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POLÍTICA E SOCIEDADE
INFLUÊNCIA DA ARTE
ARTE NA DITADURA MILITAR BRASILEIRA
Data: ___/___/2022
A Deus, pela disposição, força e saúde que vêm Dele, que esteve e está comigo em todos os
momentos da minha vida.
A minha família, em especial a meus pais. Obrigada por me mostrarem desde sempre o
caminho certo e me apoiarem a cada passo da minha trajetória .
À minha orientadora, professora Fátima, por todo o apoio e orientação, ao indicar o caminho
para a construção desse trabalho.
SHAKESPEARE, W.
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RESUMO
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................8
2 CONCEITOS IMPORTANTES E TRAJETÓRIA HISTÓRICA...................................10
3 RELATOS…………………………….................................................................................16
4 ARTE COMO FORMA DE RESISTÊNCIA………........................................................22
5 TROPICÁLIA………………………..................................................................................28
6 CHICO BUARQUE……………………….........................................................................32
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………..........................................................................35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS……………………………………………………..37
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1- INTRODUÇÃO
A ditadura militar no Brasil, que teve início após o golpe de 1964, é e deve ser um dos
fatos mais tratados e marcantes para a história do Brasil, tanto social quanto politicamente. Já
que desfez a democracia e o cenário multipartidário que estava em vigor anteriormente, dando
início aos 21 anos de absolutismo militar e da repressão das liberdades políticas, período este
que trouxe severos reflexos para a qualidade da democracia no Brasil, em face do longuíssimo
período de ruptura da ordem institucional legal, além de ter moldado o cenário institucional
sugeridos, mas teriam poucas chances, tendo em vista que os presidentes eleitos eram
escolhidos dentro das Forças Armadas.
No tocante a cultura, anteriormente ao contexto tratado, já se passava um momento
de forte aspiração progressista, que mesmo de certa forma interrompida, seria o pontapé
inicial para que a cultura se tornasse um dos grandes espaços da resistência contra a ditadura,
com a classe artística desempenhando um papel protagonista durante todo o período. Seu
discurso conjugava além da representação, também, a dor, a luta, o sofrimento e a resistência
contra o arbítrio militar.
Diversas manifestações artísticas surgiram nesse momento, a fim de criticar o
governo e se colocar contra os abusos que ocorriam. Nas artes visuais, as obras passaram a
fugir do convencional e a partir dali estarem em todos os cantos como forma de protesto. Na
música, diversos dos maiores nomes brasileiros como Chico Buarque, Caetano Veloso, Nara
Leão e Gilberto Gil estiveram na linha de frente da resistência, com músicas e apresentações
críticas e provocativas que se tornaram hino em movimentos como “Diretas já”, que
introduziria o fim do regime. Foi também com diversos outros cantores que se formara o tão
influente em diversos aspectos, movimento tropicalista. Já no teatro a luta se resumia em se
mostrar ao público e ao sistema, dizer em voz alta aquilo que incomodava, mesmo sabendo
dos perigos de ser da contraposição, com diversas produções teatrais consideradas pelo
governo como subversivas.
Será tratado também, as censuras aos meios artísticos, assim como, muitos atores,
diretores, artistas plásticos e cênicos, cantores e compositores, que sofreram os revezes da
prisão e do arbítrio, além da perseguição frequente, muitas vezes levando a morte e torturas
extremas, tanto entre as personalidades citadas, como também contra os militantes da época.
Em face do exposto, esse trabalho possui como objetivo principal examinar a
importância da arte na resistência contra a ditadura militar, destacando a influência das
manifestações, artistas e grupos, bem como, a participação ativa da classe artística neste
período tão conturbado da história do Brasil como um dos personagens principais na luta
contra a ditadura militar. Para tanto, procuraremos construir o diálogo das artes no Brasil
inserindo dentro da moldura política do período com o intuito de contextualizá-lo
historicamente, ou seja, colocando as manifestações artísticas, seus grandes nomes e
produções, face a face com o processo histórico de resistência democrática a ser tratado em
forma de música, encenação, pintura, escultura.
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“A Ditadura Militar foi um período mais cruel da história do Brasil, particularizando mais de
20 anos de violações de direitos que rompeu com o desenvolvimento democrático construído
por lutas travadas pela classe trabalhadora, proporcionando um desmonte nos avanços sociais.
[...] pretendemos fazer um breve resgate do Golpe de 1964 para adiante, refletirmos
basicamente a importância dos registros como constituição da memória como mecanismo de
defesa da verdade e promoção da justiça.”
já que com isso, as pessoas poderiam ser presas sem prova alguma ou motivo justificável,
uma grande oportunidade para os militares controlarem com maior intensidade a oposição,
estava dentro da lei que os opositores pudessem ser presos, sequestrados, torturados e mortos.
Ainda sobre os movimentos de contraposição, surgiu a Guerrilha, organização
armada atuando principalmente no campo. Os guerrilheiros promoviam assaltos a bancos e
carros fortes, para manter seu grupo e financiar suas ações. Além de executar sequestros a
líderes da ditadura, pretendendo “trocá-los” por grandes nomes da oposição que haviam sido
presos, como estudantes, artistas ou próprios guerrilheiros. Aconteciam também assassinatos
de governantes pela Guerrilha, com intuito de demonstrar seu descontentamento.
