Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Santa Maria, RS
2017
Livia Marafiga Monteiro
Santa Maria, RS
2017
Livia Marafiga Monteiro
Santa Maria, RS
2017
AGRADECIMENTOS
Este trabalho de conclusão de curso tem a intenção de questionar aspectos relacionados à condução nas Danças
de Salão. Para isso, foi realizada pesquisa bibliográfica no sentindo de entender as bases históricas das principais
configurações dessas danças, como as construções sociais dos papéis de mulheres e homens nas sociedades as
quais surgiram estas danças, que resultaram em paradigma dominante, no qual existem papéis distintos a serem
desempenhados por damas e cavalheiros e o corpo acaba sendo compreendido apenas como um executor de
passos. Além disso, essa pesquisa tem como objetivos descrever como acontece o ensino tradicional da Dança de
Salão e repensar novas práticas de ensino-aprendizagem incentivando reformulações nas metodologias
existentes. Para isso, utilizou-se da Etnografia e da Autoetnografia, tendo como base observações e
apontamentos da autora tanto de aulas de Dança de Salão vivenciadas pela mesma, quanto as ministradas por ela
na Oficina de Dança de Salão – condução compartilhada e indução no projeto de extensão 5,6,7 e 8; bem como
as anotações de percepções de alunos e alunas que vivenciaram esta Oficina. A proposta era realizar
experimentações, a partir da sensibilização e do estímulo a uma interação mais equitativa no que diz respeito às
técnicas de comunicação difundidas pelas Danças de Salão, especialmente em relação às de condução e resposta.
Além disso, teve como fundamento reestruturar os papeis de condução, de modo que homens e mulheres não
precisassem se encaixar em funções típicas como as de cavalheiro-condutor e dama-conduzida. O trabalho
conclui que este tipo de abordagem de ensino permite o verdadeiro diálogo corporal.
Figura 1: Apresentação de Samba de Gafieira no Natal do Coração, na Praça Saldanha Marinho. ..... 21
Figura 2: Momento para as damas na aula de Salsa no 6º Porto Alegre Salsa Congress. ..................... 26
Figura 3: Apresentação de Salsa no Corujão......................................................................................... 27
Figura 4: Competição Jack and Jill no 7º Porto Alegre Salsa y Bachata Congress. .............................. 29
Figura 5: Apresentação de Bachata no Festival Santa Maria em Dança 2016. ..................................... 29
Figura 6: Aquecimento na primeira aula prática da Oficina. ................................................................ 52
Figura 7: Noções de ritmo. .................................................................................................................... 53
Figura 8: Dinâmica da mesa de vidro.................................................................................................... 58
Figura 9: Dinâmica da mesa de vidro realizada aos pares..................................................................... 59
Figura 10: Escuta corporal. ................................................................................................................... 61
Figura 11: Escuta corporal. ................................................................................................................... 61
Figura 12: Aula de Kizomba. ................................................................................................................ 63
Figura 13: Contato Improvisação através de contato/apoio de partes do corpo. ................................... 67
Figura 14: Contato Improvisação buscando fluidez e continuidade nas movimentações. .................... 68
Figura 15: Contato Improvisação buscando fluidez e continuidade nas movimentações. ..................... 68
Figura 16: Prática orientada de Forró. ................................................................................................... 71
Figura 17: Prática orientada de Forró. ................................................................................................... 73
Figura 18: Prática orientada de Forró. ................................................................................................... 73
Figura 19: Sentindo a “pequena dança” ou os micromovimentos do colega. ....................................... 76
Figura 20: Sentindo a “pequena dança” ou os micromovimentos do colega. ....................................... 77
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 8
2 DANÇA DE SALÃO: Das origens à condução compartilhada .................................................... 16
2.1 BREVE HISTÓRICO DA DANÇA DE SALÃO...............................................................16
2.2 A CONDUÇÃO NA DANÇA DE SALÃO .................................................................................... 19
2.2.1 A realidade encontrada no ensino tradicional ......................................................................... 21
2.2.1.1 O papel da dama...........................................................................................................25
2.2.1.2 O papel do cavalheiro...................................................................................................27
2.2.2 Problematizações dentro da realidade encontrada ................................................................. 29
3. UM NOVO OLHAR SOBRE A CONDUÇÃO ............................................................................. 39
3.1 A EXPERIÊNCIA DA OFICINA ................................................................................................... 45
3.1.1Noções rítmicas .......................................................................................................................... 501
3.1.2 O Funcionamento do estímulo corporal para a proposição ................................................... 53
3.1.3 Interação espacial e gestual para conexão visual .................................................................. 566
3.1.4 Escuta Corporal ......................................................................................................................... 59
3.1.5 Contato Improvisação – Improviso aberto .............................................................................. 63
3.1.6 Exercício de condução compartilhada pelo espaço ................................................................. 69
3.1.7 Prática orientada ........................................................................................................................ 70
3.3.8 Consciência Corporal ................................................................................................................. 74
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 78
REFERÊNCIAS....................................................................................................................................81
APÊNDICE A..........................................................................................................................85
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho discute a condução na Dança de Salão. É sabido que, por uma
convenção histórica e sociocultural estabeleceu-se um modelo, concebido como tradicional
nas danças de salão, no qual os homens é quem conduzem as mulheres no momento da dança,
configurando-se assim um tipo de comunicação que, na minha avaliação, pode ser
considerada um monólogo corporal, sendo este um padrão sustentado massivamente nos
estabelecimentos de ensino de Dança de Salão até hoje. Como declara Míriam Strack (2017,
p.70) “tradicionalmente, a condução se apresenta como um monólogo do Cavalheiro que faz
com que a Dama apenas escute e reproduza os passos”. É também possível compreender
melhor a ideia de monólogo na dança através de um dos conceitos da palavra trazido pelo
dicionário, “monólogo é o discurso que não deixa oportunidade aos outros interlocutores de
intervirem.” (PRIBERAM, 2013, s.n) Monólogo aqui é entendido como algo instituído como
a única alternativa de interação entre pares, o que não está errado, pois como complementa
Strack (2017, p.70), “mesmo o monólogo é válido, quando o mesmo é escolhido como uma
dentre as várias opções.” Entretanto é necessário enfatizar a necessidade de ampliarmos os
horizontes comunicacionais na dança e trazer novas opções de interações corporais.
Outro aspecto relevante quando abordamos particularidades da comunicação é a ideia de
que o dançar a dois pode remeter ao estabelecimento de uma relação colaboracionista, como a
proposta de Jonas Feitoza (2011, p.9), que traz o conceito de Cocondução, que deve ser
“compreendido como uma igualdade de propósitos, ou seja, as ações de ambos os corpos,
mesmo com suas singularidades e distinções, objetivam a realização da dança (a dois).”
Constata-se aqui a ideia de que dançar em cooperação implica na disponibilidade assertiva das
partes envolvidas, onde o princípio dos movimentos propostos, ou o início do dançar, pode ter
origem dos dois agentes entremeados para esse fim.
Este trabalho, portanto, tem como objetivo geral questionar o ato de conduzir nas danças
de salão, preconizando algumas respostas em relação a quais aspectos e relevâncias estão
implícitos no mesmo, além de trazer vivências para o desenvolvimento de uma nova
consciência na dança de pares, desejando assim, principalmente, estabelecer o diálogo
corporal através da ressignificação da condução para uma abordagem compartilhada com
induções de movimentos 1 . Creio ser importante ressaltar que a intenção não é retirar dos
homens a função da condução e transferir para as mulheres, mas sim estabelecer um maior
1
No capítulo 3 os conceitos de abordagem compartilhada e induções de movimento serão melhores explanados.
9
diálogo entre parceiros, sugerindo que o termo condução possa ser reformulado e também
compreendido como proposição2, dentro da concepção de uma possibilidade de escolha para
viabilizar o andamento de uma dança que se supõe ser a dois, almejando assim, torná-la mais
equânime entre os participantes e por consequência mais prazerosa, rica e criativa.
Pesquisar a respeito da condução teve motivações pontuais que brotaram por meio de
percepções advindas da minha prática nessas danças. Tomo como base principal meus quase
quatro anos ininterruptos vivenciando diferentes gêneros de dança de salão, nos quais algumas
sensações foram aos poucos surgindo e tornando-se significativas para que despertasse
algumas percepções sobre a minha dança. Um dos acontecimentos, mais recente, e que foi
talvez o principal ao longo do meu percurso até aqui, foi o fato de eu ter começado a sentir o
que posso chamar de uma monotonia na minha dança, era como se eu estivesse sempre
dançando uma coreografia repetida sendo que isso acontecia em ambientes de baile, onde a
dança acontece de forma improvisada3. Além disso, comecei a reparar nos demais pares que
dançavam ao redor, ou em momentos que eu ficava como espectadora nos bailes, e notei que,
de forma geral, as danças em suas movimentações eram todas muito parecidas na execução de
suas estruturas.
Essas observações trouxeram-me questionamentos - eu me indagava por quais motivos
isso se configurava - e, com o suporte de algumas leituras, foi possível aguçar minha visão
sobre o tema condução, e assim amadurecer o desejo de pesquisar sobre o mesmo, pois
acredito que muitas explicações para o que eu estava sentindo advinham do modelo
tradicional de conduzir e ser ensinado pelas escolas de dança. Em momentos de reflexão pude
vislumbrar que até as marcas deixadas no meu corpo, ao longo do meu tempo de prática, têm
ligação com o tema do trabalho e me afetavam de uma maneira considerável. Foram tensões
corporais recorrentes, marcas roxas, unhas quebradas, dores musculares, entre outros
machucados que aconteceram devido a conduções bruscas e sem percepção alguma de uma
parte expressiva de parceiros na dança, aos quais tive a oportunidade de interagir em aulas,
bailes e ensaios.
Como objetivos específicos, este trabalho busca descrever como acontece o ensino
tradicional na dança de salão, repensar novas práticas de ensino-aprendizagem, incentivando
reformulações nas metodologias existentes; e trazer um novo olhar para a condução. Para isso,
2
O termo proposição é concebido aqui como a substituição da palavra condução, tornando a ação mais empática
como sendo uma sugestão que a outra pessoa acata ou não, podendo inclusive sugerir um novo movimento em
contrapartida. (STRACK, 2017, p.70).
3
O termo improvisação na dança de salão será elucidado no capítulo 3.
10
foi realizada uma Oficina4 prática de experimentação de uma forma de dançar que seja mais
flexível e dialogada, trazendo a ideia de que tanto a proposição/condução quanto a indução de
movimentos possa acontecer, partindo de ambas as pessoas envolvidas na dança. Durante dez
encontros, entre agosto e outubro, com duração de uma hora por semana, em duas turmas, a
experimentação foi realizada e, no período, foram colhidos depoimentos sobre o processo por
meio dos diários das alunas e alunos colaboradores da Oficina. A condução na dança de salão
tem sido alvo de atenção por parte de alguns pesquisadores e pesquisadoras que já chamaram
a atenção para o tema (STRACK, 2017; FEITOZA, 2011; SANTOS, 2016), e também por
alguns profissionais da área da dança de salão.
Acredito que esta pesquisa se justifica devido à ocorrência de grandes mudanças no
comportamento de mulheres e homens na sociedade, nas quais a maneira com que dançamos
consequentemente se altera naturalmente em busca de adaptações a esse cenário, trazendo-nos
reflexões acerca de práticas historicamente desempenhadas nos mesmos moldes, acarretando
o discernimento de levarmos em consideração o conteúdo político reproduzido,
especialmente, nos locais de ensino. Portanto, o tema dessa pesquisa contribui para a área da
dança na medida em que propõe outro entendimento de como as pessoas podem dialogar entre
si, dançando, além de lançar um olhar indagador sobre conceitos arraigados dentro de
paradigmas socioculturais por muito tempo fixados na dança de salão. Compreendendo que
todo ensino é dotado de relevâncias peculiares, no qual professoras e professores, como
formadores de opinião, possuem um papel fundamental na construção do pensamento de
alunas e alunos e a reprodução dos mesmos em sociedade, além de contribuições efetivas no
desenvolvimento da sensibilidade humana em suas relações interpessoais. Sendo assim,
acredito que seja importante que os educadores e educadoras estejam receptivos a repensar
suas práticas de ensino, não somente em aspectos corporais técnicos, mas igualmente em um
nível de formação correspondente ao contexto contemporâneo em que vivemos, o que na
maioria das vezes não acontece, como constata Marcelo Grangeiro (2014, p. 85), quando
afirma que:
Há um forte desinteresse pela maioria dos profissionais e dançarinos de salão em
conhecer qualquer conteúdo que não seja a execução de passos e/ou sequências
coreografadas, onde o desenvolvimento de várias outras questões subjacentes do
ensinar e aprender têm sido, praticamente sempre, marginalizados.
4
Oficina de Dança de Salão – Condução compartilhada e indução, dentro do Projeto de Extensão 5,6,7 e 8 ,que
aconteceu de 22 de agosto a 31 de outubro, às terças-feiras, em dois horários (às 17:30 e às 18:30), no Complexo
Didático Artístico (CDA) da UFSM. Ver plano de curso no Apêndice A.
11
5
Movimentos realizados quase que exclusivamente pelas damas na dança de salão, principalmente utilizando-se
de mãos, braços e pernas quando estiverem livres, ou seja, em momentos específicos, desde que não atrapalhe a
condução.
12
Um dos principais recursos que contribuíram para a elaboração desta pesquisa foi a
Oficina prática de dança de salão, onde a participação ativa dos alunos e alunas participantes
teve importância fundamental para legitimar a abordagem da pesquisa. Portanto, o método
etnográfico veio dar o suporte necessário para que eu pudesse observar a produção dos alunos
e alunas dentro de um campo específico de ação, a Oficina. O artifício principal utilizado para
gerar material de análise e inspiração para escrita foram os diários de campo, tanto meus
quanto dos alunos e alunas, contribuindo para a pesquisa de forma direta e efetiva, pois:
Neste sentido, utilizo tanto a autoetnografia dos alunos e alunas em relação ao vivido,
quanto a minha etnografia em relação a eles. Como exposto acima, dos diários emergem
informações para além do pesquisado, pois as autoanálises dos alunos e alunas, tanto
corporais quanto de sensibilidades, passam indubitavelmente por abstrações de âmbito
pessoal, envolvendo nuances e um rico terreno do autoconhecimento de cada sujeito, uma vez
que foi incentivado sempre que os mesmos buscassem em si as respostas para indagações de
13
foro mais íntimo e que dialogavam com as propostas das aulas. Se existiam dificuldades nos
exercícios de contato, em caso afirmativo, por que achavam que isso ocorria? Ou então para
atentarem se conseguiam, com alguma facilidade, escutar as propostas corporais de seus
parceiros de dança ou se na maioria das vezes já chegavam executando as proposições sem
aguardar o jogo corporal de perguntas e respostas, como no exercício de contato
improvisação, por exemplo. Assim, na minha avaliação, fica evidente que a Oficina não
serviu somente para uma produção de dados devido à necessidade da minha pesquisa, mas
igualmente buscou afetar alunas e alunos de forma direta e significativa com objetivos
específicos nas aulas, que de uma forma ou de outra, trouxeram consequências diferenciadas
para cada um dos participantes. Aqui vale ressaltar a importância de se levar em consideração
os aspectos sutis da vida dos mesmos, não somente ligadas à dança, até porque a maioria
quase não teve ou têm essa vivência, e também nunca fizeram aulas, mas se deve estar atento,
igualmente, aos registros pessoais ligados à corporeidade de cada indivíduo, pois estes
aspectos influenciam diretamente no andamento das aulas, e naquilo que será construído pelo
grupo.
