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UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO

Cícera Maria dos Santos Xavier

A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A FORMAÇÃO DO


ENFERMEIRO ASSISTENCIAL EM ATIVIDADE DOCENTE:
dilemas, desafios e reflexos em sua prática profissional

Doutorado em Educação Matemática

São Paulo
2016
UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO

Cícera Maria dos Santos Xavier

A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A FORMAÇÃO DO


ENFERMEIRO ASSISTENCIAL EM ATIVIDADE DOCENTE:
dilemas, desafios e reflexos em sua prática profissional

Tese de doutorado apresentada à Banca


Examinadora da Universidade Anhanguera de
São Paulo como exigência parcial para
obtenção do título de Doutora em Educação
Matemática, sob a orientação do Prof. Dr.
Ubiratan D’Ambrosio.

São Paulo
2016
BANCA EXAMINADORA
A meu pai, meu melhor amigo,
Lucílio dos Santos (in memoriam).
AGRADECIMENTOS

Para iniciar, preciso contar que minha busca não foi breve, mas constituiu um caminhar que parecia
sem fim, principalmente pelas intercorrências pessoais de toda ordem que me atropelaram. Esses
percalços, longe de obscurecerem o trajeto, aumentaram-lhe o brilho. E, ao invés de me deterem,
impulsionaram-me com mais força.
Chegou o momento de dedicar algumas palavras àqueles que direta ou indiretamente fizeram parte
dessa travessia:

Expresso meus sinceros agradecimentos a DEUS, por estar presente em minha vida sustentando-me
nos momentos difíceis.
À minha mãe, exemplo de mulher guerreira que me ensinou a nunca desistir dos meus sonhos.
Agradeço a você, meu querido pai, que sempre leu minhas produções e não teve oportunidade concluir
a leitura desta pesquisa, pois me deixou durante esta caminhada. Esteja onde estiver, acredite: nós
conseguimos!
À minha irmã Aparecida, pelo apoio incondicional, assumindo os cuidados com nossa mãe durante
minha ausência nos momentos de introspecção.
Aos meus amigos do programa de doutorado, pelos momentos de entusiasmo que tornaram este
período de grande alegria e de busca pelo conhecimento. Em especial, agradeço a Rosivaldo Severino
dos Santos e a Lúcia Christina Monteiro, que vieram de tão longe e se tornaram mais que amigos:
tornaram-se irmãos queridos, apoiando-me nos momentos mais difíceis pelos quais passei.
Aos meus amigos do Departamento de Gerenciais e do Departamento de Exatas da Universidade Nove
de Julho (Uninove) e a todos os meus alunos, pelo companheirismo, paciência e palavras de incentivo.
Não poderia deixar de agradecer ao Dr. Paulo Sergio Pereira da Silva, que presenciou o nascimento
desta pesquisa e incentivou minha entrada no programa de doutorado. Quero registrar minha
admiração e respeito pela pessoa e pelo profissional que é, bem como pelas sugestões valiosas e
orientações. Orgulho-me de compartilhar com ele esse interesse em comum.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela bolsa de estudos de
doutorado.
Meus agradecimentos aos professores do Programa de Doutorado: todos aqueles com quem tive a
honra de poder compartilhar conhecimentos, tanto durante as disciplinas que cursei e os seminários e
palestras que assisti, quanto nas conversas pelos corredores da universidade.
Aos Professores Doutores Carlos Ricardo Bifi, Adilson de Moraes, Nielce Lobo da Costa e Marlene
Alves Dias, membros da Banca Examinadora, por terem atendido o convite para integrá-la, dispondo
de seu tempo e conhecimento para analisar este trabalho.
Um agradecimento especial à Prof.a D.ra Marlene Alves Dias, a quem sou imensamente grata pelo
incentivo e fortalecimento ao auxiliar-me atentamente na leitura do texto. Não apenas valorizo seus
comentários e observações críticas sobre o trabalho, mas também sua amizade. Você é dessas
indispensáveis.
Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio por ser o nosso grande guia, responsável
direto pela missão que agora se cumpre. Agradeço pela confiança, pela amizade e pelos conselhos e
paciência. O senhor é um exemplo de simplicidade, compreensão e competência. Todos os que
trabalham em sua companhia admiram sua dedicação e amor a suas tarefas e à pesquisa com os
orientandos, mas principalmente com o ser humano. Seus orientandos sabem que sempre terão um
amigo e um lugar em que encontrarão apoio e palavras de sabedoria. Bons professores são didáticos;
professores fascinantes possuem sensibilidade para falar ao coração. Obrigada por falar ao meu
coração, obrigada pela liberdade, por me deixar voar. Voarei para meu destino, mas não me esquecerei
dos ensinamentos que aprendi com o senhor, que me acompanharão por toda a minha vida. Muito
obrigada.
Esta dedicatória se estende aos profissionais da saúde que participaram desta pesquisa. Não é possível
registrar agradecimentos personalizados a todos os que cederam parte de seu tempo para fornecer
informações e facilitar o acesso às unidades escolares. Não é possível nomear cada uma das pessoas
cuja ajuda foi determinante para que esta investigação se realizasse. Assim, registro aqui meu desejo
de agradecer a cada um desses colaboradores.
Finalmente, meu agradecimento mais profundo é dedicado ao meu esposo e à minha filha. Vocês
estiveram incondicionalmente o tempo todo ao meu lado, nos momentos difíceis, que não foram raros,
sempre me fazendo acreditar que conseguiria. A minha presença ausente de mãe e esposa durante este
período mostrou a verdade sobre o nosso relacionamento: somos uma família! Sou grata a vocês por
cada gesto, cada palavra de incentivo, cada gesto de amor. Obrigada, Xavier! Obrigada Luiza! Vocês
são a razão da minha vida!
Os sonhos não determinam o lugar onde vocês vão
chegar, mas produzem a força necessária para tirá-los
do lugar em que vocês estão. Sonhem com as estrelas
para que vocês possam pisar pelo menos na Lua.
Sonhem com a Lua para que vocês possam pisar pelo
menos nos altos montes. Sonhem com os altos montes
para que vocês possam ter dignidade quando
atravessarem os vales das perdas e das frustrações.
Bons alunos aprendem a matemática numérica; alunos
fascinantes vão além: aprendem a matemática da
emoção, que não tem conta exata e que rompe a regra
da lógica. Nessa matemática você só aprende a
multiplicar quando aprende a dividir; só consegue
ganhar quando aprende a perder; só consegue receber
quando aprende a se doar.
Augusto Cury
RESUMO

Esta pesquisa de cunho qualitativo buscou investigar as propostas de práticas pedagógicas de


enfermeiros assistenciais que exercem atividade docente em cursos técnicos de enfermagem
em nível médio e identificar em seus relatos as dificuldades e hesitações que vivenciam em
suas práticas docentes ao lidarem com conhecimentos matemáticos que devam ser articulados
a conhecimentos essenciais da enfermagem. Duas questões orientaram a pesquisa: Que
condições a formação dos enfermeiros assistenciais em atividade docente de enfermagem
oferece para que estes possam aprender os conhecimentos matemáticos e associá-los em sua
prática docente aos procedimentos de enfermagem? Que práticas pedagógicas são utilizadas
por esses profissionais para abordarem a matemática nos componentes curriculares
específicos da enfermagem? Sete enfermeiros assistenciais que exerciam atividades docentes
em três cursos técnicos de nível médio foram os sujeitos da pesquisa, os quais responderam
um questionário e foram entrevistados. Analisaram-se também as matrizes curriculares de um
curso de bacharelado e um de licenciatura lato sensu em enfermagem à luz das Diretrizes
Curriculares Nacionais, com o objetivo de identificar a coerência entre o que é proposto
nessas matrizes e o que os sujeitos consideram importante para sua formação. Por último,
analisamos a matriz curricular de um curso técnico de enfermagem em nível médio
considerando o que preconiza o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, de modo a
identificar conteúdos matemáticos que sejam úteis quando o futuro técnico atuar
profissionalmente. Os resultados indicaram que na formação vivenciada pelos sujeitos e nas
práticas pedagógicas por eles utilizadas a matemática não é contextualizada nem articulada
com procedimentos de enfermagem. Constatou-se também que os atuais sistemas de formação
não respondem às necessidades dos estudantes, o que nos leva a inferir que a formação dos
enfermeiros docentes lhes dificulta associar noções matemáticas a procedimentos de
enfermagem, e a inadequação de suas práticas pedagógicas parece conduzir seus alunos a
dificuldades e erros no uso da matemática no contexto da enfermagem. Acreditamos que esses
estudantes, durante sua formação, deveriam ser colocados em contato com situações reais que
lhes promovessem reflexão sobre as incertezas e ambiguidades de caráter matemático
inerentes a seu cotidiano profissional, a fim de terem oportunidade lidar com aspectos da
subjetividade abrangidos pela lógica fuzzy.
Palavras-chave: educação matemática, enfermagem, formação, complexidade, articulação,
ambiguidades, lógica fuzzy.
ABSTRACT

The purpose of this qualitative study conducted in Brazil was to investigate the pedagogical
practices proposed by clinical nurses who teach on high-school-level nursing technician
programs and to identify in their discourses the difficulties and hesitations they experience in
the classroom setting while addressing mathematical knowledge that has to be articulated with
essential nursing procedures. Two research questions guided the investigation: When clinical
nurses attend teacher training programs, what conditions are available to allow them to
acquire mathematical knowledge that can be associated with nursing procedures to be taught
to their students? What pedagogical practices are employed by these professionals to address
mathematics in nursing-specific curricular components? Seven clinical nurses who taught on
three nursing technician programs were included in the study. The participants answered a
questionnaire and were interviewed. The curriculum grids of a bachelor’s degree program in
nursing and a lato sensu teaching degree in nursing were analyzed considering the Brazilian
National Curriculum Guidelines, in order to identify consistencies between contents included
in the grid and those which the nurses viewed as relevant to their own training. Finally, the
curriculum of a high-school-level nursing technician program was evaluated in view of the
proposals expressed in the official Brazilian List of Technical Programs, with the purpose of
identifying mathematical contents useful in the future professional practice of nursing
technicians. The results revealed that mathematics has not been contextualized or articulated
with nursing procedures, either during the teaching training of nurses or in their subsequent
teaching practices in the classroom setting. Current nursing technician programs were found
not to meet the needs of students—from which it can be inferred that the training of teaching
nurses fails to prepare these professionals to associate mathematical notions with nursing
procedures. Also, the use of ineffective teaching practices seems to compound the difficulties
experienced by the students, who become more prone to errors in the use of mathematics in
actual nursing settings. While attending technical training, these students should benefit from
contact with real-life situations that promote reflection on mathematical ambiguities and
uncertainties inherent to their future professional practice, thus providing them with the
opportunity to experience and process subjective aspects more aptly addressed by fuzzy logic.
Keywords: mathematics education, nursing, professional education, complexity, articulation
of subjects, ambiguities, fuzzy logic.
RÉSUMÉ

Cette recherche a fait de façon qualitatif chercher d’enquêter propositions des pratiques
pédagogiques d’infirmiers assistancielles que font d’activité d’enseignant dans les études
techniques d’infirmière dans à niveau intermédiaire et identifier dans ses rapport, les
difficultés et les hésitations que ont dans ses expériences et dans ses pratiques d’enseignant
avec les connaissance mathématiques que doivent être articuler aux connaissance essentielles
d’infirmière. Deux questions ont guidé la recherche : Quelles sont les conditions de la
formation des infirmières assistancielles dans activité d’enseignant d’infirmière offre afin
qu’ils puissent apprendre les connaissances mathématiques et les relie à leur pratique
pédagogique avec les procédures d’infirmière ? Quelles sont les pratiques pédagogique
utilisées par ses professionnels dans l’approche mathématique pour les composantes du
programme détudes spécifiques d’infirmière ? Sept d’infirmiers assistancielles qui exercent
des activités d’enseignant dans trois cours téchnique à niveau intermédiaire étaient des sujets
de recherche, les quias ont répondu à un questionnaire et ont été interrogé. Ils ont également
analysé les matrices scolaires de titulaires d’um baccalauréat et d’une lycée professionnel lato
sensu à la lumière des lignes Directrices du Programme National afin d’identifier la cohérence
entre ce qui est proposé dans ces matrices et les sujets considérés comme importants pour
leurs formations. Enfin, nous analysons le curriculum d’un cours téchnique à niveau
intermédiaire d’infirmière compte tenu dit le Catalogue National de Cours Techniques afin
d’identifier le contenu mathématique est utile lorsque l’avenir acte technique professionnel.
Les résultats indiquent que la formation vécue par les sujets et les pratiques d’enseignant
qu’ils utilisaient les mathématiques ne sont pas contextualisée ni articulée avec les procédures
d’infirmière. On a également constaté que les systêmes actuels de formation ne répodent pas
aux besoins des élèves, ce qui nous amène à conclure que la formation des enseignant
infirmiers dificile pour eux d’associer des notions mathématiques aux procedures d’infirmière
et de insuffisance de leur enseignant semble conduire leurs élèves les difficultés et les erreurs
dans l’utilisation des mathématiques dans le contexte d’infirmière. Nous croyons que ces
étudiants au cour de leur formation, devraient être mis en contact avec des situtations rèeles
qui les encourage à reflechir sur les incertitudes et les ambiguïtés de caractere mathématique
inhérente au travail quotidien afin d’avoir la possibilité de traiter des aspects de la subjectivité
traitée par la logiques fuzzy.
Mot-clé: l’éducation en mathématique, infirmière, formation, complexité, articulation,
ambigüité, logique fuzzy.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Complexidade de um sistema em função da precisão do modelo......................................... 27


Figura 2 – Transformações de unidades. ................................................................................................ 29
Figura 3 – Efeito da inclinação do conta-gotas sobre o volume da gota. ............................................... 30
Figura 4 – Diagrama das causas de mortalidade no exército no Oriente, elaborado por Florence
Nightingale durante a guerra da Crimeia. .............................................................................................. 60
Figura 5 – Conhecimento de matemática para o ensino (mathematical knowledge for teaching) ....... 106

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Correlações entre conhecimentos matemáticos e procedimentos de enfermagem .............. 23


Quadro 2 – O caso de Lúcia ................................................................................................................... 28
Quadro 3 – Atendimento da 1.ª prescrição ............................................................................................. 31
Quadro 4 – Resolução da 2.ª prescrição ................................................................................................. 32
Quadro 5 – Cálculo de soro glicosado e procedimentos matemáticos ................................................... 43
Quadro 6 – Instituições de ensino incluídas na pesquisa ..................................................................... 114
Quadro 7 – Perfil dos enfermeiros docentes ........................................................................................ 121
Quadro 8 – Matriz dos dados obtidos das entrevistas com os enfermeiros docentes. .......................... 125
Quadro 9 – Matriz curricular do bacharelado em enfermagem de uma instituição particular ............. 161
Quadro 10 – Matriz curricular de uma instituição de ensino superior privada que oferece pós-
graduação lato sensu na área de docência em enfermagem ................................................................. 165
Quadro 11 – Matriz curricular de uma instituição que oferece curso técnico de enfermagem em
nível médio ........................................................................................................................................... 167
Quadro 12 – Conhecimentos matemáticos presentes nas disciplinas de um curso técnico de
enfermagem em nível médio ................................................................................................................ 169
Quadro 13 – Dificuldades dos alunos do curso técnico e dos enfermeiros assistenciais em
atividade docente nas atividades de enfermagem. ................................................................................ 175
Quadro 14 – Práticas pedagógicas detectadas nos relatos dos enfermeiros assistenciais em
atividade docente e as práticas utilizadas em sua formação quando estudantes .................................. 175
SUMÁRIO

A busca: um início de encontros e desencontros ............................................................................... 12


Da graduação à pós-graduação: entre a vida profissional e a acadêmica..................................... 16
1 Introdução .................................................................................................................................. 19
1.1 O problema ......................................................................................................................... 21
1.2 Questão da pesquisa ........................................................................................................... 35
1.3 Objetivos da pesquisa ......................................................................................................... 35
1.4 Justificativas, motivações e contribuições.......................................................................... 37
1.5 Revisão da literatura: o que dizem as pesquisas ................................................................. 40
1.6 Os profissionais de saúde: a realidade vivida ..................................................................... 50
1.7 A arquitetura da pesquisa ................................................................................................... 53
2 Enfermagem e educação matemática: contexto histórico ...................................................... 55
2.1 Considerações iniciais ........................................................................................................ 55
2.2 Da assistência à docência em enfermagem ........................................................................ 56
2.3 Da enfermagem moderna à enfermagem no Brasil ............................................................ 58
2.4 A atual legislação dos profissionais de saúde: prerrogativas legais e panorama atual ....... 63
2.5 A educação matemática e a visão d’ambrosiana: o contexto histórico e os desafios de
uma área de conhecimento no cenário brasileiro e internacional ................................................ 70
3 Perspectivas teóricas .................................................................................................................. 78
3.1 O encontro com os teóricos ................................................................................................ 78
3.2 Falar de formação, pensar em fragmentação: os pensamentos de Edgar Morin ................ 82
3.3 A teoria da flexibilidade cognitiva: uma proposta metodológica para o domínio da
complexidade e a transferência de conhecimentos ...................................................................... 96
3.4 Os conhecimentos docentes: a visão de Shulman e de Ball ............................................. 102
4 Percurso metodológico: metodologia e análise dos resultados ............................................. 110
4.1 Paradigma da investigação ............................................................................................... 110
4.2 A abordagem qualitativa .................................................................................................. 111
4.3 Dos instrumentos aos sujeitos da pesquisa ....................................................................... 113
5 Resultados: análise e discussão ............................................................................................... 120
5.1 Dados emergentes da aplicação do questionário .............................................................. 120
5.2 Os pensamentos dos enfermeiros docentes: as entrevistas ............................................... 124
5.3 Análise da matriz curricular do curso de enfermagem de uma instituição particular à
luz das Diretrizes Curriculares Nacionais para cursos de enfermagem ..................................... 158
6 Conclusões ................................................................................................................................ 172
6.1 O caminho percorrido....................................................................................................... 172
6.2 Conclusões relativas aos resultados da investigação ........................................................ 174
6.3 Perspectivas futuras .......................................................................................................... 178
Referências .......................................................................................................................................... 180
Apêndice A. Termo de consentimento livre e esclarecido............................................................... 191
Apêndice B. Questões norteadoras para o enfermeiro docente. .................................................... 193
Apêndice C. Entrevistas com os enfermeiros docentes. .................................................................. 195
Anexo A. Autorização para a realização da pesquisa. .................................................................... 228
Anexo B. Autorização do responsável pela instituição de ensino................................................... 230
Anexo C. Entrevista exibida pelo programa Fantástico. ................................................................ 231
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A BUSCA: UM INÍCIO DE ENCONTROS E DESENCONTROS

Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me


insere na busca, não aprendo nem ensino.
Paulo Freire

Assim como dizia Freire (1996, p. 29), “onde há vida há inacabamento”. Ter essa
consciência faz com que a vida se torne um caminho de buscas – e a minha sempre foi repleta
delas. Ao introduzir o tema desta pesquisa, sinto necessidade de falar sobre algumas marcas
pessoais e profissionais de minha história, algumas delas leves e outras duradouras, mas que
possuem significados que proporcionam um rico material para autorreflexão. Partilhar os
encontros e desencontros presentes em minha trajetória desde o nascimento até a pós-
graduação, resgatando algumas dessas lembranças, não é tarefa simples. Minha vida escolar
teve papel fundamental nos caminhos que percorri. Busquei por isso, nesta seção, traçar um
fio condutor da história de minha vida que tivesse eixo no processo de formação escolar,
desde o ensino fundamental até a pós-graduação, visitando o contexto familiar e escolar que
vivenciei.
Nasci em 14 de maio de 1962 na cidade de São Paulo. Sou a segunda de quatro
irmãos. Lembro-me das brincadeiras com estes, sempre embaladas por músicas que
retratavam o amor, a guerra do Vietnã e a situação do país na década de 1960. Iniciei minha
vida escolar em um contexto histórico tradicional e autoritário, ingressando em 1969 na 1.a
série do antigo curso primário na Escola Pública Estadual Theodomiro Emerique, nessa
cidade. Ainda guardo uma lembrança viva: o modelo-padrão da época, caracterizado por
professores de postura conservadora, tidos como autoridades máximas no processo educativo.
As exigências para frequentar a escola eram muitas. O uso de uniforme era
obrigatório, requerendo-se também mala, estojo, lancheira. Ainda consigo me ver com aquela
saia xadrez, toda pregueada e com bainha abaixo dos joelhos; camisa branca de mangas curtas
com um bolso à esquerda na altura do peito, bordado com o nome da escola em uma espécie
de timbre; meias brancas e sapatos modelo boneca.
Entrar pela primeira vez na escola foi um momento muito importante para mim, mas
também inaugurou um período de medos e receios. A professora ensinava as primeiras letras e
continhas, mas era fácil observar a expressão dos colegas, com olhares e gracejos quando as
dificuldades de algum colega se evidenciavam. Geralmente, saíam-se bem aqueles que tinham
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facilidade em reproduzir informações e algoritmos, ainda que não compreendessem o sentido


do que estavam fazendo. Os que não tinham sucesso eram penalizados, algumas vezes por
puxões de orelhas e “soquinhos” na cabeça, colocando em evidência as facilidades e
dificuldades da turma. Foi um período de estresse em minha infância. Procurava cumprir
minhas obrigações, não questionando a professora, na tentativa de passar despercebida a seu
olhar. Talvez seja essa a razão de guardar poucas informações dessa época. No entanto,
guardo vividamente algumas lembranças, como a tabuada, de que fazia cópias infindáveis, e
também a cartilha Caminho suave – particularmente a frase “O vovô viu a uva”. Passava horas
escrevendo esta frase da família do ‘v’, mas não a compreendia e, desanimada, me perguntava
por que precisava saber que o vovô viu essa fruta! Sequer conheci meus avós, e as uvas eram
artigo de luxo, portanto fora do contexto da leitura que eu fazia do mundo.
Alguns anos depois, ao conhecer a obra de Paulo Freire, meu descontentamento
escolar foi explicado pelo educador da seguinte forma: “Não basta saber ler que o vovô viu a
uva. É preciso compreender qual a posição que o vovô ocupa no seu contexto social, quem
trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho” (FREIRE apud GADOTTI;
TORRES, 2006, prefácio). A frase da cartilha parece simples, mas era vazia de significado e
seu essencial permanecia oculto nas entrelinhas. Considerar a complexidade envolvida,
realizando a leitura do mundo e não apenas decodificando palavras para depois recitá-las,
constitui ainda um dos múltiplos desafios aos educadores. Indagar e refletir acerca da
realidade, bem como julgar, são tarefas decisivas que a formação em qualquer nível de
escolaridade deve promover.
Um exemplo oportuno, pertinente ao tema desta pesquisa e que pode ser associado às
ideias de Freire, é a relação que se estabelece entre profissionais de saúde e pacientes. Andrea
Pio, médica nefrologista e membro da Sociedade Brasileira de Nefrologia e da Sociedade
Brasileira de Médicos Escritores, concluiu, ao focalizar a adesão de pacientes portadores de
diabetes e hipertensão ao tratamento, que os baixos índices de adesão estão relacionados com
a própria educação, embora nos consultórios, ambulatórios e hospitais encontremos pessoas
que jamais comeram uvas e que não têm avós vivos, mas que estão ali ocupando o mesmo
ambiente de quem já vivenciou essas experiências. O mesmo se aplica à educação para a
saúde como um todo. Idealmente, a prática médica e da equipe multidisciplinar – enfermeiros,
técnicos, auxiliares, nutricionistas – se beneficiaria em empregar uma linguagem, tanto oral
quanto escrita, que se aproximasse da realidade do paciente. Isso nos conduz ao método
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proposto por Freire, que, aplicado aos profissionais de saúde, lhes estimularia a enxergar
dentro de cada pessoa todo contexto social ao qual ela pertence.
Voltando às lembranças de minha infância: uma vez por semana hasteávamos a
bandeira brasileira e cantávamos o Hino Nacional. Também na Semana da Pátria, em
setembro, desfilávamos na rua da escola. Penso que tenha sido apenas isso que aprendi sobre
patriotismo, e que o presidente do Brasil era o general Emílio Garrastazu Médici, pois meu
pai dizia que era arriscado falar sobre política.
Naqueles anos primeiros, não parava de pensar no exame de admissão! Era uma
espécie de vestibular, ao final dos quatro anos do curso primário, para ingresso no ginasial.
Em 1971, porém, o exame foi extinto, poupando-me de passar por esse fio de navalha.
Assim, em 1973 ingressei no ginásio, na Escola de Primeiro Grau Gabriel Ortiz.
Tudo era novo, com um professor para cada disciplina, e um punhado de livros passou a fazer
parte de meu novo cenário. Nessa época surgiram os primeiros desencontros, com dificuldade
em comprar o uniforme e adquirir a lista obrigatória de livros e materiais escolares. Além
disso, como acontece em tantas outras famílias, meus pais separaram-se. Minha mãe teve a
responsabilidade de trabalhar fora e, juntamente com minha irmã mais velha, assumi a árdua
tarefa de cuidar da casa e dos irmãos menores. Em meio às dificuldades de uma família pobre,
fui ensinada a entender que o conhecimento significava não estar à margem da sociedade e,
nesse sentido, a busca pelo conhecimento tornou-se para mim o sentido de ser e de estar no
mundo.
A situação financeira familiar estava cada vez mais difícil. Embora tivéssemos que
nos privar de algumas coisas, para minha mãe a escola sempre foi intocável. No entanto,
diante da gravidade da situação, minha irmã mais velha deixou os estudos e vendi meus livros
para ajudar nas despesas de casa, afastando-me da escola por três meses. Nesse período,
porém, recebi em casa a visita da professora de ciências, a senhora Toyoka. Ela resgatou
todos os livros que eu vendera e me disse: “Volte para a escola. Se quiser mudar a sua vida, o
único caminho é a educação”. Essas palavras calaram fundo em meu coração e mudaram
minha vida. A partir daí, resolvi mudar minha história. Retornei à escola com o apoio dessa
professora – fui representante da sala por dois anos –, envolvi-me com a organização dos
jogos de handball, participei da comissão de festas juninas e passei a ter o apreço da
coordenação e de todos os professores – o que em minha família estava me faltando.
Em 1975, uma época de mudanças, fomos morar em um bairro em que os aluguéis
eram mais baixos e passei a estudar na Escola Estadual Professora Helena Lombardi Braga.
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Foi uma época fascinante, de várias descobertas e desafios. Não gostava, porém, da aparência
da nova escola. Tinha vidros quebrados, o banheiro não funcionava e meus colegas de sala
eram bem mais velhos que eu. Sentia-me deslocada. A única vantagem era não ter que esperar
minha irmã retornar da escola para lhe pedir o uniforme emprestado! No entanto, faltavam
ainda dois anos para terminar o ginásio e teria que me adaptar a essa nova realidade.
Mais uma vez, encontrei um professor que não me viu apenas como mais uma aluna.
Foi Ming Belinchão, meu professor de Matemática. Percebendo minha dificuldade de
adaptação com a turma, sugeriu que uma forma de entrosar-me seria ajudá-los com os
exercícios de matemática. Pela primeira vez comecei a pensar efetivamente em meu futuro:
ser professora. Essa foi a semente plantada dentro de mim, que mais tarde germinou, cresceu,
virou botão e floresceu.
Já era hora de pensar no ensino médio e em trabalhar. O ensino técnico era uma boa
opção, mas teria que conseguir vaga em uma escola pública. Meus professores me sugeriram
prestar “vestibulinho” em uma escola técnica. Seria uma oportunidade de cursar o ensino
médio e ter uma profissão.
Em 1977, iniciei o ensino médio com formação específica em secretariado na ETEC
Professor Camargo Aranha, também em São Paulo. A adolescência chegou como uma rajada
de vento pela janela e trouxe consigo uma pessoa especial, com quem estou casada há 30 anos
– e juntos estamos escrevendo nossa história.
Voltando ao ambiente escolar: meu interesse por assuntos, pessoas, lugares e
situações até então não percebidos por mim foi crescendo. No ensino médio, tive notícias
sobre um mundo que não me fora apresentado abertamente. A conversa na hora do intervalo
era sobre a União Nacional dos Estudantes, que voltava a ter força nesse período, coincidindo
com uma mudança importante nos rumos da política nacional.
Meu desejo era participar das manifestações marcadas pela ida dos estudantes às ruas
e compartilhar, com os demais, o desejo de mudança traduzido em protestos públicos e
passeatas, mobilizando a sociedade pela luta em defesa da democracia. No entanto, meu pai,
sargento da polícia militar de São Paulo, agora mais próximo da família, não permitiu meu
envolvimento, e assim, em 1979, no meio desse turbilhão, concluí o ensino médio.
16

DA GRADUAÇÃO À PÓS-GRADUAÇÃO: ENTRE A VIDA PROFISSIONAL E A ACADÊMICA

Após trabalhar cinco anos como secretária em um hospital de São Paulo, prestei em
1984, já casada, um concurso para trabalhar no setor administrativo de uma unidade básica de
saúde (UBS)1 da prefeitura de São Paulo. Ali, me alegrava em ajudar os auxiliares de
enfermagem que tinham dificuldades com matemática, especificamente em cálculos com
medicamentos. Eles almejavam frequentar cursos de formação para técnicos de enfermagem
e, para isso, precisavam passar por um exame de seleção, além de haverem concluído o ensino
médio. Os que conseguiam ser aprovados na seleção, ao iniciarem o curso encontravam
imediatamente obstáculos ao tentarem resolver exercícios em que a matemática estava
presente. Não conseguindo transpor esses obstáculos, desistiam do curso, alegando não
compreender os cálculos.
O grupo era formado por 10 auxiliares de enfermagem e, nas tardes de sexta-feira, eu
lhes ensinava os cálculos e também aprendia com eles as questões de enfermagem. Comecei,
por insistência de meu esposo, a pensar na possibilidade de cursar uma universidade. Ao
mesmo tempo, a convivência com médicos, enfermeiras e técnicos de enfermagem na UBS
me fazia relembrar um sonho de criança: cursar medicina para ajudar as pessoas.
Entretanto, revirando meu baú, lembrei-me das aulas do professor Ming, na época do
ginásio, e das aulas que eu modestamente ministrava para meus colegas. Então tomei uma
decisão: ser professora de matemática!
Iniciei em 1985 a graduação em licenciatura plena em matemática na Universidade
São Judas Tadeu, em São Paulo, concluindo-a em 1989. Desenvolvia minhas atividades na
UBS e, paralelamente, lecionava matemática, em caráter temporário, na mesma escola em que
concluíra o ginasial.
Inscrevi-me em 1992 em um concurso para efetivação dos professores. Nesse ano, a
Associação dos Professores do Estado de São Paulo (APEOESP) promoveu uma palestra com
o objetivo de prepará-los para esse concurso. Comprei um caderno para fazer anotações.
Minha expectativa era discutir questões de geometria, álgebra e cálculo e as normas e
diretrizes que regiam o ensino no estado de São Paulo. No entanto, jamais esquecerei a
palestra que assisti, proferida pelo Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio. Fiquei extremamente
intrigada. Quem era aquele professor que trazia à mesa de discussão assuntos jamais
abordados em minha formação universitária? Que “educar é um ato de amor”. Que “educar é

1
Posto que presta serviços de saúde à comunidade.
17

um ato político”. Que “a responsabilidade maior do professor vai além da disciplina


específica que leciona”. Um professor que falava sobre transdisciplinaridade. Que falava para
sairmos da gaiola epistemológica. Que falava da educação para a paz, da etnomatemática e da
humildade.
Fui aprovada no concurso e deixei minhas atividades no posto de saúde, para
dedicar-me à profissão de professora da disciplina de matemática na rede de ensino estadual
de São Paulo, onde atuei por mais de 26 anos.
Mais uma vez, a vida promoveu um feliz encontro. Assim como os professores
Toyoka e Ming o haviam feito, o professor Ubiratan e suas reflexões me levaram a repensar
meu papel de professora, fazendo emergir alguns questionamentos: O que me realizava em ser
professora? Quais eram minhas lacunas nessa função? Por que me sentia tão cobrada pela
sociedade? Era já hora de retornar à academia e buscar o respaldo para enfrentá-las? Será que
minha formação escolar havia me preparado para ser (ou apenas para estar) professora?
O ano de 1996 foi o mais fantástico de minha vida. Tendo já perdido quatro filhos no
período gestacional, eu realizava um grande sonho: o nascimento de minha filha Luiza.
Voltando a meus questionamentos sobre ser ou estar professora: a busca por
respostas e a vida profissional impulsionaram meu retorno à vida acadêmica e, em 2002,
iniciei o curso de especialização na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
com parceria da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Em 2003 iniciei ali o
mestrado, concluído em 2006. Foi nesse período que compreendi o que era superação. Via-me
dividindo o tempo entre os alunos, o esposo e uma filha pequena, além de debruçar-me sobre
os livros. No início do curso, os professores perguntavam qual era meu problema de pesquisa.
Não sabia responder, por não compreender o que significava “problema de pesquisa”. A
pergunta me causava inquietação. O que investigar?
Ao participar de uma oficina na PUC-SP sobre resolução de problemas, ouvi a
seguinte frase da professora Célia Maria Carolino Pires: “Uma situação somente pode ser
concebida como um problema de pesquisa no momento em que exista um reconhecimento
como tal”.
Ao observar a meu redor, lembrei-me de meus amigos enfermeiros, auxiliares e
técnicos de enfermagem, de nossas aulas e de suas dificuldades com a matemática.
Compreendi então que não precisava abrir mão da matemática, que tanto me atraía, para
viajar no encanto de outras ciências: enfermagem, medicina ou biologia. A percepção das
dificuldades de alguns desses profissionais, de seu descontentamento ou até mesmo angústia
18

por não dominarem o conteúdo matemático levou-me a investigar a aplicabilidade da


matemática no contexto da enfermagem.
Ao concluir a dissertação de mestrado, algumas portas ficaram abertas e, depois de
algum tempo, ao adentrá-las, deparei-me com outros questionamentos que me suscitaram o
desejo de investigar a formação dos enfermeiros assistenciais que exercem atividade docente
em cursos técnicos de enfermagem. Esse âmbito se apresentou como possibilidade para
discutir a matemática para os não matemáticos. Em uma de suas aulas, ouvi o professor
Ubiratan dizer: “Sem curiosidade, encanto e paixão pelo tema, não há pesquisa”. Que esta
busca, marcada por encantamento, curiosidade e paixão, me conduzam por caminhos que
jamais pensei em trilhar.
19

1 INTRODUÇÃO

Embora a sociedade tenha experimentado grandes transformações, o ser humano


ainda continua com algumas necessidades básicas milenares, entre elas as de saúde e de
educação, as quais compõem o objeto de estudo desta pesquisa. Essas duas áreas exigem
reflexão sobre o que é quantitativa e qualitativamente necessário para que se possam formar
profissionais comprometidos com o ser humano, com a qualidade de vida em todas as
dimensões sociais. Desconhecer essa realidade tem repercussões negativas, com danos por
vezes irrecuperáveis.
Segundo Carvalho (1994), a educação matemática é atividade essencialmente plúri e
interdisciplinar, abrangendo um grande arco em que há lugar para pesquisas e trabalhos dos
mais diferentes tipos.
Para Bicudo (1999), a educação matemática possui campo de investigação e ação
bastante amplo. Considera que cabe aos pesquisadores analisar criticamente suas ações, a fim
de perceberem em que estas contribuem com a educação matemática do cidadão. O que se
pode concluir das colocações de Bicudo é que a educação matemática é uma área de estudos e
pesquisas solidamente fundamentados na educação e na matemática, mas que também se
contextualiza em ambientes interdisciplinares, visando a melhoria do ensino–aprendizagem de
matemática em todos os níveis de formação.
Na área da saúde, segundo o Conselho Federal de Enfermagem (COFEn), há três
categorias de profissionais de enfermagem: o enfermeiro, o técnico de enfermagem e o
auxiliar de enfermagem. O profissional popularmente designado “enfermeiro-padrão” é o
enfermeiro portador de diploma de nível superior. A designação surgiu como tentativa de
distingui-lo de outros profissionais de enfermagem genericamente conhecidos como
“enfermeiros”.
De acordo com as Referências Curriculares Nacionais dos cursos de bacharelado e
licenciatura (BRASIL, 2010), o bacharel em enfermagem, ou enfermeiro assistencial, atua no
planejamento, organização e execução da assistência de enfermagem ao doente, à família e à
comunidade. Presta cuidados de enfermagem a casos de grande complexidade técnica e a
pacientes graves com risco de vida. Quanto ao ambiente de atuação:

Esse profissional atua na rede básica de serviços de saúde: em escolas e creches;


empresas; em hospitais especializados, em clínicas e ambulatórios; em órgãos de
gestão, financiamento e supervisão de saúde; no atendimento em domicílio; em
casas de parto; em consultórios de enfermagem. Desenvolve função administrativa
20

relacionada com o gerenciamento de toda a equipe de enfermagem, com recursos


materiais e desenvolvimento de ações referentes à educação continuada, ou seja,
treinamentos e atualizações dos profissionais sob sua responsabilidade. (BRASIL,
2010, p. 32)

O bacharel de enfermagem recebe a denominação de enfermeiro assistencial por


prestar assistência direta aos pacientes, executando ações de enfermagem prescritas pelo
médico. Sua prioridade é o atendimento ao paciente.
Com a expansão do ensino técnico, criou-se um espaço de formação profissional que
tem impacto na sociedade ao inserir profissionais em diversas áreas de trabalho. Para atender
essa demanda de formação, abriu-se outro campo de atuação para os enfermeiros, que deu
origem a outra categoria: o enfermeiro assistencial em atividade docente.
No Brasil, o curso de licenciatura em enfermagem foi criado no final dos anos 1960
pelo parecer 837/1968, da Câmara de Ensino Superior (CEE), conferindo ao bacharel de
enfermagem o título de licenciado para atender a exigência social de formação profissional de
auxiliares e técnicos de enfermagem em nível médio. Cabe destacar que os licenciados em
enfermagem devem “possuir bacharelado como pré-requisito para exercer a docência nessa
área, configurando uma excepcionalidade dentre as licenciaturas” (MOTA; ALMEIDA,
2003).
O parecer 506/2007 da CEE, de 10 de agosto de 2007, que ratifica o disposto na
indicação 64/2007, aprovada pelo mesmo órgão em 28 de fevereiro daquele ano, disciplina a
obrigatoriedade de que o enfermeiro comprove sua capacitação pedagógica para atuar na
formação profissional:

Art. 1.º. Podem exercer a docência em Curso de Educação Profissional Técnica de


nível médio na área de Enfermagem:
I – os profissionais graduados na área ou componente curricular do Curso e os
licenciados (licenciatura plena, programa especial de formação pedagógica);
II – os profissionais graduados na área ou componente do Curso e pós-graduados em
Cursos de Especialização, especialmente planejados e aprovados para o fim de
atuação docente;
III – os portadores de Diploma de Mestrado ou Doutorado nas áreas dos
componentes curriculares do Curso de Educação Profissional;
IV – os profissionais graduados na área ou componente do Curso que comprovarem
a respectiva matrícula em Cursos de Especialização, especialmente planejados e
aprovados para o fim de atuação docente.
Parágrafo Único: É obrigação do Responsável Técnico de Enfermagem da
Instituição de Ensino a exclusão do quadro de professores daqueles que
abandonarem o Curso de Especialização apresentado para os fins do inciso IV desse
artigo. (CEE apud COREn-SP, 2007)
21

Desse modo, os enfermeiros assistenciais em atividade docente são bacharéis em


enfermagem que atuam na educação profissional com dupla dimensão de conhecimento, que
contempla os conteúdos pedagógicos e inclui a necessária experiência de trabalho como
enfermeiros assistenciais.
Na presente pesquisa, focalizaremos enfermeiros assistenciais em atividade docente,
ou seja, bacharéis em enfermagem que atuam como enfermeiros assistenciais e paralelamente
exercem atividade docente, em cursos de nível médio voltados à formação de técnicos de
enfermagem.

1.1 O PROBLEMA

Ao pensarmos sobre o enfermeiro docente2, de imediato surgem questões sobre sua


prática pedagógica, uma vez que esta requer um preparo que vai além do domínio de
conhecimentos do campo da enfermagem. Esse professor deve ter domínio do conhecimento
pedagógico, didático e específico e assumir compromisso ético-político com os resultados de
seu ensino.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996)
estabelece a importância da formação dos indivíduos, atribuindo à escola o papel de agente no
processo de ensino e aprendizagem dos conhecimentos considerados essenciais para esse fim.
Nesse processo, figura o professor como elemento fundamental na formação de seus alunos.
Em sua prática pedagógica, o enfermeiro docente utiliza a matemática como instrumento para
resolver questões relacionadas aos procedimentos de enfermagem.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM):

A Matemática deve ser vista pelo aluno como um conjunto de técnicas e estratégias
para serem aplicadas em outras áreas do conhecimento, assim como para a atividade
profissional. Não se trata de os alunos possuírem muitas e sofisticadas estratégias,
mas sim desenvolverem a iniciativa e a segurança para adaptá-las a diferentes
contextos, usando-as adequadamente no momento oportuno. (BRASIL, 1999a, p.
251)

Nesse contexto, é missão do enfermeiro docente desenvolver a aprendizagem de


questões relacionadas à enfermagem, competindo-lhe também associar a essas questões os
conhecimentos matemáticos. Logo, seu desafio é propiciar a seus alunos, futuros profissionais
de saúde, a oportunidade de interagir com o conhecimento matemático, manuseá-lo,

2
A partir deste ponto, utilizaremos a expressão ‘enfermeiro docente’ para designar o enfermeiro assistencial
em atividade docente.
22

experimentá-lo e sentirem-se seguros em utilizá-lo para tomar decisões em sua vida


profissional, tendo consciência de que os que os cálculos estão relacionados diretamente à
vida dos pacientes que estarão sob sua responsabilidade. Esse desafio exige que o enfermeiro
docente se aproprie de uma prática pedagógica comprometida com a qualidade da educação –
e com uma educação de qualidade em um mundo de complexidade, incertezas e
instabilidades.
A matemática tem caráter instrumental na prática diária clínica dos profissionais de
saúde, e sua importância nos procedimentos de enfermagem é ratificada por pesquisas em
educação matemática como a de Xavier (2006), que aponta a necessidade de se utilizarem de
forma mais incisiva, nos cursos de formação para técnicos de enfermagem, situações-
problema oriundas da realidade dos profissionais de saúde, já que uma das dificuldades em
abordar conceitos matemáticos associados aos procedimentos de enfermagem se deve à
utilização habitual de situações desconectadas da realidade que os futuros profissionais
encontrarão em sua vida profissional. Acrescenta que:

Os alunos são capazes de aprender. É preciso refletir sobre o que se pode oferecer-
lhes para que desenvolvam suas potencialidades em um ambiente rico e estimulante.
Compete ao enfermeiro docente renovar sua prática pedagógica à luz das suas
próprias reflexões e ter consciência da responsabilidade que lhes é conferida de
formar, preparar alunos capazes de desenvolver o exercício da profissão. (XAVIER,
2006, p. 217)

Embora Xavier (2006) não tenha tratado da prática pedagógica do enfermeiro


docente, os resultados de sua pesquisa revelaram que:

Os enfermeiros docentes têm pouca intimidade com o conhecimento matemático.


Consideram-no um assunto importante, porém não se sentem à vontade para discuti-
lo com seus alunos, e esses, por sua vez, apontaram as dificuldades em utilizar a
Matemática nas atividades de Enfermagem. [...] Desse modo evidenciou-se o
afastamento dos alunos e enfermeiros docentes das questões de Enfermagem que
envolvem cálculos, sendo a dificuldade com a Matemática a causa desse
afastamento. (XAVIER, 2006, p. 38)

Na área de enfermagem, Utyama et al. (2014) publicaram um estudo sobre


administração de medicamentos e cálculos de dosagem para adultos e crianças, identificando
os conhecimentos matemáticos utilizados pelos profissionais de saúde (auxiliares, técnicos e
enfermeiros) ao exercerem suas funções. Tais conhecimentos matemáticos (Quadro 1,
primeira coluna) envolvem basicamente pensamento proporcional e operações básicas da
aritmética. Segundo os PCN de matemática (BRASIL, 1997), o desenvolvimento do
raciocínio proporcional é um dos objetivos do ensino de matemática para o 3.º e 4.º ciclos.
Nesse mesmo documento, a proporcionalidade é apontada como uma ideia matemática
fundamental, um princípio geral do conhecimento matemático que deve ser desenvolvido e
23

articulado com múltiplos aspectos dos diferentes conteúdos, visando possibilitar ao aluno a
compreensão ampla desse saber. Pressupõe-se que esses conhecimentos estejam disponíveis
para serem utilizados; no entanto, quando usados como ferramentas nas atividades de
enfermagem, estão imersos em um processo terapêutico3 complexo, que envolve diferentes
profissionais de saúde: médicos, farmacêuticos, enfermeiros assistenciais, técnicos e
auxiliares de enfermagem. Utyama et al. (2014) revelam que, tanto na teoria quanto na prática
da enfermagem, os conhecimentos que envolvem aspectos matemáticos são assustadores para
esse público, não só para quem ensina, mas também para quem aprende.
O Quadro 1 correlaciona alguns dos conhecimentos matemáticos com a prática
clínica de profissionais de enfermagem.

Quadro 1 – Correlações entre conhecimentos matemáticos e procedimentos de enfermagem


Conhecimentos matemáticos Atividades desenvolvidas na enfermagem
Operações fundamentais com números Diluição de comprimidos.
naturais: adição, subtração, multiplicação e
divisão. Cálculo de dosagem de medicação parenteral em adultos.

Sentenças matemáticas: como calcular um Cálculo de gotejamento de soluções: cálculo de número de


valor desconhecido. gotejamento, cálculo de horas, cálculo de microgotas utilizando
equipamentos especiais.
Números racionais e sua forma
fracionária: simplificação de frações e Diluição de soluções: diluição de permanganato de potássio e
transformação de frações impróprias em diluição de álcool etílico.
números mistos. Transformação de solução glicosada ou fisiológica em
Razão e proporção: regra de três simples. glicofisiológica.

Sistema métrico decimal: unidades de Transformação de solução glicosada ou fisiológica em


massa, unidades de comprimento, unidades glicofisiológica: meia fórmula.
de volume e capacidade e unidades de Cálculo para transformação de soluções.
tempo.
Cálculo de miliequivalência para cloreto de potássio.
Números decimais: conversão de frações
decimais em números decimais; adição e Cálculo de dosagens de medicação em crianças: cálculo de
subtração de números decimais; medicação de uso oral sólida e líquida; cálculo de dosagem de
multiplicação de números decimais; divisão medicação de uso parenteral; transformação de concentração de
de números decimais e porcentagem. soluções; cálculo de volume para infusão endovenosa de
medicamentos em crianças e infusão endovenosa em crianças.
Balanceamento hídrico: cálculo da quantidade de líquido que
entra e sai do corpo e determinado intervalo de tempo.
Dimensionamento de pessoal: cálculo para dimensionar o
quadro de profissionais de enfermagem
Fonte: Dados da pesquisa.

3
Entende-se por processo terapêutico toda intervenção que visa o tratamento de doentes com o objetivo de
restabelecer-lhes a saúde.
24

Os PCN de Matemática para o ensino fundamental referendam a afirmação de


Utyama et al. (2014):

O ensino de Matemática costuma provocar duas sensações contraditórias, tanto por


parte de quem ensina como por parte de quem aprende: de um lado, a constatação de
que se trata de uma área de conhecimento importante; de outro, a insatisfação diante
dos resultados negativos obtidos com muita frequência em relação à sua
aprendizagem. (BRASIL, 1997, p. 12)

No que tange ao caráter instrumental da matemática, concordamos com as indicações


dos PCN quando apontam a necessidade de desenvolver competências básicas que permitam
resolver problemas da vida cotidiana, inserindo assim os alunos na vida social e no mundo do
trabalho. Tais competências, por sua vez, constituem instrumento essencial para a construção
de conhecimentos em outras áreas curriculares.
Kühner e Marques (2004) fazem considerações sobre um estudo prospectivo
publicado no periódico Archives of Internal Medicine4 de setembro de 2002. O estudo, que
abrangeu 36 hospitais americanos, revelou que os erros com medicamentos mais comumente
cometidos nas enfermarias pesquisadas estavam relacionados à dosagem de medicamentos.
Salientam serem erros perigosos, por seu potencial de causar reações adversas. Constataram-
se equívocos em 7% das doses, ou seja, mais de 40 erros por dia em um hospital de 300 leitos.
Nesse artigo, destacam um estudo de Barker e McConnell que mostra que uma em cada seis
doses de medicamento administradas foi calculada erroneamente.
Nas décadas de 1980 e 1990, as reportagens sobre erros fatais ganharam espaço nos
meios de comunicação. Apoiando-se em dados do sistema implantado pela Food and Drug
Administration (FDA)5 no período de 1993 a 1998, que coletou 5.307 casos de erros com
medicamentos, Kühner e Marques (2004) relatam que 68,2% produziram sérios danos aos
pacientes, sendo 9,8% fatais. Em 469 dos casos fatais, 48,6% afetaram crianças e pacientes
com mais de 60 anos. Os tipos mais comuns de erros fatais foram administração de dose
imprópria (40,9%), medicamento errado (16%) e via de administração errada (9,5%). Suas
causas mais comuns foram desconhecimento (44%) e falha de comunicação (15,8%). Outro
levantamento de 696 casos relacionou 30% dos erros com cálculo das dosagens e 13,4% com
nome incorreto e abreviaturas empregadas indevidamente.
Pozzi, Noss e Hoyles (1998), pesquisando na área de educação, colocam em
discussão o uso da matemática na área da enfermagem, evidenciando a relação existente entre

4
Periódico internacional de medicina interna, que é uma especialidade predominantemente hospitalar,
privilegiando a compreensão do paciente como um todo nas complexas interações dos vários órgãos e
sistemas afetados.
5
Órgão governamental dos Estados Unidos que faz avaliações de medicamentos e equipamentos médicos.
25

o profissional e o conhecimento matemático. Afirmam que o uso de tabelas prontas e a


familiaridade com os medicamentos favorecem o fornecimento de respostas corretas. A
assertiva pode se basear no fato de que cada grupo cultural apresenta identidade própria ao
pensar e agir, tendo portanto um modo próprio de desenvolver o conhecimento matemático.
Os autores concluem que a matemática presente nos procedimentos de enfermagem é
invisível, e destacam que na execução de suas tarefas os profissionais de saúde não utilizam a
matemática aprendida na escola. No entanto, ressalvam que essa matemática invisível se torna
visível quando os erros vêm à tona.
Cabe aqui um questionamento: Se esses profissionais não utilizam a matemática
aprendida na escola, então qual é a matemática que, segundo os Archives, induz a 30% de
erros nos cálculos de medicamentos? Que matemática, então, deveria ser utilizada no contexto
da enfermagem para transformar essa realidade?
Tal questionamento nos conduz a considerar novas concepções, como a
complexidade, e instiga-nos a refletir sobre abordagens que permitissem auxiliar estudantes,
enfermeiros assistenciais e enfermeiros docentes a tomar decisões diante das incertezas,
ambivalências e contradições presentes no sistema de cuidados, de modo que possam lidar a
contento com a complexidade do real. Compreender a matemática e a enfermagem sob esse
olhar requer enfrentar desafios e dilemas no âmbito da academia e dos serviços prestados;
requer compreender a matemática no universo das disciplinas sociais e de saúde. O que
descreveremos a seguir não visa alcançar aprofundamento teórico, mas constitui apenas
apontamentos para refletirmos sobre a necessidade de considerar alternativas para a
abordagem da matemática no âmbito da enfermagem.
Diferentemente da lógica booleana, que admite apenas valores booleanos – ou seja,
‘verdadeiro’ ou ‘falso’ –, a lógica difusa, ou fuzzy, trata de valores que variam de 0 a 1.
Torres (2014, p. 31-39) esclarece que “a Teoria da Complexidade engloba vários
estudos relativamente recentes – Teoria do Caos, Fractais, Teoria das Catástrofes, Lógica
Fuzzy e outras – procedentes das ciências exatas que se dirigem, explícita ou implicitamente,
para uma visão cada vez mais aproximada da realidade, sem simplificação e sem
reducionismo”.
Essas teorias estão sendo conjuntamente designadas como ciência da complexidade e
se aproximam das ciências humanas. São proposições que estão sendo usadas, na
contemporaneidade, para compreender estruturas e processos complexos que transcendem as
teorias clássicas sobre indivíduo, organizações e sociedade (TORRES, 2014).
26

Assim como Torres (2014), Santaló (2001) também afirma que a lógica fuzzy, a
teoria dos grafos, a dos fractrais e a das catástrofes são:

[...] teorias cujo futuro ainda é incerto, porém seria interessante buscar nas mesmas
exposições básicas que as fizeram compreensíveis aos possíveis usuários, sem os
conhecimentos matemáticos utilizados em seu tratamento original. Os matemáticos
devem ter o máximo cuidado com o rigor das teorias, porém para as pessoas que
necessitam unicamente de suas aplicações basta uma compreensão intuitiva que lhes
permita ver claramente em que casos e de que maneira podem aplicar-se.
(SANTALÓ, 2001, p. 21-22)

A lógica aristotélica nos diz que tudo é ou verdadeiro ou falso. Uma resposta pode
ser verdadeira ou falsa, porém não pode ser ambas ao mesmo tempo. Esse princípio, que
governa o pensamento lógico desde Aristóteles, nem sempre pode ser aplicado na prática.
Queiramos ou não, evidencia-se existir uma flexibilidade, uma maleabilidade, uma
plasticidade, observa Torres (2014). O esforço de levar essa plasticidade ao campo do formal
fez nascer a lógica fuzzy.
Acentuando as ideias de Santaló (2001) e Torres (2014), D’Ambrosio (1998a) afirma
que o conteúdo matemático, ou seja, as ciências matemáticas, está passando por grandes
transformações e, consequentemente, as pesquisas tendem em novas direções: “A integração
da matemática com outras disciplinas deu origem às biomatemáticas e aos conjuntos fuzzy.
Uma nova matemática começa a se delinear”. No entanto, considera que isso não significa
abandonar alguns temas da matemática clássica: “O desafio é fazer um currículo que seja
moderno, interessante e útil” (D’AMBROSIO, 1998a).
Para ilustrar em poucas palavras seu entendimento, D’Ambrosio apresenta o seguinte
relato:

Quando uma decisão é tomada mediante uma matemática dura, pode ocasionar um
erro que mata as pessoas. Essa matemática dura precisa ser superada por uma
matemática que na verdade é flexibilizada por parâmetros rigorosos, é claro, mas às
vezes esses parâmetros são falhos. Eu não vejo como insistir na matemática dura, e
aí a ideia de considerar no ensino da Matemática a noção de fuzzy. Utilizar a noção
de lógica fuzzy significa dizer que essa matemática dura não pode ser seguida
cegamente. Serviria para desmontar a percepção de que a matemática é exata.
Exemplifico com o problema dos 17 camelos: o pai deixa para o filho metade
daquela herança e deixa para o segundo filho um terço da herança e deixa para o
terceiro filho um nono da herança. Dezessete você vai dividir por dois. Na
matemática dura como você dividirá 17 camelos para dois? Você mata o camelo.
Isso é a natureza. Se fosse um terreno, está certo, mas e os camelos? E aí vem um
sábio que diz: eu te empresto um camelo, ficam 18 camelos; metade é nove, um
terço é seis e um nono é dois. Então você tem 17 camelos. Ninguém conseguiu
resolver com a matemática dura, com a divisão que a matemática exigiria. Você está
usando uma matemática que não é uma matemática dura, poderia chamar de
27

matemática mole, nebulosa, borrosa ou fuzzy, que é a matemática inteligente. Isso é


6
lidar com as coisas vindas da realidade e extremamente complexas .

Lidar com situações complexas que envolvem fatores como ambiguidades, incertezas
e informações vagas na resolução de problemas é característica do ser humano.
As primeiras noções da lógica dos conceitos “vagos” foram desenvolvidas em 1920
por um Jan Łukasiewicz (1878-1956), lógico polonês que introduziu conjuntos com graus de
pertinência 0, ½ e 1, mais tarde expandindo-os para um número infinito de valores de 0 a 1.
Seu trabalho forneceu embasamento suficiente para que Lofti Asker Zadeh, professor de
ciências da computação da Universidade da Califórnia, fosse o primeiro a publicar, em 1965,
trabalhos sobre a lógica fuzzy. Zadeh observou que recursos tecnológicos baseados na lógica
booleana não eram suficientes para automatizar atividades relacionadas a problemas de
natureza industrial, biológica ou química.
Chamovitz e Conzenza (2010, p. 1) informam que uma das técnicas que vêm sendo
utilizadas para lidar com sistemas complexos, dentre eles os de saúde e educação, envolve
adoção de modelos baseados em lógica fuzzy, pois permite compreender melhor alguns
aspectos da realidade.
Zadeh (1973) estabeleceu o chamado ‘princípio de incompatibilidade’, ilustrado na
Figura 1, sobre a qual explica:

À medida que a complexidade de um sistema aumenta, nossa habilidade para fazer


afirmações precisas e que sejam significativas acerca deste sistema diminui até que
um limiar é atingido além do qual a precisão e a significância (ou relevância)
tornam-se quase que características mutuamente exclusivas. (ZADEH, 1973, p. 28-
44)

Figura 1 – Complexidade de um sistema em função da precisão do modelo


Fonte: Chamovitz e Conzenza (2010, p. 2).

6
Notas das aulas de ‘Tendências em educação matemática’, ministradas na Universidade Anhanguera de São
Paulo em março de 2013.
28

Jang e Gulley (1995, p. 5) justificam a utilização da lógica fuzzy em vez da lógica


clássica em processos complexos porque:

A naturalidade de sua abordagem torna seus conceitos fáceis de entender; é flexível


e tolerante com dados imprecisos; permite modelar funções não lineares da
arbitrariedade da complexidade; é construída com base na experiência de
especialistas; pode ser integrada às técnicas convencionais de controle e, em muitos
casos, simplifica ou amplia as possibilidades e recursos dos métodos convencionais
de controle; e, por fim, porque é baseada na linguagem natural, base da comunicação
humana. (JANG; GULLEY, 1995, p. 5)

Na verdade, a intenção de Zadeh (1973) foi flexibilizar a pertinência de elementos


aos conjuntos criando a ideia de grau de pertinência. Dessa forma, um elemento poderia
pertencer parcialmente a um dado conjunto.
Em consonância com as colocações de D’Ambrosio (1998a,b,c,d), Santaló (1999) e
Torres (2014), nossa investigação considerará uma forma de pensamento que não esteja
formatado pelo padrão linear de raciocínio – padrão este, em nosso ponto de vista, ineficaz
para se compreenderem os procedimentos matemáticos associados a procedimentos de
enfermagem e para abarcar o todo e com ele trabalhar. Para ilustrar essa visão,
apresentaremos um caso real (Quadro 2).

Quadro 2 – O caso de Lúcia


Quando Lúcia tinha quatro anos e pesava 13 kg, deu entrada no setor de emergências de um hospital em São
Paulo com crise de asma. No exame físico apresentava dispneia, ausculta pulmonar com sibilos, tosse
produtiva, cianose de lábios e febre.
Conduta: radiografia de tórax, hemograma e hemocultura.
Após conduta:

1.ª prescrição médica:


▪ Dipirona: 2,5 ml, via oral.
▪ Aminofilina 5 mg/kg diluída em 500 ml de soro glicosado 7 a 5% (infusão, correr em uma hora). A
aminofilina é disponível a 2,4% em ampolas de 10 ml.

2ª Prescrição médica:
▪ Atrovent: 1,0 ml.
▪ Berotec: 50 μg/kg, uso inalatório, a critério médico.
▪ Solução fisiológica a 0,9%: 5 ml.
Fonte: Dados da pesquisa.

Geralmente, os livros e apostilas dos cursos de enfermagem não abordam esse tipo
de problema (XAVIER, 2006), mas apenas apresentam a prescrição médica para que os
alunos efetuem os cálculos, sem considerarem a complexidade envolvida na situação.

7
Soro composto de água e glicose.
29

Vejamos a solução do caso de Lúcia:


Para atender a primeira prescrição, algumas perguntas devem ser feitas: Quantos
gramas de aminofilina há em uma ampola de 10 ml a 2,4%? Quantos gramas de glicose tem a
solução de soro glicosado a 5%?
As respostas a essas perguntas envolvem unidades de medida (litro e grama) e suas
transformações, bem como outras transformações habitualmente utilizadas na área de saúde
(Figura 2).

1 g = 1000 mg = 1 000 000 μg micrograma

1 mg = 1000 μg

1 l = 1000 ml

1 ml = 20 gotas

1 ml = 60 microgotas

1 gota = 3 microgotas

Figura 2 – Transformações de unidades.

Não basta dispor de conhecimentos matemáticos para atender às prescrições


solicitadas. Na prática, outros conhecimentos ligados à enfermagem precisam ser articulados
para que a tarefa se complete, o que torna o procedimento complexo. O que relatamos a seguir
são informações obtidas em uma conversa informal com o farmacêutico responsável pela
farmácia de uma unidade básica de saúde da Zona Leste da cidade de São Paulo. Segundo o
profissional, mesmo as apresentações farmacêuticas mais clássicas, com forma farmacêutica
prática, de utilização aparentemente descomplicada, podem requerer cuidados que, se não
seguidos, podem facilmente levar à supressão de seu efeito terapêutico ou mesmo à
intoxicação medicamentosa. Afirmou que é preciso chamar atenção para alguns pontos e
acabar com algumas “verdades absolutas” ou ignoradas por alguns profissionais da saúde:
a) Modo correto de contar gotas com utilização de conta-gotas acoplado ao frasco: O
ângulo formado com a mão durante o gotejar pode afetar de forma significativa o volume
(de certo modo, o “tamanho”) da gota, fazendo a quantidade de medicamento ingerido
variar pronunciadamente, podendo alcançar níveis de intoxicação (Figura 3).
30

Figura 3 – Efeito da inclinação do conta-gotas sobre o volume da gota.

b) Nem sempre 1 ml equivale a 20 gotas: Com base em estudos de física e química,


aceita-se geralmente que 1 ml de água destilada pura sob determinada temperatura e
pressão atmosférica equivale a 20 gotas. O conta-gotas medicinal oficial adotado na
farmacopeia americana tem diâmetro externo de 3 mm e dispensa 20 gotas de água
destilada por mililitro a 25 °C e posicionando o conta-gotas perpendicularmente ao
recipiente que receberá a gota.
Um problema, no entanto é que nem todos os medicamentos estão imersos somente em
água destilada, já que outros componentes são necessários para garantir estabilidade,
sabor, cor, validade e outras propriedades do produto. Esses componentes são
denominados excipientes ou veículos de fórmulas farmacêuticas. Em alguns casos, o
próprio princípio ativo modifica consideravelmente a densidade e volume do líquido,
alterando assim o número de gotas que comporão 1 ml.

O farmacêutico concluiu seus esclarecimentos confirmando que nem todos os


medicamentos em gotas apresentam a correspondência entre 1 ml e 20 gotas. Assim, todo
medicamentos a ser quantificado em gotas precisa especificar em sua bula e/ou embalagem a
relação de dosagem de medicamento por volume e a equivalência entre o número de gotas e o
volume (ml)8.
Vejamos na prescrição médica de Lúcia onde essas transformações são utilizadas
(Quadros 3 e 4).

8
Comunicação pessoal.
31

Quadro 3 – Atendimento da 1.ª prescrição


Dipirona: 2,5 ml, via oral, solução oral: considerar o peso da criança, consultar bula, as informações do frasco e
a graduação do copo de medida que acompanha o medicamento:

Bula

Se Lúcia pesa 13 kg e tem 4 anos, de acordo com a bula temos:


9 a 15 kg (1 a 3 anos): dose de 2,5 ml a 5 ml;
16 a 23 kg (4 a 6 anos): dose de 3,75 ml a 7,5 ml.
Nesta situação, não temos nenhuma dificuldade, pois o frasco contém 100 ml e vem acompanhado de um
copinho graduado de 10 ml.
Soro fisiológico a 0,9%: 5 ml

Temos 9 g de cloreto de sódio (soluto) em 100 ml de água (solvente), ou seja, cada 100 ml de água contém 9 g
de sal. Na medicação de Lúcia, podemos calcular quantos gramas de sal há em 5 ml:
9g ——— 100 ml
x ——— 5 ml
100  x = 9  5
x = 45/100
x = 0,45 g de sal
(segue)
32

Quadro 4 – Resolução da 2.ª prescrição


Aminofilina a 5 mg/kg diluída em soro glicosado a 5%: 500 ml (infusão, correr em uma hora) (disponíveis em
2,4 % em ampolas de 10 ml):
a) Primeiramente vamos descobrir quantos gramas o pediatra solicitou:

Se Lúcia pesa 13 kg, então: 5 mg/kg = 13  5 = 65 mg.

b) Quantos gramas de aminofilina há em uma ampola de 10 ml a 2,4%?

Lembrando que aminofilina é disponível a 2,4% em ampolas de 10 ml, temos, de acordo com as ampolas:

2,4% = 24 de soluto/100 ml de solvente

24 g ——— 100 ml
x ——— 10 ml

100  x = 24  10
x = 240/100 = 0,24 g de aminofilina

c) Agora precisamos descobrir quantos mililitros são necessários para haver 65 mg de aminofilina.
10 ml ——— 240 mg
x ——— 65 mg
240  x = 10  65
x = 650/240 = 2,7 ml.
Esse é o volume que deverá ser diluído em 500 ml de soro glicosado a 5%, a ser infundido ao longo de 1 h.
(segue)
33

Quadro 4 – Resolução da 2.ª prescrição


Atrovent: 1,0 ml:
BULA: ATROVENT PACIENTE 20150728/S15-00 1
Atrovent® brometo de ipratrópio
APRESENTAÇÃO
Solução para inalação (gotas) de 0,25 mg/mL frasco com 20 mL.
USO INALATÓRIO
USO ADULTO E PEDIÁTRICO
COMPOSIÇÃO
Cada 1 mL corresponde a 20 gotas da solução para inalação (nebulização)
contém 0,25 mg de brometo de ipratrópio, correspondente a 0,20 mg de
ipratrópio. Cada gota contém 0,0125 mg de brometo de ipratrópio.
Excipientes: cloreto de benzalcônio, edetato dissódico di-hidratado, cloreto
de sódio, ácido clorídrico e água purificada.

De acordo com a informações do frasco e da bula do medicamento:


1 ml = 20 gotas
Logo, vamos precisar de 20 gotas de Atrovent.

Berotec: 50 μg/kg:
Neste caso, os 50 μg referem-se ao princípio ativo deste medicamento. Precisamos então recorrer às
informações fornecidas no frasco: cada gota deste medicamento contém 0,25 mg de bromidrato de fenoterol.
(Atenção: Lembremos que Lúcia tem 4 anos e pesa 13 kg.)

Lembremos-nos da informação fornecida no Sabemos agora que 50 μg equivalem a 0,05 mg do


frasco: princípio ativo. O peso de Lúcia é de 13 kg. Então:
1 gota equivale a 0,25 mg de princípio ativo. 0,05 mg ——— 1 kg
x ——— 13 kg
Primeiramente precisamos saber quantos
miligramas há em 50 μg: x = 0,05  13 = 0,65 mg
Agora sabemos que para o peso de Lúcia (13 kg) devemos
1 mg ——— 1 000 μg administrar 0,65 mg do princípio ativo de Berotec. Falta-
x ——— 50 μg nos saber em quantas gotas de Berotec são necessárias
1 000  x = 1  50 para haver 0,65 mg de princípio ativo:
x = 50/1000 = 0,05 mg 0,25 mg ——— 1 gota (informação do frasco)
0,65 mg ——— x
Logo, em 50 μg há 0,05 mg de bromidrato de 0,25  x = 0,65  1
fenoterol.
x = 0,65/0,25 = 2,6 gotas
(Note-se que 2,6 gotas é um resultado nebuloso.)
Fonte: Dados da pesquisa.

Na situação apresentada, tornam-se evidentes conhecimentos matemáticos tais como


relação parte–todo, razões e proporções, divisão com quociente decimal, transformações de
unidades, equivalência e porcentagens. A situação é complexa, pois envolve conhecimentos
matemáticos, de enfermagem e dos instrumentos (bula, equipamento para infusão do soro,
34

copos de medida e também a matemática como instrumento), para atender as prescrições – e


todos eles devem ser articulados.
No entanto, ao resolvermos a segunda prescrição, obtivemos 2,6 gotas, quantidade
esta que, por ser fracionária, nos remete à questão da ambiguidade e da incerteza, frequentes
quando lidamos com seres humanos. Se utilizarmos a matemática “dura” – termo utilizado
por D’Ambrosio –, arredondaremos a medicação para três gotas, o que poderia causar
superdosagem, com consequente taquicardia em Lúcia. Por outro lado, administrar duas gotas
acarretaria subdosagem, insuficiente para haver melhora no quadro da paciente.
A intensidade da dispneia é de avaliação subjetiva – por exemplo, leve, moderada,
intensa, muito intensa – e, portanto, quantificar a prescrição médica terá necessariamente
caráter nebuloso (fuzzy).
Será que a dispneia de Lúcia é leve, moderada, intensa ou muito intensa?
Nesse caso, a modelagem poderá ser feita usando-se conjuntos nebulosos, que podem
ser assim descritos: x1 = dispneia; x2 = dose do medicamento. Se assumirmos uma escala de
valores pertencentes ao conjunto dos números naturais de 0 a 10, teríamos 0 a 2 como
números “baixos”, 4 a 6 como números “médios” e 8 a 10 como números “altos”. Por outro
lado, assumindo um conjunto no intervalo [0, l] de números reais teremos que:
▪ 0 representará ‘não pertence ao conjunto dispneia’;
▪ 1 representará ‘pertence totalmente ao conjunto dispneia’.

Se tomarmos o valor 0,70 no intervalo [0, 1], podemos afirmar que ele “pertence
mais do que menos” ao conjunto dispneia; 0,30, por sua vez “pertence pouco” a esse
conjunto. Dependendo da intensidade da dispneia, podem ser elaborados diversos conjuntos
nebulosos.
No caso de Lúcia, o profissional que atendeu a prescrição arredondou 2,6 gotas para
3, ocasionado mais um problema clínico para a paciente: taquicardia. Não utilizou o
conhecimento de forma flexível, deixando assim de considerar a equação: criança = paciente
especial.
Diante dessa situação, acreditamos que os estudantes, durante sua formação,
deveriam ter contato com situações reais que promovessem reflexão sobre as incertezas e
ambiguidades presentes no cotidiano, a fim de terem oportunidade lidar com a subjetividade
presente na lógica fuzzy.
Santaló (2001) aponta que a questão que se tem formulado à educação matemática é
a de averiguar qual matemática poderia ser útil para as profissões em que a matemática não é
35

um fim, mas sim um meio para seu exercício. Nesse sentido, abordar a noção de lógica fuzzy
poderia ser uma proposta a ser considerada na formação dos profissionais de saúde.

1.2 QUESTÃO DA PESQUISA

Caminhando para o foco da pesquisa a partir das reflexões apresentadas, emergiram


questões relativas à formação dos enfermeiros docentes relacionadas aos conhecimentos
matemáticos. Assim, configurou-se nossa motivação, traduzida na seguinte questão que
norteia o desenvolvimento deste estudo:
▪ Que condições a formação dos enfermeiros assistenciais em atividade docente de
enfermagem oferece para que esses profissionais possam aprender os conhecimentos
matemáticos e associá-los aos procedimentos de enfermagem em sua prática
profissional?

