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São Paulo
2016
UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO
São Paulo
2016
BANCA EXAMINADORA
A meu pai, meu melhor amigo,
Lucílio dos Santos (in memoriam).
AGRADECIMENTOS
Para iniciar, preciso contar que minha busca não foi breve, mas constituiu um caminhar que parecia
sem fim, principalmente pelas intercorrências pessoais de toda ordem que me atropelaram. Esses
percalços, longe de obscurecerem o trajeto, aumentaram-lhe o brilho. E, ao invés de me deterem,
impulsionaram-me com mais força.
Chegou o momento de dedicar algumas palavras àqueles que direta ou indiretamente fizeram parte
dessa travessia:
Expresso meus sinceros agradecimentos a DEUS, por estar presente em minha vida sustentando-me
nos momentos difíceis.
À minha mãe, exemplo de mulher guerreira que me ensinou a nunca desistir dos meus sonhos.
Agradeço a você, meu querido pai, que sempre leu minhas produções e não teve oportunidade concluir
a leitura desta pesquisa, pois me deixou durante esta caminhada. Esteja onde estiver, acredite: nós
conseguimos!
À minha irmã Aparecida, pelo apoio incondicional, assumindo os cuidados com nossa mãe durante
minha ausência nos momentos de introspecção.
Aos meus amigos do programa de doutorado, pelos momentos de entusiasmo que tornaram este
período de grande alegria e de busca pelo conhecimento. Em especial, agradeço a Rosivaldo Severino
dos Santos e a Lúcia Christina Monteiro, que vieram de tão longe e se tornaram mais que amigos:
tornaram-se irmãos queridos, apoiando-me nos momentos mais difíceis pelos quais passei.
Aos meus amigos do Departamento de Gerenciais e do Departamento de Exatas da Universidade Nove
de Julho (Uninove) e a todos os meus alunos, pelo companheirismo, paciência e palavras de incentivo.
Não poderia deixar de agradecer ao Dr. Paulo Sergio Pereira da Silva, que presenciou o nascimento
desta pesquisa e incentivou minha entrada no programa de doutorado. Quero registrar minha
admiração e respeito pela pessoa e pelo profissional que é, bem como pelas sugestões valiosas e
orientações. Orgulho-me de compartilhar com ele esse interesse em comum.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela bolsa de estudos de
doutorado.
Meus agradecimentos aos professores do Programa de Doutorado: todos aqueles com quem tive a
honra de poder compartilhar conhecimentos, tanto durante as disciplinas que cursei e os seminários e
palestras que assisti, quanto nas conversas pelos corredores da universidade.
Aos Professores Doutores Carlos Ricardo Bifi, Adilson de Moraes, Nielce Lobo da Costa e Marlene
Alves Dias, membros da Banca Examinadora, por terem atendido o convite para integrá-la, dispondo
de seu tempo e conhecimento para analisar este trabalho.
Um agradecimento especial à Prof.a D.ra Marlene Alves Dias, a quem sou imensamente grata pelo
incentivo e fortalecimento ao auxiliar-me atentamente na leitura do texto. Não apenas valorizo seus
comentários e observações críticas sobre o trabalho, mas também sua amizade. Você é dessas
indispensáveis.
Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio por ser o nosso grande guia, responsável
direto pela missão que agora se cumpre. Agradeço pela confiança, pela amizade e pelos conselhos e
paciência. O senhor é um exemplo de simplicidade, compreensão e competência. Todos os que
trabalham em sua companhia admiram sua dedicação e amor a suas tarefas e à pesquisa com os
orientandos, mas principalmente com o ser humano. Seus orientandos sabem que sempre terão um
amigo e um lugar em que encontrarão apoio e palavras de sabedoria. Bons professores são didáticos;
professores fascinantes possuem sensibilidade para falar ao coração. Obrigada por falar ao meu
coração, obrigada pela liberdade, por me deixar voar. Voarei para meu destino, mas não me esquecerei
dos ensinamentos que aprendi com o senhor, que me acompanharão por toda a minha vida. Muito
obrigada.
Esta dedicatória se estende aos profissionais da saúde que participaram desta pesquisa. Não é possível
registrar agradecimentos personalizados a todos os que cederam parte de seu tempo para fornecer
informações e facilitar o acesso às unidades escolares. Não é possível nomear cada uma das pessoas
cuja ajuda foi determinante para que esta investigação se realizasse. Assim, registro aqui meu desejo
de agradecer a cada um desses colaboradores.
Finalmente, meu agradecimento mais profundo é dedicado ao meu esposo e à minha filha. Vocês
estiveram incondicionalmente o tempo todo ao meu lado, nos momentos difíceis, que não foram raros,
sempre me fazendo acreditar que conseguiria. A minha presença ausente de mãe e esposa durante este
período mostrou a verdade sobre o nosso relacionamento: somos uma família! Sou grata a vocês por
cada gesto, cada palavra de incentivo, cada gesto de amor. Obrigada, Xavier! Obrigada Luiza! Vocês
são a razão da minha vida!
Os sonhos não determinam o lugar onde vocês vão
chegar, mas produzem a força necessária para tirá-los
do lugar em que vocês estão. Sonhem com as estrelas
para que vocês possam pisar pelo menos na Lua.
Sonhem com a Lua para que vocês possam pisar pelo
menos nos altos montes. Sonhem com os altos montes
para que vocês possam ter dignidade quando
atravessarem os vales das perdas e das frustrações.
Bons alunos aprendem a matemática numérica; alunos
fascinantes vão além: aprendem a matemática da
emoção, que não tem conta exata e que rompe a regra
da lógica. Nessa matemática você só aprende a
multiplicar quando aprende a dividir; só consegue
ganhar quando aprende a perder; só consegue receber
quando aprende a se doar.
Augusto Cury
RESUMO
The purpose of this qualitative study conducted in Brazil was to investigate the pedagogical
practices proposed by clinical nurses who teach on high-school-level nursing technician
programs and to identify in their discourses the difficulties and hesitations they experience in
the classroom setting while addressing mathematical knowledge that has to be articulated with
essential nursing procedures. Two research questions guided the investigation: When clinical
nurses attend teacher training programs, what conditions are available to allow them to
acquire mathematical knowledge that can be associated with nursing procedures to be taught
to their students? What pedagogical practices are employed by these professionals to address
mathematics in nursing-specific curricular components? Seven clinical nurses who taught on
three nursing technician programs were included in the study. The participants answered a
questionnaire and were interviewed. The curriculum grids of a bachelor’s degree program in
nursing and a lato sensu teaching degree in nursing were analyzed considering the Brazilian
National Curriculum Guidelines, in order to identify consistencies between contents included
in the grid and those which the nurses viewed as relevant to their own training. Finally, the
curriculum of a high-school-level nursing technician program was evaluated in view of the
proposals expressed in the official Brazilian List of Technical Programs, with the purpose of
identifying mathematical contents useful in the future professional practice of nursing
technicians. The results revealed that mathematics has not been contextualized or articulated
with nursing procedures, either during the teaching training of nurses or in their subsequent
teaching practices in the classroom setting. Current nursing technician programs were found
not to meet the needs of students—from which it can be inferred that the training of teaching
nurses fails to prepare these professionals to associate mathematical notions with nursing
procedures. Also, the use of ineffective teaching practices seems to compound the difficulties
experienced by the students, who become more prone to errors in the use of mathematics in
actual nursing settings. While attending technical training, these students should benefit from
contact with real-life situations that promote reflection on mathematical ambiguities and
uncertainties inherent to their future professional practice, thus providing them with the
opportunity to experience and process subjective aspects more aptly addressed by fuzzy logic.
Keywords: mathematics education, nursing, professional education, complexity, articulation
of subjects, ambiguities, fuzzy logic.
RÉSUMÉ
Cette recherche a fait de façon qualitatif chercher d’enquêter propositions des pratiques
pédagogiques d’infirmiers assistancielles que font d’activité d’enseignant dans les études
techniques d’infirmière dans à niveau intermédiaire et identifier dans ses rapport, les
difficultés et les hésitations que ont dans ses expériences et dans ses pratiques d’enseignant
avec les connaissance mathématiques que doivent être articuler aux connaissance essentielles
d’infirmière. Deux questions ont guidé la recherche : Quelles sont les conditions de la
formation des infirmières assistancielles dans activité d’enseignant d’infirmière offre afin
qu’ils puissent apprendre les connaissances mathématiques et les relie à leur pratique
pédagogique avec les procédures d’infirmière ? Quelles sont les pratiques pédagogique
utilisées par ses professionnels dans l’approche mathématique pour les composantes du
programme détudes spécifiques d’infirmière ? Sept d’infirmiers assistancielles qui exercent
des activités d’enseignant dans trois cours téchnique à niveau intermédiaire étaient des sujets
de recherche, les quias ont répondu à un questionnaire et ont été interrogé. Ils ont également
analysé les matrices scolaires de titulaires d’um baccalauréat et d’une lycée professionnel lato
sensu à la lumière des lignes Directrices du Programme National afin d’identifier la cohérence
entre ce qui est proposé dans ces matrices et les sujets considérés comme importants pour
leurs formations. Enfin, nous analysons le curriculum d’un cours téchnique à niveau
intermédiaire d’infirmière compte tenu dit le Catalogue National de Cours Techniques afin
d’identifier le contenu mathématique est utile lorsque l’avenir acte technique professionnel.
Les résultats indiquent que la formation vécue par les sujets et les pratiques d’enseignant
qu’ils utilisaient les mathématiques ne sont pas contextualisée ni articulée avec les procédures
d’infirmière. On a également constaté que les systêmes actuels de formation ne répodent pas
aux besoins des élèves, ce qui nous amène à conclure que la formation des enseignant
infirmiers dificile pour eux d’associer des notions mathématiques aux procedures d’infirmière
et de insuffisance de leur enseignant semble conduire leurs élèves les difficultés et les erreurs
dans l’utilisation des mathématiques dans le contexte d’infirmière. Nous croyons que ces
étudiants au cour de leur formation, devraient être mis en contact avec des situtations rèeles
qui les encourage à reflechir sur les incertitudes et les ambiguïtés de caractere mathématique
inhérente au travail quotidien afin d’avoir la possibilité de traiter des aspects de la subjectivité
traitée par la logiques fuzzy.
Mot-clé: l’éducation en mathématique, infirmière, formation, complexité, articulation,
ambigüité, logique fuzzy.
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
Assim como dizia Freire (1996, p. 29), “onde há vida há inacabamento”. Ter essa
consciência faz com que a vida se torne um caminho de buscas – e a minha sempre foi repleta
delas. Ao introduzir o tema desta pesquisa, sinto necessidade de falar sobre algumas marcas
pessoais e profissionais de minha história, algumas delas leves e outras duradouras, mas que
possuem significados que proporcionam um rico material para autorreflexão. Partilhar os
encontros e desencontros presentes em minha trajetória desde o nascimento até a pós-
graduação, resgatando algumas dessas lembranças, não é tarefa simples. Minha vida escolar
teve papel fundamental nos caminhos que percorri. Busquei por isso, nesta seção, traçar um
fio condutor da história de minha vida que tivesse eixo no processo de formação escolar,
desde o ensino fundamental até a pós-graduação, visitando o contexto familiar e escolar que
vivenciei.
Nasci em 14 de maio de 1962 na cidade de São Paulo. Sou a segunda de quatro
irmãos. Lembro-me das brincadeiras com estes, sempre embaladas por músicas que
retratavam o amor, a guerra do Vietnã e a situação do país na década de 1960. Iniciei minha
vida escolar em um contexto histórico tradicional e autoritário, ingressando em 1969 na 1.a
série do antigo curso primário na Escola Pública Estadual Theodomiro Emerique, nessa
cidade. Ainda guardo uma lembrança viva: o modelo-padrão da época, caracterizado por
professores de postura conservadora, tidos como autoridades máximas no processo educativo.
As exigências para frequentar a escola eram muitas. O uso de uniforme era
obrigatório, requerendo-se também mala, estojo, lancheira. Ainda consigo me ver com aquela
saia xadrez, toda pregueada e com bainha abaixo dos joelhos; camisa branca de mangas curtas
com um bolso à esquerda na altura do peito, bordado com o nome da escola em uma espécie
de timbre; meias brancas e sapatos modelo boneca.
Entrar pela primeira vez na escola foi um momento muito importante para mim, mas
também inaugurou um período de medos e receios. A professora ensinava as primeiras letras e
continhas, mas era fácil observar a expressão dos colegas, com olhares e gracejos quando as
dificuldades de algum colega se evidenciavam. Geralmente, saíam-se bem aqueles que tinham
13
proposto por Freire, que, aplicado aos profissionais de saúde, lhes estimularia a enxergar
dentro de cada pessoa todo contexto social ao qual ela pertence.
Voltando às lembranças de minha infância: uma vez por semana hasteávamos a
bandeira brasileira e cantávamos o Hino Nacional. Também na Semana da Pátria, em
setembro, desfilávamos na rua da escola. Penso que tenha sido apenas isso que aprendi sobre
patriotismo, e que o presidente do Brasil era o general Emílio Garrastazu Médici, pois meu
pai dizia que era arriscado falar sobre política.
Naqueles anos primeiros, não parava de pensar no exame de admissão! Era uma
espécie de vestibular, ao final dos quatro anos do curso primário, para ingresso no ginasial.
Em 1971, porém, o exame foi extinto, poupando-me de passar por esse fio de navalha.
Assim, em 1973 ingressei no ginásio, na Escola de Primeiro Grau Gabriel Ortiz.
Tudo era novo, com um professor para cada disciplina, e um punhado de livros passou a fazer
parte de meu novo cenário. Nessa época surgiram os primeiros desencontros, com dificuldade
em comprar o uniforme e adquirir a lista obrigatória de livros e materiais escolares. Além
disso, como acontece em tantas outras famílias, meus pais separaram-se. Minha mãe teve a
responsabilidade de trabalhar fora e, juntamente com minha irmã mais velha, assumi a árdua
tarefa de cuidar da casa e dos irmãos menores. Em meio às dificuldades de uma família pobre,
fui ensinada a entender que o conhecimento significava não estar à margem da sociedade e,
nesse sentido, a busca pelo conhecimento tornou-se para mim o sentido de ser e de estar no
mundo.
A situação financeira familiar estava cada vez mais difícil. Embora tivéssemos que
nos privar de algumas coisas, para minha mãe a escola sempre foi intocável. No entanto,
diante da gravidade da situação, minha irmã mais velha deixou os estudos e vendi meus livros
para ajudar nas despesas de casa, afastando-me da escola por três meses. Nesse período,
porém, recebi em casa a visita da professora de ciências, a senhora Toyoka. Ela resgatou
todos os livros que eu vendera e me disse: “Volte para a escola. Se quiser mudar a sua vida, o
único caminho é a educação”. Essas palavras calaram fundo em meu coração e mudaram
minha vida. A partir daí, resolvi mudar minha história. Retornei à escola com o apoio dessa
professora – fui representante da sala por dois anos –, envolvi-me com a organização dos
jogos de handball, participei da comissão de festas juninas e passei a ter o apreço da
coordenação e de todos os professores – o que em minha família estava me faltando.
Em 1975, uma época de mudanças, fomos morar em um bairro em que os aluguéis
eram mais baixos e passei a estudar na Escola Estadual Professora Helena Lombardi Braga.
15
Foi uma época fascinante, de várias descobertas e desafios. Não gostava, porém, da aparência
da nova escola. Tinha vidros quebrados, o banheiro não funcionava e meus colegas de sala
eram bem mais velhos que eu. Sentia-me deslocada. A única vantagem era não ter que esperar
minha irmã retornar da escola para lhe pedir o uniforme emprestado! No entanto, faltavam
ainda dois anos para terminar o ginásio e teria que me adaptar a essa nova realidade.
Mais uma vez, encontrei um professor que não me viu apenas como mais uma aluna.
Foi Ming Belinchão, meu professor de Matemática. Percebendo minha dificuldade de
adaptação com a turma, sugeriu que uma forma de entrosar-me seria ajudá-los com os
exercícios de matemática. Pela primeira vez comecei a pensar efetivamente em meu futuro:
ser professora. Essa foi a semente plantada dentro de mim, que mais tarde germinou, cresceu,
virou botão e floresceu.
Já era hora de pensar no ensino médio e em trabalhar. O ensino técnico era uma boa
opção, mas teria que conseguir vaga em uma escola pública. Meus professores me sugeriram
prestar “vestibulinho” em uma escola técnica. Seria uma oportunidade de cursar o ensino
médio e ter uma profissão.
Em 1977, iniciei o ensino médio com formação específica em secretariado na ETEC
Professor Camargo Aranha, também em São Paulo. A adolescência chegou como uma rajada
de vento pela janela e trouxe consigo uma pessoa especial, com quem estou casada há 30 anos
– e juntos estamos escrevendo nossa história.
Voltando ao ambiente escolar: meu interesse por assuntos, pessoas, lugares e
situações até então não percebidos por mim foi crescendo. No ensino médio, tive notícias
sobre um mundo que não me fora apresentado abertamente. A conversa na hora do intervalo
era sobre a União Nacional dos Estudantes, que voltava a ter força nesse período, coincidindo
com uma mudança importante nos rumos da política nacional.
Meu desejo era participar das manifestações marcadas pela ida dos estudantes às ruas
e compartilhar, com os demais, o desejo de mudança traduzido em protestos públicos e
passeatas, mobilizando a sociedade pela luta em defesa da democracia. No entanto, meu pai,
sargento da polícia militar de São Paulo, agora mais próximo da família, não permitiu meu
envolvimento, e assim, em 1979, no meio desse turbilhão, concluí o ensino médio.
16
Após trabalhar cinco anos como secretária em um hospital de São Paulo, prestei em
1984, já casada, um concurso para trabalhar no setor administrativo de uma unidade básica de
saúde (UBS)1 da prefeitura de São Paulo. Ali, me alegrava em ajudar os auxiliares de
enfermagem que tinham dificuldades com matemática, especificamente em cálculos com
medicamentos. Eles almejavam frequentar cursos de formação para técnicos de enfermagem
e, para isso, precisavam passar por um exame de seleção, além de haverem concluído o ensino
médio. Os que conseguiam ser aprovados na seleção, ao iniciarem o curso encontravam
imediatamente obstáculos ao tentarem resolver exercícios em que a matemática estava
presente. Não conseguindo transpor esses obstáculos, desistiam do curso, alegando não
compreender os cálculos.
O grupo era formado por 10 auxiliares de enfermagem e, nas tardes de sexta-feira, eu
lhes ensinava os cálculos e também aprendia com eles as questões de enfermagem. Comecei,
por insistência de meu esposo, a pensar na possibilidade de cursar uma universidade. Ao
mesmo tempo, a convivência com médicos, enfermeiras e técnicos de enfermagem na UBS
me fazia relembrar um sonho de criança: cursar medicina para ajudar as pessoas.
Entretanto, revirando meu baú, lembrei-me das aulas do professor Ming, na época do
ginásio, e das aulas que eu modestamente ministrava para meus colegas. Então tomei uma
decisão: ser professora de matemática!
Iniciei em 1985 a graduação em licenciatura plena em matemática na Universidade
São Judas Tadeu, em São Paulo, concluindo-a em 1989. Desenvolvia minhas atividades na
UBS e, paralelamente, lecionava matemática, em caráter temporário, na mesma escola em que
concluíra o ginasial.
Inscrevi-me em 1992 em um concurso para efetivação dos professores. Nesse ano, a
Associação dos Professores do Estado de São Paulo (APEOESP) promoveu uma palestra com
o objetivo de prepará-los para esse concurso. Comprei um caderno para fazer anotações.
Minha expectativa era discutir questões de geometria, álgebra e cálculo e as normas e
diretrizes que regiam o ensino no estado de São Paulo. No entanto, jamais esquecerei a
palestra que assisti, proferida pelo Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio. Fiquei extremamente
intrigada. Quem era aquele professor que trazia à mesa de discussão assuntos jamais
abordados em minha formação universitária? Que “educar é um ato de amor”. Que “educar é
1
Posto que presta serviços de saúde à comunidade.
17
1 INTRODUÇÃO
1.1 O PROBLEMA
A Matemática deve ser vista pelo aluno como um conjunto de técnicas e estratégias
para serem aplicadas em outras áreas do conhecimento, assim como para a atividade
profissional. Não se trata de os alunos possuírem muitas e sofisticadas estratégias,
mas sim desenvolverem a iniciativa e a segurança para adaptá-las a diferentes
contextos, usando-as adequadamente no momento oportuno. (BRASIL, 1999a, p.
251)
2
A partir deste ponto, utilizaremos a expressão ‘enfermeiro docente’ para designar o enfermeiro assistencial
em atividade docente.
22
Os alunos são capazes de aprender. É preciso refletir sobre o que se pode oferecer-
lhes para que desenvolvam suas potencialidades em um ambiente rico e estimulante.
Compete ao enfermeiro docente renovar sua prática pedagógica à luz das suas
próprias reflexões e ter consciência da responsabilidade que lhes é conferida de
formar, preparar alunos capazes de desenvolver o exercício da profissão. (XAVIER,
2006, p. 217)
articulado com múltiplos aspectos dos diferentes conteúdos, visando possibilitar ao aluno a
compreensão ampla desse saber. Pressupõe-se que esses conhecimentos estejam disponíveis
para serem utilizados; no entanto, quando usados como ferramentas nas atividades de
enfermagem, estão imersos em um processo terapêutico3 complexo, que envolve diferentes
profissionais de saúde: médicos, farmacêuticos, enfermeiros assistenciais, técnicos e
auxiliares de enfermagem. Utyama et al. (2014) revelam que, tanto na teoria quanto na prática
da enfermagem, os conhecimentos que envolvem aspectos matemáticos são assustadores para
esse público, não só para quem ensina, mas também para quem aprende.
O Quadro 1 correlaciona alguns dos conhecimentos matemáticos com a prática
clínica de profissionais de enfermagem.
3
Entende-se por processo terapêutico toda intervenção que visa o tratamento de doentes com o objetivo de
restabelecer-lhes a saúde.
24
4
Periódico internacional de medicina interna, que é uma especialidade predominantemente hospitalar,
privilegiando a compreensão do paciente como um todo nas complexas interações dos vários órgãos e
sistemas afetados.
5
Órgão governamental dos Estados Unidos que faz avaliações de medicamentos e equipamentos médicos.
25
Assim como Torres (2014), Santaló (2001) também afirma que a lógica fuzzy, a
teoria dos grafos, a dos fractrais e a das catástrofes são:
[...] teorias cujo futuro ainda é incerto, porém seria interessante buscar nas mesmas
exposições básicas que as fizeram compreensíveis aos possíveis usuários, sem os
conhecimentos matemáticos utilizados em seu tratamento original. Os matemáticos
devem ter o máximo cuidado com o rigor das teorias, porém para as pessoas que
necessitam unicamente de suas aplicações basta uma compreensão intuitiva que lhes
permita ver claramente em que casos e de que maneira podem aplicar-se.
(SANTALÓ, 2001, p. 21-22)
A lógica aristotélica nos diz que tudo é ou verdadeiro ou falso. Uma resposta pode
ser verdadeira ou falsa, porém não pode ser ambas ao mesmo tempo. Esse princípio, que
governa o pensamento lógico desde Aristóteles, nem sempre pode ser aplicado na prática.
Queiramos ou não, evidencia-se existir uma flexibilidade, uma maleabilidade, uma
plasticidade, observa Torres (2014). O esforço de levar essa plasticidade ao campo do formal
fez nascer a lógica fuzzy.
Acentuando as ideias de Santaló (2001) e Torres (2014), D’Ambrosio (1998a) afirma
que o conteúdo matemático, ou seja, as ciências matemáticas, está passando por grandes
transformações e, consequentemente, as pesquisas tendem em novas direções: “A integração
da matemática com outras disciplinas deu origem às biomatemáticas e aos conjuntos fuzzy.
Uma nova matemática começa a se delinear”. No entanto, considera que isso não significa
abandonar alguns temas da matemática clássica: “O desafio é fazer um currículo que seja
moderno, interessante e útil” (D’AMBROSIO, 1998a).
Para ilustrar em poucas palavras seu entendimento, D’Ambrosio apresenta o seguinte
relato:
Quando uma decisão é tomada mediante uma matemática dura, pode ocasionar um
erro que mata as pessoas. Essa matemática dura precisa ser superada por uma
matemática que na verdade é flexibilizada por parâmetros rigorosos, é claro, mas às
vezes esses parâmetros são falhos. Eu não vejo como insistir na matemática dura, e
aí a ideia de considerar no ensino da Matemática a noção de fuzzy. Utilizar a noção
de lógica fuzzy significa dizer que essa matemática dura não pode ser seguida
cegamente. Serviria para desmontar a percepção de que a matemática é exata.
Exemplifico com o problema dos 17 camelos: o pai deixa para o filho metade
daquela herança e deixa para o segundo filho um terço da herança e deixa para o
terceiro filho um nono da herança. Dezessete você vai dividir por dois. Na
matemática dura como você dividirá 17 camelos para dois? Você mata o camelo.
Isso é a natureza. Se fosse um terreno, está certo, mas e os camelos? E aí vem um
sábio que diz: eu te empresto um camelo, ficam 18 camelos; metade é nove, um
terço é seis e um nono é dois. Então você tem 17 camelos. Ninguém conseguiu
resolver com a matemática dura, com a divisão que a matemática exigiria. Você está
usando uma matemática que não é uma matemática dura, poderia chamar de
27
Lidar com situações complexas que envolvem fatores como ambiguidades, incertezas
e informações vagas na resolução de problemas é característica do ser humano.
As primeiras noções da lógica dos conceitos “vagos” foram desenvolvidas em 1920
por um Jan Łukasiewicz (1878-1956), lógico polonês que introduziu conjuntos com graus de
pertinência 0, ½ e 1, mais tarde expandindo-os para um número infinito de valores de 0 a 1.
Seu trabalho forneceu embasamento suficiente para que Lofti Asker Zadeh, professor de
ciências da computação da Universidade da Califórnia, fosse o primeiro a publicar, em 1965,
trabalhos sobre a lógica fuzzy. Zadeh observou que recursos tecnológicos baseados na lógica
booleana não eram suficientes para automatizar atividades relacionadas a problemas de
natureza industrial, biológica ou química.
Chamovitz e Conzenza (2010, p. 1) informam que uma das técnicas que vêm sendo
utilizadas para lidar com sistemas complexos, dentre eles os de saúde e educação, envolve
adoção de modelos baseados em lógica fuzzy, pois permite compreender melhor alguns
aspectos da realidade.
Zadeh (1973) estabeleceu o chamado ‘princípio de incompatibilidade’, ilustrado na
Figura 1, sobre a qual explica:
6
Notas das aulas de ‘Tendências em educação matemática’, ministradas na Universidade Anhanguera de São
Paulo em março de 2013.
28
2ª Prescrição médica:
▪ Atrovent: 1,0 ml.
▪ Berotec: 50 μg/kg, uso inalatório, a critério médico.
▪ Solução fisiológica a 0,9%: 5 ml.
Fonte: Dados da pesquisa.
Geralmente, os livros e apostilas dos cursos de enfermagem não abordam esse tipo
de problema (XAVIER, 2006), mas apenas apresentam a prescrição médica para que os
alunos efetuem os cálculos, sem considerarem a complexidade envolvida na situação.
7
Soro composto de água e glicose.
29
1 mg = 1000 μg
1 l = 1000 ml
1 ml = 20 gotas
1 ml = 60 microgotas
1 gota = 3 microgotas
8
Comunicação pessoal.
31
Bula
Temos 9 g de cloreto de sódio (soluto) em 100 ml de água (solvente), ou seja, cada 100 ml de água contém 9 g
de sal. Na medicação de Lúcia, podemos calcular quantos gramas de sal há em 5 ml:
9g ——— 100 ml
x ——— 5 ml
100 x = 9 5
x = 45/100
x = 0,45 g de sal
(segue)
32
Lembrando que aminofilina é disponível a 2,4% em ampolas de 10 ml, temos, de acordo com as ampolas:
24 g ——— 100 ml
x ——— 10 ml
100 x = 24 10
x = 240/100 = 0,24 g de aminofilina
c) Agora precisamos descobrir quantos mililitros são necessários para haver 65 mg de aminofilina.
10 ml ——— 240 mg
x ——— 65 mg
240 x = 10 65
x = 650/240 = 2,7 ml.
Esse é o volume que deverá ser diluído em 500 ml de soro glicosado a 5%, a ser infundido ao longo de 1 h.
(segue)
33
Berotec: 50 μg/kg:
Neste caso, os 50 μg referem-se ao princípio ativo deste medicamento. Precisamos então recorrer às
informações fornecidas no frasco: cada gota deste medicamento contém 0,25 mg de bromidrato de fenoterol.
(Atenção: Lembremos que Lúcia tem 4 anos e pesa 13 kg.)
Se tomarmos o valor 0,70 no intervalo [0, 1], podemos afirmar que ele “pertence
mais do que menos” ao conjunto dispneia; 0,30, por sua vez “pertence pouco” a esse
conjunto. Dependendo da intensidade da dispneia, podem ser elaborados diversos conjuntos
nebulosos.
No caso de Lúcia, o profissional que atendeu a prescrição arredondou 2,6 gotas para
3, ocasionado mais um problema clínico para a paciente: taquicardia. Não utilizou o
conhecimento de forma flexível, deixando assim de considerar a equação: criança = paciente
especial.
Diante dessa situação, acreditamos que os estudantes, durante sua formação,
deveriam ter contato com situações reais que promovessem reflexão sobre as incertezas e
ambiguidades presentes no cotidiano, a fim de terem oportunidade lidar com a subjetividade
presente na lógica fuzzy.
Santaló (2001) aponta que a questão que se tem formulado à educação matemática é
a de averiguar qual matemática poderia ser útil para as profissões em que a matemática não é
35
um fim, mas sim um meio para seu exercício. Nesse sentido, abordar a noção de lógica fuzzy
poderia ser uma proposta a ser considerada na formação dos profissionais de saúde.
insuficientemente focalizados por uma educação que ainda privilegia saberes fragmentados,
parcelados e compartimentados.
9
Minha dissertação de mestrado, intitulada Da álgebra à enfermagem: um caminho de mão dupla, envolveu
alunos de um curso técnico de enfermagem e profissionais que já atuavam como técnicos. Foi analisada a
produção desses sujeitos a partir de situações-problema criadas a partir da realidade encontrada em um
hospital.
39
de decidir qual é a matemática necessária para as profissões nas quais esta não é um fim, mas
sim um meio para o exercício das atividades.
Tanto na matemática quanto na enfermagem é evidente a existência de estruturas
complexas. Ao prestar assistência aos pacientes, os profissionais de saúde articulam
conhecimentos matemáticos e conhecimentos específicos da enfermagem, cada um dos quais
é individualmente complexo, dada sua não linearidade. Cada caso é único, diferindo de
paciente para paciente, e a compreensão desses conhecimentos não resulta de padrões
preestabelecidos, e sim de suas articulações com os demais conhecimentos.
Cada situação oriunda da realidade da prática clínica diária dos profissionais de
saúde deve ser compreendida como um todo. Por exemplo, ao administrarem um
medicamento, devem utilizar conhecimentos sobre a interação medicamentosa e avaliar os
perigos de súper e subdosagens, ou seja, verificar as dosagens-padrão para adultos e crianças.
Devem também identificar quando a droga deve ser administrada e com que frequência; ler a
embalagem do medicamento para verificar a dosagem indicada; e saber se a droga deve ser
diluída, rediluída ou dissolvida em determinado volume, para realizar os cálculos necessários.