Sendo assim o método Etnográfico de pesquisa em dança no presente trabalho,
justifica-se não somente pela participação ativa dos indivíduos que vivenciaram a Oficina,
mas também porque o relato escrito de suas experimentações no processo, além de trazer
sensações e impressões individuais subjetivas que enriquecem o campo de análise de forma
significativa aos mesmos, ainda dialoga de forma direta com minha vivência dentro do tema
apresentado. Ao mesmo tempo em que existe um campo de observações, a metodologia
utilizada trouxe de forma direta minhas experiências, entrelaçadas à investigação e às
vivências nos campos de imersão que englobam especialmente as aulas que frequento com
assiduidade, além de cursos, workshops, bailes e ensaios, caracterizando-se assim em uma
Autoetnografia, que também serviu de caminho metodológico, inclusive aos integrantes das
aulas da Oficina. Segundo Sylvie Fortin (2009, p.83):
A partir da afirmação conceitual acima fica evidente a fusão entre a bagagem pessoal
da pesquisadora no campo de estudo, relativas à dança e a vida, pois “o investigador fica
comprometido como instrumento, objeto e sujeito da investigação, na medida em que
progride sua imersão no campo.” (DANTAS, 2016, p.170).
14
Vale ressaltar que os recursos para geração de dados foram sendo construídos de
forma dinâmica e, muitas vezes, de uma maneira inusitada, pois as mesmas sempre estiveram
em constantes modificações contando com o acréscimo de novos relatos que contribuíram e
serviram como material norteador durante o processo de criação do trabalho. Ou ainda uma
informação complementava a outra, tanto o retorno das alunas e alunos quanto minhas
anotações pessoais no contexto da Oficina e fora da Universidade, provando assim, as
relações existentes entre um universo e outro. Pois como afirma Oliveira (2013, p.163):
Ou seja, por mais que os locais de análise tenham abrangido diversidades bem
demarcadas em vivências e experimentações, tanto minhas quanto dos participantes da
15
Oficina, ao final de cada reflexão sempre foi possível um ponto de interseção entre os
mesmos, pois “o método etnográfico pressupõe, no processo contínuo com o outro, um
exercício de alteridade, por meio do qual não apenas esse outro é pensado, mas também nós
mesmos.” (OLIVEIRA, 2013, p. 177).
O presente trabalho foi estruturado da seguinte forma: no primeiro capítulo, apresento
uma introdução ao tema, justificando o objeto de pesquisa, bem como esclarecendo sobre a
metodologia de pesquisa escolhida. No seguinte capítulo inicio com um breve contexto
histórico de como a dança de salão surgiu e da sua chegada ao Brasil, focando em relevâncias
sobre o surgimento do ensino. Na sequência, descrevo a realidade encontrada no ensino
habitual da dança de salão, além de como o conhecimento é transferido aos alunos e alunas,
principalmente em aspectos ligados à condução, também abordando de forma específica a
realidade local, a partir de impressões advindas de relatos narrados por mim, segundo minhas
experiências transcritas no diário; e por fim abordo problematizações que advêm dessa
realidade.
O capítulo 3 disserta sobre o surgimento de novas possibilidades de se dançar a dois,
através de um olhar diferenciado em relação à condução, discorre ainda a respeito da
experiência da Oficina realizada como um laboratório de experimentações para conscientizar
as pessoas no desenvolvimento e na busca pelo diálogo corporal.
16
Há indícios que apontam que as Danças de Salão praticadas pela nobreza europeia, a
partir de certo período histórico, tiveram sua inspiração oriunda de modo direto das danças
populares. Como afirma Grangeiro (2014, p. 60), sua evolução obedeceu ao seguinte trajeto:
iniciou-se no templo, foi para a aldeia, em seguida para a igreja, depois para as praças, os
salões e por último os palcos. Algo relevante a ser mencionado é que a dança vivenciada pelas
camadas mais populares da sociedade eram dotadas de maior flexibilidade no que diz respeito
à execução de passos, era um improviso que nascia da espontaneidade dos pares:
movimentos pelos pares. Não havia ‘passos certos’ e as figuras eram copiadas,
revisitadas e reformuladas a todo instante. (STRACK, 2017, p.33)
O Maxixe foi o embrião do que hoje dançamos nos salões de todo o Brasil e quão
importante foi para o desenvolvimento da dança de salão brasileira. Não se sabe
exatamente quem foi o criador dessa dança, o que se sabe é que as danças daquela
época seguiam o modelo europeu de dançar. (GRANGEIRO, 2014, p.67)
É importante frisar que essa cultura advinda de épocas passadas, no qual os dançarinos
que se destacavam eram convidados para serem professores, persiste até os dias atuais
predominando no ensino não formal, pois conforme Sérgio Santos (2016, p.11), “existe uma
18
ideia errônea de que ensinar Danças de Salão se trata da reprodução de passos existentes e de
que ao saber reproduzir os movimentos de dama e cavalheiro, a pessoa está apta a ensinar
Danças de Salão.” Concordo com o autor nessa afirmação que nos aponta para uma visão
equivocada de ensino, pois como não existe uma formação específica em Dança de Salão
mais aprofundada em estudos do corpo e aspectos cognitivos diversos, a maneira com que
professoras e professores se posicionam diante do cenário educacional acaba sendo quase do
modo como aprenderam, reproduzindo fórmulas e, na minha avaliação, contribuindo para
uma desvalorização na área de conhecimento da dança, especificamente das danças de salão.
Além de que isso pode ter implicações negativas consideráveis, como pode ser especificado
abaixo por Maristela Zamoner (2004, p.9):
Uma das consequências que podem ser apontadas ao se verificar esta situação diz
respeito ao domínio de técnicas didáticas. Outro aspecto refere-se ao conhecimento
sobre educação que todo professor, seja qual for o conteúdo que ministre, deve ter.
Este conhecimento é essencial para compreensão da abrangência das ações dos
professores e no caso da dança de salão, também dos coreógrafos, que detém
funções educativas com o aluno e com o público.
A partir do panorama geral da origem das Danças de Salão, é possível constatar que
em uma perspectiva histórica, elas emergiram dentro de uma conformação na qual o
protagonismo do dançar em relação a atitudes de iniciativas e dominação sempre foi a dos
homens, sendo os mesmos agentes irrestritos da evolução da dança enquanto ela acontecia.
Essa configuração era um reflexo da sociedade em que se vivia, e pode-se afirmar que ainda
19
hoje presenciamos um machismo arraigado e predominante nas relações sociais, algo que se
expressa na dança, especialmente a de pares. Particularmente, no que diz respeito ao ensino
hoje, não vejo os homens como vilões nesse processo e sim indivíduos carregados pela
cultura estabelecida de séculos, onde fazer parte desse universo de papéis bem distintos e
demarcados sempre foi, e ainda é, naturalmente encarado de uma forma praticamente
inalterada.
Porém, conduzir na dança nem sempre foi como conhecemos hoje, em que para cada
passo a ser executado é necessário uma condução específica. Quando do surgimento da Dança
de Salão, via-se mais liberdade nos movimentos de ambos os envolvidos, e a partir daí
surgiam danças improvisadas com inovações nos repertórios corporais que por consequência
tornavam-se mais criativos e inusitados. Com o passar do tempo, a popularização da Dança de
Salão e a grande procura por parte das pessoas, foi necessária a sistematização de
20
metodologias que fossem possíveis de serem aplicadas para que os alunos e alunas
aprendessem a dançar. Assim sendo, como afirma Strack (2017, p.34), “surgiram a
padronização dos passos, figuras e devidas conduções que conhecemos atualmente e que
continuam a ser reproduzidas nas aulas, facilitando a transmissão do conhecimento, e nos
bailes.”
Para fins didáticos, a condução é pensada em quatro tipos: invasão e ausência, gestual,
indicativa e corporal (STRACK, 2017). Segundo Strack, a mais utilizada é a indicativa, na
qual a parte corporal mais requisitada para conduzir são as mãos; a condução gestual se dá,
primordialmente, através do contato visual, enquanto a de invasão e ausência acontece, por
exemplo, quando um abre espaço para o outro passar ou na dinâmica de passo básico frente e
trás que é quando avanço e meu parceiro recua e vice versa. A condução que mais chama
atenção para fins desse estudo é a corporal, pois é que mais consegue ser o agente de
percepções mútuas de escuta corporal, e que, em minha opinião, precisa de uma atenção mais
aprimorada para contribuir no desenvolvimento de sintonia e conexão entre pares. Nessa
condução utilizamos a mobilidade do tronco para transferir informações a respeito dos
movimentos que se deseja que o par execute. Aqui é importante ressaltar que os tipos de
condução e seu ensino são desenvolvidos com aplicabilidades distintas entre os papéis
desempenhados por damas e cavalheiros, enquanto um aprende a técnica que conduz
(cavalheiros), o outro precisa apenas seguir (damas).
Para melhor compreensão da dinâmica de como a Dança de Salão tradicional
funciona, é possível imaginar a condução e resposta de um passo como se fossem códigos ou
peças com um dispositivo de encaixe único, e que o detentor da peça que deve ser encaixada,
e que corresponde a um passo x, seja somente o cavalheiro. Para cada passo, figura e
sequências existem conduções específicas às quais devem obter a resposta adequada da dama,
assim ela só precisa oferecer a peça correta para o encaixe da peça/código que o cavalheiro
deseja fixar. Nesse tipo de interação, apenas os cavalheiros escolhem as peças que querem
utilizar e se, porventura, o código doador do cavalheiro não encaixa no código receptor da
dama, a dança não acontece. Por isso que, na Dança de Salão, entendemos as damas como
sendo passivas e os cavalheiros ativos no processo de ensino/aprendizagem da dança. Pode-se
atestar isso na citação abaixo:
Para que essa harmonia seja encontrada, estabeleceu-se que as duas pessoas do casal
devem ter conhecimento prévio dos passos que serão feitos nos gêneros musicais
correspondentes (ao menos os passos básicos) e que o cavalheiro será quem
escolherá quais desses passos serão feitos, em que momento serão feitos e em qual
21
dinâmica musical serão feitos. Após estas escolhas, o mesmo deve conduzir a dama
para que ela realize os passos junto com ele. (STRACK, 2013, p.12)
Tradicionalmente o ensino das danças de salão tem como ponto de partida ensinar o
público masculino a conduzir o público feminino, sendo esse o norte principal de todas as
aulas, pois como afirma Fernanda Cristina Monte (2015, p.2), “cavalheiros e damas, em sua
maioria aprendem, desde sua primeira aula, qual é o papel que irão desempenhar na prática.”
Então praticamente todo tempo de aula exige concentração redobrada dos homens da turma,
pois a metodologia das aulas é desenvolvida no sentido de transferir formas de condução para
que os cavalheiros possam compreender e assim conseguirem transmitir às suas damas seus
desejos de movimentações que anseiam executar. Assim sendo, é muito comum as mulheres
estarem dispersas, pois como as aulas são praticamente, o todo o tempo, diretivas aos homens,
muitas vezes elas não prestam muita atenção, já que só precisam seguir corporalmente seus
pares no sentido de entender o que está sendo conduzido, tornando a responsabilidade da
dança maior em relação aos cavalheiros. Abaixo temos a comprovação dessa premissa quando
a autora reitera que:
22
Em muitos casos até a disposição espacial com que as aulas são organizadas faz com
que somente os homens fiquem em uma posição que os favoreça a enxergar o que está sendo
ministrado e quase sempre as mulheres ficam de costas e não conseguem visualizar o que os
professores estão ensinando. Dentro desse entendimento de condução unilateral que é possível
caracterizar um monólogo na dança, na qual “somente um dos lados fala e o outro somente
compreende.” (DALAZEN, 2013, p.7). Portanto, temos apenas uma viabilidade de
comunicação existente entre pares, o que apresenta algumas consequências pontuais em
termos corporais e inter-relacionais, o que poderá ser compreendido mais adiante quando
serão abordadas as problematizações decorrentes do modelo tradicional de ensino. Mas o que
é possível assegurar é que basicamente “na Dança de Salão espera-se da dama uma atitude
gestual de sedução e sensualidade, enquanto do cavalheiro espera-se uma atitude viril de
liderança.” (QUINTANILHA, 2016, p.117).
Entendendo que muitos profissionais da área das danças de salão não costumam levar
em consideração áreas do conhecimento que podem servir de subsídio para um
aprimoramento e atualização do ensino e aprendizagem da dança, no que tange à área da
educação, ou seja, é possível afirmar que nas formas metodológicas com as quais as danças de
salão são ensinadas existe um descompasso com a evolução social em uma concepção de
mundo contemporâneo, pois como afirma Feitoza (2011, p. 67) “encontramos professores
utilizando metodologias de ensino fundamentadas em conceitos e metáforas linguísticas que
induzem um entendimento defasado de dança, corpo e do corpo na dança.” Fato é que o corpo
na Dança de Salão é, praticamente sempre, interpretado de uma maneira superficial, ainda
levando de forma considerável somente aspectos ligados à construção social dos gêneros, por
exemplo. A configuração padrão homem e mulher é o que predomina e é assimilado como
sendo o normal para que o aprendizado se torne viável. Isso se justifica muito através do
conceito de condução, pois já que é o cavalheiro quem conduz e a dama a quem toca a função
de responder a essa ação, nada mais coerente que tenhamos aqui nesses moldes de ensino a
configuração dama x cavalheiro, com gêneros opostos. Na citação abaixo é possível confirmar
a existência desse paradigma e algumas implicações desse modelo, quando o autor traz a
seguinte compreensão:
23
Assevera-se que a técnica de “condução”, que é muito bem empregada por diversos
profissionais e com êxito no processo de ensino-aprendizagem, pode ser mal
interpretada como uma imposição social, o que descaracteriza a liberdade vigente
entre ambos os indivíduos que compõem o par e a essência em que essas danças se
baseiam. Por isso, não é a técnica da “condução” que faz o problema, mas sim, o
falso entendimento que alguns profissionais fazem dela, como álibi para impor
certas “verdades” que causam essa problemática envolvendo a relação de gênero,
homem e mulher, e as imposições da sociedade. (DALAZEN, 2013, p.4)
Outro ponto que chama a atenção no perfil das aulas tradicionais é que o ensino das
técnicas dos diferentes estilos de Dança de Salão está pautado, basicamente, na transferência
de passos prontos em forma de sequências – o que chamo de “combos”, que são repassados
aos alunos e alunas, no qual os mesmos apenas têm a preocupação de aprender para depois
reproduzir. Isso acontece principalmente em aulas de iniciados e intermediários, nas quais os
alunos e alunas já estão com alguma base estruturada de técnica básica, o que significa que,
quanto mais experientes se tornam (tempo de vivência no gênero de dança), mais complexas
ficam as sequências ensinadas – ou seja, os “combos” – uma vez que nas aulas iniciantes são
ensinados apenas passos básicos e figuras/passos separados para posteriormente combiná-los,
o que virá a se tornar as sequências prontas. Sendo assim, quando senti monotonia em minha
dança, algo mencionado anteriormente por mim como uma das motivações que me levaram
ao tema deste trabalho, uma das justificativas é o fato de que nos bailes há sempre reprodução
de sequências prontas, o que torna a dança repetitiva, inclusive nas trocas de pares, pois
dançamos de forma padronizada, na qual todos realizam as mesmas movimentações
praticamente o tempo todo. Acho importante enfatizar que os passos prontos ou “combos”
não são necessariamente ruins, o que a mim toca em questionar é o fato de as aulas serem
regidas somente nesse modelo, sem outros interesses e preocupações. Esse ponto de vista
encontra confirmação nas palavras de Grangeiro (2014, p.55):
É importante esclarecer que o foco central que abarca todo o modelo de ensino
tradicional tem a condução como a protagonista das ações didáticas que impulsionam
professoras e professores a criarem suas metodologias, desenvolvendo recursos que sejam
possíveis o ensino de técnicas de condução. As outras diversas características dentro dos
padrões de ensino estão imbricadas dentro de um modelo educacional, no qual cavalheiros são
24
os principais elementos norteadores das aulas, devido ao imperativo de terem que aprender a
conduzir, algo que será explicitado no item que descreverá o papel dos cavalheiros. Vale
relembrar que, tradicionalmente, o que define alguém a realizar a atividade de professor é seu
desempenho na dança, ou seja, é o fato dos sujeitos dançarem bem sob a ótica dos olhos,
principalmente do público, que ao vê-los dançando solicita que os mesmos os ensinem
também a dançar igual, a “dançar bem” segundo eles. Isso perpassa, geralmente, pelo domínio
da quantidade de passos e sequências que os bons dançarinos em questão já têm incorporadas,
para que assim possam repassá-las aos alunos e alunas. A citação abaixo traz essa
confirmação, quando nos diz que:
Muitas outras características do ensino tradicional das Danças de Salão poderiam ser
aqui descritas, porém foi priorizado manter-se o foco na condução e em sentidos ligados
diretamente a ela. Também foi optado fazer menção a tópicos que estão igualmente
relacionados à escuta e diálogo corporal, que intencionam a busca pela conexão na dança,
ainda que por ora não detalhados e que será feito posteriormente, trazendo a compreensão de
que todos esses fatores conversam entre si como em uma rede de influências mútuas, que não
podemos mais negligenciar quando queremos compartilhar nossa dança com outros
indivíduos, tornando-a, de fato, como sendo a dois.