Diante do exposto, e com a intenção de aprofundar o debate sobre a aplicabilidade da


matemática no contexto da enfermagem e sobre questões relativas à prática pedagógica dos
enfermeiros docentes, outro questionamento também emergiu:
▪ Quais são as práticas pedagógicas que esses profissionais relatam utilizar para
abordarem a matemática nos componentes curriculares específicos da enfermagem?

Certamente, a característica deste estudo é discutir a mudança de um referencial


disciplinar unidimensional, hoje vigente nas práticas pedagógicas tipicamente utilizadas no
contexto da enfermagem associadas a conceitos matemáticos, para um referencial de
complexidade e flexibilidade cognitiva que permita considerar o caráter vago e as incertezas
inerentemente presentes em ações em que se lida com o ser humano. É precisamente a esse
foco que as atenções do presente trabalho se voltarão.

1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA

Com olhar mais atento, e empenhando-nos em responder as questões enunciadas e


outras formuladas ao longo da pesquisa, bem como compreender o que se espera da formação
desses profissionais em termos de conhecimento matemático, formulamos o objetivo geral
desta investigação:
36

▪ Investigar as propostas de práticas pedagógicas dos enfermeiros que exercem atividade


docente em cursos técnicos de enfermagem em nível médio e identificar em seus relatos
as dificuldades e hesitações que vivenciam no desenvolvimento dessas práticas ao
lidarem com os conhecimentos matemáticos que devem ser articulados aos
conhecimentos básicos da enfermagem.

Com o propósito de alcançar o objetivo geral e responder às questões de pesquisa,


estabelecemos os seguintes objetivos específicos:
▪ Analisar documentos que expressam as propostas institucionais, a fim de identificarmos a
coerência entre o que é nelas proposto e o que os profissionais consideram importante
para sua formação.
▪ Analisar a matriz curricular de um curso técnico, identificando os conteúdos matemáticos
que sejam importantes e úteis quando o futuro profissional de nível médio venha a atuar
profissionalmente.
▪ Com base nos relatos dos sujeitos, explicitar suas dificuldades, dilemas e hesitações ao
lidarem com conhecimentos matemáticos no âmbito de sua prática profissional.

Há hoje no Brasil cerca de 800.000 profissionais de enfermagem inscritos no


Conselho Federal de Enfermagem (COFEn), dos quais cerca de 160.000 são técnicos de
enfermagem e 460.000 auxiliares de enfermagem. A formação destes 600.000 profissionais
está a cargo de enfermeiros docentes.
Tais números chamam atenção para a necessidade de uma observação mais atenta
sobre a formação dos enfermeiros docentes, o que fortaleceu nossa ideia de que o
desenvolvimento desta pesquisa pudesse de alguma forma trazer contribuições para a reflexão
sobre a prática desse profissional ao conhecimento matemático – reflexão essa que possa
repercutir nas atividades dos profissionais de saúde e na formulação de ações educacionais,
indicando rumos para outras pesquisas que, como esta, visem a melhoria do ensino de
matemática.
Acreditamos que criar espaços de interação entre os especialistas das diferentes áreas
de conhecimento, promovendo discussões e aproximações e buscando transdisciplinaridade e
flexibilidade cognitiva nas ações educativas, acarretará benefícios para a sociedade,
favorecendo uma compreensão mais abrangente, em busca de um sentido mais humano para o
conhecimento e também – parafraseando Morin (2000, 2003a,b) – para que o enfermeiro
docente possa ser formado e possa formar sujeitos críticos inseridos em um mundo com
problemas cada vez mais globais, interdependentes e planetários, que têm sido
37

insuficientemente focalizados por uma educação que ainda privilegia saberes fragmentados,
parcelados e compartimentados.

1.4 JUSTIFICATIVAS, MOTIVAÇÕES E CONTRIBUIÇÕES

Em nosso percurso pelas referências científicas que embasaram esta pesquisa,


constatamos uma lacuna na produção publicada disponível: os estudos que envolvem a prática
na enfermagem são inúmeros, porém a temática privilegiada nesta investigação – a formação
do enfermeiro que exerce docência em cursos técnicos de enfermagem em nível médio e sua
relação com a matemática – foi objeto de poucas pesquisas.
Maissiat e Carreno (2010), buscando sintetizar e caracterizar artigos científicos sobre
enfermeiros docentes que atuam no ensino técnico de enfermagem, encontraram 1.979
trabalhos produzidos no período de 1999 a 2009. Concluíram que, apesar do grande número
de pesquisas que abordam o ensino técnico de enfermagem, são escassos os estudos que
debatem a proposta curricular e a prática pedagógica do enfermeiro docente no ensino
profissionalizante.
Pouco se conhece na literatura da enfermagem e da educação matemática sobre o
tema, principalmente sobre os dilemas e desafios que esse profissional enfrenta em sua prática
profissional ao lidar com conhecimentos matemáticos associados aos procedimentos de
enfermagem.
Dessa forma, o desenvolvimento desta pesquisa se coaduna com a necessidade de
reflexões mais amplas direcionadas à proposta curricular dos cursos de formação de
enfermeiros docentes, focalizando como se configura a formação desses profissionais no que
diz respeito à aplicabilidade da matemática a sua prática profissional, uma vez que são
responsáveis pela formação de outros profissionais que atenderão as necessidades de saúde da
população, respondendo à demanda social e respeitando princípios éticos e humanos.
Para além das reflexões apresentadas, dois motivos ligados a minha trajetória
profissional também contribuíram para a escolha do tema. O primeiro está relacionado a
minha convivência com os profissionais de saúde. Antes de atuar como professora do ensino
fundamental, médio e superior, exerci função administrativa em uma unidade básica de saúde.
No contato que mantive com auxiliares, técnicos e enfermeiros, foi possível observar suas
dificuldades em associar e aplicar os conhecimentos matemáticos aos procedimentos de
enfermagem quando isso se fazia necessário. Além disso, outros profissionais que exerciam
38

serviços administrativos na unidade pretendiam frequentar o curso de formação de técnicos de


enfermagem, o que requeria aprovação em um exame seletivo e conclusão do ensino médio.
Obstáculos às tentativas de resolver exercícios que envolviam matemática, no entanto,
levavam alguns dos aprovados a desistir do curso.
O segundo motivo está ligado a uma questão pessoal que vai além do estritamente
acadêmico: uma vontade genuína de contribuir, como educadora em matemática, para a
melhoria da formação dos profissionais de saúde. Está, além disso, ligado a uma questão
social: a ideia abrir um campo de atuação para pesquisadores em educação matemática, para
que os dois setores – educação e saúde – estabeleçam uma estreita e permanente parceria
visando desenvolver ações conjuntas e articuladas que conjuguem conhecimentos acumulados
das duas áreas. Essa parceria propõe um projeto mais amplo de sociedade, de história humana
e de ação política.
O desejo de compreender as dificuldades desses profissionais nos aspectos
relacionados à matemática e de aperfeiçoar meus conhecimentos para exercer a docência
motivou minha participação no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação
Matemática da PUC-SP, instituição em que, no mestrado, focalizei a aplicabilidade da
matemática à enfermagem9.
Com essa trajetória, a escolha do tema de doutorado encontrava-se desde o início nas
áreas de educação matemática e enfermagem. Meus estudos anteriores haviam se centrado na
formação dos discentes de um curso técnico de enfermagem. Porém, ao finalizá-los, alguns
questionamentos ainda me incomodavam, a respeito da formação do enfermeiro assistencial
que exerce atividade docente em cursos técnicos de enfermagem em nível médio.
Ao me reportar ao ensino de matemática, em todos os níveis, cabe destacar o que
D’Ambrosio vem divulgando com convicção: que o problema com o ensino de matemática
está relacionado, em parte, com o modo como a estamos ensinando, bem como ao fato de que
“muito da Matemática acadêmica é absolutamente inútil na sociedade moderna. Quando digo
boa Matemática acadêmica, estou excluindo o que é desinteressante, obsoleto e inútil, que,
infelizmente, domina os programas vigentes” (D’AMBROSIO, 2000, p. 51).
Em verdade, D’Ambrosio nos alerta sobre a importância de refletir sobre qual
matemática é necessária para todos. Outro problema que a educação matemática focaliza é o

9
Minha dissertação de mestrado, intitulada Da álgebra à enfermagem: um caminho de mão dupla, envolveu
alunos de um curso técnico de enfermagem e profissionais que já atuavam como técnicos. Foi analisada a
produção desses sujeitos a partir de situações-problema criadas a partir da realidade encontrada em um
hospital.
39

de decidir qual é a matemática necessária para as profissões nas quais esta não é um fim, mas
sim um meio para o exercício das atividades.
Tanto na matemática quanto na enfermagem é evidente a existência de estruturas
complexas. Ao prestar assistência aos pacientes, os profissionais de saúde articulam
conhecimentos matemáticos e conhecimentos específicos da enfermagem, cada um dos quais
é individualmente complexo, dada sua não linearidade. Cada caso é único, diferindo de
paciente para paciente, e a compreensão desses conhecimentos não resulta de padrões
preestabelecidos, e sim de suas articulações com os demais conhecimentos.
Cada situação oriunda da realidade da prática clínica diária dos profissionais de
saúde deve ser compreendida como um todo. Por exemplo, ao administrarem um
medicamento, devem utilizar conhecimentos sobre a interação medicamentosa e avaliar os
perigos de súper e subdosagens, ou seja, verificar as dosagens-padrão para adultos e crianças.
Devem também identificar quando a droga deve ser administrada e com que frequência; ler a
embalagem do medicamento para verificar a dosagem indicada; e saber se a droga deve ser
diluída, rediluída ou dissolvida em determinado volume, para realizar os cálculos necessários.
Embora os profissionais costumem trabalhar com a mesma droga diariamente, há
enorme diversidade delas, e nem sempre a medicação a ser utilizada está disponível na mesma
concentração. Podem surgir dúvidas, requerendo double checks10 e a escolha de instrumentos
de cálculo, como calculadora ou papel e lápis. Se estiverem com luvas, torna-se necessário o
cálculo mental. É também preciso identificar o tipo de seringa adequado para cada medicação.
Por fim, é preciso identificar quais drogas o paciente pode receber, calcular os
horários e observar os sinais de sensibilidade do paciente quando várias drogas interagem.
Nesse contexto, encontra-se a matemática permeando uma complexidade de procedimentos
que precisam ser articulados, e não mais evocados isoladamente. Falhar em um desses
processos porá em risco o objetivo maior: a melhora do paciente.
Xavier (2006) ressalta a necessidade de considerar as relações complexas do
conhecimento matemático com seu contexto. Por esta razão, se faz necessário aplicar o
conhecimento a casos oriundos da realidade, pois esta, segundo Morin (2003a, p. 15), “é
capaz de situar qualquer conhecimento em seu contexto e, se possível, no conjunto em que
está inscrito”.

10
Conduta utilizada na enfermagem em que dois ou mais profissionais verificam juntos se os cálculos para a
administração de medicação estão corretos.
40

Tais assertivas nos levam a refletir sobre a formação do enfermeiro docente e a


necessidade de uma flexibilidade cognitiva que lhe permita articular vários pontos de vista,
várias perspectivas da mesma situação, pois, à medida que esses conhecimentos avançam para
níveis mais complexos – como ocorre nos casos do mundo real –, tornam-se progressivamente
dependentes da interação de uma multiplicidade de conceitos.
À luz das reflexões apresentadas até o momento, esta pesquisa pretende contribuir,
futuramente, para a construção de conhecimento que possa repercutir na prática dos
profissionais de saúde, a partir da formulação de ações educacionais, indicando a direção para
outras pesquisas que, como esta, busquem uma melhoria do ensino da matemática que se
reflita na prática dos profissionais de saúde. Tal esforço pode representar uma análise fecunda
da realidade, gerando oportunidades para que esses sujeitos, por meio da vivência de
conhecimentos matemáticos pertinentes e contextualizados, ampliem seu horizonte e
conquistem autonomia, resgatando sua identidade profissional na assistência de cuidados de
enfermagem, com implicações benéficas para a sociedade.
Por fim, esperamos que esta pesquisa ultrapasse seus objetivos, no sentido de
contribuir, de alguma forma, para a prática pedagógica do enfermeiro docente e, em
consequência, aperfeiçoar a compreensão dos estudantes de cursos técnicos de enfermagem
no que diz respeito à aplicabilidade da matemática a situações de enfermagem.

1.5 REVISÃO DA LITERATURA: O QUE DIZEM AS PESQUISAS

Procurando destacar estudos que se aproximaram do tema, apresentaremos os


resultados de pesquisas nas áreas de educação matemática e enfermagem e, na seção
subsequente, a realidade vivida pelos profissionais de saúde.
A formação docente tem sido objeto de discussão ampla e polêmica. No entanto, a
maioria dos estudos que a focalizam faz referência à prática pedagógica de professores no
nível fundamental e no médio. Quanto aos enfermeiros docentes, poucos estudos tratam das
práticas pedagógicas para a abordagem da matemática no âmbito da enfermagem.
As pesquisas que tratam de questões relacionadas à aprendizagem da matemática em
diferentes níveis de ensino apresentam propostas significativas para sua melhoria. Estas estão
centradas em métodos e estratégias para a abordagem dos conteúdos matemáticos,
focalizando também a relação entre a matemática e a realidade e entre o conhecimento escolar
e aquele utilizado em outros contextos.
41

Os estudos apresentados a seguir salientam a importância do conhecimento


matemático utilizado por enfermeiros e técnicos em enfermagem na prática clínica diária e o
papel do enfermeiro docente nesse processo. A busca e a retomada das leituras direcionaram-
nos a autores cujas ideias expressam de alguma forma uma identificação com o tema desta
pesquisa – evidentemente sem esgotarem esse tema.
Ferreira Júnior (2008, p. 867) relata que nas últimas décadas “inúmeros cursos de
nível médio em enfermagem foram implantados no Brasil, principalmente nos últimos dez
anos, em razão do PROFAE – Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de
Enfermagem do Ministério da Saúde”.
A iniciativa mais recente é o Programa de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
(PRONATEC), criado em 2011 para expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos
de educação profissional e tecnológica no país, além de contribuir para a melhoria da
qualidade do ensino médio público. Busca ampliar as oportunidades educacionais e de
formação profissional qualificada para jovens, facilitando-lhes o acesso a um ensino de
qualidade.
Uma das justificativas para a necessidade de formar enfermeiros para a docência foi
a expansão quantitativa dos cursos técnicos na área da saúde, abrindo um novo campo de
trabalho para os egressos dos cursos superiores de enfermagem: a docência. Embora ampliar a
oferta de cursos técnicos tenha assegurado o acesso escolar, Costa (2003) ressalva que a
expansão quantitativa não pode ser interpretada como garantia de melhoria das condições de
ensino. Dispor de muitas escolas não implica qualidade, em qualquer nível de ensino.
D’Ambrosio (1991, p. 1-16) argumenta que “o nível de ensino vem decaindo e
atribui-se sua ocorrência à existência de algo errado com a Matemática que está sendo
ensinada”. O autor radicaliza, assegurando que, “do modo pelo qual o ensino da Matemática é
conduzido, pouca diferença faz ensiná-la ou não”.
Haddad e Di Pierro (2000, p. 125) reafirmam a posição de D’Ambrosio ao
constatarem que muitas crianças, adolescentes e adultos passam pela escola sem alcançar
aprendizagens significativas na matemática e são submetidos a experiências penosas de
fracasso, acabando por abandonar os estudos. Os autores concluem que, embora os estudantes
tenham passado pelos ensinos fundamental e médio, neles realizaram aprendizagens
insuficientes para dar continuidade aos estudos e utilizarem com autonomia seus
conhecimentos no campo educacional e no profissional.
42

Silva (2005), investigando na área de enfermagem, observou 159 alunos que


estagiavam em um hospital e registrou a importância dos conhecimentos matemáticos em suas
atividades diárias, identificando com destaque os seguintes objetos matemáticos: fração,
multiplicação, divisão, porcentagem, razão e proporção, números decimais, transformação de
unidades e multiplicação. Esses conhecimentos matemáticos identificados pelo autor são
apontados como os de “maior dificuldade” na prática profissional:

As operações que necessitam de divisão, como porcentagem e números fracionários,


foram apontadas na sequência de maior dificuldade. Tais operações são muito
utilizadas em cálculos de gotejamento de soro, de gotas em mililitros por hora,
preparos e diluição de medicamentos, alterações nas concentrações de drogas e
preparo de soluções. (SILVA, 2005, p. 95-96)

O pesquisador também aponta a importância dos conhecimentos matemáticos para a


prática diária clínica dos profissionais de saúde:

O cálculo aritmético tem sua importância no contexto da Enfermagem, pois é


fundamento imprescindível no preparo e administração de soluções e medicamentos
prescritos. Algumas prescrições, baseadas em Unidades Internacionais de Medidas,
nem sempre coincidem com a apresentação da droga em si, pois existem muitas
variações nas apresentações, conforme o fabricante. Outras vezes, a forma de
apresentação diverge da prescrita, necessitando de conversão de unidades de
medida, bem como diluição ou adequação na concentração, rediluição dos
medicamentos prescritos pelos médicos. (SILVA, 2005, p. 91-92)

Pesquisando na área de educação matemática, Klug (2012) associou os objetos


identificados por Silva (2005) aos procedimentos de enfermagem: gotejamento de infusões,
dosagens de medicações, diluições e rediluições de medicamentos, infusão de bombas
programáveis, dosagem de medicamentos, balanceamento hídrico, mensuração
antropométrica, contagem de pacientes na escala de trabalho, distribuição de escala mensal,
duração das tarefas, dispensação de medicamentos, controle de estoque, indicadores de saúde
e metas de trabalho.
Para Roditi (2012, p. 1239), ensinar a calcular doses de medicamentos é um desafio
para a saúde pública no século XXI:

Qualquer leitor que não tenha familiaridade com cálculos de dosagens de


medicamentos, mesmo que tenha uma formação sólida em Matemática, terá
dificuldades para executar uma tarefa, pois envolve muitos conhecimentos
relacionados à prática profissional e conhecimentos matemáticos que devem ser
articulados.

Tomemos como exemplo a seguinte situação: Um médico solicita à equipe de


enfermagem que sejam ministrados a um paciente 500 ml de soro glicosado a 15%. No
hospital encontram-se disponíveis 500 ml desse soro a 5% e ampolas de glicose a 50% (20 ml
por ampola). Como proceder para atender à solicitação médica? (XAVIER, 2006).
43

O profissional precisa calcular quantos gramas de glicose há no frasco de 500 ml de


soro glicosado a 5%, calcular quantos gramas de glicose deverá conter o frasco de 500 ml de
soro a 15% (prescrição médica), calcular a diferença entre a quantidade de glicose do frasco
de soro a 15% e a do frasco de soro a 5% (ou seja, a diferença entre o necessário e o
disponível), calcular quantos mililitros de glicose a 50% são necessários para que se possa
acrescentar o número devido de gramas de glicose, calcular a quantidade de glicose que é
desprezada ao se remover parte do volume inicial de soro a 5% para que se possam adicionar
as ampolas de glicose a 50% e calcular quantos mililitros de glicose a 50% são necessários
para que se possam acrescentar 5 g de glicose.
A situação apresentada envolve basicamente o pensamento proporcional,
porcentagens e operações básicas da aritmética. A matemática envolvida parece simples, mas
há fatores que tornam o processo mais complexo, como mostra o Quadro 5.

Quadro 5 – Cálculo de soro glicosado e procedimentos matemáticos


1.º procedimento
Calcular quantos gramas de glicose há em 500 ml de soro glicosado a 5%:
100 ml —— 5g
500 ml —— x
5  500
x= = 25 g
100
Cada frasco de 500 ml a 5% contém portanto 25 g de glicose.
2.º procedimento
Calcular quantos gramas de glicose há em 500 ml de soro glicosado a 15%:
100 ml —— 15 g
500 ml —— x
15  500
x= = 75 g
100
Cada frasco de 500 ml a 15% contém portanto 75 g de glicose.
3.º procedimento
Calcular a diferença entre a quantidade de glicose que está no frasco de soro glicosado a 15% e a que está no
frasco a 5% (diferença entre o soro necessário e o soro disponível):
75 g – 25 g = 50 g
Precisamos então acrescentar 50 g de glicose no frasco de 500 ml de soro a 5% para transformá-lo em soro a
15%.
(segue)
44

Quadro 5 – Cálculo de soro glicosado e procedimentos matemáticos


4.º procedimento
Calcular quantos mililitros de glicose a 50% são necessários para acrescentarmos 50 g de glicose ao soro
disponível:
Têm-se ampolas de 20 ml. Em cada uma há 50 g de glicose (soluto) para cada 100 ml de solvente.
Precisamos calcular quantas ampolas de glicose a 50% necessitamos para transformar os 500 ml de soro
glicosado a 5% em soro a 15%:
1 ampola —— 20 ml
x —— 100 ml
1  100
x= = 5 ampolas de glicose a 50%, que perfazem 100 ml.
20
Logo, precisaremos de 100 ml de glicose a 50% (ou seja, 5 ampolas) para transformar os 500 ml de soro
glicosado a 5% em soro a 15%.
No entanto, essa operação não é fisicamente possível, já que o frasco inicial não comporta 600 ml.
Ademais, acrescentar 100 ml ao volume prescrito poderia trazer grande risco a pacientes com insuficiência
renal ou cardíaca.
Assim, antes da mistura, teremos que desprezar 100 ml do frasco original e repor a quantidade de glicose que
está sendo descartada nesses 100 ml. Temos então que calcular a quantidade de glicose desprezada.
5.º procedimento
Calcular a quantidade de glicose que é desprezada em 100 ml de soro glicosado a 5%:
100 ml —— 5g
100 ml —— x
5  100
x= =5g
100
Perdemos portanto 5 g de glicose com a retirada dos 100 ml.
6.º procedimento
Calcular quantos mililitros de glicose a 50% são necessários para se acrescentarem 5 g de glicose:
100 ml —— 50 g
x —— 5g
5  100
x= = 10 ml
50
Atendimento da prescrição médica
Devem ser acrescentados 110 ml de glicose a 50% em um frasco contendo 400 ml de soro glicosado a 5%:
400 ml de soro a 5% = 20 g de glicose
110 ml de soro a 5% = 55 g de glicose
Volume total = 400 + 110 = 510 ml
Glicose total = 20 + 55 = 75 g
Assim, para atender a solicitação médica, teremos 510 ml de soro glicosado a 15%, ou seja, somente 10 ml a
mais no volume.
(Note-se que se trabalhará com 10 ml a mais que os 500 ml originalmente previstos – o que é também um
resultado nebuloso.)
Fonte: Dados da pesquisa.

Para esta tarefa, o profissional de saúde precisa conseguir processar a informação


escrita da prescrição, manejar símbolos e materiais, compreender a sequência dos
procedimentos e, na falta da medicação prescrita, ter a capacidade de compreender a nova
situação efetuando os cálculos necessários. Essas capacidades são definidas por D’Ambrosio,
(1998a) como ‘literacia’ e ‘materacia’.
45

A literacia permite processar criticamente as informações a que se tem acesso, bem


como descrever e produzir significados para os discursos, códigos e representações gráficas.
Essa capacidade permite ao profissional uma interpretação crítica de tarefas que envolvem
conhecimento matemático.
Num segundo momento com a primeira, a “materacia permite fazer inferências,
formular hipóteses e refletir sobre as conclusões obtidas a partir dos dados que as
produziram” (D’AMBROSIO, 1998a).
Nesse sentido, a materacia vai além de contagens e medidas. Além de articular os
conhecimentos da enfermagem e os conhecimentos matemáticos, é importante que o
profissional compreenda o homem em sua dimensão biológica, psicológica, social e cultural.
Por isso, antes de atender a solicitação médica, é preciso compreender a complexidade
envolvida nas interações medicamentosas dentro de uma perspectiva multidisciplinar, pois as
possibilidades de interferência podem estar ligadas a fatores diversos, como faixa etária,
constituição genética, estado fisiopatológico11, tipo de alimentação e a própria administração
de medicamento (como dose, via, intervalo e sequência executada).
Por exemplo, é extremamente importante saber se o paciente é portador de diabetes,
pois o soro glicosado contém açúcar, ou seja, calcular uma quantidade maior que a solicitada
pode potencializar a ocorrência de reações adversas, cuja gravidade pode ser fatal.
A versão 2012 do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNTC) (BRASIL, 2012)
contempla 220 cursos, distribuídos em 13 eixos tecnológicos e constitui-se em referência e
fonte de orientação para a oferta de cursos técnicos no país. No eixo ‘Ambiente e saúde’,
encontram-se os cursos de formação de auxiliares e técnicos de enfermagem. São
profissionais que:

Atuam na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação dos processos saúde–


doença. Colaboram com o atendimento das necessidades de saúde dos pacientes e
comunidade, em todas as faixas etárias. Promovem ações de orientação e preparo do
paciente para exames. Realizam cuidados de enfermagem, tais como: curativos,
administração de medicamentos e vacinas, nebulizações, banho de leito, mensuração
antropométrica e verificação de sinais vitais, dentre outros. Prestam assistência de
enfermagem a pacientes clínicos e cirúrgicos. (BRASIL, 2012, p. 19)

Esse documento traz orientações para a construção de currículos de nível técnico,


apresentando possíveis temas a serem abordados na formação do técnico em enfermagem:
processo saúde–doença e seus condicionantes; políticas de saúde; anatomia, fisiologia,
nutrição, farmacologia, microbiologia e parasitologia; processo de trabalho, humanização,

11
Refere-se a compreender o funcionamento do organismo durante a doença.
46

ética e legislação profissional; fundamentos da enfermagem, enfermagem neonatológica,


obstétrica, neuropsiquiátrica e UTI; suporte básico à vida; e biossegurança.
Como se pode observar, não há nenhuma referência a temas associados a aspectos
matemáticos específicos; conta-se, portanto, com o conhecimento que o aluno traz do ensino
fundamental e médio. Decorre daí a importância de que o enfermeiro docente disponha de
uma prática pedagógica capaz de auxiliar a aprendizagem dos alunos, para que estes, no
futuro, possam desempenhar seu papel satisfatoriamente.
Ao dirigirmos o olhar sobre o enfermeiro docente, de imediato surgiram questões
sobre a associação entre a matemática e os procedimentos de enfermagem, associação esta
que requer um preparo que vai além do domínio de conhecimentos específicos da prática
clínica diária. Esse professor deve ter domínio simultâneo do conhecimento pedagógico,
didático e específico e assumir compromisso ético-político com os resultados de seu ensino.

Dentre os procedimentos de enfermagem, destacamos a dosagem de medicamentos,


que torna mais evidente a importância dos conhecimentos matemáticos utilizados com
frequência pelos profissionais de enfermagem. São nesses procedimentos que a relação
enfermagem–matemática se estreita e revela sua complexidade.
Quando a matemática é utilizada como instrumento nos procedimentos de
enfermagem, especificamente na pediatria, o erro de dosagem acarreta impactos ainda mais
preocupantes, o que levou a Academia Americana de Pediatria (AAP)12 em 2001 a
recomendar que se conduzam pesquisas sobre a aplicabilidade da matemática a situações da
enfermagem, particularmente quanto à dosagem de medicamentos a crianças, a fim de
identificar estratégias efetivas de ensino. Soma-se a essas recomendações da APP a afirmação
de Giovani (2012) de que o conhecimento matemático é imprescindível nos procedimentos de
enfermagem, sobretudo nas questões que envolvem dosagens de medicamentos, uma vez que
os erros podem trazer graves consequências aos pacientes, principalmente na pediatria.
Peterlini, Chaud e Pedreira (2003) explicam que recém-nascidos, crianças,
adolescentes e adultos apresentam diferentes características de absorção, distribuição,
metabolismo e excreção das drogas, tornando necessário administrar dosagens muito
fracionadas, o que contribui para a ocorrência de erros, em especial erros de dose, devido à

12
A Academia Americana de Pediatria foi fundada em 1930 por 35 médicos pediatras para trabalhar sobre as
normas de saúde pediátrica. Hoje possui 60 mil membros que atuam em prol da saúde infantil.
47

complexidade dos cálculos, que levam em conta idade, peso e estatura do paciente e diluição e
rediluição dos medicamentos.
Percebemos, portanto, ser considerável a quantidade de conhecimentos matemáticos
utilizados pelos profissionais de saúde em sua prática clínica diária, e é nesse contexto que se
encontra o enfermeiro docente, que tem a responsabilidade social de formar profissionais
críticos que precisam também dominar os cálculos matemáticos básicos. “Estes profissionais
têm, muitas vezes, a vida em suas mãos e devem desempenhar seu trabalho com
responsabilidade” (ANDRADE; SAMPAIO, 2002, p. 1).
Soffner (1992) pesquisou para sua dissertação na área de psicologia a relevância do
fazer e saber dos profissionais de saúde, deparando-se com questões pertinentes ao ensino da
matemática e constatando, com perplexidade, o desconhecimento matemático relatado pelos
próprios sujeitos da pesquisa. Os docentes declararam não se sentir preparados para ensinar
conceitos matemáticos e que seus alunos não têm o conhecimento necessário para lidar com
as situações da prática profissional.
Narchi (1994) frisa que os enfermeiros docentes são os principais responsáveis pela
qualidade do ensino técnico de enfermagem e, se devidamente preparados, estarão aptos a
promover melhorias nessa modalidade de ensino. Embora a pesquisa não focalizasse
diretamente o tratamento da matemática no percurso escolar do enfermeiro docente, a autora
aponta aspectos fundamentais com ele relacionados, ressaltando a necessidade do preparo
para a docência. Ao descrever e avaliar as condições das escolas da rede estadual de ensino de
São Paulo que oferecem cursos técnicos de enfermagem, constatou haver precariedade de
recursos materiais, evidenciando a necessidade de melhor preparo dos recursos humanos
presentes nessas escolas. A pesquisadora sugere indiretamente que para poderem subsistir na
profissão de professores – em geral pouco promissora – os enfermeiros docentes acumulam
funções, atuando também como enfermeiros assistenciais e deixando de investir na formação
continuada necessária a seu crescimento. Apenas um dos coordenadores das 14 escolas
pesquisadas confirmou receber auxílio da instituição para participar de congressos e de
atividades de formação e atualização.
A formação dos enfermeiros docentes é impregnada por essa tendência que separa
sujeito e objeto, razão e emoção, enfermagem e matemática, entre outras polarizações. Tais
argumentações são reforçadas por Behrens13 e Gisi, que, ao abordarem os paradigmas

13
Maria Aparecida Behrens é coordenadora e professora titular de pós-graduação em educação na Pontifícia
Universidade Católica do Paraná e vice-diretora do grupo de pesquisa Paradigmas Educacionais e Formação
de Professores.
48

educacionais e o ensino na enfermagem, constataram que na área de saúde o ensino


acompanhou o paradigma newtoniano-cartesiano. Apontam que as universidades, de maneira
geral, deveriam ter superado esse paradigma, mas ainda no século XXI perduram as
abordagens tradicionais:

A primeira impressão que se tem ao percorrer os corredores das universidades,


salvaguardando as exceções, é que o paradigma tradicional de ensino nunca
abandonou a sala de aula. Observa-se o professor expondo o conteúdo e os alunos
em silêncio, copiando receitas e modelos propostos. Com alguma habilidade, os
alunos conseguem fazer questionamentos sobre os conteúdos, mas nem sempre
encontram respostas que venham estabelecer um resultado significativo para a sua
formação. (BEHRENS; GISI, 2006, p. 20)

Sublinha que na educação o paradigma cartesiano acentuou a divisão de áreas do


conhecimento em cursos, em períodos, em disciplinas, em bimestres, em unidades, em aulas,
em tópicos e em assuntos. Com base nas reflexões de Behrens, podemos considerar dois
aspectos:
▪ A formação dos enfermeiros docentes parece privilegiar o paradigma cartesiano. Em seu
percurso escolar, os conhecimentos foram apresentados de forma a privilegiar a
fragmentação, organizados em partes desconectadas. A tendência do enfermeiro docente é
reproduzir o mesmo tipo de ensino.
▪ Intensificar a fragmentação ao ensinar os conhecimentos organizados em parcelas
dificulta a compreensão da matemática pelos alunos e sua inter-relação com os
procedimentos de enfermagem.

Para Behrens e Gisi (2006, p. 26), os cursos da área da saúde, bem como das demais
áreas de conhecimento, levam os alunos a acumular conhecimentos teóricos, geralmente sem
qualquer ligação com casos reais da atuação profissional. Ao iniciar suas carreiras, os
clínicos, enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e nutricionistas passam anos
tentando conectar os conhecimentos teóricos adquiridos na graduação, de modo a poderem
atuar em hospitais e clínicas ou como enfermeiros docentes nos espaços escolares.
Behrens e Gisi (2006) reconhecem que os conhecimentos teóricos não podem ser
desprezados, mas precisam ser conectados a casos reais para adquirirem significado, tanto na
formação profissional quanto pessoal dos alunos. Xavier (2006) aponta que a falta dessa
conexão está associada a questões que por vezes ouvimos dos alunos: Por que e para que
aprender determinados conceitos matemáticos? Em quais situações vou aplicar esses
conceitos?
49

O enfermeiro docente, ao focalizar uma situação da enfermagem, mobiliza vários


conhecimentos – de farmacologia, biologia, tecnologia, interações medicamentosas, via
correta de aplicação do medicamento, anatomia – e utiliza a matemática como ferramenta
para aplicá-los a situações pertinentes à pratica assistencial. Nesse contexto se manifesta sua
responsabilidade de formar sujeitos capazes de articular esses conhecimentos, tomar decisões
e utilizá-los em situações reais futuras.
Nenhuma formação hoje abarca todos esses conhecimentos a contento. Compete às
instituições promover espaços de interação entre as disciplinas na formação dos profissionais
de saúde. Perrenoud (1997, p. 5) apresenta sobre isso um exemplo oportuno:

Nos casos em que a situação sai da rotina, do médico é exigido fazer


relacionamentos, interpretações, interpolações, inferências, invenções; em suma,
complexas operações mentais cuja orquestração só pode construir-se ao vivo, em
função tanto de seu saber e de sua perícia quanto de sua visão da situação.
(PERRENOUD, 1977, p. 5)

Os relacionamentos e interpretações a que Perrenoud se refere não podem ser


efetivados em um ensino que fragmenta e separa, ou seja, que não privilegia a ligação dos
conhecimentos.

D’Ambrosio (2012, p. 87) nos fornece elementos relativos à formação de todo


professor que vão ao encontro do pensamento de Perrenoud:

Minha responsabilidade foi ensinar o aluno onde fica o coração, como é e como
funciona. Não é minha culpa que hoje ele esteja trabalhando para traficantes de
órgãos. Mas um dia esse pseudomestre irá perguntar: Será que eu não poderia ter
ensinado algo a mais para meus alunos? O fato é que ou se é mestre em sua
totalidade e se fala de tudo, ou se é meramente repetidor de teorias feitas e
congeladas, como num bom CD-ROM. Vejo a nossa responsabilidade indo muito
além da competência disciplinar.

Dada a importância de que se reveste o papel desempenhado pelos enfermeiros


docentes que atuam em cursos técnicos de nível médio, responsáveis por capacitar
profissionais para atenderem um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e dinâmico,
bem como compreender as contradições do mundo moderno, parece ser necessário mergulhar
na realidade vivida por esses profissionais.
50

1.6 OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE: A REALIDADE VIVIDA

Sabe-se que a crise brasileira da educação e da saúde vem de longa data e continua
presente na sociedade. O índice de desenvolvimento de educação básica (IDEB) 14 divulgado
em 2013 revela que mais de 90% dos estudantes terminaram o ensino médio sem alcançarem
um aprendizado adequado em matemática.
Na saúde, frequentemente nos deparamos com notícias sobre filas de pacientes nos
hospitais e postos de saúde e sobre a falta de leitos e equipamentos, além de carências em
recursos humanos. É nessa realidade que atuam os profissionais de saúde, e formá-los torna-se
um desafio.
Esta pesquisa se desenvolve em um momento em que notícias de morte de pacientes
por erros relacionados à prática dos profissionais de saúde traz ao público um problema que já
vem sendo discutido Brasil e em outros países.
Em Paris, por exemplo, uma criança de seis meses morreu na tarde de 2 de janeiro de
2009 no Hôpital Necker. Segundo o jornal Le Monde (DÉCÈS..., 2009), “Em 1 de janeiro, um
enfermeiro e um auxiliar de enfermagem, responsáveis pelas crianças internadas no berçário
são responsabilizados criminalmente por alterar a velocidade de infusão de um medicamento
em uma criança que estava à espera de um transplante de intestino".
Em Marselha, cidade litorânea da França, uma criança de seis anos encontrava-se no
departamento de oncologia pediátrica do Hôpital de la Timone para tratamento de um câncer
muito agressivo. Informa o jornal Le Monde (MARSEILLE..., 2010): “Morreu em 3 de
fevereiro, devido a sobredose de quimioterapia. A direção do hospital reconheceu o erro de
dosagem de drogas e afirmou terem sido tomadas todas as medidas para reforçar os
procedimentos de segurança. De acordo com o prontuário da criança, o erro de dosagem está
provavelmente relacionado com uma vírgula mal colocada ou mal interpretada, que fez o
profissional administrar 10 vezes a dose terapêutica prescrita, levando a criança à UTI, onde
morreu após alguns dias”.
Também na França, em um hospital em La Rochelle, um paciente morreu devido a
sobredose de morfina: “Uma mulher de 71 anos de idade que sofria de câncer terminal morreu
no final de fevereiro de 2011. Por engano, a enfermeira ministrou uma dose de morfina 10
vezes maior que a normal. A enfermeira deveria ter ministrado 7 mg de morfina em vez de 70

14
Esse indicador, divulgado a cada dois anos, mede a qualidade do aprendizado nacional e estabelece metas
para a melhoria do ensino no país.
51

mg da substância, o que levou à morte da paciente. Reconheceu haver cometido um erro de


cálculo”, informou Le journal du dimanche (UNE PATIENTE..., 2011).
Na Inglaterra, um levantamento em 19 hospitais apontou que uma em cada 10
prescrições contém erros, 1,7% deles com grande risco de desfecho fatal. “Uma alteração de
miligrama para micrograma, aparentemente banal, dependendo do remédio, pode colocar o
doente em coma, por exemplo” (TEIXEIRA, 2010).
Nos Estados Unidos, um evento correlato afetou a família de um ator de Hollywood:
“Um sério erro foi cometido durante a internação de suas filhas gêmeas no Cedars-Sinai
Hospital, em Los Angeles. As meninas haviam acabado de nascer e estavam internadas na
unidade de terapia intensiva da instituição. Quando completavam 12 dias de vida, receberam
uma dose altíssima de uma droga anticoagulante e por pouco não perderam a vida. O erro foi
de uma enfermeira, que confundiu a embalagem do remédio para criança com a de adulto. O
ator processou a companhia fabricante do medicamento e também o hospital. Além disso,
iniciou uma cruzada contra enganos do mesmo gênero. Ele ajudou a dar força a um
movimento que alerta os profissionais sobre erros que podem ter sido cometidos – The
National Alert Network for Serious Medication Errors System – e acaba de produzir um
documentário sobre a questão” (TEIXEIRA, 2010).
No Brasil, a situação não é diferente. Em 19 de setembro de 2011 foi ao ar, no
programa de televisão Fantástico, uma entrevista15 com os fiscais dos Conselhos Regionais
de Enfermagem de São Paulo (COREn-SP) e do Rio de Janeiro (COREn-RJ) (CURSOS...,
2011). A equipe de reportagem relatou as situações precárias do sistema de saúde em ambos
os estados. Segundo fiscais do COREn-SP, as condições do sistema de saúde brasileiro são
alarmantes. Pacientes recebem medicações trocadas, com dosagens erradas. Em crianças
ocorrem lesões graves e mortes causadas por erros banais. Em linhas gerais, tal quadro foi
relacionado à baixa qualidade do ensino, ao mercado de trabalho aberto, à sobrecarga de
trabalho e à falta de fiscalização dos órgãos responsáveis para testarem a qualidade dos
cursos, bem como à precariedade na formação dos enfermeiros docentes, resultando no
despreparo dos futuros profissionais de saúde.
Nessa reportagem, Manoel Carlos Neri, presidente do Conselho Federal de
Enfermagem (COFEn), teceu os seguintes comentários:

[...] temos notado, principalmente nos últimos cinco anos, um aumento muito grande
das denúncias, um incremento da ordem de 20% a 25% ao ano. Erros simples que
poderiam ser perfeitamente evitados se esse atendimento tivesse sido realizado com

15
A entrevista completa encontra-se no Anexo C.
52

maior atenção. [...] em 2010, o Conselho Regional de Enfermagem em São Paulo


recebeu 250 denúncias de erros causados por profissionais da área. Vinte deles
resultaram em morte ou lesão permanente para os pacientes [...]. [...] certos
profissionais não estão cumprindo nem o básico da profissão. [...] Esse é um
problema que tem diversos fatores e o mais importante, para mim, é a baixa
qualidade do ensino. Em dez anos, o número de cursos oferecidos no Brasil ficou
quase cinco vezes maior. Temos conhecimento de faculdades nas quais o aluno,
durante toda a sua formação, fez os estágios apenas em laboratórios e nunca foi a
uma unidade de saúde para lidar diretamente com o paciente. Nossa impressão é que
não tem fiscalização dos órgãos de ensino. Os profissionais estão chegando muito
mal preparados. Nunca foi tão fácil estudar enfermagem no Brasil. O curso para
técnico, que exige apenas o ensino médio, dura cerca de dois anos e é, disparado, o
mais procurado do país. São mais de 1,7 mil escolas cadastradas. (CURSOS...,
2011)

João Cardoso Palma Filho, então secretário adjunto de educação de São Paulo,
apontou que “os erros não existem só entre auxiliares e técnicos. Ocorrem entre os
profissionais de nível superior”.
Com relação à sobrecarga de trabalho, os entrevistados afirmaram se tratar de um
cenário assustador, pois encontraram em um hospital uma ala com 182 idosos e apenas um
enfermeiro com uma equipe de seis auxiliares e técnicos, quando o ideal, segundo o artigo 5.º
da resolução 189/1996 do COFEn, seria de nove enfermeiros e 18 auxiliares e técnicos.
A repercussão dos problemas identificados pelos presidentes do COFEn, COREn-SP
e COREn-RJ chamaram a atenção de pesquisadores e, no Brasil, estudos estão revelando que
nos hospitais é muito alto o índice de erros na administração de medicação.
Em um estudo mais recente, realizado no primeiro semestre de 2015 pela Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto, analisou-se a
administração de cerca de cinco mil doses de medicação em cinco hospitais públicos,
detectando-se erros em 30% dos casos. Desses equívocos, 77,3% envolveram o horário da
medicação, dada pelo menos 60 minutos antes ou depois do momento devido. O estudo
identificou que os erros de dosagem perfizeram 14,4% dos casos, as trocas na via de
administração 6,1%, o uso de medicamento não autorizado 1,7% e troca de paciente 0,5%
(TEIXEIRA, 2010).
A realidade descrita em reportagens e estudos delineia um problema de abrangência
mundial que, em essência, é um sintoma, e não causa, de uma combinação perigosa: formação
precária, salários baixos e excesso de trabalho. Acreditamos que o problema é de maior
envergadura e se encontra no âmbito das práticas sociais, políticas e econômicas. São
sintomas que refletem modos de pensar e comportamentos.
Frente a essa realidade, os órgãos profissionais e aqueles responsáveis pela educação
não podem esquivar-se. “As instituições de ensino precisam preparar-se para oferecer um
53

ensino que possa atender as necessidades de saúde da população respondendo à demanda


social e voltado com o olhar para o futuro” (XAVIER, 2006). Cremos que seja possível e
necessário refletir, idealizar e aventurar-se em novas propostas capazes de articular não tanto
a matemática e a enfermagem quanto outras áreas do conhecimento, para que o enfermeiro
docente e seus alunos possam utilizar o conhecimento matemático não somente para sua
prática profissional diária, mas também para a busca de soluções adequadas para os
problemas da sociedade, promovendo desse modo o conhecimento sobre si mesmo, o outro e
o mundo.
Desse modo, dentre as inúmeras possibilidades que a educação matemática oferece, o
presente estudo tomou como objeto de investigação a formação do enfermeiro docente que
atua em cursos técnicos de enfermagem em nível médio. A pesquisa se vincula ao Programa
de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo e
insere-se na linha de pesquisa ‘Tendências internacionais da história e da filosofia da
matemática e seus reflexos na educação matemática’.

1.7 A ARQUITETURA DA PESQUISA

Apresentaremos aqui a arquitetura desta pesquisa, tendo consciência de que, embora


a linearidade tenha seu papel ordenador, a utilizaremos como uma exceção, e não uma regra,
para descrever a construção e o desenvolvimento da tese, com o objetivo de propiciar ao leitor
uma visão panorâmica do que almejamos investigar.
O segundo capítulo focaliza o contexto histórico da relação entre enfermagem e
educação matemática. Para melhor compreensão desses dois universos, o capítulo se compõe
de três blocos. O primeiro proporciona, em linhas gerais, um enfoque histórico da profissão
do enfermeiro assistencial e a do enfermeiro docente, buscando situar o leitor na
complexidade envolvida na área de enfermagem. O segundo bloco, embora essencialmente
descritivo, situa o leitor quanto aos aspectos legais para o exercício profissional em saúde,
com base nas orientações e regulamentações do Ministério da Educação, destacando a
formação do enfermeiro docente responsável por disciplinas dos cursos técnicos de
enfermagem em nível médio. O bloco final traz um panorama histórico da educação
matemática no Brasil e no cenário internacional.
Antecipando o que será tratado com maior aprofundamento no terceiro capítulo –
“Perspectivas teóricas” –, apresentamos os principais elementos do quadro teórico adotado, os
54

quais nos conduziram na busca de respostas a nossos questionamentos. Tais pressupostos


teóricos estão pautados em princípios da teoria da complexidade, de Edgar Morin, e da teoria
da flexibilidade cognitiva, proposta por Rand Spiro e colaboradores – esta também
pertencente ao arcabouço da teoria da complexidade. Com relação aos conhecimentos
necessários para o ensino, buscamos apoio nos trabalhos de Lee Shulman e de Debora Ball e
sua equipe.
Não tivemos a pretensão de esgotar o pensamento desses autores, pois nossa opção
se deveu à pertinência de conhecer as perspectivas desses teóricos sobre educação e ao
impacto que suas críticas e sugestões causam no âmbito acadêmico. As articulações que
podem ser estabelecidas por esses referenciais teóricos, além do diálogo com outros estudos,
constituíram-se em uma base sólida para as análises dos dados obtidos.
No quarto capítulo – “O percurso metodológico” –, definimos o paradigma e
natureza da investigação, descrevemos os instrumentos de pesquisa e seus objetivos, situamos
o contexto da pesquisa e caracterizamos os sujeitos.
No quinto capítulo – “Análise dos resultados e discussão” –, explicitamos os dados
que emergiram dos instrumentos (questionário e entrevista com os enfermeiros docentes),
bem como da análise das matrizes curriculares de um curso de bacharelado e licenciatura em
enfermagem e da matriz curricular de um curso técnico de enfermagem em nível médio.
No sexto capítulo – “Conclusão” – serão retomados os aspectos centrais abordados
ao longo da pesquisa. Para tanto reunimos as partes para compreender o todo e cruzamos as
análises das etapas anteriores para melhor apreender o papel da matemática nos cursos
estudados e, assim, propor novas formas de trabalho que poderiam ser consideradas na
formação do enfermeiro docente, ao volvermos o olhar para a prática desse profissional
relacionada a questões que envolvem a matemática.
55

2 ENFERMAGEM E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: CONTEXTO


HISTÓRICO

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A profissão de enfermagem surge com a evolução das práticas de saúde ao longo dos
diferentes períodos da história. Nos primórdios da civilização, tais atividades tinham como
preocupação garantir a sobrevivência e a manutenção, estando tipicamente relacionadas com
o trabalho feminino, caracterizado pela prática do cuidar.
A educação matemática surgiu no século XIX, em resposta a questionamentos sobre
o ensino de matemática. Matemáticos da época preocupavam-se com o modo de tornar os
conhecimentos mais acessíveis aos alunos e buscavam uma renovação no ensino dessa
disciplina.
Para focalizar a evolução histórica dessas duas áreas de conhecimento, bem como a
formação e o exercício dos profissionais de saúde, este capítulo foi organizado em três blocos.
O primeiro reconstitui em linhas gerais a história da enfermagem, bem como seu
exercício resultante de uma formação cujo modelo assistencial é centrado nas tarefas, sob uma
disciplina rígida. Ao longo da sua história, sofreu influências religiosas e militares, o que foi
modelando o perfil da profissão. As práticas de enfermagem se desenvolveram em diferentes
sociedades ao longo da história. Desde o antigo Egito, a Assíria e a Mesopotâmia, passando
pela Grécia e Roma, assim como em âmbitos mais distantes, como China e Japão, a prática do
cuidar esteve ligada a concepções teológicas. Avançamos nas análises até chegar ao Brasil,
tecendo considerações sobre a profissão do enfermeiro assistencial e do enfermeiro docente,
de modo a olhar o fenômeno sem barreiras disciplinares, visando situar o leitor na
complexidade envolvida na área de enfermagem.
O segundo bloco, embora essencialmente descritivo, situa o leitor quanto aos
aspectos legais para o exercício profissional em saúde com base nas orientações e
regulamentações do Ministério da Educação, tendo como destaque a formação do enfermeiro
docente, responsável por disciplinas dos cursos técnicos de enfermagem em nível médio.
O terceiro bloco, dedicado à educação matemática, trata da evolução dessa área
como campo profissional e científico e de sua configuração no cenário brasileiro e
internacional.
56

2.2 DA ASSISTÊNCIA À DOCÊNCIA EM ENFERMAGEM

A enfermagem é uma arte e, para realizá-la como arte,


requer uma devoção tão exclusiva, um preparo tão
rigoroso como a obra de qualquer pintor ou escultor,
pois o que é tratar da tela morta ou do frio mármore
comparado ao tratar do corpo vivo, o templo do espírito
de Deus? É uma das artes; poder-se-ia dizer, a mais
bela das artes.
Florence Nightingale

Nossa busca se inicia nas páginas do livro A história da enfermagem, de Waleska


Paixão (PAIXÃO, 1979), que Azevedo, Carvalho e Gomes (2009) identificam como primeira
historiadora de enfermagem do país.

Waleska Paixão nasceu em Petrópolis em 1903, originária de família de educadores.


Lecionou e dirigiu colégios no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Concluiu o curso de
Enfermagem em 1939, na Escola de Enfermagem Carlos Chagas. Cursou Filosofia,
Sociologia e Moral. Ocupou o cargo de Diretora da Escola de Enfermagem Carlos
Chagas, em Belo Horizonte.
Lutou para preservar a Enfermagem como uma profissão liberal. Auxiliou a ABED
– Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas, nos temas referentes à
Educação de Enfermagem.
Em 1947, foi eleita primeira presidente da seção da ABED de Minas Gerais. Lutou
por questões relacionadas à elaboração do código de ética das Escolas de
Enfermagem. Em 1950, Waleska Paixão assumiu a direção da EEAN – Escola de
Enfermagem Ana Néri, permanecendo até 1967, e veio a falecer em 1993. O livro
Páginas de história de enfermagem é um marco nos estudos da história da
enfermagem. (AZEVEDO; CARVALHO; GOMES, 2009)

2.2.1 Do período pré-cristão à era cristã

Segundo Paixão (1979), são poucos os documentos que retratam a enfermagem dos
povos antigos. Aponta que em sua origem a enfermagem envolvia aspectos não só médicos,
mas também sociais e religiosos, registrados em tratados de medicina que nos permitem
formar uma ideia dos tratamentos ministrados a enfermos nesse período.
O povo egípcio foi o que mais deixou documentos sobre medicina. As fórmulas
médicas eram acompanhadas de fórmulas religiosas que o doente deveria recitar enquanto
tomava o remédio. Aquele que preparava a droga também oferecia uma oração aos deuses Ísis
e Hórus, aos quais se atribuía o princípio de todo bem. As abordagens podiam também incluir
o hipnotismo e a interpretação de sonhos. O coração era reconhecido como centro da
circulação; o aparelho respiratório era considerado o mais importante. Em seus documentos
não são porém mencionados hospitais nem enfermeiros.
57

Documentos do século VI a.C. revelam que na Índia já se identificavam ligamentos,


músculos, nervos, plexos, vasos linfáticos e o processo digestivo, mencionando-se também
antídotos para alguns tipos de envenenamento. Entre os procedimentos realizados, figuravam
suturas, amputações, trepanações e correções de fraturas. O ensino teórico dos enfermeiros
compreendia a história das doenças e dos remédios, a influência dos astros e pedras sobre a
saúde, o modo de extrair suco de plantas e o preparo das medicações. O ensino prático era
limitado, pois derramar sangue de animais e tocar cadáveres era considerado impuro. Para
simular uma cirurgia, os estudantes de medicina utilizavam cascas de árvores, folhas, frutas e
bonecos de argila.
Na Antiguidade, distinguiu-se a região da Palestina pelo monoteísmo. Moisés,
legislador do povo hebreu, não atuou somente no terreno religioso, mas, segundo Paixão
(1979, p. 25), também prescreveu preceitos de higiene e exame do doente: “diagnóstico,
desinfecção, afastamento de objetos contaminados e as leis sobre sepultamento de cadáveres
para que não contaminassem a terra”.
Entre os assírios e babilônios, existiam punições para os médicos incompetentes,
incluindo a de terem as mãos amputadas. Os códigos de Hamurábi, rei da Babilônia (2100
a.C.) mencionam os deveres dos médicos e seus honorários, que deviam diferir segundo as
posses dos clientes. A medicina era fundamentada na magia, dada a crença de que os
demônios eram os causadores das doenças. Nos documentos da época não há menção a
hospitais.
Na China, as doenças eram classificadas como benignas, graves e médias. Os
sacerdotes chineses se dividiam em grupos ou categorias que correspondiam ao grau de
doenças das quais se ocupavam. Percebe-se nisso o início de uma divisão em especialidades.
Enquanto na China os templos eram rodeados por plantas medicinais, no Japão eram
utilizadas águas termais como única terapêutica, e a eutanásia era também estimulada.
Na Grécia, o domínio da filosofia, das ciências, das letras e das artes se estende
também ao campo da medicina. Os valores atribuídos à beleza física, à cultura e à
hospitalidade contribuíram para o progresso da medicina e enfermagem. As teorias estavam
ligadas à mitologia, tornando-se posteriormente científicas graças a Hipócrates, que se
dedicou a observar pacientes, realizando diagnósticos (inclusive os de malária, tuberculose,
neurose, luxações e fraturas), prognósticos e propondo a terapêutica que consistia em não
contrariar a natureza, porém auxiliá-la a reagir.
58

Diferentemente de outras regiões, a medicina em Roma não teve prestígio, sendo por
muito tempo exercida por escravos e estrangeiros. Os serviços de enfermagem eram também
confiados a escravos. Roma distinguia-se de outras partes do mundo pela limpeza das ruas,
ventilação das casas, água pura e abundante e disponibilidade de redes de esgoto.
No cristianismo, ênfase especial foi dada aos cuidados a dispensar a pobres e
enfermos, sob ideais de fraternidade, caridade e autossacrifício. O saber dessa prática
expressava-se em simples procedimentos caseiros, como os cuidados domésticos prestados
por mulheres. Durante os séculos V e VI, houve crescimento do número de hospitais, que até
o século XVIII tiveram caráter de prestar assistência aos pobres. O conhecimento exigido para
o ofício de enfermeiro assistencial se resumia em saber ler e escrever, sendo de competência
médica os esclarecimentos científicos necessários a essa prática.

2.3 DA ENFERMAGEM MODERNA À ENFERMAGEM NO BRASIL

O período da enfermagem moderna é marcado pelo avanço da medicina, no qual as


instituições hospitalares foram reorganizadas por médicos. Nesse período, encontramos as
raízes do processo de disciplinarização e seus reflexos na enfermagem.
Os avanços da medicina e o crescente número de hospitais não resultaram, porém,
em melhorias nas condições de salubridade, dada a predominância de doenças
infectocontagiosas e à falta de pessoas qualificadas para tratar dos doentes.
É nesse cenário que se situa Florence Nightingale, conhecida como “a Dama da
Lâmpada” pelo fato de servir-se deste instrumento para auxiliar os feridos durante a noite.
Menos conhecida é sua paixão pela matemática, especialmente a estatística, que teve papel
decisivo no desenvolvimento de seu trabalho como enfermeira.
Relata a Associação Brasileira de Enfermagem – Seção Pernambuco (ABEN-PE,
[s.d.]), que Nightingale nasceu em Florença em 1820. Sua educação inicial ficou a cargo de
professoras particulares e posteriormente de seu pai. Em 1840, implorou aos pais que a
deixassem estudar matemática em vez de dançar quadrilha ou fazer tricô, que eram tarefas
mais apropriadas para as mulheres. Após várias discussões, os pais permitiram que estudasse
e fosse tutora de matemática.
Em 1845 Nightingale desenvolveu interesse por questões sociais e, mais uma vez,
apaixonou-se por uma área considerada inapropriada para uma moça bem-educada: a
enfermagem. Essa inapropriação está relacionada com o fato de que as enfermeiras dessa
59

época, além de não disporem de treinamento, tinham a reputação de serem alcoólatras e


promíscuas. Em 1851, com 31 anos de idade, foi a Kaiserwerth, Alemanha, estudar
enfermagem no Instituto de Diaconisas Protestantes. Dois anos mais tarde, foi nomeada
superintendente das residentes de um hospital para mulheres inválidas, em Harley Street,
Londres.
Em março de 1854, Grã-Bretanha, França e Turquia declararam guerra à Rússia – um
conflito que se tornaria a guerra da Crimeia. Os aliados venceram os russos na batalha de
Alma em setembro, mas relatos no jornal The Times criticaram as instalações médicas
britânicas para os feridos. Em resposta, Sidney Herbert, secretário britânico da guerra, escalou
Nightingale e outras 38 enfermeiras para trabalharem no hospital do exército em Scutari, um
subúrbio no lado asiático de Constantinopla (atual Istambul).
Na obra de Paixão (1979), encontramos fatos interessantes sobre a vida de
Nightingale. Tornou-se famosa por tratar os feridos de guerra da Crimeia, sendo pioneira na
utilização do modelo biomédico. Ficou perplexa ao ver os feridos alojados em instalações
imundas, rodeados de insetos e ratos, e ao constatar que as cirurgias eram realizadas em
condições extremamente precárias.
Apesar de suas reclamações, os médicos não deram importância ao que dizia uma
simples enfermeira. Ela então escreveu ao jornal The Times, de Londres, tornando públicas as
condições desumanas em que se encontravam os soldados. Em decorrência dessa iniciativa,
recebeu a tarefa de reorganizar os hospitais dos quartéis.
De forma espetacular, utilizou o conhecimento matemático, que foi fundamental para
a reorganização hospitalar e os serviços de enfermagem assistencial. Nessa época, começou a
registrar o número de homens infectados que morriam de diferentes doenças, criando
processos sistematizados de coleta de dados para desenvolver uma maneira de apresentá-los
visualmente. Um exemplo é mostrado na Figura 4.
60

Figura 4 – Diagrama das causas de mortalidade no exército no Oriente, elaborado por Florence
Nightingale durante a guerra da Crimeia.
Fonte: Rogers (2010).

O diagrama à direita tem 12 setores que, em sentido horário, representam os


primeiros 12 meses do conflito. Cada setor apresenta três zonas: a externa representa o
número de mortes por doenças possíveis de serem evitadas; a interna, as mortes por
ferimentos; a do meio, as mortes por todas as demais causas. Em cada segmento mensal, a
região externa era claramente maior. O diagrama à esquerda mostra os 12 meses
subsequentes, revelando como a Comissão Sanitária, enviada no meio da guerra, reduziu
dramaticamente os casos fatais.
O gráfico permitiu a Nightingale compreender a situação que se delineava na
Crimeia: o número dos que morriam de doenças agravadas por condições miseráveis
ultrapassava o de mortes por ferimentos de guerra. Aplicar a matemática a problemas reais
permitiu a Nightingale compreender a realidade e tomar decisões para atuar sobre ela. As
ações que propôs, como disponibilidade de água limpa, frutas frescas e novos sistemas de
higiene, reduziram a mortalidade dos pacientes de 60% para menos de 40%.
Posteriormente, Nightingale associou a matemática a sua prática clínica para alterar
a realidade vivida pela população, de modo a salvar vidas, o que se tornou possível graças a
sua paixão e sua percepção de que as análises estatísticas e epidemiológicas podem constituir
61

um modo organizado de investigar e promover melhorias na prevenção e erradicação de


doenças.
Enquanto Nightingale atuava na guerra da Crimeia, Robert Cook, na Inglaterra,
idealizou em 1835 o Programa de Preparo de Enfermeiras, que incluía muitos pontos básicos
hoje considerados em nossas escolas, entre eles o ensino comprovado por exames e estágios
práticos orientados. No entanto, não havia ninguém capaz implementar tal projeto. Quando
Nightingale retornou à Inglaterra, em 1856, aceitou o convite de Cook para fundar a primeira
escola de enfermagem do mundo. Assim, em 1860, teve início a Nightingale School for
Nurses, anexa ao Saint Thomas’ Hospital, em Londres, a qual passou a ser modelo para as
demais fundadas posteriormente. Nessa escola, o curso que formava enfermeiras assistenciais
tinha duração de um ano e as aulas eram ministradas exclusivamente por médicos. A eles
cabia decidir quais funções poderiam atribuir às enfermeiras.
Assim, a filosofia da escola de Florence Nightingale aos poucos reestruturava as
escolas baseando-se em quatro ideias-chave:
▪ O treinamento de enfermeiras deveria ser considerado tão importante quanto qualquer
outra forma de ensino e deveria ser mantido por fundos públicos.
▪ As escolas deveriam ter estreita associação com hospitais, mas manter sua independência
financeira e administrativa.
▪ Somente enfermeiras poderiam ser responsáveis pelo ensino, em vez de pessoas não
envolvidas com a enfermagem.

O sistema Nightingale de ensino estabeleceu pontos essenciais, entre eles o de que a


direção da escola deve ser assumida por uma enfermeira; ênfase no ensino metódico, em vez
de apenas ocasional; e seleção candidatos do ponto de vista físico, moral, intelectual e de
aptidão profissional. Paixão (1979) identificou esses pontos como sendo essenciais para a
sobrevivência das escolas de enfermagem.
Florence Nightingale morreu em 1910, deixando o ensino da enfermagem não mais
como uma atividade empírica, mas como uma ocupação assalariada, atendendo a necessidade
de mão de obra dos hospitais por meio de uma prática social institucionalizada e específica
(PAIXÃO, 1979).

2.3.1 A enfermagem no Brasil

A educação em enfermagem sempre foi um desafio, inicialmente para os professores


médicos e, em nosso país, a partir da década de 1960, para os enfermeiros docentes.
62

Desde o início da colonização do Brasil, encontramos as casas de misericórdia, que


tiveram origem em Portugal. Já em 1543 era fundada a primeira casa de misericórdia na
colônia, em Santos.
No que diz respeito à enfermagem e à saúde no período colonial, merece destaque o
trabalho do padre José de Anchieta, que:

[...] não se limitava à catequese. Como professor, médico e enfermeiro, acudia as


necessidades mais urgentes do povo: saúde e educação. Em grande número de
documentos deixou estudos de grande valor sobre o Brasil. Costumes, as doenças
mais comuns, a terapêutica empregada, as plantas medicinais (PAIXÃO, 1979, p.
103).

A terapêutica utilizada pelos jesuítas resumia-se na utilização de ervas medicinais,


mas os procedimentos para seu uso eram minuciosamente descritos. Paixão (1979) supõe que
os jesuítas realizavam a supervisão dos serviços de pessoas por eles treinadas – incluindo
escravos – para o trato com os enfermos, apesar da ausência de registros a esse respeito.
Dentre os raros nomes ligados à enfermagem que se destacaram no período
subsequente, figura com proeminência o de Ana Néri, a “Matriarca da enfermagem no
Brasil”.
Seus dois filhos, um médico militar e um oficial do exército, haviam sido
convocados para a guerra do Paraguai. Sensibilizada com a separação da família, partiu para o
campo de batalha, onde improvisou hospitais de campanha.
Após cinco anos, retornando ao Brasil, foi homenageada por Dom Pedro II, que, por
decreto, concedeu-lhe uma medalha e pensão vitalícia.
Em 1923, no Rio de Janeiro, foi fundada a primeira escola de enfermagem brasileira:
a Escola de Enfermagem Ana Néri. O curso, iniciado no mesmo ano, teve 14 alunas e duração
de 28 meses, passando logo depois para 32 meses e, por meio da lei 775, para quatro anos.
Em 15 de junho de 1931, o decreto 20.109 estabeleceu a Escola Ana Néri como
escola-padrão de enfermagem do Brasil. De 1934 a 1937, a instituição esteve sob dependência
do Ministério da Educação e Saúde, sendo em 5 de julho de 1937 incluída na Universidade do
Brasil, constituindo-se na primeira escola brasileira integrada a uma universidade.
No final do século XIX, apesar de o Brasil possuir um imenso território com pequeno
contingente populacional, o processo de urbanização já se fazia presente em regiões de
mercado mais aquecido, como São Paulo e Rio de Janeiro. Esse aquecimento, com
consequente maior afluxo humano, provocou a proliferação progressiva de doenças
infectocontagiosas, trazidas tanto por escravos quanto imigrantes e viajantes europeus. Logo,
63

a saúde passou a constituir uma questão econômica e social e, por pressão externa, o governo
federal assumiu a assistência à saúde com a criação de serviços públicos.
Para atender inicialmente os hospitais militares e civis e, posteriormente, as
atividades de saúde pública, foi criada em 1890, pelo governo, a primeira escola profissional
de enfermeiras, no Rio de Janeiro, junto ao Hospital Nacional de Alienados do Ministério de
Negócios do Interior, hoje denominada Escola de Enfermagem Alfredo Pinto.

2.4 A ATUAL LEGISLAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE: PRERROGATIVAS LEGAIS E


PANORAMA ATUAL

O trabalho de enfermagem é realizado por diferentes categorias profissionais,


abrangendo não só aquelas reconhecidas na legislação pertinente, mas também profissionais
sem qualificação técnica formal, usualmente denominados atendentes.
A cada uma das categorias profissionais – auxiliar de enfermagem, técnico de
enfermagem, enfermeiro e enfermeiro em atividade docente – corresponde um processo de
formação próprio, que pressupõe um conjunto distinto de atividades. Para situar os sujeitos
investigados nesta pesquisa, apresentaremos as leis e atos normativos que regulamentam o
exercício e o ensino de enfermagem no Brasil.
A lei 7.498/1986 (BRASIL, 1986) regulamenta o exercício da enfermagem. Seu
artigo 2.º, parágrafo único, determina que a enfermagem somente pode ser exercida por
pessoas legalmente habilitadas e inscritas no Conselho Regional de Enfermagem com
jurisdição na área em que ocorre o exercício. A enfermagem é exercida exclusivamente pelo
enfermeiro, pelo técnico de enfermagem, pelo auxiliar de enfermagem e pela parteira,
respeitados os respectivos graus de habilitação.

O atendente de enfermagem

O artigo 23 da lei 7.498/1986, parágrafo único, colocou em caráter de extinção a


figura do atendente de enfermagem a partir de 25 de junho de 1986, estabelecendo que a
enfermagem só poderá ser exercida, em seus vários níveis, exclusivamente, por enfermeiro,
técnico de enfermagem e auxiliar de enfermagem. O artigo propõe substituir a expressão
‘atendente de enfermagem’ por ‘auxiliar de enfermagem’.
Embora o cargo de atendente de enfermagem não esteja expressamente listado entre
os profissionais da área, a lei mencionada o inclui nos seguintes termos:
64

Art. 23. O pessoal que se encontra executando tarefas de Enfermagem, em virtude


de carência de recursos humanos de nível médio nesta área, sem possuir formação
específica regulada em lei, será autorizado, pelo Conselho Federal de Enfermagem,
a exercer atividades elementares de Enfermagem. (BRASIL, 1986)

Segundo o artigo 1.º da resolução COFEn 186/1995, as atividades do atendente de


enfermagem:

[...] compreendem ações de fácil execução e entendimento, baseadas em saberes


simples adquiridos por meio de treinamento e/ou da prática, se restringem às
situações de rotina e de repetição, não envolvem cuidados diretos ao paciente, não
colocam em risco a comunidade, o ambiente e/ou a saúde do executante, mas
contribuem para que a assistência de enfermagem seja mais eficiente. (COFEn,
1995)

As atividades elementares de enfermagem que podem ser executadas pelos


atendentes de enfermagem estão detalhadas no artigo 2.º da Resolução COFEn 186/1995:
I. Relacionadas com a higiene e conforto do paciente: Anotar, identificar e encaminhar
roupas e/ou pertences dos clientes; preparar leitos desocupados.
II. Relacionadas com o transporte do paciente: Auxiliar a equipe de enfermagem no
transporte de pacientes de baixo risco e preparar macas e cadeiras de rodas.
III. Relacionadas com a organização do ambiente: Arrumar, manter limpo e em ordem o
ambiente do trabalho; colaborar com a equipe de enfermagem na limpeza e ordem da
unidade do paciente; buscar, receber, conferir, distribuir e/ou guardar o material
proveniente do centro de material; receber, conferir, guardar e distribuir a roupa vinda da
lavanderia; zelar pela conservação e manutenção da unidade, comunicando ao enfermeiro
os problemas existentes; auxiliar em rotinas administrativas do serviço de enfermagem.
III. Relacionadas com consultas, exames ou tratamentos: Levar aos serviços de
diagnóstico e tratamento o material e os pedidos de exames complementares e
tratamentos; receber e conferir os prontuários do setor competente e distribuí-los nos
consultórios; agendar consultas, tratamentos e exames, chamar e encaminhar clientes e
preparar mesas de exames.
V. Relacionados com o óbito: Ajudar na preparação do corpo após o óbito.

