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ABSTRACT: The new technologies and the rising of the internet have been transforming
the way people connect to each other, breaking the boundaries between the public and
the private space. In this regard, social movements, such as feminism, have appropriated
digital space, which have reconfigured forms of activism. Therefore, this research aimed
to understand the effects of cyberfeminism from a discursive and ethnographic
perspective, as well as describe the range and limits of this form of activism in order to
discuss the online and offline effects of discourses mobilized by cyberactivists. The data
were collected through the insertion in a feminist page and a blog and also through an
interview with the two administrators of these online spaces. The conclusions indicate to
a heterogeneity of discourses in these spaces, which, thus, constitute places of both
stabilization and sliding.
INTRODUÇÃO
1 FEMINISMO E CIBERFEMINISMO
Ao longo da história, as mulheres foram silenciadas, tendo sua história narrada a partir
do discurso masculino. Deste modo, foram retratadas como frágeis, inferiores aos homens
e submissas. Diante disso, o feminismo surge com a proposta de questionar o lugar
destinado à mulher na sociedade e as diferenças existentes entre mulheres e homens,
trazendo, assim, a discussão de gênero (LOURO, 2000). Contudo, a história do
movimento feminista é bastante controversa, uma vez que coloca no mesmo patamar a
luta de mulheres brancas, negras, ricas, pobres, entre as mais diversas categorizações
possíveis para o conjunto mulher. Tendo isso em vista, o considerado primeiro momento
do feminismo se deu quando mulheres passaram a lutar pela igualdade em relação aos
homens, por direitos sociais e pelo direito ao voto. Esse período ficou conhecido como
movimento Sufragista e foi caracterizado por ter à frente das lutas mulheres brancas e de
classe média, portanto não representava a todas.
Em 1970, o movimento coloca em pauta a distinção entre público e privado que existia
na época, questionando o papel quase sempre reservado às mulheres: o espaço privado.
Para isso, trazem a afirmação de que “o pessoal é político”, com discussões que, até esse
momento, eram vistas como específicas do espaço privado, reivindicando, assim, o lugar
da mulher no espaço público. O debate causa uma ruptura no discurso hegemônico que
estava instalado sobre a mulher e seu lugar na sociedade, mobilizando a luta pelo direito
da mulher ao seu próprio corpo, uma vez que, ao longo da história, mulheres que
exerciam livremente sua sexualidade eram vistas como impuras, exceto quando o
objetivo era satisfazer os desejos do homem ou, ainda, para fins reprodutivos. A
discussão segue até os dias atuais. Dito isso, passemos, agora, a discutir o modo como o
movimento feminista passou a existir a partir do advento da internet e das mídias sociais
digitais.
No ano de 1990, o feminismo, em várias partes do mundo, além de atuar por meio de
manifestos acadêmicos, passeatas, entre outras formas de manifestações, passa a se
expressar, também, através da internet. Em 1991, o grupo feminista Australiano VSN
Matrix organizou o manifesto ciberfeminista, que tinha como propósito homenagear
Donna Haraway, teórica que, em 1984, introduziu a ideia da apropriação das tecnologias
pelos movimentos sociais, com a publicação do Manifesto Ciborgue: ciência, tecnologia
e feminismo socialista, entendendo tal apropriação e forma de manifestação como
ativismo político (CASTELLS, 2013).
Esse modelo de ativismo trouxe outras formas de expressão para as integrantes dos
movimentos feministas, dentro e fora das redes sociais. Desse modo, pessoas que se
identificam com a militância feminista, nos mais variados segmentos, promovem
passeatas e manifestos, expressando as pautas de sua luta através de escritas no próprio
corpo. Um exemplo desse tipo de manifestação é a Marcha das Vadias 1. Marie-Anne
1
A Marcha das Vadias é um movimento que surgiu em 2011 na cidade de Toronto,
Canadá, com o movimento denominado Slut Walks. A mobilização teve início após um
policial afirmar que “as mulheres deveriam evitar se vestir como vadias, para não serem
vítimas de ataque”. Apropriando-se do termo “vadia”, o movimento tem o objetivo de
se manifestar contra a ideia de culpabilização das mulheres em situações de violência.
