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UZA NElO, DANIEL SARMENTO

\L- TEORIA,. HlSTÓRIA E MÉTODOS DE TRABAUiO

~spresidenciais de 1985 foram mais uma vez ~diretas, mas; daquela CAPÍTULo 4
não tiveram"mais o controle sobre o processo. O PDS, que ainda tinha
égio Eleitoral, em disputada convenção realizada num ambiente de
)s internos, escolheu como candidato o Deputado Paulo Maluf, sobre
"graves acusações de corrupção e improbidade. As oposições lançam
:redo Neves, político mffiei!o experiente e moderado. No PDS, houve
~defecção. Um expressivo número de políticos do partido não aceitara a
\1a1uf,criando a Frente Liberal- que mais tarde daria origem aoPFL -,
l apoiar o nome de Tancredo nas eleições indiretas, fornecendo-lhe o

:e-Presidente: o maranhense José Samey. Apesar das eleições serem


~grande pressão popular em favor da candidatura de Tancredo. Em 15 de
reuniu-se o Colégio Eleitoral, e o resultado foi uma arrasadora vitória da
ia por Tancredo Neves, que recebeu 480 votos, contra 180 dados a Maluf.
~afatalidade, Tancredo Neves adoeceu gravemente, vindo a falecer antes
Em contexto de grande comoção popular pela perda, a Presidência foi A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1987/88 E A
)sé Sarney. Figueiredo, contrariado, resolve não transmitir o cargo para EXPERIÊNCIA BRASILEIRA SOB A CONSTITUIÇÃO
~ralmente, sai do governo pela porta dos fundos do Palácio do Planalto.
mcoticamente o regime militar. DE 1988

4.1 Introdução
No presente capítulo, examinaremos os antecedentes próximos e a dinâmica de
funcionamento da Assembleia Constituinte de 1987/88, as características centrais da
Constituição e os traços mais salientes da sua incidência sobre as relações políticas e
sociais até o momento.
Não há dúvida de que o Brasil tem muito a celebrar pelos mais d.evinte e cinco
anos da Constituição de 88 - uma Constituição democrática e hUmani.sta, voltada à
construção de um Estado Democrático de Direito, que tem logrado, mais do que qual-
quer outra em nossa história, absorver e arbitrar as cri$es políticas que o país tem atra-
vessado. Sem embargo, não mistificaremos a Assembleia Constituinte da Constituição
de 88. O processo constituinte brasileiro será examinado a partir de uma perspectiva
crítica, atenta tanto às suas inegáveis virtudes como aos seus vícios e imperfeições. Essa
dimensão crítica da análise não deve ser tomada tomo desapreço à ordem constitucional
vigente, mas como um esforço de compreensão da trajetória inStitucional e da realidade
constitucional do país, em toda a sua complexidade.

4~2Antecedentes, convocação e natureza da Assembleia Constitu:inte


Como visto no capítulo anterior, o movimento que_resultou na convocação da
Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88 só se tornou viável no contexto da crise da
ditadura militar e da lenta transição do regime de exceção em direção'à democracia, que
CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO, DANIEL SARMENTO
156 DIREITO CONSTITUOONAL - TEORIA. HISTÓRIA E MÉTODOS DE TRABALHO CAPtruLo.
A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1987/88 EA EXPERIÊNCIA BRASll.EIRA SOB A CONSTInnÇÃO DE 1988 157

se iniciou no governo do Presidente Ernesto Geisel. A transiç~o do r~gime autoritário civil do regime militar --"-,dá-se mais um passo em direção à Constituinte. A referida
em direção à democracia não foi liderada pelos setores mais radicais da sociedade e do chapa, denominada Aliança Democrática, assumira formalmente o compromisso de
segmento político, mas por uma coalizão formada entre as forças moderadas que davam convocação de uma Assembleia Constituinte.7 O trágico falecimento de"Tancredunão
suporte.?o governo lllilitar e os setores também moderados da oposição.! Tratou-se de postergou o cumprimento do compromisso: em julho de 1985, honrando a promessa
modelo conhecido conlO"transição com transação",2 em que as mudanças foram nego- de campanha de Tancredo, Sarney enviou ao Legislativo a Proposta de Emenda Cons-
ciadas,não resultando de rupturas violentas. No processo político que se desenvolveu titucional nº 43, prevendo a atribuição de poderes constituintes ao Congresso Nacional,
no país, o início da transição decorreu de iniciativa de elementos do próprio regime que se reuniria em lº de fevereiro de 1987, e seria composto, na sua grande maioria, ,
autoritário, que, durante a sua fase illicial, ditaram o seu ritmo e impuseram os seus por parlamentares eleit-osno pleito de 1986. Além disso, tal como fora programado por
limites. As forças do regime autoritário, mesmo depois deperdere~ o protagonismo Tancredo, Sarney nomeou uma Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, pre-
no processo histórico de redemocratização, mantiveram um amplo poder de barganha, sidida pelo jurista Afonso Arinos de Mello Franco, que ficou encarregada de elaborar
e até mesmo de veto.3 •
um anteprojeto de Constituição.
A bandeira de convocação da Assembleia Constituinte apareceu pela primeira A fórmula adotada foi objeto de fortes .crÍticasdentre os setores mais progres-
vez em manifesto do MDB intitulado UCarta de Recife", no ano de 1971, mas sem sistas da sociedade, que preferiam a convoca'ção de uma Assembleia Constituinte
maiores repercussões, até pela absoluta inviabilidade da proposta em plena fase dos exclusiva, que não cumulasse os seus trabalhos àqueles da legislatura ordinária, e que
"anos de chumbo".4 A partir de 1977, já no contexto de liberalização do regime militar, se dissolvesse assim que concluída a sua obra.8 Contestava-se, ademais, a presença,
o tema foi retomado de forma mais consistente pelo 'partido, que aprovou a convocação na Assembleia Constituinte, dos senadores empossados em 1982, cujos mandatos
da Constituinte por unanimidade, na sua convenção daquele ano. No mesmo ano, a expirar-se-iam apenas em 1990, sob o argumento de que o povo não os teria 'eleitopara
CNBB publicou doCumento denominado "Exigências Cristãs para uma Ordem Polí- elaborar nova Constituição. A nomeação da Comissão de #notáveis" presidida por
tica", também cobrando a convocação de Assembleia Nacional Constituinte. Merece Afonso Arinos também foi objeto de críticas de setores.à ~squerda, que não aceitavam
destaque a atuação da OAB no mesmo sentido, também a partir de 1977. O Presidente o protagonismo d9 Presidente da República na definição da agenda da COIl$tituinte.9
do Conselho Federal da OAB entre 1977-1979, Raymundo Faoro, foi um incansável O modelo adotado parece ter resultado de um compromisso com as forças do regime
defensor da tese. Faoro, também acadêmico de grande importância, publicou sobre o autoritário, travado ainda antes do óbito de Tanciedo Neves, pois ditas forças temiam
tema um texto clássico,5 em que postulou que apenas uma nova Assembleia Constituinte, que urna Assembleia Constituinte exclusiva pudesse resvalar para o IIradicali~mo",10 ou
investida de soberania, poderia conferir legitimidade ao Estado brasileiro, fundando até para o IIrevanchismo" contra os militares - leia-se, a sua responsabilização pelas
sobre bases mais democráticas o poder político. Na Conferência Nacional da OAB de gravíssimas'violações de direitos humanqs perpetradas durante a ditadura, como já
1980, aprovou-se a "Declaração de Manaus", na qual se bradava pela volta do poder estava então ocorrendo na Argentina. .
constituinte ao povo, "seu único titular legítimo".6 Tal pregação conquistou muitos A Comissão Monso Arinos era composta por 50 personalidades ilustres, ori-
adeptos no meio jurídico e fora dele.
ginárias de áreas e com inclinações ideológicas bastante h~terogêneas.ll Ela elaborou
'Fator decisivo no movimento pró-constituinte foi a campanha das Diretas Já, que um texto extenso, com 436 artigos no corpo permanente e outros 32 nas disposições
mobilizou intensamente' a sociedade brasileira nos anos de 1983/84. A anticlimática transitórias, mas de teor avançado e democrático, que adotava o regime parlamenta-
derrota no Congresso da Emenda Dante de Oliveira evidenciou a ilegitimidade do rista de governo. Seu conteúdo, sobretudo pela opção parlamentarista~ desagradou ao
regime constitUcional da época, bem como a urgência da instauração de uma nova Presidente S~mey, que decidiu não "enviá-lo à Constituinte para que ~ervisse de base
ordem jurídico-política. ,
Em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney no Colégio Elei-
tor~ - o primeiro, um líder moderàdo da oposição; o segundo, uma antiga liderança
7 No manifesto de lançamento da Aliança Democrática, intitulado "Compromisso com a Nação", figurava a con-
vocação de,Assembleia Constituinte. Cf. PILATTI, Adriano. A' constituinte de 1987-1988: progressistas, conserva-
dores, ordem econômica e regras do jogo, p. 21.
1 Cf. O'DONNEL,Guillermo. Notes for the Studv of Processes of Political Democratization in the Wake of the
Bureaucratic-Authoritarian State. In: O'DONNEi" Guillermo. Counterpoints: Seleeted Essays on Autoritarianism 8 Cf. FAORO, Rayrnundo. Constituinte ou congresso com poderes constituintes. In: FAORO, Raymundo et aI.
and Democratization, p. 110-129; MARENCO, André. Devagar se vai ao longe?: a transição para a democracia Constituição e constituinte, p. 11-28; REAL E, Miguel. Razões da constituinte congressual. In: REALE, :Miguel. De
no Brasil em perspectiva comparada. In: MELO, Carlos Ranulfo; SÁEZ, Manuel Alcântara (Org.). Democracia Tancredo a Collor, p. 82-84 (texto originariamente publicado na Folha de S. Paulo, 11 novo 1986).
brasileira: balanço e perspectivas para o século XXI, p. 73-105. " ,9 Cf. PILATTI, Adriano. A constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do
2 SHARE, Donald; MAINWARlNG, Scott. Transição por transação: delTIocratização no Brasil e na Espanha. Dados jogo, p. 21.
- Revista de Ciências Sociais, v. 29, n. 2, p. 207. 10 Cf. FERNANDES, Florestan. Quem paga o Pacto? In: FERNANDES, FlOrestan. Que tipo de República, 2. ed., p. 57-60.
3 Cf. MARTÍNEZ-LARA, Javier, Building democracy in Brazil: the politics of constitutional change, 1985-1995, p. 84-85. 11 Uma lista com dados biográficos de todos os integrantes encontra-se em Osny Duarte Pereira (Constituinte:
4 MARTÍNEZ-LARA, Javier. Building democracy in Brazil: the politics of constitutional change, 1985-1995, p. 35. anteprojeto da comissão Afonso Arinos, p. 18-21). De acordo com José Afonso da Silva, que participou da
5 FAORO, Raymundo. Assembléia constituinte: a legitimidade resgatada. O trabalho consta também da obra recen- cOrrU$são, a sua composição, sob o prisma ideológico, era muito parecida com aquela que acabaria prevalecendo
temente editada: FAORO, Raymundo. A República inacabada, p. 169-263. na Assembleia Constituinte. Cf. SILVA, José Afonso da .. Influência do anteprojeto da comissão de estudos
constitucionais sobre a Constituição de 1988. In: SILVA, José Afonso da. Um poucç de direito constitucional
6 Anais da VilI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.
comparado, p. 228-254.
1'58 I.
CLÁUOIOPEREIRA DBSO~
D~Ef:rQ~CONS1TIUaONAL-
NETO, DANIEL SARMENTO
TEORIA. HISTóRIA E MÉlODOS DE TRABALHO
. CAPtrul.o, I 159
A ASSEMBLElA CONSTITUlNTE DE 1987/88 E A EXPERmNOA BRASILEIRA SOB A OONSITIlJIÇÃO DE 1988 . .

