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Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura, Economia

e Indústria Criativas, apresenta a publicação da São Paulo Escola de Dança

DIÁLOGOS E PRÁTICAS
EM DANÇA E EDUCAÇÃO
Organização Inês Bogéa e José Simões
COLEÇÃO PERCURSOS DA DANÇA

1
COLEÇÃO PERCURSOS DA DANÇA

DIÁLOGOS E PRÁTICAS
EM DANÇA E EDUCAÇÃO
Organização Inês Bogéa e José Simões
Editora de conteúdo Keyla Barros

Marília Marton
Rachel Coser
Ivan Bernardelli
Kathya Maria Ayres de Godoy
Carolina Romano de Andrade
Jussara Xavier
Karla Dunder
Franciane Kanzelumuka Salgado de Paula
Elena Toscano
Inês Bogéa
José Simões
Adriana Celi Castelo Gomes
Cássia Navas
Flavio Lima
Luiz Fernando da Silva Anastácio
Marcela Benvegnu

2
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 1. Marília Marton ....................................................................... 13

INTRODUÇÃO 2. Rachel Coser ......................................................................... 16

PARTE 1 3. Ivan Bernardelli ..................................................................... 29


Dançar além dos mapas: desafios para um
mapeamento de escolas de dança no Estado
de São Paulo

4. Kathya Maria Ayres de Godoy ................................... 44


Convite à reflexão sobre processos formativos
em dança

5. Carolina Romano de Andrade ................................... 67


Construindo caminhos pedagógicos em dança
com as crianças: reflexões e desafios

6. Jussara Xavier .................................................................. 87


Espaço urbano como parceiro interativo e
território de experiências para o corpo na dança

7. Karla Dunder .................................................................... 108


Dança sem barreiras

8. Franciane Kanzelumuka Salgado de Paula ........... 122


Saber-fazeres em dança firmados nos pontos
riscados do legado africano-brasileiro

9. Elena Toscano .................................................................. 144


Figurino para dança: entre a formação técnica
e a prática
PARTE 2 10. Inês Bogéa e José Simões .............................................. 173
A dança em múltiplas dimensões:
metodologia e desenho instrucional
da São Paulo Escola de Dança

11. Adriana Celi Castelo Gomes .......................................... 189


Cursos livres, números, desafios e processos
formativos em dança na São Paulo Escola
de Dança

12. Cássia Navas ......................................................................... 202


Desconcentrar e descentralizar:
histórias e historiografias

13. Flavio Lima ............................................................................. 226


Processos de formação em dança nos cursos
regulares da São Paulo Escola de Dança

14. Luiz Fernando da Silva Anastácio .............................. 237


Perspectivas de ensino em dramaturgia
na São Paulo Escola de Dança

15. Marcela Benvegnu .............................................................. 248


Por uma comunicação que dança:
a São Paulo Escola de Dança em perspectiva

SOBRE OS 16. ...................................................................................................... 266


AUTORES
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE TEATRO MUSICAL | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TEATRO MUSICAL | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TEATRO MUSICAL | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TEATRO MUSICAL | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TEATRO MUSICAL | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TEATRO MUSICAL | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TEATRO MUSICAL | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE TEATRO MUSICAL | FOTO: GAL OPPIDO

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APRESENTAÇÃO

Estamos vivenciando um momento espetacular com o lança-


mento do primeiro livro digital da São Paulo Escola de Dan-
ça, Centro de Formação em Artes Coreográficas, instituição
da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do
Estado de São Paulo, gerida pela Associação Pró-Dança e diri-
gida pela talentosa Inês Bogéa.
Neste livro, autoras e autores brilhantes falam sobre
como é possível construir caminhos pedagógicos na dança
com as crianças, abordam a metodologia e formação nos
cursos regulares da São Paulo Escola de Dança e explicam
como nasceu esse projeto grandioso, que já mudou a vida
de inúmeros jovens, gerando oportunidades e novos cami-
nhos de vida.
É uma honra escrever este texto de apresentação
e compartilhar como o contato com a dança, na minha
infância, transformou a minha vida. Eu tinha 7 anos de
idade quando comecei a fazer aulas de balé e jazz, em uma
escola pequena, perto de onde eu morava. Foram seis anos
de muito aprendizado, e a jornada foi vivenciada também
pelas minhas duas irmãs, Paula e Adriana. A Paula, que tem
Síndrome de Down, encontrou na dança um espaço para

13
mostrar todo o seu talento e amava cada espetáculo que par-
ticipava. Eu, por outro lado, tinha pavor de subir no palco
e o superei com o passar dos anos. Posteriormente, com 28
anos, voltei a dançar em um Centro Cultural, onde fiquei
por quatro anos e participei de espetáculos que ficarão sem-
pre guardados na minha memória.
A dança gera conexão e nos incentiva a ultrapassar os
nossos limites. Pode ser um hobby ou uma profissão, mas
sempre traz resultados positivos na vida de quem a pratica.
Além disso, ensina aos jovens como ter mais foco, persistên-
cia e determinação, elementos essenciais para alcançar so-
nhos e atingir as metas pessoais.
A São Paulo Escola de Dança proporciona um rico en-
contro entre professores e estudantes apaixonados que jun-
tam técnica, corpo e alma em movimentos arrebatadores.
Desde 2021, ano da criação, foram atendidos mais de mil es-
tudantes nos 20 Cursos de Extensão, realizados em formato
presencial e online, chegando em todo o Brasil. São 7 Cursos
Regulares e 4 Cursos Livres por ano. É um lugar de cons-
trução do conhecimento no campo da dança, onde todas as
pessoas são bem-vindas.
Na dança cabe todo mundo. Sigamos dançando.

Marília Marton, Secretária da Cultura, Economia


e Indústria Criativas do Estado de São Paulo

14
15
INTRODUÇÃO

Esta obra, intitulada Diálogos e Práticas em Dança e Educação,


organizada por Inês Bogéa e José Simões, é o primeiro livro
lançado pela São Paulo Escola de Dança. O livro, dividido
em duas partes, tem como objetivo lançar luz sobre temas am-
plos e específicos das áreas da arte da dança e da educação,
proporcionando um conjunto de diálogos enriquecedores e
práticas inspiradoras.
A primeira parte nos conduz a uma análise da dança
no cenário educacional, com contribuições de acadêmicos e
profissionais experientes que nos levam à reflexão sobre os
processos formativos na dança, desde a construção de cami-
nhos pedagógicos voltados para as crianças até a exploração
do espaço urbano como parceiro interativo para a expressão
corporal. Cada capítulo propicia aprofundamento sobre os
fundamentos da educação em dança, além das contribuições
da dança inclusiva, dos saberes enraizados na herança afri-
cano-brasileira e da formação técnica em figurino, que nos
revelam uma visão informada e abrangente.
Na segunda parte, mergulhamos nas dimensões me-
todológicas da São Paulo Escola de Dança – Centro de For-
mação em Artes Coreográficas. Os autores compartilham

16
insights valiosos sobre a implementação dessa nova Escola,
revelando os Cursos Livres, explorando números, desafios e
processos formativos em dança. Também apresentamos as
estratégias e discussões que cercam a dança e a comunicação
no ambiente educacional da escola, além de temas relevan-
tes como a descentralização de histórias e historiografias, a
metodologia de formação nos Cursos Regulares e a incorpo-
ração da dramaturgia no ensino.
Este livro, disponível no site da São Paulo Escola de
Dança, oferece uma plataforma para aprofundar seu conhe-
cimento sobre a interseção da dança e da educação. Com
acesso gratuito, você está convidado a explorar as nuances,
desafios e conquistas que permeiam esses campos interliga-
dos. Além disso, o livro conta com imagens de vários fotógra-
fos retratando as aulas, os processos criativos e os estudantes
da Escola, trazendo à vida a essência dessa jornada artística e
educacional. Através desta obra inaugural, a Associação Pró-
-Dança convida você a dialogar e explorar conosco, enrique-
cendo sua compreensão sobre a dança como uma forma de
arte e um veículo de aprendizado profundo e transformador.

Rachel Coser, Presidente do conselho de administração da As-


sociação Pró-Dança

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO
DANÇAR ALÉM DOS MAPAS:
DESAFIOS PARA UM
MAPEAMENTO DE ESCOLAS
DE DANÇA NO ESTADO DE
SÃO PAULO
Ivan Bernardelli

“Tinha um cisne no meu sonho”. Foi o que eu disse em


2004 para Mônica, minha namorada, quando soube que
tinha conseguido uma bolsa para estudar balé no estúdio
Cisne Negro.
Decidi estudar dança a partir daquele ano porque tive
duas experiências marcantes: conheci o Contato Improvi-
sação em um treinamento corporal conduzido por Diogo
Granato, no grupo de teatro do qual fazia parte; e parti-
cipei de uma oficina de cavalo-marinho, ministrada pelo
Grupo Grial, de Pernambuco, no Sesc Santo André.
O Cisne Negro ficava no bairro Vila Madalena, em São
Paulo, cidade para a qual eu acabara de me mudar. No mes-
mo ano, me matriculei no curso “Dramaturgia do Corpo”, no
Centro de Dança, na cidade de Santo André, região do Gran-
de ABC paulista. Além do curso e do balé no estúdio, também
passei a frequentar as aulas e ensaios do Balé Folclórico de São
Paulo, administrado pela Abaçaí Cultura e Arte, que estava
sediado na Oficina Cultural Oswald de Andrade e no Parque
da Água Branca, ambos espaços situados na capital paulista.
Assim, estudar dança e dançar eram atividades para as
quais o deslocamento era inerente. Exceto as viagens de trem

29
entre as cidades de Santo André e São Paulo, os deslocamen-
tos entre os bairros de Vila Madalena, Bom Retiro e Barra
Funda eu fazia a pé ou de bicicleta, porque trabalhava num
escritório como horista e meu pagamento não era suficiente
para custear o combo ônibus + metrô. Naquela época, ainda
não havia o aplicativo Google Maps (criado em 2005) nem o
Waze (criado em 2006). Para me localizar na nova cidade,
entre bairros e espaços culturais, eu utilizava um mapa im-
presso que carregava na mochila.

O PODER DOS MAPAS

Desde tempos muito antigos, as sociedades produzem mapas


por meio dos quais registram seus domínios, limites de seus
mundos conhecidos, os territórios a serem explorados e con-
quistados. O emprego desse recurso sempre foi fundamental
em estratégias militares, táticas de invasão de territórios ou de
proteção de fronteiras.
Grandes cartógrafos como Ptolomeu, Marcus Agri-
pa, Mercator, entre outros, estiveram vinculados a essa
“história dos mapas”1, mas sua produção ganhou força
principalmente no período das Grandes Navegações Marí-
timas. Representando os continentes conhecidos e por co-
nhecer, carregados de ilustrações de caravelas, seres huma-
nos exóticos, cabeças de anjos soprando ventos e monstros
marinhos extraordinários, os mapas registravam os trajetos
entre a Europa e as Índias, as Américas e a África, e divul-
gavam a notoriedade dos feitos dos países envolvidos nas
Grandes Navegações.
A produção de um mapa é da ordem da representa-
ção. Ele reproduz o território real em uma escala reduzi-
da, adotando uma linguagem de signos gráficos pactuada
1 SCHWARCZ, Lília
Moritz; VAREJÃO, Adriana. entre aquele que produz o mapa e aqueles que o leem. A
Pérola Imperfeita: a história
e as histórias na obra de partir de uma perspectiva aérea que registra locais, refe-
Adriana Varejão, 2014. p. 307.
rências espaciais e territoriais, “o mapa introduz a ideia
2 PEIXOTO, Nelson de uma visão que abrange o que nenhum ponto de vista
Brissac. Mapear um mundo
sem limites, 2005. pode abarcar”2.

30
DE FRANCE, PARIS. IN: MARQUES, ALFREDO PINHEIRO. A CARTOGRAFIA PORTUGUESA E A CONSTRUÇÃO
FONTE: LOPO HOMEM. MUNDUS NOVUS. IN: ATLAS MILLER, 1519, 59 X 41,5 CM. BIBLIOTHÈQUE NATIONALE

DA IMAGEM DO MUNDO. LISBOA, IMPRENSA NACIONAL/CASA DA MOEDA, 1991.

Há três instâncias envolvidas na confecção de um


mapa: o cartógrafo que o desenha; a entidade que o fi-
nancia, que pode ser o Estado ou uma empresa privada;
e os leitores, que recebem o mapa sem muita chance de
questioná-lo. As duas primeiras instâncias que o confec-
cionam (seus autores) escolhem o que será representado e
registrado; evidentemente, escolhem também o que será
omitido e ficará de fora. “Não existe mapa ingênuo”, avisa
a historiadora Íris Kantor3. “Ao tentar reproduzir o mundo,
também o constrói conforme os mais diversos interesses4”.
O mapa é um instrumento associado ao poder, e pode car-
regar consigo um projeto simbólico, civilizatório e, muitas
vezes, autoritário.
3 KANTOR apud
FERRARI, Marcio. A mina dos
mapas: material cartográfico
revela imaginário colonial
português, 2011. p. 92.
MAPA X MAPEAMENTO

4 VIEIRA, Luiz Arthur


Leitão. Salto no Escuro: Mapa e Mapeamento não são sinônimos, embora estas
práticas artísticas de
mapeamento cognitivo, duas palavras ou ideias estejam articuladas entre si. O ma-
2018 p. 38.
peamento é uma prática que está na origem do mapa, mas
5 Idem, p. 53. “o mapa é um objeto, o mapeamento é uma ação”5. Vin-

31
FONTE: LOPO HOMEM. TERRA BRASILIS. IN: ATLAS MILLER, 1519, 42X59 CM. FOLHA 5. BIBLIOTHÈQUE
NATIONALE DE FRANCE, PARIS.

culada à ordem da cartografia, a representação do espaço


físico por meio de um mapa pode ser realizada pelo cartó-
grafo (com a ajuda de astrolábios, bússolas e muita imagi-
nação) e ter como suporte o papel; ou pode ser produzida
por satélites e adotar como suportes as telas iluminadas
dos smartphones, por meio dos aplicativos de geolocaliza-
ção contemporâneos.
Já o mapeamento é uma ação que extrapola o mapa,
que implica movimento. Nele se articulam perspectivas am-
plas, formuladas a partir das ciências sociais, dos estudos
culturais, da economia e da filosofia, que estão muito além
da representação cartográfica, daí a especificidade e, talvez, o
desafio inerente à ideia de mapeamento.
O crítico literário Fredric Jameson nos fala sobre o
conceito do mapeamento cognitivo, que evidencia os limites
dos dispositivos tradicionais de localização, e mostra como
o mapeamento deixou de ser acessível através dos próprios
mapas. Para o mapeamento, “o primeiro passo seria, justa-
6 JAMESON apud mente, descartar a própria ideia de algo tão simples como
VIEIRA, Luiz Arthur Leitão,
2018, p. 34. um mapa”6.

32
MAPEAR A DANÇA

Se “na raiz do mapeamento está a ideia de experiência”,


como sugere Luiz Arthur Leitão Vieira7, e, se seu conceito
essencial é a “fusão do real com o abstrato”, como aponta
Nelson Brissac Peixoto8, que experiências consideraríamos
para formular um mapeamento das escolas de dança no
Estado de São Paulo?
Duas iniciativas de mapeamento da dança já reali-
zadas chamam atenção. Uma delas é o “Mapeamento da
Dança: diagnóstico da dança em oito capitais de cinco
regiões do Brasil”, produzido por uma associação entre a
Fundação Nacional das Artes (Funarte) e a Universidade
Federal da Bahia (UFBA), publicado em 2016. O material de
quase 2 mil páginas compila um levantamento realizado a
partir de questionários enviados para grupos, coletivos, ins-
tituições e indivíduos relacionados à dança em oito capitais
do Brasil (Belém, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Recife, São
Paulo, Rio de Janeiro e Salvador). Os dados foram tratados
por uma equipe composta por professores, pesquisadores e
estudantes de universidades sediadas nestas cidades, e apre-
sentaram resultados para cada uma das capitais elencadas,
além de cruzar os dados para o diagnóstico de um contexto
nacional. A amostra quantitativa de questionários valida-
dos nacionalmente foi de 2.623 indivíduos, 351 companhias
e 241 instituições de dança. No caso da cidade de São Paulo,
que mais se aproxima de nossa discussão, partiu da análise
de 312 indivíduos, 45 companhias e 33 instituições de dan-
ça, entre os questionários validados. Para o caso da cidade
de São Paulo, a publicação menciona algumas iniciativas
anteriores já realizadas: o Mapa da Dança da Cidade de
7 VIEIRA, Luiz Arthur
São Paulo – Conectedance (2015), a base de dados do sis-
Leitão. Salto no Escuro:
práticas artísticas de
tema SP Cultura (a partir de 2013), o Mapeamento Rumos
mapeamento cognitivo,
2018, p. 56.
Dança Itaú Cultural (2000) e a REDE Stagium (1997)9.
Esse mapeamento da dança nos fornece muitas in-
8 PEIXOTO, Nelson
Brissac. Mapear um mundo formações, porém destaco aqui o que o estudo considerou
sem limites, 2005.
como espaços de formação em dança: academias ou cursos
livres, atividades em igrejas, atividades realizadas na esco-
9 Ibidem, p. 1.508.

33
la formal, conservatórios, cursos profissionalizantes, cur-
sos técnicos, cursos de graduação em dança, congressos,
seminários, grupos ou companhias de dança, manifesta-
ções populares ou tradicionais, festivais de dança, oficinas,
workshops, programas de pós-graduação e projetos sociais.
Considerou ainda que as pessoas entrevistadas buscavam
formação continuada e qualificação em encontros, assis-
tindo espetáculos, DVDs, acessando a internet, YouTube,
palestras, intercâmbios e residências, livros e revistas, cur-
sos, oficinas, festivais, mostras e exposições, grupos de es-
tudo e seminários10.
Outra iniciativa que chama atenção (embora não
diga respeito à cidade ou ao Estado de São Paulo) é a
“Configuração da dança em Pernambuco: um mapea-
mento em rede”, projeto desenvolvido na Escola Superior
de Educação Física da Universidade de Pernambuco entre
2014 e 2018, financiado por um conjunto de instituições11,
que tinha como objetivo geral “descrever as configurações
da dança em Pernambuco, nas suas mais diversas manifes-
tações, relacionando-se com o ensino da dança nas esco-
las”12. A novidade desse mapeamento é que, além de pen-
10 MATOS, Lúcia;
sar um diagnóstico inédito da configuração da dança no
NUSBAUMER, Gisele.
Mapeamento da dança:
Estado de Pernambuco, apresentou seus resultados através
diagnóstico da dança
em oito capitais de cinco
de gráficos gerados em um programa desenvolvido espe-
regiões do Brasil, 2016. p.
1.569-1.573.
cialmente para o tratamento dos dados dessa investigação.
Segundo os pesquisadores, as informações demonstram
11 IC/UPE/CNPq; IC/
PFA/UPE; FUNCULTURA, as “relações de trocas e contatos que se estabeleciam entre
Secretaria de Cultura e
Governo do Estado de os fazedores das danças em seus processos de formação e
Pernambuco.
atuação para a criação, produção e fruição das danças”13.
12 GEHRES, Adriana Nessa pesquisa, foram considerados como espaços ou ati-
de Faria; SILVA, Ana
Carolina Marques da; SILVA, vidades de formação escolas de dança, grupos de dança,
Anne Karoline R. Pessoa
da; BRASILEIRO, Lívia ensino superior, projetos sociais, cursos livres, serviço so-
Tenório; OLIVÁN, Leandro;
CAMPELO, Raphaela B. cial autônomo, escola básica, práticas religiosas, cursos
França. Mapeamento em
rede das escolas de dança técnicos, entre outros.
e grupos de dança em
Pernambuco: Zona da Mata Nos gráficos gerados em tal pesquisa, os pontos azuis
e São Francisco, 2023. p. 2.
são as pessoas entrevistadas e as linhas cinzas são as conexões
13 Ibid, p. 3. entre elas, como vemos nas figuras abaixo:

34
Petrolina - atuação Petrolina - formação

FONTE: REDE DE FORMAÇÃO (DIR.) E REDE DE ATUAÇÃO (ESQ.) EM DANÇA DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA DA CIDADE DE PALMARES.
IN: MAPEAMENTO EM REDE DAS ESCOLAS DE DANÇA E GRUPOS DE DANÇA EM PERNAMBUCO: ZONA DA MATA, AGRESTE, SERTÃO E SÃO
FRANCISCO, 2020, P. 22.

Não é o caso de analisar detalhadamente as imagens aqui, pois


é necessário compreender o conceito de rede que o mapea-
mento considerou e como chegou a essas configurações. Po-
rém, uma breve observação dessas duas figuras permite iden-
tificar as diferenças entre as redes de formação (esquerda) e
atuação (direita) em dança na cidade de Petrolina, região do
São Francisco, Pernambuco, e como tal perfil de redes nessa
cidade se diferencia, por exemplo, da cidade de Palmares, na
Zona da Mata Pernambucana. A figura abaixo mostra que as
pessoas entrevistadas que atuam na região de Palmares, dife-
rentemente de Petrolina, trabalham de modo isolado e não
estabelecem redes interconectadas entre si14.

Palmares - atuação Palmares - formação

14 Para maiores
detalhes e resultados do
mapeamento, ver: GEHRES,
Adriana de Faria; SILVA, Ana
Carolina Marques da; SILVA,
Anne Karoline R. Pessoa
da; BRASILEIRO, Lívia
Tenório; OLIVÁN, Leandro;
CAMPELO, Raphaela
B.França. Mapeamento
em rede das escolas de
dança e grupos de dança
em Pernambuco: Zona da
Mata, Agreste, Sertão e
São Francisco. Relatório de
FONTE: REDE DE FORMAÇÃO (DIR.) E REDE DE ATUAÇÃO (ESQ.) EM DANÇA DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA DA CIDADE DE PALMARES.
Pesquisa Universidade de IN: MAPEAMENTO EM REDE DAS ESCOLAS DE DANÇA E GRUPOS DE DANÇA EM PERNAMBUCO: ZONA DA MATA, AGRESTE, SERTÃO E SÃO
Pernambuco. Recife, 2020. FRANCISCO, 2020, P. 22.

35
PARA QUE PRODUZIR MAPEAMENTOS?

O mapeamento nacional da dança aponta a expectativa de


que “os resultados sejam utilizados para a construção de po-
líticas para a dança no âmbito nacional e nos locais pesquisa-
dos”, além de políticas educacionais e culturais do país15. O
mapeamento em rede de Pernambuco tinha como objetivo
investigar as formas de produção e invenção como possibili-
dades para a criação de redes de atuação e formação em dança
na contemporaneidade, com vista à construção de políticas
públicas de cultura e educação na área16.
Beatriz Silvestre destaca que, para estabelecer um projeto
cultural, é importante que as políticas públicas sejam formu-
ladas a partir da identificação dos problemas e das necessida-
des da população, de modo que o planejamento das etapas de
uma intervenção tenha eficácia dentro do contexto inserido17.
Em sua pesquisa “Semeando Sonhos, formando cidadãos: os
projetos sociais na área de dança”, Beatriz realizou entrevistas
com um total de 123 pessoas, entre gestores, agentes e parti-
cipantes dos projetos Fábrica de Cultura (especificamente a
unidade de Sapopemba); Núcleo Luz, Projeto Ayodele Balé,
Casinha de Sonhar e Centro Comunitário Joilson de Jesus,
todos na capital paulista. Além desses espaços, a pesquisa de
Beatriz alcançou as cidades do Rio de Janeiro (Centro de Ar-
tes da Maré e Lona Cultural Herbert Vianna) e de Salvador
(Projeto Axé). Entre os projetos estudados, há iniciativas que
15 MATOS, Lúcia; tanto objetivam a formação de profissionais quanto propi-
NUSBAUMER, Gisele.
Mapeamento da dança: ciam a iniciação e/ ou aprofundamento da linguagem da dan-
diagnóstico da dança
em oito capitais de cinco ça, sem pretensão exclusiva de profissionalizar. A análise da
regiões do Brasil, 2016.
p. 1.845. autora ressaltou aspectos da transformação social por meio da
16 Idem, p. 12.
dança presente nos projetos pesquisados que, de modo ge-
ral, “surgem para romper e conter o ciclo da violência, bem
17 SOUZA, Beatriz
Silvestre Rodrigues
como para amparar e suprir as necessidades ocasionadas pela
de. Semeando sonhos,
formando cidadãos: os
desigualdade estruturante brasileira”18. Os educandos se reco-
projetos sociais na área de
dança, 2022, p. 12.
nhecem “enquanto indivíduos, expressando-se, afirmando-se
e, mesmo quando não têm a intenção de seguir carreira artís-
Idem, p. 53.
18
tica, levam essas experiências para suas vidas, dando-lhes um
19 Ibidem, p. 63. sentimento de pertencimento, de cidadania”19.

36
Muitas informações importantes aparecem nos resul-
tados dessas pesquisas realizadas, mas assim como o mapa,
o mapeamento também contém em si aquilo que ficou de
fora. Por mais abrangentes que sejam os meios de coleta dos
dados, por mais amplas as premissas para seu tratamento,
aquilo que fica de fora também acusa a realidade do mape-
amento. O critério de escolhas, quais perguntas são feitas,
o alcance das informações — se tal iniciativa chegou ao co-
nhecimento de determinado grupo ou indivíduo — são fa-
tores que interferem nos resultados.
É importante ter em vista que os mapeamentos podem
nascer obsoletos, uma vez que as pessoas, grupos, coletivos,
companhias e mesmo as instituições de dança estão em
constante dinâmica: novos espaços são inaugurados, ao passo
que antigos espaços mudam de sede, ou mesmo encerram
20 Jacques Rancière
propõe que a pergunta suas atividades; novos alunos matriculam-se e algumas
“onde estamos?” significa
duas coisas ao mesmo pessoas deixam de dançar.
tempo: “como podemos
caracterizar a situação em A questão que se coloca é que o mapeamento está impli-
que vivemos, pensamos e
agimos hoje”, mas também, cado com o tempo, além dos espaços e territórios. Além disso,
da mesma forma, “como a
percepção dessa situação o mapeamento conta com as premissas daqueles que o elabo-
nos obriga a reconsiderar
o enquadramento que raram, mas também depende daqueles que farão sua leitura:
usamos para ‘ver’ as coisas
e mapear situações, para ao se propor como uma prática que lida com subjetividades,
nos movermos dentro desta
estrutura ou escapar dela?”; e que almeja, inclusive, transformar criticamente a realidade,
ou, em outras palavras,
“como nos obriga a mudar ele exige uma leitura crítica de suas bases e de seus percursos.
nossa própria maneira de
determinar as coordenadas De toda forma, é importante compreender que os ma-
do aqui e agora?”. Ver:
VIEIRA, Luiz Antônio. peamentos são instrumentos importantíssimos para com-
Salto no escuro: práticas
artísticas de mapeamento preendermos onde estamos, o estado da dança em que nos
cognitivo, 2018, p. 30.
situamos, e como artistas, companhias e instituições que atu-
21 Nelson Brissac am em diferentes contextos estão envolvidos com os diversos
Peixoto analisa os limites
dos mapas e mapeamentos modos de fazer, pensar, manter, ampliar, difundir a dança e,
diante da informidade
dos processos que por fim, dançar20.
constituem o urbanismo e
o desenvolvimento urbano Então, seria possível pensar em um mapeamento que
das grandes metrópoles. É
a partir de uma comparação desse conta de forças, fluxos, potências, muitas vezes efême-
entre as premissas de
um mapeamento que dê ras, ao invés de formas e estruturas?21
conta de grandes escalas
e dinâmicas extremamente Para compreender uma iniciativa de mapeamento que
velozes, do ponto de vista do
urbanismo, que tomo como dê conta da multiplicidade de locais de transmissão, apren-
inspiração os estímulos à
reflexão que este filósofo dizado e compartilhamento de experiências de dança (talvez
propõe para mapeamentos
de outras ordens. as principais premissas do conceito de escola), é necessário

37
estabelecer critérios de inclusão, que por sua vez fabricam
seus duplos e opostos critérios de exclusão.
Que definição de escola seguir? Seria uma entidade
formalmente constituída (seja academia, clube, associação,
fundação, empresa MEI, empresa Ltda. etc.)? Estaria locali-
zada em algum espaço fixo, em algum espaço físico? Leva-
ríamos em conta as categorias definidas pelos mapeamen-
tos já realizados? Ou deveríamos extrapolar as fronteiras e
os limites da estrutura, considerando a perspectiva de que a
definição de escola acomodaria redes transversais, sistemas
instáveis, espaços informais e efêmeros?
Incluiríamos nesse mapeamento coreografias aprendi-
das nas aulas de Fit Dance nas academias? Estúdios de pole
dance? Consideraríamos o aprendizado na observação de pa-
res dançando gafieira em rodas de samba? Passos de forró
aprendidos no baile? Coreografias aprendidas pela internet
e improvisadas em shows de bandas pop? Coreografias do
aplicativo TikTok com suas notações coreográficas feitas com
emojis? Encontros espontâneos de grupos de dança country?
Passos de k-pop ou break dance aprendidos diante de vidros
espelhados no Centro Cultural São Paulo?
Seria o caso de tomarmos emprestada a consideração
de Nelson Brissac Peixoto, na qual propõe “considerar as
formas mais contemporâneas de entender os processos de
mapeamento, baseados na exploração intensiva e crítica de
múltiplas informações”22?
Se a definição de escola puder ser as intensas trocas
proporcionadas pela dança que potencializam a saúde e o
bem-estar do indivíduo, favorecem processos de desenvol-
vimento pessoal, promovem laços de comunidade, coleti-
vidade e redimensionam parâmetros de cidadania, além de
possibilitar uma formação profissional àqueles que desejam
trabalhar com dança, toda iniciativa de formação poderá ser
acolhida neste diagnóstico de forma não excludente.
Se o mapeamento pode ser um instrumento que fa-
cilita redes e conexões entre pessoas ao redor da linguagem
22 PEIXOTO, Nelson artística da dança, seria possível produzir um mapeamento
Brissac. Mapear um mundo
sem limites, 2005, n.p. permanente, sem um fim pressuposto e sem limites de inclu-

38
são de categorias? Seria possível incluir experiências históri-
cas do passado e, eventualmente, acomodar propostas que
possam surgir no futuro?
Diversas iniciativas no Estado de São Paulo deixam
entrever, brevemente, a imensa base de dados com as quais
nos depararíamos em um mapeamento de escolas e espaços
de formação em dança. Como exemplo, o programa Fábri-
cas de Cultura, que inaugurou recentemente diversas novas
unidades em cidades do interior e litoral paulista; o Progra-
ma de Qualificação em Artes – Dança, que atende grupos de
diversos municípios do Estado; a Bienal Sesc de Dança, que
promove a cada dois anos processos formativos na cidade de
Campinas; as unidades do Sesc no Estado de São Paulo; as
universidades que mantêm cursos ou disciplinas de dança
em cursos de artes cênicas e educação física; as oficinas pro-
movidas nas unidades do SESI; as escolas públicas de dança,
como a São Paulo Escola de Dança (estadual), e também
Escola de Dança de São Paulo, Escola Livre de Dança de
Santos, Escola Livre de Dança de Santo André e Escola Ira-
cema Nogueira, de Araraquara (municipais), entre outras;
as diversas escolas de dança particulares e estúdios de balé,
de dança flamenca, dança indiana, danças ciganas, danças
árabes, danças africanas e afro-brasileiras, danças afro-ame-
ricanas, aulas de sapateado, jazz, academias de ginástica que
mantêm aulas de dança, os inúmeros projetos sociais que
mantêm atividades de dança; grupos, companhias e cole-
tivos; corpos de baile, espaços independentes que mantêm
cursos regulares; os diversos grupos de catira, de fandango,
os congados, os moçambiques, as companhias de folias de
reis; as academias de danças de salão, aulas nos Centros de
Tradições Gaúchas (CTGs) localizados no Estado, ensaios das
quadrilhas juninas com suas elaboradas coreografias, cursos
técnicos, mostras e festivais de dança, as rodas de capoeira,
as escolas de samba, as diversas comunidades tradicionais,
entre outras tantas experiências.
Por conta de minha formação profissional nômade ge-
ograficamente e “eclética” enquanto estilos de dança, com-
preendo que o trânsito entre diferentes experiências, estilos,

39
escolas e linguagens pode favorecer substancialmente aque-
les que desejam se profissionalizar, uma vez que, nos am-
bientes profissionais de dança (companhias, grupos, coleti-
vos, projetos, trabalhos, nas atividades como professores nas
próprias escolas e em todo o mercado de trabalho) há uma
busca permanente pela originalidade, invenção, criativida-
de, inovação e habilidade técnica, ou seja, pelo diferencial.
Um dos meus grandes mestres de dança me aconse-
lhou a conhecer e praticar variados estilos e todas as formas
que fossem possíveis, para que minha dança pudesse ser for-
mulada e “contaminada” a partir de diversas delas. O cisne
do meu sonho, então, voou por muitos cantos, pousou em
diferentes regiões e conheceu diferentes ambientes. Afinal,
os cisnes, como as outras aves, mapeiam constantemente o
território, mas nada se valem de mapas.

40
REFERÊNCIAS

FERRARI, Márcio. A mina dos mapas: material cartográfico re-


vela imaginário colonial português. Revista Pesquisa Fapesp,
n. 183, p. 90-93, maio 2011. Disponível em: https://revistapes-
quisa.fapesp.br/a-mina-dos-mapas/. Acesso em: 18 jul. 2023.

GEHRES, Adriana de Faria; SILVA, Ana Carolina Marques da;


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OLIVÁN, Leandro; CAMPELO, Raphaela B. França. Mapea-
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Pernambuco: Zona da Mata, Agreste, Sertão e São Francisco.
Relatório de Pesquisa Universidade de Pernambuco. Recife,
2020. Disponível em: http://www.ethnosesef.upe.br/relato-
rios. Acesso em: 20 jul. 2023.

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nório; OLIVÁN, Leandro; CAMPELO, Raphaela B. França. Ma-
peamento em rede das escolas de dança e grupos de dança
em Pernambuco: Zona da Mata e São Francisco. Revista
Estud(i)os de Dança RED, Universidade de Lisboa, v. 1, n.
1, p. 1-13, 2023.

MATOS, Lúcia; NUSSBAUMER, Gisele (coord.). Mapeamento


da dança: diagnóstico da dança em oito capitais de cinco re-
giões do Brasil. Salvador: UFBA, 2016. Disponível em: http://
www.mapeamentonacionaldadanca.com.br/resultados/.
Acesso em: 18 jul. 2023.

PEIXOTO, Nelson Brissac. Mapear um mundo sem limites.


Artepensamento: Ensaios filosóficos e políticos. São Paulo:
Edições SESC, 2005. Disponível em: https://artepensamento.
ims.com.br/item/mapear-um-mundo-sem-limites/. Acesso
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SOUZA, Beatriz Silvestre Rodrigues de. Semeando sonhos,


formando cidadãos: os projetos sociais na área de dança.

41
Orientadora: Maria Claudia Alves Guimarães. 2022. 69p.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universida-
de Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP.
Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12733/8397.
Acesso em: 06 jul. 2023.

SCWARCZ, Lilian Moritz; VAREJÃO, Adriana. Pérola Imperfei-


ta: a história e as histórias na obra de Adriana Varejão. Rio de
Janeiro: Cobogó, 2014.

VIEIRA, Luiz Arthur Leitão. Salto no escuro: práticas artísticas de


mapeamento cognitivo. Dissertação (Mestrado). Universidade
de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Pau-
lo, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.11606/D.16.2019.
tde-16012019-101639. Acesso em: 06 jul. 2023.

42
CONVITE À REFLEXÃO SOBRE
PROCESSOS FORMATIVOS
EM DANÇA
Kathya Maria
Ayres de Godoy

Este texto procura apresentar alguns pressupostos sobre os


desafios encontrados para a inserção da linguagem da dan-
ça no âmbito da educação básica. Para tanto, optei por es-
crever em primeira pessoa no intuito de me aproximar dos
leitores e das leitoras que, porventura, queiram comparti-
lhar dessa experiência.
Trabalho há mais de 30 anos com ensino, aprendizado
e criação de metodologias (de pesquisa e ensino) adequadas
à produção e implantação de políticas públicas para a in-
serção da dança na educação básica. Durante esse percurso
pude perceber inúmeros desafios que somente um texto não
daria conta de explanar. Por essa razão, elenco alguns pontos
de reflexão, na esperança de que eles sirvam de frestas para
despertar interesse no estudo sobre esse assunto que requer
olhares, muitos olhares, e fazeres, muitos fazeres.
Inicio trazendo um ponto que, a meu ver, é definidor
do ensino dessa linguagem: o processo formativo, inicial e
continuado do educador (que também pode ser chamado
de professor, ensinante, artista educador ou formador, entre
outros), a quem cabe o trabalho/ofício de apresentar a dança
aos estudantes.

44
Ao chamar de professor, adoto a perspectiva de um
profissional docente preocupado com a atualização dos sa-
beres que a docência exige (Tardif, 2006). Mas quem são
esses profissionais? Qual a formação desejada para eles? Essas
questões precisam ser colocadas para, então, refletir sobre o
que ensinar (currículo) e como ensinar (metodologias).
A formação do professor que atua com o ensino de
dança é bastante diversificada. No decorrer desses anos, pude
observar que pedagogos, professores especialistas em Arte
(Educação Artística, Artes Visuais, Artes Cênicas, Teatro e
Dança), educadores físicos e, ainda, outros licenciados de
outras áreas, ensinam dança no contexto da educação básica.
Não há uma única escolha ou percurso definido para
a formação dos professores de dança no Brasil. Esta pode
ser alcançada de muitas maneiras, entre as quais: na edu-
cação informal, no ensino superior, em escolas ou acade-
mias credenciadas pelo MEC (cursos técnicos), em cursos li-
vres (educação não formal), por meio de vivências práticas
com profissionais que possuem grande experiência no ramo,
23 MONTE, Fernanda
Christina de Souza
principalmente em academias não credenciadas23.
Guidarini. O processo de
formação dos professores
Esse tipo de formação de professor não formal encon-
de dança de Florianópolis.
2003. 147 f. Dissertação
tra amparo na lei dos artistas24, que menciona que quem
(Mestrado em Educação
Física) – Universidade
possui registro profissional de bailarino ou dançarino pode
Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2003.
ministrar aulas de dança em academias ou escolas de dança25.
Disponível em: http://
repositorio.ufsc.br/xmlui/
Apesar de não haver um modelo único para a forma-
handle/123456789/85961.
ção profissional dos professores de dança, é importante lem-
24 BRASIL. Decreto nº brar que a formação específica do educador de dança para a
82.385, de 5 de outubro de
1978. Regulamenta a Lei nº escola formal ocorre nas licenciaturas em Dança.
6.533, de 24 de maio de
1978, que dispõe sobre as Tal formação se ampara nas leis que orientam a edu-
profissões de Artista e de
Técnico em Espetáculos cação brasileira como a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
de Diversões, e dá outras
providências. Brasília, ção Nacional – LDBEN (Brasil, 1996), em pareceres e diretri-
out. 1978.
zes curriculares para a formação de professores (1997, 2002,
25 Para obter o registro 2004) e, ainda, em documentos norteadores para a prática
de artista junto ao Ministério
do Trabalho, existem três profissional como a BNCC – Base Nacional Comum Curri-
caminhos: 1) apresentar um
diploma de nível superior cular (Brasil, 2017) e os currículos propostos pelos estados e
que comprove a atuação;
2) diploma de segundo municípios como as orientações didáticas do currículo da ci-
grau técnico; 3) atestado
de capacitação profissional dade de São Paulo (São Paulo, 2019). Vale explicar que cada
fornecido pelo sindicato
representativo da categoria. estado ou município tem documentos norteadores e cada

45
TERRITÓRIO CULTURAL COM O SINDDANÇA | FOTO: SAMIRA DANTAS

escola tem o seu Projeto Político Pedagógico – PPP, que, em


última instância, contempla as linhas pedagógicas e as ne-
cessidades daquela comunidade atendida. Em todos eles, a
Dança se faz presente de muitas formas e pesquisas têm sido
desenvolvidas no sentido de observar como ela aparece na
educação básica.
Mas é fato que existem professores que trabalham a
dança na escola por iniciativa própria. Isso ocorre porque
grande parte dos profissionais que ensinam dança no con-
texto escolar, apresentam formação na área advinda de aca-
demias, cursos livres, ou tiveram alguma experiência na área
em algum momento de sua vida (Andrade; Godoy, 2018). É
preciso dizer que muitas escolas têm um contraturno com
atividades diversificadas e, nesses casos, é possível contratar
tais profissionais, por vezes, por meio de prestação de servi-
ço, entre outras possibilidades.
Esse quadro é o retrato de uma fase de transição. O cená-
rio atual da arte está em processo de mudança e podemos ob-
servar isso nas recentes modificações das leis, como a que inclui
26 Lei nº 13.278/2016,
que altera o § 6º do art. 26 as artes visuais, a dança, a música e o teatro como linguagens
da Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996. que constituirão o componente curricular da educação básica26.

