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SÃO PAULO
2020
ISIS GRACE DA SILVA
SÃO PAULO
2020
Silva, Isis Grace da.
Adequação curricular e ensino estruturado: trabalho colaborativo
entre professores para o desenvolvimento do estudante com TEA. /
Isis Grace da Silva. 2020.
208 f.
CDU 372
ADEQUAÇÃO CURRICULAR E ENSINO ESTRUTURADO: TRABALHO
COLABORATIVO ENTRE PROFESSORES PARA O
DESENVOLVIMENTO DO ESTUDANTE COM TEA
_________________________________________________________________
Presidente: Profa. Dra. Rosiley Aparecida Teixeira - Orientadora
Universidade Nove de Julho - UNINOVE
_________________________________________________________________
Membro: Profa. Dra. Elizabete Cristina Costa Renders
Universidade Municipal de São Caetano do Sul - USCS
_________________________________________________________________
Membro: Profa. Dra. Patrícia Aparecida Bioto-Cavalcanti
Universidade Nove de Julho - UNINOVE
_________________________________________________________________
Suplente: Prof. Dr. Marcos Vinicius Francisco
Universidade do Oeste Paulista - UNOESTE
_________________________________________________________________
Suplente: Profa. Dra. Adriana Aparecida de Lima Terçariol
Universidade Nove de Julho - UNINOVE
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, que me deram a vida, especialmente, a minha mãe (In
memória), que partiu antes de eu finalizar mais essa jornada. Ela que sempre dizia: “enquanto
eu estivesse estudando, não precisaria limpar a casa”. Sem ela perceber, isso me fez mergulhar
em diversas leituras quando ainda estava no ensino fundamental. Qualquer leitura valia mais
que as tarefas domésticas.
Ao meu esposo, que cada vez que eu lhe contava as experiências vividas na escola, ele
dizia que tudo isso poderia ser concretizado em uma dissertação, dando-me apoio constante
para seguir estudando.
A minha colega de profissão Ana Lídia e minha cunhada Maria Helena, que me
aconselharam a migrar para a educação especial, com a afirmação de que eu tinha perfil para o
público “estudantes com deficiência”.
Agradeço a todos os estudantes e às famílias que apoiam o meu trabalho, sobretudo, aos
que ativaram em mim o potencial de aprender e ser criativa. Trabalhar com estudantes com
deficiência me humaniza. É por eles, meus queridos estudantes, que aqui estou.
À escola em que trabalho e na qual também realizei a pesquisa. À Universidade Nove
de Julho (UNINOVE), pela bolsa de estudos que me permitiu o acesso ao mestrado, que é cheia
de desafios e responsabilidades.
As minhas companheiras de pesquisa Mary, Camila e Regina, com as quais tive apoio
desde o começo nessa jornada desafiadora. Por fim, um agradecimento especial aos membros
da banca e a minha orientadora Profa. Dra. Rosiley, que foi paciente diante dos meus momentos
frágeis de cognição, que me abraçou quando precisei, sorriu quando estava aflita, passou a mão
na minha cabeça quando sentia dor, me deu bronca quando percebeu que eu podia fazer melhor
e me mandou flores enquanto eu sofria.
Em suma, dedico a todos vocês estas palavras:
Silva, Isis Grace. Adequação curricular e ensino estruturado: trabalho colaborativo entre
professores para o desenvolvimento do estudante com TEA. São Paulo, 2020. Dissertação
(Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais), UNINOVE, 2020.
Esta pesquisa possui por objeto de estudo a adequação curricular utilizando elementos do ensino
estruturado fundamentado nos princípios do Programa TEACCH. Partindo deste objeto,
emergiram algumas inquietações que motivaram e direcionaram o desenvolvimento desta
pesquisa: Como o professor da sala comum organiza as atividades para o estudante com
Transtorno do Espectro Autista (TEA)? O ensino estruturado, proposto no programa TEACCH,
pode ser ajustado ao currículo escolar? É possível fazer adequações curriculares utilizando
elementos do ensino estruturado? O trabalho colaborativo entre professor especialista e
professor da sala comum possibilita a troca de experiências educativas e socialização de
conhecimento em uma perspectiva inclusiva? As adequações curriculares contribuem para que
o estudante participe das aulas juntamente com seus colegas de classe? Com os
questionamentos apresentados, delimitou-se como objetivo geral elaborar uma proposta de
adequação curricular utilizando elementos do ensino estruturado na perspectiva do programa
TEACCH para um estudante com TEA, matriculado no terceiro ano do ensino fundamental I
na rede regular de ensino do Estado de São Paulo. Como objetivos específicos da pesquisa
elencamos: observar como o professor da sala comum organiza as atividades para o estudante
com TEA; verificar se o ensino estruturado abordado no programa TEACCH pode ser ajustado
ao currículo escolar; atuar numa proposta de trabalho colaborativo entre a pesquisadora
(professora especializada) e a professora da sala comum; aumentar a participação do estudante
com TEA nas atividades proposta na sala de aula e contribuir com a socialização no grupo.
Partindo dos objetivos apresentados, a pesquisa foi desenvolvida com base em uma
metodologia crítica, provida do diálogo para compreender, interpretar e transformar a realidade
vivida pelos participantes da pesquisa. Com o propósito de reunir informações com caráter
comunicativo, utilizamos dois instrumentos: roteiro de entrevista e roteiro de observação. Para
os relatos comunicativos, recorremos ao uso de entrevistas realizadas em parceria entre a
professora especializada, a mãe do estudante e a professora da sala comum. Os roteiros de
observações utilizados em contexto natural serviram para direcionar a atuação dos participantes
e contribuíram com os registros narrativos e avaliações das atividades desenvolvidas durante a
pesquisa. Definiu-se como universo da pesquisa uma escola pública da rede estadual de São
Paulo/SP. Os sujeitos são: um estudante com TEA, matriculado no terceiro no do ensino
fundamental, a professora da sala comum, a professora especializada (também pesquisadora) e
a mãe do estudante. Fundamentam a presente pesquisa os postulados teóricos dos seguintes
autores: Capellini (2018), Heredero (1996 -2010), Leon (2016), Fonseca; Ciola (2016), Schmidt
(2013), Grandin; Panek (2017), Mendes; Viralonga; Zerbato (2014) e documentos educacionais
cujos temas estejam ligados à educação especial, práticas pedagógicas e propostas de políticas
para a inclusão no ambiente escolar. Os resultados mostraram que é possível adequar atividades
curriculares utilizando o ensino estruturado sob os princípios do programa TEACCH, que,
apoiado no trabalho colaborativo entre professores, contribui com ensino/aprendizagem entre
professor e estudante, além de favorecer a comunicação e interação do estudante com TEA no
ambiente escolar.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Adequação curricular; Ensino Estruturado;
TEACCH; Trabalho Colaborativo.
ABSTRACT
SILVA, Isis Grace. Curricular suitability and structured teaching: Collaborative work
between teachers for the ASD student development. São Paulo, 2020. Dissertation (Master in
Management and Educational Practices), UNINOVE, 2020
The subject of this study is the curricular suitability using elements of structured teaching based
on the principles of the Treatment and Education of Autistic and Related Communication
Handicapped Children (TEACCH) Program. Considering this study, some concerns came into
light motivating and directing the development of this research: How does the teacher of the
regular classroom organize the adapted activities for the student with Autism Spectrum
Disorder (ASD)? Can the structured teaching, proposed in the TEACCH program, be adjusted
to the learning program? Is it possible to make curricular adjustments using the principles of
the TEACCH program? Does the collaborative work between a specialized teacher and the
regular classroom teacher enable the exchange of educational experiences and socialization
knowledge in an inclusive perspective? Do curricular adjustments help the student to participate
in class with his classmates? Based on the questions presented, it was defined as a general
objective to develop a proposal of curricular adjustments based on the principles of structured
teaching in the perspective of the TEACCH program for a student with ASD enrolled in the
third year of elementary school, in the regular education, at Sao Paulo State School. As specific
objectives of this study we list: to observe how the teacher of the common classroom organizes
the activities for the student with ASD; check if the structured teaching approached in the
TEACCH program can be adjusted to the learning program; act in a collaborative work proposal
between the researcher (specialized teacher) and the regular classroom teacher; increase the
participation of students with ASD in the activities proposed in the classroom and contribute to
the group socialization. Based on the objectives presented, this study was developed based on
a critical methodology, provided by the dialogue to understand, interpret and transform the
reality experienced by the study participants. For the purpose of gathering information with a
communicative character, we used two instruments: interview script and observation script. For
the communicative reports, we used conducted interviews in partnership with the specialized
teacher, the student's mother and the regular classroom teacher. The observation scripts were
used in a natural context serving to direct the performance of the participants and contribute to
the narrative records and evaluations of the activities developed during the study. We
considered as the universe of this study a public school at São Paulo State. The subjects of this
study are, a student with ASD enrolled in the third grade in elementary school, the regular
teacher classroom, the specialized teacher (also a researcher) and the student's mother. The
theoretical postulates of the following authors support this study: Capellini (2018), Heredero
(1996 -2010), Leon (2016), Fonseca; Ciola (2016), Schmidt (2013), Grandin; Panek (2017),
Mendes; Viralonga; Zerbato (2014), and educational documents with linked themes to special
education, pedagogical practices and inclusion political proposals to school’s environment. The
results allow us to say that it is possible to adapt curricular activities using structured teaching
under the principles of the TEACCH program, supported by collaborative work between
teachers; it contributes to the teaching / learning between teacher and student, in addition, it
promotes the student with ASD communication and interaction with the school environment.
Esta investigación tiene como objeto de estudio la adecuación curricular utilizando elementos
de enseñanza estructurada basados en los principios del programa Treatment and Education of
Autistic and Related Communication Handicapped Children (TEACCH). A partir de este
objeto, surgieron algunas preocupaciones que motivaron y dirigieron el desarrollo de esta
investigación: ¿Cómo organiza el maestro del aula las actividades adaptadas para el estudiante
con Trastorno del Espectro Autista (TEA)? ¿Puede la enseñanza estructurada, propuesta en el
programa TEACCH, ajustarse al currículo escolar? ¿Es posible hacer adecuaciones curriculares
utilizando los principios del programa TEACCH? ¿El trabajo colaborativo entre un maestro
especialista en la educación especial y un maestro de aula posibilita el intercambio de
experiencias educativas y la socialización del conocimiento desde una perspectiva inclusiva?
¿Las adecuaciones curriculares contribuyen para que el alumno participe de las clases con sus
compañeros de aula? Con los cuestionamientos presentados, se delimitó como objetivo general
desarrollar una propuesta de adecuación curricular basada en los principios de la enseñanza
estructurada en la perspectiva del programa TEACCH para un estudiante con TEA, matriculado
en el tercer año de la escuela primaria del Estado de São Paulo. Los objetivos específicos de
esta investigación son: observar como el maestro de aula organiza las actividades para el
estudiante con TEA; verificar si la enseñanza estructurada abordada en el programa TEACCH
puede ajustarse al currículo escolar; actuar en una propuesta de trabajo colaborativo entre el
investigador (maestro especializado) y el maestro de aula; aumentar la participación del
estudiante con TEA en las actividades propuestas en el aula y contribuir con la socialización en
el grupo. Con base en los objetivos presentados, la investigación se desarrolló con base en una
metodología crítica, basada en el diálogo para comprender, interpretar y transformar la realidad
de los participantes de la investigación. Con propósito de reunir informaciones de carácter
comunicativo, utilizamos dos instrumentos: guión de entrevista y guión de observación. Para
los informes, recurrimos al uso de entrevistas realizadas en colaboración entre el maestro
especializado de la educación especial, la madre del estudiante y la maestra de aula. Los guiones
de observación utilizados en un contexto natural sirvieron para direccionar el desempeño de los
participantes y contribuir a los registros narrativos y evaluaciones de las actividades
desarrolladas en la investigación. Se utilizó para investigación la situación presentada en una
escuela pública del Estado de São Paulo / SP. Los sujetos son un estudiante con TEA,
matriculado en el tercero grado de la escuela primaria, la maestra de aula, la maestra
especializada de educación especial (también una investigadora) y la madre del estudiante. Los
postulados teóricos están basados en algunos autores: Capellini (2018), Heredero (1996 -2010),
Leon (2016), Fonseca; Ciola (2016), Schmidt (2013), Grandin; Panek (2017), Mendes;
Viralonga; Zerbato (2014) y documentos educativos con títulos que están vinculados a
educación especial, prácticas pedagógicas y propuestas políticas para de inclusión en el
ambiente escolar. Los resultados verificados muestran que es posible adaptar las actividades
curriculares utilizando la enseñanza estructurada bajo los principios del programa TEACCH,
que, basado en el trabajo colaborativo entre maestros, contribuye con la enseñanza / aprendizaje
entre el maestro y el alumno, además de promover la comunicación, la interacción del alumno
con el TEA en el ambiente escolar.
maneira que encantavam os alunos de qualquer idade. Se a minha memória não estiver falhando,
eu acredito que estava na quinta série quando tive essas aulas com contação de histórias. Eu fui
ficando encantada com a profissão professor, o que me levou a escolhê-la.
Ao término da oitava série, eu tive que escolher entre estudar no CEFAM (Centro de
Formação e Aperfeiçoamento do Magistério) ou seguir para o ensino médio. Acabei optando
pelo ensino médio, porque sonhava com a faculdade. Nesse período, a carreira de professora já
não me encantava tanto, motivo pelo qual pensei em fazer medicina veterinária, mas como
minha passagem pela escola e o vestibular na Universidade Pública me mostraram que eu
precisaria de mais alguns anos de estudos para seguir a carreira de veterinária, o plano ”b” foi
prestar vestibular para pedagogia. O que a princípio seria uma carreira de passagem para
conseguir recursos para o curso de medicina, acabou se transformando na minha profissão.
O interessante nessa história toda é que, ao ingressar na educação como professora em
2006, fui para a “escola de lata” onde estudei quando criança, lugar em que tudo começou.
Pude observar que as salas de aulas estavam no mesmo local e não eram mais de lata, as turmas
não eram separadas por letras que indicavam “forte” e “fraco” e a sala para alunos com
deficiência se transformou em um almoxarifado. Os alunos com deficiência estavam incluídos
na sala comum, em condições até hoje questionáveis, contudo me senti segura, pois ali era meu
lugar.
Em 2009 ingressei como professora na rede pública Municipal de São Paulo, período
em que comecei a questionar o processo de inclusão das crianças e jovens com deficiência. O
que treze anos atrás era algo que pouco chamava minha atenção, agora é latente no meu dia a
dia. Comparando o ano de 2006, quando ingressei na rede Estadual de São Paulo, com o
ingresso na Prefeitura de São Paulo, em 2009, o meu contato com estudantes com deficiência
aumentou de forma gradativa.
Com o passar do tempo, percebi que estar dentro da sala comum não era o suficiente
para eu compreender como esses alunos aprendem devido à demanda de um grupo grande e
heterogêneo em um mesmo espaço.
Foi a partir do contato com diversos estudantes com deficiência que dúvidas, angústia
e questionamentos me vieram. Já não era mais uma questão de alunos “fracos” ou “fortes”, era
uma questão de alunos com necessidades e condições de aprendizagem diferentes. Nesse
momento, o desafio maior não era indagar se as crianças com deficiência deviam ou não estar
na sala comum, pois o direito de matrícula estava mais que compreendido pelos docentes, e sim
questionar COMO. Como garantir o direito de aprender? Como ensinar os alunos com
deficiência na sala comum? Como os alunos com deficiência aprendem?
22
1 INTRODUÇÃO
1
Não é informado no Censo da Educação Básica se os docentes têm formação específica em educação especial.
25
2
Capellini (2004, 2007, 2014), Mendes (2006, 2007, 2008), Mendes, Vilaronga e Zerbato (2014), Zanata (2004)
e Fontes (2009).
26
A pesquisa aconteceu em uma escola da rede regular de ensino do Estado de São Paulo,
tendo como participantes uma professora da sala comum, um estudante com TEA, sua mãe e a
pesquisadora, que também é a professora especializada da sala de recurso multifuncional.
A metodologia comunicativa crítica (MCC)3 privilegia o papel da intersubjetividade e
da argumentação na construção do conhecimento, buscando a transformação da realidade
estudada no sentido de uma sociedade mais igualitária. Desse modo, durante o processo de
construção dos instrumentos, das observações e elaboração das adequações curriculares,
procurou-se estabelecer uma relação de diálogo com os participantes do estudo (pais, professor,
estudante), considerando a contribuição de cada um para a melhor compreensão da realidade
estudada. Uma das ações da pesquisa foi apresentar os instrumentos (roteiro para entrevista e
para observação), os dados e as análises realizadas junto com os sujeitos da pesquisa, buscando
a validação da interpretação dos resultados e uma interlocução na produção do conhecimento.
Na MCC, o pesquisador toma uma posição diante dos temas discutidos, e sua prática é
centrada no diálogo igualitário e na transformação social, pois ouve os participantes para
compreender a realidade, propõe e experimenta mudanças na prática. Seu posicionamento não
ocupa um lugar de destaque ou domínio, sua palavra não é a de um especialista, no sentido de
ter valor em si pela posição social ocupada. É uma relação de igualdade entre pesquisador e
participante.
Este estudo está organizado em quatro capítulos: no primeiro capítulo, O estudante com
Transtorno do Espectro Autista e o Ensino Estruturado no contexto do programa TEACCH,
tem por objetivo contextualizar, de forma breve, o Transtorno do Espectro Autista, as principais
características que envolvem a comunicação, interação social e comportamento a serem
considerados pelos docentes durante as aulas, bem como conhecer métodos e práticas mais
utilizados no âmbito educacional e os princípios que regem o ensino estruturado.
O Segundo capítulo, Ações que promovem a inclusão escolar na rede púbica de São
Paulo, tem por objetivo apresentar três ações da política de educação especial que revalida a
inclusão escolar, sendo: 1- a implementação de Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) nas
escolas estaduais em substituição às classes especiais, 2- a contratação, por meio de concurso
público sob a Resolução 52/20134, de professor especializado na área de educação especial; 3-
as Diretrizes para Adaptações Curriculares que definem o planejamento de ações pedagógicas
de forma a possibilitar variações no objetivo, no conteúdo, na metodologia, na avaliação e na
3
Houve limitações para a aplicação em profundidade da metodologia crítica dada à sua própria complexidade e
restrições de tempo para a realização deste diagnóstico, apesar disso, procuramos seguir alguns de seus princípios.
4
Edital do último Concurso para professores.
27
temporalidade das aulas para que todos os estudantes com deficiência tenham as mesmas
condições e oportunidades. Para fortalecer essas ações e as políticas da educação inclusiva no
ambiente escolar, apresentamos o conceito de trabalho colaborativo entre professores, pautado
na teoria de Rabelo (2012), Mendes, Vilaronga; Zerbato (2014).
O Terceiro capítulo, Método e procedimentos da pesquisa, objetivou apresentar a
metodologia comunicativa crítica, caminho metodológico da pesquisa, uma breve apresentação
dos participantes, os instrumentos utilizados (entrevistas e roteiros de observação) e os
procedimentos que permitiram analisar os dados da prática de adequação curricular, utilizando
elementos do ensino estruturado, apoiado no trabalho colaborativo entre professores.
O quarto capítulo, Personagens e cenário da pesquisa: a prática vivenciada, tem como
objetivo apresentar o cenário da pesquisa, os resultados das entrevistas com os personagens
(Estudante Carlos e sua mãe Carla, professora da sala comum Carolina), as observações em
sala de aula e a elaboração adequações curriculares, baseados nos princípios do ensino
estruturado na perspectiva do programa TEACCH, apoiado na prática do trabalho colaborativo
entre professores para estudante com TEA, matriculado no terceiro ano do ensino fundamental
I, da rede pública do Estado de São Paulo.
Para adequação dos conteúdos de português, foram utilizados três textos: “O galo
aluado”, “A raposa e as uvas” e a música “A banda” de Chico Buarque, além de um total de
cinquenta e sete páginas de atividades produzidas no caderno do estudante. Todos eles estão na
coletânea de atividades do Guia de Planejamento e Orientações e didáticas Ler e Escrever do
terceiro ano. Quanto às adequações de Matemática, baseadas no livro Educação Matemática
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (EMAI) terceiro ano, foram selecionadas nove
atividades com objetivos diferenciados. Com base nestas atividades, fizemos vinte e uma
adequações. No total, incluindo atividades de português e matemática, foram elaboradas para o
estudante Carlos sessenta e oito páginas de atividades. Na impossibilidade de descrever e
publicar todas as imagens desta proposta de adequação curricular, foram expostas, aqui, apenas
algumas atividades que representam todos os elementos possíveis de se fazerem adequações
curriculares, utilizando o ensino estruturado, fundamentado nos princípios do programa
TEACCH, vinculado ao trabalho colaborativo entre professores.
Os resultados mostraram que o ensino estruturado, proposto pelo programa TEACCH,
pode ser ajustado ao currículo escolar, contribuindo com a forma de apresentação das atividades
acadêmicas. Do programa TEACCH podem ser levados para sala de aula regular a estrutura
visual, o estabelecimento de uma rotina e o uso do sistema de ensino independente. Estudos
como este envolvem o “fazer” adequações em um contexto real, não sendo, muitas vezes,
28
A revisão de teses, dissertações e artigos5, nos últimos dez anos, foi realizada para
averiguarmos quais estudos já foram publicados sobre adequação curricular, ensino estruturado
e trabalho colaborativo, tendo como principal objetivo saber quantos estudos no Brasil temos
associando adequações curriculares com base nos elementos do ensino estruturado.
Para análise das teses, dissertações e artigos6, realizou-se um recorte com as palavras-
chave para levantamento de publicações. Foram utilizados os recursos eletrônicos de pesquisa
a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e periódicos da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Utilizaram-se os seguintes
descritores de busca: Ensino Estruturado / Programa TEACCH, Adequação Curricular,
Trabalho/Ensino Colaborativo e Autismo, todos com foco na educação inclusiva, resultando,
assim, na seleção de algumas pesquisas para análise. Baseando-se nas publicações que
envolviam educação inclusiva e práticas educacionais no período de 2008 até 2018, chegou-se
à seleção final de 81 trabalhos. Foram excluídos, neste momento, todos os artigos, dissertações
e teses que não tinham relação direta com a educação inclusiva no ensino fundamental I (1º ano
– 9º ano) da rede regular de ensino em instituições públicas.
Dos oitenta e um trabalhos encontrados, destacaram-se alguns tópicos relevantes para
esta pesquisa: Ensino estruturado/Programa TEACCH, trabalho colaborativo e adequações
curriculares.
