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A PRIMAVERA ÁRABE E O PAPEL DA INTERNET NAS

MOBILIZAÇÕES POPULARES

Isadora Silva de Ávila


Izadora de Jesus Pimentel

RESUMO

A tecnologia da Internet permitiu uma nova forma de diálogo entre as pessoas, bem como da
transmissão de informações, mais veloz e barata. Tal tecnologia atingiu amplos setores da vida em
sociedade, a exemplo a cultura, a economia e a política. Nesse sentido, o presente artigo teve por
objetivo analisar as possibilidades de atuação da Internet no contexto das movimentações sociais,
através da chamada Primavera Árabe, em que a população buscou a queda de ditadores e reivindicou
melhores condições de vida e pela primeira vez na história as mobilizações fizeram-se presentes
também no ambiente “online”. Para esse fim, foram analisados os contextos desenvolvidos nos
levantes árabes, sendo evidenciados, em particular, os casos do Egito e da Síria. Por último, como
resultado, foi possível verificar a importância da atuação e do controle da Internet em meio às
mobilizações populares.

1. INTRODUÇÃO

Os meios de comunicação surgiram através da necessidade de interação humana. Seja


pela arte rupestre, ou pelo surgimento da escrita e do alfabeto, esses mecanismos foram
responsáveis pela expansão do conhecimento e criação da cultura humana. O Rádio e a
televisão foram os recursos de telecomunicação do momento no século XX e, em torno de
1969, a Internet chegou, popularizando-se nos anos 2000 e mudando para sempre a forma de
conexão entre os indivíduos. Posteriormente, o aprimoramento de tal tecnologia da
informação trouxe consigo as redes e mídias sociais, uma estrutura que propiciou o
relacionamento de pessoas dos mais diversos estilos, idades, gêneros e partes do mundo,
sendo vistas tanto como espaço de diversão e entretenimento quanto de trabalho, além de
serem usadas como local de divulgação de notícias e eventos.
Por conseguinte, ao permitir o compartilhamento rápido, de fácil acesso e baixo custo,
a Internet tornou-se palco tanto para promoção de valores dos Estados, quanto para as
discussões das várias mobilizações populares contra as injustiças ocorridas ao redor do
mundo. Para Sakamoto (2013):

“[as] redes sociais da Internet são ferramentas de construção e


reconstrução da realidade e quando alguém atua por meio de uma
dessas redes, não está simplesmente reportando, mas também
inventando, articulando, mudando e alterando aos poucos também a
maneira de se fazer política e as formas de participação social”.
(SAKAMOTO, 2013, p.95).

Logo, a Internet possui um importante papel no meio social, e impactou o ambiente


sociopolítico. Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo analisar as possibilidades de
atuação da Internet no contexto das movimentações sociais, através da chamada Primavera
Árabe, em que a população buscou a queda de ditadores e reivindicou melhores condições de
vida e pela primeira vez na história as mobilizações fizeram-se presentes também no ambiente
“online”.
Portanto, a pergunta norteadora é “Quais papéis a Internet pode assumir em meio às
mobilizações populares tendo em vista o panorama da Primavera Árabe?”. Inicialmente, será
feita uma breve contextualização dos levantes árabes que marcaram o início da década de
2010. Em seguida, pretende-se mostrar os atores, seus interesses e recursos, bem como os
conflitos na participação do ambiente virtual. Então, buscando examinar tais desacordos,
serão mostrados os casos do Egito e da Síria. Por fim, serão apresentadas as conclusões finais.

2. SOBRE A PRIMAVERA ÁRABE

No final do ano de 2010, manifestações populares ocorridas no Oriente Médio e norte da