25
As damas na Dança de Salão, tal como as conhecemos dentro uma concepção histórica
e social na construção do seu papel, possuem incumbências muito específicas no que diz
respeito a seu desempenho na dança. A principal habilidade a ser desenvolvida pelas damas
com o tempo é sua capacidade de resposta em relação ao estímulo de condução do cavalheiro.
Portanto, é necessário que as mesmas aprimorem sua escuta corporal, para que assim
consigam compreender quais movimentações poderão estar sendo conduzidas, muitas vezes
sendo instruídas em aula a não pensarem e sim a apenas a deixarem-se levar pelo cavalheiro,
ou ainda, no que diz respeito a música, devem escutá-la através do corpo do cavalheiro, ou
seja, através do que o mesmo esteja querendo interpretar. A função principal das damas na
Dança de Salão fica clara na citação abaixo, quando o autor afirma que:
Voltando ao tema condução e boa dama. Volto a afirmar que a boa dama não pensa.
Ela sente a condução e faz determinado passo sem que tivesse pensado em fazer.
Esse é o caso ideal. Boa dama e um cavalheiro com boa condução. (PERNA, 2011,
p.101).
Ou seja, através da afirmação acima fica clara a função restrita das damas, dentro de
ações muito específicas e enquadradas, que as tornam o agente passivo da dança, pois:
Além disso, às damas também cabem às atribuições estéticas da dança, ou seja, seu
embelezamento por meio de adjetivos que as qualifiquem como sendo sensuais, charmosas,
elegantes, graciosas, delicadas, entre outros. Isso também justifica a criação de metodologias
de ensino voltadas somente para elas, ensinando-as adornos e enfeites prontos, para que
depois possam ser utilizados no momento de se dançar a dois, desde que, obviamente, não
atrapalhe a condução e o andamento da dança. Sobre o posicionamento das professoras em
relação ao ensino destinado às mulheres, o trecho citado abaixo transcreve a ideia de como
essas realidades se dão na prática:
Dessa forma, a criatividade das mulheres na dança fica restrita somente a tornar a
dança estética e visualmente agradável, e até nisso pode-se trazer outro ponto de reflexão, que
diz respeito à autonomia das mulheres, pois quase sempre não se estimula à autenticidade e
espontaneidade dos corpos femininos para que elas próprias descubram e até mesmo inventem
formas próprias de autodescobrirem-se e colocarem suas próprias maneiras de enfeitar sua
dança, se assim o desejarem. Como afirma Elisa Quintanilha (2016, p.127), “muito melhor do
que apenas aprender floreios seja a investigação sobre si mesmo ao longo da realização dos
passos e com o tempo permitir que seus próprios enfeites surjam na sua prática
gradativamente”.
Acho interessante comentar que os cavalheiros, considerados como detentores de uma
mente mais flexível no contexto tradicional das danças de salão, são os que permitem algum
espaço às damas para que possam ornamentar a dança. Aqui compreendo como sendo uma
concessão que alguns cavalheiros fazem para que as damas possam ter alguma liberdade em
momentos específicos da dança. Sabe-se que alguns cavalheiros conduzem até os enfeites e
adornos das damas, ou seja, que realmente se incomodam com o fato delas poderem realizar
algo que fuja ao controle dos mesmos.
Figura 2: Momento para as damas na aula de Salsa no 6º Porto Alegre Salsa Congress.
Aos cavalheiros são designadas diversas tarefas e muitas vezes todas de forma
simultânea. É de responsabilidade principal dos homens a condução durante a dança, pois “é o
cavalheiro a quem cabe conduzir e à dama, ser conduzida [...] Cabe a ele decidir formalmente
quais passos e figuras serão executados.” (RIED, 2003, p.37) Porém também fazem parte dos
encargos dos mesmos cuidar da sua dama, além de destacá-la nos bailes, estar atento ao fluxo
do salão, encontrar o tempo forte da música e assim manter o ritmo, aplicar os fundamentos
da Dança de Salão, variar os passos, ser criativo, entre outros. Não é à toa a constatação de
que homens levam mais tempo para aprender a dançar do que as mulheres, devido à
sobrecarga que lhes é exigida. Portanto, o tempo de aprendizado para que um cavalheiro
possa ser considerado como tendo um bom desempenho na dança costuma ser maior em
relação às damas, e “pensando em alunos iniciantes, desempenhar todas as funções citadas ao
mesmo tempo, permanecendo dentro do ritmo da música pode ser um verdadeiro tormento,
levando muitos homens a desistirem de dançar.” (STRACK, 2017, p.33)
O aspecto condução designado aos homens também encontra justificativas em
contextos históricos e sociais na construção de estereótipos demarcados em características
físicas e psicológicas que seriam de caráter masculino, fazendo uma contraposição às
particularidades desempenhadas pelas damas, sendo constatado na fala de Betina Ried (2003,
p.37), pois “o conduzir do cavalheiro exige segurança, determinação, objetividade, habilidade
e domínio técnico, enquanto que o seguir da dama, por sua vez, requer sensibilidade, empatia,
28
Para o Cavalheiro, a escuta corporal não é muito solicitada, muito menos treinada
em aula, pois ele é quem vai decidir os passos, não precisando “escutar” o que o
corpo da Dama tem a dizer. Porém, seu papel vai além de conduzir. Primeiro, o
mesmo precisa decidir qual passo irá fazer. Logo em seguida, conduzir a Dama para
que ela faça o mesmo passo que ele. Por fim, executar o passo junto com a Dama,
dentro do ritmo da música. Todas essas três etapas ocorrem em frações de segundo,
mas devem ser bem realizadas para o bom andamento da dança. (STRACK, 2017, p.
32)
A partir das explanações mencionadas acima, é possível afirmar que, o fato dos
cavalheiros serem os agentes ativos da dança não confere a eles, necessariamente, somente
vantagens e sim os torna alvo de algumas consequências negativas que serão abordadas logo a
seguir.
29
Figura 4: Competição Jack and Jill no 7º Porto Alegre Salsa y Bachata Congress.
Os mesmos séculos não foram suficientes para mudar esta regra na dança de salão,
em que o cavalheiro conduz, ou propõe movimentos, e a dama os aceita para que
algo aconteça. Nesta arte, congelou-se um tempo histórico que não existe mais.
(ZAMONER, 2011, s.n.)
Outro discurso fundamental observado nas aulas é de que para as damas restam
apenas à “obediência” dos comandos masculinos e a paciência pela espera desses
movimentos. O papel da mulher de responder a condução masculina na prática é
exercido quando os movimentos femininos são sempre executados logo após os
movimentos masculinos. Não sendo permitida sua execução simultaneamente, muito
menos antecipadamente. Dando a entender que o corpo feminino é ao mesmo tempo
tocado e manipulado, tratado na execução dos passos, giros e rodopios como um
objeto orientado sempre pela administração masculina. (PEREIRA, 2011, p.108).
Neste sentido, há uma restrição na criatividade das damas, que se tornam “livres”
somente no momento de fazer uso de enfeites e adornos, que podem “consistir em uma
elevação de braço, cruzada de perna, movimentações de mãos e dedos, postura de braços,
virada de cabeça” (QUINTANILHA, 2016, p.127), e aqui pode ser feito um adendo na
medida em que nem toda dama gosta de adornar ou enfeitar sua dança, ou seja, não faz
questão nenhuma de utilizar os floreios estéticos tão preconizados para que a dança se torne
31
bonita. É possível pensar em uma dança que para as damas tende a se tornar limitada dentro
de um espaço que as restringem nas possibilidades de aprimoramento individual de suas
corporeidades, quando até mesmo em condições de improviso, as mesmas encontram-se
cerceadas como indivíduos que apenas respondem a estímulos, pois “desde o princípio a
estrutura da dança se encontra fechada, em um tom de monólogo, onde somente o homem fala
e a mulher escuta.” (SILVEIRA, 2012, p.21) Sendo assim, fica claro o quanto falta, ainda,
para que a criatividade das damas esteja de fato sendo considerada de igual para igual em
relação aos homens.
Meu ponto de vista sempre é visando liberdades de escolha, partindo do pressuposto
que devemos ter as opções devidas para isso. Não é errado enfeitar a dança, o questionado
aqui é a imposição para que isso aconteça como uma condição da dança se tornar atrativa aos
olhos das outras pessoas, ou simplesmente, usar adornos por usar, muitas vezes de forma
mecânica e sem um sentido relevante de forma individualizada. Por isso, acredito na
construção de uma dança a partir de cada indivíduo, onde eu como mulher/dama aposto no
autoconhecimento para, assim, descobrir que dança afinal é a minha. Será que acabo
dançando a dança de outras mulheres, como se estivesse sendo uma cópia ou reproduzindo
técnicas corporais que na verdade não me dizem nada de forma significativa? São indagações
para refletir, na medida em que acredito em uma dança agente de transformações íntimas que
extrapolam os limites das técnicas codificadas, na qual é essencial que as mulheres busquem a
sua própria dança, mesmo quando a mesma vier pautada em algum código e mesmo que
tenhamos professoras a nos ensinar ou mostrar um caminho. Presumo ser indispensável que as
mesmas experimentem e desenvolvam o seu próprio jeito de manifestar a técnica, e creio que
isso seja possível apenas quando nos aventuramos de forma intransferível nesse processo de
descobertas que a dança pode ter para cada uma de nós, tendo a consciência de que os corpos
são diferentes e, assim sendo, não há possibilidades de padronizarmos movimentos corporais,
sejam eles passos, adornos ou enfeites.
As percepções acerca de si mesmas passam pelo terreno imprescindível da autonomia,
a qual, na minha avaliação, deve ser sempre estimulada e trabalhada pelos educadores em
suas aulas. Entretanto, algo que acaba acontecendo é que como as mulheres recebem um
ensino que já as tornam passivas no processo de assimilação das técnicas, elas não se sentem
aptas a expressar uma postura mais ativa na dança. Em uma reportagem de Keila Barros
(2014, s.n.) há a fala da professora Sheila Santos que retrata essa realidade, onde a mesma nos
diz que “é preciso que ambos saibam falar e ouvir, só que normalmente a gente só ensina o
rapaz a falar e a menina a ouvir, então, quando ela tem liberdade, não sabe o que fazer com
32
aquilo, e ele não tem sensibilidade pra ouvir.” (SANTOS apud BARROS, 2014, s.n.) Outro
fato a ser mencionado dentro da condição passiva das damas é que devido às mesmas não
estarem despertas a outras possibilidades e recursos corporais, as quais deveriam chegar nelas
através do aprendizado, sobretudo no que diz respeito à condução, a maioria delas não
costuma questionar nada que lhes fuja a compreensão e que poderia ser alvo de indagações
que enriqueceriam consideravelmente a dança de cada uma.
Seguindo essa linha de raciocínio, é também muito comum ouvir falar em um
comportamento feminino esperado delas na dança, baseado em o que um homem espera de
uma mulher/dama para que o cavalheiro queira dançar com ela, ou escolhê-la em um salão de
bailes dentre as muitas opções disponíveis, uma vez que o número de mulheres em bailes é
superior e por consequência, cavalheiros, tornam-se escassos nesses ambientes. Outro ponto a
ser questionado nas danças de pares tradicionais é a configuração mulher/homem. Como não
é visto com bons olhos pessoas do mesmo gênero dançarem entre si, muitas mulheres
esperam bastante até poderem ter uma oportunidade para dançar, já que não devem dançar
entre si. Ainda encontramos dificuldades na aceitação de novas formas de enxergar dois
corpos que se unem com o propósito único de dançar:
Porém é oportuno frisar que quando solicitado às damas que refinem sua sensibilidade
através da escuta corporal, para que assim possam compreender a condução e responder
adequadamente, fica comprovado que, na prática, é algo que não acontece assim de repente
como em um passe de mágica:
33
[...] apenas sentir a condução pode não ser suficiente num primeiro momento.
Inicialmente, a dama precisa entender como essa condução é feita, e quais passos
são pedidos para cada determinada condução, para poder segui-la. Se apenas ‘sentir
a condução’ fosse o suficiente, então um cavalheiro que sabe dançar poderia
conduzir com uma dama que não está acostumada a isso e ela seria capaz de realizar
todos os movimentos que ele pedisse através da condução, somente sentindo-a.
(STRACK, 2017, p.14)
Portanto para que uma dama seja conduzida de forma “relativamente fácil” se faz
necessário que a mesma já tenha alguma vivência dentro do gênero de dança em questão,
onde a condução estará agindo. Essa prerrogativa é confirmada por Strack (2017, p.42),
desfazendo a ideia de que “há um pensamento comum na sociedade de que a mulher não
precisa saber dançar, caso o homem seja um bom condutor.” Sendo assim, fica claro que
cavalheiros serem apenas bons condutores não é garantia para um bom andamento de uma
dança, pois existem outros fatores permeados na aprendizagem que precisam ser alvo de
atenção por parte de todos os agentes envolvidos nesse processo, professoras, professores,
alunas e alunos. Algo que será explanado, de forma mais específica, posteriormente.
