivo pelo Canal 6, o prefeito e paraninfo quebrou sobre o transmissor
uma taça de champagne1 e pronunciou um rápido improviso, destacando a importância daquele
acontecimento, que marcava uma nova era para a radiodifusão do Brasil. “Para a população do
Distrito Federal, a Televisão Tupi. Esse novo e grande empreendimento vem marcar uma nova
era para o Brasil em matéria de rádio-transmissão”, disse o prefeito2.
Em seguida, o diretor dos Diários e Emissoras Associados, Assis Chateaubriand, fez seu discurso
rememorando a grande luta empreendida para tornar realidade as duas primeiras estações de
televisão da América do Sul — instaladas pelos Diários Associados em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Em palavras rápidas e vivas, o Velho Capitão expressou a gratidão de toda a família
“associada” e de todos os brasileiros ao presidente Dutra, ao prefeito Mendes de Morais, ao
ministro da Fazenda Guilherme da Silveira, a José Braz (diretor da Carteira de Exportação e
Importação do Banco do Brasil) e ao general Anápio Gomes (diretor da Carteira de Crédito Geral
do Banco do Brasil). Segundo Chatô, eles “compreenderam e ampararam a realização de uma
obra de grande alcance social e cultural”. Também compareceram na cerimônia alguns
diplomatas, parlamentares e industriais, estes últimos que eram, em sua maioria, representantes
dos fabricantes de receptores de TV, como Philips, Philco, GE e RCA.

Os padrinhos Ângelo e Deborah


Mendes de Morais (prefeito e
primeira-dama) acionam oficialmente
os componentes do transmissor da
primeira emissora de TV do Rio de
Janeiro, a PRG3-TV Tupi - Canal 6.
(O Cruzeiro/reprodução)

1 Como visto no Capítulo 17, conta uma lenda que o motivo de uma das três câmeras da TV
Tupi de São Paulo ter apresentado defeito no espetáculo de inauguração teria sido, justamente,
pelo fato de Chateaubriand ter quebrado uma garrafa de champanhe naquele equipamento.
Entretanto, essa informação foi desmentida por alguns pioneiros, como Jorge Edo, o técnico
responsável.
2 “Inaugurada, Sábado, Oficialmente, a TV Tupi do Distrito Federal”, Diário da Noite [RJ],
22/01/1951, 2º Caderno, p. 16.
264 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A Programação Regular

Após a cerimônia, a PRG3-TV transmitiu o padrão de testes até 20h30, quando iniciou a primeira
grade de programação regular. Neste momento, o diretor Luiz Jatobá fez uma breve apresentação
de três minutos sobre as atrações daquela noite de estreia. Na sequência, foi apresentado um
grande show com a Orquestra Tabajara, executando diversas canções da música brasileira. Às
21h, foi a vez de “Calouros em Desfile”, apresentado por Ary Barroso, e, às 21h30, outro show
especial: “A Tupi e a Televisão”, apresentado por Antônio Maria e participação de diversos
artistas da Rádio Tupi do Rio, como Dorival Caymmi, Almirante, Aracy de Almeida, Dircinha
Batista, Alvarenga e Ranchinho, José Vasconcelos e o humorista Mazzaropi, vindo especialmente
da TV Tupi de São Paulo e se tornando o único artista a participar da inauguração das duas TV
Tupi. Às 22h30, foi ao ar uma edição especial do “Telejornal”, com um pequeno documentário
gravado em película de 16 mm sobre a inauguração da TV Tupi do Rio de Janeiro (ver box) e
uma reportagem sobre sua cerimônia de inauguração. Por fim, os cariocas assistiram a uma luta
de jiu-jitsu, travada entre Hélio e Carlos Gracie.
A TV Tupi do Rio estava inaugurada e, juntamente com sua coirmã paulista, se constituiria
em alicerces fundamentais para a formação artística peculiar da televisão brasileira, que se
consolidaria, décadas depois, como uma indústria cultural e um veículo de massa.

Os Diários e Emissoras Associados do Rio de Janeiro produziram um


pequeno documentário1 gravado em película sobre a montagem da
TV Tupi - Canal 6, desde a chegada dos equipamentos no porto até a
montagem da torre. Não há registros de que também tenha sido feita
uma produção similar em São Paulo. O documentário carioca está
preservado e assim inicia sua narração: “Começa a chegar ao Rio a
preciosa carga. Mais de 100 volumes, contendo todo o equipamento
indispensável para transmissão de programas de televisão. Parte
para a Praia Vermelha o caminhão conduzindo a primeira carga de
volumes, contendo o equipamento de TV da primeira emissora de
televisão a ser instalada na Capital da República. É iniciada a árdua
tarefa de transportar o pesado material para o alto. A filmagem das
cenas exigiu um pouco de sangue frio por parte dos cinegrafistas
atentos à subida dos primeiros volumes. Finalmente, prossegue-se
a retirada dos envoltórios e não há dúvida quanto à curiosidade que
todos demonstram, ansiosos para examinar o novo equipamento.
Sendo a potência do transmissor de 5 kW, a Tupi TV terá, assim, um
raio de ação bastante amplo para cobrir toda a cidade, inclusive as
cidades vizinhas Niterói e Petrópolis”.

1 Link: youtu.be/LN_lR3DxL3g.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 265

Uma Comparação Artística Entre as Duas “TV Tupi”

E houve uma coisa curiosa: ninguém [da Tupi carioca], segundo se


soube, foi a São Paulo ver e aprender com os paulistas, que afinal já
estavam no ar havia alguns meses. (“TV Tupi - Uma Linda História
de Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:119)
Logo após a inauguração da TV Tupi do Rio de Janeiro, os pioneiros
cariocas foram à luta com independência surpreendente. Seria
natural que tivessem alguma interação com a TV Tupi paulista,
já que estava no ar há quatro meses e pertencia ao mesmo grupo
“Associado”. Mas isso não aconteceu e, assim, nasceu o estilo
carioca de fazer televisão, a TV artesanal, criativa, improvisada e
espontânea. (“TV Tupi do Rio de Janeiro - Uma Viagem Afetiva”,
Luís Sérgio Lima e Silva, Imprensa Oficial, 2010:26)

Ao contrário do esperado, os diretores, técnicos e atores da TV Tupi carioca não foram estagiar
na TV Tupi paulista e procuraram seguir caminho e estilo próprios. A programação do Canal
6 contou com mais apresentações teatrais, circenses e musicais que o Canal 3, já que o artista
do Rio tinha grande experiência em apresentações nos cassinos e no teatro de revista. Ou
seja, os primeiros atores da programação carioca tinham formação teatral, enquanto os de São
Paulo, basicamente, tiveram a radionovela como escola artística. O teleteatro foi forte nas duas
emissoras, mas, como as “escolas” eram diferentes, no Rio se via esquetes de caráter crítico e
números musicais com figurinos extravagantes e, em São Paulo, adaptações de dramas clássicos
da dramaturgia e da literatura mundial.

As salas do quarto andar foram adaptadas e transformadas em dois


estúdios [de TV] e um Controle Mestre. Com enormes colunas de
sustentação, que estavam presentes ou disfarçadas nos programas
da primeira fase de funcionamento, sem tratamento acústico e um
calor avassalador [sem ar-condicionado], a televisão [Tupi carioca]
engatinhou em completo desconforto, sinalizando assim para os
pioneiros tempos de criatividade e muito jogo de cintura. Todo mundo
se espremia — técnicos, artistas, apresentadores e locutores, era um
frisson único e inquestionável, afinal, o show não podia parar. (“TV
Tupi do Rio de Janeiro - Uma Viagem Afetiva”, Luís Sérgio Lima e
Silva, Imprensa Oficial, 2010:23)
No quarto andar ficavam os dois “estúdios”, ou melhor, as duas
salas adaptadas, atravancadas de colunas que obrigavam o talentoso
Pernambuco de Oliveira, seu primeiro cenógrafo, a realizar
verdadeiros milagres. (Era Uma Vez... A Televisão, João Lorêdo,
Editora Alegro, 2000:5)

Há, também, outra importante característica da programação carioca, que focou mais em
exibições externas de peças teatrais e musicais em cartaz no circuito da cidade. Isso porque a
266 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

emissora contava com restrições em seus dois estúdios, que além de serem pequenos, contavam
apenas com um switcher e duas câmeras no total — uma a menos que a Tupi de São Paulo, o que
restringia bastante as operações. Os estúdios foram montados no 4º andar, onde antes ficava o
gabinete do diretor-geral dos Diários Associados, Carlos Rizzini.

O primeiro estúdio da TV Tupi do Rio de


Janeiro: além de pouco espaço, uma viga de
sustentação atrapalhava as operações. (Acervo
Diários Associados)

A TV Tupi do Rio de Janeiro mudou-se do edifício da Avenida


Venezuela em 1955, inaugurando sua sede no antigo prédio do
Cassino da Urca. Esta edificação — comprada de Joaquim Rolla,
amigo de Chatô — estava ociosa desde que o presidente Dutra
proibiu os jogos de azar. A reforma para instalação da TV Tupi
no antigo cassino custou Cr$ 25 milhões e quatro estúdios e um
auditório foram construídos (posteriormente, construíram-se
outros dois estúdios). Quatro anos depois, em 1959, a Tupi carioca
inaugurou seu novo parque de transmissão no Morro do Sumaré,
onde, gradualmente, todas as emissoras de televisão da cidade
passariam a operar, em respeito a uma determinação da Comissão
Técnica de Rádio. Lá, a Tupi instalou um novo transmissor com 6
kW de potência, desta vez de fabricação RCA. No Morro do Sumaré,
foi erguida uma torre com uma nova antena. A torre pioneira de
televisão do Pão de Açúcar ainda continuou montada por alguns
anos, sendo que, em 1963, foi utilizada temporariamente pela TV
Excelsior - Canal 2.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 267

CAPÍTULO 24
A INFRAESTRUTURA DAS EMISSORAS ASSOCIADAS - ANOS
1950

M
al havia sido inaugurada e a estação PRF3-TV das Emissoras Associadas de São
Paulo apresentou a necessidade de ter suas instalações ampliadas. A primeira reforma
unificou o Estúdio “A” com o pequeno “B”, reforçou o isolamento acústico e elevou
o telhado em 1 m, favorecendo o sistema de iluminação. O projeto foi protocolado na prefeitura
em 13 de dezembro de 1950, antes mesmo de o Canal 3 completar três meses no ar. A conclusão
das obras se deu em agosto de 1951, com o Estúdio “A” ganhando 25 m2 e passando para 194 m2.
Todavia, Assis Chateaubriand já tinha planos para oferecer mais espaço para as operações de
suas emissoras de rádio e televisão no Rio de Janeiro e em São Paulo. A ideia era construir novas
estruturas em locais diferentes de onde se localizavam os estúdios.

Taba Guaianases e Taba Tupi

Em 1951, os Diários Associados deram início à elaboração de dois projetos arquitetônicos de


ideário moderno e multifuncional, com versões para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
Chamados respectivamente de “Taba Guaianases” e “Taba Tupi”, a proposta era construir dois
conjuntos com ampla oferta de habitação coletiva vertical, oferecendo diversos serviços essenciais
aos moradores e, ainda, erguer um complexo que reuniria algumas instalações midiáticas dos
Diários Associados, oferecendo cultura, arte e entretenimento à população.
Este complexo midiático foi uma iniciativa inspirada no Rockefeller Center de Nova York,
onde funcionavam o histórico Radio City Music Hall e a sede das redes de rádio e televisão da
NBC. Um dos proprietários deste complexo era o magnata Nelson Rockefeller, amigo de Assis
Chateaubriand e convidado especial para a inauguração das ampliações do Museu de Arte em
São Paulo, realizada em 1950, na Rua Sete de Abril (como visto no Capítulo 12).
Basicamente, os projetos ambiciosos dos Diários Associados para Rio e São Paulo previam a
construção de um bloco com três pavimentos, onde se instalariam um grande teatro e estações
de rádio e TV das Emissoras Associadas — incluindo dois auditórios, vários estúdios e salas
operacionais, artísticas e administrativas. Acima deste bloco, haveria duas altas torres com
moradias, que somariam cerca de 1,3 mil apartamentos em São Paulo e 2 mil no Rio de Janeiro,
ambos voltados à classe média e com preços módicos.
O Taba Tupi foi projetado por Oscar Niemeyer e Hélio Uchoa. Sua construção custaria Cr$ 250
milhões e se daria na Rua Camerino, nº 134, no Centro do Rio, em uma área com cerca de 7 mil
m2. Haveria duas torres residenciais e, na parte baixa, o complexo midiático, uma cooperativa
e estruturas voltadas às crianças. Já o Taba Guaianazes foi projetado por Lina Bo Bardi e Pier
268 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Luigi Nervi, com a construção prevista na Rua Álvaro de Carvalho, região central da cidade
de São Paulo, próximo de edifícios importantes, como do jornal “O Estado de São Paulo” e da
Biblioteca Mário de Andrade.
Os teatros se chamariam “Getúlio Vargas” nas duas unidades e acomodariam até 7,2 mil
espectadores cada um. “Espetáculos e artistas que agora são privativos das classes ricas, em
salas inacessíveis às massas, nos teatros Getúlio Vargas das Tabas Tupi e Guaianazes estarão ao
alcance de todas as bolsas, por uns poucos cruzeiros. Serão as óperas célebres e por cantores de
imenso renome, o ballet mais primoroso, a comédia mais bem representada — tudo isso vindo
ao encontro do povo, que não pode frequentar os teatros caros”1, publicou os Diários Associados
em todos os seus jornais.
Para auxiliar na realização e manutenção dos dois projetos, alguns grupos de industriais
contribuiriam com Cr$ 5 milhões por ano.

Estúdios de Rádio e TV no Centro de São Paulo

Desde 1947, Assis Chateaubriand tinha planos para construir moradias verticais em um terreno
da Rua Álvaro de Carvalho, com 6330 m2, composto por diversos lotes em nome do próprio
Chatô ou da Rádio Tupi.
O projeto ganhou forma em 1951 e refletiu planos ainda mais audaciosos de Chatô, já que, além
das moradias, decidiu que o complexo também abrigaria veículos de mídia. Seria a chance de
marcar um novo símbolo na pujante e moderna metrópole paulista, em um momento de incentivo
à verticalização e preparação da cidade para a comemoração do seu IV Centenário, que se
realizaria em 1954. Em função desta importante data, novos símbolos da modernidade paulistana
foram idealizados ou construídos no início dos anos 1950, muitos deles com edifícios de uso
misto, que aliariam a verticalização da habitação à existência de estabelecimentos comerciais
de uso público no pavimento térreo. Como exemplo, há os projetos do edifício Copan (1951),
de Oscar Niemeyer; do edifício O Estado de São Paulo (1947), de Jacques Pilon e Franz Heep;
do edifício Itália (1953), de Franz Heep; e do Conjunto Nacional (1955), de David Libeskind.

Ela [Lina Bo Bardi] vivia na órbita do museu, e [Pietro] Bardi e


Chateaubriand criaram pontes diretas para projetos estimulantes,
que davam à sua imaginação naturalista oportunidades concretas
de experimentação. Enquanto ela organizava exposições e editava
a [revista] “Habitat”, Chateaubriand inaugurou a primeira rede
brasileira de televisão, a TV Tupi [...]. (Lina Bo Bardi: O Que Eu
Queria Era Ter História, Zeuler R. Lima, Companhia das Letras,
2021:212)

Como dito, o projeto “Taba Guaianazes” foi assinado pela arquiteta Lina Bo Bardi e pelo
engenheiro-civil Pier Luigi Nervi, ambos italianos. O nome “Taba” foi escolhido por Chatô
para representar um conjunto autônomo, como uma pequena aldeia e, além disso, era um

1 “‘Teatros Getúlio Vargas’, no Rio e em S. Paulo, os Maiores do Mundo”, O Jornal,


18/11/1951, p. 1
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 269

nome sempre pronunciado por Chatô, assim como “Guaianases”, que foi uma tribo indígena
responsável por povoar parte do estado de São Paulo e outras regiões. Era comum, portanto, que
Chatô se referisse à São Paulo como “Taba dos Guaianases”.
O terreno do complexo tinha frente para a Rua Álvaro de Carvalho, altura do nº 318. À esquerda
ficava o viaduto da Rua Major Quedinho e aos fundos a Avenida Nove de Julho. O grande
desnível do terreno seria aproveitado para facilitar o acesso aos três pavimentos do complexo
midiático. Abaixo do nível da Avenida Nove de Julho haveria as instalações da Televisão Tupi,
além da garagem das unidades habitacionais e uma pista de gelo com 1422 m². No nível acima,
ficariam os estúdios das rádio Tupi-Difusora e dois auditórios para rádio e TV — ou “teatros-
estúdios” como diz o projeto —, com 1,5 mil assentos cada (haveria uma divisão removível
entre eles, permitindo a unificação eventual). Mais um nível acima, alinhado com a Rua Major
Quedinho, estaria a grande sala do Teatro Getúlio Vargas, com incríveis 7,2 mil assentos, que
seria um dos maiores do mundo.
Este conjunto de auditório, teatro e estúdios formaria um grande bloco com altura equivalente
a um edifício de 10 andares e que ocuparia a área total do terreno. Sobre ele, subiriam duas
torres com 21 e 31 andares, onde ficariam os 1,3 mil apartamentos. No alto dos edifícios haveria
restaurante, solarium, biblioteca e sala de leitura coletiva. Os dois edifícios ocupariam a periferia
do grande bloco inferior e, ao centro, no térreo, funcionaria uma cooperativa, um restaurante,
além de uma área destinada às crianças (com um grande playground, berçário, jardim de infância,
hortas experimentais e teatro infantil).
Como os edifícios seriam erguidos nas laterais do complexo, isso evitaria que suas colunas de
sustentação atrapalhassem o teatro e os auditórios, a ficariam ao centro. No total, seriam 101,4
mil m2 de área construída, ao custo de Cr$ 230 milhões.

Rádio e TV

Era um desejo de Assis Chateaubriand realocar e dar melhor estrutura à TV Tupi e às rádios
Difusora e Tupi em São Paulo e, principalmente, à TV Tupi e às rádios Tamoio e Tupi no Rio de
Janeiro, que funcionavam em instalações muito adaptadas e provisórias.
Em São Paulo, a PRF3-TV ganharia um grande estúdio com 17 m x 28 m (476 m2) e pé direito
de 8 m; dois estúdios com 11 m x 17 m (187 m2) e pé direito de 7 m; três salas para controle dos
estúdios; e ainda: salas para o Controle Mestre e projeção de filmes (Telecine), três cabines para
locução e salas de escritório com total de 150 m2.
Para as rádios Tupi e Difusora, seriam construídos dois estúdios com 10 m x 16 m (160 m2);
quatro estúdios com 6 m x 10 m (60 m2); seis salas para controles dos estúdios; seis estúdios
com 5 m x 8 m (40 m2); seis cabines para locução; sala para gravação; sala para o controle-geral,
com 6 m x 8 m (48 m2); 30 salas para redatores e maestros, com 16 m2 cada, e ainda: oficina,
almoxarifado, salas para operadores, atrizes, músicos e instrumentos, discoteca, arquivo musical,
chefia técnica, contrarregra, sonoplastia, direção-artística e gerência.
Quanto ao complexo de rádio e TV do Rio, sabe-se apenas que haveria 15 estúdios de rádio e TV.
Por falta de mais informações, fica a dúvida se as emissoras envolvidas se mudariam
completamente para os novos complexos, ou se alguns setores ainda permaneceriam onde
estavam. No caso de São Paulo, ao menos, devido ao alto investimento já empregado, é possível
270 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

que os dois estúdios recém-construídos no Sumaré continuassem em operação como auxiliares


das novas estruturas do Taba Guaianases. O fato é que houve planos para que a PRF3-TV Tupi-
Difusora instalasse sua sede para o centro de São Paulo.

Maquete do “Taba Guaianases”, ambicioso projeto


arquitetônico e multifuncional dos Diários Associados,
que seria construído no centro de São Paulo.
(“Habitat”, nº 14, jan-fev de 1954/reprodução)

Ao centro, projeto com dois auditórios para a TV Tupi e rádios Difusora e Tupi de São Paulo. Na parte superior da
imagem, as instalações da nova sede das emissoras de rádio. (“Habitat”, nº 14, jan-fev de 1954/reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 271

Só no Papel

O desenvolvimento do projeto Taba Guaianazes foi intenso, movimentou diversos profissionais


(inclusive estrangeiros) com pedidos de cotação para fornecimento de cimento, máquinas
cenotécnicas, ar-condicionado etc. O projeto chegou a ganhar maquetes e reportagens especiais
em revistas brasileiras de arquitetura e até uma italiana. O maestro polonês Artur Rodziński, que
já havia dirigido diversas orquestras pelo mundo e vinha atuando na rede de televisão norte-
americana NBC, veio ao Brasil para prestar uma consultoria sobre o projeto acústico do teatro.
Como resultado, ele sugeriu que fosse contratada a empresa Bell Telephone Co., de Nova York,
a mais especializada no assunto.
Os autores destas linhas tiveram acesso a documentos originais do projeto, onde é constatado
que, em setembro de 1951, foi entregue à Lina Bo Bardi um relatório encomendado junto à
Sociedade Comercial e Construtora S/A com os resultados de numerosas sondagens do terreno
feitas pelo IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Foi mostrado que as fundações deveriam
ser bem profundas e sugerido quais as técnicas a serem usadas nas obras. “O projeto apresenta
dificuldades técnicas grandiosas, mas não insuperáveis”, concluiu o relatório. Documentos para
a aprovação do projeto — que não obedecia ao Código de Obras — chegaram a ser entregues à
Câmara Municipal de São Paulo.
Vê-se também que, em novembro de 1951, Chateaubriand recebeu orçamentos de uma empresa
europeia para a fabricação e montagem das estruturas de concreto do Taba Guaianases e do Taba
Tupi.
Mas, os planos do Taba Guaianases pararam por aí e jamais saíram do papel. Não se sabe os
motivos exatos, mas pode-se imaginar a quantidade de problemas que podem ter surgido para
executar uma obra desta envergadura. Sabe-se que houve entraves com a prefeitura quanto ao
impacto no fluxo ao redor do empreendimento, já que não havia muitas vagas para automóveis nas
ruas e nos poucos estacionamentos, o que gerou a necessidade de realizar estudos de circulação
e de horários dos eventos. Na própria documentação inicial do projeto há a observação de que
“nunca se terá fluxo e refluxo dos teatros e uma circulação satisfatórios por falta de espaço nas
ruas e pela dificuldade de estacionamento”. Quem fosse ao teatro com transporte público, em
dia de apresentação com casa lotada, por exemplo, também teria problemas. Todavia, o principal
motivo do cancelamento do projeto pode ter sido a falta de recursos.
Até hoje, entretanto, o projeto do Taba Guaianazes é destaque na carreira de Lina Bo Bardi
(1914-1992), que mais tarde projetaria outros edifícios importantes em São Paulo, como o do
SESC - Fábrica da Pompeia e do MASP, na Avenida Paulista. Lina era esposa de Pietro Maria
Bardi, fundador do próprio MASP.
Já o projeto Taba Tupi, mesmo que também não tenha sido materializado, chegou a avançar
bem mais que o Taba Guaianases, com efetivação da demolição de antigos prédios do terreno,
abertura de um stand de vendas (em 1956), assinatura do contrato com empreiteira e ampla
divulgação nos meios de comunicação dos Diários Associados (com direito a uma intervenção de
mais de uma hora na programação do Canal 6 carioca, onde Chateaubriand explicou as vantagens
de comprar um apartamento no Taba Tupi). A essa altura, cinco anos depois do lançamento do
projeto, várias alterações foram promovidas e o complexo de rádio e TV foi excluído (em 1955,
a TV Tupi mudou-se para o antigo Cassino da Urca). Com as alterações, o Taba Tupi focou em
moradias e nas facilidades para os moradores, com oferta de dezenas de lojas, jardim de infância,
área verde com 5,5 mil aves, restaurantes, cinema e teatro. As vendas se alongaram até o início
de 1960, mas as obras sequer começaram. Compradores dos apartamentos entraram na Justiça
para receber indenizações e o dinheiro investido.
272 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Publicidade do projeto Taba Tupi, no Rio de Janeiro. (reprodução)

Sumaré - O Novo Estúdio “B”

No final de 1951, a execução do projeto Taba Guaianazes já estava cancelada e a TV Tupi teria
que se contentar com uma sede mais modesta no próprio Sumaré e investir em ampliações dentro
da Cidade do Rádio. Já em 17 de janeiro de 1952, as Emissoras Associadas deram entrada em
um projeto para a construção de um novo Estúdio “B” (o primeiro “B” havia sido unificado com
o “A”). Ele seria erguido ao lado do Estúdio “A”, nos fundos da Cidade do Rádio, com entrada
pela Rua Catalão, nº 48.
Para a execução do novo projeto, deveriam ser demolidos o barracão da Cenografia e a sala de
Contrarregra, ambos construídos em 1950. A autoria do projeto foi do engenheiro-civil Dorvalino
Mainieri, sócio-proprietário da Construtora Hohenlohe & Mainieri Ltda., que já havia realizado
diversos trabalhos para as Emissoras Associadas de São Paulo, tal como as adaptações civis para
instalação do primeiro transmissor do Canal 3, no edifício do Banco do Estado de São Paulo, e a
construção do primeiro prédio da PRF3-TV na Cidade do Rádio.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 273

Construção do Estúdio “B” da PRF3-


TV, no Sumaré, em 1952. (Acervo
Família Mainieri)

Com 125 m2 e pé-direito de 7 m, o novo Estúdio “B” foi inaugurado em janeiro de 1953,
reunindo diversos requisitos modernos, inclusive um palco giratório, que facilitou a troca de
cenários e proporcionou grande produtividade. Sua sala de controle (switcher) foi instalada em
um mezanino. A fachada continha elementos idênticos aos do pioneiro Estúdio “A”, com tijolos
aparentes e alinhamento vertical.

Assinalando nova fase de grandes realizações do “TV de Vanguarda”,


a PRF3-TV deverá apresentar dia 1º de abril, diretamente de seus
estúdios do Alto do Sumaré, a adaptação para a TV da famosa
obra de Dostoievsky, “Crime e Castigo”. Essa iniciativa, que está
movimentando e entusiasmando toda a equipe do Canal 3, deverá
se constituir num dos maiores espetáculos teleteatrais dos últimos
tempos. Os dois grandes estúdios do Sumaré [“A” e “B”] serão
utilizados, inclusive o enorme corredor que os liga, em montagem
de 17 cenários, o que obrigará também a utilização dos dois
switchers do “A” e do “B”, que estarão a cargo de Antônio Seabra e
Tito Bianchini. (“Crime e Castigo”, Aírton Rodrigues, Diário da Noite
[SP], 22/03/1956, p. 15)

Pavimentos e um Terceiro Estúdio no Sumaré

Os sucessivos acréscimos entre 1949 e 1952 alertaram a direção


dos Diários Associados para as soluções paliativas que estavam
sendo tomadas em relação ao agigantamento da “Cidade do Rádio”,
motivando um lance audaz de reorientação geral do espaço ocupado
no Sumaré. Dessa forma, em 7 de abril de 1954, Edmundo Monteiro
entrou com pedido de construção de um prédio de sete pavimentos,
com entrada pela Avenida Alfonso Bovero. (“A TV Tupi no Acervo
274 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

do Arquivo Histórico de São Paulo: Novas Fontes”, José Inácio de


Melo Souza, Informativo Arquivo Histórico de São Paulo, nº 5, jan/
mar de 2011, p. 28)

O crescente sucesso da televisão em São Paulo fez com que o problema da falta de espaço se
tornasse recorrente na Cidade do Rádio — algo que já era previsível. Frequentemente, as rádios
Tupi e Difusora tinham que ceder ou compartilhar suas instalações, como é o caso do Palco-
Auditório, que também passou a ser usado para transmissão de alguns dos programas da TV.
Outro exemplo é que a Rádio Tupi logo passou a irradiar a maioria de seus programas a partir de
estúdios montados no prédio dos Diários Associados1, na Rua Sete de Abril, nº 230, mantendo
apenas a produção de novelas e outros poucos programas a partir da Cidade do Rádio.
A necessidade de melhorar a organização e o aproveitamento dos espaços no Sumaré fez surgir,
em 7 de abril de 1954, um grande projeto arquitetônico para modernização e ampliação da área
útil da Cidade do Rádio, que ficaria com mais que o dobro do tamanho. Desta vez, seria explorada
a área vertical do terreno com uma ousada ideia de reforçar a estrutura do antigo Palco-Auditório
e construir, sobre ele, um edifício de sete andares. Surgia no complexo do Sumaré o conceito de
centralização das rádios Tupi-Difusora em um único edifício, para definitivamente proporcionar
que a televisão ocupasse todo o espaço já existente. O novo edifício seria devidamente planejado
para operação de emissoras de rádio e, além disso, contaria com salas para uso dos setores
administrativos e das diretorias das Emissoras Associadas.
Ainda no mesmo projeto de ampliação, foi prevista a demolição da ala esquerda do antigo
prédio, onde ficavam os estúdios das duas rádios. Com isso, seria construído um outro prédio,
de pavimento térreo, que abrigaria um grandioso Estúdio “C”, ocupando, também, uma área sem
uso, onde outrora havia a torre de Ondas Médias da Rádio Difusora - 960 KHz, emissora cujas
transmissões passaram a ser feitas da Vila Sofia, na Zona Sul de São Paulo, cerca de um ano após
a estreia da televisão.
Para a construção do novo estúdio, o pórtico do prédio das rádios seria demolido e o hall
convertido em extensão do Palco-Auditório, este que passaria a ser exclusivo da televisão e teria
a capacidade ampliada de 504 para 581 lugares. Com 500 m2, o velho auditório seria considerado
como o andar térreo do novo edifício-sede, com sete andares, que contaria com 402 m2 em cada
pavimento. Haveria restaurante e bar (1° andar); três estúdios de rádio (2°); mais dois estúdios
de rádio (3°); salas para administração-geral das Emissoras Associadas (4º e 5º); departamento
técnico e controle-geral das rádios, almoxarifado e oficina técnica (6°); e terraço, com casa de
máquinas e caixa d’água (7°). Quanto ao 2° e 3° pavimentos, seriam hermeticamente fechados
por quatro paredes-cegas2 para isolamento dos estúdios. O novo edifício teria a face voltada para
a Avenida Prof. Alfonso Bovero.
O novo Estúdio “C” seria muito maior que os preexistentes, medindo 25 m x 17 m (425 m2) e
dispondo de pé-direito com 8 m. Haveria um grandioso subsolo para depósito da cenografia, com
527,5 m2 e pé-direito de 3 m. Como este estúdio seria construído de forma contígua ao antigo
Palco-Auditório, haveria uma reforma na fachada, que passaria a ser longa e uniforme, numa
evidente preocupação com a padronização estética dos edifícios voltados para a Rua Piracicaba.
A prefeitura aprovou os projetos em 9 de dezembro de 1954, contudo, a execução das obras
1 Salientando que a Rádio Tupi já havia operado neste endereço, mas a partir de um prédio que
foi demolido pouco tempo após sua saída.
2 “Parede-Cega” é a expressão que remete a uma parede externa de uma edificação que não
disponha de qualquer abertura.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 275

sequer foi iniciada, já que a direção dos Diários e Emissoras Associados mudou seus planos.

A fachada original do prédio


principal da Cidade do Rádio e seus
devidos setores. (Foto original:
Aristodemo Becherini, “Rádio
Difusora”, 1942/Acervo Museu da
Cidade de São Paulo)

Projeto com a fachada frontal do


edifício de sete andares, proposto
para uso das rádios Tupi e Difusora
(não executado). (Prefeitura da
Cidade de São Paulo/Secretaria
Municipal de Cultura/Acervo
Arquivo Histórico Municipal de São
Paulo)
276 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Proposta para nova fachada do prédio principal da Cidade do Rádio e para a construção do Estúdio “C”, com vista
a partir da Rua Piracicaba. (Prefeitura da Cidade de São Paulo/Secretaria Municipal de Cultura/Acervo do Arquivo
Histórico Municipal)

Monteiro Lobato Inaugura o Estúdio “C”

Em 20 de março de 1955, quatro meses após a suspensão do projeto para construção de um


edifício com sete andares e de um terceiro estúdio de TV na Cidade do Rádio, um novo projeto
foi encaminhado para ampliação do Estúdio “B”, que passaria a ter 18 m x 10 m (um aumento
de 55 m2, totalizando 180 m2). O novo projeto também retomou a proposta de construção do
Estúdio “C”, entretanto, com praticamente metade das dimensões previstas no projeto anterior
— 11,25 m x 18,5 m (208,12 m2) — e com o local de construção alterado para os fundos do
complexo (Rua Catalão), geminado com o Estúdio “B”. Pela nova proposta, seria necessário
demolir o primeiro prédio da Rádio Difusora, construído em 1934 e que vinha sendo utilizado
exclusivamente pelo próprio Canal 3. O mesmo projeto também previu um subsolo de 235,5
m2 para abrigar um depósito para cenários, contrarregra e equipamentos, além de uma sala para
almoxarifado e oficinas mecânica e elétrica. Também seria construído um pavimento sobre os
estúdios “B” e “C”, com três confortáveis camarins, sala para o Departamento de Publicidade e
a nova sala do Controle Mestre da televisão, de onde a programação seria gerada e enviada ao
transmissor. Os três pisos — subsolo, térreo e 1º — contariam com serviço de elevador e haveria
a implantação de uma piscina de vidro, designada para finalidades cenográficas ou gravações
subaquáticas. O projeto, de autoria do engenheiro-civil Armênio Crestana, foi aprovado pela
prefeitura em 23 de abril de 1955, entretanto, sem a pretensão de substituir o projeto do edifício
de sete andares, que estava apenas suspenso.

O entusiasmo de nossas equipes está sendo acompanhado pelo


nosso desvelo em melhor aparelhar as nossas emissoras, dotando-
as de todos os elementos necessários. Mais quatro câmeras foram
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 277

adquiridas [em 1955], além de outros equipamentos Marconi, que


vieram contribuir para o aprimoramento das nossas transmissões,
quer quanto ao som, quer quanto à imagem. Assim, temos sido
vigilantes quanto à renovação de nossos equipamentos técnicos. E
para corresponder à amplitude de nossos propósitos e à vontade
demonstrada pelos nossos homens de rádio e televisão, no sentido de
melhorar sempre para assegurar a preferência dos nossos ouvintes
e telespectadores, estamos levantando agora um novo e amplo
estúdio de televisão [o Estúdio “C”]. Montado com o que há de
mais moderno em aparelhamento de som e acústica, rigorosamente
construído para o fim que se destina, o novo estúdio que ora vem
sendo erguido no Sumaré, nos proporcionará, dada a sua amplitude,
recursos extraordinários, permitindo mais nos aprimorarmos, ainda,
na montagem de nossos programas. (relatório da diretoria da Rádio
Difusora São Paulo, Diário Oficial da União, 24/03/1956, p. 82)
O importante subúrbio da “Cidade do Rádio”, que são os estúdios da
TV-3, vai ganhar novas dependências grandiosas, com a construção
do Estúdio “C”, já em adiantadas obras. A vantagem sobre os demais
é que o “C” terá uma enorme piscina, com paredes de vidro, própria
para transmissões de cenas submarinas. A iniciativa é inédita em
televisão em São Paulo. (Diário de São Paulo, 17/08/1955, Cad.
Espetáculos, p. 3)

De acordo com um relatório divulgado pelas Emissoras Associadas, o ano de 1955 foi excelente
para o crescimento financeiro da Televisão Tupi de São Paulo, algo que refletiu positivamente nos
investimentos de infraestrutura. Desta forma, o projeto “engavetado” do Estúdio “C” finalmente
foi executado, garantindo também a importante construção dos depósitos no subsolo e do
pavimento superior. As obras do estúdio ficaram prontas em agosto de 1955, mas, curiosamente,
a inauguração foi realizada apenas em 1º de julho de 1956, quando houve um evento solene, que
contou com a presença de uma filha e uma neta do escritor Monteiro Lobato.

Monteiro Lobato, em espírito, presidiu a inauguração deste novo


palco do vídeo, através da peça “O Pronome Fatídico”, baseado
no seu conto “O Colocador de Pronomes”. (“Lobato Abre o Estúdio
C”, Chico Vizzoni, O Cruzeiro, 15/09/1956, p. 84-85)

Além de ser o maior dos três, o Estúdio “C” contou com equipamentos mais modernos e foi
destinado para a apresentação dos programas que exigiam mais espaço físico, como os teleteatros
“TV de Vanguarda”, “Música e Fantasia” e “Teatro da Juventude”. Este último, responsável pela
inauguração do estúdio, quando foi encenada a peça “O Pronome Fatídico”, conto de Monteiro
Lobato que foi adaptado pela escritora e roteirista da TV-3, Tatiana Belinky.
278 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Retomando os Projetos do Edifício e de Mais Um Estúdio

Mesmo com os três estúdios de televisão em operação, em 1957 outras ampliações se fizeram
necessárias na Cidade do Rádio. Como a maior demanda naquele momento era abrir espaço para
a TV Tupi ocupar toda área mais antiga do complexo, foi retomado o projeto para construção
de um edifício com sete andares e de mais um estúdio de TV — que agora seria o quarto —, o
maior de todos, que mediria mais de 400 m2. O engenheiro responsável foi Armênio Crestana,
que apresentou uma planta atualizada do edifício, seguindo as linhas gerais do projeto criado em
1954 pelo engenheiro Dorvalino Mainieri. O engenheiro Crestana propôs algumas modificações
internas no projeto original do edifício, relativas ao layout de alguns andares, e o protocolou em
2 de março de 1957. O local das obras do edifício seria o mesmo, ou seja, sobre o histórico Palco-
Auditório da Rádio Difusora, com face voltada para a Avenida Prof. Alfonso Bovero.
O local designado para a construção do novo estúdio também foi mantido entre o hall e o Estúdio
“A”, com a diferença de que ele passou a ser chamado de Estúdio “D”, já que o “C”, ressaltando,
acabou sendo construído em outra área do terreno.
A aprovação da prefeitura se deu em 8 de abril de 1957, entretanto, ainda não foi desta vez que
os projetos do edifício e do grande estúdio de TV foram executados, já que surgiu uma boa
oportunidade para as “Associadas”, a ser relatada ainda neste capítulo.

Investindo em Publicidade

O pleno desenvolvimento da TV Tupi-Difusora obrigava a administração das “Associadas” a


continuar construindo instalações outras no Sumaré, a fim de melhor acomodar os funcionários
e novos equipamentos que eram importados periodicamente. Era impressionante o volume de
novos projetos que era encomendado. Dorvalino Mainieri, o engenheiro-civil que mais vezes
foi contratado pela empresa, agora tinha um novo sócio, o também engenheiro-civil Mário
Ferronato. Com isso, a Construtora Hohenlohe & Mainieri Ltda. foi rebatizada como Manieri &
Ferronato Ltda.
Segundo relatórios1 divulgados pela Rádio Difusora São Paulo S/A — empresa que englobava a
estação de rádio com mesmo nome e a TV Tupi de São Paulo —, seu faturamento total, em 1954,
rendeu Cr$ 69,8 milhões. Destes, Cr$ 57,9 milhões foram relativos ao desempenho da televisão.
Em 1955, o lucro total da empresa subiu Cr$ 7 milhões (11%) e seu capital social saltou de Cr$
10,8 milhões para Cr$ 26 milhões. Nada mal.
Nesse cenário, era hora de também investir numa melhor estrutura para a fonte de todo esse
lucro: a publicidade. Por isso, em novembro de 1957, foi protocolado um projeto para construção
de um prédio com três pavimentos para uso exclusivo do Departamento de Publicidade da TV,
dirigido por Fernando Severino. O projeto foi aprovado em 29 de janeiro de 1958 e a obra
executada durante o segundo semestre do mesmo ano. A área total do novo prédio era de 401 m2,
ocupando o espaço vago onde se cogitou construir parte do grande estúdio que seria chamado de
“D”. Ou seja, o prédio do Departamento de Publicidade foi erguido em um espaço vago entre o
Estúdio “A” e os estúdios das rádios Tupi e Difusora.

1 Relatório da Diretoria da Rádio Difusora São Paulo, Diário Oficial da União, 24/03/1956, p. 82.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 279

Para a construção do novo prédio da Publicidade foi necessário remover o simbólico letreiro
“TELE VISÃO1”, fixado na lateral direita do Estúdio “A”. Já a fachada frontal do estúdio
pioneiro foi encoberta por uma obra estreita de alvenaria2 e, na nova parede, foi inserida uma
grande arte com o Tupiniquim, o primeiro símbolo original do Canal 3, com o propósito de dar
continuidade no simbolismo da marca da Televisão Associada naquele trecho do complexo.
No térreo do novo edifício do Departamento de Publicidade foi construído um hall; um depósito;
um pequeno estúdio chamado de “Publicidade-TV” (e posteriormente de Estúdio “D”), com 10,3
x 9,7 m (99,91 m2) e 5,50 m pé-direito; e um switcher de 5,2 m x 4,7 m (24,44 m2). O estúdio
foi utilizado para produção de programas de entrevistas, telejornais como “Repórter Esso”, mas,
principalmente, para a produção de anúncios publicitários, apresentados ao vivo pelas famosas
garotas-propaganda. Com a construção de um espaço exclusivo para propagandas, foi possível
obter maior espaço de tempo para a montagem de cenários e para a realização dos ensaios
para os comerciais. O depósito no térreo foi usado para guardar as mercadorias pertencentes
aos anunciantes, mostradas ao vivo no vídeo, resolvendo o problema do congestionamento
dos corredores e estúdios, causados pelo armazenamento adaptado de televisores, geladeiras,
máquinas de lavar roupa, móveis etc.

O Estúdio “D”, inaugurado em


1958 para produção de peças
publicitárias e dos telejornais,
como “Repórter Esso”. A partir
de 1972, este estúdio também
foi usado para gravação de
programas infantis — primeiro
o “Tup Tup Show” e depois o
“Sessão Patota”. (Chico Vizzo-
ni, “TV Tupi”/Acervo Museu da
Cidade de São Paulo)

1 Como já mencionado no Capítulo 8, o letreiro foi grafado como “TELE VISÃO”, como se fossem
duas palavras posicionadas uma sobre a outra, e com um raio ao meio.
2 Uma estrutura de alvenaria estreita e com a altura do estúdio foi erguida rente à sua parede
frontal, que era voltada para a Rua Piracicaba. Ela praticamente encobriu toda a histórica
fachada do Estúdio “A” e, internamente, contava com corredores e sanitários.
280 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

No 1º andar do novo edifício da Publicidade, foram montados dois estúdios menores, exclusivos
para realizar gravações sonoras de propagandas e de locuções diversas para as rádios e para a
televisão. Um desses estúdios media 9 m x 5,3 m, com sala de controle de 3,4 m x 3,5 m. O outro
estúdio dispunha de 4,3 m x 4,2 m e a sala de controle de 5,4 m x 3,8 m. Havia espaço suficiente
para acomodar e gravar grandes orquestras, por meio dos modernos equipamentos importados.
O tratamento acústico desses estúdios ficou a cargo do engenheiro Alberto Maluf, diretor-técnico
das Emissoras Associadas.
No 2º andar construiu-se numa sala de 6,6 m x 8 m, um depósito de material eletrônico e um
terraço de 10,5 m x 5,6 m (58,8 m2). O andar térreo e o primeiro pavimento foram fechados com
paredes-cegas, havendo janelas apenas no segundo pavimento.

Terceira Versão do Projeto de Ampliação

As “Associadas”, depois de entrarem na posse de 49% das ações da


Rádio e TV Mayrink Veiga [do Rio de Janeiro], adquirem a Rádio
Cultura e o canal de TV do mesmo prefixo, através de uma transação
no valor de 80 milhões de cruzeiros. (“O Rádio e a TV”, Dênis Brean,
A Gazeta Esportiva, 24/06/1958, p. 22)

O então senador Assis Chateaubriand1 investiu na aquisição majoritária da tradicional emissora


paulistana Rádio Cultura - “A Voz do Espaço”, numa transação finalizada no mês de junho de
1958 (ver Capítulo 27). A estratégia visou, principalmente, colocar no ar o canal 2 de televisão,
outorgado para a Rádio Cultura na cidade de São Paulo. A concessão daquela que se tornaria a
“irmã caçula” da TV Tupi foi comprada antes mesmo de começar a ser montada. Com a Rádio e
TV Cultura agora sob o controle das Emissoras Associadas, era grande o desafio para reorganizar
a Cidade do Rádio e receber as emissoras, visto que a ordem era centralizar as operações para
melhor rendimento.
Sobre esse assunto, o jornal “A Gazeta Esportiva” (24/06/1958, p. 22) publicou algumas
informações exclusivas sobre possíveis medidas a serem tomadas pela direção das Emissoras
Associadas. A reportagem informou que a TV Cultura dividiria espaço em novos e ampliados
estúdios de televisão no Sumaré2, e que, para promover as obras, a TV Tupi e as rádios Tupi e
Difusora poderiam se mudar provisoriamente para os estúdios da Rádio Cultura, no histórico
Palácio do Rádio, situado na Avenida São João. Quanto à Rádio Cultura — informou a reportagem
—, deixaria suas instalações no Palácio do Rádio e migraria para o edifício que em breve seria
construído no Sumaré.
Dias depois, “A Gazeta Esportiva” publicou que se cogitava que a TV Tupi, em um segundo
momento, se mudasse definitivamente para os estúdios de 18 mil m2 da Companhia Cinematográfica
Maristela, localizados na atual Avenida Francisco Rodrigues, no bairro paulistano do Jaçanã,
Zona Norte. A empresa tinha sido fundada em 1949 por Mário Audrá Júnior, amigo de Assis
Chateaubriand, e no seu quadro societário estava Edmundo Monteiro, o diretor-presidente das
Emissoras Associadas de São Paulo. Caso se concretizasse a mudança da TV Tupi para o Jaçanã,
1 Assis Chateaubriand foi senador da República entre 1952-57.
2 Vale recordar que os planos de expansão na Cidade do Rádio visavam demolir a ala esquerda
do antigo prédio da Rádio Difusora para construir um grandioso estúdio de TV.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 281

a TV Cultura passaria a operar exclusivamente nos estúdios do “Parque de Rádio e TV” —


como também estava sendo chamada a Cidade do Rádio —, ao lado das rádios Tupi, Difusora e
Cultura. Ainda de acordo com a reportagem, a transformação dos estúdios da Cinematográfica
Maristela em uma “Cidade da TV” seria negociada após o regresso de Edmundo Monteiro, que
estava na Europa.
Com toda esta demanda por mais espaços, a direção das Emissoras Associadas encomendou a
terceira versão do projeto para a construção de um edifício dentro da Cidade do Rádio. Com
importantes alterações, ele foi protocolado na prefeitura em 12 de dezembro de 1958 e o escritório
Mainieri & Ferronato Ltda. ficou novamente responsável pelo seu desenvolvimento e execução.
Foram incluídos três pavimentos, alteradas as funcionalidades dos andares (os estúdios de rádio
mudaram do 2º e 3º para o 7° e 8° andares), adicionados brises-soleil1 verticais na fachada e, o
mais importante, modificado o local da construção, como veremos a seguir.

Estúdios de Rádio no Casarão Vizinho

A Rádio Difusora São Paulo S/A [...] adquiriu [...] o prédio e


respectivo terreno situado nesta Capital, à Av. Prof. Alfonso Bovero,
nº 52, bairro do Sumaré, prédio este utilizado pela Rádio Difusora
São Paulo, visto o local onde se encontram os nossos estúdios,
também situados naquele bairro, não comportar mais dependências
necessárias ao desenvolvimento da nossa empresa de rádio e
televisão. (trecho de ofício da Rádio Difusora São Paulo endereçado
ao prefeito municipal em 09/06/1956, solicitando isenção de imposto
predial)

Praticamente não é mencionado em reportagens e na literatura, mas a partir de 1955, devido


às necessidades imediatas de expansão das instalações, a Rádio Difusora São Paulo conseguiu
locar um casarão vizinho para utilizá-lo operacionalmente. Ele ficava localizado entre a Cidade
do Rádio e a tradicional Padaria Real, com frente voltada para a Avenida Prof. Alfonso Bovero,
n° 52. Entre o casarão e o terreno da Cidade do Rádio, havia apenas uma viela de propriedade do
DAE - Departamento de Água e Esgoto (hoje Sabesp), muito usada como estacionamento dos
veículos das estações de rádio e TV.
O terreno do casarão contava com 500 m2 e foi uma solução paliativa para o velho problema da
falta de espaço no complexo radiofônico do Sumaré. Contudo, em janeiro de 1959, negociações
de compra avançaram com o proprietário do imóvel e as Emissoras Associadas conseguiram
celebrar a aquisição. O casarão seria demolido para dar espaço à tão aguardada construção do
edifício-sede das Emissoras Associadas.
A aprovação do projeto do novo edifício-sede foi publicada em 19 de dezembro de 1958.
Entretanto, mais uma vez, a obra não foi iniciada, pois surgiu a necessidade de realizar novas
alterações e seria preciso contratar um arquiteto para deixar o edifício ainda mais estético e
funcional.
1 Brise-soleil (“quebra-sol” em francês) é um dispositivo arquitetônico utilizado para impedir
a incidência direta de radiação solar nos interiores de um edifício, de forma a evitar calor
excessivo. Foi um dos principais elementos compositivos utilizados pela arquitetura moderna.
282 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Croqui com a terceira versão (não executada) do edifício das


Emissoras Associadas no Sumaré. (Prefeitura da Cidade de
São Paulo/Secretaria Municipal de Cultura/Acervo do Arquivo
Histórico Municipal)

A direção das “Associadas” acabou não seguindo os caminhos da Avenida São João ou do bairro
do Jaçanã, como especulou “A Gazeta Esportiva”. As emissoras ficaram mesmo no Sumaré e o
próprio Cassiano Gabus Mendes, agora diretor-geral da TV Tupi, desmentiu sobre a mudança
para os estúdios da Cinematográfica Maristela:

[Cassiano Gabus Mendes] diretor das “Associadas” paulistas,


desfez o noticiário de que a TV Tupi passaria a ocupar os estúdios da
Maristela. — Construiremos um edifício de 10 andares, aqui mesmo
no Sumaré. Ele ficará ligado ao edifício onde atualmente estão os
estúdios da TV e Rádio Tupi. Nesse [ano de] 1959, ampliaremos
as nossas instalações e melhoraremos o nível das programações.
(Revista do Rádio, nº 498, 04/04/1959, p. 40)
Nota dos Autores: Mais informações sobre a construção do
edifício-sede das Emissoras Associadas no Capítulo 28.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 283

CAPÍTULO 25
SURGEM AS CONCORRENTES DA TV TUPI DE SÃO PAULO

Por enquanto, somente a PRF-3-TV continua liderando a televisão


em São Paulo. As outras estações já anunciadas e autorizadas a
funcionar continuam em estado embrionário, nada acontecendo de
positivo a respeito. Não sabemos a razão disso, mas a verdade é que
existe um mistério envolvendo as providências tendentes a instalação
de novas estações televisoras da pauliceia. (“Ronda dos Prefixos”,
Revista do Rádio, nº 95, 03/07/1951, p. 49)

TV Paulista

A
pesar de ter sido inaugurada em 14 de março de 1952, portanto um ano e meio após
a estreia da pioneira TV Tupi de São Paulo, a empresa Rádio Televisão Paulista S/A
foi fundada muito antes, em 1° de maio de 1949, época “embrionária” da televisão
brasileira. Portanto, a história da montagem da TV Paulista - Canal 5 corre em paralelo à da
TV Tupi - Canal 3, participando da corrida pelo pioneirismo e por anunciantes. A empresa foi
fundada pelo então deputado federal Oswaldo Ortiz Monteiro, juntamente com os incorporadores
Luís Fonseca de Sousa Meirelles, dr. Nestor da Rocha Bressane Filho e Celso Guimarães Arantes
Nogueira. A primeira sede-administrativa foi instalada na Rua Sete de Abril, n° 264, 4º andar
- República, bem próxima ao edifício Guilherme Guinle, dos Diários e Emissoras Associados.
É importante reproduzir aqui parte do manifesto de fundação da Rádio Televisão Paulista S/A,
que representa, em geral, os ideais das primeiras estações de televisão brasileiras.

A televisão, maravilhosa criação do espírito humano da nova


era, conjuga o poder da imprensa, o prodígio da radiodifusão e o
milagre do cinema numa só expressão industrial de incalculáveis
possibilidades econômicas e lucrativas. Ninguém ignora os lucros
da publicidade, da radiodifusão e do cinema. Modestas iniciativas
de poucos anos atrás tornaram-se entre nós poderosas empresas
de lucros seguros e crescentes. A televisão já passou do terreno das
experiências para o campo da realidade concreta. Assim o atestam,
de sobejo, as tentativas vitoriosas nesse setor, nos Estados Unidos da
América do Norte, que já possuem mais de 40 estações emissoras em
pleno funcionamento e aproximadamente 80 em vias de conclusão.
O mesmo acontece em vários países da Europa, notadamente na
Inglaterra e na França. Nos Estados Unidos a televisão revolucionou
284 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

os meios econômicos, ocasionando uma verdadeira corrida de capitais


em busca desse novo e atraente ramo de negócios. Tudo demonstra
ser 1949 o ano da televisão. Apoiando a iniciativa em detalhados
estudos, e com a colaboração eficiente de técnicos norte-americanos
e dos melhores produtores do aparelhamento necessário, poderemos
montar em São Paulo uma das maiores e mais completas estações
emissoras de rádio-televisão até hoje conhecidas. Considerando
a importância do rádio-televisão como fator preponderante do
progresso, como poderosa auxiliar da educação e ensino, como
elemento de conforto e divertimento indispensável à operosa Família
Paulista, como inigualável fonte difusora da cultura e da arte, e
considerando a grande oportunidade da iniciativa apresentada ao
público de São Paulo pelos fundadores da Rádio-Televisão Paulista
S/A, emprestaram-lhes desde logo o seu valioso apoio, elementos
dos mais representativos do comércio, da indústria, dos bancos, da
lavoura e das profissões liberais, os quais, na qualidade de primeiros
subscritores do capital social, receberam a denominação honorífica
de ‘Acionistas Fundadores’ [...]. (1° de maio de 1949)

O contrato para a aquisição dos equipamentos da TV Paulista foi celebrado com a empresa norte-
americana Standard Electric (as câmeras eram da Dumont), que enviou um engenheiro a São
Paulo para realizar o projeto técnico. Entretanto, tal qual a estação de César Ladeira (RTB/TV
Mayrink Veiga) no Rio de Janeiro (ver Capítulo 5), a Rádio Televisão Paulista teve problemas
com a Cexim - Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil, que emitiu a guia de
importação dos equipamentos somente depois de 10 meses.
Já a concessão do canal 5 da TV Paulista tem uma particularidade interessante. Em 15 de janeiro
de 1952, o governo federal despachou o Processo nº 5409, que outorgou mais algumas concessões
de televisão para a cidade de São Paulo. O canal 11 ficou com a Sociedade Rádio Cultura - “A
Voz do Espaço” e o canal 13 com a Rádio Bandeirantes S/A. Curiosamente, devido à escassez
de canais disponíveis para todas as empresas que estavam entrando com pedidos de concessão,
o canal 5 foi concedido para duas organizações: a Rádio Televisão Paulista S/A e a Fundação
Cásper Líbero. Ou seja, deveria ser feito uso compartilhado do canal, havendo necessidade de
dividir os horários entre as duas emissoras. Entretanto, após manifestações contrárias, o governo
recuou da decisão e publicou o Decreto nº 30590, de 22 de fevereiro de 1952, outorgando o canal
5 somente à Rádio Televisão Paulista S/A (TV Paulista) e o canal 2 para a Fundação Cásper
Líbero (TV Gazeta)1.
Depois de alguns adiamentos, a TV Paulista finalmente foi inaugurada em 14 de março de 1952,
exibindo shows e noticiários. A sede operacional foi montada de forma bastante adaptada, em um
edifício outrora residencial, com 12 andares, recém-adquirido pela empresa. Ele ficava localizado
na Avenida Rebouças, nº 58, próximo da esquina da Rua da Consolação com a Avenida Paulista.
Os dois estúdios ficavam em andares diferentes, um problema que todos tiveram que aprender
a enfrentar. Quando havia continuidade de cena do Estúdio “A”, no térreo, para o Estúdio “B”,
no 1º andar, era comum que os atores voltassem ofegantes em cena, pois tinham que subir as
escadas.
No topo de um dos dois blocos do edifício foi erguida a pequena torre do Canal 5, com uma

1 Posteriormente, o canal a ser usado nas operações da TV Gazeta de São Paulo foi alterado do
2 para o 11. A emissora foi inaugurada somente em 25 de janeiro de 1970.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 285

antena de modelo Superturnstile, composta por três elementos irradiantes, idêntica à da TV Tupi.
A potência do transmissor, instalado no último andar, também era igual: 5 kW, chegando a 20 kW
efetivos com o ganho obtido na antena.

O edifício da TV Paulista ainda existe e sustenta a enorme torre de


televisão da Rede Gospel. O trecho onde ele está situado agora é
denominado como Rua da Consolação.

Durante alguns anos, a localização da estação transmissora do Canal 5 rendeu boa recepção aos
telespectadores e até foi criado o slogan “A Imagem Perfeita e o Melhor Som”. Ele referia-se à
sua melhor qualidade das imagens em relação às da TV Tupi, visto que a TV Paulista transmitia
do mesmo prédio de onde as gerava, enquanto o Canal 3, como já mencionado, gerava os sinais
do bairro do Sumaré e os enviava via frequência de micro-ondas para seu transmissor no edifício
do Banco do Estado de São Paulo, um processo que, naquela época, gerava certa degradação de
nitidez da imagem.
A TV Paulista foi a segunda emissora de televisão de São Paulo a entrar no ar, a terceira do Brasil
e a primeira concorrente da TV Tupi. Aliás, sua inauguração deu a São Paulo o título de primeira
cidade da América Latina a contar com duas emissoras de televisão com operação regular.
Contudo, a TV Paulista era a única televisão que não estava vinculada a uma emissora de rádio,
algo que ajudaria a pagar suas onerosas contas. Em crise, ela teve 52% de suas ações vendidas
para a Organização Victor Costa (OVC) em 1955, grupo de propriedade do radialista Victor
Costa, ex-diretor da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Ele havia se estabelecido em São Paulo,
no ano de 1952, ainda como diretor da Nacional, e começou a adquirir suas próprias estações de
rádio e televisão em diversas cidades do país, para assim formar uma nova rede em um mercado
dominado pelas Emissoras Associadas e Emissoras Unidas. Surgia a OVC, que chegou a ser o
segundo maior grupo de radiodifusão no país, atrás somente dos Diários Associados. Costa havia
adquirido a Rádio Excelsior AM - 1100 KHz das mãos do grupo Folha da Manhã, no ano de
1952, e a designou para a celebração da montagem da Rádio Nacional de São Paulo, por meio de
um convênio com a Rádio Nacional do Rio de Janeiro1. Essas articulações causaram um rebuliço
na radiodifusão paulistana, já que Victor Costa fez uma investida que tirou grandes profissionais
das Emissoras Associadas para levar para suas rádios, como Walter Forster, Yara Lins e o diretor
Dermival Costa Lima2. Nessa fase, Victor Costa era, também, arrendatário da Rádio Cultura de
São Paulo e, no Rio de Janeiro, tornou-se proprietário da Rádio Mayrink Veiga, uma das maiores
da cidade.

1 Em 1952, Victor Costa colocou no ar a Rádio Nacional de São Paulo - 1100 KHz, numa parceria
de conteúdo entre a Rádio Nacional do Rio de Janeiro (onde ele era o diretor) e a Rádio Excelsior
de São Paulo (que ele mesmo havia adquirido recentemente). Em 1954, após Victor Costa pedir
demissão da Nacional do Rio, a parceria foi desfeita, mas ele próprio deu continuidade ao
projeto da Nacional de São Paulo, mantendo o nome da emissora.
2 Dermival Costa Lima deixou as Emissoras Associadas em 1952, para ser contratado pela
Organização Victor Costa e exercer a função de diretor-artístico das rádios Excelsior e Nacional
de São Paulo. Quem substituiu Costa Lima na direção-artística da TV Tupi foi seu assistente
Cassiano Gabus Mendes.
286 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Uma verdadeira revoada. Dermival Costa Lima, sua esposa Sarita


Campos e mais 40 pessoas se transferiram da emissora [Tupi] para
a Rádio Nacional de São Paulo. (“TV Tupi - Uma Linda História de
Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:119)

Com a aquisição da TV Paulista, a estratégia da OVC foi ousada: brigar pela liderança com a
pioneira TV Tupi. Victor Costa, com toda sua experiência e carisma, fez com que o Canal 5
ganhasse novo fôlego, mais profissionalismo e novos programas. A emissora já havia chamado
a atenção popular com as atrações “Teatro Cacilda Becker”, “Circo do Arrelia” e “Praça da
Alegria”. Mais uma vez, vários profissionais da TV Tupi foram contratados pela TV Paulista
por altíssimos salários, como Álvaro de Moya (diretor de teledramaturgia e criador do histórico
“Teledrama”), as estrelas Sarita Campos, Hebe Camargo (com o seu programa “O Mundo é das
Mulheres”), o cantor Caco Velho e muitos outros. O Canal 5 também produziu os programas
de sucesso “Vamos Brincar de Forca” (com Sílvio Santos iniciando sua carreira na TV) e os
jornalísticos “Silveira Sampaio Show” e “Bate-Papo com Silveira Sampaio”. Todavia, a TV
Paulista entrou em crise logo após a morte de Victor Costa, em dezembro de 1959, pois o
sucessor, Victor Costa Jr., não tinha habilidade com televisão e havia dívidas que impediram
investimentos em tecnologia e expansão. Por fim, em 27 de maio de 1965, todas as emissoras
de rádio e televisão da OVC foram compradas pelo jornalista e empresário Roberto Marinho e
passaram a integrar o Sistema Globo de Rádio e Televisão.

TV Record

Há três anos, mais ou menos, quando se começou a falar em televisão


para o Brasil e Assis Chateaubriand anunciava a compra de duas
emissoras de vídeo, uma para o Rio e outra para São Paulo, no velho
auditório da [Rádio] Mayrink Veiga, no Rio, Paulo [Machado de]
Carvalho conversava com Edmar Machado, e dizia: “O que quero é
justamente isso. Não me importa que o Chatô seja o pioneiro. Pelo
contrário, tenho muito prazer com isso. Vai empatar o capital dele
nisso, vai suar frio, ter déficits mensais até domesticar o público. E
quando consegui-lo, sem risco e sem susto, instalo uma televisora
na Record, baseado nas lições do Chatô e inspirado na experiência
dele. E para ele, assino uma lista, a fim de que se lhe perpetue o gesto
numa estátua em praça pública.” Se as palavras não foram estas,
andaram mais ou menos assim. Nós ouvimos tudo, e agora, que se
anuncia a compra de uma televisora para a Record, reclamamos de
Paulo [Machado de] Carvalho o cumprimento de sua promessa: que
assine, em primeiro lugar, uma subscrição para uma estátua ao sr.
Chateaubriand, em praça pública, como pioneiro da TV no Brasil...
(“Televisão na Rádio Record”, Revista do Rádio, nº 119, 18/09/1951,
p. 49)

O projeto da televisão da Rádio Record de São Paulo começou a se tornar realidade com a
outorga do canal 7, obtida em 22 de novembro de 1950, apenas dois meses após a estreia da
pioneira TV Tupi de São Paulo. A concessão foi outorgada pelo governo de Eurico Gaspar Dutra
ao empresário das comunicações Paulo Machado de Carvalho, que, na época, juntamente com
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 287

membros de sua família, já era proprietário de um grande conglomerado de estações de rádio. As


Emissoras Unidas, como ficaram conhecidas, eram formadas pelas rádios Record, Panamericana
(que virou Jovem Pan), São Paulo, Bandeirantes e Excelsior, todas paulistanas.
Para batizar o Canal 7, Carvalho aproveitou o nome da sua famosa Rádio Sociedade Record,
surgindo assim a TV Record. Modernos e custosos equipamentos foram encomendados junto à
General Electric, nos Estados Unidos, instalados em um prédio adaptado no bairro de Moema,
Zona Sul de São Paulo, nas esquinas da Avenida Miruna com a Avenida Moreira Guimarães,
área próxima ao Aeroporto de Congonhas. A TV Record - Canal 7 de São Paulo iniciou
suas transmissões oficiais na noite de 27 de setembro de 1953, ocupando o posto de terceira
emissora paulistana, quarta no Brasil. Durante sua montagem, a emissora chegou a anunciar
precocemente que já transmitiria em cores, algo que não se concretizou. O Canal 7 foi ao ar de
uma torre construída sobre o edifício da Maternidade São Paulo, na Rua Frei Caneca, nº 1245,
muito próximo da Avenida Paulista. Esta torre funcionou até 1968, quando outra muito maior
foi inaugurada na Avenida Paulista, em operação até os dias atuais. Curiosamente, a antiga e
resistente torre do Canal 7 sobre a maternidade permaneceu em pé, e praticamente inteira, até o
ano de 2014, quando o edifício, em desuso, foi demolido.
A programação inicial da TV Record foi marcada principalmente pela linha de shows, com
grandes programas de auditório, musicais e esportes, expertise do “Marechal da Vitória” Paulo
Machado de Carvalho, que rendia a liderança da audiência. O telejornalismo e a dramaturgia
também marcaram a primeira década da TV Record.

A primeira torre da TV Record - Canal


7, inaugurada em 1953 sobre o edifício
da Maternidade São Paulo, na Rua Frei
Caneca. Mesmo fora de operação desde
1968, ela permaneceu montada até 2014,
quando o edifício foi demolido. (Maurício
Viel/Acervo pessoal)
288 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

TV Excelsior

A Rádio Excelsior S/A, recentemente vendida pelas Emissoras Unidas (Rádio Record) à Folha
da Manhã, requereu, em junho de 1949, uma concessão para operar uma estação de televisão em
São Paulo. A outorga foi publicada em 5 de dezembro de 1950, no entanto, em 1953, sem que a
montagem da emissora tivesse iniciado, a Rádio Excelsior e sua concessão de televisão (canal 9)
foram vendidas para a Organização Victor Costa, que já era proprietária da TV Paulista1. Mas, o
projeto de televisão não se concluiu.
Em 1959, muito doente, o empresário Victor Costa também vendeu a concessão do canal 9,
juntamente com os equipamentos, que aguardavam a montagem. O comprador foi o empresário
Mário Wallace Simonsen (proprietário da companhia aérea Panair do Brasil), que se associou ao
jornalista João de Scantimburgo (proprietário do jornal “Correio Paulistano”), ao exportador de
café José Luís Moura e ao deputado federal Ortiz Monteiro.
A TV Excelsior - Canal 9 foi inaugurada no ano seguinte, em 9 de julho de 1960, e se tornou
a quarta emissora paulistana. Seu setor de transmissão e um pequeno estúdio foram montados
nos dois últimos andares de um edifício residencial, situado na Rua da Consolação, nº 2570,
esquina com a Avenida Paulista e bem próximo da sede da TV Paulista. A parte administrativa
e o departamento cinematográfico foram instalados em um prédio na Rua Frei Caneca, nº 1360
e mais estúdios na Av. Adolfo Pinheiro, nº 886. Logo após a estreia, as instalações do Teatro
Cultura Artística, na Rua Nestor Pestana, nº 236, foram alugadas para a produção de programas
de auditório e também de estúdio.
Pouco tempo depois da estreia, a Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro acabou cancelando seu
projeto de TV e vendeu sua concessão do canal 2 à TV Excelsior, que entrou no ar em 1963 na
Cidade Maravilhosa, com o intuito de formar uma rede de emissoras. Neste mesmo ano, a TV
Gaúcha - Canal 12 de Porto Alegre (RS) afiliou-se à Rede Excelsior2.
A programação era baseada nos modelos da TV norte-americana. A linha de shows, como
“Brasil 60”, o telejornalismo interpretativo e a produção em massa de teledramaturgia marcaram
seus primeiros anos. Especialmente sua teledramaturgia e sua linha de shows marcaram época
e influenciaram decisivamente tudo que se fez depois nas emissoras brasileiras. No final da
década de 1960, a TV Excelsior passava por problemas administrativos e financeiros, motivados
principalmente pela conjuntura política da época. Com base em artigos do Código Brasileiro de
Telecomunicações que versam sobre transferência ilegal da concessão e incapacidade técnica
e econômica, as TVs Excelsior do Rio e de São Paulo foram cassadas pelo presidente Emílio
Garrastazu Médici, em 30 de setembro de 1970. Foi a primeira vez na história da televisão
brasileira que o governo cassou a concessão de uma emissora de TV.

1 Naquela época, a legislação ainda permitia que uma empresa controlasse mais de uma
estação de televisão na mesma região.
2 Em 1967, a Rede Excelsior chegou a ser composta por duas emissoras próprias (São Paulo
e Rio de Janeiro) e mais nove afiliadas (Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Brasília, Curitiba,
Campo Grande, Goiânia, São Luís e Uberlândia).
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 289

Cásper Líbero, o Primeiro a Requerer um Canal de TV


Em 1939, o jornalista Cásper Líbero, proprietário da Rádio Gazeta
e do jornal “A Gazeta”, em São Paulo, enviou um pedido de próprio
punho ao Ministério da Viação e Obras Públicas — que cuidava das
concessões de rádio — requerendo a concessão de um canal para
operar uma estação de televisão. A atitude precoce se deu pelo
encantamento do empresário pela televisão, quando presenciou
algumas transmissões experimentais da BBC na Inglaterra, no
mesmo ano. O pedido foi negado pelo governo, tamanha a
antecipação do jornalista sonhador. Entretanto, Cásper Líbero tem
o título de primeiro empresário brasileiro a oficializar a intenção
de operar uma estação de televisão regular, ao passo que, no
mesmo ano, a Rádio Mayrink Veiga ficou somente no campo das
intenções (como retratado no Capítulo 2). Cásper Líbero morreu
acidentalmente em 1943, mas sua fundação conseguiu conquistar
a desejada concessão de televisão no ano de 1952, para as
operações da TV Gazeta. Contudo, ela só foi entrar no ar em 25 de
janeiro de 1970.
290 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

GALERIA DE FOTOS 1

Bastidores da pré-estreia da TV
Tupi no Museu de Arte: (e-d)
Homero Silva (1º), Frei José
Mojica (3º) com seu assistente
(2º), e Walter Forster (4º). (Acervo
Museu da TV, Rádio & Cinema)

Equipamentos da TV Tupi são


apresentados ao cantor Frei José
Mojica antes da transmissão
experimental realizada na sede do
Museu de Arte, em julho de 1950,
na Rua Sete de Abril. (Acervo
Museu da TV, Rádio & Cinema)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 291

Frei José Mojica se


apresenta no Museu de Arte
durante a pré-estreia da TV
Tupi. (Acervo Museu da TV,
Rádio & Cinema)

O diretor-técnico das Emissoras Associadas de


São Paulo, Mário Alderighi, opera uma das
câmeras RCA no auditório do Museu de Arte
durante a pré-estreia da TV Tupi. (Arquivo do
Centro de Pesquisa do MASP)
292 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Orquestra-mirim do Clube Infantil do Museu de Arte de São Paulo, televisionada durante a execução da
“Sinfonia dos Brinquedos” no segundo dia de transmissões experimentais da TV Tupi de São Paulo. (Acervo do
Museu da Imagem e do Som de São Paulo)

Engenheiros e técnicos envolvidos na montagem da TV Tupi de São Paulo. Ao alto, as obras para instalação da
torre transmissora no alto do edifício do Banco do Estado de São Paulo. (Acervo Família Mainieri)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 293

No topo do edifício, a antena transmissora da TV Tupi de


São Paulo, logo após a conclusão de sua montagem, em
julho de 1950. (Acervo Museu da TV, Rádio & Cinema)

No interior do farol do edifício do Banco do Estado de


São Paulo, homem observa a coluna central onde a
base da antena da TV Tupi foi fixada. (Acervo Diários
Associados)
294 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A antena da TV Tupi - Canal 3,


no alto do edifício do Banco do
Estado de São Paulo. (Acervo
Diários Associados)

O potente transmissor RCA de 5 kW do Canal 3,


instalado no 34º andar do edifício do Banco do Estado
de São Paulo. (Acervo Diários Associados)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 295

Sala do transmissor da TV Tupi, onde se


vê, em primeiro plano, a mesa do Controle
Mestre. (Acervo Diários Associados)

Operação do Controle Mestre do


transmissor da TV Tupi no centro de São
Paulo. (Acervo Diários Associados)
296 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Desenho animado em exibição pelo


Controle Mestre da TV Tupi, instalado
no edifício do Banco do Estado de São
Paulo. (Acervo Diários Associados)

O engenheiro da RCA Walter


Obermüller observa o transmissor da
TV Tupi. (Acervo Diários Associados)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 297

Técnico analisa componentes do


transmissor RCA do Canal 3. (Acervo
Diários Associados)

Antena parabólica no alto do edifício do


Banco do Estado de São Paulo, responsável
por receber o sinal gerado nos estúdios da
PRF3-TV, no Sumaré, e o enviar para o
Controle Mestre localizado em uma sala
próxima, para depois ser retransmitido pelo
canal 3. (Acervo Diários Associados)
298 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Bastidores da solenidade de
inauguração da TV Tupi de São Paulo.
(Acervo Família Mainieri)

Rosalina Coelho Lisboa (sentada),


Dom Paulo Rolim Loureiro (centro), o
diretor-presidente dos Diários Associados
de São Paulo, Edmundo Monteiro
(terno branco), entre outros, assistem
aos pronunciamentos da solenidade de
inauguração da TV Tupi. (Acervo Museu
da TV, Rádio & Cinema)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 299

Criança vestida como a mascote


Tupiniquim, durante a solenidade de
inauguração da TV-3. (Acervo Museu da
TV, Rádio & Cinema)

Técnico Jorge Edo ajusta câmera fabricada pela


RCA, modelo TK-30, da TV Tupi de São Paulo.
(Acervo Diários Associados)
300 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Jorge Edo ajusta um intercomunicador


na cabeça do arcebispo Dom Paulo
Rolim Loureiro para fazer-lhe uma
demonstração após a cerimônia de
inauguração do Canal 3. (Acervo Museu
da TV, Rádio & Cinema)

O engenheiro Walter Obermüller também


faz demonstrações dos equipamentos RCA
da PRF3-TV aos convidados. (Acervo
Museu da TV, Rádio & Cinema)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 301

Jorge Edo apresenta as instalações da


estação pioneira de TV aos convidados da
cerimônia de inauguração. (Acervo Museu
da TV, Rádio & Cinema)

Assis Chateaubriand e o candidato ao


governo do estado de São Paulo, Lucas
Nogueira Garcez, se abraçam nos bastidores
da inauguração da TV Tupi. (Acervo Diários
Associados)
302 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

No ensaio do show inaugural “TV na


Taba”, Luiz Gallon, Elio Tozzi e Waldemar
Lesjac fazem a marcação de câmera.
(Acervo Museu da TV, Rádio & Cinema)

O cameraman Walter Tasca e as cantoras Wilma Bentivegna e Rosa Pardini nos


bastidores do show inaugural “TV na Taba”. (Acervo Museu da TV, Rádio & Cinema)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 303

Família paulistana assiste à cerimônia


inaugural da TV Tupi. (Acervo Museu da
TV, Rádio & Cinema)

De outros ângulos, a expressão da família


paulistana ao contemplar a grande novidade
que representou a inauguração da Televisão
Tupi. (Acervo Museu da TV, Rádio &
Cinema)
304 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Em uma casa comercial paulistana,


telespectadores acompanham o encerramento da
transmissão do show inaugural “TV na Taba”.
(Acervo Museu da TV, Rádio & Cinema)

Uma das câmeras RCA TK-30


usadas pelo Canal 3. (Acervo
Museu da TV, Rádio & Cinema)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 305

Bastidores do Estúdio “A” da TV Tupi de


São Paulo. (Acervo Diários Associados)

Luz, câmeras e microfones no Estúdio


“A” da TV-3 paulista. (Acervo Museu
da TV, Rádio & Cinema)
306 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Zogomar Martins, operador de microfone


“boom” do estúdio de TV da Cidade do
Rádio. (Acervo Museu da TV, Rádio &
Cinema)

O iluminador Gilberto Bottura.


(Acervo Museu da TV, Rádio &
Cinema)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 307

José Rabelo, o popular Sabú, opera


uma cine-câmera Paillard Bolex de 16
mm da PRF3-TV, utilizada, na década
de 1950 para gravar as reportagens dos
programas “Imagens do Dia”, “Semana
em Revista”, “Vídeo Esportivo”, “Turf
em Revista”, “Repórter Esso”, “Edição
Extra” e “Diário de São Paulo na TV”.
(Diário de São Paulo/reprodução)

O cinematografista Jorge Kurkjian, diretor-técnico do Departamento Cinematográfico das Emissoras Associadas,


setor responsável, nos anos 1950, pela captação e revelação de imagens das reportagens da PRF3-TV em películas
de 16 mm. (Diário da Noite/reprodução)
308 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 309

PARTE 3
DA TELEVISÃO REGIONAL À PROGRAMAÇÃO VIA SATÉLITE

“A TV Tupi foi a luz que, nas mãos de Assis Chateaubriand,


iluminou uma nova era no mundo das comunicações.”
(Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Diários Associados de
São Paulo, ano de 1960)
310 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

PREFÁCIO
LAURA CARDOSO

O Eterno Encanto da TV Tupi

A atriz pioneira Laura Cardoso. (divulgação)

Quando a televisão chegou ao Brasil, eu já estava trabalhando nas rádios Tupi-Difusora. Entrei
lá ainda menina, cheia de sonhos. A TV era um mistério para todos nós, artistas, atores, músicos,
redatores... Enfim, para todo o pessoal que trabalhava atrás e na frente das câmeras. Foi uma
experiência marcante. Não sabíamos nada sobre como a TV funcionava. Aos poucos, fomos
aprendendo a lidar com aquela coisa fabulosa. Foi um período mágico para aprender, descobrir,
inventar.
Não sei falar tecnicamente sobre a TV e, sim, emocionalmente, sobre a alegria das descobertas.
Foram anos inventando e experimentando aquele advento maravilhoso. A Tupi foi o grande
celeiro de atores, músicos, apresentadores, redatores e toda a gente que ajudou a implantar a TV
no Brasil. Éramos uma turma sonhadora, querendo realizar o que parecia possível e impossível.
No rádio, todas as emoções eram expressas pela voz... a dor, a alegria, a perda, a surpresa, o
choro. Na TV, nossa imagem estaria associada às nossas vozes. As mesmas que invadiam os lares
e embalavam a imaginação dos ouvintes, agora estavam acompanhadas da imagem física de cada
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 311

um. Isso nos amedrontava. Minha imagem seria bem aceita naquele personagem? Estávamos
tirando do público o poder de imaginar seus heróis e vilões e entregando a realidade do ator.
Foram surpresas boas e outras nem tanto. Quando as transmissões começavam, tudo parecia
meio mágico, surpreendente. A TV fez do ator mais completo e trouxe mais proximidade entre
a classe. Onde antes o microfone ocupava o centro de tudo, agora tínhamos o toque, a interação,
o olhar. O corpo também podia falar. E tudo era ao vivo. Erros e acertos. Os deslizes tinham que
ser consertados na hora e dependiam do jogo de cintura de cada pessoa envolvida nas produções.
A relação com o público também mudou. Tínhamos o termômetro do nosso trabalho a cada
encontro com o público nas ruas. Foi divino! Tenho orgulho de fazer parte do começo da TV
no Brasil. Orgulho de ter participado do teleteatro “Hamlet”, no programa quinzenal “TV
de Vanguarda”, exibido pela Tupi e considerado um marco, por ter sido o primeiro gravado
integralmente com a nova tecnologia da época: o videoteipe. Foram muitos acertos e desacertos
neste mundo de fantasia. Mas, chegamos ao ponto de sermos admirados pela qualidade de nossas
transmissões e obras. A TV brasileira é reconhecida pela sua história desde que chegou ao Brasil.
E é com certeza um dos veículos mais importantes que temos.
Neste volume, o segundo da trilogia “TV Tupi: Do Tamanho do Brasil”, de Elmo Francfort e
Maurício Viel, o leitor embarca em uma detalhada viagem sobre a consolidação da Televisão
no Brasil e a trajetória da TV Tupi, uma linda caixa de surpresa e talentos que fez e faz parte da
história de tantas pessoas.
E nós..., da TV Tupi, não morreremos nunca. Nós somos encantados...
Laura Cardoso, atriz.
312 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 26
AS PRIMEIRAS TRANSMISSÕES DIRETAS

Nos primeiros tempos de televisão, as transmissões eram feitas


unicamente do estúdio. O equipamento pesado, de instalação difícil,
não permitia grandes movimentações. Quando transmitia de um
estádio de futebol era um acontecimento. De Santo André, então,
era já um “milagre”. Transmitir de Santos? Loucura impossível de
realizar! [No entanto,] a 18 de dezembro de 1955, a TV Tupi fazia
sua primeira transmissão direta de Santos. (“TV Tupi Leva Seus
Programas a Todo Estado e Sul de Minas”, Diário da Noite [SP],
18/09/1962, 3º Caderno, p. 4)
Transmissão direta: a recepção, por parte de espectadores situados
em lugares distantes de eventos que estão acontecendo em outros
lugares e nesse mesmo instante. (“Modos de Pensar a Televisão”,
Arlindo Machado, portal Cult, revistacult.uol.com.br/home/modos-
de-pensar-a-televisao)

C
om menos de trinta dias no ar, conforme visto no Capítulo 21, o Canal 3 de São Paulo
já fez sua primeira grande transmissão externa: uma partida de futebol do Campeonato
Paulista entre Palmeiras x São Paulo, realizada no Estádio do Pacaembu. Aos poucos, as
externas foram tornando-se frequentes, com transmissões de missas, concertos e turfe, que foi ao
ar pela primeira vez em 10 de novembro de 1951, direto do hipódromo de Cidade Jardim. Mas,
o futebol já era o maior atrativo da programação, com partidas transmitidas todos os domingos,
a partir de fevereiro de 1951, diretamente dos estádios do Pacaembu, Parque Antarctica e Parque
São Jorge, todos na Capital paulista.

A partir de fevereiro de 1951, domingo


era dia de futebol ao vivo na PRF3-TV
(Diário da Noite/reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 313

Já com cinco anos de operações, a emissora pioneira ia desenvolvendo sua linguagem própria,
deixando o aspecto de “rádio televisionado” e avançando no aperfeiçoamento tecnológico. Nessa
época, o Grupo Paulo Machado de Carvalho, com boa experiência em transmissões esportivas
pelo rádio, resolveu colocar a TV Record para disputar a audiência esportiva com a TV Tupi.
Por conta desta concorrência, as Emissoras Associadas reagiram e, já em posse de equipamentos
mais modernos e portáteis, desenvolveram um projeto para transmissão à distância de partidas
de futebol ao vivo. O primeiro teste seria com um amistoso entre São Bento x Palmeiras, que
aconteceria no dia 28 de julho de 1955, como parte das comemorações do aniversário da cidade de
São Caetano do Sul, vizinha a São Paulo. A primeira experiência com transmissão intermunicipal
de televisão foi satisfatória, mesmo porque a distância não era grande e foi possível enviar os
sinais gerados pela unidade móvel diretamente para uma antena receptora da PRF3-TV junto ao
transmissor, no centro de São Paulo.

Esse negócio de futebol nos empolgou muito e era a coqueluche. Não


só o futebol em São Paulo... a nossa intenção era Santos. Tínhamos
uma vontade enorme de fazer uma transmissão de Santos. Mas
ninguém acreditava no que falávamos. Essa é que é a verdade: nós
éramos todos loucos. (depoimento do técnico e diretor Nelson de
Mattos, da TV Tupi, ao Museu da TV, Rádio & Cinema)

Um mês após a experiência em São Caetano do Sul, as Emissoras Associadas sigilosamente


começaram a se preparar para realizar um grande e inédito feito na televisão brasileira: a
transmissão direta — ou à grande distância — de uma partida de futebol. A equipe da TV-3
desafiaria a Serra do Mar, exibindo ao vivo uma partida que aconteceria em Santos, no litoral
paulista, no dia 18 de dezembro de 1955. No estádio da Vila Belmiro, jogariam Santos x
Palmeiras, valendo pelo Campeonato Paulista.
Estudos técnicos foram feitos para a instalação de antenas no alto da serra para captar e “rebater”
o sinal da baixada para o planalto. Para isso, os técnicos da TV Tupi estiveram no pico da Serra
de Paranapiacaba e realizaram alguns testes de sinal. Para chegar lá no alto, foi necessário abrir
picadas na mata virgem e se instalar precariamente por dias e noites. Contudo, os testes não
foram favoráveis e outro ponto teve que ser escolhido: o Pico da Bela Vista1, situado a 1100
m do nível do mar. Foi montada uma base, que a turma do Sumaré batizou de “Acampamento
Mauá”, uma homenagem ao Visconde de Mauá, construtor da primeira estrada de ferro do Brasil.
Depois de muitos dias de montagens e ajustes, a estação do acampamento conseguiu captar bem
o sinal oriundo do estádio da Vila Belmiro e retransmiti-lo para São Paulo, que foi perfeitamente
recebido pelas antenas da PRF3-TV nos altos do edifício do Banco do Estado de São Paulo.
Naquele marcante dia 18 de dezembro de 1955, toda a Região Metropolitana de São Paulo e
algumas cidades do entorno, assistiram pela primeira vez a uma partida de futebol que acontecia
a longa distância, graças aos esforços da abnegada equipe técnica do Sumaré.

1 No mês de julho de 1956, a PRF3-TV Tupi-Difusora passou a retransmitir seu sinal para a
cidade de Santos e arredores, diretamente do Morro de Santa Teresinha. A estação recebia
o sinal vindo de São Paulo por meio de uma repetidora instalada em Paranapiacaba, mesmo
local onde havia funcionado o posto de retransmissão para a partida de futebol entre Santos x
Palmeiras (e posteriormente para outros jogos). Até hoje existem vestígios dessas instalações.
314 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Cartaz na beira do campo do


estádio da Vila Belmiro, em Santos,
anuncia o grande feito da primeira
transmissão direta de uma partida
de futebol no Brasil. (Diário da
Noite/reprodução)

Para a primeira transmissão direta


da TV brasileira, o operador Antônio
Martins (esq) ajusta a antena do
acampamento do Pico da Bela Vista,
na Baixada Santista. À direita,
cameraman da PRF3-TV capta as
imagens durante a histórica partida
de Santos 3 x 1 Palmeiras. (O
Cruzeiro/reprodução)

Sob a direção de Mário Alderighi e contando com o apoio integral


da direção geral das “Associadas”, técnicos [...] do porte “de um”
Nelson Leite, “de um” Jean Golinelli, [do] entusiasmo ardoroso
“de um” Fernando Severino no Departamento Comercial, “de um”
Cassiano Mendes, “de um” Milton Peruzzi e de Alberto “Tito”
Bianchini — um jovem que deixou muitas vezes o seu mister de switch
para armar-se de um machado e ir ajudar a fazer picadas nas matas
da Serra do Mar, para onde foram também Augusto Machado de
Campos, Euclides Dada, Peruzzi e tantos outros. [...] Ontem à noite,
ao chegar de volta de Santos e do Alto da Serra, a equipe de técnicos,
locutores e comentaristas foi recebida no Sumaré com grandes
festividades. Abraços, risos e lágrimas. Funcionários e diretores das
“Associadas” se confraternizaram pelo feito espetacular. Por outro
lado, milhares de telefonemas e telegramas continuam chegando à
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 315

Cidade do Rádio, com congratulações à equipe que venceu a Serra


do Mar. (“Conquista a TV-3 a Serra do Mar”, Aírton Rodrigues,
Diário da Noite [SP], 19/12/1955, p. 16)
A partir deste evento pioneiro, a TV-3 de São Paulo passou a transmitir com certa frequência
as partidas de futebol realizadas em Santos e em algumas cidades do interior do estado de São
Paulo. Para tal, os técnicos e auxiliares da TV Tupi se firmaram como verdadeiros desbravadores
bandeirantes e logo ganharam o apelido carinhoso de “Barbudões”, já que eles costumavam
voltar das missões com as barbas por fazer. Se tornou comum os veículos os levarem até o sopé
das montanhas para que eles seguissem caminhando com facão em punho, abrindo picadas nas
matas virgens e carregando pesados equipamentos. Dormiam em barracas no meio da mata (ver
Galeria de Fotos 2), passando frio e expondo-se aos mais variados tipos de perigo, principalmente
dos ataques de animais selvagens.

As TVs Tupi e Record de São Paulo travaram uma disputa acirrada


durante o ano de 1956, para ver quem realizava transmissões
diretas a maiores distâncias. Quando uma delas avançava alguns
quilômetros, publicava slogans debochados, provocando a
concorrente. Em parceria com sua afiliada TV Rio, uma equipe da TV
Record de São Paulo esteve presente no Rio de Janeiro para realizar
uma série temporária de transmissões ao vivo, enviando sinais
para São Paulo por meio de estações provisórias de transmissão
de micro-ondas. Essas transmissões diretas iniciaram-se em 26 de
maio de 1956 e foram as pioneiras entre Rio e São Paulo, exibindo
reportagens, partidas de futebol e o Grande Prêmio Brasil de Turfe,
na Gávea. Menos de um mês depois, a TV Record, geradora da Rede
de Emissoras Unidas de Televisão, transmitiu para o Rio de Janeiro
e São Paulo a partida de futebol entre Brasil x Itália, no Maracanã.
Nessa época, a Record também realizou transmissões diretas para
São Paulo, a partir da cidade de Campinas (SP).
316 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Ligando em Rede as TVs Tupi do Rio e de São Paulo

No ano seguinte, em 1956, a TV Record já tinha se tornado a pioneira em transmissão direta no


país ao ligar temporariamente Rio e São Paulo. Logo, a direção das Emissoras Associadas do Rio
e de São Paulo acabaram firmando uma parceria técnica para estabelecer entre as duas cidades
uma rede provisória — mas fixa — de links de micro-ondas, com quase 500 km de extensão. A
proposta visava um intercâmbio regular de programas entre as duas emissoras, algo que, logo
depois, se estenderia até a terceira emissora da “cadeia associada” — a TV Itacolomi, de Belo
Horizonte, inaugurada em novembro de 1955.
Para ligar Rio e São Paulo, dois pequenos postos de retransmissão de sinais tiveram que ser
montados em dois locais com altíssimas altitudes: o Pico do Itapeva, em Pindamonhangaba
(SP), a 2030 m de altitude; e o Pico das Agulhas Negras, em Itatiaia (RJ), a 2791 m de altitude.
Um helicóptero e um avião DC-3 foram mobilizados para auxiliar no transporte de homens e
máquinas, contudo, para chegar ao cume do Pico do Itapeva, a maior parte do material teve que
ser transportada por burros, sob condições climáticas muito desfavoráveis.

O slide usado nas primeiras


transmissões realizadas em
rede pelas TVs Tupi do Rio de
Janeiro e de São Paulo. (DA
Press/reprodução)

Graças ao esforço e coragem das equipes “Associadas” paulista e carioca, o ciclo de transmissões
experimentais da cadeia das Emissoras Associadas de Televisão foi iniciado no sábado, dia 7 de
julho de 1956, às 17h, quando o escritor Guilherme Figueiredo, diretor-artístico da Televisão
Tupi do Rio de Janeiro, dirigiu uma saudação aos seus companheiros paulistas — diretores,
técnicos e artistas —, que tanto se empenharam para o êxito da iniciativa. Em seguida, foi
apresentado o programa “Tarde Esportiva Gillete”, com Rui Viotti. Às 21h30, as duas emissoras
se conectaram novamente para a Tupi do Rio transmitir para a de São Paulo o “Encontro Entre
Amigos”, um programa de entrevistas que contava com uma versão carioca e outra paulista.
Para aquela ocasião especial, a apresentadora paulista Lia de Aguiar foi ao Rio de Janeiro para
participar do programa ao lado da apresentadora carioca Lídia Mattos.
Às 22h, os telespectadores cariocas e paulistas assistiram a uma importante entrevista concedida
nos estúdios da TV Tupi na Urca, com o ministro da Fazenda José Maria Alkmin, feita pelo
jornalista Barreto Leite Filho. Para o encerramento do primeiro dia de programação conjunta das
Emissoras Associadas de Televisão, a Tupi do Rio transmitiu um teleteatro com a comédia “Uma
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 317

Grande Mulher”, de Joraci Camargo, com Aimée e grande elenco.

O sr. David Sarnoff, presidente da RCA-Victor, enviou ao senador


Assis Chateaubriand, diretor das Rádios, Jornais e Televisões
Associadas, o seguinte telegrama: “Muito obrigado por seu cordial
radiograma anunciando a inauguração da rede de televisão entre o
Rio e São Paulo. Estou particularmente satisfeito pelo fato de nossa
companhia haver cooperado consigo para o desenvolvimento da
televisão no Brasil. Minhas sinceras congratulações melhores votos
por contínuos sucessos”. (“Televisão Entre Rio e São Paulo”, O
Jornal, 17/07/1956, p. 3)

No dia 9 de julho, a TV Tupi do Rio transmitiu para São Paulo uma sessão solene do Senado
Federal, em comemoração ao aniversário da Revolução Constitucionalista. Depois, diretamente
do Palácio do Catete, o presidente da República Juscelino Kubitscheck fez uma saudação aos
paulistas. Finalmente, no dia 11 de julho, coroando os louros desta grande vitória técnica com
alto nível de recepção, a ligação terrestre Rio-São Paulo foi oficialmente inaugurada. Desta vez,
a geração das imagens foi feita pela TV Tupi de São Paulo. Às 12h15, os jornalistas Maurício
Loureiro Gama e José Carlos de Moraes (Tico-Tico) entraram no ar em cadeia, transmitindo
um programa especial do “Edição Extra”, onde foram registradas várias homenagens e
confraternizações com o pessoal da TV Tupi do Rio e com o público carioca. Em seguida, foi ao
ar um programa de auditório, que se encerrou às 15h.

Mais tarde, às 22h, a PRF3-TV Tupi-Difusora novamente se comunicou com a PRG3-TV Tupi
do Rio para transmitir mais um programa. Ele foi aberto pelo animador Homero Silva, que após
relatar os esforços das equipes “Associadas”, apresentou o convidado especial — o governador
de São Paulo, Jânio Quadros —, que saudou o povo carioca e congratulou-se com o feito histórico
da equipe das Emissoras Associadas. Na sequência, os telespectadores do Rio puderam ver a
grande atração da noite, o programa “História e Música”, com a peça “Meus 18 Anos”, adaptada
e produzida por Walter George Durst e dirigida por Cassiano Gabus Mendes. Especialmente
montada para a ocasião, a dramatização foi um rico espetáculo, que reuniu um elenco numeroso
de bailarinos, comediantes e cantores do próprio elenco das Emissoras Associadas de São Paulo.
Incrivelmente, os cenários ocuparam os três grandes estúdios da emissora do Sumaré.

Pouco tempo antes do estabelecimento da rede de retransmissão entre


Rio-SP, o diretor-geral da TV Tupi de São Paulo, Cassiano Gabus Mendes,
prestou uma consultoria à TV Tupi do Rio de Janeiro, que vinha perdendo
audiência para a estreante TV Rio. A estada de Gabus Mendes no Rio
garantiu um intercâmbio de produções entre as duas TVs Tupis. A direção
da Tupi carioca quis apresentar o “TV de Vanguarda” de São Paulo, e,
como não havia ainda o videoteipe, os atores e Gabus Mendes tiveram
que passar a viajar de ônibus para o Rio quinzenalmente. Eles saíam de
São Paulo à meia noite de sábado e chegavam de manhã cedo no Rio.
Depois do almoço, os ensaios começavam e o espetáculo ia ao ar naquela
mesma noite de domingo. Logo depois, com a instalação da rede entre
RJ-SP, as viagens acabaram.
318 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A sugestiva formação de redes entre as emissoras de TV dos Diários Associados era uma iniciativa
onerosa, mas que garantiria a geração de receita para as emissoras geradoras, cortaria gastos e
ligaria o país, divulgando a cultura regional e promovendo intercâmbio entre as populações de
regiões longínquas.
Três anos depois de se conectar com a Tupi carioca, a Tupi de São Paulo se empenhou em montar
uma rede definitiva em todo o estado de São Paulo e levar sua programação a milhares de outros
receptores. O primeiro passo foi montar uma estação geradora e retransmissora a 290 km de
distância, na cidade de Ribeirão Preto, a “Capital do Café”.

TV Ribeirão Preto

Em 1957, o presidente da República Juscelino Kubitschek (JK) visitou Ribeirão Preto para cumprir
agenda. Quem o acompanhou foi seu apoiador Assis Chateaubriand, fundador e presidente dos
Diários e Emissoras Associados. Em um discurso, JK anunciou que havia concedido um canal
para operação de uma emissora de televisão naquela cidade, informação que foi prontamente
completada por Chatô ao microfone:
— Sou eu quem irá montar!
As primeiras reuniões técnicas e comerciais aconteceram em outubro de 1958 e, no dia 2 de
dezembro de 1959, após a montagem realizada pelos próprios diretores e técnicos da TV Tupi
de São Paulo, iniciou-se a fase experimental da emissora ribeirão-pretana, também no canal
3. Entravam no ar duas horas diárias de programação noturna, geradas pela própria emissora,
muitas vezes com a participação de convidados do elenco “Associado” de São Paulo. Nos demais
horários ainda não havia como retransmitir o Canal 3 de São Paulo, já que uma rede de links de
micro-ondas que interligaria as duas cidades estava em fase final de construção. O Canal 3 de
Ribeirão Preto foi a primeira emissora de TV a funcionar em uma cidade do interior do Brasil.

Nota dos Autores: Leia sobre a formação da Rede de


Televisão Associada do Interior Paulista no Capítulo 30.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 319

CAPÍTULO 27
AQUISIÇÃO DA PRE-4 - RÁDIO CULTURA

Nasceu ela pelos idos de 1933, numa garagem de residência


particular, no momento em que só mesmo o entusiasmo poderia
vencer as dificuldades da incipiente radiodifusão em nosso país.
Nessa garagem, alguns rapazes tocados pelo sopro da juventude e
amparados pelo espírito empreendedor e conselheiro de Cândido
Fontoura, estenderam uma improvisada antena e, com um rudimentar
equipamento feito mais com o esforço e a tenacidade do que com os
próprios recursos, colocaram em polvorosa o quarteirão e poucas
casas além, transmitindo, como programa fundamental, um cocktail
de alegria, jovialidade, músicas, alguns poemas, recadinhos para as
namoradas e outros ingredientes próprios da sensibilidade de uma
equipe que variava dos 14 aos 18 anos. (“Nascia Há 26 Anos com
Uma Antena Plantada em um Coqueiro de Jardim”, Diário da Noite
[SP], 21/09/1960, p. 3)

A
famosa Rádio Cultura de São Paulo nasceu de uma simples brincadeira realizada por
um grupo de amigos adolescentes, liderada pelos irmãos Olavo e Dirceu Fontoura,
juntamente com o amigo João Alberto Salles Moreira. Tudo aconteceu em meados de
1933, sobre a garagem do Solar dos Fontoura, na Rua Padre João Manuel, n° 350, bairro de
Cerqueira César, em São Paulo. Em uma entrevista do dr. Cândido Fontoura, pai de Olavo e
Dirceu, à escritora e apresentadora da TV Tupi, Tatiana Belinky, às vésperas da inauguração da
TV Cultura de São Paulo, em 1960, o empresário contou:
— A Cultura nasceu de uma brincadeira sentimental de meus filhos. Um [Dirceu] tinha pendores
para as coisas mecânicas e eletrônicas; o outro [Olavo] queria comunicar-se com a namorada de
maneira diferente. E foi então que, no início de 1934, eles montaram uma estação amadora de
rádio em cima da garagem de nossa casa e a primeira antena foi montada no coqueiro do jardim.
Dirceu montou um pequeno transmissor de Ondas Médias, auxiliado por outros dois parceiros.
Mais como uma traquinagem realizada depois do horário escolar do que uma realização histórica
ou até subversiva, eles nada mais queriam além do que brincar, mandar mensagens para namoradas
e divertir os amigos que residiam no bairro usando as ondas pelo éter, a radiofrequência. Tanto
é certo que deram à estação o nome de Rádio DKI - “A Voz do Juquery”1. Mesmo com tudo
caminhando no campo do divertimento e da molecagem, e mesmo operando com baixíssima
potência, a brincadeira se caracterizou como uma transmissão clandestina e deu “direito” a
algumas batidas policiais.
— Batidas de polícia? Que perigo! E o que acontecia? — perguntou Tatiana Belinky a Cândido
Fontoura durante a entrevista.
Rindo, “Tio Candinho” respondeu:
1 Juquery (ou Juqueri) é o nome de uma das mais antigas e maiores colônias psiquiátricas
do Brasil, inaugurada em 1898 e localizada no município de Franco da Rocha (SP). Os jovens
criaram o slogan “A Voz do Juquery” justamente para brincar de se autonomear como loucos
ou insanos.
320 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

— Não acontecia nada, porque o próprio chefe da polícia telefonava prevenindo: “Escondam o
material que a polícia vai aí!”.

Quando os irmãos Fontoura e o amigo João Alberto Salles Moreira


decidiram montar uma emissora de rádio para se divertir, este
veículo tinha se tornado muito popular entre os paulistanos, visto
o papel importantíssimo que ele havia desempenhado no ano
anterior, durante a Revolução Constitucionalista de 1932. O objetivo
da revolução era derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas
e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. A Rádio Record
de São Paulo acabou virando “A Voz da Revolução”, principalmente
com o trabalho do locutor César Ladeira. As duas outras emissoras
de São Paulo — Educadora Paulista e Cruzeiro do Sul — também
apoiaram a revolução.

Dirceu e Olavo eram jovens pertencentes à alta sociedade paulistana. O pai, dr. Cândido Fontoura,
popularmente conhecido por Tio Candinho, era cidadão benemérito e um dos maiores líderes da
indústria farmacêutica brasileira. Dirigia um dos mais completos laboratórios do país, o Instituto
Medicamenta Fontoura S/A, responsável pela fabricação do famoso fortificante e antianêmico
Biotônico Fontoura. Em 1954, Candinho inaugurou em São Paulo um complexo para fabricação
da penicilina e de outros antibióticos. O próprio descobridor da penicilina, sir Alexandre Fleming,
esteve presente na inauguração da fábrica. Outra empresa de Fontoura era a fabricante do famoso
inseticida Detefon. Ao lado de Assis Chateaubriand, Tio Candinho foi um dos bandeirantes na
epopeia da então incipiente aviação civil no Brasil, colaborando para que todos os recantos
fossem dotados de aeroclubes.

O empresário e farmacêutico Cândido


Fontoura. (reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 321

As irradiações da DKI (“decaí”) renderam muitas aventuras aos jovens organizadores. Os dias,
as semanas e alguns poucos meses se passaram e aquela brincadeira, que não era para durar
muito tempo, foi entusiasmando cada vez mais os idealizadores e a audiência. Outros colegas
se juntaram à equipe e a aventura tomou ares de uma verdadeira emissora, com programas de
horário fixo. O maior dos artistas a se apresentar na DKI foi Nhô Totico, personagem caipira do
ator Vital Fernandes, que aumentou ainda mais a audiência entre os ouvintes da vizinhança do
bairro de Cerqueira César, região nobre de São Paulo, onde fica um trecho da Avenida Paulista.
Segundo reportagem publicada quando da inauguração da TV Cultura, em setembro de 1960,
“a brincadeira da ‘Rádio Juquery’ ficava cara, mas Tio Candinho não se importava, porque era
a melhor maneira de prender os filhos em casa”1. Até o próprio escritor Monteiro Lobato, muito
amigo da família Fontoura, surpreendeu-se com o caso e escreveu: “Qualquer dia, brincando,
esses Fontoura montam uma fábrica de automóveis”.
Alguns meses já tinham se passado desde o início da aventura radiofônica, quando, por fim, não
foi possível evitar a visita da polícia e a divertida rádio clandestina DKI foi fechada.

Uma Rádio de Verdade

Há anos atrás ouviam-se na Pauliceia umas irradiações clandestinas,


que surpreendiam àqueles que as escutavam. Transmitia a Rádio
Juquery artistas, técnicos, speakers. Todos amadores, constituíam
um grupo de moços da nossa melhor sociedade, que havia, de uma
simples brincadeira, lançado ao ar uma “PR”2. [...] Verdadeiras
loucuras eram praticadas pelos moços, ao ponto de serem taxados de
loucos! A curiosidade popular foi aumentando de tal forma em torno
das irradiações, que um dia a polícia se pôs em campo, descobrindo
onde estava localizada a estação. Providências foram tomadas pelas
autoridades paulistas, passando a desaparecer a famosa e clandestina
Rádio Juquery (DKI), para ressurgir, aureolada de simpatia e
oficialmente, sob a denominação de Sociedade Rádio Cultura - A Voz
do Espaço. E, assim, graças a essa plêiade de moços que não eram
loucos, firmou-se com magníficos programas, instalações ótimas,
discoteca completa e sua “Onda Dirigida”, a Rádio Cultura, que
ocupa entre as suas coirmãs um lugar de destaque, possuindo uma
infinidade de ouvintes da nossa radiofonia. (“A Radiophonia no
Brasil”, Gazeta de Notícias [RJ], 07/06/1938, p. 6)

1 “Nascia Há 26 Anos Com uma Antena Plantada em um Coqueiro de Jardim”, Diário da Noite
[SP], 21/09/1960, p. 3.
2 “PR” refere-se às duas primeiras siglas dos prefixos oficiais das emissoras de rádio daquela
época. Neste caso, portanto, “PR” se refere a uma estação de rádio.
322 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Impressionados e empolgados com o sucesso da brincadeira radiofônica empreendida, os rapazes


Olavo e Dirceu Fontoura, junto a outros amigos e com as “bênçãos” de seu pai, resolveram montar
uma estação de rádio profissional e formalizaram um pedido de concessão ao governo. Para isso,
foi aberta a empresa Sociedade Rádio Cultura “A Voz do Espaço” e, devido a influência política
de Cândido Fontoura, eles realmente conquistaram uma licença provisória1, que autorizou a
rádio operar em caráter experimental. A emissora foi montada em outro imóvel, na Rua Padre
João Manuel, nº 34, a cerca de 300 m de onde tudo começou. Equipamentos profissionais
foram comprados e uma torre foi montada no mesmo local. O endereço do Solar dos Fontoura
ficou oficializado como sede social da estação. Hoje em dia, o terreno do prédio onde a rádio
Cultura foi instalada faz parte da lateral esquerda do grandioso “Conjunto Nacional”, complexo
comercial que tem frente voltada para a Avenida Paulista.

Fachada da Rádio Cultura na


Rua Padre João Manuel. (Enéas
Machado de Assis/Acervo pessoal)

“A Voz do Espaço”, estação PRE-4 da “Rádio Cultura de S. Paulo”,


inaugurada sábado, está montada à R. Padre João Manoel, 34, nesta
Capital. Ali foram instalados, num conjunto de arquitetura moderna,
em construção especial adaptada a todas as necessidades dos
departamentos numa organização perfeita de broadcasting. O edifício
próprio, de grande efeito decorativo, possuindo, ainda, apenas um
estúdio, o escritório e a técnica, vai ser aumentado com a instalação
da futura transmissora. (“Foi no Sábado Inaugurada, Oficialmente,
a PRE-4 ‘Rádio Cultura’”, Correio de S. Paulo, 18/06/1934, p. 2)

A inauguração da estação aconteceu solenemente em 16 de junho de 1934, surgindo a PRE-4 -


Rádio Cultura - “A Voz do Espaço”, operando na frequência de 1340 KHz. Dentre os membros da
diretoria, estavam Olavo Fontoura (presidente), João Alberto Salles Moreira (superintendente),
Dirceu Fontoura (tesoureiro) e Enéas Machado de Assis (diretor do departamento de sócios), que
futuramente se tornaria figura de relevo no desenvolvimento do rádio e da TV em São Paulo,
assumindo cargos de direção nos Diários e Emissoras Associados.

1 A concessão definitiva da Rádio Cultura de São Paulo foi outorgada em 12 de junho de 1936.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 323

A parte artística d’“A Voz do Espaço”, confiada ao nome aplaudido


de Frank Smit, compreendendo também os programas que o público
heterogêneo reclama, é o que a distingue. Coerente com o espírito
moço que presidiu a sua organização, a nova estação bandeirante
viverá da sua alegria franca, transportada para o microfone com
números de espírito educado e o humorismo fino, distribuindo na
programação bem cuidada tudo quanto possa interessar a uma
população cosmopolita e exigente como a nossa. Para tanto, ela se
acha habilitada, possuindo uma organização de estúdio aprimorada.
Com as suas possibilidades, apresentará a música de câmara, a
música sinfônica, a música fina, a música leve, a música variada
e, também, solos musicais. Serão ouvidos nomes laureados com
carreiras brilhantes aqui e no estrangeiro, sendo que a música
nacional tem o seu programa bem amplo. (“Será Inaugurada Hoje
a Estação P.R.E.4 da ‘Rádio Cultura de S. Paulo’”, Folha de São
Paulo, 16/06/1934, 1º Caderno, p. 5)

Os principais anunciantes, naturalmente, eram os produtos da linha industrial da família Fontoura.


Mas, também, se vendiam assinaturas para associados, um modelo muito comum usado no início
do rádio brasileiro, que nasceu por assinatura.
Logo de início, a Cultura já passou a desenvolver programas com louvável coordenação artística,
colaborando em prol dos movimentos e das iniciativas expressivas que eram empreendidas
pelo povo paulistano. Havia, também, muitas apresentações musicais, com o melhor da
música regional e internacional. De sucesso em sucesso, rapidamente a Rádio Cultura foi se
aperfeiçoando tecnicamente e contratando mais artistas conceituados. Mas, a essa altura, as
instalações não comportavam mais toda a movimentação.

O Jabaquara e a “Hora da Peneira”

Apenas dois anos e meio se passaram e no dia 30 de dezembro de 1936, modernas, amplas e
confortáveis instalações da Rádio Cultura foram inauguradas na Avenida Jabaquara, n° 3983,
bairro homônimo da Zona Sul. Um eficiente sistema de transmissão com onda dirigida1 também
foi inaugurado, uma novidade na América do Sul. A potência do transmissor era de 8 kW, uma
das maiores de São Paulo, cidade que já contava com diversas estações: Educadora, Record,
Bandeirantes, São Paulo, Cruzeiro do Sul, Excelsior, Cosmos, Tupi e Difusora.
O terreno da Rádio Cultura no Jabaquara era todo ajardinado e somava 11 mil m2. Já os escritórios
ficavam estrategicamente no centro de São Paulo, bem ao lado da Catedral da Sé.

1 O sistema de transmissão em AM por onda dirigida é composto por duas torres: uma para
irradiação e outra para reflexão. Em uma dessas torres há um dispositivo no topo que impede
que boa parte da potência do sinal vá para uma determinada direção. Neste caso, a onda da
Rádio Cultura não era tão forte em direção ao mar, favorecendo a recepção mais potente no
lado oposto, ou seja, no interior do Brasil.
324 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Instalações da Rádio Cultura no bairro do Jabaquara. (“Cronologia do Rádio Paulistano: Anos 20”, Vera Lúcia
Rocha e Nanci V. H. Vila, CCSP, 1993/reprodução)

A “Hora da Peneira”, PRE-4, Rádio Cultura, é um dos mais


interessantes programas do rádio paulista. Ainda agora, com a
supressão dos bondes para o Jabaquara, bairro onde está instalada
a “Cultura”, os ônibus não têm sido suficientes, e é um verdadeiro
espetáculo ver-se a romaria de pessoas que percorrem cerca de três
quilômetros, a pé, para ouvir e ver os calouros. (Carioca, n° 124,
05/03/1938, p. 38)

Apesar de todo investimento, conforto e técnica moderna por parte da “Voz do Espaço”,
o Jabaquara era considerado, naquela época, um lugar muito longe do Centro e de difícil
acesso. O numeroso público tinha dificuldades para poder ir acompanhar os programas no
auditório, principalmente o programa de calouros “Hora da Peneira”, um grandioso sucesso.
O transporte naquela região não estava preparado para o grande número de usuários e, mesmo
que, posteriormente, a companhia Light tenha passado a disponibilizar bondes especiais para
transportar toda a gente para o Jabaquara, os Fontoura logo pensaram em transferir a estação
para o “coração” de São Paulo.

O Imponente Palácio do Rádio

O estúdio que a Rádio Cultura vai construir no terreno que adquiriu


em magnífico ponto da Avenida São João será um dos mais modernos
da América do Sul. Terá a aparência dos estúdios norte-americanos
e comportará 500 pessoas aproximadamente. Os ouvintes assistirão
às representações dentro do próprio estúdio, sem separação de vidro,
como temos atualmente. O edifício terá seis andares e nele ficarão
instalados os escritórios, estúdios etc. (Carioca, n° 128, 02/04/1938,
p. 47)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 325

Avenida São João, n° 1285, Centro. Esse endereço foi muito requisitado na São Paulo dos anos
1940 e 50, já que no local foi construída a nova sede da Sociedade Rádio Cultura, um monumental
prédio batizado como “Palácio do Rádio”. Imponente, ele possuía uma fachada toda branca e sua
arquitetura decorativa, estilo Art Déco, remetia a um aparelho de rádio. Por dentro, o Palácio do
Rádio apresentou diversas inovações técnicas no campo da radiodifusão, inspiradas em rádios
norte-americanas. Dispôs de um elegante auditório com 400 poltronas e um balcão para mais 100
pessoas, além de iluminação indireta, ar-condicionado, jogos de luzes para o palco, vários
microfones, acústica perfeita etc. Era um prédio pioneiro do gênero, com o primeiro grande
auditório de rádio do Brasil. Um estúdio foi projetado para atender desde um único locutor até
conjuntos musicais. Nos seis andares foram distribuídos sala de ensaios, camarins, técnica,
redação, discoteca com 5 mil discos, escritórios, pequenos estúdios etc. O projeto e a construção
do prédio foram realizados pela empresa Sociedade Comercial e Construtora Ltda. A inovação
era realmente muito grande, pois agora era possível irradiar não apenas de um estúdio de rádio,
mas de uma sala de espetáculos com 500 lugares. Esta moda realmente “pegou” entre as grandes
emissoras do país.

Fachada do Palácio do Rádio, a nova


sede da Rádio Cultura de São Paulo,
inaugurada em 1939 na Avenida São João.
(Acrópole/reprodução)

A avant-première aconteceu em 25 de março de 1939 e a inauguração se deu três dias depois, com
a presença das figuras mais representativas do círculo social da Capital paulista e com um grande
show musical. A emissora contava com a fantástica Orquestra de Salão PRE-4, sob regência
do maestro e violinista tcheco Frank Smit1, também diretor-artístico da emissora. O chefe dos

1 Frank Smit veio ao Brasil a convite do então presidente da República, Washington Luiz, para
difundir a música clássica. Anos depois, em 1934, foi convidado pela família Fontoura para ser
o diretor-artístico da Rádio Cultura.
326 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

locutores era o “speaker-metralhadora”1 Nicolau Tuma, que já havia feito uma brilhante carreira
nos primeiros anos da Rádio Difusora de São Paulo.

Inaugura-se, hoje, oficialmente, a nova sede da PRE-4 — Para a


temporada comemorativa, vieram ao Brasil artistas estrangeiros
famosos, entre os quais a cantora argentina Lita Landi, o conjunto
típico Habana, de Cuba, e o tenor húngaro dr. Nicolau Szedo —
Jorge Fernandes e Frida Guimarães serão duas estreias do Palácio
do Rádio — No cast mais caro do Brasil, figuram, ainda, Frank
Smit, com seus solistas clássicos e modernos; Marisa, Nhô Totico,
Francisco Gorga, Antônio Ferrer — Os mais populares speakers do
país — No programa de gala desta noite, mais Antonieta Rudge e
Olga Harrington, duas aplaudidas “virtuoses” do piano e do canto.
(“A Rádio Cultura Conquista, Agora, a Vanguarda do Broadcasting
Brasileiro, Inaugurando o seu Palácio do Rádio”, Correio Paulistano,
28/03/1939, p. 4)

Água Branca

Na Rua Diogo Rego, n° 179 (atual Carlos Spera), bairro da Água Branca, Zona Oeste de
São Paulo, havia uma ampla propriedade do grupo empresarial de Cândido Fontoura. Muito
aprazível, o local era uma espécie de península da belíssima Lagoa Santa Marina. A partir de
1942, o terreno recebeu os transmissores e a torre de Ondas Médias da Rádio Cultura de São
Paulo, que agora operava em 1300 KHz. A emissora havia deixado as instalações do bairro do
Jabaquara em março de 1939, contudo, seu parque de transmissão havia permanecido naquele
local. A autorização do Ministério da Viação e Obras para inaugurar o transmissor da Água
Branca foi publicada no dia 25 de março de 1942.
Esta narrativa mostra o primeiro movimento relacionado à radiodifusão neste terreno da Água
Branca, que um dia acabaria se tornando sede da TV Cultura de São Paulo, hoje uma das mais
importantes do país.

Frequência Modulada

Em junho de 1948, a Rádio Cultura inaugurou suas operações em Frequência Modulada (FM),
operando em 88,9 MHz como link entre os estúdios e o transmissor de Ondas Médias. Ainda não
se tratava de uma transmissão de broadcasting, ou seja, dirigida a todo o público. Nesta primeira
fase da FM no Brasil, a maioria das emissoras tinha apenas este objetivo de transmitir os sinais

1 A expressão “speaker-metralhadora”, do inglês “speaker:locutor”, era usada para se referir a


Nicolau Tuma, que tinha uma fluência muito rápida para narrar os lances de partidas esportivas,
principalmente de futebol. Foi ele quem oficializou e legalizou o termo “radialista”. Dizia Tuma:
“O termo vem de idealistas do rádio” (depoimento ao Museu da TV, Rádio & Cinema, em 1997).
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 327

do estúdio das rádios para seus distantes transmissores de Ondas Médias ou Ondas Curtas.
A estação de Frequência Modulada da Rádio Cultura de São Paulo foi a primeira a operar no
Brasil. Sua pequena antena, modelo Turnstile, ficava sobre o Palácio do Rádio, na Avenida São
João, e tinha seu diagrama mais voltado para a região da Água Branca, bairro próximo, onde
estavam localizados os transmissores de Ondas Médias e Curtas da Rádio Cultura.

Anúncio da Rádio Cultura de São Paulo, no


ano de 1948, divulgando o início pioneiro das
transmissões em FM. (reprodução)

Nota dos Autores: Leia mais sobre o início das operações de


Frequência Modulada no Brasil no Capítulo 36.

O Arrendamento da PRE-4

Causou sensação no ambiente radiofônico de São Paulo a notícia


do arrendamento da Rádio Cultura por Victor Costa, num negócio
em que os irmãos Olavo e Dirceu Fontoura cedem a velha PRE-4
mediante 300 mil cruzeiros por mês. Quando esta nota era redigida,
faltavam ainda maiores detalhes sobre o assunto, mas de todo modo,
esperava-se que, concretizado o negócio, a emissora do “melhor som
de São Paulo” se restabelecesse da “lona” em que se encontrava.
(Radiolândia, nº 8, abril/1954, p. 39)

Durante a primeira metade dos anos 1950, os Fontoura já estavam um pouco cansados do meio
328 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

rádio e as grandes empresas da família precisavam de mais atenção administrativa. Eis que
surgiu a boa oportunidade de efetivar um arrendamento da emissora da Avenida São João, junto
ao grande empresário das comunicações Victor Costa, que assinou um contrato com vigência de
quatro anos.
Respeitando algumas exigências do Tio Candinho, Costa manteve no ar o tradicional “A Hora
da Ginástica” e um programa religioso diário. Os funcionários também tiveram que ser mantidos
por, pelo menos, três meses. O contrato passou a viger em abril de 1954 e, desta forma, a Rádio
Cultura de São Paulo passou a fazer parte da Organização Victor Costa (OVC), que também
controlava as rádios Mayrink Veiga e Mundial (ambas do Rio de Janeiro), Rádio Nacional de São
Paulo, TV Paulista - Canal 5 de São Paulo (com retransmissora em Santos [SP]), Rádio Excelsior
de São Paulo e Rádio Club de Santos. Naquele ano de 1954, Victor Costa havia se desligado da
Rádio Nacional do Rio de Janeiro, onde atuou por muitos anos como diretor, e passava a adquirir
emissoras de rádio e televisão para montar sua própria rede.
Durante a fase de arrendamento da Rádio Cultura, por vezes o auditório no Palácio do Rádio era
utilizado para produção de programas de outras emissoras da OVC, como a Rádio Nacional de
São Paulo e a TV Paulista. Outro destaque da fase OVC da Rádio Cultura é que seus humoristas
exclusivos Manoel da Nóbrega e Ronald Golias, que posteriormente se tornaram grandes nomes
do humorismo, se apresentavam com muito sucesso naquele auditório.

A Venda da PRE-4 a Chateaubriand

Sabem por que Chateaubriand quer a Cultura? Simples: a Rádio


Cultura tem canal de televisão. Já vi tudo. (Radiolândia, nº 224,
19/07/1958, p. 16)
A Organização “Associada” realizou, em menos de quinze dias,
fulminante ofensiva no sentido de reforçar a sua rede de emissoras
de Rádio e TV. E essa ofensiva será representada na posse de 49%
das ações da Rádio Mayrink Veiga do Rio, inclusive, do seu canal
de TV, compradas do sr. Victor Costa que, desse modo, passou a
dedicar-se, exclusivamente, às suas estações de São Paulo. A outra
grande transação realizada pelas “Associadas” é a compra da Rádio
Cultura, juntamente com o seu canal de TV, pelo preço de 80 milhões
de cruzeiros, perdendo, assim, a OVC de São Paulo, um prefixo de
sua rede, que todos sabem ser de propriedade do sr. Olavo Fontoura,
mas encontra-se arrendado, até o momento, ao sr. Victor Costa.
(Dênis Brean, A Gazeta Esportiva, 24/06/1958, p. 22)

Em 1958, às vésperas do vencimento do contrato de arrendamento com Victor Costa, a família


Fontoura resolveu vender a Sociedade Rádio Cultura para Assis Chateaubriand, velho amigo de
Tio Candinho. Chatô despertava interesse principalmente na concessão do canal de televisão
da Rádio Cultura, com prefixo PRE4-TV, pois desejava montar um segundo canal de TV em
algumas capitais, como Rio de Janeiro (TV Mayrink Veiga), Belo Horizonte (TV Alterosa) e São
Paulo. Nessa época, a legislação ainda permitia que um mesmo grupo fosse proprietário de mais
de uma estação de rádio ou TV numa mesma localidade.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 329

Em uma conversa, perguntei-lhe de repente se ele não venderia a


Rádio Cultura, que detinha a concessão de um canal de televisão,
o canal 2. Tio Candinho admitiu a possibilidade. [...] “Nós nos
interessamos”, afirmei-lhe. Contei a conversa a Chateaubriand,
que se entusiasmou. Embora lembrasse a ele que as emissoras
estavam na esfera de Edmundo Monteiro, nosso chefe determinou
que pusesse mãos à obra imediatamente, aproveitando minha
experiência de comprador acumulada durante os anos de norte e
nordeste. “Edmundo está em Londres e até sua volta o Candinho
pode mudar de ideia”, acrescentou. Negociei a aquisição em
condições extremamente favoráveis para nós. Cândido Fontoura
nos transferiria a totalidade das ações pertencentes a sua família
e, em troca, nós nos limitávamos assumir duas importantes dívidas
da Rádio Cultura [...], uma para com o Banco do Estado de São
Paulo e outra para com a Caixa Econômica Federal. Melhor ainda,
durante os dois anos que levaríamos para instalar a TV Cultura [...]
o próprio Candinho pagaria por nossa conta, através de publicidade
de seus produtos farmacêuticos, os débitos vinculados a uma dessas
dívidas. Chateaubriand ficou tão satisfeito com esse resultado que
me presenteou com 20% [25%] das ações da empresa que reunia a
Rádio e a TV Cultura. (“Minhas Bandeiras de Luta”, João Calmon,
Fundação Assis Chateaubriand, 1999:176-177)

A concessão outorgada à TV Cultura estava para caducar. Apesar de ter sido outorgada há seis
anos, a emissora não passava de um projeto, mesmo que, durante o ano de 1952 tenha havido
alguma publicidade que anunciava sua inauguração “para breve”. A Sociedade Rádio Cultura
enfrentava os mesmos problemas que as paulistanas Rádio Bandeirantes e Fundação Cásper
Líbero (Rádio e TV Gazeta), que receberam suas concessões no início dos anos 1950, mas
enfrentavam grandes dificuldades cambiais para montar suas estações de TV.
A transação de compra da Rádio Cultura foi realizada em julho de 1958. No “pacote”, estavam
as concessões de rádio e TV, além do terreno do bairro da Água Branca, onde funcionavam os
quatro transmissores da PRE-4 (de Ondas Médias e Curtas). Os equipamentos instalados no
Palácio do Rádio entraram na negociação, mas o prédio não. Se Chateaubriand quisesse que a
Rádio Cultura permanecesse na sua tradicional sede, teria que pagar aluguel.
Com a aquisição da Sociedade Rádio Cultura, seus maiores acionistas passaram a ser Assis
Chateaubriand (53,6%), João Calmon (25%), Edmundo Monteiro (15%) e Armando Oliveira
(5,75%). Os antigos proprietários passaram a ter apenas participação simbólica: Olavo Fontoura
(0,33%), Dirceu Fontoura (0,16%) e Cândido Fontoura (0,16%).
330 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O meu amigo Victor Costa só tem, agora, a Rádio Nacional de São


Paulo e a TV Paulista. Em apenas dois anos, o Victor vendeu a
Rádio Mundial, sua parte na Mayrink Veiga, a concessão da Rádio
Excelsior (TV) e a Rádio e TV Cultura! O que terá dado no Victor
para ele vender tudo assim? (Radiolândia, nº 279, 08/08/1959, p. 23)
Victor Costa estava dormindo, em São Paulo, quando alguém o
acordou às 3 horas da madrugada para lhe contar que os Fontoura
tinham vendido a Rádio Cultura para o sr. Assis Chateaubriand.
Victor não acreditou. E só no dia seguinte teve confirmação.
Resultado: Victor não cumprimenta os Fontoura. E por falar neste
assunto, eu soube que foi tal o golpe em Victor Costa, que um
dos irmãos Fontoura, o Olavo, quis desfazer o contrato com as
“Associadas”, vendendo para Victor a Rádio Cultura. Mas Victor
recusou. (Radiolândia, nº 247, 27/12/1958, p. 16)

Como vimos, Victor Costa era o arrendatário da Rádio Cultura, mas não foi previamente consultado
se tinha interesse em comprar a emissora. Em uma reportagem da revista “Radiolândia”1, o
empresário declarou que tinha uma mágoa, mas que ela não provinha do fato de o comprador ter
sido Assis Chateaubriand, “mas por não ter o negócio sido primeiramente proposto a mim, como
seria de ética em vista do contrato de administração mantido com os proprietários da estação e
ainda vigente por ocasião do negócio”. Contudo, o empresário concluiu a entrevista resignado:
“São coisas que também acontecem na vida dos investidores”.
Victor Costa entregou a Rádio Cultura aos Fontoura em 10 de outubro de 1958, ou seja, quando
vencido o prazo da vigência do contrato com Victor Costa.

Rádio Cultura Como Uma Emissora Associada

As Ondas Curtas de 31 metros da Rádio Cultura foram incorporadas


às transmissões esportivas da coirmã Rádio Difusora. Desse modo,
contando já com as de 19, 25 e 49 metros, a PRF-3 desfruta agora,
talvez, do maior parque técnico do país em irradiações esportivas.
(“Ondas Curtas a Granel”, Radiolândia, nº 284, 12/09/1959, p. 55)

A Rádio Cultura foi recebida por intermédio do diretor-gerente das Emissoras Associadas,
Humberto Buri, que a entregou para Armando Sganzerla e Renato Macedo, respectivamente o
novo gerente e o novo diretor-artístico da emissora. As primeiras especulações sobre o perfil de
programação da mais nova emissora da cadeia “Associada” falaram em transmissões esportivas,
que migrariam da coirmã Rádio Difusora, que se tornaria uma emissora exclusivamente musical.
Quanto à emissora-matriz, a Tupi, permaneceria com o mesmo formato, ou seja, eclética.
Contudo, a Difusora continuou com o esporte e foi a Rádio Cultura que se dedicou a programas
musicais especiais, com locutores e execução de discos.

1 “Prevejo Futuro Próspero Para o Rádio e TV em São Paulo!”, Arnaldo Câmara Leitão,
Radiolândia, nº 228, 16/08/1958, p. 18.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 331

A Utilização do Auditório na Avenida São João

Informa-se, porém, que incontinenti a proprietária do prédio nº 1285


da Avenida São João, parenta dos irmãos Fontoura, elevou o aluguel
de 18 para 200 mil cruzeiros mensais, colocando ao mesmo tempo
à venda o imóvel. Nessas circunstâncias, segundo as mesmas fontes,
estaria a direção Associada inclinada a mudar de local, fixando
provisoriamente a Cultura no segundo andar do seu edifício-sede, na
Rua 7 de Abril, 230. (“Mudaria a Cultura?”, Radiolândia, nº 243,
29/11/1958, p. 44)

O valor do aluguel do Palácio do Rádio subiu astronomicamente assim que a Rádio Cultura foi
vendida. Entretanto, já era pretensão das Emissoras Associadas migrar a rádio para o edifício-
sede a ser construído no Sumaré (ver Capítulo 28), que tinha previsão de ser concluído no final
do ano seguinte. Neste período, a Cultura seguiu transmitindo normalmente dos estúdios da
Avenida São João, contudo, enquanto a nova programação não era definida, tocando apenas
discos. Nesta fase intermediária, diversos ouvintes entusiasmados começaram a mandar cartas
com sugestões.

Agradecemos a colaboração dos ouvintes [...], que nos escreveram


sugerindo e opinando sobre a nova programação da Rádio
Cultura. [...] Em virtude do grande número de correspondência
que diariamente nos chega às mãos, torna-se impraticável uma
resposta individual, razão pela qual o fazemos através deste jornal.
O conteúdo de cada carta está sendo apreciado pela direção artística
da Cultura, já tendo sido introduzidas na sua programação, algumas
sugestões que pelo seu todo representam o interesse dos ouvintes.
(“Aos Ouvintes da Rádio Cultura de S. Paulo”, Diário da Noite
[SP], 16/02/1959, p. 4)
Prepara-se o pessoal da Rádio Cultura para a mudança da
emissora para o novo e monumental prédio construído no Sumaré,
especialmente com a finalidade de agrupar num só local todas as
Emissoras Associadas de São Paulo. A veterana PRE-4 deixará
assim o imóvel da Avenida São João, onde, por cerca de vinte anos,
se projetou no mercado radiofônico bandeirante, pertencente a
membros da família Fontoura, que agora exigem aluguel em caixa-
alta. (“Mudança”, Radiolândia, nº 313, 02/04/1960, p. 28)

A mudança da Rádio Cultura para o novo edifício das “Associadas”, no bairro do Sumaré,
aconteceu no início de abril de 1960. Mas, diferentemente do que era esperado, Chateaubriand
mandou continuar pagando o aluguel do Palácio do Rádio após um acordo. Basicamente,
continuaram sendo utilizados o estúdio principal da Rádio Cultura e o auditório, este que passou
por algumas reformas e adaptações para que também fosse utilizado na produção de programas
de TV das Emissoras Associadas. Segundo o produtor pioneiro Mário Fanucchi, nessa época, as
demais salas do prédio não eram utilizadas e apenas acumulavam móveis e materiais inservíveis.
332 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O nome “Palácio do Rádio” foi substituído por “Auditório Cultura” e “Auditório das Emissoras
Associadas”. A partir de outubro de 1959, de lá passou a ser transmitido, ao vivo, o programa
“O Céu é o Limite” da TV Tupi. Com o passar dos meses, chegaram os programas “Clube
Papai Noel” (TV Tupi); “Calouros Buri” (Rádio Tupi); “Grandes Atrações Fred Keller” (Rádio
Difusora); “Cultura de Valores”, “Cidade Sertaneja” e “Grande Parque Infantil” (TV Cultura);
“Revelações Lorenzetti” e “Sabatinas Maizena” (TV Tupi). Deste auditório, a Rádio Tupi passou
a irradiar todos os seus programas musicais que iam ao ar a partir das 20h30.
Não há uma confirmação sobre a data em que as Emissoras Associadas encerraram o contrato
de locação do Palácio do Rádio. Há notícias, no entanto, de que em abril de 1965 o local ainda
funcionava como auditório daquela organização, algo que não deve ter ido muito além. O
histórico prédio foi demolido em 1975.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 333

CAPÍTULO 28
CONSTRUINDO O MONUMENTAL EDIFÍCIO DO SUMARÉ

Projetado e construído especificamente para atender às exigências


técnicas da sede das Emissoras Associadas de São Paulo, o novo
e suntuoso edifício tem a forma magnífica de um obelisco plantado
na Cidade do Rádio. E sua significação é, também, de verdadeiro
marco de avanço e primazia que a organização vem mantendo
tradicionalmente. (anúncio, Diário da Noite [SP], 05/08/1960, p. 4)
Até o fim do ano estará terminado o edifício de 10 andares que
vem sendo construído em terreno ao lado da atual instalação das
Emissoras Associadas, no Sumaré (São Paulo). (Revista do Rádio, nº
507, 06/06/1959, p. 63)

A
s obras do novo edifício-sede das Emissoras Associadas de São Paulo e das rádios Tupi,
Difusora e Cultura estavam às vésperas de ser iniciadas, quando novas mudanças no
projeto foram propostas pela direção da empresa. Corria o início do ano de 1959 e três
versões diferentes de projeto já haviam sido protocoladas na prefeitura, mas depois canceladas.
Uma quarta versão foi novamente desenhada pelo engenheiro Dorvalino Mainieri, mas, desta
vez, o trabalho foi feito em parceria com um arquiteto, que ficou responsável por projetar o andar
térreo, a fachada e um átrio, com traços que remetessem ao classicismo e à arquitetura da época
ao mesmo tempo. O arquiteto escolhido foi Gregório Zolko, indicado por Mainieri a Edmundo
Monteiro, diretor-presidente dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo. Zolko morava
na Capital paulista e havia ganhado notoriedade ao vencer um concurso para projetar o Palácio
Farroupilha, novo prédio da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Gregório Zolko estudou na Universidade de Illinois, Estados Unidos, e tinha apenas 27
anos quando contribuiu com o projeto de Mainieri para a contemplação de um majestoso e
monumental edifício a ser erguido na Avenida Prof. Alfonso Bovero, nº 52, bairro do Sumaré,
que se integraria ao antigo complexo da Cidade do Rádio.
A versão definitiva do projeto foi aprovada no início de março de 1959 e as obras deram início em
meados daquele mesmo mês, com a equipe técnica formada pelos engenheiros-civis Dorvalino
Mainieri, Mário Ferronato e José Carlos La Farina Pimenta (provavelmente sócio ou funcionário
dos dois primeiros); pelo próprio arquiteto Gregório Zolko; e por Gustavo Tupinambá Freire,
engenheiro-chefe das Emissoras Associadas. Alguns técnicos das emissoras também participaram
da obra: João Tavares do Couto, Arnaldo Gaeta, Humberto Bury e Mauro Moura Gonçalves. Eles
passavam sugestões e orientações aos responsáveis pela obra, a fim de que o prédio ficasse o
mais eficiente possível.
334 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Estágio inicial das obras do edifício-


sede das Emissoras Associadas no
bairro do Sumaré, em março de 1959.
(Acervo Família Mainieri)

Gregório Zolko

[...] o simbolismo pode ser de ordem coletiva, assim como o


edifício Banespa, que a silhueta mais marcante na memória do
cidadão paulistano, ou de ordem individual, por exemplo, nos
brises horizontais do edifício da antiga TV Tupi e do Conjunto
Nacional. (Arquitetura Mackenzie 100 Anos FAU-Mackenzie 70
Anos: Pioneirismo e Atualidade, Angélica Tanus Benatti Alvim,
Eunice Helena Sguizzardi Abascal, Eduardo Castedo Abrunhosa, Ed.
Mackenzie, 2017:315)
Suas linhas são de estilo clássico aliado ao moderno, onde predomina
a simplicidade funcional para o mister a que se destina. Em outras
palavras, seu estilo, sem deixar de ser moderno, não foge às
tradicionais linhas do classicismo arquitetônico. (“Será Inaugurado
no Fim de Dezembro o Edifício das Emissoras Associadas”, Diário
da Noite [SP], 23/11/1959, p. 9)

Gregório Zolko promoveu diversas modificações no projeto do edifício. “Destaca-se a esperteza


de Zolko em alterar o projeto e inverter a posição dos brises-soleil para o sentido horizontal.
Ele considerou a quina do edifício voltada para a posição norte e reposicionou os brises na
horizontal, algo que amenizaria de forma mais eficiente, e durante todo o dia, a forte incidência
solar nas salas”, explica Ricardo Rossin, professor de arquitetura e autor da dissertação “A
Produção Arquitetônica de Gregório Zolko”. Ainda de acordo com o professor, os engenheiros
não estavam errados nos projetos anteriores, já que eles ponderaram que a fachada do edifício
estivesse voltada para leste ou oeste, que é quando os brises devem ficar na vertical. “Neste caso,
eles também funcionariam, mas não tão bem como na posição horizontal”, completou.
A face direita do edifício foi composta, basicamente, por uma grande parede-cega, que fez fundos
com os elevadores. Os brises e as três paredes-cegas menores foram construídos em concreto
nas demais faces e revestidos com pastilhas brancas. Quanto aos estúdios de rádio, colocados
no 7° e 8° andares no projeto anterior, eles foram mudados para o 2° e 3° andares e ganharam
mezaninos. Estes quatro pavimentos foram fechados hermeticamente como nos outros projetos,
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 335

a fim de garantir o máximo de isolamento acústico. E, como não havia janelas, Gregório Zolko
propôs que um grande mural artístico se estendesse linearmente pelas três paredes-cegas dos
estúdios.
Seguindo com as alterações que Zolko fez na última versão do projeto, dois andares especiais
foram adicionados a pedido: o 9° e o 10°. Eles formariam um átrio e seriam construídos com
área reduzida, ocupando 70% da planta dos andares inferiores. No espaço vago desses dois
andares, foi projetado um jardim na laje do 9º andar. Sobre ele, uma estrutura cúbica, vazada,
que subiria até o topo do 10º. Este cubo possui uma interessante particularidade, pois contou com
uma coluna a menos, fazendo com que duas das vigas horizontais ficassem em balanço1, como
se diz no jargão da arquitetura. Outro ponto interessante da estrutura cúbica sobre o jardim pode
ser notado quando se observa o edifício pela diagonal esquerda. Suas formas são, na verdade,
uma releitura vazada das paredes-cegas do 2º e 3º andares, onde Zolko propôs a instalação de um
mural artístico. Ambas ficaram na mesma posição e com as mesmas medidas.