46
Por essas e outras mudanças na legislação e nos docu-
mentos, em alguns anos teremos mais profissionais especialis-
tas na escola; provavelmente não em número suficiente, já que
os processos de mudanças na educação demoram a acontecer.
É preciso colocar um outro aspecto que se liga direta-
mente às políticas públicas: os concursos para a contratação
de professores, embora muito diversificados no território na-
cional, não contemplam o concurso específico para profes-
sor de dança na maioria dos estados e municípios, cabendo
ao educador de arte trabalhar as quatro linguagens artísticas
(Dança, Teatro, Artes Visuais e Música), o que sabemos ser
impossível, ao pensar num ensino de qualidade. Esta é mais
uma faceta que requer muitas laudas para ser discutida a
contento. De maneira que trago uma questão: será que esses
profissionais, embora amparados legalmente para exercer o
ensino de dança, o fazem de maneira adequada a promover
o contato e o aprendizado da linguagem pelos educandos?
Essa questão tem o intuito de provocar a reflexão acer-
ca de identificar quais são os saberes específicos da lingua-
gem e de como favorecer as práticas pedagógicas a partir
deles. Para que isso ocorra, é preciso resgatar o conceito de
simetria invertida (Godoy 2003), aqui adaptado para o ensi-
no de dança.
Todos e todas passamos pelos bancos escolares em al-
gum momento de nossas vidas, ou seja, fomos estudantes. Isso
não significa que mesmo com excelentes avaliações e percur-
sos educacionais, construímos habilidades para o ensino dos
conhecimentos que adquirimos quando éramos estudantes.
Uma das qualidades de um bom professor é, sem dúvi-
da, saber ensinar. Isso requer apreender conceitos e transfor-
má-los em práticas pedagógicas eficazes no exercício de sua
profissão. Então, ele precisa desenvolver “modos/maneiras”
de ensinar, ou seja, deve existir uma didática para que a rela-
ção ensino e aprendizado se constitua. Falando dessa manei-
ra, parece fácil, mas não é.
A didática diz respeito a um conjunto de técnicas e
premissas que orientam o aprendizado e que podem quali-
ficar as práticas educativas. Pois bem, o estudante de dança

47
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE MULTIMÍDIAS PARA DANÇA EM INTERCÂMBIO CULTURAL
| FOTO: SAMIRA DANTAS

que passou por um processo instrucional atento e cuidado-


so, que conhece os elementos constituintes da linguagem,
não necessariamente desenvolveu “modos/maneiras”, meto-
dologias, para ensinar dança. Dessa forma, tornar-se um ex-
celente bailarino, não o habilita a ensinar dança. E o mesmo
se dá com tantas outras profissões.
Então, o processo formativo inicial e continuado, na
profissão de professor, é constante e requer atualizações em
relação aos saberes que constituem a área de conhecimento.
Esse é um grande desafio, pois:
A formação não se constrói por acumulação (de cur-
sos, de conhecimentos, de técnicas), mas sim, através
de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práti-
cas e de reconstrução permanente de uma identidade
pessoal (Nóvoa, 1992, p. 26).
Ainda abordando sobre o professor que está em cons-
tante aquisição de conhecimentos, ou seja, em desenvolvi-
mento profissional, para que ensinar não se torne repetir,
reproduzir o que vivenciou quando era estudante, reitero a
convicção de que é preciso se apropriar dos saberes específi-
cos da área. Dizendo de outra forma, ter vivenciado no e pelo

48
corpo os saberes em dança (Godoy, 2020) pode favorecer o
caminho de tornar-se um professor qualificado de dança.
Sobre esse aspecto, abro mais uma fresta: considero
que o professor precisa decalcar os elementos constituintes
da linguagem da dança no seu corpo, vivenciá-los em proces-
so de experienciação plena. Quero dizer com isso que existe
a (in)corporação desses elementos (consciência do corpo –
todo e partes dele, concepção de espaço, tempos – internos
e externos, ritmos variados) entre os vários desdobramentos
deles para que a linguagem imprima, expresse, narre, exista
(Godoy, 2020, 2021, 2023).
Andrade (2016) destaca em sua tese de doutoramen-
to, a necessidade desse profissional ter oportunidades para
compreender a completude do seu corpo, do movimento e
da dança, pois essa experiência possibilita a valorização de si
e modifica sua prática pedagógica.
Diante dessas colocações, é possível afirmar que os
processos formativos são muitos, se cruzam e se instalam na
educação básica. Historicamente, o primeiro curso de gradu-
ação em dança foi criado em 1956, na Universidade Federal
da Bahia – UFBA. Inicialmente, era voltado para o dançari-
no e professor de dança, conferindo diplomas de Magistério
Elementar, Dançarino Profissional e Magistério Superior. De
lá para cá, segundo consulta no portal e-MEC (2023), hoje,
temos 50 cursos cadastrados e em funcionamento no Brasil.
Eles estão nos Institutos Federais de Ensino Superior – IFES,
nas Universidades Federais e Estaduais e nas Instituições de
Ensino Superior privadas – IES. Mas ainda não é o suficiente
para cobrir a demanda de profissionais para o ensino de dan-
ça na educação básica.
Os cursos superiores de Dança foram responsáveis por
uma mudança significativa no panorama da dança no Brasil.
Eles figuram em espaços específicos para a formação
profissional, não só no que tange à produção acadêmi-
ca e artística, mas na direção de discussões que apon-
tam o reconhecimento da Dança como linguagem
aliada às práticas reflexivas, a partir da percepção sobre
o processo de formação (Andrade, 2016, p. 109).

49
RESIDÊNCIA ARTÍSTICA COM A SÃO PAULO COMPANHIA DE DANÇA COM INÊS BOGÉA, FLAVIO LIMA,
FELIPE DO AMARAL | FOTO: CAMILO BARBOSA

Dessa forma, permanece a necessidade de ampliar em


quantidade o número de profissionais específicos (professo-
res especialistas) na linguagem. Isso demanda tempo, recur-
sos e, acima de tudo, políticas públicas, outro grande desafio.
Dito tudo isso, é imprescindível olhar para os currí-
culos dos cursos de graduação em Dança. Uma das minhas
funções como pesquisadora sênior do Programa de Pós-Gra-
duação em Artes no Instituto de Artes da Universidade Es-
tadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – PPGA/IA/UNESP, é
colaborar como parecerista das agências de fomento como a
Fundação de Amparo à Pesquisa – FAPESP, Conselho Nacio-
nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-
rior – CAPES, e contribuir como parecerista avaliadora junto
ao Conselho Estadual da Educação – CEE do estado de São
Paulo, e nesses últimos anos pude entrar em contato com
os Projetos Pedagógicos de alguns cursos de graduação em
Dança, Artes, Educação Artística e Pedagogia.
No que diz respeito a formação inicial em Dança,
esses currículos trazem propostas formativas que contem-
plam a inserção da investigação sobre a dança contempo-

50
rânea, o diálogo com a dança cênica e a ampliação dos
estudos sobre os povos originários, os afrodescendentes, a
diversidade das manifestações culturais que enlaçam con-
cepções estéticas e linguagens artísticas. Esses aspectos en-
volvem também as relações de ensino e aprendizado no in-
tuito de formar um profissional pesquisador de sua prática
para que consiga acompanhar o rápido ritmo de transfor-
mações artístico-pedagógicas, de modo a se manter atua-
lizado em seus saberes e fazeres, para atuar em diferentes
contextos e realidades.
Obviamente que existem outras questões que pautam
a implantação desses projetos pedagógicos como um cor-
po docente com aderência e capacidade para desenvolver tal
proposta, infraestrutura física, bons acervos, bolsas de es-
tudos e de permanência estudantil, coordenação e gestão
comprometidas, entre tantos outros pontos que garantem
tal exequibilidade.
De novo esbarramos nas políticas públicas de aces-
so etc. Mas o caráter inovador e a atenção aos documentos
como as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs, entre ou-
tros que regem o ensino superior voltados para a formação
de professores, são contemplados com raras exceções. O per-
curso é longo, mas essas instituições têm coreografado com
labor e competência esses caminhos.
A dança está à vista em outros cursos de formação
inicial de professores. Isso não significa que tais cursos pre-
parem profissionais para atuar com dança na escola, porém
quando um artista da dança cruza sua formação técnica
e em espaços não formais e informais com um curso de
licenciatura, por exemplo, de Pedagogia ou Artes, que se
preocupa em apresentar a linguagem da dança aos gradu-
andos, pode ocorrer, em alguns casos, uma ampliação des-
ses saberes voltados ao ensino.
Ainda temos os processos de formação continuada,
como os Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu aca-
dêmicos que se preocupam em aprofundar conhecimentos
por meio da pesquisa e investigação artística e os progra-
mas profissionais (mestrado e doutorado) que se voltam

51
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO EM INTERCÂMBIO CULTURAL
| FOTO: SAMIRA DANTAS

para a pesquisa da prática. Esses programas estão nas IES de


todo o país e circunscrevem a grande área de conhecimen-
to de Artes, Linguística e Letras e subáreas como Dança,
Teatro, Artes Cênicas e Artes Visuais. Neles, temos áreas
de concentração específicas como Arte e Educação, Cria-
ção, Performance, entre outras, e linhas de pesquisa como
Dança na Educação, Metodologias de ensino para dança,
Processos de criação em dança, etc. Isso sem falar nos cur-
sos de especialização Lato Sensu que são mais específicos e
tratam de verticalizar assuntos como Estudos sobre a Téc-
nica Klauss Vianna, Dança e Consciência Corporal, Arte
Educação e outros que também são ofertados pela IES pú-
blicas e privadas.
No que diz respeito às redes públicas e privadas de
ensino, existem cursos de extensão com diferentes forma-
tos para professores em exercício e são ofertados pela Se-
cretaria da Educação dos municípios – SME, por vezes em
parcerias com associações e com as IES, ou seja, no contexto
da formação continuada e em serviço, existe a preocupação
em discutir e refletir sobre a dança na educação básica de
muitas maneiras.

52
Nos últimos anos, esses professores, pesquisadores e
estudantes têm participado de Encontros, Seminários, Con-
gressos e eventos destinados à discussão sobre essa formação
que são promovidos por Associações de Pesquisadores em
parcerias com as IES públicas e privadas e fomento como
FAPESP, CAPES e CNPq.
Ressalto dois exemplos neste sentido. O primeiro é da
Associação Nacional de Pesquisadores em Dança – ANDA,
que, desde 2008, incentiva, promove e divulga pesquisas
no campo da Dança. Ela possui comitês específicos como o
“Dança em Múltiplos Contextos Educacionais”, que acolhe
propostas metodológicas, processos criativos, reflexões pe-
dagógico-didáticas, críticas-analíticas das chamadas técni-
cas, práticas e métodos e suas ações vinculadas ao ensino e
aprendizagem de danças de todo e qualquer corpo, de toda
e qualquer identificação, seja qual for o contexto educacio-
nal; e o comitê “Formação em Dança”, que abriga a prática
da dança na educação básica (a dança na escola, os estágios
curriculares, as ações do PIBID e da Residência Pedagógica),
e processos artístico-pedagógicos em cursos técnicos, supe-
riores e demais espaços formativos, visando a formação do-
cente, artística e do artista docente – no ensino regular, em
projetos de extensão e pesquisa.
O segundo é a Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-
-Graduação em Artes Cênicas – ABRACE, fundada em 1998, e
que, em um primeiro momento, criou o Grupo de trabalho
“Pesquisa de Dança no Brasil: Interpretação e Processo de
Criação” (1999 – 2003), que depois passou a se chamar “Pes-
quisa de Dança no Brasil: processos e investigações” (2004 –
2014) e, hoje, chama-se “Grupo de Pesquisadores em Dança
da ABRACE”. A nova denominação vislumbrou manter tanto
o caráter acolhedor, quanto a abertura para receber e reunir
pesquisadores de formações distintas, nos mais diferentes es-
tágios de suas trajetórias acadêmicas e artísticas, sem, con-
tudo, perder o foco e a coesão com a área da Dança e suas
interfaces mais diversas. Esses são espaços formativos que
também se atrelam às políticas públicas para a inserção da
dança na escola básica.

53
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO EM INTERCÂMBIO CULTURAL.
| FOTO: SAMIRA DANTAS

Coordeno o Grupo de Pesquisa Dança, Estética e Edu-


cação – GPDEE, que foi criado em 2006 e se vincula ao PPGA/
IA/UNESP, um laboratório de práticas sobre processos de en-
sino e aprendizado da dança e suas mediações em espaços
formais, não formais e informais; estudos em dança e suas
inserções na sociedade por meio da ação artística, cultural e
27 SCHÖN, Donald A.
educativa, da história e memória, das diversas teorias e polí-
Formar professores como
profissionais reflexivos. In:
ticas públicas que a recortam; investigações sobre os modos
NÓVOA, A. Os professores
e a sua formação. Lisboa:
de agir e processos de criação que possibilitam a reflexão,
Publicações Dom Quixote,
1992. p. 77-91.
formação e produção em dança na contemporaneidade.
Esses estudos discutem a recepção da obra artística
28 BONDÍA, Jorge
Larrosa. Notas sobre a e o diálogo com o público como maneiras de experienciar
experiência e o saber
de experiência. Revista e fruir a arte. O grupo compartilha das ideias de Donald
Brasileira de Educação,
Rio de Janeiro, n. 19, jan./ Schön27 em relação ao professor reflexivo, que constrói seu
abr. 2002.
saber na relação com a ação, a reflexão, a volta à ação e
29 GODOY, Kathya o saber da experiência, proposto por Larrosa28, atualizado
Maria Ayres de O desafio
em formar plateia para por mim29 para o contexto da dança. Acrescento que, para
dança. In: GODOY,
Kathya Maria Ayres a experiência ocorrer em dança, “é preciso olhar outros as-
(org.). Experiências
compartilhadas em dança: pectos que podem permitir este acontecimento, como a
formação de plateia. 1. ed.
São Paulo: Edição, Instituto consciência que temos de nosso corpo que evidencia a di-
de Artes da Unesp, 2013,
p. 73-76. v. 1. mensão singular dessa experiência. Assim, somos atravessa-

54
dos, decalcados, (in)corporados por ela”30. Em vista disso,
imbuídos por essas impressões, pode ocorrer a transforma-
ção por meio das experiências. Para sermos atravessados
pela experiência, a dança precisa fazer sentido. Isso se dá
quando construímos significados, atribuímos referências,
reminiscências que conectamos ao nosso modo de ver a
dança. A partir disso, projetamos novas formas de agregá-
-la naquilo que identificamos como substantivo em nossas
vidas. Portanto, tais sensações tornam-se particulares, rela-
tivas e pessoais.
Esse olhar para o ensino de dança contribui para a
construção de algumas premissas, tais como: valorizar o sa-
ber docente; partir da prática para estabelecer relações com
os conhecimentos teóricos; orientar os professores a expe-
rienciar as mesmas vivências e procedimentos que utiliza-
ram/utilizarão com as crianças; valorizar o conhecimento
que o professor apresenta, a partir disso, e discutir a dança
em relação a um contexto amplo da educação, da realidade
local e da sociedade.
O ensino de dança, sob essa ótica, supõe um processo
de constante transformação e reflexão. As escolhas educacio-
nais se dão no decorrer de um período que não se finda; elas
harmonizam-se e desorganizam-se de acordo com o contex-
to que o professor encontra. E estão conectadas ao contexto
histórico, político, cultural e social em que os sujeitos da
dança na escola (professores, crianças e dirigentes de ensino)
estão inseridos.
A ideia é possibilitar que a dança seja disseminada
por meio da apropriação da linguagem, ou seja, transpor,
despertar, potencializar, oportunizar o compartilhamento
da experiência e extasiar-se diante da criação para construir
os saberes próprios da dança que com sua força motriz pro-
duz o encantamento dessa arte do movimento (Andrade;
Godoy, 2018).
Por fim, saliento que o cenário brasileiro apresenta re-
corrente alternância da Arte como prioridade nos segmentos
da educação básica. Fica o desafio de manutenção da dan-
30 Ibidem, p. 73. ça na escola como área significativa de conhecimento para

55
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | FOTO: IARI DAVIES

a formação do sujeito e da necessária presença do docente


habilitado para mediar e conduzir as experiências artísticas.
Por esse motivo, destaco que:
[...] a experiência da Dança, principalmente no meio
educacional, pode contribuir para transformações do
social na medida em que, como linguagem artísti-
ca cuja matéria-prima é o corpo, que se expressa por
meio do movimento, formas, ritmo/tempo, espaço ao
representar/apresentar/interpretar/atuar com e no su-
jeito que participa da ação de dançar, apreciar e fruir,
se constitui como agente social. Acredito que a relação
com a dimensão estética por meio dessa linguagem faz
romper com o cotidiano ordinário ao possibilitar dife-
rentes maneiras do sujeito se projetar e se imaginar no
mundo (Pimenta, 2020, p. 89).

56
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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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CONSTRUINDO CAMINHOS
PEDAGÓGICOS EM DANÇA
COM AS CRIANÇAS:
REFLEXÕES E DESAFIOS
Carolina Romano
de Andrade

Para iniciar esta reflexão que volta seus olhares para a dança na
infância, compartilho uma experiência que vivenciei em uma
formação de professores que despertou o meu interesse sobre
os modos de aprender da criança pequena31 (Brasil, 2017).
Ao final de uma série de encontros em que trabalhamos
um livro de histórias infantis e os fatores de movimento de
Laban (1978) – Fluência, Espaço, Peso e Tempo – como ins-
piração em um processo de criação de dança com as crianças,
resolvemos ampliar a experiência com uma proposta de frui-
ção de um espetáculo de dança, seguido de uma roda de con-
versa. No decorrer das discussões, as crianças compartilharam
suas observações, descrevendo uma variedade de elementos da
dança presentes no espetáculo que assistiram. Em particular,
enfatizaram a realização de movimentos em diferentes níveis
espaciais (alto, médio e baixo), conforme o que tinham apren-
dido em Laban (1978). Elas mencionaram que “as bailarinas
31 De acordo com a exploraram o chão em nível baixo, rastejando, e, em alguns
referência normativa da
Base Nacional Comum momentos, voaram para níveis mais altos”, fazendo referência
Curricular (BNCC) do
Ministério da Educação do aos saltos executados durante a apresentação.
Brasil, a expressão “criança
pequena” refere-se às Essa conversa despertou a minha percepção sobre a fa-
crianças de 4 anos a 5 anos
e 11 meses. cilidade com que os pequenos conseguiram se relacionar e

67
se expressar a respeito do espetáculo que presenciaram, uti-
lizando um vocabulário específico da dança. Eles não ape-
nas observaram e descreveram os movimentos, mas também
simbolizaram e estabeleceram conexões entre o que já co-
nheciam e o que apreciaram. Ficou claro, a partir dessa ex-
periência, que as crianças fruíram a dança, revelando uma
compreensão dos elementos dessa linguagem artística.
Refletindo sobre os encontros com as crianças, perce-
bi a necessidade de repensar minhas abordagens pedagógicas
em relação à dança. Dois aspectos se destacam nesse processo.
Primeiro, reconhecer e valorizar o conhecimento construído
pelos pequenos por meio de suas experiências em dança. Du-
rante essa vivência, pude observar que eles assimilam concei-
tos complexos da dança e compreendem seus significados de
forma profunda quando os vivenciam na prática.
Segundo, adotar uma abordagem pedagógica em dança
que esteja alinhada com a forma como as crianças apreendem e
compreendem o mundo ao seu redor. Isso envolve aspectos lú-
dicos, pautados nas interações e nas brincadeiras (Brasil, 2017),
que podem ser desdobradas em jogos, faz de conta e brincadei-
ras dançadas. Essas estratégias permitem explorar o imaginário
infantil por meio dos conhecimentos em dança, estimulando
a criatividade e estabelecendo um sentido para elas.
Considerando essas estratégias, meu objetivo com este
texto é discutir e apresentar a construção de um pensamen-
to em dança com as crianças, uma epistemologia da práti-
ca, procurando traçar um caminho pedagógico que aborde
os desafios em trabalhar dança com os pequenos. A fim de
atingir esse objetivo, o texto será dividido em três partes que
permitirão explorar os diferentes aspectos desse processo.
Na primeira parte, irei explorar o encontro com a in-
fância, um território repleto de incertezas. Nesse trecho,
apresentarei os principais conceitos relacionados à infância
e à criança, estabelecendo parâmetros para uma abordagem
epistemológica que volta seu olhar para a dança.
Na segunda parte, abordarei os desafios enfrentados
pelos professores de dança ao refletir sobre sua prática com
as crianças. Discutirei as questões que surgem e as dificulda-

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ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: SAMIRA DANTAS

des encontradas que podem conduzir os educadores a repen-


sar as abordagens pedagógicas em dança.
Por fim, oferecerei um caminho metodológico, des-
tacando o planejamento e a seleção de conteúdos que pro-
movam a construção do conhecimento em dança. Buscarei
explorar temáticas da dança (Andrade, 2016), a fim de pro-
porcionar experiências significativas com as crianças.
Dessa forma, por meio desta escrita, busco contribuir
para que os professores possam reconhecer, refletir e repensar
suas estratégias pedagógicas, promovendo experiências que es-
timulem a criação, a reflexão, a fruição e a estesia, permitindo
que as crianças se expressem e se conectem com a dança.

O ENCONTRO DO PROFESSOR COM A CRIANÇA


QUE DANÇA

O interesse pela dança na infância tem se ampliado nos úl-


timos anos. Isso pode ser observado pelo aumento de pes-
quisas e publicações na área, como constatado por dois le-
vantamentos: um realizado por Andrade (2016) e outro por

69
Almeida (2023). Esses estudos destacam artigos científicos,
anais dos principais eventos de dança e educação do país,
dissertações e teses acadêmicas que trazem como tema a dan-
ça com crianças.
Outrossim, é importante destacar o crescimento de
mostras e festivais de dança especialmente voltados para as
crianças. Um exemplo é o Festival Meia Ponta, que faz par-
te do Festival de Dança de Joinville (SC). Além desse, des-
taco a mostra de Dança “A Noite é uma Criança”, realizada
nas cidades de Florianópolis (SC), Joinville (SC), Curitiba
(PR), Porto Alegre (RS), Chapecó (SC) e Criciúma (SC), e
o Dança Criança Ceará (CE), entre outros que acontecem
pelo país.
Apesar do progressivo interesse nesse campo, ainda
existe a necessidade de estabelecer um olhar atento para a
infância, além de repensar práticas artísticas e pedagógicas
em dança que estejam de acordo com as especificidades
dos pequenos.
Para estabelecer um recorte epistemológico nas prá-
ticas de dança para crianças, é necessário compreender as
diversas concepções de infância e as formas singulares de ser
criança. É importante saber que dentro de uma mesma cul-
tura, é possível identificar diferentes formas de ser criança,
o que modifica os papéis atribuídos e a práxis adotada em
relação à dança e outras atividades.
Embora conhecimentos provenientes de áreas como
Psicologia, Antropologia, Sociologia e Medicina possam
oferecer subsídios para compreender aspectos comuns da
infância, é importante reconhecer que cada criança é úni-
ca em suas individualidades e diferenças (Brasil, 1998).
Nessa perspectiva, a infância não pode ser compreendida
como uma fase previsível do desenvolvimento humano, na
qual os pequenos apresentam comportamentos predefini-
dos em determinada faixa etária. Isso implica que não de-
vemos generalizar comportamentos ou experiências, uma
vez que cada criança possui suas próprias características e
particularidades que devem ser consideradas em um pro-
cesso educacional.

70
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: SAMIRA DANTAS

Quando abordamos a dança na infância, é impor-


tante reconhecer e valorizar a singularidade de cada crian-
ça, respeitando as diferentes maneiras pelas quais elas vi-
venciam sua infância. Permitir que elas desenvolvam suas
próprias expressões e formas de organizar o corpo, o tem-
po e o espaço por meio da dança é um aspecto central
desse processo. Para isso, é necessário compreender que o
contexto em que professores e as crianças estão inseridos
é influenciado por crenças, normas sociais e fatores locais
que moldam as práticas artísticas e pedagógicas de dan-
ça, impactando as experiências vivenciadas. Ao estarmos
cientes dessas influências, podemos adotar uma aborda-
gem sensível que acolha as diversas manifestações da in-
fância e ofereça oportunidades para que elas descubram
sua própria dança.
A partir do entendimento de que as crianças são agen-
tes ativos na produção de cultura e na construção de suas
próprias formas de significação e interação com o mundo
(Brasil, 2010), reconheço a dança como uma linguagem
que potencializa essas interações. Nessa perspectiva, as
crianças exploram, imaginam, desejam, aprendem, obser-

71
vam, narram, questionam e constroem sentidos sobre a
natureza e a sociedade por meio da dança. Além disso,
elas têm a oportunidade de explorar o conhecimento do
corpo, experimentar movimentos, expressar suas emoções
e se conectar com sua cultura e identidade. Ao estabele-
cer parâmetros para o ensino de dança com os pequenos,
é imprescindível valorizar sua voz e considerá-los como
participantes na construção de sua própria aprendizagem
em dança. Para isso, é necessário ouvir, abrir-se para rece-
ber a criança, compreendendo que seu modo de assimilar
o conhecimento ocorre por meio do brincar, que tem a
potência de estimular o imaginário infantil, permitindo
interações consistentes com outras crianças, adultos, es-
paços e materiais.
Essas interações que ocorrem na brincadeira podem
acontecer de algumas maneiras na dança. Por exemplo, em
um processo de observar o brincar livre e espontâneo das
crianças, o professor pode coletar algumas informações para
transformar essa brincadeira em jogo dançado com fins e
intencionalidade pedagógicas. Ao ver os pequenos pulando
corda, o professor pode criar um jogo que envolva saltos em
diferentes níveis, utilizando a corda como material e, poste-
riormente, propor que essa variação de saltos seja combina-
da em uma sequência dançada que se distribua pelo espaço e
que pode ser modificada de acordo com instruções e regras,
permitindo que a partir da brincadeira a criança crie novas
maneiras de saltar.
Nesse caso, vale reforçar a diferença entre a brinca-
deira e o jogo. A brincadeira costuma ser livre, sem um
objetivo definido, enquanto o jogo tem um objetivo final
a ser alcançado. Na dança, a improvisação é uma forma de
jogo, que pode ter como proposta estimular a imaginação
e a criação de movimentos. O professor pode estabelecer
regras para a improvisação, como explorar novos movi-
mentos, criar uma coreografia ou uma história dançada.
A improvisação em dança é uma prática que possui mui-
tos elementos de um jogo, especialmente pela sua natureza
experimental e imprevisível. Em alguns jogos de improvi-

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ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: SAMIRA DANTAS

sação em dança as regras podem guiar a exploração do es-


paço com diferentes qualidades de movimento, bem como
sequências e roteiros prévios. No entanto, há liberdade na
escolha dos movimentos e as regras acabam por ser impul-
sionadoras para a exploração deles.
Com esse viés, a improvisação em dança pode auxi-
liar na imaginação, criatividade e expressão, buscando uma
ampla compreensão das possibilidades de movimento, es-
paço e consciência do corpo. Além disso, permite a auto-
descoberta, a descoberta do outro e do ambiente ao redor.
Os jogos de improvisação podem auxiliar a conquista da
autonomia da criança, ao explorar sua movimentação cor-
poral, e incentivá-la a descobrir as inúmeras possibilidades
de trocas, sensibilização e criação que surgem por meio do
corpo que dança brincando.
Dessa forma, é possível proporcionar uma experiên-
cia enriquecedora de dança na infância ao destacar o pa-
pel fundamental do professor na articulação desse processo.
O educador é convidado a mergulhar no universo infantil,
buscando compreendê-lo e oferecer vivências dançadas que
estimulem a expressão e a criatividade das crianças.

73
OS DESAFIOS DO PROFESSOR DE DANÇA
E A REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA

As práticas pedagógicas desempenham um papel fundamen-


tal na educação e são moldadas por construções epistemo-
lógicas – teorias do conhecimento – aplicadas ao contexto
educacional. Embora muitos professores não estejam cons-
cientes da existência dessas teorias, elas exercem uma grande
influência nas escolhas pedagógicas adotadas em sala de aula.
O modo como o professor ensina é influenciado por
diversos fatores, como sua própria experiência como educa-
dor, as teorias e os métodos que adquiriu em sua formação
acadêmica, seus valores e outros fatores sociais. Essa relação
é válida tanto para profissionais de outras áreas do conheci-
mento quanto para os professores de dança.
Isso nos leva a reconhecer que o ensino da dança não
pode ser considerado um mero acaso ou uma prática sem
propósito. Pelo contrário, a ação pedagógica se legitima por
meio de uma teoria embasada, sustentada por uma episte-
mologia específica e uma crença que a fundamenta. Nesse
sentido, é importante que o professor esteja ciente de suas
próprias concepções e dos modelos pedagógicos existentes
para que busque aprofundar sua compreensão teórica a fim
de aprimorar suas práticas pedagógicas.
Na dança, é comum encontrarmos professores que
foram formados em modelos pedagógicos tradicionais, que
estão fundamentados em concepções epistemológicas que
valorizam o modelo, a cópia, a ênfase na execução perfeita,
na técnica precisa e, muitas vezes, no movimento virtuoso.
Existe, portanto, uma tendência de reprodução desse mode-
lo quando o estudante se torna professor. Vale destacar que
o modelo pedagógico tradicional é válido quando se trata do
ensino de fundamentos técnicos e da busca pela excelência
na execução dos passos de dança.
No entanto, as abordagens tradicionais podem não ser
adequadas em determinados contextos, pois, muitas vezes,
não consideram a ludicidade, a expressão e o desenvolvimen-
to artístico das crianças. O que pode resultar na inibição das

74
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: SAMIRA DANTAS

capacidades criativas, uma vez que a criança é direcionada a


seguir uma forma, um movimento, um passo a ser executa-
do com precisão. Isso pode levar os pequenos a dependerem
sempre de um adulto para realizar uma dança, limitando a
sua expressão individual, ao negligenciar o processo de des-
coberta e de construção dos movimentos.
Em contrapartida, a abordagem construtivista valoriza
a participação ativa da criança na construção do conhecimen-
to. Essa concepção pode oferecer caminhos para repensar e
adaptar as práticas pedagógicas em dança, tornando-as mais
alinhadas às necessidades e potencialidades das crianças. Por
exemplo, um professor de dança que trabalha nesse modelo
pode permitir que os pequenos participem da criação, con-
tribuindo com opiniões e ideias, em vez de simplesmente
seguir uma coreografia preestabelecida pelo adulto. No en-
tanto, o desafio está em encontrar um equilíbrio entre a par-
ticipação ativa das crianças e a orientação do educador, a fim
de explorar os conteúdos específicos da dança. Se o professor
permitir que as crianças tenham total liberdade na criação,
pode haver uma falta de exploração e aprofundamento das
temáticas da dança (Andrade, 2016), por exemplo. Por outro

75
lado, em uma abordagem tradicional, se o educador contro-
lar excessivamente o processo criativo, limitando a participa-
ção dos pequenos, pode diminuir a motivação, a capacidade
de expressão e a criatividade deles.
Outra concepção que apresento está baseada na Socio-
logia da Infância, que defende as relações interpessoais e cul-
turais no processo de aprendizado da criança. Essa perspecti-
va considera que a criança constrói suas relações por meio da
interação social com seus pares (outras crianças), os adultos e
o mundo, levando em conta a construção histórica, política,
social e cultural do contexto em que está inserida. Nesse en-
tendimento, a dança como uma expressão artística e cultu-
ral, oferece um ambiente propício para os pequenos criarem
e ampliarem seu repertório de movimento e exercitarem na
prática os papéis que ocupam dentro de um grupo social.
Além disso, quando ocorre a participação da criança em ma-
nifestações culturais, apresentações, festivais de dança, entre
outros, ela interage em grupos com diferentes organizações e
modos de dançar, enriquecendo a sua compreensão artística
e social sobre dança.
Ao refletir sobre as concepções que embasam o mode-
lo pedagógico adotado, o professor de dança pode encontrar
alternativas mais adequadas para sua práxis de dança com
crianças. Cada abordagem apresenta vantagens e desafios es-
pecíficos, e é fundamental que o educador de dança esteja
ciente das implicações de sua escolha. A prática docente em
dança deve ter uma intencionalidade pedagógica, funda-
mentada em um modelo educacional que busque atender às
necessidades e potencialidades das crianças. Isso requer um
olhar atento, uma capacidade de escuta por parte do profes-
sor, que precisa saber quando intervir, fornecer orientação e
incentivar a criação e interação social da criança, ao mesmo
tempo em que cultiva um ambiente seguro e instigante para
a aprendizagem.
Dessa forma, a análise sobre o modelo pedagógico se
torna um elemento essencial no processo de reflexão sobre
a prática do professor de dança. Ao repensar as abordagens
pedagógicas, considerando os desafios e as demandas especí-

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ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

ficas da dança com as crianças, é possível buscar alternativas


que valorizem a ludicidade, a criatividade e o envolvimento
ativo dos pequenos em sua jornada na dança.

ESTRATÉGIAS E TEMÁTICAS DA DANÇA:


ENRIQUECENDO A EXPERIÊNCIA DAS CRIANÇAS

O trabalho pedagógico de dança com crianças é caracteri-


zado por uma ampla diversidade de abordagens e práticas,
refletindo diferentes visões de mundo que se modificam em
cada contexto, conforme apresentado anteriormente. Para
respeitar essa diversidade e reconhecer a potência das crian-
ças pequenas em dançar e construir seus repertórios de mo-
vimento, é importante apresentar uma organização das te-
máticas da dança que considero essenciais nesse contexto.
Ao fornecer esses conhecimentos, a intenção é ofe-
recer caminhos para que cada professor possa desenvolver
suas próprias propostas artísticas e pedagógicas de dança,
proporcionando autonomia na articulação dos conheci-
mentos do corpo, dos fundamentos da dança e dos proces-

77
sos de criação. Dessa forma, os educadores podem adaptar
as temáticas da dança de acordo com as necessidades e os
interesses das crianças, estimulando sua expressão indivi-
dual e coletiva por meio da dança. Nesse sentido, é essen-
cial o professor construir um caminho metodológico que
se alinhe com os propósitos do contexto em que está inseri-
do a fim de permitir que a criança participe na construção
do seu conhecimento em dança.
Um dos primeiros passos nesse processo é o planeja-
mento, que deve ser um guia flexível, permitindo ajustes e
adaptações de acordo com as necessidades ao longo do pro-
cesso. É importante manter um diálogo constante com os
pequenos, ouvir suas opiniões, tornando o planejamento
um movimento colaborativo que atenda às expectativas e
potencialidades de todos os envolvidos na ação, professores,
crianças, gestores e comunidade.
A metodologia de ensino também deve ser detalhada no
planejamento, organizando estratégias e atividades que serão
utilizadas para alcançar os objetivos propostos. Pode-se incluir
aulas práticas de exploração do movimento, jogos de criação,
improvisações, estudos coreográficos e momentos de aprecia-
ção e discussão sobre diferentes formas de dança. A avalia-
ção deve ser considerada no planejamento, definindo critérios
para acompanhar o envolvimento das crianças. Isso pode in-
cluir observações em sala de aula, registro de participação in-
dividuais e coletivas, incluindo os momentos de apresentação
ou mostra do trabalho desenvolvido pelos pequenos.
Outro aspecto é a seleção dos elementos da linguagem
a serem abordados na prática pedagógica. Nesse sentido, des-
taco o que chamo de “temáticas da dança”, que são conteú-
dos essenciais para o trabalho de dança com as crianças. As
temáticas da dança são organizadas em três categorias prin-
cipais: corpo, fundamentos da dança e criação em dança.
No âmbito do Corpo, o foco é o conhecimento da
estrutura corporal e a consciência das diversas possibilida-
des de movimento que cada parte dele oferece. O corpo é o
elemento central na dança, é o brinquedo, pelo qual as ex-
pressões e experiências artísticas acontecem. Por isso, é in-

78
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: MARCELO MACHADO

teressante que o professor apresente caminhos que tornem


a investigação corporal divertida para as crianças, permi-
tindo que elas identifiquem, isolem e explorem as diferen-
tes partes do corpo, bem como compreendam as variações
no tônus muscular.
Uma forma de enriquecer essa exploração é por meio
do uso de recursos visuais, desenhos, ilustrações ou represen-
tações gráficas. Esses recursos podem ajudar as crianças a vi-
sualizarem de forma concreta as diferentes partes do corpo e
a compreenderem sua relação com os movimentos na dança.
Ao utilizar atividades lúdicas, como jogos e desafios de mo-
vimento, os professores podem promover uma investigação
corporal prazerosa, incentivando os pequenos a expressarem
suas emoções e a explorarem seu potencial criativo. Por meio
dessa proposta, as crianças desenvolvem uma consciência do
corpo mais ampla e aprofundada, permitindo que explorem
a linguagem da dança de forma artística e expressiva.
No âmbito do eixo “Fundamentos da dança”, estão
concentrados os elementos essenciais da linguagem, dividi-
dos em três subeixos: “desafiando a gravidade”, “relações es-
paciais” e “ritmo e relações de tempo”.