Embora os profissionais costumem trabalhar com a mesma droga diariamente, há
enorme diversidade delas, e nem sempre a medicação a ser utilizada está disponível na mesma
concentração. Podem surgir dúvidas, requerendo double checks10 e a escolha de instrumentos
de cálculo, como calculadora ou papel e lápis. Se estiverem com luvas, torna-se necessário o
cálculo mental. É também preciso identificar o tipo de seringa adequado para cada medicação.
Por fim, é preciso identificar quais drogas o paciente pode receber, calcular os
horários e observar os sinais de sensibilidade do paciente quando várias drogas interagem.
Nesse contexto, encontra-se a matemática permeando uma complexidade de procedimentos
que precisam ser articulados, e não mais evocados isoladamente. Falhar em um desses
processos porá em risco o objetivo maior: a melhora do paciente.
Xavier (2006) ressalta a necessidade de considerar as relações complexas do
conhecimento matemático com seu contexto. Por esta razão, se faz necessário aplicar o
conhecimento a casos oriundos da realidade, pois esta, segundo Morin (2003a, p. 15), “é
capaz de situar qualquer conhecimento em seu contexto e, se possível, no conjunto em que
está inscrito”.
10
Conduta utilizada na enfermagem em que dois ou mais profissionais verificam juntos se os cálculos para a
administração de medicação estão corretos.
40
11
Refere-se a compreender o funcionamento do organismo durante a doença.
46
12
A Academia Americana de Pediatria foi fundada em 1930 por 35 médicos pediatras para trabalhar sobre as
normas de saúde pediátrica. Hoje possui 60 mil membros que atuam em prol da saúde infantil.
47
complexidade dos cálculos, que levam em conta idade, peso e estatura do paciente e diluição e
rediluição dos medicamentos.
Percebemos, portanto, ser considerável a quantidade de conhecimentos matemáticos
utilizados pelos profissionais de saúde em sua prática clínica diária, e é nesse contexto que se
encontra o enfermeiro docente, que tem a responsabilidade social de formar profissionais
críticos que precisam também dominar os cálculos matemáticos básicos. “Estes profissionais
têm, muitas vezes, a vida em suas mãos e devem desempenhar seu trabalho com
responsabilidade” (ANDRADE; SAMPAIO, 2002, p. 1).
Soffner (1992) pesquisou para sua dissertação na área de psicologia a relevância do
fazer e saber dos profissionais de saúde, deparando-se com questões pertinentes ao ensino da
matemática e constatando, com perplexidade, o desconhecimento matemático relatado pelos
próprios sujeitos da pesquisa. Os docentes declararam não se sentir preparados para ensinar
conceitos matemáticos e que seus alunos não têm o conhecimento necessário para lidar com
as situações da prática profissional.
Narchi (1994) frisa que os enfermeiros docentes são os principais responsáveis pela
qualidade do ensino técnico de enfermagem e, se devidamente preparados, estarão aptos a
promover melhorias nessa modalidade de ensino. Embora a pesquisa não focalizasse
diretamente o tratamento da matemática no percurso escolar do enfermeiro docente, a autora
aponta aspectos fundamentais com ele relacionados, ressaltando a necessidade do preparo
para a docência. Ao descrever e avaliar as condições das escolas da rede estadual de ensino de
São Paulo que oferecem cursos técnicos de enfermagem, constatou haver precariedade de
recursos materiais, evidenciando a necessidade de melhor preparo dos recursos humanos
presentes nessas escolas. A pesquisadora sugere indiretamente que para poderem subsistir na
profissão de professores – em geral pouco promissora – os enfermeiros docentes acumulam
funções, atuando também como enfermeiros assistenciais e deixando de investir na formação
continuada necessária a seu crescimento. Apenas um dos coordenadores das 14 escolas
pesquisadas confirmou receber auxílio da instituição para participar de congressos e de
atividades de formação e atualização.
A formação dos enfermeiros docentes é impregnada por essa tendência que separa
sujeito e objeto, razão e emoção, enfermagem e matemática, entre outras polarizações. Tais
argumentações são reforçadas por Behrens13 e Gisi, que, ao abordarem os paradigmas
13
Maria Aparecida Behrens é coordenadora e professora titular de pós-graduação em educação na Pontifícia
Universidade Católica do Paraná e vice-diretora do grupo de pesquisa Paradigmas Educacionais e Formação
de Professores.
48
Para Behrens e Gisi (2006, p. 26), os cursos da área da saúde, bem como das demais
áreas de conhecimento, levam os alunos a acumular conhecimentos teóricos, geralmente sem
qualquer ligação com casos reais da atuação profissional. Ao iniciar suas carreiras, os
clínicos, enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e nutricionistas passam anos
tentando conectar os conhecimentos teóricos adquiridos na graduação, de modo a poderem
atuar em hospitais e clínicas ou como enfermeiros docentes nos espaços escolares.
Behrens e Gisi (2006) reconhecem que os conhecimentos teóricos não podem ser
desprezados, mas precisam ser conectados a casos reais para adquirirem significado, tanto na
formação profissional quanto pessoal dos alunos. Xavier (2006) aponta que a falta dessa
conexão está associada a questões que por vezes ouvimos dos alunos: Por que e para que
aprender determinados conceitos matemáticos? Em quais situações vou aplicar esses
conceitos?
49
Minha responsabilidade foi ensinar o aluno onde fica o coração, como é e como
funciona. Não é minha culpa que hoje ele esteja trabalhando para traficantes de
órgãos. Mas um dia esse pseudomestre irá perguntar: Será que eu não poderia ter
ensinado algo a mais para meus alunos? O fato é que ou se é mestre em sua
totalidade e se fala de tudo, ou se é meramente repetidor de teorias feitas e
congeladas, como num bom CD-ROM. Vejo a nossa responsabilidade indo muito
além da competência disciplinar.
Sabe-se que a crise brasileira da educação e da saúde vem de longa data e continua
presente na sociedade. O índice de desenvolvimento de educação básica (IDEB) 14 divulgado
em 2013 revela que mais de 90% dos estudantes terminaram o ensino médio sem alcançarem
um aprendizado adequado em matemática.
Na saúde, frequentemente nos deparamos com notícias sobre filas de pacientes nos
hospitais e postos de saúde e sobre a falta de leitos e equipamentos, além de carências em
recursos humanos. É nessa realidade que atuam os profissionais de saúde, e formá-los torna-se
um desafio.
Esta pesquisa se desenvolve em um momento em que notícias de morte de pacientes
por erros relacionados à prática dos profissionais de saúde traz ao público um problema que já
vem sendo discutido Brasil e em outros países.
Em Paris, por exemplo, uma criança de seis meses morreu na tarde de 2 de janeiro de
2009 no Hôpital Necker. Segundo o jornal Le Monde (DÉCÈS..., 2009), “Em 1 de janeiro, um
enfermeiro e um auxiliar de enfermagem, responsáveis pelas crianças internadas no berçário
são responsabilizados criminalmente por alterar a velocidade de infusão de um medicamento
em uma criança que estava à espera de um transplante de intestino".
Em Marselha, cidade litorânea da França, uma criança de seis anos encontrava-se no
departamento de oncologia pediátrica do Hôpital de la Timone para tratamento de um câncer
muito agressivo. Informa o jornal Le Monde (MARSEILLE..., 2010): “Morreu em 3 de
fevereiro, devido a sobredose de quimioterapia. A direção do hospital reconheceu o erro de
dosagem de drogas e afirmou terem sido tomadas todas as medidas para reforçar os
procedimentos de segurança. De acordo com o prontuário da criança, o erro de dosagem está
provavelmente relacionado com uma vírgula mal colocada ou mal interpretada, que fez o
profissional administrar 10 vezes a dose terapêutica prescrita, levando a criança à UTI, onde
morreu após alguns dias”.
Também na França, em um hospital em La Rochelle, um paciente morreu devido a
sobredose de morfina: “Uma mulher de 71 anos de idade que sofria de câncer terminal morreu
no final de fevereiro de 2011. Por engano, a enfermeira ministrou uma dose de morfina 10
vezes maior que a normal. A enfermeira deveria ter ministrado 7 mg de morfina em vez de 70
14
Esse indicador, divulgado a cada dois anos, mede a qualidade do aprendizado nacional e estabelece metas
para a melhoria do ensino no país.
51
[...] temos notado, principalmente nos últimos cinco anos, um aumento muito grande
das denúncias, um incremento da ordem de 20% a 25% ao ano. Erros simples que
poderiam ser perfeitamente evitados se esse atendimento tivesse sido realizado com
15
A entrevista completa encontra-se no Anexo C.
52
João Cardoso Palma Filho, então secretário adjunto de educação de São Paulo,
apontou que “os erros não existem só entre auxiliares e técnicos. Ocorrem entre os
profissionais de nível superior”.
Com relação à sobrecarga de trabalho, os entrevistados afirmaram se tratar de um
cenário assustador, pois encontraram em um hospital uma ala com 182 idosos e apenas um
enfermeiro com uma equipe de seis auxiliares e técnicos, quando o ideal, segundo o artigo 5.º
da resolução 189/1996 do COFEn, seria de nove enfermeiros e 18 auxiliares e técnicos.
A repercussão dos problemas identificados pelos presidentes do COFEn, COREn-SP
e COREn-RJ chamaram a atenção de pesquisadores e, no Brasil, estudos estão revelando que
nos hospitais é muito alto o índice de erros na administração de medicação.
Em um estudo mais recente, realizado no primeiro semestre de 2015 pela Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto, analisou-se a
administração de cerca de cinco mil doses de medicação em cinco hospitais públicos,
detectando-se erros em 30% dos casos. Desses equívocos, 77,3% envolveram o horário da
medicação, dada pelo menos 60 minutos antes ou depois do momento devido. O estudo
identificou que os erros de dosagem perfizeram 14,4% dos casos, as trocas na via de
administração 6,1%, o uso de medicamento não autorizado 1,7% e troca de paciente 0,5%
(TEIXEIRA, 2010).
A realidade descrita em reportagens e estudos delineia um problema de abrangência
mundial que, em essência, é um sintoma, e não causa, de uma combinação perigosa: formação
precária, salários baixos e excesso de trabalho. Acreditamos que o problema é de maior
envergadura e se encontra no âmbito das práticas sociais, políticas e econômicas. São
sintomas que refletem modos de pensar e comportamentos.
Frente a essa realidade, os órgãos profissionais e aqueles responsáveis pela educação
não podem esquivar-se. “As instituições de ensino precisam preparar-se para oferecer um
53
A profissão de enfermagem surge com a evolução das práticas de saúde ao longo dos
diferentes períodos da história. Nos primórdios da civilização, tais atividades tinham como
preocupação garantir a sobrevivência e a manutenção, estando tipicamente relacionadas com
o trabalho feminino, caracterizado pela prática do cuidar.
A educação matemática surgiu no século XIX, em resposta a questionamentos sobre
o ensino de matemática. Matemáticos da época preocupavam-se com o modo de tornar os
conhecimentos mais acessíveis aos alunos e buscavam uma renovação no ensino dessa
disciplina.
Para focalizar a evolução histórica dessas duas áreas de conhecimento, bem como a
formação e o exercício dos profissionais de saúde, este capítulo foi organizado em três blocos.
O primeiro reconstitui em linhas gerais a história da enfermagem, bem como seu
exercício resultante de uma formação cujo modelo assistencial é centrado nas tarefas, sob uma
disciplina rígida. Ao longo da sua história, sofreu influências religiosas e militares, o que foi
modelando o perfil da profissão. As práticas de enfermagem se desenvolveram em diferentes
sociedades ao longo da história. Desde o antigo Egito, a Assíria e a Mesopotâmia, passando
pela Grécia e Roma, assim como em âmbitos mais distantes, como China e Japão, a prática do
cuidar esteve ligada a concepções teológicas. Avançamos nas análises até chegar ao Brasil,
tecendo considerações sobre a profissão do enfermeiro assistencial e do enfermeiro docente,
de modo a olhar o fenômeno sem barreiras disciplinares, visando situar o leitor na
complexidade envolvida na área de enfermagem.
O segundo bloco, embora essencialmente descritivo, situa o leitor quanto aos
aspectos legais para o exercício profissional em saúde com base nas orientações e
regulamentações do Ministério da Educação, tendo como destaque a formação do enfermeiro
docente, responsável por disciplinas dos cursos técnicos de enfermagem em nível médio.
O terceiro bloco, dedicado à educação matemática, trata da evolução dessa área
como campo profissional e científico e de sua configuração no cenário brasileiro e
internacional.
56
Segundo Paixão (1979), são poucos os documentos que retratam a enfermagem dos
povos antigos. Aponta que em sua origem a enfermagem envolvia aspectos não só médicos,
mas também sociais e religiosos, registrados em tratados de medicina que nos permitem
formar uma ideia dos tratamentos ministrados a enfermos nesse período.
O povo egípcio foi o que mais deixou documentos sobre medicina. As fórmulas
médicas eram acompanhadas de fórmulas religiosas que o doente deveria recitar enquanto
tomava o remédio. Aquele que preparava a droga também oferecia uma oração aos deuses Ísis
e Hórus, aos quais se atribuía o princípio de todo bem. As abordagens podiam também incluir
o hipnotismo e a interpretação de sonhos. O coração era reconhecido como centro da
circulação; o aparelho respiratório era considerado o mais importante. Em seus documentos
não são porém mencionados hospitais nem enfermeiros.
57
Diferentemente de outras regiões, a medicina em Roma não teve prestígio, sendo por
muito tempo exercida por escravos e estrangeiros. Os serviços de enfermagem eram também
confiados a escravos. Roma distinguia-se de outras partes do mundo pela limpeza das ruas,
ventilação das casas, água pura e abundante e disponibilidade de redes de esgoto.
No cristianismo, ênfase especial foi dada aos cuidados a dispensar a pobres e
enfermos, sob ideais de fraternidade, caridade e autossacrifício. O saber dessa prática
expressava-se em simples procedimentos caseiros, como os cuidados domésticos prestados
por mulheres. Durante os séculos V e VI, houve crescimento do número de hospitais, que até
o século XVIII tiveram caráter de prestar assistência aos pobres. O conhecimento exigido para
o ofício de enfermeiro assistencial se resumia em saber ler e escrever, sendo de competência
médica os esclarecimentos científicos necessários a essa prática.
Figura 4 – Diagrama das causas de mortalidade no exército no Oriente, elaborado por Florence
Nightingale durante a guerra da Crimeia.
Fonte: Rogers (2010).
a saúde passou a constituir uma questão econômica e social e, por pressão externa, o governo
federal assumiu a assistência à saúde com a criação de serviços públicos.
Para atender inicialmente os hospitais militares e civis e, posteriormente, as
atividades de saúde pública, foi criada em 1890, pelo governo, a primeira escola profissional
de enfermeiras, no Rio de Janeiro, junto ao Hospital Nacional de Alienados do Ministério de
Negócios do Interior, hoje denominada Escola de Enfermagem Alfredo Pinto.
O atendente de enfermagem
O auxiliar de enfermagem deve ter concluído o ensino médio e para sua habilitação
profissional de técnico de enfermagem deverá cumprir um curso de educação profissional de
nível médio que atenda o disposto na LDB (BRASIL, 1996) para a educação profissional de
nível técnico.
A resolução 4/1999 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação (CNE-CEB) (BRASIL, 1999b), em seu artigo 1.º, parágrafo único, institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico,
esclarecendo que a educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao
trabalho, à ciência e à tecnologia, objetiva garantir ao cidadão o direito ao permanente
desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social.
A deliberação 8/2000 do CEE-SP (SÃO PAULO, 2000) estipula uma carga mínima
de 1.200 h para a formação do técnico de enfermagem. As atividades desenvolvidas pelo
técnico de enfermagem estão relacionadas aos cuidados básicos de higiene e alimentação e
este estará apto a prestar assistência a pacientes de baixa e média complexidade, podendo
exercer a profissão em laboratórios, clínicas médicas, ambulatórios e maternidades.
De acordo com decreto 94.406/1987, artigo 10, ele desenvolve atividades de nível
médio técnico atribuídas à equipe de enfermagem e sob a supervisão do enfermeiro, prestando
assistência de enfermagem em programas de proteção, de recuperação e de reabilitação da
saúde, visando a satisfação das necessidades básicas do paciente, cabendo-lhe assistir o
enfermeiro:
▪ no planejamento, programação, orientação e supervisão das atividades assistenciais de
enfermagem;
▪ na prestação de cuidados diretos de enfermagem a pacientes em estado grave;
▪ na prevenção e controle das doenças transmissíveis em geral em programas de vigilância
epidemiológica;
▪ na prevenção e no controle sistemático da infecção hospitalar;
67
▪ na prevenção e controle sistemático de danos físicos que possam ser causados a pacientes
durante a assistência de saúde;
▪ participando nos programas e nas atividades de assistência integral à saúde individual e de
grupos específicos, particularmente daqueles prioritários e de alto risco;
▪ participando nos programas de higiene e segurança do trabalho e de prevenção de
acidentes e doenças profissionais e do trabalho;
▪ ministrando medicamentos por via parenteral16.
O enfermeiro assistencial
O artigo 11.º dessa lei dispõe sobre as atividades desenvolvidas pelos enfermeiros
assistenciais, cabendo-lhes:
I. com exclusividade:
§1.º: a direção do órgão de enfermagem integrante da estrutura básica da instituição de
saúde, pública ou privada, e chefia de serviço e de unidade de Enfermagem;
§2.º: A organização e direção dos serviços de enfermagem e de suas atividades técnicas
e auxiliares nas empresas prestadoras desses serviços;
§3.º: o planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços de
assistência de enfermagem;
§9.º: a consulta de enfermagem;
§10.º: a prescrição da assistência de enfermagem;
§11.º: os cuidados diretos de enfermagem a pacientes graves com risco de vida;
§12.º: os cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam
conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas.
II. como integrante da equipe de saúde:
§1.º: participação no planejamento, execução e avaliação da programação de saúde;
§3.º: prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em
rotina aprovada pela instituição de saúde;
§8.º: acompanhamento da evolução e do trabalho de parto;
§9.º: execução do parto sem distócia17;
§10.º: educação visando a melhoria de saúde da população.
17
Distócia é a dificuldade encontrada na evolução de um trabalho de parto, o qual se torna uma função difícil,
impossível ou perigosa para a mãe e para o feto.
69
Art. 1º. O diplomado em curso superior de Enfermagem, parte geral que receber em
estudos regulares a formação pedagógica prescrita para os cursos de licenciatura,
fará jus ao título e ao comprovante de licenciado em Enfermagem.
Parágrafo Único: A formação pedagógica da licenciatura em Enfermagem na
hipótese deste artigo será feita no mesmo ou em outro estabelecimento, desde que
legalmente reconhecido para tanto, e poderá também desenvolver-se paralelamente
ao curso de graduação mediante acréscimo de horas-aulas correspondentes.
A formação pedagógica da licenciatura em Enfermagem na hipótese desse artigo
será feita no mesmo ou em outro estabelecimento, desde que legalmente
reconhecido para tanto, e poderá também desenvolver-se paralelamente ao curso de
graduação mediante acréscimo de horas-aulas correspondentes.
Esta seção visa propiciar ao leitor uma visão geral da evolução da educação
matemática como campo profissional e científico, descrevendo também seu objeto de estudo e
objetivos e suas principais tendências. Segundo Fiorentini e Lorenzato (2001), o educador
matemático é aquele que concebe a matemática como um “meio para educar” e que “objetiva
a formação do indivíduo questionando quais ensinos são adequados e relevantes para essa
formação enquanto campo de conhecimento”.
Os autores explicam que os educadores matemáticos:
18
Esse prêmio, concedido pela International Commission on the History of Mathematics (ICHM) desde 1989,
geralmente por ocasião de congressos, homenageia Kenneth May, fundador da ICHM.
19
Medalha concedida pela International Commission on Mathematical Instruction (ICMI) a pesquisadores com
notável produção ao longo de sua carreira.
72
20
Notas das aulas de ‘Tendências em educação matemática’, ministradas na Universidade Anhanguera de São
Paulo em março de 2013.
74
21
Matemática elementar de um ponto de vista avançado.
22
International Commission on Mathematical Instruction, entidade também conhecida pela sigla alemã IMUK
(Internationalen Mathematischen Unterrichtskommission).
75
23
“Abaixo Euclides”.
76
A partir dos anos 1990, as reuniões anuais do NCTM tornaram-se concorridas, com
cerca de 20 mil participantes, dificultando a interação entre pesquisadores. Decidiu-se então
organizar sessões limitadas inicialmente a cerca de 50 participantes (as chamadas Research
Presessions), restritas a pesquisadores em educação matemática. Pouco depois, a AERA e o
NCTM decidiram unificar suas reuniões de pesquisadores.
Com duração de dois a três dias, as Research Presessions, organizadas conjuntamente
pelo SIG-RME da AERA e pelo RAC do NCTM, têm reunido cerca de 300 participantes.
Todas as intervenções são a convite e cobrem as diversas áreas de pesquisa em educação
matemática. O SIG-RME conta com cerca de 500 membros.
Ao explicitar este histórico, D’Ambrosio (2004) afirma ser possível considerar a
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e a Sociedade
Brasileira de Educação Matemática (SBEM), no Brasil, como tendo objetivos
respectivamente semelhantes aos da AERA e do NCTM. Alguns elementos relativos à
emergência e à organização da pesquisa em educação matemática estabelecem as
similaridades entre a trajetória internacional e a brasileira.
77
3 PERSPECTIVAS TEÓRICAS
Considerações iniciais
Este capítulo está organizado em três seções e reúne a fundamentação teórica que
sustentará argumentos para a condução da investigação e análise dos resultados.
A expansão dos cursos técnicos na área da saúde levou o enfermeiro a somar às suas
atribuições a docência, unindo seu conhecimento assistencial à carreira de professor.
Considerando o contingente cada vez maior de profissionais de saúde absorvidos pelo
mercado de trabalho e a constante necessidade de formação, se faz necessária uma reflexão
sobre os conhecimentos desses professores e as realidades específicas de seu trabalho
cotidiano.
Um dos questionamentos explicitados durante o desenvolvimento deste estudo
refere-se aos conhecimentos que fazem ou deveriam fazer parte da formação do enfermeiro
docente, para que este possa associá-los aos procedimentos de enfermagem em sua prática
profissional.
É oportuno, neste momento, esclarecer o que entendemos por ‘saber’ e
‘conhecimento’. A tradução do termo inglês knowledge admite tanto a acepções de ‘saber’
quanto de ‘conhecimento’ (HOUAISS, 1982). No Dicionário do Aurélio online (FERREIRA,
[s.d.]), por sua vez, ‘saber’ e ‘conhecimento’ constam como sinônimos. Entretanto, a
literatura de pesquisa em educação matemática traça uma distinção entre os dois termos:
enquanto o saber está relacionado ao plano histórico da produção de uma área disciplinar, o
conhecimento é considerado mais próximo ao fenômeno da cognição, estando submetido aos
vínculos da dimensão pessoal do sujeito empenhado na compreensão de um saber. Nesse
âmbito de estudo, ‘conhecimento’ é termo frequentemente associado a uma perspectiva
epistemológica mais “objetivista”, que o concebe como algo externo que deve ser atingido
79
pelo indivíduo, enquanto ’saber’ é associado a uma perspectiva mais “subjetivista”, que o
relativiza em relação ao próprio sujeito (PAIS, 2001).
Sendo assim, os termos ‘saber’ e ‘conhecimento’ não serão tratados como sinônimos
neste texto. Segundo as observações de Pais (2001), a distinção entre eles não é apenas
questão de semântica; destacar essa diferença enfatiza a essência da atividade didática, que
consiste no trato da passagem do horizonte subjetivo ao plano objetivo da ciência.
Adotando a perspectiva presente em obras de Morin, adotaremos a palavra ‘saber’
para nos referirmos ao saber institucionalizado. Trata-se do saber conhecido, dominado e
ensinado nas escolas e universidades. Quanto ao conjunto de aportes teóricos de Shulman e de
Ball, knowledge será aqui traduzido como ‘conhecimento’. Pretendemos com essa
diferenciação contribuir para a clareza das exposições subsequentes.
A primeira seção deste capítulo traz considerações sobre os saberes necessários no
contexto da educação geral e, para promover essa reflexão, faremos alusão à teoria da
complexidade, elaborada por Morin, pois acreditamos que a associação dos procedimentos
matemáticos aos procedimentos de enfermagem é marcada pela complexidade e envolve
interconexões que, como destaca Munné (1995), são ao mesmo tempo individuais, sociais e
ambientais.
Petraglia (2011) constatou que a partir de 1988 Morin dedicou-se com afinco à
educação e a assumiu com responsabilidade cidadã e planetária. Para esta investigação, as
colocações até então expressas por Morin sobre educação e a fragmentação do pensamento,
das disciplinas e da formação de professores tornaram-se um ponto de partida necessário para
compreendermos a formação dos profissionais de saúde, permitindo-nos supor que possíveis
fragilidade na formação do enfermeiro docente podem estar relacionadas à fragmentação e à
organização do conhecimento. O pensamento complexo integra os múltiplos dados e ângulos
de abordagem de um mesmo problema e, para lidar com esse pensamento, é preciso que as
fontes de conhecimento se interliguem, em vez de se compartimentalizarem.
Para lidar com a complexidade e as incertezas presentes em situações oriundas da
realidade, é preciso reconhecer que o processo cognitivo é flexível e permitir que o seja. A
necessidade de flexibilidade cognitiva na prática profissional do enfermeiro docente tem
aproximação aos pressupostos da teoria da flexibilidade cognitiva (TFC), proposta por Rand
Spiro, professor de psicologia educacional, e seus colaboradores na década de 1980. Essa
teoria está fundamentada no construtivismo e preocupa-se em preparar os alunos para
selecionar, adaptar e combinar o conhecimento e a experiência para aplicação em situações
80
Na segunda seção, abordaremos alguns princípios da TFC, que tem por objetivo dar
respostas às dificuldades na construção de conhecimentos em domínios pouco estruturados e
complexos, como a enfermagem, o que em grande medida pode contribuir para a formação do
enfermeiro docente.
“A metáfora mecanicista”, visão mecanicista de mundo vigente desde o século XVII,
“tem sido dominante para o entendimento da natureza da sociedade e das organizações”
(TORRES, 2014, p. 13). O racionalismo concebeu uma realidade objetiva governada por leis
físicas e matemáticas exatas, e as teorias de Descartes edificaram o conhecimento universal
pela razão, sustentando-se em quatro princípios, com o objetivo de alcançar a sabedoria:
Primeiro princípio: de nunca receber coisa alguma como verdadeira, desde que não
se evidenciasse como tal.
Segundo princípio: de dividir as dificuldades que se tem que examinar em tantas
parcelas quantas forem necessárias para compreendê-las.
Terceiro princípio: conduzir meus pensamentos iniciando pelos objetos mais
simples e mais fáceis de serem conhecidos para subir pouco a pouco, como degraus,
até os conhecimentos mais compostos, e supondo certa ordem mesmo entre aqueles
que não precedem naturalmente uns aos outros.
Quarto princípio: realizar enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que eu
estivesse seguro de nada haver omitido. (DESCARTES, 2011, p. 34)
Tais princípios revelam uma concepção de que o conhecimento é algo a ser adquirido
de forma linear e parcelar, partindo do mais simples para o mais elaborado, embora em seu
Discurso do método Descartes alerte que seu propósito não é ensinar um método que cada um
deva seguir para bem conduzir sua razão, mas sim mostrar como ele conduziu a sua.
Mariotti (2008), médico e psicoterapeuta, entende que:
Quando diante de uma ideia ou perspectiva nova nos virmos na defensiva, é bem
provável que nosso ego esteja sendo posto à prova e nos agarremos à lógica linear e
às suas ferramentas clássicas: a crítica incessante e os julgamentos a priori
81
Ressalta também que, embora finjamos, sabemos que a lógica linear não é a única
possível, ainda que estejamos acostumados a aplicá-la a tudo:
tecem sobre educação e pelo impacto que suas críticas e sugestões causam no âmbito
acadêmico.
Através da Internet, os alunos podem ter acesso a todo tipo de saber sem a presença
de um professor. Então eu pergunto: o que faz necessária a presença de um
professor? Ele deve ser o regente da orquestra, observar o fluxo desses saberes e
elucidar as dúvidas dos alunos. Por exemplo, quando um professor passa uma lição a
um aluno, que vai buscar uma resposta na Internet, ele deve posteriormente corrigir
os erros cometidos, criticar o conteúdo pesquisado. É preciso desenvolver o senso
crítico dos alunos. O papel do professor precisa passar por uma transformação, já
que a criança não aprende apenas com os amigos, a família, a escola. Outro ponto
83
Com relação ao uso da internet, D’Ambrosio concorda com Morin, salientando que
não há como dela escapar:
Na mesma entrevista, Morin (apud RANGEL, 2014) salienta é que “é preciso educar
os educadores” e que estes “precisam sair de suas disciplinas, para dialogar com outros
84
campos de conhecimento”. Considera que esta é uma evolução que ainda não aconteceu,
porém, as questões formuladas em suas obras, mais que uma reflexão, representam uma
oportunidade ímpar de compreender os nós provenientes de uma formação que prioriza a
fragmentação dos conhecimentos.
Ao tratar dos desafios da contemporaneidade, afirma ser cada vez mais ampla,
profunda e grave a inadequação entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados
entre disciplinas e, por outro lado, as realidades ou problemas cada vez mais
multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários
(MORIN, 2000, 2003a,b; ALMEIDA; CARVALHO, 2007). No conjunto de suas obras,
enfatiza a importância de se discutir sobre o conhecimento fragmentado em áreas específicas,
que leva à perda de visão do todo.
Morin considera que nosso conhecimento é fragmentado em áreas específicas e,
portanto, não temos visão do todo (ALMEIDA; CARVALHO, 2007). A este processo Morin
denomina ‘hiperespecialização’, que impede de ver o global ao fragmentar em parcelas o
essencial. Sabendo-se ainda que os problemas essenciais nunca são parceláveis e que os
problemas globais são cada vez mais essenciais, faz-se necessário contextualizar o
conhecimento obtido. O autor frisa que o desafio da globalidade é também um desafio da
complexidade. Considera que:
Estabelecer uma articulação entre as disciplinas não requer, porém, que se descarte o
que foi por elas criado. Para Morin (ALMEIDA; CARVALHO, 2007, p. 51), a abertura se faz
necessária: “Para que servem os conhecimentos parcelares se não podemos confrontá-los uns
com os outros, a fim de formar uma configuração capaz de responder às nossas expectativas,
necessidades e interrogações cognitivas? ”. Essa indagação mostra que para se conseguir
efetivamente articular os saberes da enfermagem e os saberes matemáticos precisamos
repensar a formação do enfermeiro docente, empreendendo uma reflexão mais profunda sobre
sua formação.
Esses sete saberes correspondem, segundo o autor, aos sete “buracos negros”
existentes no sistema de educação francês, não apenas no ensino secundário ou na
universidade, mas em todas as modalidades de ensino ali praticadas.
Ensinar àqueles que irão se defrontar com o mundo onde tudo passa pelo
conhecimento, pela informação veiculada em jornais, livros, manuais escolares,
internet. É necessário ensinar que o conhecimento comporta sempre riscos e ilusões,
88
e tentar mostrar quais são suas raízes e causas [...]. (ALMEIDA; CARVALHO,
2007, p. 85)
Morin (2003a, p. 21) recorre ao pensamento de Montaigne de que “mais vale uma
cabeça bem-feita que bem cheia” para explicar que, a primeira não é uma cabeça na qual o
saber é simplesmente acumulado, e sim associado a uma aptidão geral, de inteligência, apta a
colocar e tratar os problemas de maneira organizada, permitindo estabelecer ligação entre os
saberes e dando-lhes sentido:
Acrescenta que “a inteligência geral deve ser utilizada para despertar a curiosidade e
a criatividade, aspectos que têm sido mutilados pela instrução” (MORIN, 2003a, p. 22).
