Você está na página 1de 9

A ESCRAVIDÃO

NO BRASIL
COLONIAL
n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n
n n
n n
n n
n Glória Porto Kok
Doutora em História pela Unicamp
n
n n
Pesquisadora do laboratório de arqueologia dos trópicos
n do museu de Arqueologia e Etnologia da USP n
n n
n n
n n
n n
n
n
A ESCRAVIDÃO n
n
n n
n
n
NO BRASIL n
n
n n
n
n
COLONIAL n
n
n n
n n
n n
n n
n n
n n
n n
n n
n n
n n
n n
n n
n 7ª edição n
n n
n n
n n
n n
n n
n n
Conforme a nova ortografia
n n
n n
n n
n n
n n
n n
n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n n
Copyright © by Maria da Glória Porto Kok, 1997

Editora
Claudia Abeling-Szabo
Projeto e coordenação
Joaci Pereira Furtado
Assistente editorial
Nair Hitomi Kayo
Suplemento de trabalho
Glória Porto Kok
Pesquisa iconográfica
Roberto Kazuo Yokota
Supervisão de revisão
Livia Maria Giorgio

Edição de arte
Nair de Medeiros Barbosa
Supervisão de arte
João Batista Ribeiro Filho
Projeto gráfico
Christof Gunkel
Diagramação
Walter Reinoso
Capa
Angra Comunicação Visual. A imagem ao fundo é um detalhe da gravura São Salvador e as de primeiro plano
são as gravuras Escravos de Benguele, Angola, Congo e Monjolo e Escravos de Cabinda, Quiloa, Rebola e Mina.
Todas são de autoria de Johann Moritz Rugendas (1802-1858), in: Viagem pitoresca pelo interior do Brasil, 1835.
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Kok, Glória Porto
A escravidão no Brasil colonial / Glória Porto Kok. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. –
(Que História é Esta?)

Bibliografia.
ISBN 978-85-02-18388-9 (aluno)

1. Brasil – Período colonial 2. Escravidão – Brasil 3. Escravidão – Brasil –


História – I. Título.

CDD-981.0202

Índice para catálogo sistemático:

1. Brasil: Período colonial: Escravidão: História 981.0202

3ª tiragem, 2017
CL 810126
CAE 571383

SARAIVA Educação S.A.


Avenida das Nações Unidas, 7.221 – Pinheiros
CEP 05425-902 – São Paulo – SP
www.editorasaraiva.com.br
Tel.: (0xx11) 4003-3061
atendimento@aticascipione.com.br
Sumário
Introdução, 6

1.
Escravidão indígena, 8
Escambo ..................................................... 11
Tramas da escravidão................................... 13
Ambiguidade da Coroa portuguesa .............. 16

2.
Escravidão africana, 19
O lucrativo tráfico negreiro ........................... 19
Africanos nos engenhos ................................ 23
Cativos das minas ........................................ 26
Escravos urbanos ......................................... 28

3.
Caminhos da liberdade, 31
Resistências individuais ................................. 31
Resistências coletivas ................................... 33

4.
As marcas da escravidão, 37

Cronologia, 39

Bibliografia, 41

A que assistir?, 43

O que visitar?, 45

O que acessar?, 47
Introdução

T radições indígenas e africanas vigo-


ram em quase todos os recantos do
Brasil, sinalizando a força de suas cultu-
culturas, a morte de milhares de homens,
mulheres e crianças, e deixou de herança
para as elites brasileiras preconceitos, dis-
ras. No entanto, é impossível compreender criminações e um grande desprezo pelo
as tribos indígenas que vivem na floresta trabalho manual.
amazônica e os ritmados tambores africa- O antropólogo francês Claude Lévi-
nos que invadem o país na época do Car- -Strauss (1908-2009) veio ao Brasil em
naval sem lembrarmos dos quase quatro 1935 à procura de “vestígios duma reali-
séculos (1500-1888) de regime escravis- dade desaparecida”. Em seu livro Tristes
ta. Por meio da violência, a escravidão trópicos, publicado vinte anos depois, conta
Yarima, da etnia
Yanomami do transformou pessoas em mercadorias e as que partiu numa expedição para encontrar
Alto Orinoco,
casou­se em
sujeitou à vontade dos traficantes e dos os descendentes de uma das grandes popu-
1987 com o senhores de engenho. A imposição de lações Tupi descritas pelos europeus do
antropólogo
norte­americano trabalhos forçados a indígenas e negros século XVI, os Tupi-Kawahibi, que viviam
Kenneth Good,
que a levou, dois
ocasionou o desaparecimento de muitas no posto de Pimenta-Bueno, às margens do
anos depois, rio Machado, na Amazô-
Valdir Cruz / Agência do Estado