79
No subeixo “Desafiando a gravidade”, as crianças podem
experimentar e compreender o movimento e as sensações de
peso do corpo. Propõe-se investir em jogos de equilíbrio com
giros, saltos e rolamentos, explorando diferentes formas de se
manter ou perder o equilíbrio. Além disso, elas podem explorar
os pontos de apoio do corpo, como pés, mãos, cotovelos, entre
outros. Durante essa exploração, é possível incentivar a imagi-
nação e o faz de conta, atribuindo um personagem, um animal
e sua qualidade de movimento a cada mudança de apoio.
Essas brincadeiras podem ser combinadas com ações
como correr, rolar, levantar, sentar-se e pular, permitindo
que as crianças percebam quais pontos de apoio o corpo uti-
liza durante as transições entre diferentes posições. O uso de
materiais como penas, lenços e bexigas pode proporcionar
vivências sensoriais que ajudam a compreender conceitos
como o peso leve. O trabalho em duplas pode ser utilizado
para explorar a resistência, o peso firme e o uso de alavancas,
compreendendo como o esqueleto e as articulações funcio-
nam para impulsionar o movimento.
No subeixo “Relações espaciais”, o foco são as interações,
as crianças têm a oportunidade de explorar e compreender seu
corpo em relação ao ambiente, a ocupação e o direcionamento
do espaço, bem como as relações com o mundo, outras crian-
ças ou objetos. Podem ser propostas atividades em que elas se
movimentem em diferentes direções, níveis e planos (Laban,
1978), descobrindo como o seu corpo se relaciona com o espa-
ço ao redor. Além disso, é interessante explorar a noção de dis-
tância e proximidade em relação às outras crianças, bem como
a utilização de objetos como aliados para produzir dança, que
podem englobar a criação no corpo das formas dos objetos ou
a trajetória que eles desenham no espaço.
No subeixo “Ritmo e relações de tempo”, o foco está
no uso do tempo na dança. As crianças são convidadas a
explorar o ritmo dos movimentos, trabalhando com acelera-
ções, desacelerações e pausas. Essa abordagem busca inves-
tigar as dinâmicas do movimento permitindo que elas co-
nheçam melhor o ritmo em seus corpos. É fundamental que
os pequenos compreendam o conceito de pulso, que é uma

80
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: SAMIRA DANTAS

sequência de batidas que se repetem e dividem o tempo em


partes iguais. A música desempenha um papel importante ao
explorar o ritmo e as relações de tempo, ajudando as crianças
a conectarem os movimentos com as propriedades do som,
entre elas: altura (sons graves, médios e agudos), intensidade
(sons fortes e fracos) e duração (longas e curtas).
Embora o uso da música seja uma forma de impulsio-
nar a busca pelos ritmos, é interessante incentivar os peque-
nos a ouvirem os sons ao seu redor, não se limitando apenas à
música. É possível explorar ritmos pessoais e externos, como
a escuta da respiração de cada criança, a velocidade da cami-
nhada e ritmos presentes na natureza. Além disso, explorar o
ritmo dos carros nas grandes cidades, ritmo das caminhadas
de animais, os ritmos de elementos como a velocidade que
corre a água, no rio e na cachoeira, e diferentes músicas, que
podem inspirar as movimentações. É importante permitir a
exploração do ritmo individual de cada criança, por meio de
exercícios de improvisação que enfatizem o tempo que cada
uma escolhe para sua própria movimentação.
O último eixo, “Criação em dança”, está dividido em
três subeixos: “jogos de criação”, “apreciando a dança”, “cria-

81
ção em dança e apresentação”. Destaca-se, nele, a importân-
cia de incentivar a imaginação, a experimentação, a obser-
vação e a participação ativa das crianças na construção do
conhecimento em dança.
Ao longo do texto, já abordei alguns pontos desse eixo,
por meio do destaque aos jogos de criação e improvisação em
dança como atividades lúdicas. Esses jogos, como já mencio-
nado, estimulam a criatividade, a exploração do movimento
e a expressão artística das crianças, permitindo que elas de-
senvolvam suas próprias danças de forma autônoma.
No subeixo “Apreciando a dança”, destaco a impor-
tância de proporcionar oportunidades para os pequenos
assistirem a apresentações de dança e desenvolverem a sua
capacidade de apreciação estética. Por meio da apreciação,
eles ampliam o seu repertório de movimentos, identificam
as temáticas da dança abordadas nas aulas e a compreendem
como uma manifestação cultural presente na sociedade. É
fundamental que tanto as crianças quanto os professores se
apropriem dos vocabulários da dança, permitindo uma co-
municação mais rica e o aprofundamento do conhecimento
em dança por meio da apreciação estética.
No subeixo “Criação e apresentação”, valorizo a orien-
tação dos pequenos na criação de danças, promovendo mo-
mentos de partilha e apresentação das criações. Esses mo-
mentos proporcionam trocas e permitem a convergência
das dimensões estética, artística e cultural da dança com a
criança pequena. Ao abordar a criação, é essencial conside-
rar temas cativantes, como histórias, contos, elementos da
natureza e cultura popular, que despertem o interesse e a
curiosidade das crianças. Esses temas servem como fonte de
inspiração para explorar movimentos e expressões corporais,
permitindo que elas criem suas próprias danças e interpre-
tem diferentes personagens por meio do movimento.
A intenção do eixo “Criação em dança” é proporcio-
nar um ambiente propício para que as crianças se tornem
protagonistas de suas próprias danças, valorizando tanto o
processo de criação quanto a apresentação final, ampliando
sua compreensão e vivência da linguagem da dança.

82
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

FINALIZANDO O CAMINHO DANÇANTE

Para discutir e apresentar um recorte de pensamento peda-


gógico em dança voltado às crianças, busquei um caminho
de construção que abordasse os desafios e as práticas especí-
ficas da infância. Nesse percurso, explorei a importância de
despertar o interesse dos pequenos por meio de temáticas
relacionadas à dança, incentivar sua participação ativa no
processo de aprendizado e proporcionar experiências enri-
quecedoras que ampliem seu repertório de movimentos e
estimulem sua criatividade.
Além disso, apontei caminhos para que o profissional
tenha autonomia e consciência nas suas escolhas e práticas
educativas em dança. O importante é como essas ideias po-
derão ajudar a transformar o pensamento que os professo-
res têm a respeito do processo pedagógico de dança para os
pequenos. Para isso, ao longo do texto destaquei algumas
estratégias para despertar o interesse das crianças pela dan-
ça por meio de jogos, improvisação e brincadeiras que es-
tejam relacionadas às temáticas da dança. Essa abordagem
teve a intenção de incentivar a participação dos pequenos

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ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

no processo de aprendizado, oferecendo experiências que


ampliem o repertório de movimentos e estimulem a criati-
vidade desenvolvendo autonomia e confiança em seu pró-
prio potencial artístico.
Ao abraçarmos os desafios e as práticas pedagógicas
voltadas ao ensino de dança com as crianças, estamos cons-
truindo um caminho repleto de descobertas, aprendizado e
crescimento. Encerro este texto pensando em abrir esses ca-
minhos para que os professores se tornem autores, sujeitos
de suas experiências e criadores de suas próprias práticas em
dança, compartilhando esse olhar com a criança pequena.

84
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Fernanda de Souza. Costuras a muitos corpos para


dançarelar na Educação Infantil: formação inicial docente e
estágio supervisionado em Dança. 2023. Tese (Doutorado em
Educação e Ciências Sociais: Desigualdades e Diferenças) –
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Pau-
lo, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.48.2023.
tde-27022023-110826. Acesso em: 27 set. 2023.

ANDRADE, Carolina Romano de. Dança para criança: uma


proposta para o ensino de dança voltada para a educação in-
fantil. Tese (Doutorado em Artes), – Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes, 2016.
Disponível em: https://repositorio.unesp.br/items/9540ce-
15-cb8f-4293-a68b-2661b63c7255. Acesso em: 27 set. 2023.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum


Curricular: Educação é a base. Brasília, 2017.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Bá-


sica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação in-
fantil. Brasília: MEC, SEB, 2010.

LABAN, Rudolf. Domínio do Movimento. Edição organiza-


da por Lisa Ullman. Tradução de Anna Maria B. De Vecchi
e Maria Sílvia M. Netto. São Paulo: Summus, 1978.

85
86
ESPAÇO URBANO COMO
PARCEIRO INTERATIVO
E TERRITÓRIO DE EXPERIÊNCIAS
PARA O CORPO NA DANÇA
Jussara Xavier

Para trazer à tona uma discussão sobre dança nos espaços


urbanos, proponho, em primeiro lugar, pensar o teor da
dança contemporânea, dado que, particularmente nesse
campo, o corpo é considerado como um território de ex-
perimentos e de práticas abertas, voltadas à exploração de
outras conexões de movimentos e processos que exaltam
mais a produção da diferença do que a formação de uma
identidade fixa. Nesse contexto, a variedade de elementos
compositivos encontrados nos espaços urbanos – diversi-
dade de planos, geografias, imagens, linhas, texturas, sono-
ridades, edificações, práticas, etc. – constitui um manan-
cial rico à criação.
Entendo a contemporaneidade de uma dança quando
ela me faz mergulhar com mais intensidade na vida, quando
se propõe como acontecimento. Quando é assim, tal dança
mostra-se, inevitavelmente, como uma captação diversa do
real, para gritá-lo, perguntá-lo ou dizê-lo. Uma dança-acon-
tecimento constitui-se, essencialmente, como experiência,
risco e proposta de transformação, pois a dimensão do acon-
tecimento guarda uma abertura ao imprevisto, ao incerto, ao
erro, ao novo.

87
Diante de suas potências e seus limites, o corpo dança
para revelar outros conceitos de vida, mais próximos ao pa-
radoxo, mais distantes de lógicas normalizadoras. Ele busca
materializar uma singularidade, ao invés de almejar um pa-
drão ideal ou modelo corporal único.
Por que o contemporâneo precisa de outras corporei-
dades? Porque não lhe serve um corpo trivial, pronto,
único, determinado por modelos sensório-motores e
funções fixas. O contemporâneo busca a polivalên-
cia dos corpos, transitórios e indeterminados, capazes
de sensações multiplicadas e intensidades extremas.
Procura a constituição da diferença na mistura, na
variação, na potência. A proposta deste corpo é a de
compor novos movimentos, anunciar singularidades.
Trata-se de um corpo que contém uma multiplicida-
de de corpos virtuais, é não-óbvio, transformador do
tempo e espaço, perseguidor de uma outra dimensão,
desencadeador de novas percepções, fonte de todo tipo
de paradoxo (Xavier, 2012, p. 83).
Um projeto coreográfico e compositivo em dança
pressupõe um pensamento acerca do corpo (Louppe, 2012).
Se a dança contemporânea se afirma como acontecimento,
o acontecer no corpo implica a feitura de um processo que
busque criar e afirmar a diferença (no lugar da mera conser-
vação). Envolve, ainda, a recuperação e o alargamento do
desejo e das potências desse corpo. No decurso para a mani-
festação de outras corporeidades, o dançarino contemporâ-
neo prossegue em práticas de estranhamento e descoberta de
si. Tal conhecimento não preexiste, mas é atuado em experi-
ência, ou seja, percepção e cognição dependem das próprias
capacidades de ação. Pondero que tal interesse coincide com
a busca por ambientes estimulantes aos sentidos e às no-
vas interfaces que cooperem com a (re)descoberta do corpo.
Sendo assim, a opção de dançar em espaços urbanos coopera
com a proposta de não condicionar as atuações de um cor-
po, pois, como já dissemos, o corpo da dança contemporâ-
nea é pesquisa e prática para constituir de modo contínuo
um devir-outro.

88
Dentre as muitas variáveis compositivas atualizadas
pela dança contemporânea, sobressai o deslocamento dos
quadros instituídos para sua apresentação, sempre acompa-
nhado de mudanças perceptivas e relacionais, tanto dos ar-
tistas quanto do público. Um palco (considerando qualquer
um de seus tipos básicos: italiano, arena e semiarena) confi-
gura-se como um espaço geométrico, mensurável, com esca-
las e regras comuns. Na cultura clássica ocidental, a ocorrên-
cia da dança no palco é encerrada numa espécie de moldura
e compõe um corpo que tende a reproduzir linhas, formas
e trajetórias arquetípicas, a exemplo dos deslocamentos em
círculos e diagonais. Esse modo de organização e alinhamen-
to compõe, também, o corpo do espectador, pois sua memó-
ria visual e imaginária, bem como suas coordenadas percep-
tivas, estão habituadas a orientar-se a partir de um ponto de
vista único e centralizado (Louppe, 2012, p. 192-193).
De maneira crescente, o palco vem sendo reocupado e
reinventado para propor outras formas dinâmicas de expo-
sição e ocultação do corpo e, ainda, para produzir seus pró-
prios espaços. Transforma-se para comportar planos de ação
inusitados, como nas obras da diretora alemã Pina Bausch
(1940-2009) que converte a cena em ambientes diferencia-
dos para a dança como, por exemplo, uma plantação de cra-
vos (Nelken, 1982), um campo de terra (Das Frühlingsopfer,
1975), uma cafeteria (Café Müller, 1978), um salão de baile
(Kontakthof, 1978) e uma cidade em ruínas (Palermo, Paler-
mo, 1989). Sua proposta constrói um universo visual que ul-
trapassa o decorativo para atuar em coerência com o plano
do corpo em movimento, ou seja, o ambiente é ativo e mo-
dulado para integrar e habitar a própria ação de dançar. Ao
tratar especificamente da obra Café Müller, Louppe (2012,
p. 305) sublinha que a cenografia “desempenha um papel
de confinamento ou de obstáculo. Já não enquadra a dança,
mas obstrui-a, e pela acumulação revela uma perda: cadeiras
e mesas são armadilhas e zonas pantanosas de que nem os
seres nem o movimento se conseguem libertar”.
Em outras correntes de experimentações, abandona-se
completamente o palco e seus códigos, para formular danças

89
em sítios específicos ou espaços urbanos quaisquer, permi-
tindo, assim, a reinvenção incessante do corpo em seus diá-
logos materiais e simbólicos. Pondere que
[...] rua e cidade não são palcos, e sim territórios ati-
vos, politicamente instáveis, fisicamente dinâmicos,
dotados de força própria. Para quem trabalha com
arte ou performance na rua, um desafio dramatúrgico
primordial consiste em relacionar-se com essa força e
vontade ativas do espaço, sem entretanto, dedicar-se a
domá-la ou colonizá-la. A dificuldade reside sobretudo
em deixar abrir mão, de certa maneira, da autoria e da
previsibilidade do significado da obra que essa postura
demanda (Assumpção, 2015, p. 22-23).
O espaço urbano é comumente estabelecido como lo-
cal de convivência social. De acordo com Certeau (1999),
uma praça deixa de ser mero lugar (algo sem vida) para se
transformar em espaço (lugar praticado) quando ocupada
pelos pedestres e, assim, tornar-se espaço vivenciado, o qual
reflete as relações entre os homens e o mundo. O espaço é
qualificado pela atividade e pelo uso que permite, por suas
possibilidades de ação (Certeau, 1999).
Percebo a inserção de projetos de dança nos espaços ur-
banos como tentativas de dirigir a criação artística às coisas do
mundo e potencializar reflexões. Algumas danças em espaços
públicos funcionam enquanto espécies de confrontos, ofertas
de contato com o diferente, talvez alertas para o automatismo
social que marca a correria dos transeuntes no dia a dia. Dan-
çar em um espaço urbano colabora para desestabilizar a própria
definição da dança e colocar em questão o caráter das repre-
sentações artísticas. É, ainda, uma alternativa para interpelar
criticamente o mercado e o sistema de validação da dança.
Espaços urbanos funcionam como caminhos úteis
para encontrar outras poéticas cênicas e são especialmente
propícios à produção de dança como pesquisa e prática in-
vestigativa. A imprevisibilidade que lhe é característica fa-
cilita a realização de experiências transformadoras. Cabem,
também, para testar diferentes modos de relação entre ob-
servados-observadores.

90
Ao abalar ou anular a distância física entre palco e
plateia, a dança tende a se afastar de uma linguagem pré-
-fabricada e converter-se num acontecimento, compondo
uma relação de inserção, mais real e viva para os presen-
tes. Ao converter espectadores em participantes, produz
uma espécie de “situação social”, onde estes percebem o
quanto sua experiência depende de si mesmos e dos outros
(Lehmann, 2007, p. 173). Intensifica-se uma partilha de
energia (e não de uma comunicação na qual a informação
corre de um emissor a um receptor). Contudo, a fruição
sempre dependerá do nível de interesse e engajamento do
espectador, disponível ou não para ativar memórias, tecer
nexos, construir significados.

MUDA (2023), UMA EXPERIMENTAÇÃO EM ESPAÇOS


URBANOS

Há distinção entre danças compostas em salas fechadas e


transportadas para serem exibidas em espaços urbanos, da-
quelas empreendidas enquanto pesquisas e estudos compo-
sitivo- cartográficos. Garrocho (2007, p. 38) explica que a
cartografia ou o mapa é um procedimento de investigação e
de pensamento com valor conectivo, aberto e múltiplo, pró-
prio para pensar corporalmente e criativamente, estimular
trajetos do corpo no espaço, facilitar conexões de invenção
com diferentes planos e mídias.
Ao operar via cartografia na dança, os artistas optam
por compor com o espaço enquanto gerador de afecções,
desafios e impulsos criativos. Ou seja, toda dança que se faz
num espaço da rua reitera de modo especial a condição do
encontro para ganhar existência. De acordo com Garrocho
(2007, p. 125), em um processo de improvisação física e ex-
perimental, uma conexão dentro-fora incide sobre “a poten-
cialidade de sua reação a estímulos provenientes do exterior”
e sobre “um desejo perceptivo, ou seja, de querer ampliar sua
percepção, literalmente, abrindo espaço para que se opere
um fluxo de sensações”.

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BAILARINA E COREÓGRAFA ERIKA ROSENDO EM MUDA, DE JUSSARA XAVIER | FOTO: CLAUDIA BAARTSCH

A própria atitude de busca e de escuta mobilizará e


moldará gestos e ações de dança. Note-se que aqui há grande
abertura para o acaso, e que se misturam processo e produto,
treinamento e criação, percepção e ação, real e ficção, impro-
viso e composição.
Com a compreensão acima citada, estruturei uma pro-
posta de pesquisa em dança intitulada MUDA, para ser reali-
zada em parques públicos, iniciada em 2022, em colaboração
com a artista, bailarina e coreógrafa potiguara Erika Rosendo.
O termo “muda” evoca uma série de significados di-
versos: ação de mudar, renovar, remover e substituir; uma
planta; uma mulher que não fala. Na trilha dessas acepções,
o experimento MUDA se constituiu por diferentes sentidos:
desacostumar o corpo e suas danças; ação de plantar(se), (re)
nascer, insistir na permanência; ação de silenciar, de pausar.
E, ainda, por duas questões fundamentais: o que vibra quan-
do tudo parece calar? O que grita quando me recolho?
Como experimentação aberta ao acaso, foi pensada
para ser desenvolvida em espaços urbanos, estratégia escolhi-
da para entrelaçar corpo e ambiente. Optamos por preservar
a indeterminação e o risco como traços do processo criativo,

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BAILARINA E COREÓGRAFA ERIKA ROSENDO EM MUDA, DE JUSSARA XAVIER | FOTO: CLAUDIA BAARTSCH

utilizando dispositivos de improvisação e composição fun-


damentados na descoberta poética de um corpo reconheci-
do como intercâmbio, interrogação e desejo, atravessado por
paradoxos e estados de equilíbrio e desequilíbrio.
O processo de investigação artística englobou jogos per-
ceptivos e exercícios de escuta do ambiente e exploração de
estados afetivos “do” e “no” corpo. MUDA também compre-
endeu a leitura do corpo como biografia e, portanto, revisitou
um mapa de registros próprios do processo de ser viva (de
Erika) em consonância com escolhas (mudanças conscientes)
e imprevistos (mudanças imprevistas e incontroláveis). O cor-
po como registro de histórias e experiências da artista serviu
como fonte substancial de pesquisa do movimento, em pro-
postas que transitaram na produção de uma dança de cunho
grotesco e agressivo a uma dança mais harmônica e agradável.
Todas as fotos que seguem são de Claudia Baartsch,
profissional que acompanhou a série de experimentos execu-
tados ao longo de 2023 em cidades de Santa Catarina. Elas
exemplificam estratégias adotadas para compor outras cor-
poreidades, dentre elas, a escolha por dançar numa árvo-
re, relacionando-se obrigatoriamente com o desconforto e o

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BAILARINA E COREÓGRAFA ERIKA ROSENDO EM MUDA, DE JUSSARA XAVIER | FOTO: CLAUDIA BAARTSCH

risco. Tal troca indicou caminhos para diferentes estados de


corpo e conquistas motoras, e envolveu um jogo entre ha-
bilidades e saberes já incorporados com uma escuta atenta,
capaz de permitir à artista a descoberta de outras danças.
MUDA também investiu em operações de insistência
(analogia ao status de sobrevivência dos artistas da dança) e
permanência, com pesquisas de movimentos na posição de
cabeça para baixo (analogia ao plantio que se desdobra num
processo de enraizar-se e, ao mesmo tempo, crescer buscan-
do o céu). Alternativas de movências funcionaram como de-
safios físicos: por exemplo, o manter-se em posições corpo-
rais exigentes, com grande desgaste de energia e força. Tais
momentos combinaram uma investigação acerca das pró-
prias vivências que provocaram pausa e silêncio. Fatos que
transformaram radicalmente a vida (como a morte inusitada
de pessoas próximas) e enfraqueceram a própria voz. Nes-
se sentido, buscamos “fisicalizar” processos experienciais e
inesperados de conhecimento.
O esgotamento foi enfrentado não apenas na paragem,
mas também com deslocamentos velozes nas múltiplas dire-
ções e nos planos que os espaços abertos permitem. Cada

94
espaço investigado foi propositor de interferências e modifi-
cações, copartícipe da dança MUDA.
Espaços públicos são povoados por multiplicidades,
habitados por construções, sonoridades, pessoas, ações, ati-
tudes e vidas diversas. Territórios de encontros, experiências
cinestésicas e dramaturgias móveis que compõem uma dan-
ça/acontecimento. Nela, o corpo tende a se afastar de ca-
tegorizações, de princípios compositivos e práticas técnicas
universais. Ele busca empreender experimentações, deslocar
códigos e referências usuais, inventar parâmetros e desesta-
bilizar o já conhecido. Desabituar o corpo. Tensionar “seus
possíveis”. Questionar saberes e fazeres.
A escolha por dançar em espaços urbanos privilegia
a aventura do conhecimento e a diferença como potencial
instauradora de novas perspectivas. Um exercício de criação
de sintaxes singulares, que deseja permanecer apenas em um
estado aberto favorável à invenção e variabilidade.

95
REFERÊNCIAS

ASSUMPÇÃO, Pablo. Da rua como coisa ativa: sua força linguísti-


ca, mística e estética. In: Instituto Festival de Dança de Joinville
e ROCHA, Thereza (org.). Deixa a rua me levar. Joinville: Nova
Letra, 2015. Disponível em: https://festivaldedancadejoinville.
com.br/wp-content/uploads/2022/06/VIII-Seminarios-de-Dan-
ca-Deixa-a-rua-me-levar.pdf#page=25. Acesso em: 27 set. 2023.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes do fazer.


Petrópolis: Vozes, 1999.

GARROCHO, Luiz Carlos. Cartografias de uma improvisação


física e experimental. 2007. Dissertação (Mestrado em Ar-
tes) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2007.

LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. Tradução de


Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

LOUPPE, Laurence. Poética da Dança Contemporânea. Tra-


dução de Rute Costa. Lisboa: Orfeu Negro, 2012.

XAVIER, Jussara Janning. Acontecimentos de dança: cor-


poreidades e teatralidades contemporâneas. 2012. 233f. Tese
(Doutorado em Teatro) – Universidade do Estado de Santa
Catarina, Florianópolis, 2012.

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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DANÇA SEM BARREIRAS
Karla Dunder

“O ideal é que não exista inclusão, que todos tenham espaço


para dançar e ser quem são, sem preconceitos e sem rótulos”.
Esse é o sonho do brasileiro Henrique Amoedo, diretor ar-
tístico da companhia portuguesa Dançando com a Diferença.
Na década de 1990, ao lado de Edson Claro, ele foi um dos
pioneiros a trabalhar com o método Dança-Educação Física
e sua aplicabilidade e adaptações para o trabalho com pessoas
com deficiência.
Embora o ideal de Amoedo ainda esteja longe de ser
realidade, a inclusão é um tema cada vez mais em pauta na
sociedade e, no que se refere à dança, atualmente diversos gru-
pos e companhias desenvolvem trabalhos nesse sentido. Des-
taco aqui trabalhos como Dança sem Fronteiras (SP) e Pulsar
Cia. de Dança (RJ).
Os trabalhos já desenvolvidos por profissionais de dan-
ça com pessoas com deficiência são uma rica fonte, tanto para
os que iniciam o trabalho nessa área quanto para o comparti-
lhamento de experiências entre os que já têm conhecimentos
específicos. Neste texto, escolhi me aprofundar mais na histó-
ria de Amoedo, pelo fato já destacado de ser ele um pioneiro
no desenvolvimento da dança com pessoas com deficiência.

108
UM INTRUSO NA DANÇA

Tendo como foco o trabalho com pessoas com deficiência,


a companhia Dançando com a Diferença, com sede na Ilha
da Madeira, Portugal, tem em seu repertório parcerias com
nomes ilustres da dança contemporânea como La Ribot, Rui
Horta e Clara Andermatt. Um trabalho sério e reconhecido
internacionalmente, mas que nasceu de um confronto pessoal
de seu diretor, o paulistano Henrique Amoedo.
Dançar ou trabalhar com a dança nunca esteve nos
seus planos, na verdade, era algo que não passava pela cabe-
ça do jovem Henrique. As Artes Cênicas eram um universo
distante do seu dia a dia.
Aos 14 anos, começou a trabalhar como office boy em
uma corretora de valores e a ideia era simples: aprender o
ofício, seguir carreira no mercado financeiro, ter uma boa
renda no fim do mês, uma vida estável e confortável.
Como gostava de esportes, que praticou desde a infância,
decidiu cursar a faculdade de Educação Física, na Faculdade
Integradas de Guarulhos – FIG. A ideia era cursar uma gradua-
ção por satisfação pessoal e seguir com o trabalho mais rentável.
“Não tinha intenção de atuar na área, o objetivo era seguir com
meu trabalho, até porque o que eu receberia como professor de
educação física seria muito inferior ao que eu já ganhava”, diz.
Fez a graduação focado em seu projeto de vida. Ia mui-
to bem na parte prática, mas na fase final da licenciatura, as
aulas de educação física adaptada o incomodavam. Nesses
momentos, preferia a parte teórica. Sempre que podia, esca-
pava das aulas práticas com pessoas com deficiência. “Não
quero trabalhar nessa área”, pensava o então universitário
que também não queria fazer aulas de dança.
Mas a vida não segue scripts. Foi em uma aula com o
professor Almir Teles da Silva, fora da faculdade, em uma
instituição filantrópica em São Paulo, chamada Casas André
Luiz, que tudo mudou. E foi um choque. Todos os estudantes
estavam em uma quadra quando entraram duas bailarinas:
Ieda Maria Maia acompanhada da jovem Meire Rodrigues,
em sua cadeira de rodas. “Aquela cena me impactou. Chorei

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COREOGRAFIA BEAUTIFUL PEOPLE, DE RUI HORTA, PARA O DANÇANDO COM A DIFERENÇA
| FOTO: JÚLIO SILVA CASTRO

muito. Foi um bombardeio a todos os meus preconceitos.


Aquele momento me despiu. Cheguei a odiar meu professor
por um tempo, por me fazer sentir tudo aquilo”, comenta.
O impacto da cena e as lágrimas foram um divisor de
águas na vida do jovem e um convite para fazer um estágio
com a coreógrafa Ieda Maria. Os planos mudaram comple-
tamente e a meta, agora, era aprender cada vez mais sobre
essa nova área que se descortinava.

MUDANÇA DE ROTA

A busca por novos caminhos passou por aulas com Rosan-


gela Bernabé, professora de educação física e fisioterapeuta.
Em 1988, ela deu início ao desenvolvimento de um trabalho
pioneiro no Brasil com os elementos da dança junto a pessoas
com deficiência física e, pelo reconhecimento desse trabalho,
foi uma das ganhadoras do Prêmio Claudia 2001. Rosangela
foi diretora e criadora do Grupo Giro, que já representou o
Brasil em festivais de Arte e Cultura, desde sua fundação até o
encerramento das atividades em 2016.

110
O primeiro contato prático de Amoedo com dança
veio por meio das aulas com Ana Terra, bailarina, coreógrafa
e professora-doutora do Instituto de Artes. Depois, vieram
as experiências de contato e improvisação com a Cia. Nova
Dança, tradicional companhia de São Paulo para experimen-
tação em dança contemporânea.
Anos mais tarde, uma parceria importante foi com o
renomado coreógrafo argentino Luis Arrieta, para a criação
da coreografia Marnatal. Uma história que começa com a
parceria com Edson Claro.
Foi na especialização em psicofisiologia que Amoedo
conheceu o método Dança-Educação Física, desenvolvido
por Edson Claro na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte – UFRN. Um método multidisciplinar e interdisciplinar,
que passa por vivências teórico-práticas. Dança e educação fí-
sica se completam e o bailarino tem uma consciência corporal
melhor, abrindo novas possibilidades para o corpo que dança.
O método tem como proposta desenvolver um trabalho cor-
poral voltado para a integração do indivíduo como um todo.
Ou seja, uma técnica educativa e formativa de base.
O contato com esse método foi um verdadeiro salto na
trajetória do futuro diretor artístico Henrique Amoedo. Sem
pensar duas vezes, a convite de Edson Claro, ele se mudou
para Natal (RN). A partir desse momento, a dança entrou
definitivamente em sua vida.
Foi na UFRN que ele vivenciou na prática a experiência
de trabalhar com um grupo de dança e bailarinos. Em 1995,
ao lado do parceiro e professor Edson Claro, nasceu na pós-
-graduação lato sensu Consciência Corporal da universidade
a Roda Viva Cia. de Dança, que inseriu no cenário da dança
bailarinos com deficiência. “Nunca tive o objetivo de criar
uma companhia de dança, eu queria auxiliar no processo
de reabilitação das pessoas com deficiência, as coisas foram
acontecendo”, recorda.
Em um primeiro momento, as atividades eram desen-
volvidas no Hospital Universitário para a aplicação do mé-
todo, mas logo seguiram para o departamento de artes da
UFRN. A Roda Viva Cia. de Dança, que teve trabalhos assi-

111
COREOGRAFIA ÔSS, DE MARLENE MONTEIRO FREITAS, PARA O DANÇANDO COM A DIFERENÇA
| FOTO: CARLOS FERNANDES

nados por Ivonice Satie, Henrique Rodovalho e Luiz Arrieta,


além do atores Domingos Montagner e Fernando Sampaio,
da La Mínima Cia. Em 1998, o grupo chegou a se apresentar
no Semanas da Dança, no Centro Cultural São Paulo.
“Nos anos de 1990, pouco se falava sobre inclusão, não
tínhamos noção desse conceito. Queríamos apresentar o nos-
so trabalho. Se o elevador estava quebrado, colocávamos as
pessoas nas costas e íamos. Muitos bailarinos tinham de ir
para a companhia de ônibus, que na época não tinha nenhum
tipo de adaptação. Acho que essa é uma característica muito
brasileira: tínhamos um objetivo que era apresentar a nossa
dança. Superamos muitas barreiras. Também percebemos que
estar em um lugar obrigou as instituições a se adaptarem”.
Essa necessidade de adaptação foi vivida na própria
universidade que era sede da Roda Viva Cia. de Dança. Não
havia rampas de acesso para as pessoas cadeirantes no De-
partamento de Artes, mas, diante da demanda, a instituição
teve de providenciar as adaptações. “Claro que enfrentamos
preconceito durante esse processo, muitas pessoas nos olha-
vam com estranhamento, mas nosso alvo era claro: quería-
mos desenvolver o nosso trabalho e ponto”.

112
Como todo trabalho de pesquisa, o grupo enfrentou
situações diversas, erros e acertos. Foi o caso de um acidente
durante um dos ensaios, na tentativa de encontrar o me-
lhor movimento. “Estava tentando fazer com que o bailari-
no chegasse aonde eu considerava o ideal e naquele ‘só mais
um pouquinho’, ouvi um estalo. Entrei em pânico, soube
que havia quebrado um osso. Tomado pelo desespero, cha-
mei uma ambulância e acompanhei todo o procedimento
no hospital. Fiquei arrasado”.
Aprender a entender cada corpo e os seus limites foi
uma das maiores lições no trabalho da dança inclusiva. Como
resultado, a companhia foi a primeira a atingir a profissiona-
lização de pessoas com deficiência no Brasil.
Vieram os convites para participações em eventos seg-
mentados e não segmentados, na época termos pouco utili-
zados. Em 1997, a Roda Viva Cia. de Dança, representou o
Brasil no “I Festival Internacional de Dança em Cadeira de
Rodas”, em Boston, nos Estados Unidos.

UM CICLO SE FECHA PARA QUE UM NOVO VENHA

Mesmo com a companhia chamando a atenção internacional,


muito em função do cuidado e da dedicação de Henrique
Amoedo, o ciclo de pesquisas em Natal chegou ao fim.
Um ciclo se fecha para que um novo venha. Assim, ele
voltou para São Paulo, mais especificamente para Diadema,
cidade da região metropolitana da capital, para participar da
criação da Cia. Mão na Roda, grupo ligado à Companhia de
Dança de Diadema, recém-criada por Ivonice Satie, em 1999.
A proposta da Mão na Roda era parecida com a Roda
Viva Cia. de Dança: mostrar que deficiência não é um obs-
táculo para a arte, ao contrário, a arte acolhe as diferenças.
Foi uma passagem rápida a sua pela companhia e, em
2000, Luis Ferron assumiu a coordenação do projeto.
O grupo participava de aulas de dança contemporânea
enfatizando o autoconhecimento corporal, ritmo, noção es-
pacial, criatividade, condicionamento físico, interpretação e

113
COREOGRAFIA DOESDICON, DE TÂNIA CARVALHO, PARA O DANÇANDO COM A DIFERENÇA
| FOTO: PAULO PACHECO

improvisação. Além da diversidade de corpos dançantes, a


companhia estava presente em diferentes lugares como tea-
tros, praças e parques e, embora tenha alcançado o reconhe-
cimento por suas ações integrativas, em 2015, a Secretaria
Municipal de Cultura decidiu encerrar o projeto.

BYE, BYE, BRASIL

A passagem por Diadema foi rápida. Era preciso conhecer


mais sobre o processo de criação em dança. Aprofundar
técnicas, lapidar saberes. Hora de cruzar o oceano, mudar
para a Europa e cursar o mestrado na Faculdade de Mo-
tricidade Humana na Universidade de Lisboa. Tempo de
recomeçar do zero.
“Não foi fácil desenvolver o meu trabalho em Portu-
gal. Não havia nada parecido com o meu trabalho no país e
nem abertura para dar início a um novo projeto”.
Foram várias as tentativas para desenvolver projetos sem
as portas se abrirem. Muitas conversas, mas sem nenhum re-
sultado efetivo. Até que um dia, Iracity Cardoso, a frente do

114
Gulbenkian Ballet como diretora artística, indicou o colega
brasileiro para participar de um evento sobre dança terapia
que aconteceria no Espaço T, na cidade do Porto, ao norte do
país. O Espaço T é um lugar de integração social, um local de
acolhimento de grupos mais vulneráveis e inclusão.
“Não era exatamente a minha área atuar com dança
terapia, mas fui. Ali pude compartilhar toda a minha ex-
periência com a dança e o método que trabalhei com as
pessoas com deficiência – demonstrei como a arte é um
caminho de inclusão”.
O resultado veio rápido com um convite para dar
workshops sobre dança e inclusão na Ilha da Madeira. “Um
trabalho que me permitia apresentar as técnicas que aprendi
a usar ao longo da minha trajetória, ao mesmo tempo em
que me permitia continuar com o mestrado”.
Os workshops tinham duração de uma semana. A pro-
posta era trabalhar não só com pessoas com deficiência, mas
também com aquelas sem, de maneira inclusiva, respeitan-
do o tempo de cada um para o aprendizado. O trabalho foi
ganhando corpo até chegar ao Dançando com a Diferença.
Muito mais que uma companhia de dança inclusiva, a
proposta do grupo está em entender cada corpo de maneira
única, buscando extrair toda a potencialidade de cada um.
O trabalho tem como base o método Dança-Educação Físi-
ca, mas também traz elementos do contato-improvisação e
dos princípios propostos por Laban.
“O nosso trabalho começa muito antes das aulas. Tra-
balho a independência de cada um. Saber se organizar para
chegar no horário, saber arrumar uma mala, enfim, coisas
que vão refletir na maturidade de cada um”. Trabalhar com
as dificuldades de cada um durante as aulas e ensaios é uma
maneira de desenvolver habilidades e ganhos funcionais para
o dia a dia.
Coreógrafos brasileiros aceitaram o convite para criar es-
petáculos para a companhia, como Ivonice Satie e Edson Claro.
Ao mesmo tempo que apresentava as coreografias e
experiências na Ilha da Madeira, o diretor artístico busca-
va novos desafios para a companhia. “Mais uma vez, pre-

115
COREOGRAFIA DOESDICON, DE TÂNIA CARVALHO, PARA O DANÇANDO COM A DIFERENÇA
| FOTO: JOSÉ CALDEIRA

cisei ser resiliente. Imagine um brasileiro gay, dirigindo


uma companhia com pessoas com deficiência da Ilha da
Madeira – tinha tudo para dar errado na visão conserva-
dora da época”.
Foram anos enviando convites aos coreógrafos portu-
gueses para uma parceria. Após cinco anos de insistência,
Clara Andermatt, um dos expoentes da dança contemporâ-
nea portuguesa, aceitou o desafio e criou o belo espetáculo
Levanta os Braços como Antenas para o Céu.
Foi uma experiência radical para a companhia, que ti-
rou todos da zona de conforto. Clara rompeu com todos os
padrões coreográficos que os bailarinos estavam acostuma-
dos. Nada de trios ou duetos. Sem as clássicas diagonais. O
figurino: bermudas e camisetas, o que gerou uma negociação
entre os bailarinos, pois nem todos queriam expor próteses,
por exemplo.
Aceitar o próprio corpo foi um passo importante. O
público também foi confrontado com as diferenças. Levanta
os Braços como Antenas para o Céu foi uma ruptura para a
companhia e abriu portas para que outros coreógrafos pu-
dessem criar.

116
Rui Horta assinou Beautiful People, um trabalho pro-
fundo, que discute a inclusão seriamente. “Não se trata, pois,
simplesmente, de aceitar a diferença, mas antes de lidar e
conviver com as vontades que nos chegam do lado de lá do
espelho”, explica. Um espetáculo contundente, que “não es-
conde a deficiência, nem a embrulha em sentimentos de pie-
dade. De certo modo, aquilo que o coreógrafo faz é tornar
mais visível a brutalidade e a injustiça com que a sociedade
trata a pessoa com deficiência”.

UM SALTO PARA O MUNDO

Com as coreografias de Clara Andermatt e Rui Horta, a Dan-


çando com a Diferença começou a conquistar Portugal e o
mundo. Mais recentemente foi a companhia em destaque
no GUIdance, um importante festival de dança contempo-
rânea na cidade de Guimarães, em Portugal.
Talvez um dos momentos mais emblemáticos da
história da companhia seja a participação da coreógrafa
espanhola La Ribot, em 2018. “Eu sempre admirei o tra-
balho da La Ribot e foi uma troca muito bonita. Ela foi
a primeira coreógrafa a trabalhar com a companhia sem
falar português. Havia uma preocupação inicial de que
alguns bailarinos com deficiência intelectual não com-
preendessem o que era dito, mas a linguagem corporal
rompe todas as barreiras. Desse encontro nasceu Happy
Island, um espetáculo que alçou a companhia para o ce-
nário internacional”.
A própria La Ribot definiu seu trabalho da seguinte
maneira:
Imagine um território isolado do mundo, com regras
próprias, onde a diferença é o elemento que os une e
que define a maneira como eles vivem juntos como
uma comunidade. Neste lugar, a constituição do que
nos define como pessoas está sendo protegida de julg
mentos baseados na comparação (La Ribot, 2018, s.p.,
tradução nossa).