Assim, seu propósito era sabotar o regime por vias indiretas, usando por exemplo,
de nomes falsos para cumprir suas ações, já que não era mais permitido se impor através de
textos, artigos, palestras e qualquer demonstração pacífica.
Existem alguns colaboradores da Guerrilha presentes na política brasileira até os
tempos atuais, como a ex-presidente Dilma Rousseff e José Dirceu, que era inclusive visto
como “colírio” do movimento por sua aparência, e passou a representar um símbolo
esquerdista entre os jovens.
Se encerrando então o mandato de Costa e Silva, seu vice-presidente e sucessor
seria Pedro Aleixo, porém o mesmo não era militar, o que não foi bem visto entre as Forças
Armadas, já que, se Pedro assumisse o poder, a ditadura deixaria de ter o caráter de
militarismo. Com isso, os militares conseguiram aplicar um golpe que burlasse a linha de
sucessão programada para a presidência, colocando no poder Emílio Garrastazu Médici.
Médici se tornou o presidente mais conhecido da ditadura, pois foi em seu governo
que se instaurou o ápice da repressão, onde aconteceram o maior número de mortes,
sequestros, torturas e entre outros.
Entretanto, no mesmo contexto ocorria o milagre econômico brasilleiro, entre 1968
e 1973, no qual o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro teve um crescimento proeminente,
seja por investimento de outros países, investimento estatal do Brasil e investimento nacional
privado. Além da chegada ao país de símbolos de desenvolvimento para a época, como os
eletrodomésticos. Obteve-se um avanço na engenharia civil, sendo construídas obras como a
Ponte Rio - Niterói e Rodovia TransAmazônica, grandes projetos que geraram muitos
empregos mas ainda assim envolveram um enorme desvio de dinheiro.
O arrocho salarial citado anteriormente, continuou acontecendo na fase do milagre
econômico, porém de forma menos evidente, porque como a inflação estava decaindo, os
salários não precisariam de tanto aumento para acompanhar proporcionalmente.
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É importante enfatizar que essa foi uma etapa de alta propaganda ufanista no
Brasil, incluindo exaltação do país e do governo vigente, de onde pertence a frase conhecida
“Brasil, ame-o ou deixe-o” característica da ditadura, além do destaque no crescimento do
país e na ideia de ser uma grande potência. No governo de Médici o Brasil ganhou a copa do
mundo de 1970, e essa vitória também serviu de propaganda para ressaltar que os militares
haviam realizado tal crescimento.
O governo de Médici permite argumentos tanto para os defensores quantos aos
opositores da ditadura, considerando que houveram pontos altos e baixos. Mas ainda assim,
não se faz coerente defender o regime com a alegação da melhora econômica, acatando que
tal mudança ocorreu por conta das medidas demasiadamente impopulares impostas nos
governos anteriores.
A seguir do terceiro governo da ditadura brasileira, na década de 70, os militares
passaram a perceber que o regime teria seu fim, já que a manutenção do mesmo não estava
mais sendo possível efetivamente. Com o cenário mundial passando pela crise do petróleo, e
fazendo com que a economia global entrasse em recessão. Por conseguinte, a fase do milagre
econômico brasileiro passa a decair, juntamente com o PIB anteriormente mais do que
regular, ressurgindo o aumento descontrolado da inflação e iniciando a ascensão de uma nova
crise na economia. Além da desaprovação da população com a forma de governo, que por
mais que não pudesse ser demonstrada claramente, era perceptível entre os líderes. Dessa
forma, previsto então o desfecho da ditadura, os militares passaram a programar um fim
gradual e controlado.
O início do fim do regime, aconteceu no governo de Ernesto Geisel, onde foi
introduzido um processo de abertura política. No entanto, não se tratava de uma abertura
democrática, considerando que, como citado acima, precisaria ser controlada, visando
consolidar governos que fossem fiéis aos militares e atendessem seus interesses nos anos
seguintes. Tal processo falhou de maneira incontestável, por conta das concessões realizadas
terem afetado brutalmente a população, tornando a luta por um regime verdadeiramente
democrático ainda mais intensa.
Houve reação contra as revoltas instauradas, essa reação deu-se com grupos de
militares que não aceitavam o abrandamento do regime. Um caso simbólico é o do Atentado
do Riocentro, em 1981. Nessa ocasião, as forças armadas resolveram realizar um atentado à
bomba em um centro de convenções onde estavam sendo realizados eventos em
comemoração ao Dia do Trabalhador, os então opositores aos movimentos estavam armando
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uma bomba em um carro quando ela acabou explodindo acidentalmente. Um dos envolvidos
no atentado acabou morrendo.
Posteriormente a tal ocorrido, as primeiras medidas tomadas para a abertura
democrática, envolveram a revogação do ato institucional número cinco, o decreto de Anistia,
o qual perdoava todos os crimes políticos cometidos durante a ditadura militar, além de ser
permitida a criação de novos partidos políticos. Com isso surgiram cinco novos partidos:
-Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) (conversão do MDB);
-Partido Democrático Social (PDS) (conversão do Arena);
-Partido dos Trabalhadores (PT);
-Partido Democrático Trabalhista (PDT);
-Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
O fracasso da abertura controlada da ditadura se deu durante o governo de João
Figueiredo, onde a movimentação popular que acontecia permitiu a conquista do direito de
eleger governadores em 1982, e então entre 1983 e 1984 o povo se engajou potencialmente na
Campanha das Diretas Já , que foi um movimento político de cunho popular com objetivo de
retomar as eleições diretas para presidente da República no Brasil, tendo mobilizado milhões
de pessoas em comícios e passeatas. Contou com a participação de partidos políticos,
representantes da sociedade civil, artistas e intelectuais.
