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de Haximu
órtäos Ines Daflon
Seon
Maria Lúcia,paflon

TO

z
D
Introdução 9
Eu, indio 14

fo Um Yanom 30
De volta ao shabono 46
Visão de dentro 64
Visão profunda 76
União e forga 88
Epilogo? 102
INTRODuÇÃO

o seu
Ouando Daniel me pediu que escrevesse uma introdução para

quepoderia dizer sobre a história tão


a pensaro incrível que
iuro, comecet
de contar Com os olhos pregados na folha branca, voltei à infància
acabara
lado deminha mâe e Marane, o homem que me criou como
em Haximu, ao
os 10anos de idade.
pai até
nada mais havia para mim além da floresta-urihi,
Naquele tempo,
e
na lingua de meu povo.
A sociedade envolvente não havia chegado tão perto

eu só ouvia falar do bomem branco


comoa ameaça quevinha de longe. Eram
ao mesmo e
estrangeiro inimigo.
tempo
Os napëpë, palavra que significa
eran
Em sua maioria, os napëpëque se aproximavam de Haxcimu

garimpeiros.
As vezes recebiamos a visita de missionários, que traziam
medicamentos eacompanhavam
o
tratamento das doengas "trazidas pela
fu-
contra as quais noss0sshabori nada podiam fazer
maça do homem branco',
Se podia
estar
Ainda moro nareserva indígena,em Mucajat.
quisesse,

na Guiana, ou mesmo em Londres. Mas floresta


a
longe daqui, em Lethem,
a gente quererficar ecuidar um
tem uma coisaqueprende a gente. Elafaz
urihi-a.
do outro,cuidar desie da terra-floresta,
do nosso Vive na
povo.
Daniel também não conseguiuficar muito longe
de sua mulher os façam
estado embora seu trabalbo e o trabalho
e,
capital do
no Uraricoera,
muito tempo sem aparecer aqui ou
viajar bastante, nãofica
onde viveu algum tempo.
exceto o tempo que passei em Lethem com
Em toda a minba vida,
no modo de vida do meu povo,
minba madrinha, vi muitas mudanças
ruins.
algumas boas, outras muito
mas tão logo
Os garimpeiros sempre me deixavam muito assustada,
comecei a entender as coisas pude perceber que fazendeiros madeireiros
e
nao eram melhores em nada.
querendo inva-
querendo
não ouvia falar
defazendeiros eshie
Quando
eu era menina, acesso
éatéboje protegidapelos
dir nossa
terra.
A região de dificil
o avanço
dos invasores interec
teressados

as Er.
rios eabismosque impedem a1nda rondam aldeias, Eles
dos montes,
Mas garimpeiros clandestinas no meio da sel
os
selva.
em plantar ecriargado. ae pouso
pistas
avioes econstroem esólapude ver como madeireir
têm barcas e
iros
adolescente,
Osmadeireis
Fui para Mucajat ainda iros
uma ameaça àforesta.
grande
também eram a
e boa e 1am embora, adeixando
fazendeiros
Tiravam a madeira
e o aua
chegavam primeiro. vinbam depois, queimarvam que
de
destruição. Osfazendeiros O ciclo repetia-se em
n
imagem tudo em pastagem.
havia sobrado para transformar
da Amaznia brasileira.
todos os outros estados na escola de Mucajaf. Fiz
Dedico minba vida à educação indigena
e
e participe da revisao atuali-
especialização
cursos etreinamentos para
da aldeia. Vi quando nossas crianças ejovens
das escolas
zação do currículo ao sistema nacional de ensino.
uma escola integrada
passaram afrequentar na bistória do meu povo.
A foi a melhor coisa que aconteceu
educação mais chamar
conhecemos bema lingua portuguesa e não queremos
Hoje
ainda dão motivo para isso, mas
a lei do Brasil
os brancos de napëpë. Muitos
temos nossa terra e nossa escola. Muitos
é boa para nás.Temos nossos direitos,
cá estudar nossa
a escola, outros vém para
brancos trabalham com gente na

cultura e nossa medicina.

um comnércio forte entre os povos da floresta


e
Também existe agora
Na Asia também já existe muito
o homem branco do Brasil edo mundo.
interesse pelosprodutos ecológicos da floresta.
Aterra dos povos Makuxi,Wapixana, Ingarikó, Taurepang
ePatamo-

na se desenvolveu epassou aser grandeprodutora de alimentos orgánicos.

Apásaexpulsãodosfazendeiros,muitos indios desempregados retornaram


àsaldeias em busca
deparceria nos programas de desenvolvimento agrario
e sustentável.As desavenças do lao,
ecológico passado foram deixadas de
e atualmente a
Escola Agrícola Laura Blasser, que funciona onde eru

abrigo de Uiramut, émodelo internacionaldeeducação integrada ao


ne

ambiente.

10
Apesar de tantas conquistas, os problemas dos indios amazônicos não
deixaram de existir. Ainda tem invasão, grilagem e uso indevido das ri-

auezas. Opreconceito também persiste e muita gente ainda pergunta: Por


que o índio quer tanta terra?
O que dizerentão dessa história incrível mas inacabada? Não sei, epor
isso opteipor
escrever mais sobre mim do que sobre o livro. Sou parte dessa

história inacabada, assim como Daniel, sua mulher eseusfilbos,Ricardo e


António, que boje vivem em Londres.
Este roro e um pouco de todos nás e éum pouco da saga in-
dospovos
digenas E
no século XX1. bom saber que ele conta uma história inacabada.

Nape Spenser
EU, INDIO

e Doris Woolc
por meu pai olf
a preparada
recepção
Foi simpática e parentes compareceram em
21 anos. Amigos
na ocasião dos meus Spenser, havia
Via
muito. Meu pai, Philip
nos divertimos
de decorar a casaa
no Brasil e tez questao
peso e, juntos,
uma temporada CDs de samba, bossa-novOva
passado
Tocamos nossos
com motivos brasileiros. A mesa
ainda não seidiferenciar... esa,

e aqueles ritmos nordestinos que


na culinária do Brasil.
era inspirada
a comida também razão de ser. Eu mes-
tinha ainda outra
O clima de festaexótica
da
muito importante
no Brasil em um momento
mo também estivera de ter para
a Ingla-
E, apesar partido
minha vida: meu nascimento. de origem,
cresci ouvindo
histórias sobre meu país
terra ainda bebê,
onde fica meu estado natal.
sobre a
Amazônia, e eu,
ficamos os très, Doris, meu pai
especialmente
Depois que todos se toram,
recolhíamos a louça. O
clima festivo foi
aindaa conversar enquanto
os ares do dia a dia. Meu pai
a casa retomava
se alterando enquanto
eu já pensava em tocar num
assunto
ainda falavasobre afesta,mas

que para
mim sempre fora velado:
Vocé sabe.
-Pai, estou pensando naquela viagem.
sabendo que precisava
Eledemonstroucerto nervosismo, mas,
um sorriso meio sem graça:
-
conformar-se, respondeu com
E, eu sabia que esse dia iria
chegar.
de tudo, Pas
-Preciso conhecerolugar onde nasci, e, acima
minha
preciso saber mais sobre mãe.

Ele franziu as sobrancelhas:


um
Tudobem, Daniel, eu entendo. Sabia que isso viria aton
vocéja
dia. Esse assunto ainda me atormenta, mas devo admitir qu
está pronto para saber toda a verdade.
Nesse momento, Doris gentilmente nos deu boa-noite e nos
deixou a sOs. Olhamo-nos por alguns instantes, e ele entendeu que

teria
de contar tudo. Até aquela noite, eu sabia apenas que minha

mãe era brasileira, de origem indígena, mas desconhecia tudo sobre


sua vida, sobre as circunstâncias do relacionamento que viveu com
meu pai
e sobre morte quando eu tinha 10 anos. Sempre que
sua

tocava no assunto, meu pai procurava resumir a história e dizia que


tivera no Brasil um romance com uma cabocla que não pôde me
criar. A relação, segundo ele, se tornara inviável devido ao choque
cultural. Assim, esquivava-se e jamais estendia a conversa.
Naqucla noite foi diferente. Talvez, a maioridade plena tenha

que não mais evitássemos esclarecer toda a história.


sido crucial para

Meu paijá me via como adulto e, conhecendo bem o velho Spenser,


sabia que, com um pouco de pressão, ele não seria mais capaz de

ou manipular
-
tentar esconder esses fatos da minha

Pai,jáestou prontofaz tempo. E você sabe que tudo isso


vida.

sempre foi um problema para a


nossa relação. Esse mistério sobre o
meu passado não pode continuar!
- Daniel..

Ainda não acabei, pai. Escuta, por favor! Andei juntando di-
nheiro. Já tenho o suficiente para passar um tempo no Brasil, estudar,

conhecero país... Assim que terminar os estudos, vou mesmo partir.


Isso ainda pode levar alguns anos, mas a verdade não passa de hoje!
-Tudo bem, Daniel. Você está certo, eu passei esses anos to

dos me preparando, enquanto voce jå está pronto faz tempo. Mas,


mesmo que eu entenda seus motivos, voce agora me surpreendeu...
Essa história de morar no Brasil é mesmo verdade?
-E Eu preciso! E você sabe que venho me preparan-
sério, pai!
do para isso. Não mude de assunto, conte-me a verdade! cobrei
mais uma vez.

-Tudo bem. Vou contar! Sente-se, meu filho. O que tenho a


dizer não pode ser resumido em poucas palavras.

15
fundo, e comegou
rundo, começou a falar,
um instante, respirou
Olhou-me por
sem os rodeios de sempre: urado d
nos anos 1980. Fui capturado durante
Vivi com os
Yanomami
como médico da missão.
uma de minhas viagens Mas nao o interromn:
eu a me surpreender.
Dessa vez fui
muito além do que podia imaginar. Meeu
ouvi um relato que foi
com o da história que eu ja conhecia. Contou.
nt bu
pai começou pedaço
realizar um sonho que sempre
que depois de se formar resolveu
tinha atração pela Amazônia. Na
acompanhara. Desde pequeno
e dedicou-se à pesquisa
faculdade, interessou-se por imunologia
sobre doenças tropicais endêmicas. Soube direcionar sua carreira

médica demodo a satisfazer-lhe a curiosidade. Também tirou brevë


e podia pilotar monomotores. Como médico, entrou em contato
com missões religiosas e passou a trabalhar com povos indígenas
em que haviam sido detectados focos de doenças infectocontagiosas.
A com outros pilotos familiarizados com as rotas
princípio, voava

amazônicas, mas com o tempo passou a conhecer bem a


região.
Winston, amigo de meu pai e instrutor de voo no Winston and
Sons Flying Club, também esteve
por lá. Depois de algum tempo
de treinamento, começou a voar com
meu pai.
Elessabiam que fazia parte do trabalho manter certo distan-
ciamento entre e
profissionais índios, já que a intenção não era
aculturar, mas amenizar os
problemas surgidos com as tentativas de
aculturação. O contato deveria resumir-se
e dependiada ao atendimento médico
aprovação das comunidades
Enquanto falava, meu indígenas.
pai buscou no fundo de
álbum defotos.
Abriu-o numa
uma gaveta u
página onde pude no
jovem,barbudo, sem as reconhecê-lo ainde
calvas da testa e
tirada por ele
mesmo,também se via completamente nu. Na foto
lo

estava nua. uma mulher. A n


Como meu jovem ta
é
-Essa sua
pai, usava

me-revelou com as
apenas adornos.
-Então vocêmentiu mãos um tanto ulas.
pra mim! Ela é tremu
uma índia e não uma
na cabocla!
cau
Sim, essa é Yarima, sua mãe. Uma Yanomami. Você nasceu
no entorno da Serra do Parima, na fronteira com a Venezuela. Foi

registrado
em São Gabriel da Cachoeira, mas nasceu numa aldeia
indígena, em
Koraima. Não contei porque meu envolvimento com

Yarima sempre foi um problema de consciência para mim. Embora

meu contato com os Yanomami não tenha se dado diretamente pelo


meu trabalho na missão, eu sabia que não devia me envolver com
os indígenas.