para os seus trabalhos,12encaminhando-o ao Ministério da Justiça, onde foi arquivado.13 de romper com o passado de autoritarismo e de fundar.o Estado e a ordem jurídica
Sem.embargo, o seu texto, que recebera ampla divulgação, exerceu influência durante brasileira sobre novas bases mais democráticas.17Tratava-se de .autêntica manifestação
a elaboração 'da.Constituição de 88. da soberania popular, e essa não n:écessita,para,exteriorizar-se, do recurso à reVolução
..:' :O projeto de emenda convocando a .Constituinte, apresentado por Sarney, foi violenta, podendo também eclodir em contextos de transição pacífica, como'ocorreu
aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado como a Emenda Constitucional nº 26, no Brasil.18 Em meados dos anos 80, o país vivia um típico "momento constitucional";
em 27 de novembro de 1985. O DeputadÇ) Flávio Bierrenbach, relator originário da caracterizado pela efervescência política e pela genuína mobilização popular' em.prol
Proposta de Emenda, ainda tentou alterar á fórmula nela prevista, apresentando um de um "recomeço".19Era essa a verdadeira fonte de autoridade da Assembleia Consti-
substitutivo que determinava a realização de um plebiscito, para que o povo semanifes- . tuinte e não a Emenda Constitucional nº 26. Por isso, a Assembleia Constituinte Hlivre
tasse sobre duas questões: se..anova Constituição deveria ser.elaborada pelo Congresso e soberana" de 1987/88traduziu autêntica expressão do poder constituinte originário.
Nacional ou por uma assembleia exclusiva; e se os senadores eleitos em 1982poderiam
ou não participar da Constituinte.14Mas seu substitutivo foi rejeitado, prevalecendo a
proposta de Sarney, de uma Assembleia Constituinte congressual, que cumularia suas 4.3 Composição da AssembleiaConstituinte
funções com aquelas ordinárias do Poder Legislativo Federal. Tal escolha teve implica- A Assembleia Nacional Constituinte que se reU1ÚUem 1º de fevereiro de 1987
" ções sérias para os trahalhos da Constituinte, na medida em que ensejou uma indevida era composta por 559 membros - 487 deputados federais e 72 senadores. Dentre os
confusão entre a política ordinária, típica das atribuições cotidianas do Congresso, com constituintes, todos os deputados federais e 49 dos senadores haviam sido eleifos no
a extraordinária, envolvida na elaboração de uma Constituição, contribuindo para que pleito ocorrido em 1986.Os demais 23 senadores tinham sido eleitos no pleito de 1982.
se inserissem no texto constitucional temas e questões sem estatura pm;aali figurarem. 15 Nas eleições de 1986,o povo escolhera simultaneamente os parlamentares e os
.De acordo com a Emenda Constitucional nº 26/85, os membros do Congresso governadores de Estado. O pleito realizou-se em momento em que o Plano Cruzado
reunir-se-iam "'unicamera1mente,em Assembléia NacionaI ConStituinte, livre e soberana, do Presidente José Sarney ~da estava produzindo efeitos positivos na economia, o
no dia 12 de fevereiro de 1987,na sede .do Congresso Nacional" (art.1º). A Assembleia que contribui para expliéar o enorme súcesso eleitoral do PMDB, partido ao qual o
Constituinte seria instalada pelo Presidente do STF, que presidiria a eleição do seu Presidente estava filiado, que conseguiu obter bancada superior à maioria absoluta da
Presidente (art. 2º). A nova Constituição seria promulgada "'depois.da aprovação de Assembleia ConstituIDte.Em fevererro de 1987,as"bancadas dos partidos repres~tados
seu texto, em dois turnos de discussão e .votação, pela maioria absoluta dos membros na' Constituinte 'eram as seguintes:20
da Assembléia Nacional Constituinte" (art. 3º).
(continua)
A convocação da AssembleiaConstituinte por Emenda Constitucional levou
alguns juristas e políticos da época a defenderem a tese de que ela não corresponderia Partidos Total Deputados' Senadores/86 Senadores/82
ao exercício de autêntico poder constituinte originário, mas sim de um poder derivado PMDB 306 260 38 '8
e, como tal, limitado.pela norma que o convocara.16 Contudo, esse posicionamento,
PFL 132 118 7 7
francamente minoritário na doutrina, é absolutamente incorreto. A Emenda nº 26/85foi
PDS 38 33 2 3
apenas.o veículo formal empregado para a convocação da Assembleia Nacional Cons-
tituinte de 87/88, mas não o seu fundamento de validade. Esse repousava na vontade, PDT 26 24 .' 1 1
presente na sociedade brasileira e evidenciada em movimentos como o das .Diretas Já, PTB 18 17 - 1
PT 16 16 - -
PL 7 6 - 1
12 Segundo Nelson Jobim, que participou ativamente da Assembleia Constituinte, de nada adiantaria o envio por
Sarney de anteprojeto de Constituição ao Congresso. Nas suas palavras, '.'0 Presidente Sarney não tinha força
política para enviar um Projeto à Assembléia Constituinte, pois seria rejeitado (...) porque havia disputa naquele
momento entre Ulysses e Sarney" (A constituinte vista por dentro: viçissitudes, superação e efetividade de uma 17 No mesmo sentido, SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular, p. 78-81; BARROSO, Luís Roberto.
história real.)n: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Quinze anos de Constituição, p. 10).
Vinte anos da Constituição brasileira de 1988: o Estado a que chegamos. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de;
13 Cf. BONA VIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil, p. 453-454. SARMENTO, Daniel; BINENBOJM, Gustavo. Vinte anos da Constituição Federal de 1988, p. 33-34.
14 Veja-se, a propósito: BIERRENBACH, Flávio. Quem tem medo da constituinte. 18 Cf. SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria e prática do poder constituinte: como legitimar ou desconstruir 1.988:
15 No. mesmo sentido, BARROSO, Luís Roberto. Vinte anos da Constituição brasileira de 1988: o Estado a que che- 15 anos depois. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Quinze anos de Constitu.ição, p. 22-32.
gamos. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel; BINENBOJM, Gustavo (Org~). Vinte anos da 19 "Momento constitucional" e "recomeço" (new beginning) são categorias empregadas por Bruce A~erman para
Constituição Federal de 1988, p. 33. Destaque-se, contudo, que durante a Assembleia Constituinte os parlamenta- explicar o fenômeno do poder constituinte. Veja-se, a propósito: ACKERMAN, Bruce. We the People, v. 1.
res deram total prioridade à elaboração da Constituição, em detrimento do desempenho das funções legislativas 20 Reproduziu-se aqui o quadro apresentado em: PILATTI, Adriano. A constitu.inte de 1987-1988: progressistas,
ordinárias. Cf. COELHO, João Gilberto Lucas. O processo constituinte. In: GURAN, Milton (Coord.). O processo conservadores, ordem econômica e regras do jogo, p. 24. Dados um pouco diferentes, mas que caracterizam um
constituinte 1987-1988, p. 42-43.
mes~o panorama geral, se encontram em: FLEISCHER, David. Perfil sócio-econômico e político da constituin-
16 Tal posição foi ~dvogada, entre outros,. por FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O poder constituinte, -p. 168- te. In: GURAi\J, Milton (Coord.). O processo constituinte 1987-1988, p. 30; KINZO, Maria D' Alva Gil. O quadro
170; e RAMOS, Saulo. A assembléia constituinte: o que pode e o que não pode: natureza, extensão e limitação dos partidário e a constituinte. In: LAMOUNIER, Bolívar (Org.). De Geisel a Collor: o ba1ar:ço da transição, p. 108; e
seus poderes. LOPES, Júlio Aurélio Vianna. A carta da democracia: o processo constituinte da ordem pública ~e 1988, p. 53.
160 I CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA
DIREITO CONSTITUOONAL
NEro, DANIEL
- TEORIA. HISlÓRIA
SARMENlO
li MÉTOlXJS DE TRABALHO
A ASSEMBLEIA CONSIlTUINTB DE 1987/88 EA EXPERIÊNCIA B~~ SOB A'~â~t;;:;:~ I 161
(conclusão) percentual bem menor dos integrantes da Constituinte (11,64%) '~al a sua origem
'.
Partidos Total Dep~tados Senadores/86 Senadores/82 política na participação em movimentos sociais organizados.,.,. " ;:i~'
Do ponto de vista da representação regional, havia uma distorção em favor dos
: PDC, 6 5 - 1 Estados menos populosos do Norte e do Centro-Oeste, e em desfavor daqueles do
PCB 3 3 '- - Sudeste, se levados ',em consideração os respectivos eleitorados.' É que ,a'Assembleia
PCdoB 3 3 - - Constituinte era composta também pelos senadores - e os Estados no Senado têm
PSB 2 1 - 1 , sempre a mesma representação, independentemente de sua população. Além'disso,
PSC 1 1 - - o número de deputados eleitos por Estado fora estabelecido de acordo com as regras
P1v1B 1 que vinham do "'Pacote de Abril" do Presidente Geisel, que, ao impor 'limites mínimo
- 1 -
e máximo de representação, favorecera os Estados com menor eleítoradó. .
Constituintes 559 487 .49 23
Sob a perspectiva de gênero, as mulheres estavam absolutamente sub-repre-
sentadas na Assembleia Constituinte, contando com apenas 26 congressistas (4,60/0 do
Contudo, tais números não devem induzir à apressada conclusão de que teria
total). O fenômeno também ocorria com afrodescendentes e indigénas: havia apenas 11
havido uma força absolutamente hegemônica na Constituinte - o P:MPJ3 - capaz
constituintes negros - pretos ou mulatos - (2%)26e nenhum indígena.27 A média de
~de impor as suas concepções sobre as demais agremiações políticas. O PMDB nãore-
idade dos constituintes era de 48 anos.28Cerca de 86,9% deles tinham 'curso superior,
presentava uma única força política. A bancada incluía parlamentares de inclinações
com absoluto predomínio do Direito: nada menos que ~43 parlamentares' possuíam
absolutamente heterogêneas, que percorriam quase todo o arco ideológico. Apesar de
formação jurídica.29 '
herdeiro do MDB - partido de oposição ao regime ntiIit~ - um número bastante
elevado dos componentes do PMDB participara da basçde sustentação do governo
autoritário, ten<;iointegrado a ÁEENA e só 4epois migrado para o PMDB.21 4.4 Os trabalhos da Assembleia N acionaI Constituinte-
, Ao longo dos mais de 20 meses qu~ perdw;~u a Assembleia ço~tituinte, houve
um percentual significativo de troca de paqidos: cerc~ de 15~ dos congress~tas ~u- -Á Assembleia Nacion:al Constituinte foi instalada' no dia 1º de fevereiro de 1987,
daram a sua filiação partidária.22 A alteração mais relevante foi o surgimento do PSDB, sob a Presidência do então Presid~nte do STF, MiniStro José Çarlos Mor~fr~Alve~. Logo
em junho de ~988, formado, sobretudo, a partir de dissidentes do PMDB.23 ~a se~da sessão 'qaConstituinte, os Dep~tados Plínio de Anu~~ Swpai<;> ~,~0gerto
: Do ponto de vista ideológico, os estudos sobre a Assembleia Constituinte apon- Frerre lev~taiam questão de orde~,a propósito d~J~gitimi,4àd~:fd~ pàrticipação dos
tam para o seu caráter altamente plural, com. predominância do Centro. É'curioso senador~s -eiéi~os em 1982 naquela AsseII).bleia, uma ~ez, que não.t:ffiharn rec~bido
que, embora a Constituição de 1988 seja normalmente tachada de "progres~ista", os del~g~çãó expressa do povo para ~i~boração '4a nova Carta. O Ministro Moreira Al-
partidos então identificados com a esquerda - PDT, PT, PCB, PC do B e PSB - tinham ves decidiu a questão de ordem em favor _~daparticipação d~qu~es 23 senadores na
bancadas que, somadas, totalizavam não mais que 50 constituintes, ou seja, cerca de Constituinte, diante do teor da EC nQ 26/85. Contra a su~ decisão, foi interposto recurso
9% da Assembleia. ' para o Plenário, que confinno~ a ,decisão de Moreira Ai,ves, por 394 votos contra 124,
A clivagem ideológica não esclarece plenamente o comportamento dos consti- registr~do-se 17 abstenções. ,. , '
tuintes, uma vez que os mesmos atuavam também a partir de diversas outras variáveis, Superada a discussão sobre a composição da Co~titu~te, passou-se à eleição
como os interesses regionais e o dos segmentos sociais aos quais estavam politicamente do seu Presidente. Apresentaram-se ao, pleito dois candidatos, Ulysses Guimarães
vinculados. O percentual de novos parlamentares federais na Assembleia Constituinte (PMDB)30 e LY$âneas Maciel (PDT), tendo havido arrasadora vitória do primeiro, por
foi de 49% - taxa de renovação dentro da média nacional, considerando as legislaturas 425 votos contra 69, e 18 ~bstenções.
anteriores. Apenas 24,2% dos constituintes não tinham experiênciá anterior em cargos
eletivos.24 Mais da metade deles (50,80%) ingressara na vida político-eleitoral a partir
do prévio exerçÍcio de cargos públicos da elite "burocrática do Estado,25enquanto um 26 Cf. JOHNSON ill. OlHe A. Representação racial e política no Brasil: parlamentares negros no Congresso Nacio-
nal (1983-1999). Estudos Afro-Asiáticos, n. 38. Tabela L
27 De acordo com Robério Nunes, no pleito eleitoral de 1986 houve sete candidatos indígenasr mas nenhum con-
seguiu se, eleger (Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas: alguns avanços e retrocessos des~~
21 Cf. FLEISCHER, David. Perfil sócio-econômico e político da co~stituinte. In: GURAN, Milton (Coord.). O proces-
so constituinte 1987-1988, p. 37-38- a Constituição de 1988. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO;, Daniel; BINENBOIM, Gustavo
(Org.). Vinte anos da Constituição Federal de 1988, p. 572). ,
22 Cf. SOUZA, Celina de. Federalismo e descentralização na Constituição de 1988: proces!,o decisório;, conflitos e
~lianças. fiados - Revista de Ciências Sociais, v. 4:4, n. 3, p. ?41. 28 Cf. FLEISCHER, David. Perfil sóCio-econômico e político da constituinte. liz: GURAN; Milton (Coord.). O proces-
so constituinte 1987-1988, p. 33. ,
23 A bancada do PSDB na Constituinte contava com 45 integrantes, dÇ>squais 38 eram egressos do PMDB, quatro
do PFL, um do PDT, um do PTB e um do PSB. 29 FLEISCHER, David. Perfil sócio-econômico e politico da constituinte. In: GURAN, Milton (Coord.).,O processo
constituinte 1987-1988, p. 36.
,24 Cf. SOUZA, Celina de. Federalismo e descentralização na Constituição de 1988: processo' decisório, conflitos e
alianças. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 44, n. 3, p. 516. 30 Ulysse~i, à época, era também Presidente da Câmara dos Deputados e do PMDB. A sua candidatura à Presi-
dência da Constituinte fora precedida de uma batallia interna no PMDB contra Fernél!ldo Lyra, em torno da
~ Dados constantes no caderno "Quem é quem na Constituinte", publicado pelo jornal Folhade S. Paulo em 19 jan. 1987. ' Presidência da Câmara dos Deputados.
CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NElO. DANIEL SARMHNTO
162 J DIREITO CONSTITUOONAL - TEORIA,. HlSfÓRIA E MÉTODOS DE 1RABALHO
A ASSEMBLEIA ~NSTI1UINTE DE 1987/88 E A EXPERIÊNOA ~RASILEIRA SOB~ OO~~"~= :) 163

1;:" ;',.O".próximo passo seria a definição de um Regimento Interno para elaboração