África que ficaram conhecidas como Primavera Árabe tiveram início após o comerciante
tunisiano Mohamed Bouazizi, cometer sucídio, ateando fogo ao próprio corpo diante de
escritórios do governo, em um ato contra a repressão policial e o descaso do Estado que havia
sofrido ao ter a banca de frutas em que trabalhada confiscada. O momento foi gravado e
postado, e imediatamente, o caso virou notícia na Tunísia e no mundo, o que causou uma
comoção geral e logo se transformou em mobilização popular contra o desemprego, melhores
condições de vida e a corrupção dos governantes. O uso da força para conter os protestos
apenas intensificou a insatisfação dos manifestantes e dessa forma, Ben Ali deixou o país e se
tornou o primeiro ditador árabe a ser derrubado por uma revolução em massa.
Após esse episódio, a comunidade árabe se identificou com a situação vivida e
enxergaram a Tunísia como exemplo a ser seguido, tendo então começo uma onda de
protestos e levantes contra os regimes autoritários em diversos países, como Egito, Líbia,
Bahrein, Iêmen, Síria, Jordânia e Marrocos. Essas mobilizações coincidiram com uma época
marcada pelo aumento do acesso à Internet e seus sites e redes sociais por parte das
populações oprimidas, que acabaram por se transformar em um grandes aliados dos ativistas.
Devido a isso, diversos governos procuraram reduzir e até cortar o acesso de sua população à
Internet, buscando impedir o crescimento dos movimentos e o alastramento de informações a
respeito do que estava acontecendo para o restante do globo. Em relação a maneira como as
manifestações eram conduzidas através das redes sociais, De Garcia (2011) indica que:

“As manifestações eram convocadas no Facebook, seguiam-se pelo


Twitter, reproduziam-se por meios como o [canal midiático] Al
Jazeera, as imagens televisivas voltavam ao Facebook ou se fazem
conhecidas pelo Twitter e, finalmente, chegavam à rua com maior
vigor para os manifestantes e fazendo com que perdessem o medo
porque, com o eco, sabiam que eram muitos.” (DE GARCÍA, 2011, p.
171, tradução nossa).

3. O CONFLITO DE INTERESSES

Tendo em mente o cenário apresentado sobre a Primavera Árabe, pode-se definir dois
atores principais: de um lado, os governos vigentes da época, e de outro, os manifestantes.
Nesse contexto, faz-se necessário analisar seus interesses e recursos frente aos levantes
ocorridos. Primeiramente, será considerado aqui, seguindo Stiles (2013), que todo governo
tem como foco primordial manter-se no poder, e para tanto, utiliza de sua influência política e
da força (policial e militar), bem como da regulação de diversos meios de comunicação.
Enquanto isso, os manifestantes têm como objetivo ter suas demandas e reivindicações
atendidas e, em alguns casos - como visto nos movimentos árabes - buscam a derrubada de
seus governos agindo, sobretudo, por meio de grande mobilizações, como protestos, greves e
passeatas, chegando até mesmo a usar a força, por exemplo, através de ataques organizados a
instituições estatais e a formação de grupos armados.
Dito isso, a Internet mostra-se como ponto de interesse e recurso para ambos os lados.
Em relação aos governos, por possuírem meios para controlar as formas de informação e
transmissão, torna-se atraente aplicá-los quando o conteúdo divulgado entra em confronto
com os princípios e ações de seus regimes, dessa forma censurando informações a seu favor e
até "desligando" a Internet e derrubando sites (STILES, 2013). No entanto, a Internet também
mostra-se um espaço de fácil e amplo acesso para a disseminação de valores e propagandas
políticas. Em contrapartida, para os manifestantes, a Internet apresenta-se como um canal para
organização e recrutamento para as manifestações, compartilhamento de informações entre
eles próprios e novas pessoas, até mesmo de outros países, além da divulgação das
mobilizações, seja de local, data e horário, instruções para os eventos, transmissões ao vivo
etc. Acerca disso, Norris (2002 apud VIEIRA, 2013) aponta:

“[...] A Internet pode servir a múltiplas funções para todas essas


organizações, incluindo email de lobby para representantes eleitos,
funcionários públicos e elites políticas; redes com associações e
organizações afins; mobilizando organizadores, ativistas e membros
usando alertas de ação, informativos e e-mails; angariando fundos,
recrutando apoiadores e difundindo mensagens para o público através
dos meios de comunicação tradicionais” (NORRIS, 2002 apud
VIEIRA, 2013).

Nesse sentido, percebe-se que o uso da Internet pelos dois atores choca-se pois, até onde
a coordenação e amplificação das mobilizações populares pelo ambiente virtual atinge os
governos? Ou até que ponto a manipulação dos governos sobre as redes pode evitar que a
atuação dos manifestantes seja incontrolável? A fim de investigar essas perguntas, propomos
lançar o olhar para dois casos ocorridos na Primavera Árabe, o do Egito e o da Síria.