- Então, por que se envolveu?


Aconteceu! Você nasceu dessa
perguntei.
história

no passado, somos
e hoje estamosaqui
uma familia!
Os problemas ficaram felizes, somos

Estávamos emocionados.Eu não sabia o que dizer. Meu pai me


abraçou e chorou. Nunca o vira assim. Deixei-o desabafar, mas logo
desvencilhei-me de seus braços num gesto que ele entendeu como nova

cobrança. Ele se recompôs e disse que ainda havia mais, e que


eu nao
iria até o fim. Contou-me então sobre uma
precisava me preocupar,
irm gêmea, criada por minha mc até morte. Orf aos 10 anos,
sua

minha irm foi encaminhada a uma instituição queabrigava crianças

indigenas em situação derisco.E claro que eu quis sabercomo minha


mãe morreu e a resposta causou-me mais um sobressalto:
-Sua me morreu no Massacre de Haximu!
O Massacre de Haximu ocorreu em agosto de 1993 e, pela lei

brasileira, foi classificado


como crime de genocídio, aquele em que
há a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional,
étnico, racial ou religioso". Na ocasio, garimpeiros interessados
nas riquezas daquelas terras indigenas mataram um número jamais
do povo Yanomami,
definitivamente computado de representantes
entre homens, mulheres e crianças. Alguns falam em 16 ou 19 pes-

Soas, outros contam dezenas.

Largueio corpo no sofá. Estava completamente atordoado com


sentou-se a meu lado e segurou minha
revelações de meu pai. Ele
as

mão. Pedi-lhe que retomasse o assunto:

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minha mãe
o romance com
Como você começou e eu:
tanto confusO, responder.
também um
Meu pai olhou-me, ela.
A vida levou-meaté eu preciso saber!
-Como assim, pai? Explica
direito,

anos antes dO massacre leva.


vantara
muitos
Ele então contou que de Boa ista rumo
Vista
saindo
do oeste de Roraima,
voo com Winston
como Boca do Cachorro, no Amazonas, Havia
à região conhecida
um de atibióticos e remédios para trats
na aeronave carregamento
estavam o
os índios que receberiam atendimento, OS
a malária. Entre

Tukano. Antes de partirem, meu paie Winston conheceram alguns


de um evento
desses indígenas. Vieram de suas terras para participar

naquela capital e traziam consigo peças de artesanato para vender


Convidados pelo índio Bayá, foram todos para
o evento, já
em seu último dia. Depois da festa, por estarem indo para a aldeia
Tukano, meu pai e Winston ofereceram carona a Bayá e seu amigo,

pois cles haviam perdido a barcaça que os levaria do Rio Branco até

o encontro do Negro com oJaú-uma hidrovia de acesso à reserva

quehabitavam. Além de Bayá e do outro Tukano,dirigiram-se para


a aeronave dois Yanomami.Antes de decolarem, Winston chamou
meu pai e reservadamente disse-lhe que achava estranho os
Yano
mami tomarem um rumoque os levaria a terras tão distantes das
suas. Meu pai o tranquilizou:
"CaroWinston,você não faz ideia de como esses homens
viajam!"

Depois dealgum tempo de voo, ventos fortes interpuserai"


uma barreira de nuvens baixas na
rota da aeronave e a
os atingiu turbulen
em cheio. Winston começou a apresentar sinais dc can-
saço e meu pai o comando da
assumiu
o avião aeronave. Na aterrissagc em,
derrapou na pista úmida e por sorte do
susto e não colidiu.
dachacoalhada, o Apesa
pouso ocorreu sem 1as.
Esse tipo de risco maiores proDi
faz do cotidiano de
parte
a Floresta pilotos que sobrev
Amazônica.
Afinal, chegaram sãos e salvos.
Mas, após se deitarem para
merecido descanso, Winston começou a se sentir mal, com ftebre

alta, calafrios
e forte dor de cabeça. O
quadro era típico de malária.
Uma chuva forte começou a cairea carga de medicamentos
que transportavam foi fundamental para o tratamento de Winston.
O mau tempo continuou por alguns dias e não havia nada que eles
tazer senão aguardar.
pudessem Winston, felizmente, começou a
dar sinais de melhora.
No dia do retorno a Boa Vista, meu pai já se sentia aliv1ado com
a melhora de seu velho amigo. Retornaria à base, onde o deixaria

para que terminasse o tratamento e em seguida providenciaria outro

parceiro para levantar voo em nova missão.

Antes de partir, porém, meu pai foi até a aeronave certificar-

-se de que o pouso acidentado não havia causado maiores danos. A


caminho, foi abordado pelos dois Yanomami. Pediu ajuda a Bayá e
soube eles queriam
que viagemeque precisavam de socorroo
seguir
em sua aldeia. Havia muitos doentes, entre eles amãe de Uuwa.
Bayá falava bem oportuguêse que os
explicou Yanomami tinham
dificuldades para conseguir a mefloquina, medicamento necessá-

a
riopara tratar malária falciforme, e
Uuwa sabia que substância a
estava presente na carga.

"Digaa eles que no próximo voo farei uma visita para tratar

Seu povo."

Bayá deu o recado e saiu.


Os dois com meu pai at a aeronave
homens, porém, seguiram
a embarcar e alçar voo imediatamente
e, lá chegando, forçaram-no

em direção ao Pico da Neblina.


e
Surpreendido intimidado,meu
pai nada pôdefazer deixou e
osaber que, com
razo- posto
para trás o
Consolava-o
amigo doente.
Winston poderia continuar o tratamento
ali
avelmente abastecido,
à da missão.
mesmo até conseguir tomar a barcaça e retornar base
se perguntado o que po-
decolou e deve ter
Eleviuquando o amigo
19
SO Ine restava prestar aiud
juda
a meu pal,
Quanto o céu nebuloso d.
deria ter acontecido. enfrentar
e para isso
precisava
ao povo de Uuwa
Venezuela e as diticuldades de pouso nas
com a
da fronteira
região Yanomami.
habitadas pelos à direita
terras montanhosas indicou um ponto
de voo, Uuwa
Após algum tempo uma área de pouso. pouco.
cos Em
ali havia
e meu pai entendeu que de pouso da missão
avistar a pequena pista
minutos foi possível e de canoa.
feito a pé
Surucucu. O resto do trajeto seria monomotor do
índios se aproximaram
o pouso, alguns
Após
a gritar, ordenando que viajantes os
em semicírculo, puseram-se
e,
Yanomami e estavam arma-
Eram guerreiros
deixassem a aeronave. que trazia
Uuwa saiu do avião dizendo
dos. Acalmaram-se quando
um e medicamentos.
médico

Meu pai e os dois índios desceram


da aeronave puseram-se e
de guerreiros. O
floresta na companhia do grupo
a caminharpela
e uma bolsa com
uma mochila
doutor Philip Spenser trazia consigo
a caminhada seria longa.
aldeia A
medicamentos. No sabia que
da Serra do Parima, uma região
ainda
estava localizada às sombras
do planeta.
quase intocada
de Enor
A topografia acidentada dificulta o avanço invasores.

densa dificultam o uso de bar-


floresta
mescorredeiras, abismosea
e o pouso deaeronaves. Exploradores eram e ainda são obrigados
cos
em diversas comunidades,
a avançar apé. OsYanomami, divididos
escoltado por eles, meu pai chegou
conhecem bem a região e,
aldeia sem maiores sobressaltos, apesar do cansaço.
os doentes, meu Pa1
Horas depois, já na aldeia e após medicar
do s2uvo
acompanhou a cantoria de xams e guerreiros no centro
em tor-
nouma espécie de habitação circular coletiva, construída
mes
no de uma ampla área central. Ficou impressionado com oseno
ieles
arcos de quase dois metros e chegou a tremer de medo ao ver aq
eo
homens em transe, com nacos de folhas verdes entre os den
lábio inferior. A bar
Uuwa aproximou-se e tentou tranquilizá-lo.

20
reira linguistica era enorme, mas meu pai finalmente entendeu que
não lhe fariam mal.
os indigenas achassem
Talvez que o tivessem atraido com suas
evocaçõespensou. Tlalvez cantassem para agradecer aos deuses por
tê-lo enviado.

Após a cantoria, Uuwa conduziu-o ao interior do shabono. Não


havia como sair dali. Os índios o
vigiavam dia e noite e, mesmop

que conseguisse escapar, o risco de se perder na mata era certo. O


da missão não estava por perto. Tudo que meu pai podia
pessoal
fazer era esperar.

Dia após dia, percorria os leitos dos doentes e os acompanhava


em sua convalescença. Muitos se recuperavam bem, embora alguns,
entre eles a me de Uuwa, não tenham resistido. Acostumou-se a
ouvir a cantoria e era como se seus batimentos cardíacos já pudessem

ritmo.
acompanhar aquele
tarefas na comunidade. Seus
Yarima, minha mãc, tinha diversas
pais haviam morrido quando ela ainda era menina esua condição de
órfi a colocava em uma posição
social
inferior.Além depreparar ervas,
tinturas e indumentárias para osrituais, ela também ganhou tarefa
a
de ajudar meu pai com os doentes.
ter sido
Também em situação social inferior por capturado pelos
meu pai identificou-se com a bela jovem. Não sabia quando
índios,

poderia irembora,talvez o mantivessem prisioneiro


para o resto da

adotar os há-
vida. Porém, mesmo privado de liberdade
e forçado a

bitose costumes daquele povo, sentia-se feliz por estar vivo. Tinha

esperanças de conseguir escapar eretornar à missão com uma história


incrível para contar.

e Yarima tornaram-se amigos. Com ela, meu pai aprendeu


Ele
um pouco da língua Yanomami. Também foi Yarima quem, um dia,
de ritual. Ela
Se aproximou dele para prepará-lo para uma espécie
o despiu enquanto repetia a palavra shami. Completamente nu, foi
conduzido pela índia até a beira do
rio.
va sujo. E.
que shami significava sujo. Esta-
entender
Meu pai conseguiu do banho, nov
lavar-se. Depois ovamente
e precisava
va realmente sujo onde pinton-ll.
Yarima. Ela o conduziu ao shabono,
acompanhou Os loon
adereços vieram em
com corantes vegetais.
rosto e o corpo cOme
nas e na cabeça. Meu pai logo compre
nos punhos, pernas
de"batizado".
noite seria uma especie
seguida,
endeu que a cantoria daquela
mudar.
que sua posição social podia de boa saúde. Meu na:
O tempo passou e os índios já gozavam
se quisesse. Já conhecia
não era mais vigiado e poderia ter partido,
a missão, se tentasse. Mas
melhor a região e talvez conseguisse chegar
resolveu ficar.

Em Boa Vista, certamente deviam imaginá-lo morto. Os índios, por

sua vez, pareciam não se importar com a sua presença, desde que ele se

adequasse ao cotidiano e continuasse a cumprir


as tarefas determinadas.

Semprequepodia, fazia anotações e fotografava o cotidiano da-


quele povo. Registrar uma imagem espontânea era dificílimo. Alguns
índios não seimportavam em serem fotografados, mas não gostavam

quandoa fotografia era feita sem permissão. Para fotogratá-los em


momentOs deespontaneidade, era necessário esconder a câmera de
forma que eles não apercebessem. Em meses de convivência, meu pai

conseguiu fazer apenas 13 fotos do cotidiano dos índios.


Registrara
também algumasimagensdeYarima, que se mostrava cada vez mais
aberta a um relacionamento com
ele.