Assim, a internet se torna uma importante ferramenta que, ao permitir a conexão entre
diversos lugares do país e do mundo através de grupos e páginas, mesmo que em longa
distância, proporcionou a divulgação de movimentos organizados pelas mulheres, o
empoderamento, a discussão de suas pautas e demandas, reflexões, trocas sobre vivências
diárias, bem como denúncias, através de campanhas e relatos, proporcionando, assim,
visibilidade ao movimento feminista.
Por outro lado, o ciberativismo trouxe, também, mobilizações contrárias que, através da
criação de grupos e páginas, propagam uma imagem distorcida do movimento feminista,
bem como a violência virtual e não virtual, dentre outras questões que nos mostram
como a apropriação das redes sociais pelos movimentos feministas repercutiu direta e
indiretamente na vida das ativistas.
Tendo apresentado as condições de produção dos discursos que pretendemos analisar por
meio de uma imersão etnográfica, passaremos a discorrer sobre a Análise de Discurso,
teoria e método que organiza o olhar para o ciberativismo.
2 ANÁLISE DE DISCURSO
Entendemos discurso a partir de Pêcheux (1997), que, ao discutir esse conceito, traz a
tríade língua, sujeito e história, pois é através dela que se constitui o discurso. O sujeito
da linguagem é interpelado pela ideologia, constituído e atravessado pela linguagem que
tem caráter histórico. Enquanto materialidade histórica e linguística, o discurso torna
possível perceber a relação que se estabelece entre a língua e ideologia (PÊCHEUX,
1997). Sendo assim, é aquilo que, a partir de um texto, produz sentido, articulando essa
materialidade linguística ao contexto sócio-histórico e ideológico em que se insere e se
constitui (ORLANDI, 2003).
Então, compreendemos que, por ser perpassada pela ideologia e pela história, a linguagem
não é transparente e, portanto, na análise do corpus de pesquisa não buscaremos um
sentido no discurso, mas, a partir de sua materialidade, os possíveis efeitos de sentido
(ORLANDI, 2003). Assim, para analisar o discurso feminista, faz-se necessário entender
as suas condições de produção, o contexto atual e a memória discursiva que o constitui
(PÊCHEUX, 1997).
O eixo que organiza os dizeres possíveis de serem ditos é o que se chama, em AD, de
interdiscurso (ORLANDI, 2003). Nesta esteira, o conceito de Formação Discursiva (FD)
se faz importante, visto que está diretamente relacionado com a problemática do Sujeito,
em seu duplo aspecto de constituição: linguístico e sócio-histórico. Para Pêcheux (1997,
p. 160), FD “se define como aquilo que em uma formação ideológica dada – ou seja, a
partir de uma posição dada em uma conjuntura dada – determina o que pode e deve ser
dito”, sendo assim, a ideologia é preponderante nos efeitos de sentido, podendo uma
mesma palavra ter seu sentido alterado, de acordo com a posição do sujeito no discurso.
A ideologia produz a naturalização de sentidos a partir das formações ideológicas que
possibilitam um efeito de evidência (TFOUNI; PANTONI, 2004). Desta forma, a FD é
aquilo que, a partir das formações ideológicas, organiza os dizeres e possibilita que os
sentidos se coloquem como “já-lá”, ou seja, como sentidos já cristalizados, ditos em outro
momento.
