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A SIMPLICIDADE
SEGUNDO O EVANGELHO
Jnsleuções às senboi!as e às jovens
POR
Monsenhor de GIBERGUES
ATLANTICA EDITORA
RIO DE JANEIRO
DEDTCATÓRJA
TRADUÇÃO DO LIVRO
À minlz.a. sobrinha Maria ... ,
que, aos 18 de julho de· 1906, ingressou rio
Convento do Sagrado Oo:ração
L.A. SIMPLICITÉ D'.A.PRES
L'ÉVANGILE
Então, Maria. tu nos deix:aste! ...
Eras a alegria e o orgulho de teus pais, a primo-
Edições Desclée de Brouwer et. Cie génita, o exemplo de tens irmãos e irmãs, a felicidade
PARIS-BRUGES de Lodos!
Eras feliz em nosso meio, e amava-nos tão cari-
nhosam.ente ! Afirmo-o. No supremo momento ,da par-
lida, quando pai e mãe. irmãos e irmãs, ajoelhados à
tua vol_ta, agarrados a teus vesti.dos, expandiam em
pungentes adeuses os corações transbordantes, tinhas
os <>lhos cheios de lágrj mas ardentes, o peito sacudi-
do de soluços!. ..
E te desprendeste de tão ternos laços, te anancaste
aos nossos, ó! não sem um esfôrço sôbre-humano, mas
com a coragem e a serenidade que te vinham do alto.
Partiste! ...
Não o podemos acreditar runda. Nossos olhos te
procuram e nãO' 1nais te vêem: nossas vozes te chaman1
e não mais respondes. Meu Deu.s ! Que vazfo pTofundo
e dolorosol
Quem te roubou aos encantos <lo lar? Que fôrça
Copyright 194-~ b)· ATLANTICA ED(TQRA - Rio de Janeiro foi essa que te arrebatoiu, mai-s poderosa que todos os
/
liarues da carne e do sangue. que tôdas as atrações ó Jesus, espôso d~ nctssa Maria, que a conquistas-
da natureza? tes e a atraistes cO!lll os vossos encantos, nós vo-la
A fôrça do amor I A fôrça que atrai a noiva, que entregamos de bom grado. Nós a oferecemos a Deus,
a separa do pai e da mãe para uni-la ao espôso. por vós e convosco, como a divina Mãe vos of<:r~c~u
Mas, que amor o teu! O amor do Infinito, do Eter- ao Pai pela Redenção do mundo. Que nosso sacnf1c10~
no: o amor daquele que é todo Amor. unido ao vosso, recaia em b~nçãos sôbre nossa familia
Já de há muito, o amor divina te ferira o coração. e no1>sa pátria 1
Ouviras a voz do Bem-A,ruado, a vdz de Jesus : "Vem, E tu, querida. Mariazinha, fôste entre nôs um mo-
espôi-a minha, amiga minha, pomtba minha! Vem ao dêlo de simplicidade. E sê-lo-ás majs do que nunca no
meu Sagrado Coração." 1 E Cada dia esta voz se tornava seio de tuas novas irmãs. Os três votos que em breve
mais persuasiva, mais instante. Teu coração, abrasado farás, e que já estão decididos em teu coração: votos
de amor, suspirava pela hora das bodas com o Cordei· de pobreza, castidade e obediência, não serão porven-
ro. Tn~s asas de pomba palpitavam; bem que sentía- tura as formas sublimes da perrfeita simplicida,de de
mos. Afinal, ao supremo apêlo do celeste Espôso, abris- um~ alma forte e generasa que a tudo renuncia p01:
te-as e, sacudindo a poeira do mundo, alçaste o vôo e Deus; tudo, isto é: os bens da te:rra, os prazeres e a s1
te dirigiste para onde Jesus te chamava! mesma?
Agora tudo acabou, não mais estás aqui. Na reali- Melhor do qlle ninguém, sabes que nem a simplici-
dade, tua lembrança é imperecível, teus exemplos con- dade nem os votos religiosos excluem as legítimas
tinuam vivos e é sempre suave o per.fume de tuas vir- afeições. ·
tudes. Tu, porém, amada pomba, não mais estás no Doravante, separada de nós pela tua vida tôda
lar paterno. Não ma.is te podemos ver o rosto nem te dedicada a Deus, não nos quererás menos. Amar-nos-ás
ouvir a voz. mais e melhoT~ e, pelas tuas preces e penitências, nos
E temos os olhos rasos de lágrimas, os corações obterás graças privilegiadas que nos consolar:ão de tua
transbo1·dantes de tristeza. Não ·nos revoltamos. não ausência. Não esquecerás a França, nossa mmto aro.ada
te queremos disputar a Deus: adoramos Sua Sabedoria pátria, que geJJ1,e sob o jugo da impiedade e que tene-
e Sua Vontade; reconhecemos a graça e a honra que brosa conjurnção gostaria de aniquilar; com teus rogos,
Ele nos fêz ao te chamar. Mas, seja-nos ao menos per· .apressarás a hora da libertação. O melhor c<1nsôlo de
mitido sofrer e derramar lágrimas: pefo tJue não noo teus pais e a sólida recompensa do amor e dedicação
podes con,denar, tu, a espôsa de Jesus, o qual chorou que têm por ti será a glória que darás a Deus, todo
pelos amigos. o bem que vais fazer, o trabalho que terás na forma-
ção moral das jovens, para torná-las verdadeiras cris-
tãs, m~tlheres exempJare., perfeitas espôsas, mã~
1) <'.Jlntieo, TI, 14. - Literalm.elllle: "\'em no.s abe.rhn·tt~ da pedra, ,.,,
eoneavi<wde do muro"; é assim que a Ellcrjtilra design:n as cliagas do completas.
Sálvador e seu Sagrado Coração. - São Bernardo cbnnla o Sagradó (A- Vai Maria, vai, pomba de Deus; abre bem laffgas
:ração de "nbl.bo de pombas". as tuas asas e eleva-te ao mais alto dôs céus, sem nunca
UEDJCA'l'ól'UA 9
a \ SIMPLLC!DA.OE :;E(.UND() O EVANGELHO
perder de vista aquêles que te fimam tão carinliosamen- Jesus, cr1mn do enviava se~s. discípulo~ par~ cem-
te neste mundo. verter O mundo corrompido, dizia-lhes: Sede simples
A ti dedico êste livrinho: todo perfumado de tua como as pombas !" . . _
lembrança. Possa êle fazer aos que o lerem o bem que · Que a simplicidade viva e se 1rrad1e no: c<;>raçao
nos fiz~s,te, quando vivia5 ao nosso. lado! das cristãs! Que as almas sim'Ples ~e. mult1phqu~m,
Dedico-o às almas que precisam de asas para pai- par:\ edificação de muitos e para a glot·1a de Deus•
rar acima das tristezas desta terra de exílio e das
provocações ,dêste v;ile de lágrimas.
Dedico-o às almas ávidas de perfeição, às alma~
generosas e amantes que aspiram a se elevar, que têm
sêde ,de união com Deus.
Dedico-o às almas que se arrastaram até agora n11:
vulgaridade e na inutilidade de uma vida morna e
egoísta, mas que sof;rem nessa situação e que se su-
focam nas baixas regiões, onde lhes falta ar e luz.
Dedico-o às ahnas desalentadas, porque exageram
as dificuldades ·da virtude e se amedrontam ante a
enormidade da tarefa.
Dedico-o a tôdas as almas de boa vontade: jovens,
espôsas, mães, vinva_s ou rélígfosas, que buscam a
forma evangélica de ir a Deus com segurança e pres-
teza.
A simplicidade é o caminho - não direi fácil,
seria contraodiizer o Evangelho, segundor o qual o ca-
minho que conduz à vida é áspero e estreito - mas
o camin,ho possível a todos e que está ao alcance de
cada um, o caminho de qne Jesus falava, ao dizer:
''Meu jugo é suave e o meu fardo é leve." \
A simplicidade é o caminho do perfeito amor, que
"suprime a pena ou a transforma em alegria"; que
"se fatiga, mas jamais se cansa·•. E' a maneira mais
l)rá tica de muito e sempre amar.
Segue, pois, pequeno livro, segue com a bêncão
daquela que te inspirou, segue! E penetra do espí;ito
de peus todos os que lerem as tuas páginas.
.,.
PRIMEIRO CAPÍTULO
1
e "têm dois corações"; em suma, quando nela não . Deus quer repousar, en tão o
existem duas personalidades: uma artificial e exterior, t. seu fim. porque so eml ordem é justo e santo,
homem vive na verdac ~ e na '
que representa para o público; outra, muito diferente,
que se encobre e se esconde para não ser vista pelo por ser pe~eitame~t~ s1mii:~ma idéia, ao dizer: "O
mundo, mas a quem Deus vê e julga. O catecismo
. loexprrme
para co nhecer, amar e servir a Deus
homem f 01. cria< ,,
Em última análise, a idéia de pureza e de simplici- . a lcancar
e ass1n1 • a vida etema.
dade é a mesma. Dela se exclui qualquer mistu1>a, qual-
quer complicação, qualquer duplicidade, tudo a que
são Paulo chama: "11rudência da carne, sabedoria dêsle
1nnndo."
1
L
H
A Sl\t'.Pl, I CID \DE SEGU.1"1)0 O EVANGELHO
16
~ srn Pl.lCtT>A DE S'EGUNOO () EVAX(jl?,J,HO
mais os bem~ temporais que estareis cobiçando, mas te de Deus, chega a um ponto em q1.1e apenas a tle vê.
sim a perda dos bens espirituais que estareis temendo. Esquece-se de tudo que Deus lhe dá, para nada mais
Se olhardes, porém, os bens espirituais em si pró- considerar senão a :tle. Ama a Deus por amá-Lo; ser-
prios, com o desejo de alcançar recompensa prometida; ve-O por ser'vi-L<Y, sem dar importância à alegria ou
se disserdes como o Salmista: "Meu Deus! inclinei meu aos bens ,que assim possa encontrar.
coração -a praticar semip.re as tuas leis por causa da "Sem dúvida, êste ato de amor pertence à alma
recompensa"/- vossa intenção eleva-se e toro.a-se me- que o realiza, diz Monsenho rGay; i mas, neste ato, ela
lhor. Entretanto, já é muito alta e muito santa, uma não mais desempenha papel algum: Deus aí é tudo.
vez que ,é o próprio Deus o salário prometido aos jus- Deus aí reina so."
tos, de acôrdo com a promessa feita a Abraão: " . . . Eu Foi assim que os SaJ!tos amaram -a Deus. E foi
sei•ei tua i:ecom1Jensa, grande acima de tudo. " 2 • • porque o amaram a êsse ponto que se tornaram santos.
Enfim, as vossas ações pddern ser diretamente ort- São êsses impulsos desinteressados, êsse divino esque-
e11tada,s para Deus. De tôdas as intenções é esta, evi- cimento, essa renúncia total de si próprio, êsses arrou-
dentemente, a mais perfeita. Esta intenção pode ser bos do coração e êsses tr-ansportes de puro amor que
concebida e formulada de dois modos diferentes. se encont,ram a todo momento na vida e nas obras
Podereis, antes de tudo, vos pro1Jor agradar a Deus dos santos.
e merecer, assim, suas graças e con1.placências. Certa- Já Davi exclamava: "Que desejarei eu, sôbre a
n1ente, agir dêste modo já é amar a Deus; amá-Lo terra e no oéu ,senão a vós, ó meu Deus?":?
mesmo muito e preferi-Lo a tudo mais. São Bernar,do escreveu: "O puro amor não é mer-
Entretanto, ainda existe uma intenção mais ele- cenário; não tira sua fôrça d'a, esperança; contenta-se
vada e vura, porque existe um amor mais perleito. em amar." 3
Podemos amar a DewJ p-0r -J:le só, sem nenhuma con- São Tomaz não pedia a Deus outra recompensa
templação pessoal, sem qualquer egoísmo. Podemos além do "próprio Deus."
n0n esquecer a n Ós mesmos! ".perd er a alma ,,, como São João dll Cruz chegava a ponto de dizer:
diz o Evangelho, para ver umcamente a Deus.