Não se trata de apenas separar o conhecimento em fragmentos ou adicionar mais
informações. Na verdade, o problema repousa na organização dos saberes. O conhecimento é
realmente conhecimento enquanto organizado. Para ilustrar essa assertiva, Morin (2003a, p.
16) apresenta uma indagação de T. S. Eliot:
Exercitar a compreensão é relevante, mas por outro lado “é mais importante estudar a
incompreensão, pois enfocaria não os sintomas, mas as causas do racismo, da xenofobia, do
desprezo. Constituiria, ao mesmo tempo, uma das bases mais seguras da educação para a paz,
à qual estamos ligados por essência e vocação” (MORIN, 2000, p. 93-104).
As instituições de ensino são caracterizadas pela incompreensão, por disciplinas que
brigam entre si, departamentos que não se entendem mutuamente, áreas de conhecimento que
não dialogam com as demais. Seria então preciso introduzir o ensino da compreensão nas
unidades de ensino, em qualquer nível em que ela se exerça. Morin (2000) vai além, frisando
que o planeta precisa também de mais compreensão, pois o que o caracteriza é a
incompreensão, em todos os cenários – políticos, econômicos, ideológicos. Explicita
chamando atenção sobre a diferença entre comunicação e compreensão:
Considera ser preciso unir esforços para que, em todos os níveis educativos, se
desenvolva o conhecimento da compreensão, e conclui afirmando que a grande inimiga da
compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la.
91
Todo o nosso ensino tende para o programa, ao passo que a vida exige estratégia e,
se possível, serendipididade e arte. É justamente uma reversão de conceito que
deveria ser efetuada a fim de preparar para os tempos de incerteza. (MORIN, 2000,
p. 62)
A tônica deste saber é educar para a era planetária. Em outras palavras, é primordial
saber para onde caminha o planeta. Morin (2003b) destaca que educar para a era planetária
significa questionar se nosso sistema de ensino tem essa capacidade, pois está calcado na
separação de conhecimentos, em disciplinas que fracionam e não se comunicam. Aprendemos
a analisar, a separar, mas não aprendemos a relacionar, a fazer com que as coisas se
comuniquem. O tecido comum que une os diferentes aspectos de cada disciplina, dos
conhecimentos em cada disciplina, se torna totalmente invisível. Para exemplificar, Morin
utiliza a economia, explicando que é uma ciência extremamente precisa, baseada no cálculo, e
que ignora os sentimentos, as paixões humanas. Nesta ciência, porém, não há somente
economia; há também desejos, medo, crenças e política. Tudo está ligado, não só na realidade
humana, como também na realidade planetária. Assim, Morin alega que nosso sistema de
ensino é inadequado por ser incapaz de conceber a complexidade – “aquilo que é tecido
junto” (MORIN, 2003b, p. 14) –, ou seja, é incapaz de conceber as numerosas ligações entre
os diferentes aspectos do conhecimento.
Em palestra sobre a educação na era planetária, Morin argumenta que “as disciplinas
de cálculo ignoram a humanidade dos sentimentos e da vida concreta. Por isso, não devemos
pensar que o melhor conhecimento é aquele que se exprime pelo cálculo. Devemos usar os
cálculos, mas, há outros modos que escapam ao cálculo e que é necessário ensinar. Então, o
contexto é que situa uma parte na totalidade em que ela está inserida, mas também a parte no
todo” (MORIN apud TV CULTURA, [s.d.]).
93
saúde, por outro lado assumem também a responsabilidade de formar enfermeiros docentes
com habilidades e competências para bem desenvolver seu trabalho.
Nesse sentido, Braga e Bôas (2014, p. 258) consideram que os ensinos de
enfermagem e educação devem caminhar juntos, fundamentados em uma “estreita relação
entre a escola e os serviços de saúde, ambos com a finalidade de trabalhar constantemente
para a melhoria da qualidade da assistência prestada aos usuários do serviço”.
Merighi (1998), apoiando-se em Ribeiro, Cietto, Pereira, Minzoni e Sati, sustenta
que:
A grande queixa dos enfermeiros é que a teoria nem sempre se aplica à prática
profissional. Os docentes de enfermagem são rotulados de teóricos, fora da realidade
profissional, e o trabalho dos enfermeiros de campo é classificado como "rotineiro".
A grande queixa dos docentes é que não é possível melhorar o ensino sem boa
qualidade do cuidado de enfermagem. Este fato traz consequências graves para a
enfermagem como profissão: desprestígio e vulnerabilidade, causadas pela situação
conflituosa entre ensino e assistência. (MERIGHI, 1998, p. 81)
Tal constatação parece apontar para um saber fragmentado, que pressupõe relações
dicotômicas: teoria versus prática, ensino versus serviço e outras. A fragmentação transforma
os sujeitos em objetos, e Freire (1983), com relação ao conhecimento do indivíduo, nos diz:
Diante do exposto, poderíamos nos perguntar: afinal, qual o caminho para superar as
relações dicotômicas? Um caminho proposto por Freire (1983, p. 34) é o diálogo que tem por
finalidade a problematização. Promover um diálogo em torno do conhecimento científico,
técnico ou oriundo da experiência visa possibilitar “a problematização do próprio
conhecimento e a indiscutível relação com a realidade, para melhor compreendê-la, explicá-la
e transformá-la”. O autor exemplifica essa assertiva com o seguinte exemplo:
Se 4 × 4 são 16, e isto só é verdadeiro num sistema decimal, não há de ser por isto
que o educando deve simplesmente memorizar que são 16. É necessário que se
problematize a objetividade desta verdade em um sistema decimal. De fato, 4 × 4,
sem uma relação com a realidade, no aprendizado sobretudo de uma criança, seria
uma falsa abstração. Uma coisa é 4 × 4 na tabuada que deve ser memorizada; outra
coisa é 4 × 4 traduzidos na experiência concreta: fazer quatro tijolos quatro vezes.
Em lugar da memorização mecânica de 4 × 4, impõe-se descobrir sua relação com
um fazer humano. (FREIRE, 1983, p. 34)
95
No ensino superior, pensamos em uma formação que não tem como mero objetivo a
memorização de técnicas e tampouco uma prática pedagógica centrada em catequização. A
pouca estruturação e a reduzida complexidade são, no entanto, características habitualmente
correlacionadas que permeiam o processo de ensino–aprendizagem na universidade.
A esse respeito, Pessoa e Nogueira (2009) argumentam, a partir de escritos de Spiro
et al., que os objetivos da aprendizagem no ensino superior deixam de ser unicamente a
memorização e a reprodução de conceitos, para passarem a ser o domínio de aspectos
importantes da complexidade, ao mesmo tempo que se visa sua utilização na compreensão e
intervenção na realidade. Em nosso entender, visa-se então que os alunos adquiram uma
compreensão aprofundada das matérias, reflitam sobre elas e, sobretudo, sejam capazes de
utilizar o conhecimento de forma flexível em diversos contextos.
97
Essa formação deve, em nosso ponto de vista, estar direcionada às formas de pensar
de forma reflexiva. Concordamos com Pessoa (2011, p. 347) em que pensar de forma
reflexiva “é ser capaz de olhar situações considerando várias perspectivas, compreendendo a
complexidade de forma não linear, mas flexível”.
Segundo D’Ambrosio (2002), o ciclo de aquisição do conhecimento é deflagrado a
partir de fatos da realidade. Desse modo, a construção do conhecimento matemático pode ser
mais eficiente se emergir de fenômenos que tenham origem na realidade. Assim, a
exploração, no ensino, de situações da vida real em que a matemática se aplica pode tornar o
processo de ensino e aprendizagem de matemática mais dinâmico.
Para Vergnaud (1997), toda situação está relacionada a conceitos que não são
isolados, mas que compreendem uma série de instâncias que envolvem o sujeito em
aprendizagem quanto à evolução dos processos cognitivos. Isso ocorre porque, quando o
sujeito emite uma resposta, há uma relação com suas experiências, com o contexto em que
vive, visto que o conceito não existe isolado em determinada situação, mas envolve a vivência
de várias situações. Assim, um conceito é adquirido pelo sujeito por meio de diversas
situações e diante de problemas a serem resolvidos. Vergnaud (1997, p. 9) indaga “quais tipos
de situações se encontram na realidade e que deveriam ser introduzidos na sala de aula para
fazer com que os conceitos matemáticos sejam mais significativos”.
Certamente é impossível abordar os conceitos matemáticos em todos os seus
possíveis contextos. Na verdade, no âmbito desta pesquisa, acreditamos ser necessário
explorar situações de aprendizagem para que os enfermeiros docentes, em sua formação,
disponham das condições necessárias para desenvolver o conhecimento matemático e, ao se
depararem com uma situação nova, possam avaliá-la e julgá-la de acordo com a realidade que
vivenciam.
As condições necessárias às quais nos referimos estão relacionadas ao que
D’Ambrosio (2005, p. 107) considera um sistema de instrução de sucesso:
Pessoa (2011, p. 354) explica que utilizar múltiplas perspectivas de uma dada situação “é
uma das mais importantes recomendações da teoria da flexibilidade cognitiva”, pois
permite empregar o conhecimento de várias formas e em diferentes contextos.
Assim, as representações do conhecimento que possuam múltiplas relações entre aspectos
diferentes conduzem os sujeitos a perspectivas diversificadas desse conhecimento,
permitindo a inclusão da complexidade. Somente a partir dessa riqueza cognitiva é que o
conhecimento poderá ser reestruturado e o novo conhecimento ser construído e aplicado a
diferentes contextos (SPIRO et al., 1987).
▪ Centralizar o estudo nos casos: Isso permite analisar os diversos conceitos envolvidos em
diferentes momentos, ou seja, a instrução precisa ser baseada em casos e enfatizar a
construção do conhecimento, e não a mera transmissão de informações. Considerando que
a flexibilidade cognitiva, segundo Carvalho (2000, p. 173) “é a capacidade que o sujeito
tem de, perante um problema, reestruturar o conhecimento para resolver a situação (ou o
problema) em causa, com o objetivo de aplicar os conhecimentos em novas situações”,
Spiro e seus colaboradores desenvolveram uma metodologia de ensino centrada em casos
que são tratados como uma paisagem, explorados em várias direções, sendo as
características dessa paisagem observadas e analisadas segundo diferentes perspectivas.
O termo ‘paisagem’, a orientação teórica e os procedimentos empíricos utilizados por
Spiro e seus colaboradores foram inspirados pelo filósofo Ludwig Wittgenstein, em sua
obra Investigações filosóficas (Spiro et al., 1987), em cujo prefácio Wittgenstein (1999, p.
25) refere-se às abordagens de diversos assuntos como uma “travessia de uma paisagem
em várias direções”. Spiro et al. (1987) servem-se dessa metáfora para descrever como o
conhecimento em domínios pouco estruturados deverá ser representado, ou seja, o
conhecimento de uma paisagem só poderá ser completo se esta for analisada utilizando-se
diferentes pontos de vista.
Desse modo, para que um caso complexo tal qual uma paisagem possa ser compreendido
sob os vários aspectos que o compõem, estes devem analisados em diferentes contextos,
observados sob diferentes pontos de vista e cruzados sob várias orientações e com
diferentes finalidades. Essa técnica, por sua flexibilidade, permitirá ao sujeito um
crescente domínio na construção flexível do conhecimento (SPIRO et al., 1987).
100
▪ Aplicar o conhecimento a casos concretos: Esta teoria centra-se em casos que são
analisados ou desconstruídos segundo múltiplas perspectivas, temas ou pontos de vista. O
caso em análise é dividido em pequenas unidades denominadas minicasos e pressupõe
dois processos de aprendizagem: o de desconstrução e o de travessias temáticas. No
primeiro, cada minicaso é analisado e desconstruído segundo várias perspectivas (ou
temas); nas travessias temáticas parte-se de um tema ou combinação de temas e
selecionam-se os minicasos de diferentes casos em que esse tema está presente. Para que
ocorra flexibilidade cognitiva é preciso dar ênfase a situações concretas, em vez de
conhecimentos abstratos. Os casos a que os autores se referem não são abstratos, irreais
ou apenas ilustrativos, mas propõe-se que se trabalhe com casos concretos, em seus
contextos reais, com toda a complexidade que os caracteriza em suas múltiplas
especificidades e detalhes (SPIRO et al., 1987).
Em uma metodologia tradicional, os casos são apresentados apenas como exemplos e
tenta-se construir o conhecimento a partir de generalizações e de exemplos isolados. Em
outra direção, a TFC propõe que o conhecimento seja construído a partir do contato com
diversos casos oriundos da realidade e relacionados uns aos outros.
É precisamente neste ponto que o estudo desenvolvido por Spiro e seus colaboradores se
mostra relevante para esta pesquisa. Significa supor que a compreensão de um conceito é
verificada quando alunos e professores conseguem identificar as conexões existentes
entre os conceitos matemáticos e os procedimentos de enfermagem, percebem que estão
trabalhando com os mesmos objetos matemáticos em contextos diferentes e são capazes
de associá-los e encará-los de diferentes maneiras.
Para o desenvolvimento da flexibilidade cognitiva, Pessoa (2011) afirma que o
conhecimento que tem de ser utilizado de muitas formas, e de forma flexível em muitas
situações ou casos, não pode ser compartimentado. Acrescenta que para o
desenvolvimento da tão almejada flexibilidade cognitiva “o conhecimento deve ser
reunido de forma flexível de múltiplas fontes, estando estas não em compartimentos
estanques, mas altamente inter-relacionadas” (PESSOA, 2011, p. 354).
Spiro et al. (1987) afirmam que a linearidade gera problemas quando a informação tratada
é simples e bem-estruturada. No entanto, essa linearidade causa problemas em
aprendizagens avançadas em áreas como história, medicina, crítica literária e nas
dinâmicas pedagógicas do ensino superior identificadas pelos teóricos como domínios
101
situações. Dessa forma, Spiro et al. (1988) propõem que se evite o excesso de simplificação e
compartimentação e que se utilizem múltiplas representações.
As considerações dos autores acima focalizados permitem dizer que a aprendizagem
ocorre quando os conhecimentos anteriores são adicionados uns aos outros e são incorporados
à nova situação. Um domínio pouco estruturado caracteriza-se pela não uniformidade, pela
não linearidade, pela dependência em relação ao contexto e pela ausência de um leque de
características precisamente definidas que se prestem à confecção de classificações e
categorizações rigorosas.
Segundo Spiro et al. (1991a,b), os domínios pouco estruturados apresentam as
seguintes características:
1. Cada caso ou exemplo de aplicação de conhecimento envolve a participação interativa e
simultânea de múltiplas estruturas conceituais, múltiplos esquemas, múltiplas
perspectivas e múltiplos princípios organizacionais. Cada caso é individualmente
complexo.
2. O padrão de incidência e interação conceitual varia substancialmente de caso para caso.
Tal noção de conhecimento matemático para o ensino (BALL; BASS, 2009, 2003;
BALL; THAMES; PHELPS, 2008; HILL; BALL; CHILLING, 2008) recebeu influência dos
trabalhos de Shulman e da noção de conhecimento pedagógico de conteúdo, complementando
essas noções a partir de aspectos observados na prática de sala de aula. Os estudos de Ball e
seus colaboradores conduzem a um “refinamento para o popular conceito de ‘conhecimento
pedagógico do conteúdo’ e ao conceito mais amplo de ‘conhecimento de conteúdo para o
ensino’” (BALL; THAMES; PHELPS, 2008, p. 390):
25
Optamos por adotar as siglas que identificam as categorias do modelo proposto por Ball e seus colaboradores
de acordo com original, correspondendo, portanto, às expressões em língua inglesa: SCK: specialized content
knowledge; CCK: common content knowledge; HCK: horizon content knowledge; KCT: knowledge of
content and teaching; KCS: knowledge of content and students; KCC: knowledge of content and curriculum.
107
▪ O conhecimento comum do conteúdo (CCK) não é exclusivo dos professores, mas outros
profissionais com formação matemática também o têm e o utilizam. Diz respeito à capacidade
de resolver problemas matemáticos corretamente e de identificar uma resposta errada.
Assim, o professor precisa conhecer o conteúdo que ensina para, por exemplo, ser capaz
de reconhecer se a solução dada por um aluno está correta ou não, se uma definição
apresentada em um texto didático é inconsistente ou não, e ser capaz de usar corretamente
a linguagem e os símbolos matemáticos. O termo ‘comum’ indica não se tratar de um
conhecimento exclusivo do professor nem da tarefa de ensinar, embora não se refira a um
conhecimento que todas as pessoas tenham.
o que está sendo ensinado e o que eles acharão confuso; de prever o que os alunos
acharão interessante ou motivador ao se escolher um exemplo, assim como prever o que
eles serão capazes de fazer com facilidade e com dificuldade ao se propor uma atividade.
Os professores devem ser capazes de escutar e interpretar o pensamento incompleto que
está emergindo dos alunos e é expresso em linguagem ainda imprecisa. Cada uma dessas
habilidades exige interação entre a compreensão dos conteúdos matemáticos específicos e
familiaridade com a maneira de pensar matematicamente dos alunos. Uma tarefa central
do professor é o conhecimento das concepções e das concepções equivocadas dos alunos
sobre conteúdos matemáticos específicos.
Ao final deste capítulo, cabe explicitar que nossa busca por fundamentação não se dá
por concluída. Na medida em que não há como conhecer um fenômeno complexo se as
disciplinas são tratadas isoladamente, os pressupostos da TFC, os estudos de Shulman e de
Ball e sua equipe sobre os conhecimentos docentes, os instrumentos adequados para um
sistema de instrução descritos por D’Ambrosio e os saberes e pressupostos sobre
complexidade descritos por Morin servirão de farol para iluminar as análises e os caminhos
rumo à compreensão da formação do enfermeiro docente e das articulações entre matemática,
enfermagem e outras áreas do conhecimento, acreditando que, neste âmbito, existe um
problema a ser confrontado por pesquisadores.
110
qualitativos tendem a analisar seus dados de forma indutiva, ou seja, a direção da pesquisa só
começa a se estabelecer após a coleta dos dados e o tempo vivenciado com os sujeitos de
pesquisa. Não se trata de montar um quebra-cabeça cuja forma final se conhece
antecipadamente.
Sobre a forma indutiva de analisar os dados, Lüdke e André (1986, p. 13) esclarecem
que:
▪ Visão a descoberta: O pesquisador deve estar atento aos elementos novos que
poderão emergir durante o processo de investigação. É uma característica que se
fundamenta no pressuposto de que o conhecimento não é algo acabado, mas uma
construção em constante mudança. Assim, o pesquisador estará sempre buscando
novas respostas e novas indagações no decorrer da pesquisa.
▪ Realidade: Busca-se retratar a realidade de forma completa e profunda. O
pesquisador focaliza a situação como um todo, ao tentar revelar a multiplicidade
de dimensões presentes em uma situação.
▪ Pontos de vista: Procura representar os diferentes, e às vezes conflitantes, pontos
de vista presentes em uma situação social. Quando a situação estudada suscita
opiniões divergentes, o pesquisador procura trazer para o estudo essa
divergência, revelando seu próprio ponto de vista sobre a questão (LÜDKE;
ANDRÉ, 1986, p. 18-20)
Na mesma direção, Chizzotti (2006, p. 136) aponta que “um caso pode ser único ou
abranger diversos casos individuais ou um coletivo de pessoas para analisar uma
particularidade”. Enfatiza que o pesquisador, ao utilizar o estudo de caso, não visa
generalização, embora nada impeça que faça analogias com casos similares.
Adotando esse referencial, tomamos como caso um grupo de profissionais de saúde,
para que fosse possível compreender e interpretar o objeto estudado.
113
O contexto desse estudo é constituído por três instituições escolares que oferecem
cursos de formação em enfermagem em nível de ensino médio na cidade de São Paulo.
Os obstáculos nesta fase da pesquisa foram semelhantes aos descritos por Barato
(2003, p. 61):
[...] Franquear o acesso a informações e documentos para pessoas que não são
diretamente envolvidas na prestação da assistência, exceto nos casos previstos na
legislação vigente ou por ordem judicial. (IBGS, 2014, p. 98).
Além disso, alegaram que o assunto a ser tratado era delicado e o momento era
inoportuno, pois a atuação dos profissionais de saúde (enfermeiros assistenciais, docentes e
técnicos) está, de modo geral, em evidência nos meios de comunicação, por problemas de
toda ordem.
Apesar das dificuldades encontradas, encontramos em três instituições um clima
propício de confiança e cooperação, e estas sinalizaram interesse e disponibilidade em
114
contribuir com a pesquisa. Sendo assim, o primeiro critério de escolha, no que tange à
instituição, se deu pela receptividade, cooperação e disponibilidade.
Para não identificar as instituições, as designaremos com letras (A, B, C) (Quadro 6).
Em cada uma, entregamos ao responsável uma carta solicitando autorização para realizar a
pesquisa junto ao corpo docente. Todos os enfermeiros docentes envolvidos no processo de
investigação receberam e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, contendo
informações sobre possíveis riscos e benefícios e garantindo o anonimato dos participantes
(nesta pesquisa e em todos os materiais e exposições subsequentes dela gerados) e
assegurando que nenhum outro membro da escola terá acesso às informações coletadas. Todas
as informações obtidas por meio dos instrumentos de pesquisa foram analisadas apenas pela
pesquisadora e seu orientador.
4.3.3 As entrevistas
Em termos gerais, o questionário é uma ferramenta útil para coletar dados, mas pode
se transformar em um instrumento de alienação [...]. [...] O pesquisador deve ter
clara a consciência de que a relação com o entrevistado precisa ser de sujeito a
sujeito e não de sujeito a objeto. Nenhum ser humano pode desenvolver-se com a
existência de relações instrumentais.
Não exige que a pessoa entrevistada saiba ler e escrever; oferece flexibilidade, pois
o entrevistador pode esclarecer o significado das perguntas e adaptar-se mais
facilmente às pessoas e às circunstâncias em que se desenvolve a entrevista;
possibilita captar a expressão corporal do entrevistado, bem como a tonalidade de
voz e ênfase nas respostas; há possibilidades de conseguir informações mais
precisas, podendo ser comprovadas, de imediato, as discordâncias; possibilita a
obtenção de dados referentes aos mais diversos aspectos da vida social, como
também a obtenção de dados em profundidade acerca do comportamento humano;
os dados obtidos são suscetíveis de classificação e de quantificação.
118
Quadro 8 – Matriz dos dados obtidos das entrevistas com os enfermeiros docentes.
Categorias Subcategorias Explicitação de significados
I: Ser professor Motivação para o Afinidade.
exercício da Fonte de renda.
docência Flexibilidade de horário.
Prazer em ser professor.
II: Concepções Inquietações Precariedade da formação para docência.
sobre a formação Formação para assistência considerada adequada.
docente e O estágio para docência é uma atividade instável e não exigente.
assistencial
Desencontros de objetivos dos cursos de graduação e pós-graduação
para a docência.
III: Matemática e Preocupações Formação precária dos alunos nos níveis fundamental e médio e o
enfermagem no presentes e conteúdo matemático.
curso de formação práticas Dificuldades dos docentes do curso técnico de enfermagem.
de auxiliares e pedagógicas em O espaço da matemática.
técnicos de uso
A fragmentação das disciplinas.
enfermagem
As atitudes.
Os entraves curriculares.
IV: Diferentes Necessidades no Suprir a insuficiência do conhecimento matemático na graduação,
olhares sobre o processo de considerando suas consequências para o exercício na assistência.
processo de formação em Rever as práticas pedagógicas dos docentes de nível superior de
formação do enfermagem enfermagem e suas consequências: sentimentos de medo, fracasso e
profissional em inibição.
nível superior de A necessidade de articulação: teoria e prática.
enfermagem
Trabalhar com casos reais e considerar a necessidade de flexibilidade
cognitiva.
Interdisciplinaridade: necessidade identificada como prática
pedagógica adequada.
Cursos livres.
V: Que Concepções e A matemática do sim e não: certinha e bem comportada26.
matemática é a críticas A matemática diferente do ser humano27.
matemática da Uso de uma matemática ilógica28.
enfermagem?
Matemática na prática não é quadrada29.
Matemática na farmacologia não é abstrata30.
Fonte: Dados da pesquisa.
profissional dos enfermeiros docentes. Assim, a maioria dos docentes entrevistados parece
evidenciar motivações profissionais relacionadas a afinidade, fonte de renda, flexibilidade de
horário e prazer em ser professor. Essas ideias foram expressas por cinco dos sete sujeitos:
E1: [...] não adianta ter a docência; é preciso afinidade. Para mim essa afinidade
está ligada à formação e currículo [...].
E2: Então posso dizer que eu não procurei a docência. Foi o acaso, mas sinto
prazer em ser professor.
E3: [...] eu escolhi ser professora porque eu acredito que todo mundo pode mudar,
todos podem chegar à excelência., além disso, é uma oportunidade de obter mais
uma fonte de renda [...].
E4: [...] percebia que alguns de meus professores estavam ali sem prazer. Ser
professor era um bico.
E5: [...] na verdade, eu sou enfermeira por acidente e professora por vocação, por
afinidade, por natureza. É quase assim: nasci professora. Tenho prazer em ser
professora [...],
E7: [...] eu dou aula porque tenho filhos pequenos e o horário é flexível,
diferentemente do plantão.
Observa-se nas falas de dois entrevistados que para o exercício da docência é preciso
haver prazer no ato de ensinar. A fala de E4 é a antítese do que orienta Freire (1997, p. 160)
quando nos diz que “ensinar não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”.
Merighi (1998) aponta que esses profissionais têm como fonte de renda
predominante o exercício da assistência, sendo a docência um complemento.
Para Maissiat e Carreno (2010), o crescimento contínuo da atividade docente no
Brasil – deva-se ele a vocação, a acaso, a afinidade ou à busca por maior renda – mostra ser
premente a necessidade de encontrar caminhos que contribuam para a construção de melhor
formação, tanto para docentes quanto para discentes.
Gadotti (2003, p. 3-4) afirma que “escolher a profissão de professor não é escolher
uma profissão qualquer”, pois muitos são os desafios e responsabilidades que ela exige. Este
não parece ser, entretanto, o entendimento de E2:
[...] eu adorei ministrar aulas, eu gostei de saber que eu sabia e mostrar aos outros
o caminho que eles poderiam seguir. Estudo e depois explico tudo no quadro. É
muito fácil.
127
Categoria II: ‘Concepções dos enfermeiros docentes sobre a formação para a docência e
assistência em enfermagem: inquietações’
E2: [...] entre o curso de bacharelado e licenciatura eu vejo uma diferença muito
grande, uma lacuna imensa. [...]. No bacharelado em enfermagem a docência é
utópica, não existe. [...] Na pós-graduação em docência [...] os cursos deixam a
desejar na formação do professor. Deveriam lembrar que somos enfermeiros e não
professores.
E5: Ser professor a gente não aprende na universidade. A docência não te auxilia
nisso.
E6: [...] o meu ponto de vista é a seguinte: existe um buraco negro na formação dos
alunos, mas também na formação dos enfermeiros docentes. Na docência eu não
aprendia a dar aulas.
E2: Eu sou bacharel em enfermagem e considero que o curso me deu uma boa
formação para atuar como enfermeiro assistencial.
E7: Minha formação para a assistência foi muito boa. Considerado um curso muito
bom porque lá nós tínhamos prática de tudo e tinha estágio por disciplina. Tinha
estágio de cardiologia, que eu fiz no [Instituto] Dante Pazzanese [de Cardiologia].
Então, sabe... Pediatria, os estágios eram realizados em hospitais de referência.
E4: Antigamente éramos formados para dar aulas de enfermagem, e muito bem
formados.
E5: Ser enfermeiro é uma coisa que a gente aprende durante a faculdade, e eu
aprendi.
metodologia eu não aprendi para o que preciso: enfermagem [...]. [...] a maioria dos
enfermeiros docentes não tem [...].
Uma possível resposta para o exposto por E4 pode estar relacionada a um currículo
tradicional organizado de forma burocrática e mecânica, que não responde às necessidades
descritas pelo entrevistado no que diz respeito a sua formação.
Segundo Santos (2006), a formação generalista na área de enfermagem prevê a
necessidade de conhecimento mais global e menos específico em enfermagem, pois o futuro
enfermeiro necessitará adquirir uma visão tão ampla quanto possível do trabalho e da
profissão. A formação generalista encontra-se o artigo 3.º das DCN, que diz respeito ao perfil
do egresso:
Morin (2012) identifica o especialista como um sujeito que está focado nas partes e
ignora a influência do todo sobre estas, ao passo que o sujeito generalista se volta para o todo
e ignora as partes.
Em nossas análises, destacamos a opinião de E7, pois explicita claramente a
importância da matemática na formação profissional e a responsabilidade do ato docente:
A análise desta fala conduz ao fato de que, apesar dos esforços empreendidos na
consolidação de novas exigências para a formação em enfermagem, o processo de superação
nos cursos voltados à docência em enfermagem é ainda tímido, com fragilidades em seus
objetivos, comprometendo a prática profissional do enfermeiro docente. D’Ambrosio (1998,
p. 9), apropriadamente, frisa que:
números decimais, frações e unidades de volume), os quais têm decorrências diretas sobre a
melhora ou piora do paciente, como declara E7:
Formação precária dos alunos do curso técnico de enfermagem nos níveis fundamental e
médio e os conteúdos matemáticos
E2: [...] quatro operações matemáticas. [...] a soma com vírgula, a subtração com
vírgula, a divisão com vírgula, a multiplicação com vírgula. [...] números decimais:
isso é um problema de base [...].
134
E4: Eu tive uma sala de 30 alunos na qual, no primeiro dia de aula, eu dei contas de
dividir com vírgula. Apenas cinco acertaram e os outros 25 nem souberam sair do
lugar [...].
E6: [...] adição, subtração, multiplicação e assim vai, para depois você entrar nas
questões da proporcionalidade.
E5: [...] uma revisão de matemática para que eles relembrem – na verdade
aprendam – o que não foi assimilado: fazer divisão e multiplicação, trabalhar com
números decimais, que na verdade é onde eles têm a maior dificuldade. Somente
depois dessa revisão é que tentamos associar o que foi aprendido com o cálculo de
medicação. Mesmo assim, na associação fica difícil. Eles não enxergam [...] .
E7: Não faço revisão. Penso que isso o aluno tem que trazer com ele dos ensinos
anteriores. Indico livros de matemática. Esse conhecimento já foi adquirido [...].
As falas também apontam que a dificuldade dos alunos pode estar relacionada com a
falta de contextualização:
135
[...] eu passo um número razoável de exercícios para que eles pratiquem de forma
incessante, até que eles mesmos se sintam exaustos. É o princípio da exaustão [...].
Percebemos estar nela implícito que a prática descrita pelo docente se enquadra
naquilo que D’Ambrosio (2012, p. 96) classifica como “kumonismo31”: “‘Quanto mais vezes
faz, melhor faz’ – esta prática é insustentável. É a antítese da criatividade”.
Os exercícios mencionados por E2 têm por função revisar os conceitos matemáticos
para minimizar as dificuldades que poderão surgir nas atividades de enfermagem que
envolvam cálculos. No entanto, revisar conteúdos sem estabelecer relações entre as
31
Neologismo que se refere ao enfoque adotado pelo Método Kumon, de origem japonesa, em que a aquisição
de habilidades se faz por meio da prática reiterada.
137
E1: Infelizmente nós temos alguns profissionais que têm dificuldade de associar
matemática e enfermagem. Eu sinto assim. Também temos dificuldades com as
operações básicas: operações com decimais, proporção, porcentagem. Tem
professor que tem dificuldade com esses conceitos [...].