Apesar da extinção desse cargo, encontramo-lo ainda em alguns hospitais e centros


de atendimento de saúde. O atendente de enfermagem deve ter ensino fundamental completo
e somente colabora nas atividades acima descritas, consideradas de fácil execução e situações
de rotina. Com a resolução COFEn 186/1995, permaneceram no cargo apenas aqueles que já
atuavam antes de 1986, e ainda assim somente mediante autorização do conselho.
65

O auxiliar e o técnico de enfermagem

A lei 7.498 (BRASIL, 1987) diferencia as atribuições dos diferentes profissionais de


enfermagem e estabelece diferença entre os profissionais de nível médio. Embora na prática
essas atribuições se confundam e até mesmo técnicos de enfermagem estejam sendo
contratados como auxiliares e vice-versa, estabeleceu-se que o técnico de enfermagem exerce
atividade de nível médio, envolvendo orientação e acompanhamento do trabalho de
enfermagem em grau auxiliar, e participação no planejamento da assistência de enfermagem e
o auxiliar de enfermagem exerce atividade de nível médio, de natureza repetitiva, envolvendo
serviços auxiliares de enfermagem sob supervisão, bem como a participação em nível de
execução simples, em processos de tratamento.
A resolução COFEn 276/2003 determina que todos os auxiliares de enfermagem
formados após 23 de junho de 2003 concluam a complementação dos estudos como técnicos
de enfermagem num prazo de cinco anos a contar da data de emissão do certificado de
conclusão do curso:

Assim, todos os profissionais que receberam o certificado de conclusão do curso de


auxiliar de enfermagem antes de 23 de junho de 2003 podem permanecer na
categoria até quando desejarem. “Nenhum dos que se enquadrem nesta situação
perderá o direito de exercer sua profissão”, garante a presidente do COREn-SP.
(COFEn, 2003)

Já para os auxiliares de enfermagem que obtiveram certificado de conclusão após 23


de junho de 2003, a resolução determina que após conclusão do curso de auxiliar o
profissional terá cinco anos para completar sua formação como técnico de enfermagem. Findo
esse prazo, a inscrição no COREn naquela categoria será cancelada.
A resolução 276 foi necessária em razão das mudanças ocorridas na legislação que
regulamenta a estruturação dos cursos técnicos de nível médio no país, que passou a
considerar o curso de auxiliar de enfermagem como uma qualificação e não mais como uma
habilitação técnica, que agora é restrita ao técnico de enfermagem.
Segundo a deliberação 8/2000 do Conselho Estadual de Educação (CEE) de São
Paulo (SÃO PAULO, 2000), “a habilitação profissional refere-se à profissionalização do
técnico de nível médio. Seu concluinte fará jus ao diploma de técnico, desde que tenha
cumprido todas as etapas previstas pelo curso e haja concluído o ensino médio”. A ampliação
da escolaridade e da empregabilidade da população e, principalmente, a necessidade de
melhoria da qualidade da assistência prestada nos serviços de saúde no âmbito do Sistema
66

Único de Saúde, dentro das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional de


Nível Técnico, demandam:

A formação de um profissional que será constantemente exigido na sua capacidade


de raciocínio lógico, autonomia intelectual, pensamento crítico, espírito
empreendedor entre outras habilidades leva[ndo] à construção de cursos de
formação de Nível Técnico, onde esses futuros profissionais sejam educados para a
aprendizagem contínua e autônoma. (SÃO PAULO, 2000)

O auxiliar de enfermagem deve ter concluído o ensino médio e para sua habilitação
profissional de técnico de enfermagem deverá cumprir um curso de educação profissional de
nível médio que atenda o disposto na LDB (BRASIL, 1996) para a educação profissional de
nível técnico.
A resolução 4/1999 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação (CNE-CEB) (BRASIL, 1999b), em seu artigo 1.º, parágrafo único, institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico,
esclarecendo que a educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao
trabalho, à ciência e à tecnologia, objetiva garantir ao cidadão o direito ao permanente
desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social.
A deliberação 8/2000 do CEE-SP (SÃO PAULO, 2000) estipula uma carga mínima
de 1.200 h para a formação do técnico de enfermagem. As atividades desenvolvidas pelo
técnico de enfermagem estão relacionadas aos cuidados básicos de higiene e alimentação e
este estará apto a prestar assistência a pacientes de baixa e média complexidade, podendo
exercer a profissão em laboratórios, clínicas médicas, ambulatórios e maternidades.
De acordo com decreto 94.406/1987, artigo 10, ele desenvolve atividades de nível
médio técnico atribuídas à equipe de enfermagem e sob a supervisão do enfermeiro, prestando
assistência de enfermagem em programas de proteção, de recuperação e de reabilitação da
saúde, visando a satisfação das necessidades básicas do paciente, cabendo-lhe assistir o
enfermeiro:
▪ no planejamento, programação, orientação e supervisão das atividades assistenciais de
enfermagem;
▪ na prestação de cuidados diretos de enfermagem a pacientes em estado grave;
▪ na prevenção e controle das doenças transmissíveis em geral em programas de vigilância
epidemiológica;
▪ na prevenção e no controle sistemático da infecção hospitalar;
67

▪ na prevenção e controle sistemático de danos físicos que possam ser causados a pacientes
durante a assistência de saúde;
▪ participando nos programas e nas atividades de assistência integral à saúde individual e de
grupos específicos, particularmente daqueles prioritários e de alto risco;
▪ participando nos programas de higiene e segurança do trabalho e de prevenção de
acidentes e doenças profissionais e do trabalho;
▪ ministrando medicamentos por via parenteral16.

A construção dos saberes do técnico de enfermagem vai muito além da simples


instrução de conteúdos teóricos programáticos. No desenvolvimento de sua formação, as
atividades devem englobar tanto princípios técnicos quanto filosóficos da formação humana.
Tal formação deve seguir o que estabelecem a LDB (BRASIL, 1996) e a Lei do Exercício
Profissional do COFEn (as quais expressam competências inerentes a essa formação), bem
como as legislações específicas e correlatas.
Para que esse profissional realize cuidados de enfermagem tais como curativos,
administração de medicamentos e vacinas, nebulizações, banhos de leito, mensuração
antropométrica e verificação de sinais vitais e preste assistência a pacientes clínicos e
cirúrgicos, a proposta do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, versão 2012, aponta
possíveis temas a serem abordados na formação do técnico de enfermagem:

Processos saúde-doença e seus condicionantes, política de saúde, anatomia,


fisiologia, nutrição, farmacologia, microbiologia e parasitologia, processo de
trabalho, humanização, ética e legislação profissional, fundamentos da Enfermagem,
Enfermagem, neonatológica, obstétrica, neuropsiquiátrica e UTI, suporte básico à
vida e biossegurança. (BRASIL, 2012)

O enfermeiro assistencial

São enfermeiros assistenciais os profissionais portadores de diploma de bacharelado


em enfermagem com duração de quatro anos. Sua formação deve ter caráter mais generalista,
voltado às necessidades de atenção primária, que constituem o trabalho do enfermeiro em
ambulatórios, pronto-socorros e postos de saúde. O estágio é obrigatório, sempre
supervisionado por enfermeiros e docentes.
De acordo com a lei 7.498, de 25 de junho de 1986, artigo 6.º, são enfermeiros:
I. os titulares de diploma de enfermeiro conferido por instituição de ensino;
II. os titulares de diploma ou certificado de obstetra ou de enfermeiro obstétrico;
16
Nessa modalidade, os medicamentos são aplicados diretamente nos tecidos por injeção, com emprego de
seringas, agulhas e cateteres.
68

III. os titulares de diploma ou certificado de enfermeiro e o titular do diploma ou certificado


de enfermeiro obstétrico, obstetra ou equivalente, conferido por escola estrangeira
segundo as leis do país, registrado em virtude de acordo de intercâmbio cultural ou
revalidado no Brasil como diploma de enfermeiro, de enfermeiro obstétrico ou de
obstetra.

O artigo 11.º dessa lei dispõe sobre as atividades desenvolvidas pelos enfermeiros
assistenciais, cabendo-lhes:
I. com exclusividade:
§1.º: a direção do órgão de enfermagem integrante da estrutura básica da instituição de
saúde, pública ou privada, e chefia de serviço e de unidade de Enfermagem;
§2.º: A organização e direção dos serviços de enfermagem e de suas atividades técnicas
e auxiliares nas empresas prestadoras desses serviços;
§3.º: o planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços de
assistência de enfermagem;
§9.º: a consulta de enfermagem;
§10.º: a prescrição da assistência de enfermagem;
§11.º: os cuidados diretos de enfermagem a pacientes graves com risco de vida;
§12.º: os cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam
conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas.
II. como integrante da equipe de saúde:
§1.º: participação no planejamento, execução e avaliação da programação de saúde;
§3.º: prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em
rotina aprovada pela instituição de saúde;
§8.º: acompanhamento da evolução e do trabalho de parto;
§9.º: execução do parto sem distócia17;
§10.º: educação visando a melhoria de saúde da população.

O enfermeiro assistencial em atividade docente

Podemos observar que a assistência de enfermagem no Brasil é ofertada por uma


equipe com diferentes graus de formação cabendo ao enfermeiro formado em curso de

17
Distócia é a dificuldade encontrada na evolução de um trabalho de parto, o qual se torna uma função difícil,
impossível ou perigosa para a mãe e para o feto.
69

graduação assumir a liderança. As demais categorias (técnicos e auxiliares de enfermagem)


atuam sob sua supervisão e são formados em cursos de educação profissional técnica de nível
médio nos quais os enfermeiros desempenham a função de professores. Além disso, cabe ao
enfermeiro e demais agentes da assistência de enfermagem realizar ações de educação em
saúde visando o autocuidado e a promoção da saúde, além de participarem na formação
continuada da equipe de enfermagem. Portanto, compete ao enfermeiro um importante papel
docente para cujo exercício precisa receber formação pedagógica que o qualifique. Pautando-
se nesse entendimento, tem-se desde 1978 a licenciatura integrada ao bacharelado como duas
dimensões indissociáveis do perfil do profissional que o curso de formação de enfermeiros
docentes visa proporcionar.
O curso de licenciatura em enfermagem, concebido pelo parecer 837/1968 da
Câmara de Ensino Superior, passou a conceder o título de licenciado ao enfermeiro para
atender as exigências sociais de formação dos profissionais de ensino médio (auxiliares e
técnicos de enfermagem). O parecer, aprovado em 6 de dezembro de 1968 (BRASIL, 1968),
estabelecia:

Art. 1º. O diplomado em curso superior de Enfermagem, parte geral que receber em
estudos regulares a formação pedagógica prescrita para os cursos de licenciatura,
fará jus ao título e ao comprovante de licenciado em Enfermagem.
Parágrafo Único: A formação pedagógica da licenciatura em Enfermagem na
hipótese deste artigo será feita no mesmo ou em outro estabelecimento, desde que
legalmente reconhecido para tanto, e poderá também desenvolver-se paralelamente
ao curso de graduação mediante acréscimo de horas-aulas correspondentes.
A formação pedagógica da licenciatura em Enfermagem na hipótese desse artigo
será feita no mesmo ou em outro estabelecimento, desde que legalmente
reconhecido para tanto, e poderá também desenvolver-se paralelamente ao curso de
graduação mediante acréscimo de horas-aulas correspondentes.

Para tratar da legislação da enfermagem no âmbito da educação, as DCN apresentam


os aspectos que nortearão os cursos de licenciatura, abrangendo objetivos e conteúdos,
princípios norteadores para a formação de professores, competências dos licenciados,
organização institucional, construção curricular, práticas pedagógicas e estágio obrigatório.
No entanto, o curso de licenciatura em enfermagem requer uma adequação das DCN
para a formação de professores na área da enfermagem, uma vez que o desempenho da
docência exige o título de bacharel em enfermagem como pré-requisito. Tal exigência
encontra respaldo na regulamentação do exercício profissional pelo COFEn.
O COFEn e os Conselhos Regionais de Enfermagem constituem em seu conjunto,
segundo o COREn-SP, uma autarquia vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência
Social. São órgãos disciplinadores do exercício profissional do enfermeiro e dos demais
70

profissionais compreendidos nos serviços de enfermagem. O COREn-SP, além disso, destaca


que coordenar atividades de ensino em cursos de graduação e nível médio também se
caracteriza como atividade privativa do enfermeiro.

2.5 A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A VISÃO D’AMBROSIANA: O CONTEXTO HISTÓRICO E


OS DESAFIOS DE UMA ÁREA DE CONHECIMENTO NO CENÁRIO BRASILEIRO E
INTERNACIONAL

Ninguém pode ser um bom professor sem dedicação,


preocupação com o próximo, sem amor num sentido
amplo. O professor passa ao próximo aquilo que
ninguém pode tirar de alguém, que é o conhecimento.
Conhecimento só pode ser passado adiante por meio de
doação.
Ubiratan D’Ambrosio

Esta seção visa propiciar ao leitor uma visão geral da evolução da educação
matemática como campo profissional e científico, descrevendo também seu objeto de estudo e
objetivos e suas principais tendências. Segundo Fiorentini e Lorenzato (2001), o educador
matemático é aquele que concebe a matemática como um “meio para educar” e que “objetiva
a formação do indivíduo questionando quais ensinos são adequados e relevantes para essa
formação enquanto campo de conhecimento”.
Os autores explicam que os educadores matemáticos:

São profissionais que desenvolvem suas atividades nas escolas de ensino


fundamental e médio, nas Secretarias de Educação e nos centros de formação de
professores. É o educador matemático um profissional responsável pela formação
educacional e social de crianças, jovens e adultos, dos professores de matemática (de
nível fundamental e médio) e também pela formação dos formadores de professores.
Suas pesquisas são realizadas, utilizando-se essencialmente fundamentação teórica e
métodos das Ciências Sociais e Humanas. (FIORENTINI; LORENZATO, 2001,
p. 1)

Fiorentini e Lorenzato (2001), tomando como base estudos de Kilpatrick, apontam


pelo menos três determinantes para o surgimento da educação matemática como campo
profissional e científico. O primeiro é atribuído à preocupação dos próprios matemáticos e de
professores de matemática sobre a qualidade da divulgação e socialização das ideias
matemáticas entre as novas gerações; o segundo é atribuído à iniciativa das universidades
europeias, no final do século XIX, em promover formalmente a formação de professores
secundários; o terceiro se deve aos experimentos realizados por psicólogos americanos e
europeus, desde o início do século XX, sobre o modo como as crianças aprendem matemática.
71

Fiorenti e Lorenzato (2001) explicam que o objeto de estudo da educação


matemática consiste “nas múltiplas relações e determinações entre ensino, aprendizagem e
conhecimento matemático”. Quanto aos objetivos desse campo de conhecimento, afirmam
que são múltiplos e difíceis de categorizar, pois variam de acordo com cada problema de
pesquisa. Admitem, porém, existirem dois objetivos básicos: um de natureza pragmática, que
visa a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem, e outro de natureza científica, que
visa desenvolver a educação matemática como campo de investigação e produção de
conhecimentos.
Mas o que é educação matemática? Como se configurou sua evolução no cenário
nacional e internacional?
Para responder esses questionamentos, convidamos o matemático e humanista
brasileiro Professor Doutor Ubiratan D’Ambrosio, considerado o pai da etnomatemática, uma
das principais tendências da educação matemática. A etnomatemática, área de investigação
em que o Brasil tem se destacado internacionalmente, é por ele definida como:

Um programa que visa explicar os processos de geração, organização e transmissão


de conhecimento em diversos sistemas culturais e as forças interativas que agem nos
e entre os três processos. Portanto, o enfoque é totalmente holístico.
(D’AMBROSIO, 1998, p. 7)

A atuação de D’Ambrosio é reconhecida mundialmente. Em 2001, foi laureado pela


Comissão Internacional de História da Matemática com o Prêmio Kenneth O. May18 por
contribuições à história da matemática; em 2005, recebeu da Comissão Internacional de
Instrução Matemática a Medalha Felix Klein19 em reconhecimento por suas contribuições no
campo da educação matemática.
É professor emérito de matemática da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e atualmente é professor do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação
Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo. Lecionou no programa de História da
Ciência da PUC-SP e foi professor credenciado no Programa de Pós-graduação da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo, bem como professor do Programa de Pós-
graduação em Educação Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unifesp), além de ser professor
visitante no Programa Sênior da Universidade Regional de Blumenau (FURB).

18
Esse prêmio, concedido pela International Commission on the History of Mathematics (ICHM) desde 1989,
geralmente por ocasião de congressos, homenageia Kenneth May, fundador da ICHM.
19
Medalha concedida pela International Commission on Mathematical Instruction (ICMI) a pesquisadores com
notável produção ao longo de sua carreira.
72

Figura como signatário de importantes documentos no mundo da ciência, como a


Declaração de Veneza de 1986 e Carta da Transdisciplinaridade de 1994. Com grandes
pensadores, como Edgar Morin e Bassarab Nicolescu, fundou o Centre International de
Recherches et Études Transdisciplinaires (CIRET).
No Brasil, temos o privilégio de tê-lo como expoente do Movimento da Educação
Matemática. Seu interesse pelo movimento tomou forma gradativamente, em meados dos
anos 1960. Ao ser convidado para ministrar aulas na State University of New York, teve a
oportunidade de conhecer o sistema universitário americano, cuja admissão de novos alunos
incluía obrigatoriamente 25% de estudantes negros, mesmo nos cursos de pós-graduação. Na
época, D’Ambrosio deveria ter 15 candidatos negros em seu curso, para que o programa de
sistemas de cotas fosse atendido. Houve inúmeras dificuldades para a concretização do
programa, mas segundo D’Ambrosio, essa experiência serviu para que pudesse ter uma visão
mais ampla do papel social das universidades, de como um sistema educacional pode ser a
raiz de iniquidades sociais e do que pode ser feito para corrigir uma organização perversa da
sociedade.
Aí se localiza a origem do seu pensar sobre as dimensões da educação matemática e
também a etnomatemática. Em 1972, assumiu a direção do Instituto de Matemática,
Estatística e Ciência da Computação (IMECC) da Unicamp e, nesse mesmo ano, percebeu que
a educação matemática era prioritária para o Brasil, o que deu início a sua trajetória efetiva
nessa área. Desde então, a atuação multifacetada de D’Ambrosio sobre os fenômenos da
educação matemática e sobre a vida e o mundo o caracterizam como pensador ímpar.
Os apontamentos a seguir foram construídos a partir de artigo publicado em 2004, no
qual D’Ambrosio apresenta notas históricas sobre a emergência e a organização da pesquisa
em educação matemática nos Estados Unidos e no Brasil.
Identifica a educação matemática como uma área autônoma de pesquisa em
educação, por meio de considerações sobre a própria natureza da matemática, e aborda
inúmeros outros desafios da educação, o que permite considerá-la como um ramo da
educação, como uma disciplina autônoma, como o estudo e o desenvolvimento de técnicas ou
modos mais eficientes para ensinar matemática, como estudos de ensino e aprendizagem da
matemática ou como metodologia de ensino em seu sentido mais amplo.
O pesquisador define a educação matemática como uma área de pesquisa e
reconstitui, com maestria, o panorama histórico desse campo no cenário brasileiro e
internacional. Apresenta alguns elementos relativos à organização das pesquisas em educação
73

matemática e, a partir destes, estabelece com clareza semelhanças entre a trajetória


internacional e a brasileira.
A identificação da educação matemática como área prioritária na educação ocorre na
transição do século XIX para o século XX. Nessa época, segundo D’Ambrosio “a educação
matemática era sinônimo de boa didática, cumprimento dos programas e verificação da
aprendizagem de conteúdos através de exames rigorosos”20.
As inquietações com o ensino da matemática vêm desde a época de Platão, sendo
somente na Idade Média, no Renascimento e nos primeiros tempos da Idade Moderna que
essas preocupações foram mais bem focalizadas. Para o pesquisador, a partir das três grandes
revoluções da modernidade – a Industrial (1767), a Americana (1776) e a Francesa (1789) –
as preocupações com a educação matemática dos jovens começaram a tomar rumo próprio.
À medida que a ciência moderna avançava e a tecnologia gerava máquinas, tornava-
se inevitável discutir a educação da nova classe de trabalhadores. A ampliação do ensino às
classes trabalhadoras, ou seja, a universalização da educação e a relação educação–trabalho
passaram a ser os grandes temas das discussões educacionais.
Desde o início do século XIX, pesquisas em educação matemática repercutiram nos
meios acadêmicos e, com o surgimento de uma literatura própria, livros e revistas
especializadas e departamentos de educação matemática, caracterizou-se a educação
matemática como nova disciplina. A partir daí, áreas de investigação foram definidas e se
refletiram na programação de congressos internacionais.
Na transição do século XIX ao XX, a educação matemática foi identificada como
uma das áreas prioritárias da educação. A abertura dessa nova área de pesquisa está
relacionada a John Dewey (1859-1952), que em 1895, em seu livro Psicologia do número,
propôs uma reação contra o formalismo e advogou uma relação não tensa, mas cooperativa,
entre aluno e professor, bem como uma integração entre todas as disciplinas.
Em 1901, durante uma reunião da British Association, em Glagow, o cientista John
Perry considerou como de extrema importância a adoção de métodos de ensino elementar que
não se limitassem a satisfazer um jovem que, entre mil, gostasse de raciocínio abstrato, mas
que evitasse que os demais fossem prejudicados. Também lamentou o conflito que na ocasião
se manifestava entre matemáticos e educadores.

20
Notas das aulas de ‘Tendências em educação matemática’, ministradas na Universidade Anhanguera de São
Paulo em março de 2013.
74

A crise e os conflitos de opinião sobre as reformas na educação estimularam


pesquisadores matemáticos, alguns provavelmente preocupados com a educação dos filhos, a
se interessarem pelo ensino da matemática. D’Ambrosio (2004) cita o do casal de ingleses
Grace C. Young (1868-1944) e William H. Young (1879-1932), que no livro Beginner’s book
of geometry, publicado em 1904, propõem trabalhos manuais, ou seja, o concreto auxiliando o
ensino da geometria abstrata. (Seus filhos tornaram-se de fato grandes matemáticos.)
O matemático americano Eliakim H. Moore (1862-1932), em artigo publicado em
1902, sugeriu um novo programa que incluía um sistema de instrução integrada em
matemática e física baseado em um laboratório permanente, com o objetivo principal de
desenvolver ao máximo o verdadeiro espírito de pesquisa, conduzindo à apreciação, tanto
prática como teórica, dos métodos fundamentais da ciência.
O passo mais importante no estabelecimento da educação matemática como
disciplina está relacionado com a contribuição do matemático alemão Felix Klein (1849-
1925), que publicou em 1908 um livro primordial: Elementarmathematik vom höheren
Standpunkte aus21.
Klein defende que a escola se atenha mais a bases psicológicas que sistemáticas.
Segundo D’Ambrosio (2004), para Klein “o professor deve, por assim dizer, ser um
diplomata, levando em conta o processo psíquico do aluno, para poder agarrar seu interesse.
Afirma que o professor só terá sucesso se apresentar as coisas de uma forma intuitivamente
compreensível”.
A consolidação da educação matemática como uma subárea da matemática e da
educação, de natureza interdisciplinar, se deu com a fundação, durante o Congresso
Internacional de Matemáticos, realizado em Roma em 1908, da Comissão Internacional de
Instrução Matemática ICMI22, sob liderança de Klein.
A criação de grupos especializados nas grandes organizações profissionais ocorreu a
partir de várias reflexões de cunho filosófico e assim, no início do século XX, a educação
ganhou novas características, marcadas pelos movimentos sociais, pelos conhecimentos da
psicologia e pelo aperfeiçoamento da análise estatística. Esses movimentos fizeram com que
inúmeras pesquisas fossem desenvolvidas, levando à criação nos Estados Unidos, em 1916,
da American Educational Research Association (AERA).

21
Matemática elementar de um ponto de vista avançado.
22
International Commission on Mathematical Instruction, entidade também conhecida pela sigla alemã IMUK
(Internationalen Mathematischen Unterrichtskommission).
75

Após a criação da ICMI, passou-se a buscar um espaço adequado para a educação


matemática. A American Mathematical Society (AMS) e a Mathematical Association of
America (MMA), que haviam sido fundadas respectivamente em 1894 e 1915, manifestavam
interesse no ensino da matemática, mas as preocupações e propostas dos professores de
matemática, principalmente daqueles envolvidos com a educação pré-universitária,
encontravam pouca repercussão nessas sociedades. Foi preciso criar um espaço adequado para
refletir sobre essas preocupações e para discutir as propostas, o que levou professores de
matemática a fundarem em 1920 o National Council of Teachers of Mathematics (NCTM).
Embora a pesquisa em educação matemática crescesse intensamente, poucos
pesquisadores frequentavam as reuniões anuais do NCTM. O público era em grande maioria
composto de autores de livros didáticos, o que não caracterizava um ambiente para
pesquisadores em educação matemática. No entanto, as reuniões da AERA eram ambiente
propício para estimular o desenvolvimento de pesquisas.
O pós-segunda guerra foi um período de efervescência da educação matemática e as
propostas de renovação curricular ganharam força e visibilidade em vários países da Europa e
nos Estados Unidos, impelindo o desenvolvimento curricular. Foi um período no qual vários
personagens tonaram-se conhecidos mundialmente. Psicólogos forneceram a base teórica para
as propostas de aprendizagem. Dentre estes, D’Ambrosio (2004) destaca Jean Piaget, Robert
M. Gagné, Jerome Bruner, B.F. Skinner, Georges Papy, Zoltan Dienes e Caleb Gattegno.
Em 1951, foi criado nos Estados Unidos um dos primeiros projetos a ter repercussão
internacional: o University of Illinois Committee on School Mathematics, sob a liderança de
Max Bieberman. Em seguida, com grande projeção, foi criado em 1958, na Stanford
University, o School Mathematics Study Group (SMSG), liderado por Edward G. Begle.
Em 1959, foi criado um colóquio organizado pela Organização Europeia de
Cooperação Econômica em Royaumont, Asnières-sur-Oise, França que constituiu um passo
decisivo para a educação matemática. O mal-interpretado brado “À bas Euclide”23, do
prestigioso matemático Jean Dieudonné, uma liderança do grupo Bourbaki, marca o início do
movimento que viria a ser identificado como matemática moderna.
O aumento no número de projetos levou à criação, em 1963, da International
Clearinghouse on Science and Mathematics Curricular Development, em Maryland, EUA, sob
a direção de J. David Lockard.

23
“Abaixo Euclides”.
76

Em 1969, foi realizado o primeiro Congresso Internacional de Educação Matemática


(ICME), em Lyons, França, seguido pelo segundo em 1972 em Exeter, Inglaterra, sucedendo-
se a cada quatro anos um novo ICME, congregando pesquisadores em educação matemática
de todo o mundo e organizado pela Internacional Commission of Mathematics Instruction
(ICMI), uma das comissões especializadas da International Mathematics Union (IMU).
O interesse crescente pela educação matemática teve repercussão no NCTM. Seu
Research Advisory Committee (RAC) propôs, na década de 1960, uma revista especializada
em pesquisa. Fundou-se então o Journal of Research in Mathematics Education (JRME), com
alguma oposição da liderança do NCTM. Também se decidiu organizar, precedendo em um
ou dois dias a reunião anual do NCTM, as Research Presessions, sob responsabilidade do
RAC, embora a maioria dos pesquisadores em educação matemática tenha preferido as
reuniões anuais da AERA.
O número crescente de educadores matemáticos na AERA teve como resultado:

A criação, por iniciativa de James W. Wilson, de um Special Interest Group (SIG)


em Research in Mathematics Education (RME), em 1968, cujas sessões eram
realizadas no âmbito das reuniões do AERA. Comissão executiva constituída por
James W. Wilson (presidente), da Stanford University, Kenneth J. Travers, da
University of Illinois at Champaign-Urbana, e Sandra Vickery, da Syracuse
University. O SIG/RME passou a atrair então para suas sessões, organizadas no
âmbito das reuniões anuais da AERA, os pesquisadores dessa nova temática.
(D’AMBROSIO, 2004, p. 73)

A partir dos anos 1990, as reuniões anuais do NCTM tornaram-se concorridas, com
cerca de 20 mil participantes, dificultando a interação entre pesquisadores. Decidiu-se então
organizar sessões limitadas inicialmente a cerca de 50 participantes (as chamadas Research
Presessions), restritas a pesquisadores em educação matemática. Pouco depois, a AERA e o
NCTM decidiram unificar suas reuniões de pesquisadores.
Com duração de dois a três dias, as Research Presessions, organizadas conjuntamente
pelo SIG-RME da AERA e pelo RAC do NCTM, têm reunido cerca de 300 participantes.
Todas as intervenções são a convite e cobrem as diversas áreas de pesquisa em educação
matemática. O SIG-RME conta com cerca de 500 membros.
Ao explicitar este histórico, D’Ambrosio (2004) afirma ser possível considerar a
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e a Sociedade
Brasileira de Educação Matemática (SBEM), no Brasil, como tendo objetivos
respectivamente semelhantes aos da AERA e do NCTM. Alguns elementos relativos à
emergência e à organização da pesquisa em educação matemática estabelecem as
similaridades entre a trajetória internacional e a brasileira.
77

No final da década de 1970 e durante a subsequente teve início o Movimento da


Matemática Moderna e cresceu o número de interessados em imprimir novo rumo à educação
matemática. Foi nesse período que surgiram a Sociedade Brasileira de Educação Matemática
(SBEM), fundada em 27 de janeiro de 1988, e os primeiros programas de pós-graduação em
educação matemática.
A SBEM tem por finalidade ampla buscar meios para desenvolver a formação
matemática de todo cidadão no Brasil. Para isso, congrega profissionais e alunos envolvidos
com educação matemática e áreas afins e procura promover o desenvolvimento desse ramo do
conhecimento científico por meio do estímulo às atividades de pesquisa e de estudos
acadêmicos, bem como pela difusão ampla de informações e de conhecimentos nas inúmeras
vertentes da educação matemática.

A SBEM atua como centro de debates sobre a produção na área e propicia o


desenvolvimento de análises críticas dessa produção. Em sua organização interna,
abriga treze Grupos de Trabalho que se reúnem, a cada três anos, no Seminário
Internacional de Educação Matemática – SIPEM, e se dedicam aos campos de:
Educação Matemática nas séries iniciais; Educação Matemática nas séries finais do
ensino fundamental e no ensino médio; Educação Matemática no ensino superior;
História da Matemática e Cultura; Educação Matemática: novas tecnologias e
educação a distância; Formação de professores que ensinam Matemática; Avaliação
em Educação Matemática; Processos cognitivos e linguísticos em Educação
Matemática; Modelagem matemática; Filosofia da Educação Matemática; Ensino de
probabilidade e estatística; Diferença, Inclusão e Educação Matemática. (SBEM,
[s.d.])
78

3 PERSPECTIVAS TEÓRICAS

“Uma teoria não é um conhecimento; ela permite um


conhecimento. Uma teoria não é uma chegada; é a
possibilidade de uma partida. Uma teoria não é uma
solução; é a possibilidade de tratar um problema. Uma
teoria só cumpre seu papel cognitivo, só adquire vida, com
o pleno emprego da atividade mental do sujeito.”
Morin (2003)

3.1 O ENCONTRO COM OS TEÓRICOS

Considerações iniciais

Este capítulo está organizado em três seções e reúne a fundamentação teórica que
sustentará argumentos para a condução da investigação e análise dos resultados.
A expansão dos cursos técnicos na área da saúde levou o enfermeiro a somar às suas
atribuições a docência, unindo seu conhecimento assistencial à carreira de professor.
Considerando o contingente cada vez maior de profissionais de saúde absorvidos pelo
mercado de trabalho e a constante necessidade de formação, se faz necessária uma reflexão
sobre os conhecimentos desses professores e as realidades específicas de seu trabalho
cotidiano.
Um dos questionamentos explicitados durante o desenvolvimento deste estudo
refere-se aos conhecimentos que fazem ou deveriam fazer parte da formação do enfermeiro
docente, para que este possa associá-los aos procedimentos de enfermagem em sua prática
profissional.
É oportuno, neste momento, esclarecer o que entendemos por ‘saber’ e
‘conhecimento’. A tradução do termo inglês knowledge admite tanto a acepções de ‘saber’
quanto de ‘conhecimento’ (HOUAISS, 1982). No Dicionário do Aurélio online (FERREIRA,
[s.d.]), por sua vez, ‘saber’ e ‘conhecimento’ constam como sinônimos. Entretanto, a
literatura de pesquisa em educação matemática traça uma distinção entre os dois termos:
enquanto o saber está relacionado ao plano histórico da produção de uma área disciplinar, o
conhecimento é considerado mais próximo ao fenômeno da cognição, estando submetido aos
vínculos da dimensão pessoal do sujeito empenhado na compreensão de um saber. Nesse
âmbito de estudo, ‘conhecimento’ é termo frequentemente associado a uma perspectiva
epistemológica mais “objetivista”, que o concebe como algo externo que deve ser atingido
79

pelo indivíduo, enquanto ’saber’ é associado a uma perspectiva mais “subjetivista”, que o
relativiza em relação ao próprio sujeito (PAIS, 2001).
Sendo assim, os termos ‘saber’ e ‘conhecimento’ não serão tratados como sinônimos
neste texto. Segundo as observações de Pais (2001), a distinção entre eles não é apenas
questão de semântica; destacar essa diferença enfatiza a essência da atividade didática, que
consiste no trato da passagem do horizonte subjetivo ao plano objetivo da ciência.
Adotando a perspectiva presente em obras de Morin, adotaremos a palavra ‘saber’
para nos referirmos ao saber institucionalizado. Trata-se do saber conhecido, dominado e
ensinado nas escolas e universidades. Quanto ao conjunto de aportes teóricos de Shulman e de
Ball, knowledge será aqui traduzido como ‘conhecimento’. Pretendemos com essa
diferenciação contribuir para a clareza das exposições subsequentes.
A primeira seção deste capítulo traz considerações sobre os saberes necessários no
contexto da educação geral e, para promover essa reflexão, faremos alusão à teoria da
complexidade, elaborada por Morin, pois acreditamos que a associação dos procedimentos
matemáticos aos procedimentos de enfermagem é marcada pela complexidade e envolve
interconexões que, como destaca Munné (1995), são ao mesmo tempo individuais, sociais e
ambientais.
Petraglia (2011) constatou que a partir de 1988 Morin dedicou-se com afinco à
educação e a assumiu com responsabilidade cidadã e planetária. Para esta investigação, as
colocações até então expressas por Morin sobre educação e a fragmentação do pensamento,
das disciplinas e da formação de professores tornaram-se um ponto de partida necessário para
compreendermos a formação dos profissionais de saúde, permitindo-nos supor que possíveis
fragilidade na formação do enfermeiro docente podem estar relacionadas à fragmentação e à
organização do conhecimento. O pensamento complexo integra os múltiplos dados e ângulos
de abordagem de um mesmo problema e, para lidar com esse pensamento, é preciso que as
fontes de conhecimento se interliguem, em vez de se compartimentalizarem.
Para lidar com a complexidade e as incertezas presentes em situações oriundas da
realidade, é preciso reconhecer que o processo cognitivo é flexível e permitir que o seja. A
necessidade de flexibilidade cognitiva na prática profissional do enfermeiro docente tem
aproximação aos pressupostos da teoria da flexibilidade cognitiva (TFC), proposta por Rand
Spiro, professor de psicologia educacional, e seus colaboradores na década de 1980. Essa
teoria está fundamentada no construtivismo e preocupa-se em preparar os alunos para
selecionar, adaptar e combinar o conhecimento e a experiência para aplicação em situações
80

diferentes daquelas originalmente apresentadas, estando orientada não à memorização, mas


sim à interligação de conceitos.
Carvalho (2000), focalizando a aquisição e aprofundamento do conhecimento,
salienta na atividade de formação os seguintes aspectos:

A revisitação do tema que se está trabalhando em momentos diferenciados e com


novos propósitos e novas abordagens é [...] essencial para preparar para a
interpretação e transferência deste conhecimento; as atividades de aprendizado
precisam fornecer diferentes representações de conteúdo; os materiais de instrução
precisam evitar a simplificação do conteúdo e sustentar o conhecimento dependente
do contexto; a instrução deve ser baseada em casos e enfatizar a construção do
conhecimento, não a transmissão de informação, e as fontes de conhecimento devem
ser altamente interligadas, em vez de compartimentalizadas. (CARVALHO, 2000, p.
164-189)

Na segunda seção, abordaremos alguns princípios da TFC, que tem por objetivo dar
respostas às dificuldades na construção de conhecimentos em domínios pouco estruturados e
complexos, como a enfermagem, o que em grande medida pode contribuir para a formação do
enfermeiro docente.
“A metáfora mecanicista”, visão mecanicista de mundo vigente desde o século XVII,
“tem sido dominante para o entendimento da natureza da sociedade e das organizações”
(TORRES, 2014, p. 13). O racionalismo concebeu uma realidade objetiva governada por leis
físicas e matemáticas exatas, e as teorias de Descartes edificaram o conhecimento universal
pela razão, sustentando-se em quatro princípios, com o objetivo de alcançar a sabedoria:

Primeiro princípio: de nunca receber coisa alguma como verdadeira, desde que não
se evidenciasse como tal.
Segundo princípio: de dividir as dificuldades que se tem que examinar em tantas
parcelas quantas forem necessárias para compreendê-las.
Terceiro princípio: conduzir meus pensamentos iniciando pelos objetos mais
simples e mais fáceis de serem conhecidos para subir pouco a pouco, como degraus,
até os conhecimentos mais compostos, e supondo certa ordem mesmo entre aqueles
que não precedem naturalmente uns aos outros.
Quarto princípio: realizar enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que eu
estivesse seguro de nada haver omitido. (DESCARTES, 2011, p. 34)

Tais princípios revelam uma concepção de que o conhecimento é algo a ser adquirido
de forma linear e parcelar, partindo do mais simples para o mais elaborado, embora em seu
Discurso do método Descartes alerte que seu propósito não é ensinar um método que cada um
deva seguir para bem conduzir sua razão, mas sim mostrar como ele conduziu a sua.
Mariotti (2008), médico e psicoterapeuta, entende que:

Quando diante de uma ideia ou perspectiva nova nos virmos na defensiva, é bem
provável que nosso ego esteja sendo posto à prova e nos agarremos à lógica linear e
às suas ferramentas clássicas: a crítica incessante e os julgamentos a priori
81

(concordo-discordo, gosto-não gosto). A função desses julgamentos é delimitar


polaridades e fugir para uma delas, o que nos permite tentar escapar de determinadas
situações. Em suma, nossa mente só vê o que está preparada para ver, isto é, está
condicionada. (MARIOTTI, 2008, p. 35-37)

Ressalta também que, embora finjamos, sabemos que a lógica linear não é a única
possível, ainda que estejamos acostumados a aplicá-la a tudo:

A perspectiva de modos diferentes de pensar provoca sempre enorme resistência. O


“já conheço”, o “não há novidade nisso”, expressões semelhantes, são cautelas
típicas desse condicionamento. Críticas às ideias novas tornam-se uma reação
automática. [...] Dividimos tudo em dois lados, o certo e o errado, o falso e o
verdadeiro [...]. (MARIOTTI, 2008, p. 35)

De modo geral, quando tratamos de formação de professores, procuramos respostas


às questões relativas aos conhecimentos que fazem ou deveriam fazer parte do repertório
desses profissionais. Shulman (1987), Ball e Bass (2003) e Ball et al. (2009) consideram que
o conhecimento do conteúdo matemático e os conhecimentos de pedagogia são certamente
necessários ao professor. No entanto, percebe-se que a prática profissional do enfermeiro
docente exige um conhecimento particular de matemática, que de certa forma difere do
conhecimento de matemática do matemático e de outros profissionais. A partir dessa
perspectiva, pretendemos contribuir para a reflexão sobre a formação do enfermeiro docente,
com especial atenção para o conhecimento do conteúdo e o conhecimento pedagógico do
conteúdo com vistas ao ensino.
A terceira seção apresenta a fundamentação teórica que sustentará e balizará a
discussão sobre os conhecimentos docentes. Assim, a busca por fundamentação também
encontrou alicerce nos pressupostos de Shulman (1987, 2001, 2004).
No entanto, essa teoria não é voltada apenas à matemática, mas abrange outras
disciplinas. Por isso, para tratar das especificidades da matemática, apoiamo-nos também nos
estudos de Débora Ball e seus colaboradores (BALL; BASS, 2003; BALL; THAMES;
PHELPS, 2008; BALL et al., 2009). Ball e sua equipe vêm ganhando destaque no cenário
internacional. Suas pesquisas se apoiam nas ideias de Shulman e são direcionadas
especificamente ao processo de ensino e aprendizagem de matemática.
As escolhas teóricas refletem-se em tomadas de decisão e pressupõem o domínio de
conhecimentos, habilidades e a necessidade de um processo cognitivo flexível para a
intervenção necessária diante de situações complexas oriundas da realidade vivenciada,
abrangendo tanto eventos esperados quanto inesperados.
Não houve pretensão de esgotarmos os pensamentos dos autores, pois as escolhas se
efetivaram pela pertinência de se conhecerem os pressupostos e comentários que os teóricos
82

tecem sobre educação e pelo impacto que suas críticas e sugestões causam no âmbito
acadêmico.

3.2 FALAR DE FORMAÇÃO, PENSAR EM FRAGMENTAÇÃO: OS PENSAMENTOS DE EDGAR


MORIN

A ambição da complexidade é prestar contas das


articulações despedaçadas pelos cortes entre as
disciplinas, entre categorias cognitivas e entre os tipos de
conhecimento.
Edgar Morin

Morin começou a trabalhar o termo ‘complexidade’ levando em consideração que


esta já existia (como é o caso de sua utilização na cibernética, teoria dos sistemas e do
conceito de reorganização), muito embora ainda não sistematizada com essa denominação.
Em suas obras (MORIN, 2000, 2001, 2003a,b, 2005; ALMEIDA; CARVALHO,
2007), Morin expressa que a capacidade de aprender está relacionada ao desenvolvimento das
possibilidades e disposições do indivíduo em adquirir conhecimento. É sob esse prisma que
seus estudos provocam reflexão sobre a educação, pautando-se na consciência da
complexidade presente em toda a realidade. Considera fundamental que todo educador
compreenda a teia de relações existentes em todas as coisas, para que possa conceber a
ciência como una e mútua, simultaneamente.
Diante do exposto, convidamos o leitor a uma reflexão sobre a ligação entre a teoria
da complexidade e a educação, apresentando, para tanto, trechos de uma entrevista concedida
por Morin durante sua estadia para a conferência magna no evento Educação 360, ocorrido
em 5 e 6 de setembro de 2014 na Escola Sesc de Ensino Médio em Jacarepaguá, Rio de
Janeiro. Nessa entrevista, Morin critica o modelo ocidental de ensino, afirmando que o
professor tem uma missão social e que, por essa razão, é preciso educar os educadores.
Considerando que a figura do professor é determinante para consolidar um modelo
“ideal de educação”, argumenta:

Através da Internet, os alunos podem ter acesso a todo tipo de saber sem a presença
de um professor. Então eu pergunto: o que faz necessária a presença de um
professor? Ele deve ser o regente da orquestra, observar o fluxo desses saberes e
elucidar as dúvidas dos alunos. Por exemplo, quando um professor passa uma lição a
um aluno, que vai buscar uma resposta na Internet, ele deve posteriormente corrigir
os erros cometidos, criticar o conteúdo pesquisado. É preciso desenvolver o senso
crítico dos alunos. O papel do professor precisa passar por uma transformação, já
que a criança não aprende apenas com os amigos, a família, a escola. Outro ponto
83

importante: é necessário criar meios para que os saberes estejam a serviço da


curiosidade dos alunos. (MORIN apud RANGEL, 2014)

Com relação ao uso da internet, D’Ambrosio concorda com Morin, salientando que
não há como dela escapar:

Ou os educadores adotam a teleinformática com absoluta normalidade, assim como


o material impresso e a linguagem, ou serão atropelados no processo e inúteis na sua
profissão. Procure imaginar um professor que rejeita os meios mais tradicionais:
falar, ver, ouvir, ler e escrever. Lamentavelmente ainda há alguns que só praticam o
falar! (D’AMBROSIO, 1998, p. 60)

Continuando a entrevista, Morin tece comentários sobre o modelo de educação,


destacando que:

O modelo de educação, sobretudo, não pode ignorar a curiosidade das crianças. O


modelo de ensino que foi instituído nos países ocidentais é aquele que separa os
conhecimentos artificialmente através das disciplinas. E não é o que vemos na
natureza. No caso de animais e vegetais, vamos notar que todos os conhecimentos
são interligados. E a escola não ensina o que é o conhecimento: ele é apenas
transmitido pelos educadores, o que é um reducionismo. O conhecimento complexo
evita o erro, que é cometido, por exemplo, quando um aluno escolhe mal a sua
carreira. Por isso eu digo que a educação precisa fornecer subsídios ao ser humano,
que precisa lutar contra o erro e a ilusão. [...] Vamos pensar em um conhecimento
mais simples: a nossa percepção visual. Eu vejo as pessoas que estão comigo: essa
visão é uma percepção da realidade, que é uma tradução de todos os estímulos que
chegam à nossa retina. Por que essa visão é uma fotografia? As pessoas que estão
longe são pequenas, e vice-versa. E essa visão é reconstruída de forma a
reconhecermos essa alteração da realidade, já que todas as pessoas apresentam um
tamanho similar. Todo conhecimento é uma tradução, que é seguido de uma
reconstrução, e ambos os processos oferecem o risco do erro. Existe outro ponto
vital que não é abordado pelo ensino: a compreensão humana. O grande problema da
humanidade é que todos nós somos idênticos e diferentes, e precisamos lidar com
essas duas ideias que não são compatíveis. A crise no ensino surge por conta da
ausência dessas matérias que são importantes ao viver. Ensinamos apenas o aluno a
ser um indivíduo adaptado à sociedade, mas ele também precisa se adaptar aos fatos
e a si mesmo. [...] As disciplinas fechadas impedem a compreensão dos problemas
do mundo. A transdisciplinaridade, em minha opinião, é o que possibilita, por meio
das disciplinas, a transmissão de uma visão de mundo mais complexa. O meu livro
“O homem e a morte” é tipicamente transdisciplinar, pois busco entender as
diferentes reações humanas diante da morte através dos conhecimentos da pré-
história, da psicologia, da religião. Eu precisei fazer uma viagem por todas as
doenças sociais e humanas, e recorri aos saberes de áreas do conhecimento, como
psicanálise e biologia. [...] É preciso estabelecer um jogo dialético entre razão e
emoção. Descobriu-se que a razão pura não existe. Um matemático precisa ter
paixão pela matemática. Não podemos abandonar a razão; o sentimento deve ser
submetido a um controle racional. O economista, muitas vezes, só trabalha através
do cálculo, que é um complemento cego ao sentimento humano. Ao não levar em
consideração as emoções dos seres humanos, um economista opera apenas cálculos
cegos. Essa postura explica em boa parte a crise econômica que a Europa está
vivendo atualmente. [...] O Brasil é um país extremamente aberto às minhas ideias
pedagógicas. Mas a revolução do seu sistema educacional vai passar pela reforma na
formação dos seus educadores. (MORIN apud RANGEL, 2014)

Na mesma entrevista, Morin (apud RANGEL, 2014) salienta é que “é preciso educar
os educadores” e que estes “precisam sair de suas disciplinas, para dialogar com outros
84

campos de conhecimento”. Considera que esta é uma evolução que ainda não aconteceu,
porém, as questões formuladas em suas obras, mais que uma reflexão, representam uma
oportunidade ímpar de compreender os nós provenientes de uma formação que prioriza a
fragmentação dos conhecimentos.
Ao tratar dos desafios da contemporaneidade, afirma ser cada vez mais ampla,
profunda e grave a inadequação entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados
entre disciplinas e, por outro lado, as realidades ou problemas cada vez mais
multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários
(MORIN, 2000, 2003a,b; ALMEIDA; CARVALHO, 2007). No conjunto de suas obras,
enfatiza a importância de se discutir sobre o conhecimento fragmentado em áreas específicas,
que leva à perda de visão do todo.
Morin considera que nosso conhecimento é fragmentado em áreas específicas e,
portanto, não temos visão do todo (ALMEIDA; CARVALHO, 2007). A este processo Morin
denomina ‘hiperespecialização’, que impede de ver o global ao fragmentar em parcelas o
essencial. Sabendo-se ainda que os problemas essenciais nunca são parceláveis e que os
problemas globais são cada vez mais essenciais, faz-se necessário contextualizar o
conhecimento obtido. O autor frisa que o desafio da globalidade é também um desafio da
complexidade. Considera que:

A inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços


separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as
possibilidades de compreensão e reflexão, eliminando assim as oportunidades de um
julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo. (MORIN, 2003a, p. 14)

O sistema de ensino escolar se fundamentou em um contexto de separação dos


saberes, de separação em disciplinas, de “isolacionismo”, de superespecialização, ou seja, a
escola nos estimulou a dissociar os problemas, reduzindo a complexificação à simplificação
(MORIN, 2000).
Segundo Morin (ALMEIDA; CARVALHO, 2007, p. 18), “nossa formação escolar e
universitária nos ensina a separar os objetos de seu contexto, as disciplinas uma das outras,
para não ter que relacioná-las”. Esse tipo de formação atende ao paradigma newtoniano-
cartesiano, que separa ciência e fé, razão e emoção, corpo e mente, entre outras polarizações.
Uma educação impregnada por essa tendência contamina o exercício da docência
com uma visão linear e disciplinar do universo. Nesse contexto, a ação pedagógica e o
conhecimento são vistos como algo a ser alcançado de maneira linear, pela premissa de que o
professor deva partir do mais simples para o mais elaborado, fragmentando para tanto os
85

conteúdos em pequenas porções desconectadas do todo, apresentando situações mecânicas e


estáticas. As colocações de Morin seguem na mesma direção de Behrens e Gisi, de que:

[...] o paradigma newtoniano-cartesiano foi acompanhado por abordagens educativas


que têm como foco central a reprodução do conhecimento, centradas em ações do
tipo “escute, leia, decore e repita”, e acompanharam por milênios a prática
pedagógica dos professores em todos os níveis de ensino. (BEHRENS; GISI, 2006,
p. 17)

Em nosso ponto de vista, as instituições de ensino ainda não superaram esse


paradigma. Morin (ALMEIDA; CARVALHO, 2007, p. 21-22) afirma que “é preciso reformar
a universidade”. Considera, porém, que se trata de uma reforma não pragmática, mas sim
paradigmática, e aponta como caminho a reforma do pensamento.
Em seus escritos, o pensador apresenta um paradoxo interessante: “Não se pode
reformar a universidade se anteriormente as mentes não forem reformadas; mas só se pode
reformar as mentes se a instituição for previamente reformada” (ALMEIDA; CARVALHO,
2007, p. 23), ou seja, a reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a reforma do
pensamento deve levar à reforma do ensino. A esse respeito Morin (ALMEIDA;
CARVALHO, 2007) nos diz que, para substituir um pensamento que está separado por outro
que está ligado, exige-se que o conhecimento da integração das partes com o todo seja
completado pelo reconhecimento do todo no interior das partes. Assim, considera que o
objetivo vital da reforma da universidade é substituir o pensamento que dicotomiza por outro
capaz de ligar, contextualizar e globalizar, viabilizando o emprego total da inteligência e
permitindo ao aluno pensar de maneira mais abrangente e completa e entender-se como parte
de um sistema complexo.
Dessa forma, os pensamentos de Morin investem contra a fragmentação do
conhecimento e a disciplinarização excessivas de currículos, departamentos, universidades e
dos próprios professores. Uma de suas preocupações (ALMEIDA; CARVALHO, 2007, p. 31-
32) é a de “oferecer aos alunos e adolescentes uma cultura que lhes permitirá articular, religar,
contextualizar, situar-se em um contexto e, se possível, globalizar, reunir os conhecimentos
que adquiriram” – em outras palavras, reunir, articular e religar são ações que permitem o
surgimento do conhecimento pertinente, que “é aquele capaz de se situar em um contexto.
Mesmo o conhecimento mais sofisticado, se estiver totalmente isolado, deixa de ser
pertinente” (ALMEIDA; CARVALHO, 2007 p. 32).
Embora uma disciplina seja uma categoria que organiza o conhecimento científico, a
instituição disciplinar acarreta simultaneamente, segundo Morin:
86

Um risco de hiperespecialização e um risco de “coisificação” do objeto estudado,


percebido como uma coisa em si. [...] A fronteira disciplinar, com sua linguagem,
isola a disciplina em relação às outras e em relação aos problemas que ultrapassam
as disciplinas [...]. (ALMEIDA; CARVALHO, 2007, p. 40)

Estabelecer uma articulação entre as disciplinas não requer, porém, que se descarte o
que foi por elas criado. Para Morin (ALMEIDA; CARVALHO, 2007, p. 51), a abertura se faz
necessária: “Para que servem os conhecimentos parcelares se não podemos confrontá-los uns
com os outros, a fim de formar uma configuração capaz de responder às nossas expectativas,
necessidades e interrogações cognitivas? ”. Essa indagação mostra que para se conseguir
efetivamente articular os saberes da enfermagem e os saberes matemáticos precisamos
repensar a formação do enfermeiro docente, empreendendo uma reflexão mais profunda sobre
sua formação.

3.2.1 Os saberes necessários à educação do futuro: a visão de Morin

Argumentando sobre a necessidade da reforma do pensamento e das instituições, e


em especial das instituições educativas, Morin elabora algumas questões: Quais os saberes
necessários para que se efetive tal reforma? Por onde começar? Quais saberes são necessários
à educação do futuro? Como levar os saberes necessários às instituições?
Entre nós, seu posicionamento a respeito da educação se expressou mais
efetivamente quando em 1998 a Unesco-Brasil lançou o livro Educação: um tesouro a
descobrir, a partir do relatório elaborado para a Unesco pela Comissão Internacional sobre
Educação para o século XXI, coordenado por Jacques Delors. Esse documento, conhecido
como Relatório Delors, estabeleceu os quatro pilares da educação contemporânea:

Aprender a conhecer: combinando uma cultura geral, suficientemente ampla, com a


possibilidade de estudar, em profundidade, um número reduzido de assuntos, ou
seja: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela
educação ao longo da vida.
Aprender a fazer: a fim de adquirir não só uma qualificação profissional, porém, de
uma maneira mais abrangente, a competência que torna a pessoa apta a enfrentar
numerosas situações e a trabalhar em equipe. Além disso, aprender a fazer no âmbito
das diversas experiências sociais ou de trabalho oferecidas aos jovens e
adolescentes, seja espontaneamente na sequência do contexto local ou nacional, seja
formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.
Aprender a conviver: desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das
interdependências – realizar projetos comuns e preparar-se para gerenciar conflitos –
no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.
Aprender a ser: para desenvolver, o melhor possível, a personalidade e estar em
condições de agir com uma capacidade, cada vez maior, de autonomia,
discernimento e responsabilidade pessoal. Com essa finalidade, a educação deve
levar em consideração todas as potencialidades de cada indivíduo: memória,
raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se.
(DELORS et al., 1998, p. 31)
87

O convite da Unesco possibilitou a Morin aprofundar sua visão transdisciplinar de


educação e expor suas ideias sobre a educação do amanhã, o que resultou na obra Os sete
saberes necessários à educação do futuro, que segundo o próprio autor não consiste em um
manual de ensino ou elenco de disciplinas, mas simplesmente está voltada a “levantar
problemas centrais ou fundamentais que permanecem totalmente ignorados ou esquecidos e
que são necessários para se ensinar no próximo século” (MORIN, 2000, p. 23). Tais
problemas foram sabiamente tratados pelo autor, que os vê como tão fundamentais que a
educação do futuro deveria deles “tratar em toda sociedade e em toda cultura, sem
exclusividade nem rejeição, segundo modelos e regras próprias a cada sociedade e a cada
cultura” (MORIN, 2000, p. 6-8). São eles:
1. As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão.
2. Os princípios do conhecimento pertinente.
3. Ensinar a condição humana.
4. Ensinar a compreensão humana.
5. Enfrentar as incertezas.
6. Ensinar a condição planetária.
7. A ética do gênero humano.

Esses sete saberes correspondem, segundo o autor, aos sete “buracos negros”
existentes no sistema de educação francês, não apenas no ensino secundário ou na
universidade, mas em todas as modalidades de ensino ali praticadas.

O primeiro buraco negro: As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão

Naturalmente, o ensino fornece conhecimento, fornece saberes. No entanto, apesar


de sua fundamental importância, nunca se ensina o que o conhecimento de fato é.
As cegueiras do conhecimento estão ligadas à ideia de erro e ilusão, e a ciência se
habituou a repelir tudo aquilo que possa ser considerado erro. Em outras palavras, Morin
argumenta que, se os erros forem integrados ao processo, o conhecimento avança. É porém
necessário incluir na educação estudos cerebrais, mentais e culturais dos conhecimentos
humanos, de seus processos e modalidades, bem como das disposições psíquicas e culturais
que conduzem ao erro e à ilusão. Vê também como de vital importância:

Ensinar àqueles que irão se defrontar com o mundo onde tudo passa pelo
conhecimento, pela informação veiculada em jornais, livros, manuais escolares,
internet. É necessário ensinar que o conhecimento comporta sempre riscos e ilusões,
88

e tentar mostrar quais são suas raízes e causas [...]. (ALMEIDA; CARVALHO,
2007, p. 85)

Morin (2003a, p. 21) recorre ao pensamento de Montaigne de que “mais vale uma
cabeça bem-feita que bem cheia” para explicar que, a primeira não é uma cabeça na qual o
saber é simplesmente acumulado, e sim associado a uma aptidão geral, de inteligência, apta a
colocar e tratar os problemas de maneira organizada, permitindo estabelecer ligação entre os
saberes e dando-lhes sentido:

Aptidões gerais da mente permitem o melhor desenvolvimento das competências


particulares ou especializadas. Quanto mais desenvolvida é a inteligência geral,
maior é sua capacidade de tratar problemas especiais. A educação deve favorecer a
aptidão natural da mente para colocar e resolver os problemas e, correlativamente,
estimular o pleno emprego da inteligência geral. (MORIN, 2003a, p. 22)

Acrescenta que “a inteligência geral deve ser utilizada para despertar a curiosidade e
a criatividade, aspectos que têm sido mutilados pela instrução” (MORIN, 2003a, p. 22).
Não se trata de apenas separar o conhecimento em fragmentos ou adicionar mais
informações. Na verdade, o problema repousa na organização dos saberes. O conhecimento é
realmente conhecimento enquanto organizado. Para ilustrar essa assertiva, Morin (2003a, p.
16) apresenta uma indagação de T. S. Eliot:

Onde está o conhecimento que perdemos na informação? O conhecimento só é


conhecimento enquanto organização, relacionado com as informações e inserido no
contexto destas. As informações constituem parcelas dispersas de saber. Em toda
parte, nas ciências como nas mídias, estamos afogados em informações. O
especialista da disciplina mais restrita não chega sequer a tomar conhecimento das
informações concernentes a sua área [...]. Onde está a sabedoria que perdemos no
conhecimento?

Uma possível resposta para a indagação está no fato de nossa civilização e,


consequentemente, nosso ensino privilegiarem a separação em detrimento da ligação, e a
análise em detrimento da síntese. Conclui enfatizando que o conhecimento é fruto de uma
tradução e reconstrução por meio da linguagem e do pensamento, comportando por isso
interpretação, que, por sua subjetividade, introduz o risco de erro (MORIN, 2003).

O segundo buraco negro: Os princípios do conhecimento pertinente

Trata-se aqui da hegemonia do conhecimento fragmentado de acordo com as


disciplinas, supremacia esta que impede, frequentemente, de operar o vínculo entre as partes e
a totalidade. Para superá-la é preciso um conhecimento que seja capaz de apreender os objetos
em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto. Para Morin:

[...] um conhecimento não é pertinente porque contém grande quantidade de


informações. [...]. Ao contrário, o conhecimento pertinente tenta situar as
89

informações num contexto global e, se possível, num contexto histórico e


geográfico. [...]. Logo, é a contextualização que torna um conhecimento pertinente.
(ALMEIDA; CARVALHO, 2007, p. 85-87)

Pode-se assim dizer que o conhecimento pertinente opõe-se à fragmentação, ou seja,


é preciso juntar as mais variadas áreas do conhecimento contra a fragmentação. O autor
explica que não se trata de aniquilar as disciplinas, mas de rearticular a ideia de disciplina em
outros contextos. Aponta que outras ciências já o fazem de maneira muito interessante – por
exemplo, a ecologia, pois une várias áreas de conhecimento. O ecólogo tem que ser
simultaneamente biólogo, filósofo e antropólogo.
Morin reforça a tese de que a contextualização deve ocupar lugar central para que um
conhecimento se torne pertinente, pois nenhum fato acontece isoladamente. O ensino por
disciplinas separadas dificulta ao aluno a capacidade natural que o espírito tem de aprender “o
que é tecido junto”, isto é o complexo, e assim o impede de contextualizá-lo (MORIN, 2003a,
p. 15).

O terceiro buraco negro: Ensinar a condição humana

O ser humano é, a um só tempo, físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico.


Essa unidade complexa na natureza humana é totalmente desintegrada na educação por meio
das disciplinas, tornando impossível aprender o que significa ser humano. “É preciso restaurá-
la, de modo que, cada um, onde quer que se encontre, tome consciência de sua identidade
complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos” (MORIN, 2000, p. 15),
Sobre esta perspectiva, o saber da condição humana deveria estar presente em todos
os níveis de ensino. Se as disciplinas atuais reconhecerem a unidade da complexidade
humana, esse saber pode ser parte integrante da educação, reunindo e organizando
conhecimentos dispersos nas ciências da natureza, nas ciências humanas, na literatura e na
filosofia, evidenciando um elo indissolúvel entre a unidade e a diversidade de tudo o que é
humano (ALMEIDA; CARVALHO, 2007).
O objetivo maior da educação do futuro deverá estar centrado inicialmente no ensino
da condição humana. Para conhecer o humano, é preciso situá-lo no universo, e não separá-lo
dele. Diz-nos Morin (2000, 2003a,b; ALMEIDA; CARVALHO, 2007) que todo o
conhecimento deve contextualizar seu objeto para ser pertinente: “quem somos?” é
inseparável de “onde estamos?”, de “de onde viemos?” e de “para onde vamos?”. Interrogar
nossa condição humana implica questionar nossa posição no mundo.
90

Para a educação do futuro, é necessário promover a consolidação dos conhecimentos


oriundos das ciências naturais, a fim de situar a condição humana no mundo, e a dos
conhecimentos derivados das ciências humanas, para colocar em evidência a
multidimensionalidade e a complexidade humana.

O quarto buraco negro: Ensinar a compreensão humana

Morin coloca em debate a questão da compreensão, afirmando que em nenhum lugar


nos é ensinado a compreendermos uns aos outros. Não se trata de conhecer um sujeito por
suas características; logo, conhecimento é diferente de compreensão, pois visa entender o ser
humano também como sujeito.

Sofremos uma carência de compreensão. Certamente é muito difícil compreender


pessoas de culturas diferentes. É surpreendente que familiares, filhos, parentes,
casais e filhos não se compreendam entre si. Tem-se a impressão de que a
incompreensão se desenvolve com o nosso individualismo, em vez de nos ajudar a
compreender a nós mesmos [...]. (ALMEIDA; CARVALHO, 2007, p. 93)

Exercitar a compreensão é relevante, mas por outro lado “é mais importante estudar a
incompreensão, pois enfocaria não os sintomas, mas as causas do racismo, da xenofobia, do
desprezo. Constituiria, ao mesmo tempo, uma das bases mais seguras da educação para a paz,
à qual estamos ligados por essência e vocação” (MORIN, 2000, p. 93-104).
As instituições de ensino são caracterizadas pela incompreensão, por disciplinas que
brigam entre si, departamentos que não se entendem mutuamente, áreas de conhecimento que
não dialogam com as demais. Seria então preciso introduzir o ensino da compreensão nas
unidades de ensino, em qualquer nível em que ela se exerça. Morin (2000) vai além, frisando
que o planeta precisa também de mais compreensão, pois o que o caracteriza é a
incompreensão, em todos os cenários – políticos, econômicos, ideológicos. Explicita
chamando atenção sobre a diferença entre comunicação e compreensão:

Educar para compreender a matemática ou uma disciplina determinada é uma coisa;


educar para a compreensão humana é outra. Nela encontra-se a missão propriamente
espiritual da educação: ensinar a compreensão entre as pessoas como condição e
garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade. (MORIN, 2000, p. 93)

Considera ser preciso unir esforços para que, em todos os níveis educativos, se
desenvolva o conhecimento da compreensão, e conclui afirmando que a grande inimiga da
compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la.
91

O quinto buraco negro: Enfrentar as incertezas

O mais importante é ensinar a ideia da incerteza, que deveria ser incorporada ao


ensino das disciplinas, e ensinar que o conhecimento científico nunca é produtor absoluto de
certezas. “Ele deve, ao contrário, ser crivado pela ideia da incerteza que comandaria o avanço
da cultura e do saber” (MORIN, 2000, p. 55-56). Tudo o que foi criado pelo homem é
imbuído da ideia de incerteza. É primordial ensinar que a ciência deve trabalhar com a ideia
de que existem coisas incertas, dada a indestrutibilidade das incertezas, não somente na ação,
mas também no conhecimento (MORIN, 2000).
Uma das maiores consequências de incorporar esses dois aparentes defeitos é a de
nos pôr em condição de enfrentar as incertezas e, mais globalmente, o destino incerto de cada
indivíduo e de toda a humanidade. A preparação para o mundo incerto requer o exercício de
um pensamento constantemente aplicado na “luta contra falsear e mentir para si mesmo, o que
nos leva, uma vez mais, ao problema da ‘cabeça bem-feita’” (MORIN, 2000, p. 61).
O conhecimento avança por meio do confronto das incertezas e, para exemplificar,
mencionaremos um tema atual, alvo de imensas discussões na comunidade científica e na
sociedade, em geral: “Maconha é alternativa para o tratamento da dor” (CARLINI apud
MACHADO, 2015). O que a ciência considerava totalmente prejudicial pode hoje ser
utilizado como alternativa para o tratamento de várias patologias. Seu uso para fins
terapêuticos depende da educação de farmacêuticos, educadores, médicos, enfermeiros e da
sociedade em geral.
Segundo Elisaldo Carlini24 (apud MACHADO, 2015), “a educação é primordial, mas
se esperarmos o panorama ideal, vamos retroceder no tempo. Temos que educar para saber
lidar com o progresso; não devemos fugir dele. O controle apenas não basta, é preciso ensinar
a sociedade”. Depreende-se que o conhecimento científico não produz certezas e que as
incertezas podem guiar o avanço do saber e da cultura. Morin (2000) considera que essa ideia
deve ser incorporada ao ensino de história, geografia, línguas e outras áreas de conhecimento.
Para lidar com o incerto, tende-se a pensar em mudar currículos, ou seja, proceder a
uma mudança apenas pragmática. Assim, como Morin, acreditamos que, se nossa intenção é
nos preparar para o novo, almejando uma educação que esteja preparada para as constantes
mudanças, precisamos de uma mudança paradigmática, e Morin (2000, p. 90) indica como
caminho a estratégia, explicando que:
24
Psicofarmacologista, professor da Faculdade Federal de Medicina de São Paulo (Unifesp), diretor do Centro
Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e membro do comitê de peritos da
Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre álcool e drogas.
92

A estratégia opõe-se ao programa, ainda que possa comportar elementos


programados. O programa é a determinação a priori de uma sequência de ações
tendo em vista um objetivo. O programa é eficaz, em condições externas estáveis,
que possam ser determinadas com segurança. Mas as menores perturbações nessas
condições desregulam a execução do programa e o obrigam a parar.

A estratégia adotada é concebida tendo em vista um objetivo e determinará o


desenvolvimento da ação, permitindo, diferentemente do programa, avançar no incerto e no
aleatório da complexidade:

Todo o nosso ensino tende para o programa, ao passo que a vida exige estratégia e,
se possível, serendipididade e arte. É justamente uma reversão de conceito que
deveria ser efetuada a fim de preparar para os tempos de incerteza. (MORIN, 2000,
p. 62)

O sexto buraco negro: Ensinar a condição planetária

A tônica deste saber é educar para a era planetária. Em outras palavras, é primordial
saber para onde caminha o planeta. Morin (2003b) destaca que educar para a era planetária
significa questionar se nosso sistema de ensino tem essa capacidade, pois está calcado na
separação de conhecimentos, em disciplinas que fracionam e não se comunicam. Aprendemos
a analisar, a separar, mas não aprendemos a relacionar, a fazer com que as coisas se
comuniquem. O tecido comum que une os diferentes aspectos de cada disciplina, dos
conhecimentos em cada disciplina, se torna totalmente invisível. Para exemplificar, Morin
utiliza a economia, explicando que é uma ciência extremamente precisa, baseada no cálculo, e
que ignora os sentimentos, as paixões humanas. Nesta ciência, porém, não há somente
economia; há também desejos, medo, crenças e política. Tudo está ligado, não só na realidade
humana, como também na realidade planetária. Assim, Morin alega que nosso sistema de
ensino é inadequado por ser incapaz de conceber a complexidade – “aquilo que é tecido
junto” (MORIN, 2003b, p. 14) –, ou seja, é incapaz de conceber as numerosas ligações entre
os diferentes aspectos do conhecimento.
Em palestra sobre a educação na era planetária, Morin argumenta que “as disciplinas
de cálculo ignoram a humanidade dos sentimentos e da vida concreta. Por isso, não devemos
pensar que o melhor conhecimento é aquele que se exprime pelo cálculo. Devemos usar os
cálculos, mas, há outros modos que escapam ao cálculo e que é necessário ensinar. Então, o
contexto é que situa uma parte na totalidade em que ela está inserida, mas também a parte no
todo” (MORIN apud TV CULTURA, [s.d.]).
93

Retomando a pergunta secular de Karl Marx – Quem educará os educadores? –,


Morin (2003b, p. 98) afirma que a resposta consiste em pensar nos diferentes lugares do
planeta, pois sempre existe uma minoria de educadores animados pela fé na necessidade de
reformar o pensamento e regenerar o ensino. Refletindo sobre a necessidade de compreender
que os conteúdos das disciplinas devem ser ensinados a partir da concepção da era planetária,
propiciando a cada sujeito perceber-se como cidadão de um espaço maior, encontraremos o
caminho para ampliar a percepção dos sujeitos. Conforme ressalta Morin (2003b, p. 108):

A incorporação do pensamento complexo na educação facilitará o nascimento de


uma política da complexidade, que não se contentará apenas em pensar os
problemas mundiais [...], mas em perceber e descobrir as relações de
inseparabilidade entre qualquer fenômeno e seu contexto e de qualquer contexto
planetário.

