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O que é essa coisa chamada Cibernética?

Heitor Matallo Junior

Background Paper para ser apresentado em palestra no Instituto Humanitas


(UFRN)

Março 2021

1
O que é esta coisa chamada Cibernética?1
Março 2021
Heitor Matallo Junior

Abstract
This is a background paper to be presented in a series of short internet conferences foreseen to
be held at the Instituto Humanitas (UNFR) in the current semester. It is about the Cybernetics,
its history, and main assumptions. The reader will be in contact with the foundations of
Cybernetics, from the basics established by Norbert Wiener, following the many different
approaches and definitions related to the First Order Cybernetics. It is explained also the
meaning and differences of the first and second order Cybernetics. The concept of inter and
transdisciplinarity is discussed in some detail and some examples of multidisciplinary concepts
presented. The concept of system is also discussed, and my own definition of Cybernetics is put
forward with the aim to connect it to the Our Common Future Platform. Due to the difficulties
for the acceptance of the term Cybernetics in humanities, a new term is suggested:
Anthropognofysys it is suggested. The term has the meaning of “Interdisciplinary Perspective
for the study of sociocultural systems and its relations with natural systems”. Finally, some
possible research lines for the Interdisciplinary Bachelor for Humanities.

Resumo
Este é um artigo a ser apresentado em uma série de conferências de curta duração pela Internet
previstas para serem realizadas no Instituto Humanitas (UNFR) no semestre em curso. É sobre a
Cibernética, sua história e principais premissas. O leitor entrará em contato com os fundamentos
da Cibernética, a partir dos conceitos estabelecidos por Norbert Wiener, seguido da
apresentação das mais diversas abordagens e definições relacionadas à Cibernética de Primeira
Ordem. É explicado também o significado e as diferenças da cibernética de primeira e segunda
ordem. O conceito de inter e transdisciplinaridade é discutido com algum detalhe e alguns
exemplos de conceitos multidisciplinares apresentados. O conceito de sistema também é
discutido, e minha própria definição de Cibernética é apresentada com o objetivo de conectá-la
à Plataforma Nosso Futuro Comum. Devido as dificuldades do termo cibernética para as
humanidades, sugere-se um novo termo: Antropognofisis, significando “Perspectiva
interdisciplinar para o estudo dos sistemas socioculturais e suas relações com os
sistemas naturais.” Por fim, são sugeridas algumas linhas de pesquisa possíveis para o
Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas.

1
Este será, provavelmente, a primeira versão de um paper mais completo a ser preparado no decorrer
do primeiro semestre.

2
Sumario

1. Introdução

2. Segundos pensamentos sobre a introdução

3. Os primórdios e o conceito de cibernética

4. Ciência ou Perspectiva?

5. Uma pausa para refletir sobre o conceito de “sistema”

6. Os estudos inter e transdisciplinares

7. Possibilidades e dificuldades do ensino e pesquisa inter e transdisciplinar

8. Três exemplos práticos sobre a transdisciplinaridade

9. A Cibernética de Segunda Ordem

10. Ciência ou conhecimento?

11. Recapitulando.....

12. Enfoque da pesquisa cibernética de médio prazo


Anexo 1

Bibliografia

3
1. Introdução
Este texto foi preparado para uma conversa com os colegas do Instituto Humanitas da
UFRN. O título talvez sugira para alguns uma certa presunção de alguém que quer dizer
o que, finalmente, seria a Cibernética, como se não existisse uma plêiade de grandes
nomes associados a este tema, nomes do passado e do presente. Não tenho essa
pretensão, mas tão somente a de me colocar na posição do aprendiz que deseja discutir
e avaliar conhecimentos com um certo espírito crítico.
A tarefa a que me propus foi a de fazer um apanhado geral do nascimento e evolução
da Cibernética, seus fundamentos, definições e aspectos conceituais relacionados a
interdisciplinaridade. O foco principal é alimentar uma discussão acadêmica que possa
gerar frutos para a pesquisa e formulação de novas ideias. Assim, que é um texto
genérico e muitos de seus subtemas deveriam, ou poderiam ser desenvolvidos em
palestras adicionais.
A Cibernética tem uma história curta, porem intensa. Apesar da palavra ter surgido com
Platão (Kybernetike) foi somente nos anos de 1940 que ela teve seu status à uma ciência
emergente parcialmente reconhecido, através do trabalho de Norbert Wiener. Dos anos
1940 até os tempos atuais ela passou por algumas fases, tendo uma ascensão meteórica
nas décadas de 50 a 70, sofrendo um certo arrefecimento e “passando de moda” no
final dos anos 70, voltando a ter um crescimento assintótico nos aspectos de inteligência
artificial, robótica e cyber controle nos últimos 30 anos, como mostram as imagens
abaixo.
Na atualidade, o termo “Cibernética”
nos evoca uma serie de imagens
relacionadas com tecnologia,
computadores, ships, robôs e outros
mecanismos dessa natureza. Isso se
deve ao desenvolvimento que as
aplicações cibernéticas tiveram no
mundo da tecnologia.

Já este gráfico mostra a projeção de crescimento dos aparatos de todos os tipos


conectados à internet no mundo. Estes aparatos
são da geração de smart-devices (mecanismo
com controle e funções automáticas com
resposta) e representam o êxito dos princípios
da cibernética no mundo industrial e dos
negócios. Serão 75 bilhões de aparatos em
2025!!!
Esta informação nos ajuda a entender a razão da
pouca repercussão deste tema nas ciências humanas em geral, especialmente depois

4
dos anos 2000. Existe um problema geracional que podemos mencionar como um dos
fatores explicativos das dificuldades de absorção do termo “cibernética” nas
humanidades. A maioria dos professores das universidades, a partir dos anos de 1990
(portanto nos últimos 30 anos, que é o espaço de uma geração), foi formada sob o
quadro teórico dos clássicos nas distintas áreas das ciências sociais e da filosofia (anos
1980). A Cibernética estava ainda se popularizando e o
desenvolvimento dos servomecanismos avançava somente
nos países desenvolvidos. No campo de aplicação da
cibernética às humanidades, o tema era ainda mais
desconhecido entre nós. O quadro ao lado mostra que em
2005 o percentual de professores brasileiros de ensino
superior com mais de 40 anos era de 57,3%, o que significa
que mais da metade de toda a geração de professores
cresceu e se formou sem nunca ter visto um computador
pessoal.
Hoje, segundo o INEP, a média de idade dos docentes de
nível superior é de 36 anos. Portanto, essa geração
provavelmente frequentou a universidade por volta dos
anos 2010, onde os produtos tecnológicos já estavam
disponíveis, e a cibernética já tinha cristalizado sua imagem ligada aos mecanismos
robóticos. Isso não quer dizer que não existam centros de investigação da relação entre
cibernética e as humanidades. Existem algumas associações internacionais que se
dedicam a aplicação da cibernética as humanidades, mas todas nos países
desenvolvidos. Não tenho conhecimento de nenhuma no Brasil.
Outro aspecto é que a Cibernética não assumiu a forma de uma “Ciência Normal” (talvez
porque ela não seja uma ciência) no sentido dado a essa expressão por Thomas Kuhn2.
Ademais, uma ampla diversificação de linhas de pesquisa tecnológicas acabou por
enfraquecer sua contribuição para a formação de uma epistemologia cibernética sólida.
Ainda assim, as características essenciais da cibernética podem ter algum potencial para
contribuir com as humanidades numa discussão mais qualificada vis-à-vis as ciências
naturais ou aos aspectos tecnológicos. Vejamos um pouco os aspectos mais gerais de
que se trata este assunto3.

2Ver khun, T. (1989) A Estrutura das Revoluções Cientificas, Ed Perspectiva.


3 Esclareço que uma revisão bibliografia extensiva ainda está por fazer-se. Não mencionamos alguns autores ícones
tais como Edgar Morin para o tema da complexidade ou Niklas Luhmann para o tema da relação Sistema/Entorno ou
observador/Observado para a conformação do conhecimento na Cibernética de segunda ordem. Essa revisão mais
extensiva da bibliografia será elaborada, esperamos, quando da preparação de paper mais completo sobre o assunto.
Minha pretensão aqui foi somente organizar uma parte da informação existente para ajudar na discussão sobre o
tema.

