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ConJur - Mário Araújo: 1ª linha de defesa do direito da infraestrutura 19/03/2023 15:46

A primeira linha de defesa do direito


da infraestrutura
Mário Augusto Silva Araújo 10 de março de 2023, 18h18

O direito à infraestrutura não se confunde com o direito da infraestrutura.

Ao passo em que o primeiro possui um


recorte com o Direito Constitucional,
especificamente com a matriz de atuação
da administração pública correlata aos
direitos sociais, o segundo é intrínseco ao
regime de regulação do Direito
Administrativo.

Embora essa distinção não aparente fazer


sentido, em relação à pesquisa, é um questionamento pertinente para delimitar o
recorte epistemológico sobre o assunto.

A doutrina se divide em relação ao enquadramento conceitual da infraestrutura no


sentido de que é atividade fim [1] ou atividade meio [2].

Sobre o tema, é preciso um juízo de ponderação pautado na interpretação


teleológica da matéria: como o objeto da infraestrutura é a pavimentação para o
oferecimento de direitos (atividade fim da administração pública), como é o caso
da saúde e da educação com a construção de hospitais e escolas, por exemplo, e a
possibilidade do direito de ir e vir com a construção de estradas, logo, a
infraestrutura é atividade meio, porquanto possui um caráter instrumental.

Em outras palavras: só há infraestrutura por causa da necessidade da oferta de


direitos pelo Estado.

Assim, o direito à infraestrutura, que é a obrigação institucional do Estado em


oferecer serviços públicos, leva ao direito da infraestrutura, que é a regulação a
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respeito dos arranjos institucionais que precisam ser feitos pautada no princípio da
juridicidade administrativa.

A infraestrutura possui relação siamesa com serviços públicos, em que a ausência


daquele tipo de logística ajuda a construir um conceito de precariedade e
ineficiência da prestação de serviços e inclusive pode servir de argumento para a
teoria da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Em outras palavras: fazer com que essa engrenagem, que é a infraestrutura,


funcione, possui como ferramenta de trabalho o marco regulatório correlato às
contratações públicas, tão importante no que diz respeito ao processo de tomada
de decisão do gestor público: a lei de licitações.

Em relação à concretização disso tudo, é imprescindível o estabelecimento de


cadeia de atos a respeito do planejamento, caso do documento de formalização de
demanda, correlato ao plano anual de contratações e o estudo técnico preliminar:
documento constitutivo da primeira etapa de uma contratação à luz do eminente
novo regulamento de licitação.

A nova lei de licitações traz ao ordenamento jurídico a figura do agente de


contratação: personificação de um centro de competências responsável por
conduzir o certame desde a fase de planejamento até os momentos anteriores à
homologação, consoante prescrição do seu artigo 8º, Caput.

A depender do tipo de contratação, é possível que o agente de contratação ceda


espaço à uma decisão colegiada, representada pela comissão de contratação, cuja
atuação é restrita ao seguinte cenário: licitação que envolve bens e serviços
especiais (artigo 8º, §2º).

Como a infraestrutura se caracteriza por uma solução estratégica que envolve


engrenagens de engenharia, por exemplo, se percebe que o seu objeto possui
características de tecnicidade e a prestação de serviços técnicos especializados e se
afasta, portanto, de um regime comum de contratação.

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Inclusive a própria Lei 14.133/2021 reconhece isso e dispõe a respeito da


diferença entre serviço comum de engenharia e serviço especial de engenharia.

Ao passo em que o primeiro se caracteriza por objeto e ações "objetivamente


padronizáveis em termos de desempenho e qualidade", o segundo envolve "alta
heterogeneidade ou complexidade", nos termos do artigo 6º, inciso XXI, alíneas
"a" e "b", daquele regramento.

Em decorrência da sua amplitude, o legislador prestigiou preocupação


individualizada às licitações de obras e serviços de engenharia e dedicou o art. 45
da nova lei de licitações a uma matriz de planejamento institucional que
contempla assuntos singulares, a teor da gestão de resíduos sólidos e procedimento
de licenciamento ambiental, por exemplo.

Como se vê, o legislador foi sensível ao tema e registra, embora que


implicitamente, que as competências dos agentes públicos envolvidos desde a fase
interna até o monitoramento da execução contratual, devem contar com apoio
especializado com conhecimento técnico capaz de proporcionar celeridade e
segurança jurídica ao certame licitatório.

Isso é realçado com as contratações cujo objeto possua conhecimento técnico


especializado, caso da infraestrutura.

Inclusive a eminente normatização mantém a ideia da atual, regida pela


8.666/1993, no sentido de que é possível a contratação de terceiros para
auxiliarem os fiscais de contrato "para assisti-los e subsidiá-los com informações
pertinentes a essa atribuição", nos termos do seu artigo 117, caput.