Discorrendo ainda sobre as mulheres, dessa vez focando nas que desejam tornarem-se
professoras, é constatado que dentro do modelo unilateral de condução, as mesmas não são
preparadas para esse ofício, pois como só precisam acompanhar os cavalheiros, não há
necessidade de compreender as técnicas e os mecanismos envolvidos na condução. Isso ficou
notório em minhas participações em workshops e congressos, nos quais as mulheres (pares de
professores) passam praticamente a aula toda sem falar nada, e quando falam, é sempre sobre
algum aspecto funcional para as damas não atrapalharem a condução, livrando os braços para
que não obstruam o caminho, ou a adornarem/enfeitarem de forma bonita e eficiente,
mantendo-se a ideia de não interromper o fluxo pré-estabelecido da dança pelo cavalheiro.
Outro fato bastante comum e, pode-se até dizer fixado como um padrão, é a menor
relevância que se dá às mulheres no sentido de conhecer seus nomes por si só, sem que
estejam atreladas a um homem professor, ou ainda muito menos as que seguem uma carreira
independente de terem um parceiro profissional ou não. Essa realidade foi exposta igualmente
na reportagem feita por Keila Barros (2014, s.n.), dessa vez trazendo a fala da professora
Katiusca Dickow, quando nos traz o relato de um diálogo entre professores, descrito abaixo:
Não é de hoje que a figura masculina, e o seu papel designado pela sociedade, traz
obrigatoriedades no comportamento de homens: devem apresentar características de
provedores, másculos e viris, enquanto aquele que demonstra suas emoções e vivencia
abertamente sua afetividade torna-se alvo de preconceitos. Isso acaba sendo transferido para a
Dança de Salão na simbologia da condução, quando tradicionalmente apenas o homem é
considerado o ser pensante no processo de aprendizagem. Quase sempre ele deixa de lado o
sentir, pois sua entrega na dança fica comprometida pelo excesso de atribuições que lhe cabe:
“conduzir bem” acaba se sobrepondo às sensações diversas que a dança pode oferecer. Isso,
6
“Partner: parceiro, parceira, par, sócio, associado, sócia, namorada.” (BLA.BA, s.d.) “Na dança de salão é
chamado partner, “duas pessoas com o interesse comum de dançarem harmonicamente juntos e, no caso dos
parceiros de dança e que são profissionais, não deixa de haver também uma espécie de sociedade.”
(QUINTANILHA, 2016, p.125).
35
muitas vezes, acarreta frustrações nos mesmos, pois quando não conduzem “direito” sentem-
se chateados de forma considerável, com uma sensação de incapacidade e muitos desistem até
mesmo de aprender a dançar. Dentro da ideia de que somente homens devem conduzir há a
geração da ideia da culpa, logicamente que a mesma recai sobre os ombros do público
masculino, afinal de contas foram eles que não conduziram de maneira correta. Aqui vale
abrir um parêntese para falar sobre outro aspecto comumente encontrado na configuração
tradicional da Dança de Salão, que é a ocorrência do erro e o acerto, pois:
Não obstante culpar somente os homens pelos equívocos da dança, além de fortalecer
a ideia de que o homem deve sempre ser o provedor, também tira da mulher a possibilidade
de refletir sobre sua própria dança. O fato de ter uma pessoa que erra, seja na condução ou na
resposta, pode gerar desentendimentos entre as partes envolvidas na forma de acusações.
Algumas contestações por parte de damas e cavalheiros, um em relação ao outro, são
exemplificadas abaixo:
Acusações como “você não está me conduzindo”, “você está fora da música” ou
“você não está cuidando do espaço” costumam ser ditas pelas Damas. Ao mesmo
tempo, os Cavalheiros as acusam com “você não está seguindo minha condução”,
“você está realizando o passo antes de eu conduzir” ou “você está se conduzindo”.
(STRACK, 2017, p 40)
Vale salientar que para que a condução aconteça, em uma perspectiva tradicional de
ensino, é necessário que os cavalheiros estejam o tempo todo pensando e decidindo quais
figuras ou sequências desejam realizar, o que significa que dançar com uma dama que não
tenha a resposta esperada torna-se algo não desejado, de modo que “o planejamento do
cavalheiro seja quebrado, fazendo com que toda a linha de raciocínio se perca e o mesmo
tenha que recomeçar sua sequência (ou alterá-la de alguma forma).” (STRACK, 2017, p.33)
Apesar dos cavalheiros serem estimulados a serem criativos, pois devem buscar
variações nos passos e combinações executadas, considero que o modelo tradicional de ensino
em forma de “combos” e sequências prontas também acaba limitando a originalidade dos
mesmos, pois se para cada condução há apenas um passo possível, a criatividade sempre fica
restrita a um repertório pré-estabelecido. O que significa que os cavalheiros irão conduzir as
damas para que realizem as mesmas movimentações sempre, pois “as figuras e passos que são
36
aprendidos em aula, são reproduzidos nos bailes, de acordo com o repertório que os
Cavalheiros possuem.” (STRACK, 2017, p.32).
Outro fator elencado aqui como algo desconexo à época atual em que vivemos diz
respeito à orientação sexual das pessoas que dançam, principalmente dos homens. Muitas
vezes a orientação sexual dos homens é questionada ou colocada em evidência pela sociedade
por optarem pela prática da dança. Diante disso, o corpo masculino que dança apresenta
algumas características que podem não atender aos padrões de beleza e de movimentos
popularmente esperados de um homem. A raiz desse tipo de mentalidade varia de cultura para
cultura e, em minha opinião, tem como um dos incentivadores principais a iniciação das
crianças nas escolas. Segundo Isabel Marques (1997, p. 21) “não são poucos os pais e alunos
que ainda consideram dança coisa de mulher.” Diante disso, resulta a dificuldade de aceitação
por parte dos meninos em realizar atividades de dança na escola, o que hoje ainda é uma
realidade bastante presente. Na Dança de Salão, a questão da possibilidade de dúvidas em
relação à orientação sexual dos homens também pode justificar a falta de interesse em tornar
as mulheres mais ativas e participativas na relação que se estabelece ao dançar, pois:
A aceitação de uma dama com maior relação de força nessa relação poderia
significar um cavalheiro “não homem o bastante”, efeminado e até ser rotulado de
homossexual pelo fato de não impor à dama seu devido papel passivo durante a
dança. (STRACK, 2013, p. 18)
Sabe-se que a Dança de Salão, na época em que surgiu, estava também relacionada a
aspectos que envolviam questões afetivas, em que no contexto dos bailes mulheres e homens
tinham a oportunidade de, além de dançar, flertarem, e onde elas tinham a oportunidade de
selecionar um par através da análise de aspectos que elas buscavam - que se expressasse na
dança desses homens, como segurança, respeito, atenção, criatividade, atitude, sensibilidade e
gentileza, para então assim, escolherem parceiros em potencial, para um futuro casamento. Os
homens, por sua vez, deveriam agradar as mulheres, sendo os legítimos “cavalheiros” no
sentido galanteador da palavra. Essa mentalidade de atrelar a Dança de Salão a
37
relacionamentos íntimos ainda é bastante presente nos dias atuais, mostrando mais um
equívoco existente no modelo tradicional de abordagem das danças de pares, pois essas ideias
acabam sendo reforçadas nos locais de ensino não formal, onde os próprios termos dama e
cavalheiro, ou ainda menina e menino, carrega uma carga “muito grande de estereótipos de
gênero, sendo importante ressaltar a ideia de que a Dança de Salão não é um ritual de
acasalamento e, portanto, não necessita ser dançado por um par heterossexual.” (STRACK,
2017, p.48) Nesse cenário, acho importante que os profissionais da área repensem as formas
de manifestar suas metodologias no sentido de modificar essa mentalidade, desvinculando a
prática da Dança de Salão a questões imperativas ligadas à sexualidade, pois:
Além disso, outra questão a ser mencionada é que essa condução unilateral muitas
vezes se dá de forma pesada e brusca. Acredito que a ansiedade dos cavalheiros em conduzir
faz com que, seguidamente, utilizem força e pressão em algumas partes do corpo das damas -
muitas vezes justificada como sendo necessária, pois como mencionado por Silvio Rodrigues
(2013, s.n.), “a condução depende de cada dama, tem dama que é mais difícil de conduzir,
então temos que colocar mais firmeza, e tem damas que são umas plumas, onde a condução é
quase nula, pela prática que a mesma alcançou.” Grande parte dos professores não enfatiza
em suas aulas, quando ensinam as conduções aos cavalheiros, os cuidados indispensáveis que
os mesmos devem ter no momento de colocar em prática as técnicas aprendidas. Também não
se ensina às damas que verbalizem possíveis incômodos que possam estar sentindo, o que faz
com que na maioria das vezes elas permaneçam caladas por acharem que a situação é normal,
afinal como os cavalheiros precisam aprender a conduzir, elas pensam que devem estar
disponíveis para que eles, não raras vezes, manipulem seus corpos na intenção de se fazerem
entender. Trago abaixo, como exemplo, a passagem de um dos relatos de Luciana Lua (2014,
s.n.), sobre sua experiência com uma condução inapropriada:
O cara com quem eu estava dançando não era um grande condutor e, enquanto eu
dançava, estava apenas esperando que a música acabasse. De repente ele apertou
minha perna entre as dele e puxou-a para frente, o que me forçava para a fazer um
cambré e, logo de imediato, trouxe meu tronco para cima de volta. Despreparada
38
para a novidade e com o meu peso meio deslocado, foi meu pescoço que sofreu a
consequência do movimento mal conduzido. Eu senti uma dor aguda no pescoço e
logo abaixo dele, no lado direito das minhas costas, especialmente quando tentava
virar a cabeça para frente. Fiquei irritada. Que diabos havia sido aquele movimento?
“Que idiota!” eu pensei. A música terminou logo depois e eu fui embora sem dizer
nada para o rapaz que havia dançado comigo.
Tudo estava maravilhoso, até que o cavalheiro me colocou em um chicote e... antes
que eu o finalizasse, me puxou pelo braço com tal força que não consegui segurar a
cabeça...ouvi o som do disco intervertebral rompendo e veio a dor, que seria minha
nova companheira de vida. Este cavalheiro não desejava de forma alguma ferir uma
dama, não era meu parceiro nem professor. Mas, seja como for, a partir desta dança,
eu carregaria todos os dias, só para começar, a dor de uma hérnia de disco cervical.
Mediante ao explanado até agora, fica claro que existem discrepâncias no que diz
respeito à visão comunicacional estabelecida entre os pares quando dançam. Na condução
padrão, somente uma pessoa comunica o que deseja, o que segundo Strack (2017, p. 22),
“leva a uma metáfora dualista de alguém que comanda e alguém que é comandado (ativo-
passivo; sujeito-objeto; dominador-dominado; condutor-conduzido).”
Há variadas formas de ocorrer comunicação na Dança de Salão, podendo ser visual,
sensorial, intuitiva e corporal; sendo a última é a que se destaca para gerar conexão, sobretudo
no que diz respeito ao desenvolvimento do diálogo corporal, um dos focos principais que o
presente trabalho busca investigar. Como nos traz Luiz Dalazen (2013, p.6), a comunicação
corporal “é a chave de toda inter-relação e após sua experimentação comprova-se que o
‘corpo fala’, nem a necessidade de verbalização”. Sendo assim, é fundamental uma atenção
especial para o desenvolvimento da sensibilidade de ambos os agentes propulsores dos
movimentos, em razão de que, “ao invés de uma relação linear de transmissão de mensagem,
é reconhecido que os corpos se afetam mutuamente pelas suas ações.” (STRACK, 2017,
p.23).
Em uma visão relacional de comunicação (FEITOZA, 2011), os corpos se afetam
mutuamente por suas ações, pois há compartilhamento nas movimentações, e, assim, é
desconstruída a noção do corpo como um recipiente, mero depósito de estímulos e sensações.
Quando pensamos na dança sendo dividida entre duas pessoas através do contato -
algo que acontece praticamente o tempo todo nas danças de salão – deve-se entrar em sintonia
para produção de movimentos com o mesmo propósito, pois:
que queiram estar juntas dançando, por meio de uma postura de empatia e respeito. E, desta
forma, é possível:
Despertar mais atenção na dança que ali se realiza bem como a ampliação da
disponibilidade corporal, e para, também, proporcionar fluídas dinâmicas as quais
preveem uma constante expectativa por ações dançantes. E não mais a regência do
mero passo, como se observa no formato tradicional, e sim, a relação entre os corpos
que ali se fazem presentes. (SANTOS, 2016, p. 6)
Dentro dessa concepção, surge a ideia de parceria que, segundo compreende Elisa
Quintanilha (2016, p.125), é “uma reunião entre duas pessoas com o interesse comum de
dançarem harmoniosamente juntos e, no caso dos parceiros de dança e que são profissionais,
não deixa de haver também uma espécie de sociedade.” Sendo assim, entendo a ideia de
parceria como algo que deve abranger colaborações mútuas e equitativas:
Este momento de comunicar com o outro não está atrelado necessariamente ao fato
de um parceiro – o cavalheiro – informar algo com eficácia e ser seguido pela dama,
mas talvez, esteja atrelado a um acordo entre ambos para se recomeçar a dançar.
(SILVEIRA, 2012, p. 24)
Aceita-se que diálogo é uma forma de fazer circular sentidos e significados através
de uma relação. Todo diálogo é uma forma de se relacionar com alguém, ou com
mais pessoas, utilizando o uso da palavra. De uma forma mais abrangente define-se
o diálogo como uma maneira de se relacionar com alguém e manter ligações e
vínculos em prol de um entendimento comum. Ele visa unir, ao invés de separar, o
que o diferencia das definições de discussões de ideias e debates, por exemplo.
42
Os pares possam atuar de forma conjunta, com instruções dadas um ao outro sem
um condutor pro tempore. Vislumbramos as possibilidades da troca contínua de
instruções, quando o condutor assume o papel de conduzido. No entanto, lembramos
que a efetivação desse cenário requer alterações na formulação do modo que se
ensina e que se aprende. Por isso, propomos efetivar a alternância dos papéis entre
quem conduz e quem é conduzido, quando o conduzido passa a conduzir e quem
conduz passa a ser conduzido. (SANTOS, 2016, p. 5)
O diálogo corporal torna-se cada vez mais fluido, chegando a um ponto em que as
“trocas de papéis” não conseguem mais ser definidas. O par influencia-se
mutuamente e a dança surge através dos corpos dos dois, sem passar pelo patamar
de “um falar e outro responder”.
O ato da comunhão dos corpos onde os dois precisam estar de acordo só poderá
acontecer quando cavalheiro e dama estiverem na mesma sintonia sem que haja um
43
poder de quem manda e outro de quem obedece, pois a dança de par sempre esteve
atrelada a um contexto histórico e cultural relacionada a mando e obediências.
(GRANGEIRO 2014, p.106)
Na minha avaliação, o principal recurso que deve existir para que possamos comunicar
aos nossos parceiros de dança as movimentações propostas é através do desenvolvimento da
escuta corporal, que dentro da perspectiva de indução, deve ser uma escuta mútua, em que
ambos os intervenientes devem desenvolver a sensibilidade corporal. A escuta corporal passa
pelo ouvir, interpretar e responder e está também relacionada ao estabelecimento da conexão,
pois a mesma é “o aspecto fundamental para o desenvolvimento da dança a dois, uma vez que
para propor ou seguir, é preciso estar ao máximo em estado de atenção para com o outro e,
por consequência, sensibilizado ao que ele produz quando aos pares.” (SANTOS, 2016, p.14).
