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Lei nº 14.

133/2021 – Contratações Diretas – Disposições Gerais

A Constituição Federal, em seu art. 37, inciso XXI, estabelece, quanto às contratações
públicas:

“Art. 37 (…)

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,


compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública
que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da
proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de
qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações; (…).” (grifos nossos)

Consoante o dispositivo em destaque e conforme a doutrina jurídica, a Administração


Pública, por regra, deverá celebrar suas contratações por meio de licitações públicas.

Entretanto, o próprio art. 37 ressalva “os casos especificados na legislação”, afastando a


regra e criando a possibilidade do legislador infraconstitucional criar hipóteses nas quais
não será aplicado o processo licitatório: a inexigibilidade – que estará sempre
relacionada à inviabilidade de competição – e a dispensa licitatória – para ocasiões nas
quais a competição é possível, mas não seria útil para a satisfação do interesse público
buscado.

Antes de analisar individualmente as hipóteses de contratação direta – aquelas que não


exigem a realização de um processo licitatório –, importa enfrentar as disposições gerais,
que se aplicam tanto para as inexigibilidades, quanto para as dispensas, e se encontram
previstas nos art. 72 e 73.

Reproduz-se abaixo o art. 72:

“Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de


inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os
seguintes documentos:

I – documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico


preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto
executivo;
II – estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art.
23 desta Lei;
III – parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o
atendimento dos requisitos exigidos;
IV – demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com
o compromisso a ser assumido;
V – comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e
qualificação mínima necessária;
VI – razão da escolha do contratado;
VII – justificativa de preço;
VIII – autorização da autoridade competente.

Parágrafo único. O ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente


do contrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio
eletrônico oficial.” (grifos nossos)

A primeira observação quanto à celebração de contratações diretas pelo Poder Público


vem de Joel de Menezes Niebuhr 1. O doutrinador lembra aos intérpretes do Direito que,
apesar da inexistência de um processo licitatório – ou seja, apesar da contratação ser
realizada sem a condução de um certame –, a Administração Pública não é livre para
firmar contratações diretas de modo arbitrário, apartado da razoabilidade, por meio de
atos subjetivos e alheios ao interesse público, sendo necessário pautar-se por um
processo administrativo formal, norteado pelos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Nesta esteira, a Lei nº 14.133/2021 dispõe, em seu art. 72, os documentos


imprescindíveis à realização das contratações diretas, que deverão constar,
necessariamente, nos autos do processo administrativo. Não significa dizer, no entanto,
que a Administração Pública não poderá acrescentar – mediante instrumento que
disponha a respeito das contratações diretas no seu âmbito de competência – outros
documentos.

Ocorre que, mesmo especificando a documentação essencial ao processo administrativo


de contratação direta, a Lei nº 14.133/2021 acabou por omitir-se quanto ao agente
responsável pela condução das inexigibilidades e das dispensas licitatórias. Enquanto o
art. 6º, incisos L e LX, e o art. 8º, caput e §2º, atribuem ao agente de contratação e à
comissão de contratação as funções relacionadas ao processo licitatório, não há tal
indicação quanto às contratações diretas.

1 NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 5ª ed. Belo Horizonte: Fórum,
2022. p. 131.
Apesar da omissão, é possível fazer uma interpretação sistemática da Lei nº 14.133/2021,
de sorte a considerar seu funcionamento e aplicação como um conjunto de normas
correlacionado, não havendo impedimento de atribuir, tanto ao agente de contratação
(direta), quanto à comissão de contratação, funções relacionadas à condução do
processo de contratação direta, desde que compatíveis com as competências legais
dos cargos, empregos ou funções que estas figuras ocupem.

Destaca-se, neste sentido, a necessidade da elaboração, por parte dos órgãos ou


entidades administrativas, de regulamentos para fixar as regras relativas à atuação do
agente e da comissão de contratação – bem como da equipe de apoio, dos fiscais e
gestores de contratos –, como exige o art. 8º, §3º, do novo diploma licitatório.

O primeiro documento considerado como fundamental no processo de contratação direta


é o Documento de Formalização de Demanda (DFD), instrumento inicial que identifica a
necessidade específica da unidade requerente, indicando não só o objeto da demanda da
Administração Pública, como também a justificativa para a contratação, as quantidades de
serviços ou produtos a serem contratados, a previsão da data em que deve ser iniciado o
fornecimento do produto, a indicação dos responsáveis pela elaboração dos estudos
preliminares e a quem será confiada a fiscalização dos serviços.

