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questões históricas
D
esde os acontecimentos do 8 de janeiro, a discussão sobre responsabilização
vs. anistia ganhou enorme fôlego. Os gritos de “Sem Anistia!” que já
haviam sido ouvidos na posse de Lula multiplicaram-se, e o coro contra a
impunidade foi engrossado.
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Uma das ações dessa operação consiste em isolar meia dúzia de militares que
participaram diretamente da tentativa de golpe para que sejam investigados e,
eventualmente, punidos. Quando Lula e os comandantes das três Forças
almoçaram juntos em 20 de janeiro, a imprensa noticiou que um dos objetivos dos
militares era sinalizar seu desejo de “virar a página”. A demissão do comandante
do Exército, Júlio César de Arruda, cuja postura escancarou a conivência do
Exército com os golpistas, veio horas depois. Apesar da importância do gesto de
Lula, a exoneração de Arruda não será suficiente para alterar o cenário se não
vier acompanhada de outros movimentos que imponham a autoridade civil sobre
as Forças Armadas.
“Pacificar” e “virar a página” são termos que, ao lado de outros que vêm sendo
amplamente utilizados – tais como “esquecer” e “conciliar” –, remetem de
imediato ao contexto da redemocratização nos anos 1980, depois de duas décadas
de ditadura militar. A memória daqueles tempos tem sido muito evocada pelas
palavras de ordem que recusam uma nova anistia.
Desde meados dos anos 1970, quando teve início a autoproclamada “abertura
lenta, gradual e segura”, um dos objetivos principais dos militares se tornou
garantir não apenas a impunidade dos torturadores, mas também o esquecimento
do passado. Esse é o sentido profundo da Lei de Anistia de 1979: impedir a
responsabilização criminal, é claro, mas também garantir que as Forças Armadas
não seriam vistas, pela opinião pública e pelo conjunto da sociedade, como
responsáveis pela violência da repressão e pela tragédia econômica e social do
regime.
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Uma operação militar, é claro. Mas que não poderia ter sido bem-sucedida se não
tivesse contado com a ampla complacência das elites políticas civis e da
imprensa. Um amplo conjunto de sujeitos e grupos, que não tinham interesse
algum em remexer o passado, se engajaram fortemente para vetar qualquer
tentativa de que a transição para a democracia passasse pelo reconhecimento e
pela reparação das violências da ditadura.
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E
m fevereiro de 1981, a ex-guerrilheira Inês Etienne Romeu veio a público
relatar a existência de um centro clandestino de tortura e desaparecimento
forçado operado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) em
Petrópolis, Rio de Janeiro. Como única sobrevivente do local conhecido como
Casa da Morte, Inês guardou ao longo dos anos em que esteve presa informações
que a permitiram, mais tarde, rastrear o local exato da casa.
Libertada da prisão pela Lei da Anistia, em fevereiro de 1981 ela foi até
Petrópolis, acompanhada de militantes, políticos, advogados e da imprensa, para
reconhecer o imóvel e ajuizar uma ação contra seu dono, um alemão que havia
cedido a casa para o CIE. A denúncia pública de Inês foi o primeiro episódio pós-
anistia em que o termo “revanchismo” esteve no centro do debate público.
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A ação de Inês Etienne, pouco menos de dois anos após a promulgação da lei,
recolocava essa discussão em cena. Isso porque Etienne reivindicava, mesmo
como ex-integrante da luta armada, o reconhecimento público de que a violência
a que fora submetida em um centro clandestino de prisão e tortura era ilegítima e
deveria ser condenada – se não pela Justiça, ao menos pela opinião pública. Por
sua vez, a declaração de Jardim de Matos apontava para a forma como os
militares responderiam a esse tipo de reivindicação: não seria aceitável mexer nos
termos cristalizados pela Lei da Anistia sobre as vítimas do passado, em nome da
“paz e tranquilidade” do presente.
A
segunda vez em que o debate sobre o “revanchismo” ganhou as primeiras
páginas dos jornais foram as eleições gerais de 1982. Tratava-se de eleições
grandes, para vários cargos. O bipartidarismo havia acabado, e inúmeros
políticos cassados pela ditadura puderam participar do pleito. Numa tentativa de
manter o processo sob controle, o regime baixou um pacote eleitoral em
novembro de 1981, proibindo as coligações eleitorais e introduzindo a exigência
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do voto vinculado.
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O
próximo momento-chave do processo seria a sucessão do general-ditador
João Baptista Figueiredo. O que o regime não esperava era o surgimento
de uma ampla mobilização popular cuja demanda central era o retorno
às eleições diretas para a presidência da República. Capitaneada por lideranças
da oposição, a campanha das “Diretas Já!” representou o ápice da participação
popular na tentativa de alterar os rumos previstos pelo regime para a abertura. E
o tema do “revanchismo” ocupou enorme espaço no debate público.
Para os militares e as elites políticas dirigentes do regime, uma das razões para
manter sob estrito controle a sucessão de Figueiredo e impedir eleições diretas era
o temor do “revanchismo”. O governo e seus apoiadores argumentavam que não
era a hora de permitir eleições diretas, pois isso atropelaria a dimensão “lenta,
gradual e segura” prevista pelos militares para a abertura, abrindo caminho para
uma suposta radicalização.
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O
discurso do “revanchismo” daria o tom não apenas do debate sobre as
eleições diretas, mas também de todo o processo sucessório após a
derrota da emenda Dante de Oliveira [que estabelecia as eleições diretas].
Aliás, mesmo antes da votação, as lideranças da ala mais conservadora do PMDB
já não acreditavam na possibilidade de aprovação da proposta e passaram a se
articular para o Colégio Eleitoral, instituição que seria responsável pela eleição
indireta do sucessor de Figueiredo.