5
2. Segundos pensamentos sobre a introdução.
Em uma conversa preliminar que tive com meu colega e Diretor do Instituto Humanitas
Alípio de Sousa Filho, me dei conta de que uma palestra, ainda que introdutória sobre
um tema tão complexo como é a Cibernética, não somente merece que se situe bem as
ideias, como também pode se prestar a testar algumas ideias novas que poderiam
ajudar a reflexão epistemológica no interior do Bacharelado Interdisciplinar em
Humanidades que está prestes a iniciar, bem como na Plataforma Nosso futuro
Comum, que o Instituto Humanitas pretende lançar como parte de uma reflexão sobre
a sustentabilidade.
O trabalho de situarmo-nos no contexto que vamos vivenciar juntos a partir de agora
(nesta conversa e, quem sabe, nas atividades futuras), me leva a fazer algumas
perguntas e algumas afirmações preliminares para que o leitor e a audiência possam
entender o que vamos ver mais adiante.
Em primeiro lugar, qual é o objetivo da palestra (e deste texto)? O objetivo desta
palestra é apresentar a Cibernética como uma potencial alternativa para o
desenvolvimento de um pensamento interdisciplinar, para o desenvolvimento eventual
de uma teoria com características de interdisciplinaridade para a explicação de
fenômenos/problemas específicos relacionadas às humanidades e suas relações com a
natureza, ou até de contribuir para uma ciência interdisciplinar, se é que esta coisa
(Ciência interdisciplinar) de fato existe. O objeto ao qual vamos nos referir e sobre o
qual vamos falar é, portanto, essa “coisa” que se chama Cibernética e veremos se tem
esse potencial que buscamos.
Apresentar, portanto, a Cibernética como nosso objeto de reflexão, contém em si
mesmo, diversas dificuldades de natureza filosófica, epistemológica e pragmática
bastante complexas, para as quais não estou seguro de que tenhamos uma resposta.
Adianto que um desses problemas diz respeito ao que mencionamos anteriormente, de
que o termo está bastante comprometido com as ideias de tecnologia, robótica, ships,
computadores, etc, e que não é tarefa simples estar usando esse termo nas
humanidades. Talvez seja necessário encontrar um nome, um termo/conceito para
renomear esta “coisa” em lugar de usar o termo “cibernética”, já um pouco
estereotipado. Mas isso veremos mais adiante.
Dando seguimento a discussão, podemos dizer que a Cibernética emergiu como uma
promessa!!! A promessa de que seria possível a ciência universal sobre seres humanos
e máquinas. A “teoria de campos unificada das humanidades” e das ciências naturais.
Algo similar ao que estava buscando Einstein com a sua teoria unificada de campo,
tentando unificar a gravidade com o eletromagnetismo. Uma ciência universal com uma
linguagem universal tão poderosa que “suspenderia as diferenças de longa data entre
ciência e arte, e entre a realidade externa e a crença interna” (definição 7 mais adiante).
O que vamos discutir, ao longo do texto, é se a Cibernética passou ou não da promessa
à realidade. E, desde logo, pergunto: É a Cibernética uma Ciência ou outra coisa que
ainda temos que descobrir e nomear? O que é esta coisa chamada Cibernética?

6
3. Os primórdios e o conceito de Cibernética
A Sociedade Americana para a Cibernética (ASC), fundada em 1964, recomenda que
para se ter uma boa visão histórica de uma disciplina, a Cibernética em particular, se faz
necessário revisar, ainda que resumidamente, sua evolução. No entanto, montar uma
linha do tempo linear para a cibernética não é tão simples como no caso de outras
disciplinas.
A cibernética surgiu de diversos segmentos de trabalho que se cruzaram fortuitamente
durante a década de 1940. Nas décadas seguintes, os temas que circunscrevem a
definição original da cibernética divergiram novamente para engendrar ou facilitar o
surgimento de uma diversidade ainda maior de campos, rótulos e disciplinas. Assim que
a consolidação da disciplina Cibernética tardou vários anos. O Anexo 1 mostra, de forma
sumaria, o que a ASC chama de pré-história da cibernética.
A chamada Era da Cibernética começa realmente com os estudos de Norbert Wiener,
Arturo Rosenblueth e Julian Bigelow através do livro Behavior, Purpose and Teleology
(1943). Posteriormente, em 1950, Wiener popularizou as implicações sociais da
cibernética, traçando analogias entre sistemas automáticos (como uma máquina a
vapor regulada) e instituições humanas em seu best-seller The Human Use of Human
Beings: Cybernetics and Society. Outros pesquisadores também contribuíram para o
pensamento cibernético, tais como Warren McCulloch, W. Ross Ashby, Alan Touring e
John von Neumann.
Ainda durante a década de 1940, a Fundação Josiah Macy Jr promoveu uma série de
conferências, hoje conhecidas como Conferências Macy, que tinham como objetivo
duas inovações especificamente concebidas para encorajar e facilitar intercâmbios
interdisciplinares e multidisciplinares; um era oral: as conferências Macy, e outra era
escrita: as transações Macy (transcrições publicadas das conferências). As conferências
Macy eram essencialmente conversas realizadas em um ambiente de conferência, com
participantes apresentando pesquisas enquanto elas ainda estavam em andamento (ao
invés de depois de terem sido concluídas. Estas conferências tiveram início em 1941 e
terminaram em 1960.
No período de 1946 a 1953 foram realizadas as Conferências Cibernéticas, com uma
imensa lista de tópicos e participantes (ver
https://en.wikipedia.org/wiki/Macy_conferences), sendo que os diferentes tópicos
estavam voltados para a transdisciplinaridade e a formação de uma “ciência holística”,
(o termo é meu) um sistema de conhecimento compreensivo sobre a cibernética. A
Cibernética teve um grande desenvolvimento durante os anos de 1950 e 1960, sua
época de ouro, com a publicação de um significativo número de livros e papers. De igual
modo, o número de definições também se ampliou e um alto nível de complexidade se
instalou no processo de consolidação da disciplina, a ponto de termos muitas definições
e ideias a respeito do tema.

7
No site da ASC4 estão listadas 46 definições para Cibernética. Isso mesmo, 46 definições
e, possivelmente há outras tantas que não foram consideradas. Fiz uma seleção de 10
definições que considero as mais ilustrativas e as menciono abaixo, não em sua ordem
cronológica de aparecimento, mas para elucidar a essência da disciplina. Além das 10
definições que nos proporcionam diferentes autores, menciono as 2 definições da ASC,
a original de 1964 e a mais recente, resultante da Conferência realizada pela entidade
em 1987:
1. Norbert Wiener – “A ciência do controle e comunicação nos animais e nas
máquinas”.
2. Peter Corning - “A ciência da cibernética não trata de termostatos ou máquinas;
essa caracterização é uma caricatura. A cibernética trata de intencionalidade,
objetivos, fluxos de informação, processos de controle de tomada de decisão e
feedback (devidamente definido) em todos os níveis dos sistemas vivos”.
3. Ludwig von Bertalanffy - “Uma grande variedade de sistemas em tecnologia e
na natureza viva segue o esquema de feedback, e é sabido que uma nova
disciplina, chamada Cibernética, foi introduzida por Norbert Wiener para lidar
com esses fenômenos. A teoria tenta mostrar que os mecanismos de feedback
da natureza são a base do comportamento teleológico ou intencional em
máquinas feitas pelo homem, bem como em organismos vivos e em sistemas
sociais”.
4. Andrew Pickering – “Aqui está algo filosófica ou teoricamente fecundo sobre a
cibernética. Existe uma espécie de mistério ou glamour sedutor ligado a ela. E a
origem disso, eu acho, é que a cibernética é a construção de um paradigma
diferente daquele em que a maioria de nós cresceu, o paradigma redutivo, linear,
newtoniano, que ainda caracteriza a maioria dos trabalhos acadêmicos nas
ciências naturais e sociais (e a engenharia e as humanidades) - as ciências
clássicas, como Ilya Prigogine e Isabelle Stenger5 as chamam. … Parece-me,
porém, que os historiadores ainda precisam se familiarizar seriamente com esse
aspecto da cibernética”.
5. Bruce Buchanan - “Às vezes também é usado como um termo guarda-chuva para
uma grande variedade de disciplinas relacionadas: teoria geral dos sistemas,
teoria da informação, dinâmica do sistema, teoria dos sistemas dinâmicos,
incluindo teoria da catástrofe, teoria do caos, etc.”
6. Margaret Mead - [O] conjunto de ideias interdisciplinares que primeiro
chamamos de 'feedback' e, em seguida, chamamos de 'mecanismos teleológicos'
e então chamamos de ... 'cibernética' - uma forma de pensamento
interdisciplinar que tornou possível para membros de muitas disciplinas para se
comunicarem facilmente entre si em uma linguagem que todos possam
entender.
7. Paul Pangaro - “A cibernética é simultaneamente a ciência mais importante da
nossa época e a menos reconhecida e compreendida. Não é robótica nem
congelamento de mortos. Não se limita a aplicativos de computador e tem tanto