A pesquisa envolvendo os descritores Ensino Estruturado e Educação Inclusiva no
Brasil e Ensino Estruturado/Programa TEACCH na rede pública (escola) de São Paulo não teve
nenhum estudo formalizado. Outra opção foi averiguar Ensino Estruturado e sua relação com
Adequações Curriculares e tampouco obtiveram-se resultados qualitativos, certificando, assim,
que, no momento em que se iniciou esta pesquisa, não há estudo inter-relacionadas ao Ensino
Estruturado e à rede regular de ensino, nem com adequações curriculares. A alternativa
encontrada para o levantamento bibliográfico foi considerar dissertações e teses que citam o
Ensino Estruturado como parte do Programa TEACCH atrelado às instituições especializadas
5
As pesquisas aqui utilizadas nas referências bibliográficas.
6
Todas as teses, dissertações e artigos constam nas referências bibliográficas.
29
na educação das pessoas com autismo, como, por exemplo, a Associação Amigo dos Autista –
AMA–. É comum o uso deste programa em instituições não governamentais, como mostra a
pesquisa de Mota (2017), que descreve e analisa teoricamente a implementação do Programa
TEACCH na Associação dos Amigos da Criança Autista (AUMA).
Nesse sentido, esta pesquisa pode contribuir com o início de discussões sobre as
possibilidades de utilizarmos o Ensino Estruturado/Programa TEACCH na rede regular do
ensino público, seja na sala comum ou na sala de recursos multifuncionais, para os alunos com
autismo, uma medida que pode ser iniciada por meio do trabalho colaborativo entre professores
especializados da educação especial e professores da sala comum.
A escolha dos professores sobre qual modelo seguir pode ser feito de acordo com os
benefícios para os estudantes, se tem algum reconhecimento científico, verificar como é a
avaliação, atividades propostas, envolvimento da família, custo e local da intervenção.
Na pesquisa de Cardoso (2014, p.37 - 41), pontuamos alguns programas mais citados
para pessoas com TEA, sendo eles:
• PECS The Picture Exchange Communication System (Sistema de Comunicação por
Troca de Figuras), um sistema de comunicação alternativa com uso de figuras que retrata
aquilo que a criança precisa, deseja ou gosta.
• O Programa ABA Applied Behavior Analysis, conhecida no Brasil como Programa de
Análise do Comportamento, segue uma abordagem da psicologia comportamental que
foi adaptada e aplicada ao ensino de crianças com autismo. Nesse modelo, o
comportamento da criança é analisado e avaliado para melhor adaptação ao ambiente.
• O Programa Floor-Time/Modelo D.I.R, baseado no Desenvolvimento Funcional da
criança, consiste numa terapia de jogo em que são utilizados vários brinquedos, numa
sala de jogos. Este é um modelo de intervenção intensivo e global que envolve a
participação da família, já que visa à interação da criança com o adulto por meio de
brincadeiras.
• O Modelo Son Rise, criado na década de 70 por um casal que tinha um filho com
autismo severo, tem como objetivo estreitar a relação entre a família e a criança com
autismo. Desenvolvido no próprio lar onde a criança vive, os pais aprendem técnicas
educacionais que visam à aprendizagem e comunicação da criança com TEA.
7
Disponível em: < https://teacch.com/>. Acesso em: 28 de abr. 2019
31
apontam que o trabalho colaborativo é um modelo positivo e necessário para escola. Ele tem
relação direta com a inclusão envolvendo professores, coordenadores e cursos formativos, seja
na escola ou nas faculdades/universidades, garantindo, dessa forma, a formação inicial e
continuada dos profissionais da educação. Essa colaboração preocupar-se-á diretamente com o
público-alvo da educação escolar: os alunos. Nessas pesquisas, os autores mais citados foram
Mendes (2006, 2007, 2008, 2011, 2014), Capellini (2004, 2007, 2008), Souza (2008), Fontes
(2009), Zanata (2004), Gatelly e Gatelly (2001), demonstrando, pois, serem autores de
referência para seguir com os estudos no modelo de trabalho colaborativo.
O trabalho colaborativo é frequentemente citado ao defendermos a educação inclusiva
e a articulação entre professores especialistas e professores da sala comum. Trata-se de uma
estratégia didática que proporciona o planejamento de ensino para auxiliar o estudante com
deficiência.
É pensando na inserção do estudante com TEA na rede regular de ensino que o
levantamento bibliográfico referente aos últimos dez anos com foco na escolarização durante
o ensino fundamental (1º ano – 9º ano) e nas práticas pedagógicas que favorecem as
peculiaridades do espectro. Afonso (2014), Frade (2018), Gallo (2016), Kubaski (2014), Lemos
(2016), Morgado (2011), Neves (2018), Costa (2016) e Silva (2011) investigaram as ações
pedagógicas na sala de aula no ensino fundamental. As ideias dos autores giram em torno da
formação de professores com proposta de intervenção, envolvendo a elaboração e aplicação de
um programa de ação ou apenas observando as práticas atuais. Não ter conhecimento ou seguir
uma metodologia pedagógica para o planejamento do atendimento escolar do estudante acarreta
uma distorção do fazer pedagógico, chegando ao ponto de o professor achar que o estudante
com autismo não é capaz de aprender e, consequentemente, ele não é capaz de ensinar, como
foi apontado na conclusão da pesquisa de Gomide (2009).
Não há dúvidas de que as pesquisas para a educação são de grande valia e ainda temos
poucos estudos envolvendo práticas de adequação curricular para estudante com TEA. Pereira;
Schmitt (2016) fizeram um levantamento na base Scielo sobre autismo na escola do ano de
2007 até 2015 e encontraram 21 artigos. Tendo em vista as dimensões que a inclusão escolar
assumiu na atualidade, considerou-se reduzido o número de artigos publicados sobre a temática
autismo nas escolas. Guedes; Tada (2015) realizaram outra revisão de literatura entre os anos
de 2007 a 2012 sobre autismo no campo da Psicologia e Educação com intuito de identificar o
cenário da produção científica. Foram encontrados 156 artigos. As autoras concluíram que o
foco de estudo sobre o autismo nos campos da Psicologia e da Educação tem de ser direcionado
para a identificação do autismo e para os modos de intervenção, o que revela ser necessário
33
mais estudos que considerem as dificuldades e as potencialidades dessas pessoas, que lacem
propostas que possam promover a inclusão social dos autistas. E foi pensando em todas as
problemáticas levantadas a partir dessa revisão bibliográfica que este estudo busca colaborar
com a construção de uma prática que atenda a uma parte da demanda do processo inclusivo na
escola pública.
34
Este capítulo tem por objetivo contextualizar, de forma breve, o Transtorno do Espectro
Autista (TEA), as principais características que envolvem a comunicação, interação social e os
comportamentos a serem considerados pelos docentes durante as aulas, assim como conhecer
métodos e práticas mais utilizados no âmbito educacional e os princípios que regem o ensino
estruturado.
A inclusão do estudante com TEA é um desafio constante para os docentes da rede
pública, tendo em vista a falta de estrutura física – salas de aulas lotadas, pouca diversificação
de recursos pedagógicos – e formação dos professores que favoreça a construção de recursos e
estratégias pedagógicas para este público com características peculiares as quais envolvem
dificuldades comunicativas, linguísticos e de aprendizagem, relacionamentos sociais e padrões
restritos de interesse. Nesta pesquisa, compreende-se que não há uma única metodologia que
atende a todas as características do estudante com TEA, razão pela qual se fazem necessárias
várias leituras nas áreas da psicolinguística, neuropsicologia, psicologia comportamental e
cognitivista para extrair delas conhecimentos que possam compor a prática pedagógica.
Grandin; Panek (2013), Schmidt (2013), Mello (2007) apresentam estudos que contribuirão
com o entendimento sobre as características da pessoa com TEA e seu modo de interagir no
mundo.
Na revisão bibliográfica realizada a partir das dissertações e teses, os professores sabem
o que é autismo numa definição concreta, mas pouco se entende das características do espectro
e como um ambiente sem estrutura prejudica seu avanço escolar. Os professores não
compreendem como avaliar e como pensar em estratégias pedagógicas que auxiliam esse perfil
de estudante. (BIANCHI, 2017)
Acredita-se que o Programa TEACCH busca maneiras de entender como o estudante
com TEA pensa, vive, aprende e se relaciona com o ambiente a fim de promover aprendizagem
com independência, autonomia e funcionalidade, podendo contribuir diretamente com o
processo inclusivo do estudante na rede regular de ensino. (FONSECA; CIOLA, 2016).
A palavra autismo foi utilizada como uma manifestação precoce de esquizofrenia pelo
psiquiatra suíço Eugen Bleuler em 1906, mas foi Leo Kanner, médico da Universidade Johns
35
Hopkins (1943), o autor do primeiro trabalho que descreve a existência do autismo infantil,
intitulado Autistic Disturbances of Affective Contact (Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo)
na revista The Nervous Child. O artigo trata de onze estudos de casos de crianças com os
mesmos sintomas. O artigo de Kanner (1949) afirma que o comportamento dos pais tinha
influência nos sintomas de autismo. Ele afirmou em entrevista à Time que as crianças autistas
em geral eram fruto de pais, que se descongelaram apenas o suficiente para gerar um filho. Essa
ideia repercutiu fortemente o pensamento médico da época, por pelo menos um quarto de
século. (GRANDIN; PANEK, 2017, p. 13-15). Nas palavras do referido autor:
diagnóstico. Mais tarde, esses critérios foram ampliados na nova edição revisada do DSM III-
R e passou a nomear-se como Transtorno Autista. (SCHMIDT, 2013; GRANDIN; PANEK,
2017).
A mais recente classificação será encontrada no atual APA-DSM V (2013) no qual
recebe o nome de Transtorno do Espectro Autista (TEA) como um transtorno do
neurodesenvolvimento. Pode-se dizer que essa versão traz duas características que envolvem
prejuízos importantes e contínuos na comunicação social recíproca e na interação social,
padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades. Tais
características são déficits persistentes na comunicação e na interação social em múltiplos
contextos, incluindo déficits na reciprocidade com o outro, em comportamentos não verbais de
comunicação usados para interação social e em habilidades para desenvolver, manter e
compreender relacionamentos (APA-DSM –V, 2014, p.31).
Segundo Mello (2007), o DSM –V uniformizou os termos e o grau de autismo:
O nome espectro remete às situações e apresentações muito diferentes umas das outras,
numa variação que vai da mais leve a mais grave, relacionando as dificuldades qualitativas de
comunicação e relacionamento social. Nesse sentido, um indivíduo com autismo leve (nível 1)
apresenta sinais brandos ou poucos sinais, menos comprometimento, melhor comunicação,
aprende as habilidades com mais facilidades, precisa de pouco apoio. Já um indivíduo com
autismo moderado (nível 2) apresenta sinais entre os brandos e os intensos, mais sinais que no
nível anterior, comprometimento médio, precisa de apoio substancial. Por fim, um indivíduo
com autismo severo (nível 3) vai apresentar sinais mais intensos e frequentes, maior
comprometimento, ausência de comunicação, grande dificuldade na aprendizagem de
habilidades, prognóstico limitado precisando de apoio muito substancial. (FONSECA; CIOLA,
2016)
37
Como o diagnóstico do autismo não é feito por meio de exames clínicos, quando algum
exame é solicitado, provavelmente será para investigar outras condições como Síndrome do X-
frágil, fenilcetonúria ou esclerose tuberosa. Os psiquiatras ou neuropsiquiatras são os que
normalmente dão o diagnóstico, que é feito por meio de avaliação do quadro clínico.
38
O texto do DSM-IV foi corrigido anos mais tarde (DSM –IV –TR), mas não se sabe ao
certo por quanto tempo os diagnósticos foram dados de forma incorreta. Surian (2010) esclarece
que, segundo o Grupo de especialistas do Medical Research Countil (Conselho de Pesquisa
Médica), não é possível excluir que o aumento desses dados seja apenas por causa das mudanças
nos critérios adotados e nas políticas de diagnóstico. Grandin e Panek (2017) não descartam as
39
possibilidades de incidência de aumento ao longo dos anos. Os autores acreditam que há sim
uma influência também de fatores ambientais.
No ano de 2019, a inclusão dos dados sobre autismo no censo foi pauta do Plenário.
Campanhas nas redes sociais e em instituições privadas e não governamentais pediam para
incluir, no censo demográfico, informações específicas sobre pessoas com autismo. O Projeto
de Lei da Câmara nº 139/2018 solicita alteração na Lei nº 7.853/ 89 para que seja obrigatória a
inclusão das especificidades inerentes ao autismo no censo demográfico. A Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência 13.146/15 prevê que os censos incluam dados sobre a
população com deficiência, contudo não há um dado específico sobre autismo, que é
considerado deficiência, na Lei 12.764/12, conhecida popularmente como Lei Berenice Piana.
Em março de 2019, um texto publicado por Francisco Paiva Junior na Revista Autismo,
intitulado “Sem estudos estatísticos, país não sabe quantas pessoas têm autismo, muito menos
quantas já têm o diagnóstico”, denuncia que o Brasil não tem estudos sobre a incidência de
autismo. Não há dados oficiais. Junior (2019) diz que o país com mais estudo de casos é o
Estados Unidos, com o último trabalho publicado no ano de 2018 no qual a prevalência está em
1 caso para 59 nascimentos. São esses dados que são utilizados como estimativa para outros
países, incluindo o Brasil. Junior (2019) acredita que, a partir do momento em que o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) quantifica as pessoas com autismo, haverá um
crescimento nas pesquisas, muitas leis sairão do papel, terá mais diagnóstico, profissionais bem
preparados e tratamentos adequados.8
Paralelo ao levantamento de dados, informações específicas sobre a população com
autismo e sua relação com o diagnóstico, retornamos nosso olhar para o ambiente escolar. De
acordo com Silva (2014, p.10), a escola surgiu de uma necessidade das famílias, que estando
muito ocupadas com os sistemas produtivos, não dispunham de tempo para educar as crianças,
assim como para conservação de valores, crenças, costumes, modos de produção e manutenção
social. A escola passou do lugar onde se aprendia a ler e escrever para uma instituição com
diferentes tipos de atividades e uma população heterogênea.
Em relação aos estudantes com deficiência ou aqueles com dificuldades na
aprendizagem que frequentam a instituição escolar, o diagnóstico apresenta a função de nomear
algo nele e algumas vezes parece chegar antes que a própria pessoa. Em outras situações, a base
biológica transforma-se em um cenário de justificativa da não concretização da aprendizagem.
8
O Senado aprovou no dia 2 de julho de 2019, a inclusão do levantamento de dados e informações específicas
sobre a população com autismo para o Censo 2020, foi sancionada pelo presidente em julho de 2019.
40
Na sociedade brasileira há uma certa crença no diagnóstico emitido, pois “[...] alguns
professores têm uma dependência sob o diagnóstico clínico, como se somente ele trouxesse à
luz para o desenvolvimento de atividades pedagógicas adequadas para cada estudante”.
(ORRÚ, 2013, p.1425).
Esperar por um diagnóstico clínico ou na medicalização do comportamento para só
depois começar a reorganizar a prática pedagógica é desconsiderar a singularidade de cada um
e isentar-se da função educativa que permeia o trabalho do professor. Corrobora o exposto Silva
(2014, p. 17), ao afirmar que:
Não defendemos aqui que o professor fique alheio ao diagnóstico, mas que considere os
aspectos biológicos, sociais, culturais e históricos. O estudante, assim como qualquer outro,
precisará, em algum momento, de uma atenção individual; em outro, de coletividade. É
importante valorizar e estimular a participação em grupo, mesmo que algumas de suas
atividades estejam configuradas de maneira diferente. Ele poderá compartilhar suas atividades,
expor seus trabalhos. É um exercício permanente de discutir a diferença na diferença. (ORRÚ,
2017).
As políticas afirmativas para educação brasileira trazem um acervo de leis e decretos de
ordem nacional e internacional que versam sobre o direito de todos à educação, definida como
inclusão maior. (ORRÚ, 2017, p. 1136).
De acordo com Orrú (2017), a inclusão maior (prevista na lei) vai se opor à inclusão
menor. O segundo tipo de inclusão, que é praticada todos os dias, em diversos espaços, é aquela
que não precisa de obrigatoriedade legislativa. Ela torna possível o acesso e permanência de
qualquer pessoa na escola, além de prever que nem todos irão aprender da mesma forma,
exigindo que tanto professor quanto estudante se vejam como aprendizes. Esclarece, ainda,
quem está contra ou a favor e não espera um relatório médico para intervir. A inclusão menor
possibilita o aprender e compartilhar saberes por meio de várias formas de expressão e
atualização constantes. Não acreditamos que há uma prática pedagógica iluminada para ensinar,
mas diversas possibilidades de ensino/aprendizagem, uma combinação de conhecimento que se
41
Dos nove sintomas, alguns serão destacados como os mais comuns, de acordo com Surian
(2010)
Incapacidade de relacionamento social [...] está presente desde o nascimento.
De fato, as crianças autistas manifestam [...] anomalias de interação social.
[...] É possível que em algumas crianças autistas as anomalias de interação
social sejam muito precoces, enquanto em muitas outras as anomalias só
surjam mais tarde, entre os 6 e 12 meses, ou até mesmo no segundo ano de
vida. [...] Habilidade linguística desenvolvida com retardo e sem funções
comunicativas. A ausência de função comunicativa é evidente em alguns
casos de ecolalia, mas em outros o comportamento ecolálico [...] assume uma
função comunicativa. [...] O retardo na linguagem é um indicador crucial que
justifica pelo menos o uso de alguns instrumentos de rastreamento para
investigar a presença do autismo. Repetição monótona batizado pelo DSM
como repertório restrito de interesse ou caracterizado por excessiva
intensidade de apego às rotinas disfuncionais. [...] Potencialidades cognitivas,
o terror de alguns ruídos, os distúrbios da alimentação e da coordenação
motora. Algumas crianças autistas manifestam a capacidade de memorizar
grandes quantidades de informação se esta se relaciona com um dos seus
interesses focalizados. [...] As crianças autistas podem mostrar capacidades
excepcionais em especial na aprendizagem de listas de nomes, fatos, edifícios.
[...] Todavia é falso que as crianças autistas apresentem processos cognitivos
intactos; cerca de 70% delas possui retardo mental médio ou grave e todas
apresentam dificuldades de compreensão. [...] Distúrbios de alimentação [...]
podendo mesmo se referir a uma extrema seletividade de alimentos aceitos e
os atos de mastigar e deglutir. (SURIAN, 2010, p. 21-22)
Desses sintomas, três são mais pontuados nos estudos sobre autismo: déficits nas
relações sociais, na comunicação e linguagem, na inflexibilidade de mudança de
comportamentos repetitivos, rotineiros e sua relação com aprendizagem. A comunicação se
destaca pelo seu uso limitado, seja por gestos, contatos visuais, expressões visuais e linguagem
corporal. Vejamos cada um deles nos quadros 2, 3 e 4, elaborados a partir dos estudos de
Fonseca; Ciola (2016); Menezes; Cruz (2013) e Gómez; Terán (2014):
Dificuldade Consequências
Ecolalia/fala auto regulatória;
Comunicação não coloquial e/ ou com ecolalia, quando verbalizam;
Em expressar necessidades Dificuldade em deixar alguém saber o que quer ou mostrar;
Pedir ajuda ou explicar que está preocupado ou sofrendo.
Problemas semânticos;
Entender as coisas Percepção literal das palavras, mesmo quando usadas
literalmente figurativamente;
Perguntar se alguém realmente quer dizer o que está dizendo ou se é
apenas uma frase feita ou uma ironia.
Fonte: Elaborado a partir dos estudos de: Fonseca; Ciola (2016); Gómez; Terán (2014) e Menezes e
Cruz (2013).
Dificuldades Consequências
Isolamento/indiferença e redução da motivação para se comunicar;
Falta de apego a outra pessoa, preferência pelo isolamento e
resistência à aproximação;
Recusa do colo materno quando bebês;
Falhas na atenção compartilhada e reciprocidade, o que restringe as
oportunidades (e motivação) para aprender com os demais;
Desfrutar do contato com as Ausência de contato ocular ou contato muito breve, utilizando
pessoas (ou rejeitá-lo inclusive a visão periférica;
ativamente) Dificuldades com trocas de turno lúdicos e interpessoais;
Ausência de imitação social;
Uso do pronome na terceira pessoa ou do próprio nome dirigir-se a
si mesmo;
Manipulação de objetos por longos períodos mesmo na presença de
outras pessoas, ignorando-as;
Uso de pessoas como se fossem objetos.
Os déficits nessa área acarretam prejuízos no estar, participar e se envolver com o outro.
A criança com TEA pode evitar o contato visual, fazer atividades com seus pares, se mostrar
indiferente ao outro. Expressões afetivas, faciais, gestuais ou vocais são de difícil compreensão.
Dar enfoque nas relações sociais dos estudantes com autismo é um fator de proteção, de
minimizar possíveis problemas interpessoais para ele e para as pessoas com as quais se
relaciona. A comunicação utilizada na interação social depende da capacidade de atenção
46
99
Baron-Cohen (1995) cunhou o termo cegueira mental para descrever os déficits apresentados por indivíduos
autistas no processamento da Teoria da Mente.
47
Outro fator relacionado ao déficit de interação social na pessoa com TEA está conectado
à teoria da metarrepresentação, defendida por cognitivistas, segundo a qual as ausências de
habilidades para detectar expressões faciais dificultam a compreensão dos próprios estados
mentais.
Déficits no reconhecimento facial vêm sendo implicados no transtorno de
interação social mais conhecido: o autismo. Ao revisar estudos
comportamentais, não se encontra evidência suficiente para caracterizar uma
diferença qualitativa no processamento facial daqueles com e sem autismo.
Marcadores de reconhecimento da identidade facial típicos, como o efeito de
inversão da face, aparecem estar presentes em pessoas com autismo. No
entanto, quantitativamente (quão bem a identidade facial é lembrada ou
discriminada), indivíduos com autismo apresentam pior desempenho que os
demais sadios. Esse prejuízo fica mais evidente em tarefas de memória de
faces e percepção facial no qual surge um intervalo entre a amostra e o teste,
do que em provas sem demanda de memória. (ASSUMPÇÃO JÚNIOR;
KUCZYNSKI, 2015, p. 130)
A habilidade de perceber as expressões faciais por parte das pessoas com autismo é
importante, uma vez que é um meio de comunicação que permite às pessoas perceberem entre
si certos atributos mentais. A partir do reconhecimento das expressões, gradativamente, a
criança constrói um banco de memória com as representações perceptuais de suas diferentes
emoções e também de outras pessoas. (ASSUMPÇÃO JÚNIOR; KUCZYNSKI, 2015).
