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COLEÇÃO JUVENTUDE FEMININA CATÓLICA

StRIE li - ORIENTAÇÃO ESPIRITUAL - VO L. 2

A SIMPLICIDADE
SEGUNDO O EVANGELHO
Jnsleuções às senboi!as e às jovens

POR

Monsenhor de GIBERGUES

Traduç,io de Rachel de Cuatro e Aida do Va1

ATLANTICA EDITORA
RIO DE JANEIRO
DEDTCATÓRJA

TRADUÇÃO DO LIVRO
À minlz.a. sobrinha Maria ... ,
que, aos 18 de julho de· 1906, ingressou rio
Convento do Sagrado Oo:ração
L.A. SIMPLICITÉ D'.A.PRES
L'ÉVANGILE
Então, Maria. tu nos deix:aste! ...
Eras a alegria e o orgulho de teus pais, a primo-
Edições Desclée de Brouwer et. Cie génita, o exemplo de tens irmãos e irmãs, a felicidade
PARIS-BRUGES de Lodos!
Eras feliz em nosso meio, e amava-nos tão cari-
nhosam.ente ! Afirmo-o. No supremo momento ,da par-
lida, quando pai e mãe. irmãos e irmãs, ajoelhados à
tua vol_ta, agarrados a teus vesti.dos, expandiam em
pungentes adeuses os corações transbordantes, tinhas
os <>lhos cheios de lágrj mas ardentes, o peito sacudi-
do de soluços!. ..
E te desprendeste de tão ternos laços, te anancaste
aos nossos, ó! não sem um esfôrço sôbre-humano, mas
com a coragem e a serenidade que te vinham do alto.
Partiste! ...
Não o podemos acreditar runda. Nossos olhos te
procuram e nãO' 1nais te vêem: nossas vozes te chaman1
e não mais respondes. Meu Deu.s ! Que vazfo pTofundo
e dolorosol
Quem te roubou aos encantos <lo lar? Que fôrça
Copyright 194-~ b)· ATLANTICA ED(TQRA - Rio de Janeiro foi essa que te arrebatoiu, mai-s poderosa que todos os
/

A SlllPL,ICID,1.»E SEGUNDO O EVAJ'l<.EUIO DlIDlCATó.lUA 'J

liarues da carne e do sangue. que tôdas as atrações ó Jesus, espôso d~ nctssa Maria, que a conquistas-
da natureza? tes e a atraistes cO!lll os vossos encantos, nós vo-la
A fôrça do amor I A fôrça que atrai a noiva, que entregamos de bom grado. Nós a oferecemos a Deus,
a separa do pai e da mãe para uni-la ao espôso. por vós e convosco, como a divina Mãe vos of<:r~c~u
Mas, que amor o teu! O amor do Infinito, do Eter- ao Pai pela Redenção do mundo. Que nosso sacnf1c10~
no: o amor daquele que é todo Amor. unido ao vosso, recaia em b~nçãos sôbre nossa familia
Já de há muito, o amor divina te ferira o coração. e no1>sa pátria 1
Ouviras a voz do Bem-A,ruado, a vdz de Jesus : "Vem, E tu, querida. Mariazinha, fôste entre nôs um mo-
espôi-a minha, amiga minha, pomtba minha! Vem ao dêlo de simplicidade. E sê-lo-ás majs do que nunca no
meu Sagrado Coração." 1 E Cada dia esta voz se tornava seio de tuas novas irmãs. Os três votos que em breve
mais persuasiva, mais instante. Teu coração, abrasado farás, e que já estão decididos em teu coração: votos
de amor, suspirava pela hora das bodas com o Cordei· de pobreza, castidade e obediência, não serão porven-
ro. Tn~s asas de pomba palpitavam; bem que sentía- tura as formas sublimes da perrfeita simplicida,de de
mos. Afinal, ao supremo apêlo do celeste Espôso, abris- um~ alma forte e generasa que a tudo renuncia p01:
te-as e, sacudindo a poeira do mundo, alçaste o vôo e Deus; tudo, isto é: os bens da te:rra, os prazeres e a s1
te dirigiste para onde Jesus te chamava! mesma?
Agora tudo acabou, não mais estás aqui. Na reali- Melhor do qlle ninguém, sabes que nem a simplici-
dade, tua lembrança é imperecível, teus exemplos con- dade nem os votos religiosos excluem as legítimas
tinuam vivos e é sempre suave o per.fume de tuas vir- afeições. ·
tudes. Tu, porém, amada pomba, não mais estás no Doravante, separada de nós pela tua vida tôda
lar paterno. Não ma.is te podemos ver o rosto nem te dedicada a Deus, não nos quererás menos. Amar-nos-ás
ouvir a voz. mais e melhoT~ e, pelas tuas preces e penitências, nos
E temos os olhos rasos de lágrimas, os corações obterás graças privilegiadas que nos consolar:ão de tua
transbo1·dantes de tristeza. Não ·nos revoltamos. não ausência. Não esquecerás a França, nossa mmto aro.ada
te queremos disputar a Deus: adoramos Sua Sabedoria pátria, que geJJ1,e sob o jugo da impiedade e que tene-
e Sua Vontade; reconhecemos a graça e a honra que brosa conjurnção gostaria de aniquilar; com teus rogos,
Ele nos fêz ao te chamar. Mas, seja-nos ao menos per· .apressarás a hora da libertação. O melhor c<1nsôlo de
mitido sofrer e derramar lágrimas: pefo tJue não noo teus pais e a sólida recompensa do amor e dedicação
podes con,denar, tu, a espôsa de Jesus, o qual chorou que têm por ti será a glória que darás a Deus, todo
pelos amigos. o bem que vais fazer, o trabalho que terás na forma-
ção moral das jovens, para torná-las verdadeiras cris-
tãs, m~tlheres exempJare., perfeitas espôsas, mã~
1) <'.Jlntieo, TI, 14. - Literalm.elllle: "\'em no.s abe.rhn·tt~ da pedra, ,.,,
eoneavi<wde do muro"; é assim que a Ellcrjtilra design:n as cliagas do completas.
Sálvador e seu Sagrado Coração. - São Bernardo cbnnla o Sagradó (A- Vai Maria, vai, pomba de Deus; abre bem laffgas
:ração de "nbl.bo de pombas". as tuas asas e eleva-te ao mais alto dôs céus, sem nunca
UEDJCA'l'ól'UA 9
a \ SIMPLLC!DA.OE :;E(.UND() O EVANGELHO

perder de vista aquêles que te fimam tão carinliosamen- Jesus, cr1mn do enviava se~s. discípulo~ par~ cem-
te neste mundo. verter O mundo corrompido, dizia-lhes: Sede simples
A ti dedico êste livrinho: todo perfumado de tua como as pombas !" . . _
lembrança. Possa êle fazer aos que o lerem o bem que · Que a simplicidade viva e se 1rrad1e no: c<;>raçao
nos fiz~s,te, quando vivia5 ao nosso. lado! das cristãs! Que as almas sim'Ples ~e. mult1phqu~m,
Dedico-o às almas que precisam de asas para pai- par:\ edificação de muitos e para a glot·1a de Deus•
rar acima das tristezas desta terra de exílio e das
provocações ,dêste v;ile de lágrimas.
Dedico-o às almas ávidas de perfeição, às alma~
generosas e amantes que aspiram a se elevar, que têm
sêde ,de união com Deus.
Dedico-o às almas que se arrastaram até agora n11:
vulgaridade e na inutilidade de uma vida morna e
egoísta, mas que sof;rem nessa situação e que se su-
focam nas baixas regiões, onde lhes falta ar e luz.
Dedico-o às ahnas desalentadas, porque exageram
as dificuldades ·da virtude e se amedrontam ante a
enormidade da tarefa.
Dedico-o a tôdas as almas de boa vontade: jovens,
espôsas, mães, vinva_s ou rélígfosas, que buscam a
forma evangélica de ir a Deus com segurança e pres-
teza.
A simplicidade é o caminho - não direi fácil,
seria contraodiizer o Evangelho, segundor o qual o ca-
minho que conduz à vida é áspero e estreito - mas
o camin,ho possível a todos e que está ao alcance de
cada um, o caminho de qne Jesus falava, ao dizer:
''Meu jugo é suave e o meu fardo é leve." \
A simplicidade é o caminho do perfeito amor, que
"suprime a pena ou a transforma em alegria"; que
"se fatiga, mas jamais se cansa·•. E' a maneira mais
l)rá tica de muito e sempre amar.
Segue, pois, pequeno livro, segue com a bêncão
daquela que te inspirou, segue! E penetra do espí;ito
de peus todos os que lerem as tuas páginas.
.,.

PRIMEIRO CAPÍTULO
1

DEFINIÇÃO E IMPORTANCJA DA SIMPLICIDADE


Por que o Evangelho apresenta a pomba como mo-
dêlo e ideal da simplicidade cristã com as seguintes
palavras : "Sêde simples como as pombas?" 1
Para compreendê-lo, é necessário que se tenha da
simplicidade uma idéia nitida.
No dizer de Fénelon, "existe a simplicidade que
é defeito e a simplicidade que é maravilhosa virtude.,.
Falemos apen,as da virtude, pois que ,é dela que trata
o Evangelho.
De acôrdo com o Evangelho, a simplicidade nada
mais é do que a pureza de intenção: as duas expressões
são sinônimas e usadas uma pela outra.
Na verdade, puro significa sem mistura. Diz-se
que a água é pura, quando não está misturada ao vi-
nho ou a outra qualquer substância.
Igualmente, simples quer dizer o que não é múlti-
plo, nem sequer duplo, o que é uno. Diz-se que uma
vestimenta é simples, quando de uma Sf) côr, sem
enfeites ou acessórios, que as sobrecarreauem. Diz-se
que uma pessoa é simples, quando não é afetada, dissi-
mulada e cheia ,de reservas; se fala o que pensa e
mostra-se lal qual ,é; se não se assemelha àqueles de
quem o sábio disse que: "andam por dois caminhos"
r
{
1) Silo Mateus, X, 16.
12 - - ~' snu•uctDADF. smwNno o E_,._.\_N_r._m_.a_o
_ _ _ __ i n Em C,\Te\RI A 1S

e "têm dois corações"; em suma, quando nela não . Deus quer repousar, en tão o
existem duas personalidades: uma artificial e exterior, t. seu fim. porque so eml ordem é justo e santo,
homem vive na verdac ~ e na '
que representa para o público; outra, muito diferente,
que se encobre e se esconde para não ser vista pelo por ser pe~eitame~t~ s1mii:~ma idéia, ao dizer: "O
mundo, mas a quem Deus vê e julga. O catecismo
. loexprrme
para co nhecer, amar e servir a Deus
homem f 01. cria< ,,
Em última análise, a idéia de pureza e de simplici- . a lcancar
e ass1n1 • a vida etema.
dade é a mesma. Dela se exclui qualquer mistu1>a, qual-
quer complicação, qualquer duplicidade, tudo a que
são Paulo chama: "11rudência da carne, sabedoria dêsle
1nnndo."
1

. . . Deus nossos pensamentos,


A simplicidade ou a pureza de intenção consiste, Como, então. d1r1g1_r a - isto é 1>elo motivo que
.-e .., Pela mtençao, • . t
pois, em se propor um único e mesmo objetivo, uma paJavras e aço s · alizá-Jos livremen e.
única e mesma finalidade. que é a de agradar a Deus. determinará nossa vont<!de a re independentemente
.d d m s1 mesmos, t
ou melhor, / a::er a vontade de Dew; em ludo o que- Cons1
· era os e • . .
nos fez aau. n .,. O"sas acões
• e nossos a -o os
se pensa, em tudo o que se diz. em tudo o que se faz. do mohvo que
:- te·1n • <liaamo-lo
n.10 n
·º
assim, v alor moral algum:
• sa

corpos sem alma. . . m nossa vontade livre


* A moraJidade esta emfnos, e e dá sentido e valor
que e. a a Ima de ludo que azemos
Assim compreendida, a simplicidade aparece logo
como virtude essencial e de incalculável alcance. aos nossos atos. • ·as pelas palavras
. l elas aparencr , '
"O homem foi criado para Deus", disse santo Iná- Os homens JU ga~
, m e pelas acoesP que , ··em
e . Eis a razão por que
cio, no início de seus "E:i..·ercicios Espirituais". na pri- que ouve .. • t everos e maus.
meira meditação a que ele ,iustamente denomina fun- lantas vêzes são IDJ~s os,
Mas Deus nos Julga e
Jacôrdo com o que vê em
ão a vontade, os mo-
damental, porque é o fundamento de fôda a estrutura
<;ristã. O âdmirável livro dos ''Exercícios .. é inteiramen- nosso int~rior: _9lha-no~. ~u~f:ªi;to, nos aprova ou nos
te baseado nessa primeira e profunda 1>alavra. de que tivos, as mlençoes e po castiaa.
todo êle é, por assim dizer, o comenládo e o dcsen\'C1l-
vimento. censura, 1;1os reco1ped~a ~~J:~:a do Êvang~lho: '.'Se o
Tal e o senti o leu corpo sera lummoso.
Na realidade. Deus é o único fim YC'r·dadciro. o fim teu ôlho f ôr simples, 1010o o rpo ficará às escuras ... " i
último do homem. Se o homem só ve a Deus, só pro- Mas se fôr mau, todo? teu ;o· pois da mesma forma
cura Deus, só se prende a Deus; se voluntàriamente O ôlho traduz a 1D ençad. intenção orienta-nos
dirige seus pensamentos. palavras. ações e tôda sua que os olhos nos diri~n:1 ~e!~â~\\ olhar da alma.~ Se
vida para Deus; se de algum modo não se apega às a conduta da alma. m •
criaturas que encontra. se delas apenais se utiliza como 1) 22 23
de um meio; se nelas não encontra repouso como em 2) São Mateus,
Intenção, VI, - de
origina-se • intenderr, qne ,lgnmca: tender para.

L
H
A Sl\t'.Pl, I CID \DE SEGU.1"1)0 O EVANGELHO

minha alma contempla Deus Lh . . .


os pensamentos, palavras e'/':. e di:1ge livremente
faço, tudo <1 ql.Ie digo t d Çoes, entao tudo O que
por isso mesmo bom e' obu o ºt que penso tornar-se-á
, s rena uraJ • é • '
as. p a1avras ,do Evangelho. " ·ti0 d 0 0 · O que exprimem
nunoso." · teu corpo será Iu-
Portanto, tôda a mo r d d SEGUNDO CAPÍTULO
contida na intencão O rat1 a e dos atos humanos está
·
va1em as intenções · s a osd valem exat
• Af. . amen te o que GRAUS DA SIMPLICIDADE
mo tempo, destrói ·0 f~a~ 0 - 0 , o Evangelho, ao mes-
gião ,do espírito e pelo vi~~ _e O s~stitui pela reli- Existem graus de simplicidade. Realmente, a sim-
está dentro de nós. e1ro remo de Deus que plicidade será tanto mais elevada e perfeita quando:
Dai tornar-se a s· r ·d • 1º mais atual fôr a intenção; 2• mais pura fôr esta
p~is que é precisame1:::p 1c1 ade a alm~ da vida moral, intenção.
plicidade dá todo o vaf a pur-<:_za de mtenção. A sim- De início, a simplicidade exige que excluamos
moral. A alma simples or e toda a elevação à vida inteiramente de nossa intenção tudo que seja contrário
sempre O contempla s~pre agrada a Deus, porque à vontade divina e, sobretudo, incompatível com a
cumprir sua vontade e ebu procura, .s~ ambicionando posse de Deus - nosso último fim: em síntese, tudo
Ser simples ié • scar sua gloria.
. vez, amar e querer D A - que é denominado pela teologia como pecado, mortal
as cnaturas e em tôdas . , a . _eus em todas ou venial.
a própria vida. i as coisas : e umfzcar em Deus
Depois, exige que, em se tratando de fins permi-
tidos ou mesmo ordenados por Deus, mas secundários,
não nos apeguemos a êles como se fôssem fins últimos;
não nos inclinemos para um bem terrestre, mesmo le-
gítimo, com desejo e amor tão intensos que nos façam
preferi-lo ao bem eterno. ,
Feitas estas ressalvas, a simplicidade nos permite
agir visando a objetivos inferiores e secundários.
quando legítimos. Por exemplo: testemunhar respeito
e carinho a nossos pais, reconhecimento a nossos ben-
feitores, compaixão aos que sofrem.
Permite-nos agir para melhorar a saúde, para nos
sairmos bem num exame, para progredir numa car--
t)
• .A beleza da aünpllcldade me . reira, para obter lucrO'S lícitos. Tudo isto, portanto, é
e eu sempre darei cexn arrebata, dizja são Francisco de Sales permitido, freqüentemente louvável, e algumas vêzes
serpentes P<>r uma Pomba". '
até mandado.
GBAUS DA SP.11.PLtCII>ADE 17

16
~ srn Pl.lCtT>A DE S'EGUNOO () EVAX(jl?,J,HO

Todavia, se, agindo, pensamos constantemente em


Tôdas essas intenções estão dentr.o dia oTdem, pois Deus para oferecer-Lhe nossos ~tos, se reanimamos
se ajustam à vontade de Deus. Se tive:mos o c,ui~ado sempre no coração o desejo de agradá-Lo e amá-Lo,
de as oferecer a Deus, quando as realizamos, e amda se renovamos atualmente a vontade de tudo Lhe atri-
a tle que procuramos, a Êle que agradamos. . buir, é evidente que a fôrça e a intensidade de nossa
Logo, devemos ter a firme vontade de exclmr tu~o intenção aumentam, e cresce na mesma medida o valor
que desagrada a Deus, procurando ~penas como fim moral das nossas ações. Quanto mais nossas intenções
0
!iecundário aquilo que Êle nos permite ou . ord,en~, e forem atuais e intens,a,s, tanto mais santas serão nossas
somente a Êle nos prendendo como a um fim ~ltzmo. ações, pois são inspiradas por maior simplicidade.
Por outras palavras, se, em _estajo de g1:aça, ~ce~tamos
generosamente tôdas as obr1gaçoes da vida cns~a, ;coro *
o sincero desejo de tudo ?Íerecer a peus, _atin~1~os
a pureza de il1tenção. Praticamos, entao, a sunplic1da- Assim, os motiv.ois que entram na inlenção ;radical
de des,de que nossa alma permaneça nesse estado e de agir para Deus têm, iu,t rinseca.mente, um valor muito
ne'ssa atitude, muito embora neJn sempre pensemos desigual, que. é transmitido à intenção e ao ato.
nisso de maneira atual. "O viajanle, que esta no bom Destarte, podereis desejar a obtenção de bens tem-
caminho, diz são Tomaz, não tem-, de modo algum, porais legítimos e, J)ara consegui-los, daT esmolas, fa-
necessidade de ipensar a cada passo aonde que;t.• chegar; zer orações e penitências.
da mesma so1.•te, a alma que poss~ a von~ade formal Esta intenção ,é boa quando acompanhada de ver-
e constante de alcançar a Deus nao prec1sa renovar dadeira submissão à vontade de Deus. Mas é de tôdas
essa intencão em cada ato." a menos perfeita porque seu objetivo não1 ultrapassa
No di;er .dos teólogos, enquanto a primeira ~nten,- O's planos terrestres. Estais ainda no prim~fro grau da
cão não fôr retratada, permaneée virtualmente, isto e, simplicidade, pois, embora legitimo, tal motivo é o me-
pela sua uirtude e pela própria. fôrça, perp~ssa em nos elevado, ,die todos.
l'ôdas as nossas ações, penetra-as e comumca-lbes A ação pode ser detenninada pelo temor d-0~ cas-
valor. Mediante a intenção resoluta e perseverante, a tigos de Deus'. Se êsse temor fôsse apenas servil, tudo
alma orienta-se para o seu fim; vai a Deus, da mesma inutilizaria: se o pecado f ôsse evitado tão só pelo mêdo
manéiro que os rios, seguindo seu curso, lançam-se do castigo, a po11to de desejardes que a punição não
no 1nar. existisse para poderdes pecar à vontade, tal íntenção
Se em tôdas as coisas, decidirmos agir para D~us, seria má e condenável.
!>e nãd l'etratarmos essa vontade inicial, se ela tiver Mas, se o temor é filial, se achardes justo que Deus
alguma influência sôbre os no.s~os_ atos, me~mo. que castigue o pecado, se o evitardes com o receio de per-
disso não tenhamos uma consciencia atual, camrnha- der a graça de Deus, a illltenção é boa, l\o,uvável e re-
mos na ordem, aproximamo-nos d,e. n_osso fim último, comendada pela Escritura~
trabalhamos para Deus: e já adqu1rm1os~ ª? me~os Vosso motivo já é superior ao precedente: nã.o são
em certo grau, a simplicidade e a pureza de mtençao.
l3 A ~LM1•LJéfDADE SEGUNDO O EVANGELRO GRAUS DA SIMPLICIDADE

mais os bem~ temporais que estareis cobiçando, mas te de Deus, chega a um ponto em q1.1e apenas a tle vê.
sim a perda dos bens espirituais que estareis temendo. Esquece-se de tudo que Deus lhe dá, para nada mais
Se olhardes, porém, os bens espirituais em si pró- considerar senão a :tle. Ama a Deus por amá-Lo; ser-
prios, com o desejo de alcançar recompensa prometida; ve-O por ser'vi-L<Y, sem dar importância à alegria ou
se disserdes como o Salmista: "Meu Deus! inclinei meu aos bens ,que assim possa encontrar.
coração -a praticar semip.re as tuas leis por causa da "Sem dúvida, êste ato de amor pertence à alma
recompensa"/- vossa intenção eleva-se e toro.a-se me- que o realiza, diz Monsenho rGay; i mas, neste ato, ela
lhor. Entretanto, já é muito alta e muito santa, uma não mais desempenha papel algum: Deus aí é tudo.
vez que ,é o próprio Deus o salário prometido aos jus- Deus aí reina so."
tos, de acôrdo com a promessa feita a Abraão: " . . . Eu Foi assim que os SaJ!tos amaram -a Deus. E foi
sei•ei tua i:ecom1Jensa, grande acima de tudo. " 2 • • porque o amaram a êsse ponto que se tornaram santos.
Enfim, as vossas ações pddern ser diretamente ort- São êsses impulsos desinteressados, êsse divino esque-
e11tada,s para Deus. De tôdas as intenções é esta, evi- cimento, essa renúncia total de si próprio, êsses arrou-
dentemente, a mais perfeita. Esta intenção pode ser bos do coração e êsses tr-ansportes de puro amor que
concebida e formulada de dois modos diferentes. se encont,ram a todo momento na vida e nas obras
Podereis, antes de tudo, vos pro1Jor agradar a Deus dos santos.
e merecer, assim, suas graças e con1.placências. Certa- Já Davi exclamava: "Que desejarei eu, sôbre a
n1ente, agir dêste modo já é amar a Deus; amá-Lo terra e no oéu ,senão a vós, ó meu Deus?":?
mesmo muito e preferi-Lo a tudo mais. São Bernar,do escreveu: "O puro amor não é mer-
Entretanto, ainda existe uma intenção mais ele- cenário; não tira sua fôrça d'a, esperança; contenta-se
vada e vura, porque existe um amor mais perleito. em amar." 3
Podemos amar a DewJ p-0r -J:le só, sem nenhuma con- São Tomaz não pedia a Deus outra recompensa
templação pessoal, sem qualquer egoísmo. Podemos além do "próprio Deus."
n0n esquecer a n Ós mesmos! ".perd er a alma ,,, como São João dll Cruz chegava a ponto de dizer:
diz o Evangelho, para ver umcamente a Deus.
"Aquêle que ama verdadeiramente a Deus não o ama-
Não s'e trata de suprinúr a virtude da esperança ria menos, e nada menos faria para :tle, se, adnútindo
em favor da caridade: incidiríamos, assim, em êrro o impossível, Deus pudesse ignorar êsse amor e êsses
condenado pela Igreja. Devemos desejar a DE:,_us, pro- atos ou não lhes desse valor algum." • -
curá-Lo, esperá-Lo: e realmente, tenha. ou nao con~- E alhures: "É particularidiade do perfeito amor
ciência dessa verdade, a alma quanto ma1s espera, mais
ama.
Quando, porém, a alma se enamora profundamen- l) Instrnc!tioru poar le s personne, da monde, T. II, eh. V. PQl'eté d!Jn-
tention.
1) Salmo LXXII, 25 .
1) Salmo CXVIII, 112. 3) Sermão 83, aõbre o Cilnttco,
:t) G~neslt, XV, 1. i) -&entença..
20 A SL'\!PLICIDADE SEGUNDO O EVANGELHO