A afinidade entre eles crescia a olhos


vistos, e os índios não da
vam qualquer sinal dedesaprovação. Meu
pai, no entanto, embora
atraído pela beleza epela doçura da índia, sabia que não deveria s
com ela.
envolver

costume de
Mas averdade é
que alguns povos
indígenas tem
o
capturar pessoas de outras etnias e
sua comunidade. levá-las para viver em
Os
própriosYanomamitêm uma
Em 1932,eles história curo
11 anos de idade.capturaram a
menina Helena Valero, com
entao c
Contam que
um Helena fora ferida às de
igarapé, durante um margc
atentado contra seuspais. da pelos
Tratada
P
22
indios, cresceu entre eles, adaptou-se à vida no shabono, casou-se
duas vezes e teve filhos.

De volta à civilização, viveu em São Paulo com os filhos e ali


soube que seu lugar era mesmo na floresta. Voltou para a aldeia. Em
seus relatos,compilados e publicados pelo italiano Ettore Biocca, He
lena Valero conta que viveu um período de paz antes do contato com

exploradores,
desmentindo o preconceito de que os Yanomami seriam

um povo agressivo. E possível concluir que a agressividade dos indios


tenha surgido com os problemas criados a partir dos primeiros contatos

com exploradores, especialmente os garimpeiros.


Uma noite, após a reunião no centro do shabono, Yarima foi se

deitar com meu pai. Ele ainda resistiu por um minuto, mas logo cedeu
aos encantos da jovem.
os Yanomaminão há regras definidas de conduta social.
Entre O
bem da comunidade sempre fala mais alto e, se o problema de um é
problema de todos, a felicidade de um é a felicidade
de todos. Tam-
bém não há laços eternos de relacionamento ounada quesecompare
à instituição do casamento. Aquele romance, portanto, atormentou

meu pai muito mais do que os Yanomami do sbabono.


O tempo passava e meu pai jáse sentia adaptado ao dia dia da
a
aldeia. Os Yanomami adoram avida comunitária e
familiar.
Antes
com
do contato com os brancos, que os atrairam
e
facões utensílios

de cozinha, grupos de Yanomamida Serra do


Parimajá foram nu-
merosos. Com ainvasão degarimpeiros, muitas dessas comunidades

foram exterminadas por doenças como sarampo, malária e gripe.


A
experiência de aproximação com o homem branco incorporou-se à
mitologia e começaram a contar histórias sobre homens e mu-
eles
se separaram dos primeiros Yanomami e
Iheres que,após a Criação,
desaprenderam a lidar com a natureza.
Para poder sobreviver, esses

homens começaram a inventar máquinas na tentativa de dominar a

vida. Pensando sobre essas coisas, meu pai afinal compreendeu que
deveria deixá-los em paz e voltar à base da missão.

23
..
por mais alguns
meses.
a ficar ali
Mas o destino o obrigaria à vid.
totalmente integrado
com Yarima,
A essa altura
ele vivia
sua Acostumado a prese.sen-
a notar gravidez.
tardou
no shabono. Não indígenas,
resolveu permanec..r
em comunidades .
é secular entree os
ciar o infanticídio Esse costume
nascesse.
na aldeia até que
a criança devem viver ou morr rrer
se seus filhos
mulher decide
Yanomami. A
decisão.
As razões para o infanticidin
em sua
e ninguém interfere um pode morrer. Se uma
Se nascem gemeos,
são as mais diversas. ela também
ou se o sexo é indesejado,
nasce com deficiência
criança
sacrificada. mais tarde
pode ser ter uma filha para
dizer que queria
Yarima costumava o costume do seu povo.
conforme
casá-la com um primo
cruzado, meu pai
caso fosse um menin0,
da criança,
Temendo pelo destino e o nascimento do bebê. Assim,
toda a gestação
decidiu acompanhar a criar a criança.
de tentar convencê-la
teria uma chance
pelo menos em
a gravidez avançava, ele pensava
Em todo caso, enquanto
e de lá seguir para
a Inglaterra, dizendo
adeus
voltar para Manaus fosse o
o nascimento do bebê, iria embora,
à vida na floresta.Após sua
ele intervir por
ou fosse ou não necessário
bebê menina menino, e
a criança
ou não. Passou a sair sozinho
sobrevivesse
sobrevivência,
observar a reação dos índios.
aandarpelos arredoresdo shabono para
a ausência de regras explícitas
A indiferença mais uma vez comprovou a
Tudo era permitido, desde que paz
nas comunidadesYanomami.
fosse respeitada.
Tendo chegado a essa conclusão, meu pai começou
trocar
Uma das providências que tomou foi
a se preparar para partir.
uma canoa.
alguns objetos por aa
Com o passar dos meses, porém, ele começou a descontiar
de gêmeos. Após a ausculta, foi possível verificar a ocorren
gestação
cia de dois fetos. Decidiu contar a ela
o que haviapercebido e assim
os
era
tentar, pouco a pouco, convencer Yarima de que possível cra
e rem
dois, que era possível as duas crianças nascerem saudáveis crescc
Yarima se mostrou assustada e impressionada om o
normalmente.

24
de meu de 'saber o futuro" e não oassunto.
poder pai quis falar sobre
Meu pai, por sua vez, estava empenhado em garantir a sobrevivência
das crianças, nem que para isso tivesse de retardar seus planos de
retornar à Inglaterra.
Minha me toi assistida por outras mulheres na hora do parto.

Nesse momento, elas procuram um lugar fora do shabono e os homens


não participam de nada. O
Dr. Spenser só podia esperar.
Foi chamado ao fim de algum tempo e confirmou o nascimento

gême0s, um menino e uma menina. Na mesma hora, passou


a
dos
temer por minha vida. Logo que se aproximou da mulher após o par-

to, meu pai deparou-se com a cena da menina a sugar


com vontade
o seio da mãe. Na cultura Yanomami, esse gesto significa a aceitação
do bebê e consequentemente pelo clä. Eu, por outro lado,
pela família
encontrava-me no chão sobre uma cama de folhas a berrar desespe-
dificuldade
rado.Meu pai olhava tudo apreensivo. Gemeossãouma
para a me,
e eu, para piorar, nascera bem menor doque minha irm.
Meu pai aproximou-se
e tomou-me nos braços, tentando aca- me
logo a menina mostrou saciedade,
ele
estendeu osbraços
lentar.Tão
minha me como num pedido mudo para que eu
para entregar-me a
menina na mesma cama de folhas
tosse aceito também. Yarima pôs a

e me deuo colo, um tanto confusa.

a ela que a ajudaria, que o branco também a


ajuda
Meu pai disse
e nada
dos filhos. Disse-Ihe que seria forte faltaria
mulher na criação
à família.
mudou justamente por
minha sorte
Além do pedido de meu pai,

eu ter nascido homem. Embora houvesse


o acordo de casamento da
os
cruzado, os Yanomami valorizam
filha de Yarima com seu primo

bebês do sexo masculino.Uma menina gêmea,magrinha como eu era,


meu pai achava que
teria mas, sendo eu um menino,
poucas chances,
a ficar com as duas crianças.
ainda podia convencer Yarima
se mostrava confusa, ele se ajoelhou
Percebendo que ela ainda
na direção do
diante dela e segurou
minha cabeça, conduzindo-a

25
seio materno. No meio dos do1s, que se olhavam fixamente, eu
eu
por
.
Suou
o bico do peito e, como minha irm, ei-o
fim consegui alcançar e F.
na minha direção sorriu, Era
avidamente. Yarima desviouo olhar
não sabia como a comunidade iria ree
receber
um sorriso nervoso, pois
bebé magricela. Ma, por fim, minha
a notícia da aceitação daquele
vida estava salva.
tachou meus pais de
A princípio, a comunidade do sbabono
aceita é responsabilidade
de todos e eu, nos
insensatos. A criança
de vida, já me mostrava frágil. Enquanto minha
primeiros meses
tinha restriados constantes e
irm se desenvolvia normalmente, eu
nariz entupido e tinha dificuldades para ma-
picos de febre. Vivia de
mar e dormir. Meus berros no meio da noite atormentavam a todos.
Era obrigação de meus pais notar que eu era fraquinho e evitar

que a minha sobrevivência se tornasse um peso para a comunidade.

Mas ofato éque eu estava ali, lutando para me manter vivo. Meu
pai temia por meu futuro e, segundo me contou, dormia sempre

aomeu lado,despertando atodo momento com qualquer ruído ou

movimento.

Um dia, Yarima tocou no assunto que ele temia. Minha mãe


havia chegado à conclusão de que a melhor solução seria interrom-

perminha vida ereparar oerro inicial. Eu tinha, então, cerca de 2


meses de idade.

Meu que ela o deixasse cuidar de mim. Disse


pai insistiu para
-lhe que osxams brancos conhecem muitos remédios e que eu
poderia crescerforte esaudável como minha irm. Ela, no entan
to, mostrava-se 1rredutivel e simplesmente passou a me rejeital
negando-me o peito. Disse a meu pai que me levasse para a
flores
e que me deixasse
por lá.
Sem acordo, meu pai decidiu
partir comigo. Fingiu-se co o
mado com a decisão de Yarima e disse
que me levaria embord. Em
seguida, voltaria para ficar com ela e Nape, minha irm. Naquele
dia saiu nu, levando-me
em seus braçostambém sem pa
quaisqu
26
nos que me protegessem a
pele. Tudo de que
na canoa. Aliás, eu mesmo precisávamos já estava
não tinha posses. Meu
pai, sim, tinha
algumas roupas, seu diário com
algumas anotações,sua
sua câmera com maletae
algumas fotos.

27
f

AALAAAL
EM LON
UM YANOMAMI NDRES

a0 Som dos meus berros. f


Após longa e
dificil viagem finalmente
cuidaram de me lavar e meali
ao posto da missão. La,
chegamos fíZ minha primeira cOnout
um médico veio e
mentar. Em seguida,
sulta.

da viagem com pouco t.


do meu nascimento, mpo
Apesar da situação
de saúde, eu parecia ter todas as chane
de vida e do meu problema
de sobrevivéncia.
a voltar para a lnglaterra, mas
Meu pai estava decidido antes de

Eu precisava me tortalecer, tomarvacinac


partir era necessário esperar.

e passar pelas primeiras consultas de rotina para enfrentar mais uma


viagem. Também precisava de roupas, documentação e todas essas
coisas da civilização.Bayá nos
ajudou bastante. Levou-nos para sua

aldeia e lá morei com meu pai por algumas semanas.


A índia Atiba, me deuma pequena Tukano, me amamentou
durante esse Sua filha já tinha mais de
tempo. 2 anos e isso facilitou

muito ascoisas para mim. A dieta da menina incluía peixe, raizes e


frutos,e não era
difícil
compartilharmos o leite
materno.
A pedido deBayá,Atiba
mim como cuidava de s
cuidou de
própriafilha.Meu pai
precisava de
documentação para me tirar do
país, e a índia, com o
conhecimento de seu
concordou em me marido, o Tukan0 obé,
registrarcomo seu fiIho,
sentes
para toda sua família
Em
troca, receberam
e-o
que lhes fora ainda mais
gratidão demeu val10s
pai.Registrado
como Daniel Tukano ecom
autorização de Atiba
para sair do país na Spens
a Amazônia
aos 3 companhia demeu P i,
deixer
meses e 22
Em dias de
idade.
Londres,
Ele havia Winston nos
esperava no
retornado à orto de Heathrow
aeroporto
Inglaterra logo
após o Csaparecimento de meu
pai.Estava
cheio de
desapareci
30
questionamentos sobre a
fa de missões
ies
na

presença
maior floresta do planeta e, embora não tenha se afastado totalmente

do trabalho na Amazônia, voltou a Londres, onde assumiu um cargo


na empresa de sua família.

Quando soube do reaparecimento de meu pai, ficou felicíssimo.

O sumiço ou a suposta morte do amigo o abalara bastante, e também


colaborou para que ele retornasse ao país de origem e abandonasse o
trabalho direto nas missões.