Infelizmente, nesse primeiro momento a campanha falhou, sendo mantidas as
eleições indiretas para presidente, onde o candidato dos militares era Paulo Maluf, e o
candidato a oposição era Tancredo Neves, tendo como seu vice-presidente, José Sarney,
regente do governo responsável pelo fim da ditadura.
Com o falecimento de Tancredo Neves, José Sarney assumiu a presidência, e foi o
governante do país durante o processo de reconstrução da democracia. Um dos atos mais
marcantes passados em seu mandato foi a elaboração de uma nova Constituição para o Brasil,
realizada pela Assembleia Constituinte formada em 1987.
A Assembleia passou a se reunir em fevereiro do mesmo ano e só teve suas
atividades encerradas em setembro de 1988. Além dos deputados federais e senadores, havia
também a presença dos “notáveis”, isto é, especialistas em diversos assuntos que diziam
respeito à cidadania, à educação, à jurisprudência, ou seja, a todos os assuntos correlacionados
ao jurídico de uma Constituição Federal.
Tal organização teve também a presença de congressistas de quatro partidos
principais: o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), o PTB (Partido
Trabalhista Brasileiro), o PDS (Partido Democrático Social) e o PFL (Partido da Frente
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3. RELATOS
Neste capítulo, poderemos observar os relatos por trás daqueles que vivenciaram a
ditadura militar brasileira, para compreender a profundidade por trás do regime e sermos
ainda mais contrários a essa fase de nossa história. Toda a violência, sofrimento, abuso,
prisões e torturas que se passaram naquele momento atingiram não só os envolvidos na
política, por exemplo, houveram estudantes, mulheres, crianças, idosos, e etc, afetados
eternamente pela situação.
Um dos casos mais conhecidos de brutalidade na ditadura, e que gerou extrema
revolta entre a população, sendo marco do início de movimentos a favor da democracia e
contra a violência, foi o caso da morte do estudante Edson Luís de Lima Souto.
Edson, era um jovem paraense de 17 anos, nascido em Belém, no dia 24 de
fevereiro de 1950, filho de João Santos e Maria de Belém Lima Souto, iniciou os estudos na
Escola Estadual Augusto Meira, na cidade em que nasceu, e mudou-se para o Rio de Janeiro,
onde completaria o segundo grau, assim como muitos estudantes que iam do interior a cidade
grande em busca de trabalho e melhores condições de aprendizado.
O mesmo foi assassinado no dia 28 de março de 1968, durante o mandato de Costa
e Silva, com tiro no peito pela polícia militar, no restaurante central dos estudantes, também
conhecido como “Calabouço”, após reivindicar melhorias no local, que oferecia alimentação a
baixo custo no centro do Rio, era inclusive um complexo de serviços com preços populares
que estava ameaçado de fechamento.
Seu corpo foi levado por seus colegas e companheiros até a Assembleia
Legislativa, coberto pela bandeira nacional e pela bandeira do “Calabouço”, também por
diversas mensagens de protesto. O funeral de Edson foi acompanhado por mais de 50 mil
pessoas que se aglomeravam em frente a câmara em intenso clima de revolta, até o enterro,
que aconteceu no cemitério São João Batista. A morte do jovem gerou ainda mais necessidade
entre a população de se mostrar contrária a situação, onde ele se tornou símbolo de todos os
movimentos estudantis da época, e diversos grupos mostraram seu apoio, como por exemplo,
no Teatro Princesa Isabel do Rio de Janeiro, a peça em cartaz era “Roda Viva”, e os atores do
elenco, após tomarem conhecimento do incidente fizeram um minuto de silêncio, e logo em
seguida interromperam a apresentação para seguir até o funeral do estudante contando com a
presença de diversos artistas convidados que estavam no teatro.
Outro caso que é símbolo de defesa à democracia brasileira, por conhecimento da
legislação e experiência própria pelos horrores da ditadura, é a ex-presidente Dilma Rousseff.
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existe liberdade de expressão, e não há verdade diante da morte e do sofrimento absoluto por
segundos ou minutos que se tornam horas. Observar o posicionamento em relação à ditadura
militar, daqueles que possuem cargos políticos atualmente, é prevenir tal situação. Como
quando, Dilma Rousseff, após relatar ter sofrido golpes na mandíbula e ter perdido um dente
ao ser torturada em Juiz de Fora, foi motivo de chacota pelo atual presidente do Brasil Jair
Bolsonaro que disse em resposta à mulher: “Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a
mandíbula dela. Traz o raio-X para a gente ver o calo ósseo. Olha que eu não sou médico, mas
até hoje estou aguardando o raio-X” posicionamento de ironia que já foi reproduzido por
diversas vezes em diversos contextos.