"Aquêle que ama verdadeiramente a Deus não o ama-
Não s'e trata de suprinúr a virtude da esperança ria menos, e nada menos faria para :tle, se, adnútindo
em favor da caridade: incidiríamos, assim, em êrro o impossível, Deus pudesse ignorar êsse amor e êsses
condenado pela Igreja. Devemos desejar a DE:,_us, pro- atos ou não lhes desse valor algum." • -
curá-Lo, esperá-Lo: e realmente, tenha. ou nao con~- E alhures: "É particularidiade do perfeito amor
ciência dessa verdade, a alma quanto ma1s espera, mais
ama.
Quando, porém, a alma se enamora profundamen- l) Instrnc!tioru poar le s personne, da monde, T. II, eh. V. PQl'eté d!Jn-
tention.
1) Salmo LXXII, 25 .
1) Salmo CXVIII, 112. 3) Sermão 83, aõbre o Cilnttco,
:t) G~neslt, XV, 1. i) -&entença..
20 A SL'\!PLICIDADE SEGUNDO O EVANGELHO
como em vigoroso bater de 'a,sas; em seguida, não olha com teus olhos de pomba! exclama ... Tu feriste meu
nem para a direita, nem para a esquerda; não olha coração com um só de teus olhares, com um cabelo
para si ou para as criaturas; vê apenas o fim a que de teu pescoço ... " 2
aspira, a meta a que se dirige: Deus só! Essa alma fixa "½evanta-te, apressa-te, amiga minha, pomba mi-
o olhar em Deus e vai direta a ~le, tal como uma fle,x:a. nha, diz-lhe Jesus, -e vem refugiar-te em minlrns chagas,
Transborda do puro e perfeito amor de Deus. Nela vem esconder-te em meu coração." s
vive o Espirito Santo.
Não será êste o sentido das palavras da Imitação:
"O homem tem du~ asas para elevar-se da terra - a *
simplicidade e a pureza. A simplicidade reside na
intenção e a pureza no afeto. A simplicidad~ contempla Depois de nos haver mostrado a simplicidade S10b
Deus, a pureza dfile se apossa e O saboreia?" 1 a forma (j.a pomba, o Espírito Santo nos exorta a ad-
quiri-la: "Assim como os olhos da escrava estão fixos
* nas mãos de sua senhora, assinl os nossos olhos estão
presos no Senhor Deus."•
A Escritura Sagrada refere-se muitas vêzes à pom- As mãos são a sinlbolo da verdade.
ba, apresentando-a sempre como a imagem ,da alma Com um sinal da mão, damos uma ordem. Com
pura e simples, que apenas procura Deus. as mãos dirigimos, segurando as rédeas de um cavalo
Quando Noé, na arca;,' enviou a pomba pela pri- º!1 o leme de uma embarcação. Quando alguém tem
meira vez, ela voltou logo. E quando, :pouco tempo de- força de vontade, dizemos que te:m ,11! mão, firme.
pois, soltou a segunda, esta ainda regressou~ tr-azendo A comparação da Escritura significa, pois, que de-
~o bico um ramo de oliveira, ao passo que o corvo fi- ve~os sempre ter em vista a vontade de Deus. Deve-
cou em terra, não retornando à arca. mos procurar sua glória, como nossa suprema finali-
A alma que não é simples afasta-se de Deus fà- dade; mas é cumprindo sua vo:qfade que buscamos a
eilmente, abandonando-O para ,entregar-se ao mundo su'a glória.
e ai se fixar. Mas a alma simples apenas diesliza pela
1
O Espírito Santo lambé~ descreve_ a simplicida~e O ~vangelho diz ainda: "Q_ual~er de vós que não
da alma simples, quando diz: Lançai vosso coraçao renuncia a tudo que possm nao pode ser meu,
no Senhor, tle mesmo vos alimentará. "O Senhor me discípulo." 1 E alhures: "Aquêle que põe a mão no ~ra-
governa e nada me faltará: colocou-me ~um lugar de do e olha para trás não é apto para o reino de Deus." 2
pastagens ... 1 - Assim como o cervo susp~a pelas fo_n- Não será o mesmo que dizer: ide a Deus, a :li:le só! Que
tes das águas, assim a minha alma suspira po,r vos, Deus vos baste, que seja o vnsso tudo! Que v.osso ôlho
ó Deus ... 2 - Quão amáveis são os vosso~ tabernaculos, seja simples!
Senhor das virtudes! A minh:a alma susprra e desfalece.
pelos áh-ios do Senhor. . . O meu coração e a minha . O Evangelho pcrescenta: "Bem... aventuradO'S os que
carne regozijam-se no Deus vivo." 3 Em tôdas estas p~- têm fome e sêde de justiça ... 3 - Buscai, em primeiro
lavras inspiradas e em tantos outros passos d~ Escr1; lugar, o reino de D(}us e a sua justica. . . Não vos in-
tura, não será da simplicidade que se fala? Nao sera q~ieteis nem pelo que comer-eis, nem pelo que vesti-
ela a exaltada? reis ... Vosso Pai celeste bem sabe do que precisais." t
Não será ·ainda dizer: contemplai a Deus, contentai-vos
O Evangelho muito insiste nisso. "Se não vos fizer- / com Deus, praticai a simplicidade!
<les como meninos, não entrareis - no reino
. d os ceus.
. "•
Que mais bela imagem da simplicidade existe do que
a crianca ainda sem defeitos e ignorante do mun~o? A alma da criança está isenta de ea('ermidades: não se lembra das
Ela sempre está inteiramente entregue ao <p1e dese3a: injúrias reqebidas. mas até se apronma daqueles que a ofenderam
corno se fôssem am,fgos e como se nada lhe houvessem feito. Mes-
quer seja o seio de sua mãe, qu.er um brinquedo ou mo que a mãe a castigue e lhe bata, a cxiança procura-a sempre, pre-
uma gulodice; al~m ~isso ;11-ada ve; com os o~hos.!. com ferindo-a a 1odo1,. Se lhe apresentardes = rainl1a com seu diade-
as mãos, com gritos marticul~dos, com ~ agitaçao do ma, ainda assim não a 1>refe:ria à própria mãe; embora coberta
pequenino corpo, atira-se àquilo que cobiça: ;11~ mun- de andrajos. Elrigc apenas o necessário; quando está farta d!I leite,
abandona $ seio.
do nada mais existe para ela: absorve-a seu umco _de- Não é senslvel aos males que nos acabrunham, com o a perda d11
sejo; o resto desaparece a seus olhos. E, em segm~a. fortuna, e tantos oun-os; não se regosija como nós por coisas viís,
oomo adormece, sem nenhum cuidado, no colo da ~ae t não adm.ira a l>elClla. dos corpos.
Assim, a alma simples só vê a Deus, só aspira a Eis a razão por qut: Jesus dizia: "Q reino de Deus pertence àqueles
que se assemoJ.ham às crlanclnha,s ." - Mandava-nos fazer consci-
Deus, lança-se a 1i:le com tôdas as suas faculda?es e entemente aquilo que !IS criàuças fazem por instinto. (IJomilia de
também ela "ad.o·r mece e repousa em paz no seio do são João Crisóstomo, 62 - s6bre são lftateus.) "0 Senhor nos ensina
Senhor." 5 que, pa:ra entrar no xeino dos céus, devem.os ser como as criancinhas,
isto é, corrigir todos os vícios do corpo e da al.tna pela s:implieid.ade
das crianças." (santo Hilário) - Comentários sil/Jre 3 ão Ma1eu~)
1) Salmo xxn, 1-2. e. 18.)
3) Salmo XLI, 1.
l) :São Lucas, XJV, 33.
~) Salmo LXXXIII, 1-2,
4) São Mateus, V, 20. :!) São Lucas, IX, 62.
i) A stmpUcidadc unida à -prudência, eis o auge da sabedoria: eis o :1') São Mateus, V,G.
que constitui wn:i vldà àngélica. 4) :ião Mateus, Vl, 35.25
A SlMPLIC'rDADE SEGUNDO O EVANGELHO
26
QUARTO CAPÍTUU>
FRUTOS DA SIMPLICIDADE
Mesmo aqn·ilo que intrinsecamente é licito, sem a :,.ue vejam n·os~~s boas obras"; acrescentando, porém:
simplicidade não poderia agradar ,a, Deus. para que glor1f~quem o Pai que está nos céus." 1
De acôrdo com a recomendação do divino Mestre: !?evemos edificar o próximo por palavras obras
"Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos ho- e aço_es; mas que isto não nos sirva de pretexto para
mens, com o fim de a'trair Qs o]h:ares e merecer lou- a vaidade: "nossa intenção, diz são Gregório deve
vores", pois assim "já tereis recebido a vossa recom- es~a~ ocul~a." 2 T~do devemos atribuir a Deus e' à sua
pensa." 1 gloria e nao a nos.
Da mesma sorte, se agis por egoísmo, por amor Se é a nossa glória que pro:curamos e não a de
próprio, por vã complacência ou satisfaçãe pessoal; Deus, aO's olhos dÊle o próprio bem se. transforma em
se, em resumo, vos atribuis o bem que fazeis O'U as mal. É o que e~prime são Vicente de Paulo com estas
virtudes que praticais, já te1,eis perdido o merecimento palavr.as..: "Sena melhor que fôssemos lancados de
aos olhos de Deus, "tudo colocastes num saco rôto." 2 pé~ e ma?s atados sôbre brasa, d!o que fazer ~ma boa
Mesmo que vios entregásseis a múltiplas preces, a açao movidos pela vaidade."
longas meditações, que fizésseis freqüentes comunhões,
"mesmo que, como diz o Apóstolo,3 tivésseis o dom da
profecia e da ciência, e ainda que distribuísseis todos os *
bens aos p,O'bres, entregásseis o corpo para ser queima-
do", e mesmo que conseguísseis a admiração de todos Pela sfimplicidade, ao contrário, tudo se ilumina,
pelas obras de caridade que praticais, se :fazeis tudo tudo se tr.ansforma, tudo se torna be~o e bom tudo
isso para vós, se vossa intenção visa unicamente a agrada a Deus. '
vós, ''se não tiverdes a Caridade" que só purifica a S.e vos jnspira o sentimento do dever, se tendles
intenção, "tudo isto em nada vos aproveita", tudo cm ~st~ o bem das almas e a glória de Deus, se pro-
está peiicllido para Deus e pa~a vossa salvação. Vosso C1;Va1s s11:ceramente a vontade do Pai que está nos
ôlho não é simples, vosso corpo não pode ser luminoso. ceus, entao tudo o que fazeis adquire valor sobrena-
E mais, se nenhuma ação pode agradar a Deus tural.
sem que seja inspirada pela sim'.l)licidade, a ação mes- No dizer do Apóstolo: "se é santa a raiz também
mo illtrinsecamente boa torna-se má quando a inten- ~s ra?'Ios o são." Q Os d:veres de estado, os ~xercícios
ção é má: "Se vosso ôlho é mau, 'todo vosso corpo fi- ~ piedade, as h?as açoes, as relações de família, as
cará escuro." tr1~le~~s. as. alegrias, as provações, os sofrimentos, a
Na realidade, o Evangelho nos recomenda que sohdao, a_ mação forçada, em última análise, tudo
"deixemos brilhar a nossa luz diante dos homens para sem exceçao, se torna santo e agradável a Deus pel~
sem mácula, quando é sad!io, a luz o penetra e ilumina zas que podemos adquirir ao formulá-las.
bem todo o corpo e todos os movimentos. , Conta santa Maria Madalena de Pazzi que viu são
Da mesma maneira, quando a alma é simples, isto Lms de Gonzaga no céu, exlraordinàriarnente, glorifi-
é, sã, a luz divina a penetra. Podeis ver a Deus, com- cado. ~. como se admirasse de que um santo, que vi-
preendê-Lo, tudo fazer nÊ:le e para :êle: tôdas as vos· v~ra tao pouco tempo, houvesse adquirido tantos mé-
sas palavras, ações e pensamentos 1tornam-se bons e ritos, D,e1;1s lhe fê~ comp.reender que Luís conquistar-a
santos. essa glor:1a e_,xcep_c1oni~ pela intensidade e o al'dor de
ó admiráveis frutos da simplicidade! ó sublime ~mas asp1raçoes, isto ie, pela admirável simplicidade e
efeito da pureza de intenção! pure,za de suas intenções.