3 ETNOGRAFIA DIGITAL
Como pontuado acima, através dos pressupostos básicos da Análise do Discurso, foi
realizada uma imersão etnográfica digital que “se caracteriza por ser um método
interpretativo e investigativo sobre o comportamento cultural e de comunidades on-line”
(KOZINETS, 1997, p. 34). Este método de pesquisa surgiu com a necessidade de estudar
o espaço virtual e digital, partindo do pressuposto de que os comportamentos fora do
ambiente virtual são afetados por comportamentos dentro dele. Nesta metodologia de
pesquisa, acontece a inserção do pesquisador no espaço virtual (site, mídias sociais, blog,
etc.), mediada por um computador, o que possibilita a observação e participação neste
espaço que é online e não mais off-line como em outras formas de etnografia. Sempre
levando em conta seu estranhamento em relação ao objeto, ao âmbito de estudo, e à
subjetividade dos participantes do processo, o pesquisador “se transforma num
experimentador do campo, engajado na utilização do objeto pesquisado enquanto o
pesquisa” (KOZINETS, 2007 apud AMARAL; NATAL; VIANA, 2008, p. 35)
Neste ambiente, existe um leque muito grande de informações, assim como questões
culturais, que podem variar de acordo com o tema e objeto de estudo. A não interferência
pela presença do pesquisador, como acontece em uma pesquisa off-line, pode ser vista
como uma vantagem de tal forma de pesquisa. No entanto, há também algumas questões
que podem interferir e dificultar a pesquisa, uma vez que não existe o contato físico direto
com quem produz os discursos analisados, como exemplo, os efeitos de sentido possíveis
a partir de algumas características do texto escrito, como emoticons, dentre outros
recursos utilizados na esfera virtual.
De todo modo, os movimentos que advêm do ambiente virtual produzem discursos – que
materializam posições ideológicas e se inscrevem no interior de uma FD – sendo
fundamental estudá-los, já que a justificativa para um trabalho como este se aloca nos
Para participar da imersão etnográfica digital, foram escolhidos uma página e um blog
feminista. A escolha se deu em função de serem ambientes bastante conhecidos e
divulgados nas redes sociais digitais a partir de compartilhamentos. Para a coleta de
dados, foram consideradas diversas fontes, como: observação e participação nos
ambientes online (com anotações em diários de campo); recortes de postagens e
comentários, como fonte documental, por meio de prints das páginas; e, por fim,
entrevista com uma das responsáveis por cada um dos ambientes virtuais analisados.
Sobre as entrevistas, é necessário explicitar que ocorreram por meio de plataformas
digitais, utilizando, inclusive, materialidades híbridas, como gravações em áudio e
trechos escritos, algo próprio da interação em ambientes digitais. A página escolhida foi
a Feminismo sem demagogia e o blog Escreva Lola, escreva, ambos descritos a seguir.
O blog “Escreva Lola, Escreva” é administrado por Dolores Aronovich Aguero, mais
conhecida como Lola (Professora da UFC e doutora em literatura de Língua Inglesa pela
UFSC). Teve início em janeiro de 2008 e é um blog bastante ativo, tendo em média 20
publicações por mês. Nele, são abordados diversos temas emergentes, como: feminismo,
cinema, literatura, política, mídia, combate a preconceitos, bem como denúncias acerca
dos frequentes ataques que Lola sofre por parte de hackers.
Com um total de 1.079.249 curtidas (em 2017, época da coleta de dados) e por se tratar
de uma página que aborda uma diversidade de temas de maneira pública, é possível, ao
visitá-la e acessar seu conteúdo, perceber diversas interações dos seguidores e/ou
visitantes entre si e com a administração da página, sendo esses engajamentos contrários
e/ou favoráveis às ideias propostas e defendidas nas publicações.
Um exemplo dessa questão é a postagem sobre “mulheres abusivas” (figura 1), a qual
gerou algumas críticas de mulheres que entendem esse tipo de discurso, em uma página
feminista, como um modo de abrir margem para a deslegitimação das estatísticas sobre
casos de violência de gênero, além de apontar para a culpabilização e invisibilidade da
situação da mulher em nossa sociedade (figura 2). Em contrapartida, a publicação teve a
aceitação de um grupo de participantes, sobretudo homens, que se sentiram contemplados
por ela, fazendo comentários como: “Pela primeira vez vi um post bom”, “Finalmente um
post que faz sentido”, ou ainda relatando já terem passado ou conhecer alguém que já
passou por uma relação abusiva, afirmando, portanto, que mulheres também são abusivas.
Figura 1.
Figura 2.