Observa-se, pois, o reconhecimento normativo de que é preciso estruturar


tecnicamente um certame licitatório complexo, como é o correlato aos serviços e
obras de engenharia intrínsecos à infraestrutura, para assegurar tranquilidade ao
ordenador de despesas na condução do seu processo de tomada de decisão.

Essa preocupação com planejamento possui aderência com a matriz normativa a

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respeito do controle e sobre o controle das contratações públicas, a nova lei de


licitações positiva uma peculiaridade: um sistema gradativo que deve ser
estruturado pela administração pública.

Previsto em seu artigo 169, aquela matriz de ponderação em relação à existência


do gasto público possui três camadas, intituladas pelo legislador de linhas de
defesa: primeira, segunda e terceira.

Prescreve o artigo 169 da lei que "as contratações públicas deverão submeter-se a
práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo,
inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além de
estar subordinadas ao controle social" e para isso, colocando em prática a
segregação de funções que traz em seu corpo de texto, diz que a primeira linha de
defesa é integrada por servidores e empregados públicos, agentes de licitação e
autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade.

Em outras palavras: a primeira linha de defesa é composta pelos agentes públicos


que atuam no cotidiano da contratação pública, que engloba do planejamento
intrínseco à fase interna à própria higidez da execução contratual, como é a rotina
da liquidação de despesa.

Possui como moldura de protagonismo o "chão da fábrica" das contratações


públicas.

Por sua vez, a segunda linha de defesa é composta, no âmbito do órgão ou


entidade, por setores mais estratégicos e com atuação transversal entre o ambiente
interna corporis da gestão pública. São as unidades de assessoramento jurídico e
de controle interno do próprio órgão entidade.

Como ao órgão de consultoria jurídica é atribuída competência específica para


exarar pareceres jurídicos no âmbito do final da fase preparatória para fins de
realização de controle prévio das contratações (artigo 53), nada mais lógico de que
estejam na esfera de competência da segunda camada da linha de defesa.

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De igual forma os setores de controle interno dos órgãos ou entidades. Ora, se aos
mesmos, em conjunto com o assessoramento jurídico, incumbe promover política
de governança em relação aos modelos de minutas de editais, termos de referência,
contratos padronizados e outros documentos correlatos às contratações públicas,
logo, devem fazer parte da segunda linha do controle: a supervisional.

Ademais, em relação à terceira linha de defesa, a correcional, determina o artigo


169, inciso III da nova lei de licitações, que deve ser integrada pelo órgão central
de controle interno e pelo tribunal de contas.

A título de esclarecimento, a diferença entre órgão de controle interno e órgão


central de controle interno diz respeito à esfera de atuação. Enquanto o órgão de
controle interno é a unidade setorial de determinado Ministério ou Secretaria, o
órgão central é a instância máxima de controle interno da gestão pública, o que a
título de Poder Executivo federal, é a Controladoria Geral da União (CGU).

Essas três linhas de atuação devem ser entendidas como campos de defesa em
busca da probidade do gasto nas contratações públicas e embora cada fase possua
atuação distinta, todas se complementam em relação à persecução da qualidade do
gasto público.

Embora o sistema de controle externo capitaneado pelo modelo Tribunal de


Contas exerça influência concomitante em relação à supervisão do gasto público,
nesse novo modelo que ora se descortina, nem sempre deve ser acionado
diretamente.

É que a intenção do legislador é colocar em funcionamento uma máquina de


engrenagem que se complementa quando atua conjuntamente e nesse sentido é
importante alertar que as três linhas de defesa possuem ação supletiva e sucessiva
uma em relação à outra.

Inclusive recentemente o Tribunal de Contas da União, nos termos do Acórdão


572/2022-Plenário, estabeleceu que "considerando o princípio da eficiência
insculpido no art. 37 da Constituição Federal e as disposições previstas no art.

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169 da Lei 14.133/2021, deve o interessado acionar inicialmente a primeira e a


segunda linhas de defesa, no âmbito do próprio órgão/entidade, antes do ingresso
à terceira linha de defesa, constituída pelo órgão central de controle interno e
tribunais de contas, evitando, por exemplo, a apresentação de pedidos de
esclarecimentos ou impugnação a edital lançado, ou mesmo de recurso
administrativo concomitantemente com o ingresso de representações/denúncias
junto a esta Corte de Contas, sob pena de poder acarretar esforços de apuração
desnecessariamente, em desfavor do erário e do interesse público".

Ao que se apresenta, aquela decisão do TCU é no sentido de criar um


entendimento a respeito da obrigatoriedade em se acionar as linhas de defesa
internas antes da terceira, que é a jurisdição do órgão central de controle interno da
administração pública e o próprio tribunal de contas.

Isso quer dizer, em outras palavras, que há uma iniciativa do TCU em relação à
criação de um raciocínio que objetiva evitar a supressão de instâncias quando da
impugnação a procedimentos correlatos aos certames licitatórios.