nunca preo.cupar-se consigo, nada querer ou reservar


para si, nada arrogar-se, mas tudo dar àquele a quem
a1na." 1
Tal foi, habitualmente, o amor de Maria_; o ol~ar
de Deus nunca encontrou no coração da Virgem m-
comparável o menor vestígio de interêsse ou de com-
J)laoência pessoal. ., TERCEIRO CAPÍTULO
Tal foi, acima de tudO', o amor d~ Jesus pelo Pa!,
"O Cristo, disse são Paulo, não bus_cou o que a J;;I~ ~ro- A POMBA E AS EXORTAÇõES DA ESCRITURA
prio satisfàzia",2 mas visava sempre a _vontade div~na,
da qual nunca se apartava, podendo afirmar com i?~,~ Compreendereis agora porque o Evangelho apre-
a verclade: " Faço sempre o que agrada ao Pai. senta a pomba, simultâneamente, como símbolo do
amor e da simplicidade. É que o puro amor e a per-
* feita simplici>diade são uma só coisa.
Por conseguinte, bá graus de simplicidade e de Também, quando o Espírito Santo, que em Deus é O'
Amor, desceu sôbre o Cristo no dia do batismo, foi soh
pureza de intenção, como há gra,1:s no. amor:. . .
Quanto mais pura e atual for ~ .1~tençao, I.Sto e, a forma de uma pomba que apareceu.1 E quando o di-
quanto mais direta e fortdmente s~ dmgu: a Deus, des- vino Mestre quis falar aos apóstodos a respeito da sim-
vencj]hada de qualquer outro motivo; mais ~uro_ e per; plicidade, não encO'ntrou melhor modêlo para ofere-
feito se tornará O amor, mais . san!a. e meritória s~ra cer-lhes do que a pomba, e disse-lhes: "Sêde simples
a obra realiz~da. A perfei~a ~11niplic1dade, a perfeita_ coruo as pombas."
pureza de intenção, constitui na verdade o amo1 A pomba é o símbolo ,d,a inocência, porque é inca-
mais perfeito, o puro amor.4 paz de prejudicar ou molestar a qualquer pessoa. É
simples na plumagem, de coloração uniforme, nem de-
masiado brilhante nem demasiado sombria, de tonali-
dade suave, que não cansa a vista, e que, entretanto,
diz a Escritura: "tem reflexos de ouror e de prata." É
simples na sua alimentação, que é constituida apenas
de grãos. É simples, finalmente, quando vôa: não vol-
teja como a cotovia ou a andorinha; começa por ele-
1) E:1:plieação do Cdn.tic_o, estrofe 32. var--se; orienta-se depois e segue reta como uma flex.a.
2) Ep. Romanos, XV, 3.
3) 1,ão João, VII, 29. l id
sem desviar-se p'ara a d!ireita nem para a esquerda;
4) .. A simplicidade é como a água, tanto melhor, quanto_ ';Ilª s limp_ a. parece antes deslizar do que \'Oar.
•~
:menos compos,.... mais pura ··· A tão adorável sirophcidade é filha
da inocência e innã da caridade". (são Francisco de Sales) . 1) São Mateus, ID, 16 - São Lu~, III, 2~.
A POMBA E ~S EXORTA('.ôES DA .E $CRJTURA 23
212 A SOfPLICIDADE SEGUNDO O EVANGELHO

1~0 atribui, e, num v~o _!eliz, volta a ~le, não podendo


Eis a imagem da sim'plicidade e da ,p ureza de in- viver longe de seu se10. Quem me dará asas de pomba
tenção. Representa o vôo da alma inocente que se di- para voar ,e descansar" 1 em Deus! exclama o profeta.
rige a Deus. Eleva-se primeir o acima ,dJe tudo o que Tamhem Deus prefere a alma simples a tôdas as
é criado e humano e num generoso esfôrço liherta-s~ outras: t-0m a.-se de amor por ela: ••como és formosa
1

como em vigoroso bater de 'a,sas; em seguida, não olha com teus olhos de pomba! exclama ... Tu feriste meu
nem para a direita, nem para a esquerda; não olha coração com um só de teus olhares, com um cabelo
para si ou para as criaturas; vê apenas o fim a que de teu pescoço ... " 2
aspira, a meta a que se dirige: Deus só! Essa alma fixa "½evanta-te, apressa-te, amiga minha, pomba mi-
o olhar em Deus e vai direta a ~le, tal como uma fle,x:a. nha, diz-lhe Jesus, -e vem refugiar-te em minlrns chagas,
Transborda do puro e perfeito amor de Deus. Nela vem esconder-te em meu coração." s
vive o Espirito Santo.
Não será êste o sentido das palavras da Imitação:
"O homem tem du~ asas para elevar-se da terra - a *
simplicidade e a pureza. A simplicidade reside na
intenção e a pureza no afeto. A simplicidad~ contempla Depois de nos haver mostrado a simplicidade S10b
Deus, a pureza dfile se apossa e O saboreia?" 1 a forma (j.a pomba, o Espírito Santo nos exorta a ad-
quiri-la: "Assim como os olhos da escrava estão fixos
* nas mãos de sua senhora, assinl os nossos olhos estão
presos no Senhor Deus."•
A Escritura Sagrada refere-se muitas vêzes à pom- As mãos são a sinlbolo da verdade.
ba, apresentando-a sempre como a imagem ,da alma Com um sinal da mão, damos uma ordem. Com
pura e simples, que apenas procura Deus. as mãos dirigimos, segurando as rédeas de um cavalo
Quando Noé, na arca;,' enviou a pomba pela pri- º!1 o leme de uma embarcação. Quando alguém tem
meira vez, ela voltou logo. E quando, :pouco tempo de- força de vontade, dizemos que te:m ,11! mão, firme.
pois, soltou a segunda, esta ainda regressou~ tr-azendo A comparação da Escritura significa, pois, que de-
~o bico um ramo de oliveira, ao passo que o corvo fi- ve~os sempre ter em vista a vontade de Deus. Deve-
cou em terra, não retornando à arca. mos procurar sua glória, como nossa suprema finali-
A alma que não é simples afasta-se de Deus fà- dade; mas é cumprindo sua vo:qfade que buscamos a
eilmente, abandonando-O para ,entregar-se ao mundo su'a glória.
e ai se fixar. Mas a alma simples apenas diesliza pela
1

terra; toca-a levemente; e, se dela aceita alguma coisa l) Salmo LIV, 7 .


pela vontade e pofr ordem de Deus, ime~iatamente 2) Olnlico IV, 1-9.
;t) Cdntico II, 13-H.
4) Salmo c_xxn, a.
1) Imitação de Jesus Cristo, n, IV, 1.
2) IGtnesia 'VIIl, G a 12.
24 .i. Sr:\iPLlCTOADE SEGUNDO O EVANGELHO Á POMBA. E AS EXORTAÇõES DA ESCRITORA

O Espírito Santo lambé~ descreve_ a simplicida~e O ~vangelho diz ainda: "Q_ual~er de vós que não
da alma simples, quando diz: Lançai vosso coraçao renuncia a tudo que possm nao pode ser meu,
no Senhor, tle mesmo vos alimentará. "O Senhor me discípulo." 1 E alhures: "Aquêle que põe a mão no ~ra-
governa e nada me faltará: colocou-me ~um lugar de do e olha para trás não é apto para o reino de Deus." 2
pastagens ... 1 - Assim como o cervo susp~a pelas fo_n- Não será o mesmo que dizer: ide a Deus, a :li:le só! Que
tes das águas, assim a minha alma suspira po,r vos, Deus vos baste, que seja o vnsso tudo! Que v.osso ôlho
ó Deus ... 2 - Quão amáveis são os vosso~ tabernaculos, seja simples!
Senhor das virtudes! A minh:a alma susprra e desfalece.
pelos áh-ios do Senhor. . . O meu coração e a minha . O Evangelho pcrescenta: "Bem... aventuradO'S os que
carne regozijam-se no Deus vivo." 3 Em tôdas estas p~- têm fome e sêde de justiça ... 3 - Buscai, em primeiro
lavras inspiradas e em tantos outros passos d~ Escr1; lugar, o reino de D(}us e a sua justica. . . Não vos in-
tura, não será da simplicidade que se fala? Nao sera q~ieteis nem pelo que comer-eis, nem pelo que vesti-
ela a exaltada? reis ... Vosso Pai celeste bem sabe do que precisais." t
Não será ·ainda dizer: contemplai a Deus, contentai-vos
O Evangelho muito insiste nisso. "Se não vos fizer- / com Deus, praticai a simplicidade!
<les como meninos, não entrareis - no reino
. d os ceus.
. "•
Que mais bela imagem da simplicidade existe do que
a crianca ainda sem defeitos e ignorante do mun~o? A alma da criança está isenta de ea('ermidades: não se lembra das
Ela sempre está inteiramente entregue ao <p1e dese3a: injúrias reqebidas. mas até se apronma daqueles que a ofenderam
corno se fôssem am,fgos e como se nada lhe houvessem feito. Mes-
quer seja o seio de sua mãe, qu.er um brinquedo ou mo que a mãe a castigue e lhe bata, a cxiança procura-a sempre, pre-
uma gulodice; al~m ~isso ;11-ada ve; com os o~hos.!. com ferindo-a a 1odo1,. Se lhe apresentardes = rainl1a com seu diade-
as mãos, com gritos marticul~dos, com ~ agitaçao do ma, ainda assim não a 1>refe:ria à própria mãe; embora coberta
pequenino corpo, atira-se àquilo que cobiça: ;11~ mun- de andrajos. Elrigc apenas o necessário; quando está farta d!I leite,
abandona $ seio.
do nada mais existe para ela: absorve-a seu umco _de- Não é senslvel aos males que nos acabrunham, com o a perda d11
sejo; o resto desaparece a seus olhos. E, em segm~a. fortuna, e tantos oun-os; não se regosija como nós por coisas viís,
oomo adormece, sem nenhum cuidado, no colo da ~ae t não adm.ira a l>elClla. dos corpos.
Assim, a alma simples só vê a Deus, só aspira a Eis a razão por qut: Jesus dizia: "Q reino de Deus pertence àqueles
que se assemoJ.ham às crlanclnha,s ." - Mandava-nos fazer consci-
Deus, lança-se a 1i:le com tôdas as suas faculda?es e entemente aquilo que !IS criàuças fazem por instinto. (IJomilia de
também ela "ad.o·r mece e repousa em paz no seio do são João Crisóstomo, 62 - s6bre são lftateus.) "0 Senhor nos ensina
Senhor." 5 que, pa:ra entrar no xeino dos céus, devem.os ser como as criancinhas,
isto é, corrigir todos os vícios do corpo e da al.tna pela s:implieid.ade
das crianças." (santo Hilário) - Comentários sil/Jre 3 ão Ma1eu~)
1) Salmo xxn, 1-2. e. 18.)
3) Salmo XLI, 1.
l) :São Lucas, XJV, 33.
~) Salmo LXXXIII, 1-2,
4) São Mateus, V, 20. :!) São Lucas, IX, 62.
i) A stmpUcidadc unida à -prudência, eis o auge da sabedoria: eis o :1') São Mateus, V,G.
que constitui wn:i vldà àngélica. 4) :ião Mateus, Vl, 35.25
A SlMPLIC'rDADE SEGUNDO O EVANGELHO
26

Quando Jesus fala a Maria do "úni~o necessário,. J..


mostrando-lhe Maria, sentada a seus -pes, q~e Q ol!tª•
não estará ainda demonstrando a suprema impo:rtãn-
cia da simplicidade?

QUARTO CAPÍTUU>

FRUTOS DA SIMPLICIDADE

Virtude tão relevante, 1dle tanto valor, que é como


se fôsse a substância da Escritura e do, Evangelbo, o
próprfo espírito da nova religião ensinada pelo Cris-
to, não podia dei,xar de tornar-se fecunda. E, na ver-
dade, são admiráveis os frutos ,d1a simplicidade.
Demonstra-os o Evangelho e assim os resume : '"Se
vosso ôlho é simples, todo vosso corpo será luminoso;
mas, se v;osso ôlho fôr m,au, todo, vosso corpo ficará
escuro."
Estas palavras nos trazem dois ensinamentos pre-
ciosos e muito práticos. '
Em primeiro lugar, é impossível agradar a Deus
sem a simplicidade, ao menos em certo grau; pois, se
os homens vêem as la,parências, "o Senhor olha o cora-
ção'',1 isto ,é, a intenção que nos faz agir.
Se sois escravas da opinião alheia, dos preconcei-
tos, do respeito humano, se vos deixais influenciar
por uma palavra, um olhar, um sorriso, se agis para
o munlfu, não podereis agradar a Deus, já não sois
cristãs. "Se eu quisesse agradar aos homens, dizia são
Paulo, não seria servo de Cristo." 2
1) 1 Ri>fa, XVI, 7
' :l) Ef). Gal., l , 10,
28 A SBLPI.ICfOADE SEGffi{DO O EVAl',GELHO FJICTOS DA S!L\II'LlCTDADE 29

Mesmo aqn·ilo que intrinsecamente é licito, sem a :,.ue vejam n·os~~s boas obras"; acrescentando, porém:
simplicidade não poderia agradar ,a, Deus. para que glor1f~quem o Pai que está nos céus." 1
De acôrdo com a recomendação do divino Mestre: !?evemos edificar o próximo por palavras obras
"Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos ho- e aço_es; mas que isto não nos sirva de pretexto para
mens, com o fim de a'trair Qs o]h:ares e merecer lou- a vaidade: "nossa intenção, diz são Gregório deve
vores", pois assim "já tereis recebido a vossa recom- es~a~ ocul~a." 2 T~do devemos atribuir a Deus e' à sua
pensa." 1 gloria e nao a nos.
Da mesma sorte, se agis por egoísmo, por amor Se é a nossa glória que pro:curamos e não a de
próprio, por vã complacência ou satisfaçãe pessoal; Deus, aO's olhos dÊle o próprio bem se. transforma em
se, em resumo, vos atribuis o bem que fazeis O'U as mal. É o que e~prime são Vicente de Paulo com estas
virtudes que praticais, já te1,eis perdido o merecimento palavr.as..: "Sena melhor que fôssemos lancados de
aos olhos de Deus, "tudo colocastes num saco rôto." 2 pé~ e ma?s atados sôbre brasa, d!o que fazer ~ma boa
Mesmo que vios entregásseis a múltiplas preces, a açao movidos pela vaidade."
longas meditações, que fizésseis freqüentes comunhões,
"mesmo que, como diz o Apóstolo,3 tivésseis o dom da
profecia e da ciência, e ainda que distribuísseis todos os *
bens aos p,O'bres, entregásseis o corpo para ser queima-
do", e mesmo que conseguísseis a admiração de todos Pela sfimplicidade, ao contrário, tudo se ilumina,
pelas obras de caridade que praticais, se :fazeis tudo tudo se tr.ansforma, tudo se torna be~o e bom tudo
isso para vós, se vossa intenção visa unicamente a agrada a Deus. '
vós, ''se não tiverdes a Caridade" que só purifica a S.e vos jnspira o sentimento do dever, se tendles
intenção, "tudo isto em nada vos aproveita", tudo cm ~st~ o bem das almas e a glória de Deus, se pro-
está peiicllido para Deus e pa~a vossa salvação. Vosso C1;Va1s s11:ceramente a vontade do Pai que está nos
ôlho não é simples, vosso corpo não pode ser luminoso. ceus, entao tudo o que fazeis adquire valor sobrena-
E mais, se nenhuma ação pode agradar a Deus tural.
sem que seja inspirada pela sim'.l)licidade, a ação mes- No dizer do Apóstolo: "se é santa a raiz também
mo illtrinsecamente boa torna-se má quando a inten- ~s ra?'Ios o são." Q Os d:veres de estado, os ~xercícios
ção é má: "Se vosso ôlho é mau, 'todo vosso corpo fi- ~ piedade, as h?as açoes, as relações de família, as
cará escuro." tr1~le~~s. as. alegrias, as provações, os sofrimentos, a
Na realidade, o Evangelho nos recomenda que sohdao, a_ mação forçada, em última análise, tudo
"deixemos brilhar a nossa luz diante dos homens para sem exceçao, se torna santo e agradável a Deus pel~

Sft0 Mnteus, ·v1, 1,


São Mateus, v, 16.
~!$eu, l , 6. l1ornilla 11 o Evangelho d e S. Mateus, leit. VII, cap. 13,
1 Bp. IIOS Ctir., xnr, 2-3. Ep. Rorn,, XI, 16.
FRUTOS DA SIMPLICIDADE St
A Si:MPLlCIDADE SEGUNDO O EVA'SGRLHO
30

tem o me~mo valor que a obra, pois a Leria realizado


pureza de intenção: "Se vosso ôlho é simples, todo caso de mun dependesse.
vosso corpo será luminoso." . Daí_ se con<:lui a e_x!Iema importância das santas
Quando o ôlho é simples, isto é, sem defeito e asprraçoes na V1 da esp1ntual e as incalculáveis rique-
1

sem mácula, quando é sad!io, a luz o penetra e ilumina zas que podemos adquirir ao formulá-las.
bem todo o corpo e todos os movimentos. , Conta santa Maria Madalena de Pazzi que viu são
Da mesma maneira, quando a alma é simples, isto Lms de Gonzaga no céu, exlraordinàriarnente, glorifi-
é, sã, a luz divina a penetra. Podeis ver a Deus, com- cado. ~. como se admirasse de que um santo, que vi-
preendê-Lo, tudo fazer nÊ:le e para :êle: tôdas as vos· v~ra tao pouco tempo, houvesse adquirido tantos mé-
sas palavras, ações e pensamentos 1tornam-se bons e ritos, D,e1;1s lhe fê~ comp.reender que Luís conquistar-a
santos. essa glor:1a e_,xcep_c1oni~ pela intensidade e o al'dor de
ó admiráveis frutos da simplicidade! ó sublime ~mas asp1raçoes, isto ie, pela admirável simplicidade e
efeito da pureza de intenção! pure,za de suas intenções.
As coisas deixam de ter valor próprio; valem ape- É pela simplic_idade que "o justo, em pouco tem-
nas pela intenção que as inspira. Aos olhos de Deus, ~º~ enche a carreira de uma longa vida'? pois vive
as duas pequenas moedas lança,dlas no cofre do: templo =~:nte para Deus e só se preocupa em agra-
pela pobre viuva do Evangelho pesam mais do que as
grandes somas lançadas pelos ricos; 1 e um copo d'água A sunp
. licidade
· transforma n01Ssa vida em constan-
dado em nome de Jesus Cristo é o preço da eternidade. te ~omenagem a Deus, sobrenaturalizando e santifi-
"Que importa, pois, diz santo Agostinho, que seja pe- ca~ o n~ssos atos, palavras e pensamentos, nossos de-
quena a vossa bôlsa? Mui to podeis dar coro a coração ~J0~s m-a15 secretos e os menores movimentos do cora-
e a vootade, tudo fazendo só para contentar a Deus."
Até as ações mais -vulgares e materiáis podem •
tornar-se espirituais e santas . . Como diz são Paulo:
"Se comeis ou bebeis, fazei tudo para a glória de ~ simplicidade produz ainda outros frutos admi-
râveis.
Deus." 2 Concede à alma dois bens excelentes que no di
Afinal, aos olhos de Deus a intenção é dotada de
tal valor intrínseca, que sômente o desejo, quando ?e. ~anta T~rêsa, s.ã? indispensáveis àquel;s qu/!:
sincero e verdadeiro, é julgado como o próprio ato.
m1c!a.m na vida esp1ntuaJ: a alegria e a liberdade de
espznto.
Tenho a firme intenção de fazer um ato de carida- A mais generosa das almas, quando não é sim I
de; entretanto t.ou impedido por circunstâncias alheias atorment9:-se~ agi,ta-se ~ fàcilmente se desalenta. p es.
à minha vontade. ).\'linha intenção, aos olhos de Deus, A propria generos1d~de muita vez é causa de es-