As obras do edifício-sede das Emissoras


Associadas, em 1959. (Raymundo Lessa de
Mattos/Acervo Cinemateca Brasileira e David
José Lessa Mattos)

1 Em arquitetura, “balanço” é um termo usado para definir quando uma viga ou laje está
apoiada apenas em um dos lados, estando o outro totalmente livre de pilares ou qualquer
outra estrutura.
336 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O átrio do edifício-sede das Emissoras


Associadas em foto dos anos 1980: abertura
emoldurada em forma de cubo, contando
apenas com três vigas horizontais. Na base
do cubo, existe um jardim. (Moacyr dos
Santos/SBT)

Acima do 10º pavimento, Zolko projetou um terraço-belvedere1 e, ao seu lado, a casa de máquina
dos elevadores e a caixa d’água, acomodadas dentro de uma robusta estrutura de concreto que
serviria de sustentação para uma torre de TV. Isso porque a direção “Associada” havia decidido
instalar uma estação transmissora de TV no edifício, já que recentemente o grupo havia adquirido
a concessão da TV Cultura e agora precisaria de mais um parque de transmissão (detalhes no
próximo capítulo). Acima da casa de máquinas foi projetado um abrigo para uma antena receber
sinais das unidades móveis de rádio e televisão. Dependendo da direção em que o sinal seria
recebido, um técnico faria o devido apontamento da antena.
A altura do edifício, sem contar a torre, chegaria a 48 m e, dos últimos andares, seria possível
apreciar a vista fascinante dos flancos do Rio Tietê e o Pico do Jaraguá. A área construída do
edifício seria de 2807 m2 e o complexo da Cidade do Rádio atingiria um total de 4297 m2 de área
útil.

Durante a produção destas linhas,


batia forte o coração do arquiteto
Gregório Zolko. Ele reside no
bairro paulistano do Pacaembu
e ainda trabalha diariamente em
seu escritório do Sumarezinho.

O arquiteto Gregório Zolko (Gregório


Zolko/Acervo pessoal)

1 Em arquitetura, “belvedere” refere-se a uma construção feita em nível elevado, servindo


como mirante.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 337

A Composição dos Andares

O novo edifício foi planejado e executado para instalação de estúdios e acomodações


indispensáveis ao serviço e bem-estar dos artistas, músicos e demais funcionários das rádios Tupi,
Difusora e Cultura. Era um dos poucos no mundo a ser exclusivamente projetado para a operação
de estações de rádio, visto que o comum era adaptar prédios para instalação de emissoras.
O engenheiro Alberto Maluf, diretor-técnico das Emissoras Associadas de São Paulo, comprou
nos Estados Unidos o que havia de mais moderno e eficiente em matéria de equipamentos.
Seria oferecido o que de melhor o rádio podia dar no terreno artístico e técnico, resolvendo
alguns problemas comuns às estações, como as corridas de artistas e técnicos durante programas
movimentados. Foram disponibilizadas salas especiais, arejadas, amplas e confortáveis,
planejadas para atender, nos mínimos pormenores, ao perfeito funcionamento dos diversos
setores das três emissoras e da administração geral do complexo.
No subsolo, foi construído o almoxarifado de rádio e televisão, além de um restaurante, apto para
receber simultaneamente 60 funcionários. Havia televisores e música-ambiente disponíveis, um
luxo para a época.
O andar térreo contou com um pé-direito duplo e uma belíssima decoração, projetada por Gregório
Zolko na cor esmeralda. Além da concepção moderna, houve muita fineza no acabamento do
hall. A recepção era suntuosa e a sala de espera ampla e luxuosa. Nos fundos do pavimento térreo
foram instalados a sala das telefonistas e o Controle Geral das rádios Tupi, Difusora e Cultura,
setor responsável por receber a programação dos estúdios e sinais de reportagens externas (links),
controlar volumes e modulações para, depois, enviar para o ar. Ainda no térreo, uma bela escada
de mármore branco e preto dava acesso ao 1º andar, onde ficava a administração das Emissoras
Associadas, incluindo contabilidade, recursos humanos e gerências.
O 2º andar era da Rádio Tupi. Dois estúdios — “A” (58 m2) e “B” (97,5 m2) — foram destinados
para programas de rádio-teatro e execuções musicais, com capacidade para receber uma orquestra
completa. O pé-direito era de 4,5 m, onde se incluiu o mezanino para a montagem da sala dos
controles e gravação dos estúdios. O 3º andar contou com mais dois estúdios da Rádio Difusora
— “C” (58 m2) e “D” (97,5 m2) — e o mezanino. Neste andar, havia ainda o Estúdio “E”, da
Rádio Cultura, que era menor e tinha pé-direito padrão de 3,5 m.
Ausentes nos dois andares inferiores, as janelas voltam a partir do 4º andar, assim como o pé-
direito padrão. Neste pavimento foi montada a rica discoteca das Emissoras Associadas, dispondo
de quatro cabines individuais para audições prévias.

Estúdio “F”
Em novembro de 1962, a rádio-novela “O Verdadeiro Amor”, da Rádio
Tupi, passou a ser transmitida de um novo e mais moderno estúdio de
rádio-teatro, o Estúdio “F”, montado no 4º andar.
338 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

No 5° andar, havia salas para maestros e músicos, copistas de partituras musicais e arranjadores,
além de datilógrafos, mimeografistas e ampla sala para radioatores. Salas de descanso, ensaio e
estudos para artistas foram dispostas no 6° andar. No 7º, foram montadas a direção-artística da
Rádio Tupi, a Secretaria Geral, o Departamento de Rádio-Teatro e a Direção Musical. Ocuparam
o 8º andar o Departamento de Publicidade, a Redação e as salas de produtores, como Vida Alves,
Túlio de Lemos, Walter George Durst e Walter Forster.
A direção-artística da Rádio Difusora, seu Departamento de Esportes e Notícias (com pequenos
estúdios exclusivos) e o teletipo1 ficaram no 9º pavimento, menor que os inferiores. O 10º
pavimento, com a mesma área reduzida do 9°, foi projetado para receber os equipamentos
de transmissão das Emissoras Associadas de São Paulo, assunto que ainda será tratado neste
capítulo.
A preocupação com a qualidade do áudio das rádios foi tamanha, que todas as salas do edifício,
inclusive o restaurante, foram revestidas com isolamento acústico, em um grandioso projeto da
empresa Eucatex. Um tratamento acústico especial foi aplicado nas lajes que ficavam sobre os
estúdios, com os chamados “pisos flutuantes”. Havia, também, um perfeito sistema de renovação
de ar em todo edifício, bem como dois elevadores para servir cerca de 300 funcionários e artistas.

“Janela Para o Mundo”


Assim vem sendo interpretada pelo pessoal da Difusora a localização a
si destinada no novo edifício que as “Associadas” ocuparão, no Sumaré,
dentro de poucas semanas. Isso porque as instalações do Departamento
de Esportes da PRF-3 ficarão no 9º andar do prédio, com vista panorâmica
para toda a cidade de São Paulo. Como se sabe, neste imóvel ficarão as
instalações técnicas e administrativas das rádios Tupi, Difusora e Cultura.
(Radiolândia, nº 304, 30/01/1960, p. 23)

Os Painéis Indígenas da Fachada

A preferência pelos temas populares, acessíveis, é uma constante nos


planos de Gershon Knispel e seus companheiros. [...] “Numa cidade
como São Paulo, onde a arquitetura caminha a passos gigantescos,
revelando o avanço técnico notável, a arte do mural pode e deve
integrar em toda a extensão as tendências da moderna arquitetura.
Como uma floresta de árvores gigantescas, a cidade grande é fria,
no cimento dos seus edifícios. A arte do mural dá à arquitetura a
nota de humanismo que falta na fachada de um edifício, por mais
funcional que seja. Lembro, como exemplo, o mural que nosso grupo
realizou no edifício das Emissoras Associadas, no Sumaré: as linhas
1 Teletipo é um aparelho telegráfico por onde se envia um texto por meio de um teclado
datilográfico, registrando a mensagem no posto receptor sob a forma de caracteres de
impressão. As agências de notícias costumavam enviar materiais por meio desta tecnologia.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 339

suntuosas da obra foram enriquecidas com os motivos artísticos do


mural que executamos”. (“Grupo de Jovens Divulga Arte no Mural
Mosaico”, Diário da Noite [SP], 19/05/1961, p. 18)

O artista plástico israelita Gershon Knispel (1932-2018) nasceu na Alemanha e estava no Brasil
havia dois anos, quando foi contratado para produzir um grande mural na fachada do novo
edifício das Emissoras Associadas no Sumaré. A proposta foi que ele realizasse um projeto
artístico com motivos indígenas, remetendo à mais importante emissora de televisão brasileira
e, também, ao nome do próprio bairro, já que “Sumaré”1 é uma palavra justamente de origem
tupi-guarani.
De acordo com o projeto do arquiteto Gregório Zolko, o mural iria preencher duas paredes-
cegas, com áreas de 8 m x 13,5 m cada uma (traseira e dianteira), e mais outra, com 21 m x 13,5
m (na lateral esquerda, voltada para a viela). Essas paredes, lembrando, eram responsáveis pelo
isolamento acústico dos estúdios de rádio.
Era grande a responsabilidade de Knispel. Contudo, ele havia sido premiado muitas vezes no
exterior, conquistando, por exemplo, o Grande Prêmio Struk de Israel (1954) e o primeiro lugar
na Exposição Internacional de Moscou (1957).

O caráter puro dos planos relacionados com o resto da


fachada, executada com cintas de concreto [brises], provocou o
desenvolvimento natural do mural. O nome da emissora, “Tupi”,
abriu caminho para uma motivação autêntica brasileira. Surgiram
os índios divididos em planos, continuando o jogo cruzado das
colunas verticais com as cintas horizontais. Os valores plásticos
se entrosaram numa unidade, completando o projeto. (“Gershon
Knispel - Arte Plástica na Arquitetura”, Revista Acrópole, ano 26, n°
304, março/1964, p. 24)

Knispel realizou algumas pesquisas sobre os índios brasileiros e apresentou um grandioso


projeto artístico, propondo a utilização da linguagem do mosaico, executada com pedras naturais
do Brasil. Ele desenvolveu representações variadas de figuras indígenas que preencheriam 37
m lineares. Entretanto, o custo ficou muito elevado, tamanha quantidade de material e emprego
de mão-de-obra. O diretor das Emissoras Associadas, Edmundo Monteiro, então, pediu uma
redução considerável nas dimensões do mural e, de três paredes-cegas quase totalmente
preenchidas, o projeto artístico ocuparia apenas uma área reduzida de duas paredes — a frontal
e a lateral esquerda. Vale destacar aqui que a parede-cega que teve seu mural cancelado fica na
face posterior do edifício e que, se tivesse recebido um mural, hoje em dia teria sua visualização
prejudicada pelas edificações outras que surgiram no entorno e pela enorme escada de emergência
que teve de ser construída em concreto nos anos 1990. Contudo, ainda nos anos 1960, quem se
aproximava do edifício pela Avenida Dr. Arnaldo, no sentido centro-bairro, poderia contemplar
esse terceiro mural com facilidade, pelas “costas” do edifício.

1 “Sumaré”, em tupi-guarani, significa “orquídea silvestre” e, por esta razão, este nome foi dado
a uma espécie de orquídea do Brasil, a Cyrtopodium Glutiniferum Raddi. Dela, se extrai um
visgo, uma cola, que é excelente para fabricar instrumentos de corda.
340 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Há uma grande divergência quanto à forma em que Gershon Knispel foi contratado para
produzir os mosaicos do prédio do Sumaré. Falecido em 2018, o artista costumava declarar
que foi vencedor de um concurso promovido pelas Emissoras Associadas. Esta informação
foi veementemente contestada pelo arquiteto Gregório Zolko, em entrevista aos autores destas
linhas. Zolko conta que o referido concurso não existiu e que como Knispel era seu conhecido (e
compatriota), ele próprio o convidara para realizar o mural. Por outro lado, uma reportagem do
jornal “Diário da Noite”1 também afirma que as Emissoras Associadas instituíram um concurso
em 1959, onde diversos artistas participaram — “alguns consagrados através de longos anos de
trabalho” — e que Gershon Knispel foi o vencedor.
Em uma entrevista publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo”2, o próprio Knispel conta que,
“em 1958, Nina, que tinha sido minha namorada em Israel e veio para o Brasil com a família, me
avisou de um concurso promovido pela TV Tupi para a execução de um mural do prédio deles.
Eu já era artista plástico. Me inscrevi, mandei os croquis e venci.”

Éramos dois comunistas e quando, em 1958, ganhei o concurso


no Monumental Mosaico, na TV Tupi, Assis Chateaubriand, dono
da emissora, me convidou para ir ao escritório dele no Museu de
Arte, na Rua 7 de Abril. Nesta reunião estava sentada uma pessoa
um pouco baixa, de pele escura, de olhos profundos e bigode de um
amante latino. E Chateaubriand me perguntou: “Por que índios no
teu desenho?” Respondi: “Os índios são a minoria mais humilhada
de um Brasil, apesar de eles serem donos desta terra, os quero com
altura de 7,5 metros e no lugar mais alto de São Paulo — que era no
Bairro do Sumaré. Dito e feito. A pessoa que estava meio escondida
se levantou, me abraçou e falou com Chateaubriand: “Precisamos
de um talentoso jovem israelense”. Pegou o cartão de visita dele, me
entregou e falou: “Quando chegar ao Rio de Janeiro, não se esqueça
de ir me visitar no escritório, obrigado”. Era Oscar Niemeyer!
Adorei. Meu sonho era encontrar esse poeta de concreto que achou
a grande invenção de tirar do concreto a lei da gravidade; desde
aquela vez não paramos de ficar juntos, no tempo que estávamos
exilados do Brasil até minha volta em 1995”. Assim nasceu a grande
amizade entre Oscar Niemeyer e o artista israelense Gershon Knispel,
autor de extensa e premiada obra, que impactou profundamente o
cenário das artes no Brasil. (“Gershon Knispel Fala Sobre Trauma
do Holocausto e a Amizade com Niemeyer”, Correio Braziliense,
15/05/2016)

1 “Grupo de Jovens Divulga Arte no Mural Mosaico”, Diário da Noite [SP], 19/05/1961, p. 18.
2 “Memórias de uma Ilusão Fatal”, Paula Sacchetta, O Estado de São Paulo, 25/11/2012, p. J5.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 341

“[...] Pretende esse punhado de artistas novos aplicarem [...]


realizações de base ideológica [...] na arte do mural [...], valorizando
os motivos essencialmente nacionais através da divulgação dessa
forma expressionista nos edifícios públicos, para transmitir ao homem
do povo os aspectos reais e comuns da sua vida cotidiana”. (“Grupo
de Jovens Divulga Arte no Mural Mosaico”, Diário da Noite [SP],
19/05/1961, p. 18)

No edifício do Sumaré, os trabalhos com os painéis artísticos foram iniciados em setembro de


1959, sob a supervisão do próprio artista Gershon Knispel. Ele contou com a colaboração de
operários especializados e de alguns jovens pertencentes a um grupo que estudava a arte do
mural em mosaico. Knispel era o orientador deste grupo, formado basicamente por alunos da
Escola de Arte da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), de São Paulo. No Sumaré,
entre os andaimes de madeira disponibilizados para Knispel e seus assistentes realizarem os
trabalhos, foi afixada uma placa muito significativa, que dizia: “Novas Instalações das Emissoras
Associadas Tupi-Difusora-Cultura” (foto).
Conta-se que, certo dia, Gershon Knispel estava sobre andaime para a montagem dos painéis,
quando alguém na calçada começou a chamá-lo em espanhol e elogiar o seu trabalho. Era o
revolucionário Ernesto Che Guevara, que acabara de dar uma entrevista na TV Tupi.
Os trabalhos dos murais foram concluídos no final de novembro, quando as obras do edifício
também estavam na fase final. A inauguração da nova sede das Emissoras Associadas era prevista
para os últimos dias daquele ano de 1959.

1959: Gershon Knispel e sua equipe instalam os murais


no edifício das Emissoras Associadas. (Gregório Zolko/
Acervo pessoal)
342 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Detalhe da placa de identificação das obras do


edifício-sede das “Associadas”. (Diário da Noite/
reprodução)

A versão final dos dois


painéis das Emissoras
Associadas, instalados na
fachada do edifício-sede da
Av. Prof. Alfonso Bovero,
no Sumaré. (Maurício Viel/
Acervo pessoal)

A decoração tem por tema motivos brasílicos, onde se destacam


sugestões indígenas e figuras humanas de silvícolas brasileiros.
O tipo de pintura desses indígenas é dinâmico-estático, de fundo
expressionista e forma construtiva. São concebidos de tal forma
a se enquadrarem nos cânones da representação humanitarista
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 343

de fundo clássico, sem fugir aos padrões vigentes na atualidade.


(“Será Inaugurado no Fim de Dezembro o Edifício das Emissoras
Associadas”, Diário da Noite [SP], 23/11/1959, p. 9)
As duas fachadas do edifício foram magnificamente ilustradas com motivos tipicamente
brasileiros por Knispel: índios tupis manipulando instrumentos musicais. No mural da parede
frontal, com dimensões de 3 m x 7 m, um índio bate em um tamborim. No mural lateral, ao lado
da viela e com dimensões de 9 m x 7 m, três índios estão divididos em planos distintos, com um
deles em pé, tocando uma flauta primitiva, o outro também batendo em um tamborim e, ainda,
uma índia em movimento de dança rítmica. Em ambos os murais foram adicionados planos de
fundo.
No que se refere às cores trabalhadas, há predominância do preto, cinza e branco. Mas, existem
também cores variadas, como três tonalidades de verde, várias nuances de semitons em vermelho,
cinza, roxo e marrom — com exceção da índia, que está representada em preto, cinza e branco.
Ou seja, existe um domínio de cores-terra, naturais, dando maior motivação ao tema indígena.

Como o prédio não apresentava colorido, sentiu o muralista a


necessidade de criar um centro de atração, utilizando pedra-granito
monolítica. (“Gershon Knispel - Arte Plástica na Arquitetura”,
Revista Acrópole, Ano 26, n° 304, março/1964, p. 24)

O mosaico é uma linguagem plástica muito usada naquela época, técnica por onde se juntam
partículas para formar as figuras da composição. Devido à grande variação climática que ocorre
na cidade de São Paulo, Gershon Knispel preferiu usar a pedra-granito, um material bem
resistente para formação do mosaico, fornecido pela empresa de revestimentos Fulget Comercial
e Industrial Ltda.
Apesar da grande redução no tamanho original do mural, Knispel conseguiu produzir uma
monumental obra de arte, que não figurou somente como um complemento da arquitetura do
magnífico edifício, mas como parte da sua própria concepção arquitetônica. A composição dos
murais se tornou um ponto central, de onde se emanaram os contornos da estrutura moderna do
edifício.

Knispel arranca da pedra, figurativamente, a potência adormecida


do povo brasileiro, em passo rítmico, que leva ao heroísmo. (“Uma
Obra Monumental de Gerson Knispel”, Nossa Voz, 04/02/1960, p.
10)

Não há informações sobre como seria a totalidade do projeto artístico que Gershon Knispel criou
para as Emissoras Associadas, este que ocuparia amplamente três paredes-cegas do edifício.
Entretanto, em uma fotografia que mostra uma prova (ensaio) dos murais, publicada pelo jornal
344 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

“Diário da Noite”1, observa-se que há uma figura indígena além das três que realmente foram
inseridas no mural da lateral do edifício. Ela representa um índio com uma baqueta na mão, que
se abaixa ligeiramente para tocar um instrumento de percussão.
Evidências apontam que os elementos indígenas da arte original de Knispel que não foram
utilizados no mural das Emissoras Associadas tenham sido reaproveitados em outras obras. A
revista “Acrópole”, especializada em arquitetura, publicou uma matéria na edição de março de
1964, retratando as diversas experiências de Gershon Knispel com a instalação de murais em
hall de edifícios em São Paulo, prática que se tornou muito comum nos anos 1960. A reportagem
mostrou algumas obras que o muralista realizou no ateliê da FAAP, junto ao grupo de jovens
estudantes de mosaico que orientava. Ainda nesta reportagem, são mostrados murais produzidos
por Knispel que foram instalados em outros locais pelo Brasil. Um deles é externo, feito em
lajotas, composto por um casal de índios tocando flautas, sendo que ele está em pé e ela sentada
sobre um toco. Os traços são idênticos aos da obra realizada cinco anos antes para as Emissoras
Associadas e, além disso, a figura do referido índio é idêntica à de um dos representados no
mural lateral do Sumaré.
A “Acrópole” destaca ainda outro mural de Knispel, também produzido na FAAP. Ele foi
projetado para instalação em ambiente interno, também executado em lajotas, medindo 9,3 m x
2,7 m. Com o título de “Lendas do Amazonas”, o painel apresenta quatro índias com instrumentos
de caça em mãos, ao lado de um ramo de vegetação e de um cachorro. Uma destas índias é uma
repetição daquela vista de braços erguidos no mural das “Associadas”, contudo, ela segura uma
vara com aspecto diferente.

Montagem ilustrativa que representa a obra completa de Gershon Knispel para as Emissoras Associadas: na parte
superior, no 2º e 3º quadros, os únicos elementos que realmente foram instalados. O 4º quadro e toda a fileira
inferior contém figuras que foram excluídas do projeto original, mas que o artista acabou por executá-las em outros
painéis, cujas localizações são hoje desconhecidas. (Montagem: Maurício Viel; Fotos: Diário da Noite/Acrópole/
reprodução)

Diversas outras obras de arte foram produzidas por Gershon Knispel no ateliê da mesma
fundação, entretanto, com traços diferentes daqueles com motivos indígenas. Infelizmente, nem
1 “Será Inaugurado no Fim de Dezembro o Edifício das Emissoras Associadas”, Diário da Noite
[SP], 23/11/1959, p. 9.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 345

a própria FAAP sabe informar onde todos esses murais foram instalados1.

Gershon Knispel
O então jovem artista era assistente da Academia de Artes de München,
na Alemanha, quando resolveu vir ao Brasil para trabalhar e estudar
nossa arquitetura moderna. Estabeleceu-se em São Paulo no ano de
1957, quando já tinha enfrentado o período difícil da formação de Israel.
Como artista e ativista, Knispel já contava com reconhecimento de âmbito
internacional. Interessado na associação das artes plásticas figurativas à
arquitetura, começou a trabalhar com arquitetos brasileiros, com quem
estabeleceu uma forte ligação, entre os quais, Jorge Wilheim, João Kon e
Gregório Zolko, com quem trabalhou no edifício das Emissoras Associadas
de São Paulo. No Brasil, produziu diversas obras monumentais, algumas
delas ainda visíveis na Capital paulista, como uma escultura da Praça
Cinquentenário de Israel. O artista também foi responsável por diversos
murais instalados em halls de edifícios de São Paulo, onde também
usou os traços, materiais e técnicas dos painéis indígenas das Emissoras
Associadas. Knispel chegou a participar da elaboração de projetos para
construção de Brasília. Mudou-se para Israel em 1964, depois da instalação
do governo militar no Brasil. Gershon Knispel nasceu em 1932, na cidade
de Köln (Alemanha) e três anos depois se mudou com a família para Haifa,
em Israel, local mais seguro que seu país de origem, onde os nazistas
acabavam de chegar ao poder. De origem judaica, passou a infância e a
adolescência no convívio com árabes muçulmanos em territórios que,
alguns anos depois, seriam delimitados pela ONU para a formação do
estado judeu. Radicou-se e estudou na famosa escola de artes de Bezalel,
em Jerusalém. Teve uma trajetória vitoriosa, percorrendo o mundo com
sua arte e com uma mensagem de paz nas terras da Palestina. Defendeu o
comunismo e o convívio harmonioso entre árabes e judeus, apesar do ônus
pesado que suas atitudes acarretaram em Israel. Sua arte também tem
forte acento político, sobretudo as que realizou em Haifa, como “A Queda
do Terceiro Reich”, “Memorial do Soldado Desconhecido” e “Memorial de
Hannah Senesh”. Para expor seus trabalhos, chegou a voltar algumas vezes
ao Brasil, país com o qual ainda mantinha forte ligação. Morreu em 2018,
em Haifa, aos 86 anos. Sua militância política em favor da paz teve forte
repercussão através de artigos sobre a questão palestina que escrevia em
jornais e revistas do mundo inteiro, inclusive na revista brasileira “Caros
Amigos”. Os murais que Knispel concebeu para as Emissoras Associadas,
em 1959, tinham o objetivo de decorar e inserir arte na paisagem urbana,
bem como ressaltar a marca artística da TV Tupi. Hoje, como a emissora
não existe mais, a mesma obra passou a exercer o importante papel de
preservação da memória da televisão pioneira. (continua...)

1 Há alguns outros murais de Gershon Knispel na cidade de São Paulo que contam com os
mesmos traços empregados nos famosos murais do Sumaré. Eles decoram os halls dos edifícios
Condor (Rua São Vicente de Paulo, n° 365) e Cravinhos (Rua Cravinhos, nº 92); e um muro do
edifício Inajá (Alameda Barros, nº 676).
346 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

...O marcante trabalho de motivo indígena de Knispel poderá cumprir este


papel para todo o sempre, já que tem sua preservação garantida desde
2012, com o tombamento de toda fachada do prédio pelo patrimônio
histórico. A obra de Knispel está eternizada no alto da colina do Sumaré.

O artista plástico Gershon


Knispel, autor dos painéis
indígenas do edifício das
Emissoras Associadas.
(divulgação)

Conclusão das Obras do Edifício das Emissoras


Associadas

O engenheiro Dorvalino Mainieri, responsável pelas obras do edifício-sede das Emissoras


Associadas, foi morto tragicamente em um acidente ocorrido quando se dirigia às obras do
Sumaré, em julho de 1959. Com isso, os trabalhos foram levados adiante por seu sócio Mário
Ferronato, com a colaboração do engenheiro Gustavo Tupinambá Freire, chefe do Departamento
de Engenharia dos Diários e Emissoras Associados.
Mesmo com a perda inesperada de Mainieri, a conclusão das obras civis se deu em apenas 11
meses, em janeiro de 1960. Depois, foram necessários mais 30 dias para instalar toda a moderna
aparelhagem técnica das três emissoras de rádio pela equipe do engenheiro Alberto Maluf.
Em entrevista ao jornal “Nossa Voz” (08/12/1959, p. 10), de São Paulo, o arquiteto Gregório
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 347

Zolko explicou que a rapidez na execução das obras se deu pela “perfeita harmonia de trabalho
e cooperação entre a firma construtora, o arquiteto e os demais colaboradores”.
As obras resultaram numa obra-prima de funcionalidade, aliada à beleza e modernidade de suas
linhas. O edifício tornou-se um monumento arquitetônico da maior cidade do país e um símbolo
das Emissoras Associadas, que passou a dominar a paisagem do formoso bairro do Sumaré.

De Casa Nova

O Sumaré, onde está localizada a “Cidade do Rádio” das Emissoras


Associadas de São Paulo, está passando por novas e importantes
reformas. Ficou concluído e está em plena utilização o novo e
moderno prédio onde ficaram situadas as rádios Tupi, Cultura
e Difusora e a administração geral da “Cidade do Rádio”. E, as
antigas instalações das Emissoras [Associadas] serão transformadas
em novos e imponentes estúdios de televisão. Dessa forma, a TV
Tupi passará a contar com mais quatro grandes estúdios e novas
instalações para as partes técnicas. (“Parque de Rádio e TV”, Diário
da Noite [RJ], 05/04/1960, p. 7)
Edmundo Monteiro prepara celebrações de gala para a inauguração
do moderno edifício do Sumaré, onde ficarão instaladas a Tupi, a
Difusora e a Cultura. (Correio Paulistano, 02/02/1960, 1º Caderno,
p. 3)

O moderno restaurante foi o primeiro setor a funcionar no edifício-sede da Avenida Prof. Alfonso
Bovero, nº 52. Na noite de 25 de fevereiro de 1960, um cocktail foi oferecido para jornalistas e
funcionários das Emissoras Associadas, simbolizando a inauguração. Atrás do balcão da cafeteria,
foi fixado um quadro com uma frase do patrono Assis Chateaubriand, que enaltecia a qualidade
do café paulista. O radialista Homero Silva discursou em nome dos companheiros de trabalho,
frisando que a preocupação da direção da empresa com o bem-estar de seus funcionários fez
com que a inauguração do restaurante fosse viabilizada mesmo antes do início das atividades no
edifício.

Inauguração

Em meio a planos de transformação da antiga Cidade do Rádio, “no maior e mais completo
parque de rádio e TV do Brasil”, foi inaugurado o novo edifício das Emissoras Associadas. No
entanto, estranhamente, os jornais da cadeia “Associada” não informaram quando e como se
deu a cerimônia oficial de inauguração. O “habite-se” do edifício foi emitido pela Prefeitura
de São Paulo no dia 8 de abril de 1960 e, logo após esta data, os jornais da “cadeia associada”
começaram a noticiar a mudança de alguns setores para a nova sede. Entretanto, a atriz pioneira
348 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Vida Alves1 informou que a inauguração se deu após todo o edifício já ter entrado em operação,
em uma cerimônia que teria ocorrido em 28 de setembro de 1960.
A inauguração do edifício-sede das Emissoras Associadas de São Paulo foi o maior símbolo
das comemorações dos 10 anos da TV Tupi, celebrados naquele mês de setembro de 1960. Ela
marcou, também, a força da organização “Associada”, que considerava aquele como o primeiro
dos grandes investimentos em infraestrutura e tecnologia previstos para o complexo de rádio e
televisão do Sumaré.
A primeira emissora a instalar-se no novo prédio foi a Rádio Cultura - 1300 KHz, no início
de abril, mudando-se do Palácio do Rádio para a Cidade do Rádio. A emissora ocupou um
pequeno estúdio do 3° andar, visto que, sob o comando das Emissoras Associadas, a Rádio
Cultura “encolheu” e limitou-se a tocar programação musical em fonogramas (discos), refletindo
as grandes transformações que o meio rádio estava passando. Com o slogan “Música, Sempre
Música”, a cada intervalo da Rádio Cultura havia somente um anúncio, mas com custo dobrado
para o anunciante. Esta era uma linha adotada pela também coirmã Rádio Tamoio do Rio de
Janeiro, que, por sua vez, copiou o estilo da Rádio Eldorado carioca, que recebia altas verbas
publicitárias e “agitou” as emissoras com custosos elencos de famosos. Um anúncio informou
que a Cultura operava das 6h às 2h “com as mais belas músicas do Brasil e do mundo”, com a
seleção musical realizada pelo especialista Renato Macedo (diretor-artístico) e equipe formada
por Magno Salerno, Humberto Marçal, Francisco Sandy e pelo maestro Bernardo Federowski.
Ainda sobre as mudanças para o novo prédio, foi divulgado que a grandiosa discoteca das
“Associadas” se instalou no 4º andar durante o mês de julho e que a Rádio Tupi passou a operar
do 2º andar no dia 28 do mesmo mês.

“Monumento ao Rádio” é como pode ser chamado o edifício próprio que


as Emissoras Associadas acabam de inaugurar no Sumaré. Não se trata
apenas de um colosso de dez andares, que obedece funcionalmente
à técnica moderna, porém de um todo, que vai desde a decoração, por
artista renomado, até o restaurante, amplo e de ambiente agradável,
planejado para acomodar as unidades “Associadas” paulistas, juntando-
as como em família para trabalho racional e de melhor rendimento. O
prédio mais novo da “Cidade do Rádio” testemunha, sobretudo, a pujança
alcançada pelo rádio e pela TV em São Paulo. Não é errôneo supor que
os recursos para a sua construção saíram do lucro proporcionado anos e
anos pelas rádios Tupi-Difusora, TV Tupi e Rádio Cultura. Tal o resultado
do trabalho de seus artistas, funcionários e dirigentes, conjugando, em
sentido popular, a publicidade e a atração artística ou noticiosa. Longe
vão os tempos da engatinhante e acanhada [Rádio] Tupi da Rua 7 de Abril
(continua...)

1 “TV Tupi - Uma História de Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:219.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 349

...Se a inauguração do imóvel orgulha o pessoal do Sumaré? É bem possível


que sim, porque afinal permanece o sentimento de ajuda para erguê-lo
e sempre há mais conforto no trabalho. Resta agora desfrutar as novas
condições existentes em sentido de melhores realizações, justificando
aquele monumento ao rádio, como ele mesmo reafirma o prestígio das
“Associadas” em São Paulo. (Arnaldo Câmara Leitão, Radiolândia, nº 315,
16/04/1960 p. 30)

Postos Avançados
Durante o ano de 1960, as Emissoras Associadas montaram dois postos
avançados. Em um deles, o Departamento Cinematográfico, responsável
pela produção das reportagens da TV-3, chefiado por João Batista Lemos
e Jorge Kurkjian, ganhou instalações que ocuparam todo o 7º andar do
edifício Guilherme Guinle, na Rua Sete de Abril. Em busca de notícias pelo
mundo, 24 horas por dia, o setor era composto por técnicos, redatores,
cinegrafistas, iluminadores, laboratoristas e editores. O outro posto
avançado foi inaugurado em 1º de agosto, com dois estúdios auxiliares
para as rádios Tupi e Difusora, instalados juntos à redação dos Diários
Associados, no 1º andar do mesmo edifício. A proposta era obter
melhor rendimento de trabalho, ampliando as possibilidades técnicas.
Os noticiários das rádios Tupi e Difusora — inclusive o famoso “Repórter
Esso” — passaram a ser transmitidos direto dos novos estúdios da Sete de
Abril, que dispunham de salas de controle independentes e um Controle
Geral. Ao lado do Departamento do Teletipo foram construídas oito
cabines telefônicas, que se mantinham ligadas com importantes centros
noticiosos do Brasil e do exterior.
350 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

TV Tupi Completa 10 Anos no Ar


A programação especial de aniversário de 10 anos da TV Tupi-Difusora
iniciou-se no dia 10 de setembro de 1960, com uma grandiosa festa
realizada no cassino do Ilha Porchat Clube, em Santos (SP). Diversas
apresentações foram estreladas pelo elenco da emissora, revivendo
alguns dos programas exibidos na última década. O destaque foi o show
da atriz norte-americana Julie London, estrela do cinema musical. Outro
destaque foi a transmissão do show de encerramento do grande concurso
“Homenagem Cinzano à Canção Brasileira”, direto do Teatro Municipal de
São Paulo. As festividades dos 10 anos de TV Tupi se encerraram no exato
dia do aniversário da inauguração da emissora, 18 de setembro, com um
espetáculo infantil transmitido direto do ginásio do Clube Banespa, em
São Paulo.

(reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 351

CAPÍTULO 29
NOVO LOCAL DE TRANSMISSÃO E A MIGRAÇÃO PARA O
CANAL 4

O Ministro da Viação e Obras Públicas encaminhou ao sr. presidente


da República o resultado dos estudos promovidos pela Comissão
Técnica de Rádio, em referência ao número de canais de televisão
da Capital de São Paulo. Esclarece o titular da pasta da Viação,
em sua exposição de motivos, na viabilidade de São Paulo contar
com mais de um canal de TV desde que se suprima o de número 3.
Colocando em seu lugar os canais 2 e 4. Destarte, São Paulo ficará
com sete canais de televisão, ao invés de seis. Ou seja, os canais
2, 4, 5, 7, 9, 11 e 13. Eis o despacho exarado pelo Senhor Getúlio
Vargas na exposição ministerial: “Aprovo a nova classificação dos
canais de televisão em São Paulo, feita pela Comissão Técnica de
Rádio. Devendo, porém, a concessionária que atualmente ocupa o
canal 3, Rádio Difusora São Paulo S/A [TV Tupi], transferir-se para
o canal 4, dentro de prazo razoável, que será marcado pela mesma
comissão, levando em conta as condições técnicas e financeiras
desta transferência. Em consequência, reformo em parte o despacho
proferido a 15 do corrente, na exposição de motivos nº 379 de 1951.
A fim de que conceda o canal 5 à Rádio Televisão Paulista S/A e o
canal 2 à Fundação Cásper Líbero, comissionada à utilização deste
último canal ao término da referida transferência”. (transcrição de
reportagem veiculada em “A Hora do Brasil”, 28/01/1952)
Rádio Difusora São Paulo, S.A., concessionária do serviço de
radiotelevisão, na cidade de São Paulo, ocupando presentemente o
canal de televisão n.º 3, deverá, atendendo ao resolvido pelo Senhor
Presidente da República, na Exposição de Motivos n.º 45 de 1952,
transferir-se para o canal n.º 4. Despacho: Ratifico a fixação do prazo
até 4 de novembro de 1953. (Diário Oficial da União, 19/01/1953, p.
964)

N
o início de 1952, já eram três as concessões de televisão outorgadas pelo governo na
Capital paulista, todas para operação na faixa de VHF (Very High Frequency), que
compreende os canais 2 a 13. A TV Tupi - Canal 3 era a única no ar naquela época,
sendo que a TV Record - Canal 7 estava em montagem e a TV Excelsior - Canal 9 somente no
projeto. No entanto, mesmo com altos juros para financiamentos e duras restrições com divisas
em dólares, um número expressivo de empresas estava requerendo concessões de televisão para
operar em algumas cidades do Brasil. Como boa parte destes requerimentos visava operar na
352 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

cidade de São Paulo, o governo federal precisaria explorar todos os sete canais que a faixa VHF
comportava, podendo outorgar mais quatro emissoras na Capital paulista. Para tanto, algumas
mudanças técnicas deveriam ser avaliadas, pois a atual disposição das emissoras “no seletor”
permitia o máximo de seis canais em operação.
Primeiro, de forma paliativa, a Comissão Técnica de Rádio (CTR) — órgão que controlava as
telecomunicações no país — encontrou uma solução no mínimo curiosa, que já abordamos no
Capítulo 25, mas que é importante ser detalhada aqui. O governo outorgou o canal 11 para a TV
Cultura, o canal 13 para a TV Bandeirantes e o canal 5 conjuntamente para a TV Paulista e TV
Gazeta, ou seja, deveria haver o compartilhamento de 50% dos horários entre duas estações em
um mesmo canal. A medida foi prontamente contestada pelas emissoras envolvidas e, logo em
seguida, o governo solicitou estudos técnicos para avaliar a possibilidade de subir para sete o
número total de canais de TV em São Paulo.
Para isso, foram realizados estudos que acabaram com a suspeita de que uma emissora que
operasse no canal 4 de São Paulo pudesse interferir no futuro canal 4 do Rio de Janeiro — a estatal
TV Nacional1 — e vice-versa. Isso porque a faixa de frequência do canal 4, especificamente,
tem características físicas que beneficiam a propagação do sinal a grandes distâncias. Com esse
resultado favorável, a CTR passou a realizar outros estudos e propôs uma nova classificação
dos canais de São Paulo, a fim de incluir o canal 2. Para isso, o órgão apontou a necessidade de
que a TV Tupi deixasse vago o canal 3 e ocupasse o privilegiado canal 4, já que não havia como
operar, simultaneamente, nos canais 2 e 3, ou 3 e 4, devido a uma provável interferência mútua2.
Com esta solução encontrada para adicionar um canal na faixa de VHF de São Paulo, a nova
classificação da CTR foi publicada no final de janeiro de 1952, propondo que a concessão do
canal 2 fosse outorgada para a TV Gazeta, deixando o canal 5 exclusivo para a TV Paulista.
Contudo, o canal 2 poderia entrar no ar somente após a Tupi migrar para o canal 4, algo que
deveria acontecer em prazo razoável, a ser estabelecido.
À TV Tupi, caberia trocar sua antena RCA TF-3A, preparada para transmitir apenas no canal
2 ou 3, e alterar a frequência de seu transmissor instalado no edifício do Banco do Estado de
São Paulo. Contudo, a diretoria da emissora, que já desejava encomendar um transmissor mais
potente para o Canal 3, como veremos adiante, faria a troca aproveitando o ensejo da migração
obrigatória para o canal 4, cujo prazo estipulado se encerraria no dia 4 de novembro de 1952.
Como a TV Gazeta enfrentava diversos problemas administrativos e burocráticos para poder
entrar no ar, alguns pedidos de prorrogação de prazo tiveram que ser feitos pela sua mantenedora,
a Fundação Cásper Líbero. Em setembro de 1955, foi concedido um prazo adicional de dois anos
para colocar sua emissora no ar e, na mesma portaria, à TV Tupi — cuja razão social era Rádio
Difusora São Paulo S/A — foi dada uma espécie de desobrigação para executar a migração para

1 Devido a esta possibilidade de excelente propagação do canal 4, a TV Nacional do Rio de Janeiro


enfrentou problemas políticos e perdeu seu canal 4 para a TV Globo, ficando com o canal 2. A
história da implantação da TV Nacional não acabou bem, pois, após muitos anos de adiamento
para sua inauguração — mesmo com os equipamentos comprados e ainda embalados — a
emissora estatal, vinculada à famosa Rádio Nacional do Rio de Janeiro, acabou não estreando.
Neste caso, há quem atribua esse fato a uma intervenção feita por Assis Chateaubriand junto
ao governo de Juscelino Kubitschek. Chatô não desejava ver uma nova estação de televisão
concorrente, controlada pela gigante Rádio Nacional.
2 A norma das telecomunicações estabelecia que houvesse sempre um canal de TV vago
entre dois ocupados. É importante dizer que, apesar de os canais 4 e 5 serem numericamente
sequenciais, suas frequências de operação são separadas por 5 MHz, suficientes para que não
haja interferências.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 353

o canal 4 em prazo pré-determinado, nos seguintes termos:

[...] Autorizar a Rádio Difusora São Paulo S/A a manter-se em


funcionamento no canal 3, até que seja terminada a mencionada
instalação do canal 2, quando, então, ficará obrigada a transferir
para o canal 4 a estação de rádio-televisão de que é concessionária
[...]. (Portaria n° 751, de 06/09/1955, Diário Oficial da União,
30/09/1955, p. 18348)

Em 1957, findo o novo prazo concedido para a inauguração da TV Gazeta, a emissora ainda
não estava pronta para entrar no ar. O governo, então, publicou uma portaria que tornou caduca
aquela concessão do canal 2 de São Paulo e determinou que a futura emissora de televisão
da Rádio Cultura de São Paulo - “A Voz do Espaço” ocupasse o canal 21, deixando vago o
canal 11. No ano seguinte, entretanto, a Fundação Cásper Líbero conseguiu conquistar uma nova
concessão para São Paulo, junto ao presidente da República Juscelino Kubitschek. A portaria foi
publicada em 26 de janeiro de 1959, mas agora a emissora deveria ocupar o remanescente canal
11. No entanto, dois anos após a grande luta travada para garantir sua concessão de televisão, a
Cásper Líbero ainda não tinha conseguido colocar a emissora no ar e, por isso, enfrentaria outro
duro golpe: em 1961, o mesmo Juscelino Kubitschek, já nos últimos dias de seu mandato, editou
um ato que revogou a concessão do canal 11 e a outorgou para a TV Continental, uma emissora
que já operava havia dois anos no canal 9 do Rio de Janeiro e agora também queria transmitir
para São Paulo. Felizmente, após uma rápida movimentação da Cásper Líbero, Jânio Quadros, o
novo presidente da República, devolveu a outorga do canal 11 à TV Gazeta logo no seu primeiro
decreto publicado. Os problemas enfrentados pela Fundação Cásper Líbero continuaram e a TV
Gazeta conseguiu entrar no ar apenas em janeiro de 1970, como citado no Capítulo 25.

Repercutiu de forma favorável a anunciação das concessões dadas


para o rádio e televisão. A esta altura, o Rubens Berardo, seu maior
colecionador [de concessões], deverá estar de enxaqueca. Pois o JQ
[Jânio Quadros] acabou com o seu brinquedo. (São Paulo na TV, nº
96, 13-19/02/1961, p. 25)

Em 1958, os problemas para a estreia do canal 2 de São Paulo se estendiam, pois a montagem da
TV Cultura também não tinha sido realizada. Pior, sequer havia começado. Quatro anos antes,
também foi expedida uma prorrogação de prazo para a emissora poder entrar no ar. No entanto,
como já amplamente abordado no Capítulo 27, naquele ano de 1958, a família Fontoura vendeu
1 Tecnicamente é mais favorável que uma emissora de televisão opere no canal 2 do que no
canal 11, devido uma melhor propagação das ondas.
354 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

o controle acionário da Rádio Cultura S/A justamente para as Emissoras Associadas de Assis
Chateaubriand, transação que incluiu a concessão do canal 2 de São Paulo, o maior interesse
do magnata das comunicações. Ou seja, as “Associadas”, que aguardavam por anos a data de
inauguração do canal 2 (primeiro da TV Gazeta e depois da TV Cultura) para poder realizar
a migração do canal de operação da sua TV Tupi, é que acabaram ficando responsáveis por
colocar o próprio canal 2 no ar. Agora, um grande plano de expansão de infraestrutura deveria ser
traçado, a fim de integrar a Rádio e a TV Cultura na Cidade do Rádio, bairro do Sumaré.

Um Novo Projeto de Transmissão Para a TV Tupi

A propagação do sinal do Canal 3 da TV Tupi de São Paulo sempre teve bom alcance e nitidez.
Em 1959, inclusive, o então diretor-geral da emissora, Cassiano Gabus Mendes, declarou para
a revista “Radiolândia”1 que as imagens viajavam muitos quilômetros, chegando a todo o Vale
do Paraíba e seguiam na direção de Pindamonhangaba (SP). Revelou, inclusive, casos raros de
extrema propagação, favorecidos por condições climáticas temporárias, quando telespectadores
acusaram recepção direta em cidades de Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e até na cidade de
Buenos Aires, na Argentina. Este último caso foi festivamente retratado pelo jornal “Diário da
Noite” em 1954, quando um argentino começou a enviar cartas ao Sumaré, acusando a recepção
da TV-3. Eufórico, ele anexava fotografias para demonstrar a boa imagem que estava recebendo
a cerca de 2240 km de distância. “Som e imagem da PRF3-TV continuam em perfeita recepção
na Capital argentina”, estampou a matéria do “Diário da Noite”2.
Entretanto, mesmo com o bom desempenho da estação, havia algumas regiões importantes
da Capital paulista e do interior onde o sinal do Canal 3 precisava ser melhorado, já que
apresentava algumas distorções. Uma dessas áreas paulistanas compreendia os bairros dos
Jardins, Pinheiros e Butantã, prejudicados pela colina da Avenida Paulista. Desde 1952, como
já mencionado, a emissora já cogitava trocar seu transmissor, projeto que acabou suspenso por
estar estrategicamente atrelado à migração para o canal 4, obrigatoriedade adiada várias vezes
pelo governo. Eis uma nota, datada de 1952, que retrata os primeiros movimentos realizados para
aumentar a potência do Canal 3:

Seguiu ontem para os Estados Unidos, por via aérea, o sr. Mario
Alderighi, um dos diretores-técnicos da PRF-3 TV e das Emissoras
Associadas de S. Paulo. O sr. Alderighi, que viaja a serviço da
organização associada, aperfeiçoará ainda mais seus conhecimentos
sobre televisão, e tratará dos pormenores para a aquisição e
embarque de um novo transmissor de TV para S. Paulo, mais moderno
e mais potente do que o atual. (“Seguiu Para os EE. UU. o sr. Mário
Alderighi”, Diário da Noite [SP], 21/01/1952, p. 9)

1 “Grande Alcance da Imagem dos Três Canais de TV”, Lyba Frydman, Radiolândia, nº 255,
21/02/1959, p. 68.
2 “Som e Imagem da PRF3-TV Continuam em Perfeita Recepção na Capital Argentina”, Diário da
Noite, 25/03/1954, p. 15.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 355

Nos dias de hoje, as emissoras de rádio e televisão operam com potências


muito maiores do que as utilizadas entre os anos 1950-70. Contudo,
elas têm alcance extremamente inferior que naquela época. As estações
paulistanas de TV analógica da faixa de VHF, por exemplo, que operaram até
2017 com potência de 60 kW nos transmissores, tinham um raio de alcance
médio de 50 km. Ou seja, o atual excesso de sinais de radiofrequência e o
alto índice de ruídos na atmosfera, somados às inúmeras barreiras físicas
que foram construídas ao longo dos anos — essencialmente edifícios —,
restringiram muito o alcance das emissoras de radiodifusão.

O novo prédio abrigará as Rádios Tupi, Difusora e Cultura, ficando


o já existente para a TV3 e a futura TV Cultura. (Revista do Rádio, nº
507, 06/06/1959, p. 63)

De acordo com o que foi relatado no capítulo anterior, em 1958 as Emissoras Associadas de São
Paulo retomaram o projeto de seu novo edifício-sede e iniciaram as obras no ano seguinte, com
o objetivo de reorganizar as instalações do complexo de televisão do Sumaré, que “absorveria”
as emissoras de rádio e alguns setores da administração das empresas, deixando todos os prédios
mais antigos para uso exclusivo da TV Tupi. Algumas alterações deveriam ser feitas no projeto,
pois as recém-adquiridas Rádio e TV Cultura deveriam ser integradas no complexo. A principal
mudança aconteceu em função da necessidade de agora haver dois parques distintos para a
transmissão dos canais 2 e 4, sendo que um deles ficaria sobre o novo edifício. Definiu-se,
portanto, que a TV Tupi passaria a transmitir do Sumaré e a estação mais antiga, no topo do
edifício do Banco do Estado de São Paulo, ficaria com a estreante TV Cultura.
Como a cota da base1 do terreno do novo edifício das Emissoras Associadas era de 823 m, os 48
m do próprio edifício e os 29 m da torre a ser construída fariam com que o ponto mais alto da
nova antena da TV Tupi ficasse a 905 m de altura, algo muito favorável. Mesmo que ela ficasse
cerca de 15 m mais baixa que a do edifício do Banco do Estado de São Paulo, a localização
no Sumaré era mais propícia para a transmissão de TV que o centro da cidade, pois não havia
colinas ou quaisquer outras barreiras próximas.
Outro fator favorável para a mudança do local de transmissão da Tupi para o Sumaré foi a
centralização de suas centrais de geração e transmissão, até então separadas por 4,8 km de
distância. Desde a inauguração da emissora, em 1950, as imagens eram geradas no complexo
do Sumaré e enviadas por link de micro-ondas para o transmissor do centro de São Paulo, no
edifício do Banco do Estado de São Paulo, de onde, via canal 3, partia o sinal para os receptores.
Como já dito, o problema era que, naquela época, transportar o sinal entre essas duas centrais

1 Utiliza-se o termo “cota da base” para definir a altitude do solo em relação ao nível do mar.
356 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

causava certa perda na qualidade final da imagem e do som e, como é preciso que as antenas
transmissoras de TV sejam fixadas a uma considerável altura mínima em relação ao solo (sobre
um prédio ou uma torre), a Cidade do Rádio nunca pôde oferecer essas condições à TV Tupi.
Mesmo situada numa das maiores altitudes da cidade de São Paulo, o que é um ponto muito
favorável, as instalações do Sumaré não contavam com um edifício de altura elevada e tampouco
dispunha de espaço para erguer uma grande torre de TV. É por este motivo que os engenheiros
da RCA e das Emissoras Associadas optaram por instalar, quando da inauguração do Canal 3,
o transmissor e a antena da emissora pioneira em um local distante da central de exibição, mas
que oferecia condições muito favoráveis para a propagação do sinal. Somente em 1959, após
a aquisição de um terreno vizinho à Cidade do Rádio e a construção do novo edifício-sede, as
“Associadas” ganharam uma base de 10 andares — ou 48 m de altura — para erguer uma torre
e assim resolver o problema da distância entre as centrais técnicas.
Dentre as três emissoras de TV que operavam em São Paulo na virada dos anos 1960, como já
citado, a TV Paulista - Canal 5 era a única que gerava suas imagens junto ao transmissor. O caso
da TV Record - Canal 7 era idêntico ao da TV Tupi, pois seus estúdios ficavam no bairro de
Moema (Avenida Miruna) e seu sinal era enviado para a Rua Frei Caneca (região da Avenida
Paulista), de onde era retransmitido aos telespectadores.

A primeira sede da TV Paulista - Canal 5,


que ficava na Rua da Consolação, esquina
com a Avenida Paulista: estúdios e torre de
transmissão em um mesmo local. (Revista
Monitor de Rádio e Televisão/reprodução)

A encomenda dos novos equipamentos de transmissão do futuro Canal 4 foi concretizada em


1956, numa ação conjunta entre as Emissoras Associadas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Dois
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 357

transmissores1, modelo TT-6AL, foram adquiridos junto à fabricante norte-americana RCA-


Victor. Ele era compatível com o sistema em cores NTSC e contava com potência de 6 kW,
que chegaria a 30 kW em função do ganho obtido com a nova antena RCA, modelo TF-5CM,
com cinco elementos irradiantes tipo Superturnstile. Esta antena foi comprada para a operação
da Tupi de São Paulo, mas para a do Rio de Janeiro, optou-se por encomendar uma da marca
Siemens.
Uma reportagem de “A Gazeta Esportiva” (10/08/1958, p. 31) informou que o novo transmissor
da TV Tupi de São Paulo seria instalado no 3º — e último — pavimento do novo prédio do
Departamento de Publicidade, em construção na Cidade do Rádio. Não há informações mais
detalhadas, contudo, é possível que a primeira versão do projeto de migração do parque de
transmissão da TV Tupi do edifício do Banco do Estado de São Paulo, no Centro, para o Sumaré,
tenha previsto que as instalações não fossem feitas sobre o novo edifício-sede de 10 andares,
como acabou acontecendo. Por algum motivo, sequer haveria uma torre sobre ele. Chama
atenção as características desse projeto, pois o novo prédio da Publicidade era baixo, contava
apenas com 13 m de altura e, sobre ele, havia pouco espaço para erguer uma torre relativamente
alta, como se faz necessário.

“O Sumaré Ficará Mais Alto”

O Presidente da Comissão Técnica de Rádio, [...] atendendo ao


que requereu a Rádio Difusora São Paulo S.A., concessionária
de serviço de televisão na cidade de São Paulo - S.P., e tendo
em vista o Parecer número 99, de 5 de março do corrente
ano, da Comissão Técnica de Rádio, resolveu aprovar:
a) O novo local, situado no bairro do Sumaré, na Cidade de
São Paulo - S.P., assinalado nas plantas, que com esta baixam,
rubricadas pelo Diretor da Secretaria da referida Comissão,
onde a Rádio Difusora São Paulo S.A. deverá instalar o
transmissor e sistema irradiante de sua estação televisora;
b) As especificações técnicas, diagramas, plantas e orçamento
anexos rubricados, também, pelo mesmo Diretor, relativos ao
equipamento da estação televisora que a referida entidade tem
autorização para instalar naquela cidade, constituído do seguinte:
- Transmissor RCA, tipo TT-6AL, com potência máxima de vídeo
de 6 kW e potência máxima de som de 3,15 kW; desenho com as
especificações mecânicas e elétricas da antena de 5 seções sobrepostas;
- Diagrama de bloco e esquema do referido transmissor. (Portaria
n.º 8-CTR, de 25/03/1959, Diário Oficial da União, 31/03/1959, p.
6849)

Com a definição de que o novo parque técnico da TV Tupi seria montado no 10º andar do novo
edifício-sede (e a torre sobre o mesmo edifício), o projeto-técnico foi encaminhado ao Ministério
1 A TV Tupi - Canal 6 do Rio de Janeiro instalou um amplificador de 25 kW em seu transmissor
RCA TT6-AL, convertendo-o para o modelo TT25-BL e chegando a uma incrível potência final de
200 kW.
358 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

da Viação e Obras Públicas. A autorização foi publicada no dia 31 de março de 1959, quando as
obras do edifício-sede estavam se iniciando. A migração do canal de operação da TV Tupi foi
marcada para acontecer logo após a conclusão das obras, nove anos após a publicação do decreto
que oficializou esta migração pela primeira vez, com o objetivo de abrir espaço para o sétimo
canal de televisão de São Paulo entrar no ar: a TV Cultura - Canal 2.
Com a TV Tupi operando do Sumaré no canal 4, a irmã caçula TV Cultura estaria pronta para ser
inaugurada poucos dias depois, assumindo o transmissor pioneiro de televisão no Brasil, o RCA
TT5-A, com 5 kW de potência. Apesar de estar em operação nos altos do edifício do Banco do
Estado de São Paulo havia quase 10 anos, tinha boas condições e não era obsoleto. O processo de
troca do canal de operação nesse antigo transmissor foi algo muito simples de ser feito, tal qual
a manutenção geral a que ele foi previamente submetido.

“Do alto do edifício, de onde se descortina uma das mais belas vistas
panorâmicas da cidade, a [nova] torre levará mais longe o som e
as imagens das Emissoras Associadas de São Paulo, agora sob o
mesmo teto”. (“Associadas Ganharam Casa Nova”, A Cigarra, nº 8,
agosto de 1960, p. 61)
Tecnicamente falando, o levantamento da torre do Canal 4 no novo
prédio Associado do Sumaré, foi um feito. Feito comentado, inclusive,
por publicações especializadas. Feito que se deve ao eng. Gustavo
Tupinambá Freire, chefe do Dep. de Engenharia dos “Diários e
Emissoras Associados” de S. Paulo. Ele, com o auxílio de poucos
homens, levantou, num andaime especialmente montado pela
Mannesmann, a enorme e pesada torre de TV. (Diário da Noite [SP],
12/07/1960, p. 4)

Estrutura provisória erguida desde o solo para


levar materiais até o topo do edifício e realizar a
montagem da nova torre do Canal 4. (A Cigarra/
George Torok/reprodução)

As obras do edifício-sede foram concluídas no prazo, em dezembro de 1959. No mês seguinte,


ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 359

iniciaram-se a instalação do novo transmissor RCA TT-6AL e a montagem da nova torre de


transmissão da TV Tupi-Difusora - Canal 4. Para tal, foi construída uma gigantesca estrutura
provisória em aço e ferro, com 80 m de altura, muito similar à usada para erguer a primeira
antena da PRF3-TV, em 1950, no edifício do Banco do Estado de São Paulo (ver Capítulo 11).

A grande estrutura provisória foi montada desde o solo, erguendo-se pela lateral esquerda do
novo edifício, chegando a sobrepô-lo em mais de 30 m. A estrutura utilizou tubos metálicos da
Construções Tubulares Mannesmann S/A, uma empresa siderúrgica de origem alemã com filial
em São Paulo (no ano 2000 ela foi “absorvida” pela empresa Vodafone). No ponto mais alto da
armação, um sistema hidráulico para erguer todas as peças da torre e da antena.
Quando concluída, a torre ficou com 8 m de largura e 29 m de altura. Considerando a metragem
do edifício, seu ponto mais alto ficou a 87 m do solo, onde o vento soprava a 130 km/h, segundo
uma reportagem sobre as atividades da Mannesmann. O peso total foi de 2500 kg. A antena
de fabricação RCA, modelo TF-5CM Superturnstile, era semelhante à utilizada com sucesso
na torre do Banco do Estado de São Paulo, porém, com dois elementos irradiantes a mais,
totalizando sete. A supervisão técnica de montagem da torre do Sumaré foi feita pelo diretor-
técnico das “Associadas”, Alberto Maluf, e pelo engenheiro Gustavo Tupinambá Freire, chefe
do Departamento de Engenharia dos Diários e Emissoras Associados. A previsão era que o início
das transmissões da TV Tupi no Sumaré acontecesse na primeira semana de abril e a estreia da
TV Cultura em meados de maio.

As Operações das Emissoras Associadas em FM


No mês de maio de 1961, em São Paulo, foram concluídas as instalações
de todo equipamento para transmissão das rádios Tupi, Difusora e Cultura
na faixa de Frequência Modulada (FM), sistema então utilizado para
enviar os sinais do Controle Geral destas emissoras até suas estações
retransmissoras de Ondas Médias (OM) e Ondas Curtas (OC), localizadas
na periferia da cidade. O engenheiro Gustavo Tupinambá Freire e sua
equipe (continua...)
360 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

...foram os responsáveis pela montagem desses equipamentos no 10º


andar do novo edifício-sede. Nessa época, a Rádio Tupi transmitia em AM
e OC a partir da Avenida Eng. José Salles, Jd. Marabá, na Zona Sul de São
Paulo, próximo ao Autódromo de Interlagos. Já a Rádio Difusora AM - 960
KHz tinha seu parque de transmissão localizado na Rua Álvares de Azevedo,
n° 174, na Vila Sofia, também na Zona Sul, região da Chácara Flora, e a
Rádio Cultura AM - 1300 KHz transmitia do bairro da Água Branca, na Zona
Oeste. Para ligar os estúdios com os distantes transmissores, as Emissoras
Associadas se utilizavam das frequências de FM 88,9 MHz (PRE4-FM
Rádio Cultura), 91,3 MHz (PRF3-FM Rádio Difusora) e 96,9 MHz (PRG2-
FM Rádio Tupi). Todas transmitiam com 250 watts de potência através de
suas pequenas antenas modelo Turnstile. Junto ao surgimento da FM para
estabelecer os referidos links, em 1958 também surgiram as primeiras
estações de rádio FM para transmissão de programação comercial
exclusiva para a audiência e com potência mais alta: 3 kW. Em São Paulo,
elas eram a Rádio Eldorado - 92,9 MHz, Rádio Difusora Hora Certa - 98,5
MHz e a Rádio Imprensa - 102,5 MHz, que, ressaltando, não eram estações
de link, mas de broadcasting — para todo o público, com alcance geral —,
bastando possuir um receptor de FM para sintonizá-las.

O emblemático e potente parque de


transmissão da Rádio Tupi de São
Paulo - 1040 KHz, situado próximo
ao Autódromo de Interlagos. (Acervo
Família Mainieri)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 361

Transmissões Experimentais do Novo Canal 4


A imagem de prova do novo Canal 4 passou a ser exibida oficialmente no dia 4 de julho de 1960,
quando o técnico responsável, Igold Knoch, passou a transmitir imagens estáticas do padrão de
ajuste técnico (test-pattern). O objetivo era que a emissora regulasse sua nova imagem, que o
público já passasse a reposicionar devidamente suas antenas externas e desse um retorno sobre
a qualidade da recepção. Para isso, a emissora dispôs de um técnico de plantão no Sumaré, para
atender o telespectador por telefone.
As transmissões experimentais do Canal 4 foram programadas para irem ao ar diariamente
em dois turnos, em momentos em que não houvesse transmissão da programação normal da
emissora no Canal 3. Isso porque, como dito, não era possível colocar no ar os canais 3 e 4
simultaneamente, pois iriam interferir um no outro. Como a programação da TV Tupi se iniciava
somente ao meio-dia, o primeiro turno de experiências do Canal 4 era feito entre 7h e 11h30.
Logo que o novo transmissor do Sumaré encerrava os testes, ele era desligado e, com isso, os
técnicos podiam acionar o transmissor do Canal 3 no centro da cidade, que transmitia o padrão
de ajustes até o meio-dia, quando iniciava a programação. Às 15h, a TV Tupi costumeiramente
fazia uma pausa de 150 minutos em sua programação, período em que se aproveitou para realizar
o segundo turno de transmissões experimentais do Canal 4. Às 15h, o transmissor RCA TT5-A
do Canal 3 passou a ser desligado e, 10 minutos depois, entrava no ar o novo RCA TT6-AL do
Canal 4, no Sumaré, novamente com imagens do padrão de ajustes. Esse sinal era transmitido até
as 17h20, ou seja, até 10 minutos antes de a programação normal ser retomada pelo transmissor
do Canal 3, que seguia no ar até o fim de noite.
Fato curioso é que, entre os dias 4 e 8 de julho, o telespectador paulista pôde sintonizar o sinal
de prova de duas emissoras: a TV Tupi - Canal 4 e a TV Excelsior - Canal 9. As operações
experimentais do Canal 9 iniciaram-se em 20 de maio e a inauguração da emissora aconteceria
no dia 9 de julho, passando a travar uma grande briga pela audiência com a Tupi.

O técnico Igold Knoch durante a transmissão


experimental do novo Canal 4. (Diário da Noite/
reprodução)
362 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O transmissor da TV Tupi - Canal 4 de São


Paulo, fabricado pela RCA, modelo TT6-AL,
em operação no 10º andar do edifício-sede das
Emissoras Associadas. (Raymundo Lessa de
Mattos/Acervo Cinemateca Brasileira e David
José Lessa Mattos)

Peças publicitárias divulgando a troca de canal da TV Tupi de


São Paulo. (reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 363

Migração Gradual

A mudança do canal de transmissão da TV Tupi em São Paulo foi feita de forma gradual. A partir
de 16 de julho de 1960, a emissora passou a transmitir pelo Canal 4 as primeiras três horas de
programação normal do dia, ou seja, entre 12h e 15h. Após esse período, o transmissor do Canal
4 permanecia no ar com a imagem de prova, sendo desligado às 17h. Nesta fase, o transmissor
do Canal 3 no Banco do Estado de São Paulo passou a entrar no ar pouco antes das 17h30,
para realizar a transmissão da programação até o fim de noite. A migração definitiva do canal
de transmissão da TV Tupi de São Paulo se deu em 1º de agosto de 1960, quando as três faixas
diárias de programação passaram a ser transmitidas pelo Canal 4.

[...] A data passará a ocupar lugar distinguido no calendário dos


empreendimentos nas empresas dirigidas por Edmundo Monteiro.
Não apenas por entregarem ao povo paulista um dos mais possantes
transmissores de TV das Américas, mas por transmitir ao público
o permanente espírito da organização, sempre imbuído da vontade
de servir melhor aos que a distinguem indiscriminadamente. Não
resta dúvida, mas esse avanço das “Associadas” é demonstração da
evolução artística de nossa gente e da segurança do respeito votado
a quantos realizam entretenimento nas suas mais variadas formas.
(Diário da Noite [SP], 23/07/1960, p. 4)

O canal 3 continuou sendo usado pela TV Tupi apenas na cidade de Ribeirão Preto (SP), onde
possuía uma emissora própria desde o final de 1959.
Um dos slogans da campanha para a mudança de canal em São Paulo era: “Troque 3 x 4 e tenha
satisfações a 3 x 4”. Toda campanha de divulgação da mudança foi criada por Cassiano Gabus
Mendes e pelo diretor-comercial Fernando Severino. Com a mudança de canal, deixou de existir
o “PRF3-TV”, que era o prefixo histórico do Canal 3 de São Paulo, o pioneiro do Brasil. A nova
estação da TV Tupi - Canal 4 ganhou o prefixo ZYE-439 (alterado em 1977 para ZYB-855).
Segundo divulgado pelas próprias Emissoras Associadas, seu novo transmissor RCA TT6-AL
era um dos mais potentes em operação na América do Sul. Com 30 kW efetivamente irradiados,
um terço a mais que o antigo, a Tupi recebeu diversas cartas de cidades do interior paulista que
elogiaram a qualidade da imagem do Canal 4. A revista “Intervalo” chegou a publicar outra
manifestação vinda de Buenos Aires.

Digan me que potencia tiene la pioneira em televisão da América do


Sul y a cuantos metros sobre el nivel del mar está ubicada la antena
transmisora. Desde San Miguel (30 m sobre el nivel del mar) que se
vea la TV Tupi es un hecho espectacular (Hugo D. Menegozzi - San
Miguel, Buenos Aires, Argentina). (Intervalo, nº 263, 21/01/1968, p.
24)
364 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Poucos dias após o encerramento das operações da TV Tupi no Canal 3, os técnicos das Emissoras
Associadas passaram a realizar a alteração na frequência de operação de seu RCA TT-5A, o
primeiro transmissor profissional de TV a entrar em operação no Brasil, e que passaria a ser
utilizado pelo novo Canal 2. O sinal de prova entrou no ar poucos dias depois e, no dia 20 de
setembro de 1960, foi inaugurada a TV Cultura, a irmã caçula da TV Tupi de São Paulo, como
veremos no Capítulo 33.

O ano de 1960 foi marcante para as Emissoras Associadas, com a grande


expansão de sua rede e da implantação de aprimoramentos técnicos.
Apadrinhada pelo governo de Juscelino Kubitschek, a empresa havia
ganhado a concessão de 10 canais de TV pelo país. Até 1957, a “cadeia
associada” contava com três estações — TV Tupi de São Paulo, TV Tupi do
Rio de Janeiro e TV Itacolomi de Belo Horizonte. O volume de aquisição
de equipamentos foi enorme, ao custo de cifras astronômicas. As
inaugurações começaram em dezembro de 1959, com a TV Piratini (Porto
Alegre) e a TV Ribeirão Preto (SP). Em abril de 1960 foi a vez da TV Brasília,
com uma histórica transmissão da inauguração da nova Capital para as
emissoras do Sudeste. Em maio de 1960, entrou no ar a TV Coroados
(Londrina), seguida da TV Rádio Clube de Pernambuco (Recife, em junho)
e da TV Cultura (setembro), como um segundo canal em São Paulo. Em
novembro foram mais três inaugurações: TV Paraná (Curitiba), TV Itapoan
(Salvador) e TV Ceará (Fortaleza). “Agora em número de onze no total,
vão as Emissoras Associadas concretizando seu sonho — unir o Brasil do
ponta a ponta, através da imagem associada. [...] Conseguem as Emissoras
Associadas formar a maior rede latino-americana de TV, fator poderoso
de aperfeiçoamento e civilização, força da união da família”1. Fechando
esta série de inaugurações, há ainda a TV Marajoara (Belém, setembro de
1961) e a TV Alterosa (Belo Horizonte, março de 1962).

1 Antônio Brusco, São Paulo na TV, nº 87, 12-18/12/1960, p. 3.


ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 365

CAPÍTULO 30
A REDE DE TELEVISÃO ASSOCIADA DO INTERIOR PAULISTA

Os planos que se vêm elaborando em São Paulo para levar o som


e a imagem transmitidas pelas estações de televisão da Capital
para o interior do Estado vêm despertando grande interesse pelo
alto significado que a iniciativa representa. A adoção do sistema de
retransmissão UHF (Ultra High Frequency), aprovado pela Comissão
Técnica do Rádio, está calcada na experiência norte-americana que,
nos primeiros anos da televisão, lutou com dificuldades enormes
para conseguir um resultado técnico perfeito, e cuja consequência
foi a extensão de uma rede tele-transmissora colossal, espalhada por
todos os pontos do território dos Estados Unidos. (“Extensa Rede de
UHF Levará a Televisão a Todo o Estado”, Diário da Noite [SP],
04/02/1958, p. 2)

“[...] a iniciativa [...] baseia-se integralmente nas experiências


colhidas nos Estados Unidos, quando da ligação, por meio de TV,
da costa do Atlântico com o Pacífico. Como na América do Norte,
em São Paulo serão instalados numerosos postos retransmissores,
que por intermédio de torres e relês, levarão o som e a imagem das
televisões a centenas de quilômetros, dotando toda a população
paulista da possibilidade de ter ao seu alcance esse importante
instrumento de difusão”. (“Representa o Sistema de UHF a Melhor
Rede Existente Para Levar a Televisão ao Interior”, Diário da Noite
[SP], 05/02/1958, p. 2)

[...] o Brasil é o segundo país do mundo a adorar o sistema de


retransmissão pela Ultra High Frequency [UHF]. (“Demoradas
Pesquisas Determinaram a Escolha do UHF para Retransmissão das
Estações de TV de São Paulo”, Diário da Noite [SP], 06/02/1958, p.
3)

D
epois da conexão provisória entre as TVs Tupi carioca e paulista, as Emissoras
Associadas se empenharam em formar uma rede nacional e terrestre de televisão. A
primeira etapa foi a construção de uma rede que cobrisse boa parte do estado de São
Paulo, ligando a Capital até Ribeirão Preto, há 290 km de distância.

A chamada de Rede de Televisão Associada do Interior foi uma empreitada da TV Tupi de São
Paulo, iniciada em março de 1959. O assistente do diretor Edmundo Monteiro, Enéas Machado de
366 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Assis, comandou a equipe técnico-administrativa para realizar a montagem, mas ao ser nomeado
como diretor-gerente das Emissoras Associadas de São Paulo, foi substituído por Humberto
Bury. A execução das obras foi realizada pela Sociedade Comercial Brasileira, sob direção de
Jorge Edo — pioneiro da televisão brasileira e agora também empresário. A supervisão-técnica
geral foi de Arnold Faria, auxiliado por Olídio Oliveira, ambos das “Associadas”.

Postos de Retransmissão

As cidades de São Paulo e Ribeirão Preto foram interligadas por meio de seis postos de
retransmissão de micro-ondas. Do alto do novíssimo edifício-sede das Emissoras Associadas, em
São Paulo, o sinal partia para a TV Ribeirão Preto - Canal 3 passando pelos postos da Serra do
Japi, na cidade de Cabreúva, onde se ergueu uma torre autossustentada de 20 m (foto), seguido
pelos postos de Campinas, Limeira, Analândia, Santa Rita e Cravinhos. Cada um deles, além
de enviar o sinal para a próxima estação repetidora, também fazia a transmissão local do sinal
da Televisão Tupi de São Paulo, com alcances entre 30 e 40 km de raio. Os enlaces entre as
retransmissoras eram feitos por transmissores das faixas de VHF ou de UHF, com 250 watts de
potência. O sinal da rede podia trafegar nas duas direções.

Os estúdios da TV Ribeirão Preto foram montados na própria cidade, mas o sinal era emitido a
partir de uma torre instalada na cidade de Cravinhos, há 10 km de distância, com potência de 500
watts no transmissor.

Mais uma vez a equipe da Televisão Tupi, num espetacular furo de


reportagem e em cumprimento do seu programa de estender as suas
transmissões do interior, apresentou, ontem, diretamente da “Capital
do Café”, pela primeira vez, ampla reportagem, na qual Carlos Spera
mostrou aos telespectadores de São Paulo e de dezenas de cidades do
estado, aspectos de Ribeirão Preto. Antes, às 19:45 horas, durante a
transmissão do “Repórter Esso”, foi apresentado um “flash” e, às 22
horas, teve início a grandiosa reportagem realizada naquela grande
cidade da Mogiana. Flagrantes da cidade, realizações científicas
da Faculdade de Medicina, raridades históricas do Museu do Café,
progresso arquitetônico, técnico, cultural e artístico e numerosas
outras realizações do município foram focalizados nessa transmissão
pioneira do Canal 3. Na apresentação do programa, Homero Silva
disse que a família Associada se sentia tão emocionada quanto por
ocasião da primeira transmissão feita na Capital e que, depois de
conquistar o Rio de Janeiro, Santos e Campinas, colocava a “Capital
do Café”, a 400 km de São Paulo [pela estrada], dentro dos lares
paulistanos. A transmissão, com excelente imagem, durou uma hora
e dez minutos [...]. (“São Paulo-Ribeirão Preto Pela TV”, Diário da
Noite, 30/07/1959, p. 2)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 367

Caminhonete do Canal 3 em um posto de link esta-


belecido no alto de uma montanha. (Marcelo Knoch/
Acervo pessoal)

Os primeiros testes da Rede de Televisão Associada do Interior Paulista foram feitos no final de
julho de 1959, mas as instalações definitivas foram inauguradas em fevereiro de 1960, ao custo
de Cr$ 50 milhões.
O engenheiro Gustavo Tupinambá Freire, chefe do Departamento de Engenharia dos Diários e
Emissoras Associados, foi o responsável pela construção de casas para moradia dos cuidadores
de cada posto e das edificações onde se instalaram os equipamentos de amplificação, transmissão
e os geradores de energia elétrica. A necessidade de se estabelecer os postos de retransmissão
em locais ermos requereu a abertura de estradas, construção de redes de energia elétrica e de
abastecimento de água.

Rede Brasileira de Televisão Associada

“Está sendo estudada a ligação definitiva de televisão Rio-São


Paulo. [...] As futuras TV Cultura (paulista) e TV Mayrink Veiga
(carioca) poderão também fazer permuta de imagem”. (depoimento
de Cassiano Gabus Mendes, “Ligação Definitiva Entre as TVS do Rio
e de São Paulo”, Revista do Rádio, nº 498, 04/04/1959, p. 41)
As “Associadas” estão dando um incremento realmente espetacular às
estações e subestações de TV do interior. Assim, já está funcionando,
em caráter permanente, com programação local e retransmissão de
programas de São Paulo, a TV Tupi, Canal 3, de Ribeirão Preto. Já
estão, também, sendo ultimados os preparativos para lançar ao ar
a imagem da TV Paraná, de Curitiba. E importantes passos estão
sendo dados pela alta administração Associada, com relação à
TV Coroados, de Londrina. Ao lado disso, outra equipe Associada
ultima os preparativos para a inauguração, em Recife, da TV Rádio
Clube, que será uma das mais potentes do Brasil. Em Porto Alegre
está funcionando, em caráter permanente, a TV Piratini, Canal 5. A
TV Brasília está merecendo os melhores cuidados, para funcionar, se
368 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

possível, no primeiro semestre deste ano e a TV de Salvador, na Bahia,


vai de vento em popa. Com isso, pretendem as Emissoras Associadas
fazer ligações de umas com as outras estações (a primeira importante
ligação de TV será de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo,
Ribeirão Preto, em fase de conclusão), proporcionando o melhor
intercâmbio, a melhor programação aos telespectadores brasileiros.
(B. Madruga Duarte, Diário da Noite [SP], 21/03/1960, p. 4)

Ao mesmo tempo em que eram iniciados os trabalhos de construção da Rede de Televisão


Associada do Interior Paulista, os Diários Emissoras Associados também preparavam o primeiro
plano de cobertura nacional de televisão no Brasil, também por meio da construção de uma rede
de retransmissoras terrestres. Isso porque o sistema de transmissão via satélite ainda demoraria
alguns anos para se tornar viável.
Inicialmente, seriam interligadas as capitais da região Sudeste — Belo Horizonte, Rio de
Janeiro e São Paulo —, fazendo conexão com a Rede do Interior Paulista, estabelecida entre
São Paulo e Ribeirão Preto. A etapa seguinte contemplaria a ligação de Brasília — a nova
Capital Federal — com a rede já existente, cobrindo uma área que representaria quase metade
da vitalidade econômica do país, com uma população superior a 12 milhões de habitantes. Seria
formada, portanto, a Rede Brasileira de Televisão Associada, uma idealização do fundador dos
Diários Associados e embaixador Assis Chateaubriand1, que renovava seu espírito pioneiro ao
“consolidar a unidade nacional”, abrindo estações de televisão na maioria dos estados litorâneos
do Brasil, de norte a sul.
O ramal entre Brasília e Ribeirão Preto teria quase 1,5 mil km de extensão e 28 postos de
retransmissão dos sinais. Boa parte dos equipamentos foram encomendados com a RCA-Victor.
Construir cada um dos postos entre Brasília e Ribeirão Preto era uma tarefa muito difícil, já que,
como já citado, devido às necessidades técnicas, deveriam ser instalados em locais perigosos,
como topo de montanhas e matas virgens.
Os ramais da Rede Brasileira de Televisão Associada foram montados quase simultaneamente. A
ligação entre as cidades de Belo Horizonte e Rio de Janeiro contou com oito postos retransmissores
e foi finalizada em dezembro de 1959. Logo depois, foi concluída a ampliação das duas estações
já existentes entre Rio de Janeiro e São Paulo, e finalizada a ligação entre São Paulo e Ribeirão
Preto, com mais cinco postos. A ligação entre Brasília e Belo Horizonte, entretanto, foi a mais
longa e trabalhosa, com 12 postos de retransmissão instalados em picos que chegavam a 1300 m
de altura. É importante ressaltar que diversas outras pequenas emissoras da “cadeia associada”,
que operavam em cidades interioranas, já retransmitiam os sinais das TVs Itacolomi, Tupi do Rio,
Tupi de São Paulo ou Ribeirão Preto, a exemplo das importantes retransmissoras TV Mariano
Procópio (Juiz de Fora/MG) e TV Campinas (SP). Ou seja, a abrangência da rede das Emissoras
Associadas realmente seria muito grande.
A geração coordenada de programas entre as diversas estações da Rede Brasileira de Televisão
Associada iniciou-se em 3 de abril de 1961, com a realização de transmissões diárias. Como
o sinal das redes de micro-ondas (links) podia ser transmitido nos dois sentidos, as emissoras
tanto recebiam como geravam programas para a rede. Com isso, foi implantando um sistema
de revezamento, onde, das 12h às 12h30, a TV Itacolomi de Belo Horizonte gerava programas
para a TV Tupi de São Paulo e do Rio de Janeiro; das 12h30 às 13h30, a TV Tupi de São Paulo
transmitia para a Rede do Interior de Televisão; das 13h30 às 15h30, São Paulo gerava para Belo
Horizonte e Rio de Janeiro; e entre 15h30 e 17h30, a Tupi do Rio de Janeiro gerava para São
1 Assis Chateaubriand tornou-se embaixador no Brasil na Inglaterra no ano de 1957.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 369

Paulo e Belo Horizonte.

Anúncio sobre a inauguração conjunta de três


emissoras “Associadas”: TV Paraná, TV Itapoan e
TV Ceará. (reprodução)

TV Itacolomi convida o público para investir em


ações da empresa S/A Rádio Guarani e assim
financiar a construção da rede de links entre Belo
Horizonte e Rio de Janeiro. (O Jornal/reprodução)

Para interligar os quase 700 km entre Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, os Diários e
Emissoras Associados investiram US$ 3,5 milhões em equipamentos, além de outras mobilizações
em cruzeiros. Esse trecho da rede, incluindo o de Ribeirão Preto, foi inaugurado em 17 de abril
de 1960. Já o ramal entre Brasília e Belo Horizonte tinha previsão para ficar pronto três dias
depois, 21 de abril, mas acabou atrasando, como veremos a seguir.
370 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Em 1960, as emissoras de TV ficaram proibidas de transmitir partidas de


futebol ao vivo para a mesma praça onde acontecia o jogo. Com o advento
da rede de televisão, as partidas passaram a ser geradas ao vivo para
outras localidades e gravadas em videoteipe para serem exibidas algumas
horas depois, na mesma praça onde acontecia a partida.

A Histórica Transmissão da Inauguração de Brasília

Quando Brasília passou a ser a Capital da República, a Tupi caminhou


para lá. Deslocou um grupo enorme de técnicos que executou um
árduo trabalho. Puro pioneirismo. A transmissão foi direta, cheia de
incidentes. [...] Foi uma epopeia… Foi trabalho enérgico e constante
que marcou o progresso da televisão. [...] Os bandeirantes de hoje
— que prosseguem a obra pioneira de Assis Chateaubriand — sobem
morros à procura de pontos mais altos, carregando quilos que
sentem como toneladas em suas costas, não dirão que o trabalho em
uma estação de televisão é delicado. Ali são forjados homens, cujo
ideal está acima dos sacrifícios que fazem diariamente. (“A Mágica
da Televisão”, Diário da Noite [SP], 19/09/1970, 1º Caderno, p. 4)

Entre os dias 20 e 23 de abril de 1960, cerca de 12 milhões de brasileiros puderam acompanhar


a participação do presidente da República Juscelino Kubitscheck nas cerimônias de inauguração
de Brasília, a nova Capital Federal. As imagens foram geradas pela estreante TV Brasília - Canal
5, um dos três canais que o governo havia concedido para operar no novo Distrito Federal — dois
deles destinados aos grupos que já vinham operando televisão no Rio de Janeiro1, cidade que
deixava de ser a Capital Federal. As três primeiras emissoras autorizadas em Brasília, portanto,
foram a TV Nacional (governamental), a TV Alvorada (retransmissora da TV Rio/TV Record/
Emissoras Unidas) e a TV Brasília (dos Diários Associados, grupo que também instalava o
primeiro jornal do Distrito Federal, o “Correio Braziliense”).

O Brasil estava em festa. Ia ser inaugurada Brasília. Chateaubriand2


conversou com Juscelino Kubitschek e prometeu: “Vamos transmitir

1 A TV Continental foi a terceira emissora a operar no Rio de Janeiro, contudo, como entrou no
ar em março de 1959, acabou não tendo direito de ganhar uma concessão para também operar
em Brasília.
2 Nessa época da inauguração de Brasília, Chateaubriand estava se recuperando de um surto
hipertensivo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 371

a cerimônia ao vivo. O Brasil todo precisa festejar o grande


acontecimento. Brasília já tem televisão e é claro que vamos
conseguir. É uma promessa, presidente”. (“TV Tupi: Uma Linda
História de Amor”, Vida Alves, Imprensa Oficial, 2008:221)

A instalação da TV Brasília, com a missão de gerar imagens com os acontecimentos do novo


centro político do país, representou a necessidade de estabelecer uma nova rede de links e conectá-
la com a TV Itacolomi de Belo Horizonte, que também estaria ligada com as “Associadas” do
Rio de Janeiro, São Paulo e Ribeirão Preto.
Para que o público situado entre Brasília e São Paulo pudesse receber as imagens históricas
da inauguração de Brasília, muitos desafios tiveram que ser superados. Alguns deles pareciam
impossíveis, contudo, aquilo era um grande desejo de Chateaubriand e deveria ser cumprido.
Quando se considerou a necessidade de transmitir os eventos de inauguração da nova Capital
Federal para toda a rede de Emissoras Associadas, duas soluções foram apresentadas: acelerar
a construção da rede de links definitiva ou, de forma ousada, estabelecer um link provisório
com aviões, utilizando-se do know-how da RCA-Victor. A ideia do link aéreo foi proposta
pelo técnico Jorge Edo, inspirada numa experiência pioneira que a RCA-Victor realizou com
aviões ao sobrevoar estações de TV em Havana (Cuba) e Miami (Estados Unidos). Estudando a
viabilidade desta solução para o trecho Belo Horizonte-Brasília, a direção dos Diários e Emissoras
Associados solicitou um projeto à RCA-Victor, que sugeriu o aluguel de dois aviões DC-6B,
nos Estados Unidos, para voar a mais de 7 mil metros de altura com aparelhagem completa de
recepção, amplificação e retransmissão de sinais. Eles estariam interligados entre si durante os
eventos de inauguração de Brasília, levando o sinal até a TV Itacolomi de Belo Horizonte.
Contudo, as Emissoras Associadas optaram por acelerar os trabalhos de construção da extensa
linha permanente de 620 km de links e correr contra o tempo. A adoção da sugestão feita pela
RCA-Victor era prática e segura, mas o custo da operação e adaptação dos aviões seriam
obstáculos insuperáveis. Desta forma, o aluguel dos aviões americanos não foi descartado, mas
tratado como uma solução de emergência, já que os “olhos” do Brasil estariam voltados para
Brasília.

Para instalar a rede Brasília-Belo Horizonte foi necessário promover a importação urgente de nove
transmissores de micro-ondas portáteis da RCA-Victor. A montagem dos postos retransmissores
foi feita na base de 24 horas de trabalho por dia e à custa de pesados investimentos. A temperatura
era baixíssima nas montanhas e os homens abriam caminho em regiões praticamente virgens.
Como não havia tempo para construir casas, todo o pessoal mobilizado ficava abrigado em
barracas de campanha. Os acampamentos foram instalados nas mais precárias condições, com
sentinelas armadas dia e noite para a defesa contra possíveis ataques de feras. Um dos operadores
chegou a encontrar uma enorme cobra em sua cama e onças foram afastadas das barracas por
várias vezes.
Para facilitar as comunicações e os contatos com as equipes das matas, os Diários Associados
conseguiram com o Ministério da Aeronáutica a mobilização de dois helicópteros, entretanto,
na última hora, não puderam ser utilizados pois tiveram que socorrer vítimas de uma catástrofe.
Doze geradores foram adquiridos pelos “Associados” para o fornecimento de energia elétrica
nos postos, mas como o prazo de entrega ultrapassaria a data da inauguração da Capital, foi
372 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

necessário conseguir, por empréstimo, 12 geradores junto ao Exército. Além de serem lançados
na batalha todos os veículos disponíveis nas empresas “Associadas” do Rio, de Belo Horizonte
e São Paulo, obteve-se o empréstimo de alguns carros do Ministério da Saúde, do governo de
Minas e de uma empresa de transportes. A Polícia Militar mineira deu um grande suporte ao
grupo, fornecendo cerca de 50 homens para auxiliar na abertura de picadas, vias de acesso e na
instalação de barracas de campanha nos ermos sertões.
Foi uma luta contra o tempo e a natureza para instalar a cadeia de estações repetidoras de sinais de
TV entre Brasília e Belo Horizonte, que ficou sob responsabilidade técnica a cargo do engenheiro
Igor Olimpiew, diretor-técnico das Emissoras Associadas do Rio de Janeiro, e de seu assistente
Mário Leite Brandão, também da equipe técnica carioca. Nereu Gusmão Bastos, diretor-gerente
das emissoras de Rádio e TV do Rio, fez a supervisão geral dos trabalhos. Enquanto prosseguia
a batalha em terra, na montagem dos diversos postos, Olimpiew sobrevoava incessantemente a
área em um avião Cessna, que fora alugado. Assim se operava um perfeito e contínuo serviço
de fiscalização e observação dos trabalhos em progresso. A bordo do avião, ele se comunicava
pelo rádio com todos os postos, dando instruções para a instalação do material e para os testes de
ligação das diversas estações, umas com as outras.

Plano B: Ligação Aérea

Para que você também veja as festas de inauguração de Brasília,


a VASP cooperará decisivamente com a esplêndida iniciativa das
Emissoras Associadas! Aviões da VASP, com homens equipados para
voo a milhares de metros de altitude, voando em órbita horas a fio,
juntamente com aparelhos da FAB, sobrevoarão a região situada
entre Belo Horizonte e Brasília, para que as imagens das festas da
Nova Capital sejam recebidas ao Rio, São Paulo, Belo Horizonte,
Ribeirão Preto e em toda vasta zona compreendida por essas cidades!
Esse é mais um serviço da VASP ao povo brasileiro! Da VASP que
sempre está na vanguarda das grandes realizações. Da VASP que
iniciou a aviação comercial em São Paulo; que trouxe para o Brasil
a era da aviação a jato; e que agora, pela primeira vez na América
do Sul, vai cooperar na transmissão e retransmissão das imagens
que as tele-emissoras “Associadas” vão enviar de Brasília! (anúncio
da VASP, Diário da Noite [SP], 19/04/1960, p. 15)

Apesar dos esforços sobre-humanos de todas as empenhadas equipes, ao se aproximar a data


da inauguração da nova Capital Federal, a direção dos Diários e Emissoras Associados passou
a colocar em prática a solução de emergência, que estabeleceria uma ponte-aérea para levar
o sinal de TV de Brasília a Belo Horizonte. Houve um atraso na construção da rede entre as
duas cidades, principalmente em função do cancelamento no fornecimento dos helicópteros
do governo. Eles seriam a única forma para acessar um dos postos de retransmissão, que foi
bloqueado por forças naturais.
A proposta dos aviões-link foi adotada, mas sem investir nos caríssimos aviões norte-
americanos sugeridos pela RCA-Victor. Seriam usados aviões que já estavam em solo brasileiro
e necessitariam “apenas” que fossem adaptados. Esta mobilização ficou a cargo da direção das
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 373

Emissoras Associadas de São Paulo, por meio de seu diretor-geral, Enéas Machado de Assis, e
do diretor-presidente dos Diários Associados de São Paulo, Edmundo Monteiro. Em troca de
publicidade, a VASP cedeu dois aviões DC-3, de fabricação norte-americana Douglas Aircraft, e
a Força Aérea Brasileira (FAB) cedeu gratuitamente mais um idêntico. As equipes da TV Tupi de
São Paulo instalaram os receptores, amplificadores e transmissores necessários, além das antenas
de recepção e transmissão, afixadas na altura do leme e do “nariz” das aeronaves.
Os aviões voariam em círculos entre 4 mil e 5,6 mil metros de altitude, levando todo o material
necessário e as tripulações. Seriam posicionados uniformemente na rota entre Brasília e Belo
Horizonte, de modo que um tinha alcance para receber e retransmitir os sinais para outro. Os
sinais seriam gerados pela TV Brasília e captados pelo avião da FAB, que sobrevoaria a região de
Paracatu (MG), a cerca de 190 km de Brasília. Um dos aviões da VASP sobrevoaria a região de
João Pinheiro (MG), recebendo o sinal do avião anterior. A terceira aeronave voaria sobre a região
de Presidente Olegário (MG), encarregada de receber o sinal do avião anterior e retransmiti-lo
para uma torre de micro-ondas instalada na Serra do Curral, que, por fim, se comunicaria com a
TV Itacolomi em Belo Horizonte.
Ensaios foram realizados semanas antes dos eventos e os três aviões voaram cerca de 50 horas.
Em várias oportunidades, chegaram a permanecer por sete horas seguidas no ar, descendo para
reabastecer e retornando por mais sete horas nas alturas. Nas altitudes alcançadas, a temperatura
no interior das cabines desceu a 10º negativos e camadas de gelo se depositaram nas asas dos
aviões. Foi a primeira experiência desse gênero em toda a América Latina, um marco da televisão
brasileira. Os trabalhos de transmissão dos aviões-link foram supervisionados pelo experiente
técnico Jorge Edo, pioneiro da TV Tupi de São Paulo.
Doze equipes ficaram responsáveis por instalar e guarnecer cada um dos postos da rede de micro-
ondas Brasília-Belo Horizonte. As quatro equipes paulistas estiveram sob a supervisão de Enéas
Machado de Assis e as outras oito equipes, compostas por funcionários das Emissoras Associadas
do Rio de Janeiro, foram supervisionadas por Herculano Siqueira. As equipes que atuaram na
instalação da TV Brasília e de sua unidade móvel obedeceram à direção do engenheiro Victor
Purri Neto, também responsável pela construção do edifício da emissora e do jornal “Correio
Braziliense”.

Desde 20 de abril — o primeiro dia de solenidades —, uma grande equipe de repórteres das
Emissoras Associadas de São Paulo se fez presente para realizar a cobertura pela TV e pelo
rádio, sob o patrocínio da Willys Overland do Brasil S/A. As rádios Tupi e Difusora São Paulo
lideraram uma rede de rádios com mais de cem emissoras pelo Brasil, formada também por
estações da concorrência especialmente para a transmissão dos eventos em Brasília.
O serviço de aviões-link foi estabelecido entre 20 e 23 de abril de 1960, quando aconteceram
as solenidades e os eventos especiais. No entanto, os aviões não realizariam transmissões
diretas, ao vivo, como seria feito localmente pelo Canal 5 da TV Brasília. Os aviões enviariam
à TV Itacolomi de Belo Horizonte um sinal com gravações realizadas poucas horas antes pelo
moderníssimo sistema de videoteipe da TV Brasília (ver Capítulo 31). Elas continham imagens
dos eventos e reportagens sobre a inauguração da nova Capital Federal. A expectativa era de
que, a qualquer momento, a rede de links entre Brasília-Belo Horizonte fosse estabelecida e os
telespectadores das estações “Associadas” do Sudeste passassem a receber as solenidades ao
vivo.
374 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Mas realmente não houve tempo para “fechar” o link. Segundo uma reportagem de “O Jornal
do Rio de Janeiro”, “os dirigentes associados, na previsão de empecilhos de última hora, havia
munido a TV Brasília do ultramoderno sistema de video-tape, de tal forma que as imagens de
Brasília, em sua festa, foram perenizadas no celuloide e emitidas para São Paulo, Rio e Minas
Gerais nas melhores condições de fidelidade”1.

“Trata-se de uma proeza admirável, somente possível por ter partido do


dínamo incansável que é o embaixador Assis Chateaubriand” — disse o
presidente da República, sr. Juscelino Kubitschek, ante as câmeras da TV
Brasília, ao ser feita a primeira transmissão de Brasília para as televisões
do Rio, Minas Gerais e São Paulo, inaugurando os serviços de micro-
ondas dos Diários Associados para a nova Capital brasileira. (“Brasília Pela
TV: Só Chateaubriand Poderia Realizar Essa Ideia”, Correio Braziliense,
04/05/1960, p. 4)

Enfim, a TV Brasília se Conecta com a Rede

Horas de expectativa precederam aquele significativo momento,


especialmente na sala do Controle Geral da TV Tupi, Canal 3, no
Sumaré. Às 21 horas, os técnicos receberam comunicação de que
“daqui cinco minutos Brasília estará no ar”. Logo acorreram à sala
produtores de programa e diretores da TV Tupi. Às 21h05 apareciam
no vídeo os dizeres: “Brasília no ar”, “Vocês vão ver Brasília”,
“Transmissão direta: 1500 quilômetros”. Às 21h06 horas, a marca
da TV Brasília aparece tremulamente. A seguir, um filme sobre o
problema do estacionamento em Nova York. As imagens, um pouco
embaraçadas, tornam-se cada vez mais nítidas. Da Sala do Controle
Geral renovam-se os telefonemas com Rio, Pico do Itapeva e outros
postos. As 21h16, o locutor da TV Tupi lê o primeiro texto alusivo
ao acontecimento, informando aos telespectadores que se tratava de
um filme transmitido diretamente da nova Capital da República e
acentuando que “parecia impossível, mas o milagre aconteceu: 1500
quilômetros vencidos por micro-ondas, um trabalho de gigantes
que só poderia ser alcançado por uma organização de gigantes:
as Emissoras Associadas”. (“Ligação Direta com Brasília Pela
Televisão ‘Associada’”, Diário da Noite [SP], 02/05/1960, p. 3)

Somente uma semana após o encerramento das festividades de inauguração de Brasília, no dia
30 de abril, é que finalmente foi alcançado o sonhado objetivo de entrar em pleno funcionamento

1 “Televisões Associadas Mostraram a Festa de Brasília aos Brasileiros”, O Jornal, 01/05/1960,


O Jornal TV, p. 7.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 375

a rede terrestre “Associada” de micro-ondas entre Brasília e Belo Horizonte, a maior rede
particular de TV do mundo!
Naquele dia, logo após as 21h, e por mais de três horas consecutivas, as emissoras “Associadas”
de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Ribeirão Preto entraram em cadeia com a TV
Brasília, transmitindo em excelentes condições um show musical apresentado nos estúdios do
Canal 5 da nova Capital Federal, seguido por um pequeno documentário. Na abertura das
transmissões ao vivo, o repórter Carlos Spera, da TV Tupi de São Paulo, leu uma mensagem
sobre o significado daquela transmissão histórica da televisão brasileira. Em seguida, o também
repórter “Associado” paulistano José Carlos de Moraes, popularmente conhecido por Tico-Tico,
realizou entrevistas com algumas personalidades no Brasília Palace Hotel, dentre elas, o deputado
federal Nicolau Tuma, que enalteceu o empreendimento de aprimorado valor técnico das
“Associadas”. Tuma foi um dos fundadores da Rádio Difusora de São Paulo e o primeiro locutor
esportivo daquela cidade.

Slide que marcou as transmissões direto de


Brasília para a Rede Brasileira de Televisão
Associada. (reprodução)

No dia seguinte, domingo, a partir das 23h, a TV Brasília fez uma nova transmissão para a rede,
apresentando uma entrevista com o artista, jornalista, advogado e político Menotti Del Picchia. Na
segunda-feira, a mesma emissora transmitiu para as suas coirmãs da grande cadeia “Associada”
todos os detalhes da sessão de reabertura da Câmara Federal, diretamente do plenário daquela
nova Casa Legislativa. Foram mostradas, ainda, várias vistas panorâmicas do Plano Piloto.
Como se observa, irmanaram-se as equipes “Associadas” do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília
para a realização de um dos mais notáveis empreendimentos da história da televisão, a construção
da maior rede de links de micro-ondas da América Latina. Tudo graças à árdua batalha travada
por uma grande e unida equipe de lutadores a serviço dos já citados ideais de unificação nacional,
que sempre animaram as iniciativas de Assis Chateaubriand.

Conseguir a ligação da TV entre Brasília, Belo Horizonte, Rio de


Janeiro, São Paulo-Ribeirão Preto é um empreendimento de grande
envergadura, somente realizável por pioneiros autênticos, cuja
tradição se fundamente em experiência técnica, capacidade criadora
e tenacidade, elementos que geram a confiança geral da opinião
pública e dos anunciantes. (“A Lição da Transmissão Direto de
Brasília”, Diário da Noite [SP], 02/05/1960, p. 1)
376 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

RCA-Victor comemora o estabelecimento da


conexão de micro-ondas entre a TV Brasília
e o ramal BH-Rio-São Paulo-Ribeirão Preto.
(reprodução)

Anúncio sobre o sucesso das transmissões aéreas


realizadas durante a cobertura da inauguração de
Brasília pelas Emissoras Associadas. (Diário da Noite/
reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 377

Menos de um ano após a primeira transmissão de Brasília pela Rede


Brasileira de Televisão Associada, outro importante acontecimento pôde
ser televisionado ao vivo de Brasília para a maior parcela populacional do
país. Na manhã do dia 31 de janeiro de 1961, as solenidades de posse
do novo presidente do Brasil, Jânio da Silva Quadros, foram transmitidas
pelas Emissoras Associadas de Televisão através do maior link de micro-
ondas da América Latina, composto pela TV Brasília, TV Itacolomi (Belo
Horizonte), TV Barbacena, TV Mariano Procópio (Juiz de Fora), TV Itatiaia,
TV Itapeva (Campos do Jordão), TV Tupi (Rio de Janeiro), TV Cultura (São
Paulo), TV Tupi (São Paulo) e TV Ribeirão Preto.

Expansão

Em 1962, a Rede Brasileira de Televisão Associada passou a contar com 13 emissoras geradoras
de conteúdo, alguns para toda rede e outros para populações locais: TV Tupi (São Paulo), TV
Tupi (Rio de Janeiro), TV Itacolomi (Belo Horizonte), TV Piratini (Porto Alegre), TV Brasília
(Distrito Federal), TV Rádio Clube (Recife), TV Ceará (Fortaleza), TV Itapoan (Salvador),
TV Paraná (Curitiba), TV Marajoara (Belém), TV Rádio Clube (Goiânia), TV Vitória (Vitória)
e TV Ribeirão Preto. Diversas retransmissoras locais também estavam ligadas à rede. A TV
Cultura em São Paulo era dos Diários Associados, mas tinha programação própria e transmitia
eventualmente algum programa da rede.
Em julho de 1963, foram criados mais cinco postos retransmissores na Rede do Interior Paulista
e o sinal da TV Tupi de São Paulo chegou até a cidade de São José do Rio Preto, também captado
em mais 34 cidades circunvizinhas. Um anúncio voltado ao ramo empresarial, publicado em
1970, mostrou que 147 torres retransmissoras levavam o sinal da TV Tupi de São Paulo a 1076
localidades entre boa parte do estado de São Paulo, norte do Paraná, sul de Minas e parte do Mato
Grosso do Sul.

Nota dos Autores: Informações sobre as transmissões via satélite


da TV Tupi podem ser lidas no Capítulo 39.
378 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 31
A CHEGADA DO VIDEOTEIPE NO BRASIL

D
urante os primeiros anos de operação da televisão comercial no mundo, os programas
iam ao ar somente ao vivo, já que ainda não havia como registrar e armazenar sons e
imagens produzidos pela televisão. As pesquisas eram intensas nesse sentido, mas já era
possível gravar programas em películas cinematográficas. No entanto, era um processo oneroso
e moroso de se realizar. Um programa de 30 minutos que fosse gravado em película (filme), por
exemplo, levaria três dias para ser finalizado e, além disso, havia gastos posteriores com edição
e revelação do filme em laboratório.

Kinescópio

[...] o Kinescopio Recording [...] irá, sobretudo, possibilitar às


estações televisoras a organização de sua filmoteca particular,
guardando, num arquivo precioso, todos os espetáculos de grande
montagem, muitas vezes caríssimos e de interpretações memoráveis,
que até então perdiam-se numa exclusiva transmissão. Adaptado
ao monitor geral, o Kinescópio grava som e imagem com grande
perfeição. [...] Daqui por diante o Canal 3 poderá, graças ao
Kinescopio Recording, filmar os seus principais programas e
guardá-los para transmissões futuras. Poderemos enviar para outras
estações de TV os nossos espetáculos de grande montagem, em
filmes dos mais completos, com fusões espetaculares que somente a
eletrônica seria capaz de realizar. (“Já Possui a TV-3 o Kinescopio
Recording”, Aírton Rodrigues, Diário da Noite [SP], 11/10/1955, p.
17)

Em 1947, as empresas norte-americanas Kodak e RCA apresentaram conjuntamente o


Kinescopio Recording, um equipamento com tecnologia que permitia a gravação de imagens
e sons que estavam sendo exibidos pelas emissoras. Embora a qualidade fosse menor que o
desejável, o Kinescópio surgiu como a única maneira viável de gravar transmissões de televisão
para arquivar, reprisar ou mesmo distribuir programas para emissoras distantes da geradora, que
não estavam conectadas por uma rede.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 379

Modelo de Kinescópio fabricado pela RCA: filmagem


direta de uma tela de TV embutida. (reprodução)

O Kinescópio possuía um pequeno receptor de TV integrado e uma câmera especial. O operador


sintonizava a emissora desejada neste receptor e o equipamento podia gravar áudio e vídeo com
a câmera apontada para a pequena tela de TV. As gravações eram feitas em uma película com
bitola de 16 mm, que poderia ser exibida através de um equipamento de telecine.
Para efeito de comparação, o Kinescópio é considerado ancestral do videocassete e foi por meio
dele que os longas-metragens e seriados do cinema puderam ser exibidos na televisão, tais como
“Flash Gordon”, “Tarzan” e “Capitão Marvel”.
A TV Tupi de São Paulo adquiriu um Kinescópio em 1955, trazido dos Estados Unidos pelo
então diretor-técnico da emissora, o engenheiro Mário Alderighi. Na grade de programação do
ano de 1956, havia a sessão “Reprise Kinescópio”, que se prolongava por quase todo o período
vespertino.

Fita Magnética

No final da década de 1940, já havia tecnologia para gravação de áudio em fitas magnéticas e as
pesquisas tentavam também viabilizar o armazenamento de programas de TV neste suporte, uma
tecnologia que seria chamada de video-tape (VT). Em 1952, surgiu o V.E.R.A. (Vision Electronic
Recording Apparatus), o primeiro protótipo de um gravador de VT, que já podia armazenar
áudio e vídeo conjugados. Ele foi desenvolvido e utilizado pela emissora de TV inglesa BBC,
mas como apresentava alguns problemas críticos, logo foi descontinuado. No ano seguinte, a
companhia norte-americana Bing Crosby Enterprises (BCE) apresentou um protótipo de VT
que utilizava uma fita magnética de 0,6 cm de largura, mas as imagens ainda ficavam muito
desfocadas. Uma versão aperfeiçoada surgiu no ano seguinte, usando uma fita de 1 polegada
(2,6 cm). Já a RCA apresentou seu protótipo de VT em 1953, usando fita de meia polegada (1,3
cm) e, dois anos depois, lançou, juntamente com a BCE, os primeiros modelos coloridos de
equipamentos de videoteipe.
380 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Até que, em março de 1956, a empresa norte-americana Ampex Corporation finalizou seu VRX-
1000, um eficaz equipamento de gravação conjugada de áudio e vídeo com suporte magnético,
cujo formato da fita foi chamado de “Quadruplex”, nome dado devido o equipamento contar com
quatro cabeças leitoras de vídeo. A fita tinha 2 polegadas de largura e a velocidade de rotação
era de 38 cm (15 polegadas) por segundo. O Ampex VRX-1000 foi uma criação dos cientistas
Charles Ginsberg e Ray Dolby e se tornou o primeiro equipamento comercial de gravação de
videoteipe. Entretanto, a Ampex não detinha tecnologia para gravação de imagens em cores e,
por isso, celebrou um acordo comercial com a RCA para compartilhamento de tecnologias. A
RCA lançou seu primeiro videoteipe em 1957, o TRT-1, e, no final de 1958, o TRT-1B. Enquanto
o VT da Ampex era uma máquina de plataforma plana, o da RCA era vertical, montada em três
racks.

Vantagens

O videoteipe revolucionou o modo de fazer televisão e houve um grande salto na qualidade dos
programas. Na TV americana, rapidamente, a maioria dos programas passou a ser exibida em VT,
já que havia pouca diferença na qualidade final entre o ao vivo e o gravado. Os telespectadores
foram menos submetidos aos erros de interpretação, falhas técnicas e improvisos dos programas
ao vivo, que, agora, poderiam ser consertados antes da exibição. Quando ocorresse qualquer
anormalidade, apagava-se a fita e grava-se novamente, tudo ou apenas um trecho. As produções
passavam por processos de finalização para receber retoques importantes e foi possível produzir
os programas com antecedência, para depois gravá-los e exibi-los na hora e no tempo que
conviesse. Reportagens puderam ir ao ar logo após a finalização, sem processamento especial
ou revelação posterior em laboratório, como no caso dos filmes de 16 mm usados pela TV desde
seus primeiros tempos. As novelas, por exemplo, quando passaram a ser gravadas, contaram com
melhor qualidade a possibilidade de se tornarem diárias. Surgiu o replay de imagens e a câmera
lenta, recursos usados principalmente nas partidas esportivas.
Outra importante vantagem do VT foi o intercâmbio de programas entre várias emissoras afiliadas
pelo Brasil. As fitas Quadruplex eram copiadas em grande escala, dando início à comercialização
entre a geradora e as retransmissoras e possibilitando a constituição de acervos.
O videoteipe foi para a televisão o que o microcomputador foi para a máquina de escrever. Trata-
se da maior revolução nas emissoras brasileiras, desde que a primeira imagem da TV Tupi de São
Paulo foi ao ar em 18 de setembro de 1950.
Apesar de todas essas vantagens, o formato Quadruplex foi um grande desafio para os editores
de vídeo. Era necessário literalmente cortar a fita com uma tesoura e fazer emendas com uma
espécie de adesivo, colando um take após o outro. Geralmente, durante a exibição, a imagem
apresentava uma oscilação nos pontos de emenda.
Em 1969, a empresa japonesa Sony desenvolveu o U-Matic, o primeiro formato portátil de
gravação de áudio e vídeo, que utilizava fitas cassete de ¾ de polegada (1,9 cm). Ele potencializou
a realização das reportagens externas, até então feitas com pequenas câmeras de filme em 16 mm
que geralmente não captavam áudio. O formato Quadruplex foi sendo abandonado ao longo da
década de 1970.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 381

O Início do Videoteipe no Brasil

O que é o video-tape? Em explicação singela, diremos que é um


programa (ou reportagem) guardado dentro de uma câmera de
TV. Um progresso a mais em televisão, graças ao qual se pode
apresentar, o que a câmera captou em qualquer parte do mundo. O
video-tape, assim, tornará possível ao espectador da TV Itapoan, na
Bahia (por exemplo) assistir a um programa realizado numa das TVs
cariocas. Dir-se-ia que é um disco, acrescido da vantagem de reviver
também a imagem. Graças a ele, pudemos conhecer toda a Brasília,
numa reportagem que a TV Rio realizou dias antes da inauguração
da Novacap. Uma bossa nova em TV [...]. (“Vídeo-Tape”, Anselmo
Domingos, Revista do Rádio, nº 556, 14/05/1960, p. 66)
Uma entrevista coletiva do sr. John K. Chatfield — gerente para
a América Latina da empresa Ampex Videotape — e um coquetel
assinalarão, no próximo dia 11, às 16 horas, no Copacabana Palace
Hotel, a primeira demonstração prática no Brasil e na América do
Sul do video-tape — novo e revolucionário método de gravação
de som e de imagem em fita magnética, considerado como um dos
maiores progressos da técnica eletrônica. (“Video-Tape é Som e
Imagem na Fita”, Diário Carioca, 09/12/1959, p. 12)

A TV Continental - Canal 9 do Rio de Janeiro foi a primeira emissora brasileira a utilizar


um equipamento de videoteipe, ainda que de forma demonstrativa. A experiência aconteceu
durante uma apresentação especial que a Ampex International Corporation realizou no Hotel
Copacabana Palace, na tarde do dia 11 de dezembro de 1959. À TV Continental coube organizar
uma apresentação especial para a gravação. Os apresentadores foram o chefe de reportagem
da emissora, Carlos Pallut, e a atriz Riva Blanche. A direção de TV foi de Haroldo Costa e o
show contou com a participação das cantoras Irmãs Marinho e de outros artistas. Estiveram
presentes homens do rádio, da TV e da propaganda, além de jornalistas e convidados outros,
que se expressaram com entusiasmo sobre a arrojada demonstração da TV Continental, uma
emissora da Organização Rubens Berardo. Quem apresentou o equipamento foi Ralph Endersby,
gerente de vendas da californiana Ampex. Naquela época, segundo foi informado à imprensa,
havia cerca de 570 aparelhos de VT Quadruplex similares funcionando na América do Norte e
na Europa. O custo de cada um chegava a exorbitantes US$ 55 mil.
Na primeira cena do show da TV Continental, iniciado às 21h, foi visto um provocativo close
no relógio do repórter Carlos Pallut, que marcava 16h. A brincadeira causou uma euforia muito
grande e o próprio diretor da TV Continental — o pioneiro da TV Tupi, Dermival Costa Lima
— deu um grito no estúdio:
— Isto é coisa do diabo!
382 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A TV Continental acabou comprando o seu primeiro VT no ano seguinte.

A TV Continental acaba de adquirir da Ampex International


Corporation, nos Estados Unidos, o mais revolucionário e moderno
sistema de televisão que, sem dúvida, estabelecerá novos horizontes
para a transmissão e produção de programas. Trata-se do sistema
video-tape, inédito no Brasil e na América do Sul. (“Video-Tape,
Milagre Eletrônico: Continental Inaugura Nova Fase Para TV”,
Radiolândia, nº 301, 09/01/1960, p. 27)

O Primeiro VT da TV Tupi

O novo invento, que mudou de modo tão radical a linguagem da


televisão, anos depois levou à centralização da produção dos
programas no Rio de Janeiro e em São Paulo, que passaram a
vendê-los para as emissoras dos outros estados e cidades do país.
[...] Assim, o videoteipe foi recebido com entusiasmo por alguns e
pessimismo por outros. Alegava-se que, embora permitisse uma
linguagem mais elaborada, com a possibilidade de corrigir os erros,
faltava-lhe o calor da transmissão ao vivo. O VT é o divisor de águas
na história da televisão em todo o mundo. Deu-lhe o sentido de obra
duradoura, como a do cinema. (“A Telenovela Brasileira: História,
Análise e Conteúdo”, Artur da Távola, Editora Globo, 1996:75-76)

As Emissoras Associadas de São Paulo adquiriram seu primeiro equipamento de videoteipe


Quadruplex em meados de 1959. Adquirido junto à RCA-Victor, ele chegou ao Sumaré em
março do ano seguinte e foi montado no 2º andar do prédio da Publicidade por Alberto Maluf e
Igold Knoch, respectivamente, diretor-técnico e chefe do Departamento Técnico das Emissoras
Associadas. O VT, modelo TRT-1B, pesava 1300 kg e sua instalação foi finalizada no dia 19 de
abril de 1960. Segundo revela o engenheiro Cláudio Donato, diretor-técnico da TV Tupi de São
Paulo nos anos 1970, o videoteipe TRT-1B contava com seis racks e funcionava com mais de 100
válvulas, tecnologia que demandava um consumo de energia muito alto.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 383

Anúncio sobre a chegada do videoteipe à TV Tupi de


São Paulo, em 1960. (A Cigarra/reprodução)

Equipamento de videoteipe da RCA idêntico


ao que foi utilizado pela TV Tupi de São Paulo.
(reprodução)

Aquele ano de 1960 foi tecnicamente muito importante para a televisão do Sumaré, marcado pelas
comemorações dos 10 anos da emissora, pela inauguração do novo edifício-sede das Emissoras
Associadas, pela chegada do videoteipe, entre outras novidades. O diretor-geral Cassiano Gabus
Mendes tinha alguns desafios importantes, como enfrentar a concorrência crescente, implementar
o videoteipe, transmitir a inauguração de Brasília, expandir as transmissões em rede e investir na
emergente tecnologia da TV em cores1.

1 “Gabus Mendes: Grandes Mestres do Rádio e Televisão”, Elmo Francfort, In House, 2015:330.
384 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Como visto no Capítulo 30, a primeira utilização profissional de um equipamento de videoteipe


no Brasil foi feita às pressas pela estreante TV Brasília, de propriedade dos Diários Associados
e inaugurada juntamente com a Capital Federal, em 21 de abril de 1960. Esse feito histórico
acabou salvando a transmissão das festas para cidades de três estados, garantindo que milhões
de brasileiros pudessem acompanhar as solenidades de inauguração.
O primeiro teste com uso do videoteipe em programas de estúdio foi feito pela TV Tupi de São
Paulo na noite de 1º de maio de 1960. Às 22h, foi ao ar o famoso teleteatro “TV de Vanguarda”,
com a apresentação da peça “Esta Noite é Nossa”, adaptada e dirigida por Geraldo Vietri. O
setor técnico realizou a gravação de um trecho do programa sem que o próprio elenco e o diretor
soubessem. Após a transmissão ao vivo, o diretor-técnico da emissora foi ao estúdio e convidou
toda a equipe para segui-lo, pois uma surpresa os aguardava. Os atores Tarcísio Meira, Vera
Nunes, Amilton Fernandes, Márcia Real e Percy Aires assistiram a tudo surpresos e ficaram
muito entusiasmados. Contudo, a euforia não atingiu o diretor Geraldo Vietri. Ao contrário, ele
permaneceu em silêncio, olhando fixamente para o monitor de vídeo. Até que se pronunciou:
— Aqui termina a televisão brasileira! Em primeiro lugar, o ator não precisa mais de ter talento
para interpretar, pode ser fabricado… Errou, apagou, voltou… E, mais… aqui termina o
mercado de trabalho na televisão brasileira. O sul vai acabar, vai acabar o norte e vai acabar Belo
Horizonte; ficarão apenas [as emissoras de] São Paulo e Rio de Janeiro.

A declaração, que bem poderia fazer parte de um da turma dos


pessimistas, se revelou lúcida. Numa entrevista em agosto de 1977,
agora com 50 anos, ele voltou ao tema. Palavras de Vietri: Era
óbvio, não é? E eles discordaram, disseram que o videoteipe só iria
melhorar, só iria aprimorar. A meu ver, não melhorou, não aprimorou
nada. Ao contrário, nós regredimos — e muito — em termos de arte,
em termos de interpretação. Na época era preciso uma Laura Cardoso
para fazer um teatro de duas horas ao vivo. Hoje, qualquer Joana
da Silva, qualquer palminho de cara bonita que consiga dizer ‘bom
dia’ é uma estrela. O videoteipe foi para a televisão brasileira um
mal irreparável. Achei pavoroso aquele invento maldito. (“Geraldo
Vietri - Disciplina é Liberdade”, Vilmar Ledesma, Imprensa Oficial,
2010, p. 20-21)

A implementação do VT no cotidiano da televisão foi exatamente isso: alguns aplaudiam a


novidade e outros a receberam com pessimismo. “A chegada do videoteipe foi, ao mesmo tempo,
um bálsamo e uma bomba para todos nós. Mas, com certeza, foi graças a ele que a qualidade do
que ia para o ar melhorou muito”1, declarou, certa vez, o grande diretor-geral da TV Tupi de São
Paulo, Cassiano Gabus Mendes (1927-1993).
A segunda experiência com gravação em videoteipe pela Tupi de São Paulo foi feita com a peça
“O Duelo”, de Guimarães Rosa, adaptada e dirigida por Walter George Durst. Contudo, desta

1 “Surge Uma Bomba em 1959 na TV: O Video Tape”, Rodolfo Bonventti, www.museudatv.com.
br/surge-uma-bomba-em-1959-na-tv-o-video-tape.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 385

vez, ela iria ao ar dentro do programa “TV de Vanguarda”, na noite de 8 de maio de 1960. Mas,
havia um problema: por ainda estar em implantação, o equipamento de VT não dava condições
de realizar edição (cortes) e Durst dispunha de uma única fita Quadruplex, que tinha 60 minutos
de duração. As cenas foram exaustivamente ensaiadas e cronometradas para a gravação caber na
fita, contudo, o esforço da direção e do elenco não foi suficiente e o espaço da fita acabou sem
que as cenas finais tivessem sido gravadas. A solução foi muito curiosa. Durst preparou o elenco
novamente no estúdio do Sumaré no domingo à noite, durante a exibição do VT, para que, no
momento certo, entrasse no ar para encenar o desfecho ao vivo.
A inauguração oficial das operações regulares e pioneiras de videoteipe na TV brasileira foi
realizada pela TV Tupi de São Paulo, na noite de 26 de setembro de 1960, dentro do programa
“Grande Teatro Tupi”, com a encenação especial de “Hamlet”, de William Shakespeare. O
investimento na produção dos cenários foi de elevada cifra. A peça já havia sido interpretada na
emissora em 1953, com muito sucesso, e foi novamente protagonizada por Dionísio de Azevedo.
Com esta estratégia, foi possível fazer um comparativo do tempo gasto para encenar “Hamlet” ao
vivo (3 horas) e em videoteipe (mais de 24 horas, devido a interrupções para regravação de cenas
até a perfeição). Em uma entrevista para o “Diário do Paraná”1, a atriz Laura Cardoso relembrou
quando, ao lado de Dionísio de Azevedo e Fernando Baleroni, gravou “Hamlet” em videoteipe.
“Foi um trabalho que exigiu muito de nós”, confessou.
Com uma grande demanda nos trabalhos de gravação, a Tupi do Sumaré logo encomendou uma
segunda máquina de VT, que passou a operar em maio de 1961. Antônio Vituzzo (ver Capítulo
21), fornecedor de filmes e desenhos animados em películas 16 mm para exibição no Canal
4, acabou se tornando funcionário da emissora e também responsável pela aquisição de fitas
virgens, a serem usadas nos equipamentos de videoteipe.
O novo e revolucionário equipamento de gravação em fita de vídeo passou a fazer um trabalho
fundamental de distribuição das produções mais importantes da TV Tupi de São Paulo para as
afiliadas de diversas partes do Brasil, visto que não havia satélites de comunicações e a rede
de links das Emissoras Associadas ainda era restrita ao eixo Brasília, Belo Horizonte, Rio de
Janeiro, São Paulo e Ribeirão Preto. Para tanto, a Tupi do Sumaré organizou, em 1962, um setor
responsável pelo gerenciamento e distribuição das fitas de VT para as afiliadas. O Departamento
de Tráfego foi inicialmente operado por Mauro Gianfrancesco2, Roberto Torres, Plínio Marcos,
Rômolo Santillo, José Maria Pereira Lopes, entre outros. Os editores de VT não trabalhavam
propriamente no Tráfego, contudo, eram subordinados à escala deste setor, feita pelo diretor
Paulo de Grammont. Naquela época, ocupando a função de editor, passaram Ernesto Hypólito,
Marina Villara e Daysi Bregantini3 (as primeiras mulheres a trabalhar no setor de Operações de
uma emissora de TV no país).
Durante o período de implantação do videoteipe, alguns artistas foram contra o recurso
da reprise, pois reduziria a quantidade de programas inéditos na programação. Por fim, vale
repetir que o videoteipe proporcionou a montagem de acervos, que poderiam contar a história
da televisão pelo mundo, além de outros recursos. Contudo, como esse moderno sistema de
gravação magnética também oferecia a opção de reutilização das fitas (literalmente gravar por
cima), era muito comum que emissoras de todo o mundo encarassem isso como oportunidade
para economizar. Infelizmente, um número enorme de programas históricos foi apagado.

1 “Fátima da Conceição”, Diário do Paraná, 01/07/1976, 2º Caderno, p. 6.


2 Mauro Gianfrancesco (1945-2020) foi produtor em várias emissoras de TV, professor de
comunicação e coautor de dois livros: “De Noite Tem... - Um Show de Teledramaturgia na TV
Pioneira” e “Astros e Estrelas da TV Tupi-SP: Arte e História na Teledramaturgia Brasileira”.
Gianfrancesco foi um grande apoiador desta obra literária, que é dedicada à sua memória.
3 Daysi Bregantini hoje é fundadora e diretora da revista “Cult”.
386 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Algumas fitas Quadruplex da TV Tupi de São


Paulo. (reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 387

CAPÍTULO 32
A INFRAESTRUTURA DAS EMISSORAS ASSOCIADAS - ANOS
1960

[...] A parte velha da rádio será demolida, em breve, para dar lugar a
novos estúdios de televisão. Como se vê, cresce extraordinariamente
a Cidade do Rádio, acompanhando o desenvolvimento técnico e
artístico das maiores organizações do gênero em todo o mundo.
Paralelamente a esse desenvolvimento, prepara a direção da “Taba”
autêntica revolução nas suas apresentações artísticas de rádio e de
TV, “bombas” autênticas que deverão eclodir logo nos primeiros
meses de 1960. (Diário da Noite [SP], 26/11/1959, p. 4)
Dentro de poucos dias, iniciar-se-á a demolição da parte antiga
das dependências da TV Tupi no Sumaré, para que seja iniciada
a construção de quatro modernos estúdios de televisão. O novo
prédio, de 10 andares, construído especialmente para as Emissoras
Associadas paulistas, já foi inaugurado e está abrigando as Rádios
Tupi, Difusora e Cultura, com todos os seus departamentos. Agora,
com o início das obras do seu edifício (cujo término é pretendido
ainda este ano), a TV Tupi de São Paulo ficará com moderníssimas
instalações e as “Associadas” possuirão (no Sumaré) o mais
avançado parque de rádio e TV da América do Sul. (“Rádio & TV”,
E.M., Correio Paulistano, 12/04/1960, 2º Caderno, p. 5)

N
a virada para os anos 1960, a expressão “parque de rádio e TV” passou a ser usada
para se referir à nova infraestrutura do Sumaré. O antigo nome “Cidade do Rádio” foi
gradativamente caindo em desuso e o grande símbolo da nova fase das “Associadas”
paulistas era a construção do edifício de 10 andares dos engenheiros Dorvalino Mainieri e Mário
Ferronato, com as linhas modernas do arquiteto Gregório Zolko.
Ainda na época da conclusão de suas obras e da acomodação das rádios Tupi, Difusora e Cultura,
os jornais da “cadeia associada” voltaram a falar na demolição de prédios mais antigos do
complexo do Sumaré para dar continuidade às ampliações e modernizações. Naquele ano de 1960,
a TV Tupi-Difusora utilizava seus estúdios “A”, “B” e “C” para produção de novelas, teleteatro,
seriados, infantis, entre outros. Já o pequeno Estúdio “D” estava dedicado ao telejornalismo,
entrevistas, mesas-redondas e à publicidade ao vivo. Por fim, a emissora dividia o grande Palco-
Auditório com as rádios Tupi e Difusora para realizar seus shows e programas com plateia, entre
eles “Clube Papai Noel”, “Antarctica no Mundo dos Sons” e “Grandes Atrações Pirani”.
A direção das Emissoras Associadas acabou modificando o projeto que previa a demolição de
boa parte do principal prédio da Rádio Difusora (o mais recente, de 1942) para erguer um grande
estúdio de televisão contíguo ao Estúdio “A”. Optou, no entanto, apenas por reocupar este prédio,
que havia ficado esvaziado após a mudança das rádios Tupi e Difusora para o novo edifício de
10 andares ao lado. Para tanto, a ala esquerda, exatamente onde ficavam os estúdios das rádios,
foi reformada e recebeu alguns setores administrativos da televisão. Já as alas central e direita,
388 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

respectivamente hall e Palco-Auditório, foram reformadas e convertidas em um grande estúdio


de TV, a ser utilizado para produção da programação vespertina e de alguns outros programas
variados.

TV Cultura no Sumaré e Quatro Novos Estúdios para a


TV Tupi

Dentro de poucos dias começará a construção (no Sumaré) de quatro


novos estúdios para a TV Tupi de São Paulo. (Revista do Rádio, nº
556, 14/05/1960, p. 59)

Em fevereiro de 1959, a TV Tupi publicou nos jornais do grupo uma campanha com três
diferentes anúncios. Um deles destacava: “É para você que estamos erguendo o maior estúdio de
televisão da América do Sul - Para lhe proporcionar as emoções de espetáculos cada vez
melhores, o Canal 3 TV Tupi está construindo no Sumaré os mais modernos e gigantescos
estúdios de televisão do Continente [...]”. A promessa deu a impressão de que um novo prédio
estava sendo construído no Sumaré para abrigar um estúdio de grande porte. Os jornais dos
Diários Associados chegaram a publicar algumas notas que confirmavam a construção dos quatro
grandes estúdios e de novas instalações técnicas, a fim de que a TV Tupi pudesse continuar
instalada no local. Com isso, a possibilidade de que a TV Cultura “reinasse” sozinha na parte
antiga da Cidade do Rádio foi descartada e, a ela, como já abordamos, restou apenas o 15º andar
no edifício-sede dos Diários Associados, no centro de São Paulo.

Anúncio da construção de quatro estúdios de televisão no Sumaré: “Para lhe proporcionar as emoções de
espetáculos cada vez melhores, o Canal 3 TV Tupi está construindo no Sumaré os mais modernos e gigantescos
estúdios de televisão do continente”. (Diário da Noite/reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 389

As reformas das instalações das Emissoras Associadas, no Sumaré,


vêm sendo feitas em ritmo acelerado. Enéas Machado de Assis
[diretor-geral] quer ver terminados, o mais depressa possível, os
amplos estúdios que estão sendo construídos no antigo auditório
da Rádio Tupi. Dentro em breve, até uma piscina terá o Canal 4,
a exemplo da Televisão Paulista. Os diretores comercial e artístico
da Televisão Tupi estudam uma série de novos lançamentos para
a próxima temporada. Cartazes europeus e norte-americanos
estão nas cogitações do Canal 4 e foram adquiridos novos filmes
especialmente produzidos para a TV. Pretende a TV-4, com essas
inovações, recuperar o terreno perdido em 1960, quando a Record,
com a apresentação dos maiores sucessos dos Estados Unidos,
suplantou-a em audiência. (“Cartazes Norte-Americanos e Europeus
nas Cogitações da Televisão Tupi, Canal-4”, Folha de São Paulo,
19/11/1960, 2º Caderno, p. 4)

O Palco-Auditório do Sumaré foi inaugurado pela Rádio Difusora em 1942, fase em que a
emissora ainda não havia sido comprada pelos Diários Associados. Dispondo de pouco mais de
500 cadeiras e 450 m2 de área total (ver Capítulo 4), o local sediou as apresentações musicais da
Difusora e, desde 1943, também da Rádio Tupi, sempre com grande presença popular. A partir
de 1950, como já dito, o Palco-Auditório também passou a receber as câmeras de televisão da
PRF3-TV. Os anúncios sobre a construção de novos estúdios no Sumaré, na verdade, se referiram
exatamente às reformas neste prédio de 1942. Elas se iniciaram no segundo semestre de 1960 e
o antigo Palco-Auditório foi adaptado para tornar-se o Estúdio-Palco, raramente chamado de
Estúdio “E”. Contudo, ao invés de quatro estúdios, optou-se por montar apenas um, com grandes
dimensões. Removeu-se a plateia e o palco. Algumas paredes do pórtico e do hall foram
demolidas ou modificadas, onde se construiu uma entrada mais discreta, apenas para os artistas.
A parede onde havia a porta que ligava o antigo hall à plateia foi parcialmente demolida,
integrando os dois ambientes. O hall virou um prolongamento de estúdio, adaptado para a
construção de uma piscina para fins cenográficos, com 1,72 m de profundidade, visto que a
pequena piscina do Estúdio “C” fora desativada. No entorno da nova piscina foi montado um
deck e, sobre ela própria, colocaram algumas peças removíveis do deck para que, enquanto ela
estivesse fora de uso, os funcionários e artistas circulassem livremente sobre a água. “Essa
piscina eu fiz virar o lago onde morre Ofélia, na obra teatral ‘Hamlet’, do ‘TV de Vanguarda’”,
conta o cenógrafo Luigi Calvano, que trabalhou na TV Tupi entre 1955-70 e que hoje vive na
Espanha, aos 90 anos de idade.