Compreender como os estudantes com TEA manifestam seus estados mentais poderá
contribuir com a elaboração de atividades que estimulem a habilidade sociocognitiva e o
processo de socialização e aprendizagem, como, por exemplo, atividades de leitura mediada e
brincadeira de faz de conta, roda de conversa, narrar ou contar fatos do dia a dia. A contação
de histórias infantis pode apresentar ironias, metáforas, sacarmos, sentimentos, interesses,
emoções e desejos presentes também no meio social, e isso possibilita a transposição para sua
convivência social.
A capacidade de atribuir e entender estados mentais pode ser vista como um
apoio/auxílio na adaptação da criança ao mundo social e pode trazer
consequências importantes para aspectos do desenvolvimento infantil, como
a cognição, a linguagem, o processo de escolarização e o de socialização, de
forma que a própria Teoria da Mente colabora para inserção da criança no
mundo. (MEYER, 2018, p. 46)
Essas habilidades sociais são importantes para qualquer criança, e o que o professor
precisa ter em mente é que a manifestação e o desempenho não irão se desenvolver igualmente
em todas elas. É preciso identificar as dificuldades no seu repertório social, os fatores que
interferem e logo um planejamento de intervenções educativas. A dificuldade de colocar-se no
lugar do outro, ou de entender a perspectiva do outro, pode acarretar um bom desempenho do
estudante relacionado à compreensão de texto, ao comportamento na sala de aula ou à
participação em atividades em grupo. É aconselhável realizar atividades em diversos contextos
e espaços, de forma lúdica e com elementos não verbais (gestos, expressões, estímulos sonoros,
música). Vejamos outras opções:
• Arranjar um ambiente com poucos estímulos e ir inserindo aos poucos. Selecionar
objetos significativos de que o estudante goste e ir ampliando e diversificando aos poucos.
Trabalhar com elementos que chamem a atenção da criança face a face.
• Manter o rosto do interlocutor no mesmo plano, oferecendo objetos de seu interesse e
aproximando face do interlocutor.
• Brincar de faz de conta. Associar a fala a uma ação do objeto, por exemplo, mostrar o
brinquedo (gato) e fazer o som do gato próximo a face do adulto.
• Oferecer atividades permanentes com poucos estudantes e depois ir ampliando.
• Propor atividades utilizando expressões faciais em diversos contextos. O professor deve
exagerar nas expressões faciais durante as brincadeiras. Deve pedir para o estudante ser
o ajudante do dia. Ele pode, por exemplo, entregar os livros e dizer os nomes dos colegas.
• O docente deve elogiar cada ação. Deve utilizar material visual com as regras de
convivência e as tarefas a serem desenvolvidas ao longo do dia. Todas as atividades a
serem desenvolvidas devem considerar as potencialidades de cada estudante.
50
Dificuldades Consequências
Apego e rotinas/mesmices/ objetos e uniformidade do ambiente;
Problemas com mudanças de rotina inesperadas e inevitáveis;
Problemas para fazer transições de uma atividade para outra;
Com ambientes não Baixo controle de frustração, tomando-se ansiosos e/ou agressivos.;
estruturados, imprevisíveis e Não saber lidar com a ansiedade quando esta não lhe é satisfeita;
ausência de rotinas Dificuldades para adaptar-se a incertezas sobre o que vai acontecer a
seguir ou o que vai acontecer no futuro.
Fonte: Elaborado a partir dos estudos de: Fonseca; Ciola (2016); Gómez; Terán (2014) e Menezes
e Cruz (2013).
O déficit da coerência central fará com que o estudante com autismo olhe para as partes
de um todo. Assim, ao mostrar uma imagem de um ambiente natural com uma grande árvore
no centro, é possível que esse estudante não observe a árvore, mas sim um pequeno pássaro no
canto esquerdo da foto; em uma leitura de texto pode acontecer de ele ficar “preso” à palavra e
não ao contexto; ao pegar um brinquedo ficará atento apenas a um pedaço dele. Neste caso,
uma atividade escolar com excesso de imagens que não têm relação com a tarefa em si pode
ser um elemento distrator para este estudante. O que, por um lado, pode ser uma dificuldade;
por outro, pode ser uma vantagem, como pontua Whitman (2015, p.196):
Grandin e Panek (2013) relatam que, quando o professor percebe que seus alunos estão
lutando com a tarefa de desenhar, sugere que vão à fotocopiadora para copiar páginas de um
livro e usar papeis em diferentes tonalidades e, dessa forma, percebem com qual cor de papel
se sentem melhor ou utilizem óculos escuros. Dificuldades com o processamento auditivo
também são comuns como, por exemplo, hipersensibilidade ao som, o que pode levar o
estudante a ter dificuldade em prestar atenção na aula, porque precisa superar os barulhos
externos ou as conversas dos seus colegas de classe. Ademais, crianças com TEA podem
confundir estímulos visuais e auditivos, como explicam Grandin e Panek (2013, p.100):
Uma opção para auxiliar os estudantes com TEA nessa dificuldade é o trabalho com
musicoterapia, pois sabe-se que a percepção musical são pontos relativamente fortes.
(GRANDIN; PANEK, 2013). Para os professores, essa informação é útil pois podem trabalhar
com atividades de cantigas nas aulas.
A sensibilidade tátil pode provocar nos estudantes com autismo repulsa (ou não) por giz
de cera, riscar com o lápis na folha do caderno ou recusa em participar em uma atividade com
massinha de modelar, por exemplo. Grandin e Panek relatam alguns exemplos em uma palestra
e em seu livro:
As roupas me deixam louca se não tiverem a textura correta. Às vezes elas são
ásperas, às vezes não, ainda que sejam feitas 100% algodão. Assim como a
sensibilidade tátil tem suas variedades, a olfativa e gustativa também terão. O
arroz pode incomodar, comida pastosa, determinado tempero, cheiro de jornal
ou frutos do mar. (GRANDIN; PANEK, 2013, p.102-104)
57
Grandin e Panek apontam algumas dicas práticas para ajudar as pessoas com problemas
de processamento sensorial. Destacam-se algumas que podem ser úteis no ambiente escolar:
Uma criança que não tem TEA normalmente aprende no meio social simplesmente
vivendo, uma vez que as impressões penetram em sua mente pelos seus sentidos e a formam.
Para uma criança com autismo, as coisas não seguem o mesmo ritmo. Há uma relação diferente
entre o cérebro e os sentidos, e as informações nem sempre se transformam em conhecimento.
(CUNHA, 2015, p.31). Para ensinar um estudante com autismo, o professor precisará ficar
atento aos problemas sensoriais, as preferências, as dificuldades comunicativas, aos
relacionamentos sociais e ao comportamento.
Diante de “comportamentos inapropriados”, o que fazer? Para Khoury et al. (2014) e
Prizant (2015), deve-se seguir sete passos, a saber: primeiro: determinar qual o comportamento-
alvo como, por exemplo, bater com a mão na cabeça com força; segundo: identificar a função
desse comportamento e os fatores que contribuem para o seu aparecimento; terceiro: identificar
comportamentos alternativos; quarto: identificar estratégias para aumentar o comportamento
adequado; quinto: identificar estratégias para diminuir comportamentos negativos; sexto:
desenvolver planos de ação para evitar o comportamento-alvo como, por exemplo, bater com a
mão na cabeça; e sétimo: avaliação.
Vale salientar que um comportamento inapropriado pode estar associado ao tempo de
permanência em sala de aula ou alguma atividade que lhe exige muito esforço, como se vê nas
palavras de Camargo (2007, p. 52):
[...] não tente transformá-lo no que ele não é ou, pior ainda, no que não pode
ser, O que se deve fazer é estimular sua arte – mas ampliar sua abrangência.
Se ele desenha figuras de carros de corrida o tempo todo, peça-lhe para
desenhar também a pista. Depois, peça –lhe para desenhar as ruas e prédios
ao redor da pista. Se ele conseguir fazer isso, sua fraqueza (pensamento
obsessivo em um objeto) se transformará em força (um modo de entender a
relação entre algo simples como um carro de corrida e o resto da sociedade).
10
Palavra de origem francesa, significa “sábio”. Autista Savant são pessoas com altas habilidades aliado
normalmente a uma memória fora do comum.
60
como as partes dos objetos se encaixam), atividades com música são bem produtivas. Deve-se
permitir que o estudante realize suas contas dando o resultado direto, sem forçá-lo a fazer o
passo a passo, caso ele consiga chegar ao resultado esperado. Para os que pensam por
palavras/fatos (são aqueles que citam diálogos de filmes, lembram de datas importantes sobre
determinado assunto, gostam de estatísticas), uma opção para este perfil de estudante é
estimulá-lo a escrever. (GRANDIN; PANEK, 2013, p.191-194).
Em todo caso, destaca-se que o ensino e aprendizagem do estudante com TEA não serão
iguais para todos, por isso as dicas propostas até aqui vão variar de um perfil para o outro. Nesse
sentido, TERÁN (2014, p. 537) sugere que:
Ensinar uma criança com TEA é uma oportunidade para pesquisa e fomento à
criatividade, já que a forma como ela aprende é diferente. Algumas necessitarão de mais
estrutura no ambiente ou nas atividades organizadas no caderno, outras nem tanto. A
observação e avaliação do professor, apoiado nos relatórios de outros profissionais que atendem
ao estudante, auxiliarão a sua percepção se as maiores dificuldades do estudante estão
relacionadas à comunicação, à imaginação ou ao relacionamento social e, por conseguinte, fazer
adequações curriculares necessárias. O princípio de equidade é o norteador da prática educativa
inclusiva, adaptando as regras à situação concreta em sala de aula. Sendo assim, como proposta
neste estudo, apresentaremos o ensino estruturado na perspectiva do programa TEACCH, por
ser considerado um modelo Psicoeducacional que pode ser adaptação para o ambiente escolar.
O TEACCH propõe organizar o entorno físico, os horários e as tarefas com base no
processamento visual e seguindo princípios da teoria comportamental e psicolinguística, com
foco na área de interesse da criança, favorecendo as habilidades pré-acadêmicas e acadêmicas.
Utilizando o referido programa, o professor depara-se com a necessidade de organizar uma
rotina visual, atividades que demonstram começo meio e fim, adaptar o espaço para que o
estudante compreenda o que se espera dele aumentando sua independência, aprendizagem e
interação.
61
Uma rápida e simples pesquisa na internet fará o leitor encontrar uma gama de modelos
de atendimento para pessoa com TEA. No site Associação para Ciência no Tratamento do
Autismo (ASAT), há uma lista com trinta e cinco intervenções psicológicas, educacionais e
terapêuticas baseadas em dados científicos. Isso significa que são práticas estudadas,
publicadas, aplicadas e reaplicadas com um objetivo específico. Em consonância com os dizeres
de Sandberg e Spritz (2017, p. 21):
Metodologia Nº de instituições
Item que a adotam
A TEACCH 53
B Combinação 50
C PECS 24
D ABA 24
E Integração/Processamento/Terapia Sensorial 8
F Currículo Funcional Natural 9
G Fonoterapia 6
H Psicomotricidade 4
I Sem metodologia/programa individualizado 4
J Floortime 2
K Psicodinâmica 3
Fonte: (MELLO et al., 2013, p. 49)
11
Neste momento não será explicado as trinta e cinco intervenções psicológicas, educacionais e terapêuticas
citadas pela ASAT por não fazer parte do objetivo central da pesquisa, mas fica como recomendação aos
interessados os estudos de Sandberg; Spritz (2017) e o Manual Evidence Based Practice (2014).
63
12
Para garantir a qualidade e os bons resultados a Universidade da Carolina do Norte desde 2014 decidiu
estabelecer um programa de certificação Profissional para educadores, psicólogos, assistentes sociais,
fonoaudiólogos entre outros profissionais que atuam no campo do autismo
64
Aproveitar os pontos fortes da pessoa com TEA, este é um bom início para começar a
pensar como agir, como planejar e avaliar. A Moldura/Pirâmide TEACCH está fundamentada
na instrução, organização e na clareza. Sugere-se organizar o ambiente com dicas visuais do
que fazer e a função de cada espaço, garantindo a previsibilidade que vai atender às
necessidades específicas de aprendizagem da criança com TEA. É na estruturação e adequação
do ambiente que se enquadra o Ensino Estruturado. Trata-se de uma organização do espaço que
reduz estímulos exteriores. (FIGUEIREDO, 2009, p.34).
Tendo em vista que o estudante com TEA pode apresentar um pensamento concreto,
rígido e alterações no processamento sensorial comuns, isso lhe traz dificuldades em abstrair e
criar. Por conseguinte, o ensino e aprendizagem também será com base no concreto. É
importante lembrar que o uso do material manipulável não se dá apenas por uma questão de
fazer com que o aluno aprenda por meio do toque. Os educadores precisam ficar atentos ao
como utilizar e com que propósito, ou seja, quais os objetivos e estratégias adotadas irão
contribuir com a aprendizagem.
Pessoas com TEA conectam-se em pontos visuais do mundo para formar uma única
imagem, um conceito, uma forma de entender e formar relações entre estímulos. Fazem isso
explorando mais as sensações visuais do que as auditivas. Elas precisam de referências
concretas do que fazer, aonde ir, por onde começar, como fazer, quanto fazer etc. Para o
TEACCH, a pessoa com TEA tem um “cérebro visual” que “lê” o mundo com cognições
diferentes. (FONSECA; CIOLA, 2016).
Rotinas e estratégias de ensino ajudam a entender o ambiente, ou seja, seguir um
determinado horário, com flexibilidade, reduz a ansiedade e aumenta a independência. A
proposta do Ensino Estruturado inclui os seguintes princípios: entendimento da cultura do
autismo; desenvolvimento de um programa centrado no indivíduo; estruturação do ambiente
físico; utilização de suportes visuais de modo a tornar perceptíveis as tarefas individuais.
(MESIBOV, 1996).
O ensino estruturado é planificado para organizar a sala de aula, mas são as atividades
e a rotina que impulsionam o estudante a aprender. É provável que no início o estudante com
67
[...] aquela em que já há uma definição do que a criança deve realizar: nela já
é dada uma situação clara, com um objetivo específico, por exemplo, montar
o quebra cabeça. [...] O TEACCH deve ser sempre adaptado aos diferentes
níveis de funcionamento, à faixa etária e as necessidades individuais com
maior ou menor apoio, definido após a avaliação.
A sala de aula precisa estar organizada de uma maneira que o estudante compreenda o
que está acontecendo e o que vai acontecer, o que tem que ser feito e em qual ordem. Isso
garante a previsibilidade e evita situações de extrema agitação por parte do estudante. Com
relação à organização, a proposta do TEACCH é útil e adaptável para estudante com deficiência
ou não. O estudante em si poderá ser beneficiado de uma sala de aula bem organizada e com
recursos visuais. Certamente, alguns estudantes vão precisar de mais estrutura, outros menos.
A sala de recursos multifuncionais que faz parte do campo de estudo dessa pesquisa
recebe estudantes com TEA e/ou com deficiência intelectual e está organizada de acordo com
o Programa TEACCH. Antes mesmo do início da pesquisa, os professores que nela atuam
consideraram que determinada estrutura de organização colabora com autonomia não só do
estudante com TEA, mas de todos os outros que frequentam o espaço. Os estudantes sabem o
que irão fazer em cada espaço da sala. A delimitação dos espaços não é uma organização rígida.
O professor, após avaliação, poderá definir quais mudanças serão benéficas para a
aprendizagem acontecer. Segundo Sandberg e Spritz (2017, p.146-147):
Como se vê, é um sistema que envolve espaço físico, tempo desprovido de excesso de
distratores (visuais e sonoros) e requer organização do mobiliário, posicionamento, distribuição
das tarefas, bloqueios e limitadores, materiais pedagógicos e atividades com instruções visuais
68
Este capítulo tem por objetivo apresentar três ações da política de educação especial que
revalida a inclusão escolar, sendo: 1- a implementação de Salas de Recursos Multifuncionais
(SRM) nas escolas estaduais em substituição as classes especiais; 2- a contratação, por meio de
concurso público sob a Resolução 52/201313, de professor especializado na área de educação
especial; 3- e as orientações de Adequações Curriculares que definem o planejamento de ações
pedagógicas de forma a possibilitar variações no objetivo, no conteúdo, na metodologia, na
avaliação e na temporalidade das aulas para que todos os estudantes com deficiência tenham as
mesmas condições e oportunidades. Para fortalecer as ações políticas de educação inclusiva no
ambiente escolar, apresentamos o conceito de trabalho colaborativo entre professores, pautado
na teoria de Rabelo (2012), bem como de Mendes, Vilaronga e Zerbato (2014).
Optamos pelo uso do termo Adequação Curricular por consideramos que este tem uma
relação direta com as modificações realizadas nas atividades propostas em sala de aula para o
estudante com TEA, permitindo assim o acesso ao currículo e fortalecendo a atuação do
professor. Entendemos, neste momento, a Adequação Curricular como uma ação
individualizada que pode ser proposta para um estudante, ou um grupo, com foco na
apresentação de conteúdo. No campo teórico, apoiamo-nos nos seguintes autores: Heredero
(2007, 2010, 2011); Aranha (2000); Zanata (2004), Capellini; Hamer; Martins (2010), que
defendem o uso da adaptação curricular no ensino comum.
Para compreender a trajetória via Ministério da Educação e a Secretaria de Educação do
Estado de SP, partimos de uma pesquisa documental de legislações, portarias, manuais de
orientações, notas técnicas e decretos do ano de 2007 até a mais atualizada a Resolução
nº68/2017, incluindo também a Lei 12.764/12 com inovações em relação às políticas públicas
para os estudantes com TEA.
13
Edital do último Concurso para professores.
70
Para esse autor, é o mínimo que os estudantes teriam como direito, recursos e serviços
que apoiariam, suplementariam ou substituiriam o ensino regular com foco na aprendizagem
de conteúdo acadêmicos. Consiste em proporcionar ferramentas e recursos educativos
necessários para estudantes que aprendem e se socializam de forma diferente.
É previsto na Resolução CNE/CEB nº 2/2001- Diretrizes Nacionais da Educação
Especial, no Art. 3º, que a educação especial é uma modalidade da educação escolar. Entende-
se como um processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos
e serviços educacionais especiais. A educação inclusiva voltada para o atendimento
especializado pode acontecer tanto em classe comum mediante atuação colaborativa do
professor especializado (com formação em educação especial), professores intérpretes,
profissionais itinerantes e/ou outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à
71
comunicação (Art. 8º IV); quanto às salas de recursos implantadas dentro das escolas estaduais,
estas têm como objetivo dar apoio ao sistema de ensino (Art. 8º V). As Salas de Recursos são
atribuídas ao professor especializado. O termo “Sala de Recurso” foi utilizado no Parecer nº 17/
2001 como parte integrante do Serviço de Apoio Pedagógico (SAP) e na Resolução CNE/CEB
nº 2/2001 como parte do Atendimento Educacional Especializado (AEE), cabendo às escolas
regulares preverem e proverem (Art. 8º, inciso V) os serviços de apoio pedagógico
especializado em salas de recursos nas quais o professor especializado em educação especial
realize a complementação ou suplementação curricular, utilizando procedimentos,
equipamentos e materiais específicos.
A Sala de Recurso é um dos espaços dentro do próprio ambiente escolar que tem um
trabalho articulado com a sala comum. Nesse contexto, com a Portaria Normativa nº 13, 24 de
abril de 2007, o Ministério da Educação e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (MEC/SECADI) criam o programa de “Implantação da Sala de Recurso
Multifuncional (é neste momento que a terminologia Multifuncional passa fazer parte da sala
de recurso), considerando o Decreto nº 5.296/2004, com o objetivo de apoiar as escolas na
organização e oferta do AEE. Segundo Porto et al. (2013, p. 3436):
Para atingir esses objetivos acima citados, o MEC/SECADI tem as seguintes ações:
14
É um programa de apoio à gestão escolar baseado no planejamento participativo e destinado a auxiliar as escolas
públicas a melhorar a sua gestão. Para essas escolas o MEC repassa recursos financeiros visando apoiar a execução
de todo ou qualquer parte do planejamento (Brasil, c2019)
72
15
Programa Dinheiro Direto na Escola tem por finalidade prestar assistência financeira para as escolas, em caráter
suplementar, a fim de contribuir para manutenção e melhoria da infraestrutura física e pedagógica. Também visa
fortalecer a participação social e a autogestão escolar. Disponível em:<
https://www.fnde.gov.br/programas/pdde>. Acesso em: 15 set. 2019.
73
outra diferença é que o AEE poderá ser ofertado pelo sistema público de ensino, por instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, que atuam de forma exclusiva
na educação especial, conveniadas com o Poder Executivo competente. Aqui temos o uso das
verbas públicas destinadas a essas outras instituições e não somente para a escola.
O atendimento na SRM constitui um serviço de natureza pedagógica e não substitui as
classes comuns, motivo por que funciona no contraturno. As Salas de Recursos Multifuncionais
no Estado de SP são organizadas por área da deficiência (deficiência intelectual, deficiência
auditiva, deficiência visual e deficiência física). A matrícula na SRM é condicionada à
matrícula no ensino regular como previsto no Parecer CNE/CEB nº 13/2009, no parágrafo único
do oitavo artigo.
Embora a legislação considere outras instituições e escolas especiais, a proposta de
educação inclusiva busca meios para superar os modelos de integração e coloca foco na função
social da escola. Ofertando o AEE dentro deste espaço, como visto no início do art 5º da
Resolução CNE/CEB nº 4/2009 (Diretrizes Operacionais), o AEE é realizado, prioritariamente,
nas salas de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra de ensino regular. Esta
concepção também está expressa nas Diretrizes Nacionais da Educação Básica, instituídas pela
Resolução CNE/CEB nº 4/2010, conforme disposto no seu parágrafo 1º do Art. 29:
Todos os estudantes precisam estar matriculados nas classes comuns, e a SRM, por fazer
parte da organização física da escola, com um diferencial das outras salas, ela terá equipamento,
recursos de acessibilidade e materiais pedagógicos que auxiliam na escolarização, com objetivo
de eliminar barreiras que impedem a participação dos estudantes com deficiência nas aulas,
assim como na sua autonomia e independência no ambiente educacional e social. (BRASIL,
2012, p.6)
Para implementar as Salas de Recursos Multifuncionais nas escolas da rede estadual ou
municipal, existem alguns critérios de acordo com o último documento orientador desenvolvido
pelo MEC em 2012. Os gestores precisam considerar as demandas da rede, seguindo esses
passos: a Secretaria de Educação com a qual a escola tem vínculo deve elaborar o Plano de
Ações Articuladas (PAR); a escola deve ser da rede pública; a lista dos alunos que serão
74
atendidos precisa ter registro de matrícula na classe comum; a escola precisa ter espaço físico
que comporte equipamentos e mobiliários e, por fim, ter um professor para atuar nesse tipo de
sala. (MEC, 2012, p.10).