1) São .Marcos, XIL 41. 1l Sabedoria, rv, ia


2) l EP. -Cor., X, 32
22 A SU!PJ,,.JC:!DADE SEGUNDO O EVA,'16ELHO FRl;JTOS DA StMPUODAUE

cnípulo e, sob pret~xto de delicadeza, ilude-lhe .a cons- Um dia, ao sair com "tão brilhante aparato, encon-
ciência. "Estarei enganada? Ter-me-á Deus perdoado? trou un~ bando ~e. pobres andrajosos: homens, mulhe-
será êste o meu dever? Estarei no bom caminho?" Con,. res e cria?ç:1s, .pali?,os ~ famintos. Comovida e apieda-
tinuameri.te, formula mil perguntas que a perturbam e d~, t~ve súbita m~p~r~çao e, num •g. eneroso impulso, dis-
a d'esorienlam. tr1bum entre os mfelizes os tec;ouros e objetos precio-
A auto-análise prejudica-lhe a visão clara das coi- sos ~ue a ado:rnavam, exclanumdo: •~ Ah, c,o mo a.gora
sas. Não tarda 'a cair em profunda ,tristeza e fatal de.sâ- me smto leve e feliz!"
uimo. AA simplicidade desembaraça a ahna do pêso, às
~ses perigos não existem para a alma simples, v:zes esmagador, das coisas mundanas: lihe.J!ta-a das
porque .o lha a Deus mais do que a cri.atura e se coloca vas preocuJ?ações, tão difíceis de suportar. Torna a
acima de tudo o que confunde, fatiga e exaspera alma Jeve, rndep~ndente e alegre.
aquela que não é simples.
Como exemplo da ,p rimeira, o Evangelho nos apre-
senta Marta~ agitada, apressada e sobrecarregada de *
ocupações. A alma simples é. representada por Maria; qutr? efeito da simplicid,ade é fazer-nos. sinceros,
serenamente sentada aos pés do Mestre, hebendct-Lhe e mai,s ainda cortar pela raiz o mais temível dos males
as palavras e . só pensando em agradar-Lhe. A alma para o progresso da alma: a ilusão.
~im,ples encon'trou "a meThor parte, a única coi,s a ne- Refe1:Í11;do-se ás íl_usões,1 o padre Faber. êsse p.ro-
cessária:" pertence exclusivamente a Deus. fund_o psICol?go, depo1_s de nos haver mostrado a ex-
Está sempre calma e tranqüila, não se preocupa t~nsao da rmna que causam no domínio da vida espi-
cónsigo, não dissimula nem é hipócrita, não conhece ritual, ,d,eclara ,q ue a simplicidade é o únioo remédio
subterfúgios, duplicidade ou respeitQ humano. Fala para êsse mal terrível e universal.
como pelllsa, tem o coração, sempre aberto; segue dire- As almas que mais se analisam não são as que
tamente seu camin1101 sem· agitação ou inquietude,; melhor se conh<:cem nem, principalmente, as que mais
tem o espírito livre, o coração cheio de paz e alegria. depressa se corrigem. O repetido exame de uma ferida,
A derrota, o des·p rêzo, a maledicência, a,s provações, p_ara _observar-lhe a cura, acaba por piorá-la pela ir-
até as próprias quedas, pecados e imperfeições, nada ri taça o.
no mundo pode perturbá-la. Encontrou: ''a paz que . Ao contrário~. a alma que olha Deus, prontamente,
Jesus d·â ... a alegria que ningué,m pode tirar." atinge ao conhecrmento de si mesma e. melhor ainda
Num drama moderno, narra-se a história de uma consegue renunciar-se inteirainente. '
princesa que não era feliz, emboil·a morasse num cas- Deus é verdade: contemplando-O sem céssar, a alma
telo maravilhoso e viveS:Se coberta ,de diademas, jóias. torna-~e s_emelhante a 1'!:le. A alma simples se conhece
pedras preciosas e adornos suntuosos: sua alma tinha ao pr1me1ro olhar; e quando, em 11oras de fadiga e
aspirações mais elevadas; maiterial e moralmente sen-
Ua-se esmagada pelo luxo que a cercava. l) Co,;iférerrces Spir,laellu, lllUSio.QS.
f

f
3l
FnUTOS DA SIMPLICIDADE

esquecimento, acontece-lhe roçar a terra, assim que o


percebe, ergue-se num bater de asas e sobe depressa '
1
da afabilidade, de tôdas as virtudes atraentes e agra-
à:s mais altas regiões, dond,e descera num momento dáveis que encantam e repousam, inspiram confiança
de negligência. e fgzem verdadeiro bem.
A alma simples se conhece porque conhec~, a J?eu~, A alma que .não é simples tem sempre alcro de
que é pura Juz e que lhe esclarece a consc1cnc1a. A egoísta e de pessoal, que transparece involuntàri:men-
medida que procura e ama a Deus, aprende a des- te e transpira na aparência, nas atitud,es, nos gestos,
p1·ezru•·se e a fugir de si mesma. nas palavras e nas ações.
A alm~ simples nos <íesorienta, tão grandl' é
* a sua lzumtldade e abnegação. Faz-nos sentir e en-
Quando sincera, a alma simples é também gerzc- e~ptrar a Deus. Junto dela, estamos em segurança.
' Nao a podemos ver e dela nos aproximar, sem que
ro.sa para vencer--se. . .
A maioria de vossos defe1t-0s provcn~ da_ falta de nos tornemos meU10res. A alma sim pies não tem e.o,..
simplicidade. Se vos ,deixa.is levar pela mveJa e p~lo nhccimento do bem que faz ou se admira de o haver
ciúme, se estais inquietas, atormentada~ por dese3os praticado-. E êste hem é tanto maior quanto menos o
percebe, crescendo, ainda, à medida que ela se iden-
~iolen'tos, por afeições humanas ~em:as1a~o. absorve1?-
tes, colocai-vos do lado oposto a snnph~1da~e,_ pois tifica COIIJl Deus. Tôdas as suas obras são abençoadas,
sômente olha,is a criatura, enquanto a s1mpl1c1dade porque feitas no espírito de Deus e pelo seu amor.
contempla a .Deus. . .
A simplicidade torna a alma generosa; umf!ca-lbe 1
*
as ações, fortifica-lhe a coragem, aquece-lhe e ay1va-lhe
0 ardor. Impele-a aos mais nobres empreendimentos
Enfim, é inexprimível a alegn'a que a alma sim-
e jamais permite que se canse. Da ~1esn~a form! que ples dá a Deu$ e a glória que Lhe procura. Porque faz
' constantemente a vontade de Deus em lodos os mo-
a pomba ao cortar o espaço nos da a 1mpres~ao de
não mais se esforçar, parece que ?ada ~ust_a a al~a mentos do dia e da noite, santifica seu nome e aumenta
seu reino.
simples, e que Deus a conduz e e!e p'.opr10 realtz~
tudo o que ela faz de grande: fecrt m,hl magna qm Até seu repouso e seu sono tornam-se um hino em
pote11s est . .. 1 louvor
• ,, 1 ao Altíssimo, pois, se "dorme, seu e-0ração vi-
g1a , sempre, com perseverante pureza de suas in-
* tenções.
A simplicidade edifica o próximo, porque é ~ o'.i- Castá pomba, ela arrebata sem cessar o co1·açâo
gem do bom caráter, da serenidade, <la benevolenc1a, ?-º ~ivino Espôso; e, depofa de haver esvoaçado o dia
inteiro, repousa e estabelece a sua morada na santa
11 s,1o l,ucas. r. 1\1. "Porque lllt rêz grandes cols~s. O que t! o Todo- chaga que lUe recebeu por nosso amor.
J'oderoso. 11' 1
l) Cliutico V, 2
f

QUINTO CAPÍTULO

• SINAIS DA SIMPLICIDADE
Agora que sabeis o que é a simplicidade e quais
os seus frutos, não gostaríeis de vos tornar "simples
como as pombas"? Mas, por que sj_nais recon)leceríejs
que o sois? - Por quatro sinais principais.
O primeiro ié a indiferença ao próprio êxito.
O que vos perturba, quando não vos sais bem de
um empreendimento - quer se h·ate de uma obra no
meio familiar, educação e futuro dos filhos, deveres
para com o marido, direção ,da casa e dos emprega-
dos; quer de uma obra externa, esmolas, visitas aos
pobres, a,postolado, relações de familia - o que vos en-
tristece e vos desanima é falhar no objetivo que vos
propusestes, objetivo legítimo, sem dúvida, mas huma-
no. Visastes apenas ao resultado, 'ao ixito, à própria
obra: faltou-vos a pureza de intenção.
Na verdade, se tivesse sido _pura a vossa intenção,
se antes de tudo houvésseis procurado o e.ontentamen-
to e a vontade de Deus, diríeis : Se Deus não quis êsse
resultado, também não o quero. Além disso, se traba-
lhei para D,eus, se procurei agradar-Lhe, certamente
venci, e Deus deve estar satisfeito porque fiz o que
de mim dependia; o resto não estava em meu p,oder.
Portanto, devo estar tranqüila e tâo calma como se
houvesse conseguido o que desejava.
A iud,ifer~nça pelo êxito daquilo que empreende-
A l>iM.PLlClDnPE SEGUNUO O EV..ANGl'.LHO SP.\.\JS D,\ Sl)fPLJCU)Al>E 39

IDO\Sé um sinal necessário e certo da pureza de in- Vossas tendências podem ser naturaü, ou ~evid~s
tenção. à graça. Podeis, espontãneaménle, vos sentir mais
ah·aídas por uma coisa do (Jn~ P?r ~utra _: algumas
* dentre vós são mais inclinadas a VJda mtenor, outras
O segundo sinal é a alegria pelo êxito ou pelo à vida ativa; algumas <lOO!icam""'"'ie a v!sitar os_ pobres.
progresso. espirilual de outrem. a cuidar dois doenles, outras a instnur as crianças e
Se vossa intenção é reta e pura, deveis querer tudo os retardados. Mas, quand·o necessário, e quando vos-
o que honra, contenta e glorifica a Deus. Se, junto de sos superiores o exigirem. deveis eslar preparadus
l
vós, outros fazem o bem; se, na mesma obra, alguém para de boa vontade s_ac~ficar os. vossos ~oslos pes-
coru;e~ne melhor resultado_ do que o vosso; se ié maior soais e vos consagrar aquilo que e determmado pela
o sucesso de um empreendimento semelhante ao vosso. obediênc.ia.
não vos deixeis vencer pela desconfiança, ciúme, amar- Antes de tudo <leveis eslar de tal mtmeüa prêsas
gm·a ou tristeza; rejubilai-vos sinceramente, de todo à vontade de Deus que, quando esta vos fô~· claramen-
o coração, porque Deus foi glorificado. te manifestada, estejais dispostas_ a c_umpn-la gcucr?-
Falta pureza de intenção às pessoas exclusivistas, samente, não obstante vossas an'!'pahas e ?S necessa-
ql.le $Ó pensam nas prôprias obras e no bem que reali- rios sacrifícios de vossas incUnaçoes. .
z~m e, com mal disfarçado despei'to, em !ôda parte A nada se apegar de maneira absoluta, exceto_ a
vêen:i concorrentes e rivais, aos quais gostariam de J>onlade de Deus, é o terceiro sinal da pureza de m-
afa.~tar ou sobrepnjar. · tenção.
Do mesmo modo, falta-vos a pureza de jntenção,
se, em presença de alguém que se esforça, progride e *
se aperfeiçôa, f icais ciontra1:iadas, irritadas - não
digo se experimentais uma nobre e santa emulação, o O quarto sina] é não de~ejar nem procnrar o lo~-
que é bom e legítimo - e ,se em vós e:xfate algo que vor ou. a ·aprovação <los homens l)elo h~m que faze·1 s,
deseje impedir êsse progresso que vos aborrece. e não perder a calma .nem a paz interior se, !º con-
Diante do prngresso dos oulros ou dian'te do bem trárfo, receberdes a1>enas censuras e repreensoes. . .
qpe realizam, reconhece-se a pureza de intenção pela Deveis pensar: se cumprj meu deve!·• se reahz~1
alegria sincera e verdadeira que se experimenta, ou a v.ontade de Deus, fiz tudo quanto dese1ava; o mais
que, ao menos, livremente se desejaria experimentar, me é indiferente.
dei.prezando todo o sentido contrário.

* Se eln vosso ooração não se e1~conlra-?1 êsses quatro


,O terceiro sinal da pureza de intenção é nada sinais da pureza de intenção; se um so _vos fal~a ou
preferir voluntàriamente e a nada se apegar de ma- se existem de maneira incompleta ou Jmperfc1ta, é
neira absoluta. por.que vossas h1tenções não sõo inteiramente puras
A SlKP UCIO,\OE SEGUNDO O EVANGELHO

e que vossa simplici,d,ade não e verdadeira ou talvez


esta virtude vos falte de todo.
Esforçai-vos por adquiri-la, esforçai-vos por au-
mentá-la cada dia! Para que produza todos os frutos
e para que os produza em abundância, seria neces-
sário elevá-la ao mais alto grau e f azê-1,a atingir a
perfeição. SEXTO CAPÍTULO
Seda nece6Sário ter o coração semelhante ao da
mullier a que se refere santo Afonso de Ligório. Encon- PRÁTICA DA S11\lPLICIDADE PARA GOM DEUS
trad~ na I_>alestina por wn dominicano companheiro
de saa Lms, ela carregava n'U'llla das mãos um aso Façamos, agora, como que o retrato da simplicida-
cheio d'água e na outra segm·ava uma tocha acesa. de, encarando-a pormenorizadamente e percorrendo o
Perguntou-lhe o religioso o que significava tal apara- vasto campo no qual tendes ocasião de exercê-la.
to:_ "C?m esta *gua, respondeu-lhe, desejaria extin- A simplicidade deve ser exercida em relação a
guir o mferno; e com esta tocha, destruir o céu, a fim Deus, em relação ,a vós me.mias e em relação ao pró-
de 51ue doravante servíssemos a Deus não pelo mêdo ximo.
do rnferno ou pela esperança do céu, mas unicamente Na simplicidade está a perfeição de vossos encon-
por amor." tros com Deus. . . "Caminha diante de mim, disse Deus
Seria necessária exclamar constantemente com são a Abraão, e sê perfeito." 1 A alma simples segue êsse
Bernardo : "Pudesse eu, Senhor, amar-Vos por Vós divino conselho e realiza êsse admirável programa.
mesmo!" não para ser feliz em amar-Vos, mas unica- Caminha diante de Deus, tem o sentimento da sua
mente para Vos satisfazer e 1>ara eontentar o Vosso presença, contempla-O incessantemente: a'tinge a pe-r-
coração! feição, porque só tem um desejo: o de agradar a Deus.
Seria necessário poder dizer, como o divino Mes- Compreende a extraordinária importância dos
tre: "Não procu ro a minha vontade, mas a vontade Exercícios de piedade. A êles se dedica pelo livre es-
dAquele que me enviou ... Faço sempre o que é do fôrço de uma vontade resoluta e perseverante e não
seu agrado." L Terieis alcançado, então, a perfeita sim- por uma atração sensível, condicionada a mil vicissitu-
plicidade. ,des. Neles nã.o proctu·a, mercenàriamente, sati6fação
pessoal, repouso ou recompensa imediata. Busca ape-
nas a vontade e a glória de Deus.
Se acaso encontra consolação sensível, doçura e
alegria, não rejeita essas graças; com reconhecimento
recebe-as da bondade de Deus.
!) s. João, vm, 28-29.
1) GinCSÍ$, XVII, 1
1

A ST\lJII,ICinAl>B SEGUNPO o E\'ANG.ELno co,1 n:m;s


'PRATIC.\ IH :,;f\lPI.JCID.\JlE PAll,\ .,
4 ..

Entretanto, ai não se delem, não se compraz e clesejos",1 islo é, homem per-feitamente simples, que
não bru;eia nisso a sua piedade. Ama a Deus mais que só aspirava a Deus.
a tóclas as suas dádivas; e, em vez de, egoisticamente, A alma simples não se desencoraja, quando só
atrihuir""Se as graças divinas, emprega-as tôdas para encontra na oração aridez e tibieza, quando está eomo
a glória de Deus. cm "terra deserta, in lransi lá vel e sem á{!na." 2 Nessas
A alma simples é mais inclinada à conlemplação 1
duras provações, vê a vontade de Deus e não perde a
<lo que ü meditaçiío . .Muita. \'ez, diante de uma ohra- calma nem. a paz.
prima, de um magnifico quadro, acontece-nos esque- Não se perturba nem desanima, se o dever de es-
cer ludo o mais, absorvidos naquilo que vemos; po1· tado ou circunstâncias imp1·evistas, a caridade. a do-
um instante, par~cc-nos que as faculdades da alma nos ença ou qualquer outra coisa permitida por Deus a
são ar-rebatadas e ficam como que em suspenso, até impede de dedicar-se aos exercidos habituais de pie-
readquirirmos a consciência de nós mesmos. :
dade, a obriga a inlerromper su'as comunhões. Re-
A alma simples não se cansa de achnirar a elerna lembra, então, a resposta qt1e Nosso Senhor, um dia,
e infinita Beleza. O.ra a contempla no próprio Deus. deu ao padre Alvarez, quando este, sobrecarregado
01·a na humanidade do Crislo. como num espelho sem de trabaJho, se queixava de não po<let· entregar-se à
mácula. ,- oração: "Mesmo que Eu não esteja a leu Indo, deve
lJasta,· que me sirva de Li."
Nunca discute, e pouco raciocina: olha, contem-
pla, esquece-se de si mesma, para absorver-se e per-
der-se em Deus.' *
Nos santos, tudo isso conduz ao arrebatamento e Quando a alma não é simples, basta o afastamen-
ao êxtase. Em suas asas poderosas, a simplicidade os t<Y de seu diretor para que se desoriente e se descuide.
transporta ao próprio seio da divindade. Assim, oulrora, A alma simples atravessa êsses momentos mais
o profeta Daniel foi arrebala'do, transportado, enlcva- difíceis com igual fervor, assim como a pomba atra-
<lo, porque, diz a Escritura, "era Yarâo de ardentes vessa uma região brumosa, sem desorientar-se, sem
retardar o vôo.
Mesmo que a morte ou um aconlecimenlo decisi-
vo a obrigue a ma-dar de diretor, não hesita, não adia,
l) .. !'recisamos numler a ulm« fil·mc na vraçilo, diz Süo l'r"nciscu d~ entrega-se com tôd'a a confiança à dü·eçâ•o do novo
·Soles, sem pcrm.itlr-lhe c-can1l11ar o que l'aY- ou ,ei-if.icar se csti, su-
tisfcitG. Ai dl' nós. se us satisfações 1, '\.~ consolnçõcs que lemos o:io
guia que a Providência lhe manda.
~atlstozcm os olhos de Deus, mns contentam :<ómente ao miserá-.t>l
nmor e à preocupuçiio por nós mesmos, que ex.iste fón, de Dens e de *
sua consideruçilo. Aquc:le <JUC amoroij1unentc J)roccu·n :tgrudar :, Jc- É adm.irá,•el a / é e a pifdade <la alma simples
1>11s Crislc) nfio tem prnur nem <>ensino de muito ,e annlisar, poJ~ tem
fl espirita continuamente t1lrul,10 J>nra onck o amnr o leva. ( Entr~lien, 1) DanieJ, l:X, 23
)UJJ), 1 2) S111mu LXII, 2.
A SL'\lPUCIDADE SEGUr-.'DO O EVANGELHO PR.tt!GA DA SHdPUCIDADE P.Al\A COM p EUS

para cdm á Igreja, os sacramentos e tudo o que é sa- des diante de Deus e dos homens. Para todos os que1
grado. dela se aproximam exala .. o bom odar do Cristo."
Sua fé é inabalável. Não conhece a dúvida, exceto Na Igreja, nos sacr~entos, só pr~cu~a a Deus, e, por
por vontade especial de Deus, que pelas provações isso, O encontra com superabnnd•ane1a.
santifica as almas mais per{eitas. Sua fé é liinpid·a e
sem nuvens, pura e integral. A submissão a to-dos os
ensinrup.enfos da Igrej,a já é pronta, alegre, filial e
completa.
Na confissão, vê no pa<lre o p,róprio Deus. Acu.s a-se
sem perturbação, sem restrição ou atenuações. Não diz
mais nem menos do que é necessário'; diz o que ié e
como é, se:m exagerar nem encobrir ,a verda,de.
E' a Jesus que fala, é a ~Ie. que ouve: maleável e
dócil, com per(eita humildade ~ obediência.
Durante. a absolvição, vê cair-füe n'alma o sangue
de Jesus; sente-se invadida pela contrição, pelo reco-
nhecimento e pelo amor. Dês.se banho salutar, sai re-
generada, mais forte contra si mesma, mais dedicada
aos ,outros.
Durante a missa, imagina-se no Calvário, aos pés
da Cruz. Contempla Jesus que eleva ao Pai os braçé1S
sangrentos, Jesus que perdôa. abençôa, ora, sofre e
mon-e.
Quan.do comunga, parece que o céu desce a seu
Goração; "sente-se env-0lvida pelas chamas, impregna-
da pelo bálsamo do amor." 1
Inundam-na a felicidade e a alegria. Absorvem-na
de todo as maravilhas que nela se passam. Custa-lhe
grande esfôrço arrancar-se à ação de graças, pois está
inteiramente abrasada e consumida pelo fogo da dli-
vina. caridade.
Nessa alma que não lhe opõe resistência. a graça
opera as mais belas transformações. Cresce em virtu-

1) Palav;ras do cul'a d'Ars. 2) n :fi:p. Col'., n, 15.


SÉ'l;IMO CAPÍTULO

PRATICA. DA SIMPLiiCIDAD.E PARlA CONSIGO

A alma simples mantém para consigo um.a atitu-


de sincera e corajoia.
Não multiplica oo exames de consciência, nem as
pesquisas inlerfores; mas, num relance penetrante,
tudo vê e aprofunda. ·
Sua consciência, não tem segredos, reservas, obs-
curidades ou recantos sombrios. Tudo eslá adarado
pela luz de Deus. Não lhe são necessárias longas aná-
lises nem conflitos interiores : um rápido olhar mos-
tra-lhe como realmente é.
Tem de si um conhecimento perfeito, ~mbora sem
constantes introspecções. E faz mais do que conhe-
cer-se: con-ige-se, emenda-se, transforma-se, po11que se
despreza e foge de si mesma. Há quem procm·e a con-
trição, considerando as p1·óprias faltas, a fealdade e as
conseqüências do pecado.
A alma simples busca o arrependimento, sobretudo
na contem.pfoção de Deus, no sentimento da ofensa
feita à divina majestade e do desgôsto causado ao
coração de Deus.
Quando Pedro negou o Mestre, o olhar de Jesus
A 'U.fPI.TCIDAOE SEGUNDO O EVANGELHO
PRA.'fICA DA SIMl?LICIDADE l'AllA c:o:-.s1no 49

atravessou-lhe o coração e nele f êz brotar inesgotável


fonte de lágrimas. trabalho da alma, corrompe-lhe a pureza e, na mesma
A alma simples contempla Jesus e por Jesus é con- proporção, diminui-lhe o valor.
templada. Como flexa de fogo, o olhar de Jesus tras- Sêde, pois, simples até no desejo de perfeição.
passa-a_ de dor e de arrependimento. Sua contrição "Levantai-vos depois que tiverdes rep(]Usado" i, diz a
é a mais elevada e a mais perfeita, porque inspirada Escritura: isto é, não vos apresseis em demasia; não
no puro iamor. vos a,dli.anleis a Deus; "não ultrapasseis a Providên-
Por isso, é incalculável a sua generosidade e ma- cia", como repetia são Vicente de Paulo. Desejai a
ravilhoso Q seu progresso. Como o fogo, derrete o gêlo perfeição ape1rns na medida em que Deus a determina
e consome a palha, como o sol, num instante, dissipa para vós.
a mais espêssa bruma e faz resplandecer o azul pro- No dizer de são Francisco de Sales, "as amantes
fundo de um céu sem nuvens, assim a simplicidade espirituais, espôsas do rei celeste, não se purificam
dissipa a indiferença, destrói a tibieza, consome o visando a pureza e não se enfeitam para ser belas..
pecado e tôdas as inclinações desordenadas, com fa- mas somente para agradar ao celeste espôso. A con-
cilidade e rapidez prodigiosas - pois a simplicidade fj ança que ]hes inspira a bondade divina tira-lbes
é o exercício e o ato mesmo do puro amor. qualquer ansjedaidle ou temor de que não sejam bas-
Como ·a pomba, em vigoroso bater de asas, alcança tante belas e faz com que se contentem com uma suave
num instante as mais altas regiões, assim a alma e fi~l preparação realizada esp-Ontâneamente."
simples, liberta do pecado, se eleva prontamente a Entretanto, não deveis limitar nem restringir a
Deus. intensidade de vossos desejos, desde que os mantenhais
sempre em perfeita: dependência do agrado de Deus.
* santa Terêsa exortava suas filhas a elevar lanlo quanto
possível o seu ,dtesejo de perfeição, e assim Deus nos
A alma simples leva a simplicidade até o desejo exorta a todos.
de per/eição. Enfim, desejai atingir a perfeição não ele acôrdo
Existem almas generosas que se apaixonam pela com os caminhos e os mei1os que vos indicam vossos
perfeição e a buscam com ardor. Mas o inimigo as estreitos conhecimentos, nem conforme vossos projetos
espreita e não as podendo tentar pelo mal, enga'ii.a-as e planos; mas, sempre e em tôdas as coisas, segundo
"sob a aparência do bem", como observa santo Inácio. os adoráveis desígnios da eterna Sabedoria e as in-
Há nesse desejo de perfeição demasiada ansieda- sondáveis vias da infinita Bondade. Em suma, renun-
de, algo de inquieto e agitado, em que ô próprio eu ciai-vos totalmente; não procureis conduzir-vos pelos
próprios conhecimentos nos labirintos · em que tôda
transparece. A perfeição é ,diesejada mais por ela mes-
a ciência humana se perde; mas "lançai vosso coração
ma ou por considerações pesso·ais do que por amor
a Deus; e a dose de amor próprio, que se insinua no
1) Salmo CXXVI, 2
50 \ SUf PLICfOA.OE SEGUNDO O EVANGELHO

ao Senho1·•·, e.. como diz o Evangelho, "perdei vossa


vida para salvá-la" t: eis. a última palavra da simplici-
dade. ·
E de tal forma ela nos une em tôdiaS as coisas à
vonta,de de Deus. que realiza a oração do divino Sal-
vador, na ,Ceia: "Meu Pai, que êles sejam um, como OITAVO CAPÍTULO
nós somos um: Vós em mim e eu neles., para que
sejam perfeitos na unidade!" 2
PRATICA DA SIMPLICIDADE NA FAMiLIA

