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Pronunciamento da Excelentíssima Senhora Ministra Rosa Weber


por ocasião da sessão em comemoração aos 34 anos da Constituição
Federal – 05/10/2022

Nossa Constituição completa, neste 05 de outubro de 2022, trinta e


quatro anos desde a sua promulgação em 1988. Podemos celebrá-la sob
vários prismas, como bem evidenciam as manifestações dos Ministros
dessa Casa, de ontem e de hoje, colhidas para essa comemoração, com
destaque para a relevância do compromisso com as conquistas
democráticas na construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a
maior estabilidade institucional e a participação popular, exaltada sua força
normativa, em especial na efetividade e na exigibilidade dos direitos
fundamentais e sociais, por ela ampliados.
Dentre as inúmeras facetas da nossa recente história constitucional,
merece realce o processo participativo e plural que, dando ensejo à obra
constituinte, e como prenúncio alvissareiro de uma nova era de liberdades
e justiça social, hoje se fortalece no exercício diário da cidadania e da
democracia.
Tudo sem esquecer que esta Suprema Corte reverencia
cotidianamente a Constituição Cidadã no desempenho de sua atividade
precípua de prestar a jurisdição constitucional, incumbida que é de guardá-
la por expresso mandamento nela contido.
Lembre-se também que, em 28 de junho de 1985, o Presidente da
República José Sarney encaminhou Mensagem ao Congresso Nacional para
propor a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, com a
concessão de poderes constituintes aos Deputados e Senadores que viriam
a ser eleitos em 15 de novembro de 1986. Por força da Emenda
2

Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, a autorizar sua


convocação, instalou-se a Assembleia Nacional Constituinte, em meio à
transição democrática, em 1º de fevereiro de 1987, sob a condução do
eminente Ministro Moreira Alves, então Presidente deste Supremo
Tribunal Federal.
Como disse, Paulo Bonavides, o problema constituinte no Brasil não
era tanto “o de fazer uma Constituição (...), mas o de fazer uma Constituição
legítima e popular, condensando as aspirações profundas e renovadoras da
sociedade brasileira”, vale dizer, uma Constituição como “o instrumento
consagrador da transformação, da modernização e da reforma
democrática”, que expressasse o “sentimento de revalorização da
liberdade”, que àquela altura se expandia “no seio da opinião nacional” e
que haveria “de refletir-se, em futuro imediato, sobre as instituições,
fazendo-as mais democráticas, mais republicanas, mais federativas”1.
À época, vigorava o lema: “Constituinte sem povo não cria nada de
novo”, num ambiente que, aos poucos, retomava a possibilidade do debate
franco de ideias.
Entre março de 1986 e julho de 1987, cinco milhões de formulários
foram disponibilizados nas agências dos Correios de todo o país em projeto
da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal chamado “Diga
Gente e Projeto Constituição”. A resposta podia ser encaminhada sem
custos ao Senado Federal, e dessa forma foram recebidas 72.719 sugestões
populares, que se encontram disponíveis no Portal da Câmara dos
Deputados. Tal documentação constitui registro único das aspirações reais
do povo brasileiro em torno do projeto constitucional.

1
“Constituinte e Constituição – a democracia, o federalismo, a crise contemporânea”. São Paulo:
Malheiros, 3ª edição, 2010, p. 17.
3

Ressaltou, o Senador Afonso Arinos, em discurso na histórica sessão


de cinco de outubro de 1988: “a colaboração direta do povo no processo
político”, por meio da ação “de grupos variados até do exterior, como
também pela ação de grupos variados de brasileiros, que atuavam
diretamente: sindicatos, empresários, militares, professores, mulheres,
índios e negros”, destacando que “era estimulante e comovente sentir a
mobilização direta do povo, desejoso de colaborar na obra de seus
representantes”2. Agrego que cerca de dez mil pessoas tiveram acesso às
instalações do Congresso Nacional, diariamente, no curso dos trabalhos da
Assembleia Constituinte.
A influência direta, também por meio de outros meios mecanismos,
como as emendas populares e as audiências públicas, somada à
participação dos grupos sociais organizados e à atividade intrínseca dos
parlamentares constituintes, resultou no que Oscar Vilhena considera o
“mais amplo e democrático pacto firmado entre os múltiplos setores da
sociedade brasileira ao longo de sua história”3.
Na mesma linha, o Regimento Interno, ao criar oito Comissões
Temáticas e uma de Sistematização como método de trabalho, igualmente
permitiu “que o processo constituinte se tornasse mais permeável à
participação da sociedade civil”4. Importante o registro do relevante papel
exercido na Assembleia Nacional Constituinte pelo então Deputado Federal
Nelson Jobim, eminente Ministro de sempre deste Supremo Tribunal
Federal em anos que se seguiram e ex-presidente desta Casa.

2
Disponível em https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25-anos-da-constituicao-de-1988/constituinte-1987-
1988/pdf/Affonso%20Arinos%20-%20DISCURSO%20REVISADO.pdf, acesso em 29.09.2022.
3
“A batalha dos Poderes: da transição democrática ao mal-estar constitucional”. São Paulo: Companhia
das Letras, 2018, p. 23.
4
Ob. cit., p. 146.
4

Inesquecível, ainda, o discurso de Ulisses Guimarães, em 02 de


fevereiro de 1987, como Presidente da Assembleia Nacional Constituinte.
Disse ele: “Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer
mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar” 5.
Cinco anos depois, o fruto desse processo, que hoje comemoramos,
também pode ser sintetizado em suas autorizadas palavras: “A lei maior
brasileira registrou a mudança da sociedade brasileira. Seu escopo primeiro
e mais importante: o homem. Chamei-a a Constituição Cidadã, porque no
cidadão instituiu seu fim e sua esperança” 6. E, ainda, no mesmo discurso –
e nós com ele reiterando - “a persistência da Constituição é a sobrevivência
da democracia.”
Dito isso, convido nosso eminente Decano, Ministro Gilmar Mendes,
a falar em nome da Corte.

5
Disponível em https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25-anos-da-constituicao-de-1988/constituinte-1987-
1988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20-%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf, acesso em 29.09.2022.
6
Apresentação à obra “O processo histórico da elaboração do texto constitucional”. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 1993.

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