E2: [...] o que mais trabalho nas aulas, por ser característica e conteúdo da
farmacologia, é cálculo com medicação, pois é aí que precisamos de matemática
[...].
E4: [...] farmacologia. [...] é pouco tempo para muitas dificuldades [...].
E6: A matemática impera em farmacologia, mas o tempo é escasso para tratar dos
dois assuntos.
Em seis meses fracionados [...] sem conseguir fazer ligações, que você vai conseguir
colocar isso na cabeça do aluno? Agora que mudou, não temos mais essas
disciplinas. Fica difícil. [...] Agora que mudou, a gente está mais perdido ainda. [...]
Eu já nem mais sei o que é certo ou errado [...]. Então, você não pode fazer um
trabalho extra de matemática em farmacologia apenas em dois dias [...].
Tudo isso é em off, não é registrado. No meio do registro no diário que a professora
leciona a matéria, ela para uns 10 a 15 minutinhos e passa um pouco dos conceitos
da matemática. [...] Sei que não é ideal. Ficam muito separados os conceitos
matemáticos da enfermagem [...].
140
Tal relato corresponde ao que Khan (2013, p. 55) define como prática pedagógica
convencional, que tende a ser melancolicamente rígida: “Pegue um pedaço de um assunto e o
trate como se ele existisse no vácuo”. Citando Washburne, Khan (2013, p. 45) esclarece: “O
que deveria ser fixo, em alto nível, é a compreensão e o que deveria ser variável é a
quantidade de tempo que os alunos têm para compreender os conceitos”.
Retomando as considerações de Morin (ALMEIDA; CARVALHO, 2007), uma
educação impregnada por essa tendência contamina o exercício da docência com uma visão
linear e disciplinar do universo. Nesse enfoque, a prática pedagógica e o conhecimento são
vistos como algo a ser alcançado de maneira linear, sob a premissa de que o professor deva
partir do mais simples para o mais elaborado, fragmentando os conteúdos em pequenas
porções desconectadas do todo e apresentando situações mecânicas e estáticas.
Shulman corrobora Morin ao se referir a assuntos que deveriam ser essenciais à
formação dos educadores, incluindo o modo de relacionar teoria e prática, de motivar o
pensamento crítico e questionador na escola e de preparar o aluno para reagir frente ao
inesperado, à incerteza (FAVA, 2010).
Entendendo que o conhecimento pedagógico geral permite ao professor selecionar os
procedimentos e instrumentos mais adequados, seja para ensinar ou para associar a
matemática aos procedimentos de enfermagem, constatamos ao longo dos discursos colhidos
que os docentes utilizam livros e apostilas no desenvolvimento dos cursos.
Os docentes E1, E4 e E6, além de atuarem como professores, são coordenadores de
cursos de formação de auxiliares e técnicos de enfermagem e explicitam em suas falas a
importância do conhecimento do professor:
E7: [...] preparo as apostilas. O que muda é a didática [...]. [...] são professores
diferentes, experiências diferentes, formações diferentes e isso não se pode mudar,
mas o conteúdo matemático, sempre os mesmos [...].
141
Spiro et al. (1987) argumentam que, quando o conteúdo é vasto e o tempo é curto, o
conteúdo é apresentado de forma artificialmente simplificada, o que, no caso da matemática
aplicada aos procedimentos de enfermagem, tem consequências preocupantes, uma das quais
é a geração de concepções erradas. Essa “conspiração” não permite a flexibilidade cognitiva
matemática nem a transposição desses conhecimentos quando se fazem necessários em uma
nova situação.
E6 declara:
[...] mas quando você vai ver, é da internet que ele busca informações [...].
Tal fala sugere que o docente não concorda com essa prática de consulta dos alunos à
internet. A “portabilidade”, termo utilizado por Khan (2013, p. 61) das apostilas e livros para
a internet permite, porém, aos alunos, de forma dinâmica, obter acesso a informações sem a
presença do professor. Quanto a isso, Morin pergunta: “O que faz necessária a presença de um
professor? Ele deve ser o regente da orquestra, observar o fluxo desses conhecimentos e
elucidar as dúvidas dos alunos” (RANGEL, 2014). Nesse sentido o professor deveria
aproveitar essa oportunidade para desenvolver o senso crítico dos alunos e transformar seu
papel de educador, compreendendo que existe aprendizado também fora da escola.
Se a prática pedagógica é direcionada à desvinculação e fragmentação dos
conhecimentos, isso se deve ao fato de ser orientada por uma tradição disciplinar na qual
também são formados os educadores. Presos a ela, reproduzem-na em seus alunos. Ao que se
veem contrários a ela, permanecem em aberto ao menos duas tarefas: a de se modificarem e a
de encontrarem caminhos para trabalhar os conhecimentos nas instituições de ensino.
Um aspecto que merece ser focalizado é evocado pelo docente E6:
Aquilo que o aluno não sabe você joga fora, joga para trás e segue em frente. Na
enfermagem temos que identificar o problema, tentar resolver o problema, [...] não
dá para deixar para lá como acontece na sala de aula [...]. [...] Na enfermagem, o
paciente precisa ter o problema resolvido.
E6: [...] se eu percebo que a enfermeiro docente domina e gosta de matemática, tudo
bem, eu atribuo às aulas. Quando não, eu entro para dar aulas ou tenho que
chamar um bombeiro para apagar o incêndio. [...]. Tem períodos que não consigo
professores que permanecem até o fim do módulo de farmacologia, por conta da
bendita matemática. A cada dois, cada dois, três dias, eu precisava trocar de
professor de farmacologia [...].
E2 acrescenta:
Duas professoras sempre pedem férias nessa época, por não dominar a matemática,
e pedem que eu assuma esta parte da matéria que envolve cálculos.
A percepção dos docentes sobre o currículo do curso técnico é a de que este não
contempla as particularidades de cada estudante e suas necessidades. Evidências desses
desencontros são observadas nos discursos a seguir:
E1: [...] apertei ao máximo o conteúdo. Preciso cumprir o programa. Foi preciso
aumentar as horas, pelas dificuldades dos alunos e principalmente pelos erros que
apareceram na mídia. Então já aproveitei o gancho e encaixo a matemática nessas
horas [...].
E5: [...] a matriz curricular do curso técnico não é elaborada, não considerando as
diferenças dos alunos.
E6: É como se todos fossem todos iguais, tivessem o mesmo nível, e não é assim.
Acaba dificultando o trabalho. Temos que cumprir. Os alunos do curso técnico têm
muitas dificuldades [...].
[...] embora existam entraves no currículo, esse pode ser um momento para reflexão
[...].
Isso nos faz retornar a atenção três séculos, à obra clássica de Comenius, Didactica
magna (1621-1657), que focaliza a possibilidade de ensinar tudo a todos:
[...] assim como o padeiro, com uma só fornada de massa e aquecendo uma só vez o
forno, coze muito pães, e o forneiro, muitos tijolos, e o tipógrafo, com uma só
composição, tira centenas e milhares de cópias de um livro, assim também o
professor, com os mesmos exercícios, pode, ao mesmo tempo e de uma só vez,
ministrar o ensino a uma multidão de alunos, sem qualquer incômodo. Do mesmo
modo que vemos também que um só tronco é suficiente para sustentar e embeber de
seiva uma árvore, por mais ramos que ela tenha, e o sol é suficiente para fecundar
toda a terra (COMENIUS, 2001, capítulo XIX, p. 92/179).
145
E6: Os nossos supervisores. Bom, eu vou dizer uma coisa: nós temos um grande
problema. A delegacia de ensino entende de papel; não entende de enfermagem. O
COREn entende de enfermagem e não entende de papel. Ninguém se entende [...]
E6: Aí te dá um parecer e dentro desse parecer não te dão uma certa liberdade de
construir uma matriz curricular de enfermagem que caiba português e matemática,
desconhecendo uma série de complicações que advêm desta atitude, não
considerando a realidade que vivemos e trabalhamos –, por exemplo os erros
constantemente anunciados na mídia!
[...] os erros cometidos pelos profissionais relacionados aos cálculos são cometidos
por falta de conhecimento. [...] Eles ligaram o piloto automático, a mesmice,
confiando que sempre é a mesma coisa. Fazem a medicação sem refletir [...].
Tenho a desconfiança que nós aprendemos matemática junto com o professor. Acho
que para eles falta reflexão e paciência [...].
A formação, em nosso ponto de vista, tem estreita relação com os serviços de saúde e
a universidade, e nesta última repousa a responsabilidade de propiciar a qualidade de
formação dos profissionais. Dentro dessa visão, ensino e serviço devem caminhar juntos.
O profissional da enfermagem se depara frequentemente com situações em que é
necessário preparar os medicamentos em uma dosagem especificada antes de ministrá-lo ao
paciente. Uma vez que um medicamento ministrado incorretamente pode causar danos ao
paciente, a perfeita execução dessa tarefa é de extrema importância. Um dos entrevistados
identifica a responsabilidade envolvida em suas ações na enfermagem e a relaciona aos
conhecimentos matemáticos:
E3: Sei e tenho consciência de que ensinar matemática não é foco da universidade,
mas deveria dar mais atenção para isso. É aí que matamos as pessoas e existem
casos, e não são poucos. Como números podem matar! Uma simples divisão, uma
simples regra de três, e toda a matemática básica pode matar! Se tem urgência de
repensar nisso [...].
Por outro lado, o professor deve reconhecer os efeitos decorrentes de seu ensino, uma
vez que estes repercutem na vida profissional de seus alunos. Quanto a isso, Morin
(ALMEIDA; CARVALHO, 2007, p. 21-22) afirma enfaticamente: “Não se pode reformar a
universidade se anteriormente as mentes não forem reformadas; mas só se podem reformar as
mentes se a instituição for previamente reformada”, ou seja, a reforma do ensino deve levar à
reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino. O
conteúdo da afirmação de Morin pode estar refletido na fala de E4:
Tenho a leve impressão que não sabemos matemática. O professor não sabe e a
universidade compactua com isso. É preciso suprir essa necessidade [...].
Não gosto de falar sobre minhas limitações em matemática. Creio que ninguém
gosta. Sinto-me inibido e um tanto fracassado e frustrado.
O que se percebe nas falas dos entrevistados é que existe uma prática pedagógica que
precisa ser superada – e talvez quem tenha que dar o primeiro passo seja o professor, como
pondera E3:
Para Cury (2012, p. 32), “se um professor, ao analisar um erro cometido por um
aluno, sabe o que aconteceu porque já viu muitos alunos cometendo o mesmo tipo de erro,
esse professor está usando o que Ball e seus colegas chamam de conhecimento do conteúdo e
148
dos estudantes” – por exemplo, ser capaz de reconhecer se a solução dada por um aluno está
correta ou não e discutir com a classe. É o que expressa E2:
A reflexão sobre a prática pedagógica dos docentes universitários está presente nas
falas de quase todos os entrevistados, que relatam sobre a visão que têm de seus professores
ao abordarem o conhecimento matemático relacionado ao contexto da enfermagem. Um
exemplo:
[...] tenho certa fragilidade e falta de confiança para exercer as funções no hospital
que envolvem cálculos. Não foi o suficiente para eu assumir uma função dentro de
um hospital. Tanto é que eu trabalho em uma UBS [unidade básica de saúde] [...].
149
D’Ambrosio (2012, p. 98) formula uma crítica de natureza moral, afirmando que não
é possível ser educador sem acreditar que a nova geração está interessada e quer qualidade,
em lugar da mera repetição de conteúdos obsoletos e inúteis. Acrescenta:
E3: [...] eu gostaria que na universidade trabalhasse com mais exercícios, mais
situações, algo mais próximo da nossa realidade. Parece sempre que a teoria é uma
e a prática é outra. Tudo muda!
Barato (2003, p. 75-76) comenta em sua tese que os alunos, via de regra, sentem
dificuldades em articular os conteúdos teóricos com a prática: “Cobra-se dos alunos a
aplicação da teoria a contextos práticos, sem que as situações de ensino ofereçam
oportunidades para esse tipo de competência”.
O ensino que desvincula a prática da teoria gera uma visão parcial do conteúdo, o
mesmo acontecendo com o ensino só baseado na teoria.
A esse respeito, retornamos aos fundamentos teóricos que embasam este estudo,
especificamente aos estudos de Morin, que considera como objetivo vital da reforma da
universidade o de substituir o pensamento que dicotomiza por outro que seja capaz de ligar,
contextualizar e globalizar, viabilizando o emprego total da inteligência e permitindo ao aluno
pensar de maneira mais abrangente e completa, a entender-se como parte de um sistema
complexo. Tais aspectos transparecem nas seguintes falas:
150
E2: O professor passava uma fórmula matemática em sala de aula, mas quando
você chega na prática sempre tem algo diferente, mais complexo daquilo que você
aprendeu. Quando chega na prática, você se deparando com coisa diferentes... O
equipamento é diferente; por exemplo, é uma bomba de infusão. Como você vai
encaixar aqueles cálculos nesse equipamento se a bomba já calcula tudo? Como
você deve proceder?
E1: [...] o cálculo acaba ficando só como um aliado, na periferia, não como um
instrumento eficaz que pode te auxiliar a tomar decisões [...].
E3: [...] as coisas que acontecem no contexto real não foram passadas na
universidade. Fomos pegos de surpresa. Isso não achei uma [boa] postura da
universidade nem dos professores na minha formação. Temos muitas incertezas,
principalmente quando temos que aplicar a matemática na enfermagem [...].
E4: [...] fico me perguntando: será que é mais fácil ou ele tem dificuldades para
ensinar? Não tem conhecimento suficiente? Não sei. Só sei que isso me fez falta.
Senti que eles evitavam abordar esse assunto. Dão as coisas tudo bem certinho.
Talvez eles não quisessem se expor ou, se sabem, não queriam ter o trabalho para
explicar, pois sabem que muitos têm problemas para compreender a matemática.
151
E3: O professor enxergou, mas não enxergamos esses cálculos, não entendemos
direto. Esse tipo de situação que ocorre na realidade não foi trabalhando em sala
de aula [...].
E4: Sempre teve aqueles problemas clássicos que se encontra em qualquer livro.
Não teve nenhum caso desses de um número quebrado. O professor falava que era
mais fácil para a nossa compreensão trabalhar apenas com números redondos,
certinhos [...].
Spiro et al. (1987) advogam que se lide com a complexidade tal qual ela se
apresenta, no contexto real, pois, se quisermos que nossos alunos utilizem o conhecimento
flexivelmente, este deve ser ensinado de forma também flexível, como aponta esta fala:
E4: Talvez a falta de situações reais para a gente trabalhar. Não teve. Talvez seja
por isso a dificuldade. E se a bomba de infusão parar? Como devemos proceder?
Isso é real e é complexo. Só que tem algumas coisas: por exemplo, na UTI está
correndo adrenalina na bomba de infusão. Por exemplo, ela corre 0,02 ml em uma
hora. Não dá para programar em um equipo essa quantidade; por isso utilizamos a
bomba de infusão, porque manualmente seria impossível fazer isso. Uma pessoa que
precisa dessa quantidade, então, ela não pode fazer isso em qualquer lugar. Por
isso precisamos mais situações da realidade e realmente trabalhar com esses casos
na universidade [...].
Nas falas dos entrevistados, observamos até o momento críticas à fragmentação dos
saberes, ao pensamento reducionista e simplificador. No entanto, encontramos no discurso de
152
São verdadeiras gaiolas epistemológicas [as disciplinas]: quem está dentro da gaiola
só voa dentro da gaiola, e não mais do que isso. Somos pássaros tentando voar em
gaiolas disciplinares. Surgem, obviamente, as deficiências desse conhecimento, e
começamos a perceber fenômenos e fatos que não se encaixam em nenhuma das
gaiolas. [...] Estamos dando um passo para a interdisciplinaridade, onde
encontramos com outros e, nesse encontro, juntos, misturando nossos métodos,
misturando nossos objetivos, mesclando tudo isso, acabamos criando um modo
próprio de voar. E nascem as interdisciplinas. Essas interdisciplinas acabam criando
suas próprias gaiolas. [...] As disciplinas vão se amarrando, criando padrões
epistemológicos próprios, e a gaiola vai ficando muito maior. Podemos voar mais,
mas continua sendo gaiola. Acho que não é demais querermos voar mais, fora das
gaiolas, sermos totalmente livres na busca do conhecimento. [...] A
interdisciplinaridade é um passo muito difícil, sem o qual não se pode dar qualquer
33
passo seguinte .
Lorieri (2010, p. 14) afirma que, quando um professor tem atitude interdisciplinar em
suas práticas docentes, atua como um convite vivo para que seus alunos desenvolvam essa
mesma atitude.
O projeto descrito por E5 criou a possibilidade de comunicação entre as ciências
envolvidas: farmacologia, bioética, saúde ambiental e matemática. Tal maneira de pensar
33
Notas das aulas de ‘Tendências em educação matemática’, ministradas na Universidade Anhanguera de São
Paulo em março de 2013.
153
pode ser aprendida, e aí está um dos papéis da educação. Para isso, no entanto, torna-se
necessária a formação dos professores nessa direção. Segundo Morin (2001), trata-se de
favorecer a aptidão natural do espírito humano para contextualizar e globalizar, isto é,
relacionar cada informação e cada conhecimento a seu contexto e conjunto.
Retomando o discurso do entrevistado, este dá indícios de que os problemas não são
poucos. Deparamo-nos com resistências a mudanças, com práticas pedagógicas reforçadas
pelo conforto e pelo temor ao risco. Trilhar o caminho da interdisciplinaridade, como mostra a
experiência vivida pelo entrevistado, requer que o professor saia da zona de conforto. Não é
tarefa cômoda, porém requer que a formação docente tome essa direção. Como apontam os
princípios teóricos que embasam este estudo, não se trata de negar a especialidade de cada
área. O problema é nos fecharmos no interior delas.
Cursos livres
E5: [...] os meus colegas que atuavam como técnicos, assim como eu, procurou
cursos livres. Meu pai me ajudava financeiramente. Eu fiz cursos apostilados no
COREn, fiz no SENAC; todos esses cursos foram à parte da faculdade, para poder
aprender e ensinar meus alunos e compreender como funciona a matemática nos
procedimentos da enfermagem. Não foi um curso que eu pude sanar todas as
dúvidas, mas é melhor aprender algo do que não saber nada. A incerteza de ensinar
algo que não se tem segurança é complicado [...].
E7: [...] no período de férias eu ia procurar algum curso de matemática que pudesse
me auxiliar. Isso foi extraclasse. Não tinha um conhecimento matemático palpável –
digo, capaz de resolver os problemas nos quais a matemática se fazia presente.
Então, eu vi que a coisa estava assim, eu falei o quê? “Deixa eu correr.” Na
universidade não tive respaldo nenhum. Financeiramente, é difícil pagar dois
cursos ao mesmo tempo [...].
pelo cuidado de pacientes, mas também pelo ensino que ministram a seus alunos – e na base
disso encontra-se a tentativa de suprir as deficiências das aulas que envolviam cálculos
durante sua formação. Entre as dificuldades apontadas, a questão financeira se fez presente
por sua relevância.
Ser enfermeiro é ser gente que cuida de gente, e isso significa dizer que há
necessidade de uma formação sólida, que tipicamente está na contramão daquilo que se
considera um ensino meramente técnico. Permitir ao aluno pensar e enfrentar as incertezas
parece ser o grande desafio das universidades e dos professores. Na verdade, em certo ponto
das entrevistas os sujeitos revelaram qual matemática deveria ter sido contemplada em sua
formação. No bojo da discussão, e agora analisando especificamente as concepções e críticas
dos enfermeiros docentes sobre a abordagem da matemática no contexto da enfermagem, é
possível reconhecer mais uma razão pela qual o desenvolvimento dessa pesquisa se justifica.
Na análise dos depoimentos, foram surgindo possibilidades de discutir e de provocar uma
reflexão sobre as escolhas tanto metodológicas quanto de conteúdos curriculares.
Os significados atribuídos à matemática pelos entrevistados foram: ‘matemática do
sim ou não’, ‘matemática abstrata’, ‘matemática certinha’, ‘matemática ilógica’ e ‘matemática
abstrata’.
E4 declara:
O que teve nas aulas foi muito ou sim ou não. É ou não é. Isso não responde os
nossos problemas [...].
E2: Vamos pensar em soro na bomba de infusão: gotejamento de soro. Se você pega
550 ml, divido por tempo, vezes 3, aplica esta fórmula e dá um número quebrado:
por exemplo, 15,277777. Você arredonda ou não? Fico penando! Será que não tem
um jeito de você achar a dosagem correta? Na prática, arredondamos para 2.
Então acho que a enfermagem não é igual à matemática “é ou não é”.
155
A mesma coisa é a matemática. Não sou formada, mas tenho que dar o mínimo de
𝑉
suporte. Dou por exemplo a fórmula e aplico com os alunos o que aprendi. No
𝑇∙3
entanto, é competência do matemático explicar de onde vem a fórmula. Eu só
aplico.
Temos o volume total de 550 ml por hora. Sabendo-se que 1 ml equivale a 20 gotas ou 60 microgotas, então:
20 gotas ——— 60 microgotas
1 gota ——— x microgotas
60
x= = 3 microgotas.
20
Transformando ml em gotas:
Sabendo-se que cada ml tem 20 gotas, então:
550 20 = 11.000
Logo, em 550 ml temos 11.000 gotas.
𝑉
Uma vez compreendido o raciocínio envolvido na situação, a fórmula pode ser
𝑇∙3
550
utilizada com plena compreensão, fornecendo o mesmo resultado: 12.3 = 15,27 gotas/min.
Para analisar a fala do entrevistado, retomamos o que foi descrito na introdução deste
estudo sobre ambiguidades e incertezas. As incertezas descritas por E2 estão ligadas à
utilização de uma matemática “dura”, que pode acarretar erros fatais para o paciente. Quando
o entrevistado diz que “a universidade, a minha formação, nunca me encostou na parede
para pensar nessas situações”, entendemos que confrontar os alunos com a complexidade tal
qual ela é significa considerar a utilização de uma matemática “mole”, nebulosa, borrosa, ou
fuzzy, que é a matemática inteligente. Isso é lidar com coisas vindas da realidade, nitidamente
complexas34.
No entanto, para que se vislumbre esse caminho, é preciso que as universidades e
professores aceitem o desafio de oferecer cursos instigantes, que conciliem a formação
específica com uma formação didática e que cumpram, na medida do possível, seu papel de
formar profissionais que atuarão na assistência ou docência.
Uma das dificuldades apontadas por E2 relaciona-se à necessidade do conhecimento
especializado do conteúdo. O relato mostra que, quando o professor reflete sobre o
entendimento (ou a falta de entendimento) do conteúdo, questiona seu próprio desempenho
docente e a forma como está permitindo que a aprendizagem dos discentes ocorra, avaliando
sua própria didática. Em síntese, segundo Ball, Thames e Phelps (2008) e segundo Hill, Ball e
Chilling (2008), os professores precisam conhecer e entender a matemática de uma maneira
diretamente relacionada ao ofício de ensinar e com a realidade da enfermagem. É necessário
conhecerem bem os conteúdos que ensinam, para ajudarem os alunos em suas aprendizagens.
Entretanto, isso não é suficiente para ensiná-los. É nesse ponto que se faz necessário um
conhecimento matemático para o ensino (Ball et al., 2009).
O valor 15,27777 citado por E2 constitui nesse contexto um valor nebuloso,
sugerindo que o entrevistado utilize o conhecimento de forma flexível. É nesse grau de
incerteza que a lógica fuzzy pode contribuir na formação dos profissionais de saúde.
E5, por sua vez, informa que:
34
Notas das aulas de ‘Tendências em educação matemática’, ministradas na Universidade Anhanguera de São
Paulo em março de 2013.
157
Essa matemática de vez em quando não funciona, não. Por que aprendê-la se na
minha área ela não responde a tudo? Na prática uso uma matemática ilógica.
A fala evidencia que nem tudo é tão certo como parece ser. Muito ainda está por ser
feito quanto à utilização da matemática como instrumento nesse contexto, pois crenças
enraizadas impedem que se responda às necessidades cognitivas desses profissionais. Se na
prática o entrevistado utiliza uma matemática “ilógica”, que interpretamos como sendo uma
matemática nebulosa, acreditamos que durante sua formação ele deveria ter tido contato com
situações reais que promovessem reflexão sobre as incertezas e ambiguidades presentes no
cotidiano, a fim de ter oportunidade lidar com a subjetividade inerente à lógica fuzzy.
Talvez reconstruir o modo de apresentação da matemática associada aos
procedimentos de enfermagem possibilite novos modos de pensar e interpretar as situações,
sem desconsiderar as especificidades do contexto, como expõe E5:
Foi passado aquela matemática bem básica, sem problematizar com as coisas da
enfermagem [...].
E7: Tive dois alunos que perderam o COREn por erros com cálculos. Não souberam
tomar a decisão correta, pois a matemática é diferente na prática. Ela não é tão
quadrada assim: sim ou não. Existem outros aspectos: que tipo de paciente se pode
arredondar, nos casos de decimais. É muito complexo. Existem várias coisas
relacionadas e o cálculo se deve considerar isso [...].
evolução de sua própria formação, tanto assistencial quanto na docência, onde as habilidades
indicadas nas DCN deverão ser contempladas (BRASIL, 2001). Tal achado nos leva a
concluir que não há formação inicial docente no bacharelado em enfermagem, o que contraria
o estabelecido pelas DCN.
Na matriz curricular, pode-se observar que não há referência explícita a qualquer
conteúdo específico relacionado à matemática. No entanto, ao acessarmos o plano de ensino
da disciplina ‘Farmacologia’, encontramos implicitamente os conhecimentos matemáticos
utilizados pelos enfermeiros. A farmacologia estuda as principais classes de fármacos com
aplicação na rotina, além dos principais fatores que interferem nos processos
farmacocinéticos. Das 110 h dedicadas à farmacologia, 10 estão voltadas a conhecimentos
matemáticos necessários aos procedimentos de enfermagem, assim distribuídos:
▪ 4 aulas: Revisão das operações fundamentais no cálculo de medicações: adição,
subtração, divisão, tabuada, multiplicação, regra de três, porcentagem, unidades de peso,
medidas e tempo.
▪ 4 aulas: Revisão de diluição, cálculo com penicilina cristalina, rediluição, cálculo com
insulina e os equipamentos utilizados no gotejamento de soro.
▪ 2 aulas: Lista de exercícios de fixação.
frequentaram cursos técnicos na área da saúde, o que dificulta ainda mais a compreensão da
matemática nesse contexto.
Ao final das 10 aulas é disponibilizada aos alunos uma apostila elaborada pelo
COREn para que possam aprofundar o conhecimento matemático associado aos cálculos com
medicamentos. Na apostila consta a seguinte nota: “Pedimos licença aos matemáticos,
professores e outros profissionais ligados ao ensino de ‘números e grandezas’, pois este
material foi elaborado por enfermeiros preocupados em contribuir para reduzir as dificuldades
que muitos profissionais de enfermagem carregam consigo desde sua formação básica”. A
apostila é utilizada pelos enfermeiros docentes nos cursos livres.
Os exercícios propostos na apostila são do tipo “calcule, efetue, responda”, o que os
caracteriza como exercícios de fixação e memorização. Apresentar uma relação de exercícios
com conceitos matemáticos sem contextualização com os procedimentos de enfermagem, sem
estimular uma análise mais crítica do aluno, não promove o desenvolvimento de
conhecimento pertinente. Como frisam Morin (2003a) e Xavier (2006), o que torna um
conhecimento pertinente é a contextualização.
Constata-se, assim, que a matemática não ocupa lugar privilegiado na matriz
curricular do curso de enfermagem investigado, e portanto na formação do enfermeiro
assistencial. As DCN para cursos de enfermagem, especificamente no artigo 5.º, incisos IV, X
e XXIV, estabelecem que a formação do enfermeiro tem por objetivo dotá-lo dos
conhecimentos requeridos para o exercício de competências e habilidades específicas a serem
desenvolvidas por esse profissional relacionadas à atuação no processo de formação de
recursos humanos, planejamento, implementação e participação nos programas de formação e
qualificação contínua dos profissionais de saúde (BRASIL, 2001). A assertiva vem reforçar
nosso posicionamento sobre a importância da matemática nesse contexto e sobre a
responsabilidade que repousa sobre o enfermeiro assistencial em atividade docente: formar
futuros profissionais de saúde.
Diferentemente da matemática que se encontra diluída na disciplina de farmacologia,
a disciplina de língua portuguesa, denominada na matriz como ‘Leitura e produção textual’,
abrange 40 horas-aula, durante as quais se trabalham durante o primeiro semestre os seguintes
conteúdos: produção textual, gramática, comunicação, reforma ortográfica e concordância
nominal e verbal.
A análise dessa matriz curricular revela que, embora o conteúdo apresentado seja
essencialmente técnico, o enfermeiro é capacitado a assistir o paciente conforme proposto nas
165
DCN, mas identificamos inadequação no preparo ao exercício da docência (de modo a atender
o artigo 6.º, inciso III, alínea d) e ausência de uma proposta para o desenvolvimento da
matemática associada aos procedimentos de enfermagem.
O que as DCN preconizam não deve, em nosso ponto de vista, ser privilégio dos
licenciados, mas deve contemplar os bacharéis, pois preparar o profissional para o exercício
da docência e envolvê-lo com questões relacionadas à matemática em sua formação inicial
poderia ajudá-lo a fundamentar as práticas pedagógicas que venha a assumir caso exerça
futuramente atividades docentes.
Quadro 10 – Matriz curricular de uma instituição de ensino superior privada que oferece pós-
graduação lato sensu na área de docência em enfermagem
Disciplina Carga horária
Metodologia de ensino 40
Estudo da realidade brasileira 40
Bases históricas e filosóficas da educação 60
Avaliação educacional 40
Didática 40
Estrutura e funcionamento da educação básica 40
Estágio supervisionado curricular 300
Carga horária total do curso 720 horas-aula
Quadro 11 – Matriz curricular de uma instituição que oferece curso técnico de enfermagem em nível
médio
Carga horária
Módulos Áreas Disciplinas Módulo I Módulo II
Teoria Estágio Teoria Estágio
Noções de ética profissional 24 - - -
Noções de saúde pública 20 - - -
I Básico de saúde Noções de nutrição 24 - - -
Microbiologia e parasitologia 50 - - -
Anatomia e fisiologia humana 76 - - -
Introdução à enfermagem* 180 148 - -
Noções de primeiros socorros 24 - - -
Auxiliar de Noções de farmacologia 80 - - -
II
enfermagem Noções de clínica médico cirúrgico 160 200 - -
Centro cirúrgico 12 12 - -
Materno infantil 60 40
Subtotal 710 400 - -
Ética profissional - - 40 -
Saúde pública - - 40 20
Saúde mental - - 60 40
Gestão em saúde - - 40 40
Técnico de
III Clínica médica cirúrgica - - 140 40
enfermagem
Assistência de enfermagem ao - - 40 20
paciente de risco
Saúde do idoso - - 40 40
Farmacologia 90 -
Subtotal 710 400 490 200
Total de horas 1.110 690
Carga horária total do curso 1.800
*Aulas teóricas e práticas (utilização de laboratório).
ensino técnico no país. Nesse documento, o curso técnico cuja matriz curricular é analisada na
presente pesquisa pertence ao eixo tecnológico ‘Ambiente e saúde’, o qual:
Vejamos como a matemática está inserida na matriz curricular analisada e quais são
os conhecimentos matemáticos presentes nessa modalidade de ensino (Quadro 12).
169
6 CONCLUSÕES
Quadro 13 – Dificuldades dos alunos do curso técnico e dos enfermeiros assistenciais em atividade
docente nas atividades de enfermagem.