Não é menos admirável a alma simples em suas


r elações com o próximo.
No seio da família, a jovem sim.pies vê nos pais
os repres·e ntantes de Deus e é surpreendente o respeito.
a afeição e a confiança que lhes tributa.
Aceita de ho•a vontade a autoridade natural do
pai e da mãe. Não ignora, que lhes deve ser reconhe-
cid:a por todos os benefícios com que a cumulam e
inclina'"8e diante de seu saber e sua experiência. Ne-
nhuma dessas considerações elevadas e legítimas lhe
é estrarnha.
Na vontade e nas or.dens dos pais, ve, acima de
tudo, a auloridadé de Deus e é principalmente por
Deus e por amor a Êle ,que cumpre seus deveres de
filha.
Se percebe imperfeições ou defeitos no pai ou
na mãe, e se até vícios se ostentam diante dela, desvia
o olhar, como os dois filhos de Noé, e atira o manto
da majestade divina sôbre a falta, a miséria ou a ver-
gonha. para conservar sempre e apesar de tudo in-
violável e sagrado o respeito àqueles que lhe deram
a vida.
l) São Ma,-cos, vrr, 35. As mães desejam., com razão, que as filhas nelas
Z) São João, xvrr, 21-22. tenham confiança, pois a confiança se baseia na esti-
52 A S1'lPLTCJDAl)E SEGUNDO O BVANGEL8'0 PRATICA DA SIYPJ~ICIDADE NA FA.MU,IA 53

~ª• no carinho, no abandono, na expansão dos sen- A continua preocupação em tornar:se útil aos ou-
timentos. _É a síntese de tôdas as qualidades que deve tros ou em evitar-lhes a menor contrai:1edadE:,; a _ama-
ter uma filha para com a mãe. bilidade risonha:, a ,dedicação tã·o ~olic1ta q~ao. discre-
9ra, se as jovens fiorem simples, de certo serão ta a serenidade da alma expansiva. a limpidez do
confiantes; a menos que - e oxalá que ta] não acon- olbar e a pureza de atitudes que nos faz lembrar os
teça - a mãe se torne absolutamente indicrna dessa anjos; a nobreza dos sentiment?s, a el~vação do _Pen-
confianca. "' sament-0 que arrebata e transfigura: eIB os graciosos
t A s'implicidade dá à jovem todo ,o seu encanto e adornos de que se reveste a jovem simples.
a ple?j!ude das graças que Deus lhe destinou : ao Em sua alma de cristal reflete-se a imagem de
contrario, a falla de simplicidade a derruba de seu Deus, como o sol nas águas puras e t~anqüilas de um
pedestal e faz com que perca a auréola e os atrativos. lindo lago. Ilumina, aquece e encoraJa todos o~ ~e A

Observai esta jovem! Está 'tri-ste e sombria, &orri dela se aproximam. Dá-lhes como que a presc1enc1a
pouco e com ·amargura. Magôa-se por nada, é excessi- do céu, porque traz o céu no coração. 9ue doçura, ~~e
vamente suscetível. Exaspera-se à mais leve admoes- tranqüilidade para os pais! Que modelo,, ~1ue auxilio
t~ção. Desconfia de todos, julga-se incompreendida, e para os irmãos! que. tesouro para a fa1mha I Que es-
nao :percebe que é incompreensível. Absorve-se em petáculo para os AnJos ! . .
-cons~a~tes_ introspe~ções, perde-se em profundos e in- ô mães, a m.aior graça que deve1s pe!1n" para _vos·
term~nave1s 9cvane1os. É egoista, f;rjvola, personalista sas filhas, e que para elas será a fonte de todas as virtu-
,e vaidosa;; nao conhece o respeito, a i;ubrrússão ou o des, é a simplicidade.
devotanrnnto; é desagradável a todos: o mau humor
é seu estado nonnal.
. A quê ~tribuir_ êsse conjunto de defeitos. que lhe \
t~ram ª. espontaneidade, a alegria e a graça próprias
<le sua idade, ~ a transfonn3:Tn ~m uma carga e uma A espôsa que é simples vê Deus em_ seu -ma~ido.
cruz para aqueles com quem vive? Qual a razão do Os sentimentos que naturailmente lhe dedica sa,o amda
mal? A faJta de simplicidade. fortalecidos e realçados pelo pensamento de que, a
_ ~ vez de olh~ a Deus e nele buscar sua inspira- seu lado o marido representa o próprio Deus e exerce
çao, ve apenas a s1 mesma. Habitualmente, baseia os sua auto~idade. Por conseguinte, é mais profundo o seu-
sentimentos, o co·ração e a vida em contínua e mesqui- respeito, maior a sua confiança. mais ü1ten~o ,o ~e~ ca-
nha preocupação de si mesma, que Toe torna o caTáter rinho, mais perseverante o seu amor, 1!1ª1~ sohc1ta a
t.ão insuportável quanto sua pessoa. sua dedicação, mais inviolável a sua f1delldade.
Contemplai agora a jovem simples. Que contraste! Como aconselha o Evangelho, sua simplicidade da
Esquece-se por compJeto de si para só ver a Deus pomba alia-se de modo admirável à prudência da ser-
o próximo e o dever. Ignora o mal, que nem seque; pente.
lhe tocou a alma inocente e pura. Confia plenamente em seu marido, apesar de sa-
A SIMPLICTDA.DB SEG-l'XDO O EVANGELHO
PRÁTJCA DA SHlPLIODA.l)E NA FAMiLlA ss

bê-lo fraco; protej e-o e d f .