Planta baixa das instalações do Sumaré em 1960: reformas adaptaram o antigo Palco-Auditório para se tornar
o Estúdio-Palco. (Prefeitura da Cidade de São Paulo/Secretaria Municipal de Cultura/Acervo Arquivo Histórico
Municipal de São Paulo)
390 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O Estúdio-Palco/Estúdio “E” recebeu um novo palco, que ficou próximo da piscina, no lado
oposto do antigo Palco-Auditório. O local ganhou um grande tablado para a montagem de outros
sets. Foi nesse estúdio que passaram a ser realizadas as gravações e transmissões ao vivo, como o
programa diário “Revista Feminina”, a novela “O Jardim Encantado” e alguns outros programas
variados, como “Colagem”, “Mobile” e “Sumaré 23 Horas”.
Por fim, vale ressaltar algumas modificações realizadas no prédio que, outrora, foi exclusivo
do Departamento de Publicidade da TV Tupi. No início dos anos 1960, os antigos estúdios de
gravação de áudio (propagandas, chamadas e locuções das rádios) deram lugar para a Central
de Videoteipe da emissora (1º andar) e para a Central Técnica de Vídeo (2º andar), onde eram
recebidos, via micro-ondas, os sinais das unidades móveis, entre outras funções.

Novas Estruturas Fora da Cidade do Rádio

As Emissoras Associadas adquiriram duas casas no Sumaré, bem


próximas do edifício onde funciona o Canal 4. Ampliando suas
instalações, a TV Tupi ali construirá mais um estúdio para teleteatro.
(Mário Júlio, Revista do Rádio, 01/04/1961, nº 602, p. 46)
As Emissoras Associadas vão construir um prédio no bairro de Água
Branca, instalando ali os estúdios para gravação de programas em
“Video-Tape”. (Mário Júlio, Revista do Rádio, 06/08/1961, nº 620,
p. 36)
Dando maior amplitude às suas atividades artísticas para o ano de
1961, a TV Tupi adquiriu o Cine Ritz (na Consolação). A capacidade
de poltronas será mantida, com cerca de mil lugares. O palco
será reconstruído integralmente, o que permitirá aproveitamento
da área completa, ficando um palco com cerca de 16 metros de
profundidade por 12 de largura. Ficará como um auditório para as
grandes programações previstas para este ano, e será rebatizado
com o nome de Cine-Teatro Tupi. Instalações técnicas permanentes
possibilitarão a transmissão de programas em qualquer horário
sem as preocupações de reportagens externas. Como se fora um
prolongamento das instalações do Sumaré. Sua inauguração deverá
ocorrer nos primeiros dias de março p. vindouro, com a temporada
de oito cartazes italianos, com as melodias vencedoras do Festival
de San Remo. (“Cine-Teatro Tupi”, Diário da Noite, 02/02/1961, p.
4)
Em terreno [...] no bairro de Vila Sofia, próximo de Congonhas, as
Emissoras Associadas vão construir um edifício com capacidade
para quatro grandes estúdios destinados à gravação de programas
em video-tape. Por aí se vê que o VT vai ganhando terreno dia a
dia. (“Novos Estúdios”, Mário Júlio, Revista do Rádio, nº 693,
29/12/1962, p. 29)
A direção-geral das Emissoras Associadas vai construir no bairro de
Vila Sofia, nas proximidades de Congonhas, um edifício onde serão
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 391

instalados quatro grandes estúdios para gravação de programas


em “video-tape”, para os canais 2 e 4 (Cultura e Tupi). Ali serão
encenados os teleteatros, telenovelas, comerciais etc. Até mesmo o
aparelhamento de VT para audições a cores será colocado naquele
bairro. Com isso, os espetáculos que ora são montados no Sumaré,
alguns gravados de madrugada, terão melhor aproveitamento, pois,
os produtores e diretores de TV e de estúdios contarão com maiores
recursos técnicos. (“Estúdios para ‘Video-Tape’”, Folha de São
Paulo, 16/11/1962, 2º Caderno, p. 2)
O Canal 4 está montando no bairro de Vila Sofia, atrás do Aeroporto
de Congonhas, no terreno onde se localizava o antigo transmissor
da Rádio Difusora, uma série de estúdios para gravações de
programas em “vídeo-tapes”. Fomos informados que haverá ali
piscinas, bosques, túneis, tudo o que é necessário para a realização
de programas de televisão com características de autenticidade.
(“Estúdios de ‘Vídeo-Tapes’”, Folha de São Paulo, 14/10/1963, 2º
Caderno, p. 4)

Estas diversas notas publicadas em jornais entre os anos de 1961-63 refletem muito bem a boa
fase da TV Tupi e a urgência por ampliar seus espaços de produção. Como o parque de rádio
e TV do Sumaré ficou novamente pequeno, a direção das Emissoras Associadas de São Paulo
começou a investir em outras áreas. Dentre as opções de construir um estúdio de teleteatro no
terreno de duas casas adquiridas no Sumaré; erguer prédios em terrenos dos bairros da Água
Branca e Vila Sofia; e comprar um cinema na Rua da Consolação, apenas este último projeto se
concretizou. O novo complexo da Vila Sofia chegou a ter suas obras iniciadas em 1964, usando
um terreno próprio das Emissoras Associadas, com área de 58 mil m2, que foi desocupado
especialmente para a realização dessas obras. No local, já haviam funcionado os transmissores e
as antenas de Ondas Médias da Rádio Tupi - 1040 KHz (entre 1937-49) e vinha sendo utilizado,
desde 1951, para as transmissões da Rádio Difusora em OM e OC. Entretanto, esta importante
obra foi interrompida e o projeto cancelado, sem que os motivos fossem divulgados.

Teledramaturgia

Afinal, a TV conseguiu realizar, por inteiro, o maior sucesso do rádio.


Desde aquela primeira novela apresentada ao vídeo [“Sua Vida Me
Pertence”], no ano primeiro da televisão brasileira, na Tupi paulista,
com o pioneiro Walter Forster escrevendo, produzindo e interpretando
dois capítulos semanais, que a TV apresenta o gênero sem maiores
consequências. Agora, descobriram a fórmula: capítulos diários,
de 2ª a 6ª, com os mesmos ingredientes — romance denso, drama
e suspense em doses fortes. E o sucesso é avassalante. [...] A partir
de segunda-feira, [...] a grande novela que domina São Paulo e Rio,
“Alma Cigana”, a história de uma freirinha de dupla personalidade
[...]. (“Novelona”, Correio Braziliense, 18/04/1964, 2º Caderno, p.
3)
Para a maior parte do telespectador do Brasil, a novela começou
em 1963, depois que o diretor-artístico da TV Excelsior — Edson
Leite — a descobriu na Argentina. Até aquele ano só existiam semi-
392 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

novelas, programas em série, apresentados duas vezes por semana.


[...] Nessa fase a televisão brasileira estava mais interessada em
montar grandes espetáculos teatrais, que se não rendiam grandes
audiências, mantinham acesa a chama da integridade da emissora.
Só na TV Tupi de São Paulo a preparação do “TV de Vanguarda”,
“Grande Teatro Tupi”, “Studio 4” e o “TV de Comédia” consumia
o mesmo contingente de produção que a emissora utilizava para
pôr três novelas no ar simultaneamente. (Memória da Telenovela
Brasileira, Ismael Fernandes, Editora Brasiliense, 1987:10)

Em 1963, com a implantação dos recursos do videoteipe nas produções de teledramaturgia,


a qualidade foi se aperfeiçoando e o gênero caiu ainda mais no gosto do público brasileiro.
Naquele ano, a TV Excelsior implantou o formato de novela diária com “2-5499 Ocupado” e a
média do número de capítulos subiu para 50. No início de 1964, a TV Tupi - Canal 4 recebeu uma
proposta da anunciante Palmolive para a produção de telenovelas diárias e curtas, com cerca de
40 capítulos, para exibição na faixa das 20h. Para tanto, o Estúdio “E” passou a ser exclusivo para
este núcleo da teledramaturgia, que passaria a gravar e editar todos os capítulos em videoteipe.
A primeira novela do projeto “Festival de Novelas Palmolive” foi “Alma Cigana”, exibida com
sucesso entre 02/03/1964 e 08/05/1964, responsável por revelar a atriz Ana Rosa. Foi escrita por
Ivani Ribeiro, a partir de um original do argentino Manuel Muñoz Rico. A direção foi de Geraldo
Vietri.
Ainda durante o mês de maio de 1964, depois de utilizar muitos textos de escritores latino-
americanos, a TV Excelsior colocou no ar “A Moça que Veio de Longe”, mais um dramalhão
argentino. Contudo, Ivani Ribeiro, responsável pela adaptação no Brasil, desta vez não seguiu
à risca os textos originais e adaptou a história ao seu modo. O público gostou e as TVs Tupi,
Globo, Record e Excelsior passaram a investir decisivamente no gênero noveleiro. O primeiro
grande sucesso de teledramaturgia na TV Tupi de São Paulo foi “O Direito de Nascer” (1964-
65), que, juntamente com “A Moça que Veio de Longe”, consagrou a novela diária1. “A novela
seriada se transformou no vórtice ao redor da qual tudo girava”2 e, no Sumaré, novos anunciantes
chegavam a todo instante. Surgia, portanto, a necessidade de investir ainda mais na qualidade das
novelas e na abertura de mais faixas de horário.

O sucesso de “O Direito de Nascer” transformou a televisão


brasileira. A partir daí, caracterizou-se pela influência da telenovela
e por uma programação horizontal — o mesmo produto de segunda-
feira a sábado. As emissoras passaram a investir decisivamente no
gênero milionário. Assim, a segunda metade dos anos 60 assistiu ao
maior torvelinho de emoções que a nossa televisão tem para contar.
Tupi, Excelsior, Record e Globo entraram no páreo para valer.
Uma explosão de teledramaturgia tomou conta do país. A TV Tupi
manteve três novelas no ar, chegando a quatro. A Rede Globo, com
produção predominantemente carioca, concorreu em três horários.
Na TV Excelsior, quatro histórias eram contadas diariamente. E a
TV Record, mesmo bem-sucedida nos musicais, acabou cedendo às

1 “A Telenovela Brasileira”, Arthur da Távola, Editora Globo, 1996:86.


2 “A Televisão Antes da Novela: Ensaio de Interpretação”, José Inácio de Melo Souza, 2005, p.
115.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 393

exigências do público. (Memória da Telenovela Brasileira, Ismael


Fernandes, Editora Brasiliense, 1987:65)

1961 - Cine-Teatro Tupi (Consolação)

Mais um cinema que desaparece para dar lugar a um teatro. Trata-se


do Ritz-Consolação, que foi adquirido pelas Emissoras Associadas.
A capacidade de poltronas será mantida, isto é, mil lugares. O palco
está sendo inteiramente reformado e deverá apresentar uma área
de 12 metros de largura por 16 de profundidade. Para inaugurá-
lo teremos os astros do Festival de San Remo. E assim surge nos
céus de São Paulo, o Cine Teatro Tupi! Quando será que o Canal 5
comprará o Cine Trianon? Daí a Prefeitura poderá mudar o nome de
Av. Consolação, para Av. Televisão! (“Cine Teatro Tupi”, São Paulo
na TV, nº 96, 13-19/02/1961, p. 35)

Desde o final da década de 1950, já numa fase em que o teleteatro perdia espaço para shows
musicais (o próprio público é quem definia isso), alguns teatros e cinemas de São Paulo foram
arrendados para emissoras de televisão, que necessitavam de locais mais amplos para produção
de programas com grandes plateias. A TV Record alugou o Cine Rio na Rua da Consolação e,
posteriormente, o antigo Teatro Paramount na Avenida Brigadeiro Luís Antônio. A TV Excelsior
já tinha sua sede instalada em um teatro, o Cultura Artística, situado na Rua Nestor Pestana. E a
TV Tupi fechou a compra do Cine Ritz Consolação, inaugurado em 1943 na Rua da Consolação,
nº 2403, a poucos metros da esquina com a Avenida Paulista.
O Ritz foi comprado pelas Emissoras Associadas em maio de 1961 e se tornou o Cine-Teatro
Tupi1, a casa de espetáculos do Canal 4 de São Paulo. As instalações ficavam praticamente na
região central da cidade, com fácil acesso ao público, ao contrário do bairro do Sumaré, onde
era necessária uma longa caminhada para acessar. Além disso, a proposta das “Associadas” era
concorrer com os programas de auditório da TV Record, campeões de audiência e de público nos
anos 1960, já que os teatros das duas emissoras ficariam na mesma rua. A disputa pelo público se
tornou acirrada não apenas em frente à TV, mas também nas poltronas dos auditórios.

As “Associadas” reagiram, enfim, ao ascenso de audiência da Record,


assinalado inclusive pelas temporadas com atrações internacionais.
Está assim programada a série de apresentações estrangeiras no
corrente ano, pelas rádios Tupi, Difusora e Cultura, e tevês Tupi e
Cultura [...]. (“A Vez das Associadas”, Radiolândia, n° 351, julho de
1961, 2° quinzena)

O Cine-Teatro Tupi foi o maior espaço que a TV Tupi ocupou em toda sua história. O projeto da

1 O Teatro Tupi-Consolação se situava onde hoje há uma loja das Casas Pernambucanas, entre
o acesso à Estação Paulista do Metrô e o Cine Belas Artes.
394 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

emissora para aquele ano de 1961 era investir em memoráveis shows internacionais e, com isso,
criou-se o Departamento de Promoções Internacionais, dirigido pelo jornalista Bolívar Madruga
Duarte.
O Festival de San Remo, mais importante festival musical do mundo e que faria apresentações
especiais em Nova York e Buenos Aires, foi contratado pelas Emissoras Associadas para ser
apresentado no Cine-Teatro Tupi. Pela primeira vez o tradicional festival realizaria uma turnê
oficial fora da cidade italiana de San Remo. Em São Paulo, os espetáculos seriam patrocinados
pelas Refinações de Milho Brazil e trariam os finalistas da edição daquele ano: Betty Curtis
e Luciano Tajoli (os vencedores), Teddy Reno, Tony Dallara, Cláudio Villa, Aurélio Fierro,
Miranda Martino, Mina Mazzini, Milva e Jula de Palma.
As “Associadas” marcaram a inauguração do Cine-Teatro Tupi para o dia 3 de março de 1961,
mas, para tanto, era necessário realizar rapidamente uma grande reforma. Apesar dos esforços
do Departamento de Engenharia dos Diários Associados, a montagem do palco ficou pronta,
mas a do auditório atrasou. Em caráter de urgência, foi alugado o Teatro Paramount, na Avenida
Brigadeiro Luís Antônio, no Centro, para onde foram transferidos os shows do Festival de San
Remo. Eles aconteceram entre 4 e 9 de março de 1961, com casa lotada. A pré-estreia se deu um
dia antes, na Associação Brasileira “A Hebraica” de São Paulo. As apresentações foram gravadas
pelo Kinescópio e pelo Videoteipe do Canal 4, para serem exibidas em outras emissoras da Rede
Brasileira de Televisão Associada.
As obras do luxuoso Cine-Teatro Tupi ficaram prontas em maio de 1961, atendendo aos mais
avançados princípios da acústica e da eletrônica. O palco foi inteiramente reconstruído em aço e
era o único desmontável em São Paulo. Suas dimensões tinham 8 m de profundidade e 15 m de
“boca”. As cortinas eram moderníssimas e havia focos de luz no teto, uma novidade. Algumas
câmeras de TV foram instaladas nas laterais e outras suspensas em gruas para não tirar a visão de
ninguém na plateia. A cabine de luz e som foi instalada na parte traseira do auditório.

O Cine-Teatro Tupi na Rua da Consolação. (Acervo


do Museu da Cidade de São Paulo)

O Cine-Teatro Tupi foi inaugurado com a estreia dos Grandes Espetáculos Internacionais Renner,
organizados pelo Departamento Unificado das “Associadas”. As transmissões foram feitas pela
Rádio Difusora, TV Cultura e TV Tupi. Os primeiros shows foram estrelados pela cantora negra
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 395

norte-americana Eartha Kitt1, com apresentações entre 25 e 30 de maio de 1961. Continuando a


sequência de grandes cartazes naquela temporada, apresentou-se Hanna Ahroni, “a maior cantora
israelita do momento”, seguida pelo American Jazz Festival, show composto por algumas das
mais expressivas figuras do jazz norte-americano, como Chris Connor, Willis Conover, Coleman
Hawkins, Herbie Mann e diversos outros. Depois, foi a vez do Cine-Teatro Tupi receber o cantor
da música popular norte-americana Vic Damone; da cantora jazzística Della Reese; do cantor de
rock Bobby Rydell; da cantora e ex-Miss América Anita Bryant; novamente do italiano Luciano
Tajoli; e de Nancy Wilson, também intérprete da música norte-americana. O cantor italiano
Cláudio Villa se apresentou no mês de novembro e Fabian, cantor e artista de cinema, fechou o
ano de 1961 com rock-balada.

Os apreciadores do jazz em São Paulo jamais poderão esquecer a semana


de 12 a 19 de julho de 1961, em que se apresentaram sucessivamente,
e em alguns dias simultaneamente, dois grupos de jazz de primeiríssima
categoria: o “American Jazz Festival”, integrado por 15 músicos, entre os
quais um dos maiores do jazz em todos os tempos, o sax tenor Coleman
Hawkins e o Quinteto de Dizzy Gillespie.

De 12 a 15 deste mês, apresentado pelo mais famoso mestre de


cerimônias do jazz, Willis Conover, de “A Voz da América” e do Festival de
Newport, o “American Jazz Festival” exibiu-se no antigo Cine Ritz, na Rua
da Consolação quase esquina da Avenida Paulista, na época o auditório
do Canal 4. Integravam-no, além de Hawkins, os pistonistas Roy Eldridge e
Kenny Dorham, os saxes tenores Al Cohn e Zoot Sims, o trombonista Curtis
Fuller, o flautista Herbie Mann, os pianistas Tommy Flanagan e Ronnie
Ball, os contrabaixistas Ben Tucker e Ahmed Abdul Malik, os bateristas Jo
Jones e Dave Bailey, o percussionista latino Ray Mantilla e a cantora Chris
Connor. (“Limitações da Nossa Música Popular Atual”, Armando Aflalo, O
Estado de São Paulo, 28/01/1973, p. 18)

Alguns programas de auditório também passaram a ser transmitidos do Cine-Teatro Tupi na


Consolação, como o “Karibê Show Parade”, apresentado pelo maestro Georges Henry e sua
orquestra. Além da abertura do grande espaço dedicado aos shows musicais, a TV Tupi também
investiu em Walter Arruda, um jovem dinâmico e com ideias revolucionárias, para ser diretor do
Departamento Musical da emissora. Em abril de 1962, o teatro passou por grandes remodelações

1 Eartha Kitt também teve uma carreira como atriz. Em 1967, atuou como a vilã Mulher-Gato na
série de televisão “Batman”, estrelada por Adam West e Burt Ward. Ela assumiu o papel depois
que a atriz Julie Newmar abandonou a série e, com isso, a personagem da Mulher-Gato passava
a ser negra. Precedendo sua entrada no palco da TV Tupi, o diretor Geraldo Vietri organizou
uma teatralização da vida de Eartha, da qual participaram, entre outros atores, Glória Menezes,
Márcia Real, Amilton Fernandes, Cazarré e Luís Gustavo.
396 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

e ganhou uma decoração moderna, funcional e instalações técnicas mais avançadas.


Na noite de 1° de maio de 1963, o Cine-Teatro Tupi recebeu imenso público para assistir à
apresentação do programa especial “A Maior Noite do Ano”, que apresentou um show com
os 22 novos cantores contratados exclusivamente pela TV Tupi, entre eles Jamelão, Agnaldo
Rayol, Ângela Maria, Emilinha Borba, Orlando Silva, Percy Ribeiro, Nelson Gonçalves, Ivon
Cury e Inezita Barroso. Mas, também, houve outro memorável acontecimento durante aquele
grande evento na Rua da Consolação: o lançamento de uma fase experimental e extraoficial de
transmissões de TV em cores no Brasil (ver Capítulo 34). Com a novidade, a TV Tupi se colocou
mais uma vez como pioneira, após investir alto em equipamentos e no seu elenco.

O Novo Conceito de “Estúdio-Auditório”

No final de 1963, o então Cine-Teatro Tupi estava “atendendo” simplesmente pelo nome de
“Teatro Tupi”, ou ainda, “Teatro Tupi-Consolação”. Nessa época, a emissora quis criar uma
linha de shows ainda mais sofisticada para seus espetáculos da Rua da Consolação e, com esta
proposta, o pioneiro Cassiano Gabus Mendes, diretor-geral da emissora, foi ao Rio de Janeiro
fazer um convite ao famoso produtor de espetáculos musicais Abelardo Figueiredo, que iniciou
sua carreira na televisão, nos anos 1950, pela própria Tupi de São Paulo. Após muita negociação,
Gabus Mendes o convenceu a deixar de produzir espetáculos no circuito carioca e “voltar para
o Sumaré”. “Abelardo será o produtor musical mais bem pago da televisão brasileira, com
muitíssimos zeros no ordenado”, informou o jornal “Diário da Noite”1.
Os altos investimentos das “Associadas” nesta nova série de espetáculos não pararam por aí.
Após trazer experiências vistas recentemente nos Estados Unidos, Abelardo Figueiredo propôs
a desmontagem de todo o interior do Teatro Tupi-Consolação e a construção de um imenso
e moderno estúdio, com o novo conceito de “Estúdio-Auditório”. O objetivo era produzir
espetáculos especialmente feitos para a televisão, com a vantagem de o público poder continuar
dando seu calor e seu aplauso sem prejudicar as cenas.
Gustavo Tupinambá Freire, engenheiro-chefe dos Diários e Emissoras Associados, foi o
responsável pela obra. Segundo o “Diário da Noite”, tratava-se do maior estúdio de TV da
América Latina, com pé-direito de 12 m, 35 m de fundo e 30 m frente (1050 m2). A reforma trouxe
o que havia de mais moderno no ramo do broadcasting, permitindo a encenação de espetáculos
de grande montagem, com número elevado de participantes. Uma tela ciclorama2 foi montada no
fundo do estúdio para produção de efeitos visuais para suntuosos e deslumbrantes espetáculos.
As 400 poltronas do teatro foram reinstaladas em plano inclinado e com ângulo superior ao
palco, proporcionando ampla visão aos espectadores. Um detalhe significativo foi o piso do
estúdio, feito em mármore, ideal para apresentações de dança. As câmeras, em ângulo alto,
puderam movimentar-se nas mais diversas perspectivas e usar o piso como fator de importância.

1 “TV Tupi Terá o Maior Estúdio da América do Sul!”, Diário da Noite [SP], 06/01/1964, 2º
Caderno, p. 9.
2 Ciclorama era uma grande tela clara que cobria o fundo de um palco ou estúdio para que
fossem projetadas imagens ou efeitos especiais que complementavam as cenas.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 397

Estúdio-Auditório da TV Tupi na Rua da


Consolação. (Rolando Carneiro/Acervo do
Museu da Imagem e do Som de São Paulo)

O novo Estúdio Tupi-Consolação ficou pronto no final de fevereiro de 1964 e passou a receber os
principais programas do Canal 4, produzidos no Sumaré, como o infantil “O Jardim Encantado”,
produzido por Vicente Sesso; o game-show “Grandes Atrações Pirani”; o cultural “Sabatinas
Maizena”; os concertos sinfônicos do “Música, Sempre Música”, sob a batuta do maestro
Bernardo Federowski; entre outros.
Os programas musicais do próprio Abelardo Figueiredo precisaram de mais quatro meses para
ser estruturados e gravados em videoteipe, tamanha era a preocupação com todos os detalhes.
O patrocínio foi feito pela empresa Eron - Indústria e Comércio de Tecidos S/A, que deu o
nome de “Erontex Show” ao então programa mais luxuoso e caro da televisão brasileira. A
apresentação foi do conceituado ator Paulo Autran e a estreia finalmente aconteceu em 8 de
junho de 1964, abrindo a nova fase de shows musicais da TV Tupi. “Erontex Show” marcou a
história ao apresentar uma sucessão de ricas apresentações musicais com gente famosa, além de
esquetes humorísticos.

Em 1966, a Prefeitura de São Paulo iniciou um processo de desapropriação de diversos imóveis


daquele trecho da Rua da Consolação para realizar obras de duplicação da via. O prédio do
vizinho Cine Trianon nada sofreria, pois foi construído no ano de 1958 em uma área mais
recuada do terreno, já pensando no futuro e evitando demolições. Contudo, o antigo prédio do
Estúdio-Auditório da TV Tupi avançava vários metros no terreno e sua fachada ficava próxima
de onde hoje está o canteiro central daquela movimentada rua.
O grandioso estúdio da TV Tupi na Rua da Consolação foi desapropriado em 1966 e demolido
no ano seguinte. O Cine Trianon seguiu funcionando normalmente e depois passou a se chamar
Cine Belas Artes, nome usado até os dias atuais. Quanto ao forte concorrente Teatro Record-
Consolação, foi tragicamente consumido pelo fogo em 1969.
Na falta de um grande Estúdio-Auditório, a TV Tupi precisaria construir outro similar para
seguir na produção da linha dos musicais, mantendo o padrão de qualidade da televisão pioneira.
Foi quando a direção das Emissoras Associadas se voltou novamente para o Sumaré e discutiu
atualizar o antigo projeto para construção de um grande estúdio na naquele parque de rádio e
televisão.
398 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Fachada do Cine-Teatro Tupi em 1967,


prestes a ser demolido para o alargamento da
Rua da Consolação. Seu vizinho da direita,
o Cine Trianon (futuro Belas Artes), fora
construído posteriormente e já com recuo
para evitar o mesmo destino. (reprodução)

A Nova Fachada da Alfonso Bovero

No dia 3 de fevereiro de 1964, a Prefeitura de São Paulo aprovou um projeto para aumento da
área construída no prédio dos estúdios da TV Tupi no Sumaré. As obras seriam realizadas junto à
calçada da Avenida Prof. Alfonso Bovero, nos fundos do Estúdio-Palco/Estúdio “E” da televisão,
onde havia uma fachada que não contava com um bom aspecto estético por ser um local de
serviço, com cabine de força etc. Havia uma porta de acesso dos funcionários e um jardim que
terminava na calçada. A proposta foi construir algumas salas sobre o jardim e modernizar toda
esta fachada.
Não há informação exata de quando a obra foi executada, entretanto, as evidências mostram que
se deu entre os anos de 1965-66. A construtora foi a Ferronato, Pimenta & Cia. Ltda., que ergueu
a fachada com 5 m de altura, demolindo poucas paredes, e trazendo dois elementos que remetiam
ao edifício-sede vizinho. Esses elementos eram uma marquise instalada junto à nova porta de
acesso dos funcionários e os brises-soleil horizontais de concreto nas janelas. Tudo isso deixou
as fachadas de ambos os edifícios padronizadas e realçou a beleza do local. Um antigo muro foi
derrubado para dar lugar a um novo projeto paisagístico, com grama e palmeiras. Uma grande
porta de alumínio agora dava acesso aos fundos do Estúdio-Palco e às novas salas, onde se
instalou um depósito, uma nova cabine de força, uma casa das máquinas para ar-condicionado,
vestiários, a nova sala da icônica barbearia do Lau (ver box) e um hall com recepção e entrada
de serviço.

A nova fachada dos estúdios do Sumaré, voltada para


a Avenida Prof. Alfonso Bovero: brises e marquise do
edifício-sede replicados para estabelecer um padrão
visual. (O Cruzeiro/reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 399

A Barbearia do Lau

Wenceslau Mariani, o Lau, tinha sua barbearia em um cantinho do lado


esquerdo do saguão de entrada da TV Tupi, no alto do Sumaré. Impossível
entrar no edifício e não ver o Lau. Personalíssimo, ímpar, único. A começar
por seu time do coração, o Juventus; na Tupi inteirinha, juventino, só ele.
Querido por todos os que se deixavam encantar por sua conversa afável
e inteligente, de fino espírito crítico e ótima energia, o Lau recebia com
elegância e carinho todo aquele que chegasse à minúscula barbearia. E
devia ser justamente por isso que “o mundo” passava diariamente por
lá, ainda que fosse apenas para cumprimentá-lo. A clientela era grande:
Walter Forster, José Sebastião, Aírton Rodrigues, Lima Duarte, Geraldo
Vietri, Walter Abrão, Rolando Boldrin, Edgard Franco, Chico de Assis,
Carlos Zara, Adriano Stuart, Sérgio Cardoso, Antônio Abujamra, José Parisi,
Cassiano Gabus Mendes, Paulo de Grammont, Walter Negrão, Percy Aires,
Aldo César, Henrique Martins, Elias Gleizer, Goulart de Andrade, Luís
Gallon, Francesco Calvano, Salathiel Coelho, Antonino Seabra, Fernando
Faro, Marcos Zago, Caetano Zamma, Rubens Furtado, Walter Zagari, Mauro
Gianfrancesco, Mário Ferreira, o filho Dudu, Enoch Luiz, Plínio Marcos (que
batizou a barbearia de “Salão Grená”). A tentação é grande de continuar
citando nomes, mas se eu fizer isso a lista não vai caber aqui; é gente que
não acaba mais: locutores e técnicos das rádios Tupi e Difusora, diretores
e contatos do setor comercial, maestros e músicos da orquestra; de fora,
convidados para entrevistas, jogadores de futebol, cantores que vinham
participar de programas ou caitituar seu disco nas rádios — uma romaria
sem fim. Simples e despojada, a barbearia era radicalmente desprovida do
supérfluo: além da cadeira e espelho, havia velhos e escassos banquinhos
para quatro ou cinco fregueses, não mais que isso e... um rádio de pilha,
que o Lau mantinha religiosamente sintonizado na Cultura FM, para ouvir
música clássica. (continua...)
400 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

...Por força da profissão, Lau era a pessoa mais bem informada da emissora.
Por força do caráter, porém, sempre foi discretíssimo, dificilmente passava
adiante uma novidade, a não ser coisa boa. Solidário, altruísta não perdia
ensejo de dar um “empurrãozinho” a um ator ou produtor amigos que
estivessem mal aproveitados na emissora, quando, de navalha na mão,
tinha um importante diretor de cara ensaboada à sua mercê, e por alguns
minutos o ouvinte ideal para um pedido de promoção ou emprego que o
Lau fazia sem o menor constrangimento. A partir dos anos 1980, com o
fim da Tupi, Lau migrou de mala e cuia para o SBT, por onde permaneceu
por três décadas, sempre rodeado de amigos, sempre com seu fascinante
prosear, sempre torcendo pelo Juventus, sempre com o radinho de
pilha tocando música clássica. Nelson Rodrigues disse genialmente que
“toda unanimidade é burra” e não há por que discordar desta implacável
regra, que aceita apenas uma gloriosa exceção: a unanimidade torna-se
sublime quando se trata de enaltecer o Lau. Pena que o divino Nelson não
conhecesse o Mariani… (Marcos Resende - Produtor, roteirista e diretor
de TV)

Lau, o barbeiro
da TV Tupi, e o
ator Tony Ramos.
(reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 401

As Emissoras Associadas de todo o Brasil estão lançando uma nova moda,


um novo sistema de trabalho, uma “nova dimensão” em matéria de TV.
Nada de programações isoladas, onde um esforço enorme muitas vezes
não consegue um resultado satisfatório. Agora é um trabalho único, de
conjunto, nos grandes estúdios da TV Tupi do Rio e da TV Tupi de São Paulo,
gravando programas para todo o Brasil, com o mais fabuloso elenco que
se pensou reunir. Mas, para isto, os meios técnicos devem ser o que há de
melhor, mais novo e perfeito que se tem em todo o mundo. Especialmente
as câmeras, que precisam ter versatilidade, nitidez e recursos completos
para captar todos os detalhes dos programas. Não mais imagens opacas,
sem brilho, onde o telespectador toma contato apenas com uma parte
do que está sendo oferecido. Nesta altura, entra em cena a NASA, ou
seja, o organismo especializado do governo norte-americano, no que se
refere à astronáutica. A NASA, apesar de ter a seu dispor as excelentes
câmeras produzidas naquele país, preferiu as “Mark IV”, inglesas, da The
Marconi Co. Ltd., representada no Brasil pela Brascom. E qual a razão
disto? Simplesmente pelo resultado técnico obtido, algo excepcional,
que mostrará, por exemplo, os lindos olhos de Eva Wilma ou os gestos
expressivos das mãos de Chico Anysio. A NASA usa as “Mark IV” para ver
aquilo que os foguetes mostram de perto. E a TV Tupi segue o mesmo
caminho, aproveita o exemplo, pensando em você, telespectador. A TV
Tupi de São Paulo comprou dez câmeras “Mark IV”, cujo custo subiu a
meio bilhão de cruzeiros. Um investimento de vulto, para servir de veículo
a outro investimento dos maiores: a “Nova Dimensão 4”, título dado aos
novos programas que está apresentando. O elenco é fabuloso. Conta
com Moacyr Franco, Chico Anysio como produtor e ator, Hélio Souto e
Rosamaria Murtinho; atrações internacionais como Gianni Morandi,
Ornella Vanoni e outros nomes famosos da música popular, além de
séries filmadas que mantêm os primeiros lugares de audiência em todo o
mundo, como “Os Trapaceiros”, “Na Onda do Yé-yé-yé” (Shindig), “Studio
Um” e muitos outros. (“TV em Nova Dimensão Exige Câmeras Marconi”,
Cláudio Rocha, O Cruzeiro, 09/06/1966, p. 14-15)

A marca “Nova Dimensão 4”, dada aos


programas da TV Tupi captados com as novas
câmeras Marconi. (reprodução)
402 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O Telecentro Em 1966

João Calmon e Edmundo Monteiro, respectivamente diretores das


TVs Tupi carioca e paulista, criaram um centro nacional de produção e
licenciamento de conteúdo chamado “Telecentro”. Inicialmente, ele foi
dirigido no Rio de Janeiro por José Bonifácio Oliveira Sobrinho, o Boni,
e, em São Paulo por Cassiano Gabus Mendes. A iniciativa visou criar uma
programação nacional de televisão, reduzindo custos de produção e
diluindo os custos remanescentes entre as emissoras da Rede Brasileira
de Televisão Associada, interligadas por redes de micro-ondas ou por
rotas de distribuição de fitas de videoteipe. Ao mesmo tempo, com o
Telecentro, era possível aproveitar o poder de compra em larga escala
para reduzir valores de licenciamento dos eventos esportivos e dos
chamados “enlatados” — filmes, séries e desenhos animados. A TV Tupi
do Rio de Janeiro ficou responsável por produzir shows e a de São Paulo
pelas novelas. “O projeto foi um sucesso. Mas o sistema de capitanias não
hereditárias do Condomínio Acionário criado por Assis Chateaubriand
estimulou as emissoras menores da rede a não remeter o pagamento
pelos programas que recebiam. O Telecentro, apesar do êxito artístico e
de audiência, acabou morrendo aos poucos”1, explica Boni.

Casa Musical

A Casa Musical da TV Tupi foi montada em meados dos anos 1960, em um sobrado residencial
locado, que ficava na Av. Dr. Arnaldo, nº 2365, bem próximo da sede da emissora em São Paulo.
Era um local que atendia o público que desejava participar de promoções ou se inscrever em
concursos ou festivais musicais. Era, também, onde trabalhavam os diretores e produtores
musicais da emissora, como Fernando Faro, Antonino Seabra, Goulart de Andrade, Bernardo
Federowski e Magno Salerno. O velho sobrado existe até hoje.

1967 - Teatro Tupi (Sumaré)

Num curto espaço de tempo, a telenovela modificou sensivelmente


a programação da televisão brasileira e os hábitos dos fiéis
telespectadores. A dramaturgia que, por essa época, surgia no
vídeo em forma de pomposos teleteatros, transformou-se pela bem-
sucedida novidade que tomou de assalto as emissoras. Se por um
lado frustrou os anseios dos homens que se aproximaram do vídeo
para dar vazão aos seus sonhos cinematográficos e teatrais, por
outro a novela, a cada dia mais popular, promoveu a abertura de um
campo de trabalho jamais imaginado na televisão. Tanto que essa
1 “Minha Namorada Era a Televisão”, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Revista Época,
25/04/2015.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 403

nova fase surpreendeu a todas as emissoras, sem qualquer estrutura


para esse tipo de espetáculo. A TV Paulista, que operava em São
Paulo pelo Canal 5 (adquirida posteriormente pela Rede Globo), e
a TV Cultura, Canal 2 (um segundo canal paulista das Emissoras
Associadas), chegaram a gerar novelas diárias sem o auxílio do
videoteipe. E os títulos se acumularam. (Memória da Telenovela
Brasileira, Ismael Fernandes, Editora Brasiliense, 1982:37)

Em meados dos anos 1960, apesar de ter iniciado uma crise administrativa nos Diários e
Emissoras Associados (ver Capítulo 41), a TV Tupi estava artisticamente no seu auge. Nos
estúdios “A”, “B” e “C” do Sumaré estavam sendo produzidos os programas de entretenimento
e teleteatro. No pequeno Estúdio “D” continuava o jornalismo e no “E” a teledramaturgia. A
audiência das novelas continuava crescendo substancialmente e o gênero ia se tornando o carro-
chefe da programação.
Germe do teleteatro, a primeira telenovela da TV brasileira estreou já em dezembro de 1951,
durante o segundo ano de operações da pioneira TV Tupi de São Paulo. “Sua Vida Me Pertence”
era uma novela radiofônica que fora adaptada para o vídeo por Walter Forster, que também
a dirigiu e atuou como um dos protagonistas. Quando a telenovela estreou, tinha um formato
bem diferente do que é visto hoje, pois as histórias eram curtas, parecidas com um seriado de
cinema, com as exibições feitas ao vivo e periodicidade bissemanal. “Sua Vida Me Pertence”,
por exemplo, contou com 15 capítulos, mas ficou marcada pela realização do primeiro beijo na
boca exibido pela televisão brasileira, trocado entre os atores Walter Forster e Vida Alves.
A Tupi foi se inovando e chegou a produzir, ao menos, três séries de TV ainda durante a década
de 1950: “O Falcão Negro” (inspirada no personagem Zorro), “Alô, Doçura” (inspirada na série
“I Love Lucy”) e “Sítio do Pica-Pau Amarelo” (de Monteiro Lobato). Já o formato das novelas
demorou a ser mudado, a exemplo de “O Jardim Encantado”, de Júlio Gouveia, que estreou na
emissora em novembro de 1959, mas ainda com exibições ao vivo e bissemanais. No entanto,
como abordado, somente em 1963 é que o formato das novelas começou a passar por grandes
alterações advindas com a implantação do videoteipe1.
Em 1966, de posse do montante recebido da Prefeitura de São Paulo pela desapropriação do
Teatro Tupi-Consolação e com a necessidade de ampliar o espaço para a teledramaturgia e dar
continuidade às grandes produções artístico-musicais produzidas naquele local, as Emissoras
Associadas encomendaram a atualização do antigo projeto que previa a construção de um novo
e grande Estúdio-Auditório no Sumaré, ou seja, um conceito que mesclava estúdio de TV, teatro
e auditório. Haveria um incrível palco multifuncional, capaz de produzir espetáculos, teleteatros,
novelas e programas diversos. Se necessária a presença de público, um grandioso e confortável
auditório anexo poderia ser usado. O grande estúdio teria capacidade para realizar gravações
dos programas em videoteipe, além de transmitir programas ao vivo. Por fim, o projeto previu
também a construção de um enorme depósito de cenários no subsolo do palco.
O novo Teatro Tupi seria montado com a junção de um prédio a ser construído, chamado no
projeto de “Estúdio para Video-Tape”, com um outro já existente, que passaria por grandes
adaptações para receber o moderno auditório. Este prédio existente — que já havia funcionado
como auditório da Rádio Difusora — vinha abrigando o Estúdio “E”, exclusivo para gravar
novelas. A fachada da Avenida Prof. Alfonso Bovero, nº 72 — cuja reforma abordamos no item
1 O advento do videoteipe nas novelas propiciou um ritmo maior de produção, agilizou a
utilização de vários cenários e de tomadas externas. Além disso, deu a possibilidade de criar
efeitos, corrigir erros, repetir e selecionar cenas.
404 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

anterior — seria poupada e receberia algumas adaptações.


Para executar as obras do Teatro Tupi, foi novamente contratada a empresa Ferronato, Pimenta
& Cia. Ltda. O projeto foi protocolado em 11 de outubro de 1966, mas a Prefeitura de São Paulo
acabou perdendo o prazo para emissão do alvará de início das obras. Com isso, os trabalhos
apenas puderam ser iniciados em 28 de dezembro, quando a Rádio Difusora São Paulo S/A1
oficiou a prefeitura e informou que, “não tendo solução até esta data, vem [...] comunicar o início
das obras, de acordo com o art. 67 do Código de Obras”2. O projeto foi aprovado somente em 3
de maio de 1967, quando as obras já estavam em pleno andamento. Algumas demolições foram
necessárias e o Departamento de Tráfego, a Discoteca e a Sala de Imprensa — setores da TV
Tupi que estavam instalados nas antigas salas das rádios Tupi e Difusora — foram transferidos
para outros setores do mesmo complexo.

O “Estúdio para Video-Tape”, na prática, herdou os dois nomes da estrutura anterior: “Estúdio
‘E’” e “Estúdio-Palco”. Suas dimensões eram de 19,90 m x 19,90 m (396 m2) e pé-direito de 15
m. Seu palco tinha 12 m de “boca”, 20 m de profundidade (240 m2) e 3,5 m de altura. O grande
trunfo foi a versatilidade multifuncional deste estúdio. Devido ao amplo espaço, era possível,
por exemplo, gravar cenas de uma novela ao mesmo tempo em que um musical entrava ao vivo
no ar. Seu altíssimo pé-direito de 15 m foi projetado para a instalação de um prático sistema de
movimentação vertical de cenários, um verdadeiro depósito suspenso. Contando com o palco e o
grande depósito do subsolo, era possível armazenar até 18 cenários simultaneamente. O auditório
ganhou uma decoração interna especial, com estilo colonial, utilizando-se de arandelas, treliças
e as 470 poltronas na cor azul. Havia uma passarela que dividia o auditório ao meio, por onde
artistas podiam se aproximar do público. O teatro dispunha de uma sala de espera, com todas
as comodidades ao telespectador. A imprensa informou que se tratava do maior auditório da TV
brasileira.

Simulação que destaca a área demolida


para a construção do versátil estúdio-
palco do Teatro Tupi, no Sumaré. (Foto
original: Aristodemo Becherini, “Rádio
Difusora”, 1942/Acervo Museu da
Cidade de São Paulo)

Os equipamentos instalados no palco eram muito modernos, com sistema sensível de microfones
aéreos, focos de luzes com 100 “panelões” de vários efeitos, além de camarins muito bem
equipados. Existia espaço para instalação de até cinco câmeras, duas além do que era usado em
shows ao vivo. Além da câmera de fundo, havia como instalar outras duas nas sacadas laterais, a

1 Rádio Difusora São Paulo S/A era a razão social da TV Tupi de São Paulo.
2 O art. 67 do Código de Obras da cidade de São Paulo, vigente no ano de 1966, estabelecia
que o prazo máximo para a aprovação de projetos era de 20 dias úteis, a contar da data do
protocolo. Quando esse prazo expirava sem solução para o interessado, ele poderia dar início
à construção mediante comunicação prévia, sobretudo, obedecendo às prescrições daquele
código.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 405

fim de não prejudicar a visão completa do público. As salas do controle técnico ficavam ao alto,
no fundo, dando possibilidade de total domínio das cenas. O auditório dava boas condições para
um excelente aproveitamento de qualquer tipo de espetáculo, favorecendo todos os ângulos. A
acústica era uma das mais perfeitas da TV brasileira. As bilheterias foram construídas voltadas
para a Rua Catalão, nº 48, e do outro lado, na portaria voltada para a Avenida Prof. Alfonso
Bovero, foi implantado um totem giratório, em forma de cubo, onde se imprimia o rosto do
personagem Tupiniquim, símbolo da emissora, e os dizeres “TEATRO TUPI” e “CANAL 4”.
Em 1972, o totem foi atualizado com a nova logomarca da senoide da Rede Tupi.

As obras do novo Teatro Tupi estavam em curso quando, em junho de 1967, a emissora ganhou
um novo diretor-artístico, o publicitário de grandes ideias Abel Guimarães1, uma indicação
do diretor-comercial da TV Tupi, Fernando Severino. Sua missão foi tornar mais dinâmica a
programação do Canal 4, já que a emissora se preparava para investir “pesado” na linha de shows
musicais e novelas. Abel Guimarães estava assumindo as funções de Cassiano Gabus Mendes,
que se desligara das Emissoras Associadas. Descontente com os rumos da Tupi, principalmente
por ser obrigado a demitir muitos funcionários pioneiros como ele, Gabus Mendes aceitou o
convite da TV Excelsior, onde, ficou responsável por escrever e dirigir a série “Os Galãs Atacam
de Madrugada”. Contudo, o sucesso da série foi menor que o esperado e Gabus Mendes não
chegou a completar um ano na emissora. Em 1968, ele estava de volta à TV Tupi, onde foi
recebido com muita festa e fogos de artifício.
A inauguração do Teatro Tupi do Sumaré também seria marcada com a estreia da programação
de 1967 de Abel Guimarães. Com um conceito diferenciado, foi montada com base em diversos
estudos para atingir as diferentes faixas de público em horários pré-estabelecidos e racionalizados.
“Vinte e três novos programas serão lançados em agosto, na base de opção do telespectador:
se num horário determinado outra estação estiver apresentando uma novela ou filme, na Tupi
será diferente: um musical, humorístico ou teatro. Aliás, esta é a grande arma da estação. A
ideia inicial é criar no telespectador o hábito de audiência, pois as televisões brasileiras têm sua
programação como uma colcha de retalhos”, declarou Abel Guimarães ao jornal “Diário de São
Paulo”2.
O ritmo das obras do teatro foi acelerado e durou apenas sete meses. Sobre isso, Abel Guimarães
comentou na mesma reportagem que, na reta final, a paisagem mudava a cada duas horas3. A
pressa se deu pois um grande evento de inauguração foi marcado para o dia 2 de agosto de 1967,
cuja atração principal seria o guitarrista e cantor norte-americano de rock ‘n’ roll e standards,
Chris Montez, de 22 anos, exclusivamente contratado para fazer uma temporada na emissora4.

1 Abel Guimarães trabalhava como gerente-geral de publicidade na empresa Colgate-Palmolive


quando aceitou exercer a função de diretor-artístico da TV Tupi de São Paulo. Foi o introdutor
da novela diária na TV, pois intermediou o patrocínio em “2-5499 Ocupado” (TV Excelsior) e no
“Festival de Novelas Palmolive” (TV Tupi), que estreou com “Alma Cigana”, em 1964.
2 “Canal Quatro em Novas Instalações Promete Muita Coisa para Agosto”, Diário de São Paulo
[SP], 28/07/1967, 1º Caderno, p. 5.
3 Ibidem.
4 Além do dia 2 de agosto, o cantor Chris Montez também se apresentou ao vivo no Teatro Tupi
no dia 4.
406 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Obras finais da fachada do novo Teatro


Tupi do bairro do Sumaré, em julho de
1967. (Diário da Noite/reprodução)

Anúncio da apresentação do cantor norte-


americano Chris Montez, a principal atração da
noite de inauguração do Teatro Tupi. (Diário de
São Paulo/reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 407

Divulgação do “Show Número 1” no novo Teatro Tupi.


(Diário de São Paulo/reprodução)

Cenas do show de
inauguração do Teatro
Tupi. (Diário de São Paulo/
reprodução)

[...] Dotado de moderníssimo equipamento e de elegante decoração


em estilo colonial brasileiro, nas cores azul e branca, o imenso
palco vem marcar o início da nova fase da emissora pioneira do
Continente, “Tupi/67”, com os vários cantores e conjuntos que
passaram a integrar seu elenco. Além de Chris Montez, participaram
408 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

do show inaugural Os Cariocas, Dick Farney, Som Cinco, Vilma Leal,


Macumbinha, Sandra, Márcio Greick, Taiguara, Sílvio César, Jongo
Trio, Helena de Lima, Tito Madi, Miltinho, Rosinha de Valença, Os
Impossíveis, Jorge Loredo, Os Três Morais, Super Som T.A., Eliana
Pittman e Silvio Santisteban, acompanhados pela orquestra Vozes e
Cordas, de Luís Arruda Paes. Chris Montez foi o dono da primeira
noite de “Tupi/67”, cantando, em inglês, “Garota de Ipanema”,
“Manhã de Carnaval” e “Samba de Uma Nota Só”. Enquanto ele
cantava, seis lindas garotas marcavam com uma alegre dança o ritmo
das músicas, no fundo do palco, e faziam um show à parte. A festa do
Canal 4 foi apresentada por Meire Nogueira, enquanto o produtor
Aírton Rodrigues improvisava entrevistas com os espectadores,
na plateia, colhendo impressões sobre as novas instalações da
“Tupi/67”. (“A Grande Noite de Chris Montez”, Flávio Fernandes e
José Castro, Manchete, nº 801, 26/08/1967, p. 146)

Na noite de 2 de agosto, o Teatro Tupi foi inaugurado com o grande “Show Número 1”,
transmitido ao vivo e abrindo a nova fase da emissora, chamada de “Tupi/67” (leia-se “Tupi
Barra 67”). A produção do espetáculo foi de Abelardo Figueiredo e a direção de Abel Guimarães.
Foi Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo e
deputado federal recém-empossado, quem ofereceu o novo auditório aos paulistas. Durante o
espetáculo, os 23 novos programas da emissora foram anunciados, com expectativa de entrarem
no ar de forma gradativa até o final daquele mês. Mais de 20 atrações passaram pelo palco
naquela noite de inauguração, antes de chegar a vez da atração principal, o famoso Chris Montez1.

O auditório do Teatro Tupi, no Sumaré. (reprodução)

1 Em 1963, Chris Montez estava fazendo muito sucesso e um show que realizou na cidade
inglesa de Liverpool foi precedido por um novo grupo inglês: The Beatles.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 409

Anúncio do “Silvio Santos Show”, transmitido direto


do Teatro Tupi. (reprodução)

[...] a grande pedida do Canal 4 deverá ser o programa de música


jovem, todos os sábados, às 18h30, animado por Sandra e Márcio
Greyck. [...] Com novas instalações, continuará agradando sua faixa
de público que certamente será aumentada, em vista da alta qualidade
de suas produções. (“Canal Quatro em Novas Instalações Promete
Muita Coisa Para Agosto”, Diário de São Paulo, 28/07/1967, 1º
Caderno, p. 5)
Silvio Santos, o “sorriso mais querido de São Paulo”, também terá
um programa na nova programação da TV Tupi. Ele é, também, mais
uma ótima contratação do diretor-artístico Abel Guimarães para a
nova fase do “4”. Seu programa, no estilo que sempre foi do gosto de
Silvio, com gincanas, prêmios e variedades, será levado ao ar todas
as terças-feiras, a partir das 20,30 horas. Lembramos, também, que
todos os seus programas serão ao vivo, no novo auditório da TV
Tupi. Terá 2 horas de duração. (“Silvio Santos no Canal 4”, Perci
Gold, Diário de São Paulo, 28/07/1967, 2º Caderno, p. 8)

Logo após a inauguração do Teatro Tupi, os principais programas de entretenimento da emissora,


gravados ou transmitidos ao vivo, passaram a ser realizados naquele local. A emissora costumava
convidar a audiência para assisti-los pela televisão ou pessoalmente, quando era necessário
comprar um ingresso a preço popular na nova bilheteria da Rua Catalão. Os programas, logo de
início e ao longo dos primeiros anos, eram bem variados, dentre os quais, podemos citar “Grande
Teatro Tupi”, “Programa Sílvio Santos”, “Moacyr Franco Show”, “No Reino da Garotada”,
“Programa Flávio Cavalcanti”, “Um Instante, Maestro”, “Os Incríveis”, “Bonzinhos… Até
Certo Ponto”, “Show do Carequinha”, “Paulistas x Cariocas”, “O Mundo é dos Jovens”,
“Pinga-Fogo”, “Discoteca do Chacrinha”, “Clube dos Artistas”, “Almoço com as Estrelas”,
“Música e Alegria”, “Cidade x Cidade”, “Sua Majestade, o Ibope”, “Quem Sabe Mais”, “Ela
Disse, Ele Disse”, “Programa Barros de Alencar” (1972), “Domingo Total Erontex” (1972-74),
“Caravela da Saudade” (1973-78), “Hebe” (1974), “Halleluiah” (musical-jovem, 1975), “Buzina
do Chacrinha” (1976-78), “Programa Raul Gil” (1978), “Programa Carlos Imperial” (alguns
410 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

programas de 1978) e diversos shows musicais e internacionais.

Em 28 de julho de 1971, o médium Chico Xavier foi o entrevistado do


programa “Pinga-Fogo”, ao vivo, em rede nacional, direto do Teatro Tupi,
no Sumaré. O programa tinha previsão de uma hora de duração, mas
acabou se estendendo por mais de três horas, devido a audiência de
incríveis 75%. Isso levou a TV Tupi a repetir o convite ao médium, que
voltou ao Teatro Tupi na noite de 21 de dezembro do mesmo ano, também
ao vivo e com incrível audiência.

Grande tendência daquela época, os festivais de música também aconteceram no Teatro Tupi,
levando numeroso público ao Sumaré. Os primeiros foram “I Festival Universitário da Música
Popular Brasileira” (1967-68), “A Mais Bela Voz Colegial” (1969) e “I Festival da Viola” (1970).
Em agosto de 1971, o produtor Fernando Faro levou três grandes nomes da música jovem ao
palco do Teatro Tupi: Caetano Veloso, Gal Costa e João Gilberto. Eles gravaram o especial
“Chega de Saudade”, sem plateia, e que ficou marcado na história da TV brasileira (ver box).

Caetano, Gal, João: Um Encontro na Tupi


Domingo, nos estúdios da TV Tupi de São Paulo. Pouco movimento às
sete horas da noite. Atrás das portas fechadas do Teatro Tupi, um musical
estava sendo gravado. Um encontro raro entre três figuras responsáveis
por grandes revoluções na Música Popular Brasileira. [...] Pele queimada (é
o sol carioca) e magro, muito magro. Assim está Caetano, que, juntamente
com Gal e João Gilberto, fez do auditório da Tupi um salão de festas
(houve muitos refrigerantes e pratos macrobióticos), e da gravação (que
durou muitas horas, só acabando a 1 hora da madrugada), um momento
para saudosismo e reencontro. Os amigos apareceram, mas João Gilberto,
que tem mania de [jogar] pingue-pongue e [aversão a] jornalistas, pediu
para que ficassem sozinhos. Caetano mostrou sua nova música — “De
Noite, na Cama” — mas esqueceu dum trecho da letra de “Tua Presença”.
Eles sorriram e cantaram. Foi uma noite alegre, a noite de Caetano, Gal e
João Gilberto (Diário da Noite [SP], 10/08/1971, p. 11). Segundo matéria
veiculada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, intitulada “O Mestre, os
Discípulos e o Disco que Nunca Saiu” (10/06/2016, p. C9), o áudio deste
programa da TV Tupi seria lançado em um LP, mas João Gilberto não
gostou do resultado e o material sonoro está arquivado até hoje. O público
teve acesso ao show apenas uma vez, quando exibido pela TV Tupi em
setembro de 1971, e não existem mais cópias das imagens.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 411

O Estúdio “F”

[...] a partir de 1968, a Rede Globo de Televisão deu início à


escalada para assumir a liderança do mercado, inegavelmente nas
mãos da Rede Tupi, da mesma maneira que a TV Record controlava
o mercado de musicais e humorístico. (“‘Divinas e Maravilhosas’
na Guerra dos Sonhos”, Diário de Notícias [RJ], 23/12/1973, p. 19)
Cassiano Gabus Mendes reuniu toda a equipe de “Beto Rockfeller”
em sua sala e deu a ordem de largada, já que o novo estúdio de
gravações da TV Tupi está pronto. (“Beto Rockfeller”, Diário da
Noite [SP], 14/10/1968, 1° Caderno, p. 14)

A audiência da teledramaturgia já era enorme na segunda metade dos anos 1960 e a disputa pelo
topo da audiência entre Tupi, Excelsior e Globo estava acirrada. Em 1968, como o número de
patrocinadores das novelas vinha aumentando significativamente e a Rede Globo rumava para
liderar o mercado, a Tupi precisou investir ainda mais na qualidade de suas produções. Em 1º
de abril, a emissora lançou um projeto ousado, estreando simultaneamente quatro novelas com
capítulos de 30 minutos, exibidas em sequência a partir do novo horário das 17h45. Chamado de
“As Quatro Estações do Amor”, o projeto foi fruto de uma estratégia criada pelo novo diretor-
artístico Jota Silvestre (substituto de Abel Guimarães), que implantava uma nova programação.
Mesmo com a boa capacidade dos estúdios do Sumaré, novamente surgia a necessidade
de preparar um local para gravar as novelas da faixa das 20h. Em meados de 1968, a saída
encontrada foi adaptar o depósito da cenografia, que ficava no subsolo do Estúdio-Palco/Estúdio
“E”, e transformá-lo no Estúdio “F” (ou “Estúdio-Subsolo”). “Esse novo estúdio era muito
dificultoso para montagem de cenários, devido à grande quantidade de colunas. Embora que,
com genialidades, tudo era possível”, lembra o cenógrafo Luigi Calvano.
O Estúdio “F” foi inaugurado às pressas, no dia 20 de outubro de 1968, quando Cassiano Gabus
Mendes, voltando da TV Excelsior e retomando seu cargo de diretor-geral da emissora, iniciou
as gravações de “Beto Rockfeller”, que alcançou estrondoso sucesso e dividiu a história da
teledramaturgia brasileira em duas fases. “Beto Rockfeller” conseguiu “desradiofonizar” a
novela diária com sua linguagem popular e estilo inovador, fugindo dos gêneros predominantes
“capa e espada” e romance folhetim.
“O assoalho do Estúdio ‘F’ ainda não havia sido devidamente revestido e, por isso, as câmeras
trepidavam um pouco quando eram movidas. Isso ficou incorporado nas cenas de ‘Beto
Rockfeller’ e disseram que era um efeito criado pelo Lima Duarte, que dirigiu a novela no início.
Depois quem passou a dirigir foi o Walter Avancini”, ressalta a atriz Ana Rosa. Foi no Estúdio
“F” que a Tupi gravou outros grandes sucessos da teledramaturgia, como “Os Inocentes” (1974),
“Ídolo de Pano”(1974-75), “A Barba Azul” (1974-75), “Xeque-Mate” (1976) e “Mulheres
de Areia” (1973-74). Com “Mulheres de Areia”, de Ivani Ribeiro (ex-TV Excelsior), a Tupi
começou a recobrar o prestígio perdido e pôde realizar novos e ambiciosos investimentos, como
a contratação de Vicente Sesso, então autor de novelas da TV Globo, que escreveu “As Divinas
e Maravilhosas” (1973-74) para a Tupi.
412 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

1969 - Teatro Tupi (Brigadeiro)

Grande, luxuoso e confortável, o Cine Monark foi inaugurado em 1952, na Avenida Brigadeiro
Luís Antônio, n° 884, no bairro da Bela Vista. Já nos anos 1960, problemas relacionados com as
distribuidoras de filmes e a popularização da televisão determinaram a decisão de sua proprietária,
a família Chakur, em fechar o cinema e arrendar o espaço. Foi quando, em 1968, foi fechado um
contrato de locação com a TV Tupi, que, um ano antes, havia inaugurado seu grandioso teatro no
Sumaré, mas, devido à necessidade de obter mais espaço, optou por alugar uma casa de shows
na região central de São Paulo, experiência similar e positiva que a emissora teve com o Teatro
Tupi-Consolação entre 1961-66. A Tupi iria promover uma grande reforma no Cine Monark para
produzir a sua programação vespertina ao vivo, além de programas de auditório, shows musicais,
programas humorísticos e teleteatro.
As reformas no Teatro Tupi-Brigadeiro duraram quase um ano. Com intensas atividades,
movimentaram quase uma centena de trabalhadores, entre eletricistas, pedreiros, carpinteiros
e encanadores. Aos poucos, o Cine Monark foi se transformando na menina dos olhos dos
dedicados funcionários da TV Tupi.

Do velho Monark, resta apenas a construção. Quem frequentou o


cinema e ia ao balcão, vai notar que ele diminuiu bastante. Uma
nova divisão dotou a plateia elevada um excelente sistema de direção
de TV, conjugando os setores de corte e escolha de imagem, som
e iluminação, instalados em salas grandes, todas forradas com
material acústico, além de contar com janelas enormes, para que
se acompanhe também, ao vivo, o que acontece no palco. E não é
só isso, esses três setores estão interligados com alto falantes, que
se comunicam também com o camarim, gerência e o próprio palco,
eliminando o processo do “berrômetro”. Quando um ângulo precisa
de mais ou menos luz, nada do tradicional berro: — Fulano, me joga
mais luz sobre a esquerda, no fundo! (“Hoje Tem Festa no Tupi-
Brigadeiro”, Diário da Noite [SP], 26/04/1969, 1º Caderno, p. 4)

O projeto foi desenhado pelo Departamento de Engenharia dos Diários Associados. Foram
instaladas 844 novas poltronas, niveladas e colocadas de modo estratégico para impedir que
o espectador da frente incomode quem está atrás. Para chegar ao auditório, havia três grandes
portas após uma ampla sala de espera e, dentro do auditório, três grandes corredores de circulação.
A sala era um grande retângulo e uma parte da parede foi coberta com lambris e a restante
pintada de azul claro. A “boca de cena” foi coberta com papel de parede com motivos azuis,
propositadamente muito similares aos do Teatro Tupi no Sumaré.
Um novo palco foi montado bem próximo da plateia, pois um sistema de coxias e um novo piso
o deixaram em condições ideais para televisão. Seus 14 m de “boca” por 16 m de profundidade
deram muita liberdade aos artistas e técnicos. Duas enormes escadas de circulação conduziam a
uma sala de espera subterrânea, onde os artistas aguardavam a hora de entrar em cena. Grandes
portas davam acesso aos seis camarins, três masculinos e três femininos, que tinham saídas e
entradas independentes do teatro. Esse setor era praticamente uma construção à parte, oferecendo
todo conforto e capacidade para quatro pessoas em cada camarim. Uma sala de costura contava
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 413

sempre com uma camareira de plantão. A sala de maquiagem ficou próxima ao palco, mas longe
do burburinho dos camarins. Já a sala de espera, com duas cadeiras de barbeiro, perdeu um
pouco de seu tamanho, pois uma divisão feita próxima a uma das escadas praticamente levava
o artista ao palco. Sobre a plateia, foram instalados seis microfones sensíveis e bem preparados
para captar as reações do público. O som era amplificado nas seis grandes caixas acústicas.
Havia duas séries de poltronas estofadas em couro-plástico vermelho, ao estilo do belo Cine
Monark. Metade do balcão se transformou em estúdio de televisão e todas as paredes foram
recuperadas com massa corrida, sendo que as do balcão ficaram azuis com suas escadas em cinza
e branco. Apenas não pôde ser instalado um sistema de movimentação vertical de cenários, tal
qual do teatro do Sumaré. Contudo, sem perda de qualidade, também foram usadas as práticas
“tapadeiras” em vez dos tradicionais cenários, de montagem mais difícil.

Visão geral do Teatro Tupi-Brigadeiro.


(Diário da Noite/reprodução)

Apresentação do “Programa Silvio


Santos” no Teatro Tupi-Brigadeiro.
(“Silvio Santos 90 - Uma Vida em
Imagens”, Daniela Beyrutti/reprodução)
414 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O evento de inauguração do Teatro Tupi-Brigadeiro foi realizado no dia 26 de abril de 1969,


contando com apresentações de Jorge Ben, MPB4, Marília Medalha, Originais do Samba,
Demônios da Garoa, Golden Boys e outros. Do elenco da TV Tupi, subiram ao palco Walter
Forster; Luiz Gustavo e Betty Mendes; John Herbert e Eva Wilma; Aurélio Campos; Meire
Nogueira; Dênis Carvalho; entre outros. Mas, o cartaz principal foi da jovem e famosa cantora
italiana Gigliola Cinquetti.
O “Programa Silvio Santos”, “Ensaio” (de Fernando Faro), “Tribunal Esportivo”, “Festival da
Viola”, “Imagens do Japão” e “II Festival Universitário da Música Popular Brasileira” foram
alguns dos programas que a Tupi produziu no antigo Cine Monark. O cantor norte-americano
Ray Charles chegou a fazer duas apresentações no local, em novembro de 1970. No entanto,
apesar de todo o investimento, aquele espaço foi utilizado por apenas dois anos e meio pelo
Canal 4.

Em 10 de dezembro de 1971, após o cancelamento do contrato de locação


da TV Tupi, a família Chakur inaugurou no local o Cine Brigadeiro, que
virou Teatro Brigadeiro em 1976 e Teatro Jardel Filho em 1985. O prédio
voltou a funcionar como Teatro Brigadeiro nos anos 2010, abrindo e
fechando suas portas e trocando de nome por diversas vezes. Atualmente,
o estabelecimento funciona como Teatro Nissi.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 415

CAPÍTULO 33
INAUGURA-SE A TV CULTURA

“Nascia Há 26 Anos com uma Antena Plantada em um Coqueiro de


Jardim”. Com esta manchete inusitada, o jornal “Diário da Noite” festejou o
lançamento da mais nova emissora de televisão do grupo a qual pertencia,
os Diários e Emissoras Associados. Tratava-se da TV Cultura - Canal 2 de
São Paulo, inaugurada na noite de 20 de setembro de 1960. A manchete
referia-se à brincadeira de se fazer rádio que os irmãos Olavo e Dirceu
Fontoura realizaram em 1933, em parceria com alguns amigos, e que virou
algo sério quando eles conquistaram, junto ao governo, uma concessão
para operar uma potente estação de Ondas Médicas na Capital paulista,
a PRE-4 - Rádio Cultura de São Paulo - “A Voz do Espaço”. Em 1952, já
grandiosa, a emissora conquistou outra concessão, desta vez, para operar
a TV Cultura. Mas, os Fontoura acabaram não montando a emissora de
imediato e venderam a concessão às Emissoras Associadas, em 1958,
junto com a Rádio Cultura. O empresário dr. Cândido Fontoura, pai de
Olavo e Dirceu, foi nomeado patrono da TV Cultura e foram suas mãos
que desmancharam as fitas verde e amarela que entregaram a Televisão
Cultura ao povo de São Paulo, em 1960.

N
o dia 20 de setembro de 1960, pouco dias após as comemorações dos 10 anos da TV
Tupi, era inaugurada a TV Cultura - Canal 2, sua “irmã caçula”, com o slogan “Um
verdadeiro presente de cultura para o povo”. Com as TVs Tupi, Paulista, Record e
Excelsior no ar, a cidade de São Paulo ganhava sua quinta emissora.

Estão sendo feitos rapidamente os trabalhos de adaptação do 15º


andar, do edifício-sede dos Diários e Emissoras Associados de São
Paulo, situado na Rua Sete de Abril, para a futura TV Cultura.
Segundo tudo indica, antes do segundo semestre de 1960, a imagem do
canal 2 estará no ar. A aparelhagem está prontinha para funcionar. A
administração está com tudo em andamento. (“TV Cultura”, Diário
da Noite [SP], 30/03/1960, p. 4)

Após a cogitação para montar a sede da nova estação no complexo do Sumaré, a decisão final foi
por ocupar todo o 15º andar do edifício Guilherme Guinle, dos Diários Associados, na Rua Sete
de Abril, nº 230. Apesar da expressão “ocupar todo o 15° andar” dar uma sensação de espaço
amplo, esta não era bem a realidade, já que o objetivo era praticamente alojar uma emissora de
televisão inteira em um único local. Além disso, havia também o problema da limitação dos
416 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

elevadores para transportar cenários, entre outros. A torre e o transmissor, como já mencionado
no Capítulo 29, eram os mesmos que a TV Tupi tinha usado desde sua inauguração, em 1950,
instalados no alto do edifício do Banco do Estado de São Paulo, também no Centro.
Os técnicos e atores da nova TV Cultura migraram todos da Tupi. O então assistente da presidência
dos Diários e Emissoras Associados, jornalista Bolívar Madruga Duarte, que também acumulava
as funções de chefe do Departamento de Divulgação e Propaganda das Emissoras Associadas,
foi designado para ocupar o cargo de diretor-artístico do Canal 2. A direção comercial ficou a
cargo de José Duarte Jr. e a direção-administrativa de Walter Batloune.

Uma das três primeiras câmeras da TV


Tupi de São Paulo, modelo RCA TK-30,
transferidas em 1960 para o patrimônio
da sua coirmã TV Cultura. (Coleção
“Emissoras Associadas”/Arquivo Público
do Estado de São Paulo)

Segundo um repórter da “Folha de São Paulo”1, a TV Cultura iria estrear com “dois magníficos
estúdios com aparelhamento moderno” e “uma pequena ala onde serão feitas as entrevistas
com personalidades ilustres”. Apesar do alarde das Emissoras Associadas sobre os “modernos”
equipamentos da nova estação de TV, na verdade, boa parte deles já tinha sido amplamente usada
pela TV Tupi, a exemplo das três RCA TK-30, que foram as primeiras câmeras da TV Tupi (ver
Capítulo 9). Outro aspecto nada moderno foram as instalações adaptadas e pequenas.

A TV Cultura é miniatura — menor que um salão de festas, pouco


maior que um quintal de infância. Mas tem de tudo na sua dimensão
tímida. O importante é não querer criar elefantes em gaiola de
coelhos. Dois estúdios miúdos e sem altura, sem lugar para armazenar
cenários e objetos de cena, não podem concorrer com os gigantes do
4, as vastas áreas do 7 ou do 5, os quase dois enormes picadeiros do
9. (“Canal 2 a Quatro Mãos”, Zaé Júnior, São Paulo na TV, nº 111,
29/5 a 04/06/1961, p. 38)

Havia dois estúdios pequenos, sendo que o maior era o “A”, com apenas 30 m2. Não temos a
metragem do Estúdio “B”, mas era inferior que a do “A”. A solução encontrada, com o passar
do tempo, foi recorrer a outras estruturas do mesmo prédio onde a emissora estava instalada,
como o auditório do Museu de Arte (MASP), no 2º andar, e o rooftop. Vale ressaltar que foi neste
mesmo auditório que se realizaram as primeiras experiências da PRF3-TV Tupi-Difusora, nos
dias 4, 7 e 11 de julho de 1950 (ver Capítulo 12), quando se apresentou o cantor José Mojica e

1 “Estúdios da TV-2”, Folha de São Paulo, 27/08/1960, 2º Caderno, p. 4.


ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 417

se deu a ilustre solenidade de inauguração das ampliações do Museu de Arte. Em um segundo


momento, a TV Cultura também pôde se utilizar do auditório do Palácio do Rádio, na Avenida
São João — antiga sede da Rádio Cultura —, que estava alugado para utilização das estações das
Emissoras Associadas.
Quanto aos destaques da programação inicial do Canal 2, houve boas atrações com Ney
Gonçalves Dias, Aírton e Lolita Rodrigues, Maria Thereza Gregori, maestro Sílvio Mazzuca,
Palhaço Piolim, Jacinto Figueira Jr. (apresentador do programa popular “O Homem do Sapato
Branco”) e o famoso repórter Carlos Spera, que trabalhou por muitos anos na Rádio Difusora
de São Paulo e hoje empresta seu nome para uma das ruas que dão acesso à sede da própria TV
Cultura, no bairro da Água Branca. Destaque, também, para os produtores João Lorêdo e Fausto
Rocha, para a garota-propaganda Xênia Bier, para o produtor esportivo Roberto Petri e para o
revolucionário cenógrafo Oscar Meliante, que trabalhava apenas com material que cabia nos
elevadores e, mesmo assim, conseguia valorizar muito os pequenos estúdios.

Campanha de Lançamento

Nos diversos anúncios sobre a estreia do Canal 2 que foram publicados nos jornais “Diário de
São Paulo” e “Diário da Noite”, como se vê a seguir, observa-se que os textos publicitários
mostraram bem a filosofia da nova emissora, como veremos a seguir. Importante ressaltar que a
data de inauguração, inicialmente, estava prevista para acontecer no final do primeiro semestre
de 1960, mas foi alterada para algum dia de agosto, depois para 7 de setembro e, por fim, 20 de
setembro.
Um novo mundo maravilhoso de entretenimento, a partir do início
de setembro. Dotada de equipamentos moderníssimos e poderosos,
levará imagem perfeita e uma programação verdadeiramente
sensacional. Esportes, noticiários, filmes de entretenimento de curta
e longa metragem, retransmissão dos grandes programas das TVs
“Associadas” em todo o país.
TV Cultura: equipada com o que há de mais avançado e novo em
televisão, a nova TV Cultura será um presente a São Paulo. Moderno
estúdio no centro da cidade, à R. 7 de Abril, 230 - 15º andar.
A emissora funcionará entre 19h e 23h a partir de 20/09/60. Será
uma estação voltada para São Paulo. Será a mais paulista das
emissoras de TV, equipada com o que há de mais moderno no setor
de eletrônica. Moderníssimos transmissores, instalados no prédio do
Banco do Estado de São Paulo.
Uma nova emissora associada a serviço do Brasil! Voltada para São
Paulo, a nova TV Cultura Canal 2 será a mais paulista das emissoras
de televisão! TV Cultura - Canal 2 - A Primeira em seu Televisor.
Transmissão inaugural hoje, às 20h, diretamente do Jardim de
Inverno Fasano.
418 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Campanhas de lançamento
da TV Cultura. (reprodução)

Simbólica charge
produzida por Mário
Fanucchi, onde a TV
Tupi de São Paulo
recebe sua “irmã
caçula” TV Cultura.
(Diário da Noite/
reprodução)

O Ato Solene de Inauguração do Canal 2

A festa de inauguração da TV Cultura foi realizada no aconchegante salão de festas do Jardim de


Inverno Fasano, situado no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. Assis Chateaubriand teve
que assistir de sua casa, pois, em fevereiro daquele ano, foi acometido por uma trombose (ver
Capítulo 35).
A banda de música da Guarda Civil instalou-se na entrada do famoso restaurante, executando
canções com um pelotão de guardas com uniforme de gala. Às 19h, foi dado início a um cocktail
em homenagem aos representantes do comércio e da indústria, bem como aos publicitários e
autoridades presentes. Às 20h, a emissora iniciou oficialmente suas atividades, transmitindo a
cerimônia de inauguração, que foi aberta por Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Diários
e Emissoras Associados de São Paulo.
— Senhoras e senhores telespectadores e companheiros. Hoje é um dia festivo para a Família
Associada. Inauguramos mais uma estação de televisão em São Paulo: a Televisão Cultura -
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 419

Canal 2. Sendo a mais jovem das televisões, traz, no entanto, consigo, tradições gloriosas numa
das mais comoventes e maravilhosas histórias da nossa radiodifusão. Se algo existe de idealismo,
desprendimento e amor pelo progresso está contido na singela e tocante história da Rádio Cultura.
Prosseguiu Monteiro:
— Nasceu a Rádio Cultura forte pelo entusiasmo, segura pela confiança e poderosa pela figura
paternal e magnífica de Cândido Fontoura que, confiando naquela plêiade de jovens sonhadores,
não os abandonou um só instante em toda sua trajetória no cenário da radiodifusão brasileira. Não
é somente a esse passado radiofônico que rendo neste momento as homenagens, mas também, e
principalmente, a Cândido Fontoura, radialista honorário e membro por direito e por conquista da
grande Família Associada, pois seu nome, além de ser muito caro à nossa organização, continua
e continuará para sempre ligado à Rádio Cultura e agora à TV Cultura.
Em seguida, Monteiro fez referência ao chefe Assis Chateaubriand:
— Vejo-o [como se estivesse] aqui presente, porque ele nunca se ausentou do nosso pensamento
nas horas mais difíceis e nas horas mais alegres. É a ele que oferecemos, neste instante, o júbilo
que sentimos ao inaugurar a Televisão Cultura - Canal 2. É mais um de seus desejos cumpridos
pela sua equipe, essa mesma equipe que continua aguardando as vozes de comando do seu
chefe para cumpri-las integralmente, porque sabe que essas ordens constituíram, constituem e
constituirão sempre um grande, um enorme, um insuperável desejo de servir o Brasil.
Fernando Chateaubriand, filho do Velho Capitão, apresentou Cândido Fontoura, um dos
padrinhos da TV Cultura.
— Surge hoje, nos céus de São Paulo, mais uma emissora a serviço do Brasil, integrada na
organização fundada pelo embaixador Assis Chateaubriand e dinamizada pelos seus seguidores
que orientam a maior cadeia de rádios, jornais e televisão da América Latina. Várias solenidades
estão programadas para marcar este auspicioso evento. Coube-me, entretanto, ser o designado
para a tarefa mais grata e honrosa: a de apresentar o padrinho desta emissora, cuja imagem já
ganha os vossos lares. A escolha para o patrono da TV Cultura, Canal 2, não poderia ser mais
acertada e justa: recaiu sobre a figura veneranda do ilustre farmacêutico Cândido Fontoura. Para
nós, e para todos que com ele têm o prazer de privar, apenas o bondoso e humano Tio Candinho.
O padrinho da TV Cultura tem uma vida inteiramente dedicada a nobres realizações, em qualquer
campo em que ela se faça sentir.
Finalizando a cerimônia oficial, Cândido Fontoura, antes de desatar uma fita simbólica, proferiu
a sua oração de paraninfo.
— Não encontro palavras que melhor possam traduzir o meu sentimento com relação à pessoa do
meu querido amigo Assis Chateaubriand do que as que foram proferidas pelo sábio acadêmico
professor Silva Mello, que, a respeito do sr. Assis, disse em sua oração de posse na Academia
Brasileira de Letras: ‘Não há luz sem sombra, não há alegrias sem tristezas’. E isso é da vida e da
natureza. O maior fenômeno humano que me tem sido dado observar na face da Terra, através da
minha longa existência, é esse homem prodigioso, pelo caráter, pela inteligência, pelo coração.
A própria doença aniquilou-lhe o posto, mas deixou íntegras, perfeitas, maravilhosas na sua
espantosa personalidade, as suas inacreditáveis qualidades afetivas e espirituais. E, na doença,
tem sido o mesmo homem dos tempos de saúde; enfrenta a enfermidade com bravura indômita,
sabe sobrepor-se às misérias da vida com grandeza e heroísmo, enchendo de admiração e respeito
os seus médicos e amigos. Homem único, singular, cuja falta nesta recepção representa o maior
vácuo que poderia ocorrer em minha posse. Ao declarar inaugurada a TV Cultura, desejo-lhe
uma trajetória brilhante, na certeza de que a nova emissora de TV servirá o povo de São Paulo
por muitos anos, educando, informando e divertindo, acompanhando o progresso desta nossa
420 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

grande cidade. Enfim, correspondendo integralmente à responsabilidade do nome que leva:


Cultura, TV Cultura, Canal 2 de São Paulo.
Como o outro padrinho, Assis Chateaubriand, estava ausente, coube apenas a Cândido Fontoura
cortar uma simbólica fita verde e amarela, enquanto a Orquestra Tupi executava o Hino Nacional.
Quinze minutos depois, foi apresentado o elenco da emissora e aberto o espaço para a imprensa
realizar entrevistas com os presentes.

O diretor Edmundo Monteiro é entrevistado


durante evento de inauguração da TV Cultura -
Canal 2 de São Paulo. (Arquivo TV Cultura/FPA)

A festa de inauguração da TV Cultura foi realizada dentro do complexo


comercial Conjunto Nacional, que, para ser construído, foram comprados
todos os terrenos de uma quadra da Avenida Paulista. Coincidentemente,
em um destes terrenos, com face para a Rua Padre João Manuel, outrora
funcionou a primeira sede da PRE-4 - Rádio Cultura - “A Voz do Espaço”,
emissora que foi o embrião da TV Cultura.

O grande show de inauguração iniciou-se às 21h, dirigido por Teófilo de Barros Filho e com a
participação especial de artistas das Emissoras Associadas de Pernambuco, Minas Gerais, Bahia,
Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 421

Programação

A logomarca mais famosa da fase “Associada” da TV


Cultura. Criada em 1963 por Mário Fanucchi, ela traz
um elemento indígena que remete à sua coirmã TV
Tupi. (reprodução)

No dia seguinte à inauguração, a programação da emissora assim foi divulgada:

Basicamente, a programação inicial da TV Cultura contou com noticiosos, acontecimentos


desportivos, programas de entretenimento ao vivo, teleteatros, infantis, desenhos animados
e filmes de longa-metragem. O “Telejornal Pirelli”, em colaboração com o jornal “Diário da
Noite”, trouxe amplo noticiário local, nacional e internacional. Segundo reportagem, o jornal
tinha características inéditas.
Adaptada e produzida por Lúcia Lambertini e estrelada por Verinha Darcy, “A Cabeçuda” foi
uma telenovela apresentada pelo Canal 2 nos seus primeiros dias de operação.
Ainda que contasse com a palavra “cultura” no nome, o Canal 2 de São Paulo era uma TV
422 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

comercial, mas, mesmo assim, realmente não faltaram programas voltados à educação. Desde
o início já havia aulas de inglês e, em março de 1961, foi iniciada a experiência de lecionar
pela TV, algo já muito comum na Inglaterra e nos Estados Unidos. Para isso, foi celebrada uma
parceria com a Secretaria Estadual de Educação, que criou o SERT - Serviço de Educação pelo
Rádio e Televisão, por onde professores ministraram cursos de admissão ao antigo ginásio. De
acordo com a parceria firmada com as Emissoras Associadas, o governo não precisava pagar pela
veiculação dos programas, que também iriam ao ar pela Rádio Difusora. Em 1962, a Secretaria
Estadual de Educação criou o “Curso de Admissão pela TV” e, no ano seguinte, criou o SEFORT
- Serviço de Educação e Formação de Base pelo Rádio e Televisão, que acabou ampliando a
programação educativa veiculada pela TV Cultura, com aulas de literatura, artes plásticas,
educação musical e curso de madureza. Visando atender à carência de grande parte da população
em contar com televisores nas residências, foi inaugurada em 1964 uma rede de telepostos, ou
seja, salas de aula abertas ao público, equipadas com um receptor de TV sintonizado no Canal 2.

A partir de 1963, o produtor Mário Fanucchi passou a exercer a direção-artística da TV Cultura.


Ele havia entrado nas Emissoras Associadas em 1949, trabalhando como um dos locutores do
jornal “Matutino Tupi”, na Rádio Tupi de São Paulo. Com a inauguração da televisão em 1950,
Fanucchi, que também era desenhista, foi chamado pelo assistente de direção Cassiano Gabus
Mendes para criar os “interprogramas” do Canal 3 e algumas logomarcas, como da própria TV
Tupi, o indiozinho Tupiniquim (ver Capítulo 22). Como já dito, em 1960, Fanucchi também
criou a primeira logomarca da TV Cultura.
Ainda naquele ano de 1963, o novo diretor da emissora conseguiu promover algumas
reestruturações importantes. Um novo estúdio foi montado no andar inferior — o 14º — para ser
usado principalmente na produção de noticiários e entrevistas. Os estúdios “A” e “B” ganharam
novos revestimentos acústicos. Com a ampliação, foi possível estrear o famoso “O Céu é o
Limite”, o primeiro programa de perguntas e respostas do Brasil que, após um tempo fora da TV
Tupi, iniciou uma nova fase pela TV Cultura e também obteve muito sucesso. A apresentação era
de Aurélio Campos e as transmissões realizadas no auditório do Museu de Arte de São Paulo. Em
1964, alguns novos equipamentos foram adquiridos, inclusive um essencial videoteipe.

Bastidores das instalações da TV Cultura na Rua Sete de Abril. (Coleção “Emissoras Associadas”/Arquivo Público
do Estado de São Paulo)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 423

Proposta de Novo Formato Para a TV Cultura


Em 1964, pouco antes do movimento militar, surgiu uma oportunidade para
que a TV Cultura se tornasse uma emissora exclusivamente jornalística,
ou seja, a primeira com programação segmentada no país. Segundo
revela o diretor-artístico da TV Cultura na época, Mário Fanucchi, “como
a TV Cultura não era uma emissora muito comprometida com grandes
esquemas, não tinha uma estrutura viciada, ela poderia começar tudo
de novo”. O diretor-geral das Emissoras Associadas de São Paulo, Enéas
Machado de Assis, havia recebido uma proposta da empresa holandesa
Philips, que, entre outros produtos, era fabricante de equipamentos
profissionais para transmissão de televisão. A ideia da Philips era fornecer
todos os equipamentos necessários, inclusive um caminhão gerador de
externas, para o Canal 2 fazer exclusivamente telejornalismo em São
Paulo. Um astuto projeto foi elaborado por Mário Fanucchi, que ele
mesmo chamou de “A Imagem da Notícia”, prevendo todas as rotinas
da nova televisão. A Philips aprovou o projeto na íntegra e um convênio
de 10 anos seria celebrado. Contudo, revela Fanucchi, quando a direção
da TV Tupi soube disso, gerou uma espécie de ciúmes e um trabalho foi
estabelecido para favorecer a TV Tupi com a parceria, deixando de lado a
TV Cultura. “Fomos lá conversar com o Edmundo Monteiro e insistimos
para que ele percebesse que a Philips queria uma coisa nova e que a Tupi
não tinha esse perfil. Eles queriam a TV Cultura para poder começar algo
novo”. Ainda segundo Fanucchi, a resposta do diretor foi: “Eles vão querer
a Tupi, que tem grande audiência. A TV Cultura não tem grande audiência”.
Resultado? A Philips desistiu totalmente do projeto.

Incêndio

Mal terminara o programa musical “ABC Show” e alguém gritou assustado:


— Fogo!!!
Às 20h40 do dia 28 de abril de 1965, grande incêndio se iniciou no Estúdio “A” da TV Cultura.
Primeiro, o corre-corre foi em busca dos extintores e, depois, a luta para salvar tudo o que era
possível. Mas, o fogo aumentava e tomava conta de toda a sede da emissora no 15° andar,
tornando-se uma labareda só. Já neste momento, o Canal 2 ficou fora do ar. Quatro viaturas e duas
escadas magirus atenderam prontamente à ocorrência, mas sem conseguir agir imediatamente,
dadas as dificuldades de ordem técnica. Isso porque as escadas tinham alcance de apenas 37 m
e não conseguiram aproximar-se de uma das alas para atingir o foco do incêndio. Durante os
primeiros 15 minutos, as chamas tiveram que ser combatidas apenas pelas mangueiras do próprio
edifício, que, todavia, não dispunham de pressão suficiente para atingir o fogo. Os bombeiros
424 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

lutaram, mas só conseguiram isolar o andar para evitar a propagação. Eram quase 2 da manhã
quando o fogo foi controlado. A causa provável foi um curto-circuito.
Embora não tenha havido vítimas, foram grandes os prejuízos, mesmo com os esforços dos
funcionários. Por sorte, como o setor onde eram guardados os equipamentos eletrônicos ficava
um pouco distante da inflamável cenografia, foram salvas duas das três câmeras da emissora, o
equipamento de videoteipe, algumas películas e alguns outros materiais eletrônicos. Uma
pequena parte do andar inferior também foi afetada, mas nada aconteceu com as redações do
“Diário de São Paulo” e “Diário da Noite”, e com o departamento de reportagens das rádios Tupi
e Difusora, todos em andares mais inferiores.

O diretor-artístico da TV Cultura, Mário Fanucchi


(dir), inspeciona o estúdio da TV Cultura
completamente destruído pelo fogo. (Coleção
“Emissoras Associadas”/Arquivo Público do
Estado de São Paulo)

Já no dia seguinte, o Canal 2 passava a transmitir provisoriamente do Palácio do Rádio. O


Estúdio “C” da TV Tupi, no Sumaré, também foi destinado a abrigar o Canal 2, até que fosse
definido o futuro da emissora.

A Nova Sede na Água Branca

Os estúdios do Canal 2, na Água Branca, quando prontos, terão


inúmeras atrações turísticas, inclusive animais de nossa fauna,
pequeno bosque e barcos para o público, no lago que se localiza
junto aos dois estúdios. Um bar-restaurante deverá ser inaugurado
por estes dias. O diretor-artístico Mário Fanucchi, para 67, está
planejando inclusive programas com números aquáticos: ballet,
aqualoucos e outras novidades para o vídeo de São Paulo. (“Atração
Turística”, Diário da Noite [SP], 03/11/1966)
Ao invés de reformar as instalações do Canal 2 na Rua Sete de Abril, a direção das Emissoras
Associadas decidiu usar sua experiência como pioneira da TV na América do Sul e colocar
em prática um projeto que surgiu seis anos antes, em 1960: a construção de um complexo de
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 425

televisão em um terreno com 1500 m2 adquirido em 1958, juntamente com a compra da Rádio
Cultura e da concessão do canal 2. Tratava-se de um belíssimo local às margens da Lagoa Santa
Marina, no bairro da Água Branca, Zona Oeste de São Paulo. Neste terreno funcionava o parque
de transmissão conjugada das estações “Associadas” de Ondas Médias e Ondas Curtas da Rádio
Cultura e da Rádio Difusora.
Para a construção do complexo, o sistema de transmissão das rádios foi desativado e um novo
parque técnico foi montado em um terreno também das Emissoras Associadas, localizado no
bairro de Vila Sofia, Zona Sul de São Paulo.
A nova sede da TV Cultura começou a ser erguida no final do primeiro trimestre de 1966, pela
Ferronato, Pimenta & Cia., empresa que havia construído a maioria dos estúdios das Emissoras
Associadas de São Paulo. O responsável pelas obras foi o engenheiro-civil Gustavo Tupinambá
Freire, chefe do Departamento de Engenharia dos Diários Associados. O novo complexo recebeu
um grande investimento e foi projetado para dispor de amplos espaços, incluindo os diversos
locais que poderiam ser utilizados como cenários naturais, como um bosque, um extenso gramado
e a própria lagoa, que também poderia ser usada para realização de programas aquáticos. Os
prédios obedeceram a mais avançada técnica arquitetônica para instalação de emissoras de TV.
Foram montados dois amplos estúdios — “A” e “B” —, com automatização completa no sistema
de iluminação, tratamento acústico eficaz e um piso inteiramente de plástico, dando grande efeito
estético. Oito modernas câmeras RCA foram distribuídas entre os dois estúdios.
Uma casa de contrarregra, um galpão para cenotécnica, garagem, prédios para a administração
e setor técnico (geração das imagens) também foram construídos no novo complexo. A portaria
ficou voltada para a Rua Fernandes da Fonseca (atual Rua Carlos Spera). Em menos de 90
dias, a nova sede da TV Cultura foi construída e instalada, ressurgindo das cinzas e tornando-se
uma verdadeira atração turística. Contou, inclusive, com um circo na área externa, dispondo de
excelente acústica. Ele serviu como auditório da emissora, para a produção de diversos gêneros
de programas, não só circenses.
Estão em fase de acabamento as novas e modernas instalações do
Canal 2 na Água Branca, prevendo-se que, já na segunda quinzena
de junho próximo, as transmissões serão feitas dos novos estúdios.
[...] Os trabalhos de construção e instalação de equipamentos,
realizados em tempo recorde (90 dias), vêm sendo orientados pelo
engenheiro-arquiteto dr. Gustavo Tupinambá, chefe do Departamento
Especializado das “Associadas”. (“TV Cultura Vai Ter Casa Nova
em Junho”, Diário de São Paulo, 21/05/1966, 2º Caderno, p. 7)

Uma nova programação foi lançada juntamente com a inauguração do complexo, que aconteceu
no início do segundo trimestre de 1967. Foi adquirido o “Telecruzador”, um ônibus especial
para realizar transmissões externas. O projeto final do complexo de televisão ainda previa a
construção dos estúdios “C” e “D”.
426 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Croqui produzido pelo diretor Mário


Fanucchi contemplando as novas
instalações da TV Cultura no bairro
da Água Branca. (Coleção “Emissoras
Associadas”/Arquivo Público do Estado de
São Paulo)

A beleza natural e os estúdios do novo complexo da TV Cultura na Água Branca. (Coleção “Emissoras
Associadas”/Arquivo Público do Estado de São Paulo)

Apesar de todos os esforços dispensados para construir uma sede apropriada para o Canal 2, os
Diários e Emissoras Associados colocaram a Rádio e TV Cultura à venda logo após a inauguração
do complexo da Água Branca. As emissoras foram compradas pelo governo do estado de São
Paulo, algo que será detalhado no Capítulo 47.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 427

O produtor e diretor Mário Fanucchi foi o criador de um jingle que foi


veiculado por muitos anos na TV brasileira. “Já é hora de dormir, não espere
a mamãe mandar, um bom sono pra você e um alegre despertar...”. Ele
foi muito usado nas propagandas dos Cobertores Parahyba, mas foi criado
muito antes, em 1951, em parceria com o maestro Erlon Chaves, também
das Emissoras Associadas, especialmente para a produção de uma vinheta
da TV Tupi - Canal 3. Estrelada pelo simpático indiozinho Tupiniquim, que
era símbolo da emissora, a vinheta entrava no ar às 21h com o objetivo de
ajudar os pais a convencer os telespectadores mirins a irem para a cama.
Isso porque era uma época que as crianças estavam encantadas com as
imagens que, de forma mágica, a televisão levava até suas casas.

O Tupiniquim, na tela do
Canal 3, avisa: “Já é hora de
dormir...”. (Mário Fanucchi/
reprodução)
428 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 34
1963 - AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS COM TV EM CORES

Emissoras de TV em São Paulo disputam o lançamento da TV em


cores no Brasil. Não se sabe qual dos canais vencerá a concorrência,
mas pode-se adiantar que em 63 a TV colorida será lançada no canal
4 ou 9. (Rui Martins, A Noite, 25/03/1963, p. 6)
Primeiro foi a TV Tupi e agora é a TV Excelsior que começa a
transmitir em São Paulo os seus programas de televisão em cores.
O início da TV colorida é modesto, com raros programas eventuais,
mas assim é que o progresso chega, e estamos certos de que, muito
em breve, novas emissoras e novos horários serão dedicados aos
fascinantes espetáculos. (“TV em Cores”, O Globo, 25/07/1963, p. 7)

E
m São Paulo, nos idos de 1963, a TV Tupi e a TV Excelsior travavam uma grande disputa
pelo segundo lugar da audiência. No topo do pódio, estava invicta a TV Record com
seus afamados musicais. Naquele ano, entretanto, além da concorrência pela atenção do
telespectador, as duas emissoras passaram a travar uma disputa tecnológica para conquistar o
pioneirismo na transmissão de programas em cores no país.

Outra característica interessante do novo transmissor [da TV Tupi


de São Paulo] é que o mesmo serve tanto para imagem em preto e
branco como para transmissão em cores, salientando que a direção
da Tupi vai importar vários aparelhos receptores especiais para a
TV colorida, realizando exibições em diversos pontos da cidade, com
filmes e “slides”, ocasião em que o povo paulistano terá oportunidade
de assistir a mais essa fase que, logo, estará estabelecendo mais uma
iniciativa pioneira em favor da primeira estação de TV da América
do Sul. (Dênis Brean, A Gazeta Esportiva, 10/08/1958, p. 31)

Em 1958, quando a direção da TV Tupi adquiriu o transmissor RCA TT6-AL, mais potente que
o anterior e preparado para irradiar imagens também em cores, já se pensava em acompanhar o
desenvolvimento tecnológico das emissoras norte-americanas e realizar algumas transmissões
coloridas experimentais. Todavia, optou-se por aguardar um pouco mais o “amadurecimento” e
maior viabilidade da tecnologia policromática.
Passados dois anos, a emissora se preparou para iniciar suas experiências de livre iniciativa
com imagens em cores1, adquirindo alguns equipamentos com a RCA, empresa que patenteou
o NTSC, o primeiro padrão de televisão colorida no mundo. Os equipamentos chegaram ao
Sumaré em meados de abril de 1961, com destaque para um Telecine a ser usado na projeção de

1 Ao que tudo indica, não houve necessidade de pedir autorização ao governo para realizar
essas experiências. Não há nada na mídia impressa da época a respeito disso. Ou teria sido o
caso apenas de a emissora ter formalizado um simples documento para dar ciência.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 429

películas coloridas.

As “Associadas”, que foram as pioneiras da televisão no Brasil, já


anunciam a chegada do equipamento de TV em cores para os estúdios
do Sumaré, justamente os primeiros a funcionar no país. Isto quer
dizer que dentro de pouco tempo, devido à concorrência, todas as
emissoras de televisão vão ser coloridas. (“TV em Cores”, Stanislaw
Ponte Preta, Diário da Noite [SP], 20/04/1961, p. 9)

Meses depois, os técnicos das Emissoras Associadas iniciaram experiências da TV colorida em


circuito fechado e, em um segundo momento, os testes passaram a ser feitos no ar, pelo Canal 4,
durante as madrugadas e sob certo sigilo, já que o assunto era de grande responsabilidade técnica.
Estes primeiros testes de televisão em cores no Brasil ficaram alguns meses no ar, durante 1961,
mas uma nova etapa de testes ainda seria preparada pela Tupi.

Cores na Excelsior e Corre-Corre na Tupi

Para completar o plano de dar a São Paulo uma televisão de


melhor qualidade, só falta uma coisa: as cores. E esse presente a
TV Excelsior entregará a São Paulo bem antes do que você imagina.
Aguarde a TV Excelsior em cores e, enquanto isso, veja a primeira
fase da nossa programação. (anúncio da TV Excelsior, O Estado de
São Paulo, 10/03/1963, p. 10-12)

Voltando a 1963, a bem preparada TV Excelsior - Canal 9, com apenas três anos no ar, se
preparava para uma grande arrancada com a estreia de uma rica programação e a promoção de
melhorias na qualidade de imagem e som. Aproveitando a instalação de novos equipamentos, o
Canal 9 também investiu nas transmissões em cores, mas foi por um caminho diferente da Tupi
ao adquirir uma câmera inglesa de fabricação Marconi1. Enquanto a Tupi poderia exibir em cores
filmes, seriados, desenhos animados, documentários e outros “enlatados”, a Excelsior exibiria
seus próprios programas de estúdio com a nova tecnologia.
No Sumaré, a programação em cores experimental do Canal 4 foi preparada para ser lançada
por volta de junho de 1963. Contudo, a corrida pela implantação da TV colorida em São Paulo
ganhou velocidade no dia 10 de março, após um anúncio de três páginas ter sido publicado pela
TV Excelsior no jornal “O Estado de São Paulo”. Dentre os detalhes da nova programação da
emissora, havia a informação sobre a chegada das cores ao Canal 9. A fim de garantir novamente
seu pioneirismo, o Canal 4 resolveu, discretamente, antecipar sua primeira transmissão colorida
para o dia 1° de maio, aproveitando a realização de um show especial para apresentação de
seus novos artistas contratados. Para tanto, os técnicos do Canal 4, sob a coordenação de Jorge
Edo, trabalharam incessantemente durante vários dias com o propósito de exibir um programa

1 Há uma divergência sobre o modelo da câmera colorida Marconi, utilizada pela TV Excelsior:
Mark III ou Mark IV BD848.
430 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

especial em cores. Para isso, a emissora importou um lote com 20 televisores da RCA para
promover demonstrações públicas.

“A Maior Noite do Ano”

Estão dizendo por aí que o Canal 4 vai surpreender a todos com uma
novidade sensacional: o lançamento da TV em cores, adiantando-
se, meio em segredo, que já se encontram no Sumaré alguns
equipamentos para transmissões de imagens coloridas. Para que o
negócio se concretize de verdade, é aguardada a remessa dos Estados
Unidos de vinte receptores especiais, que serão colocados em pontos
estratégicos da cidade. Isto significa que vamos entrar de rijo na fase
revolucionária das emissoras de Televisão em São Paulo. (“Televisão
em Cores”, Mário Júlio, Revista do Rádio, nº 708, 13/04/1963, p. 37)

“A Maior Noite do Ano” foi o nome dado a um programa especial da Televisão Tupi, transmitido
ao vivo do Teatro Tupi-Consolação na noite do feriado de 1º de maio de 1963. Realmente foi
a maior noite do ano para a emissora paulistana e para muita gente envolvida, pois, além de
promover um belo espetáculo musical com os seus 22 novos artistas exclusivos, a Tupi preparou
para o final uma grande surpresa. “A organização que deu à América do Sul, há 12 anos, a
primeira imagem televisionada, proporcionou, ontem, pela primeira vez na América Latina, a TV
em cores”, destacou, no dia seguinte, o jornal “Diário da Noite”.
O show chegou a quase duas horas de duração. Cerca de mil pessoas puderam adentrar para
assistir de perto às apresentações dos 22 cantores recém-contratados pela TV Tupi, entre eles
Jamelão, Agnaldo Rayol, Ângela Maria, Emilinha Borba, Orlando Silva, Pery Ribeiro, Nelson
Gonçalves, Ivon Cury e Inezita Barroso. Anúncios misteriosos como “aguardem a grande notícia
nesta noite…” foram veiculados nos intervalos do Canal 4 e intrigaram a audiência durante todo
o dia.

Mais de duas mil pessoas não conseguiram entrar, ontem, no Teatro


Tupi, para assistir a “A Maior Noite do Ano”, quando a TV Tupi
apresentou seus novos (e famosos) contratados. Mas a grande
notícia da noite nos foi proporcionada ao terminar o espetáculo:
pela primeira vez na América Latina, tivemos a TV em cores! E
a Televisão Tupi, Canal 4, é mais uma vez a pioneira. (“TV Tupi
Transmite Pela Primeira Vez na América Latina Imagens em Cor”,
Diário da Noite [SP], 02/05/1963, 1° Caderno, p. 2)
No momento tão aguardado, já perto das 23 horas, o apresentador Aurélio Campos chamou
ao palco Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Diários e Emissoras Associados de São
Paulo, que, enfim, anunciou que o público presente testemunharia a primeira transmissão de
televisão em cores da América Latina, com a exibição de um filme especial que poderia ser vista
por meio de receptores especiais instalados no palco. Em seguida, Monteiro anunciou que as
imagens em cores também seriam transmitidas pelo Canal 4 e que, portanto, os telespectadores
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 431

que porventura contassem com um televisor em cores com padrão NTSC, importado dos Estados
Unidos, também receberiam o filme em cores. Ainda de acordo com o diretor, os receptores
convencionais nada sofreriam e exibiriam normalmente, em preto e branco, o primeiro programa
em cores no Brasil. Ressalta-se que Monteiro estava sendo televisionado em preto e branco até
nos receptores em cores, já que a Tupi não havia adquirido câmeras coloridas.
Os monitores foram ligados no palco e a pré-estreia da programação em cores da TV do Sumaré
foi marcada com a exibição do documentário “Venceu o Brasil”, produzido em 1962 por Jean
Manzon, famoso cineasta e documentarista francês radicado no Brasil. Com nove minutos de
duração e narração de Luiz Jatobá, a produção mostrou as operações da indústria automobilística
Willys Overland, uma das maiores do ramo naquela época. A película em 16 mm foi rodada pelo
Telecine em cores da Central de Exibição do Sumaré e bastou que os receptores do Teatro Tupi-
Consolação fossem sintonizados no Canal 4.

Até a meia-noite os seguintes telespectadores haviam-se comunicado


com a TV Tupi informando ter apanhado, em seus receptores a
cor, a primeira transmissão colorida: Moacir Boemer, Washington
Beur, Osvaldo Battaglia, Rinaldo Bullitter e Godofredo Telles, todos
residentes em nossa Capital. Da cidade de Santos, o telespectador
Luís Correia de Alvarenga comunicou à TV Tupi ter captado naquela
cidade a transmissão em cores. As informações desses telespectadores
adiantam que a imagem por eles recebida estava nítida, vendo-se
com toda exuberância as cores da transmissão pioneira. (“Captaram
a Tupi em Cores”, Diário da Noite [SP], 02/05/1963, 1º Caderno, p.
3)

Os espectadores presentes no Teatro Tupi-Consolação ficaram entusiasmados com o que viram


e foi uma grande surpresa para os dirigentes da Tupi o considerável número de telefonemas
recebidos das famílias que possuíam aparelhos de TV em cores. Foi confirmada a boa qualidade
da transmissão, algo que entusiasmou os responsáveis pelo empreendimento.
Mesmo que as manifestações dos telespectadores tenham sido além do esperado, em termos
gerais, havia uma quantidade irrisória de receptores coloridos em São Paulo. E a TV Tupi sabia
disso, mas quis dar o primeiro passo, incentivando e apostando na indústria nacional, além de,
estrategicamente, chamar a atenção do público perante a forte concorrência da TV Excelsior.

“A Maior Noite do Ano”: especial da TV


Tupi de São Paulo foi exibido direto do
Teatro Tupi-Consolação, onde foi feita a
primeira demonstração de um programa
em cores da TV brasileira. À direita, o
diretor Edmundo Monteiro apresenta o
novo sistema ao lado de monitores em
cores. (Diário da Noite/reprodução)
432 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

No dia seguinte, o embaixador Assis Chateaubriand, que estava em tratamento em Londres


devido uma grave doença (ver Capítulo 35), após receber notícias sobre o sucesso das realizações
de 1º de maio na TV Tupi, enviou um telegrama com as seguintes palavras:

“Edmundo, a televisão em cores é a página mais luminosa que vocês


já escreveram no céu paulista.”

Chateaubriand Presente na Primeira Demonstração de TV em Cores nos


EUA
Os Diários e Emissoras Associados, em nome de seu diretor Assis
Chateaubriand, foram convidados a comparecer a uma das demonstrações
experimentais de televisão em cores da RCA, realizada em outubro de
1949. A série de apresentações foi pioneira no mundo a demonstrar
TV em cores fora de um laboratório. O evento ocorreu em uma sessão
exclusiva, no salão nobre do Washington Hotel, em Washington (Estados
Unidos), onde se alinhavam seis aparelhos receptores. “Um espetáculo
variado, do qual constaram números de palco, entremeados de anúncios,
com a participação de uma bailarina, um mágico e um terceto de
lindas sopranos”1. A estação transmissora e o estúdio encontravam-se
a 10 km de distância, no Hotel Wardman Park, e era tal a realidade das
imagens que deixavam a impressão de se desenrolarem na presença dos
convidados. Junto de Chatô, estiveram presentes o embaixador brasileiro
Maurício Nabuco, o embaixador das Nações Unidas Ciro de Freitas Valle e
o jornalista dos “Associados” Teófilo de Andrade. O dr. Elmer W. Engstrom,
vice-presidente da RCA e diretor de seu Departamento de Pesquisas, deu
explicações detalhadas ao grupo brasileiro. Chateaubriand qualificou a
demonstração em cores como “maravilhosa”.

Lançamento Oficial das Experiências

Após a noite especial do Canal 4, a etapa seguinte foi a realização de um evento para o lançamento
oficial das experiências em cores na TV Tupi de São Paulo, que ocorreu poucos dias depois, em 9
de maio de 1963, às 21h, no anfiteatro do Museu de Arte de São Paulo (MASP). Nessa época, o
museu ainda funcionava no 2º e 3º andares do edifício-sede dos Diários Associados, na Rua Sete
de Abril. Vale recordar que foi neste mesmo anfiteatro que a TV Tupi realizou suas transmissões
experimentais ao vivo, em julho de 1950, com as históricas apresentações musicais do Frei José
Mojica.
Para a cerimônia onde se pretendia dar início a uma nova fase da televisão no Brasil, foram
convidados representantes da indústria e do comércio, autoridades, jornalistas e artistas plásticos.

1 “A Televisão em Cores, uma Nova Etapa na Irradiação da Imagem”, O Jornal [RJ], 22/10/1949,
p. 8.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 433

Após 30 segundos de padrão colorido no ar, inicia-se a abertura do programa com uma vinheta
contendo diversos tons coloridos impactantes. “Precisávamos de uma vinheta para abrir a
transmissão; qualquer coisa que fosse atraente em cores. E, como não havia mais tempo de
revelar um filme, eu sugeri que usássemos a técnica do Norman McLaren1 e pegássemos um
filme virgem e o pintássemos, que fizéssemos algumas coisas coloridas. E, realmente, nós
fizemos um filme de 30 segundos, que foi colocado na frente do rolo. Essas imagens foram
transmitidas em primeira mão em cores no Brasil”, revela Roberto Miller, diretor de Arte da TV
Tupi, no documentário “TV 60 Anos” (Boni Produções).

Alguns frames da vinheta de abertura produzida para


o lançamento das transmissões experimentais em
cores da TV Tupi, em 1963. (reprodução)

Em seguida, novamente em preto e branco, foi vista uma vinheta da TV Tupi, seguida das
imagens ao vivo, diretamente do anfiteatro do Museu de Arte, que estava totalmente lotado. No
palco, alguns nomes das Emissoras Associadas, como Heitor de Andrade, Homero Silva, Carlos
Spera, Aurélio Campos e o diretor Edmundo Monteiro, este que proferiu o seguinte discurso:
— Meus amigos. Aqui estamos numa demonstração inequívoca do valor da iniciativa privada
e da técnica especializada brasileira. Aqui estamos para reafirmar o quanto se pode realizar
quando se tem fé nos destinos e no futuro do Brasil. Aqui estamos para oferecer ao povo que
possui a segunda radiodifusão mundial a televisão em cores — a primeira da América Latina.
Está vencida a primeira fase da batalha — a da transmissão. Esta fizemo-la nós, as Emissoras
Associadas, seguindo, assim, a sua trajetória repleta de realizações pioneiras. Necessário será
vencer a segunda — a da recepção — e essa dependerá da nossa magnífica indústria eletrônica,
que já conta com mais de duas dezenas de fábricas de receptores de televisão em branco e
preto. Conhecemos as dificuldades de adaptação dessas indústrias e a necessidade de um tempo
prudencial para essa adaptação, que não é somente técnica, mas também comercial. Confiamos
nela, porém, e sabemos que poderá superar o intervalo ocorrido mesmo nos maiores países
industriais, como foi o caso dos Estados Unidos da América do Norte. Em nenhum momento
deixamos de admitir essas dificuldades e o lançamento que ora fazemos é para colocar mais um
marco na trajetória brilhante do Brasil no terreno das comunicações, principalmente referente
aos órgãos de expressão do pensamento. Desejo um parágrafo especial para a valorosa equipe
“Associada” que, num trabalho impessoal, mas de inegável sentido profissional, tudo fez para
colocar São Paulo e o Brasil na vanguarda de mais este empreendimento. A eles, o muito
obrigado dos Diários e Emissoras Associados e o meu particular abraço amigo. Que sigam assim,
dignificando a honrosa profissão de radialista que escolheram, e na qual tanto têm dado de si à
coletividade. Agradeço às autoridades constituídas que, ainda neste instante, nos prestigiam e
animam com seus telegramas e departamentos de congratulações, numa eloquente compreensão
1 O escocês Norman McLaren foi um dos mais importantes animadores voltados para a
animação artística.
434 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

de que tudo fazemos para o bem do Brasil. Agradeço ao grande e querido público, presente em
todas as horas, paciente e compreensivo, ajudando-nos a defender, através da imprensa, do rádio
e da televisão, dias melhores e mais risonhos para os nossos filhos e para os filhos dos nossos
filhos. Que esta mensagem seja um prenúncio de um futuro “cor-de-rosa”, onde os homens de
boa vontade compreendam e amparem aqueles que, amando e querendo o Brasil, se arrojam na
conquista de novos horizontes e de um porvir promissor. O nosso chefe e amigo, jornalista Assis
Chateaubriand, ensinou-nos, na sua grande missão cívica, a pensarmos em termos de Brasil. E
essa é a nossa meta. E essa é a própria razão de ser dos Diários e Emissoras Associados. Muito
obrigado1 — finalizou Edmundo Monteiro.
O ponto alto daquela noite especial era a exibição de produções em cores propriamente ditas.
Algumas delas faziam parte de uma série com reportagens especiais, produzida e gravada em
película colorida de 16 mm por meio de uma pequena câmera portátil. Os trabalhos foram
realizados pelos repórteres José Carlos de Moraes (Tico-Tico) e Carlos Spera, ambos do
Departamento Cinematográfico da TV Tupi. Para a primeira exibição da noite, Spera, juntamente
com o cameraman Irso Cruz e o operador de som José Azevedo, estiveram em Brasília no dia
anterior, gravando uma saudação do presidente da República, João Goulart.
Assim, a primeira produção própria da TV Tupi em cores entrou no ar com belas cenas noturnas
do Palácio da Alvorada, em Brasília. A cena se transferiu para sua biblioteca, de onde se
pronunciou o presidente João Goulart, tendo ao fundo a bandeira brasileira.
— Trata-se de mais uma iniciativa pioneira, que se incorpora, neste instante, ao acervo de
progresso do Brasil e pela qual me congratulo com os diretores desta emissora. Realmente,
nosso povo necessita contar com recursos que o torne sempre atualizado com os problemas
do Brasil e do mundo, numa hora histórica em que a nação se esforça para vencer a batalha do
desenvolvimento, abrindo as portas do futuro, através de reformas democráticas que atualizem a
estrutura econômica e social da vida brasileira — disse o presidente.
A transmissão voltou para o palco, onde foi anunciada a próxima atração colorida. Viram-se
cenas do centro de São Paulo, do Museu do Ipiranga e do interior do antigo Palácio Episcopal
Pio XII, onde o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Carlos Carmello de Vasconcelos Motta,
dirigiu sua saudação pela inauguração das transmissões de televisão em cores e pela passagem
do Dia das Mães. Depois, dos jardins do Palácio dos Campos Elíseos, o governador de São Paulo
Adhemar de Barros e sua esposa Leonor dirigiram igualmente uma aclamação.
Uma próxima reportagem levou o telespectador ao Jockey Club, mostrando algumas cenas
coloridas do Grande Prêmio São Paulo, gravadas em película dias antes. Em seguida, entrou
no ar outro documentário, produzido em cores por Jean Manzon, mostrando uma fábrica da
Companhia Antarctica Paulista e uma reportagem realizada pelo repórter Tico-Tico no estúdio
de desenhos abstratos de Roberto Miller2, o próprio diretor de Arte da TV Tupi, que também era
cineasta. Miller demonstrou as técnicas usadas para produzir dois de seus filmes, sendo que um

1 “São Paulo Aplaudiu com Entusiasmo a Primeira Exibição de TV em Cores”, Diário da Noite
[SP], 10/05/1963, 2º Caderno, p. 5.
2 O primeiro trabalho comercial de Roberto Miller foi o filme “Rumba”, de 1956, um comercial
para os discos Columbia que acabou premiado no Festival Internacional de Lisboa. Depois,
no ano seguinte, outro comercial para a Varig, com produção de José Bonifácio de Oliveira
Sobrinho, o Boni, também acabou premiado como melhor filme comercial do ano e animou
Miller a investir no filme “Sound Abstract”, um trabalho experimental autoproduzido, desenhado
e sonorizado diretamente em película virgem. Nos anos 1960, Miller desenvolveu trabalhos
na TV Excelsior de São Paulo e, logo depois, participou da produção dos programas “TV de
Vanguarda” e “Móbile”, na TV Tupi.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 435

deles era “Sound Abstract”, premiado em Cannes e Bruxelas. Por fim, a Tupi exibiu em cores um
documentário de Primo Carbonari, “Aventuras no Garimpo” e um filme inglês de animação, que
retratava a evolução dos instrumentos para medição do tempo. O programa especial se encerra
com alguns slides coloridos na tela.
Os trabalhos técnicos do Canal 4 para realização das primeiras reportagens em cores da América
Latina foram dirigidos por Jorge Kurkjian, diretor-técnico do Departamento Cinematográfico da
Tupi. O cinegrafista foi Luís Sansini e a direção de jornalismo de José Luís de Paula.
Muitas pessoas acompanharam a transmissão no saguão dos Diários Associados, onde também
estavam dispostos alguns receptores coloridos, especialmente destinados ao público. Esta
ação fez parte da estratégia de marketing, que também providenciou, nos dias subsequentes, a
instalação de receptores em algumas lojas da cidade, mais precisamente na loja Sears do bairro
do Paraíso (Rua Treze de Maio, nº 1947), nas Casas Pirani (Avenida São João, nº 869) e na
Eletro-Radiobraz (Avenida Rangel Pestana, nº 2151). Tudo isso remonta ao início da própria
televisão em São Paulo, em 1950, quando os Diários e Emissoras Associados se utilizaram de
estratégia idêntica no mesmo saguão e em lojas da cidade, para divulgação da estreia da sua
PRF3-TV Tupi-Difusora.

Programação Experimental em Cores

Na despedida do especial “A Maior Noite do Ano”, foi anunciado que em breve seria iniciada
a programação experimental em cores do Canal 4, com periodicidade semanal e depois diária.
A partir do dia 13 de maio, a emissora passou a transmitir regularmente um padrão de testes
em cores, que ia ao ar de segunda a sábado, entre 11h e 12h, com objetivo principal de dar
oportunidade para técnicos e proprietários de televisores coloridos ajustarem os tons. Logo, a
Tupi estreou uma faixa vespertina com cerca de 60 minutos de duração, de segunda a sexta,
sempre iniciando por volta das 17h, onde foram exibidos programas variados em cores. Entre as
atrações, slides fotográficos, filmes com apresentações de ballet, viagens para países exóticos,
reportagens, curiosidades científicas e desenhos animados, entre eles, um pacote de atrações dos
estúdios Walter Lantz, incluindo “O Pica-Pau”, “Andy Panda” e “O Picolino” (Chilly Willy). Um
bom exemplo de exibição de slides foi ao ar no dia 17 de junho, com a 1ª Exposição de Pintura
pela Televisão, onde foram mostradas fotos coloridas de alguns dos quadros universalmente
famosos da coleção do Museu de Arte de São Paulo.
Na abertura da sessão diária em cores, a Tupi exibia sua logomarca especial — o conhecido
indiozinho Tupiniquim, mas que agora segurava alguns balões coloridos. Um locutor passava
informações sobre aquela transmissão especial e ressaltava que as cores dos balões eram
vermelho, verde e azul. Há de se ressaltar que os receptores convencionais sintonizavam
nitidamente a sessão colorida do Canal 4, porém em preto e branco.
436 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O Tupiniquim-símbolo das transmissões em


cores da TV Tupi de São Paulo. (reprodução)

O técnico Igold Knoch observa um televisor com o


padrão de testes em cores da TV Tupi de São Paulo,
em 1963. (Marcelo Knoch/Acervo pessoal)

O primeiro programa regular em cores da TV Tupi foi a série “Bonanza”, que foi ao ar aos
sábados, às 21h. A estreia aconteceu em 25 de maio de 1963, trazendo ao Brasil um programa
que há quatro anos fazia grande sucesso nos Estados Unidos. “Bonanza” foi o primeiro faroeste
feito especialmente para a televisão, uma produção da emissora norte-americana NBC e dos
estúdios Paramount. A NBC era uma subsidiária da RCA-Victor, proprietária da patente do
sistema norte-americano de TV em cores — o NTSC — e a série foi criada justamente para
estimular a venda de receptores em cores. O sucesso das aventuras da família Cartwright, em
“Bonanza”, deu uma enorme longevidade à série, somando 14 temporadas e 431 episódios. O
tema de abertura é inesquecível, marcando época para muitos telespectadores brasileiros que
reservavam as noites de sábado para acompanhar a série na TV Tupi, mesmo que por meio de
um receptor em preto e branco.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 437

TV Excelsior e a Primeira Transmissão Ao Vivo em Cores

Hoje, no Ibirapuera (20 horas), será o primeiro “show” em cores


ao vivo da América do Sul, em transmissão direta pela TV Excelsior.
Os maiores nomes do cast do Canal 9 estarão participando deste
espetáculo ímpar. Veremos pela primeira vez, em cores, a orquestra
de Silvio Mazzucca, o show de Moacyr Franco, J. Silvestre
distribuindo prêmios, Silvio Caldas cantando, José Vasconcelos
fazendo humorismo e assim por diante. (“Show em Cores Ao Vivo”,
Correio Paulistano, 28/06/1963, p. 3)
[...] E o exemplo não ficou só nisto. Hoje, sexta-feira, o Canal 9, TV
Excelsior, deverá fazer a apresentação oficial aos telespectadores,
de seu equipamento para a transmissão de programas coloridos, em
um espetáculo revestido de características todas especiais. A câmera
Marconi será mostrada ao público, bem como o funcionamento e
os planos artísticos para seu emprego futuro. Segundo soubemos,
programas como “Chico Anísio Show”, “Brasil 63” e outros serão,
doravante, apresentados, também em cores. (“TV Colorida é Vitória
de São Paulo”, Diário da Noite [SP], 28/6/1963, 2º Caderno, p. 5)
Como parte da estratégia de impacto, a Excelsior prometia televisão
em cores, com a imprensa anunciando a compra de equipamentos para
transmissão colorida. Em meados de 1963, foram feitas experiências
em São Paulo, tendo a TV Tupi sido a primeira a apresentar filmes
coloridos no vídeo. A TV Excelsior, nessa fase eufórica, importou
um equipamento básico para produção de programa colorido e
não apenas exibição de filmes, como tinha feito a TV Tupi. Assim,
realizou em 28/06/63, pela primeira vez na América do Sul, um
grande show a cores, televisionado ao vivo, com várias horas de
duração, diretamente do Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
(“Glória in Excelsior - Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso
da Televisão Brasileira”, Álvaro de Moya, 2004:183-184)

Em 28 de junho de 1963, a TV Excelsior - Canal 9 de São Paulo fez sua pré-estreia de transmissões
em cores, com uma apresentação especial dentro da Feira Nacional de Utilidades Domésticas
(UD). Participaram nomes como Chico Anísio, José Vasconcelos, Moacyr Franco e muitos outros
artistas do elenco da emissora. Desta forma, a TV Excelsior foi a primeira emissora a transmitir
um programa ao vivo em cores no Brasil, ao passo que a TV Tupi de São Paulo foi a primeira a
transmitir um programa gravado em cores — simbolicamente, como vimos, um documentário
em filme de 16 mm.
Já a TV Excelsior - Canal 2 do Rio de Janeiro seria inaugurada em 1° de setembro de 1963, com
a proposta de já transmitir alguns programas em cores. Uma pré-estreia também chegou a ser
feita no dia 31 de julho, no Teatro Excelsior (ex-Cine Astória, em Ipanema), onde foi exibido,
em circuito fechado, um programa colorido especial. À época, a emissora divulgou ter investido
Cr$ 300 milhões em equipamentos, entretanto, logo suspendeu suas experiências em cores em
São Paulo e sequer começou a fazê-las no Rio de Janeiro. O jornal “Folha de São Paulo”, ligado
ao grupo controlador da emissora, chegou a publicar que a programação regular em cores seria
438 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

iniciada somente entre dezembro de 1963 e março de 1964. “Os testes já estão sendo feitos e o
transmissor novo já foi encomendado”, revelou o jornal, mas nada aconteceu.

Indústria Nacional

As Emissoras Associadas congratulam-se com o povo de São Paulo


no instante em que, seguindo o seu tradicional pioneirismo e para
orgulho da iniciativa privada e da técnica eletrônica brasileira,
lança ao ar a primeira transmissão de TV em cores no continente sul-
americano. Desejamos ressaltar o caráter experimental das nossas
transmissões, pois bem sabemos que haverá um tempo prudencial
para que a magnífica indústria eletrônica brasileira possa produzir
receptores em cor, como aconteceu nos Estados Unidos [...].
Manteremos programas intervalados como mensagem da capacidade
brasileira, para que se produza a indispensável formação técnica e
até que a realidade industrial nos permita oferecer plenamente aos
nossos telespectadores as maravilhas da televisão colorida. (“Ao
Público”, Diário da Noite [SP], 06/05/1963, p. 1)

Apesar de toda comemoração pelo grande feito, era sabido que as imagens em cores chegariam a
poucas residências paulistas. No entanto, além de ressaltar o pioneirismo da Tupi, as transmissões
experimentais poderiam criar uma cultura entre os telespectadores, que impulsionaria a formação
de técnicos especializados em sistemas a cores — de maior complexidade que o preto e branco
— e estimularia a indústria nacional a produzir os receptores em cores. Esta era a visão de
Edmundo Monteiro, que tinha muita fé que os primeiros receptores começassem a ser fabricados
no Brasil em um prazo razoável.
Mesmo com a atitude vanguardista de Monteiro, o estágio em que se encontrava a TV em cores
nos países desenvolvidos, em pleno ano de 1963, mostrava que transmitir em cores no Brasil
era realmente algo precoce. No exterior, a programação colorida ainda era reduzida e estava em
processo de experimentação. A emissora de TV norte-americana NBC, subsidiária da RCA, era a
única a transmitir programas ao vivo em cores, contudo, limitados a uma hora diária. Os demais
programas coloridos eram, como na TV Tupi, filmes, desenhos animados e documentários. Ainda
nos Estados Unidos, país pioneiro na implantação das cores, havia 64 milhões de receptores
de TV em 1963, sendo que apenas pouco mais de 1 milhão deles eram compatíveis com
transmissões em cores1. Isso devido ao altíssimo custo de um receptor, praticado em função do
monopólio da fabricação que a RCA detinha no mundo. O caso teve que ser discutido no Senado
norte-americano e, ainda em 1963, todas as fábricas especializadas puderam passar a produzir
receptores a cores, desde que pagassem os devidos royalties. O resultado foi que de US$ 1 mil,
o preço dos receptores caiu para US$ 4502. Outro bom exemplo de como a Tupi e a Excelsior se
anteciparam na experimentação das cores é que a BBC de Londres, uma das maiores estações
de TV no mundo, pretendia estrear sua programação colorida somente em 1964, ou seja, no ano
seguinte do início das transmissões experimentais em São Paulo.

1 Diário da Noite [SP], 10/05/1963, 1º Caderno, p. 3.


2 “Por Dentro da TV”, Intervalo [RJ], nº 32, 18-24/08/1963, p. 38A.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 439

Fim da Primeira Fase Experimental da TV em Cores no


Brasil

Apesar de prometer que a programação da futura Excelsior-Rio seria


a cores, bem como muitas das produções de São Paulo, a Excelsior
abandonou a ideia, assim como a TV Tupi, por ser inviável, na ocasião,
o alto custo da instalação de novos equipamentos e principalmente
pelo alto custo da fabricação de aparelhos de televisão a cores para
o público consumidor. Também a indústria eletrônica da época
fez forte pressão para a ideia não ir adiante, em razão do grande
aumento da produção de aparelhos em preto e branco, que estavam
sendo vendidos por todo o país. (“Glória in Excelsior - Ascensão,
Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira”, Álvaro
de Moya, 2004:183-184)

Os meses foram passando e, ainda em 1963, a Tupi chegou a ativar o sistema de cores em algumas
de suas retransmissoras de cidades do interior paulista — com direito a show de lançamento —,
entre elas, Campinas, São José dos Campos e Sorocaba. O ano de 1964 se iniciou e a programação
colorida permanecia no ar, sem alterações, com os programas variados da sessão vespertina e
com a série “Bonanza”, aos sábados à noite. Houve até a instalação de uma decoração especial
no saguão dos Diários Associados, alusiva à televisão em cores, visando agradar ao público que
lá costumava ver a programação experimental colorida. As lojas da cidade também continuavam
mostrando os programas em cores do Canal 4.
Contudo, a TV Tupi encerrou suas experiências em cores durante fevereiro de 1964. A sessão
diária foi substituída por outro gênero de programa e “Bonanza” passou a ser exibida em preto
e branco. Sobre o fim dessas experiências, o almirante José Cláudio Beltrão Frederico, membro
da diretoria-executiva dos Diários Associados no Rio de Janeiro e ex-presidente do Conselho
Nacional de Telecomunicações (CONTEL), revelou em uma entrevista1 que, “como o número
de receptores existente era de apenas algumas centenas de aparelhos e não prometia subir, não
chegou a criar-se um mercado e não houve sustentação financeira para o empreendimento”. Já o
jornal “O Estado de São Paulo” apurou que “algumas dezenas de receptores, a maioria vinda de
contrabando dos Estados Unidos, era tudo o que havia para receber esses programas [em cores]
[...]”2 e que “[...] a indústria não estava preparada e não podia fabricar receptores coloridos.
Houve pressões e a experiência terminou”3.
Dois meses após o encerramento das transmissões em cores da TV Tupi de São Paulo, a “Revista
do Rádio” chegou a publicar uma nota dizendo que era “pensamento do diretor Edson Leite
inaugurar a transmissão em cores da TV Excelsior (pelo menos de São Paulo) com um grande
encontro futebolístico, algo assim na base de um Santos x Botafogo, com o Pelé e o Garrincha
alindando o espetáculo”4. A nota também revelou que, na cidade de São Paulo, havia, pelo
menos, 300 aparelhos (segundo estatísticas oficiais) capazes da captação de TV colorida. Mas,

1 “Entrevista Explica o Futuro da Televisão no Brasil”, O Jornal, 02/07/1967, 5º Caderno, p. 4.


2 “Na TV a Cores Japão Só Espera”, O Estado de São Paulo, 25/09/1971, p. 12.
3 “É a Última Apolo em Branco e Preto? O Céu Só é Cinza nos Nossos Vídeos”, Luiz Roberto de
Souza Queiroz, O Estado de São Paulo, 12/04/1970, p. 32.
4 “Futebol Colorido Pela TV”, Revista do Rádio, nº 762, 25/04/1964, p. 50.
440 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

esta transmissão não aconteceu, pois há também quem diga que os programas em cores tenham
sido interrompidos por determinação do recém-instalado governo militar, preocupado em “tomar
as rédeas” deste assunto e futuramente organizar a implantação oficial. A TV Excelsior chegou
a cogitar mais uma vez o início das experiências em cores — desta vez em 1965 —, contudo,
entrou em uma crise institucional que culminou em sua cassação, em 1970.
O grande desafio da implantação da TV em cores, em qualquer parte do mundo, é que não era
(e nunca foi) viável adaptar os televisores em preto e branco. Isso significava que, para ver uma
programação em cores, o telespectador teria que comprar outro receptor. No caso do Brasil, em
1963 ele não poderia estar à venda nas casas comerciais, apenas acessível por meio de agentes
importadores dos Estados Unidos, que praticavam preços exorbitantes. Por outro lado, no Brasil
também havia o contrabando de televisores norte-americanos.
Mesmo que os tubos de imagem colorida e outros inúmeros componentes fossem fabricados
somente nos Estados Unidos, o preço do televisor em cores naquele país custava o triplo do
televisor preto e branco. No Brasil, esta proporção “um para três” se tornaria muito maior,
somando-se os custos de importação destes componentes com os custos de linha de produção
etc. Além disso, quando um desses receptores importados precisasse de manutenção, não haveria
peças de reposição no Brasil, tampouco técnicos especializados e aparelhamento próprio para
realizar as devidas revisões. Mesmo assim, logo após o início das transmissões experimentais
em cores em São Paulo, algumas lojas passaram a fazer anúncios para importação de televisores
preparados. Instalada bem no centro da cidade, a Loja Simis foi uma delas e divulgou nos jornais
que estava aceitando limitado número de inscrições para reservas. O Victor Applianceum,
tradicional centro de compras de brasileiros que iam a Nova York, nos Estados Unidos, fortaleceu
sua comercialização de receptores de TV em cores para o Brasil, fazendo anúncios em revistas
com notícias brasileiras sobre os bastidores da televisão. O preço final dos receptores nessas lojas
poderia chegar à quantia exorbitante de Cr$ 1,5 milhão1! Devido a essas condições, havia em
todo o Brasil menos de 500 aparelhos de TV em cores2.
Segundo a revista “Intervalo”, “os fabricantes da marca [norte-americana] Admiral estavam
dispostos a comercializar a fabricação no Brasil, mas desistiram no momento, porque seria
necessário importar 60% das peças dos Estados Unidos, justamente numa hora em que devemos
economizar divisas”3.
A Associação dos Fabricantes de Receptores de Rádio, Televisão e Eletrônica (AFRATE)
publicou uma nota nos jornais, logo que se iniciaram as transmissões experimentais de TV em
cores em São Paulo. Com um grande volume de pedidos de informações dirigido aos fabricantes
e revendedores de eletrônicos que ela representava, recebidos desde a estreia das transmissões
a cores, a AFRATE resolveu prestar esclarecimentos publicamente. Apoiou a livre iniciativa
das Emissoras Associadas, classificando-a como “brilhante pioneirismo e arrojo técnico”, mas
procurou colocar o público perante a realidade.

1 “A Verdade Sobre a TV em Cores”, Revista do Rádio, nº 769, 13/08/1964, p. 9.


2 “Por Dentro da TV”, Intervalo [RJ], nº 32, 18-24 de agosto de 1963, p. 38A.
3 “A Verdade Sobre a TV em Cores”, Revista do Rádio, nº 769, 13/08/1964, p. 9.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 441

A fabricação, no Brasil, de aparelhos para recepção em cores, com


um nível de qualidade e num grau de nacionalização iguais aos já
atingidos pelos televisores em preto e branco, envolve sérios problemas
de ordem técnica e econômica cambial, cuja solução demandará
ainda muitos estudos a longo tempo. Aliás, o mesmo tem ocorrido em
vários países altamente industrializados como a Alemanha, França,
Holanda, Inglaterra, e outros, cujos governos e indústrias vêm, há
anos, postergando o lançamento definitivo dessa nova técnica, numa
preocupação constante pela conciliação dos interesses gerais que
lhes cabe defender. (anúncio da AFRATE, “Televisão em Cores”,
Diário da Noite [SP], 10/05/1963, 1º Caderno, p. 3)

Por outro lado, a associação declarou que a indústria nacional de eletrônica se manteria vigilante,
a fim de poder trazer a nova técnica de televisão colorida ao Brasil, mas com cautela, no tempo
certo e sem previsões, já que tudo dependia de outros fatores de interesse nacional, como melhor
disponibilidade de divisas etc. Por fim, a AFRATE não recomendou as importações de televisores
por parte dos telespectadores, destacando que não havia previsão alguma de os fabricantes
disporem de assistência técnica especializada no país.
À época do início das transmissões experimentais da Tupi, Walther Negrão, hoje famoso autor
de telenovelas, publicou uma crítica em sua coluna no jornal paulistano “Brasil Urgente”1,
satirizando que o pioneirismo colorido da TV Tupi se encerrava nos seus próprios corredores.
As experiências de televisão em cores da TV Tupi foram curtas, mas realmente tiveram
importante parcela no incentivo à implantação definitiva desta tecnologia no Brasil, algo que
acabou acontecendo somente oito anos após o final das experimentações de 1963-64. Dois anos
depois das experiências, o governo militar brasileiro já se movimentava para escolher o padrão
de cores que futuramente deveria ser usado no país. Em 1969, algumas fábricas nacionais de
televisores se declaravam aptas a produzir receptores coloridos e, no ano seguinte, o Ministério
das Comunicações investia em infraestrutura para a chegada das cores. Todas essas deliberações
serão apresentadas em detalhes no Capítulo 38.