Quando em conexão, cada um apresenta movimentos sutis antes da movimentação
propriamente dita acontecer, sendo necessário um estado de presença por parte dos
envolvidos, já que o “desenvolvimento dessa escuta corporal na Dança de Salão faz com que
ambos estejam atentos aos mais variados sinais corporais: respiração, troca de peso, tensão e
relaxamento muscular, torções corporais, dentre outros.” (STRACK, 2013, p. 43)
Na ótica da condução compartilhada, a escuta corporal de condutor e conduzido
assume características diferentes em suas exigências no que diz respeito à criatividade, como
explicita Quintanilha (2016, p. 128):
Pode-se constatar na fala da autora que para que o diálogo na dança se estabeleça, a
partir de escutas mútuas, na intenção de propor e induzir movimentos é necessário treino dos
dois indivíduos que compõem a dança. Tanto o propositor quanto quem recebe o estímulo
deverão saber os momentos oportunos para realizar interferências recíprocas e agregar na
evolução da dança, pois:
44
Respeitar o que o condutor propõe faz parte da “escuta”, compreender que ele quer
passear pelo salão enquanto você só queria girar faz parte da “escuta”, e até para
induzir o condutor a uma movimentação, o conduzido precisa dominar muito bem
esta “escuta perceptiva” do corpo do condutor, percebendo o modo de aquele corpo
proceder no tempo e no ritmo das músicas, a forma que seu corpo se coloca na
realização dos passos, o espaço que o corpo do condutor ocupa no espaço global em
que a dança se realiza, se seus movimentos são expansivos, ou volumetricamente
limitados, os tipos de acentos (enfoque) e impulsos que o condutor costuma
enfatizar em sua movimentação. Tudo isto faz parte da “escuta perceptiva” do
conduzido. (QUINTANILHA, 2016, p. 128)
Com os homens, um dos principais trabalhos a ser desenvolvido fica por conta de
desfazer preconceitos, embasando as aulas no sentido de desfazer aspectos do machismo
enraizado pela cultura, e em termos de dança, no momento de vivenciá-la, o saber esperar,
aguçando sua sensibilidade, do mesmo modo que se estimula para que as damas o façam.
Porém, “um dos pontos mais importantes a ser trabalhado, principalmente com os cavalheiros
que já dançam, é o desapego ao seu ‘planejamento’.” (STRACK, 2013, p.40). Ou seja, a ideia
de que é necessário previamente estabelecer, de forma mental, os passos que os mesmos
desejam executar com as damas, suprimindo assim as possibilidades de diálogo, pois:
[...] em determinados momentos pode ser somente com propostas do homem, outros,
somente com propostas das mulheres, às vezes, ambos falando em um pequeno
intervalo de tempo, com muito intervalo de tempo, e tantas outras possibilidades que
mais uma vez se remetem diretamente à “liberdade” de escolha, a qual é o símbolo
verbal que melhor representa essa expressão de dança. (DALAZEN, 2013, p.9).
iniciação até o término da pesquisa, foi eu ter me deparado com a oportunidade de dançar com
meninas, algo que jamais havia feito em um baile de Dança de Salão no tempo de prática que
tenho, pois para mim ainda causa algum estranhamento essa configuração de dança. Sobre
esta questão, Zamoner (2013, p. 14) aponta que:
7
O forró é um estilo de dança e gênero musical influenciado por africanos e europeus, fruto de ritmos musicais
tais como baião, xote e xaxado. É uma das danças típicas mais populares do Brasil, relacionada à região nordeste
com um ritmo ora lento, ora rápido, recheado de instrumentos como o triângulo, a sanfona e a zabumba.
(DANÇAS TÍPICAS, S.D.).
8
Kizomba é um gênero musical e de dança originário de Angola. O termo "kizomba" provém da expressão
linguística Kimbundo, que significa "festa". (MAIS KIZOMBA, 2017)
47
contemplava uma aula de uma hora e meia, também uma vez por semana (às terças-feiras).
Importante ressaltar que, como é comum em diversos cursos, durante o desenvolvimento do
processo houveram algumas desistências e, ao final da Oficina, as turmas seguiram separadas
em dois horários, porém com um menor número de participantes, especialmente no primeiro
horário. Em média eram aproximadamente 20 alunos em cada horário, mas o número variava
bastante, pois muitos faltavam algumas aulas e reapareciam nas posteriores, não abandonando
a Oficina totalmente. Por aula se faziam presentes, de fato, em torno de dez alunos.
A primeira aula, que estava lotada, foi para apresentar a Oficina com esclarecimentos
gerais de como iria funcionar, especialmente no que diz respeito à condução, de que teríamos
liberdade de escolher quem iria tomar a iniciativa de propor as movimentações, etc. Na
ocasião, os participantes foram informados de que a Oficina fazia parte do projeto de pesquisa
de Trabalho de Conclusão de Curso de Dança-Licenciatura e de que, portanto, para participar
da atividade, era necessário assinar um termo de consentimento 9 . Também foi solicitado,
neste dia, que todos os participantes tivessem um diário de bordo do processo, em que
anotariam sensações, percepções, dúvidas etc. Apareceram nos diários, diversas interpretações
sobre a proposta, muitas delas ligadas à questões de gênero:
O seu Projeto, Lívia, é muito importante ao nosso tempo, pois não está fixo no modelo tradicional,
apresenta esta possibilidade de um novo olhar. Trabalhar com a inversão de papéis, ou melhor, o espaço
de troca na condução, em que não só o homem pode conduzir a mulher, mas sim ambos podem, nos ajuda
cada vez mais a refletir sobre as questões de gênero que está posta em nossa sociedade. Assim também
como o modelo de casal que não é necessariamente, um homem e uma mulher, reconhecer que temos
casais gays, ou simplesmente uma mulher pode preferir dançar com outra mulher independente se ela se
relaciona afetivamente com mulheres ou homens, mas na dança sente-se melhor tendo como par uma
mulher. Simples assim, sem problematizar ou querer enquadrar, mas dar o espaço de liberdade em que o
participante possa escolher. (ALUNA I) 1011
A proposta inverteria a "condução da dança", ou seja, não haveria uma distinção entre condutor e
conduzida por sexo, fundamentada nas questões contemporâneas de gênero. Eu particularmente achei isso
bastante divertido e interessante. Há tempos tenho acompanhado as discussões sobre gênero, e
convivendo muito com feministas e transgêneros entre outros acho isso importante de ser levado às
práticas artísticas. E por que não a Dança de Salão?
9
Ver Apêndice B.
10
Conforme termo de consentimento (ver apêndice B), os nomes dos (as) alunos (as) não seriam transcritos.
11
As citações dos alunos e alunas, quando maiores de três linhas, sempre aparecerão com endentamento de 1 cm
para diferenciar das citações longas.
48
A proposta de uma condução compartilhada ou da mútua atuação na dança é mais um dos aspectos de
implementação de ações feministas, ainda mais no ambiente onde as mulheres têm tantas exigências e por
vezes pouca decisão imediata como na dança, que é o caso deste relato. O contato com esta modalidade
de ensino está sendo bastante produtivo mesmo porque quando iniciei minha jornada com o dançar em
muitos momentos meninas dançavam com meninas (meninos não sabiam em boa parte dançar) e uma das
duas deveria conduzir e eu muitas vezes o fiz, o que difere em muito do que estamos desenvolvendo nas
aulas que é realmente desenvolver um entendimento conjunto, a corporalidade da dança, dos movimentos.
Talvez algumas pessoas não tenham se encaixado na proposta e acabaram desistindo, pois não
conseguiram romper ainda barreira do machismo na condução "tradicional", e penso que isso venha
principalmente dos homens.
A proposta das aulas é de que não são apenas os homens que conduzem e é muito interessante e talvez um
grande desafio para a professora, já que as mulheres em sua maioria sempre foram conduzidas e talvez
tenham dificuldade em fazer o papel de condutoras como eu senti.
O objetivo das aulas é desconstruir um pouco algumas características da dança de salão. Casais não
precisam ser formados por homem e mulher, o homem quem conduz. Sinto que essa proposta de mudar
um pouco algumas coisas só tem a ganhar mais força, e a crescer, pois quando apenas um conduz se perde
a criatividade do outro, se perde o diferente.
O objetivo principal da Oficina foi trazer uma nova visão aos alunos com a intenção
de lançar sementes para que os mesmos tenham consciência de que podemos aprender a
dançar a dois de outras maneiras, que não sejam somente com uma condução unilateral que já
chega pronta na maneira de “combos” e sequências, e que quase na totalidade dos casos
somente os homens aprendem como fazer. Para mim, todo ensino implica em sugerir e
problematizar algumas situações para que estimule os alunos a expandirem seus horizontes,
nas quais cada indivíduo fará brotar uma ideia de forma diferenciada, quando sentir que
aquilo o toca de uma maneira significativa. Concordo com Paulo Freire (1997, p.47) quando
49
nos diz que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
própria produção ou a sua construção.”. Sendo assim, a Oficina buscou incentivar a
autonomia dos alunos, especialmente nos exercícios propostos para desenvolver o diálogo
corporal.
Além do que já foi explanado anteriormente, é válido ressaltar a compreensão de que a
dança traz em si uma neutralidade no que diz respeito a gênero e sexualidade, portanto a
Oficina contemplou e viabilizou a interatividade entre mulheres e homens, sem necessidade
de estabelecer pares definidos por diferenças de gênero, até porque o ato de propor e induzir
movimentações nas Danças de Salão é visto aqui como algo que pode partir dos dois corpos
que interagem, em que ambos os indivíduos são protagonistas ao dançarem. Desta forma, a
necessidade do padrão mulher/homem não é algo relevante nesse contexto.
A Oficina também esteve centrada em aspectos ligados à busca da libertação corporal
de alunas e alunos. A ideia é que, pelo menos momentaneamente, os códigos rígidos inseridos
na técnica sejam deixados em segundo plano, pois os mesmos quando levados ao extremo em
sua interpretação podem gerar tensões, sobrecarregando os corpos de atribuições e nublando a
autopercepção de quem dança. Além disso, a visão meramente utilitária da técnica limita a
sensibilidade que deveria brotar naturalmente, proporcionando uma defasagem na interação
genuína que tanto ansiamos por ver e sentir acontecer entre aqueles que compartilham uma
dança. Isso pode provocar um cerceamento na dimensão autêntica dos indivíduos, muitas
vezes inibindo a essência de cada pessoa. A relevância da Oficina se deu ao sentir a expressão
corporal como algo que não esteve escravizado pela técnica rigidamente exposta e cobrada.
Antes de descrever os temas trabalhados na Oficina, faz-se necessário apontar alguns
aspectos que permearam todas as aulas, configurando-se em diretrizes metodológicas, no que
diz respeito aos termos utilizados em sala, como por exemplo:
aprender a proposição/condução era pedido aos alunos que conversassem entre si para
escolherem quem iria aprender na primeira vez. Após isso, eram incentivados (as) a trocar o
papel, para que as duas pessoas tivessem a oportunidade de experimentar os dois lados do
mecanismo que aciona a dança, ou seja, a proposição e a resposta para a mesma. Sobre isso
segue o comentário da Aluna F:
Outra atividade proposta pela acadêmica Livia, que é de grande valia, é a questão da troca de posições,
ora como condutor, ora como conduzido, pois assim podemos ter noção de ambos os lados, quais os
movimentos que podemos executar e o que não podemos fazer em cada posição.
Outras nomenclaturas reformuladas para utilização nas aulas foi trocar as palavras:
casal por par, condução de movimento por proposição, técnicas de condução por técnicas de
comunicação, cavalheiro e dama por parceiros ou duplas, a partir das discussões apresentadas
anteriormente por Feitoza (2011), Strack (2017) e Quintanilha (2016), no início deste
capítulo.
Abaixo seguem os principais temas abordados nas aulas (ver Apêndice A, plano de
curso). As proposições aqui elencadas foram baseadas, principalmente, em leituras prévias
que realizei antes de amadurecer o tema do trabalho. Além das aulas que faço quase que
diariamente há alguns anos, os workshops que participei em outros locais, contribuíram para a
formulação de algumas ideias, especialmente uma das dinâmicas realizadas em uma das aulas
da Oficina. Também o conhecimento que adquiri durante os anos de graduação somaram de
maneira significativa em minha percepção sobre a Dança de Salão, e consequentemente, na
temática apresentada neste trabalho. Muitas linhas de pensamento coincidiram em mais de um
autor consultado, além de algumas ideias práticas como a da técnica do Contato Improvisação
(CI), bem como a “pequena dança” proposta, igualmente, por de Steve Paxton. (Strack, 2017,
p.112).
3.1.1Noções rítmicas
O objetivo principal dessa aula foi o de introduzir noções básicas de ritmo, já focando
no compasso binário do Forró. Foi explicado o que é o tempo na dança, sendo imprescindível
e atrelado a questões rítmicas - que considero fundamental para um bom entendimento das
possibilidades de como as movimentações podem acontecer. Aqui a ênfase foi dada na
importância da identificação do tempo forte das músicas, que seria o seu acento, de modo a
51
auxiliar para, como se diz, se dançar no ritmo ou no dentro do tempo. Em muitas músicas a
entonação/acento da voz dos cantores também nos aponta o tempo forte da música.
Foi solicitado aos alunos e alunas que batessem uma palma quando sentissem o acento
da música, com a utilização de músicas diferentes em velocidade - foi explicado que o tempo
na dança pode variar em rápido, moderado ou lento (velocidade, intensidade e duração –
fundamentos da Dança de Salão). Após o entendimento geral desses pontos, a atenção
musical foi destinada ao Forró, pois seria a primeira dança ensinada. O Forró possui
compasso binário (tum, tá), ou seja, é dividido em dois tempos (um fraco e um forte). Nessa
aula as alunas e alunos também aprenderam o contratempo (tum, tum, tá), muito utilizado em
todas as danças. Aqui é importante ressaltar uma estratégia de ensino de ritmo, que está ligado
à prosódia:
O que mais chamou a atenção nessa aula foi a dificuldade, em grande parte das alunas
e alunos, em relação à marcação dos tempos, especialmente no sentido de entrar no ritmo,
como alguns compartilharam em seus diários:
Eu, como sou iniciante, mesmo, desconheço ritmo e não conseguia encaixar os movimentos do som no
corpo e nesta primeira aula foi muito produtiva para meu desenvolvimento corporal. A música era o Forró
passo-a-passo e nos foi colocado a base da desta dança. Tivemos um aquecimento e relaxamento antes da
aula que nos serviu não só para descontração como integração do grupo que são aproximadamente 50
colegas. Nesta primeira aula o (im) possível aconteceu eu consegui entender a batida do som, do grave,
que faz a marcação para desenrolar da dança. Apesar de ser algo muito simplório, eu não havia entendido
até então. Após a explicação da prof.ª para identificação do som grave consegui me ambientar e deslocar
o corpo junto a música. [...] A aula teve importante ensino com a audição de tempo e contratempo.