117
COREOGRAFIA LEVANTA OS BRAÇOS COMO ANTENAS PARA O CÉU, DE CLARAANDERMATT, PARA O
DANÇANDO COM A DIFERENÇA | FOTO: JÚLIO SILVA CASTRO

Um trabalho bem ao estilo de La Ribot, sem conces-


sões. Além da coreografia assinada pela espanhola, o espetá-
culo contou com um filme de Raquel Freire com assistência
coreográfica de Telmo Ferreira.
Com Happy Island, a companhia circulou pela Europa
e fez apresentações pelo Brasil. Roteiros que exigem planeja-
mento, uma vez que a companhia exige atenção às necessida-
des de cada indivíduo. “Hoje, nosso maior desafio é não deixar
que essa máquina nos engula. Podemos ficar um tempo fora
em turnê, mas vamos manter a companhia por aqui, para que
as apresentações sejam prazerosas e não um motivo de stress”.
Pouco antes da pandemia, a convidada foi Marlene
Monteiro Freitas para criar ÔSS. “Não pude acompanhar
o processo de criação. Foi um trabalho dela com a com-
panhia, não podia ficar na sala. Para mim, o resultado foi
ainda mais emocionante”.
Atualmente, o grupo trabalha com Tânia Carvalho, a
multiartista portuguesa que criou DOESDICON (Escondi-
do), com um elenco mais improvável na visão do diretor.
“Ela analisou cada um, acompanhou aulas e ensaios. Como
quase todos os coreógrafos, queria trabalhar com todos, o

118
que não é possível. Então, escolheu os mais jovens e o resul-
tado é lindo”.
Assim, a Dançando com a Diferença tem atraído a crí-
tica especializada, com um olhar sem condescendência sobre
esses corpos diferentes. “Mostramos que a dança inclusiva
tem o seu lugar no cenário cultural – uma mudança na His-
tória da Dança”.

119
REFERÊNCIAS

AMOEDO, Henrique. Entrevista [27.06.2023]. Entrevistadora:


Karla Dunder. Remota (120 min.). São Paulo, SP, Brasil – Ilha
da Madeira, 2023.

LA RIBOT, María. Happy Island. Disponível em: https://www.


laribot.com/mobile/work/60. Acesso em: jul. 2023.

120
SABERES-FAZERES EM DANÇA
FIRMADOS NOS PONTOS
RISCADOS DO LEGADO
AFRICANO-BRASILEIRO
Franciane
Kanzelumuka
Salgado de Paula

No início de 2023, um breve levantamento realizado com es-


tudantes de licenciatura em dança do Centro-Oeste32 brasilei-
ro buscou revelar o que os motivou a iniciar a carreira como
professores nesta área e onde se deram seus primeiros contatos
com a dança. Foram elencados espaços como: em casa, rua,
festas familiares, bailes blacks, escola regular, escola e acade-
mia de dança, igreja e demais espaços litúrgicos, internet e
televisão, clipes musicais, espaços culturais, feiras e terreiros
diversos (quintais e áreas afins) etc.
Essa breve cartografia, realizada como exercício em
32 Levantamento sala de aula, demonstrou que ao menos 50% desses estu-
realizado com 35
estudantes do primeiro dantes se iniciaram em artes corporais oriundas das mais
semestre do curso de
Licenciatura em Dança do diversas danças afrodiaspóricas e tradicionais-populares
Instituto Federal de Brasília,
componente Práticas brasileiras (quadrilha junina, danças de salão, danças da
Integradoras I, ministrada
pela autora ao longo do cultura hip hop, dentre outras). Toda essa diversidade de
primeiro semestre de 2023.
Para saber mais sobre, estilos e espaços possíveis para as movências gestuais, nos
acesse https://www.ifb.edu.
br/estude-no-ifb/62-estude- quais muitas e muitos de nós temos um primeiro contato
no-ifb/academico/1725-
licenciatura-em-danca com essa linguagem, seja de maneira mais sistematizada ou
e https://www.ifb.
edu.br/attachments/ não, pode nos conduzir ao processo de formação nas artes
article/22990/01PPC%20
LiDan%20-%202019%20 e de profissionalização na área, bem como parece também
versa%20corrigida.pdf .
Acesso em: 23 jul. 2023. nos contar o porquê de uma suposta vocação imanente em

122
nosso habitus sociocultural da presença viva da “cultura do
corpo”, “da dança” e “coreográfica” (Navas, 2017).
Em nossas experiências, o corpo é território que se faz
texto primordial para a criação do movimento, gesto e ação. Ele
é reflexo das relações e atravessamentos socioculturais presentes
nos contextos em que habitamos, nos inserimos e transitamos.
A este respeito, a professora e pesquisadora Cássia Navas (2017)
define separadamente cada categoria de “cultura” acima men-
cionada, nos fazendo identificar e perceber as particularidades
que existem no fazer gestual abarcado por cada uma delas.
É importante ressaltar que não há valorações
hierárquicas entre as três categorias e que elas podem nos
ajudar ou possibilitar que criemos delimitações entre estilos
de danças, mesmo que elas se borrem, tencionem ou se
cruzem; entre locais, territorialidades e as intenções do que
levam o surgimento delas.
A autora parte do pressuposto de que existem formas
específicas de mover-se e tais formas são orientadas por as-
pectos idiossincráticos, ligados às “maneiras cotidianas de
estar em movimento (ou em pausa), em redes onde se entre-
laçam ações, atitudes, comportamentos corporais, estabele-
cem-se dinâmicas de como o corpo se coloca em sociedade”
(Navas, 2017, p. 28). E esse sotaque, “jeito de corpo”, diria
respeito ao que a autora compreende por “cultura corporal”.
Já a “cultura da dança” abrigaria dois eixos de manifes-
tações em dança: um ligado às danças de tradições rurais, de
devoção, por vezes presentes no tecido urbano, organizadas
dentro do panorama de danças da cultura tradicional-po-
pular; e outro, chamado pela autora de “internacional-po-
pular”, que abrange as danças da cultura hip hop, danças
sociais, o funk, o vogue, compartilhadas em âmbito global
devido à indústria cultural e às redes sociais. Na categoria
de “cultura coreográfica”, a autora reúne todas as obras cujo
“objetivo precípuo é o de comunicar/representar/apresentar
a experiência humana a partir da construção da dança en-
quanto arte, difundida em teatros ou espaços que se tornam
cênicos por propostas de sua transformação em settings da
arte” (Navas, 2017, p. 26-27).

123
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

A esses processos de categorizações, é pertinente tam-


bém trazermos o dado de que, historicamente, a narrativa da
dança no Brasil nos conta que a primeira escola para a for-
mação na área no país foi criada no Rio de Janeiro, no ano
de 1927, pela bailarina russa Maria Olenewa33. Escola que
estabeleceria um processo de formação dentro da “cultura
coreográfica”, uma vez que ao longo de quase um século de
existência manteve-se ligada por décadas (de forma intermi-
tente) ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro e deu origem
ao corpo de baile deste.
Ela é considerada o marco histórico para a formação
profissional da(o) artista da dança, mais precisamente do
balé, por inaugurar, segundo o pesquisador Roberto Pe-
reira (2003, p. 91), “a construção de uma história, de uma
tradição de dança, sistematizada, no país”, fomentando
uma “continuidade de formação de dança que pudesse de-
33 Maria Olenewa senvolver-se em solos brasileiros, resultando, mais tarde,
(1886 – 1965), bailarina
russa que se estabeleceu em companhias profissionais de dança, coreógrafos, bai-
no Brasil em 1927. Para
conhecer um pouco mais larinos, professores, e, também, em um público que se
de sua história, acesse
http://theatromunicipal. tornava cada vez mais habituado a assistir à balés” (Idem,
rj.gov.br/eedmo/ . Acesso
em: 23 jul. 2023. 2003, p. 91-92).

124
Quase 100 anos após a criação da escola, faz-se impres-
cindível revisarmos as bibliografias ainda utilizadas para o
ensino da história da dança, da dança-educação e das plura-
lidades étnico-culturais sobre o ensino e a aprendizagem em
dança no Brasil, tanto no que diz respeito à profissionaliza-
ção de artistas da dança quanto a de artistas-educadores.
É preciso fazer o exercício de rever tais narrativas a
contrapelo da história. Afinal, desde muito antes do início
do século XX, a dança se faz encarnada neste território não
somente na presença dos povos originários e das populações
africanas que para cá foram trazidas, mas também por meio
34 A presente lei
estabeleceu as diretrizes
da colonização portuguesa, que se utilizou de manifestações
e bases na educação
nacional para a inclusão
cênicas nos processos da violência colonial para a conversão
no currículo oficial da
rede básica de ensino a
da população originária e africana.
obrigatoriedade da história
e cultura afro-brasileira e
Além disso, é fundamental desvelarmos como se tem
africana, alterando a Lei nº
9.394, de 20 de dezembro
estabelecido processos pedagógicos relacionados à dança cêni-
de 1996. Para mais detalhes
e informações sobre a Lei
ca em um espectro além dos sempre mencionados eixos Rio
10.639/03, acesse https://
www.planalto.gov.br/
de Janeiro-São Paulo-Minas Gerais. Por que não nos indagar
ccivil03/leis/2003/l10.639.
htm . Acesso em: 23 julho
sobre como documentar e apresentar histórias e experiências
2023.
de danças que estão além das narrativas burguesas e elitistas
35 A referida lei deste projeto de nação – ainda colonial – que segue apagando,
alterou a Lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de marginalizando e exotizando, sob a égide do folclore, culturas
1996, e modificou a Lei
nº 10.639, de 9 de janeiro balizares para o que compreendemos como cultura brasilei-
de 2003, estabelecendo
como diretrizes e bases ra, mesmo com mudanças na legislação educacional do país,
da educação nacional,
a inclusão no currículo como as estabelecidas pelas Leis 10.639/0334 e 11.645/0835?
oficial da rede de ensino
a obrigatoriedade da Nossa assunção estética de que herdamos jeitos de cor-
temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”. pos africanizados, africano-brasileiros, afrodiaspóricos36, sin-
Além disso, enfatiza que
tais conteúdos devam estar copados num jogo entre o que foi estabelecido e reconheci-
presentes em áreas de
educação artística (todas do como “arte pela arte” e o que foi considerado como sendo
as linguagens) e histórias
brasileiras. Para mais do povo, arcaico-tradicional, naif, revela a cada dia que a
detalhes e informações
sobre a Lei 11.645/08, discussão “arte erudita” versus “arte popular” não dá con-
acesse https://www.planalto.
gov.br/ccivil03/ato2007- ta de compreender as perspectivas educacionais, estéticas e
2010/2008/lei/l11645.htm .
Acesso em: 23 jul. 2023. poéticas quando tratamos das danças afrodiaspóricas, sejam
as do campo da “cultura da dança”, sejam as que podem ser
36 Muitas são as
nomenclaturas para nos situadas no que é considerado “cultura coreográfica”. Afinal,
referirmos ao legado de
origem negro-africana que trânsitos artístico-culturais entre fazeres-saberes afrodiaspó-
se originou no processo de
escravização da população ricos e fazeres-saberes euro-ocidentais seguem em tensiona-
africana ao longo dos
séculos XVI, XVII, XVIII e XIX. mentos há séculos.

125
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

Da mesma forma que o professor e pesquisador Muniz


Sodré (2002) identificou que alguns processos simbólicos mu-
sicais, como o samba, choro e jazz, se deram no interior do
universo branco, onde o sujeito negro confrontou tradições
37 Mercedes Baptista
(1921-2014), natural de artísticas diferentes, o mesmo também ocorreu na dança que
Campos dos Goytacazes
(RJ), foi coreógrafa e compreendemos como dança cênica/teatral afro-brasileira.
bailarina. Primeira bailarina
negra do Theatro Municipal Nessas teias dos saberes artístico-culturais entre sujei-
do Rio de Janeiro, é
considerada a criadora tos negros e brancos, cito a Dança Afro criada por Mercedes
de uma dança moderna
brasileira, segundo a Baptista37, que instaurou no Brasil a partir dos anos de 1950,
pesquisadora Marianna
Monteiro (2011) por fundar um legado artístico fundamentado nas culturas afro-brasilei-
na década de 1950 o Ballet
Folclórico Mercedes Baptista, ras, estabelecendo o jogo entre tradição e contemporaneida-
propondo uma dança
teatral alicerçada pelas de, entre gestos/atos da tradição africano-brasileira de origem
culturas negras brasileiras
e friccionada pela dança banto e iorubá e acontecimentos cênicos ocidentalizados.
moderna estadunidense
e o balé clássico. O legado inaugurado por Dona Mercedes, assim como
todos os outros sempre lembrados, originados no estado da
38 Clyde Alafiju
Morgan (1940) é professor, Bahia nos anos de 1970 – ligados aos movimentos organi-
pesquisador, dançarino e
coreógrafo, atuou como zados da população negra, assim como a chegada de Clyde
docente no primeiro curso
superior de Dança brasileiro Morgan38 na Escola de Dança da Universidade Federal da
– a Escola de Dança da
Universidade Federal da Bahia (Silva, 2010) –, seguem influenciando, até os tempos
Bahia (UFBA) – entre 1971 e
1978, além de dirigir o Grupo atuais, gerações de profissionais da dança, em especial profis-
de Dança Contemporânea
(GDC) da escola. sionais negras e negros, que vem desenvolvendo perspectivas

126
múltiplas de poéticas referentes à Dança Afro e demais dan-
ças afrodiaspóricas ou danças negras.
Para que possamos dimensionar os movimentos pe-
dagógicos relacionados às aprendizagens de tais danças, to-
maremos como referências as experiências de dois artistas da
dança atuantes no Centro-Oeste brasileiro: Juliana Jardel39 e
Júlio César40. Suas narrativas orais fomentam caminhos para
a compreensão tanto das histórias das danças negras no Bra-
sil como de procedimentos pedagógicos de transmissão dos
saberes-fazeres africano-brasileiros do movimento, pois suas
formações se encontram no chão de aprendizagem das cul-
turas negras.
Foi numa sexta-feira fria, mas ensolarada, dia que em
respeito a “Oxalá, Lemba, Lissá, mãe, pai, avô, avó, pulsão
de criação e palavra, silêncio ante o que não se dança ou ante
a festa extrovertida do incompreensível”41 vestimos branco,
que se deu o meu encontro com a artista da dança, profes-
sora e pesquisadora Juliana Jardel e com o artista da dança,
39 Juliana Jardel
é o nome artístico, em
terapeuta corporal e professor Júlio César.
homenagem a seu irmão
(in memoriam), de Juliana
Assim, a narrativa a seguir foi elaborada a partir das
de Oliveira Ferreira (Goiânia
[GO], 1977). Criadora,
entrevistas realizadas com ambos, procurando evidenciar a
coreógrafa e intérprete
do Grupo Corpo Suspeito.
presença da dança em suas vidas e os caminhos percorridos
Licenciada em Dança,
mestra em Performances
com relação aos processos pedagógicos vivenciados e desen-
Culturais (bolsa FAPEG)
e doutoranda em
volvidos por eles. Por meio de suas memórias e de suas ge-
Antropologia Social,
todas formações pela
nealogias de formação artística, foi possível traçar um amplo
Universidade Federal de
Goiás – UFG. É integrante
espectro dos locais em que se deram suas relações de ensino
do LaGENTE – Laboratório
de Estudos de Gênero,
e aprendizagens em dança, em especial das danças negras,
Étnico-raciais
e Especialidades (UFG).
afrodiaspóricas. As experiências de vida e o modo como am-
bos os artistas tiveram sua iniciação na dança se aproximam:
40 Júlio César é o
nome artístico de Júlio em casa, em vivências comunitárias, em escolas de samba,
César Pereira (São Paulo
[SP], 1962). Arte-educador, no jazz dance, na dança contemporânea e balé, que expe-
coreógrafo, bailarino,
músico e terapeuta corporal. rienciaram em academias de dança.
Fundador e diretor artístico
da Companhia Experimental As escolas de samba, compreendidas como quilombos
de Dança Negra
Contemporânea Mário urbanos e espaços de aprendizagens de múltiplas linguagens
Gusmão (CEDANCOMG),
criada em 2007 em Brasília de conhecimento, são espaços onde se presentificam as ela-
(DF).
borações das experiências negras, na materialização da trans-
41 Fragmento de Oxalá disciplinaridade das mais diversas linguagens artísticas. As
um Dia, de Tiganá Santana
(2020). escolas de samba se configuram como espaços de formação

127
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

libertária através da festa e da ludicidade. No entanto, é sem-


pre importante lembrarmos que tais experiências são plurais,
múltiplas e diversas, afinal “a experiência negra é ambígua,
pois não há um preto, há pretos” (Fanon, 2008, p. 123).
Ao contarem suas histórias sobre como adentraram à
área do saber em dança, como se deram suas formações, as
narrativas trazidas estão imbricadas pelas relações comunitá-
rias negras. Então, inicio a entrevista de ambos perguntando
onde se deu sua iniciação na dança:
Antes eu sempre dizia dos lugares, das academias que
passei. Mas hoje, eu faço uma outra retrospectiva. Res-
pondo essa pergunta de outra forma. Venho de uma
família muito dançante, em que minhas tias se reu-
niam para arrumar os cabelos umas das outras. Uma
família grande, que se reunia aos finais de semana para
arrumar seus cabelos, limpar a casa e dançar. Foi com
minha família que aprendi a dançar bolero, subindo
no pé do meu avô, foi na minha família que aprendi
a sambar, foi na minha família que eu aprendi o que é
a potência de fazer parte dessa diáspora negro-africa-
na. Meu tio, que já retornou para a massa de origem,

128
tio Virgílio, fazia as fantasias de uma escola de samba
daqui de Goiânia, a Brasil Mulato, e minha família
sempre estava nessa escola, nós tínhamos a ala da nos-
sa família. Então, se tem um lugar mais formal que
comecei a dançar e entender que queria ser artista, foi
na escola de samba, neste lugar de muita parceria, de
muito cuidado. Aos oito, nove anos, comecei a fazer
jazz na escola em que estudava, em Aparecida de Goi-
ânia, pois fui criança na década de 1980, o auge do jazz
dance. Passava muito filme musical, onde apareciam
vários corpos negros e, na minha cabeça, eu tinha que
me mudar para os Estados Unidos para ser bailarina,
porque próximo a mim não tinha bailarinos. Muito
cedo entendi que queria ser artista. Comecei a fazer
jazz na escola com a professora Constância, que por
sorte era uma mulher negra, maranhense. Nessa épo-
ca, tinha o show do Juquinha no Teatro Goiânia. Acho
que fui uma vez assistir e da outra vez já fui competir.
Depois meu irmão, meu primo e eu começamos a via-
jar em uma caravana com ele [Juquinha], em que imi-
távamos a Banda Reflexus. Foi um momento muito
bacana, porque as letras da banda falavam, tratavam
de África. Acho que foi um dos momentos em que nós
começamos a questionar de uma forma mais precisa o
que era o continente africano, porque as letras traziam
isso com riqueza de potência, sem se tratar o continen-
te como lugar da escravidão (Juliana Jardel, fragmento
de entrevista concedida à autora, julho/2023).
Percebam como as experiências de Juliana Jardel e Jú-
lio César se aproximam, há semelhanças em suas respostas:
Eu iniciei com uma idade já avançada para a dança,
apesar de ser de família de artistas. Meu bisavô, em
São Paulo, era o Dionísio Barbosa, fundador da escola
de samba que se tornou a Camisa Verde e Branco. Na
época dele era o Cordão Verde e Branco, depois passou
para o meu tio Inocêncio, depois para o meu primo
Tobias e, agora, está nas mãos da minha prima Valéria.
Eu cresci neste ambiente artístico. Tinha muito baile

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ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

também em casa ou próximo de casa, a gente sempre


participava. Então, para mim, era muito normal es-
tar no movimento da dança. A gente aprendeu a se
manifestar na dança, principalmente com a cultura do
samba-rock, que era muito presente nas casas, o fox,
que meus pais dançavam. Isso foi me trazendo uma
leitura corporal e da dança: o que naquela dança mexia
em mim. Desde criança eu gostava desse lado artístico.
Devia ter mais ou menos uns quatro anos quando abri
uma revista com imagem de pessoas dançando, mos-
trei para meu pai e falei: “é isso que eu quero fazer!”.
Lembro também que em minha primeira aula no pré-
-primário, tinha uma turma fazendo uma apresenta-
ção de teatro. Isso também mexeu muito comigo, me
encheu os olhos e eu falei: “é isso que eu quero fazer!”.
Então, desde criança eu trago isso muito presente co-
migo (Júlio César, fragmento de entrevista concedida
à autora, julho/2023).
Através de suas histórias orais, podemos identificar e
traçar toda uma cartografia dos locais por onde a dança pode
se originar, pulsar e, também, as genealogias de pessoas fa-

130
zedoras da dança, pessoas que num circuito denominado de
“artes cênicas” ou de “dança profissional”, não são lembradas
como construtoras desse labor.
Júlio César iniciou seu processo de formação em dan-
ça aos 21 anos com Firmino dos Reis, professor de afro-
-jazz, numa academia de ginástica em São Mateus, Zona
Leste de São Paulo (SP), no final dos anos de 1980. Forma-
ção esta que se dá praticamente junto a sua iniciação como
arte-educador, quando começa a fazer uma série de cursos
de profissionalização para arte-educação pela Secretaria do
Menor de São Paulo.
Paralelamente a isso, ele seguiu fazendo muitas aulas
de dança e tendo encontros com grupos afros paulistas de
dança e música, como a Bandalá, que ensaiava na Escola de
Samba Unidos do Peruche. Nesse espaço dedicado ao sam-
ba, ele conhece seu primeiro professor de dança afro, Mar-
celo M’Dambi (in memorian), que fazia parte da Bandalá e
foi professor de toda uma geração de artistas paulistas das
danças negras. Nesse mesmo período, por volta dos anos de
1987/1988, ele conhece o bailarino e professor Firmino Pi-
tanga, que além de M’Dambi, é outro artista-educador de
referência para as danças negras paulistanas, formando mui-
tas gerações de artistas da dança e do teatro em São Paulo
desde sua chegada lá, em 1985.
Além de fazer aulas de dança negra contemporânea
com Firmino Pitanga, Júlio César passa a integrar a sua
Cia. Batá Kotô, como dançarino e músico, seguindo no
grupo, de forma intermitente, até meados de 1995. Outros
professores de danças negras com linhas distintas de tra-
balho também formaram Júlio, como Macalé dos Santos,
que ministrava oficinas no Sesc Carmo, e Wilson Santos,
que dava aulas de afro-jazz, dentre outros, incluindo pro-
fessoras e professores que ministravam aulas em torno do
estudo do movimento mais eurorreferenciado (trabalho de
Rudolf Laban, o contato-improvisação) e artes corporais
asiáticas, como o Kempô indiano.
No entanto, para Júlio César ter sido aluno e integran-
te da companhia de dança dirigida por Firmino Pitanga foi

131
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

um divisor de águas que lhe possibilitou compreender toda


a multiplicidade presente nas danças negras:
Ele [Pitanga] foi abrindo a cabeça dessa nossa geração
de 1980. O pessoal da dança que conheceu o Firmino
Pitanga começou a ver a dança afro com outras pos-
sibilidades, saindo do viés da dança dos orixás e indo
para uma linha mais contemporânea, abraçando o
clássico ou o contemporâneo, sem perder a perspectiva
e as características da dança afro e da dança negra con-
temporânea. Isto foi bem interessante para mim e é o
que venho desenvolvendo até então (Júlio César, frag-
mento de entrevista concedida à autora, julho/2023).
A história de como se deu a formação em danças ne-
gras de Júlio César evoca toda uma história da dança de São
Paulo que ainda não foi investigada de forma sistematizada e
tão pouco documentada adequadamente. Ainda é incipien-
te a feitura dessa arqueologia, mas podemos encontrar nos
repositórios de universidades públicas, como a Universida-
de Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), um
conjunto interessante de pesquisas realizadas nos últimos
10 anos que visibiliza as muitas formas de acontecimentos e

132
manifestações das danças negras em alguns estados do país,
como Minas Gerais e São Paulo.
Como arte-educador, Júlio César iniciou dando aulas
no Sesc Carmo, ainda no final dos anos de 1980 e início de
1990, substituindo Marcelo M’Dambi ocasionalmente. Ao
longo dos anos de 1990, ele pode ministrar aulas também
pela Secretaria do Menor e pela Secretaria de Cultura de São
Bernardo do Campo e Santo André, além de atuar em aca-
demias de dança. Ele faz ainda uma interessante reflexão de
como foi amadurecendo e encontrando sua especificidade
em dar aulas:
De vez em quando eu substituía meu professor, o Mar-
celo M’Dambi, e, a partir daí, fui criando segurança
no que estava aprendendo. No princípio, você é um
reprodutor daquilo que aprende, mas à medida que
fui amadurecendo, meu estilo foi se modificando, fui
colocando aquela pitada especial, o meu jeito de dar
aulas. Isso fez com que minha forma de trabalhar ga-
nhasse outra escala, outro olhar. Gosto muito do estilo
do Pitanga de trabalhar, a forma como ele passa a mo-
vimentação, a didática, acho muito rica. Quando ele
trabalha um contexto dos orixás, por exemplo, nem
sempre coloca a dança dos orixás, mas utiliza a energia
[deles] (Júlio César, fragmento de entrevista concedida
à autora, julho/2023).
Além de todo esse percurso, Júlio também traz um
repertório ligado às manifestações tradicionais-populares
brasileiras, pois integrou o grupo Abaçaí – Cultura e Arte,
fundado por Toninho Macedo. Dessa forma, foi elaborando
sua formação e seu modo de dar aulas de dança negra con-
temporânea nessa encruzilhada de fazeres-saberes.
Há 27 anos residindo em Brasília, ele vem desenvolven-
do seu trabalho em dança-arte-educação em projetos sociais,
como o Projeto Candanguinho, além disso, ministrou aulas
de dança na Faculdade Dulcina de Moraes e em projetos de
extensão realizados pela Universidade de Brasília – UnB. Em
confluência com artistas-professores-pesquisadores, como o
franco-senegalês Patrick Acogny, Júlio tem buscado desen-

133
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

volver também um trabalho cênico de dança negra contem-


porânea, chegando a fundar, em 2007, a Companhia Expe-
rimental de Dança Negra Contemporânea Mário Gusmão
– CEDANCOMG:
Eu nomeio meu trabalho como “dança negra contem-
porânea”. Dança negra porque é a dança de expressão
que se remete à dança de matriz africana. Contem-
porânea, porque tem outras linguagens da dança que
influenciam a dança negra, mas sem perder a caracte-
rística da dança afro, e também porque a dança afro
está sendo o tempo inteiro construída. Não tem uma
forma só de você trabalhar o afro, você trabalha de-
pendendo daquilo que encontra pelo caminho, que
é essa diáspora toda de movimentos que a gente tem
daqui do Brasil e da África, da dança congolesa, da
dança Guiné-Conacri, enfim, dos ritmos das danças
populares de matriz africana. Tudo isso contribui para
a dança negra contemporânea (Júlio César, fragmento
de entrevista concedida à autora, julho/2023).
Nos últimos três anos, Júlio César oferece aulas livres
de Dança Negra Contemporânea para um público de pes-

134
soas adultas no Centro de Dança do Distrito Federal, um
equipamento público, gerido pelo Governo da capital do
país, de grande relevância para a classe da dança de Brasília.
A presença de Júlio César no Centro de Dança e no Dis-
trito Federal tem contribuído para a difusão do fazer-saber
em danças afrodiaspóricas em parte do Centro-Oeste. Além
disso, ele é referência para toda uma geração de artistas e ar-
tistas-educadores do Distrito Federal e do entorno, quando
se trata de danças negras.
Artistas de gerações distintas e habitantes de territórios
geográficos que se aproximam, Juliana Jardel e Júlio César
são contemporâneos em seus fazeres em danças afrodiaspó-
ricas. Retornemos à história de Juliana.
Durante um interstício da infância para a adolescên-
cia, ela parou de dançar de forma sistematizada, formal. Seu
reencontro com a arte do movimento foi por meio do jazz,
aos 16 anos, nas aulas de um professor negro chamado Sér-
gio (in memoriam) e de aulas de dança contemporânea, na
Escola de Arte Veiga Valle, em Goiânia (GO). Porém, em
razão das dificuldades financeiras familiares, ela novamente
precisou parar de dançar, retornando e escolhendo a dança
definitivamente como profissão aos 26 anos. Nesse período,
voltou às aulas na mesma escola de arte e integrou o Nôma-
des Grupo de Dança, dirigido por Cristiane Santos.
Para além da dança, a capoeira também se fez presente
em sua vida. Seu pai foi capoeirista e ela conta que treinou
capoeira regional por muitos anos no grupo Bimba Meu
Mestre, com Mestre Onça e Marcão Tatu, no grupo Abadá,
e depois com Charme e Mestre Suíno, no grupo Candeias.
Nutrindo-se no prato onde a capoeira e o samba comem, é
importante referenciar toda a vivência dessa artista em uma
comunidade de matriz africana, pois ela é candomblecista.
E, assim, sua comunidade-terreiro também se faz como um
importante espaço de ensino-aprendizagem para a dança.
A formação de Juliana no âmbito do ensino formal
superior se deu na licenciatura em dança da Universidade
Federal de Goiás – UFG, onde realizou uma pesquisa de ini-
ciação científica sobre Maya Angelou e Ismael Ivo. Ela tam-

135
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

bém foi convidada a dar aulas em um projeto de extensão


orientado pela artista, pesquisadora e docente Renata Zabe-
lê (Kabilaewatala) de Afro-Brasilidades. Juliana Jardel reco-
nhece que seu percurso na dança é elaborado no cruzo de
saberes-fazeres distintos e afirma que:
De lá pra cá eu venho fazendo essa dança, essa escrita
que vai misturando tudo. E é bom misturar também,
porque nos leva para esse modelo que vivemos dentro
do Axé [candomblé], em que as coisas não se separam.
Cada dia isto fica mais claro! Tenho aplicado esse mode-
lo aqui, no meu cotidiano e tem dado certo para mim,
acho que para outros também (Juliana Jardel, fragmen-
to de entrevista concedida à autora, julho/2023).
Como professora, atuou em academias de dança,
ONGs, projetos sociais e escolas de educação infantil, onde
pôde desenvolver um trabalho de consciência corporal com
bebês e trabalhar relações étnico-raciais, realizando ações de
dança-educação inspirada pelas danças dos orixás.
Entretanto, foi ministrando aulas no curso de extensão
na Universidade Federal de Goiás – UFG, que Juliana come-
çou a aplicar, desenvolver e trabalhar, especificamente, com

136
as danças dos orixás. Por conta disso, a terminologia utili-
zada por ela é “dança afro-brasileira”. Ela acredita que essa
terminologia é apenas um modo de mostrar as possibilida-
des da diáspora africana através da dança. Ao longo de toda
sua trajetória e experiência pedagógica, ela foi mesclando as
danças dos orixás com outras referências de seu repertório
gestual e, assim, elaborando um método, por ela denomina-
do, de “Movimentos Atlânticos”.
Juliana, que nos últimos três anos tem atuado como
docente na licenciatura em Dança do Instituto Federal de
Goiás, na cidade de Aparecida de Goiânia (GO), comparti-
lha sua experiência na formação de docentes para a área da
dança, com relação a como tem se dado nessa instituição a
implementação da Lei 10.639/03:
No Instituto Federal de Goiás (IFG) em Aparecida de
Goiânia tem professores comprometidos com a Lei e
com a discussão étnico-racial. Lá, estamos montando o
NEABI (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas)
e temos feito um bom trabalho. O melhor é que foi até
uma necessidade, a coordenação me procurou e me deu
algumas disciplinas relacionadas a questões étnico-ra-
ciais, porque a preocupação deles era ter uma disciplina
sobre a Lei 10.639 e não saber aplicar na escola: “como
vou montar uma dança e não ser racista ou reproduzir o
racismo?”. Peguei também uma disciplina de estudo de
caso de espetáculos e só trabalhei espetáculos de artistas
atuantes negros, com corpos negros em cena, para os
estudantes entenderem o que devem e não devem tra-
balhar na escola. Os alunos falaram: “sua disciplina nos
deu suporte no estágio”. Acredito que os alunos chega-
rão ao final do curso mais preparados e perderão o medo
[de tratar do assunto]. Eu falo para eles: “vocês têm que
errar aqui, porque lá fora, na escola, é mais complica-
do”. Mas vejo ainda uma resistência, um medo muito
grande, principalmente quando veem uma professora
negra. Mas eu digo: “falem, que se for ofensivo, se for
racista, eu vou dizer” (Juliana Jardel, fragmento de en-
trevista concedida à autora, julho/2023).

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ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: JOÃO ANSELMO

Passados 20 anos da criação e do processo de imple-


mentação da Lei 10.639/03, Júlio César compartilha um
pouco de suas observações com relação aos impactos dela
no desenvolvimento de seus trabalhos no campo da dança-
-educação não formal. Para ele, “há um preconceito muito
grande, às vezes da própria direção ou das pessoas que estão
ali e não colaboram, não se abriram para a lei” (Júlio César,
fragmento de entrevista concedida à autora, julho/2023).
Juliana reconhece que há dificuldades com relação
ao entendimento e cumprimento da lei. Para ela, a escola
que decide inserir os conteúdos presentes na lei só o faz
porque é lei, e não por compreender a importância de re-
paração histórica em relação ao processo de apagamento e
invisibilidade etnocultural e das pluralidades identitárias
da população brasileira. Ela observa também que, ainda, é
somente no mês de novembro que artistas negras e negros
são lembrados e convidados para realizarem ações artís-
ticas, culturais e educacionais, muitas vezes, sem receber
cachê. E que espaços educacionais também só vão se lem-
brar da Lei 10.639/03 nesse mês da Consciência Negra e,
muitas vezes, direcionar a responsabilidade em trabalhar

138
com conteúdos sobre africanidades para professores ne-
gros e negras.
Juliana Jardel e Júlio César reconhecem que ainda há de-
safios pelo caminho, desafios estes impostos pelo racismo, e que
há muito o que ser transformado para que as danças negras,
afrodiaspóricas sejam devidamente reconhecidas e valoradas.
Para Júlio, quando se está trabalhando com dança negra
contemporânea ou com dança afro em projetos sociais em re-
giões periféricas, por exemplo, a dificuldade ainda é mostrar
que a dança afro é arte e não religião. Ele conta que o racismo
religioso se faz presente nesses locais devido à forte presença
das religiões chamadas “cristãs”, que insistem em sempre asso-
ciar a cultura afro-brasileira e sua dança a aspectos negativos.
Com esse exemplo, podemos perceber que por mais
que a Lei 10.639/03 tenha como objetivo instituir na educa-
ção formal básica o ensino das histórias e culturas africanas
e afro-brasileiras, faz-se imprescindível sua reverberação em
espaços de ensino não formal de dança como forma de com-
bate ao racismo. Para isso, é necessária a formação adequada
de docentes que atuam em todos esses âmbitos educacio-
nais, para que possam trabalhar de maneira transdisciplinar
e transversalmente os conteúdos solicitados pela Lei e colo-
car em ação uma dança-educação antirracista.
As histórias das vivências em danças de Juliana Jardel e
Júlio César nos contam as singularidades em se atuar com as
danças negras, revelando também a concomitância existente
que há no ensino-aprendizagem das danças afrodiaspóricas:
prática, história e de saberes se dão no e pelo corpo.
Ambos os artistas-educadores se encontram na dança e
em seus processos de aprendizagem nas parecenças perpassa-
das pelas vivências comunitárias negras, nas escolas de samba,
na formação em jazz dance – dança negra que precisa ser lem-
brada de suas origens afrodiaspóricas – em sua infância e ju-
ventude. Por meio de suas trajetórias é possível entender que
nas danças afrodiaspóricas, as práticas etnoculturais/estéticas,
artísticas e artístico-pedagógicas caminham sempre juntas.
As experiências de modos de vida e vivências de artistas
negras e negros da dança, que estruturam seus fazeres artístico-

139
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

-pedagógicos no legado africano-brasileiro difundindo as po-


éticas, estéticas, culturas e histórias africanas e afrodiaspóricas
revelam que tais danças engendram em si as culturas do cor-
po, da dança e coreográfica, diluindo, borrando e implodindo
fronteiras que podem excluir e desvalorizar fazeres artísticos-
-pedagógicos com perspectivas culturais não hegemônicas.
Ademais, falar sobre danças afrodiaspóricas de quais-
quer perspectivas é sempre lembrar da constatação feita por
Leda Maria Martins, de que “a cultura negra é uma cultura
das encruzilhadas” (Martins, 1997, p. 26), que materializa no
gesto transitoriedades, deslocamentos, confluências, tensões,
fugas, desencontros, acasos, fricções, negociações.
Nesta terceira década do século XXI e em tempos em
que as danças afrodiaspóricas parecem estar cada vez mais pre-
sentes nos espaços artísticos e educacionais formais e livres
de formação profissional em dança (em suas mais diversas
expressões), negociando com regras estabelecidas pelo modus
operandi do métier da dança teatral ocidental, faz-se mais que
necessário a compreensão desse saber-fazer desde dentro, para
a valorização e o reconhecimento de movências gestadas no
ponto riscado de encruzilhadas violentadas pela colonialidade.

140
REFERÊNCIAS

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SODRÉ, Muniz. O terreiro e a cidade: a forma social negro-


-brasileira. Rio de Janeiro: Imago; Salvador: Fundação Cultu-
ral do Estado da Bahia, 2002.

142
143
FIGURINO PARA DANÇA:
ENTRE A FORMAÇÃO
TÉCNICA E A PRÁTICA
Elena Toscano

Cada vez que começo um curso de figurino ou um novo tra-


balho com novos assistentes, gosto dos olhares encantados de
quem tem um entusiasmo imenso e está pronto para mergu-
lhar no fantástico mundo dos trajes de cena. Mas, para chegar
ao encantamento do resultado, é preciso paciência, principal-
mente nos cursos em que o tempo é curto e parece andar sem-
pre um pouco mais rápido.
As perguntas são muitas, e uma das mais recorrentes é:
“Como criar o figurino perfeito?”. Infelizmente, não tenho
uma resposta. Aliás, tenho muitas, as variáveis são infinitas,
e nem posso começar a elencá-las para não parecer chata. O
que consigo responder é: “Nunca esqueçam que a estrela não
é você; a estrela é quem está no palco, embaixo dos holofo-
tes, literalmente na luz”. E eles me respondem: “Sim, claro”,
achando que estou subestimando-os, porém é a pura verda-
de: todos os nossos esforços são focados nos protagonistas
do espetáculo.
O figurinista é só uma parte da engrenagem para que,
todos juntos – ficha técnica e protagonistas –, possamos che-
gar ao produto: o que será apreciado do outro lado do palco.
Quem assiste ao espetáculo deve perceber o “todo” como

144
um conjunto orgânico, os verdadeiros artistas são generosos
e sabem como fazer ressaltar não somente o trabalho deles
como também o dos colegas.

