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Luana SIQUEIRA1
Resumo: O presente trabalho, fruto de pesquisa de doutorado, tem como objetivo problematizar a concep-
ção de pobreza bcomo “disfunção” dos indivíduos e as consequentes respostas que autorresponsabilizam,
culpabilizam e criminalizam os mesmos. Assim, buscamos o suporte teórico marxista, a lei geral de acumu-
lação capitalista e concluímos que a “pobreza” na sociedade capitalista é indissociada da riqueza e se mani-
festa numa variedade e heterogeneidade de formas, atingindo diferentemente populações e sujeitos, em
realidades singulares; além de que, seu enfrentamento não é compromisso natural ou até moral, que depen-
da de ações voluntárias e de boa vontade, tão pouco um fenômeno que se resolve com ações altruístas, au-
tossustentáveis e empoderadas, e que as ações de políticas sociais no marco da sociedade capitalista podem
atenuar e até resolver a pobreza absoluta, mas jamais a pauperização relativa.
Palavras-chave: Pobreza. Riqueza e Acumulação. Exploração.
Abstract: This work is the result of research conducted at the doctorate and aims to discuss the concept of
poverty as "dysfunction" of individuals and the consequent answers that the auto-responsabilizam,
culpabilizam and criminalize the same. For this we rely on the theoretical support, Marxists fundamentally
the discussion on the general law of capitalist accumulation and concluded that "poverty" in capitalist socie-
ty is indisociada of wealth, it is a phenomenon that manifests itself in a variety and heterogeneity of forms,
reaching unlike populations and subject, in natural realities; and that his face is not natural or even moral
commitment, that relies on volunteer actions and goodwill, so little a phenomenon that resolves itself with
altruistic actions, self-sustaining and that the actions of social policies within the framework of capitalist
society can mitigate and even resolve absolute poverty, but never the relative impoverishment.
Keywords: Poverty. Wealth and Accumulation. Exploration.
1Assistente Social e pedagoga. Doutora em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ, Brasil). Professora adjunta da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ, Brasil). E-mail: <luanass81@yahoo.com.br>.
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O
presente trabalho é resultante da ca maior apropriação privada, e não mai-
pesquisa realizada no doutorado or socialização da mesma. A acumulação
e que de forma resumida apre- de riqueza por um lado, é complementa-
sentamos o desdobramento de alguns da pela pauperização (absoluta ou relati-
debates fundamentais para a compreen- va) por outro. Nas palavras de Marx, “[...]
são e o enfrentamento da pobreza em di- a magnitude relativa do exército industri-
as atuais. Nosso objetivo não é propor al de reserva cresce […] com as potências
teses novas, mas provocar a reflexão so- das riquezas” (MARX, 1980, livro 1, p.
bre a retomada de compreensões referen- 747).
tes às mazelas sociais e o resgate de for-
mas moralizadoras e conservadoras de É a partir dessas considerações que po-
seus enfrentamentos. Assim, propomos demos identificar o papel central que a
uma discussão sobre o processo de pau- pobreza tem no pensamento marxista. Tal
perização com base na teoria marxista, centralidade sustenta-se no fato dela ser,
explorando as categorias da crítica da não um processo deflagrado pelas carên-
economia política para afirmar a tese de cias individuais ou até de um determina-
que a pobreza não é "desajuste individu- do grupo ou região, mas uma determina-
al", mas parte constitutiva da estrutura do ção estrutural do próprio Modo de Pro-
capital, não podendo ser suprimida por dução Capitalista.
meio das políticas
sociais de transferência de renda, de es- Efetivamente, a pauperização (absoluta e
tímulo ao voluntariado, ao empodera- relativa) é resultado do próprio desen-
mento ou expansão do chamado “terceiro volvimento do capital. Para Netto (2007),
setor”, mas somente a partir de uma mu-
dança no modo de produção. [...] a pobreza, na ordem do capital e ao
contrário do que ocorria nas formações so-
ciais precedentes, não decorre de uma pe-
Alguns pressupostos, “[...] toda ciência núria generalizada, mas, paradoxal e con-
seria supérflua se a forma de manifestação e a traditoriamente, de uma contínua produção
essência das coisas coincidissem de riquezas. [...] Se, nas formas de socieda-
imediatamente” (MARX, 1985, livro 3, p. 271). de precedentes à sociedade burguesa, a po-
breza estava ligada a um quadro geral de
A pobreza, na perspectiva marxista, não é escassez [...], [na sociedade burguesa ela se
o resultado do insuficiente desenvolvi- mostra] conectada a um quadro geral ten-
dente a reduzir com força a situação de es-
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cassez. Numa palavra, [na sociedade bur- tradição é assumida nesse trabalho como
guesa a pobreza] se produz pelas mesmas categoria fundamental de análise na ten-
condições que propiciam os supostos, no
tativa de romper com uma perspectiva
plano imediato, da sua redução e, no limite,
da sua supressão (NETTO, 2007, p. 143, gri- unilateral de leitura da dinâmica da soci-
fo nosso). edade capitalista. A ausência dessa cate-
goria (a contradição pobreza/acumulação)
Assim, a compreensão desse fenômeno na discussão e na proposição de enfren-
necessariamente implica no estudo da tamento da pobreza pode levar a alguns
riqueza. Em absoluto poderemos caracte- equívocos, que comparecem nas variadas
rizar corretamente os fundamentos da visões, apresentadas anteriormente, en-
pobreza, no capitalismo, sem considerar os quanto concepções sobre esse fenômeno,
processos que fundam a acumulação de suas supostas causas, e suas propostas de
capital. Assim, os estudos que desconsi- enfrentamento. Vejamos um desses equí-
deram esta determinação central do MPC vocos.