1 Walter Negrão, Brasil Urgente [SP], 12/05/ 1963, p. 19.


442 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 35
O CONDOMÍNIO ACIONÁRIO E A MORTE DE CHATEAUBRIAND

A história da imprensa brasileira pode ser dividida em duas fases:


antes e depois de Chateaubriand. Na verdade, coube ao jovem
advogado e jornalista nascido em Umbuzeiro a missão de revolucionar
os métodos da imprensa brasileira. Para isso, ele fundou um império
— um dos maiores do mundo e o maior da América Latina, os Diários
Associados, que teve como ponto de partida “O Jornal”, adquirido
em 1924, seguindo-se-lhe o “Diário da Noite” (de São Paulo), aos
quais se foram juntando dezenas de publicações, a eles se agregando
numa só família, inclusive emissoras de rádio e de televisão que se
estenderam por todo o país. (“Sonho de Toda Uma Vida: Integração
Nacional Pela Imprensa, Rádio e TV”, O Jornal, 05/04/1968, 1º
Caderno, p. 7)

E
m meados dos anos 1940, Assis Chateaubriand já se preocupava em dar continuidade ao
seu império de comunicação e pensava em constituir uma fundação para integrar seus
colaboradores na propriedade e na gestão do grupo dos Diários e Emissoras Associados.
Mas, foi somente durante o produtivo ano de 1959 — cinco meses antes de adoecer gravemente
— que o Velho Capitão decidiu colocar em prática seu antigo plano. Reuniu amigos e advogados
e criou uma instituição inusitada: um condomínio acionário. A ideia de criar uma fundação foi
descartada, já que, obrigatoriamente, sua natureza implicava na participação do governo. Assim,
foi instituído, em 23 de setembro de 1959, o Condomínio Acionário dos Diários e Emissoras
Associados, no qual Chateaubriand distribuiu 49% das ações e quotas que possuía dentro
de toda a cadeia de empresas a 22 administradores, figuras que passaram a ser chamadas de
“condôminos” ou “comunheiros”. Entre estes, havia diretores das empresas e dois dos três filhos
de Chatô: Gilberto e Fernando.

Chateaubriand discursa no ato da assinatura


para instituição do Condomínio Acionário
Associado. (Coleção “Diários Associados”/
Arquivo Público do Estado de São Paulo)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 443

Condomínio Associado, um Instrumento a Serviço do


Brasil

Desde os anos 40, Assis Chateaubriand preocupava-se com a


continuidade do império. Afastado de sua família natural, embora
os filhos Fernando e Gilberto ocupassem esporadicamente algumas
funções na empresa, o jornalista não acreditava no interesse deles
pela preservação dos Associados e de sua obra. Capitalista visceral,
Chateaubriand alimentava, porém, a respeito dessa continuidade,
uma ideia ao estilo de Lênin: “A terra pertence aos que nela lavram”,
conceito por ele adaptado, em 1943, ao comentar a doação, pela
viúva de Félix Pacheco, de metade das ações do Jornal do Commercio
ao então diretor de redação Elmano Cardim, da seguinte forma: “O
jornal é propriedade daqueles que o fazem”. (“Brasil, Primeiro:
História dos Diários Associados”, Glauco Carneiro, Fundação Assis
Chateaubriand, 1999:405)

Os conceitos-chave da fórmula jurídica adotada pelo Condomínio Acionário Associado foram


“sobrevivência, perenidade, continuidade, fidelidade à empresa e ao ideal”. Pelas regras
preestabelecidas, o Condomínio e os Diários Associados não teriam um dono e, tampouco, a
posse das ações seria legada à família de cada participante. O conjunto dos sucessores teria mais
obrigações e responsabilidades do que direitos, pois teriam que administrar e dar continuidade
ao ideal de Assis Chateaubriand, depois de sua morte, qual seja, o de “levar a efeito a defesa
dos interesses da nação e a elevação do nível cultural e cívico do povo brasileiro, induzindo-o a
participar do debate e da solução dos problemas nacionais e universais, e do desenvolvimento
das ciências, das letras e das artes”.
Em 21 de setembro de 1959, perante velho amigo Menotti Del Picchia, tabelião do 20º Cartório
de São Paulo, Chatô assinou a escritura pública que instituiu o Condomínio Acionário, o
autonomeou como diretor-presidente vitalício e transferiu a propriedade de 49% de suas ações e
quotas do capital societário das empresas do grupo Diários e Emissoras Associados: 32 jornais, 18
revistas, 22 estações de rádio, 16 estações de televisão, uma agência noticiosa e uma agência de
publicidade. Uma das testemunhas do ato da assinatura foi o amigo Paulo Machado de Carvalho,
proprietário da Rádio e TV Record. Mais tarde, no gabinete de trabalho de Chateaubriand na Rua
Sete de Abril, foi realizada uma cerimônia com a presença do ministro das Relações Exteriores,
Horácio Lafer, e dos comunheiros João Calmon, Edmundo Monteiro e Armando Oliveira.

O ministro Horácio Lafer, abrindo a reunião, acentuou: “O ato de


Assis Chateaubriand é de uma beleza incomparável. Ele consagra,
definitivamente, o seu desprendimento. Pela vocação de Assis
Chateaubriand, pela sua mentalidade e pelo seu espírito de pioneiro
e lutador incansável, jamais constituíram os Diários Associados bens
particulares, mas poderoso e ativo instrumento a serviço do Brasil”.
(“Criado o Condomínio Acionário Diários e Rádios Associados”, O
Jornal, 27/09/1959, Primeira Seção, p. 13)
444 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Saudando o presidente dos Diários Associados, Menotti Del Picchia enalteceu a obra e o gesto de
Chatô, dizendo-se honrado por ter sido escolhido “para manuscrever documentos que são uma
lição luminosa de patriotismo, de humildade e de clarividência de um homem, que considero
a maior figura da nação e documentador insuperável das maiores glórias do Brasil”. Por sua
vez, Assis Chateaubriand disse ser aquele “o dia mais feliz de sua vida de lutas”, reproduzindo,
em seguida, as razões que o haviam levado a instituir o Condomínio Acionário dos Diários
Associados.
O Condomínio seria um colégio de acionistas e se reuniria, obrigatoriamente, ao menos uma
vez por ano. Cada empresa do conglomerado teria sua autonomia e personalidade jurídica de
sociedade anônima, exercendo plenamente a administração da empresa. Ao Condomínio caberia
eleger sua diretoria, mas ele não teria, propriamente, ação direta sobre as empresas, uma vez
que se trataria de uma comunhão de ações e de pessoas físicas, não possuindo personalidade
jurídica. Não haveria empregados, tampouco contabilidade. Os comunheiros participariam das
assembleias gerais das empresas do grupo através do membro chamado “cabecel”, representante
de todos os condôminos nas reuniões legais. Como os membros do Condomínio teriam a
maioria das ações em todas as empresas, exerceriam o controle através de diretores devidamente
indicados por eles e regularmente eleitos. Estes, por sua vez, deveriam administrar as empresas
de acordo com a filosofia e a política operacional dos Diários Associados.
As diretrizes do Condomínio estabeleceram que as quotas e ações recebidas pelos comunheiros
não poderiam ser passadas a herdeiros ou sucessores. A estes, seja por morte, solicitação de saída
ou retirada, seria paga, em até cinco anos, uma importância correspondente ao valor da sua parte,
calculada de acordo com o balanço das empresas. A vaga de condômino em aberto seria logo
preenchida por um substituto, escolhido pelos demais comunheiros. Desta forma, o patrimônio
do Condomínio ficaria permanentemente integral e sempre nas mãos dos 22 condôminos, assim
preservando a filosofia legada pelo fundador.
Em 19 de julho de 1962, por outra escritura lavrada no 6º Ofício de Notas de São Paulo,
Chatô fez a doação dos 51% que havia reservado para si. Porém, excluiu seus filhos Gilberto
e Fernando desta segunda partilha. “[...] Assis Chateaubriand, alertado para o risco de que a
primeira doação de 49% das ações e cotas das empresas jornalísticas aos companheiros, feita
em 1959, não impediria os filhos, de quem discordava de assumirem os Associados após sua
morte, resolveu completar o gesto anterior, repassando os 51% restantes ao Condomínio. Nessa
mesma ocasião, João Calmon foi eleito único vice-presidente da comunhão e, nessa condição,
reconhecido implicitamente por Assis Chateaubriand como seu sucessor no comando dos Diários
Associados.”1

A Doença de Chateaubriand

Meses depois da constituição do Condomínio, em 27 de fevereiro de 1960, como se tivesse


previsto algo de ruim, Assis Chateaubriand foi vitimado por uma dupla trombose cerebral,
resultando numa tetraplegia. Apesar de estar no Rio de Janeiro quando se sentiu mal, nessa
época Chatô era o embaixador do Brasil na Inglaterra e a própria rainha Elizabeth II expressou
preocupação ante a enfermidade que acometeu o representante do Brasil em sua corte.

1 “Brasil, Primeiro - História dos Diários Associados”, Glauco Carneiro, Fundação Assis
Chateaubriand, 1999:429.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 445

Doutor Assis foi inicialmente assistido por diversos médicos em uma clínica carioca. Chegou
a se tratar na própria Inglaterra e nos Estados Unidos. Felizmente, mesmo doente e sobre uma
cadeira de rodas, sua mente continuou sã e ele ainda pôde voltar a trabalhar a partir de casa.
Ao regressar do tratamento na Inglaterra, instalou seu escritório na Casa Amarela, situada na
Rua Polônia, nº 550, no Jardim Europa, em São Paulo. Foi neste imóvel que Chatô acabou
passando os últimos anos de sua vida, tendo-o todo adaptado por conta da sua dificuldade de
locomoção. Havia uma piscina para banhos, onde sua cadeira de rodas podia submergir e ser
içada. O escritório era adaptado e sua máquina de escrever era elétrica, com um mecanismo
especial para Chatô datilografar seus artigos tecla por tecla, com um só dedo. Seu braço esquerdo
ficava sustentado por uma correia de couro.
O Velho Capitão ainda se preocupava com os problemas das empresas que fundou e dirigiu e,
igualmente, se empolgava pelas questões nacionais e internacionais. A Casa Amarela se tornou
um dos centros de conspiração contra o governo de João Goulart, pois Chatô preparava a opinião
pública por meio de seus artigos e de toda a atuação dos veículos dos Diários Associados para a
eclosão do Movimento Militar de 1964. Naquela casa, ele também atendia e despachava
diariamente com chefes de empresas e auxiliares. Não costumava se queixar de nada e, ao
contrário, acordava com os olhos brilhantes e um sorriso para a vida.

Assis Chateaubriand em sua cadeira de rodas: “sorriso


para a vida”. (reprodução)

Antes de ficar doente, a vida do Velho Capitão era estressante. Ele dormia apenas três horas
por noite e costumava cochilar em almoços, aviões, reuniões e casas de amigos. Escrevia em
qualquer lugar, em qualquer papel, mas com uma letra ilegível, que só um linotipista de “O
Jornal do Rio de Janeiro” entendia.
Mesmo com a paralisia, Chateaubriand não deixou de frequentar festas e eventos públicos,
só diminuindo sua frequência na agenda. Nos eventos, os discursos que datilografava com
dificuldade eram lidos pelos atores Lima Duarte e César Monteclaro, ou pelo diretor Paulo
Cabral de Araújo, estes que se tornaram as “vozes” de Chateaubriand.
Em 19 de outubro de 1965, Chatô sofreu mais um sério abalo em seu estado de saúde, ao
apresentar um importante distúrbio nas coronárias. Além de paralítico, também passou a ser
446 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

cardiopata. Mesmo assim, o chefe do maior império jornalístico da América Latina e comandante
de numerosas campanhas a favor do Brasil e de sua gente, não se deu por vencido e continuou
trabalhando. Uma de suas maiores alegrias foi ao menos ter visto o início da construção da nova
sede de uma de suas criações, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista.

Nos dias atuais, a Casa Amarela de Assis Chateaubriand, em São Paulo,


pertence ao empresário e publicitário Nizan Guanaes e à sua esposa Donata
Meirelles, destacada profissional da moda. A mansão tem estilo colonial
português e seu exterior apresenta o tom ocre brilhante. No final dos
anos 1990, o pai de Donata comprou a propriedade, que, posteriormente,
foi dada como presente de casamento para ela. A mansão ganhou uma
decoração exuberante, assinada por Sig Bergamin, um dos mais famosos
arquitetos brasileiros.

A Casa Amarela, onde


Chateaubriand viveu seus
últimos anos. (reprodução)

Morre o Velho Capitão

Hoje, toda a programação do Canal 4 foi alterada, em virtude do


falecimento do dr. Assis Chateaubriand. Serão transmitidos apenas
os noticiosos “Edição Extra Especial” (12h30), “Ultra Notícias”
(19h45) e o “Repórter Esso” (22h30). Às 13h30 serão feitas
transmissões do saguão dos Diários Associados, onde o corpo está
exposto à visitação pública. Também será transmitido pelo Canal 4 o
enterro do dr. Assis [no Cemitério do Araçá], que sairá às 16 horas
da Rua 7 de Abril. Às 20 horas serão transmitidos video-tapes das
cerimônias fúnebres. (“Doutor Assis”, Diário da Noite, 06/04/1968,
2º Caderno, p. 2)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 447

Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, o paraibano Doutor Assis, ou simplesmente


Chatô, morreu em São Paulo no dia 4 de abril de 1968, aos 75 anos de idade, deixando um império
criado a 56 anos, mas que vinha ruindo aos poucos e perdendo grande parte de sua força. A notícia
do falecimento repercutiu imediatamente em todo o país. No Maracanã, foi observado um minuto
de silêncio no intervalo do jogo entre Flamengo x América. Em Brasília, o Congresso Nacional
interrompeu uma votação para registrar o voto de pesar, enquanto importantes personalidades se
dirigiam à sede dos Diários Associados em São Paulo, para prestar a última homenagem.

Milhares de pessoas haviam desfilado incessantemente no hall dos


Diários até às 14 horas, quando saiu o enterro para o cemitério do
Araçá. Foi outra consagração popular, com milhares de pessoas
acompanhando a pé o cortejo fúnebre. (“Minhas Bandeiras de Luta”,
João Calmon, Fundação Assis Chateaubriand, 1999:241)
A morte de Assis Chateaubriand repercute em todo o país com a
dolorosa intensidade de um infortúnio nacional. Perde o Brasil
uma das suas maiores figuras humanas de todos os tempos [...], um
dos espíritos que mais fiel e corajosamente souberam lutar pelas
prerrogativas de dignidade da espécie. Com efeito, a ação pública do
grande jornalista brasileiro teve um sentido de universalidade, que
se afirmava sob formas diversas, ora no domínio da política, outras
vezes da cultura, e, por fim, dos próprios interesses econômicos.
[...] A doença acorrentou-o ao suplício da imobilidade. Mas foi
nessa hora de declínio das forças físicas que mais se avivou a flama
da sua inteligência, como se o corpo se consumisse para nutrir as
derradeiras reservas de resistência do espírito. E, então, pode dar
ao Brasil uma lição comovedora de coragem cívica e de fidelidade
aos deveres do seu ofício. A palavra do jornalista vinha ungida da
sabedoria de sempre. [...] A vida de Assis Chateaubriand não se
extingue com a melancolia de uma sombra que se apaga. A imagem
que sugere o seu desaparecimento é, antes, a de um sol que se põe,
tanto ardeu até o último instante a chama do seu espírito. Poder-se-ia
repetir, em face da morte do grande jornalista, aquele belo verso da
“Eneida”, em que está resumido um singular destino humano: “Ele
tinha nas veias o sangue dos deuses”. (“Um Infortúnio Nacional”,
Estado de Minas, 09/04/1968, p. 1)

Poucos meses depois da morte de Chateaubriand, a rainha Elizabeth II


esteve em São Paulo e inaugurou a nova sede do Museu de Arte de São
Paulo - MASP, instituição que se mudava do edifício Guilherme Guinle, na
Rua Sete de Abril, no Centro de São Paulo, para o excêntrico edifício da
Avenida Paulista, onde funciona até os dias atuais. Nesta oportunidade,
o museu passou a ser chamado de “Museu de Arte de São Paulo Assis
Chateaubriand”.
448 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Para substituir Assis Chateaubriand nas funções de presidente do Condomínio Acionário dos
Diários e Emissoras Associados, seus integrantes elegeram por unanimidade, na forma prescrita
pelas escrituras de doação, o condômino João de Medeiros Calmon, que atuava como vice-
presidente do Condomínio Acionário desde 1962. Elegeram, ainda, também por unanimidade,
Edmundo Monteiro como vice-presidente e Leão Gondim de Oliveira como secretário-geral.
Ficou decidido que as reuniões anuais e obrigatórias do Condomínio se realizariam sempre no
aniversário da morte de Chateaubriand.

Reunião do Condomínio Acionário


dos Diários e Emissoras Associados,
realizada dias após a morte de
Chateaubriand, onde João Calmon
foi eleito como presidente, Edmundo
Monteiro como vice-presidente e Leão
Gondim como secretário-geral. (O
Cruzeiro/reprodução)

Disputas Internas

No início de 1961, já paralítico, Chateaubriand, ainda à frente dos


Associados, foi para Nova York tentar uma cura com especialistas
norte-americanos. Pouco depois eclodia no Brasil o conflito entre os
beneficiários de seu “legado cívico”, que se arrastaria até os dias
de hoje. Naquela época ocorreu, liderada pelo principal condômino
de São Paulo, Edmundo Monteiro (atual superintendente dos DA
paulistas), uma tentativa de destruição de João Calmon, que havia
sido eleito presidente do Condomínio, posição que ainda mantém.
Calmon reagiu bravamente. Numa lacrimosa carta de 12 páginas,
em que se referia a Chateaubriand como “meu querido chefe”,
Calmon confessava-se em consequência da tentativa de destruição,
“em estado de orfandade, vivendo os dias mais dramáticos de minha
existência, longe do senhor, rezando pelo seu estabelecimento e pela
continuidade de sua grandiosa obra”. (“Diários Associados - O Fim
de Uma Era”, Opinião [RJ], 22/04/1974, p. 4)
Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, o Condomínio
Acionário não é a Taba cívica antevista no ato de doação e, com o
passar do tempo, a conversão de companheiros em “apóstolos” de
um chateaubrianismo filosófico diluiu-se diante das novas realidades
emergentes. O mundo mudou, e muito, na visão dos contemporâneos
comunheiros. A unidade nacional já não está ameaçada e a revolução
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 449

tecnológica tornou a nação una e indivisível. O baluarte do


anticomunismo e do jornalismo militante igualmente está superado
por uma era de administração estratégica, de balanços financeiros
que medem custos e benefícios. (“Império de Palavras”, Jacques
Alkalai Wainberg, Edipucrs, 2003:186)

Apesar de todo cuidado e preocupação de seu fundador com a instituição do Condomínio


Associado, as finanças do grupo, que já não iam bem, pioraram após sua morte. O modelo de
fato fracassou, já que, ainda com Chateaubriand em vida, alguns condôminos passaram a lutar
por mais influência no grupo. Quando o coração do Velho Capitão parou de bater, as disputas
se acirraram e o grupo se dividiu. O filho Fernando Chateaubriand se rebelou contra as atitudes
dos condôminos e iniciou uma forte campanha, na tentativa de anular judicialmente a doação das
ações e quotas feita por seu pai. Dois anos depois, Fernando foi substituído no Condomínio e
recorreu à justiça para ser reintegrado. Entre os brigões, se destacaram João Calmon (presidente
do Condomínio Associado) e Edmundo Monteiro (diretor-presidente das Emissoras Associadas
de São Paulo).
Por consequência de todas essas divergências e com as diretorias da TV Tupi e de suas afiliadas
divididas, ficou dificultada a execução da montagem de uma rede nacional de televisão no
final dos anos 1960, projeto necessário para cortar gastos e dividir despesas. Ao contrário, as
divergências aceleraram um processo irreversível de decadência das emissoras da Tupi pelo país,
algo que se acentuou no final dos anos 1970 e que trataremos com detalhes mais adiante.

Os Diários Associados nos Dias de Hoje


O grupo dos Diários Associados conseguiu superar as grandes crises
e a perda de diversas de suas emissoras de rádio e TV nos anos 1980.
Hoje, a empresa conta com 35 ativos, sendo oito jornais, uma revista,
sete emissoras de rádio, seis emissoras de TV, seis portais de Internet e
outras cinco empresas. Entre estes veículos, há os tradicionais “Correio
Braziliense”, “Diário de Pernambuco”, “Estado de Minas”, Super Rádio Tupi
do Rio de Janeiro, Rádio Clube de Recife, TV Alterosa de Belo Horizonte
e metade das ações da TV Brasília. Sua sede fica em Brasília, junto à
Fundação Assis Chateaubriand. Em São Paulo não foi montada mais
nenhuma empresa do grupo. Quanto ao Condomínio Acionário, ele ainda
está em exercício, contudo, regido com algumas importantes alterações
em suas normas originais. O atual presidente é Álvaro Teixeira da Costa.

(divulgação)
450 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Em junho de 2021, há 85 anos no ar, a Rádio Tupi do Rio de Janeiro


surpreendeu e fez seu retorno ao meio televisivo com o projeto “Tupi na
TV”. Por meio da disponibilização de algumas câmeras no estúdio da rádio,
uma faixa da programação passou a ser exibida pelo YouTube e também
na televisão a cabo, ao vivo, pela TV Max Rio, canal presente na operadora
Claro/Net daquela cidade. O fim abrupto da Rede Tupi de Televisão, em
1980, também impactou negativamente em diversas empresas do grupo
Diários Associados pelo país, como jornais, revistas e emissoras de rádio.
Mas, há exceções e uma delas foi o resistente braço radiofônico carioca da
Rádio Tupi S/A, a mesma empresa que foi responsável pela TV Tupi - Canal
6. Atualmente, entre 6h e 15h, a Rádio Tupi transmite pela TV o “Show do
Clóvis Monteiro”, “Programa Francisco Barbosa”, “Radar Tupi” (exclusivo
para a TV), “Show do Antônio Carlos”, “Cidinha Livre” e “Patrulha da
Cidade”. Dentro deste pacote de programas, há algumas conexões com
o passado da empresa: o apresentador Antônio Carlos começou como
produtor da TV Tupi carioca; o policial “Patrulha da Cidade” está há 61
anos no ar e já teve a versão televisiva pela TV Tupi do Rio; e Cidinha
Campos, a grande estrela do rádio carioca, iniciou na televisão através
do icônico humorístico “Família Trapo”, da TV Record. Depois, trabalhou
em novelas e apresentou programas na Rede Tupi. Sobre as novidades da
Rádio Tupi, o comunicador Clóvis Monteiro afirmou que nunca o veículo
rádio foi tão abrangente. “Acho até que vivemos hoje a era de ouro do
rádio, como foi denominada a década que precedia a televisão. Agora a
Tupi alcança [novamente] a TV com um projeto [...] que, mais uma vez,
revoluciona o veículo e aponta para um futuro fascinante!”. Como a
tendência de mercado é a convergência das mídias, a Rádio Tupi investiu
em novas câmeras, iluminação e na contratação de um diretor de TV e de
um maquiador. A emissora nunca se deixou abalar pela crise que atingiu
parte do Condomínio dos Diários Associados e manteve-se no topo da
popularidade fluminense, assumindo nos últimos anos o primeiro lugar
em audiência e faturamento em seu segmento.

Transmissão do “Tupi na TV”, programa produzido pela


Rádio Tupi do Rio de Janeiro. (reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 451

CAPÍTULO ESPECIAL
A CRIAÇÃO DA ABERT

A
partir do momento em que a televisão se expandiu para todo Brasil, cada emissora
passou a enxergar os dilemas e desafios comuns a todas as demais existentes no país.
Não por acaso, temos uma ligação intrínseca entre a criação das histórias das associações
regionais de radiodifusão, como também da própria ABERT - Associação Brasileira de Emissoras
de Rádio e Televisão, com os canais pioneiros dos Diários Associados. Deve-se isso também ao
conhecimento adquirido pelas estações pioneiras e à forte influência das Emissoras Associadas
junto ao governo federal.
Aqui, abriremos um parêntese na história, uma vez que a televisão surgiu em 1950 e a ABERT só
surgiu 12 anos depois. Quem tratava dos problemas da radiodifusão nacional antes disso? Temos
aí dois momentos.

Antes da criação das associações regionais, principalmente a AESP - Associação das Emissoras
do Estado de São Paulo (antes de 1948 seu nome era Federação Paulista das Sociedades de Rádio),
os empresários iam individualmente tratar os problemas de suas emissoras com o Ministério
de Viação e Obras Públicas. Ainda assim, pensando na coletividade, Assis Chateaubriand foi
pioneiro nas negociações em conjunto, indo pessoalmente ao ministério para falar em nome
de toda classe. Ao mesmo tempo, isso atrapalhou a credibilidade de tais ações, uma vez que o
governo federal enxergava como uma iniciativa do próprio Chateaubriand — o que não é uma
inverdade — e misturava as lutas da classe dos radiodifusores como sendo apenas dos Diários
Associados.

No segundo momento, temos a criação da AESP como Federação Paulista das Sociedades de
Rádio em 25 de setembro de 1935, que passou a intermediar de forma associativa as questões
ligadas não apenas a São Paulo, mas muitas vezes às emissoras de rádio e TV brasileiras em
geral. Mesmo assim, lembremos que do período da criação da pioneira TV Tupi até o surgimento
da ABERT, a AESP foi presidida pelo responsável do “braço” paulista dos Diários e Emissoras
Associados, Edmundo Monteiro. O executivo foi o presidente mais longevo na entidade,
comandando a AESP de 1948 a 1983. Antes da ABERT, apenas a AESP fazia parte da internacional
AIR (então Associação Interamericana de Radiodifusão), sendo a única representante brasileira.
Foi por iniciativa da AESP, sob a coordenação de Enéas Machado de Assis (representante dos
Diários Associados), que se realizou, entre 9 e 11 de julho de 1954, o primeiro grande evento
criado pelos radiodifusores: as festividades do IV Centenário de São Paulo, com direito à chuva
de prata de papéis picados, queima de fogos, desfiles e uma grande apresentação no Parque Dom
Pedro II, com o elenco e as orquestras das rádios e das TVs (na ocasião, Tupi, Paulista e Record),
com destaque para o maior, o cast das Emissoras Associadas.

Do ponto de vista dos funcionários, foram criados no final dos anos 1940 os primeiros sindicatos
de radialistas. Como exemplo, o Sindicato dos Radialistas de São Paulo, em 10 de março
de 1945, e o do Rio de Janeiro, em 15 de abril de 1949 (inicialmente como associação). Por
conta das questões políticas, era estratégico que as grandes mudanças do setor fossem tomadas
principalmente pelo Rio de Janeiro, por ser a Capital Federal até 1960. No final da mesma década,
as empresas também criaram seus sindicatos patronais, os SERT (Sindicato dos Empresários de
Rádio e Televisão), como o SERTESP, de São Paulo (o pioneiro, criado em 1940), SERT-MG,
452 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

SERT-RJ e os dos demais estados, inicialmente denominados como “Sindicato das Empresas de
Radiodifusão”.

A ligação com os Diários Associados nesse princípio era total, o que ao mesmo tempo expôs uma
polarização entre condôminos, principalmente Edmundo Monteiro e João Calmon. Enquanto
Monteiro defendia, via AESP, os interesses dos radiodifusores no ponto de vista paulista, João
Calmon era presidente reeleito do Sindicato das Empresas de Radiodifusão e vice-presidente do
Sindicato de Proprietários de Jornais e Revistas do Estado da Guanabara. A presença maior dos
Associados no Rio de Janeiro vinha também da proximidade física que ali tinham com o governo.
Devemos também lembrar que, mesmo com a mudança para Brasília, muitas das sedes das
principais empresas anunciantes estavam no eixo Rio-São Paulo, não migrando automaticamente
para Brasília. Calmon então, após a paralisia de Chateaubriand, percebeu que era importante
tomar a frente nesse polo estratégico e importante para o conglomerado “Associado”.
Em 1962, após 20 anos de estudos, estava praticamente aprovado o Código Brasileiro de
Telecomunicações, faltando apenas a sanção do presidente João Goulart. No entanto, contrariando
a redação e os anseios dos radiodifusores, Goulart vetou 52 artigos do projeto, algo que não
apenas deformou o sentido da lei, como comprometeu em 90% a sobrevivência das emissoras de
rádio do país. Segundo Calmon:

Os vetos visavam reduzir à inatividade, ou à rendição, as emissoras


de rádio e televisão. Elas fechariam, ou se tornariam dependentes
e servis a um governo e a grupelhos palacianos que, por trás das
cortinas vermelhas e ditatorialistas de seus esquemas particulares de
domínio, disputavam a posse do sistema de comunicações eletrônicas
do país. (CALMON apud CARNEIRO, Glauco in Brasil Primeiro, p.
429).

O diretor Calmon, então munido de sua forte influência política, reuniu, em caráter emergencial,
as lideranças de rádio e televisão em Brasília para uma reunião. Teve apoio inicial de Roberto
Marinho, da Rádio Globo do Rio Janeiro (que já projetava sua futura TV Globo) e de Nascimento
Brito, da Rádio Jornal do Brasil, que, juntos, reuniram 213 empresas de radiodifusão na sala
de reunião do Hotel Nacional. Objetivo principal: a derrubada dos 52 vetos. Queriam eles
conscientizar os deputados federais sobre as reais consequências acarretadas pelos vetos e como
atingiriam a radiodifusão sob o panorama de cada especificidade regional. Os vetos felizmente
foram derrubados, com apoio dos parlamentares e o aceite do presidente João Goulart.

Vale ressaltar que entre as 213 empresas de radiodifusão ali reunidas, muitas pertenciam a grupos
empresariais, sendo um dos mais presentes, entre representantes de rádios e TVs, os Diários
Associados. A comissão contou com apoio irrestrito da SIRTA (Serviços de Imprensa, Rádio e
Televisão Associados), cujo diretor-geral, José de Almeida Castro, articulou a pedido de Calmon
toda movimentação junto às emissoras do país. A SIRTA era uma grande central de representação
comercial dos Diários Associados. Afonso Viana, publicitário dos Diários Associados, reuniu
as agências de publicidade para auxiliar no projeto. Já o jurista Clóvis Ramalhete cuidou de
toda interpretação dos vetos. Jorge Pereira de Souza, da empresa de representações Pereira de
Souza, auxiliou na interlocução com emissoras autônomas. O futuro diretor da ABERT reuniu
grandes lideranças regionais como Edgar Proença (Rádio Clube do Pará) e Nagib Chede (Rádio
Clube Paranaense). Outros surgiram como radialistas de Pernambuco, como Voltaire Leuenroth
(REPRENAIS, em nome do Grupo Pessoa de Queiroz); do Rio Grande do Sul, Flávio Alcaraz
Gomes (Rádio Guaíba); de São Paulo, Enéas Machado de Assis e Joaquim Mendonça (Rádio
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 453

Eldorado e Grupo O Estado de São Paulo). De prontidão junto à União, Edilson Varela, dos Diários
Associados, juntou vários colegas do “Correio Braziliense” e da TV Brasília para monitorar o
dia a dia dos parlamentares, assim como auxiliar nas tratativas com o governo federal, marcando
a data de 27 de novembro de 1962 para uma reunião das emissoras com deputados e senadores.

Em pauta, questionamentos sobre diversos pontos referentes aos 52 vetos ao Código Brasileiro
de Telecomunicações. Um deles era desvirtuar a redação do que já havia sido debatido por
décadas com o setor de Telecomunicações e aprovado pelo Congresso Nacional. Outro era a
baixa representatividade na redação final, referente à radiodifusão, priorizando outros serviços
de telecomunicações. Isso por ela não possuir uma associação nacional em sua defesa.

Atenção especial se deu ao artigo 33 do Código Brasileiro de Radiodifusão, voltado especificamente


à radiodifusão. No artigo vetado ficava estabelecido que as concessões para rádio durariam 10
anos e as de televisão 15 anos, podendo ser renováveis por períodos sucessivos e iguais, desde
que os concessionários cumprissem as obrigações legais e contratuais, com idoneidade moral,
financeira e técnica, de interesse público. Ao vetá-lo, a União justificava que o interesse público é
que definiria o período, conforme conveniência e oportunidade, sem respaldo legal, restringindo
ao Poder Público possibilidade de intervenção para “atender a superiores razões de ordem pública
e de interesse nacional o alongamento de concessão ou autorização, devendo ficar ao prudente
arbítrio do poder concedente a fixação do prazo de que cogita o inciso vetado”.

Desta forma, o veto daria mais poder à União e nenhuma segurança às empresas de radiodifusão
que, porventura, pudessem passar por algum período crítico, sem apoio da lei e sem um tempo
para que se recuperassem. Vale lembrar que sem esta lei, muitos canais poderiam ter saído do
ar sem a vigência do artigo 33 — até mesmo as extintas TV Tupi e TV Manchete teriam que ter
saído do ar muito antes do que acabou acontecendo.

Porém, os representantes pediram a derrubada de outros vetos por mero formalismo, mas que na
aplicação regulatória do setor, acabaram sendo fundamentais, evitando quaisquer ruídos sobre
tomadas importantes de decisão. É o caso do artigo 78, dos parágrafos 3 e 4 do artigo 33, e do
parágrafo único do artigo 53, todos relacionados a aspectos gerais de operação das permissões
e concessões. Tais vetos poderiam voltar contra o próprio governo federal, no que se refere às
emissoras concedidas à União, como consequência errada do veto ao artigo 33.

Reunidos desde cedo no Hotel Nacional, em Brasília, estavam 230 profissionais das 213 empresas
ali representadas. Gaúchos, amazonenses, baianos, paulistas, cariocas, mato-grossenses...
Realmente a radiodifusão brasileira reunida. Às 10h, João Calmon abriu os trabalhos da
assembleia. Foram lidos os estatutos redigidos por Clóvis Ramalhete (Diários Associados do
Rio de Janeiro) e por Vicente Rao (Diários Associados de São Paulo), aprovados pelos presentes.
Foi formada uma comissão para redação do anteprojeto definitivo, relacionado à derrubada dos
vetos, para ser levado ao Congresso Nacional. Depois de muito trabalho, às 18h se reuniram
para apresentação do anteprojeto. De lá, foram todos ao Congresso Nacional. Saindo do Eixo
Hoteleiro para o Eixo Monumental, das janelas da Esplanada dos Ministérios, curiosos viam
muitos carros se dirigindo ao Congresso Nacional. Muito antes do satélite se viu ali, em “carne e
osso”, uma grande rede nacional de rádio e televisão, profissionais unidos por um mesmo ideal.
Sangue corrente naquela enorme veia que se formava rumo ao Congresso. Já no local, José de
Almeida Castro foi escolhido como integrante da Comissão de Estatutos, para fazer a leitura
do projeto definitivo, fundando ali a ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão, elegendo sua primeira diretoria e o Conselho Técnico Consultivo, empossando por
aclamação João Calmon como presidente na nova organização.
454 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Noite adentro, a leitura do anteprojeto e a votação da derrubada dos vetos aconteceram no


Congresso Nacional. Deputados como Ulysses Guimarães, Herbert Levy, Nicolau Tuma, José
Sarney, Horácio Lafer, Wilson Calmon, Abraão Steinbruch e Emílio Carlos visitaram a sessão
plenária. Foi assim que, no dia seguinte da votação, 28 de novembro de 1967, foi aprovada a
nova redação da Lei Federal nº 41171, que instituiu o Código Brasileiro de Radiodifusão.

João Calmon, dos Diários Associados, o primeiro


presidente da ABERT. (divulgação)

ABERT: Defesa dos Interesses das Emissoras


A entidade se estabeleceu como uma sociedade civil sem fins econômicos, de duração
indeterminada, constituída por empresas de radiodifusão autorizadas a funcionar no país. Seu
principal objetivo é a defesa da liberdade de expressão, em todas as suas formas, a defesa dos
interesses das emissoras de radiodifusão, das suas prerrogativas como executoras de serviços de
interesse público e dos seus direitos e garantias.

Mesmo com total apoio dos Diários Associados, a ABERT já nasceu com o consenso de que,
aos poucos, deveria ser cada vez mais nacional e abandonar a imagem de que apenas o grupo
de Chateaubriand seria responsável pelas interlocuções em nome do setor de radiodifusão. Por
isso, a primeira diretoria obedeceu a um critério geográfico, para evitar qualquer predomínio dos
“Associados” na ABERT.

Representantes de diversos pontos do Brasil escreveram os estatutos da entidade, baseados no


anteprojeto elaborado pela comissão formada por Nagib Chede, Clóvis Ramalhete, José Carlos
Rao, Ernesto Gurgel Valente, José de Almeida Castro, Assuero Costa, José Pires Sabóia Filho,
Flávio Parente e Vicente Rao.

Mesmo que estivesse presente com frequência em Brasília, na sede do “Correio Braziliense”,
João Calmon continuou a dar expediente em sua sala, no 8o andar do prédio da Rua Sacadura
Cabral, nº 103, no Rio de Janeiro. Foi neste local, antiga sede de “O Jornal do Rio de Janeiro”
e do “Diário da Noite”, que foram realizadas as primeiras reuniões e assembleias da ABERT.
Portanto, esta associação, assim como outras tantas instituições e museus2, foi planejada dentro

1 A Lei nº 4117 é considerada como promulgada no dia 27 de agosto de 1962, por conta da
aprovação de sua primeira redação, ainda com os vetos.
2 A sede de São Paulo, na Rua Sete de Abril, nº 230, por exemplo, foi berço do Museu de Arte
de São Paulo, do Museu Arte Moderna, da Escola Superior de Propaganda (futura ESPM) e da
Cinemateca Brasileira.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 455

dos Diários Associados. Hoje, décadas depois, isso adquiriu novo simbolismo, uma vez que
a ABERT não apenas foi gerida ali, no bairro carioca da Saúde, como “sob o guarda-chuva”
do pioneiro Assis Chateaubriand, cuja sala ficava no 9o andar, exatamente acima do local das
primeiras reuniões. Eram 10 andares, sendo que da janela era possível avistar uma das faces
do prédio em que funcionava a Rádio Tupi e que foi a primeira sede da TV Tupi - Canal 6, na
Avenida Venezuela, nº 43, a duas quadras dali.

Sabedor dos trâmites políticos, Calmon concorreu, em outubro de 1962, ao cargo de deputado
federal pelo Partido Social Democrático (PSD) do Espírito Santo, sua terra natal, tomando posse
na Câmara dos Deputados em fevereiro de 1963. Chegou a se afastar por um tempo das funções
administrativas dentro dos Diários Associados e, nesse início de carreira política, travou inúmeras
discussões com o deputado gaúcho Leonel Brizola, também cunhado de João Goulart, dizendo
que as questões passavam de ataques pessoais para agressões diretas aos Diários Associados.
Ataques feitos à mídia, de modo geral, fez com que toda classe se unisse ainda mais ao lado
de Calmon, que foi inúmeras vezes às TVs, rádios e jornais falar em defesa da imprensa. O
jornalista David Nasser, de “O Cruzeiro”, chegou a apelidar Calmon de “João Sem Medo” e sua
briga com Leonel Brizola ganhou cada vez mais as páginas dos jornais e programas. O gaúcho
respondia às acusações pela Rádio Mayrink Veiga. O confronto pela imprensa resultou também
em atos terroristas e bombas explodindo nas sedes dos Diários Associados em todo país.

Calmon chegou a criar a “Rede da Democracia” para contrapor Brizola, cujas afirmações foram
consideradas pelo deputado capixaba como parte da “Invasão Vermelha”, com ideais comunistas.
João Calmon chegou a ter seu nome homologado na convenção nacional do Partido Social
Progressista (PSP) para concorrer à vice-presidência da República, o que foi adiado, devido ao
movimento militar de 31 de março de 1964. Um ano depois, ele ingressou na ARENA (Aliança
Renovadora Nacional), partido da situação, e quase foi eleito vice-presidente de Costa e Silva,
função que ao final coube a Pedro Aleixo. De deputado federal, Calmon seguiu na vida política
como senador.

No ano de 1966, vendo a chegada do grupo norte-americano Time-Life ao Brasil (em acordo com
Roberto Marinho durante a implantação da TV Globo), Calmon pediu a abertura de uma CPI
(Comissão Parlamentar de Inquérito) para o caso, envolvendo também o CONTEL (Conselho
Nacional de Telecomunicações). O dono da Rádio Globo rebateu, dizendo que o acordo de
cooperação com o grupo norte-americano não agredia o artigo 160 do Código Nacional de
Telecomunicações, que proibia a propriedade de empresas jornalísticas brasileiras na mão de
estrangeiros. Ficava ali evidente, também, a preocupação de Calmon com a crise interna dos
Diários Associados, vendo o grupo ameaçado com tal situação.

Nos bastidores dos “Associados”, conforme o biógrafo de Chateaubriand, Fernando Morais1, tal
CPI deflagrou ainda mais a crise entre as lideranças internas de João Calmon e Edmundo Monteiro.
O escritor relata que Calmon, em 1960, chegou a tentar um acordo para os “Associados” com
as redes norte-americanas ABC e CBS, similar ao da TV Globo com a Time-Life. O objetivo
era ter como padrinho o magnata Nelson Rockefeller. Conforme depoimento dado por Gilberto
Chateaubriand a Fernando Morais, este afirma ter viajado com Calmon para Nova York para se
encontrar com Rockfeller, mas ao final, apareceu um secretário do empresário, Berent Friele, se
desculpando pela ausência do chefe e encerrando o assunto ali.

Porém, enquanto a briga entre Calmon e Marinho chegava aos tribunais, Edmundo Monteiro
1 “Chatô, o Rei do Brasil”, Fernando Morais, Companhia das Letras, 1994:668-669.
456 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

estava nos Estados Unidos negociando novamente, agora apenas com a rede ABC. A CPI barrou
ainda a negociação em andamento com Nascimento Brito, da Rádio Jornal do Brasil, também em
crise. Declarou Edmundo Monteiro:

Eu defendi a tese, com a aprovação de Chateaubriand, de nos


ligarmos a uma organização americana, que seria a ABC, a American
Broadcasting Corporation. Tanto que fui aos Estados Unidos tratar
disso. [...] Como não tínhamos dinheiro nenhum, não poderíamos ter
a técnica, que era uma decorrência do primeiro. [...] O Chateaubriand
aceitou a tese e me disse: — Edmundo, isso fica entre nós. Você vai
aos Estados Unidos fazer contatos com a ABC. — Chatô tinha me
pedido reserva. [...] Então eu fui, mas, quando eu cheguei de volta
ao Brasil, fui obrigado a quebrar o pau desgraçado, porque o “Seu”
João Calmon já tinha ido à televisão fazer uma agressão ao Roberto
Marinho. (MONTEIRO apud MORAIS, Fernando in Chatô: O Rei do
Brasil, p. 668).

Naquele momento, enquanto Calmon fazia acusações na imprensa, Edmundo e o próprio


Chateaubriand definiram que o melhor era desistir das negociações, passando publicamente
a seguir o discurso de Calmon. Seria pior ainda para o conglomerado aparecer em público
defendendo a mesma causa que acusavam. “Não vamos brincar mais. A ABC que fique com o
dinheiro dela”, disse Monteiro à Chateaubriand1. Esse acordo de cooperação foi sugerido aos
Diário Associados pela empresa contratada de auditoria Klein & Saks Group LLC.

Conforme o Grupo Globo aborda no site Memória Globo2, a defesa da organização contou com
depoimento de Roberto Marinho à CPI, que explicou as condições do acordo realizado com
a Time-Life em meados de 1961. Para não ferir os princípios do artigo 160, optaram por dois
contratos com o grupo norte-americano. O primeiro era de assistência técnica, nos moldes de
“milhares de contratos de assistência técnica que são estabelecidos com empresas brasileiras,
até mesmo com empresas vedadas, como a Petrobras, a qualquer capital estrangeiro”. Já, em
contrapartida, o segundo contrato era o de estabelecer uma participação joint-venture3, sendo
“um contrato de financiamento aleatório, uma vez que não dá nenhum direito de direção ou de
propriedade a uma empresa, apenas participando o financiador dessas empresas de seus lucros
e prejuízos”.

Em 1967, o Ministério das Comunicações começou a ser estruturado, e com ele a elaboração
de nova legislação sobre concessões de telecomunicações, restrições e assistências técnicas
estrangeiras, porém sem efeito retroativo, já que os contratos com a TV Globo eram datados
de 1962 e 1965. Em outubro de 1967, o consultor-geral da República, Adroaldo Mesquita da
Costa, pôs fim ao Caso Time-Life, considerando válidas as justificativas de que não existia
sociedade entre as duas empresas juridicamente. Após o parecer, Roberto Marinho resolveu
encerrar o contrato de assistência-técnica e ressarciu o grupo norte-americano de todo dinheiro
desembolsado, em julho de 1971.

1 “Chatô, o Rei do Brasil”, Fernando Morais, Companhia das Letras, 1994:669.


2 Link: memoriaglobo.globo.com/acusacoes-falsas/caso-time-life.
3 No Brasil, o modelo mais próximo desse tipo de joint-venture aconteceu entre a Editora Abril
e a Viacom, entre 1990 e 2013, para uso da marca e implantação da MTV Brasil. Em nenhum
momento a Viacom teve participação societária.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 457

Para a ABERT, todo esse processo foi um tanto complexo. Foi uma primeira década de atividades
bem delicada, dividida por uma linha tênue: manter uma boa relação entre as empresas de
radiodifusão, defendendo seus interesses coletivamente; e, por outro lado, tentar isolar a
associação de uma briga judicial entre Globo e Diários Associados. No primeiro momento,
a ABERT ficou parcialmente ao lado de Calmon, mas reviu seu posicionamento e manteve a
imparcialidade. Com a conclusão do caso, o desgaste de imagem pública foi grande, não só dos
“Associados” como do próprio João Calmon. A ABERT foi prejudicada parcialmente, corrigindo,
no tempo certo, uma decisão incorreta. Além disso, em meio à crise no conglomerado, ocorreu o
falecimento de Assis Chateaubriand.

Durante a gestão de João Calmon na presidência da ABERT, grandes passos foram dados pela
entidade. O primeiro foi dar, via Diários Associados, todo suporte necessário para estruturação da
associação. Destinou dois de seus funcionários, de altíssima confiança, para realização do projeto.
Renato Tavares, que chegou a diretor-administrativo e secretário-executivo do Condomínio
Acionário dos Diários e Emissoras Associados, e como seu assessor, Jivaldo Gonçalves Capella,
sendo que, respectivamente, ocuparam a função de diretor-geral e de assistente da direção na
ABERT. Renato Tavares foi o primeiro diretor-geral da associação, assessorado por Jivaldo.
Foram responsáveis pela implantação da sede da Rua Mayrink Veiga, nº 6, e de duas salas no
13º andar do futuro edifício Bamerindus, no centro do Rio de Janeiro, local onde a ABERT
esteve até 1978, quando foi transferida para Brasília. Renato e Jivaldo, de 1962 a 1964, também
auxiliaram em dois pontos principais: a criação de associações estaduais, ajudando as emissoras
que são associadas à ABERT a se organizarem regionalmente na criação do primeiro congresso
de âmbito nacional. Nesse processo, surgem associações regionais como a AGERT, do Rio
Grande do Sul, a AMIRT, de Minas Gerais, e a APERT, do Pará. Renato Tavares também criou
o informativo “ABERT”, em 1964, cujo secretário de redação foi o experiente Dermival Costa
Lima, primeiro diretor-artístico da TV Tupi de São Paulo, em 1950, à época já tendo retornado
para os Diários Associados após passagem pelas TVs Paulista e Continental. Foi a origem do
setor de Comunicação da ABERT e da circulação da “Revista ABERT”, hoje publicada de forma
virtual no portal www.abert.org.br.

Sobre o primeiro congresso já citado, nasceu em 27 de outubro de 1964 como III Congresso
Brasileiro de Radiodifusão, com a ABERT reconhecendo a iniciativa da AESP, que organizou
dois encontros nacionais realizados anteriormente, já reunindo radiodifusores de todo país. O
III Congresso Brasileiro de Radiodifusão aconteceu no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, e nele
foi elaborado o primeiro Código de Ética da Radiodifusão (versão que vigorou até setembro de
1980) e o anteprojeto de regulamentação da profissão de radialista.

No dia em que a TV Tupi de São Paulo comemorou 15 anos, em 18 de setembro de 1965,


o presidente da República Castello Branco assinou um decreto para criação da Empresa
Brasileira de Telecomunicações (Embratel). João Calmon, que além de presidente da ABERT
era conselheiro da Associação Ibero-Americana de Radiodifusão (AIR) pelo Brasil, fez acordo
entre as entidades e o governo federal para troca de contatos e informações entre radiodifusores
no mundo todo sobre o uso de satélites artificiais, tendo como meta a transmissão da Copa do
Mundo de 1970, no México. Uma peça-chave nesse processo foi o responsável pelas Relações
Internacionais dentro dos Diários Associados, José de Almeida Castro. Detalhe: o executivo,
entre 1972-74, presidiu a ABERT, aproximando-a ainda mais da AIR, tendo sido o primeiro
brasileiro a presidir esta associação internacional, função que executou por mais três vezes.

Nesse jogo político, devemos destacar o desempenho de Renato Tavares, diretor-geral da


ABERT. O primeiro presidente do CONTEL, o engenheiro José Cláudio Beltrão Frederico,
458 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

deixou a função em 1966, após a criação da Embratel. Tavares, então, mais que rapidamente,
contratou Beltrão Frederico para ser consultor das Emissoras Associadas e, sem remuneração,
para ser consultor da ABERT para assuntos técnicos. No governo militar, auxiliaria nas tratativas
ter a frente um comandante, patente que Renato Tavares possuía.

Retornando a outubro de 1965, um mês após a criação da Embratel, e com total apoio da ABERT,
foi realizada nos salões do Hotel Copacabana Palace a Assembleia Extraordinária da AIR. O
evento aconteceu como parte das comemorações pelo IV Centenário do Rio de Janeiro. Com
representantes de todo mundo, contou com o apoio também do governo da Guanabara e do
governo federal. O venezuelano Félix Cardona Moreno, presidente da AIR, estava no final do seu
mandato e Arch Madsen, delegado da NAB - National Association of Broadcasters, iria indicar
o sucessor para a função, tendo também indicado João Calmon para vice-presidente da AIR. O
evento contou com a presença do ministro da Guerra, general Costa e Silva, o que colaborou
para uma maior aproximação de Calmon e dos “Associados” com o futuro presidente do Brasil.

Em 12 de setembro de 1966, a ABERT realizou o IV Congresso Brasileiro de Radiodifusão, em


Salvador (BA), tendo convidado Arch Madsen, para representar AIR e NAB. José de Almeida
Castro, dos Diários Associados, foi convidado para presidir o congresso e, entre os assuntos,
um balanço sobre os primeiros anos do Código Brasileiro de Telecomunicações e a implantação
recente da Embratel. No encerramento, o comandante Euclydes Quandt de Oliveira fez um
importante anúncio: seria criado o Ministério das Comunicações, o que aconteceu em 28 de
fevereiro de 1967, sendo o baiano Carlos Furtado Simas o primeiro a ocupar a pasta como
ministro, saindo dois anos depois para dirigir a Embratel e sendo substituído por Hygino Corsetti.

Ainda em 1966, foram criadas duas honrarias da ABERT: a do Mérito da Radiodifusão e a láurea
Assis Chateaubriand, entregues a personalidades e empresários que dedicaram suas vidas ao
rádio e à televisão. Um importante detalhe: a láurea Assis Chateaubriand recebeu, após 1968,
quando da morte do “Velho Capitão”, o caráter de homenagem póstuma a radiodifusores, mas
mantendo a finalidade de representar o conjunto da obra de um profissional.

Naquele mesmo ano de 1966, a ABERT passou a apoiar a Secretaria da Educação do Rio de
Janeiro em um dos projetos que reforçava a importância da criação da televisão educativa, que
pouco depois foi regulamentada. Em nome da ABERT, Renato Tavares colocava as emissoras
de TV comerciais à disposição para aulas ministradas pelo vídeo, um projeto que já acontecia
em São Paulo pela TV Cultura (ainda com concessão comercial) e na TV Paulista, e no Rio de
Janeiro, desde 1962, pela TV Continental, com o educador Gilson Amado. Em 1967, Amado foi
eleito como presidente da Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa, base da futura
TVE Brasil (inaugurada em 1975, hoje operando como TV Brasil, da EBC - Empresa Brasil de
Comunicação).

Estiveram reunidos para tratar de assuntos ligados à difusão da


televisão, na educação de crianças e adultos, os srs. Benjamin
Moraes Filho, secretário de Educação, e Renato Tavares, diretor
executivo da ABERT - Associação Brasileira de Emissoras de
Rádio e Televisão. Na oportunidade, o sr. Renato Tavares colocou
à disposição da Secretaria de Educação os recursos que possam
servir à TV educativa. O auxílio por parte da ABERT, será colocado
no fornecimento de horários, nas emissoras de televisão cariocas,
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 459

durante as aulas ministradas no vídeo. (Correio da Manhã,


“Secretaria de Educação”, 15/07/1966, 2o Caderno, p. 3).

Nesse período inicial, a ABERT acompanhou em Brasília as atividades do CONTEL, com a


conclusão do Plano Nacional de Telecomunicações, que já havia aprovado as normas do Fundo
Nacional de Telecomunicações e estudado a criação do DENTEL, uma diretoria executiva
para operacionalizar a Embratel. Forte foi a relação da ABERT com a Embratel, também na
implantação da estação terrena de comunicações em Tanguá (RJ) e posteriormente a de Itaguaí
(RJ).

A gestão de João Calmon, a mais longeva da ABERT, durou até 1970, quando assumiu João Jorge
Saad, presidente da Rádio e Televisão Bandeirantes. Após ele, assumiu José de Almeida Castro,
também dos Diários Associados, em 1972. De lá para cá, seguindo seu estatuto inicial, a entidade
contou com presidentes ligados às mais diversas empresas de radiodifusão do país, de todos os
cantos, não se restringindo às grandes redes e ao Eixo Rio-São Paulo. Na galeria de presidentes,
estão Adalberto de Barros Nunes, Carlos Cordeiro de Mello, Paulo Machado de Carvalho Filho,
Joaquim Mendonça, Paulo Machado de Carvalho Neto, José Inácio Gerari Pizani, Emanuel
Carneiro, Daniel Pimentel Slaviero, Paulo Tonet Camargo e Flávio Lara Resende, cuja posse
se deu durante as comemorações dos 70 anos da televisão brasileira e da TV Tupi de São Paulo.

Defendendo todos os radiodifusores, a ABERT, hoje, cada vez mais democrática, mantém
prioritariamente um dos ideais diários presentes nos seus associados. Um ideal que foi tão bem
definido numa frase célebre de Assis Chateaubriand: “Brasil, primeiro!”.

A primeira marca da ABERT (1962) e a atual.


(reprodução)
460 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 36
RÁDIO DIFUSORA E A LINGUAGEM JOVEM DA “JET MUSIC”

A
PRF-3 - Rádio Difusora AM - 960 KHz de São Paulo é uma das mais importantes
emissoras que já operaram no país. Foi fundada no bairro do Sumaré em 1934, ano
no qual também foram inauguradas as rádios Excelsior, São Paulo, Cultura e Cosmos.
Durante as comemorações de seu aniversário de cinco anos, a Difusora inaugurou no mesmo local
um grandioso complexo radiofônico, chamado de Cidade do Rádio. Logo depois, a Difusora foi
comprada pelos Diários e Emissoras Associados, que levou a sua Rádio Tupi AM - 1040 KHz
para também operar do Sumaré. Em 1950, nasce dentro da organização da Rádio Difusora São
Paulo S/A a pioneira PRF3-TV Tupi-Difusora - Canal 3, um dos maiores marcos da história da
comunicação no Brasil.
Seja por Ondas Médias ou Curtas, desde 1934 a Rádio Difusora vinha transmitindo uma
programação muito bem elaborada para diversas partes do planeta, com apresentações musicais,
radioteatros, boletins noticiosos, programas infantis, partidas esportivas e programas femininos.
Já a sua coirmã Rádio Tupi de São Paulo tinha uma programação mais tradicional, voltada para
os homens, se aprofundando nas coberturas esportivas com a famosa Equipe 1040, na loteria
esportiva, no jornalismo e na música sertaneja.
Em 1963, a PRF-3 passou a identificar-se como “Nova Difusora” e investir mais nos noticiários
“em cima da hora” e na execução de música gravada, uma nova tendência, já que transmitir
música ao vivo nos estúdios era uma prática que vinha diminuindo progressivamente devido ao
alto custo. Com o Movimento Militar de 31 de março de 1964 e a promulgação do AI-5 em 1968,
todo e qualquer veículo de comunicação deveria ter suas pautas sujeitas à inspeção por agentes
autorizados. Para evitar problemas, a poderosa Difusora de São Paulo passou a substituir boa
parte dos noticiários por execuções nos toca-discos.
Nessa época, as emissoras tinham o hábito de intercalar uma música com uma mensagem
comercial, algo que não era bem aceito pela audiência. A partir desta nova fase da Difusora,
os intervalos eram rápidos, apenas com um comercial, refletindo a filosofia de programação de
algumas outras emissoras dos Diários Associados. Isso porque, anos antes, em 1956, já pensando
em “semear” uma experiência mais agradável ao ouvinte com o máximo de música e o mínimo
de comerciais, José Mauro, produtor musical e diretor da “Associada” Rádio Tamoio do Rio
de Janeiro, estreou a primeira programação exclusivamente musical do rádio brasileiro. Com o
slogan “Música, Sempre Música”, José Mauro implantou um formato de programação separado
por blocos musicais e comerciais, levando ao ar somente um anúncio por vez. Isso agradou os
ouvintes e o mesmo formato foi implantado, dois anos depois, na veterana Rádio Cultura de São
Paulo, assim que foi adquirida pelas Emissoras Associadas.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 461

Anúncio da “Nova Difusora”, publicado em 1964: música,


notícias, hora certa e apenas um anúncio por intervalo.
(reprodução)

No final de 1965, durante uma viagem aos Estados Unidos, José Mauro teve uma experiência
com um formato radiofônico musical aperfeiçoado em relação àquele que ele mesmo havia
implantado nas rádios Tamoio e Cultura. Chamado de “Four-Play”, era um modelo que mesclava
música, informação e comerciais de forma equilibrada e organizada. Empolgado, José Mauro
pediu autorização aos Diários e Emissoras Associados para realizar um projeto-piloto com este
novo formato na Rádio Mineira, de Belo Horizonte (MG). Os blocos musicais ganharam o nome
de “Plenimúsica” e os curtos blocos noticiosos foram chamados de “Factorama”, marcas que
foram registradas pelos Diários Associados.
Segundo Luiz Eduardo de Melo e Silva, que escreveu o livro “Plenimúsica: Memórias de um
Ouvinte de Rádio Malcomportado”, eram tocados sucessos na proporção de dois internacionais
para um nacional. “A seleção ‘Plenimúsica’ foi a responsável por lançar no Brasil — primeiro
em Minas Gerais — os primeiros sucessos dos The Beatles e dos Rolling Stones, por exemplo,
e dos cantores brasileiros que surgiram nos festivais, como Jorge Ben, Wilson Simonal, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Sérgio Mendes e Brasil 66, Mutantes, Roberto Carlos, enfim,
toda a ‘nata’ da música brasileira. Para citar alguns artistas do hit-parade internacional que a
Plenimúsica nos apresentou, temos James Brown, Janis Joplin, Frank Valli e Tommy James”,
relembra o escritor. Durante 60 minutos, eram tocadas quatro sequências de 13 minutos, com
quatro músicas cada, justificando o nome “Four-Play”. As sequências eram separadas por 90
segundos de comerciais (breaks) e, na “hora cheia”, entrava no ar o rápido bloco informativo
“Factorama”, com uma nova e descontraída linguagem, cumprindo a exigência legal de destinar
o mínimo de 5% do tempo diário da programação para as notícias. A audiência e o faturamento
da Rádio Mineira subiram extraordinariamente e, em dezembro de 1968, José Mauro levou o
novo formato musical de sucesso para a Rádio Difusora de São Paulo, que abandonou totalmente
seu estilo tradicional de programação.

Plenimúsica é muito mais música, melhor música e sem interrupção.


Sequências de 13 minutos só de música. Seleções bem dosadas, prazer
contínuo. Depois, 90 segundos de anúncios. Apenas as mensagens
mais importantes. E Plenimúsica de novo. Mais 13 minutos somente
de música. Sem interrupção. Factorama é a notícia colorida e
movimentada. De hora em hora, o que de mais importante acontece
462 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

no mundo. As melhores indicações (desde o cinema até política


internacional). O que o ouvinte precisa e quer saber. Factorama é
notícia ligada ao ouvinte. De fácil compreensão em língua de gente.
(anúncio da Rádio Difusora, Diário da Noite [SP], 03/12/1968, 1º
Caderno, p. 8)

Anúncio de 1969 sobre a nova programação


“Plenimúsica” e “Factorama” da Rádio Difusora.
(reprodução)

A Nova Programação “Jet Music”

Orlando Negrão Jr. assumiu a superintendência das rádios Tupi e Difusora justamente em 1968,
ano da implantação da “Plenimúsica” e do “Factorama”. Em abril de 1969, ele contratou Cayon
Jorge Gadia como diretor-artístico das duas emissoras, um criativo jovem de 24 anos de idade
que, desde os 15, se dedicava ao trabalho de rádio. Nas “Associadas”, ele vinha desempenhando
o trabalho de chefe da grandiosa discoteca do Sumaré. A audiência da “Difusora 960” ia bem,
no entanto, naquele ano em que a emissora completaria 35 anos de existência, Negrão e Gadia
resolveram adaptar o formato musical de José Mauro para algo com perfil exclusivo, mais com a
cara de São Paulo, visando atingir exclusivamente outro público-alvo. Nasceria o “AM Jovem”,
com a proposta de fazer uma programação dinâmica, trazendo lançamentos simultâneos de
músicas internacionais, em especial, com artistas negros norte-americanos, como Al Green e
Archie Bells & The Dells, e com grupos da Inglaterra como The Beatles, Pink Floyd e Rolling
Stones. O “termômetro” era o topo das paradas de sucessos das revistas especializadas em
música “Cash Box” e “Billboard”.
Orlando Negrão — que anos depois montaria sua própria estação de FM em São Paulo, a
famosa Antena 1 — contratou a agência de propaganda DPZ e seu publicitário Roberto Duailib
criou a formatação da rádio e a campanha de divulgação. Nascia o novo e exclusivo projeto
de programação da Rádio Difusora AM - 960 KHz, batizado pelo próprio Negrão como “Jet
Music”, ou “Música a Jato”, referindo-se aos jatos dos aviões da Varig e à velocidade nas quais
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 463

os lançamentos chegariam a São Paulo. “Saía a música lá [fora] e no outro dia eu estava tocando
aqui! Eu tinha a rádio mais atualizada do mundo!”, comemorou Gadia. “Para comprar um disco
dos Beatles que tinha saído, eu tinha um homem na fila em Londres. Ficava na fila de madrugada.
Isso é demais, não é?”1.
Para receber os últimos lançamentos do exterior, Gadia contou com a colaboração de, ao
menos, dois representantes: um sediado em Washington (Estados Unidos) e outro em Londres
(Inglaterra). Segundo a revista “Veja”2, “a Rádio Difusora São Paulo recebe fitas estrangeiras
mandadas de Washington, por avião, pelo seu correspondente Pedro Cattar, que conversa com
o Brasil via satélite. Sua voz é gravada e depois irradiada com a veemência de uma bomba: ‘o
sucesso vindo diretamente dos Estados Unidos!’”. Entretanto, como enviar rapidamente e com
baixo custo esses discos e fitas para o Brasil? O grande trunfo foi a celebração de uma parceria
com a empresa aérea Varig, que recebia as encomendas dos representantes na Europa e nos
Estados Unidos e se encarregava de enviá-las para São Paulo em até 24 horas. Em troca, a Varig
ganhou um programa na Difusora, que entrava no ar no fim de noite e seguia pela madrugada, o
“Varig Dona da Noite”.

Campanha da Rádio Difusora “Jet Music”.


(reprodução)

Jet Music é para chamar a atenção e sofisticar um pouco mais a ideia


da rapidez com que os ouvintes tomarão conhecimento dos sucessos
musicais de todo o mundo. Sua base é a instantaneidade com que
serão apresentados os hits que encabeçam as paradas de sucesso
de Los Angeles, Londres, Paris, Berlim, Roma, Madri, Tóquio e
quaisquer outros centros lançadores. “Como se fosse um telegrama
urgente, com os mais privilegiados destinatários: os ouvintes da
Difusora”. (“Música a Jato”, Diário da Noite [SP], 1° Caderno, p.
2)
1 Ênio Martins, 20/01/2005, em entrevista concedida ao site Rádio Agência.
2 “The Sound of Music”, Veja, 29/07/1970, p. 76.
464 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A estreia da nova programação “Jet Music” na Difusora aconteceu em julho daquele ano de
1969, em substituição ao “Plenimúsica”. Continuaram no ar os boletins “Factorama”, com o
empolgante slogan “O Mundo Gira em Factorama”. Eram tocadas três músicas, seguidas de dois
comerciais com 30 segundos cada um, no máximo, e, assim por diante. As locuções ganharam
um estilo totalmente diferente, abandonando as vozes-padrão, que às vezes cansavam o ouvinte.
Foi adotado um estilo vocal com timbre de voz alegre, sorridente, jovial, para cima, de acordo
com o ritmo das músicas e com o gênero dos programas. Cayon Gadia encontrou esse timbre e
ele mesmo treinou sua nova equipe de jovens comunicadores, que eram diferentes dos locutores
formais, que apenas anunciavam e desanunciavam as músicas e informavam a hora certa. Com
o comunicador, o rádio musical ganhou mais força, pois ele passou a conversar com o ouvinte.

Só uma preocupação existe realmente para este jovem [Cayon Gadia]


e [...] equipe: fazer o melhor para todos os ouvintes. Uma sequência
musical diferente, isto é, fazer uma distinção musical rítmica entre
uma música e outra. Isso é mais ou menos bem exemplificado assim:
uma melodia de Jorge Ben, em seguida Franklyn, depois Elis Regina,
posteriormente Ray Charles. Isso é um tipo de sequência: balanço,
ritmo, tipo de composições diferentes. Continua-se o som das
melodias, até que entre um minuto de publicidade (meio e meio), após
quatorze minutos e trinta segundos musicais. (“Na Jovem Difusora o
Dedo de Cayon”, Diário da Noite [SP], 04/02/1970, 1º Caderno, p.
8)
A programação é feita com uma lista de 300 músicas mais ou
menos. Cada um da nossa equipe ouve os novos discos e aponta os
prováveis sucessos. Feita essa primeira seleção, as melodias entram
no ar por 15 dias, mais ou menos. Daí a noção certa do que ficará
permanecendo no ar, porque vai emplacar. Então, a música é executada
duas ou três vezes diariamente. Existem as que chegam a ser tocadas
até quatro vezes. ‘Aquele Abraço’ é um exemplo de sucesso total”
[...] Cayon diz que “Música velha não entra no esquema. Trazemos
as últimas novidades e tocamos os últimos lançamentos. Passou o
sucesso, entra para o esquecimento na programação”. — As canções
de Roberto Carlos são bem tocadas? “Muito e todas — diz Cayon
—, o que não é segredo nenhum. Simonal, Elza, Gal, Caetano, Gil,
são também”. [...] “E vai lá uma lista de sucessos que essa emissora
previu, tocou com exclusividade, e aconteceu”. Vejam: “F... Come
Famme” - Adamo; “Ive Been Hurt” - Bill Deah; “You Cryng” - Rene
and Rene; “Aquários” - Simonal; “Nem Um Talvez” - Trio Ternura
(sucesso da Difusora); “Je t’aime” - Pierre Barouh e Nicolle Croisile.
Com esses e outros e novos e muitos, a Rádio que “tem talento”, vai
e vai, e Cayon procurando sempre o ritmo melhor para esse público
ouvinte. (“Cayon Prevê o Sucesso: a Difusora Toca”, Diário da Noite
[SP], 11/11/1969, 1º Caderno, p. 7)

A programação “Jet Music” definitivamente consagrou a “Difusora 960” em sua fase moderna.
Orlando Negrão e Cayon Gadia foram visionários. Eles anteciparam, em Ondas Médias, a
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 465

plástica e o estilo de programação que logo seriam as premissas das emissoras de Frequência
Modulada (FM), estas que surgiriam em grande número a partir de meados dos anos 1970. Aliás,
esta é uma fórmula usada até hoje nas FMs voltadas ao público jovem.

Na década de 70, o rádio viveu o que os contemporâneos chamam


de era de ouro do rádio pop. Na época, três emissoras disputavam a
atenção e o coração da moçada: a Mundial e a Excelsior, da Globo, e
a Difusora, da Tupi, que nos 11 anos de concorrência acirrada entre
as três, se manteve na liderança grande parte do tempo, chegando
até a conquistar um prêmio internacional de programação pop, em
1975. (Meio e Mensagem, 21/01/2008, p. 42)

1970 - Emissoras Associadas Apostam no FM em São


Paulo

A exploração de estações de FM como broadcasting impulsionou a segmentação do rádio, ou


seja, as emissoras se voltavam para determinados públicos. Foi, então, que, em 1970, pensando
em atingir o jovem de classe alta, a Rádio Difusora encomendou uma pesquisa junto ao Instituto
Brasileiro de Opinião e Estatística (Ibope), com o objetivo de verificar a existência de aparelhos
receptores de FM em automóveis particulares e nas residências de classe alta em São Paulo.
As estimativas levaram à conclusão de que 41% entre os 300 entrevistados tinham aparelhos
também com recepção em FM. “Existem 1.444.161 de residências em São Paulo com pelo
menos um receptor de rádio. 38% dessas residências pertencem às classes A, B1 e B2, que
perfazem um total de 548.754. Em 41% das residências (excetuando-se apenas as da classe
B3) existem receptores de frequência modulada”1, revelou a pesquisa. Fazendo as contas, eram
24989 receptores com FM só na cidade de São Paulo.
Diante de tais conclusões, a Rádio Difusora resolveu lançar uma emissora com programação
exclusiva na faixa de FM e, para tanto, recebeu — ou comprou, não se sabe ao certo — a
concessão dos 98,5 MHz, outrora utilizada pela Rádio Difusora de Santo Amaro, que havia
deixado de operar em FM, mantendo-se somente em AM como “Rádio Mulher”.

Equipamentos

O estúdio a ser utilizado pela Difusora FM, na verdade, era uma pequena sala adaptada no 3°
andar intermediário do edifício-sede das Emissoras Associadas, no bairro do Sumaré. Foram
disponibilizados apenas equipamentos básicos, como mesa de som, microfone, dois toca-
discos e um gravador de rolo. Não havia isolamento acústico nas paredes. Para a instalação do
transmissor e da antena da nova estação, algumas obras tiveram que ser executadas no topo do
edifício, alterando algumas de suas características originais. No belo átrio, o terraço teve de ser
desativado. No lugar, foi montado um grande salão, que foi considerado como o 11º andar, onde
1 “A Difusora Também em Frequência Modulada”, Diário da Noite [SP], 21/09/1970, 1º Caderno,
p. 11.
466 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

foi instalado o transmissor RCA para as operações em FM 98,5 MHz.


A partir de 1970, portanto, seria possível ouvir duas programações distintas da Rádio Difusora
pela faixa de Frequência Modulada. Uma pelo link estúdio-transmissor1 em 96,9 MHz (a “Jet
Music”, executada no AM) e outra pela estação comercial em 98,5 MHz (música ambiente e
notícias).

Difusora FM - Inauguração e Perfil da Programação

O lançamento da Difusora 98,5 MHz, uma das primeiras estações de Frequência Modulada do
país a contar com programação própria, aconteceu com um cocktail oferecido na noite de 1º de
dezembro de 1970. A programação da emissora era especial, de alto nível, destinada às pessoas
bastante exigentes, tanto com programação musical, quanto nos noticiários. “As músicas são
selecionadas para um público rico e inteligente”, dizia um dos polêmicos anúncios do lançamento
da emissora, que rendeu críticas da revista “Veja”:

Que só os ricos sintonizem seus rádios na altura dos 98.5 megahertz,


pois, pelos anúncios de lançamento, pobre está proibido de ouvir
essa original rádio inaugurada terça-feira da semana passada em
São Paulo. “As músicas são selecionadas para pessoas ricas e
inteligentes”, é a advertência agressiva dos anúncios. Incontestável,
também, é o direito ao esnobismo dessa nova emissora da cadeia
“Associadas”. Operando pela primeira vez no Brasil exclusivamente
nas sofisticadas ondas da frequência modulada, a Difusora FM
é automaticamente forçada a selecionar a faixa de público que
pretende e tem possibilidade de atingir. (“A Rádio dos Ricos”, Veja,
Edição nº 118, 09/12/1970, p. 84-85)

1 O governo encerrou oficialmente as operações de links por FM em todo o Brasil no ano de


1974.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 467

Campanha de lançamento da Rádio Difusora FM.


(reprodução)

A propaganda na programação da Difusora FM entrava no ar de 10 em 10 minutos, após


três músicas, com uma só mensagem. Nesse esquema, a emissora abriu apenas 20 cotas para
os anunciantes, visando as classes A e B. Na programação inaugural, muita música popular
brasileira, estrangeira e erudita (ver box). Alguns dos grandes eventos realizados no Parque
Anhembi passaram a ter cobertura pela Difusora FM, iniciando pelo VII Salão do Automóvel.

Anos 1970: Dárcio Arruda e “Jet Music”

A Rádio Difusora tem um índice de audiência fantástico e lança


muitos conjuntos que rádio nenhuma toca, tentando fazer uma
revolução cultural, determinando a moda da juventude através das
músicas, danças, bottons e bonés. [...] Com o tempo, as gravadoras
montam seus departamentos internacionais para fazer lançamentos
em menos de três meses, e assim, quando Cayon lança uma música,
468 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

elas já estão preparadas para lançar o disco logo em seguida. (“Hits


Brasil - Sucessos ‘Estrangeiros’ Made in Brazil”, Fernando Carneiro
de Campos, Clube de Autores, 2012:171)

A Rádio Difusora FM de São Paulo seguiu executando “programação-padrão”, com vozes sóbrias
e ponderadas anunciando músicas da MPB, de concerto ou ambiente. O prefixo, a hora certa e
os nomes das músicas eram pré-gravados. Em 1976, as operações comerciais de FM finalmente
foram regulamentadas no Brasil e as emissoras puderam colocar no ar uma programação musical
exclusiva — aliás, um item obrigatório, padronizado pelo governo — e com linguagem própria,
já que as FMs até então existentes apenas repetiam a programação de sua emissora-mãe em
Ondas Médias.
Logo, em algumas capitais brasileiras, o rádio FM começou a se consolidar como uma nova
opção de entretenimento. A qualidade do som era realmente muito boa e, nas lojas, os receptores
passaram a ter preços mais acessíveis. Surgiram novas emissoras, sendo que muitas delas
acabariam fazendo muito sucesso, como as paulistanas Jovem Pan FM, Gazeta FM e Eldorado
FM; as cariocas Eldo Pop FM, Nacional FM e Cidade FM; e Transamérica FM (Recife e Brasília).
Naquele ano de 1976, portanto, a pré-existente Difusora FM foi autorizada a aumentar sua
potência, passando de 250 watts para 3 kW. Seu transmissor RCA ET-17 foi acoplado a um
amplificador linear, modelo ALFM-3RD, fabricado pelos próprios técnicos das Emissoras
Associadas. Uma nova antena com quatro elementos irradiantes foi encomendada junto a
Indústria Brasileira de Eletricidade S/A (Inbelsa) e foi instalada em uma nova torre com 13
m de altura, fixada no piso do salão da cobertura do edifício-sede. Uma abertura foi feita no
telhado para a passagem da torre, que alcançou a metade da altura da torre da TV Tupi - Canal
4, instalada logo ao lado.
Ainda em 1976, Cayon Gadia produziu alguns programas para a faixa “Quinta Especial” da Rede
Tupi, onde foram exibidas apresentações de hits de famosos cartazes da música pop internacional,
intercalados com números de artistas brasileiros. O programa especial foi chamado de “Jet
Music” e apresentado pelo locutor Dárcio Arruda.

(reprodução)

1978 - O Novo Projeto da Difusora

Ainda em 1977, as Emissoras Associadas de São Paulo investiram alto em infraestrutura e


encomendaram diversos equipamentos para otimização das transmissões das rádios Difusora FM,
Tupi AM e TV Tupi, emissoras que agora estariam entre as mais potentes do país (ver Capítulo
40). No ano seguinte, Cayon Gadia deixou as Emissoras Associadas e Luiz Fernando Magliocca
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 469

o substituiu à altura na superintendência e coordenação-artística das rádios Tupi e Difusora


AM/FM. Nessa época, a Difusora FM iniciou um novo projeto de programação, deixando a
música ambiente e passando a executar sucessos internacionais para o público jovem, ao estilo
da coirmã “Jet Music”. As locuções ainda continuaram pré-gravadas e a música brasileira passou
a estar muito mais presente na programação, por força da lei, obrigando que 50% das músicas
executadas em um dia fossem MPB. À meia-noite, a Difusora FM passou a retransmitir — em
estéreo — a programação da Difusora “Jet Music”, algo que se estendia até as 8h. Com o novo
slogan “O Som Alegria da Cidade”, a equipe de comunicadores da “Jet Music” incluía Antônio
Viviani, Ângelo Vizarro Jr., Carlos Racy, Dárcio Arruda, Idemur de Mattos, Moisés da Rocha e
Jorge Helal.
Naquele importante ano para a Difusora AM, ela lançou o programa “The Big Apple Show”,
com o produtor e disc-jockey Julinho Mazzei, que se tornou a plataforma de lançamentos da
emissora. Produzido e apresentado direto do estúdio de Mazzei, em Nova York, as fitas com
os programas do “Big Apple” eram enviadas semanalmente a São Paulo para entrar no ar aos
sábados à noite, entre 20h e 22h. Foi um grandioso sucesso, pois eram tocadas as músicas “pop”
que haviam sido lançadas na mesma semana pelas rádios de Nova York. Esta audácia foi ainda
maior que a implantada em 1969 pela própria Difusora, quando Cayon Gadia recebia de seus
representantes os discos recém-lançados no exterior. Neste novo esquema, Mazzei colocava no
ar as fitas que ele mesmo gravava direto das rádios de Nova York, muitas vezes com músicas
executadas antes de os discos irem para as lojas norte-americanas. Era realmente um “furo”.
Há um fato muito curioso sobre a logística usada para o envio das fitas para a Difusora, com as
edições do “The Big Apple Show”, já que alugar um canal de satélite para isso ficaria muito caro.
Mazzei ia até o aeroporto de Nova York e abordava alguém que estivesse de partida para o Brasil.
Acertava um cachê simbólico e pedia para que entregasse o material para alguém da equipe
da Difusora no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Mazzei, então, ligava para a rádio e
passava as informações sobre o “mensageiro” para promover o encontro. “Eu fui ao aeroporto
muitas vezes buscar essas fitas. O Julinho Mazzei ligava para nós, passava o nome da pessoa
e qual o voo em que ela estaria. Eu ficava lá no desembarque com um papelão escrito ‘Rádio
Difusora’. Algumas vezes, cheguei a buscar a fita na própria casa da pessoa, era uma loucura.
Esse procedimento de entrega atrasou várias vezes e a fita chegou às nossas mãos no próprio
sábado, quando iria ao ar. Tínhamos que correr muito, pois era necessário fazer uma edição antes
de entrar às 20h”, revela Ângelo Zanquetta, sonoplasta da Rádio Difusora1.
Muitos dos lançamentos musicais que Mazzei tocou no “The Big Apple Show” foram copiados
e aproveitados na programação regular da Difusora. Era comum ver os jovens desfilar com seus
carros, no sábado à noite, ligados em alto volume ao som do “The Big Apple Show” da Difusora
AM. Isso aconteceu muito nas imediações da badalada Rua Augusta e das grandes danceterias
da cidade de São Paulo.
A partir de 1979 começaram a surgir as primeiras locuções ao vivo na Difusora FM, mas ainda algo
esporádico, sem momento certo para acontecer. Elas eram feitas pelos próprios comunicadores
da AM, que, por vezes, terminavam seus horários e subiam um andar para fazer mais um pouco
de rádio, mas agora em alta qualidade de som.
Em 1980, a programação “Jet Music” migrou para a Difusora FM e a operação da Difusora AM
voltou-se para o jornalismo, prestação de serviços, música MPB (nas madrugadas) e jornadas
esportivas — transmitidas em conjunto com a Rádio Tupi, sob o comando da equipe “Futebol
2000”, nome que se referia ao resultado da soma de 960 KHz com 1040 KHz, as duas frequências
das emissoras. Já o “The Big Apple Show” acabou se mudando para a Rádio Antena 1 FM de São

1 Ângelo Zanquetta concedeu entrevista exclusiva aos autores desta obra.


470 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Paulo, do ex-diretor da Difusora, Orlando Negrão Jr.

O Fim da Rádio Difusora

As rádios Difusora AM e FM foram tiradas do ar pelo governo federal no dia 3 de setembro de


1981. Os detalhes serão narrados mais adiante, no Capítulo 47. Felizmente, para os saudosistas,
existe um projeto chamado “Difusora 960” (www.difusora960.com), onde são executadas as
mesmas canções da Difusora “Jet Music” dos anos 1970, inclusive com muitas propagandas e
vinhetas da época.

Rádio Excelsior, a Concorrente


Pouco tempo após a estreia da programação “Jet Music” na “Difusora 960”,
a Rádio Excelsior AM - 780 KHz de São Paulo lançou uma programação
concorrente, também jovem, com o slogan “Excelsior, a Máquina do Som”,
coordenada pelo também locutor Antônio Celso Cipolla. No entanto, havia
uma grande diferença entre as duas programações, já que a Difusora tocava
mais música negra norte-americana, enquanto a Excelsior executava mais
rock ’n’ roll. Antônio Celso ia frequentemente aos Estados Unidos para
comprar discos.

Cayon Gadia chegou a acumular os cargos de diretor-artístico das rádios


Tupi, Difusora AM e FM, além da GTA - Gravações Tupi Associadas e a
direção da divisão de shows da TV Tupi. Com grande tendência à Black
Music, trouxe para o Brasil as canções de Aretha Franklin, Harold Melvin,
Lou Rawls, Four Tops, Temptations, Stevie Wonder, Stax, Atlantic e
impulsionou Tim Maia, Jorge Ben, Novos Baianos e Wilson Simonal. Deixou
as Emissoras Associadas em 1978 e trabalhou nas rádios Bandeirantes e
Antena 1. Em 1996, começou seu trabalho como produtor musical no
SBT. Com a trilha sonora da novela infanto-juvenil “Chiquititas”, vendeu
5 milhões de cópias e recebeu o disco de platina pelo feito. Já na era da
informática, Gadia lançou o CD-Rom “Show do Milhão”, que foi mais um
sucesso de vendas em todo o Brasil. Cayon Gadia faleceu em 2007.

Cayon Gadia. (Diário da Noite/


reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 471

CAPÍTULO 37
A INFRAESTRUTURA DAS EMISSORAS ASSOCIADAS - ANOS
1970

Comando Único nas TVs Tupi do Rio e de São Paulo


Visando recuperar o primeiro lugar de audiência com uma programação
unificada e de qualidade, os Diários e Emissoras Associados criaram,
no final de setembro de 1970, um comando unificado para as TVs
Tupi do Rio e de São Paulo. Tecnicamente, haveria uma racionalização
operacional das duas emissoras, principalmente no plano artístico.
Uma equipe gestora foi formada com membros de ambas emissoras
e composta por Antônio Lucena (superintendente), Cassiano Gabus
Mendes (diretor-artístico), Fernando Severino (diretor comercial), Ari
Nogueira (representante da Tupi do Rio) e Antônio Giurno (representante
da Tupi de São Paulo). Ambas as emissoras eram as produtoras de
programação da Rede Brasileira de Televisão Associada, interligada por
links terrestres e pelo tráfego de videoteipes. A partir de agora, Rio e São
Paulo teriam uma programação unificada. Paulo Cabral, superintendente
dos Diários e Emissoras Associados, disse na abertura da solenidade de
posse da diretoria que “o Comando Único das duas emissoras permitirá
aos consolidadores da obra pioneira de Assis Chateaubriand, manter,
ampliar, e engrandecer aquilo que foi o núcleo do espírito criador desse
enorme complexo de divulgação. Ainda de acordo com Cabral, com o
Comando Único haveria enormes possibilidades de recuperar o terreno
perdido, uma solução que chegava em boa hora. “Devemos manter
nossa preocupação dirigida para as iniciativas mais sérias, como a arte e
o bem-estar público, mantendo a imagem da nossa emissora, com uma
programação limpa, alta e de grandes objetivos”, destacou Cabral. No
ano seguinte, a TV Tupi passou a transmitir alguns programas via satélite,
gerados no Rio e em São Paulo.

Nota dos Autores: A logomarca do Comando Único das TV Tupi


do Rio e de São Paulo pode ser vista no Capítulo 49.
472 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

1973 - O Fechamento do Auditório

No início de 1973, a direção da TV Tupi de São Paulo fechou as portas de seu auditório de
540 lugares, no Sumaré, já que o público que comparecia espontaneamente para acompanhar
os programas era pequeno e não justificava mais manter a estrutura. Ademais, em geral, os
programas que eram gravados vinham demorando horas para serem totalmente finalizados,
tornando impossível que o público permanecesse por tanto tempo nas cadeiras da plateia. Com
isso, o acesso ao público foi interrompido e alguns programas passaram a receber pessoas
contratadas para fazer a claque, ou seja, para aparecerem rindo ou aplaudindo.
Nesta mesma época, a TV Tupi promoveu pequenas reformas no palco de seu teatro, também
chamado de “Estúdio-Palco”. Nos fundos, atrás dos cenários, um espaço foi reservado para
guardar instrumentos musicais, objetos de cena etc., a fim de evitar o extenso caminho até o
setor de Contrarregra. No Estúdio-Palco, ainda naquele ano de 1973, foram gravadas algumas
cenas da novela “A Volta de Beto Rockfeller”, mas o local era mais usado para gravar shows e
humorísticos como “Os Trapalhões” e “Alegríssimo”, ambos com as citadas claques.

A TV Tupi está reformando desde já o seu Palco-Auditório do Sumaré,


com vistas a realizar, a partir de agosto, programas com público
durante as gravações. Repara-se, assim, um erro que havia sido
cometido quando, simplesmente, foi desmontado o auditório. Sabe-se
que a emissora pretende abrir as portas do Teatro Tupi para o público
assistir às gravações de “Os Trapalhões” e de outros programas.
Com isto, a Rede Tupi estará resolvendo um sério problema, o “riso
pago”. Além de economizar cachês, que, atualmente, são pagos
aos “risoletos” da vida, contaria com um público real, que sem
dúvida alguma, é termômetro para se avaliar a “temperatura” dos
programas. (Ferreira Neto, Diário de Pernambuco, 10/07/1976, 2º
Caderno, p. 6)

Em 1976, entretanto, os planos mudaram e o Sumaré foi reaberto para o público, oferecendo
conforto e beleza aos espectadores por meio de melhorias nas condições técnicas e visuais. O
palco do então mais completo estúdio-auditório da televisão brasileira foi enfeitado com duas
enormes colunas de acrílico. As poltronas foram reformadas e as cortinas trocadas.

1973 - Estúdio-Anexo

No subsolo do edifício-sede, precisamente nos fundos do restaurante dos funcionários, havia


um depósito que, devido a necessidade de obter mais espaços, em 1973 ele foi transformado
em um estúdio adaptado. Chamado de “Estúdio-Anexo”, ele era pequeno, não contava com
ar-condicionado e tampouco com boa circulação de ar. Desde a chegada das cores no vídeo, no
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 473

ano anterior, a TV Tupi passava por grandes mudanças em sua programação e, naquele ano de
1973, surge o “Factorama”, noticiário ágil do Brasil e do mundo. “Quando ia para os comerciais,
desligávamos as luzes para diminuir a temperatura do estúdio. Além disso, sofríamos com o
cheiro de gordura vindo da cozinha do restaurante, que ficava logo ao lado”, conta o operador
de câmera Marco Ferreira. Um ano depois, o Estúdio-Anexo ganhou melhorias e passou a ser
usado, também, para a produção dos esportivos de Walter Abraão, do infantil “Sessão Patota”,
apresentado por Giovanna Prado, e do feminino “Mulher Dia-a-Dia”, com Ana Maria Braga.
A partir de março de 1974, os blocos de noticiário nacional e internacional do “Rede Tupi de
Notícias” deixaram de ser produzidos na TV Tupi carioca e mudaram-se para o Sumaré, em São
Paulo, mais precisamente no Estúdio-Anexo. A apresentação era feita por Lívio Carneiro e Iris
Lettieri, a marcante voz dos alto-falantes de aeroportos do Brasil.

1975 - Novo Estúdio para Novelas na “Brigadeiro”

Em 1974, os horários dos estúdios do Sumaré estavam ocupados com a produção de novelas,
programas de variedades, especiais, telejornais e shows. Agora como única emissora-geradora
da Rede Tupi de Televisão (ver Capítulo 39), a saída para ampliar a oferta e a qualidade das
telenovelas foi montar a central de produção de teledramaturgia em um novo espaço, desta vez
além das fronteiras da antiga Cidade do Rádio. Para tanto, o Canal 4 fechou um contrato de
aluguel com o tradicional salão de bailes Lord Club, que contava com cerca de 2500 m2 de área.
O espaço ficava no bairro da Bela Vista, região central de São Paulo, mais precisamente nos altos
da Galeria Espiral da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, nº 1564, a 680 m de onde funcionou o
Teatro Tupi-Brigadeiro até quatro anos antes. O estabelecimento foi amplamente adaptado para
se tornar um grande estúdio de televisão. Os técnicos, diretores e artistas o acessariam por uma
portaria discreta que ficava na rua detrás da Galeria Espiral, na Rua Treze de Maio, nº 1021.
Em março de 1975, as reformas do novo estúdio já haviam terminado e foi iniciada a montagem
dos cenários de “O Velho, o Menino e o Burro”, primeira novela infanto-juvenil da TV Tupi,
escrita por Teixeira Filho e que inaugurou, com sucesso, a faixa das 18h30 na emissora.

Foto recente que mostra, ao alto,


a estrutura usada como estúdio de
novelas da TV Tupi, localizada sobre
a Galeria Espiral, na região central
de São Paulo. (Maurício Viel/Acervo
pessoal)
474 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Diversas novelas foram gravadas no estúdio da Brigadeiro Luís Antônio, entre elas, “Canção
para Isabel” (1976), “Papai Coração” (1976-77), “Cinderela 77” (1977), “O Profeta” (1977-78)
e as poucas cenas de estúdio de “Aritana” (1978-79). Ressalta-se que, no final de 1977, o espaço
para gravações no Sumaré foi reduzido, já que aqueles estúdios entraram em reforma após o
término das gravações da novela “Éramos Seis”. Além disso, em janeiro de 1978, também foi
iniciada a demolição do auditório do Teatro Tupi (ver Capítulo 40), no Sumaré, algo que também
impediu de realizar gravações no Estúdio-Palco por alguns meses.
Um bom exemplo da estrutura eficaz e do amplo espaço que o estúdio da Brigadeiro ofereceu
é que os 15 ambientes que compuseram os cenários do sucesso “O Profeta” puderam ficar
montados paralelamente. Ou seja, evitou-se o processo de montagem e desmontagem, conforme
as cenas que iriam ser gravadas. Aliás, para realizar as gravações desta novela, o estúdio da
Brigadeiro ganhou diversas melhorias técnicas.
A última produção da TV Tupi no estúdio da Brigadeiro foi a novela “Aritana”, de Ivani
Ribeiro, gravada entre outubro e dezembro de 1978. Isso porque o núcleo de teledramaturgia foi
transferido para os antigos estúdios da TV Excelsior e da produtora TV Studios Silvio Santos, na
Vila Guilherme (detalhes nas próximas linhas).

Em meados dos anos 2000, o grande salão da Galeria Espiral, usado como
estúdio de novelas pela TV Tupi, foi comprado pela Rede CNT e novamente
transformado em estúdio de TV. Mas, por algum motivo, acabou
subutilizado e, nos últimos anos, a emissora vem alugando o espaço para
produtoras de vídeo e de cinema realizarem trabalhos de curta duração,
como comerciais e filmes.

1978 - A Demolição do Auditório do Sumaré

[...] O teatro da TV Tupi já foi bem maior. Agora está dividido


em biombos improvisados e, da plateia, só restou um canto, com
assentos em forma de arquibancada de circo. É lá que ficam os
espectadores velhos, sem cor, quase no escuro. Para os jovens, bem
iluminados e coloridos, há uns cercadinhos no fundo do próprio
palco, transformado num tipo de teatro de arena. [...] A TV Tupi, por
dentro, é uma bagunça total. Biombos de madeira para todo lado,
restos de cenários no corredor, câmeras e refletores passando daqui
para ali [...]. (“Velho Cansado Guerreiro”, Dirceu Soares, Folha de
São Paulo, 17/04/1977, p. 14)

Em 1977, já em meio a uma grande crise financeira e administrativa nas empresas dos Diários
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 475

Associados (ver Capítulo 41), o auditório tinha sido reduzido a poucas cadeiras e outras
atividades artísticas passaram a ocupar o espaço restante. Como visto acima, a “Folha de São
Paulo” ressaltou o aspecto de desorganização nos bastidores da TV Tupi de São Paulo. Mas, com
a força dos funcionários, artistas e de diversos executivos daquela época — a exemplo de David
Raw e de Rubens Furtado, que não mediram esforços para tentar recuperar a emissora —, surge
um projeto audacioso de renovação das instalações, dos equipamentos e da programação. Para
tanto, o auditório do Teatro Tupi deveria ser demolido.
Nota dos Autores: Veja no Capítulo 40 todos os detalhes sobre
este projeto.

1978 - Vila Guilherme

Durante seis anos, a produtora TV Studios Silvio Santos Ltda., do empresário e apresentador de
mesmo nome, ocupou 4 mil m2 de um complexo de televisão localizado na Rua Dona Santa
Veloso, n° 575, na Vila Guilherme, bairro da Zona Norte de São Paulo. Com um total de 11 mil
m2, por duas décadas esses estúdios foram considerados o maior complexo de televisão do Brasil,
construídos pela extinta TV Excelsior - Canal 9 a partir da estrutura de uma antiga fábrica de
cigarros. A inauguração aconteceu em agosto de 1967, com seis estúdios e os mais modernos
equipamentos. Em setembro de 1970, dois meses após quase todo o complexo ser consumido por
um incêndio, as concessões da TV Excelsior foram cassadas pelo governo militar e o gigantesco
imóvel ficou trancado até 1972, quando, por intermédio da Caixa Econômica Federal, o síndico
da massa falida o alugou para a utilização da TV Studios Silvio Santos. Entre 1964-76, Silvio
Santos apresentava programas distintos nas TVs Tupi e Globo e passou a produzir alguns quadros
de seu programa da Tupi nos estúdios da Vila Guilherme. No local, Silvio Santos também
produziu novelas, musicais e shows de variedades para serem vendidos a emissoras pelo país.
Um dos estúdios foi alugado para as gravações do programa “Vila Sésamo”, da TV Cultura de
São Paulo.

O complexo de estúdios na Vila Guilherme, em São Paulo. (Erasmo de Souza/SBT e “Coleção Televisão - TV
Studios Silvio Santos - Canal 11”/Arquivo Público do Estado de São Paulo)
476 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Era desejo antigo de Silvio Santos montar uma rede própria de televisão. Em 1974, ele perdeu
uma concorrência do governo para explorar os canais das extintas TV Continental no Rio de
Janeiro e TV Excelsior em São Paulo1, mas em 1975 venceu a disputa para operar o canal 11 do
Rio de Janeiro, que ele chamou de “TVS - TV Studios”2. No ano seguinte, inaugurou a emissora,
deixou a TV Globo e montou uma nova central de produção no Teatro Manoel de Nóbrega, que
ficava na Rua Cotoxó, nº 1021, Vila Pompeia, em São Paulo, com mais de mil lugares e um
grande palco.
Os programas semanais que Silvio apresentava na TV Tupi (comprando os horários), bem
como os programas da TVS do Rio, foram produzidos na Vila Guilherme e no Teatro Manoel
de Nóbrega até o início de 1978, quando ele decidiu suspender os trabalhos na Vila Guilherme
e centralizar seu departamento de produções no Manoel de Nóbrega. Silvio Santos sabia do
interesse da TV Tupi em ocupar os estúdios da Vila Guilherme e propôs a transferência do
contrato de aluguel. Como o pensamento da direção da Tupi era sair da crise investindo em
infraestrutura e na qualidade da programação, a proposta foi aceita. No local, a Tupi passaria a
produzir todas as novelas, abrindo espaço nos estúdios do Sumaré para a produção exclusiva da
linha de shows e do jornalismo.
Com o arrendamento da Vila Guilherme, a Tupi rescindiu o contrato de utilização do estúdio da
Avenida Brigadeiro Luís Antônio e cancelou o projeto de construir novos estúdios junto a sua
nova torre de transmissão no bairro do Sumaré (ver Capítulo 40). A oportunidade de arrendamento
pareceu ser mais vantajosa, não só em termos financeiros, mas também na questão de prazos, já
que eles poderiam ser ocupados imediatamente.
O departamento de produção da TV Studios Silvio Santos deixou o complexo da Vila Guilherme,
gradativamente, durante o mês de abril de 1978. Mas, ainda antes de entregar as chaves, uma
equipe da TV Tupi já trabalhava no local para preparar os cenários da novela “Roda de Fogo”,
que teria suas gravações iniciadas muito em breve. A Tupi ocupou quase todos os seis estúdios do
complexo da Vila Guilherme ainda naquele mês de abril. De comum acordo, o setor administrativo
da TV Studios Silvio Santos continuou instalado em algumas salas até junho, quando se mudou
para um conjunto de três casas, nas imediações do Teatro Manoel de Nóbrega.
Em agosto de 1978, uma triste notícia. Meses após a produtora de Silvio Santos deixar os estúdios
da Vila Guilherme, o Teatro Manoel de Nóbrega — seu único centro de produção em São Paulo
— foi totalmente consumido pelo fogo. Nessa época, o Grupo Silvio Santos já havia iniciado as
obras de um complexo de rádio e televisão no km 19 da Via Anhanguera, em Osasco, na Grande
São Paulo, a ser utilizado pela produtora TV Studios Silvio Santos e, também, pela Rádio e TV
Record3, cujo “homem do Baú” detinha 49% das ações.

A criação de uma nova empresa produtora é a preocupação maior,


no momento, da Rede Tupi. Essa empresa se responsabilizará pela

1 Em 1974, a empresa Jornal do Brasil (JB) foi a vencedora de uma licitação para operação
de televisão nos canais 9 do Rio de Janeiro e 9 de São Paulo, que um dia pertenceram,
respectivamente, à TV Continental e TV Excelsior. Entretanto, anos depois, o JB devolveu as
concessões ao governo, após concluir que não teria condições de colocar as emissoras no ar.
2 Além da TV Studios Silvio Santos, disputaram o canal 11 carioca a Rádio Manchete, Rádio O
Dia e a Fundação Cásper Líbero (TV Gazeta de São Paulo).
3 Neste local, em 1996, o Grupo Silvio Santos inaugurou uma nova e grandiosa sede para o SBT,
onde funciona até os dias atuais. A Rádio e TV Record não chegaram a se mudar para o primeiro
edifício deste complexo, inaugurado no final dos anos 1970, conforme projetado.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 477

produção de todos os programas da rede e David Raw garante


que já tem dinheiro em caixa para contratar [a escritora] Janete
Clair, a quem, como noticiei de primeira, será feita uma oferta de
Cr$ 500 mil mensais. Com a criação dessa empresa, a direção da
Tupi resolveu concluir até o final desta semana a mudança de todo
o setor de produção de novelas para os estúdios da Vila Guilherme,
arrendados recentemente, deixando para o Sumaré, em São Paulo,
apenas a produção de shows. (“Uma Nova Empresa Produtora na
Tupi”, Eli Halfoun, Diário do Paraná, 15/06/1978, 2° Caderno, p. 6)

Os estúdios da Vila Guilherme ficaram exclusivos para produção das novelas da Tupi, entre
elas “O Direito de Nascer” (remake, 1978-79), “Gaivotas” (1979), “Dinheiro Vivo” (1979-80)
e “Como Salvar Meu Casamento” (1979-80). Em meados de 1979, praticamente toda a linha
de shows também migrou para a Vila Guilherme e o grande “Estúdio-Palco” do Sumaré1 foi
utilizado apenas para as gravações de shows, como “Clube dos Artistas”, com Aírton e Lolita
Rodrigues, e “A Grande Chance”, um programa de calouros apresentado por Flávio Cavalcanti.

A TV Tupi costumava alugar casarões pela cidade de São Paulo e


pelo interior do estado para fazer locações de novelas. Outro local
frequentemente usado para este fim era o belo parque que envolve o
reservatório da companhia de saneamento, que ficava bem à frente da
emissora, na Avenida Prof. Alfonso Bovero. Frequentemente, o local se
tornava cenário de novelas, como em “Beto Rockfeller” (1968-69) e “O
Machão” (1974-75).

1979 - Discoteca Aquarius

A badalada Discoteca Aquarius, situada na Rua Ruy Barbosa, nº 266, no tradicional bairro
paulistano do Bixiga, também serviu de palco para a gravação de alguns programas da TV Tupi.
Em 1979, a emissora alugou o espaço por algumas horas na semana para gravar o novo programa
do cantor Sidney Magal. O concurso “Miss São Paulo 1979” também foi gravado neste local. Por
estar em local baixo, contudo, havia um problema de comunicação entre a Aquarius e a Central
de Exibição do Sumaré, algo que dificultava a realização de programas ao vivo. Mas, o espaço
era muito bom para gravar com grande participação do público, como era o caso do “Programa
Sidney Magal”, onde até 400 jovens podiam dançar livremente. O prédio foi construído em 1940
para abrigar o Cine Rex e, após o encerramento das atividades da Aquarius, já nos anos 1980, o
local se transformou no Teatro Záccaro, onde foram gravados diversos programas musicais para
a TV Bandeirantes e o “Perdidos na Noite”, com Fausto Silva, primeiro pela TV Record e depois
pela Bandeirantes. O local está fechado desde 2005.
1 Este estúdio era originalmente o palco do Teatro Tupi, que funcionou entre 1967-77, quando
o auditório foi demolido e restou apenas o palco e uma pequena plateia.
478 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A fachada do Teatro Záccaro durante


os anos 1980, praticamente a mesma da
década anterior, quando ali funcionava
a antecessora Discoteca Aquarius.
(Centro de Memória do Bixiga/
reprodução)

1978 - Incêndio no Controle Mestre

Parte do equipamento de transmissão da TV Tupi de São Paulo foi destruída na madrugada de


8 de outubro de 1978 por um incêndio iniciado na sala do Controle Mestre, que é a mesa geral
de geração da programação. As labaredas também se alastraram pelas salas dos switchers que
controlavam e gravavam as produções dos estúdios “A”, “B”, “C” e “D”. A causa do incêndio
pode ter sido um curto-circuito.
O fogo teve início por volta das 2h30, cerca de 30 minutos após o encerramento das transmissões
do dia. Sete funcionários estavam no local, incluindo o produtor Sérgio Galvão, que trabalhava
em uma ilha de edição do programa de Moacyr Franco. O funcionário Álvaro Ribeiro da Silva
se preparava para marcar sua saída no cartão de ponto quando notou a fumaça. Ele avisou os
colegas imediatamente, mas, segundo depoimentos, Sérgio Galvão custou a acreditar, pensando
que se tratava de uma brincadeira. Não houve feridos e os funcionários do Canal 4 e das rádios
Tupi e Difusora conseguiram salvar uma mesa de sonoplastia, uma cabine de locução comercial,
câmeras, alguns monitores de TV e dezenas de fitas com episódios inéditos da novela “O Bom
Baiano”. Entretanto, apesar dos esforços, não houve tempo de tirar todos os equipamentos,
salientando que, muitos deles, eram de excelente qualidade técnica e haviam sido adquiridos
recentemente. Além do Controle Mestre e dos quatro switchers, foram perdidos 40 monitores,
oito aparelhos de TV, quatro mesas de som, quatro cabines de locução, microfones e outros
equipamentos menores.
As labaredas que saíam do telhado do edifício chamaram a atenção de João Ages, operador
de som da Rádio Tupi, que funcionava no edifício ao lado. Foi ele quem acionou o Corpo de
Bombeiros e foi preciso cerca de 60 homens para dominar as chamas, em pouco mais de duas
horas. A Sabesp (empresa de saneamento básico) colaborou com o fornecimento de caminhões
pipa.
Os prejuízos foram calculados em torno de Cr$ 30 milhões, mas o seguro cobriu boa parte desta
soma. O teto do Estúdio “B” ficou bastante danificado devido à força das águas lançadas pelos
próprios bombeiros. O local estava sendo preparado para receber alguns cenários de “Aritana”,
cujas cenas iniciais, de estúdio, seriam gravadas dois dias depois da data do incêndio. Como
já era previsto que a maioria das cenas desta novela fosse gravada em locações ao ar livre, no
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 479

Parque Indígena do Xingu (MT) e no município de Embu das Artes1 (SP), surgiu a dúvida se
a produção de “Aritana” aguardaria a reforma do Estúdio “B” ou se gravaria as poucas cenas
iniciais em algum outro estúdio. A solução mais prática foi cancelar as cenas iniciais de estúdio e
gravar tudo ao ar livre, no Xingu. No decorrer das gravações, quando necessário, a produção de
“Aritana” se utilizava do estúdio da Avenida Brigadeiro Luís Antônio.
Apesar da magnitude dos problemas com o incêndio, a exibição da programação não sofreu
grandes consequências. Ela voltou ao ar na manhã seguinte, mas com 3 horas e meia de atraso,
por meio do switcher da “unidade móvel color”. A princípio, pensou-se em transferir para a TV
Tupi do Rio de Janeiro a produção dos programas de Moacyr Franco e Ronnie Von, porém não
foi necessário e apenas as chamadas foram gravadas pela emissora carioca. Já no dia seguinte
ao incêndio, passaram a ser enviados ao Sumaré alguns equipamentos cedidos por emissoras
componentes da Rede Tupi em outros estados. Houve muita solidariedade por parte de outros
grupos de mídia, empresários em geral e até fabricantes internacionais de equipamentos.

Motivo de noticiário até no exterior, o incêndio ocorrido na Televisão


Tupi, no Sumaré, sábado, continua repercutindo intensamente. Em
razão disso, a alta direção dos Diários e Emissoras Associados, através
dos srs. João Calmon e Camilo Teixeira da Costa, respectivamente
presidente e vice-presidente executivos da Organização Associada,
vêm recebendo mensagens de todas as partes do país, com palavras
de solidariedade e ofertas de equipamentos em substituição àquele
que foi destruído no sinistro. Também têm chegado mensagens
de solidariedade do exterior, com várias empresas oferecendo
equipamentos, ofertas estas que a direção dos Diários e Emissoras
Associados coloca em estudos quanto a viabilidade de o material
ingressar no país. Em face do incêndio, não houve um setor de
atividades, dentro e fora do Brasil, que ficasse indiferente do
acontecido, um sinistro que provocou prejuízos enormes à Rede
Associada. Diversos foram os sindicatos que, através de seus
diretores, manifestaram-se quanto ao que aconteceu no Sumaré [...].
(“Solidariedade à Rede Tupi de Televisão”, Jornal do Commercio
[RJ], 13/10/1978, p. 1)

A direção da TV Tupi procurou antecipar o envio de equipamentos que haviam sido recentemente
encomendados com a RCA, nos Estados Unidos (ver Capítulo 40). Além disso, poucos dias depois
do sinistro, o presidente dos Diários e Emissoras Associados, João Calmon, e o superintendente
da TV Tupi, David Raw, viajaram à Alemanha com objetivo de adquirir quatro switchers com a
fabricante Bosch para a geradora em São Paulo.
Um mês antes deste incêndio em São Paulo, o Palácio do Rádio, edifício das Emissoras Associadas
de Pernambuco, em Recife, também se incendiou. Nele, funcionavam a TV Rádio Clube, a
Rádio Clube de Pernambuco e a Rádio Tamandaré, que ficaram completamente destruídas.

1 No município de Embu das Artes, as cenas de “Aritana” foram gravadas no Hotel Rancho
Silvestre, em funcionamento até os dias atuais.
480 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 38
1972 - A IMPLANTAÇÃO DA TV EM CORES NO BRASIL

Definição de Padrões pelo Mundo

N
o mês de março de 1965, em Viena (Áustria), foi realizada uma conferência do Comitê
Consultivo Internacional de Radiocomunicações (CCIR) para que representantes de 62
países escolhessem um dos três maiores sistemas de TV em cores desenvolvidos até
então — NTSC, PAL ou SECAM. A proposta do comitê era que os países europeus adotassem
um só sistema, o que simplificaria as transmissões entre nações e diversas outras facilidades.
Entretanto, a decisão entre as três melhores opções dependia também de fatores políticos e
econômicos.
O desenvolvimento do primeiro dos sistemas de TV em cores foi concluído em 1953, pela RCA-
Victor, nos Estados Unidos, e ganhou a nomenclatura de National Television System Committee1
(NTSC). Era um bom sistema, mas, por justamente ser o primeiro, trazia alguns inconvenientes
na estabilidade e fidelidade do matiz das cores, ocorridas principalmente quando não houvesse
qualidade razoável de recepção. No NTSC, a cor do vestido de uma atriz, por exemplo, geralmente
não permanecia no mesmo tom entre uma cena e outra, chegando até mesmo a mudar totalmente
de cor. Isso gerou até uma brincadeira com o significado da sigla “NTSC”, que jocosamente
virou “Never Twice the Same Color” (“nunca duas vezes a mesma cor”). Com esta variação
das cores, o telespectador tinha o inconveniente de ter que frequentemente regulá-las de forma
manual. O problema era tão sério que, para corrigi-lo, os técnicos deveriam realizar alterações
nos circuitos de todos os receptores e até nos transmissores das estações. Contudo, se isto fosse
feito, os quase 13 milhões de receptores coloridos já instalados nos Estados Unidos deixariam
de sintonizar os canais.
Na França, o engenheiro Henri de France estudou o sistema NTSC e desenvolveu, em sua
Companies Françoise de Télévision, o Séquentiel Couleur Avec Mémoire2 (SECAM), um sistema
totalmente diferente. Já Walter Brusch, da fabricante de televisores Telefunken, na Alemanha
Ocidental, aproveitou o próprio NTSC e introduziu modificações que resolveram seus problemas
crônicos. Foi chamado de Phase Alternating Line3 (PAL ou NTSC-PAL).
O SECAM ganhou parcialmente a disputa no CCIR, pois foi escolhido por 16 países, entre os
quais, os socialistas. O PAL obteve nove votos e o NTSC contou apenas com duas adesões (Grã-
Bretanha e Holanda). Desta forma, ao contrário do que se esperava, a Europa ficou dividida em
três zonas de TV em cores e, por isso, foi marcada para julho de 1966 uma nova conferência

1 Tradução livre: Comitê do Sistema Nacional de Televisão.


2 Tradução livre: Sequencial de Cores com Memória.
3 Tradução livre: Linha Alternada de Fase.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 481

do Comitê Internacional de Radiocomunicações. Desta vez, em Oslo, na Noruega, seria dada


uma segunda chance para os países europeus definirem o sistema que utilizariam. O resultado
do quadro mudou, mas nem tanto: a União Soviética, Europa Oriental e a Grécia ficaram
com o SECAM; Alemanha Ocidental, Inglaterra, Holanda e quase toda a Europa Ocidental se
pronunciaram pelo PAL. O NTSC saiu de cena no continente europeu, só permanecendo mesmo
na América do Norte e no Japão.

Sistema PAL é o Mais Viável para o Brasil

Nas transmissões experimentais em cores da TV Tupi de São Paulo, realizadas por livre iniciativa
entre maio de 1963 e fevereiro de 1964 (ver Capítulo 34), o sistema utilizado foi o NTSC, pois
era nativo dos equipamentos RCA. Isso preocupou o governo militar brasileiro no ano seguinte,
que logo designou o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL), subordinado ao
Ministério das Comunicações, para organizar um futuro processo de implementação da TV
em cores. O primeiro passo foi a escolha e oficialização de um único sistema a ser usado em
todo o país, já que se iniciativas isoladas como a da TV Tupi continuassem — quase todos os
equipamentos das emissoras brasileiras de TV eram norte-americanos —, haveria o risco de
haver a proliferação do rejeitado sistema NTSC no país. Outra questão que levou o governo
a agir foi a prática da importação de receptores coloridos, por meio de contrabando vindo dos
Estados Unidos.
O processo de escolha de um sistema de TV em cores para o Brasil teve início nos primeiros
meses de 1966, quando o CONTEL abriu uma licitação para formação de um grupo consultivo.
A proposta era apontar o melhor daqueles três sistemas de cores disponíveis pelo mundo,
observando desempenho e maior adaptação possível às condições geoeconômicas do Brasil.
A entidade vencedora foi a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e o grupo
de trabalho foi formado por Hélio Vieira, Nelson Zuanella, Ovídio Barradas e Edson Veiga,
todos professores do Departamento de Engenharia de Eletricidade e também ligados à indústria
eletrônica. Para dirigir os trabalhos de pesquisa, o governo designou o renomado engenheiro-
militar de telecomunicações Alcyone Fernandes de Almeida Júnior, do Instituto Militar de
Engenharia do Rio de Janeiro.
Em 1º de junho de 1966, o grupo entregou um relatório preliminar para o CONTEL, deixando
clara a superioridade do sistema PAL. Esse apontamento foi debatido pelo engenheiro Almeida
Júnior no I Congresso Brasileiro de Telecomunicações, realizado no Rio de Janeiro, e, logo
em seguida, apresentado por técnicos do CONTEL na supracitada conferência do Comitê
Internacional de Radiocomunicações, realizada em Oslo, na Noruega.
Finalmente, em janeiro de 1967, o grupo consultivo da Escola Politécnica entregou o relatório
final ao CONTEL, ratificando a adoção do sistema alemão PAL. Baseado neste trabalho, o
Ministério das Comunicações acompanhou a escolha e a regulamentou pela Resolução nº 20, de
7 de março de 1967. Todavia, o sistema alemão, que originalmente operava com os padrões “B”
ou “G”, deveria passar por modificações para adaptá-lo ao padrão norte-americano “M”, então
usado pelas emissoras brasileiras no sistema em preto e branco.
Na prática, em países ou cidades onde a energia elétrica era gerada na frequência de 50 Hz,
482 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

como Alemanha e Argentina1, o sincronismo da imagem de TV era formado por 625 linhas de
resolução horizontal em cada quadro, taxa de atualização de imagem a 25 quadros por segundo,
para dar a sensação de movimento e largura de banda do canal com 7 MHz. Essas eram as
características originais do padrão “B” de transmissão, usado pelo sistema PAL Já nas localidades
onde a corrente elétrica tinha 60 Hz, como Estados Unidos e Brasil, o sincronismo era formado
por 525 linhas, 30 quadros por segundo e banda de 6 MHz.
A implementação do padrão “M” no sistema PAL resultou no exclusivo PAL-M, que garantiria
compatibilidade e evitaria o sucateamento dos receptores em preto e branco ainda em
funcionamento no Brasil. Eles poderiam exibir em preto e branco os programas em cores; e,
por outro lado, os receptores em cores também poderiam exibir programas gerados em preto e
branco.
A escolha do sistema PAL se deu pela sua estabilidade, dispensando o ajuste frequente das cores,
como no NTSC. O sistema francês SECAM não agradou os professores da USP, visto que,
embora também dispensasse a correção manual das cores, apresentava uma complexibilidade na
transmissão, que tornava difícil ajustar duas ou mais câmeras para obter a mesma tonalidade da
cor branca.
A oficialização do PAL-M não significou a implantação imediata do sistema de televisão em cores
no Brasil. Contudo, foi um grande passo e chegava o momento de começar a preparar técnicos
e o know-how necessário, além de adaptar as escolas de engenharia para formar especialistas
naquele sistema. A TV em cores era um produto profundamente mais complexo que a TV em
preto e branco, esta última que, inicialmente, teve sua manutenção feita de forma improvisada
por técnicos de rádio.

Durante a fase de escolha do sistema em cores no Brasil, houve pressão econômica e até
diplomática para que o NTSC fosse escolhido. Naturalmente, a indústria norte-americana
defendia a indicação deste sistema para não ter que pagar royalties para fabricar seus receptores.
A escolha de um sistema diferente do norte-americano era interessante para o governo brasileiro
para proteger o mercado. A escolha do PAL alemão e a implantação das modificações para
atender exclusivamente às necessidades do Brasil deveriam frear as importações legais de
aparelhos norte-americanos, bem como as ilegais (contrabando), que configuravam em crime de
evasão de divisas. Portanto, não seria possível ver a programação em cores da TV brasileira em
um aparelho NTSC, o mesmo acontecendo num televisor PAL que fosse trazido da Alemanha.
A Telefunken, detentora da patente do sistema PAL, abriu mão da cobrança dos seus royalties
no Brasil e permitiu que todas as empresas fabricassem os receptores com esse sistema no país.
No entanto, mesmo assim, houve pressão para que o governo revogasse a determinação de que
o sistema PAL seria implantado, bem como uma tentativa de adiar a própria implantação da TV
em cores, esperando-se alcançar uma mudança na legislação.
Com o término dos trabalhos para escolha do sistema, o PAL-M foi desenvolvido e publicado
em 1968. Acreditava-se que poderia ser viável oficializar a televisão colorida já naquele mesmo
ano, mas o próprio governo foi cauteloso. “O problema da concessão de exploração da televisão

1 Por curiosidade, a Argentina fez o mesmo caminho que o Brasil: adotou o sistema PAL e fez
sua adaptação, que chamou de PAL-N, depois também adotado pelo Paraguai e Uruguai. Estes
três países têm a frequência de rede elétrica em 50 Hz, onde o sistema de TV trabalhava com
625 linhas de resolução.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 483

em cores no Brasil ainda está em fase de estudos, como acontece em todas as partes do mundo
onde se pretende instalar o sistema. Nossa decisão será baseada nos estudos que estão sendo
elaborados e visam os interesses nacionais, principalmente os da indústria eletrônica de nosso
país. Qualquer precipitação sobre um problema tão complexo — e que envolve muitos interesses
— será improdutiva, tanto para o governo como para os interessados”, declarou o ministro das
Comunicações, o engenheiro Carlos Simas, em agosto de 1968, que frisou: “Ainda estamos numa
fase de afirmação da TV em preto e branco e qualquer iniciativa no terreno das transmissões em
cores seria prejudicial à indústria eletrônica nacional”.

Vinte receptores de televisão, um caminhão-estúdio, antenas e


equipamentos vindos da Alemanha, atendendo à solicitação do
Conselho Nacional de Telecomunicações, realizarão, na manhã
da próxima segunda-feira, uma transmissão em circuito fechado
para algumas repartições federais e estaduais. A demonstração do
processo alemão será uma tentativa do CONTEL para demonstrar
a validade da Resolução n° 20 daquele órgão, segundo a qual
qualquer outro sistema de transmissão a cores no Brasil, que não
o alemão, implicaria numa série de adaptações e arranjos além das
possibilidades da nossa economia. (“CONTEL Vê no Rio Televisão
Colorida na Segunda-Feira”, Jornal do Commercio [RJ] 26/07/1968,
p. 9)

Lançamento da TV em Cores: Um Problema Econômico-


Financeiro

Reportagens apontam que, em 1969, as fábricas nacionais de televisores já se declaravam aptas a


produzir receptores em cores. Para tanto, elas teriam que utilizar 40% de componentes nacionais
e o restante — principalmente o precioso tubo de imagem — viriam do exterior, deixando o
preço do produto extremamente elevado. No entanto, apesar do avanço da indústria nacional,
os peritos do mercado previam que o início da produção de TV em cores no Brasil, tal como
aconteceu em outros países, seria viável apenas quando fosse atingida a saturação do mercado de
TVs em preto e branco, ou seja, que as famílias passassem a trocar seus primeiros televisores por
um novo, mesmo que em preto e branco. No final dos anos 1960 começaram a surgir os primeiros
casos de saturação de produtos básicos no Brasil, como a geladeira e o fogão, sendo trocados
por outros mais modernos. Tudo graças à implantação do crediário “a perder de vista”. Neste
cenário, ainda era um pouco cedo para realizar uma campanha do tipo “entregue seu televisor
usado como entrada de um novo” e, segundo pesquisas realizadas em 1969, apenas as regiões
metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo se aproximavam relativamente do ponto de
saturação dos televisores, quando seria possível lançar o sistema em cores. A implantação da TV
colorida, portanto, deixou o âmbito das comunicações para se tornar um problema puramente
econômico-financeiro, restando saber quem poderia pagar por ela.
O CONTEL só autorizaria o funcionamento regular de uma emissora em cores depois de dar um
prazo para que a indústria se preparasse para abastecer o mercado. Com a aproximação da Copa
do Mundo de 1970 — que seria a primeira a ser transmitida via satélite e em cores —, o governo
até acreditou que as fábricas instaladas no Brasil fossem impulsionadas a produzir os primeiros
484 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

receptores em cores. Mas, ainda era cedo.


No momento, pelo que se sabe, quase todas as indústrias do ramo
estão preparadas para lançar os receptores a cores. E é quase certo
que quando uma o fizer, será seguida por todas as outras em questão
de dias. Todavia, o lançamento do receptor a cores exigiria grandes
despesas e, para a produção comercial, seria necessária ainda a
preparação, custosa, de técnicos e especialistas para a produção
dos receptores. Como, atualmente, não se considera que exista um
mercado suficiente para esses receptores, o lançamento não foi feito
e as próprias emissoras não prepararam seus programas a cores,
porque isso representaria uma grande despesa extraordinária, para
pouquíssimos receptores. Assim, forma-se um círculo vicioso. (“A
Copa Vai ao Ar a Cores”, O Estado de São Paulo, 21/02/1970, p. 10)

1970 - Primeiras Experiências em Cores, Via Embratel

“Na Copa, a imagem que chegar à casa de cada brasileiro, será


também colorida, como a [da] Apollo, mas os receptores mostrarão
apenas o branco, o preto e o cinzento predominante”. (“Na TV, um
Mar. Um Mar Azul”, O Estado de São Paulo, 18/04/1970, p. 13)

Além de organizar todo o processo de implantação da TV em cores no Brasil, o Ministério das


Comunicações, por meio da Embratel, realizou em 1970, ano de Copa do Mundo no México,
um importante investimento em equipamentos para a chegada das cores. Eles foram instalados
no Centro Internacional de Televisão da primeira estação terrestre de comunicações por satélite
do Brasil, inaugurada há um ano em uma região do município de Itaboraí (RJ), que depois se
emancipou e hoje pertence ao município de Tanguá. Esta estação estava apta a receber o sinal
codificado em qualquer um dos três sistemas em cores usados pelo mundo, e convertê-lo para o
sistema brasileiro PAL-M por meio de transcodificadores especiais.
A Embratel passou a realizar experiências públicas em cores durante a retransmissão de alguns
programas especiais, gerados no exterior. Os sinais eram distribuídos via rede própria de micro-
ondas para diversas cidades brasileiras. Uma das centrais de recepção e redistribuição destes
sinais ficava no 36º andar do edifício Itália, no centro da cidade de São Paulo, responsável
por alcançar os estados de São Paulo, Mato Grosso e todo o sul do país. O sinal chegava às
emissoras de TV locais com a devida informação de cor e, algumas delas, já tinham capacidade
para retransmiti-lo em cores. Contudo, ainda não havia receptores PAL-M disponíveis no
mercado e os em preto e branco simplesmente ignoravam a informação de cor, mostrando os
programas nos conhecidos tons de cinza. Já os técnicos da Embratel contavam com receptores
PAL-M para realização dos testes e monitoramento das transmissões coloridas. Alguns eram
NTSC modificados para PAL-M e outros eram protótipos fornecidos pela Philco, Telefunken ou
Ibrape, pois, naquele ano de 1970, quase todos os fabricantes de televisores no Brasil já haviam
desenvolvido seus projetos de TV em cores com sistema PAL-M.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 485

O primeiro teste em cores da Embratel seria realizado no dia 11 de abril de 1970, com a transmissão
do lançamento da espaçonave norte-americana Apollo 13, que fazia um voo tripulado com destino
à Lua. Todavia, a transmissão gerada nos Estados Unidos acabou chegando equivocadamente em
preto e branco no Brasil e os técnicos da Embratel não puderam realizar as devidas experiências.
Como dissemos, a Copa do Mundo de 1970, realizada durante o mês de junho, no México, trouxe
grandes novidades na área de transmissão, já que foi a primeira a ser televisionada via satélite
para todo o mundo e, além disso, já com imagens em cores. Por meio de uma equipe formada
por 40 profissionais, a Embratel recebeu o sinal dos jogos em NTSC do satélite Intelsat III, o
transcodificou para PAL-M e o retransmitiu para todas as redes de televisão do território nacional
que haviam comprado os direitos de exibição.
Algumas emissoras tiveram condições de replicar este sinal em cores para todo o público,
contudo, ainda sem receptores coloridos no mercado, os brasileiros — que acabariam se tornando
tricampeões do mundo nessa copa — tiveram que se contentar em ver os jogos em preto e branco.
A camisa da seleção brasileira era amarela — e não cinza — apenas nos protótipos dos receptores
em cores da Embratel. No auditório do Circolo Italiano, localizado na segunda sobreloja do
edifício Itália, em São Paulo, a Embratel instalou seis protótipos em cores e exibiu os jogos da
seleção para autoridades, militares, diretores da empresa e empresários. A primeira partida foi
vista por cerca de 200 convidados. “Também foram provisoriamente instalados equipamentos
para recepção em cores no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, e no Palácio da Alvorada,
em Brasília, num afago ao presidente Médici”1. A TV Difusora - Canal 10 de Porto Alegre já
tinha condições técnicas e também promoveu a exibição em circuito interno dos jogos da Copa
do Mundo em cores, voltada às autoridades locais.

Sobre a TV em cores, o Brasil poderá tê-la dentro de 3 anos no


máximo. Apesar de a Embratel estar preparada para a implantação
da televisão em cores, o governo não vê necessidade de muita
urgência. Antes, pretende equipar, com segurança, as fábricas de
televisão, além de dar tempo às emissoras para fazerem planejamento
e novas instalações. Para o ministro [das Comunicações] Hygino
Corsetti, há grande entusiasmo pela televisão de imagem colorida,
principalmente depois da experiência com as transmissões dos jogos
da Copa do Mundo, mas o mercado brasileiro ainda não comporta
uma produção maciça, pois, um receptor para imagem colorida
deverá custar de 5 a 6 vezes mais do que o preto e branco. (“Corsetti
Anuncia a Reforma do Correio”, O Estado de São Paulo, 21/07/1970,
p. 6)

1 “A Grande História dos Mundiais 1962, 1966, 1970”, Max Gehringer, E-Galáxia, 2018:202.
486 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Festival Internacional da Canção Transmitido em Cores em 1970


Numa residência particular, próximo ao Aeroporto de Congonhas, em
São Paulo, o técnico e empresário Jorge Edo recebeu alguns profissionais
da área técnica de televisão, na noite de 22 de outubro de 1970. Eles
presenciariam uma experiência muito importante para a televisão
brasileira, pois Edo havia adaptado um antigo receptor colorido norte-
americano — portanto, com padrão NTSC — para receber um sinal
experimental em PAL-M da TV Globo - Canal 5 de São Paulo. A atração
era o Festival Internacional da Canção, gerada no Rio de Janeiro com três
câmeras em cores da Fernseh. O sinal foi transmitido pela Embratel para
o Brasil e exterior. Voltando à casa de Jorge Edo, pela primeira vez um
receptor de TV colorido PAL-M seria ligado fora das dependências de um
circuito fechado ou de um estúdio especial. Estiveram presentes alguns
representantes das empresas alemãs Bosch, Fernseh e das emissoras de
TV paulistanas. Todos queriam observar como se comportava a fidelidade
e a estabilidade daquele sinal em um ambiente doméstico. A transmissão
começou e as cores nativas da TV brasileira apareceram pela primeira
vez. Foram aprovadas por todos e apreciadas com detalhes em diversos
tons. Chegavam perfeitas aos lares de São Paulo, porém, ainda eram
invisíveis — ou inacessíveis — aos demais telespectadores. Jorge Edo
era o diretor da empresa Maxwell Eletrônica, Comercial e Industrial S/A,
representante brasileira da Fernseh, responsável pelos equipamentos que
geraram as imagens do Festival Internacional da Canção para o mundo. A
experiência profissional de Jorge Edo na televisão era louvável, pois ele foi
o principal técnico da TV Tupi de São Paulo, desde sua fase de montagem,
permanecendo como diretor na empresa por muitos anos. Também foi
um dos responsáveis por instalar equipamentos para a mesma emissora
realizar experiências pioneiras com cores, no padrão NTSC, que foram ao ar
entre 1963-64. O televisor NTSC que Edo transformou em PAL-M havia sido
importado nessa época, justamente para realizar o monitoramento das
transmissões experimentais da Tupi. Apesar do sucesso, as modificações
realizadas no receptor tiveram alto custo e ainda não havia condições de
fazê-las em grande escala.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 487

Agendando a Estreia Oficial

“Já fixamos 31 de março próximo para o início da TV em cores no


Brasil. Esta data não foi imposta e sim combinada com os diretores das
emissoras que estão em condições de realizar o trabalho. Ninguém,
portanto, será obrigado a realizar a TV a cores”. (“Corsetti Fala
Sobre TV a Cores”, Diário da Noite [SP], 20/01/1972, p. 3)

O Ministério das Comunicações criou uma comissão especial em julho de 1970, logo após a Copa
do Mundo, para estudar os diferentes aspectos atinentes à implantação do sistema PAL-M de TV
em cores e para propor providências e prazos convenientes para cada fase. Participaram diretores
de TV; representantes das associações das emissoras de TV, da indústria de eletroeletrônicos e
das agências de propaganda; e, ainda, o engenheiro-militar Alcyone F. Almeida Jr., que já havia
participado intensamente dos trabalhos de escolha do sistema de cor, representando o Instituto
Militar de Engenharia (IME). A comissão resolveu diversos problemas e finalmente definiu,
junto ao ministro das Comunicações, a data oficial para o início das operações da TV em cores
no Brasil.
Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo e
presidente da AESP - Associação das Emissoras de São Paulo, foi o entrevistado da edição de
16 de março de 1972 do programa jornalístico “Pinga-Fogo”, da própria TV Tupi, transmitido
em caráter experimental “ao vivo e em cores”. O tema foi a implantação da TV colorida e, em
determinado momento, um jornalista perguntou se aquele não poderia estar sendo um passo
precipitado. Monteiro contou que depois da Copa do Mundo de 1970, quando o governo chamou
as emissoras de televisão para estabelecer o prazo da implantação das cores, elas se posicionaram
para que isso acontecesse somente entre 1974-75. “[Havia] um argumento [...] de que era preciso
que a televisão em cores fosse a um passo além da televisão em preto e branco. Nós achávamos
que ainda havia um mercado amplamente a ser explorado pela televisão em preto e branco,
quer no que diz respeito ao volume de receptores, quer no que diz respeito ao aprimoramento
da sua programação. Mas, o governo também tinha argumentos fortes, que, inegavelmente, a
televisão em cores era um avanço tecnológico. Um país em evolução como Brasil, em expansão,
em explosão, não poderia retardar a implantação do sistema. Ponderando as nossas razões e as
razões do governo, chegamos a uma data intermediária [...]”, revelou Monteiro.
Inicialmente, pensou-se em julho de 1971, mas ficou marcada para 31 de março de 1972, a pedido
do presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, já que era o dia do oitavo aniversário da
“Revolução Militar” de 1964. A data da inauguração das cores foi oficializada pela Portaria nº
679, assinada no dia 9 de dezembro de 1970 pelo ministro das Comunicações, Hygino Corsetti.
Em 1971, a indústria ainda tinha incertezas sobre o retorno financeiro da TV em cores e, além
disso, era possível que as TVs coloridas, apesar de muito mais caras, passassem logo a ter a
preferência do consumidor e inviabilizassem as vendas dos estoques abarrotados de TVs em
preto e branco.
Os custos de implantação das cores também seriam muito altos para as emissoras, investindo em
equipamentos de captação, edição e transmissão a preços entre três e quatro vezes maiores do que
em preto e branco. Produzir um programa em cores também poderia ser até quatro vezes mais
do que um em preto e branco. Neste cenário, não bastaria que as emissoras se equipassem para
poder iniciar as transmissões regulares em cores. Era necessário atingir um número considerável
488 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

de receptores vendidos, permitindo atrair anunciantes para a programação colorida, cobrando-se


mais por isso. Contudo, os anunciantes poderiam não se interessar muito no começo.
O número estimado de aparelhos a serem vendidos nos primeiros seis meses era de 40 mil, sendo
15 mil em São Paulo, 15 mil no Rio de Janeiro e 10 mil no restante do país. Em uma reunião
na Câmara Americana de Comércio, José Almeida Castro, diretor-geral da TV Tupi no Rio de
Janeiro, declarou que “a televisão em cores é um desafio em curto prazo, que as redes brasileiras
vão enfrentar e vencer, embora continuem lutando com as imensas dificuldades da estabilização
das operações em preto e branco. [...] O início das cores na televisão brasileira poderá se
constituir na resposta à necessidade de estruturação das emissoras como empresas modernas,
embora as possibilidades do mercado não autorizem, neste momento, a vultosa inversão que se
faz necessária”1.

O governo se preocupou em resguardar os interesses do público telespectador, do comércio


e da indústria. O início das transmissões seria precedido de medidas preparatórias para que a
TV colorida tivesse um elevado padrão técnico. O próprio Ministério das Comunicações ficou
encarregado do processo de capacitação, ocorrido durante o ano de 1971 para técnicos, artistas
e auxiliares. Entre 2 de janeiro e 29 de fevereiro de 1972, foram realizados os treinamentos
práticos e transmitidos sinais de teste em horários preestabelecidos. Durante todo o mês de março
vigorou a fase preliminar, com a transmissão de programas de estúdio em cores, para comprovar
a capacidade técnica das emissoras, junto ao CONTEL. Eles foram transmitidos, pontualmente,
em meio à programação em preto e branco.
Pelo fato de que a fase prática de implantação da TV colorida aconteceria no mês de fevereiro, o
ministro Corsetti cogitou em promover uma pré-estreia com a transmissão do grandioso carnaval
do Rio de Janeiro e da abertura da XII Festa da Uva, em Caxias do Sul (RS), um dos mais
expressivos acontecimentos sociais, econômicos e turísticos do Sul do país, que acontecia a cada
quatro anos e atraía muitos brasileiros e estrangeiros dos países vizinhos.
Para tanto, um diálogo foi aberto com as emissoras cariocas e gaúchas para definição sobre a
geração das imagens dos dois eventos, a serem transmitidas em rede para todo país, via Embratel.
Contudo, a transmissão em cores do carnaval carioca teve de ser descartada, visto que o ministro
Corsetti avaliou não haver tempo suficiente para que as emissoras locais ajustassem corretamente
os novos equipamentos. Segundo ele, as imagens não ficariam nítidas e, desta forma, o teste
oficial das cores seria realizado somente no dia 19 de fevereiro, com a colorida Festa da Uva.

