Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: Este artigo se propõe caracterizar Abstract: This article intends to characterize
de maneira introdutória a presença da feno- in an introductory way the presence of Ed-
menologia de Edmund Husserl na obra filosó- mund Husserl's phenomenological in Albert
fico-literária de Albert Camus, mostrando em Camus's philosophical-literary work, showing
que sentido ela se aproxima e em que sentido in that felt she approaches and in that felt she
ela se afasta do enfoque existencialista dos stands back of the authors' of your time exis-
autores de sua época e, em especial, da tentialist focus and, especially, of the proposal
proposta sartriana. Primeiramente, explicita- sartriana. Firstly, we will show sinteticamente
remos sinteticamente o método fenomenoló- the phenomenological method and your con-
gico e a sua utilização contemporânea pelo temporary use for the existentialism. To pro-
existencialismo. A seguir, relacionaremos os ceed, we will relate the same ones with the
mesmos com os conceitos básicos da obra basic concepts of the work “camusiana”, to
camusiana, a saber: o absurdo, a revolta e a know: the absurdity, the revolt and the sensi-
felicidade sensível. Para tanto, partiremos da tive happiness. For so much, we will leave of
seguinte hipótese: Albert Camus pretende the following hypothesis: Albert Camus in-
responder à mesma questão que deu origem tends to answer to the same subject that cre-
ao pensamento moderno existencialista fe- ated the thought existentialist modern phe-
nomenológico, ou seja, saber se diante da nomenological, in other words, to know before
consciência do absurdo a vida vale a pena. the conscience of the absurdity the life is
Porém, Camus não considera fundamental worthwhile. However, Camus doesn't consider
noções como: liberdade, escolha e historici- fundamental notions as: freedom, choice and
dade. Assim, ele pretende se manter fiel a history. Like this, he intends to stay faithful the
falta de sentido tanto do mundo quanto do sense lack so much of the world as of the
homem, superando o absurdo somente na man, only overcoming the absurdity in the
afirmação trágica do mesmo. tragic statement of the same.
Introdução
tece por acaso: talvez seja o próprio sujeito sempre tem história, convic-
conteúdo do pensamento camusiano ções e perspectivas que ele não pode
que a determina. ver, já que interpreta a existência
através deles. Podemos resumir a
Uma idéia que parece perpassar to- tese fundamental do pensamento
das as obras de Camus é a de que camusiano da seguinte forma: a sen-
uma certa ‘experiência’ da beleza sibilidade absurda da separação en-
reúne no sensível, o abstrato. Toda a tre homem e mundo é indizível, trági-
sua obra pode ser lida a partir dessa ca e silenciosa porque é uma sensibi-
revelação do abstrato no próprio sen- lidade abstrata, que une na própria
sível. Melhor dizendo, o abstrato, separação o homem e o mundo.10
normalmente associado ao conceitu- Esse vazio não nega a certeza da
al, em Camus, a partir de uma con- morte e está diretamente associado à
cepção estética-mística de mundo, felicidade.11
aparece na sensibilidade. No entanto,
em Camus, a sensibilidade se dife- É por isso que se pode falar de núp-
rencia da experimentação. Para ele, cias entre o homem e o mundo atra-
não é a experiência que pode levar vés do próprio silêncio absurdo entre
ao abstrato, não é a experiência que os dois. Se o homem e o mundo não
pode tornar alguém sábio. Camus se podem se comunicar, a vida não faz
refere a uma forma de sensibilidade sentido e o suicídio é legítimo. Mas a
que, em termos platônicos, se relaci- sensibilidade do absurdo cria a bele-
ona muito mais com a contemplação za, possibilita a revolta e a sabedoria.
das idéias (só que em Camus essa Nessa sensibilidade, homem e mun-
contemplação é um certo modo de do se complementam. Então, o ab-
estar no próprio mundo), do que com surdo não é absurdo, ele se supera e
a experimentação.8 Esta seria uma a vida vale a pena. Mas é preciso que
sensibilidade fora do tempo, onde essa vida seja afirmada, é preciso
não há mais o sujeito que experi- que eu faça uma escolha no absurdo,
menta, nem o objeto experimentado.9 ou seja, é preciso que eu me revolte.