Ainda pensando nos efeitos que a não neutralidade da língua produz, na figura 3, com
uma interação entre as seguidoras da página, podemos perceber a utilização da expressão
”mulherzinha” que traz consigo uma carga ideológica bastante característica quando se
pensa nas relações de gênero.
Figura 3.
O blog Escreva Lola, escreva, caracterizado acima, é bastante ativo e discute sobre
diversos assuntos emergentes. Uma característica marcante na escrita da autora é seu
posicionamento político e sua militância feminista que, muitas vezes, é inserida em
paralelo com os mais diferentes temas.
Um exemplo disso é a figura 4, fragmento retirado do texto intitulado “Escola sem partido
é nota dez em matéria de atraso” no qual a autora, ao falar sobre o tema em questão e a
perseguição realizada a professores que traziam a discussão de gênero em suas aulas – na
acusação de que estes doutrinariam as crianças através “ideologia de gênero” – apresenta
que os comentários sobre professoras mulheres, teriam, também, críticas misóginas, além
das críticas relacionadas à profissão.
Essas afirmações são sustentadas por uma memória, enquanto pré-construído, que
possibilita a circulação de discursos de ódio pautados em críticas relacionadas ao gênero,
à raça ou à classe, tomando essas posições-sujeito como elementos possibilitadores de
efeitos de sentido diversos, dada a heterogeneidade que aponta para diferentes domínios
de saber que constituem uma FD feminista.
A autora vive frequentes situações de ataques ao seu blog e outras redes sociais, bem
como ameaças a sua integridade física e psicológica. Isso demonstra a dicotomia entre o
público versus privado e o individual versus coletivo, uma vez que, por ser, como ela
mesma diz, militante feminista e dos direitos humanos e expor publicamente seus
posicionamentos, é vista como alguém que ameaça às ideias contrárias às suas e, portanto,
precisa ser silenciada, efeito presente no comentário a seguir dirigido à página/Lola: “Isso
é pra você aprender que se NÓS, HOMENS, não quisermos, NADA vai pra frente,
inclusive o direito de opinião de vocês”.
O uso do pronome “você” individualiza a ameaça e o faz por meio de um agente que é
coletivo, escrito em caixa alta, “NÓS, HOMENS”, havendo, ainda, o retorno à
coletividade, que Lola representa, por meio do “vocês”. Em um de seus textos, intitulado
“Mascus estão conseguindo derrubar um dos maiores blogs feministas do Brasil” é
possível perceber efeitos a partir dessas dicotomias. A autora relata os ataques que sofreu
em janeiro de 2017, quando um grupo de pessoas contrárias às suas ideias e à existência
deste espaço de manifestação, criaram contas no Twitter em seu nome, enviando
conteúdos de cunho sexual para crianças e adolescentes e, através de denúncias por
direitos autorais, difamação, pedofilia, dentre outras, buscavam “derrubar” o blog, além
de direcionar ameaças a ela em sites onde essas pessoas organizam. Lola conta, ainda,
que durante esses ataques, um homem a ligava constantemente para rir da situação pela
qual ela estava passando. Nesse sentido, o ciberespaço coloca-se como lugar de confronto,
embate entre posicionamentos dominantes e de minorias, produzindo discursos de ódio e
práticas criminosas como as citadas anteriormente. É o que se descreve na postagem a
seguir:
A partir de seus relatos, é possível perceber que seu posicionamento público e online
através do blog e as ameaças e ataques virtuais decorrentes disso, causam efeitos reais em
sua vida. Diante disso, a autora se posiciona: “Se conseguirem derrubar o blog, eu jogo a
toalha mesmo. Não farei outro blog, não farei mais nada além da minha profissão […] se
ninguém está prestando atenção, se ninguém liga, é também sinal de que o blog já deu o
que tinha que dar”. Em seguida, afirma que, mesmo sem o blog, ela e outras mulheres
continuariam sendo atacadas, causando efeito nas seguidoras da página. Isso pode ser
verificado no comentário a seguir, em que uma leitora relata que decidiu comentar, pela
primeira vez, como anônima, temendo também sofrer represálias: “Anônimo disse: Lola,
tendo em vista o assunto e o que seu blog acabou de sofrer... pela primeira vez comento
como anônima”.