Meu paie Winston são amigos de infância. Cresceram juntos,


sonhando com aventuras na selva. A princípio, todos diziam que tudo
não passava de coisade criançae que eles se tornariam adultos para
e
seguir outros caminhos esquecer as brincadeiras
infantis. O
assunto,

a ficar mais sério quando eles decidiram seguir car-


porém, começou
reiras que os aproximaram da cultura amazônica. Meu pai optou pela

Medicina e especializou-se em doenças tropicais infecciosas. Winston

no departamento de Ciências Sociais da Uni-


foi um brilhante aluno

versidade e
de Londres optoupela Antropologia ameríndia.
Além das escolhas profissionais, meu pai e
Winston tambéém

ainda eram
aprenderam a pilotar e,desde muito jovens, quando estu

dantes, começaram a fazer contatos com pessoas einstituiçõesdedi-


cadas à proteção de povos indígenas da Floresta Amazônica. Depois

o
de formados, os dois cumpriram quevinham afirmando e partiram
na frente, Winston chegou meses depois.
para o Brasil. Meu pai foi
De volta à pouco mais de um ano após sua ida para
Inglaterra,
Os sonhos de juventude
a Amazônia, Winston sentiu-se péssimo.
haviam terminado da pior maneira possível: ele, desiludido com a
temendo por seu futuro e pelo futuro dos povos
situação da floresta,
morto.
que ali habitavam, e meu pai, desaparecido, supostamente
deixou de
Winston tornou-se um empresário de sucesso. Jamais
ajudar instituiçõesdedicadas à
pesquisae
à defesa dos povos da flo-

resta, mas a Antropologia ficou para trás, como um amor do passado.

A família do meu pai esperava ver os dois amigos retornarem jun-


LDurante todo o
tos ejamais desistiu de encontrá-lo com vida. tempo

31
meus avos nao mediram estorços
para
em que esteve desaparecido, na medida do possível i
informa
Winston ajudou dosindi4
tentar localizá-lo. tomadoea etnia
hav1a
a aeronave queo
do a direção que território Yanomamiiémaior
Contudo,opouco
acessível do
levaram. assim localizar um sbabon
meio
e não étão simples
que Portugal, ficaram telizes quando souberam que ele
quanto
dafloresta.Imagino à Inglaterra!
retornaria
estava vivoe que
a familia estava maior. Quando Winston
ston
Não sabiam, porém, que
e um bebe, meus avós mal
voltou trazendo o amigo
do aeroporto pu-

deram acreditar no que viram.


Além deles, esperavam-nos em casa tio

e Doris. A
Albert, tia Lisa e os amigos Edward, Claude surpresa foi

meu pai surgiu, cabeludo, queimado desol, com adornos


geralquando
tribais nos punhos e tornozelos e um bebê nos braços.

A caminho de casa, meu pai


contou toda a história a Winston,

numaespécie de desabafo. Pediu-lhe que guardasse segredo e mais


tarde contou àfamília amesma história sobre o romancecom uma
cabocla,que depois usaria para responder minhas perguntas sobre
meu nascimento no Brasil.
Além de Winston, Doris também
acabou conhecendo toda aver
dade. Ela e meu
pai haviam vivido um romance nos
tempos de tacul
dade. Quando ele retornou
à
Inglaterra, reataramo namoro. Doris
me criou como filho e tenho
por ela um grande afeto.
Logo que chegamos, fomos morar
com WVinston. Em seu espaç
apartamento, ele arrumou um quarto para nós. Meu
retomar pai precisa
suavida,encontrar
mim e voltar a alguém que pudesse de
ajudá-lo a cuida
trabalhar. Uma
amiga de Winston, se
ofereceu para ajudar nos n, Wanda Cole,
Co
meses e estava primeiros dias. Ela
tinha um bebë de
licenciada de seu
Tia Lisa se ofereceu
emprego na
para ajudá-la universidad
se de modo a
sobrecarregada. Durante evitar que la ficas
Wanda foi minha ama minhas
de primeiras semanas em Londre
iras semanas
dese leite.
Cercado de
reambientar, tratou
amigos, meu pas
pai
comprou-me um
32 pequeno enxoval,mamadeiras,
mai
berco e tudo o mais. Doris, que se tornara uma excelente
pediatra,
me assistiu durante esse
tempo. Ela também inscreveu-me em um
banco de leite e eu pude ser amamentado de forma saudável até os

seis meses de idade.


Após algum tempo,meu pai já estava bem instalado e se preparava
retornar à universidade como Estudava muito e só
para pesquisador.
largava os livros para me dar atenção. Eu era um bebê que inspirava
cuidados, mas feliz. Meus avós, tio Albert e tia Lisa, Winston e o
amigos Edward e Claude estavam sempre por perto e de certa forma
devem ter suprido a ausência do colo materno. Doris e meu pai pa-
reciam jamais ter rompido o relacionamento que tiveram durante o
tempo de faculdade, e eu cresci como testemunha de um romance com
todosos ingredientes para dar certo. Eles amavam a mesma profissão,
tinham ideais semelhantes e não se sentiam meramente cidadãos in-

gleses. Tinham preocupações políticas e humanitárias e se engajavam


em movimentos pelas causas que defendiam.
Mesmo antes do retorno de meu pai, a trajetória de Doris mos
trava que ela, como seu colega de turma,janmais abandonaria os
ideais da Medicina Social. Depois de formada, ingressou na co-

nhecida instituição Médicos sem Fronteiras e prestou assistência

a populações em de risco na Africa e no Oriente Médio.


situação
Sua intensa atividade a atastara de ideais românticos
profissional
e uma vida normal na bela
comuns, como casamento,
mais filhos

Londres. Viajava bastante e assim continuou, mesmo


instigante

depois do reencontro com meu pai.

atividade na Medicina não impediu que ela


De todo modo, sua
meu pai ficassem juntos. Algum temp0 após a nossa chegada, nos
mudamos para uma confortável casa nos arredores da cidade.
A essa altura, eu já havia superado as dificuldades dos primeiros
normalmente- fora o
meses devida e minha infância transcorria

Tato de eu não tertido muito contato com minha mäe biológica, uma
cabocla lá da Amazônia, segundo a história que meu pai contava.

33
mei demã
a chamei mäe.
Doris, jamais Conhesi

Mesmotendo sido
criado por tão logo
ileira tão
brasileira logo m
me
a minha origem permiti
sobre
a meia verdade
a maturidade. do que era a minha cond:..
tinha consciência
Ainda garoto, outroporhsd
Não era comoqualquer de
en.
um nascido em plena Amazónia enquan-
cidadão anglo-brasileiro.
mas
dupla nacionalidade, assistência
aos povos da florea

to o pai trabalhava prestando uma aven


a em um dia viver
momento comecei pensar
sonhos intantis de encontrar minka
naquele
Tinha também
como aquela.
como era e perguntar por que ela não foi conosee
mãe e saber ela

para a Inglaterra.
momento desses, deitado
em meu quarto antes
Exatamente num
se eu estava com
de dormir, a porta se abriu e meu sono
pai perguntou

ou se podíamos conversar um pouco.


-Pode entrar, pai.
Daniel, o assunto é sério.
-Oque
Economico como semprenas palavras, quando o assunto se tratava

do meu passado, ele disse:

Aconteceuuma coisa lå no Brasil. Sua mãe está morta.


Não falamos mais. Eu o abracei e choramos nos
juntos. Depois
olhamose tivemos acerteza de
que não is
dizer
conseguiríamos ma
nada. Abaixei acabeçaeele percebeu que eu queria ficar só. dem
tirar osolhos de mim,levantou-se e
deixou o quarto, fechando
porta atrás de si. Sem muito e
as lágrimas e
pensar, sequei
meus retou
pensamentos deirpara a
Amazôniae encontrar minne
abraçi-la e descobrir como
ela era. Durante
na téentrar
algum tempo, ate
adolescencia edeixar no tive
o hibito de passado as fantasias
infantis, ma
imaginar histórias
estivesse viva.
sobre minha mãe,como se eeainda
Meu pai contou a
Winston sobreamorte
sacre de Haximu. morte de Yarima noMas
Falou
também sobrea
essidade de viajar
v pai
necessidade
o Brasil e tomar providências para que Nape, minha irm, ficasse

bem. Winston disse ao amigo que viajasse tranquilo, ele e Doris


cuidariam de mim.
Apesar de ter se tornado um sujeito bonachão, Winston enten-
dia bem o amigo, ora expansivo e com um incrível senso de humor
como nos velhos tempos, ora introvertido. Sabia que em seus mo-
mentos de introversão meu pai tentava encontrar explicações sobre

tudo o que havia de certo sentimento


acontecido. Tentava livrar-se

de culpa, tanto pelo destino de Nape eYarima como pelo fato de ter
escondido de mim a verdade sobre o meu nascimento na América
do Sul.
Eu e minha irm tínhamos10 anos quando o massacre ocorreu.

Entreos Yanomami mortos, a maioria mulheres e crianças, esta


vam Yarima e Marane, seu marido. Nape, que brincava com outras
crianças, fugiu em pânico com um indio que a resgatou e a levou
para longe do alcance armasdos garimpeiros. Os sobreviventes
das

andaram por mais de cinco horas até chegarem ao posto de atendi-


(CCPY).
a
mento da Comisso para Criação do Parque Yanomami
O
massacre dos Yanomami ganhou repercussão internacional.
Tão logo soube do ocorrido, meu pai entrou em contato com Bayá,
de

quepartiu para oposto da CCPY. Segundo pöde perceber, apesar


assustada,Nape passava bemn.
Meu pai chegou a Roraima dias após a notícia do massacre.
No posto da CCPY, pôde saber mais sobre como tudo acontecera.
As informações, no entanto, ainda eram bastante desencontradas.
se de Nape, embora não tenha
Ele também conseguiu aproximar
a menina, ele era mais um estranho. Bayá
conversado com ela. Para

explicou que Nape, assim


como os outros sobreviventes, esperava o
se despedir
fim dos trabalhos de localização da área do ataque para
cremam os restos
dos mortos. Na cultura Yanomami, familiares
aos alimentos. Ninguém
mortais e ingerem as cinzas misturadas
seus espíritos fiquem livres.
pronuncia o nome dos mortos para que

35
itam
eles acreditas
pois
são queimados,
Seus pertences
também
farturae nada do que
que prec:.
precisavam
um mundo de
mortos vão para
la.
serventia por meu aicon-
aqui tem dalingua Yanomami,
tinha conhecimentos
Como e contou a eles que idá tinha
seguiu
se aproximar

morado no shabono.
dossobreviventes
Os índios, ainda jovens, lembraram-se dele De .
de longe, mas os dias passaram e ela tamhz.
ém
Nape o olhava
início,
a conversar um pouco.
se mostrou mais disposta
e meu pai mostrou a ela ae
Finalmente os dois se
as
aproximaram
A pedido da menina, juntos fizeram am
fotos que tinha com Yarima.
a libertar o espirito
uma fogueira e as destruíram. Assim, ajudariam
de sua mäãe e a do mundo de fartura. A partir de então
aproximá-lo
ela se mostrou mais amigável.Mas a indiazinha ainda estava assus
tada e traumatizada. Naquela mesma semana, caiu doente.