4 American Society for Cybernetics (ASC) - https://asc-cybernetics.org/


5 Ilya Prigogine e Isabelle Stengers (1984). Order out of chaos, Bantam Books. USA

8
a dizer sobre as interações humanas quanto sobre a inteligência das máquinas.
A cibernética de hoje está na raiz das principais revoluções em biologia,
inteligência artificial, modelagem neural, psicologia, educação e matemática. Por
fim, há uma estrutura unificadora que suspende as diferenças de longa data
entre ciência e arte, e entre a realidade externa e a crença interna”.
8. W. Ross Ashby - “A cibernética lida com todas as formas de comportamento, na
medida em que sejam regulares, ou determinadas, ou reproduzíveis. “A
cibernética não trata das coisas, mas das formas de comportamento. Não
pergunta: 'O que é isso?', mas 'o que isso faz?' ... É, portanto, essencialmente
funcional e comportamental ... A materialidade é irrelevante, assim como a
manutenção ou não das leis comuns da física”.
9. BehaveNet - A cibernética se preocupa com a investigação científica de
processos sistêmicos de natureza altamente variada, incluindo fenômenos como
regulação, processamento de informações, armazenamento de informações,
adaptação, auto-organização, autorreprodução e comportamento estratégico.
Dentro da abordagem cibernética geral, desenvolveram-se os seguintes campos
teóricos: teoria dos sistemas (sistema), teoria da comunicação, teoria dos jogos
e teoria da decisão”.
10. MIT. A cibernética é o estudo da interação homem/máquina guiado pelo
princípio de que vários tipos diferentes de sistemas podem ser estudados de
acordo com os princípios de feedback, controle e comunicações.
11. Versão original dos Estatutos do ASC “A cibernética busca desenvolver teorias
gerais de comunicação em sistemas complexos. … A natureza matemática
abstrata e muitas vezes formal de seu objetivo… torna a cibernética aplicável a
qualquer domínio empírico no qual ocorrem os processos de comunicação e seus
numerosos correlatos. As aplicações da cibernética são amplamente difundidas,
notadamente nas ciências da computação e da informação, nas ciências naturais
e sociais, na política, na educação e na gestão.”
12. Anúncio da Conferência ASC de 1987 “Cibernética: quando eu reflito sobre a
dinâmica dos sistemas observados e sobre a dinâmica do observador - de onde
“cibernética criativa”: quando eu projeto a dinâmica de um sistema que gostaria
de observar”.
Quando analisamos as definições acima, alguns conceitos nos saltam a vista e podemos
destacá-los e assumir que eles estão no centro da compreensão da Cibernética tal como
concebida por estes autores e que foram denominadas mais tarde de Cibernética de
Primeira Ordem. São mencionados:

9
ciência, estudo, investigação, ideias, teoria da
comunicação, forma de pensamento, paradigma, teoria
dos sistemas autorregulados, termo guarda-chuva para
grande variedade de disciplinas, teoria dos sistemas
dinâmicos, teoria cientifica de processos sistêmicos
variados, e pensamento interdisciplinar.

Olhando todos estes termos, não parece claro o que realmente é a Cibernética. As duas
últimas definições apresentadas pela American Society for Cybernetics são bem
ilustrativas. Na definição 11, não se menciona a palavra “ciência”, mas remete para uma
“forma de pensar” ou de induzir a formalização de teorias (em particular as teorias da
comunicação). Na definição 12, o conceito de Cibernética é bastante abstrato e figura
como uma reflexão sobre sistemas, onde o observador e o observado interatuam
reciprocamente6.

4. Ciência ou Perspectiva?
Com base na análise das definições da seção anterior, me parece que não podemos
afirmar que a Cibernética é uma ciência no sentido estrito do termo, ou como nos
mostram diversas epistemologias, em particular aquela proposta por Thomas Kuhn7.
Minha primeira resposta para “o que é essa coisa chamada Cibernética” é que ela parece
mais uma Perspectiva que uma Ciência. Ela tem aplicabilidade nas ciências em geral
(naturais e humanas), mas não é em si mesma uma ciência. Ela induz ao pensamento
interdisciplinar e transdisciplinar através do uso das disciplinas na descrição de
fenômenos complexos, mas em si mesma não é uma disciplina. Ela utiliza-se da teoria
de sistemas, tal como propõe W. Ross Ashby (Definição
8), porém não é um sistema em si mesmo. Ela induz o
desenvolvimento de muitas disciplinas ao trabalhar
com fluxos de informação, regulação e feed-back e,
devido a sua “natureza matemática abstrata e muitas
vezes formal ..… torna-se aplicável a qualquer domínio
empírico no qual ocorrem os processos de
comunicação e seus numerosos correlatos” (definição
11). Enfim, ela parte do pressuposto de que a realidade
é complexa, afinal “a vida é complexa” e, portanto, requer um instrumento que possa
reproduzir esta complexidade, que as ciências convencionais não estão aptas a realizar.
O desenvolvimento do conhecimento científico moderno tem por base a progressiva
verticalização do conhecimento através de disciplinas e sua também progressiva
institucionalização, sua separação da filosofia, resultando no que hoje chamamos de
ciências. O sistema das ciências é disciplinar, especializado e foi se desenvolvendo ao

6Esta abordagem é conhecida como Cibernética de Segunda Ordem.


7Thomas Kuhn. (1989) A Estrutura das Revoluções Cientificas, Ed Perspectiva. Pode-se também mencionar as
teorias de Karl Popper e Inri Lakatos.

10
longo de muitos séculos através da experimentação e do desenvolvimento de métodos
próprios.
Na antiguidade, os conhecimentos estavam reunidos ao redor da filosofia e dos
filósofos. Imaginem que na época de Aristóteles (384-322) já estavam se formando as
disciplinas que, mil e quinhentos anos mais tarde, se transformariam nas disciplinas
cientificas independentes tal como conhecemos hoje. Aristóteles escreveu sobre
distintos temas: logica, metafisica, física, meteorologia, zoologia, percepção, memoria,
sonho, ética, política, retorica etc, ou seja, ele era um filósofo multidisplinar!!!!
Dezesseis séculos depois, a “filosofia da natureza” deu lugar à evolução do método
científico e de muitas das disciplinas que temos hoje nas universidades e a expressão
“filosofia natural” caiu em desuso.
O importante a destacar é que as teorias cientificas são representações de algo que
consideramos como o mundo exterior. Para conhecer o mundo exterior, utilizamos
hipóteses e métodos, que tem sua relevância e características de acordo com o objeto
estudado (os seres vivos, um determinado grupo social, os astros ou as características
da luz)8. O conhecimento advindo da aplicação do método científico gera uma
linguagem organizada em forma de teorias. As teorias cientificas tem uma certa
estrutura, uma forma de produção de conhecimentos que, na linguagem atual tem sido
mencionada como o Modo 1 da Ciência9. Estas estruturas variam de acordo com a
natureza dos fenômenos que estudam. No Modo 1, podemos dividir em 3 tipos as
teorias cientificas:
1. Ciências Formais – logica e matemática.
2. Ciências Naturais – No geral, a epistemologia considera que a física, química e
biologia se enquadram no modelo monológico-dedutivo, ou seja, um conjunto de
conceitos, incluindo abstrações de fenômenos observáveis e propriedades
quantificáveis, juntamente com leis científicas que expressam as relações entre as
observações. A teoria científica é construída para se ajustar aos dados empíricos
disponíveis sobre tais observações e é proposta como um princípio ou conjunto de
princípios para explicar uma classe de fenômenos10.
3. Ciências Sociais –Não seguem o modelo monológico-dedutivo, mas se comportam
como “perspectivas”, ou seja, “podem ser definidas como uma aproximação geral,
um ponto de vista em relação ao objeto, incluindo a) um conjunto de perguntas a
serem feitas sobre o objeto; b) uma teoria geral ou uma aproximação teórica para
explicar a natureza do objeto e c) um conjunto de valores relativos ao objeto11. “As
Ciências Sociais trabalham com conjuntos de postulados básicos que orientam a

8 Toda a tradição do desenvolvimento científico moderno tem suas raízes em algumas obras importantes que
marcaram época. Menciono especialmente o livro de René Descartes Discours de la méthode pour bien conduire sa
raison, et chercher la vérité dans les sciences), conhecida entre nós como O Discurso do Método8. O método
Cartesiano foi um marco para as ciências tal como as conhecemos hoje.
9 A distinção entre o Modo 1 (eu diria tradicional) e o Modo 2 (eu diria inter/transdisciplinar) de fazer ciência vem

sendo mencionada no jargão dos epistemòlogos.


10 Wikipidia. https://es.wikipedia.org/wiki/Teor%C3%ADa_cient%C3%ADfica
11 Farley, , J. (1990) Sociology, New Jersey, USA: Prentice Hall.