A publicação de Lola causou mobilização por parte de pessoas que acompanham o seu
blog, de militantes feministas do Brasil e de outros países, as quais utilizaram diferente
estratégias, desde a criação de tópicos em fóruns de ajuda no Google, ofertas de apoio
jurídico, mensagens enviadas ao presidente do Google Brasil, e de campanhas no Twitter
pelas hashtags #GoogleNãoCensureLola e #ForçaLola, até outras formas de mobilização,
relatadas em outro texto chamado: “Vencemos! Como o Google devolveu o meu blog”.
Nessa publicação, ela relata a dificuldade de averiguação das denúncias direcionadas ao
seu blog. Recebidas por programas, nas palavras dela “robôs”, as queixas, geralmente,
necessitam que seja aberto um processo de investigação mais amplo para serem
resolvidas, mas, nesse caso, por conta das demonstrações de apoio, tiveram um desfecho
diferente, visto que o Google entrou em contato com ela para prestar esclarecimentos.
Muitas questões emergem quando se trata de ativismo online. A fim de discutirmos esse
aspecto, tomamos os dados coletados nas duas entrevistas realizadas com as responsáveis
pelos ambientes que analisamos. Neles, foi possível depreender efeitos a partir de
algumas dicotomias como a relação entre público e o privado, o online e o off-line e entre
o espaço individual e o coletivo. Pensando na última dicotomia, ao falar sobre a
motivação para a criação da página, a entrevistada (administradora de Feminismo sem
demagogia) relata que a ideia de criar um ambiente voltado para a discussão feminista se
deu após uma situação de violência vivenciada por ela: “Foi criada em 2012, após eu ser
vítima de violência doméstica. Fui muito acolhida pelo feminismo e queria fazer o mesmo
por outras mulheres”. A justificativa para o nome atual da página, que traz uma
caracterização para o feminismo – “sem demagogia” – surge, segundo a entrevistada, de
uma escolha pessoal, em um momento em que ela havia passado por uma situação de
violência e não teve apoio de mulheres próximas que “se reivindicavam feministas’’,
afinal, ela estava em busca de “uma defesa da mulher que casasse discurso e prática”.
Do mesmo modo, Lola, do outro ambiente que analisamos, relata que a ideia de criar o
blog surge de uma motivação pessoal em ter um espaço, no qual tivesse mais liberdade
para escrever, justificando o título do blog “Escreva Lola, escreva” como uma referência
ao filme Corra Lola, corra. No entanto, conforme disse a entrevistada “como eu sempre
fui feminista, tudo que falo e escrevo traz esse viés”. Desse modo, algo que era individual
se torna coletivo e o blog passa a ser reconhecido por mulheres que se interessam pelo
assunto e pela FD à qual filiado, como um blog feminista, mas também por pessoas que
estão filiadas a uma FD anti-feminista, as quais passam a se manifestar contrárias ao blog
e à Lola.