Para compor as SRMs, de acordo com as últimas orientações elaboradas pelo MEC
(2012, p.16), a listagem dos recursos multifuncionais são:
Qti. Equipamentos
02 Computadores
02 Estabilizadores
01 Impressora Multifuncional
01 Roteador Wireless
01 Mouse com entrada para acionador
01 Acionador de pressão
01 Teclado com colmeia
01 Lupa eletrônica
01 Notebook
Qti. Mobiliários
01 Mesa redonda
04 Cadeiras para mesa redonda
02 Mesas para computador
02 Cadeiras giratórias
01 Mesa para impressora
01 Armário
Esses recursos materiais são considerados itens importantes para iniciar o atendimento
aos estudantes com deficiência. São recursos que possibilitam o professor especializado fazer
um trabalho diferenciado com relação à sala comum, como, por exemplo, os computadores, que
não estão disponíveis na sala comum, e que auxiliam o professor desenvolver atividades
audiovisuais, software e jogos educativos. Nem tudo que há no Quadro 6- corresponde de fato
ao que há na SRM, como, por exemplo, o Roteador Wirelles. O acesso à internet não é
disponibilizado nem para os professores nem para os estudantes. Mais detalhes referentes ao
que há na lista de materiais enviado pela Secretaria da Educação de SP e a correspondência
com a realidade atual será explorado no capítulo posterior.
Na sala de recurso, os professores especializados realizam atividades com foco nas
funções cognitivas, comunicação alternativa e aumentativa, estimulação da coordenação
motora fina e grossa, raciocínio lógico, leitura/escrita, entre outras. Para desenvolver um
atendimento diferenciado, tal sala precisa de uma configuração de espaço físico amplo com
iluminação e ventilação adequada, além da diversidade dos recursos materiais. Na figura 4,
vemos a representação de uma sala de recurso com alguns elementos essenciais para uso
funcional.
Figura 4- Modelo de Sala de Recurso Multifuncional
Fonte: https://lafaieteagora.com.br/
76
Mediante a LDBEN 9.394/96, o Parecer CNE/CEB nº17/2001 vai considerar dois tipos
de professores atuantes na educação especial: os professores capacitados e os professores
especializados.
São considerados professores capacitados para atuar em classes comuns com
alunos que apresentam necessidades educacionais especial, aqueles que
comprovem que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram
incluídos os conteúdos ou disciplinas sobre educação especial e desenvolvidas
79
Essa variedade de formações citadas acima deixa claro que faltaram informações claras
sobre qual o tipo de formação o profissional da educação deveria ter. Retornando ao Estado de
SP, o documento mais atualizado que temos no momento sobre a regulamentação da formação
do professor especializado é a CEE- 112/2012, que estabelece normas para a formação docente
em nível de especialização, para o desenvolvimento de atividades com pessoas com
necessidades especiais.
de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores (EFAP) tem como uma de suas atribuições
realizar os cursos de formação, compreendidos em concursos e processos seletivos de pessoal
para a educação.
A oferta de formação continuada para os professores é prevista na Declaração de
Salamanca. Deverão ser também alocados recursos para os serviços de apoio à formação
docente a centros de recursos e aos professores que atuam na educação especial. (BRASIL,
1994, p. 47)
Ainda que a legislação assegure o direito de o professor participar de capacitações para
o atendimento educacional especializado, ele ainda não finaliza essas formações com total
preparo para atuar com os estudantes com deficiência, visto que seria necessária formação
massiva, pois a cada ano provavelmente este professor irá atuar com estudantes com deficiência
diferente. Sendo assim, a formação acaba ficando a cargo do coordenador pedagógico e nos
momentos de reunião coletiva.
O curso de Educação Inclusiva, ofertado pela Escola de Formação em 2014, que teve
como objetivo capacitar professores do ensino fundamental e médio que desejavam ter
conhecimentos básicos e novas competências para atuar em sala de aula, não dá o direito deste
profissional exercer o cargo de professor do AEE na SRM. O curso de Educação especial
voltado para alguma área específica da deficiência destinava-se àquele docente que desejava
tornar-se especialista e logo um professor especializado para atuar na sala de recurso. Com
duração de dois anos (2014 -2016) e um total de 686 horas, este programa está de acordo com
a Deliberação (2012). Vale ressaltar que esta foi a última formação em pós-graduação “Lato
Sensu” ofertado pelo Governo do Estado de São Paulo, por meio da Escola de Formação dos
Profissionais da Educação.
O professor especializado que ingressa na rede estadual de SP por meio de concurso
público é incluído no cargo de Professor de Educação Básica II – Educação Especial. O último
teve edital publicado no dia 28 de junho de 2013 para diversas áreas. No que tange à educação
especial, as áreas habilitadas para o concurso foram Deficiência Auditiva, Física, Intelectual,
Visual e Transtorno Global do Desenvolvimento. Até o ano vigente, não houve mais nenhum
concurso público contemplando os professores da educação especial.
Nas Instruções Especiais SE nº 02/2013, para o concurso de cargo de professor de
educação básica II, disciplina educação especial (Lei complementar 836/97 – Anexo III),
encontram-se as exigências quanto à formação exigida para concorrer ao cargo. Os candidatos
tinham que comprovar conclusão de curso superior em:
82
16
Neste momento daremos ênfase apenas no perfil do professor de educação especial, Anexo C.
83
professor tenha conhecimento dos direitos humanos e do modelo de educação inclusiva, ou seja,
em primeiro lugar, precisa reconhecer e defender que todos as pessoas podem ser incluídas nas
escolas comuns. (SÃO PAULO, 2013).
I- O professor é um desses profissionais que podem prover as possibilidades aos
estudantes de serem incluídos, observando na escola a acessibilidade aos espaços
físicos, a organização do tempo cronológico, trabalhando com horários e conteúdos
mais flexíveis, buscando parcerias de outros profissionais para atender à diversidade de
aprendizagem com respeito e valorização ao potencial do estudante. Isso requer atenção
à acessibilidade, tanto física como de comunicação, a partir do conhecimento dos
recursos necessários e disponíveis, o que inclui, também, conhecimento de adaptações
curriculares ou de acesso ao currículo e os diferentes modos de aprender. É de
competência do professor especializado trabalhar com o estudante as questões relativas
às necessidades educacionais especiais geradas pelas deficiências sensoriais, física,
intelectual, ou pelos transtornos globais do desenvolvimento, ou pelas altas
habilidades/superdotação.
II- Guarda-se uma relação dialógica entre o professor da sala comum e o professor
especializado. Faz-se necessário considerar a relevância da amplitude do olhar do
professor especializado em relação a seus colegas da sala comum, à equipe escolar e à
comunidade, principalmente, à família do aluno. Ele propicia ajuda na solução de
problemas das dificuldades de toda a comunidade escolar. É uma prática laboral que vai
conversar com todos os profissionais da escola e também a família, incluindo uma
percepção das contínuas mudanças sociais que se ocorrem ao longo do tempo, tendo
como referência a questão da diversidade, quanto à formação específica, com
abrangência de métodos e técnicas que atendam adequadamente e de forma
contextualizada ao aluno com necessidades educacionais especiais. Acreditando que,
por maior defasagem que o estudante possa vir a ter, ele ainda será capaz de aprender
que a família é parceira no processo, e o trabalho colaborativo será uma linha condutora
para o desenvolvimento de todos. (SÃO PAULO, 2013).
Nesse contexto, considera-se uma evolução nas políticas públicas que favoreceram o
acesso ao currículo com adaptações curriculares e articulação com os professores da sala
comum, com funcionários, alunos e famílias, assim como a participação na elaboração da
proposta pedagógica, previstos na Resolução SE 68/2017, incisos:
84
Além de orientar e oferecer apoio ao aluno com deficiência e toda comunidade escolar,
o professor precisa ter percepção das contínuas mudanças sociais, ter amplo conhecimento de
métodos e técnicas, organização de estratégias pedagógicas e identificação e produção de
recursos acessíveis. Para isso acontecer, porém, é necessária a formação continuada, que poderá
acontecer no ambiente de trabalho ou promovidas por órgãos da pasta (SÃO PAULO, 2017,
art.18).
As formações promovidas por órgãos da pasta também estão escassas, tendo em vista
que a última formação em nível de pós-graduação “Lato Sensu”, bem como de mestrado e
doutorado “Stricto Sensu”, em parceria com Universidades, foram ofertados no primeiro
semestre de 2014 pela EFAP17. Desde então, não há propostas de formação para o professor
especializado e nem para o professor da classe comum. Nem o envio dos materiais pedagógicos
para formação continuada dos professores do AEE, previsto pelo MEC (BRASIL, 2012)
chegam à unidade escolar. O perfil profissional proposto na Resolução SE 52/2013 e as funções
previstas na Resolução 68/2017 apresentam uma visão criteriosa do professor ideal, mas não
oferecem oportunidades acadêmicas para evolução do professor, partindo dele o investimento
com recursos financeiros próprios tanto para formação acadêmica quanto para disponibilização
de recurso pedagógicos que atendam às necessidades e à diversidade cultural, social e de estilo
de aprendizagem dos estudantes. Aqui cabe uma reflexão futura sobre a dedicação financeira
que muitos professores fazem para manter seu planejamento de aula ativo, devido à falta de
investimento em recursos didáticos pedagógicos que deveriam ser mantidos pelo governo.
17
Informação disponibilizada no site: www.escoladeformação.sp.gov.br Acesso: 04 de maio de 2019.
85
A palavra currículo tem diversas concepções, dentre as quais, uma é vista por Moreira e
Candau (2007, p.18) como:
a- Conteúdo a serem ensinados e aprendido;
b- Experiências de aprendizagens escolares a serem vividos pelos alunos;
c- Planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas
18
Na legislação encontramos diferentes termos: “atendimento educacional especializado”, “atendimento
especializado”, “serviços de apoio especializado”, “serviços de apoio especializado” e “serviços especializados”,
contudo considera-se tudo o mesmo tipo de serviço
86
educacionais;
d- Objetivos a serem alcançados por meio de processo de ensino;
e- Processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos
procedimentos selecionados nos diferentes graus de escolarização.
aprendizagem de todos os estudantes. Sendo assim, o currículo formal pode ser flexível por
meio de adequações curriculares.
No tocante à legislação que vai contemplar a prática da adaptação curricular, temos a
LDBEN 9.394/96, os Parâmetros curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares (1998) e o
Projeto Escola Viva (MEC/SEESP, 2000). Todos esses documentos definem as adaptações
curriculares como resposta educativa ofertada no sistema de ensino e podem ser divididas em
dois grupos: Adaptações curriculares de Grande Porte, que precisam de aprovação técnico-
político-administrativa, e de Pequeno Porte, que envolvem modificações no currículo escolar e
são de responsabilidade do professor.
Na Lei nº 9.394/96 LDB – Lei de Diretrizes e Bases- Cap. V art.59 – os sistemas de ensino
assegurarão aos educandos com deficiência, Transtorno Globais do Desenvolvimento19 e Altas
Habilidades ou Superdotação: I- currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização,
para atender às suas necessidades. Existe um conjunto de modificações a serem efetuadas para
colocar em prática o que a Lei prescreve.
Dentro do ambiente escolar, caso os profissionais se descuidem das necessidades dos
estudantes com deficiência, tendo como referência um grupo homogêneo, é certo que esses
estudantes terão pela frente um obstáculo para seu pleno desenvolvimento.
Em 1998, foram propostas pelo MEC/SEE/SEESP Diretrizes para adaptações curriculares
com a finalidade de colaborar com a prática docente em prol do desenvolvimento e a
aprendizagem dos estudantes com deficiência (PCNs - Adaptações Curriculares Nacionais). A
Resolução SE nº61, de 11 de novembro 2014, pela Instrução 15/01/15, adota o termo Adaptações
19
Nomenclatura atual: Transtorno do Espectro Autista
88
Curriculares e define o Planejamento das ações pedagógicas dos docentes, de forma a possibilitar
variações no objetivo, no conteúdo, na metodologia, nas atividades, nas avaliações e na
temporalidade. Essas ações constituem possibilidades educacionais a serem realizadas pelos
professores. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI, 2015) utiliza os termos
adaptações razoáveis, adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados a fim de
assegurar que a pessoa com deficiência tenha as mesmas condições e oportunidades que as demais
pessoas.
Sobre a terminologia, encontramos referências utilizando uma certa variedade20, isto é,
percebemos que não há um consenso entre os autores, o que acaba ‘induzindo’ alguns autores a
utilizarem os três termos como sinônimos. Fonseca (2011, p. 36) os definiu como:
Para a autora, a flexibilização terá relação direta com as estratégias que o professor irá
utilizar e não envolverá necessariamente uma mudança no conteúdo. O termo “flexibilização”,
por sua vez, fundamenta-se na ideia de currículos balizados, tendo em vista as diferentes
capacidades e necessidades dos estudantes. (CAPELLINI, 2018, p.49).
Adaptação envolverá algo maior, poderá envolver toda a organização escolar, serviços
de apoio, acesso ao currículo, objetivos, os conteúdos, método de ensino e da organização didática,
sistema de avaliação e temporalidade. Algumas dessas estratégias partirão de instâncias político-
20
adaptação curricular: (REGANHAN, 2006; FERREIRA, 2003; GLAT; OLIVEIRA, 2003; GONZÁLEZ, 2002;
ARANHA, 2000; BRASIL, 1998; HEREDERO, 1999; CAPELLINI et al. 2011 e 2018; STAINBACK;
STAINBACK, 1999); ajustes/adaptações (BRUNO, 2006); adequação curricular (OLIVEIRA, 2008; PLETSCH,
2009; LOPES, 2010; FONSECA, 2011; BOER, 2012; CORREA; OLIVEIRA, 2008; CARVALHO, 1998, 2009);
flexibilização curricular (CARVALHO, 2014b; GARCIA, 2009; LEITE, 2003; MARTINS, 2003);
flexibilização/adaptação (BRASIL, 1998; 2001; DUK, 2006; TORRES; PASTOR, 1998; BRASIL, 2001,
FERNANDES, 2006; LOPES; MARQUEZINE, 2009), diferenciação curricular (RODRIGUES, 2003, 2006 e 2008;
PACHECO, 2007), adaptação/adequação usado como sinônimo (MALACRIDA; MOREIRA, 2009); mescla entre
adequação e adaptação (LEITE; MARTINS, 2010).
89
administrativas superiores, pois envolvem modificações que estão acima do papel do professor.
São ajustes cuja implementação depende de decisões e de ações técnico-político-administrativa,
que extrapolam a área de ação específica do professor e que são competência formal dos órgãos
superiores da Administração Educacional Pública. (BRASIL, 2000, p. 10).
A adequação, por sua vez, é compreendida como uma ação mais focal, uma ação
individualizada para um ou alguns estudantes, em que se mantém a matriz curricular e modificam-
se as estratégias, alguns materiais didáticos ou a forma de apresentação do conteúdo e os
conteúdos, mas os componentes curriculares seguem os mesmos. É o caso, por exemplo, dos
contos narrativos que o professor vai trabalhar com o grupo de alunos. Desses contos, quais serão
escolhidos para o aluno com deficiência não alfabetizado? Como será apresentado o texto? Quanto
ao tempo será disponibilizado para o aluno se apropriar do texto? Quais objetivos serão mantidos?
Quais serão excluídos ou substituídos? O que será feito com determinado atividade para aquele
estudante?
Ajustam-se a temporalidade dos objetivos e conteúdo que poderão ser priorizados,
complementados ou reajustados, desde que o professor mantenha a temática que está sendo
oferecida para os outros alunos. Um planejamento flexível vai levar em consideração a
complexidade e quantidade do conteúdo, reorganizando as atividades com diferentes estratégias
para que todos os estudantes se sintam desafiados e capazes de concluir a tarefa. Como
consequência entra o terceiro item do planejamento flexível, a temporalidade, que consiste em o
professor observar o tempo que o estudante precisará para realizar a atividade, respeitando, assim,
seu ritmo de trabalho. Refletindo sobre esses três termos, opta-se por utilizar o termo adequação
curricular, tendo em vista que o foco é o atendimento individual às necessidades do estudante com
TEA, diferenciando-se os meios para igualar o direito de acesso ao currículo. A esse respeito,
explica Capellini (2018, p.50;58):
21
Documento de caráter normativo que envolve um conjunto de aprendizagem para todos os estudantes em todas
modalidades de ensino.
91
roda de leitura, nas aulas de educação física ou arte, na construção de vínculos com outros
estudantes. A adequação curricular deve envolver objetivos, critérios de avaliação, conteúdo e
metodologia, como destaca Heredero (2007, p. 5):
Assim, podemos compreender que adequar não é fazer uma única ação, pois o professor
tem diversas possibilidades para adequar o conteúdo para o estudante, a saber: introduzir
conteúdos ou retirá-los por serem demasiados para o estudante com deficiência; pensar na
ampliação do tempo para execução da tarefa; e adotar outras maneiras de avaliar o estudante que
não seja, por exemplo, por uma prova escrita. O mais importante nesse momento é o professor ter
claro que deixar o estudante sem fazer nada ou pintando um desenho qualquer só porque ele ainda
não aprendeu a resolver algumas das quatros operações básicas não é a melhor maneira de
oportunizar uma boa experiência escolar.
No quesito introduzir ou retirar conteúdo, Correia (2016) apresenta uma proposta
diferenciada que modifica a concepção de adaptação curricular por acessibilidade curricular, tendo
como princípio a não redução de conteúdos e mudanças dos objetivos de ensino, dando um foco
maior nas práticas pedagógicas pensadas a partir de conceitos mais abrangentes de aprendizagem
e de conhecimento, contemplando as diferentes formas de acessar informações. Acessibilidade ao
currículo dispensa essas duas estratégias – mudança de objetivos e de critérios – ao colocar a
ênfase no acompanhamento dos percursos individuais de todos os alunos. Acredita-se que, quanto
mais acessibilidade for proporcionada, menos adaptação será necessária. (CORREIA, 2016, p.
154).
[...] investir na acessibilidade ao currículo por meio da transformação das
práticas pedagógicas para todos os alunos, de modo a possibilitar que todos
compartilhem os mesmos conhecimentos se utilizando de diferentes formas para
acessar, interagir, construir e expressar esses conhecimentos, contemplando as
diferenças, pode promover a participação efetiva e a autoria das diferentes
culturas nas escolas. (CORREIA, 2016, p.77)
aprender.
Para despertar outras possibilidades de práticas pedagógicas entre os profissionais da
educação, também é possível considerarmos outra teoria: o Desenho Universal para
Aprendizagem (DUA), que consiste na elaboração de estratégias para acessibilidade de todos,
tanto em termos físicos quanto termos de serviços, produtos e soluções educacionais para que
todos possam aprender sem barreiras, independente se tem alguma deficiência ou não. Nessa
perspectiva, o mesmo material poderá ser utilizado por todos da sala de aula e seguirá três
princípios orientadores: redes afetivas – o porquê da aprendizagem – corresponde ao como engajar
os estudantes, quais atividades ou recursos poderão ser usados para envolver os estudantes,
desafiá-los e mantê-los motivados. Redes de reconhecimento – o quê da aprendizagem – como o
conteúdo pode ser apresentado, é selecionar uma mesma informação e apresentar por escrito, em
vídeo, com imagens ou objetos. As redes de estratégias – o como da aprendizagem – é a ação e
expressão, o como pensar em estratégias para que o estudante consiga expressar suas dúvidas e o
que aprendeu. Alguns poderão apresentar de forma oral, outros com desenho ou até mesmo em
formato teatral. (CAST UDL, 2006).
Um exemplo prático seria a utilização de livros digitais, softwares especializados e
recursos de sites específicos, elaboração de cartazes, de esquemas e resumos de textos, construção
de cartões táteis e visuais com códigos de cores, entre outros. Nas questões sobre o tempo e espaço,
é possível pensar em como dispor o mobiliário da sala. O que produz mais efeito para o estudante
com deficiência? Sentar próximo da lousa? do professor? da janela por causa da claridade?,
próximo a porta? Enfim, são possibilidades que, ao conhecer o estudante, é possível ter as
respostas. E quanto ao tempo? Vai depender do perfil do professor e do grupo de estudantes. Há
possibilidade de manter o mesmo conteúdo, mas com comandos diferentes para determinados
grupos ou duplas de estudantes.
Como já mencionado aqui, não se trata de seguir uma preferência pedagógica ou um
modelo de ensino, mas sim uma ênfase na necessidade de estudar ou renovar as práticas devido à
própria demanda na realidade educativa. (ZERBATO; MENDES, 2018, p.150 -151).
O DUA proporciona modos múltiplos de apresentação, ação, expressão e alto
envolvimento. Não há uma receita, mas elementos que podem auxiliar os educadores a tornar esta
teoria em prática. O educador vai precisar se organizar, planejar, pensar o currículo, pensar na
avaliação e sobre o que e como ensinar.
A relevância de fazer uma breve citação sobre o DUA é levar o educador a pensar, que
por vezes, ao planejar uma adequação curricular para um estudante, essa adequação poderá ser
útil para outros, ou ir até um pouco mais além, experimentar formas diferenciadas de apresentar o
93
conteúdo para todos, já que a diferença não está associado à deficiência, mas sim nos estilos e
ritmos de aprendizagem de cada ser. Alguns estudantes são mais visuais, outros são bons ouvintes,
outros preferem escrever, e ainda há aqueles que precisam de tarefas com maior desafios, outros
não. O professor mantém o conteúdo, mas amplia suas estratégias. Não é o foco neste momento
aprofundar nos princípios do DUA, mas fica o convite para fazer uso deles no planejamento de
adequações curriculares. É possível considerar princípios do DUA nas adequações curriculares
como uma das estratégias para trabalhar, mediante um plano de ação escrito e sistematizado a fim
de promover a inclusão.