estão fadados a uma análise meramente
descritiva, sem a compreensão dos seus “Disfunção” social: o equívoco da
fundamentos. Portanto, trata-se de um culpabilização e criminalização do
fenômeno da própria “lei geral da acu- indivíduo
mulação capitalista”.
Decorrente do conceito positivista e fun-
Em idêntico sentido, as formas de inter- cionalista de “desajuste” ou “disfunção”,
venção social sobre as manifestações da desenvolve-se uma compreensão sobre a
“questão social” que apontam para “di- pobreza que, ao caracterizar suas causas,
minuir a pobreza” sem alterar em o pro- a concebe como: a) uma opção pessoal; b)
cesso e/ou o volume da acumulação capi- “disfunção”, “desajuste” ou como “patolo-
talista, não passam de paliativos pontu- gia” do indivíduo ou grupos “marginais”;
ais, mesmo que necessários no contexto c) “déficit” educacional e de capacidades.
capitalista, para amenizar a pobreza, sem
impactar nos fundamentos que a geram. Com este entendimento das causas, apre-
sentam-se as seguintes formas de enfren-
Assim, a análise marxiana, da qual parti- tamento: o higienismo, educação e “re-
lhamos, nos permite estabelecer alguns funcionalização”, adaptação (ou ajusta-
pontos críticos, e diminuir alguns equívo- mento corretivo) e “inclusão social”. A so-
cos de outras análises sobre a pobreza. lução da pobreza mediante a “autoajuda”
Como vimos, só é possível analisar esse e religião. O combate à pobreza mediante
fenômeno no Modo de Produção Capita- a “criminalização da pobreza”.
lista em articulação com a acumulação de
riqueza, numa dinâmica de exploração e a) A pobreza como opção (preguiça,
apropriação do valor produzido por ou- características pessoais)
trem. Dessa forma, Marx nos coloca um
desafio de não separarmos os fenômenos Esta visão está muito presente em livros
sociais pobreza e riqueza, portanto, a con- de autoajuda, em que a opção do indiví-
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duo, sua motivação, suas escolhas e com- e desajustes. A pobreza é aqui concebida
petências podem mudar sua condição de como uma patologia, como um desajuste,
pobre. Títulos como: “Só é pobre quem que deve ser curado, extirpado do orga-
quer”, “Pai rico, pai pobre”, “Como ser nismo saudável. O indivíduo (pobre),
rico”, embasados num forte empobrecimen- responsável pela sua situação de “desa-
to da razão e senso comum, atestam como juste”, de “patologia”, deve ser “refun-
aqui a pobreza passa a ser concebida co- cionalizado”, “curado” da sua condição,
mo algo mentalmente controlado e admi- como forma de devolver a normalidade
nistrado por cada pessoa. ao sistema.
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sabilidade pelo seu próprio sucesso ou Cria-se, com isso, a ideia mistificada de
fracasso. que a performance produtiva da força de
trabalho seria decorrente do nível indivi-
O conceito de “capital humano” é, para a dual de escolaridade, camuflando as de-
tradição marxista, uma forma ideológica terminações das condições tecnológicas e
de transformar o trabalhador num capita- da organização do processo de produção.
lista, como proprietário de um tipo de
“capital”: sua força de trabalho (MARX, Em síntese: a pobreza não é marginal,
1980, livro 1, p. 469). nem “disfunção social.”
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Nessa lógica, o segundo processo é a cen- te nova o crédito, como auxiliar modesto
tralização de capitais já formados, a ex- da acumulação, que tem como função
ploração do capitalista pelo capitalista, a levar para as mãos de capitalistas isola-
transformação de muitos capitais peque- dos ou associados os meios financeiros
nos em poucos capitais grandes. Neste dispersos. Arma nova e terrível na luta da
processo, sem prejuízo da simultaneidade concorrência que se transforma num i-
com a concentração, há alteração na re- menso mecanismo social de centralização
partição dos capitais que já existem; não dos capitais. (MARX, 1980, livro 1, p. 727-
estando limitado a centralização (como 728).
ocorre na concentração) ao acréscimo ab-
soluto da riqueza pode haver centraliza- A concorrência e o crédito são as duas
ção sem nada crescer a riqueza social mais poderosas alavancas da centraliza-
(MARX, 1980, livro 1, p. 727). Portanto, ção. O progresso da centralização não
pode haver elevada centralização de capi- depende de maneira nenhuma do incre-
tal mesmo em períodos de crise ou reces- mento positivo de capital social. É isto
são. A centralização não é equivalente à especialmente que distingue a centraliza-
monopolização; porém, assim como a ção da concentração (MARX, 1980, livro
concentração é pressuposto da acumula- 1, p. 727-728).