Fazendo com os passos sejam direcionados pela música. Achei a tarefa um tanto quanto difícil porque
tenho certa dificuldade de assimilação do que foi pedido. Haja vista que não tenho iniciação musical na
prática com instrumentos. (ALUNO B)
Um dos primeiros aspectos a merecer atenção para que a dança seja musical é que os
alunos sejam capazes de perceber os tempos ou pulsos musicais e, dependendo do
método de ensino de dança de salão, também o tempo forte, que é o primeiro tempo
do compasso musical, cuja percepção auxilia, em muito, a situar conscientemente o
passo básico a partir de uma dada relação com este tempo. (FILADELFI, 2016, s.n.)
Os passos do forró são bastante simples, mas o que sempre me atrapalho é no ritmo: tentar pegar o ritmo,
por vezes me concentrando demais no ritmo e ficando tenso, ou perder o ritmo e me atrapalhar. Mas isso
acho que se desenvolve com o tempo e esforço.
Inicialmente foi falado sobre a importância do abraço na Dança de Salão e que pode
ser uma relação de abraço fechada ou aberta, sendo diferentes as localizações de pontos de
conexão como as costas (abraço), mão com mão (relação fechada ou aberta), parte frontal dos
corpos em contato/linha de conexão de abdômen/tórax (tronco). Pode-se inverter o abraço
conforme a troca de proponente, porém pode-se manter o abraço convencional, mas estar
receptivo à ideia da outra pessoa iniciar a dança (ter calma). Foi enfatizado que o mais
importante é não sair querendo realizar passos de cara e, sim, esperar um pouco antes para
sentir o contato com a outra pessoa, sentindo a respiração, por exemplo. Foi falado
brevemente sobre a variedade de abraços, e que também podemos inventar novos tipos,
buscar algum novo ponto de conexão, pois:
Foi bastante interessante o teu ensinamento sobre transferência de peso (ou de movimento) entre os
parceiros. Eu acreditava que não conseguiria ter um certo balanço no momento em que fazia os passos de
dança, já que geralmente são ensinados somente o que se deve fazer e eu aprendi isso de uma maneira
mais mecânica. Porém, quando a senhora ensinou sobre a transferência de peso nas pernas, trabalhando o
flexionamento do joelho, de repente tudo ficou mais claro. Essa seria uma das essências de se ter mais
ginga quando se dança, acredito eu. (ALUNO J)
Maia e Pereira (2014, s.n.) dizem que as transferências de peso devem ser executadas
com precisão e equilíbrio, “[...] uma vez que, pelo fato de haver proximidade entre os pares, o
desequilíbrio de um, também afeta o de outro, tornando-se difícil harmonizar os passos.”
Sobre esta questão do peso com o outro, a Aluna C relatou que:
55
A primeira aula prática foi o momento de inteiração rítmica e o entendimento sobre a troca de peso entre
os pares e a conexão que é importante ser estabelecida por quem dança junto um com o outro. É aí que se
descobre o quão difícil é dançar junto com o outro, fazendo e mantendo esta conexão. É um desafio.
Após, foi trabalhado o contato com as mãos (relação aberta), como funciona o
estímulo de proposição/condução (pressão e resistência, laterais e de cima para baixo), que
são forças contrárias de um em relação ao outro para gerar o movimento das pernas, o
deslocamento do par pelo espaço, ou simplesmente que irá manifestar em figuras. Abaixo
segue a citação da Aluna E:
A primeira dinâmica foi em duplas: exercitar ação e reação do toque dos polegares na palma das mãos o
que tornou mais fácil a percepção de quem conduz e é conduzido, oportunizando o entendimento que
mesmo aquele que é conduzido deve exercer ação em sentido contrário a fim de possibilitar a
comunicação entre os corpos.
Particularmente tive certo desconforto com o par que dancei nesse dia. Talvez por ele estar tão
acostumado a conduzir e não a ser conduzido, foi um pouco difícil o entrosamento na dança. Mas foi boa
a experiência para ter uma ideia de como certos conceitos estão tão arraigados em nossa sociedade
patriarcal que ficou um pouco difícil para ele ceder durante as conduções. Me senti muito presa na dança,
não me senti muito confortável. Quem sabe também por ser a nossa segunda aula, meu par (que dançou
comigo dessa vez) talvez também não tivesse muita ideia de que deveríamos estar em harmonia, e que ele
não podia simplesmente me "dominar" e sim me conduzir com mais delicadeza. Apesar da professora
Lívia já ter nos ensinado essa questão da harmonia nas conduções, penso que precisamos vivenciar isso
na prática. Pois muitos escutam, mas não praticam. (ALUNA M)
Por sua vez, o Aluno O trouxe o seguinte apontamento: “Notei que as mulheres não se
importam muito em e conectar com outras mulheres, porém os homens evitam se conectar
com outros homens. ”
Durante as aulas sempre foram ressaltadas as diferenças entre realizar pressão no
contato e apertar ou empurrar, pois na ânsia de conduzir, às vezes, se confunde o estar firme
(não tenso) com uma força desnecessária. Após esses conceitos fundamentais, foi pedido aos
alunos e alunas para que se deslocassem no espaço usando diferentes direções, um guiando o
outro, um com os olhos fechados e o outro com olhos abertos atentando para a relação de
pressão/resistência através das mãos. Foi impelido as alunas e alunos que não perdessem o
contato um com o outro, desenvolvendo a capacidade do toque, sem receios. Sobre isso, segue
o relato do Aluno K:
No segundo dia já cheguei disposto a passar a condução para minha esposa no máximo que pudesse. Do
ponto de vista de um artista, penso que isso pode flexibilizar a sensibilidade, perceber as nuances do jogo
56
de corpo que um oferece ao outro. Deste modo, ser deslocado por minha esposa que só tem 46 e eu que
tenho quase 80 se torna um exercício de sensibilidade. É preciso uma escuta e uma disposição. Porém
como já dançava intuitivamente forró, desde a década de 90 sem ficar preocupado com técnicas, já havia
notado que os comandos podem ser trocados.
O objetivo era explorar a dança que surge através de jogos e dinâmicas especialmente
desenvolvidos para estimular o diálogo e a escuta corporal e, consequentemente, a conexão e
a sintonia na dança a dois, pois:
A dinâmica se dava por uma mesa imaginária de vidro, onde existia um centro que
precisava estar equilibrado para que a mesa não pendesse de um lado para outro, virasse ou
quebrasse. As pessoas deviam caminhar em torno da mesa (fora dela). Devido à ausência se
um tablado ou linóleo, foi necessário demarcar os limites da “mesa”, para visualizar o fora e o
dentro. Foram utilizadas várias tiras de TNT, na cor azul, amarradas entre si para
configuração de um grande retângulo no chão. Nessa caminhada em volta da mesa, era
necessário que as pessoas mantivessem atenção àquelas do lado oposto e, através de alguma
indicação, deveriam se entender mutuamente, e em duplas ir entrando na mesa e fazendo um
jogo de movimentações onde o equilíbrio da mesa devia ser mantido para que a mesma não
quebrasse, ou seja, não pendesse para um dos lados. Primeiro foi feito sem música, de forma
simples, só testando as direções possíveis. Depois foi colocada música e pedido às pessoas
que explorassem mais os movimentos, os níveis, e que os movimentos tivessem algum tipo de
ligação ou que estivessem contextualizados entre si em relação à sua dupla. Na terceira vez as
pessoas entraram na mesa dançando entre pares e o jogo foi na mesma ideia, porém em
57
relação a uma dupla oposta. Podia também entrar sozinho, desde que se encaminhasse até o
centro da mesa, onde se encontra o ponto de equilíbrio da mesma. Foi solicitado aos alunos e
alunas que em momento algum conversassem durante o exercício.
Sobre esta dinâmica, a Aluna F escreveu em seu diário: “Estou aprendendo a
importância da conexão, tanto no contato físico quanto na conexão de olhares, para identificar
qual o movimento a outra pessoa irá propor. ” Por sua vez, a Aluna A apontou o seguinte:
Nessa aula, de novo dancei com outro par. E apesar dele estar um pouco tenso, tivemos uma dinâmica
muito boa que a professora Lívia trouxe para nós: uma noção do espaço entre casais e do equilíbrio entre
os pares. Achei bem importante a noção de se comunicar com o par através do olhar e dos gestos de
espelhamento com o nosso parceiro de dança. Cuidando também o movimento dos outros casais na pista.
Isso nos ajuda a fluir melhor na dança, mostrando o respeito que devemos ter também com os outros
casais dançantes. Trazendo uma noção maior sobre a importância da harmonia e do equilíbrio, não só a
que deve ser refletida no próprio casal, assim como a que deve haver numa visão geral entre casais que
estejam na pista de dança. (ALUNA A)
Isabel Willadino (2012) aponta a noção de espaço como uma das questões importantes
para a aprendizagem da Dança de Salão, pois a pessoa precisa se localizar em relação ao outro
e ao espaço geral, sobre esta questão, o Aluno K fez a seguinte observação:
Achei a dinâmica bem instrutiva. De equilibrar o espaço, não ficarem todos em um lado do Tablado,
cuidar o movimento do outro, ter noção da espacialidade. O que atrapalhou um pouco foi a timidez do
pessoal. Que não ficava com o olhar livre pra gente captá-los à brincadeira.
como é este trabalho que dançar com o outro e estar em contato mesmo que à distância.”
Sobre este tema, a Aluna E ressaltou que:
As dinâmicas seguintes continuaram buscando possibilitar aos sujeitos a comunicação não-verbal, foram
feitos experimentos como espelhos em que em um primeiro momento as duplas andavam em volta de um
tablado e através do olhar deveriam decidir subir ao mesmo e deveriam executar movimentos iguais e
simétricos em relação ao centro, no segundo momento as duplas dançavam e deveriam escolher outra
enquanto andavam em volta do tablado e posteriormente subir ao mesmo executando movimentos iguais
e simétricos em relação ao centro. Nessa experiência verifiquei maior dificuldade na comunicação e
execução dos movimentos quando em duas duplas mesmo que nessa fase estivéssemos dançando com um
par; também tive dificuldade no espelhamento quando em dupla simples, pela minha dificuldade de
localização espacial, pois na primeira etapa os corpos não se tocavam.
Hoje a aula foi um pouco diferente, a professora fez um exercício de percepção e ligação com o outro. No
começo não achei ninguém para entrar comigo no círculo, mas depois fui achando e foi bem divertido,
estabelecer ligação com outra pessoa apenas com o olhar é muito diferente de conversar com ela, gostei
bastante. Em seguida tivemos que fazer a mesma coisa só que aos pares, achei alguns parceiros e nos
divertimos muito, isso também ajudou na concentração.
Nessa aula foram dados exercícios sobre a transferência de peso na dança. Foi um exercício de certa
forma interessante, pois mostrou um aspecto bastante básico e simples da dança que eu jamais havia
pensado. Permitiu que eu pudesse relaxar um tanto, antes de tentar dançar - quase como limpar a mente
antes de fazer qualquer coisa - e como você sempre ressalta, a questão de sentir o corpo da pessoa com
quem se está dançando. (ALUNO A)
60
Para potencializar o sentido corporal, foi utilizado vendas nos olhos, pois suprimindo a
visão obrigava-os a estarem mais atentos aos sinais corporais, como atesta a Aluna M,
dizendo que o exercício ajudou a ter mais concentração e percepção do que o parceiro estava
fazendo, “[...] pois de olhos vendados tentamos sentir mais os movimentos do outro para
estarmos em harmonia e equilíbrio durante os movimentos da dança.” Além disso, muitas
vezes a visão nubla os sentidos mais subjetivos da dança: “a impressão é que com os olhos
abertos a gente tenta adivinhar o movimento que o outro está querendo executar e assim a
chance de errar o movimento é maior.”(ALUNA F) Para Strack (2017, p. 112), os exercícios
de escuta corporal permitem refinamento nesta percepção, de modo que: “[...] cada vez mais o
par será capaz de entender a comunicação do outro com o mínimo de energia e esforço
gastos”.
Para a escuta corporal, foram experimentadas as transferências de peso e, após, nas
marcações básicas, sentindo somente pelo contato entre os troncos, sem conexão de mãos pelo
abraço. Primeiro foi experimentado sem vendas, após apenas um ficava vendado e depois os
dois. Foi mais uma vez reforçada a ideia de alternância em quem começa a transferir o peso
do outro. A ideia era estimular a escuta corporal simultânea entre pares, pois:
Sem a conexão não existe movimento dançado em danças de salão atestada pelo
“abraço” presente, aliás, na postura tradicional de algumas dessas danças. O
“abraço” mostra que mesmo submetidos ao regramento do que constitui cada uma
das danças a dois podem se moverem e se comunicarem por meio do contato com o
outro, no jogo combinado de ação e reação. (SANTOS, 2016, p.12)
61
Para esta aula, foi utilizado o gênero de dança Kizomba, por entender que a mesma
promove uma relação mais intimista, pois é dançada boa parte do tempo com conexão de
abraço fechado, e com bastante contato de troncos:
Sentindo o ritmo da Kizomba não é complicado, só que o segredo no quadril e vai mexer com os
hormônios... Na execução com os olhos vendados - foi sereno - estranho que já estava preparado,
presente, conectado e no clima. Estou incorporando em imediato o sentimento da música com o ritmo.
(ALUNO L)
Nos foi introduzido a Dança da Kizomba. Proposta executada na mesma metodologia anterior, permitindo
ambos os dançantes conduzirem a dança sem necessidade de prevalência de direção. Havendo um
contagiar dos corpos pelo som e troca de pesos para iniciar a dança. Com os passos simples, mas com um
teor de movimentação nos quadris a Kizomba insinua que a dança parte da cintura para contagiar o resto
do corpo. Neste caso, requer mais aulas e desenvoltura corporal.
um novo tipo de organização social para a dança, não ditatorial, não excludente,
onde todos poderiam participar da mesma forma, sem o isolamento de nenhum
participante. Partindo desse interesse o CI passou a ser praticado por, além de
duplas, grupos de três ou mais pessoas, onde todos os corpos que estivessem
participando da improvisação estabeleciam um diálogo entre si.
O diálogo entre os corpos necessita que ambos atentem para as minúcias, detalhe,
qualidades que se processam, seja em, por exemplo, relações de peso, fluência,
ritmo e espaço. Esse entendimento de diálogo que coopera para que o movimento
aconteça quebra a questão paradigmática do conduzir e do deixar-se levar. À
intenção mútua e à troca relacional de informações atuando nos corpos corresponde
uma ação de cocondução. Essa compreensão é uma possibilidade para redefinir
corpo nesta prática a dois, e dizer que nessa ação o homem por si só não conduz,
pois quando se produzem os gestos e/ou passos nesta dança isso aconteceu por toda
relação feita a partir das condições propostas, através de processos corporais, que
ocasionaram uma instância compartilhada. Não existe relação corporal nessa prática
a dois que não seja formada pela troca de informações.
A aula teve como foco dar continuidade a anterior como uma complementação através da transmissão da
dança não necessariamente pelo som, mas pelo corpo. Sim, exatamente, a música literalmente
corporificada. A dupla “dançava com o corpo” no toque sentindo o estimulo corpóreo ao som de uma
música de ritmo mais ambiente. A atividade consistiu em oferecer ao aprendiz que a dança independe da
música, mas dependa da companhia para se autorealizar como dança!