A adequação curricular organizada com base no ensino estruturado, aqui apresentada, é
uma proposta que se entende como relevante para atender a um determinado público, é mais uma
opção, e não a melhor ou única. Algumas questões norteadoras para auxiliar no seu planejamento:
o que o estudante precisa aprender? (objetivos); quais habilidades o estudante possui? (avaliação
inicial); qual sequência didática será favorável para o estudante? (sequência, ordem e
temporalização); como ensiná-lo? (metodologia) e o apoio/ recurso que está sendo oferecido, é
eficaz? (avaliação contínua).
Uma adequação curricular não pode ser confundida com amenização do currículo. Uma
prática de adequação curricular não significa recorrer, por exemplo, a livro do primeiro ano e
repassar para o estudante com TEA que está no sétimo ano só porque ele não está alfabetizado.
Sendo assim, é imprescindível o professor respeitar a idade cronológica e o ano/série no qual está
inserido e oferecer ao estudante com TEA o mesmo conteúdo ministrado ao grupo do qual ele faz
parte, conforme defende Heredero (2010, p. 197):
Com este exemplo fica claro que é um caminho contrário do pensar em um novo
currículo. A proposta não é a existência de dois currículos/dois conteúdos na mesma sala de aula
ou na escola.
O exercício é ter um único currículo e a possibilidade de adequação com atividades
individualizadas para o estudante com TEA, de modo que ele possa ser auxiliado por um professor
ou colega de classe. Essa prática não deve ser realizada por um professor em situações remotas, e
sim colaborativamente, unindo ideias para expandir, como explicitado na seção anterior.
No ambiente escolar, é eficiente ter ações voltadas para o ensino colaborativo, que acaba
94
sendo uma alternativa eficaz para o bem de todos, configurando, assim, uma estratégia de ascensão
(MENDES; VILARONGA; ZERBATO, 2014), já que os professores, assim como qualquer outra
pessoa, são dotados de habilidades distintas.
Para Capellini e Rodrigues (2010, p.81), o ensino colaborativo “[...] pressupõe
oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional do professor sendo assim, motivação,
compromisso e participação voluntaria são ingredientes importantes para o sucesso do ensino
colaborativo”. Neste caso, os conceitos de ensino colaborativo, coensino ou trabalho colaborativo
são sinônimos, com foco no professor especializado, os quais, a partir deste profissional, devem
ser expandidos para os demais docentes e outros profissionais da escola.
Todo professor que trabalha nas escolas da rede estadual tem na sua rotina agregada às
Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC). Criada no ano de 1980 e retomada na década
de 90, já foi modificada e regulamentada por diferentes atos normativos, mas sua essência segue
a mesma. As ATPCs são encontros coletivos que têm como função trocas de experiências,
reflexões sobre a prática e também é um momento de formação continuada. É um dos espaços
de socialização e articulação de conhecimentos, saberes e práticas dos professores e gestores,
ou seja, uma oportunidade de formação centrada na escola orientada pela reflexão do Projeto
Político Pedagógico (PPP). (CUNHA; BARBOSA, 2017; CUNHA, 2015, p.63)
Cunha e Barbosa (2017) problematiza a importância das condições laborais e a
combinação de princípios para que o trabalho coletivo se transforme em um trabalho
colaborativo. Os princípios são a reflexão e ação do grupo docente, sendo necessária a oferta
de condições de trabalho e o fim da instabilidade do corpo docente.
O trabalho coletivo pode ser colaborativo quando os professores, ao trabalharem juntos,
visam a objetivos comuns, estabelecem relações que tendem à não hierarquização,
compartilham liderança, confiança mútua e corresponsabilidade pela condução das ações
(DAMIANI, 2008, p. 215).
A Resolução 68/2017 menciona diretamente o trabalho colaborativo como uma das
atribuições do professor especializado, além das orientações aos professores da sala comum
com foco na promoção da cultura educacional. A parceria entre os professores acontece sob
uma proposta de trabalho colaborativo como uma estratégia de aprimoramento profissional e
desenvolvimento de aprendizagem dos estudantes.
95
inserido numa classe comum, todos os recursos dos quais ele pode se
beneficiar têm que ir junto com ele para o contexto da sala de aula, incluindo
entre eles o professor especializado. (MENDES; VILARONGA; ZERBATO,
2014, p.45-46)
Trabalho colaborativo não é qualquer tipo de parceria, já que não envolve professores
sem formação, sem alterações na forma de ensinar ou uma prática de agrupamento homogêneo
no qual cada professor ensina um grupo. Estamos considerando aqui trabalho colaborativo
como uma prática sem hierarquias e que valoriza os profissionais, a intencionalidade,
responsabilidade e organização nas suas ações.
A equipe ou dupla colaborativa pode se organizar de diversas maneiras para que o
trabalho aconteça. De acordo com Rabelo (2012), a colaboração envolve certos estágios e
componentes no qual cada professor pode expressar-se de forma diferente. Ela descreveu a
relação entre estágios e componentes para que o trabalho colaborativo aconteça, elaborando,
para tanto, o Quadro 7.
Estágios
Componentes Comunicação Comprometimento Colaborativo
inicial
A comunicação se inicia Aqui a comunicação fica Habilidade
de forma tímida, com mais aberta, maior comunicativa é
cautela. Há um esforço interação, os professores aprimorada e os
Comunicação dos professores se conhecem melhor e se professores
interpessoal interpretarem as sentem à vontade de dar e desenvolvem gestos e
Habilidades verbais, não mensagens verbais e não receber sugestões. O sinais não verbais para
verbais e sociais verbais do seu parceiro. trabalho colaborativo comunicar ideias.
Neste momento ainda há começa a fluir.
um certo desconforto e
falta de abertura.
A organização física não O professor Os dois professores,
favorece, o professor especializado passa cada um com seu papel
especializado fica em circular com mais definido, circulam pela
Arranjo físico um lugar especifico na liberdade na sala de aula, sala. Há uma
Organização de materiais, sala, o que não favorece mas não assume direção distribuição melhor dos
alunos e professores o compartilhamento de das aulas. alunos de modo a
materiais e favorecer o grupo e a
continuamente ele ação do profissional.
precisa pedir permissão
para agir.
O professor A confiança com relação Os dois professores têm
Familiaridade com o especializado ao conteúdo se institui. competência para lidar
currículo desconhece o currículo e Há um aumento na com o currículo.
Conhecimento do plano, a metodologia utilizada confiança e o professor
finalidade, estrutura e pelo professor do ensino especializado se torna
desenvolvimento do comum e se sente pouco mais disposto a mudar o
conteúdo confiante para assumir a currículo e compartilhar
aula. seu planejamento.
97
Para que o trabalho colaborativo aconteça na sala comum, é preciso uma abertura e
oportunidade para que os professores possam se conhecer e interagir. Os avanços acontecem
passo a passo, sendo que o espaço físico também pode ter relação direta ou indiretamente na
colaboração.
O professor especializado não está na sala comum para ser auxiliar do professor ou para
ajudar determinado estudante com deficiência porque ele não fica quieto ou porque não sabe
98
ler/escrever. Ele não entra na sala para ficar separado do grupo junto com o estudante, como
um personagem a mais na sala de aula. Mendes, Vilaronga e Zerbato (2014, p. 58 -59)
apresentam seis estruturas físicas que complementam os estágios do trabalho colaborativo com
relação direta em: onde estamos? E aonde podemos chegar?
O professor da sala comum assume o papel principal. O professor da sala comum lidera.
O professor especializado auxilia, observando o O professor especializado apoia, circulando com foco
comportamento e aprendizagem dos estudantes. em um estudante ou um pequeno grupo.
Os estudantes são divididos e cada professor auxilia A sala é dividida por igual e cada professor ensina um
um grupo. grupo. O plano de aula é comum.
Ensino alternativo Equipe de ensino
99
Esse trabalho não acontece no acaso, já que exige dos professores planejamento em
comum, flexibilidade, pois alguns professores especializados se sentem sozinhos na sua prática
reservada na sala de recurso, pré-disposição para experimentar algo novo, esclarecer o papel de
cada professor e suas responsabilidades, levar em conta a compatibilidade entre os pares, ter
boa capacidade comunicativa e suporte da equipe gestora da escola. Podemos chamar de
trabalho colaborativo a partir do momento em que ambos se responsabilizem e compartilhem o
planejamento, a execução e a avaliação dos estudantes. (VILARONGA, 2014).
Segundo Lima e Fialho (2015, p.36), faz-se necessário investir na constituição de
equipes de professores que se dediquem à discussão de assuntos profissionais, com
consequências para alteração de suas práticas pedagógicas e melhoria do sucesso educativo dos
alunos. Os autores apontam como elemento chave as culturas de aprendizagem profissional,
pois elas
[...] desafiam os professores a transformar o seu local de trabalho numa
comunidade de aprendizagem, promovendo o trabalho colaborativo criando
espaços de formação e reflexão conjunta, mediante processos de liderança
encorajadores, que possam contribuir para promover aprendizagens, não
apenas individuais, mas acima de tudo, da comunidade educativa geral.
(LIMA; FIALHO, 2015, p.35)
Este capítulo tem por objetivo apresentar a metodologia comunicativa crítica, o caminho
metodológico da pesquisa, assim como uma breve apresentação dos participantes, os
instrumentos utilizados (entrevistas e roteiros de observação) e os procedimentos que
permitiram analisar os dados da prática de adequação curricular, utilizando elementos do ensino
estruturado, apoiado no trabalho colaborativo entre professores.
Trata-se de entender que todas pessoas são capazes de interpretar e explicar as situações vividas,
havendo, contudo, diferença de função da interpretação entre os envolvidos. (MELLO, 2008).
Nosso compromisso é levar o conhecimento da comunidade científica para comunidade
escolar e criar um clima que possibilite a comunicação. Na perspectiva da MCC, propõe-se
difundir os resultados não apenas para o âmbito da comunidade cientifica, mas também para o
âmbito institucional e popular, compartilhar e refletir sobre os resultados da pesquisa no local
onde ela foi realizada, possibilitando, pois, uma mudança de paradigmas. O objetivo é
aproximar o pesquisador do seu objeto de estudo e participação das mudanças que poderão
acontecer no local em que a pesquisa está inserida. (SANTOS; AZEVEDO, 2017).
Se a proposta é transformar o meio, precisamos dar voz aos participantes, seguindo um
compromisso ético de que os envolvidos podem interagir com o pesquisador, validando os
resultados ou propondo novas ações.
De acordo com Gómez et al. (2006), na MCC, todos os envolvidos são agentes de
transformação do meio em que atuam, têm suas capacidades / potencialidades, linguagem/ação,
são agentes sociais da sua vida. Além de descrever e explicar a realidade, também
compreendemos a atuação da professora na sala comum no espaço escolar, condições de
trabalho e relação com estudante. A participação da mãe oportunizou conhecermos um pouco
sobre a vida do estudante e a expectativa da família diante do filho e da escola. Juntos, podemos
estudar para transformar tendo como base a interação. Procuramos garantir que todos os
envolvidos tivessem a oportunidade de expressar seu ponto de vista durante as entrevistas e na
atuação do ambiente físico (sala de aula) até o compartilhamento dos resultados finais.
As técnicas para coletar e analisar dados na MCC podem ser qualitativas e/ou
quantitativa. De acordo com Gómez et al. (2006), para pesquisa a qualitativa, podem-se usar
entrevistas, grupos de discussões, observação, relato/história de vida e análise documental.
Qualquer tipo de técnica para coletar informações pode ser utilizado, desde que as pessoas
participem da elaboração do início ao fim nas recomendações e conclusões, ou seja, o uso de
entrevistas ou questionários são permitidos, contanto que os critérios e as perguntas sejam
informados e o participante esteja de acordo. Nas palavras de Flecha, Vargas e Davila (2004),
em qualquer caso com relação às estratégias de coleta de dados, a importância não recai no fato
de serem quantitativas ou qualitativas, mas sim que, sendo quais forem, ocorram sob uma
orientação comunicativa.
Estabelecidos comunicativamente o contexto e os sujeitos da pesquisa, selecionamos
dois tipos de instrumentos de apoio para levantamento e análise dos dados: entrevistas e roteiros
de observação utilizados em contexto natural (escola) para direcionar a abordagem
103
É preciso definir o contexto e o local, uma vez que a observação dever acontecer onde
é realizada a atividade, no nosso caso, uma sala de aula comum. O pesquisador deve anotar
tudo que achar oportuno e ter em mente as diferentes ideias e teorias, compartilhar as
observações ou relatórios com o pesquisado, ter em mente o objetivo, a orientação – a
professora da sala conhece e comparte com a pesquisadora o propósito da pesquisa, participam
juntas –, ambos realizam a interpretação por meio do diálogo, e por fim, o papel do pesquisador
é ter atitude de diálogo e apontar conhecimento científico sobre o tema. (GÓMEZ et al., 2016,
p. 87).
4.2 Participantes
4.3 Instrumentos
22
Todos os nomes listados são fictícios.
106
Para nortear o uso dos elementos do ensino estruturado nas adequações curriculares,
utilizamos um roteiro para confecção do material, constituído por sete características (Anexo
5) e outro roteiro de avaliação do material, com sete itens (Anexo 6).
de aula com a professora da sala comum. A equipe gestora solicitou que, ao final da pesquisa,
fossem compartilhados, na reunião pedagógica, os resultados para compor a formação dos
professores no ambiente de trabalho e troca de experiência.
Com relação à Sala de Recurso Multifuncional, esta foi adaptada (antes mesmo desta
pesquisa) utilizando os princípios do Programa TEACCH no ano de 2018, pela professora
especializada após iniciar estudos em curso de pós-graduação e outros de curta duração
referentes ao programa e experimentar o uso desta proposta na SRM. Devido aos bons
resultados, decidimos manter organizada até os dias atuais. Para melhor compreensão desta
organização, iremos detalhar as características das divisões dos espaços, o significado de cada
uma delas, a organização dos materiais e os recursos disponibilizados pela Secretaria de
Educação.
As entrevistas e os roteiros de observação contribuíram para conhecermos os
participantes, compreender a prática docente e os procedimentos metodológicos usuais na sala
comum, que aconteceram antes da elaboração das adequações curriculares.
Nomeamos como “encontros” os momentos das entrevistas, observações em sala de aula
e intervenções com o estudante. Foram aproximadamente realizados três encontros com a mãe,
e uma vez por semana com a professora, envolvendo momentos de conversa para seleção de
conteúdos, preparação das adequações e atuação junto ao estudante, além de quatro encontros
individuais com Carlos para avaliação diagnóstica de habilidades. As quantidades dos
encontros estão apresentadas aqui apenas com uma numeração aproximada. Em razão da
flexibilidade dos professores23 e dos encontros com a mãe nos horários de entrada e saída do
filho, esses encontros aconteceram de forma dinâmica.
Os dois primeiros encontros com a mãe do estudante Carlos tiveram duração de quatro
horas para cada momento da entrevista. O nosso último encontro aconteceu no final do ano de
(2019) para conversarmos sobre os resultados percebidos por ela quanto ao desempenho escolar
do filho. Outros encontros aconteceram em momentos de aula para observação e apoio na
aprendizagem do estudante Carlos. As atividades de observação e apoio para Carlos tinham em
média uma hora e trinta minutos por cada encontro.
Quanto às entrevistas com a professora, a princípio, ela pareceu arredia, pois já iniciou
a conversa dizendo que não tinha conhecimento sobre autismo. No decorrer dos trabalhos, tudo
fluiu com tranquilidade e, aos poucos, “meu papel como professora especialista” foi tomando
lugar para parceira de trabalho.
23
Eu, pesquisadora e também professora da SRM, desenvolvi a pesquisa no próprio ambiente de trabalho, o que
contribuiu para flexibilização dos encontros com a família, estudante e professora da sala comum.
109
Este capítulo tem como objetivo apresentar o cenário da pesquisa, os resultados das
entrevistas com os personagens (Estudante Carlos e sua mãe Carla, professora da sala comum
Carolina), as observações em sala de aula e a elaboração adequações curriculares, baseados
nos princípios do ensino estruturado na perspectiva do programa TEACCH, apoiado na prática
do trabalho colaborativo entre professores para estudante com TEA, matriculado no terceiro
ano do ensino fundamental I, da rede pública do Estado de São Paulo.
No geral, a escola possui uma estrutura comum de escola pública da região, pois tem
pátio, palco, quadra, refeitório, cantina, sanitários, zeladoria, quinze salas de aulas, uma sala de
recurso destinada para alunos com deficiência intelectual e TEA, uma sala de informática, uma
sala de arte, uma sala de leitura/vídeo, um sala de professores, diretoria, secretaria, sala da
coordenação, sanitários administrativo e professores, almoxarifado, vestiário para meninas e
meninos, depósito de material de limpeza.
O suporte pedagógico é composto por uma diretora, uma vice-diretora, dois professores
coordenadores, um secretário de escola, cinco agentes de organização escolar efetivos e trinta
e nove professores (generalistas e especialistas), além de dois professores da educação especial.
A escola atende a um total aproximado de 872 estudantes, no ano de 2019, sendo quatro
turmas de 1º ano, quatro turmas de 2º ano, oito turmas de 3º ano, no período da tarde e sete
turmas de 4º ano, sete turmas de 5º ano no período da manhã, além de uma sala de recurso
multifuncional que funciona nos dois períodos.
Na sala de recurso multifuncional, no momento atual, são atendidos, no contraturno,
um total de treze alunos da própria escola e do entorno, sendo cinco alunos com Transtorno do
Espectro Autista.
24
As fotos apresentadas nesta pesquisa foram autorizadas pela diretora da escola e registradas pela própria
pesquisadora. As fotos que não foram tiradas por mim, estão identificadas com fonte.
112
Nos últimos três anos, observando a escola25, nenhum material novo chegou para a sala
de recurso. Também não recebe materiais básicos como folha de sulfite ou tinta guache. Todos
os materiais novos são construídos com itens de reciclados ou custeado pelas professoras.
Infelizmente nem mesmo os itens considerados no documento orientador de programa de
25
Ingressei como professora na unidade escolar em 2016.
114
implantação de SRMs (BRASIL, 2012) estão disponibilizados nesta unidade escolar. A sala é
composta por material que não há no documento orientador do MEC, como os dois televisores
(mas somente um funciona), o DVD e o aparelho de som. A ausência de materiais pedagógicos
e equipamentos são umas das queixas dos professores da sala de recurso. Tendo em vista as
especificidades do perfil do grupo atendido, a manutenção se faz necessária. Outra queixa se
refere aos recursos físicos que estão na sala, porém não funcionam: um computador, uma
impressora, scanner e um televisor. De acordo com equipe gestora, esses recursos (mesmo sem
uso) não podem ser retirados da sala de recurso por se tratar de um patrimônio da sala de
recurso.
A pintura da escola e manutenção das janelas são outras características da falta de
manutenção. Ao visitar a escola, observa-se a deterioração das grades da janela, e parte do
revestimento se desfazendo; percebe-se a ausência de limpeza das grades que protegem as
janelas, acumulando por anos restos de plantas e penas de pombo. A limpeza é feita por uma
empresa terceirizada, contratada pela secretaria da educação que não o faz sob justificativa de
ausência de verba. Há pontos de vazamento de água da chuva e acúmulo de revestimento podre
nos cantos das salas de aula.
Contudo, consideramos que a sala é grande e nos dá a possibilidade de organizar, ao
longo do ano, os espaços de acordo com a modalidade do ensino estruturado. Algumas
mudanças ocorreram desde a instalação dessa sala. A adaptação do uso da estrutura TEACCH
aconteceu antes mesmo desta pesquisa, no ano de 2018, quando eu (a pesquisadora) finalizei o
curso de pós-graduação26 e outros cursos de curta duração sobre ensino estruturado e, em
parceria com a outra professora especialista27, decidimos pela mudança. Juntas conversamos e
verificamos que reorganizar a estrutura física da SRM iria contribuir com a autonomia dos
estudantes durantes nossas aulas. Compreendemos que a atual organização beneficia todos os
estudantes que frequentam essa sala, e não apenas os estudantes com TEA. Na SRM os
professores têm autonomia para estabelecer quanto à disposição da mobília e dos materiais
pedagógicos. As mudanças realizadas não estão muito diferentes na sua forma original, apenas
redefinimos com cartões a função de cada espaço, sendo eles seis áreas: da transição, do
aprender, individual, estudo em grupo, brincar e computador. A modificação mais significativa
que tivemos, no ano de 2018, foi reconstituir a estante de jogos (Figura 7), devido a sua
associação com as diversas atividades que descrevemos quando elaboramos o plano individual
26
A prática do Ensino Estruturado Aplicado à Educação de Pessoas com Autismo
27
Nesta unidade escolar a SRM é composta por dois professores especialista, um no período da manhã e outro
no período da tarde.
115
do estudante que norteia o trabalho pedagógico na SRM durante o ano letivo. Daqui por diante,
todas as áreas apresentadas nesta seção fazem parte de uma estrutura que já existe e usamos
desde 2018.
28
Habilidades baseadas no livro: GÓMEZ, Ana Maria Salgado.; TERÁN, Nora Espinosa. Transtornos de
aprendizagem e autismo. Equipe Cultural, 2014.
116
A organização do espaço físico também é possível, pois o seu uso é específico para o
atendimento dos estudantes com deficiência. Manter a SRM dividida por áreas objetivou
aumentar a disponibilidade para a comunicação, interação e acesso aos recursos, procurando
criar em cada área um ambiente natural, diminuindo os estímulos distratores. (DOMINGUES,
2012, p. 161 – 162).
A área de transição é onde estão os horários individuais/agenda de cada criança. É nela
que a criança vai saber quais tarefas terá que cumprir naquela aula. Será afixada (normalmente)
na parede a agenda/mural que indica a rotina. Essa agenda pode ser feita com objetos, cartões
com imagens, imagens com palavras, somente palavras, fotos ou pictogramas, dependendo da
compreensão do aluno. A agenda pode ser fixada na vertical ou horizontal, com nome e foto da
criança. O professor pode selecionar o melhor sistema de simbolização da agenda, o tempo para
cada tarefa, o local que irá ficar na sala de aula e ensinar o estudante manipular. A princípio, é
necessário organizar a agenda antes da chegada do estudante. Alguns modelos de agenda são
fixados no local denominado área de transição. A figura 9 representa o modelo de agenda
utilizado na SRM na área de transição, desde a reorganização ocorrida em 2018. As figuras 10
– 13 são outros modelos de agendas que podem ser utilizados na SRM ou até mesmo na sala de
118
aula comum. Todos esses modelos de agenda foram confeccionados pelos professores da SRM.
Elas (agendas) são retiradas e colocadas em uso, conforme a necessidade dos estudantes que
estão matriculados.
A agenda/mural individual ajudará a criança saber: para onde eu vou? E o que eu faço?