- Naquele quadro, a solução engendrada buscava integrar todos os constituintes
da Constituição.31 As discussões sobre este regimento se estenderam por mais de dois
na tarefa de elaboração do novo texto magno. Previu-se a cria"ção de 24"subcornissões
meses, diante das fortes divergências existentes sobre vários pontos. Dentre os temas
temáticas, que elaborariam textos sobre os ten1as de sua competência e os entregariam a
controvertidos, dois podem" ser destacados: (a) a soberania da Assembleia Nacional
Constituinte para adotar decisões que modificassem a ordem constitucional vigente, 8 comissões temáticas, cada uma:congregando 3 subcomissões. As comissões redigiriam
antes da promulgação da nova Carta; .e (b) a forma de tramitação e votação do texto projetos sobre as Buas áreas, os quais seriam, por sua vez, enviados a uma Comissão de
constitucional a ser elaborado.32 Sistematização. Essa última elaboraria novo projeto, a partir dos trabalhos das comissões
A primeira questão era a que mais provocava <Uscussões, não ap~nas na própria temáticas, que seria submetido ao Plenário da Constituinte, em dois turnos de votação.
Assem1?leia ,Constituinte, como também na sociedade.civil. De urp. lado, correntes à Cada comissão temática teria 63 membros titulares e outros 63 suplentes, dotando-se
esquerda sustent?vam que a Constituinte, por estar plenamente investida de soberania, de Mesa composta por Presidente, 1º e 2º.Vice-Presidentes e Relator. As subcomissões
já poderia assumir desde logo o controle sobre os Ijunos da vida nacional e eliminar também teriam Mesa com a mesma composição, e o número. dos seus integrantes va-
imediatament~ o ~~ entulho autoritário" legado pelo regime militar. Do outro, defendia-se riava em torno de 21 titulares e 21 suplentes - algumas tinham um pouco nlais, ouuas
que a sober?Ul!a.daAssembleia Constituinte fora conferida t~o somente para a elabora- um pouco menos que isso. Já a Comissão de Sistematização deveria ser composta por
ção da nova Co~ti.tuição, não se manjfestando fora deste quadro.33 A essa ú1~a linha 49 titulares, mais os 8 presidentes das comissões e os 32 relatores das subcomissões e
aderiram segmentos conservadores, b~m como o Presiden~y Sarney, que buscav~ pre-
1
comissões, aléin de 49 suplentes.
servar os seus poder~s e o seu mandato. Acabou prev~ecendo, inclusive no Regimento Tódos os constituintes seriam titu1àres de uma comissão temática e suplentes de
Interno, a segunda posição. Não houve, durante a Constituinte, nenhuma deliber.ação outra. A composição das comissões e subcomissões decorria de indicações partidárias,
destinada a produzir efeitos antes da promulgação da nova Carta. O Regimento Interno devendo' corresponder,. há medida do possível,. ao critério de proporcionalidade dos
apenas previu a possibilidade de a Constituinte sobrestar qualquer medida que pudesse partidos:. Em cada comissão" e subcomissão haveria a eleição, por voto secreto, de um
ameaçar os seus trabalhos e a sua 'soberania, faculdade que não chegou a ser exercida. Presidente, ao qual caberia indicar o relator e os vice-presidentes.." .." .
No qu~ tange ao proce~ento, o quadro político ,então deline,ado não compor- . Uma das consequências decorrentes da fórmula adotada f?i o caráter analítico
tava nem 'que.:sépm;.tisse dé um antéprojeto elaborad~lfora da. Assemb~eia ~onstituinte da Constituição, já que, ao se criar uma subcomjssão dedicada tratar de determinado a
"- como fora o' da
Cçumssâo de Notáv~is presidida por' APnos ~ nem qué' sé Momo assunto, esse, naturalmente, se tomava objeto de disciplina constitUcional. Ademais,
atri.buÍsse a u1i-gip:p-g parlanientilt a funçãJ"de redação de um projetó,- para ulterior . a escolha dos temas das (subcomissões já importava na definição das questões que ~-
submissão ao Pleiíkdb, cbkóotbrréra na Constituinte de 1946. Quanto à primeira pos- gressariaI11 na nova ordem constitUcional. 35 .'
sibili~ade, ess~ era viSfã;toino uma: mdevida u;urpação da soberania da Constituinte : ' As~funções dê presidente' e de relátor das comi'ssões e subcomissões temáti~as
pará c<>:pdu.ziros se:tis trabaJhós. QUanto à segunda, "ela"não era aceita, porqué rédtizi- eram de grande importância na elabóração da nova Constituição. A escolha' dos seus
ria a participação daqhéles "que não mtegrassem" a 'comissão eventu~ente escolhida, ocupantes resultou de Um acordo de lideranças, protagonizado pelos'líderes do PMDB
des~gua1ando o papel dós constifulntes. No quadro das disputas políticas internas no e do .PFL na Constituirite, respectivamente' Mário Covas36 e José Lourenço.37 Ao PMDB,
pMDB,ocorrera o vazamento de projeto um de'
Regimento Interno que estava sendo naturalmente, coube o maior quinhão de indicaçõés, pela sua hegemonia" numérica
elaborado pela assessoria de Ulysses Guimarães, no qual se previa a redação de um na Constituinte, e o partido priorizou a escolha das relatorias. Um f~tor que deslocou
Projeto de Constituição por uma comissão, para posterior apreciação pelo Plenário.34 os trabalhos nessa fase para a esquerda da composição mediana da Assernbleia foi a
Porém; houve intensa reação contra tal modelo, pois se afirmava que ele implicaria dis- atuação de Mário Covas, líder do partido majoritário na Constituinte~ Embora o PMDB
criminação contra os congressistas que não participassem desta comissão - em geral,
abrigasse diversas tendências, Covas, que era da sua ala progressista, distribuiu os cargos
os integrantes do chamado "baixo clero" -cujo papel"na elaboração do novo: texto
preferencialmente entre peemedebistas de mesma inclinação ideológica.38', .
constitucional seria amesquinhado. Não se aceitava a adoção deste procedimento, que
era acusado de criar uma distinção entre constituintes de 1ª e de 2ª classe".
11

35 A forma um tanto improvisada como s~. deu a"e~colha dos" temas das subcomissões, a partir do exame de c?n~ti-
31 O Regimento Interno, que teve como Relator o Senador Fernando Henrique Cardoso, foi promulgado como a tuições estrangeiras, é relatada por Nelson de Azevedo Jobim, que teve parte ativa neste process~ (A c:m~titu:n-
Resolução nº 2/87 da Assembleia Nacional Constituinte, em 24 de março de 1987. Os debates travados durante te vista por dentro: vicissitudes! superação e efetividade de uma história real. In: SAMP~O: ~ose Ad.er~o LeIte
a sua elaboração foranl bem sintetizados por PILATII, Adriano."A constituinte de 1987-1988: progressistas, con- (Coord.). Quinze anos de Constituição p. 11; BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. Hzstona constztuc20n.aldo
servadores, ordem econômica e regras do jogo, p. 28-52. Brasil, p. 11-12). . . .

32 Cf. COELHO, João Gilberto Lucas. O processo constituinte. In: GURAN,.Milton (Coord,). O processo constituinte 36 Mário Covas fora eleito para a função em 18 de março de 1987, derrotando, por 143 votos contra 10~, o Deputado
1987-1988, p. 42. . Luiz Henrique. Cf. MARTÍNEZ-LARA, Javier. Buílding democracy in Brazil: the politics of constitutional change,
1985-1995, p. 98. . .
33 Em defesa desta posição, cf. REALE, Miguel. Razões da constituinte congressual. In: REALE, Miguel. De Tancredo
a Collor, p. 95-97. 37 Cf. PILATTI, Adriano. A constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regr~s do
34 Cf. JOBIM, Nelson de Azevedo. A constituinte vista por dentro: vicissitudes," superação e efetividade de uma. jogo, p. 64. ."" :" ';;, . ..';
história real. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Quinze anos de Constituição p. 11; BONAVIDES, Paulo; Cf. PILAm, Adriano. A constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômi~ ere~a~ do
ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil, p. 455-456. " jogo, p. 65-66;- e JOBIM, Nelson de Azevedo. A constituinte vista por dentro: vicissitudes: s~~eraçao e efetIVIda-
de de uma história real. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Quinze anos de Constltuzçao, p. 12. .
" .
.',:"~

164 I a..ÁUDJO
DlREITO
PEREIRA DE SOUZA NETO, DANIEL SARMENlO
CàNSTITUOONAL - TEORIA, H1STÓRIA E MÉlODOS DE TRABALHO

As Subcomissões começar~ a trabalhar em1 ~de abril de 1987: e oS seus traba- garantia de um mandato presidenciál de :pelomenos 5 anos,45e esse tema conjunturál
se estenderam até 25 de maio' daquele ano. Elas eram regimentalmente obrigadas
1110S ganhara uma extraordinária importância no,dia a dia dos trabalhos da Constituinte,
a realizar entre 5e8 a1)diências.públicas, tendo algumas :organizadocaravpnas para infiltrando-se e condicionando, ainda que de forma nem sempre e~plícita, outros de-
outros Estados, visando a facilitar o contato com as respectivas populações.39 Os grupos bates atinentes à definição da estrutura permanente da nova. ordem constituciona1.46
mais variados foram ouvidos nas audiências públicas - Ministros de Estado, lideranças Ademais, Sarney, com o apoio dos mjlitares, s~ batia.contra a tentatiya de iinpl~tação
empresariais e sindicais, intelectuais, associações de moradores ..entidades feministas e do parlamentarismo no Brasil e tecia críticas frequentes contr~ supostos exces.sq$.dos
de defesa dos homossexuais, representantes do movime;ntonegro ..ONGs anibientalistas, cqnstituintes em termos de concessão de ,direitos, os quais poderiam, nas suas palavras,
indígenas ..empregqdas domésticas, meninos de rua etc O contraditório foi intenso. Se o tomar o país "ingovem~vel". '
tema em disqlSsão fosse..por exemplo, a reforma agrária,. participariam das discussões ~emardo Cabral tinha regimental.n:\ente o prazo de 10 dias P¥a apr~sentar o
tanto as ,entidades de.d~tesa dos sem-terra como aquel?s Ugadas aQ$ruralistas. Abriu-se seu projeto de Constituição, contados a partir do recebimento dos anteprojetos das Oit9
a possipilidad~ de encaminhamento de sugestões à Assembleia NaclonalConstitWnte comissões temáticas. Assim, em 26 de junh<,:> de 1987, ele oferece um primeiro projeto,
po~ entidades associativas, Poderes Legislativos estaduais e municipais, e órgão do com 501 artigos, que sistematizava as contribuições dadas pelas comissões temá.ticas.47
I~diciáPo, t~ndo sjdo.~presentadas 11.989 propostas n~quela fase.40, , Tal texto abriu-se a emendas de ade:quação" apresentadas pelos consti~intes, que nã?
#

,~ Em seguida, iniciou-se o processo nas comissões temáticas, que se ,estendeu até poderi~ v~rsar sobré o mérito das decisões adotadas. Diante dest~ emendas, Cabral
15 ~ej~o.,"de 1987. Foi mais uma fase de grandes disputas, com intensa participação elabora novo projeto, agora com 496 artigos, que é apresentado em 9 de julho de 1987
socral e atuação mar~ante na Constituinte dos mais variado~ lobbies. No total, foram re- e aprovado dois dias dep9is. pe~a Çomissão de Sil?tematização.48 Vencida essa etapa, o
cebidas naquela fas~enada menos que 14.911 propostas'9-e em~nd~.' Os textos aprovados projeto sujeitçn~:-se.anovas emenda$~inclusive de mérito, que puderam ser apresentaq.as
incoqJoravaIll muitos avanços na área dos direitos humano~. e da orgánização estatal. tant,<?por constituintes, COPlopela própria populaçã~. .
Uma das comissões -a de Familia, Educação, Cultura, Esporte~, Ciência, Tecnologia . . tAs .emendas populares merecem. um registro especial. De acordo com o Regi-
e Comunicação ~ ~ãoconseguiu aprovar nenh1.Wltexto, diante, da rejeição do que fora m~i\t9 .~temo da Constituinte, a sua apres~nta.ção. dependia da assinatura de 30 mil
elabor~do pelo se\l~~lator. , I'
eleitores e do apoio de três entidades associativas, ou de determinad~ instituições
Depo~, passou-se ~ fase da Co~s~o. de Sistematizaçãg~ Tal Comissã9, que públiéas. Foram apresentadas, no totàl, 122 en:a.endaspop~ares, reunindo 12.277.323
acabou funClo~ando com 9ê ti~ares, e n~o 89~ ~~mQprevisto re~eI1-talmente,41 ~oi ~ssinatQr~, sendo certo que cada eleitor podia subscrever, no máximo, três emendas.
presidida pelo Senador do' PFL/RJ, Afonso Arinos, e relata<:lapelo peputado Fed~ral do Da's emendas populares apresentadas, 83 .foram aceitas por atenderem aos requisit?s
PM!)J;3/AM1, Bernardp Cabral.42 A compo~ição da Comissão de Sistematização também regimentajs ..Elas versavam sobre os tema$ mais diversos, como refÇ)rmaagrária, direitos
a l~c~ava ~~ à esquerda da médj~ ~a Assembleia Constituinte43 e a sua forma de trabalhistas, direitos, da criança 'e do adoléscente, direitos indígenas,' criação de novos
trabalho ~~acterizava-se pela atribuição ~e,amplos poderes ao,Rélator.~,', , r
Estados, saúde, educação, 'participação popular, eleições d.iI:e~s para presidência em
,Naquela fa~e, ~tensificaram-se as tensges entreo governo Sarney e a Assembieia 1988, comuni~ação social e família.49 Houve espaço até para excentricidades! çomo a
N acional Constituin~~. Desde ~ iníci9 do~,trabalhos, S~ey b~.scava assegurar para si a emenda popular que buscava o reconhecimento constitucion~ dà'mediunidade., Sur-
giram propostas em sentidos diametralmente opostos: uma buscava a liberalização do
aborto e outrà objetivava vedá-lo constituciona1men~e; ~a, aIDpliava'~ ie,fÓrrria'agr~.ria
a
e outra restringia; uma' proibia a censura que a outr,a ~uloiizava.' .
39: [ Cf. COELHO, João Gilberto Lucas. O processo constituinte. In: GURAN, Milton (Coord.). O proceSso constituinte Aliás, a participação popular foi uma constante dura~te os trabalhos da
~987-1988, p. 45. ., .' . . ' ' "
40 COELHO, João Gilberto. ~~cas', O pr:<?cess~q:mstituinte. In: GURAN, Milton '(Coord.). O processo con~tituinte
constituinte e se deu também pela presença física nas dependên:ci,à's ,d,oCongresso.
1987-1988,p.45. . . '.'. ., ., ~

41 A amp~ação foi ~ecidida pela Mesa da Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de garantir que todos
os partidos nela tivessêm pelo menos um representante. 45 A Constituição de 1969 previa mandato de 6 anos para Sarney. Uma ampla parcela da Constituinte, com apoio
42 A escolha. do Relator foi disputada, deco~rendo de eleição, em dois turnos, na bancada do PMDB, em que de diversos setores da sociedade, lutava pela fixação do seu mandato em 4 anos, enquanto o governo queria,
Bernardo Cabral derrotou Fernando Hennque Cardoso,' eliminado no 12 turno, bem como Pimenta da Veiga, no mínimo, uma solução intermediária, de 5 anos. Naquele momento, depois do fracasso do Plano Cruzado l,
vencido no 22 turno. . a economia nacional atravessava profunda crise, com processo de hiperinflação e a popularidade do Presidente
43 De acordo com dados levantados pelo jornal Folha de ~, Paulo de 17 jan. 1987, 11,8% dos integrantes da Comissão era muito baixa. .
. eram d,e esquerda, 31,2~ de c~n~o-esquerda, ~,8% de centro, 21,5% de centro-direita e 9,6% de direita (apud 46 Cf. LOPES, Júlio Aurélio Vianna, A carta da democracia: o processo constitu.inte da ordem pública de 1988, p. 74-76 .
MARTINEZ-LARA, J~vIer. BUlldzng democracy zn Brazil: the politics of constitutional change, 1985-1995, p. 109). 47 Este texto recebeu <?apelido de "Projeto Frankenstein", em razão' ~~s suas alegad~s incoerências e imperfe'ições'
Constata-se esse deSVIO para a. es~u:r~a da ,C?missão de Sistematização, comparando estes percentuais com técnicas. '
aqueles do quadro sobre a composIçao IdeologIca da Constituinte apresentado no item anterior. 48 Como esclareceu Adriano Pilatti, a aprovação deste projeto era" apenas para cumprir uma exigência regimental
44 Bern~rdo Cabral organizou urna, relataria auxiliar para ajudá-lo, que foi composta, inicialmente, por Wilson que permitia o verdadeiro início da nova fase do jogo. O próprio rela~or já explicitara tanto o seu descompromisso
Martins (PMD"BJ!v1S),Nelson JobIm (~MDB/RS), Fernando Henrique Cardoso (PMDB/SP), Adolfo de Oliveira COfi1 o conteúdo oriundo das Comissões Temáticas como o propósito de oferecer substitutivo após a apresentação
(P~/RJ) e Antomo Carlos Konder ReIS (PDS/SC). Posteriormente, foi institucionalizada a figura do relator- das. emendas de mérito em Plenário, de modo que pouco interesse havia em aiterá-lo naquele momento" (A
adjunto, função que seria exercida por José Fogaça (PMDB/RS), Adolfo de Oliveira e Antônio Carlos Konder constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo, p. 165).
Reis. Cf. COELHO, João Gilberto Lucas. d processo constituinte. In: GURAN, Milton (Coord.). O processo' 49 Uma lista com os temas de todas as emendas populares aceitas encontra-se em LOP~S, Júlio Aurélio Vianna. A
constituinte 1987-1988, p. 51. ., . . " ' carta da democracia: o processo constituinte da ordem pública de 1988, p. 55-58.
- , I CLÁut>IO PEREIRA DE SOUZA NETO, DANlELSARMEN10
166' DIREITO cONsrtTUaONAL - TEORIA, HISTÓRIA E MÉTODOS DE TRABAUIO A ASSEMBLEIA CONS1TIUINTE DE 1987/88 EAEXPERIÊNO; BRASILEIRA SOB A'~N~~ I 167
Estima-se' que - afora parlamentares e servidores do legisl~tivo -:.:..cerca de 10 mil sobre grandes fártunas, os instrumentos de democracia participativa.e a amplitude
pessoas transitavam em média, diariamente, pelo Congresso Nacional, representando dos direitos trabalhistas.
os mais variados' grupos sociais:trabaJhadores e empresários, estudantes, aposentados, Porém, ocorreu, logo em seguida uma reforma do Regimento, patrocinada
l