As coisas deixam de ter valor próprio; valem ape- É pela simplic_idade que "o justo, em pouco tem-
nas pela intenção que as inspira. Aos olhos de Deus, ~º~ enche a carreira de uma longa vida'? pois vive
as duas pequenas moedas lança,dlas no cofre do: templo =~:nte para Deus e só se preocupa em agra-
pela pobre viuva do Evangelho pesam mais do que as
grandes somas lançadas pelos ricos; 1 e um copo d'água A sunp
. licidade
· transforma n01Ssa vida em constan-
dado em nome de Jesus Cristo é o preço da eternidade. te ~omenagem a Deus, sobrenaturalizando e santifi-
"Que importa, pois, diz santo Agostinho, que seja pe- ca~ o n~ssos atos, palavras e pensamentos, nossos de-
quena a vossa bôlsa? Mui to podeis dar coro a coração ~J0~s m-a15 secretos e os menores movimentos do cora-
e a vootade, tudo fazendo só para contentar a Deus."
Até as ações mais -vulgares e materiáis podem •
tornar-se espirituais e santas . . Como diz são Paulo:
"Se comeis ou bebeis, fazei tudo para a glória de ~ simplicidade produz ainda outros frutos admi-
râveis.
Deus." 2 Concede à alma dois bens excelentes que no di
Afinal, aos olhos de Deus a intenção é dotada de
tal valor intrínseca, que sômente o desejo, quando ?e. ~anta T~rêsa, s.ã? indispensáveis àquel;s qu/!:
sincero e verdadeiro, é julgado como o próprio ato.
m1c!a.m na vida esp1ntuaJ: a alegria e a liberdade de
espznto.
Tenho a firme intenção de fazer um ato de carida- A mais generosa das almas, quando não é sim I
de; entretanto t.ou impedido por circunstâncias alheias atorment9:-se~ agi,ta-se ~ fàcilmente se desalenta. p es.
à minha vontade. ).\'linha intenção, aos olhos de Deus, A propria generos1d~de muita vez é causa de es-
cnípulo e, sob pret~xto de delicadeza, ilude-lhe .a cons- Um dia, ao sair com "tão brilhante aparato, encon-
ciência. "Estarei enganada? Ter-me-á Deus perdoado? trou un~ bando ~e. pobres andrajosos: homens, mulhe-
será êste o meu dever? Estarei no bom caminho?" Con,. res e cria?ç:1s, .pali?,os ~ famintos. Comovida e apieda-
tinuameri.te, formula mil perguntas que a perturbam e d~, t~ve súbita m~p~r~çao e, num •g. eneroso impulso, dis-
a d'esorienlam. tr1bum entre os mfelizes os tec;ouros e objetos precio-
A auto-análise prejudica-lhe a visão clara das coi- sos ~ue a ado:rnavam, exclanumdo: •~ Ah, c,o mo a.gora
sas. Não tarda 'a cair em profunda ,tristeza e fatal de.sâ- me smto leve e feliz!"
uimo. AA simplicidade desembaraça a ahna do pêso, às
~ses perigos não existem para a alma simples, v:zes esmagador, das coisas mundanas: lihe.J!ta-a das
porque .o lha a Deus mais do que a cri.atura e se coloca vas preocuJ?ações, tão difíceis de suportar. Torna a
acima de tudo o que confunde, fatiga e exaspera alma Jeve, rndep~ndente e alegre.
aquela que não é simples.
Como exemplo da ,p rimeira, o Evangelho nos apre-
senta Marta~ agitada, apressada e sobrecarregada de *
ocupações. A alma simples é. representada por Maria; qutr? efeito da simplicid,ade é fazer-nos. sinceros,
serenamente sentada aos pés do Mestre, hebendct-Lhe e mai,s ainda cortar pela raiz o mais temível dos males
as palavras e . só pensando em agradar-Lhe. A alma para o progresso da alma: a ilusão.
~im,ples encon'trou "a meThor parte, a única coi,s a ne- Refe1:Í11;do-se ás íl_usões,1 o padre Faber. êsse p.ro-
cessária:" pertence exclusivamente a Deus. fund_o psICol?go, depo1_s de nos haver mostrado a ex-
Está sempre calma e tranqüila, não se preocupa t~nsao da rmna que causam no domínio da vida espi-
cónsigo, não dissimula nem é hipócrita, não conhece ritual, ,d,eclara ,q ue a simplicidade é o únioo remédio
subterfúgios, duplicidade ou respeitQ humano. Fala para êsse mal terrível e universal.
como pelllsa, tem o coração, sempre aberto; segue dire- As almas que mais se analisam não são as que
tamente seu camin1101 sem· agitação ou inquietude,; melhor se conh<:cem nem, principalmente, as que mais
tem o espírito livre, o coração cheio de paz e alegria. depressa se corrigem. O repetido exame de uma ferida,
A derrota, o des·p rêzo, a maledicência, a,s provações, p_ara _observar-lhe a cura, acaba por piorá-la pela ir-
até as próprias quedas, pecados e imperfeições, nada ri taça o.
no mundo pode perturbá-la. Encontrou: ''a paz que . Ao contrário~. a alma que olha Deus, prontamente,
Jesus d·â ... a alegria que ningué,m pode tirar." atinge ao conhecrmento de si mesma e. melhor ainda
Num drama moderno, narra-se a história de uma consegue renunciar-se inteirainente. '
princesa que não era feliz, emboil·a morasse num cas- Deus é verdade: contemplando-O sem céssar, a alma
telo maravilhoso e viveS:Se coberta ,de diademas, jóias. torna-~e s_emelhante a 1'!:le. A alma simples se conhece
pedras preciosas e adornos suntuosos: sua alma tinha ao pr1me1ro olhar; e quando, em 11oras de fadiga e
aspirações mais elevadas; maiterial e moralmente sen-
Ua-se esmagada pelo luxo que a cercava. l) Co,;iférerrces Spir,laellu, lllUSio.QS.
f
f
3l
FnUTOS DA SIMPLICIDADE
QUINTO CAPÍTULO
• SINAIS DA SIMPLICIDADE
Agora que sabeis o que é a simplicidade e quais
os seus frutos, não gostaríeis de vos tornar "simples
como as pombas"? Mas, por que sj_nais recon)leceríejs
que o sois? - Por quatro sinais principais.
O primeiro ié a indiferença ao próprio êxito.
O que vos perturba, quando não vos sais bem de
um empreendimento - quer se h·ate de uma obra no
meio familiar, educação e futuro dos filhos, deveres
para com o marido, direção ,da casa e dos emprega-
dos; quer de uma obra externa, esmolas, visitas aos
pobres, a,postolado, relações de familia - o que vos en-
tristece e vos desanima é falhar no objetivo que vos
propusestes, objetivo legítimo, sem dúvida, mas huma-
no. Visastes apenas ao resultado, 'ao ixito, à própria
obra: faltou-vos a pureza de intenção.
Na verdade, se tivesse sido _pura a vossa intenção,
se antes de tudo houvésseis procurado o e.ontentamen-
to e a vontade de Deus, diríeis : Se Deus não quis êsse
resultado, também não o quero. Além disso, se traba-
lhei para D,eus, se procurei agradar-Lhe, certamente
venci, e Deus deve estar satisfeito porque fiz o que
de mim dependia; o resto não estava em meu p,oder.
Portanto, devo estar tranqüila e tâo calma como se
houvesse conseguido o que desejava.
A iud,ifer~nça pelo êxito daquilo que empreende-
A l>iM.PLlClDnPE SEGUNUO O EV..ANGl'.LHO SP.\.\JS D,\ Sl)fPLJCU)Al>E 39
IDO\Sé um sinal necessário e certo da pureza de in- Vossas tendências podem ser naturaü, ou ~evid~s
tenção. à graça. Podeis, espontãneaménle, vos sentir mais
ah·aídas por uma coisa do (Jn~ P?r ~utra _: algumas
* dentre vós são mais inclinadas a VJda mtenor, outras
O segundo sinal é a alegria pelo êxito ou pelo à vida ativa; algumas <lOO!icam""'"'ie a v!sitar os_ pobres.
progresso. espirilual de outrem. a cuidar dois doenles, outras a instnur as crianças e
Se vossa intenção é reta e pura, deveis querer tudo os retardados. Mas, quand·o necessário, e quando vos-
o que honra, contenta e glorifica a Deus. Se, junto de sos superiores o exigirem. deveis eslar preparadus
l
vós, outros fazem o bem; se, na mesma obra, alguém para de boa vontade s_ac~ficar os. vossos ~oslos pes-
coru;e~ne melhor resultado_ do que o vosso; se ié maior soais e vos consagrar aquilo que e determmado pela
o sucesso de um empreendimento semelhante ao vosso. obediênc.ia.
não vos deixeis vencer pela desconfiança, ciúme, amar- Antes de tudo <leveis eslar de tal mtmeüa prêsas
gm·a ou tristeza; rejubilai-vos sinceramente, de todo à vontade de Deus que, quando esta vos fô~· claramen-
o coração, porque Deus foi glorificado. te manifestada, estejais dispostas_ a c_umpn-la gcucr?-
Falta pureza de intenção às pessoas exclusivistas, samente, não obstante vossas an'!'pahas e ?S necessa-
ql.le $Ó pensam nas prôprias obras e no bem que reali- rios sacrifícios de vossas incUnaçoes. .
z~m e, com mal disfarçado despei'to, em !ôda parte A nada se apegar de maneira absoluta, exceto_ a
vêen:i concorrentes e rivais, aos quais gostariam de J>onlade de Deus, é o terceiro sinal da pureza de m-
afa.~tar ou sobrepnjar. · tenção.