Mesmo existindo diversos relatos dos sofrimentos da ditadura de pessoas influentes
no cenário brasileiro, é necessário perceber também o quanto o regime afeta diretamente toda
a população, não só aqueles que estão envolvidos politicamente, já que com todas as leis sem
fundamentos em direitos humanos básicos, que foram impostas em tal instante, não era
possível saber se em qualquer momento alguém poderia “ser confundido”, preso, torturado e
até mesmo morto sem punição ou justificativa nenhuma, familiares sequestrados, o medo de
existir, de falar, de se impor em sociedade, era o sentimento que cercava a população
brasileira.
Aurora Maria Nascimento Furtado, nascida em 17 de junho de 1946 na cidade de
São Paulo, era filha de Mauro Albuquerque Furtado e Maria Lady Nascimento Furtado,
cursava psicologia na Universidade de São Paulo e trabalhou no Banco do Brasil, na agência
do Brás. Foi militante do PCB, e pertenceu à DISP (Dissidência Estudantil do PCB/SP) e,
após o AI-5, passou a atuar politicamente na clandestinidade. Integrou-se à ALN, atuando no
Rio de Janeiro, onde foi responsável pela imprensa, publicando o jornal da organização
chamado Ação.
A mulher, na época, aos 26 anos, foi presa em 9 de novembro de 1972, no bairro de
Parada de Lucas, no Rio de Janeiro, durante uma batida policial realizada por uma patrulha do
2º Setor de Vigilância Norte, após rápido tiroteio, em que matou um policial. Depois de correr
alguns metros e esconder-se em vários lugares, foi aprisionada, dentro de um ônibus onde
havia se refugiado.
Aurora foi brutalmente torturada de diversas maneiras pelos militares, com os
métodos já citados anteriormente e várias outras crueldades. É possível entender este caso
com ainda mais sensibilidade através do relato da advogada Eny Moreira, que teve contato
direto com o corpo da mulher após o tempo de prisão.
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Eny conta que no dia 10 de novembro de 1972, foi lida por Cid Moreira, no Jornal
Nacional, a nota oficial do primeiro exército, informando que a moça, segundo eles terrorista,
teria sido morta em um tiroteio. Logo pela manhã do dia seguinte, a família de Aurora entra
em contato com a advogada, pedindo que a mesma fosse até onde se encontrava o corpo da
jovem, a fim de tentar fazer com que fosse liberado. Chegando ao cemitério, onde se
localizava, a mulher, em primeiro momento, pôde ver Aurora já dentro do caixão, coberta por
um pano branco com rasgos nos braços para simular um vestido, “Tinha um olho saltado, e o
outro completamente preto, um afundamento no maxilar, uma fratura exposta no braço,
mordidas pelo corpo, não tinha unhas nem bico de peito…” relata Eny, que se emociona ao
lembrar da cena cruel, se recorda também que Aurora, com os seus cabelos lisos e castanhos,
naquele momento tinha uma franja extremamente irregular, “Mal cortada” como diz, e ao
realizar um gesto de carinho na moça falecida, passando a mão em sua franja, de baixo para
cima, e após levantar seus cabelos, seus dedos sentiram um afundamento, e ela percebe assim,
que a última agressão que os torturadores haviam realizado, seria apertar um torniquete na
cabeça de Aurora, que por isso tinha “os olhos saltados”.
A advogada e outros responsáveis pelo corpo presentes no local, colocaram no
caixão o máximo de flores possível, com o objetivo de fazer com o que os pais da jovem não
percebessem a brutalidade que a filha havia passado. Aurora Maria Nascimento Furtado é
uma das tantas vítimas da falta de humanidade perturbadora que se passou durante a ditadura
militar no Brasil, marcas que sempre estarão presentes.
Maria Auxiliadora Lara Barcellos, mais conhecida como Dora, nasceu em 25 de
março de 1945, na cidade de Antônio Dias, em Minas Gerais, filha de Waldemar de Lima
Barcellos e Clélia Lara Barcellos, citada sempre por todos como uma pessoa alegre,
comunicativa, estudiosa, bonita e inteligente.
Desde criança dizia que seria médica, e manteve esse desejo, até passar em terceiro
lugar na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Após começar a exercer a profissão,
já em período de ditadura militar, Dora passou a se revoltar com as situações desumanas que
se passavam em seus plantões, dizia que se ir contra as mesmas fosse subversão, então ela se
considerava subversiva, sempre se questionando aos seus superiores.
Com a revolta da estudante sobre a situação do país, que crescia cada vez mais, ela
passou a se envolver em greves, movimentos, e entre outros, posicionamento que preocupava
fortemente seus pais, que sempre a contestavam com medo de sua prisão. Em uma de suas
brigas com o pai sobre seu comportamento, Dora decide se mudar, a partir desse momento
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Com a ascensão da ditadura militar no Brasil a partir no golpe de 64, a arte passou a
ser ainda mais efetivamente uma maneira de se posicionar em relação ao contexto político e
social, com isso, os artistas passaram a incorporar novas formas de serem ouvidos, mesmo
em meio a censura e repressão. As manifestações estiveram presentes na música, no teatro,
nas artes plásticas e diversos outros meios, a fim de criar obras de protesto denunciando a
dura realidade do regime militar, que serão tratadas neste capítulo.
A começar pelos protestos na música, sendo essa uma das principais formas de
expressão do ser humano, estimulando seu desenvolvimento criativo, perceptivo, imaginário e
sentimental, características de extrema importância para criação artística e para construção da
posição política clara e empática, além de ser um veículo que expõe os sonhos e anseios de
uma geração, tópico importante a ser pontuado para a construção do pensamento sobre a
música na ditadura.