Foi o melhor dia para mim porque houve movimentos com a parceira na grande maioria do tempo. Gostei
também de fazer os movimentos de não deixar o toque sair do corpo da parceira tendo em vista que é uma
forma de ficar mais tranquilo na hora da dança, para ter maior sincronismo com a parceira. Me senti
muito bem nesse dia.
65
A técnica do CI contribui para novas formas de como se mover, de como criar novos
códigos, estabelecidos através de parcerias equilibradas de ações, na qual uma condução
quando não obtém a resposta esperada traz oportunidades valiosas de improvisar, acionando a
criatividade dos pares. A citação abaixo nos traz uma ideia da ampliação de sentidos que o
diálogo pode proporcionar através de:
Na Oficina, o CI não foi aprofundado como técnica, a ideia era uma experimentação,
para que os alunos e alunas tomassem conhecimento sobre os conceitos de um improviso em
Dança de Salão. Em um primeiro momento o exercício propôs contato com partes do corpo,
como braços, costas, cabeça, pernas, pés, em diferentes pontos sem perder a conexão corporal,
um evoluindo com o outro através de uma leve pressão de um sobre o outro. Os alunos e
alunas foram instruídos a utilizarem o peso e as áreas de contato/apoio de todas as partes do
corpo, devendo ser realizado com calma para explorar as diversas possibilidades existentes.
Foi solicitado também que utilizassem várias partes do corpo e não somente mãos como em
uma conexão padrão de Dança de Salão, que não falassem durante os exercícios e que
buscassem flexão de joelhos e pés paralelos quando centrados ao eixo. Sobre o exercício de
CI, o Aluno L fez a seguinte anotação:
Com você Lívia foi instantâneo e estou muito surpreso. Parecia que a gente já tinha feito isso em “outra
vida”... Era uma troca honesta - um contribuindo com o outro - me deixei levar (livre!). Sem amarras -
incrível - foi único. Uma experiência delineada na memória (mirabolante). E o extraordinário é a nossa
sintonia, um contribuindo com o outro (me arrepiei).
Dancei com o mesmo par que tive na terceira aula, então a capacidade de criação entre nós foi boa, pois
em meio aos improvisos, conseguimos um equilíbrio. Aprendemos a fazer improvisações através do
'contato' com partes do corpo e transformar esse contato em 'estímulo/resposta' dentro da dança. Pois
ambos fazíamos um passo e um toque, e nos adaptávamos um ao outro. Conduzíamos e éramos
conduzidos ao mesmo tempo. (grifo nosso)
Para um terceiro, e último momento, foi pedido que uma das pessoas do par parasse de
dançar em algum ponto da música, e a outra pessoa deveria então criar algo para continuar a
dança, mesmo com a primeira pessoa parada. Em algum momento seguinte, a pessoa que
tinha parado deveria retomar a dança de acordo com o movimento que havia sido criado pelo
primeiro, no sentido de dar uma continuidade ao mesmo. Aqui também a intenção foi a de
trabalhar a percepção em relação ao parceiro, a partir de pausas na movimentação, em que um
deveria ceder por um instante para que o companheiro/a de dança pudesse também ter a
oportunidade de criar, buscando uma fluência no que diz respeito à comunicação através da
conexão que vai além do corporal, pois:
Do mesmo modo, esse jogo permitia o improviso. Segundo Miriam Strack (2017), um
improviso na Dança de Salão é considerado aquele em que não existe uma sequência
previamente ensaiada pelos pares, sendo nos moldes tradicionais. Segundo ela, há o
improviso fechado e o aberto. O primeiro:
Nada impede que na DS um homem seja conduzido por uma mulher, mas é
importante entender que eles devem entrar em um acordo de quem faria o papel do
cavalheiro (propositor) e quem faria o papel da dama (receptor). Diferente do que
acontece no Contato Improvisação, por exemplo, onde não existe um condutor
apenas, mas ambos seriam propositores e receptores ao mesmo tempo. (VIEIRA,
2013 p. 14).
Por mais que muitos movimentos sejam de fato impulsionados pela pessoa do
condutor, o conduzido tenha também o espaço e liberdade de interferir neste
processo, seja dobrando o tempo de resposta a um passo, seja incluindo detalhes nas
movimentações propostas, ou mesmo propondo variações coerentes para as
respostas prontas aos movimentos propostos. Desta maneira, o elemento surpresa
com que o conduzido sempre conta, já que não sabe previamente o que o condutor
proporá, poderá fazer também parte da vida do condutor. E, como dois indivíduos
pensantes são capazes de propor, surpreender e responder a estímulos de
movimentos durante o ato da dança.
A aula teve um exercício bem interessante sobre a questão de transferência de energia/peso, e sintonia e
sincronia entre as pessoas dançando. Foi muito bom fazer tal exercício porque parece ter me ajudado a me
“soltar” um pouco, pois exigia que me desprende-se da ideia de tentar prever o que o “condutor” vai
fazer, e também de coordenar melhor meus passos, com mais leveza (o que você falou sobre deslizar os
pés, e ter um ritmo melhor). Nessa aula também foi o primeiro momento que dancei com homens desde o
início da oficina. Não sei se tive grandes dificuldades, ou se teve alguma diferença com relação a dançar
com uma mulher - apenas notei diferenças individuais mesmo, com algumas pessoas mais “soltas” e
outras nem tanto. (ALUNO A)
ser conduzido por uma mulher, pois eu tive a possibilidade de experimentar a dança pelo
outro ângulo, e a minha parceira fez isso muito bem.”
Senti-me tímido, com vergonha e com refugo porque estava dançando também com guris. Foi uma
experiência interessante, pois nunca na vida pensei em dançar com homens. Não fico entusiasmado em
dançar com homens, e me dificulta mais parece, apesar de as vezes eu pensar em ficar com a guria com
quem danço, dançar com homens é esquisito e não me sinto confortável, prefiro mulheres mesmo os
pensamentos de relações mais íntimas influenciarem. Dançar com homens não gostei. Contudo, os guris
tentaram me ensinar e isso foi legal, foi interessante e gostei da parte de tentar aprender alguma coisa com
eles. Mas prefiro gurias. (ALUNO P)
Strack (2017) lembra que pedir para que um homem, acostumado com o papel de
condutor, aceite a troca, é uma tarefa complexa. E, neste caso, ainda fazer parte com uma
pessoa do mesmo gênero deixa a questão ainda mais incômoda. Mas há aqueles e aquelas que
veem a troca como uma grande aprendizagem. A aluna C diz que se sentiu confortável em
“[...] poder desempenhar o papel de condutor na dança, pois tinha muita dificuldade em ser
conduzida. E ironicamente executar este papel me possibilitou compreender melhor e a me
propor a ser conduzida também.” Já o Aluno L trouxe a seguinte colocação:
É fascinante e ao mesmo tempo estranho que cada um que nos conduz ou conduzimos passa uma fração
do que está vivenciando. Alguns nem entendem o do porque estão fazendo ou nem querem. Outros
assimilam fácil, são mais receptivos e o exercício acontece mais fluido. Não sei se é apenas comigo, pois
fico um pouco preso no começo (para pegar o jeito), depois acontece espontaneamente. No começo é uma
sensação de inquietação até mesmo com pessoas que já pratiquei outras dinâmicas. Sair do estado lógico e
localizar e/ou atingir o estado lírico (enternecido) pra mim é gradativo (eu tenho que me acostumar a esse
encadeamento/passagem). E quando vem é só - alegria diii viver - místico. (ALUNO L)
Nessa aula aconteceu uma prática orientada de Forró, na qual os alunos e alunas
puderam dançar livremente utilizando os aspectos enfatizados na Oficina até aquele momento,
ou seja, inverter as proposições de movimentos, autopercepção, atentar para a escuta corporal
(marcar básicos pra ajudar), cuidar as transferências de peso, manter contato visual, não sair
realizando figuras logo de cara (esperar a conexão), trocar de pares, usar a escuta auditiva,
ouvir e sentir a música, atentando para o tempo forte, prestar atenção aos mecanismos de
proposição e resposta. Sobre esta aula, o comentário do Aluno L foi:
71
Dia de prática! Aplicando tudo o que foi aprendido nas aulas anteriores. Condução, presença, contato,
empatia, entrega entre outras facetas… Vou acostumando-me aos poucos pra entrar no clima e trocando
de pares é um novo sentimento que no decorrer da aula fica mais e mais simples de se conectar. No forró
mais rápido é que o bicho pegou nas figuras... Fazer as formas é só pros ninjas... Fiz um experimento na
sexta passada no CE (06.10): das 23 menininhas abordadas (explicava toda uma condição que estava
fazendo uma pesquisa...), elas fazendo o papel de homem na condução, duas gostaram e se sentiram bem
com a atividade. O restando não gostou ou não conseguiu guiar… Notei que as gurias estão tencionando
fazer só o papel de mulher, pois com todas dei a opção de escolherem ser o homem ou a mulher e logo
optaram por ser a mulher...
Daniel Araújo (2014, p. 2) diz que “[...] é preciso que a escola crie situações,
oportunize meios para que os alunos vivenciem ainda mais a Dança de Salão também fora da
sala de aula [...]”. Segundo ele, nesta perspectiva, é importante que as escolas promovam
72
bailes dançantes, mostras de dança, sessões de filme, entre outras ações que propiciem o
encontro dos alunos para “[...] ampliar a apropriação do conhecimento e criar outras formas
de estar e dançar com o outro. “ (OLIVEIRA, 2014, p. 27) O baile é, segundo ele, o momento
de o aluno colocar em prática o que aprendeu. Sobre esse momento, o Aluno B escreveu:
Aula com o objetivo de prática dos passos do forró com aperfeiçoamento, montagem de todas as etapas
apreendidas. Estimulou-se a execução dos dançarinos ao som do forró. Uma aula de sensações e sentir o
levar do corpo após algumas semanas de aprendizagem do ritmo nordestino. O qual nos conferiu não a
certeza de saber dançar, mas de como dançar com o básico de conhecimento, isto é, uma incursão a
experiência da tal dança.
[...] hoje pudemos rever alguns passos e praticar o que já havíamos aprendido. Também realizamos troca
de pares. O que foi bom também. Pois, penso que nós, 'damas', por estarmos acostumadas sempre a
sermos conduzidas, esse é um dos desafios também: aprender a conduzir. No entanto, descobri que
muitos 'cavalheiros' também têm essa mesma dificuldade em saber conduzir corretamente a dama. Pois
enquanto uns não sabem ao certo o que fazer, outros querem dominar, pensando que a dança deve ser
conduzida na 'marra', do jeito deles, sem que haja uma harmonia. Mas creio que a dança deve ser
harmônica. Inclusive a dança de salão também, onde deve haver uma cumplicidade e uma troca entre o
casal. Algo equilibrado, que te dê prazer em fazer, em consonância como se fôssemos as notas de uma
sinfonia e que precisássemos nos encaixar de modo que saia uma linda melodia! O bom é que estamos
todos aprendendo...
Praticamos tudo o que já havíamos aprendido até o momento, desde o ritmo até o “chuveirinho”. De
início estava com uma certa dificuldade para realizar quase tudo: não pegava muito bem o ritmo, dava
mais passos que o necessário nos “giros”, tinha dificuldade para realizar o momento de “abertura” ou
“giro”. Mas, gradativamente fui melhorando, peguei o ritmo com mais facilidade - mesmo quando ficou
mais ligeiro - treinei o número de passos corretos, bem como os momentos para aberturas.
73
Para a última aula, o trabalho esteve focado em exercícios de conexão individual, pois
durante as aulas sempre foi enfatizada a importância de se estar bem consigo mesmo para
estar preparado qualitativamente no momento em que for conectar-se com outra pessoa para
dançar. Na medida em que compreendemos melhor nosso corpo, damos respostas corporais
mais facilmente e de forma natural a uma determinada movimentação que desejamos
executar, seja ela uma atividade do cotidiano como sentar, levantar, deitar, caminhar ou em
atividades específicas como dançar. O caminho da consciência corporal parte da observação
de si mesmo, da respiração, e de como reagimos, nos trazendo uma reflexão acerca de cada
movimento. Também se há dor e onde a mesma se localiza, aprendendo assim, a detectar
tensões desproporcionais.
Na Oficina foram utilizado subsídios da Educação Somática, a partir de exercícios
presentes na Eutonia 12 , com bolinhas de tênis para o relaxamento de tensões, buscando
centramento e autopercepção corporal.
Os alunos tiveram o conhecimento de que mesmo que tenhamos a mesma constituição
física, como pernas, braços, músculos, ossos, e suas respectivas nomenclaturas, existe
diferença de um indivíduo para o outro. Também foi discutido o tônus corporal - estado
natural de tensão dos músculos do corpo – e a necessidade de se buscar um equilíbrio para
mantermos nossas atividades cotidianas e de dança de forma saudável, pois se o tônus estiver
sempre alto, sentiremos dores, e se for baixo demais, estaremos entrando em um estado de
torpor.
Na aula deu-se atenção a duas partes do corpo que foram os pés e a região das costas,
mais especificamente onde se localizam as escápulas. Em relação às escápulas, as mesmas são
amplamente utilizadas no abraço durante a dança e estão diretamente relacionadas à conexão
com o par desempenhando uma importância significativa na escuta corporal, pois:
12
A eutonia é um método de abordagem corporal com aplicações pedagógicas e terapêuticas que orientam e
educam os hábitos corporais, como o movimento e a postura cotidiana, visando à promoção da saúde
compreendida como equilíbrio psicofísico. O aluno é incentivado a pesquisar a anatomia corporal e a perceber e
refletir sobra as relações constantes ente as sensações do corpo, as emoções, os sentimentos e os pensamentos,
interagindo com o ambiente nas ações cotidianas. (GANDOLFO, 2013, p. 3)
75
pois “no corpo do bailarino ressoam os movimentos do corpo do seu par”, e isso só é
possível se existir uma escuta entre os dois. (VIEIRA, 2013, p.25)
Para um primeiro momento da aula, os pés foram o foco do exercício. Sabemos que as
maneiras de pisar o chão variam muito de uma pessoa para outra, e na Dança de Salão
utilizamos muito os membros inferiores, com contato direto no solo praticamente todo tempo,
portanto necessitamos de uma boa base de apoio dos pés para nos proporcionar a devida
sustentação, especialmente no que diz respeito ao equilíbrio. Além disso, todo movimento
sentido no próprio corpo é passado como uma informação para o corpo do parceiro. Sendo
assim, se me desequilibro, automaticamente estarei desequilibrando quem estiver dançando
comigo, o que torna necessário o desenvolvimento de pontos de apoio com o solo que nos
tragam segurança. Dessa forma os alunos foram convidados a pressionar a planta dos pés
mediante uma massagem utilizando uma bolinha de tênis, para além de relaxar, sensibilizar
essa região trabalhando para melhorar o equilíbrio devido ao aumento com a superfície de
contato do pé com o chão. Os alunos foram instruídos a começar pelos calcâneos, evoluindo
para o meio do pé e por fim chegar onde se localizam os metatarsos e as falanges. Foi
solicitado que os alunos percebessem como estavam antes e depois de realizar a massagem,
caminhar pela sala e perceber se mudou algo. Sendo assim, trago a fala do Aluno A que nos
diz que, “o trabalho com as bolas de tênis foi bastante interessante: relaxou um tanto os pés,
talvez praticando mais sinta uma diferença maior a longo prazo – como tu havia dito.”