Do mesmo modo, falta-vos a pureza de jntenção,
se, em presença de alguém que se esforça, progride e *
se aperfeiçôa, f icais ciontra1:iadas, irritadas - não
digo se experimentais uma nobre e santa emulação, o O quarto sina] é não de~ejar nem procnrar o lo~-
que é bom e legítimo - e ,se em vós e:xfate algo que vor ou. a ·aprovação <los homens l)elo h~m que faze·1 s,
deseje impedir êsse progresso que vos aborrece. e não perder a calma .nem a paz interior se, !º con-
Diante do prngresso dos oulros ou dian'te do bem trárfo, receberdes a1>enas censuras e repreensoes. . .
qpe realizam, reconhece-se a pureza de intenção pela Deveis pensar: se cumprj meu deve!·• se reahz~1
alegria sincera e verdadeira que se experimenta, ou a v.ontade de Deus, fiz tudo quanto dese1ava; o mais
que, ao menos, livremente se desejaria experimentar, me é indiferente.
dei.prezando todo o sentido contrário.
Entretanto, ai não se delem, não se compraz e clesejos",1 islo é, homem per-feitamente simples, que
não bru;eia nisso a sua piedade. Ama a Deus mais que só aspirava a Deus.
a tóclas as suas dádivas; e, em vez de, egoisticamente, A alma simples não se desencoraja, quando só
atrihuir""Se as graças divinas, emprega-as tôdas para encontra na oração aridez e tibieza, quando está eomo
a glória de Deus. cm "terra deserta, in lransi lá vel e sem á{!na." 2 Nessas
A alma simples é mais inclinada à conlemplação 1
duras provações, vê a vontade de Deus e não perde a
<lo que ü meditaçiío . .Muita. \'ez, diante de uma ohra- calma nem. a paz.
prima, de um magnifico quadro, acontece-nos esque- Não se perturba nem desanima, se o dever de es-
cer ludo o mais, absorvidos naquilo que vemos; po1· tado ou circunstâncias imp1·evistas, a caridade. a do-
um instante, par~cc-nos que as faculdades da alma nos ença ou qualquer outra coisa permitida por Deus a
são ar-rebatadas e ficam como que em suspenso, até impede de dedicar-se aos exercidos habituais de pie-
readquirirmos a consciência de nós mesmos. :
dade, a obriga a inlerromper su'as comunhões. Re-
A alma simples não se cansa de achnirar a elerna lembra, então, a resposta qt1e Nosso Senhor, um dia,
e infinita Beleza. O.ra a contempla no próprio Deus. deu ao padre Alvarez, quando este, sobrecarregado
01·a na humanidade do Crislo. como num espelho sem de trabaJho, se queixava de não po<let· entregar-se à
mácula. ,- oração: "Mesmo que Eu não esteja a leu Indo, deve
lJasta,· que me sirva de Li."
Nunca discute, e pouco raciocina: olha, contem-
pla, esquece-se de si mesma, para absorver-se e per-
der-se em Deus.' *
Nos santos, tudo isso conduz ao arrebatamento e Quando a alma não é simples, basta o afastamen-
ao êxtase. Em suas asas poderosas, a simplicidade os t<Y de seu diretor para que se desoriente e se descuide.
transporta ao próprio seio da divindade. Assim, oulrora, A alma simples atravessa êsses momentos mais
o profeta Daniel foi arrebala'do, transportado, enlcva- difíceis com igual fervor, assim como a pomba atra-
<lo, porque, diz a Escritura, "era Yarâo de ardentes vessa uma região brumosa, sem desorientar-se, sem
retardar o vôo.
Mesmo que a morte ou um aconlecimenlo decisi-
vo a obrigue a ma-dar de diretor, não hesita, não adia,
l) .. !'recisamos numler a ulm« fil·mc na vraçilo, diz Süo l'r"nciscu d~ entrega-se com tôd'a a confiança à dü·eçâ•o do novo
·Soles, sem pcrm.itlr-lhe c-can1l11ar o que l'aY- ou ,ei-if.icar se csti, su-
tisfcitG. Ai dl' nós. se us satisfações 1, '\.~ consolnçõcs que lemos o:io
guia que a Providência lhe manda.
~atlstozcm os olhos de Deus, mns contentam :<ómente ao miserá-.t>l
nmor e à preocupuçiio por nós mesmos, que ex.iste fón, de Dens e de *
sua consideruçilo. Aquc:le <JUC amoroij1unentc J)roccu·n :tgrudar :, Jc- É adm.irá,•el a / é e a pifdade <la alma simples
1>11s Crislc) nfio tem prnur nem <>ensino de muito ,e annlisar, poJ~ tem
fl espirita continuamente t1lrul,10 J>nra onck o amnr o leva. ( Entr~lien, 1) DanieJ, l:X, 23
)UJJ), 1 2) S111mu LXII, 2.
A SL'\lPUCIDADE SEGUr-.'DO O EVANGELHO PR.tt!GA DA SHdPUCIDADE P.Al\A COM p EUS
para cdm á Igreja, os sacramentos e tudo o que é sa- des diante de Deus e dos homens. Para todos os que1
grado. dela se aproximam exala .. o bom odar do Cristo."
Sua fé é inabalável. Não conhece a dúvida, exceto Na Igreja, nos sacr~entos, só pr~cu~a a Deus, e, por
por vontade especial de Deus, que pelas provações isso, O encontra com superabnnd•ane1a.
santifica as almas mais per{eitas. Sua fé é liinpid·a e
sem nuvens, pura e integral. A submissão a to-dos os
ensinrup.enfos da Igrej,a já é pronta, alegre, filial e
completa.
Na confissão, vê no pa<lre o p,róprio Deus. Acu.s a-se
sem perturbação, sem restrição ou atenuações. Não diz
mais nem menos do que é necessário'; diz o que ié e
como é, se:m exagerar nem encobrir ,a verda,de.
E' a Jesus que fala, é a ~Ie. que ouve: maleável e
dócil, com per(eita humildade ~ obediência.
Durante. a absolvição, vê cair-füe n'alma o sangue
de Jesus; sente-se invadida pela contrição, pelo reco-
nhecimento e pelo amor. Dês.se banho salutar, sai re-
generada, mais forte contra si mesma, mais dedicada
aos ,outros.
Durante a missa, imagina-se no Calvário, aos pés
da Cruz. Contempla Jesus que eleva ao Pai os braçé1S
sangrentos, Jesus que perdôa. abençôa, ora, sofre e
mon-e.
Quan.do comunga, parece que o céu desce a seu
Goração; "sente-se env-0lvida pelas chamas, impregna-
da pelo bálsamo do amor." 1
Inundam-na a felicidade e a alegria. Absorvem-na
de todo as maravilhas que nela se passam. Custa-lhe
grande esfôrço arrancar-se à ação de graças, pois está
inteiramente abrasada e consumida pelo fogo da dli-
vina. caridade.
Nessa alma que não lhe opõe resistência. a graça
opera as mais belas transformações. Cresce em virtu-
~ª• no carinho, no abandono, na expansão dos sen- A continua preocupação em tornar:se útil aos ou-
timentos. _É a síntese de tôdas as qualidades que deve tros ou em evitar-lhes a menor contrai:1edadE:,; a _ama-
ter uma filha para com a mãe. bilidade risonha:, a ,dedicação tã·o ~olic1ta q~ao. discre-
9ra, se as jovens fiorem simples, de certo serão ta a serenidade da alma expansiva. a limpidez do
confiantes; a menos que - e oxalá que ta] não acon- olbar e a pureza de atitudes que nos faz lembrar os
teça - a mãe se torne absolutamente indicrna dessa anjos; a nobreza dos sentiment?s, a el~vação do _Pen-
confianca. "' sament-0 que arrebata e transfigura: eIB os graciosos
t A s'implicidade dá à jovem todo ,o seu encanto e adornos de que se reveste a jovem simples.
a ple?j!ude das graças que Deus lhe destinou : ao Em sua alma de cristal reflete-se a imagem de
contrario, a falla de simplicidade a derruba de seu Deus, como o sol nas águas puras e t~anqüilas de um
pedestal e faz com que perca a auréola e os atrativos. lindo lago. Ilumina, aquece e encoraJa todos o~ ~e A
Observai esta jovem! Está 'tri-ste e sombria, &orri dela se aproximam. Dá-lhes como que a presc1enc1a
pouco e com ·amargura. Magôa-se por nada, é excessi- do céu, porque traz o céu no coração. 9ue doçura, ~~e
vamente suscetível. Exaspera-se à mais leve admoes- tranqüilidade para os pais! Que modelo,, ~1ue auxilio
t~ção. Desconfia de todos, julga-se incompreendida, e para os irmãos! que. tesouro para a fa1mha I Que es-
nao :percebe que é incompreensível. Absorve-se em petáculo para os AnJos ! . .
-cons~a~tes_ introspe~ções, perde-se em profundos e in- ô mães, a m.aior graça que deve1s pe!1n" para _vos·
term~nave1s 9cvane1os. É egoista, f;rjvola, personalista sas filhas, e que para elas será a fonte de todas as virtu-
,e vaidosa;; nao conhece o respeito, a i;ubrrússão ou o des, é a simplicidade.
devotanrnnto; é desagradável a todos: o mau humor
é seu estado nonnal.
. A quê ~tribuir_ êsse conjunto de defeitos. que lhe \
t~ram ª. espontaneidade, a alegria e a graça próprias
<le sua idade, ~ a transfonn3:Tn ~m uma carga e uma A espôsa que é simples vê Deus em_ seu -ma~ido.
cruz para aqueles com quem vive? Qual a razão do Os sentimentos que naturailmente lhe dedica sa,o amda
mal? A faJta de simplicidade. fortalecidos e realçados pelo pensamento de que, a
_ ~ vez de olh~ a Deus e nele buscar sua inspira- seu lado o marido representa o próprio Deus e exerce
çao, ve apenas a s1 mesma. Habitualmente, baseia os sua auto~idade. Por conseguinte, é mais profundo o seu-
sentimentos, o co·ração e a vida em contínua e mesqui- respeito, maior a sua confiança. mais ü1ten~o ,o ~e~ ca-
nha preocupação de si mesma, que Toe torna o caTáter rinho, mais perseverante o seu amor, 1!1ª1~ sohc1ta a
t.ão insuportável quanto sua pessoa. sua dedicação, mais inviolável a sua f1delldade.
Contemplai agora a jovem simples. Que contraste! Como aconselha o Evangelho, sua simplicidade da
Esquece-se por compJeto de si para só ver a Deus pomba alia-se de modo admirável à prudência da ser-
o próximo e o dever. Ignora o mal, que nem seque; pente.
lhe tocou a alma inocente e pura. Confia plenamente em seu marido, apesar de sa-
A SIMPLICTDA.DB SEG-l'XDO O EVANGELHO
PRÁTJCA DA SHlPLIODA.l)E NA FAMiLlA ss
hábitos de virtude!
f
geiro, mas que nunca crianç:i- a :u~ esfôrço passa-
he darao sohdos e profundos
to donúnar por alguma fraqueza, se inesperadamente
cedesse ,a um assalto mais temive), a uma sedução
mais poderosa, como Pedro, após d olhar de Jesus
Que acontecerá às almas que n ~ f voltaria logo a Deus e, com profunda dor·, resgataria
ao orem vigorosa- a sua falta com generosidade iJim:itada.