A Lei nº 14.133/2021 não estabelece expressamente quais elementos deverão constar do


Documento de Formalização de Demanda, de sorte que os itens mencionados acima
baseiam-se na prática administrativa, uma vez que o documento não é novidade na
realidade das contratações públicas (sendo comumente chamado de Solicitação de
Despesa). Assim, ao DFD importa destacar todos os elementos que fundamentem
juridicamente e definam objetivamente a demanda administrativa.

Junto ao DFD, o art. 72, inciso I, menciona ainda a elaboração de estudos técnicos
preliminares, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto
executivo, se for o caso. A intenção do legislador é clara: instruir o processo
administrativo de contratação direta com o máximo de precisão na definição do objeto, e
fim de justificar a futura contratação fora do procedimento licitatório.
Apesar de a legislação não identificar os casos nos quais cada documento será
necessário, em regra, projetos básicos e executivo são utilizados em obras e serviços de
engenharia, enquanto o termo de referência é empregado para os demais objetos. Já o
estudo técnico preliminar e a análise de riscos podem ser produzidos para qualquer
objeto, quando proporcionais à complexidade da contratação a ser realizada.

Dois outros documentos fundamentais são a estimativa de despesa (inciso II) e a


demonstração da disposição de recursos orçamentários para arcar com tal
dispêndio (inciso IV). Assim, a fim de estimar o valor da contratação direta a ser
celebrada, a Administração Pública deverá observar as disposições do art. 23,
reproduzido abaixo:

“Art. 23. O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível


com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes
de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a
potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.

§1º No processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em


geral, conforme regulamento, o valor estimado será definido com base no
melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâmetros,
adotados de forma combinada ou não:

I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item


correspondente no painel para consulta de preços ou no banco de preços em
saúde disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP);

II – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou


concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços,
inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de
atualização de preços correspondente;

III – utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de


tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de
sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a
data e hora de acesso;

IV – pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante


solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha
desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6
(seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital;

V – pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de


regulamento.

§2º No processo licitatório para contratação de obras e serviços de engenharia,


conforme regulamento, o valor estimado, acrescido do percentual de Benefícios e
Despesas Indiretas (BDI) de referência e dos Encargos Sociais (ES) cabíveis, será
definido por meio da utilização de parâmetros na seguinte ordem:
I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item
correspondente do Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), para
serviços e obras de infraestrutura de transportes, ou do Sistema Nacional de
Pesquisa de Custos e Índices de Construção Civil (Sinapi), para as demais
obras e serviços de engenharia;

II – utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de


tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de
sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a
data e a hora de acesso;

III – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução


ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços,
observado o índice de atualização de preços correspondente;

IV – pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de


regulamento.

§3º Nas contratações realizadas por Municípios, Estados e Distrito Federal, desde
que não envolvam recursos da União, o valor previamente estimado da
contratação, a que se refere o caput deste artigo, poderá ser definido por meio da
utilização de outros sistemas de custos adotados pelo respectivo ente federativo.

§4º Nas contratações diretas por inexigibilidade ou por dispensa, quando


não for possível estimar o valor do objeto na forma estabelecida nos §§ 1º, 2º
e 3º deste artigo, o contratado deverá comprovar previamente que os preços
estão em conformidade com os praticados em contratações semelhantes de
objetos de mesma natureza, por meio da apresentação de notas fiscais emitidas
para outros contratantes no período de até 1 (um) ano anterior à data da
contratação pela Administração, ou por outro meio idôneo.

§5º No processo licitatório para contratação de obras e serviços de engenharia


sob os regimes de contratação integrada ou semi-integrada, o valor estimado da
contratação será calculado nos termos do §2º deste artigo, acrescido ou não de
parcela referente à remuneração do risco, e, sempre que necessário e o
anteprojeto o permitir, a estimativa de preço será baseada em orçamento sintético,
balizado em sistema de custo definido no inciso I do § 2º deste artigo, devendo a
utilização de metodologia expedita ou paramétrica e de avaliação aproximada
baseada em outras contratações similares ser reservada às frações do
empreendimento não suficientemente detalhadas no anteprojeto.