4. AS POSSIBILIDADES EM CASOS

4.1. Egito

Em resumo, as movimentações no Egito eclodiram logo após o sucesso dos tunisianos.


O dia 25 de janeiro de 2011 ficou conhecido como “Dia da Raiva”, quando os manifestantes
se reuniram na Praça Tahrir, localizada no centro de Cairo. Ao longo dos acontecimentos, a
resposta policial variou entre posições violentas e conciliatórias, enquanto os militares
demoraram a mostrar apoio aos protestos, por incertezas quanto à possibilidade do filho do
ditador Hosni Mubarak assumir o governo, mas ao final, acabaram por se unir. Mubarak
buscou controlar a situação implementando algumas mudanças no regime, como a admissão
de um vice-presidente, e depois tentou fechar os sites de mídias sociais, porém as
mobilizações populares já estavam tão engajadas que não puderam ser contidas. Por fim,
grande parte dos políticos retiraram seu apoio a uma possível negociação e pediram pela
renúncia, assim como a comunidade mundial, que acompanhava em tempo real os episódios,
sobretudo, graças à Internet. Então, em 11 de fevereiro do mesmo ano, Mubarak finalmente
renunciou (STILES, 2013).
À vista disso, percebe-se a importância da troca rápida de informações permitida pela
Internet para a revolução egípcia. “Mídias sociais, especialmente Twitter e Facebook,
permitiram uma audiência mundial. Quando o governo fechou temporariamente a Internet, o
efeito foi inflamar ainda mais resistência, nacional e internacionalmente.” (ALMEIDA, 2013,
p.48). E nessa direção, Vieira (2013) destacou a relevância dos “jornalistas-cidadãos”, pessoas
comuns que postam opiniões, fotos, vídeos e outros mídias nas plataformas digitais, que no
entanto, foram responsáveis por estabelecer um ativismo jamais visto:

“[...] o grande número de jornalistas-cidadãos que colhem e


distribuem notícias com seus dispositivos móveis e outras mídias
digitais capacitadas pela internet frequentemente supera, pelo menos
em número, a força de trabalho das mídias noticiosas tradicionais. No
Egito, por exemplo, estima-se que dezenas, senão centenas de
milhares de protestantes estavam agindo como jornalistas-cidadãos
[...]” (VIEIRA, 2013, p.13).

4.2. Síria

Na Síria, o desenrolar dos fatos foi totalmente diferente do Egito. As mobilizações


tiveram destaque em março e a repressão do governo foi uma das mais violentas, utilizando
de ataques com tanques a protestos pacíficos, torturas e prisões, bem como serviços como os
de água, eletricidade e telefonia foram cortados. Tais ações por vezes foram filmadas,
fotografadas e compartilhadas, contudo, o governo determinou um monitoramento rigoroso
sobre a Internet: “[...] o regime de Bashar Al-Assad preocupa-se em limitar ao máximo as
conexões, a ponto de ficarem tão lentas que torna-se impossível para os usuários visualizar ou
mesmo publicar imagens. O governo chegou a bloquear por completo o acesso à rede [...]”
(OLIVEIRA, 2012, p.20). Além disso, tal controle colaborou na identificação de
manifestantes e junto ao banimento da imprensa estrangeira, tornou ainda mais difícil
acompanhar a realidade do país (STILES, 2013). Nessa perspectiva, nota-se que o governo foi
bem sucedido em conter uma possível revolução que levaria a sua deposição, e fez com que a
Internet não fosse de grande ajuda aos manifestantes devido à sua limitação. Todavia, o
principal resultado da Primavera Árabe para a Síria foi uma brutal guerra civil que perdura até
os dias de hoje e sem previsão de acabar.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, percebe-se que a Internet pode assumir o papel de instrumento de