5fl
A Sl.\l'T'LlCIDAnE ~EGUNI>O O EVA..'\GELHO
NONO CAPÍTULO
Oh! a helena 1dêste mundo, deusa impiedosa e im- apaixo;1ar-vos-eis por outra beleza, perto da qual tôdas
pur~ a q;uem as mulheres saerüicam tanto tempo, tan- as belezas do mundo reunitd:as valem menos do ~e
to, dinheiro, tantas nobres qualidades, e, mu_itas vêzes, um fogo-fátuo comparado ao sol: a ~ele~a superior
a~,ª al.om e a eternidade ... , a simplicidade a desti- que provém da virtude e que é a habitaça,o d~ Deus
ftul·~ de seu pe_d~tal e fará com que a desprezeis como na alma e seu reflexo no rosto; a beleza que e com-
se fosse a escoria do mundo e que dela fujais, :rece- posta de humildade e dOÇ\l~ª• de delicadeza,:._e _hondad:e,
ando-a tal como veneno perigoso e mortal. · de modéstia e graça, de caridade e abnegaçao. a bele_za
Se fordes simples,1 teniereis a beleza do mundo que vos torna semelhantes ao Cristo, inspira r_espeito
como um perigo para vós, uma armadilha para os e confiança, afasta os maus pensamentos, atrai e en-
ou:lros, um artificio e um embuste de Satanaz, um ins- canta para elevar a Deus.
trumento de pecado e de perdição. Se fordes simples,
i?imi~~- iComo diz a Escritura, "aquêle que anda em calma e a paz no meio da tormenta e se mantêm tão
s1mplic1dade, anda afoitamente." 1 perto de Deus como nos mais helo.s dias.
Ih Nio so_t:1-·men_to, a simplicidade vos será maravj- Quê digo? Depois que a tempestade passa sôhre
o,so auXJho. Nao mais o vereis como fardo que vos
:~mf ga; como ch~ga q?e vos ~rrita e enerva, como obs-
acu o 1ntranspomvel a perfe1ção.
os altos cumes, o céu fica mais puro; o ar que os e~-
volve é mais transparente; a luz os penetra com mais
intensidàde e mais os embeleza. Da mesma sorte, de-
S: fordes simples, vereis o sofrimento através do pois que foram experimentadas, ,ru; 'almas sim,ples re-
dC?raça? e .da bondade de Deus. Vê-lo-eis como remé- vestem aos olhos de Deus o esplendor, a formosura
. 10. ~nslerioso que a Deus apraz usar, em seu amor e a transparente pureza que antes não pos,suiam.
mfimto, para apagar e destruir vossos pecados, en- A simplicidade não vos impedirá de sof~er, m~s
che!-vos ª. alma de riquezas sobrenaturais unir-vos de tal forma modificará °'
sofrimento que nao mais
mais estreitamente _a Jest1s Cristo e CO'Jn .e.
""'Ie' vos f azer
cooperar na redençao do m1mdo. o reconhecereis.
Não continu areis a sofrer <lo mesmo modo. Não
• . Quantos he:tefícios _vos presta a simplicidade em mais sofrer deixará de ser para vós o ideal, como o
todas as provaçoes da v1dal
é para as pessoas do mundo. Não mais ex:lamarE:is
. O que ~ demo,rado1 para ,as al mas que não são num grito de triunfo: mo1Teu sem sofrer! nao senhu
sunp~es sera breve para vós; o que lhes parece uma a morte! como se no mundo não houvesse outro mal
etermdade vos parecerá um minuto. que o sofrimento.
d O_ que as perturba e desorienta, as desencoraja e Vossos pensamentos serão mais elevados. Só o so-
. e~an1;'11a, o que .as l?rna amargas e irritadas, nunca frimento longe de Deus, o sofrimento contra Deus, co-
satisfeitas, vos deixara calmas e tranoüilas.2 mo o do mau ladrão, será por vós condenado e amal-
Os elevados cumes cobertos de neve pela sua diçoado .
br~ncura, separados dos montes qu-e os ro'deiam, não No entanto, sabereis aceitar para vós e para os
estao men_os perto •do céu quando a tempestade se vossos o bom sofrimento, quando Deus vo-lo. enviar
d~en,ca~e1a e se abate sôhre êles; continuam firmes e na medida em que ~le ideseja que o suporteis.
e 1move1s como quando o céu azul os envolve e
banha de luz. 0s Utilizá-lo-eis e o transformareis; ou, melhor, será
êle que, aceito com espírito de simplicidade. vos trans-
O mesmo. acontece às almas que ai Sll:Qplicidade formará, tornando-vos semelhantes a Jesus e atraves-
eleva e a_prox1ma de Deus. Com sua brancura imacula- sando-vos, como a :t;:le, os pés e as mãos, dilaceran-
da, dom10am as provações da vi_da; conservam. a do-vos o corpo, cobrindo-vos a cabeça de chagas,
abrindo e transpassando-vos o coração.
Provérbios, X, 9, Assim recebido, como o sofrimento pel'ld:e a amar-
~A.s almas simples conservam a paz no meio das preocupações e. gura, como se torna suave e como sentireis a verdade
das Pen&." (são Vicente de Paulo).
desta palavra de fé: "Tôdas as lágrimas secam aos
'
PTI.I.TIC!\ ll.\ ~\IPIJCil),\DE TN TMH:- \l> COIS.\<\
püs de Je!)us, lô<la::, us <!ore-. -.t· ac1ui-:la1n o vosso quinhão; e, ao ouvir vossas ruidosas garga-
t;;oh os divinM ósculos ...1 e adormecem llladas, seríamos capazes de acreditá-lo. Mas não! são
risos forçados que mal dissimulam as profundas feri-
das e o cruel despedaçar do coração entregue ao mal
* e ao pecado. A alegria só pode existir no coração
puro e na alma simples. Aí transborda e se espalha,
t' A simplicidade transformara todos os ,,ossos u11- como um aroma, sôure tôdas as t1ores ela existência:
1men_los, colocando-vos
ulegrta, quer de dor.
"ª
ycrdade e
• ruer se trate de
Como no-lo afirma <J Evangelho, as almas simples
são felizes rnesmo enlrc lágrimas, porque encontram
I?a r-vos-a. ver cm Ju. 11 1· t as mais diYinas consolac;ões.
lt·isteza verdadeira é ofendet~ ~ J~ pu,J que a única
contristar seu coracào. ª cm,, esagi-adar-Llic, *
O ofendem, O descÍnr~n~uoi
o que vos arrancará 1· . .
s:tt
s~ea~•er que ouh·~.,
. . a:stam. Oh! eis
Aos vossos olhos, a simplicidndc transformarú
todos as deveres da vida. l\iostrar-vos-ú os grandes
tante ~anlas, vos caus:runa:. e.' ~e. vos Lornardei:; has- como se ainda fôsseJn maiores e mais sa11tos; for-vos-{l
nia, como a do Salvado~. um espcc1e de con !1 mia ago- sentir por ê les maior entusiasmo e maior ardor. En-
gran,decerá e elevari\ os que são pequenos; farú trans-
ser oFoi nêsse
mru·. 1· d ciue O e u ra <l'A rs se queixou de
· f espírito parecer a majestade de D eus nos mais humildes e nos
s rn
mente no meio do.
e iz os homen
.d s,. por viver
. comdautc-
. s peca ores e. de rnanh:'í. à mfl ntenorcs.
Quantos benefícios vos fará a sim p1lcidadc l
o~1~1r o relato das ofen.sas feitas a Deus ··o, . . l l e. São as coisas.materiais da vida que mais vos fa-
d.i?.1a, matarão O vecad'or .., ·· s p eca< ores,
tigam . Os pequenos e humildes deveres, êsscs ínfimos
Como estais lon~c
lhai-vos •
d_e, t ais
· scnlunentos!
. IIumi- nadas d e cada dia. que se renovam com desespera-
O
bastanl~ !m;:f~â!'d~or nao os experin1;eu tar e tende dora monolooia, que vos envolvem como cm emara-
rá-los ! para compreende-los e adm i- nhada rêdc e que, ao fim de algum tempo. vos caem
em cima tão pesadamenle, eis o que vos cansa e vo~
,- A s~upli~í?ade vos desprenderá de tanta abate.
'\ias, senao ndícuJas ou ím . . . s alegrias Vos sentis feilas para subir; aspirais ganhar a am-
entrega Fa.r v .. pias, as quais o mundo se
J . - os-a compreender a desrrraça de lô<las lllidão; e ficais paradas, no meio <le águas barrentas.
:~::~cª!aq~~. põ_em a própria felicidadt na riqueza no dentro de um voure barquinho. de onde não conseguis
nos p~rfum;:~nJa, no sucesso, na beleza, nas flor;s e sair! É isso o que vos desespera!
Mas aqui está o meio fácil e sempre ao ,·osso al-
Desafortunadas mundan""
.,.., ·' d.izc1s
• que a alegria é cance d e ganhar novos horizonte ·, de vos expandirdes,
lJ EM<t vfrtl11dr foi pos to cm rclc,·o 110 brio livro "\'er.• lu J c,ie", de
1) l.uclc Fólix-l\1urc-Goyau.
68
A Snf PLICIDA,DE SEGUJ'iDO O EVANGELHO 69
PRAT10A. l)A S.IMPUCIDÀDE IDI TôDAS AS COISA$
. nfermidade passageira,
de praticá-las se sucedem c,om freqüência e porque P equeno sofrnnento, um3:. e . ht1milhações e
. d d
um.a contrarie a e, decepcoes
· ' -ma11oas,
º .· tem no lar
são muito agradáveis a Deus.
tôdas as insignificantes ocupaç_o_es que exe1sl m a cada
"Feriste o meu coração, exclama o espôso no a·1 e tais -0cas1oes se rep e ..
Cântico dos Cânticio.s, arrebataste o meu coração com ~u fora e e. fo otmo de ,•iquezas espirituais poder1e1s
um dos teus olllos e com um dos teus cabelos." 1 mstante, que ne - . 1
acumular, se as soubésseis aproveitar.
Que haverá de mais admirável, essencial e impor-
tante do que um ôlho? Que havel'á de mais vil que *
um fio de cabelo? Preparai-vos para sofrer, para ca~
regar pesadas cruzes, levando o vosso amor até o mar- . e e O que mais vos falta
tírio, oferecendo a Nosso Senhor o que tiverdes de . N_ão ºli?I!1-frde~d(fui ::º~offaltaria se fôsseis ver-
mais caro, até vossos o,lhos e, se necessário, vossa vida, e a s1mp c1 a, _e · · . le em tudo em qualquer
e assim comovereis seu coração por essas grandes dadeiramente sllllples, srmp s outros e 'até convosco 'l
coisas. Não negligencieis, porém, as menores, e, de encontro com Deus, c5>m o~ sabeis disso dais prova
Tendes bom cor~ç.ao_ e • hegais a dizer que
acôr.do com o conselho. ex.presso do Apóstolo, oferecei
a Deus o que há de mais corriqueiro em vossa vida, e com isso concorda.tS. As _vezes, 1 ofre1· 1
até o alimento e o sono. e assim comovereis o seu o sentis dcm-asi:3-~o, tan;? ele 1~s v:~t~de, e cada dia
coração também pela.e; pequeninas coisas. Tendes e~ergia e º:2aeis sem conta. E, às vêzes,
Quando santa Catarina de Siena se entregava às as desenvolveis e as desp til' ais em proveito de
mais sublimes meditações e caia em êxtase, quand<c é incalculável o quanto as u iz
ensinava aos grandes da terra, arrebatava o coração vossas paixões. ausam
Tendes delicadeza, tato, sutileza, que c
do celeste espôso pelo ôlho da sabedoria e da contem-
plação. Mas não O agradava menos do que quandlo, vossos mais beblos triunfo~! osas aspirações e impulsos
por obedi ência ao pai, aplicava-se aos mais humildes Tendes no res e gen r - no devo-
admiráveis ! Sois formadas na abnegaçao e
serviços caseiros e tranqüilamente continuava suas
meditações no meio dêsses mesquinhos trabalhos. Con- tamento! d C admiráveis qualidades e tão po-
siderando o pai como Nosso Senhor , a mãe como a , De p~sse e ao odeis levar tantas vêzes mna
Santíssima Virgem e os irmãos como os apóstolos, derosas virtudes , com? Ptil e até detestável, culpad:a
dedicava-se com alegria a tudo que lhe mandavam vida frívola, nula e wu ,
fazer. e escan~alosaf?alt ? Repito-o falta-vos a simplicidade.