do mundo, em vez de exp~~~d=;~ c:ntra _as_ seduções mente f o·rmaidas no temor e no amor de Deus, quando
tando-o OC!m delicadez . T . ecess1dade, afas- despertarem as paixões, quando aparecerem as, ocasiões
miliaridades excessiva: ! ;~ an~a. do perigo das fa-
n~á-lo aos lugares O'llde' h ' tca ei~ando de acompa-
perigosas, quando se apresentarem os exemplos e as
atrações d9 mundo, as pérlidas seduçõe6 ou os deveres
ªJª entaçoes. difíceis? Serão vítimas fáceis do víció e do pecado.
Não igndra q 1
espiritual e morated: : a )~~tÍnce a responsabilidade Só as almas educadas 5oh o• olhax de Deus, as
3;D1ar e servir a Deus. Es~1-~ ,: o ª. melhor conhecer, consciências fixas em Deus, os caracteres formados na
tnnentos e deveres e im I eia an~a__-a em seus sen- grande escola evangélica da simplicida-0e poderão en-
cer ou desviar-se. pede sua afe1çao de enfraque- frentar as tempestades da vida neste mundo, e, no
meio de tantos escolhos, alcançar, sem se despedaçar,
Permanece afeiçoada .d a bem-aventurada eternidade.
dem aumentar-lhe o indiefu~ti~!fi o, e os anos só po-
tanto, sem fraqueza. ama amor. Ama-o, entre- A simplicidade é a alavanca da educação. Sem ela
deseja-llie o verdade'iro he~ Pfª torná-lo melho:r; nenhuma séria formação moral poderia existir. Eis o
loca acima e antes de tudo ~ em. da alma, que co- que é por demais esquecido; eis por que, tantas vêzes,
em preferi-lo à própria f ~lin~ ~esitando, se preciso, a educação só conduz à ruhra,; eis :por que tantos ra-
companheira virtuosa a am. c1 a e neste mundo. É a pazes e moças í'azem chorar as mães; eis por que ve-
por excelência, muli;r bon~g~anta, :1 mulher. "forte" mos tanlas qued:as, escândalos, lares destruídos e al-
Uin "tesouro" e "nela conf• · mo_diz a Escntura, é mas torturadas_!
ia o coraçao de seu marido."
Se, ao despertar do entendimento, a mãe soubesse
* imprimir Deus no espírito e no cornção do filho; se
lhe falasse de Deus, como seria seu dever; se l1le fi-
_ A m~e . 4:1e é. simples é d zesse compreender, desde a mais tenra idade, a única
N~o consistira a fmalidade dt e1er a':!_eira educadora. coisa necessária; se consegrusse que, para êle, o maior
crianças simples, isto é ?c~çao em tornar as castigo f ôsse ouvir estas palavras: meu filho, ofendes-
Deus? , em habitua-las a agir para
te a Deus! bastante cedo, a-.criança se tornaria hcnnem,
Como é falsa e co tendo a consciência viril, ou melhor, ,d~vinizada. Quan-
ráveis a educacão em qumo a~~rreta ,resultados deplo- do chegasse à idade das gr,andes tentações e dos ter-
amor próprio • ao ~ s.e a continua relevância ao
interêsse e a tantof
nos, que podem levar
~~~:dsa b~etompensa imediata, ao
? Je vos puramente huma-
ríveis combates, o. cristão de hâ muito formado não
trairia o seu Deus, ou, se acaso se deixasse 'um momen-

hábitos de virtude!
f
geiro, mas que nunca crianç:i- a :u~ esfôrço passa-
he darao sohdos e profundos
to donúnar por alguma fraqueza, se inesperadamente
cedesse ,a um assalto mais temive), a uma sedução
mais poderosa, como Pedro, após d olhar de Jesus
Que acontecerá às almas que n ~ f voltaria logo a Deus e, com profunda dor·, resgataria
ao orem vigorosa- a sua falta com generosidade iJim:itada.
5fl
A Sl.\l'T'LlCIDAnE ~EGUNI>O O EVA..'\GELHO

. ó mlães? se quereis que vossos filhos sejiam um dia


~ossa a egr1a e a alegria de Deu d ·
Deus presenteia a1m
!'
.
A

zei-os simples I A simplicidade é :m:dSimples e fa-


ura com que
veis M : 7 ,as as que deseJa toirnar invenci-
com. es tas, as maes compete revestir-se a si e aos filhos
a armadura!

NONO CAPÍTULO

PlUTiiCA DA SJ,MPLICIDADE NO MUNDO

No mundo, a simplicidade é como a marca que


distingue ,a, verdadeira cristã.
Certo, o espírito do mundo é um espírito de du-
plicidade e de mentira.
Quanta mentira e duplicidade sob as aparências!
Quanta vilania, quanta baixeza, quanta abjeção se ocul-
tam nas atitUJd:es polidas, corretas e elegantes! Cada
qual se dissimula e ilude; usa a máscara, querendo
parecer diferente do que é.
Que eterna contradição entre as palavras e os sor-
riso5 que afloram aos lábios e os sentimentos que vi-
'\<:ern no coração!
Lisonjeia-.se por ,,aidade, incensa-se por interêsse
aquêles de quem se espera obter qutalquer proveito>
mas a que1n, na verdade, se inveja, despreza e detesta.
Profanam-se as palavras sagradas: coração e amor.
Com elas encobrem-se as mais perigosas liber,d:ades,
as mais desprezíveis vaidades, os mais abjetos prazeres!
O mundo que Cristo condenou, quando disse "que
está todo possuído pelo mal" e pelo qual "não podia
l'ogar", é o antípoda da simplicidade. Ai se encontram
tôdas as extravagâncias, defeitos e hiprocrisias.
Se quiséssemos fazer comparações opostas ao Evan-
gelho, diríamos que algumas reuniões 1,ão estranhas
1 "
assembléias de pavões, que andam à roda para serem
58 A SlMPLICIOADE SEGUNDO O EVANGELHO
PRATICA DA SIMPLICIDADE !i.O MU~DO 59

admirados: - de papagaios, que ao acaso repetem,


sem compreender, aquilo que ouviram; - de pêgw;, pre parecer encorajar e aprovar o mal e ds que o pra-
que, num irritante tagarelar, espaJham palavras ás- t i ~. -
peras e _m ás ; - de abutres, que devoram a honra e a - Como todlos, está sujeita à ten~ação·, mas nao se
reputação do próximo; - .de corrvos, que se repastam deixa vencer por ela: dentro de si mesma, c?mbate
de ignomínia; - de cotovias; versáteis e inconstantes; e reprime O que não deve transparecer,: É sunples,
- de galinhas e pato,s, que, com algazarra, se extenuam porque suas palavras revelam o seu coraçaoi.
e se arrastam na vulgaridade e na mediocridade ; - Atenta e~ agradar a Deus, é inteiramente pura,
enfim, de tôda a espécie de aves, que simbolizam os quer em suas conversas ou 1a,titudes, quer e!ll sua ma-
vícios, as baixezas e os pecados. neira de trajar: sempre natur~ e verda?,eir_a, tem r~s
Dessas assembléias, só está ausente a pomba, a sentimentos sempre justos e caridosos, p~1s sa-0 os ~ -
simplicidade do Evangelho,. Se, porventura, aparece é prios sentimentos de Deus, o qual em todas as cmsas
povque es-tá representa.da pela pessoa de uma verda- lhe serve dé modêlo. . . ..
deira cristã. . ·
E n f rm, abe auardar segredos· 1e perfe1famenLe
Também, q1.mndo a encontramos, como destoa do
s º ' • d' · -
discreta~ sem deixar de ser simples, pois a 1scriçao
ambiente, como é repousante, como nos faz hem! não se opõe à verdade. .
Quem é simples é fundamentalmente sério' e sen- Ass.im, reserva e sinceridade, hum1ldadAe e pure~a,
sato, e, por isso, não fala sem refletir, nem fala demais. caridade e delicadeza, idoçura e bondade, todas as vir-
Não tagarela, não lisonjeia, não ofende, não engana, tudes que uma cristã deve p~aticar no mnndo, flores-
não se exibe. cem naturalmente na alma srmples. .
Mostra-se tal qµal é ,e diz o que penslli. No fundo Por isso, inspira a todos absolutai conf.1anç!.. Sen-
do coração, encontra sempre a benevolência e a cari- timo--nos atraídos e impelidos para ela._ A ~plic1dade
dade, porque vê o próximo em Deus e Deus no pró- éonfere-lhe ascendência moral e autoridade de que se
ximo. Nunca fala nem pensa. mal de alguém. serve para faz.er o bem.
Não é indiferente nem insensível àquilo que inte- T,anto tem a mulher mundana de prov?cante nas
ressa aos outros; múito pelo. contrário, ama-os de todo atiltudes e no trajar, quanto a mulher simples tem
o coração porqu e assim o, manda Deus. de modéstia na pessoa e nas ves:tes,'1 Deus parec~ re-
Quem não ié simples, quando ama ao próximo, é fletir-se em sua fronte, seus olhos e suas ma1:te1ras.
sómente a $i que procura. Quem é simples, no a.qior ,Como contempla Deus, assim Deus ia ?ontempla e
ao próximo, vê mais a êste do que a si e mais a Deus "faz. brilhar sôbre ela a luz da sua fac~.• É. ~ela, de
do que ao próximo. Ama-o como Deus o ama, isto é, uma belez~ que não é dêste mundo: a srn1phc1dade é
com o amor mais puro e mais perfeito. o seu único adô.rno.
Tem horror ao pecado·; mas, como o divino Sal-
vador , não desdenhai nem despreza os pecadores. Em- 1) "Quero que a minha devota seja a ma.is gen~ e a mais pre;paradn
bora indulgente e bondosa para com todos, evita sem- de$e as companheiras, confanto que o seJa com súnplicidadé •
bom gõsto." (são Francisco de Sales).
60 A S~1Pt.TCIDADE SEGUNDO O EVANGBLRO PRATICA DA SIMPLl_CJD,\DE NO MUNDO

Oh! a helena 1dêste mundo, deusa impiedosa e im- apaixo;1ar-vos-eis por outra beleza, perto da qual tôdas
pur~ a q;uem as mulheres saerüicam tanto tempo, tan- as belezas do mundo reunitd:as valem menos do ~e
to, dinheiro, tantas nobres qualidades, e, mu_itas vêzes, um fogo-fátuo comparado ao sol: a ~ele~a superior
a~,ª al.om e a eternidade ... , a simplicidade a desti- que provém da virtude e que é a habitaça,o d~ Deus
ftul·~ de seu pe_d~tal e fará com que a desprezeis como na alma e seu reflexo no rosto; a beleza que e com-
se fosse a escoria do mundo e que dela fujais, :rece- posta de humildade e dOÇ\l~ª• de delicadeza,:._e _hondad:e,
ando-a tal como veneno perigoso e mortal. · de modéstia e graça, de caridade e abnegaçao. a bele_za
Se fordes simples,1 teniereis a beleza do mundo que vos torna semelhantes ao Cristo, inspira r_espeito
como um perigo para vós, uma armadilha para os e confiança, afasta os maus pensamentos, atrai e en-
ou:lros, um artificio e um embuste de Satanaz, um ins- canta para elevar a Deus.
trumento de pecado e de perdição. Se fordes simples,

J) ·• E rldiculariza<la a sirnpllcidade dos justos. Els a sabedoria do mun-


do: dissimular o fundi> do coração, esconder o pensain(;l)to na.,; pa-
lavra5, mostrar como verdadeiro o que é fólso e como falso o que é
verdadeiro. llssu iniqua dul>licidade é apreciada e com m~tro nome
mascarada, pois ch,amam de urbanidade o que não passa de perve,:,--,
sidade de esptrlto. Os escravos dêssc vício vêem-se obrigados a pro-
cnrar as maiores holll'!IS, a buscar a alegria e a vnldade na glória
temporal. a rotrtbuir o mal com usurá; e, g,umdo .sã.o balitante for-
tes, a n!tda ceder aos outros; e, qu8illdo 1hes falta fôrça, a ~itnular
bondade pacíf:ica para suprir a tudo que pela malícia não podem,
realizar.
"Ao conkãrio, eis a sabedo-ria dos justos (traduzi :i, silul_>licidadc) :
.nada aparentav que não seja verdade; falar de acôrdo com as pró-
prias idéias, amar o que é verdad4,iro, evitar o gue é falso; fazer o
bem gratuitamente, J?referir suportar o mal a faz~lo; não procurar
vingança. por .injúrias recebidas; considflrar um privllégio ser ultra- I
ja(lo por amor à verdade.
"Mas é ridiculru;izada essa simplicidade dos justos; pois os sábios do I
mundo consideram loucura a pureza de fntenção. Tudo o que é feit;,
com Inocência parece-lhes mnnifes,ta Insensatez; e tôdn obra apro-
vada p ela verdade apresenta-se como fatuidade à sua sabedoria carnal~
Ou~ naverâ de mais insensato nos olhos do mundo do que falar co-
mo se pensa, nada dissimular ~ hébels maquinações., não retribuir
a in-júrla, com injúria, orar por aquêles que nos runaldiçorun, pr-o-
curar a pobrcim, rennnciar aos bens e níto resistir àqueles que vos
explot·am, oferecer a outra face àqueles que nos batem?" (Livre des
Mora1e.,. são Gregorlo, Papa.)
1 DÉClMO CAPÍTULO

PRATICA DA SIMPLICIDADE EM TôDAS AS COISAS

Aos vossos olhos, a simpUcidaid:e iluminará e trans-


formará tôdas as coisas, fazendo com que tudo vejais
à luz de Deus.
Mo~trar-vos-á a verdadeira finalidade da vida, "o
único necessário" do Evangelho, desprender-vos-á do
prazer, do sucesso, da fortuna e de 'tôdas as vaidades
do mundo.
Mostrar-vos-á o pecado como o inimigo de Deus,
o adversário irreconciliável de Jesus Cristo, o único mal
a temer. Em vossos corações, porém, não deixará ódio
e sim compaixão pelos perseguidores da Igreja. Fará
com que os vejais mais como iil!felizes do que como
culpados, cegos, transviados, almas no caminho do in-
ferno e dignas de piedade.1
A simplicidade vos tornará vigilantes para fugir
às ocasiões de pecado, desconfiadas de vós mesmas,
mas cheias de confiança na tôda-poderosa proteção
de Deus; e vos conservará em segurança no meio das
mais terríveis tentações. Será para vós a 1ôrre de mar-
fim, onde vos encerrareis para desafiar os assaltos. d~
1

1) "Se v ~s um pecado evidente, disse Deus a santa Catarina de glcna, é


preciso tirar o espinho da rosa, oferecendo-me os culpados numa san-
ta e fraternal compaixão." (Dlâlogo).
A Sl!llPLICIDADE SEGUNDO O EVANGELHO P RÁTICA DA S>D! P U CIDADE EM 'fóDAS AS COISAS

i?imi~~- iComo diz a Escritura, "aquêle que anda em calma e a paz no meio da tormenta e se mantêm tão
s1mplic1dade, anda afoitamente." 1 perto de Deus como nos mais helo.s dias.
Ih Nio so_t:1-·men_to, a simplicidade vos será maravj- Quê digo? Depois que a tempestade passa sôhre
o,so auXJho. Nao mais o vereis como fardo que vos
:~mf ga; como ch~ga q?e vos ~rrita e enerva, como obs-
acu o 1ntranspomvel a perfe1ção.
os altos cumes, o céu fica mais puro; o ar que os e~-
volve é mais transparente; a luz os penetra com mais
intensidàde e mais os embeleza. Da mesma sorte, de-
S: fordes simples, vereis o sofrimento através do pois que foram experimentadas, ,ru; 'almas sim,ples re-
dC?raça? e .da bondade de Deus. Vê-lo-eis como remé- vestem aos olhos de Deus o esplendor, a formosura
. 10. ~nslerioso que a Deus apraz usar, em seu amor e a transparente pureza que antes não pos,suiam.
mfimto, para apagar e destruir vossos pecados, en- A simplicidade não vos impedirá de sof~er, m~s
che!-vos ª. alma de riquezas sobrenaturais unir-vos de tal forma modificará °'
sofrimento que nao mais
mais estreitamente _a Jest1s Cristo e CO'Jn .e.
""'Ie' vos f azer
cooperar na redençao do m1mdo. o reconhecereis.
Não continu areis a sofrer <lo mesmo modo. Não
• . Quantos he:tefícios _vos presta a simplicidade em mais sofrer deixará de ser para vós o ideal, como o
todas as provaçoes da v1dal
é para as pessoas do mundo. Não mais ex:lamarE:is
. O que ~ demo,rado1 para ,as al mas que não são num grito de triunfo: mo1Teu sem sofrer! nao senhu
sunp~es sera breve para vós; o que lhes parece uma a morte! como se no mundo não houvesse outro mal
etermdade vos parecerá um minuto. que o sofrimento.
d O_ que as perturba e desorienta, as desencoraja e Vossos pensamentos serão mais elevados. Só o so-
. e~an1;'11a, o que .as l?rna amargas e irritadas, nunca frimento longe de Deus, o sofrimento contra Deus, co-
satisfeitas, vos deixara calmas e tranoüilas.2 mo o do mau ladrão, será por vós condenado e amal-
Os elevados cumes cobertos de neve pela sua diçoado .
br~ncura, separados dos montes qu-e os ro'deiam, não No entanto, sabereis aceitar para vós e para os
estao men_os perto •do céu quando a tempestade se vossos o bom sofrimento, quando Deus vo-lo. enviar
d~en,ca~e1a e se abate sôhre êles; continuam firmes e na medida em que ~le ideseja que o suporteis.
e 1move1s como quando o céu azul os envolve e
banha de luz. 0s Utilizá-lo-eis e o transformareis; ou, melhor, será
êle que, aceito com espírito de simplicidade. vos trans-
O mesmo. acontece às almas que ai Sll:Qplicidade formará, tornando-vos semelhantes a Jesus e atraves-
eleva e a_prox1ma de Deus. Com sua brancura imacula- sando-vos, como a :t;:le, os pés e as mãos, dilaceran-
da, dom10am as provações da vi_da; conservam. a do-vos o corpo, cobrindo-vos a cabeça de chagas,
abrindo e transpassando-vos o coração.
Provérbios, X, 9, Assim recebido, como o sofrimento pel'ld:e a amar-
~A.s almas simples conservam a paz no meio das preocupações e. gura, como se torna suave e como sentireis a verdade
das Pen&." (são Vicente de Paulo).
desta palavra de fé: "Tôdas as lágrimas secam aos

'
PTI.I.TIC!\ ll.\ ~\IPIJCil),\DE TN TMH:- \l> COIS.\<\

püs de Je!)us, lô<la::, us <!ore-. -.t· ac1ui-:la1n o vosso quinhão; e, ao ouvir vossas ruidosas garga-
t;;oh os divinM ósculos ...1 e adormecem llladas, seríamos capazes de acreditá-lo. Mas não! são
risos forçados que mal dissimulam as profundas feri-
das e o cruel despedaçar do coração entregue ao mal
* e ao pecado. A alegria só pode existir no coração
puro e na alma simples. Aí transborda e se espalha,
t' A simplicidade transformara todos os ,,ossos u11- como um aroma, sôure tôdas as t1ores ela existência:
1men_los, colocando-vos
ulegrta, quer de dor.

ycrdade e
• ruer se trate de
Como no-lo afirma <J Evangelho, as almas simples
são felizes rnesmo enlrc lágrimas, porque encontram
I?a r-vos-a. ver cm Ju. 11 1· t as mais diYinas consolac;ões.
lt·isteza verdadeira é ofendet~ ~ J~ pu,J que a única
contristar seu coracào. ª cm,, esagi-adar-Llic, *
O ofendem, O descÍnr~n~uoi
o que vos arrancará 1· . .
s:tt
s~ea~•er que ouh·~.,
. . a:stam. Oh! eis
Aos vossos olhos, a simplicidndc transformarú
todos as deveres da vida. l\iostrar-vos-ú os grandes
tante ~anlas, vos caus:runa:. e.' ~e. vos Lornardei:; has- como se ainda fôsseJn maiores e mais sa11tos; for-vos-{l
nia, como a do Salvado~. um espcc1e de con !1 mia ago- sentir por ê les maior entusiasmo e maior ardor. En-
gran,decerá e elevari\ os que são pequenos; farú trans-
ser oFoi nêsse
mru·. 1· d ciue O e u ra <l'A rs se queixou de
· f espírito parecer a majestade de D eus nos mais humildes e nos
s rn
mente no meio do.
e iz os homen
.d s,. por viver
. comdautc-
. s peca ores e. de rnanh:'í. à mfl ntenorcs.
Quantos benefícios vos fará a sim p1lcidadc l
o~1~1r o relato das ofen.sas feitas a Deus ··o, . . l l e. São as coisas.materiais da vida que mais vos fa-
d.i?.1a, matarão O vecad'or .., ·· s p eca< ores,
tigam . Os pequenos e humildes deveres, êsscs ínfimos
Como estais lon~c
lhai-vos •
d_e, t ais
· scnlunentos!
. IIumi- nadas d e cada dia. que se renovam com desespera-
O
bastanl~ !m;:f~â!'d~or nao os experin1;eu tar e tende dora monolooia, que vos envolvem como cm emara-
rá-los ! para compreende-los e adm i- nhada rêdc e que, ao fim de algum tempo. vos caem
em cima tão pesadamenle, eis o que vos cansa e vo~
,- A s~upli~í?ade vos desprenderá de tanta abate.
'\ias, senao ndícuJas ou ím . . . s alegrias Vos sentis feilas para subir; aspirais ganhar a am-
entrega Fa.r v .. pias, as quais o mundo se
J . - os-a compreender a desrrraça de lô<las lllidão; e ficais paradas, no meio <le águas barrentas.
:~::~cª!aq~~. põ_em a própria felicidadt na riqueza no dentro de um voure barquinho. de onde não conseguis
nos p~rfum;:~nJa, no sucesso, na beleza, nas flor;s e sair! É isso o que vos desespera!
Mas aqui está o meio fácil e sempre ao ,·osso al-
Desafortunadas mundan""
.,.., ·' d.izc1s
• que a alegria é cance d e ganhar novos horizonte ·, de vos expandirdes,
lJ EM<t vfrtl11dr foi pos to cm rclc,·o 110 brio livro "\'er.• lu J c,ie", de
1) l.uclc Fólix-l\1urc-Goyau.
68
A Snf PLICIDA,DE SEGUJ'iDO O EVANGELHO 69
PRAT10A. l)A S.IMPUCIDÀDE IDI TôDAS AS COISA$

de cada vez hll5car maior al .


vos alimentardes das cr d tura, _de 1ncessanten1ente E tôdas estão muito longe da simplicidad:e pre-
fome e sêde! .f:ste lneio t:n~tcf~~~' de que tendes gada pelo Evangelho. Não pairam como a pomba, ar-
Deus encontra-se aí · , .· rastam-se como aves de ten-eiro; limitam-se aos pen-
rias fatigantes e ln.o ·t' nessas mmuCias, nessas ninha- samentos terrenos.
nbas ocupações coi::º onas, nessas vulgares e comezi- Algumas desejam sinceramente o bem do próxi-
faixas de Belém'. Ai e~ttf:l:n~on_trava n~ palha e nas mo, tudo que lhe é útil ao corpo e à alma, ao bem-
f a11a a simplicidade. nao O vêdes porque vos estar e à salvação: essa:s, na verdade, esquecem-se
Se fordes simples vereis D . de si e vivem para os outros. Mas, no a:rdor de servir
vulgares, e materiais
no presepio O viram
d; ca.d!a <li ~us no po das ações
a, 0 mesmo, modo que
ao próximo, perdem Deu$ de vista, ou, pelo menos,
vêem as almas mais do qµe a Deus. Amam as almas
porque O v'ereis esta~s aº1!1os de Maria e de José; e: mais por elas do que por Deus. E na intenção que
santas -como rue. ' çoes se tornarão grandes e têm, em vez de colocai.· primeiro Deus e depois as
· Sim, na vida a simpli · d' d 1 almas, elas põem estas em primeiro lugar. Vêem Deus
mais que sejam materiaisCL t_ i::i
e eva_ os deveres por apenas através c4ts almas e não as a)mas através de
ende que "O Verbo só se fêz c a a simples compre- Deus.
fie tornasse Verbo ,, A sim 1. . d ~ne para que a carne Essas, embora já possuam •ai simplicidade, não a
pod~~ de_ diviniz~ 0 pó I P ici ª e tem o maravilhoso têm em grau suficient~ porque sua intençã~ não é
A simplicidade esc · - bastante pura.
dá a tAd • _revrn sao Francisco de Sal
. o as as nossas açoes o mérit . es, Finalmente, há as que procuram Deus, mas não
a raiz proporciona beleza às flor o e, o h~lho, como o fazem ainda como seria necessário. Em lugar de
fru!os, o que os f.az deliciosos A ~s, lia_s. folha~ e aos servir •ao plano de Deus, servem às próprias idéias.
a cinza que vem do fog . snnp crdade e como Gostariam de impor a Deus, a visão que têm ,dia s coisas,
o e o conserva."
a própria maneria de agir, a própria pessoa. Sua sim-
Afinal, sêde simples
to/ado, de caridade e de d
e:i ttôdas as obras de apos- plicidade não é perfeita.
Em qualquer obra, a verdadeira simplicidade con-
Sêde simples, isto é fazei teuvdo, amentoDque realizardes. siste em trabalhar para Deus com absoluta pureza
Ha, pessoas que ' se entrego para eus
, Ob · de intenção, procurando agradar-Lhe antes e acima
só por ostentação. Procuram ai:;
as ras de caridade de tudo.
um papel, exercer um di - parecer, desempenhar Por mais interessante ,que seja o próximo, é-o,
instinto de domínio. ª reçao que lhes lisonjeie 0 acim.a de tudo, por causa de Deus. É bela a dedica-
Outras encaram essas ,b ção ao próximo por amor a f!:le; mas essa dedicação
tração útil ao isolamento o~ r~~<?fº _passatem~o, dis- é mil vêzes mais bela quando a razão é Deus e quando
·a10utras, ainda, só enxergam
soei .
.i f
a3~ stf1asanttr61st_ezas.
r pzco e
a vivüica o pensamento de que, trabalhando-se para
o próximo, se glorüica a Deus.
Se fardes simples, Deus se1·á o primeiro em vosso
70

pensamento e em vossa vouladc, comQ o será lamhém


em -vosso coração. Tudo provirá dÊlc, ludo se farú
por ~le e jJara tle, tudo Lhe será atribuiclo.
A glória, o serviço e o amor de Deus, ejs a finali-
dade da alma simples 1
N:lo se deve deixar absorver nem mesmo pelos DÉClMO l'RDiEll\0 Ci\PÍTULO
mais inslantcs e elevados interêsses das almas, mas
sim renovar .incessantemente as intenções e diirigi-Ias lPLlCIDADE: CONCLUSõES
a Deus, ·vendo .sempre Deus nas almas e ffS <ilma.~ em PRATlCA DA Sll\
Deu.~. . l . . a f azcr de Deus vosso
S&.<l'e, portanto, simp es i}_M, ultimo fim, para
Não se deve esquecer Lão pouco que a únfoa maneira . O procurardes <:omo
de glorificar a Deus é servi-Lo, da1·-Lbc provas de amor objl'iw?, para , • 1:w ele vossas açôes.
e cumprir sua vonlade, isto é, dedicar-se na medida O considerar 1:omo 1c11 • . des em Deus como
Sêde simples para vos apoiar
c.m que Deus o exige, jan1ais se impondo e agindo sem-
JJl'e de acôrdo com o plano de Dew; e não com o mrio. , d hum.ildrs, para reconbecer-
próprio. Siruples para ~~r !~er or vós mesmas, e que,