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O assunto era tão sensível que o jornal publicou um editorial, na mesma página,
intitulado “No centro, o núcleo da transição”. “A transição democrática”, diz o
texto, “é um processo tão complicado e difícil que só pode ser levado a termo por
uma aliança amplíssima de forças políticas. O eixo desse acordo só pode ser,
consequentemente, um núcleo de forças centristas.” Caracterizando a Aliança
Liberal como o “centro”, o jornal apontava o movimento como a “configuração
necessária do sistema de alianças para o aprimoramento do regime”. E concluía:
“Na medida que transição, acordo e centrismo são termos indissociáveis da
equação que rege o momento crucial da vida política, os extremos – tudo que não
pode ser assimilado pelo centro – ficam desorientados.”
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Em agosto de 1984, após Maluf ser escolhido como candidato do PDS para o
Colégio Eleitoral, os movimentos políticos que vinham sendo costurados foram
efetivamente concretizados. Sarney migrou de vez para o PMDB, levando com ele
a Frente Liberal e sendo indicado para compor a chapa presidencial como vice de
Tancredo.
“A minha candidatura não tem nem poderia ter qualquer sentido revanchista”,
afirmou Tancredo em entrevista em setembro de 1984. “Não é antirrevolução,
mas pós-revolução. A grande maioria dos brasileiros é de jovens cujo interesse
não é o exame do passado, mas a construção do futuro, com a solução dos graves
problemas que afligem o país, enfim, com o destino do Brasil, que nos cabe
assegurar.”
A fala mereceu mais um editorial elogioso de O Globo. Cada vez mais se afirmava
que só haveria democracia se o passado fosse deixado para trás.
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A
ssim como os comandantes das Forças Armadas de 2023 parecem estar
dispostos a entregar algumas cabeças para o abate, diante da
impossibilidade de negar a participação dos militares nos atos do 8 de
Janeiro, também na redemocratização foi necessário fazer ajustes na base para
assegurar o topo.
A existência de uma extrema direita militar era muito conveniente para a cúpula
das Forças Armadas e para os dirigentes do regime que buscavam se apresentar
como o caminho do meio, da moderação. Esses ataques permitiam aos
condutores da abertura atualizar o discurso de que havia “dois lados”,
igualmente “radicais”. Nos primeiros anos da década de 1970, quando corria o
auge da repressão, as torturas e os crimes ficaram tão evidentes que seria
impossível simplesmente negar sua existência. Naquele momento, a saída dos
militares foi reconhecer a existência de “excessos individuais”.
Já em meados dos anos 1980, a ideia de “dois lados” passou a permitir uma falsa
equivalência entre terroristas militares de extrema direita que explodiam bombas
em shows, de um lado, e vozes dissonantes que reivindicavam memória,
verdade, reparação e justiça para as vítimas da ditadura, de outro.
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medo do “revanchismo”.
Com base nessa leitura da história da presença militar na vida do país, o que se
buscava era apresentar as Forças Armadas como representantes da “moderação”,
e, portanto, como um ator que, ao lado das elites políticas – também
“moderadas”, como o seriam Tancredo e Sarney – garantiria o caminho da
redemocratização.
Mas mesmo as constantes sinalizações para as Forças Armadas não eram capazes
de impedir que as ameaças da caserna se fizessem sentir no curso daquele
processo. Em um comício de Tancredo em Goiânia, em setembro de 1984,
militantes levaram bandeiras vermelhas. Foi o suficiente para ensejar a
convocação de uma reunião do Alto Comando do Exército em Brasília, cujo
objetivo era o de analisar a “conjuntura político-eleitoral”.
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E
m 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral se reuniu. Dos 686 presentes,
480 deram seu voto à chapa da Aliança Democrática. Com isso, sagrou-se
vitoriosa a articulação de setores moderados do antigo MDB com
dissidentes da antiga Arena para conduzir a sucessão e o primeiro governo civil
após duas décadas.
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Mesmo após eleito, Tancredo fez questão de reafirmar seu compromisso com a
“conciliação” e contra o “revanchismo”. Em um ato carregado de simbolismo, foi
visitar a Espanha. O país europeu havia superado a ditadura de Francisco Franco
em 1976, tendo como marco de sua redemocratização o Pacto de Moncloa, um
acordo que envolvera variadas forças políticas e sociais para viabilizar uma
transição pactuada para uma nova ordem.
Mas o papel desempenhado por Tancredo e sua costura política em torno de uma
candidatura capaz de levar adiante o penúltimo capítulo da abertura “lenta,
gradual e segura” – o último estava por vir, na forma da Assembleia Nacional
Constituinte – sem que qualquer risco se apresentasse para os militares,
continuou sendo louvado pela imprensa. Em editorial de agosto de 1985, já
celebrando o papel desempenhado por Tancredo, O Globo fazia uma vinculação
explícita entre a Nova República e o repúdio ao revanchismo. “A anistia está na
lógica e na base da Nova República”, afirmava o texto. “E nunca será demais
lembrar que a Nova República não nasceu de uma demonstração de força –
revolução, deposição, golpe etc. – contra os expoentes e representantes do regime
anterior. Nasceu precisamente do espírito de conciliação e dos compromissos de
transigência que serviram de ponte à transição institucional e nos fizeram chegar,
serenamente, à realidade da alternância de poder.”
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Lucas Pedretti
Historiador e sociólogo, integra a Coalizão Brasil Memória, Verdade, Justiça, Reparação e
Democracia. Também é editor do projeto História da Ditadura
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17 jun 2022_09h08
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