COMO SE MONTA UM FIGURINO PARA O BALÉ?

É um trabalho de equipe. É impossível produzir um bom fi-


gurino sem a colaboração, até diria cumplicidade, de todos os
integrantes da chamada “ficha técnica”. Desde o produtor até
a camareira, há uma sequência na qual o/a figurinista é apenas
uma pequena engrenagem, mesmo tendo a inteira responsa-
bilidade do “produto final” no dia do ensaio geral. Assim, esse
profissional precisa estar sempre disponível e atento a toda a
movimentação da equipe artística.
Durante os primeiros brainstormings de produção, o
figurinista geralmente traz consigo alguma proposta ou pro-
postas, e é exatamente nessas primeiras reuniões que começa
o processo. Todavia, a atividade cênica já está em trabalho
há um tempo, a produção está a todo vapor e as variáveis são
muitas, mas o processo é sempre o mesmo; seja para a dança
contemporânea ou o balé clássico, sempre tem um título,
uma pauta em um teatro (ou sala) adequado ao tipo de espe-
táculo e a ficha técnica definida.
Entre o convite para produzir os figurinos de um espe-
táculo e a estreia, existe um longo caminho. Muitas vezes, as
escolhas não acontecem somente baseadas nos desenhos, mas,
também, a partir de incontáveis fatores externos que devemos
estar prontos para superar e prever, quando possível.
Nos trajes de cena para espetáculos de dança, é pre-
ciso estar atento às necessidades técnicas do movimento.
Quem dança tem necessidades precisas e pontuais. Mesmo
em uma montagem contemporânea, minimalista, é preciso
pensar o vestuário inteiro a serviço dos movimentos que
serão executados.
Outro fator muito importante para o trabalho do figu-
rinista é conhecer a história da indumentária e, no caso da
dança, também a evolução do traje de balé, porque é na his-

145
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE FIGURINO NA DANÇA | FOTO: SAMIRA DANTAS

tória que conseguimos inspiração, tendo em vista que tudo


já foi criado. Temos, na verdade, o privilégio de reinventar e
interpretar o figurino com o mais poderoso instrumento que
temos à disposição: a evolução da tecnologia.

UMA BREVE HISTÓRIA DOS TRAJES DE CENA PARA


A DANÇA

Os figurinos de balé constituem uma parte essencial do design


do palco, e podem ser considerados como um registro visual
da apresentação. Muitas vezes, eles são o único elemento que
sobrevive da produção, representando uma imagem viva da
cena de um evento que já deixou de existir.
As origens do balé estão nos espetáculos da corte da Re-
nascença na França e Itália, e as evidências de trajes específi-
cos para o balé podem ser datadas do início do século XV. As
ilustrações desse período mostram a importância das máscaras
e das roupas para os espetáculos. O esplendor da corte refle-
tia-se fortemente nos luxuosos trajes. O algodão e a seda eram
misturados com linho, formando uma gaze semitransparente.

146
Desde o início do século XVI, teatros públicos estavam
sendo construídos em Veneza (1637), Roma (1652), Paris
(1660), Hamburgo (1678) e em outras cidades importantes.
Nesses locais, os espetáculos de balé eram combinados com
festividades de procissão e bailes de máscaras, e os trajes de
palco tornaram-se altamente decorados, feitos de materiais
caros. O traje básico para um dançarino era uma couraça
justa, geralmente brocada, saia curta drapeada e capacete de-
corado com penas. As dançarinas usavam túnicas de seda
opulentamente bordadas em várias camadas com franjas.
Componentes importantes do figurino eram as botas de
salto alto ou de cunha, para ambos os dançarinos, que cons-
tituíam os calçados característicos desse período.
A partir de 1550, a vestimenta romana clássica exerceu for-
te influência no design dos trajes, como o posicionamento dos
decotes e das cinturas. Além disso, as saias de seda eram volu-
mosas e o design dos penteados era baseado nos componentes
da vestimenta cotidiana, embora no palco os principais deta-
lhes fossem muitas vezes exagerados. Os vestidos dos dançari-
nos masculinos eram influenciados pelas armaduras romanas.
As cores típicas variavam entre cobre escuro, marrom e roxo.
Do século XVII em diante, sedas, cetins, tecidos bordados
com ouro verdadeiro e pedras preciosas aumentaram o nível
de decoração espetacular. Os trajes da corte continuaram a ser
o padrão para as artistas femininas, enquanto os dos dançari-
nos masculinos se transformaram em uma espécie de uniforme
embelezado com decoração simbólica para denotar caráter ou
ocupação – por exemplo, uma tesoura representava um alfaiate.
A primeira apresentação de balé russo foi encenada em
1675, quando adotaram os modelos de balé europeus. Em-
bora os trajes dos artistas masculinos permitissem total liber-
dade de movimento, as roupas pesadas e estruturas de apoio
das dançarinas impediam gestos graciosos. Os dançarinos
masculinos “en travesti” geralmente usavam saias na altura
do joelho. Os trajes luxuosamente decorados desse período
refletiam a glória da corte; os detalhes dos vestidos e das si-
lhuetas eram exagerados para serem visíveis e identificáveis
aos espectadores que os assistiam à distância.

147
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE FIGURINO NA DANÇA | FOTO: CAMILO BARBOSA

Desde o início do século XVIII, o balé europeu esta-


va centralizado na Ópera de Paris. Os trajes de cena ainda
eram muito parecidos com os de uso comum na corte, po-
rém mais elaborados. Por volta de 1720, surgiu o “panier”,
uma anágua com aro, que elevava as saias a alguns centí-
metros do chão. Durante o reinado de Luís XVI, os trajes
da corte, do balé e o design arquitetônico da moda incor-
poraram estampas decorativas estilo Rococó e guirlandas
ornamentais. Flores, babados, fitas e rendas enfatizavam o
estilo feminino opulento, enquanto os tons pastéis suaves
de cidra, pêssego, rosa, azul e pistache dominavam a gama
de cores dos trajes de palco. As dançarinas em papéis mas-
culinos se tornaram populares e, especialmente após a Re-
volução Francesa de 1789, os trajes masculinos refletiam o
estilo neoclássico mais conservador e sóbrio, que dominava
o design das roupas da moda cotidiana. No entanto, as
perucas enormes e adereços de cabeça ainda restringiam a
mobilidade dos dançarinos.
Nos séculos XVIII e XIX, o balé russo e o europeu
se desenvolveram de forma semelhante, sendo frequente-
mente considerados parte integrante da Ópera. A partir

148
do século XIX, os ideais do romantismo se refletiram nos
figurinos de palco femininos com a introdução de corpetes
justos, coroas florais e pérolas nos tecidos, além de colares
e pulseiras, enquanto o estilo neoclássico ainda dominava
o design dos trajes masculinos. Além disso, o papel da bai-
larina como dançarina estrela tornou-se mais importante,
e foi enfatizado com espartilhos justos, corpetes com joias
e adereços de cabeça opulentos. Em 1832, o tutu branco
com camadas de gaze de Marie Taglioni em “La Sylphide”
estabeleceu uma nova tendência, em que as silhuetas se
tornaram mais justas, revelando as pernas, e a coreografia
exigia que as bailarinas usassem sapatilhas de ponta o tem-
po todo. O balé russo continuou a se desenvolver no século
XIX, e escritores e compositores como Tolstói, Dostoiévski
e Tchaikovski mudaram o significado do balé por meio
da composição de produções narrativas. Os coreógrafos
do modelo clássico, como Marius Petipa, criaram balés de
contos de fadas, incluindo A Bela Adormecida (1890), O
Lago dos Cisnes (1895) e Raymonde (1898), tornando os tra-
jes de fantasia muito populares.
Na virada do século XX, os trajes foram reforma-
dos novamente sob a influência mais liberal do coreógra-
fo russo Michel Fokine. As saias das bailarinas mudaram
gradualmente para se tornarem tutus na altura do joelho,
projetados para mostrar o trabalho de ponta e os giros múl-
tiplos, que formavam o foco da prática da dança. A dan-
çarina Isadora Duncan libertou as bailarinas dos esparti-
lhos e introduziu uma silhueta natural revolucionária. O
empresário e produtor russo Sergei Diaghilev marcou essa
época com suas inovações criativas, e figurinistas profissio-
nais como Alexandre Benois e Léon Bakst demonstraram,
em espetáculos como Schéhérezade (1910), que a influência
do orientalismo havia se espalhado da moda para o palco
e vice-versa. De fato, estilistas como Jean Poiret já haviam
usado o formato de túnica, adotado pelos dançarinos na
era pré-guerra, e na década de 1920, os figurinistas atuali-
zaram os balés clássicos russos com túnicas exóticas e véus
enrolados ao corpo. As dançarinas vestiam túnicas soltas,

149
CURSO REGULAR DE FIGURINO NA DANÇA | FOTO: SAMIRA DANTAS

calças de harém e turbantes, em vez do tutu e do cocar


de penas já consagrados. Ao invés de cores pastéis discre-
tas, optaram por tons vibrantes, como amarelo, laranja ou
vermelho, muitas vezes em padrões selvagens, que davam
ao espectador uma impressão visual de exotismo excitante
sem precedentes.
Quando temos muito clara a história da indumentária
e a evolução do traje de balé, precisamos estudar também a
história da modelagem, porque, no caso de montagens clás-
sicas, os trajes são códigos bem definidos e, mesmo querendo
desafiá-los, é preciso conhecê-los muito bem. O modernis-
mo liberalizou as regras dos trajes e, após a morte de Diaghi-
lev, em 1929, o design dos trajes não foi mais impedido pelas
restrições impostas pelos tradicionalistas.
Atualmente, os dançarinos de balé se apresentam
com vários trajes, que ainda podem incluir os designs
tradicionais de Diaghilev. Em produções pós-modernas,
como O Lago dos Cisnes, de Matthew Bourne, o figurinis-
ta Lez Brotherston transformou as tradicionais e graciosas
cisnes femininas em cisnes masculinos, sem camisa e com
pernas de penas.

150
AS COISAS SE COMPLICAM... A IMPORTÂNCIA
DA COR E DOS TECIDOS

Em todas as variações de trajes de cena, o significado das cores


está estritamente interligado com a visão das cores na história.
A variedade de pigmentos usados atualmente era desconhe-
cida antes da descoberta das cores sintéticas. Por exemplo, os
gregos antigos não usavam nomes fixos para indicar os dife-
rentes tipos de cor, distinguindo-os com base em sua claridade
ou escuridão, de modo que somente o branco e o preto eram
usados de maneira definida. O termo xanthos poderia indicar
tanto o fogo amarelo brilhante quanto o vermelho brilhan-
te, bem como tons roxos e até mesmo azuis. Antigamente, as
cores fundamentais eram, portanto, reduzidas a duas, branco
e preto, ou seja, claridade e escuridão, da mistura das quais
todas as outras derivavam.
Na modernidade, as cores são parte essencial da nossa
existência, elas nos cercam e preferimos umas às outras. Mas
por quê? Qual é a história delas? A referência dos estudos
sobre cores é Michel Pastoureau. Nascido em 1947, ele é o
maior especialista mundial em história das cores e seus sig-
nificados simbólicos. Ele relata: “Estudar a história da cor
é uma maneira de entrar em contato com especialistas em
outros campos, como historiadores de arte, historiadores de
outros assuntos, mas também profissionais de moda, quími-
cos, físicos, músicos. A principal tarefa da cor é classificar,
associar, criar códigos e sistemas de sinais, exatamente da
mesma forma que no escritório classificamos os documentos
em pastas vermelhas, azuis, verdes ou amarelas. As roupas,
por exemplo, têm um código de cores que classifica grupos,
indivíduos e sociedades como um todo. Meu trabalho, por-
tanto, lida com a relação entre cores e sociedade, porque não
é possível entender as cores do tempo presente a não ser em
relação às de épocas passadas”. Pastoureau ressalta que “fo-
ram classificadas seis cores, e é muito difícil para o público
entendê-las. São elas o branco, o vermelho e o preto às quais
foram acrescentadas o azul, o verde e o amarelo nos tempos
medievais. Vermelho tijolo, verde oliva, azul celeste são nu-

151
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE FIGURINO NA DANÇA E PAULO PALLAS | FOTO: SAMIRA DANTAS

ances, tons, não são cores”. O especialista acrescenta: “sem-


pre que me perguntam quais serão as novas cores, respondo
que não serão cores, mas tons, tons de tons”.
E se o universo das cores já é complexo, o dos tecidos
não fica atrás, com uma imensa variedade de têxteis dispo-
níveis no mercado atual. Antes de conhecer a história dos
têxteis, no entanto, devemos entender o que são têxteis. Têx-
til é uma técnica pela qual um tecido é feito, com o uso fios
de urdidura e trama. Os tecidos não são produzidos apenas
por tecelagem, mas também por tricô ou filtragem de fibras
e fios. Têxtil é basicamente uma palavra latina derivada de
Texere, e significa “tecer”.
O fator que mais influenciou a “invenção” das roupas
foi a necessidade que nossos ancestrais sentiam de proteger
o corpo. A partir do uso das peles, simplesmente jogadas
sobre o corpo, surgiu também a necessidade de as tornar ma-
leáveis para que tivessem melhor assentamento e conforto.
Dessa forma, no início da civilização, quando nossos ances-
trais perceberam que precisavam cobrir os próprios corpos,
começava a história dos têxteis e, ao mesmo tempo, a histó-
ria da modelagem.

152
As primeiras manifestações de modelagem do vestuário
surgiram a partir do momento em que o homem descobriu a
técnica do curtimento das peles e da agulha de ossos. Ainda no
período Paleolítico, somente pouco antes do século 7 a.C., foi
descoberta a fibra. Precisamos também lembrar que os têxteis
viraram um negócio mundial: na China, foram difundindo-se
até expandirem para o subcontinente indiano e à África.
O tecido fez mover a economia da antiguidade. Pes-
quisas afirmam que a lã e a seda foram descobertas antes da
fibra de algodão, e todas as fibras estavam disponíveis no
subcontinente indiano. Os comerciantes árabes negociavam
esses tecidos e os exportavam para vários países europeus.
Com a revolução das fibras e dos tecidos de seda, criou-se
a Rota da Seda, que interconectava comerciantes da China,
do Egito, do subcontinente Indiano, das Arábias, da Pérsia
e de Roma com seus negócios têxteis. Com a versatilidade
proporcionada pelos tecidos, as pessoas passaram a criar suas
próprias roupas, com diferentes designs, e assim nasceu a era
clássica dos têxteis.
Aos poucos, as roupas e os tecidos foram desenvolvi-
dos. Muitas fibras novas, como vidro, bambu e outras fibras
artificiais, foram produzidas. Usando essas fibras, alguns te-
cidos exclusivos foram por sua vez criados, o que nos levou
a um novo mundo da moda que é realmente significativo e
maravilhoso. O processo é contínuo, está em andamento.
Em 100 anos, os tecidos de hoje serão história.

DETALHES QUE FAZEM TODA A DIFERENÇA

No processo de criação de figurinos, é imprescindível ter no-


ções de corte e costura para conseguir falar a mesma língua
de quem vai executar os nossos trajes, já que nem sempre as
pessoas leem e interpretam um desenho no mesmo jeito. É
um grande diferencial saber como funciona uma modelagem.
A costureira ou o alfaiate precisa entender exatamente o que
– na nossa cabeça – é muito claro, tridimensional e em cores.
Por isso croquis técnicos ajudam muito.

153
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE FIGURINO NA DANÇA | FOTO: SAMIRA DANTAS

Não podemos esquecer que geralmente quem vai às


compras é o figurinista, por isso é necessário conhecer os
tecidos, a largura, a textura e o caimento, para conseguir
comprar a quantidade certa de metros. Os aviamentos como
botões, zíperes, ganchos e colchetes são outro capítulo técni-
co muito importante.
Conhecer os tecidos também é fundamental, pois,
muitas vezes, antes ou depois da costura, é preciso realizar
algum tratamento, envelhecimento ou pintura, operações
que podem dar muito certo ou muito errado, dependendo,
por exemplo, da composição do pano e sua percentagem de
elastano ou de poliéster. A cor ou o tratamento são feitos
por meio de reações químicas e, dessa forma, a mudança de
um fator pode alterar totalmente o resultado. Esse conhe-
cimento é ainda mais importante no caso de reciclagem de
tecidos ou figurinos de outros espetáculos, que podem ser
completamente transformados com acessórios e novas de-
corações. Nesse caso, não temos uma etiqueta descrevendo
a composição e precisamos descobrir sozinhos a natureza do
tecido que transformaremos. Trabalhar com diferentes tipos
de tecido é um conhecimento que se adquire com a experi-

154
ência prática, uma sensibilidade que se afina com o tempo.
Sem dúvida, é preciso conhecer o caimento dos panos, a
elasticidade (que depende da percentagem de lycra) e che-
gar o mais perto possível da real composição do tecido. Isso
acontece com a experiência: ao tocar um pano “saberemos”
a composição e isso é muito importante, pois na luz de cena
as cores mudam. O que pensamos ser um belíssimo veludo
azul marinho, na luz daquela cena, vira marrom ou berinje-
la. Outra cor muito perigosa, por exemplo, é o vinho e suas
variações. Insisto nisso porque conhecer bem as cores, sua
história e, principalmente, o suporte material colorido nos
ajuda a fugir de perdas de tempo e de dinheiro. Sem falar do
estresse de ter que refazer algum procedimento.

CONCLUSÕES

Numa produção, o elemento mais importante é a comunica-


ção com os outros integrantes da equipe técnica, bem como
assistir aos ensaios sempre que puder, em todas as etapas da
produção.
No teatro é o diretor de cena, na opera o regisseur e na
dança é o coreografo a personagem que mais nos dá elementos
para compor o figurino. Precisamos saber, passo a passo, o
que vai acontecer na cena, os movimentos, as trocas, o tempo
que temos para o artista mudar de traje durante o espetácu-
lo, seja o figurino inteiro ou só uma parte. Nisso, precisamos
coordenar as camareiras, figuras importantíssimas em todos
os espetáculos em que atuam muitas pessoas. São elas que
cuidam para que tudo aconteça rapidamente e em silêncio
no backstage, o que é muito importante, além de tomarem
conta do camarim quando as luzes apagam.
Uma vez que conhecemos o que será representado, so-
mente assistindo aos ensaios saberemos o que se exige dos bai-
larinos e das bailarinas, quais os movimentos e, consequente-
mente, os tipos de tecidos e o corte que nos deverá guiar.
Precisamos também nos coordenar com o setor da ce-
nografia e ter as amostras das cores sempre presentes, para

155
CURSO REGULAR DE FIGURINO NA DANÇA | FOTO: SAMIRA DANTAS

não fazer sumir as personagens no palco. É fundamental co-


nhecer o tipo de iluminação que será usada, não só para
prever variações cromáticas dos nossos figurinos como para
ressaltá-los. Precisamos nos organizar para entregar quanto
antes os trajes para os artistas ensaiarem, incluindo os adere-
ços, pois viram elementos de cena.
Não esqueçamos que se somam a todas estas ações as
noções de história da arte, de modelagem, de teoria das cores,
de corte e costura. Enfim, é preciso muito mais que o entu-
siasmo para encarar esta profissão, a formação é fundamental.

156
REFERÊNCIAS

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nemouth, U.K.: Parkstone Publishers, 1998.

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4, p. 369-386, 2002.

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GOETHE, Johann Wolfgang von. La teoria dei colori.


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tore, 2008.

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PASTOUREAU, Michel. I colori del nostro tempo. Milano:


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PASTOUREAU, Michel. I colori dei nostri ricordi. Diario


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PASTOUREAU, Michel. L’Étoffe du diable, une histoire des


rayures et des tissus rayés. Seuil: Point Essais, 1991.

157
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Phaidon Press, Ltd, 1981.

WULF, Helena. Ballet Across Borders. Oxford and New


York: Berg Publishers, 1998.

158
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

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INÊS BOGÉA, DIRETORA ARTÍSTICA E EDUCACIONAL DA SPED | FOTO: GAL OPPIDO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: GAL OPPIDO

171
172
A DANÇA EM MÚLTIPLAS
DIMENSÕES: METODOLOGIA
E DESENHO INSTRUCIONAL DA
SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA
José Simões
e Inês Bogéa

Toda escola nasce a partir de um desejo, de uma vontade,


de um cruzamento de informações, práticas e vivências que
se transformam em ideias e se materializam num projeto/do-
cumento. São muitas as camadas que se somam no processo
de criação de um equipamento formativo: tempos, ações e
modos de fazer diferentes que metaforicamente se unem para
criar o solo fértil para a ideia de uma escola florescer.
Assim, antes da criação da escola, tínhamos o desejo
de reunir pessoas e dar origem a histórias e provocações que
aguardavam a oportunidade para emergir o sonho da escola.
Desde a sua fundação, em 2009, a Associação Pró-Dança
tem a missão de elevar a dança em toda a sua potencialida-
de e alcance, por meio da excelência artística e educacional,
promovendo a cidadania, o profissionalismo e a transparên-
cia na gestão.
Seu desejo de dialogar, intervir e transformar a realida-
de no ecossistema da dança levou-a a participar da convoca-
ção pública realizada em novembro de 2021 pela Secretaria de
42 Desde 2023, a
Secretaria passou a se Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo42, para a
chamar Secretaria de
Cultura, Economia e gestão da São Paulo Escola de Dança – Centro de Formação
Indústria Criativas do
Estado de São Paulo. em Artes Coreográficas. A associação teve a oportunidade de

173
dialogar e potencializar suas ações com base em um conjunto
de informações proporcionadas por essa convocação.
O desejo provocado se transformou em um documento/
mapa/projeto que se propôs a ser uma bússola, orientando o
planejamento, a gestão, o ensino-aprendizagem, a formação e a
avaliação da Escola e, por fim, corpos dançantes e atuantes em
distintas áreas do ecossistema da dança. Surgiu, então, a pro-
posta deste Projeto Pedagógico da São Paulo Escola de Dança.
Nele são apresentados os objetivos, diretrizes e metas da Escola
ao longo de um determinado período, no caso, de 2022 a 2026.
Neste artigo, apresentam-se as camadas que motiva-
ram e preencheram o antes e o depois do projeto escrito,
como uma arqueologia. Segundo Libâneo (2005, p. 345), “o
projeto é um documento que propõe uma direção política e
pedagógica para o trabalho escolar, formula metas, prevê as
ações, institui procedimentos e instrumentos de ação.”. Para
Vasconcellos, trata-se de:
[...] plano global da instituição. Pode ser entendido
como a sistematização, nunca definitiva, de um pro-
cesso de Planejamento Participativo, que se aperfeiçoa
e se concretiza na caminhada, que define claramente o
tipo de ação educativa que se quer realizar. É um ins-
trumento teórico-metodológico para a intervenção e
mudança da realidade. É um elemento de organização
e integração da atividade prática da instituição neste
processo de transformação (2014, p. 169).
A São Paulo Escola de Dança nasce com o propósito
de dar voz e espaço consistente para a reflexão, aprendizado e
troca de saberes, conectando a dança com todas as linguagens
artísticas e valorizando a diversidade e a identidade brasileira.
A escola se une a outros espaços de formação na área da dança
e outras instituições culturais e educacionais para ampliar as
possibilidades de inserção dos participantes no mercado de
trabalho. Tem sua sede na rua Mauá, no centro da cidade de
São Paulo, no 3º andar do edifício da Estrada de Ferro Soroca-
bana — edifício este que abriga a sede da Secretaria de Cultu-
ra, no mesmo complexo cultural composto pela Sala São Pau-
lo e a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. É também

174
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DANÇA E PERFORMANCE VESPERTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023)
| FOTO: MARCOS ALONSO

próxima ao Museu da Língua Portuguesa, ao Museu de Arte


Sacra, à Escola de Música Tom Jobim, à Pinacoteca do Estado
e a apenas 500 metros da Estação da Luz. O edifício neoclás-
sico foi projetado por Christiano Stockler das Neves (1889-
1982) em 1925, e, após o declínio das ferrovias no país, o local
ficou praticamente abandonado. A partir de 1997, a Secretaria
da Cultura do Estado de São Paulo desenvolveu um projeto
para transformá-lo no Complexo Cultural Júlio Prestes.
A localização da escola era um dos aspectos relevan-
tes no chamamento, que convocava sua reconfiguração para
transformar o 3º andar em um espaço qualificado para o
desenvolvimento da arte da dança. Cidade, espaço e lugar
como agentes de relações capazes de atuar diretamente no
corpo que dança, na vida dançante da cidade.
Portanto, a sede da Escola está situada no centro da ci-
dade, em um território extremamente cultural, próxima tam-
bém da região da Cracolândia, um espaço degradado no cen-
tro da maior cidade da América Latina. Seguindo as diretrizes
da convocação pública, a São Paulo Escola de Dança oferece
50% das vagas a candidatos(as) autodeclarados(as) de baixa
renda e em situação de vulnerabilidade social, com 20% para

175
a população de etnia negra ou indígena, promovendo, assim,
a inclusão e a diversidade. A implantação de mais equipamen-
tos culturais na área pode contribuir para a requalificação do
espaço urbano. Assim, o lugar ocupado pela Escola se relacio-
na com um conjunto de memórias da cidade de São Paulo.
Reconfigurar e ocupar o espaço é fundamental para este diá-
logo entre o passado e o presente proposto pela Escola.
A missão da Pró-Dança na Escola está em diálogo com
a cidade ao fomentar a formação de artistas conectados com o
mundo em que vivemos, dialogando com as diversas áreas do
conhecimento, abertos à experimentação, à troca de saberes
e à percepção de diversos pontos de vista. Busca valorizar as
fortes características locais, utilizando arte e educação como
elementos de transformação social, tendo em vista a promo-
ção do ensino/aprendizado da dança. Seu propósito essencial
consiste na formação de artistas/cidadãos com consciência re-
flexiva e, ao mesmo tempo, profissionais qualificados no cam-
po da dança, e se mantém atenta à necessidade de iniciativas
que democratizem o acesso da população à formação artística.

UM OLHAR SOBRE OS PROGRAMAS REGULARES,


LIVRES E DE EXTENSÃO

Na São Paulo Escola de Dança, o projeto tem uma aspiração


profunda de conectar pessoas, de trazer possibilidades de se
experienciar a dança e ampliar a formação técnica e de espe-
cialização nesta área. Além disso, é o desejo de levar as artes da
dança para diversos segmentos sociais, tornando-a mais acessí-
vel, profissional e especializada, sempre em diálogo com as dis-
tintas ações existentes. Nesse contexto, a Escola apresenta três
modalidades de cursos: Extensão Cultural, Regulares e Livres,
que oferecem oportunidades únicas para o desenvolvimento
artístico, aprimoramento técnico e enriquecimento cultural.
Os Cursos Regulares são cursos de arte, desvinculados
da educação formal, abordando áreas como Dança e Perfor-
mance; Técnicas de Dança (clássica, moderna e contempo-
rânea); Teatro Musical (jazz dance, sapateado, canto e inter-

176
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | FOTO: SAMIRA DANTAS

pretação); Dramaturgia da Dança (Direção, Dramaturgia,


Coreografia e Sonoplastia); Figurino na Dança; Multimídias
para Dança e Produção e Gestão Cultural. Compostos por 4
módulos, esses cursos são direcionados a estudantes a partir
do segundo ano do Ensino Médio e oferecem a oportunidade
ao aluno de, ao término do programa, requerer seu certifica-
do e registro profissional regulamentado. Essa certificação é
emitida em colaboração com a Delegacia Regional do Traba-
lho (DRT), em parceria com os sindicatos correspondentes.
Os Cursos de Extensão Cultural, por sua vez, são aber-
tos a todas as faixas etárias e têm carga horária mínima de 64
horas-aula. São organizados através de curadorias, abordan-
do temas e propostas distintas em sintonia com as demandas
do mercado contemporâneo.
Para aqueles que desejam iniciar sua jornada na dan-
ça, ou para os já iniciados que buscam aprimorar suas habili-
dades, há os Cursos Livres. Com duração de dois semestres,
eles oferecem opções como Dança Clássica, Danças Urbanas,
Dança de Salão e Dança Contemporânea. Cada programa
abre portas para vivências singulares que permitem o contato
de pessoas interessadas em experimentar a arte da dança.

177
CURSOS DE EXTENSÃO E CURSOS LIVRES:
CRIATIVIDADE, EXPRESSÃO, TROCA DE
CONHECIMENTOS, APRENDIZADOS E VIVÊNCIAS

Os Cursos de Extensão Cultural na São Paulo Escola de Dança


abordam diversos temas relevantes, como história das danças,
técnicas específicas, introdução à dança, mercado de trabalho
e integração com outras linguagens artísticas, como filosofia
43 Cursos oferecidos e estética43. Além disso, oferecem mesas de discussão, como
em 2022, com curadoria
de Cássia Navas: 1) História atividades extraclasse, promovendo a troca de conhecimentos,
Já; 2) Análise e Crítica de
Dança; 3) História da Dança reflexões e debates enriquecedores.
no Brasil; 4) Dance com
Artistas; 5) Corpo, Memória A abordagem desses cursos é ampla, com conteúdos
e Ancestralidade; 6) Dança
Comunidade – Vem pra específicos, e possui distintas perspectivas para uma compre-
Dança você Também; 7)
Intradanças: Dramaturgias ensão significativa e aprofundada. Profissionais já atuantes
Transversais; 8) Coreografar
a Arte da Dança; 9) Dança no mercado e iniciantes na dança podem se beneficiar dessas
e Pedagogias: Histórias e
Atualidade; 10) Danças: oportunidades de aprendizado. A flexibilidade também está
Técnicas, Métodos e
Sistemas. Cursos oferecidos presente, permitindo que os cursos e mesas de discussão acon-
em 2023, com curadoria
de Cássia Navas: 1) Dança teçam de forma presencial, virtual ou em formato híbrido.
do Brasil: experiências em
topologias internacionais; Cada um dos cursos de Extensão Cultural, conta com
2) Técnicas, Métodos e
Sistemas; 3) Trilhas Sonoras: um curador e com cerca de 4 professores, que atuam em
Canto e Música para Dança;
4) Ensinar e Criar Dança suas carreiras como curadores, artistas, pedagogos, técni-
para Crianças e Jovens;
5) Escrever e Criticar cos etc., proporcionando aos estudantes uma multiplicida-
Dança: Diversidade do
Olhar; 6) Vem Coreografar de de olhares e enriquecendo a compreensão dos temas em
com Artistas!; 7)
Pedagogia de Dança: um contexto contemporâneo da arte na dança. Essa diver-
Possibilidades atuais;
8) Introdução à sidade de especialidades traz uma riqueza de experiências,
história e historiografias
da Dança; 9) Ensinar informações, conteúdos e conhecimentos que potenciali-
dança: possibilidades
e desafios; 10) Práticas zam a jornada dos estudantes e ampliam o compartilha-
somáticas e improvisação
em dança: panoramas. mento mútuo de saberes e aprendizados entre profissionais
Cursos com curadoria
de Enoque Santos: 1) de diferentes áreas. Essa troca de ideias não apenas expande
Danças Negras: Memória
e Contemporaneidade 2) horizontes, mas também inspira novos caminhos e oportu-
Danças e Cozinha Brasileira:
Ritmos e Sabores 3) Danças nidades profissionais.
Urbanas e Dança Irlandesa:
Vocabulários e Conexões Os cursos livres proporcionam aprendizado e apri-
4) As Danças e Tradições
Culturais pelo Mundo 5) moramento técnico e artístico para pessoas interessadas em
Danças Urbanas, linguagens
múltiplas; com curadoria de dança, independentemente de sua formação ou nível de ha-
Erika Novaki: 1) Jazz Dance:
Estilos e Variações 2) Dança bilidade. Esses cursos são ministrados por profissionais ex-
contemporânea: pluralidade
na dança 3) Teatro musical: perientes e abrangem uma variedade de estilos e técnicas,
repertório e criação 4)
Ballet Clássico: Estilos para permitindo que os alunos desenvolvam suas capacidades,
Dancar 5) Danças Urbanas,
linguagens múltiplas conheçam diferentes abordagens artísticas e expressem sua

178
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: CAMILO BARBOSA

criatividade. Além disso, podem servir como uma porta de


entrada para a formação profissional na área, preparando
os alunos para ingressar em cursos mais avançados ou até
mesmo em carreiras relacionadas à dança. Cada curso tem
como objetivo propiciar a compreensão, o entendimento e
a experiência de uma linguagem específica da dança, além
de desenvolver noções de ritmo, consciência corporal e cria-
ção. Além disso, os cursos livres trabalham as habilidades
motoras e cognitivas dos alunos, bem como sua capacidade
criativa e de apreciação artística. Também há a possibilidade
de cruzar a dança com outras linguagens, como a música, o
teatro, as artes visuais e a história das danças, enriquecendo
ainda mais a experiência de aprendizado.

CURSOS REGULARES: FORMAÇÃO


E APROFUNDAMENTO TÉCNICO

O ponto de partida para a reflexão e elaboração da propos-


ta metodológica foi a formulação de questões que buscassem
atender à demanda formativa e, ao mesmo tempo, organizas-
sem um modo contemporâneo de ensino da dança.

179
Assim, a opção para nortear as ações foi dividir as re-
flexões em diretrizes já conhecidas na estruturação de proje-
tos pedagógicos. Buscou-se, portanto:
um conjunto de princípios e/ou diretrizes sócio-po-
líticos, epistemológicos e psicopedagógicos articu-
lados a uma estratégia técnico-operacional capaz de
reverter os princípios em passos e/ou procedimentos
orgânicos e sequenciados, que sirvam para orientar o
processo de ensino-aprendizagem em situações con-
cretas (Manfredi, 1993).
Esses fundamentos apresentados acima tornaram-se,
portanto, o ponto inicial das reflexões e da elaboração de
questões, considerando as articulações e dimensões sociopo-
líticas, epistemológicas e psicopedagógicas em diálogo com
o ecossistema da Dança.
Na dimensão sociopolítica, podemos nos perguntar
quem é, hoje, o artista de Dança? Como se dá o diálogo en-
tre a dança e a educação? Que formação contribuirá para a
inserção profissional do estudante no mundo da dança?
Na dimensão epistemológica, indagamos sobre a ma-
neira como geramos conhecimento no âmbito da dança, le-
vando em conta suas particularidades, em uma abordagem
dialética. Discutimos a relevância da teoria e suas implicações
no contexto de uma educação crítica em dança. Exploramos
os métodos de abordagem e reflexão dos conhecimentos pre-
sentes fora do ambiente acadêmico, bem como sua relação
com a produção de conhecimento na dança. Isso envolve a
seleção dos conteúdos que comporão o percurso educacio-
nal de ensino-aprendizagem.
Por fim, na dimensão psicopedagógica, emergem outras
questões relacionadas ao processo de aprendizagem: como
ocorrerá o processo de aprendizagem? Qual é o papel do in-
divíduo e de sua história no processo de formação? Qual é a
relevância da colaboração e do aprendizado no ambiente e
por meio do outro? Qual é a importância do artista enquan-
to educador? Como o repertório do estudante interage com
o repertório artístico e estético do educador, e como isso
impacta e influencia os processos de ensino-aprendizagem?

180
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE VESPERTINO | FOTO: IARI DAVIES

Tais discussões tomaram forma e se organizaram em


torno de dois motes, que orientaram as diretrizes artísticas
para a estruturação do projeto pedagógico: “Por uma antro-
pofagia de si” e “Artista não larga a mão de artista”.
Em “Por uma antropofagia de si”, através da antropo-
fagia, nos unimos de maneira social, econômica e filosófica,
ao mergulharmos em conhecimentos singulares por meio
da absorção e assimilação de experiências pessoais. A São
Paulo Escola de Dança adota o pensamento antropofágico
como seu alicerce, promovendo uma nova maneira de con-
ceber a cultura, dança e corpo no Brasil, de forma que estas
mantenham conexões com o mundo. A Escola busca uma
perspectiva estética inovadora e um compromisso com a in-
dependência cultural da dança, ressaltando a importância da
criatividade ao “deglutir” os saberes da atualidade da dança
em seu contexto curricular.
Já em “Artista não larga a mão de artista”, a matriz cur-
ricular da Escola enfoca a autonomia e o pensamento em rede
para estimular o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem
do artista. O ambiente propicia a independência, a criativida-
de e a autonomia dos alunos, promovendo uma rede colabo-

181
rativa na qual docentes, artistas convidados, técnicos, especia-
listas e estudantes trabalham em conjunto, “de mãos dadas”,
em diferentes níveis de atuação, ao longo dos cursos regulares.
Essas diretrizes contribuíram na organização dos ima-
ginários e das subjetividades no mundo do trabalho da dan-
ça, o que potencializou a discussão e a construção coletiva de
apropriação dos conceitos envolvidos na estrutura do proje-
to pedagógico.
A partir destas diretrizes, estão associados os princípios
do saber-ser, saber-fazer e do saber-onde fazer, fato este que
fomenta a relação dialógica docente/estudante. Segundo Frei-
re, “não há docência sem discência, as duas se explicam, e seus
sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem
à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao
ensinar, e quem aprende ensina ao aprender” (2002, p. 25).
Para além do ser e do fazer, cabe reiterar o papel da Es-
cola no fomento e na discussão do lugar social dos estudantes/
artistas – o onde. Milton Santos aponta que “a inteligibilidade
do lugar passa pela compreensão do mundo e vice-versa, cla-
rificado pelas mediações da técnica, da política e do território,
seus agentes e processos, sem ceder ao erro dualista de reduzir
o lugar ao reflexo do global” (Santos, 2005, p. 155-164).
A proposta de metodologia de ensino não está somen-
te centrada no estudante, mas também nos diversos artistas,
docentes, produtores, comunicadores e interlocutores parti-
cipantes do mundo do trabalho. Não se trata de um professor
mediador. Destaca-se o seu papel formador — reconhece-se
todos os desafios associados a essa palavra, em razão de sua
polissemia. Nesse processo, não se renuncia à importância
da técnica e à sua relação com o ambiente profissional. É
proposto um tripé: estudante/formador/mundo do trabalho
no contexto da Dança.
Além das atividades cotidianas com a equipe da Esco-
la, os estudantes têm a oportunidade de experimentar, a cada
módulo, processos criativos e artísticos e de participar de in-
tercâmbios culturais e residências artísticas. Logo, isso amplia
a formação profissional dos alunos, uma vez que se permite
o contato com diversas perspectivas artísticas, o que pode in-

182
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE PRODUÇÃO E GESTÃO CULTURAL, LUCAS GONZAGA E MONIQUE TOMAZI
| FOTO: SAMIRA DANTAS

centivar a partilha de conhecimentos e enriquecer tanto o de-


senvolvimento profissional quanto o individual dos discentes.
Cabe, portanto, ressaltar que a proposta metodológica
para os cursos regulares – METACOGNIÇÃO – desenvolve suas
ações a partir do viés da Pedagogia de Projetos, estimulando
o fluxo do conhecimento e da informação, e propiciando os
espaços para experiência. Para Bernadete Beber et al.:
Aprender é diferente de compreender, pois provoca
mudanças de comportamento, proporciona reflexão
sobre o próprio fazer pedagógico e faz do aprender um
prazer. As situações de aprendizagem demandam di-
versas estratégias para que seja viabilizado o aprender.
O ensino aprendizagem é uma organização de proce-
dimentos, com função clara que suscita o sujeito à re-
alização de tarefas (2004, s.p.).
O ensino em Arte requer que sejam elaborados pro-
cedimentos singulares para a potencialização da criativida-
de, da resolução de problemas complexos na cena etc. Do
mesmo modo, o aprender em arte, no caso, aqui, em dança,
também se encontra relacionado ao prazer, ao lúdico e à ela-
boração de metáforas do mundo, dentre outras relações.