Nara Leão, foi um dos maiores exemplos de resistência pela música no período
ditatorial, sempre envolvida com a arte, desde os 15 anos já participava de reuniões com o
grupo que popularizaria a Bossa Nova no país. No ano de 1964, Nara se afastou do rótulo de
cantora da Bossa Nova, se aproximando da MPB e de movimentos de esquerda como a CPC e
a UNE, e em novembro do mesmo ano, lançava seu segundo disco, que recebeu o nome
“Opinião de Nara”. A própria reconhecia o disco como um protesto contra o governo, se
colocando nitidamente contra ao que se passava, mesmo sabendo dos riscos de
posicionamentos contrários ao regime, o que fica claro na primeira música do disco intitulada
“Opinião”, escrita por Zé Keti e interpretada por Nara Leão, sem nenhum instrumento nas
primeiras frases, com o intuito de enfatizar ainda mais as palavras. Onde diz:
atingindo a tantos outros artistas, o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu um poema
em sua defesa, em 1966, quando quiseram prender e exilar a cantora por suas atitudes
subversivas. Chamado “Apelo”, o poema pedia ao Marechal Castelo Branco que não
prendesse a mulher, um texto forte e repleto de emoção que carrega potencialmente o nome
que recebeu, pedindo em seus versos:
Outra personalidade da música e contra a ditadura militar, do qual suas obras não
foram censuradas por parte do DCDP, assim como as de Nara Leão, foi Antônio Carlos
Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, ou apenas Belchior, como era e é, popularmente
conhecido. Nordestino, nasceu no estado do Ceará e migrou para o Rio de Janeiro para tentar
viver de música. Seu conhecimento em proporção nacional se deu principalmente após Elis
Regina, um dos maiores nomes da música nacional, ter gravado “Como Nossos Pais” e “Velha
Roupa Colorida” em seu disco Falso Brilhante, se referindo a primeira, canção que se tornou
um hino do cantor e da juventude da década de 1960, já se tratava da posição contra a
opressão da época mostrando que a ditadura civil militar visava “fechar o sinal” para protestos
e oposições, já que as perseguições e torturas a opositores do governo eram comuns pós
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instauração do AI-5, quando diz: “por isso cuidado, meu bem há perigo na esquina/ eles
venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens”.
Após o estopim de seu sucesso, em 1976, Belchior lança o disco “Alucinação”,
nele se apresenta e cita por diversas vezes o lugar de onde veio, criticando também o
posicionamento da polícia em relação aos mais pobres e migrantes, ao relatar “em cada
esquina que eu passava um guarda me parava/ pedia os meus documentos e depois sorria/
examinando o 3x4 da fotografia/ e estranhando o nome do lugar de onde eu vinha”, na
canção “Fotografia 3x4”. Além disso, é possível perceber a convicção do artista sobre a
influência da música na sociedade, um exemplo da clareza desse argumento aparece em
“Apenas um Rapaz Latino-Americano” de Belchior, onde ele parece falar diretamente com os
militares: “não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve/ correta, branca, suave,
muito limpa, muito leve/ sons, palavras, são navalhas/ e eu não posso cantar como convém
sem querer ferir ninguém”.
Mesmo não se privando de demonstrar seus posicionamentos e críticas sobre o
período, o cantor sabia dos perigos de ser efetivamente da contraposição, citando
frequentemente a insegurança de sobreviver em meio a uma ditadura, e relatando a apreensão
de nunca saber o que poderia acontecer, já que o golpe era recente e as mudanças negativas
estavam apenas no início, mesmo já sendo preocupantes, além de pontuar o sentimento de
angústia, considerando que as pessoas não sabiam quem poderia morrer de uma hora pra
outra, pois se você criticava o governo, tinha grandes chances de ser levado aos porões da
ditadura.
Se referindo ao teatro no período ditatorial, primeiramente ao conceito, para
entendermos sua funcionalidade na época. O teatro, compondo-se pela estrutura de palco,
coro, protagonistas, e imprescindivelmente espectadores, possui uma construção que se
propõe a retirar o espectador de seus próprios pensamentos, e a partir daí, assumir a visão e
os pensamentos no protagonista, e até mesmo se sentir como ele. Ao relacionar tal
intervenção do teatro para com o público é possível considerar a importância desta
manifestação na formação da opinião pública e em períodos históricos.
Após o AI-5, a censura federal proibiu mais de quinhentos filmes, quatrocentas
peças de teatro, duzentos livros e milhares de músicas, nesse processo de realizar a censura
prévia dos meios de comunicação, os censores analisavam os conteúdos das produções para
concluir quais seriam proibidos e quais liberados, porém para as encenações teatrais, havia a
possibilidade de improvisação e adição de falas não incluídas no texto previamente
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aprovado pelos censores, com isso, teatro foi o que mais sofreu restrições no período em
pauta.