E vós, embora vos devoteis às grandes coisas, às
Que vos
-
a. ,
b . rientar vossas qualidades, vossas or-
r
mais importantes e às mais excelentes obras, praticai N a,51 sa es1saboe1·s utilizar; deixais que se 'Percam e
também por Deus as pequenas e humildes virtudes cas
• ' nao as •
· que nao,- sois · m pl es.
• s1·
que nascem como flores aos pés da cruz: suportar um enfraqu~~• . ~o~ tudo exalta tt1do dirige, e faz com
A ds1mp 1c10:i,aepara a glóri~ de Deus.
1) Cântico IV, 9.
que tu o cone
74
brenaturalizar. Tereis provocado em vossa alma uma Se transparecer o bem que fazeis, o~~os, a seu
turno, desejarão praticá-lo, e Deus será g~or1f1cad?. Pen-
disposição ~nter~or_ d_e simplicidade; e, enquanto durar
tal estado, 1mprmura aos vossos atos mn sinal de san- sai nisto para que v?s alegreis_ e esquecei os elag10s ~ o
tidade que os tornará essencialmente agradáveis a proveito ,que poder~1s conseguff. Desta fonna vossa m-
DeU;S. tencão permanecerª' pura. _ . .
Além disso, renovai de quando em vez vossa in- · No decurso, de vossas açoes, prmc1palmenle quan-
tenção da _manhã, de modo particular, ao começardes
alguma açao, soh1·etudo as principais e as mais demo- l) S. ;.!ateus, V, 16
,9
A PRESENÇA DE DEUS
de haver enumerado longamente os crimes de Jerusa- nêle não p~1maneceriamos se a fraqueza º1:1 a surprêsa
lém, o profeta Ezequiel censura enfim o esquecimento nos fizesse cair.
de' Deus como a causa de tôdas as desordens e de to<los Se disséssemos: "Deus está aqui e eu O insulto;
os erros. Deus morreu por mim e eu de novo O crucifico; De1!s
Quantas vêzes o verificamos no confessionário l me cumula de benefícios e O ofendo com meu despre-
Quantas vêzes. após longas e penosas confissões, per- zo"; nossos corações ficariam cheios ,~:e amor, do amor
guntamos aos pecadores arrependidos: "Em vossos des- todo-poderoso, infinito, e teríamos a força de tudo ven-
varios não pensastes em Deus? E êles nos respondem: cer, de tudo supel'lar.
"Não. padre, eu o havia esquecido", ou então: "Afas- O pensamento de Deus tem realizado milagres de
tava êste pensamento porque me era intolerável"; e repentinas transformações nas almas: _grandes pecado-
ainda outras vêzes: "Foi êste o pensamento que me ras devem-lhe a conversão. Pretendendo uma delas
fêz voltar.'' tentar santo Efrem, o santo respond_eu-1}1e: "Vamo~
O pecador foge da presença de Deus para escapar à praça pública! - Quê'. disse a ID1se:.,avel, pecarei
ao remorso da consciência. Ao comeler s~u pecado, em presença de tôda a c1da de? - Entao ! exclamou
Adão escondeu-se, não mais podendo suportar a vista indignado santo Efrem, pecarás na preJença de l_?eus ?"
de Deus. Quando Deus o chamou, não respondeu; foi Foi essa a flexa de fogo que penetrou e~se coraçao em-
necessário que Deus o cham.asse por duas vêzes e o pedernido e arrancou torrentes de lágrimas e de arre-
obrigasse a comparecer diante d~le. pendimento.
Assim procedem vossos filhos. Escondem-se para "Se pensássemos sempre que Deus está presente e
praticar o mal; e, depois de o haver praticado, fogem que tudo vê, diz são Tomaz de :Ag~n~, nunca ou qua!e
de vossos olhos. Somente a vossa presença os detem nunca pecaríamos." A mesma 1de1a e expressa por sao
e os perturba: sentem roê.do. Jerônimo, quando afirma: "O pensamento de Deus
Se uma criança pode ser· retida pelo pensamento fecha a porta a Lodos os pecados."
dos pais, peJa sua vista ou pelo temor dos seus casti- Santo Ambrósio nos relata que, por ocasião de nro
gos, quanto mais não o seremos nós pela inJluência solene sacrifício oferecido aos deuses por Alexandre
lôda poderosa que sôbre nós exerce o pensamento e Magno ao lado do soberano, um jovem pajem lcva,·a
o temor de Deus? uma t~cha. Aconteceu que, <lurante a cerimônia, a cha-
"Todos os pecados, afirma santa Terêsa, provêm ma alcançou a mão da criança que, não se pode~do
da idéia de que não julgamos Deus presente, mas de
que o imaginamos muito longe." livrar sem deixar cair a tocha, suportou a hornvel
Na verdade, se disséssemos: Deus está presente, dor sem nada dizer, no receio de indispor o sober;"?º·
Deus me vê, Deus me julga, Deus pode cortar o fio "O respeito à majestade real, excJama santo Ambros10,
de meus dias e precipitar-me nos abismos eternos, o pôde triunfar da naturez~ a~é ~~la frá~il criança."
mêdo superaria tôda atração, todo prazer. tôda satis- Como não poderia o respelto a d1vma ~aJestade levar
fação, e o pecado se nos tornarai impossível; ao menos, a alma cristã a vencer tôdas as tentaçoes, a sup01:ta-r
A_ PRES.BN'ÇA DE DEUS 85·
A SIMPLICIDADE SEvlJNDO O EV ANG'.ELHO
vino Mestre: "Se alguém me amar, guardará as minhas tôda a fôrca da eXJ)ressão ! O amigo seguro e fiel, o
palavras e meu Pai o amará, e nó.s viremos a êle e amigo de quem a Escritura 'n os 1dti,,z que é "~ma forte
nêle faremos 1norada." 1 P rote,..ão um abJ'icrJ inexpugnável .. . , um ba1sam~ de
Deus habita a alma do justo; nela tem morada vida. ~e 'imortalidade."
:::, 1 •
Deste ·
8!illgo, t amb'
.e~, diz .a
permanente e residência real. Para encontrar a Deus, 1mitação que "ninguém ~de viver se11; ele , p01s
b~ta nos recolhe1·mos em nós mesmas. •• aquêle que se prende à criatura pe.recera ~oifque el~
Conta-nos santa Catarina de Siena que, quando é fragil, mas aquêle que se prende a Jesus fumar-se-a
os pais a impedfam de ir à Igreja, se retirava na pe- pru·a a eternidade." z •
quena cela que havia consh·uido dentro de si; e aí. Que Jesus Cristo seja vosso anngo na~ penas. do,
·no meio dos ,t rabalhos com que a sobrecaffegavam, espírito, do coração ou da alma, nas lr1s_tezas, nos,
podia sempre ficar recolhida e ent,:egar-se a freqüen- aban,d,onos, nas provações 1
tes e amorors,os colóquios com Deus. Há horas em que vosso coração tr~sborda: sente
Podemos ainda considerar como último exercício intensa dor e opressão, preci~a. expandir-s~. E qua;11~0 ,
da inteligência o aplicá-la não sómente a Deus, mas na criatura, procurais êsse ahv10 que_ vos _e n,:cessano,.
também a Jesus Cristo, pensando no Salvador e ima- não O encontrais: por vêzes encontrais a ilusao, quase
gh1ando-O nas diversas fases die sua existência: em nunca a realidade.
Belém, no deserto, cm Na~aré, no <,lecorr~r da vida Quem jamais abriu o coração a 1esus sem se achar
pública, durante a paixão, no Calvário, no túmulo;
1u aravilhosamente socorrido? Dep01s que, em torren-
ou então, ressuscitado, no céu., á direita do Pai. tes de lágrimas, Madalena o expandiu aos pés de Jes~
qual a alma sofredoTa e torhuada, qual o coraçao
* vartido que tenha chorado aos pés ~o Salvador s~m
enconn:ar admiráveis consolações e rnesperadas !or-
Mas não lê bastante o exere1c10 -da inteligência,. Ms? Davi já exclamava: "Pensando em Deus., sentia a.
é neccss.ário exercitar a vontade. e, por meio de atos, ~egria e o consôlo inundar~me º.~ração.".
aplicar o coração. Quê acontecera a .uma cr!sta que d1s_ser: Jesus
Para com Deus presente e atuando em vós,. para sofreu e morreQ por :mtm l A tristeza que smto, ~l~ a
com Deus que vos vê, ouve e julga, fazei atos ,dle fé, sentiu; a dõr que suporto, tle a suportou p~-r mim,
de adoração, de mnor e de oblação to.tal de vós mes- antes de mim, para merecer-me a graça e a força em,
mas. Mormente para com Jesus Cristo, fazei freqüen- meus sofrimentos e provações. Na cruz~ -pe1;1-sava em
tes atos de amor, atos de coração, a'fos que de algum mim e me vja; e agtora ainda, .do alto do ceu, pensa
modo levem vossa alma a perder-se inteiramente na em mim me vê e ora por mim!
d~le. •J esu's é o divino amigo que consola e fo1·talece._
Que .Jesus Cristo se torne para vós o amigo, em
1) Br.-lesiástico, Vil, 1+-16.
1) :S. João, XIV, 23. :!) fmil. It. ij.
92 \ STMPLlGlD.\DE SEGCNDO O EY.\.;'l~ELKO 9S
A. PRESENÇA DE mrns
elas!
. Que, em vossa vida, tudo seja inspirado pelo dc-
seJO de agradar a Jesus! *
Hoje O expulsam da sociedade e como C1Utrora Deus vos auxiliará nesse grande trabalho, f[Ue é 1
os_ judeus, _exclamam: Não mais qu;remos que ~le o magnífico trabalho da santidade, e que é ainda mais
reme; _levai-O e. crucificai-O 1 "As nações estremece-
ram,. diz o Salmista, tôdas as potências de terra se dêle do que vosso.
Deus quer m.uito mais às vossas almas do que a
reumram contra o Senhor e conu-a o seu Cristo." f: mais extremosa das mães alguma vez quis aos filhos;
uma conjuração que vai até ao ódio e à insânia· que- mais do que a espôsa mais terna e dedicada jamais
rem suprimir o próprio nome de Deus! '
quis ao espôso I Deus ama as vossas almas com amor
. Compele-vo~ 1~arar, protestar pacificamente, re- incompreensível, porque é infinito. E porque as ama,
agir de modo cr1stao, preparar em vossos corações um conduzi-las-á incessantemente à conquista desta vir-
lugar para Jesus, tanto maior quanto menor o que tude, enh·e tôdas a mais preciosa: a simplicidad'e.
lhe derem neste mundo; recebê-Lo com amor tão gran- E porque Deus ama as voSSJas almas, ~le mesmo
de quanto o ódio com que O desejam expulsar.
as aperfeiçoará.