comunicação e transmissão dos dois atores apresentados - governos e manifestantes- sendo
que cada um utiliza esse “mundo online” a seu favor para divulgar seus ideais e campanhas.
Não obstante, ainda é importante observar que ela também pode constituir uma ameaça para
ambos. Como ressalta Bartkowiak et al (2017, p.72), “Mídias sociais são um novo catalisador
para a mudança social que pode representar uma ameaça ou oportunidade”.
Em primeiro lugar, para os manifestantes, uma vez que os governos também contam
como recurso a possibilidade de regulação e fiscalização dos meios de comunicação, e a
Internet não é exceção, fazendo com que exista uma forma a menos para a coordenação e
ampliação das mobilizações, além de que essa supervisão pode permitir o reconhecimento de
participantes e apoiadores nos sites e redes, assim como ocorreu na Síria. Em segundo lugar,
para o governo, porque há maneiras de fugir a esse monitoramento, por exemplo, navegando
em servidores fantasmas, e se houver uma rápida projeção dos pensamentos e atividades dos
manifestantes, tanto nacional quanto internacionalmente, a situação pode tomar proporções
que fogem ao controle do governo, prejudicando seu poder e estabilidade, como no cenário
que se desenvolveu no Egito, onde houve a queda da ditadura de Hosni Mubarak (STILES,
2013).
Entretanto, é incorreto afirmar que a Internet foi a causa da Primavera Árabe, pois tal
evento é decorrente de uma combinação de insatisfações políticas, econômicas e sociais que
fizeram as populações agitarem-se contra os regimes autoritários vigentes. Ademais,
verifica-se que mesmo onde ela teve uma função importante, como no Egito, ao ser cortada,
os manifestantes prosseguiram e conciliaram outras maneiras de comunicação: “[...] os
esforços de mobilização foram orientados para alcançar egípcios através de mensagens
de texto e meios offline, como folhetos, panfletos e conversa boca - a - boca.” (ALMEIDA,
2013, p. 47).
Porém, é inegável que, ao permitir um compartilhamento instantâneo, de fácil acesso e
barato de uma ampla gama de informações e formas de mídia entre diversas pessoas no
mundo todo, a Internet transformou o modo como são feitas e até controladas as mobilizações
populares. Nesse sentido, ela se dispôs como um meio, um canal, uma ferramenta de apoio
que colaborou com o desenrolar dos fatos nas mobilizações árabes, e dependeu do uso por
seus usuários - pelos manifestantes ou pelos governos. Acerca disso, Stiles (2013) apontou:
“[A Internet] Ela se permite ser usada para galvanizar a oposição a um déspota bem como
para recrutar homens-bomba para a Al-Qaeda. Permite o discurso de ódio e mensagens de
amor, propaganda e busca da verdade.” (STILES, 2013, p. 323, tradução nossa).

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Helga. Cyberativismo e Primavera Árabe: Um estudo sobre o uso da Internet no


Egito para a construção da grande ruptura de 2011. Revista de Discentes de Ciência Política
da UFSCAR, São Carlos, v. 1, ed. 2, p. 29-51, 2013. Disponível em:
https://www.agendapolitica.ufscar.br/index.php/agendapolitica/article/view/17/14. Acesso em:
26 jan. 2022.

BARTKOWIAK, Jaqueline et al. A Primavera Árabe e as Redes Sociais: O uso das redes
sociais nas manifestações da Primavera Árabe nos países da Tunísia, Egito e Líbia. Cadernos
de Relações Internacionais , Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 66-94, 2017. Disponível em:
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/30432/30432.PDF. Acesso em: 25 jan. 2022.

DE GRACIA, Augustín. Las rebeliones árabes sientan bases históricas por el uso de la
tecnología. CIC Cuadernos de Información y Comunicación, vol. 16, oct. 2011.

DE OLIVEIRA, Letícia. "Revolução Facebook": em que medida as redes sociais na internet


interferiram na deflagração da chamada Primavera Árabe?. Orientador: Cristina Y. A. Inoue.
28 p. Monografia (Especialista em Relações Internacionais) - Faculdade de Relações
Internacionais, Universidade de Brasília, 2012. Disponível em:
https://bdm.unb.br/bitstream/10483/3804/1/2012_LeticiadeOliveira.pdf. Acesso em: 26 jan.
2022.

STILES, Kendall. Case histories in International Politics. Boston: Pearson, 2013.


SAKAMOTO, Leonardo. Em São Paulo, o Twitter e o Facebook foram às ruas. In:
MARICATO, Ermínia et al. Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as
ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2013, p. 95-100.

VIEIRA, Vivian. O papel da comunicação digital na Primavera Árabe: Apropriação e


mobilização social. 5º Congresso da Compolítica, Curitiba, 2013. Disponível em:
http://compolitica.org/novo/anais/2013_GT05-VivianPatriciaPeronVieira.pdf. Acesso em: 25
jan. 2022.

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