Alunos do curso técnico de enfermagem – nível
Enfermeiros docente
médio
Operações básicas: multiplicação, adição, subtração e Operações básicas: multiplicação, adição, subtração e
divisão divisão
Operações com decimais Operações com decimais
Razão e proporção Razão e proporção
Porcentagem Porcentagem
Questões que envolvem arredondamento Questões que envolvem arredondamento
Fonte: Dados da pesquisa.
Quadro 14 – Práticas pedagógicas detectadas nos relatos dos enfermeiros assistenciais em atividade
docente e as práticas utilizadas em sua formação quando estudantes
Prática pedagógica atual Formação no ensino superior
Revisão das noções matemáticas Revisão de noções matemáticas
Uso de apostilas e exercícios de fixação desconectados Uso de apostilas e exercícios de fixação desconectados
dos procedimentos de enfermagem dos procedimentos de enfermagem
Repetição de metodologias vivenciadas na graduação Repetição de metodologias vivenciadas nos ensinos
fundamental e médio
Utilização de fórmulas prontas Utilização de fórmulas prontas
Dissociação entre matemática escolar e matemática Dissociação entre matemática escolar e matemática
profissional profissional
Fonte: Dados da pesquisa.
As práticas pedagógicas que hoje utilizam e aquelas sob as quais vivenciaram sua
formação se baseiam, de modo geral, em quatro modelos: revisão das noções matemáticas;
utilização de fórmulas prontas; uso de apostilas; e exercícios desconectados dos
procedimentos de enfermagem. Repetem-se assim metodologias vivenciadas durante sua
formação.
Quando o enfermeiro docente assume aulas de farmacologia no curso técnico,
especificamente no módulo I do programa aqui pesquisado, deve identificar os conhecimentos
que os alunos supostamente possuem. À medida que os módulos se sucedem, porém, o
docente tende a detectar a necessidade de revisar o mesmo tópico, pois observa que as
dificuldades ainda persistem. A prática mais comum, nessas circunstâncias, é revisar os
conteúdos. No entanto, a necessidade de revisão aponta que algo não ocorreu como deveria
nos ensinos fundamental e médio – e tampouco no módulo anterior do atual curso. Embora as
revisões tenham sua utilidade, evidencia-se nos relatos que a forma como é empreendida não
surte os efeitos almejados.
De fato, segundo as declarações colhidas, repetir as mesmas experiências que seus
alunos já vivenciaram anteriormente no curso não conduz a resposta positiva.
Tal prática é agravada por sua completa desconexão dos procedimentos da
enfermagem real, praticada em situações do dia a dia. Nas falas de todos entrevistados está
presente a dificuldade de articular as noções matemáticas a esses procedimentos,
comprometendo não só a compreensão de conceitos, mas a atribuição de um significado
matemático às ações no contexto da enfermagem, ações estas que nunca se repetem, já que
cada novo paciente é um novo indivíduo e cada caso apresentado é um novo caso. Pressupor
que toda situação real tenha a mesma resolução tende a levar a erros que podem se mostrar
irreparáveis.
Consideramos que as revisões surtirão o efeito desejado apenas se forem articuladas
com procedimentos reais da enfermagem e direcionadas a aprendizagens futuras.
Elaborar apostilas com exercícios de repetição visando a memorização de técnicas
não prepara os alunos ao enfrentamento das incertezas presentes no contexto em que irão
atuar, nem a flexibilizarem o conhecimento ao se depararem com situações diferentes das
vivenciadas em sala de aula. A decisão desses educadores de como conduzir suas aulas tem
repercussão fundamental no desenvolvimento dos alunos, tanto na escola quanto em sua
atuação no campo profissional.
177
eminentemente técnico. Talvez o maior desafio das instituições de ensino seja o de repensar o
ensino dos atuais cursos de graduação e de formação docente para a área da saúde de modo a
buscar a formação de um profissional mais completo partindo de suas reais necessidades.
Assim, as condições disponíveis na formação dos enfermeiros assistenciais em
atividade docente não se mostram adequadas para associar as noções matemáticas aos
procedimentos de enfermagem, e a inadequação das práticas pedagógicas parece conduzir a
dificuldades difíceis de superar, das quais podem advir erros com decorrências irreversíveis.
Não buscamos generalizar os achados desta pesquisa, uma vez que foi realizada com
um reduzido grupo de enfermeiros docentes. Focalizar contextos reais e complexos, no
entanto, como é o caso dos procedimentos de enfermagem, permite refletir sobre o ensino e
aprendizagem de noções da matemática e da enfermagem e conceitos matemáticos
necessários para responder a situações concretas. Quando se discute a contextualização da
matemática e situações que produzam significados de conteúdos matemáticos para os alunos,
os problemas emergem – e não são poucos. Talvez devido à resistência a mudanças, posturas
pedagógicas diferentes das habituais são por vezes dificultadas pela dicotomia que se
estabelece entre o conforto e o risco. É nosso propósito vir a articular tais noções e conceitos
na formação de enfermeiros docentes, almejando que, adiante, tais ganhos se reflitam em
formação mais sólida de seus alunos de cursos técnicos.
Num primeiro momento, podemos adiantar que a questão de enfermagem a ser
elaborada e a seleção dos casos reais devem conduzir os estudantes a se questionarem sobre as
operações fundamentais com números naturais (adição, subtração, multiplicação e divisão),
números racionais e sua forma fracionária (simplificação de frações e transformação de
frações impróprias em números mistos), razão e proporção (regra de três simples), sistema
métrico decimal (unidades de massa, de comprimento, de volume e capacidade e de tempo),
números decimais (conversão de frações decimais em números decimais; adição e subtração
de números decimais; multiplicação de números decimais), divisão de números decimais e
porcentagem.
Em momento adequado, caberá levar o aluno a perceber a importância de utilizar
uma nova lógica que lhe permita decidir qual é a melhor dosagem (a exemplo da focalizada
na seção introdutória da presente pesquisa), ou seja, a lógica fuzzy. Acreditamos que os
179
estudantes, durante sua formação, deveriam ter contato com situações reais que promovessem
reflexão sobre as incertezas e ambiguidades presentes no cotidiano, a fim de terem
oportunidade lidar com a subjetividade presente nessa lógica.
Ao encerramos este capítulo, retornamos a nossas observações, descritas no início
deste estudo, sobre lecionar matemática a auxiliares e técnicos de enfermagem. Os resultados
de pesquisas em educação matemática e enfermagem e as reflexões sobre a realidade vivida
por esses enfermeiros docentes direcionaram o desenvolvimento deste estudo e apontam a
necessidade de lançar luzes que possam intensificar proveitosamente o debate sobre a
estratégia de ação educativa do enfermeiro que exerce docência em cursos técnicos de
enfermagem em nível médio, no que diz respeito à aplicabilidade da matemática à prática
profissional dos egressos.
Ser professor em qualquer área de conhecimento não é um estado mágico. Exige
preparo, formação e profissionalismo. Da mesma forma como a profissão de enfermeiro
assistencial se faz na relação com seres humanos que precisam de cuidados, a profissão
docente também se faz na relação com seres humanos em formação. Nesse sentido,
acreditamos que as bases de conhecimento daquele que exerce a função docente devam se
fazer presentes e o desafio das instituições é o de promover as condições necessárias para que
esse profissional tenha aptidões para atuar tanto na área hospitalar quanto na de docência.
Esses professores têm a responsabilidade de formar os futuros profissionais de saúde
e sua atuação na docência pode refletir-se diretamente na almejada qualidade da prática dos
futuros auxiliares e técnicos de enfermagem.
Temos o desejo de que o produto final deste estudo se caracterize em um caminho
promissor e possa contribuir para capacitar alunos e professores a transitar entre distintos
campos disciplinares, intervindo nas sociedade no enfrentamento de problemáticas
relacionadas não só a erros em cálculos de medicação, mas, de modo mais amplo, em
questões relativas a entraves à saúde, incluindo a violência, a pobreza, o consumismo e a
automedicação, entre tantos outros que geram demandas nos serviços e emergência e
urgência. Todas essas problemáticas são, direta ou indiretamente, alcançáveis pelas conquistas
que pudermos trazer ao ato docente, pois, como frisou D’Ambrosio em uma de suas palestras,
“Educar é um ato de amor, é um ato político, e a responsabilidade maior do professor vai
além da disciplina específica que leciona”.
180
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Outline%20of%20a%20New%20Approach%20to%20the%20Analysis%20of%20Complex%20Syste
ms%20and%20Decision%20Processes.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2016. (Os trechos citados na
presente tese foram traduzidos por Lúcia Maria dos Santos.)
191
O senhor (a) está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa que tem como
finalidade contribuir com subsídios para a área da Educação Matemática, em particular com a
formação enfermeiro docente e a sua relação com questões que envolvem a Matemática.
gerado da sua entrevista serão analisados apenas pela pesquisadora e seu orientador. Nenhuma
publicação ou outro tipo de material para apresentação em sessões científicas ou congressos
que tenham sido gerados, a partir dessa pesquisa, conterão dados que permitam identificar a
Instituição e os profissionais.
Benefícios: Espera-se que essa pesquisa possa gerar diversos benefícios para a o ensino e a
aprendizagem da Matemática no contexto da Enfermagem, pois a identificar neste processo,
os conflitos, dilemas e desafios, a partir da visão de pessoas diretamente envolvidas nesse
contexto, pode auxiliar na formação do enfermeiro docente e consequentemente na formação
do futuro técnico de enfermagem.
O desenvolvimento dessa pesquisa pode indicar a direção para outras pesquisas que
como esta, busque a melhoria do ensino da Matemática na prática dos profissionais de saúde.
O senhor (a) não terá nenhum benefício direto. Entretanto, esperamos que o conhecimento
que será construído a partir desta pesquisa possa auxiliar nas metodologias utilizadas em sala
de aula. Sendo assim, me comprometo a divulgar os resultados obtidos.
Pagamento: o Senhor (a) não terá nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa,
bem como nada será pago por sua participação.
Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para participar
desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se seguem: Confiro que recebi cópia
deste termo de consentimento, e autorizo a execução do trabalho de pesquisa e a divulgação
dos dados obtidos neste estudo.
Obs.: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, manifesto meu
consentimento em participar da pesquisa.
____________________________________________________
Nome e Assinatura do Participante da Pesquisa
__________________________________
Cícera Maria dos Santos Xavier
__________________________________
Ubiratan D’Ambrosio
1 Dados pessoais
Nome do professor (a) __________________________________________________________________
Idade: _______________________________________________________________________________
E-mail: ______________________________________________________________________________
Telefone: ____________________________________________________________________________
2 Informações profissionais
Curso que leciona: _____________________________________________________________________
Tempo de experiência docente: __________________________________________________________
Disciplinas que já lecionou: ______________________________________________________________
Disciplinas que leciona atualmente: ________________________________________________________
Qual ou quais disciplinas aparecem com mais frequência envolvem conhecimentos matemáticos:
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Tempo de experiência na assistência: ______________________________________________________
Acumula funções? ______________________________________________________________________
Se a resposta for sim, especifique quais funções acumula:
__________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
( ) Intuição pública
( ) Intuição particular
Bacharelado com habilitação para Licenciatura
( ) Intuição pública
( ) Intuição particular
Ano de conclusão: ___________ Instituição: _______________________________
Bacharelado sem Habilitação para licenciatura
( ) Intuição pública
( ) Intuição particular
Ano de conclusão: ____________ Instituição: ________________________________
Pós-Graduação: Docência em Enfermagem com habilitação para nível técnico e superior
( ) sim
( ) não
Ano de conclusão: ____________ Instituição: ________________________________
Mestrado:
( ) na área da enfermagem
( ) na área de formação de professores
( ) outros*
* se assinalou outros detalhar a área que realizou o mestrado:
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________
Ano de conclusão: ____________ Instituição: _______________________________
aluno gostar de matemática. O professor que vai trabalhar com esse assunto tem que ser uma
pessoa diferenciada.
Porque é assim. Infelizmente nós temos alguns profissionais que tem dificuldade com a
Matemática. Eu sinto assim. Também temos dificuldades com as operações básicas:
operações com decimais, proporção, porcentagem. Tem professor que tem dificuldade com
esses conceitos. Quando estou na coordenação, para atribuir as aulas eu vejo se aquele
professor tem afinidade. Não adianta ter a docência é preciso afinidade. Para mim essa
afinidade está ligada à formação e currículo. Tem profissionais que seguiram o mesmo
roteiro; fez o ensino fundamental, o ensino médio, a universidade e docência e você diversas
características nessas pessoas. Não só alunos, mas professores também apresentam
bloqueios com relação à Matemática. Às vezes eu fico olhando para esses professores e fico
me questionando: o que será que aconteceu? Saindo um pouco do foco eu fico me
questionado: como foi a infância dessa pessoa? Muitas vezes a infância não foi muito boa,
por exemplo, na parte de alimentação, então não teve um bom desenvolvimento, intelecto,
raciocínio. Pelo um ponto de vista isso interfere e muito. As escolas deveriam prestar mais
atenção nesse aspecto. Voltando, eu pergunto para meus alunos: você sabe contar dinheiro?
Eles respondem que sim. Então isso eles sabem, sabem dar o troco, e porque eles não sabem
fazer conta de subtrair. Refiro-me aos números decimais. Se você fizer uma mistura de
números inteiros com números decimais eles se perdem. Qual a técnica que eu utilizo: Bom
eu adoro matemática. Eu quando tenho oportunidade eu ministro essas aulas de
farmacologia para eles. Por exemplo: pergunto a eles como escreve dez reais no cheque, eles
escrevem direitinho, em parte numérica, não descritiva. Então eu vejo que não é
incapacidade da pessoa e sim a metodologia. É preciso inovar na forma de explicar e utilizar
recursos para atingir esses alunos. Houve alguma falha nesse percurso do aluno até ele
chegar ao ensino técnico. Eu só admito professores para lecionar farmacologia que tem
afinidade com cálculo. Não adianta ter a docência é preciso afinidade. Para mim essa
afinidade está ligada à formação e currículo. Tem coisa que a gente não tem como perguntar
para o professor. Você trem que ir devagar. Por uma questão de tempo e porque eu não
posso colocar a vida do paciente em risco, não é? Porque se esse professor entrar na sala e
não souber resolver o problema eu vou criar um bloqueio para este profissional também.
Então por uma questão prática eu prefiro escolher um profissional que realmente tenha
afinidade. Na vida a gente tem que ser prática, não é? Eu não tenho o ano todo. Minha grade
é 1800 horas no total. E a parte que o professor tem que desenvolver de farmacologia, esse
ano eu consegui aumentar de 60 horas para 120 horas para tentar embutir a matemática,
mas o tempo é escasso. O cálculo acaba ficando só como um aliado, na periferia, não como
um instrumento eficaz que pode te auxiliar a tomar decisões. Temos uma matriz curricular no
curso que não apresenta tanta flexibilidade. Enquanto coordenadora do curso, tive
oportunidade de reformular a matriz curricular, e rever o plano de curso para poder oferecer
as horas de farmacologia, revisão do plano de curso, eu tive oportunidade de oferecer 120
horas. Apertei ao máximo, preciso cumprir o programa e justifiquei para os órgãos
competentes que foi preciso aumentar as horas pelas dificuldades dos alunos e
principalmente pelos erros que apareceram na mídia então já aproveitei o gancho e encaixo
a matemática nessas horas. Quando os meus alunos vão prestar uma prova de seleção para
iniciar a carreira, prova de seleção, concurso. O maior bloqueio deles é com relação aos
cálculos com medicação. Tanto na parte de interpretação, de raciocínio, ligar tudo. Não
adianta nada você saber multiplicar e dividir de você não souber raciocinar, montar o
problema, entender qual é a situação. Falta de compreensão, falta de treino, falta de tempo.
Você vê. De 60 horas consegui aumentar para 120 horas. Se eu não consegui alcançar meus
objetivos aumentando as horas, então tem mais coisa errada que eu não sei! Consegui
unificar outras disciplinas e aumentei as aulas de farmacologia. Eu não posso colocar aula
197
ou não. Porque depois desse acidente... O cliente sempre tem razão certo? Você gostaria que
isso acontecesse com você?
Você tem que se colocar no lugar do outro. A partir do momento que você chegar, conversar
com o paciente, procurar saber algo a mais dele, relatar o que você vai fazer a chance de
erro é menor. Quando falamos para o paciente: olha eu estou fazendo essa medicação com
essa finalidade para a senhora, nesse momento você está fazendo um checkup, uma revisão
no seu cérebro, para ver se você realmente está fazendo a coisa certa se é mesmo
medicamento. Alguns minutos atrás, quando você preparou você está relembrando. Você está
dando chance a você e não dando apenas explicação ao paciente. Então você vai se acalmar,
porque associar os medicamentos aos cálculos é uma situação diferenciada. Enquanto você
está falando com o paciente você também está se acalmando, então suas chances de erros são
menores. Posso estar até errada da forma com que abordo isso com os alunos, mas acho
importante. Por que assim se você está falando, eu estou dando a chance também do paciente
falar, por exemplo: eu sou alérgico a esse medicamento. Não posso tomar!
Vou contar uma história: meu marido fez uma cirurgia em um hospital de ponta. Eu jamais
vou me identificar como enfermeira e professora. Lá eu sou cliente e sou acompanhante. Na
hora da alta fui procurar alguém para receber as orientações e uma pessoa veio falar para
mim. Vou explicar como é procedimento da alta e como fazer o curativo em casa. A
enfermeira falou para eu colocar uma solução no orifício. Eu disse não. Esta solução eu não
vou colocar. Essa solução não é para essa finalidade. O que eu quero saber é que tinha três
orifícios, então o que eu vou colocar. Fui obrigada falar que tinha 32 anos de formada por
isso estava questionando e dizendo que estava errado. Ai pediu desculpas. Fico pensando: e
aqueles que não conhecem e confia nas orientações?
E outra coisa quando você fala com o paciente, procura saber o que está acontecendo, você
está respirando e contando até 10 e se acalmando. Nesse caso é uma questão de segundos.
Acertar o cálculo, o acesso da medicação, principalmente o acesso venoso.
Não vou dizer que todos orientam os alunos dessa forma. Eu estou falando da minha
metodologia, embora o tempo é escasso, eu procuro trabalhar desta forma. A questão
psicológica do aluno é muito importante.
Tudo é questão de segundos. Teve uma aluna que fez uma prova prática em um hospital. Eu
falei para ela: fulana lembra o que eu falei para você. Na hora da prova você pensa que sou
eu quem está na sua frente. Deu certo, então ela faz isso sempre quando está lidando com
medicação e cálculo.
A formação dos alunos não é suficiente para acompanhar. No início, a gente também vai
aprendendo com eles. Se você me conhecesse. Eu comecei a dar aulas em 86, e quando eu
abri esta unidade em 2000, mudei, sou diferente. No decorrer do tempo eu também fui
moldada. Eu queria que eles aprendessem do jeito que eu aprendi. Mas vi que são cabeças
diferentes são gerações diferentes. Hoje eles têm acesso as informações muito rapidamente.
Precisamos nos habituar a isso. Você vê, tenho várias pessoas. Precisamos enxergar as
características: dos jovens, dos menos jovens. Aí eu vou ver qual é a necessidade. Nem todos
vão trabalhar em hospitais. Então eu vou ver o básico. Infelizmente se eu colocar
transformação, muitos cálculos de pediatria, eu vou assustar eles e acabam desistindo e eu
fico sem alunos na escola. Hoje o que eu faço com esse novo planejamento. Antes eu só
colocava uma disciplina de cálculo no módulo 2, no técnico. Agora na disciplina paciente
graves, eu coloco um pouquinho de matemática em doses homeopáticas, um pouco de cálculo
em cada sistema. Vou subindo o nível de complexidade. Aí por exemplo eu falo: no sistema
nervoso, quais são os medicamentos, então vamos fazer os cálculos com esses medicamentos,
vamos fazer contas desses remédios? Aí vai o sistema cardiovascular. As pessoas que tem
problemas com pressão alta, arritmia, enfarto, então aí eu apresento os medicamentos e
vamos realizar os cálculos. Foi uma forma que encontrei para aproximar. Então eu estou
199
vendo cálculo sempre. Se você aprende no início quando for usar nem lembra mais. Gostaria
de ter mais oportunidade de criar mais situações que explorassem outros assuntos.
No primeiro dia de aula, porque você procurou a gente? Então é o sonho deles. Quantos anos
eles lutam para chegar até aqui? Então com certeza muitos abrem mão de muita coisa para
estarem aqui. É um investimento. Porque eu vou quebrar o sonho desta pessoa com cálculos
de matemática? Então tem que suavizar esta matéria, sei lá. Nem sempre eu tenho
oportunidade de dar aulas para eles. A noite eu tenho quatro turmas. Então eu coloco
pessoas carismáticas.
Temos professores que falam mal da matéria que envolve cálculos que tem aquela distância.
Esses eu vou sempre mudando. Nem atribuo aulas para eles e não são poucos. Está cada vez
mais difícil ter enfermeiros-professores que tenham essa característica, de gostar de cálculos
e a matemática é um instrumento importante pata a tomada de decisões no contexto da
enfermagem.
Eu sempre pergunto para os alunos como eles estão indo. Tem que dar motivação. Isso é
real. Eu fiz a indicação de um dos melhores alunos desta turma para um teste em um
hospital. Ele não passou na prova. Foi reprovado em cálculo. Realizou 60% da prova
superbém, no então os 40% que eram questões sobre cálculos não conseguiu. No entanto não
podemos fazer um pré-julgamento dessa pessoa. Precisamos descobrir o que deu errado com
a metodologia!
A gente tem que tira este estigma de preconceito das pessoas e realmente ensinar buscar
meios para ensinar a matemática na enfermagem.
Entrevistadora: Obrigada pela atenção!
convidado a assumir outra turma. Então posso dizer que eu não procurei a docência. Foi o
acaso, mas sinto prazer em ser professor.
Eu já dei cálculo para duas turmas. Duas professoras sempre pedem férias nessa época, por
questões de afinidade, e pedem que eu assuma esta parte da matéria que envolve cálculos. A
disciplina é Farmacologia porque eu tenho afinidade e um pouco mais de conhecimento
matemático.
A impressão que tenho é que diferente da enfermagem para assistência. A enfermagem para
docência é utópica. Nos infelizmente chegamos a esse ponto. Na teoria é uma coisa, na
prática é completamente, muito, muito diferente. Nem tudo que você aprender, nem tudo que
você ensina, nem tudo te cobram, você consegue ou tem material e conhecimento para fazer.
Não temos ferramentas para desenvolver. Isso os cursos deixam a desejar na formação do
professor. Somos enfermeiros. Vou dar um exemplo: eu tenho duas alunas de uma turma
anterior a essa que elas marcam comigo, pelo menos duas vezes no mês, e elas pedem
autorização da coordenação para vir até aqui comigo só para fazer cálculo. Já são formadas.
Vem só para fazer cálculo, explicitamente só para fazer contas. Elas vêm aqui e eu dou
exercício de cálculo de gotejamento, cálculo de soro, cálculo de rediluição. Elas apresentam
os problemas e eu mostro os porquês o que está errado. Se você perguntar para os alunos e
até mesmo para os iniciantes em cursos de graduação de Enfermagem, eles vão dizer que
escolheram esta área por não ter Matemática, pelo menos 60 a 70% vão dizer isso.
Aí quando encontramos e eles também encontram a Matemática no Fármaco aí a casa cai.
Principalmente eu canso de escutar dos alunos: eu escolhi enfermagem porque não tinha
Matemática e olha isso!!!. E aqui, nesta escola a maioria das vezes trocasse de professor
quando entra cálculo. Aqui a última matéria a ser dada é a que envolve cálculo. É a matéria
que temos mais dificuldades e os alunos também. É a disciplina que mais reprova. Tanto é
que eles chegam e dizem que na teoria eles vão bem, mas quando chega o momento de
colocar na prática a Matemática sentem medo. Dizem professor você tem que me ajudar.
Falta um passo para eu ir para o estágio. Grande parte tem medo da Matemática e nós
também no ato de ensinar.
Esse medo dos alunos é por falta de base e do lado dos professores uma insegurança de não
saber explicar. Sei fazer, mas explicar não.
Entrevistadora: Como você lida com essa situação?
Os alunos não possuem uma formação sólida de matemática no ensino fundamental e médio,
então eu começo a matéria dando uma revisão das quatro operações matemáticas. O básico
do básico. Ensino a soma, com vírgula, a subtração com vírgula, a divisão com vírgula, a
multiplicação com vírgula. Com números inteiros eles bambeiam, mas chegam lá. Agora
quando você fala em números decimais isso é um problema de base. Eu estudei em escola
pública, porém eu tive uma excelente base. Muita coisa que meu filho vê em escola particular
eu vi na escola pública. O que mudou? Nesse nível de ensino? O que mudou na nossa
formação universitária? Não sei. Nunca acompanhei alunos em estágio para ver como eles
enxergam a Matemática na prática. Não tenho interesse em estágio. Não é algo que me
agrade. Minha praia é sala de aula.
O que mais trabalho nas aulas, por ser característica e conteúdo da farmacologia é cálculo
com medicação, pois é aí que precisamos de matemática. Quando chega na rediluição
aparece um monte de dificuldades. Existem diversas metodologias que os alunos tiveram com
outros professores. Cada um chega aqui com uma conversa. Eu vi no Youtube isso ser feito
em quatro passos de cálculo, meu professor do auxiliar ensinou com sete. Você tem que falar
para eles. Esquece tudo e vamos seguir a maneira que eu ensinar. Cada turma traz uma
bagagem diferente. Existe uma falta de comunicação, de formação também entre o professor
do curso de auxiliar e professor do técnico. Meu caso eu só dei aula para cursos técnicos.
Dependendo da dificuldade que os alunos me mostram eu tenho que pegar e continuar o que
a maioria entende. Minha metodologia é a seguinte:
O curso é apostilado, ou seja, uso apostila. Vamos combinar: é mais fácil e está prontinha
para o uso. Eu faço a revisão do conteúdo, sem envolver medicação, somente cálculos, eu
passo um número razoável de exercícios para que eles pratiquem de forma incessante, até
que eles mesmos se sintam exaustos, é o princípio da exaustão. Isso eu faço para que eles
202
desenvolvam o raciocínio e até o entendimento deles. Não uso nenhum tipo de tecnologia,
pois não temos muito acesso aos laboratórios nesta escola.
Eu falo para eles que os exercícios que vamos usar os números que vamos usar que vão
aparecer nos exercícios, os valores que vamos usar são hipotéticos, são valores absurdos,
por exemplo, correr um soro de 10.100 em uma hora e meia, coisa que na prática você não
vai usar, mas é Matemática, você trabalha com esses números absurdos na enfermagem para
abordar todas as possibilidades de números para que eles entendam a Matemática.
Depois você percebe que o aluno consegue fazer as contas aí eu começo ligar com a
Enfermagem, a entrar com valores reais, aqueles encontrados na prática da enfermagem.
Depois eu falo realmente dos valores que eles vão encontrar na sua prática, por exemplo,
500 ml de soro em uma hora e assim vai. Agora sim são valores mais reais. Não sei se estou
certo, mas foi a forma que encontrei de trabalhar a Matemática. Primeiros números
absurdos, depois números mais próximos da medicação e da realidade.
Até chegar ao ponto de ligar a Matemática à Enfermagem, eles já têm uma maior habilidade
com os números. Passou a fase do susto. Pelo menos é isso que espero.
Eu gosto de Matemática, porém os alunos não têm os conceitos necessários e por outro lado
a nossa formação não nos habilita adequadamente para pensarmos em estratégias e
metodologias. Cada um cria a sua do jeito que pode e pensa.
Você tem que recapitular tudo. Nunca falo de nenhum conceito matemático, por exemplo,
regra de três, porcentagem. Não dou nomes. Só mostro o cálculo separado da enfermagem,
depois enfermagem. É lecionar duas disciplinas. De um lado a matemática básica e de outro,
a farmacologia. O desafio é ligar as duas.
Entrevistadora: Você acha que com essas ações os alunos conseguem aplicar a
matemática durante sua vida profissional?
Sei lá, mas uma coisa eu digo para eles: se não aprenderem isso aqui, a matemática, não
passam no processo seletivo em nenhuma instituição. O processo seletivo está tão alto e a
situação está tão grave no meio (denúncias) que você vai fazer prova nos lugares e os
aplicadores já deixam claro que se têm três cálculos... Errou um... Não corrigem o resto da
prova eles param. Eu deixo a realidade clara para eles. Se eles não entenderem, se eles não
treinarem eles não vão conseguir entrar em uma instituição hospitalar. Assim eles acabam se
virando nos trinta, praticando algumas contas, praticando um pouco a matemática.
Voltando a questão da formação, a nossa graduação e o curso para docência não é um curso
que prepara para dar aulas e muito menos enfrentar o desafio de explicar a matemática na
enfermagem. Eles dão muita ênfase em saúde pública que é a área que mais domino. Não tem
muita discussão de como lidar com os desafios que poderão ser encontrados em sala de aula.
É cada um por si e DEUS por todos.
Na graduação, eles são diretos, cálculo de medicação. Apenas isso. Eles dizem aqui é
explicar Matemática é uma facilidade que estão fornecendo. Você já tem que saber os
conceitos da Matemática. Tem que chegar aqui pronto para desenvolver o cálculo que foi
proposto. O curso de docência eu transfiro meus conhecimentos que aprendi para a sala de
aula. A docência é uma incógnita com relação a sua finalidade. Como comecei agora, vejo
este curso como uma incógnita, sobre quais possibilidades que vou ter para atuar como
professor, desenvolver um bom trabalho.
Entrevistadora: Você disse que sua pretensão não era lecionar, ainda continua sendo?
No início não, porém, esta experiência de dar aulas é muito bacana. Pretendo continuar,
fazer o mestrado e dar aulas em universidades. Talvez pegue alunos com preparo maior em
matemática. No ensino técnico eles fazem perguntas que você jamais pensaria ter que
responder, agora explicar quando os cálculos não dão certo, de outra maneira é complicado.
Sei fazer mais explicar as razões, isso para mim é difícil.
E2: Podemos encerrar. Vai começar a aula.
203
E3: Após preencher o questionário, gostaria de falar abertamente sobre o assunto. Tudo
bem? Você pode interromper se quiser.
Entrevistadora: Claro. Fique à vontade para falar sobre o assunto.
E3: Fiz uma redação sobre as denúncias que meu professor pediu. Posso falar antes um
pouco sobre isso? Marcou-me profundamente.
Entrevistadora: Claro, pode sim
E3: Um erro de medicação não é somente quando tu fazes um cálculo errado. Tu erras o
paciente, tu trocas o medicamento, o médico prescreve errado e tu precisa estar atento a isso.
Nem sempre os médicos prescrevem corretamente. Não sei se você viu o que aconteceu com
os mais médicos. Eu estou dando um exemplo do que aconteceu. Não quero dizer que só eles
erram, estou dando um exemplo. Eles prescrevem uma dose se tu administrar aquela dose
você acaba matando o paciente. No fim os dois respondem por este ato.
Você tem que pegar a prescrição e insistir: é isso mesmo? Tem certeza. Chega a um ponto
que se a dúvida persiste você pede para ele administrar. Porque por pior que seja o
profissional ele deve conhecer os cálculos. De vez em quando, isso já aconteceu comigo. O
médico prescreve algo tão mirabolante que você precisa estar atento. Aí tu pega um
profissional que já vem de outro emprego, que já está demasiadamente cansado que você
pega, que teve um problema de família, aí tu chegas à unidade e todas as embalagens estão
iguais, como foi o caso da vaselina. Aí tu estás meio que desnorteado, aí ocorre o erro.
