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Um shutdown da internet ocorre em pelo menos um país africano a cada ano desde
2015. Em anos eleitorais, esses números aumentam. A prática se notabilizou nos países
subsaarianos onde governos de Congo (Kinshasa), Camarões e Gabão bloqueiam o acesso
à internet para toda a população semanas ou meses antes das eleições; e necessariamente
depois delas.
Em muitos países africanos, uma eleição sempre dá lugar a uma crise pós-eleitoral.
Antes do advento das redes sociais e da difusão do uso das tecnologias digitais, já era o
caso, mas com a emergência da sociedade da informação e a facilidade de acesso à
informação, os governos entenderam o potencial subversivo desses artefatos. A
Primavera Árabe certamente contribuiu para mostrar às populações africanos que era
possível fazer um levante contra os regimes ditatoriais e opressores. Porém, Egito não
somente serviu como um laboratório democrático, ele também serviu como uma
oportunidade de experimentação de diversas formas de censuras, de violência e de
repressão política.
Uma série de fatores operaram juntos para criar um novo cenário social, político
e cultural propício a essas mobilizações on-line: a explosão do mercado da telefonia
móvel, no início dos anos 2000, e já na segunda metade mesma década, a criação de
plataformas digitais como Facebook e Twitter que se tornaram bastante populares no
continente africano. Em 2011, durante a Primavera Árabe, foi sobretudo no Facebook que
os ativistas se mobilizavam e comunicavam com o mundo para falar da repressão política
no seu país. Em outros países como Costa de Marfim, Senegal ou Burkina Faso, os
ativistas adotaram mais tarde a plataforma Twitter por seu dinamismo e sua arquitetura
mais dinâmica para disparar críticas aos regimes locais, ou críticas e reivindicações contra
o fim da violência policial. O ano de 2020, por exemplo, ficou marcado pelos protestos
conhecidos como #ENDSARS na Nigéria, tendo ela mobilizado pessoas do mundo inteiro,
anônimos e celebridades, reunidos em uma onda emotiva e protestatória contra a violência
policial naquele país. O movimento “acabar com a SARS” consistia em protestos contra
uma unidade especial da polícia nigeriana especializada na repressão contra roubos, a
qual operava com nível elevado de violência resultando na morte de civis.
Por outro lado, o que se observa é que a política propriamente dita não é a única
temática que mobiliza os usuários africanos nas redes sociais. Questões culturais como o
fim da excisão, isto é, das mutilações contra as meninas também mobilizou os protestos
on-line dos ativistas da Guiné Conacri. O tema do meio ambiente é outro que chama a
atenção nesse ambiente de mobilização on-line, e ele se estende a vários países. A falta
de saneamento básico em muitas cidades importante do continente africano preocupa
cada vez mais ou cidadãos que levam essa pauta no espaço público com o objetivo de
pressionarem as autoridades competentes.
Essas práticas vão ser reforçadas até mesmo na América Latina. Em 2019, as
mobilizações populares no Chile tiveram um forte impacto na twittoesfera brasileira e em
outras redes sociais como Facebook. Movimentos de esquerda se mobilizaram e contaram
essa história de luta por mais direitos sociais e contra a repressão policial. Em 2020, a
adoção de nova constituinte no mesmo país também mobilizou fortes emoções nas redes
ativistas brasileiras além do tema ter ocupado um lugar de destaque em diferentes meios
de comunicação e veículos de notícias brasileiros. Há, portanto, uma maior integração
das pautas. Observa-se pelo menos uma aceleração nesse sentido.