No segundo momento da aula foi realizado um exercício para escuta atenta do corpo,
individualmente e em duplas, levando em consideração outra proposta de Steve Paxton, a qual
se chamava a “pequena dança”. Primeiro os alunos deveriam experimentar sozinhos a
percepção de seus micromovimentos corporais posicionados em pé, com os olhos fechados,
pois:
Nesse momento foi chamada a atenção para a respiração de cada um, que deveriam
buscar profundidade na inspiração, ou seja, a partir do diafragma, pois a respiração exerce
grande influência sobre nossa integridade e potencial físico e quase sempre a utilizamos de
76
forma errada e sem o aproveitamento que deveria. Sobre isso, a Aluna M fez o seguinte
comentário:
Aprendemos nessa aula que o movimento das nossas respirações também faz parte
da dança, como uma 'micro-dança', e de igual maneira a respiração está
profundamente relacionada com os nossos movimentos corporais. Podendo inclusive
influenciar na qualidade e expressão da dança”.
Após esse momento individual, foi solicitado que fizessem duplas para sentir através do
toque nas costas, na altura das escápulas até a região torácica, a “pequena dança” do colega,
novamente com os olhos fechados, e após deveriam inverter as posições. Abaixo trago o
relato do Aluno A:
Ao final da aula as bolinhas de tênis foram retomadas, dessa vez para trabalhar pontos
de tensões estagnadas localizadas nos músculos das costas, com atenção especial à região das
escápulas, um dos focos principais da aula. Sentados em colchonetes, primeiro um aluno
deveria somente sentir a anatomia das escápulas do colega, mapeando-as com os dedos, por
77
fim, um deitava de bruços e outro fazia massagem deslizando e pressionando a bolinha nas
costas do colega, e logo depois, como sempre, invertendo as posições de quem faz e de quem
recebe. Sobre esse momento o Aluno L fez a seguinte observação: “com os olhos fechados
(relaxando) fiquei plácido e imerso numa serenidade, muito bom. Com a bolinha recebendo a
massagem foi o ápice do dia, mais um pouco e tinha dormido. Tirou muito da tensão do dia”.
Acredito que ainda temos muito para evoluirmos no que diz respeito à complexidade e a
aspectos que nos fogem a compreensão em relação ao nosso corpo. É um trabalho constante, e
nisso a consciência corporal nos ajuda imensamente para o despertamento de muitas outras
possibilidades, nos tirando daquilo que é apenas óbvio, além de nos ajudar a desenvolver um
estado de presença, pois “ao estarem focados nos seus movimentos no presente foi possível
que, em um momento posterior, focassem também nos movimentos do parceiro, fazendo com
que dançassem de uma forma mais fluida e conectada.” (STRACK, 2017, p.113)
Por fim trago o relato da Aluna M sobre sua percepção geral da aula:
essa aula nos proporcionou a estimular e pensar vários aspectos presentes na dança, como a construção de
uma relação consigo mesmo(eutonia), uma percepção de bem-estar durante a massagem e refletir como a
nossa própria respiração pode também ser uma 'micro-dança', influenciando também em nosso
desempenho e nos movimentos durante a dança.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos últimos anos, novas configurações de como se dançar a dois têm sido discutidas,
sobretudo a partir da ideia de construir uma dança com diálogo, em que ambos os integrantes
desse par – independente do gênero – possam ter espaço para “falar” e “responder”
igualmente, produzindo juntos um dançar mais rico, envolvente, criativo e menos
estereotipado. Neste sentido, o foco do presente trabalho esteve na relevância do sentir,
partindo do modelo de comunicação a que estamos acostumados no senso comum, ou seja, a
condução nas Danças de Salão. No entanto, propondo um outro modo de “conduzir”.
Não é errado ensinar passos, figuras, sequências e combinações nas aulas de Dança de
Salão. No entanto, acredito que, como docentes, precisamos estar atentos ao algo a mais que é
necessário ensinar e desenvolver nas aulas, aquilo que está implícito nos conteúdos. Assim
não cairemos no discurso vazio de falarmos que a Dança de Salão é um diálogo que permite
um sentir da música e do par, quando na vida real de sua prática isso não acontece, gerando
uma incoerência entre discurso e prática. Portanto, creio que sejam necessárias pesquisas para
se elaborar metodologias de ensino que realmente tragam o desenvolvimento de uma efetiva
sensibilidade dos corpos na dança. Desta forma, o presente trabalho se propõe a testar
procedimentos de ensino que caminhem neste sentido.
Ao propor novas formas de condução, este trabalho não quis necessariamente discutir
gênero, nem “alimentar uma guerra dos sexos”, mas sim discutir uma nova visão do que pode
ser e dos significados que a Dança de Salão pode manifestar na vida de mulheres e homens,
fazendo uma ressignificação dos seus papeis. Para isso, uma das intenções foi a de buscar e
incentivar a dissociação entre os papeis de mulheres e homens com as respectivas funções de
damas e cavalheiros, pois: “Isto liberta todas as pessoas para vivenciarem ambas as funções
ao longo de uma dança inteira ou alternando-as em seu decorrer.” (ZAMONER, 2013, p.5)
Gostaria de enfatizar, novamente, um ponto importante no que diz respeito ao ensino
da Dança de Salão como o conhecemos hoje, pois acredito que existe por parte dos
profissionais da área, quase que de forma generalizada, uma falta considerável de
planejamento e pesquisa de novas perspectivas no ensinar, oriundos da falta de um preparo
adequado dos professores. Assim sendo, percebe-se a importância da formação de um
professor reflexivo/pesquisador, que esteja apto para contribuir na construção de indivíduos
capazes de refletir sobre suas ações. Neste sentido, a graduação em Dança foi fundamental no
meu processo formativo, pois me permitiu questionar o ensino da Dança de Salão e pesquisar
79
novas formas de ensiná-la. Sobre esta questão, trago os apontamentos de Elizabeth Wencik e
Elizete Rocha (s.d., s.n.):
Será sempre fundamental para os professores de dança de salão, estarem constantemente em busca de
conhecimentos produzidos academicamente bem como os adquiridos na prática de muitos de seus
saberes.O crescimento deste profissional dependerá em muito de curiosidades para avanços nas práticas
pedagógicas afinal , ele trabalha com corpos de sujeitos em movimentos, que dançam, em realidades
contextuais diferenciadas e assim, pessoas diferentes em suas salas de aula que deverão ser orientadas
para conquistas que ultrapassem a execução de passos.
Através das informações trazidas neste trabalho foi possível a constatação de que o
homem sempre teve a iniciativa da condução, sendo o precursor das intenções de movimento,
cabendo à mulher deixar-se conduzir, respondendo ao estímulo oferecido. Essa condução,
totalmente masculina na Dança de Salão, está associada a aspectos sociais e culturais,
portanto é algo que pode ser mudado. Creio ser necessário que nos tornemos flexíveis diante
dos avanços e mudanças do mundo contemporâneo e de todo contexto que envolve
concepções acerca da dança, saindo do automatismo das ações didáticas, especialmente se
queremos contribuir socialmente em amplos sentidos.
Para mim, como professora e dançarina, a elaboração deste trabalho foi uma
proposição nova, além de também configurar-se em um desafio. Em muitos momentos da
Oficina me vi surpresa com os exercícios que acabaram sendo novidades, inclusive para mim.
E para minha grata surpresa, com resultados bastante positivos, pois concluo este trabalho
com a sensação de ter dado meu recado de forma satisfatória aos alunos - o que pude constatar
através dos feedbacks que recebi dos mesmos em seus relatos nos diários. Como mencionado
anteriormente, acredito que a partir dessa vivência, os alunos estarão aptos a refletirem de
forma crítica quando buscarem aulas de Dança de Salão em outras oportunidades, pois
concluíram as aulas detendo conhecimentos diferenciados sobre as danças de pares, o que
certamente, fará uma enorme diferença em suas práticas de dança pela vida.
Posso afirmar que chego ao fim da graduação com muitos conceitos alterados do que a
dança significava para mim e de como ela se apresenta hoje. Todos os conteúdos das práticas,
das teorias, debates, explanações de professores e colegas, e até mesmo os dissabores que
estiveram presentes no meu percurso de graduação, fizeram sentido agora que chego ao fim
desta etapa. Como se uma “ficha caísse” e muitas ideias se encaixassem, somente agora, nesse
período final com a escrita do Trabalho de Conclusão de Curso e a elaboração das aulas para a
Oficina. Como docente, desenvolvi a certeza da importância fundamental das relações entre
80
teoria e prática no processo de ensino aprendizagem para melhor compreensão das propostas
das aulas, além de incorporar inovações com inúmeras linguagens e possibilidades.
Em relação à Dança de Salão, acho importante ressaltar que esse tipo de abordagem e
questionamento devem ser alvo de reflexões, para que possamos dar opções aos indivíduos e a
oportunidade de vivenciarem a dança de acordo com seus interesses e limitações. E o
processo de escrita desse trabalho, juntamente com a realização da Oficina, trouxe-me a
clareza desse entendimento, contribuindo para que o meu fazer docente como graduada em
uma Licenciatura em Dança seja e esteja permeado por ampliações nas percepções de corpo e
de dança.
81
REFERÊNCIAS
BARROS, Keila. A hora e a vez das Damas no Salão. In: Dança em Pauta. Março de 2014.
Disponível em: http://site.dancaempauta.com.br/a-hora-e-a-vez-das-damas-no-salao/. Acesso
em: 14 out. 2017.
DANÇAS TÍPICAS. Kerdna Produção Editorial Ltda. S.D. Disponível em: http://dancas-
tipicas.info/ Acesso em: 26 dez. 2017.
FEITOZA, Jonas Karlos de Souza. Danças de salão: os corpos iguais em seus propósitos e
diferentes em suas experiências. 2011. 85 f. Dissertação (Mestrado em Dança),
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.
GONZAGA, Luiz. Técnicas de danças de salão. Rio de Janeiro: Editora SPRINT, 1996.
LUA, Luciana. A lesão (terceira parte). Daring to dance. 2014. Disponível em:
http://daringtodance.com/a-lesao-terceira-parte/ Acesso em: 15 out. 2017
MAIA, Maria Aparecida Coimbra. PEREIRA, Vanildo Rodrigues. Dança de salão: uma
alternativa para o desenvolvimento motor no ensino fundamental. São Paulo: Phorte
Editora, 2014. Disponível em: <https://books.google.com.br/books> Acesso em: 02 nov. 2017
MARTINS, Janaína Vasconcelos. ROSA, Marcelo Victor da. Análise da percepção rítmica de
alunos da Dança de Salão. Coleção Pesquisa em Educação Física - Vol.7, nº 1, p. 119-126,
Várzea Paulista: Editora Fontoura, 2008.
PACHECO, Ana Julia Pinto. Educação Física e Dança: uma análise bibliográfica. Pensar A
Prática. Universidade Federal de Goiás, n. 2, p.156-171, jun./jul. 1999.
83
PERNA, Marco Antônio. Samba de Gafieira: a história da dança de salão brasileira. Rio
de Janeiro: O Autor, 2001. 212 p.
______. Crônica: Dama boa não pensa. In: PERNA, Marco Antônio (org.). 200 anos de
dança de salão no Brasil. v. 02, n. 01. Rio de Janeiro: Amaragão. Edições de Periódicos,
2011. 160 p.
PEREIRA, Germana Cleide. Dois pra lá, dois pra cá: a construção dos modelos de
masculinidade e feminilidade na academia de dança de salão. 2011. 170 p. Dissertação
(Mestrado em Sociologia). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2011.
SANTOS, Sérgio Maria Pereira dos. A conexão dançante: ampliação das possibilidades de
condução em danças a dois. 2016. 24f. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em
Dança) - Departamento de Artes, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.
STRACK, Míriam Medeiros. Dama ativa e comunicação entre o casal na dança de salão:
uma abordagem prática. 2013. 77 f. Monografia (Especialização em Teoria e Movimento da
Dança, com Ênfase em Danças de Salão). Faculdade Metropolitana de Curitiba, São José dos
Pinhais, 2013.
VIEIRA, Júlia Palma Gunesch. Aplicação dos Princípios da Dança de Salão ao processo
criativo de uma cena. 2013. 55 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Artes
Cênicas). Universidade de Brasília, Brasília, 2013.
ZAMONER, Maristela. Zouk e o peso nocivo da condução. Studio Saberes Dança de Salão.
Julho de 2014. Disponível em: <http://danca-de-salao-maristela-
zamoner.blogspot.com.br/2014/07/zouk-e-o-peso nocivo-da-conducao.html.> Acesso em 16
out. 2017.
WENCIK, Elizabeth. ROCHA, Elizete. In: Marcelo Grangeiro. S.D. Disponível em: <
http://www.marcelograngeiro.com.br/media/True/Plano_de_aula_para_dan%C3%A7a_de_sal
ao.pdf > Acesso em: 30 out. 2017.
APÊNDICE A
PLANO DE CURSO
1) IDENTIFICAÇÃO
2) OBJETIVO GERAL
3) OBJETIVOS ESPECÍFICOS
4) METODOLOGIA
5) CRONOGRAMA DE ATIVIDADES
Data Conteúdo
6) RECURSOS DIDÁTICOS
Aparelho de som, bolinhas de tênis, TNT azul para confecção dos limites da mesa imaginária de vidro
e TNT preto para confecção das vendas para aula de escuta corporal.
7) REFERÊNCIAS
GIL, José. A comunicação dos corpos: Steve Paxton, São Paulo, 2005.
LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. São Paulo: Summus, 1978.
FILADELFI, Ana Maria Caliman. O diálogo entre música e dança de salão. Dança em Pauta. 06
out. 2017. Disponível em: http://site.dancaempauta.com.br/o-dialogo-entre-musica-e-danca-de-
salao/.
Kizomba: cumplicidade na pista de dança. Passo base. 24 out. 2017. Disponível em:
http://passobase.com/artigos/kizomba-cumplicidade-pista-danca.
87
APÊNDICE B
Esta pesquisa tem por objetivo trazer a vivência e o desenvolvimento de uma nova
consciência na Dança de Salão, focando na condução compartilhada e indução de
movimentos, buscando o diálogo corporal entre os (as) participantes. Para tanto, os exercícios
propostos ocorrerão na Oficina Dança de Salão - Condução Compartilhada e Indução, dentro
do Projeto de Extensão 5,6,7 e 8, no período entre agosto e novembro de 2017. O material
levantado servirá de subsídios para a realização do Trabalho de Conclusão de Curso de
Licenciatura em Dança da Universidade Federal de Santa Maria, da acadêmica Livia Marafiga
Monteiro, com a orientação da Professora Doutora Neila Baldi.
Os resultados desta pesquisa serão publicados, mas com os nomes dos(as) participantes
mantidos em sigilo – exceto se, depois de redigida a versão final, houver consentimento
individual, de cada participante.
Durante as Oficinas serão capturadas imagens (fotográficas e fílmicas) que poderão ser usadas
no TCC. Para isso, os (as) participantes que consentirem em participar do processo estão
automaticamente autorizando o uso das mesmas.
_________________________________________________________
(Aluna ou aluno)