Esses elementos apontam para uma memória relacionada aos movimentos sociais, que
trazem em sua gênese a ideia de coletivo, mas não escapam de motivações e elementos
de ordem individual, já que ambos os aspectos estão intrinsecamente relacionados. Outra
questão que emerge é a diferença entre o ativismo online e off-line e os alcances e limites
Ao relatar sobre sua experiência, Lola aponta alguns efeitos no ambiente virtual e fora
dele. Como consequências positivas, relata o fato das pessoas interagirem no espaço
virtual e de reconhecerem a importância de seu ativismo a convidando para participar de
palestras e debates. Outro aspecto positivo que destaca é perceber que seu blog, de alguma
forma, afetou a vida de muitas mulheres, sendo que muitas também se tornaram ativistas
dentro do espaço online e fora dele. Afirma, ainda, que a visibilidade traz consequências
negativas para sua vida, como “ameaças de morte, estupro, tortura, desmembramento”,
voltadas para pessoas próximas a ela, citando seu marido e sua mãe. Para além disso, ao
contar sobre as violências que sofre diariamente, identifica um grupo como o principal
Ainda sobre os efeitos do ativismo online e a dicotomia existente entre o espaço público
e o espaço privado, Lola relata que responde a quatro processos relacionados a denúncias
que fez sobre violência, assédio e páginas fakes, criadas em seu nome, que disseminam
conteúdos ilegais, relatando que as mesmas pessoas que criam esses sites, são as que
denunciam. Além disso, conta que já fez onze boletins de ocorrência por ameaças que
recebeu online, ou que são direcionadas a ela, relatando, especificamente, o caso em que
o reitor da universidade onde trabalha recebeu um e-mail, no qual o remetente ameaça
realizar um atentado no campus universitário caso Lola não fosse exonerada. A
entrevistada afirma, também, que seus dados são divulgados, o que faz retornar a
dicotomia anunciada entre o público e o privado, afinal ela declara que recebe ameaças
públicas, mas em sua maioria de perfis fakes, enquanto ela é “uma pessoa de verdade,
com fotos, nome real, local de trabalho”, etc. A repercussão dos ataques virtuais a Lola
foi tanta que houve a proposição do Projeto de Lei 4614/16 para exigir que a Polícia
Federal investigue casos de ameaças a mulheres em ambientes online2.
Por fim, nas entrevistas, aponta-se para uma dicotomia entre os alcances e limites do
ativismo online. A primeira entrevistada, ao ser questionada sobre a percepção de
mudanças em relação à interação e ao alcance da página ao longo do tempo, diz: “A gente
tem um público de mais de um milhão de seguidores, não conseguimos dar assistência.
Quando era menor a gente intervia em alguns casos pessoalmente. Agora a gente apenas
orienta e encaminha”. Tal relato materializa os pontos positivos do ativismo online: o
fato de alcançar um grande número de pessoas; mas apresenta, do mesmo modo, o viés
negativo inerente a essa condição: o fato de não se poder atuar diretamente nos casos,
auxiliar as pessoas individualmente. Sobre isso, Lola, que possui um blog já com 19 anos
de existência, analisa que “o tempo dos blogs já passou”, com a vulgarização da ideia de
“textões”, principal material dos blogs, pela população das redes sociais. No entanto,
analisa que o espaço permite ainda a discussão mais aprofundada e o debate de
determinados temas.
2
Informação disponível no endereço: < http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2017/12/lei-lola-foi-
aprovada-hoje.html?m=1>. Acesso em 04. fev. 2020.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos perceber que a internet facilita o acesso às informações e trocas entre as pessoas,
possibilitando espaços de denúncias e a ajuda entre as mulheres, seja por ações ou ainda
por orientação e encaminhamento. No entanto, em alguns casos, o alcance de páginas e
blogs pode produzir limitações como ameaças, violência e até mesmo a retirada das
páginas e blogs do ar por meio de ataques de hakers, bem como inviabilizar a interação
da administração da página com as(os) seguidoras(es), uma vez que as demandas podem
ser maiores do que a possibilidade das administradoras das páginas e blogs em atendê-
las. Em relação ao primeiro aspecto, ligado a ameaças e diversas formas de violência nos
ambientes virtuais, cotejamos a ligação com um efeito de sentido decorrente da separação
entre o real e o virtual, separação imaginária, que produz como efeito a
desresponsabilização. Desse modo, a internet passa a ser o lugar do possível, da não-
identidade e, portanto, dos excessos.
REFERÊNCIAS
ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Abril
Cultural/ Brasiliense, 1985.
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, v.I, II. Tradução Sérgio Milliet. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
PAVEAU, Marie- Anne. Quand les corps s’écrivent. Discours de femmes à l’ère du
numérique. Éric Bidaud. Recherches de visages. Une approche psychanalytique.
Hermann, 2014. Disponível em: <Quand les corps s’écrivent. Discours de femmes à l’ère
du numérique> Acesso em 29 nov. 2016.
RIGITANO, Maria Eugenia Cavalcanti. Redes e ciberativismo: notas para uma análise
do centro de mídia independente. 2003. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/>.
Acesso em 10.ago.2016.