O sétimo buraco negro: A ética do gênero humano: antropoética

Este saber vem condensar os saberes anteriores. A antropoética é a ética do gênero


humano e seu ensino precisa ser reintroduzido nas instituições escolares. Está ancorada em
três elementos: o indivíduo, a sociedade e a espécie. Para Morin (2000), é preciso construir
uma antropoética para religar indivíduo, sociedade e espécie. Há portanto uma trindade cujos
elementos, segundo Morin (ALMEIDA; CARVALHO, 2007, p. 102), não são inseparáveis,
mas sim coprodutores um do outro. Cada um desses elementos é ao mesmo tempo meio e fim
dos outros.
Para o autor, a antropoética, requer um pensamento complexo, pois não se pode
reformar o sistema de educação sem antes se haverem reformado os espíritos, e vice-versa.
Observa-se que os ensaios de Morin constituem uma proposta para uma revisão
curricular, para integrar disciplinas, religar saberes; reorganizar conhecimentos dispersos;
abrir outros campos de saber, rejeitar a separação entre razão e emoção e entre ciência e arte e
estimular o diálogo entre as diferentes áreas. Tal enfoque, que vai ao encontro dos propósitos
desta pesquisa, auxiliará na busca de parâmetros para a questão da separação das áreas do
conhecimento, da segregação e da negação entre subjetivo e objetivo, os quais deveriam andar
de mãos dadas.
Um dos grandes desafios da educação contemporânea é o de promover a articulação
dos saberes. A enfermagem não foge à regra. Se as instituições de ensino têm a
responsabilidade de formar profissionais capacitados para atuar nos mais diversos serviços da
94

saúde, por outro lado assumem também a responsabilidade de formar enfermeiros docentes
com habilidades e competências para bem desenvolver seu trabalho.
Nesse sentido, Braga e Bôas (2014, p. 258) consideram que os ensinos de
enfermagem e educação devem caminhar juntos, fundamentados em uma “estreita relação
entre a escola e os serviços de saúde, ambos com a finalidade de trabalhar constantemente
para a melhoria da qualidade da assistência prestada aos usuários do serviço”.
Merighi (1998), apoiando-se em Ribeiro, Cietto, Pereira, Minzoni e Sati, sustenta
que:

A grande queixa dos enfermeiros é que a teoria nem sempre se aplica à prática
profissional. Os docentes de enfermagem são rotulados de teóricos, fora da realidade
profissional, e o trabalho dos enfermeiros de campo é classificado como "rotineiro".
A grande queixa dos docentes é que não é possível melhorar o ensino sem boa
qualidade do cuidado de enfermagem. Este fato traz consequências graves para a
enfermagem como profissão: desprestígio e vulnerabilidade, causadas pela situação
conflituosa entre ensino e assistência. (MERIGHI, 1998, p. 81)

Tal constatação parece apontar para um saber fragmentado, que pressupõe relações
dicotômicas: teoria versus prática, ensino versus serviço e outras. A fragmentação transforma
os sujeitos em objetos, e Freire (1983), com relação ao conhecimento do indivíduo, nos diz:

Conhecer não é o ato através do qual um sujeito transformado em objeto recebe


dócil e passivamente os conteúdos que o outro lhe dá ou lhe impõe. O
conhecimento, pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face ao
mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade e demanda uma busca
constante. [...] No processo de aprendizagem só aprende verdadeiramente aquele que
se apropria do aprendido, transformando-o em aprendido, com que pode, por isso
mesmo, reinventá-lo e aplicar o aprendido a situações existenciais concretas.
(FREIRE, 1983)

Diante do exposto, poderíamos nos perguntar: afinal, qual o caminho para superar as
relações dicotômicas? Um caminho proposto por Freire (1983, p. 34) é o diálogo que tem por
finalidade a problematização. Promover um diálogo em torno do conhecimento científico,
técnico ou oriundo da experiência visa possibilitar “a problematização do próprio
conhecimento e a indiscutível relação com a realidade, para melhor compreendê-la, explicá-la
e transformá-la”. O autor exemplifica essa assertiva com o seguinte exemplo:

Se 4 × 4 são 16, e isto só é verdadeiro num sistema decimal, não há de ser por isto
que o educando deve simplesmente memorizar que são 16. É necessário que se
problematize a objetividade desta verdade em um sistema decimal. De fato, 4 × 4,
sem uma relação com a realidade, no aprendizado sobretudo de uma criança, seria
uma falsa abstração. Uma coisa é 4 × 4 na tabuada que deve ser memorizada; outra
coisa é 4 × 4 traduzidos na experiência concreta: fazer quatro tijolos quatro vezes.
Em lugar da memorização mecânica de 4 × 4, impõe-se descobrir sua relação com
um fazer humano. (FREIRE, 1983, p. 34)
95

Já em 1983, Freire apontava a necessidade de mudar as atitudes para com os alunos,


a forma com que esses conteúdos são ensinados. Essa mudança acarretaria uma aproximação
dos fatos que ocorrem na realidade, como é o caso dos pertinentes ao exercício profissional.
Enquanto Morin elabora seu discurso sobre os saberes necessários para todos os
níveis de educação afirmando que a articulação das disciplinas é importante, porém mais
importante ainda são as transferências de esquemas cognitivos de uma disciplina a outra
(MORIN, 2000; ALMEIDA; CARVALHO, 2007), Perrenoud trata da construção de
competências e também tem como centro de suas reflexões a ideia de transferência de
esquemas cognitivos. Questionado sobre o que é competência, define-a como a “faculdade de
mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para
solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações” (PERRENOUD apud
GENTILE; BENCINI, 2000) e recorre a três exemplos:
▪ 1.º: Possuir a competência de orientar-se em uma cidade desconhecida mobiliza as
capacidades de ler um mapa, localizar-se, pedir informações ou conselhos, e para isso
utilizam-se os saberes: noção de escala, elementos da topografia ou referências
geográficas.
▪ 2.º: Saber curar um doente está relacionado à competência de observar sinais fisiológicos,
medir a temperatura, administrar medicamentos, e para isso devem-se mobilizar saberes
sobre: patologias, sintomas, primeiros socorros, terapias, riscos, medicamentos, serviços
médicos e farmacêuticos, matemática.
▪ 3.º: Saber votar de acordo com seus interesses mobiliza as capacidades de saber se
informar e preencher a cédula, e para tanto é preciso acessar os seguintes saberes:
instituições políticas, processo de eleição, candidatos, partidos, programas políticos,
políticas democráticas. (PERRENOUD apud GENTILE; BENCINI, 2000).

Para Perrenoud, “a escola se preocupa mais com ingredientes de certas competências,


e bem menos em colocá-las em sinergia nas situações complexas”. É contundente ao afirmar
que:

Assimilam-se conhecimentos disciplinares, como matemática, história, ciências,


geografia etc., mas a escola não tem a preocupação de ligar esses recursos a certas
situações da vida. [...] Na escola não se trabalha suficientemente a transferência e a
mobilização e não se dá tanta importância a essa prática; então é insuficiente. Os
alunos acumulam saberes, passam nos exames, mas não conseguem mobilizar o que
aprenderam em situações reais, no trabalho e fora dele. (PERRENOUD apud
GENTILE; BENCINI, 2000)
96

Os exemplos aqui oferecidos por Perrenoud revelam a importância depositada na


transposição de conhecimento, e o segundo exemplo bem descreve aquilo que se espera em
toda formação e particularmente na do enfermeiro docente: desenvolver competências para
ensinar, transpor o conhecimento para novas situações e utilizá-lo de forma flexível.
Nessa perspectiva, dentre outras questões que surgiram durante o desenvolvimento
da pesquisa, há de se depositar atenção no seguinte questionamento: Que condições a
formação dos enfermeiros docentes lhes oferece para que possam aprender e ensinar
conhecimentos matemáticos de forma flexível em um ambiente de domínio pouco
estruturado, como é o caso da enfermagem?
Para o enfermeiro docente, trabalhar com o conhecimento de forma complexa e
flexível pode constituir um caminho promissor para que ele e seus alunos sejam críticos e
capazes de resolver questões que emergem em seu cotidiano, testando, confirmando ou
refutando hipóteses, atuando assim como indivíduos pensantes e reflexivos.
Considerando e legitimando nossa posição de que a flexibilidade cognitiva deva se
fazer presente em qualquer nível de ensino, e em particular na formação do enfermeiro
docente, a exposição que se segue foi elaborada à luz dos aspectos centrais da teoria de Spiro
e seus colaboradores, e os conceitos de domínio pouco estruturado e flexibilidade cognitiva
serão emprestados desses autores.

3.3 A TEORIA DA FLEXIBILIDADE COGNITIVA: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA O


DOMÍNIO DA COMPLEXIDADE E A TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTOS

No ensino superior, pensamos em uma formação que não tem como mero objetivo a
memorização de técnicas e tampouco uma prática pedagógica centrada em catequização. A
pouca estruturação e a reduzida complexidade são, no entanto, características habitualmente
correlacionadas que permeiam o processo de ensino–aprendizagem na universidade.
A esse respeito, Pessoa e Nogueira (2009) argumentam, a partir de escritos de Spiro
et al., que os objetivos da aprendizagem no ensino superior deixam de ser unicamente a
memorização e a reprodução de conceitos, para passarem a ser o domínio de aspectos
importantes da complexidade, ao mesmo tempo que se visa sua utilização na compreensão e
intervenção na realidade. Em nosso entender, visa-se então que os alunos adquiram uma
compreensão aprofundada das matérias, reflitam sobre elas e, sobretudo, sejam capazes de
utilizar o conhecimento de forma flexível em diversos contextos.
97

Essa formação deve, em nosso ponto de vista, estar direcionada às formas de pensar
de forma reflexiva. Concordamos com Pessoa (2011, p. 347) em que pensar de forma
reflexiva “é ser capaz de olhar situações considerando várias perspectivas, compreendendo a
complexidade de forma não linear, mas flexível”.
Segundo D’Ambrosio (2002), o ciclo de aquisição do conhecimento é deflagrado a
partir de fatos da realidade. Desse modo, a construção do conhecimento matemático pode ser
mais eficiente se emergir de fenômenos que tenham origem na realidade. Assim, a
exploração, no ensino, de situações da vida real em que a matemática se aplica pode tornar o
processo de ensino e aprendizagem de matemática mais dinâmico.
Para Vergnaud (1997), toda situação está relacionada a conceitos que não são
isolados, mas que compreendem uma série de instâncias que envolvem o sujeito em
aprendizagem quanto à evolução dos processos cognitivos. Isso ocorre porque, quando o
sujeito emite uma resposta, há uma relação com suas experiências, com o contexto em que
vive, visto que o conceito não existe isolado em determinada situação, mas envolve a vivência
de várias situações. Assim, um conceito é adquirido pelo sujeito por meio de diversas
situações e diante de problemas a serem resolvidos. Vergnaud (1997, p. 9) indaga “quais tipos
de situações se encontram na realidade e que deveriam ser introduzidos na sala de aula para
fazer com que os conceitos matemáticos sejam mais significativos”.
Certamente é impossível abordar os conceitos matemáticos em todos os seus
possíveis contextos. Na verdade, no âmbito desta pesquisa, acreditamos ser necessário
explorar situações de aprendizagem para que os enfermeiros docentes, em sua formação,
disponham das condições necessárias para desenvolver o conhecimento matemático e, ao se
depararem com uma situação nova, possam avaliá-la e julgá-la de acordo com a realidade que
vivenciam.
As condições necessárias às quais nos referimos estão relacionadas ao que
D’Ambrosio (2005, p. 107) considera um sistema de instrução de sucesso:

Um sistema de instrução pode ser considerado de sucesso se o indivíduo for


preparado para dominar os instrumentos necessários para analisar uma situação, isto
é, os instrumentos analíticos, instrumentos comunicativos e instrumentos materiais.
(D’AMBROSIO, 2005, p. 7)

O autor explicita esses instrumentos da seguinte maneira:

▪ Instrumentos comunicativos: O domínio desse instrumento está relacionado à


capacidade de recuperar e processar informação escrita e falada, o que inclui a
prática à leitura, cálculo, diálogo, ecálogo, mídia e internet, na vida quotidiana
(literacia).
98

▪ Instrumentos analíticos relacionados à capacidade de interpretar e analisar sinais


e códigos, de propor e utilizar modelos e simulações na vida quotidiana, de
elaborar abstrações sobre representações do real (materacia).
▪ Instrumentos materiais relacionados à capacidade de usar e combinar
instrumentos simples ou complexos, inclusive o próprio corpo, avaliando suas
possibilidades e suas limitações e a sua adequação a necessidades e situações
diversas (tecnocracia). (D’AMBROSIO, 2005, p. 107)

Para que um sistema de instrução contemple o domínio desses instrumentos, são


necessários outros olhares sobre as teorias de cognição e aprendizagem, considerando a
flexibilidade do conhecimento.
Nessa perspectiva, a TFC pode ser vista como uma alternativa para inserir aplicações
da matemática no currículo dos cursos de formação do enfermeiro docente, sem alterar as
formalidades inerentes ao ensino das especificidades da enfermagem.
A TFC foi desenvolvida por Rand Spiro e colaboradores no final dos anos 1980 para
solucionar a dificuldade de alunos de medicina em transpor o conhecimento para novas
situações. A teoria foi desenvolvida a partir da observação de um grupo que estudava
problemas cardiovasculares. Identificou-se que esses estudantes eram altamente prejudicados
por ideias incompletas ou erradas adquiridas em uma fase inicial de sua formação.
Como os próprios autores reconhecem (SPIRO; JEHNG, 1990; SPIRO et al., 1988,
1989, 1991a,b), o desenvolvimento da teoria pretende responder às dificuldades de ensino e
aprendizagem avançada em domínios de conhecimento pouco estruturados e complexos.
Na fase inicial do conhecimento, os professores interessam-se sobretudo por uma
introdução ao tema, realizando uma abordagem superficial, por vezes incompleta. O interesse
do professor é que os alunos dominem as versões simplificadas dos conceitos. No entanto, as
técnicas utilizadas para essa fase induzem ao surgimento de dificuldades e, quando se faz
necessário aplicar em nível mais avançado os conhecimentos supostamente adquiridos, os
alunos não conseguem adaptá-los às novas situações.
Há dois aspectos importantes na teoria. O primeiro refere-se ao domínio da
complexidade; o outro, à transferência de conhecimentos para novas situações.
Sumarizaremos a seguir alguns princípios da flexibilidade cognitiva (SPIRO et al., 1988):
▪ Princípio geral: Refere-se à necessidade de demonstrar a complexidade evidenciando
situações que parecem semelhantes, mas que, quando analisadas, se revelam diferentes.

▪ Múltiplas representações: As atividades de aprendizado devem fornecer diferentes


representações do conteúdo. Em outras palavras, para tratar da aprendizagem em um
99

domínio complexo e pouco estruturado, é preciso utilizar uma variedade de


representações do conhecimento.

Pessoa (2011, p. 354) explica que utilizar múltiplas perspectivas de uma dada situação “é
uma das mais importantes recomendações da teoria da flexibilidade cognitiva”, pois
permite empregar o conhecimento de várias formas e em diferentes contextos.
Assim, as representações do conhecimento que possuam múltiplas relações entre aspectos
diferentes conduzem os sujeitos a perspectivas diversificadas desse conhecimento,
permitindo a inclusão da complexidade. Somente a partir dessa riqueza cognitiva é que o
conhecimento poderá ser reestruturado e o novo conhecimento ser construído e aplicado a
diferentes contextos (SPIRO et al., 1987).

▪ Centralizar o estudo nos casos: Isso permite analisar os diversos conceitos envolvidos em
diferentes momentos, ou seja, a instrução precisa ser baseada em casos e enfatizar a
construção do conhecimento, e não a mera transmissão de informações. Considerando que
a flexibilidade cognitiva, segundo Carvalho (2000, p. 173) “é a capacidade que o sujeito
tem de, perante um problema, reestruturar o conhecimento para resolver a situação (ou o
problema) em causa, com o objetivo de aplicar os conhecimentos em novas situações”,
Spiro e seus colaboradores desenvolveram uma metodologia de ensino centrada em casos
que são tratados como uma paisagem, explorados em várias direções, sendo as
características dessa paisagem observadas e analisadas segundo diferentes perspectivas.
O termo ‘paisagem’, a orientação teórica e os procedimentos empíricos utilizados por
Spiro e seus colaboradores foram inspirados pelo filósofo Ludwig Wittgenstein, em sua
obra Investigações filosóficas (Spiro et al., 1987), em cujo prefácio Wittgenstein (1999, p.
25) refere-se às abordagens de diversos assuntos como uma “travessia de uma paisagem
em várias direções”. Spiro et al. (1987) servem-se dessa metáfora para descrever como o
conhecimento em domínios pouco estruturados deverá ser representado, ou seja, o
conhecimento de uma paisagem só poderá ser completo se esta for analisada utilizando-se
diferentes pontos de vista.
Desse modo, para que um caso complexo tal qual uma paisagem possa ser compreendido
sob os vários aspectos que o compõem, estes devem analisados em diferentes contextos,
observados sob diferentes pontos de vista e cruzados sob várias orientações e com
diferentes finalidades. Essa técnica, por sua flexibilidade, permitirá ao sujeito um
crescente domínio na construção flexível do conhecimento (SPIRO et al., 1987).
100

▪ Aplicar o conhecimento a casos concretos: Esta teoria centra-se em casos que são
analisados ou desconstruídos segundo múltiplas perspectivas, temas ou pontos de vista. O
caso em análise é dividido em pequenas unidades denominadas minicasos e pressupõe
dois processos de aprendizagem: o de desconstrução e o de travessias temáticas. No
primeiro, cada minicaso é analisado e desconstruído segundo várias perspectivas (ou
temas); nas travessias temáticas parte-se de um tema ou combinação de temas e
selecionam-se os minicasos de diferentes casos em que esse tema está presente. Para que
ocorra flexibilidade cognitiva é preciso dar ênfase a situações concretas, em vez de
conhecimentos abstratos. Os casos a que os autores se referem não são abstratos, irreais
ou apenas ilustrativos, mas propõe-se que se trabalhe com casos concretos, em seus
contextos reais, com toda a complexidade que os caracteriza em suas múltiplas
especificidades e detalhes (SPIRO et al., 1987).
Em uma metodologia tradicional, os casos são apresentados apenas como exemplos e
tenta-se construir o conhecimento a partir de generalizações e de exemplos isolados. Em
outra direção, a TFC propõe que o conhecimento seja construído a partir do contato com
diversos casos oriundos da realidade e relacionados uns aos outros.
É precisamente neste ponto que o estudo desenvolvido por Spiro e seus colaboradores se
mostra relevante para esta pesquisa. Significa supor que a compreensão de um conceito é
verificada quando alunos e professores conseguem identificar as conexões existentes
entre os conceitos matemáticos e os procedimentos de enfermagem, percebem que estão
trabalhando com os mesmos objetos matemáticos em contextos diferentes e são capazes
de associá-los e encará-los de diferentes maneiras.
Para o desenvolvimento da flexibilidade cognitiva, Pessoa (2011) afirma que o
conhecimento que tem de ser utilizado de muitas formas, e de forma flexível em muitas
situações ou casos, não pode ser compartimentado. Acrescenta que para o
desenvolvimento da tão almejada flexibilidade cognitiva “o conhecimento deve ser
reunido de forma flexível de múltiplas fontes, estando estas não em compartimentos
estanques, mas altamente inter-relacionadas” (PESSOA, 2011, p. 354).
Spiro et al. (1987) afirmam que a linearidade gera problemas quando a informação tratada
é simples e bem-estruturada. No entanto, essa linearidade causa problemas em
aprendizagens avançadas em áreas como história, medicina, crítica literária e nas
dinâmicas pedagógicas do ensino superior identificadas pelos teóricos como domínios
101

pouco estruturados e complexos. A essas áreas, acrescentamos a matemática e


enfermagem.

▪ Evitar o excesso de simplificação: Os autores argumentam que as ciências cognitivas têm


se dedicado a estudos dos processos cognitivos em domínios bem estruturados, deixando
em segundo plano estudos em ambientes pouco estruturados. Defendem a ideia de que
devemos lidar com a complexidade tal qual ela se apresenta, no contexto real e, se
quisermos que nossos alunos utilizem o conhecimento flexivelmente, este deve ser
ensinado de forma também flexível.
Segundo Pessoa (2011), em fases mais avançadas de aprendizagem, utilizar estratégias
simplificadoras para introduzir o aluno em uma nova disciplina pode se revelar
prejudicial:

Conceitos complexos devem ser compreendidos com referência a outros conceitos


que por sua vez devem ter muitos outros conceitos constituintes. Aqui é importante a
construção de redes de conhecimentos inter-relacionados e não a fragmentação.
(PESSOA, 2011, p. 352)

Se o objetivo é a aquisição profunda dos conhecimentos, então é necessário expor os


alunos à complexidade desde o início, mesmo sabendo de antemão que as sensações de
apropriação dos conceitos e a satisfação serão abaladas, embora as chances de
compreenderem profundamente os conceitos sejam maiores (SPIRO et al., 1987).
Quando o conteúdo de uma disciplina é vasto e o tempo é curto, tenta-se apresentar o
conteúdo de uma forma que seja mais facilmente apreendida pelos alunos. Simplificar um
assunto complexo, segundo Spiro et al. (1987), facilita ao professor expô-lo; os alunos
seguem melhor a exposição e mesmo os autores de apostilas têm seu trabalho facilitado,
resultando tudo isso em uma “conspiração de conveniência”. Contudo, tal procedimento
tem suas consequências, uma das quais é aparecimento de concepções erradas, cada uma
delas relacionada com um tipo de simplificação (SPIRO et al., 1987).

Morin se posiciona contra o paradigma da simplificação por se tratar, na esfera


educacional, de uma estratégia equivocada, caracterizada por disjunção e redução (MORIN,
2000, 2001, 2003a,b; ALMEIDA; CARVALHO, 2007). Spiro et al. (1987) reforçam o
posicionamento de Morin, pois também concluíram que a simplificação dos assuntos pode
tornar o conteúdo mais fácil, mas também pode levar ao aparecimento de concepções erradas,
pois as abordagens monolíticas dificultam a transferência do conhecimento para novas
102

situações. Dessa forma, Spiro et al. (1988) propõem que se evite o excesso de simplificação e
compartimentação e que se utilizem múltiplas representações.
As considerações dos autores acima focalizados permitem dizer que a aprendizagem
ocorre quando os conhecimentos anteriores são adicionados uns aos outros e são incorporados
à nova situação. Um domínio pouco estruturado caracteriza-se pela não uniformidade, pela
não linearidade, pela dependência em relação ao contexto e pela ausência de um leque de
características precisamente definidas que se prestem à confecção de classificações e
categorizações rigorosas.
Segundo Spiro et al. (1991a,b), os domínios pouco estruturados apresentam as
seguintes características:
1. Cada caso ou exemplo de aplicação de conhecimento envolve a participação interativa e
simultânea de múltiplas estruturas conceituais, múltiplos esquemas, múltiplas
perspectivas e múltiplos princípios organizacionais. Cada caso é individualmente
complexo.
2. O padrão de incidência e interação conceitual varia substancialmente de caso para caso.

É possível afirmar que essas características são encontradas tanto na matemática


quanto na enfermagem, evidenciando em ambas a presença de uma estrutura complexa e
pouco estruturada.
Os princípios aqui destacados nos fazem considerar importante o contributo da TFC
no sentido de promover reflexão sobre a possibilidade de desenvolver novas estratégias
pedagógicas centradas em situações reais e almejar uma formação que permita
instrumentalizar o enfermeiro docente para que possa auxiliar seus alunos a gerir a
complexidade, levando em conta a presença desta nas situações reais.

3.4 OS CONHECIMENTOS DOCENTES: A VISÃO DE SHULMAN E DE BALL

Nesta seção, discutiremos os conhecimentos necessários à formação e ao


desenvolvimento profissional docente. Para traçar as principais características dos
conhecimentos docentes e as principais concepções sobre estes, exporemos as visões de Lee
Shulman e de Debora Ball.
103

3.4.1 Os conhecimentos necessários para o ensino, segundo Shulman

Shulman fundamenta seus argumentos na convicção de que existe uma base de


conhecimento para a docência. Nessa linha de pensamento (SHULMAN, 1987), a base de
conhecimentos para o ensino se refere a um corpo de conhecimentos, concepções e
disposições construídos em diferentes momentos, contextos e experiências vividas pelo
estudante-professor ao longo de sua trajetória pessoal, escolar, acadêmica e profissional. São
justamente esses conhecimentos, concepções e disposições que dão forma à base de
conhecimentos do estudante-professor e, além de serem requeridos para o ensino, também
influenciam e determinam a maneira como ele desempenhará suas funções nas situações de
ensino e aprendizagem e no exercício da profissão docente.
Shulman explicita (SHULMAN, 1986, 2001; SHULMAN; SHULMAN, 2004) que,
se o conhecimento do professor fosse organizado numa enciclopédia, formaria um conjunto
de sete conhecimentos que subjazem à compreensão que o docente deve ter para que seus
alunos possam, por sua vez, compreender. Esse conjunto abrange:
▪ Conhecimento do conteúdo: Relaciona-se diretamente com a matéria a ser ensinada e é
considerado um dos conhecimentos fundamentais para o sucesso da atuação docente. Ao
mesmo tempo em que o pleno domínio do conteúdo específico amplia as possibilidades
de intervenção docente, sua deficiência restringe os caminhos pelos quais os estudantes-
professores podem seguir no ensino a seus alunos.
Apesar de sua importância para a formação docente, é fundamental considerar que,
“embora o conhecimento do conteúdo específico seja necessário ao ensino, o domínio de
tal conhecimento, por si só, não garante que [...] seja ensinado e aprendido com sucesso.
É necessário, mas não suficiente” (MIZUKAMI, 2004, p. 5). Em outras palavras, o
conhecimento do conteúdo a ser ensinado somente se tornará ensinável quando for
administrado, adaptado e transformado à luz do conhecimento do conteúdo a ensinar, do
conhecimento pedagógico geral, do conhecimento do contexto e do conhecimento
pedagógico do conteúdo, todos os quais constituem, por isso, exemplos de conhecimentos
para ensinar, e não de conhecimentos a serem ensinados.

▪ Conhecimento pedagógico geral: Na proposta de Shulman, é entendido a partir da


maneira como o docente manifesta seus princípios educacionais e utiliza suas estratégias
pedagógicas, administrando e organizando a prática pedagógica de modo a superar o
simples domínio do conhecimento do conteúdo e alcançar objetivos mais amplos
relacionados à educação e à formação dos alunos.
104

▪ Conhecimento pedagógico do conteúdo: Comporta uma compreensão do que significa


ensinar conteúdos disciplinares, assim como os princípios e as técnicas que são
necessários para tanto. Partindo dos conceitos presentes em uma disciplina, os professores
têm conhecimento sobre como ensiná-la, sobre como os estudantes a aprendem e sobre as
dificuldades específicas na aprendizagem. Esse tipo de conhecimento representa uma
mescla entre o conhecimento do conteúdo e o conhecimento pedagógico. Segundo
Shulman (1987), esse conhecimento se sobressai na base de conhecimentos em função de
sua relevância não apenas para a atuação docente do professor, mas também por sua
importância nos processos de formação inicial e continuada. Conforme enfatiza Siedentop
(2002, p. 368), “você não pode ter conhecimento pedagógico do conteúdo sem
conhecimento do conteúdo”.

▪ Conhecimento do currículo: Refere-se aos meios empregados pelos docentes para


administrar o conteúdo a ser ensinado, organizando-o e preparando-o em função das
particularidades do contexto de ensino e aprendizagem, dos diferentes níveis de ensino e
de seus objetivos. Em outras palavras, é entendido como o conjunto de programas
curriculares e de orientações relativos ao ensino da disciplina, com atenção ao nível de
escolaridade, à variedade e à adequação de materiais didáticos disponíveis e à articulação
horizontal e vertical do conteúdo curricular.
▪ Conhecimento do contexto: Para Shulman (1987), abarca os conhecimentos que vão
desde o microssistema relacionado ao trabalho dos alunos em grupo ou na sala de aula,
passando pela administração e gestão escolar e alcançando o macrossistema que envolve
as particularidades sociais e culturais da comunidade em que se insere a escola.
▪ Conhecimento dos alunos e de suas características: inclui fatores cognitivos, físicos,
emocionais, sociais, históricos e culturais que moldam as diferenças individuais e com
elas contribuem, auxiliando a desconstrução e a adequação do conhecimento pelo diálogo
com as situações.

Sustentamos o entendimento de que as categorias de conhecimento propostas por


Shulman têm importância fundamental por reunirem concomitantemente a distinção e a
relação entre elementos que compõem uma base de conhecimentos para o ensino, fomentando
assim o desenvolvimento da reflexão sobre a formação do docente e, para este estudo, do
enfermeiro docente.
105

3.4.2 O conhecimento de matemática: a visão de Ball

Tendo como referência essencial as ideias de Shulman, a pesquisadora Debora Ball e


seus colaboradores (BALL; BASS, 2003; BALL; THAMES; PHELPS, 2008; BALL et al.,
2009) têm se dedicado particularmente à pesquisa da formação do professor de matemática e
à investigação dos saberes docentes.
Ball e seus colaboradores desenvolveram um modelo teórico para investigar os
conhecimentos necessários ao docente para o ensino de matemática, que tem como alicerce a
prática do professor – trata-se portanto de uma teoria baseada na prática (BALL; COHEN,
1999; BALL; BASS, 2003). Em outras palavras, o objetivo geral de suas pesquisas tem sido
construir, a partir das ideias de Shulman, uma teoria sobre o conhecimento matemático para o
ensino (mathematical knowledge for teaching – MKT), tomando por base a prática dos
professores.

Assim, em vez de investigar o que os professores precisam saber a partir da


observação do que eles precisam ensinar, ou através da análise do currículo que
usam, decidimos nos concentrar em sua prática. O que os professores fazem, e o
modo como eles fazem, exige raciocínio, visão, compreensão e habilidade
matemática? Começamos a tentar descobrir as formas em que a matemática está
envolvida em suas demandas regulares do dia a dia, momento a momento. Essa
análise sustenta o desenvolvimento de uma teoria baseada na prática para o
conhecimento matemático para o ensino. (BALL; BASS, 2003, p. 5)

Tal noção de conhecimento matemático para o ensino (BALL; BASS, 2009, 2003;
BALL; THAMES; PHELPS, 2008; HILL; BALL; CHILLING, 2008) recebeu influência dos
trabalhos de Shulman e da noção de conhecimento pedagógico de conteúdo, complementando
essas noções a partir de aspectos observados na prática de sala de aula. Os estudos de Ball e
seus colaboradores conduzem a um “refinamento para o popular conceito de ‘conhecimento
pedagógico do conteúdo’ e ao conceito mais amplo de ‘conhecimento de conteúdo para o
ensino’” (BALL; THAMES; PHELPS, 2008, p. 390):

Por “conhecimento matemático para o ensino”, queremos significar os


conhecimentos matemáticos necessários para realizar o trabalho de ensino da
matemática. É importante notar que a expressão termina com ensino, não com
professores. Ela está preocupada com as tarefas envolvidas no ensino e com as
exigências matemáticas dessas tarefas. (BALL; THAMES; PHELPS, 2008, p. 395)

Para esses pesquisadores:

O ensino exige uma forma especializada de conhecimento de conteúdo puro –


“puro” porque não é misturado com o conhecimento sobre os estudantes nem com o
conhecimento de pedagogia e, portanto, distinto do conhecimento pedagógico do
conteúdo identificado por Shulman e seus colaboradores, e “especializada” porque
não é necessária ou usada em outras configurações senão em ensino da matemática.
(BALL; THAMES; PHELPS, 2008, p. 396).
106

Na verdade, Ball (1990), introduz a expressão “conhecimento sobre matemática”


buscando estabelecer distinção frente à expressão “conhecimento de conteúdo”.
Assim, tendo como referência a noção de conhecimento de matemática para o
ensino, Ball e seus colaboradores (BALL; THAMES; PHELPS, 2008; HILL; BALL;
CHILLING, 2008; BALL; BASS, 2009) propõem um modelo para os domínios do
conhecimento de conteúdo para o ensino que se funda em subdivisões de duas das categorias
propostas por Shulman (1986, 1987): conhecimento do conteúdo e conhecimento pedagógico
do conteúdo:25
▪ O conhecimento do conteúdo subdivide-se em conhecimento especializado do conteúdo
(SCK), conhecimento comum do conteúdo (CCK) e conhecimento de horizonte do
conteúdo (HCK).
▪ O conhecimento pedagógico do conteúdo se divide em: conhecimento do conteúdo e do
ensino (KCT), conhecimento do conteúdo e dos alunos (KCS) e conhecimento do
conteúdo e do currículo (KCC).

As subdivisões podem ser mais bem compreendidas com a Figura 5.

Figura 5 – Conhecimento de matemática para o ensino (mathematical knowledge for teaching)


Fonte: Ball, Thames e Phelps (2008, p. 403).

Sobre as subdivisões do conhecimento do conteúdo e do conhecimento pedagógico


do conteúdo, Ball, Thames e Phelps (2008) e Hill, Ball e Chilling (2008) explicam:

25
Optamos por adotar as siglas que identificam as categorias do modelo proposto por Ball e seus colaboradores
de acordo com original, correspondendo, portanto, às expressões em língua inglesa: SCK: specialized content
knowledge; CCK: common content knowledge; HCK: horizon content knowledge; KCT: knowledge of
content and teaching; KCS: knowledge of content and students; KCC: knowledge of content and curriculum.
107

▪ O conhecimento especializado do conteúdo (SCK) é um conhecimento do conteúdo que é


específico para o ensino, não sendo necessário para outras atividades ou profissões que
não o ensino. Os professores estão fazendo matemática específica para o ensino quando
reconhecem padrões nos erros dos alunos ou quando analisam se determinadas estratégias
não usuais utilizadas pelos alunos podem ser generalizadas. Muitas das tarefas diárias dos
professores são características desse trabalho, que é único do professor: apresentar ideias
matemáticas, responder aos porquês dos alunos e avaliar rapidamente se as afirmações
feitas pelos alunos são pertinentes. Incluem também a escolha e desenvolvimento de
definições úteis para o que se pretende ensinar, o reconhecimento das consequências da
utilização de uma representação específica, a avaliação e adaptação do conteúdo
matemático presente nos livros didáticos e a modificação das atividades de modo a torná-
las mais fáceis ou mais difíceis. Abrange saber resolver exercícios e problemas, saber
utilizar notações e termos corretamente e saber identificar definições incorretas, assim
como respostas incorretas dos exercícios.

▪ O conhecimento comum do conteúdo (CCK) não é exclusivo dos professores, mas outros
profissionais com formação matemática também o têm e o utilizam. Diz respeito à capacidade
de resolver problemas matemáticos corretamente e de identificar uma resposta errada.
Assim, o professor precisa conhecer o conteúdo que ensina para, por exemplo, ser capaz
de reconhecer se a solução dada por um aluno está correta ou não, se uma definição
apresentada em um texto didático é inconsistente ou não, e ser capaz de usar corretamente
a linguagem e os símbolos matemáticos. O termo ‘comum’ indica não se tratar de um
conhecimento exclusivo do professor nem da tarefa de ensinar, embora não se refira a um
conhecimento que todas as pessoas tenham.

▪ O conhecimento de horizonte do conteúdo (CHK) se refere a um aspecto particular do


conhecimento de conteúdo que abarca a inter-relação entre tópicos da matemática. Em
particular, para um professor essa relação deve ser observada também levando-se em
conta a sequência e o aprofundamento da abordagem dos assuntos ao longo dos anos
escolares. Ball e Bass (2009) e seus colaboradores aprofundam o conceito de
conhecimento do horizonte matemático, referindo-se a ele como “uma consciência da
grande paisagem matemática” na qual se situa uma experiência de ensino num
determinado momento. São aqueles aspectos da matemática que, apesar de não estarem
presentes no currículo, podem ser explorados e ser úteis para a aprendizagem dos alunos,
mesmo que só se revelem parcialmente, em dado momento, para dar sentido a suas
108

aprendizagens atuais e/ou tenham importância e significado em suas aprendizagens


futuras. O ensino poderá ser, segundo Ball et al. (2009), mais competente se o professor
tiver uma perspectiva matemática em todas as direções, tanto do que está atrás ou à frente,
podendo assim orientar melhor seus alunos nesse território matemático. O conhecimento
do horizonte matemático pode revelar-se no nível dos temas, das práticas de ensino ou
dos valores, sendo que não é um tipo de conhecimento, segundo Ball et al. (2009), que o
professor tenha que compreender a fim de o explicar a seus alunos. Com este tipo de
conhecimento o professor tem a capacidade de olhar para trás e saber como usar
conteúdos mais simples para dar forma aos que está a ensinar em dado momento, e como
estes darão forma a temas futuros e com eles interagirão.
▪ O conhecimento do conteúdo e do ensino (KCT) combina o conhecimento sobre ensinar e
o conhecimento sobre matemática. Para ensinar um conteúdo específico, os professores
usualmente utilizam sequências de ensino e escolhem quais devem ser os exemplos para
iniciar o conteúdo e quais são mais propícios para aprofundamento. Também avaliam as
vantagens e desvantagens de utilizar determinadas representações e analisam as
contribuições que diferentes métodos e procedimentos proporcionam à aprendizagem.
Cada uma dessas tarefas requer interação entre compreensão matemática dos conceitos
específicos envolvidos e estratégias pedagógicas que influenciam a aprendizagem pelos
alunos. De acordo com Ball, Thames e Phelps (2008), muitas vezes o professor deve
tomar decisões relacionadas ao ensino, como, por exemplo, quais contribuições dadas
pelos alunos devem ser acatadas, quais devem ser ignoradas e quais devem ser guardadas
para um momento posterior. Também durante uma exposição, o professor deve decidir
qual o momento propício para fazer uma interrupção e dar mais esclarecimentos sobre o
assunto, quando utilizar um comentário feito por um estudante para discutir uma questão
matemática, quando propuser uma pergunta ou uma nova tarefa para os alunos. Esses
pesquisadores argumentam que todas essas decisões requerem uma integração entre a
matemática que está sendo apresentada e os objetivos e as opções de ensino presentes
naquele contexto escolar. Argumentam que não pretendem apresentar outra teoria em
substituição ao “conhecimento pedagógico do conteúdo” proposto por Shulman, mas sim
detalhar os fundamentos desse construto.

▪ O conhecimento do conteúdo e dos alunos (KCS) combina o conhecimento sobre os


alunos e o conhecimento do conteúdo. De acordo com Ball, Thames e Phelps (2008), os
professores devem ser capazes de antecipar o que é possível que os alunos pensem sobre
109

o que está sendo ensinado e o que eles acharão confuso; de prever o que os alunos
acharão interessante ou motivador ao se escolher um exemplo, assim como prever o que
eles serão capazes de fazer com facilidade e com dificuldade ao se propor uma atividade.
Os professores devem ser capazes de escutar e interpretar o pensamento incompleto que
está emergindo dos alunos e é expresso em linguagem ainda imprecisa. Cada uma dessas
habilidades exige interação entre a compreensão dos conteúdos matemáticos específicos e
familiaridade com a maneira de pensar matematicamente dos alunos. Uma tarefa central
do professor é o conhecimento das concepções e das concepções equivocadas dos alunos
sobre conteúdos matemáticos específicos.

▪ Por fim, o conhecimento do conteúdo e do currículo (KCC) identifica o conhecimento


que combina o conteúdo com as finalidades e os programas próprios de determinado nível
de ensino. A identificação dessa categoria não é diferente da proposta por Shulman (1986,
1987).

Ao final deste capítulo, cabe explicitar que nossa busca por fundamentação não se dá
por concluída. Na medida em que não há como conhecer um fenômeno complexo se as
disciplinas são tratadas isoladamente, os pressupostos da TFC, os estudos de Shulman e de
Ball e sua equipe sobre os conhecimentos docentes, os instrumentos adequados para um
sistema de instrução descritos por D’Ambrosio e os saberes e pressupostos sobre
complexidade descritos por Morin servirão de farol para iluminar as análises e os caminhos
rumo à compreensão da formação do enfermeiro docente e das articulações entre matemática,
enfermagem e outras áreas do conhecimento, acreditando que, neste âmbito, existe um
problema a ser confrontado por pesquisadores.
110

4 PERCURSO METODOLÓGICO: METODOLOGIA E ANÁLISE DOS


RESULTADOS

4.1 PARADIGMA DA INVESTIGAÇÃO

Seja de forma explícita ou implícita, toda investigação baseia-se em um paradigma,


que Bogdan e Biklen (1994) definem como um conjunto aberto de asserções, conceitos ou
proposições logicamente relacionados que orientam o pensamento e a investigação. Para esses
autores, o investigador deve ter consciência dos fundamentos adotados, a fim de servir-se
deles para colher e analisar os dados.
No presente estudo, visa-se desse modo compreender, a partir dos relatos dos sujeitos
da pesquisa, as concepções que estes imprimem a sua prática pedagógica; de que saberes
dispõem e como utilizam os conceitos matemáticos em sua prática profissional; e como
orientam suas ações e enfrentam os momentos problemáticos e imprevisíveis. Assim, a
natureza do fenômeno a ser analisado encaminha a uma abordagem qualitativa e está
orientada pelo paradigma da complexidade.
O mundo, repleto de incertezas, contradições, paradoxos, conflitos e desafios, leva a
reconhecer a necessidade de uma visão complexa. Essa visão significa renunciar ao
posicionamento estanque e reducionista ao se conviver no universo. Significa aceitar o
questionamento intermitente dos problemas e de suas possíveis soluções. Assim, “na
realidade, busca aceitar uma mudança periódica de paradigma, uma transformação na maneira
de pensar, de se relacionar e de agir para investigar e integrar novas perspectivas”
(BEHRENS; GISI, 2006, p. 21).
O paradigma da complexidade tem lugar no presente estudo, sendo entendido como
um modo de ler o mundo que nos rodeia (BOGDAN; BIKLEN, 1994), mas de maneira a
superar propostas únicas (BEHRENS; GISI, 2006, p. 25). Nossa opção pelo paradigma da
complexidade repousa no fato de que este exige uma visão de contexto, de totalidade, de
interconexão, entre outros aspectos agregadores.
111

4.2 A ABORDAGEM QUALITATIVA

Com a intenção de compreender a estrutura dos cursos de formação dos enfermeiros


docentes, bem como interpretar suas concepções sobre a docência relacionadas aos
conhecimentos matemáticos, entendemos ser oportuno optar pela abordagem qualitativa.
Bogdan e Biklen (1994) contribuem de forma ímpar na elucidação de questões
relativas à investigação qualitativa em educação. A partir desses autores e de parcelas de
contribuição de outros pesquisadores que se voltaram às mesmas questões, foi construído o
caminho metodológico que se segue.
Consideram que o ambiente natural que se quer estudar constitui a fonte principal de
dados, e para tanto o investigador adentra esse ambiente e ali despende extenso tempo – em
escolas, famílias, bairros e outros locais – tentando elucidar suas questões, pois seu interesse
recai sobre todo o contexto. O elemento-chave de análise é a compreensão obtida por meio
dos dados daquela realidade. Como esta pesquisa tem por foco o enfermeiro docente, deve
este ser considerado como fonte de dados, assim como a escola, as instituições, a coordenação
dos cursos em que esses professores atuam e as atividades de supervisão de estágio na
enfermagem em hospitais gerais.
A investigação qualitativa, na perspectiva desses autores, permite descrever o
contexto em que se situa o foco a ser investigado. Interessando-se mais pelo processo do que
pelo produto, exige um olhar acurado para que se possa observar o todo, que no presente
estudo envolve a formação do enfermeiro docente.
Para compreendermos o percurso escolar do enfermeiro docente e como se
configuram os conhecimentos matemáticos em sua formação, as informações serão analisadas
o mais próximo possível da forma em que foram relatadas ou transcritas, buscando-se
interpretar os dados obtidos em toda a sua riqueza, estabelecendo-se, sempre que necessário,
um diálogo constante entre a pesquisadora e os enfermeiros docentes, para esclarecimento e
confronto das informações.
Será foco de atenção especial o significado que os enfermeiros docentes dão às
coisas e a sua vida, de modo a percebermos as perspectivas e pontos de vista desses sujeitos,
como eles definem as situações em que se encontram e o modo como estabelecem estratégias
e procedimentos em sua prática profissional.
No início desta pesquisa, não apresentamos hipóteses ou formulações a serem
confirmadas ou refutadas, pois, segundo Bogdan e Biklen (1994), os investigadores
112

qualitativos tendem a analisar seus dados de forma indutiva, ou seja, a direção da pesquisa só
começa a se estabelecer após a coleta dos dados e o tempo vivenciado com os sujeitos de
pesquisa. Não se trata de montar um quebra-cabeça cuja forma final se conhece
antecipadamente.
Sobre a forma indutiva de analisar os dados, Lüdke e André (1986, p. 13) esclarecem
que:

O fato de não existirem hipóteses ou questões específicas formuladas a priori não


implica a inexistência de um quadro teórico que oriente a coleta e a análise dos
dados. O desenvolvimento do estudo aproxima-se a um funil: no início há questões
ou focos de interesse muito amplos, que no final se tornam mais diretos e
específicos. O pesquisador vai precisando melhor esses focos à medida que o estudo
se desenvolve.

O âmbito da pesquisa qualitativa se desenvolve em situação natural, com riqueza de


dados descritivos, apoiada em um plano aberto flexível, focalizando a realidade de maneira
complexa e contextualizada. Nesse sentido, consideramos o estudo de caso como a melhor
opção, uma vez que esta modalidade se destaca nos seguintes aspectos:

▪ Visão a descoberta: O pesquisador deve estar atento aos elementos novos que
poderão emergir durante o processo de investigação. É uma característica que se
fundamenta no pressuposto de que o conhecimento não é algo acabado, mas uma
construção em constante mudança. Assim, o pesquisador estará sempre buscando
novas respostas e novas indagações no decorrer da pesquisa.
▪ Realidade: Busca-se retratar a realidade de forma completa e profunda. O
pesquisador focaliza a situação como um todo, ao tentar revelar a multiplicidade
de dimensões presentes em uma situação.
▪ Pontos de vista: Procura representar os diferentes, e às vezes conflitantes, pontos
de vista presentes em uma situação social. Quando a situação estudada suscita
opiniões divergentes, o pesquisador procura trazer para o estudo essa
divergência, revelando seu próprio ponto de vista sobre a questão (LÜDKE;
ANDRÉ, 1986, p. 18-20)

Ainda na visão desses autores:

O estudo de caso se fundamenta no pressuposto de que o conhecimento não é algo


acabado, mas uma construção que se faz e refaz constantemente. Assim, o
pesquisador estará sempre buscando novas respostas e novas indagações no
desenvolvimento do seu trabalho. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 18)

Na mesma direção, Chizzotti (2006, p. 136) aponta que “um caso pode ser único ou
abranger diversos casos individuais ou um coletivo de pessoas para analisar uma
particularidade”. Enfatiza que o pesquisador, ao utilizar o estudo de caso, não visa
generalização, embora nada impeça que faça analogias com casos similares.
Adotando esse referencial, tomamos como caso um grupo de profissionais de saúde,
para que fosse possível compreender e interpretar o objeto estudado.
113

4.3 DOS INSTRUMENTOS AOS SUJEITOS DA PESQUISA

O trabalho sistemático de coleta de dados estendeu-se do primeiro semestre de 2013


ao segundo semestre de 2015.

4.3.1 O contexto da pesquisa

O contexto desse estudo é constituído por três instituições escolares que oferecem
cursos de formação em enfermagem em nível de ensino médio na cidade de São Paulo.
Os obstáculos nesta fase da pesquisa foram semelhantes aos descritos por Barato
(2003, p. 61):

Os enfermeiros investidos de funções docentes apresentam uma resistência notável


para desvelar seus saberes profissionais e identificaram-se três causas principais para
a incomunicabilidade: persistência de segredos do ofício, a alegação de que os
ofícios são exercícios de arte e que a própria natureza do fazer-saber é uma
inteligência que dispensa o discurso como forma organizativa e comunicativa do
saber.

Iniciamos o processo estabelecendo contato com oito instituições de ensino e, de


fato, ao comunicarmos o tema e os objetivos do estudo encontramos resistência.
Cinco delas mostraram-se desconfortáveis em participar, pois mantêm em seu quadro
de professores enfermeiros assistenciais atuando como enfermeiros docentes, sem a
habilitação necessária para o magistério.
Apesar de apresentarmos os documentos legalmente exigidos para a condução da
pesquisa (carta de autorização, termo de consentimento livre e esclarecido), todos contendo as
informações necessárias e os devidos esclarecimentos, em atendimento ao Comitê de Ética da
Universidade Anhanguera de São Paulo, os responsáveis por duas instituições demonstraram
preocupação em permitir que seus docentes participassem da pesquisa, buscando amparo, para
tanto, no Código dos Profissionais da Enfermagem, o qual, em seu artigo 84, orienta a não:

[...] Franquear o acesso a informações e documentos para pessoas que não são
diretamente envolvidas na prestação da assistência, exceto nos casos previstos na
legislação vigente ou por ordem judicial. (IBGS, 2014, p. 98).

Além disso, alegaram que o assunto a ser tratado era delicado e o momento era
inoportuno, pois a atuação dos profissionais de saúde (enfermeiros assistenciais, docentes e
técnicos) está, de modo geral, em evidência nos meios de comunicação, por problemas de
toda ordem.
Apesar das dificuldades encontradas, encontramos em três instituições um clima
propício de confiança e cooperação, e estas sinalizaram interesse e disponibilidade em
114

contribuir com a pesquisa. Sendo assim, o primeiro critério de escolha, no que tange à
instituição, se deu pela receptividade, cooperação e disponibilidade.
Para não identificar as instituições, as designaremos com letras (A, B, C) (Quadro 6).
Em cada uma, entregamos ao responsável uma carta solicitando autorização para realizar a
pesquisa junto ao corpo docente. Todos os enfermeiros docentes envolvidos no processo de
investigação receberam e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, contendo
informações sobre possíveis riscos e benefícios e garantindo o anonimato dos participantes
(nesta pesquisa e em todos os materiais e exposições subsequentes dela gerados) e
assegurando que nenhum outro membro da escola terá acesso às informações coletadas. Todas
as informações obtidas por meio dos instrumentos de pesquisa foram analisadas apenas pela
pesquisadora e seu orientador.

Quadro 6 – Instituições de ensino incluídas na pesquisa


Instituição Caracterização
Instituição particular, localizada na zona leste paulistana.
Cursos: regulares e profissionalizantes: Administração; Contabilidade; Enfermagem;
A
Radiologia; Secretariado.
Cursos livres: Cálculo de medicamentos; Cuidado ao idoso; Cuidado com feridas.
Instituição estadual; localizada na zona central paulistana.
Cursos oferecidos: Administração; Comunicação visual; Cozinha; Design de interiores;
B
Edificações; Enfermagem; Ensino técnico integrado ao ensino médio; Marketing;
Modelagem de vestuário; Nutrição e dietética; Turismo receptivo.
Instituição particular, localizada na zona centro-sul paulistana.
Cursos oferecidos: Auxiliar e técnico de enfermagem; Enfermagem do trabalho.
C
Cursos livres: Farmacologia; Matemática aplicada à enfermagem; Português aplicado à
enfermagem; Técnico em radiologia.
Fonte: Dados da pesquisa.

Instituição A – escola particular

Oferece cursos regulares, abrangendo desde a educação infantil até cursos


profissionalizantes (de administração, contabilidade, enfermagem, radiologia e secretariado) e
cursos livres para alunos da escola e profissionais de saúde interessados.
O curso de enfermagem, com duração de 24 meses, está organizado em três módulos:
▪ Módulo I: Básico de saúde.
▪ Módulo II: Auxiliar de enfermagem.
▪ Módulo III: Técnico em enfermagem.
115

Ao final dos módulos II e III, os alunos realizam estágios supervisionados em


ambientes especializados de instituições que prestam cuidados de saúde, nos quais a
assistência de enfermagem se faz necessária. Após 15 meses de curso, o aluno está habilitado
a exercer a função de auxiliar de enfermagem. Ao concluir os módulos I e II, recebe o
certificado do curso de auxiliar de enfermagem; com a conclusão do módulo III, é-lhe
conferido o diploma do curso de técnico em enfermagem.
Além dos cursos regulares e técnicos, a instituição oferece cursos livres para alunos e
profissionais de saúde. Um desses cursos é o de cálculo de medicamentos.

Instituição B – escola estadual

Fundada em 1969, era uma escola só para mulheres, oferecendo cursos de


puericultura e economia doméstica, os quais deram origem ao curso técnico de enfermagem,
que em 2013 liderava o ranking dos cursos técnicos oferecidos pela instituição.
O curso intitulado ‘Habilitação profissional técnica de nível médio de técnico em
enfermagem’ compõem-se de quatro módulos:
▪ I: Conteúdos introdutórios, sem outorga de certificação técnica.
▪ II: Qualificação técnica (nível médio) de auxiliar de enfermagem.
▪ III: Conteúdos complementares, sem certificação técnica.
▪ IV: Habilitação profissional técnica (nível médio) de técnico de enfermagem.

Concluir os dois primeiros módulos concede ao aluno qualificação profissional de


auxiliar de enfermagem. Concluir os dois últimos concede o título de técnico de enfermagem,
desde que se tenha concluído também o ensino médio ou equivalente.

Instituição C – escola particular

A escola localizada na região metropolitana de São Paulo, mantém atividades há


mais de 10 anos na região, oferecendo o curso técnico de enfermagem em nível médio.
O curso é organizado em dois módulos:
▪ Módulo I: Abrange formação de auxiliares de enfermagem, a qual, assim como o
exercício profissional, está regulamentada nacionalmente, tendo, portanto, por base o
processo de trabalho em unidades e serviços de saúde (hospitais, policlínicas, unidades
básicas de saúde, PSF, home care e outros).
116

▪ Módulo II: Incorpora as competências do auxiliar de enfermagem, além das específicas da


profissão, que pressupõem o conhecimento do processo saúde–doença; da fisiopatologia e
epidemiologia dos agravos à saúde; da relevância da biossegurança em todas as ações
profissionais; das ações de gestão e administração; dos procedimentos de preparo e
administração de medicamentos; da assistência ao cliente/paciente grave; do registro
correto e adequado de dados; e da leitura e interpretação de prescrições e achados
clínicos. O título de técnico de enfermagem é concedido a alunos que cumprirem 1.800 h
de atividades, 1.110 das quais destinadas à formação como auxiliar de enfermagem e 690
destinadas à formação como técnico em enfermagem (ou curso de complementação em
técnico em enfermagem, para auxiliares de enfermagem já formados).

4.3.2 Caracterização dos sujeitos da pesquisa: o questionário

Nesta etapa exploratória, aplicamos a 14 docentes um questionário contendo


questões abertas e fechadas (MARCONI; LAKATOS, 2003). Esse instrumento, aplicado no
primeiro semestre de 2013, objetivou estabelecer um contato mais próximo com os sujeitos e
caracterizá-los segundo as variáveis ‘idade’, ‘gênero’, ‘habilitações acadêmicas’, ‘experiência
na docência para enfermagem’, ‘experiência na assistência em enfermagem’, ‘curso em que
leciona’, ‘disciplinas lecionadas’, ‘acúmulo das funções de enfermeiro docente e assistencial
ou outra função desenvolvida no âmbito escolar’, ‘percurso escolar’ e ‘motivações
dominantes para, enquanto enfermeiro assistencial, ingressar na atividade docente’. A partir
dessas informações foi criada a categoria ‘Perfil dos enfermeiros docentes’.
As informações coletadas permitiram selecionar sete dos 14 enfermeiros docentes
para participarem da terceira etapa: a entrevista, no segundo semestre de 2013. A exclusão
dos outros sete se deveu ao fato de lecionarem no curso de radiologia e no de nutrição e
dietética, e não no de formação de auxiliares e técnicos de enfermagem.
Cabe realçar a disposição com que os docentes selecionados se prontificaram a
colaborar com a pesquisa respondendo o questionário, viabilizando assim a continuidade
desta investigação.

4.3.3 As entrevistas

O primeiro instrumento forneceu um panorama mais amplo sobre o perfil dos


enfermeiros docentes e propiciou a descoberta de pistas para o aprofundamento do tema.
117

Marconi e Lakatos (2003, p. 201), no entanto, apontam limitações no uso de questionários,


como por exemplo:

Pequena quantidade de questionários respondidos; perguntas sem respostas; exclui


pessoas analfabetas; impossibilita o auxílio quando não é entendida a questão;
dificuldade de compreensão pode levar a uma uniformidade aparente; o
desconhecimento das circunstâncias em que foi respondido pode ser importante na
avaliação da qualidade das respostas; durante a leitura de todas as questões, antes de
respondê-las, uma questão pode influenciar a outra; proporciona resultados críticos
em relação à objetividade, pois os itens podem ter significados diferentes para cada
sujeito.

Embora as informações obtidas pudessem ser relevantes quanto à formação e às


disciplinas ministradas que envolvem cálculos matemáticos, entendemos que os dados
coletados seriam insuficientes para uma compreensão mais profunda sobre como esses
sujeitos associam os conhecimentos matemáticos aos procedimentos de enfermagem, como
auxiliam seus alunos na compreensão dessas associações, como enfrentam momentos
problemáticos e quais são seus pensamentos, dilemas e justificativas para suas ações.
Realizamos sete entrevistas semiestruturadas com os enfermeiros docentes, o que nos
permitiu captar as informações moldadas pelas peculiaridades na expressão de suas opiniões e
impressões, não somente quanto ao processo de ensino e aprendizagem da matemática
presente em sua prática profissional, mas também para a compreensão da realidade em que
esses profissionais estão inseridos.
Para avançar nas reflexões e responder os questionamentos da investigação, houve
necessidade de um novo enfoque, que pudesse estreitar a relação entre pesquisadora e
pesquisados. Richardson et al. (2012, p. 206) consideram que:

Em termos gerais, o questionário é uma ferramenta útil para coletar dados, mas pode
se transformar em um instrumento de alienação [...]. [...] O pesquisador deve ter
clara a consciência de que a relação com o entrevistado precisa ser de sujeito a
sujeito e não de sujeito a objeto. Nenhum ser humano pode desenvolver-se com a
existência de relações instrumentais.

A esse respeito, Marconi e Lakatos (2003, p. 198) corroboram dizendo que a


entrevista:

Não exige que a pessoa entrevistada saiba ler e escrever; oferece flexibilidade, pois
o entrevistador pode esclarecer o significado das perguntas e adaptar-se mais
facilmente às pessoas e às circunstâncias em que se desenvolve a entrevista;
possibilita captar a expressão corporal do entrevistado, bem como a tonalidade de
voz e ênfase nas respostas; há possibilidades de conseguir informações mais
precisas, podendo ser comprovadas, de imediato, as discordâncias; possibilita a
obtenção de dados referentes aos mais diversos aspectos da vida social, como
também a obtenção de dados em profundidade acerca do comportamento humano;
os dados obtidos são suscetíveis de classificação e de quantificação.
118

Szymanski, Almeida e Brandini (2004) buscam apoio em Banister e Lakatos para


afirmar que as entrevistas têm sido utilizadas para o estudo de significados subjetivos e
tópicos demasiadamente complexos para serem investigados por instrumentos fechados em
formato padronizado. Tais conteúdos incluem fatos, sentimentos, planos de ação, condutas
atuais ou do passado, motivos conscientes para opiniões, sentimentos e outros.
A entrevista semiestruturada, segundo Minayo (1997), consiste em uma conversa
empreendida com a finalidade de conhecer opiniões, concepções e significações do sujeito
sobre determinado assunto, sendo esse diálogo conduzido por um roteiro de perguntas
previamente estabelecido. A entrevista semiestruturada não se restringe, porém, ao que está
expresso no roteiro. Este é apenas norteador, orienta, indica o caminho a seguir. No decorrer
da entrevista, outros questionamentos podem ser formulados a partir das respostas que forem
sendo expressas.
Optamos por realizar entrevistas semiestruturadas, pois, assim como Marconi e
Lakatos (2003), acreditamos que nessa modalidade o entrevistado tem total liberdade de
expressar opiniões, percepções e sentimentos, cabendo ao entrevistador incentivá-lo a falar
sobre o assunto sem forçá-lo a responder.
Seguindo as orientações de Szymanski (2004, p. 19), a pesquisadora iniciou o
primeiro contato apresentando-se e informando o nome da instituição a que estava vinculada e
o tema de pesquisa. Solicitou, a seguir, permissão para gravação e deixou aberta aos
entrevistados a possibilidade de formularem as perguntas que desejassem.
A análise teve início colocando em evidência aspectos relacionados à matemática, à
atuação do profissional e à relação entre a matemática e a formação dos entrevistados,
procurando pelo que lhes era significativo, pois esses sujeitos vivenciam a experiência de
cálculos matemáticos ao ministrar disciplinas do curso técnico de enfermagem.
Dos discursos colhidos, realizam-se recortes, que foram considerados unidades de
significado. Posteriormente, procuramos pelas significações dessas unidades, ou seja,
buscamos interpretá-las, colocando-as de forma articulada, como proposto por Szymanski
(2004), de modo a viabilizar sua análise.
Para Szymanski (2004, p. 75), “a categorização concretiza a imersão do pesquisador
nos dados e a sua forma particular de agrupá-los segundo a sua compreensão”. Dessa maneira,
a partir da explicitação dos significados, foram elaboradas categorias, subsequentemente
agrupadas aos temas focalizados. Para discutir os significados à luz da fundamentação teórica
119

assumida na pesquisa, retornamos às categorias e, na redação final, utilizamos trechos dos


depoimentos para dar suporte às interpretações.
Szymanski (2004, p. 74) não indica um caminho único de análise de dados ou um
modelo rígido, pois compreende que “o processo de análise encaminha o pesquisador para a
compreensão do fenômeno”. Atendendo suas sugestões, começamos por transcrever fielmente
as entrevistas e a seguir confeccionamos o texto de referência – qual seja, uma segunda
versão, com limpeza de vícios de linguagem e corrigida conforme as normas ortográficas,
mantendo, porém, a espontaneidade das falas, obtendo-se assim o material que nos permitiu
reviver a fala do entrevistado para reflexão e apreensão dos sentidos.

4.3.4 Análise documental

De acordo com Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999), documento é qualquer


registro que possa ser utilizado como fonte de informação. Na esfera da educação,
consideram-se documentos os livros didáticos, os registros escolares, os programas de cursos,
os planos de aula e os trabalhos de alunos, entre outros materiais.
Nossa análise documental transcorreu em três momentos: no primeiro selecionamos
para análise a matriz curricular de uma instituição privada localizada na cidade de São Paulo,
pelo fato de que a maioria dos enfermeiros docentes participantes desta pesquisa ali cursaram
seu bacharelado.
No segundo momento, realizamos a seleção do curso de licenciatura em enfermagem
por meio de busca no site do Ministério da Educação, que não nos apresentou nenhum dado
quantitativo de cursos lato sensu voltados à formação de professores na área de enfermagem.
Iniciamos então o levantamento no site de cada instituição que oferecia curso lato sensu
voltado a essa área. Após identificar as instituições, foram observados os seguintes aspectos:
nome do curso, localização, público-alvo, objetivos, carga horária e matriz curricular. Os
cursos de todas as instituições têm as mesmas características, destinando-se a enfermeiros que
pretendem ingressar na carreira docente. A instituição selecionada se localiza em São Paulo e
oferece o curso na modalidade a distância, com duração de seis meses. A escolha se deveu ao
fato de três dos sete enfermeiros docentes entrevistados terem se formado nessa instituição.
No terceiro momento, analisamos as matrizes curriculares dos cursos de auxiliar e
técnico de enfermagem, obtidas em março de 2014, em forma impressa, no colegiado de
enfermagem das instituições pesquisadas.
120

5 RESULTADOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO

Apresentadas as razões inerentes às escolhas metodológicas, exporemos neste


capítulo de três seções a análise das entrevistas. Na primeira seção, descreveremos os dados
que emergiram da aplicação do questionário; na segunda, a análise das entrevistas com os
enfermeiros docentes, para o que transcrevemos as entrevistas e criamos o texto de referência,
obtendo assim o que Szymanski (2004) denomina explicitação de significados, que se
prestaram à interpretação.
Na terceira seção, realizaremos a análise documental em três momentos: no primeiro,
analisaremos a matriz curricular de um curso de bacharelado em enfermagem oferecido por
uma instituição particular localizada na cidade de São Paulo, à luz das Diretrizes Curriculares
Nacionais para cursos de enfermagem, com o objetivo de buscar elementos pertinentes à
formação pedagógica do enfermeiro assistencial e aspectos relacionados ao conhecimento
matemático. A instituição foi selecionada pelo fato de que a maioria dos enfermeiros docentes
participantes nesta pesquisa haverem ali cursado seu bacharelado.
No segundo momento, analisamos a matriz curricular de um curso de pós-graduação
lato sensu para formação em docência para enfermagem e, no terceiro momento, analisamos a
matriz curricular do curso de auxiliar e técnico de enfermagem, obtidas em março de 2014,
em forma impressa, no colegiado de enfermagem de uma das instituições pesquisadas. Será
feita a leitura exploratória e detalhada das informações descritas nesses documentos, com
atenção especial aos conhecimentos matemáticos e pedagógicos necessários à prática docente.

5.1 DADOS EMERGENTES DA APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO

O Quadro 7 sumariza as informações pertinentes à categoria ‘Perfil dos enfermeiros


docentes’. Os sujeitos são designados por códigos, de E1 a E7. Quatro profissionais atuavam
na instituição A, um na instituição B e dois na C.
121

Quadro 7 – Perfil dos enfermeiros docentes


Variáveis Dimensões E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7 Total
Gênero
Masculino × × 2
Feminino × × × × × 5
Fatores demográficos Idade
25 a 30 anos × 1
31 a 50 anos × × × × 4
Mais de 50 anos × × 2
Ensino fundamental
Instituição pública × × × × × × 6
Instituição privada × 1
Ensino médio
Instituição pública × × × × × 5
Instituição privada × × 2
Bacharelado com
habilitação para
licenciatura
Instituição pública × 1
Instituição privada × × × × × × 6
Pós-graduação
Docência em
enfermagem com
Formação trajetória × × × × × × 6
habilitação para nível
acadêmica técnico e superior
Mestrado
Na área da
× × 2
enfermagem
Na área de formação
de professores para × 1
enfermagem
Cursos livres
Cálculo de
× × × × × × × 7
medicamentos
Matemática e
× × × × × × × 7
enfermagem
Cuidados para idosos × 1
Português para
× 1
enfermagem
(segue)
122

Quadro 7 – Perfil dos enfermeiros docentes (continuação)


Variáveis Dimensões E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7 Total
1 a 4 anos × × × 3
Experiência docente 5 a 10 anos
Mais de 10 anos × × × × 4
1 a 4 anos × × × × 4
5 a 10 anos
Experiência na
assistência de Mais de 10 anos × × 2
enfermagem Nunca atuou na
assistência de × 1
enfermagem
Instituição
Instituição escolar na A × × × × 4
qual desenvolve as
atividades docentes B × 1
C × × 2
Função assistencial e
× × × 3
atividade docente
Acúmulo de funções Atividade docente e
× × × 3
coordenação de curso
Não acumula funções × 1
Período anterior ao
Bacharelado de
Enfermagem
Atuou como
Trajetória profissional Atendente de × × 2
enfermagem
Atuou como auxiliar
ou técnico de × × × × × × × 5
enfermagem
Farmacologia × × × × × × × 7
Clínica médica × × × × × × × 7
Assistência de
Disciplinas enfermagem a × × × × × × × 7
pacientes graves
Fundamentos da
× × × × × × × 7
enfermagem
Possibilidade de outra
× × × × × × × 7
fonte de renda
Afinidade × × × × 4
Motivações para o Flexibilidade de
× × × × × × × 7
exercício docente horário
Outras
Ambiente favorável,
× × × × × 5
menos estressante
Fonte: Dados da pesquisa.

No Quadro 7, a variável ‘Fatores demográficos’ revela predominância do sexo


feminino e de idades de 31 a 50 anos.
123

A variável ‘Trajetória acadêmica’ teve como propósito revelar a formação desses


profissionais. Todos os participantes têm bacharelado em enfermagem e estão habilitados a
atuar como professores em cursos técnicos. No entanto, a maioria cursou o bacharelado em
instituições particulares que não ofereciam habilitação para a docência. Importa também
destacar que dois profissionais têm mestrado na área de enfermagem: um em UTI pediátrica e
neonatal e outro em docência para o ensino superior na linha de pesquisa de formação de
professores. Essa variável nos proporcionou informações relevantes sobre a existência de
cursos livres para suprir a necessidades acadêmicas desses profissionais, relacionadas a
matemática e português. Todos concluíram os cursos ‘Cálculo de medicamentos’ e
‘Matemática e enfermagem’. Um profissional cursou ‘Cuidados para idosos’ e um concluiu
‘Português aplicado à enfermagem’.
A variável ‘Experiência docente’ indicou o tempo de experiência no exercício da
docência. Observamos que a maioria tem mais de quatro anos de experiência como
enfermeiro docente e que dois atuam há mais de 10 anos.
A variável ‘Experiência na assistência’ mostrou que dois profissionais acumulam
mais de 10 anos de experiência na assistência direta aos pacientes, ao passo que um tem
quatro anos de experiência e um nunca atuou na assistência.
A variável ‘Acúmulo de funções’ revelou que três profissionais atuam
concomitantemente na docência e na assistência. Um não acumula funções, mas três
trabalham na coordenação dos cursos técnicos de enfermagem e na docência de cursos
técnicos.
A variável ‘Trajetória profissional’ forneceu dados sobre o período anterior ao
bacharelado. Identificamos uma trajetória comum a todos esses profissionais, a qual obedece
à seguinte sequência: atendente, auxiliar e, por fim, técnico de enfermagem. Apenas um dos
sujeitos revelou não haver participado de nenhum curso na área da saúde antes do
bacharelado.
De acordo com a variável ‘Disciplinas’, as que com mais frequência envolvem
conhecimentos matemáticos são ‘Farmacologia’, ‘Clínica médica’, ‘Fundamentos da
enfermagem’ e ‘Assistência a pacientes graves’. Todos os sujeitos lecionam ou lecionaram os
conteúdos propostos nessas disciplinas.
‘Motivações para o exercício docente’ foi a variável que visou revelar as motivações
dos docentes para que, como enfermeiros assistenciais no exercício clínico, optassem pela
docência como atividade profissional. Os respondentes foram unânimes em afirmar que suas
124

principais motivações para o exercício da enfermagem estão ligadas à flexibilidade de horário


e à possibilidade de obterem outra fonte de renda. No entanto, quatro indicaram possuir
afinidade com atividades relacionadas à docência. O ambiente escolar foi também apontado
como menos estressante que o hospitalar.

5.2 OS PENSAMENTOS DOS ENFERMEIROS DOCENTES: AS ENTREVISTAS

Antes de iniciarem a entrevista propriamente dita, os entrevistados solicitaram


permissão para falar livremente sobre o assunto. Confirmamos-lhes que teriam essa liberdade.
A solicitação dos entrevistados vai ao encontro das considerações de Marconi e
Lakatos (2003), pois a entrevista é uma modalidade na qual:

O entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer direção


que considere adequada. É uma forma de poder explorar mais amplamente uma
questão. Em geral, as perguntas são abertas e podem ser respondidas dentro de uma
conversação informal. Há liberdade total por parte do entrevistado, que poderá
expressar suas opiniões e sentimentos. A função do entrevistador é de incentivo,
levando o informante a falar sobre determinado assunto, sem, entretanto, forçá-lo a
responder. (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 197)

Szymanski (2004) não indica um caminho único de análise de dados ou um modelo


rígido, pois compreende que o processo de análise encaminha o pesquisador à compreensão
do fenômeno.
De acordo com as sugestões desses autores, iniciamos transcrevendo a entrevista
como ela se deu e, a seguir, redigindo o texto de referência, isto é, uma segunda versão da
transcrição, depurada de vícios de linguagem e adequada às normas ortográficas, embora
mantendo a naturalidade das enunciações. Com isso, foi possível reviver a fala do
entrevistado para a devida reflexão e apreensão dos sentidos nela veiculados, que foram
organizados de modo a compor um quadro com fragmentos do discurso do sujeito. Emergiu
assim o que Szymanski (2004) chama de explicitação de significados.
Após a organização, iniciamos a interpretação dos conteúdos, que, embora separados
em cinco categorias (Quadro 8), são interdependentes.
125

Quadro 8 – Matriz dos dados obtidos das entrevistas com os enfermeiros docentes.
Categorias Subcategorias Explicitação de significados
I: Ser professor Motivação para o Afinidade.
exercício da Fonte de renda.
docência Flexibilidade de horário.
Prazer em ser professor.
II: Concepções Inquietações Precariedade da formação para docência.
sobre a formação Formação para assistência considerada adequada.
docente e O estágio para docência é uma atividade instável e não exigente.
assistencial
Desencontros de objetivos dos cursos de graduação e pós-graduação
para a docência.
III: Matemática e Preocupações Formação precária dos alunos nos níveis fundamental e médio e o
enfermagem no presentes e conteúdo matemático.
curso de formação práticas Dificuldades dos docentes do curso técnico de enfermagem.
de auxiliares e pedagógicas em O espaço da matemática.
técnicos de uso
A fragmentação das disciplinas.
enfermagem
As atitudes.
Os entraves curriculares.
IV: Diferentes Necessidades no Suprir a insuficiência do conhecimento matemático na graduação,
olhares sobre o processo de considerando suas consequências para o exercício na assistência.
processo de formação em Rever as práticas pedagógicas dos docentes de nível superior de
formação do enfermagem enfermagem e suas consequências: sentimentos de medo, fracasso e
profissional em inibição.
nível superior de A necessidade de articulação: teoria e prática.
enfermagem
Trabalhar com casos reais e considerar a necessidade de flexibilidade
cognitiva.
Interdisciplinaridade: necessidade identificada como prática
pedagógica adequada.
Cursos livres.
V: Que Concepções e A matemática do sim e não: certinha e bem comportada26.
matemática é a críticas A matemática diferente do ser humano27.
matemática da Uso de uma matemática ilógica28.
enfermagem?
Matemática na prática não é quadrada29.
Matemática na farmacologia não é abstrata30.
Fonte: Dados da pesquisa.