Anteriormente ao ato institucional número cinco, os artistas cênicos já eram
contrários a ditadura militar, por isso, houveram algumas encenações críticas que não foram
censuradas, como “Liberdade, Liberdade”, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, no ano de
1965, que discutia o conceito de liberdade nas mais variadas épocas, e defende a necessidade
de bravura, da luta pela ciência, pela educação e pela justiça, além de citar diversos exemplos
históricos onde a resistência deu frutos permanentes para o futuro, assim como nas últimas
cenas onde o ator diz: “Quando Hitler dançou sobre o chão da França, tudo parecia perdido,
mas a cada ato de luta corresponde a um passo da vitória”, e depois afirma: “A liberdade é
viva, a liberdade vence, a liberdade vale. Onde houver um raio de esperança, haverá uma
hipótese de luta.” Se tratando então de um texto dramatúrgico e encenação de extrema força
tanto para época e considerando o regime que já acontecia e a repressão que viria logo após,
quanto para a atualidade. Foi levado também ao ao palco do Teatro de Arena, um espetáculo
musical intitulado “Opinião”, que incluia grandes nomes da música brasileira como Zé Kéti,
João do Vale e Nara Leão, que foi substituída algum tempo depois por Maria Bethânia. Na
produção comentada, a ideia continuava sendo a crítica ao governo e a resistência, porém
desta vez, a abordagem se tratava de uma coletânea de músicas onde os artistas contavam suas
histórias e colocavam para o público suas opiniões, o espetáculo foi montado com, além das
músicas, notícias de jornal, citações de livros, cenas esquemáticas e depoimentos pessoais.
O teatro brasileiro caminhava para uma transformação com a inclusão de uma
dramaturgia que delatasse a realidade do nosso país, porém precisou interromper seu caminho
devido à ditadura militar e o aumento da repressão, passando se aliar a operários e estudantes
nas denúncias de abusos de poder, e realizar suas produções que mesmo de forma discreta não
deixavam de impor suas críticas ao governo.
Augusto Boal, diretor de “Opinião”, enxergou no momento tratado uma
oportunidade para revolucionar o teatro da época, quando no auge da ditadura, era impossível
a encenação de espetáculos teatrais populares de temáticas políticas, Boal então começou a
trabalhar com uma técnica intitulada, “Teatro Jornal”, essa técnica consistia em ir para os
espaços públicos e denunciar a ditadura militar brasileira ao recriar as versões das notícias que
eram publicadas nos jornais, impedidos de divulgar informações contrárias ao regime militar.
Infelizmente após um ano o diretor foi preso, torturado e por fim, exilado, porém toda essa
movimentação fez com que o Teatro do Oprimido, método de sua criação, se espalhasse pelo
mundo, primeiramente na América Latina e mais tarde na Europa.
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Tratando por fim das artes visuais como meio de resistência ao regime militar, foi
ela a que mais assumiu esse ideal de ruptura e transgressão, tanto estética quanto
comportamental, ao reinventar seus modos de produção e exposição, indo além de galerias e
museus. Nesse meio, a mudança necessária para o contexto começava a partir da reeducação
do olhar, passando a questionar seus meios de criação, foi um momento de intensa
experimentação para criar artes que saíssem do convencional e assim pudessem realizar suas
críticas.
Após a reflexão dos artistas referente a mudança que deveria acontecer,
considerando a repressão da época, passaram a ser criados movimentos que nomeavam as
novas formas de criação. Nesse momento, um artista não tinha mais uma forma limitada de
atuação, como por exemplo, a pintura ou escultura. Performances, cartazes, pichações e até
produtos industrializados modificados passaram a compor o catálogo das artes brasileiras.
Os novos formatos foram intitulados “nova figuração” ou até mesmo “arte
conceitual”, e se adaptaram conforme a pop art norte-americana, movimento que se
desenvolveu na década de 1950, na Inglaterra e nos Estados Unidos. A pop art consistia em
criticar de forma irônica a vida cotidiana, materialista e consumista. Latas de refrigerante,
embalagens de alimentos, histórias em quadrinhos, bandeiras, panfletos de propagandas e
outros objetos serviram de base para a criação artística deste período. Os artistas trabalhavam
com cores vivas e modificavam o formato destes objetos. A técnica de repetir várias vezes um
mesmo objeto, com cores diferentes e a colagem foram muito utilizadas. Expressão que
explica de forma objetiva o que ocorria com as artes visuais no Brasil após o AI-5.
Um exemplo de destaque para a nova figuração das artes brasileiras é o escultor e
pintor brasileiro Cildo Meireles, que com de suas obras teve atuação durante a ditadura
militar. A partir do seu conceito de produção podemos compreender com mais clareza as
manifestações artísticas da época. Conhecido internacionalmente, Cildo cria os objetos e
instalações que diretamente levam o observador a uma experiência sensorial completa,
questionando, entre outros temas, a ditadura militar no Brasil e a dependência do país na
economia global, além de ressaltar frequentemente a problemática do direito privado, do
mercado e da elitização da arte, ao gravar em seus trabalhos deste período a frase: “a
reprodução dessa peça é livre e aberta a toda e qualquer pessoa”. Com isso, o artista ganha
destaque com sua obra criada durante o regime ditatorial chamada “Quem matou Herzog?”,
onde carimbou a frase em notas de cruzeiro, passando uma mensagem explícita e anônima
sobre a morte de Vladimir Herzog, um jornalista militante do Partido Comunista Brasileiro
que foi chamado pelos militares para um interrogatório e nunca mais voltou. Segundo os
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militares ele havia se suicidado, mas estava bem claro que ele havia sido torturado até a
morte. Com a pergunta carimbada nas notas, Cildo fez com que sua indignação e seu protesto
passasse de mão em mão sem sofrer qualquer tipo de repressão.