Ao se pronunciar daquela maneira, o TCU reconhece a importância da primeira e


segunda linha de defesa e as destaca como protagonistas, tanto na fase interna de
um certame licitatório, como em quaisquer incidentes de controle, como é o caso
de impugnação de edital e até mesmo recurso administrativo em face de eventuais
irregularidades.

Em relação à contratação de serviços e obras de engenharia, aquela decisão é


relevante por causa da especificidade da matéria, que requer pronunciamento
técnico e descritivo, o que demanda uma análise pontual tanto do agente de
contratação e sua equipe de apoio, como, se for o caso, da comissão de
contratação.

Ao passo em que a equipe de apoio diz respeito a um auxílio eminentemente


burocrático para o agente de contratação, a comissão de contratação é um
colegiado que vai além e inclusive pode substituir, a depender do caso, a própria
figura do agente de contratação.

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É o que se depreende do artigo 8º, §2º da nova Lei de Licitações, para quem "o
agente de contratação poderá ser substituído por comissão de contratação
formada por, no mínimo, 3 (três) membros, que responderão solidariamente por
todos os atos praticados pela comissão, ressalvado o membro que expressar
posição individual divergente fundamentada e registrada em ata lavrada na
reunião em que houver sido tomada a decisão".

A substituição do agente de contratação por uma comissão de contratação significa


uma inovação nas contratações públicas que prestigia um posicionamento técnico
da administração na primeira linha de defesa no sentido de estabelecer uma
política de governança alinhada aos princípios da eficiência administrativa e da
segurança jurídica.

As linhas de defesa, vale registrar, são a proposição de uma estrutura de


governança que amplia a importância de se pensar um conceito de probidade e
moralidade nas contratações públicas, cuja desobediência pode inclusive ensejar
inelegibilidade, conforme prevê o artigo 14, §9º da Constituição Federal.

Outra atribuição trazida pela nova lei de licitações é o mapeamento a respeito da


matriz de riscos, ferramenta de aperfeiçoamento de gestão prevista no artigo 6º,
inciso XXVII.

A matriz de riscos é uma "cláusula contratual definidora de riscos e de


responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-
financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos
supervenientes à contratação".

É uma política estratégica correlata à governança da execução contratual que se


propõe a prever uma topografia correlata à álea do contrato e evitar gastos
desnecessários que onerem o equilíbrio econômico financeiro da relação entre a
administração pública e o particular.

Evita, portanto, a fabricação de um desequilíbrio econômico que eventualmente


onere os cofres públicos e nesse sentido a atuação da primeira linha de defesa é

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fundamental para o estabelecimento daquele parâmetro.

Dessa maneira, nas contratações correlatas à infraestrutura, é perceptível a


necessidade que a administração pública possui em estruturar preparação de
pessoal devido à amplitude dos valores envolvidos e da especificidade do objeto
da contratação, que requerem conhecimentos técnicos especializados.

É como se fosse a positivação do princípio da precaução no direito administrativo,


descrito por Juarez Freitas como "o dever de a Administração Pública
motivadamente evitar, nos limites de suas atribuições e possibilidades
orçamentárias, a produção de evento que supõe danoso, em face da fundada
convicção (juízo de verossimilhança e de forte probabilidade) quanto ao risco de,
se não interrompido tempestivamente o nexo de causalidade, ocorrer prejuízo
injusto, indisputavelmente superior aos custos da eventual atividade interventiva"
[3].

Assim, em decorrência da complexidade das contratações correlatas à


infraestrutura, é possível afirmar que há um poder dever da administração em
reforçar a primeira linha de defesa desde a fase interna, como a comissão de
contratação, até a execução contratual, o que inclui a contratação de profissionais
especializados para auxiliarem os fiscais de contrato.

Dessa forma, na nova lei de licitações, probidade é planejamento que começa na


primeira linha de defesa e a negligência em relação a isso pode levar a eventual
responsabilização do gestor pela desobediência do princípio da eficiência
administrativa.

Referências bibliográficas

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 572/2022-Plenário. Relatoria do


Ministro Vital do Rego.

CARVALHO, André Castro. Direito da Infraestrutura: Perspectiva pública. Editora


Quartier Latin. São Paulo/SP: 2014

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DAL POZZO, Augusto Neves. O Direito Administrativo da Infraestrutura. Editora


Contracorrente. São Paulo/SP: 2020

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios


fundamentais. 5ª edição. Malheiros Editores. São Paulo/SP: 2013

[1] DAL POZZO, Augusto Neves. O Direito Administrativo da Infraestrutura.


Editora Contracorrente. São Paulo/SP: 2020.

[2] CARVALHO, André Castro. Direito da Infraestrutura: Perspectiva pública.


Editora Quartier Latin. São Paulo/SP: 2014.

[3] FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios


fundamentais. 5ª edição. Malheiros Editores. São Paulo/SP: 2013, p. 124.

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