servidores públicos, índios, sem-terra, donas de casa etc. pelo Centrão, bloco conservador interpartidário, que começara a se aglutinar na fase
Em 26 de agosto de 1987,Bernardo Cabral apresentou oseu 1º Substitutivo, com final dos trabalhos da Con1Íssãode Sistematização e que lutava por bandeiras corno
305 artigos no corpo permanente -e outros 69 nas disposições transitórias, que ficou a defesa da propriedade privada contraa'reforma agrária, o combate à.s restrições ,ao
conhecido como uCabraÍ 1"1 com diversas alterações em relação ao seu texto anterior, capital estrangeiro, a redução dos direitos traballústas e a rejeição dos mecanismos de
decorrentes das negociações então travadas. O projeto desagradou ao governo e ao democracia participativa na nova Carta.
Ca1nPOconsetvadorpor várias razões, como a definição de um regime parlainentarista Pelo Regimento até então vigente, os títulos ou capítulos do Projeto seriam
mitigado, as linütações impostas à atuação das Forç?s Armadas, a generosidade nos votados em bloco no Plenário. Se aprovados, apenas sofreriam mudanças decorrentes
diieitos trabaJhistas e a ~plitude da anistia aos perseguidos pelo regime militar.5O de destaques ou emendas que contassem com o voto de 280 parlamentares, que
Houve, inclusive, reação do meio castrense, vocalizadapelo então Mmistro do Exército, representavam a maioria absoluta da Assembleia Constituinte.' E as emendas ou.
General Leônidas Pires Gonçalves, que afu~ou ser "iriaceitável" ô-conteúdo daquele destaques só poderiam versar spbre artigos específicos.O disCursodoCentrão, que teve
1º Substitutivo, provocando a pronta reação de Ulysses Guimarães: a Constituinte não o respaldo do governo, do empresariado, dos militares e dos ruralista,s,'erano sentido de
se intimida.51 que,tal modelo implicava uma tirania da Comissão de Sistematização sobre o Plenário,
As negociações e debates prosseguiram e, em 18 de setembro de 1987,o Rela- alienando o chamado "baiXo clero", que daquela não participara> Afirmava-se~que
torapresentou o 2º Substitutivo, apelidado de Cabral 2", que mantéve, em geral, o
11 Comissão de Sistematização estava significativamente. à 'ésquerda do"Plenário. Assiin,
teor' avançado do primeiro em matéria de direitosfundanlentais, bem coinoo re'gime 9 propósito do Centrão era esvaziar a importância do Projeto (A),que a Comissão de
parlámentarista,'mas fez concessões ao governo Sarney e aos militares, ao fiXar:o man- Sistematização elaborara. Para isso sua estratégia consistia em aprovar mudança no
l

dato presidenciái do então Presidente em"6 anos e atenuar as Íimitações à atti~ção das Regimento possibilitando a apresentação de novas emendas que, quando subscritas
Forças Armadas na defesa da lei e 'da ordem. ~~se será ()texto votado na Comissão de pela maioria absoluta dos membros da Assembleie:t,teriam prioridade na votação em
Sistematização, 'a partir do dia 24 de setembro daquele aho." , " relação ao texto correspondente já aprovado na 'CoInissão de Sistematitação.
" .Os trabalhos da C~iniss~~9-e Sistema~a~o estenderam~se até 30 ~e nove~bro 'Travou-se em tomo do Regimento uma longa batalha, com a paralisia, durante o
de 1987.Naquele mom~.nto,con~edeu-seespaç:opara os autores das emendas populares período, dos demais trabalhos da Constituinte. Depois de vários incidentes - houve até
defendê-las, o que oco~eü em oit~ sessoes; en~e 26 de outu~ro e 3 de outubro de 1987, episódio dé luta corporal no Congresso -::-acabou prevalecendo no Plenário a posição
dian~e de uma qib,uná da Çâmara dos peputados lotada po~ repre~en~antes dos mais do Centrão, com a aprovação da Resolução nº 3, em 5 de janeiro de 1988, que,~terou
diversos movImentos sociais. substancialmente o Regimento Interno da Constituinte.52
. C~egada a fase 'de deIib~ração, ,~ Corissão' de Sistematização passou a votar A Resolução nº 3 fixara prazo:para novas emendas. ao Projeto de COnStituição,
em.~loco cada título do 2º Substitutivo de Bernardo Cabral. Quando havia aprovação, seguidas de parecer do Relator e apresentação de destaques. Pelo novo Regimento, no
pas~av~-se a,deliberar sobre c~Ç.aproposta de emenda ou destaque apresentada, rela- dia 27 de janeiro deveriam começar as vota~ões em 1º turno no Plenário. Até aquela
CIonadaàquele título. DoiSt~mas que provocaram"intensa discussão naquele momento data haviam sido apresentadas 2.046novas emendas, dentre as quais 9 substitutivos
f<?ram.9parlament,arismo e o mapdato de Sarney. O parlamentarismo foi aprovado patrocinados pelo Centrão, referentes a quase todo o'texto do Projet~. Apresentou-se,
por :'51 votos çontra 36, e o mandato de Sarney, após algumas vacilações, foi reduzido também, substitu,tivo subscrito por 352 congressistas, ligados tanto à esquerda como à
para quatro anos, por 48 votos contra 45. Em 18 de novembro de 1987,a Comissã~ de direita, ,propondo a adoção do presidenci~smo, bem como outro, com,316assinaturas,
Sistematização encerrou os seus trabalhos. O seu Projeto de Constituição - o chamado definindo em 5 anos o mandato de Sarney. Todos estes substitutivos, por contarem
"projeto (A)" ~ foi encaminhado ao Plenário da Assembleia Nacional Constituinte em com mais de 280 assinatUras de constituintes, ganharam preferência para votação, em
24.de n?v~~bro do mesmo ano~tendo sido considerado, em linha geral, uma vitória detrimento das partes corresp'ondentes do proJeto (A).
dós' :pr~gressisfàs na Assembleia Constituinte. Vários pontos daquele projeto levanta- ,Contudo,.a hegemonia no'Plenário dos conservadores, agrupados sob o Cen~rão,
vam intensa polêmica. Além do parlamentarismo e da duração do mandato de Sarney, estava longe de ser absoluta. O primeiro substitutivo apresentado pelo grupo, atinente
eram extremamente controvertidas a reforma agrária em terras produtivas, as regras ao Preâmbulo da Constituição, foi derrotado em 27 de'janeiro, evidenciando a nec~ssi-
sobre propried.ade: e livre-iniciativa, as limitações ao capital estrangeiro, 'o imposto dade de negociação com a~forças mais à esquerda. Foi preciso estabelecer-se um acordo
político sobre o Preâmbulo, que envolveu a inclusão de alusão à participação di:éta
do povo no exercício da soberania popular - menção que os conservadores preferIam
50 Cf. PILATTI, Adriano. A constitilinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do
jogo, p. 163. . "
SI PILA TIL, Adriano. A constituinte de 1987-1988: progressista.s, conservadores, ordem econômica e regras do jogo, 52 O processo é narrado em deta.lhe em PILATTI, Adriano. A constituinte de 1987-1988:, progressistas, conservado-
p.163-164. res, ordem econômica e regras do jogo, p. 195-227. ' '
CLAUDIO PEREIRA DE SOUZA NE1U, DANIEL SARMENTO
168 DIREITO coNsmuaoNAL - TEORIA, HISTóRIA E MÉTODOS DE TRABAUfO
A ASSEMBLElA CONSTITUINTE
,
DE 1987/88, E A EXPERIÊNdA
". "'CAPITul..o
BRASILEIRA SOB A <DNSTITUIÇÃO DE 1988.
4 I 1.~6{l'}
J!

e~itarr:A partir daí, surgiu a praxe de entabulação de negocüições, prévias, conduzidas rádio e. televisão, para proferir célebre discurso intitulado ~'A Constituição Cidadã'~,
pelos líderes partidários sob o comando de Ulysses Guimarães, buscando acordos sobre em.que verberou:
o~ textos-base. ant~s. d:s votaç?es, :eixando p~a a dis~ut~. apenas os pontos em que
nao houvesse-conciliaçao posslvel. Tal procedimento vlabllizou a aprovação da maior A govemabilidade está no sodal. A fome, a miséria, a ignorância; a doença inassistida são
parte da Constituição por folga.da maioria, com votações mais apertadas é polarizadas ingovernáveis.A injustiça social é a negação, do governo e a condenaçã9 <:iagov~mo. (...)
apenás para dispositivos e questões específicas'.~ . Repito, esta será a Constituição Cidadã. Porque recuperará como cidadãos milhões de
,Esta busc~ de consenso l~vou. a que se recuperasse em Plenário boa parte- do brasileiros (...). Viva a ~?nstituição de. 1988! Yiva a vida qu~ ela vai d~ft7nder e semear!57
conteudo do ProJeto (A), em detrrmento do estabelecido nos substitutivos do Centrão. E
ainda surgiram.nesta fase algumas novidades, como a licença-paternidade, os plebiscitos o se81:ffidoturno iniciou-se em 27 de julho de 1988, com a votação em bloco do
sobre forma e SIStema de governo, a revisão constitucionaJ. a se realizar cinco ,anos após texto que fora aprovado no primeiro turno - o chamado Hprojeto (B)". Este foi apro-
a promulgação da Constituição e o limite constitucional dos juros. 55 ", .. vado por 406 votos contra 12,'registrando-se 55 abstenções. Para modificar trechos do
Em trê~ p~ritos ideologi~ament~ controvertidos não houve maioria para aprovar PJ;ojeto (B), seriam necessários destaques que contassem com 280 votos. Apesar da
nem os.substitu~vos do Centra0, nem os textos do Projeto (A): definição do direito de apresentação de 1792 emendas, houve poucas mudanças naquela fase. 'Os setores pro-
!?ropriedade, dis~plina da reforma agrária e greve de servidores públicos. Esse tipo de gressistas investiram muita energia na tentativa de suprimir a vedação, adotada no 1Q
.. Impasse era apelidado de ~'buraconegro".e, quando ocorria, cabia ao Relator elaborar turno, de desapropriação para fins de reforma agrária de Imóveis produtivos, mas não
em 48 horas um novo texto, na tentativa de buscar a conciliação possível. .. tiveram sucesso. Os conseriradores'pugnararn'l,ela redução' dos'direitos trabalhistas,
Em.22 de março de 1988,ainda durante o 1º turno, ocorreu uma das mais impor- mas também sem êxito. Algumas mudanças .pontuais foram aprovadas para 'adaptar
tantesrevrravoltas da Constituinte, com 'a aprovação, por 344 votos a 212, da emenda trechos da Constituição ao presidencialismo. Em 2 de setembro de 1988, encerrou-se o
presidencialista, com o apoio do Centrão em aliança com as bancadas do PT e do POTe 2º turno da Constituinte.
Outra decisão polêmica, adotada em 2 de junho de 1988,foi relativa ao mandato de José Em seguida, enviou-se o texto aprovado em 2Q turno para uma Comissão de Reda-
Sarney, fixado em 5.anos, por 328 votos contra 222, como pretendia o então Presidente ção, que tinha o papel de resolver aspectos lin~ticos e de técnica legislativa do PrÇ)jeto,
da R~públic~;. Essa última votação:ocorreu em meio agraves denúncias de que os votos mas que acabou indo além disso. A.Comissão, p~esidida por Ulysses GÚiinarães, tinha
e~tanam sendo ca~alados pelo Executivo por meiodo,ofereciID.ento de vantagens inde- 28 componentes e era assessorada pelo linguista Celso Cunha ~ pelo constitucionalista
VIdas aos congressIStas, notadamente a distribuição de concessões de rádiQ e televisão. José Monso da Silva..De acordo com o testemunho de Nelson Jobim, figura des4tcada
, No início de-julho de 1988, encerrou-se o 1º t:umo'de votações da Constituirite~ daquela C9miss&O,foram aprovadas ali, em procedimento irregular, diversas alteraçõe~
~a~u:le ~om.énto, um fato político relevante foi 'a criação do PSDB, a partir de 'uma de cont~údo no texto da Constituição, para sanar alegadas contradições,.w.consistências
dissldenaa do PMDB, capitaneada por figuras ,de destaque da Constituinte, como Mario e omissões.58 Sem ~mbargo, c~m o intujto de evitar qualquer dúvida futura qu~to à
Covas e Femanao'Henrique Cardoso. Depois da,saída de Covas, a liderança do PMDB validade da nova Cart?T:decidiu-se que, após os trabalhos da Comissão, de Redação,
.:-;-.
ainda a máior bancada naquela Assembleia ~ foi assumida pelo,Deputado~Nelson o texto constitucional seria apreciado pelo Plen~o, não por mera votação simbólica,
Jóbil;n, que também integrava à época a ala progressista do partido. '.:' :. . como antes se cogitara! mas por escrut#Uo nominal, exigindo-se a maioria absoluta para
"'..d':Em 26 de julho de 1988 - véspera do início. do 2ºtumo -, ocorre um incidente a sua aprovação - qu~rum definido pela Emenda Constitucional nº.26/85.
~ti~'ci~n~:\ José Sarney convoca cadeia nacional de rádio e tele-risão- para criticar a Finalmente,. em 22 de setemb ..ro de 1988 ocorreu a 'derradeira votação da As-
Co~tituiçao ,~m ~laboração ..~as suas palavras, "há o receio de que alguns dos'seus sembleia Nacional Cons:tituinte, que apreciou o texto final da Constituição de 1988,
artigo~desencorélJem a produçao, afastem capitais, sejam adversos à iniciativa privada depois das mudanças q.corridas no âmbito da Comissão de Redação. Todos os líderes
e te~m~n: por induzir ao ócio' e à improdutividade. (...) Os brasileiros receiam que a partidários"manifestaram-se a favor .4a..aprovação.da nova Constituição, com exceção
Constitulçao:torne o 'país ingovernável".56 A resposta firme. do,;Presidente da Assem- do líder do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, que Il1arcoua posição do seu partido c~ntrária
bl~ia Nacional C0n.stituinte não tardou. No dia seguinte, valendo-se de prerrogativa à nova Carta - então considerada excessivamente conservadora pela agremiação -"
assegurada no.'Reg~ento, Ulysses Guimarães também convocou cadeia nacional de mas declarou que a sua bancada assinar~a o documento se ele fosse aprovado. A nova
Constituição foi aprovad~. por 474 vpt<?scont'ra 15, contando-se 6 abstenções.
Em 5 de outubró de 1988,.em clima de comoção, a Constituição de 1988 foi fi-
: PILATTI; Ad~~o.A co~stituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econôrrlica e regras'do jogo, p. 238. nalmente promulgada, ~pós u~a longa AsseIJ;1.bleiaConstituinte que durara ma.is de
Para uma an.áli~e_dos tipos ~e compromissos travados dúrante a Assernbleia Constituinte, veja: MAUÉS, Antonio
G. M. Constituiçao e pluralismo vinte ,anos depois, In: SOUZA NETO Cláudio Pereira de' SARMENTO O . 1.
o
20 meses - período durante o qual fora centro das atenções' do país -/ provocara
BINENBOJM, Gustavo. Vinte anos da Constituição Federal de 1988, p. 169-186. ' , ame,
Cf. COELHO, João Gilberto Lucas. O processo constitUinte. In: GURAN, Milton (CooId.). O processo constituinte 57 COELHO, João Gilberto Lucas. O processo constituir.lte. In: GURAN, Milton (Coord.). O processo constituinte
1987-1988, p. 54.
1987-1988, p. 131. .
56 Cf. COELHO, João Gilberto Lucas, O processo constituinte. In: GURAN Milton (Coord.). O processo constituinte'
58 Cf. JOBIM, Nelson de Azevedo. A constituinte vista por dentro: vicissitudes, superação.e efetividade de ':llla
1987-1988. I