Porlaulo, vós, que 1 ecebestcs de Deus a sublime lles que nada podeis ~, f' p vos sera impossive1
missão do apostolado e da caridade, id'eveis repelir abnndonada~ às pr<>P1' 1
01
ª~
~:ça!~s declara ~osso Se-
quaisquer pensamentos humanos, egoístas, maldosos, realizar qualquer · bem,
ada porl eu,
.. fa"cr
,, · ,, i
que a vós Se apresen tem, substituindo-os por intenções nhor: ''Sem mim, n bc
·a serdes confianles, para
inteiro.mente puras, por pensamentos essencialmente Sêde sin~ples lam m p~ oiaodo-vos em Deus e
divinos. vos persutHllrdes oe que. - P ·e1·eis en11anadas, e que
., a «raca nao s :::,
Se o demõnio vos murmura ao ouvido que o rnuo- conta.n<1o con~ s,1 ,.., • ' •os f orlific;1. ,. '
do vos eslima pelas obras de caridade que praLicais "ludo podereis nacp~el~/1~1e ~osso na,da, vossa miséria,
e que valeis mais ,do que os outros. ,s e vos incita ao Sim.pies, para ,er1 l?ªJ
•ezardes profundamente.
espírito de domínio ou de complacência para convos- \'Ossos pecados, para , º-~ c:,p1) ,corado e o amor dé
co, se, aos vossos olhos, ocuJ la a gló,ria de Deus, t.Ó Simples, ~a~·a cbons\ e,rlcar ~ para 'repousar na sua
infrn1la onua ,
deixando apat·ecer o ohjelivo frnmano e temporal, fe- Deus, sua . . abala'•·el seauranca.
mais 1n ' · :o • . •
chai os olhos, fechai os ouvidos a essas. pérfidas su- graça. com. a . , mt'nOri>s conw na~ maiores ~_?I-
gestões, retificai vossa vontade e dizei a Deus: Senhor Se~e ~1mples n,ts menores, porque as ocas1oes
não almejo outro fiem a não ser a realização de vossa sas, prmc1palmenle .na$
obra, oub.·o giiia além de vossa vontade, outra feliri-
~ .lo~u. ,s. ;,_
d«tfle senão a de procurar a , 1ossa glória, trabalhando 1)
1/1,, Fíl lf'., /V, ,·:l.
:!I
na salvação das almas.
73
PMTICA D,\ SThlPLlCIDADE: co~CLt;SôES
i2 \ M\fl'l,IC!l>,\ OF. <;Er.1; }."DO O F.YA.;"iGELHO

. nfermidade passageira,
de praticá-las se sucedem c,om freqüência e porque P equeno sofrnnento, um3:. e . ht1milhações e
. d d
um.a contrarie a e, decepcoes
· ' -ma11oas,
º .· tem no lar
são muito agradáveis a Deus.
tôdas as insignificantes ocupaç_o_es que exe1sl m a cada
"Feriste o meu coração, exclama o espôso no a·1 e tais -0cas1oes se rep e ..
Cântico dos Cânticio.s, arrebataste o meu coração com ~u fora e e. fo otmo de ,•iquezas espirituais poder1e1s
um dos teus olllos e com um dos teus cabelos." 1 mstante, que ne - . 1
acumular, se as soubésseis aproveitar.
Que haverá de mais admirável, essencial e impor-
tante do que um ôlho? Que havel'á de mais vil que *
um fio de cabelo? Preparai-vos para sofrer, para ca~
regar pesadas cruzes, levando o vosso amor até o mar- . e e O que mais vos falta
tírio, oferecendo a Nosso Senhor o que tiverdes de . N_ão ºli?I!1-frde~d(fui ::º~offaltaria se fôsseis ver-
mais caro, até vossos o,lhos e, se necessário, vossa vida, e a s1mp c1 a, _e · · . le em tudo em qualquer
e assim comovereis seu coração por essas grandes dadeiramente sllllples, srmp s outros e 'até convosco 'l
coisas. Não negligencieis, porém, as menores, e, de encontro com Deus, c5>m o~ sabeis disso dais prova
Tendes bom cor~ç.ao_ e • hegais a dizer que
acôr.do com o conselho. ex.presso do Apóstolo, oferecei
a Deus o que há de mais corriqueiro em vossa vida, e com isso concorda.tS. As _vezes, 1 ofre1· 1
até o alimento e o sono. e assim comovereis o seu o sentis dcm-asi:3-~o, tan;? ele 1~s v:~t~de, e cada dia
coração também pela.e; pequeninas coisas. Tendes e~ergia e º:2aeis sem conta. E, às vêzes,
Quando santa Catarina de Siena se entregava às as desenvolveis e as desp til' ais em proveito de
mais sublimes meditações e caia em êxtase, quand<c é incalculável o quanto as u iz
ensinava aos grandes da terra, arrebatava o coração vossas paixões. ausam
Tendes delicadeza, tato, sutileza, que c
do celeste espôso pelo ôlho da sabedoria e da contem-
plação. Mas não O agradava menos do que quandlo, vossos mais beblos triunfo~! osas aspirações e impulsos
por obedi ência ao pai, aplicava-se aos mais humildes Tendes no res e gen r - no devo-
admiráveis ! Sois formadas na abnegaçao e
serviços caseiros e tranqüilamente continuava suas
meditações no meio dêsses mesquinhos trabalhos. Con- tamento! d C admiráveis qualidades e tão po-
siderando o pai como Nosso Senhor , a mãe como a , De p~sse e ao odeis levar tantas vêzes mna
Santíssima Virgem e os irmãos como os apóstolos, derosas virtudes , com? Ptil e até detestável, culpad:a
dedicava-se com alegria a tudo que lhe mandavam vida frívola, nula e wu ,
fazer. e escan~alosaf?alt ? Repito-o falta-vos a simplicidade.
E vós, embora vos devoteis às grandes coisas, às
Que vos
-
a. ,
b . rientar vossas qualidades, vossas or-
r
mais importantes e às mais excelentes obras, praticai N a,51 sa es1saboe1·s utilizar; deixais que se 'Percam e
também por Deus as pequenas e humildes virtudes cas
• ' nao as •
· que nao,- sois · m pl es.
• s1·
que nascem como flores aos pés da cruz: suportar um enfraqu~~• . ~o~ tudo exalta tt1do dirige, e faz com
A ds1mp 1c10:i,aepara a glóri~ de Deus.
1) Cântico IV, 9.
que tu o cone
74

Olhai a pomba I É ~•h


para elevar-se n . . nrnr~vu osamente conslituida
OS ares palrar f ·
tem110 as mais allas e 1~11 :í e. 8: :nglr e:m pouco
ces$ita para isso ·7 De um g 1;1q~1as ~ ~gwes. ~e qt1ê ne- '
e servir-se delas. . .a uruca coJSa : abrir as asas
Digo-vos aindla: a pomJJa soiis vôs ! A asa tA d
<le.rosa é a simplfrida<le Que . . . . e , _o a po-
t1lilizá-Ia '? · espera.is, entüu, para DÉCl.M.0 SEGONDO CA.PÍTGLO

Abri, abri as asas ! E em lYJEIOS DE ADQUIRIR A SIMPLICIDADE


p_ode:rosu e rápido, b'am.1>~re:is :pouco tempo, com vôo
mas e chegareis a Deus. mcomensnráveis distàn-
Depois do que acabamos df! dizer, (._[LteHJ não que-
reria adquh·ir a simplicidade?
Mas, como akançá-Ja?
Primeiramente, é preciso m e1flil<1r sôbre essa vir-
tude para compreender-lhe a pimordial jmportância e
a inevilavel necessidade., e parn que ,seja despertado
o mais ardenle desejo ele alcançá-la a qualquer preÇ'o.
Sem ê$sc ardente desejo, sem nma inabalável re-
solução da vontade,. na,d,a cons-egu.i reis e todos os vossos
es!forços servirão apenas J)ara construir castelos no a)'.
Vossas tenlativas e vele'idades ruirão desastl;osamenle
diante do egoisruo, do amor -próprio, do inlerêsse, das
paixões e de todos ós objct:i,,os humanos que. inc-es-
santemenle i.nfl lleneiarão e den~ubarão o edifício da
simplicidáde, à medida que ·.o ergtterdes.
:Mas, desde que lenhais seren.a e firme vontade
de conquistar a simplicidade, eis o que deveis fazer.
Em primeiro lu.gai·, regalariza( a vossa viálll em
geral, e o conjun to das vo§sas ocupações e atividades,
para ficardes certas ele que tu <lo o que Jil'.ercles estará
de acôrdo com a vontade (le Deus.
Um regulamento de vida bastante flexiveJ pata
adaptar-se às ,d,ivet:sàs exigencias de vo,ssa condição e
ajustar-se às mil circunstâncias im-previslas que so-
brevirão e transformarão vossos p lános; mà:,; súficien-
77
MEIOS DE ADQl;íJUI\ A SIMPUClDADE
76 A SnJPUCTDADE SEGl:NDO O EVANGELHO

radas, nem que seja dizendo men~aln_!:ent~: "Para vós,


temente precioso para excluir o capricho e a vontade meu Dem! para vós: esta medita<;_:1ô, :ste tra.1?alho,
pessoais que estão sempre tentando fugir à ordem e esta Tefeição, esta visita, esla boa açao, este sofrimen-
ao dever: tal regulamento~ basead0i nos conselhos de
um T?r~dente direltor e, sob seu contrôle, é a primeira to esta provacão ! ... " . . .
' Conta-se que um piedoso eremita nunca 1mc1ava
con~çao e o meio indispensável para atingir a pureza uma acão sem que antes parasse um momento para
de intenção e a simplicidade. levantà'r os, olhos ao céu. E, quando lhe pergunta~am
Somente, então, po,die.iis estar seguras de verdadei- a razão disto, respondia: "É para melhor garantir o
ramente buscar a vontade de Deus, corno fim último êxito."
de vcossas ações e de vossa vida. Como o caçador, antes de ati_rar, mi1:a ~ caça ~or
. ~m seguida, tôda noite, antes de adormecer. de- um momento para mais segurame~l~ almg1-la, ass1m
dica~ dois ou três minutos a passar revista ao dia eremita mirava Deus })ara certif1c8:r-se de que O
seguinte, planejando as modlificações ou acr éscimos 0
a.lcancaria. Fazei como êle: conlempla1 sempre Deus,
que d~verão ser feito_s no vosso regulamento, eni geral, antes· de agir, formulando uma inten0o reta e pura_.
e a por tôdas as coisas nos devidos lugares, conside- Se, no decurso de uma ação assim t;mp1:eendi~a,
rando 1Sempre a vontade de Deus como regra constante se insinuar uma tenlaçâ'o que vos su_gu-a mten~oes
e absoluta de todos os vossos atos. humanas, menos dignas ou até más, 1:1ªº; vo,s pertur-
. De manhã, logo que acordardes, oferecei em c<Yn- beis e não vos inlerrompa!s; ~·-es~nde~, sun~l~,sroente,
Junto_ a Deus to~os os pensamentos, palavras e ações como O venerável João D Av1la, a vaidade. _Che~as
do dia. Prometei-Lhe e protestai que tudo desejais demasiado tarde, já dei tu_do a Deus"; e continuai o
fazer por :1!:le, pela sua glória, seu servico e seu amor
em união com os atos que Nosso SenhÓr Jesus Crist~ trabalho,. . ..
Mesmo que vos agite ou vos amedronte a ideia_ de
e Ma?a Santíssima, r.ealizaram aqtú na terra, e que a
todo instante o Espirito Santo faz com ,que sejam rea- ue O mundo verá vossas boas obras, nem por 1ss~
lizados pelos justos e pelos santos no mundo. deveis desistir. Lembrai-vos da palavra do Evangelho•
Se n~o f~r ret;atado, já êste primeirn oferecimen- "Que vossa luz brilhe diante dos homens, par3; que
to comumcara a todas as vossas acões a intencão a vejam vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que
1
que chama,mos virtual e que é suficiente para à'.s so- está nos céus." •

brenaturalizar. Tereis provocado em vossa alma uma Se transparecer o bem que fazeis, o~~os, a seu
turno, desejarão praticá-lo, e Deus será g~or1f1cad?. Pen-
disposição ~nter~or_ d_e simplicidade; e, enquanto durar
tal estado, 1mprmura aos vossos atos mn sinal de san- sai nisto para que v?s alegreis_ e esquecei os elag10s ~ o
tidade que os tornará essencialmente agradáveis a proveito ,que poder~1s conseguff. Desta fonna vossa m-
DeU;S. tencão permanecerª' pura. _ . .
Além disso, renovai de quando em vez vossa in- · No decurso, de vossas açoes, prmc1palmenle quan-
tenção da _manhã, de modo particular, ao começardes
alguma açao, soh1·etudo as principais e as mais demo- l) S. ;.!ateus, V, 16
,9

~,_li_ _ _ _ , SIMPI iCll).\1)1'. sr;;(:li~ll() o E\'A:--HEl,HO

d , para ou l LU . s.l , \".. , que -vos


l1oras· • que . passardes àe secre urual. . qtte fechardes uma
ana,
do se prolongarem. renovai vossa intenção, elevando sentardes a n).esa ou . .i ·o. v1ajar que enlrarc\es
a alma a Deus e repetindo do fundo ,do coração: '' Para carta, (JUe vos prc1~ara1·cdc\~ª~ em ~lil' outras ci rcuns-
vós, meu Deus!'' Se pnrlcr<lcs inlerrornver o vosso tra- m uma casa ou Jsairdes.
etâncias
e a,
balbo alguns iuslaules. sem prej11dicai.• àquilo que fa- que esta )e1ece l ·eis. t'lºza<los para
zeis, perguntai-vos: "Qual o objetivo que prelendo . • nuanclo u 1 1 • •
Não há meios peq_uenos • . . fordes habituando
alcançar?" E logo tornai a dizer: ·'Pa,·a vós, rneu . . m edid a que , os . .
rrrandes coisas.D A vo •so co1•acao - se "<luecera. "º"so
Deus, só paru vós! ·• o
a recorrer a eu:-;, s. -
«
_· sei··~ mais ncccssar
• .
10
Se, durante a meditação ou a prece. alguéni. vos amor crescera.
. Em breve· uao. . V 05 alma .,.terú fome e se·ae
irnporliuwr, se. por motivo ele saúde ou por dever d e meio algum. De. tal s?rle vo~~~e e por instinto, para
eslac!o. fordes impedidas de comungar ou de assislfr de Deus, qne espontaneam ,
à missa, como de costume, lembrai-vos de que é pre- r:le se eleva.tá _const~lemfnt~ússola dirige-se para_ o
ciso saber "dei~a r Deus por Deus." Renunciando, as- A aaulha imanta a ·C a :.o no" dedos e nssuu
sim, sem má vontade, porq llC e Deus quem vo~c pede. º · · exerce press.,
norte. Se a desviais: , .
"
l · e de::;de que a so1-
a um exercido de piedade que vos é caro, unir-vos-eis ºf
man1 es ta sua lcn<lenc1a
. -nalL1'I'a ' ,
afoda mais estreifamente a J';:lc; adiantai-vos na sim- tei.s volta à sua oric?laçao. que alcancot1 a vc1·da-
plicidade e, J)Ol' conseguinte, na porf ciçã.o. • Da mesma manclt'a, a a 1ma, Deus 11or instintiva
Desconfiai da impulsividade, da precipitação, da deira simplicidade, volla.-sc ptara s ocupacões ela vida
necess1'da <le. S e, aparentemen. t· .e, tende a • a vo1tar
agitação, do ncrvosiismo, <la atividade demasiado na-
tural, muitas vezes feuril, qlLC niío é abençoada por
Deus.
a afastam de Deus, no m
para ~le e, desde que o po e,
Ir seml)re
o relorpa inteiramente a
Sede calmas. serenas, h·anqüilas. Se não o fordes ~le.
na imaginação, na sensihilidadc, nas faculdades infe-
riores ela alma, que nem sempre f)Odcm ser plenamen-
te controladas pela YOnlaclc, sede-o pelo menos na parle
superiol' de v6s mesmas, em vossa pessoa moral, nas
altas re!Jiiôes (Jne Deus olha quando vos julga, e que
são as que dependem u.uicamenle de vosso 1ivre arbí-
trio. Apressai-vos lenlamcnle, e com maior "egur::mça
enconlrareis Deus.
Dizei Jac11lalórias com a maior freqüência possível.
Pru:a adquiL'fr êslc báb.ito, não hesiteis em empregar
meios que pareceriam puel'Ü\ se não fôssem infinita-
mente realçados pela grand'eza do fim. a a lingir. Con-
vencionai, por e:xemplo. elevar por um mstanle o cora-
ção a Deus, todas as vêzes em que ouvirdes o bater das
...

DÉCIMO TERCEffiO CAPÍTULO

A PRESENÇA DE DEUS

O último meio para alcançar a simplicidade, e o


melhor, é o exercicio da presença de Deus. É tal a sua
importância que ié necessário insistir nisto.
Do mesmo modo que a simplicidade é o fundamen-
to da perfeição, a presença ,d,e Deus é o fundamento
I da simplicidade.
Realmente, consistindo a simplicidade em agir para
Deus, é claro que, antes de ludo, ,é preciso pensar em
Deus, e Nêle pensareis mais e melhor se considerardes
sempre a sua presença.
Precisemos ainda mais a influência da presença
de Deus na s.implici,diade.
A presença de Deus vos fará simples por duas ra-
zões: 1° porque tornará impossível qualqller intenção
má; 2° porque vos conduzirá eficazmente às melhores
intenções.
*
Em primeiro lugar, o sentimento <ia presença de
Deus fará desaparecer qualquer intenção má, destruirá
n "malícia do olhar" e vos preservará do, pecado.
"É porqu_e o pecador se esquece de que Deus o vê,
diz o Salmista, que O ofende sem cessar." 1 E, depois
1) Salmo XXXV, 1-ll.
83
A Sfl{PlJCfDADB SEGUNDO O EVANGELHO A PRESENÇ.A DB DEUS

de haver enumerado longamente os crimes de Jerusa- nêle não p~1maneceriamos se a fraqueza º1:1 a surprêsa
lém, o profeta Ezequiel censura enfim o esquecimento nos fizesse cair.
de' Deus como a causa de tôdas as desordens e de to<los Se disséssemos: "Deus está aqui e eu O insulto;
os erros. Deus morreu por mim e eu de novo O crucifico; De1!s
Quantas vêzes o verificamos no confessionário l me cumula de benefícios e O ofendo com meu despre-
Quantas vêzes. após longas e penosas confissões, per- zo"; nossos corações ficariam cheios ,~:e amor, do amor
guntamos aos pecadores arrependidos: "Em vossos des- todo-poderoso, infinito, e teríamos a força de tudo ven-
varios não pensastes em Deus? E êles nos respondem: cer, de tudo supel'lar.
"Não. padre, eu o havia esquecido", ou então: "Afas- O pensamento de Deus tem realizado milagres de
tava êste pensamento porque me era intolerável"; e repentinas transformações nas almas: _grandes pecado-
ainda outras vêzes: "Foi êste o pensamento que me ras devem-lhe a conversão. Pretendendo uma delas
fêz voltar.'' tentar santo Efrem, o santo respond_eu-1}1e: "Vamo~
O pecador foge da presença de Deus para escapar à praça pública! - Quê'. disse a ID1se:.,avel, pecarei
ao remorso da consciência. Ao comeler s~u pecado, em presença de tôda a c1da de? - Entao ! exclamou
Adão escondeu-se, não mais podendo suportar a vista indignado santo Efrem, pecarás na preJença de l_?eus ?"
de Deus. Quando Deus o chamou, não respondeu; foi Foi essa a flexa de fogo que penetrou e~se coraçao em-
necessário que Deus o cham.asse por duas vêzes e o pedernido e arrancou torrentes de lágrimas e de arre-
obrigasse a comparecer diante d~le. pendimento.
Assim procedem vossos filhos. Escondem-se para "Se pensássemos sempre que Deus está presente e
praticar o mal; e, depois de o haver praticado, fogem que tudo vê, diz são Tomaz de :Ag~n~, nunca ou qua!e
de vossos olhos. Somente a vossa presença os detem nunca pecaríamos." A mesma 1de1a e expressa por sao
e os perturba: sentem roê.do. Jerônimo, quando afirma: "O pensamento de Deus
Se uma criança pode ser· retida pelo pensamento fecha a porta a Lodos os pecados."
dos pais, peJa sua vista ou pelo temor dos seus casti- Santo Ambrósio nos relata que, por ocasião de nro
gos, quanto mais não o seremos nós pela inJluência solene sacrifício oferecido aos deuses por Alexandre
lôda poderosa que sôbre nós exerce o pensamento e Magno ao lado do soberano, um jovem pajem lcva,·a
o temor de Deus? uma t~cha. Aconteceu que, <lurante a cerimônia, a cha-
"Todos os pecados, afirma santa Terêsa, provêm ma alcançou a mão da criança que, não se pode~do
da idéia de que não julgamos Deus presente, mas de
que o imaginamos muito longe." livrar sem deixar cair a tocha, suportou a hornvel
Na verdade, se disséssemos: Deus está presente, dor sem nada dizer, no receio de indispor o sober;"?º·
Deus me vê, Deus me julga, Deus pode cortar o fio "O respeito à majestade real, excJama santo Ambros10,
de meus dias e precipitar-me nos abismos eternos, o pôde triunfar da naturez~ a~é ~~la frá~il criança."
mêdo superaria tôda atração, todo prazer. tôda satis- Como não poderia o respelto a d1vma ~aJestade levar
fação, e o pecado se nos tornarai impossível; ao menos, a alma cristã a vencer tôdas as tentaçoes, a sup01:ta-r
A_ PRES.BN'ÇA DE DEUS 85·
A SIMPLICIDADE SEvlJNDO O EV ANG'.ELHO

Em casa, em seus aposentos, não suportaria a


tod?s ·os males de prclerência a ofender a Deus que lllenor contrariedade, o menor cansaço. sem se qneixar,
está presente r enquanto aos olhos do mundo encontrará coragem.
. "Senhor, exclamava J ó, colocai-me perto de vós e Habitualmente lânguida, sensual e fraca, torna-se
seJa qual fôr o inimigo que se levante contra mi~'' 1 forte, corajosa, aid!mirável de energia perante. o mundo.
sob vosso olhar, em voss-a presença, nada temo. Não será a presença de Deus na alma cristã mil
"Se tivéssemos o cuidado de nos manter na pre- v~zes mais poderosa, mais decisiva, mais eficaz, para
sen,ça de D~~• diz são João Crisóstomo, nunca pen- conduzi-la ao bem, para sustentá-la em todos os sa-
sar1ru,:nos, d1namos ,ou fa.ciamos ,nada die mal, pol~, crifícios, em todos os esforços, e para torná-la perfei-
constanten1ente, repetiríamos: "Deus tudo vê consi- tamente simples?
dera tôdas as minhas acões." .~
'
Eletrizados sob o olhar de chefes como Alexandre,
O exe.r:cioio da presença de Deus é, por conseguin- Carlos Magno, Napoleão, soldados e oficiais correram
~e, um excelente prev~ntivo contra o mal. porque torna ao encoµh·o do perigo e alegremente derramaram o
1mpo.ssível qualquer rntenção culp~vel.
sangue pela pátda.
So_b o olhar de Deus, o cor:ação se purifica, todo
? senti1:1~nt~ 11?-ªº ~e. torna ,insuportável. Tudo o que Terá menos fôrca sôbre os coracões -o olhar de
e _contrario a ,smrphc1dade e destr-uido, e poder-se-ia DelllS, o olhar ,dlo su'vremo Senhor do· céu e da terra?
dizer, "consumido pelo fogo divino." Quando, na primavera, o sol se levanta sôbre a
natureza, renova-a, ressuscitando-a. Estava morta a_
* 1 natureza; mas, sob a ardente influência dos raios
. Entretanto, o sen~~enlo da presença de Deus faz benéficos, a seiva recomeça a subi,·, a vida circula;
maIS do que nos purificar o coração e nos reanimar a.parecem as fôlhas, as flores, o.s frutos.
as. í~tenções, o que é apenas o lado negativo da sim- Não é Deus o sol do mundo, o sol dias almas? Sob
plíCldade; enche-nos, mnda, .de ardor pelo bem e em o olhar divino, na divina presença, as mais frias alma::;
pouco tempo l:va a simplicidade à mais alta perfeição. se aquecerão; as mais de.sanima_das se vivifiearão; a
Quantas ~rezes em um salão, no decorrer de longa seiva cristã circulará no-yamente; a boa vontade se
e interminavel reunião, acontece a uma mulher sen- expandirá; tôdas as virtudes flores·c erão.
tir-se mal ou ficar indisposta, sob o esplendor das lu- A presença de Dens é tôda-pode110sa para nos con-
zes, no a~ quente e viciado, nQ co1J1strangimento da.s duzir ao bem.
roupa~ l Nrnguém o percebe; ela continua a convel;"sar. É tôda-poderosa para nos fazer crescer no amot
a sorrir, a ser graciosa; sobretudo, se fôr leviana e fri- e nos levar à perfeição. É o que ensinava Deus a
vola, de modo algum, quererâ mostrar-se menos agra- Ab1·aão, quando di?.ia: "Anda em minha presença e
dável. Envida todos os esforços para que nada. trans- sê perfeito. " 1.
pareça.
1) Giinesi~. XVU, 1.
1) Jô, xvn, .a.
86 A SlMPLICIDADE SEGUNDO O EVANGELHO

A perfeição é o amor. Mas como se formaria o


amor de Deus sem o pensamento de Deus? E, ao con-
trário, çorn êste pensamento, como não crescer ia sem
cessar?
Já, enlre os homens., a amizade aumenta, quando
bahituahnenle se vêem, se falam ou conversam. No
entanto, salvo raras e nobres exceções, à medidia que DÉClMO QUARTO CAPÍTJJLO
melhOl' se conhecem, são defeitos e não qualidades que
se descobrem mutuamente. A PRESENÇA DE DEUS (continuação)
Deus, porém, quanto mais O cO'nhecerdes, mais
pensardes n'tle, mais reavivardes em vosso coração a Como acabamos de dizer, o hábi~o da P;ese1;1ç_a
lembrança de suas graças, de seu amor, de sua gran- de Deus constitui o fundamenlo .~se~cial da ~unphc1=
deza e de seus benefícios, mais sereis atraídas para d a Mas como chegar a ad!qllirir este prec1000 b~
~le por ,doce e irre.sistiveJ !fôrça. nfto~· Afa;tandoos obstáculos e empregando determi-
Pelo hábito de vos colocardes sob seu o1har, de nados meios. . . _ i . "
viver em sua presença, entre -vós e :t;le, entre vossa Os obstáculos são a diss1paça_o ido ~p r'llo,? _apeg0
alma e Deus, formar-se-á uma união intima e profun- às bagatelas, às futilidades, às ~mh~as: o hfáh~to d~
da que dia a dia irá crescendo. i,efletir de deixar sem dlreçao e ~~m rei? v~
J)~:c: pensam'.ent-0 e a imaginação,: as leituras .face1s,
A oração da manhã e da noite, a meditação, a lei-
tura, os exercícios de piedade não são su:ficienles para
~s companhias frívolas, as conversações sem termo e
aumentar o amor. "A água ferve no fogo, díz são João sem medida. • d -
Os · obstáculos são ainda os desvar~os o coraç!º•
Crisóstomo; mas, se a retirar.d:es, logo se esfria." Para divertimentos que exigem dernas1ad,a expa1;1-s:io>
não deixar que o amor se esmoreça, é necessário pen- os
cerlas relações preJu. dic1a1s,
. . PE:n~sas
. mesmo
. , afeiçoes
sar na presença de Deus, renovar com freqüência, oi· demais exclusivistas, pruxoes mm60t veementes,