Essa total lucidez diante da falta de E, para haver revolta, é preciso que
sentido do mundo só seria possível não haja esperanças. Para Camus, a
na transcendência do sujeito, afinal o esperança é realmente o pior dos
8
males a sair da caixa de Pandora,
Como ele afirma: “Ver, e ver sobre a terra - como
pois ela impede a revolta ao negar o
esquecer essa lição? Aos mistérios de Elêusis
bastava contemplá-los.” Idem, p.10. E ainda: “Em
10
Tipasa, ver eqüivale a crer e não me obstino em “E, diante do vôo pesado dos grandes pássaros
negar aquilo que minha mão pode tocar e que meus no céu de Djemila, é justamente um peso de vida
lábios podem acariciar.” CAMUS, Albert. Núpci- que reclamo e obtenho. Entregar-me por completo
as, O verão. Trad.: Vera Queiroz da Costa e Silva. a essa paixão passiva: o resto já não mais me per-
São Paulo: Círculo do Livro, Copyright by Galli- tence. Possuo juventude demais dentro de mim
mard 1950 por Núpcias e 1954 por O verão, p.12. para poder falar da morte. Mas parece-me que, se
9
Ou seja: “Antes de entrarmos no reino das ruínas tivesse que fazê-lo, é aqui que encontraria a pala-
somos espectadores pela última vez.” Ou: “Não, vra exata para exprimir, entre o horror e o silêncio,
não era eu que importava, nem o mundo, mas a certeza consciente de uma morte sem esperança.”
apenas a harmonia e o silêncio que, vindo dele até Idem, p.18.
11
a mim, fazia nascer o amor.” Idem, p.8 e p.14. Conf.: Idem, pp.13-14.
única questão verdadeiramente séria, logia Existencialista por ser uma filo-
é saber se vale a pena viver diante sofia, pelo menos em princípio, sem
da constatação dessa absurda sepa- esperanças, que parte da negação de
ração entre homem e mundo e da uma essência por trás das aparênci-
injustiça que se torna vida nessas as. Mas, para ele, a Fenomenologia
condições. É preciso saber se existe deve ir além de si mesma. A noção
algo que justifique a vida, pois, se de absurdo existencialista nasce de
não houver, eu posso me matar e eu um sentimento do absurdo, e é esse
posso matar o outro.21 O homem que sentimento que deve permanecer
faz isso é o homem absurdo, ou seja, fundamental. Por isso, Camus, ao
é aquele que mata a arte e a revol- contrário dos autores fenomenólogos,
ta22, matando as possibilidades de se recusa a considerar a aparência
superação do absurdo. No entanto, o como essência. O Método Fenome-
homem revoltado afirma o absurdo nológico, para ele, acabaria fundando
na beleza da vida. Ele é aquele que, uma metafísica, embora uma metafí-
a partir do absurdo, nega e afirma sica da aparência. Aliás, como qual-
através da revolta. Sendo assim, este quer método, ele pressuporia uma
homem não pode negar, com o suicí- metafísica como fundamento.24
dio ou com o assassinato, o próprio
absurdo que a permite.23 Ele o recu- Para Camus, nenhum conhecimento
sa, porém não renuncia. Como já foi é verdadeiro. Sua redução do mundo
dito, é preciso haver absurdo para se às aparências não as tornam essên-
superar o absurdo. Eu não me mato, cias. O único ‘conhecimento verda-
não me acovardo diante do absurdo deiro’ seria justamente o dessa im-
e, portanto, também não mato o ou- possibilidade, ou seja, a já mencio-
tro, afinal, o absurdo da vida é uni- nada sensibilidade do absurdo. Como
versal, para todos. vimos, essa sensibilidade não se dá
racionalmente, mas esteticamente.