11
pesquisa, aliados a procedimentos abertos de seleção dos fatos e descrição
reconstrutiva dos fenômenos a serem explicados”.12
4. Todos os 3 modelos de teorias geram sistemas estruturados de pensamento.
Excetuando-se os sistemas formais, os outros dois devem ter respaldo e referência
empírica testada e validada para terem aceitação na comunidade cientifica. Todos
eles estão alinhados com o Modo 1 de fazer ciência, ou seja, verticalizando a
pesquisa. Aqui tem
lugar a explicação
Kuhniana de ciência
normal, aquela que
acumula fatos
confirmativos de suas
hipóteses, leis e
postulados. As
eventuais anomalias
são eventualmente
explicadas por postulados Ad Hoc e, quando acumuladas em grande número dão
origem a novas hipóteses mais poderosas, bem como novas leis e postulados13.
Mas e a Cibernética? Como poderíamos defini-la no contexto acima? Seria ela de
natureza empírica ou formal? De acordo com o que vimos argumentando, a Cibernética
tem muitas afinidades com os sistemas formais. Em realidade, ela não se importa com
as referências empíricas, mas sim com os sistemas em si mesmos. Podemos dizer que a
aspiração da Cibernética é identificar os vários elementos e tendências reconhecíveis
dos sistemas, ou seja, de qualquer entidade claramente definida, cujas partes são inter-
relacionadas e interdependentes e cuja soma é maior que a soma das partes. Nada tem
a ver com o mundo exterior, mas sim com os sistemas enquanto estruturas. Isso significa
que o objeto de estudo da Cibernética são os sistemas, sua organização, suas relações
com outros sistemas, e seus padrões de comportamento.
Por outro lado, todo sistema tem uma relação com seu ambiente, ao qual se ajusta em
maior ou menor medida e a respeito do qual deve sempre ser capaz de se diferenciar.
Essas relações dos sistemas com o ambiente externo podem ser aplicadas à biologia,
medicina, sociologia, administração de empresas e muitos outros campos do
conhecimento humano.
No entanto, a Teoria Geral dos Sistemas, considerada uma meta-teoria, aspira a
preservar a sua perspectiva geral e global dos sistemas. Por exemplo, “permite que se
diferencie os tipos de sistemas com base em suas características essenciais, mas não se
importa com os tipos de objetos específicos que compõem esses sistemas”14; no
entanto, ela se importa com suas aplicações. Seu papel tem sido o de promover o
pensamento interdisciplinar e transdisciplinar (o Modo 2 de ciência) com o olhar da

12 Matallo Junior, H. (2009) Sobre a aplicação do conceito de paradigma na sociologia: questão de maturidade ou
impossibilidade logica”, Revista Ciência & Tropico, vol. 33, número 2, FUNDAJ. Recife.
13
Thomas Kuhn. (1989) Op. Cit.
14 https://concepto.de/teoria-de-sistemas/

12
perspectiva sistêmica e da teoria de sistemas. Não é à toa que seu enorme
desenvolvimento tem sido baseado na teoria de sistemas e, em particular nos últimos
20 anos, na robótica, nos sistemas controlados e mecanismos de autorregulação e
resposta. Nos dias atuais, não associamos a Cibernética com as disciplinas das ciências
humanas, mas à ciência da computação e aos mecanismos eletrônicos e robóticos como
fizemos notar na Introdução.
Penso que a melhor resposta à nossa
questão sobre o estatuto epistemológico do
empreendimento cibernético é que ele tem
por objeto a realidade vista em diferentes
níveis de sistemas interrelacionados, ou
ainda, como uma unidade de sistemas
diversos atados pelo sistema de
comunicação. Seria uma nova forma de
produção de conhecimentos através da
integração de sistemas, também chamada
Modo2 de produção de conhecimentos15.

Bem, acho que chegou o momento de finalmente definir nossa “coisa”. Diria, então,
que a Cibernética é uma perspectiva integradora de conhecimentos com forte potencial
heurístico para gerar novas aplicações e novos campos do conhecimento, tendo como
base o pressuposto de que a natureza e as sociedades podem ser entendidas como
sistemas que interagem entre si (HMJ).

Convenhamos que essa definição é ainda bastante abstrata e, diria mais, ela se restringe
ao aspecto analítico dos sistemas. Há, ainda, outro aspecto a ser considerado que está
em conexão com a capacidade mesma dessa perspectiva ser aplicada no contexto da
solução de problemas práticos como veremos na seção 7.

A ideia de “integração de conhecimentos”, tem o significado prático da integração das


distintas disciplinas cientificas. Lançar mão das disciplinas e usá-las para conhecer o
mundo exterior, os sistemas da vida, da natureza e das sociedades. De certa forma este
foi o empreendimento realizado por Velentin Turchin no livro The Phenomenon of
Science: a cybernetic approach to human evolution16, uma obra dedicada a descrever a
“era cibernética” em sua inteireza, ou seja, tentado integrar completamente a ciência
em um esquema da evolução da natureza física e biológica17.

5. Uma pausa para refletir sobre o conceito de “sistema”.

15 Gibbons, M. et alli. (1994) The new production of knowledge: The Dynamics of Science and Research in
Contemporary Societies, SAGE Publication, Ltda.
16 Turchin, Valentin (1977). The Phenomenon of Science: a cybernetic approach to human evolution, Columbia

University Press. http://pespmc1.vub.ac.be/POSBOOK.html)


17
Turchin, Valentin (1977). The Phenomenon of Science: a cybernetic approach to human evolution, Columbia
University Press. http://pespmc1.vub.ac.be/POSBOOK.html)

13
Regressando a nossas definições, que tem como elemento central o conceito de
“sistema”, devemos refletir um pouco sobre este conceito. “Sistema” já é um
conceito popular em nossos dias.
Todos nós utilizamos esse conceito em
nossas atividades diárias, bem como na
academia: sistema linguístico, sistema
carcerário, sistema político, sistema judicial,
sistema biológico, sistema respiratório,
sistema educacional, sistema cognitivo,
sistema metodológico, ecossistema, sistema
de números etc. Ou seja, os sistemas têm conotação de algo existente (ontológico)
ainda que sejam abstratos. No limite, podemos dizer que tudo pode ser visto como
“sistema”, seja no mundo natural, no mundo social ou no mundo abstrato das
ciências formais18.

Todos os vocábulos mencionados acima se inspiram na ideia de organicidade, ou


seja, de sistemas (vivos ou não) que possuem partes e que estas partes são
interdependentes e se relacionam entre si funcionalmente para produzir resultados.
Ademais, estes sistemas são frequentemente alimentados por informação e os
próprios resultados alcançados são por eles incorporados como parte de seu
funcionamento (feed-back). Daí que a maioria das definições de Cibernética
mencionem “sistemas” que se regulam por informação, feed-backs e controle.

O conceito de “sistema” deriva da ideia grega de “ordem” especialmente de “ordem


do mundo” ou “ordem cósmica”19, na linguagem de Platão. Imaginem que a “ordem
do mundo” deve conter indivíduos, comunidades, cidades, Estados, relações entre
Estados e de cada elemento anterior com a natureza e todos os seus recursos. Assim
que, podemos compreender um “sistema” como uma hierarquia de subsistemas
ordenados, organizados e dirigidos, isto é, com propósito. (aqui entra o conceito
grego de Cibernética20, conforme Anexo 1)

Os arranjos de sistemas e subsistemas são sempre hierarquizados e quando


interrelacionados, formam um sistema maior e mais complexo. Mas quando
tratamos com uma ordem superior, ressignificamos nossos sistemas para “meta
sistemas” (de nível superior), onde suas partes são os grandes sistemas da sociedade
e da natureza, que são também, no seu sentido cibernético, sistemas regulados,
homeostáticos e com propósitos definidos no sentido da produção e reprodução
(sobrevivência). O meta sistema de Platão incluía todas as suas partes na sua ordem
natural (que estava integrada a uma “ordem cósmica”): Indivíduos organizados
segundo a sua natureza (livres ou escravos), os homens exercendo suas profissões
de acordo a sua natureza (ao talento inato), a natureza per se, e os governos, os

18 Ferrater Mora, J. (¡982) Diccionario de Filosofía, Alianza Editorial.


19 Ver Ferrater Mora, J. (1982) Diccionario de Filosofía, Alianza Editorial.
20 Platão usou o termo Kibernetike com o sentido de governar.

14
timoneiros da sociedade (aqui entra o conceito de Kybernetike). Qualquer coisa fora
do seu lugar natural significava degradação, deterioro.

O “lugar” em que os vários sistemas se encontram, o conjunto interseção que nos


possibilita compreender o comportamento dos indivíduos e comunidades, nas suas
diferentes facetas, com o ambiente externo, este é também o lugar da
interdisciplinaridade.

6. Os estudos inter e transdisciplinares


Iniciarei afirmando que os conceitos de inter e transdisciplinaridade não são atinentes
exclusivamente a Cibernética, embora esta os tenha como parte integrante de sua
perspectiva. Mas trata-se de conceitos que hoje são utilizados em vários ambientes, tais
como centros de investigação independentes, universidades e departamentos de
investigação e desenvolvimento de empresas privadas.
Lendo um relatório elaborado para o Ministério da Pesquisa, Ciência e Tecnologia da
Nova Zelândia pela Dra. Karen Cronin, intitulado Transdisciplinary Research (TDR) and
Sustainability, me deparei com as melhores definições que encontrei sobre
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade até o momento.
Estudos interdisciplinares: várias disciplinas acadêmicas não relacionadas (paradigmas
de pesquisa contrastantes, por exemplo as diferenças entre abordagens qualitativas e
quantitativas ou entre abordagens analíticas e interpretativas que reúnem disciplinas de
humanidades e ciências naturais) envolvidas de tal forma que as força a cruzar os limites
do assunto para criar conhecimentos e teorias e resolver um objetivo comum de
pesquisa.
Estudos Transdisciplinares: projetos que pesquisadores e acadêmicos de diferentes
disciplinas independentes e participantes não acadêmicos, tais como administradores
de terras e o público em geral, investigam com um objetivo comum de criar novos
conhecimentos e teoria. Transdisciplinaridade combina interdisciplinaridade com uma
abordagem participativa. A pesquisa transdisciplinar envolve uma série de abordagens
que podem levar à quebra das fronteiras disciplinares, à fusão de disciplinas existentes
e à introdução de conhecimento não disciplinar de partes interessadas externas. Ele
também tem o potencial de criar uma nova estrutura de conhecimento e uma síntese
abrangente a partir das diversas perspectivas no ambiente de pesquisa”21

Importante notar que a investigação interdisciplinar está mais vocacionada para a


academia e ao mesmo tempo, há mais barreiras devido a sua própria estrutura. Como
disse Cronin em algum momento, “O mundo tem problemas e a academia
departamentos!”22.