O carnaval carioca não mais será transmitido pela TV a cores.


Essa resolução foi adotada ontem durante a reunião realizada
nesta Capital, sob a presidência do ministro Hygino Corsetti, com
diretores de fábricas de aparelhos de TV, diretores de emissoras,
representantes da Embratel, ABERT e demais entidades vinculadas
ao problema. O ministro Corsetti considerou que não haveria tempo
para que as emissoras cariocas adaptassem seus equipamentos, de
forma a transmitirem imagens nítidas. Foi confirmada, no entanto, a
transmissão da Festa da Uva, em Caxias, Rio Grande do Sul, no dia
19 de fevereiro, a cargo da TV Difusora [de Porto Alegre] e levada

1 “TV a Cores: Um Desafio”, Diário da Noite, 10/06/1971, p. 2.


ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 489

pela Embratel para todo o país. Essa será, portanto, a primeira


transmissão [oficial] a cores do Brasil. (“TV a Cores Não Transmite
o Carnaval”, O Globo, 27/01/1972, Geral, p. 3)

De acordo com a autobiografia1 do então diretor da TV Globo, Walter Clark, a ideia de transmitir
a Festa da Uva surgiu durante uma reunião entre o ministro Hygino Corsetti e os diretores das
emissoras que compunham a Rede Globo em diversas cidades do Brasil. O proprietário da Rede
Brasil Sul (RBS), Maurício Sirotsky, quis agradar o ministro para tentar evitar uma possível
punição do governo à Rede Globo, pois julgava que seus programas de auditório eram de baixa
qualidade intelectual. O empresário, que era afiliado da Rede Globo, sugeriu que o evento com
tradições populares que poderia marcar as primeiras experiências em cores do Brasil, além do
carnaval carioca, seria a Festa da Uva de Caxias do Sul, cidade natal do próprio ministro, a ser
realizada justamente em fevereiro de 1972. Aliás, o presidente Médici também era gaúcho, de
Bagé.

Maurício sabia que o Corsetti era de Caxias e adoraria fazer um


brilhareco para os conterrâneos [...]. Não deu outra. Assim que ouviu
a proposta, o ministro abriu um sorriso de orelha a orelha, os olhos
brilharam e ele bateu o martelo [...]. (“O Campeão de Audiência:
uma Autobiografia”, Walter Clark com Gabriel Priolli, 1991, n.p.)

TV Tupi de São Paulo na Implantação das Cores

Entre as emissoras brasileiras, a primeira a adquirir equipamentos


para televisão a cores foi a TV Tupi de São Paulo. (“Um Produto
Procura Mercado: TV a Cores”, Pedro Cafardo, Folha de São Paulo,
07/11/1971, 3º Caderno, p. 32)

Em 23 de dezembro de 1970, os Diários e Emissoras Associados de São Paulo assinaram um


contrato com a holandesa N.V. Philips Gloeilampenfabrieken para aquisição de equipamentos de
broadcasting em cores. Com isso, a negociação, intermediada pela Philips do Brasil, foi fechada
apenas oito dias após a publicação da portaria que oficializou a data do lançamento da TV em
cores no Brasil. Foram encomendados dois conjuntos de equipamentos idênticos, sendo um para
a TV Tupi de São Paulo e outro para a do Rio de Janeiro. Os Diários e Emissoras Associados
escolheram a Philips devido um acordo comercial, já que a empresa tinha um grande mercado de
receptores no Brasil, área em que a RCA, por exemplo, não atuava por aqui.
Um ano depois da compra, os equipamentos estavam prontos para serem despachados ao Brasil.
O valor total da carga era de US$ 500 mil (Cr$ 3,13 milhões). Cada um dos dois conjuntos de
equipamentos pesava 11,5 toneladas e continha 102 volumes. Eram os dois primeiros do gênero
a chegar ao Brasil após a definição do governo em lançar a TV em cores. Até então, algumas

1 “O Campeão de Audiência: Uma Autobiografia”, Walter Clark e Gabriel Priolli, Summus


Editorial, 1991, n.p.
490 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

jovens emissoras como a TV Difusora de Porto Alegre e a TV Gazeta de São Paulo já haviam
sido montadas com alguns equipamentos que também eram preparados para transmitir em cores.
A bordo do cargueiro Itanagé, da estatal Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, os
equipamentos da TV Tupi saíram de Roterdã, na Holanda, na véspera do Natal de 1971. O
primeiro destino foi o porto do Rio de Janeiro, onde atracou no dia 3 de janeiro de 1972.
Descarregou os equipamentos Philips para a TV Tupi carioca e zarpou em direção ao Porto
de Santos, onde atracou no dia 8. O desembarque dos equipamentos do Canal 4 de São Paulo
ocorreu no dia 12, no Armazém 30 da Companhia Docas. No dia 18 de janeiro, a carga já estava
liberada das burocracias alfandegárias e uma equipe das Emissoras Associadas de São Paulo lá
estava para recebê-la e promover o transporte até o bairro do Sumaré.
— Depois de um longo trabalho e de muito esforço, viemos aqui para retirar o equipamento em
cores da Televisão Tupi, com a satisfação de ter participado desse empreendimento que traz para
o Brasil o primeiro equipamento completo de televisão em cores — declarou, no porto, Enéas
Machado de Assis, representante da direção dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo.

Equipamentos da Philips holandesa, encomendados pela TV Tupi de São Paulo, chegam ao Porto de Santos.
(reprodução)

Para realizar o transporte até o Sumaré, foram necessárias duas carretas, que começaram a ser
carregadas às 15h daquele dia 18 de janeiro. Como se tratava de uma carga muito delicada, a
operação exigiu todo o cuidado por parte da transportadora e dos funcionários do Armazém
30. As carretas deixaram o porto às 19h30 e chegaram ao Sumaré por volta de 22h, onde
foram recebidas com muito entusiasmo pelos funcionários da TV Tupi e pela alta direção dos
Diários e Emissoras Associados de São Paulo, que as aguardavam ansiosamente. Na ocasião,
o diretor-presidente Edmundo Monteiro gravou uma mensagem para expressar a importância
do momento. Também estavam presentes os seguintes dirigentes do Canal 4: Orlando Negrão
(superintendente), Fernando Severino (diretor-comercial), Cláudio Donato (diretor-técnico) e
Walter Forster (diretor-artístico).
À reportagem do “Diário da Noite”, Enéas Machado de Assis declarou que, há quase um ano,
assistiu na Holanda às primeiras experiências dos equipamentos que a Tupi estava recebendo.
“Representa, sem dúvida, tal iniciativa, o resultado do grande trabalho desenvolvido por
Edmundo Monteiro [...], no esforço da implantação da televisão em cores no Brasil, cumprindo
assim mais uma meta dentro do pioneirismo das Emissoras Associadas”, disse o executivo.
Na manhã seguinte, começou o trabalho de descarregamento no Sumaré, que foi dividido em
dois lotes. Um deles continha equipamentos que seriam instalados dentro da emissora e o outro
seguiria de carreta para a Indústria Brasileira de Eletricidade S/A (Inbelsa), licenciada do grupo
Philips do Brasil e que realizaria a montagem de uma unidade móvel em cores. Fazendo lembrar
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 491

a chegada dos primeiros equipamentos da TV Tupi, em 1950, o trajeto de subida da Serra do


Mar e o transporte entre o Sumaré e a Inbelsa, no bairro de Santo Amaro, foi feito com ares de
desfile, com as carretas mostrando faixas que alardeavam: “EQUIPAMENTO DE TELEVISÃO
COLORIDA CHEGANDO AO BRASIL - TV TUPI, PIONEIRA EM 1950, PRIMEIRA EM
1972”.
A pomposa “Unidade Externa Color” da TV Tupi foi montada dentro de um contêiner especial,
fabricado sob encomenda pela Trivelato S/A - Indústria, Comércio e Engenharia, sediada em São
Paulo, onde seriam acomodados os diversos equipamentos Philips geradores das imagens em
cores. Por sua vez, o contêiner foi adaptado a um caminhão da marca Chevrolet, zero quilômetro,
modelo D60. Uma chamativa pintura especial, com um arco-íris, compôs a decoração externa.
O contêiner tinha 14 rodas, 11 m de comprimento, 2,60 m de largura e 2,40 m de altura. Era
isolado termicamente e dotado de ar-condicionado para trabalhar sempre em 20º C, dispositivo
que não era tão comum para aquela época. Em seu interior, havia um assoalho de peroba à prova
d’água e antiderrapante. O ambiente interno era muito confortável e foi projetado para abrigar
três câmeras, máquina de videoteipe e mesas de áudio e vídeo. Havia uma porta traseira e, nas
laterais, mais três portas de correr.

Contêiner fabricado pela Trivelato especialmente


para as unidades móveis da TV Tupi de São Paulo e
do Rio de Janeiro. (reprodução)

A Trivelato também produziu contêineres especiais idênticos para a TV Tupi do Rio de Janeiro e
TV Itacolomi de Belo Horizonte, bem como duas carrocerias especiais para veículos da TV Tupi
de São Paulo, usados para transporte de geradores de eletricidade para longas tomadas externas,
ambos com o mesmo padrão de pintura externa.
Entre os equipamentos adquiridos junto à Philips, havia três sofisticadas câmeras Plumbicon LDK-
3, naquela época utilizada por 80% das emissoras de TV em cores pelo mundo; equipamentos
para controle de som; switcher master (controle mestre das operações); switcher de produção
com efeitos especiais; equipamentos de alimentação e geração de sincronismo; amplificador-
processador de vídeo; distribuidores de pulso e vídeo; monitores em cores e em preto e branco
das câmeras; 48 conjuntos de iluminação para estúdio com lâmpadas de quartzo; e um moderno
sistema de telecine, composto por uma câmera Plumbicon LDK-33, dois projetores de filme de
16 mm e um projetor duplo de slides.
492 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

As antigas salas de controle e exibição do Sumaré foram totalmente reformadas e ampliadas, a fim
de permitir a operação coordenada dos equipamentos em cores e em preto e branco preexistentes,
permitindo a continuidade da programação. Como o transmissor RCA TT-6AL já era preparado
para operar em cores, nada precisou ser feito com este equipamento.
Para liderar a montagem dos equipamentos do Canal 4, a Philips enviou, de Amsterdã, os
engenheiros Robby Van Lit e Paul Den Boer, que desembarcaram em São Paulo no dia 28
de janeiro de 1972. Segundo declarações dadas à reportagem do “Diário da Noite”, Van Lit
afirmou que “o material adquirido pela Televisão Tupi é o melhor possível, reunindo condições
e qualidades técnicas das mais apuradas”. Sobre o sistema de cores a ser usado exclusivamente
no Brasil, o holandês salientou que o “PAL-M não é uma adaptação, mas um aperfeiçoamento
do sistema alemão para as condições brasileiras”. Van Lit ficou responsável pela montagem dos
estúdios, enquanto Den Boer cuidou da unidade móvel na Inbelsa, juntamente com Roberto
Salvi, técnico das Emissoras Associadas de São Paulo.

O esquema de operações em cores nos estúdios do Canal 4 de São Paulo seria todo baseado
na unidade móvel, posicionada em um local reservado na Travessa Xangô, que atravessa
o terreno das Emissoras Associadas no Sumaré. De um lado, os prédios mais antigos, onde
ficavam todos os estúdios; do outro lado, o edifício-sede com 11 andares. Longos e espessos
cabos vermelhos ligavam a unidade móvel em cores ao “Estúdio-Palco” e aos estúdios “A”
e “B”. Quando houvesse alguma transmissão ou gravação externa a ser feita em cores, como
novelas, partidas de futebol, espetáculos e o “Programa Silvio Santos”1, por exemplo, os cabos
eram desconectados e a unidade móvel deslocada. Orlando Negrão, então superintendente das
Emissoras Associadas de São Paulo, lembra que para o desenvolvimento da carreta da unidade
móvel, foram tiradas as medidas da Travessa Xangô, para garantir que ela conseguisse estacionar
no local. “A montagem dos equipamentos em cores dentro de uma carreta foi estratégica, proposta
pelos nossos engenheiros. Isso porque os equipamentos não ficariam presos em um estúdio. Ao
contrário, teriam toda a mobilidade e mais programas poderiam ser gerados em cores”, ressalta
Orlando Negrão2.
O técnico Roberto Salvi, um dos responsáveis pelo gerenciamento da unidade móvel de São
Paulo, revela que, em um primeiro momento, ela não contou com um equipamento de videoteipe
e as gravações externas eram todas transmitidas ao vivo ou gravadas pelos VTs coloridos do
Sumaré. “Teve uma época em que a programação em cores começava com o jornal do almoço,
depois vinha o programa da tarde, o jornal da noite e um show para finalizar. Íamos com a
carreta quando havia futebol no domingo à tarde no Estádio do Pacaembu. Depois, tínhamos
que desmontar tudo rapidamente e correr para transmitir o show noturno, direto dos estúdios do
Sumaré. Não era fácil”, ressalta Salvi.

1 O “Programa Silvio Santos” estava sendo gerado no Teatro Manoel de Nóbrega, do próprio
apresentador, localizado na Vila Pompeia, em São Paulo.
2 O empresário Orlando Negrão concedeu entrevista exclusiva aos autores em outubro de 2020.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 493

A Montagem dos Equipamentos

Durante o mês de fevereiro de 1972, o clima dentro dos estúdios do Canal 4 foi de movimentação
geral. Os funcionários acompanhavam de perto as instalações do sistema de TV em cores e
estavam todos empolgados. Para a emissora, o início das transmissões coloridas representava
o coroamento de um trabalho iniciado mais de um ano antes da estreia oficial. “Desde o início,
o que se viu foi uma total colaboração dos elementos que formam o Departamento Técnico e,
sem os quais, dificilmente seria obtido êxito. Um trabalho intensivo, denodado e com espírito de
colaboração, digno de realce. E, esse ânimo, transmitiu-se para todos os demais departamentos,
dando vida nova à emissora”, declarou Cláudio Donato, diretor-técnico da emissora, ao “Diário
da Noite”. Diversos funcionários fizeram cursos de especialização promovidos pela USP, Philips
e RCA; diretores chegaram a estagiar nos Estados Unidos e Alemanha. Os engenheiros da
Philips, Robby Van Lit e Paul Den Boer, também treinaram as equipes de operação de São Paulo
e, depois, fizeram o mesmo com a equipe da Tupi do Rio de Janeiro, emissora que enviou três de
seus engenheiros para estagiar com televisão em cores no exterior, sendo dois deles no Centro de
Treinamento da BBC, na Inglaterra, e o outro no Sender Freies Berlin, na Alemanha.
Foram necessários praticamente 30 dias para montar os equipamentos Philips na sala do Controle
Mestre e na unidade móvel.
A primeira emissora a ser vistoriada e autorizada pelo CONTEL para operar em cores foi a
TV Difusora - Canal 10 de Porto Alegre. Esta autorização foi expedida no dia 31 de janeiro
de 1972 e foi facilitada pelo fato de a emissora ter sido montada há apenas três anos e já com
equipamentos preparados para também transmitir em cores. A segunda emissora a receber a
mesma autorização foi a TV Tupi de São Paulo, poucos dias depois da emissora gaúcha. Com
isso, ambas já poderiam iniciar seus testes no ar.

Nas Lojas, as Cores dos Testes do Canal 4

As principais lojas da cidade iniciaram ontem a venda dos aparelhos


de televisão a cores, fabricados pela Philips, Philco e Telefunken.
Ainda esta semana, a General Electric iniciará suas entregas,
enquanto que a fábrica de televisores ABC colocará no mercado seus
aparelhos depois do dia 15, a Admiral para o fim do mês e a Sylvania
no início de março. [...] Em frente às vitrinas, onde estão expostos os
aparelhos de televisão a cores, há sempre um aglomerado de pessoas.
“A procura tem sido grande — explica o [...] gerente-geral da Loja
Isnard. [...] Os preços dos aparelhos [todos com 26 polegadas] estão
variando de Cr$ 6.600,00 a Cr$ 8.700,001. (“Comércio Coloca a
Venda Aparelhos de TV a Cores!”, Diário da Noite [SP], 08/02/1972,
p. 11)
Ontem de manhã, depois das 10h, diversos aparelhos de TV em cores
instalados em lojas de São Paulo, escritórios das fábricas e mesmo
em algumas residências, transmitiram por mais de 30 minutos
1 O preço dos primeiros televisores variou entre seis e oito vezes mais que o preço de um
aparelho em preto e branco, do mesmo tamanho.
494 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

imagens coloridas. Sintonizados no Canal 4, uma das emissoras


de televisão já autorizadas pelo Ministério das Comunicações
para realizar seus testes de ajustes no ar, os aparelhos mostraram
grandes barras vermelhas, verdes, azuis e amarelas e ainda o padrão
normal da emissora, em diversas cores. As captações das cores
foram consideradas boas pelos observadores, que somente no dia
19 poderão assistir a uma transmissão normal do aparelho: a Festa
da Uva de Caxias do Sul. Até lá, todos terão que se contentar em
ver apenas as largas barras multicoloridas. (“As Exibições da Nova
TV”, Folha de São Paulo, 09/02/1972, 2º Caderno, p. 11)

A TV Tupi de São Paulo iniciou seus testes policromáticos no dia 8 de janeiro, quando passou a
transmitir padrões de testes (colorbars) diários, entre 9h e 11h. As transmissões experimentais
diárias também auxiliaram nos treinamentos dos profissionais das assistências-técnicas e na
divulgação dos receptores em cores nas lojas. As telas coloridas nas vitrines chamaram a atenção
do público, ainda que, inicialmente, somente o padrão em barras pudesse ser visto em cores.
No mês seguinte, o Canal 4 já estava pronto para exibir projeções coloridas de filmes e desenhos
animados por meio do seu novíssimo Telecine da Philips. O que ainda estava em processo era a
montagem dos equipamentos para geração de programas de estúdio em cores, algo muito mais
complexo. O ministro Hygino Corsetti, das Comunicações, esteve em São Paulo no dia 2 de
fevereiro para reunir-se com os diretores das emissoras de televisão. Depois, visitou a TV Tupi e
manifestou-se favorável a toda estrutura que viu. O próximo passo era aguardar pelo teste oficial
da TV em cores, no dia 19, direto de Caxias do Sul.

Festa da Uva

O sábado, 19 de fevereiro de 1972, foi um dia histórico para a televisão brasileira, data em que
se realizou a primeira experiência oficial com transmissões coloridas. E não se tratou de um
“simples” programa especial de estúdio. Diretamente de Caxias do Sul (RS), um pool de 31
emissoras, liderado pela bem equipada TV Difusora de Porto Alegre e coordenado pelo Ministério
das Comunicações, mostrou para todo o Brasil, ao vivo e em cores, os eventos de abertura da
tradicional e famosa Festa da Uva. É verdade que não se tratou da primeira transmissão de TV
em cores no país, já que, nove anos antes, em São Paulo, a TV Tupi exibiu alguns programas em
cores por cerca de 10 meses e a TV Excelsior transmitiu uma apresentação ao vivo e em cores
do Parque do Ibirapuera, como visto no Capítulo 34. Contudo, desta vez, a implantação das
cores era oficial, coordenada e definitiva, resultado de um trabalho de seis anos realizado pelo
Ministério das Comunicações.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 495

Para a inauguração da TV em cores, as emissoras formaram a Rede Brasileira


de Televisão, composta por: Emissoras Associadas [TV Tupi (São Paulo e
Rio de Janeiro), TV Paraná (Curitiba), TV Itacolomi (Belo Horizonte), TV
Piratini (Porto Alegre), TV Itapoan (Salvador) e TV Rádio Clube (Recife)], TV
Globo (Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e São Paulo), TV Rio (Rio de
Janeiro, em preto e branco), TV Iguaçu (Curitiba), TV Jornal do Comércio
(Recife), TV Cultura (Florianópolis) e TV Difusora (Porto Alegre).

Para a geração das imagens da festa, a responsável TV Difusora de Porto Alegre se utilizou de
equipamentos fabricados pela EMI Eletronics, na Inglaterra. A emissora era afiliada da REI -
Rede de Emissoras Independentes, cuja TV Record de São Paulo era a emissora-líder. A TV
Difusora - Canal 10 contou com a colaboração da TV Rio, de sua propriedade, da TV Piratini, TV
Caxias e da TV Globo, que enviou os atores Francisco Cuoco, Tônia Carrero e o locutor Heron
Domingues para animar a festa. A retransmissão em cores foi feita por uma rede com cerca de
20 emissoras espalhadas pelo Brasil. Vinte jornalistas estrangeiros e a rede europeia de televisão
Eurovision estiveram em Caxias do Sul para a cobertura e gravação do evento. Estimou-se a
presença de 600 mil turistas.
Os eventos que compuseram a abertura da XII Festa da Uva foram divididos em dois blocos: das
9h às 10h30 e das 14h45 às 15h30. O primeiro mostraria a chegada do presidente da República,
Emílio Garrastazu Médici, e a solenidade oficial de abertura. Na parte da tarde, era a vez da
apresentação do tradicional desfile pelas ruas da cidade, com 42 carros alegóricos e diversos
grupos escolares no solo, o ponto alto do evento, rico em cores e tons. O tema daquele ano foi a
história da colonização italiana no Rio Grande do Sul, mas também seriam mostrados aspectos
das atividades predominantes na região, principalmente da vitivinicultura.

Uma inesperada pane num dos aparelhos de micro-ondas que


retransmitiriam os sinais coloridos de Caxias do Sul para as 20
emissoras do país que alugaram canal da Embratel, impediu que a
Rede Brasileira de Televisão levasse ao ar, na parte da manhã, o
primeiro teste da televisão colorida no Brasil. A Empresa Brasileira
de Telecomunicações [Embratel] informou que o defeito foi causado
pela baixa tensão na rede elétrica e que teve que substituir às
pressas o aparelho danificado. [...] Com isso, as emissoras deixaram
de entrar em cadeia no período das 9h30 às 11h. Mas, exatamente
às 14h45, como estava previsto, as imagens geradas pela TV
Difusora em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, começaram a
ser retransmitidas pela Embratel para todo o país. Nos primeiros
minutos, os vídeos mostraram aspectos do local onde se daria o
desfile de abertura da Festa da Uva, que foi inaugurado pela manhã
pelo presidente Médici. (“Iniciada Transmissão de TV a Cores no
Brasil”, Diário do Paraná, 20/02/1972, p. 5)
496 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Apesar dos testes bem-sucedidos realizados no dia anterior entre a Embratel e a TV Difusora,
um problema técnico surgiu pouco antes do início da abertura das solenidades e nenhum sinal
chegou à Embratel para a distribuição nacional. Sem solução imediata, a transmissão do evento
foi feita apenas para a região de Caxias do Sul e Porto Alegre, algo que frustrou milhares de
telespectadores situados em diversas cidades do Brasil, entre eles, cerca de 600 famílias
brasileiras que puderam adquirir um receptor em cores. Em diversas cidades foi comum avistar
calçadas repletas de curiosos em frente às lojas que vendiam televisores. Para a transmissão da
segunda parte do evento, iniciada às 14h45, o problema já estava superado e, segundo avaliação
da Embratel, as imagens recebidas nas capitais foram de ótima qualidade, apesar de alguns
populares que acorreram às vitrines das lojas tenham se declarado decepcionados, de certa
forma, porque esperavam uma fidelidade maior. Isso se deu porque muitos dos vendedores ainda
não tinham prática para ajustar perfeitamente as imagens dos televisores de demonstração.

Festa da Uva, em Caxias do Sul


(RS): primeira transmissão oficial
de televisão em cores no Brasil.
(Portal Festa da Uva/reprodução)

A unidade móvel da TV Difusora de Porto Alegre, responsável pela geração das imagens em cores da Festa da
Uva, em 1972. (Assis Hoffmann/Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo)

Na tarde do dia seguinte (domingo, 20), foi realizada uma segunda experiência de TV em cores
pelo Ministério das Comunicações, entretanto, com retransmissão não obrigatória pela rede
brasileira de TV em cores. Trata-se de uma partida amistosa de futebol entre Associação Caxias
x Grêmio, atração que também fazia parte da Festa da Uva, evento que se estenderia até o dia 19
de março. A partida foi finalizada sem gols, mas ficou marcada como a primeira transmissão em
cores de um jogo de futebol no Brasil. Por não ser obrigatória, poucas emissoras a transmitiram,
mas, devido à boa qualidade técnica que a TV Difusora de Porto Alegre obteve, o videoteipe
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 497

colorido acabou sendo exibido pela TV Rio e pela TV Record de São Paulo.

A TV Difusora - Canal 10 de Porto Alegre foi inaugurada em 1969, sob a


administração da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos. A emissora,
tal como a TV Gazeta de São Paulo, já foi montada com equipamentos
preparados para transmitir em cores. Contudo, a TV Difusora foi
inaugurada um ano antes que a TV Gazeta e realizou, eventualmente,
algumas demonstrações de programas em cores, transmitidos em circuito
interno para convidados, como ocorreu em julho de 1971, quando os
ministros das Comunicações, da Fazenda e da Indústria e Comércio foram
à emissora para assistir uma transmissão especial de avaliação do sistema
PAL-M. Em 1972, já durante o cronograma de implantação definitiva
da TV em cores, a TV Difusora foi a primeira no Brasil a iniciar os testes
de transmissão com o sinal padrão colorido (ainda estático), em 13 de
janeiro, e a primeira a transmitir programas em cores experimentalmente,
exibindo filmes a partir do dia 20 de janeiro.

Testando as Cores Durante a Programação

As primeiras transmissões experimentais com programas em PAL-M na TV Tupi de São Paulo


foram feitas sem alarde, direcionadas apenas aos técnicos da emissora. Quem já estivesse
em posse de um novíssimo receptor PAL-M nacional também poderia acompanhar os testes
de sinal policromático do Canal 4. Foram exibidas, ao vivo, algumas edições em cores dos
programas “Flávio Especial”, “Clube dos Artistas” e “Pinga-Fogo”, aquele em que o diretor
Edmundo Monteiro se pronunciou amplamente sobre a implantação da TV em cores. “Flávio
Especial” foi o primeiro programa de auditório a ser transmitido em cores no Brasil, indo ao ar
experimentalmente em 29 de fevereiro. Naquela noite, a movimentação observada no caminhão
de externas chamou a atenção de quem compareceu no auditório do Teatro Tupi, no Sumaré. Isso
porque nem os convidados e sequer o próprio Flávio Cavalcanti sabiam dos testes. Foi uma grata
surpresa quando a produção ligou um monitor colorido no palco do programa.

Lançamento Comercial da TV em Cores no Brasil

A data escolhida para a estreia oficial da televisão em cores no Brasil iria ser bastante movimentada.
O dia 31 de março de 1972 seria um feriado, onde se celebraria a “Sexta-Feira da Paixão” e,
ainda, o oitavo aniversário da “Revolução Militar” de 1964. Para evitar concorrência entre as
emissoras durante a programação especial em cores e para promover uma união tecnológica, o
ministro Hygino Corsetti sugeriu a formação de um novo pool de emissoras para a transmissão
de uma única programação, proposta unanimemente aceita pelos radiodifusores. Corsetti queria
498 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

que a programação do dia 31 incluísse uma manhã com caráter religioso, devido à data especial,
seguida por uma tarde esportiva e uma noite com o pronunciamento oficial do presidente Médici
e com espetáculos para encerrar. Também sugeriu que os diretores das estações de TV habilitadas
a transmitir em cores estudassem a possibilidade de mostrar cenas de todo o país, para que os
brasileiros tivessem a oportunidade de ver imagens coloridas de cada estado.
Os meses foram se passando sem que as emissoras efetivamente se movimentassem para
proporcionar uma programação de nível elevado, como desejava o ministro. Na verdade, sequer
pareciam preocupadas com isso. Apenas a TV Bandeirantes de São Paulo tinha feito a “lição
de casa” e preparava um espetáculo esportivo colorido — uma partida de futebol no Estádio do
Morumbi, entre as seleções paulista e carioca. A menos de um mês da inauguração das cores, o
arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, procurou o Ministério das Comunicações e
as estações de TV para cobrar a preparação de alguma apresentação religiosa, como previsto na
grade oficial do dia 31. A resposta foi negativa, mas o religioso foi informado que algo ficaria
definido durante uma reunião entre o ministro Corsetti e as emissoras de TV, a ser realizada no
dia 9 de março.
A partir disso, em virtude de o aniversário da “Revolução Militar” coincidir com a “Sexta-
Feira da Paixão”, o presidente Médici resolveu que a programação oficial do aniversário do
movimento político-militar e da implantação da TV em cores não deveriam ter caráter popular,
festivo ou esportivo. Neste sentido, o próprio governo adiou suas comemorações militares
para o dia seguinte e a iniciativa da TV Bandeirantes também teria que ser adiada1. Como esta
medida foi uma importante baixa para a programação de estreia das cores, que perdia seu brilho e
ganhava problemas, ficou decidido que a programação de inauguração realmente ficaria reduzida
e, em rede, seriam transmitidos apenas os discursos do presidente Médici e do ministro Corsetti,
além de um filme sobre o Brasil e uma programação religiosa, que poderia ser a transmissão
da tradicional procissão de Tubarão (SC) ou da grandiosa representação da Paixão de Cristo
em Nova Jerusalém (PE). Nos demais horários, quando não houvesse transmissão em cadeia
nacional, cada emissora estaria livre para exibir o que quisesse, em cores ou não.
Refletindo as decisões tomadas, o programa que reuniria imagens em cores de diversas emissoras
do Brasil foi substituído por uma coletânea de 54 minutos com filmes coloridos, produzidos
pelos documentaristas Jean Manzon e Isaac Rosenberg, sob encomenda da Volkswagen. Para
a transmissão da programação religiosa, seria necessário deslocar caminhões de externas até
Tubarão ou Nova Jerusalém e a ideia teve de ser abandonada. Em seu lugar, programou-se uma
missa celebrada pelo papa Paulo VI, direto de Roma, em cores, via Embratel.
Os pronunciamentos do presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, e do ministro das
Comunicações, Hygino Corsetti, deveriam ser gravados no Palácio da Alvorada, em Brasília,
ambos em cores. Entretanto, uma dificuldade técnica surgiu no início daquela semana, quando
se constatou que nenhuma das redes nacionais de televisão teria condições técnicas de transmitir
imagens coloridas com nitidez, de Brasília para a Embratel, devido a insuficiência de iluminação
adequada. A solução surgiu somente dois dias antes da inauguração das cores, quando a TV
Gazeta - Canal 11 de São Paulo se prontificou a fazer a geração das imagens em cores para o pool
de emissoras de todo o Brasil, por meio de seus equipamentos de fabricação Marconi, incluindo
uma câmera Mark-8. A direção da emissora declarou que para suas lentes Marconi não haveria
problemas para gravar com iluminação interna no Palácio da Alvorada e que sua unidade móvel
poderia ser transportada para Brasília sem prejuízo da programação em São Paulo. A partir disso,
a dificuldade foi encontrar um avião que pudesse transportar o ônibus da emissora paulistana.

1 A TV Bandeirantes tentou remarcar o evento, mas os compromissos dos jogadores com os


campeonatos e dificuldades para uma nova reserva de canal com a Embratel inviabilizou a
iniciativa.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 499

O problema foi resolvido com a decisão de enviar somente os equipamentos do ônibus. Com o
apoio do governo do estado de São Paulo e do próprio governo federal, logo após o término da
transmissão experimental em cores da corrida de Fórmula 1, realizada no dia 30, no Autódromo
de Interlagos, em São Paulo, os equipamentos e uma equipe da TV Gazeta foram levados a
Brasília por meio de um avião da Vasp e outro da Embraer.
A participação do ministro Corsetti estava marcada para as 8h30 e, após quase toda a madrugada
realizando a montagem e os testes com os equipamentos, tudo ficou pronto pela manhã. A
ligação com a Embratel foi estabelecida para levar o sinal até sua sede no Rio de Janeiro, onde o
pronunciamento seria gravado em videoteipe colorido para transmissão em rede às 15h, abrindo
a programação especial em cores.

A apresentação foi feita pelo jornalista Geraldo Vieira, da TV Gazeta,


com as seguintes palavras: “A televisão brasileira vive hoje um dia
histórico. Inaugura o seu sistema a cores, nesta semana em que o povo
católico do Brasil reverencia a morte de Cristo e em toda a nação
brasileira assinala a passagem do oitavo aniversário da Revolução
democrática de 1964. É com muita honra que a televisão brasileira
recebe hoje, diante de suas câmeras, o excelentíssimo ministro das
Comunicações, Hygino Corsetti, o artífice da implantação do sistema
a cores nas transmissões de TV no Brasil”. Em seguida, o ministro
Corsetti iniciou sua fala, que teve a duração de oito minutos. Ao seu
lado, a Bandeira brasileira, e, servindo como fundo, uma tapeçaria
de Di Cavalcanti. Findo o pronunciamento, os técnicos da Embratel,
que gravaram o tape no Rio de Janeiro, informavam que tinha sido
excelente a qualidade da imagem. (“Televisão a Cores Inaugurada
no Brasil”, Folha de São Paulo, 01/04/1972, p. 6)
O presidente Médici chegou ao palácio pouco depois do término da gravação do ministro
Corsetti. Seu discurso, todavia, não seria pautado na inauguração da TV em cores e, sim, no
oitavo aniversário da “Revolução de 1964” e nos seus planos de governo. A exibição aconteceria
às 20h30, em cadeia nacional de rádio e televisão. Contudo, diferentemente do ministro Corsetti,
o presidente foi gravado em outra sala, por outra equipe de TV, com outros equipamentos e...
em preto e branco. Não há explicações sobre o motivo dessa escolha, mas é possível que seja
por opção pessoal, já que o tema a ser abordado pelo presidente não seria a inauguração da TV
em cores.
Após todos os revezes, a grade de programação em cores da TV Tupi - Canal 4 de São Paulo,
programada para o dia 31 de março de 1972, assim ficou constituída:
500 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Às 15h as emissoras formaram a rede nacional e retransmitiram os sinais gerados pela Embratel.
Foi exibido o videoteipe de oito minutos com o pronunciamento do ministro Hygino Corsetti,
onde ele relatou todo o processo de desenvolvimento da televisão em cores no Brasil, mostrou
as vantagens da escolha do sistema PAL alemão e, por fim, declarou inaugurado oficialmente o
sistema de TV colorido. Em seguida, a Embratel apresentou, em cores, o filme italiano “Vida,
Paixão e Morte de Jesus Cristo” e a coletânea de filmes “Conheça o Brasil”, de Jean Manzon.
A rede nacional foi desfeita às 18h e as emissoras ficaram livres para exibir a programação que
quisessem por 2h30 (a maioria exibiu a programação regular em preto e branco de uma sexta-
feira comum e a Tupi exibiu a cerimônia da Sexta-Feira Santa “Via Crucis”, com o papa Paulo
VI, direto de Roma). Às 20h30, a rede foi restabelecida com o presidente Médici falando à nação
por meio da gravação em videoteipe preto e branco. Às 21h, as emissoras ficaram liberadas para
veicular seus conteúdos exclusivos em cores e a Rede Tupi colocou no ar, ao vivo para todo o
Brasil, o “Mais Cor em Sua Vida”, um especial musical, produzido e gerado pela Tupi de São
Paulo e apresentado por Walter Forster e Cidinha Campos. O programa deu as boas-vindas às
cores e mostrou apresentações dos cantores Vinícius de Moraes, Toquinho, Elizeth Cardoso,
Jorge Ben, Agnaldo Rayol e Dorival Caymmi. Durante as apresentações, modelos dançavam no
palco, trajando vestidos coloridos desenhados pelo estilista Clodovil. Também houve desfiles
com tais modelos. O show foi dirigido por Fernando Faro e produzido por Daniel Loforte e
Alcindo Diniz. A produção foi feita no “Estúdio-Palco” do Sumaré.

Felizmente, a fita do especial “Mais Cor em Sua Vida” sobreviveu ao


abandono e à ação do tempo a que foi submetida entre 1980 e 1989 (ver
Capítulo 48). Ela está preservada e em posse da Cinemateca Brasileira1.

1 Link: youtu.be/U6iH4KcQw3c.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 501

A TV Globo exibiu sua primeira produção própria em cores naquela mesma noite, às 21h, uma
peça do “Caso Especial”, adaptada pela escritora Janete Clair, e que contou com a participação
de grandes estrelas do seu elenco de novelas. O episódio, chamado de “Meu Primeiro Baile”,
ganhou o posto de primeiro teleteatro em cores da TV brasileira.
No dia seguinte, 1º de abril, às 20h, a TV Tupi festivamente exibiu um grande clássico do cinema
em cores para celebrar a nova fase da TV brasileira: “A Volta ao Mundo em 80 Dias” (EUA,
1956), com David Niven e Cantinflas.

Walter Forster e Cidinha Campos no histórico


“Mais Cor em Sua Vida”. (reprodução)

Campanha publicitária de estreia da programação


colorida da Rede Tupi. (reprodução)

Logomarca da programação Tupicolor,


surgida em 1972. (reprodução)
502 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Desenvolvimento da Programação em Cores na Tupi

As emissoras ficaram obrigadas a transmitir ao menos duas horas semanais de programação em


cores, contudo, esse tempo foi superado rapidamente. A Tupi passou a identificar o processo
das cores de seus programas como “Tupicolor”, uma espécie de marca registrada, e usou o
slogan “Mais Cor em Sua Vida”. A proposta do diretor da emissora, Cassiano Gabus Mendes,
foi transmitir em cores os programas de auditório de maior audiência de forma rotativa, um por
semana, começando com “Silvio Santos” (dia 06/04), “Clube dos Artistas” (14/04) e “Flávio
Especial” (18/04). Inicialmente, a maior parte da programação colorida do Canal 4 foi ao ar
pelo equipamento de telecine da Philips, ou seja, filmes, séries e desenhos animados. Em abril,
estrearam em cores as séries norte-americanas de sucesso “Hawaii 5-0”, “O’Hara” e “Glenn
Ford é a Lei”. Duas vezes por mês, o “Cine Espetacular” exibiu longas-metragens coloridos1.
Também foram licenciados episódios coloridos de atrações antes exibidas em preto e branco,
como as animações “A Pantera Cor-de-Rosa” e “Tom & Jerry”. Partidas de futebol também
passaram a entrar no ar em cores, mas apenas duas vezes por mês.
De forma gradativa, mais programas de auditório e jogos de futebol foram migrando para as cores
e, em 1973, a TV Tupi de São Paulo já era a recordista no Brasil, com 15 horas de programação
colorida por semana. A partir de outubro de 1974, o horário nobre da TV Tupi — das 19h à 0h
— passou a ser todo em cores, incluindo as novelas, passando a ser a única rede com tal volume
de produção nacional policromática. Somente entre 1977-78 é que as programações de todas as
redes foram compostas exclusivamente por programas em cores, exceto algumas reprises em
preto e branco. Vale dizer que, por muitos anos, os intervalos comerciais continuaram sendo
produzidos em preto e branco, ainda devido ao alto custo das cores.

Contrariando expectativas — que apontavam uma retração na


demanda de aparelhos em preto e branco — e a experiência de países
que já tinham TV em cores, o mercado P&B [preto e branco] não foi
afetado pela chegada da TVC [TV em cores]. Muito pelo contrário, as
vendas de aparelhos P&B cresceram 15% em 1972 e cerca de 30% em
1973, quando atingiram a cifra de 1,36 milhão de unidades. Como se
sabe, tanto na Europa como nos EUA, o lançamento da TV em cores
provocara fortes quedas nos respectivos mercados P&B. A exceção
verificada no Brasil é explicada pelo fato de que o mercado nacional
de aparelhos em P&B não estava — e ainda não está — totalmente
explorado. Assim, os TVs P&B que não foram comprados por aqueles
que preferiram adquirir TVCs encontraram saída na demanda por
parte de pessoas que só então passavam a ter condições de possuir
o primeiro TV, evidentemente do tipo P&B. (“O Desenvolvimento
da Televisão no Brasil”, O Estado de São Paulo, Suplemento do
Centenário, 04/10/1975, p. 2)
1 Adquirir os direitos de exibição de um filme longa-metragem em cores era significativamente
mais oneroso que de um filme em preto e branco.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 503

Na fase de implantação da TV colorida no Brasil, as perspectivas mais otimistas feitas por


especialistas internacionais em vendas, enviados ao Brasil pelas grandes fábricas, previram a
comercialização máxima de 45 mil aparelhos receptores em todo o país. Felizmente, o ano de
1972 foi encerrado com vendas superiores a 60 mil unidades. Em outubro de 1973, um ano e
meio após o lançamento da TV em cores, o cenário continuava bem animador. Haviam sido
vendidos cerca de 115 mil televisores coloridos em todo país, com expectativa de fechar o ano
com 145 mil.
Os consórcios foram uma boa saída para alavancar as vendas. “O brasileiro é o maior comprador
mundial de televisão em cores, proporcionalmente ao seu consumo de aparelho em preto e branco.
[...] Com base em dados estatísticos de produção e venda de TV em cores em outros países, os
fabricantes revelam que o Brasil tem o mercado mais revolucionário do mundo, em termos
de absorção desses aparelhos”, revelou uma reportagem do “Jornal do Brasil”1. O crescimento
desse consumo só não foi maior devido à incapacidade da indústria de atender toda a demanda.
Isso porque faltava matéria-prima.
Ainda sobre os dados de outubro de 1973, os preços à vista dos televisores já haviam caído
consideravelmente. O aparelho com 26 polegadas, único tamanho fabricado no começo da
produção e vendido por mais de Cr$ 7,5 mil, já estava sendo encontrado a Cr$ 5,6 mil. Tamanhos
menores passaram a ser fabricados e os preços eram ainda melhores: Cr$ 5,3 mil (22”), Cr$ 5,1
mil (20”) e Cr$ 4,6 mil (17”).

Quanto às mudanças artísticas nos programas em cores, tornou-se comum ver alguns exageros
em figurinos extra-coloridos, usando “rosa-choque, laranja-flamante e vermelho-cheguei”,
como criticou uma jornalista. De fato, certos excessos nos tons prejudicavam aqueles milhões de
pessoas que assistiam ao mesmo programa em preto e branco, pois muita informação da imagem
se perdia ou se confundia. Mesmo assim, “a qualidade da TV em cores brasileira é considerada
pelos técnicos estrangeiros — americanos e alemães, inclusive — como excepcional”, declarou
Edvaldo Pacote, em 1973, ao “Jornal do Brasil”2. Ele era o responsável pela divulgação da TV
Globo e ressaltou o sucesso da adaptação do sistema PAL alemão com o padrão “M” norte-
americano, abrindo, inclusive, o mercado de exportação de programas em cores da emissora,
como a novela “O Bem Amado” (1973), a primeira em cores no Brasil.

Agora tudo é em função das cores. Mas os técnicos têm que levar em
consideração que a quase totalidade dos aparelhos ainda é em preto
e branco, por isso, estudam os meios de coadunar os dois sistemas,
para que a imagem também seja de igual qualidade. Um detalhe que
está presente neste trabalho é a relação das cores com os tons de
cinza dos aparelhos comuns — um problema para os cenógrafos e
iluminadores. O azul-escuro equivale ao cinza-escuro; o amarelo-
claro ao cinza-claro. (“Técnicos Falam Sobre Teste de TV a Cores”,
Diário do Paraná, 23/02/1972, Primeiro Caderno, p. 5)
1 “Os Altos Índices de Audiência da Imagem Colorida”, Jornal do Brasil, Revista de Domingo,
02/12/1973, p. 1.
2 Ibidem.
504 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

As transmissões oficiais de televisão em cores foram inauguradas no Brasil com poucos anos
de atraso em relação à maioria dos países desenvolvidos, algo que fez com que nosso país
tivesse que, literalmente, pagar um preço alto por isso. Contudo, o governo brasileiro pretendia
vender a tecnologia PAL-M para outros países latino-americanos, abrindo mercado para exportar
cinescópios, televisores e negociar seu know-how.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 505

CAPÍTULO 39
REDE TUPI VIA EMBRATEL, PARA TODO O BRASIL

A formação de redes foi uma evolução natural a partir da chegada do


video-tape no Brasil, em 1960. As emissoras situadas fora do Rio e de
São Paulo foram pouco a pouco substituindo suas produções locais
por video-tapes daqueles grandes centros. Tal prática, porém, não
configurava a constituição das redes, com as emissoras continuando
totalmente independentes para alugar VTs de quem desejassem,
sendo comum um canal misturar espetáculos oriundos de várias
procedências. As “Associadas” foram as primeiras a partir para
a centralização da produção (Rio e São Paulo) e a Globo adotou
este sistema tão logo começou a expansão para outros estados.
Mas, o ponto alto da fase dos VTs ficou por conta da época de ouro
da Excelsior (novelas produzidas em São Paulo e shows no Rio)
e, depois, da Record, que reinou absoluta durante alguns anos,
quando, em termos de audiência, teve a faca e o queijo na mão
para formar uma poderosa rede nacional. O grande impulso para
consolidação das redes veio por conta da implantação do Sistema
Nacional de Telecomunicações, permitindo transmissões diretas. As
“Associadas” já possuíam o maior número de emissoras espalhadas
pelo país, aguardando apenas os enlaces da Embratel para interligá-
las, ao mesmo tempo em que afiliavam estações regionais para
cobrir novas áreas. A Globo, única com possibilidades de fazer
frente a tal expansão em prazo relativamente curto, tinha poucas
estações próprias e partiu para a afiliação das demais. Estas, por
uma questão de sobrevivência, tiveram que optar entre aquelas duas
redes ou continuar autônomas, porém agrupadas, daí nascendo
a REI [Rede de Emissoras Independentes]. Formadas as redes e
interligadas as estações de cada uma através de enlaces próprios ou
da Embratel, a consequência natural seria a programação nacional.
A princípio, os programas diretos ficavam restritos àqueles ao vivo
(“Flávio Cavalcanti”, “Silvio Santos”) e aos noticiários (“Jornal
Nacional”). Porém, em 1974, a Rede Tupi lançou a programação
nacional, seguida pela Rede Globo no início deste ano [1975]. A
exceção dos filmes, a apresentação dos programas é simultânea em
todas as cidades pela rede. Os tapes dos programas são transmitidos
pela central da rede para as demais estações via Embratel, durante
o período da madrugada — quando as tarifas são mais baratas —
e lá gravadas para serem levadas ao ar no mesmo dia. Apenas os
noticiários são transmitidos instantaneamente. (“O Desenvolvimento
da Televisão no Brasil”, O Estado de São Paulo, Suplemento do
Centenário, 04/10/1975, p. 2)
506 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

As Emissoras Associadas fizeram realizar — no Rio de Janeiro —


reunião da cúpula diretiva do setor de televisão, armando-se para
que todo o Brasil seja coberto via Embratel pelo indiozinho —
símbolo da Associadas A primeira providência da Rede Tupi foi
dividir os afazeres e responsabilidades: São Paulo fica encarregado
da produção das telenovelas e os “shows” musicais estão a cargo
da equipe guanabarina. (“Televisão”, Gil, Diário da Noite [SP],
19/07/1971, p. 11)

E
m 1971, o Ministério das Comunicações começou a disponibilizar canais de satélite para
telecomunicações domésticas, ou seja, para uso de massa, como a transmissão de sinais
de emissoras de TV. O serviço foi operado pela estatal Embratel - Empresa Brasileira de
Telecomunicações que, por sua vez, se utilizava da estrutura do serviço internacional de satélites
Intelsat.
Quando os Diários e Emissoras Associados começaram discutir a geração via satélite de alguns
programas de televisão para suas emissoras em todo o Brasil, surgiram dúvidas sobre qual das
duas TVs Tupi seria a responsável pelo feito: o canal 4 paulistano ou o canal 6 carioca? Duas
propostas foram consideradas. Na primeira, a TV Tupi carioca geraria conteúdo para as emissoras
das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, enquanto a emissora de São Paulo geraria
para os canais do Sul e Sudeste (exceto RJ). A outra proposta, que foi a vencedora, definiu que a
Tupi de São Paulo ficaria responsável pela produção de telenovelas e teleteatros para toda a rede,
enquanto a Tupi do Rio se encarregaria de produzir shows e programas de auditório também
para todas as emissoras do país. Já o telejornalismo ficaria por conta de cada emissora. O acordo
foi estabelecido, mas somente após a superação das diversas divergências entre os condôminos1,
haja visto a corriqueira disputa por mais liderança dentro da organização “Associada”.

As diferenças entre as diretorias da TV Tupi carioca e paulista aconteciam


desde o início dos anos 1960. O fato chegou a gerar duas situações
curiosas e inusitadas. No final de 1964, a novela “O Direito de Nascer”,
produzida pela TV Tupi de São Paulo, teve sua exibição rejeitada pela Tupi
carioca e acabou sendo exibida na Cidade Maravilhosa pela concorrente
TV Rio - Canal 13, que comprou os direitos de exibição. A direção da Tupi
carioca teria julgado que a novela não atingiria boa audiência por já ter
sido apresentada pelo rádio alguns anos antes. Ao contrário, “O Direito
de Nascer” — estrelada por Nathalia Timberg, Amilton Fernandes e Isaura
Bruno — se tornou um dos maiores sucessos em audiência da televisão
brasileira, atingindo, no último capítulo, o índice de 99,75% dos televisores
ligados, com direito a festa de encerramento no Ginásio do Ibirapuera, em
São Paulo.

1 Lembrando que condômino — ou comunheiro — é uma figura que representa os membros do


grupo administrativo dos Diários e Emissoras Associados (ver Capítulo 35).
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 507

Uma situação inversa aconteceu em 1972, quando a novela “Tempo de


Viver”, produzida pela Tupi da Urca, foi rejeitada pelo Canal 4 de São Paulo
e acabou indo ao ar por outra emissora paulistana, a TV Gazeta - Canal
11. O diretor José Arrabal foi o responsável pelo rompimento do acordo
e idealização da Divisão de Novelas montada no Rio de Janeiro. Para ele,
a proposta foi “garantir um ritmo industrial”. “[‘Tempo de Viver’] será
transmitida por 18 emissoras da rede ‘Associadas’ [...] com exceção de São
Paulo, onde sua filiada — e até então o centro produtor de novelas das
‘Associadas’ — continuará apresentando filmes e shows no horário. A Tupi
paulista não quis a novela em protesto contra a ideia de a carioca passar a
ser o centro gerador de programas e novelas das ‘Associadas’”. (“A Novela
da Novela”, Veja, 09/08/1972, p. 80)

Alugando Horários no Satélite

O programa “Cidinha Livre” será transmitido via Embratel para 16


estados brasileiros a partir da primeira semana de outubro. Esse é o
primeiro passo da [chamada] Rede Tupi de Televisão, que lançará,
dentro de pouco tempo, todos os programas da linha de shows via
Embratel, ou seja, ao vivo para todo o Brasil. (O Jornal, 18/09/1971,
2º Caderno, p. 3)

Definida a questão da geração dos programas via satélite, os Diários e Emissoras Associados
passaram a alugar horários junto à Embratel para realização de transmissões. Até então, além
de sua própria rede de transmissão por micro-ondas, as “Associadas” também se utilizavam
da nova rede terrestre da própria Embratel, que chegava a algumas cidades em que a Rede
Brasileira de Televisão Associada não alcançava. No dia 1º de janeiro de 1971, a TV Tupi do
Rio de Janeiro estreou o jornalístico “Correspondentes Estrangeiros Associados”, programa que,
além de noticiários nacionais, apresentou material de outros países, recebido pela Embratel via
satélite. Um dos membros da equipe de jornalismo da Tupi do Rio, nessa época, era o pioneiro
Dermival Costa Lima, que havia ido para a Organização Victor Costa e agora estava de volta às
“Associadas”.
Até que, entre agosto e outubro, ainda de 1971, a TV Tupi do Rio de Janeiro passou a gerar
seus primeiros programas via satélite para todas as Emissoras Associadas do país. Por meio
do contrato com a Embratel, o Brasil pôde acompanhar, inicialmente, “Flávio Cavalcanti”, e
depois “Jota Silvestre”, “Ataque e Defesa”, “Cidinha Livre” e jogos do Campeonato Brasileiro
de Futebol. Estes são, portanto, os primeiros programas de televisão gerados via satélite para
todo o Brasil.
Em maio de 1972, foi a vez do Canal 4 de São Paulo transmitir seu primeiro programa em cadeia
nacional, o tradicional “Clube dos Artistas”. No final do mesmo ano, a Tupi carioca também
estreou o “Discoteca do Chacrinha”, o primeiro programa em cores e via satélite. Uma vez por
508 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

mês, esse programa era gerado em São Paulo.

“Alô, alô Sumaré! Alô, Embratel! Alô, Intelsat III! Alô, alô criançada do meu
Brasil! Aqui quem fala é o Capitão Aza, comandante-chefe das Forças
Armadas infantis deste Brasil”. Este era o bordão de Wilson Vianna, que
vivia o personagem Capitão Aza, apresentador do programa infantil
homônimo, de muito sucesso, produzido pela TV Tupi do Rio de Janeiro a
partir de 1969. Ele passou a ser gerado via satélite em 1974, para a
retransmissão em algumas das afiliadas da Rede Tupi. A TV Tupi de São
Paulo, entretanto, não exibiu esta atração.

O personagem Capitão Aza, vivido pelo


ator Wilson Vianna. (divulgação)

Após as TVs Tupi carioca e paulista iniciarem a transmissão de alguns programas via satélite,
seus diretores passaram a chamar este sistema de “Rede Tupi”, principalmente pelo fato de
já se falar muito em “Rede Globo”. No entanto, somente a geração de programas via satélite
não representava o ideal de formação de uma verdadeira rede. “Programa ‘via Embratel’ é
um conceito; ‘rede’ é outro conceito. A possibilidade de transmitir os programas via satélite é
que deu capacidade de se criar a rede”, explica Marcos Antônio Zago, funcionário da TV Tupi
de São Paulo entre 1971-79. Em suma, as autênticas redes de televisão não englobam apenas
a transmissão conjunta dos programas, mas também o entrosamento entre as emissoras e as
empresas que estão por trás delas. E, justamente, era crônica a falta de entrosamento entre as
emissoras “Associadas” de todo o país.
Desta forma, como não havia uma verdadeira rede implantada, não existia uma gerência
específica para as transmissões via satélite. Como resultado, não havia organização e sequer
um plano estratégico dos programas a serem exibidos. “Subia” para o satélite aquilo que estava
disponível. No entanto, em 1972, quando Orlando Negrão assumiu a superintendência da TV
Tupi de São Paulo e das rádios Tupi e Difusora, começaram a ser esboçadas as primeiras ideias
para a montagem de uma autêntica rede de televisão.

A briga [...] para transmitir programas em horários nobres é grande. A


Embratel, como não pode atender a todas as redes simultaneamente,
numa só direção, atende aos pedidos que recebe rigorosamente pela
ordem cronológica. Quando uma empresa reserva um horário faz também
um depósito, em dinheiro. (“Engenheiro da Embratel Condena Satélite
Doméstico Para a Televisão Educativa”, Jornal do Brasil, 10/03/1972, 1º
Caderno, p. 15)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 509

Canal 4 de São Paulo: Único Gerador de Programação da


TV Tupi

[Em 1973] a Tupi era uma emissora cheia de problemas, ainda


indecisa entre ser a eterna pioneira da televisão no Brasil ou partir
para um esquema industrial. Sua estrutura ainda é a mesma da época
da implantação. Não existe uma produção ordenada, os equipamentos
são antiquados e deficientes, os departamentos quando existem não
funcionam plenamente e, quando conseguem funcionar, não têm
suficiente autonomia financeira para decidir a melhor produção.
(“Gente Nova no Velho Casino”, A. Santos, Diário de Notícias,
14/02/1973, p. 5)
Exatamente no ano em que a TV brasileira comemora o 25º ano de
existência (1975), a atividade da rede pioneira, criada pela antevisão e
coragem empresarial de Assis Chateaubriand, cresce de importância,
principalmente porque, após anos de administração desordenada e
dispersiva, em 1974, enfim, os principais administradores dos Diários
e Emissoras Associados resolveram entender que a filosofia de rede
nacional é a única capaz de enfrentar os altos custos da atividade
e permitir lucros compatíveis com uma televisão progressista e
evoluída. (“Tupi-74 Foi Uma Nova Filosofia”, Artur da Távola,
Revista Amiga, 29/01/1975)
A ida do jornalista Paulo Cabral para a secretaria geral do Ministério
da Justiça desarticulou totalmente a máquina administrativa da Rede
Tupi de Televisão, pois eram nítidos os sintomas de uma gradual
recuperação da cadeia de TVs dos Diários Associados em sua gestão.
Agora, Rubens Furtado está acumulando a direção-geral da rede com
a da TV Tupi do Rio. E já se fala em duas saídas: a primeira é a da
transferência do comando da organização para São Paulo (Edmundo
Monteiro) e a segunda é uma opção natural (Almeida Castro). (“Nas
Malhas da Rede”, Tribuna da Imprensa, 18/03/1974, p. 5)
No início de 1974, a TV Tupi do Rio continuava gerando para toda a rede de 17 emissoras, via
satélite, seus shows, jornais e programas de auditório. Para a transmissão local, produzia mais
jornais, coberturas esportivas, infantis e humorísticos. Contudo, a empresa Rádio Tupi S/A, que
englobava o canal 6 e a Rádio Tupi do Rio, tinha um déficit de Cr$ 100 milhões e acumulava
sete meses de salários atrasados. Para as emissoras da rede, a TV Tupi do Rio sempre representou
a principal fonte geradora e tinha que assumir o seu papel como tal. As emissoras afiliadas
procuravam se suprir de programação, dinheiro, profissionais etc., mas sem retorno algum para
a Tupi carioca, que também não era indenizada pelos gastos com equipamentos modernos para
geração dos programas para a rede. Assim, os prejuízos foram se acumulando com os anos.
A péssima situação financeira da Tupi carioca vista em 1973-74 prejudicava toda a rede, já
que os constantes processos contra a emissora acabavam repercutindo nas pessoas jurídicas
dos jornais e das outras emissoras de rádio e TV do grupo. Isso porque a Justiça do Trabalho
resolveu considerar as empresas dos Diários e Emissoras Associados juridicamente como um
todo, obrigando a Rádio Tupi S/A a pagar tudo o que fosse determinado, mesmo que os débitos
510 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

pertencessem a outros veículos daquele conglomerado econômico1.


Diversas reuniões foram feitas entre os condôminos para tentar salvar a emissora carioca de um
provável colapso financeiro. Após forte investida de Edmundo Monteiro — diretor-presidente
dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina — os condôminos
acataram a proposta de encerrar a custosa produção de programas para a rede no Rio e centralizar
a geração da Rede Tupi no Canal 4 de São Paulo. Na ocasião, de um modo geral, os Diários
e Emissoras Associados estavam com bastante recursos em caixa, provenientes de diversas
transações econômicas e financeiras realizadas recentemente para sua reabilitação, como vendas
de terrenos, créditos bancários e financiamentos. Monteiro venceu a resistência do presidente
João Calmon e conseguiu se tornar o homem forte do Condomínio Acionário Associado, na qual
era vice-presidente. Lembrando que Monteiro
A TV Tupi do Rio de Janeiro deixou de gerar programas para a Rede Tupi em abril de 1974. A
segunda emissora de televisão inaugurada no país — produtora de numerosos shows e programas
de auditório memoráveis — se tornou uma repetidora da rede, passando a produzir, apenas,
alguns programas locais.
Edmundo Monteiro promoveu diversas reformulações nas emissoras cariocas e, segundo ele,
a situação financeira poderia se normalizar de oito meses a um ano, já que o Canal 6 não teria
mais os altos custos operacionais. Ou seja, a previsão era que, em médio prazo, a Tupi do Rio se
tornasse rentável a ponto de cumprir sua folha de pagamento e saldar seu passivo.

Em 1974, a nossa emissora carioca praticamente não reunia condições


de sobrevivência, precisando recorrer à sua irmã paulista como
geradora de programação. Com mais esse ônus, três anos depois a
Tupi de São Paulo começou a sentir também os efeitos do virtual
monopólio privado na área da televisão [TV Globo]. Para fazer
frente a essa crise, os “Associados” de São Paulo venderam vários
bens, que listei em uma demonstração de que não nos recusávamos
à desmobilização quando necessária. Havíamos vendido não apenas
a TV Cultura e a Rádio Cultura como a TV Coroados de Londrina e
a TV Paraná de Curitiba, além do Diário do Paraná, de um valioso
terreno em Interlagos [...] na Capital paulista. (“Minhas Bandeiras
de Luta”, João Calmon, Fundação Assis Chateaubriand, 1999:486-
487)

O superintendente Orlando Negrão chegou a declarar que “esse quadro logo se inverteria, desde
que o Rio compensasse novamente como centro gerador”. Contudo, é fato que a centralização
da geradora da Rede Tupi em São Paulo dava oportunidade para a criação de um gerenciamento
de programação, que permitiria transformar definitivamente a cadeia de retransmissoras em
uma verdadeira rede de televisão. Isso promoveria maior racionalização operacional nos planos
artísticos, retomaria a condição de competitividade na audiência e traria mais receita comercial.
Tornar a Tupi de São Paulo uma geradora única foi uma atitude apresentada como providência
primordial. Contudo, a notícia foi recebida com certa reserva pelos funcionários da TV Tupi da
Urca, visto que essas medidas gerariam desemprego.

1 “Dinheiro Alto Pode Acabar Com a Tupi”, Eli Halfoun, Última Hora, 06/05/1975, n.p.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 511

É evidente que Edmundo Monteiro não tem no bolso do colete (os


paulistas costumam usar coletes) uma solução mágica para os males
da Tupi do Rio. Existe um trabalho a realizar, nos mais diversos
planos. E os 100 milhões que se supõe sejam a reserva do grupo
paulista para a operação de recuperação, são realmente o mínimo de
investimento para quem somente de passivo e déficits operacionais
já teria chegado à cifra idêntica [...]. E mais: dinheiro não é solução
mágica. Não basta apenas saldar todos os compromissos financeiros
e esperar que a emissora se recupere imediatamente. Como o
comando paulista vem demonstrando disposição para enfrentar o
problema, pergunta-se: e os nomes capazes de suscitar novas atitudes
favoráveis da parte do mercado publicitário? E os profissionais que
podem inspirar confiança no mercado? E os executivos, os únicos que
podem definir alternativas para o futuro da empresa? (“Um Caminho
Para a Tupi, no Ar [Melhorar e Impedir o Monopólio])”, Antonieta
Santos, Diário de Notícias [RJ], 17/04/1974, p. 15)

O Cassino da Urca, antiga sede da TV


Tupi no Rio de Janeiro, que em 1974
deixou de gerar programas para a rede
nacional da TV Tupi. (Eurico Dantas/
Agência O Globo)

A central de produção da Tupi na Urca era responsável por importantes produções. Com o
“encolhimento” de sua central de produção, os programas do Velho Guerreiro — “Discoteca
do Chacrinha” e “Buzina do Chacrinha” — foram cancelados, assim como diversos outros.
“Balança, Mas Não Cai”, “Os Trapalhões” e “Flávio Cavalcanti” foram poupados dos cortes,
mas se mudaram para São Paulo. Alguns poucos programas locais do Rio de Janeiro puderam se
manter no ar, como “AP Show” (com Aérton Perlingeiro) e “Clube do Capitão Aza”. O jornalismo
nacional passou para São Paulo, ficando no Rio um pequeno espaço para o noticiário local. Os
programas de esportes foram divididos ao meio, com Walter Abrahão cobrindo a parte paulista
e a equipe de Rui Porto com a responsabilidade de gerar a transmissão para os cariocas. Em São
Paulo, a central de produção de novelas foi ampliada (curiosamente, as novelas paulistas faziam
sucesso em todas as praças, exceto no Rio de Janeiro) e os programas vespertinos, bem como o
Departamento de Cinema (filmes, séries e desenhos animados) foram todos reestruturados.
512 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Uma Autêntica Rede Tupi de Televisão

[...] 1974, foi, pois, o primeiro ano no qual a Tupi operou em rede,
concentrando a produção em São Paulo e mantendo um ou outro
programa produzido localmente nas cidades e estados onde há
emissoras. Seguramente esta cirurgia já deve ter estancado a sangria
de recursos determinada pela disseminação de estações deficitárias,
situação que levou várias delas à quase insolvência em 1973. É muito
difícil em anos de recuperação econômica de organismos complexos,
como as emissoras dos Diários Associados, poder contar com uma
programação realmente competitiva. São tais os compromissos
financeiros e dívidas a pagar, que os saudáveis resultados da
política de rede nacional ainda não adquiriram tempo e folga
para o investimento em produções realmente competitivas e de boa
qualidade. O início da recuperação econômica da Rede Tupi pode
ser o grande passo que o ano de 1974 permitiu a seus dirigentes que
quase acordam tarde demais para uma política de rede que estava
óbvia há muitos anos. Modestamente (ou não), aqui de meu cantinho,
há pelo menos três anos, eu vinha falando a respeito, mas o pessoal
dos Diários Associados tinha nas suas próprias emissoras dos outros
estados seus maiores adversários e não nas emissoras de outras
empresas. Era inacreditável! Mas enfim e felizmente, acordaram e
essa decisão foi o mais importante fato do ano para a Rede Tupi,
cujo efeito, mesmo de longe, adivinho, na rota de uma recuperação
por todos esperada no benefício da própria televisão brasileira.
(“Tupi-74 Foi Uma Nova Filosofia”, Artur da Távola, Revista Amiga,
29/01/1975)

Em abril de 1974, com a TV Tupi carioca já controlada pelas Emissoras Associadas de São Paulo,
o diretor Edmundo Monteiro e o superintendente Orlando Negrão deram um grande passo para
finalmente estabelecer o conceito e gerenciamento de uma rede nacional de televisão — essencial
para a redução de custos de produção e melhor controle de qualidade de programação. No final
daquele mês, foi publicado um comunicado nos jornais, assinado por Monteiro, informando que,
“por deliberação do Condomínio Acionário das Emissoras e Diários Associados, a programação
da Rede Tupi de Televisão, no horário das 18h30 às 23h30, será gerada e comercializada
através da Rádio Difusora São Paulo S/A (TV Tupi - Canal 4). [...] O objetivo dessa decisão
é uniformizar em todo o Brasil a programação naquele horário, impondo-se tal esclarecimento
devido a notícias tendenciosas terem sido veiculadas por alguns órgãos de imprensa”, informou o
comunicado. Monteiro se referia a boatos de que ele iria interferir administrativamente em todas
as Emissoras Associadas distribuídas pelo país.
Oficialmente, o estabelecimento da Rede Tupi de Televisão aconteceu em junho de 1974, época
da Copa do Mundo da Alemanha. A superintendência exclusiva ficou a cargo de Antônio Lucena;
a direção-artística com Cassiano Gabus Mendes; e a direção-comercial com Fernando Severino.
Para a centralização das produções em São Paulo, o Canal 4 teve que investir em infraestrutura
e ficou definido que os shows e humorísticos fossem produzidos em lugares amplos, como um
cinema ou uma casa de shows. Além disso, foi solicitado que as emissoras do grupo espalhadas
pelo Brasil doassem determinados equipamentos para melhor munir a emissora-geradora. O
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 513

exemplo mais simbólico desta medida foi a transferência da Unidade Móvel Color e de todos
seus equipamentos (incluindo as três câmeras), do Rio de Janeiro para São Paulo, que passou a
contar com duas unidades idênticas. Tratava-se da carreta especial, equipada com uma estação
geradora completa de TV em cores, fabricada pela Philips (ver Capítulo 38).
A fim de que o Canal 6 carioca continuasse gerando algum conteúdo local em cores, o técnico
Roberto Salvi1 fez uma adaptação com a única câmera em cores que restou: a do Telecine2. Ela
passou a ser usada, também, como uma câmera comum, com tripé, garantindo que, ao menos, os
apresentadores do telejornal local pudessem ir ao ar em cores.
Para realizar a produção dos programas, a geradora da Rede Tupi de Televisão, no Sumaré
paulistano, passou a contar com seis estúdios para gravações, cinco unidades móveis (duas em
cores), uma unidade móvel de videoteipe, 22 câmeras de estúdio (seis em cores), 14 máquinas
Quadruplex (videoteipe), três telecines (um em cores), uma mesa de switcher, sete mesas de
produção e uma central de áudio.
No início, a maior parte da programação vista nas afiliadas da Rede Tupi de Televisão não era
transmitida em tempo real, via satélite, pela geradora em São Paulo. Somente os programas
ao vivo de auditório e os noticiários nacionais é que podiam ser vistos ao mesmo tempo em
que eram gerados, ao passo que os demais programas entravam no ar por meio de gravações
em videoteipe. Isso porque, devido ao alto custo do aluguel do satélite durante o dia e a noite,
a Tupi estrategicamente utilizava o período da madrugada para transmitir estes programas
para as afiliadas, a fim de que elas pudessem gravá-los e exibi-los em um horário simultâneo e
preestabelecido. Isso tudo para aproveitar as tarifas mais baixas do chamado “horário reduzido”
da Embratel, já que, durante as madrugadas, havia maior capacidade para o tráfego de TV, pois
era quando caía a demanda prioritária dos bancos e da telefonia. Essas transmissões especiais
da Tupi, na verdade, se iniciaram em 1972, mas se intensificaram com a formação de uma
autêntica rede, em 1974. Elas eram restritas, recebidas apenas pelas afiliadas e não pelo público,
e possibilitaram, pela primeira vez no Brasil, a total simultaneidade da programação em rede em
todas as praças, mesmo que ainda fosse inviável pagar pelo uso do serviço via satélite durante
todo o dia.
Em 1974, a Tupi era, portanto, a maior rede de televisão do país, com 22 emissoras (entre próprias
e afiliadas) distribuídas em quase todos os estados. A TV Globo iniciou a formação de sua rede
no ano seguinte — 1975 —, com 18 emissoras no total, e se tornou a segunda maior do país.
Com o passar dos anos, não era raro aparecerem boatos de que a Tupi da Urca voltaria a gerar
programas, tamanha era a vontade dos cariocas. “São Paulo continuará sendo o centro gerador,
como poderia ser qualquer outro ponto do país. O Rio realizará alguns programas absolutamente
locais”, revelou Edmundo Monteiro em 1977, dando como exemplo o programa “Jota Silvestre”.
Segundo o presidente dos Diários Associados paulista, 1977 seria o ano da TV Tupi, com a
aquisição de novos equipamentos para melhorar a linha de produção em São Paulo, algo que será
assunto no Capítulo 40.
Durante todo o período em que esteve no ar, a Rede Tupi de Televisão chegou a contar com
24 emissoras em todo o Brasil, sendo 14 delas próprias: TV Tupi (São Paulo, SP), TV Tupi

1 O técnico Roberto Salvi trabalhou nas Emissoras Associadas durante quase toda a década de
1970. Primeiro na TV Tupi de São Paulo e depois na Tupi carioca, chegando a ser diretor-técnico
de ambas. Também foi funcionário da TV Globo e TV Excelsior.
2 Equipamento utilizado para transferência de imagens de filme para vídeo. O Telecine permitia
que um filme produzido originalmente para ser exibido no cinema pudesse ser exibido por uma
emissora de televisão.
514 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

(Rio de Janeiro, RJ), TV Itacolomi (Belo Horizonte, MG), TV Brasília (DF), TV Marajoara
(Belém, PA), TV Borborema (Campina Grande, PB), TV Paraná (Curitiba, PR), TV Ceará
(Fortaleza, CE), TV Goiânia (GO), TV Piratini (Porto Alegre, RS), TV Rádio Clube (Recife,
PE), TV Itapoan (Salvador, BA), TV Uberaba (MG), TV Coroados (Londrina, PR) e TV Vitória
(ES). A TV Alterosa (Belo Horizonte, MG) fazia parte dos Diários Associados, mas não era uma
retransmissora da Rede Tupi. Já as afiliadas chegaram ao número de 20, entre elas, a TV Baré
(Manaus, AM), TV Esplanada (Ponta Grossa, PR), TV Cultura (Florianópolis, SC), TV Atalaia
(Aracaju, SE), TV Morena (Campo Grande, MT), TV Centro-América (Cuiabá, MT), TV Cidade
Branca (Corumbá, MT) e a TV Rio Preto (São José do Rio Preto, SP).

Baixas na Rede de Emissoras


A TV Ribeirão Preto saiu do ar em março de 1963, após sua antena ter
sido derrubada por um temporal. Como a emissora estava deficitária, a
direção das Emissoras Associadas de São Paulo decidiu descontinuar a
produção local. Construiu uma torre noutro local para manter apenas a
retransmissão da programação da geradora. Contudo, esta nova estrutura
acabou não sendo ativada. Tempos depois, o transmissor, que funcionava
bem, foi instalado na cidade vizinha de Cravinhos, mas não exibiu nada
além de um slide da TV Tupi. Segundo revela uma obra dedicada à TV
Tupi de Ribeirão Preto1, como a emissora ficou durante anos sem gerar
programação, acabou perdendo a concessão. Um empresário chegou a
assumir esta concessão alguns anos depois, entretanto, revela o livro,
ele não conseguiu colocar sua nova emissora no ar. No fim da década
de 1960, houve em Ribeirão Preto uma manifestação para promover o
retorno das atividades da TV Tupi no Canal 3, mas, todo esforço foi em vão,
em função da decadência dos Diários e Emissoras Associados. Em 1973, o
grupo vendeu a TV Coroados (Londrina/PR) e no ano seguinte, a TV Paraná
(Curitiba).

1 “TV Tupi Ribeirão Preto - A Primeira Emissora do Interior do Brasil”, Lorrane Hamid e Robson
Campi, São Francisco Gráfica e Editora, 2015:106-107.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 515

GALERIA DE FOTOS 2

Os atores Vitória de Almeida e Walter Foster


durante o programa “Ministério das Relações
Domésticas”. (Acervo Museu da TV, Rádio &
Cinema)

No switcher do Canal 3, técnicos transmitem o


programa “Ministério das Relações Domésticas”.
(Acervo Museu da TV, Rádio & Cinema)
516 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Anúncios sobre a mudança do canal de operação da TV Tupi de São Paulo, ocorrida em 1960. (Diário da Noite/
reprodução)

A torre da TV Tupi - Canal 4 de São Paulo,


inaugurada em 1960, no Sumaré. (reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 517

Humberto Bury, gerente da Rede de


Televisão Associada do Interior Paulista,
faz a checagem das estações repetidoras via
telefone. (O Cruzeiro/reprodução)

Bastidores dos estúdios da TV Cultura


- Canal 2 de São Paulo, quando ainda
pertencia aos Diários e Emissoras
Associados. (Coleção “Emissoras
Associadas”/Arquivo Público do Estado de
São Paulo)
518 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Antena da TV Tupi de São Paulo, instalada “Jacaré”, o veículo de reportagem volante


em um acampamento provisório no alto adaptado pelo Canal 3, passa pelo Estúdio
de uma montanha, é usada para envio de “B”, no Sumaré. (Luiz Francfort/Acervo
sinais à longa distância até a emissora. pessoal)
(Marcelo Knoch/Acervo pessoal)

Unidade móvel da TV Tupi de São


Paulo, utilizada durante os anos
1960. (Acervo Museu da Cidade de
São Paulo)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 519

Unidade móvel da TV Tupi de São


Paulo, no ano de 1965, posicionada
em frente ao Teatro Paramount
para uma transmissão especial do
programa “Spot Light”, apresentado
pelo cantor Wilson Simonal. (Acervo
do Museu da Imagem e do Som de
São Paulo)

Anúncio do show de inauguração do Teatro


Tupi-Brigadeiro, realizado em 1969 com a
cantora italiana Gigliola Cinquetti e diversos
artistas nacionais, como Jorge Ben Jor, MPB4 e
Originais do Samba. (reprodução)
520 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Importantes transmissões da TV Tupi realizadas em 1955: “Teatro Lírico” (no Teatro


Municipal de São Paulo), futebol direto da cidade de São Caetano do Sul e, pela
primeira vez, uma transmissão feita à grande distância, com uma partida de futebol
direto da cidade de Santos. (Mário Fanucchi/reprodução)

Parte de um anúncio da RCA-Victor


parabenizando a PRF3-TV Tupi-
Difusora por ter completado um ano no
ar. (reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 521

Logomarca da TV Tupi do
Rio de Janeiro em 1965.
(reprodução)

Slide de “Hamlet”, peça do


programa “TV de Vanguarda”
que foi a pioneira no uso do
videoteipe. (Mário Fanucchi/
reprodução)
522 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Uma câmera RCA TK-15 (esq), que pertenceu à TV Coroados de Londrina, e uma RCA TK-30, usada pela TV Tupi de São
Paulo, ambas preservadas e restauradas para ficar em exposição. (reprodução)

Bairro do Sumaré, em São Paulo,


em meados da década de 1970. Em
primeiro plano, o parque da Sabesp,
localizado na Av. Prof. Alfonso Bovero,
onde se vê dois veículos da TV Tupi
estacionados. Ao alto, o edifício-sede
das Emissoras Associadas. (Ricardo
Gerassi/Acervo pessoal)

Câmera Marconi Mark-IV em operação


durante o programa infantil “Tup Tup
Show”, apresentado por Giovanna Pra-
do. (Giovanna Prado/Acervo pessoal)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 523

PARTE 4
CRISE, CASSAÇÃO E O LEGADO DA TELEVISÃO PIONEIRA

A televisão dá asas à imaginação e eu prevejo o dia em que poderemos


percorrer com os olhos toda a terra, de cidade a cidade, de nação
a nação, com a mesma facilidade com que podemos ouvir, hoje, as
irradiações de todos os países do mundo. (David Sarnoff, presidente
da RCA-Victor, em 1950, durante mensagem de congratulações
recebida na inauguração da PRF3-TV)
524 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

PREFÁCIO
EVA WILMA

Uma História de Amor que Jamais Esqueceremos

A atriz Eva Wilma, que teve longa passagem


pela Rede Tupi. (divulgação)

Quando Elmo e Maurício me convidaram para escrever o prefácio do terceiro livro da trilogia
“TV Tupi: Do Tamanho do Brasil”, esse resgate de memória tão importante da inesquecível TV
Tupi, sinceramente eu quase desisti, diante da enorme responsabilidade de resumir as lembranças
de 70 anos de uma história maravilhosa.
Daí me lembrei do caminho que eu fazia para ir para a emissora, no bairro do Sumaré, em São
Paulo. Passava sempre na frente da casa do seu fundador, o grande Assis Chateaubriand. Lá tinha
um enorme viveiro de pássaros, uma de suas paixões. Chateaubriand, que era um nordestino
“arretado”, foi o responsável por trazer a televisão para o Brasil. Então recordei muito a incrível
emoção que eu tive ao conhecê-lo pessoalmente. É claro!!! E a sensação de começar a conviver
e fazer parte dessa tal “máquina de fazer doido”, como dizia o saudoso Sérgio Porto. Eu dizia, e
digo até hoje: “chegou a janela para o mundo”. Uma janela maravilhosa.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 525

Dentro dessas recordações, eu volto para minha infância, quando ouvia um programa de rádio
que se chamava “Encontro das Cinco e Meia”, escrito por Octávio Gabus Mendes. Ele era pai
do Cassiano Gabus Mendes, que se tornaria o primeiro grande diretor de televisão do Brasil,
justamente na Tupi. Eu não perdia esse programa por nada. Me divertia e me emocionava.
Quando, ainda bem jovem, fui chamada pelo Cassiano para protagonizar um dos primeiros
programas de TV, o “Alô, Doçura!”, ele me disse que se inspirou exatamente no “Encontro das
Cinco e Meia”. Este chamado foi um grande encontro na minha vida e, durante quase dez anos,
o famoso “Alô, Doçura!” esteve no ar.
Foi nesse período que aprendi com Cassiano a fazer televisão; aprendi os tempos e a dinâmica do
humor, e a interpretação de um bom texto. Esta foi a primeira inspiração. Mergulhei profundamente
nesses mais de 60 anos de convívio com tanta gente talentosa, com tantos autores, diretores,
intérpretes e técnicos. Só da equipe técnica, ficaria três ou quatro horas para mencionar todos os
nomes. Então resolvi escolher um, que até hoje nunca me esqueci: o sr. Henrique Canales, diretor
de estúdio. Ele fazia parte de uma família de trabalhadores de televisão, muitos da própria TV
Tupi. Eu me lembro da carinha dele e que ficava de cócoras, no meio do estúdio, soprando as
marcas do roteiro. Não só para nós, como também para os operadores de câmera, os cameramen.
Sempre com um trabalho tão difícil, tão complicado e tão incrível.
Lembro-me da voz do Cassiano, lá longe, no switcher (local onde o diretor comanda e escolhe as
imagens de qual câmera irão ao ar). Lembro-me de ouvir aquela voz do grande diretor: “Vai! Vai!
Vai de perto, vai no close agora! Vai!!!”. A gente chegava a ouvir o barulho da câmera mudando
a lente... Não havia espaço para erro, tudo era ao vivo. Ainda não existia o videoteipe e foi uma
época de muito aprendizado.
Então, me enchi de coragem, e resolvi aceitar esse grande desafio de prefaciar esta obra tão
importante. E, principalmente agora, nove meses depois de vivenciarmos quase uma terceira
guerra mundial com este vírus. Tempos difíceis que estamos atravessando. Talvez até por isso,
saudar o lançamento desta obra, que resgata a importante história da nossa televisão, poderá
estimular o retorno à vida, sem pandemias e sem guerras.
A televisão é nossa janela para o mundo, que nos traz a informação da realidade pelo jornalismo,
e a fantasia, a emoção, as histórias de vida e a criatividade, pela ficção. Tudo para que não
esqueçamos nunca de estimular o principal: o amor.
Ivani Ribeiro, a grande “feiticeira” das histórias de amor na TV brasileira, concordaria comigo.
O amor nos dá sentido à vida.
Amor, como dos tempos da TV Tupi, que nos transborda de saudades e que nos dá força para
continuar. Sempre.
Eva Wilma, atriz.
526 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 40
AS NOVAS CENTRAIS TÉCNICA E DE PRODUÇÃO

Ainda este mês, quando sintonizar o seu televisor na TV Tupi, você vai
assistir [a] uma porção de mudanças nas novelas, nas séries filmadas,
nos quadros humorísticos, nos shows, na programação vespertina,
no telejornalismo e nos especiais que prometem marcar época por
sua importância cultural. E as novidades da Tupi vão continuar em
novos estúdios, novos equipamentos, novas contratações. Tudo isso
para melhorar a imagem do seu televisor. (anúncio de 25 anos da TV
Tupi, Manchete, nº 1224, 04/10/1975, p. 96)

A
pós as incessantes reformas e ampliações realizadas na Cidade do Rádio durante os anos
1950-60, novos planos do gênero foram surgir somente no segundo semestre de 1975,
quando a TV Tupi completava 25 anos. Surgia um grande projeto de reerguimento da
programação nacional da emissora, que estava em plena crise e perdia audiência principalmente
para a Rede Globo, como será retratado no próximo capítulo. Além de investir na contratação
de bons artistas, produtores e diretores, a emissora desenvolveu grande renovação técnica dos
processos de produção, captação, edição e transmissão, já que os equipamentos do Canal 4
de São Paulo — gerador da programação para as 23 emissoras da Rede Tupi de Televisão —
estavam demasiadamente obsoletos e em mau estado.
O novo projeto técnico começou a “ganhar corpo” somente no segundo semestre de 1976, quando
a diretoria da TV Tupi de São Paulo finalmente concluiu seus estudos técnicos. Ficou decidido
que haveria um grande investimento em equipamentos e reformas estruturais no complexo do
Sumaré, que ganharia novos estúdios, novo auditório, novas salas para as centrais de Produção
e de Exibição e, ainda, uma grande torre de transmissão para o Canal 4, a “menina dos olhos”
do novo projeto. O novo sistema de transmissão receberia uma moderna antena e o mais potente
transmissor de televisão do Brasil, tornando o parque técnico do Sumaré em um símbolo da força
da nova Rede Tupi.
Os Diários e Emissoras Associados também decidiram investir em melhorias na geração do
sinal de algumas de suas mais importantes emissoras pelo país. David Raw, superintendente da
Rede Tupi, declarou que foram investidos US$ 5 milhões com equipamentos importados para
atender às necessidades das nove emissoras próprias da rede. A TV Itapoan - Canal 5 de Salvador
e a TV Rádio Clube - Canal 6 do Recife também ganhariam novas torres e transmissores mais
potentes. No caso da TV Clube, seu parque de transmissão seria transferido para a cidade vizinha
de Olinda. Quanto à TV Tupi - Canal 6 do Rio de Janeiro, não havia necessidade de trocar seu
transmissor RCA TT6-AL, já que, anos antes, ele teve a potência ampliada de seis para 25 kW,
por meio de um amplificador linear, tornando-se o mais potente do Brasil. Por outro lado, o Canal
6 carioca iria construir uma altíssima torre metálica de 156 m no Morro do Sumaré, que ficaria
ao lado de sua pequena torre de 70 m. Esta empreitada se daria em parceria com o Grupo Silvio
Santos, que operava a TVS - Canal 11 do Rio de Janeiro. Ambas as emissoras compartilhariam
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 527

a estrutura da nova torre, sendo que a TV Tupi ficaria responsável pela construção de um prédio
de três andares para abrigar os equipamentos, enquanto o Grupo Silvio Santos arcaria com os
custos da montagem da torre.
A inauguração da torre da TV Tupi/TVS no Rio de Janeiro aconteceu em 18 de agosto de 1977.
Para a construção das novas torres de São Paulo, Salvador e Olinda foi elaborado um projeto
único, prevendo a construção-padrão de uma torre cilíndrica de concreto, contando com duas
plataformas conjugadas que acompanhariam toda a curvatura de 360º da base, ficando a uma
altura de 70 m do solo. Uma das plataformas foi projetada para a instalação de antenas de
comunicação via micro-ondas e a outra para o funcionamento de um restaurante. Esse projeto
mostra clara inspiração na British Telecom Tower, de Londres, que além de abrigar diversas
antenas de telecomunicação, dispunha de um altíssimo restaurante giratório. Nas reportagens
que retratam a futura construção das novas torres da Rede Tupi pelo país, há menções sobre a
instalação de restaurantes nos projetos de São Paulo, Salvador e Olinda, mas apenas nesse último
é que havia previsão de que ele fosse giratório1. Curiosamente, ao mesmo tempo em que a Rede
Tupi construía suas torres idênticas em Salvador e São Paulo, uma outra muito similar também
era erguida em Porto Alegre (RS). Tratava-se da torre da estreante TV Guaíba - Canal 2, que não
pertencia às “Associadas”.

Em função do agravamento da crise nos Diários Associados, a


construção da torre de Olinda acabou não saindo do papel. Atualmente
as torres cilíndricas de São Paulo e Salvador estão em operação
e são, respectivamente, propriedades do SBT e da Record TV.

TV Tupi do Rio de Janeiro Volta a Produzir Programas Para a Rede


Em agosto de 1977, Maurício Sherman, o novo diretor da Divisão de
Shows da Rede Tupi, transferiu para Tupi do Rio de Janeiro a produção
do programa “Discoteca do Chacrinha”; dos humorísticos “Domingo é
Dia de Graça” e “Deu a Louca no Show”; e do musical “A Grande Parada”.
Niteroiense, Sherman convenceu a direção-geral que produzir os shows
no Rio geraria uma grande economia, já que a imensa maioria dos artistas
morava naquela cidade. Entretanto, meses depois, logo após o carnaval de
1978, Antônio Augusto de Oliveira — o Guga, irmão de Boni, diretor da TV
Globo — assumiu a superintendência de Programação e Produção da Rede
Tupi e transferiu de volta a produção da linha de shows para São Paulo.
Apenas o programa “Flávio Cavalcanti” permaneceu no Rio de Janeiro.
Poucos meses depois, em agosto de 1978, o núcleo de produção da Tupi
carioca até estreou o programa “Carlos Imperial” para toda a rede, mas ele
acabou tendo vida curta, em função da situação precária daquela emissora.

1 Anos mais tarde, a Rede Manchete de Televisão, emissora que ficou responsável por
operar a concessão da antiga TV Rádio Clube, construiu sua própria torre de concreto
na cidade de Olinda. Contudo, tratou-se de um novo projeto, com linhas peculiares,
desenhadas por ninguém menos que o arquiteto Oscar Niemeyer.
528 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

As Novas Centrais de Exibição e Produção de São Paulo

O jornal “Folha de São Paulo” publicou uma nota no início de 1978, relatando que o diretor-
geral da Rede Tupi, Rubens Furtado, estava se preparando para viajar aos Estados Unidos,
com objetivo de consolidar entendimentos com a RCA para a compra dos equipamentos de
transmissão para as emissoras de rádio e TV de São Paulo. Além da torre, antena e do transmissor
de 50 kW para a TV Tupi, o “pacote” incluiu um novo parque técnico para a Rádio Tupi1 - AM
1040 KHz, bem como uma nova antena e um novo transmissor para a Rádio Difusora FM - 98,5
MHz. No final da nota publicada pela “Folha” foi ressaltado que, em frente à Padaria Real, um
determinado funcionário lamentava que, por um lado, estavam fazendo um alto investimento em
equipamentos, mas do outro, os salários dos funcionários estavam atrasados.
As obras em São Paulo seriam realizadas numa das extremidades do Centro de Televisão do
bairro do Sumaré, com face voltada para a Avenida Prof. Alfonso Bovero, nº 72, esquina com a
Rua Piracicaba. O projeto ganhou uma detalhada maquete (foto), que ficou exposta nos escritórios
das Emissoras Associadas. Vê-se um jardim com a torre cilíndrica ao centro e, ao seu lado, os
dois novos prédios, dispostos de forma perpendicular entre si. Um deles teria três pavimentos e
alojaria as centrais de Produção e de Exibição da TV Tupi, além do setor de manutenção dos
equipamentos num piso intermediário. Deste novo prédio, passaria a ser gerada a programação
via satélite para toda a Rede Tupi de Televisão e funcionariam os potentes transmissores de TV
VHF e rádio FM para São Paulo. No outro prédio, que ficaria logo atrás da torre e contaria com
um altíssimo pé-direito, seriam montados um novo auditório e dois novos estúdios de televisão.
Tal qual o vizinho edifício-sede das Emissoras Associadas, este novo prédio teria um mural
artístico em sua fachada.

Maquete do projeto de construção da nova torre de concreto


armado da TV Tupi de São Paulo e de suas novas dependên-
cias para auditório, estúdios e centrais Técnica e de Produção.
(reprodução)

1 O novo parque técnico da Rádio Tupi seria montado no bairro de Parelheiros, no extremo da
Zona Sul da cidade de São Paulo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 529

Para a viabilização do grande projeto de modernização do complexo do Sumaré, seria necessário


demolir as instalações remanescentes do antigo e imponente prédio da Rádio Difusora,
inaugurado em novembro de 1942 e demolido parcialmente em 1967. Nele, vinha funcionando o
auditório do Teatro Tupi, além de algumas salas de produção da TV. Do teatro, restaria somente
a ala construída em 1967, chamada de “Estúdio-Palco”. Próximo da “boca” deste palco subiria
uma das paredes do novo prédio do auditório e haveria uma grande abertura para interligá-
los. Ou seja, o novo auditório seria construído na mesma posição daquele que seria demolido.
Entretanto, propositadamente, ele teria menor extensão e ofereceria as vantagens de ser mais
moderno e contar com um pavimento superior, onde funcionariam mais dois estúdios.
Por fim, à frente dos dois novos prédios, nos fundos do auditório a ser demolido (bem próximo
da Av. Prof. Alfonso Bovero), haveria um jardim e nele o ponto para elevação da grande torre da
TV Tupi de São Paulo, a terceira da emissora paulista. A opção de construir uma base cilíndrica
de concreto a partir do solo pouparia boa parte do espaço necessário para construir uma torre
metálica convencional. A utilização do concreto também visou minimizar problemas com a
corrosão que as estruturas metálicas estão sujeitas.
O novo complexo da TV Tupi de São Paulo foi projetado pelo engenheiro-civil João Paulo de
Abreu, que trabalhava para a Engeform, empresa contratada pelas Emissoras Associadas para
executar a obra e que está no mercado até os dias atuais.

Avenida Paulista Como Obstáculo Para o Sinal

O novo sinal do Canal 4 de São Paulo atingiria o excelente raio de 200 km, chegando diretamente
a muitos municípios do interior do estado sem a necessidade de retransmissoras. O transmissor
encomendado com a norte-americana RCA, modelo TT50-FL, trabalharia com dois módulos
paralelos, somando incríveis 50 kW de potência. Para ter noção do aumento de alcance do Canal
4, vale lembrar de seu atual transmissor contava com 6 kW de potência, em operação desde agosto
de 1960, quando a Tupi migrou seu parque de transmissão do centro da cidade para junto de sua
sede, no bairro do Sumaré. Entretanto, esse sistema de transmissão vinha se tornando ineficiente,
em face das aceleradas transformações da metrópole. Quando ele foi montado, praticamente
não havia edifícios em São Paulo com altura suficiente para prejudicar a recepção do sinal. Os
casarões dos barões do café formavam a maioria dos imóveis construídos no alto da colina da
Avenida Paulista, entretanto, com aumento rápido da verticalização da cidade ocorrido nos anos
1970, a construção de dezenas de edifícios naquela região formou um sólido bloco de concreto.
Ele foi responsável por criar “zonas de sombra” do sinal, comprometendo a boa recepção em
algumas regiões da Grande São Paulo, a ponto de prejudicar os índices de audiência.
Uma declaração do chefe do Departamento de Engenharia e Serviços Gerais da Rede Tupi,
Armando Janello, reforça esta ideia: “O trecho conhecido como ‘espigão da Paulista’ tem seu
ponto mais alto justamente onde se encontra instalada a Rede Tupi. Ocorre que se formou uma
parede de prédios que veio a bloquear nossa imagem. Por isso, a necessidade de uma nova torre,
cuja intenção era que tivesse aproximadamente 150 m. Porém, por se encontrar dentro do cone
de descida de aviões, 142 m foi a altura máxima permitida pela FAB [Força Aérea Brasileira]”1.
Os novos investimentos realmente poderiam garantir as melhorias necessárias para uma excelente
qualidade de imagem e som do Canal 4. Isso porque o topo da nova torre ficaria 55 m mais alto

1 “Nova Torre da Tupi em Ritmo de Conclusão”, Henrique Froes, Correio Braziliense, 27/03/1979,
2º Caderno, p. 4.
530 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

do que o da atual torre em operação, superando a altura dos novos edifícios da Avenida Paulista.
Por fim, ressalta-se que também havia o plano de adquirir diversos outros equipamentos que
também ajudariam a melhorar a qualidade do sinal, como uma incrível antena de polarização
circular, que falaremos a seguir.

Polarização Circular

Justamente na época em que se desenvolvia o novo projeto de transmissão para a TV Tupi de


São Paulo, a nova tecnologia de polarização circular para transmissão de sinais de televisão VHF
estava dando seus primeiros passos no mundo do broadcasting. Ela foi desenvolvida nos Estados
Unidos pela RCA e passou a ser comercializada em 1977. Até então, apenas as transmissões de
FM é que contavam com esse sistema.
As antenas transmissoras de sinais com polarização circular da RCA dispunham de duas séries
distintas de anéis que transmitiam dois sinais simultâneos. Uma irradiava as ondas eletromagnéticas
no sentido vertical e outra no sentido horizontal, formando uma onda circular no ar. Até então,
as emissoras de televisão em VHF transmitiam somente com polarização horizontal, mas o sinal
sofria com reflexos diante de qualquer obstáculo um pouco maior que o tamanho da onda gerada
pelo transmissor, interferindo no sinal recebido e gerando “fantasmas” e ruídos. Já o sistema de
polarização circular superou esses obstáculos, visto que as antenas receptoras rejeitavam o sinal
que estivesse deficiente e recebiam somente aquele que tinha melhor qualidade. A RCA chegou
a ser premiada pela contribuição da polarização circular no desenvolvimento da indústria da
televisão.
Com poucas antenas similares em operação no mundo, esse moderno sistema supriria totalmente
as necessidades da TV Tupi de São Paulo, que seria a pioneira a utilizá-lo no continente sul-
americano. Posteriormente, as antenas de polarização circular foram adotadas pela grande
maioria das emissoras que transmitiam em alta potência na faixa de VHF das grandes cidades.

Equipamentos

A Rede Tupi está decidida a ganhar o mercado internacional e, em


reunião realizada há dias, em Brasília, sob a presidência do senador
João Calmon, ficou decidido que a emissora começará a negociar,
ainda este mês, a venda de suas novelas para o exterior. A decisão
mais importante da reunião da direção associada foi a de investir 10
milhões de dólares na compra de equipamento, que será utilizado
por todas as emissoras. Na verdade, a direção associada já tinha
autorizado uma verba de 5 milhões de dólares para a compra de
equipamento na RCA e, na última reunião, decidiu-se que mais 5
milhões seriam empregados na compra de equipamentos da Bosch.
As duas decisões mostram que a direção da Rede Tupi está realmente
decidida, na base do devagar e sempre, a devolver à emissora os
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 531

recursos que lhe permitam, com o tempo, “brigar” pela liderança


da audiência. A reunião, que durou três dias, aprovou também a
volta da produção dos shows para a TV Tupi do Rio. Dentro de 30
dias o Canal 6 carioca terá a responsabilidade de produzir todos os
programas de horário nobre, inclusive os de Ronnie Von e Moacyr
Franco. A transferência será em caráter de emergência e a Tupi-Rio
só produzirá os shows até fevereiro, quando os programas voltarão
a ser gerados em São Paulo, mais precisamente na Vila Guilherme,
recentemente arrendada pela Tupi paulista. (“Tupi Investe Milhões
de Dólares Para Ser a Melhor”, Robert Halfoun Netto, 27/07/1978,
Jornal do Commercio [RJ], p. 24)

Para a nova Central de Produção da TV Tupi de São Paulo foram encomendados diversos
equipamentos junto à norte-americana RCA. Além disso, logo depois do incêndio que destruiu
todo sistema de switcher da emissora em 8 de outubro de 1978, o presidente dos Diários e
Emissoras Associados, João Calmon, e o superintendente da TV Tupi, David Raw, viajaram
à Alemanha e encomendaram, com a fabricante Bosch, quatro switchers, ilhas de edição em
videoteipe, gravadores e reprodutores de videoteipe, câmeras de estúdio e portáteis, e, ainda,
unidades móveis tipo furgão. “Estamos investindo em tecnologia nova, que tornará nossa
televisão mais ágil. Aquele descompasso que a Globo criou quando veio, apanhando-nos com
17 anos de equipamento cansado, nós agora, 12 anos depois, vamos devolver para ela o mesmo
problema”, provocou o diretor Rubens Furtado em matéria publicada nos jornais “Associados”.
E comparou: “Estaremos em uma competição desigual, pois seremos mais bem equipados do
que qualquer um dos nossos concorrentes”.
A modernização técnica era, naquele momento, a principal preocupação das Emissoras
Associadas e a TV Tupi de São Paulo deveria gerar a melhor imagem do Brasil e até mesmo da
América do Sul. Uma nova programação passou a ser elaborada para estrear junto com a nova
imagem e a população foi convidada a opinar por meio de uma campanha realizada nos jornais
dos Diários Associados. Foi publicado um formulário com diversas perguntas e espaço para o
telespectador escrever sugestões. A nova programação e o excelente parque técnico favoreceriam
o reerguimento da emissora e, sobre isso, havia uma grande expectativa entre os funcionários.

As Obras na Torre

A Tupi já está preparando terreno para erguer a sua nova torre no


Sumaré. Várias salas do prédio anexo ao edifício-sede estão sendo
“desapropriadas” e parte do auditório foi derrubada. Segundo planos
da alta direção da emissora, esta obra deverá estar concluída dentro
de 120 dias. (Ferreira Neto, Diário de Pernambuco, 19/02/1978, p.
B-8)

Uma matéria especial de página inteira, intitulada “A Grande Torre”, foi publicada na edição de
22 de outubro de 1978 do jornal “Diário de São Paulo”, exaltando a dimensão e a importância
do novo projeto de transmissão do Canal 4 de São Paulo. Por seu turno, Ferreira Neto, colunista
532 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

de televisão dos Diários Associados, informou que a nova torre da TV Tupi demoraria 180 dias1
para ser erguida, ao custo de Cr$ 10 milhões. Como o início das obras aconteceria em janeiro,
ela deveria ser concluída em meados de julho de 1978 e os testes de sinal realizados em agosto.
Desta forma, a inauguração do novo sinal do Canal 4 de São Paulo foi programada para 18
de setembro de 1978, quando a emissora completaria 28 anos no ar. Informações da imprensa
revelaram que os recursos para a construção da nova torre foram oriundos do pagamento de US$
30 mil mensais que o pastor norte-americano Rex Humbard passou a fazer para arrendar um
horário na programação da rede.
No entanto, pouco antes de iniciar as obras, a direção optou por cancelar a construção do prédio
do novo auditório e dos novos estúdios e investir na compra de um teatro ou cinema na região
central da cidade para montar um novo auditório. Já o prédio das novas centrais Técnica e de
Produção seria realmente construído, mantendo os dois pavimentos e um piso intermediário, mas
com menores dimensões e alguns metros mais afastados do local previsto inicialmente. Ele ficaria
anexado ao prédio do “Estúdio-Palco” e teria a fachada voltada para a Rua Piracicaba. A sala
dos novos transmissores seria montada em outro local bem próximo, onde funcionou o “Estúdio-
Subsolo”, que era exclusivo para novelas e ficava exatamente sob o “Estúdio-Palco”. Ele havia
sido desativado recentemente, já que o núcleo de Teledramaturgia se mudou inteiramente para
os estúdios da Vila Guilherme, como visto no Capítulo 37.

A demolição da plateia e a construção da torre realmente foram iniciadas em janeiro de 1978


e, como tinham que ser feitas sem interrupções, as gravações dos programas produzidos no
“Estúdio-Palco” tiveram que ser adaptadas para o convívio com as obras. Cada edição do
programa “Clube dos Artistas”, por exemplo, foi gravada em uma emissora afiliada diferente. A
coluna do jornalista Ferreira Neto frequentemente informava sobre o andamento das obras em
São Paulo pelos jornais dos “Associados” no país.
Para a construção da torre, o engenheiro-civil João Paulo de Abreu contou com apoio do diretor-
técnico das Emissoras Associadas, Cláudio Donato. Com 142 m de altura, a grande torre foi
dividida em três estágios. O primeiro era a base cilíndrica, construída em concreto armado,
medindo 8 m de diâmetro por 90 m de altura e composta por três lâminas verticais côncavas.
Em seu interior, foi instalado um elevador e construídas uma escada de segurança e três caixas
d’água, com capacidade de 56 mil litros cada uma. Duas delas para abastecer as instalações do
complexo de televisão e a terceira para combater eventuais incêndios. Envolvendo todo o cilindro
de concreto, a poucos metros do topo, foram construídas duas plataformas com largura de 4 m
e visão de 360º. A primeira plataforma, a 70 m do solo e atendida pelo elevador, acomodaria
um snack-bar, ou seja, um bar para refeições leves, destinado ao público em geral e capacidade
para cerca de 50 pessoas. A intenção era tornar a torre numa atração turística, tal como os belos
campos onde ficavam a torre e os transmissores da Rádio Tupi nos anos 1940, na região de
Interlagos, em São Paulo. A segunda plataforma da nova torre do Sumaré ficaria logo acima da
primeira e foi destinada para receber diversas antenas de comunicação ponto-a-ponto (link). Elas
ligariam os estúdios da emissora e as unidades móveis que estariam pela cidade, transmitindo
eventos ou reportagens.
O segundo estágio da torre seria composto por uma estrutura feita em aço especial de alta
resistência, com 18 m de altura e objetivo de servir de base para fixação da antena do Canal
4. Na lateral desta seção seria afixada a nova antena RCA BFG-5, com cinco elementos

1 O colunista divergiu algumas vezes ao informar a previsão da entrega da nova torre.


ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 533

irradiantes, propriedade da Rádio Difusora FM - 98,5 MHz, emissora que também ganharia
um novo transmissor RCA BTF-20ES1, de 20 kW, mas com potência autorizada de 18 kW,
que alcançaria o excelente raio de 250 km. No terceiro estágio da torre, ficaria a própria antena
de transmissão com polarização circular da TV Tupi. Também fabricada pela norte-americana
RCA, este modelo TFV-7A5 tinha 34 m de comprimento, pesava 16 toneladas e contava com
14 anéis irradiantes, sendo sete do modelo Superturnstile, usados para a transmissão do sinal na
polarização horizontal, e, a novidade, outros sete anéis, similares à letra “W”, para a realização
da transmissão vertical. O novo transmissor e a nova antena foram encomendados junto à RCA
em dezembro de 1977, ao preço de US$ 955 mil, incluindo todos os acessórios e equipamentos
relacionados.
Por fim, reforçando o caráter turístico da nova torre, seria instalado um sistema de iluminação
especial, com refletores na cor branca do solo até o snack-bar, e amarela a partir da segunda
plataforma.

Atrasos

Mesmo com o grande esforço para reerguer a Rede Tupi, a crise administrativa foi muito maior
na sua emissora-geradora e vários atrasos ocorreram com o novo projeto técnico, como veremos
adiante. Desta forma, a inauguração do sistema de transmissão na passagem dos 28 anos da
emissora ficou inviabilizada. O superintendente David Raw chegou a anunciar o término da
concretagem da torre para o final de 1978, no entanto, foi concluída somente no final de março
de 1979, consumindo cerca de 700 toneladas de concreto e 160 toneladas de ferro. A montagem
do estágio intermediário, a ser usado para sustentação da antena, também foi concluída e, para
realizar a etapa final, era necessário aguardar a chegada do transmissor e da antena, vindos dos
Estados Unidos.
Apesar dos problemas, a construção da torre foi sempre motivo de orgulho para a direção e
funcionários da emissora. Tanto que, próximo da conclusão da primeira etapa da montagem, um
programa especial do “Almoço com as Estrelas” foi realizado no terraço da residência de seus
apresentadores, o casal Aírton e Lolita Rodrigues, que morava bem próximo à emissora. Como
cenário, viu-se a nova torre em construção e a promessa de inaugurá-la em breve, inovação que
seria retroativa ao aniversário de 28 anos da emissora, completados meses antes.

Reunião realizada no último fim de semana em São Paulo decidiu,


como já foi noticiado de primeira, que toda a programação da linha
de shows voltará a ser gravada naquela Capital, mais precisamente
num teatro que a direção da Tupi acaba de arrendar1 e que deverá
ser utilizado até que o novo auditório da emissora seja construído no

1 Logo depois, o colunista Ferreira Neto revelou que o contrato de aluguel do teatro foi
cancelado.
534 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Sumaré, onde está sendo instalada uma nova torre que entrará em
funcionamento em janeiro ou fevereiro do ano que vem. A TV Tupi [do
Rio de Janeiro] continuará tendo apenas a responsabilidade de gerar
os programas ao vivo, ou seja, o de Carlos Imperial e “A Grande
Chance”, aos sábados, e o “Flávio Cavalcanti”, aos domingos.
“Risoteque”, que começou ao vivo e acabou sendo gravado no Rio,
despediu-se esta semana do canal 6 carioca, já que a partir da próxima
semana passa a ser gravado em São Paulo. [...] A volta dos shows
para São Paulo nada tem a ver com a qualidade dos programas: a
[nova] superintendência de produção e programação achou que terá
mais controle sobre a linha de shows se ela estiver concentrada em
São Paulo, o que cria, inclusive, a possibilidade de até os programas
ao vivo passar a ser feitos pela Tupi paulista, ainda este ano. (“São
Paulo Não Pode Parar. Nem de Fazer os Shows da Tupi”, Jornal do
Commercio, 04/10/1978, 2º Caderno, p. 2)
O novo auditório da Tupi será mesmo no Sumaré. Depois de procurar,
sem êxito, algum teatro ou cinema, a direção Associada resolveu
partir para um projeto diferente. [...] sua construção será iniciada
imediatamente. (Diário de Pernambuco, 07/03/1979, p. C-4)

Novos Equipamentos e Material Humano Qualificado

Para atingir seu objetivo de estabelecer um padrão de programação


[...] a emissora está concluindo a compra de um novo equipamento
para o estúdio, que lhe propiciará o melhor parque eletrônico do
país. Roberto Salvi, diretor-técnico da TV Tupi de São Paulo e do Rio,
esteve recentemente nos EUA, participando do show NAB - National
Association Broadcasting, uma feira de equipamentos para rádio e
TV com expositores do mundo todo. (“O Melhor Parque Eletrônico
do País”, Eli Halfoun, Diário da Noite [SP], 04/05/1979, Variedades,
p. 14)
Dentro da briga [pela audiência] citada pelo diretor-geral Rubens
Furtado e da “busca de uma identidade” sempre ressaltada por
Walter Avancini, superintendente de Produção e Programação, a
Rede Tupi está investindo em novos equipamentos. [...] “Mas —
lembra Rubens Furtado — esta é apenas a parte técnica. Equipamento
sem talento não faz sentido. Por isso, quando reassumi a emissora
em março, fui buscar os bons profissionais da televisão. Veio o
Avancini. Daí trouxemos Álvaro de Moya, Cyro Del Nero para criar
uma sistemática visual da empresa, Júlio Medaglia, Solano Ribeiro
e tantos outros”. Dessa forma, juntando o material humano com
o equipamento, a Rede Tupi partirá para uma briga mais próxima
da realidade já no início do próximo ano, com uma programação
totalmente renovada. (“Tupi Moderniza Equipamento”, Diário de
Pernambuco, 21/09/1979, p. C-4)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 535

Em 1979, foi feita a montagem parcial do novo Centro de Exibição da Rede Tupi no térreo
do novo prédio do Sumaré, composto por um switcher e um sistema de videoteipe. No piso
intermediário, montou-se uma sala de manutenção para os videoteipes e telecines; e, no 1º andar,
a nova Central de Produção, com ilhas de edição em videoteipe e o sistema de slowmotion
(câmera lenta). Os novos equipamentos da Bosch eram aguardados.
A construção do novo auditório do Sumaré voltou a ser discutida no primeiro trimestre de 1979,
após a tentativa frustrada de alugar algum bom teatro ou cinema na região central da cidade.
Contudo, logo o projeto foi cancelado definitivamente.

Em 1980, antes mesmo de ser concluída, a nova


torre do Canal 4 de São Paulo virou o troféu
“Torre Tupi”, entregue ao cantor que venceu uma
competição realizada no “Programa Raul Gil”
durante o mês de janeiro. (Acervo Museu da TV,
Rádio & Cinema)

A Chegada dos Equipamentos

Depois do incêndio que destruiu todo sistema de switcher, a direção da TV Tupi conseguiu
antecipar a chegada dos equipamentos encomendados com a RCA. Em 27 de março de 1979, a
“Folha de São Paulo” informou que os novos equipamentos de produção da RCA foram recebidos
no Sumaré e destacou: “[...] uma nova tentativa para mudar a desgastada imagem da Tupi, unindo
‘equipamento e talento’, como dizem seus funcionários”. Entre estes equipamentos, destacaram-
se três unidades da câmera portátil TK-76B e um telecine TP-66, que era um famoso projetor de
filmes de 16 mm da RCA, o modelo mais usado na indústria da televisão.
536 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Já se encontra em São Paulo o novo transmissor da TV Tupi, que


dará à emissora a melhor imagem da Capital paulista. [...] Com
isso, a operação de todo o equipamento está prevista para o dia 24
de março, transformando totalmente a imagem da emissora. A zona
de “sombra” (deficiência na recepção) em toda Grande São Paulo
será reduzida para 1,3 por cento. (“Tupi Com Uma Nova Imagem”,
Diário de Pernambuco, 17/01/1980, p. C-4)

Já as antenas e os transmissores das Emissoras Associadas de São Paulo, encomendados com a


RCA1, tiveram a data de entrega adiada algumas vezes. Isso porque, em crise, a Tupi enfrentou
alguns imprevistos para depositar o equivalente a 20% do valor dos equipamentos, montante que
a RCA contratualmente exigia de entrada (o saldo devedor poderia ser financiado em até cinco
anos). A aquisição do transmissor RCA TT50-FL só foi possível de ser concretizada por meio de
uma fiança feita pela S/A Estado de Minas, uma empresa dos Diários Associados.
Inicialmente prevista para meados de 1978, a inauguração do novo sistema de transmissão do
Canal 4 acabou sendo adiada para o início de 1980. Mas, para isso, o prazo dado pelo Ministério
das Comunicações para colocar os novos equipamentos no ar se esgotaria e foi necessário
solicitar uma prorrogação para 1º de junho de 1980. O transmissor acabou chegando ao Sumaré
em meados de janeiro de 1980 e sua instalação foi concluída no final de março, nas salas da nova
Central de Exibição do Canal 4, onde outrora funcionou o “Estúdio-Subsolo”. Este transmissor
iniciou suas operações experimentais no dia 28 de março2, em meio a muita comemoração da
direção e dos funcionários da emissora. Nesta fase, contudo, ele não faria transmissão pelo ar,
apenas “na carga”, ou seja, ligado em um equipamento especial que recebe e dissipa a energia
da transmissão. Os testes seguiriam desta forma por cerca de 60 dias, quando seria concluída a
instalação da nova antena, que estava a caminho do Brasil.
Leonardo Scheiner, então gerente-comercial da RCA no Brasil, revela que o transmissor e a
antena deveriam ser entregues em conjunto, mas “como as Emissoras Associadas tinham pressa,
acabaram nos solicitando que o transmissor fosse enviado ao Brasil antes mesmo do término da
fabricação da antena”.
Em junho de 1980, a situação administrativa da Tupi se complicou (detalhes nos próximos
capítulos) e foi iniciada uma greve geral dos funcionários de São Paulo. A emissora teve que
cancelar a compra dos novos equipamentos encomendados com a Bosch, na Alemanha. A nova
antena chegou ao Brasil logo depois do governo federal ter cassado a concessão da TV Tupi
de São Paulo e de algumas outras emissoras da rede pelo país (ver Capítulo 44). José Alfredo
Machado de Assis, ex-diretor-administrativo da Tupi de São Paulo, nos revela que mesmo com
a concessão do Canal 4 cassada, uma equipe do Sumaré foi ao Porto de Santos para transportar
a antena para São Paulo. No entanto, como a RCA tinha a reserva de domínio3 sobre a antena
e o transmissor, entrou com um mandado de segurança para levar de volta a famosa antena de
polarização circular para seu depósito em Camden, Nova Jersey. Quanto ao transmissor, como
ele já estava instalado, só seria retirado das dependências da emissora em um segundo momento.

1 Não há informações se a entrega do transmissor e da antena de FM da Rádio Difusora foi


efetivada.
2 “Tupi Acionou os Novos Transmissores”, Diário da Noite, 29/03/1980, n.p.
3 Pela cláusula de Reserva de Domínio, a propriedade do bem continua sendo do fabricante
até que o comprador cumpra com toda a obrigação de pagar, mesmo após ter ocorrido a
transferência da posse.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 537

O desfecho desta longa história da nova antena do Canal 4 ficou nas mãos do empresário Silvio
Santos, assunto que será tratado em detalhes mais adiante, no Capítulo 46.

As Câmeras da TV Tupi de São Paulo (ordem cronológica)


RCA - TK-30: três unidades, em preto e branco, para estúdio ou externas; Paillard
Bolex H-16: diversas cine-câmeras com filme 16 mm, em preto e branco, para
gravação de reportagens externas; RCA - Vidicon Camera: diversas câmeras de
vídeo em preto e branco, que eram pequenas e muito portáteis; RCA - TK-
31: unidades em preto e branco, para estúdio ou externas; Marconi - Mark IV:
10 unidades em preto e branco, para estúdio; Philips - Plumbicon LDK-3: três
unidades em cores para estúdio ou externas (posteriormente, três câmeras
idênticas da TV Tupi do Rio foram para São Paulo); Bosch-Fernseh - KCK-40:
duas unidades em cores, para estúdio; RCA - TK-76B: três unidades coloridas,
portáteis, para externas.

O apresentador Silvio Santos ao lado


de uma câmera em cores da Philips,
modelo LDK-3. (reprodução)
538 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 41
A CRISE DOS DIÁRIOS ASSOCIADOS

[...] infeliz [a] ideia de Chateaubriand de se fazer suceder por um grupo


de condôminos. O grupo era irregular, mas esse não era o problema.
O busílis [cerne] estava na forma sui generis e anticapitalista de
resolver o problema da propriedade das ações. Um clube em que os
sócios eram forçados a se tolerarem, criado artificialmente, sem uma
unidade mínima e sem chance de fazer sucessores, não teria mesmo
qualquer possibilidade de êxito: Après moi, le déluge [Depois de mim,
o dilúvio]. Com aquele sotaque paraibano forte, bem poderia ser o
lema do Velho Capitão ao forjar o diabólico plano de sua herança
maldita. (“Os Meios de Comunicação Sob um Fio da Navalha”,
Paulo Maia, Jornal do Brasil, 20/07/1980, Televisão, p. 9)
[...] há muito tempo a Tupi não ganha o campeonato da audiência.
Todos sabem que ela venceu a batalha do Ibope no início, sendo a
pioneira. Pouco a pouco, foi afastada para um vice-campeonato
constante, ficando as glórias da primazia primeiramente com a
Excelsior, depois com a Record e finalmente com a Globo, que nos
anos 70 vem mantendo um monopólio maciço e imbatível. (“Mudança
de Técnico na Equipe da Tupi”, Paulo Maia, Jornal do Brasil,
29/03/1977, Caderno B, p. 5)

E
m 1955, Assis Chateaubriand passou a direção-geral dos Diários Associados para João
Calmon (1916-1999), até então diretor dos veículos do grupo em Pernambuco (Rádio
Tamandaré e “Diário de Pernambuco”). Após obter bons resultados no Nordeste, Calmon
foi chamado ao Rio de Janeiro para, em princípio, dirigir a TV Tupi - Canal 6 e as rádios Tupi e
Tamoio. No entanto, apenas três meses depois, foi elevado ao posto de diretor-geral dos Diários
Associados, cuja sede ficava naquela mesma cidade.

O novo diretor-geral chegou com todo o gás que havia caracterizado


sua gestão no Nordeste. Só que o cenário carioca era outro e a
presença de Assis Chateaubriand, senão obstrutiva, era pelo menos
intimidante. Mesmo assim, João Calmon tratou de implantar medidas
de racionalização administrativa, que encontraram amplo respaldo
em todo o país, com duas exceções: áreas de São Paulo (Edmundo
Monteiro, que [também] supervisionava empresas do Paraná); e de
“O Cruzeiro” (Leão Gondim de Oliveira), a essa época vivendo ainda
a sua grande fase e se preparando para atingir o exterior. (“Brasil,
Primeiro - História dos Diários Associados”, Glauco Carneiro,
Fundação Assis Chateaubriand, 1999:394)

Já na metade dos anos 1950, a situação financeira dos Diários Associados começava a dar sinais
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 539

de complicações, especialmente nas suas empresas paulistas. Segundo João Calmon, em sua
autobiografia “Minhas Bandeiras de Luta” (1999:439), “a causa principal da debacle dos Diários
Associados em São Paulo foi a sangria de recursos representada pelo Museu de Arte [MASP]
[...]. Eram feitos contratos de publicidade e [...] esses recursos eram dirigidos à compra de novos
quadros para o museu”. Em maio de 1956, João Calmon e Edmundo Monteiro — o diretor-
presidente das “Associadas” em São Paulo — chegaram a redigir uma carta para advertir o Velho
Capitão de que seus gastos excessivos poderiam levar os Diários Associados à insolvência. O
escritor Glauco Carneiro também fala sobre esse assunto:

Os argumentos foram alinhados: demora no pagamento das


contribuições atrasadas aos institutos de previdência; generalização
do sistema de desconto dos contratos de publicidade, sem qualquer
indagação sobre a capacidade da empresa de suportar novos
desvios de sua receita normal, o que tornava as mesmas empresas
inadministráveis: “Nos últimos meses, para fazer face ao pagamento
da prestação de 500 mil dólares do museu, foram nossas organizações
oneradas em 20 milhões de cruzeiros…”. A carta receitava a sugestão
para Assis Chateaubriand vender fazendas [...] e a Schering,
laboratório que adquirira no tempo da guerra: “Talvez esse ponto
de vista resulte em excesso de pessimismo”, dirá o senhor. Mas
então, aponte-nos, com um de seus lampejos de gênio, outra saída
que escapa inteiramente à nossa limitada compreensão”. (“Brasil,
Primeiro - História dos Diários Associados”, Glauco Carneiro,
Fundação Assis Chateaubriand, 1999:395-396)
[...] o Velho Capitão, tangido por irrequietos desejos de servir a
este país não raro sacrificava os objetivos sociais das empresas,
colocando-as quase integralmente a serviço de campanhas do maior
interesse nacional, mas que não correspondiam ao móvel principal
dos empreendimentos capitalistas, que é o lucro. Empolgado pelo
impulso patriótico de servir ao Brasil, Assis Chateaubriand, em
diversas oportunidades, aplicava expressivos recursos das empresas
em iniciativas altamente louváveis, mas nunca rentáveis em termos
empresariais. (“As Concessões dos Canais de TV”, discurso do
deputado federal Christiano Dias Lopes, Jornal do Commercio,
1981, 2º Caderno, p. 3)

Desde 1963, tornou-se comum que as empresas paulistas dos Diários Associados descontassem
dos salários de seus funcionários os percentuais previdenciários e do Fundo de Garantia, mas
não repassavam as importâncias aos órgãos oficiais correspondentes. Na autobiografia de João
Calmon, ele relata as primeiras dificuldades vividas em sua gestão como diretor-geral dos Diários
Associados, bem como as difíceis situações pelas quais passaram desde a metade dos anos 1950.

A origem das dificuldades estava na precariedade da incipiente


televisão brasileira. Pioneiro, Assis Chateaubriand implantara em
São Paulo a primeira emissora de TV da América do Sul, a TV Tupi.
Pouco depois criava a TV Tupi do Rio. Obviamente, existiam poucos
540 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

receptores de televisão no país; era preciso arcar com o ônus do


pioneirismo. Não havia forma de evitar, diante da necessidade de
investimentos e das despesas com pessoal, vultosos déficits a cada
mês. As instalações eram extremamente precárias; o principal e único
estúdio da TV Tupi [do Rio de Janeiro], por exemplo, funcionava na
sala anteriormente ocupada pelo diretor-geral dos Associados. Os
salários do pessoal do Rio estavam atrasados. E não havia como
adiantar a adaptação do prédio que deveria vir a ser a sede da TV
Tupi carioca. (“Minhas Bandeiras de Luta”, João Calmon, Fundação
Assis Chateaubriand, 1999:60)
[…] A principal batalha nos Diários Associados, nesses meus
primeiros anos como diretor-geral, foi a expansão de sua rede de
televisão. Essa batalha, por seu pioneirismo, teve lances épicos. No
momento em que assumi as novas funções, o grupo possuía apenas
duas emissoras de televisão: a TV Tupi de São Paulo, a primeira, cujo
equipamento fora adquirido da RCA Victor, e a TV Tupi do Rio, com
equipamento da General Electric. E Assis Chateaubriand começava
a cogitar a ampliação da rede, para cobrir todo o país. As coisas,
porém, não eram tão simples. Mesmo a instalação das emissoras do
Rio e de São Paulo já constituía uma aventura temerária para a época.
Os próprios norte-americanos hesitaram em vender o equipamento
para os Diários Associados, lembrando que mesmo nos Estados
Unidos a televisão ainda era pesadamente deficitária. O pequeno
número de receptores e a audiência diminuta não estimulavam os
anunciantes. Em contrapartida, os custos eram altíssimos. Assis
Chateaubriand, teimoso, insistiu. Assim como Miguel Azcárraga
no México, ou Goar Mestre em Cuba, Assis Chateaubriand queria
ganhá-la, mesmo ciente dos riscos da empreitada. As previsões dos
norte-americanos cumpriram-se. Quando assumi a direção-geral dos
Diários Associados, o déficit era vultoso e a empresa já não pagava as
prestações estabelecidas nos contratos com a RCA Victor e a General
Electric. Assis Chateaubriand se limitara a pagar a primeira parcela,
de 10 por cento do valor total da compra por ocasião da assinatura do
contrato, e mais 10 por cento para liberar o material nas alfândegas
do Rio e de Santos. Depois, suspendeu-as. Era humanamente
impossível cumprir o contrato, que se estenderia por mais cinco anos.
Via-me, portanto, entre dois fogos. De um lado, o pioneirismo de Assis
Chateaubriand, de cujo impulso muitos de nós compartilhávamos,
desejando ampliar a televisão no país. De outro, as dificuldades de
cobrir os imensos investimentos indispensáveis para colocá-la no ar.
Como diretor-geral em todo o país, deixando apenas de atuar em São
Paulo, Paraná e Santa Catarina, busquei saídas para o problema, ao
mesmo tempo em que participava com o máximo de meus esforços
para a extensão de nossa rede ao resto do país. Quando cheguei
ao Rio, já estava encomendado o equipamento de nossa terceira
emissora de televisão, que se tornaria a TV Itacolomi, de Belo
Horizonte. [...] Cuidei então de renegociar a dívida já existente com
o fornecedor de equipamento da TV Tupi do Rio, a General Electric.
Elaborei uma proposta totalmente nova, embora audaciosa, e a levei
ao diretor da GE do Brasil, sr. Romanaghi. Nosso débito, contraído
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 541

quando eu me encontrava ainda no Nordeste, elevava-se, então, a


350 mil dólares e aumentava dia a dia por causa dos juros. [...] A
matriz [nos Estados Unidos] aprovara integralmente a reivindicação
que eu apresentara à revelia de Assis Chateaubriand. [...] Em menos
de 10 dias o acerto fora feito e remetíamos para os Estados Unidos
os 360 mil dólares devidos. Creio ter sido esse meu primeiro êxito,
significativo após a volta para o Rio. [...] Em 23 meses, o empréstimo
bancário fora integralmente pago, pouco tempo depois, por sugestão
minha, o mesmo esquema foi empregado em São Paulo para liquidar
a dívida vencida com a RCA Victor, fornecedora do equipamento da
pioneira TV Tupi paulista. Passados mais dois anos, a própria RCA
se dispôs a fornecer o equipamento necessário à instalação das seis
novas emissoras de televisão dos Diários Associados, assim como
a ligação entre Rio e Belo Horizonte por micro-ondas e entre Rio e
São Paulo por UHF. (“Minhas Bandeiras de Luta”, João Calmon,
Fundação Assis Chateaubriand, 1999:66-70)

Pioneira Perde a Liderança nos Anos 1960

Entre as histórias fantásticas, verdadeiras lendas que fizeram do


lépido Chateaubriand uma espécie de Cidadão Kane caboclo,
há sempre um elemento constante: a troca de apoio político de
seus jornais e rádios por favorecimentos trabalhistas, de crédito e
pessoais. (“Diários Associados: O Fim de uma Era”, Opinião [RJ],
22/04/1974, p. 4)

A TV Tupi liderou a audiência no eixo Rio-São Paulo durante os anos 1950, mas, no início da
década seguinte, começou a ser ameaçada pela queda da audiência. Em 1964, pela primeira
vez, a TV Tupi carioca caiu para segundo lugar, perdendo para a TV Rio, que, curiosamente,
exibia uma produção da TV Tupi de São Paulo: a novela “O Direito de Nascer”. Conforme já
comentado nesta obra, a Tupi carioca não quis exibir a novela da Tupi paulista por considerá-la
irrelevante, posicionamento que era reflexo dos problemas de entendimento entre a direção das
duas emissoras.
Em São Paulo, ainda na década de 1960, os festivais musicais da TV Record foram os campeões
de audiência e, entre 1963-64, o Grupo Simonsen investiu milhões de cruzeiros na sua TV
Excelsior, que passou a contratar grandes estrelas sob o pagamento de altíssimos salários.
Resultado: antes do movimento militar de 1964, a Excelsior já liderava a audiência do Rio e de
São Paulo. Por fim, em 1965, surge a TV Globo do Rio de Janeiro, a mais forte das emissoras, de
propriedade do empresário Roberto Marinho.
Aos poucos, a concorrência foi ocupando os espaços vazios deixados pela pioneira, que estava
“encolhendo”. Ano após ano, a crise ia se aprofundando e, com a TV Globo ganhando uma força
avassaladora devido a um milionário aporte financeiro da empresa estrangeira Time-Life, a TV
Tupi se enfraqueceu ainda mais, assim como as demais emissoras do país. Ainda nos anos 1960,
por exemplo, a TV Globo investiu na contratação de elenco e até de diretores da TV Tupi, como
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.
542 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Em 1967, os Diários Associados quiseram pagar as dívidas com


a Previdência Social oferecendo-lhe imóveis e serviços. Mas, a
solicitação foi indeferida e o grupo tentou promover outra negociação
de parcelamento das dívidas. Nessa época, para socorrer o grupo, foi
posta à venda a empresa Rádio e TV Cultura, chegando a ser cogitada
até a venda da Rádio Difusora e de alguns andares do edifício-sede
da Rua Sete de Abril. Enquanto isso, Chateaubriand decidia — em 8
de agosto — comprar mais Cr$ 40 milhões em quadros, agora para
museus regionais [...]. (“Minhas Bandeiras de Luta”, João Calmon,
Fundação Assis Chateaubriand, 1999:228)

Os Diários Associados venderam a Rádio e TV Cultura de São Paulo para o governo do estado
no ano de 1967 (detalhes no Capítulo 47), possibilitando o pagamento de parte da dívida com
a Previdência Social. Contudo, o governo federal não pôde comprar alguns andares do prédio
da Rua Sete de Abril que os “Associados” lhe haviam oferecido. No mesmo ano, conta João
Calmon em sua autobiografia, a RCA-Victor voltou a pressionar os Diários Associados a fim de
receber o pagamento de dívidas com equipamentos, enquanto Chateaubriand novamente pediu
dinheiro aos seus diretores para comprar quadros caríssimos para o MASP.
Logo depois, foi realizada uma reunião para discutir a crise da Rede Tupi, que já havia caído
para o quarto lugar na audiência. Um plano foi elaborado para salvá-la e, em 1968, a audiência
voltou a subir. Contudo, Chateaubriand falecera neste mesmo ano se acirraram as disputas
internas no Condomínio Associado, iniciadas em 1960, quando o Chefe se tornou paralítico.
Agora, com sua morte, eclodia o conflito entre os beneficiários de seu legado cívico, liderado
pelo principal condômino de São Paulo, o diretor-presidente Edmundo Monteiro. No início dos
anos 1960, Monteiro havia feito uma tentativa de destituição de João Calmon, logo depois de
ser eleito presidente do Condomínio1. Calmon reagiu por meio de uma lacrimosa carta de 12
páginas dirigida ao adoecido Chatô, na qual o tratou como “meu querido chefe”, relatando estar
vivendo os dias mais traumáticos de sua existência. O Velho Capitão, por meio das mãos de seu
neurologista, escreveu uma resposta que proibia qualquer condômino de prosseguir na tentativa
de confirmar uma destituição que ele não realizou, ou mesmo reduzir a autoridade dos órgãos do
Condomínio Associado. Contudo, diversas alas seguiram travando permanente luta pelo poder
dentro da organização, principalmente após a morte de Chatô, quando muitos rumos foram
mudados e os conflitos entre os condôminos tornaram-se rotina, agravando a crise nas empresas
do grupo.

O grupo de empresas, por sua vez, trazia no seu bojo os germes


da desorganização e da improvisação de seu criador [Assis
Chateaubriand]. A partir da doença, e depois com sua morte, operou-
se total descaso com relação a obrigações fiscais e trabalhistas, e
os problemas se avolumaram numa progressão gigantesca, ao invés
de serem eliminados pelos seus sucessores. Os débitos foram se
avolumando ao longo das últimas décadas e dos últimos governos,
chegando a números astronômicos. (“Tupi: A Greve da Fome”,
1 A longa briga entre as direções da TV Tupi de São Paulo e a do Rio de Janeiro, protagonizada
por Edmundo Monteiro e João Calmon, chegou até as instâncias das associações que cada um
dirigia — a AESP e a ABERT.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 543

Humberto Mesquita, Cortez Editora, 1982:22)

Já em 1969, a produtividade da Rede Tupi caiu significativamente e, em março de 1970, sua


audiência já era menor que a metade da audiência da TV Globo. João Calmon revela em sua
autobiografia que “em abril de 1972, por exemplo, alcançávamos das 20 às 22 horas, apenas 10,4
pontos de audiência, contra 50,2 da Globo em São Paulo. No Rio ficava nos 4,8”.
Em 1974, o jornal “Opinião” destacou: “O império dos Diários Associados, a maior organização
jornalística da América Latina — [...] num total de 77 órgãos de comunicação e cerca de 15 mil
funcionários — aparentemente começou a desmoronar”. Naquele ano, o grupo completava 50
anos de fundação, mas teve que fechar a agência de notícias Meridional e o “O Jornal do Rio de
Janeiro”, o veículo que deu origem aos Diários Associados. Na TV Tupi carioca foram encerradas
as produções de programas gerados para a rede nacional, em função de grandiosa dívida e atrasos
de salários, que chegavam a seis meses. Como já visto no Capítulo 39, a decisão transformou
o Canal 6 carioca numa retransmissora da rede, produzindo alguns poucos programas locais. A
programação da rede passou a ser gerada apenas pela Tupi de São Paulo.
Outro problema que surgiu em 1974 teve origem em Gilberto Chateaubriand, condômino e
filho de Chatô, que entrou na Justiça pedindo a extinção do Condomínio Associado. Ele alegou
que complicadas manobras acionárias teriam deformado o sentido da doação de seu pai aos 22
condôminos, o que ameaçava a continuidade dos Diários Associados. A partir deste momento, a
incerteza agravou a crise administrativa e financeira do grupo.
Mesmo em meio a tantos problemas, a Rede Tupi conseguiu emplacar grandes sucessos durante
os anos 1970, como as novelas “Mulheres de Areia” (1973-74), “Meu Rico Português” (1975), “A
Viagem” (1975-76), “O Profeta” (1977-78) e os programas “Buzina do Chacrinha”, “Discoteca
do Chacrinha”, “Flávio Cavalcanti” e o humorístico “Balança, Mas Não Cai”.
A partir de 1977, escândalos financeiros passaram a acontecer repetidamente nas empresas
“Associadas”. Os equipamentos e instalações da TV Tupi em São Paulo estavam cada vez mais
precários e desatualizados, ao ponto de uma enorme goteira surgir sobre uma importante mesa
de corte. Em uma reportagem da “Folha de São Paulo”1, publicada em 1978 e que retratava a
demissão de Guga, superintendente de Produção e Programação, foi relatada a triste realidade
nos bastidores da emissora:

“Apenas duas velhas máquinas de escrever para uma equipe de 40


jornalistas, instalações inadequadas para a redação do telejornal
(usava-se uma sala destinada aos coquetéis), carência de filmes
virgens, máquinas velhas, frequentes e inexplicáveis “saídas do ar”
e culminando com um domingo à noite em que a TV ficou 6 horas
sem transmitir uma imagem sequer. Nós imaginávamos superar essas
dificuldades através do empenho profissional [...] e o pessoal usava
os seus próprios carros, pondo a gasolina do bolso. Eu mesmo investi
algum dinheiro meu lá na Tupi e estou sem receber desde dezembro.”