Pode-se afirmar que o próprio Camus Ela, segundo Camus, “ilumina o
utiliza o método fenomenológico em mundo a uma luz que lhe é própria”,
sua obra e em suas análises. Ou possibilitando a superação do absur-
seja, ele suspende a crença na exis- do.
tência de uma realidade objetiva e
pressupõe a separação entre Em-Si e Diante do absurdo, podemos ter ati-
Para-Si. Camus elogia a Fenomeno- tudes afirmativas ou negativas, po-
dermos revoltar-nos ou suicidar-nos.
Camus opõe duas atitudes diante
21
Conf.: CAMUS, Albert. O homem revoltado. desse mesmo ponto de partida. Para
Trad.: Valerie Rumjanek. - 4° ed. - Rio de Janeiro:
Record, 1999, p.16. ele, tanto a Antigüidade, quanto a
22
CAMUS, Albert. Núpcias, O verão. Trad.: Vera
Queiroz da Costa e Silva. São Paulo: Círculo do
24
Livro, Copyright by Gallimard 1950 por Núpcias e CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo - Ensaio
1954 por O verão, p.139. Sobre o Absurdo com um Estudo Sobre Franz
23
Conf.: CAMUS, Albert. O homem revoltado. Kafka. Trad.: Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa:
Trad.: Valerie Rumjanek. - 4° ed. - Rio de Janeiro: Livros do Brasil, s/data, p.23.
Record, 1999, p.34.
surdo. Nessa síntese que mantém a nha inclusive a tensão. Esse religare
tensão, temos então uma nova antí- paradoxal deve ser, portanto, artísti-
tese, a revolta. Essa antítese conti- co.
nua mantendo a tensão na afirmação
e negação da tese. E essa tensão Como vimos, em Sartre, o ‘salto’
seria a própria vida. existencialista se dá no diálogo entre
homem e mundo, que o Nada gerado
O ‘salto’ existencialista, segundo pela própria separação acaba permi-
Camus, está justamente em fazer tindo através da liberdade. No en-
fundamento o que é a-fundamento. tanto, para Camus, a liberdade é
Por isso o religare camusiano é sem igualmente absurda, não há sentido
esperanças, ele mantém tanto a ra- nem na consciência, nem no Em-Si.
zão do homem, quanto a irracionali- Há apenas a tensão entre os dois,
dade do mundo e a tensão absurda que afirma o absurdo como condição
entre os dois. Ou seja, é um religare de si mesma. Assim, o diálogo entre
no sentido literal do termo, ou seja, homem e mundo se dá trágica e es-
não pretende deixar nada separado. teticamente na separação absoluta.
Camus quer um religare que mante-
Referências Bibliográficas
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad.: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Fradique Morujão – 4. ed.- Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
HUSSERL, Edmund. Meditações Cartesianas – Introdução à Fenomenologia. Trad.: Ma-
ria Gorete Lopes e Sousa, Porto: Rés-Editora, s/data.
SARTRE, Jean Paul. O Ser e o Nada - Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Trad.:
Paulo Perdigão. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
CAMUS, Albert. Núpcias, O verão. Trad.: Vera Queiroz da Costa e Silva. São Paulo: Cír-
culo do Livro, Copyright by Gallimard 1950 por Núpcias e 1954 por O verão..
_______________. A morte feliz. Trad.: Valerie Rumjanek. – 4. ed. - Rio de Janeiro: Re-
cord, 1997.
_______________. O homem revoltado. Trad.: Valerie Rumjanek. – 4. ed. - Rio de Janei-
ro: Record, 1999.
_______________. O Mito de Sísifo - Ensaio Sobre o Absurdo com um Estudo Sobre
Franz Kafka. Trad.: Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livros do Brasil, s/data.