história real In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Quinze anos de Constituição, P'. 14-16.
170 I a..AUDIO
DmEITO
PEREIRA DE SOUZA
CONSTITIJCJONAL
NETO,
- TEORIA.
DANIEL
HISTÓRIA
SARMENTO
E MÉTODOS DE lRABALHO ,
A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE
.
DE 1987/88 E A 8XPERIÊNClA BRASlLEIRA
. ':, . ,~truLo"
SOB A OONSTITUIÇ<\O DE 1988
I 171
iriténsa mobilização cívica e contara com um grau de participação social na sua elabo- portanto, de uma Constituição longa e analítica, não apenas ,porincorporar ao seu texto
ração absolutamente inédito na história ~acional. Na cerimônia de encerramento dos um amplo elenco de matérias, éomo também por descer, em muitas delas; a um:grau
trabalhos da Constituinte, Ulysses Guimarães proferiu histórico discurso: de de:~amento,incomum eln sede constitucional.60 i,' '

Dentre as causas dessa expansão dalpatéria constitucional, pode-s~ citar Çl,çon-


,A Constituição não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. cepção social de constitucionalismo adotada pelo legislador .constituinte; a fórmula
Quanto a eia, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jam,ais.Afrontá-la, nunca. Traidor de elaboração da çarta, que.passou pelo trabalho das 24 subcomissões e 8 comissões
da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o :CaIninhomaldito: rasgar a Constitui-
temáticas~corno acima relatado; a cumulação de funções legislativas ordinárias e cons-
ção, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a
cadeia, o exílio, o cemitério. titucionais do Congresso em 87/88,que ensejou uma certa confusão entre tais esferas;e
A persistência da Constituição é a sobrevivência da ~emocracia.
ainda as pressõ,esdos mais variados s~gmentos sociais e lobbies durante a Constituinte,
no afã de incluírem no t~xto cOPstitucionalas suas aspirações e demandas espeóficas.
Quando ..após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o Estatuto do Home~ da
Liberdade e da.Democracia ..bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura.
Qu~to a esse último aspecto, os parlamen~es e grupos de pressão que se articula.vam
Ódio e n~jo. (...) . na Constituinte não se contentavam com o mero reconhecimento principiológico das
Termino com as palavras com que comecei esta fala: a ~ação quer mudar. A Nação deve suas bandeiras e.intereE!s~s,.,Preferiama consagração de regras específicas e detaJha-
~udar. A Nação vai mudar. d~s, que' os colocassem a salvo de 4lcerte~p.squanto às concretizações legislativas ou
A Constituição pretende ser a voz, a letra..a vontade política da sociedade rumo à mudança. interpretações judiciais futuras dos disppsitiyos que lhes favorece,ssem. Todos estes
Que a promulgação seja o nosso grit<?: fatores contribuíram par~ que fossem incorporadas à Constituiçã9 normas. de duvido-
Mudar para vencer! sa estatura constitucional, Qra definindo políticas públicas que" do:ponto de vista da
Muda ..Brasil! teoria democrática, talvez devess~m .serdecididas no processo políticomajoritário,61
ora salvaguardando do,~cance das maiorias interesses d~ caráter p~~e~te çorpora-
tivo, ora,' ain~a, ade~trando em minúcias impróprias para um texto magno. D~.ntreas
4.5 Traços essen9ais da Çonstituição de 1988 consequências 9-~S? característica da nossa Carta, destacaJ!l-sea ~ecessidade de edição
muito ~equente de emendas constitucionais, que enfraquecem a es.~l;>ili~a4e,ea força
Do ponto de vista histórIco, a Co~tihrição de 1988 representa o coroamento do nQrrr:tativaQ.~Constituição;e a exigência de qq.eos govem91sobtenham mai(J.ria..quaU-
processo de transição do regime autoritário em direção à democracia. Apesar da forte fic,~d~'de 3/? - quórum de aprovação de e~enda constitucional - para co~eguirem
presença de forças que deram sustentação ao regime militar na arena constituinte, foi imp~emen~ os seus programas políticos.'- '. .'
possível promulgar um texto que tem como marcas distirttivas o profundo compromis-
so com os direitos fundamentais e com a democracia, bem como a piéocupação com a
a
Por outro lado, Constituição de 1988 qualifica-s~,com9 compromis~ória, já que
o seu texto não repr~senta a cristalização de uma ideologia política pura e ortodoxa,
mudança das relações políticas, sociais e econômicas, no sentido da construção de uma resultando antes do compromisso possí:vel~ntre as diversas, forç~s políticas e grupos
sociedade mais inclusiva, fundada na dignidade da pessoa humana. de interesse que se fizeram representar na Assembleia CQnstituintewO pluralismo social
-Asmaiores influências externas sobre a Carta de 88 fóram as constituições de existente na sociedade brasileira transplantou-se para o seio da-sua C~nstituição, que
Portugal, de 1976 .. e da E,spanha, de 1978.59 Tanto Portugal como a Espanha haviam abriga preceitos inspirados em visões de mundo nem s~mpre conv~rgentes.
atra\Tessado..cercá'de uma década antes, processos de redemocraJi~ação, com a supe- A Constituição de 1988 é também dirigente62 ou program~tica. Elanão se contenta
ração ~o autoritarismo - pela via revolucionária, no caso de Portugal, ou por meio em organiz~r o Estado e ~lencar direitos negativos para limitar o e?Cêrciciodos poderes
de' um processo de transição pactuada, no caso da Espanha. 'Ambos os países tinham estatais. Vaimuito-além dis'so,prevendo direitos positivos e estabelecendQmetas,obje-
optado pela reorganização estatal em bases democráticas, com a manifestação do poder' tivos, programas e t~refas a serem perseguidos pelo Estado e pela sociedade, no ~entido
constituinte originário, da qual resultaram constituições que priorizaram os direitos
fundamentais, 'revestidas de forte teor social.
o o'A Constituição de 1988, quando promulgada, contava com 245 artigos ~o seu
corpo permanente,. acrescidos' de outros 70 no Ato das Disposições Constitucionais 60 De acordo com a expressão feliz d e Luís Roberto Barroso, o texto de 88, em diversos temas perdeu-se .no vare~oU

das miudezas" (Dez anos da Constituição de 1988: foi bom pra você também?In: CAMARGO, MargarIda Mana
Transitórias. Desde então, o seu tamanho só VelTIaumentando ..pela inclusão de novos Lacombe (Org.).1988-1998: uma década de Constituição, p. 46). .
dispositivos no seu texto..com a edição de sucessivas emendas constitucionais. Trata-se, 61 Cf. COUTO, Gáudio Gonçaives. Constituição, competição e políticas públicas. Lua Nova, n. 65, p. 95-135;
SARMENTO, Daniel. Ubiqüidade constitucional: os dois lados da moeda. In: SARMENTO, D'anie1. Livres e
iguais: estudos de direito constitucional, p 167-206.
62 Pa.ra o debate sobre a teoria constitucional da Constituição dirigente, em que são discutidos os seus aspectos
n1ais problelnáticos, bem como os seus efeitos sobre o constitucionalismo brasileiro, vejam-se os Capí~los 1 ~ 5.
59 Cf. CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. A Constituição aberta e os direitos fundamentais, p; 127. Para uma análise
Aqui, cabe apenas mencionar a obra cahônicá sobre o tópiCo em língua portu~esa: CAN0J.1LHO, J~s~ Joaquun
das influências do Direito Comparado sobre a Constituição de 88, veja: TAVARES, Ana Lucia Lyra. A Constitui-
Gomes. Constituição dirigente e vinculação ,do legislador, 2. ed. Nessa 2ª edição, ha um substancIOSO prefa~IO em que
ção de 1988: subsídios para os comparatistas. Revista de Informação Legislativa, n. 109, jan./rnar. 1991. Destaque-se'
o jurista português, que divulgou entre nós a ideia do constitucionalismo dirigente, ~evê e pr~blem~tiza as suas
que ambos os autóres prestaram assessoria jurídica à Assembleia Constituinte.
posições anteriores sobre a questão. ' ,
172. I CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO, DANIEL SARMENTO
DIREITOOONS1ITUOONAL~ TEORIA, HISTÓRIA E MÉTODOS DE TRABALHO A ASSEMBL£IA CONSTITUINTE

DE 1987/88 EA EXPERIÊNOA'BRASILEIRA
.'.' CAPÍTULO.
SOB A CONSTnUIÇÃO DE 1988
I 173.