Nape foilevada a um hospital em Boa Vista e lá ficou por alguns


dias. Meu pai a acompanhoue contou toda a história à pediatra

que a assistiu.
que queria fazer o
Disse-lhe teste de
paternidade e

comprovar seu parentesco com a menina. O material para exame


foi colhido e,
embora jásoubesse o resultado, esperava ansioso.
Sua intenção era exercer os direitos
legais de pai e cuidar para que
Nape fosse bem assistida e
pudesse ter educação, mesmo que
jamais
deixasse a Amazônia. Aliás, não era esse seu
desejo. Queria, na
verdade, manter contato com ela, poder um dia contar-lhe toda a
verdade e
possibilitar-lhe uma vida felize
segura.
Antes de deixar a
Inglaterra, meu pai
que lhe deu o telefone e o conversou com LDo
endereço de Laura
Blasser Blasser. A sennoora
costumava fazer
doações aos Médicos
partir do contato com essa sem Fronteiras,
Doris. Cidad instituição conheceu e ficou de
de vasta inglesa, fora criada
na arn5 a
extensão de terra. Guiana, onde era
propr
humanitários, sem herdeiros e com ideais
Milionária,
Laura Blasser
crianças fundou uma
em uição de apoic
aa
indigenas instituição
situação de risco
36
em Uiramut, regiao
ao Parque Nacional do Monte Roraima,
oróxima que mais tarde
seria circundada Raposa Serra do Sol.
pela terra indígena
Em sua propriedade, abrigava dezenas de meninos e meninas,
incentivava entre eles a manutenção da cultura indigena e, ao mesmo

tempo, dava-lhes acesso ao sistema nacional de educação. No currí-


culo, estavam incluidas matérias sobre a cultura
indígena, ministradas
por professores de diferentes nações roraimenses. Assim que Nape
melhorou, meu pai partiu para Uiramut.
Ficou bastante impressionado com o que viu no abrigo. Ali, as
crianças tinham tudo de que precisavam. Decidiu
que Nape iria viver lá
pediu ajuda ao pessoal da CCPY para convencé-la a deixar os sobre-
viventes de seu povoe de outras
sejuntar a crianças nações indigenas.
Não foi fácil, mas meu pai conseguiu a amizade da menina e aos
poucos
conquistou sua confiança. Nape finalmente concordou em conhecer o
abrigo. Lá, em contato com outras começou a se sentir mais
crianças,
à vontade. Muitos de seus amigos haviam sido mortos no massacre e a

defazer novas amizades facilitou sua adaptação.


possibilidade

A presença degarimpeiros nas terras Yanomami era uma grande


ameaça. Além da possibilidade denovos ataques, havia o risco de
doenças, comoa tuberculose eapneumonia, e
fantasma o

prostitui-
da

ção. No abrigo, Nape estaria protegida. Também seria bem mais fácil

para meu pai manter contato com a senhora Blasser e saber notícias
de minha irm. Pediu-lhe que começasse a dar a ela, na nmedida do
possível, noções de inglês. Ali, Nape também poderia a
frequentar
escola e aprender o portugués. A única desvantagem era afastá-la da
Sua cultura de origem. No abrigo, grande parte dos índios era de fa-
ou Aruak. Alguns haviam nascido na Guiana
milia linguística Karib

e Nape era a única Yanomami.


Com os amigos de outros povos ela pöde ganhar noções de línguas
faladas na região do rio Branco. Emborahouvesse a desvantagem do
afastamento de sua cultura, essa vivência tornou-se muito importante

para o seu futuro. Nos anos que se seguiram, houve maior organização

37
entre
io entre os
osdi
dointercâmbio diversos sha-
com a expansão zônicas. M..s6a
Mais
amazônicas.
do nosso povo e outras culturas: nheceria as
Yanomami e conheceria as lid.de
bono eentre os
o contato
com suas origens
nomami. Ela se
lider
co
retomaria da cultura Yanomami. tornaria
Nape
manutenção
que lutavam pela
na comunidade. cheio emvida de
importante de Haximu atingiu
Certamente o
Massacre
de Yarima só aos poucos
foiora1
a morte
minha irm. Para mim, Ela erauma
não fez muita diterença.
A
do importância. princípio e assim continuou. medida.ueA
da minha imaginação
personagem consciência da
minha condiço. eoessa
e ganhando
fui amadurecendo vinha a ausa
a me incomodar. Em
primeiro lugar ên-
história começou
sua origem, sabia o que
tinha acontecido. Era uma a
cia. Nape conhecia
era um meio inglës
com a outra metade
Yanomami por inteiro. Eu
amazonense,segundo meu pai. E daf?
obscura, filho de uma
cabocla

era ela?Tinha outros filhos? Sabia falar português? Usava


Quem
roupas? Morava numa casa ou numa oca? Como morreu?
Meu pai eraevasivoem suas respostas. Sua me morreu num ataque
aopovoado onde morava. Na Amazônia há muita disputa pelas riquezas.
Sentindo que o assunto o incomodava,eu tinha receio de perguntar e

de me alongar nas conversas. Tudo isso me irritava bastante e de certa


forma impedia que tivéssemos um relacionamento pleno.
Comecei a pesquisar por conta própria. A
internet foi uma gran-
de aliada, mas o português era uma barreira e tanto. Muito pouco
do que eu podia encontrar sobre os povos amazonensesestava
inglês. Além disso, eu tinha as
pistas erradas e tudo era
vag
muito
Minha saída era
pesquisar sobre os Tukano e outros povos aa
do Cachorro, tentando
entender suas ias e
suas características fisicas sociedades, suas econo1
e culturais. Também
nessa épocaco
estudar português. Conheci
em Londres uma estudante que
se
propôs a meensinar. Seu brasi
nome era
De cabelos pretos e Mariana.Era linda a Maria
lisos,olhos
certamente o sangue indio amendoadose pele um tanto morena,
também corria em
suas veias.
38
de português a minha primeira paixão. Eu era
Minha professora foi

um garoto de 16 anos com ideias mirabolantes na cabeça, e ela,


magricela,
estudava em Londres um certo autor da literatura
formada em Letras,
inglesa.
Oito anos mais velha do que eu, via-me como um sobrinho ou,

como um irmão mais novo. Ela e Doris ficaram amigas, e


tanto pior,
Mariana voltou para o Brasil nos deixou seu endereço no Rio
quando
Em
dois anos, aprendi a me
de Janeiro. Suas aulas foram muito úteis.
comunicar razoavelmente e conseguia ler muito bem.
Em 2001 estive pela o Ano
primeira vez no Brasil. Viemos passar

Novo. Assim que chegamos ao hotel, liguei para ela, que foi ao nosso
encontro e nos levou para uma volta pela cidade.
turistas no Rio de Ja-
Depois de alguns passeios obrigatórios aos
neiro, à noite fomos a um restaurante. Após ojantar, meu pai eDoris
tomaram um táxi e voltaram o hotel. Achei ótimo!
- Vamos falar
para

português-propus quando entramos


no carro.

Quer treinar?
me mudar o Brasil em alguns
- Sim. Vou
Não desistiu?
para anos.

Não vou desistir.


Conversamos um pouco antes de chegarmos a uma roda de sam-
ela me disse que
ba.Achei tudo muito divertido ediferente. Quando
iríamos ao samba,imaginei que me levaria auma casa de espetáculos,
um lugar onde a gente compraria ingresso para ver
o show, com mesas

e cadeiras, máquinas de cartão de crédito para pagar a conta e tudo

mais. O "bar', no entanto, era ali mesmo na calçada, com os músicos

sentados nos bancos do mobiliário público e a gente em volta, de pé,

dançandoe rindo muito. Gostei do Brasil!


dia seguinte ao acordar. Fui dormir e
Choque cultural,pensei no
acordei com isso na cabeça. Passei a vida inteira ouvindo falar nisso.

Não vai acontecer comigo, pensei. Mas o Brasil era mesmo muito dife-
rente. Se era assim no Rio de Janeiro, mal podia imaginar como seria
a vida dos caboclos e dos índios da Amazônia.

39
linda mesmo!
E como sabia
sabia sambar!

hein? Era de verdade M


ade.Mas até
Dizi

Ea Mariana, veruma passista hoje


eu precisava
que não, que muito bem.
ela sambava no Bras:1
Vida de aventuras
rasil,
eu acho que uma estava
tanto em ha
Eu que pensei Um dia no Rio deJaneiro havia me
a viver a primeira. vida. Maro
começando ferias da minha arcamos
eu teria as melhores
mostrado que

de ir à praia no
dia seguinte.
de Mariana. Lind, a
Luísa, irm mais nova
Na praia, conheci a partida de Ma.
a me
ciceronear após
também! Ela se prontificou o homem mais
noite. Eu era feliz

riana para o Nordeste, naquela

do mundo
Adorei a praia carioca. Um verdadeiro campo de observação para

em Antropologia. Ver as pessoas naquele am-


umjovem interessado
me fazia imaginar
biente social a céu aberto, cheio de contrastes,

quantas realidades diferentes podem existir e conviver.


A noite, fomos dançar forró. Luísa me explicou que forró étanto
o baile como o ritmo e a dança. Disse também que muitos brasileiros
acreditam que a palavra forró vem do inglês for all, e que a principio

s torrós eram bailes promovidos por ingleses mandados ao Brasl par

aconstrução deferrovias. Os ingleses tinham suas festas exclusivas

etambém faziam festas forall,ou seja, para todos. O povo da regao


adaptou a pronúncia inglesa até chegar a forró. Essa versão, pore
fantasiosa. Forró,na verdade, éuma redução dó, um tipod
de forrobodó, tipo
"baile popular".
A história sobrea origem da palavra era interessa
nte,

mas, de férias no Brasil


e prestes a esmo
completar 19 anos, gostel
foi dobailee de dançar com
Luísa. O forró é uma dança muito ensual
em que as pernas do casal se
entremeiam e os quadris se enacaixam
Quando a música parou, não resisti.
Olhamo-nos por algunsinstantes,
fui meu rosto do dela alguns
aproximando ea
Os dias seguintes foram beijei.

nhado de Luísa, conheci inesquecíveis!Prazerosame nte acompa


uma cidade linda, efervescet
cultural intensa e um povo muito unda,com uma efer

receptivo.
De voltaà Inglaterra, apaixonado, não havia um dia em que eu

não pensasse no meu amor. Ela ficou de ir nos visitar em Londres


nas

férias do meio
do ano. E foi.
A visita ao Kio de Janeiro me fez terainda mais vontade de mudar

para o Brasil. Nos anosque se seguiram, aprofundei meus conhecimentos

de português e sobre a cultura brasileira, formei-me em Antropologia


e fiz mestrado seguindo uma linha de estudos culturais sobre o meu

povo de origem. Além disso, estive no Brasil outrasvezes e, como dizem

os ingleses, finalmente embora não menos importante, mantive meu

relacionamento a distância com Luísa.


Eu não sabia, mas, mesmo antes de começara me preparar
ainda

de vez para o Brasil, Nape já estava sendo preparada para


para mudar
conhecer a Inglaterra. Durante os anos que se seguiram ao massacre,
no abrigo em Uiramut. Aprendeu um pouco de português
ela viveu

e começou a ter noções de inglês na convivência diária com a senhora


Blasser. Tendo conquistado a confiança da menina, Laura Blasser contou

à minha irm, tão logo se mostrou mais receptiva, que ela havia ganhado

outro pai" após morte deMarane. Falou de meu pai como o homem
a
branco quehavia morado na aldeia antes de
ela nascer, descreveu-o

e que
como alguém que nutria grande estima por Yarima iriaajudá-Ha

em tudo que ela precisasse.