Quando chego lá? Isso vai aumentar a sua independência. Na construção da agenda, o professor
precisa definir se a agenda será fixa, se a criança ou professor vai levá-la para os ambientes e
qual a marcação do tempo, ou seja, se será o período todo, parcial ou sequência de atividades.
O estudante pode marcar um (X) nas tarefas realizadas, retirar o cartão e colocá-lo no
envelope/caixinhas, ou levá-lo para o local da tarefa e emparelhar. O importante é que o item
“desapareça” para mostrar que acabou. Na agenda é possível usar objetos, fotografia, ícones
120
O uso da agenda com símbolos, fotos ou objetos, poderá ser alterado à medida que o
estudante tem melhor compreensão do que está acontecendo ao seu redor. De nada vai adiantar
uma agenda com desenhos se ele não faz discriminação de imagem, mas a partir do momento
em que há compreensão do significado das imagens ou até mesmo da leitura das palavras, a
agenda poderá ser modificada. A agenda, neste contexto, é um dos recursos pedagógicos
possíveis de serem utilizados na sala de aula, conforme esclarece Orrú (2003, p.10):
O educador que faz uso das agendas visuais, organiza o dia de seu aluno na
ordem dos acontecimentos utilizando símbolos visuais como “pistas” para a
previsibilidade e compreensão significativa do que ocorrerá. Para o aluno não
verbal, esse recurso é como uma ferramenta, uma prótese, pois, devido a sua
maior habilidade de compreensão se dar de forma visual, os objetos e
situações dispostos a partir de símbolos visuais adquirem um significado mais
expressivo.
121
Nessa área o professor garante todo o apoio necessário para que a criança aprenda e
depois tenha autonomia para realizar tarefas complementares sozinha. É nesse momento que o
professor utiliza estratégias demonstrativas, pistas visuais ou verbais, ajuda física, reforço
positivo e também atividades que vão ao encontro dos interesses da criança (GONÇALVES et
al., 2008, p. 24). A dica visual ou etiquetas que há em cada espaço na sala tem a função de
identificar características importantes daquele espaço. Para pessoas com TEA, as dicas visuais
ajudam na sua própria localização e saber onde encontrar algo. Como as dicas visuais são
informações mais concretas e de fácil memorização, elas orientam a pessoa com TEA na
antecipação do que o ambiente espera dela, agindo positivamente e com bom desempenho nas
atividades.
[...] O professor deve ser sistemático na sua apresentação. Isso quer dizer que
a dica deve ser clara, consistente e direcionada ao aluno antes que ele responda
incorretamente. É o que chamamos de “aprendizagem sem erro”. Pode
oferecer desde ajuda total, usando seu apoio de mão até que possa ir
diminuindo seu nível de orientação a ponto de o aluno fazer a tarefa sem ajuda,
de forma independente. Sendo assim, a ajuda é gradativamente retirada
passando da ajuda física total à independência. (FONSECA; CIOLA, 2016,
p.48)
123
29
No programa TEACCH a denominação mais usada é área de “trabalho individual”, “trabalho independente”,
“trabalho em grupo”. Nesta pesquisa, substituímos a palavra TRABALHO por ESTUDO, devido à maior
aproximação com o ambiente escolar.
124
Nessa área, o estudante realiza, por exemplo, uma atividade de quebra-cabeça. Ele pega
a atividade, realiza-a, sem nenhuma ajuda, e, ao concluí-la, coloca-a na caixa de atividades
finalizadas. A tarefa se desenvolve da direita para a esquerda. Pensando em um espaço com a
mesa, o estudante pega a tarefa na esquerda, realiza na área de execução (no meio) e coloca-a
na área da direita. Na parede, observam-se os mesmos símbolos que foram apresentados na
figura 8, que é a representação do objetivo de cada atividade. Solicita-se que o estudante faça o
pareamento entre as sequências de atividades que serão realizadas. Em uma situação real, neste
exemplo da imagem (figura 17) seriam quatro atividades a serem realizadas, com foco no
desenvolvimento das habilidades de percepção visual, psicomotoras, linguagem compreensiva
e atividade da vida diária.
dos materiais também é levada em conta: ao lado esquerdo, em uma bandeja com
escrito/imagem indicando “início”, podem ser colocadas mais de uma tarefa, desde que
colocadas em pasta/saquinhos separados; ao lado direito, fica a bandeja escrito/imagem
indicando “acabou”. À medida que a criança vai realizando as atividades, deposita na bandeja
“acabou”. Trata-se, pois, de um procedimento que auxilia o estudante a perceber o começo,
meio e fim de suas tarefas. Depois o professor recolhe essas atividades e verifica como foram
realizadas.
A delimitação do espaço pode ser feita com armários, mesas, fita adesiva colada no chão
ou simplesmente um cartão indicando área de trabalho, estruturação que deve estar relacionada
com o nível de entendimento da criança. (DOMINGUES, 2012, p. 167).
A área de estudo em grupo é a área que favorece a interação social com os colegas de
classe, independentemente do grau de funcionalidade. O objetivo é proporcionar a interação, a
partilha, esperar, dar a vez, escolher e generalizar aprendizagens. Priorizam-se atividades com
foco na música, arte e jogos, com pouco ou muito pouco do professor, lembrando que quanto
mais autonomia as crianças tiverem, melhor. (GONÇALVES et al., 2008, p.26).
todos os estudantes são envolvidos. É uma área organizada com cadeira ou puf em semicírculo
e sugestões de atividades a serem trabalhadas.
Até a finalização da pesquisa, a área de reunião não foi estabelecida dentro da sala de
recurso, devido à ausência de alguns recursos materiais, como almofadas e pufs, porém as
atividades destinadas para área de reunião aconteciam em outros espaços dentro da sala de
recurso como, por exemplo, na área de estudo em grupo ou na área do brincar.
A área do brincar/lazer é um local organizado com tapete, almofada e brinquedos
variados, na qual a criança pode brincar com outras crianças ou com o professor. É um espaço
em que pode haver TV, aparelho de som. É destinado para atividades relaxantes, fazer curtos
momentos de espera, brincar, trabalhar o jogo simbólico, entre outras opções. (GONÇALVES
et al., 2008, p. 26).
Figura 19- Área do Brincar
127
Definimos o espaço de lazer/brincar para que o estudante entenda em qual espaço pode
brincar, mas sem espalhar os brinquedos por toda a sala de aula e respeitando quando os colegas
estão em outras atividades. Nele também são realizados jogos que precisam de maior
movimento corporal, como os jogos psicomotores: correr, saltar, acompanhar ritmos, jogar a
bola, escorregar; ou jogos com canções e música, em que haja imitação e gestos que
acompanhem a música; ou ainda jogos de grupo, em que tenha sequência e pares de jogo.
(DOMINGUES, 2012, p. 170 -171).
Dependendo da estrutura física desse espaço, algumas atividades são realizadas em
outro espaço mais amplo, previamente planejado e modificado na agenda do estudante,
mantendo assim a previsibilidade das ações.
O tempo livre também é um momento presente na rotina, e frequente escutamos relatos
de professores no qual a criança pergunta que horas irão brincar ou busca por aquele brinquedo
preferido. O brincar, após tarefas mais complexas, pode ser um reforçador positivo para o
engajamento das atividades acadêmicas.
A área do computador é o local que tem como item principal o computador para
realização de atividades individuais, em dupla ou com o professor. Possibilita generalização de
aprendizagens, atenção e motivação. Como o computador faz parte da vida de diversos alunos,
é praticamente um item “obrigatório” nas escolas, o qual possibilita armazenar e produzir
informações. Para não correr o risco do computador se transformar em um objeto obsessivo e
desfavorecer a interação social, cabe ao professor planejar seu uso em sala de aula.
Desde o ano de 2018, a sala de recurso da unidade escolar em que esta pesquisa se
realizou foi organizada de acordo com o Programa TEACCH. As divisões dos espaços por áreas
(computador, brincar, aprender, atividades em grupo, agenda) contribuíram para um ambiente
com informações claras e de fácil acesso. Na sala comum, é possível considerar alguns
elementos desse programa como, por exemplo, adaptar um espaço para ser a área de transição
e fixar a agenda visual do estudante, fazer uma área de leitura, ou juntar mesas para configurar
um espaço de atividades em grupo. As escolas precisam estar cientes do funcionamento
cognitivo diferenciado das pessoas com TEA e das formas específicas de pensar em imagens,
visando a adequar os conteúdos escolares e provocando maior adaptabilidade desses alunos em
situações escolares. (LEON; FONSECA, 2013, p. 197).
Demonstramos, assim, o como podemos utilizar o ensino estruturado nas escolas
regulares, adequando o currículo, mudando a forma de apresentação das atividades e até
flexibilizando a rotina escolar, já que no levantamento de pesquisa, realizado nas bases
eletrônicas da BDTD e CAPES, indicou que o ensino estruturado não é usado nas escolas
públicas, mas é possível fazer ajustes e levar alguns desses elementos para o ensino regular.
Nem todos os estudantes precisam estar em uma determinada área para aprender, por isso, às
vezes, alguns pequenos ajustes serão o suficiente. O que o professor deve priorizar é o direito
de aprender. A carteira do estudante, por exemplo, será um espaço possível que poderá ser
reorganizado. Sabemos que a estrutura física exata proposta no programa TEACCH não é
possível na sala regular, mas podemos fazer ajustes. Organizar o ensino um para um sem
descaracterizar a sala ou formar pequenos grupos de estudo e separar uma mesa para algumas
atividades individuais. Não é necessário o professor seguir à risca todas as áreas apresentadas
aqui, é mais importante se preocupar com a função do espaço/da mesa e fazer bom uso, como,
por exemplo, ensinar novas habilidades. Há diferentes maneiras de fazer a mesma coisa, o que
Certeau (1994) chama de táticas, ou seja, ações desviacionistas que geram efeitos imprevisíveis.
(PEREIRA; SARTI, 2010). A mesa do professor pode ser o espaço de aprender – professor
junto com aluno –, a mesa do estudante pode ser a área de estudo independente/individual em
que ele sozinho realiza a tarefa. Sentar-se em dupla ou quarteto pode ser definido como a área
de estudo em grupo, momento em que o estudante fará atividades com seus pares.
Em termos gerais, as evidências científicas defendem que o Ensino Estruturado baseado
no programa TEACCH pode ser usado para pessoas em todas as idades e não é exclusivo para
pessoas com TEA. (SANDBERG; SPRITZ, 2017)
129
vir, alguém chamou ele de burro e ele chegou em casa repetindo diversas vezes “eu não sou
burro, eu não sou burro”. (CARLA). A mãe não descobriu quem insultou o filho, mas observou
que, desse dia para frente, o filho relutava em ir à escola e ficou completamente “calado” desde
então. O pai teve medo de que o filho parasse de falar definitivamente.
Carla relatou que é comum os professores nas reuniões dizerem que o filho dorme nas
aulas, não olha no rosto, poucas vezes participa de jogos com os colegas de classe e que só
levanta se alguém mandar. “Dizem que meu filho é muito quieto e calado”. Normalmente quem
o ajuda a realizar as lições de casa é a irmã de treze anos, já que ele não entende as lições e diz
que são difíceis.
A mãe entende que Carlos gosta da escola, mas demonstra insegurança quanto à
aprendizagem dele na sala comum: “ele pega a mochila sozinho no horário de vir para escola,
e eu confio nos professores e na organização da escola”. Sobre a contribuição da escola para a
escolarização, a mãe demonstra dúvidas e sente maior confiança no trabalho desenvolvido na
SRM. “Eu como mãe não consigo ensinar tudo. Este ano teve momentos que ele não quis pegar
o caderno. Eu acho que ele aprende mais na sala de recurso. Na sala de aula ele não aprende.
A lição no caderno é uma bagunça, eu não entendo o que está escrito”.
Ao pontuar uma possibilidade de melhoria quanto ao processo de escolarização, a mãe
acredita que ter um apoio individualizado na sala de aula ajudaria o filho aprender a ler e
escrever. “Se tivesse outro professor ou um estagiário para ficar na sala de aula, meu filho já
teria aprendido a ler. Ele gosta de números e letras, ele tem interesse, mas tem muitos alunos
na sala e a professora não consegue dar atenção para o meu filho”. Perguntei se o filho tinha
atividades diferenciadas, e a mãe demonstrou descontentamento: “Ah prô, meu filho
dificilmente faz atividades que ele entende. Ele registra alguma coisa da lousa, mas não dá para
entender o que está escrito. Ele não sabe copiar toda a lição da lousa. Quando ele tem alguma
atividade diferente no caderno é porque a professora da sala de recurso ajudou”. Entendemos
que, antes desta pesquisa acontecer, o estudante não tinha acesso às adequações curriculares,
pois não encontramos nenhuma adequação no caderno.
De modo geral, Carla considera que a escola atende às necessidades do filho e que, de
alguma forma, está sendo beneficiado por estar convivendo com outras crianças que não têm
deficiência. Afirma que a escola contribuiu com os avanços de algumas habilidades, como o
interesse pela leitura e a interação com crianças da mesma idade, mas acredita que a estimulação
do talento e criatividade acontecem apenas na sala de recurso, pois na sala comum não tem
atividades adaptadas, as quais só foram acontecer após apoio ofertado pela professora da sala
131
de recurso. O estudante passa cinco horas diárias na escola, um período suficiente para que ele
tenha boa interação com seus pares, de acordo com relato da mãe.
As habilidades comunicativas de Carlos são uma das maiores preocupações da família
e dos professores. Eu conheci o estudante Carlos quando foi matriculado no primeiro ano do
ensino fundamental I (2017), momento em que ele não falava, só saia do lugar quando
solicitado, sua expressão corporal era curvada para frente e passava boa parte do tempo da aula
abraçado com a bolsa de cabeça baixa. No ano de 2017, o foco do trabalho, na sala de recurso,
era praticamente voltado para comunicação verbal do estudante, interação com os colegas, com
os profissionais da escola e com a família. Ao final do ano, já estava falando palavras. No ano
seguinte (2018), seguimos com muitas atividades focadas na comunicação e, no segundo
semestre, estava conversando com colegas, profissionais da escola e com a família. Ficava
calado apenas quando não conhecia a pessoa. Brincava com os colegas e tinha iniciativa
comunicativa.
Carla conta que na maioria das vezes a comunicação acontecia na presença do pai e um
pouco com a irmã. “Ele conversava quando o pai estava por perto, comigo ele fica bem calado.
Ele chama a irmã para brincar e comigo ele aponta o dedo quando quer algo que não está ao
seu alcance”. Os casos de alteração na comunicação acontecem com pessoas que têm TEA:
Nos relatos da professora e da mãe, observei que o estudante tem boa compreensão do
que acontece no seu entorno, mas que o fator comunicação preocupa, oscilando períodos de
mais prontidão entre uma possível recusa para falar. Como Carlos tem dificuldades em
expressar seus desejos e necessidades, a consequência é um comportamento autolesivo, que é
quando a pessoa machuca a si próprio. Carla me contou que um dia seu filho chegou em casa
arrancando o próprio cabelo, deixando-o com algumas falhas no couro cabeludo. Ao perguntar
o que tinha acontecido, ele não respondia e continuava a puxar o cabelo. A mãe, então, decidiu
buscar a agenda na bolsa, para verificar se havia algum bilhete da professora e, ao perceber que
a cola não estava no estojo, retornou a conversar com o filho dizendo que iria comprar outra.
Após colocar outra cola no estojo, a criança parou de puxar o próprio cabelo. Relatos parecidos
com estes são comuns na rotina da mãe e do filho, devido à dificuldade na comunicação.
Durante o ano, aconteceram conversas informais com a mãe, no momento de saída ou
entrada na escola, ou até mesmo via telefone. No nosso terceiro e último encontro formal, que
aconteceu no final do ano (2019), a mãe estava muito satisfeita e elogiou o quanto o caderno
do filho estava bonito e organizado, que agora conseguia entender as lições e que a filha mais
velha podia ajudá-lo nas tarefas de casa. A mãe perguntou, por algumas vezes, se este mesmo
trabalho seria realizado no ano seguinte (2020), pois percebia o avanço do filho e o quanto ele
cuidava do caderno. Finalizou dizendo que o maior ganho para ela foi perceber que o filho
estava mais feliz e animado para frequentar a escola.
A entrevista com a mãe teve boas contribuições para análise dos dados, já que, a partir
dela, realizamos conversas no início, durante e ao término da pesquisa.
30
De acordo com a Resolução SE nº01/2019, as aulas de trabalho pedagógico coletivo (ATPC) referem-se às horas
de trabalho do professor em atividades coletivas, presenciais ou a distância, destinadas ao aperfeiçoamento
profissional em consonância com a Projeto Político Pedagógico e prática docente.
134
31
Neste caso o estudante tem um certo hábito de furar os braços com a ponta do lápis.
135
Apesar de a professora reconhecer que Carlos é capaz de ser alfabetizado, isso não é
feito de modo organizado, conforme veremos com mais detalhes na seção sobre observação em
sala de aula.
Dialogar com o professor para saber o que ele pensa sobre suas dificuldades nos ajuda
a refletir sobre qual é a motivação que Carlos tem para realizar as atividades, parar interagir
com os colegas de classe. Importante saber que não podemos afirmar que o estudante não faz
ou não participa porque não quer sem antes compreender suas motivações.
Carolina relatou que, no primeiro semestre (2019), ele falou bem menos do que no ano
anterior. Decidimos, então, observá-lo em outros ambientes na escola. Perguntamos para os
funcionários da escola (merendeira, agente escolar, diretora e coordenadora) se eles conseguiam
estabelecer uma comunicação com ele. As repostas foram similares: “Ele não dá mais tchau;
ele não diz “oi” quando chega; simplesmente não fala, mesmo quando questionado se quer
comer, se quer participar de alguma atividade; faz meses que não escuto a voz dele”. Fomos
então observá-lo durante o recreio. Notamos que ele passava algum tempo olhando os colegas
correndo, às vezes, corria em qualquer direção e olhava se algum colega corria atrás dele, sem
se aproximar do colega ou perguntar se podia brincar. Sua tentativa de interação era correr entre
os colegas. Após tentativas sem resultados, retornava para o cantinho do refeitório e ficava
apenas olhando. Víamos nele a vontade de querer brincar, mas não sabia como e quando
participar da brincadeira. É o que chamamos de dificuldade em dar sentido às regras em diversas
situações sociais, o que gera isolamento/indiferença e redução da motivação para se comunicar.
Percebemos, pois, que não é uma situação recorrente apenas dentro da sala de aula, mas sim em
todo o ambiente escolar.
Decidimos então verificar se, nos anos anteriores, essas características comportamentais
apareciam também nos registros de avaliação realizados pelos professores. Juntas, analisamos
as Fichas de Conselho de Classe dos anos de 2017 e 2018, quando Carlos estava matriculado
no primeiro e segundo ano escolar.
No primeiro ano escolar (2017), os professores descreveram Carlos como “um estudante
que não está alfabetizado e tem dificuldades em acompanhar as atividades do grupo.
Dificuldades na leitura/escrita e registro do conteúdo. As intervenções realizadas foram a oferta
de atividades diferenciadas”.
Na ficha da sala de recurso do ano de 2017, o relato da professora do Atendimento
Educacional Especializado (AEE), foi apontado “dificuldades na comunicação verbal com o
interlocutor. Formação de frases e atenção compartilhada”.
136
A figura 21, lado esquerdo, apresenta uma atividade de leitura. Recorte do livro
didático, cenas de quatro histórias infantis e o título escrito “O gato de botas”; “Chapeuzinho
vermelho”. “Branca de Neve e os sete anos”; “Os três porquinhos”. Objetivo: recortar os títulos
das histórias que já ouviu e colar embaixo da imagem. A figura 21, lado direito, apresenta uma
atividade de matemática. Recorte do livro didático, três desenhos “casa; bandeira; cadeira”.
Objetivo: Observar e responder: Quantas janelas? Quantas cores? Quantos pés?. Último
exercício escrito manualmente: “Faça numerais do 50 até o 60”. Aqui percebemos que não há
uma sequência de atividades, atividades são aleatórias.
138
32
Documento elaborado pelos professores no qual organiza e planeja suas aulas com uma semana de antecedência.
141
Mesmo tendo o livro didático e o material específico da rede estadual “Ler e Escrever”
e “EMAI”, a professora passava lições complementares na lousa. Nem todos os estudantes
finalizavam o registro da lousa, pois, como a professora apagava a lousa para seguir com as
atividades, aqueles que não finalizavam pegavam o caderno emprestado do colega ou ficavam
com o caderno incompleto, como era o caso do estudante Carlos.
Durante o período de observação, no que se refere aos procedimentos pedagógicos da
professora para com estudante Carlos, notou-se que ele recebia pouca atenção individual. Não
tinha uma apresentação de sequência gradativa dos conteúdos, ou seja, na mesma semana que
ele resolvia operações simples de adição, participava de atividades que envolviam situações
problemas de multiplicação e divisão, mesmo sabendo que ele estava iniciando a compreensão
da soma de unidades. As atividades acadêmicas aconteciam sem uma sequência que fosse
compreensível para ele. Percebeu-se a inexistência de rotina visual e alterações na configuração
física da sala de aula para favorecer o estudante com TEA.
As tarefas complementares eram enviadas para fazer em casa, tarefas que algumas vezes
nem a própria mãe sabia como fazer, e acabavam retornando incompletas. Não havia atividades
prévias para prepará-lo para as novas habilidades, bem como não havia diversidade de recursos
didáticos para auxiliar no quesito abstração.
No caderno de Carlos (figura 24), observa-se escrita de numerais, de um até cento e seis.
Esta atividade aconteceu enquanto os outros estudantes resolviam situações problemas de
multiplicação. No segundo momento, realizou a mesma lição que os colegas de classe, uma
sequência de operações de soma e subtração. Como não sabia fazer, esperou a professora
resolver todas as contas na lousa e foi copiando. Ao final, ele fez os numerais de um até
cinquenta e um, enquanto a professora corrigia os cadernos.
142
Carlos gosta de atividades que envolvem números e letras. Quando a professora dava
massinha de modelar, ele logo fazia algumas letras ou números com a massinha. Não conseguia
finalizar a maioria das atividades que estavam na lousa. Quando isso acontecia, abaixava a
cabeça e ficava por horas assim; outras vezes escrevia números no caderno de forma aleatória
ou seu nome completo. Como a partipação oral nas aulas era nula, ele apenas observava o que
143
os colegas faziam e cumpria a rotina básica das aulas. Se a professora não oferecesse ajuda, ele
também não pedia.