21Karen Cronin (2008) Transdisciplinary Research (TDR) and Sustainability, Ministry of Research, Science and
Technology, New Zeeland.
22
Karen Cronin, op. Cit.

15
7. Três exemplos sobre a inter e transdisciplinaridade
Podemos tomar um primeiro exemplo para ilustrar o espaço da transdisciplinaridade no
encontro de sistemas, apelando para o conceito de “Sustentabilidade” tal como utilizado
pela Organização das Nações Unidas23.
O Trabalho realizado no âmbito das agências especializadas, bem como nas comissões
para o estabelecimento de diretrizes de atuação da entidade, tem como característica
marcante o aspecto mencionado por Karen Cronin24 na seção anterior, ou seja, um
trabalho de equipe interdisciplinar com abordagem participativa. Esse aspecto está
perfeitamente reconhecido pela então presidente da Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, a primeira-ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland25.
Na introdução do Nosso Futuro Comum ela menciona que “devido ao alcance do nosso
trabalho e a necessidade de contar com uma ampla perspectiva, me dei conta
perfeitamente de que deveria criar uma equipe política e cientifica altamente
qualificada e influente, de maneira a constituir uma Comissão verdadeiramente
independente. Isto era primordial se queríamos ter éxito. Juntos deveríamos abraçar o
planeta e nos unirmos para formular um enfoque integrado e interdisciplinar de frente
a nossas preocupações e futuro comum. Necessitávamos uma ampla participação e uma
maioria de membros procedentes dos países em desenvolvimento, de maneira a refletir
as realidades do mundo. Necessitávamos de pessoas com ampla experiencia,
procedentes de todos os horizontes políticos, não somente relacionados ao meio-
ambiente ou ao desenvolvimento e outras disciplinas políticas, como também de todos
os setores onde se tomam decisões políticas vitais que influenciam o progresso
econômico e social, nos níveis nacional e internacional”
Creio que o parágrafo anterior resume o trabalho transdisciplinar de que nos fala Karen
Cronin. Interdisciplinaridade com abordagem participativa. No campo dos conceitos, o
trabalho definiu o conceito de sustentabilidade (O desenvolvimento sustentável é aquele
que assegura a satisfação das necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade
das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades.) através da comissão
interdisciplinar de cientistas e políticos. Esse é um ponto importante do processo. É um conceito
negociado técnica e politicamente (com abordagem amplamente participativa tal como
menciona Karen Cronin) mas com enormes efeitos práticos já que, a partir dele, a comunidade
internacional formulou um amplo programa de ação que vem moldando o mundo desde então,
cristalizado na Agenda 21 e, posteriormente, nas Metas do Milênio e na Agenda 2030.

É preciso, ainda, mencionar que o documento Nosso Futuro Comum está dentro da
perspectiva cibernética, pois trabalha com os sistemas políticos, econômicos, sociais e
cultural26 ainda que de forma pouco convencional em termos acadêmicos. Como diz

23 Nuestro Futuro Comun (1987). Informe de la Comisión Mundial sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo.
Matallo Junior, H. Meio Ambiente e Sociedade: a desertificação como um caso concreto de transdisciplinaridade in
Matallo Junior, H. & Pádua, M.M. E (2008). Ciências Sociais: complexidade e Meio Ambiente, Ed. Papirus.
24 Karen Cronin (2008), op. cit.
25 Nuestro Futuro Común (1987), op. cit.
26 Talvez eu esteja forçando um pouco a mão neste ponto, mas a leitura completa do Nosso Futuro Comum dá lugar

a esta interpretação.

16
Cronin, “a gestão da sustentabilidade é agora um campo de pesquisa importante e
crescente, reflexo dos princípios e práticas da Transdisciplinaridade e a pesquisa de
sustentabilidade é vista como um processo social envolvendo disciplinas das ciências
naturais e sociais, especialistas e não especialistas, e cooperação entre instituições”27. A
Plataforma Nosso Futuro Comum, esperamos, será a materialização dos princípios da
inter e transdisciplinaridade.
Mencionaremos agora a Convenção de Mudanças Climáticas tem eu seu Artigo Primeiro
as definições a serem usadas em toda a convenção, iniciando pela definição de “sistema
climático” (Artigo 1.3). No seu artigo 3.4 estabelece que as “Partes têm direito ao
desenvolvimento sustentável e devem promovê-lo. As políticas e medidas para proteger
o sistema climático contra mudanças induzidas pelo homem, os recursos humanos
devem ser adequados às condições específicas de cada Parte e ser integrado em
programas de desenvolvimento nacional, levando em consideração que o crescimento
econômico é fundamental para a adoção de medidas que visem o enfrentamento da
mudança climática”. Ao fim e ao cabo se está tratando do sistema climático no contexto
do sistema econômico e institucional de cada país.
Um outro exemplo que podemos considerar diz respeito ao conceito de desertificação28.
Neste caso, o artigo primeiro do texto da Convenção diz respeito à “Definição de
Termos”, no qual se encontram a definição de desertificação29, seca, terra, degradação
da terra, entre outros. Estes conceitos têm base técnica adequada, mas foram
consensuados e adaptados para gerarem um programa de ação.
O problema da desertificação se faz pela aproximação de 2 campos do conhecimento e das
muitas disciplinas científicas a eles circunscritas, a saber: os campos físico/biológico e o
campo social, assim como as muitas disciplinas ou ciências relacionadas a cada um destes
campos, como por exemplo a botânica, entomologia, física de solos, climatologia e
hidráulica de um lado e, de outro, a sociologia, economia, demografia e teoria da cultura.

Há aqui um elemento adicional que fortalece a ideia da transdisciplinaridade tal como


definida por Nowotni30, isto é, como um conceito que toma em consideração diferentes
perspectivas de diferentes atores sociais. A formação do conceito atual de desertificação31
se encaixa precisamente nesta definição. O conceito foi formulado durante o processo de
negociação da Convenção das Nações Unidas de Luta contra a Desertificação, processo este
que tem como característica principal o intercâmbio de opiniões e a expressão de
diferentes interesses dos países que participam das negociações e da sociedade civil aí
representada. Neste sentido, o conceito reflete o consenso da comunidade internacional
sobre um problema extremamente complexo., que é a relação entre e sistemas distintos: o

27
Karen Cronin, Op. Cit.
28 Matallo Junior, H. Meio Ambiente e Sociedade: a desertificação como um caso concreto de transdisciplinaridade
in Matallo Junior, H. & Pádua, M.M. E (2008). Ciências Sociais: complexidade e Meio Ambiente, Ed. Papirus.
29 Desertificação é a degradação da terra nas zonas áridas, semiáridas e sub húmidas secas devido as atividades

humanas e as variações climáticas.


30 30 Nowotni, H, Scott, P and Gibbons, M. (2001). Re-thinking Science: Knowledge and the Public in an Age of

Uncertainty, Polito Press, USA.


31 Me refiro a “atual” porque, como todo conceito, este também tem uma história. O que atualmente se utiliza é o

conceito expresso na Convenção das Nações Unidas de Luta contra a Desertificação.

17
físico-biológico, o socioeconômico e o cultural. Ademais, os três sistemas são abertos, pois
recebem ininterruptamente energia e informação do mundo externo.

Estes exemplos ilustram o fato de que já vivenciamos o mundo transdisciplinar, com


suas práticas estabelecidas (pelo menos no nível das negociações de alguns tratados da
ONU). Os documentos mencionados são exemplos da perspectiva cibernética aplicada
ao contexto das negociações internacionais de tratados que não são ambientais per se,
mas abrangentes o suficiente para terem um escopo multidisciplinar e voltados ao
alcance do desenvolvimento sustentável.