Vivei sob o ?J~ar de DetlS, unidas a Jesus pela E, se as deseja cada vez maiores e mais belas, se
-vo~tade, pel_o esp_1nto, pela alma e pelo coração; mos- as deseja cada vez mais abençoar e cumular de graças,
trai-O, mamfesta1-O _em redor de vós; sêde para f!:.le Deus vos enviará decepções, insucessos, dissabores,
como um espelho vivo; pela vossa influência cristã dcsgóslos e contrariedades a fim de que vos não ape-
fazei ?ºm que ~l~ se irradie sôbre todos os que g.{ gueis às criaturas e sim unicamente a i!:le.
aproximam de v?s. Em uma palavra, esforçai-vos Deus deitará por terra os meios com que havíeis
de crescer cada _dia ~~ verdadeiro e muito puro amor contado e utilizará, fazendo-os chegar a bom lêrmo,
de Jesus, pela s1mplic1dade e pureza de intenção.
aquêles em que nem. havieis pensado .
Quanto mais simples fol'des, mais vos unireis a
.Jesus, e quanto mais vos unirdes a Jesus mais vos
tornareis simples. Da simplicidade à união com Jesus 1) Silo Mateus, X.Vil, 8.
Z) São foi\o, XVI(, 21 •
e da união com Jesus à simplicidade, formar-se-á du-
I
Aplicar-se-á a vos mostrar o vosso nada; a vos Na terra, nem tôdas sois chamadas ao mesmo grau
provar que, em vós, somente :êle tudo quer realizar, de simplicidade; mas tôdas deveis querer, pnocurar e
que nada haverá de sólido a não ser o que :êle mesmo praticar esta ,admirável virtude, na medida em que
tenha feito_. Deus a quer para vós e em que vos concede a graça;
Construirá o edti.fíc:io da vossa perfeição sôbre as pois a simplicidade é vosso maior bem neste mundo,
ruínas do "eu''. como será vossa maior recompensa no outro. Quanto
mais simples houverdles sido na terra, mais sereis glo-
Quem sabe se não chegará a vos despojar de tudo
e talvez ,a vos -die har, por instantes, acreditar que :tle rificadas no céu!
mesmo vos abandonou, a fim de vos tornar mais se-
melhantes ao divino Jesus, em seu grito de angústia
e de aflição l
• Mas é então que estará mais perto de vós, que v~
sustentará mais f o,rtemente, e que mais viverá em vós.
Servir-se-á dessas provações como de maravilho-
sos remédios parà cl1rar-vos as imµerf eições, como de
colírio encantado para abrir-vos cada vez mais os olhos
às belezas incriadas e ao'S esplendores do mundo
sobrenatural.
Doravante vos to1·nareis cada vez mais semelhan-
tes aos eleitos que estão no oéu; realmente, pela sim-
plicidade, Deus tornar-se-á tudo para vós, como tudo
é para os eleitos, até o dia em que, caídos os véus da
carne,, vossa alma se lá.nçará para :êle a fim de con-
templá-Lo face a Jace e eternamente conhecê-Lo;
como por :êle é éonhecida.
Entãro a vossa simplicidade será _perfeita, porque,
entre Deus e vós, nunca mais haverá nada que sepa.re.,
e para sempre ficareis arrebatadas pela visão das be-
lezas divinas e n:a posse perleita, no inefável gôzo, do
único necessário/" 1 \
JESUS E A SIMPLlc_IDADE
A simplicidade de Jesus passa ao coração dos Durante a Pai'xão, a simplicidade de Jesus irra-
Apóstolos. É o encantamento todo-poderoso que oo dia-se com maior brilho.
atrai, a fôrça irresistível que os arrasta. É simples em Getsêmani. Chegou a sua hora, o
"Mestre, onde morais? perguntam-lhe. E tle res- Pai falou, isto é o bastante. Não procura esconder-se,
ponde: "Vinde e vêde ... " 1 E logo vêm e prende-se fugir, ou defender-se. Vai diretamente ao encontro da
a tle. dor e da morte.
"Segui-me", disse-lhe ainda. E sem hesitar deixam Sua natureza humana tem mêdo, treme, agita-se
ocupações, redes, trabalhos, pais, tudo enfim, e O se-
1
e pede graça. rue a vence e não receia um instante:
guem. z ••Foi para isto que vim!"
Até na linguagem exige simplicidade absoluta: Poderia pedir ao Pai que lhe enviasse Anjos para
Seja o vosso falar: sim, sim; não, não; porque tudo libertá-~o. Mas nem pensa nisso. Deseja apenas obe-
o que passa disto vem do mal."ª decer e executar os soberanos desígnios.
Quanto a :êle, leva a simplicidade ao mais alto É simples diante dos tribunais, nas atitudes, pa-
grau; fala com10 pensa e pensa como o Pai: "Como lavras e respostas. É humiJ.de e digno, modesto e firme.
escuto, julgo." Dentro de si escuta a palavra que Deus Não tem a dureza estóica do rosto e do olhar com que
lhe diz, o julgamento que Deus faz, e pronuncia a mes- o representaram alguns pintores.
ma palavra e faz o mesmo julgamento. É suave a sua majestade, e a bondade transparece
Entre :êle e o Pai, existe conformidad'e constante em sua firmeza. Nêle o homem se atenua e o divino
e absoluta de pensrunenlos, de sentimentos e de von- é 1·ealç-ado. Esquece-se para só ver a Deus. Sabe que
tade, enfim, a união perfcita de coração e de amor que nada acontecerá sem a vonba,dle do Pai; que seus juizes
constitui o ideal da simplicidade. e seus carrascos não têm outro poder além daquele
O espirito do homem, em Jesus, é de tal forma que Deus lhes quer dar.1
submisso e dócil às inspirações , do espírito de Deus Eis por que quase sempre se conserva silencioso,
que, verdadeiramente, Jesus só tem um espírito, de sem mesmo procurar defender-se, entr-egando sua cau-
acôrdo com a palavra do Apóstolo: ''Aquêle que se sa só a Deus.
une ao-Senhor tem um mesmo espírito com êle. ., É simples no Calvário. Não tem amargura, não
faz repreensão alguma àqueles que o erucificam, ou
* à turba que o ultraja. Nenhuma consideração pessoal,
nenhuma queixa. Nada ma.is vê além dos pecadores e
l) s. João, J, 38-39 ,
de Deus.
Abandonando 0.1, redes e o pai, Ves o seguiram. (S. ll.o.t., IV, 22' Aos pecadores perdôa, promete-lhes o Paraíso,
Els que nós allandonamo~ tudo pnra vos segu.l:rmos. (S. .Mo.t., XlX,
27.)
2) Levo.ntnndo-se o seguiu , (S, Mat,, JX, 9). 1) .. Não terias poder nenhum sôbl'I' mhn, lle te Dilo fósse dado do álto",
9) S. Ho.t., V, 37. dis.se a Pilatos (S. João XIX, 11).
104 A SIMPLICIDADE SEGUNDO O EV~GELHO 1.RSUS E A SIMPUClDADE 105
dá-lhes a própria. mãe e mannesta-lhes a sêde que mim e só o que é divino subsista! Ou pelo menos,
tem de suas almas. embora Q humano em mim continue, pois que é a
Ao Pai, até no meio do mais cruel abandono, da minha condição, que se transfonne em ,divin.o, como
mais horrível agonia, só fala em submissão e confiança. em Jesus! Que pela simplicidade, contemplanda e pro-
curando a Deus em tôdas as coisas, O encontre, a ~Ie
ó meu Salvador, que ~orável simplicidade a me prenda e n~le permaneça para sempre 1
vossa!
Que unidade em vossos pensamentos, sentimentos,
trabalhos, dores, virtudes e orações! Tudo para as al-
mas e para .Deus. E nossas '8..1.mas, é ainda ~ a Deus
que as salvais: para que o nome de Deus seja santi-
ficado por elas, para que seu reino chegue e para que
soo vontade se cuinpra. As almas são a messe e a messe
é para o Sen,hor.
De modo que "uma só coisa é necessária'', isto é:
glorificar Deus nt:.le mesmo e glorificá-Lo pelas almas
e nas almas. Coo_templar sempre a Deus, trabalhar
sempre para Deus, ,atribub:- a Deus tudo o que se faz,
ver unicamente a Deus na criatura e só ver a criatura
em Deus : eis a finalidade de vO'Ssa viela. ó Jesus, e
eis também a perfeita simplicidade!
•
ó simplicidade, como és grande e bela! Mas como
és mais bela, mais atraente ainda, como és santa e di-
vma; no coração e na alma de Jesus 1.
ó simplicidade., és verdadeiramente o espírito de
Jesus, o espírito de Deus na criatura!
ó simplicidade, sê meu constante exercício, minha
contínua inspiração, minha alma e minha vida! Que
por ti eu morra a tudo o que pertence à criattu·a ! Que
por ti eu viva para tudo o que é de Deus 1
Qwe por ti tudo o que é humano desapa-reça ein
DÉOIMO SE:xTO CAPÍTULO
MAlUA E A SIMPLICIDADE
plora o Messias, chama-O com todo o poder dos seus mais pura, mais pronta, mais generosa, mais semelhan-
desejos, com tôdas as energias do coração, com todo te à de .Teslls?
o ardor da alma abrasada de amor : '' ó Deus, diz ela, A simplicidade caracteriza-se por não ambicionar
enviai, pois, Aquêle que devéis enviar; ó Deus, glori::- honra alguma, nem mesnw pensar nisso; mas simplici-
ficai-vos no Messias! ó Deus, não tardeis mais, apr'essai dade maior ainda é aceitar s·em consideração pessoal,
a hora de vosso triunfo!" Esta é a prece de Maria, tôda as honras e os encargos, desde que nos sejam dados
impregnada de simplicidade. por Deus. Só então a alma está isenta de todo amor
Sua oração atravessa as nuvens, domina o· grito próprio, inteiramente desapegada de si mesma e tôda
dos pecados do mundo, sobe até à eternidade e é ou- perdida em Deus, a quem p11ocura apenas por :êle.
vida. Graças a ela, chega a hora da libertação. No entanto, José ignora o plano dlivino: nada sabe
ainda do que se passou entre o anjo e Maria. Fica ad-
* mirado e escandaliza-se com o que observa; até "co-
gita devolver secretamente a espôsa."-1.
Portador da sublime mensagem, o anjo Gabriel é Que p1·9va para a simplicidade de ~Iar~a ! !r~ ela
enviado por Deus à humilde virgem de Nazaré. deixar que José continue a ter essa suspeita rnJusta
Em sua simplicidade Maria não .se assusta ao ver e ultrajante, quando poderia dissipá-la com uma pa-
um anjo; mas se admira e se perturba com as pala- lavra? Irá eia- abandonar a confiança que d!eiposita
vras que ouve. A mesma simplicidade que a levava a unfoamente em Deus e recorrer a um_ meio humano,
desej,ar a vinda do Messias afastava-a do pensamento embora permitido, para justificar-se e pleitear a pró-
de ~e um dia pudesse tornar-se mãe d~le. Ao con- pria causa?
trário de tôdas as mulheres de Israel que ambiciona- Vence a. simplicidade! Maria poderia falar sem
vam a maternidade, na esperança de que delas ou de cometer falta alguma, mas não fal1;t . Deus tudp fêz
sua raça nascesse o Messias, Maria havia formalmente nela e, por ÍSSIO sómente conta com tle. Sua esperança
renunciado, por um vote, a essa magnifica esperança. não é enganada, sua sim(plicidade é recompensada.