Todos nós estamos sujeitos a errar. Ai o presidente do COREn culpa a Educação porque é
mais fácil. Só que eles não falam que não fazem a fiscalização correta nos hospitais,
enfermeiro e técnicos cuidando de 20 leitos. Excesso de pacientes, o dimensionamento de
pessoal. A escala que é apresentada para o COREn está completa, mas na realidade está
faltando pessoal. Eles fiscalizam isso? É muito fácil você culpar. Você vê que ele tirou a
culpa da falta de fiscalização desses aspectos e jogou tudo para a educação. Temos
problemas sim na educação, porém é uma parte não é o todo.
Também tem o outro lado. Os erros cometidos pelos profissionais relacionados aos cálculos
são cometidos por falta de conhecimento. Eles ligaram o piloto automático, a mesmice,
confiando que sempre é a mesma coisa. Fazem a medicação sem refletir.
Lógico a educação está defasada, sim com certeza, porém um erro não justifica o outro. Mas
está difícil. O ensino da matemática, hoje em qualquer nível, tanto técnico, quanto
graduação, mestrado, docência para enfermagem, você tem essa deficiência. Na verdade, os
alunos têm problemas com o ensino de matemática no ensino fundamental e médio e o
problema reside, do professor e aluno, que é meu caso, nas operações básicas e isso dificulta
sua atuação na enfermagem. Vou ser sincera, na minha graduação, no curso para docência,
a formação não te dá isso. Pelo menos foi o que eu verifiquei na minha graduação e nos
cursos de docência. Sou enfermeira porque tenho formação, mas sou professor porque tenho
diploma, mas não porque tenho formação.
O que na verdade acontece em sala de aula é o seguinte: se tu tens facilidade com a
matemática você consegue fazer as provas e passar o que leva a você fechar o semestre.
Porque infelizmente tem que ter essas benditas notas. Eu sou contra essas notas. Na verdade,
tira-se a nota, mas a deficiência permanece. Mas o meu curso não me deu isso. Você vai ver
que na Pós-Graduação em clínica cirúrgica não me deram oportunidade de aprender a
matemática na enfermagem e nem ser professor. Por isso que existem cursos fora e nem
sempre temos disponibilidade financeira para pagar.
204
Se você quiser melhorar então você faz este curso. É caro e nem todos têm condições de
pagar. Só que tem algo que chamamos de prática. É ela que vai te dar um direcionamento.
Com muito custo você vai visualizar o que tu viste no caderninho da professora e tu vais
lembrar o que tu fizeste. Só que estamos em um plantão doido, porém não ficamos sozinhos.
Hoje em dia ninguém coloca você sozinho em um plantão para fazer medicação. Graças a
DEUS. E você tenta nesse ambiente fazer o que a faculdade não conseguiu: abrir tua visão
para você entender.
Na prática está a vida do paciente. Porém, nunca trabalhamos sozinhos. É uma estratégia
para se evitar os erros. Quando chegamos a um hospital temos que ter aquilo que chamo de
humildade. Quando você não sabe de alguma coisa, você tem que ir atrás de quem sabe mais.
Vou te dar um exemplo: Quando você vai administrar um sangue, você nunca vai sozinho,
chegamos até ter três pessoas, porque se uma deixou passar algum detalhe a outra não vai
deixar passar. Quando tu vais fazer uma medicação, existe outra regra que é assim. Hoje
existem as fórmulas prontas para você seguir, os remédios na dosagem certa. Tem a farmácia
na pediatria só que ela não dá conta, porque também o pessoal da farmácia não tem essa
visualização que o pessoal da enfermagem tem. Só que na pediatria funciona assim. Quando
você vai preparar um a medicação de tanto você fazer o procedimento já se torna a
preparação mais fácil e todo o posto de enfermagem tem lá, por exemplo: quando um médico
pede um raios-X para tu visualizar um cateter, ele pede 1 ml de contraste, então é um 1 para
1 a gente sabe que a gente vai aspirar 1 de soro e 1 de contraste e só vai aplicar o que 1 na
verdade eu não estou aplicando 1 e sim 4 de contrates. De tanto fazer você acaba decorando.
O que acontece é quando chega o pessoal novo que precisa de apoio os profissionais deixam
sozinhos e como a formação não dá conta de mostrar tudo para este profissional aí
acontecem os erros. Aí também entra a questão da humildade. Vou te dar um exemplo: Eu
nunca fiz esse cafezinho que estamos tomando, eu digo: Ciça, você me ajuda? Hoje os erros
acontecem porque ninguém enxerga o outro é cada um por si, a falta de humildade, as
pessoas hoje não estão se tolerando, é simples falar: eu não sei. Está difícil compartilhar.
Percebo que você tem uma bagagem maior que a minha, eu só leciono saúde pública,
fundamentos de enfermagem, noções de cuidado, se eu encontro uma pessoa que sabe mais
do que eu, tenho que perguntar para ela: como saio dessa situação? Eu falo para meus
alunos: não existe ninguém que não saiba nada e ninguém que saiba tudo, porque a vida é
um complemento é complexa. Lá nessa escola que eu dou aula, eu tenho quatro senhoras que
tem 55 anos e 4 alunas bem novinhas com 18 anos e aí tem mais uns 4 de 45 a 49 anos. Eu
sempre proponho atividades para que eles possam interagir, explico a necessidade da troca
de experiências de gerações.
Porque os mais novos têm uma bagagem impressionante: para as redes sociais, para a
internet. Só que a senhora tem a bagagem da vida. Bem provável que elas saibam matemática
mais do que todos nós. Com certeza essas senhoras têm dificuldades para entrar na internet.
Então a base do ensino na enfermagem, em minha opinião, se resume em humildade, troca e
união. Se eles se unirem vocês conseguem agregar conhecimento. Eu dou aulas, mas eu não
sei de tudo. De repente eu estou falando de um assunto que vocês sabem, então vamos
discutir. Só que na enfermagem tem um bendito, que eu não sei se vai quebrar um dia é o
individualismo.
O individualismo ele te trava as opções é onde acontece a maior parte dos erros, as nossas
dificuldades para ensinar principalmente matemática para as questões de enfermagem.
Quando você pega uma pessoa egoísta, um professor que atua junto contigo, não foi o
educador que deixou ele assim: egoísta. Porque hoje é assim. Qualquer graduação que você
faça tu sabes que tu não vais ter o conhecimento que você precisa. Infelizmente, tanto na
graduação quanto na docência você precisa procurar cursos e mais cursos fora para
aprimorar e dar conta do que a graduação e a docência deveriam ter fornecido. Por
205
lá tem várias formas de você praticar uma aula, por exemplo, sair daquela história de
continhas em lousa, você entendeu, não vai!!! Vai ter continhas, sim vai... mas agrega isso a
situações atuais, da atualidade. os professores poderiam articular esses cálculos a assuntos
de enfermagem de forma clara. Talvez teríamos mais sucesso e menos fracasso na
compreensão da matemática, pois o que coloca em cheque o conhecimento matemático é
quando temos que enfrentar uma situação diferente daquela que não foi calculada antes.
Por isso que se tem que conversar. Hoje as pessoas não têm tempo para isso. Não tem tempo,
porque quando a pessoa vai chegando onde você quer, o professor está quase explicando aí
corta a conversa e vai para outro assunto. Um exemplo é nas aulas de farmacologia. Na
farmacologia aprendemos as interações medicamentosas, porém quando chega na parte dos
cálculos, algo acontece que não se aprofunda e continuamos com as mesmas dúvidas. As
dúvidas são sobre os conhecimentos que utilizamos constantemente, como as operações
básicas, regra de três, porcentagem, números decimais. Tenho medo de cometer um erro
irreparável, de não estar à altura da profissão que escolhi. Tido é muito superficial e
precisamos de um professor que não fique só passando fórmulas v é igual a t divido por 3.
Precisamos de um enfermeiro docente que tenha disposição de explicar, mostrar os erros, os
porquês dos cálculos. Não simplesmente pegar a fórmula e falar: “Faça assim que dá certo”.
O professor enxergou, mas não enxergamos esses cálculos, não entendemos direto. Esse tipo
de situação que ocorre na realidade não foi trabalhando em sala de aula.
Então hoje também falta diálogo. Eu estou falando da educação em enfermagem, de
matemática na enfermagem.... Vamos mudar, vamos colocar situações como se você já
estivesse atendendo alguém, vamos fazer diluição de soro, envolver outros conhecimentos,
sem ficar só na lousa, e vai, e vai, se isso desse certo eu teria aprendido. As coisas que
acontecem no contexto real não foram passadas na universidade. Fomos pegos de surpresa.
Isso não achei uma postura adequada da universidade nem dos professores na minha
formação. Temos muitas incertezas, principalmente quando temos que aplicar a matemática
na enfermagem.
Posso usar uma doença para falar de coisas que não estão no programa. Se você junta tudo
isso fica mais fácil de tu fazer aquela medicação de uma forma mais fácil, tu não vais errar
tanto. Aí você vai mostrar para o aluno que aquele paciente, por exemplo, não está com asma
apenas por conta do cigarro. Sempre colocamos um vilão. Sabemos que o cigarro é um vilão
sim, mas quando o paciente não troca a roupa de cama dele toda semana, se ele não troca ele
está contribuindo para aumentar esse problema de asma. Ele não sabe que as vezes eu tenho
a roupa de cama, e eu troco tudo direitinho, mas uso fogão à lenha, mas eu não fumo, tenho a
roupa de cama trocada tudo direitinho, mas eu uso fogão à lenha e a fumaça? De onde vem
essa fumaça? De onde vem a asma se ele nunca fumou? Será que é só fogão à lenha? Então
aí acredito que você mostra possibilidade para os alunos.
Então eu vou fazer uma medicação se eu não higienizar as minhas mãos, eu já estou
contribuído para aquela medicação não agir corretamente. As bactérias que estão em minhas
mãos se eu não as lavo, já contaminaram. Essa medicação não está mais estéril. Uma coisa
tão simples, mas que já não vai atender aquele paciente de melhorar a asma. Eu acho assim,
que faltam novas estratégias para se ensinar matemática, novas metodologias. Mudar um
pouco. Lembra quando nossa mãe ensinava a fazer bolo de cenoura? Que tinha que ir um
copo disso, 1 copo daquilo? Porque não inovar? Fazer um bolo diferente?
Entrevistadora: Porque ser professor?
Eu escolhi ser professora porque eu acredito que todo mundo pode mudar, todos podem
chegar a excelência e por ter a oportunidade de obter mais uma fonte de renda. Não importa
se você teve ou tem deficiência em matemática. Embora você perca espaço, você pode
ensinar outra disciplina que não seja matemática, porém limita seu campo de atuação. Bom o
que me incentivou a dar aulas? Porque eu vim de uma família muito pobre e eu trabalhei em
207
casa de família de 1990 a dezembro de 2003. Aí resolvi fazer um curso técnico de raios-X,
pois percebi que os profissionais domésticos não têm crédito para ninguém, para a
sociedade.
Quando eu cheguei da Bahia para cá eu era analfabeta. Eu comecei a ler revista da minha
patroa e ela assinava a revista veja e a época. Não sei se tu percebes até hoje eu tenho
dificuldades em alguma pronúncia, mas eu tento melhorar. Então eu falava assim: eu sou
capaz e aí eu olhava da janela e via aquelas meninas saindo do trabalho e elas se reuniam
todas as tardes com os porteiros para falar assim, sabe, para fofocar. Eu pensava assim,
nesse tempo eu vou procurar ler alguma coisa e eu procurava e procurava. Eu queria mudar
de vida. Então fui fazer o curso técnico de raio-x, fiz um ano de estágio gratuito e as pessoas
falavam que raio-x não dava para mulher.
Que era uma área só der homens. Agora tu imaginas, eu com esse tamanho todo [risos].
Então eu coloquei na minha mente um desafio. Eu vou chegar lá. Aí fiz o curso e finalzinho
de 2003 eu fui contratada no Hospital Santa Helena. Aí quando cheguei lá, um motivo que me
incentivou a ser professora nasceu dessa experiência. Eu comecei a ver que a enfermagem
brigava muito com o pessoal do raio-x. Aí que me levou a estudar enfermagem e docência é
que eu fui atender um paciente do hospital Santa Helena e a enfermeira veio gritando feito
uma louca em cima de mim e de outro colega.
Cuidado que esse paciente está com pique, cuidado que esse paciente está com pique. Eu
falei para ela o que é pique? Ela respondeu: Maria do Carmo você não sabe o que é pique?
Vai estudar. Eu respondi: sim eu vou, mas me responde o que é esse diabo desse pique? Ela
saiu e não me respondeu. Nossa como eu vou fazer o raios-X do paciente se eu não sei o que
é pique? Pique nada mais e nada menos é pressão intracraniana. Só que o paciente não
estava com pique.
O paciente estava com um cateter inserido na cabeça que é para controlar a pressão
intracraniana. É um cateter muito delicado que se você por um descuido esse cateter é
sacado, o paciente tem que sair correndo da UTI para o centro cirúrgico. E aí você tem que
localizar a equipe cirúrgica, o médico daquele paciente é um vurduço. Isso se o abençoado
não morrer. E isso me levou a fazer a universidade de enfermagem. E na mesma hora tinha
uma médica presenciando o fato e pedi a ela que me arrumasse alguma coisa para ler para
eu saber mais sobre a pique porque não está dando não.
Ela me adorava e ela baixou um artigo na internet e disse: Carmencita, estuda porque esse
pessoal pega pesado, mas nem eles sabem. Aí eu falei vou estudar, porque essa enfermagem
briga tanto com o pessoal dos raios-X? Seria mais fácil compartilhar o conhecimento. Por
isso fui para a faculdade e descobri que a briga da enfermagem com o pessoal de
enfermagem é falta de comunicação. Tudo isso é pura falta de comunicação. Aí eu fui
estudando, estudando e, quando terminei minha faculdade em 2008 finalzinho de 2008 eu fui
chamada para lecionar em uma escola que não gostaria que você citasse o nome.
Não importa se eu não falo correto o que for dado para eu ensinar eu vou tentar, vou correr
atrás. E aí eu peguei esse gosto por dar aulas. Mas ainda não consegui me relacionar como
deveria com cálculos, até tento passar para os alunos. Tem professores que se colocam de
uma forma um tanto quanto esquisita: lá em cima entende? Teve uma enfermeira-professora
que chegou na sala de aula dizendo que ela nunca erra. Imagina você está nos seus primeiros
dias de aula, você pergunta alguma coisa e o professor enrola e ainda diz: gente eu sei o que
estou falando, isso acontecia com as questões que envolviam cálculos.
Os professores desta instituição nunca erram ainda salientava a professora. Então isso me
levou a lecionar. Outra coisa você não muda logo no primeiro ano. Você pega pessoas que
faz mais de dez anos que não entra em uma sala de aula. Tu não vais querer que essa pessoa
apresente um resultado satisfatório dentro de um mês. Precisamos incentivar orientação, dar
um bom filme apara ela assistir, uma metodologia atrativa, até música, tudo isso deveria
estar no currículo. Tudo isso para a pessoa ir aprendendo. Porque eu tive uma professora no
curso de enfermagem que brigou com a turma e disse: vocês são tão ruins, principalmente em
matemática que vocês não vão chegar a lugar nenhum. E tinha meninas muito boas na sala.
Continuou dizendo: eu quero ver vocês fazerem uma universidade pública. Imaginem desse
jeito vocês matam o paciente. Imagina? Eu já tenho problemas com a matemática, escutar
isso me causou pânico. Porém isso me levou a querer mais e mais lecionar. Então o aluno
comigo pode desistir depois. Porém, enquanto ele estiver sob meus cuidados não posso
deixar isso acontecer entende? Porque hoje, desculpe. Sei que você leciona matemática, mas
hoje tem professor matando aluno e você não sabe! Professor matando sonhos! E a pior
coisa é quando alguém de mata os sonhos. Porque você pode não ter cultura, pode não ter
dinheiro, mas tu tens sonhos então vamos ajudar esse aluno. Pelo menos o sonho dele chegar.
Isso tem a ver com a forma que se ensina matemática.
Muitos professores trabalham com conteúdo que nunca iremos utilizar que podem ser úteis
para os engenheiros, por exemplo, mas para quem irá atuar na enfermagem não têm
significado. Eu tive uma professora também chamada Rosemary e quando aconteceu tudo
isso que acabei de relatar eu chorei muito. Em farmacologia e fisiologia eu sofri muito pelas
dificuldades com a matemática. O que eu chorei por conta de fisiologia! Eu vim entender
fisiologia depois que eu saí da universidade. Porque lá é muita coisa, você tem que dar conta.
Eu acho que também isso prejudica, coloca-se muita coisa no currículo de tudo um pouco e
no fim nada relacionado com nada, tudo separado.
E a Rosemary levou no jardim da universidade e me disse: você tem um potencial grande
porque enquanto todo mundo brigava eu apaziguava. Ela disse não deixe nenhum professor
tirar isso de você. Porque você vai dar uma ótima professora. De repente você nem vá
trabalhar na enfermagem, mas ela pode te abrir um leque de opções. Eu acho que ela ficou
sabendo da briga da professora e se posicionou. E por isso que eu quis lecionar.
Olha apesar de a matemática estar envolvida em toda nossa vida. Matemática para mim é um
bicho de sete cabeças. Você não consegue ter uma definição para o que é matemática. Só que
a matemática, hoje eu sei que a matemática está em toda sua vida. A política está voltada
para a Matemática, a nossa vida do dia-a-dia, você vai a feira tem matemática, tu tá tomando
banho tem matemática. Tu não controlas a quantidade de xampu que tu usas? Não é? Tá
pouco? Tu fazes uma média de quanto vai usar até tu comprar outro? Isso é matemática, mas
que ainda permanece uma interrogação. Na enfermagem é mais complicado ainda. A
matemática na enfermagem é mais complicada ainda. Matemática na enfermagem é
complicada, mas é só você entender.
Na verdade, eles, os alunos não são todos iguais. E nós também. O que acontece é que ainda
não estamos disponíveis para entender essa questão. As universidades também precisam
estar disponíveis para tratar essa questão, fornecer mais apoio, mais metodologia para nós e
consequentemente, para que possamos ensinar os alunos. Eu gostaria que na universidade
209
trabalhasse com mais exercícios, mais situações, algo mais próximo da nossa realidade.
Parece sempre que a teoria é uma e a prática é outra. Tudo muda!
Além disso eu digo que a matemática não é só aquela da medicação, por exemplo, na
contratação de pessoal para UTI, dimensionamento de pessoal, não tem nada a ver com
remédio, quando você vai fazer um atendimento de um paciente você tem que fazer a folha de
custo que é matemática, aquela folha de custo depois vai para a contabilidade, olha a
matemática aí. Quem sabe com essa pesquisa você consiga abrir alguma possibilidade de
tratar esse assunto com as universidades.
Entrevistadora: Obrigada pela participação
As dificuldades são com as operações básicas e aí temos um grande desafio. Quando eu não
consigo transmitir os cálculos eu chamo o professor de matemática do ensino fundamental ou
médio que eles têm outro olhar para ensinar matemática e aí eu entro com os cálculos de
medicação. Tem coisas que os alunos perguntam que só o professor de matemática consegue
responder. Nós utilizamos vários livros desde a Arlete com cálculos de medicação, livros da
EPU artigos vindos do Scielo e apostilas elaboradas pelo próprio professor da disciplina.
Dependemos do conhecimento do professor, mas o que predomina entre os professores é o
uso da apostila.
Antes a farmacologia vinha embutida em todas as disciplinas fica mais difícil. Agora ela vem
isolada, não sei se isso é legal. Cada um ensina de um jeito. Assim tentamos ter uma voz
única. Você vai adequando essa grade e os alunos são avaliados a cada final de semestre.
Não são muitas horas que temos de farmacologia. Ela tem 80 horas e esse tempo temos que
dividir com anatomia e matemática. É pouco tempo para muitas dificuldades. Então não é só
farmacologia. O laboratório são 160 horas de semiótica. O curso total tem que dar mais de
1200 horas.
Os alunos têm dificuldades de relacionar os conceitos trabalhados em enfermagem com a
matemática. Meus alunos perguntam por que tem que ter cálculo na enfermagem? Eu
repondo: se você der um remédio errado muitas vezes você aleija e a maioria você mata. Eu
uma dose que é para mim não é para você. Hoje com a gama de medicação que a gente tem
você tem que saber fazer os cálculos. Vamos dar um exemplo da Vancomicina, ela vem um 1
grama e uma criança precisa usar 120 mg. O frasco não vem pronto para você. É preciso
saber fazer as contas. Então a matemática tem que ser aprendida, querendo ou não você
precisa saber os cálculos. No dimensionamento de pessoal de área quadrada onde você vai
cuidar do paciente, você precisa saber fazer os cálculos. Se você vai quantificar, a gente
mexe muito com tabelas principalmente em gestão e vigilância, você precisa fazer os
cálculos. Você precisa saber, por exemplo, porcentagem, qual seu público alvo, qual a
porcentagem de que você quer atingir. Qual a porcentagem que você vai considerar para
uma amostra. Cabe ao professor, em todas as disciplinas deixar isso bem claro. Se você vai
para uma UTI o cálculo matemático para cuidar dessa criança.
Esses dias eu fui fazer uma ação de saúde em uma escola, um professor de geografia ele tem
um projeto junto com o professor de matemática que é de dança. Para você saber dançar em
cima de um palco, você tem toda uma área geométrica que você precisa estudar. É aquilo,
cada um no seu quadrado para ter harmonia. Na enfermagem poderia acontecer isso. Ligar
várias áreas do saber, talvez isso pudesse diminuir os problemas. Voltando aos alunos eles
vêm crus. Eu tive uma sala de trinta alunos na qual, no primeiro dia de aula eu dei contas de
dividir com vírgula, apenas cinco acertaram e os outros 25 nem souberam sair do lugar.
Não sabiam por onde começar: professora: não lembro professora eu não sei. Gente é
matéria de quarto ano. Eu peguei essas contas do meu filho que está no quarto ano. Eu tenho
que ensinar tudo de novo. Fiquei mais de 4 aulas ensinando as regras da matemática. A
maioria dos nossos alunos é adolescente, mas o nosso público são pessoas que faz 5 a 15
anos que não pisam em uma escola. Isso não quer dizer que os adolescentes não tenham
dificuldades. Alunos de EJA, alunos do estado.
Entrevistadora: Como é a formação do enfermeiro docente. Você acha que vocês estão
preparados para enfrentar todos esses fenômenos que você acabou de citar?
E4: Antigamente éramos formados para dar aulas de enfermagem e muito bem formados.
Agora a docência ela visa saber legislação, qual a teoria da moda, saber as leis, as
diretrizes, o professor da área da enfermagem não é formado para Enfermagem
didaticamente. Quando você faz a docência somos formados para sermos generalistas.
Conclusão: vemos de tudo um pouco e esse pouco está ligado com o nada, vê tudo menos as
questões didáticas de Enfermagem, como ensinar o aluno, metodologias. Fico me
211
perguntando: quem pensou nesse currículo? Eu te digo isso porque quando eu fui fazer a
licenciatura eu vi de tudo um pouco menos enfermagem. Eu falava todo dia: o que eu estou
fazendo aqui? Percebia que alguns de meus professores estavam ali sem prazer. Ser
professor era um bico. No entanto, eu preciso dessa licenciatura pata dar aulas! Se eu não
tivesse afinidade com a matemática ficaria difícil lecionar farmacologia. Muitos perdem
aulas por não dominar o conteúdo e, quando procuram um curso que te dê essa base, não
encontram. É por conta da bendita matemática que os erros em dosagens acontecem. Eu falo
muito disso para os alunos.
Entrevistadora: quais as metodologias utilizadas no curso?
E4: Aqui nós temos alguns professores, a grande verdade é que lidar com o outro não e fácil,
embutir o novo na cabeça dos mais antigos não é fácil. Também temos dificuldades com as
operações básicas: operações com decimais, proporção, porcentagem. Tenho a leve
impressão que não sabemos matemática. O professor não sabe e a universidade compactua
com isso. É preciso suprir essa necessidade. Na universidade tenho a desconfiança que nós
aprendemos matemática junto com o professor. Acho que para eles falta reflexão e paciência.
Aqui os professores também têm dificuldades, mas eles só falam da dificuldade dos alunos.
Muitos professores aqui têm dificuldades de mostrar isso para o aluno. Muitos deles é porque
vem de uma experiência da área hospitalar. Se hoje eu aplicar uma prova com alguns
conceitos matemáticos, muitos professores ficam no meio do caminho. Então é mais fácil eu
pegar uma Vancomicina de 1 grama e diluir 10 e saber que eu tenho que tirar 500 ou 250 do
que eu mostrar para o aluno esses cálculos na pediatria, na qual eu tenho que tirar o mínimo
e fazer muitas contas de números quebrados. Simplificam as coisas por não saber explicar.
Na pediatria eu preciso ter o raciocínio lógico. No adulto os números são inteiros,
redondinhos. Com adultos você trabalha com números mais inteiros. Você dá uma grama,
você dá 500 gramas, você dilui 10 e dá 5, dá 750 dá 7,5. Agora para uma criança de uma
grama você tirar 120 mg tirar 130 mg, você percebe que tem que fazer uma conta maior? Ou
fazer uma coisa que a gente chama de rediluição, quebrar em partes muito pequenas?
Trabalhar com fração? Geralmente os professores fogem dessas situações em sala de aula.
Apresentam situações com números redondinhos dizem ser mais fácil para os alunos. Fico me
perguntando: será que é mais fácil ou ele tem dificuldades para ensinar? Não tem
conhecimento suficiente? Não sei. Só sei que isso me fez falta. Senti que eles evitavam
abordar esse assunto. Dão as coisas tudo bem certinho. Talvez eles não quisessem se expor
ou, se sabem, não queriam ter o trabalho para explicar, pois sabem que muitos têm
problemas para compreender a matemática.
Sempre teve aqueles problemas clássicos que se encontra em qualquer livro. Não teve
nenhum caso desses de um número quebrado. O professor falava que era mais fácil para a
nossa compreensão trabalhar apenas com números redondos, certinhos. Também para os
professores que apresentam dificuldades para ensinar este tipo de cálculo fica complicados.
Gosto de matemática, mas não gosto de falar sobre minhas limitações em matemática. Creio
que ninguém gosta. Sinto-me inibida e um tanto fracassada e frustrada.
Primeiro passamos vários exercícios de matemática, depois exercícios de enfermagem onde
eles utilizam os conceitos matemáticos. Aí é a confusão: esqueceram tudo. Não fazem a
ligação. Passamos muita lição de casa, mas acredito que poderíamos utilizar mais a internet,
mais atividades atrativas para os alunos. Como disse anteriormente é difícil embutir o novo
na cabeça dos mais antigos, talvez seja porque os alunos são mais ligados a questão da
tecnologia e não temos tanto preparo para tal. Quando digo usar o novo é usar a tecnologia.
Os professores aqui são resistentes. Aqui até para você pedir um estudo de caso diferente,
que possa fazer com que o aluno se aproxime mais da realidade. Para não perder o tempo eu
peço para o professor fazer um estudo de caso, criar um caso. Ele fica olhando? Que bendito
212
estudo de caso é esse? Ele pensa que é pegar um paciente com tuberculose e eu discorre tudo
sobre tuberculose, sem problematizar.
Talvez a falta de situações reais para a gente trabalhar. Não teve. Talvez seja por isso a
dificuldade. E se a bomba de infusão parar? Como devemos proceder? Isso é real e é
complexo. Só que tem algumas coisas: por exemplo, na UTI está correndo adrenalina na
bomba de infusão. Por exemplo, ela corre 0,02 ml em uma hora. Não dá para programar em
um equipo essa quantidade; por isso utilizamos a bomba de infusão, porque manualmente
seria impossível fazer isso. Uma pessoa que precisa dessa quantidade, então, ela não pode
fazer isso em qualquer lugar. Por isso precisamos mais situações da realidade e realmente
trabalhar com esses casos na universidade. E4: O que teve nas aulas foi muito ou sim ou não.
É ou não é. Isso não responde os nossos problemas.
Para nós é pegar um caso entender seus detalhes, suas origens, qual foi meu cuidado hoje, o
que o paciente relatou quais as ações que eu posso ter para orientar o paciente, qual a
medicação que ele está tomando, qual é meu prognóstico para ele amanhã, como é a vida
desse paciente em casa, só que o professor não problematiza aquilo que acontece na
realidade de um hospital, que os alunos também podem e devem ser educadores, agir para
orientar antes da doença se instalar.
Para isso é preciso conhecer o paciente, a doença, os medicamentos, os cálculos, tudo isso
em conjunto. Só que o professor não entende isso. É difícil propor o novo para pessoas mais
antigas. Eu tenho uma professora aqui que diz: você quer ensinar isso para mim? Eu já tenho
25 anos nessa área, não tenho mais nada para aprender. Só que na enfermagem é uma das
áreas que tudo muda rapidamente, todo dia você tem que estudar aprender algo novo. Minha
primeira fala para o aluno é que se você quer fazer enfermagem, saiba que todo dia você tem
que estudar. Tem que aproveitar todo o tempo, dentro do ônibus, no metrô, tem que ler. Na
enfermagem tudo muda muito, muito rápido. É igual à Medicina. Ontem a ceftraxiona era de
última geração, hoje já chegou outra no lugar dela e juntamente os cálculos para
administração. E é tudo muito rápido, igual à internet. Tem gente que para no tempo e lá
ficou.
Olha, na prática as situações não são bem-comportadas. Como eu tenho facilidade com a
Matemática e há mais de quatro anos só eu ministro aulas de farmacologia, nas minhas
turmas eu trabalho muito com estudo de caso onde eu apresento rediluição. Um exemplo: A
criança entrou no hospital com pneumonia e ela precisa tomar 175 mg de cefritriaxona de 8
em 8 horas e só possuímos frasco de 1 grama. Então ele vai ter que demonstrar passo a passo
como ele faz. Ele precisa trabalhar com frações. Quando eu crio esses casos não deixo dar
número redondo. Preciso mostrar como é na realidade. Se deu 1,6666, para mim não é
número, eu preciso trabalhar com número real, um número inteiro. Eu o faço ele refazer a
conta, tirando ou pondo solvente água mais ou menos, eu não posso ter uma casa depois da
vírgula, duas casas depois da vírgula, não pode sobrar resto. Se eu arredondar 1,6666, se for
para 1,67 eu estou 0,004 a mais do que a paciente precisa. Na Matemática é uma coisa, na
enfermagem é outra. Eu preciso ficar frisando muito bem isso porque senão eles não
entendem. Digo a eles vamos somar, o paciente tomou 4 aqui, 4 ali, então o paciente já
tomou 0,16 a mais do que era preciso durante o dia.
Foi um prazer tratar desse assunto. Precisamos de mais metodologia para tratar desses
assuntos. Fico me perguntando o que leva uma pessoa fazer enfermagem. Antigamente era
status era chique falar: sou enfermeira assistencial. Só que você trabalhava e tinha um
vínculo com seu emprego, com os pacientes de coração. Hoje o vínculo é empregatício,
porque querendo ou não o nosso país, o mundo é doente. Então se emprega muito, mas em
compensação por outro lado sofremos uma grande perda de desvalorização de nossa
categoria, os cursos deixam a desejar tanto para a formação para a assistência, quanto para
a docência. A situação política, social e econômica do país, na ajuda. Tem-se que tirar
213
dinheiro para alguma coisa, se tira de onde? Da saúde e da educação. Eu espero que eu
tenha correspondido com este diálogo que considerei muito pertinente devido as denúncias
que nossa classe vem recebendo pelas mídias.
Entrevistadora: Com certeza colaborou muito. Agradeço imensamente sua atenção e
participação. Muito obrigada!
Entrevistadora: Por que você escolheu ser professor da área de enfermagem. Fale um
pouco sobre sua formação.