ção simples, a centralização é pressuposto
da monopolização. Também alguns fato- O terceiro processo é a monopolização. O
res comparecem no processo de centrali- conceito de monopólio só é introduzido
zação: a concorrência e o crédito (MARX, no texto, por Engels, sendo entendido
1980, livro 1, p. 727-728). com o desenvolvimento extremo da cen-
tralização, a tal ponto que a empresa mo-
A batalha da concorrência é conduzida nopolista passa a controlar a produção e
por meio da redução dos preços das mer- consumo de um ramo produtivo. Isso
cadorias, e o barateamento das mercado- ocorre de tal forma que se elimina a con-
rias depende da maior produtividade do corrência equilibrada, passando o capita-
trabalho, e esse da escala da produção. lismo de uma fase concorrencial à fase
Assim, os capitalistas grandes esmagam monopolista. Ainda que a concorrência
os pequenos. Com o desenvolvimento do não se elimine no crescimento e consoli-
modo de produção capitalista, aumenta a dação dos monopólios. Também, para
dimensão mínima do capital individual além dos anteriores, alguns fatores de-
exigido para levar avante um negócio em vem ocorrer para o desenvolvimento da
condições normais. Assim, a concorrência monopolização:
acaba sempre com a derrota de muitos
capitalistas pequenos, cujos capitais ou A Infraestrutura: o aumento da riqueza
soçobram ou se transferem para as mãos social (que passa da forma circular para a
do vencedor. de espiral) é um processo bastante lento,
comparado com a centralização. O mun-
Também, vale lembrar que produção ca- do ainda estaria sem estradas de ferro,
pitalista faz surgir uma força inteiramen- portos, usinas hidrelétricas, refinarias de
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uma fase de crise. No capitalismo, a po- tuais, mesmo que necessários no contexto
breza é um produto estrutural de seu de- capitalista, para amenizar a pobreza, sem
senvolvimento. É que o desenvolvimento impactar nos fundamentos que a geram.
capitalista, o aumento da riqueza social-
mente produzida, não deriva em maior Sendo assim, empreendemos um estudo
distribuição, mas em maior acumulação de sobre um dos principais equívocos que
capital. No capitalismo, a maior riqueza existem sobre a pobreza: a visão da po-
produzida significa maior apropriação breza como “dis-função” (auto-
privada, e não maior socialização da responsabilização e culpabilização do indiví-
mesma. A acumulação de riqueza por um duo por sua condição, representando
lado, é complementada pela pauperiza- uma anomalia do harmônico e normal
ção (absoluta ou relativa) por outro. funcionamento do sistema, para o qual se
requer de refuncionalização, e “cura”).
Nas palavras de Marx, “a magnitude rela- Tentamos abordar o equívoco em questão
tiva do exército industrial de reserva repondo o debate sobre a pobreza longe
cresce […] com as potências das rique- das análises moralizadoras e reducionis-
zas” (MARX, 1980, livro 1, p. 747), o que tas, assim concluímos: a “pobreza” como
leva Montaño a afirmar que “[...] no um fenômeno que na sociedade capitalis-
MPC, a pobreza […] é o par dialético da a- ta existe e se determina na sua relação dia-
cumulação capitalista” (MONTAÑO, 2011, lética com a acumulação; a “pobreza” como
não paginado). um fenômeno que, tendo esta gênese co-
mum, se manifesta numa variedade e he-
A compreensão de uma necessariamente terogeneidade de formas, atingindo dife-
implica o estudo da outra. Em absoluto rentemente populações e sujeitos, em rea-
poderemos caracterizar corretamente os lidades singulares; e que o enfrentamento
fundamentos da pobreza, no capitalismo, da “pobreza” não é compromisso natural
sem considerar os processos que fundam ou até moral, que se materializa em ações
a acumulação de capital. Assim, os estudos voluntárias, tão pouco um fenômeno que
que desconsideram essa determinação se resolve com ações altruístas, autossus-
central do MPC estão fadados a uma aná- tentável e empoderada, e que as ações de
lise meramente descritiva da pobreza, políticas sociais no marco da sociedade
sem a compreensão dos seus fundamen- capitalista podem atenuar e até resolver a
tos. Portanto, a pobreza é um fenômeno pobreza absoluta, mas jamais a pauperi-
da própria “lei geral da acumulação capi- zação relativa, e essas conclusões só são
talista”. possíveis frente à clara compreensão teórica
da categoria pobreza, na sua relação dialéti-
Em idêntico sentido, as formas de inter- ca com a acumulação (causas e funda-
venção social sobre as manifestações da mentos) e o conhecimento da diversidade
“questão social” que apontam a “diminu- e heterogeneidade nas suas formas de
ir a pobreza” sem alterar em absoluto o manifestação (consequências).
processo e/ou o volume da acumulação
capitalista, não passam de paliativos pon-
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