Voltando a agosto de 1977, as novelas “Éramos Seis”, “Cinderela 77” e “Um Sol Maior” não
registraram índices tão bons de audiência e os volumes dos contratos de publicidade diminuíram.

1 “Demissões: Uma Nova Crise na Tupi”, Sérgio Gomes, Folha de São Paulo, 16/03/1978, p. 48.
544 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Os salários deixaram de ser pagos em dia e as greves logo se tornariam frequentes. A dívida
junto à Previdência Social, ainda sem acerto, já acumulava gigantesca soma. Outros importantes
veículos dos Diários Associados também passavam por sérias dificuldades financeiras, como era
o caso da revista “O Cruzeiro”, já em fase terminal.

Novela, o produto mais vendável da TV-indústria, tornou-se, nos últimos


três anos, o ponto nevrálgico da luta pela audiência. Até “Antônio Maria”
[1968-69] e “Nino, o Italianinho” [1969-70], a Rede Tupi de Televisão [...]
era a principal geradora de novelas e dona do mercado. O incêndio nos
estúdios da TV Globo de São Paulo deu início à mudança na estratégia
de produção da Rede Globo, que resolveu concentrar seus esforços de
produção no Canal 4 do Rio, a emissora líder da rede. Assim, a partir de
1968, a Rede Globo de Televisão deu início à escalada para assumir a
liderança do mercado, inegavelmente nas mãos da Rede Tupi, da mesma
maneira que a TV Record controlava o mercado de musicais e humorísticos.

No início, com Glória Magadan afirmando que “a gente tem necessidade de


escapar, de sonhar; a gente tem que dar ao espectador a possibilidade de
escapar do cotidiano”, depois passando por Janete Clair (“A Rosa Rebelde”,
“A Ponte dos Suspiros”, “Véu de Noiva”) até chegar ao realismo de Dias
Gomes (“Verão Vermelho”, “Assim na Terra Como Céu”, “Bandeira 2”, “O
Bem-Amado”) e à sátira social de Bráulio Pedroso (“O Cafona” e o “Bofe”),
que abriram caminho para Jorge de Andrade, com a primeira “obra de autor”
produzida na televisão, a Rede Globo minou por completo o esquema da Rede
Tupi e concorrentes menores. As tentativas de reação da emissora paulista
foram iniciadas por Cassiano Gabus Mendes, que chamou Bráulio Pedroso
para escrever a história de Beto Rockfeller, um herói mau caráter, que tenta
ascender na vida através da conquista de mulheres da alta sociedade. Esta
novela, sem dúvida, abriu o caminho da nova linguagem para o gênero e foi
considerada a primeira genuinamente brasileira e, segundo Plinio Marcos,
teatrólogo [...], “substituiu o gênero que se fazia até então: o drama mexicano”.
A Globo passou a controlar o mercado e foi buscar na TV Tupi de São Paulo
tudo que considerou indispensável para completar seu elenco: diretores,
atores, escritores, cenógrafos, figurinistas e técnicos. Nesse período, a TV Tupi
conseguiu sobreviver a duras penas. Algumas experiências fracassaram, como
a novela “As Bruxas”, considerada inteligente demais para a época, (continua...)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 545

...“A Fábrica”, “O Hospital”, “Camomila”, “Bem Me Quer”, até conseguir


uma reação do público com “Vitória Bonelli”, um drama ítalo-paulista de
muito apelo popular. Nesse meio tempo, tentou neutralizar a força dos
“Irmãos Coragem”, contratando Glória Magadan e depois Yoná Magalhães
e Carlos Alberto — a dupla responsável por longos suspiros na fase inicial
das novelas da Globo. Mas fracassou. Os dramas da velha senhora não
traziam mais aqueles apelos capazes de levar o espectador a escapar
da realidade e o casal, como dupla sentimental, não conseguia mais
transmitir a chama irresistível de seu amor, à época em franco desgaste
pessoal. Com “Mulheres de Areia”, de Ivani Ribeiro, sucesso na Grande São
Paulo e em todo o Brasil, a Tupi começa a recobrar o prestígio perdido. A
aceitação desta novela levou-a a novos ambiciosos investimentos. Usando
os mesmos recursos de sua concorrente, contratou Vicente Sesso, autor
de “Minha Doce Namorada” — a maior audiência do horário das 7 — para
escrever “Divinas e Maravilhosas”. Contratou, também, Isabel Pancada,
responsável pela inovação visual das novelas da Globo. Juntou um elenco
de primeira qualidade, liderado por Nathalia Timberg, Nicette Bruno, Bete
Mendes, Geórgia Gomide, Glauce Graieb [...]. (“‘Divinas e Maravilhosas’
na Guerra dos Sonhos’”, Diário de Notícias [RJ], 23/12/1973, p. 19)

Em julho de 1977, em plena situação de semi-insolvência das empresas “Associadas” em São


Paulo, o diretor-presidente paulista Edmundo Monteiro fez um pedido de renúncia. Ele havia
sofrido um pequeno espasmo, sem maior gravidade, mas que foi usado como pretexto para seu
desligamento. O diretor-superintendente, Armando Oliveira, assumiu o posto interinamente e,
“em uma longa exposição, arrepiante, [...] afirmou enfaticamente que ‘a situação das empresas
Associadas de São Paulo já era caótica e pré-falimentar antes da doença de Edmundo Monteiro’.
A eclosão da guerra, agora aberta, entre Oliveira e Edmundo, trouxera a revelação de fatos
que desnudavam a crise paulista. Oliveira pintou um quadro de véspera de catástrofe total.
Não há dúvida, de qualquer forma, de que ele [Edmundo] aproveitou o incidente para afastar-
se da responsabilidade direta pelas empresas paulistas. Tinha boas razões para isso”, revelou
João Calmon em sua autobiografia (1999:414). Monteiro continuou a atuar como condômino
“Associado” e como presidente da AESP - Associação das Emissoras de São Paulo. A
administração das empresas paulistas dos Diários Associados acabou dividida em três núcleos:
João Calmon ficou com a direção dos jornais “Diário de São Paulo” e “Diário da Noite”; Pedro
Aguinaldo Fulgêncio assumiu as rádios Tupi e Difusora; e Martinho Luna de Alencar passou
a dirigir a TV Tupi - Canal 4, geradora da Rede Tupi de Televisão. Logo depois, em agosto
de 1977, o jornalista Rubens Furtado foi designado como novo superintendente-executivo das
empresas paulistas.
[...] Edmundo Monteiro e Armando Oliveira, publicamente
conhecidos como ‘donos’ do Grupo Associado na Capital de São
Paulo por mais de três décadas, não permitiram [...] que fossem
feitas auditorias regulares nas empresas administradas por suas
exclusivas responsabilidades. (“Um Gesto Indigno de Condôminos”,
Paulo Cabral de Araújo [presidente dos Diários Associados], Correio
Braziliense, 26/05/1981, p. 1)
O presidente João Calmon não cansou de afirmar que a Rede Tupi pagava o ônus do pioneirismo
e que não podia enfrentar a pequenez do mercado da televisão nem a poderosa Rede Globo,
546 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

contra a qual fazia duras críticas. Ele sempre apontava incisivamente que a emissora carioca
tinha sido favorecida, desde seu início, pelo grupo investidor estrangeiro Time-Life, algo que era
proibido por lei1. Ainda sobre a crise nos Diários Associados, Calmon escreveu que “cada vez
mais eu me convencia de que a sobrevivência da obra de Chateaubriand, cinco anos após sua
morte, constituía quase um milagre. Vínhamos sendo esmagados entre três tipos diferentes de
pressões: o déficit crônico de diversos de nossos órgãos, as despesas financeiras crescentes e a
legislação federal que nos exigia a alienação de emissoras em todo o país”2.

“Nos últimos três anos, os prejuízos apurados eram da ordem de um


bilhão de cruzeiros novos, com a Rede Tupi e o Canal 4 respondendo
por 64,4% dos prejuízos. Para enfrentar o déficit, a receita teria de
subir, em 1980, de 600 milhões para 1,6 bilhão. A direção-geral de
São Paulo não via como assumir o compromisso da continuidade de
funcionamento, ainda que precário, das empresas paulistas e da Rede
Tupi de Televisão, se a Presidência da República não indicasse quais
as fontes de suprimento que iriam atender aos vultosíssimos déficits
de caixa”. (“Brasil, Primeiro - História dos Diários Associados”,
Glauco Carneiro, Fundação Assis Chateaubriand, 1999:536)

A contenção de despesas foi inevitável e a publicidade, consequentemente, diminuía. A partir


deste quadro, a direção dos Diários Associados passou a recorrer frequentemente a empréstimos
em bancos privados e públicos. Colaboraram com o grupo, em sua fase mais crítica, nomes
como o governador do estado de São Paulo, Paulo Maluf, que autorizou um empréstimo de
Cr$ 12 milhões com o Banespa, dos quais, metade seria pagável com publicidade. O governo
militar também realizou alguns empréstimos por meio do Banco do Brasil e da Caixa Econômica
Federal, principalmente durante as greves, que trataremos no próximo capítulo.

Ofício do Dentel ao Condomínio Associado

Conseguimos no dia 27 de janeiro de 1968 nossa primeira vitória


desde o golpe maior que Castello Branco desferira sobre os Diários
Associados. Após longa batalha nos gabinetes governamentais, recebi
[...] um telegrama urgente [...] comunicando-me a remessa, pelo
presidente Costa e Silva, de mensagem ao Congresso prorrogando o
prazo para a venda de estações de rádio e de televisão que superassem
o máximo permitido pelo Decreto-Lei 236. (“Minhas Bandeiras de
Luta”, João Calmon, Fundação Assis Chateaubriand, 1999:233)
Encerramos 1973 com uma grande vitória: o Decreto-Lei 236 não
seria aplicado contra nós. Essa promessa foi obtida por nossa
1 Em outubro de 1967, o consultor-geral da República, Adroaldo Mesquita da Costa, considerou
que não havia uma sociedade entre as duas empresas. Mais detalhes no Capítulo Extra - “A
Criação da ABERT”.
2 “Minhas Bandeiras de Luta”, João Calmon, Fundação Assis Chateaubriand, 1999:334.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 547

comissão na audiência concedida pelo presidente Médici [...], no


Palácio das Laranjeiras. Em nome dos Associados, lá estávamos,
Edmundo, Edilson e eu. Médici mostrou-se extremamente acolhedor.
Lembrou os serviços prestados ao país pelos Diários Associados e
por mim, terminando por afirmar: “Pode estar certo, senador, de que
enquanto eu for presidente da República, não aplicarei o Decreto-
Lei 236”. Cumpriu a palavra à risca. Seu sucessor, Ernesto Geisel,
igualmente, não se interessou em executar o decreto que nos tinha
como maior alvo. [...] Com efeito, as determinações de Médici a
respeito do Decreto-Lei 236 foram cumpridas. [...] Já em Brasília,
no dia 21, expus ao diretor do Dentel, coronel Lauro, a decisão
de Médici. Expliquei simplesmente que o presidente da República
havia prometido abrir uma exceção ao nosso grupo, uma vez que
não estávamos em condições reais de vender as emissoras que nos
pertenciam. O coronel ficou bastante surpreso. [...] Hygino Corsetti
[ ministro das Comunicações] terminou por declarar que, como
membro disciplinado do governo, acataria simplesmente a decisão
do presidente. A partir daí, durante seis anos, não se criaram para
nós problemas ligados ao Decreto-Lei de Castello Branco. (“Minhas
Bandeiras de Luta”, João Calmon, Fundação Assis Chateaubriand,
1999:338-339)

Em 1979, logo no início do governo de João Figueiredo, o último dos presidentes militares,
algumas facilidades para os “Associados” foram cortadas quando o Ministério das Comunicações
expediu um ofício ao presidente do grupo, João Calmon, que também vinha exercendo o mandato
de senador desde o ano anterior. O ministério fez diversos apontamentos sobre a situação das
empresas de radiodifusão do grupo e alertou sobre a iminência de ser decretada a perempção (não
renovação) de suas concessões de rádio e TV vencidas. Sete entre as nove concessões próprias
de televisão dos Diários Associados, espalhadas pelo Brasil, já haviam expirado, incluindo da
emissora-geradora da rede, em São Paulo, com situação irregular desde dezembro de 1977. Além
disso, o mesmo quadro se repetia em todas as concessões de rádio do grupo pelo país, exceto
com as da Rádio Tupi do Rio de Janeiro (AM e FM). Todas essas concessões não podiam ser
renovadas em face das complicadas condições administrativo-financeiras em que o Condomínio
Associado se encontrava, requisito mínimo exigido pela lei para regularização ou renovação
de concessões. Essas emissoras vinham, portanto, operando em “caráter precário”, segundo o
jargão da radiodifusão, algo previsto em lei até que as pendências fossem resolvidas. Contudo,
no caso dos “Associados”, essas pendências se arrastavam há anos e, desta vez, o governo do
presidente Figueiredo cobrava definitivamente uma solução.
Outro ajuste a ser feito pelos Diários e Emissoras Associados estava relacionado ao cumprimento
do Decreto-Lei nº 236/67. Ele estipulava um prazo para o cumprimento do Código Brasileiro
de Telecomunicações, que passou a limitar a quantidade de emissoras de rádio e televisão que
os grupos de comunicação podiam operar simultaneamente no país. Entre emissoras de rádio
e televisão próprias, os “Associados” tinham posse de 46. Em vez de três emissoras de Ondas
Médias regionais permitidas, o grupo possuía 15; em vez de duas de Ondas Médias com alcance
nacional, controlava sete; ao invés de duas emissoras de Ondas Curtas, o grupo era dono de oito;
na Onda Tropical, ao invés de três, havia sete em operação; e, por fim, enquanto eram permitidas
cinco emissoras de televisão de um mesmo grupo pelo país, os Diários Associados operavam
nove. Edmundo Monteiro revelou, em uma entrevista de 1974, que “quando foi assinado o
Decreto 236, que impede que um grupo controle mais de cinco estações, o governo nos permitiu
548 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

o controle das 17 emissoras, por considerar eficiente o trabalho que já vínhamos realizando pela
integração nacional”. Desde então, João Calmon vinha conseguindo protelar a obrigatoriedade
de se adequar ao referido decreto e não ter que vender as emissoras excedentes, algo nada fácil de
concretizar, pois com tantas pendências e falta de dinheiro, ficaria difícil regularizar as emissoras
para efetivar as vendas.
Por fim, o governo Figueiredo também apontou que os Diários Associados não cumpriam o
Decreto nº 52795/63, que desautorizava as empresas de comunicação a manterem duas ou
mais estações de radiodifusão em uma mesma localidade. Mesmo assim, diversas empresas
dos “Associados” atuavam duplamente numa mesma cidade, a exemplo da Rádio Clube de
Pernambuco e Rádio Tamandaré, em Recife; da Rádio Tupi e Rádio Tamoio, no Rio de Janeiro;
da Rádio Borborema e Rádio Cariri, em Campina Grande; da Rádio Tupi e Rádio Difusora, em
São Paulo; e da Rádio Guarani e Rádio Mineira, em Belo Horizonte.
Logo após os apontamentos, o Ministério das Comunicações estabeleceu um prazo de 90 dias para
os Diários Associados apresentarem soluções. Caso contrário, o governo declararia peremptas
todas as concessões pendentes de rádio e televisão, interviria nas empresas e promoveria abertura
de novos editais de concorrência pública, passando as licenças de operação a outros grupos
empresariais.
Foi então que Paulo Cabral de Araújo assumiu o cargo de Procurador-Geral dos Diários
Associados e passou a negociar com o governo a prorrogação do cumprimento do Decreto-Lei
nº 236. Ele foi promulgado pelo então presidente Castello Branco em 1967, mas os “Associados”
conseguiram prorrogar algumas vezes o prazo de adequação, garantindo sobrevida para as
emissoras que precisariam ser vendidas. Segundo João Calmon, tal decreto foi promulgado com
a intenção de atingir diretamente os Diários Associados.
Em uma palestra do diretor Edmundo Monteiro, ministrada em um encontro com a Comissão
de Comunicações da Câmara Federal, realizado em 1975, ele expressou sua opinião sobre a
limitação no número de emissoras ligadas a um mesmo grupo: “A restrição numérica de emissoras
de um mesmo grupo ou organização em nada beneficia o radiouvinte ou o telespectador. Se
alguém evoluiu numericamente, não deveremos jamais nivelar por baixo e sim, por cima. Se
se pretender estabelecer um parâmetro numérico, esse deverá ser sempre tomado pelo número
mais alto, pois além de se prender a uma situação de fato, estaremos dando igual oportunidade a
todas as redes, para melhor servir a um maior número de brasileiros. Sentimo-nos perfeitamente
à vontade para fazer a defesa dessa tese, porque se de um lado possuía a nossa empresa o maior
número de emissoras, por outro lado, não somos nós, neste instante, os detentores da mencionada
liderança”, declarou o diretor dos Diários Associados em São Paulo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 549

Em São Paulo, a Crise Era Mais Aguda

Além das pendências com o Ministério das Comunicações, outros sérios problemas faziam parte
do contexto administrativo do Condomínio Acionário Associado, tais como a situação complicada
em que se encontrava o inventário de Assis Chateaubriand; a ação ordinária de extinção do
Condomínio, proposta pelo herdeiro Gilberto Chateaubriand; o clima de sérias acusações por
parte do repórter David Nasser, após sua decisão em deixar o Condomínio; e, ainda, o fato
de que, nas entidades que compunham o Condomínio, vários cotistas eram representados por
espólios, pois ainda não era conhecido o destino das cotas de ações correspondentes.
Em maio de 1979, os membros do Condomínio Acionário Associado discutiram três alternativas
para tentar solucionar a crise das empresas paulistas: concordata, falência e venda de imóveis ou
de empresas. As opiniões dividiram-se. Foi proposto que se acionasse Edmundo Monteiro e seus
amigos empresários para tentar vender algumas empresas. Outros sugeriram que as liquidasse,
preservando apenas a TV Tupi - Canal 4, mas convertendo-a em uma repetidora e transferindo
a geração da programação nacional para a Tupi do Rio de Janeiro. Todos concordaram em um
ponto: uma solução não poderia, em hipótese alguma, ser protelada. Por fim, os condôminos
acataram a sugestão do procurador Paulo Cabral de Araújo, aceitando vender parte do patrimônio
para proporcionar condições financeiras mais estáveis, colocando, ainda, como possibilidade,
a participação acionária de outros grupos. Apesar dos grandes problemas, os resultados das
empresas dos Diários Associados pelo país não foram ruins em 1978. Grupos de diversas praças
apresentaram lucros elevados, inclusive alguns que estavam deficitários. As rádios do grupo
eram lucrativas, tinham boa audiência, e algumas chegavam ao primeiro lugar em suas cidades.
A empresa Rádio Difusora São Paulo S/A — que compreendia os veículos TV Tupi - Canal 4,
Rádio Difusora FM e Rádio Difusora AM — era a única do grupo em estado de insolvência, numa
crise que ficou mais aguda em 1977. Com grandes prejuízos, a situação caótica das empresas
de São Paulo chegou ao ponto de precisar justamente absorver os lucros obtidos pelas demais
empresas “Associadas” do Brasil. O prejuízo em São Paulo, referente ao ano de 1978, chegou
a Cr$ 216,8 milhões, contra Cr$ 120 milhões do ano anterior. Com isso, as contas dos Diários
Associados fecharam o ano com prejuízo global de Cr$ 171 milhões. Relatórios do Ministério
das Comunicações mostram que, em fevereiro de 1980, a TV Tupi e a Rádio Difusora de São
Paulo contavam com uma folha de pagamento de Cr$ 24 milhões, sendo que as despesas estavam
consignadas em Cr$ 110 milhões e a receita em Cr$ 80 milhões. Portanto, um déficit de Cr$ 30
milhões.
Para o presidente João Calmon, algumas pessoas trabalhavam para levar a TV Tupi de São Paulo
à falência, uma vez que as três emissoras de rádio do Sumaré vinham trabalhando normalmente,
com lucro. Segundo ele, faziam de tudo para transformar o Canal 4 em massa falida para ser
comprado com maior facilidade. Calmon sempre enfatizava publicamente a necessidade de
mudança no quadro contra o monopólio da audiência nas mãos de um só grupo privado — no
caso, da Rede Globo. O presidente dos Diários Associados mostrava-se, também, irritado com a
atuação dos sindicatos de São Paulo, que conseguiam fazer com que os funcionários da televisão
frequentemente paralisassem suas atividades. Por outro lado, Calmon sofria uma oposição muito
forte. David Nasser, por exemplo, quando anunciou a decisão de se afastar do Condomínio,
assim se expressou:
— Por estar certo de que V.S. (referindo-se a João Calmon) passará à história como demolidor
da obra gigantesca de Assis Chateaubriand, expresso a irrevogável decisão de me retirar do
Condomínio Acionário dos Diários e Emissoras Associados.
550 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Humberto Mesquita, diretor do “Grande Jornal Falado” da Rádio Tupi de São Paulo, repórter
especial da Rede Tupi e representante da comissão de greve das “Associadas” paulista, também
ressaltou que “não há nenhuma crise na televisão brasileira, como afirmou o sr. João Calmon [...].
A televisão brasileira está muito bem. A Tupi é que está mal”, declarou ele ao jornal “O Globo”.
E completou: “É mentira que a TV Globo seja responsável pela situação da Tupi. A Globo existe
há 15 anos, mas o senador João Calmon não paga INPS e não recolhe o FGTS há 20 anos. Além
disso, no pedido de concordata da empresa, ele alega que seus problemas econômicos também
foram gerados pela maxi-desvalorização do Cruzeiro na compra de equipamentos. Com isto ele
teve a coragem de acusar o próprio governo”1.

1 “Líder Grevista Faz Graves Denúncias Contra a TV Tupi”, O Globo, O País, 17/06/1980,
p. 6.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 551

CAPÍTULO 42
GREVES

“Em 1976, com a saída de Orlando Negrão [da superintendência],


começaram os atrasos de pagamento [na Tupi de São Paulo] e
iniciou-se a sucessão de diretores que ficavam de três a seis meses
nos cargos e logo saíam, sem conseguir estabelecer um plano de ação
e cumpri-lo. Todos começamos a ficar preocupados, lamentando,
vendo que as coisas estavam caminhando para o caos e dando tudo
para evitar isso”. (depoimento do ator e diretor Walter Forster, “TV
Tupi, o Triste Fim Antes dos 30 Anos”, Ana Maria Tahan, Jornal do
Brasil, 03/08/1980, Caderno B, p. 8)
Em 1977, quando assumimos a direção do sindicato, deparamos com
a primeira greve na Tupi por falta de salários. E fomos bem-sucedidos,
porque a empresa pagou os vencimentos e o décimo-terceiro salário.
De novembro de 1977 a janeiro de 1980, fizemos perto de 120 acordos
para pagamento de salários. (depoimento de Alberto Freitas, então
presidente do Sindicato dos Radialistas de São Paulo, “Tupi: A Greve
da Fome”, Humberto Mesquita, Cortez Editora, 1982:50)

C
om três meses de salários atrasados, os funcionários da TV Tupi de São Paulo iniciaram a
primeira greve da emissora em 1977, mas ela logo foi interrompida com um acordo para
pagamento parcelado dos débitos. No entanto, a partir daquele ano, pequenas paralisações
no Sumaré se tornavam corriqueiras. “Ninguém levava muito a sério os movimentos paredistas,
porque a direção possuía dispositivos naturais para absorver os impactos das paralisações”1,
conta Humberto Mesquita, diretor de jornalismo da TV Tupi e representante dos funcionários
da emissora durante os movimentos grevistas. Segundo ele, era comum que, de repente, atores
de uma determinada novela resolvessem fazer uma paralisação, mas acabavam voltando ao
trabalho poucos dias depois. O mesmo acontecia em outros setores do Sumaré e, apesar de serem
corriqueiras e isoladas, essas pequenas paralisações demonstravam que já havia sérios problemas
na administração da empresa. Mesquita revela em sua obra “Tupi: A Greve de Fome” (Cortez
Editora, 1982) que os atrasos nos pagamentos começaram a acontecer com maior frequência
“porque, a pretexto de manter sua grandeza, [a Tupi] resolveu [...] fazer contratações que jamais
estiveram ao alcance de suas possibilidades financeiras. E os contratados, temendo a falta de
pagamento, exigiam uma multa de 100% por atraso de salário. Eram os ‘contratos de risco’,
como foram chamados na Tupi. Se a emissora não saldasse seus compromissos a cada dia 10,
teria de pagar o salário em dobro para esses novos contratados”2. Esta prática criou uma situação
de constrangimento, pois enquanto a grande maioria ficava sem receber um ou dois meses, esses
privilegiados tinham seus vencimentos pagos em dia.

1 “Tupi: A Greve da Fome”, Humberto Mesquita, Cortez Editora, 1982:41.


2 “Tupi: A Greve da Fome”, Humberto Mesquita, Cortez Editora, 1982:42.
552 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Os altos salários de alguns funcionários e as novas cláusulas (para alguns) de recebê-los


rigorosamente em dia, oneravam muito a folha de pagamento. O clima era de muita tensão nos
bastidores da emissora do Sumaré e perspectivas cada vez mais remotas para regularização da
situação. As satisfações dadas aos funcionários eram cada vez mais inconsistentes.
Esse era o cenário em novembro de 1977, quando Mauro Salles — um bem-sucedido e bem-
relacionado publicitário — assumiu a vice-presidência executiva dos Diários Associados, recém-
criada para tentar unir e levantar o império que estava à beira da falência. O publicitário foi
empossado durante uma grande cerimônia ocorrida em um hotel de Brasília, que contou com
a presença de 11 ministros de Estado e dezenas de parlamentares. Mesmo desaconselhado por
alguns a assumir os “Associados”, Salles não resistiu à ideia de tentar transformar o grupo em uma
empresa holding1. Nessa época, também foi confirmado que os Diários Associados investiriam
US$ 11 milhões em material técnico moderno, dos quais US$ 3,5 milhões se destinariam às
emissoras paulistas (como visto no capítulo anterior). Em uma reunião de negócios, Salles
declarou que “decidimos que a capital dos Associados será São Paulo, ante a potencialidade
do mercado; selecionamos o veículo que poderá apresentar respostas mais rápidas — a Rede
Tupi de Televisão; e iniciamos a montagem de uma estrutura administrativa integrando todas as
empresas do grupo”.
No entanto, dificuldades para a execução de planos impulsionaram Salles a desistir do cargo
quatro meses após assumi-lo, alegando que não foram atendidas as condições que impusera
quando aceitou o cargo, entre as quais, a reestruturação do grupo e definição clara dos níveis
de poder. “Faltaram-me os instrumentos prometidos e acordados e isso iria levar a uma linha
de conflitos”, disse. Salles considerou a criação da holding como “uma medida administrativa
fundamental”. O presidente João Calmon atribuiu a Gilberto Chateaubriand, filho de Chatô, os
problemas enfrentados por Salles.

O Começo do Fim

Era maio de 1979, após três meses esperando pelo pagamento de salários atrasados, os
funcionários da TV Tupi de São Paulo iniciaram a quarta greve da emissora. No entanto, ela
logo foi encerrada com a celebração de um acordo, na qual, a direção se comprometeu com
três sindicatos (Radialistas, Artistas e Jornalistas) a reduzir os atrasos de forma gradativa,
liquidando-os em quatro meses. Em fevereiro, a Tupi de São Paulo recebeu de volta o executivo
Rubens Furtado para ocupar a direção-geral. Por sua vez, ele contratou o experiente diretor
Walter Avancini2 para atuar como superintendente de programação, que, por sua vez, promoveu
diversas mudanças artísticas e na formação de equipes, contratando gente de confiança sua
(alguns contavam com a cláusula que não permitia atrasos nos pagamentos).
Em agosto a Tupi se antecipou ao prazo do acordo e pagou o salário de julho em dia. Contudo,
em 10 de setembro de 1979, data do pagamento seguinte, apenas os 615 funcionários com
salários inferiores a Cr$ 10 mil foram pagos. A direção justificou que o feriado de 7 de setembro

1 Holding é uma empresa que detém a posse majoritária de ações de outras empresas,
denominadas subsidiárias, centralizando o controle sobre elas.
2 Walter Avancini havia trabalhado no programa “Clube Papai Noel” e em radionovelas da
Cidade do Rádio, no Sumaré, iniciando em 1943, aos seis anos de idade. Também trabalhou
como ator no filme “Quase no Céu”, de Oduvaldo Vianna, lançado em 1949 pelos Estúdios
Cinematográficos Tupi.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 553

havia retardado a confecção das folhas de pagamento e, por isso, os cheques seriam emitidos
em quatro etapas, de acordo com a faixa salarial. Desta vez, a Tupi ignorou os “contratos de
risco” e colocou os funcionários privilegiados na mesma situação de atraso dos demais. Com o
rompimento do acordo firmado em maio, todos os funcionários pararam as atividades na tarde
daquele dia 10 de setembro. Agora, com a adesão de artistas e dos ex-privilegiados, eles se
reuniram no Estúdio “B” na noite do dia 11, não para gravar um programa, mas para participar
de uma assembleia-geral. Mesmo com a atuação pacífica do diretor-geral Rubens Furtado, que
tinha a simpatia da maior parte dos funcionários, a assembleia decidiu que era hora de “pagar
para ver” e uma grande greve seria mesmo deflagrada.
“Quisemos pagar todos os funcionários com apenas quatro dias de atraso, mas ninguém aceitou.
Agora, nem sei quando poderemos ter o dinheiro para fazer os pagamentos. Ninguém quer ser
anunciante numa emissora em greve geral”, declarou à revista “Veja” o diretor-regional dos
Diários Associados, Paulo Cabral de Araújo.
Com a geradora da Rede Tupi em greve, os Diários Associados recorreram à Embratel, que
socorreu a emissora ao manter um canal de satélite à disposição e, assim, a programação
nacional pôde ser gerada pela TV Tupi do Rio de Janeiro, que não estava em greve. A estatal
temporariamente anistiou a Tupi de uma dívida de Cr$ 13 milhões. No dia 11 de setembro,
às 13h, o Canal 4 de São Paulo passou a retransmitir a programação da Tupi carioca e, sobre
esse fato, o jornalista Humberto Mesquita revelou ao “Jornal do Brasil”: “Não hesitamos em
perguntar ao ministro das Comunicações por que o ministério permite que a Embratel abra seu
canal do Rio para São Paulo para a Tupi. O ministro respondeu que pensava em nós, porque se a
emissora saísse do ar, não haveria como evitar, pela lei, a cassação do canal. Por isso, decidimos
mandar o pessoal da Técnica trabalhar [para manter o Canal 4 retransmitindo a programação do
Rio] e continuamos os considerando como grevistas autênticos e da primeira hora”, escreveu
Mesquita.
Cerca de 60 radialistas mantiveram as emissoras de rádio e TV do Sumaré no ar durante esta
greve. O clima ficou mais tenso quando os patrões endureceram suas posições e argumentaram
que o movimento havia prejudicado os contratos de publicidade. Consequentemente, como
os pagamentos seriam depositados somente no dia 26 de setembro, os grevistas resolveram
prosseguir o movimento, pois receberam essa notícia como uma tentativa de apagar o acordo
firmado em maio, que visava acabar com os atrasos em até quatro meses. As fitas com capítulos
inéditos das novelas, gravados em São Paulo, foram levadas para a Tupi do Rio para serem
exibidas para toda a rede. A emissora carioca passou a transmitir para todo o país o seu próprio
material jornalístico local, assim como aqueles produzidos pela TV Rádio Clube de Recife e
pela TV Brasília. O que se via na Rede Tupi, em todo o Brasil, entretanto, era apenas uma
“programação fria”, “tapa-buraco”, de acordo com o que órgãos de imprensa relataram.

O resultado foi a apresentação de um insólito espetáculo, onde a


separação entre o que se via e o que se ouvia conseguia produzir
uma estranha sensação em seus telespectadores — a de que estava
assistindo a uma sessão de cinema mudo e ouvindo rádio ao mesmo
tempo. Assim, entre ruídos de uma máquina de video-tape girando ao
contrário, cortes repentinos e outros acidentes exibidos com muita
frequência, a emissora levaria ao ar o filme de uma das campanhas
da AERP [Associação das Emissoras de Radiodifusão do Paraná],
enquanto, em off, surgia a voz do ator Paulo Goulart, desafiando uma
de suas companheiras do anúncio de sabão em pó: “Vamos à prova da
janela?”. Durante o telejornal “Rede Tupi de Notícias”, desfalcado
554 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

de toda a equipe de São Paulo, os fatos mais corriqueiros do Recife


foram contados com detalhe para os paulistas, aos quais seriam
também oferecidas as carnes vendidas num modesto açougue de Vila
Isabel no Rio de Janeiro. (“À Moda da Casa”, Veja, 19/09/1979, p.
131)

A direção do Condomínio Associado começou a cogitar a redução de custos, deixando de


produzir novelas e reduzindo os shows para um ou dois apenas. O restante da programação
seria preenchido com “enlatados”, algo que, na visão dos diretores, dificilmente abalaria mais a
audiência já tão combalida. No início de outubro, após conseguirem empréstimos de emergência
em duas instituições financeiras — um deles no estatal Banco do Brasil —, os patrões aceitaram
um acordo e pagaram os salários no dia 18 do mesmo mês, além de abonarem as faltas e
assumirem o compromisso de não demitir ninguém em um período de três meses (até 18 de
janeiro de 1980). A greve acabou, o Canal 4 de São Paulo voltou a exibir programação própria,
mas tornou-se inviável para a diretoria ter que sustentar aquela situação de corrida aos bancos a
cada mês para cobrir uma folha de salários muito maior que a receita. Há, ainda, outra importante
marca deixada pela greve, como conta Humberto Mesquita:

A partir desse episódio, contudo, o presidente do Condomínio


Acionário resolveu mudar a linha da sua cadeia de televisão,
decidindo transformar a TV Tupi do Rio de Janeiro, canal 6, em
cabeça de rede, enquanto São Paulo passaria a atuar quase como
simples repetidora1. A primeira providência nesse sentido seria a
dispensa em massa na Tupi de São Paulo. O diretor-superintendente
da Tupi carioca, José Arrabal, chegou a criar a primeira relação de
demitidos, composta de 105 elementos, desrespeitando, inclusive, o
acordo que fora feito na ocasião da greve. A demissão [em massa] só
não ocorreu porque o diretor-administrativo de São Paulo, Wilson de
Andrade, recusou-se a levar adiante a medida, chegando a propor a
inclusão do seu nome como o 106º da lista. Em vista disso, falhou a
ideia do João Calmon; mas ele prometeu aos seus auxiliares imediatos
que na primeira oportunidade levaria a cabo a mudança. (“Tupi: A
Greve da Fome”, Humberto Mesquita, Cortez Editora, 1982:47)

1 Situação inversa do que aconteceu em 1974, à revelia de João Calmon, conforme abordado
no Capítulo 39. No final dos anos 1970, contudo, alguns programas da Rede Tupi já estavam
sendo produzidos pela TV Tupi carioca.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 555

Apesar do drama dos funcionários, uma piada interna


era contada no Sumaré, juntando os nomes de duas
novelas da Tupi que foram ao ar naquela época: “Dinheiro
Vivo” e “Como Salvar Meu Casamento”. Segundo a
brincadeira, a “novela” da vida real dos funcionários
deveria se chamar “Dinheiro Vivo Para Salvar Meu
Pagamento” ou “Como Salvar Meu Pagamento”.

A Greve dos Atores

No dia 18 de janeiro de 1980, liderada pelo ator Rubens de Falco e pelo diretor de novela Atílio
Riccó, foi iniciada uma paralisação dos atores da TV Tupi de São Paulo. A direção da emissora,
no entanto, se comprometeu a pagar até 24 de janeiro os salários reivindicados de novembro
e dezembro. Mas, como nenhum novo contrato de publicidade fora fechado com a Rede Tupi
no final de 1979, o pagamento dos funcionários teria que ser feito com o empréstimo de Cr$
30 milhões prometido pelo Banco do Brasil, originalmente destinado a quitar uma dívida com
outra instituição, o Banco Nacional. No entanto, a liberação desta importância atrasou e chegaria
apenas na tarde do dia 23 de janeiro. O sindicato aceitou aguardar até o dia 24, mas a totalidade
do dinheiro acabou não sendo liberada pelo Banco do Brasil, justificada pela maxidesvalorização
do Cruzeiro e, consequentemente, pela ampliação do valor da dívida dos Diários Associados.
Apenas uma quantia correspondente ao valor das garantias dadas foi liberada, ou seja, cerca de
Cr$ 16 milhões.
Na data estabelecida para os pagamentos dos salários atrasados, o diretor-geral Rubens Furtado
anunciou que não havia dinheiro em caixa e ele próprio mandou que todas as categorias da
emissora também parassem as atividades. Segundo Furtado, essa iniciativa foi do próprio
presidente do Condomínio, João Calmon, algo que o Sindicato dos Radialistas do Estado de São
Paulo entendeu como um plano para dispensar os trabalhadores de São Paulo e entregar ao Rio
de Janeiro o comando da Rede Tupi de Televisão.
Sem novelas para produzir, a Tupi desativou os estúdios da Vila Guilherme e, logo depois, o mesmo
aconteceu com a Central de Produção do Sumaré. Isso porque a geração da rede voltou a ser feita
pela TV Tupi do Rio de Janeiro, onde não havia greve, já que seus 540 abnegados funcionários
vinham recebendo salários com pequenos atrasos de 10 e 15 dias, algo que eles já consideravam
normal. Entretanto, a emissora carioca, que pagava parte de suas contas com recursos da sua
“emissora-mãe” — a Rádio Tupi — tinha ainda outras dívidas com seus empregados. A respeito
da grande crise em São Paulo, os funcionários cariocas estavam convencidos de que o governo
“daria um jeito” mais uma vez.
556 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Numa assembleia marcada às pressas no Sindicato dos Jornalistas, o diretor Rubens Furtado
tentou um acordo e pediu aos seus funcionários que voltassem ao trabalho, sob a promessa de
pagamento do adiantamento e de não haver demissões. Após complicada operação, foi liberada
uma verba de Cr$ 11 milhões em publicidade do governo paulista de Paulo Maluf, que reforçaria
a cobertura dos salários. A greve terminou e, a partir das 15h, a Tupi de São Paulo voltou a
gerar programação própria, contudo apenas para transmissão local, ao passo que a Tupi do Rio
continuou como geradora de programação da rede nacional.
Em 11 de fevereiro, após o pagamento do adiantamento, cerca de 90% dos funcionários paulistas
já tinham voltado ao trabalho, embora sem perspectivas de receber os salários atrasados desde
novembro. Já os atores decidiram permanecer em greve e a alta direção do grupo tomou uma
drástica posição, como conta João Calmon (1999:464): “Nosso diretor [Rubens Furtado]
telefonou-me [...] e perguntou se deveria enviar imediatamente notificação a todos eles [os atores]
sobre sua demissão por justa causa. Afinal, [...] haviam decidido [...] contra a orientação adotada
por todos os demais. Autorizei a providência, mesmo julgando-a drástica. Se não agíssemos
dessa forma, entrariam com um pedido de rescisão coletiva do contrato de trabalho”. E assim foi
encerrado o histórico Departamento de Teledramaturgia da TV Tupi de São Paulo.
Até o final da noite de 12 de fevereiro, cerca de 50 atores receberam suas cartas de demissão
e, logo em seguida, entraram na Justiça. “O que a Justiça decidir, a Rede Tupi de Televisão
acata, pagando todos os direitos”, afirmou o superintendente Rubens Furtado, que lastimou as
demissões.
Após as várias demissões e ainda com salários atrasados, o Sindicato dos Radialistas de São
Paulo planejou uma nova greve com o objetivo de torná-la legal, o que fez a direção da Tupi
procurar o próprio sindicato. Um acordo foi selado para realização de pagamentos até 15 de
abril, com a garantia de que os direitos de greve fossem assegurados. A proposta foi aceita pelos
funcionários.

A Central de Produção no bairro da Vila Guilherme corria risco


de ter o contrato de locação rescindido. Contudo, no mês
de abril de 1980, o diretor-superintendente da Rede Tupi de
Televisão, José Arrabal, que assumiu o cargo recentemente,
em 26 de março, quis reativar a produção no local. A ideia era
justificar sua manutenção e poder contar com aquela estrutura
após a dramática crise. No entanto, tudo isso foi em vão.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 557

O Fechamento da Central de Teledramaturgia


A Tupi sempre conseguiu um brilhante desempenho competitivo na área
das telenovelas. Mesmo nos anos de maior crise empresarial, com salários
atrasados e dívidas abissais, a Tupi manteve com as telenovelas um nível
respeitável e alto. Muitas delas chegaram a balançar os respectivos horários,
como “A Viagem”, de Ivani Ribeiro, a primeira telenovela espírita brasileira;
outras atingiram níveis artísticos bastante altos como “O Machão” (novela
de Sérgio Jockyman que revelou Antônio Fagundes), “Éramos Seis”, um
dos melhores telenovelísticos da década, com Gianfrancesco Guarnieri
[...] e Nicette Bruno [...]. “Vitória Bonelli” foi outra novela de grande força
da Rede Tupi, com Berta Zemmel inesquecível no papel título. “Mulheres
de Areia” atingiu altos níveis de audiência com Eva Wilma pontificando
num duplo papel. Nos horários chamados juvenis, a Tupi acertou com
o “Meu Pé de Laranja Lima”, de José Mauro Vasconcelos, e “O Velho, O
Menino e O Burro”, de Carmem Lídia. (Manchete, “Televisão - Os Anos
70 - O Grande Salto Para o Sucesso”, Artur da Távola, 12/01/1980, p. 59)

Vendendo Empresas Paulistas

Entre janeiro de 1977 e aquele 1980, [as empresas “Associadas”


paulistas] passaram por sete gestões diferentes (Edmundo, Oliveira,
Rubens, Mauro Salles, Camilo, Rubens e Paulo Cabral), sempre com
sérias dificuldades financeiras cobertas a duras penas por créditos que
obtínhamos. Esse era, então, o grande problema a afligir os Diários
Associados. O que nos reservaria o futuro? Fórmulas rotineiras não
solucionariam nossa dificuldade. Não havia tempo para esperar por
um substancial aumento da receita, nem para uma diminuição das
despesas que não dependiam apenas de nós. Teríamos mesmo que
partir para um corajoso programa de desmobilização, já delineado
no decorrer de 1979, com a venda do prédio da 7 de Abril [proposta
posteriormente cancelada porque o valor não conseguiria sanar
as dívidas], de emissoras excedentes e de quaisquer outros itens
disponíveis de nosso patrimônio. Além disso, deveríamos reformular
nossa estrutura administrativa, reorganizando inteiramente as
empresas “Associadas” com a implantação de um organismo central
de comando e controle [...]. Para a TV, a linha a seguir era criar uma
ou mais empresas produtoras de programas, desligadas formalmente
da empresa detentora da concessão [talvez promover uma sociedade
com a produtora do cubano-argentino Goar Mestre, um dos maiores
558 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

empresários da TV latino-americana] e fixar uma nova estrutura


de comercialização. (“Minhas Bandeiras de Luta”, João Calmon,
Fundação Assis Chateaubriand, 1999:455-456)

Para pagar os salários atrasados e encerrar as greves, os Diários Associados resolveram


definitivamente vender algumas empresas. O ex-diretor Edmundo Monteiro aceitou colaborar
para a formação de um grupo disposto a adquirir as empresas dos Diários Associados de São
Paulo. Logo surgiu a Rede Capital de Comunicações1 — cuja emissora-líder era a Rádio Capital de
São Paulo —, interessada na TV Alterosa2 de Belo Horizonte. O diretor Edevaldo Alves da Silva
estava disposto a pagar Cr$ 40 milhões, mas a operação não foi concretizada porque o Ministério
das Comunicações exigia que a situação financeira da emissora fosse antes regularizada, algo
que não pôde ser feito. Posteriormente, foi aventada a possibilidade de penhora de um imóvel
da Rádio Tupi de São Paulo e de dois outros em Belo Horizonte, servindo como garantia para o
empréstimo de Cr$ 30 milhões solicitado ao Banco do Brasil, que cobriria a folha de pagamento
de um mês de salários, mas não resolveria em definitivo o problema administrativo da TV
Tupi de São Paulo. Vale salientar que, a esta altura, os “Associados” dependiam totalmente do
governo militar para sobreviver e que não foram poucas as vezes em que ele concedeu assistência
financeira ao império deixado por Chateaubriand.

Na realidade, as empresas de São Paulo estavam irremediavelmente


condenadas: a greve só terminaria depois de liquidada a conta do
último mês e, obviamente, não conseguiríamos os Cr$ 80 milhões
necessários para isso. A última chance seria uma palavra de
Figueiredo [presidente da República] com quem eu não conseguia
falar desde outubro, apesar dos repetidos pedidos de audiência que
lhe encaminhara através de Golbery [ministro-chefe do Gabinete
Civil] e dos demais integrantes do grupo palaciano. (“Minhas
Bandeiras de Luta”, João Calmon, Fundação Assis Chateaubriand,
1999:477)
[...] mal entrou no gabinete presidencial, João Calmon pediu, mais
uma vez, ajuda financeira do governo para resolver o problema
da TV Tupi de São Paulo, o que irritou de imediato o general
Figueiredo. As “poucas e boas” que o general Figueiredo disse
ao senador Calmon “com veemência”, foi que “o governo não vai
mais ajudar os Associados, porque já o fez por diversas vezes e
seus problemas não foram resolvidos”. Além de recordar já ter dito
anteriormente que não daria dinheiro para a empresa, o presidente
Figueiredo ainda acrescentou ter certeza de que tal ajuda financeira,
se eventualmente concedida, “não iria para os trabalhadores”. [...]
Informantes do Palácio do Planalto acentuam que o caso é delicado
porque se o governo cobrar as dívidas do INPS e outros órgãos, o
dinheiro voltará para a área oficial e não para os trabalhadores
prejudicados. (“Figueiredo Diz Poucas e Boas a João Calmon Sobre

1 A Rede Capital de Comunicações anteriormente já havia tentado adquirir as concessões


extintas dos canais 9 do Rio e de São Paulo para montar a Rede Capital de Televisão.
2 A TV Alterosa pertencia indiretamente a alguns membros do Condomínio Associado, mas a
emissora não fazia parte da Rede Tupi de Televisão e contava com programação própria.
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a Tupi”, Tribuna da Imprensa, 18/06/1980, p. 2)

Cheques Sem Fundo Encerram a Programação de São


Paulo

Como já era esperado, no dia 15 de abril não houve pagamento e o Sindicato dos Radialistas
promoveu uma mesa de conciliação juntamente com um procurador da Justiça do Trabalho.
Ele deu 72 horas para a empregadora acertar o que era devido, prazo que se encerraria em 30
de abril. Nesta data, a TV Tupi de São Paulo pagou os funcionários com cheques, mas que só
poderiam ser descontados depois do feriado de 1º de maio. No dia 2, portanto, logo pela manhã,
os funcionários constataram que, simplesmente, não havia fundos para o saque dos pagamentos.
A direção do Canal 4 justificou que o presidente do banco Banespa ainda não havia assinado
o cheque do empréstimo que prometera, sobre o qual a Tupi chegou a distribuir cópias dos
documentos aos grevistas. Contudo, os funcionários sequer consideraram essa justificativa e, às
16h21 daquele histórico 2 de maio de 1980, foi deflagrada a derradeira greve geral da TV Tupi
de São Paulo, com adesão de dois terços dos seus 968 funcionários. No momento da decretação
da greve estava no ar, ao vivo, o programa “Isto É São Paulo”, do jornalista Saulo Gomes, que
foi interrompido.

No estúdio da emissora estava toda a equipe do “Isto É São


Paulo”. [O diretor do programa] Fernando d’Ávila recomendou
a Saulo Gomes que desse a notícia, sem mais comentários de que
as transmissões da TV Tupi seriam encerradas. O repórter sentiu a
quentura da situação. Seu desejo era protestar, esbravejar, polemizar,
mas d’Ávila era um amigo e as consequências seriam dele. Então,
consternado com aquele pedido, o repórter de verdade limitou-se a
noticiar: “Senhores telespectadores, neste instante a TV Tupi de São
Paulo encerra suas atividades”. Todos esperavam ver uma tela preta,
sem imagem, sem histórias. Um silêncio que significaria o fim de um
projeto de muitos. Mas não foi isso que aconteceu. Alguns diretores
estavam preparados para tirar o canal de São Paulo do ar e manter
a transmissão do sinal do Rio de Janeiro. [O apresentador do Rio]
Wilton Franco imediatamente tomou o lugar dos paulistas e a TV
seguiu. (“Saulo Gomes - O Grande Repórter Investigativo”, Adriana
Silva, Infinda, 2016:314)

Encerrava-se, naquele momento, para todo o sempre, a geração da programação da televisão


pioneira da América do Sul, a TV Tupi - Canal 4 de São Paulo, antiga PRF3-TV Tupi-Difusora
- Canal 3. A grade prevista para aquele dia era a seguinte:
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Segundo os funcionários, com a suspensão das atividades no Sumaré, João Calmon mandou
transportar muitos equipamentos para a o Rio de Janeiro, já que, como citado anteriormente,
os planos eram transformar o Canal 4 de São Paulo em retransmissora do Rio e dispensar os
grevistas por justa causa.
Alguns shows musicais foram realizados em prol do fundo de greve. Um deles aconteceu no
Palácio das Convenções do Anhembi, contando com a participação de Chico Buarque, Alcione,
Renato Teixeira, Beth Carvalho, Geraldo Azevedo, MPB-4, Djavan, João Bosco, entre outros.
Segundo o jornal “O Globo”, o cenário do espetáculo foi cedido pela TV Globo. Com a venda de
ingressos, foi arrecadada a considerável quantia de Cr$ 1,2 milhão.

Concordata Preventiva
Em 21 de maio de 1980, 20 dias após o início da segunda grande greve do ano, as empresas S/A
Rádio Tupan, Rádio Difusora São Paulo S/A, S/A Diário de São Paulo e S/A Diário da Noite
entraram na Justiça com pedidos de concordata preventiva por dois anos, algo que suspendia as
ações de execução movidas contra essas empresas e dava prazo para elas pagarem as parcelas de
suas dívidas com os credores. Todos os pedidos foram deferidos e um comunicado oficial dos
Diários Associados foi publicado na imprensa, onde oferecia aos credores a garantia do seu
“apreciável patrimônio”, prometendo saldar os débitos em dois anos. Com a concordata das
empresas “Associadas” paulistas, o Condomínio deixou de ser responsável pela sua administração,
cabendo esta tarefa aos liquidantes. Desta forma, acabou a pressão para que, constantemente,
fossem sacados os lucros de outras empresas do grupo para cobrir o rombo de São Paulo.

Comunicado dos Diários e Emissoras


Associados de São Paulo sobre pedido
de concordata preventiva. (Correio
Braziliense/reprodução)
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Calmon Vai à TV

Depois de muitas tentativas, o presidente João Figueiredo finalmente recebeu João Calmon, no
dia 29 de maio de 1980. Figueiredo tomou posse de um documento com anotações e prometeu
lê-lo à noite. Calmon pedia recursos financeiros para encerrar a greve, evitar que a concordata
se transformasse em falência e poder aguardar com maior tranquilidade o aparecimento de um
comprador “financeiramente idôneo e politicamente confiável”.
Apesar de que Figueiredo tenha permanecido quase todo o tempo em silêncio durante a
reunião, Calmon se declarou animado. Na noite de 8 de junho, usou um espaço de duas horas
na programação da Rede Tupi para fazer “um importante pronunciamento à nação”. O horário
era do apresentador Flávio Cavalcanti, que estava em greve, já que, apesar de gravar no Rio
de Janeiro, recebia pela folha de pagamento da TV Tupi de São Paulo, assim como outros
40 funcionários. “Num só pronunciamento, o biônico1 conseguiu comprar várias brigas que
lhe foram fatais. Comprou a briga com a Globo, ao reavivar páginas que não lhe são muito
simpáticas; com o governo, porque denunciou a doação de dinheiro para rompimento do citado
acordo da TV Globo com o grupo Time-Life; e até mesmo com as outras emissoras de televisão,
quando sugeriu ao governo a estatização da TV brasileira. A briga conosco já estava comprada
há muito tempo”, disse Humberto Mesquita, em sua obra “Tupi: a Greve da Fome”2. Entre as
diversas reações contra o discurso de João Calmon, destacamos a nota publicada pela ABERT
nos jornais de 12/06/1980:

A diretoria da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e


Televisão — ABERT —, em sessão realizada nesta data, resolveu
emitir a presente nota, rebatendo publicamente as declarações do
presidente do Condomínio Associado, senador João de Medeiros
Calmon, feitas no domingo último, dia 8, através da Rede Tupi,
segundo as quais impõe-se a estatização da televisão brasileira,
que estaria em colapso econômico e financeiro. A situação descrita
pelo senador não se estende além das empresas pertencentes ao
Condomínio que preside. Quanto ao apelo à estatização, dispensa-se
a ABERT de comentá-lo, de tal forma eivado de ideias que atentam
contra os mais elementares princípios de ética, e destituído de
qualquer fundamento que justifique um debate.

Segundo a revista “Veja”, no início de junho o ministro-chefe do Gabinete Civil, general Golbery
do Couto e Silva, afastou “a possibilidade de o governo conceder novos financiamentos à atual
direção da Tupi”. Ainda segundo a reportagem, ao presidente do Sindicato dos Radialistas do
1 Os chamados senadores biônicos foram eleitos indiretamente por um Colégio Eleitoral, de
acordo com uma Emenda Constitucional de 1977. Tomaram posse em 01/09/1978, para um
mandato de oito anos.
2 “Tupi: a Greve da Fome”, Humberto Mesquita, Cortez Editora, 1982:92-93.
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Estado de São Paulo, Alberto Freitas, o ministro assim desabafou: “A solução mais viável é
mesmo a transferência da concessão. Vocês estão sofrendo e nós estamos cansados”.

Greve de Fome no Congresso Nacional

A greve geral da Tupi — a primeira greve de trabalhadores durante a Ditadura — foi declarada
legal por unanimidade (26 juízes) no Tribunal Regional do Trabalho. Pedia-se o afastamento
do senador João Calmon da presidência dos Diários Associados, que o governo repassasse a
concessão das emissoras a um outro grupo com condições para mantê-las e o pagamento dos
salários e direitos atrasados. Ante a uma complicada situação e a necessidade de uma breve
solução, o Sindicato dos Radialistas planejou uma ação extrema: uma greve de fome em pleno
Congresso Nacional. A ideia era chamar a atenção das autoridades federais para a causa dos
funcionários, aproveitando o apelo da visita do papa João Paulo II ao Brasil, que em breve
passaria pelo Distrito Federal.
“Só resolvemos entrar em greve de fome porque não temos nenhuma outra alternativa, quando
todos os nossos esforços se esgotaram. Pretendemos que, a partir disso, o governo nos olhe de
frente e veja os problemas, que são dos mais sérios”, declarou Humberto Mesquita1.
Pouco antes de irem a Brasília, Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo, chamou
Humberto Mesquita para uma reunião que não podia abrir mão da oportunidade de divulgação
do movimento. Marinho demonstrou seu apoio e o encaminhou para uma entrevista em seu
jornal. Em seguida, Mesquita esteve com José Bonifácio de Oliveira, o Boni, superintendente
de Produção e Programação da Rede Globo, que o convidou a dar uma entrevista ao vivo, no
dia 16 de junho, para Marília Gabriela, no programa “TV Mulher” da TV Globo de São Paulo.
“É muito importante que você leve a informação dessa luta, mais do que justa”2, disse Boni, que
havia sido funcionário da TV Tupi - Canal 4. A repercussão da entrevista foi muito grande, pois
ficou mais de 20 minutos no ar e acabou ganhando reprise em rede nacional. “Quando chegamos
a Brasília [...], pude sentir o tamanho da repercussão da entrevista à Globo. A visita do papa João
Paulo II estava para acontecer e aquele quadro era devastador para a imagem do Brasil perante
o mundo”, revela Mesquita3.
Setenta e três funcionários da Tupi paulista rumaram à Brasília no dia 17 de junho para participar
da greve, contudo, dois deles tiveram problemas de saúde e acabaram não participando. Sob
muita controvérsia entre os parlamentares, os grevistas acamparam dentro do importante Salão
Negro do Congresso Nacional no dia 19 de junho. Na época, fazer greve era considerado ato
anarquista ou comunista. “Era perturbador percorrer os corredores de terno e gravata e esbarrar
em sujeitos de toalha de rosto no ombro e escova de dente na mão. Como explicar isso a turistas
e políticos estrangeiros?”4, descreveu o escritor Glauco Carneiro em “Brasil, Primeiro - História
dos Diários Associados” (Fundação Assis Chateaubriand, 1999).

1 “Pessoal da Tupi Confirma Greve de Fome em Brasília”, O Globo, O País, 13/06/1980, p. 6.


2 “Coisas Que Eu Vi: Gente Que Eu Conheci”, Humberto Mesquita, Alameda Editorial, 2000:264.
3 “Coisas Que Eu Vi: Gente Que Eu Conheci”, Humberto Mesquita, Alameda Editorial, 2000:265.
4 “Brasil, Primeiro - História dos Diários Associados”, Glauco Carneiro, Fundação Assis
Chateaubriand, 1999:540.
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Funcionários da TV Tupi de São


Paulo, instalados dentro do Salão
Negro do Congresso Nacional,
fazem greve de fome. (Humberto
Mesquita/reprodução)

A resistência de muitos deputados e senadores foi vencida pelo apoio de outros, que tornaram
os grevistas seus “convidados” e prometeram formar uma barreira na frente do pessoal da Tupi
para impedir que fossem expulsos com jatos d’água. Durante os dias de inanição, os grevistas
ingeriram apenas água, laranjas e sal. A imprensa, apoiadora do movimento, cobriu com detalhes
o ato, que ganhou repercussão nacional, algo que o governo não queria.
De acordo com os grevistas, o governo foi obrigado a recebê-los e negociar. “Esse ato gerou
muito constrangimento para o governo Figueiredo porque o papa João Paulo II teria sido
informado que um grupo de trabalhadores estava acampado no Congresso Nacional em greve de
fome. Não demorou para um membro da comitiva do papa avisar: “O papa não aceita visitar um
país onde trabalhadores estejam em greve de fome”. O recado teria repercutido no congresso”,
revela a jornalista Tellé Cardim, uma das grevistas.
Após longa espera e diversos pedidos de ajuda, o governo federal decidiu tomar providências.
Reconhecendo a gravidade da situação e sem ter uma alternativa, “estatizou” a greve e membros
do governo passaram a se reunir diariamente em Brasília com uma comissão de grevistas. Fizeram
propostas, mas nem todas eram as que os funcionários precisavam ouvir. Na reunião acontecida
no quarto dia da terrível greve de fome, com os grevistas já muito abatidos e com problemas
de saúde, estavam presentes quatro ministros, alguns deputados, senadores e representantes da
Federação Nacional dos Radialistas e da Confederação dos Trabalhadores em Comunicações. O
ministro das Comunicações, Haroldo Corrêa de Mattos, presidiu o encontro e apresentou novas
propostas, baseadas em resultados de estudos. Como a greve tinha caráter legal, seria feita uma
abertura de crédito junto à Caixa Econômica Federal para o pagamento dos salários atrasados
daqueles que estavam em greve. Além disso, o governo pagaria um auxílio-desemprego por seis
meses e se comprometia a estimular de forma clara e objetiva a negociação da venda das nove
emissoras da Rede Tupi para um grupo idôneo.
“Não estamos exigindo do governo a expulsão dos condôminos, mas gostaríamos de nos
assegurar da transferência dessas emissoras para outro patrão, como também gostaríamos de
ter a certeza da absorção desta mão de obra”, posicionaram-se os grevistas. Em resposta, o
ministro Haroldo de Mattos revelou que o governo se empenhava também nesse sentido, mas
que não podia expulsar um empresário de sua própria empresa. As propostas foram aceitas, a
greve de fome acabaria em seu quinto dia, mas a greve geral, já no 50º dia, continuaria até que
as promessas se concretizassem.
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Mortes
José “Sabú” Rabelo e Walter Tasca eram os funcionários mais antigos
em atividade na TV Tupi de São Paulo e participaram ativamente
do movimento de greve. Eles eram pioneiros da emissora, pois lá
iniciaram como operadores de câmera na sua inauguração. Contudo,
a história de Tasca teve um triste desfecho, mas ao mesmo tempo
heroico. Logo após a tensão e o nervosismo de uma assembleia de
greve realizada em 1980, ele não resistiu e teve um ataque cardíaco
fulminante. Outra vítima foi o funcionário Benedito Baptista
Guimarães (Ditinho), que passou mal em frente ao banco, após
saber que havia recebido um cheque sem fundo. Em meio a uma
crítica situação financeira, Ditinho também foi vítima de um colapso
cardíaco, morreu logo depois e virou símbolo da luta contra o “mau
patrão”, como os próprios funcionários diziam. No total, durante o
curso das greves, quatro funcionários da emissora paulista foram a
óbito pelos mesmos motivos. Na Tupi do Rio, o cameraman Antero de
Oliveira faleceu após logo após a decretação da falência da emissora.

Negociações do Governo

A esta altura, tomavam forma três possibilidades capazes de solucionar o interminável impasse
dos Diários Associados: grupos adquiririam os direitos dos condôminos (opção mais rápida);
Gilberto Chateaubriand ganharia a ação que moveu para destituição do Condomínio e promover
um grandioso leilão; ou o governo interviria para que os direitos dos funcionários fossem
garantidos e os bens ficassem sob custódia.
O governo esperava solucionar o problema rapidamente, “preservando os interesses dos
trabalhadores e resguardando os créditos da União”. Já que decretar a perempção era um processo
que demoraria seis meses e, por diversas razões, havia pressa em resolver a situação, Delfim
Netto, ministro do Planejamento, ficou responsável pelas articulações para dar uma “solução
empresarial” para o caso, ou seja, o governo auxiliaria para encontrar um grupo disposto a
adquirir as das concessões próprias da Rede Tupi de Televisão.
A partir disso, o governo estimulou empresários do ramo das comunicações a estudar possíveis
transferências “direta” ou “indireta” das concessões. Poderia ser feita legalmente uma
negociação entre o concessionário e o pretendente e, após, as partes apresentariam ao Ministério
das Comunicações os atos necessários para serem submetidos à homologação do presidente
da República. Depois de concluído o ato de transferência, a pessoa jurídica que cederia as
concessões permaneceria ativa — no caso, a Rádio Difusora São Paulo S/A —, mantendo-se,
na hipótese da transferência indireta, as responsabilidades relativas ao seu próprio passivo. Já
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no caso de uma transferência direta, seria exigida a anuência da totalidade dos condôminos, o
que era considerado inviável devido às dissidências. Além disso, havia também o problema da
sentença que declarava o Condomínio extinto, em face do processo interpelado por Gilberto
Chateaubriand, com iminência de que a execução provisória fosse promovida a qualquer
momento e, ainda, todos os bens e concessões das emissoras da Rádio Difusora São Paulo S/A
se tornaram indisponíveis devido a concordata. O governo enxergava possibilidades de que fosse
feita uma transferência indireta, já que, como havia a necessidade de concordância por parte dos
credores particulares da TV Tupi, eles poderiam ver em um novo concessionário a garantia para
receber seus créditos.

Embora não tivéssemos grande fé na possibilidade de fechar qualquer


negócio, a essa altura dos acontecimentos, admitimos a possibilidade
de negociar a Tupi de São Paulo por Cr$ 2 bilhões e a do Rio por Cr$
1 bilhão. A TV Brasília valeria Cr$ 600 milhões, pouco mais que as
de Recife e Porto Alegre. Finalmente, a TV Alterosa, a TV Ceará e a
TV Marajoara valeriam cerca de Cr$ 100 milhões, sem os imóveis. A
conversa tornou-se difícil porque todas as alternativas sugeridas [...]
[pelo empresário Mário] Petrelli incluíam a venda da TV Brasília, a
que os condôminos resistiam com maior força. (“Minhas Bandeiras
de Luta”, João Calmon, Fundação Assis Chateaubriand, 1999:482)

A previsão do governo era concluir essas tratativas em duas ou três semanas após o acordo
com o comando de greve. Mas, antes de vender as nove emissoras próprias da Rede Tupi, todas
elas precisariam ter suas concessões desmembradas, pois estavam vinculadas a emissoras de
rádio — exceto a TV Brasília, que era ligada a um jornal. Era um processo que, ainda que
ajudado pelo governo, seria complexo e demorado. Na posição de intermediário, mantendo
contatos e examinando a situação de grupos interessados em obter as concessões, o ministro
das Comunicações procurou o deputado federal Paulo Pimentel — ex-governador paranaense
e proprietário de um jornal e emissoras de rádio e TV no mesmo estado —, representante de
uma composição de empresários e grupos econômicos; Edevaldo Alves da Silva — da Rede
Capital de Comunicações e sócio do governador paulista Paulo Salim Maluf; Roberto Civita
— da Editora Abril; e Otávio Frias de Oliveira — do jornal “Folha de São Paulo” —, que não
demonstrou interesse. O presidente dos Diários Associados, João Calmon, nomeou o procurador
do Condomínio Associado, Paulo Cabral de Araújo, para negociar a transferência das emissoras.
Aos empresários, foram oferecidas vantagens para liquidar as dívidas, entre outras facilidades. O
ministro Haroldo de Mattos apontou que as negociações para transferência de ações das empresas
de radiodifusão poderiam ser feitas individualmente com cada uma das concessões, ou ainda,
com lotes delas, chegando ao máximo de cinco emissoras para um mesmo grupo, respeitando
o limite da lei. A composição desejada pelo governo era a da transferência, para um mesmo
grupo, do controle das emissoras de TV do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e
uma quinta podendo ser a do Recife ou a de Porto Alegre, deixando uma das duas e as restantes
(Salvador, Fortaleza e Belém) para grupos regionais. Para o governo, a transferência de cinco
concessões para um único grupo empresarial permitiria manter a unidade da rede e concederia
maior viabilidade ao empreendimento.
A outra opção que o governo tinha era decretar a perempção das concessões e a desapropriação
dos bens, devido ao velho problema do descumprimento do Decreto-Lei nº 236/67, já que
os Diários Associados, além das diversas emissoras de rádio, eram proprietários de nove
emissoras de televisão, ou seja, quatro além do permitido. Essas emissoras eram sociedades
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anônimas distintas, controladas diretamente pelo Condomínio Acionário Associado, e seus 22


comunheiros possuíam, no mínimo, 51% das ações de cada uma destas emissoras espalhadas
pelo Brasil. Ademais, como já mencionamos, sete dessas concessões de TV estavam vencidas e
não podiam ser renovadas, já que, para isso, a legislação brasileira de telecomunicações exige
do concessionário uma situação financeira estável e recursos disponíveis à altura dos custos
operacionais, algo que os “Associados” não tinham mais. Por isso, já há alguns anos, as TVs
Tupi do Rio de Janeiro e de São Paulo, a TV Rádio Clube do Recife, a TV Itacolomi de Belo
Horizonte, a TV Marajoara de Belém, a TV Rádio Clube de Fortaleza e a TV Piratini de Porto
Alegre vinham operando em “caráter precário”, como faculta a legislação, contando com a boa-
vontade do governo militar, que já havia prorrogado os prazos algumas vezes para regularizar a
situação (os Diários Associados estavam conseguindo manter-se com todas as suas emissoras de
rádio e TV há 13 anos, sem ter que vender as estações excedentes para se adequar ao Decreto-Lei
nº 236). Já a concessão da TV Brasília estaria em vigor até 27 de setembro de 1981 e a da TV
Itapoan, de Salvador tinha vigência até 21 de outubro de 1980. Vale ressaltar que a Rede Tupi
de Televisão estava constituída por 15 emissoras, sendo que seis delas eram somente afiliadas
e pertenciam a grupos locais, embora, com alguma participação acionária do Condomínio
Associado.
Caso optasse pela perempção, o governo poderia desapropriar os bens e as instalações vinculados
aos serviços das sete emissoras em caráter precário, podendo até mesmo ser extensivo à TV
Brasília e à TV Itapoan. Em seguida, seriam promovidas as aberturas de editais para escolha de
novos concessionários. A decretação de perempção e a simultânea abertura dos editais seriam
acompanhadas de cobrança judicial dos créditos da União junto às entidades controladas pelo
Condomínio Associado, com o objetivo de obter-se o mandado de penhora dos bens e instalações
em garantia da execução. Seria permitindo, assim, que o governo adotasse rapidamente as
providências necessárias, visando a continuidade do serviço e a preservação do mercado
de trabalho. A União, como depositária dos bens, poderia fazer uso ou arrendá-los, até que,
concluída a fase processual da execução, obtivesse a decisão judicial de que os bens agora lhe
pertenceriam (adjudicação) para que pudesse ser realizado o pagamento de seus créditos. A partir
desse momento, a União também poderia colocar esses bens em leilão.
Edevaldo Alves, do Grupo Capital, se interessou em adquirir todas as empresas de São Paulo,
mas teria que deixar uma emissora de rádio para os “Associados” continuarem presentes em
São Paulo. Ele compraria também a TV Tupi do Rio e a TV Itacolomi, contudo, só admitia a
transferência direta das concessões, a ser procedida pelo governo federal. Já o passivo daquelas
empresas ficaria sob responsabilidade dos Diários Associados. Segundo Calmon (1999:473),
Edmundo Monteiro, ex-diretor paulista das “Associadas”, tinha “sólidas e antigas ligações com
Edevaldo [da Rede Capital] [...]. Se concretizada a transferência da Tupi, Edmundo seria o
principal executivo da rede”.
As tratativas dos Diários Associados com os grupos de comunicação interessados duraram cerca
de duas semanas e a Editora Abril vinha sendo apontada como favorita para assumir a rede.
Seu presidente, Roberto Civita, frequentemente viajava a Brasília para realizar as tratativas.
“Estamos simplesmente acompanhando as negociações. Até agora, apenas um grupo privado
(Abril Editora) está efetivando negociações concretas”, declarou o ministro Said Farhat, da
Comunicação Social, ao Jornal do Brasil1. O favoritismo seu deu porque os demais empresários
foram gradativamente perdendo o interesse nas negociações, já que, além do problema do
altíssimo montante estimado das dívidas — que teria que ser assumido com juros e correções —,
os Diários Associados demoravam a atender à solicitação de encaminhar o balanço geral com
o ativo e o passivo das empresas de São Paulo aos juízes competentes, em face do pedido de
1 “Farhat Diz que o Governo Age no Caso da TV Tupi se Não Houver Solução Até Agosto”, Jornal
do Brasil, 04/07/1980, 1º Caderno, p. 4.
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concordata. Sem conhecer detalhadamente a situação do ativo-passivo1 das empresas e sem uma
auditoria, não existiria possibilidade concreta de transação.

“O grupo Civita, da Editora Abril, está negociando com os


‘Associados’, mas enfrenta reações de pessoas interessadas em não
permitir uma solução do problema”. (“Governo Exige Solução Para
Associados Este Mês”, O Globo, 03/07/1980, O País, p. 4)
A venda afinal não se realizaria e a Abril deixaria de ter acesso à
televisão aberta. Conforme Paulo Cabral, “o governo resolveu tirar
o tapete e não mais aprovar a venda da Tupi ao Grupo Abril”. Ele
[Cabral] que entabulara negociações com Roberto Civita visando
àquela finalidade, viu-se frustrado diante do recuo do governo em
aprovar a transação que teria resolvido a crise e evitado que os
Diários Associados sofressem sua grande perda. (“Brasil, Primeiro -
História dos Diários Associados”, Glauco Carneiro, Fundação Assis
Chateaubriand, 1999:544)

Por fim, todos os empresários convidados a estudar a possibilidade de assumir os canais da


Rede Tupi desistiram do negócio. O governo, na esperança de ainda aparecer outro interessado,
resolveu avisar o procurador dos Diários Associados, Paulo Cabral, que aguardaria a efetivação
de eventual transferência dos canais somente até o final daquele mês de julho. Após, mesmo
que intervir não fosse a intenção do governo, seria adotada uma “solução unilateral”. De fato,
surgiram mais dois grupos, cada um deles representado por um banqueiro: Walter Moreira
Salles e Herbert Levy. Contudo, além dos conhecidos problemas com a falta de informações
precisas sobre as dívidas, logo as conversações sobre as transferências com os banqueiros se
encerraram, já que, segundo Humberto Mesquita (1982:143), mesmo à beira da falência, os
Diários Associados teriam pedido aos banqueiros “elevada soma a pretexto de indenização”,
algo que irritou até o ministro Said Farhat, da Comunicação Social.

Concluí que seria impossível a venda das emissoras ao grupo


de Edevaldo. Na hipótese maluca de mera transferência das
concessões, que até poderia ser admitida por alguns condôminos,
eu ficaria sozinho com a responsabilidade por avais e fianças em
valor superior a Cr$ 1 bilhão. (“Minhas Bandeiras de Lutas”, João
Calmon, Fundação Assis Chateaubriand, 1999:474)

1 Posteriormente, o governo fez um cálculo aproximado apontando que a TV Tupi de São Paulo
devia Cr$ 4 bilhões para a União, sendo Cr$ 1,3 bilhão somente ao INPS. A correção monetária
era de 3,5% ao mês. Já o próprio departamento financeiro da Tupi-Difusora calculou que o
seu passivo trabalhista — entre atrasados, indenizações e ações na Justiça — estava em torno
de Cr$ 600 milhões e a dívida fiscal em Cr$ 1,5 bilhão. O próprio ex-presidente dos Diários
Associados, João Calmon, escreveu em sua autobiografia, publicada em 1999, que o vulto do
passivo era realmente impressionante. “Somados Cr$ 1,5 bilhão da Previdência aos débitos
para com o imposto de renda e o Fundo de Garantia, chegava-se a mais de Cr$ 2,5 bilhões. Com
as demais dívidas a credores bancários e a fornecedores, passava-se dos Cr$ 4 bilhões.”
568 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

O Dia em que a Pioneira Não Entrou Mais no Ar

No dia 14 de julho de 1980, uma segunda-feira, já eram contados 72 dias de greve dos
funcionários da TV Tupi - Canal 4 de São Paulo e das rádios Tupi e Difusora. Até o dia anterior,
alguns técnicos e operadores continuavam trabalhando para manter as estações no ar a partir
das 10h, mas somente retransmitindo a programação gerada pela TV Tupi - Canal 6 do Rio de
Janeiro. No entanto, a partir desta data, não entrou mais no ar o sinal da pioneira TV Tupi de
São Paulo, que vinha operando no Canal 4 com o prefixo ZYB-855. Isso por decisão de alguns
diretores da emissora, que não eram grevistas e assumiram o risco de o Dentel cassar a concessão
após 72 horas fora do ar. A estação estava sendo mantida “depois de um acordo firmado pelo
comando de greve, atendendo a uma sugestão do ministro das Comunicações, que nos solicitara
manter precariamente o sinal do Canal 4 no ar para possibilitar a transferência da concessão, sem
transtornos”, revela o jornalista Humberto Mesquita, representante dos grevistas. Por outro lado,
César Monteclaro, assessor da diretoria-geral da emissora, declarou que a retirada do canal do
ar “é um protesto contra a decisão do governo [...] de conceder o empréstimo [...] para pagar os
salários atrasados por meio do sindicato. Como [...] [resolveram] pagar apenas os funcionários
grevistas, achamos que a medida é discriminatória. Tiramos a emissora do ar e comunicamos o
fato ao Ministério das Comunicações e ao presidente do Sindicato dos Radialistas de São Paulo”.
Ainda de acordo com informações de Mesquita, os técnicos responsáveis pela transmissão do
Canal 4 negaram que tivessem paralisado suas atividades. “Eles nos informaram que a ordem
partiu da diretoria, que os obrigou a tirar a emissora do ar”, diz Mesquita.
A TV Tupi fora do ar em São Paulo gerou muita preocupação, em especial ao Sindicato dos
Radialistas. O Departamento Jurídico do Ministério das Comunicações, entretanto, encontrou
uma fórmula capaz de autorizar a emissora ficar fora do ar durante 30 dias, sem punições.
Enquanto isso, reuniões e mais reuniões do governo aconteciam em Brasília para tentar resolver
rapidamente a situação crítica.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 569

CAPÍTULO 43
A PROGRAMAÇÃO EM 1980

C
omo não podia ser diferente, a programação da Rede Tupi em 1980 foi diretamente
afetada pelas paralisações na emissora-geradora, em São Paulo, realizadas a partir do
mês de janeiro.
Em meio a tantas dificuldades financeiras e administrativas que a pioneira TV Tupi - Canal 4
enfrentava já no início de 1980, “seu coração ainda batia forte”. Os trabalhos eram impulsionados
pela direção otimista de Rubens Furtado e pelo amor e dedicação que seus funcionários tinham
por aquela casa, que foi a primeira escola da televisão brasileira. E não era por menos: a
emissora precisava tomar rumo em grande estilo para a celebração de seus 30 anos no ar, a
serem comemorados em setembro daquele ano. Era a grande chance para o reerguimento e para
alcançar novas conquistas.
Desde o ano anterior, após os jornais dos Diários Associados publicarem uma longa reportagem
intitulada “Uma Volta às Origens: A TV Tupi Parte Para a Briga”, a emissora realmente produziu
alguns programas que contaram com boa audiência e crítica, como as novelas “Gaivotas”,
“Dinheiro Vivo”, “Como Salvar Meu Casamento” e o “Festival 79 da Música Popular”, que
reavivou os famosos festivais da televisão brasileira dos anos 1960. Produziu, ainda em 1979,
diversos especiais musicais, como “Aquarelas do Brasil” e musicais internacionais com Jackson
Five e Dionne Warwick. No jornalismo, o “Meio Dia”, era apresentado pela hoje muito famosa
Ana Maria Braga.
Em novembro de 1979, a Tupi divulgou que tinha ficado em segundo lugar na média da audiência
do mês anterior, em um anúncio que dizia: “A pesquisa de outubro do Ibope mostra que não é só
a crítica que gosta dos programas da Tupi” (foto).

Resistência: TV Tupi se consolidando no 2º lugar em


1979. (reprodução)
570 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Esta “reerguida” foi fruto do trabalho coordenado por Walter Avancini, que trocou a TV
Globo pela TV Tupi por acreditar no novo projeto, dando um ar de renovação à programação
e estabelecendo um novo padrão de produção. “Precisamos recuperar a credibilidade dos
telespectadores antes de pensarmos em números no Ibope”, declarou Avancini ao assumir
a superintendência de Produção e Programação da Rede Tupi, em março de 1979. O diretor
declarou esperar promover a “valorização do homem e a participação do telespectador”. Com
sua chegada, criaram-se muitas esperanças na emissora e seus diretores agregaram a decisão
de fazer uma televisão popular — mas não popularesca —, inteiramente voltada para o gosto
brasileiro. As novelas ganharam uma nova “roupagem” e, como dissemos, conseguiram um bom
conceito entre o público telespectador.

O jornalismo foi totalmente renovado sob a direção de Heitor Augusto, conseguindo estabelecer
um alto padrão de qualidade com o novo “Jornal Tupi”, que estreou em 7 de abril, às 19h,
em substituição ao “Rede Tupi de Notícias”. Com uma hora de duração, em rede nacional, o
jornalístico foi apresentado por Rejane Lima Verde, Lívio Carneiro, Fausto Rocha e Antônio
Casale, com noticiário internacional via satélite e, também, com a produção de reportagens feitas
por todas as emissoras da rede, refletindo a ideia de Rubens Furtado de integrar o Brasil, fazendo
com que “toda a população tomasse conhecimento dos problemas de todos os estados”. Para as
crianças, estrearam “O Leão Está na Tupi” — em parceria com o parque paulista Simba Safári —,
o memorável “O Clube do Mickey” e o educativo “Arco-Íris”, com Daniel Azulay. No campo de
variedades, foi para o ar o “Mulheres”, com Ângela Rodrigues Alves. Muitas séries estrangeiras
também fizeram parte da programação da Tupi nesse período, como “Bonanza”, “Flipper”, “A
Noviça Voadora” e “Petrocelli”. Entre os desenhos animados, o dramático “Pinocchio” era
exibido diariamente. Nas sessões de cinema, a emissora exibiu matinês, filmes adultos nacionais
no “Cinema Brasileiro Proibido”, e seleções temáticas de terror e de suspense, como a “Sessão
Hitchcock”.
Por fim, a Tupi ganhou um novo visual mais atraente, com novas vinhetas, novas chamadas e
um novo logotipo com a letra “T” em destaque, uma criação de Cyro Del Nero (veja detalhes no
Capítulo 49), profissional trazido por Avancini.
Certo dia, os diretores da Rede Tupi, Rubens Furtado e Walter Avancini, foram oradores de
uma importante palestra voltada para o mercado publicitário, realizada num evento da então
Associação dos Dirigentes de Vendas do Brasil (ADVB). A ideia era mostrar a nova logomarca
da rede e responder à pergunta: “O que existe por trás deste símbolo?”. Além da revitalização
da imagem institucional da Rede Tupi, os diretores abordaram a realidade da emissora e
apresentaram as perspectivas com a criação de uma programação com características mais
modernas, abandonando os métodos antiquados que “deram o tom” na programação nos últimos
15 anos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 571

Anúncio dos 29 Anos da Rede Tupi. (reprodução)

Mas tudo durou pouco. Com apenas nove meses de trabalho, Walter Avancini pediu demissão e a
Tupi teve que se preparar para enfrentar uma nova fase, tentando manter o padrão “Avancini” nas
novelas. Sua saída fez com que a direção eliminasse o cargo de superintendente de Produção e
Programação e os veteranos Antonino Seabra e Paulo de Grammont assumiram, respectivamente,
as direções de Programação e de Produção.
Aproveitemos para citar aqui alguns nomes dos diretores da TV Tupi de São Paulo que atuaram
nos últimos meses em que a emissora esteve no ar. As trocas de comando se tornaram muito
frequentes durante o agravamento da crise, promovendo uma verdadeira “dança de cadeiras”,
onde ninguém, ou nenhuma ideia, durava mais do que poucos meses. Maurício Sherman, Caetano
Zamma, Roberto Jorge, Júlio Medaglia e Solano Ribeiro são alguns dos que dirigiram a Divisão
de Shows. João Dória Jr. — hoje governador do estado de São Paulo — foi o diretor do Núcleo
de Comunicação, responsável pela assessoria de imprensa, e que, a certa altura, foi substituído
por Cyro Del Nero (apenas na área de Comunicação Visual) e depois por Péricles Leal. À frente
do núcleo de Teledramaturgia, não foram poucos entre 1979-80: Carlos Zara, Henrique Martins,
Antonino Seabra, Rildo Gonçalves e Roberto Talma, com direito a alguns deles assumir o posto
por duas vezes. Antônio Abujamra dirigiu novelas neste período, como o sucesso “Gaivotas”.
Os dois únicos setores na Tupi que tinham estabilidade na direção eram a Divisão de Esportes,
comandada por Walter Abrahão, e o Departamento Comercial, dirigido desde a inauguração da
emissora por Fernando Severino. Todos se reportavam ao diretor Rubens Furtado e, por último,
a José Arrabal.
572 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Rumo aos 30 Anos

Em 1980, era preciso preparar o público para “ficar na Tupi” e celebrar seus 30 anos, a serem
completados no dia 18 de setembro. Era tempo de aproveitar a audiência conquistada no ano
anterior e consolidar o interesse popular com novos programas, contudo, com o desafio de
encontrar uma fórmula capaz de oferecer condições de produzir boas atrações sem onerar as
finanças. Outro ponto positivo para 1980 era a inauguração dos novos equipamentos que a
emissora havia adquirido entre 1977-79, incluindo câmeras, switchers, ilhas de edição e o novo
sistema de transmissão do Canal 4, com o mais potente transmissor de TV no Brasil — 50 kW
— e a moderna antena de polarização circular. Juntos, eles iriam oferecer uma qualidade muito
melhor de imagem e concepção visual.
Logo depois da saída de Walter Avancini, a Rede Tupi movimentou-se para apressar a elaboração
da nova programação de 1980, que ganhou o slogan e a logomarca “80 Ano 30” (foto), criada
pelo diretor Cyro Del Nero. Ela estrearia no mês de março, com o principal destaque para a volta
da linha de shows às 21h, horário ocupado por novelas na fase “Avancini”. Também haveria um
bom investimento no jornalismo e no esporte.
No ano anterior, a direção-geral havia definido que todos os shows seriam produzidos pela TV
Tupi do Rio de Janeiro, a exemplo de um novo musical chamado “Cassino da Urca” e do
humorístico “Apertura”, uma sátira ao consagrado programa jornalístico “Abertura”, da mesma
emissora. Entretanto, essa proposta foi cancelada e a Tupi-Rio continuaria produzindo para a
rede apenas o programa “Flávio Cavalcanti”, algo que já vinha fazendo há algum tempo,
juntamente com outras poucas produções locais, como “Risoteque” e “Carlos Imperial”. A Tupi
quis recontratar Chacrinha, mas o “velho guerreiro” não pretendia (e nem podia) deixar a Rede
Bandeirantes.

“80 Ano 30”: a logomarca da


Rede Tupi para comemorar os 30
anos de sua emissora-geradora.
(reprodução)

Duas novas novelas estreariam em março, sendo que uma delas era “Maria Nazaré”, escrita por
Teixeira Filho e Cleston Teixeira. No entanto, em meio à crise da emissora, a autoria passou para
Daysi Bregantini e Humberto Mesquita. A outra novela era “Drácula”, de Rubens Ewald Filho,
estrelada por Rubens de Falco, Carlos Alberto Riccelli e Bruna Lombardi, com algumas cenas
gravadas no sugestivo vilarejo histórico de Paranapiacaba, na Grande São Paulo. “Maria Nazaré”
foi estrelada por Eva Wilma, Carlos Augusto Strazzer e Carlos Zara. A história era ambientada
com cangaceiros, no nordeste brasileiro dos anos 1930, com personagens conhecidos como Padre
Cícero e Lampião. Para gravá-la, apesar da crise, a Tupi investiu alta soma na montagem de uma
grande cidade cinematográfica em uma fazenda do município de Itu, interior de São Paulo, com
topografia e vegetação similares às do Nordeste. Uma igreja com 140 m2 e 22 casas de alvenaria
foram construídas ou recuperadas. A direção da Tupi gostou tanto do local que chegou a cogitar
transformá-lo em estúdio permanente, para gravações de outras novelas, especiais e shows.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 573

“Maria Nazaré” chegou a ter mais de 30 sequências gravadas, inclusive uma invasão de
cangaceiros a uma cidade, que seria usada na abertura e nas cenas de divulgação. A direção da
Tupi chegou a iniciar tratativas para produção de novelas que estreariam em agosto daquele ano
de 1980. “Gente Sem Qualidade” — de Edy Lima, Ney Marcondes e Carlos Lombardi (para o
lugar de “Como Salvar Meu Casamento”) — e “Testamento”, de Jorge Andrade e Consuelo de
Castro (no horário de “Maria Nazaré”).

Se o diretor Walter Avancini quase presenciou o fim da Rede Tupi, na


Rede Manchete ele realmente vivenciou o fechamento da emissora, no
ano de 1999. Ele era seu diretor-geral, quando o setor de teledramaturgia
foi encerrado com a novela “Brida”, um ano antes. O vilão da novela
foi interpretado por Rubens de Falco, que havia sido o protagonista
de “Drácula”, a curta e inacabada novela da Tupi. “Brida” foi ao ar em
substituição a “Mandacaru” (1997), novela que tratou do universo do
cangaço, tal como era a proposta de “Maria Nazaré”, também da Tupi.

Mas a crise se acirrou na emissora do Sumaré... Os planos de colocar no ar uma nova programação
foram perdendo força já no final do mês de janeiro de 1980, quando, no dia 18, foi iniciada a já
citada greve de atores da emissora.
Medidas drásticas foram adotadas em meio a diversas reuniões que buscavam soluções para
contornar os crescentes problemas da emissora-geradora da Rede Tupi. O jornal “Diário de São
Paulo”, por exemplo, foi fechado em 1º de janeiro de 1980, pois ninguém se interessou em
comprar uma empresa endividada. Já o “Diário da Noite” circulou por mais alguns meses apenas.
Voltando à televisão, como as novelas custavam muito caro, a produção do núcleo da Tupi passou
a produzir somente uma por vez e a escolhida foi “Drácula”, que estreou em 28 de janeiro, às 19h.
Devido à greve, apenas quatro episódios foram exibidos em esquema de rotatividade por mais de
uma semana, até que a novela foi definitivamente cancelada e seus cenários desmontados1. As
gravações de “Maria Nazaré” foram suspensas por três meses.
Nesta fase, a Tupi estava exibindo outras duas novelas. Uma delas era o compacto de “O Profeta”
(1977-78), que vinha sendo “estrategicamente” reapresentado às 21h, desde novembro de 1979.
A outra novela era a inédita “Como Salvar Meu Casamento”, que estava em plena produção.
Exibida às 20h, ela tinha boa audiência, mas teve de ser interrompida no dia 22 de fevereiro, a
cerca de 20 capítulos do final, com a promessa de voltar ao ar em breve. O compromisso não
pôde ser cumprido e, portanto, esta novela não teve um desfecho gravado. Seu final foi revelado
posteriormente pelos autores em algumas entrevistas. “Por conta da boa audiência da novela,
tínhamos esperança de que ela ajudasse a salvar a Tupi. A chamávamos nos bastidores de ‘Como
Salvar Meu Pagamento’. O fim da novela e da TV Tupi foi como se alguém viesse e pisasse
em um formigueiro. Saímos desesperados em busca de ajuda e emprego”, conta a atriz Patrícia

1 Logo depois, o mesmo roteiro de Rubens Ewald Filho passou a ser produzido pela TV
Bandeirantes. Sob o título de “Um Homem Muito Especial”, estreou em julho, dois dias depois
da cassação da TV Tupi. O responsável pela migração foi o próprio diretor Walter Avancini,
contratado pela Bandeirantes juntamente com muitos outros profissionais da teledramaturgia
da Tupi.
574 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Mayo, que interpretou a personagem Dinorá na novela.


A reprise de “A Viagem”, de Ivani Ribeiro, substituiu “O Profeta” a partir de 29 de fevereiro,
na faixa das 21h, em rede nacional. Apesar de ser muito claro o motivo das reprises, a emissora
divulgava que atendia aos pedidos da audiência. Mas, é fato que, realmente, essas reprises
tiveram boa aceitação.
Os dias foram passando e ficava mais difícil que a emissora pudesse voltar a gravar suas novelas
e seus programas. “Enlatados” e reprises iam tomando conta da grade da rede. O diretor da
Teledramaturgia, Carlos Zara, e os atores Eva Wilma e Carlos Augusto Strazzer chegaram a
fazer um trabalho de convencimento junto a outros atores para que fosse criada uma cooperativa.
Ela produziria a novela “Maria Nazaré” e a venderia para a própria Rede Tupi. Informações
extraoficiais disseram que a proposta foi bem aceita, mas o problema da crise os impediu de
prosseguir. Apesar do alto investimento e de já haver diversas cenas gravadas, “Maria Nazaré”
sequer chegou a estrear.
A direção da emissora até cogitou produzir seriados para ocupar o espaço deixado pelas novelas,
algo que não foi possível, pois logo a Tupi de São Paulo encerrou totalmente suas produções e
passou a funcionar apenas como repetidora da Tupi carioca, que virou a geradora da rede.
Entre os destaques da programação dos últimos meses da Rede Tupi, podemos citar “Abertura”,
um programa singular que ia ao ar às terças-feiras, 21h, com apresentação de Glauber Rocha,
Ziraldo, Sargentelli e outros. A direção era de Fernando Barbosa Lima e os entrevistadores e
entrevistados “diziam o que pensavam a respeito de tudo e de todos”, em plena época da abertura
política no governo militar de João Figueiredo. A “Olimpíada da Música Popular Brasileira”
(“Olimpop”) foi apresentada diariamente por Rose Farias e Thomas Roth, promovendo uma
disputa entre novos talentos da Música Popular Brasileira. Havia uma versão produzida no Rio de
Janeiro e outra em São Paulo. No mais, permaneciam no ar os tradicionais “Clube dos Artistas”
e “Almoço com as Estrelas”, apresentados por Aírton e Lolita Rodrigues; o “Programa Flávio
Cavalcanti”, produzido pela Tupi carioca; o “Programa Raul Gil”; as entrevistas do “Pinga-
Fogo”; e o dominical “Programa Silvio Santos”, produzido pelos Estúdios Silvio Santos, locador
do horário, sendo transmitido em rede com a TV Record e garantindo bons índices de audiência
para a Tupi.

(reprodução)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 575

A Censura
“Este programa da Rede Tupi de Televisão foi aprovado e liberado pelo serviço
de censura federal para ser exibido neste horário”. Em época de governo militar
e, portanto, de censura, para obter esse tipo de liberação as emissoras de
televisão tinham que submeter previamente as fitas com suas produções aos
censores para avaliação. Não diferente das demais, a TV Tupi teve que cortar
muitos diálogos e piadas de suas novelas. Um caso emblemático de censura
na Tupi envolveu a participação de dom Paulo Evaristo Arns, então arcebispo
metropolitano de São Paulo. Ele vinha fazendo algumas participações na
novela “O Profeta”, de Ivani Ribeiro, exibida entre 1977-78. Em um capítulo
exibido em março de 1978, Arns leu trechos de cartas que faziam referências,
entre outras coisas, aos direitos humanos, promovendo duras críticas às
atrocidades em que eram submetidos os presos políticos do governo militar.
As cenas foram levadas ao ar sem a aprovação da censura, que resolveu vetá-
las apenas 15 minutos antes da entrada do capítulo no ar. Como o comunicado
não foi formal, apenas por telefone, o superintendente de Produção e
Programação, Carlos Augusto de Oliveira (o Guga, irmão de Boni, da TV Globo),
replicou dizendo que não aceitava censura pelo telefone e exibiu as cenas
normalmente. Apesar do problema, dias depois, Guga mandou encaixar mais
cenas semelhantes em outro capítulo, sob a justificativa que tinha recebido
autorização oral para isso. Contudo, no dia seguinte, ele recebeu o certificado
que vetava tais cenas e Rubens Furtado, diretor da Rede Tupi, o acusou de não
ter enviado os capítulos previamente para a censura. As pressões do governo
se intensificaram e levaram o presidente dos Diários Associados, o senador
João Calmon, a mandar o vice-presidente executivo do grupo, Mauro Salles,
dispensar Guga e Sérgio de Souza, diretor da Central de Telejornalismo. Souza
era um dos profissionais de imprensa com melhor currículo no Brasil e havia
chegado à Tupi há dois meses, a convite de Guga, para deixar a TV Globo e
levar consigo seus 38 jornalistas para transformar a emissora do Sumaré
numa central especial de informação. A situação gerou uma crise profunda. A
justificativa das demissões foi por “problemas de ordem administrativa”, mas
o próprio Guga revelou que houve “implicações políticas”, geradas tanto pela
área de Telejornalismo — “que não estava agradando a Brasília” — como na
Teledramaturgia, justamente o caso com Arns. Solidários com Sérgio de Souza,
pediram demissão seus 38 jornalistas, que queriam realizar “o sonho de fazer
um telejornalismo de alta qualidade [na Tupi], a começar pela honestidade da
informação”, publicou o “Boletim da ABI” (Associação Brasileira de Imprensa).
Dias depois do ocorrido, o próprio Mauro Salles pediu demissão, ele que era
a grande esperança para o reerguimento do império dos Diários Associados.
576 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 44
“DEIXE-NOS TRABALHAR, SR. PRESIDENTE!” - A CASSAÇÃO
DA REDE TUPI

N
a manhã de 16 de julho, cinco dias após o término da visita do papa João Paulo II
ao Brasil, atendendo à determinação do presidente Figueiredo de reavaliar a questão
da Rede Tupi em busca de solução imediata, foi realizada uma reunião na sala do
chefe o Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva, com a participação dos ministros da
Fazenda, Ernane Galvêas; do Planejamento, Delfim Neto; da Comunicação Social, Said Farhat;
da Previdência Social, Jair Soares; e das Comunicações, Haroldo Corrêa de Mattos; além do
secretário-geral do Ministério das Comunicações, Rômulo Furtado; do presidente da Caixa
Econômica Federal, Gil Macieira; e do procurador-geral da Fazenda, Cid Heráclito de Queiroz.
Este grupo já havia se reunido algumas vezes para examinar as fórmulas a serem adotadas na
tentativa de transferência das ações das emissoras próprias da Rede Tupi. A Editora Abril havia
retomado as negociações que havia encerrado em 20 de junho, contudo, sob um clima tenso de
denúncias e de publicação de editoriais ferrenhos contra o Condomínio Associado, o grupo de
ministros desistiu de intermediar a transferência de ações. Com todas as alternativas esgotadas,
o ministro Golbery do Couto e Silva encaminhou ao presidente da República a única alternativa
que julgou viável.

O Anúncio e as Justificativas

Na tarde de 16 de julho de 1980, a dois meses da celebração dos 30 anos da emissora pioneira no
ar, o ministro Said Farhat anunciou oficialmente em Brasília que o presidente João Figueiredo
resolveu acatar a sugestão de seus ministros e assinar a perempção das sete concessões precárias
de televisão que pertenciam ao Condomínio Acionário dos Diários e Emissoras e Associados.
Segundo Farhat, uma concorrência pública seria aberta “dentro do mais breve espaço de tempo
possível” para que um novo grupo assumisse a rede. Seriam desapropriados todos os bens da
empresa Rádio Difusora São Paulo S/A, avaliados em cerca de Cr$ 2 bilhões, entre equipamentos,
imóveis e terrenos. As dívidas seriam executadas judicialmente através da Procuradoria Geral da
Fazenda. Quanto às 46 emissoras de rádio dos Diários Associados, 36 delas teriam que ter suas
concessões transferidas a outros grupos para se ajustar à lei de telecomunicações, apesar de que
persistia o problema para regularizar essas concessões. Apenas a concessão da Rádio Tupi do
Rio de Janeiro estava em dia.
O Decreto nº 84928 foi publicado no Diário Oficial em 18 de julho de 1980. O artigo 1º declarou
a perempção de cada concessão da Rede Tupi de Televisão e o 2º determinou que o Departamento
Nacional de Telecomunicações (Dentel) “adotará as providências no sentido de interromper,
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 577

imediatamente, os serviços objeto da concessão ora declarada perempta”. Logo pela manhã,
o Dentel passaria a proceder a lacração dos transmissores da TV Tupi - Canal 4 de São Paulo,
TV Tupi - Canal 6 do Rio de Janeiro, TV Itacolomi - Canal 4 de Belo Horizonte, TV Rádio
Clube - Canal 6 do Recife, TV Marajoara - Canal 2 de Belém, TV Ceará - Canal 2 de Fortaleza
e TV Piratini - Canal 5 de Porto Alegre. “Ficaram de fora a TV Brasília, por intercessão de
um condômino influente em Brasília, e a TV Itapoan de Salvador, por causa das gestões do
governador Antônio Carlos Magalhães”1, declarou o jornalista Humberto Mesquita. Por outro
lado, o ministro Said Farhat justificou que essas concessões estavam em plena vigência, faltando
condição legal para a suspensão imediata da operação das duas emissoras. Salvaram-se, ainda,
cinco emissoras de televisão que teoricamente não estavam sob o controle ostensivo dos Diários
Associados: TV Borborema (Campina Grande), TV Vitória, TV Uberaba, TV Goiânia e a TV
Alterosa (Belo Horizonte), todas em nome de parentes dos condôminos.
Como resultado da decisão de Figueiredo, o Condomínio Acionário dos Diários Associados
perdeu os sete canais, mas continuou de posse das empresas e de seus patrimônios, sejam prédios
e equipamentos, exceto a Rádio Difusora São Paulo S/A (TV Tupi - Canal 4). Todas as empresas
continuaram respondendo pelas dívidas existentes.

Logo após o encerramento da Rede Tupi, a TV Brasília e a TV Itapoan


passaram a retransmitir a programação da REI (Rede de Emissoras
Independentes, liderada pela TV Record), assim como as outras 13
retransmissoras da Tupi, que não eram propriedades dos Diários
Associados. Posteriormente, as concessões das TVs Brasília e Itapoan
puderam ser renovadas. Com o surgimento do SBT em 1981, a TV
Brasília passou a ser uma de suas principais afiliadas, mas, em 1986,
quando o SBT conquistou uma emissora própria no DF, ela se afiliou à
Rede Manchete. Hoje, os Diários Associados ainda têm participação
acionária na TV Brasília, que retransmite a programação da RedeTV!.
Já a TV Itapoan foi vendida meses depois das perempções da Rede Tupi
para o Sistema Nordeste de Comunicação e, desde 1997, é propriedade
da Rede Record.

O governo justificou as medidas de perempção devido aos sistemáticos atrasos no pagamento


de salários, ao não recolhimento dos tributos federais e das contribuições sociais obrigatórias
e aos vultosos débitos das empresas componentes da rede junto aos órgãos de entidades da
administração pública. Todavia, para amenizar o problema social decorrente do desemprego
dos funcionários das sete emissoras de TV, o governo estimularia os novos concessionários a
contratá-los, determinaria ao Ministério do Trabalho e à Caixa Econômica Federal que pagassem
os salários atrasados e estudaria a possibilidade de permitir o adiantamento das quantias referentes
ao Fundo de Garantia não recolhido.
Em entrevista, o ministro Farhat ressaltou que “nos últimos 10 anos, ou mais, a TV Tupi se
caracterizou por problemas administrativos e inadimplência de obrigações fiscais e trabalhistas”
e afirmou que foram descumpridos todos os acordos feitos com os ministérios das Comunicações
e Previdência para parcelar a dívida de Cr$ 1,3 bilhão. “Quase poderia contar nos dedos os

1 “Tupi: A Greve da Fome”, Humberto Mesquita, Cortez Editora, 1982:149.


578 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

casos em que as empresas do Condomínio estiveram em dia com suas obrigações sociais”, disse
Farhat. “A decisão oficial foi tomada após demorado exame da situação das emissoras: as altas
dívidas — com a União, empregados e bancos — tornavam impossível a transferência para
grupos privados. E a continuar tudo nas mãos dos atuais concessionários, estaria o governo
a financiar indefinidamente os ‘Associados’. O governo resolveu dar um basta”, assinalou o
ministro da Comunicação Social.
A respeito das críticas de que as cassações criariam um problema social com o desemprego
de milhares de profissionais, Farhat refutou. “Não vamos esquecer por um minuto sequer o
fato de que a situação social foi criada pelo Condomínio e não pelo governo. O governo entra
no caso apenas dando um remédio drástico, mas que é o melhor possível para assegurar o
restabelecimento destas emissoras de TV e, portanto, dos empregos afetados”. Disse também
que os novos concessionários “terão de recorrer naturalmente” a estes funcionários demitidos,
“pois não há no Brasil tanta gente assim especializada em TV”1.

A reação dos “Associados” foi de espanto e indignação. Sabiam


que a situação da sua rede era insuportável, mas tinham a garantia
do governo de prorrogação do prazo para reexame do assunto do
enquadramento do grupo no Decreto-Lei 236. Em outros termos, o
próprio governo não levara em conta a suspensão do prazo fatal,
garantida por documento. Por outro lado, um comprador fora
mobilizado para a rede — a Editora Abril — e a seguir descartado
pelo próprio governo. Os “Associados”, portanto, não haviam se
recusado a vender os canais, nem protelado a busca do comprador.
(“Brasil, Primeiro - História dos Diários Associados”, Glauco
Carneiro, Fundação Assis Chateaubriand, 1999:545)

A notícia causou pânico em muitos diretores e demais funcionários das sete emissoras cassadas,
principalmente das que não acompanhavam o dia a dia da greve da Tupi paulista, emissora
que desencadeou todo o processo. Alguns dirigentes do Condomínio Associado declararam à
imprensa que havia a “mão” da Rede Globo na decisão do governo. O que mais indignou o grupo
“Associado” foi a quantidade e a situação positiva de alguns dos canais cassados. Para eles, seria
compreensível que a TV Tupi de São Paulo fosse cassada e, eventualmente, a do Rio de Janeiro,
que tinha dívidas, apesar de serem bem inferiores às de São Paulo. Na opinião da diretoria e
de funcionários, “incluir emissoras perfeitamente equilibradas como a TV Itacolomi, de Belo
Horizonte, e a TV Rádio Clube, do Recife, empresas diferentes, hígidas, que nada tinham a ver
com o grupo de São Paulo, foi considerado abusivo e despropositado”2.
Quanto a essas emissoras que estavam com as concessões vencidas, mas financeiramente sadias,
o ministro Farhat explicou que “o grupo responsável pela maioria do capital não deu ao governo
condições de admitir que, depois de ter sido assistido financeiramente tantas vezes, a título
de saldar dívidas, viesse a se recuperar. Achou o governo que não devia preservar emissoras
como a Itacolomi, pois significaria deixá-las em poder de um grupo que já dera largas provas
de incapacidade gerencial”. Ainda em relação aos empregados destas emissoras, garantiu que “a
situação deles será cuidadosamente examinada”.

1 “Governo Não Renova Concessões de Sete Canais da Tupi”, Jornal do Brasil, 17/07/1980, 1º
Caderno, p. 16.
2 “Brasil, Primeiro - História dos Diários Associados”, Glauco Carneiro, Fundação Assis
Chateaubriand, 1999:546.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 579

“Segundo uma fonte do Planalto, o governo tinha informação de


que o presidente do Condomínio Acionário, senador João Calmon,
vinha sacando recursos das unidades mais sólidas [do Condomínio].
Resultado: os funcionários do ‘Estado de Minas’ e da TV Itacolomi
receberam o último salário com 20 dias de atraso”. (“Governo Cassa
Concessão de Sete Canais da Rede Tupi”, O Globo, 17/07/1980, O
País, p. 6)

Para a diretoria do Sindicato dos Radialistas a decisão governamental também foi impactante,
já que o governo criou uma grande expectativa de que a transferência direta das concessões
resolveria o problema. Em São Paulo, no sentimento dos funcionários, responsáveis pela grandeza
que um dia representou a “TV Tupi - Do Tamanho do Brasil”, como dizia seu slogan, havia uma
mistura de emoção e alívio, depois de tanto sofrimento causado pelo descalabro administrativo.
O presidente da Associação das Emissoras de Rádio e Televisão de São Paulo (AESP), Edmundo
Monteiro, ex-diretor dos Diários Associados em São Paulo, considerou precipitada a decisão do
governo, alegando que a medida alastrou a crise social, fazendo subir de 800 para 3500 o número
de desempregados.
O senador João Calmon, presidente do Condomínio Associado, recusou-se a receber a imprensa
ou mesmo divulgar uma nota oficial sobre as perempções, mas anos depois declarou em sua
autobiografia (Calmon, 1999:493-494) que “o decreto fundamentava-se em um parecer do
Dentel que fazia referência à ‘difícil situação econômica e financeira [...]’ [e] ainda ao fato de que
a renovação da concessão da Tupi [de São Paulo] fora sobrestada pelo Dentel em 1977, apesar de
a emissora ter requerido, como de praxe, essa renovação. O ministro das Comunicações havia,
inclusive, enviado à televisão, em abril de 1979, um ofício comunicando que nenhum prazo
corria contra nós”. O procurador do Condomínio, Paulo Cabral, considerou a decisão do governo
como “uma posição unilateral”. Para ele, a melhor solução para todas as partes envolvidas era a
negociação para transferência dos canais a outros grupos.

As origens das causas que levaram ao fechamento da Tupi remontam


ao ano de 1968, quando Chatô morreu cometendo seu maior erro
empresarial: deixou o império de empresas de comunicação que
havia construído para um condomínio constituído por seus mais
próximos colaboradores. Foi o começo do fim. A falta de uma
liderança forte e o fato de que os condôminos não podiam deixar
suas cotas como herança para as famílias deu início a um processo
de descapitalização das empresas, corrupção financeira e absoluto
descalabro administrativo. E não há império que resista a uma
péssima administração e constante sangria criminosa de seus lucros.
Pressionado por funcionários que não recebiam há muitos meses,
pelas dívidas previdenciárias, para com o fisco e pelo escândalo
empresarial que representava a diretoria do Condomínio Associado,
não pôde o governo federal tomar outra atitude que a cassação
da maior parte dos canais da Rede Tupi. (Revista Briefing, nº 25,
setembro de 1980)
O diretor da Editora Abril, sr. Edgard de Silvio Faria, informou
580 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

ontem que a empresa mantém o interesse em relação às emissoras


da Rede Tupi, mas que, agora, vai antes analisar as condições
existentes nos editais de licitação. [...] disse que a Editora Abril não
se surpreendeu com a decretação de perempção de sete emissoras da
Rede Tupi de Televisão, pois esta já era uma das opções levantadas
nas últimas semanas. Esclareceu que a Editora Abril “interrompeu
suas negociações desde o dia 20”. — Desde o início — acrescentou
— havia duas alternativas claras: a primeira seria a concessão de
cinco emissoras da Rede Tupi para um grupo, que poderia ser ou
não a Abril. Outra alternativa já indicava a perempção e, portanto,
o caminho da licitação. (“Dentel Tira do Ar Hoje Sete Canais de
Televisão da Tupi: Abril Confirma que Mantém Interesse”, Jornal do
Brasil, 18/07/1980, Nacional, p. 8)

Das empresas concessionárias das sete estações de TV da Rede Tupi cassadas


em julho de 1980, apenas a Rádio Difusora São Paulo S/A (Canal 4) teve
realmente sua falência decretada, algo que aconteceu em 31 de agosto de
1981. Em São Paulo, as rádios Tupi e Difusora ainda seguiram em operação
por mais algum tempo após a cassação do Canal 4 (ver Capítulo 47). No
Rio de Janeiro, a Rádio Tupi segue em operação até os dias atuais, ainda
como parte da empresa S/A Rádio Tupi, a mesma que foi responsável pelo
Canal 6 carioca. Entre as demais empresas “Associadas” que perderam suas
concessões de televisão em 1980, muitas foram vendidas e ainda operam
estações de rádio.

A Vigília no Rio de Janeiro

Nos últimos tempos, a TV Tupi especializara-se em levar ao ar


programas emotivos e dramáticos. Mas em nenhum desses momentos
seus funcionários, acostumados já a tantas crises, pensaram, sequer,
na possibilidade de virem a transmitir sua própria agonia, como o
que aconteceu na noite e madrugada do dia 17 para 18 da semana
passada, naquele que foi, com certeza, o mais longo e dramático
programa de sua história, no qual mostrava-se o próprio funeral
da empresa e a luta e desespero dos funcionários para não deixá-
la ser enterrada. (“A Longa Noite de Esperança”, Amiga, nº 533,
07/08/1980, n.p.)

No Rio de Janeiro, o impacto das perempções nos 540 funcionários da TV Tupi - Canal 6 foi
ainda maior do que nas outras praças. As movimentações logo se iniciaram no antigo prédio do
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 581

Cassino da Urca. Na tarde daquele difícil 17 de julho, estava no ar o programa “Aqui e Agora”,
co-produção da Tupi e da PAB - Produções Artísticas Brasileiras, do argentino Odair Marzano,
locatário de todo o horário vespertino da Tupi carioca1.

O auditório estava impressionado com o caso da madrasta que


maltratava a enteada. Os moradores de Guadalupe não queriam
perder suas casas. O programa “Aqui e Agora” seguia seu script ao
vivo, quando, de repente, apareceram diante das câmeras centenas de
pessoas, que mesmo sem terem sido chamadas, também resolveram
contar o seu drama: eram os próprios funcionários da TV Tupi. O
povo tem livre acesso ao programa [...], mas ontem à tarde os papéis
se inverteram: os funcionários e que levaram seu drama para o
auditório, que, surpreso, bateu palmas solidário quando soube do
fechamento iminente da emissora e dos 540 empregados que ficarão
sem trabalho. (“Dentel Tira do Ar Hoje Sete Canais de Televisão da
Tupi: Funcionários Querem Ficar, ‘Aqui e Agora’”, Jornal do Brasil,
18/07/1980, Nacional, p. 8)
Por volta das 18h, o “Aqui e Agora” acolheu diversos funcionários
da Tupi carioca para comunicar ao público sobre o fechamento
da emissora e falar de seus dramas pessoais, com a iminência do
desemprego, em “um mercado cada vez mais escasso”. No entanto,
em determinado momento, a transmissão foi cortada por ordens do
diretor-superintendente da emissora, José Arrabal, que poucas horas
mais tarde acabaria perdendo o controle da situação. Às 20h deu-
se início à transmissão especial de uma vigília dos funcionários
da Tupi do Rio, sob o comando dos apresentadores Carlos Lima e
Jorge Perlingeiro, um verdadeiro comício para tentar sensibilizar
as autoridades, ou na pior das hipóteses, dar dignidade à noite de
despedida da estação. Foram reunidas todas as câmeras e todos
os recursos técnicos disponíveis para a vigília, que se prolongaria
até a retirada da emissora do ar. Vários políticos, advogados e
personalidades, como o cantor Agnaldo Timóteo; os atores Milton
Gonçalves, Rosamaria Murtinho e Zezé Macedo; e os humoristas
Costinha e José Santa Cruz, entraram no ar e deram seu apoio aos
funcionários e à manutenção da emissora. A TV Rádio Clube de
Pernambuco e a TV Ceará retransmitiam trechos da programação
dramática.
A agonizante Tupi espalhou sua dor para o público e o povo foi para
a Urca em peso, se aglomerando pelas dependências da estação e
arredores, numa demonstração de apoio incondicional para que
ela não fechasse as portas. Artistas da casa e de outras emissoras,
cantores e jornalistas se juntaram atônitos e tristes. O grill, palco de
tantos musicais realizados nos vinte e nove anos [...] de existência
da Tupi, e mais tantos outros de espetaculares shows do Cassino
da Urca, em sua forma arredondada, virou a taba da agonia, com
1 Além da PAB, a TV Tupi do Rio tinha vários outros concessionários que alugavam horários,
como Mauro Montalvão e Monsieur Limá, um modelo que a emissora adotou para economizar
com produção própria e, ao mesmo tempo, garantir maior arrecadação.
582 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

o apresentador Jorge Perlingeiro ancorando a vigília e abrindo


microfone para o apelo derradeiro de todos os presentes. (“TV Tupi
do Rio de Janeiro - Uma Viagem Afetiva”, Luís Sérgio Lima e Silva,
Imprensa Oficial, 2010:212)

Segundo o jornal “Luta Democrática”, “embora fosse esperado que às 22h a emissora-líder da
cadeia ‘Associada’ tivesse suas transmissões suspensas, isso não ocorreu, permanecendo no ar
durante toda a noite”. Às 7h do dia 18 de julho, a vigília foi encerrada e, sem informações sobre
o desligamento da emissora, entrou a programação normal. Contudo, todos os programas ao
vivo deram espaço para a participação de pessoas solidárias ao movimento. Foram ouvidas as
palavras do bispo-auxiliar, dom Afonso Gregório, em nome do cardeal-arcebispo do Rio de
Janeiro, dom Eugênio Sales. Segundo ele, “dom Eugênio expressa sua preocupação quanto à
ameaça de desemprego de centenas de pessoas, de milhares de dependentes com o fechamento
da emissora. Não é só com os empregados que a igreja se preocupa, mas existem as famílias. O
cardeal me pediu para informar a vocês que também está tentando falar com o presidente, numa
tentativa de ser revogado o decreto. Os cartazes dizendo que todos querem apenas trabalhar,
refletem a pureza dessas pessoas”.
Quando o programa “Agropecuária em Foco” entrou no ar, seus apresentadores Sá Leme e o
deputado federal Osvaldo Saramago Pinheiro cederam os 60 minutos para que os funcionários
renovassem seus apelos ao presidente Figueiredo. O deputado disse que “o governo pode
perfeitamente deixar que os empregados assumam a direção da emissora, com um interventor
nomeado. E por que não a TV Educativa, que é federal? Ela poderia gerir esta emissora. A
solução existe”, ressaltou o deputado.
Havia cerca de 200 pessoas dentro dos estúdios do antigo Cassino da Urca e duas guarnições da
Polícia Militar faziam plantão no local. Os policiais pareciam perplexos com as cenas dramáticas
que testemunhavam. Comícios foram improvisados na porta da emissora, inclusive com a
participação de políticos. O trânsito no bairro chegou a ficar congestionado. Faixas e cartazes
afixados no lado externo do prédio exclamavam e suplicavam: “QUEREMOS TRABALHAR!!!”,
“A TV TUPI NO AR É NOSSA SALVAÇÃO”, “QUEREMOS O DIREITO DE REERGUER A
TUPI”.
Em um determinado momento, os apresentadores tentaram, em vão, falar com o presidente
João Figueiredo, ao vivo, pelo telefone. O quadro ficou ainda mais dramático quando chegou a
informação de que emissoras do norte e nordeste do país já estavam sendo desligadas. A Tupi do
Rio realmente sairia do ar? O presidente Figueiredo ignorou os inúmeros apelos? O que aquelas
pessoas fariam dali por diante? As perguntas nasciam entre orações, lágrimas, soluços e até
desmaios. Muitos gritavam por Deus e pelo papa João Paulo II, que esteve no Brasil dias antes.
Ao final do programa de Saramago Pinheiro, os participantes ficaram de pé e cantaram o Hino
Nacional em voz alta. Em seguida, todos migraram para o auditório principal da emissora, de
onde entraria no ar uma edição especial — e derradeira — do programa “Aqui e Agora”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 583

Retirada dos Cristais e Lacração dos Transmissores

“Cristal é uma palavra pura. Parece que eles tiraram nosso cristal
interno. Foi um dia trágico e saímos do ar para sempre” (Cyro Del
Nero).

Esta profunda frase do último diretor de comunicação visual da TV Tupi de São Paulo, Cyro
Del Nero, retrata bem o que significou a lacração dos transmissores das sete emissoras cassadas
da Rede Tupi. Às 8h30 do dia 18 de julho de 1980, o diretor-geral do Dentel, coronel Antônio
Fernandes Neiva, expediu ordens via telex para que os diretores regionais de São Paulo, Rio
de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Belém e Recife cumprissem ordens para
adentrar às salas de transmissão das emissoras da Rede Tupi de Televisão e inviabilizassem o
funcionamento dos transmissores. Isso era feito no painel de controle, onde se removia o cristal
de quartzo, um componente vital que era responsável por todo o sincronismo das transmissões.
Em seguida, lacrava-se o painel que, se posteriormente violado, caracterizaria crime.
A TV Marajoara foi a primeira a sair do ar, às 9h20, e a TV Tupi do Rio de Janeiro foi a última,
às 12h36. Durante o processo de lacração, não houve qualquer incidente, apenas o clima de
muita emoção dos funcionários. O coronel Neiva declarou ter recomendado aos encarregados de
executar a missão que evitassem qualquer tipo de confronto e que fossem cautelosos para não
haver atritos com os funcionários.
Em Belém (PA), a TV Marajoara - Canal 2 sequer teve tempo de entrar no ar naquele dia, mas
havia encerrado a programação à 0h17 da noite anterior com um filme curiosamente chamado
“Tempos Difíceis”. O transmissor foi lacrado às 9h20.
Em Belo Horizonte, a TV Itacolomi - Canal 4 ainda transmitia seu padrão de testes às 10h27,
quando foi lacrada. O clima foi de surpresa e desolação, pois, devido à estabilidade financeira
da emissora, não era esperada sua cassação. A operação de lacre nos transmissores foi executada
com a presença de um batalhão de choque da Polícia Militar, que depois se deslocou até o prédio
central da emissora e lá permaneceu durante todo o dia. Cerca de 300 funcionários ficariam
desempregados.
No Recife, diante de 160 empregados angustiados da TV Rádio Clube de Pernambuco - Canal
6, três funcionários do Dentel lacraram os transmissores às 10h47. A emissora iniciava sua
programação às 10h, mas naquele dia entrou às 9h45 para fazer sua última transmissão, direto do
estúdio principal, mostrando o momento em que o superintendente da emissora, Ricardo Pinto, se
dirigia aos funcionários: “Não há motivos para lágrimas e aperreios para vocês”, frisando depois
que ninguém seria desamparado. Mesmo avisados de que não poderiam filmar as derradeiras
cenas, a emissora chegou a transmitir para Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas
o pânico em que se transformou o prédio da TV Rádio Clube a poucos momentos da lacração.
O locutor Osório Romero, juntamente com um dos editores do jornalismo da emissora, chegou
perto dos transmissores para narrar o epílogo. Ele fez um apelo ao presidente Figueiredo e um
agradecimento ao público pela audiência e solidariedade. Três minutos depois, o transmissor foi
desligado. O superintendente Ricardo Pinto não entendeu a punição a uma empresa que, segundo
ele, “apesar de não dever nada a ninguém, é cassada apenas pelo fato de ser ‘Associada’”.
“Afinal chegou o momento”. Após a mensagem, às 11h19, saiu do ar a imagem da pioneira do
estado do Ceará, a TV Ceará - Canal 2, de Fortaleza. Diante das câmeras estava o animador
584 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

de auditório Augusto Borges, que lia mensagens de apelo dos telespectadores ao presidente da
República. Um dos últimos a falar foi o cantor Raimundo Fagner, que nasceu artisticamente na
TV Ceará, em programas de auditório da década de 1970.
— Isso tudo faz parte de um complô contra a criatividade brasileira. Eu estou pasmado e até
chorando — disse Fagner em um discurso de oito minutos. — Eu nasci aqui. A gente deve brigar
por isso. Espero que retomemos brevemente — declarou o cantor que, em seguida, abraçou
Augusto Borges e chorou convulsivamente.
A TV Piratini - Canal 5 de Porto Alegre interrompeu suas transmissões às 11h55, depois de 21
anos de operações. Naquele momento, estava sendo exibido um desenho animado dos estúdios
Hanna-Barbera. Aos funcionários ficou a promessa do superintendente regional “Associado”,
Estácio Ramos, de transformar a TV numa central produtora de comerciais. A direção da emissora
evitou declarar qualquer coisa à imprensa, inclusive justificando a saída do ar como se fosse um
simples problema técnico.
Em São Paulo, poucos minutos antes do meio-dia, um delegado da Polícia Federal e mais quatro
agentes davam proteção a três engenheiros do Dentel, que subiram ao 10º andar do edifício-
sede das Emissoras Associadas, na Avenida Prof. Alfonso Bovero, nº 52, bairro do Sumaré. Eles
lacraram o transmissor RCA TT6-AL da pioneira TV Tupi - Canal 4, que já se encontrava fora
do ar havia cinco dias, em função da total adesão dos funcionários à greve. A emissora saía do ar
após 29 anos e 10 meses da sua inauguração. “Joguei flores quando foi inaugurada. Agora, jogo
a pá de cal”, disse o diretor-financeiro Mauro Gonçalves, que recebeu os três cristais das mãos do
agente fiscalizador do Dentel. “Quem deveria estar aqui para receber o Dentel era o João Calmon
e Edmundo Monteiro, e não eu”, desabafou Gonçalves.
Cerca de 40 funcionários assistiram ao ato de lacração do Canal 4. Alguns procuravam os cantos
para esconder as lágrimas. O diretor-administrativo Wilson Andrade considerou o desfecho da
TV Tupi “natural pelo comportamento da direção da empresa, mas extremamente chocante para
quem foi dela funcionário”. O ato de retirada dos cristais e a lacração foram rápidos e, após, os
agentes do Dentel, funcionários e diretores da TV Tupi reuniram-se no 9º andar para assinatura
do termo de interrupção. Após assinar o termo de interrupção, Mauro Gonçalves depositou os
cristais em um cofre.
Naquela época, a TV Tupi ocupava cinco dos 11 andares do prédio, onde também funcionavam as
rádios Tupi, Difusora AM e Difusora FM, emissoras que ainda poderiam continuar em operação
até segunda ordem.

Tupi do Rio Sai do Ar

No Canal 6 do Rio de Janeiro, estava no ar, ao vivo, uma edição especial do “Aqui e Agora”,
onde o apresentador Ari Soares fazia mais apelos a Figueiredo. Numa última tentativa de
descontrair os colegas, ele anunciou o Grupo Água, que tocou uma música que sequer chamou a
atenção dos colegas, tamanha a preocupação e desolação. Os próprios músicos se emocionam e
terminam a música chorando. Já passava das 12h e a atriz Vanda Lacerda começou a pedir calma
e tentou renovar esperanças de todos. No entanto, por volta das 12h20, seu microfone tem o som
cortado, pois já era sabido que os técnicos do Dentel haviam chegado na sala do transmissor, no
Morro do Sumaré, para efetivar o desligamento e lacração dos equipamentos. Para este instante,
estavam preparados trechos da missa do papa João Paulo II, realizada dias antes no Aterro do
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 585

Flamengo. Eles entraram no ar com uma mensagem derradeira inserida em sobreposição: “Até
breve, telespectadores amigos. Rede Tupi”1.
Foi então que os técnicos do Dentel fizeram um contato telefônico com o diretor-superintendente
José Arrabal, comunicando que estavam prontos para cortar o sinal.
— Os senhores não receberam ordem expressa para isso? Então cumpram. Só peço que aguardem
um pouco para exibirmos nossa última mensagem — disse Arrabal. E assim foi feito.

A vigília na Tupi carioca e as derradeiras cenas da missa do papa João


Paulo II no Rio de Janeiro. (Video Archives Brasil/reprodução)

Nesse instante, seguiram as imagens da missa papal com a mensagem final sobreposta, mas
o áudio de “João de Deus” foi substituído por uma narração gravada, dirigida a outro João, o
presidente da República João Batista de Oliveira Figueiredo. A mensagem, redigida na véspera
por alguns diretores da emissora, foi gravada pelo apresentador de telejornais Cévio Cordeiro,
ao som de uma trilha sonora dramática, que provocou as lágrimas em quase todos os presentes
no auditório, inclusive nos cameramen.
No texto, dirigido ao presidente João Figueiredo, implorou-se, em nome de Deus, que ele revisse
sua posição e não fechasse aquela emissora, para que eles mesmos, os funcionários, pudessem
assumir as operações. Disse o trecho final da mensagem:

Senhor presidente, em nome desta pátria que vossa excelência


comanda; em nome de um povo que acredita na sua justiça; em nome
de uma nação inteira que reconhece seus sentimentos humanitários,
em nome de Deus, senhor presidente: reveja a posição e nos conceda
o direito de continuar trabalhando. Se nada do que invocamos —
o povo, a nação, nem mesmo o senhor —, se nada disso interessar,
pelo menos, senhor presidente, em nome de nossos filhos, de nossas
esposas — filhos iguais aos seus, netos iguais aos seus, amigos iguais
aos seus —, em nome, afinal, de tudo aquilo que vossa excelência
achar que é válido, nós rogamos a sua ajuda. Nem Deus poderá
fazer o milagre. Nem mesmo o outro João, o papa atleta, ou atleta

1 Em 2020, quando a cassação das emissoras da Rede Tupi completou 40 anos, um canal do
YouTube especializado em arquivos da TV postou uma relíquia: um vídeo com vários minutos
contendo trechos da vigília dos funcionários da TV Tupi do Rio de Janeiro. Não foi revelada a
procedência deste material, que pode ser visto em youtu.be/FiHMJcfXEAI.
586 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

de Deus. Desta feita, senhor presidente, só vossa excelência poderá


nos salvar. Receba os agradecimentos dos empregados da Rede Tupi,
em seu nome, e em nome de suas esposas, de seus filhos, cujo único
desejo, única reivindicação, é trabalhar. Deixe-nos trabalhar, senhor
presidente! Senhor presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo:
só isso que desejamos. Vossa excelência é o único capaz de realizar
esse milagre. Nem João de Deus poderia fazê-lo. Só o João de
Brasília. Deus que te abençoe, senhor presidente.

Após 11 minutos, a mensagem ao presidente se encerrou sob longos aplausos. A vigília iniciada
no dia anterior e os programas dedicados daquela manhã já somavam 18 horas de drama real
no ar. No vídeo, agora se via a última logomarca estática da TV Tupi, criada por Cyro Del
Nero, também sobreposta pelos dizeres “ATÉ BREVE TELESPECTADORES AMIGOS. REDE
TUPI”. Ao fundo, uma empolgante trilha sonora para marcar o fim. Minutos depois, às 12h36,
depois de 29 anos e meio de atividade, o sinal da TV Tupi - Canal 6 do Rio de Janeiro saiu do
ar após o desligamento e a lacração do seu potente transmissor RCA. Naturalmente, a emoção
ficou ainda maior e algumas pessoas tiveram que ser atendidas por uma equipe médica que
estava presente. Os funcionários receberam ordens dos colegas de liderança para voltarem aos
seus setores e tomarem conta do material, evitando que “sejam levados pelo senador Calmon
e seus companheiros”. Ninguém deveria sair da emissora. “A casa é nossa”, gritava alguém.
Lentamente e chorando, os técnicos iniciaram o desmonte das aparelhagens. “[...] muitos [...]
sugeriam a prisão e confisco de bens do senador biônico João Calmon, apontado como culpado
pelo angustiante problema, por ter, segundo acusações, endividado e esvaziado os cofres dos
Diários Associados”, publicou o jornal “Luta Democrática”1. O cameraman Luís Roberto
Moreira, de 27 anos, abraçou-se à sua câmera aos gritos. A cena comoveu a todos. Mais de dez
colegas tentaram retirá-lo, mas ele não largou o equipamento. A muito custo, conseguiram levá-
lo para os bastidores.

“Lacrei os transmissores da seguinte maneira: retirando o excitador


e locando em curto os soquetes das câmaras térmicas dos cristais do
transmissor principal”. (trecho do termo de lacração do transmissor
do Canal 6 do Rio de Janeiro, redigido pelo técnico do Dentel)

Durval Cardoso Filho, que há nove anos trabalhava como técnico de manutenção na emissora,
recebeu do funcionário do Dentel o termo de lacração dos transmissores. Depois de assinar
quatro vias do documento, olhou em frente e disse, sem muita convicção: “É chato, mas a vida
continua”. As cenas da lacração na Tupi do Rio foram gravadas por uma equipe de reportagem
da TV Bandeirantes e exibidas à noite pelo “Jornal Bandeirantes”2.
“Vamos cair de pé, mantendo todos os programas no ar, para irmos até o fim”, disse o
superintendente José Arrabal, acrescentando que ninguém acreditava que a crise de São Paulo
acabasse com “uma medida violenta”.
Apesar do “Até Breve” e da movimentação dos funcionários e de sindicatos para formalização

1 “Governo Tira TV Tupi do Ar e Deixa 500 Desempregados”, Luta Democrática, 19/07/1980, p.


6.
2 Esta reportagem pode ser vista em youtu.be/qd2dtSlcDGE.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 587

de uma proposta ao governo para reabrir a emissora sob a condição de cooperativa, a TV Tupi
jamais voltou ao ar.

Última imagem exibida pela TV Tupi do Rio


de Janeiro, que saiu do ar às 12h36 do dia
18/07/1980. (Video Archives Brasil/reprodução)

A Tupi sucumbiu à ideia de Chateaubriand de se fazer suceder por


um grupo de condôminos. [...] Mas, a Tupi sucumbiu também à
incompetência dos sócios do clube. A decadência vertiginosa por que
passaram os canais de uma rede enorme, formada justamente num
momento em que o simples fato de possuir uma rede já significava
uma vantagem adicional incrível, não pode ter outra explicação
racional que não fosse uma desastrosa administração do acervo
em mãos do grupo empresarial, que tinha nas mãos concessões tão
preciosas em momento tão estratégico. (“Os Meios de Comunicação
Sob um Fio da Navalha”, Paulo Maia, Jornal do Brasil, 20/07/1980,
Televisão, p. 9)
Paulo Pimentel, deputado federal pelo Paraná, declarou que o governo
foi obrigado a cassar as concessões por causa da intransigência dos
condôminos dos Diários Associados, “principalmente do senador
João Calmon, que se recusou a sair do negócio”. “Durante vários
meses — frisou o deputado — eu e mais um grupo de empresários de
diversos estados tentamos encontrar uma solução melhor. O governo
nos apoiou sempre e até estimulou muito nossas iniciativas. Mas não
foi possível chegar a essa solução, porque o senador não quis nem
discutir conosco a possibilidade de venda de suas emissoras”. [...]
A reação ao decreto presidencial [...] — desde os porteiros até a
direção — foi a de um “grande pesadelo”, conforme se comentava
nos corredores [da Tupi do Rio]. Todos o acusavam de “uma violência
muito grande”, não escondendo a revolta com os companheiros de
São Paulo, que, no entender da equipe carioca, “forçaram o governo
a uma decisão que veio sem o menor critério”. (“Revoada a Brasília
Pelos Canais da Tupi”, Tribuna da Imprensa [RJ], 18/07/1980, p. 5)
588 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A Opinião do Colunista de TV Eli Halfoun


[...] A Tupi viveu, sem dúvida, em seus últimos momentos, instantes heroicos,
mas muito menos heroicos do que aqueles que aguentaram firme durante
anos a emissora no ar, às custas de muito sacrifício, de fome até. Mas faltou
naquele momento serenidade para entender que a razão precisava estar acima
da emoção. E a razão, baseada em fatos, ao contrário da emoção que é fruto de
um momento de nenhuma reflexão, deixava evidente que todo aquele sacrifício
de vigília, toda a solidariedade, toda a vontade de querer trabalhar, era mais um
desgaste: querer manter a Tupi no ar, às custas de mais sacrifícios, não era uma
solução. Me parece apenas masoquismo. A Tupi vinha errando há anos e [...]
conseguiu enganar sua gente, uma gente que merece respeito por sua dedicação
e lealdade. Um respeito que certamente virá pelas mãos do novo grupo que
vencer a concorrência aberta pelo governo. Como solidariedade, a longa noite
da Tupi foi bonita e deixou muitas lições. Mas, por outro lado, foi também um
espetáculo surrealista, com apelos desnecessários e repetitivos e com muita
gente, como sempre, querendo apenas aparecer. Certamente, agora o pessoal
deverá estar consciente de que a esperança de novos caminhos é muito mais
gratificante do que a luta por uma causa perdida. E a Tupi estava perdida há muito
tempo. Sua cassação foi o atestado de óbito de um morto que já não batia o
coração há anos. [...] Durante toda a noite da vigília da esperança, falou-se muito
no fechamento do mercado de trabalho. Mais uma ilusão inspirada pela emoção.
A Tupi já tinha deixado de ser mercado de trabalho há anos. Ela vinha, isto sim,
explorando o trabalho de pobres, decentes e dedicados profissionais que não
encontravam uma saída e que mantinham a ilusão, enganados pelos poderosos,
de que um dia a situação se resolvesse. E foi só esse engano que não os deixou
perceber que mercado de trabalho é aquele que paga em dia, cumprindo suas
obrigações trabalhistas, e que dá condições para o exercício da profissão? O que
jamais aconteceu na Tupi. É lamentável, não há dúvidas, o fechamento da Tupi,
mas não porque com ele fechou-se mais uma porta do mercado de trabalho. É
lamentável, acima de tudo, porque uma rede de televisão — a maior do Brasil
— deixou-se afundar por absoluta incompetência. Pela ganância de poucos
que prejudicaram muitos. E era, sem dúvida, o momento de acabar. A Tupi
não tinha mais solução: era uma bola de neve a crescer cada dia e que, como
aconteceu, acabaria rolando e despedaçando. Felizmente não fez mais vítimas.
(“Tupi: Um Triste Passado, um Futuro de Esperanças”, Eli Halfoun, Amiga, nº 533,
07/08/1980, p. 16-17)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 589

João Calmon Deixa a Presidência dos “Associados” Deixa a Presidência


dos “Associados”

Três dias após o decreto do governo que tornou peremptas sete emissoras
da Rede Tupi de Televisão, João Calmon, em meio ao fogo dos adversários,
renunciou à presidência do grupo Diários Associados. Chefe supremo da
instituição há 12 anos, Calmon creditou seu gesto “ao salutar princípio
da rotatividade na direção da empresa”. Antes da saída do senador, o
nutrido rol de equívocos que marcou seu período na presidência do
Condomínio foi engrossado por uma decisão extravagante. Às vésperas
do decreto federal que fechou sete das nove emissoras “Associadas”, a
[TV] Bandeirantes quis comprar todos os trajes [e cenários] que a Tupi
mandara fazer para as filmagens da novela “Drácula”, e que poderiam ser
utilizados na novela “Um Homem Muito Especial”, o mesmo “Drácula” que
a Bandeirantes resolveu gravar com outro nome. A Tupi recusou. Agora,
os condôminos estão proibidos de vender bens das emissoras fechadas, e
as roupas, condenadas a apodrecer nos abandonados estúdios do Sumaré
(“Mais Duas Redes”, Veja, 30/07/1980, p. 29). “Continuo na qualidade
de membro da comissão executiva dos condôminos em caráter vitalício,
dada pelo próprio Chateaubriand. Estou plenamente integrado, apenas
com a diferença de não ser mais o presidente”, declarou Calmon ao Jornal
do Brasil (“João Calmon Renuncia à Presidência dos Diários Associados”,
22/07/1980, 1º Caderno, p. 5). Quem o substituiu foi o ex procurador do
grupo, Paulo Cabral de Araújo, que permaneceu no cargo até o ano de
2002.