8. A Cibernética de Segunda Ordem


Na Cibernética de Primeira Ordem, o paradigma reinante ainda é aquele baseado no
distanciamento do observador, na objetividade da linguagem e na busca de uma
linguagem universal objetiva. Epistemologicamente, a cibernética de primeira ordem é
caracterizada pela perspectiva dominante do realismo hipotético, controlado por regras
tradicionais como a objetividade. O observador observa o sistema ou sistemas, mas está
fora dele. É a ciência que ainda observa.
No terreno da Cibernética de primeira ordem, o sujeito conhecedor está observando
“de fora” os sistemas a serem conhecidos. A objetividade ainda é um elemento que se
acredita existir no processo de geração de conhecimentos.
Como menciona Karl Muller32, “o nível de pesquisa de primeira ordem é projetado, por
um lado, para a exploração dos mundos natural e social, bem como para a construção
de uma base tecnológica e, por outro lado, para a axiomatização e ordenação dos
mundos da lógica, matemática e campos normativos relacionados. O nível da pesquisa
de primeira ordem constitui o domínio de referência para as atividades de pesquisa.
Investigações científicas sobre temas empíricos da natureza e da sociedade, em sistemas
técnicos ou tecnológicos ou em questões normativas em lógica, matemática, estatística,
ética ou estética se enquadram na categoria de pesquisa de primeira ordem”.
O significado epistemológico da afirmação anterior de Muller, quando aplicado à
Cibernética, é o seguinte: A Cibernética, caso fosse uma ciência empírica, deveria ter
seguido o roteiro de qualquer ciência no sentido dado por Thomas Kuhn e no caso de
uma ciência formal, deveria ter desenvolvido sua própria linguagem formal. Nenhum
dos dois foi realizado. A Cibernética fez uso da Teoria Geral de Sistemas ou lançou mão
das ciências empíricas quando foi o caso, utilizando-se, no entanto, desse “ponto de
vista” proporcionado pela perspectiva tal como vimos mencionando.
Assim que, a Cibernética teve problemas para implementar este roteiro, já que sua
própria definição esteve sob discussão por um largo período, de modo que nunca houve

32Müller, K.H. (2009), The New Science of Cybernetics. The Evolution of Living Research Designs, vol. I:
Methodology and vol.II: Theory. Wien edition echoraum
* Sistema - conjunto de entes (orgânicos ou não) trabalhando juntos como partes de um mecanismo ou uma rede
interconectada (célula, órgão, conjunto de órgãos, família, clã, cultura, etc). Ver anexo....

18
um paradigma cibernético como tal, capaz de engendrar uma “pesquisa normal” (ciência
normal), institucionalizada como ciência e formando seu séquito de pesquisadores.
Durante algum tempo, dentro da própria ASC, vários de seus membros iniciaram um
movimento crítico para rever a perspectiva de trabalho e as definições do termo
“cibernética”. A perspectiva mais aceita dentro da ASC vinha sendo questionada, e
muitos propunham que a Cibernética deveria ser aplicada a ela mesma, ou seja, deveria
ser desenvolvida a “Cibernética da Cibernética”, elevando-a para um novo patamar. Um
famoso ciberticista de então, Heinz von Foerster33 estabeleceu as bases para o que ficou
conhecido como Cibernética de Segunda Ordem, classificando automaticamente tudo
o que foi criado anteriormente como a cibernética de primeira ordem.
Quando Heinz von Foerster começou a usar a expressão “cibernética de segunda
ordem”, estava implícita a ideia de que a ciência como a conhecemos “evoluiu em uma
configuração de três camadas:
1) apoiando a infraestrutura de pesquisa de ordem inferior ou nível zero;
2) desenvolvendo os domínios de pesquisa adequados ao nível de primeira ordem (a
pesquisa disciplinar);
3) uma área de análises autorreflexivas sobre processos de pesquisa científica na parte
superior ou nível de segunda ordem”34, ou seja, a epistemologia como instrumento de
controle de qualidade das teorias.
Assim, os domínios no nível da segunda ordem se tornam autorreflexivos, pois eles
estudam objetos ou processos científicos de primeira ordem e fornecem tanto uma
heurística teoricamente relevante, como uma função de controle para a pesquisa no
nível da primeira ordem.
Notem que, neste momento, ainda não foi realizada a transição para a Cibernética de
Segunda Ordem propriamente dita. A objetividade cientifica ainda está garantida pela
existência de certas regras para ou diretrizes para racionalizar as melhores práticas para
o nível da pesquisa de primeira ordem ou identificando promissores hot-spots para a
investigação cientifica no nível de primeira ordem35.
O “salto quântico” para uma Cibernética de Segunda Ordem só foi dado com a
conferência de von Foerster em 1970 (ver nota 5). Esta conferência é considerada um
“manifesto construtivista” que estabeleceu os fundamentos para a teoria do observador
em ciências sociais.
A filosofia construtivista ou construtivismo epistemológico, tal como entendido em
nossos dias, parte do pressuposto de que a representação do mundo não corresponde
à própria realidade, mas a processos de interação dos modos de apropriação dos

33 Heinz von Foerster fez uma apresentação ante a ASC em 1970 entitulada Cybernetics of Cybernetics, onde
propugnava sobre a Cibernética Social. Ver também: Von Foerster, Heinz (1991). Las Semillas de la Cibernética.
Barcelona, España: Gedisa
34 Ver Karl H. Muller. The new science of Cybernetics: a primer. (Sem Data).
35 Karl H. Muller, op cit, pag 34.

19
indivíduos e grupos sociais desta realidade. Portanto, para o construtivismo filosófico a
imagem da realidade está em constante construção e transformação, e não obedece a
variáveis objetivas, mas sim à forma subjetiva de como é percebida.
Nesta nova ordem cibernética, o observador que entra no sistema passa a estipular seu
proposito como ser autônomo, pois se o investigador não o faz, alguém mais poderia
fazer por ele. Mais ainda, se não o faz, acaba por proporcionar uma desculpa para
aqueles que querem transferir as responsabilidades de suas ações a outros. Por fim, se
a autonomia de cada um dos integrantes desse sistema não for reconhecida, alerta-se
para o perigo de que a sociedade se transforme em uma sociedade que busca honrar as
conquistas e esquecer suas responsabilidades36.
O exemplo que podemos discutir vem das ciências sociais através da discussão da
objetividade e da possibilidade de que se estabeleçam paradigmas para as ciências
sociais. Analisei este tema em um artigo intitulado “Sobre a aplicação do conceito de
paradigma na sociologia: questão de maturidade ou impossibilidade logica?”37
Neste texto, em termos genéricos, argumento que realidade social e linguagem são
termos que se confundem, ou seja, o real só tem existência linguagem. Não existe uma
realidade separada da linguagem, embora exista uma linguagem separada do real, sobre
o não existente (exemplo: a linguagem dos unicórnios!!!!). A linguagem das ciências
socais descrevem de forma estruturada (de acordo a uma teoria cientifica ou a uma
perspectiva) a realidade externa, o mundo exterior, e estabelece um sistema de
proposições (sentenças) formando um sistema proposicional que pretende ser
verdadeiro. As ciências são linguagens que organizam e estruturam nossa visão do real
com pretensões ontológicas à verdade.
As ciências sociais estão interessadas em instituições (estrutura, funcionamento etc.) e
no comportamento dos indivíduos. Isso nos leva a considerar que os fenômenos sociais
passíveis de serem estudados e interpretados são sempre traduzíveis por algum tipo de
comportamento que, por sua vez, possa ser descrito numa linguagem deposicional, de
motivos, interesses ou desejos a serem satisfeitos. É preciso deixar claro, no entanto,
que esta formulação não pode ser confundida com as analogias que se faziam no século
XIX sobre as finalidades das instituições ou do organismo social. Aqui não se trata de
dizer que as instituições ou a sociedade tem motivos ou estabelecem fins. O que se
coloca são os indivíduos enquanto atores sociais e, neste caso, os motivos e disposições
(com seus determinantes culturais num sentido geral e abstrato) que existem para os
indivíduos.
Uma característica diferenciadora entre as ciências naturais e sociais é que os seres
humanos possuem habilidades cognitivas específicas que criam consciência e
representações mentais abstratas que geralmente influenciam seu comportamento e

36 Considerações mais aprofundadas sobre a teoria do observador-observado (objeto) poderão ser feitas em uma
conferência especifica sobre o assunto com base nos estudos de Niklas Luhmann.
37 Matallo Junior, H. A. (2009). Sobre a aplicação do conceito de paradigma na sociologia: questão de maturidade ou

impossibilidade logica, Ver. Ciência & Tropico, v. 33, n 2


ͦ , FUNDAJ. Recife.