Em um dia de avaliação, foi observado que Carlos fez a mesma prova (figura 25) que
todos os colegas de classe, sem auxílio de ninguém. De acordo com a professora, aquele era
um momento de atividade individual e cada um deveria fazer a sua prova. Isso acontecia ao
final de cada bimestre. A questão 1 da prova apresentava um quadro com dez números
compostos por unidades, dezenas, centena e milhar. O objetivo da primeira questão era separar
os números em pares e ímpares. A questão dois apresentava quatro situações-problema do
campos aditivo. Durante a prova, Carlos tentou resolver as situações-problema fazendo alguns
“pauzinhos” na tentativa de contar, mas finalizou respondendo de forma aleatória.
Carolina respondeu que também avaliava por meio de observações das atividades
desenvolvidas em sala e a dedicação do estudante e, a partir delas, fazia uma média apontava
uma nota no diário de classe.
Tanto as entrevistas quanto as observações realizadas na sala comum foram momentos
que contribuíram com o fazer pedagógico na SRM. Quando compartilhamos nossas dúvidas,
nossa rotina de trabalho, podemos colaborar um com outro de forma efetiva. O trabalho
desenvolvido na SRM é complementar ao trabalho na sala comum, no apoio a avaliação
diagnóstica, construção de uma rotina e aprendizagem de novas habilidades
O trabalho do professor especializado acontece dentro e fora da SRM, pois suas ações
não acontecem de forma isolada, mas sim compartilhadas com todos os profissionais que estão
na escola. Na SRM, a prática pedagógica contribui com avaliação diagnóstica, estabelece uma
rotina de estudo independente, apoio ao estudante em momentos de provas, articulação com a
família e elaboração de adequações curriculares.
Em mais um dia de observação na sala comum, a professora Carolina me chamou para
eu ler uma prova para Carlos e anotar as respostas. Normalmente, quando estudantes com
deficiência vão fazer provas, o professor especializado, estando na escola, é chamado para
auxiliar na aplicação da prova. O professor faz a leitura da prova e disponibiliza um tempo
maior para o estudante responder. Quando não há o professor disponível para isso, o estudante
fica sem o apoio e realiza a prova sozinho.
Intitulei o momento em que auxiliei o estudante na prova como “O dia que Carlos voltou
a falar”. Como já foi relatado anteriormente, fazia meses que Carlos não falava. Em uma das
questões da prova, havia uma narrativa de menino e seu cachorro. O quão grande foi minha
surpresa, quando Carlos disse: “professora você sabia que eu tenho um cachorro?” Foi um
momento memorável. Naquele dia, Carlos seguiu conversando por vinte e cinco minutos,
narrando alguns acontecimentos diários com o seu cachorro. Observei seu interesse restrito por
animais, em especial, cachorros. Foi a partir deste evento que o tema cachorro foi usado para
qualquer iniciativa de interação com o estudante. Até a capa do caderno foi transformada.
Solicitei para a mãe dele que enviasse fotos do estudante com o cachorro, com o objetivo
de utilizar a foto na capa do caderno (Figura 26). Aproveitamos as fotos do cachorro em outras
atividades, que serão apresentadas na seção sobre adequações curriculares. Passadas algumas
145
semanas, foi notável a mudança de Carlos, pois ele dizia: “eu vou fazer a lição no caderno que
tem o cachorro?”
Após essa intervenção, aconteceram outras na SRM. Uma vez por semana, por uma hora
e trinta minutos, Carlos vinha às aulas realizadas no contraturno. Um dos objetivos das aulas
na SRM é fazer uma avaliação diagnóstica e desenvolver atividades que fortaleçam a autonomia
dos estudantes, contribuindo, dessa forma, com sua aprendizagem também na sala comum.
Realizamos uma avaliação informal33 com objetivo de avaliar as habilidades do
estudante quanto a fazer triagem e transferências de objetos: discriminar letras, números, cores,
imagens de animais, itens escolares, de higiene pessoal, brinquedos, dentre outros objetos
comuns do seu cotidiano; habilidades de linguagem receptiva/expressiva: realizar registros
escritos e de desenhos, e leitura/escrita. Avaliação foi realizada na SRM com diversas
atividades preparadas para o Carlos. Todas as atividades construídas para avaliar o estudante
foram realizadas de forma individual, entre professora da SRM e o estudante, em quatro
encontros com duração aproximada de uma hora e trinta minuto cada, dependendo da
disposição dele. Durante a avaliação, ele esteve tranquilo e disposto a realizar as atividades,
33
O roteiro de avaliação, é um modelo adaptado e fornecido pela Maria Elisa Fonseca, em um de seus cursos sobre
Materiais estruturados. Não foi autorizado pela autora a divulgação do roteiro de avaliação, apenas autorizado o
uso e objetivos. A avaliação foi realizada por mim, no contraturno, na sala de recurso multifuncional.
146
mas se manteve calado o tempo todo, falando apenas quando solicitado. Não solicitou ajuda
durante atividades que não sabia responder, permanecendo parado, olhando para baixo.
Nas atividades que envolviam habilidades de triagem e transferência de objetos;
discriminação simples e condicionais entre cor e objeto ou imagem, figura x fundo;
sobreposição; linguagem receptiva (apontar onde está algo); associações e cópia, Carlos teve
desempenho satisfatório em todas essas habilidades. O estudante conhecia todas as letras do
alfabeto, já reconhecia algumas silabas simples e fazia tentativas de leitura. Reconheceu número
e afirmou que sabia contar até cento e vinte. Nas atividades que exigiam do estudante o uso da
linguagem expressiva, análise e síntese, leitura e escrita, ele obteve resultados abaixo da média,
comparando com o ano escolar e sua idade cronológica, demonstrando, portanto, a importância
de adequações curriculares e estimulação para seguir desenvolvendo-se. A avaliação
diagnóstica nos dá uma base de conhecimento sobre as potencialidades e dificuldades do
estudante. Todas essas informações são compartilhadas com a professora da sala comum e a
família, além de servirem para traçar o plano de ação para ser desenvolvido junto ao estudante.
Quando a professora Carolina relatou as dificuldades que tinha em compreender em
quais momentos o estudante necessitava de ajuda, devido a sua dificuldade na comunicação,
isso não ficava claro para ela e, consequentemente, ele se mutilava com a ponta do lápis. Nos
atendimentos na SRM, foi proposto para Carlos o uso de um cartão de pedido de ajuda para ser
usado nos momentos das aulas.
O cartão de ajuda foi colocado com velcro na capa do caderno, para que, quando Carlos
precisasse de ajuda, ele pegaria o cartão e entregaria para a pessoa. Isso vem ajudando-o durante
as aulas. A figura 27 é a sua contracapa do caderno, local onde deixamos o cartão de ajuda
colocado com um velcro e retirado quando necessário.
Figura 27- Cartão de ajuda
147
Carlos não tinha dificuldade apenas em pedir ajuda, mas também na compreensão de
frases de forma literal, o que lhe provocava certos desconfortos. Num determinado dia, um dos
colegas disse na sala que alguém era “burro”, por isso ele começou a se furar com a ponta do
lápis, repetindo a seguinte informação: “eu não sou burro, eu não sou burro”. Não foi possível
descobrir exatamente quem falou e se o colega estava se referindo ao Carlos, porque foi uma
situação que aconteceu em conversa paralela entre o grupo. Ele não conseguiu mostrar quem
disse ou perguntar ao colega se aquilo era sobre ele. São situações como estas que
demonstravam as dificuldades na comunicação. Neste caso, para cada atividade realizada com
ele, professores e familiares foram orientados a elogiá-lo, expressando o quanto era esperto e
inteligente. Depois de algumas semanas, ele parou de repetir a frase “eu não sou burro”.
Uma ação de rotina foi estabelecida na SRM para auxiliar no estudo independente.
Assim, durante as aulas na sala comum, Carlos passou a ter mais autonomia para realizar suas
atividades sozinho, sem ficar parado esperando a professor vir até ele. Na sequência, vamos
explicar como funcionou o passo a passo de um sistema de estudo independente utilizado na
SRM.
No programa TEACCH, denomina-se essa área como um “sistema de trabalho
independente”. Para esta pesquisa, optamos por nomear “sistema de estudo independente”, por
considerarmos uma maior relação com o ambiente escolar sem alterar o objetivo e o significado
proposto pelo TEACCH.
O sistema de estudo independente auxilia tanto no bom desempenho estudantil na SRM
quanto na sala comum. Consiste na capacidade de realizar tarefas de forma autônoma. Durante
a entrevista com a professora Carolina, uma de suas queixas era a dificuldade em dar atenção
individual para o estudante em razão da dinâmica da sala e da quantidade de estudantes, motivo
pelo qual, no processo de trabalho colaborativo, concordamos em planejar sequências de
atividades para ele realizar sozinho ou algumas vezes com apoio do colega.
Na SRM, Carlos passou por diversas aulas de orientação sobre o uso de sistema de
estudo independente. Para o estudante ter autonomia na realização de suas atividades enquanto
a professora atendia outros estudantes, foram necessárias algumas aulas na SRM até mesmo
para compreender a nova organização que fizemos no seu caderno.
No site governamental National Autism Center Project (2019), o ensino estruturado
proposto no programa TEACCH é baseado em evidência devido a sua composição e
organização do espaço físico, uso de trabalho independente, suportes visuais e cronogramas de
horários.
148
Nas figuras a seguir (29 e 30), observa-se o pareamento das figuras (que poderiam ser
números, letras, fotos de animais etc, isto é, o que melhor atende o perfil do estudante, não
havendo uma regra fixa e uma representação da sequência de atividades) com a atividade a
serem realizadas. Neste exemplo, temos o pareamento das formas geométricas. Dessa forma,
ele, sozinho, saberá quando está chegando ao fim das sequências de atividades.
150
Após finalizar todas as lições, o estudante pega o cartão “do computador” e sabe para
onde deve ir, sem precisar chamar o professor (Figura 30). Enquanto ele estiver realizando
outra atividade, o professor recolhe essas atividades realizadas e fará a correção.
habilidades. Sendo assim, esse sistema de estudo independente utilizado na sala de recurso pode
ser facilmente utilizado nas adequações curriculares e responde às quatro perguntas básicas. 1-
Qual atividade precisa ser realizada? 2- Das atividades que estão no caderno, quantas atividades
tem? 3- São sete atividades, como sei que terminou? Quando finalizar o cronograma. 4- E o que
eu faço em seguida? Você pode dar comida para o seu cachorro.
Uma das primeiras habilidades que o estudante precisa para usar o cronograma é pensar
simbolicamente, ou seja, compreender que o número ou o símbolo corresponde à tarefa que irá
desenvolver, que a imagem da ração é a comida do cachorro; fazer pareamento, identificar
figuras, imagens, pictogramas ou números. Na sequência, utilizamos para Carlos outra forma
de cronograma (Figura 32). Foi incluído como tarefa final entregar o caderno para a professora.
153
Esse cronograma foi disponibilizado de duas maneiras: a primeira versão foi colada na
folha do caderno do estudante (Figura 33), mas, durante sua utilização, percebemos que o
estudante se atrapalhava e perdia tempo para buscar o cronograma que estava entre as folhas
do caderno. Na figura 33, Carlos está usando o cronograma que foi colocado entre as atividades
no seu caderno. Como esse formato não foi favorável para ele, fizemos modificações.
154
Percebemos que colar o cronograma entre as folhas do caderno (Figura 33) não foi uma
estratégia útil, pois Carlos ficava perdido buscando o cronograma. Fizemos então uma segunda
versão do cronograma (Figura 34), confeccionado com papel cartão e colocado ao lado do
caderno. Tivemos resultados melhores, já que visualmente o cronograma estava à disposição
dele a qualquer momento que terminasse a tarefa.
Hume e Odom (2007) realizaram um estudo com criança entre seis e sete anos, todos
com diagnóstico de autismo e deficiência grave. Em seu estudo, relataram que o uso de sistemas
de trabalho em sala de aula resultou em um maior envolvimento na tarefa, reduzindo as
solicitações dos professores e aumento no número de atividades concluídas. Após um mês de
implementação do sistema de trabalho em sala de aula, eles retornaram à sala de aula e
perceberam que esse resultado continuou. Nas nossas observações, o uso desta estrutura nas
atividades de Carlos contribuiu com maior concentração e empenho para realizar as atividades,
já que ele entende quando começa e quando termina. Ele tem autonomia para fazer sozinho e
buscar apoio quando conclui a atividade.
Bennett et al. (2011) mostraram que crianças com dois a três anos realizaram mais
tarefas, ficavam mais envolvidas nas atividades, concluíam com mais rapidez e precisão quando
usavam um sistema de trabalho estruturado do que quando não usavam. Curiosamente, eles
também descobriram que os participantes apresentavam menos comportamentos estereotipados
e desafiadores na função de escape ao usar o sistema.
O uso do sistema de estudo independente precisa, antes, ser ensinado ao estudante na
sala de recurso, para depois ser usado na sala comum. Por este motivo, este trabalho teve início
na SRM para depois ser adaptado no caderno e então levado para a sala comum. Também deve-
se tomar a decisão com foco no individual, com base no desenvolvimento do estudante, pois
este sistema pode funcionar para alguns estudantes e para outros não. Para realizar este trabalho,
é preciso construir independência de modo que o estudante generalize, ou seja, faça uso de suas
habilidades em diversos ambientes. Se ensinados corretamente, poderá ser usado em qualquer
lugar, na escola, em casa ou no ambiente de trabalho e, assim, as pessoas com TEA poderão ser
bem-sucedidas em qualquer lugar.
Antes de oferecer atividades para o estudante, deve-se verificar se ele já domina o
conteúdo, se ele consegue concluir determinada quantidade de lições pré-selecionadas num
determinado período de tempo, se a tarefa tem um começo e um fim, se está claro para ele o
que precisa fazer do início ao término. Caso se perceba que o estudante não termina a tarefa no
tempo pré-estabelecido, será preciso reduzir a quantidade de lições, alterar o tempo para
realizar, ou usar um cronômetro.
Para estudantes iniciantes que nunca usaram o sistema de ensino independente, o
professor deve começar com uma atividade e um reforçador (algo de que o estudante goste) e
ampliá-la aos poucos para duas, depois três e assim sucessivamente. É importante a repetição
de atividades antes de colocá-lo para realizá-la sozinho.
156
Com este mesmo sistema, é possível, ao longo do ano, ensinar o estudante a buscar suas
atividades no armário da sala, porque, dessa forma, com o tempo, ele retira e guarda seus
próprios pertences. Ressalvo que, em alguns momentos, retiramos alguns itens propositalmente
para ensinar-lhe a pedir ajuda. Uma outra opção a ser usada de forma gradativa é “sabotar”
(retirar algo) o sistema de ensino para garantir que o estudante peça ajuda, mas para isso é
preciso deixar uma pista visual (cartão) próximo dele e alguém para ajudar. No exemplo abaixo,
foi retirada a caneta, um item necessário para realizar a lição. Em cima da mesa, deixamos um
cartão com a fotografia da caneta, afim de que ele pegasse o cartão, entregasse-a para o
professor, solicitando uma caneta. Assim ele o fez.
De acordo Reeves e Kabot (2012), alguns cuidados precisam ser tomados quando o
professor for ensinar em um ambiente que tenha o sistema de ensino independente. O estudante
precisa trabalhar da esquerda para direita (por uma questão de alfabetização) ou de cima para
baixo. Precisa ter um lugar para colocar suas lições quando terminar (isso evita que ele
desmonte e refaça a atividade). No sistema, há apenas os itens necessários para realizar a lição,
pois não é permitido ter peças a mais de algum jogo, ou atividades além do que está no
cronograma. A atividade concluída vai para a cesta/caixa indicada como finalizada ou, se for
no caderno, orientar que ele pinte o canto da página que tem a numeração da atividade e depois
o professor fará a correção. As atividades têm início e término bem definidos. Ao ter contato
com a atividade, precisa saber onde ela começa e onde termina. Deve conter apenas as
157
atividades que o estudante sabe resolver sozinho (não será ensino independente se ele não
consegue fazer sozinho). O estudante não precisa ver o professor desmontando o jogo que
acabou de fazer. Se fizer isso na frente no estudante com TEA, ele vai entender que, quando
termina de resolver as operações de soma, em seguida, precisa apagar. As atividades precisam
ser variadas a cada semana.
Um exemplo prático do como é importante para o estudante saber onde começa e
termina está descrito a seguir em uma situação vivenciada na sala de aula. Olhando o caderno
do estudante Carlos, percebi que havia várias folhas “riscadas”, com letras aleatórias e algumas
palavras. Perguntei para ele: “por que você escreveu em todas essas folhas?” Ele respondeu: “é
a lição que a professora passou na lousa”. Percebe-se que ele não compreendia onde terminava
a lição que estava na lousa e também não permitia haver folhas em branco no caderno,
preenchendo todas elas. Sendo assim, enquanto a professora seguia com outras atividades, ele
copiava a mesma coisa em todas as folhas. Percebendo isso, conversei com a professora
Carolina e optamos por fazer uma marcação na lousa indicando início e fim da atividade. A
mesma marcação foi feita no caderno dele, assim saberia onde começava e onde terminava.
Integrar o sistema de ensino independente, ou parte dele na sala de aula, poderá ser uma
alternativa para potencializar a autonomia do estudante.
Para elaborarmos as adequações com base no ensino estruturado, consideramos dois
roteiros34 de confecção e avaliação de materiais, conforme se vê nos quadros 11 e 12.
Outros dois roteiros (Anexo 5 e 6) tiveram como objetivo instruir a confecção e
avaliação do material estruturado como base para compreendermos os principais elementos do
ensino estruturado e logo compor as adequações curriculares.
34
Material disponibilizado no curso “Atividades Estruturadas para pessoas com autismo. Conceitos Fundamentais
para o planejamento e construção. 16 e 17 de outubro de 2018. Maria Elisa Granchi Fonseca
158
SIM NÃO
01 A atividade tem estabilidade?
02 É possível flexibilizar a atividade?
03 É possível mudar a quantidade de elementos?
04 A atividade considerou posição como: Esquerda para direita ou
encima para baixo.
05 Há uma área de armazenamento para os elementos?
06 Há uma área destinada para execução do trabalho?
07 A atividade deixa claro o objetivo?
Fonte: Elaborado a partir de Fonseca (2018)
35
Idem nota 32
159
cai e derrama todos os itens que o estudante colocou neles (Figura 36). É provável que isso
cause um problema durante a atividade, e o estudante não consiga finalizá-la.
Quando não é possível elaborar uma atividade com flexibilização, será considerada uma
atividade inadequada? Certamente não, caso seja uma atividade elaborada no caderno, no qual
162
nem sempre será possível flexibilizar. Neste caso, estamos considerando que essa atividade não
será trabalhada com o estudante diversas vezes como acontece com o material que está
plastificado. A figura 39 é um exemplo de atividade que não pode ser flexibilizada, pois os
números estão fixos no caderno. Ela foi disponibilizada uma vez. Não consideramos que a
atividade está inadequada porque sabemos que ela não será disponibilizada diversas vezes para
o estudante. O professor deve compreender que as atividades inflexíveis não são adequadas
para serem oferecidas sempre ao estudante, assim não corre o risco de ele decorar ao invés de
aprender.
36
Curso “Atividades Estruturadas para pessoas com autismo: conceitos fundamentais para o planejamento e
construção”. 16 e 17 de outubro de 2018. Maria Elisa Granchi Fonseca.
166
Tendo como objetivo de elaborar uma proposta de adequação curricular com base nos
princípios do ensino estruturado na perspectiva do programa TEACCH para um estudante com
TEA, matriculado no terceiro ano do ensino fundamental I, antes de iniciamos as adequações,
utilizamos um roteiro de observação (Anexo 4) para verificarmos se havia ajustes nas
estratégias de ensino e no conteúdo acadêmico e, a partir disso, elaborarmos as adequações
conforme a necessidade do estudante.
As adequações curriculares podem ser construídas para qualquer estudante que precise
de modificações, seja ele com deficiência ou não. O material aqui representado não é uma
fórmula pronta a ser seguida, é uma ideia que pode e precisa ser modificada de acordo com a
necessidade e potencialidade de cada estudante.
167
A avaliação e o planejamento são o começo para qualquer ação educativa com qualquer
estudante. A primeira etapa antes de iniciar a adequação curricular é conhecer o estudante.
Entender até que ponto o diagnóstico de TEA ou outra deficiência interfere no desenvolvimento
dele. Qual o “efeito” do autismo naquela pessoa? Para responder a essa pergunta, além de
entender sobre determinada deficiência, é preciso avaliar as habilidades deste estudante.
Uma avaliação informal e qualitativa pode ser aplicada pelo professor, não possui um
conjunto de instruções ou pontuações padronizadas e tende a ser baseada em observações. Com
ela o professor define quais mudanças serão realizadas no momento de adequação curricular e
que tipo de estrutura usar. Avaliar ajuda o professor destacar os pontos fortes, seus interesses e
suas áreas de dificuldades.
O estudante Carlos foi avaliado nas categorias de habilidades triagem e transferência,
discriminação, linguagem receptiva e expressiva, emparelhamento, associação, cópia, análise e
síntese, leitura e escrita. Na avaliação informal, consta que sua maior dificuldade está na
linguagem expressiva, análise (decodificar as palavras) e síntese (separar as palavras e juntas),
leitura e escrita. Observamos que ele reconhece todas as letras do alfabeto e também os
números, assim como a percepção dos fonemas das vogais e reconhecimento de números, o que
caracterizou que, neste caso, o estudante Carlos tem repertório básico para ser alfabetizado.
Sendo assim, as adequações curriculares apresentadas a ele levaram em conta o processo de
alfabetização em matemática e na língua materna (português).
Consideramos a Adequação Curricular utilizando princípios do ensino estruturado como
uma prática possível. O que muda é o nível da estrutura (de menos para mais), o tipo de ajuda
e o apoio de que eles precisam.
Para a realização das adequações, partimos de algo que já existe, ou seja, de atividades
que a professora está desenvolvendo em sala de aula. A professora Carolina mostrou as
atividades que iria utilizar em suas aulas durante o mês e, a partir dessas atividades, separamos
aquelas que iríamos adequar para o Carlos. O trabalho colaborativo permite que os professores
selecionem as atividades e adequações de modo que favoreçam a aprendizagem do estudante
com deficiência, transtorno ou dificuldade de aprendizagem. Desta maneira, o estudante com
deficiência terá as atividades com o mesmo tema da aula atual, mas com eliminação ou
introdução de objetivos que o estudante seja capaz de alcançá-los. As atividades aqui
apresentadas foram retiradas do livro “Ler e escrever’ do Estado de São Paulo, EMAI –
Educação Matemática nos Anos iniciais do Ensino Fundamental, material que faz parte do
currículo do Estado de São Paulo do terceiro ano do ensino fundamental I.