Categoria I: ‘Ser professor: motivação para o exercício da docência em Enfermagem’

Os docentes entrevistados expressam que a atividade docente apresenta vantagens


que a assistência em enfermagem não tem. Do ponto de vista de uma definição idealizada de
ser professor, a motivação para o exercício da profissão contribui para a representação
26
A matemática dos matemáticos e a matemática escolar.
27
A matemática que não se aplica nas decisões sobre formas de tratamento do ser humano, para as quais em
geral se necessita uma visão individualizada deste.
28
A matemática centrada na lógica fuzzy, na qual as escolhas estão relacionadas a determinado intervalo.
29
Matemática centrada em uma lógica que considera a pertinência associada a um intervalo de validade.
30
Trata-se de aplicações em geral aritméticas de noções matemáticas.
126

profissional dos enfermeiros docentes. Assim, a maioria dos docentes entrevistados parece
evidenciar motivações profissionais relacionadas a afinidade, fonte de renda, flexibilidade de
horário e prazer em ser professor. Essas ideias foram expressas por cinco dos sete sujeitos:

E1: [...] não adianta ter a docência; é preciso afinidade. Para mim essa afinidade
está ligada à formação e currículo [...].

E2: Então posso dizer que eu não procurei a docência. Foi o acaso, mas sinto
prazer em ser professor.

E3: [...] eu escolhi ser professora porque eu acredito que todo mundo pode mudar,
todos podem chegar à excelência., além disso, é uma oportunidade de obter mais
uma fonte de renda [...].

E4: [...] percebia que alguns de meus professores estavam ali sem prazer. Ser
professor era um bico.

E5: [...] na verdade, eu sou enfermeira por acidente e professora por vocação, por
afinidade, por natureza. É quase assim: nasci professora. Tenho prazer em ser
professora [...],

E7: [...] eu dou aula porque tenho filhos pequenos e o horário é flexível,
diferentemente do plantão.

Observa-se nas falas de dois entrevistados que para o exercício da docência é preciso
haver prazer no ato de ensinar. A fala de E4 é a antítese do que orienta Freire (1997, p. 160)
quando nos diz que “ensinar não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”.
Merighi (1998) aponta que esses profissionais têm como fonte de renda
predominante o exercício da assistência, sendo a docência um complemento.
Para Maissiat e Carreno (2010), o crescimento contínuo da atividade docente no
Brasil – deva-se ele a vocação, a acaso, a afinidade ou à busca por maior renda – mostra ser
premente a necessidade de encontrar caminhos que contribuam para a construção de melhor
formação, tanto para docentes quanto para discentes.
Gadotti (2003, p. 3-4) afirma que “escolher a profissão de professor não é escolher
uma profissão qualquer”, pois muitos são os desafios e responsabilidades que ela exige. Este
não parece ser, entretanto, o entendimento de E2:

[...] eu adorei ministrar aulas, eu gostei de saber que eu sabia e mostrar aos outros
o caminho que eles poderiam seguir. Estudo e depois explico tudo no quadro. É
muito fácil.
127

Categoria II: ‘Concepções dos enfermeiros docentes sobre a formação para a docência e
assistência em enfermagem: inquietações’

Abriu-se o debate sobre a formação para a docência e para a assistência em


enfermagem. Foi um momento desejado por todos os entrevistados e nos pareceu uma
oportunidade de desabafo.
Quando questionados sobre as inquietações presentes em sua formação docente, os
entrevistados opinaram sobre a necessidade de integração das duas formações: assistencial e
docente. A maioria dos entrevistados atribui à graduação e pós-graduação em enfermagem
uma contribuição irrelevante para sua formação docente, a qual avaliam como deficitária.
Essas inquietações estão presentes nestas falas:

E2: [...] entre o curso de bacharelado e licenciatura eu vejo uma diferença muito
grande, uma lacuna imensa. [...]. No bacharelado em enfermagem a docência é
utópica, não existe. [...] Na pós-graduação em docência [...] os cursos deixam a
desejar na formação do professor. Deveriam lembrar que somos enfermeiros e não
professores.

E3: [...] gostaria de ter uma formação na graduação e na pós-graduação que me


ajudasse a ensinar os alunos que vão ser técnicos de enfermagem. A formação da
graduação e muito menos a da pós em docência te oferecem isso. Sou enfermeiro
porque tenho formação, mas sou professor porque tenho diploma, mas não porque
tenho formação.

E4: Eu te digo isso porque quando eu fui fazer a licenciatura eu vi de tudo um


pouco, menos enfermagem. Eu falava todo dia: O que eu estou fazendo aqui? No
entanto, eu preciso dessa licenciatura para dar aulas!

E5: Ser professor a gente não aprende na universidade. A docência não te auxilia
nisso.

E6: [...] o meu ponto de vista é a seguinte: existe um buraco negro na formação dos
alunos, mas também na formação dos enfermeiros docentes. Na docência eu não
aprendia a dar aulas.

Como podemos observar, os respondentes identificam fragilidades em sua formação


e a ausência de preparo para exercer a profissão docente. Remetem suas inquietações aos
cursos oferecidos pelas universidades, que não proporcionam oportunidade de atuação em
sala de aula. Observamos nas falas de E2 e E3 a separação do sujeito enfermeiro e do sujeito
professor, revelando a questão da identidade e o distanciamento ocasionado pelo tipo de
formação, sem identificação e pertencimento como professor em uma comunidade de prática,
conceito que Wenger (1998) define como:

Um grupo de pessoas que partilha o mesmo interesse, digamos um problema que


enfrentam regularmente no trabalho ou nas suas vidas, e que se junta para
desenvolver conhecimento de forma a criar uma prática em torno desse tópico.
(WENGER, 1998, p. 4)
128

O sentimento de não pertencer a uma comunidade de prática e a dicotomia revelada


pelos sujeitos – ser enfermeiro e ser professor – podem advir de uma formação centrada na
assistência, remetendo às inquietações relacionadas à formação e toda a complexidade que a
envolve.
As instituições, de forma geral, permitem que esses profissionais aprendam a
ministrar aulas por ensaio e erro, desconsiderando a responsabilidade de formação do aluno
que a relação docente envolve.
Morin (ALMEIDA; CARVALHO, 2007) critica esse modelo de formação,
afirmando que ele proporciona uma capacidade mecanicista, disjuntiva e reducionista –
capacidade tipicamente cega, que destrói as possibilidades de compreensão, de reflexão e de
julgamentos éticos, complexos e contextuais, tornando os egressos em profissionais
inconscientes de sua responsabilidade social e sem autonomia.
Provavelmente, tal tipo de formação docente trata de forma superficial as questões
inerentes à prática pedagógica, sem ampliar o horizonte de conhecimentos para o ofício
docente, tão complexo quanto o assistencial.
Se o processo de enfermagem envolve interação entre paciente e enfermeiro, na
educação essa relação se estabelece entre professor e aluno, caracterizando uma realidade
diferente daquela vivenciada pelo enfermeiro assistencial. “Não faltam ocasiões para que os
professores sejam confrontados com a complexidade, graças aos estágios em sala de aula”
(PERRENOUD, 1997, p. 95). Da mesma forma que os enfermeiros assistenciais cumprem
estágio obrigatório em hospitais, o docente deve realizar estágio em escolas. Um dos
entrevistados relata:

E6: Temos o curso, o diploma, a habilitação. O estágio é obrigatório como na


assistência. O estágio é importante na docência, mas não tem tantas exigências
como na assistência. O acompanhamento, o direcionamento das atividades não é
levado tão a sério como na assistência [...]. O tempo é escasso, ou seja, não temos o
domínio de ser professor.

Colliselli et al. (2009) destacaram a importância do estágio nas atividades


assistenciais, pois criam oportunidades para o desenvolvimento de autonomia, criatividade,
domínio da prática, aprofundamento e contextualização dos conhecimentos, momento em que
o graduando é confrontado com a complexidade do contexto.
Da mesma forma, o estágio para a docência, segundo Freire (2001), pode ser uma
etapa importante em um processo de desenvolvimento profissional e de construção de uma
identidade docente pautada na reflexão sobre a prática.
129

Embora o estágio na docência tenha sido reconhecido pelo entrevistado E6 como


importante, sua fala revela que a falta de acompanhamento das atividades relacionadas ao
estágio dificulta o contato com a realidade da prática docente. Entendemos que o campo de
estágio e as relações nele vivenciadas propiciam ao futuro profissional o confronto com a
complexidade de situações reais e ainda inéditas. É um período de experiências intensas, em
que se requer estabelecer uma interlocução mais estreita com os orientadores de estágio, da
universidade e da escola em que o estágio se desenvolve.
Em alguns casos, o estágio é determinante para a continuidade ou interrupção da
frequência ao curso de licenciatura. É o momento em que o estudante se depara com seus
medos e angústias e com a complexidade do ambiente escolar. Observa-se que o não
cumprimento do estágio em docência também está ligado à motivação docente identificada na
categoria 1, levando-nos a conjecturar que a busca pela universidade é substituída pela busca
pelo treinamento e pela certificação.
Os discursos da maioria dos entrevistados revelam pontos positivos relacionados
diretamente com a formação em graduação para atividades específicas da assistência:

E2: Eu sou bacharel em enfermagem e considero que o curso me deu uma boa
formação para atuar como enfermeiro assistencial.

E7: Minha formação para a assistência foi muito boa. Considerado um curso muito
bom porque lá nós tínhamos prática de tudo e tinha estágio por disciplina. Tinha
estágio de cardiologia, que eu fiz no [Instituto] Dante Pazzanese [de Cardiologia].
Então, sabe... Pediatria, os estágios eram realizados em hospitais de referência.

E6: Eu sou enfermeiro assistencial e me formei em 1981. Eu tenho 32 anos de


brincadeira. O enfermeiro aprendia a ser enfermeiro assistencial e muito bem. [...]
O bacharelado nos prepara adequadamente para isso [...].

E4: Antigamente éramos formados para dar aulas de enfermagem, e muito bem
formados.

E5: Ser enfermeiro é uma coisa que a gente aprende durante a faculdade, e eu
aprendi.

Embora considerem que a formação para a assistência é adequada à prática de suas


atividades, os entrevistados identificam discrepâncias nos currículos propostos para a
docência:

E4: [...] o professor da área da enfermagem não é formado para a enfermagem


didaticamente. O currículo propõe uma formação para a docência para sermos
generalistas. Conclusão: vemos de tudo um pouco, de tudo um pouco, e esse pouco
está ligado com o nada. Vê tudo, menos as questões didáticas voltadas ao ensino
específico da enfermagem. Fico me perguntando: quem pensou nesse currículo?

E6: Os currículos propostos desses cursos deveriam dar uma sustentação


metodológica voltada para minha realidade de enfermeiro em sala de aula [...]. [...]
130

metodologia eu não aprendi para o que preciso: enfermagem [...]. [...] a maioria dos
enfermeiros docentes não tem [...].

Uma possível resposta para o exposto por E4 pode estar relacionada a um currículo
tradicional organizado de forma burocrática e mecânica, que não responde às necessidades
descritas pelo entrevistado no que diz respeito a sua formação.
Segundo Santos (2006), a formação generalista na área de enfermagem prevê a
necessidade de conhecimento mais global e menos específico em enfermagem, pois o futuro
enfermeiro necessitará adquirir uma visão tão ampla quanto possível do trabalho e da
profissão. A formação generalista encontra-se o artigo 3.º das DCN, que diz respeito ao perfil
do egresso:

Enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva. Profissional


qualificado para o exercício de Enfermagem, com base no rigor científico e
intelectual e pautado em princípios éticos. Capaz de conhecer e intervir sobre os
problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico
nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões
biopsicossociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de
responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde
integral do ser humano. (BRASIL, 2001, p. 37).

Os enfermeiros docentes questionam a formação generalista, apontando que ela não


contempla os conhecimentos necessários à atividade docente. Assim, os entrevistados
reclamam por uma formação que considere a realidade em que devem atuar e questionam
sobre os objetivos e os desencontros de um currículo que não é guiado por um pensamento
que una.
Quanto aos estudos teóricos, Morin (2003a, p. 93) aponta:

O princípio sistêmico ou organizacional, que liga o conhecimento das partes ao


conhecimento do todo, segundo o elo indicado por Pascal: “Considero impossível
conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer
particularmente as partes”.

Entende-se que, em qualquer curso, o currículo que não atenda as expectativas e


interrogações cognitivas dos alunos os coloca em segundo plano. D’Ambrosio (1998b, p. 68),
além de definir currículo como uma “estratégia para a ação educativa”, afirma que as críticas
que recaem sobre o conhecimento atual e as práticas pedagógicas estão relacionadas com os
exageros das especializações, que conduzem a um pensamento disciplinar subtraindo a
percepção do contexto. Esse pensamento é resultado do método cartesiano, que estreita os
campos de reflexão, em detrimento de uma visão global.
131

Morin (2012) identifica o especialista como um sujeito que está focado nas partes e
ignora a influência do todo sobre estas, ao passo que o sujeito generalista se volta para o todo
e ignora as partes.
Em nossas análises, destacamos a opinião de E7, pois explicita claramente a
importância da matemática na formação profissional e a responsabilidade do ato docente:

E7: Desculpe o desabafo. Mas é assim: sem entender metodologia, matemática e


suas possibilidades não conseguimos ajudar os alunos a associarem os
conhecimentos matemáticos com os conhecimentos de enfermagem. Acabam sendo
trabalhados isoladamente. Acredito eu, os erros que acontecem são por essas
razões. A universidade não forma; apenas informa. Informação, eu tenho a internet!

A análise desta fala conduz ao fato de que, apesar dos esforços empreendidos na
consolidação de novas exigências para a formação em enfermagem, o processo de superação
nos cursos voltados à docência em enfermagem é ainda tímido, com fragilidades em seus
objetivos, comprometendo a prática profissional do enfermeiro docente. D’Ambrosio (1998,
p. 9), apropriadamente, frisa que:

Lamentavelmente, na organização dos nossos cursos de licenciatura e de magistério


e, igualmente, na pós-graduação, tem havido ênfase reducionista em algumas dessas
áreas, com exclusão de outras. E cria-se a figura dos especialistas, com suas áreas de
competência.

O enfermeiro assistencial, durante sua formação, é capacitado para assistir o


paciente; a formação para a docência prevê que ele seja capacitado para assistir os alunos. A
formação deve instrumentalizá-los para desenvolver suas atividades, e um desses
instrumentos, nesse contexto, é o conhecimento sobre matemática – termo utilizado por Ball
(1990). O entrevistado E7, além de identificar novamente a fragmentação como um obstáculo
em sua formação e atuação profissional, aponta a importância da matemática na formação
profissional, bem como a importância de sua aplicabilidade no contexto da enfermagem.
As colocações desse entrevistado se aproximam de nossas convicções de que os erros
descritos neste estudo podem estar relacionados com a fragmentação e a ausência de um
tratamento mais específico sobre os conhecimentos matemáticos na formação dos
profissionais de saúde. As reflexões apresentadas a seguir encontram apoio nas considerações
de Ball, Thames e Phelps (2008) e se referem ao conhecimento sobre matemática para o
ensino.
Ter conhecimento matemático não é suficiente para ensiná-la. Por exemplo: a
transformação de soluções, como as de soro glicosado, envolve tipicamente ao menos seis
procedimentos de cálculo (incluindo subtração, divisão, multiplicação, razão e proporção,
132

números decimais, frações e unidades de volume), os quais têm decorrências diretas sobre a
melhora ou piora do paciente, como declara E7:

[...] e é nesse momento que podemos matar.

Tais cálculos podem ser comuns no contexto hospitalar de enfermagem, ou seja, na


prática diária clínica. Embora o enfermeiro disponha do conhecimento necessário para
resolver esses cálculos, pode não ter conhecimento suficiente para ensiná-los.
Segundo Ball, Thames e Phelps (2008), o aluno comete erros e o professor deve ser
capaz de perceber respostas incorretas e realizar análises eficientes dos erros matemáticos
cometidos. É preciso que o professor identifique as estratégias utilizadas pelo aluno, questione
sua validade, confronte as diferentes resoluções apresentadas pelos alunos, descubra o que
estes alunos fizeram e verifique se o pensamento que utilizaram é matematicamente correto e
se a abordagem utilizada daria bom resultado em geral.

Categoria III: ‘Matemática e enfermagem: preocupações presentes, práticas


pedagógicas em uso nos cursos de formação de auxiliares e técnicos de enfermagem’

Nesta categoria buscou-se identificar as preocupações dos docentes, as práticas


pedagógicas que utilizam para agregar a matemática aos procedimentos de enfermagem, o
modo como conduzem suas aulas e suas atitudes e dificuldades relacionadas ao ato docente.

Formação precária dos alunos do curso técnico de enfermagem nos níveis fundamental e
médio e os conteúdos matemáticos

Os enfermeiros docentes, ao revelarem suas preocupações, explicitaram quais


conhecimentos sobre matemática consideram importantes para o exercício das funções de
auxiliar e técnico de enfermagem e relataram até que ponto os alunos têm compreensão sobre
esses conhecimentos. Os relatos dos entrevistados mesclaram o conhecimento do conteúdo ao
conhecimento pedagógico do conteúdo e associaram o conhecimento do conteúdo às suas
práticas pedagógicas.
Shulman (1987) afirma que os docentes necessitam de uma base, um repertório
mínimo, de conhecimentos para que possam desenvolver a atividade docente. Tais
conhecimentos são necessários e indispensáveis para a atividade profissional. Mizukami
(2004) e Shulman (1987) argumentam que o conhecimento do conteúdo está diretamente
relacionado com a disciplina a ser ensinada e que o pleno domínio do conhecimento
específico amplia as possibilidades de intervenção docente, ao passo que sua ausência
restringe os caminhos daquilo que se quer ensinar. Com base nesses pressupostos, afirmamos
133

que o conhecimento do conteúdo é indispensável para o exercício da docência, em particular


para o da docência em enfermagem.
Evidencia-se nas falas dos entrevistados que os conhecimentos sobre matemática –
termo utilizado por Ball et al. (2009) – constituem um alicerce no qual será apoiado todo o
desenvolvimento dos cálculos relacionados às atividades da enfermagem.
A maioria dos entrevistados considera que a formação nos níveis de ensino
fundamental e médio de seus alunos é insuficiente para acompanharem o curso de formação
para auxiliar e técnico de enfermagem:

E1: Os alunos vêm do ensino fundamental e médio com enorme problema de


formação em matemática [...].

E2: Os alunos não possuem uma formação sólida de matemática no ensino


fundamental e médio [...].

E3: Na verdade, os alunos têm problemas com o ensino de matemática no ensino


fundamental e médio [...].

E4: Os alunos vêm do ensino fundamental e médio com enorme problema de


formação em matemática, o que também dificulta nosso trabalho [...].

E6: O grande problema do ensino da enfermagem é a base do ensino de matemática


[...].

As falas evidenciam não haverem sido alcanças as orientações dos PCN de


matemática (BRASIL, 1997) para o ensino fundamental, que visam levar o aluno a
compreender e transformar o mundo a sua volta, resolver situações-problema, comunicar-se
matematicamente, estabelecer relações com as demais áreas do conhecimento, desenvolver
autoconfiança em seu fazer matemático e interagir adequadamente com seus pares.
A matemática pode colaborar para o desenvolvimento de diferentes tecnologias e
linguagens exigidas pelo mundo globalizado. Para tanto, o ensino de matemática prestará sua
contribuição à medida que forem exploradas metodologias que priorizem a criação de
estratégias, a comprovação, a justificativa, a argumentação e o espírito crítico e que
favoreçam a criatividade, o trabalho coletivo, a iniciativa pessoal e a autonomia advinda do
desenvolvimento da confiança na própria capacidade de conhecer e enfrentar desafios.
Mais pontualmente, os entrevistados relacionam as dificuldades de seus alunos a
conceitos que se iniciam no terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental e são tratados no
bloco de conteúdos ‘Números e operações’:

E2: [...] quatro operações matemáticas. [...] a soma com vírgula, a subtração com
vírgula, a divisão com vírgula, a multiplicação com vírgula. [...] números decimais:
isso é um problema de base [...].
134

E4: Eu tive uma sala de 30 alunos na qual, no primeiro dia de aula, eu dei contas de
dividir com vírgula. Apenas cinco acertaram e os outros 25 nem souberam sair do
lugar [...].

E6: [...] adição, subtração, multiplicação e assim vai, para depois você entrar nas
questões da proporcionalidade.

E7: [...] os conhecimentos matemáticos necessários [...] as quatro operações, o


grande problema com decimais, transformação de unidades, regra de três simples
[...].

No bloco ‘Números e operações’, além do desenvolvimento do sentido numérico, da


compreensão do significado das operações e da compreensão de procedimentos de cálculo,
outros aspectos devem ser enfatizados, como o desenvolvimento das noções de
proporcionalidade, porcentagem e representações algébricas para expressar relações
quantitativas (BRASIL, 1997).
Os autores dos PCN de matemática, do ponto de vista social, evidenciam a inserção
precoce dos alunos no mercado de trabalho, o que requer que a aprendizagem de matemática
esteja ancorada em contextos sociais que mostrem claramente as relações existentes entre o
conhecimento e o trabalho – em nosso caso, as atividades de enfermagem.
Quanto à abordagem da matemática nas atividades de enfermagem, os entrevistados
declaram:

E2: Eu faço a revisão do conteúdo sem envolver medicação. Somente cálculos. Eu


passo um número razoável de exercícios para que eles pratiquem de forma
incessante, até que eles mesmos se sintam exaustos. É o “princípio da exaustão”
[...].

E4: Primeiro passamos vários exercícios de matemática; depois exercícios de


enfermagem onde eles utilizam os conceitos matemáticos. Aí é a confusão:
esqueceram tudo. Não fazem a ligação. Passamos muita lição de casa, mas acredito
que poderíamos utilizar mais a internet, mais atividades atrativas para os alunos.

E5: [...] uma revisão de matemática para que eles relembrem – na verdade
aprendam – o que não foi assimilado: fazer divisão e multiplicação, trabalhar com
números decimais, que na verdade é onde eles têm a maior dificuldade. Somente
depois dessa revisão é que tentamos associar o que foi aprendido com o cálculo de
medicação. Mesmo assim, na associação fica difícil. Eles não enxergam [...] .

E6: Trabalhar primeiro os conhecimentos matemáticos para depois aplicá-los na


enfermagem não é ideal. Ficam muito separados os conceitos matemáticos da
enfermagem [...].

E7: Não faço revisão. Penso que isso o aluno tem que trazer com ele dos ensinos
anteriores. Indico livros de matemática. Esse conhecimento já foi adquirido [...].

As falas também apontam que a dificuldade dos alunos pode estar relacionada com a
falta de contextualização:
135

E2: Só mostro o cálculo separado da enfermagem. Depois enfermagem. É lecionar


duas disciplinas. De um lado a matemática básica e de outro a farmacologia. O
desafio é ligar as duas [...].

Na verdade, os PCN orientam para a contextualização dos conhecimentos


matemáticos e, nesse sentido, os cursos de formação de auxiliares e técnicos têm um desafio a
enfrentar. Embora existam propostas recomendando como os conteúdos matemáticos devam
ser trabalhados, D’Ambrosio (2012) aponta que o ciclo de aquisição do conhecimento é
deflagrado a partir dos fatos da realidade.
Desse modo, a construção do conhecimento matemático pode ser mais eficiente se
emergir de fenômenos que tenham origem na realidade. Assim, explorar situações da vida real
às quais a matemática se aplica parece propiciar um envolvimento mais significativo dos
alunos no processo de aprendizagem.
No entanto, observa-se que as dificuldades dos alunos parecem estar relacionadas à
ausência do conhecimento pedagógico do conteúdo na formação do professor, que Shulman
identifica em seus estudos como uma mescla entre o conhecimento do conteúdo e o
conhecimento pedagógico do conteúdo. A falta de compreensão do que significa ensinar
conteúdos disciplinares e técnicas necessárias para articular os conteúdos teóricos com a
prática pode afastar o envolvimento dos alunos, por não se adaptar aos diversos interesses
destes. As situações relatadas pelos entrevistados não promovem a compreensão, pois são
desarticuladas e não geram sentido para os conceitos matemáticos no contexto em que serão
utilizados.
É precisamente nesse ponto que as análises de Morin (2003a,b) se mostram
relevantes, pois requerem admitir que não é a quantidade de informações nem a sofisticação
em matemática que conduzem a um conhecimento pertinente, mas sim a capacidade de
colocar o conhecimento em contexto. É preciso que as disciplinas interajam, que se conectem,
e não é isso o que percebemos na abordagem de matemática nos cursos técnicos de
enfermagem.
Na visão de Morin (2003a,b), essa abordagem cobre pontos necessários para que o
conhecimento matemático se torne pertinente aos alunos. Desconsidera o contexto em que
esse conhecimento está inserido, ao apresentá-lo isoladamente das questões da enfermagem.
Assim, os conhecimentos matemáticos perdem sentido ao desconsiderarem o global (a
realidade na qual serão utilizados) e o multidimensional (o atendimento do paciente em toda a
sua complexidade). É preciso situar e relacionar o conhecimento matemático ao contexto da
enfermagem, sem separá-lo dele. É premente estabelecer a comunicação entre os contextos.
136

Torna-se evidente a preocupação dos entrevistados em auxiliar seus alunos. Embora


esses docentes reconheçam a importância dos conhecimentos matemáticos, a forma como
estes são tratados dificulta ou impede sua transposição para novas situações.
Os discursos revelam que os entrevistados administram e organizam os
conhecimentos matemáticos por meio de revisões, as quais cobrem os principais conceitos
matemáticos utilizados nos procedimentos de enfermagem. É um ponto importante, porém
revisar os conhecimentos matemáticos só faz sentido caso se destine a promover uma
compreensão mais profunda das relações entre estes e os procedimentos de enfermagem,
capacitando o aluno a entender uma situação-problema e pôr em jogo as ferramentas
adquiridas para resolvê-la.
Uma aprendizagem que tenha como objetivo a utilização do conhecimento em
situações inéditas não pode ser compartimentada e linear. Tomando a definição de Spiro et al.
(1991a,b), observamos que os entrevistados reconhecem os conhecimentos matemáticos,
porém como esses conhecimentos são ainda pouco estruturados, surgem dificuldades ao
serem utilizados como ferramentas nas atividades de enfermagem.
Como sugerem Spiro et al. (1991a,b), é necessária uma reestruturação desses
conhecimentos prévios para que os alunos possam utilizá-los em outras disciplinas.
Essa reestruturação é proposta por meio de aplicações que em geral são tratadas
como técnicas, sem desenvolver uma articulação entre o conhecimento matemático de que o
aluno dispõe e essa nova forma de utilizá-lo, ou seja, os estudantes passam das técnicas
puramente matemáticas à aplicação destas em um novo contexto, sem que o conhecimento
existente tenha sido reelaborado e o novo tenha sido construído.
Retomemos a fala do entrevistado E2:

[...] eu passo um número razoável de exercícios para que eles pratiquem de forma
incessante, até que eles mesmos se sintam exaustos. É o princípio da exaustão [...].

Percebemos estar nela implícito que a prática descrita pelo docente se enquadra
naquilo que D’Ambrosio (2012, p. 96) classifica como “kumonismo31”: “‘Quanto mais vezes
faz, melhor faz’ – esta prática é insustentável. É a antítese da criatividade”.
Os exercícios mencionados por E2 têm por função revisar os conceitos matemáticos
para minimizar as dificuldades que poderão surgir nas atividades de enfermagem que
envolvam cálculos. No entanto, revisar conteúdos sem estabelecer relações entre as

31
Neologismo que se refere ao enfoque adotado pelo Método Kumon, de origem japonesa, em que a aquisição
de habilidades se faz por meio da prática reiterada.
137

disciplinas específicas da enfermagem não surte o efeito desejado, como constatado


anteriormente. Não se trata de renunciar aos exercícios, mas atentar para o fato de que, da
forma como é concebida pelo professor, sua prática pedagógica impede a criatividade. “É
fundamental que as disciplinas sejam lecionadas com muito cuidado e devem ser um estímulo
à criatividade” (D’AMBROSIO, 2012, p. 97).

Dificuldades dos docentes do curso técnico de enfermagem

Os entrevistados também relataram vivenciar dificuldades quando associam a


matemática aos procedimentos de enfermagem:

E1: Infelizmente nós temos alguns profissionais que têm dificuldade de associar
matemática e enfermagem. Eu sinto assim. Também temos dificuldades com as
operações básicas: operações com decimais, proporção, porcentagem. Tem
professor que tem dificuldade com esses conceitos [...].

E3: Eu tenho uma deficiência muito grande e é em matemática. E se você perguntar


a matemática dentro da enfermagem, também sim: razão, proporção, porcentagem,
decimais, divisão [...].

E4: Também temos dificuldades com as operações básicas: operações com


decimais, proporção, porcentagem. Eles [professores] também têm dificuldades,
mas eles só falam da dificuldade dos alunos [...].

E6: para lecionar, os enfermeiros docentes que têm conhecimento matemático,


senão não vai. Porque se eu tenho um professor que não tem conhecimentos
matemáticos básicos – adição multiplicação, porcentagem, razão –, e alguns
professores não têm esses conhecimentos, confunde e complica mais e mais a vida
dos alunos [...].

Se a ausência do conhecimento sobre matemática restringe a capacidade dos alunos


em adaptarem os conhecimentos anteriores a novas situações, sua falta na formação do
professor limita suas ações no processo de ensino.
De acordo com os depoimentos dos entrevistados, podem-se notar semelhanças entre
suas dificuldades e as dos alunos com relação ao conhecimento sobre matemática, indicando
que, de alguma maneira, a abordagem dos conhecimentos matemáticos nos níveis de ensino
desses sujeitos precisa ser revista.
Para alunos e professores, a aplicabilidade da matemática no contexto da
enfermagem se mostra como um domínio complexo e pouco estruturado. Parece ser
necessário refletir sobre o que se pretende com a formação dos alunos e professores e as
expectativas para o final de cada fase de escolarização.
Esse ponto de vista é reafirmado quando trazemos à discussão as considerações de
D’Ambrosio (1998). Para este, a educação em geral enfrenta grandes problemas,
138

particularmente na educação matemática de hoje. Podemos acrescentar também as


deficiências na formação para a docência em enfermagem. Ali, os pontos críticos estão
essencialmente concentrados em dois setores: a falta de capacitação para conhecer o aluno e a
obsolescência dos conteúdos adquiridos nas licenciaturas.

O espaço da matemática, fragmentação, atitudes, recursos, entraves curriculares e cursos


livres

Na proposta de Shulman (1987), endossada por Mizukami (2004), o conhecimento


pedagógico do conteúdo pressupõe que não basta conhecer o conteúdo a ser ensinado. É
preciso considerar os instrumentos metodológicos e as práticas pedagógicas que direcionam
as intenções de ensino. O conhecimento pedagógico geral influencia a maneira como o
docente desempenha o exercício docente.
Ao longo dos discursos, percebe-se que os entrevistados, de maneira geral, buscam
alternativas para abordar os conhecimentos matemáticos e revelam as condutas e atitudes
relacionadas a sua prática pedagógica.
Nos depoimentos, identificamos que a matemática comparece diluída dentro de
disciplinas como ‘Técnicas básicas’ e ‘Clínica médica’. No entanto, há uma forte relação
entre farmacologia e matemática. Os enfermeiros docentes identificam a farmacologia como
uma área de conhecimento específico que estuda a interação medicamentosa e a resposta, ou
efeito, dessas interações, bem como a dosagem adequada de medicamentos para a melhora do
paciente.
O espaço que a matemática ocupa mais visivelmente na enfermagem é o da área de
farmacologia. Desse modo, diluir a matemática na disciplina ‘Farmacologia’ é uma prática
pedagógica de que docentes e instituições de ensino se valem para poderem trabalhar com o
conhecimento matemático, uma vez que matemática não pode figurar explicitamente como
disciplina própria na matriz curricular de um curso técnico de enfermagem. Essa afirmação é
evidenciada nas falas:

E1: [...] é na farmacologia, mas o tempo é escasso [...].

E2: [...] o que mais trabalho nas aulas, por ser característica e conteúdo da
farmacologia, é cálculo com medicação, pois é aí que precisamos de matemática
[...].

E4: [...] farmacologia. [...] é pouco tempo para muitas dificuldades [...].

E5: [...] eles colocam os cálculos dentro da disciplina de farmacologia. Impossível.


Algo sairá mal feito.
139

E6: A matemática impera em farmacologia, mas o tempo é escasso para tratar dos
dois assuntos.

O que sobressaiu nos discursos dos entrevistados foi a organização do tempo.


Quando os docentes foram indagados sobre o tempo dedicado e sobre como a instituição em
que lecionam os orienta para que se efetive a revisão dos conhecimentos matemáticos, a
maioria revelou escassez de tempo. E6 acrescentou:

Em seis meses fracionados [...] sem conseguir fazer ligações, que você vai conseguir
colocar isso na cabeça do aluno? Agora que mudou, não temos mais essas
disciplinas. Fica difícil. [...] Agora que mudou, a gente está mais perdido ainda. [...]
Eu já nem mais sei o que é certo ou errado [...]. Então, você não pode fazer um
trabalho extra de matemática em farmacologia apenas em dois dias [...].

Os conceitos matemáticos, mesmo que inseridos nas disciplinas, são apresentados


isoladamente, para depois se realizarem as conexões necessárias para que o aluno os
compreenda e lhes atribua significado em contexto. Novamente, encontramos nessa prática
evidências da fragmentação do conhecimento, geralmente descontextualizado.
Os alunos não conseguem compreender a matemática nos procedimentos de
enfermagem, no momento em que falta uma proposta pedagógica capaz de atender suas reais
necessidades. Vigora também um equívoco relacionado à ideia de que aumentar o tempo de
ensino poderá repercutir positivamente na compreensão da matemática. Em vez de aumentar o
tempo, é preciso aumentar a participação dos alunos, despertá-los para o novo e para a
realidade das incertezas.
Uma das consequências de tratar isoladamente os conteúdos é expressa pelo
entrevistado E6:

O tempo é escasso [...]. Quando chega ‘Farmacologia’, esqueceram tudo [...].

Isso ocorre porque em um compartimento se encontram as questões de farmacologia,


enquanto em outro estão os conceitos matemáticos, numa abordagem fragmentada. Não é de
admirar que o docente entrevistado reconheça que os alunos esquecem a maior parte dos
assuntos abordados. A esse respeito, Khan (2013, p. 55) salienta que “no nosso equivocado
zelo em criar categorias bem arrumadas e módulos de ensino que se encaixam perfeitamente
numa determinada duração de aula, negamos aos estudantes o benefício – o benefício
fisiológico – de identificar conexões”.
E6 complementa:

Tudo isso é em off, não é registrado. No meio do registro no diário que a professora
leciona a matéria, ela para uns 10 a 15 minutinhos e passa um pouco dos conceitos
da matemática. [...] Sei que não é ideal. Ficam muito separados os conceitos
matemáticos da enfermagem [...].
140

Tal relato corresponde ao que Khan (2013, p. 55) define como prática pedagógica
convencional, que tende a ser melancolicamente rígida: “Pegue um pedaço de um assunto e o
trate como se ele existisse no vácuo”. Citando Washburne, Khan (2013, p. 45) esclarece: “O
que deveria ser fixo, em alto nível, é a compreensão e o que deveria ser variável é a
quantidade de tempo que os alunos têm para compreender os conceitos”.
Retomando as considerações de Morin (ALMEIDA; CARVALHO, 2007), uma
educação impregnada por essa tendência contamina o exercício da docência com uma visão
linear e disciplinar do universo. Nesse enfoque, a prática pedagógica e o conhecimento são
vistos como algo a ser alcançado de maneira linear, sob a premissa de que o professor deva
partir do mais simples para o mais elaborado, fragmentando os conteúdos em pequenas
porções desconectadas do todo e apresentando situações mecânicas e estáticas.
Shulman corrobora Morin ao se referir a assuntos que deveriam ser essenciais à
formação dos educadores, incluindo o modo de relacionar teoria e prática, de motivar o
pensamento crítico e questionador na escola e de preparar o aluno para reagir frente ao
inesperado, à incerteza (FAVA, 2010).
Entendendo que o conhecimento pedagógico geral permite ao professor selecionar os
procedimentos e instrumentos mais adequados, seja para ensinar ou para associar a
matemática aos procedimentos de enfermagem, constatamos ao longo dos discursos colhidos
que os docentes utilizam livros e apostilas no desenvolvimento dos cursos.
Os docentes E1, E4 e E6, além de atuarem como professores, são coordenadores de
cursos de formação de auxiliares e técnicos de enfermagem e explicitam em suas falas a
importância do conhecimento do professor:

E1: Nós utilizamos apostila e dependemos muito do conhecimento do professor, o


que ele traz para desenvolver o assunto [...].

E4: Quando eu não consigo transmitir os cálculos, eu chamo o professor de


matemática [...]. Utilizamos livros e apostilas elaboradas pelo próprio professor da
disciplina. Dependemos do conhecimento do professor [...], mas o que predomina
entre os professores é o uso da apostila [...].

E6: [...] o sistema é apostilado e os professores elaboram as apostilas. Isso facilita o


nosso tempo e de vez em quando utilizamos alguns livros, mas o que predomina é
apostila [...]

E7: [...] preparo as apostilas. O que muda é a didática [...]. [...] são professores
diferentes, experiências diferentes, formações diferentes e isso não se pode mudar,
mas o conteúdo matemático, sempre os mesmos [...].
141

Cabe ressaltar nos comentários de E1 e E7 a importância depositada no


conhecimento do conteúdo específico e conhecimento pedagógico geral que o professor traz
consigo para o desenvolvimento do curso.
É fundamental considerarmos que é na interface do conhecimento do conteúdo
específico com o conhecimento pedagógico geral que se estabelece o que Shulman (1986)
denomina como conhecimento pedagógico do conteúdo. É nessa interface que esses
conhecimentos estão interligados e a falta de um deles interfere fortemente na maneira como
o professor irá ensinar. Daí a necessidade de buscarmos alternativas que nos possibilitem
vislumbrar adequações entre os currículos dos cursos de enfermagem e licenciatura em
enfermagem, a partir da realidade dessas formações e das possibilidades de coexistirem neles,
em medida ponderada, os conhecimentos de base para a formação inicial do professor.
No que concerne aos recursos didáticos utilizados, identificamos nos discursos um
predomínio de apostilas. As falas indicam a visão de que o problema não reside no uso de
livros e apostilas, mas no modo como esses materiais são utilizados, sem interpretação crítica,
como aponta um dos entrevistados:

E2: [...] é mais fácil e está prontinha para o uso [...].

Segundo Shulman (2005), a interpretação crítica é processo desenvolvido pelo


professor, envolvendo análise e revisão dos materiais de ensino, bem como análise dos
propósitos educacionais. Acrescenta que todo professor deveria pôr em prática esse processo
para desenvolver sua ação docente.
Xavier (2006), ao analisar apostilas utilizadas em um curso técnico, constatou que os
conceitos matemáticos são apresentados como um teste inicial de aritmética, tendo como
objetivo permitir que o aluno identifique seus pontos fracos relativos à matemática básica.
Procede-se a uma revisão sob a forma de uma lista infindável de exercícios e os conceitos
muito raramente são associados aos procedimentos de enfermagem. Ao final, o autor do
material didático deixa um lembrete ao leitor: “Não se desespere! Você verá que é simples!
Parece complicado, mas não é”.
Tal prática pedagógica é identificada por Spiro et al. (1987) como “conspiração de
conveniência”32, designação que remete à simplificação de um assunto complexo, facilitando
ao professor a exposição para que os alunos, supostamente, compreendam melhor o que está
sendo focalizado – o que possivelmente facilita meramente o trabalho dos autores de tais
livros e apostilas.
32
No original, conspiracy of convenience.
142

Spiro et al. (1987) argumentam que, quando o conteúdo é vasto e o tempo é curto, o
conteúdo é apresentado de forma artificialmente simplificada, o que, no caso da matemática
aplicada aos procedimentos de enfermagem, tem consequências preocupantes, uma das quais
é a geração de concepções erradas. Essa “conspiração” não permite a flexibilidade cognitiva
matemática nem a transposição desses conhecimentos quando se fazem necessários em uma
nova situação.
E6 declara:

[...] mas quando você vai ver, é da internet que ele busca informações [...].

Tal fala sugere que o docente não concorda com essa prática de consulta dos alunos à
internet. A “portabilidade”, termo utilizado por Khan (2013, p. 61) das apostilas e livros para
a internet permite, porém, aos alunos, de forma dinâmica, obter acesso a informações sem a
presença do professor. Quanto a isso, Morin pergunta: “O que faz necessária a presença de um
professor? Ele deve ser o regente da orquestra, observar o fluxo desses conhecimentos e
elucidar as dúvidas dos alunos” (RANGEL, 2014). Nesse sentido o professor deveria
aproveitar essa oportunidade para desenvolver o senso crítico dos alunos e transformar seu
papel de educador, compreendendo que existe aprendizado também fora da escola.
Se a prática pedagógica é direcionada à desvinculação e fragmentação dos
conhecimentos, isso se deve ao fato de ser orientada por uma tradição disciplinar na qual
também são formados os educadores. Presos a ela, reproduzem-na em seus alunos. Ao que se
veem contrários a ela, permanecem em aberto ao menos duas tarefas: a de se modificarem e a
de encontrarem caminhos para trabalhar os conhecimentos nas instituições de ensino.
Um aspecto que merece ser focalizado é evocado pelo docente E6:

Aquilo que o aluno não sabe você joga fora, joga para trás e segue em frente. Na
enfermagem temos que identificar o problema, tentar resolver o problema, [...] não
dá para deixar para lá como acontece na sala de aula [...]. [...] Na enfermagem, o
paciente precisa ter o problema resolvido.

Observamos contradições nas reflexões de E6: se na enfermagem o problema tem


que ser resolvido, pois nesse contexto encontra-se a vida do paciente, como jogar fora o que o
aluno não sabe, já que o que ele desconhece será também utilizado na prática? Em analogia,
acreditamos que as situações vivenciadas em sala de aula também precisam ser resolvidas.
Na instituição de ensino os currículos são padronizados, embora a aprendizagem e a
vida necessitem de estratégias de ação para se lidar com o novo e com a complexidade. Nessa
perspectiva, os erros encontrados na prática do profissional da enfermagem, descritos no
decorrer desta investigação, podem estar ligados a uma prática pedagógica equivocada.
143

As atitudes são recursos necessários no ato docente, como apontam as seguintes


falas:

E6: [...] se eu percebo que a enfermeiro docente domina e gosta de matemática, tudo
bem, eu atribuo às aulas. Quando não, eu entro para dar aulas ou tenho que
chamar um bombeiro para apagar o incêndio. [...]. Tem períodos que não consigo
professores que permanecem até o fim do módulo de farmacologia, por conta da
bendita matemática. A cada dois, cada dois, três dias, eu precisava trocar de
professor de farmacologia [...].

E4: [...] quando eu não consigo transmitir os cálculos, eu chamo o professor de


matemática do ensino fundamental ou médio [...]. Aí eu entro com os cálculos de
medicação [...].

E2 acrescenta:

Duas professoras sempre pedem férias nessa época, por não dominar a matemática,
e pedem que eu assuma esta parte da matéria que envolve cálculos.

As atitudes relatadas mostram que o conhecimento matemático, segundo os


entrevistados, é insuficiente para ministrar aulas de farmacologia. Os professores sentem-se
incapazes e evitam lecionar farmacologia, de modo a não terem que trabalhar com o
componente matemático dessa área.
Recorre-se então à troca de professores, rotatividade esta que prejudica o fluxo
natural de aprendizagem. Nessas situações, as aulas de farmacologia são assumidas pelo
coordenador, ou busca-se outro profissional que tenha conhecimento matemático suficiente
para conduzir as aulas. Configura-se uma “evasão acadêmica”. Claramente, os cursos de
formação pouco respondem aos dilemas e desafios vividos pelos enfermeiros docentes. É
preciso que as universidades repensem seu papel, no sentido de criar condições para que estes
se apropriem dos conhecimentos necessários para que possam desenvolver suas atividades a
contento, muito embora saibamos que também existem práticas pedagógicas significativas
nesse contexto. A articulação entre a formação no conteúdo específico e o conteúdo
pedagógico continua, porém, não resolvida, evidenciando uma dicotomia entre a formação do
licenciado em enfermagem e a do bacharel em enfermagem. Para Shulman (1987), não é
possível separar o que se ensina – o conteúdo – do como ensinar – o aspecto metodológico.
Os entrevistados identificam entraves curriculares à prática docente. Entendemos,
como Shulman (1987), que o currículo é uma das bases para o planejamento do ensino – o
que esse autor denomina conhecimento do currículo. Os entrevistados revelaram possuir
conhecimento do currículo referente às instituições em que lecionam. Avaliam que as
matrizes curriculares não facilitam a atuação docente – pelo contrário, inibem as iniciativas de
ensino.
144

A percepção dos docentes sobre o currículo do curso técnico é a de que este não
contempla as particularidades de cada estudante e suas necessidades. Evidências desses
desencontros são observadas nos discursos a seguir:

E1: [...] apertei ao máximo o conteúdo. Preciso cumprir o programa. Foi preciso
aumentar as horas, pelas dificuldades dos alunos e principalmente pelos erros que
apareceram na mídia. Então já aproveitei o gancho e encaixo a matemática nessas
horas [...].

E5: [...] a matriz curricular do curso técnico não é elaborada, não considerando as
diferenças dos alunos.

E6: É como se todos fossem todos iguais, tivessem o mesmo nível, e não é assim.
Acaba dificultando o trabalho. Temos que cumprir. Os alunos do curso técnico têm
muitas dificuldades [...].

Cabe aqui uma observação importante: os entrevistados revelam que o currículo se


caracteriza como um entrave para suas ações, pois da maneira como é concebido não
considera as diferenças. Nessa perspectiva, não considerar diferenças é negar que nem sempre
podemos ensinar tudo a todos, o que pode despertar nos alunos sentimentos de incapacidade,
entre outros que podem emergir quando se deparam com a matemática nesse contexto: baixa
autoestima e falta de confiança em utilizar a matemática nos procedimentos da profissão.
Acrescenta E6:

[...] embora existam entraves no currículo, esse pode ser um momento para reflexão
[...].

D’Ambrosio (2012, p. 83) compreende que é “importante munir o professor com


metodologias e melhorar seu domínio do conteúdo específico”. No entanto, ações desprovidas
de reflexão mais profunda sobre o que ensinar, como fazê-lo e para que e quem se ensina
podem se caracterizar como frustrantes.
Referindo-se a seus alunos, o docente E3 diz:
[...] e na verdade eles não são todos iguais [...].

Isso nos faz retornar a atenção três séculos, à obra clássica de Comenius, Didactica
magna (1621-1657), que focaliza a possibilidade de ensinar tudo a todos:

[...] assim como o padeiro, com uma só fornada de massa e aquecendo uma só vez o
forno, coze muito pães, e o forneiro, muitos tijolos, e o tipógrafo, com uma só
composição, tira centenas e milhares de cópias de um livro, assim também o
professor, com os mesmos exercícios, pode, ao mesmo tempo e de uma só vez,
ministrar o ensino a uma multidão de alunos, sem qualquer incômodo. Do mesmo
modo que vemos também que um só tronco é suficiente para sustentar e embeber de
seiva uma árvore, por mais ramos que ela tenha, e o sol é suficiente para fecundar
toda a terra (COMENIUS, 2001, capítulo XIX, p. 92/179).
145

Prosseguindo as análises, um dos entrevistados comenta sobre os desencontros


burocráticos entre escola e os dirigentes de ensino:

E6: Os nossos supervisores. Bom, eu vou dizer uma coisa: nós temos um grande
problema. A delegacia de ensino entende de papel; não entende de enfermagem. O
COREn entende de enfermagem e não entende de papel. Ninguém se entende [...]

E6: Aí te dá um parecer e dentro desse parecer não te dão uma certa liberdade de
construir uma matriz curricular de enfermagem que caiba português e matemática,
desconhecendo uma série de complicações que advêm desta atitude, não
considerando a realidade que vivemos e trabalhamos –, por exemplo os erros
constantemente anunciados na mídia!

As considerações do entrevistado E6 estão ligadas ao que Morin (2000) identifica


como o quinto buraco negro da educação: a compreensão humana como saber indispensável
para a educação. Neste caso, departamentos inteiros não se entendem quanto aos objetivos do
curso, não dialogam sobre as reais necessidades dos envolvidos e sobre a realidade vivida por
eles.

Categoria IV: ‘Diferentes olhares sobre o processo de formação do profissional em nível


superior de enfermagem’

Nesta categoria, analisaremos como os enfermeiros docentes percebem sua formação


na graduação em enfermagem e quais são suas necessidades no processo da formação
profissional. As necessidades apontadas pelos sujeitos estão relacionadas à ausência de
conhecimento matemático no processo de formação em nível superior e às práticas
pedagógicas utilizadas pelos docentes.
Roschke (1991), consultora da Organização Pan-Americana da Saúde, em
Washington, ao abordar o processo educativo nos serviços de saúde, relata que os
profissionais formados em nível superior, ao se depararem com a realidade depois de
formados, ficam perplexos quando tomam consciência de que não possuem os conhecimentos
necessários para atuarem na assistência ou na docência.
Para identificar os problemas apontados por Roschke e refletir sobre mudanças e
novas propostas para a formação dos enfermeiros docentes, acreditamos ser necessário
compreender o momento presente, o que nos levou a refletir sobre as necessidades desses
profissionais a partir do que eles pensam e viveram durante sua formação.

Suprir a insuficiência do conhecimento matemático na graduação e consequências para o


exercício na assistência: fracasso, inibição e frustração
146

Os entrevistados relacionam os erros com cálculos à falta de conhecimento


matemático. Percebe-se que no atual currículo de enfermagem ainda se faz presente o ensino
de técnicas e procedimentos sem ênfase no porquê. E3 aponta que:

[...] os erros cometidos pelos profissionais relacionados aos cálculos são cometidos
por falta de conhecimento. [...] Eles ligaram o piloto automático, a mesmice,
confiando que sempre é a mesma coisa. Fazem a medicação sem refletir [...].

Interpretamos “ligar o piloto automático” como significando trabalhar com a mesma


droga na mesma apresentação e concentração, mas nem sempre a mesma ação leva à resposta
correta, principalmente quando o material de partida não é familiar. O entrevistado identifica
a importância do conhecimento matemático e a da reflexão sobre as ações realizadas nos
procedimentos na enfermagem. Se o conhecimento de conteúdo do professor sobre um
assunto se reduz a formas memorizadas sem significado, muito provavelmente ensinará
apenas a memorização e não a reflexão, como constatamos na fala de E4:

Tenho a desconfiança que nós aprendemos matemática junto com o professor. Acho
que para eles falta reflexão e paciência [...].

A formação, em nosso ponto de vista, tem estreita relação com os serviços de saúde e
a universidade, e nesta última repousa a responsabilidade de propiciar a qualidade de
formação dos profissionais. Dentro dessa visão, ensino e serviço devem caminhar juntos.
O profissional da enfermagem se depara frequentemente com situações em que é
necessário preparar os medicamentos em uma dosagem especificada antes de ministrá-lo ao
paciente. Uma vez que um medicamento ministrado incorretamente pode causar danos ao
paciente, a perfeita execução dessa tarefa é de extrema importância. Um dos entrevistados
identifica a responsabilidade envolvida em suas ações na enfermagem e a relaciona aos
conhecimentos matemáticos:

E3: Sei e tenho consciência de que ensinar matemática não é foco da universidade,
mas deveria dar mais atenção para isso. É aí que matamos as pessoas e existem
casos, e não são poucos. Como números podem matar! Uma simples divisão, uma
simples regra de três, e toda a matemática básica pode matar! Se tem urgência de
repensar nisso [...].

O que o entrevistado aponta remete-nos ao fato de que a universidade não é a única


responsável por uma situação que provavelmente decorre dos ensinos fundamental e médio.
Ainda assim E3 considera que a universidade deva tomar para si a responsabilidade de criar
condições para que seus discentes possam se apropriar da matemática como instrumento para
resolver situações de enfermagem.
147

Por outro lado, o professor deve reconhecer os efeitos decorrentes de seu ensino, uma
vez que estes repercutem na vida profissional de seus alunos. Quanto a isso, Morin
(ALMEIDA; CARVALHO, 2007, p. 21-22) afirma enfaticamente: “Não se pode reformar a
universidade se anteriormente as mentes não forem reformadas; mas só se podem reformar as
mentes se a instituição for previamente reformada”, ou seja, a reforma do ensino deve levar à
reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino. O
conteúdo da afirmação de Morin pode estar refletido na fala de E4:

Tenho a leve impressão que não sabemos matemática. O professor não sabe e a
universidade compactua com isso. É preciso suprir essa necessidade [...].

Geralmente, os alunos com pouco embasamento matemático sentem dificuldades em


expor suas dúvidas. Preferem mantê-las em segredo, pois expô-las é encarado como sinal de
fracasso, como admite E4:

Não gosto de falar sobre minhas limitações em matemática. Creio que ninguém
gosta. Sinto-me inibido e um tanto fracassado e frustrado.

Na disciplina ‘Farmacologia’ são focalizadas as interações medicamentosas e


dosagens de medicamentos, exigindo do aluno a capacidade de associar os conhecimentos
matemáticos aos procedimentos de cálculo de medicamentos, âmbito em que emergem
também sentimentos como o medo de se enganar gravemente e de não estar apto a exercer a
profissão, como revela E4:

Na farmacologia aprendemos as interações medicamentosas, porém quando chega


na parte dos cálculos, algo acontece que não se aprofunda e continuamos com as
mesmas dúvidas. As dúvidas são sobre os conhecimentos que utilizamos
constantemente, como as operações básicas, regra de três, porcentagem, números
decimais. Tenho medo de cometer um erro irreparável, de não estar à altura da
profissão que escolhi [...].

Rever as práticas pedagógicas dos docentes de nível superior de enfermagem

O que se percebe nas falas dos entrevistados é que existe uma prática pedagógica que
precisa ser superada – e talvez quem tenha que dar o primeiro passo seja o professor, como
pondera E3:

Precisamos ter um enfermeiro docente que tenha disposição de explicar, mostrar os


erros, os porquês dos cálculos. Não simplesmente falar: “Faça assim que dá certo”.

Para Cury (2012, p. 32), “se um professor, ao analisar um erro cometido por um
aluno, sabe o que aconteceu porque já viu muitos alunos cometendo o mesmo tipo de erro,
esse professor está usando o que Ball e seus colegas chamam de conhecimento do conteúdo e
148

dos estudantes” – por exemplo, ser capaz de reconhecer se a solução dada por um aluno está
correta ou não e discutir com a classe. É o que expressa E2:

Na minha graduação, os professores passaram todas as fórmulas matemáticas,


começamos pela regra de três, o que é divisão, o que a gente faz nesses casos. A
gente escrevia no caderno e acabava decorando essas fórmulas, mas na maioria das
vezes não tínhamos um retorno satisfatório se o que estávamos fazendo estava certo
ou errado [...].

A reflexão sobre a prática pedagógica dos docentes universitários está presente nas
falas de quase todos os entrevistados, que relatam sobre a visão que têm de seus professores
ao abordarem o conhecimento matemático relacionado ao contexto da enfermagem. Um
exemplo:

E5: A estratégia utilizada na universidade é aquela que nós brincávamos e o


professor também: GLS (giz, lousa e saliva). Ele separava os casos e dizia: “Essa
aula nós vamos ver cálculos de medicação”. Aí chegava na lousa e explicava:
“Matemática é isso”. Não tinha desafios, e isso poderia nos dar mais confiança e
segurança. Encher a lousa de contas bem básicas e em seguida ia para as fórmulas,
para mim não é desafio.

Percebe-se nos depoimentos que, ao contrário do que foi proposto em suas


formações, os entrevistados apreciam desafios e os encaram como instrumentos de
crescimento, que os tornam confiantes e lhes dão maior segurança no desenvolvimento das
atividades de enfermagem.
Uma metodologia repetitiva e voltada somente a tarefas não coloca o aluno diante da
realidade do contexto, do paciente, e não o torna explorador na busca de conhecimentos e de
ampliação de seus horizontes.
Percebe-se de professores e alunos que as ações para a abordagem da matemática
têm sido limitadas. Hohl (2006) considera que nesse tipo de atitude os professores
preocupam-se apenas em transmitir aos alunos uma variedade e quantidade de noções e
conceitos, dispondo de poder decisório quanto à metodologia, ao conteúdo, à avaliação e à
forma de interação com os alunos. A preocupação está direcionada ao cumprimento de metas,
prazos e prescrições. Os alunos, por sua vez, recebem passivamente, ouvindo, anotando,
copiando, memorizando, repetindo e reproduzindo saberes alheios totalmente desvinculados
de seus problemas reais. Uma das possíveis consequências dessa configuração é relatada por
E4:

[...] tenho certa fragilidade e falta de confiança para exercer as funções no hospital
que envolvem cálculos. Não foi o suficiente para eu assumir uma função dentro de
um hospital. Tanto é que eu trabalho em uma UBS [unidade básica de saúde] [...].
149

D’Ambrosio (2012, p. 98) formula uma crítica de natureza moral, afirmando que não
é possível ser educador sem acreditar que a nova geração está interessada e quer qualidade,
em lugar da mera repetição de conteúdos obsoletos e inúteis. Acrescenta:

[...] temos enormes possibilidades de desmistificar e democratizar o saber. Os alunos


que sabem disso não podem respeitar o professor repetidor. Os que os alunos
esperam da universidade não é o que a universidade está lhe oferecendo. E mostram
sua repulsa. Daí a reprovação e a evasão. [...] Se a universidade persistir, pedagógica
e administrativamente, no modelo atual, está fadada ao fracasso. (D’AMBROSIO,
2012, p. 99-101)

A necessidade de articulação entre teoria e prática

Os entrevistados identificam a necessidade de articulação entre teoria e prática como


condição necessária ao desenvolvimento da formação profissional.
Freire (1983) orienta quanto à necessidade de mudar as atitudes em relação aos
alunos, bem como a forma com que os conteúdos são ensinados. Essa mudança acarretaria
uma aproximação aos fatos que ocorrem na realidade do exercício profissional.
Teoria e prática, em nosso ponto de vista, não são excludentes. Um aluno, seja de
economia, engenharia, enfermagem ou outra área do conhecimento, precisa adquirir
capacidade de ler o mundo em sua complexidade. Esta é uma das necessidades identificadas
pelos entrevistados:

E3: [...] eu gostaria que na universidade trabalhasse com mais exercícios, mais
situações, algo mais próximo da nossa realidade. Parece sempre que a teoria é uma
e a prática é outra. Tudo muda!

Barato (2003, p. 75-76) comenta em sua tese que os alunos, via de regra, sentem
dificuldades em articular os conteúdos teóricos com a prática: “Cobra-se dos alunos a
aplicação da teoria a contextos práticos, sem que as situações de ensino ofereçam
oportunidades para esse tipo de competência”.
O ensino que desvincula a prática da teoria gera uma visão parcial do conteúdo, o
mesmo acontecendo com o ensino só baseado na teoria.
A esse respeito, retornamos aos fundamentos teóricos que embasam este estudo,
especificamente aos estudos de Morin, que considera como objetivo vital da reforma da
universidade o de substituir o pensamento que dicotomiza por outro que seja capaz de ligar,
contextualizar e globalizar, viabilizando o emprego total da inteligência e permitindo ao aluno
pensar de maneira mais abrangente e completa, a entender-se como parte de um sistema
complexo. Tais aspectos transparecem nas seguintes falas:
150

E2: O professor passava uma fórmula matemática em sala de aula, mas quando
você chega na prática sempre tem algo diferente, mais complexo daquilo que você
aprendeu. Quando chega na prática, você se deparando com coisa diferentes... O
equipamento é diferente; por exemplo, é uma bomba de infusão. Como você vai
encaixar aqueles cálculos nesse equipamento se a bomba já calcula tudo? Como
você deve proceder?

E1: [...] o cálculo acaba ficando só como um aliado, na periferia, não como um
instrumento eficaz que pode te auxiliar a tomar decisões [...].

E3: [...] as coisas que acontecem no contexto real não foram passadas na
universidade. Fomos pegos de surpresa. Isso não achei uma [boa] postura da
universidade nem dos professores na minha formação. Temos muitas incertezas,
principalmente quando temos que aplicar a matemática na enfermagem [...].

A fala de E3 nos remete ao fato de que estamos cercados de incertezas, e o desafio


que temos é o de lidar com elas criando estratégias, ensinando nossos alunos a lidar com o
imprevisto, evitando frustrações, pois é nas situações imprevistas que desenvolvemos nossas
habilidades e capacidades (MORIN, 2000).
E3 complementa:

[...] os professores poderiam articular esses cálculos a assuntos de enfermagem de


forma clara. Talvez teríamos mais sucesso e menos fracasso na compreensão da
matemática, pois o que coloca em cheque o conhecimento matemático é quando
temos que enfrentar uma situação diferente daquela que não foi calculada antes
[...].

Tal declaração remete à necessidade de munir os alunos com “instrumentos e


técnicas intelectuais” (D’AMBROSIO, 2012, p. 132) que, contextualizados de forma correta,
permitam desenvolver a capacidade de resolver problemas novos, de modelar adequadamente
uma situação real, preparando-os para lidar com o inesperado e sua prática profissional.

Trabalhar com casos reais e a necessidade de flexibilidade cognitiva

Os entrevistados percebem a importância de trabalhar com casos reais e propõem que


essa metodologia faça parte das suas atividades durante sua formação. Apontam com
propriedade a necessidade de refletir sobre mudanças significativas quanto ao que aprender e
ao como aprender:

E5: Simplificar o que precisamos aprender de matemática disfarça as tramas da


enfermagem [...].

E4: [...] fico me perguntando: será que é mais fácil ou ele tem dificuldades para
ensinar? Não tem conhecimento suficiente? Não sei. Só sei que isso me fez falta.
Senti que eles evitavam abordar esse assunto. Dão as coisas tudo bem certinho.
Talvez eles não quisessem se expor ou, se sabem, não queriam ter o trabalho para
explicar, pois sabem que muitos têm problemas para compreender a matemática.
151

As necessidades apontadas pelos entrevistados vão ao encontro daquilo que Spiro et


al. (1987) orientam sobre a flexibilidade cognitiva. Simplificar disfarça as tramas do que é
complexo e leva a concepções errôneas, mas tais erros podem ser evitados se os alunos forem
confrontados com a complexidade, como indicam as seguintes falas:

E3: O professor enxergou, mas não enxergamos esses cálculos, não entendemos
direto. Esse tipo de situação que ocorre na realidade não foi trabalhando em sala
de aula [...].

E4: Sempre teve aqueles problemas clássicos que se encontra em qualquer livro.
Não teve nenhum caso desses de um número quebrado. O professor falava que era
mais fácil para a nossa compreensão trabalhar apenas com números redondos,
certinhos [...].

Spiro et al. (1987) advogam que se lide com a complexidade tal qual ela se
apresenta, no contexto real, pois, se quisermos que nossos alunos utilizem o conhecimento
flexivelmente, este deve ser ensinado de forma também flexível, como aponta esta fala:

E4: Talvez a falta de situações reais para a gente trabalhar. Não teve. Talvez seja
por isso a dificuldade. E se a bomba de infusão parar? Como devemos proceder?
Isso é real e é complexo. Só que tem algumas coisas: por exemplo, na UTI está
correndo adrenalina na bomba de infusão. Por exemplo, ela corre 0,02 ml em uma
hora. Não dá para programar em um equipo essa quantidade; por isso utilizamos a
bomba de infusão, porque manualmente seria impossível fazer isso. Uma pessoa que
precisa dessa quantidade, então, ela não pode fazer isso em qualquer lugar. Por
isso precisamos mais situações da realidade e realmente trabalhar com esses casos
na universidade [...].

O que E4 descreve sobre a bomba de infusão difere do focalizado por uma


metodologia tradicional em que os casos são apresentados como exemplos isolados,
ilustrativos, a partir dos quais se tenta construir o conhecimento. Em outra direção, e
convergindo ao que o aluno solicita, a TFC propõe que o conhecimento seja construído a
partir do contato com diversos casos oriundos da realidade e inter-relacionados.
As necessidades descritas pelos entrevistados têm estreita relação com a formação
dos professores. Assim como Pessoa e Nogueira (2009), acreditamos que promover a
flexibilidade cognitiva para formar professores e alunos capazes de lidar com a complexidade
é um caminho ambicioso, mas necessário. Analisar e refletir sobre situações de aprendizagem
é também “investir de modo flexível na construção do conhecimento pedagógico e deve ser
uma preocupação fundamental na formação do professor” (PESSOA, 2011, p. 112).

Interdisciplinaridade: necessidade identificada como prática pedagógica adequada

Nas falas dos entrevistados, observamos até o momento críticas à fragmentação dos
saberes, ao pensamento reducionista e simplificador. No entanto, encontramos no discurso de
152

um entrevistado um aspecto positivo sobre a prática pedagógica, relacionado com a


interdisciplinaridade. D’Ambrosio define interdisciplinaridade e transdisciplinaridade por
meio das chamadas “gaiolas epistemológicas”:

São verdadeiras gaiolas epistemológicas [as disciplinas]: quem está dentro da gaiola
só voa dentro da gaiola, e não mais do que isso. Somos pássaros tentando voar em
gaiolas disciplinares. Surgem, obviamente, as deficiências desse conhecimento, e
começamos a perceber fenômenos e fatos que não se encaixam em nenhuma das
gaiolas. [...] Estamos dando um passo para a interdisciplinaridade, onde
encontramos com outros e, nesse encontro, juntos, misturando nossos métodos,
misturando nossos objetivos, mesclando tudo isso, acabamos criando um modo
próprio de voar. E nascem as interdisciplinas. Essas interdisciplinas acabam criando
suas próprias gaiolas. [...] As disciplinas vão se amarrando, criando padrões
epistemológicos próprios, e a gaiola vai ficando muito maior. Podemos voar mais,
mas continua sendo gaiola. Acho que não é demais querermos voar mais, fora das
gaiolas, sermos totalmente livres na busca do conhecimento. [...] A
interdisciplinaridade é um passo muito difícil, sem o qual não se pode dar qualquer
33
passo seguinte .

E5, por sua vez, relata:

Eu fiz um trabalho na universidade que o tema foi leptospirose. Nós associamos


duas matérias: farmacologia e saúde ambiental. Juntamos essas duas matérias para
desenvolver o tema. Foi um projeto muito legal onde aprendemos muito.
Utilizávamos conceitos da saúde ambiental para falar que a causa da leptospirose
são os ratos que estão no esgoto. E segundo a farmacologia, falávamos de uma
droga para combater uma bactéria que o rato elimina. Então você juntava conceitos
e teorias de duas disciplinas para tratar de um único tema, se caracterizando em
uma interdisciplinaridade. Juntamos outros conceitos – a questão das favelas, a
educação da população, a questão política, o saneamento básico – e foi
superinteressante. Trabalhamos com medicação para este problema e as dosagens.
Tenho que educar e para isso preciso transitar por todos esses conceitos, inclusive a
matemática para calcular as doses para as pessoas que necessitam de medicação.
Esse tipo de trabalho agregou muito conhecimento, mas deveria ser uma prática
constante na universidade, não apenas um trabalho isolado, em uma feira no final
do ano ou no final do semestre para ser apresentado. Isso é uma necessidade na
nossa formação, para saber quais conhecimentos realmente construímos. Por
exemplo, bioética. O que os alunos conhecem a respeito? O que isso se relaciona
com curativo? Tem a parte ética. Ele tem que ver o aspecto legal. O que isso tem a
ver com nutrição? Se relaciona com o que o paciente come. Se ele não come
proteína, ele não vai ter material para produzir um novo tecido. O que a genética
tem a ver com isso? Se o paciente tiver um problema genético, por exemplo um
problema de varizes, isso pode levar a uma ferida. Todas as disciplinas com ligação
e a matemática também ligada a todas elas. Pegar todas as disciplinas e ir além.
Inclusive, nesse ir além, a matemática seria melhor compreendida.

Lorieri (2010, p. 14) afirma que, quando um professor tem atitude interdisciplinar em
suas práticas docentes, atua como um convite vivo para que seus alunos desenvolvam essa
mesma atitude.
O projeto descrito por E5 criou a possibilidade de comunicação entre as ciências
envolvidas: farmacologia, bioética, saúde ambiental e matemática. Tal maneira de pensar

33
Notas das aulas de ‘Tendências em educação matemática’, ministradas na Universidade Anhanguera de São
Paulo em março de 2013.
153

pode ser aprendida, e aí está um dos papéis da educação. Para isso, no entanto, torna-se
necessária a formação dos professores nessa direção. Segundo Morin (2001), trata-se de
favorecer a aptidão natural do espírito humano para contextualizar e globalizar, isto é,
relacionar cada informação e cada conhecimento a seu contexto e conjunto.
Retomando o discurso do entrevistado, este dá indícios de que os problemas não são
poucos. Deparamo-nos com resistências a mudanças, com práticas pedagógicas reforçadas
pelo conforto e pelo temor ao risco. Trilhar o caminho da interdisciplinaridade, como mostra a
experiência vivida pelo entrevistado, requer que o professor saia da zona de conforto. Não é
tarefa cômoda, porém requer que a formação docente tome essa direção. Como apontam os
princípios teóricos que embasam este estudo, não se trata de negar a especialidade de cada
área. O problema é nos fecharmos no interior delas.

Cursos livres

Os entrevistados comentam que para compreender a matemática associada à


enfermagem realizam cursos livres voltados a esse tipo de conhecimento. Identificam esses
cursos como adequados. Apesar de considerarem os cursos livres como caminho promissor
para auxiliá-los na compreensão das aulas que envolvem cálculos no nível superior de
enfermagem, encontram dificuldades, como relatam a seguir:

E3: [...] não me deram oportunidade de aprender a matemática na enfermagem e


nem ser professor. Por isso que existem cursos fora e são bons, mas nem sempre
temos disponibilidade financeira para pagar. Você quer melhorar, então você faz
este curso. É caro e nem todos têm condições de pagar. Muitos desistiram por não
terem condições [...].

E5: [...] os meus colegas que atuavam como técnicos, assim como eu, procurou
cursos livres. Meu pai me ajudava financeiramente. Eu fiz cursos apostilados no
COREn, fiz no SENAC; todos esses cursos foram à parte da faculdade, para poder
aprender e ensinar meus alunos e compreender como funciona a matemática nos
procedimentos da enfermagem. Não foi um curso que eu pude sanar todas as
dúvidas, mas é melhor aprender algo do que não saber nada. A incerteza de ensinar
algo que não se tem segurança é complicado [...].