O caráter político de suas obras não se revela apenas em “Quem matou Herzog?”,
mas também em trabalhos como Tiradentes – Totem-monumento ao Preso Político (1970),
obra da qual Cildo executou uma ação realmente inesperada. Diante de uma plateia atônita,
que compareciam para a mostra Do Corpo à Terra, o artista amarrou dez galinhas a uma
estaca de madeira e, depois de encharcá-las com gasolina, incendiou-as vivas, num ritual
público de grande crueldade. A execução da obra foi um momento crucial da história da arte
brasileira. Sendo considerada uma crítica brutal ao regime militar e ao desaparecimento de
seus opositores promovido pelo Estado. Além da obra Inserções em Circuitos Ideológicos,
que incluía dois projetos, o projeto Coca-cola, e o projeto Cédula, ambos com o intuito de
tratar as formas de circulação e alcance da arte na sociedade, defendendo a ampliação da
igualdade de acesso à comunicação de massa. A obra nasceu da necessidade de se criar um
sistema de circulação, de troca de informações, que não dependesse de nenhum tipo de
controle centralizado. Um sistema que, na essência, se opusesse ao da imprensa, do rádio, da
televisão, exemplos típicos de mídia que atingem de fato um público imenso, mas que está
sempre presente um determinado controle e um afunilamento da inserção. Neles a ‘inserção’ é
exercida por uma elite que tem acesso aos níveis em que o sistema se desenvolve.
Com isso, é possível associar diretamente a crítica utilizada em “Inserções em
circuitos ideológicos” com a repressão e controle de mídia que acontecia no Brasil a partir da
década de 60, fazendo com que as informações se espalhassem de maneira controlada e que
favorecesse o governo militar, ou até mesmo chegando somente à elite. A ideia da obra era
justamente levar a todo público as ocorrências da ditadura de maneira clara e objetiva. Não
era mais tão funcional trabalhar através de metáforas, a partir dali, se apresentava a situação
real.
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5. TROPICÁLIA
E eu digo "não".
E eu digo não ao "não".
Eu digo: é proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
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tornou pauta de diversos debates acalorados, que muitas vezes acabavam colocando os
tropicalistas como alvos principais após o disco.
Irrefutavelmente, o disco-manifesto do grupo, teve resultados estrondosos diante a
sociedade, seja pelos temas que reivindicavam, por além dos citados anteriormente,
anunciando a necessidade de mudança, para a compreensão da cultura brasileira, tanto de
forma ampla e adaptável, como mantendo-a unificada em suas raízes. Quanto pelo contexto
no qual surgira, principalmente com sua crítica ao nacionalismo, que pareceu áspera de
maneira inadequada para o momento, ainda mais para esquerda que tentava se reorganizar.
Em relação à democracia, e considerando a posição do projeto que percorre a
questão cultural, o movimento tropicalista procura explorar a condição desenvolvida no país
através da peculiaridade cultural e social revelando assim suas contradições, referentes ao
anacronismo que desencadearia o golpe civil-militar anos antes do lançamento do
disco-manifesto. Esse, que se inicia com o tema da religiosidade, pauta que influencia
fortemente o Estado e o povo até os dias atuais, abre com uma oração ao Pai Nosso ao mesmo
tempo que convoca o ouvinte para a revolução, e encerra-se ao som de tiros de canhão,
incluindo também um hino que presta homenagem ao Senhor do Bonfim, ou Oxalá, no
candomblé, símbolo do sincretismo religioso baiano. A ideia do disco para realizar suas
críticas acontecia de maneira áspera porém de extrema inteligência para o contexto histórico,
quando quando ao ressaltar os entremeios da religião católica e do sincretismo, convocando
uma revolução e o clamor ao santo sincrético, segue após isso, julgando distante a
possibilidade da harmonia nos conflitos, ao se utilizar do som dos tiros de canhão.
O movimento tropicalista, teve forte influência tanto na música, ao visualizarem na
antropofagia oswaldiana uma possibilidade de reafirmação da nacionalidade brasileira,
para revitalizá-la, ao invés de rechaçar a cultura estrangeira e os símbolos do
imperialismo, dando à cultura brasileira um novo sentido. Tanto quanto em relação ao
posicionamento referente à ditadura militar, quando mesmo buscando caminhos que levem a
harmonia, não desconsideram o conflito pela justiça e os direitos que estavam rompidos.
Assim como a música, que deveria se reinventar conforme as necessidades e mudanças
nacionais e mundiais, os tropicalistas, defendiam o mesmo posicionamento em relação às
práticas democráticas que devem se movimentar conforme as necessidades imediatas para
corresponder ao seu contexto e, absorver contribuições estrangeiras não como parâmetro
evolutivo, mas de maneira a ressignificá-las conforme as especificidades da sociedade
brasileira.
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6. CHICO BUARQUE
interpretada por Nara Leão, foi a ganhadora do festival pela votação do júri, mas havia grande
aclamação do público em relação a canção "Disparada" , interpretada por Jair Rodrigues, Trio
Marayá e Trio Novo, e, devido a Chico Buarque considerar "Disparada" melhor até mesmo
que a sua canção, anunciou que não aceitaria receber o prêmio sozinho, de modo que as duas
canções foram consideradas empatadas, dividindo o 1º lugar.