183
Neste contexto, o ensino de dança não busca somente
fazer o estudante “saber algo”, mas promover o ensino-apren-
dizagem por meio de competências, apontando as fragili-
dades existentes para que os estudantes possam superá-las.
Em outras palavras, a metodologia busca que cada estudante
conheça o seu perfil cognitivo e, assim, seja capaz de valori-
zar as competências e habilidades cognitivas já existentes, ao
mesmo tempo, fomentando, motivando a busca por aquilo
que lhe falta.
O ensino ocorre em rede, construído em camadas in-
dividuais dos estudantes a partir da noção da experiência
vivida ao longo dos módulos no curso, aprendizados e trocas
de experiências com outros estudantes, professores, coorde-
nadores, superintendente, diretor, artistas convidados, entre
outros. Cada módulo é uma unidade de conhecimento com
começo, meio e fim, o que permite o ingresso do estudante
em qualquer um dos módulos. Além disso, é compreendido
como uma unidade de ensino autônoma, semestral, com ar-
ticulação interna organizada por componentes gerais e espe-
cíficos, que se integra numa proposta de ação para formação
profissional presente na escola. São estruturas importantes
no sistema, uma vez que são as unidades de conhecimento
que funcionam como uma estrutura/território formada por
lugares contíguos e em rede, com objetivos e procedimentos
previamente definidos. Mesmo que sejam concebidos para
serem partes autônomas, não são dissociados um do outro.
No processo formativo como um todo nos Cursos Regula-
res, o estudante deverá percorrer os quatro módulos. Cabe
a este organizar os saberes dos “módulos” realizados ou pro-
postos na construção do saber, destacando no processo de
ensino-aprendizagem a autonomia do estudante.
Compreender os determinantes da aprendizagem e
da metacognição leva o sujeito à autoaprendizagem,
onde a autoconsciência e a busca da superação das li-
mitações devem estar presentes no ato de aprender. Ao
aprendente cabe desenvolver a auto-observação para
despertar suas competências até então adormecidas,
superando seus receios e obstáculos (Beber, 2014).

184
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA NA PRAÇA
JÚLIO PRESTES (2023)| FOTO: SAMIRA DANTAS

Os processos didático-pedagógicos serão influencia-


dos pela prática, ou seja, pelos conhecimentos definidos
no mundo do trabalho. Cada módulo é formado por um
conjunto de saberes organizados na matriz curricular, que
se desdobra nos componentes curriculares estruturados em
três etapas: “O que nos Une”, “Criação Artística e Estética”
e “Mundo do Trabalho”.
É importante ressaltar que nem todas as ações pedagógicas
e formativas ocorrem no ambiente da sala de aula. Assim, algumas
são organizadas como Territórios nos quais os conhecimentos
podem se relacionar com as práticas do cotidiano ou apresentar
o contexto, tema ou conteúdo de forma transversal em relação
ao que é proposto em cada uma das etapas. A perspectiva nesses
Territórios sempre envolve a cultura arte e cultura juntas. E
essas ações se ampliam nos Territórios Culturais Expandidos
(aqueles que surgem ao longo do semestre, em função das
oportunidades articuladas pela Escola). A principal função dos
Territórios é a de desenvolver relações com outros espaços de
cultura, com os quais os Cursos Regulares possam estabelecer
compartilhamentos de saberes e relações com a proposição de
outros artistas das mais diversas áreas.

185
As atividades nos cursos não são somente uma com-
binação de condições técnicas e habilidades profissionais.
São, também, atividades sociais. Emergem da interação com
os outros, da convivência e da organização do equilíbrio
emocional e relacional. Esse aspecto da convivência é rele-
vante para as produções artísticas, pois na realização artística
está em jogo uma série de funções que se desdobram naquilo
que define como coletivo.
No trabalho artístico, a atividade não almeja apenas
o resultado do trabalho como uma operação técnica, mas
também um significado simbólico. De acordo com Dejours,
o reconhecimento é um dos principais expoentes simbólicos
no mundo do trabalho. Portanto, é do reconhecimento en-
tre pares que surge grande parte da satisfação na atividade.
Assim, os binômios: ensino e aprendizagem; arte e cul-
tura; dança e corporeidade; espaço e cidade, todos influen-
ciados pela metacognição, desdobram-se na criação de uma
metodologia singular para a formação em Dança.
O desafio que se coloca diante de todos durante o pro-
cesso de implantação e implementação da Escola é sistema-
tizar os resultados, rever os percursos, apontar as correções
formativas dos docentes que ainda estão habituados a pro-
cessos unicamente hierárquicos de formação; produzir dados
e informações que possam, ao longo do tempo, potencializar
e pavimentar as propostas e hipóteses metodológicas aqui
propostas na São Paulo Escola de Dança.

186
REFERÊNCIAS

BEBER, Bernadétte; SILVA, Eduardo da; BONFIGLIO, Simoni


Urnau. Metacognição como processo da aprendizagem. Rev. Psi-
copedag.[online].2014,v.31,n.95p.144-151.Disponívelem:http://
pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sciarttext&pid=S0103-
84862014000200007&lng=pt&nrm=iso.

BEBER, Bernadétte. Reeducar, reinserir e ressocializar por


meio da educação à distância [Tese de Doutorado]. Floria-
nópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2007. p. 146.

FIGUEIRA, Ana Paula Couceiro. Metacognição e seus con-


tornos. Revista Iberoamericana de Educacion, p. 21,
1994. Disponível em: http://www.rieoei.org/deloslectores/
446Couceiro.pdf.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários


à prática educativa. 27. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 25.

LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSCHI,


Mirza Seabra Educação escolar: políticas, estrutura e organi-
zação. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

MANFREDI, Sílvia Maria. Metodologia de Ensino – diferen-


tes concepções. Campinas, 1993. Disponível em: https://
edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1974332/mod_resource/
content/1/METODOLOGIA-DO-ENSINO-diferentes-concep%-
C3%A7%C3%B5es.pdf.

SANTOS, Milton. Da totalidade ao lugar. São Paulo:


Edusp, 2005.

VASCONCELLOS, Celso dos S. Planejamento: Projeto de En-


sino-Aprendizagem e Projeto Político Pedagógico – ele-
mentos metodológicos para elaboração e realização. 24. ed.
São Paulo: Libertad, 2014.

187
188
CURSOS LIVRES, NÚMEROS,
DESAFIOS E PROCESSO
FORMATIVO EM DANÇA NA
SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA
Adriana Celi
Castelo Gomes

INTRODUÇÃO

“Esse lugar chamado São Paulo Escola de Dança”


Gosto de estar nesse lugar atemporal, nesse palco do encontro, do sonho, do conhecimento, do real,
Nesta trama de corpos e corações, que se funde numa ligação intergeracional, profunda, essencial
De diferentes rostos, de olhares e sonhos conhecidos
Que despidos do mundo podem ser quem são,
Gratidão que transborda a cada gesto, em cada corpo, versos de uma dança inscrita na imensidão
Que reluz e nos alimenta nessa jornada de transformação, imersiva, coletiva, de resgate e de educação
Nessa busca pelo caminho, no verso, no gesto, no amar, do verbo, pelo verbo amar
Encontrar um abrigo, um amigo, um olhar,
Um lugar para se inspirar, para sentir, para buscar,
Um lugar de encontro e reencontro, com você, com o outro, com o dançar
A chance de enxergar em outro olhar o espelho, num desejo de conseguir
Intuir, construir, prosseguir, num caminho que se possa ser quem se é
Nadar contramaré, sem ouro, sem nada, sem patilha no pé,
Resistir, e quando a oportunidade vier, segura pela mão, e traça seus caminhos nos palcos da imensidão.
Quando nada mais der conta, dança...

Essa poesia, que trago como pano de fundo para as discus-


sões que veremos neste texto, se fez necessária pelo senti-

189
mento de que a escrita acadêmica talvez não desse conta
de expressar camadas tão sensíveis, subjetivas e essenciais.
Apenas uma tentativa despretensiosa de compartilhar num
sopro poético um pouco da magnitude desse lugar chamado
São Paulo Escola de Dança.
Feita esta consideração, numa primeira reflexão, deve-
mos considerar que a construção dos saberes em dança44 na
cena contemporânea acontece de formas múltiplas, dialo-
gando diretamente com a pluralidade de corpos, ideias e ide-
ais. Tal multiplicidade nos permite analisar as diversas cama-
das dessa trama formativa, que se estabelece principalmente
por meio das políticas públicas de formação em dança.
Neste cenário, a São Paulo Escola de Dança já nasce
com um amplo escopo formativo pautado na diversidade e
na democratização do acesso aos processos de formação e
qualificação em dança. Para tal, a escola se estrutura em 4
eixos de atuação: Cursos Regulares, que têm como objeti-
vo oferecer formação em caráter técnico; Cursos Livres, que
promovem para a população em geral o acesso à linguagem
da dança; Cursos de Extensão Cultural, que têm como obje-
tivo contribuir para a criação, produção e discussão da dan-
ça; e Oportunidades e Projetos Especiais, que possibilitam
ações afirmativas e de oportunidade para estudantes de baixa
renda e/ou em vulnerabilidade social.
Feita esta introdução, neste capítulo direcionaremos
o olhar ao eixo dois – Cursos Livres –, um eixo essencial
e estruturante no cumprimento desse objetivo maior que é
democratizar o acesso aos processos formativos em dança.

NASCIMENTO, TRILHARES, DANÇA


E TRANSFORMAÇÃO

O projeto dos Cursos Livres nasce no final do segundo se-


mestre de 2022 com o intuito de ampliar o escopo do públi-
44 Saberes em dança
é um conceito desenvolvido co-alvo até então contemplado pelo eixo dois. Nesse sentido,
por Godoy (2016) que diz da
apropriação dos elementos que é importante sinalizar que no segundo semestre de 2022 o
configuram a dança como uma
linguagem artística. eixo dois era desenvolvido por meio do projeto denominado

190
ESTUDANTES DO CURSO LIVRE DE DANÇA CLÁSSICA | FOTO: JOÃO ANSELMO

Iniciação à Dança. Os cursos de iniciação também tinham


por objetivo dar acesso ao aprendizado da linguagem da
dança para a população em geral, mas seu público-alvo era
especificamente adolescentes de 13 a 17 anos, matriculados
no ensino fundamental ou médio. Tinham também como
premissa disponibilizar, prioritariamente, 50% das vagas a
estudantes em contexto de baixa renda ou em situação de
vulnerabilidade social e/ou relacional.
Com duração de dois semestres, os estudantes poderiam
optar por um dos seguintes estilos: Dança Clássica, Danças
Urbanas, Dança Criativa ou Dança Contemporânea. Os cur-
sos tinham como proposição oferecer um espaço propício à
experiência e à compreensão do que vem a ser dança, no que
tange aos estilos propostos, e incentivar jovens intérpretes a
assumirem esta expressão como profissão. Contudo, alguns
desafios se impuseram, principalmente em relação à mobi-
lização de público nessa faixa etária para a participação nos
cursos. Além de a escola estar situada na área central da cida-
de de São Paulo, o que pode ser um limitador de acesso ao
público menor de idade, as escolas do território que atendiam
essas faixas etárias eram, em sua maioria, de período integral,

191
o que impossibilitava a participação desses estudantes em ati-
vidades no contraturno escolar.
Diante desse cenário, ao final de 2022 a gestão da es-
cola traz como proposição a ampliação do escopo do públi-
co-alvo do eixo dois, implementando o projeto dos Cursos
Livres. Em linhas gerais, os Cursos Livres consistem em um
espaço artístico de vivências formativas que tem por objeti-
vo promover o acesso à linguagem da dança para a popula-
ção em geral. São indicados para o público de a partir de 13
anos de idade e desenvolvidos por meio dos cursos de Dança
Contemporânea, Dança Clássica, Danças Urbanas e Dança
de Salão. Nos quatro cursos, estão previstas também ativida-
des extracurriculares que visam ampliar as experiências artís-
ticas e pedagógicas dos estudantes. Os cursos são realizados
em dois semestres, tendo cada um 76 horas-aula.
Tal panorama nos dá subsídios para analisar outras tantas
camadas que não emergem a olhos nus, mas que são estrutu-
rantes nessa proposição artístico-pedagógica e estão alicerçadas,
fundamentalmente, na democratização do acesso à formação
em dança, principalmente no que tange à diversidade.

A ARTE DO ACESSO: ENCONTROS E REENCONTROS


COM O DANÇAR

Neste universo formativo em que a escola atua, os Cursos Li-


vres se tornam uma grande porta de acesso à linguagem da
dança para diferentes públicos, um lugar de encontros e reen-
contros com o dançar. Com sua perspectiva inclusiva e inter-
geracional, o projeto acolhe pessoas que nunca tiveram con-
tato com essa arte; artistas da dança e de áreas correlatas que
desejam se aperfeiçoar e ampliar suas práticas; adolescentes e
adultos que tiveram contato com a dança em alguma fase de
suas vidas e encontram nos Cursos Livres uma oportunidade
de resgatar esses processos de iniciação e formação; pesquisa-
dores, professores e bailarinos. É, enfim, um espaço que aco-
lhe estudantes do ontem, do hoje e do amanhã, um espaço
para resgatar, realizar e prospectar sonhos.

192
ESTUDANTES DO CURSO LIVRE DE DANÇA CONTEMPORÂNEA | FOTO: JOÃO ANSELMO

Pensando ainda sobre a democratização do acesso, ou-


tro ponto importante a ser destacado é que essa democra-
tização não se estende apenas aos estudantes, mas também
aos artistas docentes que ministrarão os cursos. Anualmente
é realizado o processo seletivo para docentes, o que dinami-
za a trama formativa dos Cursos Livres, na medida em que
oportuniza o acesso a diferentes artistas da dança e, conse-
quentemente, amplia as perspectivas artísticas e pedagógi-
cas para cada linguagem, que se renovam anualmente no
contexto dessa proposição. Nesse contexto, o compartilhar
dessas diferentes práticas docentes amplia também a ótica
dos estudantes no processo de compreensão da construção
de diferentes identidades estéticas45 em dança.
É válido ressaltar que, no âmbito pedagógico, apesar de os
Cursos Livres possuírem uma configuração de ensino múltipla
e dinâmica, eles atuam de forma conectada e transversal,
buscando pontos de diálogo e convergência entre os estilos
e as linguagens de cada curso. São conduzidos por um tema
45 Denomino aqui
como identidade estética o norteador definido semestralmente e que segue como pano
estilo coreográfico e a linha
de movimentos a serem de fundo das discussões em aula. Esse tema é uma diretriz
desenvolvidos por cada
artista docente. na escolha das atividades extracurriculares e culmina na ati-

193
vidade de encerramento do semestre, que pode se configurar
em diferentes produções artísticas, principalmente pautadas
no tema gerador, e nos recortes dos processos vivenciados em
aula. Uma proposta que valoriza o processo, pautada na troca,
na experiência e na construção coletiva de saberes.
Traçado este panorama metodológico, é possível reco-
nhecer que os Cursos Livres almejam que o estudante possa
se tornar um agente transformador, tendo em vista que o ob-
jetivo não é a repetição mecânica de qualquer tipo de técnica
ou estilo, mas ter a oportunidade de ensinar ao corpo que,
nesses estilos de dança, há uma série de códigos, temas e sub-
temas culturalmente transversais que podem ser utilizados de
diferentes formas, e que o corpo pode assimilar esses códigos
e conhecimentos a fim de transformá-los em diversos saberes
em dança e para a vida. De acordo com Godoy (2016), são
os saberes a partir da vivência que, na dança, acontecem no
corpo do estudante. Segundo a autora, a partir do sentido da
experiência46 de Larrosa, o sujeito dançante se apropria, (in)
corpora (vive pelo corpo) o autoconhecimento para trans-
formar a vivência em experiência.
46 “A experiência, Entre o tangível e o intangível, entre desejos e neces-
a possibilidade de que
algo nos aconteça ou nos sidades, nesse lugar vulnerável e enriquecedor da experiên-
toque, requer um gesto
de interrupção, um gesto cia, e com um olhar muito atento à pluralidade e à garantia
que é quase impossível
nos tempos que nos do acesso aos diversos atores desse ecossistema da dança, os
correm: requer parar
para pensar, parar para Cursos Livres foram se desenhando nesse espaço de acolhi-
olhar, parar para escutar,
pensar mais devagar, e mento para os diferentes sujeitos da experiência em dança47.
escutar mais devagar,
parar para sentir, sentir Para que tal amplitude não fragilize o projeto pedagó-
mais devagar, demorar-se
nos detalhes, suspender gico da escola, permitindo que ele seja efetivo para um pú-
a opinião, suspender o
juízo, suspender a vontade, blico tão heterogêneo, foram se criando critérios dinâmicos,
suspender o automatismo
da ação, cultivar a atenção e principalmente no que se refere aos processos de seleção de
a delicadeza, abrir os olhos
e ouvidos, falar sobre o que estudantes. Assim, algumas premissas seletivas foram estipu-
nos acontece, aprender a
lentidão, escutar aos outro, ladas a partir de diretrizes da escola, de acordo com as carac-
cultivar a arte do encontro,
calar muito ter paciência, terísticas pedagógicas e de linguagem de cada curso ofertado.
dar-se tempo e espaço”
(Bondía, 2014, p. 25). Quanto às prerrogativas institucionais, é importante
pensarmos, num primeiro momento, que a São Paulo Es-
47 “Sujeito da
experiência em dança” cola de Dança, assumindo o papel de uma política pública
ou “sujeito dançante” se
referem às pessoas que estadual de formação para dança, pautada em perspectivas
vivenciam no corpo a
linguagem da dança. pedagógicas e artísticas contemporâneas, precisa trazer uma

194
ESTUDANTES DO CURSO LIVRE DE DANÇAS URBANAS | FOTO: SAMIRA DANTAS

proposição educacional diferenciada dos demais projetos e


políticas públicas de formação em dança já ofertados. Ou
seja, para ter um trabalho diferenciado, a escola precisa con-
siderar como critérios de seleção de estudantes fatores como:
a vivência prévia e a trajetória formativa deste estudante, e
o desejo de profissionalização na área da dança, principal-
mente no caso dos cursos voltados para dança cênica, como
a Dança Clássica e Contemporânea, e em certa medida tam-
bém no caso do curso de Danças Urbanas. Isso porque a
escola busca estar um passo além no que se refere à metodo-
logia de ensino, levando em consideração a sua responsabi-
lidade de auxiliar esses estudantes a ingressarem no mercado
de trabalho, o que exige da instituição, portanto, mais do
que a iniciação artística já desenvolvida por diversos projetos
sociais de dança.
Abrindo um parêntese, frequentemente os projetos
sociais incluem a dança em seus programas, mas não neces-
sariamente a compreendem como linguagem artística e do
conhecimento. A dança torna-se passagem, atividade-meio
para alcançar algum objetivo mais funcional, ou seja, a qua-
lidade, amplitude, profundidade, aperfeiçoamento artístico

195
e estético dos conteúdos ensinados e experiências vividas pe-
los estudantes não têm a relevância que deveriam ter (Mar-
ques, 2010).
Ainda sobre o processo de seleção de estudantes, em
contrapartida aos critérios priorizados em Dança Clássica
e Dança Contemporânea, nos cursos de Dança de Salão e
Danças Urbanas, questões como vivência prévia e desejo de
profissionalização atuam mais em segundo plano. Principal-
mente em relação à Dança de Salão, critérios como o dese-
jo de ter um primeiro contato com a dança e encontrar na
dança um lugar para saúde e socialização possuem maior
relevância. Outra questão central nesse contexto é que os
Cursos Livres trazem também como premissa disponibilizar,
prioritariamente, 50% das vagas a estudantes em contexto
de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade social e/
ou relacional.
Sob a perspectiva da gestão, a instituição desses crité-
rios é uma tentativa de minimizar desigualdades e de otimi-
zar a metodologia e as potencialidades de cada curso, indo
de encontro às premissas e diretrizes institucionais da escola,
na busca de garantir uma formação de qualidade em dança
para esse universo de sujeitos dançantes.

NÚMEROS DA MuDança

A estratégia de alterar a faixa etária do público dos Cursos


de Iniciação à Dança para além dos 17 anos, com a criação
dos Cursos Livres, mostrou-se efetiva já no processo seletivo
de estudantes do 1º semestre de 2023, dado o grande núme-
ro de inscritos.
O processo teve um total de 325 inscritos, sendo: 82
em Dança Clássica, 126 em Dança Contemporânea, 62 em
Dança de Salão e 55 em Danças Urbanas. Destes, 172 ma-
trículas foram efetivadas pelos estudantes, distribuídas nas
quatro modalidades dos cursos, sendo: 36 em Dança Clás-
sica, 36 em Danças Urbanas, 51 em Dança de Salão e 49 em
Dança Contemporânea.

196
ESTUDANTES DO CURSO LIVRE DE DANÇA DE SALÃO | FOTO: CAMILO BARBOSA

A política de ação afirmativa prevista no item 3.3. do


edital de seleção dos estudantes prevê:
• 50% das vagas a candidato(a)s autodeclarado(a)s prove-
nientes de contexto de baixa renda ou situação de vulnerabili-
dade social e/ou relacional, assim entendidos aqueles que de-
clararem renda familiar per capita de até um salário-mínimo;
• 20% das vagas reservadas a candidato(a)s autodeclarado(a)
s amarelo(as), preto(a)s, pardo(a)s ou de origem indígena.
Tais percentuais foram garantidos, sendo considerados
os seguintes indicadores sociais coletados na ficha de inscrição:
• Renda mínima de até 1 salário mínimo;
• Identidade de gênero (LGBTQIAPN+);
• Candidato(a)s autodeclarado(a)s amarelo(as), preto(a)s,
pardo(a)s ou de origem indígena.
Já no processo seletivo do 2º semestre, os cursos tive-
ram um total de 356 inscritos, sendo: 56 em Dança Clássica,
115 em Dança Contemporânea, 96 em Dança de Salão e 89
em Danças Urbanas. Destes, 137 matrículas foram efetivadas
pelos estudantes, distribuídas nos quatro cursos: 32 em Dan-
ça Clássica, 36 em Danças Urbanas, 38 em Dança de Salão e
31 em Dança Contemporânea.

197
Tais números sinalizam a potência da reconfiguração
feita no eixo dois, com a implementação dos Cursos Livres,
em 2023, por parte da gestão educacional. Tal condução cor-
responde às ideias de Schön, na medida em que se avalia e
reflete sobre as próprias práticas profissionais até então ado-
tadas para que ocorra a tomada de consciência e modificação
visando novas ações (Andrade; Godoy, 2018). Com isso, a
implementação do projeto dos Cursos Livres perpassou tam-
bém pelo conceito de professor reflexivo trazido por Schön,
que constrói os seus saberes na relação com a ação, reflexão e
a volta à ação. A reflexão na ação é o saber que está presente
na tomada rápida de decisão em determinada situação, a fim
de solucionar um problema e reformular constantemente a
sua prática (Andrade; Godoy, 2018).

CONCLUSÃO

Diante dessas reflexões, é possível observar que o projeto dos


Cursos Livres, no que se refere ao escopo pedagógico da escola,
acaba por ser estruturante na medida em que está alicerçado,
fundamentalmente, na democratização do acesso à formação
em dança, principalmente no diz respeito à diversidade. Nesse
cenário, tornou-se uma grande porta para o ingresso de dife-
rentes públicos, inclusive numa perspectiva intergeracional,
para a vivência em dança, constituindo-se como um lugar de
encontros e reencontros com o dançar.
Outro ponto que merece ser destacado nesta reflexão
é a dinamicidade metodológica de ensino, que se desenha a
partir das diferentes perspectivas pedagógicas e artísticas de
cada artista docente que atua nos cursos.
É válido destacar, também, que a instituição dos
critérios para os processos seletivos de estudantes possibilita
minimizar desigualdades e otimizar a metodologia e as
potencialidades de cada curso, corroborando as premissas e
diretrizes institucionais da escola na busca por garantir uma
formação diferenciada e de qualidade em dança para esse
universo de sujeitos dançantes.

198
ESTUDANTES DOS CURSOS LIVRES NA JAM MULTILINGUAGENS | FOTO: SAMIRA DANTAS

Quanto aos números, comprovou-se que a estratégia


de ampliar o escopo da faixa etária dos Cursos de Iniciação
a Dança para além dos 17 anos, com a criação dos Cursos
Livres, foi efetiva, visto o grande número de inscritos tanto
no primeiro quanto no segundo semestre.
Nesse trânsito entre o tangível e o intangível, nesse
lugar vulnerável e enriquecedor da experiência, e com um
olhar muito atento à pluralidade e à garantia do acesso aos
diversos atores desse ecossistema da dança, podemos afirmar
que os Cursos Livres se tornaram esse espaço de acolhimen-
to para os diferentes sujeitos da experiência em dança, nesse
verdadeiro palco do encontro.

199
REFERÊNCIAS

ANDRADE, Carolina Romano; GODOY, Kathya Maria Ayres


de. Dança com crianças: propostas, ensino e possibilidades.
Curitiba: Appris, 2018.

BONDÍA, Jorge Larrosa. Tremores: escritos sobre a experiência.


Tradução de Cristina Antunes. 1. ed. Belo Horizonte: Autên-
tica, 2014.

GODOY, Kathya Maria Ayres de. Saberes em dança: possibili-


dades de rasgar espaços para a formação profissional emanci-
padora. In: Anais IV Congresso Nacional de Pesquisadores
em Dança. Comitê Dança em Mediações Educacionais, Sal-
vador, set. 2016.

MARQUES, Isabel A. Linguagem da dança: arte e ensino. São


Paulo: Digitexto, 2010.

200
201
DESCONCENTRAR
E DESCENTRALIZAR:
HISTÓRIAS E HISTORIOGRAFIAS
Cássia Navas

O conhecimento é realizado em rede, mesmo que ela não se


evidencie aos olhos, mentes e corpos de todos. Suas grafias fi-
cam como que desconhecidas, mesmo entre aqueles e aquelas
que convivam muito proximamente de centros de pesquisa e
formação, teatros e mestres, em localizações que se constituem
como polos culturais que concentram, de maneira ampla, ca-
pital financeiro, cultural, simbólico e, portanto, estético, ar-
tístico e coreográfico, como é o caso do estado de São Paulo,
notadamente sua capital.
Uma cidade como São Paulo, um dos centros da
dança do mundo, concentra grande quantidade de pes-
quisas, danças, companhias, escolas, bailarinos e coreó-
grafos. É um centro de arte que recebe, de maneira ímpar,
se a comparamos com outras capitais do Brasil, espetácu-
los de muitos locais, haja vista incorporar-se como uma
atuante metrópole consumidora e fruidora de bens cultu-
rais e artísticos.
Nesse sentido, poucas cidades do planeta podem ser
a ela comparadas, mesmo que uma lacuna ainda persista:
as obras de dança, inventadas e produzidas em seu terri-
tório e no estado do qual é capital, pouco se apresentam

202
fora de seus limites em território nacional ou alhures. Suas
obras permanecem concentradas em territorialidades pau-
listas, proeminentemente em topologias paulistanas, cujos
teatros e espaços cênicos recebem obras de várias partes do
país e do planeta.
Estudar estas obras – paulistas ou não – e as trajetórias
artísticas que as fizeram desembocar frente a plateias locais,
coreografias de hoje e de ontem, faz parte de um labor his-
toriográfico em dança da cidade e seu estado, sendo, mais
recentemente, construída a várias mãos.
Os resultados desse labor em historiografia/histó-
ria muito dificilmente chegam aos estudantes e mesmo
professores de dança, sendo necessário e fundamental que
eles melhor se espraiassem por muitas topologias core-
ográficas, gerando consensos e dissensos, reflexão e en-
tendimento de um campo. Enfim, faz-se necessário, cada
vez mais, difundir história e historiografias da dança para
além da história que se encarna nos espetáculos, criadores
e bailarinos.
Nesse sentido, em 2019, os pesquisadores brasileiros
Airton Tomazzoni (Centro Municipal de Dança de Por-
to Alegre), Arnaldo Alvarenga (UFMG), Arnaldo Siqueira
(UFPE), Beatriz Cerbino (UFF), Cássia Navas (UNICAMP),
Eliana Rodrigues (UFBa), Henrique Rochelle (Outra Dan-
ça/SP), Luciana Paludo (UFRGS), Rosa Primo (UFC) e Leonel
Brum (UFC) fundaram uma rede (ainda a se estruturar) para
aprofundar os trabalhos sobre o tema, a Rede de Pesquisa
CoreoHistória. O projeto surgiu a partir do seminário IDA-
-E-VOLTA (Bienal Internacional de Dança do Ceará/Teatro
Sérgio Cardoso, 2016), no ano do programa “Danse: Bré-
sil-France”, que também resultou no livro Dança, História,
Ensino e Pesquisa.
Tal preocupação, no entanto, não se restringe aos pes-
quisadores em dança no Brasil. O desafio das ações em his-
tória da dança se faz presente há algum tempo, em todo o
campo coreográfico mundial, como o apresentado no texto
que introduz a publicação L´histoire de la danse, repères dans
le cadre du diplôme d´État. Cahiers de la Pédagogie (Paris:

203
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

Centre National de la Danse, 2000), escrito pela pesqui-


sadora-gestora Claire Roussier.
Na introdução, a pesquisadora lista as dificuldades des-
sa área de estudo. Segundo ela, é um campo que necessita de
desenvolvimento mais aprofundado e construção de fontes
primárias, tendo em vista a pouca bibliografia (se comparar-
mos sua produção à de outras artes), a pequena quantidade
de pesquisadores, quase sempre sobrecarregados, as poucas
traduções de livros seminais em línguas locais, a falta de ar-
quivos e de documentação organizada.
A história da dança seria um canteiro aberto, em cons-
trução constante e com pouco reconhecimento, mas abso-
lutamente necessário por motivos que compartilhamos até
hoje: aprofundar os estudos em dança clássica, moderna,
contemporânea e atual; responder às interrogações da co-
munidade de artistas da dança, procurando em cada um
as ferramentas de expressão e reflexão; abrir-se para outros
campos culturais, da arte e do conhecimento.
Roussier refere-se ainda a recolocar o bailarino no co-
ração da história, oportunizando-se uma “tomada de cons-
ciência, a tolerância, o interesse mútuo, entre todos”, ao se

204
valorizar seus saberes e dos demais artistas e métiers da dan-
ça, a partir de especificidades (no plural).
O crescimento da pesquisa em história e historiografia,
também fruto de uma maior presença de graduação em dan-
ça nas universidades do Brasil, vem resultando uma maior
quantidade de escritos no campo, alguns deles publicados
em pelo menos duas línguas: português e inglês. Com isso,
presencia-se uma maior descentralização de conteúdos vá-
rios, tornando, a conta-gotas, menos desconhecidas as traje-
tórias de artistas, companhias e histórias de formação, cria-
ção e difusão.

DESCENTRALIZAR & DESCONCENTRAR

Considerando que sempre haverá centros produtores que des-


centralizarão os seus conteúdos, tomemos por dado que esses
conhecimentos se deslocarão de um polo para outras topolo-
gias a ele não centrais.
Esses conhecimentos chegariam (e chegam) em forma
e conteúdo definidos, abrindo espaço para serem ouvidos
(lidos e dançados), replicados ou refeitos, muitas vezes assu-
mindo o papel de colonizadores, mesmo em tempos pós-co-
loniais ou decoloniais.
Todavia, nesse cenário, lado a lado à descentralização,
há outra maneira de ação, o modo da “desconcentração”,
uma palavra-conceito muito utilizada pela gestão cultural
pública francesa na década de 1980, anos do mandato do
presidente da República François Mitterrand e de seu mi-
nistro da cultura, Jaques Lang, período a respeito do qual se
debruçam inúmeros estudos.
Mas como se configura a “desconcentração”? Ela se dá
por meio de uma nucleação da cultura/arte, mais forte, sim-
bólica e financeiramente rentável, que abre tempo e espaço
(investe capital financeiro e cultural) para que outra cen-
tralidade — em princípio considerada “borda” — produza,
transmita e difunda sua produção e seu conhecimento (ge-
ralmente pouco ou nada conhecidos pela instituição respon-

205
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: CAMILO BARBOSA

sável pela abertura desse tempo-espaço), onde se dará, caso


este seja o objetivo, a desconcentração de conhecimentos,
em nosso caso, do campo da história da dança.
Para mais saber sobre as diferenças entre esses concei-
tos – descentralização e desconcentração –, segue um pouco
do acontecido nas estruturas da gestão da dança francesa,
sobretudo na década de 1980, quando medidas de descentrar
do poder do estado central foram estabelecidas mediante ra-
mificações de suas estruturas nas regiões administrativas da
França. Ou seja, deixava-se de decidir à distância para deci-
dir-se “de perto”.
Diferentemente desse movimento na déconcentra-
tion (desconcentração), o Ministério da Cultura (governo
central) provia dinheiro diretamente às regiões, abstendo-
-se de tomar as decisões sobre o seu planejamento finan-
ceiro-administrativo. Como consequência desse estado de
coisas, o conhecimento e a arte da dança também eram
“lidos-ouvidos-dançados” a partir de características locais,
abrindo-se o leque da alteridade, apesar da forte tradição
cultural que enfeixa em Paris os principais vetores da arte
do país.

206
SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA:
HISTÓRIAS E HISTORIOGRAFIAS

Voltando-se à importância de base da produção e disse-


minação de história e historiografias da dança, quando
da implantação dos cursos de extensão cultural da São
Paulo Escola de Dança, deu-se especial importância a esse
conteúdo no primeiro semestre de 2022, desde o início
tendo-se em mente a descentralização e a desconcentração
de conhecimentos.
A extensão cultural da Escola, através de suas ações,
viria a abordar temas da história da dança, técnicas espe-
cíficas, conteúdos práticos e teóricos de iniciação à dança,
atuação no mercado de trabalho, integrando-se com outras
linguagens artísticas e/ou áreas do conhecimento e da arte.
Dirigidos ao público em geral, seus cursos abrigam-se em
quatro blocos: “Artes Coreográficas e Corpo que Dança”,
“Coreografia, Arte de Muitos Palcos”, “Ensino-aprendizados
Coreográficos” e “Artes Coreográficas e Seus Contextos”, se-
gundo texto do site da Escola.
A história da dança, primeiro tema a ser listado entre
os seus conteúdos, faz parte do bloco “Artes Coreográficas
e Seus Contextos”, composto de “cursos teórico-práticos
do campo da história/historiografia, considerando-se a di-
versidade de histórias que compõem a nossa sociedade, das
mais conhecidas àquelas de grupos minoritários a fim de
revelar a potência e a diversidade das artes coreográficas em
seus diferentes e singulares contextos”, também segundo
site da Escola.
Com esse escopo, um dos primeiros cursos ministra-
dos foi o “História Já”, realizado online, com quarenta va-
gas preenchidas por estudantes de vários estados do país.
Sua proposta foi o “estudo da história e historiografias
da dança, ontem e hoje, a partir de uma abordagem cro-
nológica linear, a cargo de um/uma professor(a) central,
contando-se com abordagens de histórias/historiografias
‘não oficiais’, enfatizando-se as culturas e expressões liga-
das a questões diaspóricas, indígenas e de gênero, que se-

207
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: SAMIRA DANTAS

rão apresentadas por palestrantes ao longo do calendário


do curso”.
Conforme seus objetivos também seriam abordados
aspectos de danças étnicas (brasileiras e de comunidades es-
trangeiras do/no Brasil) e/ou de danças do nacional-popular
(da urbanidade, ruralidade e danças de origem rural que ha-
bitam as cidades).
A partir da seleção de professores, decidiu-se que con-
taríamos com dois professores de base (acima chamados de
centrais) – os selecionados foram Henrique Rochelle e Ivan
Bernardelli, cujas aulas foram interpoladas por palestras de
Gerson Steves (Histórias do Teatro Musical), Jerá Guarani
(Danças do povo Guarani Mbya) e Inaicyra Falcão (Danças
pretas, negras: ancestralidades).
Com essa experiência, na realização do segundo cur-
so online de história da dança (segundo semestre/2022), to-
mou-se a decisão de mais profundamente descentralizar e
desconcentrar as narrativas, constelando-se várias visões de
mundo a partir de diferentes, entretanto nem sempre des-
conectadas, histórias da dança das cinco regiões do Brasil:
Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

208
MEIOS DE DESCENTRAR, PÓS-PANDEMIA
DE COVID-19

Há que se ressaltar que, ao longo da pandemia de Covid-19


(2020-2021), após tanto treino de aulas, palestras e espetáculos
virtuais – que seguem acontecendo atualmente, embora em
menor quantidade – a possibilidade de realizar-se um curso
online por meio da plataforma Zoom devemos grandemente
à presença descentralizada de professores e de estudantes ao
longo deste curso, em experiência já vivenciada no “História
Já”. No entanto, não foi somente isso que nos guiou. Na sele-
ção de professores e professoras, privilegiou-se o topus da pes-
quisa de cada mestre, ancorado em sua vivência, universidade
e região de origem.
O que já se anunciava, no curso História da Dança no
Brasil, era buscar, a partir de abordagens cronológicas linea-
res, o estudo da história e historiografia do Brasil com base
nas pesquisas do campo histórico, privilegiando-se enfoques
especializados de professores das cinco regiões do país. Com
isso, os encontros nos trariam “abordagens de temas trans-
culturais e, portanto, transestéticos, a arte se revelando pelo
avesso e direito de seus percursos. A história sendo, desta
maneira, penteada a contrapelo”, como no site da Escola.
Para tanto, dos professores e professoras seriam de-
mandadas abordagens de histórias/historiografias “não ofi-
ciais”, enfatizando-se as culturas e expressões ligadas a ques-
tões diaspóricas, indígenas e de gênero. Também poderiam
ser abordados aspectos de danças étnicas (brasileiras e de
comunidades estrangeiras do/no Brasil) e/ou de danças do
nacional-popular (da urbanidade, ruralidade e das danças de
origem rural que habitam as cidades).
Tudo isso posto, em sua estruturação, cada docente
tendo a responsabilidade de 16 horas-aula divididas em qua-
tro encontros, a desconcentração de conteúdos e metodo-
logias, durante o “Histórias da Dança no Brasil”, realizado
pela e na extensão cultural da Escola, foi radical.
Ao longo de suas 64 horas de duração, pela ação de
um centro de formação/ensino, a SPED, colocou-se capital

209
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: SAMIRA DANTAS

cultural e financeiro – professores contratados e estudantes


selecionados – em arena virtual, na qual a história da dan-
ça de cinco regiões do país esparramou-se abundantemente
diante de nós.
Através da pesquisa em história e historiografia de cin-
co pesquisadores, sediados em cidades diferentes: Arnaldo
Siqueira (UFPE/Recife/Pernambuco), Waldete Brito (UFPA/
Belém/Pará), Airton Tomazzoni (Porto Alegre/Rio Gran-
de do Sul), Rafael Guarato (UFG/Goiânia/Goiás) e Arnaldo
Alvarenga (UFMG/Belo Horizonte/Minas Gerais), pudemos
acompanhar os trajetos expostos por cada um deles.
Cada encontro transformou-se num estar defronte a
uma desconcentração de conteúdos, em aulas online síncro-
nas, acompanhadas por estudantes atentos às similitudes, di-
ferenças, origens e originalidades.
Num programa de curso calcado no descentralizado
(de professores e estudantes de todo o Brasil) e na descon-
centração epistêmica, as historiografias inéditas e as histó-
rias nada, pouco ou mal conhecidas foram sendo fiadas. A
cada aula, professores e estudantes tecendo frente e verso
de narrativas inaugurais para muitos dos que, no entrela-

210
çamento de telas de computadores e smartphones, seguiam
cada aula.
Polos culturais estavam a conversar entre si, em diálo-
gos nos quais se visualizavam redes de vários nós, numa po-
rosidade de conhecimento em dança jamais construída antes
em nosso país, pelo menos até onde minha vista alcança.
Particularmente, a partir duma experiência de pes-
quisadora-professora de longa data, e conhecendo dança de
muitas partes do Brasil, me coloquei atenta a essas narrativas
descentradas de minha topologia laboratorial de pesquisa
cotidiana – a dança de muitas partes que acompanho mais
de perto em São Paulo.
A sensação era de alteridade, dum centro eu me des-
locava para outro centro, me sentindo em sua borda, em
seus entornos, tentando anotar o conteúdo desconhecido ou
o parcamente conhecido, em ondas de desconcentração de
conhecimento histórico de um campo no qual estruturo mi-
nha vocação e talento de pesquisadora.
Foi uma oportunidade não somente por mim aber-
ta, àquele momento ainda como coordenadora da Exten-
são Cultural da Escola, como também por aqueles que me
precederam e por estes e estas desta hora, como Inês Bogéa,
diretora artística e educacional da São Paulo Escola de Dan-
ça, aqui representando as múltiplas equipes, coordenações e
superintendências que mantêm essa escola em pé.
Uma experiência única em dezesseis encontros, em que
nos mirávamos em vários espelhos, repercutindo vários pon-
tos de vista, transitando em percursos duma topologia trans-
regional, transurbana e transestética, a partir da afirmação
das diferenças que nos separam, mas também da constatação
das similitudes, que deveriam nos unir em tempo em que tal
contexto nem sempre se torna evidente. O investimento na
descentralização veio a promover a desconcentração do co-
nhecimento sobre história e historiografias da dança, sobre a
dança em si.
Que esses movimentos possam fazer a diferença no fu-
turo próximo, a partir da dança, um campo que é uma das
riquezas da cultura atual brasileira. Que isso fique claramen-

211
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: IARI DAVIES

te expresso através das múltiplas narrativas que se construam


em rede histórica, minimizando-se as intracolonizações ou
colonizações predatórias, com respeito às tradições em arte e
ancestrais, mas também ao novo, garantindo-se com genero-
sidade a abertura à invenção processual do agora.