no coração, os atos de fervor e conservar, constante- ~esejos exclusivamente desordenados, vontade dema-
mente, a alma orientada para o céu, como o girassol, sfado impetuosa. _ d
esla flor que sempre dirige a corola para o lado do sol. Enfim, são obstáculos ~s sed_uçoes do_ mun o, os
"Quando amamos, diz santa TeTêsa, sem cessar, divertimentos inúteis, a d1spersao da Vlda em q_ue
pensamos no obje'to amado e, assim, o ~roamos cada- - mais
nao ·, nós pertencemos,.Ih.
a vida
. desordenada, feita
vez mais.'' de caprichos, fantasias. ~ pi_ er1:as.. , .
Afaslai tudo isto. D1ngi e fixai o esp1nto, o cora-
O pensamento de Deus vos fará crescer e progrê- ç.ão e a vida; esta é a condição indispensável para
dir ràpidamente no amor e na perfeição, porque, em
pouco tempo, -v~s ronduzirá à simplicidade. pensru: seriamente em Deus.
ss A Sll\1PUCIOAOE SEf'WNDO O EYA."sGELHO

pássaros; chamava-os e mandava que cantassem os


louvores de Deus.
"ó meu Deus, exclamava Santo Agostinho, ~m
Depois, empregai meios positivos. Exercitai a rn- transportes de amor, o céu e a terra, e tôdas• as cria-
t~ligência, o coração, a voiitade; a inteligência, con- turas exortam-me a que vos ame." Passeando os olhos
siderando a presença de Deus, o coracão e a vontade pelo mar, pelos campos, pela m~mtanha. e ~levando-<>:5
unindo-vos a ~le por meio de atos. • ' até às estrêlas e aos céus, parecia-lhe que todas as co1-
O exercicio da inteligência é o mais fácil. A fé ·s as ad'quiriam ~'\Oz para lh_e dizer: "Agostinho, ª1:1!
nos ensina que Deus está presente em tôda parte: "O a Deus, pois que "êle só te crwu p~ra ~er amado por ti.
céu e a terra estão cheios de sua glória. " 1 Deus está Outt•os, arrebatados de ~dm1raçao e amor_, excla-
atento, djz santo Agostinho, a cada um de vossos pen- mavam como santa Maria Madalena, de Pazz1, tendo
samentos, palavras e •ações, tão atento como se fôsseis em mãos uma linda flor ou um delicioso. fruto: "De~,
ª. única criatura do mundo, e como se ocupásseis só- desde tôda a eternidade, pensou em criar para mim
zmha todo o pensamenlío divino. E o mesmo santo esta flor e êste fruto."
ima~ina a criatura, em relação a Deus, como uma es- Outros, como santa Teresa, considerando as ad-
po113a mergulhada no oceano. Deus é imenso e a miráveis obras ele Deus, ouviam como que um._ con-
criatura está como que submersa n~le. certo universal de vozes que lhes censuravam a rngra-
Deus tud'o ve e, ao mesmo, tempo, tudo· considera tidão -para com o Criador.
~ guarda. E, no dia do juizo, ludo nos lembrará: "Um São Simão Salus, com. a ponta ,do cajad~, batia
livro escrito vos será mostrado, diz a Santa Igreja nas flores dos campos e na erva dos prados, dizendo:
onde tudo estará patente. " 2 ' ''Calai-vos, eu vos escuto: Deus vos fêz tão _belas p01;
Além de estar presente em tôdas as criaturas, amor para mim e para que eu O ~me;_ ID8:5, ~1 ue ~un.
Deus atua nelas; e só por Ê]e têm fôrça e vida, movi- não O amo; oh! calai-vos, e cessai de mcrmunar m1,~ha
mento e ação. Como diz são Ligório, .1!:le está no sol ingratidão· já não posso suportar vossas censuras.
para nos iluminar, no fogo pai·a nos aquecer, na água A exe~nplo dos santos, vêde Deus . na natureza,
para nos refrescar, no pão para nos alimentar, nas Deus presente em tôda parte, Deus agmdo em tolclo
vestimen_tas para nos cobrir, em tôdas as coisas para lugar· mas principalmente vêde Deus em, sua obra-
nos sernr. l)rim; na criatura racion:al, vêdle-0 em v?s mesmas.
Que pensamento êste ! Fêz estremecer os santos· "N' ão sabeis dizia são Paulo, que sois o templo
abalou-os com as mais fortes emoções. ' de Deus e que o' Espi~ito. de D eus Iiabº_1 t a em vos:
• ?" l
E muitas vêzes, repetia estes pensamentos, tal a 1m-
São Franciseó ,de A,ssis, quando contemplava a
natureza, caía em êxtase; detinha-se para falar aos p~rtância que lhes atribuia..
É que havia compreendido o ensinamento do di-
J'1
2)
Ecle.,icl.Jti~u, XLH, lG
:,.• Estrofe do Die.< Iro.e. .. 1) 1.• Ep. f ()r . Ili, 16. -
911
90 A SIMPLICIDADE SEG'U!IIDO O EV,ANOELIJG A P~ESENÇA DE DEUS

vino Mestre: "Se alguém me amar, guardará as minhas tôda a fôrca da eXJ)ressão ! O amigo seguro e fiel, o
palavras e meu Pai o amará, e nó.s viremos a êle e amigo de quem a Escritura 'n os 1dti,,z que é "~ma forte
nêle faremos 1norada." 1 P rote,..ão um abJ'icrJ inexpugnável .. . , um ba1sam~ de
Deus habita a alma do justo; nela tem morada vida. ~e 'imortalidade."
:::, 1 •
Deste ·
8!illgo, t amb'
.e~, diz .a
permanente e residência real. Para encontrar a Deus, 1mitação que "ninguém ~de viver se11; ele , p01s
b~ta nos recolhe1·mos em nós mesmas. •• aquêle que se prende à criatura pe.recera ~oifque el~
Conta-nos santa Catarina de Siena que, quando é fragil, mas aquêle que se prende a Jesus fumar-se-a
os pais a impedfam de ir à Igreja, se retirava na pe- pru·a a eternidade." z •
quena cela que havia consh·uido dentro de si; e aí. Que Jesus Cristo seja vosso anngo na~ penas. do,
·no meio dos ,t rabalhos com que a sobrecaffegavam, espírito, do coração ou da alma, nas lr1s_tezas, nos,
podia sempre ficar recolhida e ent,:egar-se a freqüen- aban,d,onos, nas provações 1
tes e amorors,os colóquios com Deus. Há horas em que vosso coração tr~sborda: sente
Podemos ainda considerar como último exercício intensa dor e opressão, preci~a. expandir-s~. E qua;11~0 ,
da inteligência o aplicá-la não sómente a Deus, mas na criatura, procurais êsse ahv10 que_ vos _e n,:cessano,.
também a Jesus Cristo, pensando no Salvador e ima- não O encontrais: por vêzes encontrais a ilusao, quase
gh1ando-O nas diversas fases die sua existência: em nunca a realidade.
Belém, no deserto, cm Na~aré, no <,lecorr~r da vida Quem jamais abriu o coração a 1esus sem se achar
pública, durante a paixão, no Calvário, no túmulo;
1u aravilhosamente socorrido? Dep01s que, em torren-
ou então, ressuscitado, no céu., á direita do Pai. tes de lágrimas, Madalena o expandiu aos pés de Jes~
qual a alma sofredoTa e torhuada, qual o coraçao
* vartido que tenha chorado aos pés ~o Salvador s~m
enconn:ar admiráveis consolações e rnesperadas !or-
Mas não lê bastante o exere1c10 -da inteligência,. Ms? Davi já exclamava: "Pensando em Deus., sentia a.
é neccss.ário exercitar a vontade. e, por meio de atos, ~egria e o consôlo inundar~me º.~ração.".
aplicar o coração. Quê acontecera a .uma cr!sta que d1s_ser: Jesus
Para com Deus presente e atuando em vós,. para sofreu e morreQ por :mtm l A tristeza que smto, ~l~ a
com Deus que vos vê, ouve e julga, fazei atos ,dle fé, sentiu; a dõr que suporto, tle a suportou p~-r mim,
de adoração, de mnor e de oblação to.tal de vós mes- antes de mim, para merecer-me a graça e a força em,
mas. Mormente para com Jesus Cristo, fazei freqüen- meus sofrimentos e provações. Na cruz~ -pe1;1-sava em
tes atos de amor, atos de coração, a'fos que de algum mim e me vja; e agtora ainda, .do alto do ceu, pensa
modo levem vossa alma a perder-se inteiramente na em mim me vê e ora por mim!
d~le. •J esu's é o divino amigo que consola e fo1·talece._
Que .Jesus Cristo se torne para vós o amigo, em
1) Br.-lesiástico, Vil, 1+-16.
1) :S. João, XIV, 23. :!) fmil. It. ij.
92 \ STMPLlGlD.\DE SEGCNDO O EY.\.;'l~ELKO 9S
A. PRESENÇA DE mrns

E também o amigo que reergue nos desfalecimentos


:f:.le vos ditará o conselho a dar, a palavra a dizer, O
e sustenta nas tentações. Se sois tentadas, lembrai-vos
que tle o foi primeiro. Se vos ,domina o orgulho, o partido a seguir . Afastará de.. ."?$ a ansiedad~, _ a an-
amor próprio, a vaidade, vêde Jesus durante a Pai- gústia; dar-vos-á paz e tranqmJJdade nas dee1soes to-
xão, coroado de espinhos, coberto de escarros, humi- madas. .. á _
lhado e esbofeteado. Jesus é o amigo que vos auxiliar ~as o~·aço:s,
prendendo-vos a atenção, fi.xan_do-vos ~ 101agmaç~o,
Se a preguiça e ,a sensualidade se apoderam de unindo-vos o espírito e o coraçao ao Pa~; porque nin-
vós, vêde Jesus coberto de suor, de sangue, flagelado, guém vai ao Pai senão por ~le; é o cammllo e a porta
carregando a cruz, os pés e as mãos trespassados, o pela qual entramos na casa ~o Pai. S~ -e:Ie, voss!1s
corpo suspenso, dilacerado, devorado pela sêde, al- orações serão apenas sons vazios que ºª? se elevarao
quebrado pela dor. acima da terra• com j;:}e, serão vozes vn·as e sa~las
Se sois escravas do amor aos bens dêste mundo, que subirão até' Deus e serão ouvidas por_ itl~: "Fia~~
vêde Jesus, pobre e despojado de tudo, em Belém, <rnres ture intendentes in vocem depre~atwnzs 1:1ere.
em Nazaré, durante a vida pública; vêde-0 na cruz, Que Jesús, portanto, seja para vos o . amigo da
c·x alando o último suspiro, numa suprema aceitação maubõ., <lo dia, da t~de e_ da noite!_ Fazei. tudo em
da pobreza. união com :Ble I Pensai, falai, b'abalhm, dormi, e, como
Se caís em tentação, cm pecado, lembrai-vos de são Paulo ouso dizer, comei e bebei com 'f:le e como
que, no caminho <lo Calvário, Jesus chegou a cair três f.:le, para a glória do Pai I I~vocai .l esus ao despertar;
vêzes, para merecer a g:raça de vos levantardes depois invocai-O Do princípio e Do f1m de cada uma de vossas
de vossas quedas, como l!;le se levantou depois das ações; interrompei-as, de vez em quando, Pª:ª lan-
suas; e q ue nunca o desânimo vos invada o coracão 1 çar-Lhe um olhar, do mesmo modo que ~ n1:_.ae, por
Se, em certas horas, tol'nar-se excessivo o pêso i1m instante, suspende o h"abalho e a re~p1.raçao para
das provações e da vida, se em vós a natureza se re- contemplar o filho que brinca ou estuda Jtmto del_a.
voltar e vos fizer exclamar: não posso mais, lem- Invocai Jesus ao sair de oasa, ou ao voltaT; rnvo_:
brai-vos de que. em sua natureza humana, Jesus co- cai-O ainda uma vez à noHe, ant~s de ad?~e~er. E
nheceu êsse estado violento, próximo do desespêro e que, em tôdas as coisas, :E:le esteJa no pr11;1c1p10, no
exclamou : "Meu Pai, se fôr possível, passe de mim meio e no fin1; que, para vós, seu nome seJa sempre
êsse cálice! Meu Deus, por quê me desamparaste?" 1 o primeiro e o último, o alfa e o ômega!
Jesus ,é ainda o amigo que aconselha, inspira e Que Jesus tenha o prim_eiro lugar, lugar à parle,
dirige. Se tiverdes de tomar iniciativas e decisões, fa- lugar de rei, em vosso coraçao 1
zer projetos, assumi r responsabilidades, dar opiniões, Há no mundo mulheres frivolas e levianas~ sen-
exercer influência sôbre aquêles que vos são confia- suais e vaidosas, que só se preocupam com o Julga-
dos, 'tl:le vos assistirá, vos esclarecerá, vos conduzirá: lllento dos outros. ~ste pensamento as absorve, as do-
<) S . .Mateus, X."<VI, 39 e XXVII, t().
'.I) .SaÍmo CXJUX, 2

95
_ _ _ _ _ _ _A_I>
_RBS_ENÇA DE DEUS
!J.l, \ ST'l'll'LTCIDADB SEGUNOO O .BVANG8LHO

pla corrente que vos trans,portará aos cimos da J?er-


~na, as pO'S~ui, as hipnoliza. Ao levantar-se, ao vcs- f eição. Com-0 os apóstolos no Tabor, pela simpliCida-
br:se, às refeições, ao sair, nos pensamentos, palavras e de "não vereis ninguém a não ser Jesus." l E quanto
açoes, sempre e em tôda a parte, perguntam a si mes- mais O vereis, mais O amareis; quanto miais O ama-
mas: "Quê dirá o mundo?" Para elas, existe como que reis, mais vos transformareis n:f!:le, mais vos u1nireis
a presença real e contínua do mundo: é um ôlho sem- a tle, mais realizareis seu voto supremo: "Que todos
pre aberto que as vigia, domina, subjuga e escraviza. sejam um como vós, meu Pai, em mim, e eu em vós;
Que Jesus seja para vós o que o mundo é para que também êles sejam um em nós ... "
2

elas!
. Que, em vossa vida, tudo seja inspirado pelo dc-
seJO de agradar a Jesus! *
Hoje O expulsam da sociedade e como C1Utrora Deus vos auxiliará nesse grande trabalho, f[Ue é 1
os_ judeus, _exclamam: Não mais qu;remos que ~le o magnífico trabalho da santidade, e que é ainda mais
reme; _levai-O e. crucificai-O 1 "As nações estremece-
ram,. diz o Salmista, tôdas as potências de terra se dêle do que vosso.
Deus quer m.uito mais às vossas almas do que a
reumram contra o Senhor e conu-a o seu Cristo." f: mais extremosa das mães alguma vez quis aos filhos;
uma conjuração que vai até ao ódio e à insânia· que- mais do que a espôsa mais terna e dedicada jamais
rem suprimir o próprio nome de Deus! '
quis ao espôso I Deus ama as vossas almas com amor
. Compele-vo~ 1~arar, protestar pacificamente, re- incompreensível, porque é infinito. E porque as ama,
agir de modo cr1stao, preparar em vossos corações um conduzi-las-á incessantemente à conquista desta vir-
lugar para Jesus, tanto maior quanto menor o que tude, enh·e tôdas a mais preciosa: a simplicidad'e.
lhe derem neste mundo; recebê-Lo com amor tão gran- E porque Deus ama as voSSJas almas, ~le mesmo
de quanto o ódio com que O desejam expulsar.
as aperfeiçoará.
Vivei sob o ?J~ar de DetlS, unidas a Jesus pela E, se as deseja cada vez maiores e mais belas, se
-vo~tade, pel_o esp_1nto, pela alma e pelo coração; mos- as deseja cada vez mais abençoar e cumular de graças,
trai-O, mamfesta1-O _em redor de vós; sêde para f!:.le Deus vos enviará decepções, insucessos, dissabores,
como um espelho vivo; pela vossa influência cristã dcsgóslos e contrariedades a fim de que vos não ape-
fazei ?ºm que ~l~ se irradie sôbre todos os que g.{ gueis às criaturas e sim unicamente a i!:le.
aproximam de v?s. Em uma palavra, esforçai-vos Deus deitará por terra os meios com que havíeis
de crescer cada _dia ~~ verdadeiro e muito puro amor contado e utilizará, fazendo-os chegar a bom lêrmo,
de Jesus, pela s1mplic1dade e pureza de intenção.
aquêles em que nem. havieis pensado .
Quanto mais simples fol'des, mais vos unireis a
.Jesus, e quanto mais vos unirdes a Jesus mais vos
tornareis simples. Da simplicidade à união com Jesus 1) Silo Mateus, X.Vil, 8.
Z) São foi\o, XVI(, 21 •
e da união com Jesus à simplicidade, formar-se-á du-
I

!16 A SIMPLJCIDADE SEGUNDO O EVANGELHO A PRESENÇA DB DEUS

Aplicar-se-á a vos mostrar o vosso nada; a vos Na terra, nem tôdas sois chamadas ao mesmo grau
provar que, em vós, somente :êle tudo quer realizar, de simplicidade; mas tôdas deveis querer, pnocurar e
que nada haverá de sólido a não ser o que :êle mesmo praticar esta ,admirável virtude, na medida em que
tenha feito_. Deus a quer para vós e em que vos concede a graça;
Construirá o edti.fíc:io da vossa perfeição sôbre as pois a simplicidade é vosso maior bem neste mundo,
ruínas do "eu''. como será vossa maior recompensa no outro. Quanto
mais simples houverdles sido na terra, mais sereis glo-
Quem sabe se não chegará a vos despojar de tudo
e talvez ,a vos -die har, por instantes, acreditar que :tle rificadas no céu!
mesmo vos abandonou, a fim de vos tornar mais se-
melhantes ao divino Jesus, em seu grito de angústia
e de aflição l
• Mas é então que estará mais perto de vós, que v~
sustentará mais f o,rtemente, e que mais viverá em vós.
Servir-se-á dessas provações como de maravilho-
sos remédios parà cl1rar-vos as imµerf eições, como de
colírio encantado para abrir-vos cada vez mais os olhos
às belezas incriadas e ao'S esplendores do mundo
sobrenatural.
Doravante vos to1·nareis cada vez mais semelhan-
tes aos eleitos que estão no oéu; realmente, pela sim-
plicidade, Deus tornar-se-á tudo para vós, como tudo
é para os eleitos, até o dia em que, caídos os véus da
carne,, vossa alma se lá.nçará para :êle a fim de con-
templá-Lo face a Jace e eternamente conhecê-Lo;
como por :êle é éonhecida.
Entãro a vossa simplicidade será _perfeita, porque,
entre Deus e vós, nunca mais haverá nada que sepa.re.,
e para sempre ficareis arrebatadas pela visão das be-
lezas divinas e n:a posse perleita, no inefável gôzo, do
único necessário/" 1 \

l) li. Luc. l'C, 42:,


DÉCIMO QUINTO CAPÍTULO

JESUS E A SIMPLlc_IDADE

A simplicidade é a marca e o sinal ,distintivo do


Evangelho, pois é o traço dominante e o próprio .c;:i.-
ráter do Sal'\'ador.1: . ..
Desde o primeiro instante de vida até exalar o úl-
timo suspiro na cruz, Jesus nunca deixou de conteü1r
plar o Pai e de agir para Deus. Tudo o que o Evan-
gelho nos re1ata, tôdas as palavras, tôdas as obras dé
Jesus disto dão testemunho. '
Afirma são Paulo que Cristo, ao entrar no munqo,
exclamou: "Eis que venho, meu Pai, l>ara fazer a vossa
vontade ... imprimindo as minhas leis nos seus cora-
ções.'' 2 Seú primeiro pensamento foi, portanto, para
Deus. Usou da liberdade, em primeiro lugar, para sub-
meter-se à vontade de Deus e entregar-,se por comple-
to a :êle.
E nunca mais JesU!(desviou-se dessa atitude, por
um jnstante sequer. Quando, aos doze anos, deixar.a
Má.ria e José para ficar no templo, ao encontrá-los, no-
vamente, aflitos, só teve uma palavra para lhes exP.li-
car a razão da sua conduta: "Não sabíeis que devo
ocupar-me das coisas que são de meu Pai?"ª
. {•

1) 8 conbeeldo o célebre passQ em que .Tean-J'acques Rousseau.


num mo.1nento de sinceridade, exalto11 a "simpllcida.éie do Evange,;.•,'
]110".
2) l!p. Hcbr., X, 7-16,
3) s. Luc., n, 49.
JESU.it E A SIMPLICIDADE 101
100 A SIMPLICU)ADE SEGUNDO O EVANGELHO

' ponde sempre· falando da Pai, da desonra que causam


Em Nazaré, quê faz êle durante trinta anos, senão a Deus, da injúria que lhe fazem, do amor, da con-
permanecer na presença de Deus, trabalhar, obedecer, fiança, ,dia submissão que lhe devem. Resume tôda a
humilhar-se, com a finalidade de agradar a Deus e. religião, tôda a lei, tôda a moral neste único preceito:
enfim, de viver para j;:le? "Amareis a Deus de todo o vosso coração." 1
Haverá, no mundo, ensirnamento, filosofia ou dou-
* trina mais simples que a pregação do Salvado!' que
proíbe servir a dois senhores 2 e t.udto reduz ao amor
Se, aos trinta anos, deixa sua mãe p~ra ir ao .de- de Deus?
serto e lá preparar o seu ministério público, "é o Es-
Não será o zêlo pela simplicidade a razão dos ata-
pírito Santo que o conduz." 1 ques e ameaças coou que invectiva os fariseus? Não
Qt1ando o demônio o tenta, é sempre com o nome estará condenando nêles a hipocrisia, a astúcia, a men-
de Deus que o 1·epele: "Não só de pão vive o homem, tira, a duplici,dlade, tôdas as vêzes em que lhes repete:
mas ' de tôda a palavra que procede da bôca de Deu~. "Ai de vós !" s
Não tentarás o Senhor teu Deus ... e a :tle só serv1-- "Vós dourais as bordas da taça, mas deixais o
rás." 2 fundo cheio de amargura. - Estais sentados na ca-
N() Jordão, o Espírito de Deus, em forma de deira de Moisés, mas não fazeis o que êle diz. - Vós
pomba, desce visivelmente sôbre Jesus. . sobrecarregais a viuva e o orfão com fardos que vós
Quando pela_ primeira vez ~ntra n,a Sm,~goga, ~re mesmos não podeis cai:regar. - Vós soltais o boi e o
0 livro das Escnturas no segumte passo: O ~sp1nto jumento, em dia de sál>ado, para c9nduzi-los ao bebe-
do Senhor está sôbre mim, porque Éle me ungm." ª douro, e não quereis que eu cure esta muJher de
À samaritana que o interroga sôbre o verdad~iro sua enfermidade? . . . - Vós sois sepulcroi, o-aia dos:
culto diz çomo primeira resposta~ "Os verdadeiros por dentro. estão cheios de vermes e de imundí-
ador~dores hão de adorar o Pai em espírito e verda- cies ... "*
de."~ . . Tôd!as as vêzes em que condena os fariseus é pefa
E, logo depois, diz aos apóstolos: "A mm~a co~; hipocrisia e pela falta de s:imil?licidade. Os fariseus que-
da é fazer a vontade de meu Pai q~e D?e enviou• • • r iam agradar aos homens e não a Deus: é isto o
Às perguntas que lhe fazem, as c1la?3;> que lhe que faz explodir contra êles a cólera de Jesus.
preparam, a tôdas as ofensas que lhe d1ngem, res- O amor que tem às criancinhas provém ainda d-a
simplicidade destas: é a simplicidade que nos apresen-
ta como mod~lo e condição para entrar no céu.
1) S. Mateus, IV, 1.
2) s. Mateus, IV, ~-7-10. 1) s. .Marcos, xn, 30.
:.!) São Mateus, xn,'., 21.
3) S. Luc., IV, 18.
3) S. Mat XXllI, 13-ll, e pa.ssim.
4<) S. João, lV, 28.
4) S. Luc., XIV, 6. Xl, 43. - S. Mal., XXIII, 4-6-13-27.
6) S. Joüo IV, 34.
A SIMPLICIDADE SEGUNDO O EVANGELHO JBSllS E A Sl,llPLICIDADE 109

A simplicidade de Jesus passa ao coração dos Durante a Pai'xão, a simplicidade de Jesus irra-
Apóstolos. É o encantamento todo-poderoso que oo dia-se com maior brilho.
atrai, a fôrça irresistível que os arrasta. É simples em Getsêmani. Chegou a sua hora, o
"Mestre, onde morais? perguntam-lhe. E tle res- Pai falou, isto é o bastante. Não procura esconder-se,
ponde: "Vinde e vêde ... " 1 E logo vêm e prende-se fugir, ou defender-se. Vai diretamente ao encontro da
a tle. dor e da morte.
"Segui-me", disse-lhe ainda. E sem hesitar deixam Sua natureza humana tem mêdo, treme, agita-se
ocupações, redes, trabalhos, pais, tudo enfim, e O se-
1
e pede graça. rue a vence e não receia um instante:
guem. z ••Foi para isto que vim!"
Até na linguagem exige simplicidade absoluta: Poderia pedir ao Pai que lhe enviasse Anjos para
Seja o vosso falar: sim, sim; não, não; porque tudo libertá-~o. Mas nem pensa nisso. Deseja apenas obe-
o que passa disto vem do mal."ª decer e executar os soberanos desígnios.
Quanto a :êle, leva a simplicidade ao mais alto É simples diante dos tribunais, nas atitudes, pa-
grau; fala com10 pensa e pensa como o Pai: "Como lavras e respostas. É humiJ.de e digno, modesto e firme.
escuto, julgo." Dentro de si escuta a palavra que Deus Não tem a dureza estóica do rosto e do olhar com que
lhe diz, o julgamento que Deus faz, e pronuncia a mes- o representaram alguns pintores.
ma palavra e faz o mesmo julgamento. É suave a sua majestade, e a bondade transparece
Entre :êle e o Pai, existe conformidad'e constante em sua firmeza. Nêle o homem se atenua e o divino
e absoluta de pensrunenlos, de sentimentos e de von- é 1·ealç-ado. Esquece-se para só ver a Deus. Sabe que
tade, enfim, a união perfcita de coração e de amor que nada acontecerá sem a vonba,dle do Pai; que seus juizes
constitui o ideal da simplicidade. e seus carrascos não têm outro poder além daquele
O espirito do homem, em Jesus, é de tal forma que Deus lhes quer dar.1
submisso e dócil às inspirações , do espírito de Deus Eis por que quase sempre se conserva silencioso,
que, verdadeiramente, Jesus só tem um espírito, de sem mesmo procurar defender-se, entr-egando sua cau-
acôrdo com a palavra do Apóstolo: ''Aquêle que se sa só a Deus.
une ao-Senhor tem um mesmo espírito com êle. ., É simples no Calvário. Não tem amargura, não
faz repreensão alguma àqueles que o erucificam, ou
* à turba que o ultraja. Nenhuma consideração pessoal,
nenhuma queixa. Nada ma.is vê além dos pecadores e
l) s. João, J, 38-39 ,
de Deus.
Abandonando 0.1, redes e o pai, Ves o seguiram. (S. ll.o.t., IV, 22' Aos pecadores perdôa, promete-lhes o Paraíso,
Els que nós allandonamo~ tudo pnra vos segu.l:rmos. (S. .Mo.t., XlX,
27.)
2) Levo.ntnndo-se o seguiu , (S, Mat,, JX, 9). 1) .. Não terias poder nenhum sôbl'I' mhn, lle te Dilo fósse dado do álto",
9) S. Ho.t., V, 37. dis.se a Pilatos (S. João XIX, 11).
104 A SIMPLICIDADE SEGUNDO O EV~GELHO 1.RSUS E A SIMPUClDADE 105

dá-lhes a própria. mãe e mannesta-lhes a sêde que mim e só o que é divino subsista! Ou pelo menos,
tem de suas almas. embora Q humano em mim continue, pois que é a