Tupi do Rio Gravando Comerciais

A TV Tupi do Rio de Janeiro passou a fazer, a partir do dia 22 de julho de 1980, a gravação de
comerciais de televisão a título precário e como produtora de vídeo. A renda reverteu em favor
dos próprios funcionários. O presidente do Sindicato dos Radialistas do Rio, Luciano Fuzer,
conseguiu autorização da direção da emissora para realizar as gravações, mesmo que nada de
concreto sobre o assunto estivesse definido. Os primeiros trabalhos foram feitos para a Mesbla
e Casas Sendas.

O Cristal de São Paulo

O cristal do transmissor da TV Tupi de São Paulo chegou a ser recolocado no dia 22 de outubro
de 1980, atendendo a um pedido do ministro da Previdência Social, Jair Soares, uma vez que
590 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

o levantamento do material da emissora estava sendo feito pelo Instituto de Arrecadação da


Previdência Social, depositário daqueles bens no momento. O Sindicato dos Radialistas do
Estado de São Paulo foi designado para enviar técnicos diariamente no local, por duas horas
diárias, para manter o equipamento ligado, mesmo que sem transmissão pelo ar. Isso evitaria que
o transmissor ficasse sujeito à oxidação e outros problemas. O representante dos funcionários
da Tupi, jornalista Humberto Mesquita, informou à imprensa que aquele era o primeiro sinal do
renascimento da emissora, que seria “cabeça” de uma das redes de televisão em concorrência.
Isso porque se acreditava que os novos concessionários da Rede Tupi se utilizariam dos antigos
equipamentos — ao menos os principais — para recolocar as emissoras no ar, já sob o domínio
de outro grupo de comunicação.

Pagamentos

Cumprindo o compromisso assumido junto ao Sindicato dos Radialistas do Estado de São Paulo,
o governo federal se preparava para amparar imediatamente os funcionários desempregados da
TV Tupi de São Paulo, pagando cinco meses de salários atrasados. Além disso, seria concedido
um auxílio-desemprego junto à Caixa Econômica Federal, valores que seriam ressarcidos aos
cofres públicos pelo futuro concessionário do canal 4 de São Paulo. Entretanto, por meio de
negociações do mesmo sindicato, o empréstimo se tornou extensivo aos que trabalharam nas
outras seis emissoras cassadas e o montante do empréstimo da Caixa Econômica Federal pulou
de Cr$ 40 milhões para cerca de Cr$ 65 milhões. Segundo o ministro interino do Trabalho,
Geraldo Miné, o número de trabalhadores desempregados em todas as sete emissoras cassadas
chegou a 2534. Poucos dias após as perempções decretadas, os desempregados da TV Tupi de
São Paulo receberam a primeira parcela dos salários atrasados e logo passariam a receber o
auxílio-desemprego, até serem admitidos pelo próximo concessionário.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 591

Indenização

Diários Associados, empresa fundada em 1924 pelo jornalista Assis Chateaubriand,


recebeu da União, em 1998, uma ação indenizatória de R$ 220,8 milhões pela
decretação da perempção da TV Rádio Clube de Pernambuco, ocorrida em 18 de
julho de 1980 por determinação do então presidente da República João Figueiredo.
O embasamento jurídico surgiu quando o Ministério das Comunicações oficiou
os “Associados”, no início de 1979, fixando prazo de 90 dias para regularizar suas
concessões, de acordo com o Decreto-Lei nº 236/67. Paulo Cabral, procurador do
Condomínio Associado, solicitou prorrogação do prazo, alegando ser exíguo. Em
resposta, o Ministério afirmou que “está suspenso o prazo estabelecido de 90 dias,
com o assunto sendo encaminhado para novo pronunciamento da consultoria
jurídica”. No livro “Brasil, Primeiro”, de Glauco Carneiro, que conta a história dos
Diários Associados, Paulo Cabral revela que “isso foi um achado para nós”. Segundo
ele, o Ministério das Comunicações não tomou mais nenhuma providência. “Mais
tarde, com base nessa resposta, levando em conta que o governo, pouco depois,
cassaria sete das nove estações da Tupi sem levar em conta a suspensão do prazo,
os ‘Associados’ encontraram base jurídica para entrar com ações de perdas e danos
contra a União pelo fechamento de suas emissoras, em nome da TV Rádio Clube
de Pernambuco, que não possuía débitos trabalhistas”. O Condomínio Associado, à
época do recebimento da indenização, contava com 12 jornais, seis emissoras de TV
e 13 estações de rádio, ocupando a sexta posição no ranking nacional das empresas
de comunicação. A vitória nos tribunais aconteceu após 12 anos de disputa. Há
outras ações na Justiça em nome da TV Ceará, TV Marajoara, TV Itacolomi, TV
Tupi do Rio e TV Piratini. Os Diários Associados só não acionaram a União por ter
cassado a TV Tupi de São Paulo, já que foi a única empresa que realmente faliu.
“Se o governo tivesse dado o apoio que solicitamos naquela época, teríamos tido
condição de recuperar a Rede Tupi e estabelecer uma concorrência forte. Porque,
afinal de contas, éramos os pioneiros da mídia televisão, conhecíamos o negócio,
sabíamos o que era preciso e possível fazer”, declarou Paulo Cabral de Araújo
em 1999, ainda como presidente do Condomínio Associado. Além de receberem
a indenização pelo fechamento da TV Clube de Pernambuco, os “Associados”
também reconquistaram o direito de contar com uma concessão de TV no Recife
e, em 1º de janeiro de 2000, entrou no ar a TV Guararapes - Canal 9, como afiliada
da Rede Bandeirantes. Posteriormente, a emissora se tornou numa retransmissora
da Record TV e mudou seu nome para o tradicional TV Clube, utilizado até os dias
de hoje. Ainda em 1999, os Diários Associados chegaram a cogitar a volta da Rede
Tupi de Televisão assumindo o passivo da Rede Manchete, que estava em crise
e precisava ser vendida. Mas as propostas não avançaram. Nos anos seguintes,
o grupo também promoveu a inauguração das empresas TV Tiradentes (Juiz de
Fora/MG), TV Centro-Oeste (Divinópolis/MG) e de diversos portais de conteúdo
para Internet. Em 2008, os “Associados” fizeram a reaquisição de 50% das ações da
histórica TV Brasília, que estavam em posse do Grupo Paulo Octávio.1

1 “Brasil, Primeiro - História dos Diários Associados”, Glauco Carneiro, Fundação Assis
Chateaubriand, 1999:586.
592 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 45
LICITANDO OS CANAIS DA REDE TUPI

“A Abril chegou a ter o pão na boca”, informou recentemente uma


fonte palaciana, acrescentando que os nove canais disponíveis
estiveram quase que integralmente de posse daquela empresa. Mas
os outros grupos interessados não perderam tempo e buscaram,
também, trunfos que viessem a interferir no processo que caminhava
sigilosamente no interior do Palácio [do Planalto]. (“Governo
Anuncia Ganhadores das Redes: Como Foi o Processo de Licitação”,
Folha de São Paulo, 20/03/1981, Economia, p. 16)

L
ogo após o governo declarar peremptas as concessões de sete das emissoras da Rede Tupi
de Televisão, foi preparada a abertura da licitação para novas concessões de operação
desses canais, com a preocupação de selecionar rapidamente novas empresas e manter
aberto o mercado de trabalho, assegurando o emprego dos técnicos, artistas e demais funcionários
das emissoras extintas.
O ministro das Comunicações, Haroldo Corrêa de Mattos, autorizou a abertura dos editais de
concorrência sete dias após a decretação das perempções. A distribuição dos canais foi feita
em dois lotes, observando-se os efeitos do Decreto-Lei nº 236/67, que impedia uma mesma
entidade de manter mais de cinco concessões próprias de TV na faixa de VHF (a quantidade de
afiliadas não era limitada). Nos editais, uma novidade: além de licitar as concessões dos sete
canais cassados da extinta Rede Tupi, o governo adicionou outros dois. Um deles era o canal
9 de São Paulo, da extinta TV Excelsior, e o outro, o canal 9 do Rio de Janeiro, da extinta TV
Continental. Eles estavam sem uso, visto que, após vencer uma concorrência para explorá-los,
realizada em 1974, o grupo Jornal do Brasil (JB) passou por uma série de problemas — inclusive
a mudança de sede da empresa —, que impossibilitou a implantação das emissoras. Houve,
ainda, uma renovação do prazo para que o JB se habilitasse novamente, mas a empresa desistiu
por decorrência do prazo e as concessões voltaram para o governo.
Agora, na concorrência de 1980, com um total de nove emissoras, o governo montou um lote
com cinco canais e outro com quatro, podendo contemplar dois grupos distintos de comunicação,
a fim de constituir duas redes sólidas, gerando competitividade e estimulando a abertura de mais
postos de trabalho. A concorrência também vetou a participação dos concessionários de grandes
redes, como Globo e Bandeirantes, e deu oportunidade para novas e pequenas empresas de
radiodifusão. Como exemplo, as empresas que controlavam uma única emissora fora das praças
onde havia canais a serem licitados poderiam concorrer à rede formada por quatro canais, como
era o caso da Rede Capital de Comunicações, que controlava apenas a TV Regional de Brasília.
Por outro lado, as principais emissoras de TV pelo Brasil ficaram preocupadas com a notícia
da criação de duas redes, pois, para seus diretores, era evidente que não haveria faturamento
publicitário suficiente para todas.
Arlindo Silva, assessor de imprensa do Grupo Silvio Santos e ex-repórter da revista “O Cruzeiro”,
conta em sua obra “A Fantástica História de Silvio Santos” (Seoman, 2017), que antes que se
publicasse o edital, diretores do Grupo Silvio Santos tentaram convencer o governo a não abrir
a concorrência, “procurando mostrar que seria um desastre para a televisão brasileira a abertura
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 593

de mais duas redes”. Eles também estavam preocupados que não havia espaço no mercado
para mais duas redes disputarem o bolo publicitário. Nas palavras de Dermeval Gonçalves,
superintendente-técnico do SBT, “o que nós tínhamos sugerido ao governo era que, em vez de
abrir o edital, fortalecesse a Record e a Bandeirantes. Fortalecer, como? Procurando as ‘áreas
escuras’ dessas emissoras e concedendo, pura e simplesmente, os canais, sem abrir concorrência.
Seria uma medida até de salvação da televisão brasileira na época. O que a Record precisava?
Precisava de um canal no Rio e em Porto Alegre, onde não tinha. A Bandeirantes só tinha em
São Paulo, no Rio, na Bahia, em Porto Alegre e em Minas. Portanto, a Bandeirantes possuía uma
rede relativamente boa, mas a Record não tinha nada. Então, em vez de abrir duas novas redes,
ficaríamos com a Globo, que já era forte, fortaleceríamos a Record, que começava a competir no
mercado, e fortificaríamos mais a Bandeirantes, que tinha mais condições que a Record.”
Contudo, o governo não quis saber dessa história. “Então resolvemos entrar [na concorrência].
E apresentamos uma proposta: Silvio Santos viabilizaria a Record. Como tinha canal no Rio de
Janeiro, ele se comprometia a transferir para o Paulinho Machado de Carvalho [...] e negociaria
com ele o canal de Belém. Então ficaríamos em igualdade de condições”, declarou Dermeval
Gonçalves.

Além de empresários, os próprios funcionários da TV Tupi do Rio de Janeiro


também quiseram candidatar-se à concessão do canal 6, oferecendo o
passivo trabalhista da empresa como garantia. A proposta foi encaminhada
ao ministro das Comunicações, com a assinatura da maioria dos 540
funcionários, mas foi negada. O mesmo aconteceu com os funcionários
da TV Tupi de São Paulo, por meio do Sindicato dos Radialistas, que pediu
apoio do ministro para que se formasse uma sociedade para concorrer
na licitação, algo que a legislação não impedia. Contudo, a intenção do
governo era mesmo dar preferência a quem tivesse grande capacidade
financeira de liderar as novas redes. Antes de abandonarem a ideia de
concorrer à licitação, os empregados da Tupi paulista chegaram a ser
procurados por interessados numa parceria: a Rede Piratininga de Rádios
e os grupos estrangeiros Rádio Caracas, da Venezuela, e mais outro, que
tinha à frente exilados cubanos que viviam em Miami.

O Certame

A abertura do processo licitatório ocorreu em 23 de julho de 1980 e a previsão era que as


duas novas redes entrassem em operação já em dezembro do mesmo ano. Os dois editais de
concorrência foram publicados contendo diferenciações apenas no tópico sobre a exigência do
capital mínimo das sociedades. Para concorrer ao Edital nº 34/80, referente à rede de cinco
emissoras, com geração pelo canal 6 do Rio de Janeiro, era necessário comprovação de ao menos
Cr$ 93 milhões. Já os interessados pelo Edital nº 35/80, com quatro emissoras, com geração pelo
594 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

canal 4 de São Paulo, deveria ser comprovado um capital de Cr$ 74,4 milhões. Eis a composição
de canais de cada edital:

Para garantir a sobrevivência dos ex-empregados da Rede Tupi de Televisão até que os novos
concessionários colocassem no ar suas emissoras, o governo mantinha o pagamento do auxílio-
desemprego por meio da Caixa Econômica Federal. Como previsto, foi incluído nos editais que
esses recursos deveriam ser ressarcidos pelos futuros concessionários das duas novas redes de
TV. Além disso, também de acordo com os editais, os novos concessionários teriam que contratar
o maior número possível de desempregados das emissoras cassadas ou apresentar outra solução
satisfatória para o problema trabalhista (isso somaria muitos pontos na concorrência); fazer uso
dos imóveis, instalações e equipamentos das emissoras cassadas, em poder da União, mediante
arrendamento, aquisição ou outra forma que fosse acordada entre as partes (as emissoras poderiam
comprar novos equipamentos, mas não antes de ter negociado aqueles que a Rede Tupi utilizava).
Isso visava a geração de mais recursos para o governo, o maior credor da extinta rede. Segundo
declarou o diretor do Dentel, coronel Antônio Fernandes Neiva, teria “peso” significativo para
a vitória de um concorrente o tempo de instalação do projeto. “A legislação dá ao vencedor da
concorrência seis meses para apresentar o projeto e mais dois anos para implantá-lo, ambos os
prazos prorrogáveis. Se algum dos concorrentes se comprometer a implantar o projeto em prazo
inferior, terá muitas chances de vencer”, declarou Neiva à “Folha de São Paulo”.
A abertura dos envelopes com as propostas recebidas ocorreu no dia 30 de setembro, no
Ministério das Comunicações. Apesar de 15 empresas e a própria ABERT - Associação Brasileira
de Emissoras de Rádio e Televisão solicitarem oficialmente cópias dos editais, nove delas
apresentaram-se efetivamente como candidatas à posse das duas redes de televisão (algumas
foram criadas às pressas). Se inscreveram a Rede Piratininga de Rádio e Televisão Ltda.,
encabeçada pelo general Sizeno Sarmento e pelo dr. Ribeiro de Andrade; Rádio e Televisão
Universitária Metropolitana Ltda. (Grupo Metropolitano/Rede Capital de Comunicações1), de
Edevaldo Alves da Silva, Labibi Elias Alves da Silva e Arnold Fioravante; Rede Rondon de
Telecomunicações Ltda., dos irmãos José e Paulo Masci de Abreu (atualmente proprietários
de diversas emissoras de rádio e TV pelo país); Sistema Brasileiro de Comunicações Ltda.,
do produtor e diretor de cinema Roberto Figueira Farias e de Sérgio Santana; TV Manchete
Ltda., representada por Oscar Bloch Sigelmann e Pedro Jack Kapeller (Bloch Editores2 [revistas
“Manchete”, “Amiga”, “Fatos e Fotos” e Rádio Manchete]); Visão - Rádio e TV S/C Ltda., de

1 A Rede Capital de Comunicações possuía emissoras próprias de rádio em São Paulo, Curitiba,
Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro, além da TV Regional de Brasília - Canal 8 (ex-afiliada da
TV Record) e da FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas, em São Paulo. O diretor do grupo,
Edevaldo Alves da Silva, já tinha tentado comprar as rádios Tupi e Difusora de São Paulo, as TVs
Tupi do Rio de Janeiro e de São Paulo, e a TV Itacolomi, de Belo Horizonte.
2 O presidente da Bloch Editores era Adolpho Bloch, nascido na Ucrânia. Apesar de ser
naturalizado brasileiro, ele não pôde compor o quadro societário da TV Manchete Ltda., pois a
lei exige que as sociedades de rádio e televisão sejam compostas apenas por brasileiros natos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 595

Henry Maksoud, Roberto Felix Maksoud e Cláudio Dênis Maksoud (revista “Visão”); Rádio
Jornal do Brasil Ltda., de Maurina Dunshee Abranches Pereira Carneiro e Manoel Francisco
do Nascimento Brito (tecnicamente associados ao empresário Walter Clark); Televisão Abril
Ltda., de Victor Civita (Editora Abril [revistas “Veja” e “Quatro Rodas”]); e SBT - Sistema
Brasileiro de Televisão S/C Ltda., representado por Carlos Marcelino Machado de Carvalho,
filho do empresário Paulo Machado de Carvalho (de quem o empresário Silvio Santos era sócio
na TV Record); Carmen Torres Abravanel, cunhada de Silvio Santos; Luciano Callegari, um dos
diretores das empresas de Silvio Santos; Eleazar Patrício da Silva, presidente do Conselho de
Administração do Grupo Silvio Santos; e João Abrão, diretor comercial da rede SBT-Record.
Na verdade, Silvio Santos e Paulo Machado de Carvalho eram os reais proprietários do SBT,
mas participavam da empresa através de representantes, já que também eram concessionários de
canais de TV no Rio de Janeiro e em São Paulo e, em cumprimento ao Decreto-Lei nº 236/67,
não poderiam operar mais de um canal em uma mesma localidade.

[...] estão agora esses dois empresários receosos [Silvio Santos e


Paulo Machado de Carvalho], uma vez [...] que só têm uma estação
e meia e meia estação respectivamente, quando possivelmente dois
novos grupos podem surgir nos próximos 60 dias, um com 5 estações
e outro com 4 estações. Serão estes uns privilegiados no nascedouro,
com prejuízo para quem vem investindo — há anos — sangue, suor,
lágrimas e dinheiro vivo. Valerá, assim, a pena prosseguir investindo
os Cr$ 1.300.000.000,00 programados [...]? [...] E são estes os
motivos que levaram os [dois] empresários a procurar uma forma
de participar da licitação. (trecho de esclarecimentos publicados em
jornais pelo Grupo Silvio Santos em 09/11/1980)

As empresas que chegaram a retirar os editais da concorrência e acabaram não apresentando


propostas foram o Unibanco (Grupo Moreira Salles), Serrador Cinematográfica, Rede
Brasil-Sul de Comunicação (RBS), Rede Globo, TV Liberal do Pará e Ímpar Ltda. (empresa
de representações). No caso da ABERT, ela retirou os editais apenas com o caráter de
acompanhamento do importante certame a ser feito pelo governo.
Dois meses depois da abertura dos envelopes, após as devidas análises técnicas, a Rede
Piratininga, o Sistema Brasileiro de Comunicações e a Rede Rondon foram inabilitados pela
comissão licitatória, seja por falta de comprovação dos recursos financeiros, ou pela não
apresentação de documentos como grade de programação e projeto técnico-operacional. O SBT
também foi desclassificado, pois a comissão técnica considerou que o Grupo Sílvio Santos já
contava com canais de TV no Rio de Janeiro (TVS - Canal 11) e em São Paulo (metade da
TV Record), cidades onde concorriam a um segundo canal. Já preparado para responder a esse
apontamento, Silvio Santos entrou com um recurso e encaminhou ao ministro das Comunicações
um documento onde, caso vencesse a concorrência, assumia o compromisso de vender suas
ações da TV Record a quem o governo indicasse; doar uma das concessões recém conquistadas
ao próprio sócio Paulo Machado de Carvalho, montando assim duas redes distintas: uma sob
o controle do Grupo Paulo Machado de Carvalho, formada pela TV Record - Canal 7 de São
Paulo, canal 9 do Rio de Janeiro e canal 2 de Belém do Pará; e a outra administrada pelo próprio
Grupo Silvio Santos, composta pela TVS - Canal 11 do Rio de Janeiro, canal 5 de Porto Alegre e
o canal 4 de São Paulo. “Estariam assim formadas duas novas redes, de empresários tradicionais
do ramo [...] e ainda sobraria uma rede para um novo grupo, sem tradição, mas com credenciais
para se lançar no mercado de TV”, destacou o documento enviado por Silvio Santos ao governo.
596 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Com essa atitude, o “homem do Baú” conseguiu permanecer na disputa após um encontro
mantido pelo empresário com o ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República,
general Golbery do Couto e Silva, e com o ministro das Comunicações, Haroldo Corrêa de
Mattos. Posteriormente, o próprio ministro das Comunicações explicaria à imprensa que o SBT
não tinha um canal de televisão no Rio de Janeiro, e, sim, o empresário Silvio Santos, que não
participava do quadro societário do SBT.
Seis empresas, portanto, ficaram habilitadas a participar das concorrências: Abril, Visão, SBT,
Bloch, Jornal do Brasil e Capital.

[...] o Ministério das Comunicações encaminhou ao Palácio do


Planalto a apreciação técnica dos candidatos que se habilitaram
à concessão das duas novas redes de televisão [...]. A análise do
Ministério das Comunicações, que se prendeu exclusivamente aos
aspectos técnicos da questão, concluiu que seis grupos estavam
em condições de receber as concessões de TV. [...] A decisão de
entregar as redes a algum dos grupos pré-selecionados é política e
da competência exclusiva do presidente da República, naturalmente
depois de ouvir seus consultores. (“Passam os Prazos e Nenhuma
Decisão Sobre as Redes de TV”, Folha de São Paulo, 14/02/1981,
Economia, p. 15)

Em um relatório do governo que tivemos acesso, há o seguinte apontamento: “[...] considerando


que somente dois grupos deverão ser contemplados com a concessão de canais, apesar de todos
os seis selecionados apresentarem condições econômicas e financeiras satisfatórias, esta Agência
Central, agrupando-os em dois lotes, de acordo com as características técnicas que mais os
aproximam, chegou à seguinte composição:”

Os grupos Abril, Visão e Bloch concorreram pelas duas redes; o Jornal do Brasil — que
recentemente abdicou de duas concessões para operar seus canais de TV no Rio e em São Paulo
— disputou apenas a rede com a geradora no Rio de Janeiro; o grupo Silvio Santos e a Rede
Capital concorreram somente pela rede com a geradora em São Paulo.

Após a divulgação dos seis grupos habilitados, foi dada a largada para uma grande disputa
de bastidores em Brasília, envolvendo os grupos empresariais e altos escalões do governo.
Com uma série de reuniões acontecendo na esfera da Presidência da República, houve muita
especulação da imprensa e da opinião pública sobre quais os dois grupos que sairiam vencedores
na concorrência. Inicialmente, os grupos Abril e Jornal do Brasil eram dados como favoritos,
devido a solidez financeira e por estarem do lado do governo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 597

O próximo passo era a comissão licitatória do Ministério das Comunicações examinar as


propostas recebidas e enviar um parecer final ao presidente da República, a quem caberia a
decisão política de outorgar as concessões.

Restam Três

Observadores asseguram que, por se tratar de uma decisão política,


a concessão dos nove canais de TV em ano pré-eleitoral fatalmente
levaria o governo a entregar as redes a empresas que, se não podem
ser consideradas suas aliadas, também não são opositoras, chegando-
se à conclusão de que a linha de trabalho das empresas Silvio Santos
e Manchete é mais conveniente ao governo. Todavia, não se poderia
deixar de fora o grupo Capital, que também, estava fazendo pressões
nos bastidores políticos. (“Impasse Leva à Indefinição da Concessão
de TV”, Folha de São Paulo, 03/03/1981, Economia, p. 7)

No parecer final da comissão técnica, divulgado em dezembro de 1980, surpreendentemente


foram desclassificados os grupos Abril, Jornal do Brasil e Visão e, ao invés de duas, três empresas
foram selecionadas para assumir as concessões: Bloch, Capital e o SBT. A decisão presidencial
de escolher Silvio Santos e Adolpho Bloch já estava tomada há mais de um mês, porém, havia
interesses oficiais em favorecer um terceiro grupo de comunicação apoiador do governo — o
grupo paulista da Rádio Capital, apadrinhado por Paulo Maluf, governador de São Paulo.

Assim surge na privilegiada mente do general Golbery a fascinante


ideia de convocar [também] o Grupo Capital, que já tem um canal em
Brasília, para receber uma rede completa — à exceção de São Paulo.
Entendimentos feitos, tudo ok. (“Para Golbery, Dois São Três”, Tarso
de Castro, Folha de São Paulo, 13/01/1981, p. 36)

Segundo apontou a “Folha de São Paulo”, toda essa articulação foi feita pelo ministro Golbery
e a oportunidade teria surgido porque Silvio Santos já detinha um canal no Rio e não tinha
tanto interesse pelos canais de Porto Alegre e Belém. Com isso, eles poderiam ser concedidos
ao Grupo Capital, que foi escolhido sob a condição de que não ficaria com uma rede completa.
Após aprovar o parecer final, com os três grupos dados como vencedores, o ministro Golbery
encaminhou o documento para a análise final do presidente Figueiredo em fevereiro de 1981.
A partir disso, iniciaram-se novas e longas conversações com os três grupos. O governo se
mobilizou para chegar a uma composição e sua proposta também se baseou no problema do alto
custo do lote com geração pelo canal 4 de São Paulo, disputado pela Capital e pelo SBT. Juntos,
os quatro canais dessa nova rede apresentavam um passivo que já alcançava os Cr$ 400 milhões,
quantia a ser ressarcida. O passivo dos canais da segunda rede era muito menor, a concessão
do canal 13 de São Paulo não tinha qualquer dívida, e a Caixa Econômica Federal conseguiu
utilizar alguns recursos para abater as obrigações trabalhistas das concessões do Rio de Janeiro
e de Fortaleza.
598 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A ideia do governo foi que Silvio Santos ficasse apenas com o super endividado canal 4, que
pertenceu à TV Tupi de São Paulo, formando rede com seu Canal 11 em operação no Rio de
Janeiro. A rede com cinco estações ficaria atribuída somente à Bloch Editores; e a Rede Capital
ficaria com as emissoras do Rio de Janeiro (canal 9), Porto Alegre (canal 5) e Belém (canal 2), que
formariam rede com a preexistente TV Regional - Canal 8 de Brasília. Contudo, essa composição
não contemplaria a TV Record, que deveria receber do Grupo Silvio Santos, conforme proposta
inicial, canais no Rio e em Belém.

A princípio, estava tudo acertado entre o governo e os três vencedores e o resultado seria divulgado
no dia 27 de fevereiro de 1981. Entretanto, às vésperas do anúncio, Silvio Santos mudou de ideia
e recusou a composição dos canais e se recusou a dividir a rede com o Grupo Capital, este que
também expressou o desejo de receber um canal em São Paulo. Uma reunião urgente foi marcada
para o mesmo dia em Brasília, na residência do ministro das Comunicações, Haroldo Correia de
Mattos. Pela Bloch, esteve no encontro Oscar Bloch Sigelmann; pelo Grupo Capital, Edvaldo
Alves da Silva; e pelo SBT, o próprio Silvio Santos. Depois de horas de negociações, Silvio
Santos manteve sua negativa e o anúncio foi adiado, para irritação do presidente João Batista
Figueiredo, que voltava do Rio de Janeiro e recebeu a notícia ainda na Base Aérea de Brasília.

Logo ao desembarcar ontem no início da noite em Brasília, o presidente


Figueiredo recebeu uma notícia que em nada o agradou: o ministro
Haroldo de Mattos, das Comunicações, informou que não anunciara
o resultado da licitação para as duas novas redes de televisão porque
não se chegou a um acordo entre os três grupos escolhidos. O
anúncio dos vencedores estava previsto para a tarde [...]. Mas tudo
esbarrou na falta de um acordo. Dos seus concorrentes — Jornal do
Brasil, Abril, Maksoud, Capital, Silvio Santos e Manchete — os três
últimos teriam recebido a preferência governamental, mas o acordo
que os gabinetes palacianos davam como concretizado foi desfeito
pouco antes do presidente Figueiredo chegar a Brasília, impedindo o
anúncio do resultado. Haroldo de Mattos, bastante nervoso, levou a
má notícia a Figueiredo. [...] O ministro das Comunicações relatava
nervosamente, chegando mesmo a ter as mãos trêmulas na hora de
acender um cigarro. Figueiredo — que antes se mostrava alegre [...]
— a cada palavra de Haroldo mostrava um semblante mais sério.
[...] o presidente mostrava-se irritado em suas gesticulações. “Mas
como?” foi uma das frases que os jornalistas, a poucos metros,
puderam ouvir do presidente. E a resposta de Haroldo: “Quer
sozinho” [...], desfazendo as aspirações do governo de entregar uma
delas a dois grupos. (“Adiada a Decisão Sobre TVs”, Folha de São
Paulo, 28/02/1981, Economia, p. 19)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 599

A irritação do presidente decorreu, em grande parte, pela perda de uma boa oportunidade
para serenar os ânimos, já que o Carnaval se aproximava e absorveria quaisquer repercussões
desfavoráveis da escolha dos vencedores. Para o governo, a recusa de Silvio Santos foi uma
surpresa, já que acreditava que não teria dificuldades para decidir a concorrência e previa que até
dezembro daquele ano as novas emissoras já estariam em operação. Na verdade, como visto, o
próprio governo é quem provocou o problema, quando passou a considerar tecnicamente que o
número de grupos vencedores seria três ao invés de dois.
As negociações continuaram e novas propostas de composição dos canais foram montadas. O
Ministério das Comunicações chegou a consultar a possibilidade técnica para abrir mais um
canal gerador de televisão no plano básico de radiodifusão VHF da cidade de São Paulo, mas
a resposta foi “tecnicamente inviável” e, a partir daí, piorou o impasse. O jornal “Folha de São
Paulo” informou que “uma das pessoas envolvidas na questão sugeriu que o canal da TV Gazeta
de São Paulo fosse cassado e incluído nas negociações das duas redes”1. Mas, a proposta foi
descartada.
Há muita divergência nas informações dadas pelos veículos de imprensa da época sobre as outras
composições propostas aos três concessionários. A principal versão dizia que, devido ao alto
custo de investimento em cinco emissoras, a Bloch Editores poderia ficar apenas com as do
Rio (6), São Paulo (13) e Belo Horizonte (4), posição que favorecia a Rede Capital a receber os
canais de Recife (6), Fortaleza (2) e ter “sinal verde” para comprar, de Silvio Santos, a metade da
TV Record de São Paulo. Já o próprio Silvio Santos ficaria com as emissoras de São Paulo (4) e
Porto Alegre (5), podendo repassar para Paulo Machado de Carvalho os canais do Rio de Janeiro
(9) e de Belém (2), permanecendo com a TVS - Canal 11 do Rio de Janeiro (já no ar).

Numa reunião convocada pelo ministro Golbery, realizada no dia 18 de março, foi dado um
prazo de 48 horas para que os representantes dos três grupos entrassem em acordo. Entretanto,
como a composição com a Rede Capital tornou-se mesmo inviável, o governo preferiu alijá-la,
mas abriu caminho para que ela comprasse os 49% das ações que Silvio Santos teria que vender
na empresa Rádio e TV Record.

Anunciando Oficialmente os Vencedores

Como assessor de imprensa da TVS, um dia acompanhei Silvio


Santos a Brasília. Tínhamos um encontro com duas figuras-chave
do governo Figueiredo, os coronéis Otávio Medeiros e Danilo
Venturini, respectivamente chefe do SNI e chefe da Casa Militar do
1 “Grupos que Disputam Redes de TV Preocupados com Volume da Dívida”, Folha de São Paulo,
07/03/1981, Economia, p. 14.
600 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

presidente. Eu os conhecia dos tempos da revista “O Cruzeiro”, no


Rio de Janeiro. Conversamos separadamente com cada um deles.
Silvio estendeu sobre a mesa, de um e de outro, croquis, mapas,
organogramas, desenhos de torres, esquemas financeiros, e detalhou
a proposta de absorver parte dos funcionários da Tupi. Eles faziam
muitas perguntas e Silvio ia esclarecendo tudo. Uma semana depois,
telefonei ao coronel Medeiros para saber se havia alguma novidade.
Com seu jeito seco de falar, ele respondeu: “Está bem encaminhado”.
(“A Fantástica História de Silvio Santos”, Arlindo Silva, Seoman,
2017, n.p.)
Na decisão política do governo, conforme informações filtradas
de setores oficiais, pesou muito a opinião do chefe do SNI, general
Otávio Medeiros, que teria inclusive influído fortemente para evitar
que fossem beneficiadas a Abril e o Jornal do Brasil, optando
preferencialmente por grupos dedicados a um trabalho mais popular
e sem compromissos políticos. A concorrência teve sua solução
anunciada para a primeira quinzena de dezembro, mas acabou
demorando quase dois meses para a decisão final do presidente
Figueiredo, devido a esses problemas e à reviravolta nas empresas
vencedoras. (“Governo Divulgará Hoje a Concessão de Canais”, O
Estado de São Paulo, 27/02/1981, p. 12)

O ministro Haroldo de Mattos, das Comunicações, finalmente anunciou os vencedores da


concorrência no dia 19 de março de 1981, oito meses após a abertura dos editais. As empresas
selecionadas para operar as duas redes formadas por sete canais da extinta Rede Tupi e por
outros dois das extintas TVs Excelsior e Continental foram o Sistema Brasileiro de Televisão
(SBT), do Grupo Silvio Santos, e a TV Manchete, do Grupo Bloch Editores. O SBT ficou com
a rede composta pelos canais 4 de São Paulo (geradora), 9 do Rio de Janeiro, 5 de Porto Alegre
e 2 de Belém. A rede de emissoras da TV Manchete ficou composta pelos canais 6 do Rio de
Janeiro (geradora), 13 de São Paulo (mudado para o 9), 4 de Belo Horizonte, 6 do Recife e 2 de
Fortaleza.
Eis a íntegra da nota oficial distribuída na ocasião pelo Ministério das Comunicações:

“O governo federal decidiu adjudicar à empresa TV Manchete


Ltda. a concessão correspondente ao Edital 34/80 e à empresa
Sistema Brasileiro de Televisão Ltda. (SBT), correspondente ao
Edital 35/80, referentes às duas novas redes nacionais de TV, que se
achavam em licitação em decorrência da perempção das concessões
da antiga Rede Tupi de Televisão. Os decretos de outorga serão
imediatamente assinados, cabendo ao Ministério das Comunicações
a prática subsequente dos atos complementares. Os contratos de
concessão conterão, dentre outras, cláusulas especiais relativas ao
aproveitamento dos empregados da antiga Rede Tupi, em consonância
com as exigências dos editais e compromissos assumidos pelos dois
concorrentes em suas propostas. O governo registra com satisfação
que todos os licitantes habilitados apresentaram propostas de elevada
qualidade, o que tornou a decisão tanto mais complexa e revela, por
outro lado, confiança de expressivos grupos empresariais no futuro
da radiodifusão brasileira”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 601

O Ministro das Comunicações


Haroldo Corrêa de Mattos anuncia
os vencedores das licitações com
canais que pertenceram à Rede Tupi.
(Manchete/reprodução)

Entre outros fatores, explicou o ministro Haroldo de Mattos, o que ajudou a decidir pela
escolha dos vencedores foram “as condições especiais exigidas nos editais, aceitas por eles,
e a experiência dos proponentes para a exploração do sistema de radiodifusão”. O ministro
reforçou que a comissão levou em consideração as empresas que tinham condições de reativar
os canais no menor prazo possível e que estavam dispostas a aproveitar o maior número de
ex-empregados da Tupi. Esclareceu o ministro que a dívida dos canais junto ao IAPAS “é uma
dívida do Condomínio Associado” e não dos novos concessionários.

O ministro das Comunicações, coronel Haroldo Corrêa de Mattos,


negou ontem no Rio, caráter político do resultado da concorrência
para as novas redes de televisão, entregues aos grupos Manchete e
Silvio Santos. Garantiu que o julgamento se baseou no retrospecto
dos candidatos em serviços de radiodifusão, avaliado entre as
propostas “que melhor atendiam aos termos do edital”. “Não tem
sentido falar em decisão política — afirmou o Ministro, retificando
[sua] declaração feita há meses —, pois foi um resultado baseado
nos termos do próprio edital. Os comentários são livres, mas,
infelizmente, é muito raro que sejam acertados e esse fato é mais
uma prova do que estou dizendo”. (“Manchete e S. Santos Ganham
Novas Redes: Ministro Nega Caráter Político”, O Fluminense [RJ],
20/03/1981, p. 6)

Embora não quisessem dar entrevistas, os responsáveis pelo Grupo Bloch distribuíram nota
assinada por Adolpho Bloch e seus sobrinhos Oscar Bloch Sigelmann e Pedro Jack Kapeller,
dizendo-se “honrados e gratos ao governo, nas pessoas do presidente João Figueiredo e
do ministro Haroldo de Mattos, pela concessão para operar uma nova rede de televisão. [...]
Empregaremos todos os nossos esforços e recursos para correspondermos à confiança com que
fomos distinguidos. E produziremos uma televisão que será motivo de orgulho e alegria para
todos os brasileiros”. O diretor da Editora Abril, Roberto Civita, lamentou não estar entre os
escolhidos, mas desejou muito sucesso aos novos concessionários e afirmou continuar interessado
na exploração de meios de comunicação eletrônicos.
602 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Quanto à Rede Capital, restou apenas a esperança de, futuramente, participar de novas
concorrências para montar sua Rede Capital de Televisão. “As emissoras aí estão, os negócios
continuam a existir. Sempre haverá a possibilidade de participar de um negócio e constituir uma
rede de televisão”, disse, resignado, o professor Arnold Fioravante, da diretoria da Rede Capital.

“Não é segredo para ninguém que foram feitas reuniões no sentido


de se dividir a antiga Rede Tupi de Televisão e mais os canais 9
(que passará para 13) de São Paulo e do Rio entre os Grupos Bloch,
Silvio Santos e Capital. Na ocasião, havia interesse do governo em
que os três concorrentes, entendidos como habilitados, fizessem uma
composição para que as duas redes se tornassem três. Mas, das
reuniões havidas, nenhuma logrou êxito definitivo. A imprensa chegou
até a noticiar que o presidente João Figueiredo não ficara satisfeito
com a marcha das negociações. Mas posso garantir que, depois
de anunciadas oficialmente as concessões para os grupos Bloch e
Silvio Santos, nada mais houve. Não participamos mais de qualquer
reunião” — informou o professor Arnold Fioravante, [...] diretor
da Rede Capital de Comunicações. [...] “Se o governo chamou três
grupos e disse que os três estavam habilitados e depois, sem acerto
entre os três na divisão, entregou os canais a dois grupos... bem, a
conclusão deve ser do jornalista”. (“As Novas TVs - Em São Paulo,
a Partilha dos Canais”, José Nêumanne Pinto, Jornal do Brasil,
06/04/1981, Caderno B, p. 4)

Em São Paulo, após a divulgação das duas empresas vencedoras, o Sindicato dos Radialistas
de São Paulo, através de uma assembleia, resolveu rejeitar a solução encontrada pelo governo,
concedendo a rede com sede em São Paulo a Silvio Santos. A situação começou a se deteriorar e o
governo se irritou com a atitude dos funcionários grevistas. O sindicato declarou luto simbólico,
pendurou uma imensa faixa preta em sua sede e programou novos protestos e passeatas. A greve
não acabara. Afirmavam que Silvio Santos não cumpriria a promessa de absorver o quadro
de 823 funcionários do extinto canal 4 e passaram a exigir formalmente a contratação destes
funcionários o mais breve possível, com as negociações realizadas no recinto do sindicato,
juntamente com um representante do SBT. Humberto Mesquita, representante dos funcionários
da Tupi, declarou que as duas propostas vencedoras não eram, a seu ver, as que reuniam melhores
condições técnicas e econômico-financeiras para exploração das novas redes de televisão. Para
ele, os grupos que reuniram as melhores qualidades e condições eram Abril, Visão e Jornal do
Brasil.

Os grandes perdedores no episódio são os grupos Abril e Jornal do


Brasil, tidos como francos favoritos no páreo logo após o anúncio
da concorrência, aberta pelo governo em meados do ano passado.
Mas, depois de inúmeras composições políticas que movimentaram
todos os poderosos ocupantes do Palácio do Planalto — segundo
informantes bem situados na Capital Federal, eles teriam se dividido
no patrocínio de uns e outros grupos — parece ter prevalecido o
critério de que essa partilha servirá melhor aos interesses eleitorais
do governo, em 1982. Não que os grupos Abril e Jornal do Brasil
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 603

pensem em batalhar pelas cores da oposição nas próximas eleições.


Longe disso. O raciocínio do governo é um pouco mais complexo,
embora o nível não seja dos mais altos. Com a entrega dos canais
aos grupos Silvio Santos e Bloch, o governo alinha do seu lado, com
mais força ainda, o poderosíssimo grupo Globo — a maior audiência
na televisão e um dos maiores no campo das comunicações em
geral. O grupo Globo decididamente lutou pela exclusão da Abril
da concorrência, pois somente ela poderia abalar a sua segura
posição atual. A Abril declarava-se disposta a lutar não pelo
segundo lugar entre as redes de televisão, mas sim pelo primeiro,
entrando em choque direto com a Rede Globo. Para isso, a Abril
se propunha a investir até um bilhão de cruzeiros por ano na rede
que viesse a ganhar. Por outro lado, a solução Silvio Santos/Bloch,
além de pequenas rusgas de curta duração, não afetará o apoio da
Abril e do Jornal do Brasil aos pontos de vista do governo, pois são
dois grandes grupos econômicos que, nas condições peculiares do
capitalismo brasileiro, não sobrevivem sem relações íntimas com
o Planalto. (“O Final Infeliz da Novela da Distribuição dos Novos
Canais de TV”, Antônio Carlos Ferreira, Movimento [SP], 23 a
29/03/1981, Economia, p. 16)
[...] Não que a Abril e o Jornal do Brasil, empresas bem maiores que
as vencedoras, não sejam simpáticas ao governo e suas propostas
políticas. Pelo contrário. Acontece, porém, que o prazo é curto e o
foguetório precisa ser grande e descarado, coisa que as derrotadas
não garantiam, ou seja: pediam tempo maior para entrar no ar e
manteriam sua aparência de independência e austeridade — coisa
que ao governo não interessa muito. Prefere a [revista] Manchete
ao vivo e muito Amaral Netto1 no ar. Algo mais no estilo Maluf, sem
qualquer recato. (“Blim, Blim: é a TV da Gangue”, Gabriel Adurra,
Movimento [SP], 2 a 8/12/1981, Brasil, p. 3)
[...] E há sempre prêmios de consolação. O Jornal do Brasil, por
exemplo, acaba de receber, juntamente com o grupo O Estado de
S. Paulo, um enorme e generoso financiamento do governo para a
implantação de uma grande fábrica de papel de imprensa. Ou seja,
sabendo que nas suas transações não corria o risco de perder o
apoio de qualquer dos grandes grupos na área das comunicações,
o governo resolveu não criar qualquer dificuldade para o mais
forte no ramo da televisão — o grupo Globo — e, ao mesmo
tempo, engrossar o número de órgãos a serviço de seus interesses,
através do fortalecimento de empresas médias do setor: o Grupo
Silvio Santos, o Grupo Record (associado a Silvio Santos e com
quem poderá dividir alguns dos canais recebidos) e ainda o grupo
Capital, que, mesmo após o anúncio da solução governamental, não
descartava a possibilidade de uma composição com os ganhadores
da concorrência. (“O Final Infeliz da Novela da Distribuição dos
Novos Canais de TV”, Antônio Carlos Ferreira, Movimento [SP], 23
a 29/03/1981, Economia, p. 16)

1 O político carioca Amaral Netto estreou um programa na TV Tupi em 1968, mas logo mudou
para a TV Globo. Mostrava lugares, costumes, cultura e tradições do Brasil.
604 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Troca de Canal da TV Bandeirantes em São Paulo


Era antigo o desejo da TV Bandeirantes de São Paulo realizar a mudança
de seu canal de operação. O objetivo era ter uma melhor propagação
do sinal, já que seu canal 13 era o último da faixa VHF e, fisicamente,
tinha o menor alcance. Em 21 de junho de 1978, quando foi oficializada
a desistência do Jornal do Brasil em operar o canal 9 de São Paulo, a
Bandeirantes preparou um pedido no Ministério das Comunicações,
almejando ocupar o 9 e devolver o 13. Pela proposta de João Carlos
Saad, então vice-presidente da TV Bandeirantes, para transmitir pelo
canal 9 seria necessário que o parque técnico da emissora mudasse
do Pico do Jaraguá para a região da Avenida Paulista. O pedido foi
autorizado em 3 de julho de 1980 e os novos equipamentos foram
encomendados. Apesar de todo o esforço, a mudança acabou não
sendo concretizada, devido à falta de recursos e o tempo exíguo para a
mudança, já que a Rede Manchete, nova concessionária em São Paulo,
aguardava confirmação para saber se iria adquirir equipamentos para
operar no canal 9 ou no 13.

A Carta de Silvio Santos

Como vimos, o governo anunciou oficialmente os vencedores da concorrência em 19 de março


de 1981, mas a tão aguardada data para a assinatura dos contratos demorava para ser marcada
pelo ministério. Isso preocupou os funcionários desempregados e os novos concessionários, pois
sem a redação dos contratos concluída, o prazo de 24 de maio estava chegando ao fim e o Grupo
Silvio Santos, que já queria contratar parte dos ex-funcionários da Tupi, foi cuidadoso e recuou.
Limitou-se a cadastrar os 790 que procuraram seus escritórios, mas não contratou ninguém.
As redes de emissoras que iriam compor o SBT e a Rede Manchete entrariam em operação em
até 18 meses após a assinatura dos contratos. Apesar de um bom prazo, Silvio Santos, que já
era do ramo televisivo, tinha muita pressa e boas estratégias para que a sua nova TVS - Canal
4 de São Paulo (TV Studios) entrasse em funcionamento o mais breve possível e passar a gerar
programação para a nova rede. Novato no meio “TV”, mas proprietário de algumas emissoras
de rádio, o Grupo Bloch teria ainda que se estruturar e precisaria de um ano para entrar no ar.
O Sindicato dos Radialistas de São Paulo declarou publicamente que não achava justo os novos
concessionários pagarem os encargos trabalhistas de Cr$ 1,5 bilhão. No entanto, defendeu que
os funcionários não podiam abdicar de seus direitos e, em abril, obteve entendimentos com
o próprio Condomínio Associado e com o Grupo Silvio Santos, para que os equipamentos e
imóveis fossem repassados aos funcionários, a fim de abater a dívida. Silvio Santos havia entrado
na concorrência visando, inicialmente, operar a emissora-geradora em São Paulo por meio da
compra a baixo custo de todas as instalações e equipamentos instalados no Sumaré e no interior
paulista (retransmissoras). Isso até que fosse construído o novo Centro de Televisão do SBT,
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 605

um projeto antigo de Silvio Santos, a ser executado na Via Anhanguera, cidade de Osasco (SP).
Silvio Santos oficializou suas intenções em uma carta e os condôminos aceitaram a proposta.
Um relatório foi elaborado, levantando quais os equipamentos das sete emissoras cassadas da
Rede Tupi estavam funcionando e disponíveis para venda. Obtivemos acesso a uma cópia deste
documento, que traz a seguinte introdução:

“Situação Técnica da Rede Tupi de Televisão em Julho de 1980”


- Tem o presente trabalho por objetivo descrever a situação técnica
da Rede Tupi de Televisão em julho de 1980, ou seja, por ocasião
do ato de perempção, visando levar ao conhecimento de todos os
interessados nas concessões dos canais colocados em licitação, as
estruturas técnicas (material e funcional) das emissoras em referência,
permitindo, com isso, uma rápida adaptação destas estruturas às novas
condições de distribuição dos canais, conforme editais já publicados,
bem como possibilitar o breve retorno destas emissoras ao “AR”.

A proposta do SBT para compra dos equipamentos e prédios do Sumaré foi protocolada em
vários ministérios no dia 15 de maio. Entretanto, apenas no mês seguinte é que o assessor
jurídico do Ministério concordou em estudá-la. “Quando o IAPAS decidiu penhorar um lote de
equipamentos da TV Tupi, entendeu-se, na época, que essa penhora visava garantir o débito da
empresa para com o governo, ao mesmo tempo em que dava às novas concessionárias condições
de ter à sua disposição equipamento suficiente para colocar [as emissoras] no ar o mais rápido
possível. Até agora [maio], entretanto, nem uma coisa nem outra foi feita”, declarou Luciano
Fuzer, presidente do Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro.
O fato é que, meses após a concorrência, o IAPAS — que tinha o arresto dos edifícios e parte dos
equipamentos — alegou dificuldades legais para vendê-los naquele momento, mas acenou com
a possibilidade de arrendamento enquanto não houvesse uma definição. Este posicionamento
também era interessante para Silvio Santos, que logo iniciou tratativas para arrendar totalmente
a antiga Central de Produção da Rede Tupi em São Paulo. Com isso, um grupo de diretores,
gerentes, assessores, engenheiros, técnicos e funcionários de diversos setores do Grupo Silvio
Santos organizaram rapidamente, em maio, uma força-tarefa para montar os projetos técnicos
das cinco emissoras do SBT e enviá-los ao Ministério das Comunicações para aprovação. Sob o
comando do cunhado e “braço-direito” de Silvio, Mário Albino Vieira, esse grupo se reunia até
duas vezes por semana e os trabalhos se prolongavam pela noite.

[...] 1500 profissionais deverão ser instalados no prédio em que


funcionava a TV Tupi, no alto do Sumaré, em São Paulo. O diretor
do sistema Record-TVS, José Carlos Moreira, explicou que as
negociações para aluguel do prédio do Condomínio Associado estão
avançando. O contrato [...] poderá ser firmado ainda este mês, para
que em maio o Grupo Silvio Santos cumpra a promessa de pôr no ar,
experimentalmente, a imagem do canal 4 [...] (“As Novas TVs - Em
São Paulo, a Partilha dos Canais”, José Nêumanne Pinto, Jornal do
Brasil, 06/04/1981, Caderno B, p. 4).
O Grupo Silvio Santos já conta com uma enorme área de 220 mil m2
606 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

na Via Anhanguera, onde está instalado seu centro administrativo.


Lá pretende-se construir um estúdio de 2 mil m2, exclusivamente
voltado para a produção de programas [do SBT]. Os demais
departamentos da rede serão fixados no prédio da extinta TV Tupi,
no Sumaré, que deverá ser alugado, com opção de compra, [junto]
ao Condomínio Associado. Segundo [o diretor do sistema Record-
TVS] José Carlos Moreira, o prédio do Sumaré (equipamentos,
móveis, além do próprio imóvel) está avaliado em Cr$ 600 milhões.
Dermeval Gonçalves, diretor-técnico, acrescentou que serão
necessários investimentos complementares de 4 milhões de dólares
para compra de equipamentos de transmissão e produção. A rede
deverá contar com 1500 a 2000 empregados, dos quais, cerca de
800 [...] são remanescentes da TV Tupi. Todos esses profissionais
já se apresentaram para cadastramento e identificação de funções
(“Preparativos Para Uma Grande Batalha”, Luís Sérgio Borgneth,
Meio e Mensagem, nº 56, 1ª quinzena de maio de 1981, p. 18-19).

Impasse na Assinatura dos Contratos

O governo entende que, ao tentarem transferir para os novos


concessionários os encargos trabalhistas do Condomínio Associado,
evocando-se a figura da sucessão trabalhista, estes funcionários
estariam agindo de má fé, pois, em princípio, concordaram com os
termos do processo de licitação que lhes garantia vínculo empregatício
nas novas redes e pagamentos do auxílio-desemprego através da
Caixa Econômica, a partir da perempção dos canais da Tupi. Ocorre
que os ex-funcionários, logo que o governo escolheu os dois grupos
concessionários das novas redes, tentaram transferir para os grupos
Silvio Santos e Bloch os compromissos trabalhistas não saldados
pelo Condomínio, deixando assustados os novos concessionários.
(“Rede Tupi - Governo Poderá Sustar Apoio aos Funcionários”, O
Fluminense, 21-22/06/1981, p. 5)
Enquanto todos aguardavam que o Ministério das Comunicações marcasse o ato da assinatura
dos contratos, fortes boatos surgiram em Brasília, segundo os quais, os ex-funcionários da TV
Tupi de São Paulo e a diretoria do Sindicato dos Radialistas estavam tentando transferir os
compromissos trabalhistas do Condomínio Associado para os dois novos concessionários. O
sindicato negou e disse que o impasse só surgiu por causa do imobilismo do governo, “que não
quer assumir os erros que cometeu ao fazer o edital de concorrência e que, tendo promovido
uma série de reuniões estéreis com cada grupo interessado, recusou-se, até agora, a reunir na
mesma mesa os funcionários da Tupi e os novos concessionários das redes de televisão”. Foi
mostrado, porém, que os sindicalistas, na verdade, preparavam uma ação coletiva na Justiça
do Trabalho contra a Rádio Difusora São Paulo S/A (TV Tupi) e o Condomínio Acionário dos
Diários Associados e não contra os novos concessionários. Diante dos boatos de que estariam
agindo de má fé, os radialistas de São Paulo lembraram que “os devedores, isto é, o Condomínio,
ainda tinham 39 emissoras de rádio em operação, duas de televisão, seis emissoras [de TV]
‘biônicas’ (em nome de parentes próximos dos condôminos), vários jornais, o terreno do Sumaré,
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 607

a torre de TV, o equipamento, o prédio da Rua Sete de Abril e o terreno na Rua Álvaro de
Carvalho, sem contar os bens particulares dos condôminos, mais que suficientes para pagar todo
o passivo, desde que o governo esteja disposto a cobrar a dívida existente”1. E frisaram: “Não
temos nenhum interesse em invocar a dívida trabalhista para os novos concessionários; não
fomos nós que acobertamos durante anos as mazelas do grupo ‘Associado’ e não fomos nós que
criamos a legislação trabalhista”, dizia uma nota de protesto emitida pelo sindicato.
Em meio a esse clima, os novos concessionários finalmente receberam as cópias dos contratos
de concessão para consulta, algo que deu início a um novo episódio marcante na história da
mudança de concessionário dos canais da Rede Tupi. Inseguros, por meio de seus advogados,
o SBT e a Bloch declararam que não assinariam os contratos, já que eles não traziam garantias
contra eventuais acionamentos na Justiça, na tentativa de caracterizá-los como sucessores das
dívidas astronômicas dos Diários Associados com os ex-funcionários da Tupi e com o governo.
Os empresários temiam que se porventura fossem acionados por ex-funcionários ou credores,
o ônus financeiro seria muito superior aos custos com os investimentos e, caso não obtivessem
garantias, estavam dispostos a desistir das concessões.
Quando o governo publicou os editais de licitação das duas novas redes de televisão, não
estabeleceu qualquer cláusula sobre o pagamento do passivo do Condomínio dos Diários
Associados. Por outro lado, apesar de membros do governo darem entrevistas apontando os
Diários Associados como único responsável pelas dívidas, não foi oficialmente esclarecido sobre
quem recairia o pagamento dos salários atrasados, do Fundo de Garantia e das demais dívidas
com os ministérios da Fazenda e da Previdência Social. Era certo, apenas, que caberia aos
vencedores assumir o ressarcimento dos empréstimos feitos pela Caixa Econômica Federal aos
desempregados, adquirir os lotes de equipamentos e prédios penhorados pelo IAPAS e contratar
o maior número possível de ex-funcionários da Tupi (os grupos vencedores queriam empregar
cerca de 90% deles em todo o Brasil, ficando de fora apenas os que exerciam cargos de confiança
e de direção na Tupi).
Todavia, mesmo com todos os esclarecimentos e acordos realizados, um movimento pró-sucessão
começou a ganhar força entre os ex-empregados da Tupi, algo que reforçou a necessidade da
exigência de garantias reais por parte dos novos concessionários.
Em vista do novo impasse, o ministro das Comunicações teve que prorrogar o prazo das
assinaturas em 30 dias, para a realização de novas discussões. Contudo, o auxílio-desemprego
dos ex-funcionários junto à Caixa Econômica Federal teria de ser suspenso.
Findo o prazo, o entrave ainda persistia e mais 60 dias foram concedidos, expirando em 25 de
agosto, mas sob ameaça que se o novo prazo não fosse cumprido, o governo desclassificaria a
Bloch e o SBT, convocando os grupos Abril, Visão e Jornal do Brasil para nova disputa final. E
ameaçou até anular a concorrência se fosse preciso.
“O governo, quando decidiu realizar a licitação, apenas pretendeu manter o mercado de emprego
e resguardar o interesse dos empregados. Tanto assim é que eles tiveram todo o auxílio que fosse
possível lhes dar. Agora, está se realizando uma total inversão, em que o governo passa a ser
a vítima e não aquele que procurou a solução em melhor conformidade com os interesses dos
empregados. Com isso, nos sentimos um pouco assustados”2, declarou o ministro Haroldo de
Mattos, das Comunicações.
Com os ex-funcionários pressionando para que o SBT e Bloch fossem declarados sucessores
1 “Funcionários Negam que Provocam o Impasse”, O Estado de São Paulo, 23/06/1981, p. 18.
2 “Ministro Diz Que Não Há ‘Sucessão’ Para as Dívidas dos Associados”, Jornal do Brasil,
20/06/1981, 1º Caderno, p. 6.
608 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

da massa falida da Tupi, os advogados de Silvio Santos o aconselharam a não alugar toda a
infraestrutura do Sumaré, apenas a nova torre de TV, que era a parte mais importante. Para
os advogados, a utilização de todo o complexo seria viável apenas se ele fosse devidamente
arrematado em leilão. A saída foi cancelar o projeto técnico do Centro de Televisão do SBT
no Sumaré — que já estava praticamente todo desenhado —, encomendar rapidamente novos
equipamentos nos Estados Unidos e encontrar um novo local para instalar a Central de Produção.
O caminho que o “homem do Baú” percorreu foi o da Vila Guilherme, nos veteranos estúdios de
televisão da Rua Dona Santa Veloso, nº 575, onde já haviam passado a TV Excelsior (1967-70), a
própria produtora Estúdios Silvio Santos (1972-78) e o núcleo de novelas da TV Tupi (1978-80).
Com custos mais altos do que o esperado, Silvio Santos admitiu a amigos que a situação seria
diferente da apresentada durante a concorrência dos canais e algumas mudanças teriam que ser
feitas em relação ao que ficou acertado em Brasília. Ele acabou não cumprindo, por exemplo, no
primeiro momento, a promessa verbal de vender sua parte da TV Record de São Paulo a quem
fosse indicado pelo governo. Segundo o jornal “O Estado de São Paulo”, Silvio Santos “estaria
exigindo 10 milhões de dólares — cerca de Cr$ 750 milhões — pela venda de sua participação
de 49% na Rede Record, preço que está sendo considerado excessivo pelo Grupo Capital, que
deveria — segundo acordo anterior — adquirir essas ações.”
Vender sua parte na Record não era prioridade do animador, que confessou ao sócio Paulo
Machado de Carvalho Filho que, caso não conseguisse um preço justo, preferiria continuar com
sua participação na emissora. A essa altura, o Grupo Capital se desinteressou do negócio e, sete
anos depois, foi a vez do Grupo Abril tentar comprar a TV Record, com a proposta de pagar
US$ 14 milhões. Contudo, em 17 de maio de 1988, a Abril divulgou uma nota assinada pelo seu
diretor-superintendente, Roberto Civita, oficializando sua desistência:

Desde o início a Abril deixou clara sua intenção de buscar uma


solução que envolvesse todos os atuais acionistas da Record. Como
não foi possível chegar a essa solução, apesar do interesse e boa
vontade demonstradas por todas as partes envolvidas, a Abril decidiu
retirar-se dessa negociação e concentrar seus esforços nos demais
projetos na área de televisão em que está envolvida hoje. Além da Abril
Vídeo, uma produtora em franca expansão, a Abril é detentora da
concessão do Canal 32, em UHF, para São Paulo, que deverá entrar
em operação em 1989, e vai participar da recém-aberta concorrência
para a concessão do primeiro canal de TV por assinatura do país,
também em São Paulo1. Esses planos são uma demonstração clara
de que continuamos interessados em participar mais ativamente do
mercado brasileiro de televisão.

No Rio de Janeiro, como o Grupo Silvio Santos já contava com a TVS - Canal 11 em operação,
o canal 9, concedido ao SBT na licitação recém-realizada, passou às mãos de seu sócio Paulo
Machado de Carvalho, conforme prometido, e assim nasceu a TV Record do Rio de Janeiro. A
emissora de Belém, também prometida para a Record, acabou ficando com Silvio Santos, este
que só vendeu sua participação nas ações da Rádio e TV Record em 1989, juntamente com
a família Machado de Carvalho, quando todas as emissoras do grupo foram compradas pelo
religioso Edir Macedo.

1 Civita se referiu às futuras emissoras MTV Brasil e TVA Filmes.


ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 609

Alugando a Nova Torre da TV Tupi

Silvio Santos obteve êxito em celebrar um contrato de arrendamento junto à Justiça Federal, para
utilização da nova torre de transmissão da TV Tupi no Sumaré, bastando, portanto, a instalação de
um transmissor e de uma antena para colocar o sinal do novo Canal 4 no ar. “O risonho animador
paga um aluguel irrisório: Cr$ 387 mil por mês”, informou “O Estado de São Paulo”1. O mesmo
jornal também divulgou que equipamentos da Tupi de São Paulo como câmeras, máquinas de
videoteipe, switchers e iluminação de estúdio também foram alugados pela Justiça para outras
emissoras de TV e produtoras de vídeo. Como já dito, esse dispositivo de locação ou venda de
bens da massa falida visava obtenção de recursos para indenização dos funcionários e quitação
de dívidas com o próprio governo.
Em relação a um possível arrendamento das importantes retransmissoras da Rede Tupi pelo
interior paulista, descobriu-se que elas estavam em situação crítica de conservação. Ademais,
surgiu o receio de que o arrendamento ajudasse a figurar uma sucessão e a ideia foi cancelada.
Às pressas, foi elaborado um novo projeto técnico para a TVS funcionar no complexo da Vila
Guilherme, todavia, sem o “fantasma” da sucessão. O contrato de locação dos estúdios passou a
viger a partir de 15 de abril de 1981 e logo começou a montagem da emissora, ação coordenada
por Alberto Cortez, diretor-técnico que há muitos anos trabalhava com Silvio Santos. Cortez tinha
como assistentes os engenheiros Nilton Montemurro e Rubens Fernando Ortiz, ex-funcionários
da TV Tupi. Rapidamente, foram montadas as estruturas técnica, administrativa, artística e
financeira do SBT. O departamento de Recursos Humanos logo foi mobilizado para cadastrar e
examinar a qualificação profissional de 823 ex-funcionários da Tupi2, a fim de cumprir o contrato
de concessão.
Para a transmissão do novo Canal 4 de São Paulo, o SBT praticamente manteria as características
do projeto técnico que a TV Tupi havia feito para sua nova torre do Sumaré, mas que acabou
não podendo colocá-lo totalmente em prática. Evitando comprar o novíssimo transmissor de 50
kW da TV Tupi — que chegou a ser instalado no complexo do Sumaré —, o SBT encomendou
com a RCA-Victor, por US$ 1 milhão, outros dois transmissores, modelos TTG-30/30L, que
somavam 60 kW de potência. Já a aquisição da antena transmissora do Canal 4 foi um caso muito
especial: o SBT renegociou com a própria RCA a compra da moderna antena de polarização
circular, modelo TFV-7A4, fabricada especialmente para a TV Tupi de São Paulo. Ela que teve
de voltar para os armazéns da empresa, nos Estados Unidos, pois não seria mais instalada devido
a cassação da emissora. Após ficar armazenada por quase dois anos, a TFV-7A4 voltaria ao
Brasil para, finalmente, ser afixada onde deveria estar desde 1980, ainda sob os auspícios da
pioneira TV Tupi.

1 “Leilão da Torre de Transmissão Poderá Tirar TVS do Ar”, O Estado de São Paulo, 31/05/1985,
p. 10.
2 Futuramente, após o período de estabilidade garantida pelo contrato, alguns ex-funcionários
da TV Tupi deixaram o SBT, mas muitos outros seguiram carreira na emissora, chegando a
ocupar importantes cargos.
610 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A torre inacabada da TV Tupi


de São Paulo (esq), logo após
a cassação da emissora. Meses
depois, o Grupo Silvio Santos
alugou-a para instalar no topo
a antena da TVS - Canal 4.
(Jornal do Brasil/reprodução)

O prazo para entrega dos transmissores e da antena da RCA se encerraria apenas em fevereiro
de 1982 e, para a TVS entrar no ar o mais breve possível, Silvio Santos fez um acordo com seus
sócios na família Machado de Carvalho. Com isso, um projeto técnico provisório foi executado
na torre da TV Record, na Avenida Paulista, onde foi instalada uma antena provisória, de
fabricação nacional, juntamente com o transmissor reserva da TVS - Canal 11 do Rio de Janeiro,
especialmente adaptado para operar no canal 4. Os projetos técnicos da Vila Guilherme, da torre
do Sumaré e da improvisação na torre da TV Record tramitaram rapidamente no Ministério das
Comunicações e foram aprovados ainda antes de ser resolvido o impasse para assinatura dos
contratos.

Cancelamento das Licitações: Um Espião na Sala ao


Lado

O jornalista Humberto Mesquita, representante dos funcionários da TV Tupi durante as greves


de 1979-80, revelou recentemente, em seu livro “Coisas Que Eu Vi: Gente Que Eu Conheci”
(Alameda Editorial, 2020), uma história que, segundo ele, se passou no mês de julho de 1981, em
meio ao impasse para a assinatura dos contratos das duas novas redes de televisão. Ele conta que
uma secretária de Haroldo de Mattos, ministro das Comunicações, era a favor daquele movimento
de greve e resolveu ajudar. Ela ligou para Mesquita e revelou que o ministro convocara Sílvio
Santos e Adolfo Bloch para uma reunião na manhã seguinte, onde seria tratado o cancelamento
das licitações e a abertura de duas outras, onde o governo retiraria as exigências trabalhistas para
as empresas vencedoras (Bloch e SBT novamente), relativas aos ex-funcionários. A secretária
soube que o governo não “suportava mais” a intromissão de “baderneiros que não querem
solução, só querem fazer confusão”.
“Percebi claramente que iríamos ser atingidos e tudo o que tínhamos feito até aquela hora podia
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 611

ir por água abaixo”, revela Mesquita. Em seguida, a secretária atendeu a um pedido arriscado
que Mesquita lhe fez: ele chegaria antes da reunião e se esconderia na sala ao lado, para tentar
ouvir o que conversariam. A secretária alertou que seria difícil ouvir tudo, apenas alguma coisa,
mas que isso não tinha importância, já que tudo o que fosse decidido ela iria datilografar depois.
E assim foi feito. Ninguém percebeu a presença do intruso, que ainda pegou no lixo o rascunho
do documento que originaria o cancelamento das licitações, algo que lhe ajudaria a comprovar
tudo e traçar um plano. “Foi um momento difícil e perigoso, que poderia agravar a situação,
caso eles descobrissem a minha presença ali. Era um risco pessoal e para o movimento, mas fui
em frente. Fiquei a um metro dos participantes, separado por uma parede de madeira”, escreveu
Mesquita. Após a reunião, o jornalista atualizou Alberto Freitas, presidente do Sindicato dos
Radialistas, e revelou um plano muito perigoso, já que não havia outra saída. Mesquita entrou
em contato com Sílvio Santos, ainda em Brasília com o diretor Mário Albino, este que atendeu ao
telefone. Mesquita blefou, dizendo que havia sido convocado pelo ministro-chefe do Gabinete
Civil, Golbery do Couto e Silva, e que ele propôs que os ânimos dos funcionários fossem
acalmados, porque o governo iria cancelar as licitações e fazer, ao invés de duas, apenas uma
nova concorrência. Mesquita continuou, dizendo que o ministro tinha garantido que a Rede
Globo iria contratar todos os ex-funcionários da Tupi e, em seguida, passou todas as decisões
tomadas na reunião ocorrida pela manhã. Por fim, disse que o ministro achava melhor esse
caminho, porque o mercado publicitário não comportava duas novas redes de televisão (posição
que Roberto Marinho defendia).
A armação de Mesquita tinha um fundamento lógico, já que Sílvio Santos tinha adversários
fortes, em uma elite que não aceitava seus procedimentos. “E, naquele momento, a Globo,
através de intermediários, nos acossava, principalmente a mim e ao Alberto Freitas, para que não
aceitássemos a ideia da criação de duas novas redes de TV”, revela Mesquita.
Sílvio Santos ficou preocupado e pegou o telefone e ouviu uma proposta de Mesquita: “Olha,
Sílvio, nós, funcionários, queremos ampliar o mercado de trabalho e a solução que eles querem
não nos agrada pessoalmente e também não agrada o Sindicato dos Radialistas. Precisamos
nos unir. Parar com as divergências e negociar. Estou disposto a fazer essa conciliação”. Sílvio
perguntou as exigências de Mesquita — que foram aceitas — e o convidou para ir ao Palácio
do Planalto no dia seguinte. Apesar de ser um sábado, eles conseguiram encontrar Amaure
Fraga, assessor direto do ministro Golbery. “Minha preocupação era de que eles fossem conferir
minhas informações, mas o conteúdo da reunião comprovava o fato”, ressalta Mesquita. Amaure
Fraga, que havia estranhado ver Sílvio Santos e Humberto Mesquita lado a lado, fez uma ligação
para o ministro Golbery e o informou que “eles se reuniram e decidiram pela conciliação, e
pelo que conversamos aqui, está tudo bem direcionado. Os dois estão convencidos desse novo
posicionamento. Querem pacificar”, disse o assessor. Na verdade, como o governo também
queria paz, o ministro aceitou a nova proposta e não cancelaria mais as licitações.
Em São Paulo, o Sindicato dos Radialistas convocou uma assembleia para aquele mesmo dia,
a fim de referendar o novo acordo, que dava todas as garantias de emprego por um ano aos
ex-funcionários e deixava Sílvio Santos como responsável pelo pagamento dos salários que a
TV Tupi não honrara (detalhes a seguir). Diretores e advogados de Sílvio se espalharam pelo
sindicato e, segundo Humberto Mesquita, foi difícil convencer os ex-funcionários, que já tinham
decidido rejeitar a concessão a Sílvio Santos. “Fui mostrando a necessidade da manutenção do
emprego, que vivíamos um momento complicado da ditadura e que o governo já estava nos
olhando com ar de inquietação. Aos poucos foi ocorrendo uma mudança de posição”, conta
Mesquita. As propostas de Sílvio Santos foram aceitas, a greve acabou e o empresário logo se
tornaria proprietário de quatro concessões de TV oriundas da Rede Tupi.
612 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Acordos com Ex-Funcionários e com o Governo

Algumas soluções foram encontradas pelo SBT para superar o “fantasma” da sucessão das
dívidas trabalhistas do Condomínio Acionário dos Diários Associados. A primeira foi um acordo
com os sindicatos dos ex-trabalhadores da Tupi nas cidades em que o SBT passaria a operar.
Foram aceitas, em assembleia, as seguintes garantias: salários 20% acima do piso das categorias,
estabilidade de um ano e pagamento do auxílio-desemprego referente a junho, que o governo
havia suspendido.
Especificamente com os funcionários do Canal 4 de São Paulo, um outro acordo foi celebrado
ainda antes da assinatura dos contratos. Diante dos protestos de seus 869 ex-funcionários, Silvio
Santos se comprometeu a indenizá-los espontaneamente, com o pagamento de 8% do que era
devido. Caso a Justiça fosse desfavorável à ação que eles impetrariam contra o grupo dos Diários
Associados, Silvio Santos pagaria mais 42% da dívida, desde que a soma não ultrapassasse Cr$
350 milhões. Caso recebessem do SBT esses 50% da dívida, os funcionários teriam que abrir mão
dos 50% restantes. Em troca de todos os acordos propostos, os signatários deveriam reconhecer
a inexistência da sucessão para o SBT, algo que também seria proposto pelos funcionários da
Rede Manchete.
Figurando como uma medida cautelar, o acordo foi assinado com o Sindicato dos Radialistas
de São Paulo no dia 7 de julho como um “Instrumento Particular de Promessa de Cessão de
Crédito”. Em seguida, foi homologado e transformado em contrato coletivo de trabalho pela
Delegacia Regional do Trabalho. Eis um trecho dos termos:

Reconhecem as partes que a celebração dos contratos de trabalho não


implicará a caracterização de sucessão trabalhista ou solidariedade
para efeito algum, da segunda contratante ou empresas integrantes
de seu grupo econômico, em relação à Rádio Difusora São Paulo S/A
ou qualquer outra empresa a ela ligada.

Com o reconhecimento da inexistência da sucessão, os ex-empregados da Tupi puderam acionar


o Condomínio Associado na Justiça trabalhista para tentar receber suas indenizações. Seiscentos
empregados que já haviam entrado com ações trabalhistas na Justiça contra o Condomínio
Associado precisaram fazer negociações à parte para poder ser admitidos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 613

A Luta na Justiça
Logo após o acordo com o SBT, os ex-empregados da Tupi-Difusora reivindicaram
o recebimento de seus direitos trabalhistas contra os Diários Associados,
cujo volume do processo chegou a 3900 folhas. Mas, perderam a causa em
setembro de 1995 — 14 anos depois —, quando o Superior Tribunal Federal
(STF) encerrou o processo ao entender que não havia empresa sucessora
nas dívidas da Tupi de São Paulo e que a dívida trabalhista deveria ser paga
somente pelas empresas Rádio Difusora São Paulo S/A e Rádio Tupan S/A.
Contudo, na condição de falidas, elas não tinham como pagá-la e a opção dos
funcionários foi cobrar os 42% restantes do acordo com Silvio Santos, por meio
de uma ação coletiva. Em abril de 1996, o SBT depositou R$ 1,9 milhão na
conta do Sindicato dos Radialistas, este que apontou um erro, pois essa quantia
representava apenas 28% do valor devido. O SBT justificou que, de acordo com
o contrato assinado, atualizou os valores baseando-se no índice ORTN e não
na tabela de cálculos da Justiça. Os funcionários puderam sacar suas frações
após cinco meses, mas o processo continuou, na tentativa de recebimento da
diferença dos valores. A essa altura, todos os recursos obtidos no s leilões da
massa falida para repasse aos ex-funcionários continuavam parados no Poder
Judiciário, enquanto mais de 80 deles já haviam morrido sem nada receber e
muitos outros passavam por intensa dificuldade financeira. Uma comissão de
ex-funcionários chegou a ir à Brasília em 1999, a fim de pedir apoio ao ministro
das Comunicações, Pimenta da Veiga, para que o SBT pagasse o restante da
dívida (R$ 6,3 milhões). Eles queriam que o pagamento fosse colocado como
condição para a renovação da concessão do SBT em São Paulo. O SBT, apesar de
ter entrado com recursos e mais recursos, acabou tendo mesmo que saldar a
dívida com os valores monetários atualizados, algo que aconteceu somente no
longínquo ano de 2001.

Silvio Santos e Adolpho Bloch também conseguiram chegar a um acordo com o governo para
garantir que estavam se eximindo da responsabilidade do passivo trabalhista. No dia 10 de
junho, propuseram que o próprio governo encampasse as empresas do Condomínio Associado,
assumindo assim as suas dívidas; ou que se incluísse nos contratos uma cláusula com base
jurídica onde ficaria expresso que os novos concessionários não eram considerados sucessores
das emissoras dos Diários Associados. O ministro Haroldo de Mattos declarou: “A dívida é
dos ‘Associados’ e não existe a figura da sucessão. Nós entendemos assim e é ponto pacífico”.
Para ele, uma decisão contrária seria beneficiar o infrator, “aquele que não cumpriu com suas
obrigações”. O governo, por fim, acatou a segunda proposta e, de acordo com pareceres do
Consultor-Geral e do Procurador-Geral da República, fixou nos contratos:

A nova relação de emprego não se vinculará, para efeitos de


Legislação Trabalhista, Civil ou de outra natureza, a qualquer relação
de emprego havida entre os ex-empregados a serem aproveitados e as
concessionárias anteriores.
614 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Ficou mantida, portanto, a obrigatoriedade do ressarcimento à Caixa Econômica Federal acerca


dos gastos incorridos com salários atrasados e auxílio-desemprego que vinham sendo pagos
desde a data do fechamento da Rede Tupi. Para tanto, o SBT arcaria com Cr$ 450 milhões e o
grupo Bloch com Cr$ 180 milhões.
Quanto à cerimônia de assinatura dos contratos do SBT e da Rede Manchete, ela finalmente foi
agendada pelo governo para o dia 19 de agosto, às 9h30, em Brasília. Como o SBT já estava
pronto para entrar no ar, Silvio Santos pediu uma autorização especial para “a TVS - Canal 4 de
São Paulo entrar no ar no instante em que nascia”1, transmitindo toda a cerimônia ao vivo.

A TV Bandeirantes desistiu de migrar do canal 13 para o 9 em São Paulo e a Rede Manchete


operaria no canal 9.

Transmitindo e Assinando os Contratos


Um fato, até então inédito em todo o mundo, marcou essa solenidade.
A TVS Canal 4 de São Paulo colocava no ar, ao vivo, a cores, as
imagens da assinatura desse contrato, ou seja, as imagens de seu
próprio nascimento. O fato simbolizou o espírito de pioneirismo que
iria marcar a trajetória do SBT no mundo das comunicações. Essa é a
razão pela qual se comemora a data de 19 de agosto de 1981 como a
do efetivo nascimento do SBT, e não 22 de dezembro de 1975, quando
surgiu a TVS canal 11 do Rio, a primeira emissora conquistada. É
que em 19 de agosto de 1981 o SBT adquiriu, verdadeiramente, as
dimensões de uma Rede Nacional de TV. (“A Fantástica História de
Sílvio Santos”, Arlindo Silva, Editora Seoman, 2017:137)
O canal 4 tem, outra vez, som e imagem. Mas, principalmente, tem
novo concessionário. Hoje, às 9h30 da manhã, a TV Studios (ou
simplesmente TVS), inicia sua transmissão diretamente de Brasília,
com a assinatura do contrato entre o Ministério das Comunicações e
o Sistema Brasileiro de Televisão, o grupo comandado pelo animador
Silvio Santos. A transmissão desse evento era ponto de honra dos
novos concessionários. Nos estúdios no bairro da Vila Guilherme,
onde antigamente já funcionaram a TV Excelsior e parte da TV
Tupi antes de serem adquiridos pelo SBT, que lá produzia alguns
programas transmitidos pela TV Record e pela TVS do Rio de Janeiro,
todos repetem que esta é a primeira vez que uma emissora transmite
uma solenidade que autoriza seu funcionamento. É por esse mesmo
motivo que tudo ainda está confuso. A programação definitiva, pelo
menos para a primeira semana de funcionamento, só foi acertada
no final da tarde de ontem, menos de doze horas antes de a emissora
entrar no ar. (“Som e Imagem Voltam a Ocupar o Canal 4 Hoje”, O
Estado de São Paulo, 19/08/1981, p. 20)
1 “A Fantástica História de Sílvio Santos”, Arlindo Silva, Editora Seoman, 2017:137.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 615

O transmissor provisório do Canal 4 na Avenida Paulista entrou no ar com padrão de testes no dia
4 de agosto de 1981. No dia 19, enfim, foi exibido o programa inaugural da emissora, colocado
no ar por antigos funcionários da TV Tupi de São Paulo1, agora contratados pelo SBT. Entre
eles, os repórteres Humberto Mesquita e Madalena Bonfiglioli, que abriram a transmissão da
cerimônia de assinatura dos contratos de concessão das redes. “O Ministério das Comunicações
pediu que ex-funcionários da TV Tupi fossem os primeiros a entrar no ar pelo novo Canal 4,
a fim de mostrar a força e a importância que tiveram para o surgimento da emissora”, revela
Humberto Mesquita. Naquele instante, foi anunciado o prefixo ZYB-855 - TVS - Canal 4 de São
Paulo, seguido de uma breve introdução sobre a entrada da emissora no ar e sobre a cerimônia
que iniciaria a seguir.
Os contratos foram assinados 13 meses após a cassação da Rede Tupi de Televisão. Na cerimônia
estiveram presentes os ministros Haroldo de Mattos, das Comunicações; Murilo Macedo, do
Trabalho; Ernane Galvêas, da Fazenda; e Jair Soares, da Previdência Social. Mattos afirmou ao
microfone que cabia à televisão um papel de grande importância naquele momento em que o
mundo e o Brasil atravessavam uma fase turbulenta.
— Atualmente — disse Mattos —, multiplicam-se as responsabilidades dos que, tão marcadamente,
podem influir na formação da opinião pública e no empenho do povo para encarar e sobrepujar,
com otimismo e decisão, os desafios que o destino lhe arme. Nada representa maior risco para
o homem e, com mais razão, para uma nação, do que a desesperança, o pessimismo, a perda de
horizonte. O derrotismo é paralisante e antecipa, e até precipita, a derrota evitável.
O ministro disse também que a pretensão da televisão não era a criação de um falso clima de
fantasia ou a divulgação de meias verdades. “Espera-se dela a contribuição serena”.

O jornalista Humberto Mesquita.


(Coleção “Jornal Aqui São Paulo”/
Arquivo Público do Estado de São Paulo)

Mais tarde, foi a vez de Silvio Santos discursar:

1 De acordo com um anúncio do Grupo Silvio Santos, até o mês de outubro de 1980, já haviam
sido contratados 163 ex-funcionários da TV Tupi de São Paulo para trabalhar nas redes TVS-
Record e SBT. Entre eles, técnicos, produtores, administrativos e apresentadores como Raul Gil
e Aírton e Lolita Rodrigues.
616 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

“Eu cheguei aqui, o pessoal me cumprimentou e disse: “terminou a


novela!”. E realmente foi uma novela, uma novela com ‘happy end’.
Então, primeiro quero agradecer às pessoas que em algum momento,
durante esta licitação, torceram para mim. Ao público telespectador
— que há muitos anos acompanha meu trabalho pelo rádio e pela
televisão, desde os tempos do saudoso Manuel de Nóbrega —,
agradecer principalmente às senhoras dona de casa, minhas fiéis
companheiras [...]. Perguntaram ao povo, numa pesquisa: ‘para quem
o governo deveria dar os canais de televisão?’. E o povo respondeu:
‘Silvio Santos’. Eu sempre acreditei — e acredito — que a voz do
povo é a voz de Deus. E é pela vontade de Deus e pela vontade do
povo que hoje estou aqui, assinando este contrato com o Ministério
das Comunicações e, também, assumindo a responsabilidade de
quatro canais de televisão que se integrarão ao SBT. Eu estou feliz.
Um pouco nervoso, mas feliz [...]. Neste momento, está no ar a TVS -
Canal 4 de São Paulo!”.

O SBT também transmitiu um almoço comemorativo realizado na sede da revista “Manchete”,


em Brasília, com a presença de ministros e empresários. A programação regular do SBT estreou
naquele mesmo dia.

Logomarca do SBT. (divulgação)

O SBT foi formado inicialmente pelos canais 4 de São Paulo (geradora), 11 do Rio de Janeiro,
5 de Porto Alegre (que entrou no ar logo depois, em 26 de agosto), 2 de Belém (a partir de 2
de setembro), além de 12 emissoras afiliadas localizadas de norte a sul do país. Um problema
enfrentado durante a instalação da TVS em São Paulo foi o estabelecimento da rede para o interior
do estado, onde o “Programa Silvio Santos” tinha grande audiência. Como os retransmissores da
Tupi não puderam ser usados, o recurso encontrado foi exibir o programa simultaneamente pela
TVS e pela TV Record, esta que contava com uma excelente rede, com 450 torres pelo estado.
O “Programa Silvio Santos” já tinha passado a ser exibido pela Record desde fevereiro de 1980,
quando deixou a grade da Rede Tupi devido às constantes paralisações de seus funcionários.

Desde quarta-feira, quando entrou no ar a TVS de São Paulo no


lugar da antiga TV Tupi, canal 4, os moradores de prédios onde
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 617

existem antenas coletivas de televisão não conseguem sintonizar


com perfeição os canais 5 e 2 (respectivamente Globo e Cultura
[transmitidos a 15 km de distância, no Pico do Jaraguá]). Segundo
os moradores, principalmente aqueles que residem na região da
Avenida Paulista [onde está provisoriamente instalado o transmissor
do Canal 4], em alguns locais as imagens destes canais chegam
a “sumir” totalmente para dar lugar às imagens do canal 4, e em
outros há tanta interferência (defeitos no som e “fantasmas” de
imagem) que a única solução é desligar o aparelho. [...] Alberto
Cortez, diretor-técnico da TVS, diz que o problema está com as
antenas coletivas. Sua explicação é de que o canal 4 esteve muito
tempo fora do ar — 13 meses — e por isso as empresas que instalam
antenas coletivas “alargaram” a faixa dos outros canais próximos ao
4 para melhorar-lhes as imagens. “Quando o canal 4 voltou, tomou
este espaço e interferiu nos outros”, disse Cortez, acrescentando que
a possibilidade de que isso ocorresse não foi lembrada, “tanto que
ficamos durante 15 dias com sinal em barra no ar [padrão de teste]
e não tivemos reclamações”. (“TVS Atrapalha Outras Emissoras”,
Folha de São Paulo, 22/08/1981, Ilustrada, p. 25)

Após sete meses de operação provisória na torre da TV Record, o SBT inaugurou a nova estação
transmissora do Canal 4, no Sumaré, na tarde do dia 1º de abril de 1982, durante um ato especial
dentro do programa “O Povo na TV”. A construção da torre do Sumaré, realizada entre 1978-
80, foi o símbolo da resistência da TV Tupi perante a crise. Após o governo por fim no império
“Associado”, felizmente a grande torre foi aproveitada pelo SBT e segue em operação até os dias
de hoje, mantendo-se como um dos maiores ícones da memória da TV Tupi. Esta torre tem uma
“irmã gêmea”, em Salvador (BA), que segue também em operação, transmitindo a Record TV.
618 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

A torre da TVS - Canal 4 de São Paulo, após sua


conclusão. Quando a TV Tupi foi cassada, esta mesma
antena, no topo, aguardava sua retirada no Porto de
Santos. Como a fabricante RCA obtinha sua reserva de
domínio, mandou a antena de volta para os EUA. Um
ano depois, ela foi renegociada pelo SBT e voltou ao
Brasil para, finalmente, ser instalada nos altos da torre
do Sumaré. (Moacyr dos Santos/SBT)

Manchete

Em 1981, após ganhar as concessões, Adolpho Bloch começou a tirar


do papel os projetos da Rede Manchete. Aplicou dinheiro na compra
de um terreno de 300 mil metros quadrados no bairro carioca de Água
Grande e pediu ao amigo Oscar Niemeyer que projetasse um segundo
prédio no terreno, ao lado do Edifício Manchete (Rua do Russel,
804). Em 1982, teve início a construção do prédio da televisão, com
entrada pelo nº 766. Os dois prédios pareciam um único por causa da
mesma altura e do estilo da fachada, em aço e vidros escuros. Foram
encomendados também outros projetos para as demais sedes da
Manchete em São Paulo, Fortaleza, Belo Horizonte e Recife. Ainda
estava sendo negociado com Niemeyer o projeto da construção de um
centro de produção da TV Manchete na Barra da Tijuca, a Cidade
da TV, englobando uma área de 100 mil metros quadrados que seria
inaugurada em 1985, mas que acabou não se concretizando. (“Rede
Manchete - Aconteceu, Virou História”, Elmo Francfort, Imprensa
Oficial, 2008:17-18)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 619

Se em São Paulo o SBT teve condições estruturais para entrar no ar já em agosto de 1981, o caso
da Rede Manchete, com sede no Rio de Janeiro, foi bem diferente e a previsão era de que ela
entrasse no ar no mínimo em 12 meses após a assinatura dos contratos. A maior parte dos prédios
necessários para instalação dos estúdios, centrais de exibição, produção etc., teria que ainda ser
construída, ao passo que a parte preexistente teria que ser toda reformada. O Teatro Adolpho
Bloch, por exemplo, situado ao lado da sede do grupo, no bairro da Glória, foi adaptado para
abrigar 10 estúdios e, ao seu lado, foi construído um grande e exclusivo prédio, projetado por
Oscar Niemeyer. Alguns departamentos funcionariam inicialmente na antiga sede da Bloch, na
Rua Frei Caneca, mas, depois uma imensa Central de Produção seria montada em Irajá, bairro da
Zona Norte do Rio. Havia muito trabalho a fazer e, também, a preocupação de respeitar o prazo
de dois anos que o governo estipulou.
Representantes da Manchete foram ao Japão, Alemanha e Estados Unidos para negociar a compra
de modernos equipamentos. O jornalista e radialista Rubens Furtado, o primeiro ex-funcionário
da TV Tupi a ser contratado pela Manchete — não por força de contrato, mas por espontaneidade
— ocupou o cargo de diretor-geral e declarou à “Folha de São Paulo”: “Foi uma loucura. Em
um ano e meio tivemos que montar as emissoras em São Paulo, Rio, Recife, Belo Horizonte e
Fortaleza. Compramos terrenos, construímos, instalamos antenas, torres, mas tudo saiu como
queríamos. Aqui foi um desafio montar uma emissora que é, realmente, do ano dois mil. Mas, eu
adorava a TV Tupi. Havia, lá, a solidariedade da miséria. Todos os dias fazíamos o impossível
para levar a programação ao ar. De qualquer maneira, quando vim para a TV Manchete [...] fiz
questão de trazer os técnicos da Tupi. Sessenta por cento do pessoal da Manchete veio de lá.
Nada mais justo”, completou.
Adolpho Bloch desembolsou a altíssima cifra inicial de US$ 52 milhões, entre equipamentos
e instalações para a rede, e mais US$ 14 milhões para compra de filmes, séries e desenhos
animados. Foram contratados cerca de 500 funcionários.
Além da necessidade de promover grandes obras para montagem de sua sede, a Rede Manchete
também enfrentou problemas com atrasos na entrega dos equipamentos importados, mas
conseguiu entrar no ar pouco antes do término do prazo de dois anos. Seu primeiro sinal de testes
foi gerado a partir do Rio de Janeiro no dia 13 de maio de 1983 e a inauguração aconteceu em 5
de junho, com três emissoras próprias no ar — Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte1 — e
uma afiliada, a TV Pampa de Porto Alegre. As emissoras próprias de Fortaleza e Recife entraram
no ar poucos meses depois. A TV Brasília, que pertencia à Rede Tupi, deixou de retransmitir o
SBT em 1985 e se filiou à Rede Manchete.

Para nós, a televisão representa responsabilidade. Estamos


produzindo uma programação de alto nível. Com emoção, posso
dizer que a Rede Manchete é Bloch. É um dever mencionar o pioneiro
Assis Chateaubriand, um homem de grande visão. Apresento minhas
saudações à TV Educativa, à TV Cultura, à TV Bandeirantes, à TV
Gazeta, à TV Silvio Santos, à TV Record, às emissoras independentes
e à Rede Globo de Televisão. E ao sr. Roberto Marinho, uma amizade
que já passa de meio século. Deixo com vocês, meus amigos, a Rede
Manchete de Televisão. Ela está no ar! (discurso de Adolpho Bloch
na inauguração da Rede Manchete)

1 Os canais utilizados pela Rede Tupi no Rio, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza voltavam ao
ar após três anos de inatividade. Em São Paulo, o canal 9, outrora utilizado pela extinta TV
Excelsior, voltava a ser captado após 13 anos.
620 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Logomarca da Rede Manchete.


(reprodução)

Perfis de Programação

O estilo da programação inicial do SBT foi muito similar ao que a Rede Tupi vinha adotando
em seus últimos anos. Os programas, em geral, eram voltados para o gosto popular, classes “C”
e “D”, com um polêmico programa de auditório, uma linha de shows, novelas, humorísticos,
jornais, filmes, infantis, séries e desenhos animados — a maioria já exibida pela Tupi —, além
do próprio programa dominical de Silvio Santos, que esteve no ar pela Tupi por muitos anos.
Já a Rede Manchete se dirigiu ao exigente público das classes “A” e “B”, com uma linha de
programação que trazia infantis e muito jornalismo, mas também teatro, apresentações musicais
e documentários. O diretor-geral Rubens Furtado quis levar para a TV “um pouco daquilo que
tinha visto há décadas, nos já distantes anos 1950: uma programação voltada para as classes
mais favorecidas e que vinham sendo abandonadas com a popularização do meio”1. A proposta
era trazer algo de bom do passado para o presente e futuro, como preconizava o slogan: “Rede
Manchete - A Televisão do Ano 2000”.

1 “Rede Manchete - Aconteceu, Virou História”, Elmo Francfort, Imprensa Oficial, 2008:319.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 621

CAPÍTULO 46
O LEILÃO DOS BENS DAS “ASSOCIADAS” DE SÃO PAULO

[...] a juíza Ana Goffi Scartezzini, da 4ª Vara da Justiça Federal,


aceitara o pedido de arresto (embargo) dos bens imóveis e dos
equipamentos da Rádio Difusora São Paulo S/A (TV Tupi) e [da] Rádio
Tupan S/A [Rádio Tupi], formulado pelo Instituto de Administração
Financeira da Previdência e Assistência Social - IAPAS, para garantir
a dívida de Cr$ 244.860.266,75 milhões, relativa a contribuições
recolhidas dos empregados, de janeiro de 1961 a julho de 1973, e não
pagas à previdência. Ontem mesmo a juíza determinou a citação das
duas empresas. (“Nenhuma das Rádios Associadas Pode Ser Vendida
Atualmente”, O Estado de São Paulo, 30/07/1980, p. 14)

C
om a perempção das concessões de sete das emissoras da Rede Tupi de Televisão, decretada
em 18 de julho de 1980, os bens das empresas dos Diários e Emissoras Associados de
São Paulo passaram a ser administrados pela Justiça Federal, para que pudessem ser
arrendados ou vendidos e assim viabilizar o pagamento preferencial das dívidas trabalhistas
com os ex-funcionários. No bairro do Sumaré, o edifício-sede das Emissoras Associadas, que
ficava na Avenida Prof. Alfonso Bovero, n° 52, permaneceu fechado, assim como os estúdios do
Centro de Televisão, com cerca de 5 mil m2, situado no terreno ao lado, na Rua Catalão, nº 48.
Os equipamentos e materiais de trabalho da TV Tupi permaneceram da mesma forma que foram
deixados pelos diretores, técnicos e operadores que não estavam em greve em julho de 1980 e
mantinham o Canal 4 no ar, retransmitindo a programação da Tupi do Rio de Janeiro. No dia 14
daquele mês, no entanto, eles também “cruzaram os braços” e a emissora ficou fechada e fora do
ar. Como havia esperança de que logo pudessem voltar ao trabalho, nada foi retirado dos prédios,
mas, logo depois da cassação, a Justiça lacrou o Centro de Televisão com todos os equipamentos
dentro, inclusive o perecível e inflamável acervo. No ano seguinte, o mesmo aconteceu com o
edifício-sede das “Associadas”, na ocasião da lacração da Rádio Difusora, algo que abordaremos
mais adiante.
José Alfredo Machado de Assis, ex-diretor-administrativo da TV Tupi, nos revela que, cerca de
um ano depois da cassação do Canal 4, esteve de volta ao edifício-sede, juntamente com um
oficial de Justiça, para resgatar as guias de importação do novíssimo equipamento transmissor
de TV da RCA, que seria leiloado. “Como o edifício foi esvaziado às pressas, os funcionários
tiveram que largar tudo como estava e nada pôde ser levado embora”, lembra. Para ele, duas
cenas ficaram muito marcadas naquele dia em que pôde voltar ao histórico edifício. “Uma era a
do restaurante, no subsolo, que estava infestado de ratos, pois a comida da última refeição sequer
pôde ser retirada. A outra cena marcante aconteceu quando estive de volta na minha antiga sala,
no 9º andar. Lá, sempre havia flores e as últimas ainda estavam lá. Desidratadas, mas inteiras.
Contudo, como o ar do ambiente foi renovado ao abrirmos a porta, as flores se desfizeram em
instantes”, conta. Para o ex-funcionário, essa história soa como uma metáfora, como um símbolo:
622 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

flores que se desfizeram tal como aconteceu com todo aquele império da comunicação. José
Alfredo é filho do saudoso Enéas Machado de Assis, nome importante da história da radiodifusão
paulista e que trabalhou muitos anos como diretor das Emissoras Associadas de São Paulo.

Justiça Marca o Leilão dos Bens da Tupi

Como a opção de aluguel e venda dos equipamentos e prédios da falida Rádio Difusora São
Paulo S/A não foi autorizada pelo próprio IAPAS, por ter encontrado dificuldades legais, foi
decidido que eles iriam a leilão. A Justiça Federal passou a organizar todo o processo e, enquanto
isso, os contratos com os locatários dos prédios e equipamentos continuariam em vigência. No
início de julho de 1982, surgiram comentários nos bastidores do meio televisivo sobre o interesse
da TV Globo em participar do leilão das antigas instalações da TV Tupi de São Paulo, algo que
prejudicaria muito a estratégia do SBT, locatário da torre e maior interessado em arrematar todo
o complexo. Segundo informações do jornalista Ferreira Neto, então colunista sobre televisão na
cadeia “Associada” de jornais, os estúdios das Emissoras Associadas chegaram a ser vistoriados
por técnicos da TV Globo e as implicações jurídicas estudadas por seus advogados. Em outubro
de 1985, o mesmo colunista informou que a emissora ainda tinha interesse no prédio de 11
andares, nos diversos estúdios e na torre de concreto, que seguia alugada para a TVS. Para esta
torre, a TV Globo tinha um projeto para utilizá-la para ampliação da capacidade do sistema
de transmissão de seu Canal 5. As Organizações Globo também planejaram concentrar as suas
emissoras de rádio paulistanas — Globo e Excelsior — nos edifícios do Sumaré, inclusive a
sucursal do jornal “O Globo”.
A execução fiscal movida pelo IAPAS contra a empresa Rádio Difusora São Paulo S/A foi
realizada pela dra. Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini, juíza federal da 4ª Vara da Seção
Judiciária do Estado de São Paulo. Os equipamentos em geral seriam leiloados no dia 4 de
dezembro de 1984 e, no dia seguinte, recebidas as propostas para compra dos imóveis. Contudo,
as datas foram adiadas e os leilões aconteceram somente em 30 de maio de 1985, quando cerca
de Cr$ 150 milhões foram arrecadados para o pagamento prioritário de dívidas trabalhistas com
os ex-funcionários da TV Tupi e da Rádio Difusora, calculados em Cr$ 70 bilhões. Deste valor,
Cr$ 60 bilhões representava a soma das dívidas com o IAPAS.
Nesta primeira fase dos leilões, por Cr$ 2,20 bilhões, a empresa JZE Planejamento Imobiliário
e Construções Ltda. arrematou o terreno de 6700 m2 na Vila Sofia, Zona Sul de São Paulo, de
onde a Rádio Difusora transmitia seus sinais de Ondas Médias e Curtas. Como as propostas
recebidas para compra do edifício Guilherme Guinle — ex-sede dos Diários Associados em São
Paulo, situado na Rua Sete de Abril — foram aquém do valor avaliado e recusadas pela juíza, e o
terreno de 4300 m2 — situado na Rua Álvaro de Carvalho1, no Centro — não recebeu propostas,
outro leilão foi marcado para o fim de junho de 1985. O edifício da Sete de Abril conseguiu
ser arrematado por Cr$ 14 bilhões pela Cia. Tecidos e Fiação Guaratinguetá, assim como o
terreno da Álvaro de Carvalho. Ficou postergado para o dia 13 de dezembro de 1985 o leilão
do complexo de estúdios, em conjunto com a nova torre, e ainda, os leilões do edifício-sede do
Sumaré e dos figurinos e equipamentos das emissoras de rádio e TV.

1 Este terreno pertencia aos Diários Associados desde os anos 1940. Como vimos no Capítulo
24, durante os anos 1950 ele receberia um grande complexo multifuncional, com moradias,
teatro, auditórios e novas sedes para a TV Tupi e para as rádios Tupi e Difusora. No entanto, o
empreendimento não se concretizou.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 623

A nova torre do extinto Canal 4 era o item mais cobiçado, prevendo-se uma intensa disputa
por parte das emissoras de televisão. Cerca de 80 arrematadores compareceram ao seu leilão,
mas apenas três deles participaram ativamente da disputa: o famoso leiloeiro Luiz Fernando
de Abreu Sodré Santoro, o experiente arrematador Duarte de Souza e o próprio apresentador
e empresário Silvio Santos — agora desimpedido de adquirir a estrutura da TV Tupi sem que
ficasse caracterizado como sucessor da massa falida.

Dentro de um terno azul-claro, Silvio Santos, Senor Abravanel, 49,


disse: “Este é um leilão muito importante para mim. Tenho muito
interesse em ficar com a torre e se não for possível comprá-la, tenho
interesse em conseguir prazo, porque não é possível deixarmos
a torre de um momento para o outro, pois do contrário, dois mil
funcionários (o quadro da TVS) vão ficar praticamente numa
situação muito difícil”. (“Leiloeiro Arremata Torre da Tupi”, Folha
de São Paulo, 14/12/1985, p. 47)

Silvio Santos cumpriu sua promessa de ir pessoalmente e dar um lance um pouco maior do que
a avaliação oficial dos imóveis. Estava convencido de que caso não conseguisse arrematar a
torre ou, ao menos, firmar uma negociação com o novo proprietário para continuar alugando a
estrutura, sua estação transmissora do Canal 4 teria que ser transferida de local. Segundo Silvio
Santos, seria necessário entre oito meses e um ano para construir outra torre e transferir sua
pesada e valiosa antena. Esse novo local seria o pátio da concessionária Vimave Pacaembu, que
pertencia ao Grupo Silvio Santos e ficava localizado a apenas 1 km das antigas instalações da
Tupi, nas esquinas das ruas Galeno de Almeida e Oscar Freire.
“Tirar esta antena rapidamente, há quem garanta não ser possível sem que ela se rompa”, afirmou
Silvio Santos aos jornalistas. Segundo ele, a fabricante RCA havia descontinuado a produção
daquele modelo exato da antena, mas o contrato previa que, caso ela sofresse avarias, a empresa
seria obrigada a fabricar outra idêntica. Entretanto, isso demandaria quatro meses no mínimo.
O primeiro lance do leilão, de Cr$ 8,42 bilhões, foi de Silvio Santos, mas logo foi superado. Ele
ainda subiu sua oferta para Cr$ 8,45 bilhões, contudo, a disputa ficou mesmo entre os outros dois
participantes. “Eu havia prometido para a juíza Ana Maria Flaquer Scartezzini que ofereceria o
valor real para poder ajudar os funcionários”, declarou Silvio Santos à imprensa. Ele também
revelou que não ofereceu um valor ainda maior, pois isso não seria interessante economicamente,
já que construir uma nova torre em terreno próprio e transferir a antena custaria muito menos:
Cr$ 4 bilhões.
Entre os presentes no leilão, estava Miguel Cipolla, chefe do Departamento de Engenharia da
TV Bandeirantes, emissora que há algum tempo pensava em mudar seu parque de transmissão
do Pico do Jaraguá e que não escondeu o interesse em fazer negócio com a torre, caso ela
fosse arrematada por Duarte de Souza. Como a torre também interessava à TV Globo, rumores
apontavam que ela havia mandado um representante. Contudo, ninguém se manifestou.
A torre e os prédios da Central de Produção da TV Tupi foram arrematados por Cr$ 9,58 bilhões,
a serem pagos por Luís Fernando de Abreu Sodré Santoro, primo do ex-governador de São
Paulo, Roberto de Abreu Sodré, e proprietário do maior escritório de leilões do Brasil.
624 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

De Berço da TV Brasileira a Depósito de Leilões

Surpreendentemente, no entanto, o nosso herói [Silvio Santos]


continua muito tranquilo. Ele não perdeu a pose e, em nenhum
momento, revelou qualquer abatimento com a derrota. Ontem, em
contato com a alta cúpula da Vila Guilherme, a APDL — Associação
dos Por Dentro do Lance — verificou que essa calma e tranquilidade
foi transmitida a todos os dirigentes e funcionários daquela emissora.
Ninguém está preocupado com o assunto. Segundo se informa [...],
Silvio Santos poderá continuar utilizando a torre por mais um ano,
tempo suficiente, segundo eles, para um bom acordo com o novo
proprietário ou, na pior das hipóteses, encontrar e construir uma
nova torre num outro local. Na opinião de todos, por sinal, as
possibilidades de a TVS ter que deixar o Sumaré quase nem devem
ser consideradas. Da mesma forma, nenhum desses dirigentes, ou as
pessoas mais chegadas ao Silvio Santos, sabem explicar as razões
do seu procedimento no leilão. Ele fez o primeiro lance e depois
silenciou, acompanhando passivamente e sem qualquer reação o
desenrolar dos trabalhos. Isto, como não poderia deixar de ser, gerou
grande mistério e fez surgir uma série de especulações em torno do
assunto. Agora, a expectativa é grande e todos querem saber qual
será o desfecho dessa história. (“Tiraram a Torre das Mãos de Silvio
Santos”, Ferreira Neto, Correio Braziliense, 19/12/1985, p. 36)

Um minuto depois de arrematar o complexo de televisão, Santoro foi cumprimentado por


Silvio Santos, que o indagou se teria condições de alugar a torre pelo menos por um ano, tempo
necessário para construir uma nova. Santoro respondeu que precisaria pensar no assunto, pois
tinha acabado de participar do primeiro leilão de sua vida no papel de arrematador. Mas, se
prontificou a receber Silvio Santos para uma conversa. O “homem-sorriso” pediu seu nome
completo e se despediu. Caso não houvesse negociação de locação com Santoro, Silvio Santos
estava disposto a recorrer à Justiça para obter um prazo hábil para poder construir a nova torre
da TVS.
“De minha parte, não há nenhuma intenção de fechar portas a qualquer negociação, mesmo
com o Silvio Santos. Mas, primeiro, quero fazer uma avaliação do negócio para saber se a torre
serve somente para a televisão ou se pode também operar como uma central de rádio”, afirmou
Santoro. O leiloeiro assegurou, no entanto, que seu interesse maior não era pela torre, mas sim
pelos estúdios, chamados por ele de “armazém”, que lhe serviriam para a realização de leilões
e depósito de materiais. Contudo, admitiu que poderia alugar a torre para quem pagasse mais e
negou que teria feito acordo com a TV Globo. “Tenho diversos armazéns onde realizo leilões,
mas são afastados. O armazém mais próximo do centro de que tive notícia foi este. A aquisição
da torre foi uma contingência”, disse Santoro aos jornalistas.
Numa entrevista à “Folha de São Paulo”1, publicada seis meses após o leilão da torre e dos
estúdios, Guilherme Stoliar, então vice-presidente do SBT, afirmou com tranquilidade que não
estava preocupado com o desfecho da situação. “Existe 1% de chance de perdermos a locação. Já
entramos em acordo com Santoro a respeito de um contrato para os próximos cinco anos”, disse
1 “A Disputa da Torre da Tupi”, Folha de São Paulo, 03/05/1986, p. 46.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 625

Stoliar. A reportagem destacou que “certamente o aluguel combinado (Stoliar não quis revelá-lo)
não seria tão baixo quanto os Cz$ 2.230,00 pagos atualmente na Justiça Federal”.
Naquele mesmo dia, os lances dados pelo edifício de 11 andares não atingiram o valor mínimo de
Cr$ 3,44 bilhões. O maior lance chegou a apenas Cr$ 1,83 bilhão e foi necessário agendar outro
leilão. Também não foi arrematada uma casa na Rua Amália de Noronha, bairro de Pinheiros. Por
outro lado, ganharam novos proprietários os mais diversos equipamentos para rádio e televisão,
material fotográfico, entre outros, como veremos a seguir.

Segundo reportagens, o arrematador Duarte de Souza impetrou um mandado de


segurança, solicitando medida liminar, e alegando que o imóvel foi vendido antes
da terceira batida, que é um costume de qualquer leilão. Isso porque o oficial de
Justiça avisou os interessados que iria até a sala da juíza, em outro andar, para
informar sobre o maior lance apresentado (de Santoro) e, caso ela concordasse
com o valor, estaria encerrado o leilão. Duarte sentiu-se lesado, pois não houve
tempo para apresentar seu novo lance. Segundo ele, seu último lance seria de
Cr$ 10 bilhões, muito maior do que o do vencedor. No entanto, o processo de
execução dos bens dos Diários e Emissoras Associados foi julgado meses depois,
confirmando que o vencedor era mesmo o leiloeiro Luís Santoro.

Leiloando Equipamentos

O edital com a relação dos bens da empresa Rádio Difusora São Paulo S/A que iriam a leilão
ocupou várias páginas do Diário Oficial. Entre estes bens, destacam-se um lote com 5342 fitas de
videoteipe Quadruplex gravadas, 137.568 rolos de 16 mm e 43 longas-metragens. Este material
foi leiloado por Cr$ 80 milhões, mas o ato foi cancelado, pois o IAPAS o adjudicou com o
compromisso de transferir o acervo para a Fundação Pró-Memória (ver Capítulo 48).
Os valiosos transmissores também estavam nesta listagem. Da TV Tupi, seria leiloado o RCA TT50-
FL, com 50 kW de potência, “em estado de novo, sem uso, avaliado em Cr$ 1.053.810.608,00”,
informou o edital. Trata-se daquele equipamento enviado pela RCA ao Sumaré em 1980, antes da
antena, que relatamos no Capítulo 40. Ele chegou a ser montado e testado, mas sem transmissão
pelo ar. Com o fechamento da TV Tupi, este transmissor ainda permaneceu no prédio por alguns
anos, até ser retirado pela Justiça Federal. Entretanto, ele não chegou a ser leiloado, pois, de
acordo com o jornal “O Estado de São Paulo”1, houve um acordo onde o IAPAS abriu mão da
penhora sobre este transmissor, na tentativa de a fabricante RCA reavê-lo, já que o equipamento
estava alienado fiduciariamente a seu favor — a tal reserva de domínio que já comentamos. A
RCA acabou vendendo este transmissor para o Grupo Bandeirantes utilizá-lo em seu novo Canal
4 de Brasília.
O transmissor da Rádio Difusora FM - 98,5 MHz, modelo ET-17, fabricado pela RCA, e o
transmissor RCA TT6-AL, em operação até o Canal 4 ser fechado pelo governo, foram leiloados
1 “Ministério Confirma Irregularidades em Negociação do IAPAS”, 25/12/1990, Geral, p. 14.
626 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

juntamente com suas linhas de transmissão e antenas. Os demais itens da listagem do leilão eram
mesas de controle, microfones, transmissores de micro-ondas, gravadores, receptores de TV,
monitores, telecines, projetores de slides, mobiliários de escritório e os veículos, que estavam
em “péssimo estado”, entre eles, as duas carretas que serviram como geradoras de imagens,
adquiridas em 1972 para a chegada das cores na televisão.
A “Folha de São Paulo” revelou que a Rede Mulher de Televisão1, por meio de seu diretor
Antônio Montoro, arrematou equipamentos de links, válvulas e cabos no valor de Cr$ 60
milhões. Segundo Montoro, esse material seria utilizado na TV Morada do Sol, em Araraquara
(SP), geradora da Rede Mulher.

Durante alguns anos, os veículos que pertenciam à TV Tupi


ficaram aguardando os leilões em um pátio do IAPAS - Instituto
de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social,
localizado na Rua Cap. Mor Jerônimo Leitão, nº 96, ao lado da
Avenida Prestes Maia, região central de São Paulo.

Frota da extinta TV Tupi de São Paulo em 1982, no pátio do IAPAS.


(Carlos Eduardo Câmara Del Bianco/Acervo pessoal)

1 A Rede Mulher foi vendida em 1999 para o grupo de comunicação da TV Record e hoje opera
como Record News.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 627

Figurinos Vendidos num Lote

Enquanto as roupas eram arrumadas em cabides, uma paraibana de


Campina Grande vasculhava tudo, emocionada. E entre os cabides
identifica um blazer que participou da novela “O Direito de Nascer”,
recorde de audiência em 1964. Apesar de só ter entrado na Tupi em
1972, Maria Guedes sabe do que está falando. Afinal, durante os oito
últimos anos de vida da emissora, Maria foi a chefe de guarda-roupa
e camareiras. Hoje, sem emprego fixo, talvez ela seja a única pessoa
que possa reconstruir a história da primeira emissora brasileira
através dos figurinos da Tupi. Quem mais poderia saber que um
robe lilás, escondido entre incontáveis peças de roupa, foi usado
por Rodolfo Mayer, já falecido? São poucas as peças que conservam
alguma etiqueta de identificação. [...] Enquanto relembra, separa
um traje de espanhola: “Este foi a Lolita Rodrigues quem vestiu
num dos programas ‘Almoço com as Estrelas’”. Muitas das roupas
foram produzidas na própria Tupi — “tínhamos cinco máquinas
industriais, além de seis pequenas”, conta Maria. Roupas de época,
fantasias para programas humorísticos fazem parte do figurino. Mas
há também roupas prontas. Alguns paletós Maria Guedes reconhece
— “Este aqui Antônio Fagundes usou em ‘O Machão’. Na mesma
novela, Jacques Lagoa vestiu aquele quadriculado”. (“Vende-se a
História da Nossa TV. Quem Dá Mais?”, Jacqueline Enger, O Estado
de São Paulo, 14/02/1987, Caderno 2, p. 7)

No dia 14 de fevereiro de 1987, e só neste dia, parte restante do figurino da TV Tupi de São
Paulo foi posta à venda a qualquer interessado. Foi arrematada por Cr$ 5 milhões no leilão
de 13 de dezembro de 1985, pelo empresário Sérgio Pereira, proprietário da Lojão, empresa
especializada em arrematar produtos. Ele ficou com os 9 mil vestidos, 4,5 mil ternos, as mais
de 2 mil saias, além de smokings, gravatas e calçados, ou seja, praticamente toda vestimenta
utilizada em programas e novelas da emissora pioneira de televisão. Pereira também arrematou
equipamentos de som, luz, geradores e material de reposição da Tupi, desembolsando mais de
Cr$ 120 milhões no total. A Justiça Federal, no entanto, acabou liberando o lote dos figurinos ao
seu comprador somente 11 meses depois.

[...] durante esta semana, transportou as roupas para os fundos


da filial do Lojão no Ipiranga. Embrulhadas em sacos de lixo, as
roupas, enfim, deixaram o prédio que pertenceu à Tupi, no Sumaré,
onde permaneceram durante quase sete anos em péssimas condições.
“Perdemos muita coisa, por causa das goteiras”, afirma [José]
Forastieri [proprietário da Bolsa de Antiguidades]. (“Vende-se a
História da Nossa TV. Quem Dá Mais?”, Jacqueline Enger, O Estado
de São Paulo, 14/02/1987, Caderno 2, p. 7)
Parte desse material — cerca de 6 mil peças — foi reunida para venda no Lojão da Rua Bom
Pastor, bairro paulistano do Ipiranga. Uma empresa chamada “Bolsa de Antiguidades” foi
628 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

contratada por Pereira para transporte, organização e vendas, que foram divulgadas por meio
de um folheto, que oferecia fantasias, sapatos, botas, chapéus, acessórios carnavalescos, trajes
sociais e a rigor. Mas, como não se tratava de um anúncio qualquer, ao final do texto o folheto
assinalava que aquele material pertenceu à extinta TV Tupi.

O Edifício-Sede das Emissoras Associadas

Em janeiro de 1986, o antigo edifício-sede de 11 andares das Emissoras Associadas, no Sumaré,


finalmente foi arrematado por Sarkis Tcharghjian, encerrando o ciclo de leilões da Justiça
Federal. Contudo, logo em seguida, o investidor o revendeu para o leiloeiro José Eduardo de
Abreu Sodré Santoro, irmão de Luís Fernando, o mesmo que havia arrematado a torre e os
estúdios do outro lado da viela.
O edifício foi ainda mantido fechado por três anos e meio, até ser vendido para o Grupo
Abril, em agosto de 1989, por US$ 1,5 milhão. Ao jornal “Gazeta Mercantil”1, José Eduardo
Santoro revelou que “resolveu vendê-lo em razão da mudança dos planos da sua empresa Sodré
Santoro Leiloeiro Oficial e Rural, que pretendia usar a área como sede administrativa”. Em
uma reportagem da “Folha de São Paulo” sobre os leilões dos bens da massa falida dos Diários
Associados, o “peso-pesado” do ramo dos leilões, José Maurício Machareth, explicou que “o
pessoal de leilão mantém relações cordiais e, durante as sessões, formam ‘sociedades de fato’
para adquirir um lote e depois repartir entre si”2.

1 “Grupo Abril Compra Antigo Prédio da Rede Tupi no Sumaré”, José Luiz Longo, Gazeta
Mercantil, 13/09/1989, n.p.
2 “Leiloeiro Arremata Torre da Tupi”, Folha de São Paulo, 14/12/1985, p. 47.
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CAPÍTULO 47
O DESTINO DAS DEMAIS EMISSORAS ASSOCIADAS DE SÃO
PAULO

Rádio e TV Cultura

E
m 1967, a TV Cultura - Canal 2 de São Paulo “estava faturando razoavelmente bem e dava
para se manter”, revelou seu então diretor-artístico Mário Fanucchi1. No ano anterior,
inclusive, foram feitos grandes investimentos para a construção de sua nova sede junto
à Rádio Cultura, no bairro da Água Branca. No entanto, naquele ano, as emissoras da empresa
Rádio Cultura S/A foram colocadas à venda pelos Diários e Emissoras Associados, “numa
tentativa de obter recursos para tentar contornar a crise, que já se afigurava perigosa”, declarou
João Calmon2 em sua autobiografia.

[...] em 1967 a Previdência Social já pressionava o reino dos


Diários [Associados] e tornava pública a imensa dívida de Cr$ 6
bilhões antigos. (“Um Presente de Grego”, O Estado de São Paulo,
01/05/1988, Caderno 2, p. 12)

Realmente, a crise já se instalava nas “Associadas” e um despacho publicado no “Diário Oficial


do Estado de São Paulo”, em agosto de 1967, dava conta de que as quatro empresas paulistas
do grupo “Associado” solicitaram ao ministro da Fazenda um parcelamento de seus débitos,
alegando “dificuldades financeiras oriundas do decréscimo da publicidade em geral”.
A notícia da intenção de venda se espalhou e o governo do estado de São Paulo, justamente
— ou estrategicamente —, abriu uma concorrência pública a fim de adquirir emissoras de
TV, AM, FM e OC da cidade de São Paulo e formar o Centro Paulista de Rádio e Televisão
Educativas. Era um grande desejo do então governador Roberto de Abreu Sodré de que o estado
de São Paulo contasse com emissoras próprias para ampliar o projeto de TV Educativa, criado
seis anos antes sob o nome de “TV Escolar”, veiculado em determinados horários de algumas
emissoras. Como não havia mais canais disponíveis para novas emissoras de televisão na cidade
de São Paulo, a TV Educativa só teria o seu próprio canal caso a Rádio Cultura S/A, ou outras
empresas, se inscrevessem no certame e estivessem com suas documentações, exigências legais
e equipamentos em ordem para concorrer. Segundo o edital, havendo mais de uma empresa apta
na disputa, a comissão julgadora escolheria as emissoras de rádio e TV que mais conviessem ao
1 Em entrevista ao Museu da TV, Rádio & Cinema, em junho de 1998.
2 “Minhas Bandeiras de Luta”, João Calmon, Fundação Assis Chateaubriand, 1999:338.
630 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Estado, que pagaria um preço justo.

A estação que o governo quer adquirir precisa ter, no mínimo,


transmissores próprios com a potência mínima de 5 kW; não
estar onerada por passivo, de qualquer natureza, e por encargos
trabalhistas; ter plena capacidade técnica e operacional dentro de
60 dias após a assinatura do contrato de aquisição; e operar em
ondas médias e curtas. (“Só Uma TV Se Inscreveu”, O Estado de São
Paulo, 18/07/1967, p. 6)

A data limite para entrega dos envelopes com propostas foi 15 de julho de 1967 e inscreveu-se
apenas a Rádio Cultura S/A, concessionária do canal de TV VHF-2 e das rádios FM 88,9 MHz,
AM 1300 KHz e de mais três de Ondas Curtas.

Muita gente queria saber se o governo estava interessado em


comprar materiais para instalação de um canal de televisão, mas
proposta para a concorrência só apareceu uma, a da Rádio e TV
Cultura - Canal 2. A concorrência pública para a aquisição, pelo
governo do Estado, de estação de rádio e televisão, foi encerrada
sábado último às 14 horas. A proposta apresentada deverá ser aberta
pela Comissão Julgadora, possivelmente, na próxima semana. (“Só
Uma TV Se Inscreveu”, O Estado de São Paulo, 18/07/1967, p. 6)

O governador Abreu Sodré assinou ontem, no Palácio dos


Bandeirantes, a escritura de compra por 3,5 milhões de cruzeiros
novos, pelo Estado, da TV Cultura, canal 2, e da Rádio Cultura,
e em seguida fez doação das emissoras para a Fundação Padre
Anchieta, que irá administrar a TV Educativa. O grupo vendedor
foi representado pelo deputado federal Edmundo Monteiro. [...]
Falando após o ato, o governador Sodré disse que a instalação
da TV Educativa é um velho sonho seu, e que com a aquisição das
emissoras, o estado de São Paulo dá um salto no sistema educacional
brasileiro, como pioneiro da TV educativa no país. (“Estado Adquire
Emissoras”, O Estado de São Paulo, 08/12/1967, p. 34)

Por NCr$ 3,5 milhões, o governo estadual acabou comprando a Rádio e TV Cultura, mesmo
que muitos dos equipamentos não estivessem em estado ideal para operação. Mas, de fato,
eram emissoras que poderiam entrar no ar a qualquer instante, caso fossem obedecidas algumas
limitações.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 631

Como emissora secundária do grupo de Chateaubriand, a Cultura


em sua fase comercial fazia o papel de “prima pobre”, herdando os
equipamentos que a Tupi aposentava, incluindo a pioneira torre de
transmissão, instalada no alto do edifício-sede do Banco do Estado
de São Paulo. (“Uma História da TV Cultura”, Jorge da Cunha
Lima, Imprensa Oficial, 2009:43)
Para funcionar em setembro ou outubro deste ano, a TV Educativa
não poderá utilizar as instalações e equipamentos adquiridos da
antiga TV Cultura, diante do estado precário em que se encontram,
razão por que, o sr. José Bonifácio Coutinho Nogueira está
adquirindo novos e modernos aparelhos: transmissores RCA-Victor
e câmeras Marconi. Tão logo chegue ao Brasil, esse equipamento
será instalado no antigo prédio da TV Cultura, na Lapa, em caráter
precário. No prédio ontem recebido por doação da condessa Renata
Crespi, depois de reforma e ampliação totais, serão instalados
dentro de dois anos todos os setores da Fundação: estúdios, salas
de conferências, auditórios de projeção de filmes, galeria de arte
e a Rádio Cultura. (“TV Educativa Recebe Solar Fábio Prado”, O
Estado de São Paulo, 09/05/1968, p. 23)
Preocupado em implantar uma TV educativa de alto nível, o governo
paulista decidiu dedicar-se ao planejamento e à atualização técnica,
para só depois iniciar as atividades da “nova” TV Cultura, agora
pública. (“Uma História da TV Cultura”, Jorge da Cunha Lima,
Imprensa Oficial, 2009:43)

Em 26 de setembro de 1967, o governador do estado de São Paulo criou a Fundação Padre


Anchieta - Centro Paulista de Rádio e TV Educativa, uma entidade de direito privado, ou seja,
mantida por dotações orçamentárias e com recursos obtidos junto à iniciativa privada. Ela seria
administrada por um conselho misto, com representantes de instituições públicas e privadas
ligadas à área de cultura e educação do Estado, como USP, UNESP, Unicamp, PUC, Mackenzie
e outras. Assim que o governo comprou a Rádio e TV Cultura, imediatamente a doou para
a Fundação Padre Anchieta e cobrou 70 centavos de cada paulista para a reestruturação das
emissoras. Isso porque a fundação optou por reinaugurar as estações de rádio e TV com tecnologia
moderna, dispensando boa parte dos equipamentos usados e realizando importações junto às
renomadas RCA e Marconi. Com a RCA, foram investidos US$ 1,4 milhão em equipamentos de
estúdios e sistemas de transmissão. Na encomenda, câmeras coloridas TK-42; sistema de micro-
ondas para links; gravadores, switchers; e um transmissor TT-25DL, com 25 kW de potência,
para o Canal 2. A Cultura FM operaria com um transmissor de FM estéreo (o primeiro no Brasil)
com 10 kW de potência e uma eficaz antena de polarização circular. Uma torre de transmissão
seria montada no altíssimo Pico do Jaraguá, Zona Oeste de São Paulo, para transmissão da TV
Cultura e Cultura FM.
A aquisição das emissoras da empresa Rádio Cultura S/A englobou, além dos antigos
equipamentos, todos os prédios do complexo do bairro da Água Branca. Já os transmissores e a
antena da Rádio Cultura em Ondas Médias e Curtas não foram incluídos no plano de venda, visto
que faziam parte do complexo de transmissão da Rádio Difusora, em plena operação no bairro
de Vila Sofia, Zona Sul.
Com a aquisição da Rádio e TV Cultura, o governo estadual finalmente conquistou suas
632 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

próprias emissoras, mas não sem deixar de gerar uma grande polêmica. Alguns deputados, por
exemplo, foram contra o governo controlar emissoras de radiodifusão e contra a forma de como a
fundação foi criada. Até uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi criada na Assembleia
Legislativa, mas nada de errado foi encontrado, já que a criação da Fundação Padre Anchieta
se baseou na Lei Estadual nº 9849, que autorizava o Poder Executivo justamente criar uma
entidade que promovesse atividades culturais e educativas por meio de rádio e televisão. Mesmo
assim, uma matéria publicada em junho de 1969, pelo jornal “O Estado de São Paulo”, deu voz
a um deputado estadual contrário à concorrência pública. Ele acusou que o interesse por aquela
compra não correspondia ao interesse público, mas, sim, ao grupo proprietário da TV2 Cultura.
“Todos sabem [...] que a Televisão Cultura, Canal 2, tem material obsoleto, de dez anos, é até
chamada de ‘televisão chuvisco’, e é isso que o estado quer comprar. Precisaria ser feito um
estudo mais apurado”1.

“É de todo impossível passarmos, sem profundas modificações, de


uma estação comercial para outra cultural e pedagógica. O CONTEL
compreendeu e autorizou a emissora a sair do ar” — declarou o
sr. José Bonifácio [presidente da Fundação Padre Anchieta]. A
Rádio Cultura, entretanto, que dispõe de melhores condições para
manter o seu atual nível de audiência, que é bom, continuará
com suas transmissões normais; apenas, agora, sem quaisquer
anúncios, devendo sofrer, dentro de alguns meses, alterações em sua
programação, que passará também a ser educativa. [...] “Ao delinear
o início da nossa atividade — disse o sr. José Bonifácio — tivemos
de enfrentar a opção dentre começarmos transmitindo programas
de nível fraco ou sairmos temporariamente do ar”. Explicou,
então, as providências adotadas para que a televisão educativa
inicie suas atividades num nível técnico — tanto de pessoal, quanto
de equipamento — de primeira ordem, apresentando, ademais,
programação adequada às suas finalidades culturais e pedagógicas.
(“Prepara-se a TV Educativa”, O Estado de São Paulo, 06/12/1967,
p. 14)
Imediatamente após a venda, a TV Cultura parou suas atividades,
aguardando que o governo do estado lhe desse novos equipamentos
e infraestrutura. (“Uma História da TV Cultura”, Jorge da Cunha
Lima, Imprensa Oficial, 2009:43)

A fase “Associada” da TV Cultura se encerrou em 7 de dezembro de 1967, data em que foi


assinada a escritura de compra e venda das ações da Rádio e TV Cultura. “O canal de televisão
Cultura sairá do ar nas próximas horas para se preparar e voltar, dentro de uns seis meses,
como sendo uma grande escola, uma grande universidade que beneficiará todo o povo”, disse o
governador Abreu Sodré, ao discursar após as assinaturas.

1 “MDB é Contrário à Aquisição de TV”, O Estado de São Paulo, 11/08/1967, p. 4.


ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 633

No final da programação do dia, o Canal 2 colocou no ar a seguinte mensagem, na voz de Mário


Fanucchi, diretor-artístico da emissora:
— Esta emissora encerra, neste momento, não apenas um programa ou a programação diária.
Mas, toda uma fase de sua vida. Dentro em breve, porém, tudo aqui ganhará vida nova. Não é a
morte da emissora; é uma hibernação para um ressurgimento que, estamos certos, será digno de
um espírito que sempre animou a nossa equipe.
Como a Fundação Padre Anchieta preferiu comprar novos equipamentos, foi pedida uma
autorização para o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL), a fim de que o Canal
2 pudesse ficar fora do ar por alguns meses, até que tudo fosse instalado. Além disso, antes
da reinauguração, seria necessário realizar treinamentos com os funcionários do departamento
técnico. Já as rádios Cultura AM e OC dispunham de equipamentos em melhores condições
e se mantiveram no ar por meio de um acordo de locação e compartilhamento celebrado com
as Emissoras Associadas, até que se pudesse inaugurar, em 1970, sua nova central técnica no
Parque Novo Mundo, na Zona Norte paulistana. As emissoras seguiram tocando apenas músicas
e sem anúncios e, nos meses seguintes, já passaram a serem veiculados conteúdos educativos.

Em 1968, durante a fase de montagem dos novos equipamentos das emissoras de rádio e TV da
Fundação Padre Anchieta, as instalações do bairro da Água Branca foram ampliadas, chegando
às dimensões que aquele complexo possui atualmente. Para tanto, o governo estadual aterrou a
Lagoa Santa Marina, utilizando as terras que estavam sendo retiradas das escavações da Linha
1 do Metrô de São Paulo. Com a ampliação da área, foram construídos os estúdios “C” e “D”.
A previsão de a TV Cultura voltar ao ar em cerca de seis meses não pôde ser cumprida. Sua fase
experimental foi iniciada somente no dia 7 de abril de 1969, data em que o próprio governador
Abreu Sodré colocou no ar a imagem do novo logotipo da TV-2. Na oportunidade, o governador
declarou que estava realizando seu sonho. “Essa é a obra de maior repercussão de toda minha
administração”, comemorou Abreu Sodré à reportagem do jornal “Diário da Noite”.

Nova logomarca da TV Cultura, utilizada após sua


reinauguração em 1969, sob a administração da
Fundação Padre Anchieta. (reprodução)

A sede da Rádio e TV Cultura continuou na Rua Carlos Spera, nº 179, bairro da Água Branca,
apesar de ter havido um movimento para se mudar para um belíssimo casarão, especialmente
634 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

doado para este fim, situado na Avenida Brig. Faria Lima, Jardim Paulistano, onde atualmente se
abriga o Museu da Casa Brasileira.
Após quatro meses de transmissões experimentais, a TV Cultura e a Rádio Cultura AM, FM e OC
foram reinauguradas na noite de 15 de junho de 1969. Hoje, a TV-2 está no ranking das melhores
emissoras do país, cumprindo seu papel educacional e social. Já recebeu diversos prêmios pela
qualidade de sua programação.

Com o fim da fase “Associada” da TV Cultura - Canal 2, encerraram-se, também,


as operações de transmissão de televisão na histórica sala do 34º andar do então
edifício-sede do Banco do Estado de São Paulo, futuro banco Banespa, localizado
na Rua João Brícola, nº 24. Nos anos 1970, o edifício passou a ser chamado de
Altino Arantes e hoje continua sendo um dos maiores símbolos da cidade de São
Paulo, onde funciona o centro cultural Farol Santander. Voltando um pouco no
tempo, especificamente no dia 24 de julho de 1950, do alto do edifício, iniciavam-
se as transmissões experimentais da PRF3-TV Tupi Difusora - Canal 3 e, dez anos
depois, assumia os mesmos equipamentos a estreante TV Cultura - Canal 2, que os
utilizou até 31 de dezembro de 1967. Quanto ao transmissor pioneiro da TV Tupi
— o RCA TT-5A —, ele foi transferido para o novo parque de transmissão da TV
Cultura no Pico do Jaraguá para ser utilizado como equipamento reserva do novo
transmissor RCA TT-25DL.