Aos 14anos, Nape mudou-se para aGuiana. Já idosa, senhora
a
e de suas A casa de
Blasser sentia falta de sua casa
terras naquele país.

a cargo de colaboradores e voluntários. Com anos


de
Uiramutã ficou
estabilidade e funcionava bem
atividade, o abrigo já havia conquistado

com o auxílio de parceiros,


muitos diretamente ligados a escolas indí

genas e de apoio aos povos da floresta. A senhora Blasser


instituições
os trabalhos
não deixou para trás tudo o que construiu. Acompanhava

a distância e viajava ao Brasil com certa frequência.


fundamental. Ela pôde frequentar
Para Nape, essa mudança foi
seus conhecimentos dessa língua. Meu
umaescola inglesa e solidificou
todo esse tempo. Aos 16 anos,
pai manteve contato com ela durante
averdade.
verd
ela soubedetoda endo
antes de
mim, eentenden
entendendo sua
cinco
anos acabouaceitando
portanto essemomento, masem
em sua
sua simplic
simplicid
para
sido preparada um tantoatordoada,
No início,ficou mudar opassado.
história.
não podia laria. Ela
Ela mest
que ainda tardaria.
logo percebeu a porém, a fanm:
visita Londres, mília.
Sua primeira não podia apresentar-lhe
ainda
ir e meu pai
não queria
toda a verdade. futuro
era preciso
revelar
para
um encontro
Antes, e ela caminhávamos
e um objetivo comum.
eu comum.Mas
Paralelamente, Mas,
muitas afinidades
e questio-
em queconheceríamos cheio de fantasias
eu era um adolescente um
àquela altura, se dizer uma anglo-brasileira com uma
namentos e ela até já podia
de vida incrível.
experiência
a Guiana pelo
menos duas vezes por ano. A
Meu pai viajava para
lidar com nosso passado
quando se tratava
dificuldade que
tinha em
menos não com a mesma
não acontecia, pelo
de conversar comigo Falavam abertamente
ele conversava com Nape.
intensidade, quando
com Yarima e ela jáo chamava de pai. Não
sobre seu relacionamento
cometeu e contou-lhe a
com minha irm o erro que comigo
repetiu
tudo. De certa
verdade tão logo ela se mostrou para saber de
pronta

forma, o afastamento fisicodeve ter ajudado. No meu caso, a ocultação


e nossa proxim
dos fatos dia após dia foi tornando tudo mais dificil
dade o fazia sentir-se cada vez mais culpado.

Entrei na faculdade aos 18 anos. Minha escolha notadamente


incomodava meu pai. A medida que avançava nos estudos, cobrava

ele
dele a verdade sobre o meu nascimento na Amazônia.Dizia a c
eria
que certamente tinha parentes lá, podia ter irmãos, primos e qu
ito
conhece-los. Seus
problemas com minha mãe não me diziam Iesp
e ela já estava morta.

Durante no King's College, demonstrci meu


ocurso de graduação
interesse pelos povos da
atraia a atenção
Amazônia. Meu tipo físico atraía
dos colegas *
e
alguns me chamavam de
05
índio-antropólogo.
professores, fiquei conhecido
carregar tam
como Tukano, apesar decarrc6
apesar

42
bém o sobrenome de meu pai. Todos sabiam que tinha vontade de
deixar a lnglaterra após a conclusão do mestrado para fazer o douto-
rado no Brasil.
final do
Ninguém esperava, no entanto, a reviravolta próximo ao
a conversa com meu pai na noite do meu vigésimo pri-
curso, após
Todo o direcionamento que dera aos meus estudos
meiro aniversário.
sobre
começou a mudar. Certamenteeu já havia escutado muita coisa
de antropó-
os Yanomami. Meu povo sempre despertou o interesse

logos e de de terem vivido isolados por muitos


cientistas pelo fato

séculos. Além da cultura única e de uma família linguística própria,


isolamento atraía a atenção
alguns fatores biológicos relacionados ao
de médicos e geneticistas.

43
m
oSHABON
AO SHABONO
DE VOLTA

de toda
toda a hhistória
já ciente
do,ja
demestrado, m. Fisi-
minha irm
Durante
minha pesquisa vez e conheci
as vezes,
Roraima pela
primeira nos falado algumas
estive em Jáhavíamos ais
éramosparecidos. conversas superficiais que
camente, dealgumas
mas nosso contato
não passara
nos. A princípio, tudo e era
o abismo entre
mesmo assim,
mostravam criar ma proximidade,
alguma proximidade
tempo para
estranho.
Demoramos algum a retornar à lnglaterra
Ta.
eu já estava prestes
e quando isso aconteceu o
e resto da família
conheceu Londres
e finalmente
Nape foi comigo a nos corresponder e falávamos
esse encontro,passamos
Após primeiro

ao telefone com maior frequência. A essa altu-


uma figura interessante.
Minha irm era realmente
era importante na comunidade
ra morava no shabono de Mucajaí e
trabalho nas escolas
Yanomami. Tê-la conhecido encheu-me
por seu
Não a invejava, mas ressentia-
de questionamentos, mais uma vez.
nosso povo e
-me de não ter tido a vivência que ela teve junto ao
a outros da floresta. Ela era poliglota, com conhecimento
povos
de diversas línguas indígenas, além do inglês e do português. Não
fazia e nem tinha planos de fazer faculdade, mas sua trajetória lne

permitiu ter uma visão muito especial de toda a causa indigena, no


Brasil e em outros
países da região amazônica. Eu, por outro lau
tinha orgulho da minha ssa
nacionalidade britânica, mas havia co
ausência, o desconhecimento do outro lado que minha irma anto
ta
conhecia. E possível
argumentar que Nape também desco
conhecia
uma de suas metades. Ela, porém, não tinha tais questionamentos.
Sentia-se questiona"
vontade
plenamente integrada
de ir outras vezes
àvida na floresta e, embora tivesso
à de sua
Inglaterra e de se
e aproOxima
aproximar
família
britânica, no o fazia
por
autoconhecimento.
46
Aos 22 anos terminei o curso de Antropologiae aos 24já havia
concluído o mestrado. Direcionei meus estudos para a cultura
amne-

ríndia e trabalhei especificamente com os índios


de Roraima. Meus

estudosde lingua portuguesa também já estavam em nível avançado.


Não perdi o contato com Mariana e Luísa e isso me ajudou bastante.
Durante o tempo de estudante, fui outras vezes ao Brasil e também

recebi a visita de Luísa, com quem mantive durante todos aqueles


e eu
anos um romance a distância. Ela era minha namorada carioca
era seu namorado londrino.

ao Brasil de mudança em 2007.Nas primeiras semanas,


Cheguei
no apartamento das duas irmãs, no Rio de Janeiro.
fiquei hospedado
Mais velhas do que eu, as duasjá tinham independência financeira e
me acolher com bastante conforto. Desconfortável mesmo
puderam
só a minha situaço, ali com minha primeira paixão da adolescência
e minha namorada, com quem tive um romance que hoje posso des-
crever como inesquecível, apesar de nosso contato ter se dado princi-

palmente por e-maile telefone. Em quatro anos, minha mudança


até
a
no máximo umas quinze vezes. No
para o Brasil, nos encontramos

apartamento com que me senti um tanto confuso.


as duas, confesso

Confusões àparte,minha estadia no Rio deJaneiro foi fundamen-


elos mais tortes com instituições
tal
para começar aestabelecer ligadas

ao estudoeàproteção dos povos dafloresta. Desde os tempos da fa-

culdade,já mantinha contato com algumas dessas entidades devido às


um emprego em uma
pesquisasque desenvolvi. Finalmente, consegui
e a tazer viagens frequentes
organização não governamental passei
para a amazônica. Tinha vontade de um dia me mudar de vez
região
achava melhor continuar no
para Roraima, mas naquele momento
Rio deJaneiro.Eu podia me ambientar aos poucos, conhecer pessoas,
e entender melhor os falantes nativos.
aperteiçoar meu português
ao doutorado na Uni-
alguns meses, candidatei-me
Passados
um bom
versidade de Brasília. Pensando friamente, este parecia

caminho. Ligar-me à universidade poderia


me proporcionar a opor-

47
na
onal na
vida protissional direço
de vez minha zes
às vezes me. sentia um me
de encaminhar outro lado,
Por vida de
o exemplo da vida
tunidade
indígena. aventuras
da Antropologia ter seguido de O.
por não garoto, por não
nos tempos
tanto covarde
o
com
sonhava
que doo
de meu pai, a minna irma,experimentand. dia
unir logo
de me
tercoragem
Yanomami. mais próximo
a dia nas aldeias em Brasilia estava
morando um futur
De toda maneira, a Vislumbrarde
começamos O
de Nape, e nesse período
luta pela preservação
da cultura
o
Yanomami. próprio desen1
a passar tempo
desenrolar
e
entre a capital federal e São
-
da pesquisa levou-me as escolas em obseruva-
de onde partia para
Gabriel da Cachoeira, vezes a Brasil:
também algumas
foi lia,
ção no meu estudo. Nape
Embora as distâncias aind
com lideranças indígenas.
em comitiva e foi nos
a nos ver com mais frequência
fossem grandes, passamos
sível estreitar nossa
amizade. Dizem que irmãos gëmeos têm uma
e eu, separados logo
muito forte, e devo admitir que Nape
ligação
ali uma amizade que nem sempre
após o
nascimento, começamos
se vê entre irmãos criados juntos.
la cada vezmenos ao Rio de Janeiro. Embora tenha mantido o
contato com Luísa eMariana por algum tempo, acabamos nosdistan
ciando. Não nos perdemos de todo, e ainda hoje trocamos e-mails e às
vezes nos visitamos, em datas como aniversários e festas de fim de ano.
Não tardeia encontrarum outro amor. Andrea caiu de
paraquedas
em São Gabriel. Paulistana, em
interessada do meio am
preservação
biente e em Medicinae
terapias alternativas, mudou-se para o Ama
zonas
depois de formada. Inquieta,
viajava pelo mundo à de
procura
lugares perdidos nas
regióes mais distantes do
de e planeta. Erapsicolo
formação ocupava-se deestudos sobre
Também xamãs,curandeiros e
gostava deartes marciais paj
e, acredite, era
se brincava.
Naverdade, era ela ninia! Com ela
na
quem
vezes por ano alugares inimagináveis brincavacomigo.V1ajava itas

mava ausentar-se para o turista comum tu-


para fazer cursos
na Europa,
nos Estados Un os,
48
noJapãoe em outras partes do mundo. Deixava-me só, esquecido em
plena Amazönia, e se alguém achar que estou me fazendo de vitima,
saiba que é isso mesmo. Sentia-me péssimo toda vez que ela partia.
Andrea deixava claro que não era de ninguém, embora eu achasse que
ela era perteita para mim.
Durante esse tempo, dedicava-me à pesquisa e,ao longo do desen-
volvimento de minhas atividades acadêmicas, acompanhei o trabalho

de minha irm. As escolas indigenas foram instituídas na Constituição

de 1988. A nova Carta brasileira, promulgada após o fim do regime


militar, determinou a fixação de conteúdos mínimos para garantir
uma
educação básica comum, com respeito à cultura de origem dos diver
anos de idade, eo
sOs povos indigenas. Nape eeu tínhamos, então, 5
contato entre os Yanomami e os brancos era intenso, principalmente

devido à mineração aurífera. há muito eram vistos como


Os napëpë
as doenças, o alcoolismo e a degradação
inimigos. Com eles vieram
do meio ambiente. necessidade de maior organização do povo Ya-
A
foram criadas
nomami cresceucom a ameaça externa, e associações
com o objetivo de unir homens e mulheres de diversas aldeias.
pioneiro professor
Davi Kopenawa foi uma pessoa importantíssima
em todo esse processo.
a ler e escrever na lín-
As primeiras escolas ensinavam as crianças
a
os índios não tardaram a perceber importância
gua Yanomami,mas
escolar mínimo
de também o português e de ter um currículo
aprender
e o acesso ao
maior conhecimento de sua cultura
que Ihes permitisse
Nos anos que se seguiram, as escolas
sistema nacional de educação.
a
além da alfabetização em língua indígena, passaram
Yanomami,
povoe da sua luta em defesa da
ensinar também a história daquele
também aulas de disciplinas do
sistema
terra. Os Yanomami tinham
Matemática, Português, Eco-
brasileiro,
como História e Geografia,
e Saúde.
logia
muito antes de mim. Em
as escolas indígenas
Nape conheceu que era seu
meu pai contou a ela pai bio-
novembro de 1999, quando
49
lógico
e que
e Nape pôde
que gostaria
escolas da
ela tinha
um irmão
enfim falar
sobre

de reencontrar
Comissão
com
gëmeo,

seu povo e

Pró-Yanomami.
toi

Em
ele pôde compreender
com
Boa
ele e

Vista,

otamanhodo
lon.
rsaram longamente
eles conversaram

ssado.R.
os fantasmas do passado,
ura
Laura .
Revelou
visitar

ceuDavi
conhece
as

trabalho
que
Kopenawae
nas mãos.
os protessores tinham não deixou de acompanha os
se Nape
Nos anos que seguiram, as feria
dos Yanomami. Sempre que vinham ias,
educacionais
projetos ão a
e a reserva. Começou naquela ocasião.
deixava a Guiana para
seguia
en.
indígena. Para en-
dar sinais de todo o seu potencial como educadora
19 anos, deixou a casa de Laura Blasser
curtar a história,ao completar
a seu povo, cumpriu a formação para
para o Brasil.
Reuniu-se
e voltou
da escola indígena e passou a atuar diretamente
tornar-se professora

na educação Yanomami.
de ensino indigena não tinha reconhe-
Naquele tempo,osistema
de Roraima. Isso só aconteceu
cimento da Secretaria de Educação
mesmo assim, as
11 anos após a fundação das primeiras escolas e,
um currículo mínimo não foram
mudanças necessárias para garantir
automáticas. Minha irm participou de tudo isso. Foi uma mulher

pioneira em nosso povo, lutando ao lado de outros líderes e professores


para quenossas crianças ejovens tivessem acesso a uma
vida digna

a melhores condições de resistência diante do avanço do agronegoco


industrial e da mineração.