168
A reflexão que se faz neste momento é que o professor pode fazer uso dos interesses
restritos e pontuais da criança para favorecer a rotina, a comunicação, o engajamento em
participar de atividades, sejam acadêmicas ou sociais. Aqui optamos pela dobradura de animais,
foco de interesse do nosso estudante uma maneira de estimular a conversa com seu parceiro.
Outra estratégia que consideramos nas adequações (figura 45) foi disponibilizar tudo o
que Carlos precisava na mesma folha do caderno, evitando a troca delas para consultar as letras
do alfabeto e manter o máximo possível da sua atenção, evitando, desse modo, as distrações no
momento de buscar as letras. Tudo de que ele precisava para realizar a lição estava no seu
campo visual.
Figura 45- Atividade de cruzadinha
170
Na figura 46, está o texto original,37 a fábula “A raposa e as Uvas” disponibilizado para
o grupo; abaixo está o resultado da adequação: caderno do estudante Carlos. Nesta adequação,
não mudamos o conteúdo ou o tema, mas a forma de apresentação. O texto original se manteve,
mas o dividimos em parágrafos e acrescentamos as ilustrações e, no lado superior / esquerdo da
folha do caderno, foi colocado um pictograma indicando que o estudante deveria prestar atenção
na leitura. Nesta atividade, ele tinha que ficar atento à leitura da fábula realizada pela professora.
Figura 46- Texto original38 e Adequação de conteúdo: Português 1
Descrição do texto:
A raposa e as uvas
37
As anotações – a lápis – são os rascunhos dos quais modificações aconteceriam no texto antes de finalizarmos
a adequação.
38
Fonte: Coletânea de Atividades – Ler e escrever 3º ano (2014)
171
39
Carlos acompanhou a leitura com atenção (figura 47), olhando mais para as imagens do
que para o texto escrito. Quando a professora Carolina terminou a leitura, a história foi narrada
novamente para ele, agora usando como base as imagens (e não o texto escrito). Depois, eu
sentei-me ao lado dele (enquanto Carolina foi atender outros estudantes) e, a cada imagem, eu
apontava o dedo e fazia perguntas para explorar os elementos do texto narrativo: Quem? O que?
Como? Quando? E aonde? Como o texto apresenta um personagem de que o estudante gosta
muito (a raposa), ele respondeu às perguntas e apontava com o dedo nas imagens. Quando não
sabia responder alguma pergunta, ele abaixa a cabeça, encurvava os ombros e ficava alguns
minutos calado. Para evitar horas de silêncio, a estratégia utilizada foi dar a resposta e fazer
uma nova pergunta que ele sabia responder. Conseguíamos, dessa maneira, manter a motivação
na tarefa.
Após a leitura da fábula, a professora Carolina solicitou aos estudantes a reescrita do
texto. O estudante Carlos realizou uma sequência de atividades utilizando o tema da fábula,
(figura 47), cujo objetivo era colar as vogais que faltavam nas palavras uva, raposa e parreira,
(lado esquerdo) e, a partir de um trecho do texto, encontrar e pintar a palavra raposa (lado
direito). Como Carlos tem ótima compreensão das vogais, o único apoio de que precisou era
que o professor falasse pausadamente sílaba por sílaba, para dinamizar o tempo nesta tarefa e o
estudante não ficasse dependente do início ao fim. Ao final, ele foi orientado a colar as vogais
(previamente recortadas) por cima de onde havia escrito, fazendo uma sobreposição das vogais.
O estudante poderia apenas escrever as vogais e finalizar a tarefa? Sim, poderia, mas a opção
39
Imagens disponível em: http://beteramos.blogspot.com/2015/04/a-raposa-e-as-uvas.html.Acesso em: 11 jul. 2019
172
de pedir para ele colar era estimular o uso de outros itens do material escolar, como a cola, por
exemplo. Quando o estudante utiliza o tubo de cola, espera-se que ele tenha um controle motor
ao apertá-lo e realizar atividade de sobreposição.
O último exercício desta página do caderno tinha como objetivo compreender o conceito
de cheio e vazio, objetivo atingido pois realizou com sucesso. Vale ressaltar que um dos
assuntos de que o estudante mais gosta é animais, incluindo seu cachorro, motivo pelo qual, ao
longo das atividades, sempre que possível, colocávamos a fotografia do seu animal de
estimação.
Algumas dicas simples podem ajudar o professor a fazer ajustes nas atividades para
estudantes com TEA, como retirar imagens desnecessárias, ter espaços mais ampliados para a
escrita, ajustar as formas de apresentação do conteúdo, indicar para o estudante onde começa e
termina a atividade. Deve, ainda, deixar na mesa apenas os itens necessários para realizara lição.
Ou seja, a atividade deve ter clareza visual. Se o estudante não tiver habilidade de escrita,
recomenda-se utilizar imagens e fornecer as palavras impressas. Se os estudantes estiverem
escrevendo número, eles podem circular ou colar. O docente deve evitar questões abstratas, ao
173
contrário, deve escolher comanda simples, curtas e diretas. Em uma atividade de separação de
sílabas, figura 48, delimitamos as quantidades de quadrinhos para ele escrever.
Na atividade acima, Carlos sabia que usaria o lápis por causa do pictograma , por
isso, assim que viramos a folha, ele o pegou. Durante esta atividade, o restante da turma estava
também realizando atividades de separação de sílabas, mas com um acréscimo: eles escreveram
quais eram dissílaba, trissílaba ou polissílaba. Para Carlos foi mais acessível ele colocar o
número para representar a quantidade de silabas. Como essa atividade foi realizada em dupla,
um colega fazia a leitura da palavra com pausa para pontuar as sílabas e a quantidade em que
ele abria a boca (antes a professora fez duas palavras para que a criança entendesse como
poderia ajuda-lo), como consequência, ele tinha que repetir a palavra e contar no dedo as
sílabas. No início, quando o colega ajudava, Carlos não correspondia, ficava calado ou de
cabeça baixa. Por esse motivo, nas primeiras palavras, eu acompanhei a realização da atividade,
ajudando-o na comunicação com o colega. Também utilizamos como estratégia o lápis de cor
para marcar o ponto certo da separação das silabas. Após alguns elogios para motivar a
participação de Carlos, e o colega também ter elogiado, eles conseguiram finalizar a tarefa sem
intervenção das professoras.
174
De acordo com Fonseca e Ciola (2014), a pessoa com TEA aprende por previsibilidade,
consistência, organização sensorial, orientações visuais, rotina, informações concretas,
aprendizagem sem erro/níveis de ajuda, repetições, atividades estruturadas com começo, meio
e fim, lista de verificações, controle de estímulos distratores, automonitoramento, ordenação
entre atividade e descanso (pausas), destaque e contrastes, simplificações. Não se deve esperar
o estudante errar para depois corrigi-lo, porque ele aprende de uma maneira diferente. Ademais,
as dificuldades na transição de tarefas e seus padrões irregulares de aprendizagem fazem com
que tenha maior dificuldade com conceitos abstratos, atividades de múltiplas escolhas e falar
de sentimentos. Deve-se ensinar a desenhar antes de ensinar a escrever, bem como usar caderno
quadriculado para atividades de matemática.
Às vezes um equívoco que os professores cometem em sala de aula é exigir do estudante
que ele realize uma tarefa sozinho da qual não tem total domínio, acreditando que ele irá
descobrir como fazer. Estratégias desse tipo talvez sejam úteis para estudante que não tem
deficiência, mas para um estudante com deficiência, este processo será mais difícil, por isso é
provável que ele tenha comportamento de fuga quando solicitado a realizar sozinho uma lição
que não sabe. Em um dia de observação em sala de aula, a professora Carolina passou algumas
questões referentes ao texto na lousa e disse que todos deveriam responder a elas sozinhos, pois
já tinha lido, relido, explicado o texto e que, naquele momento, eles iriam trabalhar sozinhos
sem ajuda dela ou de algum colega. No caso de Carlos, este comando da professora provocou
um comportamento inesperado: ele jogou o caderno longe e todo restante do material escolar
que estava em cima da mesa. A professora aproximou-se do estudante, falou alto, dizendo que
ele deveria recolher o material e fazer a lição. Carlos se manteve imóvel, com a cabeça baixa
na carteira e só se moveu do lugar após a chegada da mãe. Carlos não foi até a mesa da
professora para pedir ajuda, já que não sabe ler, ou seja, ele levou a sério o que a professora
disse, ficando irritado talvez por não saber o que fazer e jogando o caderno e materiais no chão.
Após adequar diversos conteúdos no caderno do estudante, garantindo que algumas
tarefas fossem realizadas sozinhas, outras junto com o colega ou professora, em uma das visitas
na sala de aula, retomando algumas atividades com Carlos, percebi que a professora não
orientou o estudante – figura 49 (atividade realizada sem orientação – à esquerda, com
orientação – à direita) cujo objetivo era que ele anotasse quantas sílabas tinha a palavra e
quantas letras, porém, sem orientação, fez sozinho, achando que era para separar as sílabas. No
dia seguinte, quando Carlos veio para aula na SRM, peguei o caderno e refizemos a lição.
Apagamos a escrita aleatória que ele fez e, passo a passo, fomos colocando a resposta correta,
mas antes de fazer essa intervenção, conversei com o estudante explicando que poderíamos
175
refazer aquela atividade de outra maneira. Solicitei que ele a apagasse e, juntos, escrevemos
novamente. Essa previsibilidade ajuda o estudante a compreender o que está acontecendo. Pegar
o caderno e ir apagando a lição sem antes conversar com o estudante pode acarretar um
comportamento agressivo. O adequado é conversar, avisar e dar tempo para que o estudante
concorde com sua ação diante do caderno que é dele. Caso o professor perceba que não houve
compreensão ou ele não quer deixar apagar, uma opção é realizar uma nova atividade com o
mesmo objetivo e assim garantir que ele tenha uma nova oportunidade para aprender aquele
conteúdo. Isso serve como reflexão aos professores que fazer adequação das atividades no
caderno não é por si só suficiente para garantir a aprendizagem do estudante. O apoio do
professor é fundamental. Os estudantes precisam de regularidade, intensidade e frequência nas
intervenções.
Atividades sem nenhum estímulo visual, mesmo com comandas objetivas, podem
dificultar o desenvolvimento da atividade pelo estudante (Figura 50), atividade do livro EMAI
disponibilizada para a turma. A atividade envolvia a exploração de cédulas e moedas do sistema
monetário, composto por uma tabela com nome e preços de itens escolares, com o objetivo de
reconhecer o que poderiam comprar.
176
Para essa atividade, além de toda estrutura organizada, os preços também foram
arredondados para valores que o estudante conhecia e utilizamos imagens para direcionar a sua
atenção (Figura 51 e 52). Enquanto os colegas de classe respondiam por escrito, Carlos colava
as imagens. Nas duas atividades, colocamos Carlos para sentar-se com outro colega e, à medida
que ele ia se adaptando com a ajuda do colega de classe, sugeri para Carolina que fosse
colocando outros colegas, para que Carlos não ficasse apegado apenas a um colega da classe.
177
Quanto mais oportunidade de interação com as crianças, melhor para sua experiência escolar.
O novo colega auxiliou na leitura dos valores e na identificação do dinheiro. A total ajuda só
foi necessária nos três primeiros números, no restante da atividade, Carlos conseguiu com
sucesso associar a escrita numérica com o valor impresso na cédula e finalizou a atividade
sozinho.
Figura 51- Adequação de conteúdo: Matemática 1a
178
Retornando à atividade (figura 54), auxiliei Carlos na resolução dos problemas cuja
proposta era compor as partes e depois relacioná-las com o todo. (EMAI, 2013 p.25). Para
adequação, mantivemos os objetivos básicos, mas trocamos os números por algarismo menores
e em destaque. Introduzimos o tema de interesse do estudante: cachorro. Nas resoluções de
situações-problema (figura 54), fiz a leitura novamente, dando uma pausa maior entre as
palavras e apontando com o dedo os números que seriam utilizados para contagem. De dentro
do envelope (área de armazenamento) Carlos pegou as imagens com gatinhos (área de interesse
do estudante), colou no caderno e depois fez a contagem, marcando um risco em cima de cada
desenho, somando e anotando o valor total.
Na atividade da figura 55, fiz uma pequena pausa para explicar o sinal de soma (+).
Carlos não sabia nomear, mas, após explicação, ele entendeu que este sinal indicava juntar. As
somas ele conseguiu realizar por causa dos pontinhos do dominó, isto é, ele foi contando e
riscando e assim chegou ao resultado de todas as operações. Se nessa atividade não houvesse
esse recurso (dominó), certamente o estudante teria dificuldades para finalizá-la. Após o
término, Carlos foi sentar-se com outro colega e refez a atividade, porém desta vez o
direcionamento foi para o uso dos algarismos e como apoio eles poderiam utilizar os dedos para
contar. Ambas as estratégias deram muito certo.
A adequação apresenta-se aqui como um conjunto de modificações dos objetivos das
atividades, ou não, pois às vezes será modificada a forma de apresentação, introduzindo ou
eliminando partes de um todo. O desenvolvimento de uma proposta de adequação curricular,
com base nos princípios do ensino estruturado vinculado ao trabalho colaborativo entre
professor especializado e o professor da sala comum, proporcionou um total de 68 páginas de
atividades para o estudante. Nesse contexto, a proposta de organizar as adequações envolve a
182
6- CONSIDERAÇÕES FINAIS
está ali para pontuar o que fez ou não fez. O professor na sala comum está tão adaptado a
trabalhar sozinho, fechado na sala de aula, que, quando há uma proposta de atuarem os dois
juntos com o mesmo grupo de estudantes, é desconfortável para ambas as partes, uma vez que
um se sente intruso e o outro se sente ameaçado.
A dificuldade também está na estrutura do sistema educativo, que não colabora com a
real valorização de prática do trabalho colaborativo. O professor especializado já é contratado
para fazer os atendimentos no contraturno; para cada dez aulas são disponibilizadas duas para
planejamento, articulação com a família e para o professor buscar parcerias, entre outras
demandas burocráticas, restando pouco tempo para ir até a sala de aula comum para colaborar
com o outro. Outro fato que espreme o horário do professor especializado é a constante
necessidade de confecção de materiais pedagógicos, devido à ausência de recursos didáticos, e
ausência de verbas. O professor precisa sempre confeccionar materiais pedagógicos com
materiais recicláveis. Estamos a todo momento de olho no próximo potinho de iogurte que vai
para o lixo, ou a caixa de sapato com tampa jogados na calçada de alguma loja, ou pedindo de
sala em sala tampinhas de garrafas ou CDs usados. Gastamos tempo juntando, montando,
inventando e reinventando recursos e, depois de um mês, o material chega ao fim, quebra, rasga,
molha, estraga porque tem pouca durabilidade e o ciclo recomeça: junta, monta e inventa.
Perdemos mais tempo refazendo “coisas” trancados na sala de aula do que produzindo
conhecimento entre nós professores.
Com o início do trabalho colaborativo, tomamos conhecimento de que não havia um
planejamento de adequações para o estudante, pois tanto as atividades em sala como as
avaliações eram feitas de forma aleatória. Conseguimos elaborar uma proposta de adequação
curricular com base nos princípios do estruturado na perspectiva do programa TEACCH para
um estudante com TEA, matriculado no terceiro ano do ensino fundamental I, e percebemos os
avanços em sala de aula. O estudante passou a interagir mais com colegas de classe, outros
estudantes entenderam que às vezes Carlos não iria falar, iria ficar de cabeça baixa ou que
levaria mais tempo para terminar as atividades. Os avanços na comunicação foi um dos pontos
fortes na avaliação da professora Carolina, uma vez que, no último semestre (2019), ele já
solicitava ajuda sem precisar do cartão de comunicação, além da aprendizagem na
leitura/escrita. A família ficou feliz e considerou o avanço na comunicação a mudança mais
significativa, pois havia meses e meses que não escutava a voz da criança.
Quando iniciamos a pesquisa, o estudante conhecia todas as letras, nomeava algumas
sílabas e contava até cinquenta. No final do ano, porém, fazia adições com unidades, contando
até cem e lendo palavras com sílabas simples. Em uma das atividades desenvolvidas no final
185
do quarto bimestre, pouco antes do início das férias, o estudante disse: “Professora, sabia que
eu já sei ler”?
O ensino estruturado proposto no programa TEACCH pode ser ajustado ao currículo
escolar, contribuindo, portanto, com a forma de apresentação das adequações no caderno, e
também pode ser usado para outros estudantes. Os princípios do TEACCH podem ser levados
para sala de aula regular, no quesito de estrutura visual, podendo estabelecer uma rotina e o uso
do sistema de ensino independente. Estudos como este envolvem o “fazer” adequações em um
contexto real, não sendo, muitas vezes, necessário dispor de grandes recursos financeiros.
Precisamos realmente melhorar nossas práticas de ensino, considerar diferentes formas
de participação do estudante durante sua passagem pela escola e, por vezes, até reduzir a
necessidade de adequações personalizadas que talvez possam dificultar o processo de inclusão.
A metodologia comunicativa crítica propõe que os resultados da pesquisa sejam
compartilhados não apenas no âmbito da universidade, mas também no ambiente em que foi
realizada a pesquisa. Neste caso, é relevante que sejam compartilhados no espaço escolar e entre
os participantes. A finalização desta pesquisa resultou em uma formação em ATPC na unidade
escolar, dividida em três encontros. Todas as adequações curriculares foram compartilhadas
com os docentes, que as viram como bastante enriquecedoras, tanto que a equipe gestora
solicitou a continuidade e aprimoramento de outras adequações não apenas para os estudantes
com deficiência, mas também para outros que têm atrasos no desenvolvimento relacionado à
alfabetização em matemática e língua materna.
Para finalizar, faz-se necessário salientar que a pesquisa sobre a temática que envolve
o processo de inclusão de pessoas com deficiência não se esgota aqui. Diferentemente do nosso
estudo, que levou em consideração a adequação curricular e ensino estruturado envolvendo um
trabalho colaborativo entre professores para o desenvolvimento do estudante com TEA, uma
investigação possível e que fica aberta a futuros pesquisadores seria examinar como trabalhar
com o desenho universal de aprendizagem com vistas a auxiliar o processo de desenvolvimento
acadêmico do estudante com TEA.
186
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201
ANEXOS
Prática Docente
01 Fala de forma expressiva
02 Movimenta-se pela sala de aula enquanto fala
03 Domínio do conteúdo ministrado
04 Apresentação do assunto com sequência
05 Conteúdo é adequado às necessidades de aprendizagem da turma
06 Retomada de conhecimentos trabalhados em aulas anteriores
07 Identificação e valorização de conhecimentos prévios dos educandos
08 Ouve atentamente as questões e os comentários dos educandos
09 As dúvidas individuais são socializadas e usadas como oportunidades de
aprendizagem para toda a turma
10 Aguarda os educandos terminarem o raciocínio
11 Demonstra ansiedade para dar as respostas finais, impedindo a evolução do
pensamento
12 Explica os conteúdos difíceis de várias maneiras
13 Estimula a interação entre os educandos
14 Há respeito entre o professor e os educandos
15 Organização do planejamento por escrito (planejamento semanal)
16 Organização do tempo da aula (reservados períodos de duração suficiente para os
educandos fazerem anotações, exporem as dúvidas, debaterem e resolverem
problemas.
Procedimentos Metodológicos
17 Sala de aula organizada
18 Materiais e os equipamentos preparados para a aula
19 Propõe atividades em grupo
20 Utiliza tutoria de colegas
21 Orientações (gerais, dirigidas a todos os educandos)
22 Adequa as estratégias de ensino aos conteúdos
23 Destaca os pontos importantes levantando a voz, falando mais devagar ou fazendo
uma pausa
24 Estabelece de forma clara a transição entre as atividades
204
25 Utiliza recursos (retro projetor, mapas, slides, aparelhos de TV, ilustrações, fotos,
vídeos, computadores, data show entre outros)
26 Utiliza outros espaços da escola para ensinar os conteúdos
27 Determina horário para o término da atividade
28 Mantém os alunos ocupados com atividades para evitar problemas de comportamento
e ociosidade
Estudante com TEA
29 Realiza as atividades sozinho
30 Realiza as atividades com ajuda dos colegas
31 Realiza as atividades com ajuda do professor
32 Não realiza as atividades
33 Participa da aula
34 O estudante realiza as mesmas atividades que os colegas
35 Quais as atividades que o estudante gosta de fazer
36 Quais as atividades que o aluno não gosta de fazer
37 O estudante participa das atividades desenvolvidas na sala de aula
38 O estudante demonstra compreender as explicações da professora
39 Como é a relação do estudante com a professora e com os colegas
40 O estudante solicita ajuda para a professora e/ou colega de classe nos momentos de
atividades
41 O estudante prefere realizar as atividades individualmente ou em grupo
42 O estudante utiliza recursos específicos para realizar as atividades
43 Como são as produções (atividades desenvolvidas pelo ) o estudante com autismo
44 O estudante participa das aulas na Sala de Recurso Multifuncional
Fonte: Reis, 2011; Capellini, 2018; Fonseca, 2011; Silva, 2011.
01 Forma
02 Habilidade
03 O que eu tenho que fazer?
04 Como eu sei que acabou?
05 Flexibilização
06 Generalização
07 Reconstrução
Fonte: Material disponibilizado no curso “Atividades Estruturadas para pessoas com autismo. Conceitos
Fundamentais para o planejamento e construção. 16 e 17 de outubro de 2018. Maria Elisa Granchi Fonseca
SIM NÃO
01 A atividade tem estabilidade?
02 É possível flexibilizar a atividade?
03 É possível mudar a quantidade de elementos?
04 A atividade considerou posição como: esquerda para direita ou
encima para baixo.
05 Há uma área de armazenamento para os elementos?
06 Há uma área destinada a execução do trabalho?
07 A atividade deixa claro o objetivo?
Fonte: Material disponibilizado no curso “Atividades Estruturadas para pessoas com autismo. Conceitos
Fundamentais para o planejamento e construção. 16 e 17 de outubro de 2018. Maria Elisa Granchi Fonseca.
APÊNDICE A
___________________________
Assinatura do Responsável
APÊNDICE B
AUTORIZAÇÃO DA ESCOLA
APÊNDICE D
___________________________
Assinatura do Responsável