E5: Vou falar sobre como foi minha formação na graduação e coo a pesquisa é sobre
matemática na enfermagem, também vou falar sobre isso. Pode gravar.
Entrevistadora: Que bom! Obrigada. Estou iniciando a gravação.
E5: Sou Enfermeira graduada há 10 anos e leciono porque, ainda estou estudando no curso
da docência e lá eles falam que a identidade do professor é muito importante. Ser Enfermeiro
é uma coisa que a gente aprende durante a faculdade só que ser professor a gente não
aprende na Universidade. Eu e os demais professores temos a tendência de replicar o que
aprendemos durante o curso superior. Ser Enfermeiro é completamente diferente de ser
professor da Enfermagem. Uma enfermeira que exerce a função de professora de professora
ela tem que ter conhecimento pedagógico, ela tem que saber explicar o conteúdo da
disciplina, ela tem que saber fazer, e nos aspectos relacionados a Matemática,
principalmente tem que conhecer realmente como ela entra na questão da Enfermagem. Ora,
estamos lidando com vidas. Tem que saber explicar realmente. Além disso tem que ter
conhecimento sobre qual metodologia que vai ser aplicada. Então, a questão de ser
professor, para mim, sempre foi muito latente. Ser enfermeiro é uma coisa que a gente
aprende durante a faculdade, e eu aprendi.
Primeiramente, eu entrei na Enfermagem, sem querer, foi um acidente de percurso. Na época
não existia esse diagnóstico: conversar com alguém que pudesse orientar sobre as aptidões.
Eu tenho hiperatividade, mas eu não tenho déficit de atenção. Então os professores tiveram
muita dificuldade e para me controlar em sala de aula. Até que a Psicóloga da escola
encontrou uma saída: ensinar meus colegas em sala de aula. Assim, eu comecei a ser
professora muito cedo. Na verdade, eu sou Enfermeira por acidente e professora por
vocação, por afinidade, por natureza é quase assim, nasci professora. Então existe uma
grande diferença como falei. Ser Enfermeiro assistencial é uma coisa e ser professor é outra,
também a formação é diferente. Ser docente em Enfermagem é diferente de ser docente. Hoje
só me dedico a isso, eu leciono pela manhã e noite. Eu só trabalho com isso. Eu não presto
assistência porque não é meu perfil.
A minha formação foi interessante. Como disse anteriormente. Eu combinei com o meu pai se
não gostasse do curso eu trancaria a faculdade. Só que na minha primeira aula de fisiologia
minha professora era muito voa e eu fiquei completamente apaixonada por fisiologia. E no
outro dia eu tive aula de cito embriologia e me apaixonei mais ainda. Eu tive uma professora
muito especial e ela percebeu minha paixão.
Eu não fiz o percurso natural que todos fazem: eu não fui auxiliar ou técnica de enfermagem
e ela percebendo minha ansiedade com as questões hospitalares, com os pacientes. Ela se
propôs a me levar alguns finais de semana no Instituto Dante Pazanezi e eu comecei a
aprender Enfermagem. Enquanto estava apendendo a teoria já estava tendo algum contato
com a prática e fui gostando da questão do cuidar. Quando fui para o estágio, novamente
surgiu a questão de ser professora. Ensinava meus colegas alguns cálculos com medicação.
214
Na verdade, esta parte de cálculo não me chamava atenção por ser muito complicado.
Gostava mesmo de semiologia.
Minha ansiedade era muita e parecia que nunca terminava, pois, utilizar a Matemática, por
exemplo, em cálculos com medicamentos eu me desesperava. No Bacharelado não tive muita
coisa. Os professores sabiam menos que eu. Você tem muitas técnicas para aprender que são
específicas da área da enfermagem. Não temos uma disciplina específica para tratar da
Matemática. Na verdade, você aprende alguma coisa, no meu caso dentro da disciplina de
semiologia. No curso técnico de enfermagem no qual leciono eles tratam a Matemática na
disciplina de Farmacologia, pois aí se encontram a maior aplicabilidade da Matemática que
são os cálculos com medicação. Existe um problema na Universidade: a disciplina de
Farmacologia é ministrada por uma pessoa formada em Farmácia, não é um Enfermeiro.
Então, começa a complicação, pois não aprendemos os cálculos em fármaco. A Matemática
acaba por ser associada as questões de introdução à Enfermagem e, nessas aulas
aprendíamos de tudo, menos Matemática. Assim, eu tive que fazer cursos livres. Os meus
colegas que atuavam como técnicos, assim como eu procurou cursos livres, pois é uma
dificuldade tanto para nós, docentes ou assistenciais, bem como os alunos, associarmos a
Matemática que supostamente aprendemos nos ensinos fundamental e médio com as questões
da Enfermagem.
Entrevistadora: Pode falar sobre essas dificuldades?
E5: A Matemática dos ensinos fundamental e médio parece ser diferente daquela usada na
Enfermagem. Eu não conseguia entender algumas coisas. Porque como foi abordado de
forma rápida e superficial em sala de aula, como por exemplo, as fórmulas de volume sobre
tempo, a regra de três simples, números decimais, se arredonda ou não, operações básicas:
multiplicação, divisão, principalmente com decimais, isso não foi ensinado, isso literalmente
foi jogado. Isso é simplificar o que precisamos aprender de matemática e disfarça as tramas
da enfermagem. O professor falava que temos esses conhecimentos antes de entrar na
Universidade e temos obrigação saber. No entanto, na Enfermagem esses cálculos não
funcionam. Não é uma coisa estática certinha e sem questionamentos dos resultados dos
cálculos como aprendi eu e os demais colegas da Universidade nos fundamental e médio.
Como meu pai me ajudava financeiramente, eu fiz cursos apostilados no COREN, fiz no
SENAC, todos esses cursos foram a parte da faculdade para poder aprender e ensina meus
alunos, ensinar meus alunos e compreender como funciona a Matemática nos procedimentos
da Enfermagem. Não foi um curso que pudesse sanar todas as dúvidas, mas é melhor
aprender algo do que não saber nada. A incerteza de ensinar algo que não se tem segurança
é complicado.
A maioria dos meus colegas não tiveram essa oportunidade. Aqui aponto uma das falhas na
minha formação. Assim como eu, todos deveriam ter a oportunidade de tratar as questões de
Matemática no próprio curso de Bacharelado ou Licenciatura. Muitos tinham dificuldades
financeiras para pagar um curso. Isso não aconteceria se fosse dado mais atenção para esses
aspectos, pois muitos não aprenderam os cálculos básicos durante a sua formação e deveria
se levar em conta e não é tão simples transpô-los para as situações encontradas na
Enfermagem.
Hoje eu consigo ministrar aulas que envolvem a Matemática, porque eu fui procurar um
reforço, não pelas condições que a graduação me ofereceu. Digo isso porque a estratégia
utilizada na universidade é aquela que nós brincávamos e o professor também: GLS (giz,
lousa e saliva). Ele separava os casos e dizia: “Essa aula nós vamos ver cálculos de
medicação”. Aí chegava na lousa e explicava: “Matemática é isso”. Não tinha desafios, e
isso poderia nos dar mais confiança e segurança. Encher a lousa de contas bem básicas e em
seguida ia para as fórmulas, para mim não é desafio.
215
Porém, como toda regra tem sua exceção, eu fiz um trabalho na universidade que o tema foi
leptospirose. Nós associamos duas matérias: farmacologia e saúde ambiental. Juntamos
essas duas matérias para desenvolver o tema. Foi um projeto muito legal onde aprendemos
muito. Utilizávamos conceitos da saúde ambiental para falar que a causa da leptospirose são
os ratos que estão no esgoto. E segundo a farmacologia, falávamos de uma droga para
combater uma bactéria que o rato elimina. Então você juntava conceitos e teorias de duas
disciplinas para tratar de um único tema, se caracterizando em uma interdisciplinaridade.
Juntamos outros conceitos – a questão das favelas, a educação da população, a questão
política, o saneamento básico – e foi superinteressante. Trabalhamos com medicação para
este problema e as dosagens. Tenho que educar e para isso preciso transitar por todos esses
conceitos, inclusive a matemática para calcular as doses para as pessoas que necessitam de
medicação. Esse tipo de trabalho agregou muito conhecimento, mas deveria ser uma prática
constante na universidade, não apenas um trabalho isolado, em uma feira no final do ano ou
no final do semestre para ser apresentado. Isso é uma necessidade na nossa formação, para
saber quais conhecimentos realmente construímos. Por exemplo, bioética. O que os alunos
conhecem a respeito? O que isso se relaciona com curativo? Tem a parte ética. Ele tem que
ver o aspecto legal. O que isso tem a ver com nutrição? Se relaciona com o que o paciente
come. Se ele não come proteína, ele não vai ter material para produzir um novo tecido. O que
a genética tem a ver com isso? Se o paciente tiver um problema genético, por exemplo um
problema de varizes, isso pode levar a uma ferida. Todas as disciplinas com ligação e a
matemática também ligada a todas elas. Pegar todas as disciplinas e ir além. Inclusive, nesse
ir além, a matemática seria melhor compreendida.
Para resumir, sou da seguinte opinião: a Universidade deveria oferecer para os alunos os
conhecimentos matemáticos, pedagógicos e sobre metodologia de ensino. Hoje tem aqueles
cursos que você é obrigada a fazer na Universidade durante a graduação, por exemplo
oficinas, para cumprir uma determinada carga horária que você necessite. Eu acho que
deveria aproveitar e abrir espaço para colocar uma matéria como atividade complementar só
de cálculo. Os alunos que nunca foram auxiliares ou técnicos, como é meu caso, e os que já
são da área da saúde, apresentam dificuldades, tem muita dificuldade em aprender mesmo.
Devemos levar isso em consideração, ter paciência e amor. Sei que o objetivo não é ensinar
matemática, mas sempre trago matérias como seringas graduadas, equipos e coloco soro
para correr e retratar a realidade da enfermagem.
Então eu acho eu as faculdades deveriam colocar na grade uma aula extra para tratar da
matemática. Se colocar como atividade complementar ou oficinas não traria prejuízos para
as outras disciplinas e ajudariam muito os alunos. São tantos os problemas com erros de
cálculo, são tantas as dificuldades que eu colocaria diretamente na grade curricular do
curso. Sei lá, dizem eu não pode, pois não é o objetivo do curso superior de Enfermagem.
Mas eles arrumam saída para tantas outras coisas, porque não pensar nisso. Quem sabe com
sua pesquisa abre-se um caminho para resolver!
Entrevistadora: Você falou dos cursos livres e de um espaço para tratar a Matemática
no curso de Enfermagem, falou da necessidade de conhecer metodologias de ensino.
Como você faria para viabilizaria o ensino de Matemática nesse contexto?
E5: Eu criaria um espaço para que a Matemática não fique no vácuo nos procedimentos e
Enfermagem. Não é aquela conduta com listas infindáveis de exercícios que não sabemos
para que serve e o que aquele resultado significa. Uma oficina com situações que ocorrem na
prática, na realidade que o aluno irá encontrar, estabelecendo conexões estreitas entre os
cálculos matemáticos e a Enfermagem. Isso seria ideal.
Não sei como, é somente uma ideia. Suprimir o cálculo da introdução em Enfermagem,
deixando esta disciplina para tratar somente de questões básicas da Enfermagem, dos
cuidados, da questão da sistematização não é um caminho ideal. Acredito que se deva ter
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comprimido deve ser diluído e aspirado. Tudo isso eu vou mostrando para ele. Então, faço a
conta e digo: no papel é assim e na prática o conhecimento funciona assim. Eles conseguem
fazer a articulação. É minha forma de tentar contextualizar o conhecimento para que ele
possa ser entendido e útil. Essa matemática de vez em quando não funciona, não. Por que
aprendê-la se na minha área ela não responde a tudo? Na prática uso uma matemática
ilógica.
Então eu parto do seguinte pressuposto. Se eu fosse montar uma grade curricular tanto para
a nossa formação de enfermeiro e para os cursos de nível técnico, eu montaria uma
disciplina separada só de matemática, no caso uma oficina na qual eu traria os erros que
sabemos por meio das mídias, materiais como falei anteriormente para mostrar os cálculos,
faria simulação de várias situações-problemas e assim por diante. Não junto com
Farmacologia. Então, faz Matemática contextualizada e depois vamos ver como ela funciona
Enfermagem por meio desse espaço que poderia ser criado. Seria uma sequência: aprende
primeiro fármaco. Com 40 horas e depois quarenta horas só de matemática inserida nesse
contexto. Assim, o professor abordou Farmacologia anteriormente e aí ele pode falar: lembra
daquele remédio por exemplo penicilina cristalina, então agra vamos ver como a Matemática
pode ser utilizada para diluir este medicamento. A conta é essa, mas na Enfermagem entra a
diluição e rediluição e usa isso para aplicar no paciente.
Então, essas situações de ensino deveriam termais espaço, porém com 40 horas,
particularmente para o curso técnico eu acho pouco.
Como disse antes, falando o português claro eu não fui preparada na graduação e muito
menos na Pós-graduação em Docência para tratar de matemática na Enfermagem. Eu
busquei em pesquisas, em cursos, porque eu sempre tive o senso de responsabilidade e senti
necessidade de buscar o eu a graduação e a Pós-graduação não me ofereceu. Porque eu sei
que se eu calcular errado eu vou matar e é nesse momento que posso matar. Isso traz uma
angústia uma sensação de impotência que você nem imagina. Podemos matar em vários
procedimentos da Enfermagem, mas os cálculos envolvidos na medicação é um dos pontos
cruciais. Então como eu sentia que não poderia desenvolver minha atividade de enfermeira
assistencial, muito menos de professora nos aspectos relacionados à Matemática, como eu
precisa de muita ajuda eu busquei essa ajuda nos cursos livres parte, porque eu era
interessada e as condições financeira eram favoráveis. A interessada no assunto era eu e não
a Universidade e nem a Pós. Então, busquei ajuda, comprei livros, eu estudava sozinha, eu fiz
cursos livres, pois senti o que eu aprendi em sala de aula era insuficiente para atuar na
assistência ou na docência. Acabaria sendo excluída, por causa da Matemática. Ninguém
merece passar por isso.
Entrevistadora: E seus colegas? Sentiram as mesmas dificuldades, os mesmos dilemas e
angústias?
E5: Sim. No entanto, tem alguns que tiveram a sorte de ter professores com uma visão sobre
a importância da Matemática, professores com conhecimento matemático para ajudá-los e
que tinham compromisso. Alguns não apresentavam tanta dificuldade porque aprenderam a
duras penas em hospitais atuando como auxiliares e técnicos. Todos que entraram direto na
graduação tiveram dificuldades, assim como eu. Na minha época, 30% eram profissionais da
área e o restante nunca tiveram contato com a Enfermagem. Prece que a Universidade
considera a atuação anterior na área de Enfermagem um pré-requisito. É uma falta de
consciência. Entendo essa situação como exclusão.
Entrevistadora: E quanto aos conhecimentos matemáticos: quais são trabalhados com os
alunos?
E5: Trabalhamos muito com a regra de três, o bendito números decimais: arredonda ou não
arredonda! Eles nunca sabem, sempre chutam. Porcentagem, operações básicas:
multiplicação, divisão, sistema de medidas transformação de medidas, equações simples
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No entanto, fico me perguntando: Onde está o problema? Nas escolas, na formação dos
professores, ser professor a gente não aprende na universidade, a docência não te auxilia
nisso, o problema está em nós ou nessa matemática quadrada, certinha que não funciona em
alguns casos na enfermagem? Quando terminamos os conteúdos que citei, começamos a
aprender outras coisas, por exemplo, equações de segundo grau, geometria e assim vai. O
que é básico vai ficando para trás. Parece que nunca mais você vai usar em lugar nenhum da
sua vida. Começamos a utilizar mais a calculadora para o que é básico. Quando você pede
para um aluno relembrar o básico e não utilizar a calculadora, porque, em algumas
situações da enfermagem, isso não é possível, então a casa cai.
Aprendemos isso até a quinta série e depois partimos para aprender essas contas mais
difíceis, como se o que foi aprendido anteriormente não será mais utilizado. Chegamos no
ensino médio. Somos preparados para a disputa: passar no vestibular. Chegamos a
Universidade. Outra disputa acontece: somos preparados para passar no Enade e outras
avaliações da Universidade, mas não somos preparados para trabalhar com a realidade, com
casos reais da enfermagem. É um problema sério de objetivos. O que realmente importa: será
que vou matar um paciente por falta de conhecimentos? Será que articular as disciplinas
seria tão difícil, como fazer isso¿ Os objetivos dos cursos não vão ao encontro das nossas
expectativas profissionais. É um desencontro total. Pensamos assim, eu aprendi a somar
subtrair, dividir, tudo de matemática básica, e depois aprendemos delta, x linha x duas
linhas, produtos notáveis. Será que realmente aprendi o suficiente para saber onde aplicar
tudo isso? Aprendi as questões da Matemática básica? Isso fica evidente que não, como foi o
meu caso e dos meus atuais alunos do curso técnico.
Entrevistadora: Gostaria de acrescentar algo?
E5: Não. Espero ter ajudado com minhas reflexões. Desculpe o desabafo. Quando preenchi o
questionário vi que se tratava da Matemática e não é um assunto fácil para falar.
Entrevistadora: Não há problemas. Agradeço imensamente sua participação
E6: Antes de você começar as perguntas posso começar a falar? Sei do assunto e é
matemática e aí você desconserta a gente, no bom sentido.
Entrevistadora: Não há problemas. Você tem a liberdade de expressar suas ideias da
maneira que preferir.
E6: Nós tínhamos, nesta escola, na matriz curricular a Língua portuguesa, porque o
enfermeiro se comunica com o outro, sobre a evolução do paciente por meio do receituário
então tem que saber escrever. E também uma disciplina: Matemática que é a base, a
estrutura da Enfermagem, gotejamento de soro e outros procedimentos. Se você não souber
isso então você não sabe nada. Apesar depois que tudo vira tudo decoreba. É tudo igual se
você faz uma vez então é tudo igual. Se dois mais dois é quatro, vai ser sempre 4. Isso na
Matemática, pois, dependendo da situação dois mais dois nem sempre serão quatro.
Então, parece que não gostaram muito disso então tiraram matemática a língua portuguesa.
Disseram que matemática e português são disciplinas de conhecimento básico e não
específico, logo não podem configurar na matriz curricular. Foi isso que entendi da diretoria
de ensino, ou seja, pelo que eu entendi o aluno quando chega aqui, ele tem que ter, e até
concordo em parte, quando ele faz o técnico ele tem que ter o ensino médio e para chegar até
no médio ele tem que ter noção de português e matemática, então ele tem que saber o
mínimo, que dois mais dois são quatro, mas não é isso que a gente vê. O nosso público não
sai direto do médio e já faz o técnico para a enfermagem propriamente dito. Eu tenho alunos
que faz 10 anos que não entra em uma sala de aula. Continua dois mais dois são quatro? Sim
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continua como há vinte anos. Só que eles não se lembram disso ou não sabem, ou não
aprenderam entende? Principalmente quando começa regra de três, transformações.
E6: Desculpe, mas eu tenho uma curiosidade: você é enfermeira?
Entrevistadora: Não. Sou professora da disciplina de matemática.
E6: Interessante, você se envolveu em um vespeiro! Bom, vamos continuar.
Entrevistadora: Tudo bem. Vamos continuar.
E6: Então, quando começa com esse tipo de coisa você começa a colocar os números na
enfermagem, frações, então quando começa a mexer com esse tipo de coisa aí acabou! Eu
começo, não sei se isso é bom ou ruim para mim, nós começamos com turmas com 40 alunos,
termina 10 ou 11 alunos que vão para o estágio. Quando chega na farmacologia, então
despenca quase que todo mundo, pois é nessa disciplina que mexemos muito com cálculos.
Outras coisas você até, por exemplo, em técnicas básicas quando você vai fazer uma
aupsiometria de pulso né? Você também faz o cálculo, mas o que vai pegar mesmo é na
medicação, principalmente quando você vai fazer uma diluição é aí que você começa a usar a
matemática e as fórmulas. Tem procedimentos na enfermagem que são seis etapas de
cálculos. Se você não sabe a primeira etapa você não conseguirá chegar à última. Mas agora
a enfermagem não sabe se você sabe, toda escola agora tem que ter uma autorização, um
aval de um órgão público se tornando qualificada. Então agora você tem que ter
qualificação.
Você tem que ter um número de horas de tal e tal matéria. No ambulatório até desfibrilador
dentro do laboratório. Sendo que um auxiliar ou técnico de enfermagem não usam o
desfibrilador, nem o enfermeiro, só o médico. Só que na linguagem de que entende ou
pseudoentende, eles dizem que os auxiliares e técnicos tem que saber a manobra. Então de
uma hora para outra se muda tudo. Aqueles que entendem ou pseudoentende inclusive como
a disciplina matemática, como eu não tenho agora na grade. Então no espaço de
farmacologia eu tenho aqui 1 e 2, farmacologia são 20 dias, metade disso ou até mais eu
perco para ensinar matemática, adição, subtração, multiplicação e assim vai, para depois
você entrar nas questões da proporcionalidade, para depois associar isso aos medicamentos,
como você vai diluir uma garamicina, como você vai diluir uma besetacil, se você tem 1200 e
o médico que 600, entendeu?
Tudo isso vai uma fórmula, tudo isso vai um jogo e em 20 dias isso para mim já não dá.
Porque eu tenho que voltar ao passado. O grande problema do ensino da enfermagem é a
base do ensino de matemática. É dois mais dois são quatro, às vezes dá vinte, 5 vezes 1 é 25 e
assim, vai. Sabe esse tipo de coisa? Invertem-se os valores? É complicado. Quando você
falou que tua pesquisa é a matemática na enfermagem, então você desbanca aí a gente.
Porque temos um espaço muito pequeno para se trabalhar matemática com o aluno dentro do
contexto da enfermagem. E outra você tendo que trabalhar desse jeito o professor enfermeiro
também se condiciona a isso. Eu tenho enfermeiro que são excelentes profissionais de campo,
mas para lecionar não serve. Eu tenho excelentes professores que não servem para o campo.
E tem os dois casos. Que pode se dar bem ou se dar mal tanto em um quanto no outro.
Você vai pegar um condicionamento em farmacologia se não tiver colado no postinho de
enfermagem com tem na maioria dos hospitais, certo que já está pronto, tipo você vai correr
um soro em 12 horas, lá já tem as gotas que vão correr por minuto, você não precisa fazer
cálculo, eu entendo que o negócio tem que andar, você não pode ficar parando, o paciente
não pode ficar esperando você fazer continha, mas você se condiciona e está tudo bem. Mas...
e se aparece uma situação na qual não existe o cálculo pronto? Então é que entra o
problema. Também se você vai prestar um provinha para entrar em um hospital, não só em
hospital, em um a clínica, em um laboratório, você pede para fazer um cálculo, uma
manobra, ele não souber entende? Complicado.
220
E6: Desculpe. Fui falando e não deixei você fazer nenhuma pergunta. Quer saber um pouco
sobre o curso e o projeto pedagógico dessa instituição? Posso falar um pouco, pois sou
coordenador e professor e enfermeiro assistencial também.
Entrevistadora: Claro que sim. Pode falar sobre a instituição?
E6: Sim. Essa casa é filial de outra, esse colégio começou a 30 anos zona sul de São Paulo e
o mantenedor morava na zona leste e seu desejo era montar uma escola nessa região. Na
zona sul são oferecidos somente cursos técnicos e aqui na zona leste onde trabalho temos
ensino fundamental e médio e até berçário. Então não é só enfermagem.
Quando eu comecei nessa unidade o curso já estava funcionando. O projeto pedagógico foi
elaborado por enfermeiros assistenciais. Não sei dizer para você se eles eram doutores ou
mestres não eram propriamente docentes, pois a docência implantada na enfermagem tem
pouco tempo, por volta de 2010. Foi aí que o COREN obrigou, entre aspas, a que o
enfermeiro fosse se requalificar na docência para poder dar aulas. Porque o enfermeiro não
sabia e não sabe dar aulas. O enfermeiro entra na faculdade para prestar assistência ao
doente, a enfermagem não para ensinar. O bacharelado nos prepara adequadamente para
isso. Tanto é que hoje em dia um hospital qualificado tem a educação continuada permanente
justamente parta estar ensinando que é para poder ensinar.
Antigamente não tinha. É feito assim. Hoje tem uma educação continuada porque as coisas
mudam e as pessoas têm que se atualizar e antigamente isso não era feito. Inicialmente não
tinha, pelo menos que eu saiba para fazer o projeto pedagógico além de enfermeiro
assistencial deve ter licenciatura ou pedagogia. E outra coisa. Sempre tem um esboço. Uma
escola fez e a outra cópia da outra e assim vai. Mudam-se raríssimas coisas. Já vem de 30
anos atrás é o tal do CRTL C e CRTL V.
Entrevistadora: em quais disciplinas são abordados os conhecimentos matemáticos?
E6: Temos técnicas básicas, na clínica médica, mas de matemática temos muito pouco. A
farmacologia é que impera nesta questão da Matemática, mas o tempo é escasso para tratar
dos dois assuntos. O sistema é apostilado e os professores elaboram as apostilas. Isso facilita
o nosso tempo e de vez em quando utilizamos alguns livros, mas o que predomina é apostila.
Utilizamos livros para consulta. O professor até estimula, mas sabemos que depois que
entrou o CTRL - CTRL V a informática o aluno vai pesquisar lá. Tem uns que compram
livros, mas quando você vai ver é da internet que ele busca informações. Acredito que nós,
professores devemos direcionar esses alunos na busca de informações. Tem muita
informação e eles acabam se perdendo. Por isso que eu já instituo, não sei se estou errado ou
não, até eu falo assim é padrão FIFA, eu digo, não é padrão E6. Esqueceram
É fácil eu entrar dar uma aula e ninguém entendeu nada e dar uma avaliação e o aluno tira
3. A gente como enfermeiro, mas somos educadores, e digo para os alunos. Você sabe para
que serve uma avaliação? Eles respondem é para saber o que a gente sabe. Eu digo para
eles: é justamente ao contrário: é para saber o que vocês não sabem. Porque se a gente faz
uma avaliação e vê o que o aluno não sabe é ali que você tem que trabalhar. O que ele sabe,
já sabe e não é aí que devemos trabalhar. Muito bem. Ali ele tira 3 e tem que ter 5, que já não
é uma média boa. Aí vai mal de novo tira 3 e ao fazer a média ele fica com 3. Aí ele fez um
trabalho muito bonito, muito bom não é e vai acrescentar um ou dois pontos na média e ele
passou. Ele aprendeu alguma coisa? Não. Quem salvou ele foi o trabalho. Então aqui eu não
quero trabalho. Porque na hora que ele for fazer um exame para entrar em um hospital, seja
ele o Albert Einstein, ou o hospital Piraporinha da Serra na hora de fazer uma medicação e
lidar com a vida do paciente, ele não vai fazer trabalho. Ele tem que mostrar o que ele sabe.
Pode fazer pesquisa? Sim pode. Qualquer seminário, apresentação, no máximo é meio ponto.
No máximo. Que é para forçar o aluno não depender de trabalho.
221
Entrevistadora: Pode falar da matriz curricular proposta para esses cursos e como a
matemática está inserida nessa matriz?
E6: A respeito da matriz de eu falei anteriormente de português e matemática. Porque entrou
matemática e português e saiu? Funciona assim: Nós somos regidos pela diretoria de ensino.
Os nossos supervisores, bom eu vou dizer uma coisa, nós temos um grande problema. A
delegacia de ensino entende de papel não entende de enfermagem. O COREN entende de
enfermagem e não entende de papel. Então eu posso preencher um papel aqui e você sendo
da delegacia de ensino, te apresento qualquer papel e você vai dizer que bonito. Você ignora
o que está aqui. Eu posso ter escrito uma porção de besteira aqui e você ignora por não
conhecer a realidade.
A supervisora diz para mim porque você não coloca matemática e português na grade? E
assim nós fizemos. Pegamos um dia só, porque não podia mais e dedicamos este dia para
interpretação de texto e questões gramaticais e as questões de Matemática ficaram para ser
desenvolvida em dois dias, justamente para você em um dia brincar com as operações e
depois você brincar com transformação de unidades, regra de três. Então tudo isso para que
quando chegar no contexto da farmacologia, o impacto seria menor. Não se perderia tanto
tempo para ensinar quanto é um mais um ou 3 vezes 3.
As coisas começam a enroscar aí. Na hora de colocar os números na fórmula estava tudo
bem, mas, e as operações, o desenvolvimento? Então o problema não era mais jogar os
números na fórmula e sim realizar os procedimentos matemáticos e operações. Então vamos
dar uma antecipada para quando chegar na farmacologia não termos tantos problemas. E foi
legal. Só que como teve essa reformulação e toda escola tem que ter uma certificação de
qualidade você é regido no caso pelo órgão governamental. No caso SENAC SENAI. Eles
vêm visitar, olhar a sua grade e veem tudo o que você tem aqui.
Fornece um parecer e dentro desse parecer, tiram a sua liberdade de construir uma matriz
curricular de enfermagem que contemple português e matemática desconhecendo uma série
de complicações que advêm desta atitude não considerando a realidade que vivemos e
trabalhamos. Quando coloquei matemática e português eu reformulei não pode mexer muito,
não temos essa autonomia foi uma oportunidade sugerida pela diretoria de ensino. Foi
produtivo, não melhorou muito, mas foi produtivo. Então houve uma progressão, houve. O
tempo é escasso. Então você não pode fazer um trabalho extra farmacologia, como a
matemática apenas em dois dias. Você vai jogar uns exercícios assim, aprendeu se não
aprendeu temos eu ir adiante. Quando chega na farmacologia eles tudo, mas pelo menos não
vamos ter que dar os conceitos novamente, vamos apenas relembrar. Mesmo tendo um
espaço pequeno da matemática. Não só a Matemática como o português também é
importante para nós. Tudo isso é um questão burocrática e política e ficamos com esse
abacaxi nas mãos para resolver. Quando saíram essas disciplinas eu e os outros professores
enfermeiros elaboramos algumas ações. Qual foi a saída que eu venho encontrando agora?
Como eu falei para você. Jogamos um pouquinho de matemática em técnicas básicas e
clínica médica. Como são disciplinas são meus carros chefes são as maiores, eu tenho uma
disciplina de 38 dias e uma de 50 dias. Eu pego pelo menos uma semana eu peço para os
professores, tudo isso é em off, não é registrado. No meio do registro em diário que a
professora dá a matéria ela para uns 10 a 15 minutinhos e passa um pouco dos conceitos da
matemática. E assim você vai gradativamente. Os alunos reclamam um pouco, pois o tempo é
curto para sanar todas as dúvidas que eles apresentam porem quando chega lá em
farmacologia o negócio já está um pouco inteiro o raciocínio. Trabalhar primeiro os
conhecimentos matemáticos para depois aplica-los na enfermagem não é ideal ficam muito
separados os conceitos matemáticos da enfermagem. Antes não tinha então agora se passou a
se fazer no começo do curso e depois no final. Deu uma quebra. Agora a gente vai
pausadamente para ver se condiciona o aluno, mas é o que eu te falei. Agora esbarra em um
222
monte de problema, não é mais pegar a fórmula e montra se quebra cabeça é interpretação
desses cálculos na enfermagem. Não são seis meses fracionados, sem um tempo sem
conseguir fazer ligações que você vai conseguir colocar isso na cabeça do aluno. Se ela não
tem uma base boa lá trás fica difícil. Elaboramos uma matriz como se todos fossem todos
iguais, tivessem o mesmo nível, e não é assim. Acaba dificultando o trabalho. Temos que
cumprir. Os alunos do curso técnico têm muitas dificuldades. Embora eu perceba que existem
vários entraves na matriz do curso e também no que é proposto na nossa formação para
associar a matemática naquilo que precisamos embora existam entraves no currículo, esse
pode ser um momento para reflexão.