E7: [...] no período de férias eu ia procurar algum curso de matemática que pudesse
me auxiliar. Isso foi extraclasse. Não tinha um conhecimento matemático palpável –
digo, capaz de resolver os problemas nos quais a matemática se fazia presente.
Então, eu vi que a coisa estava assim, eu falei o quê? “Deixa eu correr.” Na
universidade não tive respaldo nenhum. Financeiramente, é difícil pagar dois
cursos ao mesmo tempo [...].

Compreender os motivos que levaram os enfermeiros docentes à busca de cursos


livres é uma forma de perceber como eles compreendem seu desenvolvimento e sua
inconclusão. A procura por cursos livres se deu pela responsabilidade que se atribuem não só
154

pelo cuidado de pacientes, mas também pelo ensino que ministram a seus alunos – e na base
disso encontra-se a tentativa de suprir as deficiências das aulas que envolviam cálculos
durante sua formação. Entre as dificuldades apontadas, a questão financeira se fez presente
por sua relevância.

Categoria V: ‘Que matemática é a matemática da enfermagem?’

Ser enfermeiro é ser gente que cuida de gente, e isso significa dizer que há
necessidade de uma formação sólida, que tipicamente está na contramão daquilo que se
considera um ensino meramente técnico. Permitir ao aluno pensar e enfrentar as incertezas
parece ser o grande desafio das universidades e dos professores. Na verdade, em certo ponto
das entrevistas os sujeitos revelaram qual matemática deveria ter sido contemplada em sua
formação. No bojo da discussão, e agora analisando especificamente as concepções e críticas
dos enfermeiros docentes sobre a abordagem da matemática no contexto da enfermagem, é
possível reconhecer mais uma razão pela qual o desenvolvimento dessa pesquisa se justifica.
Na análise dos depoimentos, foram surgindo possibilidades de discutir e de provocar uma
reflexão sobre as escolhas tanto metodológicas quanto de conteúdos curriculares.
Os significados atribuídos à matemática pelos entrevistados foram: ‘matemática do
sim ou não’, ‘matemática abstrata’, ‘matemática certinha’, ‘matemática ilógica’ e ‘matemática
abstrata’.
E4 declara:

O que teve nas aulas foi muito ou sim ou não. É ou não é. Isso não responde os
nossos problemas [...].

Tal declaração está associada à lógica fuzzy: na enfermagem, como descrito na


introdução deste estudo, um “sim” ou um “não” nem sempre respondem às situações da
enfermagem. Daí a necessidade de estarmos atentos para as especificidades do contexto. Para
tanto, é preciso formar e ao mesmo tempo informar e munir os alunos de instrumentos
adequados para que respondam às suas necessidades de cada dia e de cada profissão, como
enfatiza Santaló (2001).
Um dos entrevistados utilizou um exemplo de sua prática para falar sobre suas
hesitações e incertezas diante da matemática recebida em sua formação:

E2: Vamos pensar em soro na bomba de infusão: gotejamento de soro. Se você pega
550 ml, divido por tempo, vezes 3, aplica esta fórmula e dá um número quebrado:
por exemplo, 15,277777. Você arredonda ou não? Fico penando! Será que não tem
um jeito de você achar a dosagem correta? Na prática, arredondamos para 2.
Então acho que a enfermagem não é igual à matemática “é ou não é”.
155

E1 faz referência ao mesmo tipo de situação:

A mesma coisa é a matemática. Não sou formada, mas tenho que dar o mínimo de
𝑉
suporte. Dou por exemplo a fórmula e aplico com os alunos o que aprendi. No
𝑇∙3
entanto, é competência do matemático explicar de onde vem a fórmula. Eu só
aplico.

A bomba de infusão é utilizada em casos que requerem garantia rigorosa de


gotejamento de soro com os medicamentos prescritos. Um exemplo de droga que requer
gotejamento rigoroso é a dopamina. Ainda que em alguns casos delicados a tarefa de
gotejamento seja realizada por bombas de infusão, é preciso observar que em casos de falha
do equipamento o profissional precisa compreender as fórmulas e as relações matemáticas
envolvidas nos procedimentos. Tomemos um exemplo:
Prescreveram-se a um paciente cinco ampolas de dopamina em 500 ml de soro
fisiológico a ser administrado em bomba de infusão ao longo de 12 h. Se a intenção é calcular
gotas por minuto, devemos dividir gotas por minuto, o que requer utilizar as transformações
de unidades para converter mililitros em gotas e horas em minutos:

Temos o volume total de 550 ml por hora. Sabendo-se que 1 ml equivale a 20 gotas ou 60 microgotas, então:
20 gotas ——— 60 microgotas
1 gota ——— x microgotas
60
x= = 3 microgotas.
20

Transformando ml em gotas:
Sabendo-se que cada ml tem 20 gotas, então:
550  20 = 11.000
Logo, em 550 ml temos 11.000 gotas.

Transformação de horas em minutos:


Sabendo-se que cada hora tem 60 min, então:
60  12 = 720, logo em 12 horas temos 720 min.
11.000
Para atender a prescrição: = 15,27 gotas/min.
720

𝑉
Uma vez compreendido o raciocínio envolvido na situação, a fórmula pode ser
𝑇∙3
550
utilizada com plena compreensão, fornecendo o mesmo resultado: 12.3 = 15,27 gotas/min.

Evidencia-se nesse tipo de resolução um procedimento mais convincente que o de


aplicação de fórmula pronta, à qual o estudante não atribui significado.
E2 prossegue:

Quando chega na prática, você se deparando com coisa diferentes... O equipamento


é diferente, por exemplo: é uma bomba de infusão. Como você vai encaixar a
156

fórmula? E se a bomba parar? Como devemos proceder? Arredondo para 15?


Deixo o valor em 15,3? Manualmente esse valor seria impossível? Por isso
precisamos mais situações da realidade e realmente trabalhar com esses casos na
universidade. Esse medicamento tem que correr na hora certa e na quantidade
exata. Essa história de formação generalista não foi interpretada da maneira
correta, eu acho. A universidade, a minha formação, nunca me encostou na parede
para pensar nessas situações [...].

Para analisar a fala do entrevistado, retomamos o que foi descrito na introdução deste
estudo sobre ambiguidades e incertezas. As incertezas descritas por E2 estão ligadas à
utilização de uma matemática “dura”, que pode acarretar erros fatais para o paciente. Quando
o entrevistado diz que “a universidade, a minha formação, nunca me encostou na parede
para pensar nessas situações”, entendemos que confrontar os alunos com a complexidade tal
qual ela é significa considerar a utilização de uma matemática “mole”, nebulosa, borrosa, ou
fuzzy, que é a matemática inteligente. Isso é lidar com coisas vindas da realidade, nitidamente
complexas34.
No entanto, para que se vislumbre esse caminho, é preciso que as universidades e
professores aceitem o desafio de oferecer cursos instigantes, que conciliem a formação
específica com uma formação didática e que cumpram, na medida do possível, seu papel de
formar profissionais que atuarão na assistência ou docência.
Uma das dificuldades apontadas por E2 relaciona-se à necessidade do conhecimento
especializado do conteúdo. O relato mostra que, quando o professor reflete sobre o
entendimento (ou a falta de entendimento) do conteúdo, questiona seu próprio desempenho
docente e a forma como está permitindo que a aprendizagem dos discentes ocorra, avaliando
sua própria didática. Em síntese, segundo Ball, Thames e Phelps (2008) e segundo Hill, Ball e
Chilling (2008), os professores precisam conhecer e entender a matemática de uma maneira
diretamente relacionada ao ofício de ensinar e com a realidade da enfermagem. É necessário
conhecerem bem os conteúdos que ensinam, para ajudarem os alunos em suas aprendizagens.
Entretanto, isso não é suficiente para ensiná-los. É nesse ponto que se faz necessário um
conhecimento matemático para o ensino (Ball et al., 2009).
O valor 15,27777 citado por E2 constitui nesse contexto um valor nebuloso,
sugerindo que o entrevistado utilize o conhecimento de forma flexível. É nesse grau de
incerteza que a lógica fuzzy pode contribuir na formação dos profissionais de saúde.
E5, por sua vez, informa que:

34
Notas das aulas de ‘Tendências em educação matemática’, ministradas na Universidade Anhanguera de São
Paulo em março de 2013.
157

Essa matemática de vez em quando não funciona, não. Por que aprendê-la se na
minha área ela não responde a tudo? Na prática uso uma matemática ilógica.

A fala evidencia que nem tudo é tão certo como parece ser. Muito ainda está por ser
feito quanto à utilização da matemática como instrumento nesse contexto, pois crenças
enraizadas impedem que se responda às necessidades cognitivas desses profissionais. Se na
prática o entrevistado utiliza uma matemática “ilógica”, que interpretamos como sendo uma
matemática nebulosa, acreditamos que durante sua formação ele deveria ter tido contato com
situações reais que promovessem reflexão sobre as incertezas e ambiguidades presentes no
cotidiano, a fim de ter oportunidade lidar com a subjetividade inerente à lógica fuzzy.
Talvez reconstruir o modo de apresentação da matemática associada aos
procedimentos de enfermagem possibilite novos modos de pensar e interpretar as situações,
sem desconsiderar as especificidades do contexto, como expõe E5:

Porque a conta farmacológica não é abstrata como na matemática. Na matemática,


uma conta é simplesmente conta. Na matemática não importa se ela está sendo
aplicada à medicação ou à farmacologia. No entanto, na enfermagem, para o aluno
conseguir fazer esta ponte, esta articulação, você tem que mostrar para ele o que é
esse cálculo na enfermagem e como funciona.

Essa reconstrução pode promover o entendimento, diminuindo a distância entre os


conceitos matemáticos e a realidade da enfermagem. A articulação faz com que os
conhecimentos matemáticos ganhem sentido.
No relato de E5 há reconhecimento sobre a importância da contextualização e da
articulação da matemática aos procedimentos da enfermagem, bem como a necessidade do
conhecimento especializado descrito por Ball e sua equipe como condição necessária, mas
não suficiente, para ensinar e associar a matemática ao contexto da enfermagem.
O entrevistado E3 relata que em sua formação:

Foi passado aquela matemática bem básica, sem problematizar com as coisas da
enfermagem [...].

A esse relato, associamos o exemplo de Perrenoud (1997) de que um atleta treina


diversos gestos isoladamente antes de integrá-los a uma conduta global. O docente que utiliza
essa prática pedagógica, que não investe contra a fragmentação, que não sai da zona de
conforto para apresentar aos alunos situações que possam colocar em jogo os conhecimentos,
assemelha-se a essa atleta: ensina os conteúdos de forma fragmentada, não possibilitando aos
alunos uma visão do todo.
Nessa categoria foi possível identificar qual matemática os sujeitos entrevistados
acreditam ser útil no contexto da enfermagem, de modo a auxiliar estudantes, enfermeiros
158

assistenciais e enfermeiros docentes a tomar decisões diante das incertezas, ambivalências e


contradições presentes no sistema de cuidados. Um dos entrevistados exemplifica:

E7: Tive dois alunos que perderam o COREn por erros com cálculos. Não souberam
tomar a decisão correta, pois a matemática é diferente na prática. Ela não é tão
quadrada assim: sim ou não. Existem outros aspectos: que tipo de paciente se pode
arredondar, nos casos de decimais. É muito complexo. Existem várias coisas
relacionadas e o cálculo se deve considerar isso [...].

5.3 ANÁLISE DA MATRIZ CURRICULAR DO CURSO DE ENFERMAGEM DE UMA


INSTITUIÇÃO PARTICULAR À LUZ DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
PARA CURSOS DE ENFERMAGEM

Para proceder à análise da matriz curricular de um curso de enfermagem,


selecionamos uma instituição particular localizada na cidade de São Paulo. A escolha se
deveu ao fato de a maioria dos enfermeiros docentes entrevistados haver se formado no
bacharelado nessa instituição.
Cabe lembrar que o oferecimento de licenciatura costuma ser opcional: uma escolha
da instituição. Quando a escola opta por ofertar essa modalidade de ensino, deve ser
regulamentada a partir de pareceres e resoluções específicos da Câmara de Educação Superior
do Conselho Nacional de Educação (CNE-CES), como expressam as próprias DCN para
cursos de enfermagem. A instituição de ensino considerada nesta pesquisa não oferta
licenciatura em enfermagem.
A LDB (BRASIL, 1996) descreve o novo perfil do profissional enfermeiro. Com
base no artigo 4.o da resolução 3/2001 da CNE-CES, a formação do enfermeiro visa dotar o
profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e
habilidades gerais:
I. Atenção à saúde: O profissional deve estar apto a desenvolver ações de prevenção,
promoção, proteção e reabilitação da saúde, em nível individual e coletivo. Deve realizar
seus serviços com os mais altos padrões de qualidade e princípios da ética/bioética, tendo
em conta que a responsabilidade não se encerra com o ato técnico, mas sim com a
resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo.
II. Tomada de decisões: Deve estar fundamentada na capacidade de tomar decisões visando
o uso apropriado, a eficácia e a custo-efetividade da força de trabalho, de medicamentos,
de equipamentos, de procedimentos e de práticas.
159

III. Comunicação: Os profissionais devem ser acessíveis e consequentemente manter a


confidencialidade das informações a eles confiadas. A comunicação envolve
comunicação verbal, não verbal e habilidades de escrita e leitura, bem como domínio de
pelo menos uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e gerenciamento, de
forma efetiva e eficaz.
IV. Liderança: No trabalho em equipe multiprofissional, devem estar aptos a assumir
posições de liderança, sempre tendo em vista o bem-estar da comunidade. A liderança
envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões,
comunicação e gerenciamento, de forma efetiva e eficaz.
V. Administração e gerenciamento: Os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas e
fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho quanto dos recursos
físicos e materiais e de informação, assim como devem estar aptos a ser empreendedores,
gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde.
VI. Educação permanente: Os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente,
tanto em sua formação quanto em sua prática. Desta forma, devem aprender a aprender,
bem como a ter responsabilidade e compromisso com sua educação e com o treinamento
e estágios das futuras gerações de profissionais, mas proporcionando condições para que
haja benefício mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais atuantes nos
serviços, inclusive estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico-profissional, a
formação e a cooperação por meio de redes nacionais e internacionais.

Além dessas competências gerais, as DCN para os cursos de enfermagem focalizam


competências específicas e habilidades pautadas nas concepções do estudante como sujeito de
seu processo de formação, da articulação entre teoria e prática, da diversificação dos cenários
de aprendizagem, das metodologias ativas, da articulação da pesquisa com ensino e extensão,
da flexibilidade curricular, da interdisciplinaridade, da incorporação de atividades
complementares, da avaliação de aprendizagem, do processo de acompanhamento, da
avaliação e da gestão do curso, assim como da terminalidade do curso (FERNANDES et al.,
2005).
Quanto aos conteúdos essenciais para o curso de graduação em enfermagem, o artigo
6.º da mesma resolução define que devem estar relacionados com todo o processo saúde–
doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade epidemiológica e
profissional, proporcionando a integralidade das ações do processo do cuidar em enfermagem.
Os conteúdos devem abranger os seguintes eixos temáticos:
160

I. Ciências biológicas e da saúde: Incluem-se os conteúdos (teóricos e práticos) de base


molecular e celular dos processos normais e alterados e os da estrutura e função dos
tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos, aplicados às situações decorrentes do processo
saúde–doença no desenvolvimento da prática assistencial de enfermagem.
II. Ciências humanas e sociais: Incluem-se os conteúdos referentes às diversas dimensões da
relação indivíduo–sociedade, contribuindo para a compreensão dos determinantes sociais,
culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, em nível individual
e coletivo, do processo saúde–doença.
III. Ciências da enfermagem: eixo incluem-se:
a) Fundamentos de enfermagem: Conteúdos técnicos, metodológicos e os meios e
instrumentos inerentes ao trabalho do enfermeiro e da enfermagem em nível
individual e coletivo.
b) Assistência de enfermagem: Conteúdos teóricos e práticos que compõem a
assistência de enfermagem em nível individual e coletivo prestada à criança, ao
adolescente, ao adulto, à mulher e ao idoso, considerando os determinantes
socioculturais, econômicos e ecológicos do processo saúde–doença, bem como os
princípios éticos, legais e humanísticos inerentes ao cuidado de enfermagem.
c) Administração de enfermagem: Conteúdos teóricos e práticos da administração do
processo de trabalho de enfermagem e da assistência de enfermagem.
d) Ensino de enfermagem: Conteúdos pertinentes à capacitação pedagógica do
enfermeiro, independente da licenciatura em enfermagem.

Segundo as DCN para cursos de enfermagem, as instituições de ensino em


enfermagem passaram a construir ou reconstruir seus projetos pedagógicos guiadas pelos
eixos temáticos, com enfoque maior na formação do profissional de enfermagem voltado à
assistência hospitalar e de saúde pública, como mostra a matriz curricular pesquisada (Quadro
9).
161

Quadro 9 – Matriz curricular do bacharelado em enfermagem de uma instituição particular


Semestres e disciplinas Carga horária
o
1.
Biofísica 40
Biologia I 40
Bioquímica I 50
História do cuidar 40
Leitura e produção textual I 40
Microbiologia 40
Morfologia humana I 100
Saúde coletiva I 100
o
2.
Aspectos antropológicos e sociológicos em saúde 100
Bioquímica 100
Morfologia humana II 100
Parasitologia 110
Semiologia e semiótica em enfermagem I 100
o
3.
Farmacologia 100
Fisiopatologia I 100
Nutrição 40
Pesquisa em saúde 60
Propedêutica em enfermagem 100
Semiologia e semioteca em enfermagem II 100
o
4.
Bioestatística e epidemiologia 100
Enfermagem na saúde do adulto 100
Fisiopatologia II 100
Humanização em saúde e dinâmicas em grupo 60
Redes de atenção à saúde 100
Semiologia e semioteca em enfermagem III 100
o
5.
Enfermagem em pronto socorro 100
Enfermagem na saúde da criança e do adolescente 100
Enfermagem na saúde da mulher 100
Enfermagem na saúde do idoso 100
Exercício profissional e educação em saúde 100
Saúde ambiental e sustentabilidade 60
(segue)
162

Quadro 9 – Matriz curricular do bacharelado em enfermagem de uma instituição particular


(continuação)
6.o
Bioética e segurança 100
Enfermagem em centro cirúrgico 100
Enfermagem em doenças transmissíveis 100
Enfermagem em saúde mental e psiquiatria 100
Enfermagem em uti 100
Gestão em enfermagem 100
o
7.
Contextualização do processo de cuidar 100
Estágio de introdução à enfermagem I 50
Estágio de introdução à enfermagem II 50
Estágio supervisionado de enfermagem e saúde coletiva 60
Estágio supervisionado de enfermagem em saúde da criança 60
Estágio supervisionado de enfermagem em saúde da mulher 60
Estágio supervisionado de enfermagem em saúde do adulto 60
Estágio supervisionado de enfermagem em saúde do idoso 60
Grupos vulneráveis em saúde coletiva 120
Indicadores de qualidade da assistência em enfermagem 120
Trabalho de conclusão de curso I 40
o
8.
Atividades complementares 20
Estágio supervisionado de enfermagem em centro cirúrgico 50
Estágio supervisionado de enfermagem em pronto socorro 50
Estágio supervisionado de enfermagem em saúde mental e psiquiatria 50
Estágio supervisionado de enfermagem em uti 50
Estágio supervisionado em administração dos serviços de enfermagem hospitalar 100
Estágio supervisionado em administração dos serviços de enfermagem não hospitalar 100
Temas avançados em saúde 100
Trabalho de conclusão de curso II 40
Carga horária total do curso 4510 horas-aula

O curso tem duração de oito semestres. A matriz e o plano de ensino são


disponibilizados aos alunos no site da instituição.
Pode-se observar que dentre os componentes curriculares constantes no Quadro 9
não se encontra em nenhum semestre a oferta de alguma disciplina específica para o
desenvolvimento do conhecimento pedagógico que auxilie a prática docente. Nas DCN para
cursos de enfermagem, fica clara no artigo 6.º, inciso III, alínea d, a importância do preparo
pedagógico para a docência, uma vez que esse docente, quando inserido no mercado de
trabalho, será responsável pelo treinamento de novos profissionais, além de responsável pela
163

evolução de sua própria formação, tanto assistencial quanto na docência, onde as habilidades
indicadas nas DCN deverão ser contempladas (BRASIL, 2001). Tal achado nos leva a
concluir que não há formação inicial docente no bacharelado em enfermagem, o que contraria
o estabelecido pelas DCN.
Na matriz curricular, pode-se observar que não há referência explícita a qualquer
conteúdo específico relacionado à matemática. No entanto, ao acessarmos o plano de ensino
da disciplina ‘Farmacologia’, encontramos implicitamente os conhecimentos matemáticos
utilizados pelos enfermeiros. A farmacologia estuda as principais classes de fármacos com
aplicação na rotina, além dos principais fatores que interferem nos processos
farmacocinéticos. Das 110 h dedicadas à farmacologia, 10 estão voltadas a conhecimentos
matemáticos necessários aos procedimentos de enfermagem, assim distribuídos:
▪ 4 aulas: Revisão das operações fundamentais no cálculo de medicações: adição,
subtração, divisão, tabuada, multiplicação, regra de três, porcentagem, unidades de peso,
medidas e tempo.
▪ 4 aulas: Revisão de diluição, cálculo com penicilina cristalina, rediluição, cálculo com
insulina e os equipamentos utilizados no gotejamento de soro.
▪ 2 aulas: Lista de exercícios de fixação.

Quanto à metodologia utilizada na abordagem da matemática, os conceitos são


apresentados como um teste inicial de aritmética, tendo como objetivo capacitar o aluno a
identificar seus pontos fracos na matemática básica. A lista de exercícios (“entregável para
nota”, segundo o professor), reforça os procedimentos, e em nenhum momento encontramos
associações com os procedimentos de enfermagem. Considerando que os exercícios devam
conter formas problematizadoras, cremos que esse tipo de exercício faz com que o aluno seja
apenas um mero reprodutor.
O procedimento utilizado pelo professor pode levar a decisões equivocadas ao se
utilizar a matemática como instrumento nos procedimentos de enfermagem. No artigo 4.º,
inciso II, as DCN para cursos de enfermagem orientam que o trabalho dos profissionais de
saúde se fundamente na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, com eficácia
e custo-efetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de
procedimentos e de práticas (BRASIL, 2001).
Ao propor uma revisão do cálculo de diluição com penicilina cristalina, da
rediluição, do cálculo com insulina e dos equipamentos utilizados no gotejamento de soro,
não se leva em consideração a trajetória escolar dos alunos, pois entre eles há os que não
164

frequentaram cursos técnicos na área da saúde, o que dificulta ainda mais a compreensão da
matemática nesse contexto.
Ao final das 10 aulas é disponibilizada aos alunos uma apostila elaborada pelo
COREn para que possam aprofundar o conhecimento matemático associado aos cálculos com
medicamentos. Na apostila consta a seguinte nota: “Pedimos licença aos matemáticos,
professores e outros profissionais ligados ao ensino de ‘números e grandezas’, pois este
material foi elaborado por enfermeiros preocupados em contribuir para reduzir as dificuldades
que muitos profissionais de enfermagem carregam consigo desde sua formação básica”. A
apostila é utilizada pelos enfermeiros docentes nos cursos livres.
Os exercícios propostos na apostila são do tipo “calcule, efetue, responda”, o que os
caracteriza como exercícios de fixação e memorização. Apresentar uma relação de exercícios
com conceitos matemáticos sem contextualização com os procedimentos de enfermagem, sem
estimular uma análise mais crítica do aluno, não promove o desenvolvimento de
conhecimento pertinente. Como frisam Morin (2003a) e Xavier (2006), o que torna um
conhecimento pertinente é a contextualização.
Constata-se, assim, que a matemática não ocupa lugar privilegiado na matriz
curricular do curso de enfermagem investigado, e portanto na formação do enfermeiro
assistencial. As DCN para cursos de enfermagem, especificamente no artigo 5.º, incisos IV, X
e XXIV, estabelecem que a formação do enfermeiro tem por objetivo dotá-lo dos
conhecimentos requeridos para o exercício de competências e habilidades específicas a serem
desenvolvidas por esse profissional relacionadas à atuação no processo de formação de
recursos humanos, planejamento, implementação e participação nos programas de formação e
qualificação contínua dos profissionais de saúde (BRASIL, 2001). A assertiva vem reforçar
nosso posicionamento sobre a importância da matemática nesse contexto e sobre a
responsabilidade que repousa sobre o enfermeiro assistencial em atividade docente: formar
futuros profissionais de saúde.
Diferentemente da matemática que se encontra diluída na disciplina de farmacologia,
a disciplina de língua portuguesa, denominada na matriz como ‘Leitura e produção textual’,
abrange 40 horas-aula, durante as quais se trabalham durante o primeiro semestre os seguintes
conteúdos: produção textual, gramática, comunicação, reforma ortográfica e concordância
nominal e verbal.
A análise dessa matriz curricular revela que, embora o conteúdo apresentado seja
essencialmente técnico, o enfermeiro é capacitado a assistir o paciente conforme proposto nas
165

DCN, mas identificamos inadequação no preparo ao exercício da docência (de modo a atender
o artigo 6.º, inciso III, alínea d) e ausência de uma proposta para o desenvolvimento da
matemática associada aos procedimentos de enfermagem.
O que as DCN preconizam não deve, em nosso ponto de vista, ser privilégio dos
licenciados, mas deve contemplar os bacharéis, pois preparar o profissional para o exercício
da docência e envolvê-lo com questões relacionadas à matemática em sua formação inicial
poderia ajudá-lo a fundamentar as práticas pedagógicas que venha a assumir caso exerça
futuramente atividades docentes.

5.3.1 Análise da matriz curricular do curso de pós-graduação lato sensu de docência


em enfermagem

A matriz curricular é apresentada no Quadro 10.

Quadro 10 – Matriz curricular de uma instituição de ensino superior privada que oferece pós-
graduação lato sensu na área de docência em enfermagem
Disciplina Carga horária
Metodologia de ensino 40
Estudo da realidade brasileira 40
Bases históricas e filosóficas da educação 60
Avaliação educacional 40
Didática 40
Estrutura e funcionamento da educação básica 40
Estágio supervisionado curricular 300
Carga horária total do curso 720 horas-aula

A resolução 2 de 26 de junho de 1997, que dispõe sobre a formação pedagógica do


docente para o ensino em nível fundamental e médio e em cursos profissionalizantes de nível
médio, define em seu artigo 1.º que a formação deve ser feita em cursos regulares de
licenciatura, em cursos regulares para portadores de diplomas de ensino superior e em
programas especiais de formação pedagógica (BRASIL, 1997).
A resolução 2 de 1.º de julho de 2015 define as DCN para a formação inicial em
nível superior (cursos de licenciatura, de formação pedagógica para graduados e de segunda
licenciatura) e para a formação continuada (BRASIL, 2015) e dispõe sobre os programas
especiais de formação pedagógica de docentes para as disciplinas dos currículos de ensino
fundamental e médio e de educação profissional em nível médio. O curso de licenciatura é
166

voltado a graduados nas categorias de bacharel, incluindo os bacharéis em enfermagem que


buscam habilitação para lecionar em escolas de formação de técnicos de enfermagem.
Ao considerarmos a matriz curricular da instituição selecionada, chamou-nos atenção
que a estrutura curricular do curso não apresenta elos articuladores com a enfermagem,
embora as disciplinas sejam associadas à educação com elementos metodológicos e didáticos
próprios desta área de conhecimento.

5.3.2 Análise da matriz curricular de um curso técnico de enfermagem em nível


médio

Para identificarmos os conhecimentos matemáticos presentes no curso técnico de


enfermagem e que são trabalhados pelos enfermeiros docentes em sua prática profissional,
consideramos a matriz curricular de um curso técnico em que um dos enfermeiros docentes
participante desta pesquisa leciona farmacologia.
Ao observarmos a matriz curricular, não encontramos nenhuma menção aos
conhecimentos matemáticos. Assim, além da matriz curricular, utilizamos o plano de aulas da
disciplina, cedido pelo professor, para podermos identificar os conhecimentos matemáticos
utilizados nesse contexto.
O curso técnico de enfermagem se estrutura em três módulos sequenciais articulados,
com 1.800 horas-aula, 600 das quais são dedicadas ao estágio supervisionado.
O primeiro módulo não comporta terminalidade e é destinado à construção de um
conjunto de competências que subsidiarão o desenvolvimento de competências mais
complexas previstas para os módulos subsequentes. Cursando os quatro módulos, o aluno
conclui a habilitação profissional técnica de nível médio de técnico de enfermagem, desde que
tenha concluído também o ensino médio ou equivalente (Quadro 11).
167

Quadro 11 – Matriz curricular de uma instituição que oferece curso técnico de enfermagem em nível
médio
Carga horária
Módulos Áreas Disciplinas Módulo I Módulo II
Teoria Estágio Teoria Estágio
Noções de ética profissional 24 - - -
Noções de saúde pública 20 - - -
I Básico de saúde Noções de nutrição 24 - - -
Microbiologia e parasitologia 50 - - -
Anatomia e fisiologia humana 76 - - -
Introdução à enfermagem* 180 148 - -
Noções de primeiros socorros 24 - - -
Auxiliar de Noções de farmacologia 80 - - -
II
enfermagem Noções de clínica médico cirúrgico 160 200 - -
Centro cirúrgico 12 12 - -
Materno infantil 60 40
Subtotal 710 400 - -
Ética profissional - - 40 -
Saúde pública - - 40 20
Saúde mental - - 60 40
Gestão em saúde - - 40 40
Técnico de
III Clínica médica cirúrgica - - 140 40
enfermagem
Assistência de enfermagem ao - - 40 20
paciente de risco
Saúde do idoso - - 40 40
Farmacologia 90 -
Subtotal 710 400 490 200
Total de horas 1.110 690
Carga horária total do curso 1.800
*Aulas teóricas e práticas (utilização de laboratório).

Para compreender o que se espera da formação do profissional técnico de


enfermagem, teceremos alguns comentários acerca do Catálogo Nacional dos Cursos
Técnicos (CNCT), documento formulado pelo Ministério da Educação, que propõe bases para
a educação profissional tecnológica.
O CNCT, segundo o Ministério da Educação (BRASIL, 2012), é uma importante
referência para a oferta dos cursos técnicos de nível médio nos diferentes sistemas de ensino
do país (federal, estadual, distrital, municipal). Sua versão de 2012 contempla 220 cursos
distribuídos em 13 eixos tecnológicos e constitui-se em fonte de orientação para a oferta de
168

ensino técnico no país. Nesse documento, o curso técnico cuja matriz curricular é analisada na
presente pesquisa pertence ao eixo tecnológico ‘Ambiente e saúde’, o qual:

Compreende tecnologias associadas à melhoria da qualidade de vida, à preservação


e utilização da natureza, desenvolvimento e inovação do aparato tecnológico de
suporte e atenção à saúde. Abrange ações de proteção e preservação dos seres vivos
e dos recursos ambientais, da segurança de pessoas e comunidades, do controle e
avaliação de risco, programas de educação ambiental. Tais ações vinculam-se ao
suporte de sistemas, processos e métodos utilizados na análise, diagnóstico e gestão,
provendo apoio aos profissionais da saúde nas intervenções e no processo saúde–
doença de indivíduos, bem como propondo e gerenciando soluções tecnológicas
mitigadoras e de avaliação e controle da segurança e dos recursos naturais. Pesquisa
e inovação tecnológica, constante atualização e capacitação, fundamentadas nas
ciências da vida, nas tecnologias físicas e nos processos gerenciais, são
características comuns deste eixo. (BRASIL, 2012, p. 15)

O CNCT também define que o curso técnico em enfermagem deve estruturar-se em


no mínimo 1.200 horas-aula. Quanto às atribuições profissionais, o CNTC estabelece que o
técnico em enfermagem atua na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação dos
processos saúde–doença; colabora com o atendimento das necessidades de saúde dos
pacientes e comunidade, em todas as faixas etárias; promove ações de orientação e preparo do
paciente para exames; realiza cuidados de enfermagem, tais como curativos, administração de
medicamentos e de vacinas, nebulizações, banho de leito, mensuração antropométrica e
verificação de sinais vitais; e presta assistência de enfermagem a pacientes clínicos e
cirúrgicos. Como possibilidades de temas a serem abordados no decorrer de sua formação, o
CNTC indica:

Processos saúde–doença e seus condicionantes. Políticas de saúde. Anatomia,


fisiologia, nutrição, farmacologia, microbiologia e parasitologia. Processo de
trabalho, humanização, ética e legislação profissional. Fundamentos da enfermagem.
Enfermagem neonatológica, obstétrica, neuropsiquiátrica e UTI. Suporte básico à
vida. Biossegurança. (BRASIL, 2012, p. 19)

Vejamos como a matemática está inserida na matriz curricular analisada e quais são
os conhecimentos matemáticos presentes nessa modalidade de ensino (Quadro 12).
169

Quadro 12 – Conhecimentos matemáticos presentes nas disciplinas de um curso técnico de


enfermagem em nível médio
Disciplinas
com Atividades que contribuem para a mobilização
Conhecimentos matemáticos
Módulos conteúdo dos conhecimentos matemáticos
matemático
Não Não identificado Não identificado
I
identificado
Razões e proporções. Dosagens de medicações.
Regra de três. Gotejamento de infusões.
Ângulos – Geometria. Cálculo com insulina.
Operações aritméticas; adição, Cálculo do índice de massa corpórea (IMC).
Introdução à
subtração, multiplicação, Balanceamento hídrico.
enfermagem.
divisão com números Mensuração antropométrica.
Clínica decimais.
II Aplicação de medicamentos injetáveis.
Médica.
Gráficos.
Noções de Infusão por bombas programáveis.
Temperatura, pressão, tempo,
farmacologia. Diluição e rediluição de medicamentos em
massa, comprimento.
adultos e crianças.
Porcentagem.
Números decimais.
Números na forma fracionária.
Razões e proporções. Diluição e rediluição de medicamentos com
Regra de três. ênfase em crianças.
Operações aritméticas: adição. Diluição de medicamentos: frascos com
Porcentagem. apresentações variadas.
Números decimais. Rediluição de medicamentos: aminofilina e
decadron.
Números na forma fracionária.
Diluição de penicilina cristalina.
III Farmacologia
Medicação em solução: frascos com apresentação
em porcentagem e com apresentação em mg/ml.
Transformação de soro.
Bomba de infusão.
Preparo de soluções de permanganato de
potássio.
Solução heparinizada.

Observa-se preponderância de conhecimentos matemáticos no módulo II na


disciplina ‘Noções de farmacologia’ e no módulo III na disciplina ‘Farmacologia’. Não
identificamos abordagem dos conhecimentos matemáticos no módulo I, talvez porque este
módulo não comporta certificação técnica, ou seja, apenas visa preparar o aluno para cursar os
módulos seguintes. Para compreender como os conhecimentos matemáticos são abordados,
analisamos o planejamento das aulas e uma apostila elaborada pelo professor. No módulo II,
das 80 h destinadas a noções de farmacologia (o equivalente a 20 dias), um dia é dedicado à
revisão das operações aritméticas e um à resolução de exercícios.
São trabalhados conceitos de adição, subtração, multiplicação, divisão, proporção,
unidades de medida e porcentagem. Tais conceitos são apresentados por meio de exemplos a
170

serem seguidos para a resolução dos exercícios. Primeiramente é apresentado um modelo,


seguido de uma lista de exercícios. Um exemplo:
Siga o modelo e efetue o que se pede:

10,09 + 6,73 = 16,82


12,34 + 12,34 = 24,68

Esse tipo de exercício é utilizado para tratar todos os conhecimentos matemáticos


listados no Quadro 12. Em nenhum momento esses conhecimentos são contextualizados,
associados aos procedimentos de enfermagem, o que pode dificultar sua mobilização nas
atividades de enfermagem.
Não se trata, evidentemente, de renunciar aos exercícios, mas sim estabelecer um
equilíbrio entre estes e as situações problematizadoras. O equilíbrio convida o docente a criar
ou utilizar outros meios de ensino, a envolver os alunos, a debater os objetivos do que se quer
ensinar, considerando os porquês de ensinar e de aprender e o âmbito de aplicação desses
conhecimentos.
Após a revisão inicial, são abordados conceitos de farmacologia, desde a ação dos
fármacos até o cálculo de dosagem das medicações. Da mesma forma, os exercícios de
cálculo de medicamentos, gotejamento de soro e insulina não são caracterizados como
situações-problema, favorecendo apenas a reprodução mecânica de procedimentos.
Como afirma Morin (2003a, p. 13-14), há uma inadequação cada vez mais ampla,
profunda e grave entre saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas:
“O ensino por disciplinas separadas dificulta ao aluno a capacidade natural que o espírito tem
de aprender ‘o que é tecido junto’, isto é, o complexo, e assim o impede de contextualizá-lo”.
Em nosso ponto de vista, tal forma de abordar o conhecimento matemático não
estimula a criatividade, não promove o questionamento e não exige reflexão. Observa-se uma
preocupação em aplicar fórmulas, o que torna evidente a ausência de um caminho que auxilie
os alunos a atribuírem significados aos conhecimentos matemáticos e a mobilizá-los nas
atividades de enfermagem. Com base nos elementos identificados, parece-nos que a forma de
conduzir a abordagem da matemática no curso analisado pode estar ligada à ausência dos
conhecimentos identificados por Ball et al. (2009) e Shulman (1986, 1987), o que coloca
dificuldades para que o enfermeiro docente encontre caminhos que conduzam os alunos a
vivenciar situações-problema do contexto hospitalar, pois estas impõem decisões, incertezas e
dilemas para os quais a simples revisão de conceitos matemáticos é insuficiente.
171

No módulo III, tem-se novamente a disciplina ‘Farmacologia’. Desta vez, não é


realizada a revisão dos conhecimentos matemáticos utilizados nas atividades de enfermagem,
pois o professor os considera como aprendidos, uma vez que foram revistos no módulo II. No
módulo III, a disciplina aborda tipos de drogas, soluções e cálculos de dosagem, com ênfase
na diluição e rediluição de medicamentos específicos, tópicos estes em que os alunos deverão
mobilizar conhecimentos matemáticos pertinentes às atividades de enfermagem.
Nos módulos II e III, os conhecimentos matemáticos são tratados isoladamente, no
primeiro como revisão e no segundo com uma aplicação direta nas atividades de enfermagem.
172

6 CONCLUSÕES

6.1 O CAMINHO PERCORRIDO

Como todo trabalho de cunho acadêmico, este também é resultado do olhar do


pesquisador sobre o objeto de investigação. Tendo consciência de que a linearidade também
existe, dela fizemos uso como exceção, e não como regra, para desenvolver o tema
selecionado.
Como expusemos no primeiro capítulo, o tema escolhido apresenta intersecção entre
duas áreas de conhecimento – educação matemática e enfermagem – e apresentamos uma
visão geral do processo de formação dos enfermeiros assistenciais em atividade docente,
formação essa caracterizada como uma excepcionalidade dentre as licenciaturas.
Tomamos como referências pesquisas no âmbito da educação matemática e da
enfermagem e essa aproximação nos permitiu refletir sobre o caráter instrumental da
matemática, sua complexidade e sua importância na prática diária clínica dos profissionais de
saúde.
Considerando a realidade vivida pelos profissionais de saúde, buscamos estabelecer a
correlação entre noções matemáticas e procedimentos de enfermagem e refletir sobre as
dificuldades dos alunos dos cursos técnicos de enfermagem ao associarem os conhecimentos
matemáticos aos procedimentos de enfermagem. Tendo em conta um levantamento do FDA
que constatou que, dos 696 casos pesquisados, 30% tinham relação com erros no cálculo de
dosagens, nos propusemos a investigar as propostas de práticas pedagógicas dos enfermeiros
que exercem atividade docente em cursos técnicos de enfermagem em nível médio e
identificar em seus relatos as dificuldades e hesitações que vivenciam no desenvolvimento
dessas práticas ao lidarem com os conhecimentos matemáticos que devem ser articulados aos
conhecimentos básicos da enfermagem.
Os docentes têm como desafio desenvolver a aprendizagem de questões relacionadas
à enfermagem, competindo-lhes também associar a essas questões os conhecimentos
matemáticos. Logo, seu desafio é propiciar a seus alunos, futuros profissionais de saúde, a
oportunidade de interagir com o conhecimento matemático, manuseá-lo, experimentá-lo e
sentirem-se seguros em utilizá-lo para tomar decisões em sua vida profissional, tendo
consciência de que os que os cálculos têm implicações diretas na vida dos pacientes sob sua
responsabilidade. Esse desafio exige que o enfermeiro docente se aproprie de uma prática
173

pedagógica comprometida com a qualidade da educação em um mundo de complexidade,


incertezas e instabilidades.
Embora os procedimentos de enfermagem requeiram o uso de noções básicas de
matemática, estas adquirem complexidade quando se associam à enfermagem, requerendo
reflexão para que o conhecimento possa ser utilizado de forma flexível, considerando as
ambiguidades e incertezas inerentes. Utilizar um padrão linear de pensamento não responde a
incertezas e pode conduzir a erros. A partir desse ponto de vista, argumentamos sobre alguns
princípios da lógica fuzzy e, para ilustrar nossas argumentações, utilizamos situações oriundas
da realidade.
Situações como as apresentadas na introdução deste estudo transcendem o aspecto
conceitual e podem favorecer a articulação dos conhecimentos matemáticos e os
procedimentos de enfermagem.
O Capítulo 2 adveio da necessidade de situar o leitor no contexto de duas áreas de
conhecimento. Desse modo, buscamos traçar um panorama acerca da enfermagem e da
educação matemática. Discorremos sobre a evolução das práticas de saúde ao longo dos
períodos da história e, quanto à educação matemática, tratamos de sua evolução como campo
profissional e científico e sua configuração no cenário brasileiro e internacional. Por fim,
situamos o leitor quanto aos aspectos legais para o exercício profissionais em saúde, com base
nas orientações e regulamentações do Ministério da Educação.
No Capítulo 3, elaboramos os principais elementos do quadro teórico que sustentaram
as análises, os quais nos conduziram na busca de respostas a nossos questionamentos. Tais
pressupostos teóricos estão pautados em princípios da teoria da complexidade, de Morin, e da
teoria da flexibilidade cognitiva, proposta por Rand Spiro e colaboradores – esta também
pertencente ao arcabouço da teoria da complexidade. Com relação aos conhecimentos
necessários para o ensino, buscamos apoio nos trabalhos de Lee Shulman e de Debora Ball e
sua equipe.
De modo a responder ao problema de pesquisa, descrevemos no Capítulo 4 nossa
aproximação a enfermeiros docentes que atuam em três instituições de ensino que oferecem
formação para auxiliares e técnicos de enfermagem em nível médio. A esses docentes
aplicamos um questionário e com eles realizamos entrevistas. Os dados colhidos nas
entrevistas revelaram a visão dos enfermeiros docentes sobre sua formação, suas dificuldades
e as de seus alunos, bem como a relação que mantêm com os conceitos matemáticos na sua
prática profissional. Este aprofundamento possibilitou múltiplos olhares sobre os relatos,
174

ampliando os níveis de reflexão, fazendo emergir aspectos pertinentes à associação da


matemática com os procedimentos de enfermagem.
Analisamos também as propostas institucionais de um curso de enfermagem nas
modalidades de bacharelado e licenciatura lato sensu, à luz das DCN para cursos de
enfermagem, visando identificar a coerência entre o que é nelas proposto e o que os
profissionais consideram importante para sua formação. Por último, analisamos a matriz
curricular de um curso técnico de enfermagem em nível médio, tendo como base o que
preconiza o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, com o objetivo de identificar os
conteúdos matemáticos que sejam importantes e úteis quando o futuro profissional de nível
médio venha a atuar em seu trabalho.
As articulações dos dados obtidos constituíram-se em alicerce para que fosse
elaborado o Capítulo 5, no qual analisamos dos dados emergentes dos instrumentos
considerados como eixos ao redor dos quais nos debruçamos para responder os
questionamentos da pesquisa.

6.2 CONCLUSÕES RELATIVAS AOS RESULTADOS DA INVESTIGAÇÃO

Como ponto de partida desta pesquisa, formularam-se as seguintes indagações:


▪ Que condições a formação dos enfermeiros assistenciais em atividade docente de
enfermagem oferece para que esses profissionais possam aprender os conhecimentos
matemáticos e associá-los aos procedimentos de enfermagem em sua prática
profissional?
▪ Quais são as práticas pedagógicas que esses profissionais relatam utilizar para
abordarem a matemática nos componentes curriculares específicos da enfermagem?

O conjunto dos aspectos pertinentes a essas questões suscitados nas entrevistas é


amplo, permitindo detectar alguns problemas que parecem ser reforçados por fatores
relacionados à prática pedagógica e à formação. O Quadro 13 compara as dificuldades de
docentes e de alunos do curso técnico de enfermagem. O Quadro 14 compara as práticas
pedagógicas detectadas nos relatos dos enfermeiros docentes e as práticas utilizadas em sua
formação quando estudantes.
175

Quadro 13 – Dificuldades dos alunos do curso técnico e dos enfermeiros assistenciais em atividade
docente nas atividades de enfermagem.
Alunos do curso técnico de enfermagem – nível
Enfermeiros docente
médio
Operações básicas: multiplicação, adição, subtração e Operações básicas: multiplicação, adição, subtração e
divisão divisão
Operações com decimais Operações com decimais
Razão e proporção Razão e proporção
Porcentagem Porcentagem
Questões que envolvem arredondamento Questões que envolvem arredondamento
Fonte: Dados da pesquisa.

O Quadro 13 refere-se à reflexão dos entrevistados sobre quais tópicos matemáticos


são importantes para o desenvolvimento da função de técnico de enfermagem e até que ponto
existe a compreensão dos alunos sobre eles. Evidencia-se, na fala dos entrevistados, que esses
conceitos se constituem em um alicerce no qual será apoiado todo o desenvolvimento dos
cálculos relacionados às dosagens de medicamentos. No entanto, o quadro comparativo
demonstra que as dificuldades dos alunos do curso técnico são semelhantes às dificuldades
dos enfermeiros docentes, indicando que algo precisa ser revisto na formação. O modo como
vêm sendo idealizados e organizados os cursos de enfermagem nos aspectos pertinentes à
matemática intensificam ainda mais os problemas relacionados aos erros – e sabemos que
erros no âmbito da saúde pode tem consequências irreversíveis.

Quadro 14 – Práticas pedagógicas detectadas nos relatos dos enfermeiros assistenciais em atividade
docente e as práticas utilizadas em sua formação quando estudantes
Prática pedagógica atual Formação no ensino superior
Revisão das noções matemáticas Revisão de noções matemáticas
Uso de apostilas e exercícios de fixação desconectados Uso de apostilas e exercícios de fixação desconectados
dos procedimentos de enfermagem dos procedimentos de enfermagem
Repetição de metodologias vivenciadas na graduação Repetição de metodologias vivenciadas nos ensinos
fundamental e médio
Utilização de fórmulas prontas Utilização de fórmulas prontas
Dissociação entre matemática escolar e matemática Dissociação entre matemática escolar e matemática
profissional profissional
Fonte: Dados da pesquisa.

Chama atenção nesse quadro que, ao desenvolvem sua prática docente, os


enfermeiros pesquisados tendem a reproduzir nas aulas as metodologias dos cursos que
seguiram quando estudantes.
176

As práticas pedagógicas que hoje utilizam e aquelas sob as quais vivenciaram sua
formação se baseiam, de modo geral, em quatro modelos: revisão das noções matemáticas;
utilização de fórmulas prontas; uso de apostilas; e exercícios desconectados dos
procedimentos de enfermagem. Repetem-se assim metodologias vivenciadas durante sua
formação.
Quando o enfermeiro docente assume aulas de farmacologia no curso técnico,
especificamente no módulo I do programa aqui pesquisado, deve identificar os conhecimentos
que os alunos supostamente possuem. À medida que os módulos se sucedem, porém, o
docente tende a detectar a necessidade de revisar o mesmo tópico, pois observa que as
dificuldades ainda persistem. A prática mais comum, nessas circunstâncias, é revisar os
conteúdos. No entanto, a necessidade de revisão aponta que algo não ocorreu como deveria
nos ensinos fundamental e médio – e tampouco no módulo anterior do atual curso. Embora as
revisões tenham sua utilidade, evidencia-se nos relatos que a forma como é empreendida não
surte os efeitos almejados.
De fato, segundo as declarações colhidas, repetir as mesmas experiências que seus
alunos já vivenciaram anteriormente no curso não conduz a resposta positiva.
Tal prática é agravada por sua completa desconexão dos procedimentos da
enfermagem real, praticada em situações do dia a dia. Nas falas de todos entrevistados está
presente a dificuldade de articular as noções matemáticas a esses procedimentos,
comprometendo não só a compreensão de conceitos, mas a atribuição de um significado
matemático às ações no contexto da enfermagem, ações estas que nunca se repetem, já que
cada novo paciente é um novo indivíduo e cada caso apresentado é um novo caso. Pressupor
que toda situação real tenha a mesma resolução tende a levar a erros que podem se mostrar
irreparáveis.
Consideramos que as revisões surtirão o efeito desejado apenas se forem articuladas
com procedimentos reais da enfermagem e direcionadas a aprendizagens futuras.
Elaborar apostilas com exercícios de repetição visando a memorização de técnicas
não prepara os alunos ao enfrentamento das incertezas presentes no contexto em que irão
atuar, nem a flexibilizarem o conhecimento ao se depararem com situações diferentes das
vivenciadas em sala de aula. A decisão desses educadores de como conduzir suas aulas tem
repercussão fundamental no desenvolvimento dos alunos, tanto na escola quanto em sua
atuação no campo profissional.
177

Identificamos que a matemática escolar se apresenta dissociada da matemática


profissional, o que conduz a desinteresse.
Embora os conhecimentos matemáticos correspondam somente a noções
desenvolvidas no ensino fundamental (tais como adição, multiplicação, números decimais,
transformações de unidades, frações, regra de três, razão, proporção e porcentagem), os
estudantes têm dificuldades em associá-los a novos contextos. De modo geral, o curso não
articula esses conhecimentos, propondo apenas revisões que seguem as mesmas estratégias
utilizadas no ensino fundamental, sem utilização de exemplos no contexto da enfermagem.
A proceder dessa maneira, os docentes apresentam as noções matemáticas destituídas
de significado. Quando um aluno realiza uma tarefa matemática de forma mecânica, não lhe
atribuindo sentido, provavelmente se mostrará incapaz, ao se deparar com situações que
difiram das já conhecidas ou que estejam situadas em novos contextos, de reconstruir o
conhecimento de que parecia dispor.
As dificuldades e hesitações dos sujeitos ao lidarem com os conhecimentos
matemáticos nos procedimentos de enfermagem estão ligadas à falta de articulação e
contextualização. Um exemplo é a disciplina de farmacologia, cuja proposta de trabalho,
analisada na matriz curricular do curso de bacharelado, evidenciou que a revisão das noções
matemáticas é empreendida de forma isolada e descontextualizada, em quatro aulas para
matemática, quatro para aplicação de noções básicas de procedimentos de enfermagem e duas
para exercícios de fixação.
Cogitamos que uma possível alternativa interessante a essa distribuição seria utilizar
10 aulas, partindo das noções dos procedimentos de enfermagem, de modo a levar os
estudantes a refletir sobre os conhecimentos matemáticos (que em geral fazem parte dos
conhecimentos básicos de que já dispõem) e utilizá-los nesses procedimentos, o que poderia
auxiliá-los a compreender o funcionamento desses cálculos nas diferentes situações com que
serão confrontados em suas práticas diárias, inclusive quando exercerem a docência em cursos
técnicos de enfermagem de nível médio.
Evidenciou-se neste estudo que a formação proposta para esses sujeitos e as práticas
pedagógicas por eles declaradas não consideram a contextualização da matemática e sua
articulação com os procedimentos de enfermagem. Constata-se, assim, que o atual sistema de
formação não responde às necessidades dos estudantes.
Ao atuar como enfermeiro docente, o enfermeiro assistencial estaria desenvolvendo
uma ampliação dos conceitos e dos sentidos dados à profissão, vista até aqui como um saber
178

eminentemente técnico. Talvez o maior desafio das instituições de ensino seja o de repensar o
ensino dos atuais cursos de graduação e de formação docente para a área da saúde de modo a
buscar a formação de um profissional mais completo partindo de suas reais necessidades.
Assim, as condições disponíveis na formação dos enfermeiros assistenciais em
atividade docente não se mostram adequadas para associar as noções matemáticas aos
procedimentos de enfermagem, e a inadequação das práticas pedagógicas parece conduzir a
dificuldades difíceis de superar, das quais podem advir erros com decorrências irreversíveis.

6.3 PERSPECTIVAS FUTURAS

Não buscamos generalizar os achados desta pesquisa, uma vez que foi realizada com
um reduzido grupo de enfermeiros docentes. Focalizar contextos reais e complexos, no
entanto, como é o caso dos procedimentos de enfermagem, permite refletir sobre o ensino e
aprendizagem de noções da matemática e da enfermagem e conceitos matemáticos
necessários para responder a situações concretas. Quando se discute a contextualização da
matemática e situações que produzam significados de conteúdos matemáticos para os alunos,
os problemas emergem – e não são poucos. Talvez devido à resistência a mudanças, posturas
pedagógicas diferentes das habituais são por vezes dificultadas pela dicotomia que se
estabelece entre o conforto e o risco. É nosso propósito vir a articular tais noções e conceitos
na formação de enfermeiros docentes, almejando que, adiante, tais ganhos se reflitam em
formação mais sólida de seus alunos de cursos técnicos.
Num primeiro momento, podemos adiantar que a questão de enfermagem a ser
elaborada e a seleção dos casos reais devem conduzir os estudantes a se questionarem sobre as
operações fundamentais com números naturais (adição, subtração, multiplicação e divisão),
números racionais e sua forma fracionária (simplificação de frações e transformação de
frações impróprias em números mistos), razão e proporção (regra de três simples), sistema
métrico decimal (unidades de massa, de comprimento, de volume e capacidade e de tempo),
números decimais (conversão de frações decimais em números decimais; adição e subtração
de números decimais; multiplicação de números decimais), divisão de números decimais e
porcentagem.
Em momento adequado, caberá levar o aluno a perceber a importância de utilizar
uma nova lógica que lhe permita decidir qual é a melhor dosagem (a exemplo da focalizada
na seção introdutória da presente pesquisa), ou seja, a lógica fuzzy. Acreditamos que os
179

estudantes, durante sua formação, deveriam ter contato com situações reais que promovessem
reflexão sobre as incertezas e ambiguidades presentes no cotidiano, a fim de terem
oportunidade lidar com a subjetividade presente nessa lógica.
Ao encerramos este capítulo, retornamos a nossas observações, descritas no início
deste estudo, sobre lecionar matemática a auxiliares e técnicos de enfermagem. Os resultados
de pesquisas em educação matemática e enfermagem e as reflexões sobre a realidade vivida
por esses enfermeiros docentes direcionaram o desenvolvimento deste estudo e apontam a
necessidade de lançar luzes que possam intensificar proveitosamente o debate sobre a
estratégia de ação educativa do enfermeiro que exerce docência em cursos técnicos de
enfermagem em nível médio, no que diz respeito à aplicabilidade da matemática à prática
profissional dos egressos.
Ser professor em qualquer área de conhecimento não é um estado mágico. Exige
preparo, formação e profissionalismo. Da mesma forma como a profissão de enfermeiro
assistencial se faz na relação com seres humanos que precisam de cuidados, a profissão
docente também se faz na relação com seres humanos em formação. Nesse sentido,
acreditamos que as bases de conhecimento daquele que exerce a função docente devam se
fazer presentes e o desafio das instituições é o de promover as condições necessárias para que
esse profissional tenha aptidões para atuar tanto na área hospitalar quanto na de docência.
Esses professores têm a responsabilidade de formar os futuros profissionais de saúde
e sua atuação na docência pode refletir-se diretamente na almejada qualidade da prática dos
futuros auxiliares e técnicos de enfermagem.
Temos o desejo de que o produto final deste estudo se caracterize em um caminho
promissor e possa contribuir para capacitar alunos e professores a transitar entre distintos
campos disciplinares, intervindo nas sociedade no enfrentamento de problemáticas
relacionadas não só a erros em cálculos de medicação, mas, de modo mais amplo, em
questões relativas a entraves à saúde, incluindo a violência, a pobreza, o consumismo e a
automedicação, entre tantos outros que geram demandas nos serviços e emergência e
urgência. Todas essas problemáticas são, direta ou indiretamente, alcançáveis pelas conquistas
que pudermos trazer ao ato docente, pois, como frisou D’Ambrosio em uma de suas palestras,
“Educar é um ato de amor, é um ato político, e a responsabilidade maior do professor vai
além da disciplina específica que leciona”.
180

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presente tese foram traduzidos por Lúcia Maria dos Santos.)
191

APÊNDICE A. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.

Título da Pesquisa: “"A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A FORMAÇÃO DO


ENFERMEIRO ASSISTENCIAL EM ATIVIDADE DOCENTE: dilemas, desafios e reflexos
na sua prática profissional"
Nome da Pesquisadora: Cícera Maria dos Santos Xavier
Nome do Orientador: Dr. Ubiratan D’Ambrosio

O senhor (a) está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa que tem como
finalidade contribuir com subsídios para a área da Educação Matemática, em particular com a
formação enfermeiro docente e a sua relação com questões que envolvem a Matemática.

O objetivo da pesquisa é investigar as propostas de práticas pedagógicas dos


enfermeiros que exercem atividade docente em cursos técnicos de enfermagem em nível
médio e identificar em seus relatos as dificuldades e hesitações que vivenciam no
desenvolvimento dessas práticas ao lidarem com os conhecimentos matemáticos que devem
ser articulados aos conhecimentos básicos da enfermagem.
O seu envolvimento na pesquisa será por meio de uma entrevista, que conterá
perguntas em torno de temas tais como: motivação para a docência, dificuldades de seus
alunos ao associarem a matemática aos procedimentos de enfermagem, as práticas
pedagógicas utilizadas para abordar a matemática no contexto da enfermagem, suas
dificuldades relacionadas à Matemática; unidades temáticas ou disciplinas que desenvolvem o
conteúdo matemático; sua concepção relacionada à sua formação na graduação de
enfermagem e na formação para a docência, informações sobre a matriz curricular do curso. A
entrevista tem duração prevista entre 40 a 50 minutos.
Ao participar deste estudo o Senhor (a) permitirá que a pesquisadora utilize as
atividades desenvolvidas ao longo da pesquisa, questionários, gravações das seções e
filmagens, bem como a gravação de entrevista. Sempre que quiser poderá pedir mais
informações sobre a pesquisa.
Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não traz complicações legais. No
entanto, as perguntas que serão feitas ao Senhor (a) podem gerar alguns riscos identificados a
seguir:
 Constrangimento: por ter que emitir opiniões sobre pessoas e serviços, pois algumas
respostas possam interferir negativamente no equilíbrio dessas relações;
 Estresse emocional: pelo fato do Sr. (a Sra.) compartilhar informações pessoais ou
confidenciais da sua atuação, enquanto profissional da saúde, podendo vir à tona
lembranças ou experiências desagradáveis;
 Desconforto: É possível que, durante sua participação o Senhor (a) se sinta
desconfortável em relação à sua privacidade e ao anonimato das informações
concedidas.
Para evitar esses riscos sua entrevista será feita em particular, em condições que
permitam total sigilo, em dia e horário de sua preferência podendo ser interrompida a
qualquer momento para continuidade posterior de acordo com sua disponibilidade.
O Senhor (a) não precisa responder a qualquer pergunta ou parte de informações se
sentir que ela é muito pessoal ou sentir desconforto em falar. Para tanto o Senhor (a) tem
garantido o direito de se recusar a participar e ainda se recusar a continuar participando em
qualquer fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo ou retaliação.
Confidencialidade: nenhum outro membro terá acesso as suas respostas. Todas as
informações coletadas neste estudo são estritamente confidenciais. As gravações e o texto
192

gerado da sua entrevista serão analisados apenas pela pesquisadora e seu orientador. Nenhuma
publicação ou outro tipo de material para apresentação em sessões científicas ou congressos
que tenham sido gerados, a partir dessa pesquisa, conterão dados que permitam identificar a
Instituição e os profissionais.
Benefícios: Espera-se que essa pesquisa possa gerar diversos benefícios para a o ensino e a
aprendizagem da Matemática no contexto da Enfermagem, pois a identificar neste processo,
os conflitos, dilemas e desafios, a partir da visão de pessoas diretamente envolvidas nesse
contexto, pode auxiliar na formação do enfermeiro docente e consequentemente na formação
do futuro técnico de enfermagem.
O desenvolvimento dessa pesquisa pode indicar a direção para outras pesquisas que
como esta, busque a melhoria do ensino da Matemática na prática dos profissionais de saúde.
O senhor (a) não terá nenhum benefício direto. Entretanto, esperamos que o conhecimento
que será construído a partir desta pesquisa possa auxiliar nas metodologias utilizadas em sala
de aula. Sendo assim, me comprometo a divulgar os resultados obtidos.
Pagamento: o Senhor (a) não terá nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa,
bem como nada será pago por sua participação.
Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para participar
desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se seguem: Confiro que recebi cópia
deste termo de consentimento, e autorizo a execução do trabalho de pesquisa e a divulgação
dos dados obtidos neste estudo.
Obs.: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, manifesto meu
consentimento em participar da pesquisa.

____________________________________________________
Nome e Assinatura do Participante da Pesquisa

__________________________________
Cícera Maria dos Santos Xavier

__________________________________
Ubiratan D’Ambrosio

Pesquisadora: Cícera Maria dos Santos Xavier.


RG _______________
FONE: _______________
E- mail: profcicera100@gmail.com

Orientador: Ubiratan D’Ambrosio


RG: _______________
FONE: 3_______________
E-mail: ubi@usp.br
Telefone da Comissão de Ética: 2967-9015
E-mail: comissao.cep@ig.com.br
Endereço: Rua Maria Cândida, 1813. Bloco G. São Paulo-SP CEP 02071-013
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APÊNDICE B. QUESTÕES NORTEADORAS PARA O ENFERMEIRO DOCENTE.

Prezado professor prezada professora: Estou solicitando sua contribuição no


preenchimento deste questionário. O mesmo faz parte da minha proposta de investigação
referente à tese de doutorado em Educação Matemática, doutorado que está sendo
desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade
Anhanguera de São Paulo e toma como objeto de estudo a formação para a docência em
enfermagem, com o objetivo de investigar as propostas de práticas pedagógicas dos
enfermeiros que exercem atividade docente em cursos técnicos de enfermagem em nível
médio e identificar em seus relatos as dificuldades e hesitações que vivenciam no
desenvolvimento dessas práticas ao lidarem com os conhecimentos matemáticos que devem
ser articulados aos conhecimentos básicos da enfermagem.
Solicito que responda esse questionário e firmo o compromisso de manter seu nome sob
sigilo.
*Obrigatório
Obs. Sempre que o espaço deixado for insuficiente, por favor, use o verso da folha, colocando
o número da questão que está sendo respondida.

1 Dados pessoais
Nome do professor (a) __________________________________________________________________
Idade: _______________________________________________________________________________
E-mail: ______________________________________________________________________________
Telefone: ____________________________________________________________________________
2 Informações profissionais
Curso que leciona: _____________________________________________________________________
Tempo de experiência docente: __________________________________________________________
Disciplinas que já lecionou: ______________________________________________________________
Disciplinas que leciona atualmente: ________________________________________________________
Qual ou quais disciplinas aparecem com mais frequência envolvem conhecimentos matemáticos:
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Tempo de experiência na assistência: ______________________________________________________
Acumula funções? ______________________________________________________________________
Se a resposta for sim, especifique quais funções acumula:
__________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

2 Informações sobre sua formação


Ensino fundamental
( ) Intuição pública
( ) Intuição particular
Ensino médio
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( ) Intuição pública
( ) Intuição particular
Bacharelado com habilitação para Licenciatura
( ) Intuição pública
( ) Intuição particular
Ano de conclusão: ___________ Instituição: _______________________________
Bacharelado sem Habilitação para licenciatura
( ) Intuição pública
( ) Intuição particular
Ano de conclusão: ____________ Instituição: ________________________________
Pós-Graduação: Docência em Enfermagem com habilitação para nível técnico e superior
( ) sim
( ) não
Ano de conclusão: ____________ Instituição: ________________________________
Mestrado:
( ) na área da enfermagem
( ) na área de formação de professores
( ) outros*
* se assinalou outros detalhar a área que realizou o mestrado:
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________
Ano de conclusão: ____________ Instituição: _______________________________

3. Informações sobre outros cursos


Você realizou algum curso voltados para trabalhar com questões relacionadas à matemática e enfermagem?
( ) sim
( ) não
Se a resposta for sim, especifique qual a modalidade do curso e a instituição onde cursou:
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________

4. Motivações para a docência


Cite algumas razões para enquanto enfermeiro assistencial, optar pelo exercício docente como atividade
profissional:________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
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APÊNDICE C. ENTREVISTAS COM OS ENFERMEIROS DOCENTES.