de alteração do status quó~A'~Constituiçãobrasileira serevest~'de uma forte dimensão voltadas à defesa de mulheres, consumidores, crianças e adolescentes, idosos, indíge-
prdspectiva,'na medida em que define um "horizonte de sentido", que deve inspirar e nas, afrodescendentes, quilombolas, pessoas com deficiência e presidiários. Ela não se
condicionar a ação das forças políticas. 'Estasua faceta se revela nitidamente na enun- contentou com a proclamação retórica da igualdade formal, direcionando.,.setambém à
ciação dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil", estabelecidos
11 promoção da igualdade material, sem prejuízo da preocupação com o reconhec~e~1.:oe
no seu art. 3º, e se espraia por -todo o.texto magno, que é pródigo na consagração de com o respeito à diferença. Nesse sentido, tratou-se da primeíra de nossas constituiçoes
normas programáticas. ' a contemplar alguma abertura para'o'multiculturalismo, ao incumbir-se da proteção
, Ela contém não apenas um estatuto jurídico do político", já que consubstancia
11 das diferentes identidades Cultutais'e étnicas que compõem a Nação brasileira (e.g.,
norma fundamental não 'só'do Estado; como também da própria sociedade brasileira. arts. 215, 216, 231 e art. 68 do ADCT). .- .
A Constifuição de 1988se imiscui na disciplina de questões como o funcionamento da É curioso que, afora alguns direitos trabalhistas, os instrumentos de dem.ocracia
economia, as relações de trabalho, a família e a cu1turá,.que não dizem respeito (apenas) participafiva e a definição 'do'régllne da propriedade, o sistema de direitos fun.damen-
às formas e lirri.itespara o exercído do poder"j,olítico.Além de regular diretamente vastos tais não tenha despertádo màior resistência'dos constituintes conservadores, que se
domini~s da vida 'social, a Constituição contém princípios e valores fundamentais que agiutinaram em tomo' do Ceritrão. Não é que houvesse um relativo consenso político
devem ser toma'dos como nortes 'na interpretação de toda 'a ordem jurídica e ensejar em relação aos direitos fundarilentais. Uma interpretação mais realista dos fatos hjstó-
" uma releiturá 'dos institutos e normas do ordenamento infraconstitucional. Em outras ricos explicaria tal fenômeno a partir da descrença então nutrida pelos atores políti.cos
palavras, as características da Constituição de 88 - tanto o seu caráter analítico, como a propósito da possibilidade de efetivação dos direitos furid~entais, que eram vist~s
a sua riqueza 'a.xiológica - propiciam o desenvolvimento do fenômeno da constitu- mais como adereços para embelezamento da Consti~ção, do que como normas ~o-
cionalli'ação ,do Direito; que suplanta clivagens tradiCionais, como as que separam o tadas de significado prático na vida sociaL63Afinal, tinha sido assim nas constituições
Direito Público do:Direito Privado, e o Estado da sociedade civil. ' anteriores do país. . ,
A'orgailização do texto constitucional é reveladora de algumas prioridades'da Aléin dôs direitos ~damentais, o outro #coração" da Constituição de 88 é a
Carta de 88. Se as"conSútiriçõesbrasileiras anteriores iniciavam pela estru~a do Estado democracia. Dentre outras medidas, ela consagrou <? sufrágio direto, secreto, universal
e só depois' passavam aos direitos fundamentais, a Constituição de '88fáz o coritrário: e periódico para to~os os cargo~ eletivos- elev~do, ~clusive, à qualidade de cl~usula
consagra inicialniente os direitos e garantiaS fundamentais -' no segundo título, logo pétr~a -; conc~deu o direito de voto ao analfabeto; erigiu sobre bases plu~~st~ e
depois'daquele dedicado ~ós1)rincipios fundamentais - só se voltando, depois'disso, liberais o sistema partldano; e consagrou' instrumentos de democr~cia partiapativa,
à disciplina da organização' estatal. Essa inversão topológica não foi gratuita~Adotada como o pl~.biscito,o referendo ,ea iniciativa popular de leis. Para assegurar a higidez d?s
em diversas constituições europeias do pós-guerra, após o exe~plo' da: Lei Fundamental pleitos eleitorais, a Carta manteve ~ Justiça Eleitoral, existente desde 1932.E garantiu
alemã de 1949, ela indica o reconhecimento da priondade 'dos direitos fundamentais
com vigor as liberdade.s plíblicas que são pressupostos diretos para o funcionamento da
nas 'sociedades demoCráticas. . :
democracia, como as lib~rdades de expressão, de associação e o direito ~informação. Não
O sistema de direitos fundamentais é o ponto alto da Constituição. Ao lado de
há dúvida, portanto, que el~ contém todos os elementos que conformam a democracia
um amplo e generoso él~nco de direitos civis e políticos, a Carta de 88 também garántiu
política,64como eleições l1vrese periódicas, amplo direito de sufrágio e de conco:rer às
direitos sóciais - tarito' trabalhistas como prestacionais em sentido estrito ---:- e 'ainda
eleições, possibilidade real de a oposiç~o assumir o poder, liberdad~ ~e expressa0 e de
agregou direitos 'de 3ª dimensão, como'ó'direito ao patrimônio cultural (arts.'215e 216)
associação política e existência de fontes independentes de acesso à ~ormação ~elo
e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225).Ela se preocupou sobremodo
cidadão. Porém, a Constituição não se contentou com isso, propondo-se a democratizar
com a efetiváção dos direitos fundamentais, para' que não se tomassem letra morta,
não apenas o regime político, mas também as relações sociais, econômicas e culturais
c<?rri.o/ínfelizm.ente,era costumeiro em nosso 'constitucionalismo.: Daí o princípio da
- tarefa ainda mais árdua e complexa.
aplicabilidade imediatá .dos direitos fundamentais (art. 5º, Slº), os diversos remédios
No que concerne ao federalismo, a Constituição de 88 não rompeu co:çna tra-
constitucionais previstos para a sua tutela, e o reforço institucional ao Poder Judici-
dição centrípeta brasileira,' de extrema concentração das competências normati.~as no
ário, concebido como guardião dos direitos. Ademais, o constituinte quis articular a
plano federal. Contudo, foi a primeir~ a atribuir expressamente a natureza de entidade
proteção iI~t~mado,s direitos fundamentais com a internacional. Por isso, a afirmação
da prevalência dos' direitos humanos nas relações internacionais (art. 4º, inciso TI), a federativa aos municípios, ampliando a sua autonomia. Além disso, promoveu um
abertura do calálogo dos direitos a outros decorrentes de tratados mtemacionais de que maior grau de descentralização administrativa, bem como financeira. Quanto à última,
o Brasil seja parte (art. 5º, 92º) e a alusão ao apoio brasileiro à criação de um Tribunal repartiu de forma mais favorável aos ,ªstados e Municípios as competências tributárias
Internacional de Direitos Humanos (art. 7º, ADCT). A Constituição cuidou ainda de
prot~ger os di~é.if6sfundamentais do poder reformador, tratando-os, pela primeira
vez na história constitucional brasileira, como cláusulas pétreas explícitas (art. 60, 94º). 63 Cf. LESSA Renato. A Constituição brasileira de 1988 como experimento de filosofia política: ensai? un: !n:
Além dos direitos universais, a Constituição também voltou os seus olhos para. OLlVEN, Ruben George; RIDENTI, Marcelo; BRANDÃO Gildo Marçal. A Con.stituição de 1988 na vzda braszlezra,
p.369-370.
a proteção dos sujeitos 'em situação de maior vulnerabilidade, instifu.indo 'normas
64 Veja-se a canônica obra de DAHL. Polyarchy: participation and opposition.
174. I CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO, DANIEL SARMENTO
DIREITO CONSTITUCIONAL - TEO~ HIS1ÓRIA E MÉlDDOS DE TRABALHO
A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1987/88 E A EXPERIÊNOA
~. CAPfruLo (
BRASll..EIRA SOB A CONS'ITIUIÇÃO DE 1988
I i75
e as receitas decorrentes da arrecadação dos impostos, corlferindo; a. tais entidades 4 anos. Já o sistema eleitoral para a escoÍha dos deputados é o proporcional, sendo eles
federativas condições para o exercício das suas competências materiais, de forma a eleitos para mandatos de 4 anos.
atenuar a sua dependência econômica em relação ao Poder Centralí que caracterizava A Co~tituinte,reforçou os poderes do Legislativo na esfera de produção n_or-
o regime'constitucional anterior. mativa em comparação ao regime pretérito ao extinguir a aprovação de normas por
Em .relação aos poderes estatais, a Constituição fortal~c~ll taJ).to o Legislativo decurso de.prazo, r~duzir as hipóteses de iniciativa legislativa privativá do Chefe do
como o J'!Jdiciário.,Sem embargo, ela não d.esproveu. o ~oder E~ecutivo dos mecanismo~ Executivo, diminuir o quórum exigido para derrubada do veto e ampliar o poder de
necessários para o desempe$o d~s suas rele\(.an.tesfunções, no contexto de um Estado emenda parlamentar às leis. Ademais, ela também robust~ceu as funções fiscaJizatórias
intervencionista e de uma sociedade de massas, evitando o equívoco cometi,do no texto do Legislativo, fortalecendo o seu papel no controle externo dos demais órgãos estatais,
constitu~onéll.de, 19~~ ..~ " . exercido com o auxilio dos tribunais de contas, e atribuindo às comissões parlamentares
Ela p.1?Ilte,:~~cÇ)II}.o,
~alientado acima, o regime Rresi9-enq.alista - posteriormente de inquérito poderes d~ investigação próprios das autoridades judiciais" (art. 58).
II

confi.rmqdo pel~l,pqvo pela ~a plebiscitária, como.será..a Syguir anal,is~do -, e estabe- Mudanças profundas ocorreram' também no âmbito do Poder Judiciário. A Cons-
leceu mandato.s de 5 anos para os Presidentes,66 sem p~&sibilidade de reeleição para o tituição reforçou a sua autonomia administrativa e financeira e ampliou a sua impor-
período jmediatãm~nte s~bseq~ente.67 Insti~u a~~~iç~o.pres~d~cia~ direta, em dois tância política. Promoveu o acesso à justiç,a, Criando,ou amp~ando ações individuais e
'. turnos de votaçãq,. pe forma a conferir ampla legitimidade qemocrática ao Chefe do coletivas voltadas à tutela de direitos, e conferindo um novo perfil a instituições conlO
Executivo. P~la CoÍlstituição, Presidente e Vice-Presid~ntedevem, necessariamente, o Ministério Público e a Defensoria Pública .... Por outro lado, ela consagrou um amplo
integrara;rne~w-~ chapa, o que contribui para evitar crlS,espolítiÇflS,como a deflagrada sistema de jurisdição constitUcional," qJ.~:pod~ ~e~~efiagra~o cofu-mui~~ ,fa.cili~ad.e,
com a r~nMciii de Jânio Quadros. .
ensejando um inlenso fenômeno de judicialiZáçã~ da pólí~ca~Pelo aI!aI}j9,~d~tado, que
O:Êx~cutivo que resulta da Constituição de 1988 ~ forte.68No plano normativo, ele
'J
combina uma Constituição extensa e invasiva, com inúmeros ~trum~ntós de controle
não teI9- p:t.ais,~absoluta hegemonia que d~s~ ta;vasop~e os demais poderes ..no governo de constitucionalidade, tomou-se difícil qu.ealguma d~cisão p6lítL:c~m~_ r~ley~~e deixe
mil;itar,.mas J.!1_anteve ~ amplo controle sobre a agenda p~lamentar, além de relevantes de ser submetida ao Judiciário, que muitas vezes decide contra ,avontade 'd'?~demais
faculdades n_opnativas, com destaq~e para a edição ~e medidaS provis~ri~ - que, aliás, poderes do Estado. Tal fenômeno, .que tem se tomado m~ agudo nos últimos anos,
têni ~i4~ e~pregadas de forma rotineiÍa e ~1:>uslva~ Pórém, apesar dá sua -proeminê~cia, vem ~scitando questões comple?,as sobre os límites da legitimidáde democrática da
o Éxe<:Utivonão ~0!lSegue governar contrà â maioria p~làmentar, dependendo dó seu atUação do Judiciário, um~ vez que os seus membros não são eleitos, nem podem ser
apoio pái'à ~plementar as suas políticas 'de govemo~ Tal apolo não é Uma exigência destituíd~s pelo voto popular, e 'muitas vezes decidem questões altamente controver-
fo~al do re~e - que, afinal, é pres~denciaIisfa e'não 'parlamentarista - mas unia tidas com base ria ~xegese de clausulas constitucionais vagas e abertas, que se s~jeitam
~posição prática que, quandq. não atendida, gera ingoverriàbilidade, paralisia estatal a diferentes interpretações. .
e 'crise política. Esse modelo caracteriza o que alguns cientistas políticos têm chamado No que diz respeito à ordem econômica, a Constituição de 88 adótou fórmula
de "presid,encialismo de coéilização",69que se expressa na necessidade 'de o Chefe do compromissória. Por 'um lado, adotou como princípios aJivre-iniciativa, o direito de
Executivo construir uma base de apóio no Legislativ% que é alcançado por meio da propriedade e a livre concorrência, mas, por outro, tingiu esse sistema com preocupa-
nomeação de indicados para os Ministérios e outros cargos. . ções com a justiça social, a valorização do trapalhó e a dignidade da pessoa humana. A
Em'relação ao Poder Legislativo, a Constituição de 1988 manteve o bicameralismo Constituição expressa adesão ao regime capitalista, rejeitando o modelo de economia
federativo e a distorção na representação entre Estados mais e menos populosos, pela planificada e' de apropriação coletiva dos meios de' produção. Porém, o capitalismo
fixação do número mínimo de 8 e máximo de 70 deputados federais por Estado. De que resulta do texto constitucional não é o do laissez-faire e do Estado absenteísta, mas
acordo com a Constituição, cada Estado elege 3 senadores, pelo sistema majoritário, uma fórmu).a intermediár~~, qu~ apo~~~_n,afor.çacriativa e empr~~ndedora da in~ciativa
para mandàtos de 8 anos, com renovação alternada de 1/3 e 2/3 da bancada a. cada privada, mas não foge à sua responsabilidade de discipliná-la e limit~-la, não sÓ,no
interesse da higidez do próprio mercado, como também com o.objetivo de promoção
da igualdade material e da justiça social. A Constituição prevê amplos espaços para a
65 Para uma comparação entre o Executivo em 1988 e em 1946, cf. LIMONGI, Fernando. O Poder executivo na regulação estatal da economia, mas a intervenção estatal direta nessa seara é vista como
Constituição de 1988. In: OLIVEN, Ruben George, RIDENTlj Marcelo; BRANDÃO, Gilda Marçal (Org.). A Cons-
tituição de 1988 na vida brasileira, p. 23-56., .
exceção, justificada apenas quando necessária aos imperativos de segurança nacional
U

66 O mandato foi di~uído para 4 anos pela Emenda Constitucional de Revisão nQ,5, de 1994. ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei" (art. 173).
67 A possibilidade de' uma reeléição para a Chefia do Executivo nos três ruveis da federação foi introduzida pela O texto 'originário da Constituição, elaborado antes da queda do Muro de Berlim/.
Emenda Constitucional nQ 16/97.
continha traços mais estatizantes e refratários à presença do capital estrangeiro no país.
68 Cf. FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. Executivo e legislativo na nopa ordem constitucional. '
Porém, reformas constitucionais de inclinação liberal, que foram promovi.das a partir
69 A expressão é de Sérgio Abranches, em clássico artigo (Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional
brasileiro. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 31, p. 5-38). Veja-se também, a propósito do tema:" SANTOS, de meados dos anos 90, esmaeceram essas feições da Constituição, sem, no. entanto,
'Fabiano. O podfr legislativo no pre~idencialismo de coalização; e AMORIM NETO, Octávio. O governo presidencial e . comprometereJ;l1.a cosn10visão econômica social-democr~tica do texto constitucional.
a sustentação parlanlentar: uma história trágico-marítima? In: VIEIRA, José Ribas (Org.). 20 anos da Constituiçã~
Cidadã de 1988: efetivação ou impasse institucional?, p. 59-68. '
CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NElO, DANIEL SARMENTO
176 ' I DIREITO CONSTITUCTONAL - TEORIA. HISTÓRIA E MÉlUDOS DE TRABALHO
AASSEMBLElA CONSTITUINTE DE 1987/88 E A EXPERffiNa.:.URASIT.EIRA SOB A ~~~â"=:1 17Z

4:6 k-tra].etória da:Constituiçãode 1988 " '\; 29 de dezembro de 1992, que se prolongou:pela madrugada d,odia seguinte, Collor foi
li