Agora que mudou, não temos mais essas disciplinas fica difícil. Agora que mudou a gente
está mais perdido ainda. Eu já nem mais sei o que é certo ou errado. Por exemplo, em
português graças a DEUS tem o computador que corrige os erros para a gente, podemos
buscar mais informações de uma maneira mais rápida. Se nós temos dificuldades em alguns
tipos de cálculos na enfermagem, você imagina eles os alunos. Se a gente tem mais um
pouquinho de conhecimento, inclusive na matemática, imagina eles. Quando eu atribuo aulas
para os professores, nem todo mundo gota de disciplinas que estão relacionadas a
matemática. Que você tem que usar a matemática. Para lecionar tem que ser enfermeiros
docentes que tem conhecimento matemático senão não vai. Porque seu eu tenho um professor
que não tem conhecimentos matemáticos básicos: adição multiplicação, porcentagem, razão,
e tem muitos que não tem e confunde e complica mais e mais a vida dos alunos. Então o que
geralmente a gente faz: se eu percebo que a enfermeiro docente não está dominando os
conhecimentos matemáticos domina e gosta, tudo bem eu atribuo as aulas, quando não, eu
entro ou tenho que chamar um bombeiro para apagar o incêndio. Por que a gente é assim eu
não tenho como fazer uma prova para um enfermeiro docente para saber se ele sabe dar
aulas ou entende de matemática. A coisa não funciona assim. Se ela tem um título de
licenciatura ela está apta a dar aulas, mas a gente vê e acompanha a professora, vê o diário,
localiza o que ele está passando, pergunta para os alunos. E a gente via pedindo que ela fale
e ensine um, pouquinho de matemática. Se você vê que ela torce o rabo, essa professora não
sabe. Não é assim, faz aí para ver se você sabe. Aí você já está pressionando a pessoa. E
nenhum lugar existe isso: faz uma prova para ver se você sabe dar aulas. E assistir as aulas,
o enfermeiro docente diz, puxa eu estou sendo pressionado. Você dá impressão que está
vigiado. Eu falo assim: professora eu digo assim, temos duas matérias que são extensas e
nessas eu peço para a professora abordar os conceitos.
Alguns enfermeiros docentes perguntam: mas por quê? Se eles aceitam essa ideia, tudo bem.
Se ela fala assim: não... não precisa, eu percebo que este profissional tem dificuldade.
Quando... precisamos arrumar um espaço para a matemática. Quando você coloca algo para
tentar solucionar o problema e há resistência, você sabe que não vai dar certo. Ou não gosta
ou não sabe fazer, entendeu? A verdade pelo meu ponto de vista é a seguinte: existe um
buraco negro na formação dos alunos, mas também na formação dos enfermeiros docentes.
Na docência eu não aprendia a dar aulas. Tem os casos de professores que gostam, mas não
sabem aplicar esses conhecimentos. Sabem como fazer na prática, mas quando chegam na
sala de aula não tem uma metodologia para passar esse conhecimento. Eles dizem faz assim
que dá certo, mas não sabem explicar as razões os procedimentos matemáticos. Não
conseguem tirar as dúvidas dos alunos. Se ele não consegue fazer isso aí que complica mais a
situação. Além de ele não ensinar ele vai atrapalhar. A matemática tem que estar presente na
enfermagem para resolver os problemas e não para criar mais problemas. Aí chego onde eu
queira. O Enfermeiro quando chega....
E6: Você é professora? Fez licenciatura, não é?
Entrevistadora: Sim.
223
ter uma estratégia de ação e isso envolve muita complexidade. Você identificou o problema e
não deu a solução, não é isso.
Você para resolver o problema do paciente, você tem que identificar o início, o meio e o fim
do problema e ir além, entendendo o problema como um todo. Nós estamos ainda no início
com os alunos, precisamos avançar. Você identifica que o paciente está com a PA alta, mas
não conversa com o paciente para ver se é um problema social, emocional, alimentação,
para depois fazer um conjunto disso, unir essas partes e tomar uma atitude para resolver o
problema antes da conduta médica. Chega o médico e dá uma gota de Dipirona e o paciente
“buf” morre! Você vai ler no prontuário e o paciente é alérgico a Dipirona. Ninguém
perguntou se o paciente é alérgico a Dipirona. Pulam-se a etapas. É no bumba meu boi.
Então para que licenciatura se eu não aprendi nada? Tenho que aprender coisa para eu
colocar em prática. Que prática? Então não adianta você fazer um trabalho com a
matemática se você não empregar isso na sua vida, não conseguir fazer relação, fazer pontes
com a tua conduta. É o que está acontecendo. Resumindo, ainda estamos com os alunos
perguntando quanto é 5 vezes 5 e nós com a dificuldade para tratar da matemática com esses
alunos.
Como trabalhar essas questões mais profundamente, na verdade eu me pergunto que horas
fazer isso? Fico pensando nos cursos em EAD. Por outro lado, acontece o seguinte: para
resolver esse problema você tem que ter uma pessoa, por exemplo, alguém que entenda de
informática, caso pensarmos em algo com o computador, ou um outro profissional, por
exemplo, um professor de matemática auxiliando nas questões. Mas nenhuma escola vai fazer
isso, porque gera custos. Falta diálogo. Tem outro grande problema. Agora vou falar de uma
coisa chata. Vou falar de números, mas é de dinheiro. Tem escolas que oferece muito pouco.
Então eu tenho profissional que estudam e vem dar aulas como bico. Então não é por amor.
É igual a religião: se não vem pelo amor vem pela dor, porque precisa de uma renda extra.
Então tem pessoas que gostam de dar aulas e não se dão bem na assistência ou no
acompanhamento desses alunos no estágio. Então a gente faz um enorme esforço para
garimpar um enfermeiro docente bom, que tenha vontade de fazer aquilo que gosta. Bom, eu
estou ganhando pouco, mas estou fazendo aquilo que gosto e é ciente de que seu ensino
envolve responsabilidade, pois vão formar profissionais que vão atuar com vidas,
principalmente isso. Existe um paradoxo., esse professor ele está na assistência e pela
assistência que você presta se você for colocar na balança não compensa, mas você ele diz
que está ali por amor à profissão. Então quando ele vai para a sala de aula, algumas vezes
ele não está lá por amor? Está por necessidade financeira? Sendo que ele vai formar alguém
que no futuro estará com ele na assistência depois, quem sabe saber mais do que ele depois.
Agora imagina eu além de professor, porque eu tenho turmas aqui, mas sou coordenador.
Imagina eu com a responsabilidade de garimpar esses profissionais, enfermeiros docentes e
de colocar no lugar certo. É difícil encontrar uma pessoa que tem afinidade e você supor que
esta pessoa vai ser legal para trabalhar com a matemática.
Errei muito. Não vou ser hipócrita de dizer meus professores são os melhores do mundo. Não
meus professores são os melhores, hoje são, porém já sofri bastante de ter que a cada dois
três dias ter que trocar de professor de farmacologia. É o tal negócio, professor que fala para
você que está vindo do plantão e depois fala dentro de sala de aula que trabalha em uma
clínica, é complicado. Professor com dificuldades de expressão, que fala prantão em vez de
plantão aí acaba com a gente. Agora você pode imaginar o que acontece com as questões de
matemática: entregamos para DEUS.
E6: Posso fazer um parêntese na nossa conversa?
Entrevistadora: Sim. Pode.
E6: Desculpe, mas você é corajosa. Eu não sei onde você onde você vai chegar. Primeiro, eu
gosto de Matemática, mas você é corajosa, são tantos problemas que daria 5 teses ou mais do
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mesmo assunto. É um vespeiro como disse antes é preciso continuar e aprofundar esse
assunto. Eu entendo a sua pesquisa. Nossa é salutar. É preciso pensar então em uma outra
coisa, assim posso contribuir mais com essa pesquisa. Vamos falar um pouco de como
acontece os estágios?
Entrevistadora: Sim. Podemos continuar falando sobre os estágios
E6: Quando os alunos saem aqui da escola para os estágios, eles vão eufóricos. Porque eles
acham que vão fazer sutura, tudo. E não é assim. Por exemplo, eu tenho estágio em unidades
pediátricas, eles não podem pôr a mão. A não ser um estagiário graduado pode realizar
algum procedimento invasivo no paciente. Então, o aluno vai ver você trabalhar, mas não
põe a mão. O máximo que pode acontecer é você dar um banho em uma criança, tira uma
temperatura, opa, eu falo isso para os alunos: se tirar a temperatura morre. Desculpe é
mensurar a temperatura nem aferir pressão, porque já muda o mangote, já muda o batimento
cardíaco que é diferente do adulto e assim vai. Trocar as fraldinhas troca e pronto. Ele só vai
para olhar. E depois de formado se ele cair e em uma unidade pediátrica o azar é dele ou do
paciente e, geralmente é azar do paciente. Agora quando você trabalha em uma UTI
pediátrica é para quem gosta, para quem gosta realmente de matemática, de criança isso é
fato. Eu conheci um enfermeiro no hospital ele era o bam-bam-bam da unidade pediátrica
(UTI). Ninguém queria mais ninguém ali, só este enfermeiro.
No atendimento da criança ninguém colocava a mão, só ele, você passa por escrito. Por isso
que eu digo: levo toda essa documentação para a diretoria de ensino e digo: aqui estão os
estágios. Eles simplesmente dizem: está bom, mas não sabem a realidade da enfermagem, o
que acontece nos estágios. Quando os erros acontecem, eles dizem: mas esse aluno foi
preparado, ele fez estágio na pediatria, cumpriu as horas, aprenderam na prática os
procedimentos, a matemática, também aprenderam tudo isso em sala de aula, no estágio em
pediatria! Eu digo: será?
Espero que tenha ajudado em alguma coisa. Quem sabe se abrirmos espaços para essas
conversar conseguimos mudar essa situação e também repensar na nossa formação de
enfermeiro docente.
Entrevistadora: Agradeço pela sua participação
aula é como se todo mundo já soubesse, tivesse domínio. Na minha época, quando eu me
formei, quem já era da área, tinha uma vantagem muito grande, tinha uma destreza com os
procedimentos da enfermagem, mas também já sabiam como funcionava os cálculos nos
procedimentos da enfermagem. No entanto mesmo essas pessoas que já trabalhavam como
técnicos, não tinha um conhecimento matemáticos palpável, digo capaz de resolver os
problemas nos quais a Matemática se fazia presente. Então, eu vi que a coisa estava assim,
eu falei o que? Deixa eu correr. Na universidade não teve respaldo nenhum, financeiramente
é difícil pagar dois cursos ao mesmo tempo. Poderiam considera que alguns desses
profissionais não migram somente para a assistência e vão para a docência. Isso gera um
desconforto tremendo. Agora se você pergunta quais os conhecimentos matemáticos
necessários para desenvolver a as atividades de assistência e docência, parece brincadeira e
na época sentia vergonha, mas são aqueles conhecimentos matemáticos básicos: as quatro
operações, o grande problema com decimais, transformação de unidades, regra de três
simples, equações simples e assim vai. Mesmo os enfermeiros que não vão para a docência, a
universidade, os professores nunca deixaram claro que a Matemática era tão necessária
assim, por exemplo, para calcular medicamentos. Se alguém falou isso para você em alguma
entrevista é mentira, eu duvido. Minha formação para assistência foi muito boa. Teve aula de
Farmacologia, onde eu fiz na Omec de Mogi considerado um curso muito bom porque lá nós
tínhamos prática de tudo e tinha estágio por disciplina. Tinha estágio de cardiologia que eu
fiz no Dante Pazanezi, então sabe. Pediatria os estágios eram realizados em hospitais de
referência. Não é igual agora, cumpri uma hora e pronto. Nós tínhamos estágio mesmo.
Muita coisa mudou desse tempo para cá, mas as universidades estão propondo cursos que
deixam a desejar. Os professores mal fizeram uma revisão ou tocaram na importância de se
saber os cálculos. Utilizam aquela matemática estática que não sabemos para que serve.
Eu dou aula porque tenho filhos pequenos e o horário é flexível, diferentemente do plantão.
Eu leciono Farmacologia no ensino técnico, inclusive lecionei no Hospital Santa Marcelina e
preparo as apostilas o que muda é a didática. A proposta de manter o mesmo conteúdo para
os alunos dos três períodos, mesmo conteúdo as mesmas situações que envolviam a
Matemática e só mudava a didática, porque são professores diferentes, experiências
diferentes, formações diferentes e isso não se pode mudar, mas o conteúdo sempre os mesmos
nos três períodos. Tenho muita experiência nessa disciplina.
Meus alunos têm medo da Matemática porque hoje o público da enfermagem embora tenha
rejuvenescido muito, no bom sentido, as pessoas eram vividas que já trabalhavam, hoje não.
Na atualidade migrou muitas pessoas que tem como opção essa área de atuação como o
primeiro emprego, muito jovem e o que me espanta é escutar desses jovens dizer: é cálculo?
Eu não gosto, eu não sei. Ele não sabe porcentagem, tabuada.
Minha metodologia é a seguinte: Eu começo a fazer revisão de Matemática começando pela
tabuada. Eles dão risadas porque quando chega depois da tabuada do cinco a sala fica em
silêncio. Eles começam a contar no dedinho. É essa a realidade que nós trabalhamos. O
jovem não sabe mesmo. Ele não aprendeu ele não se empenhou ou o professor não se
empenhou, sei lá. O aluno mais velho porque faz tempo que ele não estuda e tem esta
dificuldade e outros que tem medo de seguir o curso porque tem medo de errar, tem medo de
cálculo. Só que eles precisam saber bem esta disciplina para seguir o curso. Tive dois alunos
que perderam o COREN por erros com cálculos. Não souberam tomar a decisão correta, pois
a matemática é diferente na prática, ela não tão quadrada assim: sim ou não. Existem outros
aspectos: que tipo de paciente, se pode arredondar, nos casos de decimais, é muito complexo.
Existem várias coisas relacionadas e o cálculo deve considerar isso.
Por exemplo, antigamente no estágio de pediatria, nós assumíamos o preparo de medicação,
justamente pela baixa qualidade do ensino que tem ocorrido nos últimos anos, a maioria das
instituições não liberam esse procedimento para os alunos de curso técnico muito menos
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para o pessoal graduado. Eles passam um intervalo muito curto em cada disciplina que
envolve pediatria nem falo da questão da Matemática, são dez dias cada grupo, então nesses
dez dias no estágio. Eu geralmente não assumo o aluno que nunca que nunca teve
experiência, ministrar uma medicação para um recém-nascido. Eu não pego isso para fazer.
Ele não tem preparo ele não tem destreza ele até sabe fazer, se eu estiver junto e ajudá-lo a
fazer. Nem todos vêm com essa bagagem teórica eles passaram mal e mal pela teoria e pelos
cálculos. O tempo é curto. O curso é feito por módulo. E outra coisa. Pediatria e UTI
pediátrica é diferente de neonatal. São crianças recém-nascidas e tudo que envolve criança,
os procedimentos não são liberados para os técnicos e nem para os estagiários graduados.
Até para dar uma mamadeira eles autorizam somente os pós-graduados nessas áreas, pois
qualquer erro de cálculo ou outro qualquer a consequência é grave. Os pós-graduados
passam maior tempo na prática que os outros profissionais. Tem como você trabalhar mais o
aluno sem colocar o paciente em risco. Porque uma criança, por exemplo, o acesso venoso
dele não é pelo coração é pelo umbigo, o acesso venoso não é feito pelos membros superiores
ou inferiores, no bebê é tudo diferente, inclusive os cálculos são extremamente complexos.
Então, voltando a questão da formação com relação à Matemática, e acredito que só a
experiência na assistência não basta para ensinar. Temos que conhecer metodologia para
ensinar matemática, entender os porquês dos erros existentes nos cálculos para poder
explicar aos alunos, por exemplo: um resultado absurdo em uma regra de três para o cálculo
de uma medicação, mostrar os porquês dos erros, mostrar o caminho correto, porque não
podemos utilizar cegamente os critérios de arredondamento de números decimais, qual a
consequência de uma subdosagem ou superdosagem, focar mais na medicação das crianças e
trabalhar com frações mostrando como se faz, detectando os erros e discutindo com os
alunos e assim vai...Parar de trabalhar com aqueles a mesmice dos exercícios, trazendo
casos reais e complexos que ocorrem na prática. Porém, tudo isso a Universidade não
aborda a prática pedagógica é assim: cada um por si e DEUS por todos. Desculpe o
desabafo. Mas é assim. Sem entender metodologia, matemática e suas possibilidades não
conseguimos ajudar os alunos a associarem os conhecimentos matemáticos com os
conhecimentos de Enfermagem. Acabam sendo trabalhados isoladamente. Acredito que os
erros que acontecem são por essas razões e é nesse momento que podemos matar. A
Universidade não forma, apenas informa. Informação eu tenho a Internet! Acho que é isso.
Espero ter contribuído para a sua pesquisa.
Entrevistadora: Grata pela sua participação.
228
_____________________________
Nome do Diretor
(carimbo do diretor ou da escola)
231
“O médico que atendeu ela foi quem falou que ela tinha vindo de lá com uma
medicação imprópria”, acrescenta Silvana de Souza, neta de dona Maria. Às 7 h, dona Maria
Laurentino morreu. “Ela cansava de ir na roça, colher feijão. Catava feijão. Minha mãe
morreu”, lamenta, emocionado, o filho.
No laudo do IML, a causa da morte: embolia pulmonar por infusão de glicerina. No
lugar do soro, a auxiliar de enfermagem do hospital de Missão Velha injetou em dona Maria
uma substância oleosa usada para lavagem intestinal. No sangue, a glicerina causa um
entupimento de vasos e artérias e rapidamente atinge o pulmão e o coração. O caso foi parar
na polícia. O frasco de soro é bem diferente do frasco de glicerina. Ela pegou o liquido e
reparou que não havia o gancho para pendurar no suporte. Ela estranhou isso. Então pegou o
frasco e fez um suporte com esparadrapo. “Em nenhum momento ela leu a etiqueta que estava
posta no frasco. Tinha lá: glicerina a 12%”, diz o delegado Marcos Antônio dos Santos.
A auxiliar de enfermagem foi afastada do hospital e indiciada por homicídio culposo.
Ela não quis conversar com a reportagem. Procuramos o médico que prescreveu o soro para
dona Maria. Ele é o diretor clínico do hospital de Missão Velha, um lugar onde medicamentos
controlados dividem espaço com grilos.
Fantástico: Por que deram a medicação errada para ela? Luciano Santana, diretor clínico do
hospital de Missão Velha: Essa pergunta eu não posso responder porque não fiz a medicação.
Aliás, eu não administro medicação. Fantástico: O senhor não viu o frasco que ela pegou?
Luciano Santana: Não vi. Ela foi pegar lá dentro. O médico prescreve e entrega para o
auxiliar e o enfermeiro que esteja por lá para ver. De acordo com a lei, auxiliares e técnicos só
podem trabalhar com a supervisão de um enfermeiro. Mas não foi isso que aconteceu naquela
madrugada.
Fantástico: Por que não tinha uma enfermeira?
Luciano Santana: Não sei te dizer.
Fantástico: O senhor é diretor clinico do hospital. Bem, mas o que aconteceu foi o seguinte:
até 22 h, tinha um enfermeiro. De 22 h às 5 h não tinha nenhum.
Luciano Santana: Aí eu não sei. Eu não sei lhe falar onde estava no momento. Histórias
como essa não acontecem apenas em cidadezinhas do sertão.
Só em 2010, o Conselho Regional de Enfermagem em São Paulo recebeu 250
denúncias de erros causados por profissionais da área. Vinte deles resultaram em morte ou
lesão permanente para os pacientes. Em dezembro de 2010, uma auxiliar de enfermagem
injetou vaselina em vez de soro no corpo de Stephanie Teixeira, de 12 anos. A menina, que
tinha apenas uma virose, em poucas horas morreu. Semanas depois, também em São Paulo,
outra auxiliar de enfermagem decepou a ponta do dedo da pequena Tiffani Bahia, de 1 ano, ao
tentar arrancar um curativo com uma tesoura. Certos profissionais não estão cumprindo nem o
básico da profissão. “Me parece que esse é um problema que tem diversos fatores.
Um dos fatores mais importantes que eu coloco é a baixa qualidade do ensino”, opina
Manoel Carlos Neri, presidente do Conselho Federal de Enfermagem. Em um hospital
particular de São Paulo, sobram vagas para profissionais de enfermagem. “Hoje eu estou com
mais ou menos 20 vagas, de auxiliar técnico a enfermeiro. Não consigo preencher”, diz a
gerente de enfermagem Hamdi Hassan. Com 30 anos de experiência, Floracy Gomes Ribeiro,
diretora de enfermagem do Hospital das Clínicas de São Paulo, supervisiona mais de dois mil
funcionários. “O que nós temos observado nos últimos concursos é que nós temos tido uma
reprovação de 50%”, avisa a diretora de enfermagem. “A impressão que a gente tem que é
que não tem fiscalização dos órgãos de ensino, porque está muito deficiente. Eles estão
chegando muito mal preparados”, critica Hamdi Hassan. Nunca foi tão fácil estudar
enfermagem no Brasil. O curso para técnico, que exige apenas o Ensino Médio, e dura cerca
de dois anos, é, disparado, o mais procurado do país. São mais de 1,7 mil escolas cadastradas.
233
“Precisaria que os mantenedores desses cursos encarassem a coisa com maior seriedade e não
apenas querendo se beneficiar de uma explosão no mercado e ganhar dinheiro, para falar o
português claro”, diz João Cardoso Palma Filho, secretário adjunto da Educação de São
Paulo.
A equipe do Fantástico mostrou imagens da Escola de Base Ferrazense, curso técnico
da Grande São Paulo, para a enfermeira Maria Therezinha Nóbrega da Silva, professora de
enfermagem da escola do estado do Rio de Janeiro. Ela já fez parte da Associação Brasileira
de Enfermagem (ABEn) e é uma especialista na análise de cursos da área. No laboratório, há
falta de carrinho de medicamentos, maca, boneco de bebê para simulações e até pia. “Pelo
menos uma pia para habituar as pessoas a lavarem as mãos antes de fazerem os procedimentos
deveria existir”, opina Therezinha Nóbrega.
Em Missão Velha, onde dona Maria Laurentino recebeu glicerina no lugar de soro, um
curso técnico particular funciona em uma escola pública só aos fins de semana. No local, não
tem laboratório. “Não se pode improvisar laboratório para ensinar enfermagem. Isso não
existe”, critica Therezinha. A matrícula do curso Vera Cristo é feita em uma farmácia. As
aulas já começaram há três meses, mas a produtora do Fantástico é aceita sem o menor
problema. “Vai estudando em casa. Ela te dá o capitulo que você vai estudar e vai te marcar
uma avaliação”, diz a atendente da farmácia.
O Conselho Estadual de Educação do Ceará garante que o curso de Missão Velha não
tem autorização para funcionar. “Se está havendo essas aulas, elas estão irregulares. Ela só
pode abrir aulas depois de aprovado pelo conselho”, explica Edgar Linhares Lima, presidente
do Conselho Estadual de Educação do Ceará. Procurada pelo Fantástico, a coordenadora não
quis dar entrevista. A Escola de Base Ferrazense, de São Paulo, também não quis se
manifestar.
As secretarias estaduais de Educação reconhecem que a fiscalização é insuficiente.
Fantástico: Isso quer dizer que no estado de São Paulo pode haver cursos que estão precários
ou até que não poderiam estar funcionando? João Cardoso Palma Filho: Pode, pode haver.
Para melhorar a inspeção dos cursos técnicos, a secretaria paulista pediu ajuda para entidades
especializadas. “Uma escola de enfermagem ruim é quase um ato criminoso. Porque isso vai
resultar em consequências muito sérias na hora do exercício profissional”, aponta Therezinha.
Para a mãe de Ana Clara, cada refeição da filha é um suspense. Há dois anos a menina
sofre com as sequelas de um erro cometido por uma funcionária do Hospital Santa Catarina,
em São Paulo. No lugar de um sedativo, a auxiliar de enfermagem injetou na boca da menina
um ácido usado para dissolver verrugas. O líquido queimou a boca, o estômago e ainda
provocou o estreitamento do esôfago de Ana Clara. “A comida era no liquidificador. Se tinha
o arroz com feijão, tínhamos que bater no liquidificador”, conta Márcia Zuccari, mãe de Ana
Clara. Aos 4 anos, Ana Clara ainda não frequenta escola. “A gente tem medo de ela engasgar
na hora da alimentação”, diz Alexandre Zuccari, pai da menina. Para evitar o fechamento total
do esôfago, a cada seis meses Ana Clara tem que tomar anestesia geral e passar por um
procedimento de dilatação.
Por nota, o Hospital Santa Catarina disse que ofereceu toda a assistência para a
recuperação de Ana Clara, e que, depois do incidente, revisou processos internos e passou a
reavaliar periodicamente o trabalho das equipes de enfermagem.
Os erros não existem só entre auxiliares e técnicos. Ocorrem entre os profissionais de
nível superior. Os números mostram que as faculdades de enfermagem também estão em alta.
“A procura no passado era muito por dedicação, por gostar. Hoje a procura é muito mais por
mercado de trabalho aberto”, comenta Pedro de Jesus Silva, presidente do Conselho Regional
de Enfermagem do Rio de Janeiro.
Em dez anos, o número de cursos oferecidos no Brasil ficou quase cinco vezes maior.
“Já chegamos a ter conhecimento aqui de faculdades que o aluno, durante toda a sua
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formação, fez os estágios apenas dentro de laboratórios e nunca foi a uma unidade de saúde
para lidar diretamente com o paciente”, revela Manoel Carlos Neri, presidente do Conselho
Federal de Enfermagem.
A cada três anos, o Ministério da Educação realiza um exame para avaliar a qualidade
do ensino nas faculdades de enfermagem. Entre 2004 e 2007, a porcentagem de cursos com
avaliação abaixo da média subiu de 6% para 47%. “O ministério vai tomar ações incisivas e
no limite, fechar cursos, fechar vagas e até mesmo fechar instituições”, garante o secretário de
Regulação e Supervisão da Educação Superior, Luís Fernando Massonetto. No município de
João Pinheiro, no noroeste do estado de Minas Gerais, fica uma faculdade particular que,
segundo o Ministério da Educação, teve um dos cursos de enfermagem mais mal avaliados do
país. O último dado disponível é do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade)
de 2007: o máximo que os alunos do curso conseguiram foi a nota mínima: um – em uma
escala que vai de um a cinco.
Logo no início da visita da reportagem, marcada com antecedência, a responsável pelo
ensino de enfermagem se apressou em mostrar um laboratório todo arrumado e equipado,
mas, sobre o curso em si, a coordenadora Eliane Batista pouco sabe.
Fantástico: Quantos professores de enfermagem vocês têm?
Eliane: Nós temos, aproximadamente, oito enfermeiros, mais professores de outras
disciplinas que não são específicas.
Fantástico: Mas de enfermagem, você falou uns oito.
Eliane: Um professor, ele às vezes trabalha com duas ou três disciplinas. Tem aquelas
disciplinas do curso que são específicas do enfermeiro.
Fantástico: Então, mas quantos professores tem o curso de enfermagem?
Eliane: Podemos dizer seis.
O Fantástico pergunta se virão novas turmas. “Vai ter vestibular no final deste ano
para todos os cursos”, avisa Eliane.
A verdade é que, por ordem judicial, a faculdade está impedida de receber novos
alunos. Uma série de irregularidades constatadas pelos fiscais levou o MEC a descredenciar
todos os cursos da instituição. “A partir do momento que saiu a decisão suspendendo o
ingresso dos alunos, a gente não pode colocar aluno”, afirma o diretor jurídico da instituição,
Cláudio Giansante.
Mas não são apenas cursos ruins que podem provocar erros. Tem também a sobrecarga
de trabalho. No abrigo Cristo Redentor, em São Gonçalo, as fiscais do Conselho Regional do
Rio de Janeiro encontram um cenário assustador. Ao todo, são 182 idosos e apenas um
enfermeiro no comando de seis auxiliares e técnicos. O recomendado nessa situação seria ter,
no mínimo, nove enfermeiros e 18 auxiliares e técnicos. “Ali você tem pacientes totalmente
dependentes da enfermagem”, aponta Ana Teresa Ferreira de Souza, chefe da fiscalização do
Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro.
O resultado são prontuários dos pacientes em branco; geladeira de medicamentos com
alimentos vencidos; remédios de uso controlado misturados, sem identificação ou data de
validade e em péssimas condições de higiene; e lixo infectante em lugar perigoso. O mais
preocupante: pacientes com graves lesões infeccionadas. A sobrecarga ocorre também por
causa dos baixos salários.
Lizete Lopes é auxiliar de enfermagem há 17 anos. Trabalha três dias da semana em
um hospital, três em outro e ainda faz curso de especialização. “É cansativo. Às vezes, chega
até ser exaustivo, dependendo do plantão”, diz. Para evitar erros, Lizete se apega aos
chamados "cinco certos" da profissão. O paciente certo, o medicamento certo, a prescrição
certa, a hora certa, pela via certa.
Assim faz também uma legião de profissionais de enfermagem Brasil afora. A
enfermeira Lilian Behring é a primeira pessoa que muitos pacientes veem quando renascem
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de uma cirurgia no coração, no CTI. “Imagina você com um tubo na boca, fica muito
agitado”, diz Lilian. Seu José Carlos Inácio acaba de ser transferido para a enfermaria e não
esquece a atenção que recebeu. “O medo que eu estava era muito grande. Com a força que ela
me deu, me senti a pessoa mais importante do mundo para ela”, conta Seu José.
A chefe da enfermagem de UTI neonatal Inês da Silva fica emocionada ao olhar para
os bebezinhos que ajudou a salvar em quase 20 anos de trabalho. “Essa criança nasceu no dia
do meu aniversário, deve estar com uns 16 anos”, conta ela. “Ontem ela pegou uma cadeira de
balanço para mim, para eu ficar ninando meu filho. Foi a segunda vez que botei ele no colo
depois de 17 dias”, diz Claudia Lins de Albuquerque, mãe de Antônio. Os pais do pequeno
Antônio querem ser os próximos a voltar com uma bela foto de agradecimento. “Você se
sente acolhido. É uma sensação em que a gente fica muito frágil”, afirma Claudia.
Procuramos o Hospital Geral de Nova Iguaçu, onde a equipe do Fantástico mostrou,
no começo desta reportagem, profissionais de enfermagem trabalhando sem luvas e pacientes
recebendo medicamentos sem identificação. “Eu acredito que, nesse momento, eles estavam
atendendo com urgência os casos. Posteriormente vem o rótulo, porque o atendimento é de
emergência”, argumenta Maria Aparecida de Lima, chefe da enfermagem do Hospital Geral
de Nova Iguaçu. Já Hélio Abicalil, diretor-presidente do Abrigo Cristo Redentor, disse que
quer resolver em 30 dias os problemas apontados pela fiscalização.
Ele reconheceu que a equipe de enfermagem é pequena, mas que tem limitações
financeiras por se tratar de uma entidade filantrópica. “Eu não posso, como administrador,
aumentar uma folha de pagamento se não terei condição de cumprir”, diz Hélio. Nos
próximos dias, o Conselho Regional de Enfermagem do Rio vai enviar à Vigilância Sanitária,
ao Ministério Público Estadual e às secretarias municipais de Saúde um relatório com as
irregularidades encontradas nas duas instituições.
“Errar na enfermagem não pode. Você pode causar danos irreparáveis à sociedade e
não dá para aceitar”, afirma Pedro de Jesus Silva, presidente do Conselho de Enfermagem do
Rio de Janeiro.