20
criam regras complexas de interação entre os indivíduos, portanto, ao contrário das
ciências naturais introduzem informaçao constantemente no sistema.
Dito isto, pode-se considerar que o argumento também é válido para aquela parte da
comunidade linguística que mencionamos anteriormente, isto é, a comunidade
científica. Para a ciência, considerada como um processo cujos atores são os cientistas
sociais e a comunidade científica como seu grupo correspondente, a mesma incerteza
vivenciada pela física quântica também se manifesta aqui. Não somente os conceitos
não possuem univocidade, mas também uma característica adicional pode ser
acrescentada: é o fato de que as teorias em ciências sociais têm como parte constitutiva
a descrição, isto é, a contextualização ou formulação das condições iniciais de validade
dos postulados explicativos. Isto acrescenta a seguinte dificuldade: a descrição,
enquanto parte do procedimento da explicação, carece de uma lógica de execução. Ou
seja, não há uma regra, uma lógica da descrição que permita aos investigadores,
utilizando-se dos mesmos instrumentos teóricos, chegarem a uma mesma conclusão
para a explicação destes fenômenos, pois dependem do observador, de sua experiencia
pessoal e profissional. Esta seria uma condição apresentada pelo construtivismo,
mencionado anteriormente. Aqui vamos além do construtivismo com um argumento
lógico baseado na impossibilidade de estabelecer uma regra do discurso e no fato de
não podermos estabelecer significados unívocos na linguagem.38
Depois dessa discussão, resta-nos averiguar como aplicar a Cibernética ao ensino e
pesquisa. Segundo vários autores, a Cibernética de Segunda Ordem tem aplicações
variadas. Alguns tópicos mencionados são:
Redes neurais artificiais Dimensões sociais da ciência cognitiva
Sistemas Vivos Desenvolvimento Sustentável
Novas abordagens robóticas Inteligência Artificial
Comunicação política Terapia Sistêmica de Grupo

A título de ilustração, apresento no quadro abaixo dois números da revista


Sociocybernetics, publicada pela International Sociological Assossiation (ISA) e um
número da revista Constructivism Foundations para que se tenha uma ideia dos temas
de investigação na área das humanidades.
JOURNAL OF SOCIOCYBERNETICS JOURNAL OF SOCIOCYBERNETICS
Volume 8 Number 1/2 Winter 2010 Volume 7 Number 1 Summer 2009

Contents Contents Refereed Articles


1 - The Complexity of Self-reference - A 1 - A/D-Converters of social systems. by Franz Kasper Kroenig
Critical Evaluation of Luhmann’s Theory of 9 - The Role of Higher Education in Understanding and Achieving
Social Systems by Roberto Poli Sustainable Development: Lessons from Sociocybernetics by
24 – Classics: Gordon Pask’s “The Bernard Scott
Cybernetics of Evolutionary Processes and 27 - Question Difficulty and Control by Interviewers; design and
of Self-Organising Systems” Introduction by test of a nonlinear model by Johannes van der Zouwen, Stasja
Bernard Scott Draisma and Johannes H. Smit

38
Matallo Junior, H. A. (2009). Sobre a aplicação do conceito de paradigma na sociologia: questão de maturidade ou
impossibilidade logica, op. Cit.

21
73 - Conceptualising, Mapping, and 45 - Søren Brier: Cybersemiotics: Why information is not enough!
Measuring Social Forces by John Raven and a Review by Jan H.G. Klabbers
Luciano Gallon 55 - Medieval (and Later) Compulsory Signs of Group Identity
Disclosure. Part II by Ephraim Nissan

1. Constructivism, Fast Thinking, Heuristics and Sustainable


Development - Hugh Gash
Volume 16, 2. Varying Views on Sustainable Development and Delayed
Effective Actions -Kensei Hiwaki
Number 1 3. Exploring Heuristics and Testimony in Education for
Sustainable Development: Using the Visual Cues Approach
November to Disrupt, Discuss, and Deepen Introspection - Charlotte
Holland
2020 4. Does Radical Constructivism Inspire Hope
or Is It Ultimately Pessimistic? - Michelo M. DelMonte
5. Tamed Heuristics - Sebastian Kletzl
6. Applying Radical Constructivism and Heuristics
to Contemporary Philosophy of Education - Jones Irwin,
Alfredo Salomão Filho & Tanja Tillmanns

Obs- As duas revistas são gratuitas e estão disponíveis nos seguintes endereços:
https://constructivist.info/index.shtml, http://www.unizar.es/sociocybernetics/whatis.html

Quais são, então, os nossos desafios cibernéticos (trazendo a discussão para a nossa
atualidade)? Diria que temos pela frente o desafio de gerar um Programa de Pesquisa
interdisciplinar39 tendo como centro de nossas preocupações a análise dos subsistemas
individuo/sociedade e ambiente.

9. Possibilidades e dificuldades do ensino e pesquisa inter e


transdisciplinar
Começaremos pela interdisciplinaridade. A Interdisciplinaridade é um desafio para
qualquer instituição dedicada a pesquisa, em especial as universidades, pela própria
estrutura em que estão montadas. Vejamos como tem sido o modus operandi do
trabalho universitário:
1. Do lado das condições externas, a tradição de departamentos e institutos
específicos em edifícios específicos representa a compartimentação do
conhecimento. Quase a totalidade das instituições trabalham com base em
tradições e práticas que apoiam a pesquisa disciplinar em vez de encorajar o
crescimento da pesquisa interdisciplinar. A pesquisa interdisciplinar demanda
tempo para que os participantes aprendam novas abordagens de outros
sistemas de conhecimento, intensifiquem os estudos e participem de inúmeras
reuniões até que se consiga definir o “conjunto interseção” da pesquisa. Dadas
as condições de trabalho que vigem no espaço universitário, não e nada fácil
seguir todos estes passos. Assim que as condições de trabalho conspiram contra
a interdisciplinaridade.
2. Do lado acadêmico, os contatos entre professores de humanidades e ciências
naturais tem sido (pelo que conheço) praticamente nulo e mesmo entre

39 Em realidade, o programa de ensino deveria derivar deste programa de pesquisa!

22
professores do mesmo campo são normalmente erráticos e sem um
compromisso com um programa de trabalho comum.
3. Do lado teórico metodológico, os objetos de estudo das distintas disciplinas são
diferentes, assim como seus métodos de investigação. Não é nada fácil encontrar
os pontos de contacto entre as disciplinas, mesmo as que estão no mesmo
campo.
No caso dos estudos transdisciplinares, estes também devem transgredir paradigmas
mantidos por cientistas individuais, tanto nas humanidades como nas ciências naturais
além de trabalhar com aportes de atores externos aos especialistas. Sabemos que as
universidades não são vocacionadas para isso. O contato com o setor privado, ONGs ou
profissionais independentes não ocorre senão muito esporadicamente. Ademais, o
trabalho transdisciplinar se baseia na resolução de problemas (por isso a participação
de atores externos), coisa que também não faz parte da tradição universitária,
excetuando-se as Startups.
Todas as dificuldades apontadas, que tem relação com o processo de trabalho e com os
conteúdos e métodos, são um desafio importante para a interdisciplinaridade e vão ser
desafios que o Bacharelado e a Plataforma deverão enfrentar no futuro. Para isso se
requer estratégia, programas de trabalho bem definidos e suporte administrativo e
financeiros adequados.

10. Ciência ou conhecimento?


Na seção 2, nos perguntamos se de fato existe uma ciência interdisciplinar. Esta é uma
pergunta difícil que teremos que enfrentar. A resposta é, evidentemente, complexa, e
nem sempre vai agradar aos diferentes grupos de investigação ou especialistas pois, na
verdade, todos tem uma opinião sobre o tema, incluindo os epistemologos!! Nos
exemplos que mencionamos na seção 7, fica claro que o trabalho transdisciplinar
voltado para a solução de problemas não somente é factível como vem sendo realizado
há várias décadas em ambientes externos as universidades. Os tratados internacionais
temáticos como Cambio Climático, Desertificação e Biodiversidade são exemplos disso.
A complexidade do tema está em que os conceitos advindos do trabalho transdisciplinar
(que resultam do trabalho interdisciplinar com abordagem participativa) não produzem
conceitos científicos, mas conceitos interdisciplinares de uso público40. Temos vários
exemplos, tais como os exemplos da seção 7. Em grande parte dos casos, a inter e a
transdisciplinaridade se referem a estudos específicos e ao processo de integrar

40
A ideia de público neste contexto não se refere ao setor público, mas ao ambiente público. Matallo
Junior, H. Meio Ambiente e Sociedade: a desertificação como um caso concreto de transdisciplinaridade
in Matallo Junior, H. & Pádua, M.M. E (2008). Ciências Sociais: complexidade e Meio Ambiente, Ed. Papirus

23
disciplinas para o entendimento e
solução de problemas específicos.
Isso não produz uma nova
ciência, uma nova disciplina, a
menos que houvesse uma fusão
de hipóteses, leis gerais,
postulados e métodos de trabalho
entre disciplinas.

A Interdisciplinaridade é um
processo para responder a uma pergunta, resolver um problema ou abordar um tópico
que combina, de forma sistemática e produtiva, o conhecimento e os métodos de várias
disciplinas41, como dissemos em distintas partes nas seções anteriores.

Novamente nos enfrentamos com a resposta ao problema epistemológico do


conhecimento. Os resultados dos processos de interação inter e transdisciplinar vai
resultar, evidentemente, em conhecimento, mas não em uma nova ciência.