'. ,Depois da promulgação da Ç~~tituição d~ 1988,José Sar~ey a~4~ governou condenado por 67 votos ,a 3. ;Naquela sessão, ele ainda tentou uma última manobra:
9 pérlS a
por ~~s de um'ano, em meio gravE;crise econôrica, com inflação d~sçon!Io- qU311do tudo já estava.perdido, seu advogado lê sua carta de renúnc~a à ~~esi~ência. A
estratégia era evitar a condenação e a imposição da pena de 8 anos de mabilitaçao para o
lad'a.Ém i5 de 'nov~mbro de 1989, ocorreram' eleições diret~s pa;ra.é! Presiçl~nêia 'da
R~p~bliça :- as prhneiras desde'1960. Concorreram a~ pleito 25 cándlç.atà~, pá'ssando exercício de função pública dela dec~rrente. O argumento era o de que a perda do cargo
áo segm,-ido turno Fernando Collor de Méllo (PRN) e J..uiz Inácio blla da Silva (PT). seria a sanção princip'al no processo deAlnpeachment. Com a perda ,deobjeto do principal,
Collor~ :ex-goverI}ad9r de Alagoas, que se apresentàra ao público com um discurso o acessório -. a inabilitação para função pública por' 8 anos - deveria seguir-lhe a sorte.
mora)tzadqT ~ c<?mbate'aos marajás" - e de redução do tam~o
U do Estado, contou Mas a manobra.é refutada pelo Senado,75e a deásão do órgão é mantida pelo STF.76
COID,P apoio osténsivo qa grande mí~a e dos ~posempresariai.$ .~m sua ca~panha" O impeachment -de Fernando ,Collor' de Mello foi um teste importante para a
derrotando o adve~sário por ap~oximadamente 35 miJ.hõesde votos' contra os 31 mi- Constituição de 88. Hóuve,no 'país uma crise política séria e ela foi equacionada com
lhões dados a Lula.7° ' . . base nos instrumentos da própria Constituição. Na história nacional, isto quase nunca
'. Em 15 de março de 1990, Collor tomou posse ~, l~go no ~ia seguinte, nó afã de ocorrera. No passado, crises desta monta seriam quase certamente resolvidas fora dos
combater ~ inflação, edita a Medida Provisóriâ nº 168,,'quecontinha o chamado uPlano quadrantes do Direito Constitucional, próvave1mentec9menvolvimento dos ~uartéis.
., Col1Qr", decretando a ipdisponibijidade, por 18 meses, dos ativos financ~iro$;em valor O regime constitucional passou bem nessa primeira prova a que fora submetido .
superiorJ~ cinqüent~~, ?Uzad~s'novos.Tr~t~ya.-se de violenta'medida de s'equestro ,Com o afastamento de Collor, o.seu vice,,'Itamar Franco, que já estava exercendo
qe pOlJ.p~çá, de d:uvidos~ cop.stitucionalj.daq.e,71que gerou uma inundação de ~çõe~ provisoriamente a função, ~sume a'presidência para completar o seu mandato. Duran-
JudiciaiS ~a ]ustiçà F~.deral, mas.~~ rel~ção à' qual o STF, apesar de devidamente pro- te o governo .de Itamar, ocorreram dois eventos de grande importância sob o prisma
yoca~q, optou por sé-.~mitIT.72' ".,' , constitucional: o plebiscito sobre a forma e o regime de governo (art. 2º do ADCT) e a
, .' ' .. ,j b gQ"v~mo Collo~prosseguiu marcado' por políticas de viés neoliberal, envolvendo
revisão constitucional (art. 3ºdo ADCT). ,
prixatlza~6~s ~~ empresas públicas; ~I:>ertura<;laecono~~,~ de~ssão,de funci<?nários A realização do plebiscito, decidida em estágio av~çado da Assembleia,Naclonal
púbÍico~~Pç.:r;élll, a PaItir do.segundo semestre.9.e 1991,Çollor s.eVê. ~ny?Ivi9-o em sérias Constituinte,77 fora solução compromissória.para o impasse entre parlamentaristas e
.denúTIçias'de coqupçã0l. relaciqnadaS ao seu
envolviJjlenio e~ esquema de eórJ.1lpção presidencialistas. Embora não houvesse à época' controvérsia relevante sobre a ado~o
da forma republicana ou monárquica de governo, a proposta aprovada, por razoes
que gr~vlfava e~~oTI1i <lo seu ex~tesow:eiio' de eampanha;' Paulo Césár ,Farias, Em
1992, i:ristaurou-~~ um~. CPI no Cong~~ss~ K~9~nal, qu~ produZi~ fartas 'proyas contra regimentais, fora construída sobre uma emenda popular que previa a consulta do
o Presidente, acabândo por indiciá-lo e por' reéomeridàr o seu impeach"!-ent. Naquele eleitor também so1;>retal questão, patrocinada na Constituinte pelo Deputado Cunha
ínte~, a soçiedade civil, com..o apoio da impr~nsa, se mobilizar~ para reivindicar o Bueno. O plebiscito foi aprovado de forma quase consensual, por 495 vot,os contra 23
afastamento' de 'Collor, com destaque para as manifestações est:udantis dos chamados e 11 abstenções, e agendado para o dia 7- de setembro de 1993,78data posteriormente
1/caras-pint~das" . ", antecipada para 21 de abril de 1993, pela Emenda Constiwcional nº 2/92.79
do
O pecP. de impedimento dC?PresideJ1.tefoi apres~ntado à Çâmara dos Deputados
em petição subscrita por Barbosa LiJJ:taSoh~~, President~ dà Associação Brasileira uperda do cargo e inab~t~ç~o para" o exercício de funçao pública, sem prejuízo d~ demais sanções judiciais
de Imprensa, e Marcelo Laven~re, Presidente do Copselho Fed~r~ da O~.73 Em 29 de cabíveis" (art 52, Parágrafo único).' .
set~mbro de 1991"a a~torização para a instauração dó processo foi aprov~da na Câmara 75 A decisão de continuidade do processo, tomada por 73 votos a 8, foi redigida pelo Min. Sydney Sanches. Nela
consta que "tendo ficado extinto, pela renúncia, o mandato pre~iden~al do acusad~, e.ncerrou-se, no Sena.do~ o
d9~ Deputados, por; 421 votos contra 38, sendo o Presídente.temporariamente afastado, processo de impeachment, por ter ficado prejudicado~ q~ant~ a ~ançao, que podena. rmpor a mesma extinç~o
de suas funções.74 O processo prosseguiu no Senado Federal, ~, em sessão,iniciada em (art, 52, Parágrafo único, da Constituição Federal). No mms,'atingIdoo'quorum de dOIS t:r~os, pela c~nd~na~ao
do acusado, declaro que o Senado o condenou à inabilitação, por oito anos, para o exerClClO de funçao publIca,
nos termos do mesmo dispositivo constitucionar'.. . "
76 Contra a decisão do Senado, Fe~ando Collor de Mello impetrou no STF o M~d~do de Segurança nO2L689/DF,
70 Os números exatos foram 35.089.998 votos para Fernando Collor, 31.076.364 pa~a Lula, 986.446 votos em branco sendo Relator oMin. Carlos Mário'Velloso. A sessão de julgamento ocorreu em 6 de dezembro de 1993 e de~a
e 3.107,893 votos nulos. Cf. PORTO, Walter Costa. O voto no Brasil: da Colônia à 6ª República, p. 371. participaram oito Ministros do STF: Carlos,Mário Velloso, llmar Galvão, Celso de Mello, Moreira Alves, ?~tavIO
71 Cf. COMPARA TO, Fábio Konder. Recolhimento forçado, ao Banco Central, de, saldos de contas bancárias. In: Ga1l9tli, Sepúlveda Pertence, Paulo Brossard e Néri da Silveira. O julgamento no S~ deu empate: qu~tro mmls.tros
COMPARATO, Fábio Konder, Direito público: estudos e pareceres, p. 179-193. manifestaram-se pela concessão da ordem - Ilmar Galvã,o, Celso de ~e~o, Morerra Alve~ e OctavIO GaJlotti -,
e os quatro demais pela denegação. O STF decidiu então, de forma polerruca, suspender o Julgamento e convocar
72 O STP não concedeu a Medida Cautelar postulada em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo PDT
os três Ministros mais antigos do S1'}, para desempate. Em 16 de dezembro de 1993, os ~stros Will~an Andra~e
contra a MP nO 168. Posteriormente, ao julgar outra Ação Direta de Inéonstitudonalidade proposta contra a Lei nº
Peterson, José Fernandes Dantas e Antônio Torreão Braz manifestam o seu voto contrarIO as pretensoes do e~~ao
, 8.024, na qual se convertera a referida MP, o STF afirmou a perda de objeto da ação, sem apreciar a constituciona-
ex-Presidente Collor, ensejando a denegação da segurança.e a manuten~ão.do ato" d~ Sena?-.o. Para uma anabse
lidade da medid,a, em decorrência <;iadevolu.ção integral dos ativos financeiros que haviam sido bloqueados. crítica desta decisão, cf. VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Trzbunal Federal: Jl,1IlsprudenCla política, p. 109-120.
73 De acordo com o art. 14 da Lei nº 1.07~/59, que trata do processo por crime de responsabilidade, quaJquer cida- 77 Sessão de 03.06.1988.
dão pode denunciar o Presidente perante a Câmara dos Deputados. .
78 Cf. MARTÍNEZ-LARA, Javier. Building democracy in Brazil: the politics of constitution~ change, 1985-1995, p. 144-145.
74 Pela Constituição, cabe a Câmara dos Deputados autorizar, por 2/3 de seus membros, a instauração de ação por ,
79 A antecipação foi ,questionada no STF pelo PT, por m~i~ da ADI:,-º ~29-3fl?F (ReI. Min. Moreira: Alves), ~ob ~
crime de responsabilidade contra o Presidente da República (art. 51, I). O julgamento compete ao Senado (art. 52,1)"
argumento de que a data do plebiscito representava limIte matenall~plíCl~O ao poder ~e reforma. A açao fOI
sob a Presidência do Presidente do STP, sendo a condenação proferida por 2/3 dos senadores, para a pena de
julgada improcedente em 14.04.1993, por 8 votos a 3. Esse julgamento e analisado no CapItulo 7.
178 I CCAuúio PEREIRA DE SOUZA
riIREitO CONSTITUCIONAL -
NETO, DANIEL SARMENTO
TEORIA. HISTÓRIA E MÉTODOS DE TRABALHO A ASSEMBLEIA C?NSTITUlNTE
. 'CAPfruLo
DE 1987/88 EA EXPERlÊNClA BRASD..EIRA SOB A CONsnnJIÇÃO
4
DE 1988
I 179

A partir. de janeiro de 1993, organizam-se três fronts de campan11a, envolvendo institutos independentes, e que, portanto, a primeira ocorreria independentemente de
parlamentares e organizações da sociedade civil, para a defesa das três opções ernjogo: qualquer alteração definida em via.plebiscitária. Além.disso, para os adeptos dessa in-
presidencialismo, parlamentarismo republicano' e parlamentarismo monárquico. Eles terpretação, a revisão não estaria sujeita.ao respeito às cláusulas pétreas, que limitariam
tiveram acesso gratuito aos meios de comunicação social e elaboraram programas de apenas as emendas constitucionais, elaboradas de acordo com o procedimento previsto
televisão e rádio em que tent~vam -convencer o espectador sobre a superioridade dos no art. 60 da Constituição. A posição intermediária, que prevaleceu na revisão, e foi
seus modelos, mas não conseguiram provocar grande mobilização popular.PoréID.r o .confirmada pelo STF,84 era no sentido de que a revisão deveria ocorrer, independente-
Tribunal Superior Eleitoral, numa curiosa decisão sobre a forma das cédulas de votação mente do resultado do plebiscitô, mas que.teria de.!espeitar todas as cláusulas pétreas,
no plebiscito, estabeleceu que o eleitor não seria confr.ontado com três opções, mas com bem como o resultado da consulta plebiscitária. .
quatro, pois votaria duas vezes: uma primeira vez, para manifestar-se sobre a forma A revisão constitucional, que teve como Relator o Deputado Nelson Jobim,
de governo ~ república ou monarquia -, e a outra, para decidir o regime de governo acabou revelando-se um fiasco, com a aprovação de pouquíssimas mudanças no texto
-presidencialismo ou parlamentarismo.Bo Surgia com isso a possibilidade teórica da magno. Apesar de terem sido apresentadas mais, de 17.000 propostas de alteração
escolha do paradoxal sistema de l/monarquia presidencialista~I.~ da Constituição, apenas 6 foram aprovadas pelo Plenário,representandC? mudan.ças
O resultado das urnas chancelou o modelo vigente. Quanto à fomi.a de governo, a pontuais no texto constitucional, que: consubst;:mciaram as Emendas de Revisão n 1. Q