De qualquer forma, a música de Chico Buarque fez sucesso mundial, sendo
traduzida para vários idiomas. Desde 1978, por exemplo, ela faz parte do repertório da Band
of Irish Guards, umas das corporações musicais que se apresentam durante a troca de guarda
no Palácio de Buckingham, na Inglaterra.
Após tanto sucesso, ainda no ano de 1966, Chico se mudou para o Rio de Janeiro e
lançou seu primeiro LP pela RGE, Chico Buarque de Hollanda. Foi também neste ano que
Chico teve seus primeiros problemas com a censura do regime militar, assim que passou a se
colocar efetivamente contra o regime, como na música ‘Tamandaré’, incluída no repertório do
show Meu Refrão, que foi proibida, após seis meses em cartaz, por conter frases consideradas
ofensivas ao patrono da Marinha, cujo rosto aparecia na velha cédula de 1 Cruzeiro. Além de
ter escrito uma das produções teatrais considerada atualmente uma das mais influentes para o
período ditatorial e para a resistência da classe artística. A peça Roda Viva foi escrita no final
de 1967 e estreou no Rio de Janeiro no início de 1968, sob a direção de José Celso Martinez
Corrêa. Seu enredo conta a história de um ídolo da canção que decide mudar de nome para
agradar ao público, em um contexto de uma indústria cultural e televisiva nascente no Brasil
dos anos 60. O personagem é a representação de uma figura manipulada pela indústria
fonográfica e/ou imprensa, que promove uma reflexão acerca da sociedade de consumo.
Porém, o que marcou a peça foi a sua agressividade proposital com o intuito de chocar o
público para os problemas que cercavam o país na época.
Mesmo com a peça já sendo por si só motivo de diversas reflexões e alvoroços
durante o regime, foi em 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro, durante a ‘Passeata dos Cem
Mil‘, que seu nome ganhou ainda mais proporção. A passeata reuniu estudantes, artistas e
intelectuais em um protesto contra a ditadura militar, e Chico foi um dos artistas que
participantes, assim como Gilberto Gil e Caetano Veloso. Durante a manifestação, acontecia
uma das tantas apresentações de Roda Viva, e foi naquele momento, que o comando do CCC
– Comando de Caça aos Comunistas – invadiu o teatro Galpão, em São Paulo, depredando as
instalações e espancando atores e técnicos da montagem da peça.
Dias após a decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de Dezembro de 1964,
Chico é detido em sua própria casa e levado ao Ministério do Exército para prestar
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depoimento sobre a sua participação na “Passeata dos Cem Mil” e a respeito das cenas
exibidas na peça ‘Roda Viva‘, consideradas subversivas. Com isso, e já que a situação no
Brasil estava cada vez mais opressora para o povo, especialmente para a classe artística, o
cantor acabou optando por se auto exilar na Itália. Por mais de um ano ele viveu por lá,
retornando apenas em 20 de março de 1970. A recomendação de seu grande amigo Vinicius
de Moraes, para quando ele voltasse ao Brasil, foi a seguinte: “Quando voltar, volte fazendo
barulho”, disse, para que ninguém “desaparecesse com ele”.
Posteriormente a tanta perseguição e repressão em relação a Chico Buarque, com
diversas músicas proibidas, sendo consideradas ofensivas e subversivas, o artista acabou se
afastando dos palcos por nove anos, limitando-se a participar de eventos em benefício de
causas sociais. Infelizmente, ao regressar para o Brasil, foi detido pelo DOPS junto de sua
mulher, Marieta Severo. E em 1983, apesar de negar qualquer relação da música com o
movimento, Chico compôs o samba “Vai Passar”, que, no ano seguinte, se tornaria uma
referência na campanha pelas “Diretas Já”, da qual participou ativamente. A letra contendo a
visão de futuro e a descrição de tempos ruins não poderia deixar de conter influência para o
momento que aproximaria o fim da ditadura militar, dizendo em seus versos:
Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Não somente em “Vai passar”, é possível entender como era viver o período
ditatorial. Podemos obter o mesmo compreendimento em diversas outras composições como
por exemplo nos versos de “Apesar de Você”, que dizem: “Hoje você é quem manda / Falou,
tá falado / Não tem discussão” –, contraponto de quem não quer desistir: – “Apesar de você /
Amanhã há de ser / Outro dia”.
Em 15 de março de 1985, após um período de 21 anos de repressão, opressão e
violência, chega ao fim a ditadura militar no Brasil.
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A produção teatral durante a época da ditadura militar - Por: Paula Fabianne Santos -
Disponível em:
https://openrit.grupotiradentes.com/xmlui/bitstream/handle/set/2324/A%20PRODU%C3%87
%C3%83O%20TEATRAL%20DURANTE%20A%20%C3%89POCA%20DA%20DITADU
RA%20MILITAR%20%28UNIT-SE%29.pdf?sequence=1 - Acesso em: 05/10/2022.
1964: O BRASIL ENTRE ARMAS E LIVROS. Direção: Lucas Ferrugem, Filipe Valerim.
Produção de Brasil Paralelo. Brasil: Brasil Paralelo, 2019. YouTube.