212
REFERÊNCIAS

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and Power. Chicago: Routledge, 1995.

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-Dança, 2023. Disponível em: https://www.spescoladedanca.
org.br/. Acesso em: 25 jul. 2023.

214
PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES DOS CURSOS LIVRES DE DANÇA CLÁSSICA E DANÇAS URBANAS EM O QUEBRA-NOZES NO MUNDO DOS SONHOS DA SPCD | FOTO: MARCELO MACHADO

215
ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA NO SESC BOM RETIRO (2022) | FOTO: JOÃO ANSELMO

216
ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA NO SESC BOM RETIRO (2022) | FOTO: GIOVANNA BARALDI

217
ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA NO SESC BOM RETIRO (2022) | FOTO: JOÃO ANSELMO

218
ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA NO SESC BOM RETIRO (2022) | FOTO: JOÃO ANSELMO

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ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA NO SESC BOM RETIRO (2022) | FOTO: GIOVANNA BARALDI

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ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA NO SESC BOM RETIRO (2022) | FOTO: JOÃO ANSELMO

221
ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA NO SESC BOM RETIRO (2022) | FOTO: GIOVANNA BARALDI

222
ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA NO SESC BOM RETIRO (2022) | FOTO: GIOVANNA BARALDI

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ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA NO SESC BOM RETIRO (2022) | FOTO: GABRIELA PINA E GIOVANNA BARALDI

224
225
PROCESSOS DE FORMAÇÃO
EM DANÇA NOS CURSOS
REGULARES DA SÃO PAULO
ESCOLA DE DANÇA
Flavio Lima

A metodologia e a formação nos cursos de dança podem va-


riar dependendo do foco específico de cada curso, que se re-
laciona diretamente ao contexto social, político e cultural na
construção do saber do corpo que dança. Como descreve a
pesquisadora Isabel Marques (2011, p. 48), “conhecimento em
arte articula-se com o conhecimento através da arte, proble-
matizando e abrindo um leque de possibilidades de relações
entre arte, ensino, aluno e sociedade”. Nesse contexto, a dan-
ça é uma forma de expressão artística que desempenha um
papel significativo no desenvolvimento cultural e pessoal do
indivíduo, possibilitando outras formas de se comunicar com
o mundo. No processo de escolarização da dança, é essencial
adotar uma metodologia sólida e proporcionar uma forma-
ção adequada que dialogue com a sociedade, o estudante e
a dança. Já no processo de formação em dança, é necessário
compreender que prática e teoria caminham juntas, tecendo
uma rede de conhecimentos da arte na construção de uma
educação técnica e artística.
Nesse sentido, na educação em dança o corpo do es-
tudante é um colaborador no processo de ensino-aprendiza-
gem e na produção de significados e percepções. À medida

226
que o estudante toma mais consciência do seu corpo e reflete
sobre seu potencial artístico e técnico, desenvolve mais suas
capacidades de realizar a dança na descoberta de si mesmo
e do mundo que o cerca. É um processo de estudar a arte
da dança como uma manifestação artística que transforma
os estudantes em pensadores e fazedores de dança. Para o
artista da dança, o corpo não é só uma realidade biológica,
mas sim carregado de uma capacidade que, através da sua
corporalidade, repercute nas relações humanas e no campo
educativo. Por meio da dança, o bailarino(a)/dançarino(a)
procura encontrar seu espaço e tempo no mundo, na bus-
ca de uma corporeidade que dialogue com suas expectativas
e anseios artísticos, reconhecendo seu momento histórico
entre passado, presente e futuro, desenvolvendo-se a partir
do aprendizado das diferentes linguagens/técnicas de movi-
mento que aprende ao longo de sua formação.
Os cursos regulares de formação em dança da São Pau-
lo Escola de Dança oferecem oportunidades metodológicas
de estudos práticos e teóricos em dança como “Dança e Per-
formance”, “Técnicas de Dança” e “Teatro Musical”, entre
outros do ecossistema da dança, nos quais o estudante tem
a possibilidade de trabalhar com artistas da área, participar
de projetos artísticos ou realizar pesquisas e projetos práticos
no campo da dança.
Ao longo do curso, o estudante tem contato com di-
versas aulas de técnicas de dança que visam expandir o re-
pertório de movimentos, explorando diferentes abordagens,
assim como improvisação, composição coreográfica, dança
clássica, dança contemporânea, dança moderna, danças afro-
diaspóricas, entre outras linguagens da dança. Em relação às
bases teóricas, estão incluídas disciplinas que fornecem aos
estudantes uma compreensão dos fundamentos históricos,
culturais e estéticos da dança. Os componentes abordam te-
mas como a história da dança, análise de movimento, es-
tudos culturais e estéticos, anatomia e fisiologia aplicadas
à dança, entre outros conteúdos que dialogam com a con-
temporaneidade. Desse modo, é importante ressaltar que a
metodologia e a formação nos cursos de dança podem variar

227
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO | FOTO: CAMILO BARBOSA

de acordo com as abordagens pedagógicas adotadas por cada


instituição, assim como as especializações dos docentes e as
demandas específicas do mercado de dança.
Entre os cursos oferecidos na São Paulo Escola de
Dança está o curso regular de Técnicas de Dança, que visa
o desenvolvimento artístico centrado na exploração e estu-
dos das abordagens técnicas e estéticas envolvendo a dan-
ça clássica, moderna e contemporânea, que é uma parte
significativa do currículo. Os conteúdos são relacionados
diretamente à corporalidade na busca da consciência
corporal e de habilidades técnicas e expressivas percorrendo
estudos sobre: tempo, frase, ritmo e duração do movimento,
estruturação do movimento no espaço, anatomia e fisiologia
do movimento. É uma proposta abrangente e estruturada para
bailarinos que desejam aprimorar suas habilidades técnicas
e expressivas. Com foco na compreensão dos fundamentos
da dança, o curso visa proporcionar uma base sólida para o
desenvolvimento artístico e aprimoramento técnico e cênico.
Contando com aulas práticas e teóricas, os estudantes são
orientados por profissionais experientes, capacitando-os a
aprimorar as técnicas de dança e sua expressividade.

228
No decorrer dos módulos, os estudantes desenvolvem
seus conhecimentos e estudam a técnica, a precisão e a flui-
dez dos movimentos, por meio de exercícios específicos e
sequências coreográficas. Também se busca estimular a cons-
ciência corporal, coordenação motora, ganho de força mus-
cular e o alinhamento postural, aprimorando a qualidade
estética e propriedade nas técnicas de dança estudadas, além
de possibilitar uma compreensão teórica sobre a história da
dança e suas influências na dança contemporânea e moder-
na, explorando a expressão emocional, a conexão com a mú-
sica e a interpretação da dança.
Para o curso regular de Teatro Musical na São Paulo
Escola de Dança, são desenvolvidos ao longo dos módulos
estudos corporais por meio das técnicas de dança específicas
da área. Também são feitos estudos, a partir de uma gra-
de de conteúdos necessária à formação em teatro musical,
abordando de forma integrada as três principais áreas desse
segmento artístico: interpretação, canto e dança. Dessa for-
ma, o objetivo é desenvolver as habilidades de atuação do es-
tudante, aprimorando sua expressividade e conexão com os
personagens, por meio de exercícios de improvisação, análise
de texto e montagem de cenas, assim como capacitá-los na
técnica vocal, trabalhando a projeção, entonação e respira-
ção, a fim de que possam cantar e interpretar canções com
propriedade e emoção. Corporalmente, busca-se introduzir
os estudantes em diferentes técnicas de dança que fazem par-
te dos estudos em teatro musical, com ênfase na coordena-
ção motora, ritmo e expressão corporal, proporcionando co-
nhecimentos sobre produção teatral, cenografia e figurino,
permitindo-lhes compreender a dinâmica dos bastidores de
uma montagem teatral.
A metodologia do curso é baseada em uma abordagem
prática/teórica, participativa e colaborativa. A teoria é com-
binada com a prática, permitindo que os estudantes viven-
ciem situações reais de atuação no teatro musical. As aulas
são ministradas por profissionais com experiência no cam-
po da dança, música e teatro, garantindo uma aprendiza-
gem fundamentada e de qualidade nas diferentes linguagens

229
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR TEATRO MUSICAL NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA NA PRAÇA JÚLIO PRESTES
(2023) | FOTO: SAMIRA DANTAS

que abrangem a formação em Teatro Musical. No curso são


abordados: conteúdos de história e evolução do teatro mu-
sical, apresentando os principais marcos e gêneros ao longo
do tempo; técnica de interpretação, com exercícios de im-
provisação, interpretação de monólogos e cenas, criação de
personagens e trabalho em grupo; técnica vocal, que inclui
aquecimento vocal, projeção da voz, controle respiratório
e expressão através do canto; técnica de dança, abordando
fundamentos de diferentes linguagens de dança utilizados
no teatro musical, como jazz, sapateado, balé clássico e dan-
ça contemporânea; assim como Preparação e Montagem de
números musicais, incluindo ensaios e preparação de cenas
musicais, com integração de atuação, canto e dança. Por fim,
o curso de teatro musical é uma oportunidade para bailari-
nos(as) e dançarinos(as) aprofundarem seus conhecimentos
e habilidades em uma área ampla que abrange o canto, a
dança e a interpretação. Dessa forma, ao término do curso,
os estudantes estarão aptos a enfrentar os desafios da vida
profissional no teatro musical.
Para o curso de Dança e Performance, a preparação
cênica é parte essencial. As aulas possibilitam o desenvol-

230
vimento de conhecimento a partir de movimentos e ideias,
explorando sua expressão artística e habilidades de compo-
sição, na produção de sentidos e significados do corpo para
a cena. Nos estudos da estrutura de movimento, a proposta
é desvelar sentidos na busca de uma corporeidade singular.
Ampliando a criatividade e as possibilidades de expressivi-
dade corporal para a cena, o curso regular de Dança e Per-
formance é um caminho de estudo que busca capacitar os
estudantes através da conexão entre dança e performance,
oferecendo a oportunidade de desenvolver suas habilidades
e competências artísticas, bem como a compreensão por
meio do movimento. Dessa maneira, o aluno é estimula-
do a desenvolver as habilidades técnicas de dança, incluindo
postura, flexibilidade, coordenação motora e domínio das
diferentes linguagens da dança; explorar a interpretação e a
performance no contexto da dança, compreendendo a ex-
pressão emocional e a comunicação com o público; além de
integrar a dança a outras formas de arte, como música, teatro
e artes visuais, enriquecendo a experiência da performance.
A troca de conhecimento entre estudantes e docentes
resulta no aprimoramento de suas habilidades e compreen-
são, aprofundando o entendimento das técnicas de dança,
expressão corporal e da performance, bem como potenciali-
zando sua capacidade de desenvolver uma dança singular. É
uma oportunidade para aprofundar seus conhecimentos em
dança, ampliar suas habilidades interpretativas e criativas, e
descobrir novas possibilidades de atuação artística na dança,
uma vez que os estudantes são encorajados a explorar sua
dança em conexão com a contemporaneidade.
O curso regular da São Paulo Escola de Dança é de-
senvolvido de forma modular, sendo dividido em quatro se-
mestres, e cada módulo tem estrutura com começo, meio e
fim, dividido em três etapas: O que nos Une, Criação Artís-
tica e Estética e Mundo do Trabalho. Na etapa O que nos
une, o estudante vivencia os conteúdos práticos e teóricos
pertinentes ao curso específico em que está estudando. São
temas que têm um diálogo direto com o universo da dança
no campo formativo, no contexto da contemporaneidade.

231
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA NA PRAÇA
JÚLIO PRESTES (2023) | FOTO: SAMIRA DANTAS

Durante o módulo acontece o Território Artístico, esse


é o momento em que os cursos regulares do ecossistema da
dança se reúnem para discussões e palestras que abordam te-
mas relacionados à história da dança, análise de performan-
ces e como a dança se integra com outras formas e estéticas.
Também se incentiva a reflexão sobre a importância da ex-
pressão pessoal e da autenticidade na dança. Ao mesmo tem-
po em que participa do aprendizado a partir da prática de
dança, o estudante é direcionado para refletir e compartilhar
as suas experiências dançantes com o outro. Ainda durante
essa etapa do módulo, o curso propõe pensar a dança a partir
de um espaço específico, ou seja, a espacialidade onde a dan-
ça cênica é realizada – eixo horizontal. Ao mesmo tempo, é
atravessado por temas que dialogam com a sociedade e estão
diretamente ligados à dança – eixo vertical.
A etapa de Criação Artística e Estética nos cursos re-
gulares de dança é o momento em que os estudantes parti-
ciparão de processos de criação, sendo incentivados a viven-
ciarem os ensaios e apresentações ao longo do curso, a fim
de aplicar os conhecimentos adquiridos em situações reais a
partir das criações coreográficas experienciadas no processo

232
criativo. O foco é proporcionar aos estudantes o aprimora-
mento de suas habilidades técnicas nas diferentes linguagens
da dança, desenvolvendo maior domínio dos movimentos e
maior consciência corporal, visando o desenvolvimento téc-
nico e artístico para uma atuação cênica mais consistente na
vida profissional.
A etapa O mundo do Trabalho é o momento em que
o estudante, além de dar continuidade aos estudos técnicos
e artísticos desenvolvidos nas etapas anteriores, reflete sobre
as experiências vivenciadas, compreende as relações de inte-
ração do seu lugar como intérprete, intérprete/colaborador e
intérprete/criador em relação ao coreógrafo, necessários para
o seu papel de atuação como artista da dança. Nesse sentido,
relaciona os conhecimentos desenvolvidos nessa etapa com
as possibilidades de atuação no mercado de trabalho. A par-
tir do que foi desenvolvido coreograficamente, o estudante
revisita o processo criativo com o propósito de aprender, a
partir das problemáticas surgidas na criação, para realizar a
reapresentação da obra coreográfica. É um processo forma-
tivo de reflexão e repetição onde se busca um olhar pedagó-
gico nas tarefas realizadas que serão somadas ao Seminário
Artístico Temático.
O Seminário Artístico Temático acontece concomi-
tantemente à etapa O Mundo do Trabalho. É um encontro
que reúne os estudantes de cada curso, para desenvolverem
projetos artísticos com o objetivo de apresentar e compar-
tilhar conhecimentos e experiências relacionados ao campo
da dança, promover a troca de ideias, fomentar o desenvol-
vimento artístico e incentivar a reflexão sobre questões ar-
tísticas contemporâneas e históricas, além de impulsionar o
diálogo crítico no campo da arte. Dessa maneira, os seminá-
rios podem abordar diversas áreas artísticas, como pintura,
escultura, fotografia, dança, teatro, música, literatura, cine-
ma, entre outras.
Os estudantes também podem participar de uma re-
sidência artística, um projeto que oferece a oportunidade
de vivenciar práticas artísticas e criativas desenvolvidas por
profissionais selecionados pela instituição, visando a troca

233
RESIDÊNCIA ARTÍSTICA "FLORESTA" DE THIAGO COHEN COM A PARTICIPAÇÃO DE ESTUDANTES DA SPED | FOTO: SAMIRA DANTAS

de conhecimentos e outras experiências artísticas no uni-


verso da dança. A companhia ou coletivo de dança que re-
aliza a residência tem como foco envolver os artistas profis-
sionais com os estudantes para troca de ideias e interação,
através de processos criativos e propostas colaborativas.
Nesse sentido, o estudante experimenta outras maneiras de
lidar com o processo de criação, sendo motivado, junta-
mente com os profissionais atuantes, a se desafiar em pro-
cessos específicos de criação e pesquisa em dança, por meio
de estruturas autorais de artistas, grupos e coletivos. Desse
modo, o estudante terá a oportunidade não apenas de mer-
gulhar em um processo criativo ou repertório coreográfico
desenvolvido anteriormente, como também de receber su-
porte, orientação e mentoria técnica e artística. A residên-
cia tem duração de um mês, acontecendo no contratur-
no do curso regular em que o estudante está matriculado.
Trata-se de uma experiência transformadora, que permite
aprimorar suas habilidades e explorar novas perspectivas,
assim como expandir suas redes profissionais e criar opor-
tunidades de se conectar com a criatividade de forma mais
próxima e envolvente.

234
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO | FOTO: IARI DAVIES

Por fim, as propostas educacionais apresentadas pela


São Paulo Escola de Dança nos cursos de Dança e Perfor-
mance, Técnicas de Dança e Teatro Musical buscam o de-
senvolvimento a partir dos valores intrínsecos e reflexivos
no campo da arte, permeado por outros fatores no processo
de educação, no desenvolvimento do processo de ensino-
-aprendizagem, em que o estudante vivencia informações
cognitivas e afetivas, como parte integrada na construção de
conhecimento. Assim, busca-se o desenvolvimento no en-
sino e aprendizagem sustentados no movimento reflexivo,
para costurar os fios que unem sensibilidade e conhecimen-
to, movidos por desejos e intenções. Tal desenvolvimento
pedagógico contribui para acionar a curiosidade, o pensa-
mento, os sentimentos e a ação prospectiva para profissiona-
lização, com o propósito de abrir possibilidades de inserção
dos estudantes no ecossistema da dança dentro do mercado
de trabalho.

235
236
PERSPECTIVAS DE ENSINO EM
DRAMATURGIA NA SÃO PAULO
ESCOLA DE DANÇA
Luiz Fernando
da Silva Anastácio

O ensino na São Paulo Escola de Dança vai além do mero


aprendizado de passos e movimentos coreografados. Na Es-
cola, os estudantes desempenham um papel fundamental ao
pensar a dança e seu ecossistema, desenvolvendo-se de manei-
ra física, cultural e social. Isso é alcançado por meio de uma
pedagogia que se baseia na metacognição.
A metacognição, em sua essência, refere-se à capaci-
dade de refletir sobre o próprio pensamento e aprender a
aprender. No contexto do ensino de arte, esse conceito en-
volve encorajar os estudantes a explorar e compreender suas
próprias práticas artísticas, examinando seus processos de
criação, tomando decisões conscientes e avaliando os resul-
tados de seus esforços. Através da metacognição, os estudan-
tes adquirem uma compreensão mais profunda de si mesmo
por meio da dança, fortalecendo sua autoconfiança e senso
de identidade criativa.
Nesse contexto, é imprescindível ressaltar a relevância
da Dramaturgia da Dança, especialmente nos cursos regula-
res oferecidos pela São Paulo Escola de Dança. Este curso na
cidade de São Paulo inaugura um espaço no que diz respeito
à formação e ao futuro profissional da dança, contribuindo

237
de forma abrangente para a cultura. A partir das diversas
possibilidades de atuação no ramo artístico, fundamenta e
elabora a dança, de forma ética e estética, como um organis-
mo vivo a considerar a sua época.
A abordagem da Dramaturgia da Dança em um espa-
ço educacional implica observá-la como um conceito dinâ-
mico e em constante movimento, que vai além das noções
tradicionais de linguagem dramatúrgica. Neste sentido, a
Dramaturgia se constrói em um ambiente que gera fricções
regulares, dinâmicas, e que interagem com diversas realida-
des distintas. Embora o termo “Dramaturgia” seja originá-
rio do teatro, na dança ele se tornou mais evidente no final
da década de 1980, quando o pensamento da dança propôs
rupturas na concepção de cena, intérprete e público, asseme-
lhando-se a processos teatrais.
A presença da Dramaturgia na São Paulo Escola de
Dança promove uma reflexão aprofundada sobre os signi-
ficados subjacentes e as intenções por trás dos movimentos
coreográficos. Isso permite aos estudantes da área da dança
gerar sentidos e expressar suas emoções e narrativas de ma-
neira mais precisa e contundente. Através da compreensão
e incorporação da Dramaturgia, a dança transcende a mera
execução técnica e se torna uma poderosa forma de expres-
são artística, revelando-se um elemento essencial da arte dos
sentidos por meio do corpo em movimento, e utilizando
gestos, expressões faciais, espaço, tempo, sonoridades, obje-
tos cênicos, figurinos e tudo mais que possa criar uma expe-
riência estética completa.
No curso de Dramaturgia na São Paulo Escola de Dan-
ça é possível que o estudante desenvolva maneiras de criar
e organizar os signos da cena, o que torna possível com-
preender de, maneira direta, como esses signos estabelecem
atmosferas que tocam e despertam a imaginação. Na dan-
ça, os elementos que compõem a cena possuem uma forma
singular de se conectar e pensar a produção em arte, já que
o movimento é parte essencial para localizá-la como uma
episteme artística. Compreender tecnicamente que tudo em
uma obra pode se tornar um contexto dramatúrgico permi-

238
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DRAMATURGIA DA DANÇA | FOTO: CAMILO BARBOSA

te que realidades distintas se tornem uma experiência a ser


considerada para um trabalho em dança.
Na São Paulo Escola de Dança, o curso de Dramatur-
gia está estruturado em quatro áreas de conhecimento que
compõem funções específicas, porém complementares para
a cena, como: Dramaturgista, Coreógrafo, Diretor e Sono-
plasta. Cada uma dessas funções, com suas especificidades,
possibilita que os estudantes desenvolvam uma compreen-
são técnica aprofundada sobre esses papéis e como eles inte-
ragem entre si, propiciando de maneira direta a observação
da Dramaturgia como uma área necessária para pensar os
novos rumos da dança.
O estudo do papel do Dramaturgista na São Paulo Es-
cola de Dança tem grande relevância ao direcionar esse fu-
turo profissional para a compreensão da importância da pes-
quisa, análise e contextualização da obra coreográfica através
de uma perspectiva de uma função ainda pouco utilizada
na dança. O estudante neste curso desenvolve maneiras de
investigar o contexto histórico, social, cultural e artístico em
que a dança está inserida, buscando referências e informa-
ções que possam enriquecer a compreensão da obra. Essa

239
área de conhecimento colabora diretamente com o coreó-
grafo e a equipe artística por meio da provisão de materiais e
insights que possam nutrir a criação e o desenvolvimento do
trabalho em dança.
De ordem prática, o Dramaturgista auxilia na seleção
de músicas, figurinos, cenários, iluminação, roteiro, narra-
tivas e outros elementos que compõem a obra coreográfica,
com o objetivo de criar uma atmosfera coerente com a pro-
posta artística, o que minimiza distanciamentos dos obje-
tivos iniciais. O estudante neste recorte do Dramaturgista,
desenvolverá um olhar crítico e contextualizado para a ela-
boração das possíveis criações, garantindo as possibilidades
interpretativas da obra e sendo um importante interlocutor
entre coreógrafo, intérprete, obra e público.
O estudo do papel do coreógrafo no curso de Dra-
maturgia na São Paulo Escola de Dança está ancorado em
uma localização extremamente importante, uma vez que
essa figura assume uma posição central na criação dos de-
senvolvimentos coreográficos. As coreografias são pilares que
solidificam os processos em dança tornando exequível a ela-
boração da obra. Com essa compreensão, o estudante passa
a desempenhar a função de mediador entre o subjetivo e o
objetivo, tornando possível que propostas de movimentos se
tornem materiais coreográficos, relacionando desde a prepa-
ração corporal como procedimento de criação, concepção e
estrutura das obras artísticas através da produção de movi-
mentos. Esse entendimento do papel do coreógrafo promo-
ve a capacidade de que o estudante consiga desenvolver, co-
ordenar e assessorar processos de criação, além das possíveis
relações com as afetações humanas produzidas no contato
diário com o intérprete.
O estudante, no âmbito coreográfico, desenvolve ha-
bilidades para desafiar os intérpretes a explorarem possibili-
dades de movimento, incentivando-os a alcançar qualidades
técnicas distintas, através das possibilidades da expressão ar-
tística. O coreógrafo desenvolve a capacidade de transmitir
suas ideias e conhecimentos para o outro. Sendo assim, é
fundamental o seu papel como um guia e mentor, inspiran-

240
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DRAMATURGIA DA DANÇA | FOTO: JOÃO ANSELMO

do os intérpretes em suas possibilidades de atuação e apri-


moramento em um ambiente colaborativo, encorajando a
expressão individual e a conexão com outros intérpretes e fa-
vorecendo o crescimento artístico e pessoal dos envolvidos.
Sobre o Diretor, o estudante de Dramaturgia desen-
volverá uma compreensão multifacetada desta função para
a criação em dança. Sua atuação transcende o âmbito da
simples direção coreográfica. Abrange uma gestão eficiente
de recursos humanos e criativos, essenciais para a realização
bem-sucedida de produções artísticas. Através da capacidade
de liderar e inspirar artistas, dançarinos e equipe técnica, o
diretor cria um ambiente de trabalho colaborativo, onde a
criatividade floresce e os talentos individuais são valorizados
e potencializados.
No contexto do ensino e aprendizagem em dança, o
diretor, através de distintas experiências, compreende as pos-
sibilidades que fundamentam a concepção de uma obra, o
que proporciona diretrizes que orientam e modelam a ex-
periência artística. Sendo assim, o estudante desenvolve ha-
bilidades que garantem a coesão e fluidez do espetáculo de
dança como um todo. Esse papel requer uma compreensão

241
sobre liderança, gerenciamento eficiente de recursos e a ca-
pacidade de colaborar com diversos profissionais da equipe
de produção. O diretor é responsável por supervisionar todos
os aspectos técnicos, logísticos e administrativos, garantindo
que a visão artística seja realizada com excelência e dentro do
cronograma estabelecido em uma relação colaborativa.
Essa relação colaborativa permite ao estudante do cur-
so de Dramaturgia, a partir de conhecimentos estruturantes
que baseiam as áreas de conhecimento do curso, desenvolver
habilidades para potencializar sua formação artística de ma-
neira significativa. Ao participar ativamente dos processos
criativos em uma produção de dança, seja como assistente de
direção, seja como diretor colaborador, o estudante é imerso
em um ambiente dinâmico e estimulante, em que a inter-
secção entre a dramaturgia e a dança se torna palpável. Essa
experiência proporciona um espaço propício para explorar a
interação entre as intenções para a cena e o movimento, de-
safiando-o a compreender e transmitir narrativas por meio
do corpo em movimento.
A colaboração em montagens de dança amplia os ho-
rizontes do estudante, permitindo-lhe experimentar novas
abordagens criativas, técnicas de composições coreográficas
e desenvolvimentos de personagens através do movimento.
Além disso, o estudante tem a possibilidade de trabalhar em
equipe com profissionais que desenvolvem trabalhos core-
ográficos, vivenciando através da dança maneiras concretas
de atuação, no qual colabora com a capacidade de comuni-
cação, resolução de problemas e pensamento crítico. Essa
experiência vívida e colaborativa prepara o estudante de dra-
maturgia, uma vez que permite que ele compreenda as espe-
cificidades de atuação na área de dança e torne-se um agente
de transformação na cena artística contemporânea.
Na área de sonoplastia do curso de Dramaturgia, os
estudantes se sensibilizam a compreender as possibilidades
da música e dos sons como elementos fundamentais para a
dança. Os alunos desenvolvem habilidades auditivas aguça-
das e conhecimentos técnicos que lhes permitem criar uma
sinergia harmoniosa entre o movimento corporal e a trilha

242
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DRAMATURGIA DA DANÇA | FOTO: JOÃO ANSELMO

sonora. Eles aprendem a interpretar a música de forma sen-


sível, identificando ritmos, nuances e estruturas sonoras que
enriquecem a expressão artística da dança. Além disso, esses
estudantes são capazes de trabalhar em colaboração estreita
com direção, coreógrafos(as), bailarinos(as) e dramaturgistas,
contribuindo para a seleção adequada de músicas e efeitos
sonoros que ressoam com a intenção artística da coreografia.
A sonoplastia, no contexto do curso de Dramaturgia,
capacita os estudantes a se tornarem profissionais versáteis
e criativos, já que, muitas vezes, profissionais dessa área não
compreendem as particularidades e complexidades de um
trabalho coreográfico. Aproximar o sonoplasta na formação
em Dramaturgia é uma maneira de garantir que o estudante
que construirá trilhas para dança seja um profissional que
tenha em sua formação repertórios com base na experimen-
tação empírica do que é dançar, coreografar e dirigir. Isso
possibilitará a esse futuro profissional transcender as fron-
teiras da linguagem corporal e sonora, desempenhando um
papel importante na criação artística e estética de uma obra e
tornando-se agente essencial para o enriquecimento e avan-
ço da dança nas suas possibilidades e formas de expressão.

243
Podemos apontar que, metodologicamente, o curso de
Dramaturgia da São Paulo Escola de Dança está em um âm-
bito colaborativo tanto no que se refere ao ensino e apren-
dizado com as suas frentes de atuação quanto no fato de fo-
mentar para a área da dança a possibilidade de profissionais
mais capacitados que possam desenvolver de forma técnica
as funções na área de dança, enriquecendo seu ecossistema.
Ao promover a interação entre intérpretes, coreógra-
fos(as), músicos, musicistas, figurinistas e outros profissio-
nais envolvidos na produção de um espetáculo de dança, o
trabalho do estudante de Dramaturgia, de forma colabora-
tiva, estimula um ambiente de aprendizado enriquecedor e
criativo nessas relações coletivas. Os estudantes são incen-
tivados a compartilhar ideias, perspectivas e experiências, o
que fortalece a diversidade de abordagens artísticas e impul-
siona o aperfeiçoamento das práticas da dança.
Na Dramaturgia da Dança, o estudante tem oportu-
nidade de experimentar a criação através de diferentes es-
téticas, assimilando conhecimentos variados e aprimorando
suas habilidades de comunicação, negociação e repertório
em dança. Além disso, o trabalho em equipe reforça a capa-
cidade de adaptar-se a diferentes contextos e fortalece a con-
fiança na expressão individual e coletiva. Essa abordagem
colaborativa prepara o estudante para enfrentar os desafios
do mercado de trabalho, no qual a cooperação é essencial
para a criação de produções inovadoras e impactantes. Dessa
forma, o trabalho colaborativo não apenas enriquece o pro-
cesso de aprendizado em um curso de dança, mas também
prepara os estudantes para uma carreira bem-sucedida e sus-
tentável, impulsionando a arte da dança a novos patamares
de excelência e criatividade.
Na Dramaturgia da dança, o público é um elemento
vital que completa a experiência artística, tornando-se parte
do contexto no qual a obra está inserida por meio da sua inter-
pretação, percepção e conexão emocional. A interação entre o
público e os intérpretes cria um sentido único e efêmero, em
que as experiências se entrelaçam, gerando uma troca simbó-
lica de significados e sensações. Como diz Pina Bausch:

244
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DRAMATURGIA DA DANÇA | FOTO: SAMIRA DANTAS

Tudo é sempre diretamente visível e cada espectador


pode compreender de imediato com seu próprio cor-
po e seu próprio coração. Essa é a maravilha da dança:
que o corpo seja uma realidade pela qual se atravessa.
Ele nos dá algo bastante concreto que se pode cap-
tar, sentir e que nos move. Os espectadores são sem-
pre uma parte do espetáculo, tal como eu própria sou
uma parte do espetáculo, ainda que não esteja no pal-
co. E cada espectador é convidado a confiar em seus
próprios sentimentos. Em nossos programas também
nunca há uma indicação de como as peças devem ser
compreendidas. Temos de fazer nossas próprias experi-
ências, como na vida. Isso ninguém pode nos impedir
(Bausch, 2000, p. 11).
Sendo assim, o curso regular de Dramaturgia da Dan-
ça na São Paulo Escola de Dança assume uma importante
função para o estado de São Paulo, ao localizar as possibili-
dades de estudo em dança, compreendendo na dramaturgia
uma área de conhecimento que apresenta fatos que adicio-
nam camadas de significados, profundidades e aprofunda-
mentos nas elaborações artísticas. Com isso, o profissional

245
ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DRAMATURGIA DA DANÇA E DOCENTE THIAGO NEGRAXA | FOTO: CAMILO BARBOSA

poderá, mesmo que situado em sua época, romper linearida-


des que fragmentam a maneira preestabelecida de trabalhos
de dança, objetivamente garantindo aos trabalhos dançados
a oportunidade de se relacionar com os elementos da cena
em uma camada proposital que explore questões sociais, po-
líticas e culturais, ou mesmo mergulhando em aspectos mais
abstratos da experiência humana.

246
247
POR UMA COMUNICAÇÃO QUE
DANÇA: A SÃO PAULO ESCOLA
DE DANÇA EM PERSPECTIVA
Marcela
Benvegnu

Da dramaturgia à gestão. Do clássico ao contemporâneo. Do


teatro musical ao figurino. Da multimídia à performance. Os
universos da arte da dança são múltiplos e plurais, sobretudo
na São Paulo Escola de Dança — equipamento da Secretaria
de Estado da Cultura, Economia e Indústria Criativas do
Governo do Estado de São Paulo, gerida pela Associação Pró-
Dança, com direção artística e educacional de Inês Bogéa.
Muito já se escreveu e se discutiu sobre a comunica-
ção “da” e “e” na dança, porém, é preciso pensar ainda mais
em uma comunicação que dança dentro do espaço no qual
nasce grande parte do desejo de dançar: a escola de dança.
Mas como se faz e pensa a gestão de comunicação no espaço
da Escola? Como nos fazemos entender? Como se constrói a
imagem de um projeto jovem e, sobretudo, uma linguagem
que ao mesmo tempo deve apresentar, singularizar e revelar
parte de quem somos? Quem é ou quem são os nossos públi-
cos? Como dialogar e se fazer entender com cada um?
Antes de nos debruçarmos sobre a questão da comu-
nicação “da”, “para” e “que dança”, na São Paulo Escola de
Dança, é preciso compreender o conceito de gestão, que vem
do termo em latim gestione e configura o ato de administrar

248
ou de gerir recursos, pessoas ou qualquer objeto que possa
ser administrado com alguma finalidade: seja em benefício
próprio ou de uma entidade, cujo objetivo é o crescimento,
estabelecido pela empresa por meio do esforço humano or-
ganizado. Mesmo entre os tipos mais conhecidos — gestão
de crise, de risco, artística, administrativa, financeira, de pes-
soas, de tempo, entre outras —, todas passam pela questão
da comunicação.
“Não existe gestão sem comunicação”, diz Daniel
Costa, administrador de empresas pós-graduado em Or-
ganizações, Gestão de Pessoas e Dinâmica dos Grupos e
autor de um livro cujo título é homônimo a esta citação.
“Para existir qualquer tipo de relacionamento, precisa ha-
ver, antes, comunicação entre aqueles que se relacionam”,
afirma (Costa, 2014, p. 45).
E aqui nos questionamos: se fala de dança para quem?
Muitas vezes a mensagem não chega ao seu receptor, por não
conter a própria informação a que e a quem se destina. “Co-
municação é o que os outros entendem para um grupo social
e só desta forma você a transforma em produto. A diferença
está na qualidade da informação, na qual forma também é
mensagem. Se comunicar é ouvir.” (Guanaes, 2020).
Nos comunicamos de múltiplas formas ao longo das
décadas. O digital entrou para ocupar um espaço inimagi-
nado, quase infinito em possibilidades, que dita novos com-
portamentos e consequentemente novas formas de comuni-
cação quase que diariamente. Se o telefone e o papel eram os
únicos modos de se entrar na casa de alguém há alguns anos,
hoje, são diversas as possibilidades de acesso. É o cliente
quem escolhe a forma como ele quer receber a informação, e
é por isso que a instituição deve estar preparada para figurar
em muitas plataformas, em diversos formatos comunicacio-
nais, com uma mensagem que tenha estratégia, estrutura,
clareza de entendimento e rapidez, para poder responder a
cada um das interações e no modo mais efetivo possível para
fazê-lo entender, ou seja, se fazer comunicar.
E quando se pensa em gestão de comunicação, é pre-
ciso pensar na construção da imagem, entendendo primor-

249
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE VESPERTINO E MATUTINO E MULTIMÍDIAS PARA DANÇA
| FOTO: CAMILO BARBOSA

dialmente para quem se fala, o que esse consumidor deseja,


como ele deseja e, sobretudo, com qual produto ele quer se
relacionar. Desta forma, pode-se criar estratégias e proces-
sos comunicacionais organizados para que a construção da
imagem tenha valor. E quando falamos de imagem, é pre-
ciso entender que imagem é aquilo que o outro vê, percebe,
aprende e que tentamos reforçar sob a sua ótica. A imagem
precisa traduzir um conceito e aqui texto também é imagem.
Uma imagem é a representação de si. Ver o que você
também é, sente e por vezes, deseja. É por isso que consumi-
mos. Compramos a imagem do que queremos. É iconofágico.
A iconofagia é o ato de devorar e de sermos devorados pelas
imagens e como (e se) elas nos transmitem valor. “Quando
você olha para uma imagem você tem uma reação, emocional
e intelectual. A primeira resposta é a intelectual porque ela é
baseada no reconhecimento, mas atrelada à memória que tem
componente emocional” (Newson, 2007, p. 61).
Norval Baitello Júnior, Doutor em Ciências da Co-
municação pela Universidade Livre de Berlim e professor da
Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia
Universidade Católica (PUC) de São Paulo, que se debruça

250
sob o tema da iconofagia há décadas, afirma: “que alimen-
tar-se de imagens significa alimentar imagens, conferindo-
-lhes substância, emprestando-lhes os corpos. Significa en-
trar dentro delas.” (Baitello, 2011, p. 7).
Imagens vendem, singularizam, traduzem. Podem ser
construídas, e neste caso, precisam falar de dança e serem
reais para efetivar e comunicar a ação. E é preciso lembrar o
tempo todo que, muitas vezes, o receptor da mensagem não
tem o mesmo entendimento do emissor e assim a linguagem
deve ser ajustada. Grande parte da comunicação da dança
fala da dança para dança, quando se deveria falar de dança
para o todo: criando-se uma comunicação que dança, afinal,
uma marca de dança fala de dança.