§6º Na hipótese do §5º deste artigo, será exigido dos licitantes ou contratados, no
orçamento que compuser suas respectivas propostas, no mínimo, o mesmo nível
de detalhamento do orçamento sintético referido no mencionado parágrafo.” (grifos
nossos)

Assim, o art. 72, inciso II, determina à Administração Pública a realização de pesquisas
de preços também no processo administrativo de contratação direta, seguindo os
mesmos parâmetros gerais utilizados para a realização de pesquisa de preços feita no
bojo das licitações. Ressalta-se que o preço na contratação direta não é requisito objetivo
de escolha nas contratações diretas, especialmente, através da modalidade de
inexigibilidade licitatória.
A título de exemplo de normativo sobre a matéria, destaca-se o art. 3º, da Instrução
Normativa nº 65/2021, da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo
Digital do Ministério da Economia (SEGES), que, apesar de ser aplicável apenas no
âmbito da Administração Pública Federal, pode funcionar como guia às demais esferas
federativas, no que se refere à estruturação da pesquisa de preços:

“Art. 3º A pesquisa de preços será materializada em documento que conterá,


no mínimo:

I – descrição do objeto a ser contratado;


II – identificação do(s) agente(s) responsável(is) pela pesquisa ou, se for o
caso, da equipe de planejamento;
III – caracterização das fontes consultadas;
IV – série de preços coletados;
V – método estatístico aplicado para a definição do valor estimado;
VI – justificativas para a metodologia utilizada, em especial para a
desconsideração de valores inconsistentes, inexequíveis ou excessivamente
elevados, se aplicável;
VII – memória de cálculo do valor estimado e documentos que lhe dão suporte;
VIII – justificativa da escolha dos fornecedores, no caso da pesquisa direta
de que dispõe o inciso IV do art. 5º.”

Depois de definir o objeto a ser contratado, identificar o preço de referência e realizar as


previsões orçamentárias, a Administração escolherá quem será contratado, justificando a
sua opção, o que, segundo Niebuhr 2, passa também pela apuração da proposta mais
vantajosa e pela investigação das qualificações do futuro contratado.

O autor ressalta ainda que o órgão ou entidade contratante poderá, por vezes, beneficiar-
se da realização de uma cotação de preços entre os possíveis interessados, para então
apurar a proposta mais vantajosa. Entretanto, Niebuhr deixa claro que as contratações
diretas não dependem, necessariamente, de cotações diretas de preços. Uma vez
demonstrado pela Administração que o preço praticado pelo futuro contratado é
compatível com o mercado (inciso VII) e motivada a escolha deste particular em
específico (inciso VI) – com a devida comprovação de que tal contratado possui os
requisitos mínimos de habilitação e qualificação necessários (inciso V), descritos no
art. 62 a 70 –, a contratação direta será regular.

A respeito da realização de cotação de preços entre interessados, cabe reproduzir um


exemplo elaborado pelo mencionado doutrinador: “Ainda que o serviço seja prestado por

2 NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 5ª ed. Belo Horizonte: Fórum,
2022. p.143.
notório especialista (…), seria possível obter propostas de outros notórios especialistas e
tomá-las como referência para a justificativa do preço contratado, sem que isso desfaça a
situação de inviabilidade de competição.”3

Escolhido o contratado, restará ao assessoramento jurídico do órgão ou entidade


contratante a emissão de parecer jurídico, para realização do “controle prévio de
legalidade de contratações diretas”, conforme estabelece o art. 53, §4º e o art. 72, inciso
III. Por fim, a autoridade competente avaliará a legalidade, conveniência e
oportunidade da contratação direta, autorizando sua celebração caso avalie
positivamente tais elementos (inciso VIII).

O ato que autoriza a realização da contratação direta ou o extrato decorrente do contrato


administrativo firmado – no qual normalmente constam as informações do contratante e
do contratado, o objeto contratual, o valor celebrado, o tempo de vigência e a dotação
orçamentária utilizada – deverá ser divulgado e mantido à disposição do público, em sítio
eletrônico oficial, conforme determina o parágrafo único, do art. 72.

Como última observação, a Lei nº 14.133/2021 define que os processos licitatórios serão
conduzidos por agente de contratação ou por comissão de contratação (quando o
objeto envolver bens ou serviços especiais). Entretanto, não há uma previsão específica a
respeito dos agentes responsáveis pela condução dos processos de contratação direta.

Ainda assim, como o agente de contratação e os membros da comissão de contratação


são apenas funções, designadas pela autoridade competente entre servidores públicos,
não há impedimento de se atribuir tais funções também dentro do procedimento
das contratações diretas, desde que observadas as competências legais dos cargos,
empregos e funções ocupados pelos servidores designados, o que envolve a aplicação do
princípio da segregação de funções e da gestão por competências.

Ressalta-se que tais considerações não buscam esgotar a temática e possuem caráter
orientativo, elaboradas de acordo com as disposições da legislação vigente e estudos até
então realizados acerca da matéria.

Equipe DAM

3 NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 5ª ed. Belo Horizonte: Fórum,
2022. p.146.

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