para os Estados
Unidos. Em 1993, nia. O encontro, porém,
o casal retor­
nou à floresta
revelou que a população
amazônica para estava reduzida a ape-
realizar um filme
sobre a vida de nas cinco homens, uma
Yarima para o
canal de TV a
mulher e uma menina,
cabo National que falavam um português
Geographic.
Nessa ocasião, rústico e viviam mistura-
Yarima fugiu,
deixando para
dos à população local.
trás a “civilização Segundo o relato de
norte­ameri­
cana”, o marido um deles, por volta de
e três filhos.
Em 1996, foi
1920, uma forte epidemia
fotografada por de gripe dizimou cente-
uma expedição
americana que nas de nativos. Muitos
a encontrou nua
e ornamentada
sobreviventes morreram
como o costume em decorrência dos vio-
de sua tribo,
trazendo um lentos conflitos que se
filho às costas.
Ao lado de out­
sucederam após a mor-
ros Yanomami, te do respeitado chefe
fugia dos focos
de malária que Abaiatara. Na ocasião da
ameaçavam
seu povo.
visita de Lévi-Strauss, a
vida e os costumes tribais
dos indígenas do posto
Pimenta-Bueno corriam
risco de desaparecer.
6 Contudo, tempos depois,
foi descoberto um outro grupo Tupi-Ka-
wahibi no coração da floresta amazônica, bos, cada um tinha um arco de ferro em
o que renovou a esperança de revigorar as torno do pescoço, ligado por sua vez
tradições culturais dessa tribo. a algemas postas nos tornozelos. Por
O destino dos Tupi-Kawahibi na outra cadeia, a mão de um era presa
sociedade brasileira é comum ao de mui- à de outro. Estavam inclinados para a
tas outras tribos indígenas. Como afirmou frente, ajoelhados, estendiam os braços,
o líder indígena Aílton Krenak, em 1989: arfavam, uivavam, e faziam súplicas de
“O Brasil está se construindo em cima de tal modo agônicas, que cheguei a pensar
cemitérios indígenas. Do cemitério dos que nem mesmo os criminosos condena-
Guarani, dos cemitérios dos Yanoma- dos à morte, nem mesmo as almas do
mi, dos Tikuna, dos Karajá, dos Krenak, Purgatório, estariam em condições tão
dos Terena, dos Kadiwéu”. Mas não foi penosas. Pobres criaturas! Não entendi
somente por meio do genocídio indígena o que é que reclamavam, se dinheiro, se
que o Brasil se fez. comida, se intercessão junto aos seus
A partir da segunda metade do século senhores, o dono do morro e de uma
XVI, grandes levas de africanos ingres- pedreira vizinha, em que se emprega-
saram na América portuguesa, fundando vam mais de duzentos escravos. Esses
mais um capítulo sombrio do nosso pas- dois haviam tentado fugir, e quando
sado. Na condição de escravos, segundo não estivessem trabalhando, eram pos-
o historiador Luiz Felipe de Alencastro, tos neste lugar sequestrado”.
40% dos negros morriam nos primeiros
seis meses após o seu apresamento; 12%, Em 1888 foi assinada a Lei Áurea, que
nos portos, aguardando o embarque; 9%, declarou a abolição da escravidão. Entre-
na travessia do Atlântico, e metade dos tanto, as condições de vida e de traba-
que chegavam morriam durante os qua- lho do ex-escravo continuaram precárias.
tro primeiros anos no Brasil, vítimas dos Vivendo à margem da economia brasi-
péssimos tratamentos que recebiam na leira, os libertos estavam sujeitos à fome,
condição de escravos. à miséria e aos maus-tratos, e reduzidos,
Para termos uma ideia da violenta rea- quando empregados, às funções de servos,
lidade enfrentada pelos escravos africanos, criados e vendedores ambulantes.
basta lermos o depoimento do norte-ame- A história oficial do Brasil sempre
ricano Thomas Ewbank (1792-1870), que procurou mascarar a verdadeira trajetória
visitou o Brasil no século XIX. Procuran- dos povos indígenas e africanos, que se
do mostrar “o quanto é horrorosa a situa- desenrolou em um palco de permanentes
ção do escravo”, escreveu: conflitos culturais. As raízes deste pro-
cesso encontram-se no período colonial,
quando se instaurou, na América portu-
“Espantei-me diante de dois dos mais guesa, o pesado fardo da escravidão, em
apavorantes seres humanos, despontan- cujas sombras lutaram indígenas e afri-
do das matas. Negros de idade mediana, canos para garantir a sobrevivência. Esse
e completamente despidos, a não ser é o tema que vamos apresentar e discutir
alguns andrajos em torno de seus lom- neste livro. 7
Para castigar o
negro fugitivo, o
senhor mandava
aplicar­lhe
chicotadas e
colocava em seu
pescoço um
colar de ferro

O colar de ferro. Litografia aquarelada (1820-1830). 17,6 x 23 cm. In: Viagem pitoresca e
com vários
braços em forma
de ganchos. Sob
pressão, esse
colar causava

histórica ao Brasil – 1834-1839. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro


dores terríveis
(Jean­Baptiste
Debret, 1768­
­1848).