A antiga e pioneira antena Superturnstile da TV Tupi, modelo TF-3A,


também da RCA, foi removida no início dos anos 1970 do topo do
edifício do Banespa, dando espaço para um novo mastro onde seria
hasteada a bandeira da cidade de São Paulo e, posteriormente, a
do estado de São Paulo. A antena foi levada para um depósito junto
aos transmissores da Rádio Cultura AM e OC, localizado no Parque
Novo Mundo, Zona Norte de São Paulo. “Lá, ela serviu de modelo de
estudo para mim e para os demais engenheiros da Fundação Padre
Anchieta, que, na década de 1970, iniciaram a implantação da rede
da TV Cultura pelo interior do estado”, revela o engenheiro Wilson
Martins. O transmissor pioneiro da TV Tupi foi utilizado como reserva
durante duas décadas pela TV Cultura, até que foi desmontado por
volta de 2014-15. Felizmente, suas placas frontais foram preservadas
e agora aguardam para serem expostas em um museu da TV Cultura
a ser construído.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 635

Rádio Difusora - AM e FM

O país inteiro vem acompanhando a crise que envolve a Rede Tupi


de Televisão, para qual a solução encontrada pelo governo federal
foi a decretação de perempção de sete concessões [...]. As empresas
[paulistas dos “Associados”] [...] haviam impetrado concordatas
preventivas desde 21 de maio do ano passado. A concessionária do
Canal 4 de São Paulo — Rádio Difusora São Paulo S/A — geradora da
Rede Tupi — sofreu, obviamente, as mais desastrosas consequências,
pois, perdendo a receita de sua principal atividade, ficou impedida
de fazer suprimentos de caixa nas outras três, o que ocorria há
muitos anos. Não era difícil, portanto, a previsão do colapso que
chegariam aquelas quatro organizações de São Paulo, especialmente
em virtude da demora a que se viu obrigado o governo federal para
decidir quais os licitantes que ficariam com as duas novas redes
de TV. Ademais disso — e era essa a intenção do Ministério das
Comunicações — não se fez a venda de equipamentos e instalações
aos novos concessionários, o que geraria recursos para enfrentar
o problema prioritário: o pagamento dos créditos e trabalhistas.
Para isto, tais equipamentos e instalações foram mantidos íntegros,
atendendo a um acordo de cavalheiros feito com o governo federal.
Diante de tais e tantos fatores adversos, não poderiam aquelas quatro
empresas de São Paulo manter as concordatas requeridas, todas elas
despachadas favoravelmente por quatro magistrados da Justiça da
capital daquele estado. As falências estão sendo decretadas, pois
foram inúteis todos os esforços despendidos pelos seus dirigentes
para efetivar o depósito das primeiras parcelas das concordatas,
vencidas a 21 de maio último. [...] A Rede Associada há de assegurar
a perenidade da obra de Assis Chateaubriand, dentro de uma nova
filosofia: desmobilizar para regularizar, onde for o caso, posições
financeiras, com o objetivo primordial de eliminar dependências
indesejáveis e manter, tão-somente, empresas economicamente
viáveis. (nota emitida pela diretoria do Condomínio Associado em
02/09/1981)

A empresa Rádio Difusora São Paulo S/A teve sua falência decretada no dia 1º de setembro de
1981, por não cumprir no prazo a determinação judicial de depositar a primeira parcela de seus
débitos com os credores habilitados. Entre os créditos julgados e não julgados, as dívidas da
Difusora já somavam Cr$ 61,5 milhões. No mesmo dia, pelo mesmo motivo, também foram
decretadas as falências dos jornais “Diário da Noite” e “Diário de São Paulo” e, ainda, requerido
um pedido de falência da Rádio Tupi de São Paulo, também com dívidas de Cr$ 61,5 milhões.
Segundo nota divulgada pelos Diários Associados, como o IAPAS não pôde autorizar a venda de
equipamentos e instalações da TV Tupi aos dois novos grupos concessionários de seus extintos
canais — Silvio Santos e Bloch —, não havia recursos para saldar as dívidas.
Vale ressaltar que a falência da empresa Rádio Difusora São Paulo S/A foi requerida por ela
ser legalmente responsável pela concessão da TV Tupi de São Paulo, esta que, por sua vez,
636 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

apresentava sérios problemas com suas obrigações trabalhistas. Após a cassação da emissora de
televisão, a empresa perdeu sua maior fonte de receita. Destaca-se que, logo após a concordata
decretada em maio de 1980, houve interesse na compra da empresa, com gente disposta a quitar
as dívidas e reerguer as emissoras. No entanto, as transações foram dificultadas por membros da
direção do Condomínio Associado.

Com a decretação da falência da Rádio Difusora São Paulo S/A no dia 30 de agosto de 1981,
seu advogado recorreu para que as emissoras de rádio AM, FM e OC permanecessem em
funcionamento e solicitou 30 dias de prazo para concluir negociações de transferência direta
das concessões para um grupo interessado, evitando-se prejuízos econômicos e sociais aos
funcionários ainda em atividade. Na tarde do dia 3 de setembro, o juiz da 4ª Vara Cível da Capital
negou o recurso, apontando que o passivo de toda a massa falida dos Diários Associados era de
aproximadamente Cr$ 3 bilhões e, como levaria anos para quitá-lo — algo imprescindível para
realizar a transferência —, prorrogaria o processo de falência, o que não era permitido por lei.
Ainda segundo o juiz, a cessão ou venda dos direitos de exploração das concessões de AM, FM
e OC a interessados só seria possível caso o governo federal as renovasse por mais 10 anos, já
que elas se encontravam no chamado “caráter precário”, ou seja, vencidas, mas no ar até que se
encontre uma solução. Para realizar a renovação das concessões, a empresa teria que cumprir
obrigações legais e contratuais, como idoneidade moral e capacidade técnica-financeira, algo
que já estava fora do alcance da Difusora. Nessa época, das 41 emissoras de rádio que os Diários
e Emissoras Associados possuíam no Brasil, apenas a Tupi do Rio de Janeiro estava em dia e
não funcionava precariamente. As demais aguardavam seus processos de renovação da outorga
tramitando morosamente no Ministério das Comunicações.

[Os funcionários,] embora desde as 17 horas, quando souberam da


decisão judicial, começassem a esvaziar gavetas, não esperavam
que a lacração acontecesse tão rapidamente; estavam tão confusos
que não sabiam o que fazer. Depois do conhecimento da notícia,
houve choro, crises nervosas, muitas informações desencontradas e
conversas de que há muitos grupos interessados na Difusora, entre
eles o de Silvio Santos e o Rondon, de Brasília. (“Transmissores
Lacrados, a Difusora Sai do Ar Após 45 Anos”, O Estado de São
Paulo, 04/09/1981, Geral, p. 12)

A lacração dos transmissores das faixas de AM, FM e OC da Rádio Difusora foi uma medida
tomada pelo Departamento Nacional de Telecomunicações (Dentel) no fim da tarde de 3 de
setembro de 1981, logo após o juiz negar um recurso da empresa. Por volta das 17h, soldados
armados do Exército deram cobertura para técnicos do Dentel e para dois oficiais de Justiça
executarem a ordem judicial. Eles se dividiram em dois grupos, que tomaram direção aos estúdios
do Sumaré e aos transmissores de Ondas Médias e Curtas, no bairro de Vila Sofia. Quando o
oficial de Justiça adentrou ao 2° andar do edifício do Sumaré, faltavam poucos minutos para as
19h. No estúdio da Difusora “Jet Music”, quase terminando um programa, estava o locutor Dárcio
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 637

Arruda, acompanhado pelo técnico de som Ângelo Zanquetta e por alguns outros funcionários.
Todos teriam que evacuar o prédio imediatamente, algo que gerou um grande choque. Arruda,
nervoso, pediu que lhe fossem concedidos alguns minutos para fazer uma despedida no ar, o que
foi concedido. “Foi emocionante. Confesso que cheguei às lágrimas ouvindo o Dárcio falar. [...]
Em seguida, os estúdios e os transmissores foram todos lacrados. Todos nós ficamos “sem eira
nem beira” e fomos para a Padaria Real”, revela Ângelo Zanquetta1.
Os funcionários da Difusora eram apaixonados pela empresa. Além disso, sabiam que se tratava
de um verdadeiro patrimônio de São Paulo, que prestava serviços havia 47 anos. Na briga por
manter seus empregos e preservar as estações, os funcionários apelaram ao síndico dos Diários
Associados e até ao Ministério das Comunicações para que as emissoras não fossem tiradas do
ar e que fossem concedidas a outro grupo empresarial, idôneo, que se propusesse a assumir os
funcionários. Mas, tudo foi em vão. O rombo financeiro era muito grande e, pouco depois das
19h daquele dia 3 de setembro, os técnicos do Dentel encerraram as operações da Rádio Difusora
em AM 960 KHz, FM 98,5 MHz e OC de 25 m (11765 KHz) e 49 m (6095 KHz)2.
Para o diretor-superintendente da Rádio Difusora, Osvaldo Amorim, a lacração dos transmissores
ocorreu justamente quando a emissora se recuperava e já estava com situação financeira estável.
Segundo ele, “ninguém esperava que isso pudesse acontecer, pois ainda havia esperanças porque
já tínhamos pedido ao presidente da República e ao ministro das Comunicações que mantivessem
a emissora no ar”. Ao jornal “O Estado de São Paulo”, Amorim revelou que “com esforço dos
próprios empregados e sem a ajuda de mais ninguém, a empresa vinha alcançando uma receita
de Cr$ 15 milhões, contra uma despesa de apenas Cr$ 9 milhões mensais”. Mesmo assim,
as operações da Difusora vinham sendo feitas com dificuldades na reposição de materiais e
equipamentos, chegando ao ponto de ter que, por exemplo, emprestar cabos de outras emissoras
para colocar um repórter de campo no ar, durante uma partida de futebol. Contudo, a Difusora
AM estava em uma boa colocação na audiência de São Paulo — 4º lugar —, fazendo a cabeça
dançante da juventude paulistana, uma verdadeira referência na programação musical no rádio
brasileiro. Sobre isso, seu diretor-superintendente declarou que “essa posição é muito importante
por mostrar que a qualidade da programação só tem melhorado, levando em consideração o fato
de que a Rádio Record transmite com potência de 150 kW, enquanto a Difusora transmite entre
quatro e seis”.
Após o fechamento da Difusora, Arnaldo Gaeta, chefe do Departamento Técnico das rádios
do Sumaré, preocupado com seus funcionários, acionou seus contatos em outras emissoras
lhes garantiu novos empregos. Alguns foram “absorvidos” pela própria Rádio Tupi, que ainda
seguiria por algum tempo no ar.
As concessões de AM, FM e OC da Rádio Difusora foram declaradas peremptas nos dias 1º
e 3 de fevereiro de 1982. Na semana seguinte, o ministro das Comunicações já assinou duas
portarias para dar novas destinações às frequências de AM e FM. O canal de Ondas Médias - 960
KHz foi transferido à Rádio São Paulo, pertencente à Rádio e TV Bandeirantes e que operava em
1300 KHz. Além de poder contar com a audiência habituada a sintonizar os 960 KHz, a emissora
poderia aumentar sua potência, já que a frequência permitia. Já o canal de FM 98,5 MHz foi
concedido a um grupo de comunicação liderado pelo empresário Jair Sanzone, que operava a
Rádio Mensagem Ltda. em 103,3 MHz, com o nome fantasia de “Metropolitana FM”. A Rádio
São Paulo e a Rádio Metropolitana seguem em funcionamento até os dias atuais, nas mesmas
frequências.
Esse foi o triste fim da Rádio Difusora São Paulo S/A, empresa que, em 1950, “deu a luz” à
emissora pioneira do Brasil, a PRF3-TV Tupi Difusora.
1 “Falência das Rádios Tupi/Difusora (Parte Final)”, Ângelo Zanquetta. Link: youtu.
be/3HoFlTsBmhA.
2 As frequências de Ondas Curtas da Difusora eram usadas pela Rádio Tupi.
638 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Rádio Tupi

A Rádio Tupi ainda não acabou. Pode até ser que nunca acabe — essa
possibilidade sempre existe — mas as marcas da atual fase ficarão.
Algumas vozes — às vezes solenes, quase sempre apocalípticas —
ainda podem ser ouvidas nos 1040 quilohertz que há quarenta anos
marcavam “A mais poderosa emissora paulista”. É bem verdade que
quase todas as músicas tocadas não constam das paradas de sucesso.
Não há mais os animados programas musicais que dominaram a
audiência em São Paulo. Também o “Grande Jornal Falado Tupi”
não é sequer sombra dos áureos tempos em que a voz estridente de
Corifeu de Azevedo Marques trombeteava para os municípios do
interior. (“A Rádio Tupi Ainda Existe. Vive de Milagres e Profecias”,
Maurício Ielo, O Estado de São Paulo, 02/08/1981, p. 45)
Das quatro empresas do Grupo Associado que obtiveram em julho
do ano passado os benefícios da concordata preventiva, somente
a Rádio Tupan ainda não teve falência decretada. Muito embora
já decorrido o prazo de um ano fixado para depositar a primeira
parcela de seus débitos (dois quintos da dívida), a emissora ainda
não satisfez a exigência. Ontem, o curador de Massas Falidas, Mário
José Ronsin, pediu ao juiz da 25ª Vara Cível a fixação de um prazo
para que a Tupan satisfaça a exigência, sob pena de ser decretada
sua quebra. (“Justiça Decreta Lacração da Difusora”, Folha de São
Paulo, 04/09/1981, p. 31)

A Rádio Tupi de São Paulo teve um fim melancólico. Também chamada, a partir dos anos 1970,
de “Super Rádio Tupi”, ela foi uma das principais emissoras do país e praticamente consolidou
a importância do radiojornalismo nos anos 1940, através do “Grande Jornal Falado Tupi”. Além
disso, contou com uma das melhores equipes para coberturas esportivas do país, a Equipe 1040.
Após a lacração das emissoras da Rádio Difusora São Paulo S/A — TV Tupi e Rádio Difusora
—, a PRG2 - Rádio Tupi de São Paulo ainda conseguiu se manter no ar por três anos, em
concordata preventiva. Sua concessão era vinculada a S/A Rádio Tupan, empresa do grupo
Diários e Emissoras Associados, e, por isso, já era sabido que, mais cedo ou mais tarde, a Rádio
Tupi teria o mesmo fim das demais emissoras do grupo em São Paulo. Mesmo assim, era grande
a luta pela sobrevivência e não faltou garra do representante do Condomínio Associado e diretor-
superintendente da emissora, Oswaldo Amorim.
Como indicava seu slogan, a Tupi AM era “a mais poderosa emissora paulista”, isso porque sua
frequência de 1040 KHz era um dos quatro canais internacionais exclusivos1 de Ondas Médias
disponíveis para a cidade de São Paulo (os outros eram da Eldorado, Record e Globo). Isso
significa que a Tupi era a única autorizada a operar em alta potência — 50 kW — na frequência de
1040 KHz em quase todos os países da América do Sul e Central, ficando livre de interferências
e assim obtendo alcance continental.
1 Em 1980, 13 emissoras em Ondas Médias operavam no Brasil usando canais internacionais
exclusivos.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 639

Depois de 4 anos de luta contra a [Rádio] Nacional, consegui levar a


Tupi ao primeiro lugar de audiência. Isso foi em fevereiro [de 1977]
e só caímos para o quarto porque a direção vendeu o terreno de
Interlagos onde estavam instalados nossos transmissores de 50 kW.
Passamos a operar, então, com os transmissores da antiga Rádio
Piratininga, que só têm 5 kW de potência. Caiu a audiência porque
perdemos potência de penetração. (depoimento de Cayon Jorge
Gadia, “Novo Diretor Artístico Provoca Crise na Tupi”, Folha de
São Paulo, 05/10/1977, Ilustrada, p. 35)

Em 1976, o valioso terreno com 86 mil m2 do Jd. Marabá, localizado ao lado do Autódromo de
Interlagos, acabou sendo vendido para uma construtora, a fim de gerar receita para a S/A Rádio
Tupan. A proposta era montar um novo parque técnico com maior potência dos transmissores,
mas em uma região cujo valor do metro quadrado fosse barato. Até que esse novo local fosse
preparado, a Tupi AM transmitiu provisoriamente a partir da precária instalação da extinta Rádio
Piratininga de São Paulo (1200 KHz), no bairro do Butantã, Zona Oeste, coincidentemente
localizada na avenida que rende homenagem a um dos grandes nomes da própria Rádio Tupi,
o radialista Corifeu de Azevedo Marques. A concessão da Piratininga não havia sido renovada
pelo governo militar, tornou-se perempta em maio de 1974 e seus equipamentos estavam sem
uso. Como seu velho transmissor chegava a apenas 7 kW de potência, a grande diminuição da
intensidade do sinal da “Tupi 1040” — cerca de 43 kW a menos — impactou muito na audiência,
já que milhares de ouvintes deixaram de ser alcançados.
Enquanto isso, entretanto, era feito um grande investimento no novo parque técnico da Tupi,
de onde ela passou a transmitir em maio de 1978, com novos equipamentos RCA-Victor e
impressionantes 120 kW de potência. O terreno contava com 133 mil m2 e ficava localizado à
beira da represa Billings, distrito de Parelheiros, extremo sul da cidade de São Paulo. Duas torres
paralelas, com 144 m cada uma, transmitiam a maior potência da América do Sul. Entretanto,
apesar disso tudo, o sonho de uma nova arrancada da emissora naufragou, visto que um erro
de cálculo no projeto fez com que o sinal “fugisse” para o interior do estado, sem antes cobrir
corretamente toda a região metropolitana de São Paulo. Inacreditavelmente, alguns bairros da
própria Capital não recebiam bem o potente sinal e mal houve tempo para corrigir o problema.
Após a lacração da Rádio Difusora, em 3 de setembro de 1981, sua coirmã Rádio Tupi ainda
permaneceu operando por alguns meses do térreo e do 2º andar do edifício-sede do Sumaré.
Como aquele imóvel estava atrelado à Difusora, em breve seria interditado pela Justiça Federal
e novos estúdios tiveram que ser montados para a Tupi operar do edifício Guilherme Guinle, na
Rua Sete de Abril, nº 230. Neste endereço, lembrando, funcionou por décadas a sede paulista dos
Diários Associados e por alguns anos a própria Rádio Tupi de São Paulo.
A Tupi AM passou a operar como massa falida em novembro de 1981, com autorização para
permanecer no ar até que liquidasse as dívidas trabalhistas de 176 funcionários e ex-funcionários.
Sua direção, portanto, passou a vender horários da programação para igrejas evangélicas —
segmento religioso que estava em plena ascensão no país, já contando com 8,5 milhões de
seguidores1. Com isso, a maior parte da programação foi arrendada para as igrejas “Deus é Amor”,
“O Brasil Para Cristo” e, também, para a “Legião da Boa Vontade” (LBV). Os programas eram
produzidos pelos poucos funcionários que restaram da Rádio Tupi e que, finalmente, passavam
1 “Pentecostalismo Já Tem 8,5 Milhões de Seguidores no País”, Paulo Sérgio Scarpa, Folha de
São Paulo, 18/01/1982, Religião, p. 15.
640 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

a receber os salários em dia. Por força da obrigatoriedade de veiculação de informativos na


programação, o “Grande Jornal Falado Tupi” continuou no ar, mas com uma equipe mínima e a
popularidade muito aquém da que o programa manteve por longos anos.
Nessa época em que a Rádio Tupi de São Paulo apenas tentava sobreviver, havia uma rede de
emissoras de rádio que seguia no sentido oposto: o do crescimento. Tratava-se da Rede Capital
de Comunicações, cuja emissora-líder era a Rádio Capital AM - 560 KHz, de São Paulo, com
apenas seis anos no ar. Seu diretor, Edevaldo Alves da Silva — que, como já citado, em 1981
quase assumiu algumas concessões na licitação dos canais da Rede Tupi de Televisão —, ainda
tinha interesse em adquirir algumas das emissoras “Associadas” de rádio e televisão pelo Brasil.
Edevaldo queria ampliar a cobertura da Rádio Capital e multiplicar seu mercado de trabalho,
algo que a Rádio Tupi já não tinha mais condições de buscar. Como não era possível aumentar
a potência da Rádio Capital, devido às restrições que sua frequência de operação impunha,
Edevaldo fez uma proposta que poderia beneficiar ambas as emissoras. Observando as condições
críticas da Rádio Tupi e a subutilização de seu canal internacional de 1040 KHz — que corria o
risco de ser repassado para qualquer outra emissora após uma eventual cassação —, foi sugerida
uma permuta de frequências e parques técnicos (mais detalhes no box). Para tanto, Edevaldo
ofereceu Cr$ 60 milhões, que ficariam à disposição do juízo onde prosseguia a concordata
preventiva da S/A Rádio Tupan, montante a ser usado no pagamento de dívidas de funcionários
e ex-funcionários da emissora. O pedido de permuta foi formalizado junto ao Ministério das
Comunicações e, devido a um embasamento legal, a autorização foi dada em outubro de 1981.
Na negociação, a Rádio Capital também se propôs a custear todas as modificações técnicas
necessárias para garantir que a Super Rádio Tupi — como também era chamada — passasse
a operar com seu sistema irradiante e transmissores de 25 kW para transmitir em 560 KHz. O
slogan utilizado nesta fase foi “Tupi, a Primeira em seu rádio”.
No início do segundo semestre de 1984, um terreno da Rádio Tupi de São Paulo foi vendido para
uma construtora e os juros e as correções monetárias da dívida puderam ser liquidados. Com
isso, no dia 15 de setembro de 1984, após esforços junto ao governo para que se pudesse realizar
a transferência da concessão a outro grupo, foi decretada a falência da “mais poderosa emissora
paulista”. A Rádio Tupi de São Paulo saiu do ar definitivamente na manhã do dia 2 de outubro de
1984, após 47 anos no ar. Logo em seguida, Luís Monteiro, gerente da massa falida dos Diários
Associados, iria a Brasília tentar uma renegociação da concessão.
Mas o esforço foi em vão, pois já havia um novo dono para a frequência de 560 KHz: a Rádio
e Televisão Campestre Ltda., uma modesta emissora que ainda estava em fase de instalação na
cidade de Santa Isabel (SP), a 40 km de São Paulo. Em 1985, ela foi comprada por José Maria
Marin — futuro cartola da CBF — e passou a ser chamada de “Rádio Paulista”, no ar até os dias
atuais.
Em 1982, o empresário de radiodifusão Paulo Masci de Abreu obteve autorização para transferir
o sistema irradiante de sua Rádio Cacique AM - 1150 KHz, deixando a cidade de São Caetano
do Sul, na Grande São Paulo, e se instalando no Parque do Trote, na Vila Maria, Zona Norte
da Capital. A razão social da estação foi mudada para Rádio Difusora do Brasil S/A e, pouco
tempo depois da falência da Rádio Tupi de São Paulo, ganhou o nome fantasia de “Super Rádio
Tupi”, o mesmo da antiga emissora de Chateaubriand. Mantendo uma linha popular, ganhou boa
posição no ranking de audiência e permanece no ar até os dias atuais. Contudo, desde dezembro
de 2013, passou a se identificar somente como “Super Rádio”, após ter perdido uma ação judicial
dos Diários Associados, que ainda é proprietário da marca “Tupi” e a utiliza em sua tradicional
emissora de rádio do Rio de Janeiro.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 641

A Trajetória Técnica das Rádios Tupi e Difusora


A Rádio Tupi de São Paulo foi inaugurada em 3 de setembro de 1937 com
transmissores instalados na Vila Sofia, Zona Sul, às margens da antiga
Autoestrada de Santo Amaro (atual Avenida Washington Luiz), região que
ainda era pertencente ao extinto município de Santo Amaro. Em novembro
de 1949, a Tupi operava com 25 kW e inaugurou um novo parque técnico
bem próximo dali, no Jd. Marabá, ao lado do Autódromo de Interlagos,
passando a transmitir com um potente transmissor RCA de 50 kW. Dois anos
depois, as estações de AM e OC da Rádio Difusora deixaram o Sumaré e se
mudaram para o terreno que a Rádio Tupi havia desocupado, na Vila Sofia.
Permaneceram lá até 1962, mas como surgiu um projeto para construção de
um grande complexo para a TV Tupi naquele terreno, as antenas da Difusora
se mudaram para o bairro da Água Branca, junto à coirmã Rádio Cultura.
Lá, as duas emissoras operaram em modo “diplexer” (conjugado) até 1966,
quando a Difusora voltou para a Vila Sofia e levou junto a Rádio Cultura, já
que o projeto da TV Tupi foi cancelado e, também, porque no terreno da Água
Branca seria construída a nova sede da Rádio e TV Cultura. A propriedade
da Vila Sofia estava ociosa e de lá a Difusora e a Cultura voltaram a operar,
novamente “diplexadas”, assim permanecendo até 1971. Neste ano, a Rádio
Cultura mudou-se para o bairro do Parque Novo Mundo, em São Paulo, já sob
o comando da Fundação Padre Anchieta; a Difusora se manteve na Vila Sofia
até o final dos seus dias, em 1981. Já a Rádio Tupi, deixou o Jd. Marabá em
1977, já que o terreno foi vendido para capitalizar os Diários Associados, e se
utilizou das instalações da extinta Rádio Piratininga, no bairro do Butantã, até
o ano seguinte, quando inaugurou seu novo parque técnico em Parelheiros,
com a incrível potência de 120 kW. Em 1981, aconteceu uma permuta onde
a Rádio Tupi mudou-se para o parque de transmissão da Rádio Capital, no
bairro do Limão, em São Paulo, de onde transmitiu até seu último dia, em
1984, na frequência de 560 KHz.
642 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Quanto às estações de Frequência Modulada das Emissoras Associadas


de São Paulo, a Rádio Tupi, diferentemente da coirmã Rádio Tupi do Rio de
Janeiro, optou por não aderir ao plano do governo, criado em 1974, no qual
era possível converter as estações de link estúdio-transmissor em emissoras
comerciais de FM, com alta potência e programação própria. Foram devolvidas
ao governo, portanto, as concessões dos links de 96,9 MHz da Tupi e de 91,3
MHz da Difusora. A única estação “Associada” de FM mantida em São Paulo foi
o segundo canal da Difusora, em 98,5 MHz, que já nasceu em 1970 como uma
emissora comercial e com programação exclusiva.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 643

CAPÍTULO 48
OS BENS DA TV TUPI DE SÃO PAULO NOS DIAS DE HOJE

U
ma das três primeiras câmeras da TV Tupi de São Paulo foi preservada e restaurada,
permanecendo como parte do acervo da Pró-TV até 2021. Trata-se da “Câmera 2”,
modelo RCA TK-30, que chegou a ser cenograficamente utilizada na série “Nada Será
Como Antes” (Rede Globo, 2016) e foi atração de algumas exposições, como “Silvio Santos
Vem Aí” (2017-18).
A trajetória desta câmera é grande. Após ter sido utilizada pelas Emissoras Associadas (Tupi e
Cultura), foi comprada pela TV Excelsior de São Paulo (por volta de 1959-60), depois passou
para o patrimônio da TV Gazeta de São Paulo em 1970 que, em seguida, foi doada à Faculdade
Cásper Líbero para fins educativos pelo então diretor da emissora, Luiz Francfort — pioneiro da
TV Tupi e tio de um dos autores desta obra literária. Por fim, Roberto Rodrigues Alves, então
funcionário da TV Gazeta (e ex-diretor de imagem das TVs Tupi e Excelsior), intermediou a
doação para a entidade que hoje é chamada de Museu da TV, Rádio & Cinema.
Já as outras duas câmeras TK-30, pioneiras da TV Tupi, tiveram destinos bem diferentes. A
“Câmera 3” desapareceu e a “Câmera 1” foi destruída no incêndio ocorrido nos estúdios da TV
Cultura - Canal 2, em 1965. Dela, sobrou apenas uma lente, resgatada entre os destroços do
incêndio pelo diretor-artístico da emissora, Mário Fanucchi, que a guarda com carinho até hoje.
Outro equipamento RCA preservado, que chegou no carregamento da TV Tupi em 1950, é um
monitor de vídeo da mesa de corte de imagens. Ele está ao lado de outros mil receptores de TV,
todos de propriedade do colecionador Alceu Massini, acomodados em um galpão na cidade de
Santo André (SP). Também estão a salvo na sede do Museu da TV, Rádio & Cinema um projetor
RCA, um refletor de luz e um copiador de filmes, que passou a ser usado pela TV Tupi após o
encerramento das atividades dos Estúdios Cinematográficos Tupi.
O destino da mesa de controle do primeiro transmissor da TV Tupi de São Paulo foi a TV Itacolomi
de Belo Horizonte (MG), afiliada da Rede Tupi de Televisão, que recebeu o equipamento durante
os anos 1970. No início dos anos 2010, ela encontrava-se guardada em uma sala da TV Alterosa,
também em Belo Horizonte.
A história mais recente da recuperação de equipamentos da TV Tupi, entretanto, inicia-se na
garagem de uma casa do bairro paulistano de Interlagos, onde ficaram abrigados, por décadas,
alguns equipamentos de videoteipe usados no Sumaré. Trata-se de um equipamento Ampex,
modelo VR-1100, e de três RCA, modelos TR3, TR4 e TR5. Eles foram confiscados pelo
advogado do ator Elísio de Albuquerque como parte do pagamento de uma ação trabalhista,
promovida em 1973 contra a TV Tupi de São Paulo, que lhe devia uma boa quantia de salário.
Na Tupi, Elísio atuou nas novelas “O Direito de Nascer” (1964-65) e “Antônio Maria” (1968-
69). Após ele ter falecido em 1982 sem ter dado destino aos equipamentos, sua viúva chegou
a oferecê-los para museus, empresários e emissoras de TV, mas não houve interesse. Em 2021,
entretanto, como a viúva também falecida, um neto do casal procurou o Museu da Televisão,
Rádio & Cinema para tentar doá-los, algo que foi prontamente aceito. Todo o material já não
está em bom estado de conservação, mas ficará exposto na nova sede do museu, na Vila Mariana,
em São Paulo, junto a outros equipamentos da TV Tupi.
644 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Alguns dos equipamentos


preservados: projetor de
filmes, refletor de luz e
monitor de mesa de corte.
(reprodução)

[...] Peguei o ônibus “Apiacás” na Praça do Patriarca, no centro de São Paulo. Ao


dobrar a esquina da Padaria Real, famosa por ser frequentada pelos artistas da
TV Tupi, eu avistei o prédio. Era um edifício de 11 andares, com riscos horizontais
modernistas na fachada, onde havia um mural, tudo meio acinzentado pelo tempo,
e uma antena no topo. Parei por uns instantes no lado oposto da rua, contemplando
o local e imaginando as histórias que se desenrolaram lá dentro. Em seguida fui até a
portaria. [...] [O zelador] me atendeu e confirmou que ficava ali o que eu procurava.
E para meu espanto e eterno agradecimento, perguntou se eu gostaria de conhecer
o local. No saguão de entrada havia um busto de bronze [de Assis Chateaubriand].
A luz elétrica fora desligada, os elevadores obviamente não funcionavam. Pelas
escadas, deixando minhas pegadas no chão empoeirado, subi até algum andar. E
lá estava, fantasmagórica, a Rádio Difusora AM. A primeira rádio que eu escolhera
ouvir, um dos embriões do chamado ‘rádio jovem’ atual, ao lado da Excelsior (a
“Máquina do Som”, hoje CBN) e da Rádio Mundial do Rio de Janeiro. Foi a Difusora
que me inspirou e me fez desejar ser locutor. [...] Parecia cenário de filme, era igual
a um local abandonado às pressas pelo alarme de bombardeio aéreo. Estava tudo
lá, papéis sobre as mesas, arquivos, pastas e o que mais me aguçava a curiosidade:
o estúdio. Tudo permanecia ali, cheio de pó. Cartuchos, fitas, a programação do dia
numa prancheta, o microfone, a mesa de áudio. A impressão era de que as coisas
foram largadas de repente pelas pessoas que trabalharam ali na data da hipotética
bomba H (aquela que mata as pessoas, mas não destrói os objetos). Mas todos
pareciam acreditar que as coisas em breve voltariam à normalidade. Tanto que não
havia sinal de arrumação, preparação, despedida... Tudo ficou como no último dia.
Mas estava acabado, ninguém mais esteve lá. Exceto, aparentemente, eu. [...] As
folhas de papel eram a programação de 03/09/1981, uma quinta-feira, conforme
estava escrito à máquina. (“Viajando na Onda - Blade Runner”, Lui Riveglini, www.
tudoradio.com/colunas/ver/189, 28/01/2010)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 645

O Acervo Remanescente da TV Tupi


A Cinemateca Brasileira, instituição responsável pela preservação de produções audiovisuais,
recebeu do Ministério da Educação e Cultura, em dezembro de 1985, um grande lote com fitas
de vídeo e películas com produções da extinta TV Tupi de São Paulo. Tratava-se exatamente
do já mencionado lote adjudicado pelo IAPAS - Instituto de Administração da Previdência e
Assistência Social, destinado como pagamento da dívida de encargos sociais da empresa Rádio
Difusora São Paulo S/A. Segundo uma reportagem do “Jornal do Brasil”, publicada em 1987,
“O débito da Tupi [...] é calculado hoje em Cz$ 1 bilhão. O acervo não passa de Cz$ 200 mil,
mas o ministro [da Cultura] Celso Furtado assegura que ‘o valor cultural é inestimável e cobre
a diferença monetária’”1.
O material pesava mais de 40 toneladas e, de acordo com o que foi apontado no Capítulo 46,
continha 4644 fitas de videoteipe2, nos formatos Quadruplex e U-Matic, com diversos capítulos
de novelas, musicais, telejornais, humorísticos e programas de auditório; 137.568 rolos de filmes
de 16 mm com reportagens para telejornais (incluindo o famoso “Repórter Esso”); 43 filmes
de 16 mm com longas-metragens; e 9 m3 de documentação em papel, com cerca de 500 pastas
contendo scripts de noticiários produzidos entre 1954-79.

A absorção do acervo da primeira emissora brasileira de televisão


acontecera de forma inesperada. Em 1978, com a Tupi ainda em
atividade, visitáramos os espaços em que se acumulavam as milhares
de caixas de papelão contendo cada uma a média de 20 rolinhos em 16
mm de material telejornalístico, e tentáramos uma aproximação com
a empresa — vivendo então sucessivas crises econômicas — para o
depósito dessa coleção, mas o assunto não chegara a bom termo. No
ano seguinte, a Rádio Difusora São Paulo S/A abriu falência e [...]
todos os seus bens entraram em processo de liquidação e penhora
para o pagamento de dívidas. O acervo de vídeos, filmes e documentos
em papel, entre outros bens, fora adjudicado pelo Ministério da
Previdência e Assistência Social tendo em vista o enorme débito
da empresa para com o [...] IAPAS. Pelas declarações de Antônio
Basso, procurador do instituto, desde o primeiro momento houvera
um compromisso do ministro da Previdência, Jarbas Passarinho,
com a ministra da Educação e Cultura, Esther de Figueiredo Ferraz,
para a doação do acervo à Fundação Nacional Pró-Memória. Tudo
se passava nos altos escalões ministeriais até o momento — meados
de dezembro de 1985 — em que recebi um telefonema da direção da
Pró-Memória perguntando se a Cinemateca gostaria de receber o
acervo da Tupi como presente de final de ano. ‘Claro que sim!’, foi a
resposta imediata. Só havia uma condição: que todos os documentos
1 “O Tesouro da Tupi”, Ricardo Pedreira, Jornal do Brasil, 19/03/1987, Caderno B, p. 7.
2 Há 698 fitas de videoteipe a menos, em relação ao número divulgado pela imprensa quando
esse material ia ser leiloado (mas que não aconteceu). É possível que, antes da doação à
Cinemateca Brasileira, tenha havido descarte daquelas fitas que estavam sem condição de
recuperação.
646 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

— imagens em movimento e papéis — fossem removidos em uma


semana e, para tanto, a Pró-Memória abriria um crédito de urgência
para a contratação da empresa de transporte. Uma primeira inspeção
ao prédio da Tupi na Avenida Alfonso Bovero, no Sumaré, onde se
amontoava a preciosa coleção, deixou-nos estarrecidos diante da
tarefa de sua remoção a toque de caixa. A juventude e a disposição
da equipe da Cinemateca foram decisivas para que o desafio fosse
enfrentado. (“A Cinemateca Brasileira e a Preservação de Filmes no
Brasil”, Carlos Roberto de Souza1, Tese de Doutorado, Universidade
de São Paulo - Escola de Comunicações e Artes, 2009:169-170)

Em regime de mutirão, toda a equipe do Departamento de Preservação e Catalogação e vários


funcionários dos outros departamentos da Cinemateca se deslocaram para o Sumaré. “Durante
alguns dias extenuantes gastaram-se quilômetros de fitilho plástico para amarrar as caixinhas de
reportagens e transportá-las, juntamente com milhares de fitas de vídeo em duas polegadas (as
Quadruplex), com cerca de oito quilos cada uma, e em ¾ de polegada (as U-Matic)”2.

[...] o material já não estava em boas condições de conservação ao


chegar à Cinemateca, em dezembro de 1985, e a entidade não possuía
infraestrutura técnica, equipamentos e instalações para recuperar e
conservar um acervo tão volumoso. (“História em Fitas”, Maria da
Glória Lopes, O Estado de São Paulo, 01/05/1988, Caderno 2, p. 1)

O acervo da TV Tupi foi transportado por caminhões para um prédio construído para ter sido
uma escola de jardinagem no Cemucam - Centro Municipal de Campismo da Prefeitura de São
Paulo, que — curiosamente — fica no município de Cotia, na Grande São Paulo, “uma autêntica
estufa, sem ventilação, exposta a grandes oscilações de temperatura e localizada em uma das
regiões mais úmidas de São Paulo”3. Fernando Santos, arquivista da Tupi por 15 anos (até seu
fechamento), por coincidência, foi morador de Cotia. “Conheço bem a região e a escola de
jardinagem. Foi o pior local escolhido para abrigar o acervo”4, disse ao “Estado de São Paulo”.
Havia, no entanto, uma consciência geral dos funcionários da Cinemateca de que se tratava de
um local inadequado para a conservação do acervo, mas era o único espaço disponível para
abrigar um conjunto tão volumoso. Apesar dos sérios problemas, o Cemucam já dava melhores
condições de armazenamento do que o prédio lacrado do Sumaré, onde permaneceu por cinco
anos sem ventilação ou qualquer cuidado específico, acumulando muita sujeira e umidade.

[...] enquanto esteve sob o poder da Justiça Federal (1980 a 85),


o acervo também não recebeu tratamento adequado de conservação

1 Carlos Roberto de Souza foi diretor do Departamento de Preservação e Restauração da


Cinemateca Brasileira.
2 “A Cinemateca Brasileira e a Preservação de Filmes no Brasil”, Carlos Roberto de Souza, Tese
de Doutorado, Universidade de São Paulo - Escola de Comunicações e Artes, 2009:169-170.
3 “História em Fitas”, Maria da Glória Lopes, O Estado de São Paulo, 01/05/1988, Caderno 2,
p. 1.
4 Ibidem.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 647

[nos prédios do Sumaré]. O sistema elétrico foi desligado logo no


início e uma das salas lacradas apresentou infiltração de água, que
danificou [muito] material em seu interior. (“História em Fitas”,
Maria da Glória Lopes, O Estado de São Paulo, 01/05/1988, Caderno
2, p. 1)
Pouco tempo depois de receber o acervo remanescente da Tupi, o galpão do Cemucam contou
com algumas melhorias básicas, quando cimentaram o canteiro de terra central e cobriram o
telhado com forro de isopor para evitar a umidade e reduzir o calor das telhas pré-fabricadas.
Entretanto, eram providências paliativas e insuficientes.
Apesar da transferência física do acervo ter se efetivado em 20 de dezembro de 1985, apenas em
9 de março de 1987 é que o ministro da Previdência e Assistência Social assinou a autorização de
transferência de posse, domínio e direito para o Ministério da Cultura. O termo final de doação
foi lavrado em 29 de agosto de 1988, assinado entre o IAPAS e a Fundação Nacional Pró-
Memória, entidade a qual a Cinemateca era subordinada.

A Parceria Entre Cinemateca e TV Cultura

Papel higiênico, álcool isopropílico e a mão-de-obra de técnicos da


TV Cultura resgatarão da destruição o arquivo de videoteipes da
TV Tupi até o início do ano, sob responsabilidade da Cinemateca
Brasileira. São mais de 2500 fitas de 9,5 polegadas da marca Scotch-
Memorex, que, por pouco, não seriam a “Biblioteca de Alexandria”
da televisão brasileira. Sem envolver grandes gastos, um acordo
entre a Fundação Padre Anchieta — que mantém a TV Cultura —
e a Fundação Pró-Memória — a quem a Cinemateca Brasileira é
subordinada — possibilita a preservação desse acervo. Uma vez
recuperado, ele será copiado duas vezes. Uma cópia pertencerá à
Cultura e outra à Cinemateca. (“TV Cultura Recupera Invenção
da TV Tupi: Caixas Sem Identificação Guardam Boas Surpresas”,
Ângela Pimenta, O Estado de São Paulo, 17/03/1990, Caderno 2, p.
1)

Em 1989, houve a primeira ordenação do material 16 mm, que ficou alocado em local climatizado.
Em seguida, a Cinemateca Brasileira assinou um acordo com a Fundação Padre Anchieta (TV
Cultura de São Paulo), entidade que, poucos meses após a lacração dos prédios da Tupi, chegou
a se oferecer para armazenar provisoriamente o acervo de forma devida, mas nada foi feito e ele
continuou se deteriorando no mesmo local. Contudo, a parceria celebrada entre a Cinemateca
e a TV Cultura finalmente promoveria o processo de higienização e conversão de todo acervo
remanescente de fitas e filmes da TV Tupi de São Paulo, mesmo que ainda no inseguro sistema
VHS.
“Cerca de 30% das fitas estavam sem condições de uso ou simplesmente apagadas”1, lembra José
Francisco de Oliveira Mattos, que catalogou o acervo. Mais de 1,2 mil fitas estavam imprestáveis
1 “Descasos e Incêndios Destruíram Grandes Sucessos”, Eduardo Elias e Luiz Costa, O Estado de
São Paulo, 10/01/1999, p. D-2.
648 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

e haviam perdido seu conteúdo. Algumas das latas dessas fitas sequer abriam.

Os técnicos João Barros e Everaldo Arruda abrem as caixas,


desgrudam a fita do fundo e começam a embeber o papel higiênico
no ácido, até que todo o bolor seja removido. A dupla tem conseguido
uma média de três fitas recuperadas por turno de trabalho, cumpridos
sempre durante a noite. Dali, as fitas serão catalogadas, já que não
há identificação nas caixas. Os técnicos se surpreendem com achados
preciosos e também se decepcionam com fitas em branco. Há ainda
caixas identificadas que não contêm o que a etiqueta afirma existir.
(“TV Cultura Recupera a Invenção da Tupi: Caixas Sem Identificação
Guardam Boas Surpresas”, Ângela Pimenta, O Estado de São Paulo,
17/03/1990, Caderno 2, p. 1)

Ainda no ano de 1989, em um dos prédios da Cinemateca, localizado onde hoje está a estação
Conceição do Metrô, uma sala de exibição foi desativada para receber o acervo da TV Tupi.
Estantes de madeira foram disponibilizadas para acomodar as pesadas fitas e havia um sistema
de ar-condicionado com controle da temperatura.
No ano seguinte, já com o material ordenado e boa parte já recuperada, o acervo foi aberto ao
público da Cinemateca e a TV Cultura exibiu diversas amostras em uma série especial, intitulada
“40 Anos de TV”, produzida e apresentada pelo jornalista Júlio Lerner.
Mas, faltaram recursos para recuperar todo o acervo e, ainda em 1990, durante as comemorações
dos 40 anos da inauguração da TV Tupi de São Paulo, a Cinemateca lançou uma campanha
publicitária para arrecadar fundos para o restauro do acervo jornalístico da emissora. Foi
quando surgiu a Fundação Vitae como patrocinadora, dando condições para a aquisição de
uma moviola-telecine que, além de realizar as duplicações dos telejornais, passou também a
telecinar regularmente outros originais em película do acervo. O Projeto Vitae/Tupi catalogou,
higienizou e telecinou reportagens produzidas pela TV Tupi entre 1960-64. Como resultado, 27
mil reportagens foram recuperadas e gravadas em cerca de 200 fitas VHS.
No ano de 1997, a Cinemateca Brasileira foi transferida para a sede atual, no bairro da Vila
Clementino, em São Paulo, devidamente preparada para manter seu acervo nas melhores
condições de climatização, ou seja, temperatura média de 16ºC e umidade relativa do ar até 60%.
O acervo da TV Tupi é público e, em dezembro de 2009, passou a ser digitalizado pela Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Pouco mais de 88 mil reportagens
tiveram suas informações catalogadas no repositório de consulta presencial da Cinemateca, bem
como cerca de 130 horas de imagens em movimento e mais de 22,7 mil roteiros de locução
(aproximadamente 350 mil páginas). Quanto ao acervo de fitas e películas, uma amostra de
100 horas de teledramaturgia foi transcrita e digitalizada. Agora, ele está todo armazenado
em mídias digitais e, até o ano de 2019, pôde ser consultado na Cinemateca Brasileira. Parte
dele também ficou disponível em um site da entidade, ou seja, 257 capítulos de 44 telenovelas.
Contudo, naquele ano, a Cinemateca foi fechada após o cancelamento do contrato de gestão com
a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP). Todo o acervo, inclusive
aquele disponibilizado on-line, ficou indisponível para consulta.
Em agosto de 2020, no entanto, a Cinemateca foi reabsorvida pelo Ministério do Turismo e, após
uma longa suspensão das atividades, reabriu suas portas em maio de 2022, desta vez gerida pela
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 649

Sociedade Amigos da Cinemateca. As consultas voltaram a ser presenciais ou on-line, pelo site
do Banco de Conteúdos Culturais (www.bcc.org.br).

História Preservada

Parte importante dos praticamente 30 anos da TV Tupi está nesse acervo recuperado pela
Fundação Padre Anchieta. Com filmes e fitas datados entre 1959-79, há partidas memoráveis
de futebol, de quando Pelé fazia vibrar as plateias; concursos de Miss Universo, no auge da
importância desse evento; alguns capítulos das novelas “Beto Rockfeller (1968-69), “Antônio
Maria” (1968-69), “Vitória Bonelli” (1972-73), “A Barba Azul” (1974-75), “Os Inocentes”
(1974), “Ídolo de Pano” (1974-75), “A Viagem” (1975-76), “Éramos Seis” (1977), “O Profeta”
(1977-1978), “Roda de Fogo” (1978), “O Direito de Nascer” (o remake de 1978-79) e “Aritana”
(1978-79); algumas edições de programas diversos como “Pinga-Fogo” e “Almoço com as
Estrelas”; programas humorísticos; propagandas; edições dos jornalísticos “Repórter Esso”,
“Telenotícias Panair”, “Edição Extra”, “Diário de São Paulo na TV” e “Ultra Notícias”; além de
diversas outras reportagens desmembradas.
Mesmo que parte deste acervo não tivesse sofrido com a ação do tempo nos anos subsequentes ao
fechamento da emissora, era para ele ser muito maior. Isso porque a Tupi não se preocupava em
preservar seu acervo. “Ninguém na direção da emissora estava nem aí”1, revelou o dramaturgo
Plínio Marcos, um dos protagonistas da novela “Beto Rockfeller”. Sobre isso, o ex-diretor de
novelas Luiz Gallon assim descreveu as condições da Tupi nos anos 1970: “Era uma penúria
muito grande: para fazer um programa ou novela era preciso apagar as fitas da semana anterior”2.
Outro fator que contribuiu para o desaparecimento de boa parte do arquivo foi a censura imposta
pelo governo militar. Muitas fitas foram apreendidas pelo Departamento de Ordem Política e
Social (Dops), com a alegação de serem subversivas. E outras foram apagadas antecipadamente
pela emissora para “evitar problemas”.

Fernando Faro, diretor musical da Tupi nessa época, teve fitas de


programas seus apreendidas. E toda a série do “Divino Maravilhoso”,
que reunia o pessoal da Tropicália (Caetano, Gil, Gal, Mutantes, Tom
Zé, Jorge Ben) foi apagada. “Quando os meninos foram presos, um
diretor ordenou que se apagassem as fitas — umas 12 — com medo
de que fossem usadas contra os próprios meninos”. (“Um Presente
de Grego”, O Estado de São Paulo, 01/05/1988, Caderno 2, p. 12)

A falta de dinheiro também provocou atitudes idênticas. Uma fita especial com os gols de placa de
Pelé foi apagada para serem gravados capítulos de novelas, revelou o diretor Fernando Faro3. O
mesmo aconteceu com as fitas do polêmico “Pinga-Fogo”, exceto com alguns poucos programas,
como os dois que contaram com a participação do médium Chico Xavier, preservados até hoje.
Em 1968, quando o diretor do programa, Armando Figueiredo, pretendeu lançar um livro com
os relatos dos entrevistados, foi até o arquivo da emissora e ouviu do funcionário a seguinte
explicação: “Isso já não existe. Apagaram tudo para gravar futebol e novela”.
1 “Descasos e Incêndios Destruíram Grandes Sucessos”, Eduardo Elias e Luiz Costa, O Estado de
São Paulo, 10/01/1999, p. D-2.
2 Ibidem.
3 “Um Presente de Grego”, O Estado de São Paulo, 01/05/1988, Caderno 2, p. 12.
650 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Há denúncias de que boa parte dessas relíquias saiu do arquivo


bem antes da decretação de falência. Edmundo Monteiro, um dos 22
herdeiros do império de Assis Chateaubriand, que não dá entrevistas
sobre os Diários Associados (“‘Enterrei’ na empresa 46 anos da
minha vida”), abriu exceção para o [jornal] Estado [de São Paulo]
e disse não ter dúvidas do desaparecimento de parte do arquivo.
“Acontece com toda grande empresa em processo de falência. Os
abutres aparecem, os ratos tomam conta do navio. Só não levaram
rotativas porque não podiam. “Os ratos, no caso, são os funcionários
desesperados com o atraso de salários (muitos já morreram sem
receber, outros ainda esperam)”. [O arquivista da Tupi] Fernando
dos Santos conta ter presenciado um verdadeiro saque ao arquivo
nos anos 80, mas não se atreve a apontar ninguém. Esclarece apenas
que os diretores dos diferentes departamentos, que acompanharam a
agonia da Tupi, assinavam listas extensas de pedidos de filmes que
raramente retornavam. “Nós do arquivo sabíamos que os pedidos
não eram para uso da emissora, mas vinham assinados por superiores
e não podíamos fazer nada, a não ser cobrar a devolução. Era uma
luta, e só um ou outro retornava”. (“Um Presente de Grego”, O
Estado de São Paulo, 01/05/1988, Caderno 2, p. 12)

A TV começou a deixar [a transmissão ao vivo] no passado [...], somente em


1962. O que foi exibido antes disso ficou guardado no arquivo de jornais, em
fotos e lembranças de um punhado de pioneiros e estudiosos. No lançamento
do VT [videoteipe], a imprensa não comemorava o fato de os programas poder-
em ser armazenados, mas o de uma fita gravar programas, um sobre o outro.
“Mesmo com o tape, manteve-se a cultura do ‘ao vivo’: as fitas não foram vistas
como meio de preservação, mas uma forma prática de fazer os programas”, diz [o
humorista e apresentador] Jô Soares [...]. Gradualmente, as emissoras passaram
a gravar as principais atrações — também para tornar possível a exibição em
outras cidades. (“Descasos e Incêndios Destruíram Grandes Sucessos”, Eduardo
Elias e Luiz Costa, O Estado de São Paulo, 10/01/1999, p. D-2)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 651

Arquivo Nacional

Um total de 536 fitas com programas da TV Tupi do Rio de Janeiro foram encontradas por
acaso no ano de 2005. Elas estavam entre cadeiras e mesas velhas do 9º andar do edifício-sede
dos Diários Associados, na Rua do Livramento, no Rio. A TV Globo e o Arquivo Nacional —
instituição sediada no Rio de Janeiro e que recebeu o material doado — firmaram acordo para
recuperar esse conteúdo, que contém reportagens, talk-shows, musicais e programas esportivos
exibidos entre 1960-80. Junto com as fitas, quase todas em formato Quadruplex, havia cerca de
1,5 mil rolos de filmes em 16 mm. O responsável pelo achado foi o gerente-técnico da Rádio
Tupi do Rio, José Cláudio Barbedo, que depois ajudou a viabilizar a doação formal dos Diários
Associados para o Arquivo Nacional.
“Achei uns rolinhos de filme no chão, fiquei curioso, porque tinha sido técnico de cinema e vi que
era um comercial. Abri outro e era uma reportagem, provavelmente sem som, já que no início da
TV não havia videoteipe: o repórter captava as imagens e depois o locutor do telejornal fazia a
narração. Acabei chegando a uma sala com pilhas de fitas da Tupi, a maioria Quadruplex, que
tinham sido recolhidas no Cassino da Urca (antiga sede da emissora). De cara, vi programas de
Flávio Cavalcanti e de Aérton Perlingeiro. Vi que aquilo tinha valor histórico”, revelou Barbedo
ao jornal “O Globo”.
O material foi doado em meio a um processo de deterioração e infestação por fungo, situação
que foi estabilizada no Arquivo Nacional. Mas, em alguns casos, os conteúdos foram
irremediavelmente perdidos.
Naquela época, só havia duas máquinas de videoteipe em funcionamento no Brasil. Uma delas
era a da TV Cultura, que estava sendo usada no projeto da Cinemateca Brasileira, e a outra era
da TV Globo, emissora a quem o Arquivo Nacional recorreu. Foi celebrado um acordo e a TV
Globo se encarregou de higienizar e converter as fitas e filmes para o formato VHS, um trabalho
que custou cerca de R$ 500 mil à época. Como contrapartida, a emissora pôde exibir o conteúdo
por um ano. Depois, o Arquivo Nacional tornou este acervo disponível para consulta pública.
Ele está armazenado em depósitos climatizados e existem cópias digitais de alguns títulos para
consulta no site do Arquivo Nacional.
Nos dias de hoje, portanto, há três entidades que armazenam o que restou do acervo da Rede
Tupi: a Cinemateca Brasileira e a TV Cultura, com o acervo da Tupi de São Paulo (as duas
entidades possuem cópias do mesmo conteúdo), e o Arquivo Nacional, com gravações da Tupi
da Urca. No entanto, apesar de não ser divulgado, sabe-se que há outras gravações exclusivas da
Rede Tupi em posse de acervos de outras emissoras.
O IAPAS, que hoje chama-se INSS, pode não ter visto a “cor” do dinheiro que a TV Tupi lhe
devia. Mas, a cultura e a memória brasileira deixaram de correr o risco de perder o registro de
um período de mais de 20 anos da história da televisão.
652 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Um pequeno registro em vídeo com uma apresentação do grupo musi-


cal norte-americano Jackson 5 foi encontrado na Cinemateca Brasileira no
final dos anos 2000, dentro do acervo remanescente da TV Tupi de São
Paulo. A apresentação do grupo foi oferecida graciosamente durante uma
turnê do grupo pelo Brasil, em setembro de 1974. Ela foi produzida por
Solano Ribeiro e gravada no auditório do Sumaré, logo após a exibição
ao vivo do “Programa Flávio Cavalcanti”. O público do auditório foi con-
vidado pelo próprio Flávio a assistir à gravação, que aconteceria após a
troca de cenários. O Jackson 5 tinha Michael Jackson — o futuro “rei do
pop” — como principal vocalista, àquela época com 15 anos de idade.
Até então, o grupo estava apenas começando a fazer sucesso no Brasil. A
fita com a apresentação completa se perdeu, mas, um trecho de 1:40 min
foi encontrado em outra fita, pois algumas cenas da apresentação foram
separadas e copiadas para fazer parte de um vídeo de divulgação da nova
programação da emissora do Sumaré, que passava a transmitir em rede
para todo o Brasil. Nos dias de hoje, é possível ver esse pequeno trecho da
apresentação pela internet1.

O Grupo Silvio Santos e a Aquisição de


Imóveis das Emissoras Associadas

Dentro de 45 dias o público telespectador de São Paulo estará vendo,


de novo, a imagem do Canal 4, ex-Tupi, agora com o logotipo da
TVS, uma emissora do Sistema Brasileiro de Televisão. Os estúdios
de Vila Guilherme, a partir da primeira semana de junho, começarão
a ser ocupados pelos departamentos de Produção, Jornalismo e
Administrativo-Financeiro. O Departamento Técnico já está lá. “É o
início da nova fase de atividades do Grupo Silvio Santos no campo da
comunicação” — diz, com uma ponta de orgulho, Luciano Callegari,
vice-presidente geral da área de comunicação do grupo. (“O SBT
Sem Segredos”, Arlindo Silva, Manchete, 13/06/1981, p. 90-91)

Conforme visto no Capítulo 46, no dia 13 de dezembro de 1985 houve mais um leilão dos
imóveis dos Diários e Emissoras Associados de São Paulo e o empresário Silvio Santos perdeu
a disputa. O objeto era a aquisição do lote que incluía a torre e os estúdios do Sumaré (o edifício
de 11 andares foi leiloado à parte), que acabou arrematado pelo experiente leiloeiro oficial Luiz
Fernando de Abreu Sodré Santoro, “pela primeira vez do outro lado do balcão”, como ele mesmo
declarou. A partir daí, Silvio Santos passou a pagar aluguel para o novo proprietário da torre do
Sumaré.

1 Link: youtu.be/Dep3S6W8b2s.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 653

Meses depois, ainda no primeiro semestre de 1986, Santoro fez uma proposta ao dono do SBT
para a aquisição de todo aquele complexo. Contudo, o valor pedido causou espanto, pois era
três vezes mais alto que o avaliado. A proposta foi negada, mas Santoro logo montou um novo
“pacote” composto pela torre — que mais interessava a Silvio Santos — e pelo grande “Estúdio-
Palco” (auditório) da Tupi, localizado logo atrás da torre. Foi então que, observada a necessidade,
o Grupo Silvio Santos acabou fechando a compra destas duas propriedades.
O edifício de 11 andares do complexo do Sumaré foi vendido ao irmão de Santoro e depois
oferecido a Silvio Santos, juntamente com os demais estúdios. Mas, não houve interesse, pois,
além de supervalorizados, estavam muito degradados e seria necessário outro grande investimento
para sua recuperação. Alguns membros da direção do SBT tentaram convencer Silvio Santos a
adquirir ao menos os estúdios, visto que já faltava espaço nas instalações da Vila Guilherme e a
construção do Centro de Televisão (CDT) da Via Anhanguera vinha sendo postergada. Até que,
por volta de setembro daquele ano de 1986, Silvio Santos fez uma contraproposta a Santoro
e acabou conseguindo fechar negócio a preço de mercado. Todo o complexo de estúdios da
pioneira TV Tupi no Sumaré — exceto o edifício de 11 andares — agora pertenceria ao Grupo
Silvio Santos, com objetivo de abrigar uma parte da Central de Produção do SBT. A atitude do
animador e empresário Silvio Santos evitou que toda a antiga Cidade do Rádio tivesse destinação
outra que não a produção de programas de televisão, podendo até ter virado um depósito de
materiais para leilões, como era a intenção inicial de Santoro.

Dizem, mas ainda não provam, que Silvio Santos está com o assunto
muito bem encaminhado e, até o final deste ano, poderá integrar à
TVS as antigas instalações da falecida TV Tupi, no bairro do Sumaré,
em São Paulo. (Correio Braziliense, Ferreira Neto, 09/10/1986, p.
24)

Silvio Santos chegou dos Estados Unidos na quarta-feira e apenas


no seu desembarque tomou conhecimento da triste consequência das
chuvas, que atingiram violentamente a sua emissora de televisão em
São Paulo. A TVS perdeu muita coisa e sofreu um prejuízo incalculável,
com a inutilização de câmeras, aparelhos de videoteipe, cassetes,
documentos, cenários etc. Uma situação profundamente lamentável.
Silvio Santos não teve as férias que pretendia. Até mesmo o seu retorno
ao Brasil foi tremendamente complicado pelo frio de Nova Iorque e
a dificuldade de arrumar um voo para São Paulo. Aqui chegando, se
encontrou com a triste realidade. A TVS, na verdade, perdeu muita
coisa. Isto só está levando os seus dirigentes a pressionarem um
pouquinho mais, na tentativa de ocupar o mais rápido possível as
antigas instalações da TV Tupi, no bairro do Sumaré. Silvio Santos
é o mais interessado e, dizem, tem quase tudo acertado para que
isso possa ocorrer num prazo de tempo muito curto. A direção da
Vila Guilherme, como não poderia deixar de ser, não confirma, mas
também não desmente coisa nenhuma. Está todo mundo em cima do
muro, evitando se comprometer com algum pronunciamento infeliz.
654 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

De qualquer forma, esta é a notícia: as chuvas e os estragos causados


na TVS - SP, neste começo de semana, podem levar Silvio Santos a
apressar sua mudança. (“Silvio Santos: Antes o Frio que a Chuva”,
Ferreira Neto, Correio Braziliense, 02/02/1987, p. 28)
Os estúdios da Vila Guilherme sofriam muito com enchentes durante o verão, algo que causou
sérios danos à emissora, chegando, inclusive, a tirá-la do ar algumas vezes. Até que, em janeiro
de 1986, o volume de água foi maior que o “normal” e assolou todos os estúdios. Houve perda
de câmeras, aparelhos de videoteipe, fitas, documentos, arquivos, cenários etc. Silvio Santos
estava nos Estados Unidos e, ao voltar, ficou convencido de que a emissora deveria se mudar
para o Sumaré de qualquer jeito. Contudo, isso não poderia ser feito em curto prazo, já que
havia o problema da degradação dos imóveis e seria necessário promover uma grande reforma.
A situação era tão crítica no Sumaré que foi pensado até em demolir o complexo, opção logo
descartada quando se soube que a lei de zoneamento não permitiria a construção de outro edifício
do mesmo porte. Sem alternativa, Silvio Santos mandou desenvolver um projeto para a reforma
completa do complexo histórico de televisão, principalmente das suas instalações elétricas e
hidráulicas. Todavia, a elaboração deste projeto caminhou lentamente e, enquanto não eram
iniciadas as obras, diversas salas e corredores serviam como depósito de cenários e objetos de
cena, trazidos dos estúdios da Vila Guilherme ou do Teatro Silvio Santos.

Estúdios e salas do complexo do Sumaré em 1988, já em posse do SBT. Enquanto as obras de recuperação não
começavam, o local serviu como depósito de cenografia. (Moacyr dos Santos/SBT)

Após diversos adiamentos, as obras só se iniciaram em 1989. Foram preparados três estúdios para
gravação de novelas e um para shows, todos equipados com os mais modernos equipamentos.
No final de 1990, ficou pronto o Estúdio “S” (“S” de “Sumaré”), nome técnico dado ao estúdio
para shows e que, outrora, fora o “Estúdio-Palco” — ou auditório — da Rede Tupi. A partir de
21 de janeiro de 1991, portanto, a energia da televisão voltou a permear os velhos estúdios do
Sumaré, com a gravação do primeiro programa do SBT no local, o infantil “Show Maravilha”,
apresentado por Mara Maravilha. Em seguida, vieram também o infantil “Mariane”, o humorístico
“Escolinha do Golias”, o talk-show “Jô Onze e Meia”, com Jô Soares, e o show “Cocktail”, com
Carlos Miele. Alguns deles migraram da Vila Guilherme e outros já estrearam no Sumaré.
As obras dos três estúdios para novelas (os antigos “A”, “B” e “C” da Tupi) foram iniciadas
logo em seguida e, em 24 de novembro de 1993, com a série de casos-verdade “A Justiça dos
Homens”, o SBT reinaugurou o primeiro estúdio para a Teledramaturgia, segmento em que o
SBT estava investindo forte, contratando, inclusive, o experiente Nilton Travesso para dirigir o
novo núcleo.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 655

Marcos Caruso e Jandira Martini — ou Virgulino e Genu — [...]


[estiveram] na última terça-feira no primeiro dos três estúdios que o
SBT reformou para a novela “Éramos Seis”. Localizados no prédio
da emissora no bairro do Sumaré, os estúdios — que pertenciam à
extinta TV Tupi — foram reconstruídos e batizados de Complexo
Cassiano Gabus Mendes, em homenagem ao diretor morto no ano
passado. Com a reforma dos três estúdios — que totalizam uma área
de 1100 m2 — o SBT gastou cerca de US$ 850 mil. (“SBT Inaugura
Estúdios Reformados”, Annette Schwartsman, Folha de São Paulo,
20/03/1994, TV Folha, p. 7)

Quatro meses após a inauguração do primeiro estúdio da nova “fábrica de novelas”, os outros
dois também foram finalizados e começou a ser gravada a primeira telenovela do SBT no
local. Trata-se do remake de “Éramos Seis”, um folhetim já gravado pela própria TV Tupi. As
gravações se iniciaram em março de 1994 e, na sequência, nos mesmos três estúdios e também
com direção de Nilton Travesso, foram produzidas as novelas “As Pupilas do Senhor Reitor”,
“Sangue do Meu Sangue” e “Razão de Viver”, finalizada em julho de 1996, quando o núcleo de
novelas foi transferido para o novo complexo do SBT, na Via Anhanguera1, em Osasco (SP). Já
as gravações dos programas produzidos no estúdio de shows do Sumaré seguiram até dezembro
daquele ano de 1996.

TV Abril/MTV no Edifício-Sede das “Associadas”

A TV Abril vai reativar o prédio da extinta TV Tupi — um verdadeiro


marco na história da telecomunicação do Brasil — na Avenida
Professor Alfonso Bovero, no Sumaré, devolvendo vida àquele trecho
da cidade que assistiu de perto ao desenvolvimento da televisão
brasileira. (“Vida Nova no Vídeo”, Veja SP, 13/06/1990, p. 16)

A “chama” televisiva do velho bairro do Sumaré reacendeu já em 1990. No ano em que a TV


Tupi comemoraria 40 anos no ar, “Santa Clara clareou”2 o “berço” da TV brasileira e ali o SBT
inaugurou parcialmente sua nova Central de Produção e o Grupo Abril a sede de seu “braço”
televisivo.
Era início das operações da faixa de UHF para transmissão de TV nas grandes cidades e, durante
todo o ano de 1990, a Editora Abril preparou a estreia de seu próprio canal de televisão. Nascia
no Sumaré mais uma emissora: a TV Abril.
1 As tomadas externas das novelas gravadas no Sumaré eram feitas na cidade cenográfica do
SBT, inaugurada no CDT da Via Anhanguera em 1994, ainda durante a conclusão das obras do
complexo.
2 Em 1958, o papa Pio XII proclamou Santa Clara como padroeira da televisão e de todos os
que trabalham nesse meio de comunicação. “Santa Clara Clareou” é uma canção do músico
brasileiro Jorge Ben Jor.
656 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

No início dos anos 1980, o Grupo Abril tinha o maior gráfico da América Latina e publicava mais
de 100 revistas mensais. Era uma das mais importantes empresas de comunicação do Brasil e
estava disposta a se expandir para a mídia eletrônica.
A primeira oportunidade para a Abril apareceu após 1980, quando
o governo desmembrou a pioneira TV Tupi. Depois de numerosas
negociações, comerciais e políticas, a Abril foi preterida, em favor
do Grupo Silvio Santos e do Grupo Editorial Bloch. Em 1985,
quando Silvio Santos foi pressionado a vender suas ações na TV
Record, a Abril foi novamente considerada pela imprensa como
a melhor candidata às ações. Por razões ainda não propriamente
explicadas, entretanto, o acordo caiu por terra. A Abril começou,
então, a perseguir estratégias diferentes. A Abril Vídeo, produtora
independente de vídeo, criada alguns anos antes, comprou tempo
na TV Bandeirantes e, depois, na Gazeta, para transmitir seus
programas jornalísticos. [...] No ano seguinte, a Abril Vídeo retirou-
se das transmissões de TV, reposicionando-se no crescente mercado
do vídeo doméstico como produtora e distribuidora. Em 1985, o
governo abriu a concorrência para a concessão de novas estações
UHF na cidade de São Paulo e, nessa batalha, a Abril finalmente teve
sucesso, vencendo outros poderosos grupos de mídia na concessão
do canal 32. (“É Pagar Para Ver: TV Por Assinatura em Foco”, Luiz
Guilherme Duarte, Summus Editorial, 1996:139)
Entre 1985-88, o Grupo Abril conseguiu conquistar a concessão de dois canais de televisão na
faixa de UHF da cidade de São Paulo. Um operaria como TV Abril - Canal 32 e outro como TVA
- Canal 24. Este último seria uma emissora de TV por assinatura, modelo de negócio que também
estava se iniciando no país. Os planos iniciais para a TV Abril eram produzir uma programação
baseada em jornalismo ou seguir a linha de algumas das revistas femininas publicadas pelo
grupo.
Com a proposta de colocar a TV Abril no ar durante o primeiro semestre de 1990 e a TVA no ano
seguinte, o Grupo Abril conseguiu efetivar, em agosto de 1989, a aquisição do antigo edifício-
sede das Emissoras Associadas de São Paulo, na Avenida Prof. Alfonso Bovero, nº 52, bairro do
Sumaré, um dos maiores marcos da história da televisão brasileira.
A opção pelo prédio da Tupi trouxe vantagens visíveis à nova
emissora, mas não evitou a necessidade de uma drástica
interferência dos engenheiros na edificação. A primeira barreira
encontrada foi a situação estrutural do imóvel, alvo de um processo
degenerativo causado pela própria inatividade ao longo de dez anos,
aproximadamente. Além disso, havia a necessidade de adequar
as instalações, obsoletas, a um novo layout dos espaços internos
pelos equipamentos mais sofisticados da Abril [...]. Como desafio
adicional, havia a exigência da implantação de uma torre metálica
e da antena transmissora no topo da já problemática edificação,
com o cronograma estabelecendo prazos exíguos pelas empresas
envolvidas. (“A Imagem do Reforço”, Silvério Rocha, Construção, nº
2222, 10/09/1990, p. 8)
As obras já haviam começado quando outro rumo de programação foi tomado na TV Abril.
Em 7 de março de 1990, uma festa foi promovida para celebrar a assinatura de um contrato de
licenciamento do canal musical norte-americano de TV por assinatura “MTV Networks”, da
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 657

Viacom. Era anunciada a “MTV Brasil”, que iria ao ar com uma mescla programação nacional e
importada, sendo a primeira filial da marca no mundo a operar em TV aberta.

Logomarcas da MTV e
TVA. (reprodução)

Para a montagem das duas emissoras de televisão, o Grupo Abril desembolsou US$ 15 milhões,
sendo US$ 10 milhões apenas em equipamentos. O estado do antigo edifício da TV Tupi era
deplorável, já que estava totalmente fechado e sem manutenção por pelo menos oito anos. O
desafio foi grande, pois o objetivo não era apenas restaurá-lo e torná-lo viável para instalação
de simples escritórios. O prédio receberia as complexas estruturas de emissoras de televisão e
muitos conceitos e soluções modernas teriam que ser implementados, a exemplo de um grande
reforço nas estruturas, da renovação dos sistemas hidráulico e elétrico, bem como da instalação
de um moderno sistema de segurança contra incêndio — inclusive com a construção de escadas
de concreto em uma das faces externas.
Aquele antigo edifício, originalmente projetado para abrigar emissoras de rádio e salas
administrativas, mas que transmitiu programas de TV em preto e branco, captados por câmeras
pesadíssimas, gravados por máquinas enormes de videoteipe e editados, literalmente, com
cortes de gilete nas fitas e emendas feitas com durex. Agora, do mesmo local, seriam gerados
e transmitidos sinais que, para serem captados, demandariam a instalação de modernos
decodificadores ou conversores especiais nos televisores. Tudo era novidade, principalmente o
sistema físico e robotizado da Ampex, modelo ACR-225, que iria colocar automaticamente os
videoclipes da MTV no ar.

As Obras

O início dos trabalhos revestiu-se de um caráter de pesquisa


quase “arqueológica” na busca de plantas originais. “Tivemos
de resgatar a memória do prédio”, afirma [o engenheiro Marcelo
Ferreira, da Pratec, empresa contratada para gerenciar as obras].
O resgate foi bem-sucedido e os projetos originais recuperados junto
à Construtora Ferronato & Mainieri traziam a data de 1959 com
os dados necessários aos novos cálculos. (“A Imagem do Reforço”,
Silvério Rocha, Construção, nº 2222, 10/09/1990, p. 8)
Para anular os esforços de tração, o projeto previu a execução de
quatro placas de concreto (vigas-paredes) que funcionam como
tirantes, interligando os pilares e, dessa maneira, ligando o pé da
658 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

torre aos pavimentos inferiores. Com isso, formou-se uma verdadeira


“malha” adicional de pesos interligados — a massa das placas
somada às reações dos pavimentos equilibraria os esforços de
tração na torre. [...] O concreto e armaduras de reforço se uniram à
estrutura já existente, compondo um bloco monolítico que garantisse,
nos pilares externos, a integridade das fachadas. (“A Imagem do
Reforço”, Silvério Rocha, Construção, nº 2222, 10/09/1990, p. 9)

As obras tiveram início em outubro de 1989 e o maior desafio foi o reforço de suas estruturas,
a fim de suportar o peso extra de uma nova e pesada torre de 34,5 toneladas, com o triplo do
tamanho daquela deixada pela TV Tupi no topo do edifício. Havia um grande salão no último piso,
que era o antigo terraço e que passou a ser considerado como 11° andar. No mesmo pavimento,
havia também a caixa d’água e a casa dos elevadores, que serviam de apoio para a antiga torre
de transmissão. Todo este pavimento fazia parte do átrio (ver Capítulo 28) e foi demolido para
a construção de um novo andar mais amplo, ocupando toda a área disponível do edifício, dando
melhores condições para a fixação da nova torre e abrigando melhor a casa de máquinas.
Também houve uma modificação importante no 9º andar, onde o antigo jardim foi substituído por
um prolongamento envidraçado, onde ficaria uma grande “sala vip” e um restaurante privativo,
a serem usados para reuniões e convivência da diretoria da empresa. Para tanto, paredes tiveram
que ser parcialmente demolidas e aquele pavimento passou praticamente a ter a mesma área dos
andares inferiores.

Capa da revista “Construção”, de setembro de


1989, retratando as obras de readequação do
antigo edifício da TV Tupi, no bairro do Sumaré,
para instalação da TV Abril e TVA. (reprodução)

A nova torre foi desenhada pelos engenheiros da fabricante da antena, a francesa Thomson-
LGT. Composta por material tubular inédito, foi elaborado um design especial para que ela não
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 659

prejudicasse o diagrama de transmissão do vizinho SBT - Canal 4, a apenas 40 m de distância.


Antes da construção da torre, os engenheiros montaram uma estação transmissora de televisão
provisória para realizar testes de campo e, pela primeira vez, era transmitido um sinal de televisão
daquele histórico edifício desde que, nove anos antes, os funcionários da TV Tupi entraram em
greve e a emissora saiu definitivamente do ar, em 14 de julho de 1980.
Na área externa do edifício, tudo foi recuperado conforme as características originais, em especial
os murais com tema indígena, produzidos em 1959 pelo artista israelita Gershon Knispel. Eles
estavam com as cores muito desgastadas, mas foi possível restaurar os tons originais. A recepção
do edifício foi toda reformulada, instalando-se pisos em porcelanato e criando-se um hall maior,
com sala de espera, onde, por muitos anos, funcionou a sala de controle-geral das rádios Tupi,
Difusora e Cultura. Por fim, o edifício ganhou o nome de Victor Civita, o fundador da Editora
Abril, que sofreu um infarto fulminante a dois meses de poder realizar o antigo sonho de
inaugurar sua emissora de televisão.

Aspecto retratado durante os anos 1990, que


mostra o antigo edifício-sede das Emissoras
Associadas, no bairro do Sumaré, agora
totalmente reformado e com uma nova torre.
No local, já funcionavam a MTV Brasil e
outras emissoras de TV do Grupo Abril.
(Francisco Inácio/SBT)

Inaugurações

Prevista inicialmente para estrear em agosto de 1990, a MTV Brasil acabou sendo inaugurada dois
meses depois, em 20 de outubro. Mesmo aceleradas, as obras e a montagem dos equipamentos
só terminariam alguns meses depois da inauguração e, por isso, inicialmente a programação da
MTV foi produzida em um galpão da Abril Vídeo, que ficava na Rua dos Coropés1, no bairro
paulistano de Pinheiros. O local foi todo adaptado e abrigou estúdios, produção e a administração
da TV Abril. No Sumaré, em 20 de outubro entraram em operação oficialmente o Controle
Mestre, os transmissores e a novíssima torre metálica de 94,5 m de altura, cujo topo da antena
chegou a 145 m do solo.
O canal UHF-24 do Grupo Abril iniciou suas operações experimentais em 9 de junho de 1991,
exibindo grandes filmes de Hollywood. Foi batizado de “TVA Filmes” e fez parte do sistema de
TV por assinatura TVA, composto por mais quatro canais pagos (CNN, RAI, ESPN e TVM),
adquiridos do pioneiro Grupo Machline, todos com transmissão a partir do próprio edifício do

1 O local exato onde a MTV Brasil iniciou suas produções, na Rua dos Coropés, foi desapropriado
anos depois para extensão da Avenida Brig. Faria Lima. O galpão da MTV ficava muito próximo
de onde hoje está instalado o edifício Tomie Ohtake.
660 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Sumaré pelo sistema MMDS1. Estes canais ocuparam um espaço reduzido na operação, pois
a maioria das programações não era produzida no Brasil e já chegava pronta via satélite. A
central técnica de transmissão da TVA (headend) foi montada no 7º andar do mesmo edifício e,
posteriormente, também passou a transmitir seus canais por cabo e satélite.

A MTV Brasil foi um grande sucesso, mas passou a ter problemas financeiros no final de 2009,
quando começou a perder faturamento. O problema se agravou em 2012, mesmo com uma
forte redução de gastos. No ano seguinte, o Grupo Abril encerrou o contrato de utilização da
marca MTV com sua detentora Viacom e colocou a TV Abril à venda, juntamente com suas
retransmissoras por todo o país. Sem compradores interessados, a Abril chegou a analisar dois
projetos de gestão para sua rede de televisão manter-se no ar, mas com outro nome e apostando
apenas em produções de humor, linha que a própria MTV Brasil já fazia. O outro projeto seria
manter a emissora exibindo apenas documentários estrangeiros e videoclipes.

A programação da MTV Brasil deixou de ser operada pelo Grupo Abril às 23h59 do dia 30
de setembro de 2013 e, em seu lugar, ressurgiu a Ideal TV, um canal de TV por assinatura da
própria Abril Radiodifusão S/A que falava sobre carreira profissional e mundo corporativo, mas
que havia sido extinto quatro anos antes. A programação de arquivo ficaria no ar como “tapa-
buraco”, até que toda a estrutura da TV Abril fosse vendida.
O Grupo Spring — também do ramo editorial e que edita a versão brasileira da revista “Rolling
Stone” — iniciou o processo de compra da TV Abril em dezembro de 2013, mas conseguiu
efetivá-lo somente seis meses depois. Em seguida, a rede de papelarias Kalunga se associou à
Spring e posteriormente se tornou a única proprietária da empresa. Após a TV Abril ser vendida,
o edifício histórico do Sumaré ficou subutilizado, mas com praticamente toda a estrutura técnica
1 O sistema MMDS (siglas em inglês para Serviço de Distribuição Multiponto Multicanal) é
uma tecnologia de telecomunicações sem fio, terrestre, usada para transmissão simultânea de
diversos canais de televisão por assinatura, tal como é feito no sistema a cabo ou por satélite.
No Brasil, o MMDS já entrou em desuso.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 661

da MTV ainda montada. Mesmo vendida, a emissora-geradora seguiu com o nome de Ideal TV,
mas restringiu-se em alugar seus horários a denominações religiosas. Apenas alguns poucos
programas foram produzidos no edifício, algo que mobilizou somente pouco mais de uma dezena
de funcionários.
No segundo semestre de 2020, no entanto, de forma cíclica, aquele trecho do bairro do Sumaré
se agitou novamente com o aumento da circulação de profissionais de televisão. Dezenas de
profissionais foram contratados pelo Grupo Kalunga, que decidiu investir na criação do Loading,
um player de conteúdo audiovisual focado em cultura pop, com exibição de séries, animes,
games, e-sports e outros programas relacionados ao entretenimento jovem. Dentre as várias
plataformas de distribuição de conteúdo, estava a rede de emissoras da Ideal TV. A estreia do
Loading aconteceu na noite de 7 de dezembro de 2020, mas o projeto foi descontinuado apenas
seis meses depois, por falta de anunciantes. A partir disso, foram iniciadas tratativas para arrendar
a Ideal TV para a Rádio Jovem Pan, que se preparava para estrear seu canal de TV. Problemas
jurídicos com a legalidade das transações de compra e venda entre a Abril e a Spring, no entanto,
fizeram a Jovem Pan desistir do negócio.

Grupo Abril como Locatário do Grupo Silvio Santos

Em 1995, ainda antes de a Central de Produção do SBT no Sumaré migrar totalmente para o novo
Centro de Televisão da Via Anhanguera, a TV de Silvio Santos passou a locar alguns estúdios e
salas do complexo do Sumaré para a Abril Radiodifusão S/A1. Assim, ele passou a ser utilizado
pela vizinha TV Abril/MTV, pelo CNA - Central de Notícias Abril — em desenvolvimento e
parceiro de conteúdo do próprio SBT — e pelo canal ESPN Brasil, lançado naquele ano de 1995,
fruto de um modelo inédito de parceria feito entre a Abril e a ESPN norte-americana, o maior
canal esportivo da TV por assinatura mundial.
Quando foi lançada, a ESPN Brasil tinha pouco espaço para as operações dentro do complexo e
sequer contava com um estúdio próprio. A saída foi usar a estrutura da MTV, que cedeu algumas
salas em seu edifício para sediar a redação e alguns dos horários de um estúdio para produção
dos programas. “No estúdio que usamos na MTV não dá para trazer [nem] seis convidados.
O cenário, que basicamente é composto de uma única mesa, não tem profundidade, e o local
comporta duas câmeras no máximo”, declarou José Trajano2, diretor de programação da ESPN
Brasil.
O SBT deixou definitivamente o complexo do Sumaré no final de 1996 e o Grupo Abril passou
a ocupá-lo totalmente. A redação da ESPN Brasil foi montada no 1º pavimento do prédio de
três andares, onde originalmente funcionou o Departamento de Publicidade da TV Tupi. No
andar acima, foi instalado o estúdio do CNA. Já o grande ex-Estúdio “S” do SBT passou a ser
usado exclusivamente pela MTV a partir de 1997, para a produção de programas com plateia.
Com a assinatura deste grande contrato de locação das instalações do Sumaré com o Grupo
1 Nessa época, o Grupo Abril era um dos maiores conglomerados de mídia do país, mantendo
a totalidade ou parte de negócios nas mais variadas formas de mídia: Editora Abril, Abril Vídeo
(filmes da Disney e da Fox), Abril Music, MTV Brasil, TVA Programadora (que operava os canais
HBO Brasil, Bravo!, ESPN Brasil, Eurochannel e CMT Brasil), TVA Operadora (MMDS, Cabo e
Digisat), DirecTV (operadora via satélite) e os portais BOL e UOL (em parceria com o Grupo
Folha).
2 “ESPN Brasil Ganha Novo Estúdio”, Folha de São Paulo, 08/02/1998, TV Folha, p. 7.
662 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Silvio Santos, no local o SBT utilizou apenas a área de sua torre de transmissão, com portaria na
Avenida Prof. Alfonso Bovero, n° 72.
Em março de 1998, após a data de estreia ter sido adiada várias vezes, o projeto do canal
CNA foi cancelado, pois, além de atrasos no cronograma e dificuldades em se estruturar, uma
grave crise afetou o Grupo Abril e culminou na venda de vários ativos e na diminuição dos
investimentos. Com isso, a ESPN Brasil pôde ocupar o estúdio do CNA e algumas outras salas.
Em 1999, o Grupo Abril vendeu sua parte acionária na ESPN Brasil para a controladora da
própria franquia, a The Walt Disney Company. No entanto, o canal esportivo não deixou as
instalações do Sumaré e segue no local até hoje, como locatária do Grupo Silvio Santos. Quem
passar pelas ruas Piracicaba e Catalão vai observar diversos galpões (estúdios) geminados, sem
estética, chegando até a demandar uma nova pintura externa, como se a TV Tupi tivesse deixado
o local e pouco se fez para preservá-lo. Entretanto, internamente, a realidade é completamente
oposta, com muita beleza, funcionabilidade e eficiência. Há um aspecto de preservação, aliado à
segurança, renovação, modernidade e tecnologia. Poucas estruturas foram mudadas internamente
desde o fechamento da TV Tupi e apenas algumas salas foram demolidas para aprimoramento
na circulação e a criação de uma cafeteria. Entretanto, todos os prédios e estúdios da televisão
pioneira permanecem em operação até hoje e são plenamente utilizados pela ESPN, cujo slogan
é “A Vida Precisa do Esporte”.

Como a ESPN Está Instalada nos Antigos Estúdios da TV Tupi

O pioneiro “Estúdio A”, da TV Tupi, hoje é chamado pela ESPN de “Estúdio 2”, onde geralmente
são gravados programas com periodicidade semanal. Os antigos “Estúdio B” e “C” foram
unificados e viraram o amplo “Estúdio 1”, com cerca de 388 m2, de onde vão ao ar os programas
diários, muitos deles ao vivo.
Acima do “Estúdio 1” há um pavimento que era utilizado pela TV Tupi para disposição de
camarins, Controle Mestre entre outros setores. Hoje, este pavimento é chamado de “Torre A”
e agrupa as salas de Administração, Artes, Programação, Promocionais e Recursos Humanos
da ESPN. A “Torre C” também está sobre o “Estúdio 1” e agrupa os setores de Coordenação de
Externas, Laboratório, Projetos e TI (Tecnologia da Informação).
O antigo prédio do Departamento de Publicidade da Tupi hoje é chamado de “Torre B”. No
passado, existia o “Estúdio D” no térreo deste prédio e, nos dois pavimentos superiores, pequenos
estúdios para gravação de locução para propagandas e chamadas. Hoje, o antigo Estúdio “D”
é chamado pela ESPN de “Estúdio 4”, utilizado eventualmente para locuções e gravações de
pequenos programas especiais. Nos dois pisos superiores não existem mais estúdios e, com isso,
algumas janelas foram implantadas nas antigas paredes-cegas. Nestes dois pisos ficam a área
de Engenharia e a Central de Transmissão da ESPN, responsável pelo envio de sinais de, pelo
menos, quatro canais para o satélite. Há diversas antenas parabólicas no topo deste velho prédio.
Em julho de 1967, a TV Tupi inaugurou o “Estúdio-Palco”, com 400 m2. Nele, a Tupi produziu
programas de variedades, apresentados por Silvio Santos, Chacrinha, Moacyr Franco, entre
outros. Como já dissemos, em 1991, o local virou o Estúdio “S” do SBT e, a partir de 1993,
passou a ser ocupado pela MTV Brasil. Após o encerramento das atividades da emissora, em
2013, o local passou a ser subutilizado pela ESPN, mas deixou de ser um estúdio e foi usado,
dentre outras coisas, para realização de grandes reuniões. Durante a Copa de 2014, a ESPN
instalou telões no local para seus funcionários acompanharem os jogos. Em 2017, por fim, ele
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 663

tornou-se um amplo complexo de escritórios, chamado de “Área de Expansão”, que abrigou


funcionários da emissora anteriormente instalados em um edifício na Vila Olímpia. Há poucas
salas neste complexo e os funcionários dos setores de Afiliadas, Aquisições, Compras, Financeiro,
Jurídico, Marketing e Novos Negócios ficam instalados, em sua maioria, lado a lado nas baias do
grande salão, que ainda mantém o pé-direito de 15 m do antigo estúdio de TV. É interessante
refletir quantas apresentações memoráveis, com gente muito famosa, um dia se deram onde
atualmente funciona a “Área de Expansão” da ESPN.

O antigo “Estúdio-Palco” da TV Tupi


abriga hoje setores administrativos
do canal ESPN. (nov-2019/ESPN/
divulgação)

No subsolo da antiga Cidade do Rádio, no Sumaré, existem até hoje dois salões que foram
projetados para armazenar equipamentos e cenários. Um deles fica sob os antigos estúdios “B” e
“C” e lá hoje funciona a redação da ESPN. O outro salão da Tupi, que virou “Estúdio-Subsolo”
em 1968 e a sala do novo transmissor em 1979, hoje é usado como “Estúdio 3” pela ESPN.
No edifício mais novo do complexo, construído entre 1978-79 para abrigar o novo Centro de
Exibição, uma sala de manutenção e uma Central de Produção, hoje estão os setores de Elétrica,
Telecom e um refeitório da ESPN. Veja abaixo um quadro comparativo da configuração do
Centro de Televisão do Sumaré, nas fases da TV Tupi e da ESPN (ontem e hoje):

Para retratar a forma que o septuagenário complexo construído pela TV Tupi de São Paulo está
sendo bem cuidado e aproveitado pela ESPN Brasil, no dia 15 de fevereiro de 2021 a emissora
inaugurou uma grande reforma no Estúdio 1, o principal do complexo do Sumaré. Aproveitando
o afastamento dos apresentadores, que entravam no ar de maneira remota devido a pandemia do
novo coronavírus, o canal realizou as obras neste estúdio, que passou a ser exclusivo do programa
“Sports Center”. A novidade ficou por conta da implantação de recursos avançados de tecnologia
de imagem e de iluminação, com mais de 200 m² de painéis de led de alta definição e um telão
664 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

de 500 polegadas, para serem utilizados como fundo de um dos três ambientes distintos do
programa, permitindo ampla interatividade com os apresentadores. Considerando as etapas de
planejamento, design e construção, o projeto de atualização técnica do Estúdio 1 da ESPN Brasil
levou mais de um ano para ser concluído e os planos eram de também promover atualizações nos
outros estúdios históricos. Portanto, no dia em que a antiga sede da TV Tupi completou seus 70
anos, em 18 de setembro de 2020, a ESPN Brasil estava esvaziada devido a suspensão da
produção de programas de estúdio, mas, por outro lado, o Estúdio 1 passava por uma importante
modernização.

Um dos novos e modernos cenários instalados em


2021 no “Estúdio 1” da ESPN Brasil. No mesmo
local outrora funcionaram os estúdios “B” e
“C” da TV Tupi de São Paulo. (fev2021/ESPN/
divulgação)

Parede Histórica

Um detalhe curioso e importante para a história da televisão pode ser contemplado em um simples
corredor ao lado do Estúdio 1 da ESPN. É possível se deparar com boa parte do alinhavado de
tijolos verticais aparentes da fachada do Estúdio “A”, o pioneiro da Televisão Tupi, inaugurado
em 1950, atualmente chamado de Estúdio 2. A visualização externa do antigo estúdio acabou
sendo obstruída com o passar dos anos, devido a construção de sanitários e de um corredor para
funcionários. Entretanto, como a parede desta fachada não foi demolida e sequer revestida —
talvez propositalmente —, ela pode ser visualizada por quem caminha no corredor. Até hoje,
inexplicavelmente, existem pouquíssimas fotografias que mostram esta fachada original do
estúdio pioneiro de televisão no Brasil. Mas ela ainda está de pé (foto), pintada de branco, bem
preservada, sendo que também é possível observar pequenas partes dos tijolos de outras duas
paredes do mesmo estúdio, a partir da Rua Piracicaba e, do lado oposto, a partir dos andares do
antigo edifício-sede das “Associadas”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 665

Parte da fachada original do Estúdio


“A” com tijolos alinhavados, que pode
ser vista — e até tocada — na lateral
de um dos corredores do canal ESPN
Brasil. (nov-2019/ESPN/divulgação)

Comparativo entre a fachada original e a atual do pioneiro Estúdio “A” da TV Tupi: parte do alinhavado original
de tijolos aparentes ainda pode ser contemplada a partir da Rua Piracicaba. (Mário Fanucchi e Maurício Viel/
Acervo pessoal)

Para celebrar os 55 anos da TV Tupi, uma reunião foi


organizada pelo então Museu da TV/Pró-TV (hoje Museu
da TV, Rádio & Cinema), então presidido pela saudosa
atriz pioneira Vida Alves. Foram convidados aqueles que
participaram da inauguração da emissora, ou que a ela
estiveram ligados de alguma forma. O cenário da festa não
poderia ser melhor: o Estúdio 2 do canal ESPN Brasil, que
é nada menos que o pioneiro Estúdio “A” da Tupi. O canal
esportivo levou ao ar uma reportagem sobre o encontro, que
homenageou os pioneiros. O ponto alto aconteceu quando
os próprios pioneiros reproduziram — ou reencenaram —
suas participações no programa inaugural da Tupi, o “TV na
Taba”, historicamente exibido na noite de 18 de setembro
de 1950.
666 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

Modernização da Torre da TV Tupi


No ano de 1999, foram encerradas as operações da famosa antena RCA de
polarização circular do Canal 4 de São Paulo. Em seguida, as transmissões do
SBT em São Paulo passaram a ser feitas, provisoriamente, da torre do Grupo
Bandeirantes, para que a antiga e pesada antena do Canal 4 fosse removida e
instalado um novo sistema irradiante em seu lugar. Juntamente com um novo
transmissor, a inauguração da nova antena aconteceu um ano depois. Em 2 de
dezembro de 2007, a televisão brasileira iniciou uma nova fase com a inauguração
das transmissões digitais e, em São Paulo, o SBT inaugurou seu sistema no canal
28 UHF, transmitindo a partir da última torre construída pela Tupi. O SBT - Canal
4 VHF, assim como as outras emissoras da mesma região metropolitana, cessou
a transmissão analógica de sua programação em 29 de março de 2017, seguindo
o cronograma oficial da Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações. Um
aviso sobre a interrupção permaneceu no ar por 30 dias até que, por fim, o
antigo canal de operação da TV Tupi de São Paulo, concedido ao SBT em 1981,
foi retirado do ar, definitivamente, às 23h59 do dia 29 de abril de 2017. Na sala
de transmissão do SBT, na Avenida Prof. Alfonso Bovero, nº 72, no Sumaré, o
desligamento do transmissor analógico Toshiba, com 60 kW de potência, foi
feito solenemente por Rubens Hübner, veterano coordenador-técnico do SBT e
ex-funcionário da TV Tupi. Por fim, vale destacar que o restaurante dessa torre
foi muito usado durante os anos 1980-90 para promover almoços de negócios
ou comemorações entre sua direção e políticos, empresários, atores, agências
de publicidade etc. Nos dias de hoje, contudo, é muito raro que algo aconteça
naquele espaço excêntrico.

O Edifício-Sede dos Diários Associados

O antigo edifício Guilherme Guinle, construído para ser sede das empresas paulistas dos Diários
e Emissoras Associados, permanece conservado até os dias atuais. Contudo, como vimos,
foi leiloado e não é mais de propriedade daquela organização, que existe até hoje. O nome
do edifício foi alterado para Condomínio Guaratinguetá, que abriga uma agência bancária no
histórico hall e outras diversas empresas nos andares, principalmente de telemarketing. Há,
também, um sofisticado buffet chamado “Espaço Romano”, instalado no subsolo, local exato
onde funcionavam as rotativas Vomag dos jornais “Diário de São Paulo” e “Diário da Noite”.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 667

O Tombamento do Edifício-Sede das “Associadas”

“O prédio da MTV foi tombado recentemente e recebi a notícia


com muita alegria. É uma garantia de que aquilo será preservado”.
(depoimento de Gershon Knispel, “Memórias de uma Ilusão Fatal”,
O Estado de São Paulo, 25/11/2012, p. J5)

O antigo edifício-sede das Emissoras Associadas de São Paulo, localizado na Avenida Prof.
Alfonso Bovero, nº 52, por onde funcionaram a TV Tupi, as rádios Difusora, Tupi e Cultura,
e a MTV Brasil, para citar algumas, é tombado pelo patrimônio histórico desde 12 de março
de 2012. A origem desta iniciativa é popular, sugerida pelo cidadão José Marcos Prates Bastos,
morador do bairro do Sumaré. Ele entrou com um processo no Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) em 26 de
novembro de 2000, pedindo o estudo de tombamento da área que vai do número 52 ao 72 da
Avenida Prof. Alfonso Bovero.

A imagem do edifício, seu painel alusivo à temática nacionalista


indígena, sua arquitetura moderna e vanguardista pode configurar-
se como suporte físico suficiente para a preservação e memória
da televisão. (trecho da justificativa encontrada no processo de
tombamento do Condephaat)

Em 12 de março de 2012, o colegiado do Condephaat aprovou o tombamento, mas houve


contestação do fundo de previdência dos funcionários da Editora Abril, AbrilPrev, então
proprietária do edifício. Foi alegado que, entre outros pontos, “qualquer limitação imposta
ao imóvel, sobretudo o tombamento, acarretará sua desvalorização, impactando diretamente
nos ativos do plano de previdência complementar administrado pela empresa proprietária do
imóvel” e que “a legislação prevê outros instrumentos jurídicos menos onerosos para a proteção
do patrimônio histórico-cultural que se pretende tutelar”. A resposta do Condephaat foi que “o
tombamento, diversamente do afirmado em contestação, não gera a desvalorização do imóvel,
pois a ele impõe apenas sua utilização de modo a preservar seu importante valor histórico e
cultural para a sociedade. Se bem trabalhados estes valores que lhe são inerentes, certamente
ocorrerá o tão almejado retorno econômico da propriedade privada”.
Cinco anos depois do início do processo, a historiadora Sheila Schvarzman, o arquiteto Paulo
Del Negro e a estagiária de história Juliana de Paiva Magalhães, todos ligados à Unidade de
Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH) do Condephaat, recomendaram que, além do
edifício em questão, também fosse tombada a fachada do pioneiro Estúdio “A”, vizinho ao
prédio, com antiga face para a Rua Piracicaba. Em agosto de 2006, o colegiado do Condephaat
aprovou o parecer pela abertura de estudo de tombamento e, três anos depois, novamente a
UPPH, nas pessoas dos arquitetos Silvia Ferreira Santos Wolf, Priscila Miura e Paulo Sérgio
Del Negro, defendeu o tombamento do antigo edifício de 11 andares da TV Tupi, mas não
do “Estúdio A”. A justificativa condiz com algo que relatamos poucas linhas atrás: apesar de
continuar realizando sua função original pelo canal pago ESPN, o parecer técnico avaliou que
668 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

o estúdio “foi envolvido por outras construções e não conserva ligação com a rua, nem a feição
original”. Vale repetir, portanto, que o alinhavado original de tijolos verticais aparentes hoje
pode ser contemplado de um corredor interno e uma pequena parte pela Rua Piracicaba.
Por outro lado, o antigo edifício-sede das Emissoras Associadas, projetado por Dorvalino
Mainieri e Gregório Zolko (ver Capítulo 28), teve seu lado externo pouco modificado, apenas,
conforme já citado, a área de maquinários — na cobertura — e o jardim do átrio, onde foi
construído um prolongamento do andar.
Com o tombamento, o prédio de 11 andares está legalmente protegido contra alterações de
fachada, bem como o painel artístico, com as imagens dos índios em alusão ao nome da emissora.
Só é possível fazer intervenções nessas áreas com autorização do Condephaat. As áreas internas
não foram tombadas por já terem sido bastante modificadas.

Resolução SC 103, de 27/10/2014


Artigo 1º - Fica tombado na categoria de bem cultural, histórico
e arquitetônico a sede da antiga TV Tupi, cujo lote fica situado na
Avenida Prof. Alfonso Bovero, nº 52, no bairro do Sumaré em São
Paulo.
Artigo 2º - Buscando manter a edificação como símbolo da trajetória
da televisão no Brasil e como exemplar da arquitetura moderna, fica
estabelecido que estão preservados o volume, implantação e fachadas
da edificação, inclusive o painel alusivo à cultura indígena Tupi.

Praça TV Tupy e Placa Memória Paulistana

Desde outubro de 2008, uma placa especial pode ser vista no cruzamento da Rua Apinajés com a
Avenida Prof. Alfonso Bovero. Nela, a imagem do Tupiniquim, o indiozinho que foi o primeiro
símbolo da emissora pioneira, e ao seu lado, os dizeres: “Praça TV Tupy” (com “y”) e “Uma
homenagem da Comunidade de Vila Pompeia/Sumaré ao berço da TV brasileira”. O objetivo foi
criar um pequeno espaço cultural, dedicado aos artistas locais.
Em 2019, o Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura da
Prefeitura de São Paulo promoveu o concurso “Placas da Memória Paulistana”, com a proposta
de instalar marcos que identificassem referências culturais em diversos pontos da cidade, sejam
espaços, edificações, paisagens ou acontecimentos. Quem apontou estes locais foi a própria
sociedade civil: moradores, lideranças comunitárias, educadores, agentes culturais e
pesquisadores. Foram selecionadas cinco indicações de Elmo Francfort, coautor desta obra
literária. Uma delas contemplou a instalação de uma placa na esquina da Avenida Prof. Alfonso
Bovero com a Travessa Xangô, indicando que ali funcionou a TV Tupi (foto). Outra placa
indicada por Francfort foi fixada na fachada do antigo edifício-sede dos Diários Associados em
São Paulo, situado na Rua Sete de Abril, nº 230 (foto).
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 669

Projeto “Placas da Memória Paulistana” faz referência ao local onde funcionaram a TV Tupi de São Paulo e a
sede paulista dos Diários Associados. (reprodução)

O Cassino da Urca
A sede da TV Tupi carioca, situada onde outrora funcionou o histórico
Cassino da Urca, contava com dois blocos, separados pela Avenida João Luís
Alves mas unidos por uma passarela. No bloco oposto ao mar, a emissora
montou quatro estúdios e um grandioso auditório (apelidado de “Grill”).
No outro bloco, sobre a areia da praia, havia outros três estúdios. Após
anos de abandono total dos prédios, no início dos anos 2000 a prefeitura
conseguiu desapropriar o imóvel e preparou sua restauração para instalar
o Museu do Rio e o Museu da TV Tupi. Todavia, a prefeitura cancelou
os projetos e passou a angariar parceiros para ocupação do edifício. Em
2006, fechou uma parceria com o italiano Istituto Europeo di Design (IED)
para exploração dos dois blocos por 25 anos. A contrapartida do IED era
a reforma integral do prédio, conservação e manutenção. No entanto, as
obras ficaram paralisadas por quase cinco anos, devido a disputas judiciais
e ambientais, o que somente foi superado em 2014, quando o IED pôde ser
inaugurado, após investimento de R$ 14 milhões em revitalização. No início
de 2019, no âmbito da Lei Rouanet, foi aprovado o projeto para executar
a segunda fase de revitalização, que contemplaria o bloco abandonado.
O antigo auditório do Canal 6 viraria um teatro para realização de peças,
shows, exposições e desfiles. Em meados do mesmo ano, entretanto, o
Superior Tribunal de Justiça decidiu que a cessão do prédio era ilegal e
que deveria ser encerrada. A prefeitura e o IED poderiam tentar reverter
a decisão, mas o IED optou por fazer um distrato de contrato amigável
e mudar-se para outro local. A concessão do prédio foi licitada em
junho de 2020 e o IED mudou-se em fevereiro de 2021, quando passou
a ser ocupado pelo vencedor, a Escola Eleva, do empresário Jorge Paulo
Lemann, que assumiu o compromisso de revitalizar o bloco abandonado
ao custo de R$ 21,4 milhões. Os dois blocos somam cerca de 3 mil m2 e sua
fachada é um Bem Tombado Municipal.
670 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

CAPÍTULO 49
VIDEOGRAFISMO

A
TV Tupi utilizou diversas marcas durante seus praticamente 30 anos de existência,
algo que, se estudado, revela como foi a evolução da direção de arte, do design e do
videografismo televisivo durante essas três décadas. As logomarcas e vinhetas de uma
emissora fazem parte da materialização de sua identidade e, quando renovadas, geralmente
representam uma nova fase.

A seguir, vamos contemplar as principais logomarcas usadas pela TV Tupi e Rede Tupi ao longo
dos anos.

1950: A primeira logomarca da TV Tupi de São Paulo, conforme já retratado no Capítulo 22, é
uma adaptação da logomarca da Rádio Tupi, com um índio de expressão sisuda, uma das mãos
em pala e a outra segurando um arco.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 671

1951-1972: A partir de 1951, o produtor Mário Fanucchi veiculou a simpática figura do


Tupiniquim, o indiozinho da TV Tupi de São Paulo, que, na década de 1960, passou a contar com
versões diversas nas Emissoras Associadas de todo país. O Tupiniquim inaugurou a fase das
mascotes na televisão brasileira, algo que aproximou as crianças das TVs. Algumas das
adaptações regionais do Tupiniquim levaram consigo características dos traços dos respectivos
povoados locais, mas com um ponto em comum: um par de antenas de televisão sendo usado
como cocar.

1951-1955: A TV Tupi carioca incluiu a figura do Tupiniquim dentro do número “6”, seu canal
de operação.
672 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

1955-1972: A Tupi do Rio mudou sua marca e o nome da emissora passou a ficar dentro do
número 6. Nesse período, Carlos Haraldo Sorensen foi o diretor de Arte da emissora.

1968-1972: Em São Paulo, o Canal 4 passou a usar uma logomarca em seus impressos,
principalmente em anúncios de jornais. Não há informações de que ela tenha ido para o vídeo
também.

1970: Os Diários e Emissoras Associados passaram a veicular anúncios impressos com uma
marca que remetia à implantação de um comando único nas TVs Tupi do Rio e de São Paulo.
Contudo, para os anúncios restritos aos jornais paulistas, a TV Tupi - Canal 4 adotou outra
marca, em comemoração aos seus 20 anos de operação.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 673

1972-1976: Com a formação da Rede Tupi e o início das transmissões em cores, foi criada uma
logomarca composta por duas linhas entrelaçadas e três esferas nas cores azul, vermelho e verde,
que compõem o padrão RGB de vídeo (red, green, blue). Estas linhas representaram o gráfico de
uma onda senoidal, que é visto na tela de um instrumento chamado osciloscópio, responsável por
medir a tensão dos sinais eletromagnéticos de equipamentos — no caso, da emissora de TV. A
criação desta marca se deu a partir de um concurso universitário, lançado pela TV Tupi carioca
em 31 de março de 1972, junto com a estreia da programação em cores no Brasil. O edital foi
publicado nos jornais e revistas dos Diários Associados e o objetivo também foi despertar o
gosto pelo desenho artístico e industrial entre os universitários. A arte deveria ser criada em um
cartão tipo scholler, com dimensões de 30 x 40 cm, e conter, além do preto, as três cores básicas
da televisão: vermelho, verde e azul. Não encontramos registros do nome do ganhador, cujo
trabalho com a senoide teria sido escolhido por um júri composto por membros da TV Tupi do
Rio e do GRIM - Grupo Interuniversitário Musical, criado pela própria emissora para realizar
anualmente o Festival Universitário de Música Brasileira. O vencedor teria ganhado uma viagem
a Paris, sob o patrocínio da Air France, podendo visitar as principais escolas de desenho industrial
da França. No entanto, outras fontes apontam que a logomarca da senoide, na prática, fora criada
por um desenhista da própria Tupi carioca, também ligado ao grupo GRIM. Ele seria Renato
Lage, que também era cenógrafo e ficou famoso pela produção de carros alegóricos no Rio de
Janeiro.

1976-1977: A emissora-geradora, em São Paulo, criou um catavento para usar como nova marca
da rede, mas houve muita rejeição e em pouco tempo a logomarca anterior foi retomada. A ideia
674 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

do catavento tinha por objetivo mostrar leveza e representar a integração da rede de emissoras. O
ponto central do catavento simbolizava a geração de conteúdo para as emissoras da rede.

1977-1979: Feita a retomada da logomarca com a onda senoidal, algumas pequenas modificações
foram apresentadas na cor e no formato das linhas.

Dois conjuntos de computador “Scanimate” e “Conser” foram


alugados pela Rede Tupi, em Denver, no Colorado - EUA, para a
realização das novas vinhetas da emissora. Quinze delas estarão
sendo lançadas no dia 19 de fevereiro, ilustrando o “Grande Jornal”
da Rede Tupi. A criação e produção foram feitas por brasileiros - a
parte infantil pela Salles Interamericana; e dos telejornais por Laerte
Agnello, da MPM; e a parte musical pela Orquestra Sinfônica de
Campinas. Este é um grande passo que a Rede Tupi de Televisão dá
neste ano de 1978, pois até o momento, apenas a Globo lançava-se
com mais dedicação neste campo. Agora a Tupi parte também pra
valer neste campo do visual. (“Rede Tupi: Novas Vinhetas Através do
Computador”, Correio Braziliense, 17/02/1978, Segundo Caderno,
p. 4)
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 675

1979-1980: Cyro Del Nero, o último diretor de Arte e Comunicação Visual da Rede Tupi, foi
contratado pelo diretor Walter Avancini em 1979. Devido à intenção de renovar totalmente a
plástica da emissora e lançar uma nova programação, uma nova logomarca e vinhetas foram
produzidas por Del Nero, que escolheu a inicial “T” e a produziu de forma estilizada e tripartida
para comportar as três cores básicas da televisão — o padrão RGB —, herdado da última logomarca.
Conforme declarado pelo próprio Del Nero, além de passar a sensação de modernidade, nos
bastidores a nova marca era chamada de “Tesão”, com duplo sentido da palavra. Com formas
minimalistas e simplificadas, a nova marca garantiu maior dinamismo gráfico à Rede Tupi, que
também passou a utilizá-la em toda frota de veículos, materiais impressos e comunicação visual
em geral. Cyro Del Nero também era cenógrafo e já havia vivido grandes experiências na TV
Excelsior e na TV Globo. Era considerado o “pai” da comunicação visual da TV brasileira.
Também trabalhou na TV Bandeirantes, onde também modernizou a marca do canal.

1980 (2): Del Nero criou uma variante da marca, com o “T” passando a ser visto dentro de
linhas que representavam uma tela de TV. O diretor também criou a logomarca “80 Ano 30”, em
comemoração aos 30 anos da TV Tupi de São Paulo, e que pode ser vista no Capítulo 43.

Slogans

Conheça alguns dos slogans presentes na história da Rede Tupi:

1950-1952: “A Primeira TV do Brasil. A Primeira da América Latina” - A curiosidade vem


da menção à América Latina, uma vez que o México saiu na frente do Brasil, sendo então a TV
Tupi posteriormente reconhecida como a pioneira da América do Sul.

1956-1963: “Seus 500, Mais 500” - Este slogan remete à disputa por transmissões intermunicipais
entre TV Tupi e TV Record. A TV Tupi rebatia o slogan “500 km à frente”, uma provocação do
canal de Paulo Machado de Carvalho. Nesse período, as “Associadas” ultrapassaram os limites
e conseguiram alcançar o dobro de distância da concorrente, com a instalação de mais antenas.
676 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

1963-1972: “Pioneira em Imagem-Som, Alcance e Cor” - Uma homenagem às primeiras


transmissões experimentais coloridas da TV Tupi de São Paulo, realizadas entre 1963-64.

1972: “Sistema Tupicolor. Vamos Pôr Mais Cor na Sua Vida” - Uma referência à primeira
transmissão oficial colorida da emissora, o show especial “Mais Cor em Sua Vida”, exibido na
noite de 31 de março de 1972. Por sua vez, o nome desse show era uma referência direta ao
slogan do patrocinador principal da atração, os televisores Philco.

1974-1979: “Rede Tupi de Televisão: do Tamanho do Brasil” - A referência é direta ao projeto


de expansão da rede pioneira por todo país. Em junho de 1974, a Tupi de São Paulo passava a
ser a única geradora da rede.

1974-1975: “Rede Tupi: 22 Emissoras Colorindo o Céu do Brasil” - Remete às emissoras


próprias e afiliadas da Rede Tupi de Televisão. Usado eventualmente, em paralelo ao slogan
principal (acima).

1975: “Rede Tupi de Televisão - A Primeira Imagem da TV” - Veiculado no ano em que a
emissora paulista celebrou 25 anos no ar. Contudo, ele pode ter sido usado somente em anúncios
impressos.

1979-1980: “Tupi, Mais Calor Humano” / “Tudo Bem, Tudo Bom, na Tupi” - Os dois slogans
remetem ao espírito positivista e de renovação da Tupi, que promoveu grandes mudanças nas
estruturas e na programação, mesmo com a forte crise administrativa, que acabou culminando na
cassação pelo governo em 18 de julho de 1980.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 677

CAPÍTULO 50
CONCLUSÃO - TV TUPI: SEMPRE PRESENTE

“Hoje em São Paulo a Televisão - Inaugura-se à Noite a PRF3-TV”


(“Diário da Noite”, 18 de setembro de 1950)

E
xatamente sete décadas depois desta manchete ter sido publicada, muita coisa mudou
no mundo, no Brasil e na nossa televisão, graças àqueles que a edificaram. Sempre com
muito profissionalismo, com mais acertos que erros, eles criaram a base desse meio de
comunicação que ainda é um dos mais queridos entre os brasileiros. A televisão brasileira hoje
é, sem dúvida, uma das referências do que fazemos melhor e há um grande reconhecimento
mundial nesse aspecto. Sua história começou oficialmente lá em 1950, com a já saudosa TV
Tupi-Difusora de São Paulo. Saudosa sim, ao vermos os relatos não só dos telespectadores que
a assistiram, mas também de boa parte de seus profissionais que, ainda hoje, relembram com os
olhos marejados os tempos que lá estiveram.
Assim como a TV Tupi, toda história termina e aqui vamos encerrando esta obra, na certeza de
que daremos o start para muitas outras que virão. Histórias que multiplicam o conhecimento
sobre nossa TV. É necessário sempre sonhar, emocionar, informar, dar novamente voz e vida a
outras épocas, tocando sempre quem está do outro lado da tela. Por isso, pensando no legado da
emissora, vamos agora dar início a uma última viagem afetiva desta obra. Preparado?

Bairro do Sumaré, em São Paulo. Na antiga Cidade do Rádio, ou futuro Telecentro Tupi, hoje
há um entra e sai intenso de funcionários. Na quase esquina das ruas Catalão e Piracicaba, está
a entrada do canal pago ESPN Brasil, onde se fala apenas sobre esportes, mantendo ali uma
tradição presente desde os tempos de Aurélio Campos, que introduziu este gênero na TV, e por
Walter Abrahão, que por muitos anos dirigiu o departamento esportivo da TV Tupi de São Paulo.
No mesmo quarteirão, na esquina da Rua Piracicaba com a Avenida Prof. Alfonso Bovero, se
ouve um som constante do sistema de refrigeração do transmissor do Canal 4, ou melhor, 4.1,
que é como se identifica o canal de TV digital do SBT. No alto da exótica torre de concreto,
se vê toda São Paulo, com uma vasta quantidade de torres de rádio e TV e um “sem número”
de antenas nos telhados das casas e no alto dos prédios. Naquela torre, iniciada pela Tupi e
concluída pelo SBT, técnicos operam os equipamentos para garantir a mais alta qualidade de
sinal, distribuído principalmente pelo ar, de forma digital, aberta e gratuita. Na hora do almoço,
os profissionais das emissoras se encontram e vão continuar o papo, ali perto, na Lanchonete
Real, a antiga e tradicional Padaria Real, como nos velhos tempos de Tupi.
Rio de Janeiro, Urca. Do lado da praia, o antigo Cassino da Urca, ex-TV Tupi do Rio de Janeiro,
é frequentado assiduamente pelos alunos e visitantes do Istituto Europeo Di Design, responsável
pela restauração desta parte do complexo arquitetônico. Já do outro lado da avenida, adentramos
678 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

para ver a situação do imóvel, que agora ruma para ser restaurado por meio de novas parcerias,
para dar novamente vida àquele “templo” da televisão carioca. Hoje, o pó consome o espaço e
a luz penetra os vãos. Já não há mais teto e a natureza da Urca deu vida onde parecia não existir
mais, com o nascimento de muitas árvores no terreno. Desviando de uma teia de aranha aqui,
outra acolá, limpando o pó para ir mais longe, chegamos ao epicentro: o antigo auditório do
Canal 6, com o que restou do espaço antes ocupado por tantos assentos e um palco. Um palco
que foi cenário do drama dos profissionais, artistas e técnicos da própria emissora; que em meio
a muito choro e desespero, imploraram para que o presidente Figueiredo mantivesse aberta a TV
Tupi do Rio de Janeiro e aceitasse que os próprios funcionários a gerissem.
Como uma ficção, que era uma das especialidades da Tupi, peço que vocês se permitam sonhar e
fazer uma última viagem afetiva. Que aquele vazio, que dá eco, nos permita ouvir novos sonhos,
misturando as lembranças. No centro do palco, um vento arrasta toda sujeira, todos os resquícios
de um período de abandono e deterioração. De repente, como num passe de mágica, surge um
auditório novo, cujo chão brilha ao refletir os holofotes que antes existiam no teto... e agora estão
todos lá novamente. E ali, cadeiras repletas, gente de pé, profissionais da Tupi — de todas elas
— felizes. Jorge Perlingeiro, ao centro, fala ao microfone:
— Estamos todos aqui, juntos, continuando a defender nossa casa. Nossos amigos de toda Rede
Tupi de Televisão vieram em carreata para cá. Estamos em rede para todo Brasil, transmitindo
esse grande show. Obrigado, senhor presidente, pela confiança. Ainda mais felizes porque, além
de nós, entrarão no ar novas redes, das concessões novinhas em folha que o senhor criou junto
ao Ministério das Comunicações. É a televisão, no Brasil, meus amigos, em constante expansão.
E nós, aqui da velha Tupi, concretizamos ao assumir os compromissos da emissora e estamos
virando o jogo, com o mesmo afinco de sempre. Alô, São Paulo...
E do outro lado, o repórter Saulo Gomes diz:
— Boa tarde, amigos cariocas. Estou aqui, na frente do nosso prédio na “Terra da Garoa”. A
Avenida Alfonso Bovero está lotada de populares e funcionários da Tupi para prestigiar nossa
emissora, que completa 30 anos de existência. Um show sem precedentes. Artistas, técnicos,
muitos que estão aqui desde os primeiros dias, mostram que a Tupi é a nossa casa e o Sumaré
também. Voltamos agora, ao vivo, com muita alegria, aos estúdios do Rio de Janeiro.
E assim, o experiente Jorge Perlingeiro, conduz o show:
— Como diziam os pioneiros dessa casa, hoje a “taba” está em festa. Não é, meu pai? — a câmera
vira para Aérton Perlingeiro, o apresentador da versão carioca de “Almoço com as Estrelas”, que
sinaliza positivo com a mão.
— Agora, para fecharmos com chave de ouro esta memorável transmissão, no centro do palco,
chamaremos ele... Que por tantas vezes esteve se apresentando aqui, na Tupi da Urca. Esse rapaz,
meus amigos, ganhou até o nosso Festival Universitário de 69, com “O Trem”. Agora está aqui
com a gente, trazendo uma canção que diz muito sobre nossas lutas... Com vocês... Gonzaguinha!
E assim, em fusão, se focaliza o rosto de cada um dos profissionais da TV Tupi, mostrando
simultaneamente a emoção durante aquela festa... Uma festa que precisava acontecer. Então
aparece ele, o talentoso filho de Gonzagão, cantando “E Vamos à Luta”:
— Eu acredito é na rapaziada, que segue em frente e segura o rojão. Eu ponho fé... é na fé da
moçada, que não foge da fera, enfrenta o leão... Eu vou à luta com essa juventude, que não corre
da raia a troca de nada. Eu vou no bloco dessa mocidade, que não tá na saudade e constrói... A
manhã desejada...
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 679

E assim, os créditos sobem com o nome de todos que construíram essa história de 30 anos da
Rede Tupi. Uma lista sem fim...
Fade out. Do escuro, do sonho, os olhos se abrem e acordamos para a realidade. Quarenta anos
completados depois da inauguração do Canal 3 de São Paulo, em 18 de setembro de 2020, quanta
coisa mudou... Nos 70 anos da televisão, uma festa um tanto diferente. Os estúdios, antes lotados,
agora estão vazios. Já outros seguem com poucos presentes. Vivemos um tempo de pandemia,
cuja população aguarda ansiosamente pela vacina contra a Covid-19 para que possamos voltar às
atividades normais. Porém, a essência da televisão se faz presente, regressando aos ensinamentos
que as TVs pioneiras, como a Tupi, deixaram: durante o distanciamento social obrigatório, foi
necessário improvisar e usar a criatividade para driblar os novos desafios. A preocupação com a
técnica, sempre tão importante — que saiu das transmissões regionais, passou pelas internacionais
e chegou até as “interplanetárias”, quando a população viu estarrecida às imagens do homem no
espaço —, foi deixada em segundo plano, priorizando aquilo que justamente a televisão jamais
deveria ter colocado de lado: a qualidade do conteúdo. O diálogo, as emoções e a informação
privilegiada. Passamos, de repente, a querer estar cada vez mais próximos, buscando o abraço,
colocando novamente a TV como nossa janela para o mundo exterior… Novamente! Mesmo
sabendo das informações do mundo todo, voltamos a querer nos ver, saber da nossa região, da
nossa cidade, do nosso bairro. Assim como nos tempos da Tupi, regressaram velhos formatos e o
videoteipe virou uma arma para, numa crise, reproduzir conteúdos, que no passado foram bons e
tocaram o público. Reprises, lives... Sim! Voltamos ao “ao vivo”, com o pensamento de que sua
espontaneidade é o segredo para aproximar quem está de um lado e do outro da tela.
O que faremos num futuro próximo, quando tudo isso passar? Será a mesma realidade daquele
tempo, em 1950, quando aqueles jovens, que montaram a TV Tupi, tinham anseio de transformar
o mundo por meio daquele “brinquedo” que tinham nas mãos, e passar o melhor de si a quem
estava do outro lado, de forma aberta e gratuita. Hoje, de tal forma, há a vontade de retornar às
gravações, de produzir ainda mais com o que se descobriu, experimentou e se refletiu sobre a
formatação televisiva. Cabe a nós, profissionais dessa área, realizarmos o importante desafio da
superação, algo que na Tupi sempre existiu.
Imaginemos agora como seria hoje a Rede Tupi, com todas as possibilidades que as emissoras
atualmente possuem? Qual seria o papel da televisão regional? Por certo, de suma importância,
lembrando de emissoras que resistiram ao tempo — as afiliadas como a TV Vitória, do Espírito
Santo, e a TV Clube, do Piauí, que se destacam com uma forte programação regional, assim
como as resistentes e remanescentes emissoras próprias da Rede Tupi: a TV Itapoan, de
Salvador, e a TV Brasília, do Distrito Federal. O mesmo acontece com as emissoras de TV
dos Diários Associados, conglomerado que se recuperou de uma difícil fase, de crise intensa, e
hoje se modernizou ao extremo, mantendo emissoras de grande representatividade, como a TV
Alterosa, de Minas Gerais, uma das afiliadas do SBT, que atualmente produz programas para TV
aberta e Internet.
Poderíamos imaginar também uma Tupi com imagens em alta definição, em 4K ou até 8K,
mostrando a importância da tecnologia com cenas exuberantes da cultura popular, valorizando
símbolos nacionais, como sempre o fez, e dizendo mais uma vez: fomos pioneiros novamente!
O outro desafio com certeza era entender o papel da própria televisão: aberta, por assinatura,
via satélite... ou por streaming? Convergência ou concorrência? Provavelmente agregando
conteúdos complementares, poderíamos ver uma “Tuplay”, ou “Tupi Play”, com produções
originais brasileiras genuínas. A Tupi aprenderia, então, a “falar” para dois públicos: aquele
que quer ver um programa, na hora que quiser (“maratonando”), e aquele que quer ver uma
programação linear, com som imersivo e interatividade, na busca pelo aperfeiçoamento com o
DTV Play, indo cada vez mais em direção da mais alta modernidade da TV 3.0. Isso só reforça
680 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

o papel da televisão aberta, cada vez mais digital, que hoje está presente em 97% dos domicílios
brasileiros.
A TV Tupi foi uma grande escola. Um celeiro de talentos, desde o primeiro até seu último dia.
Saudosos aqueles funcionários, que hoje se sentem privilegiados por terem passado por uma
casa que era literalmente... uma casa. Daqueles primeiros jovens de 20 anos, hoje na casa dos 90,
que sentem falta de um tempo que não volta mais. Ou dos “novatos”, que trabalhavam quando
a Tupi chegou ao fim, que hoje beiram os 60 anos, que têm orgulho de dizer: “Sim, eu fui da
Tupi nos seus últimos anos... foram difíceis, mas estou aqui”. Muitos dali, seja do Sumaré, da
Urca ou de outro ponto da Rede Tupi pelo Brasil, produziram posteriormente conteúdos que hoje
são veiculados e exportados para o exterior. A televisão ligou as pessoas e fez aquilo que Assis
Chateaubriand mais queria: levar nossa cultura para o outro lado do planeta.
Cyro Del Nero, falecido em 2010, foi diretor de arte e de cenografia da TV Tupi durante seus
últimos dias. Ele sempre repetiu a seguinte história, que tão bem expressa o sentimento dos que
lá trabalharam:
— Eu me orgulho muito por ter passado pela Rede Tupi de Televisão. Naquele dia terrível,
catastrófico, chegou alguém e pediu o nosso cristal. Nós não sabíamos o que era isso, até que
um deles disse que cristal era um dispositivo do transmissor que, ao ser retirado, tira a televisão
do ar. Cristal é uma palavra pura. Parece que tiraram o nosso cristal interno quando tiraram o
cristal da Televisão Tupi. E nós saímos do ar para sempre. A Tupi é um símbolo nacional. Eu
nunca vi uma união, um ‘esprit de corps’, um esforço, como eu vi na Rede Tupi”. Viveram os
profissionais da TV Tupi uma “linda história de amor”, como sempre disse a atriz e produtora
Vida Alves.
É perceptível ver que a emoção marcou a Tupi, do primeiro ao último dia. De tempos românticos,
dos pioneiros vindos do rádio, a uma produção industrial. Foi um gigante que caiu de pé e, com
garra, querendo se reerguer, como por tantas vezes o fez. Um espírito que vimos, anos depois,
também na Rede Manchete, herdeira de metade de seus canais, que buscou caminhos para não
ir à falência, mas que também acabou. Ainda assim, Tupi teve uma garra tão forte que aqueles
que a assistiam não entenderam ao certo a razão de ela ter saído do ar. Aquele canal, que foi
pioneiro do videoteipe, do satélite e das cores, nos faz pensar no “Manifesto Antropofágico”
(1928) de Oswald de Andrade: “Tupi or not Tupi? That is the Question”. Quando a Tupi deixou
de ser, de existir? Ou, assim como em sua novela “A Viagem”, vê-se o espírito presente em
outros corpos? É mais provável acreditar nisso, uma vez que quem chegou ao fim foi o canal,
mas não os profissionais que fizeram sua história, muito menos as experiências, com erros, mas
muitos acertos. Hoje, Lima Duarte, Eva Wilma, Laura Cardoso, Antônio Fagundes, Fernanda
Montenegro e Tony Ramos ainda dão um show de interpretação na Rede Globo, assim como Ana
Maria Braga alegra as manhãs; Rolando Boldrin conta “causos” na TV Cultura; Silvio Santos e
Raul Gil divertem nos finais de semana do SBT; Jussara Freire e Antônio Petrin estrelam novelas
na Record1, onde um dos diretores é Alexandre Avancini, filho de Walter Avancini, um dos
grandes dirigentes da Tupi. Na RedeTV!, a apresentadora Faa Morena mesclou dois programas
de sucesso da Tupi, em “Almoço com os Artistas”. A Band marcou sua teledramaturgia nos
anos 1980 com um grande número de ex-profissionais da Tupi, como o diretor Atílio Riccó —
que fez “Como Salvar Meu Casamento”, na extinta emissora, e o sucesso “Os Imigrantes”, no
canal da família Saad — era pai de Rodrigo Riccó, diretor de “Melhor da Tarde”, hoje sucesso
1 Lembrando que a Rede Record é de Edir Macedo que, ao lado de R.R. Soares, começou a
fazer cultos televisionados pela TV Tupi, em 1978, com “Despertar da Fé”. Ao abrir horários
para locação, como fez primeiramente com o norte-americano Rex Humbard, a Tupi angariou
recursos e abriu também espaço para a produção independente, estimulando também a
segmentação na TV.
ELMO FRANCFORT & MAURÍCIO VIEL 681

na emissora. Já a TV Gazeta de São Paulo, por muitos anos, teve no seu primeiro time o cantor
e apresentador Ronnie Von que, na Tupi, contava com Claudete Troiano como repórter de seu
programa, outro nome que marcou a história do Canal 11 paulistano. Por fim, destacamos que
diversas novelas da Rede Tupi ganharam belíssimos remakes na Rede Globo, como “A Viagem”,
“Mulheres de Areia”, “A Barba Azul” (“A Gata Comeu”), “O Machão” (“O Cravo e a Rosa”) e,
recentemente, “Éramos Seis”.
Esses são alguns exemplos para mostrar que o sangue da Tupi continua a correr por aí; que rostos
da antiga emissora ainda chegam até vocês pela antena, pelo cabo e pelo streaming, somando
todas outras experiências e histórias que vieram depois, transitando por outros canais, mas
sempre seguindo em frente. O mesmo sangue que corre no profissional de televisão, nos anseios
do radiodifusor e nas heranças, de pai para filho. Do analógico ao digital. Da “radiofônica” e
primitiva TV Tupi às centenas de emissoras digitais em todo Brasil.
A história nos leva daqueles enxutos estúdios, com uma equipe pequena, mas aguerrida, para
um enorme formigueiro de gente, com milhares de pessoas trabalhando em grandes complexos,
como os Estúdios Globo, em Jacarepaguá, ou o CDT do SBT, na Rodovia Anhanguera, em São
Paulo. Agora, além da programação diversificada e abrangente, temos a segmentada, como nos
tantos canais pagos criados pela Band e Globo. Hoje, temos canais internacionais e sucursais de
nossas emissoras para todo lado do mundo.
Tentamos, nesta obra, aproximar as pessoas do que realmente era a TV Tupi. Mostrar sua
infraestrutura, revelar segredos e detalhes esquecidos sobre a emissora, e dar uma visão mais
verossímil da sua história, que, insistentemente, tinha passagens sendo contadas de maneira
equivocada e até jocosa. Quisemos demonstrar uma Tupi que personifica o brasileiro, tão
conhecido por sua bravura de não desistir nem nos piores momentos, achando sempre uma
alternativa. Contar a história de uma forma mais clínica enaltecerá e tentará explicar as razões
da televisão não ser apenas uma paixão do brasileiro, mas também uma referência cultural do
país. É também demonstrar a lição dada de que, mesmo nos momentos de maior improviso nos
primeiros anos da pioneira, tudo se fez com o mais alto profissionalismo, por quem já tinha
experiência no rádio, o irmão, colega e companheiro da televisão. Depois, o teatro, cinema,
circo e outros meios como as artes, se uniram em coro na linguagem que a televisão brasileira
identificou como sendo sua.
Tantas foram as fases da televisão: para elite, para o povo, para todos. Fomos das primeiras peças
televisionadas às grandes novelas, super produzidas. Transformamos a televisão na Hollywood
brasileira. Criamos identidade. Esta e outras facetas desta identidade nacional tão bem defendida
pelas centenas de canais associados à ABERT - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão, cuja história caminha junto da radiodifusão brasileira.
Preservar a memória da TV Tupi, assim como da televisão, é resgatar um retrato audiovisual de
nossa cultura, de nossa sociedade, de sete décadas para cá. Algo importante para tecer análises,
estudos, até mesmo planejar o futuro do meio e do país, refletindo sobre os pontos positivos
e negativos. Relembrar técnicos, artistas, profissionais que desapareceram no tempo, e com
suas histórias dar maior apoio àqueles que hoje estudam ou estão se profissionalizando na área.
Sim, nós temos história e vamos torcer para que todos os órgãos que hoje preservam o acervo
remanescente da TV Tupi possam cumprir a missão de preservar a história de nossa televisão.
Para finalizar, vale ressaltar as palavras de Rubens Furtado, o último diretor-geral da Rede Tupi,
afirmadas em 1979, na comemoração dos 29 anos da emissora1:

1 “Uma Volta às Origens: A TV Tupi Parte Para a Briga”, Jornal do Commercio [RJ], 2º Caderno,
p. 1.
682 TV TUPI - DO TAMANHO DO BRASIL

— Nós pagamos caro pelo nosso pioneirismo. Dizer que a Tupi é pioneira, todo mundo já sabe.
O que poucos entendem é que este pioneirismo significou um ônus que se reflete até hoje. Não é
à toa o ditado: “A areia do deserto está cheia de ossos de pioneirismos”. Estamos entre os poucos
que não deixaram ossos no deserto. Mas, temos pagado alto preço pelo nosso pioneirismo.
Furtado atribuiu à Tupi uma inacreditável capacidade de resistência, ao seguir no ar com
inteligência, mas sem dinheiro. Assim como a TV Tupi, os profissionais seguem resistindo, dia
após dia, para tocar todos que acompanham a nossa televisão. Criar, produzir, aproximar, atrair,
seduzir. A maior interatividade da televisão está no seu próprio conteúdo, quando após uma cena
ou uma notícia, quem as vê é tocado de alguma forma... alegria, tristeza, raiva, compaixão, calor
humano. Seguem-se, então, diariamente, abertos às novas ideias. O passado e os ensinamentos
dos tempos da “pioneira” seguem presentes e se mesclam às novidades, buscando no futuro uma
compreensão de um turbilhão de informações.
Encerramos esta obra ao estilo da TV Tupi, berço da nossa teledramaturgia, que com seus
teleteatros, séries e novelas, adaptou brilhantemente grandes clássicos da literatura nacional e
internacional. Por isso, nada melhor que citarmos um autor como o irlandês James Joyce. Ele
escreveu em “Ulisses” (1922):
“Não há passado, nem futuro, tudo flui em um eterno presente”.
A TV Tupi vive, pois a televisão brasileira sempre viverá! A história da TV Tupi é do
“Tamanho do Brasil”!

Pioneiros da TV Tupi se reúnem no bairro do Sumaré em 1990, no terreno onde


nasceu a televisão brasileira. (Série “40 Anos de TV”/Arquivo TV Cultura/FPA)
MEMÓRIA ABERT
Nós preservamos a trajetória dos radiodifusores.

Conheça o Memória ABERT, núcleo da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão que
visa o resgate histórico de sua trajetória como dos veículos de radiodifusão, além de sua relação
com o público em geral.

O Memória ABERT tem coordenação do jornalista e pesquisador Elmo Francfort, com vasta
experiência na área de preservação da memória de rádio e da TV, tendo trabalhado para as
principais redes de emissoras do país.

Colabore com este projeto escrevendo para memoria@abert.org.br.

TV ANO 70
O projeto engloba uma exposição virtual (memoria.abert.org.br), o lançamento do livro “TV Tupi
- Do Tamanho do Brasil” e de alguns podcasts para comemorar as sete décadas de um dos meios
mais queridos pelos brasileiros: a televisão aberta. Desde sua inauguração, em 18 de setembro de
1950 com a TV Tupi - Canal 3 de São Paulo, até os dias atuais, são centenas de emissoras espalhadas
por todo Brasil.
ABERT
Presidente: Flávio Lara Resende
Vice-Presidente: Roberto Cervo Melão
Diretor-Geral: Cristiano Lobato Flores
Diretora de Comunicação: Teresa Azevedo
Conselho Curatorial: Rodrigo Orengo (Grupo Bandeirantes),
Maísa Alves (SBT) e André Dias (TV Globo)
ARQUIVO

Reprodução da mensagem da Associação de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), em comemoração aos 25 anos da
inauguração da TV brasileira.
Capa: O edifício-sede das Emissoras Associadas de São Paulo, localizado no bairro do
Sumaré, em foto da década de 1960 (Diários Associados/reprodução)

Formato: 18 x 25,5 cm
Tipologia: Times New Roman
Papel miolo: Offset LD 90g/m2
Papel capa: Triplex 250 g/m2
Número de páginas: 700
Editoração: Jungle Office

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