Lembro-me muito bem de quando ela esteve na


Inglaterra pela
primeira vez. Falamos sobre minha ideia de ir para o Brasil. Ela
incentivou a
participar dos programas de educação e a iniciar ima
u
convivência com a comunidade
indígena. Convidou-me, naquela oca
sião, para
morar com ela. Porém, lo ea
decidido a concluir o mestra
ingressar no doutorado, não considerei sua e
proposta de larga tudo
me mudar para
Mucajaí.
Em minha primeira visita à
nas escolas
Terra
Indígena
gena Yanomaml,cencontre
Yanomami,
indigenas uma estrutura ante.
que me impressionou
as outras
Apesardos problemasentreeles a falta de integração com
escolas do pais
e a eterna pressão do desenvolvimento econmico

eles já acreditavam que aquela era a melhor maneira de preservar


a
aculturae as terras Yanomami. Impressionou-me especialmente
vontade e o espírito de luta das lideranças ligadas às escolas.
força de

As vezes, sentia vontade de ficar e ajudar, mas ainda não me achava


e seguir
preparado. Na minha cabeça, era melhor terminar
os estudos
a eles e
carreira na Antropologia. No podia simplesmente juntar-me

fingir que fazia parte daquilo tudo.


Foi numa das minhas viagens a Mucajaí que conheci Andrea.
De
visita à escola, ela oferecia trabalho voluntário
em troca da experiência
de convivência com os índios. Andrea era agitada, tinha uma energia
sem que
sem igual e me cativou de tal torma que meu olhar a seguia
de sexta-feira, sem muito pensar fui atras
me desse conta. Numa tarde

dela quando deixou a escola.

Ei,Andrea, espera! Posso falar com você?


Claro. Tudo bem?

Tudo bem. Posso acompanhar você?


Pode. Estou indo pra casa. Você é professor?
Senti-me um tanto sem graça e respondi:
na Universidade de
Não. Sou irmão de Nape. Faço doutorado

Brasília-completei.
coisa e, sem rodeios,
Ela me olhou como se estranhasse alguma

perguntou:
-De onde você tirou esse sotaque?

na Nosso pai é de Londres e me levou


Fui criado Inglaterra.

que eu nasci. Nape ticou e toi criada por nossa me.


para lá logo depois
a ela um pouco da minha história.
Assim, comecei a contar
Conversamos longamente e ela
me contou algo sobre sua vida tam-
terminar a faculdade e
bém. Disse-me que deixou São Paulo após
Unidos, onde
viajou pelo
tempo nos Estados
mundo.Morou um
e terapias alterna-
começou a se interessar por medicina indigena

5
e ja começava a traçar plan.
tivas. Fez cursos em toda parte anos
parta

uma viagem à India.


tudo o que consegui dizer.
-Quepena!-foi
Ela sorriu

uma casa
tempo.
Não
e respondeu:
vou agora.

ecológica
Só daqui
em São Paulo
a alguns meses. Estou const

e nao posso me ausentar por

ela continuou falar e


a falar e eu
eu fui
.
iindo

muito

Empolgada com seus planos,


f
me
sua energia. Volta.
sentindo embriagado por sua voz, cativado por
mos juntos para São Gabriel e marcamos um encontro para o dia
dia

seguinte. Ela estava com comprada para urma temporada


passagem
com a família, em São Paulo, e não desgrudamos mais até sua parti-
da. Quando isso aconteceu, eu já estava completamente apaixonado.
Ela se foi e eu fiquei só com meus pensamentos e sua voz em minha

cabeça. Tendo emprestado seu ouvido às minhas lamúrias, com seu

jeito extrovertido, antes de partir ela me disse:


Nada aver essa história de doutorado. Vocêe seria mais útil em
Mucajaí. Seria bom para eles e melhor ainda para você.

Beijou-me e embarcou para me deixar ainda mais confuso do


que já estava. Voltei ao centro de São Gabriel e sentei-me num
banco da praça, em frente à prefeitura. As nuvens no céu, como0
de costume, eram densas e grandes. As montanhas em volta eram
densas e grandes, o rio
Negro era denso e grande. desenho da O
paisagem serena contrastava com a pobreza da cidade. Olhei tudo
à minha volta por alguns instantes e
parei diante da visão do Pico
da Neblina, envolto em nuvens.
Voltei à margem do ri0
tO
por umaenorme agitação. Meus olhos viajavam u
pela paisagem
tentava entender toda a história
que havia me levado àquele lugar,
enfiado no meio da floresta.

Naquele momento,soube
que não conseguiria voltar a Brasilia
Liguei para meu oorientadore disse a ele
que precisava Tic
mai
is

tempo em São Gabriel da Cachoeira. lei-me


Voltei a Mucajaí,
hospe
52
com minha irm e pela primeira vez travei contato mais longo com
os índiosda comunidade.
A ganância de madeireiros e garimpeiros, a grilagem de terras,
a devastação ambiental, a exclusão social, a falta de serviços públi-
cos traduzem no dia a dia dessas pessoas a desatenção dos governos

com uma das regiões mais ricas do planeta. Mesmo com todo o

alarde que se faz em torno da questão ecológica, durante o tempo


em que me hospedei com Nape comecei a perceber que o principal
problema da Amazônia é mesmo social e humano, e a solução dessas

questões certamente ajudaria a resolver em grande parte o problema


ambiental.
mulher que me registrou
Resolvi visitar Atibae Cobé. Atiba foi a

e por causa dela tenho o sobrenomeTukano. Durante muitos anos da


minha infância, quando imaginava histórias sobre minha mc, era em
Atiba que pensava, pois seu nome na minha certidão de nascimen-
to era a única informação concreta sobre a minha origem indigena.
concreta não era nada verdadeira, e
essa informação
Ironicamente,
Atiba nem mesmo teve um laço profundo de amizade com meu pai.

Mal o conheceu.
De todo modo, achei que, se queria resgatar minha história, era
sei se estava certo, não tinha
esse o caminho quedeveria tomar.Não

mais amesma autoconfiança. Anos atrás, ainda em plena adolescên-


do que devia
fazere os segui
cia, sentia-me capaz detudo, seguro
entrei para
planos que tracei ainda muito jovem. Aprendi português,
fiz mestrado e agora, já no fim desse trajeto,
sentia a
a faculdade,
comn
necessidade de começar tudo de novo, de outro jeito. Conversei
meu coração. Para ela,
Nape e ela me incentivou a fazer o que mandava
era simples e, em poucas palavras,
tudo parecia fácil. Seu vocabulário
ela me convenceu:
Você não se sente
Daniel, você precisa encontrar seu passado.
a vida
viver na floresta, precisa experimentar
Yanomami ainda. Precisa
no shabono para saber como é ser um Yanomami de verdade.

53
-Eu
sei, Nape.
Vou
me acompanhasse
fazer isso.
Mas antes quero encontra.
Di Atiba
até a aldeia Tukano Elee
Atilb
contrar
b
Gostaria que Bayá
dois mundos.
a entre os meus
são ligação
Daniel. O caminho daqui n
Você escolhe o caminho, igual
não tem universidade, não tem douto
ao caminho deLondres. Aqui
tem povo da floresta enfrentando fAZen
rado. Tem vida comunitária,
vem enfrentar fazend
deiro e garimpeiro. Se quer mesmo ajudar, ndeiro
na escola Yanomo
e garimpeiro com a gente. Vem educar criança omami.
olhos. Sabia que ela
Olhou-me bem no fundo dos estava ces
certa,

que Andrea estava certa.

Em tudo pronto para a viagem. De volta


pouco tempo, tinha
a

São Gabriel, fui falar com Bayá e no dia seguinte tomamos a barcaca
rumo à aldeia Tukano. Estava agitadíssimo, embora tentasse me con-
trolar. Pegava-me querendo ser apenas o antropólogo e usava aquele

personagem para tentar conter a torrente de emoções e pensamentos


que passavam por minha cabeça. Mas é claro que essa viagem ia muito

além dequalquer interesse acadêmico.


A viagem debarco pelo rio Negro é uma das mais belas visões
queuma pessoa pode ter. E um por sua cor e seu aspecto
rio lindo,

sereno.Em váriosmomentos, pegava-me olhando suas


águas passarem
atrásdobarco,refletindo como um espelho tudo ao redor, em outros,
encantava-me apaisagem da floresta, o modo de vida das
populaçoes
ribeirinhas, as aveseo céu.
Bayá não medirigiu uma palavra
sequer. Observava-me o t npo
todo e mostrava-se pronto para me atender a eu
qualquer sinal qu
Aospoucos, as preocupações
fizesse.
foram e eu ntre
emumaespécie detranse desaparecendo
cores,
contemplativo. Senti-me tomado po
formas e cheiros, sons e
de todo tipo. A foi
mas foi uma das sensações
longa, gem não
viagenm
experiências mais incríveis ndo
à
chegamos aldeia, sentia-me que tive
renovado.
Atiba estava
trabalhando. A colheita e o roçado,
dos alimentos ea çado, além do prej
d
atenção às eas
crianças são atribuições feminin:
atribuições femin
54
mulheres geralmente gastam o dia Bayá falou comm
nesses afazeres.

Atiba primeiro. Disse-lhe que eu era o garoto Yanomami,filho de

Spenser, que ela havia registrado como filho cerca de 24 anos antes.
Eu disse a ela, logo emque apenas queria conhecê-la. Ao
seguida,
lado dela uma jovem nos olhava. Era sua filha, com quem eu havia

-
dividido o leite materno nos meus primeiros dias de vida.
Atiba fica feliz de ver você bonito e crescido ela disse.
-E eu só tenho a agradecer pelo que fez por mim-respondi.
- Atiba não fez muito.

Claro quefez disse a ela enquanto minha mo vasculhava


o interior dabolsa.-Tenho aqui meu registro de nascimento no
Brasil:Daniel Tukano Spenser, filho de Atiba Tukano e Philip
carteira de
Spenser.Com este documento, dei entrada na minha
identidade e acertei minha vida no Brasil. Isso pra mim é muito

acredite!
importante,
Daniel não volta mais para o estrangeiro?
Não, Atiba. Vou ficar aqui. E quero dizer a você que es-
tarei sempre por perto, pronto para ajudarvocê sua familia, se e
precisarem.
não
Spenser jáajudou bastante. Daniel precisa preocupar.