ENFERMEIRO DOCENTE 1 (E1)

Entrevistadora: Pode explorar as questões que você respondeu no questionário? A medida


que você for falando posso interromper e fazer algumas perguntas?
E1: sim, e claro e até prefiro.
E1: Vou falar como coordenadora, professora e proprietária desta escola que é uma
franquia. Tudo bem?
Entrevistadora: Sim. Podemos começar.
Essa unidade é uma franquia da Escola de uma Escola localizada na grande São Paulo. Esta
escola já existe há mais de vinte anos e eu fui professora desta instituição, e eu consegui uma
franquia.
Como eu falei para você é uma franquia. Trouxemos todo o knowhow da instituição e fomos
implementando conforme a mudança do projeto pedagógico direcionado tanto pela diretoria
de ensino quanto pelo conselho regional de enfermagem. E agora nós tivemos o parecer
técnico e assim fomos aprimorando. Isso ocorreu em 2012 para 2013. Esses aprimoramentos
referem-se à concepção pedagógica e as diretrizes pedagógicas.
Entrevistadora: você comentou sobre as disciplinas que envolvem os conhecimentos
matemáticos. Pode falar a respeito?
Sim. Temos algumas, mas é na farmacologia que usamos mais, porém para tratar desses
conhecimentos considero o tempo escasso. Dentro da Fármaco, nós temos estudos fármacos e
cálculos de medicação. Na parte introdutória, nós temos a aplicabilidade de Matemática
pura e essa matemática pura é que se desenvolve no cálculo com medicação. Essa disciplina
é lecionada pela enfermeira. Essas enfermeiras devem ter o curso de docência e todas aqui
possuem o curso.
Entrevistadora: Quais as metodologias utilizadas no curso?
Nós utilizamos apostila e o próprio desenvolvimento do curso e dependemos muito do
conhecimento do professor, o que ele traz para desenvolver o assunto. Por que temos o
conteúdo programático que ele tem que desenvolver. Esse conteúdo programático foi
idealizado pela coordenação pedagógica, para ver qual é a necessidade do aluno e também
pelo que cai na parte de mercadologia. Pela necessidade do mercado nós vamos
aprimorando esse conteúdo. Vou ser sincera. Vamos dizer assim: Nós recebemos vários tipos
de alunos vindos diretamente de formação do ensino médio, outros com formação em
supletivo. Então temos uma grande diversidade. São pessoas que já estudaram há muito
tempo que não tiveram a oportunidade de continuidade e, por outro lado temos alunos jovens
que acabaram de sair do ensino médio e vem buscar o curso técnico para depois se engajar
em uma universidade. Sinto diferença nesses grupos. Esses alunos que fizeram o ensino
médio regular a questão relacionada à matemática eles têm dificuldades, porém assimilam
melhor, apresentam mais facilidade. No entanto, as pessoas que fizeram curso supletivo eu
noto que essas pessoas têm dificuldade na Matemática, nos cálculos matemáticos. Os alunos
vêm do ensino fundamental e médio com enorme problema de formação em matemática. Nós
temos quatro operações: somar e subtrair não há problema nenhum, porém divisão e
multiplicação é uma dificuldade. Falar em diluição e rediluição, nem se fala. Eu tenho que
começar pelas quatro operações. Eles já tiveram esse tipo de cálculo! Não entendo porque
não conseguem aplicar nos cálculos dentro da enfermagem. Tem pessoas que já vem com
bloqueio. Então temos que trabalhar com algo diferente, trabalhar esse bloqueio e fazer esse
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aluno gostar de matemática. O professor que vai trabalhar com esse assunto tem que ser uma
pessoa diferenciada.
Porque é assim. Infelizmente nós temos alguns profissionais que tem dificuldade com a
Matemática. Eu sinto assim. Também temos dificuldades com as operações básicas:
operações com decimais, proporção, porcentagem. Tem professor que tem dificuldade com
esses conceitos. Quando estou na coordenação, para atribuir as aulas eu vejo se aquele
professor tem afinidade. Não adianta ter a docência é preciso afinidade. Para mim essa
afinidade está ligada à formação e currículo. Tem profissionais que seguiram o mesmo
roteiro; fez o ensino fundamental, o ensino médio, a universidade e docência e você diversas
características nessas pessoas. Não só alunos, mas professores também apresentam
bloqueios com relação à Matemática. Às vezes eu fico olhando para esses professores e fico
me questionando: o que será que aconteceu? Saindo um pouco do foco eu fico me
questionado: como foi a infância dessa pessoa? Muitas vezes a infância não foi muito boa,
por exemplo, na parte de alimentação, então não teve um bom desenvolvimento, intelecto,
raciocínio. Pelo um ponto de vista isso interfere e muito. As escolas deveriam prestar mais
atenção nesse aspecto. Voltando, eu pergunto para meus alunos: você sabe contar dinheiro?
Eles respondem que sim. Então isso eles sabem, sabem dar o troco, e porque eles não sabem
fazer conta de subtrair. Refiro-me aos números decimais. Se você fizer uma mistura de
números inteiros com números decimais eles se perdem. Qual a técnica que eu utilizo: Bom
eu adoro matemática. Eu quando tenho oportunidade eu ministro essas aulas de
farmacologia para eles. Por exemplo: pergunto a eles como escreve dez reais no cheque, eles
escrevem direitinho, em parte numérica, não descritiva. Então eu vejo que não é
incapacidade da pessoa e sim a metodologia. É preciso inovar na forma de explicar e utilizar
recursos para atingir esses alunos. Houve alguma falha nesse percurso do aluno até ele
chegar ao ensino técnico. Eu só admito professores para lecionar farmacologia que tem
afinidade com cálculo. Não adianta ter a docência é preciso afinidade. Para mim essa
afinidade está ligada à formação e currículo. Tem coisa que a gente não tem como perguntar
para o professor. Você trem que ir devagar. Por uma questão de tempo e porque eu não
posso colocar a vida do paciente em risco, não é? Porque se esse professor entrar na sala e
não souber resolver o problema eu vou criar um bloqueio para este profissional também.
Então por uma questão prática eu prefiro escolher um profissional que realmente tenha
afinidade. Na vida a gente tem que ser prática, não é? Eu não tenho o ano todo. Minha grade
é 1800 horas no total. E a parte que o professor tem que desenvolver de farmacologia, esse
ano eu consegui aumentar de 60 horas para 120 horas para tentar embutir a matemática,
mas o tempo é escasso. O cálculo acaba ficando só como um aliado, na periferia, não como
um instrumento eficaz que pode te auxiliar a tomar decisões. Temos uma matriz curricular no
curso que não apresenta tanta flexibilidade. Enquanto coordenadora do curso, tive
oportunidade de reformular a matriz curricular, e rever o plano de curso para poder oferecer
as horas de farmacologia, revisão do plano de curso, eu tive oportunidade de oferecer 120
horas. Apertei ao máximo, preciso cumprir o programa e justifiquei para os órgãos
competentes que foi preciso aumentar as horas pelas dificuldades dos alunos e
principalmente pelos erros que apareceram na mídia então já aproveitei o gancho e encaixo
a matemática nessas horas. Quando os meus alunos vão prestar uma prova de seleção para
iniciar a carreira, prova de seleção, concurso. O maior bloqueio deles é com relação aos
cálculos com medicação. Tanto na parte de interpretação, de raciocínio, ligar tudo. Não
adianta nada você saber multiplicar e dividir de você não souber raciocinar, montar o
problema, entender qual é a situação. Falta de compreensão, falta de treino, falta de tempo.
Você vê. De 60 horas consegui aumentar para 120 horas. Se eu não consegui alcançar meus
objetivos aumentando as horas, então tem mais coisa errada que eu não sei! Consegui
unificar outras disciplinas e aumentei as aulas de farmacologia. Eu não posso colocar aula
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de matemática na grade, aula de português. Discutindo com os responsáveis pela diretoria de


ensino, eles falaram que aqui não é uma escola de formação, é profissionalizante. Essas
matérias eles já tiveram no curso de formação. Não é disciplina específica deste curso. A
única forma foi embutir a Matemática em Farmacologia. Português eu coloco na introdução
à enfermagem, com a justificativa que eles têm que saber descrever um relatório do paciente.
Eu não posso colocar no diploma deles que eles tiveram nota em Matemática e Português. No
entanto, temos que arrumar um jeito de abordar esses assuntos de uma forma ou de outra e o
professor deve estar preparado para isso. Eu faço assim, eu faço dentro de outras disciplinas.
Eu não posso ficar corrigindo erros de português e Matemática. Não sou formada nisso. Eu
tenho que ver a parte técnica da enfermagem. No entanto, dentro da introdução à
enfermagem, existe a possibilidade de atuar e ajudar os alunos com relação à escrita. A
mesma coisa é a Matemática, não sou formada, mas tenho que dar o mínimo de suporte. Dou
por exemplo a fórmula v dividido por t vezes 3 e aplico com os alunos o que aprendi, no
entanto é competência de o matemático explicar de onde vem a fórmula eu só aplico.
No primeiro dia de aula eu apresento a matriz curricular, a grade, módulo 1 e 2. Não falo
nada de Matemática. Apenas pergunto se eles têm dificuldade em fazer conta. Então já
oriento que eles devem estudar o máximo que puderem sobre a Matemática básica. Eles
perguntam: mas como professora? Conta? Como? Você não trabalha com dinheiro a vida
toda? Tirar dividir. Você divide seu salário por trinta dias para dar para o mês todo, não é?
Então aqui você vai realizar cálculos e, na enfermagem você tem que saber calcular a
dosagem de medicamentos. Não tem que saber dosar? Para isso você tem que aplicar a
Matemática na enfermagem. Por exemplo: você tem 1 litro de soro você tem que administrar
em 24 horas. Isso não é um cálculo matemático? Como você vai calcular isso? Não é
matemática? Digo eu para meus alunos. Não é aplicação de uma fórmula? Eu mostro a
fórmula para eles, mas nem me pergunte por que da fórmula porque eu não sei. Isso função
do matemático, nós só vamos aplicar a fórmula. Nós estamos atrás de uma meta. Agora,
como se desenvolveu esta fórmula? Isso é outro departamento.
Entrevistadora: quais as ações que vocês desenvolvem para articular um conceito
matemático às questões da enfermagem?
Nós fazemos isso no laboratório onde a gente tenta fazer uma demonstração. Dentro dessas
120 horas nós temos laboratório. Antes, praticamente, lógico eu aproveitava muito mais para
ensinar os cálculos. Hoje como eu tenho 120 eu consigo 60 horas de parte teórica e 60 de
prática. Nessas 60 horas eu crio uma situação. Porém, isso não é fácil. Se eles errarem. Aí
nesse momento tenho que trazer outros fatores para a discussão, como por exemplo, a
honestidade, a responsabilidade, o profissionalismo. Tem aquele velho ditado: errar é
humano, mas se você errou e você tem que assumir a culpa e corrigir o erro. Quanto mais
cedo melhor, porque não é que você injetou já vai morrer. Porque toda a circulação ela é
sistêmica. Não é só o erro com o medicamento, cálculo. Qualquer substância que você está
introduzindo, é um corpo estranho. Então nosso organismo reage de uma maneira diferente é
uma incógnita. Você comeu maionese e não passou mal e eu comi a mesma maionese e passei
mal. É a resposta do organismo. Pode ser que você tenha feito certo, mas algo aconteceu
errado. Por isso é importante conhecer a história do paciente, a história de sua doença.
Então você vai administrando lentamente qualquer que seja o medicamento. O que a gente
fala. Bebemos água de gole e gole. Isso que a gente fala. Não posso administra no bôlus. É
zum.... Se você administrar gota a gota você já vai observar a reação do paciente. Aí eu
posso reverter a situação. Se você é uma pessoa responsável, é um profissional, você tem
como corrigir isso. Então mesmo que você tenha calculado certo, o medicamento certo e não
teve a visão do todo, você não é uma pessoa responsável. Então isso que tem que ter
responsabilidade, responder pelos seus atos. Aí talvez conseguimos tirar esse trauma deles ...
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ou não. Porque depois desse acidente... O cliente sempre tem razão certo? Você gostaria que
isso acontecesse com você?
Você tem que se colocar no lugar do outro. A partir do momento que você chegar, conversar
com o paciente, procurar saber algo a mais dele, relatar o que você vai fazer a chance de
erro é menor. Quando falamos para o paciente: olha eu estou fazendo essa medicação com
essa finalidade para a senhora, nesse momento você está fazendo um checkup, uma revisão
no seu cérebro, para ver se você realmente está fazendo a coisa certa se é mesmo
medicamento. Alguns minutos atrás, quando você preparou você está relembrando. Você está
dando chance a você e não dando apenas explicação ao paciente. Então você vai se acalmar,
porque associar os medicamentos aos cálculos é uma situação diferenciada. Enquanto você
está falando com o paciente você também está se acalmando, então suas chances de erros são
menores. Posso estar até errada da forma com que abordo isso com os alunos, mas acho
importante. Por que assim se você está falando, eu estou dando a chance também do paciente
falar, por exemplo: eu sou alérgico a esse medicamento. Não posso tomar!
Vou contar uma história: meu marido fez uma cirurgia em um hospital de ponta. Eu jamais
vou me identificar como enfermeira e professora. Lá eu sou cliente e sou acompanhante. Na
hora da alta fui procurar alguém para receber as orientações e uma pessoa veio falar para
mim. Vou explicar como é procedimento da alta e como fazer o curativo em casa. A
enfermeira falou para eu colocar uma solução no orifício. Eu disse não. Esta solução eu não
vou colocar. Essa solução não é para essa finalidade. O que eu quero saber é que tinha três
orifícios, então o que eu vou colocar. Fui obrigada falar que tinha 32 anos de formada por
isso estava questionando e dizendo que estava errado. Ai pediu desculpas. Fico pensando: e
aqueles que não conhecem e confia nas orientações?
E outra coisa quando você fala com o paciente, procura saber o que está acontecendo, você
está respirando e contando até 10 e se acalmando. Nesse caso é uma questão de segundos.
Acertar o cálculo, o acesso da medicação, principalmente o acesso venoso.
Não vou dizer que todos orientam os alunos dessa forma. Eu estou falando da minha
metodologia, embora o tempo é escasso, eu procuro trabalhar desta forma. A questão
psicológica do aluno é muito importante.
Tudo é questão de segundos. Teve uma aluna que fez uma prova prática em um hospital. Eu
falei para ela: fulana lembra o que eu falei para você. Na hora da prova você pensa que sou
eu quem está na sua frente. Deu certo, então ela faz isso sempre quando está lidando com
medicação e cálculo.
A formação dos alunos não é suficiente para acompanhar. No início, a gente também vai
aprendendo com eles. Se você me conhecesse. Eu comecei a dar aulas em 86, e quando eu
abri esta unidade em 2000, mudei, sou diferente. No decorrer do tempo eu também fui
moldada. Eu queria que eles aprendessem do jeito que eu aprendi. Mas vi que são cabeças
diferentes são gerações diferentes. Hoje eles têm acesso as informações muito rapidamente.
Precisamos nos habituar a isso. Você vê, tenho várias pessoas. Precisamos enxergar as
características: dos jovens, dos menos jovens. Aí eu vou ver qual é a necessidade. Nem todos
vão trabalhar em hospitais. Então eu vou ver o básico. Infelizmente se eu colocar
transformação, muitos cálculos de pediatria, eu vou assustar eles e acabam desistindo e eu
fico sem alunos na escola. Hoje o que eu faço com esse novo planejamento. Antes eu só
colocava uma disciplina de cálculo no módulo 2, no técnico. Agora na disciplina paciente
graves, eu coloco um pouquinho de matemática em doses homeopáticas, um pouco de cálculo
em cada sistema. Vou subindo o nível de complexidade. Aí por exemplo eu falo: no sistema
nervoso, quais são os medicamentos, então vamos fazer os cálculos com esses medicamentos,
vamos fazer contas desses remédios? Aí vai o sistema cardiovascular. As pessoas que tem
problemas com pressão alta, arritmia, enfarto, então aí eu apresento os medicamentos e
vamos realizar os cálculos. Foi uma forma que encontrei para aproximar. Então eu estou
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vendo cálculo sempre. Se você aprende no início quando for usar nem lembra mais. Gostaria
de ter mais oportunidade de criar mais situações que explorassem outros assuntos.
No primeiro dia de aula, porque você procurou a gente? Então é o sonho deles. Quantos anos
eles lutam para chegar até aqui? Então com certeza muitos abrem mão de muita coisa para
estarem aqui. É um investimento. Porque eu vou quebrar o sonho desta pessoa com cálculos
de matemática? Então tem que suavizar esta matéria, sei lá. Nem sempre eu tenho
oportunidade de dar aulas para eles. A noite eu tenho quatro turmas. Então eu coloco
pessoas carismáticas.
Temos professores que falam mal da matéria que envolve cálculos que tem aquela distância.
Esses eu vou sempre mudando. Nem atribuo aulas para eles e não são poucos. Está cada vez
mais difícil ter enfermeiros-professores que tenham essa característica, de gostar de cálculos
e a matemática é um instrumento importante pata a tomada de decisões no contexto da
enfermagem.
Eu sempre pergunto para os alunos como eles estão indo. Tem que dar motivação. Isso é
real. Eu fiz a indicação de um dos melhores alunos desta turma para um teste em um
hospital. Ele não passou na prova. Foi reprovado em cálculo. Realizou 60% da prova
superbém, no então os 40% que eram questões sobre cálculos não conseguiu. No entanto não
podemos fazer um pré-julgamento dessa pessoa. Precisamos descobrir o que deu errado com
a metodologia!
A gente tem que tira este estigma de preconceito das pessoas e realmente ensinar buscar
meios para ensinar a matemática na enfermagem.
Entrevistadora: Obrigada pela atenção!

ENFERMEIRO DOCENTE 2 (E2)

E2: Podemos começar a entrevista. As perguntas são relacionadas ao questionário


preenchido, não é?
Entrevistadora: Sim. Posso interromper sua fala com algumas perguntas quando necessitar?
E2: Claro que sim.
E2: Então vou falar um pouco da minha formação e a matemática e da minha escolha de
ser professor
Entrevistadora: fique à vontade.
Bom eu fui técnico de Raios-X e princípio eu escolhi fazer a faculdade de enfermagem para
crescer dentro da área da saúde. E na faculdade eu fui convidado a fazer monitoria porque
que era bolsista. Dei aulas de duas disciplinas na Universidade e isso me ajudou muito, pois
eu era muito tímido e fui obrigado a superar isso e eu adorei ministrar aulas, a lecionar
saber que eu sabia e mostrar aos outros o caminho que eles poderiam seguir para saber que
sabem é uma questão de afinidade.
Eu sou Bacharel em Enfermagem e considero que o curso me deu uma boa formação para
atuar como enfermeiro assistencial. Depois que me formei, não saí com a intenção de fazer
licenciatura. Eu tinha planos para a minha carreira na assistência. Sou formado há três
anos. Minha meta sempre foi fazer pós-graduação e Mestrado em Enfermagem e depois
começar a dar aulas em Universidades e não em curso técnico. Fiz pós-graduação na
UNIFESP em Enfermagem dermatológica, pós-graduação em urgência e emergência e
fazendo esta última, e trabalhando na unidade hospitalar. Recebi um convite de uma
professora que trabalha nesta unidade para cobrir as férias e assumir as aulas de
farmacologia (cálculos). Para lecionar eu tinha que comprovar uma matrícula em docência.
Assim o fiz para poder assumir a turma. Dei aula na primeira turma, na sequência fui
200

convidado a assumir outra turma. Então posso dizer que eu não procurei a docência. Foi o
acaso, mas sinto prazer em ser professor.
Eu já dei cálculo para duas turmas. Duas professoras sempre pedem férias nessa época, por
questões de afinidade, e pedem que eu assuma esta parte da matéria que envolve cálculos. A
disciplina é Farmacologia porque eu tenho afinidade e um pouco mais de conhecimento
matemático.

Na minha formação tivemos ética em enfermagem, Farmacologia, antropologia que a gente


acaba tendo que falar um pouco da profissão para os alunos, tive muita base de Biologia,
Fisiologia. Não tivemos preparação para trabalhar com a Matemática no nosso dia a dia de
professor, como utilizar os conhecimentos matemáticos nas questões de Enfermagem.
Tivemos algum envolvimento com a Matemática na disciplina de Farmácia na graduação, no
entanto, aprender quais são os caminhos para associar a matemática com a enfermagem,
didática para ensinar caminhos para aprender e ensinar Matemática não. Na minha
graduação, os professores passaram todas as fórmulas matemáticas, começamos pela regra
de três, o que é divisão, o que a gente faz nesses casos. A gente escrevia no caderno e
acabava decorando essas fórmulas, mas na maioria das vezes não tínhamos um retorno
satisfatório se o que estávamos fazendo estava certo ou errado.
Dentro da graduação temos Administração que trabalha com redimensionamento de pessoal
e isso envolvem um pouco de cálculo. Eu não tive dificuldades com cálculos por ter tido uma
boa base no ensino fundamental e médio e por gostar da coisa.
E2: Vou dar um exemplo do que acontecia na graduação em enfermagem. Tudo bem?
Entrevistadora: Por favor, fique à vontade.
E2: O professor passava uma fórmula matemática em sala de aula, mas quando você chega
na prática sempre tem algo diferente, mais complexo daquilo que você aprendeu. Quando
chega na prática, você se deparando com coisa diferentes... O equipamento é diferente; por
exemplo, é uma bomba de infusão. Como você vai encaixar aqueles cálculos nesse
equipamento se a bomba já calcula tudo? Como você deve proceder?
Vamos pensar em soro na bomba de infusão: gotejamento de soro. Se você pega 550 ml,
divido por tempo, vezes 3, aplica esta fórmula e dá um número quebrado: por exemplo,
15,277777. Você arredonda ou não? Fico penando! Será que não tem um jeito de você achar
a dosagem correta? Na prática, arredondamos para 2. Então acho que a enfermagem não é
igual à matemática “é ou não é”.
Quando chega na prática, você se deparando com coisa diferentes... O equipamento é
diferente, por exemplo: é uma bomba de infusão. Como você vai encaixar a fórmula? E se a
bomba parar? Como devemos proceder? Arredondo para 15? Deixo o valor em 15,3?
Manualmente esse valor seria impossível? Por isso precisamos mais situações da realidade e
realmente trabalhar com esses casos na universidade. Esse medicamento tem que correr na
hora certa e na quantidade exata. Essa história de formação generalista não foi interpretada
da maneira correta, eu acho. A universidade, a minha formação, nunca me encostou na
parede para pensar nessas situações..

Entrevistadora: quais as diferenças que você vê entre a formação do enfermeiro docente


e enfermeiro assistencial?
E2: Entre o curso de bacharelado e licenciatura eu vejo uma diferença muito grande, uma
lacuna imensa. No bacharelado em enfermagem a docência é utópica, não existe. Na pós-
graduação em docência, os cursos deixam a desejar no que diz respeito a formação para
professor. Deveriam lembrar que somos enfermeiros e não professores.
201

A impressão que tenho é que diferente da enfermagem para assistência. A enfermagem para
docência é utópica. Nos infelizmente chegamos a esse ponto. Na teoria é uma coisa, na
prática é completamente, muito, muito diferente. Nem tudo que você aprender, nem tudo que
você ensina, nem tudo te cobram, você consegue ou tem material e conhecimento para fazer.
Não temos ferramentas para desenvolver. Isso os cursos deixam a desejar na formação do
professor. Somos enfermeiros. Vou dar um exemplo: eu tenho duas alunas de uma turma
anterior a essa que elas marcam comigo, pelo menos duas vezes no mês, e elas pedem
autorização da coordenação para vir até aqui comigo só para fazer cálculo. Já são formadas.
Vem só para fazer cálculo, explicitamente só para fazer contas. Elas vêm aqui e eu dou
exercício de cálculo de gotejamento, cálculo de soro, cálculo de rediluição. Elas apresentam
os problemas e eu mostro os porquês o que está errado. Se você perguntar para os alunos e
até mesmo para os iniciantes em cursos de graduação de Enfermagem, eles vão dizer que
escolheram esta área por não ter Matemática, pelo menos 60 a 70% vão dizer isso.
Aí quando encontramos e eles também encontram a Matemática no Fármaco aí a casa cai.
Principalmente eu canso de escutar dos alunos: eu escolhi enfermagem porque não tinha
Matemática e olha isso!!!. E aqui, nesta escola a maioria das vezes trocasse de professor
quando entra cálculo. Aqui a última matéria a ser dada é a que envolve cálculo. É a matéria
que temos mais dificuldades e os alunos também. É a disciplina que mais reprova. Tanto é
que eles chegam e dizem que na teoria eles vão bem, mas quando chega o momento de
colocar na prática a Matemática sentem medo. Dizem professor você tem que me ajudar.
Falta um passo para eu ir para o estágio. Grande parte tem medo da Matemática e nós
também no ato de ensinar.
Esse medo dos alunos é por falta de base e do lado dos professores uma insegurança de não
saber explicar. Sei fazer, mas explicar não.
Entrevistadora: Como você lida com essa situação?
Os alunos não possuem uma formação sólida de matemática no ensino fundamental e médio,
então eu começo a matéria dando uma revisão das quatro operações matemáticas. O básico
do básico. Ensino a soma, com vírgula, a subtração com vírgula, a divisão com vírgula, a
multiplicação com vírgula. Com números inteiros eles bambeiam, mas chegam lá. Agora
quando você fala em números decimais isso é um problema de base. Eu estudei em escola
pública, porém eu tive uma excelente base. Muita coisa que meu filho vê em escola particular
eu vi na escola pública. O que mudou? Nesse nível de ensino? O que mudou na nossa
formação universitária? Não sei. Nunca acompanhei alunos em estágio para ver como eles
enxergam a Matemática na prática. Não tenho interesse em estágio. Não é algo que me
agrade. Minha praia é sala de aula.
O que mais trabalho nas aulas, por ser característica e conteúdo da farmacologia é cálculo
com medicação, pois é aí que precisamos de matemática. Quando chega na rediluição
aparece um monte de dificuldades. Existem diversas metodologias que os alunos tiveram com
outros professores. Cada um chega aqui com uma conversa. Eu vi no Youtube isso ser feito
em quatro passos de cálculo, meu professor do auxiliar ensinou com sete. Você tem que falar
para eles. Esquece tudo e vamos seguir a maneira que eu ensinar. Cada turma traz uma
bagagem diferente. Existe uma falta de comunicação, de formação também entre o professor
do curso de auxiliar e professor do técnico. Meu caso eu só dei aula para cursos técnicos.
Dependendo da dificuldade que os alunos me mostram eu tenho que pegar e continuar o que
a maioria entende. Minha metodologia é a seguinte:
O curso é apostilado, ou seja, uso apostila. Vamos combinar: é mais fácil e está prontinha
para o uso. Eu faço a revisão do conteúdo, sem envolver medicação, somente cálculos, eu
passo um número razoável de exercícios para que eles pratiquem de forma incessante, até
que eles mesmos se sintam exaustos, é o princípio da exaustão. Isso eu faço para que eles
202

desenvolvam o raciocínio e até o entendimento deles. Não uso nenhum tipo de tecnologia,
pois não temos muito acesso aos laboratórios nesta escola.
Eu falo para eles que os exercícios que vamos usar os números que vamos usar que vão
aparecer nos exercícios, os valores que vamos usar são hipotéticos, são valores absurdos,
por exemplo, correr um soro de 10.100 em uma hora e meia, coisa que na prática você não
vai usar, mas é Matemática, você trabalha com esses números absurdos na enfermagem para
abordar todas as possibilidades de números para que eles entendam a Matemática.
Depois você percebe que o aluno consegue fazer as contas aí eu começo ligar com a
Enfermagem, a entrar com valores reais, aqueles encontrados na prática da enfermagem.
Depois eu falo realmente dos valores que eles vão encontrar na sua prática, por exemplo,
500 ml de soro em uma hora e assim vai. Agora sim são valores mais reais. Não sei se estou
certo, mas foi a forma que encontrei de trabalhar a Matemática. Primeiros números
absurdos, depois números mais próximos da medicação e da realidade.
Até chegar ao ponto de ligar a Matemática à Enfermagem, eles já têm uma maior habilidade
com os números. Passou a fase do susto. Pelo menos é isso que espero.
Eu gosto de Matemática, porém os alunos não têm os conceitos necessários e por outro lado
a nossa formação não nos habilita adequadamente para pensarmos em estratégias e
metodologias. Cada um cria a sua do jeito que pode e pensa.
Você tem que recapitular tudo. Nunca falo de nenhum conceito matemático, por exemplo,
regra de três, porcentagem. Não dou nomes. Só mostro o cálculo separado da enfermagem,
depois enfermagem. É lecionar duas disciplinas. De um lado a matemática básica e de outro,
a farmacologia. O desafio é ligar as duas.
Entrevistadora: Você acha que com essas ações os alunos conseguem aplicar a
matemática durante sua vida profissional?
Sei lá, mas uma coisa eu digo para eles: se não aprenderem isso aqui, a matemática, não
passam no processo seletivo em nenhuma instituição. O processo seletivo está tão alto e a
situação está tão grave no meio (denúncias) que você vai fazer prova nos lugares e os
aplicadores já deixam claro que se têm três cálculos... Errou um... Não corrigem o resto da
prova eles param. Eu deixo a realidade clara para eles. Se eles não entenderem, se eles não
treinarem eles não vão conseguir entrar em uma instituição hospitalar. Assim eles acabam se
virando nos trinta, praticando algumas contas, praticando um pouco a matemática.
Voltando a questão da formação, a nossa graduação e o curso para docência não é um curso
que prepara para dar aulas e muito menos enfrentar o desafio de explicar a matemática na
enfermagem. Eles dão muita ênfase em saúde pública que é a área que mais domino. Não tem
muita discussão de como lidar com os desafios que poderão ser encontrados em sala de aula.
É cada um por si e DEUS por todos.
Na graduação, eles são diretos, cálculo de medicação. Apenas isso. Eles dizem aqui é
explicar Matemática é uma facilidade que estão fornecendo. Você já tem que saber os
conceitos da Matemática. Tem que chegar aqui pronto para desenvolver o cálculo que foi
proposto. O curso de docência eu transfiro meus conhecimentos que aprendi para a sala de
aula. A docência é uma incógnita com relação a sua finalidade. Como comecei agora, vejo
este curso como uma incógnita, sobre quais possibilidades que vou ter para atuar como
professor, desenvolver um bom trabalho.
Entrevistadora: Você disse que sua pretensão não era lecionar, ainda continua sendo?
No início não, porém, esta experiência de dar aulas é muito bacana. Pretendo continuar,
fazer o mestrado e dar aulas em universidades. Talvez pegue alunos com preparo maior em
matemática. No ensino técnico eles fazem perguntas que você jamais pensaria ter que
responder, agora explicar quando os cálculos não dão certo, de outra maneira é complicado.
Sei fazer mais explicar as razões, isso para mim é difícil.
E2: Podemos encerrar. Vai começar a aula.
203

Entrevistadora: Claro que sim. Obrigada pela contribuição.

ENFERMEIRO DOCENTE 3 (E3)

E3: Após preencher o questionário, gostaria de falar abertamente sobre o assunto. Tudo
bem? Você pode interromper se quiser.
Entrevistadora: Claro. Fique à vontade para falar sobre o assunto.
E3: Fiz uma redação sobre as denúncias que meu professor pediu. Posso falar antes um
pouco sobre isso? Marcou-me profundamente.
Entrevistadora: Claro, pode sim
E3: Um erro de medicação não é somente quando tu fazes um cálculo errado. Tu erras o
paciente, tu trocas o medicamento, o médico prescreve errado e tu precisa estar atento a isso.
Nem sempre os médicos prescrevem corretamente. Não sei se você viu o que aconteceu com
os mais médicos. Eu estou dando um exemplo do que aconteceu. Não quero dizer que só eles
erram, estou dando um exemplo. Eles prescrevem uma dose se tu administrar aquela dose
você acaba matando o paciente. No fim os dois respondem por este ato.
Você tem que pegar a prescrição e insistir: é isso mesmo? Tem certeza. Chega a um ponto
que se a dúvida persiste você pede para ele administrar. Porque por pior que seja o
profissional ele deve conhecer os cálculos. De vez em quando, isso já aconteceu comigo. O
médico prescreve algo tão mirabolante que você precisa estar atento. Aí tu pega um
profissional que já vem de outro emprego, que já está demasiadamente cansado que você
pega, que teve um problema de família, aí tu chegas à unidade e todas as embalagens estão
iguais, como foi o caso da vaselina. Aí tu estás meio que desnorteado, aí ocorre o erro.
Todos nós estamos sujeitos a errar. Ai o presidente do COREn culpa a Educação porque é
mais fácil. Só que eles não falam que não fazem a fiscalização correta nos hospitais,
enfermeiro e técnicos cuidando de 20 leitos. Excesso de pacientes, o dimensionamento de
pessoal. A escala que é apresentada para o COREn está completa, mas na realidade está
faltando pessoal. Eles fiscalizam isso? É muito fácil você culpar. Você vê que ele tirou a
culpa da falta de fiscalização desses aspectos e jogou tudo para a educação. Temos
problemas sim na educação, porém é uma parte não é o todo.
Também tem o outro lado. Os erros cometidos pelos profissionais relacionados aos cálculos
são cometidos por falta de conhecimento. Eles ligaram o piloto automático, a mesmice,
confiando que sempre é a mesma coisa. Fazem a medicação sem refletir.
Lógico a educação está defasada, sim com certeza, porém um erro não justifica o outro. Mas
está difícil. O ensino da matemática, hoje em qualquer nível, tanto técnico, quanto
graduação, mestrado, docência para enfermagem, você tem essa deficiência. Na verdade, os
alunos têm problemas com o ensino de matemática no ensino fundamental e médio e o
problema reside, do professor e aluno, que é meu caso, nas operações básicas e isso dificulta
sua atuação na enfermagem. Vou ser sincera, na minha graduação, no curso para docência,
a formação não te dá isso. Pelo menos foi o que eu verifiquei na minha graduação e nos
cursos de docência. Sou enfermeira porque tenho formação, mas sou professor porque tenho
diploma, mas não porque tenho formação.
O que na verdade acontece em sala de aula é o seguinte: se tu tens facilidade com a
matemática você consegue fazer as provas e passar o que leva a você fechar o semestre.
Porque infelizmente tem que ter essas benditas notas. Eu sou contra essas notas. Na verdade,
tira-se a nota, mas a deficiência permanece. Mas o meu curso não me deu isso. Você vai ver
que na Pós-Graduação em clínica cirúrgica não me deram oportunidade de aprender a
matemática na enfermagem e nem ser professor. Por isso que existem cursos fora e nem
sempre temos disponibilidade financeira para pagar.
204

Se você quiser melhorar então você faz este curso. É caro e nem todos têm condições de
pagar. Só que tem algo que chamamos de prática. É ela que vai te dar um direcionamento.
Com muito custo você vai visualizar o que tu viste no caderninho da professora e tu vais
lembrar o que tu fizeste. Só que estamos em um plantão doido, porém não ficamos sozinhos.
Hoje em dia ninguém coloca você sozinho em um plantão para fazer medicação. Graças a
DEUS. E você tenta nesse ambiente fazer o que a faculdade não conseguiu: abrir tua visão
para você entender.
Na prática está a vida do paciente. Porém, nunca trabalhamos sozinhos. É uma estratégia
para se evitar os erros. Quando chegamos a um hospital temos que ter aquilo que chamo de
humildade. Quando você não sabe de alguma coisa, você tem que ir atrás de quem sabe mais.
Vou te dar um exemplo: Quando você vai administrar um sangue, você nunca vai sozinho,
chegamos até ter três pessoas, porque se uma deixou passar algum detalhe a outra não vai
deixar passar. Quando tu vais fazer uma medicação, existe outra regra que é assim. Hoje
existem as fórmulas prontas para você seguir, os remédios na dosagem certa. Tem a farmácia
na pediatria só que ela não dá conta, porque também o pessoal da farmácia não tem essa
visualização que o pessoal da enfermagem tem. Só que na pediatria funciona assim. Quando
você vai preparar um a medicação de tanto você fazer o procedimento já se torna a
preparação mais fácil e todo o posto de enfermagem tem lá, por exemplo: quando um médico
pede um raios-X para tu visualizar um cateter, ele pede 1 ml de contraste, então é um 1 para
1 a gente sabe que a gente vai aspirar 1 de soro e 1 de contraste e só vai aplicar o que 1 na
verdade eu não estou aplicando 1 e sim 4 de contrates. De tanto fazer você acaba decorando.
O que acontece é quando chega o pessoal novo que precisa de apoio os profissionais deixam
sozinhos e como a formação não dá conta de mostrar tudo para este profissional aí
acontecem os erros. Aí também entra a questão da humildade. Vou te dar um exemplo: Eu
nunca fiz esse cafezinho que estamos tomando, eu digo: Ciça, você me ajuda? Hoje os erros
acontecem porque ninguém enxerga o outro é cada um por si, a falta de humildade, as
pessoas hoje não estão se tolerando, é simples falar: eu não sei. Está difícil compartilhar.
Percebo que você tem uma bagagem maior que a minha, eu só leciono saúde pública,
fundamentos de enfermagem, noções de cuidado, se eu encontro uma pessoa que sabe mais
do que eu, tenho que perguntar para ela: como saio dessa situação? Eu falo para meus
alunos: não existe ninguém que não saiba nada e ninguém que saiba tudo, porque a vida é
um complemento é complexa. Lá nessa escola que eu dou aula, eu tenho quatro senhoras que
tem 55 anos e 4 alunas bem novinhas com 18 anos e aí tem mais uns 4 de 45 a 49 anos. Eu
sempre proponho atividades para que eles possam interagir, explico a necessidade da troca
de experiências de gerações.
Porque os mais novos têm uma bagagem impressionante: para as redes sociais, para a
internet. Só que a senhora tem a bagagem da vida. Bem provável que elas saibam matemática
mais do que todos nós. Com certeza essas senhoras têm dificuldades para entrar na internet.
Então a base do ensino na enfermagem, em minha opinião, se resume em humildade, troca e
união. Se eles se unirem vocês conseguem agregar conhecimento. Eu dou aulas, mas eu não
sei de tudo. De repente eu estou falando de um assunto que vocês sabem, então vamos
discutir. Só que na enfermagem tem um bendito, que eu não sei se vai quebrar um dia é o
individualismo.
O individualismo ele te trava as opções é onde acontece a maior parte dos erros, as nossas
dificuldades para ensinar principalmente matemática para as questões de enfermagem.
Quando você pega uma pessoa egoísta, um professor que atua junto contigo, não foi o
educador que deixou ele assim: egoísta. Porque hoje é assim. Qualquer graduação que você
faça tu sabes que tu não vais ter o conhecimento que você precisa. Infelizmente, tanto na
graduação quanto na docência você precisa procurar cursos e mais cursos fora para
aprimorar e dar conta do que a graduação e a docência deveriam ter fornecido. Por
205

exemplo, se tu queres se aprimorar em pediatria procure o HC. Tu ficas um mês estudando


tudo sobre pediatria, mais um mês estudando as medicações e depois tu vais pôr a mão na
massa. Mesmo assim, a matemática fica ali, na periferia. É complicado. Essa deficiência vem
se arrastando ano após ano de estudo. Essa busca por cursos livres para tratar da
matemática na enfermagem deve-se ao fato de que a formação do enfermeiro e do enfermeiro
docente não comtemplar todas as necessidades quando caímos na realidade do mundo da
enfermagem.
Entrevistadora: O que você gostaria de ter tido oportunidade de estudar no curso de
graduação e Pós-Graduação?
E3: Sei e tenho consciência de que ensinar matemática não é foco da universidade, mas
deveria dar mais atenção para isso. É aí que matamos as pessoas e existem casos, e não são
poucos. Como números podem matar! Uma simples divisão, uma simples regra de três, e toda
a matemática básica pode matar! Se tem urgência de repensar nisso
Então eu gostaria de ter estudado e aprendido matemática. Gostaria de ter uma formação na
graduação e na Pós-graduação que me ajudasse a ensinar os alunos. A formação nem na
graduação e muito menos na Pós em docência te oferece isso. Eu sou enfermeira e não
professora. O problema se torna uma questão de base. Porque quando você não tem uma
base você não consegue terminar algo por completo. Todas as fragilidades que hoje
acontecem ou é porque esse aluno não estudou não se dedicou direito, não teve professores
interessados realmente na condição do aluno, falta de uma metodologia, falta de bagagem
etc. São suposições.
Hoje também você passa sem fazer prova, sem aprender. A matemática eu gostaria muito de
aprender. Não tenho vergonha de falar. Você não imagina o sufoco quando eu preciso tratar
algo com meus alunos do curso técnico que envolve matemática eu fujo e peço para outro
professor assumir as aulas. Eu tenho uma deficiência muito grande e é em Matemática. E se
você perguntar a Matemática dentro da enfermagem, também sim: razão, proporção,
porcentagem, decimais, divisão.
Na graduação em enfermagem a coisa fica pior, pois é feita uma revisão bem rápida com
aquela matemática bem básica, sem problematizar com as coisas da enfermagem.
Fui chamada para lecionar farmacologia em escola, embora precisando, eu falei não. Eu
disse para a coordenadora que eu não tenho qualificação suficiente para ensinar esta
disciplina, embora habilitada para tal. A parte teórica eu até.... Consigo porque eu leio muito
sobre interação medicamentosa. Agora quando chega na parte dos cálculos eu não tenho
habilidade E nem conhecimento para ensinar. Eu estou assumindo minha fragilidade. A
coordenadora falou: não, mas você consegue. Eu falei não. Oura coisa, eu não sei ensinar
matemática, mesmo voltada para a enfermagem. Eu sou humildade para assumir isso. Não
posso prejudicar os alunos. Além disso, é muita responsabilidade.
Tenho certa fragilidade e falta de confiança para exercer as funções no hospital que
envolvem cálculos. Não foi o suficiente para eu assumir uma função dentro de um hospital.
Tanto é que eu trabalho em uma UBS.
Continuei dizendo à coordenadora: A senhora pode buscar pessoas mais qualificadas para
lecionar esta disciplina, porque é uma disciplina que exige muito dos alunos e dos
professores. Mas eu gostaria que na graduação tivesse um espaço, sei lá uma carga horária e
mudasse até o jeito de se ensinar. Que hoje nas graduações e, na Pós-Graduação em
docência não tem. Eu vim com a deficiência em matemática, entrei na graduação com essa
deficiência, saí da graduação com essa deficiência em matemática. Os professores que
lecionam e trabalham com questões da matemática são pessoas que tem afinidade, facilidade
com isso.
Quando eu falo de ensinar diferente é de criar novas estratégias para ensinar matemática nos
cursos de formação de professores, sair daquele tradicional de repente você pega... hoje, sei
206

lá tem várias formas de você praticar uma aula, por exemplo, sair daquela história de
continhas em lousa, você entendeu, não vai!!! Vai ter continhas, sim vai... mas agrega isso a
situações atuais, da atualidade. os professores poderiam articular esses cálculos a assuntos
de enfermagem de forma clara. Talvez teríamos mais sucesso e menos fracasso na
compreensão da matemática, pois o que coloca em cheque o conhecimento matemático é
quando temos que enfrentar uma situação diferente daquela que não foi calculada antes.
Por isso que se tem que conversar. Hoje as pessoas não têm tempo para isso. Não tem tempo,
porque quando a pessoa vai chegando onde você quer, o professor está quase explicando aí
corta a conversa e vai para outro assunto. Um exemplo é nas aulas de farmacologia. Na
farmacologia aprendemos as interações medicamentosas, porém quando chega na parte dos
cálculos, algo acontece que não se aprofunda e continuamos com as mesmas dúvidas. As
dúvidas são sobre os conhecimentos que utilizamos constantemente, como as operações
básicas, regra de três, porcentagem, números decimais. Tenho medo de cometer um erro
irreparável, de não estar à altura da profissão que escolhi. Tido é muito superficial e
precisamos de um professor que não fique só passando fórmulas v é igual a t divido por 3.
Precisamos de um enfermeiro docente que tenha disposição de explicar, mostrar os erros, os
porquês dos cálculos. Não simplesmente pegar a fórmula e falar: “Faça assim que dá certo”.
O professor enxergou, mas não enxergamos esses cálculos, não entendemos direto. Esse tipo
de situação que ocorre na realidade não foi trabalhando em sala de aula.
Então hoje também falta diálogo. Eu estou falando da educação em enfermagem, de
matemática na enfermagem.... Vamos mudar, vamos colocar situações como se você já
estivesse atendendo alguém, vamos fazer diluição de soro, envolver outros conhecimentos,
sem ficar só na lousa, e vai, e vai, se isso desse certo eu teria aprendido. As coisas que
acontecem no contexto real não foram passadas na universidade. Fomos pegos de surpresa.
Isso não achei uma postura adequada da universidade nem dos professores na minha
formação. Temos muitas incertezas, principalmente quando temos que aplicar a matemática
na enfermagem.
Posso usar uma doença para falar de coisas que não estão no programa. Se você junta tudo
isso fica mais fácil de tu fazer aquela medicação de uma forma mais fácil, tu não vais errar
tanto. Aí você vai mostrar para o aluno que aquele paciente, por exemplo, não está com asma
apenas por conta do cigarro. Sempre colocamos um vilão. Sabemos que o cigarro é um vilão
sim, mas quando o paciente não troca a roupa de cama dele toda semana, se ele não troca ele
está contribuindo para aumentar esse problema de asma. Ele não sabe que as vezes eu tenho
a roupa de cama, e eu troco tudo direitinho, mas uso fogão à lenha, mas eu não fumo, tenho a
roupa de cama trocada tudo direitinho, mas eu uso fogão à lenha e a fumaça? De onde vem
essa fumaça? De onde vem a asma se ele nunca fumou? Será que é só fogão à lenha? Então
aí acredito que você mostra possibilidade para os alunos.
Então eu vou fazer uma medicação se eu não higienizar as minhas mãos, eu já estou
contribuído para aquela medicação não agir corretamente. As bactérias que estão em minhas
mãos se eu não as lavo, já contaminaram. Essa medicação não está mais estéril. Uma coisa
tão simples, mas que já não vai atender aquele paciente de melhorar a asma. Eu acho assim,
que faltam novas estratégias para se ensinar matemática, novas metodologias. Mudar um
pouco. Lembra quando nossa mãe ensinava a fazer bolo de cenoura? Que tinha que ir um
copo disso, 1 copo daquilo? Porque não inovar? Fazer um bolo diferente?
Entrevistadora: Porque ser professor?
Eu escolhi ser professora porque eu acredito que todo mundo pode mudar, todos podem
chegar a excelência e por ter a oportunidade de obter mais uma fonte de renda. Não importa
se você teve ou tem deficiência em matemática. Embora você perca espaço, você pode
ensinar outra disciplina que não seja matemática, porém limita seu campo de atuação. Bom o
que me incentivou a dar aulas? Porque eu vim de uma família muito pobre e eu trabalhei em
207

casa de família de 1990 a dezembro de 2003. Aí resolvi fazer um curso técnico de raios-X,
pois percebi que os profissionais domésticos não têm crédito para ninguém, para a
sociedade.
Quando eu cheguei da Bahia para cá eu era analfabeta. Eu comecei a ler revista da minha
patroa e ela assinava a revista veja e a época. Não sei se tu percebes até hoje eu tenho
dificuldades em alguma pronúncia, mas eu tento melhorar. Então eu falava assim: eu sou
capaz e aí eu olhava da janela e via aquelas meninas saindo do trabalho e elas se reuniam
todas as tardes com os porteiros para falar assim, sabe, para fofocar. Eu pensava assim,
nesse tempo eu vou procurar ler alguma coisa e eu procurava e procurava. Eu queria mudar
de vida. Então fui fazer o curso técnico de raio-x, fiz um ano de estágio gratuito e as pessoas
falavam que raio-x não dava para mulher.
Que era uma área só der homens. Agora tu imaginas, eu com esse tamanho todo [risos].
Então eu coloquei na minha mente um desafio. Eu vou chegar lá. Aí fiz o curso e finalzinho
de 2003 eu fui contratada no Hospital Santa Helena. Aí quando cheguei lá, um motivo que me
incentivou a ser professora nasceu dessa experiência. Eu comecei a ver que a enfermagem
brigava muito com o pessoal do raio-x. Aí que me levou a estudar enfermagem e docência é
que eu fui atender um paciente do hospital Santa Helena e a enfermeira veio gritando feito
uma louca em cima de mim e de outro colega.
Cuidado que esse paciente está com pique, cuidado que esse paciente está com pique. Eu
falei para ela o que é pique? Ela respondeu: Maria do Carmo você não sabe o que é pique?
Vai estudar. Eu respondi: sim eu vou, mas me responde o que é esse diabo desse pique? Ela
saiu e não me respondeu. Nossa como eu vou fazer o raios-X do paciente se eu não sei o que
é pique? Pique nada mais e nada menos é pressão intracraniana. Só que o paciente não
estava com pique.
O paciente estava com um cateter inserido na cabeça que é para controlar a pressão
intracraniana. É um cateter muito delicado que se você por um descuido esse cateter é
sacado, o paciente tem que sair correndo da UTI para o centro cirúrgico. E aí você tem que
localizar a equipe cirúrgica, o médico daquele paciente é um vurduço. Isso se o abençoado
não morrer. E isso me levou a fazer a universidade de enfermagem. E na mesma hora tinha
uma médica presenciando o fato e pedi a ela que me arrumasse alguma coisa para ler para
eu saber mais sobre a pique porque não está dando não.
Ela me adorava e ela baixou um artigo na internet e disse: Carmencita, estuda porque esse
pessoal pega pesado, mas nem eles sabem. Aí eu falei vou estudar, porque essa enfermagem
briga tanto com o pessoal dos raios-X? Seria mais fácil compartilhar o conhecimento. Por
isso fui para a faculdade e descobri que a briga da enfermagem com o pessoal de
enfermagem é falta de comunicação. Tudo isso é pura falta de comunicação. Aí eu fui
estudando, estudando e, quando terminei minha faculdade em 2008 finalzinho de 2008 eu fui
chamada para lecionar em uma escola que não gostaria que você citasse o nome.

Entrevistadora: Fique tranquila não vou citar


E3: Eu peguei a turma que era uma turma de bolsista. Aí tinha umas senhoras que meu pai
do céu. Eu me via nelas. Se eu lá na casa de família eu lavava passava cozinhava direitinho e
tinha tempo para estudar e eu consegui chegar até aqui, eu vou incentivar essa mulherada a
estudar. Aí eu dou uma atividade para elas que é resiliência que é a capacidade de
superação. Eu gosto desses temas sabe. E aí eu dou um texto sobre questões sobre resiliência
tanto relacionada a física quanto usado na psicologia. E pergunto para elas se elas se sentem
resilientes. Peço que elas falem sobre situações que elas viveram e aí você vai conhecendo a
história de cada um. Aí eu digo, eu vou ensinar só que eu vou mudar o jeito de ensinar. Eu
tenho que ajudá-los a aprender.
208

Não importa se eu não falo correto o que for dado para eu ensinar eu vou tentar, vou correr
atrás. E aí eu peguei esse gosto por dar aulas. Mas ainda não consegui me relacionar como
deveria com cálculos, até tento passar para os alunos. Tem professores que se colocam de
uma forma um tanto quanto esquisita: lá em cima entende? Teve uma enfermeira-professora
que chegou na sala de aula dizendo que ela nunca erra. Imagina você está nos seus primeiros
dias de aula, você pergunta alguma coisa e o professor enrola e ainda diz: gente eu sei o que
estou falando, isso acontecia com as questões que envolviam cálculos.
Os professores desta instituição nunca erram ainda salientava a professora. Então isso me
levou a lecionar. Outra coisa você não muda logo no primeiro ano. Você pega pessoas que
faz mais de dez anos que não entra em uma sala de aula. Tu não vais querer que essa pessoa
apresente um resultado satisfatório dentro de um mês. Precisamos incentivar orientação, dar
um bom filme apara ela assistir, uma metodologia atrativa, até música, tudo isso deveria
estar no currículo. Tudo isso para a pessoa ir aprendendo. Porque eu tive uma professora no
curso de enfermagem que brigou com a turma e disse: vocês são tão ruins, principalmente em
matemática que vocês não vão chegar a lugar nenhum. E tinha meninas muito boas na sala.
Continuou dizendo: eu quero ver vocês fazerem uma universidade pública. Imaginem desse
jeito vocês matam o paciente. Imagina? Eu já tenho problemas com a matemática, escutar
isso me causou pânico. Porém isso me levou a querer mais e mais lecionar. Então o aluno
comigo pode desistir depois. Porém, enquanto ele estiver sob meus cuidados não posso
deixar isso acontecer entende? Porque hoje, desculpe. Sei que você leciona matemática, mas
hoje tem professor matando aluno e você não sabe! Professor matando sonhos! E a pior
coisa é quando alguém de mata os sonhos. Porque você pode não ter cultura, pode não ter
dinheiro, mas tu tens sonhos então vamos ajudar esse aluno. Pelo menos o sonho dele chegar.
Isso tem a ver com a forma que se ensina matemática.
Muitos professores trabalham com conteúdo que nunca iremos utilizar que podem ser úteis
para os engenheiros, por exemplo, mas para quem irá atuar na enfermagem não têm
significado. Eu tive uma professora também chamada Rosemary e quando aconteceu tudo
isso que acabei de relatar eu chorei muito. Em farmacologia e fisiologia eu sofri muito pelas
dificuldades com a matemática. O que eu chorei por conta de fisiologia! Eu vim entender
fisiologia depois que eu saí da universidade. Porque lá é muita coisa, você tem que dar conta.
Eu acho que também isso prejudica, coloca-se muita coisa no currículo de tudo um pouco e
no fim nada relacionado com nada, tudo separado.
E a Rosemary levou no jardim da universidade e me disse: você tem um potencial grande
porque enquanto todo mundo brigava eu apaziguava. Ela disse não deixe nenhum professor
tirar isso de você. Porque você vai dar uma ótima professora. De repente você nem vá
trabalhar na enfermagem, mas ela pode te abrir um leque de opções. Eu acho que ela ficou
sabendo da briga da professora e se posicionou. E por isso que eu quis lecionar.
Olha apesar de a matemática estar envolvida em toda nossa vida. Matemática para mim é um
bicho de sete cabeças. Você não consegue ter uma definição para o que é matemática. Só que
a matemática, hoje eu sei que a matemática está em toda sua vida. A política está voltada
para a Matemática, a nossa vida do dia-a-dia, você vai a feira tem matemática, tu tá tomando
banho tem matemática. Tu não controlas a quantidade de xampu que tu usas? Não é? Tá
pouco? Tu fazes uma média de quanto vai usar até tu comprar outro? Isso é matemática, mas
que ainda permanece uma interrogação. Na enfermagem é mais complicado ainda. A
matemática na enfermagem é mais complicada ainda. Matemática na enfermagem é
complicada, mas é só você entender.
Na verdade, eles, os alunos não são todos iguais. E nós também. O que acontece é que ainda
não estamos disponíveis para entender essa questão. As universidades também precisam
estar disponíveis para tratar essa questão, fornecer mais apoio, mais metodologia para nós e
consequentemente, para que possamos ensinar os alunos. Eu gostaria que na universidade
209

trabalhasse com mais exercícios, mais situações, algo mais próximo da nossa realidade.
Parece sempre que a teoria é uma e a prática é outra. Tudo muda!
Além disso eu digo que a matemática não é só aquela da medicação, por exemplo, na
contratação de pessoal para UTI, dimensionamento de pessoal, não tem nada a ver com
remédio, quando você vai fazer um atendimento de um paciente você tem que fazer a folha de
custo que é matemática, aquela folha de custo depois vai para a contabilidade, olha a
matemática aí. Quem sabe com essa pesquisa você consiga abrir alguma possibilidade de
tratar esse assunto com as universidades.
Entrevistadora: Obrigada pela participação

ENFERMEIRO DOCENTE 4 (E4)

Entrevistadora: Como você percebeu ao responder ao questionário o assunto que iremos


conversar trata sobre a formação do enfermeiro docente e os aspectos relacionados à
matemática. Pode falar um pouco sobre sua formação e como acontece a abordagem da
matemática no contexto da enfermagem?
E4: Bom. Eu sou enfermeira, docente e coordenadora do curso de formação para auxiliares e
técnicos de enfermagem nessa instituição. Vou me posicionar ora como coordenadora, ora
como professora, ora como enfermeira. Então, acho que poderíamos começar falando sobre
a história do curso e do projeto pedagógico pode ser assim?
Entrevistadora: Sim. Creio que é importante conhecer sua visão nas três ocupações.
E4: Então, começo a falar do curso de nível técnico e sua história nessa instituição. Bom,
este curso foi implantado em 1977. Era uma escola estadual pura e em 1990 eles passaram
esta escola para ensino técnico.
Como disse, eu sou coordenadora, porém administro aulas também. Tenho docência para
este curso. O projeto pedagógico foi criado por professores que já eram da escola pública e
forma eles que ficaram que criaram o curso de enfermagem nível técnico. Esse curso vem de
uma história antiga. Era uma escola só de mulheres e tinha o curso de puericultura e
economia doméstica que cuida das crianças. Temos um redator que escreveu essa história. A
característica dessa escola é que temos muitos alunos do sexo feminino devido a histórica do
curso e sua implementação.
A puericultura é que deu entrada para o curso para enfermagem. Então, os primeiros
professores daqui, hoje são doutores e escrevem vários livros para EPU e CEFOR e cuidam
do ensino da área da enfermagem. Temos ainda professores daquela época aqui ministrando
aulas. Nossos alunos são oriundos do ensino fundamental e médio da rede pública e do EJA
que não entram em uma sala de aula há anos. Temos um grande desafio de formá-los para
que possam atuar no mercado de trabalho.
Entrevistadora: em quais disciplinas ou unidades temáticas são abordados os
conhecimentos matemáticos?
E4: A disciplina que trata desse assunto é farmacologia, mas é pouco tempo para tanta
dificuldade. Quem administra essas aulas sou eu há mais de 4 anos. A minha formação. Eu
sou enfermeira com pós-graduação em saúde pública e PSF e uma matéria que eu sempre me
identifiquei com a matemática, porém aqui nós temos que ter conhecimento de todas. E na
atribuição a gente pega as aulas que mais domina e infelizmente é a matéria que o pessoal
menos gosta: professores e alunos. Por que envolve cálculo e isso não é fácil. Eu adoro
ensinar matemática, mas cálculo com medicação. Mas para isso eu tenho que ensinar
matemática. Os alunos vêm do ensino fundamental e médio com enorme problema de
formação em matemática o que dificulta nosso trabalho.
210

As dificuldades são com as operações básicas e aí temos um grande desafio. Quando eu não
consigo transmitir os cálculos eu chamo o professor de matemática do ensino fundamental ou
médio que eles têm outro olhar para ensinar matemática e aí eu entro com os cálculos de
medicação. Tem coisas que os alunos perguntam que só o professor de matemática consegue
responder. Nós utilizamos vários livros desde a Arlete com cálculos de medicação, livros da
EPU artigos vindos do Scielo e apostilas elaboradas pelo próprio professor da disciplina.
Dependemos do conhecimento do professor, mas o que predomina entre os professores é o
uso da apostila.
Antes a farmacologia vinha embutida em todas as disciplinas fica mais difícil. Agora ela vem
isolada, não sei se isso é legal. Cada um ensina de um jeito. Assim tentamos ter uma voz
única. Você vai adequando essa grade e os alunos são avaliados a cada final de semestre.
Não são muitas horas que temos de farmacologia. Ela tem 80 horas e esse tempo temos que
dividir com anatomia e matemática. É pouco tempo para muitas dificuldades. Então não é só
farmacologia. O laboratório são 160 horas de semiótica. O curso total tem que dar mais de
1200 horas.
Os alunos têm dificuldades de relacionar os conceitos trabalhados em enfermagem com a
matemática. Meus alunos perguntam por que tem que ter cálculo na enfermagem? Eu
repondo: se você der um remédio errado muitas vezes você aleija e a maioria você mata. Eu
uma dose que é para mim não é para você. Hoje com a gama de medicação que a gente tem
você tem que saber fazer os cálculos. Vamos dar um exemplo da Vancomicina, ela vem um 1
grama e uma criança precisa usar 120 mg. O frasco não vem pronto para você. É preciso
saber fazer as contas. Então a matemática tem que ser aprendida, querendo ou não você
precisa saber os cálculos. No dimensionamento de pessoal de área quadrada onde você vai
cuidar do paciente, você precisa saber fazer os cálculos. Se você vai quantificar, a gente
mexe muito com tabelas principalmente em gestão e vigilância, você precisa fazer os
cálculos. Você precisa saber, por exemplo, porcentagem, qual seu público alvo, qual a
porcentagem de que você quer atingir. Qual a porcentagem que você vai considerar para
uma amostra. Cabe ao professor, em todas as disciplinas deixar isso bem claro. Se você vai
para uma UTI o cálculo matemático para cuidar dessa criança.
Esses dias eu fui fazer uma ação de saúde em uma escola, um professor de geografia ele tem
um projeto junto com o professor de matemática que é de dança. Para você saber dançar em
cima de um palco, você tem toda uma área geométrica que você precisa estudar. É aquilo,
cada um no seu quadrado para ter harmonia. Na enfermagem poderia acontecer isso. Ligar
várias áreas do saber, talvez isso pudesse diminuir os problemas. Voltando aos alunos eles
vêm crus. Eu tive uma sala de trinta alunos na qual, no primeiro dia de aula eu dei contas de
dividir com vírgula, apenas cinco acertaram e os outros 25 nem souberam sair do lugar.
Não sabiam por onde começar: professora: não lembro professora eu não sei. Gente é
matéria de quarto ano. Eu peguei essas contas do meu filho que está no quarto ano. Eu tenho
que ensinar tudo de novo. Fiquei mais de 4 aulas ensinando as regras da matemática. A
maioria dos nossos alunos é adolescente, mas o nosso público são pessoas que faz 5 a 15
anos que não pisam em uma escola. Isso não quer dizer que os adolescentes não tenham
dificuldades. Alunos de EJA, alunos do estado.
Entrevistadora: Como é a formação do enfermeiro docente. Você acha que vocês estão
preparados para enfrentar todos esses fenômenos que você acabou de citar?
E4: Antigamente éramos formados para dar aulas de enfermagem e muito bem formados.
Agora a docência ela visa saber legislação, qual a teoria da moda, saber as leis, as
diretrizes, o professor da área da enfermagem não é formado para Enfermagem
didaticamente. Quando você faz a docência somos formados para sermos generalistas.
Conclusão: vemos de tudo um pouco e esse pouco está ligado com o nada, vê tudo menos as
questões didáticas de Enfermagem, como ensinar o aluno, metodologias. Fico me
211

perguntando: quem pensou nesse currículo? Eu te digo isso porque quando eu fui fazer a
licenciatura eu vi de tudo um pouco menos enfermagem. Eu falava todo dia: o que eu estou
fazendo aqui? Percebia que alguns de meus professores estavam ali sem prazer. Ser
professor era um bico. No entanto, eu preciso dessa licenciatura pata dar aulas! Se eu não
tivesse afinidade com a matemática ficaria difícil lecionar farmacologia. Muitos perdem
aulas por não dominar o conteúdo e, quando procuram um curso que te dê essa base, não
encontram. É por conta da bendita matemática que os erros em dosagens acontecem. Eu falo
muito disso para os alunos.
Entrevistadora: quais as metodologias utilizadas no curso?
E4: Aqui nós temos alguns professores, a grande verdade é que lidar com o outro não e fácil,
embutir o novo na cabeça dos mais antigos não é fácil. Também temos dificuldades com as
operações básicas: operações com decimais, proporção, porcentagem. Tenho a leve
impressão que não sabemos matemática. O professor não sabe e a universidade compactua
com isso. É preciso suprir essa necessidade. Na universidade tenho a desconfiança que nós
aprendemos matemática junto com o professor. Acho que para eles falta reflexão e paciência.
Aqui os professores também têm dificuldades, mas eles só falam da dificuldade dos alunos.
Muitos professores aqui têm dificuldades de mostrar isso para o aluno. Muitos deles é porque
vem de uma experiência da área hospitalar. Se hoje eu aplicar uma prova com alguns
conceitos matemáticos, muitos professores ficam no meio do caminho. Então é mais fácil eu
pegar uma Vancomicina de 1 grama e diluir 10 e saber que eu tenho que tirar 500 ou 250 do
que eu mostrar para o aluno esses cálculos na pediatria, na qual eu tenho que tirar o mínimo
e fazer muitas contas de números quebrados. Simplificam as coisas por não saber explicar.
Na pediatria eu preciso ter o raciocínio lógico. No adulto os números são inteiros,
redondinhos. Com adultos você trabalha com números mais inteiros. Você dá uma grama,
você dá 500 gramas, você dilui 10 e dá 5, dá 750 dá 7,5. Agora para uma criança de uma
grama você tirar 120 mg tirar 130 mg, você percebe que tem que fazer uma conta maior? Ou
fazer uma coisa que a gente chama de rediluição, quebrar em partes muito pequenas?
Trabalhar com fração? Geralmente os professores fogem dessas situações em sala de aula.
Apresentam situações com números redondinhos dizem ser mais fácil para os alunos. Fico me
perguntando: será que é mais fácil ou ele tem dificuldades para ensinar? Não tem
conhecimento suficiente? Não sei. Só sei que isso me fez falta. Senti que eles evitavam
abordar esse assunto. Dão as coisas tudo bem certinho. Talvez eles não quisessem se expor
ou, se sabem, não queriam ter o trabalho para explicar, pois sabem que muitos têm
problemas para compreender a matemática.
Sempre teve aqueles problemas clássicos que se encontra em qualquer livro. Não teve
nenhum caso desses de um número quebrado. O professor falava que era mais fácil para a
nossa compreensão trabalhar apenas com números redondos, certinhos. Também para os
professores que apresentam dificuldades para ensinar este tipo de cálculo fica complicados.
Gosto de matemática, mas não gosto de falar sobre minhas limitações em matemática. Creio
que ninguém gosta. Sinto-me inibida e um tanto fracassada e frustrada.
Primeiro passamos vários exercícios de matemática, depois exercícios de enfermagem onde
eles utilizam os conceitos matemáticos. Aí é a confusão: esqueceram tudo. Não fazem a
ligação. Passamos muita lição de casa, mas acredito que poderíamos utilizar mais a internet,
mais atividades atrativas para os alunos. Como disse anteriormente é difícil embutir o novo
na cabeça dos mais antigos, talvez seja porque os alunos são mais ligados a questão da
tecnologia e não temos tanto preparo para tal. Quando digo usar o novo é usar a tecnologia.
Os professores aqui são resistentes. Aqui até para você pedir um estudo de caso diferente,
que possa fazer com que o aluno se aproxime mais da realidade. Para não perder o tempo eu
peço para o professor fazer um estudo de caso, criar um caso. Ele fica olhando? Que bendito
212

estudo de caso é esse? Ele pensa que é pegar um paciente com tuberculose e eu discorre tudo
sobre tuberculose, sem problematizar.
Talvez a falta de situações reais para a gente trabalhar. Não teve. Talvez seja por isso a
dificuldade. E se a bomba de infusão parar? Como devemos proceder? Isso é real e é
complexo. Só que tem algumas coisas: por exemplo, na UTI está correndo adrenalina na
bomba de infusão. Por exemplo, ela corre 0,02 ml em uma hora. Não dá para programar em
um equipo essa quantidade; por isso utilizamos a bomba de infusão, porque manualmente
seria impossível fazer isso. Uma pessoa que precisa dessa quantidade, então, ela não pode
fazer isso em qualquer lugar. Por isso precisamos mais situações da realidade e realmente
trabalhar com esses casos na universidade. E4: O que teve nas aulas foi muito ou sim ou não.
É ou não é. Isso não responde os nossos problemas.
Para nós é pegar um caso entender seus detalhes, suas origens, qual foi meu cuidado hoje, o
que o paciente relatou quais as ações que eu posso ter para orientar o paciente, qual a
medicação que ele está tomando, qual é meu prognóstico para ele amanhã, como é a vida
desse paciente em casa, só que o professor não problematiza aquilo que acontece na
realidade de um hospital, que os alunos também podem e devem ser educadores, agir para
orientar antes da doença se instalar.
Para isso é preciso conhecer o paciente, a doença, os medicamentos, os cálculos, tudo isso
em conjunto. Só que o professor não entende isso. É difícil propor o novo para pessoas mais
antigas. Eu tenho uma professora aqui que diz: você quer ensinar isso para mim? Eu já tenho
25 anos nessa área, não tenho mais nada para aprender. Só que na enfermagem é uma das
áreas que tudo muda rapidamente, todo dia você tem que estudar aprender algo novo. Minha
primeira fala para o aluno é que se você quer fazer enfermagem, saiba que todo dia você tem
que estudar. Tem que aproveitar todo o tempo, dentro do ônibus, no metrô, tem que ler. Na
enfermagem tudo muda muito, muito rápido. É igual à Medicina. Ontem a ceftraxiona era de
última geração, hoje já chegou outra no lugar dela e juntamente os cálculos para
administração. E é tudo muito rápido, igual à internet. Tem gente que para no tempo e lá
ficou.
Olha, na prática as situações não são bem-comportadas. Como eu tenho facilidade com a
Matemática e há mais de quatro anos só eu ministro aulas de farmacologia, nas minhas
turmas eu trabalho muito com estudo de caso onde eu apresento rediluição. Um exemplo: A
criança entrou no hospital com pneumonia e ela precisa tomar 175 mg de cefritriaxona de 8
em 8 horas e só possuímos frasco de 1 grama. Então ele vai ter que demonstrar passo a passo
como ele faz. Ele precisa trabalhar com frações. Quando eu crio esses casos não deixo dar
número redondo. Preciso mostrar como é na realidade. Se deu 1,6666, para mim não é
número, eu preciso trabalhar com número real, um número inteiro. Eu o faço ele refazer a
conta, tirando ou pondo solvente água mais ou menos, eu não posso ter uma casa depois da
vírgula, duas casas depois da vírgula, não pode sobrar resto. Se eu arredondar 1,6666, se for
para 1,67 eu estou 0,004 a mais do que a paciente precisa. Na Matemática é uma coisa, na
enfermagem é outra. Eu preciso ficar frisando muito bem isso porque senão eles não
entendem. Digo a eles vamos somar, o paciente tomou 4 aqui, 4 ali, então o paciente já
tomou 0,16 a mais do que era preciso durante o dia.
Foi um prazer tratar desse assunto. Precisamos de mais metodologia para tratar desses
assuntos. Fico me perguntando o que leva uma pessoa fazer enfermagem. Antigamente era
status era chique falar: sou enfermeira assistencial. Só que você trabalhava e tinha um
vínculo com seu emprego, com os pacientes de coração. Hoje o vínculo é empregatício,
porque querendo ou não o nosso país, o mundo é doente. Então se emprega muito, mas em
compensação por outro lado sofremos uma grande perda de desvalorização de nossa
categoria, os cursos deixam a desejar tanto para a formação para a assistência, quanto para
a docência. A situação política, social e econômica do país, na ajuda. Tem-se que tirar
213

dinheiro para alguma coisa, se tira de onde? Da saúde e da educação. Eu espero que eu
tenha correspondido com este diálogo que considerei muito pertinente devido as denúncias
que nossa classe vem recebendo pelas mídias.
Entrevistadora: Com certeza colaborou muito. Agradeço imensamente sua atenção e
participação. Muito obrigada!