1. Escravidão Distribuição das “nações” Tapuia e Tupi-Guarani da costa

indígena
no início do século XVI

A es cra vi dão, en quan-


to forma de explora-
ção de mão de obra, embora
já tivesse marcado presen-
ça em diversos momentos
da História da humanidade,
principalmente nas grandes
ci vi li za ções da An ti gui da-
de, era totalmente ignorada
pe los ha bi tan tes do Novo
Mundo no período que ante-
cedeu à chegada dos portu-
Imagem digital de Selma Capparós

gueses. N

Quando os primeiros euro-


peus começaram a explorar 282 km

o litoral da América portu- Tupiniquim: grupos Tupi-Guarani


guesa, depois da passagem Charrua: grupos Tapuia

da armada de Pedro Álvares Fonte: Adaptado de FAUSTO, Carlos. “Fragmentos de história e


Cabral no ano de 1500, depa- cultura Tupinambá. Da etnologia como instrumento crítico de conhe-
cimento etno-histórico”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.).
raram-se com os Tupi-Gua- História dos índios no Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras/
8 rani, que ocupavam a cos- Secretaria Municipal da Cultura/Fapesp, 1998. p. 384.
ta atlântica do Amazonas até o atual eram movidos pela crença religiosa
Rio Grande do Sul, infiltrando-se pelas em um eterno paraíso depois da mor-
margens dos rios que hoje chamamos te, lugar de permanentes festas coleti-
de Paraná, Uruguai e Paraguai. Embo- vas, onde a dor, a morte e o sofrimento
ra apresentassem pequenas diferenças inexistiam.
regionais, esses povos indígenas falavam A mais completa descrição da antro-
uma mesma língua de origem guarani pofagia tupi encontra-se na obra Duas
e tinham costumes bem semelhantes. viagens ao Brasil, do alemão Hans Sta-
Além dos Tupi-Guarani, foram iden- den (1520-c. 1579). Staden veio pela pri-
tificados os Aimoré, no que hoje são meira vez à América portuguesa em 1547,
o sul da Bahia e o norte do Espírito como artilheiro de um navio português
Santo; os Tremembé, que habitavam os que comercializava pau-brasil. De volta
atuais estados do Ceará e do Maranhão, e a Lisboa, integrou, em 1550, a expedi-
os Goitacá, que viviam nas proximidades ção espanhola de d. Mencia Calderon
do Rio da Prata. Avalia-se que a popu- de Sanabria, que tinha como objetivo
lação indígena, nessa época, beirava os fundar duas povoações: uma no atual
4 milhões. estado de Santa Catarina e outra na
Testemunhas estrangeiras do sécu- embocadura do rio da Prata.
lo XVI registraram, em suas crônicas, Tendo o navio naufragado nas pro-
o fato de esses nativos se encontra- xi mi da des de São Vi cen te, Sta den
rem em guerras permanentes. Segundo empregou-se como arcabuzeiro de um
eles, essas guerras não tinham como forte português na ilha de Santo Ama-
objetivo escravizar o inimigo ou tomar ro, em frente a Bertioga. Em meados
os seus bens e suas terras, tal como de janeiro de 1554, caiu prisioneiro dos
nor mal men te acon te cia nas guer ras Tupinambá e foi conduzido até a aldeia
europeias, mas sim capturar alguns de Ubatuba, onde permaneceu cerca
guerreiros inimigos, a fim de vingar de nove meses. Nesse período, presen-
os antepassados que foram mortos em ciou vários rituais de antropofagia e Nesta gravu­
ra em cobre,
suas mãos. intitulada Carne
humana em
Ao contrário do
Ilustração do relato das viagens de Hans Staden ao Brasil. Traduzido por Adam Loniler

episódio canibal,
e editado por Theodore de Bry. In: America Tetia Pars... 3º vol. de Grand Voyages.

que se possa ima- vê­se, ao centro,


os membros do
Frankfurt, 1592, p. 179. Biblioteca Municipal Mário de Andrade, São Paulo

ginar, para o guer- prisioneiro


assados ao
reiro indígena, ser moquém no
capturado era moti- terreiro da
aldeia. No
vo de honra e orgu- fundo, a figura
de barba e
lho. Constituía a cabelo, nos
oportunidade úni- moldes europeus,
representa o
ca de exibir cora- aventureiro Hans
Staden (Theodore
gem e valentia – de Bry, 1528­
as características ­1598).

mais valorizadas de
um guerreiro. Além
disso, os indígenas 9

Você também pode gostar