Conversamos por mais alguns minutos. Perguntei por Cobé


e ela

na pescaria. Tinham
me disse que ele estava trabalhando também,
em
grande e precisavam produzir
alimento quantidade
uma família
outros filhos e ainda alguns netos. Um
suficiente para todos. Havia
índios Maku também vivia em sua maloca.
Os
pequeno grupo de
com os Tukano e outros
Maku são uma etnia que vive em associação
nômades e se juntam a outros povos
índios ribeirinhos. São caçadores
e
em busca de maior diversidade na alimentação abrigo temporário.
os Tukano
São conhecidos "índios da floresta', ao passo que
como
são "índios do rio".
Cobé. Atiba disse
Pergunteia ela se podia ficar e encontrar
o A noite nos reunimos
que eu poderia ficar tempo que quisesse.

55
vos
Tive vontade
toda a familia.
com de
e conversar se não fosse
Sse i

na maloca pude
com eles e pedi
autorização, incomodo,
uns dias eu poderia ficaree decla.d
declarou sua
passar Cobé disse que com os sentes que
Assim como Atiba, presentes que re
que,
a meu pai. Contou-me uma grande a.
gratidão
do meu nascimento, pôde adquirir
e
o
canoa,
u
na ocasião de viagens mais longas boa
a possibilidade
que lhe garantiu
produção pesqueira. de passar um tempo no sha.
a minha ideia bono.
Contei a ele sobre os Yanomami. Contos.
a dia entre ntou-me
o dia
Cobé alertou-me sobre indios daquela região étots
e de outros otal-
como a vida dos Tukano
meus parentes. Eu
disse a ele que sak.
dos sabia
mente diferente da vida os povos
que estudava
falei
indigena.
bem onde estava me metendo,
havia inclusive estudado bastaante
da Amazónia há muitos anos, que de minha
sobreseu até os 21 anos tinha convicção
povo, pois
em
Tukano.
o interesse quando descobri
-OsYanomami só me despertaram
morta no Massacre de Haximu. Mas hoie
que minha mäe era Yarima,
sei muito sobre eles concluí.

Os dias que passei na


aldeia Tukano foram poucos, porém inte

sos. Saí diversas vezes para pescar e caçar com Cobé e aprendi com
embora ele e outros índios
ele as técnicas indigenas para essas práticas,
daregião muitas vezes preferissem o anzol ea arma de fogo. Cobé
também me ensinou um pouco sobre como me orientar na floresta,

a
embora faltadeprática
me impedisse de tentar incursões solitárias
o
Saíalgumasvezes com rapaz Maku, que vivia com eles na maloca.
Cauré-era esse oseu nome-conheciabem os igarapés da regia0
e,embora não falasseum bom português, podíamos nos comunica
por meio de sinais.

Após algumas semanas, decidi que era hora de voltar. Precisava


estar em São Gabriel da
Cachoeira para esperar e Andrea conta
ela sobre a minha decisão de viver no
shabono. Disse a Atiba e Cobé
que partiria em breve eeles
decidiram que antes disso faríamos uma

56
grande festa, ou um caxiri, como eles costumam chamar. Indios de
outros povos foram convidados e
dançamos muito para celebrar nos-
sa amizade. Os convidados são os que mais dançam nessas ocasiões
e, em troca da alegria que trazem, os anfitriões oferecem o caxiri,
bebida fermentada à base de mandioca, preparada pelas mulheres,
e que dá nome à festa. Passada a ressaca, tomei a
barcaça para Sao
Gabriel.

Logo que cheguei, parti novamente ao encontro de


Nape, no
shabono de Mucajaí, e encontrei minha irm tensa como nunca. Seu
nervosismo devia-se a certo clima de tensão em território indígena
próximo. Tratava-se da reserva Raposa Serra do
Sol, demarcada
em 1998 e homologada em 2005. Mesmo
antes da homologação,
os ânimos na
região estavam acirrados. Um ano antes, índios e fa-
zendeiros se entrentaram, e
quem acompanhou os jornais da época
pode entender melhor como interesses econômicos e in- políticos
terferiram nesse
processo e levaram a região a um
de guerra. clima
a
Após homologação, alternavam-se momentos de maior e menor
tranquilidade.
Os conflitos giravam em torno da homologação da reserva em
área contínua.
Alguns fazendeiros se recusaram aceitar a indenização
e a área. Queriam a revisão do
deixar e nova demarcação,
processo
deixando de fora as chamadas as áreas e as
vilas, produtivas estradas.

a
Alguns índios também queriam revisão do processo. A maioria dos
indígenas da região, no entanto, era a favor da manutenção da área
contínua, decisão que ferira os interesses de plantadores de arroz,
milho esoja localizados no entorno de Uiramute Pacaraima, muni-
cípios criados na região da reserva, cuja população, em grande parte,
tem origem
indigena.
Os índios que se posicionaram a favor dos tazendeiros eram ho-
mens aculturados. Empregados nas lavouras, afirmavam que a h0-
mologação em terras contínuas trouxera grave problema social para a

região. Do outro lado estavam os índios que queriam a manutenção

57
inicial e defendiam.
diam quei
conforme
a demarcação
ndígenas da
da res
issO era Oe
do território das culturas indígenas
a
para preservação do Sol
Sol na
da Raposa Serra não
importante em torno chegou
Toda essa situação cujas
terras demarcada. são
os Yanomami, to
a afetar diretamente briga os povos Ma
do território que abriga
Makuxi,
talmente independentes
Taurepang e
Patamona. Nape, porém rém,sesen-
Ingarikó, Wapixana,
tia
bastante abalada.
Blasser fundara

anos após

acompanhou
ter
Uiramut,

sua instituição

perdido
afinal,
era a localidade ond
no Brasil e là ela passou os prim
mãe no Massacre de Haximu. Minha irm
todo o processo
a
de homologação e,junto com sua ma
:
Laura

da população indipena
a favor de parte
grande na
drinha, posicionou-se
e contra os fazendeiros e agricultores da região. Assim que tivemoe
me contou o que se passava.
-
oportunidade de conversar,
-Posso ficar com você até
ela

tudo acabar disse-Ihe, tentando

ajudar.
-Não, Daniel. A região de Uiramut sempre tem oonflito. Você

vai assim mesmo, e, se eu precisar de ajuda, você vai saber.


Ainda se passaria algum tempo antes da minha partida. Precisa
va esperar Andrea, que estava para chegar de São Paulo. Aproveitei
para ir ao médico em Boa Vista. Comprei medicamentos segundo
sua recomendaçãoe consultei-o também sobre como me inserir entre
osYanomami sem trazer maiores riscos
para a saúde da comunidade.
Também conversei com meu orientador e
disse-lhe que interromperia
o doutorado, pelo menos por um
tempo.
De volta a São Gabriel falei com meu pai ao telefone. Quando
deixei a
lnglaterra, nossa relação estava
um tanto abalada, nao pelo
que acontecera mas pela forma
como ele lidou com toda a histo
ocultando-me os fatos.
Mesmo
minha decisão. Ele se quee devia informá-lo
assim, achei intor
mostrou temeroso,mas
fazer
para me impedir. sabia que adepoderia
Andrea
Ela, é claro, me apoiou. Cgou e conversei com ela
chegou ea tamben
Disse-lhe
encontrá-la novamente quesentiria sua
sua falta
falta e que sperava
quc
quando voltasse a
São Gabriel.
58
Sai preparado para uma grande aventura. Minha irm voltou

a Mucajaí ainda preocupada com o que poderia acontecer na Ra-


Serra do Sol. Prometeu novamente avisar-me se a situação se
posa
agravasse.
A viagem ate o shabono seria longa e cansativa. A terra dos Ya
nomami tem áreas de difícil acesso, onde os índios vivem isolados.
Foram muitas horas de viagem, de avião, de barco e a pé, por trilhas

que somente
eles conhecem. Os
rapazes que me acompanharam
no caminho me ensinaram algumas palavras e regras sociais bási-
cas. Muito do que disseram eu já sabia, mas não me importei em

ouvi-los.

A história de convivência entre os Yanomami e os estrangeiros,


ou napepe, não a meus parentes as melhores lembranças. Ha
trazia

estudos que comprovam a ascensão do povo Yanomami ao longo do

século XIX. Ironicamente, forçada pelo crescimento populacional dos

antigosYanomami, essa ascensão foi possível devido às novas técnicas

agrícolas
e à utilização de ferramentas de metal adquiridas em trocas
com vizinhos de família linguística Karib e Aruak, ou mesmo em
incursões guerreiras contra os domínios desses povos, já fragilizados

pelo contato
com a fronteira da colonização.
direto

Após os primeiros contatos diretos com homem


o branco, no

do século de crescimento de-


início passado, esse longo processo
foi interrompido. a criação, em terras Yanomami,
Com
mográfico
de postos do Serviço de Proteção aos Indios na década de 1940 e
de missões religiosas a partir dos anos 1960, meu povo começou a
havia muitos séculos, os
sofrer com doenças desconhecidas. Isolados
Yanomami se tornaram alvo, nos anos 1970, do interesse científico

com sua segurança. Alguns pesquisadores foram


descompromissado
interessados na
até as aldeias e coletaram sangue dos índios apenas

pesquisa genética sobre aquele povo.


Quando cheguei, os índios
de volta. Muitos
ainda lutavam para obter esse material biológico
haviam morrido, e para os que
daqueles que cederam asamostrasjá

59
ficaram era importante

pudesse

do então
so, e os
ser concluido.

Durante
território

Yanomami
recuperá-las

o regime militar,
a

de Roraima
viram surgir
política

forçou
de modo que o ritua

de controle e
um contato ainda
os projetos decolonizac

do potencial
minerador da
nização
Serra do D
1al

oagricol
Parim
.funerári

amentg

te

coinício da exploração mataram centenas de inl:


índiose
e doenças respiratórias
Epidemias teve imenso impacto sobreo.
O
modg
do meio ambiente
degradação
de vida dos índios.
presença dos garimpeiros
dos anos 1990
a garima.d
Somente a partir
lizadas pela Fun
realizadas Funs!
a ser combatida por operações e
começou a
houve demarcação da Te
Federal. No ano seguinte,
pela Polícia
Yanomami e, em 1992,
o território foi homoloead.
ra Indigena
1995 resultou no Massacre
Mesmo assim o garimpo persistiu, e em
me e Marane. Durante
de Haximu, no qual foram mortos minha
essa e outras frentes de exploraçao,
como a pecuáriae
muitos anos,
a atividade madeireira, representaram ameaças de invasão e devas-
tação. Mas, apesar disso, e de toda a história conturbada do povo

Yanomami, eles já representavam naquela época a maior naçãoin


digena brasileira a viver de modo tradicional em um vasto território

homologado.
Tudo isso passou por minha cabeça durante a viagem. Pela pr*

meira vez, eupoderia experimentar a sensação de fazer parte daquer


la história. Meu pai entrara em contato com os
Yanomami devido
ação demissões religiosas, que naquela ocasião já haviam assumiu
uma postura
absolutamente assistencial. A maneira como o cO tato
com os brancos afetou os
Yanomami foi devastadora e eu escap ide
toda a saga do meu
povo graças a
meu pai ter tomado a de
fugir comigo da aldeia. Depois dee
disso, o contato se
progresso forçou a entrada no intensi
território om a

promessa de indígena Yanomai"


chegada deestradase
no momentoem hidrelétricas, ainda em
que resolvi me reunir ao meu ovo. Também nessa
povo. 1a
60
ocasião,o povo Yanomami viu surgir a ameaça de invasão de vene-
zuelanos, com interesses que certamente passavam pela exploração

ilegal de riquezas. O exército brasileiro intensificou sua presença

na região e, embora os militares fossem motivados pela defesa da

fronteira, esses homens também causaram problemas.

Com todas essas coisas na cabeça, cheguei ao shabono. Todos sa-


que eu era um dos órfäos de Haximu, levado para longe
biam ainda

bebe. Eu, por outro lado, sabia que chegaria à aldeia na qualidade de
deveria
"agregado" e que, assim, não teria privilégios. Pelo contrário,
assumir tarefas e prestar serviçosde acordo com a designação dos
lideres. De todo modo, a comunidade me recebeu com festa. Afinal,

eu era irmão da professora Nape.

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