11. Recapitulando....
Nosso enfoque nesta conversa foi apresentar a Cibernética, tanto a de Primeira Ordem
quanto a de Segunda Ordem, e avaliar seu potencial de aplicação nas humanidades.
Analisamos pelo menos 12 definições propostas pelos fundadores da disciplina e vimos
que a Cibernética não é uma ciência propriamente dita, seja no sentido empírico ou
formal, mas uma perspectiva. Ela não segue os cânones das ciências normais no sentido
Kuhniano. Ela trata dos sistemas dinâmicos, vivos ou mecânicos, que possuem
mecanismo de resposta e regulação, ou seja, sistemas que buscam a manutenção da
homeostase (algum nível de equilíbrio) através de feekback. A Cibernética como tal não
se interessa pelas referencias empíricas, mas pelos sistemas e suas estruturas e
organização. Ela é vocacionada para o trabalho inter e transdisciplinar pelo fato de que
se aplica a sistemas e conjuntos de sistemas (Metasistemas), onde os pontos de
contacto ou conjunto interseção entre sistemas é o espaço da interdisciplinaridade. Ela
se utilizada do conhecimento científico desenvolvido no âmbito das disciplinas
cientificas, realizando uma reinterpretação em termos de sistemas. Dai que a teoria de
sistemas è um tópico fundamental em toda a discussão.
Redefinimos a Cibernética como uma perspectiva integradora de conhecimentos com
forte potencial heurístico para gerar novas aplicações e novos campos do
conhecimento, tendo como base o pressuposto de que a natureza e as sociedades
podem ser entendidas como sistemas que interagem entre si.
Mostramos também que o termo “cibernética” tem uma marca muito forte associada
as tecnologias e, por isso mesmo, sua aceitação no âmbito das humanidades está

41
Ver: www.gradschool.oregonstate.edu/www.queensu.ca/cradall.org/www.igi-
global.com/he.kendallhunt.com/warwick.ac.uk/www.thebritishacademy.ac.uk/www.ucl.ac.uk/ww
w.oswego.edu

24
bastante prejudicada. O potencial heurístico da Cibernética tem se mostrado
incomparável. Há aplicações em todos os ramos do conhecimento humano: genética,
medicina, neurociências, computação, robótica, psicologia, educação, sociologia e
muitas outras, tal como se pode ver no índice de duas revistas mencionadas acima.
Discutimos os conceitos de inter e multidisciplinaridade no contexto do trabalho
acadêmico, mostrando o potencial e as dificuldades dessa abordagem. Apresentamos 3
exemplos concretos de conceitos multidisciplinares, mostrando que o processo para se
chegar a eles foi tão importante que como seu conteúdo. O exemplo relacionado a
“desenvolvimento sustentável” está no centro dos interesses da Plataforma Nosso
Futuro Comum e, ademais, tem um excelente potencial como linha de investigação no
Bacharelado Interdisciplinar.
Bem, no limite deste texto ainda resta um problema a ser resolvido. Tal como
mencionamos, o termo Cibernética remete a tecnologias, robótica etc., e causa algum
desconforto falarmos em cibernética aplicada as humanidades. Houve tentativas de
criação de termos alternativos tais como a Socio-cibernética ou Construtivismo, como
mostramos na seção 9 através das publicações das entidades especializadas no assunto.
Talvez necessitássemos de um termo que expressasse seu potencial para realizar a
integração do sistema natural com os sistemas socioeconômico e cultural. Algum termo
forte o bastante para inspirar uma linha de investigação nessa direção. Preliminarmente,
eu gostaria de sugerir um termo novo para discussão. A ideia seria que, inicialmente, a
Plataforma adotasse como linha investigação e, posteriormente, pudesse ser usado no
Bacharelado para significar algo novo que todos estamos buscando. É o termo
Antropognofisis (anthropognofysys em inglês).
O termo Antropognofisis significa “conhecimento da sociedade e da natureza”. Daqui
em diante, este termo teria o significado (para nós, claro) de “Perspectiva
interdisciplinar para o estudo dos sistemas socioculturais e suas relações com os
sistemas naturais.”

12. Enfoque da pesquisa cibernética de médio prazo


Ao longo dessa visita aos conceitos da Cibernética, fizemos algumas perguntas cruciais
para o futuro de curto e médio prazos da investigação acadêmica relacionada ao
Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades.
Em síntese: a) como operacionalizar a investigação com forte base interdisciplinar na
academia tal como está organizada? (Cibernética de primeira ordem); b) No
metasistemas Natureza/Sociedade/individuo, qual a linguagem (sistema linguístico)
resultante da descrição/interpretação da relação entre os 3 subsistemas? e, c) Quais
são, então, os nossos desafios cibernéticos (trazendo a discussão para a nossa
atualidade local)?
Não tenho a resposta a estas perguntas, mas poderíamos sugerir alguns caminhos.
Concretamente falando, teríamos as seguintes sugestões:

25
a) No campo da Epistemologia – investigar as teorias sociológicas como sistemas
de pensamento e seus vínculos com os sistemas sociais atuais. Aqui são duas as
questões: i) As teorias sociológicas clássicas e contemporâneas respondem
adequadamente, em termos explicativos, ao perfil das sociedades atuais?
(lembrem que estamos na sociedade da informação, um organismo cibernético
com feed-back, autorregulado, mas aberto) ii) Será que uma teoria de viés
organicista ainda teria espaço explicativo nos dias autuais? A resposta a esta
pergunta, se fizermos uma análise cibernética poderia nos surpreender!
b) Considerando que há na universidade um Instituto de Neurociências, poder-se-
ia começar uma cooperação no campo da cibernética e epistemologia cognitiva,
com investigação sobre a percepção, a aprendizagem e a recuperação e
utilização de conhecimentos. Uma linha concreta seria: Barreiras cognitivas para
a ação ambiental42.

Anexo 1 – Pré-história da Cibernética


Século 6 aC Pitágoras e sua escola exploram a modelagem matemática de fenômenos
perceptivos. Sua orientação matemática era tal que os pitagóricos sustentavam
que os constituintes finais de todos os objetos materiais são números, talvez
entendidos como pontos geométricos. Os pitagóricos, portanto, são os primeiros
progenitores conhecidos da modelagem matemática.
Século 5 aC Protágoras afirma que os seres humanos são "a medida de todas as coisas". Isso
é frequentemente citado como a primeira qualificação formal da epistemologia
com respeito ao observador / conhecedor.
O termo kybernetike empregado pela primeira vez (registrado) na obra A
República de Platão. A palavra tem o sentido de “uma arte da navegação” e
compara dirigir um navio com governar uma comunidade.
Aristóteles, primeira escrita sobre automação, também invocando a palavra
kybernetike para descrever a governança em termos de dirigir a comunidade. "Se
cada instrumento pudesse realizar seu próprio trabalho, obedecendo ou
antecipando a vontade dos outros ... se a lançadeira pudesse lançar, e a lira ser
tocada, sem uma mão para guiá-los, os chefes dos trabalhadores não precisariam
de servos, ... "().
Aristóteles origina a frase 'O todo é mais do que a soma de suas partes', que deve
sobreviver mais de dois milênios para reemergir como um Clichê do século 20.
Aristóteles delineia as especificações para a primeira estrutura formal dedutiva -
lógica silogística
Século 3 aC Fabricação dos mecanismos de controle de feedback mais antigos conhecidos
Um grego chamado Ktesibios, em Alexandria, inventa um regulador de flutuação
para um relógio de água. (ca. 270 aC)
Philon de Bizâncio usa um regulador de flutuação para manter um nível constante
de óleo em uma lâmpada (ca. 250 AC)

42
Ver Lisa L. Shu & Max H. Bazerman (2010) Cognitive Barriers to Environmental Action: Problems and
Solutions, Working Paper 11-046, Harvard University.

26
O filósofo grego Crisipo é creditado com a invenção do cálculo proposicional
Século 1 aC até o Vários tipos de mecanismos automáticos são desenvolvidos, desde Cisternas com
Século XIX fechamento automático, sistemas autorregulados movidos a água, dispositivos de
controle 'liga-desliga' implementados em dispositivos reguladores de água no
mundo árabe, a invenção do relógio mecânico e autômatos movidos a relógio, tal
como um galo automatizado que batia as asas e cantava todos os dias ao meio-
dia na catedral de Estrasburgo (1350). Mecanismos reguladores de temperatura
e pressão e, o mais importante desta época, James Watts apresenta sua máquina
a vapor regulada e, com isso, tem início a Revolução Industrial.
Em 1943 Bronislaw Trentowski publica o livro Cybernetyka – uma visão de
atividades humanas unificadas pautada pela finesse transdisciplinar de um gestor
que deve ser transdisciplinar devido à incapacidade de uma única disciplina captar
a gama de conhecimentos necessários a tal gestão.
Anos 1920 A palavra 'robot' aparece pela primeira vez numa obra de Karl Capek. A palavra
deriva do Checo 'robota', significando “trabalho subserviente” (1921)
Alfred James Lotka publica os Elements of Physical Biology, citado como um
precursor de alguns princípios cibernéticos (1924).
Vannevar Bush e colegas desenvolvem o primeiro computador analógico capaz
de resolver equações diferenciais. (1925)
Alfred North Whitehead em Science in the Modern World introduz o conceito de
“mecanismo organico”(1925)

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