ENFERMEIRO DOCENTE 5 (E5)

Entrevistadora: Por que você escolheu ser professor da área de enfermagem. Fale um
pouco sobre sua formação.
E5: Vou falar sobre como foi minha formação na graduação e coo a pesquisa é sobre
matemática na enfermagem, também vou falar sobre isso. Pode gravar.
Entrevistadora: Que bom! Obrigada. Estou iniciando a gravação.
E5: Sou Enfermeira graduada há 10 anos e leciono porque, ainda estou estudando no curso
da docência e lá eles falam que a identidade do professor é muito importante. Ser Enfermeiro
é uma coisa que a gente aprende durante a faculdade só que ser professor a gente não
aprende na Universidade. Eu e os demais professores temos a tendência de replicar o que
aprendemos durante o curso superior. Ser Enfermeiro é completamente diferente de ser
professor da Enfermagem. Uma enfermeira que exerce a função de professora de professora
ela tem que ter conhecimento pedagógico, ela tem que saber explicar o conteúdo da
disciplina, ela tem que saber fazer, e nos aspectos relacionados a Matemática,
principalmente tem que conhecer realmente como ela entra na questão da Enfermagem. Ora,
estamos lidando com vidas. Tem que saber explicar realmente. Além disso tem que ter
conhecimento sobre qual metodologia que vai ser aplicada. Então, a questão de ser
professor, para mim, sempre foi muito latente. Ser enfermeiro é uma coisa que a gente
aprende durante a faculdade, e eu aprendi.
Primeiramente, eu entrei na Enfermagem, sem querer, foi um acidente de percurso. Na época
não existia esse diagnóstico: conversar com alguém que pudesse orientar sobre as aptidões.
Eu tenho hiperatividade, mas eu não tenho déficit de atenção. Então os professores tiveram
muita dificuldade e para me controlar em sala de aula. Até que a Psicóloga da escola
encontrou uma saída: ensinar meus colegas em sala de aula. Assim, eu comecei a ser
professora muito cedo. Na verdade, eu sou Enfermeira por acidente e professora por
vocação, por afinidade, por natureza é quase assim, nasci professora. Então existe uma
grande diferença como falei. Ser Enfermeiro assistencial é uma coisa e ser professor é outra,
também a formação é diferente. Ser docente em Enfermagem é diferente de ser docente. Hoje
só me dedico a isso, eu leciono pela manhã e noite. Eu só trabalho com isso. Eu não presto
assistência porque não é meu perfil.
A minha formação foi interessante. Como disse anteriormente. Eu combinei com o meu pai se
não gostasse do curso eu trancaria a faculdade. Só que na minha primeira aula de fisiologia
minha professora era muito voa e eu fiquei completamente apaixonada por fisiologia. E no
outro dia eu tive aula de cito embriologia e me apaixonei mais ainda. Eu tive uma professora
muito especial e ela percebeu minha paixão.
Eu não fiz o percurso natural que todos fazem: eu não fui auxiliar ou técnica de enfermagem
e ela percebendo minha ansiedade com as questões hospitalares, com os pacientes. Ela se
propôs a me levar alguns finais de semana no Instituto Dante Pazanezi e eu comecei a
aprender Enfermagem. Enquanto estava apendendo a teoria já estava tendo algum contato
com a prática e fui gostando da questão do cuidar. Quando fui para o estágio, novamente
surgiu a questão de ser professora. Ensinava meus colegas alguns cálculos com medicação.
214

Na verdade, esta parte de cálculo não me chamava atenção por ser muito complicado.
Gostava mesmo de semiologia.
Minha ansiedade era muita e parecia que nunca terminava, pois, utilizar a Matemática, por
exemplo, em cálculos com medicamentos eu me desesperava. No Bacharelado não tive muita
coisa. Os professores sabiam menos que eu. Você tem muitas técnicas para aprender que são
específicas da área da enfermagem. Não temos uma disciplina específica para tratar da
Matemática. Na verdade, você aprende alguma coisa, no meu caso dentro da disciplina de
semiologia. No curso técnico de enfermagem no qual leciono eles tratam a Matemática na
disciplina de Farmacologia, pois aí se encontram a maior aplicabilidade da Matemática que
são os cálculos com medicação. Existe um problema na Universidade: a disciplina de
Farmacologia é ministrada por uma pessoa formada em Farmácia, não é um Enfermeiro.
Então, começa a complicação, pois não aprendemos os cálculos em fármaco. A Matemática
acaba por ser associada as questões de introdução à Enfermagem e, nessas aulas
aprendíamos de tudo, menos Matemática. Assim, eu tive que fazer cursos livres. Os meus
colegas que atuavam como técnicos, assim como eu procurou cursos livres, pois é uma
dificuldade tanto para nós, docentes ou assistenciais, bem como os alunos, associarmos a
Matemática que supostamente aprendemos nos ensinos fundamental e médio com as questões
da Enfermagem.
Entrevistadora: Pode falar sobre essas dificuldades?
E5: A Matemática dos ensinos fundamental e médio parece ser diferente daquela usada na
Enfermagem. Eu não conseguia entender algumas coisas. Porque como foi abordado de
forma rápida e superficial em sala de aula, como por exemplo, as fórmulas de volume sobre
tempo, a regra de três simples, números decimais, se arredonda ou não, operações básicas:
multiplicação, divisão, principalmente com decimais, isso não foi ensinado, isso literalmente
foi jogado. Isso é simplificar o que precisamos aprender de matemática e disfarça as tramas
da enfermagem. O professor falava que temos esses conhecimentos antes de entrar na
Universidade e temos obrigação saber. No entanto, na Enfermagem esses cálculos não
funcionam. Não é uma coisa estática certinha e sem questionamentos dos resultados dos
cálculos como aprendi eu e os demais colegas da Universidade nos fundamental e médio.
Como meu pai me ajudava financeiramente, eu fiz cursos apostilados no COREN, fiz no
SENAC, todos esses cursos foram a parte da faculdade para poder aprender e ensina meus
alunos, ensinar meus alunos e compreender como funciona a Matemática nos procedimentos
da Enfermagem. Não foi um curso que pudesse sanar todas as dúvidas, mas é melhor
aprender algo do que não saber nada. A incerteza de ensinar algo que não se tem segurança
é complicado.
A maioria dos meus colegas não tiveram essa oportunidade. Aqui aponto uma das falhas na
minha formação. Assim como eu, todos deveriam ter a oportunidade de tratar as questões de
Matemática no próprio curso de Bacharelado ou Licenciatura. Muitos tinham dificuldades
financeiras para pagar um curso. Isso não aconteceria se fosse dado mais atenção para esses
aspectos, pois muitos não aprenderam os cálculos básicos durante a sua formação e deveria
se levar em conta e não é tão simples transpô-los para as situações encontradas na
Enfermagem.
Hoje eu consigo ministrar aulas que envolvem a Matemática, porque eu fui procurar um
reforço, não pelas condições que a graduação me ofereceu. Digo isso porque a estratégia
utilizada na universidade é aquela que nós brincávamos e o professor também: GLS (giz,
lousa e saliva). Ele separava os casos e dizia: “Essa aula nós vamos ver cálculos de
medicação”. Aí chegava na lousa e explicava: “Matemática é isso”. Não tinha desafios, e
isso poderia nos dar mais confiança e segurança. Encher a lousa de contas bem básicas e em
seguida ia para as fórmulas, para mim não é desafio.
215

Porém, como toda regra tem sua exceção, eu fiz um trabalho na universidade que o tema foi
leptospirose. Nós associamos duas matérias: farmacologia e saúde ambiental. Juntamos
essas duas matérias para desenvolver o tema. Foi um projeto muito legal onde aprendemos
muito. Utilizávamos conceitos da saúde ambiental para falar que a causa da leptospirose são
os ratos que estão no esgoto. E segundo a farmacologia, falávamos de uma droga para
combater uma bactéria que o rato elimina. Então você juntava conceitos e teorias de duas
disciplinas para tratar de um único tema, se caracterizando em uma interdisciplinaridade.
Juntamos outros conceitos – a questão das favelas, a educação da população, a questão
política, o saneamento básico – e foi superinteressante. Trabalhamos com medicação para
este problema e as dosagens. Tenho que educar e para isso preciso transitar por todos esses
conceitos, inclusive a matemática para calcular as doses para as pessoas que necessitam de
medicação. Esse tipo de trabalho agregou muito conhecimento, mas deveria ser uma prática
constante na universidade, não apenas um trabalho isolado, em uma feira no final do ano ou
no final do semestre para ser apresentado. Isso é uma necessidade na nossa formação, para
saber quais conhecimentos realmente construímos. Por exemplo, bioética. O que os alunos
conhecem a respeito? O que isso se relaciona com curativo? Tem a parte ética. Ele tem que
ver o aspecto legal. O que isso tem a ver com nutrição? Se relaciona com o que o paciente
come. Se ele não come proteína, ele não vai ter material para produzir um novo tecido. O que
a genética tem a ver com isso? Se o paciente tiver um problema genético, por exemplo um
problema de varizes, isso pode levar a uma ferida. Todas as disciplinas com ligação e a
matemática também ligada a todas elas. Pegar todas as disciplinas e ir além. Inclusive, nesse
ir além, a matemática seria melhor compreendida.
Para resumir, sou da seguinte opinião: a Universidade deveria oferecer para os alunos os
conhecimentos matemáticos, pedagógicos e sobre metodologia de ensino. Hoje tem aqueles
cursos que você é obrigada a fazer na Universidade durante a graduação, por exemplo
oficinas, para cumprir uma determinada carga horária que você necessite. Eu acho que
deveria aproveitar e abrir espaço para colocar uma matéria como atividade complementar só
de cálculo. Os alunos que nunca foram auxiliares ou técnicos, como é meu caso, e os que já
são da área da saúde, apresentam dificuldades, tem muita dificuldade em aprender mesmo.
Devemos levar isso em consideração, ter paciência e amor. Sei que o objetivo não é ensinar
matemática, mas sempre trago matérias como seringas graduadas, equipos e coloco soro
para correr e retratar a realidade da enfermagem.
Então eu acho eu as faculdades deveriam colocar na grade uma aula extra para tratar da
matemática. Se colocar como atividade complementar ou oficinas não traria prejuízos para
as outras disciplinas e ajudariam muito os alunos. São tantos os problemas com erros de
cálculo, são tantas as dificuldades que eu colocaria diretamente na grade curricular do
curso. Sei lá, dizem eu não pode, pois não é o objetivo do curso superior de Enfermagem.
Mas eles arrumam saída para tantas outras coisas, porque não pensar nisso. Quem sabe com
sua pesquisa abre-se um caminho para resolver!
Entrevistadora: Você falou dos cursos livres e de um espaço para tratar a Matemática
no curso de Enfermagem, falou da necessidade de conhecer metodologias de ensino.
Como você faria para viabilizaria o ensino de Matemática nesse contexto?
E5: Eu criaria um espaço para que a Matemática não fique no vácuo nos procedimentos e
Enfermagem. Não é aquela conduta com listas infindáveis de exercícios que não sabemos
para que serve e o que aquele resultado significa. Uma oficina com situações que ocorrem na
prática, na realidade que o aluno irá encontrar, estabelecendo conexões estreitas entre os
cálculos matemáticos e a Enfermagem. Isso seria ideal.
Não sei como, é somente uma ideia. Suprimir o cálculo da introdução em Enfermagem,
deixando esta disciplina para tratar somente de questões básicas da Enfermagem, dos
cuidados, da questão da sistematização não é um caminho ideal. Acredito que se deva ter
216

uma metodologia para associar as questões de introdução à Enfermagem. Na pior das


hipóteses, ter um curso a parte, dentro da Universidade. Falar é fácil, pois no curso técnico
também dividimos. Eles colocam os cálculos dentro da disciplina de farmacologia.
Impossível, algo sairá mal feito. Quando estou em aula de Farmacologia, no curso técnico eu
não concordo com que é feito, pois eles colocam os cálculos dentro da disciplina de
Farmacologia e aí eu tenho que dividir 40 horas entre toda a parte de medicação, dosagem, o
que que o remédio faz, como ele age no organismo do paciente, os grupos de medicação e
tenho que dividir com a Matemática. Impossível, algo sairá mail feito. A matriz curricular do
curso técnico não é elaborada não considerando as diferenças dos alunos. É como se todos
fossem todos iguais, tivessem o mesmo nível e não é assim, acaba dificultando o trabalho.
Temos que cumprir. A matriz curricular do curso técnico não é elaborada, não considerando
as diferenças dos alunos. Os alunos do curso técnico têm muitas dificuldades, na
universidade isso também ocorre. Não somos preparados para juntar tudo isso, associar.
Mas como eu sou professora de curso técnico na parte das teorias eu percebo que eles têm
muita dificuldade de base.
O problema é a educação básica, é social, é uma questão de vontade política e também toda
boa vontade do próprio aluno. Eles vêm com uma defasagem muito grave: não sabem fazer
contas de dividir se você colocar uma conta com vírgula, eles se perdem eles não conseguem
raciocinar. Eles não conseguem desenvolver o raciocínio lógico que a Matemática precisa e
o raciocino, por vezes ilógico, que a Enfermagem necessita.
No curso técnico tem esse problema que não difere da graduação em Enfermagem. A
faculdade não dá foco para a matemática. O enfermeiro tem que fazer conta sobre o
dimensionamento de pessoal, mas não de medicação. Porque a parte administrativa é do
enfermeiro assistencial. É uma falsa ilusão. Imagine que você tem uma equipe de auxiliares e
técnicos sobre sua responsabilidade. Alguns deles ao atender a prescrição médica de um
medicamento a um paciente e não sabe fazer os cálculos. Então, é sua função, enquanto chefe
desta equipe auxiliá-lo na resolução do problema. Quando vamos para a sala de aula para
ensinar a Matemática acaba fazendo falta. Não temos que ficar somente com a parte
administrativa a isso eu chamo de ilusão das Universidades. A formação para Bacharelado e
Licenciatura deixa um buraco tanto na sua atuação para assistência quanto na sua formação
para a docência.
A equipe da saúde não se resumi em enfermeiros e técnicos, temos outros profissionais que
atuam para a melhoria dos pacientes, no entanto o que falta é integração, falta diálogo, e
Matemática tão necessária para a Enfermagem acaba sendo excluída desse diálogo. Eu sou
da seguinte opinião.
Quando se faz cálculo com medicação você já está associando a matemática com
Enfermagem. Só que a priori, teria que se fazer uma revisão de Matemática para que eles
relembrem, na verdade aprendam o que não foi assimilado, fazer divisão e multiplicação,
trabalhar com números decimais, que na verdade é onde eles têm a maior dificuldade.
Somente depois dessa revisão é que tentamos associar o que foi aprendido com o cálculo de
medicação. Mesmo assim, na associação fica difícil eles não enxergam. Eu costumo
trabalhar da seguinte forma. É a minha metodologia: eu trago comprimidos, ampolas, soro
fisiológico e faço a conta e mostro como isso é na prática, pois a prática é muito diferente do
papel. Gostaria de saber mais sobre outras metodologias.
Porque a conta farmacológica não é abstrata como na Matemática. Na Matemática uma
conta é simplesmente conta. Na matemática não importa se ela está sendo aplicada a
medicação ou a Farmacologia. No entanto na Enfermagem para o aluno conseguir fazer esta
ponte, esta articulação você tem que mostrar para ele que ele olhe o cálculo que está
fazendo, como está fazendo para dar resultados na melhora do paciente. Então eu costumo
mostrar para eles: é meio comprimido? Se o comprimido pode ser cortado, se não puder se o
217

comprimido deve ser diluído e aspirado. Tudo isso eu vou mostrando para ele. Então, faço a
conta e digo: no papel é assim e na prática o conhecimento funciona assim. Eles conseguem
fazer a articulação. É minha forma de tentar contextualizar o conhecimento para que ele
possa ser entendido e útil. Essa matemática de vez em quando não funciona, não. Por que
aprendê-la se na minha área ela não responde a tudo? Na prática uso uma matemática
ilógica.
Então eu parto do seguinte pressuposto. Se eu fosse montar uma grade curricular tanto para
a nossa formação de enfermeiro e para os cursos de nível técnico, eu montaria uma
disciplina separada só de matemática, no caso uma oficina na qual eu traria os erros que
sabemos por meio das mídias, materiais como falei anteriormente para mostrar os cálculos,
faria simulação de várias situações-problemas e assim por diante. Não junto com
Farmacologia. Então, faz Matemática contextualizada e depois vamos ver como ela funciona
Enfermagem por meio desse espaço que poderia ser criado. Seria uma sequência: aprende
primeiro fármaco. Com 40 horas e depois quarenta horas só de matemática inserida nesse
contexto. Assim, o professor abordou Farmacologia anteriormente e aí ele pode falar: lembra
daquele remédio por exemplo penicilina cristalina, então agra vamos ver como a Matemática
pode ser utilizada para diluir este medicamento. A conta é essa, mas na Enfermagem entra a
diluição e rediluição e usa isso para aplicar no paciente.
Então, essas situações de ensino deveriam termais espaço, porém com 40 horas,
particularmente para o curso técnico eu acho pouco.
Como disse antes, falando o português claro eu não fui preparada na graduação e muito
menos na Pós-graduação em Docência para tratar de matemática na Enfermagem. Eu
busquei em pesquisas, em cursos, porque eu sempre tive o senso de responsabilidade e senti
necessidade de buscar o eu a graduação e a Pós-graduação não me ofereceu. Porque eu sei
que se eu calcular errado eu vou matar e é nesse momento que posso matar. Isso traz uma
angústia uma sensação de impotência que você nem imagina. Podemos matar em vários
procedimentos da Enfermagem, mas os cálculos envolvidos na medicação é um dos pontos
cruciais. Então como eu sentia que não poderia desenvolver minha atividade de enfermeira
assistencial, muito menos de professora nos aspectos relacionados à Matemática, como eu
precisa de muita ajuda eu busquei essa ajuda nos cursos livres parte, porque eu era
interessada e as condições financeira eram favoráveis. A interessada no assunto era eu e não
a Universidade e nem a Pós. Então, busquei ajuda, comprei livros, eu estudava sozinha, eu fiz
cursos livres, pois senti o que eu aprendi em sala de aula era insuficiente para atuar na
assistência ou na docência. Acabaria sendo excluída, por causa da Matemática. Ninguém
merece passar por isso.
Entrevistadora: E seus colegas? Sentiram as mesmas dificuldades, os mesmos dilemas e
angústias?
E5: Sim. No entanto, tem alguns que tiveram a sorte de ter professores com uma visão sobre
a importância da Matemática, professores com conhecimento matemático para ajudá-los e
que tinham compromisso. Alguns não apresentavam tanta dificuldade porque aprenderam a
duras penas em hospitais atuando como auxiliares e técnicos. Todos que entraram direto na
graduação tiveram dificuldades, assim como eu. Na minha época, 30% eram profissionais da
área e o restante nunca tiveram contato com a Enfermagem. Prece que a Universidade
considera a atuação anterior na área de Enfermagem um pré-requisito. É uma falta de
consciência. Entendo essa situação como exclusão.
Entrevistadora: E quanto aos conhecimentos matemáticos: quais são trabalhados com os
alunos?
E5: Trabalhamos muito com a regra de três, o bendito números decimais: arredonda ou não
arredonda! Eles nunca sabem, sempre chutam. Porcentagem, operações básicas:
multiplicação, divisão, sistema de medidas transformação de medidas, equações simples
218

No entanto, fico me perguntando: Onde está o problema? Nas escolas, na formação dos
professores, ser professor a gente não aprende na universidade, a docência não te auxilia
nisso, o problema está em nós ou nessa matemática quadrada, certinha que não funciona em
alguns casos na enfermagem? Quando terminamos os conteúdos que citei, começamos a
aprender outras coisas, por exemplo, equações de segundo grau, geometria e assim vai. O
que é básico vai ficando para trás. Parece que nunca mais você vai usar em lugar nenhum da
sua vida. Começamos a utilizar mais a calculadora para o que é básico. Quando você pede
para um aluno relembrar o básico e não utilizar a calculadora, porque, em algumas
situações da enfermagem, isso não é possível, então a casa cai.
Aprendemos isso até a quinta série e depois partimos para aprender essas contas mais
difíceis, como se o que foi aprendido anteriormente não será mais utilizado. Chegamos no
ensino médio. Somos preparados para a disputa: passar no vestibular. Chegamos a
Universidade. Outra disputa acontece: somos preparados para passar no Enade e outras
avaliações da Universidade, mas não somos preparados para trabalhar com a realidade, com
casos reais da enfermagem. É um problema sério de objetivos. O que realmente importa: será
que vou matar um paciente por falta de conhecimentos? Será que articular as disciplinas
seria tão difícil, como fazer isso¿ Os objetivos dos cursos não vão ao encontro das nossas
expectativas profissionais. É um desencontro total. Pensamos assim, eu aprendi a somar
subtrair, dividir, tudo de matemática básica, e depois aprendemos delta, x linha x duas
linhas, produtos notáveis. Será que realmente aprendi o suficiente para saber onde aplicar
tudo isso? Aprendi as questões da Matemática básica? Isso fica evidente que não, como foi o
meu caso e dos meus atuais alunos do curso técnico.
Entrevistadora: Gostaria de acrescentar algo?
E5: Não. Espero ter ajudado com minhas reflexões. Desculpe o desabafo. Quando preenchi o
questionário vi que se tratava da Matemática e não é um assunto fácil para falar.
Entrevistadora: Não há problemas. Agradeço imensamente sua participação

ENFERMEIRO DOCENTE 6 (E6)

E6: Antes de você começar as perguntas posso começar a falar? Sei do assunto e é
matemática e aí você desconserta a gente, no bom sentido.
Entrevistadora: Não há problemas. Você tem a liberdade de expressar suas ideias da
maneira que preferir.
E6: Nós tínhamos, nesta escola, na matriz curricular a Língua portuguesa, porque o
enfermeiro se comunica com o outro, sobre a evolução do paciente por meio do receituário
então tem que saber escrever. E também uma disciplina: Matemática que é a base, a
estrutura da Enfermagem, gotejamento de soro e outros procedimentos. Se você não souber
isso então você não sabe nada. Apesar depois que tudo vira tudo decoreba. É tudo igual se
você faz uma vez então é tudo igual. Se dois mais dois é quatro, vai ser sempre 4. Isso na
Matemática, pois, dependendo da situação dois mais dois nem sempre serão quatro.
Então, parece que não gostaram muito disso então tiraram matemática a língua portuguesa.
Disseram que matemática e português são disciplinas de conhecimento básico e não
específico, logo não podem configurar na matriz curricular. Foi isso que entendi da diretoria
de ensino, ou seja, pelo que eu entendi o aluno quando chega aqui, ele tem que ter, e até
concordo em parte, quando ele faz o técnico ele tem que ter o ensino médio e para chegar até
no médio ele tem que ter noção de português e matemática, então ele tem que saber o
mínimo, que dois mais dois são quatro, mas não é isso que a gente vê. O nosso público não
sai direto do médio e já faz o técnico para a enfermagem propriamente dito. Eu tenho alunos
que faz 10 anos que não entra em uma sala de aula. Continua dois mais dois são quatro? Sim
219

continua como há vinte anos. Só que eles não se lembram disso ou não sabem, ou não
aprenderam entende? Principalmente quando começa regra de três, transformações.
E6: Desculpe, mas eu tenho uma curiosidade: você é enfermeira?
Entrevistadora: Não. Sou professora da disciplina de matemática.
E6: Interessante, você se envolveu em um vespeiro! Bom, vamos continuar.
Entrevistadora: Tudo bem. Vamos continuar.
E6: Então, quando começa com esse tipo de coisa você começa a colocar os números na
enfermagem, frações, então quando começa a mexer com esse tipo de coisa aí acabou! Eu
começo, não sei se isso é bom ou ruim para mim, nós começamos com turmas com 40 alunos,
termina 10 ou 11 alunos que vão para o estágio. Quando chega na farmacologia, então
despenca quase que todo mundo, pois é nessa disciplina que mexemos muito com cálculos.
Outras coisas você até, por exemplo, em técnicas básicas quando você vai fazer uma
aupsiometria de pulso né? Você também faz o cálculo, mas o que vai pegar mesmo é na
medicação, principalmente quando você vai fazer uma diluição é aí que você começa a usar a
matemática e as fórmulas. Tem procedimentos na enfermagem que são seis etapas de
cálculos. Se você não sabe a primeira etapa você não conseguirá chegar à última. Mas agora
a enfermagem não sabe se você sabe, toda escola agora tem que ter uma autorização, um
aval de um órgão público se tornando qualificada. Então agora você tem que ter
qualificação.
Você tem que ter um número de horas de tal e tal matéria. No ambulatório até desfibrilador
dentro do laboratório. Sendo que um auxiliar ou técnico de enfermagem não usam o
desfibrilador, nem o enfermeiro, só o médico. Só que na linguagem de que entende ou
pseudoentende, eles dizem que os auxiliares e técnicos tem que saber a manobra. Então de
uma hora para outra se muda tudo. Aqueles que entendem ou pseudoentende inclusive como
a disciplina matemática, como eu não tenho agora na grade. Então no espaço de
farmacologia eu tenho aqui 1 e 2, farmacologia são 20 dias, metade disso ou até mais eu
perco para ensinar matemática, adição, subtração, multiplicação e assim vai, para depois
você entrar nas questões da proporcionalidade, para depois associar isso aos medicamentos,
como você vai diluir uma garamicina, como você vai diluir uma besetacil, se você tem 1200 e
o médico que 600, entendeu?
Tudo isso vai uma fórmula, tudo isso vai um jogo e em 20 dias isso para mim já não dá.
Porque eu tenho que voltar ao passado. O grande problema do ensino da enfermagem é a
base do ensino de matemática. É dois mais dois são quatro, às vezes dá vinte, 5 vezes 1 é 25 e
assim, vai. Sabe esse tipo de coisa? Invertem-se os valores? É complicado. Quando você
falou que tua pesquisa é a matemática na enfermagem, então você desbanca aí a gente.
Porque temos um espaço muito pequeno para se trabalhar matemática com o aluno dentro do
contexto da enfermagem. E outra você tendo que trabalhar desse jeito o professor enfermeiro
também se condiciona a isso. Eu tenho enfermeiro que são excelentes profissionais de campo,
mas para lecionar não serve. Eu tenho excelentes professores que não servem para o campo.
E tem os dois casos. Que pode se dar bem ou se dar mal tanto em um quanto no outro.
Você vai pegar um condicionamento em farmacologia se não tiver colado no postinho de
enfermagem com tem na maioria dos hospitais, certo que já está pronto, tipo você vai correr
um soro em 12 horas, lá já tem as gotas que vão correr por minuto, você não precisa fazer
cálculo, eu entendo que o negócio tem que andar, você não pode ficar parando, o paciente
não pode ficar esperando você fazer continha, mas você se condiciona e está tudo bem. Mas...
e se aparece uma situação na qual não existe o cálculo pronto? Então é que entra o
problema. Também se você vai prestar um provinha para entrar em um hospital, não só em
hospital, em um a clínica, em um laboratório, você pede para fazer um cálculo, uma
manobra, ele não souber entende? Complicado.
220

E6: Desculpe. Fui falando e não deixei você fazer nenhuma pergunta. Quer saber um pouco
sobre o curso e o projeto pedagógico dessa instituição? Posso falar um pouco, pois sou
coordenador e professor e enfermeiro assistencial também.
Entrevistadora: Claro que sim. Pode falar sobre a instituição?
E6: Sim. Essa casa é filial de outra, esse colégio começou a 30 anos zona sul de São Paulo e
o mantenedor morava na zona leste e seu desejo era montar uma escola nessa região. Na
zona sul são oferecidos somente cursos técnicos e aqui na zona leste onde trabalho temos
ensino fundamental e médio e até berçário. Então não é só enfermagem.
Quando eu comecei nessa unidade o curso já estava funcionando. O projeto pedagógico foi
elaborado por enfermeiros assistenciais. Não sei dizer para você se eles eram doutores ou
mestres não eram propriamente docentes, pois a docência implantada na enfermagem tem
pouco tempo, por volta de 2010. Foi aí que o COREN obrigou, entre aspas, a que o
enfermeiro fosse se requalificar na docência para poder dar aulas. Porque o enfermeiro não
sabia e não sabe dar aulas. O enfermeiro entra na faculdade para prestar assistência ao
doente, a enfermagem não para ensinar. O bacharelado nos prepara adequadamente para
isso. Tanto é que hoje em dia um hospital qualificado tem a educação continuada permanente
justamente parta estar ensinando que é para poder ensinar.
Antigamente não tinha. É feito assim. Hoje tem uma educação continuada porque as coisas
mudam e as pessoas têm que se atualizar e antigamente isso não era feito. Inicialmente não
tinha, pelo menos que eu saiba para fazer o projeto pedagógico além de enfermeiro
assistencial deve ter licenciatura ou pedagogia. E outra coisa. Sempre tem um esboço. Uma
escola fez e a outra cópia da outra e assim vai. Mudam-se raríssimas coisas. Já vem de 30
anos atrás é o tal do CRTL C e CRTL V.
Entrevistadora: em quais disciplinas são abordados os conhecimentos matemáticos?
E6: Temos técnicas básicas, na clínica médica, mas de matemática temos muito pouco. A
farmacologia é que impera nesta questão da Matemática, mas o tempo é escasso para tratar
dos dois assuntos. O sistema é apostilado e os professores elaboram as apostilas. Isso facilita
o nosso tempo e de vez em quando utilizamos alguns livros, mas o que predomina é apostila.
Utilizamos livros para consulta. O professor até estimula, mas sabemos que depois que
entrou o CTRL - CTRL V a informática o aluno vai pesquisar lá. Tem uns que compram
livros, mas quando você vai ver é da internet que ele busca informações. Acredito que nós,
professores devemos direcionar esses alunos na busca de informações. Tem muita
informação e eles acabam se perdendo. Por isso que eu já instituo, não sei se estou errado ou
não, até eu falo assim é padrão FIFA, eu digo, não é padrão E6. Esqueceram

É fácil eu entrar dar uma aula e ninguém entendeu nada e dar uma avaliação e o aluno tira
3. A gente como enfermeiro, mas somos educadores, e digo para os alunos. Você sabe para
que serve uma avaliação? Eles respondem é para saber o que a gente sabe. Eu digo para
eles: é justamente ao contrário: é para saber o que vocês não sabem. Porque se a gente faz
uma avaliação e vê o que o aluno não sabe é ali que você tem que trabalhar. O que ele sabe,
já sabe e não é aí que devemos trabalhar. Muito bem. Ali ele tira 3 e tem que ter 5, que já não
é uma média boa. Aí vai mal de novo tira 3 e ao fazer a média ele fica com 3. Aí ele fez um
trabalho muito bonito, muito bom não é e vai acrescentar um ou dois pontos na média e ele
passou. Ele aprendeu alguma coisa? Não. Quem salvou ele foi o trabalho. Então aqui eu não
quero trabalho. Porque na hora que ele for fazer um exame para entrar em um hospital, seja
ele o Albert Einstein, ou o hospital Piraporinha da Serra na hora de fazer uma medicação e
lidar com a vida do paciente, ele não vai fazer trabalho. Ele tem que mostrar o que ele sabe.
Pode fazer pesquisa? Sim pode. Qualquer seminário, apresentação, no máximo é meio ponto.
No máximo. Que é para forçar o aluno não depender de trabalho.
221

Entrevistadora: Pode falar da matriz curricular proposta para esses cursos e como a
matemática está inserida nessa matriz?
E6: A respeito da matriz de eu falei anteriormente de português e matemática. Porque entrou
matemática e português e saiu? Funciona assim: Nós somos regidos pela diretoria de ensino.
Os nossos supervisores, bom eu vou dizer uma coisa, nós temos um grande problema. A
delegacia de ensino entende de papel não entende de enfermagem. O COREN entende de
enfermagem e não entende de papel. Então eu posso preencher um papel aqui e você sendo
da delegacia de ensino, te apresento qualquer papel e você vai dizer que bonito. Você ignora
o que está aqui. Eu posso ter escrito uma porção de besteira aqui e você ignora por não
conhecer a realidade.
A supervisora diz para mim porque você não coloca matemática e português na grade? E
assim nós fizemos. Pegamos um dia só, porque não podia mais e dedicamos este dia para
interpretação de texto e questões gramaticais e as questões de Matemática ficaram para ser
desenvolvida em dois dias, justamente para você em um dia brincar com as operações e
depois você brincar com transformação de unidades, regra de três. Então tudo isso para que
quando chegar no contexto da farmacologia, o impacto seria menor. Não se perderia tanto
tempo para ensinar quanto é um mais um ou 3 vezes 3.
As coisas começam a enroscar aí. Na hora de colocar os números na fórmula estava tudo
bem, mas, e as operações, o desenvolvimento? Então o problema não era mais jogar os
números na fórmula e sim realizar os procedimentos matemáticos e operações. Então vamos
dar uma antecipada para quando chegar na farmacologia não termos tantos problemas. E foi
legal. Só que como teve essa reformulação e toda escola tem que ter uma certificação de
qualidade você é regido no caso pelo órgão governamental. No caso SENAC SENAI. Eles
vêm visitar, olhar a sua grade e veem tudo o que você tem aqui.
Fornece um parecer e dentro desse parecer, tiram a sua liberdade de construir uma matriz
curricular de enfermagem que contemple português e matemática desconhecendo uma série
de complicações que advêm desta atitude não considerando a realidade que vivemos e
trabalhamos. Quando coloquei matemática e português eu reformulei não pode mexer muito,
não temos essa autonomia foi uma oportunidade sugerida pela diretoria de ensino. Foi
produtivo, não melhorou muito, mas foi produtivo. Então houve uma progressão, houve. O
tempo é escasso. Então você não pode fazer um trabalho extra farmacologia, como a
matemática apenas em dois dias. Você vai jogar uns exercícios assim, aprendeu se não
aprendeu temos eu ir adiante. Quando chega na farmacologia eles tudo, mas pelo menos não
vamos ter que dar os conceitos novamente, vamos apenas relembrar. Mesmo tendo um
espaço pequeno da matemática. Não só a Matemática como o português também é
importante para nós. Tudo isso é um questão burocrática e política e ficamos com esse
abacaxi nas mãos para resolver. Quando saíram essas disciplinas eu e os outros professores
enfermeiros elaboramos algumas ações. Qual foi a saída que eu venho encontrando agora?
Como eu falei para você. Jogamos um pouquinho de matemática em técnicas básicas e
clínica médica. Como são disciplinas são meus carros chefes são as maiores, eu tenho uma
disciplina de 38 dias e uma de 50 dias. Eu pego pelo menos uma semana eu peço para os
professores, tudo isso é em off, não é registrado. No meio do registro em diário que a
professora dá a matéria ela para uns 10 a 15 minutinhos e passa um pouco dos conceitos da
matemática. E assim você vai gradativamente. Os alunos reclamam um pouco, pois o tempo é
curto para sanar todas as dúvidas que eles apresentam porem quando chega lá em
farmacologia o negócio já está um pouco inteiro o raciocínio. Trabalhar primeiro os
conhecimentos matemáticos para depois aplica-los na enfermagem não é ideal ficam muito
separados os conceitos matemáticos da enfermagem. Antes não tinha então agora se passou a
se fazer no começo do curso e depois no final. Deu uma quebra. Agora a gente vai
pausadamente para ver se condiciona o aluno, mas é o que eu te falei. Agora esbarra em um
222

monte de problema, não é mais pegar a fórmula e montra se quebra cabeça é interpretação
desses cálculos na enfermagem. Não são seis meses fracionados, sem um tempo sem
conseguir fazer ligações que você vai conseguir colocar isso na cabeça do aluno. Se ela não
tem uma base boa lá trás fica difícil. Elaboramos uma matriz como se todos fossem todos
iguais, tivessem o mesmo nível, e não é assim. Acaba dificultando o trabalho. Temos que
cumprir. Os alunos do curso técnico têm muitas dificuldades. Embora eu perceba que existem
vários entraves na matriz do curso e também no que é proposto na nossa formação para
associar a matemática naquilo que precisamos embora existam entraves no currículo, esse
pode ser um momento para reflexão.
Agora que mudou, não temos mais essas disciplinas fica difícil. Agora que mudou a gente
está mais perdido ainda. Eu já nem mais sei o que é certo ou errado. Por exemplo, em
português graças a DEUS tem o computador que corrige os erros para a gente, podemos
buscar mais informações de uma maneira mais rápida. Se nós temos dificuldades em alguns
tipos de cálculos na enfermagem, você imagina eles os alunos. Se a gente tem mais um
pouquinho de conhecimento, inclusive na matemática, imagina eles. Quando eu atribuo aulas
para os professores, nem todo mundo gota de disciplinas que estão relacionadas a
matemática. Que você tem que usar a matemática. Para lecionar tem que ser enfermeiros
docentes que tem conhecimento matemático senão não vai. Porque seu eu tenho um professor
que não tem conhecimentos matemáticos básicos: adição multiplicação, porcentagem, razão,
e tem muitos que não tem e confunde e complica mais e mais a vida dos alunos. Então o que
geralmente a gente faz: se eu percebo que a enfermeiro docente não está dominando os
conhecimentos matemáticos domina e gosta, tudo bem eu atribuo as aulas, quando não, eu
entro ou tenho que chamar um bombeiro para apagar o incêndio. Por que a gente é assim eu
não tenho como fazer uma prova para um enfermeiro docente para saber se ele sabe dar
aulas ou entende de matemática. A coisa não funciona assim. Se ela tem um título de
licenciatura ela está apta a dar aulas, mas a gente vê e acompanha a professora, vê o diário,
localiza o que ele está passando, pergunta para os alunos. E a gente via pedindo que ela fale
e ensine um, pouquinho de matemática. Se você vê que ela torce o rabo, essa professora não
sabe. Não é assim, faz aí para ver se você sabe. Aí você já está pressionando a pessoa. E
nenhum lugar existe isso: faz uma prova para ver se você sabe dar aulas. E assistir as aulas,
o enfermeiro docente diz, puxa eu estou sendo pressionado. Você dá impressão que está
vigiado. Eu falo assim: professora eu digo assim, temos duas matérias que são extensas e
nessas eu peço para a professora abordar os conceitos.
Alguns enfermeiros docentes perguntam: mas por quê? Se eles aceitam essa ideia, tudo bem.
Se ela fala assim: não... não precisa, eu percebo que este profissional tem dificuldade.
Quando... precisamos arrumar um espaço para a matemática. Quando você coloca algo para
tentar solucionar o problema e há resistência, você sabe que não vai dar certo. Ou não gosta
ou não sabe fazer, entendeu? A verdade pelo meu ponto de vista é a seguinte: existe um
buraco negro na formação dos alunos, mas também na formação dos enfermeiros docentes.
Na docência eu não aprendia a dar aulas. Tem os casos de professores que gostam, mas não
sabem aplicar esses conhecimentos. Sabem como fazer na prática, mas quando chegam na
sala de aula não tem uma metodologia para passar esse conhecimento. Eles dizem faz assim
que dá certo, mas não sabem explicar as razões os procedimentos matemáticos. Não
conseguem tirar as dúvidas dos alunos. Se ele não consegue fazer isso aí que complica mais a
situação. Além de ele não ensinar ele vai atrapalhar. A matemática tem que estar presente na
enfermagem para resolver os problemas e não para criar mais problemas. Aí chego onde eu
queira. O Enfermeiro quando chega....
E6: Você é professora? Fez licenciatura, não é?
Entrevistadora: Sim.
223

E6: Eu sou enfermeiro assistencial e me formei em 1981, eu tenho 32 anos de brincadeira. O


enfermeiro aprendia a ser enfermeiro assistencial e não professor. O enfermeiro aprendia a
ser enfermeiro assistencial e muito bem. Pelo meu ponto de vista o bacharelado nos prepara
bem para isso. Muito bem de 1981 para cá, em 2009, todo enfermeiro tem que aprender a dar
aulas, ótimo. Na docência eu não aprendia a dar aulas. Eu fui obrigado a fazer o curso. Só
que se falava muito de Taylor, muito de outros teóricos, não que eu estou dizendo que não é
importante. Mas não se tinha da realidade do que é dar aulas na enfermagem, como lidar
com alunos, com as dificuldades, metodologias de ensino, como trabalhar a bendita
matemática na enfermagem. Era um curso que eu precisava para dar aulas, mas eu não
aprendi a dar aulas. Porque na enfermagem não é saber dar aulas e sim esses cursos
deveriam dar uma sustentação metodológica na minha realidade que meu vou usar na sala de
aula.
Metodologia eu não aprendi para o que preciso: ensinar os alunos, como saber explicar a
matemática, e te garanto que a maioria dos enfermeiros não tem essa metodologia. Temos o
curso, o diploma, a habilitação. O estágio é obrigatório como na assistência. O estágio é
importante na docência, mas não tem tantas exigências como na assistência. O
acompanhamento, o direcionamento das atividades não é levado tão a sério como na
assistência. Pedimos para assinar e eles assinam ou cumprimos algumas horinhas, pois,
sabem que acumulamos funções e o tempo é escasso, ou seja, não temos o domínio de ser
professor. Por exemplo, temos didática, mas não voltado para a enfermagem. Me parece com
questões ligadas ao ensino fundamental e não com as questões do ensino técnico e
principalmente relacionado com a enfermagem. Esse curso em nada contribui para minha
prática em sala de aula. Porque este buraco que poderia ser preenchido, nessa ocasião se
perdeu. Então como eu falei. Se falou muito sobre Taylor, muito da história da licenciatura,
da história da enfermagem.
Quem fez o primeiro livro, mas a nossa realidade é ali, a sala de aula, é resolver o problema,
nosso e dos alunos. Achar uma saída. Por isso quando eu falo, quando o aluno vem e tira 3
em uma prova que envolve cálculos, não é você se preocupar com que ele sabe e sim
encontrar um a metodologia, um caminho para explicar e isso a licenciatura não te apoia. E
se você perguntar para qualquer professor dessa unidade e de outras eles vão falar a mesma
coisa. Eles vão trabalhar em cima dos 3 que o aluno tirou. Não conseguem achar caminhos,
projetos que ajudem os alunos a resolver essas questões com a matemática. E aquilo que o
aluno não sabe você joga fora, joga para trás e segue em frente. Como melhorar as
dificuldades dos alunos? Como melhorar o sujeito como sujeito? Como prepará-los para
enfrentar a realidade de um hospital? Como formar esses alunos para enfrentar a realidade
atual? Se você explicar um conceito de matemática na enfermagem que ele aprendeu, você
não vai mais trabalhar esse conceito, você tem que avançar e entrar na complexidade,
colocar mais coisas que ele não sabe e pode encontrar durante seu dia-a-dia no hospital, mas
te digo com qual preparo? Acabamos ficando na zona de conforto e ensinando aquilo que
conseguimos o feijão com arroz aquilo eu o aluno sabe melhor. Como elaborar estratégias
para sanar isso?
Quem elaborou esses cursos, não sei de onde veio licenciatura para enfermagem, do COREN
ou sabe DEUS de onde, deveria ter se preocupado com questões voltadas para a realidade da
enfermagem, como articular todas essas coisas, matemática, português, história sei lá outras
disciplinas, E você seja profissional, técnico, enfermeiro ou auxiliar ou até cuidador de você
saber achar o problema, não é só achar o problema. A gente que trabalha na enfermagem a
gente tem que identificar o problema, tentar resolver o problema, se não dá para resolver,
alguém tem que resolver. Você diz: olha o paciente está assim, tem que ter uma estratégia.
Não dá para deixar para lá como acontece na sala de aula, passar a bola. Todo mundo passa
a bola e não te dá um retorno e aí o paciente precisa ter o problema resolvido você tem que
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ter uma estratégia de ação e isso envolve muita complexidade. Você identificou o problema e
não deu a solução, não é isso.
Você para resolver o problema do paciente, você tem que identificar o início, o meio e o fim
do problema e ir além, entendendo o problema como um todo. Nós estamos ainda no início
com os alunos, precisamos avançar. Você identifica que o paciente está com a PA alta, mas
não conversa com o paciente para ver se é um problema social, emocional, alimentação,
para depois fazer um conjunto disso, unir essas partes e tomar uma atitude para resolver o
problema antes da conduta médica. Chega o médico e dá uma gota de Dipirona e o paciente
“buf” morre! Você vai ler no prontuário e o paciente é alérgico a Dipirona. Ninguém
perguntou se o paciente é alérgico a Dipirona. Pulam-se a etapas. É no bumba meu boi.
Então para que licenciatura se eu não aprendi nada? Tenho que aprender coisa para eu
colocar em prática. Que prática? Então não adianta você fazer um trabalho com a
matemática se você não empregar isso na sua vida, não conseguir fazer relação, fazer pontes
com a tua conduta. É o que está acontecendo. Resumindo, ainda estamos com os alunos
perguntando quanto é 5 vezes 5 e nós com a dificuldade para tratar da matemática com esses
alunos.
Como trabalhar essas questões mais profundamente, na verdade eu me pergunto que horas
fazer isso? Fico pensando nos cursos em EAD. Por outro lado, acontece o seguinte: para
resolver esse problema você tem que ter uma pessoa, por exemplo, alguém que entenda de
informática, caso pensarmos em algo com o computador, ou um outro profissional, por
exemplo, um professor de matemática auxiliando nas questões. Mas nenhuma escola vai fazer
isso, porque gera custos. Falta diálogo. Tem outro grande problema. Agora vou falar de uma
coisa chata. Vou falar de números, mas é de dinheiro. Tem escolas que oferece muito pouco.
Então eu tenho profissional que estudam e vem dar aulas como bico. Então não é por amor.
É igual a religião: se não vem pelo amor vem pela dor, porque precisa de uma renda extra.
Então tem pessoas que gostam de dar aulas e não se dão bem na assistência ou no
acompanhamento desses alunos no estágio. Então a gente faz um enorme esforço para
garimpar um enfermeiro docente bom, que tenha vontade de fazer aquilo que gosta. Bom, eu
estou ganhando pouco, mas estou fazendo aquilo que gosto e é ciente de que seu ensino
envolve responsabilidade, pois vão formar profissionais que vão atuar com vidas,
principalmente isso. Existe um paradoxo., esse professor ele está na assistência e pela
assistência que você presta se você for colocar na balança não compensa, mas você ele diz
que está ali por amor à profissão. Então quando ele vai para a sala de aula, algumas vezes
ele não está lá por amor? Está por necessidade financeira? Sendo que ele vai formar alguém
que no futuro estará com ele na assistência depois, quem sabe saber mais do que ele depois.
Agora imagina eu além de professor, porque eu tenho turmas aqui, mas sou coordenador.
Imagina eu com a responsabilidade de garimpar esses profissionais, enfermeiros docentes e
de colocar no lugar certo. É difícil encontrar uma pessoa que tem afinidade e você supor que
esta pessoa vai ser legal para trabalhar com a matemática.
Errei muito. Não vou ser hipócrita de dizer meus professores são os melhores do mundo. Não
meus professores são os melhores, hoje são, porém já sofri bastante de ter que a cada dois
três dias ter que trocar de professor de farmacologia. É o tal negócio, professor que fala para
você que está vindo do plantão e depois fala dentro de sala de aula que trabalha em uma
clínica, é complicado. Professor com dificuldades de expressão, que fala prantão em vez de
plantão aí acaba com a gente. Agora você pode imaginar o que acontece com as questões de
matemática: entregamos para DEUS.
E6: Posso fazer um parêntese na nossa conversa?
Entrevistadora: Sim. Pode.
E6: Desculpe, mas você é corajosa. Eu não sei onde você onde você vai chegar. Primeiro, eu
gosto de Matemática, mas você é corajosa, são tantos problemas que daria 5 teses ou mais do
225

mesmo assunto. É um vespeiro como disse antes é preciso continuar e aprofundar esse
assunto. Eu entendo a sua pesquisa. Nossa é salutar. É preciso pensar então em uma outra
coisa, assim posso contribuir mais com essa pesquisa. Vamos falar um pouco de como
acontece os estágios?
Entrevistadora: Sim. Podemos continuar falando sobre os estágios
E6: Quando os alunos saem aqui da escola para os estágios, eles vão eufóricos. Porque eles
acham que vão fazer sutura, tudo. E não é assim. Por exemplo, eu tenho estágio em unidades
pediátricas, eles não podem pôr a mão. A não ser um estagiário graduado pode realizar
algum procedimento invasivo no paciente. Então, o aluno vai ver você trabalhar, mas não
põe a mão. O máximo que pode acontecer é você dar um banho em uma criança, tira uma
temperatura, opa, eu falo isso para os alunos: se tirar a temperatura morre. Desculpe é
mensurar a temperatura nem aferir pressão, porque já muda o mangote, já muda o batimento
cardíaco que é diferente do adulto e assim vai. Trocar as fraldinhas troca e pronto. Ele só vai
para olhar. E depois de formado se ele cair e em uma unidade pediátrica o azar é dele ou do
paciente e, geralmente é azar do paciente. Agora quando você trabalha em uma UTI
pediátrica é para quem gosta, para quem gosta realmente de matemática, de criança isso é
fato. Eu conheci um enfermeiro no hospital ele era o bam-bam-bam da unidade pediátrica
(UTI). Ninguém queria mais ninguém ali, só este enfermeiro.
No atendimento da criança ninguém colocava a mão, só ele, você passa por escrito. Por isso
que eu digo: levo toda essa documentação para a diretoria de ensino e digo: aqui estão os
estágios. Eles simplesmente dizem: está bom, mas não sabem a realidade da enfermagem, o
que acontece nos estágios. Quando os erros acontecem, eles dizem: mas esse aluno foi
preparado, ele fez estágio na pediatria, cumpriu as horas, aprenderam na prática os
procedimentos, a matemática, também aprenderam tudo isso em sala de aula, no estágio em
pediatria! Eu digo: será?
Espero que tenha ajudado em alguma coisa. Quem sabe se abrirmos espaços para essas
conversar conseguimos mudar essa situação e também repensar na nossa formação de
enfermeiro docente.
Entrevistadora: Agradeço pela sua participação

ENFERMEIRO DOCENTE 7 (E7)

Entrevistadora: No questionário você percebeu que estamos tratando da Matemática.


Poderia falar um pouco sobre sua formação e a relação com a Matemática?
E7: O assunto é abordado no curso de farmacologia. Na verdade, sempre é assim. É feito
uma revisão bem superficial dos conhecimentos matemáticos e logo em seguida utilizamos
eles nos cálculos com medicação. Não tem uma divisão de farmacologia e Matemática. Não
faço revisão sobre matemática. Penso que isso o aluno tem que trazer com ele dos ensinos
anteriores. Indico livros de matemática. Esse conhecimento já foi adquirido. Na graduação
também é assim. Não tivemos nenhum preparo para utilizar os conhecimentos matemáticos
na Enfermagem.
A minha formação, com relação aos conhecimentos matemáticos que são aplicados na
Enfermagem, falhou nas duas modalidades: para eu exercer minhas atividades na assistência
e na docência. Não houve aprofundamento. Tanto na Universidade, quanto no ensino técnico,
os professores devem cumprir a ementa. É uma pressão grande nesse aspecto. Não importa
se sabemos ou se os nossos alunos sabem, isso vai ser resolvido na prática. A universidade
não te dá suporte para trabalhar nesses aspectos. Eu tive algum respaldo porque no período
de férias eu ia procurar algum curso de Matemática que pudesse me auxiliar. Isso foi
extraclasse. Era um interesse meu e a forma com que a Matemática era abordada em sala de
226

aula é como se todo mundo já soubesse, tivesse domínio. Na minha época, quando eu me
formei, quem já era da área, tinha uma vantagem muito grande, tinha uma destreza com os
procedimentos da enfermagem, mas também já sabiam como funcionava os cálculos nos
procedimentos da enfermagem. No entanto mesmo essas pessoas que já trabalhavam como
técnicos, não tinha um conhecimento matemáticos palpável, digo capaz de resolver os
problemas nos quais a Matemática se fazia presente. Então, eu vi que a coisa estava assim,
eu falei o que? Deixa eu correr. Na universidade não teve respaldo nenhum, financeiramente
é difícil pagar dois cursos ao mesmo tempo. Poderiam considera que alguns desses
profissionais não migram somente para a assistência e vão para a docência. Isso gera um
desconforto tremendo. Agora se você pergunta quais os conhecimentos matemáticos
necessários para desenvolver a as atividades de assistência e docência, parece brincadeira e
na época sentia vergonha, mas são aqueles conhecimentos matemáticos básicos: as quatro
operações, o grande problema com decimais, transformação de unidades, regra de três
simples, equações simples e assim vai. Mesmo os enfermeiros que não vão para a docência, a
universidade, os professores nunca deixaram claro que a Matemática era tão necessária
assim, por exemplo, para calcular medicamentos. Se alguém falou isso para você em alguma
entrevista é mentira, eu duvido. Minha formação para assistência foi muito boa. Teve aula de
Farmacologia, onde eu fiz na Omec de Mogi considerado um curso muito bom porque lá nós
tínhamos prática de tudo e tinha estágio por disciplina. Tinha estágio de cardiologia que eu
fiz no Dante Pazanezi, então sabe. Pediatria os estágios eram realizados em hospitais de
referência. Não é igual agora, cumpri uma hora e pronto. Nós tínhamos estágio mesmo.
Muita coisa mudou desse tempo para cá, mas as universidades estão propondo cursos que
deixam a desejar. Os professores mal fizeram uma revisão ou tocaram na importância de se
saber os cálculos. Utilizam aquela matemática estática que não sabemos para que serve.
Eu dou aula porque tenho filhos pequenos e o horário é flexível, diferentemente do plantão.
Eu leciono Farmacologia no ensino técnico, inclusive lecionei no Hospital Santa Marcelina e
preparo as apostilas o que muda é a didática. A proposta de manter o mesmo conteúdo para
os alunos dos três períodos, mesmo conteúdo as mesmas situações que envolviam a
Matemática e só mudava a didática, porque são professores diferentes, experiências
diferentes, formações diferentes e isso não se pode mudar, mas o conteúdo sempre os mesmos
nos três períodos. Tenho muita experiência nessa disciplina.
Meus alunos têm medo da Matemática porque hoje o público da enfermagem embora tenha
rejuvenescido muito, no bom sentido, as pessoas eram vividas que já trabalhavam, hoje não.
Na atualidade migrou muitas pessoas que tem como opção essa área de atuação como o
primeiro emprego, muito jovem e o que me espanta é escutar desses jovens dizer: é cálculo?
Eu não gosto, eu não sei. Ele não sabe porcentagem, tabuada.
Minha metodologia é a seguinte: Eu começo a fazer revisão de Matemática começando pela
tabuada. Eles dão risadas porque quando chega depois da tabuada do cinco a sala fica em
silêncio. Eles começam a contar no dedinho. É essa a realidade que nós trabalhamos. O
jovem não sabe mesmo. Ele não aprendeu ele não se empenhou ou o professor não se
empenhou, sei lá. O aluno mais velho porque faz tempo que ele não estuda e tem esta
dificuldade e outros que tem medo de seguir o curso porque tem medo de errar, tem medo de
cálculo. Só que eles precisam saber bem esta disciplina para seguir o curso. Tive dois alunos
que perderam o COREN por erros com cálculos. Não souberam tomar a decisão correta, pois
a matemática é diferente na prática, ela não tão quadrada assim: sim ou não. Existem outros
aspectos: que tipo de paciente, se pode arredondar, nos casos de decimais, é muito complexo.
Existem várias coisas relacionadas e o cálculo deve considerar isso.
Por exemplo, antigamente no estágio de pediatria, nós assumíamos o preparo de medicação,
justamente pela baixa qualidade do ensino que tem ocorrido nos últimos anos, a maioria das
instituições não liberam esse procedimento para os alunos de curso técnico muito menos
227

para o pessoal graduado. Eles passam um intervalo muito curto em cada disciplina que
envolve pediatria nem falo da questão da Matemática, são dez dias cada grupo, então nesses
dez dias no estágio. Eu geralmente não assumo o aluno que nunca que nunca teve
experiência, ministrar uma medicação para um recém-nascido. Eu não pego isso para fazer.
Ele não tem preparo ele não tem destreza ele até sabe fazer, se eu estiver junto e ajudá-lo a
fazer. Nem todos vêm com essa bagagem teórica eles passaram mal e mal pela teoria e pelos
cálculos. O tempo é curto. O curso é feito por módulo. E outra coisa. Pediatria e UTI
pediátrica é diferente de neonatal. São crianças recém-nascidas e tudo que envolve criança,
os procedimentos não são liberados para os técnicos e nem para os estagiários graduados.
Até para dar uma mamadeira eles autorizam somente os pós-graduados nessas áreas, pois
qualquer erro de cálculo ou outro qualquer a consequência é grave. Os pós-graduados
passam maior tempo na prática que os outros profissionais. Tem como você trabalhar mais o
aluno sem colocar o paciente em risco. Porque uma criança, por exemplo, o acesso venoso
dele não é pelo coração é pelo umbigo, o acesso venoso não é feito pelos membros superiores
ou inferiores, no bebê é tudo diferente, inclusive os cálculos são extremamente complexos.
Então, voltando a questão da formação com relação à Matemática, e acredito que só a
experiência na assistência não basta para ensinar. Temos que conhecer metodologia para
ensinar matemática, entender os porquês dos erros existentes nos cálculos para poder
explicar aos alunos, por exemplo: um resultado absurdo em uma regra de três para o cálculo
de uma medicação, mostrar os porquês dos erros, mostrar o caminho correto, porque não
podemos utilizar cegamente os critérios de arredondamento de números decimais, qual a
consequência de uma subdosagem ou superdosagem, focar mais na medicação das crianças e
trabalhar com frações mostrando como se faz, detectando os erros e discutindo com os
alunos e assim vai...Parar de trabalhar com aqueles a mesmice dos exercícios, trazendo
casos reais e complexos que ocorrem na prática. Porém, tudo isso a Universidade não
aborda a prática pedagógica é assim: cada um por si e DEUS por todos. Desculpe o
desabafo. Mas é assim. Sem entender metodologia, matemática e suas possibilidades não
conseguimos ajudar os alunos a associarem os conhecimentos matemáticos com os
conhecimentos de Enfermagem. Acabam sendo trabalhados isoladamente. Acredito que os
erros que acontecem são por essas razões e é nesse momento que podemos matar. A
Universidade não forma, apenas informa. Informação eu tenho a Internet! Acho que é isso.
Espero ter contribuído para a sua pesquisa.
Entrevistadora: Grata pela sua participação.
228

ANEXO A. AUTORIZAÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA.


229
230

ANEXO B. AUTORIZAÇÃO DO RESPONSÁVEL PELA INSTITUIÇÃO DE ENSINO.

Eu, ____________________________________, RG_____________, diretor da Escola


________________________________, venho por meio desta autorizar a realização, neste
estabelecimento de ensino da pesquisa da doutoranda Cícera Maria dos Xavier, RA
121655911, intitulada “A Educação Matemática e a formação do enfermeiro docente: dilemas
e desafios”, sob orientação do Dr. Ubiratan D’Ambrosio, do programa de Pós-Graduação em
Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo.
Declaro estar ciente de que, para esta pesquisa será feita coleta de dados com os
enfermeiros docentes da referida escola, o material coletado será de uso exclusivo do projeto
de pesquisa e os participantes terão seus nomes trocados por pseudônimos mantendo em
sigilo a identidade dos sujeitos. Além disso, não será feita a menção do nome da Escola,
sendo usado um nome fictício de modo a preservar a identidade Institucional.
Atenciosamente,

São Paulo, ______________________

_____________________________
Nome do Diretor
(carimbo do diretor ou da escola)
231

ANEXO C. ENTREVISTA EXIBIDA PELO PROGRAMA FANTÁSTICO.

Em uma situação alarmante, pacientes recebem medicações trocadas, crianças sofrem


lesões graves, e mortes causadas por erros banais estão cada vez mais comuns.
No Rio de Janeiro, fiscais do Conselho Regional de Enfermagem (COREn) entram no
Hospital Geral de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
A superlotação é evidente. Regras básicas da enfermagem são quebradas a todo
instante. Uma profissional faz um procedimento em uma paciente sem usar luvas. “Eu não
lembrei, na verdade. Mas não é sempre”, defende-se ela. Perguntada sobre a existência de
material suficiente para trabalhar, a funcionária garante que tem.
No pronto-socorro, a fiscal se espanta com as condições do braço de um paciente,
onde um acesso para medicação foi implantado seis dias antes. “Você via ali um tecido roxo,
que é sinal de infecção. Aquele procedimento, ao menor sinal de vermelhidão local, tem que
ser trocado”, explica Ana Teresa Ferreira de Souza, chefe da fiscalização do Conselho
Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (COREn-RJ).
Momentos depois, a auxiliar continua sem luvas. Ela garante que é só para botar o soro.
“Observamos que ela não fez a higienização das mãos e atendeu vários pacientes ao mesmo
tempo. Ela pode estar transmitindo bactérias de um paciente para o outro”, alerta a fiscal do
COREn-RJ Wendy Koehler.
E o pior de tudo: “Nada tem rótulo, eu não sei o que está sendo infundido”, acrescenta
ela. “A grande maioria dos pacientes estava com soro sem rótulo, sem identificação de nome e
medicação”, denuncia Ana Teresa.
É uma prática extremamente arriscada. “Você não tem identificação do nome do
paciente, do horário daquele medicamento nem do próprio medicamento e dosagem. Com
isso, você pode ter a troca”, diz a chefe da fiscalização do COREn-RJ. As fiscais cobram
explicações da enfermeira responsável pelo pronto-socorro. “Você pode fazer uma
identificação menor, mas essa identificação tem que ter”, afirma a chefe de enfermagem.
“Tenho que ver com a equipe por que isso não está sendo feito”, acrescenta ela.
Ana Teresa Ferreira de Souza especula sobre o motivo de alguns profissionais de
enfermagem não seguirem os procedimentos corretos: “O hábito de estar fazendo aquilo,
achar que o erro nunca vai acontecer com ele, que a fatalidade nunca vai chegar àquele
profissional”. Só no Estado do Rio, o número de denúncias contra profissionais de
enfermagem praticamente dobrou de 2009 para 2010. Se dependesse apenas dos números, o
brasileiro tinha tudo para estar em ótimas mãos. Existem hoje no país 1,5 milhão de
enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem. A cada ano, surgem pelo menos cem mil
novos profissionais. Felizmente, a maioria cuida bem dos pacientes. Mas nunca houve tantos
erros cometidos pela categoria.
“Nós temos observado, principalmente nos últimos cinco anos, um aumento muito
grande das denúncias, um incremento da ordem de 20% a 25% ao ano. Erros simples que
poderiam ser perfeitamente evitados se esse atendimento tivesse sido realizado com maior
atenção”, aponta Manoel Carlos Neri, presidente do Conselho Federal de Enfermagem.
A equipe do Fantástico foi até o interior do Ceará, na zona rural do município de
Missão Velha, que fica a 600 quilômetros de Fortaleza, para conversar com a família de dona
Maria Laurentino. Ela tinha 78 anos e passou mal em julho de 2011. Estava com cansaço e
dificuldade para respirar. Foi levada para o hospital da cidade e acabou sendo vítima de um
erro de uma auxiliar de enfermagem. “Entrei com ela no hospital, vi a enfermeira aplicando
soro no braço dela”, conta José de Souza, filho de dona Maria. “Começou a aparecer umas
espumas na lateral da boca”, continua Rosa Laurentino, nora de dona Maria. De madrugada,
dona Maria foi transferida às pressas para outro hospital, no município vizinho de Barbalha.
232

“O médico que atendeu ela foi quem falou que ela tinha vindo de lá com uma
medicação imprópria”, acrescenta Silvana de Souza, neta de dona Maria. Às 7 h, dona Maria
Laurentino morreu. “Ela cansava de ir na roça, colher feijão. Catava feijão. Minha mãe
morreu”, lamenta, emocionado, o filho.
No laudo do IML, a causa da morte: embolia pulmonar por infusão de glicerina. No
lugar do soro, a auxiliar de enfermagem do hospital de Missão Velha injetou em dona Maria
uma substância oleosa usada para lavagem intestinal. No sangue, a glicerina causa um
entupimento de vasos e artérias e rapidamente atinge o pulmão e o coração. O caso foi parar
na polícia. O frasco de soro é bem diferente do frasco de glicerina. Ela pegou o liquido e
reparou que não havia o gancho para pendurar no suporte. Ela estranhou isso. Então pegou o
frasco e fez um suporte com esparadrapo. “Em nenhum momento ela leu a etiqueta que estava
posta no frasco. Tinha lá: glicerina a 12%”, diz o delegado Marcos Antônio dos Santos.
A auxiliar de enfermagem foi afastada do hospital e indiciada por homicídio culposo.
Ela não quis conversar com a reportagem. Procuramos o médico que prescreveu o soro para
dona Maria. Ele é o diretor clínico do hospital de Missão Velha, um lugar onde medicamentos
controlados dividem espaço com grilos.

Fantástico: Por que deram a medicação errada para ela? Luciano Santana, diretor clínico do
hospital de Missão Velha: Essa pergunta eu não posso responder porque não fiz a medicação.
Aliás, eu não administro medicação. Fantástico: O senhor não viu o frasco que ela pegou?
Luciano Santana: Não vi. Ela foi pegar lá dentro. O médico prescreve e entrega para o
auxiliar e o enfermeiro que esteja por lá para ver. De acordo com a lei, auxiliares e técnicos só
podem trabalhar com a supervisão de um enfermeiro. Mas não foi isso que aconteceu naquela
madrugada.
Fantástico: Por que não tinha uma enfermeira?
Luciano Santana: Não sei te dizer.
Fantástico: O senhor é diretor clinico do hospital. Bem, mas o que aconteceu foi o seguinte:
até 22 h, tinha um enfermeiro. De 22 h às 5 h não tinha nenhum.
Luciano Santana: Aí eu não sei. Eu não sei lhe falar onde estava no momento. Histórias
como essa não acontecem apenas em cidadezinhas do sertão.
Só em 2010, o Conselho Regional de Enfermagem em São Paulo recebeu 250
denúncias de erros causados por profissionais da área. Vinte deles resultaram em morte ou
lesão permanente para os pacientes. Em dezembro de 2010, uma auxiliar de enfermagem
injetou vaselina em vez de soro no corpo de Stephanie Teixeira, de 12 anos. A menina, que
tinha apenas uma virose, em poucas horas morreu. Semanas depois, também em São Paulo,
outra auxiliar de enfermagem decepou a ponta do dedo da pequena Tiffani Bahia, de 1 ano, ao
tentar arrancar um curativo com uma tesoura. Certos profissionais não estão cumprindo nem o
básico da profissão. “Me parece que esse é um problema que tem diversos fatores.
Um dos fatores mais importantes que eu coloco é a baixa qualidade do ensino”, opina
Manoel Carlos Neri, presidente do Conselho Federal de Enfermagem. Em um hospital
particular de São Paulo, sobram vagas para profissionais de enfermagem. “Hoje eu estou com
mais ou menos 20 vagas, de auxiliar técnico a enfermeiro. Não consigo preencher”, diz a
gerente de enfermagem Hamdi Hassan. Com 30 anos de experiência, Floracy Gomes Ribeiro,
diretora de enfermagem do Hospital das Clínicas de São Paulo, supervisiona mais de dois mil
funcionários. “O que nós temos observado nos últimos concursos é que nós temos tido uma
reprovação de 50%”, avisa a diretora de enfermagem. “A impressão que a gente tem que é
que não tem fiscalização dos órgãos de ensino, porque está muito deficiente. Eles estão
chegando muito mal preparados”, critica Hamdi Hassan. Nunca foi tão fácil estudar
enfermagem no Brasil. O curso para técnico, que exige apenas o Ensino Médio, e dura cerca
de dois anos, é, disparado, o mais procurado do país. São mais de 1,7 mil escolas cadastradas.
233

“Precisaria que os mantenedores desses cursos encarassem a coisa com maior seriedade e não
apenas querendo se beneficiar de uma explosão no mercado e ganhar dinheiro, para falar o
português claro”, diz João Cardoso Palma Filho, secretário adjunto da Educação de São
Paulo.
A equipe do Fantástico mostrou imagens da Escola de Base Ferrazense, curso técnico
da Grande São Paulo, para a enfermeira Maria Therezinha Nóbrega da Silva, professora de
enfermagem da escola do estado do Rio de Janeiro. Ela já fez parte da Associação Brasileira
de Enfermagem (ABEn) e é uma especialista na análise de cursos da área. No laboratório, há
falta de carrinho de medicamentos, maca, boneco de bebê para simulações e até pia. “Pelo
menos uma pia para habituar as pessoas a lavarem as mãos antes de fazerem os procedimentos
deveria existir”, opina Therezinha Nóbrega.
Em Missão Velha, onde dona Maria Laurentino recebeu glicerina no lugar de soro, um
curso técnico particular funciona em uma escola pública só aos fins de semana. No local, não
tem laboratório. “Não se pode improvisar laboratório para ensinar enfermagem. Isso não
existe”, critica Therezinha. A matrícula do curso Vera Cristo é feita em uma farmácia. As
aulas já começaram há três meses, mas a produtora do Fantástico é aceita sem o menor
problema. “Vai estudando em casa. Ela te dá o capitulo que você vai estudar e vai te marcar
uma avaliação”, diz a atendente da farmácia.
O Conselho Estadual de Educação do Ceará garante que o curso de Missão Velha não
tem autorização para funcionar. “Se está havendo essas aulas, elas estão irregulares. Ela só
pode abrir aulas depois de aprovado pelo conselho”, explica Edgar Linhares Lima, presidente
do Conselho Estadual de Educação do Ceará. Procurada pelo Fantástico, a coordenadora não
quis dar entrevista. A Escola de Base Ferrazense, de São Paulo, também não quis se
manifestar.
As secretarias estaduais de Educação reconhecem que a fiscalização é insuficiente.
Fantástico: Isso quer dizer que no estado de São Paulo pode haver cursos que estão precários
ou até que não poderiam estar funcionando? João Cardoso Palma Filho: Pode, pode haver.
Para melhorar a inspeção dos cursos técnicos, a secretaria paulista pediu ajuda para entidades
especializadas. “Uma escola de enfermagem ruim é quase um ato criminoso. Porque isso vai
resultar em consequências muito sérias na hora do exercício profissional”, aponta Therezinha.
Para a mãe de Ana Clara, cada refeição da filha é um suspense. Há dois anos a menina
sofre com as sequelas de um erro cometido por uma funcionária do Hospital Santa Catarina,
em São Paulo. No lugar de um sedativo, a auxiliar de enfermagem injetou na boca da menina
um ácido usado para dissolver verrugas. O líquido queimou a boca, o estômago e ainda
provocou o estreitamento do esôfago de Ana Clara. “A comida era no liquidificador. Se tinha
o arroz com feijão, tínhamos que bater no liquidificador”, conta Márcia Zuccari, mãe de Ana
Clara. Aos 4 anos, Ana Clara ainda não frequenta escola. “A gente tem medo de ela engasgar
na hora da alimentação”, diz Alexandre Zuccari, pai da menina. Para evitar o fechamento total
do esôfago, a cada seis meses Ana Clara tem que tomar anestesia geral e passar por um
procedimento de dilatação.
Por nota, o Hospital Santa Catarina disse que ofereceu toda a assistência para a
recuperação de Ana Clara, e que, depois do incidente, revisou processos internos e passou a
reavaliar periodicamente o trabalho das equipes de enfermagem.
Os erros não existem só entre auxiliares e técnicos. Ocorrem entre os profissionais de
nível superior. Os números mostram que as faculdades de enfermagem também estão em alta.
“A procura no passado era muito por dedicação, por gostar. Hoje a procura é muito mais por
mercado de trabalho aberto”, comenta Pedro de Jesus Silva, presidente do Conselho Regional
de Enfermagem do Rio de Janeiro.
Em dez anos, o número de cursos oferecidos no Brasil ficou quase cinco vezes maior.
“Já chegamos a ter conhecimento aqui de faculdades que o aluno, durante toda a sua
234

formação, fez os estágios apenas dentro de laboratórios e nunca foi a uma unidade de saúde
para lidar diretamente com o paciente”, revela Manoel Carlos Neri, presidente do Conselho
Federal de Enfermagem.
A cada três anos, o Ministério da Educação realiza um exame para avaliar a qualidade
do ensino nas faculdades de enfermagem. Entre 2004 e 2007, a porcentagem de cursos com
avaliação abaixo da média subiu de 6% para 47%. “O ministério vai tomar ações incisivas e
no limite, fechar cursos, fechar vagas e até mesmo fechar instituições”, garante o secretário de
Regulação e Supervisão da Educação Superior, Luís Fernando Massonetto. No município de
João Pinheiro, no noroeste do estado de Minas Gerais, fica uma faculdade particular que,
segundo o Ministério da Educação, teve um dos cursos de enfermagem mais mal avaliados do
país. O último dado disponível é do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade)
de 2007: o máximo que os alunos do curso conseguiram foi a nota mínima: um – em uma
escala que vai de um a cinco.
Logo no início da visita da reportagem, marcada com antecedência, a responsável pelo
ensino de enfermagem se apressou em mostrar um laboratório todo arrumado e equipado,
mas, sobre o curso em si, a coordenadora Eliane Batista pouco sabe.
Fantástico: Quantos professores de enfermagem vocês têm?
Eliane: Nós temos, aproximadamente, oito enfermeiros, mais professores de outras
disciplinas que não são específicas.
Fantástico: Mas de enfermagem, você falou uns oito.
Eliane: Um professor, ele às vezes trabalha com duas ou três disciplinas. Tem aquelas
disciplinas do curso que são específicas do enfermeiro.
Fantástico: Então, mas quantos professores tem o curso de enfermagem?
Eliane: Podemos dizer seis.
O Fantástico pergunta se virão novas turmas. “Vai ter vestibular no final deste ano
para todos os cursos”, avisa Eliane.
A verdade é que, por ordem judicial, a faculdade está impedida de receber novos
alunos. Uma série de irregularidades constatadas pelos fiscais levou o MEC a descredenciar
todos os cursos da instituição. “A partir do momento que saiu a decisão suspendendo o
ingresso dos alunos, a gente não pode colocar aluno”, afirma o diretor jurídico da instituição,
Cláudio Giansante.
Mas não são apenas cursos ruins que podem provocar erros. Tem também a sobrecarga
de trabalho. No abrigo Cristo Redentor, em São Gonçalo, as fiscais do Conselho Regional do
Rio de Janeiro encontram um cenário assustador. Ao todo, são 182 idosos e apenas um
enfermeiro no comando de seis auxiliares e técnicos. O recomendado nessa situação seria ter,
no mínimo, nove enfermeiros e 18 auxiliares e técnicos. “Ali você tem pacientes totalmente
dependentes da enfermagem”, aponta Ana Teresa Ferreira de Souza, chefe da fiscalização do
Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro.
O resultado são prontuários dos pacientes em branco; geladeira de medicamentos com
alimentos vencidos; remédios de uso controlado misturados, sem identificação ou data de
validade e em péssimas condições de higiene; e lixo infectante em lugar perigoso. O mais
preocupante: pacientes com graves lesões infeccionadas. A sobrecarga ocorre também por
causa dos baixos salários.
Lizete Lopes é auxiliar de enfermagem há 17 anos. Trabalha três dias da semana em
um hospital, três em outro e ainda faz curso de especialização. “É cansativo. Às vezes, chega
até ser exaustivo, dependendo do plantão”, diz. Para evitar erros, Lizete se apega aos
chamados "cinco certos" da profissão. O paciente certo, o medicamento certo, a prescrição
certa, a hora certa, pela via certa.
Assim faz também uma legião de profissionais de enfermagem Brasil afora. A
enfermeira Lilian Behring é a primeira pessoa que muitos pacientes veem quando renascem
235

de uma cirurgia no coração, no CTI. “Imagina você com um tubo na boca, fica muito
agitado”, diz Lilian. Seu José Carlos Inácio acaba de ser transferido para a enfermaria e não
esquece a atenção que recebeu. “O medo que eu estava era muito grande. Com a força que ela
me deu, me senti a pessoa mais importante do mundo para ela”, conta Seu José.
A chefe da enfermagem de UTI neonatal Inês da Silva fica emocionada ao olhar para
os bebezinhos que ajudou a salvar em quase 20 anos de trabalho. “Essa criança nasceu no dia
do meu aniversário, deve estar com uns 16 anos”, conta ela. “Ontem ela pegou uma cadeira de
balanço para mim, para eu ficar ninando meu filho. Foi a segunda vez que botei ele no colo
depois de 17 dias”, diz Claudia Lins de Albuquerque, mãe de Antônio. Os pais do pequeno
Antônio querem ser os próximos a voltar com uma bela foto de agradecimento. “Você se
sente acolhido. É uma sensação em que a gente fica muito frágil”, afirma Claudia.
Procuramos o Hospital Geral de Nova Iguaçu, onde a equipe do Fantástico mostrou,
no começo desta reportagem, profissionais de enfermagem trabalhando sem luvas e pacientes
recebendo medicamentos sem identificação. “Eu acredito que, nesse momento, eles estavam
atendendo com urgência os casos. Posteriormente vem o rótulo, porque o atendimento é de
emergência”, argumenta Maria Aparecida de Lima, chefe da enfermagem do Hospital Geral
de Nova Iguaçu. Já Hélio Abicalil, diretor-presidente do Abrigo Cristo Redentor, disse que
quer resolver em 30 dias os problemas apontados pela fiscalização.
Ele reconheceu que a equipe de enfermagem é pequena, mas que tem limitações
financeiras por se tratar de uma entidade filantrópica. “Eu não posso, como administrador,
aumentar uma folha de pagamento se não terei condição de cumprir”, diz Hélio. Nos
próximos dias, o Conselho Regional de Enfermagem do Rio vai enviar à Vigilância Sanitária,
ao Ministério Público Estadual e às secretarias municipais de Saúde um relatório com as
irregularidades encontradas nas duas instituições.
“Errar na enfermagem não pode. Você pode causar danos irreparáveis à sociedade e
não dá para aceitar”, afirma Pedro de Jesus Silva, presidente do Conselho de Enfermagem do
Rio de Janeiro.

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