república teve 66,06% dos votos, contra 10,21% da monarquia, havendo 10,490/0de votos a nº 6.8~Dentre os fatores que contribuíram para. talfracass01' pode-se citar: a falta de
brancos e 13,24 % de votos nulos. No que tange ao regime de governo, o presidencialismo liderança do governo noproceSSOi~?'Oboicote dos.partidos:de esquerda; o fato de que,
recebeu 55,45% dos votos, contra 24,65% dados ao parlamentarismo, contabilizando-se no decorrer da revisão, o,Congresso. atravessou grave crise,:com a CPI do Orçamento,
5,17 % de votos em branco e 14,73%de votos nulos. O não comparecimento de eleitores que desvendou esquema de corrupção envolvendo d1versas lideranças parlamentares;
foi muito elevado, considerandO-se a obrigatoriedade do voto no Brasil: 25,76% do elei- e a aproximação das eleições de 1994.8~
torado não foi às umas. Somando-se este percentual àquele correspondente aos votos Em janeiro de 1994, o governo Itamar Franco lança o Plano Real, elaborado por
nulos e em branco, infere-se que a fração dos eleitores quê manifestou alguma escolha equipe liderada pelo então Ministro da,Fazenda, FemandoHenrique Cardoso, para
no plebiscito foi pouco superior à metade, o 'que é bem inferior ao que costuma ocorrer enfrentar a espiral inflação que comprometia gravemente a economia nacional. O Plano
nos pleitos para cargos eletivoS".Em suma: o.plebiscito parece não ter despertado maior obtém grande êxito e,.na esteira do' seu sucesso, .Fernando Henrique Cardoso, lançado
interesse no eleitor brasileiro. candidato à sucessão de Itamar pelo PSDB, consegue se.eleger ainda em 1~turno, to-
Depois do plebiscito, veio o momento da revisão constitucional, instaurada em mando posse em 1º de janeiro de 1995.88
6 de outubro de 1993. A revisão, prevista no art. 3º do ADCT, despontou cercada de No-governo de Fernando Henrique Cardoso se inicia um ,importante ciclo de re-
intensa controvérsia jurídica e política. Os partidos e forças políticas situados à esquerda formas constitucionais. Foram aprovadas, durante os seus dois mandatos, nada menos
a ela se opunham, pois temiam que,.com o processo simplificado de mudanças previsto que 35 emendas constitucionais. Dentre as reformas realizadas no seu primeIro mandato,
texto constitucional - decisões pelo voto da maioria absoluta do Congresso, em sessão cabe salientar as promovidas na ordem econômica, de viés liberal, .que suprimiram
unicameral - pudessem ser revertidas as conquistas sociais obtidas durante a Assern- restrições ao capital estrangeiro ,(ECnº;6/95 e nº 7/95) e flexibilizaram monopólios es-
bleia Constituinte. Já as agremiações partidárias situadas mais à direita e os segmentos tatais (EC nº 5/95, nº 8/95 e nº 9/95). Tais med~das foram acompanhadas por um amplo
empresariais desejavam a revisão, para remover supostos excessos da Constituição e programa de privatizações89 e por uma significativa mudança no perfil da atuação do
dar-lhe uma orientação econômica mais liberal. 82 . Estado na esfera econômica. Se antes o Estado atuava frequentemente como empresário,
Diante de tal quadro político, surgiram três teses jurídicas sobre a revisão.83 doravante ele se concentrará na sua função reguladora da atividade econômica. Foram
Para a primeira, ela não teria cabimento, pois só deveri~ ocorrer se o povo tivesse, no
plebiscito, decidido por mudança na forma ou no sistema de governo. O propósito da
revisão, para essa corrente, seria tão somente o de adequar o texto constitucional" de 84 ADI-MC nº 981/pR, ReI. Min. Néri da Silveira. Julg. 17.12.1993.
forma mais fácil, às eventuais mudanças decididas pelo eleitorado no plebiscito. Como 85 Dentre elas, a mais relevante foi a que reduziu o mandato presidencial de 5 para 4 anos (Emenda de Revisão nº 5).
o povo decidira no plebiscito manter o mesmo sistema político, não caberia a realização 86 O governo do Presidente Itamar Franco só se mobilizou intensamente para aprovar a Emenda de Revisão riQ 1,
que criou o Fundo Social de Emergência, retirando n~cui:sos provenientes da arrecadação tributária do bolo que,
de revisão constitucional. A segunda tese era a de que a revisão" e o plebiscito seriam pelo texto originário da Constituição, seria partilhado com estados e municípios.
87 Cf. MELO, Marcus André. Reformas constitucionais no Brasil: instituições políticas e processo decisório, p. 60-68;
COUTO, Cláudio Gonçalves. A longa constituinte: reforma do Estado e fluidez institucional no Brasil. Dados
- Revista de Ciências Sociais, v. 41, n. 1; MARTÍNEZ-LARA, Javier. Building democracy in Brazil:. the politics of
80 Cf. PORTO, Walter Costa. O voto no Brasil: da Colônia à 6ª República, p. 389-394 .. constitutional change, 1985-1995, p. 188-189.
81 A cientista política Maria Vitória Benevides, em artigo jornalístico publicado sobre o tema, afirmou que teria OCOI- 88 Fernando Henrique Cardoso foi eleito com. 54,28% dos votos válidos. Em segundo lugar, ficou o candidato do
rido um verdadeiro insulto ao bom-senso na confecção da cédula. Entre outras impertinências,
f1 persiste o riSCO PT, Luiz Inácio Lula da Silva, com 27,04% dos votos. Cf. PORTO, Walter Costa. O voto no Brasil: da Colônia à 6ª
de vermos votado um mostrengo como 'monarquia presidencialista'. Mais uma vez, o mundo se curvará diante. República, p. 372.
de nossa imagjna.ção criadora" (Apud PORTO, Walter Costa. O voto no Brasil: da Colônia à 6ª Repúl;>lica, p. 393):. :
89 O programa de privatizações fora iniciado ainda durante o governo Collor, com a edição da Lei nº 8.031/90, mas
82 Cf. MELO, Marcus André. Reformas constitucionais no Brasil: instituições politicas e processo decisório, p. 59-16~ se intensificou na gestão de Fernando Henrique Cardoso, com a alienação de grandes empresas estatais, como a
83 Este debate é analisado de forma mais detida no Capítulo 7, que trata do Poder Constituinte Derivado .. Vale do Rio Doce e a Telebrás, em meio a intensa controvérsia política e disputa judicial.
CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO, DANIEL SARMENTO
180 DIREITO CONSTII1JQONAL - TEORIA. HISTÓRIA E MÉTODOS DE TRABAllIO
A ASSEMBLEIA CONS'ITIUINTE DE 1987/88 EA EXPERIÊNQA BRASILEIRA SOB A CONS1TIUI~=~ I 181
criadas, naquela época, diversas agências reguladoras, com o .àrgumento de que assim
sociais, intensificando as políticas públicas de caráter redistributivo;!voltadas para a -
se'despolitizava a regulação de detern1inadas áreas, tornando-a mais té01ica e menos
população mais carente; com destaque para o Programa Bolsa,Família;'cQIDexpressivos
depertdente das. oscilações da política partidária, conferindo-se, desta forma, maior
resultados do ponto de vista da melhoria das condições sociais do paíso..Purante.o seu
segurança para os investidores privados que nelas quisessem ingressar. Tais mudanças
primeiro mandato, denúncias graves atingiram diversos integrantes do.núcleo mais
na ordem econômica sofreram.forte oposição dos partidos ,da esquerda e de alguns
setores da sociedade. próximo de çolaboradores do Presidente, que foram processados e condenados pelo
STF, em um dos julgamentos mais rumorosos da históriá da Corte (Ação Penal nº 470),
: " ' Em 4 de junho de 1997, o Congresso aprovou a polêmica Emenda Constitucional
em decorrência do envolvimento em compra de votos de parlamentares visando a obter
nº 16, que autorizou a reeleição, para um, mandato consecutivo} do Presidente da Repú-
apoio para o governo no 'Congresso, em esquema que ficou conhecido como "mensalão".
blica, dos governadores de Estado e dos prefeitos. Em 4 de outubro de 1998, Fernando
Em outubro de 2006, Lul~ reelegeu-se para o seu segundo mandato, derrotando,
Henrique Cardoso se reelegeu, de novo no primeiro turno, derrotando, mais uma vez,
o candidato Luiz Inácio Lula da Silva.90 no segundo turno, o seu principal adversário do PSDB, Geraldo Alckmin.92O Presidente
encerrou o mandato com elevadíssimos índices de popularidade, que podem ser ex-
Em seu segundo mandato, Fernando Henrique patrocinou outras reformas im-
plicados não só por seu carisma pessoal, mas sobretudo pela expressiva melhoria das
portantes da Constituição, como a reforma administrativa (EC nº 19/98), promovida no
condições de vida da população brasileira, especialmente dos mais pobres. Apesar do
afã de tom.ar a administração públic~brasileira mais eficiente, flexível e "gerencial", e
a reforma da Previdência (EC nº'20/98), voltada para o combate ao déficit do sistema
apoio pópular, Lula não incidiu na tentação de buscar nas umas um terceiro mandato, o
que demandaria uma emenda constitucional autorizadora, de discutível constituciona-
previdenciário brasileiro. Tais reformas foram acompanhadas pela aprovação da Lei de
lidade. Nesse. e em outros pontos, o ex-Presiqente mostrou-se mais alinhado aos valores
Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000),'que impôs limites mais rígidos
democráticos do que outros Presidentes latino-americanos contemporâneos, que não
aos gastos públicos nas três esferas da federação e em todos os poderes. Outra alteração
souberam: resistir à perigosa t~ptação do continuÍsmo. Com isso, Lula uinstitucionalizou
constitucional relevante deste período foi a fixação de limites tétnáticos e a proibição de
seu carisma".93 Se ele, com seus índices de popularidade tão elevados, não alterou as
reedição das medidas' provisórias, estabelecidas pela Emenda Constitucional nº 32/2001.
regras constitucionais Para se perenizar no poder, dificilmente outro governante, pelo
: ~.';Nas eleições' .de outubro :de 2002, Luiz Ináçio Lula.da Silva se elege ;pelo PT,
menos no futuro ,próximo, terá condiçõe~ ,de fazê-lo.
derrotando, no segundo' tumO;l O. candidato do PSOB; José Serra.91,A posse do novo
O ritmo de emendas constitucionais manteve-se intenso durante o governo Lula.
Presidente, "um ex-líder sindical~'egresso daS camadas .mais humildes da população,
Ao longo d,os seus dois méUldato~foram apro~adas 30 alterações à;Constituição. DeI:l-
foi um fato repleto de simbolismo. A ausência de' qualquer de reação dos militares ou
tre elas, cab~ res~altar, pela relevância, a Emenda ConstitucioI).a1 nº 45, que promoveu,
de outros. setores da sociedade diante da eleição de uma liderança profundamente
import~tes alterações no, PQder Judi.ciátiô, com d~staq:ue para a criação do Conselho
identificada com a esquerda e com os movimentos soq.ais revelou o amadurecimento
Nacional deJustiça.e da súmula vincu~ante.
institucional da democracia brasileira.
O Presidente Lula foi sucedido por Dilma Rousse£f, também filiada ao PT, que
Lula, contrariando algumas expectativas~'manteve as linhas gerais da política
for~ a sua Ministr3;-Chefe da Casa Civj.1.A nova. Presidenta~ apesar de gestora pública
econômica do seu 'antecessor, evitando medidas de caráter heterodoxo, o que serviu à
tarimbada, não tinha qua1<luerexperiência pretérita em pleitos elejtorais. Não qb_st'lilte,
preservação da estabilidade econômica do país. Logo no início de seu governo, promo-
derrotou nas umas, em segundo turno, o candiqatoJosé Serra, do .PSPB,1?eneficiando-
veu, por exemplo, significativa alteração no texto constitucional, desconstitucionalizando
se da ampla popularidade do governo Lula, que integrara com destaque.94 Trata-se da
o sistema financeiro nadonal. Em sua redação originária,'o art. 192 da Constituição de
primeira mulher a presidir o Brasil, fato que se reveste de grande simbolismo num país
1988 determinava que lei complementar regularia o sistema financeiro nacional, deven-
marcado por profunda àesigualdade de gênero, em que a cultura política e social ainda
do dispor so?re diversas matérias. No S3º do citado artigo, a Constituição chegava a
mantém fortes ranços sexistas.
determinar que" as taxas de juros reais" não poderiam ser superiores a doze por cento
., .Desde a posse da Presidenta.Dilma até a conclusão desta edição, a'Constituição
ao ano. A Emenda Constitucional nº 40/2003 revogou todos os incisos e parágrafos do
já foi emendada nove vezes; mantendo-se a.elevada média nacional de três emendas
ait. 192. 'Mante:ve apenas ú caput, com modificações. Dada a .abertura semântica do
por ano. A partir de junho de 2013, passaram a ocorrer em todo o pa~$ importantes
preceito, pode-se ~firrna..rJque o .sistem.a financeiro !1acional ficou praticamente 'sem
regulação no texto constitucional. ' mobilizações popular~s de protesto, em que variadas insatisfações da população foram
Poréln; a despeito de ter mantido alguns aspectos centrais da orientação econômi-
ca de seu predecessor,L~la pr~moveu mudanças significativas no que toca às políticas
92 No primeiro turno, Lula obtivera 48,61 % dos votos válidos, contra 4t64% alcançados por Alckmin~ No segundo
turno, ele elegeu-se com 60,83% dos votos válidos,. contra 39,17% do seu oponente.
93 A expressão foi empregada por Bruce Ackerman a propósito de Nelson Mandela, que igualmente deixou
90 Fernando Henrique Cardoso obteve neste pleito 53,06% dos votos válidos, e Lula, que ficou ein segundo lugar, de concorrer à reeleição em um contexto de popularidade máxima, com o que logrou consolidar a transição
teve 31,,71 % destes votos. Cf. PORTO, Walter Costa. O voto no Brasil: da Colônia à 6ª República, p. 372. democrática na África do Sul. Cf. ACKERMAN, Bruce. O novo constitucionalismo mundial. In: CAMARGO,
Margarida Maria Lacombe (Org.). 1988-1998: uma década de Constituição.
91 No primeiro turn:o,.o candidato do PT teve 46,47% dos votos válidos, contra 23,19% obtidos por Serra. Em se- ,
gundo turno, Lula teve 61,28% dos votos válidos" contra 39,725% do seu adversário. 94 No primeiro turno da eleição, Dilma obteve 46,91 % dos votos válidos, contra 32,61 % d~dos a José Serra e 19,33%
a Marina Silva. No segundo turno, Dilma recebeu 56,05% dos votos válidos, contra 43,95% atribuídos a Serra.
CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO, DANIEL SARMEN1U
182 I OlRElTO cONSTrruaONAL - TEORIA. HISlÓRIA E MÉTOIX>S DE TRABALHO I ~ ''':'. ,~;,
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veiccl~das:má qualidade dos serviços públicos, falta de representatividade do sistema CAPÍTULos


po1íti~o,.corrupção, violência policial etc. Reagindo'a estas manifestações, a Presidenta.
cllegou a propor a realização de ~onstituinte exclusiva", para que deliberasse exclusi-
/I

vamente sobre a reforma política. A ideia foi rechaçada por variados setores da socie-
dade, o que não deixa de representar uma afirrnação da legitimidade de que se reveste
a.Constituiçao Federal de 1988. Oterna da reforma política permaneceu, porém, como
uma das grandes questões nacionais. Diante do imobilismo das forças políticas em
atuação no Brasil, no final de 2013, o STF iniciou o julgamento daADI nº 4.650, ajuizada
pela OAB .- e resultante de representação formulada pelos autores desta obra -:- para
impugnar regras relativas ao financiamento das campqnhas eleitorais, que promovem
excessiva infiltração do poder econômico na política.

4.7 Conclusão
Desde que a Constituição de 88 foi editada, o Brasil tem vivido um período de TEORIA DA CONSTITUIÇÃO E FILOSOFIA
normálidade institucional, sem golpes ou quarteladas_ As crises políticas qúe surgiram CONSTITUCIONAL
neste intervalo têm sido resolvidas com. base nos instrumentos previstos pela própria
ConStituição. As institUições constitucionais têm funcionado regularmente - algumas
melhor do que outras, como é natural. As forças'políticas importantes parecem aceitar
as regras do jogo constitucional e:não há atores relevantes que alentem ó projeto de
subverter estas regras em benefício dos seus projetos particulares. Há eleições livres e
regulares no país, um Poder Judiciário que funciona com independência e um razoável
respeito às liberdades públiças. AUmentou, na sociedade, a conSciência sobre os direitos
e' os movimentos reiVindicatórios incorporaram a gramática constitucional 'à sua estra-
5.1 Nota preliminar
tégia de luta. A Constituição passou a ser encarada com uma autêntica Iiorma jurídica, e
não mera enunciação de prinápios retóricos, e tem sido cada vez mais frequentemente Serão examinadas neste capítulo as principais teorias que buscam descrever o
invocada na Justiça, 'inclusive 'contra os atos ou omissões inconstitucionais dos poderes fenômeno constitucional, além de algumas das mais importantes concepções prescrltivas
majoritários. Uma análise histórica desapaixonada concluiria que, se ainda estamos sobre a Constituição. UI!'- dos critérios tradicionais para distinguir os campos da "teoria e
longe de atingir o ideário do' Estado Democrática de Direito, a distância hoje é menor da filosofia constitucional é a pretensão de apenas descrever ou de também prescrever
do que foi em qualquer outro momento da trajetória inStitucional do país. conteúdos constitucionais: a teoria da Constituição seria descritiva, enquanto. a filosofia
Sem dúvida, subsistem no país gravíssimos problemas, que impactaín negati- constitucional teria pretensões prescritivas; buscando justificar racionalmente o modelo
vamente o nosso constitucionalismo. O patrimonialismo e a confusão eI1tre o p'úblico mais adequado de Constituição. No entánto,. é comum que as diversas propostas for-
e.b privado continuam vicejando, a despeito do discurso constitucional republicano. muladas no campo da teoria da Constituiç-ão também possuam' dimensões normativas
O acesso aos direitos está longe de ser universal e as violações perpetradas contra os (prescJ;itivas), e que as filosofias constitucionais não sejam estranhas ao con~tituciona-
.direitos'fundamentais das camadas subalternas da população são muito mais graves lisIDo efetivamente praticado em cada contexto sociopolítico~"Portanto~ não há como
e rotirleiras do que as que atingem os membros das elites. A desigualdade permanece separar, de forma estanque, a teoria da filosofia constitucional. Nada obstante, este
umá chaga aberta e a exclusão qué ela enseja .perpetua a assimetria de poder político, capítulo, por razões didáticas, está dividido em duas seções:.aprimeira trata de t~orias
ecónômÍco e"Sbéial. Há sério déficit de representatividade do Poder Legislativo, que é da Constituição, abordando contribuições que, em sua maior parte, foram elaboradas
visto com desconfiança pela população. E a Constituição é modificada com uma fre- por juristas e já estão incorporadas à dogmática e à literatura constituciona.l brasileiras.
quência maior do que seria desejável. J á a segunda parte analisa a projeção na teoria constitUcional de alguplas concepç~es
Não há como ignorar estes problemas e déficits do constitucionalismo brasileiro. defendidas no âmbito da filosofia política. O terreno aqui é um pouco mais difícil, pois a
Mas a sua constatação não deve ünpedir o reconhecimento do seu significativo avanço explanação da matéria não terá como prescindir da exposição de temas mais filosóficos,
sob a égide da Constituição de 1988. com os quais os operadores do Direito no Brasil geralmente não estão familiarizados.
Como já destacado no Capítulo 2, o tema da Constituição remonta à antiguidade
greco":romana. Sem embargo, o presente capítulo considerará apenas as teorias e filo-
sofias constitucionais formuladas a partir'do advent? do constituci<?nalis~o moderno.

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