O FUTURO DO PRESENTE

Sem atalho, sem manual de instrução, muitas perguntas, nem


todas as respostas e um objetivo: comunicar e conectar pesso-
as. Assim se começa a pensar a estratégia de gestão de comu-
nicação de um novo projeto, e não foi diferente com a São
Paulo Escola de Dança, criada em 2021 por meio do Decreto
Estadual nº 66.412 de 29 de dezembro de 2021 e publicado no
Diário Oficial do Estado no dia 30 de dezembro do 2021. Um
projeto que saiu do papel para ganhar vidas: mais de 1.000
alunos distribuídos em 20 Cursos de Extensão, quatro Cursos
Livres e sete Cursos Regulares, ao ano.
“Se a Escola nasce como uma instituição comprometi-
da em dar voz e espaço consistente para a reflexão, o apren-
dizado e a troca de saberes a partir da especificidade da dança
interligada com todas as linguagens artísticas com foco em
uma imprescindível valorização da pluralidade”48, é preciso
que esse propósito seja traduzido pela comunicação, cum-
prindo o objetivo da instituição, “que é o de proporcionar a
construção do conhecimento no campo da dança, entenden-
48 Citação extraída do
site da São Paulo Escola de do a diversidade de corpos e estéticas como premissas da for-
Dança.
mação e profissionalização dos estudantes a fim de ampliar
49 Ibidem. a possibilidade de inserção deles no mercado de trabalho”49.

251
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE MULTIMÍDIAS PARA DANÇA NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA
| FOTO: CAMILO BARBOSA

Ao lado da criação da logomarca pelo Estado de São


Paulo, do manual de uso desta, da tipografia pela designer
Mayumi Okuyama, das relações com os órgãos competentes
da Secretaria de Estado da Cultura, Economia e Indústria
Criativas e das estratégias da direção artística e educacional
de Inês Bogéa, entre muitos outros fatores — que fazem par-
te de todo início de ação —, o ponto de partida da equipe
de comunicação foi o de pensar e criar uma linguagem que
dialogasse com os seus públicos de interesse — vale dizer
aqui que sim, eles eram e são plurais: pessoas acima de 13
anos que quisessem ter contato com a dança, o público espe-
cializado para saber da existência do projeto e somar esforços
na difusão deste e o público espontâneo.
Desta forma, foi preciso pensar em como promover
engajamento — que tem total relação com o futuro, mas se
não pensado no presente, não se efetiva — com todos esses
públicos. “Antecipar o futuro é trabalhar no presente aqui-
lo que se pretende alcançar. É fazer a gestão das etapas que
serão construídas. É pedir para construir uma parede, mas
mostrar a maquete completa.” (Costa, 2014, p. 49). E na
ocasião nos perguntamos: onde estão essas pessoas?

252
Nossa estratégia de comunicação inicial nasceu em um
perfil no Instagram (@saopauloescoladedanca), em uma Es-
cola ainda sem estudantes, que precisava se conectar com
eles para criar o desejo de fazerem inscrição em um dos cin-
co Cursos de Extensão50 disponíveis e, ao mesmo tempo, de
se apresentar para o meio. Apesar de se ter um mundo de
oportunidades no online a nossa frente, foi preciso um tra-
balho praticamente artesanal, para se fazer existir e conhecer.
E se para atingir o grande público deve-se começar por um
espectador, foi pensando do micro para o macro, que esse
corpo foi sendo criado, ao lado da linguagem escrita, do tom
de cada texto, das imagens usadas e de processos comunica-
cionais que foram além das estratégias de relações públicas.
Estávamos no digital, mas também foi preciso ir a coletivos,
escolas, grupos de dança, comunidades, aldeias indígenas,
entre outros, para que pudéssemos nos apresentar e comuni-
car para que viemos.
A primeira ação em massa de divulgação gerou mais
de 600 inscritos — de 23 Estados do Brasil, 151 cidades e
de quatro países (Brasil, Portugal, Itália e Paraguai) — para
278 vagas, demonstrando um grande interesse do público
pelas atividades da Escola nos Cursos de Extensão ofereci-
dos. Começava-se ali, o início de uma relação com aqueles
que queriam “nos consumir” e que poderiam ser porta-vozes
da Escola para outros, um banco de dados, um mailing, e a
criação de estratégias de ampliação desse campo, para que
quando as inscrições dos Cursos Regulares se abrissem, pu-
déssemos ter uma base de contatos inicial e o mais impor-
tante: partimos sempre de uma comunicação humanizada,
que responde individualmente às solicitações, que nomina e
que sabe quem é o seu cliente. Hoje o Instagram da Escola
50 Os cursos de Extensão
da São Paulo Escola de Dança tem mais de 10 mil seguidores orgânicos.
tiveram início entre os dias
28 de março e 2 de abril de Vale dizer que qualquer ação de comunicação é uma so-
2022. Foram eles: 1. Corpo,
Memória e Ancestralidade; 2. matória. É o resultado das estratégias de gestão da área, somadas
Dança e Pedagogias: Histórias
e Atualidade; 3. História Já!; aos envolvidos, à oportunidade e à oferta. Times de comunica-
4. Intradanças: Dramaturgias
Transversais; 5. Danças: ção não trabalham sozinhos, não são responsáveis pelo sucesso
Técnicas, Métodos e Sistemas.
Os cursos Regulares e Livres ou pelo fracasso de uma atividade. São parte, integram um sis-
tiveram seu início em 1 de
agosto de 2022. tema que precisa de muitas pessoas para se fazer “dançar”.

253
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR MULTIMÍDIAS PARA DANÇA NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: MARCOS ALONSO

À medida que estudantes foram chegando, as equipes


se entrosando, o trabalho entre outras áreas da São Paulo
Escola de Dança foi ampliado: a comunicação tem uma par-
ceria estreita com o audiovisual com o intuito de dar ainda
mais movimento às ações e publicações, através de fotos, ví-
deos, entre outros, e com o time de marketing, para capta-
ção, parcerias e ativações.
E ao longo deste primeiro ano de trabalho da São Paulo
Escola de Dança, um site, muitos vídeos, assessoria de im-
prensa, publicações em todo país, ações de relações públicas,
atendimentos diretos, perfis em diferentes plataformas de mí-
dias sociais, calendários de publicação, estratégias de comuni-
cação interna e externa, follows e muitas outras atividades tra-
duzem parte da nossa identidade por meio da divulgação dos
Cursos Regulares, Cursos de Extensão, Cursos Livres, Ações
de Oportunidades e Projetos Especiais — como intercâmbio-
-residências, entre outras, também validados por uma relação
afinada com o setor de comunicação da Secretaria de Estado,
que aprova e dialoga com a Escola em todas as suas ações e
materiais (releases, fotos, flyers, cards, entrevistas) — revelan-
do, assim, uma Escola singular, no plural.

254
UMA COMUNICAÇÃO QUE DANÇA

O desafio diário da gestão de comunicação da São Paulo Es-


cola de Dança se dá na união e no equilíbrio entre a comuni-
cação interna e externa. Não se pode pensar que por termos
públicos distintos — o que já consome, o que quer consumir
e o espontâneo — que elas devem ser feitas em separado. As
ações devem ser planejadas para caminharem de forma inte-
grada, ao passo que a divulgação de uma ação interna serve
para registrar o momento para quem participou de um even-
to, ação ou aula e criar memórias, ao mesmo tempo serve para
publicizar externamente o acontecido. E é nesse encontro que
a linguagem revela o próprio desejo de se fazer parte, seja de
uma próxima atividade para quem está dentro da Escola seja
do projeto mesmo, como aluno ou colaborador. Aqui também
incide um cuidado: a comunicação externa só pode chegar à
grande massa depois que os colaboradores sabem o que acon-
tece dentro da própria instituição, via comunicação interna.
Em termos jornalísticos poder-se-ia dizer que não podemos
furar a nós mesmos.
São nesses hiatos e encontros que a marca se fortalece
e é possível falar de dança na comunicação como um todo
e não somente em ações pontuais realizadas. É possível criar
um conteúdo que vai além da própria ação, tendo a dança
como protagonista por meio de projetos e desdobramentos
extremamente variados: se fala de história, dramaturgia, pro-
dução, figurino, iluminação, gestão, direção, performance,
memória, multimídia, técnicas, economia, entre outros.
As ações de comunicação da São Paulo Escola de Dan-
ça também contam com recursos de acessibilidade comu-
nicacional, como os posts de mídias sociais que desde o seu
surgimento contam com legendas acessíveis. Os vídeos são
publicados com legendagem e/ou audiodescrição, e materiais
e ações específicas recebem interpretação em Libras (Lingua-
gem Brasileira de Sinais).
A Escola é meio, lugar de passagem. Ponte entre conhe-
cimento, cultura, educação, gestão, comunicação, arte. Um
espaço adaptativo, no qual habitam diversidade de corpos,

255
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR MULTIMÍDIAS PARA DANÇA E DRAMATURGIA NA DANÇA NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E
ESTÉTICA (2023) | FOTO: MARCOS ALONSO

ideias e estratégias que podem ser revistas a qualquer tem-


po, recriadas, lançadas e aferidas. Gestão é meio. É encontro
entre cliente e empresa. Comunicação é meio. É o lugar da
mensagem. Imagem e linguagem nos apresentam ao mun-
do e vice-versa, colocando linguagem, imagem, mensagem e
nós mesmos, em movimento, sempre.
Aqui vale dizer que parte da comunicação da São Pau-
lo Escola de Dança vem também do seu time de colabo-
radores e pessoas que por aqui passam. É como fazer uma
releitura de endomarketing, não como o marketing dentro da
empresa, mas o marketing “dentro» das pessoas. A analogia
em questão equivale a uma (re)conceitualização do conceito
de endomarketing, delineando-o não meramente como a
aplicação das estratégias de marketing no interior da empresa,
mas como a incorporação das práticas de comunicação e
marketing na vida das pessoas. Seria o famoso “boca a boca”.
A prática do endomarketing assume a função de ge-
rir a subjetividade, abrangendo os elementos que transcen-
dem o tangível nas dinâmicas organizacionais. Assim, antes
de comunicar, é preciso acreditar e validar o projeto, assim
como foi feito quando a Escola era uma ideia no papel. Na

256
ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE MULTIMÍDIAS PARA DANÇA | FOTO: JOÃO ANSELMO

São Paulo Escola de Dança, além de os colaboradores acredi-


tarem na potência da Escola, acredita-se na potência da arte
da dança como elemento transformador, na qual se faz uma
comunicação pensando a dança de dentro para fora — para
quem nunca viu, para quem está em formação, para quem
vive —, com o intuito de falar dela mesma dançando.
E assim, nesses universos múltiplos e plurais — de uma
ponta a outra, de um estilo a outro, de uma ideia à execução
—, é possível tecer uma dança, uma coreografia de conjunto,
de muitas vozes, de muitos criadores, na qual comunicação,
gestão, linguagem, imagem e valor estão totalmente interli-
gados, e seguem dia a dia, colocando a São Paulo Escola de
Dança em perspectiva, por meio de uma comunicação que
dança com ela.

257
REFERÊNCIAS

BAITELLO JR., Norval. A Era da Iconofagia. São Paulo: Pau-


lus, 2014.

BENVEGNU, Marcela. Gestão de comunicação: a Construção


de Imagem e Linguagem para e na Dança. In: XAVIER, Jussara;
SOUZA Marco Aurelio da Cruz (Orgs.). Tudo Isto é Dança.
Universidade Regional de Blumenau. Associação Nacional de
Pesquisadores em Dança, 2021.

COSTA, Daniel. Não existe gestão sem comunicação: como


conectar endomarketing, liderança e engajamento. Porto
Alegre: Editora Dublinense, 2014.

NEWSON, Doug. Bridging the Gaps in Global Communica-


tion. Oxford: Blackwell Publishing, 2007.

SITES

GUANAES, Nizan. Mundo Pós-Pandemia entrevista empre-


sário Nizan Guanaes. Entrevista. CNN Brasil, São Paulo,
2020. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacio-
nal/2020/06/05/mundo-pos-pandemia-entrevista-empresa-
rio-nizan-guanaes | Acesso em: 10 de agosto de 2023.

SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA: Sobre a Escola. São Paulo: 2022.


Disponível em: https://www.spescoladedanca.org.br/sobre-a-
-escola/ | Acesso em: 10 ago. 2023.

258
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: SAMIRA DANTAS

259
RESIDÊNCIA ARTÍSTICA "PAISAGENS EXTRANHAS" DO COLETIVO ATRAVESSADAS COM A PARTICIPAÇÃO DE ESTUDANTES DA SPED | FOTO: CAMILO BARBOSA

260
APRESENTAÇÃO DO PROJETO ESPECIAL EM DANÇA | FOTO: SAMIRA DANTAS

261
APRESENTAÇÃO DO PROJETO ESPECIAL EM DANÇA | FOTO: SAMIRA DANTAS

262
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: CHARLES LIMA

263
ESTUDANTES DO CURSO DE EXTENSÃO CULTURAL | FOTO: SAMIRA DANTAS

264
265
SOBRE OS AUTORES

Inês Bogéa é bailarina, documentarista, escritora, professora e


maitre de balé. De 1989 a 2001, foi bailarina do Grupo Corpo
(Belo Horizonte-MG). Atualmente, é Diretora Artística e Edu-
cacional da São Paulo Companhia de Dança e da São Paulo Es-
cola de Dança. Tem formação como bailarina e professora pela
Royal Academy of Dancing, é graduada em Filosofia pela PUC-
-SP, doutora em Artes pela Unicamp e possui MBA em ‘Gestão
Estratégica de Pessoas: Desenvolvimento Humano de Gestores’
pela Fundação Getulio Vargas. É professora nos cursos de espe-
cialização Arte na Educação: Teoria e Prática, da Universidade
de São Paulo (USP), e na Pós-Graduação Linguagem e Poética da
Dança: Documentário, Memória e Dança, da Universidade Re-
gional de Blumenau (FURB) em parceria com a Fundação Fritz
Muller (FFM). Autora de livros infantis sobre dança e organiza-
dora dos livros Oito ou Nove Ensaios sobre o Grupo Corpo, Passa-
do-Futuro – Textos e fotos sobre a São Paulo Companhia de Dança,
entre outros. Foi crítica de dança da Folha de S. Paulo (2001 a
2007). É autora de mais de setenta documentários sobre dança.

266
José Simões é educador e pesquisador nas áreas da Sociologia
da Cultura, Ensino das Artes e Desenho Instrucional. Atual-
mente, é Superintendente Educacional da São Paulo Escola
de Dança e desenvolveu a proposta do modelo pedagógico da
escola, em parceria com Inês Bogéa. Graduado em Artes Cêni-
cas pela Unicamp (1992); mestre em Comunicação e Semióti-
ca PUC-SP (2001); doutor em Artes pela USP (2007) e pós-dou-
tor pelo Centro de Estudos Sociais/Universidade de Coimbra
(2010) e pela Fundação Carlos Chagas (2017). Coorganizador
do Léxico da Pedagogia do Teatro e do livro Cidade e Espetá-
culo: a cena teatral luso-brasileira contemporânea. Foi secretário
da Cultura e da Educação do município de Sorocaba, além de
professor, pesquisador, coordenador e responsável pela imple-
mentação do primeiro curso de licenciatura em Teatro Uni-
versitário da região metropolitana de Sorocaba. Foi professor
adjunto da Faculdade de Educação da UFMG. Em Portugal,
atuou como pesquisador e avaliador de projetos teatrais pela
Direção Regional de Cultura Centro-Coimbra (2008-2009).

Ivan Bernardelli é bailarino, coreógrafo e pesquisador. Atu-


almente, é diretor e bailarino da Dual, companhia de dança
que parte de mitologias e fenômenos históricos relacionados
à cultura brasileira para suas criações cênicas. Investiga danças
desenvolvidas no Brasil ao longo dos séculos em relação aos
contextos sociais e filosóficos em que se desenvolvem. Como
bailarino, integrou o Balé Folclórico de São Paulo, Cia. de Dan-
ças de Diadema, Cia. Siameses e Cie. À Fleur de Peau (França).
Recebeu as premiações: Prêmio Denilto Gomes, Prêmio Arte
e Inclusão e Prêmio Brasil Criativo 2016. Foi indicado ao APCA
2020, APCA 2017 e Prêmio Bravo 2017. Coreografou espetácu-
los para a Cia. de Danças de Diadema (SP), Cia. Sansacroma
(SP), Coletivo Trippé (PE) e Grupo Experimental (Recife-PE).

267
Kathya Maria Ayres de Godoy é artista da dança, docente
formadora e pesquisadora. Atualmente, é docente sênior do
programa de Pós-Graduação em Artes/Processos criativos em
Dança do Instituto de Artes da UNESP. É formada pela Esco-
la Municipal de Bailado, pela Royal Academy of Dancing e
também mestra e doutora em Educação pela PUC-SP. Auto-
ra de livros sobre Arte e Educação e Metodologias voltadas à
pesquisa e ensino de Dança. Dirigiu o Grupo de dança En-
-Cenna do Tuca (1991/2003), foi diretora artística do Grupo
IAdança (2005/2017) e, desde 2019, dirige o Coletivo Híbrido,
que trabalha performance em dança e teatro, no qual também
atua como intérprete criadora. Coordenou o projeto Quinta
em Dança – ações artísticas e educativas na cidade de São Pau-
lo (2012 a 2017). Em 2021/22 dirigiu Jussara City – o paraíso
das enchentes (fomento ao teatro 2020), e ganhou o edital
nº39/21 de fomento a dança com a videoaula “O processo de
criação como uma possibilidade de ensinar dança”. É fun-
dadora e produtora executiva da Performarte Artes Cênicas e
Ensino de Dança Ltda (2019).

Carolina Romano de Andrade é artista da dança,


pesquisadora, professora e autora de livros didáticos. Atua
com dança e educação com experiência na formação de
professores para a dança. É Bacharel, licenciada em Dan-
ça, mestre em Artes pela UNICAMP e doutora em Artes pela
Unesp-SP. Realizou dois pós-doutorados em Artes na UNESP
e na UFRN, na área de arte/educação/dança. Atua como pro-
fessora colaboradora do Mestrado Profissional em Artes, no
Instituto de Artes – Unesp-SP. Ministrou diversos cursos de
formação de professores na rede de ensino, para artistas e
arte-educadores. É autora de livros sobre dança, educação
e infância. Além disso, possui diversos capítulos de livros e
artigos científicos sobre dança e educação publicados.

268
Jussara Xavier é artista da dança, pesquisadora, autora e or-
ganizadora de diversos livros sobre dança. Foi bailarina nos
grupos Raça Cia de Dança e Cena 11 Cia de Dança. Atual-
mente, é coordenadora da pós-graduação Especialização em
Linguagem e Poética da Dança da Universidade Regional de
Blumenau (FURB) e professora do curso de Licenciatura em
Dança da instituição. É pós-doutora em Filosofia pela Univer-
sidade Federal de Santa Catarina (UFSC); mestre em Artes, Co-
municação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP); doutora em Teatro e Especialista em
Dança Cênica pela Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC). Realizou a concepção e direção de diversos trabalhos
artísticos na área da dança e do teatro. Foi professora substituta
do curso Tecnologia em Produção Cênica na UFPR (2012-22)
e da Graduação em Teatro da UDESC (2011-16). Pesquisadora
do Programa Rumos Itaú Cultural Dança (SP, 2000 a 2009).
Gestora de projetos, Coordenadora técnica, Professora e Pro-
dutora na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil (Joinville, 2001
a 2008). Atuou como coordenadora e curadora do Festival
Internacional Múltipla Dança, com 11 edições realizadas.

Karla Dunder é jornalista há mais de 20 anos com passagens


pelas redações do jornal O Estado de S. Paulo e Record, onde
trabalhou com o jornalista Heródoto Barbeiro. Tem mestrado
em Comunicação e Cultura pela Universidade de São Paulo,
com foco na pesquisa sobre a dança nos anos 1970.

269
Franciane Kanzelumuka Salgado de Paula é artista da dan-
ça, docente e pesquisadora. Bacharel em Dança pela UNI-
CAMP e mestra e doutora em Artes pela UNESP. Integrante e
cofundadora da Nave Gris Cia Cênica. É pesquisadora do
Grupo Terreiro de Investigações Cênicas (CNPq/UNESP). Fez
parte da Será Quê? Cia de Dança, Cia. Teatro Dança Ivaldo
Bertazzo e da E² Cia. de Teatro e Dança. Atuou como do-
cente na Escola Livre de Dança de Santo André – ELD, na
Licenciatura em Dança da Faculdade Paulista de Artes – FPA
e como professora substituta na Licenciatura em Dança do
Instituto Federal de Brasília – Lidan/IFB. Coorganizadora
e coautora dos e-books “Acordar o chão: dramaturgias em
danças contemporâneas negras” e “Tatu tá cavucando: dez
anos de Grupo Terreiro de Investigações Cênicas: teatro,
ritual, brincadeiras e vadiagens”. Coautora do livro “Giro
epistemológico para uma educação antirracista”.

Elena Toscano é figurinista, nascida em Treviso, na Itália, e


formada em arquitetura em Veneza. Cursou moda, figurino
e cenografia, graduando-se em Barcelona, onde também tra-
balhou na área. Em 1994, mudou-se para o Brasil onde traba-
lhou como figurinista de teatro e ópera. Foi também assistente
de direção cênica de óperas e, durante muitos anos, coorde-
nou os figurinos do projeto Pocket Ópera em diversos teatros
e espaços cênicos. Foi professora de Cenografia e Figurinos na
Universidade de Sorocaba (UNISO), indicada duas vezes entre
os finalistas do prêmio Shell de Melhor Figurino e, no ano de
1999, foi vencedora da Bolsa Virtuose do Ministério da Cultu-
ra. Em 2019, voltou para Itália onde seguiu o curso de roteiro
da “Accademia di Cinema” de Verona e completou mais dois
cursos da escola “Holden” de Torino.

270
Adriana Celi Castelo Gomes é gestora cultural, artista da dança
e pesquisadora. Foi bailarina da Cia Independente de Dança
de São Paulo, sob a direção de Edson Santos, de 2006 a 2010.
Atualmente, é coordenadora de área dos Cursos Livres e de Ex-
tensão Cultural da São Paulo Escola de Dança. É mestra em
Arte-educação pelo Instituto de Artes da UNESP, graduada em
Educação Física pela FEFISA, graduada em Pedagogia e pós-gra-
duada em Dança e Consciência Corporal pela FMU, Linguagens
da Arte pela USP e Gestão e Políticas Culturais pela Universida-
de de Girona (Espanha) por meio da Cátedra UNESCO de Políti-
cas Culturais em cooperação com o Itaú Cultural. Formada em
Balé Clássico pela Pássaro de Fogo, estudou também na Escola
Municipal de Bailado de São Paulo. É pesquisadora no grupo de
pesquisa Estudos, Abordagens e Metodologias sobre Educação,
Arte e Dança, do IA UNESP sob a coordenação da Profª Dra.
Kathya Godoy. Ganhou diversos prêmios importantes como
coreógrafa e bailarina em festivais. É presidente fundadora do
Instituto Cultural Artevida.

Cássia Navas é professora, autora, pesquisadora e curadora. Atu-


almente, é curadora de Extensão Cultural da São Paulo Escola
de Dança. É graduada em Direito pela USP (1981), doutora em
dança e semiótica pela PUC-SP (1997), pós-doutora em artes pela
ECA-USP (2002), especialista em gestão e políticas culturais pela
Unesco – Université de Dijon/Ministère de la Culture France
(1995). Atua como professora pesquisadora do Programa de Pós-
-Graduação em Artes da Cena – Instituto de Artes/Unicamp,
tendo sido professora convidada do Master Danse – Université
de Paris. Autora de vários livros e artigos, foi pesquisadora do
Idart/Secretaria Municipal de Cultura (SP), coordenadora da
Rede Stagium e da Oficina Cultural Oswald de Andrade (São
Paulo) e consultora do TD-Teatro e Dança (São Paulo, 2006-11).
É curadora de projetos como o Programa de Qualificação em
Dança (São Paulo, 2015-21), Dança + Cidade (Sesc Pinheiros,
SP/2015), Dancing: Inside Out (Frankfurt/2016), Plataforma
Formação Estado da Dança (Piracicaba/2016), Seminários Ida-
-e-Volta, Dança: Brasil-França (France Danse Brésil 2016-17),
CCSP – Centro Cultural São Paulo: Dança em Diálogo (2015-
17) e Modo Casa (Sesc Registro, 2020).
271
Flavio Lima é artista da dança, pesquisador, professor de
dança e coreógrafo. Integrou o elenco do Balé da Cidade de
São Paulo (1993 a 2007), atuando como solista nas principais
produções da companhia e participando de turnês em vários
países do continente europeu. Atualmente, é coordenador de
curso na São Paulo Escola de Dança. É formado em Fisiotera-
pia pela Universidade Bandeirante de São Paulo (2011) e pós-
-graduado no programa “Didático Pedagógico de Modalidade
a Distância” – UNIVESP (2023). Mestre (2018) e doutorando no
Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena – Universida-
de Estadual de Campinas-SP. Formado em balé clássico com
especialização no Ballet Nacional de Cuba – Havana (1992).
Estudou por três anos nos cursos livres da London Contem-
porary Dance School – Inglaterra. Ministrou disciplina de
dança moderna – contemporânea na formação em dança do
Projeto Núcleo Luz. Foi orientador em dança no Programa
Vocacional Dança da SMC e no Programa Qualificação em
Dança – Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatu-
ra. De 2013 a 2022, foi professor de dança contemporânea na
Escola de Dança do Theatro Municipal de São Paulo.

Luiz Fernando da Silva Anastácio é artista da dança, pesqui-


sador e escritor. Se apresentou como bailarino e coreógrafo
em todo o território brasileiro, e no exterior em todos os con-
tinentes. É formado em dança, pós-graduado em Antropolo-
gia e Cultura Africana e em Diversidade Cultural, possuindo
extensão em Filosofia Africana. Atualmente, é coordenador de
curso na São Paulo Escola de Dança e na ETEC de Artes. Co-
ordenador, fundador e coreógrafo do grupo Ewé. Desde 2010,
desenvolve trabalhos e pesquisas em dança em países africa-
nos como África do Sul, Benin e Senegal. Estudou dança em
diferentes países: Senegal, Benim, França, Croácia, Áustria,
Portugal, Alemanha, EUA, Panamá e Colômbia. Coordenou
o projeto coreográfico “Brasil Croácia Idas e Vindas”, no Fes-
tival Internacional de Split. Autor dos livros Quando minha
escrita na dança se tornou preta, Da Silva os que ficaram e os que
voltaram e Igbá.

272
Marcela Benvegnu é jornalista, pesquisadora de dança e ges-
tora. Atualmente, é Superintendente de Desenvolvimento
Institucional da Associação Pró-Dança, instituição gestora da
São Paulo Companhia de Dança e da São Paulo Escola de
Dança. É master em Mídia, Comunicação e Negócios pela
University of California (USA, 2017) e foi bolsista do progra-
ma de mentoria executiva da Harvard Business School (USA,
2019). É mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC (críti-
ca de dança), pós-graduada em Estudos Contemporâneos em
Dança pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e em Ges-
tão de Negócios pelo Business Behavior Institute, de Chicago.
Foi coordenadora de Educativo e Comunicação (2009-2017)
e de Registro e Memória, da São Paulo Companhia de Dança
e consultora (2021). Atua como jurada, palestrante, crítica e
jornalista convidada em eventos no Brasil e exterior. Já minis-
trou palestras em instituições de ensino nos EUA, Inglaterra
e Portugal. É codiretora do Congresso Internacional de Jazz
Dance no Brasil desde 2009. É professora do curso de Pós-
-Graduação em Dança e Consciência Corporal na Universi-
dade Estácio de Sá e USC. Dirige a MB – Gestão de Imagem e
Comunicação para a Dança.

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AUDIÇÃO PROJETO ESPECIAL EM DANÇA, FLAVIO LIMA | FOTO: SAMIRA DANTAS MESA DE DISCUSSÃO: CARNAVALIZAR A DANÇA, COM SIDNEY FRANÇA, YASKARA MANZINI E CÁSSIA NAVAS
| FOTO: JOÃO ANSELMO

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CURSO REGULAR DE TEATRO MUSICAL, MARCELA BENVEGNU | FOTO: SAMIRA DANTAS CURSO LIVRE DANÇA DE SALÃO, JOSÉ SIMÕES E ADRIANA CELI | FOTO: JOÃO ANSELMO

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PLANEJAMENTO EDUCACIONAL, JANUÁRIO RICARDO, LUIZ ANASTÁCIO, FLAVIO LIMA E INÊS BOGÉA ADRIANA CELI | FOTO: SAMIRA DANTAS
| FOTO: SAMIRA DANTAS

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DRAMATURGIA DA DANÇA, SAÍDA PEDAGÓGICA, LUIZ ANASTÁCIO E ANDRÉ TELES
| FOTO: SAMIRA DANTAS
PROJETO ESPECIAL EM DANÇA, ANDREIA YONASHIRO E INÊS BOGÉA | FOTO: SAMIRA DANTAS

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: MARCOS ALONSO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE VESPERTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023)| FOTO: MARCOS ALONSO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: MARCOS ALONSO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE VESPERTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: MARCOS ALONSO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: FELIPE SANTOS

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: MARCOS ALONSO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA VESPERTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: MARCOS ALONSO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE VESPERTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: MARCOS ALONSO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: FELIPE SANTOS

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: MARCOS ALONSO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE MATUTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: MARCOS ALONSO

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ESTUDANTE DO CURSO REGULAR DE DANÇA E PERFORMANCE VESPERTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: MARCOS ALONSO

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: FELIPE SANTOS

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ESTUDANTES DO CURSO REGULAR DE TÉCNICAS DA DANÇA MATUTINO E TEATRO MUSICAL NA ETAPA DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA E ESTÉTICA (2023) | FOTO: FELIPE SANTOS

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GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO SÃO PAULO ESCOLA DE DANÇA
Governador | Tarcísio de Freitas DIREÇÃO
Vice-Governador | Felício Ramuth Artística e Educacional | Inês Bogéa
Secretária de Estado | Marilia Marton Administrativa-Financeira | Pétrick Joseph Janofsky
Secretário Executivo | Marcelo Henrique de Assis Canonico Pontes
Chefe de Gabinete | Daniel Scheiblich Rodrigues
Coordenador da Unidade de Formação Cultural, SUPERINTENDÊNCIA
Bruna Attina Institucional e de Controladoria | José Galba de Aquino
Desenvolvimento Institucional | Marcela Benvegnu
Educacional | José Simões de Almeida Júnior
ASSOCIAÇÃO PRÓ-DANÇA –
ORGANIZAÇÃO SOCIAL DE CULTURA CURSOS REGULARES
Coordenação de Área | Junior Oliveira
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Coordenação do Curso (vespertino) | Flavio Lima
Presidente | Rachel Coser Coordenação do Curso (matutino) | Luiz Anastácio
Vice-Presidente | Maria do Carmo A. Sodré Mineiro Professores do Curso Dança e Performance | Dani
Membros | Adriana Celi Castelo Gomes, Alexandra Soares Barsoumian, Peticia Carvalho de Moraes, Ricardo
Olivares de De Viana, Dilma Souza Campos, Eduardo Alves Januario
Toledo Mesquita, Elisa Marsiaj Gomes, Eugênia Gorini Professores do Curso de Dramaturgia da Dança | André
Esmeraldo, Fernando José de Almeida, Flávia Fortuneé Teles, Paula Sales
de Picciotto Terpins, José Fernando Perez, Luciano Cury, Professores Curso Técnicas de Dança | Alexandre Robson
Maria Cristina Frias, Milton Coatti Filho, Priscilla Zogbi, B. Ferreira, Andreia Ferreira Yonashiro, Bianca Matta
Ricardo Campos Caiuby Ariani, Rodolfo Villela Marino, Professor do Curso de Figurino na Dança | Alexandre
Wilton de Souza Ormundo dos Anjos, Paulo Pallas
Professor do Curso Teatro Musical | Alex Maranhão,
CONSELHO FISCAL Tiago Kaltenbacher
Presidente | Helio Nogueira da Cruz Professores do Curso de Multimídias para Dança |
Membros | Iside Maria Labate Maiolini Mesquita, José Marcela Abi Karam, Luiz Gustavo Gomes Cardoso
Carlos de Souza, Eduarda Bueno (suplente) Professores do Curso Produção e Gestão Cultural |
Lucas Gonzaga Rosa, Monique Tomazi
CONSELHO CONSULTIVO Analistas Educacionais | Brenda Oliveira, Bruna Marques
Membros | Andrea Sandro Calabi, Dolores Prades, Eric
Alexander Klug, Flavia Regina de Souza Oliveira, Flávia CURSOS LIVRES E DE EXTENSÃO CULTURAL
Kolchraiber, João Gabriel Pennacchi, Jorj Petru Kalman, Coordenação de Área | Adriana Celi
José de Oliveira Costa, Leontina Gioconda Bordon, Curadores | Cássia Navas, Enoque Santos, Erika Novachi
Ricardo Uchoa Alves Lima, Walter Appel Professora de Dança Clássica | Marcela Paez
Professora de Dança Contemporânea | Miriam Druwe
ASSOCIADOS Professora de Danças Urbanas | Ciça Veronese
Alexandra Olivares de De Viana, Ana Grisanti de Moura, Professor de Dança de Salão | Luiz Renato de Melo Paz
Arnaldo Vuolo, Debora Duboc Garcia, Eduardo Toledo Analistas Educacionais | Jaqueline Santana,
Mesquita, Elisa Marsiaj Gomes, Eric Alexander Klug, Renaildes Cintra
Eugênia Gorini Esmeraldo, Fernando José de Almeida, Assistente Educacional | Gabriela Augusta Oliveira
Gioconda Bordon, Henri Philippe Reichstul, Inês Vieira
Bogéa, Jorj Petru Kalman, José de Oliveira Costa, José PRODUÇÃO, TERRITÓRIOS CULTURAIS,
Fernando Perez, Luca Baldovino, Luciano Cury, Lygia da PROJETOS E OPORTUNIDADES
Veiga Pereira Carramaschi | Maria do Carmo Abreu Sodré Coordenador de Área | Felipe do Amaral
Mineiro, Rachel Coser, Ricardo Campos Caiuby Ariani, Analista Educacional | Cristiane Maria Gomes
Ricardo Cavalieri Guimarães, Ricardo Uchoa Alves Lima, Produtoras | Rafaela Zavisch, Laura Tula
Rodolfo Villela Marino, Suzana Maria Salles França Pinto, Assistente de Produção | Ananda Vieira
Walter Appel Técnica de Som | Katheleen dos Santos Costa
Administrativa-Financeira | Pétrick Joseph Janofsky Técnico de Palco | Irom Daniel Pereira Dias
Canonico Pontes
ATENDIMENTO E APOIO ESCOLAR
Coordenadora | Esmeralda Gazal
Secretária Escolar | Naiane Cardoso dos Santos
Analista Educacional | Felipe da Silva
Assistentes Educacionais | Beatriz Vicente Soares, Coordenadora de Recursos Humanos | Karen Ricci
Calina Capitani, Ester Amanda Andrade, Gabriel dos Santos
Cassiano dos Santos, Sofia da Silva, Michele Viriato Coordenador de Compras | Carlos Soares
Assessora de Direção | Melinda Grienda Sliominas
EQUIPE MULTIDISCIPLINAR Assessores Executivos | Fernando Roberto
Assistente Social | Alessandra Felice Bertuce Gonzalez
Bibliotecária | Thais da Silva Vicente Analista Administrativo-Financeiro | Jeferson de
Pedagoga | Cintia Bianca de Almeida Souza Dias
Analista Contábil | Andreza Mendes
MEMÓRIA Arquivista | Priscilla Baptista Casas
Gerente | Charles Lima Assistentes Executivas | Roberta dos Santos Vieira,
Produtora | Bárbara Modenese Vanessa dos Santos Sampaio
Assistentes de Audiovisual | Camilo Andres Assistentes de Compras | Emerson Candido da Silva,
Munoz Barbosa, Iari Davies Samuel Lemos
Auxiliar de Audiovisual | Samira Silva Dantas Assistentes Administrativo-Financeiro | Alan Antonio
Querino, Dulce Catani Cesar Holanda, Edna Santana Bispo
DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL Assistente Fiscal | Hueider Guerreiro
Analistas de Comunicação | Adoliran Medrado, Assistente de Departamento Pessoal | Leandro Aparecido
Dani Aoki, Maria Luiza Paulino, Renata Faila do Carmo
Analista de Mídias Sociais | Mariana Gonçalves Auxiliar Administrativo-Financeiro | Júlio da Silva
Auxiliar de Educativo | Shay Amora Encarregada de Limpeza | Neide dos Santos Nery
Diagramadores | Rafael Alves Silva Ortiz Rojas, Aprendizes | Ana Julia Figueira, Marco Antonio Dantas
Renata Gammaro Barbosa
Aprendiz | Lucia Beatriz Cardoso Santos COLABORADORES
Consultoria Jurídica | Bolonhini & Carvalho Sociedade
ADMINISTRAÇÃO de Advogados
Gerente Administrativo-Financeiro | Marcio Tanno Contabilidade | Quality Associados
Coordenador Administrativo-Financeiro | Anderson
Paulo de Brito

Dados Internacionais de Catalogação – CIP

Diálogos e Práticas em Dança e Educação/ Bogéa, Inês; Simões, José (org.); texto: Gomes, Adriana
Celi Castelo; Andrade, Carolina Romano de; Navas, Cássia; Toscano, Elena; Lima, Flavio; Paula, Franciane
Kanzelumuka Salgado de; Bogéa, Inês; Bernardelli, Ivan; Simões, José; Xavier, Jussara; Dunder, Karla; Godoy,
Kathya Maria Ayres de; Anastácio, Luiz Fernando da Silva; Benvegnu, Marcela; ilustração: Junior, Acrides;
editora de conteúdo: Barros, Keyla; diagramação: Okuyama, Mayumi e Tegoshi, Juliana; - 1 ed. - São Paulo:
Pormenores Serviços Editoriais LTDA, 2023.
294 p.: il.
Texto bilíngue: Português/Inglês
ISBN: 978-85-65356-01-5
Formato PDF

1. Dança e Educação 2. Ensino de Dança 3. Currículo para Dança 4. São Paulo Escola de Dança. I. Bogéa,
Inês. II. Simões, José. III. Título

CDD: 372.5

Ficha catalográfica elaborada por Thais da Silva Vicente – Bibliotecária


CRB-8/10941
294

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