Ao Pai, até no meio do mais cruel abandono, da minha condição, que se transfonne em ,divin.o, como
mais horrível agonia, só fala em submissão e confiança. em Jesus! Que pela simplicidade, contemplanda e pro-
curando a Deus em tôdas as coisas, O encontre, a ~Ie
ó meu Salvador, que ~orável simplicidade a me prenda e n~le permaneça para sempre 1
vossa!
Que unidade em vossos pensamentos, sentimentos,
trabalhos, dores, virtudes e orações! Tudo para as al-
mas e para .Deus. E nossas '8..1.mas, é ainda ~ a Deus
que as salvais: para que o nome de Deus seja santi-
ficado por elas, para que seu reino chegue e para que
soo vontade se cuinpra. As almas são a messe e a messe
é para o Sen,hor.
De modo que "uma só coisa é necessária'', isto é:
glorificar Deus nt:.le mesmo e glorificá-Lo pelas almas
e nas almas. Coo_templar sempre a Deus, trabalhar
sempre para Deus, ,atribub:- a Deus tudo o que se faz,
ver unicamente a Deus na criatura e só ver a criatura
em Deus : eis a finalidade de vO'Ssa viela. ó Jesus, e
eis também a perfeita simplicidade!


ó simplicidade, como és grande e bela! Mas como
és mais bela, mais atraente ainda, como és santa e di-
vma; no coração e na alma de Jesus 1.
ó simplicidade., és verdadeiramente o espírito de
Jesus, o espírito de Deus na criatura!
ó simplicidade, sê meu constante exercício, minha
contínua inspiração, minha alma e minha vida! Que
por ti eu morra a tudo o que pertence à criattu·a ! Que
por ti eu viva para tudo o que é de Deus 1
Qwe por ti tudo o que é humano desapa-reça ein
DÉOIMO SE:xTO CAPÍTULO

MAlUA E A SIMPLICIDADE

Se Jesus é o sol da simplicidade, Maria é o seu


espelho sem mácula.
Sendo a Mãe e o Filho semelhantes em tôdas as
coisas - excecão feita da divindade de Jesus - como
nãcr o seriam •principalmente neste ponto essencial?
Como contemplar Maria sem ver refletir-se em ~ua
alma vitginal a simplicidade de Jesus?
Maria é simples desde o primeiro quê da razão e
das faculdades. Vai diretamente ao templo e direta-
mente a Deus. Dá-se espontâneamente, sem nunca mais
retomar-se, voltar para trás. Ela prende a Deus, ela
não m.ais O deixará.
Maria não conhece -a introspecção, a consideração
pessoal, não se preorcupa com a criatura, a op.inão
pública, o julgamento dos homens. Em tôdàs as coisas
só vê a Deus.
No templo, sua vida é um anelo para (J Criador,
• uma aspfração para Deus. Deus não é conhecido, nã,o
ié honrado, não é amado. Milbares de criaturas esque-
cem-se de seu ,Criador e Pai. Ultrajam-no a todo mo-
mento do dia e da noite. Horrível, audacioso, de tôdas
as partes do mundo, o pecado surge, multiplica-se de
maneira assustadora, obscurece a glória de Deus!
Eis a dor de Marja, sua perpétua angústia! Ela im-
1 1

.i $Ll\{PL101DAJ)E SEGmmo O EVANGELHO


l\[Alli~ :E A SIMPI.JCI'DADE 109

plora o Messias, chama-O com todo o poder dos seus mais pura, mais pronta, mais generosa, mais semelhan-
desejos, com tôdas as energias do coração, com todo te à de .Teslls?
o ardor da alma abrasada de amor : '' ó Deus, diz ela, A simplicidade caracteriza-se por não ambicionar
enviai, pois, Aquêle que devéis enviar; ó Deus, glori::- honra alguma, nem mesnw pensar nisso; mas simplici-
ficai-vos no Messias! ó Deus, não tardeis mais, apr'essai dade maior ainda é aceitar s·em consideração pessoal,
a hora de vosso triunfo!" Esta é a prece de Maria, tôda as honras e os encargos, desde que nos sejam dados
impregnada de simplicidade. por Deus. Só então a alma está isenta de todo amor
Sua oração atravessa as nuvens, domina o· grito próprio, inteiramente desapegada de si mesma e tôda
dos pecados do mundo, sobe até à eternidade e é ou- perdida em Deus, a quem p11ocura apenas por :êle.
vida. Graças a ela, chega a hora da libertação. No entanto, José ignora o plano dlivino: nada sabe
ainda do que se passou entre o anjo e Maria. Fica ad-
* mirado e escandaliza-se com o que observa; até "co-
gita devolver secretamente a espôsa."-1.
Portador da sublime mensagem, o anjo Gabriel é Que p1·9va para a simplicidade de ~Iar~a ! !r~ ela
enviado por Deus à humilde virgem de Nazaré. deixar que José continue a ter essa suspeita rnJusta
Em sua simplicidade Maria não .se assusta ao ver e ultrajante, quando poderia dissipá-la com uma pa-
um anjo; mas se admira e se perturba com as pala- lavra? Irá eia- abandonar a confiança que d!eiposita
vras que ouve. A mesma simplicidade que a levava a unfoamente em Deus e recorrer a um_ meio humano,
desej,ar a vinda do Messias afastava-a do pensamento embora permitido, para justificar-se e pleitear a pró-
de ~e um dia pudesse tornar-se mãe d~le. Ao con- pria causa?
trário de tôdas as mulheres de Israel que ambiciona- Vence a. simplicidade! Maria poderia falar sem
vam a maternidade, na esperança de que delas ou de cometer falta alguma, mas não fal1;t . Deus tudp fêz
sua raça nascesse o Messias, Maria havia formalmente nela e, por ÍSSIO sómente conta com tle. Sua esperança
renunciado, por um vote, a essa magnifica esperança. não é enganada, sua sim(plicidade é recompensada.
A s.i:mplicidade escondia-lhe tôdas as viTtudes e tôdas Deus toma a defesa de Maria e envia a José um 'anjo,
as perfeições. Eis por que se perturba e não compre- que tudo lhe explica.
ende. Nunca é vã a confiança das almas simples. Quanto
Mas, qllando o anjo lhe anuncia o desígnio e a mais se abandonam totalmente a Deus, mais Deus
vontade de Deus, essa mesma simplidd.a,de impede-a zela por seus interêsses.
de solicitar maiores explicações ou de se recusar como Maria é simples quando, jm,pelida pela graça, vai
indigna; e, sem hesHar um instante, fechando os olhos ao encontro de Isabel, fazendo-a parti,lhar de sua fe-
a tôda consideração que não seja a die agradar a Deus, licidade. Não nega ooisa alguma do que se passou:
responde: "Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em relata os fatos como são. Mas nada se atribui, tudo
mim segundo a vossa palavra."
Onde se poderia j.amais encontrar simplicidade 1) São Matens, J, 19.
110 A StMPLIClDADB SEG u~o o EVANGELHO MAIRIA E A SIMPLICIDADE Ut

atribui a Deus: "É o Todo-Poderoso que f êz em mim imolação suprema que deve garantir, pela eternidade.
grandes coisas." o triunfo e a glória de Deus.

* .
*
Simples, Maria se conserva até o fim da vida.
Maria é simples quando, a uma palavra do Anjo, O que vê na ressurreiçã,o, o que a cumula de felici-
parte com José para o Egito, desprezando os perigos dade, é menos a alegria pessoal do que a entrada das
da viagem e as incertezas do futuro. Simples em Na- almas no céu em companhia de Jesus, e todos os lou-
zaré, onde durante trinta anos deixa ,que os homens vores que Deus vai receber até o fim dos séculos dessa
ignorem ,a honra que lhe foi dada. Simp]es, quando multidão de eleitos.
Jesus deixa de morar com ela para começar a vida E quando, ao subir ao céu, Jesus a deixa neste
pública. Não o impede de partir, não obstante a sua mundo, entristecida., ainda por longos anos, nã.o se
profunda dor, pois sabe que Deus assim o quer. queixa, não indaga a razão, não ,ailega direitos. É bas-
Lembra-se da profecia de Simeão; começa a sen- tante que Deus o queira, para que também o queira
tir que a ponta da eSJpada já lhe toca ,o coração: prevê de todo o coração.
terríveis provações. Mas vê tudo em Deus: a simplici- Sofre, fica com o coTação dilacerado; mas é feliz
dade dá-lhe a coragem de tudo aceitar generosamente. e contente, parque. sendo simples, esquece a própria
Simples, oh I como Maria o é durante a paixão ,d e dor para ver apenas a glória de seu Filho e a glória
seu Filho! de Deus!
Acima dos próprios sofrimentos, acima da ton-en- Simplicidade tão perfeita faz com que mereça a
te de amargura que lhe enche a alma, acima até 'das maior das recompensas. Quando chega a hora marca-
dores atrozes que padece seu Jesus bem-amado, vê a da por Deus, do alto Jesus a chama, dizendo: "Vem,
divina vontade, a eteTna justiça qtie brillla e resplan- vem, ó minha pomba, minha perfeita, minha única;
dece, a infinita misericórdia que se expande; vê nos- vem, que eu 'te corôe I" 1 E Maria lança-se para seu
sas almas resgatadas, salvas; e, acima de tudo, vê d~vino Filho. Até seu corpo, unido à alma, é levado
Deus conhecido, amado, exaltado, Deus para sempre aos céus pelos anjos. Pela simplicidade, ultrapassou
soberanamente glorificado 1 tôdas as criaturas; e, agora, pela recompensa, também
:tsse olhar de seu coração, que não se desvia de as ultrapassa. É ela quem está mais próxima de Jesus
Deu'S, ampa:i;a-a, impede-a de desfalecer e a faz consen- na glória, acima de todos os anjos, de todos os sera-
tir com tôda a a1ma e tôda a liberdade nos sofrimentos fins, de todos os eleitos.
e na morte de seu Filho. ~sses sofrimentos e essa mor- Neste mundo, a simplicidade havia tornado a união
te, ela os quer, porque Jesus os quer, porque Deus os entre Maria e Jesus, entre Maria e Deus, tão perfeita
quer. E, sacerdote dêsse grande sacrifício pela reden-
ção do mundo, Maria oferece Jesus ao Pai, para essa J} Cãntlto.
j

1U A SIMPLICIDADE SEGUNDO O EV~GELHO

quan\o possível. No céu, a UDiao entre Maria e Jesus,


entre Maria. e Deus, consUlllou-se para sempre. Por
tôda a eternidade, Maria permanece, "·a pomba 1. de
Deus, sua perfeita, sua únfoal" -
*
ó Maria, sêde parâ nós o espelho da simplicidade!
DÉCIMO SÉTIMO C..APÍTULO

Se, em Jesus, o brilho da simplicidade por demais nas


deslumbi:a, que, suavizado por vós, nos encante e ar- FRANCISCO DE ASSíS: ALMA SIMPLES
rebate sem nos attmori2iarl Prendei-nos cada -vez mais
à simplicidade, e, por meio d,ela, a vós, a vosso divino ENTRE TôDAS
Filho e a Deus, para que mereçamos nos enoontr81'
com files no céu, na ,santa unificação da felicidade Depois de Jesus e tfe Mal'ia, entre. os mumeros
que não mais será perturbada! santos que a ~greja venera, h?ver~ _algum que tenha
elev~do a ma1s alto grau a sunphc1dade, e que seja
modelo mais belo, do que Francisco, chamado o "po·
bre de Assís'j?
A pobreza foi sua virtude preferida. Tomou-a por-
sua dama, sua espôsa. Exaltou-a acima de ludo. Mas
n.ão ser~ a pobreza :fruto, ou melbor o fruto especial,
e como que a filha da simplicidade?
É -porque a alma simples contempla a Deus, fixa
e consta_ntemente; que se esquece e se desapega de
tudo mais, exclamando corno são Paulo: "Olho tôdas
a$ coisa~ como lixo, a fim de poder ganhar o ½fÍsto."
A. v1rtude da pobreza não poderia existir sém a
si_mplici>d1ade. É a simplicidade que torna possível a
virtude da pobreza, gerando-a da mesma maneira que
a mãe dá vida à filha.
*
Por isso, Francisco de Assis foi simples entre todo~.
os simples.
rJ Sã.o lerônlmo aplica a Ma.ria as palavras do Cdntico: "'Vem, \:ninha
A juventude, a vocação, a vida, as obras admi-
pomba, que trazes, pllJ'a nós, o fruto da olivel•a. e Aquêle que nos ráveis, os úllimos anos, a morte, tudo nêle é simplici-
salvou do dilúvio universal."
,

114 A SIMPLICIDADE SEGUNDO O EVANGELHO FRANCISCO DE ASSIS, ALMA SIMPLES 115

dade, pois nunca outro pensamento lhe ocupou o es- tão longe a simplicidade. B3&tou.lhe uma palavra d-0
pírito, ne.0.1 otdro desejo o coração, que o de asseme- Evanaelho para chegar a êsse extremo, a essa loucura,
lhaí'-se perfeitamente a Jesus Cristo. b'
como Julga o mundo.
Como o do Salv:;idor, seu berço é 11m estábulo. Desde então, Francisco nunca mais retrocedeu.
Assim o quer Deus, para marcar o caráter que te1·a
tôda sua. vi,dia. ·
Os companheiros de mocida,de são unânimes em *
~um prodígio de aband<mo à Providência, não
louvar-lhe a franqueza, a honestidade, a alegria, ~ conhecido nos séculos _passados., funda uma ordem re-
candura da alma, em suma, a simplicidade. Essa sim- ligio~a baseada na renúncia universal e perpétua a
plicidade afiasta dêle a inveja, o ciume e qualquer tudo o que p.ão é indispensável à vida, e, para sempre
desconf.i,,anca; atrai-lhe a simpatia sem que a procure, proíbe aos ~seus ,que llOssuam qualquer bem dêste
faz com qti.e seja am:;trdo de !todos; e sempre que há mund:o. Cliega até a demolir com a.s próprias mãos
U1na. festa proda.mam-no rei. · um convento que havia sido construido em desacôrdo
Ê a: simplicidad.e que o atranca ao mundo e o com suas instruções.
lança no caminho da ma.is alta perfeição. É simples para com os superiores. Pede ao Sumo
Saja de um fe-&tim. Os c9mpanbei:r9s, alegre~, ca- Pontífice para confirmar a indulgência da Porciúncula,
minhav;am cantando. De repente pára, imóvel, o -0-Ihar que lhe fôra concedida por revelação; e, quando o
no céu, o rosto iluminado, em êxtase. Quê vê êle? O Papa a confirma, rei.ira-se. O Papa é obrigado a cha-
tudo de Deus e o nada da criatura. má-lo para -dar-lhe um atestado escrito do insigne
Está acabado: bastou-lhe o olhar de um instante. privilégio qtte acaba ,die obter.
O que viu jamais esquec.e rá. Sua deliberação está É simples com os irmãos; considera-se- o úfümo
tom~c1à: pertence todo a Oeus. dentre êles. Quer que seus discípulos se chamem mí-
Mas como realizará essa decisão? nimos, isto é, os menores.
Abre o Evangelho e lê: "Se alguém quer ser pet- É simples com tôdas as criaturas. Como o primei-
feito, despoje-se de tudo o que tem e siga-me.";1 ro Adão, em estado de inocência, fala aos J_)ássaros,
Não raciocina, não discute, não atenua <a palavra aos peixes, aos anima.is; eX!OTta tôda a natureza a
de Deus. Jesus diz-lhe que se desp<:1je de tudo para louvar a Deus. Quanto a. êle, vê Deus em tôdas as obras.
segui-Lo: executa a ordem ao pé da letra, e, afron- A alma de Francisco é, na verdade, uma alma de
tando o respej to humano, a oposição dos homens e -do criança, ahna límpida e transparente, que ignora o
próprio pai, ex_pondo-se ao ridiculo, à injúria e à mal e tem húrror a tôdla duplicidade; alma de pomba,
11'.lÍSéria, realmente despoja-se de tudo, até do manto; em· que se reflete com tôda, a peiíeiç.ã.o a simplicidade
como vestimenta, conserva apenas um a túnica e um do Evangelho. ·
cordão, como livro, uma cruz. Jamais alguém levara Segui-o em tôdas as suas jül'nadas, atrav~s lle
seus múltiplos ~rojetos, entre os religiosos de sua or-
1\ S. llfát. XIX, 21.
dem. Não se ápega a coisa alguma de humano ou de
116 A SIMPl,lCIDADE SEltUXUO O EV ANGRLHO FRANnsc o DE ASMS. AL!
_M_.\____:_S_l?t_lP
_T_,E_S_ _ __ _
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criado; ludo desdenha. Só vc. procm·ar e quer a Deus. Quando alcança o ruais alto cimo da simplicida-
Deus meus et omnia: "Meu Deus, sois o meu tudo": de, só lhe resta deixar o mundo para entrar no céu.
esta é sua divisa e a essência de seu espírito. Tudo, Com efeito, Deus o chama para coroá-lo. Apro-
para êle, nada significa; somente Deus é seu tudo e ximam-se os últimos instantes. Para aliviá-lo, os ir-
é único! mãos tentam mudar-lhe a _posjção no miserável gra.;
Jesus pob1--e, Jesus despojado de tudo, Jesus na bato: êle recusa, quer permanecer de costas, para
era~, no auge da miséria e <do abandono, eis o cons- melhor contemplar o céu. E mais: acha que o grabato
tante objetivo de Frandsco, sua única paixão I É sem- ainda é demasiado. Exige que o depositem no, chão,
1-ue encontrado aos pés do Crucifixo, entre os braços para nada mais conservar dos bens dêste mundo. De-
e sôbre o coração do Salvador. Só aspira a ser pobre pois dêsse último ato de simplicidade, feliz por se
e ~r_ucificado como .êle, a imolar-se como :êle, pela pru·ecer mais com Jesus crucificado, o corpo meio
glona de Deus e salvação das almas; e, por insigne levantado e o rosto resplandescente de amor, entrega
graça, merece receber em seu corpo e em seus mem- a alma a Deus; vai unir-se, por tôda a eternidade,
b:rns as mesmas chagas que o Redentor do mundo. Àquele a quem unicamente procurou e amou na terra.
Depois dêssc extraordinário milagre, realizado em
sua carne e visível aos olhos de todos, F.rancisco, mais
do que nunca, torna-se motivo de entusiasmo para o
povo, que, de tôda parte, ocorre para êle, apressa-se,
quer vê-lo, tocá-lo, beijar-lhe os estigmas sangrentos. Igual sim_plicidade ultrapassa as fôrças normais.
Somente Deus, por meio de graças extraordinárias,
E tão grande é sua simplicidade, seu esquecimen- JJOde assun elevar uma alma escolhida. Que, ao me-
to total de si, sua atenção dirigida só a Deus, que nos, seja ela como wi1 fa:rol luminoso que vos con-
não procura fugir nem esquivar-se a tais homenagens. duza entre os escolhos e as tempestades dêsle mundo!
Alma menos simples teria tidô, mêdo de si; teria re"' Nessa esplêndida h1z, compreendei melhor as palavras
ceado o amor próprio e a vã complacência. da Imitação: ''Vaidade das vaidades, tudo 1é vaidade,
Mas Francisco está de tal fórma morto para ,o s~u exceto amar a Deus e só a ~le servir!"
eu, que o homem não existe mais nêle; cedeu todo o
lugar a Deus. Compreendei melhor quão necessária e grande é
Francisco não mais se vê; só vê a Deus que de- a simplicidade que, através dos bens passageiros e
seja glorificar-se em sua criatura. através de tôdas as criaturas, somente ao Cdador vê
E exclama: "Meus olhos não vêem mais a criatu- e procura. .
ra; tôda minha alma clama pelo Criad,or; no céu e Que cada uma de vós seja simples, de acôrdo com
na terra, nada há que me seja doce; tudo se dissipa o próprio estado e condição e em razão da graça que
perante o amor do ,Cristo !!'1 Deus lhe concedeu! Que cada uma se esforce por
alcançar o grau de simplicidade determinado por Deus 1
1) ;.!.• Cântico. A vos,sa simpliddade marcará a medida em que
118 A SIMPUClDAO.E SEGUNDO O EVANGELHO

pertencereis a Deus na terra e em que gozareis de Deus


no céu.
Quanto mais largas e poderosas forem vossas asas
de pomba, mais crescereis em graça nesie mundo e em
glória no outl·o !
OHCIMO OITAVO CAPÍTULO

O ESP1RITO SANTO E A SIMPLICIDADE

De tudo o que foi dito, resulta ser a simplicidade


essencialmente um dom do Espirita Santo; ou melhor,
o dom por excelência, pois é o espírito de Deus cm
substituição ao espírito do homem. Trata-se d:e morrer
para si e de viver para Deus. A simplicidade é o es-
pírito de Deus no Cristo, e, pelo Cristo, em nós, para
que "nós vivamos. . . não mais nós, mas o Cristo em
nós ... " 1
O Evangelho afi11na-o de modo claro, quando
mostra a pomba simultâneamen le como símbolo do
Espírito Santo e da si01plicidade; e é sob essa forma
que, no Jordão, o Espírito Santo desce sôbre .Jesus.
A devoção ao Espírito Santo, Lão negligenciada
pelos fiéis e incompreend~da por um grande númevo.
(\ pois, o meio por excelência de alcançar a simplici-
dade.
O Espírito Santo está em cada um de nós. Pelo
batismo, desceu em nós, como em Jesus no Jordão;
~ na confirmação o recebemos em plenitude. O Espí-
rito Santo não veio transitóriamente: veio residir e
permanecer em nós, como o atesta o caráter especial
que nos imprimiu cada um dêstcs dois sacramentos.

1l l!pi.,t. (WS Gálatas, u, 20.


A StMPLICJDADE SEC:UNl)O O E\'ANGP.L_._H_<_> _ _ __ _ O ESPtRITO SANTO E A SIMPLICIDADE 121
120

dela depe]]fdiem. A simplicidade é, verdadeiramente, a


vida do Espírito Santo em nós. Quando uma alma
Mais ainda, permanecendo em nós, o Espírito San- não age senão pelo Espírito de Deus, é perfeitamente
to quer agir em nós; tôda a graça, todo o sôpro, tôdas simples: Filha de Deus, é tôda semelhante ao Pai e,
as inspirações do Espírito Santo tendem· a formar-nos de modo absoluto, una e simples como :t:!Je.
a sua imagem, a tornar-nos simples c<Ymo êle. Demons-
lTa-o a Escritura, quando diz: "Todo,s os que são mo-
vidos pelo espfrHo de Deus, êsses são filhos de Deus." l. *
O Filho é a imagem e a semelhan·ça do Pai. Agindo Que o Espírito Santo se torne, pois, senhor em nós:
pelo espírito de Deus, tornar-nos-emos seme1hantes a o senhor de nossos pensamentos, sentimentos, julga-
Deus assim como o FHho ao Pai; seremos um, com mentos, afeições, vontade, atos, de itôda a nossa vida;
'tles e como "Êles. o senhor amado com supremacia, ouvido com obedi-
* ência, sempre seguido com fidelidade!
ó Deus, ó nosso P:ai, enviai-nos o vosso Espírito!
Mas, sem a nossa cooperação, o Espírito Santo O Jesus, em nome da promessa que nos fizestes/ fa-
não pode agir em nc>s. Precisamos adaptar-nos a êle, zei-o descer em nossas almas!
seguir suas inspirações e seus movimentos. Qnando Que em nós trabalhe! Que em nós, tudo renovei
pecamos, vamos contra êle, entristecemo-lo; podemos Qt1e nos crie um coração novo, uma ahna nova, um
mesmo fazê-lo extinguir--se em nós. Podemos também ente novo, que não seja nascido da carne nem do
pa('alisá-lo, impedi-lo de agir, neutralizar sua fôrça. sangue, mas <lo vontade de Deus; um ente em q-ue
Para alcançar a simplicidade e fazê-la crescer cada nada'. mais exista de mau, mas em que tudo seja reto
dia, é preciso deixar-nos conduzir pelo Espírilo Santo, e bom, em que tudo seja simples, porque tudo será
cooperar em sua obra, tl'abalhar com êle1 e, com ames- die Deus e para Deus l
ma finalidade, enfim, entregar-nos a êle sem reservas ó Espirito Santo, glorificai o Pai e o Filho, glori-
e sem arrependimentos. ficai-vos, refazendo as criaturas à vossa imagem e
Então, o Espírito Santo, cada dia, crescerá cm <laudo-lhes a plenitude da simpUcidadel
nossa alma, enquanto diminuiremos na mesma pro-
porção. Cada vez mais nos revestiremos, dêle e nos
despiremos do espírito do mundo, que é seu inimigo
mortal.
Todo o progresso da simplicid,a de depende, em
últim,a análise, do trabalho vitorioso do Espírito Santo
em nossos corações. Esta é sua obra predileta, po-
der-se-ia até dizer, sua única obra, tanto é básica e 1) "Qunndo vos houvt>r deixado, vos envlarel o Espirito Santo... " (são
essencial e tanto as outras com ela se relacionam e Joiio, XIV, 7).

l) Epi.tl. ao., Roma110.1, VW, 14.


IN DICE

l )HUI CA1'01UA .. . . . . .. . • .. . . . . " · • · • · · • • · • · · · · · · • • • · · ·. · .. ... ... 5


1- Dcfinlç,"\.o o importância do simplicidade . .. . .. • .. 11
Cap.
li - liro.us da simplicidade . .. . ..... . . . .. . . . . . ...... . . . 15
Cap.
lll - A pomba e os exortações da Escrltura . . .. ..•.. . . .• . 21
CRIL
IV - Frutos da simplicidade 27
Cap.
Cap. V - Slnais dn simplicidade . .... .. ····· ··· · ·· ····• · •• · · 37

VL - Prú.tlca da simplicidade paro com Deus . . .... . .. . 41


Cap.
C11p VIL - Prática dn slmpllcldade para consigo ....••.... ... 47

<;np Vlfl - Prática da simplicidade nn familio 51


IX - Prático da simplicidade no mundo .. . . . . . . .. . . 57
Cai:,.
Cop. X - Prático. dn simplicidade em tôdas as coisas . .. . 63

Cnp. XI - Prático da stmpllcldndc, conclusões 71

Cap. X.U - l\Iclos de adquirir n simplicidade . . . 75

(:ap. Xlll - -'I presença de Deus ... . .... .. . . . ..... .. . .... .. .. . 81


C,w XlV - A presença de Deus (continuação) ...•.. • .•. . ..... 87

Cnp XVI - Jesus e n simpllcidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99


C<1p. XVII - Francisco de Assis: alma simples entre Lôdns . . . • . . 113
Cap XVIII - O Esp111to Santo e a shnpllcldadc . . . . . . . . .. .. .. . 119

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