A s.i:mplicidade escondia-lhe tôdas as viTtudes e tôdas Deus toma a defesa de Maria e envia a José um 'anjo,
as perfeições. Eis por que se perturba e não compre- que tudo lhe explica.
ende. Nunca é vã a confiança das almas simples. Quanto
Mas, qllando o anjo lhe anuncia o desígnio e a mais se abandonam totalmente a Deus, mais Deus
vontade de Deus, essa mesma simplidd.a,de impede-a zela por seus interêsses.
de solicitar maiores explicações ou de se recusar como Maria é simples quando, jm,pelida pela graça, vai
indigna; e, sem hesHar um instante, fechando os olhos ao encontro de Isabel, fazendo-a parti,lhar de sua fe-
a tôda consideração que não seja a die agradar a Deus, licidade. Não nega ooisa alguma do que se passou:
responde: "Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em relata os fatos como são. Mas nada se atribui, tudo
mim segundo a vossa palavra."
Onde se poderia j.amais encontrar simplicidade 1) São Matens, J, 19.
110 A StMPLIClDADB SEG u~o o EVANGELHO MAIRIA E A SIMPLICIDADE Ut
atribui a Deus: "É o Todo-Poderoso que f êz em mim imolação suprema que deve garantir, pela eternidade.
grandes coisas." o triunfo e a glória de Deus.
* .
*
Simples, Maria se conserva até o fim da vida.
Maria é simples quando, a uma palavra do Anjo, O que vê na ressurreiçã,o, o que a cumula de felici-
parte com José para o Egito, desprezando os perigos dade, é menos a alegria pessoal do que a entrada das
da viagem e as incertezas do futuro. Simples em Na- almas no céu em companhia de Jesus, e todos os lou-
zaré, onde durante trinta anos deixa ,que os homens vores que Deus vai receber até o fim dos séculos dessa
ignorem ,a honra que lhe foi dada. Simp]es, quando multidão de eleitos.
Jesus deixa de morar com ela para começar a vida E quando, ao subir ao céu, Jesus a deixa neste
pública. Não o impede de partir, não obstante a sua mundo, entristecida., ainda por longos anos, nã.o se
profunda dor, pois sabe que Deus assim o quer. queixa, não indaga a razão, não ,ailega direitos. É bas-
Lembra-se da profecia de Simeão; começa a sen- tante que Deus o queira, para que também o queira
tir que a ponta da eSJpada já lhe toca ,o coração: prevê de todo o coração.
terríveis provações. Mas vê tudo em Deus: a simplici- Sofre, fica com o coTação dilacerado; mas é feliz
dade dá-lhe a coragem de tudo aceitar generosamente. e contente, parque. sendo simples, esquece a própria
Simples, oh I como Maria o é durante a paixão ,d e dor para ver apenas a glória de seu Filho e a glória
seu Filho! de Deus!
Acima dos próprios sofrimentos, acima da ton-en- Simplicidade tão perfeita faz com que mereça a
te de amargura que lhe enche a alma, acima até 'das maior das recompensas. Quando chega a hora marca-
dores atrozes que padece seu Jesus bem-amado, vê a da por Deus, do alto Jesus a chama, dizendo: "Vem,
divina vontade, a eteTna justiça qtie brillla e resplan- vem, ó minha pomba, minha perfeita, minha única;
dece, a infinita misericórdia que se expande; vê nos- vem, que eu 'te corôe I" 1 E Maria lança-se para seu
sas almas resgatadas, salvas; e, acima de tudo, vê d~vino Filho. Até seu corpo, unido à alma, é levado
Deus conhecido, amado, exaltado, Deus para sempre aos céus pelos anjos. Pela simplicidade, ultrapassou
soberanamente glorificado 1 tôdas as criaturas; e, agora, pela recompensa, também
:tsse olhar de seu coração, que não se desvia de as ultrapassa. É ela quem está mais próxima de Jesus
Deu'S, ampa:i;a-a, impede-a de desfalecer e a faz consen- na glória, acima de todos os anjos, de todos os sera-
tir com tôda a a1ma e tôda a liberdade nos sofrimentos fins, de todos os eleitos.
e na morte de seu Filho. ~sses sofrimentos e essa mor- Neste mundo, a simplicidade havia tornado a união
te, ela os quer, porque Jesus os quer, porque Deus os entre Maria e Jesus, entre Maria e Deus, tão perfeita
quer. E, sacerdote dêsse grande sacrifício pela reden-
ção do mundo, Maria oferece Jesus ao Pai, para essa J} Cãntlto.
j
dade, pois nunca outro pensamento lhe ocupou o es- tão longe a simplicidade. B3&tou.lhe uma palavra d-0
pírito, ne.0.1 otdro desejo o coração, que o de asseme- Evanaelho para chegar a êsse extremo, a essa loucura,
lhaí'-se perfeitamente a Jesus Cristo. b'
como Julga o mundo.
Como o do Salv:;idor, seu berço é 11m estábulo. Desde então, Francisco nunca mais retrocedeu.
Assim o quer Deus, para marcar o caráter que te1·a
tôda sua. vi,dia. ·
Os companheiros de mocida,de são unânimes em *
~um prodígio de aband<mo à Providência, não
louvar-lhe a franqueza, a honestidade, a alegria, ~ conhecido nos séculos _passados., funda uma ordem re-
candura da alma, em suma, a simplicidade. Essa sim- ligio~a baseada na renúncia universal e perpétua a
plicidade afiasta dêle a inveja, o ciume e qualquer tudo o que p.ão é indispensável à vida, e, para sempre
desconf.i,,anca; atrai-lhe a simpatia sem que a procure, proíbe aos ~seus ,que llOssuam qualquer bem dêste
faz com qti.e seja am:;trdo de !todos; e sempre que há mund:o. Cliega até a demolir com a.s próprias mãos
U1na. festa proda.mam-no rei. · um convento que havia sido construido em desacôrdo
Ê a: simplicidad.e que o atranca ao mundo e o com suas instruções.
lança no caminho da ma.is alta perfeição. É simples para com os superiores. Pede ao Sumo
Saja de um fe-&tim. Os c9mpanbei:r9s, alegre~, ca- Pontífice para confirmar a indulgência da Porciúncula,
minhav;am cantando. De repente pára, imóvel, o -0-Ihar que lhe fôra concedida por revelação; e, quando o
no céu, o rosto iluminado, em êxtase. Quê vê êle? O Papa a confirma, rei.ira-se. O Papa é obrigado a cha-
tudo de Deus e o nada da criatura. má-lo para -dar-lhe um atestado escrito do insigne
Está acabado: bastou-lhe o olhar de um instante. privilégio qtte acaba ,die obter.
O que viu jamais esquec.e rá. Sua deliberação está É simples com os irmãos; considera-se- o úfümo
tom~c1à: pertence todo a Oeus. dentre êles. Quer que seus discípulos se chamem mí-
Mas como realizará essa decisão? nimos, isto é, os menores.
Abre o Evangelho e lê: "Se alguém quer ser pet- É simples com tôdas as criaturas. Como o primei-
feito, despoje-se de tudo o que tem e siga-me.";1 ro Adão, em estado de inocência, fala aos J_)ássaros,
Não raciocina, não discute, não atenua <a palavra aos peixes, aos anima.is; eX!OTta tôda a natureza a
de Deus. Jesus diz-lhe que se desp<:1je de tudo para louvar a Deus. Quanto a. êle, vê Deus em tôdas as obras.
segui-Lo: executa a ordem ao pé da letra, e, afron- A alma de Francisco é, na verdade, uma alma de
tando o respej to humano, a oposição dos homens e -do criança, ahna límpida e transparente, que ignora o
próprio pai, ex_pondo-se ao ridiculo, à injúria e à mal e tem húrror a tôdla duplicidade; alma de pomba,
11'.lÍSéria, realmente despoja-se de tudo, até do manto; em· que se reflete com tôda, a peiíeiç.ã.o a simplicidade
como vestimenta, conserva apenas um a túnica e um do Evangelho. ·
cordão, como livro, uma cruz. Jamais alguém levara Segui-o em tôdas as suas jül'nadas, atrav~s lle
seus múltiplos ~rojetos, entre os religiosos de sua or-
1\ S. llfát. XIX, 21.
dem. Não se ápega a coisa alguma de humano ou de
116 A SIMPl,lCIDADE SEltUXUO O EV ANGRLHO FRANnsc o DE ASMS. AL!
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criado; ludo desdenha. Só vc. procm·ar e quer a Deus. Quando alcança o ruais alto cimo da simplicida-
Deus meus et omnia: "Meu Deus, sois o meu tudo": de, só lhe resta deixar o mundo para entrar no céu.
esta é sua divisa e a essência de seu espírito. Tudo, Com efeito, Deus o chama para coroá-lo. Apro-
para êle, nada significa; somente Deus é seu tudo e ximam-se os últimos instantes. Para aliviá-lo, os ir-
é único! mãos tentam mudar-lhe a _posjção no miserável gra.;
Jesus pob1--e, Jesus despojado de tudo, Jesus na bato: êle recusa, quer permanecer de costas, para
era~, no auge da miséria e <do abandono, eis o cons- melhor contemplar o céu. E mais: acha que o grabato
tante objetivo de Frandsco, sua única paixão I É sem- ainda é demasiado. Exige que o depositem no, chão,
1-ue encontrado aos pés do Crucifixo, entre os braços para nada mais conservar dos bens dêste mundo. De-
e sôbre o coração do Salvador. Só aspira a ser pobre pois dêsse último ato de simplicidade, feliz por se
e ~r_ucificado como .êle, a imolar-se como :êle, pela pru·ecer mais com Jesus crucificado, o corpo meio
glona de Deus e salvação das almas; e, por insigne levantado e o rosto resplandescente de amor, entrega
graça, merece receber em seu corpo e em seus mem- a alma a Deus; vai unir-se, por tôda a eternidade,
b:rns as mesmas chagas que o Redentor do mundo. Àquele a quem unicamente procurou e amou na terra.
Depois dêssc extraordinário milagre, realizado em
sua carne e visível aos olhos de todos, F.rancisco, mais
do que nunca, torna-se motivo de entusiasmo para o
povo, que, de tôda parte, ocorre para êle, apressa-se,
quer vê-lo, tocá-lo, beijar-lhe os estigmas sangrentos. Igual sim_plicidade ultrapassa as fôrças normais.
Somente Deus, por meio de graças extraordinárias,
E tão grande é sua simplicidade, seu esquecimen- JJOde assun elevar uma alma escolhida. Que, ao me-
to total de si, sua atenção dirigida só a Deus, que nos, seja ela como wi1 fa:rol luminoso que vos con-
não procura fugir nem esquivar-se a tais homenagens. duza entre os escolhos e as tempestades dêsle mundo!
Alma menos simples teria tidô, mêdo de si; teria re"' Nessa esplêndida h1z, compreendei melhor as palavras
ceado o amor próprio e a vã complacência. da Imitação: ''Vaidade das vaidades, tudo 1é vaidade,
Mas Francisco está de tal fórma morto para ,o s~u exceto amar a Deus e só a ~le servir!"
eu, que o homem não existe mais nêle; cedeu todo o
lugar a Deus. Compreendei melhor quão necessária e grande é
Francisco não mais se vê; só vê a Deus que de- a simplicidade que, através dos bens passageiros e
seja glorificar-se em sua criatura. através de tôdas as criaturas, somente ao Cdador vê
E exclama: "Meus olhos não vêem mais a criatu- e procura. .
ra; tôda minha alma clama pelo Criad,or; no céu e Que cada uma de vós seja simples, de acôrdo com
na terra, nada há que me seja doce; tudo se dissipa o próprio estado e condição e em razão da graça que
perante o amor do ,Cristo !!'1 Deus lhe concedeu! Que cada uma se esforce por
alcançar o grau de simplicidade determinado por Deus 1
1) ;.!.• Cântico. A vos,sa simpliddade marcará a medida em que
118 A SIMPUClDAO.E SEGUNDO O EVANGELHO